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MINISTÉRIO DA SAÚDE FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA Departamento de Ensino Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher CARMELINO SOUZA VIEIRA ALUNOS CEGOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT (IBC) NO PERÍODO 1985 A 1990 E SUA INSERÇÃO COMUNITÁRIA. RIO DE JANEIRO, RJ. 2006

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MINISTÉRIO DA SAÚDE

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA

Departamento de Ensino

Pós-graduação em Saúde da Criança e da Mulher

CARMELINO SOUZA VIEIRA

ALUNOS CEGOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT (IBC) NO PERÍODO 1985 A 1990 E SUA INSERÇÃO COMUNITÁRIA.

RIO DE JANEIRO, RJ. 2006

ALUNOS CEGOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT (IBC)

NO PERÍODO 1985 A 1990 E SUA INSERÇÃO COMUNITÁRIA

CARMELINO SOUZA VIEIRA

Tese de Doutorado apresentada ao Departamento

de Ensino do Instituto Fernandes Figueira,

Fundação Oswaldo Cruz, para obtenção do título

de Doutor em Ciências da Saúde.

Orientadores:

Prof. Dr. Juan Clinton Llerena Junior

Profª Drª. Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso

Rio de Janeiro, RJ

2006

FICHA CATALOGRÁFICA NA FONTE CENTRO DE INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA BIBLIOTECA DO INSTITUTO FERNANDES FIGUEIRA

V657 Vieira, Carmelino Souza Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) no Período 1985 a 1990 e sua inserção comunitária./ Carmelino Souza Vieira. – 2006. Xvii; 346 f. ; il.; tab. Tese (Doutorado em Saúde da Criança e da Mulher) – Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, 2006. Orientador: Juan Clinton Llerena Junior Co-orientadora: Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso Bibliografia: f. 288 – 304

1.Cegueira. 2. Educação Especial. 3. Genética. 4. Preconceito. 5. Baixa Visão. 6. Aconselhamento Genético. 7. Qualidade de vida. 8. Tecnologia. 9. Legislação. I. Título. CDD – 20ª. Ed. 362.41

Agradecimento Magno: Ao Supremo Árbitro dos Mundos, O MEU DEUS, por me ter permitido concluir esta tese.

Agradecimento de Honra:

Aos meus pais Adelina de Souza Vieira e Esmeraldo Nunes Vieira, concretude de ato

educativo permanente, cuja trajetória de vida marcou a ética de meus passos.

Estrelas no firmamento desde 1999 foram a base sob a qual até hoje me faço Ser.

Mostraram-me que a Educação não tem tempo nem espaço, que se faz no fluir da vida.

Saudade... Mostraram-me que o tempo não apaga as marcas efetivas.

A vocês, meus pais, que se foram sem ir em 1999, dedico meu trabalho em 2006.

Agradecimento de Amor:

A minha esposa Cristina pela compreensão, tolerância e incentivo.

Aos meus filhos Marcus Vinicius e Paulo Roberto, partes de mim, que souberam esperar,

entendendo a minha ausência.

Dedicatórias Especiais:

Aos alunos egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) e, especialmente aqueles que

participaram do I Fórum de Egressos do IBC (1992), das temáticas e das entrevistas. Vocês

que foram a alma de meu trabalho, meu agradecimento maior, pois, fui transpassado pelas

suas histórias.

A todos os professores e demais educadores do IBC que contribuíram para a formação

desses ex-alunos, acreditem que seus esforços não foram em vão.

Aos Ledores cuja dedicação foi e continua sendo fundamental na educação do cidadão

cego, por terem mantido acesa a chama que levou aos egressos a luz do saber.

À Direção-Geral do IBC, Érica Deslandes Magno de Oliveira; à Diretora do DED,

Helena de Souza e à Diretora do DMR, Márcia Nabais, todas, pelo apoio incontestável à

minha pesquisa.

Ao Secretário-Geral do IBC, Wilson Cerqueira, que me mostrou o caminho das pedras. Nomes Inesquecíveis no decorrer da pesquisa:

Colegas e Amigos da Coordenação de Educação Física do IBC: Antonio Fernandes, Lúcia Maria, Antonio Menescal, Paulo Sérgio, Ramon, Soraia e Nelza (In Memoriam) que me fez entender o significado da expressão “lembranças para sempre”.

Meus colegas professores e técnicos administrativos, juntos, lutamos pelo bem-estar dos

nossos alunos.

Aos Amigos, pelas leituras que fizeram do meu trabalho, pelas questões que apontaram e por me acompanharem desde a elaboração do projeto de pesquisa para ingresso no Doutorado até a preparação para a defesa desta tese. Agradecimento Especial: Juan Clinton Llerena Jr (Meu Orientador) – Pela orientação segura e amizade, pelas discussões, sugestões e indicações de caminhos..., e Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso (Minha Segunda Orientadora) – Pelas leituras tantas vezes realizadas, pela paciência e pela revisão criteriosa da minha tese, pelo carinho a mim dedicado. Ambos, mais que orientadores, “cúmplices”. Francisco Arinelli Heredia, meu sogro, pela preocupação constante em manter um ambiente propício aos meus estudos. José Amado, Dejanira, Neide e João, meus irmãos, por acreditarem em mim.

RESUMO

O estudo foi realizado entre os anos 2002 a 2004 e teve como escopo investigar

a integração sócio comunitária de um grupo de alunos egressos do IBC, ouvindo o que

eles tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual.

O cenário escolhido foi o IBC, mais concretamente a educação especial recebida

naquele instituto, pois foi lá que esses egressos frequentaram aquele educandário, desde

a idade mais tenra - a pré-escola - até a oitava série do ensino fundamental.

Para isso lhes demos vozes, para que, por meio de suas falas pudessem explicitar

os sentimentos e os significados de suas trajetórias de vida, de forma que pudéssemos

compreender as atitudes e desvelar as contradições existentes a respeito da educação

fornecida na escola especializada e na escola comum. Para isso, ouvimos o que eles

tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual, bem como

que papel a educação especial recebida no Instituto exerceu em suas vidas durante as

fases intra e extra Instituto.

Além disso, tivemos também como objetivos: verificar como esses egressos

situam a Instituição na trajetória de suas vidas; determinar como se entendem a inserção

deles nas suas respectivas comunidades e no mundo do trabalho; identificar quais as

dificuldades de construção de identidade sócio-cultural que encontraram dentro do

modelo educacional proposto pelo Instituto, nas suas diversas fases; buscar quais as

dificuldades apontadas para um modelo educacional diferente daquele adotado pelo

IBC; delimitar quais os entraves verbalizados no que diz respeito à formação acadêmica

e analisar os principais fatores que são tematizados como importantes à conquista da

verdadeira cidadania.

Para escrevermos sobre a vida desses egressos optamos por buscar em suas

vozes, narrativas que retratassem suas trajetórias de vida. Para isso, foi realizado em

dezembro de 2002 um encontro desses ex-alunos no Instituto Benjamin Constant, que

constou de uma conferência, oito palestras e dois grupos de estudos versando sobre

educação e trabalho.

O encontro nos possibilitou elaborar uma série de notas de campo, ou seja, uma

base documental produzida ao longo do evento. Esse material serviu de suporte para a

confecção de seis perguntas que foram enviadas aos egressos e respondidas livremente e

versaram sobre os seguintes temas: O sentir-se cego numa sociedade exclusiva; viver

com o estigma da cegueira; adolescência e cegueira; ser jovem e cego, o ensino

médio e a universidade; o jovem cego seu primeiro emprego e ser um cidadão cego.

A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa e, o método utilizado para

construção de fontes orais, foi elaborado e testado por Cardoso (1989). Esse método

trabalha com três tipos de memórias: a coletiva, individual e a histórica e, trabalhando

de forma entrelaçada com essas memórias, se viabiliza a partir de quatro módulos de

entrevistas interdependentes e articuladas a saber: o contato, história de vida,

relacionamento temático e historiográfico.

A respeito da construção das fontes orais, após o contato inicial com os

entrevistados, passamos à reconstituição da história pessoal deles, desde as mais

remotas memórias da infância até os dias atuais. Em seguida, elaboramos um roteiro

temático de forma a interligar o objetivo geral com os específicos. E, por último,

levamos os entrevistados a falarem, livremente, sobre suas trajetórias de vida.

Finalmente, nas considerações finais são apresentadas algumas sugestões como

forma de contribuição para subsidiar a política implementada pelo Instituto Benjamin

Constant.

ABSTRACT

The study was carried through enters years 2002 the 2004 and had as target to

investigate the community integration of a group of 89 egresses of Benjamin Constant

Institute (IBC), where they had concluded basic education between 1985 and 1990.

The chosen scene was the IBC, more concretely the received special education

in that institute. Furthermore, it was in the IBC that these egresses have been studying

until the eighth series of basic education.

Because of it We have give them voices, so that, by means of theirs speech

They could explanation the feelings and the meanings of theirs trajectories of life, of

form that we could understand the attitudes to uncover the existing contradictions

regarding the education offered in the specialized school and the common school. For

this, we hear what they had had in saying them on theirs experiences to live the visual

deficiency, as well as that paper the received special education in the IBC exerted in

theirs lives during the phases intra and extra Institute.

Moreover, we had also as objective: to verify as they understand theirs

insertion in theirs respective communities and in the world of the work; to identify to

which the difficulties of construction of partner-cultural identity that had found inside of

the educational model considered by the Institute, in its diverse phases; to search which

the difficulties pointed with respect to a different educational model of that one adopted

by the IBC; to delimit which the impediments about theirs academic formation and

To write about the life of these egresses we opted to searching in theirs voices,

narratives that portrayed theirs trajectories of life.

For this, a meeting of these former-pupils in the Benjamin Constant Institute

was carried through in December of 2002, which consisted of a conference, eight

lectures and two groups of studies turning on education and work.

The meeting in made possible them to elaborate a field note series, or either, a

produced documentary base to the long one of the event. This material served of

support for the confection of six questions that had been sent to the egresses and

answered freely and had turned on the following subjects: Blind feeling itself in an

exclusive society; to live with the stigma of the blindness; adolescence and blindness; to

be young blind e, average education and the university; the young blind person its first

job and to be a blind citizen.

The qualitative research carried out was based on a method for building oral

sources created by historian Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso (1989). A

pragmatic way was formulated in order to rebuild the stories collected in four series of

interviews.

This method works with three types of memories: collective, individual and the

historical and working of form interlaced with these memories, if makes possible from

four modules of interviews interdependent and articulated to know: the contact, history

of life, thematic and historiography relationship.

Regarding the construction of the verbal sources, after the initial contact with

the interviewed ones, we past to the reconstitution of the personal history of them, since

the most remote memories of infancy until the current days. After that, we elaborated a

thematic script of form to establish connection the general objective with the specific

ones.

The conclusion shows some suggestions that are presented as form of

contribution to subsidize the politics implemented for the Benjamin Constant Institute.

LISTA DE FIGURAS

1. Malformações....................................................................................325

LISTA DE GRÁFICOS

1. Naturalidade dos egressos por Estados................................................ 46

2. Condição visual dos egressos................................................................ 47

3. Identificação dos egressos por sexo...................................................... 47

4. Idades de matrículas dos egressos no JI e no CA................................ 48

5. Idades de matrículas dos egressos no EF (1ª a 4ª séries).....................48

6. Idades de matrículas dos egressos no EF (5ª a 7ª séries) ....................49

7. Patologias oculares dos egressos........................................................... 49

8. Patologias oculares dos egressos (cont...)............................................ .50

9. Conclusão da oitava série do EF por idades........................................ 76

10. Situação dos egressos no mundo do trabalho ................................... 276

11. Situação acadêmica atual dos egressos ........................................... 324

LISTA DE TABELAS

1. Classificação do comprometimento visual ..........................................27

2. Perfil dos entrevistados (1ª parte).......................................................277

3. Perfil dos entrevistados (2ª parte)......................................................... 274

4. Principais patologias oculares apresentadas pelos egressos............... 320

5. Motivos que levaram os egressos ao oftalmologista ........................... 321

6. Internação hospitalar e óbitos de crianças normais e com MCT.......326

7. Mortalidade Infantil (Brasil e Grandes Regiões).................................329

8. Distrofias corneanas (OMIM 2001).......................................................336

9. Retinose pigmentosa...............................................................................336

LISTA DE QUADROS

01 . Declaração de nascido vivo (1ª parte)......................................................327

02 . Declaração de nascido vivo (2ª parte)......................................................328

S U M Á R I O

INTRODUÇÃO....................................................................................................... xv

PARTE I - A Cegueira no Tempo e no Espaço..................................................... 01

Capítulo 1 - Revisão histórica da cegueira na saúde e na educação através

dos tempos...........................................................................................................02

1.1 - A deficiência e a medicina........................................................................ 02

1.2. A deficiência visual ................................................................................... 22

1.3 - Estudo etiológico da deficiência visual................................................... 26

Capítulo 2 - Considerações acerca da deficiência visual ...............................30

2.1 – A Sociedade e o Cego............................................................................... 30

2.2 – Educação Especial.................................................................................... 33

2.3 – Educação Inclusiva................................................................................... 36

2.4 – Legislação.................................................................................................. 40

PARTE II - A pesquisa com os Egressos do Instituto Benjamin Constant........43

Capítulo 3 - Caminhos da pesquisa.................................................................. 44

3.1 - Coleta de dados......................................................................................... 44

3.1.1 – 1ª etapa: Fórum dos egressos do IBC.................................................. 50

3.1.2 – 2ª etapa: Depoimentos temáticos..........................................................53

3.1.3 – 3ª etapa: Construção das fontes orais..................................................53

3.2 – Análise do material coletado....................................................................55

PARTE III – Resultado e discussão - O Instituto Benjamin Constant e as

Vozes dos seus Egressos ....................................................................................... .58

Capítulo 4 - Visões em dois momentos............................................................ 59

1ºmomento: O encontro dos egressos.............................................................. 60

2ºmomento: Respostas...................................................................................... 84

4.1 – O sentir-se cego numa sociedade exclusiva............................................ 84

4.2 – Viver com o estigma da cegueira........................................................... 91

4.3 - Adolescência e cegueira......................................................................... 97

4.4 – Ser jovem e cego, o ensino médio e a universidade........................... 106

4.6 - Ser cidadão cego...................................................................................... 124

Capítulo 5 - Histórias de vidas .....................................................................134

5.1 – Éden:..................................................................................................... 135

5.2 - Juscelino................................................................................................ 135

5.3 - Arnaldo...................................................................................................137

5.4 - Glória..................................................................................................... 138

5.5 - Jurema................................................................................................... 141

5.6 - Isaura.....................................................................................................143

Capítulo 6 – Cegueira e Sociedade .............................................................. 145

6.1 – A construção da identidade................................................................. 145

6.2 – Educação em escola especializada e educação em escola comum.... 163

6.3 – A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira....................... 184

6.4 – A cegueira e as tecnologias.................................................................. 202

Capítulo 7 - A experiência de ser cego....................................................... 228

7.1 - Éden........................................................................................................229

7.2 – Juscelino............................................................................................... 231

7.3 – Arnaldo................................................................................................. 236

7.4 – Glória.................................................................................................... 243

7.5 – Jurema.............................................................................................. ..244

7.6 – Isaura.................................................................................................. 254

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 266

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................288

APÊNDICES

1. Carta-convite do I Encontro de Egressos..................................... 305

2. Programação do I Encontro de Egressos....................................... 306

3. Ficha de inscrição no I Encontro de Egressos.............................. 307

4. Distribuição dos egressos por condição visual............................. 308

5. Tópicos das entrevistas................................................................... 309

6. Termo de consentimento – filmagem............................................. 314

7. Termo de consentimento – depoimento......................................... 315

8. Termo de consentimento – entrevista............................................ 317

9. Termo de consentimento – discussão livre................................... 319

ANEXOS

I. Mortalidade Infantil.......................................................................... 322

II. Aconselhamento genético.................................................................. 330

III. Qualidade de vida.............................................................................. 337

IV. Descrição das principais doenças oculares apresentadas pelos

egressos.............................................................................................. 340

xvi

INTRODUÇÃO

Este estudo teve como escopo investigar a integração societária de um grupo de

89 egressos do Instituto Benjamin Constant (IBC) que concluíram o ensino fundamental

entre 1985 e 1990 naquela instituição. Para isso, foi realizado um fórum, colhidos

depoimentos temáticos e construção das fontes orais.

