MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ...
-
Upload
khangminh22 -
Category
Documents
-
view
3 -
download
0
Transcript of MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ...
MINISTÉRIO DA SAÚDE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA
Departamento de Ensino
Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher
CARMELINO SOUZA VIEIRA
ALUNOS CEGOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT (IBC) NO PERÍODO 1985 A 1990 E SUA INSERÇÃO COMUNITÁRIA.
RIO DE JANEIRO, RJ. 2006
ALUNOS CEGOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT (IBC)
NO PERÍODO 1985 A 1990 E SUA INSERÇÃO COMUNITÁRIA
CARMELINO SOUZA VIEIRA
Tese de Doutorado apresentada ao Departamento
de Ensino do Instituto Fernandes Figueira,
Fundação Oswaldo Cruz, para obtenção do título
de Doutor em Ciências da Saúde.
Orientadores:
Prof. Dr. Juan Clinton Llerena Junior
Profª Drª. Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso
Rio de Janeiro, RJ
2006
FICHA CATALOGRÁFICA NA FONTE CENTRO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA BIBLIOTECA DO INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA
V657 Vieira, Carmelino Souza Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) no Período 1985 a 1990 e sua inserção comunitária./ Carmelino Souza Vieira. – 2006. Xvii; 346 f. ; il.; tab. Tese (Doutorado em Saúde da Criança e da Mulher) – Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, 2006. Orientador: Juan Clinton Llerena Junior Co-orientadora: Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso Bibliografia: f. 288 – 304
1.Cegueira. 2. Educação Especial. 3. Genética. 4. Preconceito. 5. Baixa Visão. 6. Aconselhamento Genético. 7. Qualidade de vida. 8. Tecnologia. 9. Legislação. I. Título. CDD – 20ª. Ed. 362.41
Agradecimento Magno: Ao Supremo Árbitro dos Mundos, O MEU DEUS, por me ter permitido concluir esta tese.
Agradecimento de Honra:
Aos meus pais Adelina de Souza Vieira e Esmeraldo Nunes Vieira, concretude de ato
educativo permanente, cuja trajetória de vida marcou a ética de meus passos.
Estrelas no firmamento desde 1999 foram a base sob a qual até hoje me faço Ser.
Mostraram-me que a Educação não tem tempo nem espaço, que se faz no fluir da vida.
Saudade... Mostraram-me que o tempo não apaga as marcas efetivas.
A vocês, meus pais, que se foram sem ir em 1999, dedico meu trabalho em 2006.
Agradecimento de Amor:
A minha esposa Cristina pela compreensão, tolerância e incentivo.
Aos meus filhos Marcus Vinicius e Paulo Roberto, partes de mim, que souberam esperar,
entendendo a minha ausência.
Dedicatórias Especiais:
Aos alunos egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) e, especialmente aqueles que
participaram do I Fórum de Egressos do IBC (1992), das temáticas e das entrevistas. Vocês
que foram a alma de meu trabalho, meu agradecimento maior, pois, fui transpassado pelas
suas histórias.
A todos os professores e demais educadores do IBC que contribuíram para a formação
desses ex-alunos, acreditem que seus esforços não foram em vão.
Aos Ledores cuja dedicação foi e continua sendo fundamental na educação do cidadão
cego, por terem mantido acesa a chama que levou aos egressos a luz do saber.
À Direção-Geral do IBC, Érica Deslandes Magno de Oliveira; à Diretora do DED,
Helena de Souza e à Diretora do DMR, Márcia Nabais, todas, pelo apoio incontestável à
minha pesquisa.
Ao Secretário-Geral do IBC, Wilson Cerqueira, que me mostrou o caminho das pedras. Nomes Inesquecíveis no decorrer da pesquisa:
Colegas e Amigos da Coordenação de Educação Física do IBC: Antonio Fernandes, Lúcia Maria, Antonio Menescal, Paulo Sérgio, Ramon, Soraia e Nelza (In Memoriam) que me fez entender o significado da expressão “lembranças para sempre”.
Meus colegas professores e técnicos administrativos, juntos, lutamos pelo bem-estar dos
nossos alunos.
Aos Amigos, pelas leituras que fizeram do meu trabalho, pelas questões que apontaram e por me acompanharem desde a elaboração do projeto de pesquisa para ingresso no Doutorado até a preparação para a defesa desta tese. Agradecimento Especial: Juan Clinton Llerena Jr (Meu Orientador) – Pela orientação segura e amizade, pelas discussões, sugestões e indicações de caminhos..., e Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso (Minha Segunda Orientadora) – Pelas leituras tantas vezes realizadas, pela paciência e pela revisão criteriosa da minha tese, pelo carinho a mim dedicado. Ambos, mais que orientadores, “cúmplices”. Francisco Arinelli Heredia, meu sogro, pela preocupação constante em manter um ambiente propício aos meus estudos. José Amado, Dejanira, Neide e João, meus irmãos, por acreditarem em mim.
RESUMO
O estudo foi realizado entre os anos 2002 a 2004 e teve como escopo investigar
a integração sócio comunitária de um grupo de alunos egressos do IBC, ouvindo o que
eles tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual.
O cenário escolhido foi o IBC, mais concretamente a educação especial recebida
naquele instituto, pois foi lá que esses egressos frequentaram aquele educandário, desde
a idade mais tenra - a pré-escola - até a oitava série do ensino fundamental.
Para isso lhes demos vozes, para que, por meio de suas falas pudessem explicitar
os sentimentos e os significados de suas trajetórias de vida, de forma que pudéssemos
compreender as atitudes e desvelar as contradições existentes a respeito da educação
fornecida na escola especializada e na escola comum. Para isso, ouvimos o que eles
tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual, bem como
que papel a educação especial recebida no Instituto exerceu em suas vidas durante as
fases intra e extra Instituto.
Além disso, tivemos também como objetivos: verificar como esses egressos
situam a Instituição na trajetória de suas vidas; determinar como se entendem a inserção
deles nas suas respectivas comunidades e no mundo do trabalho; identificar quais as
dificuldades de construção de identidade sócio-cultural que encontraram dentro do
modelo educacional proposto pelo Instituto, nas suas diversas fases; buscar quais as
dificuldades apontadas para um modelo educacional diferente daquele adotado pelo
IBC; delimitar quais os entraves verbalizados no que diz respeito à formação acadêmica
e analisar os principais fatores que são tematizados como importantes à conquista da
verdadeira cidadania.
Para escrevermos sobre a vida desses egressos optamos por buscar em suas
vozes, narrativas que retratassem suas trajetórias de vida. Para isso, foi realizado em
dezembro de 2002 um encontro desses ex-alunos no Instituto Benjamin Constant, que
constou de uma conferência, oito palestras e dois grupos de estudos versando sobre
educação e trabalho.
O encontro nos possibilitou elaborar uma série de notas de campo, ou seja, uma
base documental produzida ao longo do evento. Esse material serviu de suporte para a
confecção de seis perguntas que foram enviadas aos egressos e respondidas livremente e
versaram sobre os seguintes temas: O sentir-se cego numa sociedade exclusiva; viver
com o estigma da cegueira; adolescência e cegueira; ser jovem e cego, o ensino
médio e a universidade; o jovem cego seu primeiro emprego e ser um cidadão cego.
A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa e, o método utilizado para
construção de fontes orais, foi elaborado e testado por Cardoso (1989). Esse método
trabalha com três tipos de memórias: a coletiva, individual e a histórica e, trabalhando
de forma entrelaçada com essas memórias, se viabiliza a partir de quatro módulos de
entrevistas interdependentes e articuladas a saber: o contato, história de vida,
relacionamento temático e historiográfico.
A respeito da construção das fontes orais, após o contato inicial com os
entrevistados, passamos à reconstituição da história pessoal deles, desde as mais
remotas memórias da infância até os dias atuais. Em seguida, elaboramos um roteiro
temático de forma a interligar o objetivo geral com os específicos. E, por último,
levamos os entrevistados a falarem, livremente, sobre suas trajetórias de vida.
Finalmente, nas considerações finais são apresentadas algumas sugestões como
forma de contribuição para subsidiar a política implementada pelo Instituto Benjamin
Constant.
ABSTRACT
The study was carried through enters years 2002 the 2004 and had as target to
investigate the community integration of a group of 89 egresses of Benjamin Constant
Institute (IBC), where they had concluded basic education between 1985 and 1990.
The chosen scene was the IBC, more concretely the received special education
in that institute. Furthermore, it was in the IBC that these egresses have been studying
until the eighth series of basic education.
Because of it We have give them voices, so that, by means of theirs speech
They could explanation the feelings and the meanings of theirs trajectories of life, of
form that we could understand the attitudes to uncover the existing contradictions
regarding the education offered in the specialized school and the common school. For
this, we hear what they had had in saying them on theirs experiences to live the visual
deficiency, as well as that paper the received special education in the IBC exerted in
theirs lives during the phases intra and extra Institute.
Moreover, we had also as objective: to verify as they understand theirs
insertion in theirs respective communities and in the world of the work; to identify to
which the difficulties of construction of partner-cultural identity that had found inside of
the educational model considered by the Institute, in its diverse phases; to search which
the difficulties pointed with respect to a different educational model of that one adopted
by the IBC; to delimit which the impediments about theirs academic formation and
To write about the life of these egresses we opted to searching in theirs voices,
narratives that portrayed theirs trajectories of life.
For this, a meeting of these former-pupils in the Benjamin Constant Institute
was carried through in December of 2002, which consisted of a conference, eight
lectures and two groups of studies turning on education and work.
The meeting in made possible them to elaborate a field note series, or either, a
produced documentary base to the long one of the event. This material served of
support for the confection of six questions that had been sent to the egresses and
answered freely and had turned on the following subjects: Blind feeling itself in an
exclusive society; to live with the stigma of the blindness; adolescence and blindness; to
be young blind e, average education and the university; the young blind person its first
job and to be a blind citizen.
The qualitative research carried out was based on a method for building oral
sources created by historian Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso (1989). A
pragmatic way was formulated in order to rebuild the stories collected in four series of
interviews.
This method works with three types of memories: collective, individual and the
historical and working of form interlaced with these memories, if makes possible from
four modules of interviews interdependent and articulated to know: the contact, history
of life, thematic and historiography relationship.
Regarding the construction of the verbal sources, after the initial contact with
the interviewed ones, we past to the reconstitution of the personal history of them, since
the most remote memories of infancy until the current days. After that, we elaborated a
thematic script of form to establish connection the general objective with the specific
ones.
The conclusion shows some suggestions that are presented as form of
contribution to subsidize the politics implemented for the Benjamin Constant Institute.
LISTA DE FIGURAS
1. Malformações....................................................................................325
LISTA DE GRÁFICOS
1. Naturalidade dos egressos por Estados................................................ 46
2. Condição visual dos egressos................................................................ 47
3. Identificação dos egressos por sexo...................................................... 47
4. Idades de matrículas dos egressos no JI e no CA................................ 48
5. Idades de matrículas dos egressos no EF (1ª a 4ª séries).....................48
6. Idades de matrículas dos egressos no EF (5ª a 7ª séries) ....................49
7. Patologias oculares dos egressos........................................................... 49
8. Patologias oculares dos egressos (cont...)............................................ .50
9. Conclusão da oitava série do EF por idades........................................ 76
10. Situação dos egressos no mundo do trabalho ................................... 276
11. Situação acadêmica atual dos egressos ........................................... 324
LISTA DE TABELAS
1. Classificação do comprometimento visual ..........................................27
2. Perfil dos entrevistados (1ª parte).......................................................277
3. Perfil dos entrevistados (2ª parte)......................................................... 274
4. Principais patologias oculares apresentadas pelos egressos............... 320
5. Motivos que levaram os egressos ao oftalmologista ........................... 321
6. Internação hospitalar e óbitos de crianças normais e com MCT.......326
7. Mortalidade Infantil (Brasil e Grandes Regiões).................................329
8. Distrofias corneanas (OMIM 2001).......................................................336
9. Retinose pigmentosa...............................................................................336
LISTA DE QUADROS
01 . Declaração de nascido vivo (1ª parte)......................................................327
02 . Declaração de nascido vivo (2ª parte)......................................................328
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO....................................................................................................... xv
PARTE I - A Cegueira no Tempo e no Espaço..................................................... 01
Capítulo 1 - Revisão histórica da cegueira na saúde e na educação através
dos tempos...........................................................................................................02
1.1 - A deficiência e a medicina........................................................................ 02
1.2. A deficiência visual ................................................................................... 22
1.3 - Estudo etiológico da deficiência visual................................................... 26
Capítulo 2 - Considerações acerca da deficiência visual ...............................30
2.1 – A Sociedade e o Cego............................................................................... 30
2.2 – Educação Especial.................................................................................... 33
2.3 – Educação Inclusiva................................................................................... 36
2.4 – Legislação.................................................................................................. 40
PARTE II - A pesquisa com os Egressos do Instituto Benjamin Constant........43
Capítulo 3 - Caminhos da pesquisa.................................................................. 44
3.1 - Coleta de dados......................................................................................... 44
3.1.1 – 1ª etapa: Fórum dos egressos do IBC.................................................. 50
3.1.2 – 2ª etapa: Depoimentos temáticos..........................................................53
3.1.3 – 3ª etapa: Construção das fontes orais..................................................53
3.2 – Análise do material coletado....................................................................55
PARTE III – Resultado e discussão - O Instituto Benjamin Constant e as
Vozes dos seus Egressos ....................................................................................... .58
Capítulo 4 - Visões em dois momentos............................................................ 59
1ºmomento: O encontro dos egressos.............................................................. 60
2ºmomento: Respostas...................................................................................... 84
4.1 – O sentir-se cego numa sociedade exclusiva............................................ 84
4.2 – Viver com o estigma da cegueira........................................................... 91
4.3 - Adolescência e cegueira......................................................................... 97
4.4 – Ser jovem e cego, o ensino médio e a universidade........................... 106
4.6 - Ser cidadão cego...................................................................................... 124
Capítulo 5 - Histórias de vidas .....................................................................134
5.1 – Éden:..................................................................................................... 135
5.2 - Juscelino................................................................................................ 135
5.3 - Arnaldo...................................................................................................137
5.4 - Glória..................................................................................................... 138
5.5 - Jurema................................................................................................... 141
5.6 - Isaura.....................................................................................................143
Capítulo 6 – Cegueira e Sociedade .............................................................. 145
6.1 – A construção da identidade................................................................. 145
6.2 – Educação em escola especializada e educação em escola comum.... 163
6.3 – A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira....................... 184
6.4 – A cegueira e as tecnologias.................................................................. 202
Capítulo 7 - A experiência de ser cego....................................................... 228
7.1 - Éden........................................................................................................229
7.2 – Juscelino............................................................................................... 231
7.3 – Arnaldo................................................................................................. 236
7.4 – Glória.................................................................................................... 243
7.5 – Jurema.............................................................................................. ..244
7.6 – Isaura.................................................................................................. 254
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 266
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................288
APÊNDICES
1. Carta-convite do I Encontro de Egressos..................................... 305
2. Programação do I Encontro de Egressos....................................... 306
3. Ficha de inscrição no I Encontro de Egressos.............................. 307
4. Distribuição dos egressos por condição visual............................. 308
5. Tópicos das entrevistas................................................................... 309
6. Termo de consentimento – filmagem............................................. 314
7. Termo de consentimento – depoimento......................................... 315
8. Termo de consentimento – entrevista............................................ 317
9. Termo de consentimento – discussão livre................................... 319
ANEXOS
I. Mortalidade Infantil.......................................................................... 322
II. Aconselhamento genético.................................................................. 330
III. Qualidade de vida.............................................................................. 337
IV. Descrição das principais doenças oculares apresentadas pelos
egressos.............................................................................................. 340
xvi
INTRODUÇÃO
Este estudo teve como escopo investigar a integração societária de um grupo de
89 egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) que concluíram o ensino fundamental
entre 1985 e 1990 naquela instituição. Para isso, foi realizado um fórum, colhidos
depoimentos temáticos e construção das fontes orais.
O cenário escolhido foi o IBC, mais concretamente a educação especial recebida
naquele instituto, pois foi lá que esses egressos – sujeitos do estudo – frequentaram
aquele educandário, desde a idade mais tenra - a pré-escola - até a oitava série do ensino
fundamental.
Para isso lhes demos vozes, para que, por meio de suas falas pudessem explicitar
os sentimentos e os significados de suas trajetórias de vida, de forma que pudéssemos
compreender as atitudes e desvelar as contradições existentes a respeito da educação
fornecida na escola especializada e na escola comum. Assim, ouvimos o que eles
tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual, bem como
que papel a educação especial recebida no Instituto exerceu em suas vidas durante as
fases intra e extra Instituto.
Além disso, tivemos também como objetivos: verificar como esses egressos
situam a Instituição na trajetória de suas vidas; determinar como se entendem a inserção
deles nas suas respectivas comunidades e no mundo do trabalho; identificar quais as
dificuldades de construção de identidade sócio-cultural que encontraram dentro do
modelo educacional proposto pelo Instituto, nas suas diversas fases; buscar quais as
dificuldades apontadas para um modelo educacional diferente daquele adotado pelo
IBC; delimitar quais os entraves verbalizados no que diz respeito à formação acadêmica
xvii
e analisar os principais fatores que são tematizados como importantes à conquista da
verdadeira cidadania.
Para melhor análise e compreensão das questões, dividimos este trabalho em três
partes: 1ª parte - A cegueira no tempo e no espaço foi divida em dois capítulos,
versando o primeiro sobre uma revisão histórica da cegueira na saúde e na educação
através dos tempos e o segundo fala sobre considerações acerca da deficiência visual. A
2ª parte – A pesquisa com os egressos do Instituto Benjamin Constant, é composta
apenas do capítulo terceiro chamado caminhos da pesquisa, que descreve a
metodologia utilizada e os caminhos interpretativos. A 3ª Parte – O Instituto
Benjamin Constant e as vozes dos seus egressos é voltada para os resultados e
discussões e compreende quatro capítulos (o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo) que
versam sobre: capítulo quarto – visões em dois momentos: o primeiro momento fala
sobre o Encontro dos Egressos no IBC e, o segundo, trata das seis respostas às questões
oriundas desse encontro. O capítulo quinto – Histórias de vida, retratam a história de
vida dos seis egressos entrevistados. No capítulo sexto é discutido o tema cegueira e
sociedade, o qual é desdobrado em quatro sub-temas: a construção da identidade do
cego; educação em escola especializada e educação em escola comum; a trajetória do
cidadão cego na sociedade brasileira e a cegueira e as tecnologias O capítulo sétimo,
intitulado a experiência de ser cego, contem os depoimentos livres dos seis depoentes.
Ressalta-se ainda o uso das Fontes - constituídas em volume 1 e volume 2 - que
são as transcrições do encontro, dos depoimentos, das respostas ao questionário e das
entrevistas. Como partimos dos próprios egressos, optamos por sempre que fazer
referência a eles, nos remetermos aos volumes em anexo, correspondentes às
apresentações das fontes.
xviii
Objetivando uma melhor compreensão do trabalho, apresentaremos algumas
definições, conceitos e referenciais, sobre educação especial, educação inclusiva,
deficiência visual e estudo etiológico da deficiência visual. Entendemos também que o
escopo do estudo implica na necessidade de uma revisão em outros campos de estudo, a
fim de identificar o impacto que as melhorias das condições congênitas trazem à saúde.
Em conseqüência vislumbra-se a necessidade de programas para um
aconselhamento genético e planejamento familiar dos indivíduos afetados. E, por fim,
em função de uma maior sobrevida desses indivíduos, tornam-se obrigatórios protocolos
clínicos para documentar a história natural da doença e da qualidade de vida. Contudo,
por considerarmos a literatura extensa, com respeito aos itens citados anteriormente e,
para não desviarmos o foco principal dos objetivos do nosso estudo, apresentaremos em
anexos os seguintes itens: mortalidade infantil; aconselhamento genético e qualidade de
vida.
Espera-se que os resultados aqui apresentados possam ajudar o Instituto
Benjamin Constant - Centro de Referência Nacional, nas questões voltadas para a
deficiência visual - na formulação de sua política institucional para atender as suas
finalidades regimentais, principalmente, aquelas voltadas para a Política Nacional de
Educação Especial na área da deficiência visual e na promoção da educação de
deficientes visuais, mediante a manutenção de uma escola de ensino fundamental, a
capacitação de recursos humanos, a produção de materiais didático-pedagógicos e de
novas metodologias, que servirão de suporte para a inclusão de alunos deficientes
visuais na escola comum.
2
Capítulo 1 - Revisão histórica da cegueira na saúde e na educação através dos
tempos
1.1 – A deficiência e a medicina. Pretendemos neste capítulo tecer algumas considerações relativas ao deficiente
visual, enfocando, sobretudo, como esses indivíduos eram vistos, tratados e quais foram
suas conquistas sociais, educacionais e trabalhistas, através dos séculos.
Quanto à medicina, apresentaremos pequenos relatos relacionados com a perene
luta do homem a fim de encontrar meios para vencer a dor ou a doença, e prolongar a
vida mediante a ampliação dos limites da cura.
Apesar da falta de dados que confirmem a existência de deficientes nos
primórdios da civilização, somos da mesma opinião de Silva (1987) quando argumenta
que “anomalias físicas ou mentais, malformações congênitas, amputações traumáticas,
doenças graves, são tão antigas quanto à própria humanidade” (p. 21). Logo, isso
equivale dizer que muitas doenças nasceram com o homem, de forma a dificultar a
sobrevivência daqueles que convivem com elas, inclusive contribuindo negativamente
para integrar-se ao grupo que pertence.
Quanto às origens da história da medicina, Castiglioni (1947) comenta que
cada um dos fios que constituem a trama de nossos conhecimentos vem de origens
diversas e longínquas e se liga a fios de outras tramas. Nesse sentido, os indícios
encontrados nas cavernas onde vivia o homem primitivo também farão parte da trama
que revela a existência de deficiências, malformações e patologias entre aqueles
indivíduos.
Se pensarmos que há milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo
hostil, habitando abrigos naturais, lutando contra as intempéries e animais ferozes e
tendo que literalmente correr atrás do seu alimento, torna-se muito difícil imaginar que
3
um homem poderia sobreviver naquelas remotas eras com uma deficiência física muito
restritiva.
Provavelmente, daí, “tenha surgido os primeiros passos para uma medicina com
base em medicamentos provenientes de plantas, raízes, frutos e minerais, bem como, as
primeiras tentativas cirúrgicas conforme demonstrado nos desenhos de dedos
amputados encontrados em cavernas habitadas” (Silva, 1987: p.32) e “de trepanação
de crânio, a intervenção cirúrgica mais antiga, da qual se tem provas” (Castiglioni,
1947: p.28).
É indiscutível que o homem pré-histórico procurava a origem dos males e das
enfermidades em crendices de natureza mística ou fantasiosa e, estas eram tidas como
causadas por deuses enfurecidos e “pode-se aduzir que crianças nascidas com aleijões
ou aparentando fraquezas extremas, teriam sido eliminadas de alguma forma, tanto por
não apresentarem condições de sobrevivência, quanto por crendices que a vinculavam
aos maus espíritos e a castigos de divindades ou mesmo por motivos utilitários” (Silva,
1987: p. 37).
As atitudes para com pessoas doentes, idosas ou portadoras de deficiências no
período Neolítico, como por exemplo, a não aceitação no meio social desses indivíduos,
considerados diferentes, já era polêmica. Apesar dos doentes e dos deficientes serem
tratados com carinho, sobretudo quanto à alimentação, ressalta Silva (1987) que “o
grupo maior tinha necessidade de livrar-se do peso que significava dificuldades nas
movimentações, motivadas pela escassez da caça, da pesca e de outros tipos de
alimento” (p. 37).
Deixando as narrativas da pré-história e focando o nosso interesse na evolução
do pensamento médico das culturas das antigas civilizações egípcias, hebraicas, gregas
e romanas, verificamos que no 4°milênio D. C. começou a se formar no povo do sul da
4
Mesopotâmia uma doutrina médica sistemática da qual se derivou a medicina assírio-
babilônica, sendo que no 2°milênio, a medicina egípcia alcançou grande
desenvolvimento. Ressalta Castiglioni (1947) que “a medicina da Mesopotâmia era a
mais antiga que se tinha conhecimento e suas curas eram sustentadas na magia e na
prática sacerdotal, sendo a Astronomia objeto de estudo intensivo” (p.37).
É importante aduzir às considerações de Castiglioni que a vida desses povos que
habitavam as margens dos grandes rios era pastoral e agrícola e, a importância maior da
evolução, talvez se devesse ao Sol, fonte primária de fertilidade da terra e origem de
todas as formas de vida. Além disso, ressalta-se, também, a importância da água – que
havia em abundância – tão importante nos conceitos religiosos e médicos.
A civilização egípcia é uma das mais antigas da humanidade. Embora o controle
da saúde fosse atribuído mais ou mesmo a todos os deuses, o sistema de medicina pré-
científica que mais deixou vestígios de lá originário. Era uma prática médica que se
alicerçava entre o místico e o prático. Seus médicos-sacerdotes usavam porções, óleos,
cascas, cataplasma, excrementos, chifres, e outros produtos, aliados às orações,
oferendas, sacrifícios, além de uma indispensável fé nos deuses invocados. Ressalta-se
que no campo da higiene a medicina egípcia alcançou grande progresso (Castiglioni,
1947), colaborando para garantir ambientes limpos e sadios nas aglomerações citadinas
(Silva, 1987).
A respeito das fontes que ofereceram informações sobre as práticas da medicina
egípcia antiga, citamos os famosos papiros e os problemas de deficiências neles
referenciados:
a) - papiro de Ebers que é patrimônio da Universidade de Leipzig – descoberto no Egito em 1873, na necrópole de Tebas, pelo egiptólogo Ebers – contem pequenos tratados com fórmulas para tratar doenças as mais variadas, incluindo algumas que podem levar ao estabelecimento de uma deficiência física ou sensorial, como males dos olhos, problemas do ouvido, dos membros, dos vasos da cabeça. Há ainda receitas contra a conjuntivite, hemorragias do
5
globo ocular e equimoses perioculares; b) – papiro de Brugsh, propriedade do Museu do Estado (Berlim), foi descoberto nas proximidades de Azqqarah. Data do século XVI a.C. e, nele existem 240 prescrições de remédios, dentre as quais algumas contra dores nos olhos e contra a surdez. c) – papiro de Edwin Smith, que fala sobre cirurgia no Antigo Egito, em especial da cirurgia dos ossos. Esse papiro, incompleto como foi chamado, pertence à Sociedade Histórica de New York e foi adquirido em Luxor, no ano de 1862, pelo próprio Edwin Smith. Acham alguns autores que esse papiro foi escrito pelo médico Imhotep, transformado em padroeiro egípcio da arte de curar (Castiglioni, 1947: pp. 62-63 e Silva, 1987: pp. 56-58).
Além desses papiros existem outras informações compostas por documentos que
se referem às múmias que apresentaram algumas doenças presentes nos egípcios à
época da mumificação e, a arte expressada por muitos objetos artísticos, como as
estátuas, nas quais o escultor representava algumas doenças que afligiam o povo egípcio
(Botelho, 2004).
Embora os egípcios tenham sido os mais saudáveis povos da antiguidade, o
exame patológico de algumas múmias tem comprovado que várias doenças graves
chegaram a atingir duramente esse povo e, uma delas era uma infecção nos olhos que
muitas vezes levava à cegueira. Tal foi à extensão dessa infecção, que o Egito chegou a
ser conhecido por muito tempo como a “Terra dos Cegos, existindo dentre esses,
faraós, coral de cegos e até mesmo médico especializado em visão na corte de reis
persas” (Silva, 1987: p.58).
Ressalta-se, também, o cuidado que os egípcios tinham com a higiene na
infância; “o recém-nascido era envolvido em grandes toalhas de linho branco e não era
enfaixado. Até a idade de 5 anos as crianças não usavam roupas e praticavam jogos
saudáveis (bola, arco, e outros)” (Castiglioni, 1947: p.68).
Apesar da história do povo hebreu ser bastante importante para nós brasileiros,
até mesmo pelas estreitas ligações que temos com essa cultura – quer religiosa ou não –
não abordaremos esse assunto neste trabalho e nos deteremos apenas à questão da
6
deficiência e da medicina. Nesse sentido é importante ressaltar que para os antigos
hebreus tanto a doença crônica quanto a deficiência física ou mental e, mesmo qualquer
deformação por menor que fosse, “indicava certo grau de impureza ou de pecado”
(Silva, 1987: 74).
Segundo Castiglioni (1947) “no conceito bíblico da medicina, os sacerdotes, que
tinham a alta função de superintender todas as práticas religiosas e atuar como
intérpretes da vontade divina, eram os únicos a quem estavam cometidas, oficialmente,
funções médicas” (p.77).
Além das deficiências ou das deformações consideradas como conseqüências
diretas de pecados ou de crimes, tais como a cegueira, a surdez, a paralisia, por
exemplo, também havia entre os hebreus, aquelas decorrentes de acidentes, de
agressões, de participação em lutas armadas e de punições previstas em lei (Silva,
1987).
Quanto ao surgimento das malformações e das deficiências, relata Castiglioni
(1947) que em documentos históricos antigos, verifica-se a crença de que o concurso
dos astros determina o destino do homem a partir do nascimento. “Daí, do mesmo modo
que uma irregularidade no movimento dos astros era considerada como tendo
significação prognostica, assim, qualquer modificação no processo de nascimento, era
interpretado como um augúrio importante e, o nascimento de “monstros” tido como
precursor de grandes desventuras” (p.39).
Contrapondo a Castiglioni, Silva (1987) ao se referir ao nascimento de Noé - que
era albino, segundo a Bíblia, livro de Gênesis - esclarece que tal fato ocorreu devido os
seus pais serem primos, havendo, portanto, um problema de consangüinidade, conforme
escrito no Livro de Enoc, o Profeta (p.73).
7
De acordo ainda com esse autor alguns deficientes hebreus citados na Bíblia
foram: Isaac e Tobias (cegos), Moisés (gago) e Sedécias, Rei de Judá (cego).
Outras referências a respeito de deficientes visuais na antiguidade são
encontradas na Bíblia em evangelhos como: João (9:1-41); Lucas (18:35-43); Marcos
(8:22-26 e 10:46-52); Mateus (9:27-31; 12:22-32; 15:29-31 e 20: 29-34).
Poucos são os documentos da antiga cultura dos hebreus que falam sobre o
progresso da medicina; a cirurgia ocorria basicamente para a circunstância da
circuncisão; para o tratamento ortopédico havia cuidados caseiros com bons resultados.
Contudo, no Livro da Sabedoria de Sirac, muito mais conhecido como “Eclesiástico”,
era bem alto o conceito dos médicos na cultura hebraica.
Com o desenvolvimento da religião para satisfazer as necessidades tribais teve
início a medicina sacerdotal, que “alicerçada no poder de homens investidos em dons
supranaturais, basicamente lutavam na defesa do indivíduo contra o mal; dessa forma,
alguns santuários se tornaram templos e escolas” (Castiglioni, 1947: p.34).
Apesar dos equívocos palmilhados pela forte abstração, grandes descobertas e
tratamentos, baseados no conhecimento historicamente acumulado, ocorreram na
medicina egípcia. Nesse conjunto, destaca-se a cegueira noturna. Com esse diagnóstico,
os médicos egípcios para curar essa doença adotavam pingar nos olhos dos pacientes
algumas gotas de líquido extraído do fígado de boi (Botelho, 2004).
Ainda hoje, alguns pacientes que sofrem de “cegueira noturna” 1 ingerem na
dieta, por recomendação médica, o fígado porque contém vitamina A.
1 A retinose pigmentar é uma doença que destrói gradualmente as células sensíveis à luz localizadas no fundo do olho. Ela tem este nome porque provoca pontos pretos (concentrações de pigmentos) na retina. Ainda não se sabe a sua causa, mas os médicos já descobriram que ela pode ser hereditária: se um dos pais tem, é maior a chance dos filhos virem a ter. Geralmente o primeiro sintoma da retinose é a perda da visão noturna, pois a doença ataca primeiro as células periféricas, com capacidade para receber imagens com pouca luz.
8
Devido a inexistência de bases científicas para melhor compreender a vida e a
natureza, o homem grego antigo sentia-se envolvido por muita fantasia e por uma
infinidade de pequenas crenças. Além disso, existiam diversas deidades e seres um tanto
quanto irreais que estão inseridos na mitologia grega e que apresentam algumas
anomalias ou deficiências, que por vezes, são sua característica principal. “Foram o
caso, por exemplo, dos deuses do Amor e da Fortuna, que segundo os especialistas em
mitologia grega, eram eventualmente apresentados como pessoas cegas” (Silva, 1987:
p. 95).
Entretanto, conforme comenta Castiglioni (1947) “os primeiros conhecimentos
médicos dos gregos representam na realidade resultados obtidos de conhecimentos
fundamentais de antigas civilizações e, por sua vez, derivados de fenômenos que
ocorreram milhares de anos antes, no período pré-histórico” (p.7). Assim, a medicina
dos períodos mais remotos foi, a princípio, essencialmente empírica; baseada nela,
desenvolveu-se a medicina mágica, sustentada na afirmação das forças supranaturais,
baseada na superstição e magia, como por exemplo, a trepanação que era uma operação
mais de origem demoníaca ou de magia do que terapêutica, deveria ser utilizada para a
cura (Silva, 1987).
Para que se possa compreender a importância da medicina grega na estruturação
do universo ético filosófico ocidental e no entendimento atual do que é saúde e a
doença, é necessário muito mais que simples fatos. É indispensável que tenhamos o
embasamento da história na interpretação dos fatos (Botelho, 2004).
Ressalta-se, também, que a relação da medicina com a natureza que os gregos
tão bem assimilaram atingia o social. Esta afirmação descreveu a conexão das doenças
com o social. Baseado nesta relação informa Botelho (2004) que as crises políticas
interferiram na qualidade da saúde coletiva.
9
Aliás, convém lembrar que esse tipo de prática que existia na Antiga Grécia, se
repete em pleno século XXI, na maioria dos estados brasileiros.
Segundo Castiglioni (1947) existem poucos vestígios a respeito da cultura
médica da Pérsia. Entretanto, “face ao conceito de impureza, havia leis severas para
conservar os leprosos longe das habitações” (p. 96). Além disso, “os espíritos
malignos se reuniam nos “Dakmas” - lugar onde eram depositados os mortos – e onde
eles ameaçavam o homem com a contaminação e a doença” (p. 97).
Quanto a medicina hindu, relata Castiglioni (1947) que “depois de ter sido quase
inteiramente destruída, foi mantida quase só pela tradição oral e pela prática da
medicina empírica popular” ( p. 114).
A história da medicina chinesa nos revela três importantes procedimentos que
merecem ser comentados: “o primeiro diz respeito à castração – era executada por
especialistas, a fim de fornecer eunucos à Corte Imperial; o segundo era a deformação
dos pés, que começava no sétimo ano e, o terceiro, refere-se à terapêutica chinesa
denominada acupuntura” (Castiglioni, 1947: 123).
A influência da medicina chinesa desde cedo se estendeu ao Japão, através da
Coréia. “As escolas chinesas logo adquiriram grande importância e, por muitos
séculos, o Japão foi inteiramente dominado pela civilização chinesa, que suplantou
completamente a medicina japonesa primitiva, autóctone” (Castiglioni, 1947: p. 128).
Apesar do grande avanço da medicina, ainda se encontra em alguns países o
predomínio da medicina mágica; ao contrário da medicina empírica, que deu
contribuições valiosas para a medicina científica, como por exemplo, “as propriedades
antiblenorrágicas da pimenta, o efeito estimulante do chocolate, do café e do chá”
(Castiglioni, 1947: p.25).
10
De acordo com Silva (1987) o tratamento dado à pessoa deficiente nas culturas
antigas, como por exemplo, em Esparta, era no sentido de que os menos favorecidos
fossem sacrificados e os “bem dotados” recebessem tratamento especial. Assim, “o pai
de qualquer recém-nascido era obrigado a levar o bebê a uma comissão, formada por
anciãos de reconhecida autoridade, para examinar a criança” (p.121).
Depois de examinado o bebê pelos anciãos, se esse fosse normal e forte seria
devolvido ao pai para criá-lo e, após a idade de seis a sete anos o Estado tomava a si a
responsabilidade de continuar a sua educação. Mas, se o bebê fosse feio, disforme e
franzino, esses anciãos o levavam a um local específico – chamado Apothetai que
significava depósitos e era um abismo situado na Cadeia de Montanhas Taygetos, onde
o bebê era lançado para a morte.
Entretanto, em algumas cidades não havia o extermínio das crianças, mas, a
exposição, que consistia em deixar as crianças em lugares considerados como sagrados,
à própria sorte para morrer, podendo, inclusive, sobrevier ou não.
A idéia da prática de extermínio de crianças defeituosas na Grécia Antiga, era
alimentada por alguns filósofos renomados, como por exemplo, Platão (428 a 348 ª C.)
que ao filosofar sobre uma utópica república completamente nova para a Grécia,
afirmou: (...) “e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os
morrer (...)” (Silva, 1987: p. 124). Aliás, calcada nesse pensamento de Platão originou-
se a frase muito usada como lema desportivo: Mens sana in corpore sano.
Outro filósofo que também comungou com o pensamento de Platão foi
Aristóteles que escreveu: “(...) quanto a saber quais as crianças que se deve abandonar
ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme” (Silva,
1987: p. 124).
11
Felizmente, a prática da eliminação de crianças disformes – uma constante na
história dos povos guerreiros da antiguidade – foi sendo modificada através dos séculos
e, por ocasião da implantação do Império Romano do Leste, transformado em Império
Bizantino, a Grécia já havia modificado, organizando instituições voltadas para
problemas específicos como: lares para deficientes (Paramonaria); lares para pessoas
cegas (Tuflokoméia); instituições para pessoas com doenças incuráveis (Arginoréia) e
também organizações para pessoas muito pobres e para mendigos (Ptochéia).
Quanto a Atenas, no que diz respeito às crianças malformadas e deficientes, o
costume inicialmente era diferente de Esparta, entretanto, o final era semelhante.
Quando nascia uma criança o pai tomava-a em seus braços – dias após o nascimento - e
a levava à sala para mostrar aos amigos e parentes e a festa terminava com banquete
familiar. Caso não fosse realizada a festa era sinal que a criança não sobreviveria,
cabendo ao pai o extermínio do próprio filho (Silva, 1987).
Conforme esclarece Silva (1987) “na Grécia Antiga, em épocas anteriores ao
surgimento do Cristianismo, foram encontrados muitos indícios de medicina bastante
evoluída e da organização de diversos serviços de saúde, tanto para o povo quanto
para os soldados que eram feridos” (p. 96). Dessa forma, a Grécia clássica foi a
pioneira dos movimentos de assistência médica à sua população civil. “Nomes famosos
como: Asclépios, Demócedes de Crotona, Eródicos, Hipócrates e Cláudio Galeno
enriqueceram o cabedal de estudos sobre medicina e também sobre questões ligadas
direta ou indiretamente a deficiências físicas e sensoriais, durante muitos séculos”
(p.100).
As principais causas de deficiências na Grécia antiga eram: os mutilados ou
deficientes devido a ferimentos ou a acidentes próprios da guerra e de atividades afins;
os prisioneiros de guerra com deficiências físicas e os detentos criminosos civis, com
12
mutilação ou deficiência causada por pena ou castigo e os deficientes civis devido a
doenças congênitas ou adquiridas ou devidas a acidentes.
A exemplo de outros povos, os gregos também tiveram cegos famosos, como
por exemplo, Demócrito e Homero: o primeiro (470 a 360 a. C) foi físico e filósofo e
“de acordo com o seu modo de pensar, devemos procurar tudo de bom que o mundo
pode ter, dentro de um otimismo moderado e sem esquecer dos problemas inerentes a
ele”. O segundo, Homero, era poeta e suas grandiosas obras Ilíada e Odisséia,
segundo a tradição eram verdadeiros quadros ” (Silva, 1987: pp.103-104).
A preocupação dos administradores romanos com a saúde pública é
inquestionável. A lei das Doze Tábuas estabelecia normas para o sepultamento e queima
dos cadáveres fora dos muros da cidade e a construção dos esgotos, como a “Cloaca
Máxima”, em Roma, que ainda é utilizada na parte antiga da cidade. Do mesmo modo,
pelo menos nas casas abastadas, o cuidado com a higiene do corpo fazia parte do
cotidiano, demonstrado na existência de termas amplas e arejadas.
Enfim, o cuidado com a saúde e apresentação do corpo, parte absorvida do
ideário da beleza grega, seguiu trajetória semelhante em Roma (Botelho, 2004).
O legado que nos deixou os romanos tem sido de extremo valor em praticamente
todos os campos, destacando a arquitetura, a saúde pública, as artes, as leis, a literatura e
a medicina. Mas, no que diz respeito à pessoa deficiente é difícil encontrar referências
precisas. Apesar disso, existiam no Direito Romano, leis que se referiam ao
reconhecimento dos direitos de um recém-nascido e, em quais circunstâncias esses
direitos deveriam ser garantidos ou negados. Dentre as condições para a negação desse
direito, a chamada “vitalidade” e a forma humana eram as principais. Assim, tanto os
bebês nascidos prematuramente (antes do sétimo mês de gravidez), quanto os que
13
apresentavam sinais de monstruosidade não tinham condições básicas de capacidade de
direito.
Dessa forma as crianças nascidas com deformidade não tinham a garantia do
direito à vida, conforme as Leis das 12 Tábuas (...) “Lei III – o pai imediatamente
matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano, que lhe tenha
nascido há pouco”. Mesmo com a anuência dessa lei o infanticídio legal não foi
praticado com regularidade. Essas crianças eram deixadas em cestas enfeitadas à
margem do rio Tibre. Escravos e pessoas empobrecidas que viviam de esmolas,
recolhiam-nas para mais tarde servirem como meio de exploração, no rendoso negócio
de esmolas. Nesse sentido, afirma Silva (1987) que “foi extremamente notória em Roma
também a utilização de meninas e moças cegas como prostitutas, além de rapazes cegos
como remadores, quando não eram usados simplesmente para esmolar” (P.130).
Sem dúvida, o Império Romano preocupou-se com a prática médica e procurou,
por meios de normas jurídicas, constituir o serviço médico público, que iniciou a sua
estrutura a partir da assistência médica aos legionários durante e após as batalhas, com a
construção de hospitais militares em diferentes regiões do imenso Império Romano
(Botelho, 2004).
Por outro lado, ressalta-se que tanto a história da evolução da medicina romana,
tão intimamente ligada à medicina grega, quanto aos gradativos progressos em termos
de saúde pública (como por exemplo: abundância de água potável, latrinas públicas,
rede de esgoto e outros benefícios) “garantiram a prevenção de muitos males
incapacitantes” (Silva, 1987: p.127).
As idéias e crenças religiosas foram importantes fontes para explicar os
fenômenos da natureza e para agilizar certos aspectos do controle social. Nesse sentido,
informa Botelho (2004) que a religião cristã no seu processo de formação reforçou o
14
sincretismo do conceito da doença ligada ao pecado existente há muitos séculos antes
do monoteísmo.
Assim, o cristianismo foi muito relevante na mudança da mentalidade imperante
no século IV, pois condenava abertamente muito do que o sistema vigente aprovava
como (...) “a morte de crianças não desejadas pelos pais devido a deformações” (Silva,
1927: p.160). Comenta ainda esse autor que em 315 d.C., o Imperador Constantino
editou uma lei na qual demonstrava a influência dos princípios defendidos pelos cristãos
no que diz respeito à vida.
A partir daí, então, tem início nas cidades da Itália e da Grécia, uma nova
mentalidade com a participação do Estado colaborando com a alimentação e o vestuário
de crianças pobres recém-nascidas.
A ignorância dos homens sobre as origens das enfermidades, principal
impedimento da vida e do conforto físico, contribuiu para que fosse iniciado, num
determinado momento da história, o processo de divinização do desconhecido. A
doença e a saúde, a vida e a morte passaram, gradualmente, a fazer parte de um mundo
exclusivo da divindade e dos seus representantes na terra, capazes de interpretar e
manusear o sagrado (Botelho, 2004)
Dessa forma, a igreja cristã nos seus primeiros séculos de existência priorizava
atividades que garantiam assistência às pessoas pobres e enfermas. Essa prática tornou-
se tão prioritária, que foi inclusive motivo de discussão de alguns concílios.
As recomendações conciliares surtiram efeitos fantásticos, de tal forma que
várias organizações de caridade ou de assistência a pobres, doentes, abandonados e
deficientes, foram criadas por influencia direta da igreja.
15
O exemplo da igreja parece ter impregnado alguns senhores feudais,
responsáveis pela vida e bem estar de seus súditos, que se sentiram, também, obrigados
a cuidar de seus doentes e deficientes.
Na verdade o surgimento dessas entidades caritativas e assistenciais, ao tempo
que trouxe bem estar para a camada mais desprotegida, propiciou certa estagnação na
ciência médica (Silva, 1987).
Durante a Idade Média, casos de doenças e de deformações passaram pouco a
pouco a receber mais atenção, tendo sido criados outros locais de cuidados.
Conforme relata Silva (1987), durante os onze séculos que durou o Império
Bizantino, “o número de deficientes, decorrente das punições, dos castigos severos,
mutilações e vazamentos de olhos era muito grande e, essas punições eram
generalizadas, isto é, atingiam todas as classes” (pp. 168-169).
Com a mudança da mentalidade e, sobretudo, alicerçado nos preceitos de
caridade e respeito aos semelhantes e à vida, sob a influência da religião cristã, tem
início o surgimento de hospitais em algumas localidades, com a finalidade de abrigar
viajantes enfermos, doentes agudos e crônicos e deficientes. O primeiro desses hospitais
foi o Hospital de Edessa, na Síria (ano 370 d.C), embora comenta Silva (1987) que
outros autores defendem como sendo o primeiro hospital cristão, o criado por São
Basílio, o Grande (329 a 379 d.C.).
A partir do século XII os hospitais – que eram organizados e mantidos por
religiosos – ainda mantinham pessoas doentes juntamente com deficientes. Com o
aumento de doentes esses hospitais proliferaram, como foi o caso da Inglaterra que entre
os séculos XII e XV fundou 750 hospitais, dos quais, 217 eram destinados às vítimas da
terrível lepra e deficientes crônicos, os quais, sem famílias e amigos, permaneciam
nesses locais até a morte (Silva, 1987).
16
Apesar dos esforços eventuais dos grupos religiosos e da própria igreja, o povo,
em geral, acreditava que um corpo deformado poderia abrigar uma mente também
deformada. Em face disso, esses indivíduos foram discriminados, mantidos à distância,
restando-lhes apenas o recurso de pedir esmolas.
Para os cegos, contudo, a situação era diferente (Silva,1987), principalmente
para aqueles que viviam na França durante o Século XIII; havia abrigos que aceitavam
os cegos mais pobres e, na cidade de Chartres havia recurso para atendimento aos
cegos2. Falando ainda sobre a criação de organizações para acolhimento de deficientes e
outros, não se pode deixar de lado o órgão criado por Luiz IX (1214 a 1270) – um
abrigo chamado Hospice des Vingt-Quinze3 – destinado a dar assistência de moradia e
alimentação pelo menos a 300 cegos. Segundo os historiadores deveria existir algo
muito importante para motivar Luiz IX a criar uma organização tão dispendiosa para
cegos.
Em que pese o esforço de Luiz IX em reunir 300 cegos em uma casa, faltavam-
lhes, entretanto, atividades, tanto físicas quanto intelectuais, pois, dedicavam-se apenas
a pedir esmolas; aliás, atividade bastante lucrativa que levaram muitos desses pedintes a
acumular riquezas (Silva, 1987).
Assim, entre os reinados de Luiz IX e Luiz XVI começou a emancipação dos
cegos, que inclusive receberam permissão expressa e exclusiva para esmolar nas
escadarias e portas das igrejas e para vender grinaldas e flores dentro de suas naves
(Silva, 1987).
2 -No final do século XI e início do século XII, em Rouen, em Chálons e perto da cidade de Orléans, havia abrigos que aceitavam os cegos mais pobres. Era uma verdadeira comunidade criada por Renaud Barroult e conhecida como Les-Vingts. 3 - A origem da expressão vingt quinze deveu-se ao aprisionamento de Luiz IX pelos Sarracenos, durante sua primeira Cruzada, quando 300 dos seus soldados tiveram seus olhos vazados pelos inimigos, por ordem dos sultões, à base de 20 soldados por dia durante 15 dias, enquanto aguardavam os resultados da demorada negociação para pagamento do pesado resgate exigido para a libertação do rei da França (Silva, 1987: p.219).
17
A longa e penosa história das pessoas deficientes começa a sofrer mudanças a
partir do Renascimento, época na qual também a medicina alcança grande avanço,
observado na área ortopédica e outras, com um atendimento mais cientificamente
embasado e abrangente. Outra mudança realmente significativa que ocorreu nessa época
foi o surgimento dos primeiros direitos dos homens, postos à margem da sociedade que
começam a ser reconhecidos e considerados em sua humanidade.
Enquanto alguns povos desenvolveram sua medicina calcada em magia, crenças
e forças supranaturais, outros desenvolveram sua medicina baseada em um conceito
monoteístico. Daí, aqueles que apelassem para outros deuses seriam severamente
castigados. Entretanto, esse conceito monoteístico foi bastante importante na evolução
da medicina judaica, onde simples preceitos higiênicos – como lavar as mãos antes das
refeições ou mesmo o banho – trouxeram enormes benefícios para a saúde do povo
judeu (Silva, 1987).
No início da Renascença, os hospitais e abrigos destinados a enfermos pobres
começam a ter atendimento diferente da Idade Média. Finalmente, o homem é tirado das
trevas, ignorância e superstição e começava a ser valorizado.
Em que pese essa valorização, a necessidade de sobrevivência levava muitos a
pedir esmolas e a furtar. Surge, então, no decorrer dos séculos XVI e XVII, uma grande
malha organizacional dos miseráveis na França, formada por mendigos, deficientes,
ladrões, bandidos e assaltantes, se estendendo para outros países da Europa (Silva,
1987).
No Brasil - colônia do século XVIII, as queixas da incompetência dos
profissionais diplomados em Portugal eram permanentes e duras. Além disso, a
principal causa do fracasso em administrar a saúde na colônia foi o fato de só haver
representantes nas grandes cidades coloniais.
18
A estrutura da medicina no Brasil – colônia ficou encurralada: por um lado, o
cirurgião barbeiro, como representante da medicina oficial ou da medicina empírica,
desacreditado, fugindo da intolerância religiosa das terras européias martirizadas pela
fome e pela peste negra; do outro lado, o pagé, dono de incalculável saber
historicamente acumulado, respeitado e temido pelo seu poder de curar e fazer morrer
(Botelho, 2004).
Assim, quando D. João e sua Corte chegaram ao Brasil, encontraram uma
situação caótica na assistência médica. Em face da necessidade de se criar uma estrutura
para atender aos recém chegados, foi inaugurada em 18 de fevereiro de 1808 a Escola
de Cirurgia da Bahia e, posteriormente, uma outra no Rio de Janeiro.
Embora no início do século XIX ainda não se pensasse na integração do homem
deficiente à sociedade aberta ou mesmo à sua família, esse século foi para os deficientes
um descortinar de bons acontecimentos, pois, foi a partir dele que a sociedade começou
a assumir sua responsabilidade com as pessoas portadoras de deficiências.
Começou-se a dar atenção aos seus grupos minoritários e marginalizados,
chegando-se à conclusão que a solução para os problemas desses indivíduos “não era
apenas uma questão de abrigo, de simples atenção e tratamento, de esmola ou de
providências paliativas similares” (Silva, 1987: p.262), como sucedera até então.
Conforme menciona Silva (1987), fato interessante ocorrera a partir do momento
“que se começou a pensar que esses indivíduos na verdade não precisavam tanto de
hospitais de caridade ou de casa de saúde, mas de organizações separadas, o que
tornaria seu cuidado e seu atendimento mais racional e menos dispendioso” (p. 262).
Afinal, embora estivessem sendo tratados como doentes - pois se encontravam em
nosocômios - eles eram apenas pessoas marginalizadas.
19
Reconhecimento muito importante aconteceu a partir da segunda metade do
século XIX quando a pessoa deficiente passa a ser vista com potencial para o trabalho,
pelos menos para fazer frente às próprias necessidades de sobrevivência. A propósito
disso, no ano de 1868, durante a restauração Meiji, no Japão, foram dados privilégios
especiais aos cegos para se dedicarem com exclusividade à massagem e à acupuntura
(Silva, 1987 e Castiglioni, 1947).
Outro fato que contribuiu para reforçar a potencialidade do sujeito deficiente,
mesmo que necessitasse submeter-se a um programa de reabilitação, foi a iniciativa de
Napoleão Bonaparte, “exigindo de seus generais que olhassem os seus soldados feridos
ou mutilados como elementos potencialmente úteis, tão logo tivessem seus ferimentos
curados” (Silva, 1947: p.263),
O progresso da ciência no princípio do século XIX revela correntes e fatores
determinantes, como: “o desenvolvimento do pensamento médico, inclusive com o
conceito patológico moderno de doença, dentre outros.” (Castiglioni, 1947: p. 203).
Assinala-se ainda nesse século o desenvolvimento de hospitais, clínicas e publicações
médicas, como também, avançados estudos de anatomia, fisiologia, patologia e a
descoberta da anestesia e da anti-sepsia.
Ainda no século XIX, ressalta-se o atendimento mais especializado,
principalmente na área educacional, com a criação de escolas para cegos em vários
países, nas quais esses indivíduos poderiam receber ensino especializado, inclusive o
profissionalizante. Dessa forma, surgiram as seguintes escolas: três escolas nos Estados
Unidos da América, nas cidades de New York (1832) e Philadelphia (1833) e em
Masachussets, Boston, a New England Asylum for the Blind (1832), hoje conhecida com
o nome de Perkins School for the Blind.
20
Também em outros países foram gradativamente sendo implantadas algumas
escolas, como por exemplo: Brasil, Rio de Janeiro, em 1854; Portugal, Lisboa, em
1863; México, cidade do México, em 1866; China, em 1876; Japão, em Kyoto (1876) e
Tóquio (1880); Inglaterra, Londres, em 1881, foi criada a Sociedade de Prevenção da
Cegueira; Argentina, em Buenos Aires, em 1888 e no Chile, Santiago, em 1890.
Em outro momento falaremos sobre a vida do cego brasileiro e, o faremos a
partir de 1854, época que, efetivamente, teve início a educação para cegos no Brasil,
com a construção do Instituto Benjamin Constant. Entretanto, ressaltamos que se
buscarmos nos arquivos da nossa história algumas referências em épocas anteriores,
sobre deficientes, certamente encontraremos várias, relativas a aleijados, enjeitados,
surdos-mudos, cegos, e outras mais.
Entretanto, sublinhamos que na história das deficiências no mundo, o cego foi
incluído por vários séculos na categoria dos “miseráveis”, talvez o mais pobre dos
pobres conforme comenta Silva (1947).
O século XX se caracterizou pela conquista dos direitos de liberdade,
oportunidades educacionais e inserção no mundo do trabalho. Foram realizadas várias
conferências mundiais, congressos e similares versando sobre: crianças inválidas,
pessoas deficientes, educação, reabilitação e outros temas. Dentre esses eventos
destacamos os seguintes; Primeira Conferência sobre Crianças Inválidas, Londres,
1904; Congresso Mundial dos Surdos, Saint Louis, EUA, 1909; Primeira Conferência
da Casa Branca sobre os Cuidados de Crianças Deficientes, 1909; Conferência Mundial
sobre Educação Para Todos, Jontien, Tailândia, 1990; Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, Salamanca, Espanha, 1994,
além de outros, também nacionais, que discutiram questões que envolvem as pessoas
com necessidades especiais.
21
Em poucos anos, nas últimas décadas do século XX, a informática revolucionou
a atividade humana em todos os níveis. Com o acelerado progresso obtido tanto no
campo da tecnologia dos computadores, quanto no da programação, a informática
deixou de ser uma área reservada a especialistas e se insinuou cada vez mais na vida
cotidiana, que permitiu, entre outras vantagens, o acesso das pessoas a um volume cada
vez maior de informação.
Cabe aqui destacar que a descoberta dessa informática, permitiu ao cego maior
independência e produtividade em suas profissões. Também não podemos deixar de
mencionar a participação desses deficientes em programas de esporte e recreação, que a
cada ano vêm rompendo barreiras e quebrando recordes, demonstrando, assim, suas
potencialidades, ao superarem seus limites.
É importante assinalar que o surgimento de entidades nacionais e internacionais
contribuiu sobremaneira para importantes conquistas que vieram mudar a vida dos
cegos, no que diz respeito às questões social, educacional, reabilitaçional, profissional e
política. Algumas dessas entidades são: União Mundial de Cegos (UMC); Organização
Nacional de Cegos da Espanha (ONCE); União Latina Americana de Cegos (ULAC);
International Blind Sports Association (IBSA); União Brasileira de Cegos (UBC);
Conselho Brasileiro para o Bem Estar dos Cegos (CBBEC); Associação Brasileira de
Educadores de Deficientes Visuais (ABDEV); Federação Brasileira de Entidades de
Cegos (FEBEC); Associação Brasileira de Desportos para Cegos (ABDC) e Fundação
Dorina Nowill.
Além dessas entidades, podemos citar, também, a Secretaria de Educação
Especial, do Ministério da Educação (SEESP/MEC); Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, do Ministério da Justiça (CORDE/MJ) e
outras mais recentes como: Comitê Para Olímpico Brasileiro (CPOB), LARAMARA;
22
Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (IBDD);
Fundação de Apoio ao Instituto Benjamin Constant (FAIBC), dentre outras, que têm
contribuído para a inclusão das pessoas com necessidades especiais.
O século XXI, ainda no início, tem sido a continuidade do século anterior;
entretanto, percebe-se que muitas pesquisas, tanto médicas quanto de outras áreas, estão
em andamento, principalmente, na busca de descobertas de soluções para muitas
deficiências, incluindo a cegueira.
Até aqui, vimos a evolução do cego sob diversos olhares, com vista à sua
aceitação na sociedade, ou seja, a sua inclusão. Entretanto, é importante que seja
lembrado que apesar dessas conquistas e do esforço das entidades, muitos cegos ainda
continuam vivendo segregados e de recebimento de esmolas, em pleno século XXI.
Por outro lado, convém lembrar que sempre que for analisada a vida do cego,
não se pode omitir a evolução da medicina, com suas novas tecnologias que têm
propiciado melhor assistência médica, maiores recursos hospitalares e equipamentos.
Além disso, ressalta-se, também, a importância da manutenção de entidades
especializadas, que atuam na formação e qualificação de profissionais que possam
atender aos deficientes visuais satisfatoriamente, tanto do ponto de vista educacional,
quanto do médico, profissionalizante, psicológico e político.
1.2 - A deficiência Visual
O olho é responsável pela aquisição de aproximadamente 80% do conhecimento
humano. Portanto, qualquer deficiência nesse órgão compromete, em maior ou menor
extensão, o desenvolvimento das aptidões intelectuais e psicomotoras, interferindo na
vida escolar e profissional do deficiente visual, sobretudo a do cego. Além disso, a
23
função do olho é captar a luz do meio ambiente e convertê-la em impulsos nervosos, os
quais, através das vias ópticas, são transmitidos ao córtex visual, situado no lobo
occipital, que “interpreta” as imagens formadas no olho. Em última análise, conclui-se
que “é o cérebro que enxerga; levando-se isso em conta, tendemos hoje a considerar os
olhos como extensões periféricas do cérebro” (Rocha e, 1987: p.21).
Obviamente o mundo da pessoa cega é um mundo desprovido de luz, de cor,
enfim é um mundo no qual a informação transmitida pelos outros sentidos tem
importância essencial. Assim, as sensações auditivas, olfativas, táteis e térmicas, passam
a ocupar uma importante função, de forma que para o cego a experiência sensorial do
mundo passa a ser diferente qualitativamente daquela pessoa que enxerga. Ou seja, em
lugar de ser um mundo de luzes, sombras, cores e perspectivas, passa a ser um mundo
de pistas para a pessoa cega identificar os diferentes significados que lhe chega todo
momento (Nuñez, 2001).
O critério oftalmológico adotado pela OMS para definir a cegueira é: é cego
quem não consegue ter com nenhum de seus dois olhos, mesmo com lentes
corretamente graduadas, acuidade visual de 1/10 na escala de Wecker, ou quem
apresenta uma redução do campo visual abaixo de 35º.
Segundo a American Foundation for the Blind (1961) a definição de deficiência
visual é quantitativa. É considerada cegueira a acuidade visual de 6/604 ou menos no
melhor olho com correção apropriada e uma restrição do campo visual menor que 20
graus, caracterizando a “visão de túnel”.
Em 1966, a Organização Mundial de Saúde (OMS) catalogou 66 diferentes
definições de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países e, em 1972, a
mesma OMS propôs normas para definição de cegueira e para uniformizar as anotações 4 6/60 significa que a pessoa precisa de uma distância de 6 metros para ler o que normalmente seria lido a 60 metros.
24
dos valores de acuidade visual com finalidades censitárias e estatísticas. De um trabalho
conjunto, entre a American Academy of Ophthalmology e o Conselho Internacional de
Oftalmologia, vieram à luz extensas definições, conceitos e comentários a respeito,
transcritos no Relatório Oficial do IV Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira
(vol-1, pp. 427-433, Belo Horizonte, 1980). Na oportunidade foi introduzido, ao lado de
cegueira, o termo visão subnormal (low vision, em língua inglesa).
Segundo Rocha (1987) “o termo cegueira não é absoluto, pois reúne indivíduos
com vários graus de visão residual. Ela não significa, necessariamente, total
incapacidade para ver, mas prejuízo dessa aptidão em níveis incapacitantes para o
exercício de tarefas rotineiras” (p.49).
Para melhor compreensão acerca da deficiência visual apresentamos um
diagrama, que permite compreender o que é a cegueira e a visão subnormal ou baixa
visão. Assim, cegueira, sob o aspecto legal, é aquela em que a acuidade visual corrigida
nos dois olhos (com óculos ou lente de contato) é igual ou inferior a 0.1 ou se o campo
visual for tubular, restrito a 20 graus ou menos. Baseado nesta definição, informa Leite
Filho (2000) que a cegueira foi dividida em parcial e total. Total é aquela em que os
indivíduos não percebem a luz (amaurose) e parcial é aquela em que os indivíduos são
enquadrados sob o aspecto legal (Rocha, 1990: p.278).
A cegueira poderá ser: total e parcial. A cegueira parcial poderá ser: baixa da
acuidade visual e ambliopia.
A cegueira total (amaurose) indica a perda completa da visão dos dois olhos. Em
torno desse parâmetro, foi gerado o conceito de cegueira legal, quase unificado para
todos os países ocidentais: “um olho é cego quando sua acuidade visual com correção é
1/10 (0,1), ou cujo campo visual se encontre reduzido a 20º” (Martin e Bueno. 2003:
p.40).
25
A ambliopia é classicamente definida como baixa de visão no olho
organicamente perfeito, que o mais curado exame oftalmoscópico e dos meios
transparentes não consegue revelar nada que a justifique. A tendência atual é de se
utilizar a expressão num sentido mais amplo, quando se deseja aludir a qualquer baixa
de visão, quer seja funcional ou orgânica. Contudo, não se enquadram na ambliopia as
baixas visuais passíveis de correção por óculos, lentes de contato, cirurgia ou outros
expedientes imediatos.
Para melhor entender como a ambliopia se desenvolve e se consolida, julgamos
importante tecer algumas considerações relativas ao desenvolvimento da visão. Nesse
sentido afirma Rocha (1987) que:
“Ao nascer a criança não é ainda capaz de enxergar como o adulto, pois suas estruturas da visão são imaturas, incompletamente desenvolvidas. A maturação visual é processo evolutivo, que se desenrola do nascimento aos 6 anos de idade, período em que os estímulos visuais (luz e forma) constituem condição ‘sine qua non’ para o sazonamento da capacidade visual – nessa época vulnerável – ela estaciona ou mesmo regride, apresentando por vezes, além de um escotoma central, graus extremos de baixa visual periférica” (pp.50-51).
Assim, uma pessoa com baixa visão, ou em outras palavras com visão
subnormal, é aquela que possui seu funcionamento visual comprometido, mesmo após
tratamento e/ou correção de erros refraçionais comuns. Ela tem acuidade visual inferior
a 10 graus de seu ponto de fixação (20/200 a 20/70 pés no melhor olho após correção
máxima), mas apesar disso utiliza ou é possivelmente capaz de utilizar a visão para o
planejamento e a execução de uma tarefa. A respeito da visão subnormal ou baixa visão
argumenta Leite Filho (2000) que “ela nem sempre é considerada cegueira sob o
aspecto legal, porém pode limitar o indivíduo para as suas atividades diárias,
permitindo, no entanto, que realize tarefas através de recursos ópticos” (p.15).
Embora essas definições sejam consideradas padrão, informa Leite Filho (2000)
que diversas outras são utilizadas para se ajustarem às necessidades locais. É o caso, por
26
exemplo, do Instituto Benjamin Constant onde é considerado aluno cego aquele que
apresenta perda total da visão ou baixa visão residual, em tal grau que necessite de
Método Braille como meio de leitura. E baixa visão, são aqueles que embora com
distúrbios de visão, possuem resíduos visuais em tal grau que permitam ler textos
impressos em tinta, desde que sejam utilizados recursos especiais como tele-lupas e
sistema de leitura com letras ampliadas.
O exame da acuidade visual tem sido bastante utilizado para determinar a visão
útil do indivíduo. Nesse sentido comentam Martin e Bueno (2003) que a OMS em 1980
sugeriu uma classificação das deficiências visuais baseada na medida da acuidade visual
e da amplitude do campo que serve aos distintos países para a tomada de decisões com
respeito à prestação de determinados serviços sociais às pessoas afetadas por deficiência
visual. Um ano mais tarde, relatam Martin e Bueno (2003) “a própria OMS
recomendou que fosse eliminada a categorização estabelecida, pelas injustiças que
poderiam produzir-se na referida tomada de decisões, embora sem sugerir uma solução
alternativa” (p.40).
1.3 - Estudo etiológico da deficiência visual
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apud Gonçalves et al (2005),
distinguem-se três tipos de comprometimento visual, todos reunidos na categoria H54
da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10): o termo visão subnormal ou baixa visão compreende os graus 1 e 2
(H54.1 e H54.2); o termo cegueira, os graus 3, 4 e 5 (H 54.3, H54.4 e H54.5) e o termo
perda das visão não qualificada, o grau 9 (Tabela 1).
27
Tabela 1 – Comprometimentos visuais
Graus de comprometimento visual AV máxima < que
AV máxima >/-
1 20/70 20/200
2 20/200 20/400
3 20/400 20/1250 (CD a 1 m)
4 20/1250 (CD a 1 m)
Percepção de luz (PL)
5 Ausência de PL Ausência de PL
9 Indeterminada ou não especificada
Indeterminada ou não especificada
Informam, ainda, Gonçalves et al (2005) que caso a extensão do campo visual
venha a ser levada em consideração, as pessoas cujo campo visual se encontre entre 5 e
10º em torno do ponto central de fixação devem ser colocados no grau 3 e aqueles com
campo até 5º em torno do ponto central de fixação serão colocados na categoria 4,
mesmo se a visão central não estiver comprometida.
Por ocasião da realização do 1º Fórum Nacional de Saúde Ocular, em Brasília,
ocorrido em 2001, existiam no mundo cerca de 50 milhões de cegos e o crescimento
deste número é de aproximadamente 1 a 2 milhões por ano. Existem ainda 180 milhões
de pessoas com algum grau de deficiência visual e 135 milhões com visão deficiente e
grande risco de ficarem cegos. Logo, “a deficiência visual no mundo, em maior ou
menor extensão, soma 315 milhões de indivíduos, o que corresponde a 5,1% da
população mundial de aproximadamente 6,1 bilhões” (Manual do CBO, 2001: p.11).
O Brasil detém 2,83% da população mundial e estima-se que ”a população
brasileira de cegos está entre 1 e 1,2 milhões e a de amblíopes entre 3,4 e 8,5 milhões”
(Ribeiro-Gonçalves, 2001: p.8).
Segundo ainda o CBO (2001) a prevalência da cegueira no mundo e no Brasil
está assim distribuída:
28
• 0,3% da população concentra-se em regiões de boa economia e com bons serviços de
saúde;
• 0,6% da população está em regiões da razoável economia e com razoáveis serviços de
saúde;
• 0,9% da população está distribuída em regiões de pobre economia e com pobres
serviços de saúde;
• 1,2% da população em regiões de muito pobre economia e com pobres serviços de
saúde.
A importância da concentração de esforços para promover a prevenção da
cegueira pode ser justificada por diversas razões. A primeira, pelo papel preponderante
da visão, uma vez que cerca de 85% da comunicação com o mundo se dá pela visão e, a
segunda pelos dados apresentados pelo CBO (2001) ao revelar que 60% das cegueiras
são preveníveis ou evitáveis e 20% das cegueiras já instaladas são recuperáveis ou
tratáveis.
As principais causas de cegueira irreversível são: a retinopatia diabética, o
glaucoma, as degenerações retinianas e os acidentes (CBO-Relatório Final I Fórum
Nacional Saúde Ocular, 2001). Por outro lado, 90% dos casos de cegueira que poderiam
ser evitáveis ocorrem nas áreas pobres no mundo, enquanto 40% dos casos de cegueira
têm conotação genética (não hereditária) e 25% têm causa infecciosas (CBO, 2001).
Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha anunciado que entre as
principais causas da cegueira e da deficiência visual preveníveis no mundo estão a
catarata, o tracoma, a oncocercose (cegueira dos rios) e a hipovitaminose A
(xeroftalmia), entendem Rocha e Ribeiro-Gonçalves (1987) que nenhuma dessas quatro
doenças devem ser incluídas no rol dos graves problemas de saúde pública no Brasil,
29
uma vez que a catarata não é um problema social, partilhada que é por nações ricas e
pobres. Além disso, afirmam os autores:
“A catarata só é causa de cegueira onde não há cirurgiões e esses nós os temos, em quantidade e qualidade. Oncocercose é problema de prevenção e está restrita, atualmente, ao agrupamento indígena (Yanomami) no Norte do País. A hipovitaminose A, em que pesem as nossas sabidas deficiências nutricionais, também não deve ser arrolada entre as causas prevalentes de cegueira. E o tracoma já o foi, restando hoje em nosso território não mais que bolsões isolados” (p.65).
Mas, contrapondo-se a Rocha e Ribeiro-Gonçalves, o CBO informa em
Relatório Final do I Forum Nacional de Saúde Ocular (2001) que, “o Ministério da
Saúde, após ter reduzido as ações com relação ao tracoma no ano de 1986,
incrementou a partir de 1996 estas ações e, encontrou casos positivos pelo menos em
oito estados. A Bahia com 27.491 casos e Ceará com 27.442 e, em menor escala
seguem Tocantins, Pernambuco, Rio Grande do sul e São Paulo” (p.75).
Isso surpreendeu a comunidade oftalmológica, pois, os dados sugerem que a
doença está mais disseminada no Brasil do que se sabe. Portanto, apesar do que é dito
por Rocha e Ribeiro-Gonçalves, essas quatro doenças ainda se constituem em um
problema de saúde pública, haja vista a grande dificuldade das pessoas que não possuem
planos de saúde para ter acesso aos serviços oftalmológicos.
30
Capítulo 2 - Considerações acerca da deficiência visual
2.1 - A sociedade e o cego
De acordo com Silva (1987) dos períodos mais adiantados da Pré-História para
os dias da era Neolítica, vasos e urnas foram decorados das mais variadas maneiras e
com os mais incríveis motivos. “Foram encontrados em alguns desses vasos e urnas,
homens com evidentes sinais de deformidades de natureza permanente, sendo algumas
delas conseqüentes de malformações congênitas: corcundas, coxos, anões e
amputados” (p. 18). Essa afirmação nos leva a crer que desde épocas mais remotas as
deficiências e as deformidades já se constituíam em “flagelo” da humanidade. Por outro
lado, a forma como esses indivíduos eram enterrados - na idade adulta - nos induz à
indagar a respeito do porquê de merecerem tal representação.
Falando ainda sobre a evolução do cego na sociedade, Lowenfeld (1974)
comenta que ela engloba quatro fases.
A primeira delas seria a da separação. Na vida em tribo ou nas sociedades
primitivas os indivíduos que não podiam prover o seu próprio sustento ou cuidar de sua
própria defesa eram considerados um obstáculo para a tribo ou para o grupo, sendo,
portanto, separados da coletividade e esta separação tomava duas formas:
. Aniquilação – em alguns centros da civilização do primitivo Ocidente como
Esparta, Atenas ou Roma, os indivíduos cegos, bem como outras pessoas deficientes,
eram mortos de diferentes formas.
. Veneração – ao contrário da aniquilação, algumas pessoas cegas nos tempos
antigos, que tiveram posições de destaques, foram veneradas por seus contemporâneos
31
como foi o caso de Homero, os profetas Teresias e Phineus, Nhicolas Saunderson,
Didymus de Alexandria e outros.
A segunda, a de estado de guarda, calcado no Velho Testamento, continha
muitos preceitos protetores, uma vez que a igreja considerava os cegos e outros
deficientes como seus protegidos especiais, chegando a fundar, inclusive, hospitais e
asilos especialmente para esses grupos.
Na terceira fase, aquela da emancipação de si mesmo, as pessoas cegas,
aproveitando as oportunidades criadas com o atendimento educacional em instituições
especializadas, conseguiram se emancipar e, algumas delas, por suas realizações,
chegaram mesmo a se projetar socialmente.
Como já mencionado no capítulo anterior, essa emancipação passou a ocorrer a
partir de 1784, com a fundação do Instituto Real dos Jovens Cegos, em Paris, pelo
filantropo Valentin Hauy.
A quarta é a da integração, fase relativamente recente, na qual se verifica uma
preocupação de preparar a pessoa cega para participar e atuar efetivamente na vida em
sociedade.
A preocupação com a educação das pessoas cegas e com a sua integração na
sociedade data de pouco mais de duzentos anos (Vieira, 1986). Durante milênios os
deficientes visuais viveram praticamente à margem da sociedade. Nesse sentido, afirma
Lemos (1976), somente a partir do século XVIII é que as primeiras iniciativas foram
consideradas, visando evitar o isolamento social dos cegos e dos demais ditos
excepcionais, numa tentativa de orientar e aproveitar as potencialidades de que
dispunham.