O cenário escolhido foi o IBC, mais concretamente a educação especial recebida

naquele instituto, pois foi lá que esses egressos – sujeitos do estudo – frequentaram

aquele educandário, desde a idade mais tenra - a pré-escola - até a oitava série do ensino

fundamental.

Para isso lhes demos vozes, para que, por meio de suas falas pudessem explicitar

os sentimentos e os significados de suas trajetórias de vida, de forma que pudéssemos

compreender as atitudes e desvelar as contradições existentes a respeito da educação

fornecida na escola especializada e na escola comum. Assim, ouvimos o que eles

tiveram a nos dizer sobre suas experiências de viverem a deficiência visual, bem como

que papel a educação especial recebida no Instituto exerceu em suas vidas durante as

fases intra e extra Instituto.

Além disso, tivemos também como objetivos: verificar como esses egressos

situam a Instituição na trajetória de suas vidas; determinar como se entendem a inserção

deles nas suas respectivas comunidades e no mundo do trabalho; identificar quais as

dificuldades de construção de identidade sócio-cultural que encontraram dentro do

modelo educacional proposto pelo Instituto, nas suas diversas fases; buscar quais as

dificuldades apontadas para um modelo educacional diferente daquele adotado pelo

IBC; delimitar quais os entraves verbalizados no que diz respeito à formação acadêmica

xvii

e analisar os principais fatores que são tematizados como importantes à conquista da

verdadeira cidadania.

Para melhor análise e compreensão das questões, dividimos este trabalho em três

partes: 1ª parte - A cegueira no tempo e no espaço foi divida em dois capítulos,

versando o primeiro sobre uma revisão histórica da cegueira na saúde e na educação

através dos tempos e o segundo fala sobre considerações acerca da deficiência visual. A

2ª parte – A pesquisa com os egressos do Instituto Benjamin Constant, é composta

apenas do capítulo terceiro chamado caminhos da pesquisa, que descreve a

metodologia utilizada e os caminhos interpretativos. A 3ª Parte – O Instituto

Benjamin Constant e as vozes dos seus egressos é voltada para os resultados e

discussões e compreende quatro capítulos (o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo) que

versam sobre: capítulo quarto – visões em dois momentos: o primeiro momento fala

sobre o Encontro dos Egressos no IBC e, o segundo, trata das seis respostas às questões

oriundas desse encontro. O capítulo quinto – Histórias de vida, retratam a história de

vida dos seis egressos entrevistados. No capítulo sexto é discutido o tema cegueira e

sociedade, o qual é desdobrado em quatro sub-temas: a construção da identidade do

cego; educação em escola especializada e educação em escola comum; a trajetória do

cidadão cego na sociedade brasileira e a cegueira e as tecnologias O capítulo sétimo,

intitulado a experiência de ser cego, contem os depoimentos livres dos seis depoentes.

Ressalta-se ainda o uso das Fontes - constituídas em volume 1 e volume 2 - que

são as transcrições do encontro, dos depoimentos, das respostas ao questionário e das

entrevistas. Como partimos dos próprios egressos, optamos por sempre que fazer

referência a eles, nos remetermos aos volumes em anexo, correspondentes às

apresentações das fontes.

xviii

Objetivando uma melhor compreensão do trabalho, apresentaremos algumas

definições, conceitos e referenciais, sobre educação especial, educação inclusiva,

deficiência visual e estudo etiológico da deficiência visual. Entendemos também que o

escopo do estudo implica na necessidade de uma revisão em outros campos de estudo, a

fim de identificar o impacto que as melhorias das condições congênitas trazem à saúde.

Em conseqüência vislumbra-se a necessidade de programas para um

aconselhamento genético e planejamento familiar dos indivíduos afetados. E, por fim,

em função de uma maior sobrevida desses indivíduos, tornam-se obrigatórios protocolos

clínicos para documentar a história natural da doença e da qualidade de vida. Contudo,

por considerarmos a literatura extensa, com respeito aos itens citados anteriormente e,

para não desviarmos o foco principal dos objetivos do nosso estudo, apresentaremos em

anexos os seguintes itens: mortalidade infantil; aconselhamento genético e qualidade de

vida.

Espera-se que os resultados aqui apresentados possam ajudar o Instituto

Benjamin Constant - Centro de Referência Nacional, nas questões voltadas para a

deficiência visual - na formulação de sua política institucional para atender as suas

finalidades regimentais, principalmente, aquelas voltadas para a Política Nacional de

Educação Especial na área da deficiência visual e na promoção da educação de

deficientes visuais, mediante a manutenção de uma escola de ensino fundamental, a

capacitação de recursos humanos, a produção de materiais didático-pedagógicos e de

novas metodologias, que servirão de suporte para a inclusão de alunos deficientes

visuais na escola comum.

1

PARTE I

A CEGUEIRA NO TEMPO E NO ESPAÇO

2

Capítulo 1 - Revisão histórica da cegueira na saúde e na educação através dos

tempos

1.1 – A deficiência e a medicina. Pretendemos neste capítulo tecer algumas considerações relativas ao deficiente

visual, enfocando, sobretudo, como esses indivíduos eram vistos, tratados e quais foram

suas conquistas sociais, educacionais e trabalhistas, através dos séculos.

Quanto à medicina, apresentaremos pequenos relatos relacionados com a perene

luta do homem a fim de encontrar meios para vencer a dor ou a doença, e prolongar a

vida mediante a ampliação dos limites da cura.

Apesar da falta de dados que confirmem a existência de deficientes nos

primórdios da civilização, somos da mesma opinião de Silva (1987) quando argumenta

que “anomalias físicas ou mentais, malformações congênitas, amputações traumáticas,

doenças graves, são tão antigas quanto à própria humanidade” (p. 21). Logo, isso

equivale dizer que muitas doenças nasceram com o homem, de forma a dificultar a

sobrevivência daqueles que convivem com elas, inclusive contribuindo negativamente

para integrar-se ao grupo que pertence.

Quanto às origens da história da medicina, Castiglioni (1947) comenta que

cada um dos fios que constituem a trama de nossos conhecimentos vem de origens

diversas e longínquas e se liga a fios de outras tramas. Nesse sentido, os indícios

encontrados nas cavernas onde vivia o homem primitivo também farão parte da trama

que revela a existência de deficiências, malformações e patologias entre aqueles

indivíduos.

Se pensarmos que há milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo

hostil, habitando abrigos naturais, lutando contra as intempéries e animais ferozes e

tendo que literalmente correr atrás do seu alimento, torna-se muito difícil imaginar que

3

um homem poderia sobreviver naquelas remotas eras com uma deficiência física muito

restritiva.

Provavelmente, daí, “tenha surgido os primeiros passos para uma medicina com

base em medicamentos provenientes de plantas, raízes, frutos e minerais, bem como, as

primeiras tentativas cirúrgicas conforme demonstrado nos desenhos de dedos

amputados encontrados em cavernas habitadas” (Silva, 1987: p.32) e “de trepanação

de crânio, a intervenção cirúrgica mais antiga, da qual se tem provas” (Castiglioni,

1947: p.28).

É indiscutível que o homem pré-histórico procurava a origem dos males e das

enfermidades em crendices de natureza mística ou fantasiosa e, estas eram tidas como

causadas por deuses enfurecidos e “pode-se aduzir que crianças nascidas com aleijões

ou aparentando fraquezas extremas, teriam sido eliminadas de alguma forma, tanto por

não apresentarem condições de sobrevivência, quanto por crendices que a vinculavam

aos maus espíritos e a castigos de divindades ou mesmo por motivos utilitários” (Silva,

1987: p. 37).

As atitudes para com pessoas doentes, idosas ou portadoras de deficiências no

período Neolítico, como por exemplo, a não aceitação no meio social desses indivíduos,

considerados diferentes, já era polêmica. Apesar dos doentes e dos deficientes serem

tratados com carinho, sobretudo quanto à alimentação, ressalta Silva (1987) que “o

grupo maior tinha necessidade de livrar-se do peso que significava dificuldades nas

movimentações, motivadas pela escassez da caça, da pesca e de outros tipos de

alimento” (p. 37).

Deixando as narrativas da pré-história e focando o nosso interesse na evolução

do pensamento médico das culturas das antigas civilizações egípcias, hebraicas, gregas

e romanas, verificamos que no 4°milênio D. C. começou a se formar no povo do sul da

4

Mesopotâmia uma doutrina médica sistemática da qual se derivou a medicina assírio-

babilônica, sendo que no 2°milênio, a medicina egípcia alcançou grande

desenvolvimento. Ressalta Castiglioni (1947) que “a medicina da Mesopotâmia era a

mais antiga que se tinha conhecimento e suas curas eram sustentadas na magia e na

prática sacerdotal, sendo a Astronomia objeto de estudo intensivo” (p.37).

É importante aduzir às considerações de Castiglioni que a vida desses povos que

habitavam as margens dos grandes rios era pastoral e agrícola e, a importância maior da

evolução, talvez se devesse ao Sol, fonte primária de fertilidade da terra e origem de

todas as formas de vida. Além disso, ressalta-se, também, a importância da água – que

havia em abundância – tão importante nos conceitos religiosos e médicos.

A civilização egípcia é uma das mais antigas da humanidade. Embora o controle

da saúde fosse atribuído mais ou mesmo a todos os deuses, o sistema de medicina pré-

científica que mais deixou vestígios de lá originário. Era uma prática médica que se

alicerçava entre o místico e o prático. Seus médicos-sacerdotes usavam porções, óleos,

cascas, cataplasma, excrementos, chifres, e outros produtos, aliados às orações,

oferendas, sacrifícios, além de uma indispensável fé nos deuses invocados. Ressalta-se

que no campo da higiene a medicina egípcia alcançou grande progresso (Castiglioni,

1947), colaborando para garantir ambientes limpos e sadios nas aglomerações citadinas

(Silva, 1987).

A respeito das fontes que ofereceram informações sobre as práticas da medicina

egípcia antiga, citamos os famosos papiros e os problemas de deficiências neles

referenciados:

a) - papiro de Ebers que é patrimônio da Universidade de Leipzig – descoberto no Egito em 1873, na necrópole de Tebas, pelo egiptólogo Ebers – contem pequenos tratados com fórmulas para tratar doenças as mais variadas, incluindo algumas que podem levar ao estabelecimento de uma deficiência física ou sensorial, como males dos olhos, problemas do ouvido, dos membros, dos vasos da cabeça. Há ainda receitas contra a conjuntivite, hemorragias do

5

globo ocular e equimoses perioculares; b) – papiro de Brugsh, propriedade do Museu do Estado (Berlim), foi descoberto nas proximidades de Azqqarah. Data do século XVI a.C. e, nele existem 240 prescrições de remédios, dentre as quais algumas contra dores nos olhos e contra a surdez. c) – papiro de Edwin Smith, que fala sobre cirurgia no Antigo Egito, em especial da cirurgia dos ossos. Esse papiro, incompleto como foi chamado, pertence à Sociedade Histórica de New York e foi adquirido em Luxor, no ano de 1862, pelo próprio Edwin Smith. Acham alguns autores que esse papiro foi escrito pelo médico Imhotep, transformado em padroeiro egípcio da arte de curar (Castiglioni, 1947: pp. 62-63 e Silva, 1987: pp. 56-58).

Além desses papiros existem outras informações compostas por documentos que

se referem às múmias que apresentaram algumas doenças presentes nos egípcios à

época da mumificação e, a arte expressada por muitos objetos artísticos, como as

estátuas, nas quais o escultor representava algumas doenças que afligiam o povo egípcio

(Botelho, 2004).

Embora os egípcios tenham sido os mais saudáveis povos da antiguidade, o

exame patológico de algumas múmias tem comprovado que várias doenças graves

chegaram a atingir duramente esse povo e, uma delas era uma infecção nos olhos que

muitas vezes levava à cegueira. Tal foi à extensão dessa infecção, que o Egito chegou a

ser conhecido por muito tempo como a “Terra dos Cegos, existindo dentre esses,

faraós, coral de cegos e até mesmo médico especializado em visão na corte de reis

persas” (Silva, 1987: p.58).

Ressalta-se, também, o cuidado que os egípcios tinham com a higiene na

infância; “o recém-nascido era envolvido em grandes toalhas de linho branco e não era

enfaixado. Até a idade de 5 anos as crianças não usavam roupas e praticavam jogos

saudáveis (bola, arco, e outros)” (Castiglioni, 1947: p.68).

Apesar da história do povo hebreu ser bastante importante para nós brasileiros,

até mesmo pelas estreitas ligações que temos com essa cultura – quer religiosa ou não –

não abordaremos esse assunto neste trabalho e nos deteremos apenas à questão da

6

deficiência e da medicina. Nesse sentido é importante ressaltar que para os antigos

hebreus tanto a doença crônica quanto a deficiência física ou mental e, mesmo qualquer

deformação por menor que fosse, “indicava certo grau de impureza ou de pecado”

(Silva, 1987: 74).

Segundo Castiglioni (1947) “no conceito bíblico da medicina, os sacerdotes, que

tinham a alta função de superintender todas as práticas religiosas e atuar como

intérpretes da vontade divina, eram os únicos a quem estavam cometidas, oficialmente,

funções médicas” (p.77).

Além das deficiências ou das deformações consideradas como conseqüências

diretas de pecados ou de crimes, tais como a cegueira, a surdez, a paralisia, por

exemplo, também havia entre os hebreus, aquelas decorrentes de acidentes, de

agressões, de participação em lutas armadas e de punições previstas em lei (Silva,

1987).

Quanto ao surgimento das malformações e das deficiências, relata Castiglioni

(1947) que em documentos históricos antigos, verifica-se a crença de que o concurso

dos astros determina o destino do homem a partir do nascimento. “Daí, do mesmo modo

que uma irregularidade no movimento dos astros era considerada como tendo

significação prognostica, assim, qualquer modificação no processo de nascimento, era

interpretado como um augúrio importante e, o nascimento de “monstros” tido como

precursor de grandes desventuras” (p.39).

Contrapondo a Castiglioni, Silva (1987) ao se referir ao nascimento de Noé - que

era albino, segundo a Bíblia, livro de Gênesis - esclarece que tal fato ocorreu devido os

seus pais serem primos, havendo, portanto, um problema de consangüinidade, conforme

escrito no Livro de Enoc, o Profeta (p.73).

7

De acordo ainda com esse autor alguns deficientes hebreus citados na Bíblia

foram: Isaac e Tobias (cegos), Moisés (gago) e Sedécias, Rei de Judá (cego).

Outras referências a respeito de deficientes visuais na antiguidade são

encontradas na Bíblia em evangelhos como: João (9:1-41); Lucas (18:35-43); Marcos

(8:22-26 e 10:46-52); Mateus (9:27-31; 12:22-32; 15:29-31 e 20: 29-34).

Poucos são os documentos da antiga cultura dos hebreus que falam sobre o

progresso da medicina; a cirurgia ocorria basicamente para a circunstância da

circuncisão; para o tratamento ortopédico havia cuidados caseiros com bons resultados.

Contudo, no Livro da Sabedoria de Sirac, muito mais conhecido como “Eclesiástico”,

era bem alto o conceito dos médicos na cultura hebraica.

Com o desenvolvimento da religião para satisfazer as necessidades tribais teve

início a medicina sacerdotal, que “alicerçada no poder de homens investidos em dons

supranaturais, basicamente lutavam na defesa do indivíduo contra o mal; dessa forma,

alguns santuários se tornaram templos e escolas” (Castiglioni, 1947: p.34).

Apesar dos equívocos palmilhados pela forte abstração, grandes descobertas e

tratamentos, baseados no conhecimento historicamente acumulado, ocorreram na

medicina egípcia. Nesse conjunto, destaca-se a cegueira noturna. Com esse diagnóstico,

os médicos egípcios para curar essa doença adotavam pingar nos olhos dos pacientes

algumas gotas de líquido extraído do fígado de boi (Botelho, 2004).

Ainda hoje, alguns pacientes que sofrem de “cegueira noturna” 1 ingerem na

dieta, por recomendação médica, o fígado porque contém vitamina A.

1 A retinose pigmentar é uma doença que destrói gradualmente as células sensíveis à luz localizadas no fundo do olho. Ela tem este nome porque provoca pontos pretos (concentrações de pigmentos) na retina. Ainda não se sabe a sua causa, mas os médicos já descobriram que ela pode ser hereditária: se um dos pais tem, é maior a chance dos filhos virem a ter. Geralmente o primeiro sintoma da retinose é a perda da visão noturna, pois a doença ataca primeiro as células periféricas, com capacidade para receber imagens com pouca luz.

8

Devido a inexistência de bases científicas para melhor compreender a vida e a

natureza, o homem grego antigo sentia-se envolvido por muita fantasia e por uma

infinidade de pequenas crenças. Além disso, existiam diversas deidades e seres um tanto

quanto irreais que estão inseridos na mitologia grega e que apresentam algumas

anomalias ou deficiências, que por vezes, são sua característica principal. “Foram o

caso, por exemplo, dos deuses do Amor e da Fortuna, que segundo os especialistas em

mitologia grega, eram eventualmente apresentados como pessoas cegas” (Silva, 1987:

p. 95).

Entretanto, conforme comenta Castiglioni (1947) “os primeiros conhecimentos

médicos dos gregos representam na realidade resultados obtidos de conhecimentos

fundamentais de antigas civilizações e, por sua vez, derivados de fenômenos que

ocorreram milhares de anos antes, no período pré-histórico” (p.7). Assim, a medicina

dos períodos mais remotos foi, a princípio, essencialmente empírica; baseada nela,

desenvolveu-se a medicina mágica, sustentada na afirmação das forças supranaturais,

baseada na superstição e magia, como por exemplo, a trepanação que era uma operação

mais de origem demoníaca ou de magia do que terapêutica, deveria ser utilizada para a

cura (Silva, 1987).

Para que se possa compreender a importância da medicina grega na estruturação

do universo ético filosófico ocidental e no entendimento atual do que é saúde e a

doença, é necessário muito mais que simples fatos. É indispensável que tenhamos o

embasamento da história na interpretação dos fatos (Botelho, 2004).

Ressalta-se, também, que a relação da medicina com a natureza que os gregos

tão bem assimilaram atingia o social. Esta afirmação descreveu a conexão das doenças

com o social. Baseado nesta relação informa Botelho (2004) que as crises políticas

interferiram na qualidade da saúde coletiva.

9

Aliás, convém lembrar que esse tipo de prática que existia na Antiga Grécia, se

repete em pleno século XXI, na maioria dos estados brasileiros.

Segundo Castiglioni (1947) existem poucos vestígios a respeito da cultura

médica da Pérsia. Entretanto, “face ao conceito de impureza, havia leis severas para

conservar os leprosos longe das habitações” (p. 96). Além disso, “os espíritos

malignos se reuniam nos “Dakmas” - lugar onde eram depositados os mortos – e onde

eles ameaçavam o homem com a contaminação e a doença” (p. 97).

Quanto a medicina hindu, relata Castiglioni (1947) que “depois de ter sido quase

inteiramente destruída, foi mantida quase só pela tradição oral e pela prática da

medicina empírica popular” ( p. 114).

A história da medicina chinesa nos revela três importantes procedimentos que

merecem ser comentados: “o primeiro diz respeito à castração – era executada por

especialistas, a fim de fornecer eunucos à Corte Imperial; o segundo era a deformação

dos pés, que começava no sétimo ano e, o terceiro, refere-se à terapêutica chinesa

denominada acupuntura” (Castiglioni, 1947: 123).

A influência da medicina chinesa desde cedo se estendeu ao Japão, através da

Coréia. “As escolas chinesas logo adquiriram grande importância e, por muitos

séculos, o Japão foi inteiramente dominado pela civilização chinesa, que suplantou

completamente a medicina japonesa primitiva, autóctone” (Castiglioni, 1947: p. 128).

Apesar do grande avanço da medicina, ainda se encontra em alguns países o

predomínio da medicina mágica; ao contrário da medicina empírica, que deu

contribuições valiosas para a medicina científica, como por exemplo, “as propriedades

antiblenorrágicas da pimenta, o efeito estimulante do chocolate, do café e do chá”

(Castiglioni, 1947: p.25).

10

De acordo com Silva (1987) o tratamento dado à pessoa deficiente nas culturas

antigas, como por exemplo, em Esparta, era no sentido de que os menos favorecidos

fossem sacrificados e os “bem dotados” recebessem tratamento especial. Assim, “o pai

de qualquer recém-nascido era obrigado a levar o bebê a uma comissão, formada por

anciãos de reconhecida autoridade, para examinar a criança” (p.121).

Depois de examinado o bebê pelos anciãos, se esse fosse normal e forte seria

devolvido ao pai para criá-lo e, após a idade de seis a sete anos o Estado tomava a si a

responsabilidade de continuar a sua educação. Mas, se o bebê fosse feio, disforme e

franzino, esses anciãos o levavam a um local específico – chamado Apothetai que

significava depósitos e era um abismo situado na Cadeia de Montanhas Taygetos, onde

o bebê era lançado para a morte.

Entretanto, em algumas cidades não havia o extermínio das crianças, mas, a

exposição, que consistia em deixar as crianças em lugares considerados como sagrados,

à própria sorte para morrer, podendo, inclusive, sobrevier ou não.

A idéia da prática de extermínio de crianças defeituosas na Grécia Antiga, era

alimentada por alguns filósofos renomados, como por exemplo, Platão (428 a 348 ª C.)

que ao filosofar sobre uma utópica república completamente nova para a Grécia,

afirmou: (...) “e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os

morrer (...)” (Silva, 1987: p. 124). Aliás, calcada nesse pensamento de Platão originou-

se a frase muito usada como lema desportivo: Mens sana in corpore sano.

Outro filósofo que também comungou com o pensamento de Platão foi

Aristóteles que escreveu: “(...) quanto a saber quais as crianças que se deve abandonar

ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme” (Silva,

1987: p. 124).

11

Felizmente, a prática da eliminação de crianças disformes – uma constante na

história dos povos guerreiros da antiguidade – foi sendo modificada através dos séculos

e, por ocasião da implantação do Império Romano do Leste, transformado em Império

Bizantino, a Grécia já havia modificado, organizando instituições voltadas para

problemas específicos como: lares para deficientes (Paramonaria); lares para pessoas

cegas (Tuflokoméia); instituições para pessoas com doenças incuráveis (Arginoréia) e

também organizações para pessoas muito pobres e para mendigos (Ptochéia).

Quanto a Atenas, no que diz respeito às crianças malformadas e deficientes, o

costume inicialmente era diferente de Esparta, entretanto, o final era semelhante.

Quando nascia uma criança o pai tomava-a em seus braços – dias após o nascimento - e

a levava à sala para mostrar aos amigos e parentes e a festa terminava com banquete

familiar. Caso não fosse realizada a festa era sinal que a criança não sobreviveria,

cabendo ao pai o extermínio do próprio filho (Silva, 1987).

Conforme esclarece Silva (1987) “na Grécia Antiga, em épocas anteriores ao

surgimento do Cristianismo, foram encontrados muitos indícios de medicina bastante

evoluída e da organização de diversos serviços de saúde, tanto para o povo quanto

para os soldados que eram feridos” (p. 96). Dessa forma, a Grécia clássica foi a

pioneira dos movimentos de assistência médica à sua população civil. “Nomes famosos

como: Asclépios, Demócedes de Crotona, Eródicos, Hipócrates e Cláudio Galeno

enriqueceram o cabedal de estudos sobre medicina e também sobre questões ligadas

direta ou indiretamente a deficiências físicas e sensoriais, durante muitos séculos”

(p.100).

As principais causas de deficiências na Grécia antiga eram: os mutilados ou

deficientes devido a ferimentos ou a acidentes próprios da guerra e de atividades afins;

os prisioneiros de guerra com deficiências físicas e os detentos criminosos civis, com

12

mutilação ou deficiência causada por pena ou castigo e os deficientes civis devido a

doenças congênitas ou adquiridas ou devidas a acidentes.

A exemplo de outros povos, os gregos também tiveram cegos famosos, como

por exemplo, Demócrito e Homero: o primeiro (470 a 360 a. C) foi físico e filósofo e

“de acordo com o seu modo de pensar, devemos procurar tudo de bom que o mundo

pode ter, dentro de um otimismo moderado e sem esquecer dos problemas inerentes a

ele”. O segundo, Homero, era poeta e suas grandiosas obras Ilíada e Odisséia,

segundo a tradição eram verdadeiros quadros ” (Silva, 1987: pp.103-104).

A preocupação dos administradores romanos com a saúde pública é

inquestionável. A lei das Doze Tábuas estabelecia normas para o sepultamento e queima

dos cadáveres fora dos muros da cidade e a construção dos esgotos, como a “Cloaca

Máxima”, em Roma, que ainda é utilizada na parte antiga da cidade. Do mesmo modo,

pelo menos nas casas abastadas, o cuidado com a higiene do corpo fazia parte do

cotidiano, demonstrado na existência de termas amplas e arejadas.

Enfim, o cuidado com a saúde e apresentação do corpo, parte absorvida do

ideário da beleza grega, seguiu trajetória semelhante em Roma (Botelho, 2004).

O legado que nos deixou os romanos tem sido de extremo valor em praticamente

todos os campos, destacando a arquitetura, a saúde pública, as artes, as leis, a literatura e

a medicina. Mas, no que diz respeito à pessoa deficiente é difícil encontrar referências

precisas. Apesar disso, existiam no Direito Romano, leis que se referiam ao

reconhecimento dos direitos de um recém-nascido e, em quais circunstâncias esses

direitos deveriam ser garantidos ou negados. Dentre as condições para a negação desse

direito, a chamada “vitalidade” e a forma humana eram as principais. Assim, tanto os

bebês nascidos prematuramente (antes do sétimo mês de gravidez), quanto os que

13

apresentavam sinais de monstruosidade não tinham condições básicas de capacidade de

direito.

Dessa forma as crianças nascidas com deformidade não tinham a garantia do

direito à vida, conforme as Leis das 12 Tábuas (...) “Lei III – o pai imediatamente

matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano, que lhe tenha

nascido há pouco”. Mesmo com a anuência dessa lei o infanticídio legal não foi

praticado com regularidade. Essas crianças eram deixadas em cestas enfeitadas à

margem do rio Tibre. Escravos e pessoas empobrecidas que viviam de esmolas,

recolhiam-nas para mais tarde servirem como meio de exploração, no rendoso negócio

de esmolas. Nesse sentido, afirma Silva (1987) que “foi extremamente notória em Roma

também a utilização de meninas e moças cegas como prostitutas, além de rapazes cegos

como remadores, quando não eram usados simplesmente para esmolar” (P.130).