32
No Brasil, a história da educação dos cegos teve início com o jovem cego
brasileiro José Álvares de Azevedo que após concluir seus estudos em Paris, no atual
Instituto Valentin Huye, entrou em contato com o médico do Paço, Dr Xavier Sigaud,
que o levou à presença de Sua Majestade D Pedro II, expondo, na oportunidade, o seu
plano de criar no Brasil, uma escola semelhante aquela na qual havia estudado em Paris.
Assim, pelo Decreto Imperial nº 1428, de 12 de Setembro de 1854, foi criado o Imperial
Instituto dos Meninos Cegos, inaugurado em 17 de Setembro de 1854, atualmente
Instituto Benjamin Constant.
O Instituto Benjamin Constant (IBC), como é conhecido, ao longo de um século
e meio de existência, tem se dedicado a educar e a preparar cidadãos deficientes visuais,
cumprindo, assim, o papel para o qual foi criado.
Portanto, a idéia de realizar uma pesquisa com alunos egressos do Instituto
Benjamin Constant surgiu da necessidade de se verificar como se encontram inseridos
na comunidade seus ex-alunos, que concluíram o ensino fundamental no período de
1985 a 1990 e qual foi o papel do Instituto na vida deles. Escolhemos esse período
porque esses ex-alunos estão atualmente com idade entre 30 e 43 anos, tempo
considerado suficiente para cursarem uma faculdade, realizarem concursos, constituírem
família...
A entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
desencadeou várias discussões sobre a chamada educação inclusiva, uma vez que consta
no seu artigo 58 que “a educação especial será oferecida, preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (Lei nº 9394,
de 20 de dezembro de 1998, p.22).
Sendo o Instituto Benjamin Constant um centro de referência nacional para as
questões voltadas para a deficiência visual e tendo sido a escola pioneira na América
33
Latina na educação de cegos, resolvemos realizar uma pesquisa com alunos egressos
daquela instituição, que possa discutir questões como:
Será que o que foi realizado no IBC em termos curriculares contribuiu para a
exclusão de seus ex-alunos?
Será que existe um papel para a educação especial no momento?
Será que o IBC funciona como espaço de socialização ou de segregação?
A educação recebida pelos alunos egressos do IBC influenciou na qualidade de
vida deles?
2.2 - Educação Especial
Durante séculos os deficientes foram considerados seres distintos e viviam
separados dos grupos sociais, entregues à própria sorte e às vezes abandonados pela
própria família; à pessoa cega não se dava o direito, nem condições de participar da
sociedade. Mas, à medida que o direito do homem à igualdade e à cidadania tornou-se
motivo de preocupação dos chefes de nações e das entidades que lutam pela igualdade e
pelos direitos humanos, como por exemplo, a Organização das Nações Unida - ONU e a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, a
história da educação e especialmente a da educação especial começou a mudar.
Essas mudanças tornaram-se mais visíveis a partir da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, adotada e proclamada em 10 de dezembro de 1948, ao expressar de
forma categórica e inequívoca que todo ser humano tem direito à instrução. No Brasil,
este direito foi garantido através da Constituição Federal Brasileira, de 1988, artigo 208,
item III, que ao se referir sobre o dever do Estado com a educação, postula que ele será
34
efetivado mediante a garantia de: “atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (p.127).
Conforme afirma Fonseca (1991), ”a conquista do direito de igualdade de
oportunidades educacionais é o resultado de uma luta histórica dos militantes dos
direitos humanos” (p.11), luta que implica na obrigatoriedade do Estado garantir,
gratuitamente, escolas para todas as crianças, nas quais todas as crianças possam estar
incluídas e recebendo uma educação de boa qualidade.
Assim, de acordo com definição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional/96, educação especial é “a modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais” (p.22). Logo, ela perpassa transversalmente todos os níveis de
ensino, da educação infantil ao ensino superior. Essa modalidade de educação é
considerada como um conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que
estejam à disposição de todos os alunos, inclusive aqueles com necessidades
educacionais especiais5, oferecendo diferentes alternativas de atendimento, de acordo
com as características de cada um.
A história da educação especial no Brasil teve início com a criação do Instituto
Benjamin Constant, em 12 de setembro de 1854, que foi a primeira escola para cegos na
América Latina. A partir daí, comenta Mazzotta (1996), alguns brasileiros inspirados
em experiências bem sucedidas na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte,
começaram a organização de alguns serviços para atendimento a cegos, surdos,
deficientes mentais e deficientes físicos. Contudo, informa ainda Mazzotta, a inclusão
da “educação de deficientes”, “da educação dos excepcionais” ou da “educação
5 - Segundo Sassaki (1999), o termo correto é necessidades educacionais especiais e não necessidades educativas especiais. A palavra educativa significa algo que educa e, necessidades não educam.
35
especial” na política brasileira vem a ocorrer somente no final dos anos 50 e início da
década de 60 do século XX.
A intenção de estabelecer e garantir o atendimento pedagógico em educação
especial materializou-se em 1972 quando, por ocasião da formulação do I Plano Setorial
de Educação, o Governo Federal elegeu a educação especial como área prioritária. Em
decorrência desse plano foi criado pelo Decreto nº 72.425, de 3 de julho de 1973, o
Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), que tinha como finalidade,
promover em todo território nacional, a expansão e melhoria do ensino especial. Porém,
através do Decreto nº 93.613, de 21 de novembro de 1986, o CENESP é extinto e
transformado em Secretaria de Educação Especial (SESPE).
Em 15 de março de 1990 o Ministério da Educação foi reestruturado, ficando
extinta a SESPE e, suas atribuições pertinentes à educação especial foram passadas à
Secretaria Nacional de Educação Básica (SENEB), tendo sido criado para esse fim o
Departamento de Educação Supletiva e Especial (DESE). As mudanças continuaram.
Assim, no final de 1992 houve outra reorganização ministerial e na nova estrutura
reaparece a Secretaria de Educação.
Outro órgão criado em 1986 que tem exercido papel relevante na educação
especial é a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE). Criada para traçar uma política de ação conjunta, destinada a aprimorar a
educação especial e a integrar, na sociedade, as pessoas portadoras de deficiência, com
problemas de conduta e superdotadas, a CORDE tem atuado em conjunto com a SEESP
na busca da integração da pessoa portadora de deficiência.
Na verdade, o atendimento educacional especializado ofertado aos educandos
portadores de necessidades especiais no sistema educacional brasileiro e defendido pela
SEESP/MEC é pautado no sentido de enfatizar a investigação das possibilidades do
36
aluno, visando o desenvolvimento máximo de suas potencialidades independente desse
atendimento ser prestado por escola especializada ou comum (SEESP, livro 2, 1994,
p.27). Assim, o que se busca é a ampliação de oportunidades, para que as pessoas com
necessidades educacionais, especificamente aquelas relacionadas à área da visão,
tenham à sua disposição uma escola de qualidade, de fácil acesso, com recursos
didático-pedagógicos disponíveis e docentes qualificados para trabalharem com esses
alunos.
2.3 - Educação Inclusiva
A educação de um indivíduo procede de situações capazes de transformá-lo ou
de lhe permitir transformar-se. Conforme coloca Mazzotta (1987), “tais situações de
educação são determinadas por um grande número de fatores e constituem um conjunto
muito complexo, tanto no espaço quanto no tempo” (p.33). Assim, a educação poderá
ocorrer em vários locais, como por exemplo, na família, na escola, na igreja, na rua e na
casa de vizinhos.
Fato é que em qualquer local, o importante é que haja um relacionamento entre
pessoas que resultem em trocas de tal forma que cada indivíduo possa ter o seu valor
reconhecido, independente de suas dificuldades. A partir de 1994, por ocasião da
Declaração de Salamanca6 informa Silveira Bueno (2001) que “muitos países
começaram a implantar políticas de inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais no ensino regular, por considerarem-na como a forma mais democrática
para a efetiva ampliação de oportunidades educacionais para essa população” (p.37).
6 Declaração de Salamanca – documento extraído e aprovado por ocasião da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, ocorrida em Salamanca, Espanha, no período de 7 a 10 de junho de 1994, onde se reuniram mais de trezentos representantes de noventa países.
37
No Brasil, a idéia da inclusão não teve a mesma recepção. Tão logo foi
publicada a LDB/96, foi necessário que a Secretaria de Educação Especial do MEC,
SEESP, realizasse uma série de encontros, objetivando sensibilizar os secretários
estaduais e municipais de educação, bem como os dirigentes estaduais de educação
especial, quanto à necessidade de promoverem em seus estados e municípios, eventos
para divulgação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96).
Sem dúvidas, a inclusão carrega um leque de opções e de polêmicas, que numa
visão ampla de necessidades especiais pode incluir os mais diversos indivíduos e
situações, mesmo que seja apenas passageira, como é o caso de uma mulher grávida ou
de uma pessoa que temporariamente necessita de se locomover utilizando-se de cadeira
de rodas. Fato é que “a diversidade encontra-se entre as prioridades na pauta
educacional no mundo inteiro” (Badejo, 2002, p. 47).
No Brasil, a política para a inclusão já foi delineada e encontra-se incluída na
pauta de educação para todos, na qual todas as crianças devem estar na escola, inclusive
aquelas com necessidades educacionais especiais. Não obstante essa vontade política
faz-se necessário que toda a sociedade esteja preparada para que a inclusão ocorra na
prática.
Na condição de Diretor-Geral do Instituto Benjamin Constant, entre 1994 e
2003, tivemos a oportunidade de participar de quase todos os encontros que foram
realizados pela Secretaria de Educação Especial, ocorridos em Brasília, Pirenópolis-
Goiás e em outros estados, todos versando sobre a inclusão. Nas diversas ocasiões que
participamos, pudemos observar que as dificuldades apresentadas por todos os
participantes giravam em torno da necessidade de formação de recursos humanos, da
falta de acessibilidade nas escolas e da falta de recursos didático-pedagógicos e de
materiais especializados, como por exemplo o livro didático em Braille. Mesmo assim,
38
havia grande vontade política no sentido de que todas as crianças fossem atendidas em
escolas capazes de viver e conviver com contradições e que pudessem respeitar a
diversidade e buscar a unidade nas relações entre as pessoas, independentemente de
suas diferenças ou dificuldades individuais, confirmando, assim, a afirmação de
Mantoan (2001), de que “a inclusão é simplesmente uma questão de vontade (p.237)”.
Na perspectiva de educação para todos, que, aliás, é uma questão de direitos
humanos, as escolas devem se preparar para incluir todos os alunos, inclusive aqueles
com necessidades educacionais especiais. Essa preparação, alerta Stainback e
colaboradores (1999), é composta de três componentes práticos interdependentes no
ensino inclusivo: “o primeiro deles é a rede de apoio, o segundo é o trabalho em
equipe e o terceiro é a aprendizagem cooperativa, o componente do ensino, que está
relacionado à criação de uma atmosfera de aprendizagem em sala de aula, em que
alunos com vários interesses e habilidades podem atingir o seu potencial” (pp. 21 e
22).
Somos a favor de uma escola que ofereça um ensino de qualidade. Partindo
desta premissa e analisando a afirmação de Stainback e colaboradores (1999) sobre a
preparação para a Vida na Comunidade “(...) em geral, quanto mais tempo os alunos
com deficiências passam em ambientes inclusivos, melhor é seu desempenho nos
âmbitos educacional, social e ocupacional” (p.23), ficamos apreensivos e aumentou
mais ainda o nosso interesse em saber como se encontram inseridos, atualmente, na
comunidade os alunos egressos do Instituto Benjamin Constant, uma vez que esses
alunos estudaram em uma escola especializada e residencial, permanecendo nela pelo
menos quinze anos de suas vidas.
Os princípios da inclusão não se destinam somente aos alunos com deficiências,
mas a todos os alunos, o que equivale dizer que as boas escolas podem ser assim
39
adjetivadas porque contribuem para o sucesso de todos que as freqüentam, não se
dirigindo apenas para um grupo seleto. Para que isso ocorra é necessário que sejam
observados alguns princípios que visam evitar o isolamento, como:
“o desenvolvimento de uma filosofia comum e um plano estratégico; uma liderança forte; a promoção de culturas no âmbito da escola e da turma que acolham, apreciem e acomodem a diversidade; o desenvolvimento de redes de apoio; o uso de processos deliberativos para garantir a responsabilidade; o desenvolvimento de uma assistência organizada e contínua; manter a flexibilidade; exame e adoção de abordagens de ensino efetivas; a comemoração dos sucessos e, aprendizagem com os desafios e estar a par do processo de mudança, sem permitir que ele o paralise” (Stainback et al, 1999: pp. 69-83).
Seria ideal que todas as escolas do nosso país pudessem adotar todos esses
princípios, mas infelizmente a nossa realidade é outra; as nossas escolas convivem com
múltiplos problemas como repetência e evasão de alunos, desvalorização e baixo salário
do docente, além do despreparo de todo corpo técnico e administrativo, que certamente
contribuem para o aumento da crise institucional da educação.
Sem dúvida, a razão mais importante para o ensino inclusivo é o valor social da
igualdade. Conforme colocam Stainback e colaboradores (1999), “há de ser garantido
que os alunos com deficiências sejam apoiados para tornarem-se participantes e
colaboradores na planificação e no bem-estar desse novo tipo de sociedade” (p.29).
Dessa forma, estarão sendo evitados os erros do passado, quando os alunos com
deficiência eram deixados à margem. Realmente não há comprovação de que alunos
agrupados em classes homogêneas, ou especiais, aprendam com mais eficiência ou
tenham mais sucessos do que aqueles que estudam em classes heterogêneas. Contudo, o
que se pretende é uma escola de qualidade que saiba trabalhar com as diferenças, de
forma a não promover a exclusão na tentativa de implementar a inclusão.
40
Quanto ao cego estudar em escola especializada e/ou em escola comum,
retornaremos a esse assunto no capítulo seis, quando estivermos falando sobre cegueira
e sociedade (item 6.2).
2.4 - Legislação
Preliminarmente convém ser ressaltado que os direitos das pessoas com
deficiência são os mesmos de qualquer outro cidadão. Entretanto, essas pessoas têm
necessidades outras, pela sua própria condição, que devem ser levadas em consideração
sob pena de permanecerem excluídas do convívio social.
Pode-se considerar que no Brasil, a evolução do deficiente visual, bem como a
sua incansável luta pelos direitos, garantias e pela não marginalização social, teve início
em 1854, com a criação do Instituto Benjamin Constant. Assim, ao longo de seus 151
anos de existência este Instituto tem possibilitado a educação e a reabilitação de
milhares de pessoas deficientes visuais, bem como o surgimento de outros Institutos à
sua semelhança, em diversas capitais do país, contribuindo, assim, para a disseminação
do ensino para os deficientes visuais, que à nossa interpretação tem sido considerado
como boa alternativa para a educação de pessoas cegas e de baixa visão.
Em que pese a existência de todos esses dispositivos legais, convém lembrar que
a legislação por si só não produz os efeitos que se espera; faz-se necessário, portanto,
que o direito não seja apenas uma promessa de direito futuro, mas, de direito atual e
concreto, de forma a não se constituir em sonhos irrealizáveis. Aliás, a despeito de todas
essas garantias comenta Rosa e colaboradores (2003) que a pessoa com deficiência
continua a vivenciar a exclusão e sofrer o preconceito, uma vez que “a lei, por si só, não
41
muda a realidade social, o fato social; não conscientiza as pessoas e aqueles que detêm
poder decisório na esfera governamental” (p.20).
Sob o ponto de vista da evolução histórica, pode-se dizer que as respostas sociais
de enfrentamento à exclusão pelos deficientes visuais têm sido positivas, podendo,
entretanto, esta afirmação, a princípio, ser questionada. Porém, se fizermos uma
comparação da qualidade de vida desses deficientes de décadas passadas, com a da
atualidade, certamente constataremos que houve grande avanço de inserção
comunitária. Antes, viviam à margem da sociedade. Hoje, são participantes,
contribuintes efetivos, inclusive, alguns deles exercendo importantes cargos tanto no
cenário nacional como internacional, na condição de empresários, políticos, educadores,
músicos, dirigentes, dentre outros.
Por outro lado, é importante ser ressaltado que embora tenha havido
considerável avanço de direitos e garantias, ainda persistem o estigma dos "rótulos", os
quais, quando materializados, cristalizam idéias, que contribuem para o fechamento de
portas de escolas, de igrejas, de praças públicas, do trabalho e assim por diante, fazendo
com que a marca do inválido prevaleça sobre o homem.
O que se busca é a igualdade efetiva, inclusive, no plano social e econômico e
não apenas no sentido jurídico-formal. Aliás, o princípio básico dos direitos da pessoa
portadora de deficiência é o da igualdade. Assim, tais pessoas, por terem necessidades
especiais, logicamente demandam tratamento diferenciado para que suas condições de
vida possam ser equiparadas às dos demais cidadãos.
Finalmente, não adianta a existência pura e simples das leis se a sociedade não
se encontra conscientizada e preparada para receber o deficiente. A exclusão social
somente deixará de existir quando os deficientes forem considerados como seres
humanos, tratados como cidadãos e ocupando os mesmos espaços, ou seja, a verdadeira
42
inclusão, preconizada pela Constituição Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional e por outros dispositivos nacionais e internacionais que versam
sobre este assunto, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
44
Capítulo 3 - Caminhos da pesquisa
3.1 – Coleta de dados
O Instituto Benjamin Constant, órgão da administração direta do Ministério da
Educação (MEC), por seu perfil de centro de referência nacional para questões voltadas
à deficiência visual, fornece oportunidade privilegiada no campo de pesquisa na Saúde,
Educação, Reabilitação Educacional7 e de Inserção Comunitária. Desta forma, o projeto
proposto neste trabalho iniciou-se em 2003 após a aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ) parecer nº
CAAE 0061.0.008.000-03.
Esta pesquisa teve como pretensão investigar a integração sócio-comunitária de
um grupo de alunos egressos do Instituto Benjamin Constant que concluíram o ensino
fundamental entre 1985 a 1990. Para isso ouvimos o que eles tiveram a nos dizer sobre
suas experiências de viverem a deficiência visual, assim como que papel a educação
especial recebida teve no direcionamento de suas vidas no passado, no presente e quais
as perspectivas que vislumbram para o futuro. Por um lado almejamos saber como esse
conjunto de deficientes visuais situa a educação que receberam no Instituto e, por outro,
investigar se as proposições da Escola para Todos, ou da chamada Educação Inclusiva,
encontram respaldo nas opiniões por eles emitidas.
Para tanto, lançamos mão da abordagem qualitativa, realizando um estudo de
caso referido não somente a uma instituição, mas também a um grupo delimitado de
pessoas de ambos os sexos que têm na deficiência visual um ponto em comum.
A pesquisa também se revestiu de caráter estratégico, pois entendemos tratar-se
de uma investigação que pode dar um retorno significativo para o Instituto Benjamin 7 Define-se como reabilitação educacional, o atendimento educacional às pessoas que ficaram cegas após a idade escolar (geralmente após os 14 anos de idade) e, tem como objetivo habilitá-las à nova vida de cego.
45
Constant, assim como subsidiar melhor as propostas da chamada educação inclusiva,
avaliando como esses cegos encaram a implementação de uma Escola Para Todos que,
de certa forma, rompe com o modelo educacional que experimentaram.
O nosso campo de estudo foi o Instituto Benjamin Constant. Mais
concretamente, a educação especial implementada na instituição entre os anos de 1985 a
1990, pois foi durante esse espaço de tempo que os egressos que estudamos
freqüentaram aquele Instituto.
Anteriormente já falamos no Instituto e relatamos um pouco de sua história.
Agora, nos reteremos sobre a educação fornecida, para melhor contextualizar nosso
objeto.
O IBC recebe matrícula de alunos, da Estimulação Precoce à oitava série do
Ensino Fundamental; por ocasião da matrícula, os candidatos são avaliados por uma
equipe composta de professor, oftalmologista, psicólogo, entre outros profissionais. Em
função da situação sócio-econômica e da relação da distância Instituto Benjamin
Constant - residência, o aluno poderá permanecer externo, semi-interno ou interno.
A Escola Especializada do IBC funciona de 07 às 17 horas. A sua grade
curricular contem as mesmas disciplinas do Sistema da Escola Regular de Ensino, com
o acréscimo de outras disciplinas e atividades como: Sistema Braille, Sorobã,
Orientação e Mobilidade, Atividade da Vida Diária, Escrita Cursiva e Educação Física
Adaptada, que são necessárias à educação do deficiente visual.
O estudo foi desenvolvido entre os anos de 2002 a 2004 e os 89 egressos
selecionados foram identificados no arquivo de alunos da secretaria geral do
Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant.
Para esse estudo foi realizada pesquisa de fontes primárias, compreendendo
consultas a fichas individuais de alunos e a fichas médicas, oriundas, respectivamente,
46
do Departamento de Educação (DED) e Departamento de Pesquisa Médica e de
Reabilitação (DMR). A pesquisa realizada nas fichas visou traçar o perfil dos egressos
segundo: naturalidade; condição visual; sexo; data de nascimento; ano de matrícula no
IBC; série inicial de matrícula e patologia ocular.
Para melhor compreensão a respeito da vida desses egressos, foram utilizados os
dados que são apresentados nos gráficos de nº 1 a 5, que serviram de base para o
norteamento da pesquisa.
Gráfico 1 – Naturalidade dos egressos por unidade federativa.
ORIGENS DOS EGRESSOS POR ESTADOS
02468
10121416
1985 1986 1987 1988 1989 1990
EGRESSOSRJMGESSPBASECEPBPERNGOROAM
47
Gráfico 2 - Condição visual dos egressos.
Ex-alunos /IBC por condição visual
0
5
10
15
20
1985
1986
1987
1988
1989
1990
ano de conclusão da 8ª série
núm
ero
de a
luno
s
Cegos -64
Baixavisão -25
Gráfico 3 - Identificação dos egressos por sexo.
Ex-alunos do IBC - 1985 a 1990
02468
101214
1985 1986 1987 1988 1989 1990
ano de conclusão da 8ª série
alu
nos
que
conc
luira
m
MascFem
48
Gráfico 4 - Idades de matrícula dos egressos no JI e CA.
0123456789
J Inf Cl Alfab
Série inicial de matrícula
alun
os e
gres
sos
4 5
6 7
8 9
10 11
12 13
14 15
16 17
Gráfico 5 – Idade de matrículas dos egressos nas 1ª a 4ª séries.
Matrículas dos egressos no IBC
12 2
1
3
2
1
1
1 10
0,51
1,52
2,53
3,54
4,5
8 anos
9 anos
10 an
os
11 an
os
12 an
os
13 an
os
14 an
os
15 an
os
16 an
os
17 an
os
4ª série
3ª série
2ª série
1ª série
49
Gráfico 6 – Idades de matrículas dos egressos no Ensino Fundamental do IBC ( 5ª a 7ª séries) e Classe de Aprendizagem do Sistema Braille.
1
4
11
1
1
1
11 1
1
012345678
5ª série 6ª série 7ª série Braille
Egre
sss
17 anos
16 anos
15 anos
14 anos
13 anos
12 anos
11 anos
10 anos
Gráfico 7 – Patologias oculares dos egressos
0
2
4
6
8
10
12
Masc Fem
GlaucomaCongênto
RetinosePigmentar
Atrofia Óptica
Leucoma
Cataratacongênita
Degeneraçãoretina
50
Gráfico 8 – Patologias oculares dos egressos
Mapeado o campo e os sujeitos que nele transitaram, julgamos importante traçar
o perfil dos egressos para que melhor pudéssemos discutir os procedimentos que
seguimos. Dessa forma, passamos à apresentação dos procedimentos tomados,
apresentando-os por etapas a fim de facilitar a sua compreensão.
0
0,5
1
1,5
2
2,5
Masc Fem
Miopia+estrabismo
Corioret+miopia+ast.
Ambliopia deAO
Enucleaçãode AO
Anirídiacong+nistag.
3.1.1 - 1ª etapa: Realização do Fórum dos Egressos do IBC.
Foi planejado um encontro dos ex-alunos do IBC que concluíram o Ensino
Fundamental no período compreendido entre 1985 a 1990, tendo sido inscritos 56
egressos para participarem desse encontro.
O fórum foi aberto por uma conferência proferida por um ex-aluno, ex-professor
e ex diretor-geral do Instituto Benjamin Constant. Em seguida, foram realizadas
palestras sobre assuntos pertinentes à vida do deficiente visual, acompanhadas de
51
depoimentos e debates sobre temas que versaram sobre as dificuldades encontradas para
a inserção comunitária, assim como sobre a qualidade de vida auferida ao longo dos
anos que o separaram da vida acadêmica do IBC.
O material produzido no fórum, constando de: uma conferência, oito palestras e
dois grupos de trabalho foi todo gravado em fita cassete e filmado. Posteriormente, esse
material foi transcrito e transferido para um CD, fazendo parte do primeiro volume
intitulado Fontes 1, que serviu de suporte para a confecção das seis perguntas que
foram enviadas aos egressos e, todo o evento teve por base uma postura etnográfica. É
importante frisar que se partiu do entendimento de etnografia como sendo o exercício
peculiar de compreensão da realidade sócio-cultural dos outros, mediante a análise da
própria experiência de estar no mundo deles (Van Maanen, 1988). Nesse sentido, tratou-
se de uma abordagem ao mesmo tempo reflexiva e interpretativa, tomando por base o
processo de transformar as conversas, as observações e as experiências em textos
escritos.
O vídeo foi encarado como um cenário social e, através dele, procuramos
conhecer as pessoas nele registradas, observando o que aconteceu, como se
comportaram, quais seus posicionamentos diante dos temas em debate, quais os
questionamentos que brotaram e de que maneira se relacionaram entre si e com os
palestrantes. Fizemos anotações de forma regular e sistemática sobre o que foi
observado, acumulando registros escritos desse observado e das interpretativas sobre
eles. O propósito foi o de nos aproximarmos de nossos observados, sempre voltados a
captar o que as experiências vividas e veiculadas significaram para eles.
Elaboramos uma série de notas de campo, ou seja, uma base documental
produzida ao longo do evento e por meio do registro etnográfico que conteve:
52
As impressões iniciais, incluindo detalhes sobre o cenário apresentado no vídeo e as
pessoas que nele apareceram, enfocando-se principalmente as atitudes e modos de se
expressar dos deficientes visuais;
Os eventos chaves ou incidentes relacionados ao objeto da investigação, mas atentando
para os indícios carreados pelas interações verbais ou não verbais;
O que as pessoas observadas consideraram significativo e postularam como importante;
os padrões que emergiram, mas também suas variações e exceções:
As impressões e sentimento geral, agregando-os ao que nos foi dado observar no
momento da realização das diversas atividades propostas pelo fórum e que, porventura,
não se encontraram registradas no vídeo;
Descrição detalhada de cenas importantes, ambiência, objetos, pessoas, ações e
conversações que ocorreram entre os indivíduos observados;
Caracterização, sobretudo, da maneira como as pessoas observadas falaram, agiram,
gesticularam, movimentaram-se e se relacionaram umas com as outras;
Termos, expressões e maneiras pelas quais as pessoas observadas dirigiram-se aos
demais;
Questões colocadas nas palestras, nos debates e nos depoimentos e as reações que
suscitaram;
As histórias que apareceram nas palestras, nos depoimentos e nos debates;
Termos, expressões e sentenças/frases que as pessoas utilizaram para caracterizarem os
deficientes visuais;
Explanações e teorias formuladas pelos indivíduos observados;
A significação que os egressos deram às suas experiências quando estudaram no IBC e
depois que dele saíram.
53
3.1.2 - 2ª etapa: – Depoimentos temáticos
As temáticas foram elaboradas em forma de perguntas e enviadas aos
participantes do fórum que as responderam livremente. Esses testemunhos nos foram
enviados de várias maneiras: alguns foram entregues pessoalmente ao pesquisador no
Instituto Benjamin Constant e outros encaminhados pelos Correios para a sua
residência. Em ambas as situações as respostas estavam escritas em Braille e à tinta.
Cerca de 70% dos depoimentos nos foram enviados via internet pelos próprios
deficientes visuais.
Nem todos os egressos responderam as seis perguntas; assim, das 56 pessoas
contatadas, recebemos as seguintes respostas;
Como você se sente numa sociedade exclusiva - foram recebidas 36 respostas;
O que é viver com o estigma da cegueira – foram recebidas 41 respostas;
Como foi a sua adolescência – foram recebidas 46 respostas;
O que é ser jovem e cego tentando entrar para a escola ou para a universidade – foram recebidas 45 respostas;
Como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego – foram recebidas 33 respostas;
O que é ser cidadão cego – foram recebidas 46 respostas.
As respostas das perguntas foram transcritas e transferidas para um CD e fazem
parte do segundo volume intitulado Fontes 2, juntamente com outros itens como: causas
da deficiência visual dos ex-alunos; dados médico-oftalmológicos dos ex-alunos e
roteiro das entrevistas.
3.1.3 - 3ª etapa: Construção das fontes orais
O método utilizado foi o método para a construção de fontes orais, elaborado e
testado por Cardoso (1989). De acordo com Rebello (1997), “o método leva em conta a
54
comunicação verbal como forma privilegiada de expressão não somente da
subjetividade, mas também, é capaz de transmitir as representações e visões do mundo
em condições históricas, sócio-econômicas e culturais do coletivo”. O método trabalha
com três tipos de memórias: a coletiva (experiência da vida comunitária), a individual
(expressando desejos e conflitos) e a histórica (recordação de fatos). Assim, trabalhando
de forma entrelaçada com essas memórias, se viabiliza a partir de quatro módulos de
entrevistas interdependentes e articuladas.
O primeiro módulo, o contato, consistiu numa entrevista previamente marcada,
num encontro realizado sem gravador, onde os motivos foram expostos. A partir desse
contato inicial foi produzido um paper com os primeiros dados básicos, que se
transformou num “retrato” do entrevistado.
O segundo módulo, história de vida, teve como objetivo a reconstituição da
história pessoal do depoente desde suas mais remotas memórias da infância até os dias
atuais. A meta desse módulo foi a de delimitar a identidade sócio-cultural do
entrevistado e ela foi registrada em fita cassete.
O terceiro módulo, relacionamento temático, demandou a elaboração de um
roteiro prévio, com questões que visaram fazer a ponte com o objetivo geral e os
específicos da pesquisa, tendo sido gravado.
O quarto módulo, historiográfico, teve a pretensão de levar o entrevistado a
falar livremente sobre sua trajetória de vida, objetivando elucidar melhor as
confluências do discurso. O depoente foi convidado a expor livremente todo o processo
vivenciado e a narrativa foi gravada. Essa fase complementou os módulos anteriores,
contribuindo para a contra checagem.
O material foi transcrito pelo próprio pesquisador e posteriormente realizou-se
uma conferência de fidelidade com o objetivo de checar frases e palavras que
55
porventura haviam sido inteligíveis no momento da transcrição. As entrevistas
perfizeram um total de trinta horas gravadas.
A amostra foi uma amostra de conveniência, ou seja, a partir dos
depoimentos colhidos por escrito escolhemos seis depoentes, três do sexo feminino e
três do sexo masculino, entre as idades de 30 a 40 anos, todos cegos congênitos, de
forma que houvesse um representante de cada ano em estudo e, de acordo com os
seguintes critérios:
• Identificação com o tema proposto e disposição a discuti-los;
• Diversidade de inserções sociais;
• Disponibilidade de tempo para realizar as entrevistas e
• Cegueira ligada a fatores genéticos ou congênitos.
Os escolhidos foram contatados pessoalmente e convidados a participar da
pesquisa sendo-lhes explicado todo o processo da coleta e tendo, todos os mesmos
assinado termo de consentimento livre e informado sobre a pesquisa (ver apêndice 01).
3.2 - Análise do material coletado
A análise do material coletado se processou em três etapas:
1ª etapa - A leitura de todas as notas de campo, dos testemunhos e do material
transcrito das entrevistas, enquanto um corpus, considerando todo o registro da
experiência tal como ela se desenvolveu no decorrer do tempo.
2ª etapa - A codificação, que foi processada em duas fases: a) - codificação aberta,
processada pela leitura linha por linha das anotações, dos testemunhos e das entrevistas,
com a finalidade de identificar e formular as idéias, os temas e os assuntos que elas
sugeriram, não importando quanto variados foram e, b) - codificação enfocada, tendo
56
por base tópicos já identificados como de particular interesse para a pesquisa e
pesquisador.
3ª etapa - A análise semiótica. Em semiótica, todo enunciado verbal ou não – vídeos,
filmes, quadros, edifícios, movimentos corporais... -, porém dotados de significação e
função integrais, é considerado um texto. Os elementos que se levou em consideração
para efetuar essa etapa foram:
Coerência textual – o que liga as frases solidariamente, caracterizando-as como
parte de um todo mais amplo;
Competência textual e intertextual – a capacidade de perceber as frases como
fragmentos interligados a algo maior e coerente, suprindo as conexões implícitas
que se tornaram necessárias. Por exemplo: “Coitado, ele não enxerga; como será que
ele perceberá a beleza existente no raiar e no por do sol?”.
Estruturas superficiais e profundas do texto – as primeiras correspondem à
ordenação discursiva dos conteúdos manifestos; as segundas articulam-se aos
elementos semânticos mais basais cujo caráter geral e o estatuto lógico podem ser
definidos. Por exemplo: “Sou cego, mas vejo”, implicando que a cegueira física não
significa numa cegueira da alma que incapacita o sujeito de ver o mundo.
“Discursivização” - processo no qual, através das estruturas discursivas mais
superficiais, as estruturas profundas são postas em discurso pela elocução. Na
“discursivização” institui-se:
1. “actorialização” - os personagens;
2. “temporalização” - efeitos de tempo;
3. “espacialização” - geração dos elementos abstratos;
4. “figurativização” - geração dos elementos concretos.
57
Esse processo analítico foi elaborado por CARDOSO (2000), a partir de Ciro
Flamarion Cardoso, na exposição que faz do percurso gerativo textual de Greimas e
Coutés (1977).
O passo seguinte constituiu-se na análise e discussão dos resultados colhidos no
encontro e nas respostas das seis perguntas enviadas ao pesquisador pelos egressos.
59
Capítulo 4 - Visões em dois momentos
Este capítulo é dividido em dois momentos: o primeiro, o congresso que
compreendeu a conferência de abertura, as palestras e as sugestões de dois grupos de
trabalho centrados nos temas educação e trabalho. O segundo momento referiu-se às
seis perguntas que foram enviadas aos egressos.
Não poderíamos escrever sobre a vida dos alunos egressos do Instituto Benjamin
Constant (IBC), partindo simplesmente dos resultados de nossas observações, pois
acreditamos que suas vozes expressando trajetórias de vida, incluindo a fase que
estiveram no Instituto e a fase extra-Instituto, é o mirante a partir de onde devemos nos
postar para obter as informações que necessitamos a fim de contemplar nosso objeto.
Na verdade fomos observadores participantes de uma experiência na qual os
atores – os ex-alunos – além de narrarem suas trajetórias de vida, as re-vivenciaram. Os
significados dados à cada frase inspiravam alegria, prazer, descontentamento, revolta e,
também, muito orgulho por terem estudado no Instituto Benjamin Constant, sendo que
outras instituições foram também citadas como, por exemplo, o Colégio Pedro II, outros
colégios Estaduais, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Federal
do Rio de Janeiro, dentre outras.
As frases pareciam ser construídas com uma argamassa de qualidade superior,
de forma que as intempéries do tempo jamais conseguiriam destruí-las. Estou me
referindo ao sentimento e a emoção explícita revelados na voz e na escrita tingindo a
satisfação por ocupar um espaço e um tempo, nos quais era a historicidade do “ser
cego” numa sociedade como a brasileira que se mostrava por inteiro aos nossos olhos e
aos nossos ouvidos.
60
O evento aconteceu em dois dias, nas instalações do próprio IBC e seguiu
programação conforme descrita no Anexo ( ). Esse encontro nos permitiu colher
material oriundo da conferência, das palestras, dos debates e das sugestões apresentadas
pelos dois grupos de trabalhos que se constituíram neste capítulo, com o título “Visão
dos Egressos”.
O material coletado no Encontro foi transcrito e submetido à análise juntamente
com o gravado em vídeo. Foi esta análise que apontou para seis temas que emergiram e
serviram de base para a elaboração dos depoimentos e tais temas foram: Como você se
sente numa sociedade exclusiva; o que é viver com o estigma da cegueira; como foi
a sua adolescência; o que é ser jovem e cego tentando entrar para a escola ou para
a universidade; como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego e o que é
ser cidadão cego.
1º momento: O encontro dos egressos
A Conferência de Abertura do Encontro serviu para situar o deficiente visual em
posição na história. O Conferencista, professor Jonir Bechara Cerqueira (2002)8 iniciou
sua fala mencionando as citações contidas na Bíblia Sagrada, relativamente à posição
social do cego, fazendo todos perceberem que sua historicidade era em função de
viverem num tempo e num espaço habitado pelos seres humanos.
Referindo-se à educação dos cegos, o conferencista salientou a invenção da
imprensa como uma das alavancas para o progresso do mundo. Por outro lado, afirmou:
“essa invenção não atingiu os cegos que continuaram à margem do saber, somente
8 Jonir Bechara Cerqueira, cego e ex-aluno do IBC. Foi professor da Instituição, exerceu vários cargos como: chefe de departamento, diretor de ensino e diretor-geral. Além desses, exerceu também outros cargos em Comissões, Conselhos e representou o Brasil várias vezes em missões no exterior.
61
[sendo integrado a eles] a partir de 1784 com a educação de maneira formal e, a partir
de 1825, com o advento da leitura e da escrita no Sistema Braille” (Cerqueira, 2002: p.
11).
Quanto ao Instituto Benjamin Constant, afirmou o conferencista “a sua criação
foi uma mudança radical dentro da sociedade”9 fato é que a partir de 1854, aos cegos
brasileiros é oportunizado freqüentar formalmente uma escola.
Desde sua fundação o Instituto Benjamin Constant tem se preocupado com a
formação acadêmica dos cegos. Assim, informou o palestrante, em acordo com
levantamento feito até 1910, em livros de matrículas que se encontram no museu do
Instituto, que os primeiros alunos eram agraciados com medalhas e botons de prata,
livros, dentre outros prêmios, como meios de estímulo. Com o desenrolar das novas
teorias pedagógicas, contudo, essa prática foi sendo abandonada.
Até o meado dos anos 90 vimos alguns alunos serem premiados por terem se
destacado em algumas disciplinas, e percebemos claramente que essa atitude não era
tida como uma prática que apenas estimulasse a competição entre os pares; mas,
sobretudo, funcionava como uma forma salutar de estimular os alunos a se dedicarem
mais aos estudos.
Outro fato citado por Cerqueira (2002) durante a sua conferência referiu-se aos
primeiros cegos que conseguiram empregos públicos. Foram alunos do IBC, “indicados
à época por Benjamin Constant, então diretor do IBC e, nomeados para serem
repetidores10, depois aspirantes e, finalmente, professores do próprio Instituto”
(Fontes, 1: p. 12).
O que inicialmente restringiu-se apenas ao âmbito do Instituto Benjamin
Constant, por volta dos anos 40, estendeu-se para outros Estados, como por exemplo,
9 - Ver Fontes 1 (p.12). 10 - Professor que repete as lições aos alunos.
62
São Paulo, onde outros ex-alunos conseguiram através de Concurso Público
ingressarem para o magistério estadual.
Assim, coloca Cerqueira (2002) que “os primeiros ex-alunos do IBC fizeram a
história dos cegos na sociedade brasileira, porque foram professores, foram
repetidores” (Fontes, 1: p. 12). Além disso, aqueles que não foram absorvidos pelo
Instituto saíram pelo Brasil afora, criando outras escolas, entidades e associações nas
quais os ex-alunos eram empregados. Dessa forma, foram como desbravadores, criando
pontos de disseminação de cultura e de trabalho para os cegos.
As entidades fundadas em outros Estados, como por exemplo, o Instituto São
Rafael, em Belo Horizonte; o Instituto de Cegos da Bahia; o Instituto de Cegos de
Belém; a Associação de Amparo ao Cego do Ceará e outras, estão ainda em pleno
funcionamento, contribuindo para educar e formar o cidadão cego brasileiro (Vieira,
1988).
A criação de escolas para cegos em outros estados, semelhantes ao Instituto
Benjamin Constant, possibilitou que muitas crianças cegas pudessem ser educadas bem
mais próximas aos seus familiares, inclusive com o apoio desses.
Além disso, o curso de especialização promovido anualmente pelo IBC desde os
anos 50, que é oferecido aos docentes dos estados que não possuem professores
especializados, tem contribuído para evitar o êxodo daquelas pessoas cegas que só
poderiam estudar no Rio de Janeiro.
Assim, conforme levantamento feito para caracterizar o perfil dos egressos do
IBC, distribuídos no Gráfico 1, observa-se menor percentual de matrículas nos Estados
da Bahia, Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Rondônia, seguidos de outros como:
Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Pernambuco e Amazonas, que foram
63
justamente os Estados nos quais foram criadas associações e institutos ou seus docentes
fizeram o curso de especialização no IBC ou em outras entidades.
Como apresentado no gráfico1, dos 89 alunos que concluíram o ensino
fundamental no IBC, entre 1985 e 1990, 71,90% eram do Estado do Rio de Janeiro;
11,24% dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, outros 11,24% oriundos de São
Paulo, Paraíba, Pernambuco, Goiás e Amazonas e os 5,62% restantes distribuídos pelos
Estados de Bahia, Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Rondônia.
Essas associações e escolas referidas por Cerqueira (2002) aproveitando a
habilidade manual e a capacidade de concentração de alguns cegos, começaram a
desenvolver artesanalmente materiais de pequeno custo e de fácil vendagem como
vassouras, palitos para churrascos, cabides, e outros serviços como empalhação de
cadeiras, capeamento e acolchoamento de sofás.
Em decorrência do aumento de fabricação desses objetos artesanais, surgiram os
vendedores ambulantes, que eram cegos acompanhados por guias que comercializavam
esses produtos nas feiras livres, ou os oferecendo nos domicílios.
Ainda a respeito da formação de associações11, é importante que seja lembrado a
criação do primeiro grêmio estudantil, no Instituto Benjamin Constant, que se chamava
Grêmio Comemorativo Beneficente 17 de Setembro. Inaugurado com a finalidade de
comemorar a fundação do Instituto, objetivava fazer ampla divulgação na sociedade,
sobre a realidade da educação das pessoas cegas e do Sistema Braille. Além disso, era
beneficente porque procurava ajudar os ex-alunos que não conseguiam empregos,
dando-lhes apoio financeiro até que conseguissem empregar-se.
11 Associação é uma união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. No caso de um grêmio escolar ele é formado apenas por alunos, de forma independente, e desenvolve atividades culturais e esportivas, organiza debates sobre assuntos de interesse dos estudantes que não fazem parte do currículo escolar e também organiza reivindicações, tais como compra de livros para a biblioteca, transporte gratuito para estudantes e muitas outras.
64
Nesse sentido, afirma Cerqueira (2002) que a atuação desse grêmio foi
importante e suas finalidades encontram-se publicadas em uma revista chamada
Poliantéia,12 da Biblioteca Nacional.
As atividades desse grêmio foram fechadas nos anos 60 e somente a partir de
2002 alguns ex-alunos começaram a se movimentar para a sua reabertura, talvez
contagiados pelas discussões em torno das eleições para Presidente da República e para
Diretor-Geral do Instituto Benjamin Constant.
Outro marco importante na história de vida do cego brasileiro, comentado por
Cerqueira (2002), referiu-se aos primeiros empregos alcançados pelos cegos fora do
Instituto Benjamin Constant. “Na década de 50 os primeiros cegos foram empregados
em atividades públicas como: Departamento Nacional de Correios e Telégrafos, Loyd
Brasileiro, Companhia Costeira de Navegação e outras” (Fontes, 1: p. 12).
Em 1958, com a criação da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de
Cegos, houve grande expansão de aproveitamento de pessoas cegas em atividades como
massagista, professores em escolas públicas, empalhador, vassoureiro, dentre outras.
Com o avanço tecnológico esses materiais foram sendo produtivos em larga
escala, portanto, apresentando preços menores, o que obrigou os cegos a procurarem
outros meios de sobrevivência.
O próprio Instituto Benjamin Constant ao perceber essa mudança, extinguiu os
cursos de estofamento e empalhação que mantinha, dando início a cursos de telefonista,
operador de câmara escura, ascensorista, massagista e, mais recentemente, a outros
como: telemarketing, informática, jardinagem, locução, dentre outros.
Relata ainda o conferencista que a década de 70 foi marcada como a época que
surgiram os primeiros cursos de programadores em computação que começou em São
12 Revista da Biblioteca Nacional, que publicava, dentre outros assuntos, trabalhos e discursos de ex-alunos e professores do Instituto Benjamin Constant.
65
Paulo e “os cursistas iam sendo empregados em Bancos, alguns como Programadores e
outros mais tarde, como Analistas de Sistemas” 13.
Na verdade, as pessoas cegas vêm pouco a pouco conquistando espaço na
sociedade, embora de forma ainda acanhada. Mas, é importante que sejam registrados
os primeiros atos de conquistas, tanto na educação quanto no mundo do trabalho.
Ressalta-se, ainda, que essas conquistas vêm acontecendo desde o advento da
bengala branca, da invenção do Sistema Braille, do Sorobã, da máquina de escrever para
cegos14, do gravador e, mais recentemente, da Informática e da Internet, acessada pelos
cegos através dos sintetizadores de vozes, como por exemplo, o Dos-Vox,15 que foi
inventado por um cego chamado Marcelo Pimentel e desenvolvido pelo professor José
Antonio dos Santos Borges, do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE), da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Todo esse aparato tecnológico trouxe ao cego maior independência, diminuindo,
sua dependência da ajuda de terceiros principalmente na realização das tarefas mais
simples da vida diária.
Ainda a respeito do cego e da sua inserção no mundo do trabalho, convém
lembrar que na década de 80 tiveram início os primeiros cursos de Operador de Câmara
Escura para Cegos, uma iniciativa do Instituto Benjamin Constant em parceria com o
13 - Vide Fontes, 1: p. 12. 14 - É um instrumento que permite a escrita em Braille, oferecendo vantagens como: poder ser lido imediatamente o que se escreve; rapidez na escrita; manejo do Braille com mais soltura, dentre outras. Esta máquina é composta por nove teclas, sendo seis para cada um dos signos que podem compor um caractere Braille; uma para espaçamento; outra de retrocesso e a última para mudança de linha, além de uma alavanca.
15 O Dos-Vox é um sistema para microcomputadores da linha PC que se comunica com o usuário através de síntese de voz, viabilizando, deste modo, o uso de computadores por deficientes visuais, que adquirem assim, um alto nível de independência no estudo e no trabalho (http://intervox.nce.ufrj.br/ (acessado em 10/Jun/2005).
66
Hospital Miguel Couto, nosocômio onde os alunos estagiaram. Muitos daqueles
“cursistas” ainda continuam trabalhando nessa profissão até os dias de hoje.
As últimas décadas do século XX testemunharam o desenvolvimento da
Informática, com a ampla difusão dos PCs. Conforme já citado anteriormente, o
desaparecimento de funções como alfaiate, sapateiro, fabricante de vassouras, dentre
outras, que eram exercidas artesanalmente por cegos, gerou, consequentemente, o
desemprego. Daí, segundo Cerqueira (2002) poder-se afirmar que “a tecnologia de um
lado, vem beneficiando os cegos e, de outro, vem tirando a oportunidade de empregos”
(Fontes, 1: p.13). Aliás como ocorre também com as pessoas que enxergam. Por isso, a
preocupação na capacitação continuada dos trabalhadores.
Quanto a essa questão do desemprego Cerqueira (2002) chamando a atenção
para aqueles deficientes visuais que “ficam na dependência de que a tecnologia os
atenda de forma satisfatória” 16. Por outro lado, é importante que seja sublinhado que
apesar da existência de um software17 capaz de acessar a Internet, de disponibilizar uma
conta bancária, de propiciar meios de alavancar desempenho intelectual, entre outras
facilidades, a realidade dos brasileiros, principalmente, a dos cegos é outra; pois, a
maioria da população nem sequer tem acesso ao computador (Lévy,1994). Sendo que
pouco mais de 8% está conectada à internet (Lyra, 2004).
Nesse caso, corroboramos com Cerqueira, uma vez que a tecnologia tem
beneficiado alguns com grande efetividade, mas, a grande maioria ainda fica a mercê de
uma educação eficaz e de novos recursos tecnológicos, sobretudo aqueles que residem
distante dos centros mais avançados, onde a eletricidade ainda não os beneficiou.
Ressaltou, ainda, a importância das pessoas cegas brasileiras, através de suas
16 - Vide Fontes, 1: p.13 17 - Referência feita ao Dos-Vox.
67
organizações, especialmente, manterem permanentes esforços no sentido de ser aplicado
os melhores recursos da tecnologia para:
A manutenção de todas as conquistas sociais já alcançadas pelas pessoas cegas;
O desenvolvimento de pesquisas com vistas à produção e adaptação de materiais;
A importação de recursos indispensáveis à educação, à saúde e ao desempenho
profissional das pessoas cegas, com isenção de taxas e impostas alfandegários;
A ampliação das oportunidades de trabalho e emprego para as pessoas cegas e
A melhoria do desempenho das pessoas cegas nos diferentes campos de atuação,
com vistas à redução de preconceitos que dificultam sua integração na sociedade.
A proposição do conferencista de os cegos lutarem por seus interesses de forma
organizada, sobretudo para a aquisição de materiais e equipamentos importados
utilizados na educação, na locomoção, em cirurgias em outras finalidades, não se
constitui em nenhum absurdo ou luxúria, principalmente, se os materiais importados
forem comparados com o que existe. Em face disso, declara Cerqueira (2002) que
“percebe-se o muito que há para fazer e como estamos ainda longe de alcançar esses
objetivos”. Por último sublinhou “na condição de egresso do IBC tenho a felicidade de
ter tido uma base de orientação segura, um espelho onde pude mirar para o lado bom,
para aquilo onde o cego pode desempenhar suas atividades com eficácia” (Fontes, 1: p.
13).
Relativamente à realidade educacional brasileira - a chamada escola inclusiva e a
escola especial - argumentou o conferencista que “elas não devem se confrontar, pois
são realidades que podem conviver perfeitamente” (Fontes, 1: pp. 13-14). Aliás,
corroborando com essa afirmação ressaltamos que o Instituto Benjamin Constant tem
um papel importante a desempenhar em qualquer que venha ser a proposta de educação
para cegos adotada no Brasil.
68
Ainda falando a respeito de inclusão o palestrante citou um trabalho, que foi por
ele traduzido, que encontrou em uma revista há alguns anos:
“Na Dinamarca, como todos os países do Mundo, a partir da década de 60, houve aquela ‘febre’ de colocar os alunos cegos na escola comum. O aluno cego passou a se mirar, a se espelhar apenas no colega que enxergava e, o colega que enxergava, geralmente pode alcançar melhor desempenho porque tem melhores recursos e os educadores notaram que o aluno deficiente não tinha aquela oportunidade de aprender com o outro que não vê: detalhes, recursos importantes para superar as dificuldades” (Fontes, 1: p. 14).
Outra colocação importante feita por Cerqueira (2002) foi sobre a convivência,
ao salientar que “os cegos na convivência com seus pares descobrem como resolver
determinados e pequenos problemas. Por outro lado, quando essa convivência é
exclusiva com as pessoas que enxergam isto nem sempre é possível” (Fontes, 1: p. 14).
Quanto a essa afirmação acreditamos que o conferencista esteja se referindo
aquelas situações que são comentadas com amigos mais próximos, no intuito de trocar
algumas experiências, que servirão como dicas ou alertas para realizá-las com sucesso
ou para não incorrer no mesmo erro.
Para encerrar o seu pronunciamento, Cerqueira enfatizou a importância do
encontro, sobretudo, para que o IBC tenha o retorno daquilo que fez ao longo de sua
história, podendo refletir sobre novas orientações a fim de balizar o seu trabalho.
Referindo-se, ainda, às escolas que têm entidades de ex-alunos muito fortes e,
em geral, sobrevivem para comemorar os anos passados; declarou que uma escola como
o Instituto Benjamin Constant deve sempre estar avaliando o seu trabalho para não
perder seu rumo.
E para finalizar, retornou ao tema da informática, confessando que “se não
utilizasse o computador, talvez só estivesse fazendo somente 30% do que estou
conseguindo realizar” (Fontes, 1: p. 14). Por fim, fez questão de sublinhar que apesar
69
da importância da informática não se deve desprezar o velho Sistema Braille porque
nada vai superá-lo, pois é o meio per si de leitura e de escrita do cego.
A respeito dessa afirmação de Cerqueira – sobre a influência da informática e a
importância do Braille para o cego – não se observa entre alunos do Instituto Benjamin
Constant qualquer tipo de competição, no sentido de aprender apenas uma dessas
tecnologias em detrimento da outra. Pelo contrário, o que se ver é a preocupação em
aprender ambas, iniciando pelo Sistema Braille.
A Conferência de abertura do Encontro, além de ter trazido à tona muitas
informações, possibilitou aos participantes momentos de ampla reflexão sobre suas
vidas desde a entrada no Instituto até o momento atual. Além disso, muitas questões
levantadas pelo conferencista nortearam as palestras e os debates que aconteceram em
seguida.
A segunda parte do encontro foi bastante proveitosa, porque as palestras e os
debates calcados nas experiências dos ex-alunos possibilitaram que fossem observados
as impressões e os sentimentos dos depoentes e agregá-los ao que estava sendo dito.
A partir daí, então, já nos foi possível “pinçar” algumas questões que apontaram
pistas orientadoras de investigação.
Foram palestrantes oito ex-alunos, que discorreram sobre suas vidas, abordando
desde o nascimento, a passagem pelo Instituto Benjamin Constant, a inclusão escolar, o
ingresso no mundo do trabalho, a vida social e o ser cidadão cego.
Assim, muitas declarações nos levaram a refletir sobre as dificuldades que os
cegos encontram para estudar, se locomover, traçar o perfil das pessoas, trabalhar,
construir sua própria identidade.... Uma dessas colocações foi feita por Nunez18, ao
narrar sobre a sua infância, rememorando suas percepções de então “(...) quando
18 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
70
criança e estávamos no Instituto, trazíamos de casa algumas crenças no sentido de
acreditar nas nossas limitações. Por exemplo, não conseguíamos fazer muitas coisas
que os nossos irmãozinhos e priminhos videntes conseguiam fazer” (Fontes, 1: p.15).
Observando as crianças cegas brincando nos pátios internos do IBC e, vendo-as
correr, inventar alguns jogos, como por exemplo, envolver uma bola com sacos
plásticos para melhor perceberem o som, notamos que as limitações referidas por
Nunes19 - que inclusive corroboram as observações de Cerqueira20 acerca da
importância da convivência entre pares - ocorrem apenas em ambiente onde as crianças
são discriminadas. Além disso, aquelas crenças trazidas do lar deixam de existir quando
todos são iguais, isto é, têm as mesmas dificuldades e, não obstante as dificuldades
conseguem brincar, fazer “bagunça”, estudar, ficar de castigo, tirar nota baixa, apanhar,
bater, namorar, zoar, quebrar as coisas, enfim, realizar todas as tarefas e travessuras que
uma criança vidente da mesma idade realiza.
Ainda a respeito da realização dessas tarefas e travessuras Neg21, outro
participante do congresso, em sua palestra, comentou que numa escola comum
certamente tais acontecimentos não ocorreriam, declarando: “durante os nove anos que
estudei no IBC me senti um aluno normal (...); já no Colégio Pedro II me sentia um
verdadeiro ‘OVNI’ ” (Fontes, 1: p.21).
Logo, é a partir da convivência com seus pares que a criança cega começa a
perceber que poderá ser uma criança “normal” e levar uma vida igual a das demais de
sua idade. E essa expectativa começa a ser concretizada quando tem notícia que seus
colegas - egressos do IBC – foram matriculados no ensino médio, freqüentaram a
19 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 20 Conferencista do I Encontro de Egressos do IBC, ocorrido em dezembro de 2002. 21 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
71
faculdade, concluíram seus cursos universitários ou outros de ensino técnico,
conseguiram empregos, se casaram, se mudaram para outros Estados e foram bem
sucedidos acadêmica, financeira, social e politicamente. Entretanto, convém ser
enfatizado que nem todos os ex-alunos conseguiram esse sucesso, até mesmo em função
da restrição das normas vitais impostas pela cegueira, na vigência de uma economia de
mercado como o atual.
Mesmo assim, os ex-alunos funcionam como exemplo vivo para aqueles que
ainda continuam na Instituição, principalmente porque o IBC permanece sendo o ponto
de encontro e de referência para muitos deles. Afinal, as lembranças dos longos anos
que ali passaram e as experiências vividas forjaram elos de ligação muito forte com a
Instituição.
Além disso, são pouquíssimos os lugares que o cego pode freqüentar
tranqüilamente e encontrar colegas para um bate-papo, isto é, ouvir e ser ouvido, sem
sofrer nenhuma discriminação.
Ao falar em freqüentar lugares, torna-se importante resgatar um depoimento
bastante interessante feito por Nunez22 relacionado com as possibilidades do cego se
locomover sozinho nas ruas. Disse ele: “quando os alunos concluem o Ensino
Fundamental no IBC saem com uma nova crença, diferente daquela quando iniciou no
Instituto; andam sozinhos, coisa que dificilmente seria permitido por seus familiares,
mesmo aqueles que são filhos de cegos” (Fontes, 1: p. 15).
Locomover-se sozinho é realmente um desafio e não é vencido ao acaso. Trata-
se de uma aprendizagem, calcada no direito de ir e vir - chamada de “Orientação e
Mobilidade” - que constitui uma técnica de locomoção autônoma com postura correta e
com a ajuda de uma bengala. Essa aprendizagem além de ser uma necessidade básica 22 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
72
para a vida do cego, amplia a auto-estima, que se encontra bastante prejudicada, além de
contribuir sobremaneira para a independência, ajuste emocional e integração à
sociedade.
A criança cega que estuda na escola especializada sabe que todos os seus colegas
têm o mesmo problema que ela; logo, a sua dificuldade é comum a todos. Assim, não
existem diferenças, privilégios ou preconceitos. Os livros são iguais para todos, os
professores são especializados, enfim, as oportunidades são idênticas. Dessa forma, os
alunos novos aprendem também com os mais velhos. As experiências bem sucedidas
são repassadas e copiadas. Nesse sentido, Nunez23, em seu depoimento, resume bem o
processo compartilhado por todos quando afirma: “(...) se fulano pode fazer eu também
posso fazer” (Fontes, 1: p.15).
Os depoimentos foram bastante enriquecedores porque trouxeram informações
valorosas para a pesquisa, todas decorrentes de experiências variadas, como poderemos
constatar usando algumas citações retiradas dos pronunciamentos. Uma dessas
informações, por exemplo, diz respeito à necessidade que o cego tem de ser organizado
e se organizar. A primeira refere-se à organização pessoal: se o cego não consegue ser
organizado, a sua vida será uma tragédia. Ele será um eterno dependente, pois, não
sabendo onde estão suas coisas ficará perdido. A segunda é de cunho mais jurídico: é a
organização representativa, como forma de lutar pelos direitos e de se fazer representar
junto à sociedade, através de movimentos de cunho sócio-comunitário.
Nesse sentido, existe no Instituto Benjamin Constant um Grêmio Escolar; uma
Associação de Docentes; uma Associação de Servidores; uma Associação de
23 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
73
Professores Cegos e Amblíopes; uma Associação de Pais e Amigos do Reabilitando e
uma Associação de Ex-alunos.
Ao defender a necessidade dos deficientes terem representantes nas instâncias
federal, estadual e municipal Uai24 foi enfático porque, em sua opinião “(...) quem tem a
representatividade leva a melhor fatia, quem não a tem, quando consegue algo são
apenas farelos. Esta é a realidade.” (Fontes, 1: p.19).
Apesar da importância de se constituir uma entidade representativa para os
cegos, Nunez e Uai25 coadunam em afirmar a dificuldade que existe para se organizar
uma delas, tanto pela falta de recursos para a sua constituição e manutenção, quanto
pelo desinteresse das pessoas, motivado, segundo eles, pela falta de conhecimento sobre
a importância, as finalidades e as possibilidades dessas entidades.
Ainda falando da importância de uma entidade representativa bem estruturada,
Uai26 citou como exemplo, uma entidade em Minas Gerais, que ajudou a criar e que
“face ao trabalho organizado e coeso de todos os deficientes da sua cidade, o elegeu
vereador” (Fontes, 1: p.19). E foi durante o seu mandato que conseguiu a aprovação de
alguns projetos-leis como: passe livre; reservas de vagas na Lei de Diretrizes
Orçamentária (LDO); cursos de qualificação profissional para docentes; curso de
Braille; curso de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), além de distribuição de
equipamentos e materiais como: órteses, próteses, bengalas, muletas, cadeiras de rodas,
cadeiras de banho, dentre outros.
24 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 25 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 26 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
74
Por ser Uai27 o primeiro vereador cego de sua cidade e bastante atuante,
inclusive, com um programa de rádio, durante o debate muitas perguntas lhe foram
feitas. Dessas, escolhemos uma que consideramos importante para o nosso trabalho:
“(...) você teria tido o mesmo aproveitamento caso você estivesse estudado em uma
escola comum?” (Fontes, 1: p.19). Uai28 respondeu. “Acredito que não, mas pude
estudar no IBC, ter ido para o interior – retornado ao meu Estado – e, com a
experiência adquirida, tentado fazer alguma coisa para mudar isso” (Fontes, 1: p.19).
Tanto a pergunta quanto a resposta de Uai29 apontam para a característica de
compartilhamento entre escola especial e escola comum, com vistas à Educação para
Todos, que é a tônica da educação inclusiva. Desse modo a sua preocupação após ter
retornado ao seu Estado e ser eleito vereador, foi no sentido de viabilizar a capacitação
de recursos humanos para atuarem nas escolas comuns atendendo alunos com
necessidades educativas especiais. Atitudes idênticas têm ocorrido em muitos
municípios desde 1996. Nesse sentido, este pesquisador quando diretor-geral do
Instituto Benjamin Constant, promoveu vários cursos de capacitação objetivando a
educação inclusiva nas prefeituras de Petrópolis, Macaé, Campos, Angra dos Reis,
Teresópolis e, em outras prefeituras em Estados como Acre, Rondônia, Mato Grosso do
Sul, dentre outros.
Outro assunto abordado pelos palestrantes referiu-se às dificuldades que o cego
encontra para fazer um concurso público. Segundo eles, além da discriminação e da má
vontade, as provas não são transcritas para o Sistema Braille, restando apenas a opção
27 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 28 Idem. 29 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
75
da figura dos ledores30, que nesse caso, geralmente não têm o preparo adequado para
exercerem essa função, causando, conseqüentemente, enorme prejuízo ao sujeito que
está realizando a prova, conforme exemplifica Neg31: (...) pede-se ao ledor para ler o
artigo “x” do Código Civil; este código tem a lei de introdução e outras leis, chamadas
extravagantes, que o complementam. Ocorre o ledor ler outra lei e não aquela que foi
pedida. A essa altura já estamos nervosos e o tempo bastante escasso” (Fontes, 1:
p.22)”.
Realmente torna-se muito difícil realizar um prova na dependência de um
terceiro que a leia, que não sabe manuseá-la ou encontrar o que se pede.
Esses erros são percebidos porque os cegos que se submetem a esses concursos,
geralmente, têm noção de onde se encontram as respostas, principalmente na área de
direito. Com raras exceções, esse é o quadro que o cego encontra quando se inscreve
para fazer um concurso.
No Rio de Janeiro, nos casos onde há provas transcritas para o Sistema Braille,
geralmente elas o são pelo IBC ou por pessoas ligadas à instituição. Entretanto, a
problemática continua, pois, geralmente as transcrições são solicitadas em prazo muito
curto, como por exemplo, na véspera do concurso. Além disso, há, ainda, a questão do
sigilo que impede que os transcritores e revisores se ausentem do local da transcrição
até que a prova seja realizada.
Por mais que os governos se empenhem para que todas as crianças em idade
escolar estejam freqüentando a escola, ainda se encontram crianças que não a
freqüentam, principalmente, as deficientes, só o fazendo em idade mais avançada, como
foi o caso de alguns alunos egressos que foram alfabetizados em idades diferentes de
30 Pessoas voluntárias que lêem para os cegos. 31 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
76
seus colegas, de forma que concluíram o ensino fundamental bem mais velhos, como
pode ser visto no gráfico 9.
Também foi observado que alguns alunos com idade diferente de seus colegas
de turma, pensavam e agiam de forma diversa, exatamente por destoarem do grupo. É
mais fácil de se compreender o problema, se pensarmos, por exemplo, nas aulas de
educação física, nas quais numa mesma turma co-existem alunos com idades, pesos e
estatura bastante díspares, exigindo do professor estratégias personalizadas para que
todos participem das aulas.
Gráfico 9 – Conclusão do Ensino Fundamental pela menor e maior idade.
Discriminação da conclusão da 8ª série pela menor e maior idade
0
10
20
30
1985
1986
1987
1988
1989
1990
ano de conclusão
idad
e de
con
clus
ão
mais novomais velho
Discriminação da conclusão da 8ª série pela menor e maior idade
0
10
20
30
1985
1986
1987
1988
1989
1990
ano de conclusão
idad
e de
con
clus
ão
mais novomais velho
Nos anos 1985 a 1989 os alunos que concluíram a 8ª série com a idade menor
estavam com 16 anos e em 1990 com 15 anos. Os que concluíram com a idade mais
avançada em 1985 apresentavam 24 anos; em 1986 e 1989 com 23 anos; 1987 e
1990com 21 anos e em 1988 com 22 anos.
Também foi observado que alguns alunos com idade diferente de seus colegas
de turma, pensavam e agiam de forma diversa, exatamente por destoarem do grupo. É
mais fácil de se compreender o problema, se pensarmos, por exemplo, nas aulas de
77
educação física, nas quais numa mesma turma co-existem alunos com idade, peso e
estatura bastante díspares, exigindo do professor estratégias personalizadas para que
todos participem das aulas.
A matrícula de alunos nas Classes de Alfabetização do IBC aos 14 anos de
idade, tem acontecido por algumas razões como, por exemplo, a falta de informação às
famílias da existência de escolas que estejam preparadas para atender alunos cegos. Isso
ocorre mesmo em localidades aonde a informação chega com maior facilidade, como
por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro. Imaginem então a situação de outros Estados
onde a informação inexiste ou está bastante defasada. Nesse sentido, Rasec32 assim se
expressa: “fiquei cego aos 12 anos e não sabia que existiam outras pessoas cegas e
escola para cegos, só tomando conhecimento disso quando entrei para o Instituto
Benjamin Constant” (Fontes, 1: p.25).
Relativamente à integração e a participação mais efetiva na sociedade, Rasec33
esclarece que “a questão do preconceito talvez seja mais pela falta de informação a
respeito do que o cego seja capaz de realizar do que o não querer aproximar-se do
cego” (Fontes, 1: p.25). Cita por exemplo, a questão de ser pobre e negro, que no seu
caso específico, pesam mais do que a própria cegueira. De acordo com ele, para sua
sorte, conseguiu estudar no IBC, driblar a questão de ser negro, continuar seus estudos,
concluir um curso superior, ter um emprego e, hoje em dia, uma situação mais ou
menos equilibrada, mesmo porque, como ele mesmo aponta, são raras as pessoas que
estejam totalmente bem no Brasil.
32 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 33 Idem
78
Assim como outros cegos, Rasec34 tem desempenhado função como presidente
de associações e clubes esportivos e no início do próximo ano assumirá a presidência do
Rotary Clube de sua cidade, justamente num ano em que o Rotary Internacional estará
privilegiando as diferenças: “O presidente internacional será um nigeriano, um negro;
a governadora distrital será uma mulher e eu, escolhido presidente do Rotary de uma
cidadezinha do interior do Estado do Rio de Janeiro” (Fontes, 1: p.25).
Relativamente às escolas comuns ou inclusivas, comenta Rasec35, também
professor e fonoaudiólogo, “que os professores não estão preparados para trabalhar
com 30 alunos ditos normais, quanto mais com alunos que apresentam problemas de
visão, de audição, mental e outros. O professor fica ‘louco’ e não está preparado para
isso” (Fontes, 1: p.26). A respeito desse assunto, Nunez, Azous, Neg e Rasec,36 são
unânimes em declarar que “não são contra cegos estudarem em escolas comuns –
inclusão escolar, como se fala – apenas não concordam com as escolas comuns
receberem alunos deficientes sem estarem devidamente aparelhadas para tal” (Fontes,
1: pp. 18, 21 e 25).
A questão da inclusão referida por Rasec e outros palestrantes37 que
participaram do I Encontro de Egressos, nos remete a algumas experiências escolares
declaradas como sendo inclusivas e que exigem uma análise cuidadosa de algumas
práticas pedagógicas vistas como inclusiva, pois podem estar associadas a alguns
problemas que podem causar profundos equívocos. Analisando alguns desses discursos
sobre as práticas pedagógicas inclusivas, Omote (2004) declara a sua inquietação, pois,
34 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 35 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 36Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 37 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
79
“em algumas situações, a experiência escolar é referida como inclusão em função da
presença de algum aluno deficiente em classe comum, ainda que este realize
solitariamente alguma atividade diferenciada do resto da classe” (p.5).
Conforme coloca esse autor a mera inserção do aluno deficiente em classe
comum não pode ser confundida com a inclusão. Na verdade, todas as escolas precisam
ter caráter inclusivo nas suas características e no funcionamento para que nelas sejam
matriculados e acolhidos alunos com necessidades especiais.
Esses depoimentos não ocorreram simplesmente ao acaso, foram resultantes da
convivência desses ex-alunos em escolas do ensino médio e superior, não
especializadas, nas quais se inseriram após a saída do IBC. Concluem que o êxito
alcançado em suas vidas acadêmicas deveu-se ao esforço de alguns colegas, de
familiares e da ajuda de ledores recrutados no Instituto Benjamin Constant.
Fazendo parte do I Encontro de Egressos do IBC outros ex-alunos como Enaile,
Soram, Terag e Aram,38 contribuíram com a pesquisa falando sobre o primeiro
emprego. Assim, ouvimos de Enaile39 que começou a trabalhar como massagista, e
“após alguns anos fui dispensada, o que gerou grande desânimo, não tendo, portanto,
mais vontade para procurar outro emprego” (Fontes, 1: p. 28). Casou-se em seguida,
tornando-se mãe de um garoto que atualmente está com seis anos. O segundo egresso,
Soram40, tem baixa visão e sua experiência de trabalho foi, no início, muito difícil, pois,
sua função exigia rapidez e muita atenção, além de ser do tipo competitivo, ou seja,
outros funcionários também estavam na disputa do cargo, de forma que constantemente
faziam cursos de reciclagens. Mesmo assim, informa que “me adaptei rápido e
38 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 39 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 40 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.
80
realizava as tarefas que me eram exigidas com bastante desenvoltura” (Fontes, 1: p.
28).
O terceiro egresso, Terag41 esclareceu que passou por vários empregos e alertou
que a maior dificuldade para se conseguir o primeiro emprego reside em; “por onde
começar e por onde procurar” (Fontes, 1: p.29). O último ex-aluno Aram42 confessou
que ainda não havia debutado no seu primeiro emprego, pois, realizou alguns concursos
para a área da saúde, porém não conseguindo classificar-se.
A questão do trabalho para as pessoas com necessidades especiais está amparada
em legislações como a Constituição Federal/1988, no Art. 7º, inciso XXXI, que assim
preceitua: “Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência” e Art. 37, inciso VIII, que
determina: “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.
Existe ainda a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que impõe que a União
reserve, em seus concursos, até 20% das vagas a portadores de deficiência; havendo
iniciativas semelhantes nos Estatutos Estaduais e Municipais para o regime de
servidores públicos. O Artigo 203, inciso V dessa mesma lei, dispõe que os deficientes e
idosos incapazes de se manter pelo próprio trabalho ou por auxílio da família, terão
direito a uma renda mensal vitalícia equivalente a um Salário-Mínimo (Regulamentado
pela Lei 8.742Artigo 20, de 7 de dezembro de 1993). A Lei 8.213, de 24 de julho de
1991, trata em seu artigo 93 da obrigação das empresas com 100 (cem) ou mais
empregado, de preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou
pessoas portadoras de deficiência, conforme o número de empregados.
41 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 42 Idem.
81
Em que pese a existência desses dispositivos legais, muitos problemas têm sido
encontrados na prática para o seu cumprimento. É o caso, por exemplo, das contratações
feitas pela Administração Pública cujo maior empecilho é o critério médico43, que na
maioria dos editais, acaba funcionando como barreira intransponível. Os médicos
tendem a vetar a contratação argumentando que a deficiência é incompatível com a
função.
Outra problemática que ronda a questão do emprego é a falta de qualificação
profissional do cego, que não pode ser analisada fora de um contexto histórico de uma
sociedade que durante séculos discriminou e alijou o deficiente.
Em suma, a principal dificuldade para que uma contratação se concretize é ainda
a falta de informação sobre a potencialidade dos deficientes, o que gera o preconceito44.
Após as falas dos palestrantes passou-se aos resultados dos dois grupos de
trabalhos cujas temáticas foram: trabalho e educação.
O grupo que discutiu o tema trabalho apresentou três sugestões, que foram
levadas à plenária e que após as discussões tomaram as seguintes configurações:
1ª situação: O IBC deveria ao invés de preparar cursos antes de saber o que está
acontecendo em termos de demanda, levantar as necessidades que os empregadores têm
e estudá-las, avaliá-las e após, preparar os cursos. Depois que os alunos fossem
qualificados, seriam encaminhados aos empresários.
Atualmente os cursos são realizados antes de se conhecer se o mercado está
precisando deles. É o caso, por exemplo, do tele marketing no qual sempre é possível
arrumar um emprego, mas, no que tange outras profissões é necessário levantar a
demanda antes de se realizar o curso.
43 - http://www.deficiente.com.br/imprimir-artigo-149.html-19k (acessado em 12/06/2005). 44 - http://www.deficiente.com.br/imprimir-artigo-711.html.13k (acessado em 12/06/2005).