Sem dúvida, o Império Romano preocupou-se com a prática médica e procurou,

por meios de normas jurídicas, constituir o serviço médico público, que iniciou a sua

estrutura a partir da assistência médica aos legionários durante e após as batalhas, com a

construção de hospitais militares em diferentes regiões do imenso Império Romano

(Botelho, 2004).

Por outro lado, ressalta-se que tanto a história da evolução da medicina romana,

tão intimamente ligada à medicina grega, quanto aos gradativos progressos em termos

de saúde pública (como por exemplo: abundância de água potável, latrinas públicas,

rede de esgoto e outros benefícios) “garantiram a prevenção de muitos males

incapacitantes” (Silva, 1987: p.127).

As idéias e crenças religiosas foram importantes fontes para explicar os

fenômenos da natureza e para agilizar certos aspectos do controle social. Nesse sentido,

informa Botelho (2004) que a religião cristã no seu processo de formação reforçou o

14

sincretismo do conceito da doença ligada ao pecado existente há muitos séculos antes

do monoteísmo.

Assim, o cristianismo foi muito relevante na mudança da mentalidade imperante

no século IV, pois condenava abertamente muito do que o sistema vigente aprovava

como (...) “a morte de crianças não desejadas pelos pais devido a deformações” (Silva,

1927: p.160). Comenta ainda esse autor que em 315 d.C., o Imperador Constantino

editou uma lei na qual demonstrava a influência dos princípios defendidos pelos cristãos

no que diz respeito à vida.

A partir daí, então, tem início nas cidades da Itália e da Grécia, uma nova

mentalidade com a participação do Estado colaborando com a alimentação e o vestuário

de crianças pobres recém-nascidas.

A ignorância dos homens sobre as origens das enfermidades, principal

impedimento da vida e do conforto físico, contribuiu para que fosse iniciado, num

determinado momento da história, o processo de divinização do desconhecido. A

doença e a saúde, a vida e a morte passaram, gradualmente, a fazer parte de um mundo

exclusivo da divindade e dos seus representantes na terra, capazes de interpretar e

manusear o sagrado (Botelho, 2004)

Dessa forma, a igreja cristã nos seus primeiros séculos de existência priorizava

atividades que garantiam assistência às pessoas pobres e enfermas. Essa prática tornou-

se tão prioritária, que foi inclusive motivo de discussão de alguns concílios.

As recomendações conciliares surtiram efeitos fantásticos, de tal forma que

várias organizações de caridade ou de assistência a pobres, doentes, abandonados e

deficientes, foram criadas por influencia direta da igreja.

15

O exemplo da igreja parece ter impregnado alguns senhores feudais,

responsáveis pela vida e bem estar de seus súditos, que se sentiram, também, obrigados

a cuidar de seus doentes e deficientes.

Na verdade o surgimento dessas entidades caritativas e assistenciais, ao tempo

que trouxe bem estar para a camada mais desprotegida, propiciou certa estagnação na

ciência médica (Silva, 1987).

Durante a Idade Média, casos de doenças e de deformações passaram pouco a

pouco a receber mais atenção, tendo sido criados outros locais de cuidados.

Conforme relata Silva (1987), durante os onze séculos que durou o Império

Bizantino, “o número de deficientes, decorrente das punições, dos castigos severos,

mutilações e vazamentos de olhos era muito grande e, essas punições eram

generalizadas, isto é, atingiam todas as classes” (pp. 168-169).

Com a mudança da mentalidade e, sobretudo, alicerçado nos preceitos de

caridade e respeito aos semelhantes e à vida, sob a influência da religião cristã, tem

início o surgimento de hospitais em algumas localidades, com a finalidade de abrigar

viajantes enfermos, doentes agudos e crônicos e deficientes. O primeiro desses hospitais

foi o Hospital de Edessa, na Síria (ano 370 d.C), embora comenta Silva (1987) que

outros autores defendem como sendo o primeiro hospital cristão, o criado por São

Basílio, o Grande (329 a 379 d.C.).

A partir do século XII os hospitais – que eram organizados e mantidos por

religiosos – ainda mantinham pessoas doentes juntamente com deficientes. Com o

aumento de doentes esses hospitais proliferaram, como foi o caso da Inglaterra que entre

os séculos XII e XV fundou 750 hospitais, dos quais, 217 eram destinados às vítimas da

terrível lepra e deficientes crônicos, os quais, sem famílias e amigos, permaneciam

nesses locais até a morte (Silva, 1987).

16

Apesar dos esforços eventuais dos grupos religiosos e da própria igreja, o povo,

em geral, acreditava que um corpo deformado poderia abrigar uma mente também

deformada. Em face disso, esses indivíduos foram discriminados, mantidos à distância,

restando-lhes apenas o recurso de pedir esmolas.

Para os cegos, contudo, a situação era diferente (Silva,1987), principalmente

para aqueles que viviam na França durante o Século XIII; havia abrigos que aceitavam

os cegos mais pobres e, na cidade de Chartres havia recurso para atendimento aos

cegos2. Falando ainda sobre a criação de organizações para acolhimento de deficientes e

outros, não se pode deixar de lado o órgão criado por Luiz IX (1214 a 1270) – um

abrigo chamado Hospice des Vingt-Quinze3 – destinado a dar assistência de moradia e

alimentação pelo menos a 300 cegos. Segundo os historiadores deveria existir algo

muito importante para motivar Luiz IX a criar uma organização tão dispendiosa para

cegos.

Em que pese o esforço de Luiz IX em reunir 300 cegos em uma casa, faltavam-

lhes, entretanto, atividades, tanto físicas quanto intelectuais, pois, dedicavam-se apenas

a pedir esmolas; aliás, atividade bastante lucrativa que levaram muitos desses pedintes a

acumular riquezas (Silva, 1987).

Assim, entre os reinados de Luiz IX e Luiz XVI começou a emancipação dos

cegos, que inclusive receberam permissão expressa e exclusiva para esmolar nas

escadarias e portas das igrejas e para vender grinaldas e flores dentro de suas naves

(Silva, 1987).

2 -No final do século XI e início do século XII, em Rouen, em Chálons e perto da cidade de Orléans, havia abrigos que aceitavam os cegos mais pobres. Era uma verdadeira comunidade criada por Renaud Barroult e conhecida como Les-Vingts. 3 - A origem da expressão vingt quinze deveu-se ao aprisionamento de Luiz IX pelos Sarracenos, durante sua primeira Cruzada, quando 300 dos seus soldados tiveram seus olhos vazados pelos inimigos, por ordem dos sultões, à base de 20 soldados por dia durante 15 dias, enquanto aguardavam os resultados da demorada negociação para pagamento do pesado resgate exigido para a libertação do rei da França (Silva, 1987: p.219).

17

A longa e penosa história das pessoas deficientes começa a sofrer mudanças a

partir do Renascimento, época na qual também a medicina alcança grande avanço,

observado na área ortopédica e outras, com um atendimento mais cientificamente

embasado e abrangente. Outra mudança realmente significativa que ocorreu nessa época

foi o surgimento dos primeiros direitos dos homens, postos à margem da sociedade que

começam a ser reconhecidos e considerados em sua humanidade.

Enquanto alguns povos desenvolveram sua medicina calcada em magia, crenças

e forças supranaturais, outros desenvolveram sua medicina baseada em um conceito

monoteístico. Daí, aqueles que apelassem para outros deuses seriam severamente

castigados. Entretanto, esse conceito monoteístico foi bastante importante na evolução

da medicina judaica, onde simples preceitos higiênicos – como lavar as mãos antes das

refeições ou mesmo o banho – trouxeram enormes benefícios para a saúde do povo

judeu (Silva, 1987).

No início da Renascença, os hospitais e abrigos destinados a enfermos pobres

começam a ter atendimento diferente da Idade Média. Finalmente, o homem é tirado das

trevas, ignorância e superstição e começava a ser valorizado.

Em que pese essa valorização, a necessidade de sobrevivência levava muitos a

pedir esmolas e a furtar. Surge, então, no decorrer dos séculos XVI e XVII, uma grande

malha organizacional dos miseráveis na França, formada por mendigos, deficientes,

ladrões, bandidos e assaltantes, se estendendo para outros países da Europa (Silva,

1987).

No Brasil - colônia do século XVIII, as queixas da incompetência dos

profissionais diplomados em Portugal eram permanentes e duras. Além disso, a

principal causa do fracasso em administrar a saúde na colônia foi o fato de só haver

representantes nas grandes cidades coloniais.

18

A estrutura da medicina no Brasil – colônia ficou encurralada: por um lado, o

cirurgião barbeiro, como representante da medicina oficial ou da medicina empírica,

desacreditado, fugindo da intolerância religiosa das terras européias martirizadas pela

fome e pela peste negra; do outro lado, o pagé, dono de incalculável saber

historicamente acumulado, respeitado e temido pelo seu poder de curar e fazer morrer

(Botelho, 2004).

Assim, quando D. João e sua Corte chegaram ao Brasil, encontraram uma

situação caótica na assistência médica. Em face da necessidade de se criar uma estrutura

para atender aos recém chegados, foi inaugurada em 18 de fevereiro de 1808 a Escola

de Cirurgia da Bahia e, posteriormente, uma outra no Rio de Janeiro.

Embora no início do século XIX ainda não se pensasse na integração do homem

deficiente à sociedade aberta ou mesmo à sua família, esse século foi para os deficientes

um descortinar de bons acontecimentos, pois, foi a partir dele que a sociedade começou

a assumir sua responsabilidade com as pessoas portadoras de deficiências.

Começou-se a dar atenção aos seus grupos minoritários e marginalizados,

chegando-se à conclusão que a solução para os problemas desses indivíduos “não era

apenas uma questão de abrigo, de simples atenção e tratamento, de esmola ou de

providências paliativas similares” (Silva, 1987: p.262), como sucedera até então.

Conforme menciona Silva (1987), fato interessante ocorrera a partir do momento

“que se começou a pensar que esses indivíduos na verdade não precisavam tanto de

hospitais de caridade ou de casa de saúde, mas de organizações separadas, o que

tornaria seu cuidado e seu atendimento mais racional e menos dispendioso” (p. 262).

Afinal, embora estivessem sendo tratados como doentes - pois se encontravam em

nosocômios - eles eram apenas pessoas marginalizadas.

19

Reconhecimento muito importante aconteceu a partir da segunda metade do

século XIX quando a pessoa deficiente passa a ser vista com potencial para o trabalho,

pelos menos para fazer frente às próprias necessidades de sobrevivência. A propósito

disso, no ano de 1868, durante a restauração Meiji, no Japão, foram dados privilégios

especiais aos cegos para se dedicarem com exclusividade à massagem e à acupuntura

(Silva, 1987 e Castiglioni, 1947).

Outro fato que contribuiu para reforçar a potencialidade do sujeito deficiente,

mesmo que necessitasse submeter-se a um programa de reabilitação, foi a iniciativa de

Napoleão Bonaparte, “exigindo de seus generais que olhassem os seus soldados feridos

ou mutilados como elementos potencialmente úteis, tão logo tivessem seus ferimentos

curados” (Silva, 1947: p.263),

O progresso da ciência no princípio do século XIX revela correntes e fatores

determinantes, como: “o desenvolvimento do pensamento médico, inclusive com o

conceito patológico moderno de doença, dentre outros.” (Castiglioni, 1947: p. 203).

Assinala-se ainda nesse século o desenvolvimento de hospitais, clínicas e publicações

médicas, como também, avançados estudos de anatomia, fisiologia, patologia e a

descoberta da anestesia e da anti-sepsia.

Ainda no século XIX, ressalta-se o atendimento mais especializado,

principalmente na área educacional, com a criação de escolas para cegos em vários

países, nas quais esses indivíduos poderiam receber ensino especializado, inclusive o

profissionalizante. Dessa forma, surgiram as seguintes escolas: três escolas nos Estados

Unidos da América, nas cidades de New York (1832) e Philadelphia (1833) e em

Masachussets, Boston, a New England Asylum for the Blind (1832), hoje conhecida com

o nome de Perkins School for the Blind.

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Também em outros países foram gradativamente sendo implantadas algumas

escolas, como por exemplo: Brasil, Rio de Janeiro, em 1854; Portugal, Lisboa, em

1863; México, cidade do México, em 1866; China, em 1876; Japão, em Kyoto (1876) e

Tóquio (1880); Inglaterra, Londres, em 1881, foi criada a Sociedade de Prevenção da

Cegueira; Argentina, em Buenos Aires, em 1888 e no Chile, Santiago, em 1890.

Em outro momento falaremos sobre a vida do cego brasileiro e, o faremos a

partir de 1854, época que, efetivamente, teve início a educação para cegos no Brasil,

com a construção do Instituto Benjamin Constant. Entretanto, ressaltamos que se

buscarmos nos arquivos da nossa história algumas referências em épocas anteriores,

sobre deficientes, certamente encontraremos várias, relativas a aleijados, enjeitados,

surdos-mudos, cegos, e outras mais.

Entretanto, sublinhamos que na história das deficiências no mundo, o cego foi

incluído por vários séculos na categoria dos “miseráveis”, talvez o mais pobre dos

pobres conforme comenta Silva (1947).

O século XX se caracterizou pela conquista dos direitos de liberdade,

oportunidades educacionais e inserção no mundo do trabalho. Foram realizadas várias

conferências mundiais, congressos e similares versando sobre: crianças inválidas,

pessoas deficientes, educação, reabilitação e outros temas. Dentre esses eventos

destacamos os seguintes; Primeira Conferência sobre Crianças Inválidas, Londres,

1904; Congresso Mundial dos Surdos, Saint Louis, EUA, 1909; Primeira Conferência

da Casa Branca sobre os Cuidados de Crianças Deficientes, 1909; Conferência Mundial

sobre Educação Para Todos, Jontien, Tailândia, 1990; Conferência Mundial sobre

Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, Salamanca, Espanha, 1994,

além de outros, também nacionais, que discutiram questões que envolvem as pessoas

com necessidades especiais.

21

Em poucos anos, nas últimas décadas do século XX, a informática revolucionou

a atividade humana em todos os níveis. Com o acelerado progresso obtido tanto no

campo da tecnologia dos computadores, quanto no da programação, a informática

deixou de ser uma área reservada a especialistas e se insinuou cada vez mais na vida

cotidiana, que permitiu, entre outras vantagens, o acesso das pessoas a um volume cada

vez maior de informação.