82
Outra preocupação levantada foi a necessidade de ser feito um cadastro daqueles
que concluírem os cursos. Enfim, as instituições que preparam o profissional cego
precisam estar de acordo com a demanda.
2ª situação: Seria interessante que fossem realizadas palestras junto aos
empresários, no intuito de mudar a imagem do “ceguinho” que fica pedindo esmola na
porta da igreja. Há que mudar essa imagem, para a de uma pessoa positiva e produtiva,
pois as empresas quando empregam, procuram pessoas com menos impedimentos e que
produzam muito e suficientemente.
3ª situação: Mostrar aos empresários os profissionais cegos que já estão no
mercado de trabalho, para que eles possam demonstrar que são bem aceitos e que
realizam um trabalho de boa qualidade técnica e, de preferência, obter das empresas
algum tipo de declaração de que eles são funcionários producentes e que geram lucros.
Finalmente, demonstrar que é realmente um bom negócio empregar um deficiente
visual, não porque o empresário é humano, mas, sobretudo, porque o funcionário é
competente.
Finalmente a 4ª sugestão foi: as empresas que conseguem o certificado da
International Organization for Standardization (ISO)45, que são prêmios, certificações,
qualificações recebidas como selo de garantia de qualidade, por exemplo, por não
agredir o meio-ambiente, por transformar aquilo que pode ser lixo em material
industrial para o consumo, dentre outras atividades, pudessem incluir nesses itens, o
emprego de pessoas deficientes, valendo como pontuação para receber o certificado.
O grupo que discutiu o tema educação, seguiu o mesmo procedimento adotado
para o tema anterior e apresentou as seguintes sugestões:
45 - ISO (Organização Internacional para Normatização) localizada em Genebra, Suíça, tem como proposta desenvolver e promover normas que traduzam o consenso dos diferentes países do mundo de forma a facilitar o comércio internacional.
83
1ª - Em toda a cidade pólo regional46 deverá ser implantado um centro para
deficientes, a exemplo da cidade de Barbacena, Minas Gerais.
2ª – Em todo curso médio e superior deverá ser implantado na grade
curricular/carga horária, uma disciplina sobre educação especial.
Ex: Em algumas escolas particulares já existe essa preocupação. O que se quer é
que o profissional saiba como lidar com o deficiente.
3ª – Transcrever todo o material do Ministério da Educação (MEC) para o
Sistema Braille, repassando-o para todos os municípios.
4ª – Que seja comunicado às escolas que elas podem solicitar os livros que estão
disponíveis.
5ª – Que todos os ex-alunos sejam multiplicadores de experiências, para que
sirvam de suporte de políticas de educação, realizando encontros anuais, nos quais essas
trocas de experiências aconteçam.
6ª – Que seja criada uma política nacional para a aquisição de computadores
para deficientes visuais.
7ª – Verificar quais empresas podem baratear o preço do computador.
Algumas das sugestões apontadas pelo grupo já estão sendo postas em práticas,
como é o caso da distribuição de livros em Braille para escolas públicas do Ensino
Fundamental; entretanto, a transcrição de todo o material do Ministério da Educação
para o Sistema Braille é uma tarefa impossível, pelo menos nas condições de
transcrições atuais. Quanto às demais sugestões, tanto do grupo de trabalho quanto do
educacional, merecem que sejam analisadas individualmente e postas em prática ou por
meio de políticas públicas específicas ou de ações criadas pelo Ministério da Educação
e de outros que estejam interessados. 46 - Programa de atendimento a pessoas com necessidades especiais, que concentra sua base em uma cidade que congrega outras menores de uma mesma região, considerando: localização geográfica; densidade demográfica; infra-estrutura urbana e acessibilidade.
84
Além das sugestões que foram apontadas, acreditamos que inicialmente seria
importante sensibilizar a sociedade, como um todo, a fim de que ela possa conhecer o
potencial do deficiente visual a fim de aceitá-lo sem preconceitos.
2º Momento: Respostas
Esta parte do capítulo trata de análise das respostas às perguntas que foram
enviadas aos egressos logo após a realização do Encontro.
Inicialmente queremos ressaltar que perguntas desse teor, respondidas por
pessoas cegas que realmente vivenciaram as situações que são colocadas, se constituem
num verdadeiro testemunho.
Analisando as respostas recebidas podemos perceber que elas refletem a visão
dos egressos a partir de suas estadas no Instituto Benjamin Constant, de suas passagens
pelo ensino médio e pela universidade, da qualificação profissional e da árdua luta pelos
concursos, com vistas ao primeiro emprego.
O conjunto de perguntas foi, conforme já dito:
- Como você se sente numa sociedade exclusiva?
- O que é viver com o estigma da cegueira?
- Como foi a sua adolescência?
- O que é ser jovem e cego, tentando entrar para a escola ou para a universidade?
- Como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego?
- O que é ser cidadão cego?
4.1 - O sentir-se cego numa sociedade exclusiva
Ao falarmos em exclusão certamente estamos falando em discriminação,
isolamento social, impedimento, desigualdade, diferença... Assim, para muitas crianças
85
e jovens, ter uma deficiência significa crescer numa sociedade de rejeição e de exclusão
de certas experiências que fazem parte do desenvolvimento normal. Além disso, essa
situação pode ser agravada pela atitude e conduta inadequadas da família e da
comunidade.
Analisando as respostas da primeira pergunta que é voltada para a exclusão,
notamos que os egressos têm pontos de vista diferentes com relação ao tema, isto é:
enquanto a grande maioria entende que é excluída, alguns declaram que não são
discriminados e outros poucos que são mais ou menos discriminados. Dessa forma
encontramos alguns depoimentos como, por exemplo, o de Iv47.
“Sinto-me numa eterna batalha, pois todo o dia preciso enfrentar uma sociedade que me trata com extrema diferença por mais que eu leve uma vida normal, pois, sou dona de casa, mãe, trabalho e freqüento lugares como teatros, cinemas e supermercados. Outra coisa que mostra o quanto a sociedade é exclusiva, é o fato das ruas estarem cheias de obstáculos nas calçadas, os avisos importantes nunca estarem em Braille e a falta de informação das pessoas sobre como lidar com o diferente” (Fontes, 1: p.36)
Na concepção de Iv48, a sociedade não deveria tratá-la de forma diferenciada
uma vez que ela leva uma vida normal. Aliás, é muito difícil determinar o que é uma
vida normal, pois pode variar de civilização para civilização, de sociedade para
sociedade e de época para época.
Muitos egressos expressaram que é meio complicado conviver com a exclusão.
Aliás, o ser humano não pode viver isolado, pois ele é um ser social e já nasce no seio
de um grupo social – a família. Assim, para não ficar excluído, declara San49 que é
importante “explorar tudo aquilo que tem capacidade de fazer e lutar pelo seu espaço”
47 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 48 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 49 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC
86
(Fontes, 1: p.36). Enquanto isso, Apa50 revela que se sente frustrada e um pouco
decepcionada e, “à medida que o tempo passa há um processo evolutivo de degradação
do ser humano”. Conclui que o sistema não pode funcionar se as células estão doentes,
por isso, “não há como visualizar uma sociedade mais justa, igualitária e,
verdadeiramente, formada de seres humanos” (Fontes, 1: p.36).
Embora alguns sejam unânimes em afirmar que a exclusão e a discriminação são
decorrentes da falta de informação de como lidar com as pessoas com deficiência (And,
Mar, Margth, Maroo, Alunf, Lups, Wisf, Apor e Crima)51, outros como Ricas e
Marbo52 afirmam que “viver em sociedade excludente significa que a cada dia o
deficiente deve mostrar que pode e que é capaz de fazer e conseguir muitas coisas”(
Fontes, 1: pp.36-37). Apesar disso, alertam que o deficiente deve estar preparado para
que a sociedade duvide dele. Por último, Ricas53 chama a atenção que mesmo no IBC
“(...), grande parte dos funcionários não acredita no próprio trabalho, notando-se
grande falta de respeito, além de muita desinformação em relação à pessoa portadora
de deficiência” (Fontes, 1: p.36).
Outros egressos confirmam a falta de informação da sociedade, em relação às
possibilidades das pessoas cegas. Foi o caso, por exemplo, do que aconteceu com Ales
54 - “eu me encontrava na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, quando, de repente,
uma senhora me deu 10 reais, pensando que eu estava pedindo esmolas, quando na
verdade, me encontrava naquele local a trabalho” (Fontes, 1: p.37) e com Nunez55
50 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 51 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 52 52 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 53 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 54 Idem. 55 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
87
“quando cheguei à escola comum, no ensino médio, parecia ser o ET da escola: todos
queriam saber como eu lia, como eu escrevia, como eu comia, dentre outras
curiosidades” (Fontes, 1: p: 16). Já na opinião de Apipe56 o mundo foi desenvolvido
para a maioria e não para a minoria e, isso pode ser observado em lugares e situações
diversas como: no trabalho, na condução, nas boates, dentre outros locais.
Além disso, as pessoas não sabem como abordar o deficiente, daí, a intervenção
ao invés de ajudar, prejudica. Mahef e Camag57 informam que algumas pessoas
“tratam os deficientes com indiferença” (Fontes, 1: pp. 37-38), havendo, inclusive,
momento em que é preciso omitir a deficiência, e, em outro, a necessidade de que essa
deficiência seja declarada de forma agressiva, para mostrar a verdade. Citam como
exemplo, algumas situações que os deficientes passam ao tentar embarcar em alguns
ônibus quando estes param nos pontos.
Darod e Paghel58 afirmam que em relação ao termo exclusão “crêem que no
sentido sociológico, é difícil alguém viver sem nunca ser em algum momento da vida
excluído”. Pode ser em uma festa, por não ter sido convidado, em um coral por não ter
voz, por exemplo. Por último, afirmou “que a exclusão é algo que machuca” (Fontes,
1: p.38), mas, seja ela qual for, é necessário aprender a conviver com ela porque,
segundo eles, na verdade trata-se de um produto de nós mesmos. (Fontes, 1: p.38).
Também Acriz59 expressa que “sentir-se excluído é como sentir-se diminuído” (Fontes,
1: p. 39). De acordo com ele as pessoas querem decidir tudo pelo excluído: suas
necessidades e possibilidades, achando que sabem o que é melhor para eles. Entretanto,
“às vezes a gente sente a necessidade de se impor” (Fontes, 1: p.39). 56 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 57 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 58 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 59 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
88
Segundo Lowenfeld (1974) “muitos adolescentes cegos superam seus problemas
porque a força do seu ego se eleva com base em passadas experiências, de forma que
possam suportar desilusões ocasionais” (p.44). Nesse caso, professores, pais e amigos
podem contribuir bastante para ajudar ao adolescente cego. Entretanto, essa atenção não
deve ser revestida de piedade ou de auto-proteção, a fim de não interferir na sua
evolução.
Quanto a algumas reações apresentadas por alguns cegos, Lowenfeld (1974)
comenta que a personalidade é a organização psicofísica do indivíduo modificada pelas
experiências vividas e, influenciadas pela genética e pelo ambiente. Assim, “o efeito que
a cegueira pode ter sobre a personalidade, relaciona-se a impedimentos que indicam as
posições extremas que os cegos tomam sobre este problema” (p. 48). Ainda a respeito
desse assunto, Cobo e colaboradores (2003) comentam que,
“centrando o tema nas pessoas cegas, pode-se afirmar que não se encontra elementos que permitam falar na existência de uma personalidade do cego (...). A cegueira é um complexo de situações variáveis que reduz a capacidade de reunir informações, tornando a pessoa insensível à maior fonte de conteúdo informativo, o que logicamente afeta seu comportamento, reduzindo-o a um ambiente social diferente do da pessoa vidente” (pp. 118-119).
Falando ainda sobre as necessidades dos cegos Lowenfeld (1974) assim se
pronuncia: “Em termos essenciais, a tese é de que os cegos como grupo, são
mentalmente competentes, psicologicamente estável e socialmente adaptáveis, e que
suas necessidades são, portanto, as mesmas das pessoas comuns que têm uma
desvantagem física e social” (p. 49). Outro depoimento, o de Durv60, sublinha que “a
sociedade é interesseira, e por isso, exclui todos aqueles que em seu conceito nada têm
a oferecer” (Fontes, 1: p. 38). Logo, de acordo com esse pressuposto, não importa se a
pessoa é cega, surda ou aleijada, o que importa é o que ela pode dar a sociedade. Prova
60 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
89
disso é que se podem ver nas sarjetas das ruas das grandes cidades pessoas abandonadas
porque não conseguem oferecer o que a sociedade espera deles.
Fazendo um contraponto na sua fala, Durv61 ainda declara que se considera
perfeitamente incluído; um cidadão, não só por ter o título de eleitor, mas, sobretudo,
por conseguir oferecer algo a esta estrutura de certa forma perversa. A mola desta
inclusão, afirma “foi a educação formal, mesmo que não tenha sido só ela, mas, sem
ela, nada seria feito” (Fontes, 1: p.38). Afinal, o quê seria um cego sem estudo?
Segundo ele, provavelmente nada; “ainda mais quem não tem talento para a música ou
para o comércio como é o meu caso” (Fontes, 1: p.38). No entanto, assevera que se
encontra num grupo privilegiado, pelo menos é o que mostram as estatísticas, e não só
entre os deficientes ou o seguimento específico dos cegos, mas, entre a população em
geral, já que tem nível superior completo, um emprego garantido e chance de subir mais
degraus se a acomodação permitir. Mesmo assim, devido ao estigma da cegueira, diz:
“eu tenho que matar um leão diariamente” (Fontes, 1: p.38).
Finalmente Alden62 esclarece que até a presente data, não teve grandes
problemas quanto à condição de excluído; assegura ainda que por onde passa sempre
encontra um jeito de não se fazer excluído, porém, “entendo que os próprios excluídos
têm uma grande parcela de contribuição; pois a sociedade não exclui quem lhe é caro,
quem se mostra útil” (Fontes, 1: p. 39).
O discurso educacional em diversos momentos da história tem se caracterizado
por difundir ideologia, camuflando e mistificando a realidade. Nesse sentido esclarece
61 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 62 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
90
Laplane (2004) que ”a construção de uma sociedade integradora, por sua vez, somente
será possível se a integração se efetivar em todos os âmbitos da vida social” ( p. 15).
Contudo, para que isso ocorra faz-se necessário que não só a educação, mas, a
cultura, a saúde, a economia se façam sentir entre os grupos considerados excluídos.
Isto porque a possibilidade da não exclusão, ou seja, da integração, depende de uma
contenda que defina as tomadas de decisão sobre as questões que afetam a vida de toda
a sociedade e, em última instância, dos interesses públicos e econômicos que
prevalecem nessas decisões. Dependendo, portanto, da convicção, do compromisso e da
boa vontade de todos os indivíduos que integram a sociedade, conforme afirma Laplane
(2004).
Segundo ainda esse autor, se realmente desejamos uma sociedade justa e
igualitária, na qual todas as pessoas tenham valores iguais e direitos iguais, “precisamos
reavaliar a maneira como operamos em nossas escolas, para proporcionar aos alunos
com deficiência as oportunidades e habilidades para participar da nova sociedade que
está surgindo” ( p. 16).
Essa é uma questão bastante preocupante porque a educação, como qualquer
política social, é também fruto de luta da sociedade organizada. E não há como entender
o movimento de luta desvinculado do movimento da sociedade (Kassar, 2004).
Por outro lado, convém lembrar que a sociedade é excludente e desrespeita os
mais básicos direitos humanos a cada segundo. Dessa forma, a exclusão social se torna
evidente quando verificamos o número de pessoas em nosso país que vive abaixo da
linha da pobreza, assim como a exclusão escolar observada no índice de evasão escolar
e nas repetências.
Fato é que se vive a exclusão e se fala da inclusão em um mundo cuja lógica é o
capitalismo, em uma configuração denominada globalização e neoliberalismo. Os
91
conceitos de exclusão e de inclusão social não se configuram, porém, da mesma forma.
De acordo com Dupas (2000) ”a percepção de que a exclusão social está se agravando
com a dinâmica capitalista começou a se configurar quando os índices de desemprego
e marginalidade cresceram significativamente na França e na Alemanha” (p.9). No
Brasil, a dramática urbanização que vem acontecendo desde a segunda metade do
século XX gerou pobreza, inclusive nas cidades médias e pequenas, deteriorando,
precarizando a qualidade do trabalho e os esquemas de proteção social (Dumas, 2000).
Daí, portanto, “a visão dos egressos” oriunda de locus como o lar, a família, a
escola, o trabalho, a rua, dentre outros, é materializada em preconceito, exclusão,
discriminação, piedade e filantropia, no lugar do exercício dos direitos e deveres.
4.2 - viver com o estigma da cegueira.
Uma das marcas mais graves no processo de exclusão - que atinge diretamente a
pessoa deficiente, no nosso caso o cego – é a rotulação. Conforme colocam Paula Nunes
e colaboradores (1998), “uma vez rotulada a deficiência, todas as atitudes da pessoa
que foi rotulada, assim como sua expressão de subjetividade passam a ser vistas a
partir do referencial de “anormalidade”, isto é, o que ele fizer ou dizer será
considerado como um exemplo das supostas características do seu quadro patológico”
(p. 89).
Quanto a essa “marca” Goffman (1998) já informava que os gregos, que tinham
bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para se referirem
aos sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava.
92
O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo
profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de
relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a
normalidade de outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem horroroso nem desonroso.
Aliás, essa discussão envolvendo o cego e a sociedade nos remete a uma frase de
Canguilhem (2002) que fala da diferença entre um organismo e a sociedade. Segundo
este autor “no caso do organismo, o terapeuta dos males sabe, de antemão e sem
hesitação, qual é o estado normal que deve ser instituído, ao passo que no caso da
sociedade, ele o ignora” (p. 231).
Relativamente a esse assunto, nada melhor que as respostas à pergunta feita aos
ex-alunos cegos do IBC que participaram do I Encontro de Egressos naquele Instituto
em 2002 e que convivem diariamente com essa “marca” e, de certa forma, corroboram a
assertiva de Canguilhem.
Margth63 declara que conviver com o estigma da cegueira, “é saber que a maior
parte das pessoas que cercam os cegos não os percebem como pessoas e quando
percebem, muitas das vezes, vêm primeiro a deficiência visual” (Fontes, 1: p. 40). Para
superar isso, expressa San64 “é preciso personalidade e coragem e, nesse ponto, o
apoio familiar é de grande importância” (Fontes, 1: p. 39).
Já outros depoentes como JJ, CGRoc, Cama, Apipe, Joaf, Wisf 65esclarecem
que a questão do estigma passa pelo despreparo das pessoas e pelo juízo que fazem a
respeito de suas possibilidades, embora Sisori66 defenda que “isso somente acontece
porque o próprio deficiente permite” (Fontes, 1: p. 41). Cabe, portanto, também ao 63 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 64 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 65 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 66 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
93
deficiente lutar e mostrar que tudo isso passa pela falta de conhecimento e, ser cego,
conforme diz Marbo67, “é ter um único impedimento que é não poder enxergar”
(Fontes, 1: p. 41).
Embora se tenha a impressão que o cego seja mais estigmatizado que o
indivíduo de baixa visão, Alunf, Gifen e Emsosi68, todos de baixa visão, afirmam que
essa condição é ainda mais complicada, pois, “por não serem cegos e por não usarem
bengalas, algumas vezes são taxados de mentirosos, por pensarem que estejam
querendo levar vantagem em alguma situação” (Fontes, 1: pp. 41-43).
Daí, ser constrangedor e hilário, ao mesmo tempo, conforme comenta Camag69.
Por outro lado, informa Emsosi70 que quando se encontra sozinho, as pessoas lhe tratam
normalmente, mas quando está em companhia de outros deficientes visuais é tratado
como tratam todos. Daí a sua dúvida: “será que sou eu ou os outros que carregam esse
estigma?” (Fontes, 1: p. 43). Cita como exemplo, o que lhe aconteceu num determinado
banco: “(...) algumas pessoas vieram pegar no meu braço para me ajudar e, acredito
que isto só aconteceu porque eu estava com mais dois colegas. Se estivesse sozinho,
certamente isso não teria acontecido” (Fontes, 1: p. 43).
Também Apa71 desabafa que viver com esse estigma “é quebrar uma pedreira e
matar vários leões diariamente” (Fontes, 1: p. 39), a fim de tentar provar que o único
sentido que lhe falta é a visão. Ainda no seu depoimento, desabafa: “quando me
manifesto mais efusivamente, percebo que isso gera algo no sentido de que minha
opinião não deva ser levada muito em consideração, porque a cegueira provoca revolta 67 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 68 Alunos egressos do IBC (1985-1990)-resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 69 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 70 70 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 71Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
94
e amargura” (Fontes, 1: p. 40). Mais difícil, ainda, é que “não consigo esclarecer que
não sou revoltada; apenas possuo um temperamento forte, o qual independe de ser
cega ou não.” (Fontes, 1: p. 40). Apesar de tudo isso, afirma Apa72 que não se curvará
perante esses argumentos, pois, se assim o fizer, “perderei todo meu referencial de
indivíduo que faz parte desse complexo sistema que é o das relações humanas” Fontes,
1: (p. 40). Todavia, sempre que consegue, tenta esclarecer que se encontra aberta para
conversas, troca de idéias e experiências, desde que, obviamente, as suas idéias sejam
respeitadas.
A metáfora utilizada por Apa 73 - matar vários leões diariamente -, segundo
Oliveira (2004) entende-se que ela possua qualidades que se evidenciam neste animal, a
saber: a força, a coragem e assim por diante. E este entendimento tende a ser o mesmo
em qualquer sociedade, bastando para isso que os seus membros saibam o que seja um
leão no sentido literal da palavra.
Por outro lado, Apa, Lups, Iv e Patghel74 narram algumas situações nas quais as
pessoas os tratam ou com admiração, com carinho, com rejeição ou com pena, como se
eles fossem dignos somente de piedade. Outro fato até engraçado é que as pessoas, na
tentativa de ajudá-los, gritam bastante como se eles fossem surdos e até se utilizam de
interlocutores para se informar de uma possível necessidade básica possam ter.
And, Ricas, Ales e Fils75 explicam que ainda hoje, em pleno século XXI, a
cegueira é algo que tende a afastar e isolar as pessoas, por mais que se tente levar uma
vida ‘normal’, “porque as pessoas já nos abordam com uma idéia preconcebida”
(Fontes, 1: pp. 40-42). Desse modo, o cego tem que tentar uma aproximação, para que 72 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 73 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 74 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 75 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
95
não fique completamente isolado da sociedade. Felizmente, em muitos casos,
esclarecem que pode haver uma integração; porém, dificilmente essa integração será
total, porque a primeira coisa que vem à mente das pessoas é: “fulano é cego” (Fontes,
1: pp. 40-42).
Ainda falando a respeito dos estigmas Darod76 assim se pronuncia: “a sociedade
tende a classificar os indivíduos em categorias, grupos, e outros. Logo, esse termo
varia de sentido de acordo com a evolução dos costumes, crenças e das tradições de um
povo” (Fontes, 1: p. 42). Por vezes, os estigmas associados a um determinado grupo
podem o colocar em uma situação desfavorável em relação aos demais, pelos menos
aparentemente. No entanto, quando se tem a convicção do que se é realmente e das
limitações que a deficiência impõe: “os estigmas sociais passam a ter um peso muito
menor na vida das pessoas deficientes”. (Fontes, 1: p. 42).
Parece que as pessoas não foram ensinadas a tratar os deficientes como iguais.
Prova disso, são as expressões que Patghel77 escuta quando sai à rua: “(...) olha lá a
ceguinha! Ela é cega, mas é bonita. Oh! Ela sabe fazer isso. Deus fecha uma porta mais
abre uma janela” (Fontes, 1: p. 42). Enfim, perante a sociedade conforme afirma, “nós
somos vistos como ‘ET” (Fontes, 1: p. 42) e, além disso, as pessoas pensam que além da
cegueira, os cegos são surdos e retardados.
Existem também aqueles que são resignados com a condição de ser deficiente
visual como Acriz, Elos, Cros, Alden e Gigon,78 os quais, lutando com muita
dificuldade convivem harmoniosamente com a piedade alheia, com a admiração das
pessoas pelas coisas mais triviais que fazem, “embora tentem resistir à proteção que é
oferecida” (Fontes, 1: p. 43). Eles têm consciência que os seus predecessores sofreram
76 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 77 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 78 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
96
bastante, porém que não têm as mesmas dificuldades, pois levam uma vida que não é
melhor ou pior pelo fato de ser deficiente visual. Finalmente outro depoimento que
merece profunda reflexão é o de Durv79. Ele inicia seu testemunho dizendo que
“ceguetas e leprosos são problemas bíblicos” (Fontes, 1: p. 42), isso porque uma das
deficiências mais citadas na Bíblia, se não a mais citada, como digna de pena é a
cegueira. Esclarece, ainda, que nota nas pessoas uma espécie de discriminação não
intencional, ou seja, é como se elas não pudessem admitir internamente a capacidade de
um deficiente, e até melhor, admitir o próprio deficiente. Para exemplificar o que diz,
cita como exemplo, o que acontece na sua própria família:
“Sou de uma família de quatro irmãos, modelo regra de três, ou, produtos dos extremos são iguais aos produtos dos meios. Quem não me conhecia e a minha irmã mais velha, quando éramos adolescentes e nos encontravam pela rua, provavelmente pensava que ali ia um casal de namorados. Hoje, já pensaram no shopping que se tratava de marido e mulher, até a explicação de que era um casal de irmãos. Já a minha irmã mais nova, somente anda comigo quando necessário, principalmente quando o interesse for dela”. (Fontes, 1: p. 42).
Embora isso aconteça até com freqüência, Durv80 nota que conscientemente isso
não é voluntário por parte de sua irmã, mas, sem que o inconsciente a traia. Percebe
também a mesma coisa no seu irmão, entretanto, de maneira mais branda. O
interessante é que pelo que já pôde observar este não é um problema só da sua família.
Ele se apresenta em outras famílias e, muitas vezes também no campo profissional,
“pois muitas vezes um cego é bem qualificado no setor de trabalho e não recebe a
chefia, por exemplo, simplesmente por ser cego” (Fontes, 1: p. 42). E o pior é que a sua
capacidade profissional é reconhecida, pois, normalmente, na sua “matança de leão
diária”, o cego é chamado para resolver os problemas que a sua competência o capacita.
79 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 80 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
97
Daí, então, questiona Durv81: “por que na hora de assumir o comando de um setor,
mesmo que seja uma substituição temporária, muitas vezes é colocado um funcionário
de menor graduação?” (Fontes, 1: p. 43). É isso uma questão de estigma?
A mesma coisa ocorre com muitos familiares que não querem se exibir com um
cego no shopping. Aliás, esclarece Durv82, o exemplo do shopping foi escolhido ao
acaso. Por outro lado e, de forma bastante diferente, existem aquelas pessoas que
embora não sejam da família se afinam no dia a dia com o cego, gerando,
consequentemente, grandes amizades, namoros, casamentos, e a inclusão, no lugar do
estigma.
Em que pese a revelação de Durv83, ressaltamos que a exclusão manifesta-se das
mais diversas e perversas maneiras e quase sempre o que está em jogo é o
desconhecimento do outro, frente a padrões pré-estabelecidos pela sociedade (Mantoan,
2004). A constatação dessa afirmação pode ser vista por diversas vezes neste capítulo
nos depoimentos dos egressos. Deste modo, as diferenças apresentadas pelos deficientes
visuais ainda não são aceitas, de forma que o estigma ainda continua vivo no seio da
sociedade. Assim, as experiências escolares, declaradas como sendo inclusivas exigem
uma análise cuidadosa, pois podem estar associadas a alguns dos problemas apontados
pelos egressos, caracterizados como estigma.
4.3 – Adolescência e cegueira.
Todos os meninos e meninas passam pela experiência do adolescer. Esse crescer
altera o estado das coisas, resultando em muitas mudanças, pois, tudo se transforma:
81 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 82 Idem.. 83 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
98
modifica-se o corpo, a conversa, as relações, os interesses, os amigos, as palavras, as
opções estéticas, enfim, é uma fase que, embora passageira, implica em ter que decidir
coisas novas. Daí, os inúmeros questionamentos que assolam os adolescentes.
Portanto, pode-se considerar a adolescência como sendo uma atitude ou postura
do ser humano perante algumas transformações que passam pelo corpo orgânico, pela
aparência, pelas emoções, pela psique e que são mediadas pela sociedade e pelo
ambiente familiar, e mediante a influência transmitida pelo meio familiar e pela cultura
a qual o sujeito pertence.
No caso da criança cega ela também passa pelas mesmas mudanças, entretanto,
ela deve ser educada de forma a tomar conhecimento do que está acontecendo ao seu
derredor, “a fim de obter a confiança necessária para poder enfrentar as realidades que
surgem, dentro de um sentimento de que é reconhecida e aceita como pessoa, pelo seu
próprio direito” (Lowenfeld, 1974: p. 17).
Logo, é a partir dessas realidades vivenciadas que o cego começa a tomar
ciência e a se preocupar com muitas coisas que até então não tinha conhecimento, como
por exemplo, a estética, a condição do seu globo ocular, o ambiente familiar, dentre
outras.
Seguindo essa afirmação, encontramos respaldo no depoimento de Ricas84 quando ele declara que:
“foi a partir da adolescência que comecei a perceber, de fato, que era “diferente” das outras pessoas, por causa da deficiência. Percebi também que a minha família e alguns amigos não gostavam de levar-me aos passeios, porque podia incomodar o sossego deles ou mesmo porque se sentiam envergonhados em minha companhia” (Fontes, 1: p. 44).
Apesar de tudo isso, declara Ricas85 que foi muito bom estudar no Instituto
Benjamin Constant, onde conviveu com várias pessoas cegas como ele, que passavam
84 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 85 Idem
99
pelo mesmo problema. Assim, foi muito importante poder conversar com os colegas,
pois seu problema era comum a todos.
Enquanto isso Darod86 relata que os teóricos costumam classificar a
adolescência como uma fase de transição entre a infância e a fase adulta. E como toda
transição tende a ser uma fase de rupturas e de conflitos, mas que de certa forma ela
fugiu a regra, pois “não vivenciei essa fase conflituosa. Isso porque tentei preservar as
melhores coisas oriundas da infância, o mesmo acontecendo com a minha
adolescência” (Fontes, 1: p. 46).
Assim como Ricas87, outros ex-alunos também sublinham que a sua
adolescência foi tranqüila porque encontraram no IBC colegas iguais a eles e pessoas
que os ajudaram quando necessitaram. Foi o caso, por exemplo, de Apa88 que afirma ter
sua adolescência sida boa, pois não se sentiu só e infeliz, já que foi um momento de
descobertas e trocas e, de Emsosi89 que chegou ao IBC, aos 13 anos de idade, e
encontrou muitas pessoas que lhe ajudaram na sua formação, recebendo, portanto, o
suporte necessário para ser o que é hoje. Outros como Vit, Maroo, Lupi e Luzlou90 que
também passaram a adolescência dentro do IBC, revelam que foi um período melhor do
que a infância, pois foi normal, transcorreu sem dificuldade e foi muito bem
aproveitado, apesar de que IBC, na opinião deles, certos estímulos ao lazer, a prática de
esportes, a leitura e outros, devessem ser ampliados.
86 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 87 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 88 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 89 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 90Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
100
Alguns saudosistas como San, Elos e Gigon,91 se referem à adolescência como
um bom momento de curtição que poderia ter sido melhor aproveitado, já que o IBC
oferecia todas as oportunidades.
Por outro lado, nem todos os egressos tiveram uma adolescência pacífica,
normal e sem conflitos. Alguns conviveram com muitos questionamentos que
demoraram a ser respondidos, pois não havia respostas prontas e imediatas e nem quem
as dessem, “embora fôssemos muito felizes” (Fontes, 1: pp. 43, 47 e 48).
Enquanto alguns egressos consideraram a ausência dos familiares como sendo
normal, Mar92 se manifesta assim: “fui segregado na adolescência em uma escola
especializada, sem a companhia de meus pais, pois moravam muito longe, tendo
contato apenas com eles de seis em seis meses. Essa situação me abalou
psicologicamente, pois entendo que o convívio familiar é fundamental para o
desenvolvimento global de qualquer criança” (Fontes, 1: p.44). Já Barreg93, apesar do
contato diário com os familiares, alega que sua adolescência foi um pouco complicada,
pois, “o relacionamento com os meus familiares não foi muito bom, principalmente
quando permaneci longo período em casa, restabelecendo-me de uma cirurgia”
(Fontes, 1: p. 45). Revela ainda que tão logo se restabeleceu todos seus amigos e
familiares se afastaram.
Outro ponto que merece destaque nas respostas dos egressos é a dificuldade que
alguns passaram para vencer esse período de tormentas – a adolescência – e sair com
poucos “arranhões”. Cada um com a sua particularidade, fala da sua “epopéia” como,
por exemplo, Ales:94 “a minha adolescência foi de altos e baixos, sem responsabilidade
e, durante o tempo que fiquei interno no IBC, discutia muito com os colegas e com os
91 Idem. 92 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 93 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. 94 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos.
101
professores, pois achava que deveria fazer a coisa do meu jeito” (Fontes, 1: p. 45);
Sisori95 fala que o maior problema na sua adolescência foi a questão da
independência96. Mas, de um modo geral, considera que ela foi tranqüila, uma vez que
teve um bom relacionamento com as pessoas; Resa97 informa que teve um convívio
social regular e só não foi melhor pela falta de informação a respeito de certas
transformações que ocorrem na adolescência, as quais deveriam ter sido mais bem
trabalhadas pelo IBC; Crima98 confessa que foi um pouco rebelde porque a sua mãe não
aceitava muita coisa que ele fazia. Além disso, passou por algumas turbulências, pois
perdeu o seu pai aos 16 anos de idade; Wisf99 esclarece que teve apenas infância e não
adolescência porque teve que trabalhar muito cedo; Alunf100 explica que sua
adolescência foi complicada porque “não convivi com pessoas que apresentavam a
minha deficiência” (Fontes, 1: p. 45). Freqüentou uma escola comum e dependia dos
colegas para estudar, fazer os exercícios, fazer as provas e outras tarefas pedagógicas.
Citou como exemplo, “a situação de estar em uma boate com o namorado, não estar
enxergando e ficar dependente dele para tudo” (Fontes, 1: p. 45). Marbo101 explica que
a sua adolescência foi muito complicada, sobretudo porque coincidiu com a época em
que entrou para o IBC. “Tinha 12 anos e não estava acostumada com o jeito das
pessoas, pois morava em um colégio de freiras, onde os costumes eram diferentes”
(Fontes, 1: p. 46). Logo, seu aprendizado foi com os próprios colegas; Llups102
95 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 96 Nesse caso, trata-se da dependência de terceiro para locomover-se sozinha nos trajetos entre: residência/IBC/ residência e outros. 97 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. do IBC. 98 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 99 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos 100 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 101 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 102 Idem.
102
desabafa que esse período foi muito ruim, pois perdeu a visão aos 15 anos de idade e
pensou que tudo tinha acabado. ”Não sabia da existência de escola especializada, daí,
quando cheguei ao IBC, aos 16 anos de idade, percebi que poderia viver normalmente,
apesar da minha deficiência” (Fontes, 1: p. 46). Assim, pôde retornar à sua vida de
antes, conheceu várias pessoas que lhe apoiaram e lhe ajudaram no sentido de perceber
que a vida não tinha acabado, pelo contrário, poderia começar outra a partir dali. Assim,
dedicou-se aos estudos e ao esporte e, hoje, confessa que se sente totalmente tranqüilo e
feliz. Por último Gifen103 reconhece que a sua adolescência foi agressiva; nunca foi de
ter muitas namoradas, foi muito reservado e de poucos amigos.
Houve também um grupo que relatou ter vivido uma adolescência tranqüila,
feliz, enfim, “normal” como todos os outros que enxergam. Foi o caso, por exemplo, de
Iv e And104 que alegam ter tido uma adolescência maravilhosa, pois fizeram “tudo que
os adolescentes fazem como ir à praia, participar de festinhas americanas, namorar, ir
a parques de diversão, encontrar amigos, estudar, enfim curtir as coisas que todos
aqueles da nossa idade gostavam de fazer” (Fontes, 1: pp. 43-44). Já Magda105 diz que
a sua adolescência foi ótima, embora tivesse dificuldade de “entender questões
relacionadas com o sexo e com direitos e deveres” (Fontes, 1: p. 44). Outros como JJ,
Cama, Du, CGroc, Apipe, Rofa, Mahef, Daps, Gigof, Viavi e Camag 106 acrescentam
que também tiveram uma adolescência “natural”, espontânea e sem grandes problemas
porque as famílias ajudaram bastante.
103 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 104 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 105 Idem. 106 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
103
A resposta de Filss107 nos chamou a atenção pela maneira como tratou a questão.
Segundo ele sempre procurou fazer as coisas de acordo com o momento e seguindo o
que todo jovem faz. Confessa, ainda, que até hoje, “só uma garota me disse que não
gostaria de namorar comigo porque eu era cego. Essa garota enxergava e, esse ‘fora’
que ganhei não me abalou e nem tampouco me desestimulou a continuar as paqueras”
(Fontes, 1: p. 46).
Os cegos são uma minoria tão exígua dentro do seu meio social que se vêem
obrigados a assimilar os ideais e os modelos dos videntes que os rodeiam. Como coloca
Cobo e colaboradores (2003), o cego tem de adotar a mesma atitude e os mesmos usos
sociais para com os videntes, mas,
“as relações nunca chegam a ser recíprocas, porque a atitude e o respeito que o cego demonstra em relação ao vidente nunca são correspondidos incondicionalmente. A relação social, então, transforma-se num processo irreversível que deixa o cego sem o mecanismo de compensação para benefício próprio” (p. 127).
Nesse caso, cabe ao adolescente ou jovem cego aprender algumas gentilezas e
galanteios tão comuns aos adolescentes que enxergam quando desejam conquistar uma
garota.
Muito elucidativas foram as respostas de Durv108. Ele considera que a sua
adolescência foi o que se pode chamar de “normal”, conforme relatada a seguir: “em
matéria escolar, foi passada no Instituto Benjamin Constante e no Pedro II, o que
contribuiu para gerar as amizades dentro destes dois grupos ou com pessoas ligadas a
eles” (Fontes, 1: p. 46).
107 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 108 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
104
A adolescência de Acriz109 não foi muito diferente das demais. Como todo
adolescente, foi cheia de vontade de independência em todos os sentidos. Não obstante
essa vontade e a cegueira, talvez, as dificuldades tenham sido maiores porque “meus
pais são cegos e, as famílias dos cegos são mais cautelosas em deixar seus filhos
saírem sozinhos” (Fontes, 1: p. 7). Porém, apesar disso confessa que a sua situação não
foi tão complicada como a de outros colegas de sua época.
Outros que sustentam ter tido uma adolescência como a de qualquer outro
adolescente foram Alden e Patghel110. Alden111 revela que namorou bastante, mas teve
alguns problemas de identidade, posto que “oscilava entre o comportamento de adulto e
de criança” (Fontes, 1: p. 47). Conta que certa vez, durante uma festa junina, na quadra
de esporte do condomínio do seu prédio, se encontrava sentado na mureta da quadra e,
`a sua frente havia uma menina que segundo lhe informaram era muito bonita e estava
piscando para ele. Naturalmente, por ser cego, ele não pôde perceber; até que chegou
um garoto que lhe chamou de “bicha”, perguntando se ele não gostava de mulher, pois
uma garota gostosa estava quase “lhe comendo com os olhos” e ele não fazia nada.
Confessa: “fiquei aborrecido, mas, essa foi a única vez que fiquei chateado por ser
deficiente visual” (Fontes, 1: p. 47).
A situação de Patghel112 foi um pouco diferente. Como toda adolescente diz:
“curti normalmente a minha vida: gostava de ir às festas, de praias, de passear, de
namorar... Entretanto, em plena adolescência, aos 17 anos, perdi a minha visão e isso
109 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC..
110 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 111 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
112 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
105
foi um divisor de águas na minha vida, pois, tive que deixar de lado meus anseios de
adolescente para resolver coisas novas” (Fontes, 1: p. 46). Assim, teve que se dedicar
mais tempo aos estudos pela necessidade de ter um espaço melhor na vida, além de ter
que se adaptar a uma nova situação. Alega que foi difícil, pois, antes de perder a visão
levava a vida mais sem responsabilidade, mas, após perdê-la a coisa ficou diferente.
Entretanto, apesar das dificuldades, comenta que a sua adolescência foi tranqüila.
Analisando os depoimentos dos egressos podemos deduzir que para muitos
cegos, a carga mais pesada pode não ser a cegueira, mas a atitude do vidente para com
eles; talvez porque os fazem sentir como seres inúteis, isto é, incompetentes e inativos,
incapazes de produzir e isolados da sociedade. Conscientes de que são percebidos como
tal, os cegos acabam por sentir-se mal, principalmente quando quem os considera desse
modo são pessoas que lhes são significativas como pais, irmãos, amigos, professores,
dentre outros.
Conforme comenta Cobo e colaboradores (2003) “a maioria dos cegos vive com
forte sentimento de solidão, apesar de aparentemente se mostrarem sociáveis e
espontâneos” (p. 125). Não obstante, a partir do momento que os cegos reconhecem a
impotência da visão e compreendem que ela é uma capacidade que normalmente todos
os outros possuem, o sentimento de inferioridade se instala, criando uma situação de
insegurança, sobretudo quando se deparam com “barreiras” para atingir determinados
objetivos, como por exemplo, a dos concursos, citada por vários egressos.
No entender de Cobo e colaboradores (2003) o cego é um criador de fantasias
crônico. Assim, “a situação de inferioridade, insegurança, de solidão e outras, levam
muitos cegos a reagirem por meio de fantasia, evadindo-se da realidade para criar um
mundo imaginário e inexistente (p. 126)”.
106
4.4 - Ser jovem e cego, o ensino médio e a universidade.
Na primeira leitura das respostas a essa pergunta enviadas pelos egressos, já
percebíamos que alguns deles demonstravam sua preocupação pela falta de apoio dos
órgãos da educação, pela inexistência de professores especializados e, sobretudo, pela
falta de equipamentos e materiais didáticos apropriados para a aprendizagem do aluno
cego e de baixa visão. Além disso, “ensinar o portador de deficiência e compreender o
seu processo de aprendizagem constituem desafios permanentes para os educadores
especiais” (Paula Nunes et al, 1998: p. 37) e, principalmente para aqueles docentes que
não têm especialização na área.
Além do cego, há de se considerar ainda o aluno de baixa visão, que a princípio
parece que o seu problema é de mais fácil solução se comparado ao cego, o que não é
verdade. Além disso, a prevalência dessa condição visual é superior a do cego.
Apesar dessas dificuldades os alunos egressos do IBC continuam se
matriculando nas escolas de ensino médio e nas universidades, concluindo seus cursos,
alguns com alguma facilidade e, outros, a duras penas como poderemos constatar em
seus depoimentos a seguir transcritos e analisados.
Em interessante depoimento Darod113 revela a insegurança do aluno cego ao
migrar de uma escola especializada para uma escola comum e, conseqüentemente, para
a universidade. Segundo esse egresso toda situação nova representa um grande desafio
para o cego, (...) porque é um caminho por vezes penoso, que envolve muitas incertezas
(Fontes, 1: p. 51). E, além disso, não se sabe se conseguirá atingir os seus objetivos.
Para complicar ainda mais, informa Darod114 que há muita resistência dos grupos com
relação às limitações dos cegos. Por outro lado, sustenta ainda, que “essa fase da vida é
113 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 114 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC
107
primordial para o crescimento social do cego enquanto pessoa, porque é um momento
rico em trocas, e o cego aprende bastante com os videntes” (Fontes, 1: p. 51). Por fim,
reconhece que os cegos precisam se sentir em alguns momentos desafiados, para tentar
superar os obstáculos, pois essa é também uma forma de crescer, apesar de perversa.
Corroborando com Darod115, acrescenta Filss116: “já que o cego vai encontrar
dificuldades é importante que ele tenha consciência disso, pois, se assim não o fizer
ficará pelo meio do caminho” (Fontes, 1: p. 51).
Com relação às limitações dos cegos lembradas por Darod, Lups117 rememora
que quando foi para o ensino médio ficou apreensivo e preocupado: “Inclusive sentia-
me constrangido em pedir ajuda aos colegas, para que eles não pensassem que me
aproximava deles somente para pedir ajuda” (Fontes, 1: p. 51). Aliás, informa que na
maioria das vezes essa aproximação era “para saber das novidades ou para um bate-
papo, principalmente, com as garotas que eram as que mais ajudavam os cegos”
(Fontes, 1: p.51).
Enquanto isso, Acriz118 comenta que décadas passadas, entrar para o 2° grau era
mais difícil; isso porque nem todas as escolas aceitavam matrículas de cegos, “sob a
alegação de não estarem preparadas para receberem esse tipo de aluno” (Fontes, 1:
p.52). Por isso alguns egressos passaram por esse tipo de rejeição em escolas, inclusive
em escolas estaduais e universidades como foi o caso de San119: “em 1994 tentei entrar
para a Universidade Estácio de Sá, e não pude, pois alegaram falta de infra-estrutura,
coisa que, aliás, acontece muito por aí” (Fontes, 1: p. 48).
115 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 116 Idem. 117 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 118 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 119 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC
108
É importante ressaltar que a partir de 1995, esse problema apontado por San120
deixou de existir, pois, durante a gestão do pesquisador frente à direção-geral do IBC,
foram firmados vários convênios com universidades, colégios, escolas e Institutos,
inclusive com a Universidade Estácio de Sá, no sentido de dar suporte ao aluno cego.
Continuando, Acriz e Ricas121 expressam que o mais difícil, no entanto, foi a
adaptação ao meio, pois, lhes viam com diferenças e lhes faziam todos os dias perguntas
óbvias, comentários equivocados e queriam lhes proteger em demasiado. Foi preciso,
portanto “’ter a cabeça feita para contornar tudo isso com habilidade, não deixando de
fazer amigos e conseguir ajuda, indispensável para copiar as matérias, consultar
livros, etc.” (Fontes, 1: p. 48-52). Ainda falando dessas dificuldades Iv122 coloca que
“estudar em uma escola comum é uma tarefa muito difícil, pois não se tem o apoio
necessário dos órgãos da educação e os professores e demais funcionários dos
estabelecimentos de ensino geralmente não possuem nenhum conhecimento de como
lidar e ensinar pessoas cegas” (Fontes, 1: p.48). Dessa forma, o jovem cego que quiser
estudar terá que superar “barreiras e descrédito”, sem falar na falta de material didático
apropriado.
Nesse sentido, Ricas123 declara que o cego ao entrar para a escola comum e até
para a universidade, é vítima de preconceitos, até mesmo por causa da desinformação
dos alunos e dos professores: “No início, há certa curiosidade das pessoas com relação
ao Braille, à reglete124, ao punção e à bengala” (Fontes, 1: p.48). Passado esse primeiro
momento, algumas pessoas realmente se aproximam do cego, podendo “ter início uma 120 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 121 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 122 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 123Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 124 - Instrumento específico usado para o ensino do Braille nos primeiros anos de escolarização, constando de celas do hexagrama Braile.
109
boa amizade ou se afastam, ignorando-o, como se ele não existisse em sala de aula.
Quanto aos professores, há aqueles que colaboram, ditam o que está no quadro, lêem
as provas, e outros que rejeitam o cego, tratam-lhe mal ou nem se dirigem a ele”
(Fontes, 1: p.48). Segundo informações colhidas entre os egressos, a maior dificuldade
para o estudante cego no ensino médio, está basicamente naquelas disciplinas que
envolvem gráficos e mapas. Na verdade revela Magda125, há realmente dificuldade no
relacionamento dos colegas com o cego, pois este fica como se fosse a atração do
colégio: “Além disso, os professores não acreditam que esse aluno especial conseguirá
superar as dificuldades” (Fontes, 1: p. 49).
Ainda falando da curiosidade inicial – para saber como o cego escreve e lê –
Margth126 informa que entrou para escola e universidade que já haviam tido
experiência com pessoas cegas, mas, de um modo geral, é bastante difícil, “pois as
instituições não têm preparo algum e o material didático especializado para a pessoa
cega faz muita falta” (Fontes, 1: p. 48).
Outra dificuldade encontrada na escola comum e na universidade, refere-se à
compra de materiais adaptados, pois os existentes são bastante caros. Talvez a criação
de uma lei que facilitasse a importação desses materiais, com isenção de impostos ou
desconto, poderia solucionar o problema; ou mesmo o incentivo à pesquisa e à produção
de materiais tiflotécnicos127, a exemplo do que faz a Organização de Cegos da Espanha
(ONCE), através de sua Unidade Tifloténica, que se encarrega de avaliar, importar e
consertar aparelhos e materiais especiais, assim como promover a pesquisa e a
fabricação, na Espanha, dos protótipos considerados mais adequados e necessários ao
cego e aos deficientes de baixa visão.
125 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 126 Idem. 127 Conjunto de técnicas, conhecimentos, recursos e equipamentos utilizados pelos cegos, com a finalidade de favorecer a autonomia pessoal e a plena integração social, educacional e do trabalho.
110
Aliás, lembra Margth128 que sobre esse assunto há uma portaria de 1999,
obrigando universidades a se adaptarem para receber todo tipo de portadores de
deficiência: “Parece que a coisa só ficou no papel, pois não vejo nenhum movimento
das universidades para isto, exceto a Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), que muito antes disso, já desenvolvia um trabalho com este fim” (Fontes, 1: p.
48).
Em relação às dificuldades encontradas para acompanhamento das disciplinas,
alguns egressos se pronunciaram da seguinte forma: Luzlou129 alega que “encontrou
dificuldades nas matérias como matemática, química e física por causa dos gráficos e
figuras” (Fontes, 1: p. 49). Além disso, a falta de preparo dos professores em lidar com
o aluno deficiente visual era notável. Lupi130 diz que “as aulas eram pouco dialogadas
e o uso freqüente do quadro negro prejudicava bastante o cego” (Fontes, 1: p. 49);
JJ131 faz referência às matérias Física e Química, pois “os professores falavam muito
rápido e escreviam quase tudo no quadro negro” (Fontes, 1: p. 49). Em face disso, foi
necessária muita força de vontade e persistência para vencer as dificuldades.
Os egressos de baixa visão revelaram que enfrentaram muitas dificuldades nas
escolas regulares. Não existiam recursos ópticos próprios, como acontecia na escola
especializada e a situação se agravava ainda mais, sobretudo, por não conseguirem ler o
que estava escrito no quadro negro.
Às vezes o não poder ler o que estava escrito no quadro, era contornado; pedia-
se a um colega vidente para ler ou copiar o que estava escrito no quadro, mas, isso “era
uma barra porque as pessoas não tinham paciência e não estavam a fim de gastar seu
128 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 129 Idem. 130 Idem. 131 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
111
tempo lendo para deficientes, elas também precisavam copiar as suas matérias”
(Anrope e Wimas132, Fontes, 1: pp. 49 - 50).
A declaração de Crima133 foi ainda mais contundente: “os professores não
queriam dar aulas, pois achavam que os deficientes deveriam estar em escolas
especializadas. Não aplicavam as provas finais, porque não tinham material adequado
e a escola não tinha estrutura e, os professores eram despreparados” (Fontes, 1: p. 50).
Com relação ao despreparo dos docentes, Rofa e CGRoc134 esclarecem que nesse caso
“os próprios deficientes os ajudavam”. Alguns obstáculos eram colocados já no ato da
matrícula: “’Não temos professores que saibam Braille e os materiais pedagógicos não
são adaptados’” (Fontes, 1: pp. 49 - 50). Enfim, o aluno se matriculava já sabendo o
que encontraria pela frente.
Outros egressos como, por exemplo Patghel135, apontaram que não tiveram
muita dificuldade na escola comum porque “seus familiares e amigos lhe ajudaram
bastante e a dedicação dos ledores foi fundamental para a aprendizagem” (Fontes, 1:
p.51).
Realmente, como afirmam CGRoc, Barreg, Resa, Joaf, Mahef, Gigof, Wisf,
Wacon, Viavi, Resa e Camag136, o aluno deficiente visual - tanto o cego quanto o de
baixa visão - tem que ser bastante persistente para superar o preconceito, a má vontade,
o despreparo dos professores, a falta de material pedagógico adequado e a indiferença.
Existem também alguns egressos que não conseguiram ainda concluir o ensino médio,
132 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 133Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 134 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 135 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 136 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
112
como por exemplo, Ales137 que expressa sua opinião no sentido de que todos os alunos,
desde o jardim de infância, devem iniciar a computação, pois entende ser essa uma das
melhores saídas para a aprendizagem e para a independência do deficiente visual.
Pela análise feita às respostas dos egressos, tudo leva a crer que a dificuldade das
escolas comuns em matricularem um aluno deficiente visual, principalmente o cego,
reside mais no fato de não saber trabalhar com esse tipo de aluno e não propriamente
por não quererem aceitá-lo. Foi o caso, por exemplo, de Marbo138 que morava em Nova
Iguaçu e quis estudar próximo à sua residência. “Fiz a prova do Estado, passei, mas o
diretor fez carga para eu não estudar no colégio que ele dirigia. Não concordando com
tal atitude fui à Secretaria de Educação, relatei o caso e, graças à intervenção do
Secretário de Educação consegui permanecer no Instituto para o qual havia feito a
prova” (Fontes, 1: p. 51). Ocorre que Marbo139 foi a primeira aluna cega daquele
Instituto e, de repente, aquela situação vivida pela aluna hoje em dia pode ser que não
ocorra mais.
Segundo informações colhidas entre ex-alunos e professores aposentados do
Instituto Benjamin Constant, nos anos 50, somente alguns colégios como Mallet Soares;
Pedro II; Rui Barbosa e Bennett se dispunham a matricular alunos cegos no ensino
médio. A partir, daí, então, outros colégios como Infante Dom Henrique, Escola Júlia
Kubitscheck, dentre outros, também abriram suas portas para receberem alunos cegos.
Mais recentemente, principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases do
Ensino Nacional (LDBEN), várias instituições de ensino médio têm matriculado alunos
cegos, como por exemplo, o colégio referido por Marbo140.
137 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. do IBC. 138 Idem. 139 Idem. 140 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos.
113
Assim como Cros,141 que ficou na ociosidade e sem força de vontade para
continuar seus estudos e, somente agora está concluindo o ensino médio, existem outros
que também batalharam bastante para conseguir se inserir na escola comum.
A despeito dos problemas apontados pelos egressos, há ainda de se adicionar o
dilema daqueles alunos que quando estudaram no IBC tinham baixa visão e, quando
foram para o ensino médio a perderam. Segundo eles, a maior dificuldade foi aprender o
Braille, pois tiveram que fazê-lo muito rápido. Além de muito penoso, aprenderam
apenas o básico, o necessário. Finalmente, analisando o depoimento de Alunf142
chegamos à conclusão que ele contempla quase tudo que foi exposto pelos outros
egressos. Afirma ele:
“Freqüentei escolas comuns, sem nenhum preparo para receber deficientes visuais, até o limite que pude acompanhar. Após isso, fui para uma escola comum onde aceitavam alunos com deficiência visual, isto é, que tinham um acompanhamento. Inclusive a diretora passou para os alunos o meu caso e, todos eles se comprometeram a me ajudar, como realmente o fizeram. Até hoje mantenho aquelas amizades. Na universidade foi mais complicado. No início do período fiz amizade com os colegas e eles me ajudaram bastante. Entretanto, os professores não estavam preparados para lidar com alunos deficientes visuais. A idéia que se tinha era que a simples acessibilidade das instalações era suficiente para solucionar o problema dos deficientes. Na verdade, o problema estava na falta de conhecimento dos professores, na falta de materiais e equipamentos adequados para serem utilizados por deficientes visuais, principalmente para os de baixa visão” (Fontes, 1: p. 50).
A transformação do processo educacional é tarefa e competência a ser realizada
coletivamente, não cabendo exclusivamente ao professor promovê-la no interior de uma
sala de aula, como tem ocorrido com freqüência.
A respeito dessa afirmação, Aranha (2004) admite que matricular um aluno com
necessidade especial em classe regular e deixar somente por conta do professor a
administração de seu processo educativo, é manter as condições de segregação desse
aluno e do fracasso do ensino, mascarado pelo índice quantitativo de matrícula.
141 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. 142 Idem
114
Na opinião de Glat e Pletsch (2004) cabe ao professor – como agente mediador
do processo ensino-aprendizagem – o papel de fazer as adaptações necessárias no
currículo escolar. Comentam ainda, que “o currículo para uma escola inclusiva,
entretanto, não se resume apenas a adaptações feitas para acomodar os alunos com
deficiências ou demais necessidades especiais. A escola inclusiva demanda uma nova
formação de concepção curricular, que tem que dar conta da diversidade do seu
alunado” (p. 3).
Em seu artigo “O direito de ser, sendo diferente, na escola”, Mantoan (2004)
afirma que “a proposta de se incluir todos os alunos em uma única modalidade
educacional, promove um choque de uma escola aberta às diferenças” (p. 113). Nesse
sentido, convém lembrar que as mudanças necessárias para que a escola possa atender
esse contingente de alunos especiais, não ocorrem “num piscar de olho”, ou
simplesmente através da lei pura e fria. Portanto, a educação é um processo, e como tal,
carece de tempo para que a educação possa se articular com as demais políticas
públicas. Isso porque, a concepção de um processo inclusivo, não se restringe apenas às
providências a serem decididas no âmbito educacional (Carvalho, 2004), é necessário o
engajamento de todos os segmentos da sociedade.
Segundo ainda Mantoan (2004) a escola se democratizou abrindo-se a novos
grupos sociais, mas não aos novos conhecimentos: “Com isso, exclui aqueles que
ignoram o conhecimento por ela valorizado; entendendo que a democratização é
massificação de ensino; não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares
epistemológicos; não se abre a novos conhecimentos que não coubera, até então,
dentro dela” (p. 115).
115
Com isso cria-se um impasse, como afirma Morin (2001): “não se pode
reformar a instituição sem a prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as
mentes sem uma previa reforma das instituições” (117).
Como argumentam Glat e Pletsch (2004) esta forma de se pensar a escola
representa um novo modelo, para o qual ainda não há suficiente experiência acumulada.
“A escola inclusiva é, portanto, uma nova escola, uma escola que ainda precisa ser
criada. Nesse sentido, a universidade, a partir de suas três dimensões constitutivas –
ensino, pesquisa e extensão – tem uma grande contribuição no desenvolvimento e
implementação deste processo” (p. 4).
Quanto à falta de professores especializados para atuarem nas escolas comuns,
referidos pelos egressos, vale lembrar que de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), a formação inicial dos professores deverá se tornar
exclusiva responsabilidade das universidades ou institutos superiores de educação.
Nesse sentido, o Ministério da Educação já vem há muito tempo apontando sobre a
importância de incorporar conteúdos sobre necessidades educativas especiais em todos
os cursos de graduação, principalmente na área de formação de professores
(Recomendação 1793, de 28 de dezembro de 1994, do Ministério da Educação, MEC).
4.5 - O jovem cego e seu primeiro emprego.
É importante que seja colocado inicialmente que a questão do emprego – para
ser tratada em adequada perspectiva – “precisa necessariamente ser analisada em
conjunto com os problemas da pobreza e da exclusão social” (Pinheiro e Guimarães,
1998: p. 108), principalmente, ao se falar de portadores de deficiência.
116
Por outro lado, defendemos a premissa e concordamos com Paula Nunes e
colaboradores (1998) quando afirmam “é através do trabalho que o indivíduo com
deficiência pode demonstrar suas potencialidades e competências, construir uma vida
mais independente e autônoma” (p.97), enfim conquistar a sua cidadania.
Também, não paira nenhuma dúvida a respeito da perspectiva de vida daqueles
indivíduos deficientes inseridos no mundo do trabalho, em comparação a outros que
ainda não debutaram no seu primeiro emprego.
Convém ser lembrado, também, que as transformações sócio-econômicas, como
a globalização, ao gerarem uma massa de pessoas supérfluas ao sistema, redirecionaram
o foco das discussões sobre problemas sociais. Se antes, a grande preocupação era com
as condições de exploração na qual a inserção se dava, agora, a dificuldade é no sentido
de encontrar formas de se processar essa inserção social.
O segundo ponto diz respeito às leis que disciplinam a vida desses portadores de
deficiência. Não obstante os esforços na área legislativa, os deficientes ainda são
discriminados no mundo do trabalho, apesar de algumas empresas e instituições estarem
investindo em trabalhos específicos direcionados a esse segmento e terem colocado em
prática programas para a contratação de profissionais deficientes.
Com base nessas experiências, informa a Federação de Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro (FIRJAN)143, que algumas empresas identificaram que as limitações
impostas pela deficiência podem ser elementos favoráveis, como as que demandam alto
poder de concentração. A necessidade do ser humano ter um emprego é uma questão de
sobrevivência. Quanto ao deficiente, além disso, é uma das formas de expandir o seu
relacionamento social e amenizar a sua exclusão. Sobretudo para o deficiente visual, o
cego, que “até o início do século XIX não tinha outra possibilidade de sobrevivência a
143 Elimine o preconceito. Contrate trabalhadores: deficientes. Rio de Janeiro: GEA, 2001.
117
não ser a mendicância” (Chazal, 1999: p. 39). Apesar de existir ainda muitos cegos
pedindo esmolas, a situação tem mudado bastante. A cada ano muitos deficientes
visuais são inseridos no mundo do trabalho, resultado de muita luta, persistência,
dedicação e estudo.
Quanto ao primeiro emprego, Iv e And144 cometam que geralmente o jovem
cego é recebido com um misto de descrença, curiosidade e admiração: “No primeiro
momento o chefe e os companheiros de trabalho não acreditam que um cego seja capaz
de desempenhar uma função, seja qual for. Além dessa descrença, eles ficam muito
curiosos para saber como será a convivência com alguém diferente e assim que
descobrem que o cego é capaz, ficam admirados” (Fontes, 1: pp. 52 – 53).
Revela Alden145 que inicialmente as pessoas os recebem no primeiro emprego,
no primeiro contato, com certa reserva e procuram perguntar para os outros funcionários
sobre a conduta e o comportamento do cego para, posteriormente, aproximarem-se e
passarem a tratá-los sem quaisquer reservas. Mar, Patghel e Camag146 informam que
“se nota desconfiança e preconceito no ambiente de trabalho, acerca do potencial
laborativo do deficiente e, isso somente é extinto quando o cego demonstra que é
possível realizar o trabalho e que é competente” (Fontes, 1: pp. 53, 54 e 55).
De acordo com o depoimento de Margth147 é muito difícil chegar ao primeiro
emprego: “Atualmente, a maior oportunidade de emprego para a pessoa cega tem sido
via concursos públicos” (Fontes, 1: p.53). Por isso, são pouquíssimos os deficientes
visuais que estão trabalhando na iniciativa privada: “A minha maior dificuldade foi
como e onde procurar emprego e parece que o problema não foi só comigo. Apesar 144 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 145 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 146 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 147 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
118
disso, fui bem recebida no meu primeiro emprego, embora muitas pessoas não
soubessem como lidar com o cego” (Fontes, 1: p. 53).
A respeito desse assunto, esclarece Ricas148 que o primeiro emprego pode ser
problemático para qualquer pessoa. Entretanto, para o cego, “dependerá da área em que
ele vai atuar, pois, além da concorrência que normalmente acontece, ele tem que
conviver também com a falta de credibilidade que possivelmente despertará nos
colegas” (Fontes, 1: p. 53). Comenta ainda, que teve como primeiro emprego o cargo de
professora no Instituto Benjamin Constant, onde foi bem recebida, embora com as
restrições já mencionadas anteriormente.
Contrapondo o depoimento de Ricas149, Apa150 confessa que o seu primeiro
emprego foi como revisora de textos Braille no IBC e não teve inicialmente, qualquer
dificuldade com o grupo que estava lá. Todavia, esclarece: “Infelizmente o preconceito é
iniciado dentro do próprio IBC, se formando uma dicotomia entre cegos e videntes”
(Fontes, 1: p. 53). Logo, se num espaço que, em tese, seria realmente um lugar de
convívio social harmônico e sincero entre os funcionários e alunos, isso acontece, o que
esperar de outros espaços? Em relação aos seus demais empregos, como professora
estadual e como serventuária da justiça, diz que “foi recebida como a professora cega e
a menina cega que precisava de adaptação no ambiente de trabalho” (Fontes, 1: p. 53).
Comparando o IBC com esses outros ambientes, declara ser mais feliz fora dele:
“embora gostasse extremamente de desempenhar a minha atividade profissional
quando lá estive” (Fontes, 1: p. 53).
148 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 149 Idem. 150Idem.
119
Por último, esclarece Apa151 que pode afirmar isso: “porque, pelo menos, eu
não tenho a sensação de ter sido usada, como mero objeto disso que chamam de
educação ‘especial’” (Fontes, 1: p. 53). Na verdade, ela se considera sujeito histórico
desse sistema educacional diferenciado. No Instituto Benjamin Constant trabalham
profissionais de categorias e classes sociais diferenciadas, distribuídos entre videntes,
cegos e de baixa visão. Ressalta-se, ainda, que o mundo capitalista está cada vez mais
competitivo, exigindo cada vez maior conhecimento e qualificação profissional, maior
flexibilidade do funcionário em trabalhar em equipe e em acumular várias funções
distintas, exigindo-se muito mais do perfil e da produtividade do trabalhador, pois este
precisa se adaptar às regras econômicas (Anacleto et al, 2005).
Por outro lado, o comportamento dos videntes em relação à pessoa cega pode se
revelar um problema, como comenta Apa152. Com relação a isso, Amaral (1994) diz que
o próprio deficiente visual deve se empenhar na integração e não ficar esperando que os
videntes deixem de segregá-lo, pois o maior interessado é ele próprio que vive esta
experiência no dia a dia e não quer ser estigmatizado.
O fato de uma pessoa influente “fazer a ponte” para um emprego, explicando as
vantagens de se contratar uma pessoa cega, é muito importante para esclarecer algumas
dúvidas conforme reconhece Marbo153. Pois, em face dessa intervenção foi recebida de
uma forma muita tranqüila, trabalhando como Operadora de Câmara Escura, conforme
diz: “me adaptei muito bem, apesar de tudo ter sido novidade no início” (Fontes, 1:
p.54). Embora tenha aprendido o trabalho com rapidez e eficácia, segundo ela as
pessoas acham que os cegos não têm muita responsabilidade. Por exemplo: “o simples
151 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 152 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 153 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
120
fato de ficar com a chave da seção que eu trabalhava não me era permitido, porque as
pessoas pensavam que eu poderia perdê-la ou mesmo não ter responsabilidade para
tal” (Fontes, 1: p. 54). Corroborando Marbo, Durv154 informa que o seu primeiro
emprego foi como Operador de Câmara Escura, revelando radiografias, serviço que a
sociedade acha adequado para cego e realmente o é. Esclarece que não houve
dificuldades para se adaptar e exercer essa profissão. Entretanto: “não tive a mesma
sorte quando estagiei numa empresa, na Barra da Tijuca, na área de programação de
computador e, no início da minha contratação, na Justiça Federal, antes da
implantação da rede de informática” (Fontes, 1: p.55).
Outros egressos como Acriz, Elos, Cross e Emsosi155 se pronunciaram no
sentido de que as dificuldades foram todas contornadas, de forma que tudo fluiu
tranquilamente. Assim, fala Acriz156 que como cega trabalhou na área da chamada
“educação especial”. Declara que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito para entrar
no emprego e assumir sua atividade, embora perceba que mesmo nesta área “a opinião
do profissional cego não é muito considerada” (Fontes, 1: p.55). Elos157 começou a
trabalhar em um estaleiro que fabricava peças de fibra de vidro. Era ajudante de
laminação. Foi indicado com mais um colega e “todos me ensinavam com paciência, de
forma que aprendi rápido, mesmo porque o que eu fazia não tinha muito mistério”
(Fontes, 1: p.55). Só saiu de lá porque a empresa faliu. Cros158 trabalhava com
massagem, nunca notou qualquer tipo de preconceito e percebia que as pessoas se
sentiam muito à vontade, “talvez por eu não enxergar ou por não fazer algum tipo de
154 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 155 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 156 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 157 Idem. 158 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
121
comparação, ou até mesmo, pelo pudor de não poderem ser vistas” (Fontes, 1: p. 55).
Emsosi159 fala do seu primeiro emprego que foi no próprio IBC. Trabalhava com
adolescentes, ensinando e monitorando o laboratório de informática. Apesar de ser um
trabalho um pouco estressante: ”sentia-me à vontade e as pessoas me tratavam muito
bem; inclusive todas as minhas sugestões foram ouvidas e acatadas” (Fontes, 1: p. 55).
Alunf160 confessa que “no início ficou um pouco receosa de informar a extensão
da sua deficiência” (Fontes, 1: p. 57), mas teve que explicar, até para que as pessoas
soubessem como ajudá-la. Era professora e o ginásio que trabalhava era imenso, de
forma que não podia ver as pessoas até mesmo os seus alunos quando eles se afastavam
muito dela. Mas: ”quando eu lhes falei sobre a minha deficiência, as coisas ficaram
mais fáceis e até eu mesma fiquei mais à vontade, até pelo interesse que os colegas
demonstravam em saber como eu com deficiência conseguia ensinar e dominar uma
turma com facilidade” (Fontes, 1: p.50). Ela era professora de Ginástica Olímpica e em
momento algum foi discriminada, embora os profissionais desta atividade sejam
bastante críticos e muito exigentes.
Enquanto isso, Wisf e Wimas161 informam: “trabalhamos como autônomos
porque não conseguimos emprego de carteira assinada e nem ser aprovados em algum
concurso público” (Fontes, 1: p.53). O primeiro informou que foi bem aceito e
trabalhou em um escritório de advocacia e, atualmente, em uma empresa; já o segundo,
é camelô, vende balas e doces e diz que é tratado como todo camelô, apesar de ser
deficiente.
159 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 160 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 161 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
122
Outros egressos como San, Mahef, Daps, Gigo, Viavi, Lups, Filss e Gigon1162
declararam que infelizmente nada têm a contribuir sobre o primeiro emprego porque
“ainda não [começaram] a trabalhar, apesar das inúmeras tentativas” (Fontes, 1: pp.
52-55) .
Como qualquer jovem sem experiência de trabalho esclarece Darod163 que o
primeiro emprego coloca o cego numa situação duplamente delicada: “primeiro por não
ter experiência, pois, na maioria das vezes desconhece aquele universo e, segundo, por
ter que superar essa dificuldade rapidamente, para que não seja associada com a sua
limitação visual” (Fontes, 1: p. 54).
O cego ser bem sucedido no seu primeiro emprego é de fundamental
importância para deixar “as portas abertas” para outros, que certamente virão em
seguida. Corroborando com essa afirmação Wacon164 reconhece que: “fui recebido com
decência e muito respeito, porque outros colegas cegos que foram pioneiros naquele
local, abriram portas e não as fecharam, para que outros por elas pudessem passar”
(Fontes, 1: p. 54). Referia-se ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Finalmente, lembrando da necessidade de se ter um “banco de empregos” para
os deficientes visuais serem encaminhados para o mercado de trabalho, CGRoc165 se
manifesta no sentido de que o próprio Instituto Benjamin Constant poderia criar esse
setor, uma vez que já oferece cursos profissionalizantes. A preocupação de CGRoc166 é
pertinente, principalmente diante do aumento dos índices de desemprego, tornando cada
vez mais difícil encontrar e manter um trabalho remunerado. 162 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 163 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 164 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 165 Idem. 166 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
123
Preocupado com essa questão, o Instituto Benjamin Constant criou em 1996 um
grupo de estudo composto por profissionais do Departamento de Estudos e de Pesquisas
Médicas e de Reabilitação (DMR), que realizou um estudo profissiográfico167, no qual
se fez um levantamento de um conjunto de diversas profissões que podiam ser exercidas
pelas pessoas cegas e de baixa visão, especificando os pré-requisitos e atribuições destas
profissões, visando auxiliar no encaminhamento profissional das pessoas com
necessidades especiais na área da visão ao mercado de trabalho. Foram também
considerados os recursos óticos e técnicos existentes à época e que poderiam ser
utilizados na facilitação do desempenho funcional do deficiente visual.
O estudo apontou para a dificuldade de inserção profissional, que é enfrentada
por uma parcela significativa de brasileiros. Com relação ao deficiente visual tal
situação é agravada pela infundada crença da maioria dos empregadores que pensam a
deficiência como afetando todas as funções do indivíduo. Além disso, desconhecendo as
diversas atividades possíveis de serem realizadas pelo deficiente, receiam dificuldades
de integração com o grupo de trabalho, temem a ocorrência de acidentes e preocupam-
se com o custo de adaptações e aquisição de equipamentos especiais (Nabais et al,
1996).
Outro fator levantado pelo estudo foi a falta de qualificação profissional de
considerável número de deficientes visuais ocasionada pela ausência de ações voltadas
para a preparação profissional dos deficientes, e pela dificuldade de acesso dos mesmos
aos cursos existentes.
167 Estudo profissiográfico realizado no Instituto Benjamin Constant (Portaria/IBC nº l39, de 27/11/95, que criou um grupo de trabalho interdisciplinar composto de dois psicólogos, um assistente social e um professor especializado em reabilitação, com a finalidade de proceder a um estudo voltado para a preparação e encaminhamento profissional das pessoas deficientes visuais).
124
4.6 - Ser cidadão cego.
Nas décadas dos 1990 e da dos 2000 vivemos no Brasil um processo de
mudanças acentuadas, com a maior participação da sociedade civil como talvez nunca
antes em toda a história política brasileira. Democracia e Direitos Humanos se
confundem e abrem espaço para a ação em prol da inclusão social e da proteção especial
dos segmentos mais vulneráveis. Conforme relata Pinheiro (2002) “durante essas
décadas foi aprofundada a atuação do Estado em compasso com as demandas da
sociedade. Pela simples razão de que o governo democrático não assegura por si só a
proteção dos direitos civis a todos os cidadãos e cidadãs” (p.7).