Cabe aqui destacar que a descoberta dessa informática, permitiu ao cego maior

independência e produtividade em suas profissões. Também não podemos deixar de

mencionar a participação desses deficientes em programas de esporte e recreação, que a

cada ano vêm rompendo barreiras e quebrando recordes, demonstrando, assim, suas

potencialidades, ao superarem seus limites.

É importante assinalar que o surgimento de entidades nacionais e internacionais

contribuiu sobremaneira para importantes conquistas que vieram mudar a vida dos

cegos, no que diz respeito às questões social, educacional, reabilitaçional, profissional e

política. Algumas dessas entidades são: União Mundial de Cegos (UMC); Organização

Nacional de Cegos da Espanha (ONCE); União Latina Americana de Cegos (ULAC);

International Blind Sports Association (IBSA); União Brasileira de Cegos (UBC);

Conselho Brasileiro para o Bem Estar dos Cegos (CBBEC); Associação Brasileira de

Educadores de Deficientes Visuais (ABDEV); Federação Brasileira de Entidades de

Cegos (FEBEC); Associação Brasileira de Desportos para Cegos (ABDC) e Fundação

Dorina Nowill.

Além dessas entidades, podemos citar, também, a Secretaria de Educação

Especial, do Ministério da Educação (SEESP/MEC); Coordenadoria Nacional para

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, do Ministério da Justiça (CORDE/MJ) e

outras mais recentes como: Comitê Para Olímpico Brasileiro (CPOB), LARAMARA;

22

Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (IBDD);

Fundação de Apoio ao Instituto Benjamin Constant (FAIBC), dentre outras, que têm

contribuído para a inclusão das pessoas com necessidades especiais.

O século XXI, ainda no início, tem sido a continuidade do século anterior;

entretanto, percebe-se que muitas pesquisas, tanto médicas quanto de outras áreas, estão

em andamento, principalmente, na busca de descobertas de soluções para muitas

deficiências, incluindo a cegueira.

Até aqui, vimos a evolução do cego sob diversos olhares, com vista à sua

aceitação na sociedade, ou seja, a sua inclusão. Entretanto, é importante que seja

lembrado que apesar dessas conquistas e do esforço das entidades, muitos cegos ainda

continuam vivendo segregados e de recebimento de esmolas, em pleno século XXI.

Por outro lado, convém lembrar que sempre que for analisada a vida do cego,

não se pode omitir a evolução da medicina, com suas novas tecnologias que têm

propiciado melhor assistência médica, maiores recursos hospitalares e equipamentos.

Além disso, ressalta-se, também, a importância da manutenção de entidades

especializadas, que atuam na formação e qualificação de profissionais que possam

atender aos deficientes visuais satisfatoriamente, tanto do ponto de vista educacional,

quanto do médico, profissionalizante, psicológico e político.

1.2 - A deficiência Visual

O olho é responsável pela aquisição de aproximadamente 80% do conhecimento

humano. Portanto, qualquer deficiência nesse órgão compromete, em maior ou menor

extensão, o desenvolvimento das aptidões intelectuais e psicomotoras, interferindo na

vida escolar e profissional do deficiente visual, sobretudo a do cego. Além disso, a

23

função do olho é captar a luz do meio ambiente e convertê-la em impulsos nervosos, os

quais, através das vias ópticas, são transmitidos ao córtex visual, situado no lobo

occipital, que “interpreta” as imagens formadas no olho. Em última análise, conclui-se

que “é o cérebro que enxerga; levando-se isso em conta, tendemos hoje a considerar os

olhos como extensões periféricas do cérebro” (Rocha e, 1987: p.21).

Obviamente o mundo da pessoa cega é um mundo desprovido de luz, de cor,

enfim é um mundo no qual a informação transmitida pelos outros sentidos tem

importância essencial. Assim, as sensações auditivas, olfativas, táteis e térmicas, passam

a ocupar uma importante função, de forma que para o cego a experiência sensorial do

mundo passa a ser diferente qualitativamente daquela pessoa que enxerga. Ou seja, em

lugar de ser um mundo de luzes, sombras, cores e perspectivas, passa a ser um mundo

de pistas para a pessoa cega identificar os diferentes significados que lhe chega todo

momento (Nuñez, 2001).

O critério oftalmológico adotado pela OMS para definir a cegueira é: é cego

quem não consegue ter com nenhum de seus dois olhos, mesmo com lentes

corretamente graduadas, acuidade visual de 1/10 na escala de Wecker, ou quem

apresenta uma redução do campo visual abaixo de 35º.

Segundo a American Foundation for the Blind (1961) a definição de deficiência

visual é quantitativa. É considerada cegueira a acuidade visual de 6/604 ou menos no

melhor olho com correção apropriada e uma restrição do campo visual menor que 20

graus, caracterizando a “visão de túnel”.

Em 1966, a Organização Mundial de Saúde (OMS) catalogou 66 diferentes

definições de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países e, em 1972, a

mesma OMS propôs normas para definição de cegueira e para uniformizar as anotações 4 6/60 significa que a pessoa precisa de uma distância de 6 metros para ler o que normalmente seria lido a 60 metros.

24

dos valores de acuidade visual com finalidades censitárias e estatísticas. De um trabalho

conjunto, entre a American Academy of Ophthalmology e o Conselho Internacional de

Oftalmologia, vieram à luz extensas definições, conceitos e comentários a respeito,

transcritos no Relatório Oficial do IV Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira

(vol-1, pp. 427-433, Belo Horizonte, 1980). Na oportunidade foi introduzido, ao lado de

cegueira, o termo visão subnormal (low vision, em língua inglesa).

Segundo Rocha (1987) “o termo cegueira não é absoluto, pois reúne indivíduos

com vários graus de visão residual. Ela não significa, necessariamente, total

incapacidade para ver, mas prejuízo dessa aptidão em níveis incapacitantes para o

exercício de tarefas rotineiras” (p.49).

Para melhor compreensão acerca da deficiência visual apresentamos um

diagrama, que permite compreender o que é a cegueira e a visão subnormal ou baixa

visão. Assim, cegueira, sob o aspecto legal, é aquela em que a acuidade visual corrigida

nos dois olhos (com óculos ou lente de contato) é igual ou inferior a 0.1 ou se o campo

visual for tubular, restrito a 20 graus ou menos. Baseado nesta definição, informa Leite

Filho (2000) que a cegueira foi dividida em parcial e total. Total é aquela em que os

indivíduos não percebem a luz (amaurose) e parcial é aquela em que os indivíduos são

enquadrados sob o aspecto legal (Rocha, 1990: p.278).

A cegueira poderá ser: total e parcial. A cegueira parcial poderá ser: baixa da

acuidade visual e ambliopia.

A cegueira total (amaurose) indica a perda completa da visão dos dois olhos. Em

torno desse parâmetro, foi gerado o conceito de cegueira legal, quase unificado para

todos os países ocidentais: “um olho é cego quando sua acuidade visual com correção é

1/10 (0,1), ou cujo campo visual se encontre reduzido a 20º” (Martin e Bueno. 2003:

p.40).

25

A ambliopia é classicamente definida como baixa de visão no olho

organicamente perfeito, que o mais curado exame oftalmoscópico e dos meios

transparentes não consegue revelar nada que a justifique. A tendência atual é de se

utilizar a expressão num sentido mais amplo, quando se deseja aludir a qualquer baixa

de visão, quer seja funcional ou orgânica. Contudo, não se enquadram na ambliopia as

baixas visuais passíveis de correção por óculos, lentes de contato, cirurgia ou outros

expedientes imediatos.

Para melhor entender como a ambliopia se desenvolve e se consolida, julgamos

importante tecer algumas considerações relativas ao desenvolvimento da visão. Nesse

sentido afirma Rocha (1987) que:

“Ao nascer a criança não é ainda capaz de enxergar como o adulto, pois suas estruturas da visão são imaturas, incompletamente desenvolvidas. A maturação visual é processo evolutivo, que se desenrola do nascimento aos 6 anos de idade, período em que os estímulos visuais (luz e forma) constituem condição ‘sine qua non’ para o sazonamento da capacidade visual – nessa época vulnerável – ela estaciona ou mesmo regride, apresentando por vezes, além de um escotoma central, graus extremos de baixa visual periférica” (pp.50-51).

Assim, uma pessoa com baixa visão, ou em outras palavras com visão

subnormal, é aquela que possui seu funcionamento visual comprometido, mesmo após

tratamento e/ou correção de erros refraçionais comuns. Ela tem acuidade visual inferior

a 10 graus de seu ponto de fixação (20/200 a 20/70 pés no melhor olho após correção

máxima), mas apesar disso utiliza ou é possivelmente capaz de utilizar a visão para o

planejamento e a execução de uma tarefa. A respeito da visão subnormal ou baixa visão

argumenta Leite Filho (2000) que “ela nem sempre é considerada cegueira sob o

aspecto legal, porém pode limitar o indivíduo para as suas atividades diárias,

permitindo, no entanto, que realize tarefas através de recursos ópticos” (p.15).

Embora essas definições sejam consideradas padrão, informa Leite Filho (2000)

que diversas outras são utilizadas para se ajustarem às necessidades locais. É o caso, por

26

exemplo, do Instituto Benjamin Constant onde é considerado aluno cego aquele que

apresenta perda total da visão ou baixa visão residual, em tal grau que necessite de

Método Braille como meio de leitura. E baixa visão, são aqueles que embora com

distúrbios de visão, possuem resíduos visuais em tal grau que permitam ler textos

impressos em tinta, desde que sejam utilizados recursos especiais como tele-lupas e

sistema de leitura com letras ampliadas.

O exame da acuidade visual tem sido bastante utilizado para determinar a visão

útil do indivíduo. Nesse sentido comentam Martin e Bueno (2003) que a OMS em 1980

sugeriu uma classificação das deficiências visuais baseada na medida da acuidade visual

e da amplitude do campo que serve aos distintos países para a tomada de decisões com

respeito à prestação de determinados serviços sociais às pessoas afetadas por deficiência

visual. Um ano mais tarde, relatam Martin e Bueno (2003) “a própria OMS

recomendou que fosse eliminada a categorização estabelecida, pelas injustiças que

poderiam produzir-se na referida tomada de decisões, embora sem sugerir uma solução

alternativa” (p.40).

1.3 - Estudo etiológico da deficiência visual

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apud Gonçalves et al (2005),

distinguem-se três tipos de comprometimento visual, todos reunidos na categoria H54

da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à

Saúde (CID-10): o termo visão subnormal ou baixa visão compreende os graus 1 e 2

(H54.1 e H54.2); o termo cegueira, os graus 3, 4 e 5 (H 54.3, H54.4 e H54.5) e o termo

perda das visão não qualificada, o grau 9 (Tabela 1).

27

Tabela 1 – Comprometimentos visuais

Graus de comprometimento visual AV máxima < que

AV máxima >/-

1 20/70 20/200

2 20/200 20/400

3 20/400 20/1250 (CD a 1 m)

4 20/1250 (CD a 1 m)

Percepção de luz (PL)

5 Ausência de PL Ausência de PL

9 Indeterminada ou não especificada

Indeterminada ou não especificada

Informam, ainda, Gonçalves et al (2005) que caso a extensão do campo visual

venha a ser levada em consideração, as pessoas cujo campo visual se encontre entre 5 e

10º em torno do ponto central de fixação devem ser colocados no grau 3 e aqueles com

campo até 5º em torno do ponto central de fixação serão colocados na categoria 4,

mesmo se a visão central não estiver comprometida.

Por ocasião da realização do 1º Fórum Nacional de Saúde Ocular, em Brasília,

ocorrido em 2001, existiam no mundo cerca de 50 milhões de cegos e o crescimento

deste número é de aproximadamente 1 a 2 milhões por ano. Existem ainda 180 milhões

de pessoas com algum grau de deficiência visual e 135 milhões com visão deficiente e

grande risco de ficarem cegos. Logo, “a deficiência visual no mundo, em maior ou

menor extensão, soma 315 milhões de indivíduos, o que corresponde a 5,1% da

população mundial de aproximadamente 6,1 bilhões” (Manual do CBO, 2001: p.11).

O Brasil detém 2,83% da população mundial e estima-se que ”a população

brasileira de cegos está entre 1 e 1,2 milhões e a de amblíopes entre 3,4 e 8,5 milhões”

(Ribeiro-Gonçalves, 2001: p.8).

Segundo ainda o CBO (2001) a prevalência da cegueira no mundo e no Brasil

está assim distribuída:

28

• 0,3% da população concentra-se em regiões de boa economia e com bons serviços de

saúde;

• 0,6% da população está em regiões da razoável economia e com razoáveis serviços de

saúde;

• 0,9% da população está distribuída em regiões de pobre economia e com pobres

serviços de saúde;

• 1,2% da população em regiões de muito pobre economia e com pobres serviços de

saúde.

A importância da concentração de esforços para promover a prevenção da

cegueira pode ser justificada por diversas razões. A primeira, pelo papel preponderante

da visão, uma vez que cerca de 85% da comunicação com o mundo se dá pela visão e, a

segunda pelos dados apresentados pelo CBO (2001) ao revelar que 60% das cegueiras

são preveníveis ou evitáveis e 20% das cegueiras já instaladas são recuperáveis ou

tratáveis.

As principais causas de cegueira irreversível são: a retinopatia diabética, o

glaucoma, as degenerações retinianas e os acidentes (CBO-Relatório Final I Fórum

Nacional Saúde Ocular, 2001). Por outro lado, 90% dos casos de cegueira que poderiam

ser evitáveis ocorrem nas áreas pobres no mundo, enquanto 40% dos casos de cegueira

têm conotação genética (não hereditária) e 25% têm causa infecciosas (CBO, 2001).

Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha anunciado que entre as

principais causas da cegueira e da deficiência visual preveníveis no mundo estão a

catarata, o tracoma, a oncocercose (cegueira dos rios) e a hipovitaminose A

(xeroftalmia), entendem Rocha e Ribeiro-Gonçalves (1987) que nenhuma dessas quatro

doenças devem ser incluídas no rol dos graves problemas de saúde pública no Brasil,

29

uma vez que a catarata não é um problema social, partilhada que é por nações ricas e

pobres. Além disso, afirmam os autores:

“A catarata só é causa de cegueira onde não há cirurgiões e esses nós os temos, em quantidade e qualidade. Oncocercose é problema de prevenção e está restrita, atualmente, ao agrupamento indígena (Yanomami) no Norte do País. A hipovitaminose A, em que pesem as nossas sabidas deficiências nutricionais, também não deve ser arrolada entre as causas prevalentes de cegueira. E o tracoma já o foi, restando hoje em nosso território não mais que bolsões isolados” (p.65).

Mas, contrapondo-se a Rocha e Ribeiro-Gonçalves, o CBO informa em

Relatório Final do I Forum Nacional de Saúde Ocular (2001) que, “o Ministério da

Saúde, após ter reduzido as ações com relação ao tracoma no ano de 1986,

incrementou a partir de 1996 estas ações e, encontrou casos positivos pelo menos em

oito estados. A Bahia com 27.491 casos e Ceará com 27.442 e, em menor escala

seguem Tocantins, Pernambuco, Rio Grande do sul e São Paulo” (p.75).

Isso surpreendeu a comunidade oftalmológica, pois, os dados sugerem que a

doença está mais disseminada no Brasil do que se sabe. Portanto, apesar do que é dito

por Rocha e Ribeiro-Gonçalves, essas quatro doenças ainda se constituem em um

problema de saúde pública, haja vista a grande dificuldade das pessoas que não possuem

planos de saúde para ter acesso aos serviços oftalmológicos.

30

Capítulo 2 - Considerações acerca da deficiência visual

2.1 - A sociedade e o cego

De acordo com Silva (1987) dos períodos mais adiantados da Pré-História para

os dias da era Neolítica, vasos e urnas foram decorados das mais variadas maneiras e

com os mais incríveis motivos. “Foram encontrados em alguns desses vasos e urnas,

homens com evidentes sinais de deformidades de natureza permanente, sendo algumas

delas conseqüentes de malformações congênitas: corcundas, coxos, anões e

amputados” (p. 18). Essa afirmação nos leva a crer que desde épocas mais remotas as

deficiências e as deformidades já se constituíam em “flagelo” da humanidade. Por outro

lado, a forma como esses indivíduos eram enterrados - na idade adulta - nos induz à

indagar a respeito do porquê de merecerem tal representação.

Falando ainda sobre a evolução do cego na sociedade, Lowenfeld (1974)

comenta que ela engloba quatro fases.

A primeira delas seria a da separação. Na vida em tribo ou nas sociedades

primitivas os indivíduos que não podiam prover o seu próprio sustento ou cuidar de sua

própria defesa eram considerados um obstáculo para a tribo ou para o grupo, sendo,

portanto, separados da coletividade e esta separação tomava duas formas:

. Aniquilação – em alguns centros da civilização do primitivo Ocidente como

Esparta, Atenas ou Roma, os indivíduos cegos, bem como outras pessoas deficientes,

eram mortos de diferentes formas.

. Veneração – ao contrário da aniquilação, algumas pessoas cegas nos tempos

antigos, que tiveram posições de destaques, foram veneradas por seus contemporâneos

31

como foi o caso de Homero, os profetas Teresias e Phineus, Nhicolas Saunderson,

Didymus de Alexandria e outros.

A segunda, a de estado de guarda, calcado no Velho Testamento, continha

muitos preceitos protetores, uma vez que a igreja considerava os cegos e outros

deficientes como seus protegidos especiais, chegando a fundar, inclusive, hospitais e

asilos especialmente para esses grupos.

Na terceira fase, aquela da emancipação de si mesmo, as pessoas cegas,

aproveitando as oportunidades criadas com o atendimento educacional em instituições

especializadas, conseguiram se emancipar e, algumas delas, por suas realizações,

chegaram mesmo a se projetar socialmente.

Como já mencionado no capítulo anterior, essa emancipação passou a ocorrer a

partir de 1784, com a fundação do Instituto Real dos Jovens Cegos, em Paris, pelo

filantropo Valentin Hauy.

A quarta é a da integração, fase relativamente recente, na qual se verifica uma

preocupação de preparar a pessoa cega para participar e atuar efetivamente na vida em

sociedade.

A preocupação com a educação das pessoas cegas e com a sua integração na

sociedade data de pouco mais de duzentos anos (Vieira, 1986). Durante milênios os

deficientes visuais viveram praticamente à margem da sociedade. Nesse sentido, afirma

Lemos (1976), somente a partir do século XVIII é que as primeiras iniciativas foram

consideradas, visando evitar o isolamento social dos cegos e dos demais ditos

excepcionais, numa tentativa de orientar e aproveitar as potencialidades de que

dispunham.

32

No Brasil, a história da educação dos cegos teve início com o jovem cego

brasileiro José Álvares de Azevedo que após concluir seus estudos em Paris, no atual

Instituto Valentin Huye, entrou em contato com o médico do Paço, Dr Xavier Sigaud,

que o levou à presença de Sua Majestade D Pedro II, expondo, na oportunidade, o seu

plano de criar no Brasil, uma escola semelhante aquela na qual havia estudado em Paris.

Assim, pelo Decreto Imperial nº 1428, de 12 de Setembro de 1854, foi criado o Imperial

Instituto dos Meninos Cegos, inaugurado em 17 de Setembro de 1854, atualmente

Instituto Benjamin Constant.

O Instituto Benjamin Constant (IBC), como é conhecido, ao longo de um século

e meio de existência, tem se dedicado a educar e a preparar cidadãos deficientes visuais,

cumprindo, assim, o papel para o qual foi criado.

Portanto, a idéia de realizar uma pesquisa com alunos egressos do Instituto

Benjamin Constant surgiu da necessidade de se verificar como se encontram inseridos

na comunidade seus ex-alunos, que concluíram o ensino fundamental no período de

1985 a 1990 e qual foi o papel do Instituto na vida deles. Escolhemos esse período

porque esses ex-alunos estão atualmente com idade entre 30 e 43 anos, tempo

considerado suficiente para cursarem uma faculdade, realizarem concursos, constituírem

família...

A entrada em vigor da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

desencadeou várias discussões sobre a chamada educação inclusiva, uma vez que consta

no seu artigo 58 que “a educação especial será oferecida, preferencialmente na rede

regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (Lei nº 9394,

de 20 de dezembro de 1998, p.22).

Sendo o Instituto Benjamin Constant um centro de referência nacional para as

questões voltadas para a deficiência visual e tendo sido a escola pioneira na América

33

Latina na educação de cegos, resolvemos realizar uma pesquisa com alunos egressos

daquela instituição, que possa discutir questões como:

Será que o que foi realizado no IBC em termos curriculares contribuiu para a

exclusão de seus ex-alunos?

Será que existe um papel para a educação especial no momento?

Será que o IBC funciona como espaço de socialização ou de segregação?

A educação recebida pelos alunos egressos do IBC influenciou na qualidade de

vida deles?

2.2 - Educação Especial

Durante séculos os deficientes foram considerados seres distintos e viviam

separados dos grupos sociais, entregues à própria sorte e às vezes abandonados pela

própria família; à pessoa cega não se dava o direito, nem condições de participar da

sociedade. Mas, à medida que o direito do homem à igualdade e à cidadania tornou-se

motivo de preocupação dos chefes de nações e das entidades que lutam pela igualdade e

pelos direitos humanos, como por exemplo, a Organização das Nações Unida - ONU e a

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, a

história da educação e especialmente a da educação especial começou a mudar.

Essas mudanças tornaram-se mais visíveis a partir da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, adotada e proclamada em 10 de dezembro de 1948, ao expressar de

forma categórica e inequívoca que todo ser humano tem direito à instrução. No Brasil,

este direito foi garantido através da Constituição Federal Brasileira, de 1988, artigo 208,

item III, que ao se referir sobre o dever do Estado com a educação, postula que ele será

34

efetivado mediante a garantia de: “atendimento educacional especializado aos

portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (p.127).

Conforme afirma Fonseca (1991), ”a conquista do direito de igualdade de

oportunidades educacionais é o resultado de uma luta histórica dos militantes dos

direitos humanos” (p.11), luta que implica na obrigatoriedade do Estado garantir,

gratuitamente, escolas para todas as crianças, nas quais todas as crianças possam estar

incluídas e recebendo uma educação de boa qualidade.

Assim, de acordo com definição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional/96, educação especial é “a modalidade de educação escolar oferecida

preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de

necessidades especiais” (p.22). Logo, ela perpassa transversalmente todos os níveis de

ensino, da educação infantil ao ensino superior. Essa modalidade de educação é

considerada como um conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que

estejam à disposição de todos os alunos, inclusive aqueles com necessidades

educacionais especiais5, oferecendo diferentes alternativas de atendimento, de acordo

com as características de cada um.

A história da educação especial no Brasil teve início com a criação do Instituto

Benjamin Constant, em 12 de setembro de 1854, que foi a primeira escola para cegos na

América Latina. A partir daí, comenta Mazzotta (1996), alguns brasileiros inspirados

em experiências bem sucedidas na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte,

começaram a organização de alguns serviços para atendimento a cegos, surdos,

deficientes mentais e deficientes físicos. Contudo, informa ainda Mazzotta, a inclusão

da “educação de deficientes”, “da educação dos excepcionais” ou da “educação

5 - Segundo Sassaki (1999), o termo correto é necessidades educacionais especiais e não necessidades educativas especiais. A palavra educativa significa algo que educa e, necessidades não educam.

35

especial” na política brasileira vem a ocorrer somente no final dos anos 50 e início da

década de 60 do século XX.

A intenção de estabelecer e garantir o atendimento pedagógico em educação

especial materializou-se em 1972 quando, por ocasião da formulação do I Plano Setorial

de Educação, o Governo Federal elegeu a educação especial como área prioritária. Em

decorrência desse plano foi criado pelo Decreto nº 72.425, de 3 de julho de 1973, o

Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), que tinha como finalidade,

promover em todo território nacional, a expansão e melhoria do ensino especial. Porém,

através do Decreto nº 93.613, de 21 de novembro de 1986, o CENESP é extinto e

transformado em Secretaria de Educação Especial (SESPE).

Em 15 de março de 1990 o Ministério da Educação foi reestruturado, ficando

extinta a SESPE e, suas atribuições pertinentes à educação especial foram passadas à

Secretaria Nacional de Educação Básica (SENEB), tendo sido criado para esse fim o

Departamento de Educação Supletiva e Especial (DESE). As mudanças continuaram.

Assim, no final de 1992 houve outra reorganização ministerial e na nova estrutura

reaparece a Secretaria de Educação.

Outro órgão criado em 1986 que tem exercido papel relevante na educação

especial é a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência

(CORDE). Criada para traçar uma política de ação conjunta, destinada a aprimorar a

educação especial e a integrar, na sociedade, as pessoas portadoras de deficiência, com

problemas de conduta e superdotadas, a CORDE tem atuado em conjunto com a SEESP

na busca da integração da pessoa portadora de deficiência.

Na verdade, o atendimento educacional especializado ofertado aos educandos

portadores de necessidades especiais no sistema educacional brasileiro e defendido pela

SEESP/MEC é pautado no sentido de enfatizar a investigação das possibilidades do

36

aluno, visando o desenvolvimento máximo de suas potencialidades independente desse

atendimento ser prestado por escola especializada ou comum (SEESP, livro 2, 1994,

p.27). Assim, o que se busca é a ampliação de oportunidades, para que as pessoas com

necessidades educacionais, especificamente aquelas relacionadas à área da visão,

tenham à sua disposição uma escola de qualidade, de fácil acesso, com recursos

didático-pedagógicos disponíveis e docentes qualificados para trabalharem com esses

alunos.

2.3 - Educação Inclusiva

A educação de um indivíduo procede de situações capazes de transformá-lo ou

de lhe permitir transformar-se. Conforme coloca Mazzotta (1987), “tais situações de

educação são determinadas por um grande número de fatores e constituem um conjunto

muito complexo, tanto no espaço quanto no tempo” (p.33). Assim, a educação poderá

ocorrer em vários locais, como por exemplo, na família, na escola, na igreja, na rua e na

casa de vizinhos.

Fato é que em qualquer local, o importante é que haja um relacionamento entre

pessoas que resultem em trocas de tal forma que cada indivíduo possa ter o seu valor

reconhecido, independente de suas dificuldades. A partir de 1994, por ocasião da

Declaração de Salamanca6 informa Silveira Bueno (2001) que “muitos países

começaram a implantar políticas de inclusão de alunos com necessidades educacionais

especiais no ensino regular, por considerarem-na como a forma mais democrática

para a efetiva ampliação de oportunidades educacionais para essa população” (p.37).

6 Declaração de Salamanca – documento extraído e aprovado por ocasião da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, ocorrida em Salamanca, Espanha, no período de 7 a 10 de junho de 1994, onde se reuniram mais de trezentos representantes de noventa países.

37

No Brasil, a idéia da inclusão não teve a mesma recepção. Tão logo foi

publicada a LDB/96, foi necessário que a Secretaria de Educação Especial do MEC,

SEESP, realizasse uma série de encontros, objetivando sensibilizar os secretários

estaduais e municipais de educação, bem como os dirigentes estaduais de educação

especial, quanto à necessidade de promoverem em seus estados e municípios, eventos

para divulgação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96).

Sem dúvidas, a inclusão carrega um leque de opções e de polêmicas, que numa

visão ampla de necessidades especiais pode incluir os mais diversos indivíduos e

situações, mesmo que seja apenas passageira, como é o caso de uma mulher grávida ou

de uma pessoa que temporariamente necessita de se locomover utilizando-se de cadeira

de rodas. Fato é que “a diversidade encontra-se entre as prioridades na pauta

educacional no mundo inteiro” (Badejo, 2002, p. 47).

No Brasil, a política para a inclusão já foi delineada e encontra-se incluída na

pauta de educação para todos, na qual todas as crianças devem estar na escola, inclusive

aquelas com necessidades educacionais especiais. Não obstante essa vontade política

faz-se necessário que toda a sociedade esteja preparada para que a inclusão ocorra na

prática.