É certo que uma boa formação para o homem requer não apenas um grupo
social, mas, um bom grupo social. Nada é mais importante no julgamento da qualidade
de uma sociedade do que as qualidades que estas fomentam em seus cidadãos. Isso sem
falar que uma boa sociedade é aquela que produz bons cidadãos, promove sua felicidade
e os encoraja a agir corretamente. Como diz Dahl (1998) é nossa fortuna que esses fins
sejam harmoniosos; para o homem virtuoso a felicidade e ninguém pode ser realmente
feliz sem os exercícios da virtude.
Consoante com essa colocação pode-se dizer que, cidadania é a participação de
todos em busca da realização desses benefícios e, consiste desde um simples gesto de
não jogar papel na rua e respeitar os mais velhos, até saber lidar com a exclusão das
pessoas com necessidades especiais, como por exemplo, ajudar a um cego a atravessar
uma rua movimentada.
Em linhas gerais, ser cidadão parece estar ligado ao direito da pessoa participar
das decisões da sociedade para melhorar não só a sua vida, mas, também, a de outrem
que esteja precisando, bem como contribuir para o desenvolvimento da nação.
125
Realmente não se pode pensar o cidadão cego fora do contexto democrático, dos
direitos humanos e da inclusão social. Aliás, é dentro desse pensar que os egressos do
IBC fundamentaram suas respostas, como por exemplo, Apa168 que se diz cidadã de
segunda classe e assim se declara: “como posso me sentir realmente cidadã, se tenho o
direito de votar, mas, a minha participação no processo eleitoral é inibida porque
tenho receio de que qualquer coisa que eu venha a dizer seja utilizada por um político
desonesto na sua campanha?” (Fontes, 1: p. 56). De acordo com a sua declaração, ela
afirma que poucos são os momentos em que se sente cidadã; “são tão poucos que
poderia até enumerá-los” (Fontes, 1: p. 56). A seguir, cita como exemplo, o seguinte:
“há cerca de duas semanas tomei um táxi em frente ao IBC, quando o motorista,
gentilmente, me ofertou um cartão em Braille. Ao ler o número do telefone da
cooperativa, experimentei uma deliciosa sensação de autonomia” (Fontes, 1: p.56).
O que aconteceu não foi um fato comum, apesar de ter sido um ato tão simples.
O poder ler os dados contidos no cartão, pois estavam escritos em Braille, causou a
Apa169 sensação de liberdade, de autonomia, pois fora tratada como uma verdadeira
cidadã, aliás, um ato simples oriundo de um cidadão comum, homem do povo e não dos
governos ou, até mesmo, da cooperativa a qual o táxi pertence.
Conforme depoimento de Marbo170: “ser cidadã cega é viver numa constante
briga pelos meus direitos” (Fontes, 1: p. 58). Acredita que as pessoas não sabem muito
sobre o que é ser cego, pois, em alguns momentos “pensam que nós não somos capazes
para nada, entretanto, em outros, que somos” (Fontes, 1: p. 58). Comenta, também,
que algumas vezes as pessoas vão lhe ajudar, mas a deixa esperando, como se não
tivessem responsabilidade, compromisso, emprego, e tantas outras coisas a fazer: “Tem
168 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 169 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 170 Idem .
126
gente que pensa que a cegueira é uma doença e nos manda para a igreja para sermos
curadas” (Fontes, 1: p. 58).
A falta de conhecimento a respeito da cegueira e do ser cego é uma realidade. E,
tal fato comprova-se pelas perguntas que temos escutado durante esses 25 anos
dedicados à educação do cego. São perguntas do tipo: como eles namoram? Os filhos
deles também são cegos? Como eles conseguem saber que o ônibus está se
aproximando do ponto no qual deverão saltar? Como as mulheres cegas cuidam de suas
casas? Eles são superdotados? Por que alguns deles são tão revoltados? Como eles
conseguem se locomover? Acreditamos que todas essas indagações são geradas pela
curiosidade e pela falta de informação. A respeito desse tipo de curiosidade, manifesta
Marbo171: ”às vezes fico aborrecida, outras não. Interessante é quando alguém quer
nos ajudar. Eles nos empurram como se fôssemos ‘mercadoria de camelô’. Tenho a
impressão que ficam com medo. Outras pessoas acham engraçado quando andamos
com a bengala” (Fontes, 1: p. 58).
Enfim, de acordo com as declarações dos egressos, as pessoas não têm nenhuma
informação sobre a cegueira ou sobre o que é ser cego em geral (Fontes, 1: p. 58).
Ainda falando sobre a falta de informação, as famílias não se preocupam em
informar aos filhos, principalmente, aqueles prestes a se casar sobre a possibilidade de
nascer uma criança deficiente, uma criança cega. A respeito dessa falta de informação
comenta Marbo172 que certa vez, “uma criança perguntou à sua mãe porque eu estava
com o olho fechado; ocorre que a criança nunca tinha visto uma pessoa cega.
Realmente as famílias não se preocupam em dizer para os seus filhos que existem
pessoas deficientes, a sociedade se preocupa mais com as pessoas que não têm
deficiência” (Fontes, 1: p. 58). 171 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 172 Idem..
127
Rotulando a sociedade de preconceituosa, machista e exclusiva Patghel173
confessa que ser cega e mulher, significa lutar em duas frentes de batalha, pois, “é o
tempo todo buscando cada espaço na sociedade e no mundo moderno” (Fontes, 1:
p.59). Por isso, procura sempre se amparar nos seus direitos e deveres de cidadã cega e
de mulher. Também Magda174 alega “que tem que vencer uma luta todos os dias; por
isso, alerta para o fato de os pais serem mais preparados para criar um filho cego”
(Fontes, 1: p.58). Cita como exemplo, o caso específico que ocorre no Instituto
Benjamin Constant: “as mães ficam muito tempo na instituição sem fazer nada,
aguardando os seus filhos e eles não aprendem a se defender” (Fontes, 1: pp. 58).
A preocupação de Magda175 relaciona-se com a possibilidade das mães se
ocuparem com algo útil e produtivo que lhes traga algum beneficio, como por exemplo,
um curso. Essas mães moram, geralmente, em bairros distantes do IBC e acompanham
seus filhos porque eles são novos e ainda não têm locomoção independente. Além disso,
às vezes o trajeto é longo e complicado, necessitando que sejam tomadas três ou quatro
conduções.
Outro que declarou que ser cidadão cego é muito difícil foi o Iv176: “ser cidadão
cego na nossa sociedade é muito difícil, pois, além de não se ter nenhum apoio dos
governantes, ainda tem-se que conviver num mundo de pessoas egoístas” (Fontes, 1:
p.55). Viavi177 reforça tal posição ao dizer: “o que também atrapalha é o preconceito
com relação ao deficiente” (Fontes, 1: p.58). Contrapondo as duas declarações
173 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 174 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 175 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 176Idem. 177 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
128
anteriores, Mar178 reconhece que: “os cegos precisam ser mais ativos quanto ao
processo de inclusão, apesar da falta de meios e de recursos para atender as
necessidades dos deficientes visuais” (Fontes, 1: p. 56).
Outros como Vit, Anrope e Wacom179 declaram que o fato de serem cegas não
atrapalha em nada: “a sociedade é que não nos aceita e muitos nos tratam com descaso
enquanto outros com preconceitos” (Fontes, 1: pp.56-57). Assim, comentam Wima e
Wacom180 que ser deficiente visual é viver numa constante batalha de superação,
mostrando, acima de tudo, a capacidade de enfrentar a sociedade.
Na percepção de Lups181 “o cego deve procurar participar da sociedade dos
videntes, não se atendo apenas ao mundo dos cegos” (Fontes, 1: p. 58). Além disso,
alerta que se a coisa é ruim para quem enxerga, para quem é cego a dificuldade é muito
maior ainda. Cita como exemplo, as vagas de emprego para cegos: “além de serem
muito poucas, as atividades que os cegos podem exercer são também poucas” (Fontes,
1: p.58). Por último, declara que essa é a dificuldade que o cego tem para exercer a sua
total cidadania.
Nesse sentido, concordamos com Lups182, pois, entendemos que a cidadania
total somente é conquistada quando a pessoa goza de todos os direitos previstos na
Constituição Federal, inclusive o direito de ter um trabalho decente que lhe renda o
suficiente para prover o seu próprio sustento e o de sua família.
178 178 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 179 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 180 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 181 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 182 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
129
Ainda com relação à questão de concursos públicos Alden183 esclarece que aí
reside a maior dificuldade para os cegos, pois eles não dispõem dos mecanismos
necessários ao pleno exercício da cidadania. Afirma que: “quando querem prestar um
concurso, não têm os materiais para estudo no sistema Braille ou em meio magnético,
para poderem fazer as provas em igualdade com os demais; além disso, se
desempenham determinadas funções não têm os equipamentos adaptados, para que
possam ser avaliados com a igualdade que seria necessária” (Fontes, 1: p. 59).
Portanto, em uma sociedade que se pretende inclusiva, há que ser levado em
conta essas desigualdades. Pois, para ser coerente com os princípios de igualdade de
oportunidades, há que se oferecer opções a esses alunos com necessidades especiais na
área da visão que, invariavelmente, passam por múltiplos olhares: diferenciação
institucional, diferenciação curricular, diferentes modalidades de ensino, entre outros
(Denari, 2004). No caso específico dos concursos, os candidatos cegos deveriam fazer
as provas em Braille e, os de baixa visão em tipos ampliados. Quanto aos ledores,
deveriam ser utilizadas pessoas que já prestam esse tipo de serviço e que entendam do
assunto que estão lendo.
Alguns egressos como, por exemplo, San184 defendem a idéia “de maior
aproximação entre cegos e videntes” (Fontes, 1: pp. 55-56). Aliás, a respeito da falta de
entrosamento entre ambos, por diversas vezes observamos durantes as reuniões que
promovíamos no teatro do Instituto, quando éramos diretor-geral do IBC, que havia
uma separação nítida: os professores cegos sentavam de um lado e os docentes que
enxergavam ocupavam o outro lado e, isso ocorria naturalmente e, nós que ficávamos
183 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 184 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
130
no palco, portanto com uma visão do todo, notávamos o fato, entretanto, sem poder
exercer nenhuma ingerência na escolha das amizades ou na preferência dos assentos.
A questão colocada foi a seguinte: se fôssemos analisar a problemática da
integração entre videntes e não videntes, citada anteriormente, sob a ótica da
funcionalidade poderíamos até conseguir uma aproximação física; entretanto, o mais
importante não era apenas a inserção espacial, mas, sobretudo a social. Daí, a
necessidade de se ter em mente que a “proposta de integração implica antes de mais
nada na transformação de relações sociais estabelecidas e sedimentadas entre grupos
humanos” (Glat, 1998: p. 16).
Segundo Carvalho (2004) a questão da exclusão social tem ocupado, atualmente,
importante espaço nas reflexões de todos nós, “particularmente porque os autores que
escrevem sobre a dinâmica das sociedades têm denunciado as desigualdades sociais e
as práticas excludentes, defendendo os ideais democráticos calcados nos direitos
humanos, em especial no da igualdade de oportunidades, para todos” (p. 47).
A respeito desse assunto Duv185 faz a seguinte declaração: “não sei se há
diferença entre o cidadão cego e o não cego; mas, sei que o cidadão cego, para manter
o seu lugar ao sol, deve ‘matar um leão diariamente’ e torcer para não ser pego pelo
‘IBAMA’” 186(Fontes, 1: p. 59).
Apesar do tom hilariante, a revelação de Durv187 demonstra a dificuldade que o
cego encontra na sua labuta diária, para ser aceito e considerado como cidadão, que
goza de todos os direitos.
Também nesse sentido, Margth e Ricas188 se pronunciam dizendo que “o cego é
um cidadão com deveres e direitos, com necessidades específicas que precisam ser
185 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 186 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 187 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
131
atendidas, mas, de forma alguma se torna menos cidadão que outro” (Fontes, 1: p. 56).
Enfim, poder participar da sociedade em que se vive atuando e transformando-a, sem
ser esquecido ou ser super-protegido.
Além desses que se manifestaram, outros como Edu, Cama, Apipe, Sisori.
Rofa, Resa, Roaf e Mahef,189 concordam que a deficiência apesar de trazer grande
limitação, não incapacita o cego para estudar e trabalhar, enfim, cumprir seus deveres e
gozar de seus direitos como cidadão. Não obstante a limitação do cego, Acriz190
complementa a colocação anterior realçando que:
“ser cidadão cego também é uma conquista; até porque muitos cegos internalizam com facilidade a condição de inferioridade que a sociedade os atribui. Assim, a maioria dos cegos é a favor da gratuidade, reservas de vagas, dentre outros benefícios, que os colocam na seguinte situação: querem ter os direitos de cidadão, mas não fazem muita questão de arcar com os deveres. Esta consciência é um pouco complicada porque muitos companheiros cegos não compreendem certos privilégios como discriminação e até se zangam quando tocamos nesses assuntos polêmicos” (Fontes, 1: p. 59).
A fala de Crima191 traz uma mensagem muito importante, à medida que aponta para a necessidade dos pais da criança cega serem orientados a respeito de como tratar essa criança:
“Considero-me uma pessoa comum, apesar da minha cegueira. Aliás, não tenho vergonha de dizer que sou cega, até gosto que as pessoas saibam que sou cega. Gostaria de acrescentar que é preciso preparar os pais para o convívio com o filho deficiente visual, principalmente nos casos de glaucoma, como foi o meu. Quando o IBC receber um aluno cego, logo na estimulação precoce ou no jardim de infância é preciso conversar bastante com os pais, preparando-os, ensinando-os como lidar com o seu filho que é cego ou muito breve ficará cego” Fontes, 1: p. 58).
188 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 189 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 190 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 191 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
132
Enquanto Wisf192 declara - contrariando o que dizem alguns colegas - “que sou
uma pessoa privilegiada, pois aprendi a dar valor à vida” (Fontes, 1: p. 57), Alunf193 -
em contrapartida – confessa que “ser cidadão cego é vencer cada etapa com grande
sacrifício, mesmo porque os obstáculos são bem maiores. Isto é, o muro a escalar para
perseguir os objetivos parece intransponível. Enfim, é viver na esperança de que os
direitos sejam iguais, assim como as oportunidades” (Fontes, 1: p. 58).
Com esse depoimento, parece que Alunf194 deseja esclarecer que não adianta
falar em igualdade, sem que antes sejam oferecidas as armas e o preparo adequado para
a luta. É o caso, por exemplo, das provas dos concursos públicos, cujas dificuldades
para realizá-las já foram mencionadas anteriormente.
Como colocam Ferreira & Ferreira (2004) independente das peculiaridades dos
alunos com necessidades educativas especiais, a educação a eles destinada deve
revestir-se dos mesmos significados e sentidos que ela tem para os alunos que não
apresentam deficiências. Logo, a escolarização na perspectiva da cidadania tem como
objetivo educacional a formação de um homem crítico, autônomo quanto aos processos
de construção do conhecimento, enfim, ela passa a ser um espaço do exercício de
direitos e de interações significativas.
Isso porque a educação é um direito e, instrumento básico para o exercício da
cidadania (Padilha, 2004). Em que pese esta afirmação, sabemos que não basta termos
leis que determinem o preconceito como sendo crime e a educação como direito de
todos. Aliás, a luta pelo exercício dos direitos é uma luta popular, uma luta de classe,
queiramos ou não. Daí, a construção e o fortalecimento de uma cultura de convivência
192 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 193 Idem. 194 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.
133
humana têm como eixo central a formação da cidadania em educação e valores, sendo a
instituição escolar o eixo de repercussão direta (Denari, 2004).
Ao encerrar este capítulo, convém lembrar que a sociedade é um sistema de
normas (Nóbrega, 1992), sendo excluídos, portanto, todos aqueles que são rejeitados e
levados para fora de nossos espaços, do mercado de trabalho, dos nossos valores,
vítimas de representação estigmatizante (Carvalho, 2004).
Por último, embora tenha ocorrido significativos avanços nos processos de
socialização da informação e as desigualdades sociais sido denunciadas publicamente,
tornando-se mais conhecidas e combatidas, infelizmente, o isolamento social que as
pessoas com necessidades especiais vivem ainda persiste. Assim, essa erradicação é
difícil já que a marginalização desses indivíduos tem raízes históricas profundas (Glat,
1998), se estendendo desde o início da vida humana sobre a Terra, como já citamos no
primeiro capítulo
134
Capítulo 5 - Histórias de vidas
Neste capítulo, temos o propósito de apresentar os nossos entrevistados. Para
isso, lançamos mão de todo material colhido no segundo módulo de construção das
fontes orais e, realizamos um exercício interpretativo desse material, organizando-o de
tal forma que pudesse ser feito o retrato desses egressos, ainda que em preto e branco e
superficial.
Conforme comenta Bosi (1979) “ouvir uma narrativa é um compromisso afetivo
(...) e, a história de cada um, dependendo do limite de confiança estabelecido, é denso,
vasto, sincero e documental” (p. 47). No que diz respeito a essa afirmação, entendemos
que esse limite seja realmente o fator mais importante para a coleta de informações
fidedignas e espontâneas.
No caso específico desta pesquisa – que envolve ex-alunos do Instituto
Benjamin Constant que concluíram o ensino fundamental entre 1985 a 1990 – convém
ser ressaltado que durante esse período, o pesquisador foi professor de educação física
desses egressos, tendo à época estabelecido bom laço de amizade e de confiança, de
forma que permitiu mostrar esse atores 15 a 20 anos depois, dentro da realidade
vivenciada pelo cego, em pleno século XXI, numa sociedade que ainda se mantém
preconceituosa e exclusivista.
Portanto, este capítulo objetivou reconstruir a história pessoal dos entrevistados
desde suas mais remotas memórias da infância até os dias atuais. Foram levantadas
questões voltadas à época que esses egressos ainda apresentavam algum resquício de
visão, da maneira de pensar a sociedade e o grupo no qual se inseriam e suas variações
através do tempo. Levantou-se também questões relacionadas com a escolha de amigos,
hábitos de comer e vestir e de divertir-se. Outras temáticas como namoro e casamento,
135
eventos sociais e situações embaraçosas pelas quais eles passaram, integraram o
universo da coleta.
5.1 - Éden
Natural de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, nasceu em 1963, apresentando
glaucoma congênito no olho direito e sem nenhuma visão no olho esquerdo. Foi
operado aos nove meses de idade, do olho esquerdo, sob a alegação médica de não
prejudicar o olho direito. Ainda criança, foi submetido a dez cirurgias no olho esquerdo,
o que lhe fazia passar meses no hospital juntamente com a sua mãe. Em 1977, com a
pressão elevada do olho direito devido ao glaucoma, o olho explodiu e foi levado para o
hospital para ser submetido à cirurgia para colocação de prótese, uma vez que o nervo
óptico fora inutilizado. Essa cirurgia foi realizada no Instituto Benjamin Constant (IBC).
Embora oriundo de uma família bastante humilde, Éden teve uma infância rica
em atividades de lazer. Inventava coisas para brincar, além dos brinquedos de lata e de
plástico que às vezes ganhava. Desde criança já revelava a sua predileção por andar de
bicicleta – atividade que desenvolveu até os últimos vestígios de visão – e pelos
estudos, o que o levava a dizer à sua mãe a todo o momento que queria estudar.
5.2 - Juscelino
Nascido em Capela Nova, Minas Gerais, em 23 de janeiro de 1968 e oriundo de
uma família rural, foi o último filho, de uma série de quatorze, “a raspa do tacho”
como costuma dizer. Na família não tem nenhum caso de cegueira, a não ser uma irmã
que tem retinose pigmentar, mas parece estar estabilizada. Começou a usar óculos a
partir de um ano e seis meses por apresentar baixa acuidade visual para longe e para
perto.
136
Aos três anos de idade ganhou um velocípede de madeira e, ao andar com ele,
trombava nas mesas, nas cadeiras e nos demais objetos que se encontravam à sua frente,
machucando os seus dedos. Apesar de pouca instrução “a minha mãe já percebia que eu
tinha algum problema de visão” (Fontes 2: p. 195), o que lhe causava tristeza e choro.
Tendo nascido em uma fazenda era muito levado e fazia todas as coisas que os seus
primos faziam como: jogar bolinha de gude, andar de bicicleta, montar a cavalo e tomar
banho no rio – coisa que hoje em dia se tornou impraticável face à poluição.
Começou os seus estudos em uma escola comum, lá no interior de Minas, onde
estudou até a 4ª série do ensino fundamental. A partir da 5ª série, o seu problema visual
começou a progredir, pois tinha retinose pigmentar, que é uma doença progressiva.
Assim, começaram a aparecer muitas dificuldades para acompanhar a turma, até porque
eram vários professores, diferente da 4ª série, que só tinha um professor e “esse me
ajudava a escrever e a passar a matéria para o caderno”. Essas dificuldades, portanto,
lhe levava a pensar que era o “menino burrinho da sala de aula” (Fontes 2: p. 195).
Daí o seu desespero: “Meus Deus do Céu, como será que eu vou conseguir
estudar?” (Fontes 2: p. 195). Logo a sua preocupação se transformou em realidade,
pois, o seu cunhado soube da existência do Instituto Benjamin Constant, fez contato
com a instituição e, em 1981, ele foi matriculado ficando interno durante a semana,
sendo que nos finais de semana e feriados ia para casa de uma irmã que morava em
Nova Iguaçu.
Ao chegar ao IBC, não pôde ser matriculado na série que estava freqüentando, a
5ª série, “voltei para a 3ª série, porque realmente as nossas escolas em qualidade de
ensino realmente continuam ruins; também, se eu ficasse repetindo o ano, seria mais
um drama para mim, mais uma frustração” (Fontes 2: p.197). Confessa que a melhor
terapia para uma pessoa que está perdendo a visão, ficando cega, é entrar em contato
137
com outros deficientes. “Eu via aquele monte, aquela quantidade de crianças cegas e
professores, aí eu dizia: ‘tá beleza, tá tudo tranqüilo, vou continuar, vou estudar e ter a
minha vida normal’” (Fontes 2: p. 197).
Em face da diminuição da visão, antes de começar efetivamente a freqüentar as
aulas na 3ª série, Juscelino começou a aprender o Sistema Braille: “em três meses eu já
estava lendo e escrevendo o Braille” (Fontes 2: p. 197). Apesar de o Braille ser um
sistema considerado como de difícil aprendizagem, principalmente para as pessoas que
enxergam, a vontade de vencer e de progredir desse jovem já demonstravam que ele
seria um vencedor.
Ficar longe da sua família lhe causou muito choro, noites mal dormidas,
tristezas... pois lembrava de seus 10 irmãos e de sua mãe. “A minha mãe tinha um
afilhado que perdeu a mãe e vivia conosco, praticamente um filho adotivo. Fiquei seis
meses sem ver a minha mãe, quando cheguei, ele falou para mim que a minha mãe
chorava muito, ela era muito apegada a mim” (Fontes 2: p. 197). Apesar de o Benjamin
Constant ter sido muito bom para Juscelino, ele confessa que “é muito drástico viver
longe da família, pois a presença e o convívio com ela são fundamental na
aprendizagem, no equilíbrio emocional, na formação da personalidade, etc.” (Fontes 2:
p. 197).
5.3 - Arnaldo
Natural do Rio de Janeiro nasceu em 21 de janeiro de 1973, sem enxergar, com
glaucoma congênito em ambos os olhos. Oriundo de uma família muito humilde, dos
cinco irmãos ele foi o único a apresentar problemas visuais. Seus pais somente
perceberam a deficiência após seis meses de vida. Foi submetido à primeira cirurgia aos
dois anos de idade e até aos 10 anos não tinha noção do que era ser deficiente visual,
138
pois “tinha uma infância igual a todos os seus coleginhas, como por exemplo, jogar
bola e andar de bicicleta – coisa que tem saudades até os dias de hoje” (Fontes 2: p.
222). Foi submetido à sua segunda cirurgia aos 10 anos de idade.
Estudou até a terceira série do ensino fundamental, em escola municipal da
Cidade do Rio de Janeiro, tendo ingressado no Instituto Benjamin Constant, em 7 de
janeiro de 1986, com 12 anos de idade. Àquela época ainda tinha 15% de visão, mas
alega que precisava estudar em escola especializada, pois não conseguia ler o que estava
escrito no quadro-negro e nem identificar os objetos à sua frente, como ocorreu durante
uma aula de desenho: “Isso me marcou muito porque não consegui (...) enxergar um
objeto colocado à minha frente, que o professor havia pedido para desenhar” (Fontes
2: p. 222).
Arnaldo foi um garoto que desde cedo se apaixonou pela leitura e tudo teve
início no Instituto. Quando enxergava gostava de jogar futebol, pensava até em ser
profissional quando crescesse; com a perda da visão, contudo, as suas brincadeiras
foram substituídas pelo hábito da leitura.
“Eu digo que o IBC foi um marco, porque ele me apresentou um outro mundo, o mundo da razão; eu passei a gostar de literatura no IBC; li o meu primeiro livro de política aos 13 anos. Na verdade eu o ouvi, não o li em Braille, foi Olga – um livro que me marcou demais – eu era molecote. Reli este livro no Colégio Pedro II. Lembro-me que ia para o terceiro andar, com um colega, ouvir fitas de livros” (Fontes 2: p. 227).
5.4 - Glória
Nascida no interior do Estado do Rio de Janeiro, no dia 01 de fevereiro de 1969,
Glória tem pai e mãe vivos, um casal de irmãos e a sua mãe que também é cega.
Entrou para o Instituto Benjamin Constant aos seis anos de idade e, ”foi muito
difícil para eu me acostumar à nova vida, distante de minha família, na condição de
139
interna, só retornando ao lar às sextas-feiras à tarde” (Fontes 2: p. 265). A dificuldade
para ela se acostumar foi tamanha que, no início, teve que sair da escola, ficar com a
família e só retornar após dois meses.
Os momentos mais significantes da sua vida foram “aqueles que eu passei no
Instituto, quando era do Jardim de Infância; não que em minha casa eu não tivesse
infância, mas, no Benjamin Constant foi outro tipo de infância, era aquela coisa mais
controlada, mais gostosa, havia horários para tudo” (Fontes 2: p. 265). Conta-nos que
as crianças se reuniam com as recreadoras e ouviam historinhas. Havia uma salinha
onde as crianças ficavam nos momentos vagos “e ali tinham caixas de brinquedos e nós
ficávamos bem à vontade para brincar e, assim, íamos passando os dias das nossas
vidas” (Fontes 2: p. 265).
Ela também revela que gostava de brincar no pátio do Instituto, porque no
Jardim de Infância “a gente ficava muito limitado dentro da salinha; quando agente ia
para o pátio, ficava mais à vontade, mesmo porque quase nunca a gente ia lá” (Fontes
2: p. 266).
A mãe de Glória, embora fosse cega, toda segunda-feira a deixava no Instituto e
na sexta-feira ia buscá-la “e queria saber tudo que aconteceu comigo durante a semana;
se eu havia me comportado bem, ficado doente, aquela preocupação, até excessiva”
(Fontes 2: p. 265).
Uma das preocupações do IBC é trabalhar com os alunos a questão da
“Atividade de Vida Diária”, por tratar-se de afazeres que à cada dia da vida da criança
cega vai se tornando mais necessário, os quais repercutem na sociabilização e na
independência da pessoa. São pequenas tarefas que vão desde o aprender a escovar os
dentes, calçar o próprio tênis, até arrumar uma cama ou fazer uma comida. Desde cedo,
aos sete anos de idade, esclarece Glória que “tomava banho sozinha e sabia vestir-se
140
sozinha” (Fontes 2: p. 266). Aos 12 anos entrou para o curso de arte culinária, onde
aprendeu alguns serviços domésticos que lhes servem até hoje como: lavar e passar
roupa, cozinhar, cuidar da casa, dentre outras. “Por isso agradeço ao Benjamin
Constant, porque eles faziam com que a gente se sentisse bem independente” (Fontes 2:
p. 266). Realmente a Glória é uma boa cozinheira e o seu strogonoff e a sua carne
assada recheada considerada excelentes por todos.
Algumas questões como, por exemplo, menstruação, virgindade e sexo ela
confessa “aprendi mesmo foi no Instituto Benjamin Constant; os professores eram
bastante claros e, conversavam mesmo com a gente sobre tudo. Quando eu chegava em
casa e falava com a minha mãe, ela dizia: ‘Nossa! Eu nunca tive coragem de falar isso
para você’” (Fontes 2: p. 267).
Quanto ao namoro, escolha do companheiro e do casamento, foi mais
complicado: “fui muito namoradeira. Desde os 13 anos namorei, tive muitos
namorados. Só pensei mais sério aos 20 anos, quando conheci o meu atual marido.
Estava na oitava série. Foi um namoro gostoso e, hoje, já estamos casados há 15 anos”
(Fontes 2: p. 268).
Com relação aos filhos, ela esclarece “quando estava namorando já planejava
ter um menino e uma menina e foi o que aconteceu realmente” (p.268). Contou-nos que
o garoto é muito responsável, estudioso e obediente, mas a garota, apesar de ser muito
inteligente, é preguiçosa e desligada. Estuda junto com os seus filhos, ensinando todos
os deveres, exceção feita à Matemática.
Concluiu a oitava série em 1989 e no início de 1990 foi morar no interior do
Estado do Rio, dando início a uma nova vida, juntamente, com o seu marido. No ano
seguinte teve o seu primeiro filho e depois o segundo:
141
“Fiquei 11 anos sem estudar. Quando os meus filhos estavam com nove e oito anos comecei a pensar em mim, precisava estudar para ajudar o meu marido, ai fiz o magistério. Foi muito difícil porque tinha que cuidar dos filhos, da casa e ainda estudava em uma escola de apoio, pois nem tudo que o professor passava no quadro eu tinha condição de absorver e entender” (Fontes 2: p. 269).
Concluiu a oitava série do ensino fundamental em 1989 e, somente, em 2003
conseguiu concluir o curso de magistério. Para fazer o magistério sofreu muito:
“Se não fosse uma colega que sentava ao meu lado e me incentivava, acho que
não teria concluído; tinha dia que o professor chegava à sala e eu não sabia
que ele tinha chegado. Um dia ele falava comigo, outro chegava mal humorado.
Escreviam a matéria no quadro e não avisava nada. A Matemática, então ,
aqueles gráficos eu morria, chorava muito. Ia para a escola de apoio e tentava
fazer os gráficos, mas, não era a mesma coisa. As notas não foram muito boas,
mas contornei e consegui passar” (Fontes 2: p. 269)..
É casada com um ex-aluno do IBC que também é cego. Tem um casal de filhos,
de visão normal, não trabalha, dedicando-se somente ao lar. Pretende continuar a
estudar e a trabalhar. Mora em uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro,
distante da capital 200 quilômetros aproximadamente.
Na cidade que reside, não tão distante do Rio de Janeiro, alega Glória que o
tratamento dispensado ao cego é bem diferente da sua cidade natal. “Não sei se eles não
gostam do cego ou não sabem com lidar com ele. Às vezes a pessoa está ao seu lado,
percebe que você precisa de ajuda, mas nada fazem. É necessário você cutucá-la com a
bengala, só aí que ela se toca e ajuda” (Fontes 2: p. 271).
5.5 - Jurema
Nasceu em Miradouro, Estado de Minas Gerais, no dia 21 de janeiro de 1970.
De uma família humilde, somente foi descoberto que ela tinha glaucoma congênito com
142
1 ano e 8 meses de idade, ocasião em que fez a primeira cirurgia para controle da
pressão do olho: “Até os oito anos tive uma infância muito gostosa, apesar do meu
problema visual; participava de todas as brincadeiras com as minhas coleginhas,
inclusive, brincando de pique na rua” (Fontes, 2: p. 277). Ela não tinha noção de que
era deficiente e pensava que todos enxergavam iguais a ela: “eu queria participar das
Olimpíadas Internas do Benjamin Constant e não conseguia, porque elas limitavam as
minhas atividades” (Fontes, 2: p. 278). Para amenizar a situação na escola, a sua mãe
explicou o seu problema a todas as professoras, de forma que pôde sentar-se à frente,
em local bem próximo ao quadro negro e que permitisse ler e copiar o que estava escrito
nele; “Os meus amigos de infância eram tão bons comigo que quando eles perceberam
que eu estava perdendo a visão, ele pegavam o caderno das minhas mãos e faziam as
linhas em pilot, para eu conseguir enxergar” (Fontes, 2: p. 277).
Apesar de pertencer a uma família pobre, tal fato nunca lhe incomodou, pois
vivia em ambiente limpo, saudável e não havia miséria. Além disso, recebia todo
carinho de sua família, mesmo porque era filha única.
Aos nove anos de idade o seu olho direito fora extraído e, passados dois meses
dessa cirurgia ela perdeu o olho esquerdo – atrofia do nervo óptico. Aí começou uma
verdadeira odisséia, pois, além dessa perda ter sido muito rápida, era o olho que ela
ainda enxergava: “O meu drama começou aos nove anos; via a minha mãe muito triste
por eu ter perdido a visão e, a minha irmã já tendo nascido também deficiente visual.
Aí eu sentia uma carga muito grande” (Fontes, 2: p. 277).
A vontade de estudar de Jurema era tão grande que aos 4 anos de idade ela pediu
à sua mãe para levá-la a uma coleginha – que era explicadora na vizinhança - uma
menina que estava concluindo o magistério: “Fato é que eu fui alfabetizada com quatro
143
anos de idade, nessa brincadeira de ir para a explicadora, ficar do lado dela e ela me
corrigindo; com 7 anos eu fui para a escola” (Fontes, 2: p. 277).
A morte do seu pai o abalou bastante: “Ele era alcoólatra e justificava a sua
bebida pela nossa deficiência; achava-se culpado e encontrava na bebida um refúgio”
(Fontes, 2: p. 279).
A Jurema não é uma pessoa revoltada devido à sua deficiência, entretanto,
confessa que gostaria de enxergar para “ver o por do Sol, ler bastante, dirigir e curtir
muitas coisas que dependem essencialmente da visão” (Fontes, 2: p. 280).
Ao sair do Instituto Benjamin Constant Jurema foi para o Colégio Pedro II onde
cursou o ensino médio e, em seguida, fez o curso de História na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). No momento está fazendo o curso de direito.
Ela é bastante independente, casada e não tem filhos. Foi funcionária do Instituto
Benjamin Constant e, atualmente, é funcionária pública estadual, além de ser professora
de História, profissão que gosta bastante. Tem grande censo crítico, gosta bastante de
ler e é aficionada ao Braille.
5.6 - Isaura
Natural da cidade do Rio de Janeiro nasceu em 25 de junho de 1970, com o
diagnóstico de micro-globo e micro-córnea congênita hereditária. Filha de mãe cega –
causada por infecção pós-natal, bilateral – e pai cego, por micro-córnea congênita, tem
avós paternos e 2 tios paternos com a mesma moléstia.
Teve uma infância bastante dinâmica, embora fosse uma criança sossegada. De
suas lembranças, fala: “eu gostava de brincar de pique com as coleginhas filhas de
amigos do meu pai e, essas brincadeiras ocorriam na vila, no prédio, na calçada,
enfim, onde tivesse oportunidade” (Fontes, 2: p. 299). Desde aquela época já enxergava
144
muito pouco e, por isso, levava desvantagens nas brincadeiras, sendo às vezes ajudada
pelas colegas conforme diz: “Eu não me lembro muito das regras, mas, eu era um
pouco protegida; de repente eu tinha algumas regalias dentro da brincadeira: eu não
era a que seria pega e nem aquela que iria pegar” (Fontes, 2: p. 299).
A sua primeira escola foi um Jardim de Infância perto à sua residência; era uma
escola particular onde permaneceu por dois anos. Na época de ser alfabetizada alega que
houve certa polêmica em sua casa, a respeito da escola que estudaria: se seria em uma
escola especializada ou em uma escola comum, com apoio pedagógico especializado.
Chegou-se à conclusão que Isaura estudaria em uma escola especializada – no Instituto
Benjamin Constant. “Assim eu fui matriculada no IBC para ser alfabetizada à tinta”
(Fontes, 2: p. 301). Mas, à medida que foi perdendo a visão os seus professores
perceberam a necessidade dela aprender o Braille, o que lhe custou a permanência por
mais dois anos na Classe de Alfabetização, pois já se encontrava para ser promovida
para a primeira série.
Estudar no IBC foi algo comum para a vida de Isaura, pois a sua mãe era
professora daquele Instituto e constantemente ela estava lá com ela. “Na verdade eu já
estava acostumada e gostava da escola” (Fontes, 2: p. 301).
Isaura concluiu a oitava série do ensino fundamental aos 16 anos de idade e foi
cursar o Magistério em um colégio de irmãs e a seguir, cursou Pedagogia.
Atualmente está com 35 anos, é solteira, pedagoga, pós-graduada em psico-
pedagogia e professora do Instituto Benjamin Constant.
145
Capítulo 6 - Cegueira e sociedade
Este capítulo volta-se para o registro das relações entre inserção social e ação
dos entrevistados. Compreende e pressupõe o levantamento e análise de fontes
primárias e secundárias sobre eles e o contexto de suas vidas no IBC e após a saída do
Instituto, tentando abranger questões que se remetem diretamente aos objetivos
delineados no projeto de pesquisa que baseou essa tese. Articula-se à leitura crítica do
que foi produzido nos módulos anteriores e parte de um roteiro temático previamente
delineado. Tal roteiro, baseado nas informações coletadas, compreendeu os seguintes
temas: a construção da identidade; educação em escola especializada e educação em
escola comum; a trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira e a cegueira e as
tecnologias. Esses temas partiram não só dos depoimentos, mas da necessidade em se
dar voz aos cegos para que falassem de tópicos essenciais a melhor compreensão de
suas visões de mundo, nas quais, sem dúvida, o impacto da experiência de aprendizado
no Instituto Benjamin Constant se faz sentir.
6.1 - A construção da identidade.
Queremos iniciar esse tema citando Sá (1998) quando ele fala sobre a
identificação dos fenômenos de representação social. Ele se reporta a uma pergunta
surgida de um grupo, que havia criado, para estudar as representações sociais: “(...)
então, tudo é representação social? Há representação social de tudo? Da mosca, do
Presidente Sarney e, assim por diante?” O professor Sá respondeu que para gerar
representações sociais “o objeto deveria ter suficiente ‘relevância cultural’ ou
‘espessura social’ (...)” (p.45). Outra colocação que nos chamou a atenção foi: “(...) é
146
possível, por exemplo, que um grupo tenha uma representação social de certo objeto e
que outro grupo se caracterize tão-somente pelo fato de dispor de um conjunto de
opiniões, de informações ou de imagens acerca desse mesmo objeto, sem que isso
suponha a existência de uma representação social” (Sá, 1998: pp. 46 – 47).
Concordando com a afirmação anterior, citamos, por exemplo, a bengala longa,
usada pelo cego para a sua locomoção diária. Ela representa para o grupo dos cegos a
extensão da mão, a independência, a liberdade. Entretanto, para outros grupos sociais,
ela não tem essa mesma representatividade.
Outro ponto interessante apontado por Sá (1998) foi: “de onde é que se deve
partir no processo de identificação prévia: do objeto ou do sujeito?” (p.56).
Acreditamos que o ponto de partida poderá ser qualquer um deles, embora Sá (1998)
comente que a rigor torna-se difícil identificar, porque os pesquisadores não acostumam
relatar detalhes iniciais de suas inspirações, interesses e decisões. Por outro lado,
convém ressaltar que as pessoas compreendem e interpretam diferentemente as
situações nas quais se encontram e não se comportam de maneira semelhante diante de
um procedimento que permanece idêntico. É o caso, por exemplo, de um adolescente
cego em duas situações: na primeira, conversando com seus colegas cegos e, na
segunda, com colegas que enxergam.
Por outro lado, também cabe sublinhar que o conceito de identidade é
relativamente novo na história da humanidade. Para este estudo utilizaremos três
conceitos de identidade apresentadas por Hall (1998). A primeira, o sujeito do
Iluminismo “estava baseado em uma concepção da pessoa humana como indivíduo
totalmente centrado e unificado, dotado das capacidades de razão, consciência e ação,
cujo “centro” consistia em um núcleo interior que emergia pela primeira vez com o
147
nascimento do sujeito e desabrochava com ele, permanecendo essencialmente o
mesmo” (p.10). É nessa concepção, portanto, que o sujeito vai conquistando espaço na
medida em que as discussões sobre a individualidade ganham importância.
Depois veio a idéia de um sujeito que se estrutura a partir de relações com outras
pessoas, o sujeito sociológico,
“que refletiu a complexidade crescente do mundo moderno e a compreensão de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas formado em relação a outros significativos, que mediavam o sujeito pelos valores, significados e símbolos. (...) A identidade, nesta concepção sociológica, faz a ponte entre o interior e o exterior” (Hall, 1998: pp.10-11).
Por último, há a concepção de indivíduo pós-moderno, na qual a identidade não
é fixa ou permanente. A pessoa tem identidades múltiplas e as "veste" de acordo com o
papel que exerce em um determinado momento - estudante, trabalhador, pai, mãe,
marido, esposa, por exemplo. Como coloca Hall (1998), nessa concepção, “a identidade
tornou-se uma festa móvel: formada e transformada continuamente em relação às
maneiras pelas quais somos representados e tratados nos sistemas culturais que
circundam” (p.11).
Baseado nessa concepção de Hall pode-se considerar, então, a construção da
identidade como um acontecimento social, que ocorre durante toda ou parte da vida dos
indivíduos. Desde o nascimento o homem inicia uma longa e perene interação com o
meio que está inserido, a partir da qual, construirá não só a sua identidade, como a sua
inteligência, suas emoções, seus medos e sua personalidade.
No entendimento de Isaura195 a formação da identidade se faz através da relação
com o outro; “qualquer pessoa, ao longo da sua evolução, desde pequenino até a idade
195 Entrevista. Aluna egressa do IBC, período 1985/1990.
148
madura vai construindo a sua identidade” (Fontes 2: p. 315). Assim, o cego vai
formando a sua identidade tanto no trato com os que enxergam, quanto no trato com
outros cegos. Daí, então, a importância do cego lidar tanto com videntes quanto com
outros cegos. E por isso, Isaura196 esclarece:
“não é possível negar que exista preconceito, que existam pessoas que têm pena e, existam pessoas que têm vergonha de andar com cegos. Como também, não é possível que a criança, que o cego, conviva somente com pessoas que o proteja, porque ele tem que ser exposto ao desafio, até mesmo para que ele consiga enfrentá-lo” (Fontes 2: p. 315).
Como compreender então o processo de soerguimento da identidade desses
indivíduos cegos que estamos estudando, que desde a idade mais tenra – a partir dos
quatro ou sete anos - se ligaram ao Instituto Benjamin Constant, pois foi ali que
passaram a maior parte da infância e da adolescência.
Dessa forma, os extensos corredores do IBC, com suas enormes portas e janelas
e os pátios internos – com seus gramados verdes e bem cuidados - convidativos às
brincadeiras, juntamente, com outros espaços como as salas de aulas, a biblioteca, o
teatro, os alojamentos, o refeitório, a piscina, o campo de futebol e o ginásio de
esportes, formam um conjunto de símbolos poderosos que certamente contribuíram para
a formação da identidade desses indivíduos.
Além desses símbolos presentes em suas vidas durante a estada no Instituto,
existem outros que permaneceram e que são perenes como os livros em Braille, a
reglete e o sorobã, que se constituem em elementos indispensáveis na educação do cego,
além da influência de familiares, colegas e professores.
Como colocam Grinberg & Grinberg (1980) são muitos os questionamentos que
surgem quando se pretende analisar a fundo o conceito de identidade. Assim, podemos 196 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.
149
encontrar algumas perguntas como, por exemplo: Qual é a natureza do que chamamos
identidade? É uma estrutura? É um símbolo? É um vínculo? É uma força que mantém a
coesão do Eu? É uma relação entre múltiplas relações? É um sentimento? É uma
expressão de uma fantasia inconsciente específica? Existe desde o nascimento da vida
ou vai se consolidando gradativamente durante a evolução?
Ainda segundo Grinberg & Grinberg (1980),
“O sentimento de identidade é resultante de um processo de interação contínua de três vínculos de integração que são: espacial, temporal e grupal. (...) dessa forma, o vínculo de integração espacial diz respeito às distintas partes do self entre si e permite a diferenciação self e não self; o temporal estabelece uma continuidade entre as distintas representações do self no tempo e, o vínculo de integração social é o que relaciona aspectos do self com aspectos dos objetos, mediante os mecanismos de identificação projectiva e introjectiva” (p.26).
Afinal o que é identidade? Será que pode ser definida apenas pela resposta de
uma simples pergunta do tipo, quem sou eu? Ou a construção da identidade exige
elementos mais complexos, que variam no tempo e no espaço, de acordo com o grupo
ao qual pertence o sujeito? Segundo Ciampa (2004) essa simples pergunta é
insatisfatória, pois,
“quando respondemos a uma pergunta desse tipo, a primeira observação a ser feita é que nossa identidade se mostra como a descrição de uma personagem (como em uma novela de TV), cuja vida, cuja biografia aparece numa narrativa (uma história com enredo, personagens, cenários, etc.), ou seja, como personagem que surge num discurso (nossa resposta, nossa história)” (p.60).
Falando a respeito da importância da criança viver no mesmo grupo e freqüentar
o mesmo espaço, Isaura197 declara o seguinte:
“(...) a gente aqui na escola quando era criança, entre nós, todos eram iguais. A gente brincava de bola, de casinha, de pique (...), não importa que fossem todos cegos; de vez em quando a gente se esbarrava, tropeçava, levava tombo, eram situações inevitáveis para nós, pois, éramos cegos. Mas era todo mundo igual, não existia sentimento de inferioridade ou de superioridade, face à cegueira.
197 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.
150
Lógico que existiam umas garotas que eram mais “metidas”, outras tinham poder aquisitivo maior e aí achavam que eram mais, mais isso tem em toda parte, mas a cegueira não nos distinguia, éramos todos iguais. Então, isso ia dando para nós aquela idéia de que nós somos pessoas comuns e, às vezes, quando saímos daqui, como aconteceu comigo. Saí para uma escola comum, fui fazer o curso normal e lá me deparei com uma outra realidade, onde as pessoas tinham medo de me deixar sozinha; então eu estranhei muito essa mudança, porque ali eu não era igual” (Fontes 2: p.315).
O debate sobre a identidade, principalmente, na fase da adolescência, assume
grande importância nos depoimentos analisados. Considerada como fase fundamental
no processo de construção da identidade, pois é o momento de dúvidas, de
questionamentos e de descobertas, o jovem sente necessidade de se mostrar e ser
reconhecido em suas múltiplas identidades. Nesse caso, não há diferença pelo fato do
jovem ser cego, mesmo porque ele sente as mesmas reações e vontades, idênticas
àqueles que enxergam. É, portanto, o período de acúmulo, crescimento, perdas, ganhos,
certezas e incertezas.
"Imprensado" entre a infância e a fase adulta da vida, o jovem deseja reafirmar-
se e conquistar espaço próprio. Por isso, o adolescente busca pertencer a grupos, adota
visual pouco comum e faz de seu corpo um "laboratório de experiências". Piercings,
brincos, tatuagens, cortes de cabelo e musculação são exemplos de manipulações que
têm o objetivo de torná-lo diferente - e facilmente reconhecível. Para o jovem, a
afirmação de sua(s) identidade(s) e a "construção" da aparência são processos que
guardam estreita relação entre si.
O adolescente cego não é diferente do seu colega vidente; ele também segue a
moda: usa cortes de cabelos da moda, piercings, corpo “sarado”, brincos nas orelhas,
cabelos coloridos, jargões dos grupos que freqüentam, gírias, vão aos bailes funks, e
todas outras atividades que atraem a juventude. Desde cedo ele vai buscando referências
151
entre outros jovens – cegos e não cegos – que possam refletir na construção da sua
identidade. Acontece de se encontrar pessoas e circunstâncias que são constituintes da
identidade, mas que nem sempre são “positivas”.
A esse respeito Juscelino198 assim se expressa:
“Pela experiência que eu tenho hoje, eu vejo o convívio do cego, do deficiente, de outra forma, diferente de dez ou quinze anos atrás. E eu nem culpo eles não; eu culpo o próprio sistema. (...) porque quando se casam cego com cego é porque só convivem cegos com cegos. Então não é culpa deles. Às vezes tem algumas pessoas que têm uma postura arredia, até a convivência lá dentro mesmo com quem enxerga, porque eu percebia isso entre os professores que reclamavam das pessoas que trabalhavam lá. Porque o mundo não é dos cegos, é de todos; mas, a sociedade deve respeitar a sua limitação, e você tem que ter o convívio normal com todo mundo” (Fontes 2: p.214).
O preconceito, a exclusão ou até mesmo a falta de informação a respeito do
cego não podem se constituir em referências negativas para a construção da identidade
da pessoa cega. Normalmente algumas pessoas ao se referir aos cegos o fazem assim:
“aqueles são cegos e aqueles outros são videntes”. Ou até mesmo de forma mais
carinhosa, “aqueles são ceginhos”. A respeito desse tratamento, alguns cegos como
Juscelino199 não se importam: “eu acho que a gente tem que tratar isso com
naturalidade, pois se nós não aceitarmos a nossa condição, como é que vamos exigir
que a sociedade nos aceite?” (Fontes 2: p. 208).
Conforme coloca Éden200, dificilmente alguém acaba com o preconceito;
“Parece que já é uma coisa enraizada e já faz parte da sociedade porque nós temos preconceitos em relação a muitas coisas, em várias áreas diferentes. Muitas vezes o preconceito decorre da falta de conhecimento das pessoas, porque elas não sabem muito bem o que é que o cego faz, o que ele não pode fazer ou como lidar com o cego. E isso confunde muita gente. Acredito que muita gente não tem preconceito, o que tem é falta de informação, e você como deficiente tem que se impor com as suas atitudes, seu tipo de comportamento no seu cotidiano, na sua profissão” (Fontes 2: p.187).
198 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 199 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 200 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
152
Já Arnaldo201, declara que o preconceito,
“É uma concepção que o sujeito tem pelo que ele não conhece, ele não sabe que o mecanismo para suplantar essa mazela é o conhecimento. (...), o conhecimento tem duas dimensões, uma perspectiva intrínseca e outra extrínseca: a extrínseca está relacionada com os aspectos formais e as possibilidades que a sociedade cria para os cidadãos: é uma estrutura de educação favorável, oportunidades de experiências, mecanismos sociais que permitem as pessoas se desenvolverem, crescer, serem cidadãs e serem humanas. O aspecto intrínseco é ainda mais profundo. Na verdade, tem a ver com a questão da formação, educação tenra, a educação que se recebe em casa, mas tem a ver com a própria natureza de cada um. Então não adianta numa classe média, os ricos que têm oportunidade de receber e de ter acesso a esses conhecimentos no seu formato extrínseco, mas não recebem dos núcleos formadores, notadamente a família, o desenvolvimento desses conhecimentos intrínsecos que é o auto-conhecimento, o acesso à espiritualidade, a humanização. Por isso eu acho que a luta é contra o preconceito, porque a experiência, ela vai ser praticamente individual. Cada um vai superar essa dificuldade na medida em que tiver oportunidade de demover e retirar de dentro de si esses obstáculos ao conhecimento interno” (Fontes 2: pp.246-247).
A respeito desse assunto, Éden202 comenta que se lembra de uma coisa que
aprendeu no IBC com uma professora:
“Ela dizia em tom de brincadeira - eu não sou deficiente visual, ser deficiente de uma coisa que eu não tenha – ai eu passei a pensar e cheguei a conclusão que o melhor é ser chamado de cego, não sou deficiente visual, eu não tenho visão. Ceginho não, é pejorativo. Eu acho que a pessoa, quando ela fala não tem a intenção, só que já é uma expressão carregada, traz aquela coisa, do ceginho, pobrezinho, miserável, coitadinho. A gente deve evitar isso” (Fontes 2: p. 186).
Glória203 ao se referir ao preconceito declara: “eu gosto da expressão deficiente
visual; acho o termo cego tão pesado, tão cruel. Você já passa toda sua vida, você já
carrega aquela deficiência e ser chamada assim cego; acho que deficiente abranda
mais” (Fontes 2: p. 272).
Jurema204 prefere ser tratada como cega e afirma: “Eu sou cega. Entretanto,
atualmente é politicamente correto o termo: ‘pessoas portadoras de necessidades
201 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 202 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 203 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 204 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
153
especiais’. Eu digo que não estou, portando, carregando nada, nem a cegueira. Sou
cega, sou deficiente visual, sim, porque a minha visão tem uma deficiência total”
(Fontes 2: p 284).
O preconceito sempre existe; não é só com o cego, é com o negro, com todos os
tipos de deficiências, com o gordo, com o magro, com o anão, com o gigante, enfim, é
com todo mundo. Durante o período que cursou o magistério Glória205 confessa que
teve a oportunidade de constatar isso:
“Eu aprendi muito quando eu estudei, porque eu vi muito isso dentro da sala de aula. Eu, por exemplo, cega e tal, tinha meia dúzia de colegas. E algumas outras colegas que enxergavam, ditas normais, também tinham meia dúzia ou um pouco mais de colegas. Elas não tinham aquela amizade toda. Aí eu pergunto por que será, se elas são normais? Tudo bem, é normal, eu sou cega e o preconceito é isso mesmo. Aí eu não entendia o porquê; eu, deficiente, tinha uma meia dúzia de colegas e a minha outra colega, lá no canto, normal, também tinha outra meia dúzia de colegas. Quer dizer, o preconceito rolava mesmo assim, apesar da cegueira ou não e em todo o momento”(Fontes 2: p.272).
Enfim, a construção da identidade da pessoa deficiente visual é feita levando em
consideração todo o quadro que a envolve, ou seja: as cirurgias que se submeteu na
tentativa de salvar o olho ou os olhos; a rejeição da família ou a superproteção; a
dificuldade de locomoção; a necessidade de ajuda; o preconceito; a falta de materiais,
equipamentos e livros didáticos para a sua educação; os constrangimentos aos quais se
submete; a dificuldade para conseguir um emprego, além de outras questões como
namoro; sexo; casamento; lazer e tantas outras que também se inserem nessa
construção.
Existem outros elementos que desempenham papéis importantes na construção
da identidade juvenil. Tradicionalmente, família e escola – comum e especializada -
ajudam o adolescente deficiente visual a criar referências de valores e comportamentos.
205 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
154
Há, também, os meios de comunicação, que podem influenciar nessa construção,
embora muitas pessoas pensem que isso não seja possível, uma vez que eles não podem
ver a televisão ou ler o jornal. O que se vê é que, em muitos casos, o contato com essas
três dimensões - família, escola e mídia - ocupa a maior parte do dia do rapaz ou da
garota, mesmo sendo deficientes visuais.
Por mais humilde e simples que aparente ser, a família é a célula base de todo
esse processo construtivo. O comentário de Éden206 revela que a questão de internato
era meramente social:
“Eu morava em Caxias e não ficava aqui no final de semana. Que tortura pra mim! Por questão de bagunça tive que ficar no IBC um final de semana, a minha irmã veio aqui para saber como eu estava, e, eu observava outros colegas que eles faziam questão em não ir embora. Não sei se havia algum problema na família ou se eles se acomodavam porque aqui tinha comida, tinha roupa, tinha tudo” (Fontes 2: p. 188).
Outra questão apontada por Jurema207 foi a falta de entrosamento que se
observava entre alunos cegos e de baixa visão e entre professores que enxergam e os
que são cegos. Segundo ela, isso vem sendo uma réplica do modelo que o Instituto
Benjamin Constant tem construído nesses últimos anos, talvez desde o início dos anos
90.
Ainda a respeito desse assunto, Jurema208 tem a seguinte opinião: “(...) Eu acho
que em decorrência dessa posição, derivam duas tendências: o mundo de cegos e o
mundo de videntes; eu estou achando que atualmente essa tendência está acontecendo
muito mais do que aconteceu no Instituto Benjamin Constan” (Fontes 2: p.287).
206 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 207 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 208 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
155
Por outro lado, Éden209 defende a premissa que a convivência deverá ser com
todos e quanto à família assim se expressa: “eu acho que a família é fundamental, mas
tem que ter o acompanhamento dos técnicos e dos para-médicos; (...) é a família que
vai conviver com a criança diariamente, o que não acontece nos colégios internos”
(Fontes 2: p.210).
Já no entender de Isaura210 a imagem que as pessoas fazem do cego é
distorcida: “Elas não vêem o cego como uma pessoa isolada, como por exemplo, a
Isaura é uma profissional assim, assim” (Fontes 2: p. 313). Parece que isso ocorre pela
“estranheza” diante de um outro diferente, do medo que essa diferença desperta. Tem
pessoas que acham que o cego é incapaz de compreender as coisas e de realizar as
ações. Já outras, por verem um cego andar sozinho nas ruas com desenvoltura, ou tocar
muito bem um instrumento, acham que todo cego é superdotado.
Acreditamos que a sociedade deveria ser sensibilizada e melhor esclarecida a
respeito de quem é o cego. Talvez, por isso, a origem desses sentimentos variados:
alguns sentem piedade, outros demonstram carinho e admiração e, conforme relata
Isaura211 “as pessoas começam a nutrir às vezes alguns sentimentos; se fosse uma
pessoa comum talvez não nutrisse” (Fontes 2: p. 313).
A respeito da construção da identidade do cego, Arnaldo212 tem o seguinte
entendimento:
“É um tema difícil de responder, pois, o elemento importante da vida hoje é o resultado e, o resultado tem expressões visíveis. Por exemplo, o sujeito que consegue ser bem sucedido na sua posição ele vai pertencer a uma classe social maior, vai estar numa classe social melhor posicionada, com privilégios, com dinheiro e poder. (...) Olhando-se para a realidade você vê como é a estrutura dela. O ser humano escolheu como caminho para estabelecer convivências, o sucesso social. Você cresce e este crescimento está relacionado com o desenvolvimento exclusivamente individual, que é necessariamente excludente
209 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 210 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 211 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 212 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
156
neste modelo de sociedade. (...) A imagem que as pessoas têm do cego é que ele não tem as armas, uma das armas importantes para lutar, que é a visão. Então ele é o ‘café com leite’, tipo aquela brincadeira de criança, não é a ‘vera’, ele não faz parte do jogo, ele faz parte do jogo como ‘café com leite’” (Fontes 2: p.247).
Ao falar sobre a construção da identidade do cego, Jurema213 diz que se trata de
um processo tal qual ocorre com as pessoas que enxergam e, alerta que certos
acontecimentos não devem influenciar nessa construção e, cita o seguinte episódio que
lhe aconteceu:
“Um dia eu tive que falar para uma pessoa: cada dedo seu está cheio de pena. Então são: pena, medo e desprezo. Na realidade é um misto. Tem também aquela coisa de obrigação: ‘vou fazer isso para esse cego, porque amanhã eu posso ficar cego também’. A gente ouve muito na rua isso ‘Aí! Fulano tá fazendo a sua boa ação hoje, hein! ’” (Fontes 2: p.288).
Outra questão que parece influenciar na construção da identidade é a do
preconceito. Só que essas pessoas que falam sobre isso, não são nem cegas, nem gays,
nem negras e nem outras excluídas. Logo, elas não são as pessoas ideais para dizerem
que há preconceito, porque elas não vivenciam, não sentem e não sofrem o problema.
Relativamente a esse assunto declara Jurema214 que “ainda não existe no movimento de
cegos essa luta para acabar com o preconceito. E o cego peca muito nesse sentido, pela
sua indisciplina e, sobretudo, por ele cobrar coisas que não são realmente necessárias,
esse tratamento diferenciado que ele quer” (Fontes 2: p. 285). Na verdade o que tem
ocorrido é que se acaba caindo no assistencialismo e no paternalismo e essas não são as
soluções corretas para se buscar a igualdade, no sentido da construção da identidade do
cego.
213 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 214 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
157
Outro tema abordado nas entrevistas foi o trabalho. A concepção de que o
trabalho é um elemento imprescindível para a construção da identidade do sujeito, deve
ser repensada à luz das várias transformações do mundo do trabalho. Pode-se indagar a
respeito de várias questões. Uma delas se refere à situação de desemprego, que
atualmente tomou proporções imprevisíveis, atingindo tanto os trabalhadores não
qualificados quanto os qualificados.
Assim, em tempos de desempregos, de terceirizações e de soluções alternativas
como o mercado informal – no caso dos cegos na condição de camelô ou de esmoleiro -
que identidade está sendo construída, em cima de uma situação incerta?
O jovem cego conclui o ensino fundamental, o ensino médio ou mesmo o ensino
superior e vai à luta em busca das oportunidades. Bate à porta de uma empresa, recebe
um não, vai para a outra, recebe um talvez e, continuando na sua peregrinação, descobre
que o jogo não é a ‘vera’, como diz Arnaldo215. Daí resta apenas apelar para a lei das
quotas. A respeito desse assunto Éden216 comenta: “Eu acho que a lei ajuda. Por causa
dessa lei muitos cegos estão trabalhando atualmente. Entretanto, como ela se estende
para outras minorias, tem que se ter cuidado para o tiro não sair pela culatra, pois, por
exemplo, na realidade, parece que o preconceito maior é ser pobre. Será que o Pelé
sofre esse tipo de preconceito?” (Fontes 2: p.193).
Para melhor elucidação dessa situação apresentamos um caso, narrado por
Arnaldo217, que aconteceu com um candidato cego de Santa Catarina, em 1984, que
estava fazendo prova para a magistratura daquele Estado:
215 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 216 Idem. 217 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
158
“(...) Permitiram que o candidato cego fizesse prova para juiz, ele era juiz distrital, na época da justiça federal, juiz de Brasília. Ele passou em todas as fases, ficou em terceiro lugar; aí na hora do exame médico ele foi impedido de tomar posse porque era cego. Impetrou Mandado de Segurança, chegou a ir para o extraordinário no Supremo e, o Supremo decidiu por maioria que o cego não poderia ser juiz. Então, um dos votos de um desses Ministros, muito interessante, por que ele faz o comentário no voto, enaltecendo o rapaz que havia passado em todas as provas, falando muito bem, achando o sujeito genial e etc. Entretanto, no final, diz que na verdade um cego o máximo que poderia ser era um serventuário da justiça, porque a pessoa que sofria desta disfunção - não ter o sentido da visão - tinha algum comprometimento mental. Então, essa é a imagem que a elite, a elite deste país, que detêm o poder político, o poder econômico tem a respeito do cego” (Fontes 2: p.248).
Esse caso concreto teve grande repercussão em todo o país, de forma que relata
ainda Arnaldo218 “que o mesmo candidato tentou fazer prova para Juiz do Trabalho no
Rio de Janeiro e não lhe permitiram fazer. Sacaram do ‘fundo do baú’ essa decisão do
Supremo Tribunal Federal em 1984” (Fontes 2: p.248). Então a imagem que a
sociedade tem do cego é a de um sujeito inferior. Enfim, desabafa Arnaldo219: “o
mundo é visual e a sociedade é competitiva e desumana e para isso ela precisa da
visão; e o que mais me deixa triste é saber que todo esse esforço será inútil” (Fontes 2:
p.248).
Realmente é muito difícil incluir o cego no mundo do trabalho. Nos concursos
públicos o cego já conquistou bom espaço, mas na iniciativa privada ainda falta algum
avanço.
Entretanto, o que mais nos inquieta é que essas situações, incluindo a do
desemprego, ajudam a promover a construção de uma identidade que certamente não
deve ser aquela desejada ou sonhada pelo deficiente visual.
218 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 219 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
159
Na odisséia dos concursos, Éden220 confessa que ao receber o resultado negativo
ficava assim: “na primeira semana eu ficava arrasado; dava vontade de mandar todo
mundo para aquele lugar e ficar por ai fazendo lá não sabe o que. Dias depois eu
refletia e concluía: o que eu vou fazer com todo esse tempo de estudo e dedicação, vou
jogar na lata do lixo? Não vou fazer não” (Fontes 2: p. 193). E recomeçava tudo de
novo.
Ainda com respeito a questão do trabalho, explica Jurema221: “se eu faço um
concurso para ser professora de história – a minha área não é educação especial - eu
tenho que ser cobrada é em história. Eu tenho que ser professora é de história e não
telefonista ou outra atividade” (Fontes 2: p. 285).
Resgatando a colocação de Grinberg & Grinberg (1980) de que “as percepções
visuais são importantes na formação da identidade” (p.19), queremos falar sobre dois
tópicos que consideramos importantes para essa formação: o primeiro diz respeito à
imagem do corpo e, o segundo, refere-se à questão ambiental.
O cego necessita conhecer o seu corpo. Como ressalta Jurema222, “não só
sexualmente, mas, saber como se limpar, como se cuidar, etc.” (Fontes 2: p. 286). Além
disso, a postura e a expressão facial são de suma importância nessa identidade. A
respeito disso, comenta Jurema223 que quando fazia parte do Coral do Instituto
Benjamin Constant “as pessoas achavam que a gente era triste, era como uma estátua”
(Fontes 2: p. 286).
220 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 221 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 222 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 223 Idem.
160
Com relação ao ambiente, revela Jurema224 que “por si só, o cego não tem
condição de cuidar do ambiente que ele se encontra, como por exemplo, onde jogar o
lixo. Ele pensa que está perto dele” (Fontes 2: p. 286).
A questão disciplinar do cego, a necessidade que ele tem de se organizar, até
para conseguir as coisas em tempo hábil, por exemplo, ter disciplina de horários, de se
vestir corretamente, de guardar os seus pertences em lugares que possa encontrá-los
com facilidade, de se locomover com segurança, entre outras necessidades, pode
influenciar sobremaneira na construção da sua identidade.
Em relação a esse tema Isaura225 informa sobre o que acontece quanto à questão
dos horários: “(...) na rua a gente está sujeito a uma série de imprevistos, como por
exemplo, ficar vários minutos em um sinal esperando alguém para atravessar” (Fontes
2: p.311). Realmente esses imprevistos contribuem para os atrasos. Para evitar isso,
Jurema226 aconselha o uso da prudência: “sair mais cedo e andar sempre um pouco
adiantado. A gente vai correr menos risco de se atrasar” (Fontes 2: p. 311).
Além do horário, outra preocupação apontada por Isaura227 refere-se à questão
de organização:
“Eu tenho um lugar certo para colocar as minhas coisas, eu vou direto naquilo que eu estou procurando, eu sei o espaço onde eu guardo a minha máquina, o meu diário, os meus livros e outros objetos (...). Por exemplo, se você é um cego organizado que marca os seus discos em Braille e tem critério para organizar as suas roupas e livros, você vai se achar com muita facilidade. Vai ter condição de se arrumar com mais capricho e vai evitar certos acidentes domésticos, ‘do tipo deixar copo em beirada de pia’. Isso pode ser comum acontecer em muitas casas de videntes, mas em casa de cego é perigosíssimo” (Fontes 2: p. 312).
Realmente a disciplina e a organização são aquisições muito importantes na vida
da pessoa cega. O difícil é conseguir que o aluno perceba que o mínimo de ordem é bom
224 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990 225 Idem. 226 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 227 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.
161
e vai ajudá-lo. Aliás, conforme esclarece Isaura228, “é meio complicado você impor a
alguém disciplina – ‘escuta: você é cego, o cego tem que ser assim’-. Eu acho que tem
coisas que a gente fala mesmo – ‘em casa de cego: isso assim, assim, não dá certo’ –,
mas fica meio complicado você exigir que a pessoa seja mais pontual, organizada e
disciplinada por ela ser cega” (Fontes 2: p. 312).
A respeito de ser disciplinado Arnaldo229 revela “esse é um tema que diz
respeito a minha vida nos últimos anos; estou estudando para fazer alguns concursos
que exigem disciplina de estudo muito forte. Além disso, o portador de deficiência
precisa para estudar, da ajuda e da participação de terceiros” (Fontes 2: p.245).
Na concepção de Éden230 a disciplina é importante para qualquer pessoa,
independentemente de ser cega ou não.
“Eu mesmo aprimorei muito a minha disciplina a partir do momento em que eu comecei a me dedicar aos estudos para os concursos públicos. (...) Em casa, por exemplo, até para as coisas mais elementares o cego precisa saber onde elas estão; os objetos que ele usa, de preferência devem estar no mesmo lugar para ele achar com certa facilidade, principalmente, quando você não tem ninguém que enxerga em sua casa. De certa forma eu já me acomodei com essas coisas porque a minha mulher enxerga” (Fontes 2: p.187).
Qualquer cidadão tem que ter disciplina e regra em sua vida, a fim de poder
desempenhar as suas funções de forma harmônica e independentemente de outras
pessoas. Não é porque o sujeito é cego que todas as pessoas têm que dar regalias para
ele. Aliás, nesse sentido, esclarece Juscelino “que no caso do cego procuro sempre
orientar para que não coloquem cadeiras desordenadamente, tanto no meu trabalho
quanto na minha residência, pois, se assim fizerem ficarei perdido, além de causar
algum acidente” (Fontes 2: p. 208).
228 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 229 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 230 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
162
Quanto a importância do IBC na formação da identidade dos egressos confessa
Arnaldo231:
“O modelo do IBC, na minha época, foi para a minha vida, fundamental, importantíssimo. Esta reflexão que nós estamos fazendo aqui eu nunca tinha parado e sistematizado na minha cabeça, essa idéia de igualizar todos, pois se o sujeito tinha dinheiro, talvez usasse um sabonete melhor, um desodorante melhor, mas ia comer a mesma coisa, na mesma condição, estudar na mesma sala, dormir na mesma condição, dormia lá no doizinho, no dois, ou no dormitório um, então foi uma grande experiência socializante e extraordinária (...). Fato é que o IBC forneceu essa possibilidade de convivência de socialização de vida, e deu o mesmo instrumental e as mesmas possibilidades para cada um; assim, eu e outros, conseguimos ir para o Pedro II, fizemos prova, depois fizemos o vestibular, nós conseguimos traduzir nas nossas vida, as oportunidades que tivemos, incorporei estes valores e estabeleci critérios e armas para atingir as metas que eu ia criando na minha vida” (Fontes 2: p. 256).
Outra questão interessante que foi discutida nas entrevistas foi o casamento entre
cegos e entre cegos e pessoas que enxergam. Incluímos esse assunto porque o
consideramos, também, importante na formação da identidade do cego. Conforme
declaração dos entrevistados como, por exemplo, Juscelino232, o que importa na relação
entre duas pessoas é o amor:
“(...) eu não vejo nisso nenhuma dificuldade, porque quando você gosta, gosta da pessoa da forma que ela é, se ela é torta, se é aleijada, se é cega ou surda se gostou, gostou. Então não vejo influencia nenhuma do estado físico de um ou de outro. O que acontece é o seguinte, é uma questão natural, por exemplo, na minha terra todo mundo casava primos com primos, porque só existia aquela convivência, é o que pode acontecer com os cegos também, até por estarem em mutua convivência, acabam casando cego com cego, mas não tem nada a ver por causa da convivência mesmo. Estão mais tempo dentro da mesma instituição e acabam se casando” (Fontes 2: p. 212).
A despeito do casamento entre primos ou entre cegos, revela nitidamente a falta
de cuidados e, até mesmo da realização de um aconselhamento genético. Com relação a
esse assunto, Juscelino233 vai mais além: “eu tenho retinose pigmentar, o meu neto com
231 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 232 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 233 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
163
certeza terá alguma deficiência. Aí vai da consciência de cada um, se você acha que
deve ter um filho ou não, isso porque o seu neto pode nascer ou ficar cego; nesse caso,
eu acho que se deve ter um respeito muito grande pela opção da pessoa” (Fontes 2: p.
212).
Nos que diz respeito ao casamento entre pessoas cegas e pessoas que enxergam
o que mais ocorre é a mulher que enxerga se casar com um homem cego. Por outro
lado, segundo informa Isaura234,
“A incidência de casamentos de mulheres cegas com homens videntes, é pouca, pode ser contada nos dedos. Quando nós éramos mocinhas, as mais antigas diziam assim: ‘vidente não quer namorar a gente não, porque eles não acreditam que a gente vai cuidar da casa, fazer a comida, dentre outros afazeres’. Não sei até que ponto rolava ali o preconceito, assim como alguns garotos quando namoravam moças videntes ou quando casam, aí o pessoal dizia: ‘olha lá! Fulano já arrumou uma secretária’” (Fontes 2: p. 318).
Isaura235 não está totalmente errada, pois observamos que às vezes ocorre
mesmo a dependência do marido cego para a mulher vidente. Durante a nossa militância
como educador no Instituto Benjamin Constant, pudemos observar que algumas esposas
videntes levavam seus maridos cegos ao ponto de ônibus e frequentemente saíam
juntos, para caminhar, realizar compras, entre outras atividades. Nesse sentido, comenta
Isaura236 “que se fosse ao contrário, de repente o homem vidente não sairia com a sua
mulher cega” (Fontes 2: p.318).
6.2 - Educação em escola especializada e educação em escola comum.
A nossa proposta neste item é apontar algumas dificuldades encontradas e
reveladas pelos egressos durante suas entrevistas, quando da mudança da escola
234 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 235 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 236 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
164
especializada para a escola comum. Apresentaremos, também, algumas sugestões que
poderão ser utilizadas por essas escolas, para a melhoria do atendimento ao cego.
Como mostrado no primeiro capítulo, o atendimento ao deficiente era baseado
em um modelo médico no qual a deficiência era considerada como uma doença (Silva,
1947) e realizado de forma custodial e assistencialista (Glat, 1998).
Isso equivale dizer que a educação confundiu-se historicamente como missão de
credos religiosos (Brito, 1991) e, somente a partir do século XVIII é que surgem as
primeiras propostas educacionais, como por exemplo, a de Valentin Hauy, na França,
que propiciou ao cego o poder aprender.
Fato é que durante décadas o atendimento pedagógico a alunos com
necessidades educativas especiais - no nosso caso o cego – ficou a cargo de instituições
especializadas e de escolas que atendiam a
“educação especial, nascida no âmbito da democratização e universalização do ensino contra os privilégios da nobreza, como uma modalidade de atendimento clínico e de segregação escolar para crianças, que por características pessoais não conseguiam realizar as aprendizagens necessárias ao desenvolvimento das sociedades capitalistas modernas e que eram separadas das demais a fim de não atrapalharem o processo educacional e as práticas pedagógicas” (Delou et al, 2003: p. 7).
É importante ressaltar que a criação de escolas especializadas trouxe para as
pessoas com necessidades educativas especiais, oportunidade para se educarem, uma
vez que esses indivíduos eram vistos como “seres inválidos e incapazes, que pouco
poderia contribuir para a sociedade, devendo ficar aos cuidados das famílias ou
internados em instituições, protegidos do resto da população” (Glat, 1998: p. 11).