Na condição de Diretor-Geral do Instituto Benjamin Constant, entre 1994 e

2003, tivemos a oportunidade de participar de quase todos os encontros que foram

realizados pela Secretaria de Educação Especial, ocorridos em Brasília, Pirenópolis-

Goiás e em outros estados, todos versando sobre a inclusão. Nas diversas ocasiões que

participamos, pudemos observar que as dificuldades apresentadas por todos os

participantes giravam em torno da necessidade de formação de recursos humanos, da

falta de acessibilidade nas escolas e da falta de recursos didático-pedagógicos e de

materiais especializados, como por exemplo o livro didático em Braille. Mesmo assim,

38

havia grande vontade política no sentido de que todas as crianças fossem atendidas em

escolas capazes de viver e conviver com contradições e que pudessem respeitar a

diversidade e buscar a unidade nas relações entre as pessoas, independentemente de

suas diferenças ou dificuldades individuais, confirmando, assim, a afirmação de

Mantoan (2001), de que “a inclusão é simplesmente uma questão de vontade (p.237)”.

Na perspectiva de educação para todos, que, aliás, é uma questão de direitos

humanos, as escolas devem se preparar para incluir todos os alunos, inclusive aqueles

com necessidades educacionais especiais. Essa preparação, alerta Stainback e

colaboradores (1999), é composta de três componentes práticos interdependentes no

ensino inclusivo: “o primeiro deles é a rede de apoio, o segundo é o trabalho em

equipe e o terceiro é a aprendizagem cooperativa, o componente do ensino, que está

relacionado à criação de uma atmosfera de aprendizagem em sala de aula, em que

alunos com vários interesses e habilidades podem atingir o seu potencial” (pp. 21 e

22).

Somos a favor de uma escola que ofereça um ensino de qualidade. Partindo

desta premissa e analisando a afirmação de Stainback e colaboradores (1999) sobre a

preparação para a Vida na Comunidade “(...) em geral, quanto mais tempo os alunos

com deficiências passam em ambientes inclusivos, melhor é seu desempenho nos

âmbitos educacional, social e ocupacional” (p.23), ficamos apreensivos e aumentou

mais ainda o nosso interesse em saber como se encontram inseridos, atualmente, na

comunidade os alunos egressos do Instituto Benjamin Constant, uma vez que esses

alunos estudaram em uma escola especializada e residencial, permanecendo nela pelo

menos quinze anos de suas vidas.

Os princípios da inclusão não se destinam somente aos alunos com deficiências,

mas a todos os alunos, o que equivale dizer que as boas escolas podem ser assim

39

adjetivadas porque contribuem para o sucesso de todos que as freqüentam, não se

dirigindo apenas para um grupo seleto. Para que isso ocorra é necessário que sejam

observados alguns princípios que visam evitar o isolamento, como:

“o desenvolvimento de uma filosofia comum e um plano estratégico; uma liderança forte; a promoção de culturas no âmbito da escola e da turma que acolham, apreciem e acomodem a diversidade; o desenvolvimento de redes de apoio; o uso de processos deliberativos para garantir a responsabilidade; o desenvolvimento de uma assistência organizada e contínua; manter a flexibilidade; exame e adoção de abordagens de ensino efetivas; a comemoração dos sucessos e, aprendizagem com os desafios e estar a par do processo de mudança, sem permitir que ele o paralise” (Stainback et al, 1999: pp. 69-83).

Seria ideal que todas as escolas do nosso país pudessem adotar todos esses

princípios, mas infelizmente a nossa realidade é outra; as nossas escolas convivem com

múltiplos problemas como repetência e evasão de alunos, desvalorização e baixo salário

do docente, além do despreparo de todo corpo técnico e administrativo, que certamente

contribuem para o aumento da crise institucional da educação.

Sem dúvida, a razão mais importante para o ensino inclusivo é o valor social da

igualdade. Conforme colocam Stainback e colaboradores (1999), “há de ser garantido

que os alunos com deficiências sejam apoiados para tornarem-se participantes e

colaboradores na planificação e no bem-estar desse novo tipo de sociedade” (p.29).

Dessa forma, estarão sendo evitados os erros do passado, quando os alunos com

deficiência eram deixados à margem. Realmente não há comprovação de que alunos

agrupados em classes homogêneas, ou especiais, aprendam com mais eficiência ou

tenham mais sucessos do que aqueles que estudam em classes heterogêneas. Contudo, o

que se pretende é uma escola de qualidade que saiba trabalhar com as diferenças, de

forma a não promover a exclusão na tentativa de implementar a inclusão.

40

Quanto ao cego estudar em escola especializada e/ou em escola comum,

retornaremos a esse assunto no capítulo seis, quando estivermos falando sobre cegueira

e sociedade (item 6.2).

2.4 - Legislação

Preliminarmente convém ser ressaltado que os direitos das pessoas com

deficiência são os mesmos de qualquer outro cidadão. Entretanto, essas pessoas têm

necessidades outras, pela sua própria condição, que devem ser levadas em consideração

sob pena de permanecerem excluídas do convívio social.

Pode-se considerar que no Brasil, a evolução do deficiente visual, bem como a

sua incansável luta pelos direitos, garantias e pela não marginalização social, teve início

em 1854, com a criação do Instituto Benjamin Constant. Assim, ao longo de seus 151

anos de existência este Instituto tem possibilitado a educação e a reabilitação de

milhares de pessoas deficientes visuais, bem como o surgimento de outros Institutos à

sua semelhança, em diversas capitais do país, contribuindo, assim, para a disseminação

do ensino para os deficientes visuais, que à nossa interpretação tem sido considerado

como boa alternativa para a educação de pessoas cegas e de baixa visão.

Em que pese a existência de todos esses dispositivos legais, convém lembrar que

a legislação por si só não produz os efeitos que se espera; faz-se necessário, portanto,

que o direito não seja apenas uma promessa de direito futuro, mas, de direito atual e

concreto, de forma a não se constituir em sonhos irrealizáveis. Aliás, a despeito de todas

essas garantias comenta Rosa e colaboradores (2003) que a pessoa com deficiência

continua a vivenciar a exclusão e sofrer o preconceito, uma vez que “a lei, por si só, não

41

muda a realidade social, o fato social; não conscientiza as pessoas e aqueles que detêm

poder decisório na esfera governamental” (p.20).

Sob o ponto de vista da evolução histórica, pode-se dizer que as respostas sociais

de enfrentamento à exclusão pelos deficientes visuais têm sido positivas, podendo,

entretanto, esta afirmação, a princípio, ser questionada. Porém, se fizermos uma

comparação da qualidade de vida desses deficientes de décadas passadas, com a da

atualidade, certamente constataremos que houve grande avanço de inserção

comunitária. Antes, viviam à margem da sociedade. Hoje, são participantes,

contribuintes efetivos, inclusive, alguns deles exercendo importantes cargos tanto no

cenário nacional como internacional, na condição de empresários, políticos, educadores,

músicos, dirigentes, dentre outros.

Por outro lado, é importante ser ressaltado que embora tenha havido

considerável avanço de direitos e garantias, ainda persistem o estigma dos "rótulos", os

quais, quando materializados, cristalizam idéias, que contribuem para o fechamento de

portas de escolas, de igrejas, de praças públicas, do trabalho e assim por diante, fazendo

com que a marca do inválido prevaleça sobre o homem.

O que se busca é a igualdade efetiva, inclusive, no plano social e econômico e

não apenas no sentido jurídico-formal. Aliás, o princípio básico dos direitos da pessoa

portadora de deficiência é o da igualdade. Assim, tais pessoas, por terem necessidades

especiais, logicamente demandam tratamento diferenciado para que suas condições de

vida possam ser equiparadas às dos demais cidadãos.

Finalmente, não adianta a existência pura e simples das leis se a sociedade não

se encontra conscientizada e preparada para receber o deficiente. A exclusão social

somente deixará de existir quando os deficientes forem considerados como seres

humanos, tratados como cidadãos e ocupando os mesmos espaços, ou seja, a verdadeira

42

inclusão, preconizada pela Constituição Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional e por outros dispositivos nacionais e internacionais que versam

sobre este assunto, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

43

PARTE II

A PESQUISA COM OS EGRESSOS

DO

INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT:

44

Capítulo 3 - Caminhos da pesquisa

3.1 – Coleta de dados

O Instituto Benjamin Constant, órgão da administração direta do Ministério da

Educação (MEC), por seu perfil de centro de referência nacional para questões voltadas

à deficiência visual, fornece oportunidade privilegiada no campo de pesquisa na Saúde,

Educação, Reabilitação Educacional7 e de Inserção Comunitária. Desta forma, o projeto

proposto neste trabalho iniciou-se em 2003 após a aprovação do Comitê de Ética em

Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ) parecer nº

CAAE 0061.0.008.000-03.

Esta pesquisa teve como pretensão investigar a integração sócio-comunitária de

um grupo de alunos egressos do Instituto Benjamin Constant que concluíram o ensino

fundamental entre 1985 a 1990. Para isso ouvimos o que eles tiveram a nos dizer sobre

suas experiências de viverem a deficiência visual, assim como que papel a educação

especial recebida teve no direcionamento de suas vidas no passado, no presente e quais

as perspectivas que vislumbram para o futuro. Por um lado almejamos saber como esse

conjunto de deficientes visuais situa a educação que receberam no Instituto e, por outro,

investigar se as proposições da Escola para Todos, ou da chamada Educação Inclusiva,

encontram respaldo nas opiniões por eles emitidas.

Para tanto, lançamos mão da abordagem qualitativa, realizando um estudo de

caso referido não somente a uma instituição, mas também a um grupo delimitado de

pessoas de ambos os sexos que têm na deficiência visual um ponto em comum.

A pesquisa também se revestiu de caráter estratégico, pois entendemos tratar-se

de uma investigação que pode dar um retorno significativo para o Instituto Benjamin 7 Define-se como reabilitação educacional, o atendimento educacional às pessoas que ficaram cegas após a idade escolar (geralmente após os 14 anos de idade) e, tem como objetivo habilitá-las à nova vida de cego.

45

Constant, assim como subsidiar melhor as propostas da chamada educação inclusiva,

avaliando como esses cegos encaram a implementação de uma Escola Para Todos que,

de certa forma, rompe com o modelo educacional que experimentaram.

O nosso campo de estudo foi o Instituto Benjamin Constant. Mais

concretamente, a educação especial implementada na instituição entre os anos de 1985 a

1990, pois foi durante esse espaço de tempo que os egressos que estudamos

freqüentaram aquele Instituto.

Anteriormente já falamos no Instituto e relatamos um pouco de sua história.

Agora, nos reteremos sobre a educação fornecida, para melhor contextualizar nosso

objeto.

O IBC recebe matrícula de alunos, da Estimulação Precoce à oitava série do

Ensino Fundamental; por ocasião da matrícula, os candidatos são avaliados por uma

equipe composta de professor, oftalmologista, psicólogo, entre outros profissionais. Em

função da situação sócio-econômica e da relação da distância Instituto Benjamin

Constant - residência, o aluno poderá permanecer externo, semi-interno ou interno.

A Escola Especializada do IBC funciona de 07 às 17 horas. A sua grade

curricular contem as mesmas disciplinas do Sistema da Escola Regular de Ensino, com

o acréscimo de outras disciplinas e atividades como: Sistema Braille, Sorobã,

Orientação e Mobilidade, Atividade da Vida Diária, Escrita Cursiva e Educação Física

Adaptada, que são necessárias à educação do deficiente visual.

O estudo foi desenvolvido entre os anos de 2002 a 2004 e os 89 egressos

selecionados foram identificados no arquivo de alunos da secretaria geral do

Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant.

Para esse estudo foi realizada pesquisa de fontes primárias, compreendendo

consultas a fichas individuais de alunos e a fichas médicas, oriundas, respectivamente,

46

do Departamento de Educação (DED) e Departamento de Pesquisa Médica e de

Reabilitação (DMR). A pesquisa realizada nas fichas visou traçar o perfil dos egressos

segundo: naturalidade; condição visual; sexo; data de nascimento; ano de matrícula no

IBC; série inicial de matrícula e patologia ocular.

Para melhor compreensão a respeito da vida desses egressos, foram utilizados os

dados que são apresentados nos gráficos de nº 1 a 5, que serviram de base para o

norteamento da pesquisa.

Gráfico 1 – Naturalidade dos egressos por unidade federativa.

ORIGENS DOS EGRESSOS POR ESTADOS

02468

10121416

1985 1986 1987 1988 1989 1990

EGRESSOSRJMGESSPBASECEPBPERNGOROAM

47

Gráfico 2 - Condição visual dos egressos.

Ex-alunos /IBC por condição visual

0

5

10

15

20

1985

1986

1987

1988

1989

1990

ano de conclusão da 8ª série

núm

ero

de a

luno

s

Cegos -64

Baixavisão -25

Gráfico 3 - Identificação dos egressos por sexo.

Ex-alunos do IBC - 1985 a 1990

02468

101214

1985 1986 1987 1988 1989 1990

ano de conclusão da 8ª série

alu

nos

que

conc

luira

m

MascFem

48

Gráfico 4 - Idades de matrícula dos egressos no JI e CA.

0123456789

J Inf Cl Alfab

Série inicial de matrícula

alun

os e

gres

sos

4 5

6 7

8 9

10 11

12 13

14 15

16 17

Gráfico 5 – Idade de matrículas dos egressos nas 1ª a 4ª séries.

Matrículas dos egressos no IBC

12 2

1

3

2

1

1

1 10

0,51

1,52

2,53

3,54

4,5

8 anos

9 anos

10 an

os

11 an

os

12 an

os

13 an

os

14 an

os

15 an

os

16 an

os

17 an

os

4ª série

3ª série

2ª série

1ª série

49

Gráfico 6 – Idades de matrículas dos egressos no Ensino Fundamental do IBC ( 5ª a 7ª séries) e Classe de Aprendizagem do Sistema Braille.

1

4

11

1

1

1

11 1

1

012345678

5ª série 6ª série 7ª série Braille

Egre

sss

17 anos

16 anos

15 anos

14 anos

13 anos

12 anos

11 anos

10 anos

Gráfico 7 – Patologias oculares dos egressos

0

2

4

6

8

10

12

Masc Fem

GlaucomaCongênto

RetinosePigmentar

Atrofia Óptica

Leucoma

Cataratacongênita

Degeneraçãoretina

50

Gráfico 8 – Patologias oculares dos egressos

Mapeado o campo e os sujeitos que nele transitaram, julgamos importante traçar

o perfil dos egressos para que melhor pudéssemos discutir os procedimentos que

seguimos. Dessa forma, passamos à apresentação dos procedimentos tomados,

apresentando-os por etapas a fim de facilitar a sua compreensão.