No caso do Brasil, com a inauguração do Instituto Benjamin Constant em
setembro de 1854, os cegos brasileiros começaram a estudar em uma escola criada
especialmente para atender cegos, nos moldes daquela criada por Valentin Hauy em
Paris.
165
A partir do IBC, a primeira instituição de educação especial no Brasil, essa
modalidade de educação – como é tratada a partir da Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional (Lei 9394/96) – começou a se firmar como área específica de
atuação, com a criação de escolas especiais e implantação de classes especiais em
escolas comuns públicas (Glat, 1998), consolidando-se ainda mais com a criação do
Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973, o qual foi extinto na
década de 80.
A escola, como todo grupo social, é um grupo político. Ela constitui, portanto,
uma entidade política que dispõe de um sistema que lhe é próprio (Britto, 1991). Nesse
sentido, declara Carvalho (2004) “que a educação é ato pedagógico e também político”
(p. 25), isto é: o aluno tem que ser visto e valorizado como cidadão.
No bojo das discussões sobre educação especial surgiram duas propostas: uma
de integração e a outra de inclusão, as quais se resumem na busca da participação e na
luta contra a exclusão dos alunos com necessidades educativas especiais.
O termo integração há muito tem sido foco de diferentes interpretações (Masini,
1997) e no Brasil aparece, principalmente, a partir da década de 1970, como ponta de
lança de todas as discussões acerca da significação de ser deficiente (Mantoan et al,
1997). O princípio da integração, também denominado em alguns países como os
Estados Unidos, de mainstreaming237, “tem como objetivo oferecer aos indivíduos com
deficiência formação educacional e reabilitação em ambientes regulares, ou menos
restritivos possíveis, com os suportes psicopedagógicos necessários” (Nunes et al, p.
109).
Na concepção de Masini (1997), “quando se fala em integração, antes de
qualquer outra extensão, está-se fazendo referência à constituição do sujeito psíquico e
237 - a expressão mainstreaming significa curso, fluxo ou corrente principal.
166
aos caminhos pelos quais esse ser humano gradualmente vai aprendendo a lidar com
suas necessidades e desejos nas interações estabelecidas no mundo onde se situa”
(p.33).
A inclusão, desde o início do século passado tem sido discutida em fóruns
internacionais como: em Jontiem, em 1990 e, em Salamanca, em 1994, que
proporcionaram posições políticas favoráveis a ela, como a proposição de princípios que
devem balizá-la (Crochík, 2003).
O objetivo da inclusão está atualmente no coração da política educacional e da
política social. Como coloca Mitler (2003) “a inclusão envolve um processo de reforma
e de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que todos
os alunos possam ter acesso a todas as gamas de oportunidades educacionais e sociais
oferecidas pela escola” (p. 25).
Ainda a respeito desse assunto, Mader (1997) esclarece que um novo paradigma
está nascendo. “Um paradigma que considera a diferença como algo inerente na
relação entre os seres humanos (...). Foi nesse contexto que surgiu, no movimento de
autodefesa e de luta pelos direitos humanos na Europa, a discussão em torno da
criação de um novo conceito, denominado inclusão” (p. 47).
Esclarece ainda Mader (1997) que inclusão é o termo que se encontrou para
definir uma sociedade que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos.
Nesses termos, trata-se, então, de uma sociedade onde existe justiça social, em que cada
membro tem seus direitos garantidos e as diferenças são aceitas como algo normal.
Aliás, a esse respeito declara Mittler (2003) que a “a inclusão é uma visão, uma
estrada a ser viajada, mas uma estrada sem fim, com todos os tipos de barreiras e
obstáculos, alguns do quais estão em nossas mentes e em nossos corações” (p. 21).
A respeito desse assunto Carvalho (2004) assim se pronuncia:
167
“A história das idéias sobre educação deixa evidente que pouco ou nada tinha de inclusiva, seja em termos da universalização do acesso, seja em termos da qualidade do que era oferecida. Hoje em dia, o panorama è, felizmente, outro, pois temos mais consciência acerca de direitos humanos, embora a prática da proposta de educação inclusiva ainda não conte com o consenso e unanimidade, mesmo entre aqueles que defendem a idéia” (p. 26).
Por outro lado, comenta Crochík (2003) “que nem todos os estudiosos sobre
educação inclusiva são favoráveis ao ensino inclusivo” (p. 20). Além disso, conforme
anuncia Carvalho (2204) há, ainda, muita confusão e incertezas, a respeito:
“Resistência dos professores em razão da insegurança no trabalho educacional escolar, pois alegam que não tiveram em seus cursos a oportunidade de estudar a respeito, nem de estagiar com alunos da educação especial e, o temor dos familiares com relação à inserção de seus filhos nessas classes, inclusive ponderando que as escolas não estão dando conta dos ditos normais que, cada vez mais, saem da escola sabendo bem menos” (p. 27).
A idéia da inclusão, no plano teórico é boa, porque na realidade o deficiente não
pode ficar segregado ao grupo dos ditos iguais, os deficientes e, ele tem que se expandir
e tem que conviver com os ditos diferentes, os normais. A respeito dessa colocação
Éden238 assim se manifesta:
“Nós vivemos uma realidade catastrófica; hoje eu estava ouvindo no rádio uma propaganda do Sindicato dos Professores criticando o Governo do Estado - dizia que foram tirados tempos de aulas e foram contratados professores temporários e, o déficit de professores do Estado continua 26 mil, não sei se isso é um exagero ou não. Mas veja bem, numa realidade dessas como é que nós vamos colocar cegos iniciando o aprendizado no meio de pessoas que enxergam, sem nenhuma estrutura. É muito estranho e muito questionável e, além disso, o professor não tem nenhuma especialização para lidar com o cego. Até admito que hoje em dia a coisa esteja bem melhor. Há muita gente que conhece o Braille e que nunca tinha ouvido falar, mas nós estamos longe de termos pessoas com preparo, com aquela vivência e, a gente que estudou no Benjamin Constant sabe como é importante o professor saber o Braille. Eu tive aulas aqui no Benjamin Constant com vários professores que enxergam, foram vários, mas são todos especializados” (Fontes, 2: p. 188)
Segundo Mittler (2003) a inclusão, na maior parte das vezes, resulta em
freqüentar a escola que um aluno jamais freqüentaria na ausência de uma necessidade
238 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
168
especial significativa. Por outro lado, comenta ainda esse autor que “a rua de acesso à
inclusão não tem um fim porque ela é, em sua essência, mais um processo do que um
destino. Ela representa, de fato, uma mudança na mente e nos valores para a escola e
para a sociedade como um todo...” (p. 37).
Já na concepção de Arnaldo239 a inclusão sob o ponto de vista da educação é
versão da globalização, de forma inequívoca;
(...), ou seja, cria-se uma relação que em vez de ser horizontal, é uma orientação verticalizada. E assim é a idéia da inclusão, de se colocar todos na escola; criaram-se vagas, mas não associou esse passo a questão da qualidade de ensino; não se discutiu isso como estamos fazendo agora e, assim, fez com relação aos deficientes. Veio a lógica de que a escola especializada criava um obstáculo na inserção social do portador de deficiência, e aí ele precisava ir a qualquer custo para a escola chamada regular. E isso, eu imagino que tenha sido uma das causas para o fracasso (...); porque a escola regular além de muito ruim é despreparada, no que tange a questão ao atendimento ao portador de deficiência; e o portador de deficiência foi colocado num repositório, essa é a verdade” (Fontes, 2: p. 252).
A transformação do Instituto Benjamin Constant - considerado antes apenas
como uma escola especializada - em Centro de Referência Nacional para as questões
voltadas para a deficiência visual, implica na existência de ter uma escola, um colégio
de aplicação ou algo parecido, como se fosse um laboratório, porque como emanariam
certas metodologias se na verdade elas não fossem comprovadas no uso prático e
anteriormente testadas?
A respeito desse assunto Arnaldo240 declara que seria perverso e não seria
inteligente destruir uma história de educação com características pedagógicas próprias,
e jogar tudo fora em nome da inclusão.
“O que se precisa é um modelo de educação que seja próprio para a educação
do cego, isto talvez seja o que em direito nós chamamos de discrime em
positivo, ou seja, você reconhecer a diferença para igualar. A inclusão deve
239 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 240 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
169
partir de quem tem o conhecimento da educação especial, a ótica tem de ser
outra, a perspectiva tem de ser de quem faz parte da educação especial, não é
acabar com o que já se tem, é aperfeiçoar o que já existe, é tentar aparar as
arestas equivocadas do que já existe, criar outros IBCs e, não colocar os cegos
nas escolas comuns achando que eles não são mais cegos” (Fontes,2: p 252) .
Juscelino241, citando como exemplo os cursos que foram ministrados em sua
cidade pelo Instituto Benjamin Constant e pelo Instituto Nacional de Educação de
Surdos, que permitiram aos docentes que fizeram os cursos atuarem na educação de
cegos e surdos, enfatiza “o novo papel da Escola Especializada, principalmente o IBC,
com a experiência de seus 150 anos ele, certamente, tem um papel de estar fomentando
a capacitação de professores de todo o país, para atuarem na educação de pessoas com
necessidades educativas, na área da visão” (Fontes, 2: pp. 209-210).
Não há como negar que a Lei de Diretrizes e Bases Nacional, LDBEN, propiciou
considerável avanço ao apoiar a inclusão de todas as crianças e jovens que se
encontravam fora da escola. Por outro lado, cabe salientar que a inclusão tem se
constituído em importante motivo para que a escola se modernize e os professores se
aperfeiçoem (Mantoan, 1977).
A respeito desse aperfeiçoamento de docentes, Éden242 confessa que um dos
aspectos importantes a ser considerado para a inclusão é a especialização dos
professores. Pois, “se a inclusão é uma coisa inevitável, então que se prepare o
professor, a comunidade, os funcionários das escolas, etc., pois, com o preparo desses
professores eu já acho muito difícil, muito complicado, imagine sem esse preparo”
(Fontes, 2: pp. 189-190).
A nossa preocupação maior não é apontar a escola especializada ou a escola
comum, como sendo a escola ideal, para a educação de cego, pois o importante é que
todos os alunos – com necessidades educativas especiais ou não – atinjam os objetivos
241 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 242 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
170
no final da formação escolar, “mesmo tomando caminhos diferentes” (Perrenoud, 2004:
p. 41), como é o caso das pessoas cegas. Por outro lado, para o cego ter uma educação
de qualidade, além de necessitar de equipamentos e materiais apropriados, “os seus
professores devem receber uma formação, um apoio institucional e um
acompanhamento adequado para construir novas competências” (Perrenoud, 2004: p.
52).
Em se tratando de professores que sejam alfabetizadores de alunos cegos, essa
formação necessita ser mais especializada ainda. Como escreve Carvalho (2004) pensar
na inclusão dos alunos com deficiência(s) nas classes regulares “sem oferecer-lhes a
ajuda e apoio de educadores que acumularam conhecimentos e experiências
específicas, parece o mesmo que fazê-los constar, seja como número de matrícula, seja
como mais uma carteira na sala de aula” (p.29).
Além disso, convém ser lembrado que os caminhos para escolas inclusivas,
segundo Carvalho (2004) devem passar:
pela valorização profissional dos professores;
pelo aperfeiçoamento das escolas;
pela utilização dos professores das classes especiais como professores de métodos e
recursos, atuando como consultores de apoio;pelo aperfeiçoamento do pessoal
docente, para que atue como suporte para as práticas inclusivas nas escolas;
pelo trabalho de equipe e
pelas adaptações curriculares, capazes de assegurar o domínio das matérias
curriculares, provendo-se a igualdade de oportunidades para o sucesso educativo.
Falando ainda de inclusão, nos reportamos a Mantoan (2004) quando esclarece
que “vivemos um tempo de crise global, em que os velhos paradigmas da modernidade
estão sendo contestados e em que o conhecimento, matéria prima da educação escolar,
está passando por uma re-interpretação” (p. 114).
171
Logo, a afirmação de que a inclusão representa a única e melhor solução para
alunos, professores, pais e sociedade, põe em evidência um mecanismo discursivo que
espera para assegurar a eficácia do discurso. Sua fraqueza, entretanto, segundo Laplane
(2004) “reside no fato de que em certo momento o discurso contradiz a realidade
educacional brasileira, caracterizada por classes superlotadas, instalações físicas
insuficientes, quadros docentes cuja formação deixa a desejar” ( p. 8).
O depoimento de Juscelino243, calcado na sua vivência no IBC e na sua
experiência enquanto político nos revela que “escolas federais como o IBC e a escola
agrícola de minha cidade, são escolas federais de qualidade total. Os alunos que
passam por lá, que estudam lá, são fortíssimos candidatos a passar nos vestibulares,
entretanto, além disso, tem que se trabalhar a educação especial em todo o país”
(Fontes, 2: p.209).
Ao olhar para a educação básica, inserida no contexto social mais geral, vemos
então que as desigualdades sociais se aprofundam. Na área da educação, os indicadores
evidenciam que a evasão e a repetência, que sempre foram endêmicas e têm se
constituído em fortes mecanismos de exclusão social, ainda persistem, muitas vezes
camufladas a partir de programas de aceleração, por proposições de progressão
continuada ou outros mecanismos que estão gerando uma forma perversa de exclusão na
escola ou na sala de aula (Ferraro, 1999 e Arroyo, 2000: apud Ferreira e Ferreira, 2004).
Na verdade o que Ferreira e Ferreira e outros autores apontam é uma nova
exclusão que ocorre dentro da sala de aula. Sobre esse assunto Glória244 comenta que
ao entrar uma criança deficiente para uma determinada escola, essa escola e seus
243 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 244 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
172
professores têm que estar preparados, atualizados, especializados, os materiais têm que
estar adaptados.
“Eu sofri muito pela falta de materiais adaptados que a escola não tinha. Eu ficava somente na imaginação – o professor colocava o gráfico no quadro e eu ficava imaginando como seria aquele gráfico – e assim eu ia estudar, apenas com a minha imaginação; ficava isolada, excluída, dentro da minha própria sala de aula. Assim, o material didático deve ser o fator importante para a adaptação dos alunos na escola” (Fontes, 2: p. 273)
Outra questão que foi discutida, diz respeito à faixa etária específica para o
aluno cego ser matriculado em uma escola comum, a dita regular, infelizmente ainda
não preparada para alfabetizar crianças cegas.
Quanto a isso Éden245 assim se pronuncia:
“No aprendizado inicial você tem que aprender o Braille; se você não tem isso na escola comum você já vai ficar com uma deficiência. A base é importante. As escolas não estão preparadas para dar atenção ao deficiente visual, o material em Braille é escasso, não há professores especializados e tal. Assim, a idéia que se tem é que o deficiente visual numa escola comum fica meio que jogado” (Fontes. 2: p. 188).
Em função de suas andanças pelas escolas especializadas e comuns e, baseada na
sua vivência com outros alunos cegos e não cegos, Jurema246 nos alerta que a
alfabetização do cego não se resume apenas ao ensino do Braille, mas que:
“Há um processo de desenvolvimento, de se conhecer, de conhecer o espaço, de se disciplinar, de descoberta. Esse momento é o tempo certo para a construção da identidade do cego. Aliás, como seria na classe comum se a criança cega não conseguisse ler e entender as historinhas? Como os coleginhas agiriam?” (Fontes, 2: p. 290).
A questão que se coloca é a seguinte: geralmente o cego começa a estudar
tardiamente; ou porque a família não sabia e descobre que o cego poderia estudar, ou
porque se gasta muito tempo buscando alternativas para a criança enxergar. A família
leva a criança ao curador, a benzedeira, ao médico e, isso retarda sua entrada na escola.
245 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 246 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
173
O resultado é que é comum se encontrar em uma turma de crianças entre oito e nove
anos, um adolescente já com treze ou quatorze anos, que tem outros interesses e
normalmente não tem paciência nenhuma com essas crianças menores, compartilhando
o mesmo tempo e espaço acadêmicos.
Mudando um pouco o eixo da análise das respostas dos egressos, levando-o para
as necessidades educativas mais prementes das escolas, como carência de recursos
humanos, de materiais e equipamentos e de apoio que necessitam para se organizar e se
manter, é importante ressaltar que para atingir os fins da educação – quer seja oferecida
em escola comum, quer seja em escola especializada – os alunos precisam dispor de
determinadas ajudas pedagógicas ou de serviços.
Corroborando essa afirmação Juscelino247 comenta que para a escola comum
receber alunos especiais, não basta apenas os professores realizarem simplesmente os
cursos ministrados pelo Instituto Benjamin Constant ou por outros órgãos que também
ministram cursos. É de suma importância o estágio, a prática com alunos cegos, que
eles saibam alfabetizar esses alunos.
“Nos cursos promovidos pela prefeitura da minha cidade, os professores algumas vezes me diziam: ‘ estou fazendo o curso, mas não me sinto em condições de atender a uma criança’. Então eu falei com eles que era só o começo e que nem todos os professores ali seriam obrigados a atuar com os deficientes, mas uma noção deveria ser necessária a eles enquanto educadores” (Fontes, 2: p. 211).
Durante as entrevistas foram abordados os mais diversos temas (Fontes, 2:
pp.175-178), como por exemplo, a qualidade de ensino e a necessidade da criação de
entidades, semelhantes ao Instituto Benjamin Constant, em outras regiões do país.
247 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
174
Nesse sentido, Éden248 se manifestou dizendo: “Eu acho que em algumas coisas
nós pioramos, por exemplo, o ensino ele piorou em todos os lugares, parece que há até
uma lógica e é uma verdade. Então, piorou também nas escolas especializadas, até no
Benjamin. É o reflexo do todo” (Fontes, 2: p.189).
Quanto à criação de outros centros no Brasil, semelhantes ao Instituto Benjamin
Constant, Isaura249 assim se manifesta:
“Eu acho que até por causa dessa necessidade da convivência da criança cega com outros cegos, dessa liberdade maior, seria importante que existissem institutos espalhados pelo Brasil; que cada Estado pelo menos tivesse uma escola do Jardim de Infância até pelo menos a 4ª série do ensino fundamental e que desse atendimento integral ao aluno” (Fontes, 2: p.316).
Ainda a respeito da existência de entidades educacionais semelhantes ao IBC em
outras regiões do país, Glória250 tem a seguinte opinião:
“Quando eu falo isso as pessoas me chamam de antiquada. As pessoas pensam que o cego, o deficiente, nunca vai sobressair. É claro que vai, mas você estando no Instituto onde tem pessoas iguais a você, você se sente muito mais à vontade. É claro que você não pode ficar limitada ali dentro. Mesmo estando ali, você tem que sair para a sociedade, entrosar mesmo na sociedade. Mas que um Instituto desses ajuda muito, ajuda. Eu vejo aqui na minha cidade, no interior do Estado do Rio, onde eu tive apoio, é uma escola de deficientes visuais, os meninos conversam, brincam, é aquela coisa toda. E dentro da sala de aula na escola regular a realidade deles é outra, eles ficam completamente isolados com meia dúzia de colegas e se tiver isso, às vezes é um só mesmo e sobrecarrega aquele coleginha. Já se você está num lugar próprio para você, é diferente, você fica à vontade para falar, para conversar, para tudo, até para comer” (Fontes, 2: p. 273).
No entender de Isaura251 a formação acadêmica do aluno cego na escola
comum, às vezes fica prejudicada pela falta do livro em Braille, pela quantidade de
alunos em uma única turma e pela falta de outros suportes, fornecidos por especialistas.
“Então, por esses aspectos, seria importante que existissem institutos onde a criança pudesse pelo menos até a 4ª série, ter garantido o seu direito à vida de criança e ao estudo, à leitura, ao contato direto com a letra escrita e que ele
248 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 249 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 250 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 251 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
175
pudesse ter um professor que corrigisse seus trabalhos e que fosse capaz de fazer as correções necessárias em Braille” (Fontes, 2: p. 316).
Outra que defende a idéia da construção em outros estados de institutos
semelhantes ao IBC é Jurema252. Segundo ela:
“Deveriam existir escolas especiais com internatos inclusive, porque, principalmente na educação infantil, a criança naquele momento tem que ter contato com outra criança que é igual a ela. Não dá para fingir que a gente pode correr, pode brincar, pode jogar bola, quando a gente vê o outro igual a gente fazendo isso. Quando eu entrei no Benjamin que vi o cego jogando bola, que eu vi o cego namorando, brigando, entendi que a minha vida continuava; fora disso, você fica realmente meio excluído” (Fontes, 2: p. 290).
No que diz respeito à especialização na educação de cegos, tanto nas escolas
especializadas quanto nas escolas comuns, abrangendo todos os níveis de ensino,
Jurema253 lembra que a vida do professor brasileiro já é tão difícil - ministrando aulas
em várias escolas – que de repente não daria tempo para fazer um curso intenso de
Braille, de Sorobã254 e de Orientação e Mobilidade.
“Entretanto, daria para ele ter dicas práticas para ajudar o cego, como por exemplo, fornecer o material em disquete para que alguma instituição imprima em Braille o material. Além disso, se ele não pode fazer em Braille, que ele tenha a quem recorrer. Isso eu acho mais importante que o docente ser especializado, é ele saber quem pode lhe dar um suporte. Isso porque muitas vezes não dá tempo, o sujeito tem até boa vontade, mas não tem respaldo das instituições, que não liberam o professor para fazer os cursos. Mas, ele quer dar uma aula legal porque ele tem um aluno cego, ele quer fazer um negócio legal” (Fontes, 2: p. 289).
Na opinião de Glória255 o professor tem que ter especialização - não é jogar um
deficiente dentro de uma sala de aula e deixar ao “Deus dará”.
“Acho que os professores têm que ser realmente especializados, a escola tem que dar condição para esse professor se especializar, para que ele possa receber o aluno deficiente. Não é essa falsa inclusão que ai está – ‘vamos jogar o deficiente na sala de aula’, mas aí, quem sofre com isso? Quem sofre é o
252 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 253 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 254 Instrumento retangular provido de bolas, utilizado pelos orientais e pelos cegos para calcular. Também conhecido pelo nome de ábaco. 255 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.
176
deficiente e sofre muito, não é pouco não, falta muita coisa ainda“ (Fontes, 2: p. 273).
Ouvimos por diversas vezes o termo “especialista”. Quase todos os egressos
afirmaram que a escola comum carece de professores especializados, pois os existentes
não sabem como trabalhar com alunos com necessidades especiais. Mas qual é a relação
entre escola comum e especialização? Isto é, entre as instituições regulares de ensino e o
processo de especialização em educação especial?
Sem dúvida, a categoria de totalidade e a visão do todo são fundamentais. Hegel
destacou isto através de sua célebre frase: ao ver a árvore pode se perder de vista a
floresta. “O verdadeiro é o todo”, disse Hegel (1992, 9:31). Com o processo de
ampliação cada vez maior da divisão social do trabalho, temos um indivíduo cada vez
mais especializado. Na sociedade capitalista temos não só uma divisão entre trabalho
intelectual e manual como uma divisão no interior do próprio trabalho intelectual. A
divisão social do trabalho intelectual significa a formação de trabalhadores intelectuais
que se dedicam apenas a determinados, utilizando determinadas teorias, métodos e
técnicas. Assim, esses trabalhadores intelectuais formam categorias profissionais, com
interesses próprios voltados para uma determinada área. Dessa forma a divisão social do
trabalho intelectual possui uma base social, a categoria profissional, e uma base
intelectual, a tradição da ciência na qual se fundamentam os profissionais de uma
determinada área. Esta dupla base acaba reforçando a especialização. Daí, como dizia
Hegel, perde-se a visão da floresta e vê-se apenas a árvore (Viana, 2002).
Do ponto de vista metodológico, a totalidade é fundamental porque não é
possível compreender as partes sem uma visão do todo. Não é possível compreender a
dinâmica populacional sem compreender os processos culturais do casamento e
procriação, sem compreender o processo de deslocamento da força de trabalho e da
177
oferta de emprego, e outros como o desenvolvimento dos serviços de saúde, avanços da
medicina, políticas públicas, dentre tantos aspectos. A visão parcelar da realidade,
principalmente, quando provoca o isolamento de suas partes, produz não somente idéias
falsas, mas práticas equivocadas. Por isso, a categoria da totalidade assume importância
fundamental.
Outra colocação que deve ser levada em conta diz respeito à exigência do mundo
do trabalho: à cada dia exige-se profissional cada vez mais completo. Ele deve ser um
especialista, mas ao mesmo tempo está obrigado a conhecer um pouco sobre tudo. Deve
“agregar valor”, ou seja: Ele pode ser um especialista – um técnico de radiologia
especializado em tomografia da região “cabeça-pescoço”, por exemplo – porém, ao
mesmo tempo, deve compreender que a sua clínica ou hospital é uma empresa. Por isso,
ele deve procurar se afinar com assuntos da administração e outros, pois somente assim
“estará na frente”.
Nos casos das universidades que tenham alunos cegos, Jurema256 apresenta a
seguinte sugestão: em uma aula inaugural de uma universidade, por exemplo, seria
importante dedicar um momento dessa aula, para falar dos diferentes que essa
universidade está recebendo. Outra coisa que deve ser feita seria chamar o aluno para
conversar sobre a sua deficiência:
“Isso para não acontecer conforme acontecia comigo todo início de semestre, que chega até ser constrangedor; tinha que falar para todo professor novo que eu era cega e que precisaria de alguma coisa, como por exemplo: ceder o seu material em disquete – e geralmente ele se esquecia ou não tinha” (Fontes, 2: p 289).
Até os anos 1960 todos os alunos do Instituto eram internos, justamente porque
residiam em outros estados. Atualmente não existem alunos de outros estados, mas o
internato continua para aqueles que residem em bairros distantes e na Baixada
256 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
178
Fluminense. Durante os dois mandatos exercidos como diretor-geral do Instituto
Benjamin Constant, por diversas vezes ouvimos críticas referentes ao internato daquela
instituição. Cabe salientar, que a continuidade do internato não é justificada
pedagogicamente, mas, sim, socialmente. Isso porque se não houvesse essa
possibilidade, por razões diversas, muitas crianças que habitam na periferia da cidade do
Rio de Janeiro, certamente não estariam estudando.
A respeito desse assunto Eden257 informa que na sua época de aluno, o IBC
recebia alunos do Brasil inteiro e:
“Querendo ou não, esse é um dos pontos que quem defende a inclusão se vale
justamente dessa realidade do deficiente ter que se deslocar de estados distantes. Por um lado afastar a criança de sua família não é bom, por outro lado, uma criança deficiente, muitas vezes se encontra em uma família problemática, geralmente uma família pobre, muitas vezes uma família que está querendo se ver livre do deficiente e aí depositava o deficiente no Instituto Benjamin Constant. É como se fosse um alívio para a família não ter o deficiente em casa. Eu sei que acontece isso, é um aspecto social a ser considerado. Dependendo da situação, da distância que a pessoa mora, da dificuldade financeira, dos familiares poderem estar à disposição ou não e da idade do deficiente, o internato ainda é necessário nesses casos. Eu acho que não é uma questão necessariamente pedagógica. Agora, para mim o internato foi fundamental, até porque eu morava na Baixada e estudava na Urca – pegava dois ônibus e tinha que acordar muito cedo. Além disso, no início eu necessitava de alguém para me levar e me buscar” (Fontes, 2: p. 189).
Falando sobre a questão do internato do IBC Isaura258 esclarece que o internato
é muito importante ainda; seria bom que ele fosse revitalizado, porque existem alunos
que moram longe e as mães ficam durante todo o dia no Instituto esperando o término
das aulas para retornarem às suas casas com os seus filhos;
“Elas não dão sossego para as crianças, não dão sossego para os professores, elas ficam aqui na escola sem nenhuma ocupação; são mulheres que moram longe, acordam cedinho e as crianças chegam aqui na escola sonolentas, cansadas; você vai dar um dever elas falam – ‘Ai tia! Estou com tanto sono’ – o camaradinha acordou às quatro horas e trinta minutos, às dez horas já está cansado. Existem crianças que têm carências sociais, que são de orfanatos,
257 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 258 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990
179
imagine se o “cara” do orfanato vai trazer o aluno aqui todos os dias e ficar esperando-o. Assim, também, têm pessoas pelo interior do Brasil que estão sem estudar. Ainda há pouco tempo um conhecido meu lá de Minas procurou a minha família para tentar colocar uma criança, aqui no Instituto. Mas ele precisaria um internato daqueles assim do meu tempo de aluna, que ficasse de março a dezembro. Hoje em dia isso não ocorre mais no IBC. O aluno só fica interno de segunda a sexta feira e há a exigência de um responsável pelo garoto, para levá-lo nos finais de semana, feriados e férias. Então, eu acho que ainda é muito necessário porque as escolas, no interior, apesar da inclusão por decreto, elas não estão preparadas e, às vezes, as famílias querem que seus filhos estudem mesmo e lá no interior não tem recursos. É uma coisa cansativa, triste, sofrida, ficar longe da família, mas, ninguém morre não. A minha mãe ficava interna no IBC de fevereiro ou março até dezembro e não morreu” (Fontes, 2: p. 321).
Outra a se pronunciar sobre a importância do internato foi Glória259;
“Em minha opinião o internato tem que continuar porque muitos alunos moram longe. Foi o meu caso; se eu tivesse que ir e voltar todos os dias, como seria? O meu pai coitadinho, que nunca me deixou andar sozinho, como iria fazer? Teria que parar de estudar. E isso acontece com muitos pais que não deixam suas crianças cegas e deficientes visuais estudarem, por isso. Têm que levar e buscar todos os dias e eles não têm condições para isso, até mesmo financeira. Por isso, o internato deveria continuar” (Fontes, 2: p. 275).
Corroborando a opinião de suas colegas Jurema260 comenta que esse assunto
merece uma discussão a parte e revela o seguinte:
“O internato é fundamental para aqueles que moram longe. Longe onde? Baixada Fluminense, Santa Cruz, Campo Grande? Longe porque os pais são pobres. Estou pensando que a questão do internato pode ser até uma medida pedagógica sim, uma pedagogia extensiva. Ela é pedagógica a partir do momento que o aluno aprende a “se virar sozinho”, pois é uma medida pedagógica o cego aprender a lavar a sua roupa, saber que se ele sujar algum lugar ele terá que limpar o que ele sujou. É o caso, por exemplo, da limpeza dos banheiros que pode ser de caráter pedagógico; é melhor do que viver com aquele cheiro horrível de banheiros sujos, como eu vivi por vários anos. É a oportunidade que o cego tem de por em prática o que se chama de Atividade Vida Diária (AVD) - aprender a servir a sua própria comida, a cortar a sua carne, sem paternalismo. Pois, internato não significa paternalismo, as pessoas tentam nos convencer disso. Acho que o sistema de internato do Benjamin é que é falho. Entretanto, sou de opinião que o internato no Benjamin é fundamental” (Fontes, 2: p. 293).
259 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 260 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
180
Ouvíamos, também, que na situação de interno os alunos ficavam segregados na
escola; Juscelino261 confessa que “sentia falta da família, do contato com a sociedade,
por exemplo, da missa ou cultos religiosos fora da instituição e não dentro da própria
instituição, como acontecia” (Fontes, 2: p. 214). Por outro lado, assevera que: “se não
fosse o internato do Benjamin Constant eu acredito que não teria estudado e estaria lá
na roça bebendo ‘algumas cachacinhas’, andando com um pedaço de bambu, ou dentro
de casa, igual a um cachorrinho de estimação” (Fontes, 2: p. 217).
A manutenção do internato no Instituto Benjamin Constant tem suscitado muitas
discussões, tanto interna quanto externamente. Entretanto, convém ser lembrado que as
relações da sociedade brasileira com as pessoas portadoras de necessidades especiais
foram se modificando através dos tempos sob a influência de fatores político-
econômicos, geralmente avalizados pelo conhecimento científico disponível a cada
época (Lowenfeld, 1974; Lemos, 1978; Silva, 1987 e Aranha, 2000).
Como já falamos em capítulos anteriores, os cegos no Brasil, no período
colonial, eram relegados à responsabilidade exclusiva da família, a qual, na ausência de
políticas públicas voltadas para atender a esses indivíduos, ficava a mercê de suas
crenças e possibilidades pessoais, sociais, econômicas, religiosas e culturais. Por outro
lado, a ignorância técnico-científica e a fé no sobrenatural determinavam, na população,
a prevalência de uma leitura metafísica carregada de mitos, preconceitos e fatalismos,
no que se refere à deficiência e à pessoa portadora de deficiência.
Assim, no entender de Aranha (2000) essa leitura, por sua vez, fazia do trato da
deficiência uma tarefa difícil, dolorosa e frustrante.
O que parece ter realmente motivado o envolvimento do poder púbico com a
administração da educação dos cegos, foram as necessidades e o interesse de alguns
261 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
181
indivíduos como José Álvares de Azevedo, Dr Xavier Sigaud e outros, que usaram dos
meios de influência disponíveis para obter junto ao Imperador D Pedro I, suporte que
lhes possibilitassem melhorar as condições de vida das pessoas cegas.
Foi assim que parece ter surgido o primeiro modelo formal de relação da
sociedade brasileira com seus constituintes portadores de deficiência. Denominado,
segundo Aranha (2000) “paradigma da institucionalização”, este modelo caracteriza-se
pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e por sua
manutenção em instituições residenciais segregadas.
Nessa visão, foi criado o Instituto Benjamin Constant, uma escola especial e
residencial que até os dias de hoje ainda mantém o internato.
A alfabetização das crianças exige carinho e cuidado. Entretanto, quando esse
processo se volta para crianças cegas, a tarefa exige atributos especiais uma vez que a
metodologia e a didática têm que levar em consideração as especificidades daquelas
para quem se volta.
Além disso, ressalta-se que o processo de alfabetização de crianças cegas não se
resume tão somente em ensinar a ler e a escrever o Braille. É na verdade um grande
desafio, pois, a construção do conhecimento de alunos que apresentam necessidades
especiais tem trazido para os professores medo, ansiedade e muitos questionamentos,
principalmente, para aqueles das escolas comuns que não são especialistas em educação
especial.
Talvez, por isso, se justifiquem as manifestações de alguns egressos quando
declaram que a seu entender no que tange à alfabetização e às primeiras séries do ensino
fundamental o aluno deficiente visual deve fazê-las em uma escola especializada.
182
Comungando com essa atitude, inclusive, por ter vivenciado as duas situações,
Éden262 assim se expressa:
”eu acho que é imprescindível que o aluno cego seja alfabetizado na escola especializada. Talvez do ensino médio em diante ele já esteja com certo preparo para encarar. Aliás o IBC segue isso, não tem o ensino médio, nunca teve. Eu acho que a inclusão a partir da 5ª série ainda é problemática, por exemplo, os símbolos matemáticos o aluno cego vai ter muita dificuldade em acompanhar” (Fontes, 2: pp. 189-190).
Outro que tomando como base a sua experiência nas duas escolas –
especializada e comum – também fez sua colocação foi Arnaldo263:
“Eu acho que a educação de cegos nos primeiros anos, é imprescindível que seja em escola especial. Acho que a escola comum não tem vocação para realizar esse papel. Nesta fase, então, o IBC foi imprescindível, e esse não é um voto preso a realidade, é um voto ideológico também. Acredito que em países mais desenvolvidos,como por exemplo, a Espanha, é mantida essa lógica de que nas primeiras séries o portador de deficiência visual estude na escola especial; aprender o sistema Braille, que é o mecanismo para ele mais à frente ir para a escola regular, a escola comum. Então, para esta fase de alfabetização, de educação inicial, a criança em contato com outra criança cega é importantíssimo, ao contrário do que as pessoas pensam, que você vai criar um gueto, acho que é exatamente o contrário; esse contato, vai dar a ela o apoio emocional e psicológico para se desenvolver. Quanto ao aspecto pedagógico eu não posso falar, eu não conheço” (Fontes, 2: p. 253).
Contrapondo-se a seus colegas Jurema264 entende que o Instituto Benjamin
Constant deveria oferecer o ensino médio inclusivo. Cita que o Instituto São Rafael, em
Belo Horizonte, criado por um ex-aluno do IBC fez essa experiência e está dando certo.
“Eu acho que são poucos os exemplos de cegos bem sucedidos e acho que é decorrente
da educação especial que foi se deteriorando a partir de 1996. Com isso, fica
parecendo que o Instituto Benjamin Constant é um ‘elefante branco’” (Fontes, 2: p.
293).
262 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 263 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 264 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
183
Parece que quando Jurema265 usa a expressão “deterioração da educação
especial” ela deseja se reportar à educação existente antes da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), que se referia à escola especial como uma instituição
especializada, destinada a prestar atendimento psicopedagógico a educandos portadores
de deficiências e de condutas típicas, onde eram desenvolvidos e utilizados, por
profissionais qualificados, currículos adaptados, programas e procedimentos
metodológicos diferenciados, apoiados em equipamentos e materiais didáticos
específicos266.
Contrapondo ao atendimento especial oferecido antes de 1996, a legislação
vigente preconiza que aquele tipo de atendimento atualmente deva ser, oferecido
preferencialmente na rede regular de ensino, havendo quando necessários serviços de
apoio especializado.
Conhecemos alguns cegos que estudaram em escolas não especializadas, mas
tiveram em torno deles grande suporte composto por médicos, psicólogos, explicadores,
pedagogos, equipamentos e materiais, tudo proporcionado pela família, pois esses
serviços não existem nas escolas comuns. Sobre esse assunto, Jurema267 faz o seguinte
comentário:
“Mesmo com todos esses meios à disposição deles, provavelmente, cria-se um ser mais
dependente ainda, uma identidade bem comprometida, bem problemática, inclusive
dependente de terceiros para a sua locomoção, uma vez que os familiares permanecem
receosos em deixá-los saírem sozinhos” (Fontes, 2: p. 290).
Por outro lado, segundo Arnaldo268 o IBC enquanto instituição especializada
não cumpre o seu papel, então as pessoas saem dele e perdem completamente o feed
265 Idem 266 Política Nacional de Educação Especial. Livro 1, MEC/SEESP. Brasília: a Secretaria; 1994. 267 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 268 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
184
back: “Os alunos têm um vínculo, mas o IBC não. Os alunos quando têm interesse vão
ao Instituto e mantêm o contato, mas, sem relação institucional. O IBC simplesmente
considera que o seu dever acabou”. (Fontes, 2: p. 260).
A fala do Arnaldo269 vai ao encontro da proposta desta pesquisa,
principalmente, quando ele diz “o IBC simplesmente considera que o seu dever
acabou”. Em linhas gerais o que se quer é que o IBC desenvolva uma educação para a
inclusão. Para isso, ele deverá construir um projeto político pedagógico diferente, que
contemple a construção de uma trajetória em cima do que é essencialmente humano,
mas utilizando fatores que contribuam de uma maneira ou de outra para a inserção e a
evolução de seus egressos na sociedade, considerando as suas finalidades e os
compromissos assumidos, os quais devem ser materializados em prol de uma
convivência que proponha a promoção de uma cultura de inclusão e a construção de
uma nova ética.
6.3 - A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira. Antes de começar a falar sobre a trajetória do cidadão cego na sociedade
brasileira, julgamos importante tecer algumas considerações sobre políticas sociais e
educacionais, realçando o momento atual, visto como de “anomalia” e perplexidade
diante da abrangência e gravidade dos problemas existentes.
Inicialmente, convém lembrar que as políticas destinadas ao atendimento das
necessidades básicas, principalmente da população mais pobre, agrupadas sob o título
de políticas sociais não chegaram a ocupar, ao longo da história, papel de destaque nos
269 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
185
planos de governo e nas dotações orçamentárias, persistindo esta realidade até os dias
atuais.
A questão da responsabilidade do Estado em não assumir de fato algumas
questões que compõem as políticas sociais é antiga; a título de exemplo, é importante
lembrar que nos primeiros anos da história do País, foram os jesuítas que tomaram para
si o papel da ação social, através das catequeses. E mais recentemente, pela falta de uma
busca efetiva e plena do desenvolvimento social, abre-se então o espaço para a
sociedade civil, através das Organizações Não Governamentais atuarem nos espaços
vazios deixados pelo Estado, de tal forma que atualmente essas organizações
denominadas ONGS são os principais aliados e parceiros do Estado.
Também é objeto de menção lembrar que a partir da Constituição Federal (CF)
de 1988, as políticas sociais brasileiras teriam como uma de suas finalidades mais
importantes, dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República, previsto no
artigo 3º da Constituição Brasileira..
Assim, por intermédio da garantia dos direitos sociais, buscar-se-ia construir
uma sociedade livre, justa e solidária: erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceitos ou
qualquer formas de discriminação.
Com relação as políticas educacionais que possam ser formuladas e os planos a
serem elaborados como respostas aos problemas da educação brasileira, informa
Ciavatta (2002) que isso exige a participação de todos os setores interessados e de
outras políticas públicas, de modo a romper uma tradição de elaboração técnica, estrita
aos órgãos educacionais especializados.
Por outro lado, esse aspecto da realidade educacional brasileira leva a algumas
considerações e desafios como, por exemplo: existe realmente, interesse em incluir as
186
pessoas com necessidades especiais no sistema regular de ensino, como preconiza a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ou essa inclusão, conforme comenta
Fernandes (2004) é tão somente um discurso desenvolvimentista copiado de países, os
quais, efetivamente, trabalham no sentido de realizá-la?
Quanto ao desafio, ele é mais complexo quando postulamos uma sociedade e
processos educativos que tenham como parâmetro não o mercado e o capital, mas o ser
humano. Daí a pergunta: como garantir que os sistemas educacionais criem escolas
inclusivas com as condições necessárias e indispensáveis para oferecer respostas
educativas adequadas às necessidades individuais de aprendizagem de todos e de cada
um de seus aprendizes? (Carvalho, 2004).
Daí, falar sobre a escolaridade, a inserção no mundo do trabalho, a conquista da
cidadania e a inserção comunitária dos alunos egressos do Instituto Benjamin Constant
significa refletir sobre as diferentes trajetórias que esses indivíduos percorreram na
busca de um lugar melhor, a partir das condições sociais que ostentam suas famílias, do
ensino que receberam e das conquistas alcançadas no decorrer de suas vidas.
Por isso, convém ser lembrado que o discurso da liberdade e dos direitos
humanos tem sido muito proclamado, mas também muito menosprezado. Daí, existir
uma imensa distância entre a retórica e o fato, de tal forma que a cidadania garantida da
pessoa portadora de deficiência pode começar por definições abstratas, mas como
salienta Cohen (1988), para que haja a metamorfose dessa liberdade teórica em direito
positivo, é preciso que haja condições concretas.
Usando os argumentos de Morin (2003) quando fala sobre enfrentar as
incertezas, “as civilizações tradicionais viviam na certeza de um tempo cíclico cujo
funcionamento devia ser assegurado por sacrifícios às vezes humanos. A civilização
187
moderna viveu com a certeza do progresso histórico. O progresso é certamente
possível, mas é incerto” (p.80).
No caso do cego, todas as situações ainda não vistas ou vivenciadas são novas
(Vieira, 1988), portanto, incertas. Assim como o progresso referido por Morin (2003)
que em outras palavras, traduz-se na trajetória do cego na sociedade, a qual pode ser
possível, mas é incerta.
Por outro lado, não se pode negar que a tendência da política social nas duas
últimas décadas tem sido a de fomentar a integração e a participação e de lutar contra a
exclusão; no campo da educação, essa situação se reflete no desenvolvimento de
estratégias que possibilitem uma autêntica igualdade de oportunidades. Cabe salientar,
também, que a reforma das instituições sociais não só é uma tarefa técnica, mas também
depende, antes de tudo, da convicção, do compromisso e da boa vontade de todos os
indivíduos que integram a sociedade. Dessa forma, a dificuldade em se transformar o
discurso sobre integração em uma prática permanente generalizada tem sido atribuída a
diversos aspectos (Glat, 1998), como por exemplo, o despreparo dos professores, a falta
de sensibilidade dos empresários e a ausência de uma política pública voltada para a
inclusão do deficiente no mundo do trabalho.
É certo que a partir do século XXI as pessoas com necessidades especiais não
são mais exterminadas, entretanto, podemos considerar que “socialmente elas são
exterminadas. Pois, apesar de excluídas das responsabilidades sociais, também o são
dos privilégios, vantagens e oportunidades, inclusive afetivas” (Glat, 1998: p. 18).
Ainda assim, convém lembrar que a plena participação nas unidades básicas da
sociedade, como a família, o grupo social e a comunidade, é a essência da experiência
humana. Aliás, o direito e oportunidades iguais de participação são consagrados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e devem ser aplicados a todas as pessoas,
188
sem exclusão das que apresentam necessidades especiais, no caso aqui em estudo, o
cego.
Nas últimas décadas do século XX, as pessoas com necessidades especiais, no
mundo Ocidental, conviveram com momentos de fortalecimento dos movimentos
sociais organizados em defesa da inclusão e eliminação das situações de exclusão
(Mazzotta, 2003). A respeito desse assunto, prevalece a idéia de que o portador de
deficiência precisa não apenas ser integrado, mas, sobretudo, incluído na vida social,
devendo ser dada a ele oportunidade para se auto-organizar e construir meios psíquicos,
sociais e culturais para que tenha condições de compartilhar mais plenamente a vida em
sociedade, conforme coloca Cavalcante (2004).
A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira começa com o seu
nascimento ou a partir do momento em que ele perde a visão; inicialmente com o
impacto que um filho cego acarreta. Quanto a isso Amaral (1995), citado por Nunes e
colaboradores (1998) faz a seguinte colocação: “esta situação de impacto familiar (...),
gera em todos os membros da família sentimentos contraditórios muito fortes, com
reações concomitantes, oscilando entre aceitação e rejeição, pena e raiva, euforia e
depressão”.
A dificuldade de lidar com um filho especial, “muitas vezes vivenciada como
profunda impotência, pode ser confundida com desafeto”, como coloca Cavalcante
(2004: p. 48). Contudo, a intervenção do especialista e da escola especializada pode
atenuar essa situação, uma vez que os pais, geralmente não possuem conhecimento e
experiência suficientes para lidar com a socialização de seu filho.
Por isso, é oportuno lembrar, que tanto as causas quanto as conseqüências da
deficiência variam em toda parte e resultam das diferentes circunstâncias sócio-
econômicas e das diversas disposições que adotam os Estados, com vista ao bem-estar
189
de seus cidadãos. Não obstante, existem outras causas que influem nas condições de
vida dos cegos, como: ignorância, abandono, superstição, medo, dentre tantas outras,
que têm ajudado a isolar esses indivíduos e de certa forma atrasado seu
desenvolvimento.
Entretanto, graças à educação e à reabilitação, eles têm se tornado cada vez mais
ativos, contribuindo, portanto, para mudar a concepção inicial de que o cego é inerte e
incapaz para a ação (Vieira, 1988).
O não poder enxergar traz muitas limitações de várias ordens e essas limitações
vão aumentando à medida que a pessoa vai se tornando adulta. Foi o que aconteceu
com Arnaldo270, apoiado nas experiências dos concursos que prestou, confessa:
“Eu gastava muito tempo por dia, pois precisava de gente pra ler e para produzir material. Além disso, é preciso ter disciplina; no meu caso, tive que queimar uma etapa para poder alcançar o mesmo estágio que as outras pessoas com as quais eu concorria já se encontravam. Logo, a questão da disciplina para gente é um problema muito sério” (Fontes, 2: pp. 245-246).
Embora, ainda hoje a sociedade admita um modelo padrão de beleza e perfeição,
aos poucos está havendo uma conscientização, através de várias entidades institucionais
e filantrópicas, no sentido de perceber e acreditar que o deficiente visual tem condição
de ser um cidadão "normal", um ser humano com direitos e deveres iguais a todos. É o
caso, por exemplo, de vários atletas cegos que são campeões para-olímpicos e outros
que são profissionais liberais, empresários exercendo as mais diferenciadas atividades e
tendo reconhecimento público por isso.
Devido ao comprometimento e dedicação de muitos profissionais da educação
especial, os deficientes visuais estão muito mais vinculados com o dia a dia, lidando
com as situações naturalmente e destacando-se profissionalmente em suas atividades.
270 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
190
Em certas circunstâncias a troca é muito rica para ambos, educador e aluno,
possibilitando credibilidade e confiança.
A cada ano aumenta o número de pessoas com deficiência e, conseqüentemente,
a sua exclusão. Vários fatores contribuem para esse aumento, tais como:
“A fome; a pobreza; programas inadequados de assistência social, saúde, educação, formação profissional e emprego; acidentes na indústria, na agricultura ou nos transportes; a contaminação do meio ambiente; o uso imprudente de medicamentos; a baixa prioridade concedida, no contexto do desenvolvimento social e econômico, às atividades relativas à equiparação de oportunidades; o crescimento demográfico; a violência urbana e outros fatores indiretos” (Cohen, 1998: p. 938).
Além desses podem ser apontados outros como: barreiras físicas; calçadas
estreitas repletas de buracos e com obstáculos de difícil detecção pela bengala do cego;
orelhões instalados sem a mínima preocupação de construção de indicadores que
possam proteger o cego.
A respeito desses obstáculos é comum vermos cegos com pernas e braços com
escoriações, testa com hematoma, dentre outras contusões. Como fala Isaura271 “(...)
realmente ser cego requer bastante coragem, principalmente ao andar na rua. As
pessoas dizem: ‘cuidado!’ Mas, não há como evitar, pois, quando detectamos o
obstáculo já estamos em contato, ou dentro dele” (Fontes, 2: p. 306). Sobre os orelhões,
Juscelino272 assim se manifesta: “(...) nós temos que conscientizar a população e quem
está no nosso meio, que eles devem ajudar a facilitar a nossa vida; quando se coloca
um orelhão de qualquer jeito na calçada, você deve tentar explicar ao responsável
sobre a melhor posição de instalá-lo, a fim de evitar acidentes” (Fontes, 2; p. 202).
Acrescidas a essas questões ligadas à mobilidade, há outras que ocorrem na
adolescência, que estão ligadas ao sexo, ao namoro, ao lazer... Quanto ao namoro, a
grande maioria dos egressos começou a namorar os próprios colegas; quanto ao sexo 271 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 272 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
191
todos foram unânimes ao afirmar que esse assunto foi tratado mais detalhadamente em
palestras promovidas pelo Instituto, durante as aulas e, até mesmo, em conversa com
colegas mais chegados. Poucos foram aqueles que receberam alguma orientação vinda
da própria família.
Sobre esse assunto Cutsforth (1969) ao falar do comportamento sexual dos
cegos, tece o seguinte comentário:
“Todo crescimento social e intelectual da criança cega tem as suas condições estabelecidas, mais pelo meio ambiente subjetivo, do que tem o de uma criança de visão. Enquanto a criança que enxerga está se desenvolvendo em relação ao seu mundo social em expansão e ao seu meio ambiente objetivo e estimulante, a criança cega também está crescendo em relação ao seu meio ambiente. Entretanto, a situação social em expansão e o meio ambiente objetivo e estimulante não são os mesmos. Mesmo sob condições sociais ótimas, a vida sexual dos cegos é composta, em sua maior parte, por fantasias egocêntricas” (pp. 120-123).
A respeito da educação do cego já escrevemos, neste capítulo, um tópico
específico sobre esse assunto. Quanto à formação profissional, talvez aí resida o
momento mais difícil para o jovem, que é a escolha da profissão. Antes da conclusão do
Ensino Fundamental, o aluno começa a se inquietar e a pensar na escolha da profissão,
seja ela de nível médio ou intermediário.
Quanto a isso, pode-se afirmar que até o início do século XIX, os cegos não
tinham outras possibilidades a não ser a de mendicância (Cosandey, 1998). Entretanto,
no início do século XX, começam a surgir outras profissões – acessíveis aos cegos -
como foi o caso da escola de masso-kinésithérapie, aberta por Valentin-Hauy em 1907
em Paris (Cosandey, 1998). Hoje em dia, com o avanço tecnológico, há um leque de
opções profissionais que podem ser ofertadas aos cegos, necessitando apenas que sejam
efetuadas algumas adaptações, como é o caso da informática que graças ao auxílio dos
192
sintetizadores de vozes permitiu aos cegos a utilização dessa ferramenta no seu trabalho.
Como opina Eden273 ao falar sobre as profissões que se coadunam com a cegueira:
”O cego pode trabalhar tranquilamente com o Direito, ser psicólogo, fisioterapeuta e professor, que é uma profissão que ele se adapta muito bem, apesar de algumas dificuldades que são perfeitamente superáveis. Além dessas, existem outras como: massagista, telefonista, ascensorista, operador de câmara escura – eu fui operador de câmara escura, que são perfeitamente adaptáveis.” (Fontes, 2: p. 192).
Ainda falando a respeito da questão profissional do cego, Arnaldo274 faz uma
colocação sobre o papel do Instituto Benjamin Constant, enquanto Centro de Referência
Nacional para as questões voltadas para as pessoas com deficiência visual, que julgamos
muito importante:
“(...) Seria interessante que quando um cego passasse para um concurso público – tem uma fase de adaptação que se chama fase probatória – que o IBC fornecesse material e subsídio para os órgãos que estão contratando os cegos; abrindo a instituição para mostrar como ela funciona e como é a educação especial, com a perspectiva de preparar esses sujeitos lá no local onde eles vão trabalhar. Eu me lembro que quando passei no concurso, fiquei um mês aguardando o programa Dos-Vox – o meu primeiro mês de trabalho foi complicadíssimo. Como ainda não tinha o programa, eu não fazia nada, mesmo porque eles não sabiam o que fazer comigo. Entraram em contato com o IBC para se orientarem a respeito e, não houve nenhuma receptividade, nenhuma manifestação, mesmo negativa” (Fontes, 2: p. 260).
O Instituto Benjamin Constant está sempre prestando algum tipo de apoio a
várias entidades como palestras, consultas, visitas, dentre outras finalidades que
constam no seu Regimento Interno; por isso, entendemos que se o IBC puder orientar
seus egressos tanto na parte acadêmica, quanto na profissional, ele também estará
cumprindo o seu papel regimental, no que tange ao acompanhamento com vistas à
inserção comunitária.
273 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 274 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
193
Conforme expressa Jurema275,
“a falta de conhecimento do próprio cego sobre o que ele pode fazer; aliado a isso, a falta de conhecimento de quem está recebendo o cego e, ainda, a falta de crença mesmo, desestimulam os cegos, de tal forma, que alguns chegaram à conclusão que eles não precisam trabalhar porque eles são cegos, só precisam de um emprego” (Fontes, 2: p. 293).
Outro tema abordado foi o do casamento. Segundo os entrevistados, ele acontece
independente da condição visual. Dessa forma vê-se casamento entre cegos e entre
cegos e videntes. Entretanto, confessa Éden276 - que é casado como uma mulher que
enxerga – “que quando os dois são cegos, a convivência fica mais complicada, pois,
certamente precisará de terceiros que enxergam para ajudar em alguma coisa”
(Fontes, 2: p. 190). Já na opinião de Juscelino277 - que é solteiro - “o casamento entre
cegos é uma questão de convivência; por estarem juntos por longo tempo, acabam
casando cego com cego” (Fontes, 2: p. 212). Contrapondo-se às duas colocações,
Glória278 - que é cega e casada com um cego, também egresso da sua época – esclarece
que “apesar de sermos um casal de cegos, aprendemos a viver sozinhos, a driblar as
dificuldades (...). Hoje em dia a situação é mais fácil; temos um casal de filhos que nos
ajudam bastante” (Fontes, 2: p. 274).
Relativamente ao casamento de ex-alunos e quanto à possibilidade da prole ser
de deficientes visuais, o próprio Instituto Benjamin Constant deveria tratar esse assunto
com maior zelo e aprofundamento, uma vez que mantém um internato e, tem sido
comum muitos alunos cegos e de baixa visão - que estudaram na instituição - se
casarem entre si, gerando, conseqüentemente, filhos, também deficientes visuais.
Ainda sobre esse assunto, aventou-se a hipótese de que o IBC deveria
desenvolver um programa de aconselhamento genético com vistas à prevenção das 275 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 276 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 277 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 278 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
194
doenças oculares, mesmo que fosse, inicialmente, numa perspectiva educacional.
Falando sobre essa questão Eden279 tem a seguinte opinião:
“Com certeza falta essa orientação até dentro do currículo escolar. Por exemplo, ministrar aulas sobre como certas doenças se instalam, sobre a questão da aquisição de hábitos higiênicos, como você pode evitar a doença, etc. Isso, com o intuito de cuidar da doença desde o início, a fim de prevenir o que aconteceu comigo: minha mãe disse que quando ela percebeu que eu tinha glaucoma, ela procurou logo o médico e o médico não deu muita importância, então o meu estado se agravou porque eu não cuidei desde o início” (Fontes, 2: p. 190).
Recordando algumas atividades que eram promovidas para os alunos, na sua
época, Éden280 informa que eram realizadas visitas pedagógicas a museus, ao Jardim
Botânico e ao Jardim Zoológico, além da participação dos alunos em feiras culturais,
seminários e outros eventos. Além desses, por ocasião do aniversário do Instituto existia
uma olimpíada interna, na qual muitos alunos participavam, tendo inclusive revelado
alguns campeões que participaram das Para Olimpíadas. Ao final de cada ano, era
comum alguns concursos como:
“Redação, leitura em Braille, competição pedagógica, entre outros. Tinha festa junina, era festa boa, não idêntica a essas que acontecem hoje em dia. Talvez faltasse mais informação para os alunos, principalmente aquelas sobre as profissões, o mercado de trabalho e outras” (Fontes, 2: p. 19).
Quanto à religião, diferente de décadas passadas, pois existia um capelão e
muitas irmãs de caridades cuidando dos alunos, a tendência atual é deixar a cargo da
família a orientação religiosa, embora sejam celebradas no Instituto a Primeira
Comunhão, missas e outros cultos religiosos, mas, em consonância com a família e a
escolha do próprio aluno.
Já que estamos falando da “trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira”,
presume-se que o cego seja um cidadão em toda sua plenitude: portanto, não estamos
falando daquele indivíduo que apenas cumpre as suas obrigações eleitorais, mas,
279 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 280 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
195
principalmente, daquele que deve ter um trabalho honesto, do qual pode tirar o seu
sustento e o da sua família. É assim que pensamos essa cidadania, uma conquista do
homem, que vai se materializando no seu dia a dia.
Sobre esse assunto, também, Eden281 se manifesta da seguinte forma:
“Confesso que tenho estado muito decepcionado politicamente. Estava pensando outro dia, nós ainda não conseguimos inventar nada melhor do que essa representatividade chamada democracia, que eu não sei se é uma democracia total ou somente uma tintura da democracia formal. Mas é o que nós temos e é com ela que temos que trabalhar. Eu acho que é importante e vejo o seguinte, a organização do deficiente é fundamental. Nós temos que nos organizar e exigir. Veja só, outro dia o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou os deficientes físicos de votar, eu achei um absurdo isso. A informação que eu tive foi a seguinte: eles decidiram liberar o deficiente físico de votar, em razão das dificuldades do acesso. E, posteriormente, eles iriam pormenorizar essas hipóteses, casos em que os deficientes ficam realmente isento. Eu não li essa resolução, mas, com certeza o caminho não é esse. Ao invés de adaptar o lugar pra o deficiente chegar, é mais fácil cortar. Então, nós temos que melhorar a cidadania até no sentido de termos consciência dos nossos direitos e exigir esses direitos; cobrar dos órgãos públicos, dos nossos políticos, principalmente. ‘Olha gente, vocês têm que cobrar: cobrar de mim, cobrar da defensoria, cobrar do judiciário, dos políticos e de outras autoridades. Isso para a gente colocar em prática os direitos, as leis – leis é o que não falta no Brasil’” (Fontes, 2: p.191).
A experiência adquirida no Instituto Benjamin Constant trouxe para esses
egressos uma bagagem sólida de conhecimentos que permitiu, desde cedo, a muitos
lograrem sucesso, como foi o caso de Juscelino282, que ainda aluno participava de
debates políticos, passeatas e outras reivindicações em prol do deficiente;
(...) a democracia é fundamental; a partir da constituição de 1988, no anfiteatro do IBC, nós defendemos uma proposta deste salário mínimo que hoje é oferecido ao deficiente pelo governo federal. À época, muitos me criticaram, muitos falaram que seria uma forma do deficiente se acomodar; mas, eu entendia diferente. No meu entendimento aquele salário seria um meio para o deficiente ter o mínimo de manutenção, porque tudo é muito caro e até uma bengala hoje é cara, uma cadeira de rodas é cara, logo, seria uma forma dele sobreviver, de ter o mínimo de condição de sobrevivência e poder estudar e se capacitar. Defendi e defendo este salário mínimo veementemente como uma forma de sustentação, não que o deficiente vá ficar a vida inteira com aquele salário mínimo. Com certeza vai chegar a um ponto em que ele vai abdicar deste benefício e ter a sua vida profissional” (Fontes, 2 pp. 214-215).
281 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 282 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
196
O cego é uma pessoa bem informada, apesar de não ler jornais e, raramente
assistir televisão. Ele tem a seu favor dois veículos extremamente valorosos, para a
disseminação do conhecimento e da informação, que são o rádio e a internet. Além
disso, até pela sua limitação física, o cego prefere permanecer mais em sua casa, do que
sair, fazendo-o, apenas, para atender os compromissos rotineiros e outros inadiáveis.
Em face disso, a sua rotina é ouvir o rádio ou consultar a Internet - para aqueles que a
possui –, uma vez que a outra possibilidade, que seria a leitura, fica bastante
prejudicada, justamente pela quase inexistência de livros em Braille.
Concordando com essa afirmação Éden283 faz o seguinte comentário:
“(...) para o cego se manter informado e atualizado, ainda é o rádio que exerce uma influência muito grande e, há algum tempo, também a internet. Hoje ele fica brincando com a internet. Que eu saiba o cego não vê muito a televisão. Vou te dizer uma coisa, eu não gosto de televisão e, não é porque eu sou cego. Eu gosto mais do rádio, mesmo porque eu ainda não resolvi o meu problema com o computador, a questão da aversão. O rádio é ainda o que eu tenho para me manter atualizado, embora o rádio, também, tenha caído muito, a programação é muito fraca, são muitas bobagens que se ouve e as pessoas perdendo tempo com muitas besteiras. Já foi melhor” (Fontes, 2: pp. 191-192).
Na difícil trajetória da vida de um cego, encontramos aqueles que foram
desbravadores, lutadores e vencedores. Apesar dos inúmeros obstáculos que
encontraram no seu caminho - sejam de ordem biológica, psicológica ou social – eles
não desanimaram e não se deixaram vencer, continuaram persistindo.
Em que pese a existência nas últimas décadas de avanços bastante significativos
em algumas áreas, a exemplo da ciência e da tecnologia, os ganhos conquistados nas
relações humanas e sociais são ainda insuficientes para que se tenha uma vida
harmônica, saudável e que valha à pena ser vivida.
Quanto a essa afirmação, convém lembrar que o direito e iguais oportunidades
de participação são consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
283 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
197
devem ser aplicados a todas as pessoas, sem exclusão, inclusive às pessoas portadoras
de necessidades especiais. Contudo, a realidade que se apresenta é outra. Sendo comum
a negação a essas pessoas da oportunidade de participar plenamente das atividades do
sistema sócio cultural em que vivem, reforçado, talvez, pela falta de informação ou pela
informação distorcida.
Assim, podem ser observadas várias formas de exclusão social que abrangem as
pessoas com necessidades especiais, principalmente, os cegos e os indivíduos com baixa
visão. Essas ocorrências vão desde as mais comuns, como por exemplo, barreiras físicas
e outras, como o simples fato de evitar contato e relacionamento, ou mesmo a negação
de um emprego, que na maioria das vezes é decorrente da ignorância, da indiferença e
do temor.
Como já mencionamos anteriormente, o alto grau de preconceito e de
discriminação demonstra o desconhecimento da sociedade, principalmente, quanto ao
potencial de participação dessas pessoas. Geralmente não são observadas e nem
reconhecidas, e isso contribui ainda mais para aumentar a exclusão. Na tentativa de
diminuir esse preconceito, surgiram os movimentos de cegos que têm contribuído para
algumas conquistas sociais; entretanto, alerta Arnaldo284 que “os deficientes visuais não
devem se fechar nos movimentos, achando que o movimento é o fim, pois, na verdade,
ele é apenas um meio” (Fontes, 2: p. 251).
Muitos autores discutem a conceituação de movimentos sociais, pois, vários são
os critérios que eles utilizam em sua caracterização, inclusive dando ênfase às maneiras
de diferenciar um movimento social de outras ações coletivas.
Assim, surgem os “novos” movimentos sociais, que contrapõem aos “velhos” e
historicamente tradicionais movimentos sociais em suas práticas e objetivos, conforme
284 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
198
assevera Gohn (1995). Alguns exemplos desses movimentos são: Os movimentos das
mulheres, ecológicos, contra a fome e outros, que sinalizam em princípio um
distanciamento do caráter classista que se configurava nos movimentos sindicais,
operários em torno do mundo do trabalho.
Para Gohn (1995), movimentos sociais são ações coletivas de caráter
sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas
sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na
sociedade civil.
No que diz respeito aos cegos, o acesso à educação – garantido segundo
Belarmino (1997) com o advento e a adoção do sistema Braille – pôs em marcha um
processo de conscientização e politização desses indivíduos que a partir da experiência
do internamento em geral, partiam para um novo modelo de agrupamento que tomaria
corpo em todo o mundo, ou seja, o modelo associativista.
Assim, segundo Belarmino (1997),
“ao contrário dos asilos, hospitais e mesmo das escolas especializadas que sempre foram fruto da caridade e da filantropia de particulares ou de iniciativas governamentais, as novas associações nasceram da vontade e da ação dos indivíduos cegos que, saídos do internato, buscaram nessa nova forma organizativa, mecanismos para o encaminhamento de suas lutas por emprego, melhorias de vida e combate às discriminações contra a pessoa cega” (p. 45).
No Brasil, as primeiras associações de cegos surgiram no Rio de Janeiro nos
anos 50, congregando-se em torno de interesses eminentemente econômicos. Seus
associados eram em geral, vendedores ambulantes, artesãos especializados no fabrico de
vassouras, empalhamento de cadeiras, recondicionamento de escovões de enceradeiras e
outros similares (Belarmino, 1997).
199
Com a inauguração da Década Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência
em 1981, puderam-se observar várias associações de cegos que a exemplo de outros
movimentos sociais existentes no país, marcaram o apogeu do movimento associativista
dos cegos, com a realização de congressos, seminários e encontros regionais, visando
basicamente o fortalecimento desse movimento em nível nacional. A partir daí, então,
foram criadas entidades como representantes máxima das associações em todo o país,
conforme já mencionado.
A pobreza, desigualdade e a exclusão social são constantes na sociedade
brasileira, e parece que somente será possível superá-las quando for encontrada a
origem dos problemas.
Para se ter uma idéia do quadro de pobreza dos nossos jovens, recorremos a
dados do Censo/2002 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que
informa o seguinte: 68,7% da juventude viviam em famílias que tinham uma renda per
capita menor que um salário mínimo. Desse contingente, 12, 2% (4,2 milhões de
jovens) viviam em famílias com renda per capita até ¼ do salário mínimo, e somente
41,3% (14,1% milhões de jovens), viviam com renda per capita acima de um salário
mínimo.
Se considerarmos os resultados do Censo 2000, os quais mostram que,
aproximadamente, 14,5% da população total - 24,5 milhões de pessoas - apresentaram
algum tipo de incapacidade ou deficiência. E que no total de casos declarados de
portadores das deficiências investigadas, 48,1% (16,5 milhões) são as pessoas com ao
menos alguma dificuldade de enxergar. E mais, entre esses 16,5 milhões de pessoas
com deficiência visual, 159.824 são incapazes de enxergar, certamente, considerável
percentual de jovens deficientes visuais encontra-se inserido nesse quadro de pobreza
apontado no censo do IBGE em 2000.
200
Corroborando esses achados mostrados pelo censo há pouco mencionado,
Arnaldo285 no que tange à condição econômica dos seus colegas, assim se pronuncia:
“(...) alguns ostentavam condição de vida diferenciada, ou seja, quem tinha dinheiro se sentia desestimulado com a alimentação do refeitório do IBC e ia à cantina fazer sua refeição. Entretanto, sentia-se constrangido porque só ele tinha condição mais favorável, por isso, voltava a comer no mesmo lugar que todos comiam. O grupo era empobrecido financeiramente e a qualidade oferecida pelo IBC era maior do que a média tinha no seu núcleo familiar.” (Fontes, 2: p. 255).
No que diz respeito à trajetória da cidadã cega na sociedade brasileira, convém
lembrar que a mulher já sofre discriminação em alguns casos e, com a mulher cega essa
discriminação poderá se tornar ainda maior. Sobre esse assunto informa Isaura286 que
isso nunca aconteceu com ela. “Eu acho que hoje em dia não existe tanta diferença,
porque quando a pessoa trata o cego como coitado, você não sabe se é porque é cego
ou porque é mulher, ou se são os dois” (Fontes, 2: pp. 319-320).
Os problemas enfrentados pelos cegos são os mais diversos possíveis e se
evidenciam no cotidiano, conforme relata Isaura 287:
“Teve uma época que eu tentava pagar a passagem no ônibus, entrava por trás. Certo domingo, o trocador resolveu que eu não ia pagar a passagem porque eu era cega e ele simplesmente me tirou de dentro do ônibus. Saiu do seu lugar e foi me arrastando, praticamente até lá na frente (...). Na condução acontecem coisas muito engraçadas. Estava em outro ônibus e entrou uma mulher cega que estava grávida. Aí alguém falou para uma pessoa que estava sentada: ‘Dá licença para a senhora sentar, não está vendo que ela está grávida? ‘Meus Deus, quem foi que fez isso com ela?’ Perguntou a passageira, como se isso não fosse uma coisa normal da vida. Só porque ela era cega não pode casar e ter filhos?Outra vez ouvi o seguinte comentário: ‘Não ajudo mais a cego. ‘Eu tinha muita pena mas, depois que eu encontrei um cego que falou que tinha dois filhos, quer dizer, se ele pode fazer filhos não precisa de ajuda’. São coisas assim muito doidas. Talvez outras mulheres que tenham uma vida doméstica mais ativa do que a minha, tenham outras experiências, como companheiras que tenham procurado emprego em fábrica ou em outro tipo de setor, histórias até mais ligadas ao trabalho, que eu não conheço tanto, pois, o meio que eu lido é
285 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 286 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 287 Idem.
201
mais ‘light’, o da educação. Além disso, quase todas são mulheres e a gente não sofre tanta discriminação no magistério” (Fontes, 2: pp. 319-320).
Podem-se mencionar três tipos de estigma nitidamente diferentes, conforme
esclarece Goffman (1989). Em primeiro lugar, há as abominações do corpo - as várias
deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como
vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade,
sendo essas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental,
prisão, vicio, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e
comportamento político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, nação e
religião, que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos
os membros de uma família.
Ainda de acordo com Goffman (1998) as atitudes que nós, normais, temos com
uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem
conhecidos na medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta
suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma
não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de
discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos
suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a
sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes
uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social.
Utilizamos termos específicos de estigma como ceginho, aleijado, bastardo, retardado,
em nosso discurso diário como fonte de metáfora e representação, de maneira
característica, sem pensar no seu significado original.
Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e,
ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis, mas não
202
desejados, freqüentemente de aspecto sobrenatural, tais como "sexto sentido" ou
"percepção". Conforme esclarece Goffman (1998) alguns podem hesitar em tocar ou
guiar o cego, enquanto que outros generalizam a deficiência de visão sob a forma de
uma gestalt de incapacidade, de tal modo que o indivíduo grita com o cego como se ele
fosse surdo ou tenta erguê-lo como se ele fosse aleijado.
Ao mesmo tempo, erros menores ou enganos incidentais da pessoa cega podem
ser interpretados como uma expressão direta do atributo diferencial estigmatizado.
Tomamos, por exemplo, atos comuns do cego como andar na rua, apanhar com o garfo
a comida que se encontra no prato, acender um cigarro, tomar um ônibus, dentre outros
atos, passam a não ser mais comuns. Por isso, o cego se torna uma pessoa diferente. Se
ele os desempenha com destreza e segurança, provocam o mesmo tipo de admiração
inspirado por um mágico que tira coelhos de cartolas.
O indivíduo estigmatizado tende a ter as mesmas crenças sobre identidade que
nós temos; isso é um fato central. Seus sentimentos mais profundos sobre o que ele é
podem confundir a sua sensação de ser uma "pessoa normal", um ser humano como
qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradável e uma
oportunidade legítima conforme esclarece (Goffman, 1998).
6.4 - A Cegueira e as tecnologias.
A Revolução Industrial constituiu-se em um marco para o desenvolvimento
tecnológico em todos os setores, mas foi especialmente após a Segunda Grande Guerra
que as tecnologias de informação e comunicação causaram impacto em todos os campos
da ação humana, sendo responsáveis pela configuração social de hoje e pelas exigências
do mercado de trabalho (Melca, 2004).
203
O mundo vive um acelerado desenvolvimento no qual a tecnologia está presente
direta ou indiretamente em atividades bastante comuns. No nosso caso específico, dos
deficientes visuais, vislumbra-se a possibilidade de utilização de tecnologia que permita
ajudar esses indivíduos tanto na educação, quanto na questão profissional e médica.
Quando falamos em tecnologias costumamos pensar imediatamente em
computadores, vídeo, softwares e Internet. Sem dúvida são as mais visíveis e que
influenciam profundamente os rumos da educação. Mas, antes de tudo, é importante
lembrar que o conceito de tecnologia é muito mais abrangente. No que diz respeito à
educação, tecnologias são:
“(...) os meios, os apoios, as ferramentas que utilizamos para que os alunos aprendam. A forma como os organizamos em grupos, em salas, em outros espaços isso também é tecnologia. O giz que escreve na louça é tecnologia de comunicação e uma boa organização da escrita facilita e muito a aprendizagem. A forma de olhar, de gesticular, de falar com os outros, isso também é tecnologia. O livro, a revista e o jornal são tecnologias fundamentais para a gestão e para a aprendizagem e ainda não sabemos utilizá-las adequadamente. O gravador, o retro-projetor, a televisão, o vídeo também são tecnologias importantes e também muito mal utilizadas, em geral” (Moran, 1995).
Relativamente ao domínio dessas tecnologias, o pouco conhecimento pode levar
algumas pessoas a se sentirem discriminadas ou constrangidas por não serem capazes de
realizar algumas atividades, como ocorre frequentemente em caixas eletrônicos de
bancos, com telefone celular, televisão acionada por controle remoto, agenda eletrônica
ou com a urna eletrônica, por ocasião das eleições. Esse será um assunto ao qual
retornaremos mais adiante quando estivermos discutindo especificamente a questão do
cego e das tecnologias, um dos tópicos abordados por todos os entrevistados, devido sua
importância na construção da autonomia e ampliação das relações com o mundo.
Quanto aos deficientes visuais, a situação é a mesma de todos os brasileiros; são
poucos os deficientes que possuem ou fazem uso dessas tecnologias. Entretanto, dentre
204
aqueles que se utilizam delas, como por exemplo, a Internet, o fazem muito bem e com
bastante desembaraço. Aliás, na época da implantação da votação através da urna
eletrônica, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ), teve o cuidado de
disponibilizar várias urnas, as quais foram instaladas no Instituto Benjamin Constant
para que os deficientes visuais pudessem aprender a votar. Fez-se, portanto, uma
espécie de treinamento, buscando evitar ao máximo erro de votação.
O desenvolvimento das tecnologias das informações permite que a
aprendizagem ocorra em diferentes lugares e por diferentes meios. Portanto, cada vez
mais aumenta a capacidade para criar, inovar, imaginar, questionar, encontrar soluções e
tomar decisões com autonomia. No caso do cego, se for considerado que há certo
descrédito quanto à capacidade de uma pessoa com necessidades educacionais especiais
para desenvolver um papel ativo em nossa sociedade, “a informática social vem
derrubar antigos tabus, uma vez que permite aos alunos atuarem de forma produtiva,
criativa e eficiente na realização e confecção de trabalhos, utilizando o computador, os
quais tanto podem ser realizados no âmbito de uma empresa, como em seu próprio lar”
(Villanova, 2001).
Diante das novas tecnologias de informação e comunicação, denominadas de
NTIC - a Educação se constitui numa das mais importantes questões da atualidade, não
só no que tange ao processo de inclusão social, como também no digital. Vale ressaltar
que a inclusão social jamais deixou de depender de projetos políticos que incluíssem
uma política educacional inclusiva, no entanto, a ineficácia desses projetos gerou um
contingente de brasileiros com baixa escolaridade, portanto, com impedimentos básicos
para responder às demandas impostas pelas NTIC (Lyra, 2003).
Considerando a tecnologia como ferramenta necessária à educação e ao bom
desempenho profissional do cego, pode-se citar: o uso da bengala, que foi um invento
205
que trouxe grande independência para o cego; do gravador, que permitiu e ainda permite
que muitos cegos estudem; do rádio, um meio de informação inseparável do cego; do
telefone, importantíssimo para a comunicação; do relógio de pulso com as versões:
tampa do mostrador removível, de forma a permitir o toque nos ponteiros e com
programa de voz, que informa as horas; da televisão com controle remoto e, mais
modernamente, da informática, têm possibilitado ao cego melhor desempenho
profissional, maior autonomia para realizar suas pesquisas e confeccionar trabalhos
acadêmicos, movimentação bancárias entre outras. Em razão dessas tecnologias, o cego
vem se beneficiando desses instrumentos de forma autônoma, na busca da
independência e da sua credibilidade junto à sociedade.
Comungando com essa afirmação, Arnaldo288 assim se manifesta:
“(...) Essa tecnologia é a nossa ponte. Estes instrumentais todos são a nossa ponte. Entretanto, quero dizer o seguinte: não há uma coisa x outra; não há Braille x computador. Há o conceito da complementaridade, eles se complementam. Hoje para eu estudar, por exemplo, a demanda, a exigência é muito grande, então eu não conseguiria ainda que houvesse todo o material em Braille, eu não conseguiria dar conta do estudo sem o meu programa de computador e sem o gravador, onde as pessoas gravam. Por outro lado, eu sinto falta do contato com o Braille na hora da leitura dos artigos” (Fontes, 2: p. 258).
Referindo-se às possibilidades profissionais para o cego, decorrentes do
surgimento das tecnologias, Éden289 cita a profissão de professor, como sendo uma
profissão a qual o cego se adapta muito bem e, além disso, as tecnologias que lhe
ajudam a superar muitas dificuldades. Entretanto, convém ser ressaltado que a presença
pura e simples de tecnologias na escola, não garante mudança na forma de ensinar ou de
aprender (PCN, p.140).
288 Entrevistas: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 289 Idem.
206
A afirmação anterior pode ser justificada porque para que as mudanças se
processem a escola tem que se renovar se organizar como espaço de aprendizagem, e se
estruturar em ambientes informatizados de aprendizagem, privilegiando a construção do
conhecimento e sua partilha através da cooperação.
Aliás, referindo-se à sua profissão, Éden290 faz o seguinte comentário: “(...) o
Direito é um negócio tentador. Principalmente depois do advento do computador, tem
tudo; o cego pode trabalhar tranquilamente. Eu não uso o computador, mas, a minha
secretária e os meus estagiários usam. O meu estagiário me deu um CD que tem todos
os códigos; para o cego é só baixar e tem toda a legislação” (Fontes 2: p.192).
A escola faz parte do mundo e para cumprir sua função de contribuir para a
formação de indivíduos que possam exercer plenamente suas cidadania, participando
dos processos de transformação e construção da realidade deve estar aberta e incorporar
novos hábitos, comportamentos, percepções e demandas (PCN, p.138). A respeito disso,
os jovens têm maior facilidade em lidar com essa mudança e, isso ocorre independente
do indivíduo ser cego ou ter visão.
Logo, o maior problema não diz respeito a informações ou às próprias
tecnologias que permitem o acesso e, “sim a pouca capacidade crítica e procedimento
para lidar com a variedade e quantidade de informações e recursos tecnológicos”
(PCN, p. 139).
Durante as entrevistas realizadas com os seis egressos selecionados, observamos
que o problema das tecnologias, a exemplo da informática na educação, parece residir
em “como estimular os jovens a buscar novas formas de pensar e, de selecionar as
290 Entrevistas: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
207
informações, com o objetivo de construir sua maneira própria de trabalhar com o
conhecimento adquirido” (Almeida & Almeida, 1998: p. 50).
A respeito disso, procuramos levantar perguntas sobre se havia algum choque no
emprego concomitante do livro em Braille e do livro falado, gravado em CD. As
respostas foram motivadoras e todos os entrevistados, foram unânimes e convictos
quando mencionaram a importância do Braille na educação do cego, enaltecendo,
também, a importância do livro falado. Nesse sentido, Juscelino291 assim se manifesta:
“Eu acho que o Braille é uma coisa divina. É algo que ainda ninguém conseguiu mudar nem aperfeiçoar. Ele é cansativo para se ler, mas é muito interessante; o livro em Braille não pode ser deixado de lado, em detrimento dos livros gravados em CD. E eu sou uma prova viva disso; - eu falo tudo, mas às vezes tem hora que eu sinto dificuldades em escrever, pois, por escrever pouco e ouvir muito eu tenho esta dificuldade para escrever” (Fontes 2: p.216).
Apesar de o livro em Braille ser de leitura cansativa e ocupar maior espaço para
a sua guarda, Éden292 declara o seguinte: “Entre ler um livro em Braille e ouvir uma fita
ou um CD, eu prefiro ler o livro em Braille, isso porque o toque me dá uma
aproximação e um entendimento melhor, enfim você digere melhor a informação”
(Fontes 2: p. 192).
O toque referido por Éden293 pertence ao grupo das sensações sinestésicas, que
têm sua origem na superfície do corpo ou em suas estruturas profundas e está
diretamente ligado ao mundo exterior (Oliveira, 2004). A sensação táctil começa com a
ação de receptores sensoriais sinestésicos altamente especializados, tais como o
291 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 292 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 293 Idem.
208
corpúsculo de Meissner294, que apresenta sensibilidade extrema a tudo o que toca a
superfície corpórea, ainda de que forma sutil.
Há grande concentração de corpúsculos de Meissner nas pontas dos dedos das
mãos; é o que possibilita a percepção precisa da forma e da textura dos objetos e o que
faz do tato o único sentido através do qual superamos, quanto à precisão, todos os
outros animais. Daí, “haver uma definição do homem centrada na posse das mãos”
conforme argumenta Oliveira (2004, p.147).
No que diz respeito ao acervo disponível em Braille para consulta, ainda é muito
reduzido. Nem todas as bibliotecas públicas dispõem de livros em Braille, ou quando os
possuem são apenas algumas obras, como a Revista Brasileira Para Cegos e a Revista
Pontinhos, que é uma literatura infanto-juvenil.
Quanto aos livros didáticos a Fundação Dorina Nowill até o início da década de
90 imprimiu e distribuiu esses livros para as escolas especiais do Brasil. Mais
recentemente, a partir da década de 90, o Ministério da Educação (MEC), através do
Fundo Nacional de Educação (FNDE) incorporou ao Programa do Livro Didático, os
livros em Braille, destinados a alunos cegos do ensino fundamental das escolas
públicas, os quais são impressos no parque gráfico do Instituto Benjamin Constant.
Enquanto isso, os alunos do Ensino Médio e Superior, se valem dos livros
gravados ou sonoros, e da importantíssima contribuição dos ledores, que além da leitura
direta, também gravam alguns livros.
O depoimento de Jurema295 consolida tudo o que foi dito até agora:
“Sou uma Braillófila. Os livros em Braille são importantíssimos, acho que eles têm que existir e, os livros gravados em CD também, porque na minha casa eu
294 São receptores sensoriais, células especializadas na captação de estímulos, que representam a via de entrada da informação no sistema nervoso de um organismo. São abundantes nas papilas dérmicas da pele (dedos), na mucosa da língua e em outras regiões sensitivas. 295 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
209
não tenho condição de guardar livros em Braille. O que falta são centros de produção em Braille; as Bibliotecas das Universidades deveriam ter um setor em Braille, para os alunos universitários consultarem. Por outro lado, não há necessidade que todos os livros sejam em Braille, apenas os mais importantes” (Fontes 2: p. 293).
Enquanto isso Glória296 revela que não tem o costume de ler muito em Braille,
porque seus afazeres domésticos não permitem, mas sempre que tem tempo livre lê um
pouco. Isso porque senão o fizer, ficará desatualizada.
“Às vezes leio o livro falado, mesmo fazendo os meus serviços domésticos, estou ali ouvindo. Quanto à importância eu acho que o livro em Braille é indispensável. Você pode perceber que todo deficiente visual que ler livros falados não tem o mesmo tato, ou seja, sua coordenação motora fina não é igual a do cego que está sempre lendo o Braille; digo isso porque entre eu e o meu esposo há uma grande diferença, porque ele não lê muito o Braille” (Fontes 2: p. 275).
Além disso, revela Glória297 que o raciocínio da pessoa que lê muito em Braille
é mais concreto porque ele está “visualizando aquilo que está lendo, por isso que eu
sempre fui favorável à pessoa ler em Braille. O livro gravado tem o seu valor, mas, o
livro em Braille é bem melhor para a aprendizagem do aluno” (Fontes 2: p 275).
Ainda falando a respeito da importância do livro em Braille e do livro falado,
Isaura298 tece o seguinte comentário:
“O Braille é um acesso direto, é como o livro em tinta para vocês. É você ter o acesso à sua leitura, à sua interpretação, à gramática, à lingüística, a tudo. Por outro lado, a leitura gravada, através do computador, é um recurso importante, porque não pode ter tudo em Braille, pela falta de espaço, além do preço da impressão Braille que ainda é caro. Logo, esses recursos são importantíssimos. Aliás, sem eles eu não teria feito faculdade, pós-graduação, não teria o acesso ao conhecimento espírita que eu tenho hoje, ao lazer, a cultura, obras clássicas, etc., porque muitos livros gravados eu ouço” (Fontes 2: p 321).
296 Entrevistas: alunos egressos do IBC, período 1985/1990. 297 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 298 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
210
A vibração de Arnaldo299 ao se referir à tecnologia, é imensa, principalmente
pelas possibilidades que trouxe ao cego:
“a tecnologia é uma expressão que adoro, é a ponte sobre o abismo; o Sistema Braille no século XIX foi a luz que Louis Braille, um sujeito cego, recebeu, ao criar esse sistema que é fantástico, pois possibilitou ao cego o verdadeiro aprendizado. Logo, isso é mais do que fantástico, é divino e a tecnologia também está neste contexto”(Fontes 2: p. 258).
Os egressos entrevistados reconhecem que a produção Braille, além de diminuta,
é cara e que a variedade da temática por ela abrangida é mais restrita relativamente à
produção à tinta e à sonora. E esta surge cada vez mais atraente e sofisticada com a
contribuição da informática.
Segundo esses egressos, é uma questão delicada constatar a "desbraillizaçäo" e a
"desalfabetizaçäo" que podem atormentar aqueles que elegem e recorrem a este modo
de leitura. Este fenômeno, observado nas faixas etárias mais jovens, deve ser
devidamente equacionado pelas estruturas educacionais, no sentido de que a
aprendizagem do Braille seja melhorada e usada com vantagem.
É importante ressaltar que entre os estudantes cegos observam-se aqueles que
dominam o sistema Braille sem grandes limitações e podem recorrer ao sistema sonoro
(o livro falado). Um segundo grupo, integrado por aqueles que lêem o Braille com
dificuldade, podem encontrar no livro falado uma solução alternativa. Finalmente,
existem ainda aqueles que, por hobby, gostam de ouvir/ler livros, e outros, como
pessoas acamadas, que utilizam este meio por comodidade.
Por fim, observam-se recentes progressos na produção de ambos os livros - o
Braille e o falado -, face à informática. Tal como acontece com o livro em Braille que
cada vez mais tem a sua produção facilitada e aumentada, graças a programas atuais e a 299 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
211
modernas impressoras, também no livro falado, já é possível transferir os conteúdos da
gravação analógica para suporte informático, permitindo assim desfrutar dos seus
recursos inesgotáveis, por meio da leitura em cd-rom. Este processo traz inúmeras
vantagens, porquanto, além de outras potencialidades, reduz o espaço físico do livro
assim produzido e permite a localização de fragmentos de texto com toda a facilidade,
melhorando-se inclusive a qualidade auditiva.
Também, convém ser lembrado que as tecnologias são só apoio, meios.
Entretanto, como ressalta Moran (2001), elas nos permitem realizar atividades de
aprendizagem de formas diferentes as de antes. Podemos aprender estando juntos em
lugares distantes, sem precisarmos estar sempre juntos numa sala para que isso
aconteça.
Como exemplos desse apoio ao uso de novas tecnologias de informação e
comunicação na educação, encontram-se algumas iniciativas que foram desenvolvidas
em parceria com a UNESCO que vêm obtendo sucesso, pois permitem que muitos
profissionais se qualifiquem ou se especializem. Dentre elas podemos enumerar:
Programa de Profissionalização de Auxiliares de Enfermagem que inclui a formação
pedagógica de enfermeiras, sob a coordenação do Departamento de Educação a
Distância da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, em
cooperação técnica com a UNESCO;
Acordo de cooperação técnica entre a UNESCO e o Ministério da Saúde, que
propiciou o desenvolvimento de três cursos de aperfeiçoamento de gestores do setor
de saúde, na modalidade à distância: Saúde Ambiental e Gestão de Rejeitos
Hospitalares, Gestão da Manutenção de Hospitais e de Equipamentos Hospitalares,
212
Gestão Hospitalar para Administradores de Pequenas e Médias Unidades de Saúde
e,
O Serviço Nacional das Indústrias - SESI, em colaboração com a Universidade de
Brasília e a UNESCO, realiza desde o ano de 2000, uma das mais avançadas infra-
estruturas de videoconferência via satélite em circuito privado instaladas no Brasil, a
infovia CNI.
Em relação a modalidade de ensino a distância (EAD), é importante que seja
ressaltado que essa modalidade ocorreu, inicialmente, em países de grande extensão e
de escassa população, como a Austrália e o Canadá, que objetivavam vencer a distância
territorial e a dispersão populacional. Porém, outros fatores também levaram tanto
países altamente desenvolvidos, como Inglaterra, Canadá, Alemanha, e Israel, quanto
países menos desenvolvidos como Paquistão, Tailândia, Costa Rica, Venezuela e Brasil,
a empregarem a EAD em suas propostas educacionais, conforme apontam Silva e
Azevedo (2001).
Entretanto, apesar do avanço e da comprovação dos resultados do ensino a
distância, alguns alunos ainda preferem as aulas tradicionais; preferem ficar ouvindo,
fazendo anotações e custa-lhes mudar de atitude e por isso criticam o professor que
inova.
Aliás, esses produtos como: a Internet, as redes, o celular, a multimídia estão
revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez resolvemos mais problemas
conectados, a distância. A Internet, além de nos poupar muito tempo permite maior
agilidade nas pesquisas, transações, e tantas outras mais atividades. No caso dos cegos
essas possibilidades trouxeram maior comodidade, pois lhes permitem fazer a partir de
suas residências, de forma segura e confortável, compras, pagamentos, transferências
bancárias, agendamentos, dentre outras necessidades cotidianas.
213
Enfim, a comunicação pela Internet é especialmente importante para as pessoas
cegas, conforme declara Borges (1997): a eliminação da necessidade da locomoção, que
é normalmente um entrave para o cego, e o fato de que do outro lado da Internet,
ninguém precisa realmente saber se o parceiro é ou não cego.
Certamente poucas pessoas têm conhecimento, que considerável parcela dos
nossos cegos - sobretudo do universo da nossa pesquisa - se utiliza desses produtos não
só para se comunicarem ou realizarem suas pesquisas, mas também, para outras
aplicabilidades, conforme foi citado anteriormente. Dentre essas aplicabilidades
apontamos o mundo do trabalho. Um dos objetivos mais importantes do ensino é
preparar a pessoa para o trabalho. No caso dos deficientes visuais, existem diversas
funções para as quais o computador pode ser um meio efetivo de obter emprego. Em
áreas como tele-marketing, prospecção de informações, ensino a distância, e tantas
outras, nas quais o uso da mente, do computador e do telefone são a base, o registro e
manipulação de informações. (Borges, 1997).
Por outro lado, é importante que seja ressaltado que o deficiente visual tem toda
essa interação com o computador, graças ao advento do Dos-vox - que é um programa
que se comunica com o usuário através do uso de sintetizador de voz. O sistema
conversa com o deficiente visual em português, sem sotaque, e dá a ele muitas
facilidades que um usuário vidente tem, como: um sistema de gerência de arquivos
adequado ao uso por deficientes visuais, editor e leitor de textos, impressora a tinta e em
Braille, ampliador de telas para visão subnormal, diversos jogos, além de programas
para acesso a Internet.
Lembramos ainda, que no caso específico do mundo do trabalho, não basta
apenas que o cego saiba usar o Dos-vox. Nesse sentido, alerta Borges (1997), o
problema se situa em dois níveis: o treinamento conveniente (envolvendo outros itens
214
além do computador, como por exemplo, um excelente conhecimento da língua
portuguesa) e a aceitação das empresas. Pouco a pouco esses itens têm sido trabalhados
e hoje já existe mais de 120 pessoas, no âmbito Rio - São Paulo, com trabalho
envolvendo o uso direto do computador e telefone. Enfim, o conviver virtual está se
tornando quase tão importante como o conviver presencial.
Na educação, porém, sempre encontramos dificuldades para a mudança, sempre
achamos justificativas para a inércia ou vamos mudando mais os equipamentos do que
os procedimentos. A educação de milhões de pessoas não pode ser mantida na prisão,
na asfixia e na monotonia em que se encontra. Está muito engessada, previsível,
cansativa (Moran, 2003).
A grande dificuldade do aluno cego, principalmente, nos níveis médio e
superior, é o acesso aos livros didáticos. A maioria dos professores se utiliza
exclusivamente do meio oral para exposição de suas aulas e, além disso, as avaliações,
os trabalhos escolares que deveriam ser em Braille, não o são, pois, os professores não
sabem o Braille. O resultado disso é um aluno mal formado, com graves erros de escrita
e, por praticamente não ler, distanciado culturalmente de seu meio (Borges, 1997).
Quanto à importância de o cego saber ler e escrever o Braille, bem como, a
diferença de alguém estar lendo um texto para o cego e esse texto estar sendo lido por
ele mesmo, alguns entrevistados assim se manifestaram:
Isaura:300 “(...) eu mesma ler o texto existem muitas vantagens: a privacidade, a
independência porque eu posso ler quantas vezes eu quiser, parar, pensar, esperar,
voltar e deixar para ler mais tarde, se eu estiver achando cansativo” (Fontes, 2: p. 303).
Éden:301 “o toque nos pontos me dá uma aproximação e um entendimento
melhor, você digere melhor a informação” (Fontes, 2: p. 192).
300 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
215
Jurema:302 “saber ler e escrever em Braille corretamente é imprescindível; o
esforço que o cego faz para ouvir e interpretar uma leitura é duas ou três vezes maior
do que aquele que está lendo em Braille” (Fontes, 2: p. 288).
Caso houvesse a possibilidade de transcrição e cópias rápida de textos em
Braille, tanto nas escolas quanto nos locais de trabalho, a exemplo do que ocorre com os
textos em tinta, a situação se tornaria mais fácil para os cegos. Entretanto, o que se vê
hoje em dia é a transcrição feita para o Braille pelo próprio aluno ou algum familiar, ou
para fita cassete, usando os serviços gratuitos da maioria das instituições de cegos.
Acontece que a velocidade com que isso é feito, quase nunca atende aos requisitos do
estudante ou do profissional. Dessa forma, eles se tornam cada vez mais dependentes
dos ledores voluntários, em termos de leitura e até de convívio pessoal.
O uso do computador na casa do aluno pode minorar alguns dos problemas, em
especial na feitura dos trabalhos escolares. Segundo informa Borges (1997) como a
maior parte dos professores de nível médio já usa um computador para preparar as aulas
e os exercícios, o disquete se torna o meio bidirecional de comunicação entre professor
e aluno. Os trabalhos em grupo se tornam possíveis e o estudante cego, em alguns
casos se torna mesmo o datilógrafo do grupo, utilizando o sistema DosVox ou outro
sistema de editoração eletrônica, sem prejuízo do conteúdo.
Como diz Moran (2003) combinamos nas escolas tecnologias presenciais (que
facilitam a pesquisa e a comunicação, estando fisicamente juntos) e virtuais (que,
mesmo estando distantes fisicamente, nos permitem acessar informações e nos mantêm
juntos de uma outra forma). Mas, o fato é que na implantação de tecnologias o primeiro
301 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 302 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
216
passo é garantir o acesso, ou seja, não adianta ter a tecnologia, se as pessoas não a usam
por não dominarem a técnica.
A respeito disso, entre os cegos, o que se vê é o aumento a cada ano de pessoas
cegas, usando a informática. Aliás, convêm ser ressaltado, que isso tem ocorrido graças
ao advento do DosVox e de outros sintetizadores de vozes e, aos vários cursos que
algumas entidades vêm promovendo em todo o Brasil, como por exemplo, o Instituto
Benjamin Constant, que desde 1994, em convênio com o Núcleo de Computação
Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade de São Paulo e
outras entidades, vêm realizando cursos de computação para deficientes visuais.
O primeiro curso sobre computação realizado no Instituto Benjamin Constant foi
ministrado pelo professor cego Antonio Carlos Rodrigues Torres Hildebrandt, que
iniciou o curso de Programação em Linguagem Cobol em 1981, após realizar estágio no
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns dos alunos que
concluíram o curso conseguiram emprego no SERPRO, na LIGHT e no PRODERJ.
São muitos os recursos a nossa disposição para aprender e para ensinar. A
chegada da Internet, dos programas que gerenciam grupos e possibilitam a publicação
de materiais estão trazendo possibilidades inimagináveis vinte anos atrás. A resposta
dada até agora ainda é muito tímida, deixada a critério de cada professor, sem uma
política institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de mudanças.
É o caso, por exemplo, do livro em Braille. Inicialmente ele era feito de forma
artesanal, unitário, em uma máquina chamada “reglete”. Houve uma evolução, passando
a ser confeccionado diretamente na folha de zinco, em produção elevada. Hoje em dia,
com a computação, esse processo tornou-se mais fácil, de forma que os livros são
informatizados e os arquivos ficam armazenados em CDs, ocupando pouquíssimo
espaço, bem diferente do ocupado pelas folhas de zinco. Entretanto, convém ser
217
ressaltado que para a impressão de grandes tiragens de livros em Braille ainda são
utilizadas a gravação em folhas de zinco.
Com a chegada da Internet defrontamos-nos com novas possibilidades, desafios
e incertezas no processo de ensino-aprendizagem. Como aprender com tecnologias que
vão se tornando cada vez mais sofisticadas, mais desafiadoras? Ensinar é gerenciar a
seleção e organização da informação para transformá-la em conhecimento e sabedoria,
em um contexto rico de comunicação. Com isso, como colocam Moran e colaboradores
(2003) não se pode ver a Internet como solução mágica para modificar profundamente a
relação pedagógica, mas ela pode facilitar como nunca antes, a pesquisa individual e
grupal, o intercâmbio de professores com professores, de alunos com alunos, de
professores com alunos...
A preocupação em criar dispositivos de acesso à informação tem estado presente
em algumas políticas adotadas pelas Nações Unidas, em especial, nas da Comunidade
Européia, cujos documentos incluem a igualdade de oportunidades para os portadores
de deficiências e para os idosos. Além disso, há indicação de que os Estados devem
promover o acesso universal à informação e aos serviços disponíveis para os cidadãos,
fornecendo instrumental específico (Lyra, 203).
A respeito da disponibilidade desses serviços para todos os cidadãos no nosso
país, independente de sua posição social ou financeira, Lyra (2003) chama a atenção
para os dados do censo de 2000 do IBGE, que revelam que existem no Brasil 24
milhões de pessoas portadoras de deficiência, o que significa cerca de 14% da
população, distribuídas entre: 2,8 milhões com deficiência mental permanente, 1,4
milhão com deficiência física (tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente), 5,7
milhões de pessoas com deficiência auditiva e, 16,5 milhões com dificuldades de
218
enxergar (alguma/grande/permanente) as quais encontram-se excluídas de várias
dimensões da vida social de diversas formas.
Embora a informática tenha se expandido em fantástica proporção, esse recurso
ainda tem uso limitado no Brasil. Um dos motivos é o público que se quer atingir. "As
pessoas, em geral, estão em cidades onde não se tem acesso fácil à internet'', conforme
declara Américo Bernardes, diretor do Programa Nacional de Informática na Educação
– ProInfo do MEC (Lyra, 2004).
Apesar do aumento nos últimos dez anos do número de pessoas que se utilizam
da informática, incluindo nesse contingente os deficientes visuais – cegos e de baixa
visão - essa realidade ainda não chegou ao interior do país, nas cidades menores, a
exemplo do que acontece com o celular. O depoimento de Juscelino303 confirma essa
afirmação e nos mostra a importância dessa ferramenta para o deficiente:
“(...) Eu acho chique demais estar aproveitando tudo isso. Eu me emocionei no dia em que eu fiz um contrato com a Micropower em São Paulo e um funcionário me atendeu e falei assim para ele: ‘dê uma olhada no meu site se ele está preparado para o cego’. Ele abriu e falou ‘está muito bom’; em seguida, ele me disse que também era cego. Eu não sabia que quem havia verificado o meu site era um cego, depois que ele me disse eu fiquei bastante emocionado. Então hoje na ASDEF (Associação de Deficientes) que é uma associação simples, no interior de Minas Gerais, nós temos Internet gratuita que conseguimos via Prefeitura. Ganhamos um computador especificamente para o cego, de uma das empresas de São Paulo, lá da Micropower, que é até um motivo de muito orgulho para nós, porque você tem um equipamento no centro da cidade à disposição do cego o dia todo, especificamente para o cego. Não deixamos outros alunos mexerem para não dificultar o manuseio do equipamento pela pessoa cega, então para mim isto é motivo de orgulho muito grande. É uma coisa simples, eu sempre falo isso. O cego da minha cidade (interior de Minas Gerais) está no mesmo nível do cego de São Paulo, de Belo Horizonte e até de Nova York. De repente até porque o ‘virtual vision’ - programa construído para cegos – é bastante avançado” (Fontes 2: p. 216 ).
No cenário educacional vislumbra-se a possibilidade de atendimento a uma
demanda acentuada por mão-de-obra qualificada empregando-se essas tecnologias,
219
como mostramos anteriormente, em alguns cursos que ocorreram em convênio com o
Ministério da Saúde, FIOCRUZ, SESI e a UNESCO.
Para Moran (2003) na medida em que avançam as tecnologias de comunicação
virtual (que conectam pessoas distantes em termos presenciais) - como a Internet,
videoconferência, redes de alta velocidade - o conceito de presencialidade também é
alterado. Em muitos casos, apesar de os professores e alunos estarem separados
fisicamente no espaço e/ou no tempo, podem estar juntos através das tecnologias de
comunicação empregadas.
Atualmente, o grande desafio, no campo do desenvolvimento profissional, é a
aprendizagem permanen304te. Isso significa que os profissionais devem dar continuidade
à sua educação e ao desenvolvimento em todos os períodos da vida, ao mesmo tempo
em que lidam com carreiras divergentes, nas mais diversas circunstâncias econômicas.
Muitas instituições educacionais estão respondendo a este desafio, desenvolvendo
programas de EAD associados às TIC e firmando parcerias com empresas. Com a
introdução do aprendizado a distância, mudam os modelos da educação consolidados ao
longo de décadas, como o ensino centrado no professor (Melca, 2004). O MEC sabe que
o êxito desse programa depende essencialmente da capacitação dos recursos humanos
envolvidos com a sua operacionalização. Essa inserção do computador no contexto
educacional gera polêmicas, pois a aparição dessa nova tecnologia, com certeza,
modifica as normas de aquisição do conhecimento. Com a sua incorporação os modelos
educacionais tradicionais são questionados, uma vez que a informática educativa
redesenha o ensino.
As mudanças sociais que estamos testemunhando são tão drásticas quanto os
processos de transformação tecnológica e econômica. Surge um nov
o modo
220
informacional de desenvolvimento, onde a fonte da produtividade encontra-se na
tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de
comunicação.
Estamos presenciando a transformação de nossa cultura material pelos
mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno das novas
tecnologias da informação. Vivemos num mundo que se tornou digital.
O processo atual de transformação tecnológica expande-se exponencialmente. A
informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida numa
velocidade cada vez maior e a um custo cada vez menor, em uma rede de recuperação e
distribuição que atende a vários pontos simultaneamente (Castells, 1999).
A comunicação decididamente molda a cultura. Como a cultura é mediada e
determinada pela comunicação, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente
produzidos são transformados pelo novo sistema tecnológico. Portanto, o surgimento de
um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu alcance global,
integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial, está mudando
para sempre nossa cultura (Castell, 1999).
Há muitos anos o meio de comunicação mais utilizado pelos cegos tem sido o
rádio; revela Isaura305 “que apesar do papel importante da imprensa, o cego escuta
mais o rádio. A informação pelo rádio é perfeitamente acessível para nós, porque não
tem nenhum recurso visual que a gente não possa perceber” (Fontes 2: p.320).
A respeito da integração desses meios tecnológicos e das facilidades surgidas
para o exercício da profissão, enquanto cega, Jurema306 cita algumas profissões onde
são utilizadas várias ferramentas, que além de dinamizar o trabalho, aumentam a
produtividade e diminuem o esforço físico:
305 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 306 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
221
“(...) o magistério tem vários recursos, não precisa ser exatamente o quadro-negro. A advocacia, com a Internet ficou muito mais fácil. A informática já foi muito mais acessível – são muitos gráficos – e às vezes o ledor de tela não consegue acessar tudo. Aí eu vejo o cego trabalhando muito bem no grande porte, mas, a micro informática – eu não conheço muito – mas, pelos depoimentos deles naquele seminário de informática que teve no Benjamin, você repara a dificuldade muito grande nessa área hoje. Na massoterapia são utilizadas novas tecnologias, ainda está se desenvolvendo e não está saturado. A telefonia com suas reduzidíssimas e modernas mesas e com recursos bem modernos; infelizmente fica parecendo que a gente só sabe fazer isso – mas não é só isso; A câmara escura, com máquinas automáticas, o cego as manuseia muito bem. Ascensorista apesar de perigosa, os novos elevadores com vozes, inspira maior segurança, mesmo porque os indicativos em Braille não garantem que você já chegou a um determinado andar. O psicólogo, embora alguns alegam que precisa ver a expressão facial, eu não concordo. A linguagem verbal é insubstituível, você falando resolve muita coisa. Existem, ainda, outras profissões que não vejo muita dificuldade para exerce-las” (Fontes 2, p.292 ).
Apesar do auxílio tecnológico aliado à competência do profissional cego,
comenta Jurema307 que “é muito difícil encontrar um cego chefe. As pessoas acham
que o cego não tem condição de administrar, isso me dói muito. O fato de eu ter
perdido a visão não me fez perder a capacidade de pensar” (Fontes 2: pp. 292-293).
É importante ressaltar que as tecnologias também influenciam na qualidade de
vida dos indivíduos cegos, a partir do momento que lhes garante maior segurança,
melhor saúde, cumprimento da legislação, tratamento igualitário, dentre tantos outros
direitos.
Consultado a respeito dessa questão, Juscelino308 afirma que realmente a
qualidade de vida para os cegos tem melhorado, entretanto, “eu acho que tanto nós
como a sociedade brasileira está ainda muito desorganizada; temos até muitas leis,
somos até um país com uma legislação muito avançada, porém essas leis não são
colocadas em prática, porque nós cruzamos os braços, cada um fica chorando o seu
pranto no seu canto” (Fontes 2: p.213).
307 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 308 Entrevistas: alunos egressos do IBC, período 1985/1990.
222
Continuando com a sua fala Juscelino309 informa que “o simples fato de se
instalar os telefones orelhões sobre plataformas, para proteger os cegos de acidentes,
já garante melhor qualidade de vida para eles” (Fonte s 2: p.213).
Além disso, Juscelino21 cita também a questão do transporte público com
acessibilidade – degraus rebaixados – que servirá não somente para os deficientes, mas,
também, para idosos, gestantes, anões e outros.
Conforme coloca Isaura22,
“A qualidade de vida está muito ligada à nossa independência. Por exemplo, por que o computador faz tanto sucesso no meio dos cegos? Todo mundo usa computador hoje em dia, não é só o cego não; muita gente coloca o computador como uma salvação para o cego, eu acho que até rola um pouco de preconceito nisso aí, porque a sociedade é viciada em computador, pelo menos a classe média, porque a grande maioria não tem computador porque não tem grana. Há outras tecnologias, mas o computador faz tanto sucesso no meio dos cegos, a ponto de alguns acharem que o cego não vive sem o computador, porque realmente o computador te dá uma boa autonomia. Eu antigamente datilografava ‘– modesta à parte datilografava bem – datilografava tudo que eu tinha que fazer, que apresentar. Por exemplo, se eu tivesse que escrever uma carta eu datilografava essa carta, só que às vezes batia na tecla errada e tal. Já no computador, ele fala para mim, fala o que eu estou batendo, tenho a possibilidade de corrigir o meu texto e ele tem a possibilidade de ser impresso sem erros. Não temos todos os livros em Braille; os livros que têm na livraria a gente não vai ter gravados e nem em Braille. Já no computador é mais rápido esse processo, basta apenas o livro está disponibilizado na Internet. Então a nossa qualidade de vida, a preocupação com a nossa qualidade de vida está muito ligada com a nossa independência.(Fontes 2: p. 318).
Outro assunto que fez parte das temáticas das entrevistas e tem estreita ligação
com as tecnologias, foi a questão da prevenção da cegueira. Quanto a isso, Jurema310
assim se expressou:
“(...) Eu, por exemplo, se constasse dos meus planos ter filhos, se fosse meu projeto de vida, com certeza eu já teria feito o aconselhamento genético. Isso porque eu sou cega, a minha irmã é cega, o meu esposo tem baixa visão, ele tem quatro irmãos com baixa visão, logo, tem alguma coisa errada aí. Por que eu vou querer ter um filho cego se eu conheço todas as dificuldades que eu passo? Isso não me faz uma pessoa revoltada, só me faz uma pessoa consciente da minha necessidade e possibilidade” (Fontes 2: p. 290).
309 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 310 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
223
Já no entendimento de Isaura,311 essa questão deveria ser tratada da seguinte forma:
“Acho que isso poderia ser feito já com alunos maiores, na etapa de 5ª a 8ª série ou no Ensino Médio, mas tem que ser feito com pessoas que não tenham muito preconceito; quando eu era adolescente eu ouvia algumas coisas que me deixavam profundamente chocada - a minha cegueira é hereditária e existe a probabilidade de 50% da descendência ser cega. É uma questão genética. Então, mocinha fui pela primeira vez ao ginecologista, já morrendo de vergonha, aquela coisa toda e ouvia: ‘cuidado, você não pode ter filhos, porque os seus filhos vão ser cegos (...)’. Puxa, eu era cega, tinha uma vida normal, estudava, brincava e fazia tudo que as garotas da minha idade gostavam de fazer, a vida não era tão ruim assim. A moça, normalmente, a jovenzinha está começando a descobrir essa parte da sexualidade, da possibilidade da reprodução, da formação da família, então você começa com aqueles ideais: ‘ vou me casar, vou ter não sei quantos filhos ...’ (...) é normal do ser humano. Aí vem um idiota e diz assim na sua cara – ‘você não pode ter filho porque o seu filho vai ser cego, vai ser assim (...)’ – aí você fica arrasada, acaba com todos os seus sonhos. Tem que se conversar: (...) você tem possibilidade de ter um filho cego. Tem que ser um diálogo mesmo – você está preparada, você gostaria e, se vier o que você vai fazer” (Fontes 2: p. 317).
Retornando as funções da escola, queremos ressaltar aquele papel de “levar em
conta o que acontece fora dela, nas transformações sociais e nos saberes, a enorme
produção de informação que caracteriza a sociedade atual e, aprender a dialogar de
uma maneira crítica com todos esses fenômenos” (Hernández, 1998: p. 61), aliás, uma
das preocupações deste estudo.
Lyra (2003) analisa o atual cenário como uma experiência sem precedentes,
jamais vivida por qualquer outra geração, e ressalta que: nenhuma geração como a atual
enfrentou uma relação tão constante, intensa e crescente com a tecnologia da
informação. Bolder (1993), fazendo uma retrospectiva do que fora produzido em
matéria de meios de comunicação, embora considere os efeitos explosivos deixados
pelo rádio, televisão e telefone, não deixa de destacar o computador como o elemento
que consagrou o século XX, em matéria de meios de comunicação. Esse autor
311 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.
224
reconhece o computador como o responsável por ter conferido ao século XX o título de
“Século das Comunicações”.
As profundas modificações decorrentes das novas tecnologias na sociedade atual
devem ser entendidas e avaliadas no seu impacto, de modo a serem utilizadas para o
bem comum da sociedade. Esta deve ser a principal preocupação entre indivíduos de
diversos nichos da sociedade mundial no século XXI. Como salienta Brasil (1996), em
face do íntimo contato com seu entorno social, um novo jogo de saberes e de
inteligência tecnológica produz sistemas de pensamento, de valores e de comportamento
muitos singulares.
Esse sistema de valores, aliado à variedade de recursos atualmente disponíveis
pelos meios tecnológicos, requer uma educação com enfoque na formação de novas
habilidades dos futuros profissionais. Devido à inevitabilidade da entrada dessa
tecnologia na cultura, chocando-se e atravessando-a, criando uma cibercultura (Levy,
1999), o futuro já não mais é divisado, posto que o futuro já se faz presente e nele
somente serão incorporados profissionais flexíveis, capazes de acompanhar as várias
modelagens decorrentes das novas competências (Lyra, 2003).
Surge, então, como conseqüência natural, a exigência de um novo perfil de
sujeito. Perfil que demanda um cidadão criativo, com capacidade de solucionar
problemas, adaptar-se às mudanças, interpretar as informações e trabalhar com as novas
linguagens que este mundo em modificação vem produzindo Lyra (2003).
Após o advento da informática surge o cego com um novo perfil: um sujeito
hábil, competente, independente, enfim, um profissional acreditado, diferente, portanto,
daquele cego do século XIX, analfabeto e vivendo a expensas de dispensários e de
esmolas.
225
Assim, novas tecnologias como os sintetizadores de vozes e outras ferramentas,
permitiram ao cego usar o computador de forma independente, como demonstra Borges
(2001):
Com o uso de “scanners”, o cego pode ler escrita convencional (datilografada)
diretamente.
Através da Internet, qualquer documento de qualquer parte do mundo pode ser
transmitido com um mínimo de esforço e custo muito baixo e traduzido para
“qualquer” língua.
Instrumentos eletrônicos podem ser conectados ao computador e um cego consegue
fazer arranjos orquestrais e imprimir partituras.
Um cego pode desenhar, usando o computador.
Um texto grande em Braille demorava horas para ser criado manualmente. Hoje
demora minutos com o uso de impressoras Braille.
Em síntese, como informa Borges (2001) o acesso à cultura atinge níveis
espantosamente melhores do que há poucos anos atrás.
O maior desafio para as novas tecnologias é a própria exclusão digital que elas
geram. Com pouco mais de 8% da população conectada à Internet (Fonte IBGE –
Censo de 2000), o Brasil vive um paradoxo. Possui uma exclusão digital mais acentuada
do que a vizinha em crise, a Argentina (23% de conectados), porém, conta também com
uma excepcional infra-estrutura de governo eletrônico (Lyra, 2003).
No entanto, nosso país não consegue levar os serviços ao interior, onde vivem
56% da população brasileira; o relatório da Pricewaterhouse & Coopers (2000) aponta
essa discrepância. Por isso, apenas 350 dos 5.561 municípios brasileiros possuem
provedores locais de acesso à rede (Lyra, 2003).
226
A imensa desigualdade social e a grande massa de semi-analfabetos são fatores
preponderantes que tendem a privilegiar as camadas sociais mais ricas, aumentando
cada vez mais a distância entre aqueles usuários potenciais das NTIC, que tem telefone
e computador, daquela grande maioria já excluída socialmente, agora também
digitalmente.
Outra questão importante discutida por Lyra (2203) refere-se à acessibilidade;
ela deve ser compreendida não apenas como o acesso à rede de informações, mas
também como a eliminação de barreiras arquitetônicas, de comunicação e de acesso
físico, a utilização de equipamentos e programas adequados, bem como o conteúdo e a
apresentação da informação em formatos alternativos.
Ainda segundo Lyra (2003), no que concerne à “acessibilidade da Internet”, esta
se caracteriza pela flexibilidade da informação e pela interação com o respectivo suporte
de apresentação. Essa flexibilidade permite sua utilização por pessoas com necessidades
especiais, bem como em diferentes ambientes e situações e por meio de vários
equipamentos ou navegadores.
No entanto, apesar de o termo acessibilidade guardar uma considerável
abrangência, de acordo com Lyra (2003) a participação dos diferentes grupos sociais, na
sociedade de informação, só vai ocorrer quando as políticas global e local tiverem como
objetivo conduzir a população a superar suas diversas lacunas, como o analfabetismo, a
baixa escolaridade e as limitações sensoriais, físicas e mentais, criando condições para
que os recursos das NTIC sejam transformados em aliados da integração social.
Considerando as múltiplas implicações que envolvem a relação da multimídia
com os deficientes visuais, torna-se relevante esclarecer que pensar a inclusão social
desses indivíduos, principalmente por se constatar que, hoje, vivemos numa sociedade
em que a exclusão digital é um dos grandes inimigos de uma sociedade justa e
227
inclusiva, exige compreender o que estamos definindo como “inclusão digital”. Neste
sentido, a expressão “inclusão digital” não deve se limitar à utilização de serviços, a
aplicações de comércio eletrônico ou à capacitação para o trabalho, mas promover a
inclusão e a equiparação de oportunidades para a população brasileira, respeitando os
conceitos de diversidade e desenho universal.
Portanto, a inclusão digital se realiza ao propiciar ao cidadão o acesso aos
processos de comunicação e à produção de conhecimento. O direito de acesso ao mundo
digital, tanto no âmbito técnico/físico (sensibilização, contato e uso básico) quanto
intelectual (educação, formação, geração de conhecimento, participação e criação), deve
ser garantido a toda a população, como um pressuposto de cidadania.
Neste sentido, a inclusão digital está diretamente vinculada à inclusão social,
portanto, depende de programas e estratégias políticas que venham a nortear como
incluir os quase 70% dos brasileiros excluídos socialmente, conforme comenta Lyra
(2003).
228
Capítulo 7 - A experiência de ser cego
Para iniciar este capítulo, lançamos mão de dois autores, que no nosso entender,
retratam pelo menos no primeiro momento – numa situação de impacto e de desespero -
, a experiência de ser cego.
O primeiro, um pequeno texto do livro “Seus Olhos; depoimento de quem não
vê como você nunca viu”, de Ferrarini e Ferrarini (2002), mostra o que é se tornar cego,
mesmo que seja por curto espaço de tempo:
“Desde criança, sempre me questionei como seria a vida sem a visão, como as pessoas poderiam viver sem o maior dos cinco sentidos (...). Certa manhã acordei e não conseguia enxergar com o olho esquerdo, tinha uma mancha escura no meio da retina (...). Aquela experiência serviu-me para fazer o tal balanço que as pessoas fazem em determinados momentos da vida. Passei a dar valor às coisas que realmente mereciam ser valorizadas” (p.11).
O segundo texto, extraído do livro “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago
(1995), relata a historia de um oftalmologista que ficou cego, sem motivo aparente:
(...) “As mulheres dos médicos acabam também por entender algo de medicina, e esta, em tudo tão próximo do marido, aprendera o bastante para saber que a cegueira não se propaga por contágio, como uma epidemia, a cegueira não se pega só por olhar um cego alguém que o não é, a cegueira é um questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu” (pp. 38-39).
Apesar de lidar diariamente com pessoas com problemas de visão, pois era
médico oftalmologista, o personagem de Saramago não mais enxergava e não podia
mais curar olhos, como fazia antes. Em visita ao seu antigo consultório, juntamente com
a sua mulher e outros cegos, exclamou: ”(...) estamos no lugar onde dantes se faziam os
milagres, agora nem sequer tenho as provas dos meus poderes mágicos, levaram-nas
todas. O único milagre que podemos fazer será o de continuar a viver (...)” (p. 283).
229
Os dois exemplos se assemelham às histórias dos nossos egressos, embora no
nosso caso, trata-se de outra realidade. Alguns desses egressos nasceram cegos, outros
adquiriram a cegueira a partir da primeira infância e na adolescência. Os motivos foram
vários e as experiências da cegueira são bastante ricas, como podem ser observadas a
seguir.
Nesta última fase de entrevistas, solicitamos aos entrevistados que contassem
livremente a experiência de ser cego na sociedade brasileira. Certamente, alguns
reforçam o que já foi dito nos capítulos anteriores, bem como acresceram alguma
informação que deixou de ser colocada. Mas, nesse momento, a palavra é inteiramente
deles.
7.1 - Éden
A primeira fase da minha vida já foi relatada anteriormente e, a segunda fase,
teve início quando fui estudar no Instituto Benjamin Constant. Lá as portas foram se
abrindo uma a uma e, de 1977 a 1990, aproveitei bastante as oportunidades que o IBC
me ofereceu. Fiz o meu curso fundamental, o ensino médio e a faculdade morando no
Instituto. Sendo que os dois últimos na condição de bolsista. Estudei violão, fiz curso de
música na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO), tive atividades físicas – judô,
natação, musculação -, fiz curso de inglês no Centro Cultural Anglo Americano
(CCAA) enquanto eu estudava no Benjamin Constant, enfim, guardo gratas recordações
do IBC. Costumo dizer que o que eu sou hoje devo ao Instituto Benjamin Constant e à
minha família, principalmente à minha mãe que sempre esteve ao meu lado.
Hoje a gente vê com certa tristeza alguns deficientes que não correm atrás,
principalmente quando há alguns meios tecnológicos que facilitam alguma coisa. Eu
vejo certa acomodação, mas naquela época também havia isso e depende de cada um, é
230
uma questão muito pessoal. Eu gosto muito de usar o Braille, acho que deveria ter mais
publicações em Braille, gosto muito do livro falado, sempre usei, continuo estudando
até hoje; tenho uma pessoa que grava para mim, estou sempre lendo um livro; é um
após o outro. É uma disciplina que eu tenho e, com isso, a gente tem que está sempre
fazendo reciclagens, principalmente a partir de 2002 com a mudança do Código Civil,
porque as mudanças são muito velozes, a legislação vai se alterando e nós precisamos
estar sempre atualizados.
Eu já falei sobre isso antes. Teve um momento da minha vida que tive que optar
em seguir ou não a carreira de músico e decidir não seguir essa carreira por uma questão
muito pessoal. Refleti e cheguei à conclusão que eu não tinha talento suficiente para me
arriscar. Não sei se fiz a escolha certa, parece que sim. E, passado esse conflito, iniciou-
se o meu suplício, porque eu comecei a faculdade decidido a fazer concurso público e
não a advogar. E nós sabemos que não é fácil, sabemos das dificuldades que os
concursos apresentam. A concorrência é muito grande e, hoje em dia os cursos de
direito estão aumentando a cada dia, é muita gente procurando, é muita gente
competente, esta é a verdade. Mas, as provas são sempre complicadas para você fazer e,
eu tive problemas até para poder realizar alguns concursos. Foram discriminações. Na
hora de fazer as provas eu tive muitas dificuldades e eles não concordaram em colocar
para ler a prova, uma pessoa com formação jurídica, alegando que eu seria favorecido;
eu explicava que não, eu apenas queria certa igualdade, porque uma pessoa que não
tinha formação jurídica, com certeza teria muito mais dificuldades em procurar uma lei
para mim, examinar um código, manusear um código. Isso foi melhorando e hoje em
dia já se admite nos concursos aqui no Rio, uma pessoa com formação em direito para
ler a prova para os candidatos cegos. Acho que também aqui na Defensoria nós estamos
evoluindo. Tive uma boa adaptação; conseguimos comprar uma impressora Braille e
231
estamos nos esforçando para desempenhar a nossa função e, torcer pelos nossos colegas,
para que eles lutem pelos seus sonhos. Eu acho que a pessoa tem que ter o seu sonho,
sua meta, lutar por ela até o fim, até conseguir alcançá-la. Isso porque se você não sonha
não tem motivo para viver, essa é a verdade. E se você não luta por aquilo que acredita,
eu acho que você depois corre o risco de se arrepender por não ter lutado; logo, por
precaução, a gente deve sempre lutar por aquilo que almeja conquistar na vida.
7.2 - Juscelino
Quando eu estava estudando no IBC, os parlamentares estavam trabalhando na
Constituinte e acho que foi um momento importante, como já mencionei anteriormente,
como, por exemplo, o caso de alguns avanços que a Constituição de 1988 obteve para a
pessoa deficiente. Aqui em Minas Gerais, especificamente, o movimento dos deficientes
na década de 80 conseguiu se organizar e se mobilizou com a promulgação da
Constituição Federal e, posteriormente, com a Constituição do Estado. Então houve
assim uma grande mobilização; nós fizemos uma emenda, com uma proposta para a
Constituição do Estado - uma emenda popular - que teve na época milhares de
assinaturas e, isso foi um momento marcante.
Nós temos uma legislação bastante avançada, necessitando apenas que nos
organizemos para podermos colocar em prática tudo que está nas leis e mais ainda,
regulamentar os dispositivos constitucionais e a legislação, para que realmente
possamos usufruir na prática, desses avanços da legislação. Por exemplo, a questão do
transporte que já foi mencionada anteriormente, está aguardando com ansiedade a
regulamentação da lei do transporte porque ela fala que nenhum ônibus poderá sair de
fábrica sem que esteja adaptado para o deficiente. Então o que eu percebo é que existe
232
um grande lobby formado pelas empresas e, por isso, essa questão ainda não foi
regulamentada.
Por outro lado, temos que ver a questão como um todo. Por exemplo, não
adianta eu ficar numa cidade pequena viabilizando projetos específicos para essa cidade.
A questão é mais abrangente, o país como um todo está aquém do que necessita ser uma
prática globalizada. Este é um dos exemplos que eu apresento sobre esta questão; temos
que nos mobilizarmos, temos que cobrar dos nossos parlamentares.
Percebo que é importante a criação de associações, é uma experiência muito boa
que estou vivenciando desde 1990; criamos a associação dos deficientes aqui em minha
cidade e avançamos muito: já enfrentamos empresários, já fomos para as ruas e etc. O
passe para os deficientes aqui era como uma esmola - tínhamos que ir até as empresas
pedir um valezinho - e o empresário achava que estava fazendo caridade, e então fomos
e acionamos o Ministério Público e, se fosse preciso teríamos ido até Brasília, porque a
Promotora iria instaurar um Inquérito Civil-Público, mas não houve necessidade,
porque eles perceberam a nossa força, a nossa garra e, nós fizemos um ajuste de
conduta, que hoje beneficia centenas de pessoas.
Então, noto que as pessoas pela situação econômica do país estão sem
esperanças. Da mesma forma acho que se cada um ficar no seu canto chorando o seu
pranto, não se vai resolver nada e não vai mudar a nossa qualidade de vida. Logo, nós
temos que nos organizar, temos também de aglutinar forças de outros segmentos, de
outras áreas de deficientes, para que possamos nos tornar fortes e, ter a simpatia, a
compreensão e a colaboração da comunidade, da sociedade, para ajudar, isso é
fundamental.
No Rio de Janeiro os cegos que têm uma escola secular, que têm um ensino de
qualidade e profissionais do mais alto nível não têm um vereador e nem um deputado
233
cego. E eu sinto muito orgulho de ser vereador aqui da minha cidade, e mais do que
isso, eu abraço uma causa que não é só do cego, mas de todos os deficientes. Não sei se
é, porque lá, eles têm uma boa estrutura e não sofrem. Mas, eu acho que eles têm uma
responsabilidade muito grande para com os cegos de todo o Brasil. Não é por achar que
estou bem, que não vou me preocupar com os outros. Ao contrário, é preciso pensar nas
pessoas daqueles lugares mais longínquos - referenciando este país que é quase um
continente -, é preciso dar a nossa contribuição para melhorar a qualidade de vida
daquele companheiro que ainda não sabe o que é ser feliz.
Eu acho que o Instituto Benjamin Constant e seus profissionais - que lá
trabalham e que são bem sucedidos, graças a Deus, pois todos têm um bom salário -,
têm uma responsabilidade muito grande de estar passando estas informações, essa
tecnologias, principalmente o Braille, para o Brasil inteiro. Somente assim, o cego
poderá se encontrar, se profissionalizar e trabalhar na sua cidade de origem.
É muito bom e importante ir ao Rio de Janeiro estudar. Entretanto, mais
importante, ainda, é não se esquecer de suas raízes e de sua cultura. Às vezes, quando as
pessoas se aposentam elas voltam para as suas cidades de origem. Por que, então,
quando elas se formam elas não retornam para a suas cidades de origem para fomentar a
educação? Para fomentar a educação da pessoa deficiente em sua própria cidade? É um
chamamento que eu faço, porque posso falar isso de cadeira, porque eu tenho feito e
convivido com isso. É uma coisa que eu acredito e, espero que encontre eco esta minha
fala, para que não só os cegos, mas também os surdos lá do Instituto Nacional dos
Surdos, possam aderir a esse meu exemplo. Eu tenho falado assim Carmelino, porque a
minha experiência é uma experiência diferente, porque eu não convivo só com os cegos,
eu convivo com todas as áreas de deficiência e, isso enriqueceu e fortaleceu muito o
nosso trabalho,
234
Evidentemente, o contato de um cego com um surdo é muito difícil, mas eu
procuro o máximo de comunicabilidade com eles e eles comigo. Foi uma experiência
muito boa que nós tivemos por ocasião das discussões das Constituições; os
movimentos e as entidades tiveram momentos de discussão e de encontros e a gente
enriqueceu muito. Mas, depois que a gente passou este momento, não houve mais
encontros, não houve mais discussões e acho que isso é um ponto negativo, até porque
teríamos que dar continuidade e prosseguimento a essas leis que conseguimos inserir na
Constituição Estadual e até as Leis Orgânicas do Município. É preciso realmente rever
todas aquelas discussões para colocá-las em prática. Percebo que não somente o
segmento dos deficientes, mas a sociedade brasileira como um todo incluindo os
sindicatos, passam por um momento de transformação, por um momento de reavaliação
do processo e, a questão econômica do país também. Mas, entendo que as pessoas não
podem cruzar os braços, nós temos que estar cada vez mais nos organizado, para cobrar
do poder publico e dar a nossa contribuição, principalmente como voluntário.
Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 30% a 40% dos trabalhos que são
feitos - como informa uma Senhora cega que temos aqui e que veio de lá - é realizado
por voluntários. Aqui no Brasil, infelizmente, isso está muito longe de acontecer. Por
outro lado, as pessoas se aposentam e não têm uma ocupação, ficam em casa
engordando, deixando crescer a barriginha, quando, na verdade, poderiam está dando a
sua contribuição. Tem muita gente que tem uma historia e uma vivência na área
pedagógica do ensino especial e, poderia estar ajudando voluntariamente este país
inteiro. Fato é que essas pessoas não dão a sua contribuição. A nossa passagem na terra
é muito rápida - eu estava até comentando isso mais cedo -, então, eu acho que devemos
procurar usufruir da melhor forma possível os nossos momentos e dar a nossa
contribuição para as gerações futuras.
235
Gostaria de encerrar falando sobre a inclusão, que é uma palavra tão decantada e
falada atualmente, porém muito na teoria. Eu me sinto muito tranqüilo porque a gente
tem realmente procurado a inclusão de fato, aqui em minha cidade. Estamos com as
crianças nas salas de aula, não sabemos como será daqui para frente, esta questão da
criança e do adolescente estar nas salas de aula comum e sendo acompanhadas pelo
professor nas salas de recursos.
Eu não me sinto uma pessoa excluída, mesmo porque a gente tem que enfrentar
todas as barreiras que encontra. Cito, por exemplo, o meu caso quando candidato a
vereador: as pessoas falavam que se 19 vereadores já não faziam nada, imaginem mais
um cego. E eu dizia nos palanques, que lá na câmara tem 19 cegos vereadores, mas vai
ter um vereador cego. O nosso desempenho fez com que tivéssemos grande aceitação na
comunidade. Contribuímos para melhorar a qualidade de vida de muita gente, como por
exemplo, na área de saúde e da educação.
No que diz respeito à sensibilidade, acredito que seja uma questão cultural.
Logo, só daqui a alguns anos é que as pessoas vão se conscientizar de que o mundo é
para todos. Sair daquele padrão de que as coisas têm que ser feitas somente para as
pessoas ditas normais, isto é: para quem vê, quem enxerga e escuta. É preciso que esse
trabalho de conscientização seja feito, a gente vai reverter isso.
Antigamente tínhamos o Código Internacional da Deficiência; agora é o Código
Internacional das Potencialidades. É o contrário, você trabalha com a potencialidade que
o ser humano tem e não com a deficiência. Percebo que há uma inversão realmente
muito grande, dessa concepção em nível mundial e, nós temos o papel primordial de
estar conscientizando, trabalhando e ocupando os nossos meios de comunicação de
massa, para mostrar à comunidade a melhor maneira de lidar com o deficiente.
236
É o caso, por exemplo, de saber como atravessar um cego na rua - as pessoas
fazem achando que o cego é um boneco - mas não podemos recriminar esta atitude, ou
xingar as pessoas que querem nos ajudar, muito pelo contrário, devemos perceber o
momento como oportuno, para falar com a pessoa e ensinar a maneira correta de
conduzir um cego, de forma que a próxima pessoa que ela for ajudar não seja tratada
como um mero boneco.
7.3 - Arnaldo
Ser cego na sociedade brasileira é sentir dor. De fato, é assim que eu percebo a
vida, não só do portador de deficiência, mas, de outros - é uma concepção que não é
pessoal, muitos poetas e muita gente pensa assim e usam metáforas para dizer a idéia
central do que é a vida - é um desafio, é uma árdua tarefa a ser cumprida. É estar
andando sempre na contramão, porque é da natureza das coisas fazer questão de
caminhar sempre em sentido contrário; deve haver alguma razão para isso. Esse
pensamento que eu exponho não é exclusivamente abstrato, a linguagem pode ser, mas,
é o que eu sinto nas coisas mais concretas mesmo. Com relação à deficiência visual é
mais um sopro, é a perspectiva de uma manifestação da vida em sentido contrário à
caminhada que eu me propus fazer. Então, com essa imagem, pode-se perceber bem que
se criam movimentos contrários que determinam esforço maior para quem quer
evidentemente seguir o seu caminho, realizar seus sonhos, conquistar espaços, enfim,
estabelecer com isso pontos que podem ser mais ou menos constrangedores. A cegueira
é, portanto, essa manifestação em sentido contrário. Eu digo não só manifestação, como
ação em sentido contrário, porque em todas as coisas tem sido assim em minha vida. Há
sempre uma controvérsia com a qual eu me saio bem, consigo vencê-la e também
237
muitas vezes eu saio vencido. Eu disse deve haver um sentido para isso; deve haver uma
meta linguagem que explique a razão de tudo isso.
Então, essa era a primeira coisa nesse resumo final, esclarecendo que em
particular, em minha vida, primeiro sob o ponto de vista genérico na concepção de
mundo, mesmo aqueles que acham que estão no sentido que a própria vida estabeleceu,
eu acho que deve haver algum tipo de problema, essas pessoas não estão fazendo a
caminhada que deveriam fazer. No meu caso, a cegueira é uma clara manifestação de
força em sentido contrário que eu estou fazendo. Assim é na minha vida profissional.
Por exemplo, você sabe que eu tenho projetos profissionais e tenho nesses anos todos
me dedicado a esses projetos profissionais e, por razões que indubitavelmente a
cegueira está sempre permeando, eu não tenho conseguido realizar. Sejam extrínsecas
essas razões, sejam intrínsecas, sejam frutos das minhas dificuldades pessoais, sejam
frutos das cegueiras dos outros, dos que detêm o poder da própria sociedade. Pelo
menos essa é a leitura que eu faço; que os objetivos sejam institucionais, políticos,
profissionais, até afetivos, mas não podem ser tão altos, por razões puras e simples
relacionadas à deficiência física. Eu não sei qual é o sentido de tudo isso, me faz
bagagem intelectual, conhecimento de psicanálise, conhecimento até de filosofia, mas,
também, não estou muito interessado hoje em perquirir, só aprofunda mais essa dor.
Quero dizer que essa compreensão sobre a dinâmica da existência não me faz
sentir vítima, de modo algum. Não quero passar essa idéia, não me sinto vítima, não me
faço de vítima, ao contrário, procuro sempre nas relações interpessoais, no trabalho,
com as pessoas, com amigos, com os meus familiares, a minha relação conjugal,
procuro sempre afastar os empecilhos que a deficiência visual me impõe. Também
reconheço as limitações, mas não as faço cavalo de batalha. Acho que essa característica
da minha personalidade, você já a conhece bem. Eu apenas entendo que essa é a
238
harmonia da vida. Muita gente numa análise perfunctória pensa que a vida é
essencialmente desarmônica, mas não. Esses conflitos, esses choques, essas resultantes
de vencidos e vencedores é exatamente o que constitui a harmonia da vida. Se você
pensar na cadeia alimentar, por exemplo, em que um ser vivo é necessariamente
alimento de outro e, esse outro alimento de outro. No caso do ser humano o tipo de
alimento é outro, não sei se podemos chamar de espiritual, não sei se podemos chamar o
alimento em que as pessoas traçam a sua trajetória e quando realizam essa trajetória
precisam de outras pessoas e, quando essa trajetória encontra confronto com outros
estabelece o elo, até múltiplos conflitos e é assim.
Você sabe que eu tenho uma visão marxista da política e a mensagem essencial é
da igualdade, é a de se admitir que os nichos de atuação do homem possam ser
partilhados, mas infelizmente a história da humanidade tem dito exatamente o contrário.
O que acontece – é um ponto que eu fico pensando – para o tema específico que é a
cegueira, muita gente desiste no início da caminhada, pára de estudar, por exemplo. Só
que o tipo de caminho que a humanidade escolheu é muito cruel. Mesmo aqueles que
desistem, não conseguem sobreviver, vão restringindo cada vez mais os seus horizontes
e chegam a um ponto até a sucumbência total.
Até para pedir esmolas, por exemplo, deve-se ter um sacrifício material, um
trabalho não fácil, não deve ser fácil de dar conta. Exatamente porque ai se trava
relações de conflitos ao extremo, para que? Para extrair daí o melhor. O problema é que
os critérios que se estabelecem não me parecem muitas vezes melhores. Então o
vencedor, o melhor, muitas vezes nem sempre é – sob o ponto de vista ético, sob o
ponto de vista moral – o correto. Talvez isso seja um momento de transição da
humanidade, e todo momento de transição, os grupos mais frágeis, evidentemente, são
os que sofrem mais.
239
É nesse quadro que eu localizo modestamente o portador de deficiência visual,
com a sua dificuldade de arrumar emprego, de estudar; nasce não de uma força dele,
mas o bombardeio é quase que endógeno quase que genético. Essa ausência de força
endógena nasce dentro dele. Então nessa perspectiva, a sociedade acaba formando
hierarquias de seres humanos, ser agrupados de forma verticalizada que é muito triste,
eu acho. Então eu traço esse quadro pra dizer a você que por questão de personalidade
eu não consigo me acomodar, então eu vou continuar seguindo.
O meu problema de saúde, você sabe, muito provavelmente o meu médico, o
neurocirurgião, considera assim; também, a causa deve ser de ordem emocional, o que
deflagrou e que fez desenvolver o neuroma. Mas eu não me arrependo eu acho que o
que devo fazer é preparar melhor as estratégias para continuar. Estratégias concretas
mesmo, a organização dos estudos, o momento de fazer as provas, por exemplo, no meu
trabalho, a relação com as pessoas. Agora esse primeiro bloco de reflexão eu queria
terminar dizendo o seguinte: para mim existe um núcleo essencial que eu não transijo,
não admito transigi com valores que não são negociáveis, não admito que sejam feridos,
que sejam deixados de lado. Então o respeito às pessoas, a minha dignidade pessoal, o
fato de estar sempre pensando no próximo, estar ao lado dos mais oprimidos - atacados
pela sociedade - enfim, esses são os meus valores.
A importância de querer bem as pessoas, de amar o próximo é uma tarefa que
Jesus trouxe, provavelmente o primeiro – o grande pensador e filósofo – trouxe para
fazer a guinada no comportamento da humanidade e que não se persegue – poucos
atingiram. E eu tento com as minhas dificuldades, com as minhas restrições pessoais
tento por em prática. Mas, também está nessa gama de valores a idéia de saber se
defender, da legítima, de saber responder para não ser considerado uma pessoa sem
personalidade, uma pessoa manipulável e também saber dizer os limites que as pessoas
240
podem transigir. Enfim, essa tarefa não é fácil, a gente vai construindo com a práxis da
realidade, trabalhada com a teoria.
Eu tive algumas coisas boas que aconteceram na minha vida que me possibilita
ser audacioso, não quero ser arrogante de jeito nenhum, mas, serei audacioso no sentido
de ser perseverante. Então, o período que estive no Instituto Benjamin Constant foi
muito importante para mim. Fui moleque para lá, lembro do Sr. Manoel, que era
inspetor, e dizia para minha mãe - que se eu me unisse e me relacionasse com as boas
pessoas daqui, as pessoas de bom caráter, era isso que ele queria dizer – eu teria chance
de sair daqui um doutor. Então com esse meu jeito, eu fiz amizades e extraí dessas
amizades muito conhecimento e desenvolvi minhas potencialidades. O IBC é
responsável por isso; logo, eu sou um incondicional defensor da Instituição e não vou
fazer para trabalhar com condicional, ou com o que poderia acontecer provavelmente eu
não seria o que eu sou. Não é isso, mas não teria os ideais que eu tenho se não ficasse
cego. É curioso isso, mas é verdade. Eu digo isso pensando na minha família, eu tenho
cinco irmãos, todos com potencialidade, mas, de uma família pobre.
Meu pai faleceu e minha mãe teve que trabalhar em ônibus, enfim, sem recurso
financeiro. A família não conseguiu estudar, para gente que é pobre, é essencial nesse
país conseguir galgar degraus até sociais mesmo; a reflexão é estritamente sob o ponto
de vista social. Sob o ponto de vista ético, moral, talvez sejam melhores do que eu.
Enfim, o fato é que se não se dar a oportunidade de conhecer, ler, ter acesso à
informação, de aprender a pensar desde cedo – que eu tive no Benjamin Constant – você
fica mais restrito nessa vida. Então, fica com menos armas para poder manipular,
utilizar as potencialidades pessoais. É assim que eu vejo, por exemplo, os meus irmãos,
eles têm grande potencialidades, mas os mecanismos de realização, de fazer atuar essas
241
potencialidades são muito escassos e a sociedade é muito cruel, porque quem não
consegue essas armas fica no meio do caminho.
Eu falo “dessas armas” como metáfora, para dizer do potencial para se por em
prática um projeto, até de colocar no papel o que sente, o que pensa, de forma
concatenada, enfim é uma barbaridade. Mas eu também penso o seguinte, na concepção
humanista que eu tenho, todas essas potencialidades devem ser postas em prática em
favor das pessoas da coletividade. Não é assim que as pessoas pensam, não é assim que
a sociedade faz. A gente de forma secundária, reflexamente, põe em prática os nossos
talentos, porque em primeiro lugar os nossos interesses pessoais, econômico, financeiro,
de enriquecer, ter fama, sucesso, prestígio, poder e depois de fazer bem ao próximo, de
possibilitar o desenvolvimento do próximo, tornar a humanidade melhor, quando o
correto seria o contrário.
No Instituto Benjamin Constant eu tive, portanto, essa possibilidade. Depois eu
fui para o Colégio Pedro II e lá eu prossegui com a política. Fui presidente do Grêmio
do Pedro II (Marechal Floriano) e depois eu fui para a Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) fazer direito e, fui diretor do Centro Acadêmico dessa universidade.
Acho que disse a você que na época eu estava em dúvida entre as duas universidades: a
UFRJ e a UERJ, porque eu queria ser político, político partidário e, acho que fiz a
melhor coisa da minha vida de ter ido para a UERJ estudar direito e não para a UFRJ
que era fazer política. Foi a melhor coisa que eu fiz. Eu acho que estaria muito pior,
estaria à deriva. Se eu conseguir realizar o meu sonho que é de entrar para o Ministério
Público eu serei muito mais útil à sociedade. Estarei concretamente nas atividades até
delineadas pela Constituição da República para atuar em favor das pessoas, dos
brasileiros, mais do que se estivesse na política institucionalizada que é essa loucura.
242
Quero encerrar essa fala agradecendo o convite para fazer parte dessa pesquisa
de doutorado; perdoe-me a excessiva introspecção, fui muito introspectivo, falando de
poucas coisas do cotidiano, mas, também existem outros ex-alunos, de forma que cada
um fala a sua experiência, o que sente de forma mais conotativa e até menos emocional
e mais racional. Eu acho que eu fui introspectivo, mas, espero ter contribuído.
Quanto ao cotidiano, quando eu sinto falta de enxergar é porque eu não estou
bem, então a visão física, ela faz falta, é uma benção a luz; mas como eu disse a você
também não é história, acontece comigo coisa curiosa, inconscientemente e sem fazer
esforço, eu tenho sensação de enxergar as coisas, as pessoas – é curioso isso, mas é
verdade. Então eu sinto falta de ver o rosto do meu filho que tem dois aninhos, às vezes
eu fico curioso em saber se a imagem que eu tenho, corresponde exatamente ao que se
vê dele. Às vezes a independência é mais pragmática e a visão proporciona. Mas eu não
fico triste, falei bem isso antes. A idéia que eu passei é que esse é um desafio de estar
encaminhando em busca dos meus objetivos e, recebendo uma força em sentido
contrário e, essa força eu interpreto como sendo um jeito de me tornar uma pessoa
melhor, me desenvolver mais, ser mais resistente, perseverar, etc. É exatamente isso que
eu acho e também nessa perspectiva, as derrotas não tem caráter absoluto. Não é uma
derrota, talvez o interesse de sintomatizar.
Há índice de derrotas e de vitórias e, no somatório da vida de cada um, pode ser
verificado se cumpriu ou não, o papel, as funções e as coisas que devia fazer. Acho que
é isso. A verificação do desempenho eu considero que está na perspectiva do resultado
da coletividade, do que se fez e dos outros também, da família, por exemplo, e
principalmente no seu raio de possibilidades o que é que você fez. Então o sujeito que
se enriqueceu, concentrou suas energias para conseguir as coisas exclusivamente para
si, eu considero um grande derrotado, pois, provavelmente ele deve ter excluído outras
243
pessoas, feito mal a outras pessoas, possivelmente, nesse mecanismo que a sociedade
estabelece. Acho que também ele se torna mais humanizado à medida que o critério
estabelecido não é o individual, é o coletivo, considerando o que o sujeito deveria fazer
nessa vida.
Essa é a visão que eu tenho. A cegueira pode ser uma aliada para evitar a supremacia
de determinadas fraquezas, pode ser uma aliada para isso. Eu fico pensando, eu vejo
muitas pessoas instruídas que fazem juízo de valor com base exclusivamente no que se
vê. Sem querer filosofar, você me perdoa, eu acho que esse é um dos focos patológicos
da sociedade que é se viver a aparência e, a cegueira protege um pouco disso, eu
imagino. Quer dizer, a gente não queima essa etapa, que é importante quando se tem
consciência que é a primeira etapa e, muita gente se restringe a ela.
7.4 - Glória
Eu acho que já falei praticamente tudo sobre minha vida, nessa fase de ser
deficiente. Eu sempre fui uma pessoa deficiente, cega, mas sempre me considerei uma
pessoa normal, embora enfrentando algumas dificuldades, alguns preconceitos, alguma
má vontade que algumas pessoas tinham para comigo. Inclusive nessa escola onde eu
fazia estágio, percebia que as pessoas até tinham medo que eu subisse, que eu me
promovesse, ou medo de estar competindo com elas e até mais tarde estar tirando o
emprego delas; mas eu acho que eu estou conseguindo vencer, estou vencendo, mesmo
contrariando algumas pessoas e, de repente, contrariando até mesmo a sociedade e os
meus filhos; até porque se eu os coloquei no mundo eu tenho a obrigação de oferecer
uma boa estrutura para eles, todo carinho, enfim, uma vida.
Então, primeiro eu cuido deles e depois de mim. E assim a gente vai vivendo,
vai acontecendo. Não pretendo parar, pretendo continuar estudando, fazer a minha
244
faculdade, embora as minhas dificuldades, meus filhos o que eles precisam, mas, ainda
pretendo fazer isso. Acho que nunca é tarde. E esses preconceitos, essas dificuldades, eu
creio que vou vencê-los e conseguir chegar lá.
7.5 - Jurema
Como nós conversamos por muito tempo sobre minha vida, de uma forma muito
transparente, não me lembro muito bem sobre os pontos que eu toquei. Então, eu vou
fazer um resumo, rápido, rapidinho da minha trajetória de vida. Eu tenho 34 anos, fiquei
cega aos nove anos, decorrente de um glaucoma congênito. Até então eu estudava em
uma escola municipal em Duque de Caxias e fui para o Instituto Benjamin Constant
com doze anos. Lá eu aprendi o Braille, fui considerada uma das melhores alunas, por
alcançar médias muito altas e, tinha um comportamento razoável, dentro do que era
exigido pela disciplina do Instituto. Permaneci no IBC, de 1982 até 1988, ano que
conclui a oitava série do ensino fundamental.
Depois disso, fui para o Colégio Pedro II, onde eu fiz o ensino médio, com
muitas dificuldades. Não havia qualquer interesse por parte da maioria dos professores,
em propiciar melhores condições de estudos. Mas, já naquela época, o Instituto
Benjamin Constant dispunha de professores que nos davam o mínimo de suporte,
principalmente na área de física e de matemática, que eram as professoras Regina
Caropreso e Paula. As provas eram transcritas em Braille e, isso facilitava bastante,
depois elas mesmas as decodificavam. Havia, portanto, um bom relacionamento entre
Instituto Benjamin Constant e o Colégio Pedro II.
O que prejudicava realmente era a falta de interesse dos professores, a ponto de
um deles, certa vez dizer que se quisesse dar aulas para alunos cegos teria ido trabalhar
245
no Instituto Benjamin Constant. Então ele realmente me ignorava todo tempo em sua
aula de matemática.
Para nosso “azar”, geralmente, os professores “das exatas” eram os que estavam
desinteressados. Eles realmente não acreditavam que nós tivéssemos o mínimo de
capacidade de poder apreender o conteúdo que eles transmitiam na sala de aula. Fato é
que mesmo com todas essas dificuldades, eu e todos os meus colegas da minha geração
logramos êxito, graças à intervenção dos ledores voluntários e, sem essas pessoas,
nenhum cego teria condição de chegar ao patamar que chegou; “nenhum” cego que me
refiro – são cegos bem sucedidos que sempre utilizaram ledores – também estou me
referindo aos cegos do Instituto. Não estou falando daquele cego que eu não conheço;
mas, pode existir aquele que a família monta toda uma infra-estrutura e ai, ele fica com
ledor pago em casa – eu até conheço um caso desses, filho de um professor da
faculdade. Mas, o que eu pude reparar é que a experiência de vida dessa pessoa é
mínima, ela vive em uma redoma e nem assim ela consegue atingir a sua meta. Até por
falta de vivência e de experiência com outros cegos.
Eu acho esse contato com outros cegos de fundamental importância. Aliás, eu
só soube que o cego corria, brincava, namorava, brigava e lia, quando eu entrei no
Instituto Benjamin Constant. Isso porque, até então, você acha que é a única pessoa que
enxerga pouco ou que não enxerga nada. Além disso, as pessoas ficam a tua volta ou
não, porque a tendência, infelizmente, é que te cerquem de cuidados, ou te protejam ou
te abandonam. Eu tive muito suporte, muito apoio da minha mãe, infelizmente, quanto
ao resto da minha família eu não posso dizer a mesma coisa.
Quando eu perdi a visão, já senti aquela solidão; porque os amiguinhos sumiram,
eu já não podia brincar como eu brincava antes. Eu acho a criança muito cruel; ela
observa e, se sentir que não vai poder corresponder a sua expectativa - ela quer correr e
246
quer brincar – joga para o canto como se fosse uma boneca que ela já enjoou de brincar,
como se fosse uma bola, como se fosse um cachorro.
Voltando então ao vestibular, eu passei para três universidades públicas.
Contudo, o curso de história era o que eu queria fazer. Eu não tinha outra opção. Optei
pela Universidade Federal do Rio Janeiro e gostei muito do curso que fiz. Mais uma
vez, sem estrutura nenhuma da faculdade, a ponto da coordenação “lavar as mãos” e,
dizer que realmente não sabia como me ajudar. Ai, eu e mais um grupo de cegos
procuramos a Reitoria da UFRJ, à época, era o professor Nelson Macolan, o Reitor, e
ele foi uma figura importantíssima porque a partir daí, nós conseguimos montar uma
Comissão Permanente de Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência e eu permaneci nessa
comissão por mais ou menos dois anos, chegando até participar de um congresso
representando a UFRJ.
Outro momento muito importante na minha vida foi quando fui apresentada ao
Dos-vox. Em 1994, eu estava no terceiro ano da faculdade, quando recebi uma notícia
que eu tinha sido uma das convidadas para fazer o curso sobre esse sintetizador de voz
com mais aproximadamente quinze outras. Ali abria um outro horizonte para nossas
vidas – já deu mais um pouquinho de independência - pois, imagine você, acostumada
com o Instituto Benjamin Constant com todo material em Braille, porque na época em
que lá estudei ainda havia a preocupação de fornecer ao aluno todo o material em
Braille. Lembro-me perfeitamente do professor Vitor Alberto preparando apostilas de
história, sendo impressas na Imprensa Braille do Instituto, na máquina de clichê, ainda
aquela estereotipa que não era informatizada e ele tentando atualizar o nosso material. O
mesmo ocorreu com a professora Marieta de geografia que, preocupada com os seus
alunos, não media esforços para preparar o melhor material para seus alunos. Enfim,
quando estudamos no Instituto nós tínhamos livros em Braille. Depois veio o ensino
247
médio, todo sem material em Braille, uma dificuldade tremenda, por isso, cerca de dez a
doze ledores para darem conta de todas as disciplinas.
Aí, o início da utilização do gravador com as fitas cassetes. Então é um choque
muito grande quando se chega à faculdade sem material nenhum, ainda menos que no
ensino médio. A gente acha que vai enlouquecer. Mas, graças a Deus e aos ledores, que
são realmente fantásticos e abnegados, como Marisa, Lilá, professor José Fortes que
acompanhou várias gerações ensinando matemática, Dona Diva e muitos outros já até
falecidos. Em minha opinião esses ledores devem ser sempre reverenciados. Enfim, esse
período todo de faculdade foi bastante difícil para adquirir material. Mas, foi rico
porque eu conheci muitas formas de estudar e, com o advento da informática a coisa foi
melhorando - claro que ainda a passos bem lentos e demorados – tanto é que para eu
fazer a minha monografia foi ainda muito difícil, pois ainda não havia material
digitalizado e disponibilizado, como existe hoje, que a gente baixa vários livros e
códigos pela internet. Na época ainda não havia essa possibilidade, mas foi uma grande
coisa em poder digitalizar um texto, de poder fazer um trabalho e entregá-lo para o
professor. Já deu uma sensação maior de independência. Sensação essa que depois se
transformou em realidade e hoje em dia, acho que muitos problemas foram sanados com
o advento da informática e da internet; é maravilhosa a gente tendo acesso a isso tudo.
Durante o curso de história eu fiz concurso para revisor de textos Braille do
Instituto Benjamin Constant, tendo trabalhado lá por cinco anos, de 1993 a 1998. Foram
momentos muito divididos – momentos muito bons e momentos muito tristes – porque
ali eu comecei a me deparar com a outra faceta do Benjamin, com a outra roupagem do
Benjamin, muito mais preconceituoso. Quando a gente é criança, adolescente, a gente
não sente muito isso; não observa muito essas coisas, mas, depois você vai ficando mais
atento; então, ali eu já comecei a perceber as diferenças, os preconceitos eram muito
248
fortes, como, por exemplo, o que aconteceu em 17 de setembro de 2004; achei a festa
mais fria, mais artificial que eu participei nesse Instituto, ao longo desses 22 anos que
conheço esta casa fundamental na minha vida.
Para mim, este atual momento é de muita tristeza, de muita angústia - porque eu
sempre esperei muito do Instituto – e o que eu vejo lá hoje no Benjamin não poderia
está acontecendo; porque é um espaço que não é nosso, a começar pela acessibilidade, a
gente tenta andar confortavelmente, mas não consegue; principalmente se estiver
usando salto alto, porque há trechos completamente esburacados na área interna do IBC.
Não há nenhuma preocupação de pelo menos tentar resolver essa questão do piso do
Benjamin. Percebo, também, que hoje em dia não há mais a necessidade do aluno cego
ou quase cego, utilizar o Braille como sistema de leitura e de escrita dele, que é oficial e
universal de leitura e de escrita do cego; não há qualquer interesse em querer difundir
mais isso. Eu vejo os meninos com baixíssima visão, achando que enxergam muito, se
considerando quase que “videntes”, e, por isso não aprendem o Braille, lêem cada vez
pior e eu vou constatando essas coisas e me dá grande desânimo e, desestímulo para
tentar lutar.
Eu vejo isso muito de perto porque eu estou lá dentro como professora do CES -
Centro de Ensino Supletivo/RJ, há quatro anos, e vejo que os meninos nos chegam
muito despreparados. Os ex-alunos do Instituto Benjamin rejeitam o Braille e querem
fazer prova oral; aí, por motivos bem claros para mim: primeiro, porque querem ganhar
uma colinha dos professores que ficam penalizados porque estão diante de um cego e,
aí, ficam muito bonzinhos – querem ganhar o reino dos céus – e dão dicas, pequenas
dicas na hora de lerem as questões e, estou muito decepcionada com o que eu tenho
visto no IBC nos últimos anos.
249
Já que a sua pesquisa trata da questão dos alunos egressos do Instituto Benjamin
Constant, o que eles são hoje, o que fizeram, eu acho que o IBC, para mim, enquanto
instituição organizada ele fez muito pouco; pois, há uma cultura dentro do Instituto, que
se o aluno demonstrar interesse ele pode caminhar sozinho. Mas, se ele demonstrar
desinteresse ele também vai caminhar sozinho. Esse interesse é algo que só sai dele, não
há nenhuma preocupação, ou dedicação para que ele desenvolva isso, se ele não tiver. É
como se não pudesse surgir, é como se fosse nato e, na verdade não é, pois sabemos que
o processo de ensino-aprendizagem é uma constância de demonstrações, de
necessidades, de preocupações, de companheirismo, de parcerias, de relacionamentos e,
essa relação de professor x aluno no Instituto, a meu ver, ela foi sempre problemática.
Hoje não tenho dúvida de que esteja bem pior, até porque os alunos hoje no Instituto
são quase que fantasmas, o Instituto perdeu o seu referencial de escola, em minha
opinião.
Sei que estou sendo um pouco radical, mas, pelas observações que eu tenho
feito, quando eu vejo o Ministro da Educação muito preocupado com o “parque gráfico”
do Instituto, para entregar livros Braille para o Brasil inteiro e aí? Sabe daquela coisa de
você arrumar a casa quando a visita chega, ou você fazer uma comida muito gostosa
para a visita; embora no dia a dia você não coma essa comida, você come qualquer
coisa. É assim que eu percebo o Instituto, nesse processo todo de decadência que ele
está vivendo.
Eu lamento muito, porque eu me considero, orgulhosamente, ao contrário do que
foi dito uma vez por uma professora do próprio Instituto em um seminário de educação
especial ou inclusiva, eu me lembro bem, ela defendendo a escola inclusiva. Ela é
professora do Instituto, disse que o Instituto é muito paternalista, é muito
assistencialista. Fato é que comigo e vários outros colegas meus que você os conhece
250
muito bem, esse paternalismo e esse assistencialismo funcionaram porque hoje em dia
somos trabalhadores, ingressamos no Serviço Público, por concurso, por mérito próprio,
é claro pela ajuda de ledores e de alguns familiares. Temos as nossas casas, temos a
nossa própria vida, temos a nossa vida social, dirigimos a nossa economia, dirigimos o
que queremos fazer, nos permitimos determinados lazeres, escolhemos até os nossos
amigos. Então, esse paternalismo que essa professora se referiu, em tom de crítica, eu
tenho que agradecer porque o paternalismo que tive foi esse: receber o material em
Braille, material que todos os cegos deveriam ter. Além disso, eu e meus colegas
tivemos cama para dormir sossegadamente depois de um dia de estudo, pois éramos
internos. Morávamos muito longe; eu morava em Santa Cruz da Serra, e às segundas-
feiras para eu chegar ao Instituto eu tinha que acordar às quatro horas para chegar às
sete horas da manhã. Tomava dois ônibus lotados, passando pela Central do Brasil que
sempre foi uma área de risco. Então, havia tranqüilidade durante a semana, embora a
comida fosse muito ruim, o banho frio e os banheiros sujos. Além disso, tinha medo de
caminhar nos corredores à noite, pois tinha colegas às vezes violentas, inspetoras
grossas e rudes e, apesar de tudo isso, poder deitar às dez horas da noite e acordar às
seis horas da manhã - com o sinal de alerta -, era muito bom, porque bastava levantar da
cama, tomar um banho, tomar um café - quando dava para tomar - porque às vezes a
manteiga estava rançosa e o café não estava bom. Mas aquilo ali nunca pesou para que
eu deixasse de estudar.
Eu tive sorte, à época, dos meus pais terem grande preocupação comigo, e, eu
tinha realmente um aparato nesse sentido. Dentro da vida humilde que eu vivia, era uma
família pobre, meu pai era frentista e a minha mãe dona de casa, mas, eu e minha irmã
sempre tivemos biscoito e leite em pó para matar a fome, porque a comida era muito
mal feita; acho que feita sem carinho, sem amor, e isso fazia falta. Mas eu reforço que
251
não foi motivo para desistir. Então esse paternalismo eu não consigo perceber não. Pelo
contrário, acho que até havia certo descaso, pois, se eu quisesse fazer a aula à tarde eu
fazia; se não quisesse, não fazia. Logo, eu não chamo isso – falsa liberdade - de
paternalismo. Eu acredito que o termo apropriado para esse comportamento
institucional é falta de compromisso com a educação. Então, não se tratava de descobrir
talentos, não se justificava a nossa estada ali, nos cobrando realmente aquilo que deveria
ser cobrado, exigindo com disciplina mais rígida, mais inteligível e compreensível,
porque o que não era permitido não era compreensível. Como por exemplo, você
telefonar no orelhão para a sua família à tarde, não havia essa possibilidade. Quando eu
entrei lá a gente só podia telefonar para a família de 13 às 13h30min, era um absurdo.
Eu, como historiadora, fico impressionada com a rapidez, com a aceleração de
tantas mudanças ocorridas no Instituto Benjamin Constant. Por exemplo, as meninas e
os meninos sem a exigência de usar o uniforme, e em minha opinião, o uniforme além
de simbolizar o compromisso, identifica quem o usa como integrante de uma
comunidade. Então ele ajuda na formação de uma comunidade. E quando você vê um
aluno usando uma bermuda vermelha, uma aluna usando uma saia roxa ou um short
azul, um menino de chinelo, outro de quichute, outro de boné, enfim, é como se eles
estivessem na casa deles. Eu não gosto do Instituto Benjamin Constant ser considerado
como minha casa – ele não é minha casa – ele é um educandário e, como uma
instituição de educação ele deve ditar regras que devem ser respeitadas para manter um
padrão de “normalidade”, porque burlar as leis é muito legal, mas quando elas existem.
Hoje em dia não faz mais nem sentido você querer fazer uma coisa que parece proibido,
porque nada mais é proibido.
A minha preocupação maior em tudo isso é que daqui a alguns anos eu não
consiga mais visualizar nenhum bom fruto do Instituto. Será que vai ter algum aluno
252
saído de lá, egresso, dos primeiros anos desse Terceiro Milênio e entrando como
servidor de um Tribunal? Entrando como professor de um Colégio Militar? Ou fazendo
uma Universidade Pública? Será? Porque nós temos aí sinais perigosos. A universidade
está com quase 100 alunos cegos e, grande parte deles, sem condição inclusive de fazer
um vestibular, ex-alunos do Instituto, ex-reabilitandos do Instituto, por conseguinte, o
que fizerem o nome do Instituto estará por trás. Que nome o Instituto terá para zelar se
ele não contribuiu em nada para isso? Em nada mesmo, é como eu disse, na minha
época se fez muito pouco, mas, hoje se faz menos ainda. Na minha época, pelo menos
tinha espaço para estudar, espaço para movimentar, sentia-me gente, acreditava que eu
ia crescer, por isso que eu cresci.
E esse aluno de hoje do Instituto ele acredita nele? Ele tem condições de
acreditar nele diante de tanto preconceito que ele sofre lá dentro, desde cedo. Outro
agravante em tudo isso é o excesso de terceirização. Nada contra os terceirizados, mas
contra o sistema de terceirização. Por quê? Porque no IBC há várias especificidades,
tem que ter um binômio – afetividade e afinidade. Completado esse binômio a gente
parte para outro, aliás, é um trinômio: a sensibilização, a conscientização e a
capacitação. Pois, a capacitação sem a conscientização e a sensibilização é impossível
de ocorrer. E, muito mais impossível de ocorrer, é quando esse cidadão não está afim do
que faz e sem afetividade pela comunidade na qual está inserido.
Nós somos feitos de afetividade e afinidade; para nós gostarmos do que fazemos,
precisamos gostar de quem, por quem e com quem estamos fazendo. Porque muito mais
importante “de que” e “por que” é o “por quem”. E, eu percebo que o aluno atual do
Instituto é um objeto. Ele é o objeto do Instituto, ele é a razão do Instituto funcionar, de
existir. Mas não é para ele que o Instituto existe, tem que haver um convencimento
coletivo de que o Instituto existe para o cego – é a instituição de educação para cego – e
253
está perdendo essa característica, então você me desculpe esse meu depoimento
extremamente crítico, amargo, mas é o retrato do que eu estou observando hoje. Aquele
17 de setembro para mim, ficou muito mais claro. Eu não vi um grupo de pagode no
pátio, um violão tocando no pátio. Que é isso? Cadê esses alunos que por eles mesmos
procuravam a sua forma de se divertir? De uma maneira saudável, uma brincadeira que
juntasse todo mundo que se gostasse.
A gente não pode perder isso, Carmelino. Eu pelo menos não posso perder isso.
Por que se não eu vou acreditar que nada disso está valendo a pena, que nem esse seu
trabalho de fazer essas entrevistas está valendo a pena. Por que esse trabalho ele tem
que ser feito de dentro pra fora. Nós temos que nos resolver. Nós todos, professores,
alunos, técnicos administrativos, voluntários, enfim, todas as pessoas que compõem o
corpo do Instituto. Então é isso, você me desculpe se eu não atingi aquilo que você
pretendia nessa entrevista livre. Mas, eu não poderia ser diferente porque eu não seria
eu. É uma coisa que eu aprendi ao longo desses anos: se eu deixar de falar o que penso,
se eu deixar de expressar o que sinto, eu vou perder o meu referencial, porque é o
tempo inteiro a pessoa cega sendo tratada: “é aquela cega, é o ceguinho”. Existe uma
luta muito grande no sentido de ter que provar que eu não sou uma ceguinha. Que eu
sou uma pessoa cega, mas, antes de ser cega eu sou uma mulher, e antes de ser uma
mulher eu sou uma pessoa, eu tenho um nome, tenho um único nome, que é um direito
indisponível, tenho uma personalidade jurídica, inclusive. Tenho o direito de falar o que
eu penso, quando eu posso, tenho os meus limites, tenho as minhas limitações, como
qualquer outra pessoa tem. Dentro de níveis diferentes, eu tenho direito de estar nesse
mundo e buscar um mundo melhor do que esse que nós estamos vivendo.
É isso, eu torço para que o seu trabalho tenha resultados realmente positivos,
para você e para nós todos que participamos e acreditamos em você, e que dedicamos
254
essas horas de conversa e, da minha parte, com muito respeito ao que você está se
propondo a fazer. Obrigado.
7.6 - Isaura
Eu acho que a gente explorou bastante a questão da escola inclusiva e da escola
especializada. É importante que fique claro que a gente não é contra nenhum tipo de
escola, desde que o trabalho educacional seja feito com preocupação pelo futuro do
aluno. Que o centro da atenção seja a vida, o futuro do aluno, a conquista da cidadania
do aluno. Que a criança tenha direito futuramente a uma profissão, a ter sua vida
independente, a ter sua família e não ser esmagada, derrubada na sua auto-estima, no
seu valor como ser humano, que ela possa construir a sua identidade.
O que acontece, são alguns profissionais interessados em construir suas carreiras
ou se tornar importantes na história do cego, se tornar nomes. Não estão olhando para
trás para ver tudo que o próprio cego já conquistou e que lutou para ter. E ter apropriado
de conquistas que um dia foram nossas; pois, na realidade o cego, há muitos anos
procura a escola comum. Mesmo porque aqui no Instituto nunca existiu o curso médio,
o segundo grau, o clássico, a faculdade, o nome que tenha a cada época. Então, desde
que foi exigido pela legislação brasileira que para ser professor, a pessoa tinha que fazer
o curso normal, o cego correu atrás para fazer o curso normal e, não foi nenhum
especialista que deu esse direito a ele.
O próprio Instituto existe porque o cego correu atrás e conseguiu falar com o
Imperador que se interessou. Não houve nenhum especialista que chegou aqui e disse:
“Não Majestade, lá na França os cegos fazem isso e aquilo”. O Imperador viu o cego
fazer mesmo. O cego que tinha poder aquisitivo e pôde ir para a França estudar. No caso
da educação do cego existe muita demagogia, como existe em toda a educação. A
255
educação é um “prato” para os interesses políticos do pessoal. Fazem-se muitos
discursos, mas a condição econômica está bem parecida com o que sempre foi. O
discurso, os papéis, as letras tudo é uma beleza.
A luta quanto ao preconceito; eu acho que quando o cego procura o seu
emprego e chega à rua e se impõe, diz o ônibus que ele quer pegar, mostra para onde ele
quer ir, que ele sabe onde estar, é quando o cego tem consciência de querer o seu
direito.
Eu estava dizendo que o cego, muitas vezes assimila essa posição que a
sociedade apresenta; esse lugar que a sociedade dá a ele, de vítima, de incapaz. Então o
cego, muitas vezes, também quer só direitos e, poucos deveres. Outro assunto polêmico,
diz respeito às reservas de vagas em concursos, provas – estas coisas muito
controvertidas - de vagas específicas. O pessoal briga muito por gratuidade em tudo, e,
às vezes, pessoas que absolutamente não precisariam de gratuidade e de reservas; mas
as pessoas brigam por elas, como se fosse coisa indispensável para se ter uma
independência. Infelizmente tem muita gente que está conseguindo se empregar graças a
isso e, aí, é a grande faca de dois gumes.
Por isso, os cegos ainda não conseguiram se organizar como muitos grupos de
minorias conseguiram. Os afros descendentes, por exemplo, conseguiram chegar a um
acordo – porque muita gente acha que reserva de vagas para eles nas universidades é
importante - já outros, não concordam com isso, porque na verdade não se oferece
educação de qualidade nem para os afros descendentes, nem pra os cegos, nem para os
pobres. Faltam recursos e fica a gente brigando. A agente não quer sofrer
discriminações na rua, ser chamado de ceguinho, não quer que neguem oportunidade
para gente, mas, muitas vezes a gente também pede oportunidades, pede direitos que
também não teria. Então essas questões são muito controvertidas, são coisas muito
256
difíceis, por isso é que de repente têm tantas identidades representativas, tantas brigas e
é por aí.
O Instituto poderia acompanhar o aluno quando ele saísse daqui; ter o cuidado
de acompanhar, assim: será que ele foi para o mercado de trabalho? Foi para a escola?
Por que não foi para algum lugar? Por que voltou para casa e está sem estudar ou
trabalhar? Por que o aluno saiu daqui e de repente optou por viver em uma associação?
De repente até acompanhar um pouco mais, porque a questão social e psicológica do
nosso aluno é muito complicada. Vêem-se coisas do tipo: abandono pela família;
famílias que vivem e roubam a pensão dos seus filhos; famílias que simplesmente
vivem dessa pensão e, etc.
O pai encosta na pensão do filho e, não quer mesmo que o filho progrida para
não perder a pensão. Essa, aliás, é uma questão também séria, é a história dos direitos
desnecessários. Por que o portador de deficiência tem direito a uma pensão quando é
criança, quando é jovem, quando está estudando, se outros jovens, de repente
paupérrimos, miseráveis até, não têm? Daí, muitos alunos acharem que não precisam
progredir mais nos estudos e falam: “Ah! Já tenho meu dinheirinho”. Aí você fala de
emprego para ele e, ele diz: “emprego dá muito trabalho, tem que obedecer a patrão,
chegar na hora. Ah! Estou ganhando esse salário do governo, moro na casa do meu pai,
está muito bom”.
Então, são essas coisas assim que deixam a pessoa sem vontade de lutar, ou
melhor, a luta deixa de “cabelo em pé”. Estou preocupada com a minha independência e
tem aluno que não está nem um pouquinho interessado nisso, quer continuar dependente
mesmo, porque está bom assim.
257
Após as narrativas livres de cada egresso, travaremos uma espécie de diálogo
entre eles, buscando salientar as conexões e as discordâncias com o que foi analisado
nos capítulos anteriores.
Nessa perspectiva iniciamos com Éden que começou falar de sua vida,
retratando o que o Instituto Benjamin Constant representou para ele. Declarou que foi
um oportunista porque aproveitou todas as oportunidades que o IBC lhe ofereceu.
Relembra ter morado no Instituto Benjamin Constant durante toda sua vida
acadêmica. Inicialmente, na condição de aluno interno enquanto cursava o ensino
fundamental, depois no ensino médio e na faculdade, como aluno-bolsista.312
Ainda hoje alguns alunos pleiteiam essa bolsa, e a sua concessão é feita a cada
final de ano por indicação dos membros do Conselho de Classe313, de acordo com o
Regimento Interno para bolsistas.
Aluno dedicado e muito esforçado optou pelo curso de direito em detrimento ao
curso de música, arte que demonstrava facilidade na aprendizagem. Segundo ele o cego,
em geral, se identifica bastante com a música. Por isso, é de opinião que o IBC deveria
explorar mais essa potencialidade, observada em seus alunos.
Como aconteceu com outros cegos que prestaram concurso para a magistratura
de alguns estados e não conseguiram ser aprovados, também Éden não logrou êxito
nesses concursos. Entretanto, não desanimou, continuou estudando e fazendo outros
concursos! Assim, tornou-se um respeitável defensor público e declara ter encontrado a
sua verdadeira profissão.
312 Trata-se de um programa de ajuda a alunos egressos do IBC que moravam em outros estados ou em municípios distantes do Instituto. Essa ajuda consistia em dormida, alimentação, ledores e apoio pedagógico. 313 É um colegiado, no qual o diretor da escola, coordenadores, supervisores e professores se encontram para discutir o desempenho dos alunos. O conselho pode se tornar um momento de reflexão, quando se discute as dificuldades de ensino, de aprendizagem (...). Enfim, da própria proposta pedagógica da escola para se adequar às necessidades dos alunos, como por exemplo, a indicação de aluno-bolsista.
258
Para isso, realizou vários concursos, motivo que o leva a se posicionar contra o
jovem cego se acomodar em detrimento de uma pequena ajuda ofertada pelo governo
federal, por força de legislação que ampara o deficiente.
Esclarece que há algumas décadas as dificuldades para os cegos eram bem
maiores, de forma que ficavam mais dependentes. Porém, hoje em dia, graças a alguns
meios tecnológicos – como os sintetizadores de vozes, a internet, o Braille Fácil, dentre
outros - tem sido tornada disponíveis algumas facilidades que permitem ao cego maior
independência e desenvoltura nas suas ações, como foi o caso das respostas às perguntas
que nos foram enviadas diretamente pelo correio eletrônico.
Com Juscelino começamos a entrevista brincando, dizendo que ele era filho da
ditadura, por ter nascido em 1968. Ressaltamos, ainda, que por ele ter vivido momentos
diferentes, provavelmente, essa experiência tenha sido importante para a sua vida hoje
como ex-parlamentar, como ex-vereador da sua cidade.
Foi um adolescente ligado aos movimentos associativos e desde cedo já aflorava
a sua visão política e de representatividade demonstrada nas participações grevistas e
nas campanhas em prol de um grêmio estudantil mais atuante e participativo. Defendia a
idéia de que os movimentos associativistas - cujo cunho era de rede de apoio - deveriam
transcender esse aspecto para se constituírem em forças renovadoras.
Ainda hoje acredita na participação voluntária e defende a idéia que a inclusão
social deva ser fruto de conquistas e não de imposições, a exemplo da que está sendo
proposta. Lutando em prol do bem estar coletivo, conseguiu a aprovação de projetos
abrangentes, isto é, não se ateve apenas aos projetos voltados para os cegos, mas,
também, para outros deficientes e demais pessoas marginalizadas socialmente. Embora
não tenha continuado com os estudos, tendo concluído apenas o ensino fundamental,
259
tornou-se grande incentivador para que os deficientes prosseguissem na caminhada
acadêmica.
Pode ser considerado um exemplo a ser seguido, por ter realizado algum tipo de
trabalho que viabilizou condições para que outros cegos pudessem estudar em suas
cidades, sem necessitar se afastar de seus familiares, evitando, assim, que esses
indivíduos passassem pelo sofrimento que passou, conforme declarou em sua entrevista.
Enfim, parece acreditar em uma pedagogia centrada na sua experiência.
Arnaldo dá asas à sua imaginação ao falar e ao escrever. Tem a cabeça de um
sonhador, se expressa como se fosse um filósofo, um existencialista, como por exemplo,
quando diz: “(...). Esse pensamento que eu exponho não é exclusivamente abstrato; a
linguagem pode ser, mas é o que eu sinto nas coisas mais concretas mesmo”. Afirma
que a vida é uma caminhada composta por um campo de forças extrínsecas e intrínsecas
ao indivíduo, sob o qual a humanidade se ergue e deambula.
Em sua opinião a sua cegueira foi mais circunstância que inevitável. Ao usar a
expressão “ser cego na sociedade brasileira é sentir dor”, ele não se refere exatamente a
dor física instalada em decorrência de um trauma. Mas, àquela caminhada em sentido
contrário, da qual ele se refere e cita como conseqüência dessa força em sentido
contrário, o fato de não ter conseguido realizar os seus projetos profissionais, apesar de
sua dedicação aos estudos.
Confessa que não se considera vítima e nem tampouco usa a cegueira ou a sua
condição de cego para tentar alcançar alguma vantagem pessoal. Embora tenha
consciência que em alguns casos a cegueira faça parte do problema, mas ela a seu ver
não determina a solução.
260
Da mesma forma que Éden, em Arnaldo a concepção de minoria e de
marginalidade social também está presente, principalmente, quando se refere à questão
do emprego.
Ao se referir às desigualdades, sobretudo em relação ao sofrimento dos grupos
mais frágeis, Arnaldo ressalta que os critérios que são utilizados a favor desses
indivíduos não lhe parecem os melhores. Isso porque tem observado que o vencedor
nem sempre, sob o ponto de vista ético e moral, é o mais correto. Por outro lado, se o
vencedor é ético e moral, não há derrota nas normas vitais restritas, mas na restrição da
ética e do caráter.
Referindo-se à educação recebida no Instituto Benjamin Constant e às restrições
que sofreria caso não tivesse estudado naquele instituto, afirma que se não fosse cego
não teria conseguido reunir as armas ou idéias que lhe foram proporcionadas pela
educação. Metaforicamente o IBC é o arsenal que armazena e distribui essas armas.
Por último, Arnaldo vê na cegueira a opacidade de experiência, principalmente,
quando ele fala que se não fosse cego não teria estudado e nem teria tido as
oportunidades que teve, estaria igual a seus irmãos que não estudaram. Nessa
comparação com seus irmãos ele se reporta apenas à questão social, não à questão ética
ou moral.
Quando Glória diz que é uma pessoa deficiente, cega, mas normal, ela
certamente está se reportando ao mundo que conheceu desde que nasceu. Cega
congênita, ela ao se classificar como normal está falando da sua maneira de viver, de
suas limitações para ler, escrever, locomover-se, pois esse é o seu mundo. Por outro
lado, qual é a origem dessa classificação que ela mesma faz? Da sociedade? Ou é mais
261
uma etiquetagem que ela mesma carrega, mas que não é identificatória do ser normal ou
do ser patológico.
Das três egressas entrevistadas, Glória é a única que é mãe: tem um casal de
filhos adolescentes, dos quais cuida desde que nasceram. Dedicou-se inteiramente aos
filhos e ao marido, optando, portanto, por uma vida doméstica voltada para o lar e para
a educação dos seus descendentes.
Tal como Arnaldo, a imagem da luta prevalece. Isto é, a cegueira faz parte, mas
não determina. Assim, ela afirma que primeiro cuida dos filhos e depois dela mesma. E
foi com essa decisão que Glória recentemente concluiu o magistério e está pretendendo
fazer um curso superior. Mas retornar a estudar somente foi possível depois que seus
filhos tornaram-se adolescentes.
Por fim, a sua coletividade hoje em dia é rica. Ela construiu uma família e o seu
papel de mãe a faz lutar, esquecendo às vezes de sua condição de mulher cega.
Jurema se auto referenda. A sua história de vida é sua auto-referência. Sua
narrativa é histórica e clássica, ordenada cronologicamente e nomeando os personagens
e construindo seu enredo através da vida acadêmica e de uma história social das
técnicas.
Enquanto Juscelino ao falar sobre a inclusão o faz apontando os projetos de
capacitação de recursos humanos que desenvolveu quando era vereador, Jurema
também o faz colocando-se na condição de professora, apontando para a problemática
da inclusão nas escolas comuns.
Comenta que as mudanças de um modo geral estão ocorrendo muito rápidas, e o
que acontece no Instituto Benjamin Constant não é muito diferente do que está
acontecendo em outros estabelecimentos de ensino. É o caso, por exemplo, da falta de
262
leitura. Acontece que não são somente os cegos que não estão lendo; os alunos que
enxergam também estão abandonando a leitura.
Os meninos e meninas por aí estão falando uma linguagem cifrada, rápida,
codificada, quase que algorítmica, aos moldes da velocidade de comunicação do
computador. Assim, os cegos estão também no meio desse vértice, a mercê das
mudanças sociais supersônicas e de seus inconscientes.
O discurso de Jurema aponta para o Instituto Benjamin Constant e o momento
atual, focalizando o sentido da educação para os cegos: sensibilização, conscientização
e capacitação. Esse trinômio é uma seta no sentido do empoderamento. E parece que
para ela, nas atuais circunstâncias do mundo, o IBC não faz isso. A impressão que ela
passa é que ele se “deita” no berço de instituição de ensino especial, no sentido de
recortar sua clientela e dirigi-la para um estudo “profissional”, não dialógico com as
transformações a que se vem assistindo. Mas será que isso é uma característica ou
“falha” particular do IBC? Será que isso não está acontecendo na educação em geral? O
IBC não é um “oásis” e “especial” ele simplesmente está incluído na problemática em
geral que atravessa a educação brasileira.
A idéia dela de coletividade/comunidade, manifestada pela sua frase “nós temos
que nos resolver”, revela sua preocupação com o Instituto Benjamin Constant atual,
diferente daquele de algumas décadas passadas.
Talvez caiba discutir o que está escrito na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e
contrapor ao “estado da arte” da educação brasileira e sua inclinação para o mercado de
trabalho, nomeado como um fim, mas que pela sua própria constituição restritiva, e no
meio de um mundo globalizado, não dá conta da inclusão quanto mais quando o sujeito
263
a ser incluído possui uma deficiência ou uma restrição nas suas normas vitais que o faz
constituir uma outra norma para a sua vida, mas que a sociedade não consegue enxergar.
Será que a educação inclusiva garante a inclusão desses indivíduos no mundo do
trabalho, cuja elasticidade ou a arquitetura no Brasil é de exclusão?
Isaura começa sua fala retornando à questão do empoderamento e esclarece que
não é contra a nenhum tipo de escola, apenas realça que o importante é o futuro do
aluno. Dessa forma as atenções devem estar voltadas para a sua conquista profissional e
de sua cidadania.
Assim como Jurema, que se refere à “comida bonita da visita”, Isaura também
faz referência a idéia das “políticas públicas para os outros verem”, ou seja, diz ela:
“fazem-se muitos discursos mas a condição econômica está bem parecida com o que
sempre foi”.
Quando ela levanta a questão da importância do IBC realizar o acompanhamento
dos seus egressos, acredita que essa proposta não se justifica em função da
especificidade do sujeito ser cego, mas, parece relacionar-se às questões sociais e
políticas.
Além disso, o Instituto Benjamin Constant na condição de Centro de referência
Nacional para as questões voltadas para a deficiência visual, deveria ter dentre suas
finalidades a de verificar o tipo de produto que a sua escola está formando.
Nesse sentido, o IBC poderá acrescer ao seu projeto político pedagógico, além
das exigências políticas emanadas pelos diversos instrumentos legais, outras decorrentes
das mudanças do mundo moderno e das informações colhidas entre os seus egressos.
Após fazer uma pequena síntese analítica sobre cada um dos entrevistados e suas
posições na questão “ser cego na sociedade brasileira”, pinçamos alguns fragmentos que
264
corroboram as posições anteriormente apresentadas, salientando os pontos de
concordância entre eles, como se estivesse havendo uma espécie de diálogo. Daí se
constata que embora existam algumas singularidades entre os egressos, cada um deles
apresenta uma peculiaridade que caracteriza e define sua identidade social, política e
profissional.
Assim, vimos em Éden um defensor dos direitos do cidadão; em Juscelino um
político; em Arnaldo um sujeito introspectivo e filosófico: em Glória o papel da
constituição da família e de mãe; em Jurema a sua trajetória histórica de vida e a
cegueira e em Isaura a constatação de preconceitos e o empoderamento.
Ao longo das narrações dos egressos já foram surgindo gradativamente alguns
pontos de concordância, de forma que ao analisar as falas ao término das entrevistas
podemos visualizar as seguintes congruências:
preocupação em torno do ensino do Braille, que está deficitário e gerando,
consequentemente, o abandono desse sistema;
o futuro dos cegos nas escolas inclusivas nos moldes que estão sendo propostos;
a falta de sensibilização da sociedade no que diz respeito às potencialidades dos
cegos, a qual reflete negativamente no mundo do trabalho;
a questão da independência e da autonomia do cego como necessidade pessoal e do
aumento de sua auto-estima;
a necessidade de que sejam constituídas entidades representativas, a fim de que os
cegos possam se estruturar melhor até para reivindicar seus direitos e lutar pelas
questões que julgarem importantes para a melhoria da qualidade de suas vidas;
a importância da existência de bons ledores, principalmente, por ocasião dos
concursos, cujas provas não são disponibilizadas em Braille;
265
a importância do Instituto Benjamin Constant na formação do cidadão cego;
a ausência da atuação do Instituto Benjamin Constant no acompanhamento de seus
egressos, tanto na parte acadêmica quanto na profissional.
Esses pontos de concordância anteriormente elencados foram, inicialmente,
discutidos pelos egressos, entretanto, retornaremos a falar sobre eles nas considerações
finais.
266
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que nos inspirou a empreender esta pesquisa, inicialmente, foi um convite que
nos fora feito em 1996 pela Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (SEMTEC), do
Ministério da Educação, para conhecer um “novo programa” que estava sendo
desenvolvido por aquela secretaria, com vistas a aplicá-lo nas pesquisas que eram feitas
com seus egressos.
À época éramos o diretor-geral do Instituto Benjamin Constant (IBC) e ficamos
bastante interessados em desenvolver pesquisa semelhante junto aos ex-alunos do IBC.
Apesar desse interesse, entraves técnico-administrativos impediram que a pesquisa
avançasse.
Não obstante esses “entraves”, a idéia foi pouco a pouco sendo amadurecida e
materializada em dezembro de 2002 – já no final do nosso mandato – com a realização
do I Encontro de Egressos de Instituto Benjamin Constant, cujos resultados fazem parte
do terceiro capítulo desta tese.
Como não podíamos realizar a pesquisa com todos os egressos desta
sesquicentenária Instituição, optamos por fazê-la apenas com os ex-alunos que
concluíram a oitava série do ensino fundamental entre os anos de 1985 a 1990. Isso
porque havíamos consultado a Secretaria Geral do IBC e fomos informados que os
alunos que concluíram a oitava série nesse período, o fizeram com idades entre 15 e 24
anos.
Assim, considerando essas duas idades, tínhamos o seguinte quadro: os alunos
que concluíram o curso em 1985 estariam em 2005 com 36 e 44 anos e os que
concluíram em 1990 estariam com 30 e 36 anos (Gráfico 2 p. 82).
267
Daí poder-se considerar que essa faixa etária seja suficiente para a pessoa
concluir o ensino médio, o superior, qualificar-se profissionalmente, engajar-se no
mundo do trabalho, constituir família, dentre outros acontecimentos, mesmo tratando-se
de pessoas com necessidades especiais.
Uma outra importante constatação percebida a partir da análise das fontes
primárias referiu-se à variedade das doenças oculares apresentadas por esses egressos
(Gráficos 7 e 8).
O levantamento realizado nos prontuários médico-oftalmológico apontou para o
seguinte: dos 89 egressos que concluíram o ensino fundamental no período em estudo, a
patologia ocular predominante foi o glaucoma congênito, com 17 casos,
correspondendo a 19,19% do total. Desses 17 alunos, 64,71% eram do sexo masculino e
35,29% do sexo feminino.
A segunda maior incidência foi a retinose pigmentar, com 9 casos,
correspondendo a 10,11% da totalidade. Desses nove alunos, 33,33% eram do sexo
feminino e 66,66% eram do sexo masculino.
Em terceiro lugar surgiram duas doenças oculares: a atrofia óptica e o leucoma,
apresentando 7 casos cada uma delas, equivalente a 7,86% do total de alunos. Daqueles
que apresentaram atrofia óptica 71,43% eram do sexo masculino e apenas 28,57% do
sexo feminino. Quanto ao leucoma, 57,14% eram do sexo masculino e 42,86% do
feminino.
Em quarto lugar apareceu a catarata congênita, com 5 casos, ou seja, 5,62% da
totalidade. Desses 5, 80% foram do sexo masculino e apenas 20% de sexo feminino.
Em quinto lugar apareceram novamente duas patologias: degeneração da retina
e glaucomas + catarata, com 3 casos cada uma delas, compreendendo a 3,38% do total
268
de alunos. Ambas as patologias apresentaram 66,67% de casos do sexo masculino e
33,33% de feminino.
Em sexto lugar, sete patologias: miopia + estrabismo (albinismo); foco de
corioretinite + miopia + astigmatismo; ambliopia; enucleação; anirídia congênita +
nistagmo; buftalmia e miopia + astigmatismo + amblipia, apresentaram 2 casos cada
uma delas, num total de 14 alunos. Desses 14, 28,57% eram do sexo masculino e
71,43% do sexo feminino.
As demais patologias, num total de 23, apresentaram um caso cada uma delas,
sendo 56,52% do sexo masculino e 43,48% do feminino.
Dessa forma, a prevalência das causas da cegueira entre os egressos foi
semelhante àquela apontada por Gonçalves et al (2005) cujas doenças são: a catarata, o
glaucoma, o diabetes (via retinopatia diabética e suas complicações) e a degeneração
macular relacionada à idade. Contudo, ressalta-se que Gonçalves referiu-se à cegueira
no adulto e, as informações relacionadas aos sujeitos deste estudo, reportam-se à época
da matrícula desses egressos no Instituto Benjamin Constant, portanto, ainda crianças
e/ou adolescentes, conforme demonstrado no gráfico três. Logo, não se pode, nesse
caso, considerar para estes egressos a degeneração macular relacionada à idade e a
catarata, cuja incidência desta foi apenas de cinco casos, o equivalente a 5,62% do
grupo em estudo, mesmo assim referindo-se à catarata congênita.
Segundo alguns egressos, a matrícula tardia na escola pode ter ocorrido, em
alguns casos, devido à tentativa dos pais na “busca da cura” de seus filhos em igrejas
evangélicas, centros de macumbas e outras alternativas. Uma vez descartadas essas
possibilidades, “retornam à realidade e ao conformismo da cegueira”, começando outra
“peregrinação” pela busca de escola que aceitem seus filhos. Alguns desconheciam a
269
existência de escolas especializadas, como por exemplo, o Instituto Benjamin Constant,
e outros, não sabiam que crianças cegas poderiam estudar.
Por outro lado, ressaltamos que muitos dos alunos que foram matriculados na
Classe de Alfabetização já haviam sido alfabetizados “à tinta”. Entretanto, por terem
perdido a visão tiveram que aprender o Sistema Braille fez-se necessária. Daí, talvez, a
justificativa da matrícula de alunos na Classe de Alfabetização em idade mais avançada,
conforme demonstrado no gráfico nº 4.
Outra justificativa de matrícula de egressos com faixa etária elevada em outras
séries (gráficos 5 e 6), refere-se a alunos oriundos de escolas comuns, os quais foram
submetidos a teste e não conseguiram ser matriculados nas séries que pretendiam,
havendo, portanto, um retrocesso.
Observamos, também, que alguns egressos, devido a suas doenças oculares
necessitavam de controle periódico e cuidados constantes. Por isso compareciam com
maior freqüência ao oftalmologista que outros. As causas que motivaram essas visitas
médicas foram diversificadas, sendo as queixas mais comuns dor no olho; solicitação de
laudo oftalmológico; hiperemia conjuntival e secreção; lacrimejamento, ardência e
prurido; cirurgia ocular; curativos e outras menos freqüentes, como, por exemplo,
mordida do colega na pálpebra superior (Tabela 03, p. 334).
Daí o seguinte questionamento: Como seria a vida desses egressos se eles
tivessem estudado na escola comum? Será que essa escola teria condição de prestar
algum tipo de serviço para solucionar os problemas oculares desses alunos, como
cirurgias, colocação de próteses, curativos, retirada de corpo estranho do olho tão
comum às crianças, ou mesmo encaminhá-los para os Centros de Saúde ou Hospitais
Públicos, de forma que esses procedimentos pudessem ser realizados?
270
Procuramos analisar as três partes que compõem esta pesquisa, situadas em
momentos diferentes, de forma que nos foi possível inicialmente tecer as seguintes
considerações:
As discussões a respeito da integração da pessoa portadora de deficiência –
como era conhecida antes – tem sido constante nos “Quatro Cantos da Terra” e, se
tornado mais acirrada a partir do término da Segunda Guerra Mundial, com o
surgimento da Reabilitação e a conseqüente luta para re-integração dos “mutilados de
guerra” no mundo do trabalho.
À medida que o direito do homem à igualdade e à cidadania tornou-se motivo de
preocupação de chefes de nações e de entidades como a ONU e a UNESCO essas
discussões tomaram outro rumo tornando-se um problema mundial, de forma que
Governantes de todo o Mundo preocupados com essa questão têm se reunido para
discutir o assunto. Com isso, uma nova ética se impõe, conferindo a todos igualdade de
valores, igualdade de direitos e a necessidade de superação de qualquer forma de
discriminação por questões étnicas, sócio-econômicas, de gênero, de classes sociais ou
de peculiaridades individuais mais diferenciadas.
Assim, convenções, decretos, leis, portarias e outros instrumentos, têm se
convertido em meios legais utilizados pelas pessoas com necessidades especiais, para
conseguirem participação igualitária na sociedade.
Mas, será que esse tratamento igualitário como consta na Lei Magna Brasileira –
a Constituição da República Federativa do Brasil – que garante “que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” é cumprido à risca ou se aplica à
pessoa com necessidade especial?
A respeito dessa “igualdade” o saudoso Rui Barbosa já alertava em seus
discursos que “os iguais deveriam ser tratados com igualdade e os desiguais com
271
desigualdade”. Logo, se considerarmos as peculiaridades dos deficientes visuais,
sobretudo as dos cegos, que são diferentes porque não enxergam, porque se orientam e
se locomovem diferentes e porque lêem e escrevem diferentes, somos levados a
concordar com Rui Barbosa no sentido de que essas pessoas tão especiais devam ser
tratadas de forma desigual, justamente porque elas não são iguais às demais.
Daí, a pertinência das falas de alguns egressos quando clamam por tratamento
desigual, como, por exemplo, realizar suas provas em Braille; ter apoio diferenciado
para aquelas matérias que exigem mais da visão; utilização de equipamentos específicos
para cegos como a reglete, a máquina de datilografia Perkins ou o computador com
programas especiais instalados; ter a ajuda de ledores qualificados, dentre outros.
Além disso, há no mundo do trabalho certas tarefas cuja execução depende da
visão. Logo, para que os profissionais cegos possam desempenhá-las elas devem sofrer
algumas adaptações. É o caso, por exemplo, de indicações em Braille para orientar
esses profissionais, ou outros dispositivos orientadores. Enfim, elas necessitam ser
diferenciadas a fim de dar segurança e facilitar a sua execução.
Por outro lado, existem outras situações que apesar de não se constituírem em
tratamento diferenciado, o cego depende totalmente da ajuda de terceiros, ou da
utilização de aparatos tecnológicos para realizá-las. São situações, como por exemplo,
ter que ler um documento; ficar a espera da ajuda dos colegas para ler o que está escrito
no quadro negro e não ter a compreensão de alguns professores, que declararam que “se
quisessem dar aulas para cegos teriam feito concurso para o Instituto Benjamin
Constant”; ter que ficar no ponto do ônibus esperando uma pessoa que lhe coloque no
ônibus correto, dentre outras situações.
272
No capítulo “considerações acerca da deficiência visual”, vimos que desde os
primórdios da civilização, dentre as práticas humanas, a educação tem sido a que mais
tem se destacado.
Assim, através das épocas ela tem sido considerada da seguinte forma: na
antiguidade primitiva – era voltada para a satisfação das necessidades cotidianas; na
antiguidade clássica – a educação era somente para os homens livres, de forma que os
guerreiros os escravos e outros se constituíam em classes inferiores e não tinham direito
à educação acadêmica; na idade média – a educação integral era para o clero e para a
nobreza, sendo vedada para a classe dos trabalhadores; no renascimento – caracterizou-
se por importantes descobertas como a bússola, a imprensa, a pólvora, dentre outras,
que exerceram influências sobre as idéias pedagógicas. Entretanto, a educação ainda
não era para todos, sendo disponível apenas para o clero, os nobres e para a burguesia
emergente; na idade moderna – surge uma nova classe que se volta contra os modelos
vigentes, gerando, em conseqüência, uma teoria educacional revolucionária para a
época, recomendando que o processo civilizatório devesse ser universal, isto é,
extensivo a todos os seres humanos. Contudo, essa “universalidade” não se referia a
todos os indivíduos, indistintivamente, pois os lemas eram: à classe dirigente –
educação para governar; à classe trabalhadora – educação para o trabalho. Assim, o
direito era de acordo com a classe social; no pós moderno – surge a atitude dialética
que procura pontuar a macro e a micro relação do poder entre a escola e a sociedade, de
forma que a educação passa ser ato pedagógico e também político, valorizando o
educando como cidadão.
Enfim, a filosofia e as práticas segregacionistas do passado tiveram grande
influência na educação e, conseqüentemente, na inserção comunitária das pessoas
portadoras de deficiência.
273
Logo, dentro dessa visão segregacionista foi criado em 17 de setembro de 1854
o Instituto Benjamin Constant - a primeira instituição de educação para cegos da
América Latina – que ainda carrega essa marca, talvez por ainda manter um internato.
Por razões educacionais, sociais, entre outras, consideramos que a realização
deste I Encontro não foi meramente uma tarefa acadêmica, mas, pautou-se na
necessidade de levantar subsídios que pudessem ajudar na construção de uma política
para o Instituto Benjamin Constant, tendo em vista algumas mudanças decorrentes das
transformações pelas quais ele vem passando, como por exemplo, a sua transformação
em Centro de Referência Nacional para as questões voltadas para a deficiência visual;
as mudanças preconizadas pela Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 no que diz
respeito a educação inclusiva, dentre outras.
Para iniciar esta pesquisa convidamos os egressos do período em estudo para um
grande encontro que se constituiu no I Encontro de Egressos do IBC. Tendo em vista a
falta de atualização dos endereços dos ex-alunos, cerca de 50% dos convites que lhes
foram enviados retornaram. Assim, compareceram ao Encontro apenas 56 dos 89
egressos.
Ressalta-se, também, que foi a partir deste I Encontro que foi possível elaborar
as questões enviadas aos egressos, construir as temáticas para as entrevistas e eleger os
seis egressos para participarem dessa fase.
Além disso, sublinha-se a importância das questões levantadas pelos egressos –
conhecidas e vivenciadas por eles – que foram fundamentais para fazer o contraponto
entre a escola especializada e a escola comum e que serão discutidas mais à frente.
274
Por tudo isso, afirmamos que o Encontro foi importante porque possibilitou
trazer para a discussão questões que não figuram nas finalidades regimentais do
Instituto Benjamin Constant, em que pese sua relevância.
Várias questões levantadas pelos egressos merecem ser discutidas
administrativamente no âmbito do Instituto Benjamin Constant, pelo seu Conselho
Diretor ou mais amplamente, com todos os segmentos da comunidade interna que são
associações, grêmio estudantil, docentes, técnicos administrativos e discentes, ou em
instância mais avançada com o Ministério da Educação.
Duas dessas questões: a manutenção do internato e a permanência diária das
mães no interior do Instituto mantêm estreita relação, pois, ambas parecem tratar de
uma situação sócio-econômica dos pais.
Outras questões, também relevantes, são apresentadas no final destas
considerações e merecem tratamento idêntico.
As respostas às seis questões enviadas pelos egressos, se constituíram em uma
mostra da trajetória de vida desses ex-alunos a partir da chegada ao IBC, e foram
oriundas de suas experiências, lutas, desilusões, dificuldades e conquistas.
Assim, vimos nessas respostas a manifestação dos seguintes sentimentos:
Sentir-se cego numa sociedade exclusiva - é ser tratado como uma criança, cuja mãe
responde por ela. As pessoas dificilmente se dirigem ao cego, mas, ao seu guia ou
interlocutor, como se ele fosse incapaz. Viver com o estigma da cegueira - é, antes de
qualquer coisa, possuir muita coragem e força. Talvez, por isso, a referência feita por
um dos egressos, que seria “matar um leão diariamente”, até para evidenciar essas
qualidades que certamente o leão as possui. A respeito da adolescência e cegueira - o
convívio com iguais da mesma faixa etária e condição visual possibilita descobertas e
275
trocas que geralmente não ocorrem no ambiente familiar. Ser jovem e cego, o ensino
médio e a universidade – é um grande desafio, pois se trata de um caminho inseguro e
penoso que envolve muitas incertezas. Além disso, é uma constante superação de
barreiras e descréditos, agravado pela falta de equipamento, material didático
apropriado e professores especializados. Enfim, é tentar transportar para a mente um
gráfico que o professor está colocando no quadro negro. O jovem cego e o seu
primeiro emprego – Essa situação, a princípio, deve ser analisada em conjunto com os
problemas da pobreza e da exclusão social. Da mesma forma que acontece com a
entrada na escola comum, no primeiro emprego o cego é também recebido com esse
“misto”: reserva, descrença, curiosidade e até admiração. Somente após algum tempo,
quando demonstram o seu poder laborativo, o preconceito é extinto. Ser cidadão cego –
Parece está ligado ao direito de poder participar das decisões da sociedade, para
melhorar não só a sua vida, mas, também, a de outrem e contribuir para o
desenvolvimento da nação, sustentado na democracia, nos direitos humanos e na
inclusão social. Entretanto, segundo os egressos do IBC, ser cidadão cego é viver numa
constante briga pelos seus direitos. É também uma conquista; até porque muitos cegos
internalizam com facilidade a condição de inferioridade que a sociedade os atribui. Por
outro lado, o cego é um cidadão com deveres e direitos, com necessidades específicas
que precisam ser atendidas, mas, de forma alguma se torna menos cidadão que outro.
Enfim, segundo os egressos a cidadania total somente é conquistada quando a
pessoa pode gozar de todos os direitos previstos na Constituição Federal, inclusive o
direito de ter um trabalho decente que lhe renda o suficiente para prover o seu próprio
sustento e o de sua família.
Quanto à inserção no mundo do trabalho, ressalta-se que o deficiente visual
conquistou espaço bastante expressivo, principalmente, nos serviços públicos.
276
Entretanto, nas empresas parece que ainda existe alguma resistência para receber o
cego. Apesar da existência da lei das quotas – que disciplina a contratação de
deficientes – a não contratação pelas empresas privadas talvez seja justificada pela falta
de qualificação do deficiente visual. Por isso, a maior absorção de egressos foi através
do serviço público, conforme demonstrado no gráfico 10. Destaca-se, ainda, que mais
da metade dos egressos que trabalham nas empresas privadas, prestam serviços às
Prefeituras Municipais e aos Estados via terceirização.
Gráfico nº 10 – Como estão situados os egressos no mundo do trabalho.
Situação dos egressos no mundo do trabalho
23
15
10
18
119
0
5
10
15
20
25
Locais de atuação
egre
ssos
ServidorMunicipalServidor EstadualServidorFederalEmpresaPrivadaAutônomo
Sememprego
O capítulo cinco tratou da reconstrução da história pessoal dos seis entrevistados
e, para conhecê-los melhor, optamos em apresentá-los, considerando alguns aspectos
comuns que julgamos importantes como: condição visual; alfabetização; idade atual;
conclusão do ensino fundamental; naturalidade e estado civil; incidência de deficiência
visual na família e profissão. Para isso, construímos o seguinte quadro:
277
Tabela 2 – Perfil dos entrevistados
Entrevistados
(Cognomes)
Condição visual
Alfabetização Idade
atual
Ano e idade de conclusão Ensino
Fundamental
Éden
(Interno)
Cego.
Glaucoma
Congênito
À tinta em
escola comum.
Braille no IBC
42 anos.
Nascido
em 1963.
Concluiu a 8ª série em
1985, aos 22 anos.
Matriculado no IBC
em 1977, aos 13 anos.
Juscelino
(Interno)
Cego.
Retinose
Pigmentar
Á tinta em
escola comum.
Braille no IBC
37 anos.
Nascido
em 1968.
Concluiu a 8ª série em
1987, aos 19 anos.
Matriculado no IBC
em 1981, aos 13 anos.
Arnaldo
(Interno)
Cego.
Glaucoma
Congênito
Á tinta em
escola comum.
Braille no IBC
32 anos.
Nascido
em 1973.
Concluiu a 8ª série em
1990, aos 17 anos.
Matriculado no IBC
em 1986, aos 12 anos.
Glória
(Interna)
Cega.
Retinose
Pigmentar
Em Braille no
IBC.
36 anos.
Nascida
em 1969.
Concluiu a 8ª série em
1989, aos 20 anos.
Matriculada no IBC
em 1975, aos seis anos.
Jurema
(Interna)
Cega.
Glaucoma
Congênito
À tinta em
escola comum
Aos quatro anos.
35 anos.
Nascida
em 1970.
Concluiu a 8ª série em
1988, aos 18 anos.
Matriculada no IBC
em 1980, aos 10 anos.
Isaura
(Externa)
Cega.
Micro-globo e
Micro-córnea
Congênita
hereditária
Em Braille no
IBC.
35 anos.
Nascida
em 1970.
Concluiu a 8ª série em
1986, aos 16 anos.
Matriculada no IBC
em 1977, aos sete anos.
278
Quadro 1 (continuação) – Perfil dos entrevistados
Entrevistados
(Cognomes)
Naturalidade
e estado civil
Incidência de deficiência visual na família
Profissão
Éden
(Interno)
Natural do Estado do io Rio de Janeiro; casado;
esposa de visão
normal. Tem um casal
de filhos de visão
normal.
Não há na família
pessoas com
deficiência visual.
Advogado;
Defensor Público do
MP/RJ; exerce o
cargo para o qual
foi concursado.
Juscelino
(Interno)
Natural do Estado de
Minas Gerais.
Solteiro.
Existe uma irmã com
retinose pegimentar.
Ex-vereador
Servidor Municipal;
exerce o cargo para
o qual foi concursado.
Cursou até a 8º série.
Arnaldo
(Interno)
Natural do Estado do
Rio de Janeiro;
Casado; esposa de
visão normal. Tem um
Filho de visão normal.
Não há na família
Incidência de pessoas
Com deficiência
Visual.
Advogado;
Funcionário do
TRE/RJ; exerce o
cargo para o qual
foi concursado.
Glória
(Interna)
Natural do Estado do
Rio de Janeiro; casada;
esposo cego. Tem um
casal de filhos de visão
normal.
Avô materno e mãe
cegos.
Não trabalha.
Cursou até o ensino
médio.
Jurema
(Interna)
Natural de Minas
Gerais; casada; esposo.
de baixa visão; não
possui filhos.
Tem uma irmã mais
nova que também é
cega (glaucoma
congênito)
Professora estadual;
Funcionária do TJ/RJ.
Exerce os cargos
para os quais fez
concurso.
279
Isaura
(Externa)
Natural do Estado do
Rio de Janeiro.
Solteira.
Pai e mãe cegos.
Avós paternos e dois
tios com a mesma
patologia.
Professora federal.
Exerce o cargo para
o qual foi concursada.
Sobre a influência das três dimensões escola, família e mídia, na construção da
identidade do cego, foi observado o seguinte: dos 89 alunos egressos, 66,29% eram
internos, portanto, permaneciam distantes de suas famílias, de segunda a sexta-feira,
somente indo para as suas residências nos finais de semana e feriados. Dos seis alunos
que participaram das entrevistas apenas um era externo. No que diz respeito à mídia,
esses alunos não liam jornais, mas procuravam ouvir as notícias, ou através do rádio ou
da TV ou mesmo de outras pessoas que liam jornais e comentavam sobre as notícias.
Assim, das três dimensões, o contato de maior freqüência era com a escola.
Raramente as famílias se preocupavam em esclarecer aos seus filhos, principalmente
aqueles prestes a se casar, sobre a possibilidade de nascer uma criança deficiente, uma
criança cega.
A nossa preocupação com a construção da identidade dos egressos nos levou ao
seguinte questionamento: a construção da identidade é produto da vivência entre os
cegos ou da oposição aos videntes? Pelas respostas colhidas, constatamos que a
influência predominante relaciona-se à convivência com os familiares, com os pares,
com outros colegas que enxergavam e com os professores, conforme pudemos observar
em alguns depoimentos, como por exemplo, o de Éden:
“Nós tínhamos no IBC uma convivência com os alunos de visão reduzida, os chamados amblíopes e sempre foi razoável. Já naquela época eu me preocupava em não ficar segregado ‘naquele’ grupo de cegos. Eu já tinha assim em mente aquela necessidade de me relacionar lá fora com outras pessoas, com o grupo da igreja, os amigos lá de fora, sair para os lugares e também ter contato com
280
os cegos. Tem que ter essa preocupação para você não ficar muito limitado a um grupo só”.
Outro assunto discutido referiu-se às dificuldades que os egressos encontraram
quando saíram da escola especializada do IBC para uma escola comum, a qual por não
possuir professores especializados, livros em Braille e ampliados, equipamentos e
materiais adequados, ainda não reunia condição de atender satisfatoriamente alunos
cegos e de baixa visão, como aconteceu na escola especializada que estudaram.
Declararam os egressos que acompanhar e entender os assuntos de disciplinas
como português, história, geografia, línguas e outras similares não era tão difícil. Mas,
quando se tratava da área de ciências exatas, que exigiam mais o uso da visão, as
dificuldades aumentavam, sobretudo para entender os gráficos utilizados na física, na
química e na matemática.
Apesar das dificuldades encontradas e apontadas pelos egressos nas escolas
comuns, a situação acadêmica deles em comparação com outros alunos de visão normal
e até mesmo outros deficientes, pode ser considerada muita boa, conforme pode ser
observado no gráfico nº 11.
Gráfico nº 11 – Situação acadêmica atual dos egressos
Situação acadêmica atual dos egressos
4
50
33
0
10
20
30
40
50
60
situação escolar
egressos
EnsFundamental
Ens Médio
Ens Superior
281
Dos 89 egressos faleceram dois: um do sexo masculino e outro do feminino.
Assim, dos 87 restantes, apenas quatro não continuaram seus estudos, tendo concluindo
apenas o ensino fundamental. Outros 50 concluíram o ensino médio e 33 o terceiro
grau.
Apesar disso, nota-se um consenso entre os egressos no sentido de que as duas
escolas – especializada e comum – não devem se confrontar, pois, são duas realidades
diferentes que podem conviver perfeitamente. Entretanto, para a implantação desse
novo modelo chamado “escola inclusiva”, declaram os egressos que é necessário
primeiro desconstruir a exclusão a fim de que o deficiente visual possa ser recebido sem
descrença, curiosidade e admiração, como se fosse um “ET”.
Nesse sentido, o Instituto Benjamin Constant enquanto Centro de Referência
Nacional na área da deficiência visual, parece ter como vocação regimental dar suporte
às escolas comuns ou regulares, a fim de que essas possam atender aos seus alunos
cegos e de baixa visão com a mesma qualidade observada nas escolas especiais.
Por outro lado, para que isso aconteça de forma plena e satisfatória, o IBC
precisa “sair do lugar comum”, isto é, “do intra-muros”; necessita construir uma política
que contemple projetos mais audaciosos como, por exemplo: incentivo à pós-graduação
de seus servidores; contratação de novos recursos humanos; aquisição de novas
aparelhagens, materiais e de recursos tecnológicos, entre outras medidas.
Além disso, precisa repensar o seu “laboratório” que é a escola especializada.
Pois ele é de fundamental importância no processo de implantação e teste de novas
políticas educacionais e na construção de materiais didático-pedagógicos destinados aos
deficientes visuais.
282
Conforme mencionado em capítulo anterior, observam-se algumas divergências
entre autores, professores e até mesmo entre os egressos, quanto à idade ideal para
inclusão escolar de alunos cegos e de baixa visão, a importância da especialização dos
docentes, a utilização de livros em Braille e de livros falados, a necessidade de que
todos os alunos do IBC aprendam o Braille e o sorobã, dentre outras.
A alfabetização do aluno cego não se resume apenas ao ensino do Braille; trata-
se, portanto, de um processo de desenvolvimento: do se conhecer; da pesquisa do
espaço; da disciplina; das descobertas... Assim, esse momento é oportuno também para
a construção da identidade do cego. Por isso, como seria na escola comum se a criança
cega não conseguir ler e entender as historinhas?
Quanto à necessidade dos professores que lidam com deficientes visuais serem
especializados, informam os egressos que não basta apenas a realização pura e simples
dos cursos, mas, também, do contato e a prática, principalmente para a alfabetização.
Por outro lado, não se tem notícia da existência de pesquisa comparativa e
acompanhamento de alunos cegos e de baixa visão, que estudam em escola
especializada, em escola comum e em escola apoiada por alguma entidade especializada
em educação especial.
Daí, acreditarmos que para podermos falar com maior segurança e certeza a
respeito da inclusão de alunos cegos e de baixa visão na escola comum, é preciso antes,
ouvir esses alunos, acompanhando e relatando toda a trajetória acadêmica deles.
Nesse sentido, sendo o IBC um Centro de Referência Nacional na área da visão,
propomos a realização de convênio com escola próxima à instituição, para
desenvolvimento de um projeto de inclusão escolar com alunos cegos e de baixa visão a
partir da quinta série do ensino fundamental.
283
Alem desse projeto, sugere-se, também, que o Instituto Benjamin Constant
empreenda um projeto experimental com o ensino médio, abrindo uma turma mista da
qual participarão alunos de ambos os sexos, cegos, de baixa visão e de visão normal.
A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira começa com o seu
nascimento, ou a partir do momento que ele perde a visão; inicialmente com o impacto
que um filho cego acarreta na família. Esse acontecimento gera em todos os membros
da família sentimentos contraditórios muito fortes, que oscilam entre aceitação e
rejeição, pena e raiva, euforia e depressão.
Por isso, é oportuno lembrar, que tanto as causas quanto as conseqüências da
deficiência variam em toda parte e resultam das diferentes circunstâncias sócio-
econômicas e das diversas disposições que os Estados adotam com vista ao bem-estar
de seus cidadãos. Apesar de tudo isso, existe outras causas que influem nas condições
de vida dos cegos, como: ignorância, abandono, superstição, medo, dentre tantas outras
que têm ajudado a isolar esses indivíduos e de certa forma atrasado seu
desenvolvimento.
Entretanto, graças à educação e à reabilitação, eles têm se tornado cada vez mais
ativo, contribuindo, portanto, para mudar a concepção inicial de que o cego é inerte e
incapaz para a ação.
Ainda nesse enfoque da trajetória do cego na sociedade, dois assuntos foram
apontados pelos egressos como sendo da competência do IBC. O primeiro diz respeito a
intervenção do Instituto junto aos órgãos que recebem o deficiente no seu primeiro
emprego, fornecendo material e subsidiando os órgãos que estão contratando o
deficiente. O segundo, trata do casamento entre os ex-alunos. Sobre esse assunto,
levantou-se a hipótese do IBC desenvolver um programa de aconselhamento genético
284
com vistas à prevenção das doenças oculares, mesmo que fosse, inicialmente, em forma
de palestras e de cunho mais educacional.
A respeito desse assunto o ex-aluno Éden assim se expressa: “Com certeza falta
essa orientação até dentro do currículo escolar. Seria importante que fossem ministradas
aulas sobre como certas doenças se instalam, na aquisição de hábitos higiênicos, como
evitar a doença, dentre outros assuntos”.
O último tópico que fez parte do sexto capítulo – cegueira e sociedade – foi a
cegueira e as tecnologias. O mundo vive um acelerado desenvolvimento no qual a
tecnologia está presente direta ou indiretamente em atividades bastante comuns.
Entende-se por tecnologias os meios, os apoios e as ferramentas que são utilizadas tanto
na educação quanto na preparação para o trabalho do deficiente visual. Daí, o pouco
conhecimento e a falta de domínio dessas tecnologias podem levar alguns deficientes a
se sentirem mais discriminados ou constrangidos por não serem capazes de realizar
algumas atividades, como por exemplo: utilizar o caixa eletrônico de um banco; o
celular; a agenda eletrônica e outras atividades do dia a dia.
Considerando a tecnologia como ferramenta necessária à educação e ao bom
desempenho profissional do cego, constatamos que desde a invenção do sistema Braille;
o advento da bengala longa; do uso do gravador; do telefone; do relógio com tampa
removível - que permite o toque nos ponteiros - ou com programa de voz e, mais
recentemente, da computação – também com programas de vozes -, o cego tem se
tornado mais independente. Além disso, nota-se maior desempenho profissional e
credibilidade em razão de sua maior autonomia, propiciada através dessas tecnologias.
Corroborando com essas afirmações o egresso Arnaldo assim se manifesta:
285
“(...) Essa tecnologia é a nossa ponte sobre o abismo. Todas essas ferramentas
são a nossa ponte. Entretanto, quero esclarecer que não há a competição do Braille x
computador; eles se complementam. Por exemplo, para eu estudar tenho que consultar
uma extensa literatura que se amplia a cada dia. Logo, mesmo quer houvesse todo esse
material transcrito para o Braille, eu não conseguiria dar conta do estudo sem o meu
programa de computador e sem o meu gravador, para ouvir as fitas que as pessoas
gravam para mim. Por outro lado, eu sinto falta do contato com o Braille na hora da
leitura dos artigos”.
Usando a colocação do Arnaldo, quero chamar a atenção das escolas que estão
se preparando para receber o aluno cego, que ao se organizarem como espaços de
aprendizagem, utilizem essa gama de ferramentas, as quais, de forma cooperativa,
facilitarão a construção do conhecimento.
Por fim, o capítulo sete que reúne o testemunho livre dos seis entrevistados
sobre a experiência de ser cego na sociedade brasileira. Após análise dos relatos dos
entrevistados, identificamos alguns pontos de concordância e, constatamos que embora
existam algumas singularidades entre eles, cada um apresenta uma peculiaridade que
caracteriza e define sua identidade social, política e profissional.
Ao fazermos essa leitura vimos em Éden um defensor dos direitos do cidadão;
em Juscelino um político; em Arnaldo um sujeito introspectivo e filosófico; em Glória
papel da constituição da família e da mãe; em Jurema a sua trajetória histórica de vida
e a cegueira e em Isaura a constatação de preconceitos e o empoderamento.
Além disso, visualizamos as seguintes congruências:
Preocupação em torno do ensino do Braille, que está deficitário e gerando,
consequentemente, o abandono desse sistema;
286
O futuro dos cegos nas escolas inclusivas nos moldes que estão sendo propostos;
A falta de sensibilização da sociedade no que diz respeito às potencialidades dos
cegos, a qual reflete negativamente no mundo do trabalho;
A questão da independência e da autonomia do cego como necessidade pessoal e do
aumento de sua auto-estima;
A necessidade de que sejam constituídas entidades representativas, a fim de que os
cegos possam se estruturar melhor até para reivindicar seus direitos e lutar pelas
questões que julgarem importantes para a melhoria da qualidade de suas vidas;
A importância da existência de bons ledores, principalmente, por ocasião dos
concursos, cujas provas não são disponibilizadas em Braille;
A importância do Instituto Benjamin Constant na formação do cidadão cego;
A ausência da atuação do Instituto Benjamin Constant no acompanhamento de seus
egressos, tanto na parte acadêmica quanto na profissional.
Considerando os depoimentos dos egressos; a experiência do pesquisador
enquanto diretor-geral do Instituto Benjamin Constant e a Portaria Ministerial nº. 325,
de 17 de abril de 1998, que publica o Regimento Interno do Instituto Benjamin
Constant, no qual constam suas competências e finalidades, esta pesquisa teve como
propósito ouvir o que os egressos tinham a nos dizer e na interpretação de suas vozes,
destacar e discutir algumas questões que possam subsidiar o IBC na construção de seu
projeto político.
Assim, nos foi possível concluir e propor ao Instituto Benjamin Constant, a
título de contribuição, a implementação das seguintes ações:
287
- Realização de seminários interdisciplinares sobre as causas mais freqüentes da
cegueira, extensivos à comunidade externa e interna;
– Implantação de um serviço de aconselhamento genético, inicialmente, em nível
educacional destinado à comunidade que procura o IBC e aos alunos em idade
reprodutiva;
– Criação de uma equipe multidisciplinar para pensar a saúde e o acompanhamento
dos seus alunos e familiares ao longo da vida;
– Acompanhamento dos seus egressos no que diz respeito à trajetória acadêmica e
profissional, tanto no ensino médio quanto no superior;
- Realização de encontros anuais com os egressos objetivando levantar como eles
estão inseridos na comunidade;
– Realização de cursos de pós-graduação na área da educação, em convênio com
universidades, com o fito de preparar professores da rede regular de ensino (escola
comum) para atender alunos deficientes visuais.
– Realização de convênios com universidades públicas e outras, para especialização
do seu corpo docente e de técnico administrativos.
– Como meio de estímulo aos docentes, realizar estudo com vista à implantação do
cargo de professor assistente.
288
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ainscow M. Educação para todos: torná-la uma realidade. In: Caminhos para escolas
inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação Cultural; 1997.
Almeida MEB, De Almeida F J. Uma Zona de Conflitos e muitos interesses. Salto Para
o Futuro: TV e Informática na Educação; pp. 49-54.
Amaral L. Pensar a diferença: deficiência. Brasília: Coral; 1994.
Anacleto CB et al. O deficiente visual e o processo de conscientização de sua escolha
profissional para sua vida profissional.4
http://www.educacaoonline.pro.br/art_o_deficiente_visual (acessado em 16/Jun/2005).
André EDA et al. Pesquisa em Educação. Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPV;
1986.
Aranha MSF. Educação Inclusiva: Transformação Social ou Retórica? In: Omote S.
Inclusão: Intenção e Realidade. Marília: FUNDEPE; 2004.
Aranha MSF. O processo de mobilização social na construção de um contexto
comunitário inclusivo. In: Oliveira MLW, organizador. Inclusão e Cidadania. Niterói:
Nota Bene; 2000, p. 32-38.
289
Aranha MSF. A inclusão social e municipalização. In Manzini EJ, organizador.
Educação Especial: Temas Atuais. Marília: UNESP-Marília Publicações; 2000, p. 1-09.
Badejo ML. Diversidade na Educação: limites e possibilidades. A vez das diferenças.
Revista Pedagógica Pátio 2002; 20: (47).
Barragra NC. Visual Handicaps and Learning: A Developmental Aproach. Wordsworth:
1976.
Baumell RCRC. Escola Inclusiva: questionamentos e direções. In: Integrar/Incluir:
desafio para a escola atual. São Paulo: FEUSP; 1998.
Belarmino J. Associativismo e política: luta dos grupos estigmatizados pela cidadania
plena. João Pessoa: Idéia; 1997.
Bogdan R, Biklen SK. Qualitative Research for Education. Boston: Ally and Bacon Inc;
1992.
Bonanomi MTBC, Alves MR, Kara-José N, Souza Junior NA. Ferimento do Globo
Ocular em Adultos. Arquivo Brasileiro de Oftalmologia; 1980; (43): 81-87.
Borges JA. Dos Vox: Um novo horizonte para deficientes visuais. Revista Benjamin
Constant 1996; (3).
290
Borges JÁ, Chagas Junior JF. Impressão Braille no Brasil: o papel do Braivox, Braille
Fácil e Pintor Braille. Anais do I Simpósio Brasileiro sobre Sistema Braille; 2001;
Salvador.
Borges JA. Recursos Tecnológicos para acesso de pessoas cegas ao computador: a
abordagem Dos-vox. Anais do Congresso da Rehabilitation International; 2000; Rio de
Janeiro, Brasil.
Botelho, JB. História da Medicina: da abstração à materialidade. Manaus: Valer; 2004.
Bueno JGS. Inclusão. Educação Inclusiva e Escolarização dos Surdos. Brasília DF:
Revista Integração 2001; MEC/SEESP, 13 (23).
De Britto LN. Educação: Reflexões que transcendem tempos e espaços. São Paulo:
Coletânea Navarro de Britto; v. III; 1991.
Cardoso MHCA. A Herança Arcaica de um modelo. História, Medicina... E a Síndrome
de Down [Tese de Doutorado] Rio de Janeiro: 2000.
Cardoso CF. Narrativas, Sentido, História. Campinas: Papiros; 1997.
Cardoso MHCA. Quando a Madrugada chegar esta noite será memória também a
construção de fontes orais e a historiografia: Um Estudo de Caso [Dissertação de
Mestrado]. Rio de Janeiro: Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio de
Janeiro; 1989.
291
Carvalho RE. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre: Mediação;
2004.
Castells M. A Sociedade em Rede: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e
Terra;1999. v.1, 2ª ed.
Castiglioni A. História da Medicina. São Paulo: Nacional; 1947. v.1.
Castiglioni A. História da Medicina. São Paulo: Nacional; 1947. v.2.
Cavalcante FG. Pessoas Muito Especiais: a construção social do portador de deficiência
e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2003.
Cerqueira JB. O deficiente visual e a sociedade brasileira atual. [Conferência] I
Encontro de Egressos do Instituto Benjamin Constant; 2002 dez 13; Rio de Janeiro.
Ciampa AC. As Categorias Fundamentais da Psicologia Social. Brasília DF: Texto p.
41-57.
Ciampa AC. A Estória do Severino e a história da Severina. Brasília DF: Brasiliense;
1987.
292
Ciavatta MA. Construção da democracia pós-ditadura militar: políticas e planos
educacionais no Brasil. In: Fávero O, Semeraro G. Democracia e construção do público
no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis RJ: Vozes; 2002.
Cobo AD et al. Personalidade e auto-imagem do cego. In: Martin MB, Bueno ST.
Deficiência visual: Aspectos psicoevolutivos e educativos. São Paulo: Santos; 2003.
Cohen R. Estratégias para a Promoção dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Deficiência. In: Pinheiro PS e Guimarães SP. Direitos Humanos no Século XXI.
Brasília DF: IRPI, Senado Federal [Parte II]; 1998.
Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira. São Paulo: Gráfica Unicamp; 1984.
Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Fórum Nacional de Saúde Ocular. Manual de
Orientação aos Oftalmologistas Participantes. Brasília DF: CBO; 2001.
Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva; 2001.
Cosandey R. L’Insertion Professionelle des aveugles: Histoire, perspectives,
recommandations. In: Chazal P (direction). Les Aveugles au Travail. Paris: Le Cherche
Midi; 1999.
Couto Junior A. Considerações preliminares sobre a Identificação das Deficiências
Visuais em Pré-Escolares e Escolares. Rio de Janeiro: 1992.
293
Crochík JL. Atitudes a respeito da educação inclusiva Educação: Especial e Inclusiva.
Rev Movimento 2003. Rio de Janeiro: Uff; (07).
Cruz AMC et al. Elaboração de Referências (NBR 6023/2000). Rio de Janeiro:
Interciência; 2000.
Cutsforth T. O cego na escola e na sociedade: um estudo psicológico. São Paulo:
Campanha Nacional de Educação de Cegos; 1969.
Da Fonseca V. Educação Especial. Porto Alegre: Artes Médicas; 1987.
Da Fonseca V. Educação Especial: Programa de Estimulação Precoce – uma introdução
às idéias de Feverstein. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995.
Dantas AM, Moraes Junior HV. Oftalmologia Pediátrica. Rio de Janeiro: Cultura
Médica; 1985.
Dantas AM. Clínica Oftalmológica. Rio de Janeiro: Koogan; 1984.
Da Rosa ER et al. Pessoa com Deficiência: Reformulando conceitos e valores. Governo
Municipal de Cascavel, Paraná: 2003, 32 p.
Da Silva OM. A Epopéia Ignorada: A Pessoa Deficiente na História do Mundo de
Ontem e de Hoje. São Paulo: Cedas; 1987. 470 p.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. 1789.
294
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Resolução 217
A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas; 10 de dezembro de 1948.
Denari FE. Formação de Professores em Educação Especial: A Ótica do GTE-06 do
Fórum Paulista Permanente de Educação Especial. In: Sadao O, organizador. Inclusão:
Intenção e Realidade. Marília: FUNDEPE; 2004.
Do Carmo A. Inclusão Escolar: Roupa Nova em Corpo Velho. Brasília DF: Rev
Integração 2001; (23).
Dupas G. Economia Global e Exclusão Social: pobreza, emprego, estado e o futuro do
capitalismo. São Paulo: Paz e Terra; 2000.
Eco H.Tratado de Semiótica. São Paulo: Perspectiva; 2000.
Eco H. Signo. Enciclopédia Einaudi vol 31. Lisboa: Imprensa
Enciclopédia e Dicionário: dicionário ilustrado. Rio de Janeiro: Delta; 1995.
Fernandes SMC. Educação e Construções Identitárias: o silenciamento na expressão de
crianças deficientes visuais. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Mestrado em
Educação, Universidade Estácio de Sá; 2004.
Ferrarini A, Ferrarini P. Seus Olhos: depoimento de quem não vê como você nunca viu.
Joinvile SC: Letradágua; 2002.
295
Ferreira JR. A Exclusão da Diferença: A educação do Portador de Deficiência.
Piracicaba: Unimep; 1994, 94p. 21 cm.
Ferreira MCC, Ferreira JR. Sobre Inclusão, Políticas Públicas e Práticas Pedagógicas.
In: Góes MCR, Laplane ALF, Organizadores. Políticas e Práticas de educação
Inclusiva. Campinas SP: Autores Associados; 2004.
Foucoult M. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva; 2002.
Glat R. Questões Atuais em Educação Especial. A Integração Social dos Portadores de
Deficiências: Uma Reflexão. Rio de Janeiro: Sette Letras; 1998.
Goffman E. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada [Trad
Márcia BMLN]. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; 1998.
Gonçalves ER. Ávila M, Louzada N. Epidemiologia e Prevalência das Doenças
Oculares [Informações sobre Dados Estatísticos]. São Paulo SP: CBO - Perfil; 2005.
Hall S. A Questão da Identidade Cultural. [Textos Didáticos]; 18 (1998 Fev).
Januzzi G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez ;
1985; série "Educação Especial".
296
Kara-José N et al. O trauma Ocular como causa de cegueira no Brasil. Biblioteca
Brasileira de Oftalmologia. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1997.
Kara-José N et al. Subsídios para o estudo do trauma ocular. Publicação do
Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; 1984.
Laplane ALF. Notas para uma Análise dos Discursos sobre Inclusão Escolar. In:
Políticas e Práticas de Educação Inclusiva. Campinas SP: Autores Associados; 2004.
Lei nº 9394, 20 Dez 1994. Aprova a Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional.
[Lei Darci Ribeiro]. Brasília DF: Senado Federal; Subsecretaria de Edições Técnicas;
1997.
Lemos ER. Deficiência Visual. Brasília: MEC - Departamento de Documentação e
Divulgação; 1978.
Levy P. A emergência do Cyberspace e as mutações culturais. [Conferência] 1994.
Festival Usina de Arte e Cultura - Prefeitura Municipal de Porto Alegre; 1994 Out.
http://www.prossiga,br/edistancia/ (acessado em 07/Abr/2005).
Lira GA. Educação do Surdo, Linguagem e Inclusão Social [Dissertação de Mestrado].
Rio de Janeiro: Pós-Graduação em Educação, Universidade Estácio de Sá; 2003.
297
Llerena JC. Genética Médica, Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) e integralidade
na atenção e no cuidado à saúde. Rev Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: v.7, n.
1, p.21-25, 2002.
Lowenfeld B. El niño disminuido visual na escuela. American Foundation for Overseas
Blind; 1974.
Mader G. Integração da pessoa portadora de deficiência: a vivência de um novo
paradigma. In: Mantoan TEM et al. A integração de pessoas com deficiência:
Contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; 1997, p. 44-56.
Mantoan MTE et al. Caminhos Pedagógicos da Inclusão: como estamos implementando
a educação (de qualidade) para todos nas escolas brasileiras. São Paulo: Memnon; 2001.
Mantoan MTE et al. A integração de pessoas com deficiência. Contribuições para uma
reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; SENAC; 1997.
Mantoan MTE. O direito de ser, sendo diferente, na escola. In: Omote S, organizador.
Inclusão: Intenção e Realidade. Marília: FUNDEPE; 2004.
Marchesi A. Changes in Society and changes in Education in Latin Américan.
Department of Developmental Psychology. Universidad Complutense. Working
document presented at the Seminar on Prospects for Education in the Latin American
and Caribbean Region. Chile: UNESCO; 2000.
298
Martin MB, Bueno ST. Deficiência Visual: Aspectos Psicoevolutivos e Educativos.
Santos SP: 2003.
Masini EFS. Integração ou desintegração? Uma questão a ser pensada sobre a educação
do deficiente visual In: Mantoan MTE. A integração de pessoas com deficiência:
contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; 1997.
Mazzota MJS. Educação Especial no Brasil. História e Políticas Públicas. São Paulo:
Cortez; 1996.
Mazzotta MJS. Educação Escolar: Comum ou Especial. São Paulo: Pioneira; 1987.
Mazzotta MJS. Identidade dos alunos com necessidades educacionais especiais no
contexto da prática educacional brasileira. In: Educação: Especial e Inclusiva. Rev
Movimento, n° 7, 2003 Mai, Niterói RJ: UFF; p. 11-18
Melca FMA. Educação Corporativa: uma alternativa para educação continuada
[Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, UFRJ; 2004.
Minayo MCS organizadora et al. Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade.
Petrópolis RJ: Vozes; 1994, 80 p.
Minayo MCS. O Desafio do Conhecimento. Pesquisa Qualitativa em Saúde. Ucitec
Abrasco. São Paulo: Rio de Janeiro: 1993.
299
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de
Educação Especial. Brasília DF: Ministério da Educação; 1994.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Ensino à Distância. Parâmetros
Curriculares Nacionais. Brasília DF: Ministério da Educação; 1999.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação e Ensino à Distância. Programa
Nacional de Informática na Educação. Brasília DF: Ministério da Educação; 1996.
Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica. Brasília DF: Ministério da Educação; 2001.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Revista Integração 1998 (20),
1999 (21), 2000 (22), 2001 (13), 2000 (24).
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Série Institucional 2. Brasília
DF: Ministério da Educação; 1994.
Ministério da Justiça. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência. Declaração de Salamanca e Linha de Ação Sobre Necessidades Educativas
Especiais. Brasília DF: Ministério da Justiça; 1994.
Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Direitos Humanos no Cotidiano. Brasília
DF: Ministério da Justiça; 1998.
300
Ministério da Saúde. Campanha Nacional de Cirurgia Eletiva de Catarata e Campanha
de Redução da Cegueira Decorrente da Retinopatia Diabética. Brasília DF: Ministério
da Saúde; 2000.
Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196 dispõe sobre
normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília DF:
Ministério da Saúde; 1998.
Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Política Nacional de Saúde da
Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília DF: Ministério da Saúde; 2000.
Monteiro LMFS. O retorno de alunos deficientes visuais ao espaço da escola especial:
afinal, como caminha a inclusão? [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Programa
de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
de Janeiro; UFRJ; 2003.
Moran JM. Novas Tecnologias e o reencontramento do mundo. Rev Tecnológica
Educacional. Rio de Janeiro: vol. 23, nº 126, Set/Out. 1995.
Moran JM, Masetto M, Behrens M. Novas Tecnologias e Medicação Pedagógica. 7ª ed.
São Paulo: Papirus; 2003. Imprensa Nacional - Casa da Moeda; 1994.
Morin E. Os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro. São Paulo: Cortez; 2001.
301
Nabais MLM et al. Estudo Profissiográfico: O encaminhamento do deficiente visual ao
mercado do trabalho. Rev Benjamin Constant 1996 (04). Rio de Janeiro: IBCentro-
MEC.
Nunes LROP et al. Questões Atuais em Educação Especial: Pesquisa em Educação
Especial na Pós-Graduação. Vol. III. Sette Letras, Rio de Janeiro: 1998.
Nuñez MA. A Deficiência Visual. In: II Congresso “La Atención a la Diversidad em el
Sistema Educativo” Universidad de Salamanca. Instituto Universitário de Integración
em la Comunidad (Inico); 2001.
Oliveira JVG. Cegueira e Metáfora. Rev Benjamin Constant 2004, 10 (28). Rio de
Janeiro: IBCENTRO; 2004.
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Inclusive
Education. Support Materials for Managers and Administrators. Paris: UNESCO; 2001,
Padilha, AML. O que fazer para não excluir Davi, Hilda, Diogo. In: Góes, MCR,
Laplane ALF. Políticas e Práticas de Educação Inclusiva. Campinas SP: Autores
Associados; 2004.
Peirce CS. Semiótica. São Paulo: Perspectiva; 999. 337 p.
302
Perrenoud, P. Os Ciclos de Aprendizagem: um caminho para combater o fracasso
escolar. Artmed; Porto Alegre; 2004.
Pinheiro PS, Guimarães SP. Direitos Humanos no Século XXI. Brasília DF: IRPI,
Senado Federal [Parte I e II]; 1998.
Rahi JS. Dezateux C. National cross sectional study of detection of congenital and
infantile cataract in The United Kingdom: role of childhood screening and surveillance.
BMJ: 1999, 318: 362-5.
Rebello LMV. O Banzo do Imigrante. Embates e Ressonâncias Mudança. [Dissertação
de Mestrado]. Rio de Janeiro: Pós-Graduação em Saúde Pública. Escola Nacional de
Saúde Pública - ENSP, Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ;1997.
Revista Nacional de Reabilitação, 5º ano, Ano V – nº 24. Jan/Fev. 2002.
Ribeiro-Gonçalves E. Subsídios Clínicos e Epidemiológicos à Prevenção da Cegueira.
Belo Horizonte: 2001.
Rocha H, Ribeiro-Gonçalves E. Ensaios sobre a Cegueira: Prevenção, Recuperação e
Reabilitação. Belo Horizonte: Fundação Hilton Rocha; 1987.
Sassaki RK. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA;
1997.
303
Seabra GF. Pesquisa Científica: O Método em Questão. Brasília DF: Universidade de
Brasília; 2001. 124 p.
Serviço Nacional do Comércio. Deficiências Competência: Programa de Inclusão de
Pessoas Portadoras de Deficiência nas Ações do SENAC.
Silva, OM. A Epopéia Ignorada – A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem
e de Hoje. São Paulo: CEDAS; 1987. 470 p.
Stainback S, Stainback W. Inclusão. Um guia para educadores [Tradução Magda França
Lopes]. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1999.
Van Maanen J. Tales of the Fields: On writing Ethnography. Chicago: The University
of Chicago Press; 1988.
Ventura LO et al. Catarata congênita bilateral: estudo comparativo dos achados clínicos
observados em dois grupos pertencentes a níveis sócio-econômicos distintos em
Pernambuco. Arquivo Brasileiro de Oftalmologia. 1995; (58): 429-3.
Viana N. Universidade e Especialização: O ovo da serpente. Rev Espaço Acadêmico
2002. II (18). http;//www.espacoacademico.com.br/18cviana.htm (acessado em
04/Jul/2005).
304
Vieira CS. Influência da prática do judô no comportamento ansioso de adolescentes
deficientes visuais [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Pós-Graduação em
Educação, Centro de Educação e Humanidades, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro: UERJ; 1986.
Villanova FJ. As diversas utilidades da Informática, sua importância e influência no
desenvolvimento, na educação, terapia, comunicação, integração e socialização dos
portadores de necessidades especiais. Rev. Integração 2001; Brasília DF: MEC/SEESP,
13 (23)
WHO QOL-100, WHO QOL-Bref. Instrumentos de Avaliação de Qualidade de Vida.
[Versão em Português do Projeto desenvolvido pelo Grupo de Estudos de Qualidade de
Vida]. Porto Alegre RS: UFRGS; 1998.
World Health Organization (WHO). Guideliness for programmes for the prevention of
blindness; 1979.
305
APÊNDICES CARTA-CONVITE AOS EX-ALUNOS Prezado ex-aluno, Interessados em saber como vivem nossos ex-alunos, se estão efetivamente integrados na sociedade e finalmente de que forma o Instituto Benjamin Constant (IBC), contribuiu ou contribui para melhorar essa integração, estaremos realizando no dia 13 de dezembro de 2002, o I ENCONTRO DE ALUNOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT. Sendo você um ex-aluno, estamos convidando-o para fazer parte dessa grande confraternização e pesquisa. Faça já a sua inscrição através das opções: 1ª. Telefone: ligue para 021 2543-1119, Ramal 144, falar com Elisângela; 2ª. Fax: preencha a ficha abaixo e ligue de um aparelho de fax para 021 2543-1119, Ramal 143, fale com o Leonardo e envie sua inscrição, no horário de 08 às 12 horas; 3ª. Correio: preencha a ficha abaixo, destaque-a e remeta para: Instituto Benjamin Constant/Divisão de Capacitação de Recursos Humanos Avenida Pasteur, 350/468 – Urca – Rio de Janeiro-RJ. CEP: 22.290-240 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
FICHA DE INSCRIÇÃO II ENCONTRO DE EX-ALUNOS DO IBC
NOME: ______________________________________________________________________ Tel.: _____________________ CONDIÇÃO VISUAL: ( ) CEGO ( ) BAIXA VISÃO ENDEREÇO: __________________________________________________________ BAIRRO: ____________________ MUNICÍPIO: ____________________ UF: _____ DATA DE NASCIMENTO: ___/________/______ E-MAIL:
306
I ENCONTRO DE ALUNOS EGRESSOS DO IBC
Programação das Atividades 1º Dia – 13/12/2002 – Sexta Feira 15:00h – Recepção e credenciamento. 18:00h – Abertura
Palestra: O Deficiente Visual e a Sociedade Brasileira atual 20:00h -Coquetel.
2º Dia 14/12/2002 – Sábado 08:00h – Café 09:00 às 10:40h – Relatos de experiências – 5 relatos (20 minutos cada relato). 10:40h – Intervalo. 11:00 às 12:30h – Relatos de experiências – 5 relatos (20 minutos cada relato) 12:30 às 14:00h - Almoço. 14:00h – O 1º Emprego (a prontidão para o trabalho, capacitação profissional e
inserção no mercado de trabalho) – depoimentos de 5 pessoas. 15:00h – Café. 15:30 às 17:30h – Reunião temática:
- Experiências na continuidade da educação. - Experiências no exercício do trabalho. - Experiências na vida em sociedade (exercício da cidadania)
- Experiências na ávida cultural e de lazer. 18:00h – Jantar. 19:00h – Apresentação de Grupos: - Jovens talentos do IBC (alunos e ex-alunos).
3º Dia – 15/12/2002 – Domingo. 07:00h – Café. 08:00h – Apresentação das temáticas. 12:00h – Encerramento. 13:00h – Almoço de confraternização.
307
FICHA DE INSCRIÇÃO NO I ENCONTRO DE EGRESSOS Dados sobre alunos egressos do IBC nos anos 1985 a 1990 Nome: ________________________________________________________________ Data de Nascimento ___/____/_____ Estado/Município _______________________ Entrada no IBC ___/___/___ no _________________ Filiação _____________________________________________________________ e ______________________________________________________________________ Endereço ______________________________________________________________ Município/Bairro _______________________________________________________
Tel.; _____________________ E-mail: _____________________________________ Condição visual: ( ) Cego ( ) Baixa Visão ( ) Congênita ( ) Adquirida
Possui outras patologias: _______________________________________________ Avaliação do Serviço social: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Avaliação Psicológica: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
308
DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS EGRESSOS DO IBC NOS ANOS –1985 A 1990 POR CONDIÇÃO VISUAL
ANO CEGOS BAIXA VISÃO TOTAL 1985 1986 1987 1988 1999 2000
09 13 09 15 07 11
05 03 05 06 02 04
14 16 14 21 09 15
TOTAL 64 25 89 ____________________________________________________________
309
TÓPICOS DAS ENTREVISTAS VERSANDO SOBRE (HÁBITO, LAZER, BATE PAPO, LEITURAS, MÚSICA, NAMORO, CINEMA,
MODA...) 1ª Entrevista: Principais momentos de sua infância. Acontecimentos de sua vida que você nunca se esqueceu. Amigos da infância. Brinquedos da infância. Ingresso na escola. Escola Especial x Escola Comum. A aprendizagem do Braille. Locais que você gostava de brincar com colegas. Irmãos. Preocupações dos pais. Idade em que você começou a realizar as atividades de vida diária sozinho. Locais que você acostumava freqüentar. Atividade religiosa. Comidas de suas preferência. TV x rádio. Aquisição de hábitos higiênicos. Escolha de amigos. Noção e cumprimento de horários. A família antes. A família atualmente. Ser deficiente visual. Temas que preocupam: menstruação, virgindade, sexo.
310
Namoro e casamento. A escolha do companheiro. Filhos. Preferências musicais. Apresentação em público. Saída do IBC. O ensino médio. O vestibular. O ensino superior. Movimentos de cegos. A moda. Uso de perfume. Tarefas domésticas. Preparo das refeições. Identificação do lar. Programas preferidos. Alegria x tristeza. Emoção e controle. Esporte e lazer. Livros de preferência. A vida a sós. A locomoção do cego. Amizades. Eventos sociais. Situações embaraçosas.
311
Barreiras escolares. O significado da pós-graduação. Escola da profissão. Atividade escolhida x atividade exercida. Pedido de informação? Pistas utilizadas para traçar o perfil das pessoas. Dificuldades encontradas para desempenho das funções no emprego. 2ª Entrevista: Temática - (tem a ver com o tema) Preferência no tratamento: cego ou deficiente visual. A questão disciplinar do cego. O significado do termo vidente. Luta contra o preconceito x luta para acabar com o preconceito. Cegueira congênita x cegueira adquirida. Tópicos importantes em um programa educacional. A estrutura curricular do IBC na sua época de estudante. A estrutura curricular do IBC atualmente. A descoberta da comunidade de iguais dentro do IBC. A construção da identidade: resultado da vivência entre cegos ou da oposição ao
vidente. A educação especial e o seu produto. O sentimento despertado pelos cegos nas pessoas que não são cegas. A imagem que as pessoas têm do cego. A importância da especialização na educação de cegos.
312
A importância da escola especializada na sua época de estudante e na época atual. A política de inclusão. A história da educação dos cegos. A construção de Institutos semelhantes ao IBC. A especialização de professores das escolas comuns para atenderem alunos deficientes visuais.
A saída da escola especializada para a escola comum. O internato. Faixa etária ideal para o aluno cego ser matriculado na escola comum. Pontos que devem ser incluídos nas políticas públicas voltadas para a educação. Mudanças pedagógicas que devem ser promovidas no currículo do IBC. Associação de ex-alunos do IBC. A cegueira e a sua prevenção. Casamento entre cegos e/ou entre videntes. Pessoas cegas na família. Qualidade de vida. Atividades desenvolvidas no IBC que foram fundamentais para a sua formação. Atividades promovidas pelo o IBC, na sua época, que promoviam o aluno. Questões que você sentiu falta na sua educação no IBC. Diferença e dificuldades apresentadas entre homens e mulheres cegas. A importância da democracia para a conquista da cidadania. Principal canal utilizado para captar informação que propiciem exercer o voto ou aumentar o conhecimento. A importância do encontro de ex-alunos do IBC. Profissões que mais se coadunam com a cegueira. A cegueira e as tecnologias.
313
Maiores dificuldades para o cego ser inserido no mercado de trabalho. Os ex-alunos do IBC e o mercado de trabalho. A perspectiva da abertura do Ensino Médio no IBC. Livros em Braille x livros gravados em CD. Profissões que podem e que não podem ser desempenhadas pelas pessoas cegas. A inclusão e o IBC. O internato do IBC. A questão da lei das quotas nos concursos públicos. 3ª Entrevista Entrevista livre (Fale livremente, o tempo que for necessário sobre: “o que é ser cego na sociedade brasileira”).
314
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
AUTORIZAÇÃO DE FILMAGEM.
Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de
1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.
Venho por intermédio deste, solicitar autorização para filmar suas imagens,
durante a sua participação em um fórum a ser realizado no Instituto Benjamin Constant,
no dia ___/____/2002. O material filmado será utilizado na produção de minha tese de
doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da
Mulher, IFF/FIOCRUZ.
Objetivos da pesquisa: essa pesquisa visa descrever e analisar a história de vida -
----------atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período
compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende verificar como esses alunos
egressos situam aquele instituto na trajetória de suas vidas e determinar como se
encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado
de trabalho.
Eu, ____________________________________________________, abaixo
assinado, autorizo a filmagem de minhas imagens durante a minha participação no
fórum a ser realizado no dia ____/____/2002, no Instituto Benjamin Constant.
Rio de Janeiro, _________/___________2002.
________________________________ Carmelino Souza Vieira
Nome do depoente Nome do Pesquisador
__________________________________
_________________________________
Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador
Carmelino Souza Vieira
Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462
email: [email protected]
315
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
REDAÇÃO DE DEPOIMENTO.
Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de
1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.
Venho por intermédio deste, solicitar sua participação em pesquisa intitulada
“alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período 1985 a 1990 e sua
inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”. Esta pesquisa articula-se à produção de
minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da
Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.
Objetivos da pesquisa: Essa pesquisa visa descrever e analisar a história de
vida atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período
compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende: verificar como os alunos
egressos do IBC situam aquele instituto na trajetória de suas vidas; determinar como se
encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado
de trabalho. Para atingir tais objetivos solicitamos ao Sr (a) que escreva sobre suas
recordações do IBC; a experiência da cegueira na adolescência, a saída do IBC; a vida
atual, ou seja: o que faz para se divertir, qual a sua profissão e/ou trabalho e como se
sente em relação a eles; como sua família é atualmente e finalmente, o que espera do
futuro. Essa redação é livre e o Sr (a) pode escrever quantas páginas achar necessário.
Sua participação é voluntária e sua identidade será mantida em sigilo. O Sr (a) poderá
pedir todos os esclarecimentos que desejar, antes e durante o desenvolvimento da
pesquisa. Garantimos ao Sr (a) o direito de retirar seu depoimento escrito a qualquer
momento que o desejar.
Os resultados da pesquisa serão divulgados em tese a ser defendida no Programa
de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher/IFF/FIOCRUZ, assim como nas
publicações científicas, congressos, seminários, mesas redondas e similares.
Eu, ____________________________________________________, abaixo
assinado, declaro que li e entendi esse termo de consentimento e, assim sendo, concordo
em participar da pesquisa.
Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.
316
________________________________ Carmelino Souza Vieira
Nome do depoente Nome do Pesquisador
__________________________________
_________________________________
Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador
Carmelino Souza Vieira
Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462
email: [email protected]
317
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA
ENTREVISTA
Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de
1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.
Venho por intermédio deste solicitar sua participação em pesquisa intitulada
“alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período 1985 a 1990 e sua
inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”. Esta pesquisa articula-se à produção de
minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da
Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.
Objetivos da pesquisa: Essa pesquisa visa descrever e analisar a história de
vida atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período
compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende: verificar como os alunos
egressos do IBC situam aquele instituto na trajetória de suas vidas; determinar como se
encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado
de trabalho; identificar quais as dificuldades que eles tiveram dentro do modelo
proposto pelo IBC, nas suas diversas fases; buscar quais as dificuldades apontadas pelos
egressos para um modelo educacional diferente do IBC.
Para atingir tais objetivos o (a) Sr (a) participará de entrevistas, que serão
gravadas, versando sobre questões que se relacionem com os objetivos que foram
referenciados anteriormente.
Sua participação é voluntária e sua identidade será mantida em sigilo, assim
como a de outras pessoas as quais, por um acaso, venha a fazer referências em seu
depoimento.
O Sr (a) poderá pedir todos os esclarecimentos que desejar, antes e durante o
desenvolvimento da pesquisa. Serão oferecidas cópias das entrevistas e, o Sr (a) poderá
introduzir as modificações que forem necessárias.
Os resultados da pesquisa serão divulgados em tese a ser defendida no Programa
de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher/IFF/FIOCRUZ, assim como nas
publicações científicas, congressos, seminários, mesas redondas e similares.
318
Eu, ____________________________________________________, abaixo
assinado, declaro que li e entendi esse termo de consentimento e, assim sendo, concordo
em participar da pesquisa.
Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.
________________________________ Carmelino Souza Vieira
Nome do entrevistado Nome do pesquisador
__________________________________
_________________________________
Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador
Carmelino Souza Vieira
Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462
email: [email protected]
319
TERMO DE CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM
DISCUSSÃO LIVRE, SOBRE A CONDIÇÃO PESSOAL E A
MEMÓRIA DE FATOS VIVIDOS.
Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de
1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.
Venho por intermédio deste, convidá-lo para participar de discussão livre entre
os alunos egressos do IBC no período 1985-1990, versando sobre: os fatos vividos em
sua educação e a importância desses fatos na sua vida atual e em seu futuro, a ser
realizado no Instituto Benjamin Constant, no dia 13/12/2002. O material colhido será
utilizado na produção de minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-
Graduação em Saúde da Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.
Objetivos da pesquisa: essa pesquisa visa descrever e analisar a história de vida
atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período
compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende verificar como esses alunos
egressos situam aquele instituto na trajetória de suas vidas e determinar como se
encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado
de trabalho.
Eu, ____________________________________________________, abaixo
assinado, autorizo a filmagem de minhas imagens durante a minha participação no
fórum a ser realizado no dia ____/____/2002, no Instituto Benjamin Constant.
Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.
________________________________ Carmelino Souza Vieira
Nome do participante Nome do Pesquisador
__________________________________
_________________________________
Assinatura do participante Assinatura do pesquisador
Carmelino Souza Vieira
tel: (21) 2547-7966
email: [email protected]
320
Tabela 04 - Principais patologias oculares apresentadas pelos ex-alunos no período
1985 a 1990.
Patologias Masc Fem Total Glaucoma congênito 11 06 17 Retinose pigmentar 03 06 09 Atrofia óptica 05 02 07 Leucoma 03 04 07 Catarata congênita 04 01 05 Degeneração da retina 02 01 03 Glaucoma + catarata 02 01 03 Miopia + estrabismo (albinismo) 01 01 02 Foco de corioretinite + miopia + astigmatismo 02 - 02 Ambliopia de AO - 02 02 Enucleação de AO - 02 02 Anirídia congênita + nistagmo - 02 02 Buftalmia 01 01 02 Miopia + astigmatismo + ambliopia - 02 02 Maculopatia 01 - 01 Corioretinite atrófica 01 - 01 Microglobo+ microcórnea congênita - 01 01 Ceratite em faixa + descolamento de retina 01 - 01 Estrabismo + oftalmoplegia 01 - 01 Atrofia óptica + catarata congênita - 01 01 Ceratocone agudo + leucoma central 01 - 01 Exotropia + nistagmo + retinose pegimentar 01 - 01 Uveite - 01 01 Ceratopatia em faixa - 01 01 Catarata congênita + afacia - 01 01 Coloboma de íris + coloboma de papila + estrabismo
- 01 01
Anaftalmia + angioma - 01 01 Estafiloma em AO - 01 01 Fibroplasia retrolenticular - 01 01 Retinose albínica - 01 01 Afacia macular 01 - 01 Atrofia óptica + nistagmo - 01 01 Toxoplasmose congênita 01 - 01 Degenração macular - 01 01 Microftalmia + microcórnea 01 - 01 Fundo Flaviomaculatus 01 - 01 Foco atrófico nocular externo - 01 01 Microftalmia + atrofia óptica + afacia 01 - 01 Total 45 44 89
321
Tabela 05 - Motivos que mais levaram os ex-alunos a procurar o oftalmologista
(período- 1985 a 1990)
Ordem Queixa mais comum incidência 01 Dor no olho 38 02 Atestado/laudo oftalmológico 29 03 Hiperemia conjuntival + secreção 28 04 Lacrimejamento + dor + ardência + prurido 24 05 Cirugia ocular 21 06 Curativos 16 07 Trauma ocular 13 08 Atestado/laudo para Alistamento Militar 12 09 Vista embaçada + dor 10 10 Laudo oftalmológico para concurso 09 11 Olhos colados pela manhã + secreção 09 12 Lacrimejamento + fotofobia 08 13 Coçeira nos olhos 08 14 Receita/exame para óculos 08 15 Quebra de óculos 07 16 Revisão de lentes 07 17 Sensação de areias nos olhos 07 18 Secreção na prótese ocular 07 19 Corpo estranho no olho 07 20 Dor de cabeça + fisgada no olho 06 21 Hordéolo na pálpebra 06 22 Dor no olho + dor na cabeça 06 23 Diminuição da acuidade visual 06 24 Revisão da prótese 05 25 Classificação esportiva 05 26 Pressão nos olhos 05 27 Exame para colocação de lentes de contato 05 28 Consulta neurológica 04 29 Úlcera de córnea 04 30 Edema no olho 03 31 Olho arranhando e coçando 03 32 Caroço no olho 03 33 Mancha no olho 03 34 Olho vermelho + dor + ardência 03 35 Visão turva e vermelha 02 36 Óculos com grau fraco 02 37 Hemorragia subconjuntival 02 38 Coceira no olho + sensação de areia no olho + secreção 02 39 Pálpebra tremendo 01 40 Alega visão em galhos 01 41 Alega que está vendo torto 01 42 O ponto branco do olho está correndo 01 43 Vê pinginhos brancos e pretos com pontos correndo 01 44 Solicita uso de lupa 01 45 Alega visão periférica 01 46 Mordida do colega na pálpebra superior 01
322
ANEXOS
Anexo I
Mortalidade Infantil
As condições de saúde da humanidade têm sofrido constantes alterações em
função do desenvolvimento social e tecnológico. Diretamente ligada a essas
transformações, a mortalidade ocupa lugar de destaque para o conhecimento da
dinâmica sócio-demográfica, como variável sensível às condições sociais e econômicas.
Como o seu nível é resultante do efeito combinado de um conjunto de fatores que
afetam o bem-estar da população, tais como a oferta e acesso aos serviços públicos de
saúde e saneamento básico e os rendimentos auferidos, a taxa específica de mortalidade
pode ser considerada como indicador da qualidade de vida dessa população.
A mortalidade exprime através de suas taxas e coeficientes, o nível de
desenvolvimento econômico de uma população314 Esta condição é decorrente do fato de
que a saúde é condicionada por um grande número de determinantes sociais e do acesso
aos chamados bens de consumo coletivo; assim, a saúde adequada decorre da renda, da
alimentação, da educação, da existência de saneamento básico, do transporte e do
acesso à assistência, que é um direito constitucional.
A taxa de mortalidade infantil é expressa pelo número de óbitos de menores de
um ano de idade, por mil nascidos vivos, em determinado espaço geográfico, no ano
considerado e compreende a soma dos óbitos ocorridos nos período neonatal precoce
(0-6 dias de vida), neonatal tardio (7-27 dias) e pós-neonatal (28 dias e mais). A taxa
de mortalidade infantil (TMI) é um dos indicadores mais eficazes para refletir não
314. Ministério da Saúde/CENEPI: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).
323
somente aspectos da saúde de crianças, como a qualidade de vida de uma determinada
população. Existem claras associações entre riqueza e nível de desenvolvimento de um
país ou região e suas TMI. Nas regiões pobres do mundo, onde essas taxas são mais
elevadas, a maioria das mortes infantis poderia ser evitada com medidas simples e
eficazes. Mais de 70% desses óbitos deve-se a pneumonia, diarréia, desnutrição,
afecções perinatais, ou uma associação delas. Essas taxas refletem de maneira geral
baixo níveis de saúde, de desenvolvimento socioeconômico e de condições de vida.
Taxas reduzidas também podem encobrir más condições de vida em segmentos sociais
específicos e, geralmente são classificadas em altas (50 ou mais), médias (20-49) e
baixas (menos de 20), em função da proximidade ou distância de valores já alcançados
em sociedades mais desenvolvidas. Esses parâmetros devem ser periodicamente
ajustados às mudanças verificadas no perfil epidemiológico.
Os indicadores de saúde são utilizados pela Saúde Pública para avaliar as
condições de vida de uma população. A mortalidade infantil é considerada um dos mais
sensíveis desses indicadores. Conhecer o perfil da mortalidade infantil é fundamental
para a formulação de estratégias que permitam esse controle. Este deve ser feito desde
uma assistência adequada à mulher durante a gravidez e o parto e um acompanhamento
principalmente das crianças consideradas de risco. Assim, os índices de mortalidade
observados em uma população, além da situação em que se encontram os fatores sociais
que predispõe às doenças, cabe aos governantes organizar um planejamento adequado
para implementar as ações de sua gestão, bem como, avaliar o impacto das ações
governamentais na melhoria de saúde; portanto, ao verificarmos as taxas de mortalidade
de uma população, devemos considerar os aspectos que determinam a maior ou menor
ocorrência da mortalidade, como por exemplo: redução das chamadas doenças da
pobreza, isto é, doenças infecciosas intestinais de nutrição e pneumonia; a má qualidade
324
do atendimento médico, tais como causas perinatais, septicemia e anomalias congênitas.
Além disso, as mudanças nas causas da mortalidade infantil refletem as transformações
decorrentes do processo de urbanização e a efetiva atuação das instituições de saúde no
parto e nos primeiros cuidados à infância.
Nos últimos anos, muitos foram os esforços desenvolvidos pelo Brasil na
promoção da saúde e nutrição da criança, resultando na queda da taxa de mortalidade
infantil e na diminuição da desnutrição em todas as regiões brasileiras. A implantação e
consolidação do Sistema Único de Saúde/SUS foi de suma importância na redução
dessa mortalidade infantil, em que pese as dificuldades encontradas. Além disso,
convém ser ressaltado que essa diminuição deveu-se, também, ao maior controle das
doenças infecto-contagiosa, à melhoria no saneamento básico e ao maior acesso da
população geral, gestantes, aos serviços de saúde.
Apesar dessa redução, as doenças infecciosas intestinais ainda têm uma
participação elevada no Norte e Nordeste do Brasil. Nesse sentido a Organização
Mundial de Saúde (OMS) alerta: as más condições de vida associadas à poluição e à
contaminação são responsáveis pela morte de cinco milhões de crianças por ano,
conforme estudo realizado para celebrar o Dia Mundial da Saúde em 7 de abril de 2003.
Segundo ainda esse estudo, as principais causas das mortes são as doenças
respiratórias, muitas delas geradas ou agravadas pela poluição nas cidades, sendo
responsáveis pela morte de 2 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade; e
a diarréia que mata cerca de 12% das crianças com a mesma idade; enquanto nos países
ricos essa ocorrência é de 100 mil (DATASUS)
As doenças genéticas, embora raras se analisadas individualmente, tornam-se
relativamente freqüentes, em seu conjunto, se somarmos a incidência dos milhares de
traços gênicos, as anomalias cromossômicas e as doenças multifatoriais. Os
325
nascimentos com anomalias congênitas, que podem ou não ter etiologia genética,
ocorrem na proporção de 1:10-20 (ECLAM-1996).
Calcula-se que 5/1000 crianças morrem no primeiro ano de vida por doenças de
causa genética. À medida que diminui a mortalidade infantil por desnutrição ou doenças
infecciosas em um país, as doenças genéticas passam a ter participação crescente na
morbidade e mortalidade desse grupo. Para ilustrar melhor esse fato, apresentamos a fig.
1 e a tabela 4 que contêm dados comparativos referentes a internações hospitalares e
óbitos, de crianças normais e com malformações.
Fig. 1 – Crianças com malformações
326
Tabela 6 - Internações hospitalares e óbitos de crianças normais e com MCT
Trimestre
Internações Hospitalares
Internações Hospitalares com MCT
Óbitos
Óbitos com MCT
I 961 106 11 34 12 35,3%
II 876 89 10,2 20 8 40%
III 970 125 12,9 24 6 27,27%
IV 1016 141 13,9 24 7 29,17%
Total 3823 461 12% 100(2,6%) 33 32,9%
Fonte: Departamento de Genética do IFF/FIOCRUZ (2003).
Um dos grandes problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento é a
inexistência de registros estatísticos confiáveis para medir as taxas de mortalidade
infantil. Em geral, faltam informações sobre nascimento e morte de crianças menores de
um ano que, em muitos casos, sequer são registradas nos Cartórios de Registros Civis,
especialmente nas regiões rurais, pequenas cidades ou entre os grupos sociais de menor
renda.
Assim, o documento intitulado “Declaração de Nascido Vivo” (Quadro 1),
controlado pelo Ministério da Saúde e preenchido pelas Unidades de Saúde o qual é
entregue ao pai ou ao responsável, para registro da criança no Cartório de Registro
Civil, nem sempre é preenchido, uma vez que muitos dos partos ocorrem fora das
Unidades de Saúde. Além disso, 6,3 milhões de crianças com menos de seis anos de
idade não são registradas, ou seja, não têm Certidão de Nascimento.
No que diz respeito à Educação Infantil, somente 49,6% das crianças de 0 a 3
anos de idade têm acesso à creche e 57% das crianças de 4 a 6 anos não freqüentam a
escola (Relatório Anual 2002/UNICEF).
327
Quadro 1 - Declaração de nascido vivo
O campo 34 dessa declaração (Quadro 2) permite detectar o nascimento de
crianças com malformação congênita ou com anomalia cromossômica. Defeitos
congênitos são alterações ou malformações que podem afetar o aspecto, a saúde, ou a
capacidade de aprendizagem. Alguns desses defeitos são herdados, outros resultam de
acidentes que podem ocorrer quando os gametas se formam e ainda outros, são devidos
à exposição a agentes nocivos durante a gravidez. Em muitos casos não é possível
328
identificar a causa ou a origem da anomalia, para isso é de fundamental importância que
os clínicos estejam preparados para reconhecer as doenças genéticas, que cada vez mais
fazem parte da rotina dos profissionais de saúde.
Quadro 2 – Declaração de nascido vivo
Nos últimos anos o Brasil avançou muito na redução da mortalidade infantil. As
campanhas de aleitamento materno, do uso do soro caseiro, o aumento do programa de
agentes comunitários de saúde, são algumas das razões desse declínio da taxa de
mortalidade de crianças menores de 1 ano, como pode ser observado no Gráfico 12.
Gráfico 12 – Mortalidade Infantil (menor de 1 ano)
329
Realmente, há consistente tendência de redução da mortalidade infantil em todas
as regiões brasileiras, que reflete o declínio da fecundidade nas últimas décadas e o
efeito de intervenções públicas nas áreas de saúde e saneamento. Ainda assim, se
observarmos os dados da tabela 6 (abaixo), constataremos que os valores médios
continuam elevados, sobretudo nas regiões Nordeste e Norte. Para 1998, as taxas
calculadas para os estados brasileiros, mostram variações entre 17,3 por mil (Rio
Grande do Sul) e 68,2 por mil (para Alagoas).
Tabela 7: Taxa de Mortalidade Infantil (em mil), Brasil e Grandes regiões – 1991,
1996 e 1998
Regiões 1991 (a) 1996 (a) 1998
Brasil 45,2 37,5 33,1
Norte 42,3 36,1 34,6 (a)
Nordeste 71,2 60,4 53,5 (a)
Sudeste 31,6 25,8 22,1 (b)
Sul 25,9 22,8 18,7
Centro-Oeste 29,7 25,8 25,5 (c)
Fontes: Ministério da Saúde/CENEPI: Base de dados do SIM e do SINASC e IBGE:
estimativas demográficas.
Notas:
(a) – Taxa estimada.
(b) – Inclui estimativa para MG.
(c) - Incluem estimativa para MT, GO e DF.
330
Anexo II
Aconselhamento genético.
Genética é o estudo da hereditariedade e da variação dos seres vivos.
Compreende os ramos da Genética de Microorganismos, Genética Vegetal, Genética
Animal e a Genética Humana. Na Genética Humana temos áreas específicas como a
Genética de Populações (que trata do estudo da distribuição dos genes nas famílias e nas
populações), a Citogenética (que estuda as aberrações cromossômicas), a Genética
Bioquímica (estuda as doenças geneticamente determinadas nas quais são conhecidas as
alterações bioquímicas, que são vistas como erros inatos do metabolismo) e a Molecular
(que se interessa pelo estudo e identificação dos genes responsáveis pelas doenças que
apresentam herança monogênica e a busca de metodologia para modificar o DNA,
incluindo-se aí o projeto de Genoma Humano que decifrou o código genético da espécie
humana). A Genética Médica, embora utilize os conhecimentos das demais áreas, lida
especificamente com as doenças de origem genética, que é o atendimento ao paciente
com doenças genéticas, a sua família e a realização do aconselhamento genético.
É uma especialidade que exerce também uma interlocução com diferentes
gestores, além da saúde, como, por exemplo, junto às secretarias de educação,
especialmente a Secretaria de Educação Especial do MEC (Llerena et al., 2002).
Quanto ao aconselhamento genético, trata-se de um processo de comunicação
sobre problemas humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma
doença hereditária e/ou genética na família, através do qual os indivíduos que possuem
ou estão em risco de possuir uma doença hereditária são informados sobre as
características da condição, a probabilidade ou risco de desenvolvê-la ou transmiti-la e,
as opções pelas quais pode ser prevenida ou amenizada. Devido a sua complexidade e
importância médica, deve ser sempre realizada pelo especialista em genética clínica.
331
Além disso, afirma Llerena (2002) que “a prática no cuidado à saúde das doenças
genéticas, talvez privilegie, como poucas na medicina uma interdisciplinaridade
envolvendo psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,
ortodontistas, biólogos, biomédicos, epidemiologistas, entre outros, intensificando o
caráter de integralidade”.
O aconselhamento genético tem como objetivo permitir que os casais possam
tomar decisões conscientes e equilibradas a respeito da procriação. Obviamente, isto
inclui também a discussão sobre questões tais como: recursos terapêuticos disponíveis
para a doença, a possibilidade de diagnóstico precoce e de prevenção de complicações
graves, adoção de filhos, uso de método anticoncepcional, etc.
Os exames genéticos ainda estão restritos a centros de pesquisa e clínicas
especializadas, não alcançando, portanto o consultório cotidiano. Quanto a isso, informa
Llerena (2002) que:
“Nos países de Primeiro Mundo, especialmente nos Estados Unidos, o ônus
financeiro para a realização dos exames genéticos moleculares, por exemplo,
geralmente é dos grupos privados de saúde. No Brasil, entretanto, somente uma
pequena parcela da população tem acesso aos planos de saúde privados
(~25%). Contudo, as doenças genéticas não são exclusivas das classes sociais
mais desfavorecidas e basta um caso ocorrer nas famílias que tenham planos de
saúde privados para que novos tipos de exigências e responsabilidades aos
planos sejam reivindicados pelos usuários visando ao custeio de patologias de
alta complexidade, como a fibrose cística, ou a realização de testes preditivos
moleculares, como os associados ao câncer de mama familiar”.
Segundo Ribeiro-Gonçalves (2001), à medida que uma população atravessa os
vários estágios do subdesenvolvimento em direção a patamares mais elevados do
desenvolvimento, “ela vai pouco a pouco, resolvendo os problemas de saúde pública
inerentes à primeira fase, decorrentes da carência alimentar, das doenças infecto-
332
contagiosas e das parasitoses” (p.20). Daí, a necessidade de algumas medidas
sanitárias como vacinação (sarampo, rubéola, etc.), o combate às endemias
(parasitoses), a infecções (toxoplasmose, sífilis, etc.); medidas preventivas contra
traumas e acidentes (brinquedos condenados, fogos, acidentes de trânsito e
profissionais), e outras como, por exemplo, para evitar a retinopatia dos prematuros
(oxigenação racional).
Nos países desenvolvidos, as alterações mais comuns em crianças são detectadas
na infância precoce. Por exemplo, no Reino Unido o exame ocular é realizado
rotineiramente nos recém–nascidos, visando promover o mais precoce possível,
adequada orientação terapêutica, aconselhamento genético e outras condutas de suporte
às doenças oculares congênitas detectadas (Rahi et al, 1999). Já nos países em
desenvolvimento, os escassos recursos destinados à área da saúde devem atender
prioridades múltiplas e distintas, nem sempre privilegiando programas preventivos
(Ventura et al, 1995).
Conforme comenta Ribeiro-Gonçalves (2001) cerca de 60% das doenças
oculares são devidas a fatores genéticos, ou seja, são hereditárias. Conhecedores dessas
informações, os oftalmologistas se utilizam da prevenção primária através do
aconselhamento genético, “que se trata de um procedimento médico no qual o
geneticista dá a um indivíduo ou casal com problema genético (atual ou potencial) as
informações necessárias para que uma decisão reprodutiva informada possa ser
tomada” (Ribeiro-Gonçalves, 2001: p.21). A intervenção do geneticista junto ao
paciente e à família é de fundamental importância para ajudá-los a: a) compreender o
diagnóstico, a evolução e o tratamento da doença; b) entender a maneira pela qual a
hereditariedade influencia o aparecimento da doença e o risco de ocorrência (ou
recorrência) da mesma em membros da família; c) entender as opções existentes para
333
lidar com o risco de ocorrência da doença; d) escolher a alternativa mais apropriada
tendo em vista o risco da doença e as metas reprodutivas do casal e e) alcançar um
ajuste psicológico com relação à doença ou risco de ocorrência da doença (Rocha et al.,
1987).
Muitas malformações congênitas, as aberrações cromossômicas, distrofias
retinianas e corneanas, o retinoblastoma e o glaucoma congênito são exemplos de
entidades às quais tipicamente se presta o aconselhamento genético, que se constitui
em peça indispensável na prevenção de expressivo número de doenças oculares. Logo,
contribui para prevenir a cegueira ou as grandes deficiências visuais que tais doenças
causam.
A realização de programas de aconselhamento genético, prevenção e diagnóstico
pré-natal ainda é a única opção disponível para diminuir a freqüência de crianças
portadoras de doenças geneticamente determinadas. Nesse sentido e frente ao cenário
socioeconômico do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) que desenvolve uma
política de descentralização e desconcentração no cuidado e atenção à saúde, parece ser
uma das propostas alternativas para as questões envolvendo a genética médica e suas
ramificações na biologia molecular, conforme comenta Llerena (2002).
Os rápidos avanços na genética e em suas aplicações produzem questões éticas
complexas; além disso, o fabuloso volume de informações produzidas pelos estudos do
genoma humano que está apenas começando, torna imprescindível analisar o impacto
que o domínio dessa nova tecnologia terá em nossas vidas. Dada a complexidade
laboratorial envolvida na genética médica, especialmente quanto às técnicas de biologia
molecular, reveste-se de grande importância a recomendação feita pelas agências de
fomento de pesquisa no Brasil “que tais exames moleculares não mais requerem verbas
federais para sua consolidação e/ou validação e devem, portanto, ser incorporados
334
como métodos laboratoriais no auxílio diagnóstico e/ou aconselhamento genético”
(Llerena, 2002: p.22).
É certo que além dessas dificuldades tecnológicas, surgem outras quando
manifestações da doença só aparecem em idade mais avançada, como por exemplo, a
retinose pigmentar. Enfim, dada à realidade sócio-econômica do nosso país, a política
implementada pelo SUS e a complexidade laboratorial aplicada na genética médica,
concordamos com Llerena (2002) quando afirma:
“o grande desafio atual para a saúde no Brasil, uma vez que as agências de
fomento federal e estadual incentivam as pesquisam médicas tanto no campo da
genética básica como na genética aplicada, será a transferência tecnológica
decorrente deste incentivo para o SUS que a priori deverá ser gerenciado como
insumo, inclusive as técnicas de biologia molecular, na atenção e cuidado da
saúde da população brasileira” .
O estudo e a identificação dos genes responsáveis pelas doenças que apresentam
um padrão de herança monogênico (Leis de Mendel) e a busca de metodologias para
investigar o DNA, têm sido de grande aplicação à Genética Molecular como, por
exemplo, o oriundo do projeto Genoma Humano. Fato é que a Genética está presente
em todas as áreas do conhecimento médico, a exemplo da Oftalmologia que mantém um
contato bastante estreito com o geneticista.
A título de ilustração e no sentido de demonstrar a atual heterogeneidade clínica
e genética das doenças oculares hereditárias, exemplificamos as distrofias corneanas e
a distrofia pigmentar ou retinite pigmentosa.
Distrofias corneanas - são doenças hereditárias não inflamatórias e avasculares,
que acometem os dois olhos e não se acompanham de doenças sistêmicas
demonstráveis; são afecções que se instalam tardiamente, de regra após a puberdade.
335
Algumas, em caráter de exceção, são também congênitas, ou seja, encontram-se
presente no nascimento.
Na sua maioria, manifestam caráter autossômico dominante (AD), por vezes
autossômico recessivo (AR) e, mais raramente, caráter dominante ligado ao sexo (XD)
ou caráter recessivo ligado ao sexo (XR). Existem outras em que a herança não foi anda
esclarecida, ou parece alternarem-se as várias modalidades heranças (Ribeiro-
Gonçalves, 1987). Dada a natureza deste projeto, abordaremos apenas aquelas atrofias
que induzem a maior deficiência visual e que tenham alguma relação com a genética
(Tabela 6).
Distrofia pigmentar ou retinite pigmentosa – Conforme comenta Ribeiro-
Gonçalves a retinose pigmentar inicia-se como as demais abiotrofias, por volta dos 12
anos de idade, manifestando-se inicialmente por cegueira noturna (acometimento
precoce dos bastonetes), seguida de escotoma anular, que evolui para o campo visual
tubular e, finalmente, para a cegueira total, em torno dos 60 anos. O fator primordial da
patogênese da retinose pigmentar é a degeneração progressiva do neuroepitélio
retiniano, acometendo primariamente os bastonetes e secundariamente os cones,
seguindo-se a atrofia geral de toda a retina.
Tabela 8 - Distrofias Corneanas segundo OMIM (2001)
Nº do catálago Tipo Herança
121900 Granular AD
121820 Membrana epitelial basal AD
122200 Laticce tipo 1 AD
121800 Schnyder AD
121700 Endotelial congênita AD
122100 Epitelial juvenil de Meesmann AD
122000 Polimorfa posterior hereditária AD
121850 François-Neetens AD
336
122400 Erosões corneanas recorrente AD
602082 Camada de Bowman tipo II
210370 Corneoretiniana Bietti AR
271320 Macular com degeneração espinocerebelar AR
217400 Associada a surdez AR
217600 Central AR
217500 Tipo-banda AR
217800 Macular AR
217700 Congênita hereditária AR
217520 Tipo banda esferóide AR
Tabela 9 - Exemplo de diferentes síndromes genéticas relacionadas à retinite pigmentosa
RETINITE PIGMENTOSA OMIM (2001)
1: #268000
RETINITIS PIGMENTOSA; RP
Gene map locus 19q13.3, 1q41, 16q13, 15q26, 15q23, 2q14.1
2: #209900
BARDET-BIEDL SYNDROME; BBS
BARDET-BIEDL SYNDROME 1, INCLUDED; BBS1, INCLUDED
Gene map locus 20p12, 16q21, 15q22.3-q23, 11q13, 4q27, 3p13-p12, 2q31
3: #200100
ABETALIPOPROTEINEMIA; ABL
Gene map locus 4q22-q24
Segundo ainda Ribeiro-Gonçalves (1987) “a retinose pigmentar transmite-se
como traço autossômico recessivo em 75% dos casos, autossômico dominante em 15-
20% e cerca de 5% dos casos evoluem sob a forma ligada ao X, ora recessiva, ora
dominante (excepcional), ora intermediária” (p.89).
337
Anexo III
Qualidade de Vida
Segundo a Organização Mundial de Saúde, OMS, a expressão qualidade de
vida foi empregada pela primeira vez pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon
Johson, em 1964, ao declarar que “os objetivos não podem ser medidos através do
balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que
proporcionam às pessoas”. (WHO QOL Group, p . 01).
O interesse em conceitos como “padrão de vida” e “qualidade de vida” foi
inicialmente partilhado por cientistas sociais, filósofos e políticos. O crescente
desenvolvimento tecnológico da Medicina e ciências afins trouxe como conseqüência
negativa a sua progressiva desumanização. Assim a preocupação com o conceito de
“qualidade de vida” refere-se a um movimento dentro das ciências humanas e
biológicas, no sentido de valorizar parâmetros mais amplos que o controle de sintomas,
a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida.
A avaliação da qualidade de vida sob o ponto de vista médico foi acrescentada
nos ensaios clínicos randomizados como a terceira dimensão a ser avaliada, além da
eficácia (modificação da doença pelo efeito da droga) e da segurança (reação adversa a
drogas) (WHOQOL Group, 1995).. A Oncologia foi a especialidade que, por
excelência, se viu confrontada com a necessidade de avaliar as condições de vida dos
pacientes que tinham sua sobrevida aumentada com os tratamentos propostos, já que
muitas vezes na busca de acrescentar “anos à vida” era deixado de lado a necessidade de
acrescentar “vida aos anos” (WHOQOL Group, 1998).
338
Assim, o termo qualidade de vida como vem sendo aplicado na literatura médica
não parece ter um único significado. “Condições de saúde”, “funcionamento social” e
“qualidade de vida” têm sido usados como sinônimos e a própria definição de qualidade
de vida não consta na maioria dos artigos que utilizam ou propõe instrumentos para a
sua avaliação. Qualidade de vida relacionada com a saúde (health-related quality of
life) e estado subjetivo de saúde (subjective health status) são conceitos afins centrados
na avaliação subjetiva do paciente, mas necessariamente ligados ao impacto do estado
de saúde sobre a capacidade do indivíduo viver plenamente. Nesse sentido (WHOQOL
Group, 1998) considera que o termo qualidade de vida é mais geral e inclui uma
variedade potencial maior de condições que podem afetar a percepção do indivíduo,
seus sentimentos e comportamentos relacionados com o seu funcionamento diário,
incluindo, mas não se limitando, à sua condição de saúde e às intervenções médicas.
A preocupação com a qualidade de vida nas últimas décadas, tem suscitado
grande proliferação de instrumentos de avaliação desse construto, principalmente nos
Estados Unidos onde há crescente interesse em traduzi-los para aplicação em outras
culturas. Aliás, ressalta o Group WHOQOL (1995) a tradução e a aplicação de
instrumentos de avaliação em outras culturas tem gerado muitas discussões quanto ao
conceito de qualidade de vida estar ligado ou não à cultura. Por outro lado, em um nível
abstrato, comenta Bullinger (1993) que alguns autores têm considerado que existe um
“universal cultural” de qualidade de vida, isto é, que independente de nação, cultura ou
época, é importante que as pessoas se sintam bem psicologicamente, possuam boas
condições físicas e sintam-se socialmente integradas e funcionalmente competentes.
Daí, a preocupação com a existência de um instrumento que avaliasse a
qualidade de vida numa perspectiva internacional fez com que a Organização Mundial
de Saúde (OMS) organizasse um projeto colaborativo multicêntrico, resultando no
339
WHOQOL-100315 e no WHOQOL – bref316, que são questionários que se baseiam nos
pressupostos de que a qualidade de vida é um construto subjetivo (percepção do
indivíduo em questão), multidimensional e composto por dimensões positivas (por
exemplo mobilidade) e negativas (por exemplo dor).
Não havendo um consenso a respeito do conceito de qualidade de vida, três
aspectos fundamentais referentes ao construto qualidade de vida foram obtidos através
de um grupo de experts de diferentes culturas: subjetividade, multidimensionalidade e
presença de dimensões positivas. O desenvolvimento destes elementos permitiu ao
Grupo de Qualidade de Vida da divisão de Saúde Mental da OMS (WHOQOL GROUP,
1994) definir qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida
no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações”
Havendo, portanto, reconhecimento da multidimensionalidade do construto, o
instrumento estruturado em seis domínios: físico, psicológico, nível de independência,
relações sociais foi, meio-ambiente e de espiritualidade/religião/crenças pessoais.
A versão em português dos instrumentos WHOQOL-100 e WHOQOL-bref foi
desenvolvida no Centro WHOQOL para o Brasil, no Departamento de Psiquiatria e
Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a coordenação do
Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck.
315 WHOQOL – 100, (World Health Organization Quality Of Life – 100). 316 WHOQOL – bref, é uma versão abreviada do WHOQOL-100
340
ANEXO IV
Principais doenças oculares apresentadas pelos alunos egressos que concluíram o
ensino fundamental no período 1985 a 1990.
Glaucoma: doença causada pelo aumento da pressão intra-ocular, resultante do
acúmulo de humor aquoso, líquido que preenche o espaço entre a córnea, o cristalino e a
íris. Por causas desconhecidas ocorre uma produção excessiva desse líquido ou uma
diminuição dos orifícios por onde ele escoa. Com o aumento da pressão, surgem danos
irreversíveis no nervo óptico. É uma doença indolor que vai diminuindo a visão
periférica até provocar cegueira irreversível. Se descoberta a tempo, pode ser controlada
com remédios que inibem a produção do líquido, ou por uma cirurgia que abre orifícios
para seu escoamento.
Retinose Pigmentar (RP): É um grupo de doenças da retina, de caráter degenerativo e
hereditário. É causada por inúmeras mutações genéticas, cujo traço comum é a
degeneração gradativa das células da retina sensíveis à luz. Pessoas que são afetadas
pela RP sofrem um processo de degeneração dos cones e bastonetes da retina, o que as
leva a uma perda de visão noturna e a ter dificuldade de enxergar quando há pouca
luminosidade ou claridade excessiva. Perdem, também, progressivamente a visão
periférica e o estreitamento do seu campo visual pode levar à visão tubular; por isso,
comumente os portadores de RP tropeçam em objetos à sua frente ou esbarram em
pessoas e em objetos fora do seu campo visual. O ritmo que se dá a perda do campo
visual varia de pessoa a pessoa, o que se explica em parte pela herança genética e por
341
fatores ambientais (stress, fumo, alimentação, medicamentos, etc.) (www.acapo-
centro.rcbs.pt/pigmentar.htm).
Atrofia do nervo Óptico: É uma incapacidade permanente da visão, causada por danos
ao nervo óptico. O nervo óptico é como um cabo (mais de um milhão de nervos
pequenos – os axiomas) que levam a informação do olho ao cérebro para ser
processada. Quando desses nervos não danificados por alguma enfermidade, o cérebro
não recebe a informação completa e a vista fica nublada. A atrofia pode ser parcial ou
total. As principais causas são: tumores; falta de sangue e oxigênio; trauma;
hidrocefalia; genética; processo inflamatório; atrofia tóxica.
(http://salud.discapnet.es/discpacidades+y+deficiências/deficiências+visuales/atrofia+ó
ptica+19/)
Catarata congênita: As cataratas congênitas são aquelas opacidades do cristalino que
se apresentam nos três primeiros meses de vida. São consideradas as anormalidades
oculares mais comuns e supõe-se uma causa importante de deterioração visual na
infância. As causas são: hereditárias; infecções intra-uterinas (rubéola, citomégalovírus
e toxoplasmose); desordens metabólicas; associados a outras anomalias oculares;
ingestão de medicamentos pela mãe; radiação; mal nutrição materna e associado a
síndromes.
(http://salud.discapnet.es/discapacidades+y+deficiencias/deficientes+visuales).
Leucoma da Córnea: O Leucoma da Córnea é a opacificação da córnea, parecido ao
que acontece com o cristalino na catarata. Quando “agudez visual” diminui em grau
342
variável, chegando ao extremo do paciente somente perceber luz e vultos.
(http://salud.discapnet.es/discapacidades+y+deficiencias/deficientes+visuales).
Ceratocone: Desenvolvimento anormal de ambas as córneas, que apresentam formas
cônicas, principalmente nas partes centrais, desenvolvendo-se sem sintomas de
inflamação. Terapias: uso de óculos com lentes fortemente tóricas, lentes de contacto
rígidas, perfurações no ápice corneano, enxertos de camada na córnea, transplantes são
indicados quando a acuidade visual com lentes de contacto está menor a ponto de
interferir nas atividades normais do indivíduo.
Catarata: É definida como uma opacificação da lente ou de sua cápsula. Doença que
turva gradativamente a visão, tendo como único sintoma o impedimento da visão. É
comum nas pessoas mais idosas, mas também pode ocorrer em crianças e jovens. Seja
qual for a causa (trauma congênito ou senil), o cristalino se torna opaco,
impossibilitando a passagem de luz e consequentemente, diminui a visão até provocar a
cegueira. Não há tratamento clínico, apenas cirúrgico. Ele consiste na introdução de
uma LIO, que fará o papel do cristalino, devolvendo a visão do paciente em mais de
90% dos casos.
Miopia: É a condição em que os raios de luz (imagem) são focalizados antes de
atingirem a retina. A pessoa míope enxerga bem os objetos próximos e, quando tenta
focalizar algo mais afastado, procura forçar a vista na tentativa de reduzir a distância.
Para isso, a fim de enxergar um ponto distante, o míope aperta os olhos.
343
Ambliopia: É a baixa de visão em um olho que não se desenvolveu adequadamente na
infância. Às vezes é chamado “olho preguiçoso”.
Degeneração senil da mácula: A região central da retina, a mácula, pode degenerar
com o envelhecimento, prejudicando a visão central. Pesquisas indicam que a excessiva
exposição ao sol favorece seu aparecimento. Ainda não existe um tratamento eficaz,
busca-se por novos tratamentos que preservem as células sadias.
Pterígio: Caracterizado por uma “pelezinha” na superfície do olho, que cresce do canto
para o meio, sobre a córnea. É causado em parte, pela luz do sol, poeira ou vento.
Correção cirúrgica antes que alcance a pupila, podendo também estacionar sem a
necessidade de cirurgia.
Descolamento de retina: Ocorre quando a retina sofre uma perfuração permitindo a
infiltração do humor vítreo (líquido que preenche o globo ocular), ou pessoas com
diabetes, devido a fragilidade capilar, rompendo e ocorrendo hemorragias. Em
conseqüência a estes fatores, ela começa a se deslocar, separando-se da camada
chamada coróide, que lhe fornece nutrientes. O tratamento é cirúrgico e deve ser
realizado antes que o descolamento de retina atinja a mácula, região central da retina,
tornando a cegueira irreversível.
Conjuntivite: Causa mais comum: penetração de um corpo estranho ou poeira
excessiva; a irritação resultante provoca aumento de secreção e afluxo de sangue (traz
células de defesa), além de corpos estranhos, certos microrganismos (bactérias/vírus),
344
poderão também produzir efeitos semelhantes. Outros fatores podem ocorrer: defeitos
de visão, deficiências de iluminação, esforço prolongado e excessivo da visão e alergias.
Terçol (Hordéolo): É a mais freqüente e mais conhecida afecção das glândulas
localizadas na parte interna da pálpebra, produzida por microrganismos (estafilococos).
Apresenta-se como um abscesso vermelho, intensamente doloroso, com pus em seu
interior.
Tracoma: Forma de conjuntivite crônica não tão comum e costuma durar meses ou até
anos. Se não for tratado a tempo pode provocar a cegueira. Transmissão: contato direto
com pessoa contaminada, por objetos infectados ou ainda por moscas.
Moscas Volantes: São pequenos pontos ou manchas que muitas pessoas costumam ver
no seu campo de visão. Na verdade, essas manchas são opacificações na gelatina que
preenche grande parte do olho, conhecida por vítreo. Embora pareçam estar à frente do
olho, as “moscas volantes” que surgem em nossa visão, principalmente quando
olhamos para um campo de cor uniforme como uma parede ou para o céu, estão
flutuando inteiramente no olho e provocam uma sombra na retina, a parte sensível à luz,
no fundo do olho.
Uveíte: O olho é formado por três camadas que envolvem a sua cavidade central. A
camada mais externa é chamada esclera (a parte branca do olho). A camada mais interna
é a retina (que é sensível à luz e transmite as imagens ao nervo óptico). A camada do
meio é chamada úveo, do grego, uva. Tem esse nome por assemelhar-se a uma uva
descascada. A úvea possui muitos vasos sanguíneos e é responsável pela nutrição do
345
olho. Quando a úvea sofre uma inflamação, diz-se que há uma uveíte. Uma vez que a
úvea está em contato com muitas partes importantes do olho, sua inflamação pode
provocar problemas de córnea, na retina ou na esclera. É, portanto, um grande risco para
sua visão.
Blefarite: É uma inflamação na linha dos cílios. cós cílios nascem em torno dos olhos e
nessa parte existem pequenos poros por onde a secreção oleosa e transpiração saem.
Quando esses poros ficam entupidos, devido geralmente a infecções por estafilococos
ou excesso de secreção gordurosa pelas glândulas de Meibômio, ocorre a blefarite. Para
tratá-la é recomendada a limpeza dos cílios.
Hipermetropia: É a condição inversa à miopia cem que os raios de luz são focalizados
após a retina. A hipermetropia mais comum é a axial, que se caracteriza pelo olho ser
menor que o normal. O hipermétrope vê melhor os objetos distantes.
Astigmatismo: É causado geralmente por uma alteração na córnea. A superfície da
córnea está irregular, fazendo com que os raios de luz cheguem na retina em regiões e
focos diferentes. A córnea normal é um segmento perfeito, como uma esfera. A córnea
de um astigmata apresenta diferentes raios em sua curvatura, em um lugar de um ponto
focal, existirão dois e, por isso, não conseguirá focalizar simultaneamente num mesmo
plano tudo o que vê. O astigmatismo causa piora da visão tanto para perto quanto para
longe e, acontece mais à noite.
346
Estrabismo: É a condição onde um ou ambos os olhos são desviados do eixo central. É
provocado pelo enfraquecimento de um dos músculos oculares e, por algumas doenças
graves.
Daltonismo: É uma perturbação da visão colorida, determinada geneticamente,
caracterizada pela falta de reconhecimento de uma ou várias cores.
Toxoplasmose: É uma doença infecto-parasitária que tem como agente etiológico um
protozoário chamado Toxoplasmose Gondii, que é um parasito intra-ocular, que
através da corrente sanguínea atinge alvos (órgãos ou tecidos) de predileção, como
cérebro e retina, porém a infecção inicial pode passar despercebida ou como um estado
gripal. Possui duas formas clínicas: a congênita e a adquirida. Na forma congênita é
transmitida ainda na vida embrionária pelo sangue materno. Na forma adquirida a
contaminação acontece por ingestão do protozoário em forma de oocistos, que são
eliminados nas fezes do gato, que é hospedeiro definitivo e que pode através, também,
das fezes contaminar outros animais como: suínos, bovinos, aves e o homem.
(http://www.revistasaudeaogra.com.br/htm)