0

0,5

1

1,5

2

2,5

Masc Fem

Miopia+estrabismo

Corioret+miopia+ast.

Ambliopia deAO

Enucleaçãode AO

Anirídiacong+nistag.

3.1.1 - 1ª etapa: Realização do Fórum dos Egressos do IBC.

Foi planejado um encontro dos ex-alunos do IBC que concluíram o Ensino

Fundamental no período compreendido entre 1985 a 1990, tendo sido inscritos 56

egressos para participarem desse encontro.

O fórum foi aberto por uma conferência proferida por um ex-aluno, ex-professor

e ex diretor-geral do Instituto Benjamin Constant. Em seguida, foram realizadas

palestras sobre assuntos pertinentes à vida do deficiente visual, acompanhadas de

51

depoimentos e debates sobre temas que versaram sobre as dificuldades encontradas para

a inserção comunitária, assim como sobre a qualidade de vida auferida ao longo dos

anos que o separaram da vida acadêmica do IBC.

O material produzido no fórum, constando de: uma conferência, oito palestras e

dois grupos de trabalho foi todo gravado em fita cassete e filmado. Posteriormente, esse

material foi transcrito e transferido para um CD, fazendo parte do primeiro volume

intitulado Fontes 1, que serviu de suporte para a confecção das seis perguntas que

foram enviadas aos egressos e, todo o evento teve por base uma postura etnográfica. É

importante frisar que se partiu do entendimento de etnografia como sendo o exercício

peculiar de compreensão da realidade sócio-cultural dos outros, mediante a análise da

própria experiência de estar no mundo deles (Van Maanen, 1988). Nesse sentido, tratou-

se de uma abordagem ao mesmo tempo reflexiva e interpretativa, tomando por base o

processo de transformar as conversas, as observações e as experiências em textos

escritos.

O vídeo foi encarado como um cenário social e, através dele, procuramos

conhecer as pessoas nele registradas, observando o que aconteceu, como se

comportaram, quais seus posicionamentos diante dos temas em debate, quais os

questionamentos que brotaram e de que maneira se relacionaram entre si e com os

palestrantes. Fizemos anotações de forma regular e sistemática sobre o que foi

observado, acumulando registros escritos desse observado e das interpretativas sobre

eles. O propósito foi o de nos aproximarmos de nossos observados, sempre voltados a

captar o que as experiências vividas e veiculadas significaram para eles.

Elaboramos uma série de notas de campo, ou seja, uma base documental

produzida ao longo do evento e por meio do registro etnográfico que conteve:

52

As impressões iniciais, incluindo detalhes sobre o cenário apresentado no vídeo e as

pessoas que nele apareceram, enfocando-se principalmente as atitudes e modos de se

expressar dos deficientes visuais;

Os eventos chaves ou incidentes relacionados ao objeto da investigação, mas atentando

para os indícios carreados pelas interações verbais ou não verbais;

O que as pessoas observadas consideraram significativo e postularam como importante;

os padrões que emergiram, mas também suas variações e exceções:

As impressões e sentimento geral, agregando-os ao que nos foi dado observar no

momento da realização das diversas atividades propostas pelo fórum e que, porventura,

não se encontraram registradas no vídeo;

Descrição detalhada de cenas importantes, ambiência, objetos, pessoas, ações e

conversações que ocorreram entre os indivíduos observados;

Caracterização, sobretudo, da maneira como as pessoas observadas falaram, agiram,

gesticularam, movimentaram-se e se relacionaram umas com as outras;

Termos, expressões e maneiras pelas quais as pessoas observadas dirigiram-se aos

demais;

Questões colocadas nas palestras, nos debates e nos depoimentos e as reações que

suscitaram;

As histórias que apareceram nas palestras, nos depoimentos e nos debates;

Termos, expressões e sentenças/frases que as pessoas utilizaram para caracterizarem os

deficientes visuais;

Explanações e teorias formuladas pelos indivíduos observados;

A significação que os egressos deram às suas experiências quando estudaram no IBC e

depois que dele saíram.

53

3.1.2 - 2ª etapa: – Depoimentos temáticos

As temáticas foram elaboradas em forma de perguntas e enviadas aos

participantes do fórum que as responderam livremente. Esses testemunhos nos foram

enviados de várias maneiras: alguns foram entregues pessoalmente ao pesquisador no

Instituto Benjamin Constant e outros encaminhados pelos Correios para a sua

residência. Em ambas as situações as respostas estavam escritas em Braille e à tinta.

Cerca de 70% dos depoimentos nos foram enviados via internet pelos próprios

deficientes visuais.

Nem todos os egressos responderam as seis perguntas; assim, das 56 pessoas

contatadas, recebemos as seguintes respostas;

Como você se sente numa sociedade exclusiva - foram recebidas 36 respostas;

O que é viver com o estigma da cegueira – foram recebidas 41 respostas;

Como foi a sua adolescência – foram recebidas 46 respostas;

O que é ser jovem e cego tentando entrar para a escola ou para a universidade – foram recebidas 45 respostas;

Como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego – foram recebidas 33 respostas;

O que é ser cidadão cego – foram recebidas 46 respostas.

As respostas das perguntas foram transcritas e transferidas para um CD e fazem

parte do segundo volume intitulado Fontes 2, juntamente com outros itens como: causas

da deficiência visual dos ex-alunos; dados médico-oftalmológicos dos ex-alunos e

roteiro das entrevistas.

3.1.3 - 3ª etapa: Construção das fontes orais

O método utilizado foi o método para a construção de fontes orais, elaborado e

testado por Cardoso (1989). De acordo com Rebello (1997), “o método leva em conta a

54

comunicação verbal como forma privilegiada de expressão não somente da

subjetividade, mas também, é capaz de transmitir as representações e visões do mundo

em condições históricas, sócio-econômicas e culturais do coletivo”. O método trabalha

com três tipos de memórias: a coletiva (experiência da vida comunitária), a individual

(expressando desejos e conflitos) e a histórica (recordação de fatos). Assim, trabalhando

de forma entrelaçada com essas memórias, se viabiliza a partir de quatro módulos de

entrevistas interdependentes e articuladas.

O primeiro módulo, o contato, consistiu numa entrevista previamente marcada,

num encontro realizado sem gravador, onde os motivos foram expostos. A partir desse

contato inicial foi produzido um paper com os primeiros dados básicos, que se

transformou num “retrato” do entrevistado.

O segundo módulo, história de vida, teve como objetivo a reconstituição da

história pessoal do depoente desde suas mais remotas memórias da infância até os dias

atuais. A meta desse módulo foi a de delimitar a identidade sócio-cultural do

entrevistado e ela foi registrada em fita cassete.

O terceiro módulo, relacionamento temático, demandou a elaboração de um

roteiro prévio, com questões que visaram fazer a ponte com o objetivo geral e os

específicos da pesquisa, tendo sido gravado.

O quarto módulo, historiográfico, teve a pretensão de levar o entrevistado a

falar livremente sobre sua trajetória de vida, objetivando elucidar melhor as

confluências do discurso. O depoente foi convidado a expor livremente todo o processo

vivenciado e a narrativa foi gravada. Essa fase complementou os módulos anteriores,

contribuindo para a contra checagem.

O material foi transcrito pelo próprio pesquisador e posteriormente realizou-se

uma conferência de fidelidade com o objetivo de checar frases e palavras que

55

porventura haviam sido inteligíveis no momento da transcrição. As entrevistas

perfizeram um total de trinta horas gravadas.

A amostra foi uma amostra de conveniência, ou seja, a partir dos

depoimentos colhidos por escrito escolhemos seis depoentes, três do sexo feminino e

três do sexo masculino, entre as idades de 30 a 40 anos, todos cegos congênitos, de

forma que houvesse um representante de cada ano em estudo e, de acordo com os

seguintes critérios:

• Identificação com o tema proposto e disposição a discuti-los;

• Diversidade de inserções sociais;

• Disponibilidade de tempo para realizar as entrevistas e

• Cegueira ligada a fatores genéticos ou congênitos.

Os escolhidos foram contatados pessoalmente e convidados a participar da

pesquisa sendo-lhes explicado todo o processo da coleta e tendo, todos os mesmos

assinado termo de consentimento livre e informado sobre a pesquisa (ver apêndice 01).

3.2 - Análise do material coletado

A análise do material coletado se processou em três etapas:

1ª etapa - A leitura de todas as notas de campo, dos testemunhos e do material

transcrito das entrevistas, enquanto um corpus, considerando todo o registro da

experiência tal como ela se desenvolveu no decorrer do tempo.

2ª etapa - A codificação, que foi processada em duas fases: a) - codificação aberta,

processada pela leitura linha por linha das anotações, dos testemunhos e das entrevistas,

com a finalidade de identificar e formular as idéias, os temas e os assuntos que elas

sugeriram, não importando quanto variados foram e, b) - codificação enfocada, tendo

56

por base tópicos já identificados como de particular interesse para a pesquisa e

pesquisador.

3ª etapa - A análise semiótica. Em semiótica, todo enunciado verbal ou não – vídeos,

filmes, quadros, edifícios, movimentos corporais... -, porém dotados de significação e

função integrais, é considerado um texto. Os elementos que se levou em consideração

para efetuar essa etapa foram:

Coerência textual – o que liga as frases solidariamente, caracterizando-as como

parte de um todo mais amplo;

Competência textual e intertextual – a capacidade de perceber as frases como

fragmentos interligados a algo maior e coerente, suprindo as conexões implícitas

que se tornaram necessárias. Por exemplo: “Coitado, ele não enxerga; como será que

ele perceberá a beleza existente no raiar e no por do sol?”.

Estruturas superficiais e profundas do texto – as primeiras correspondem à

ordenação discursiva dos conteúdos manifestos; as segundas articulam-se aos

elementos semânticos mais basais cujo caráter geral e o estatuto lógico podem ser

definidos. Por exemplo: “Sou cego, mas vejo”, implicando que a cegueira física não

significa numa cegueira da alma que incapacita o sujeito de ver o mundo.

“Discursivização” - processo no qual, através das estruturas discursivas mais

superficiais, as estruturas profundas são postas em discurso pela elocução. Na

“discursivização” institui-se:

1. “actorialização” - os personagens;

2. “temporalização” - efeitos de tempo;

3. “espacialização” - geração dos elementos abstratos;

4. “figurativização” - geração dos elementos concretos.

57

Esse processo analítico foi elaborado por CARDOSO (2000), a partir de Ciro

Flamarion Cardoso, na exposição que faz do percurso gerativo textual de Greimas e

Coutés (1977).

O passo seguinte constituiu-se na análise e discussão dos resultados colhidos no

encontro e nas respostas das seis perguntas enviadas ao pesquisador pelos egressos.

58

PARTE III

O INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT E AS VOZES DOS SEUS EGRESSOS

(Resultado e discussão)

59

Capítulo 4 - Visões em dois momentos

Este capítulo é dividido em dois momentos: o primeiro, o congresso que

compreendeu a conferência de abertura, as palestras e as sugestões de dois grupos de

trabalho centrados nos temas educação e trabalho. O segundo momento referiu-se às

seis perguntas que foram enviadas aos egressos.

Não poderíamos escrever sobre a vida dos alunos egressos do Instituto Benjamin

Constant (IBC), partindo simplesmente dos resultados de nossas observações, pois

acreditamos que suas vozes expressando trajetórias de vida, incluindo a fase que

estiveram no Instituto e a fase extra-Instituto, é o mirante a partir de onde devemos nos

postar para obter as informações que necessitamos a fim de contemplar nosso objeto.

Na verdade fomos observadores participantes de uma experiência na qual os

atores – os ex-alunos – além de narrarem suas trajetórias de vida, as re-vivenciaram. Os

significados dados à cada frase inspiravam alegria, prazer, descontentamento, revolta e,

também, muito orgulho por terem estudado no Instituto Benjamin Constant, sendo que

outras instituições foram também citadas como, por exemplo, o Colégio Pedro II, outros

colégios Estaduais, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Universidade Federal

do Rio de Janeiro, dentre outras.

As frases pareciam ser construídas com uma argamassa de qualidade superior,

de forma que as intempéries do tempo jamais conseguiriam destruí-las. Estou me

referindo ao sentimento e a emoção explícita revelados na voz e na escrita tingindo a

satisfação por ocupar um espaço e um tempo, nos quais era a historicidade do “ser

cego” numa sociedade como a brasileira que se mostrava por inteiro aos nossos olhos e

aos nossos ouvidos.

60

O evento aconteceu em dois dias, nas instalações do próprio IBC e seguiu

programação conforme descrita no Anexo ( ). Esse encontro nos permitiu colher

material oriundo da conferência, das palestras, dos debates e das sugestões apresentadas

pelos dois grupos de trabalhos que se constituíram neste capítulo, com o título “Visão

dos Egressos”.

O material coletado no Encontro foi transcrito e submetido à análise juntamente

com o gravado em vídeo. Foi esta análise que apontou para seis temas que emergiram e

serviram de base para a elaboração dos depoimentos e tais temas foram: Como você se

sente numa sociedade exclusiva; o que é viver com o estigma da cegueira; como foi

a sua adolescência; o que é ser jovem e cego tentando entrar para a escola ou para

a universidade; como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego e o que é

ser cidadão cego.

1º momento: O encontro dos egressos

A Conferência de Abertura do Encontro serviu para situar o deficiente visual em

posição na história. O Conferencista, professor Jonir Bechara Cerqueira (2002)8 iniciou

sua fala mencionando as citações contidas na Bíblia Sagrada, relativamente à posição

social do cego, fazendo todos perceberem que sua historicidade era em função de

viverem num tempo e num espaço habitado pelos seres humanos.

Referindo-se à educação dos cegos, o conferencista salientou a invenção da

imprensa como uma das alavancas para o progresso do mundo. Por outro lado, afirmou:

“essa invenção não atingiu os cegos que continuaram à margem do saber, somente

8 Jonir Bechara Cerqueira, cego e ex-aluno do IBC. Foi professor da Instituição, exerceu vários cargos como: chefe de departamento, diretor de ensino e diretor-geral. Além desses, exerceu também outros cargos em Comissões, Conselhos e representou o Brasil várias vezes em missões no exterior.

61

[sendo integrado a eles] a partir de 1784 com a educação de maneira formal e, a partir

de 1825, com o advento da leitura e da escrita no Sistema Braille” (Cerqueira, 2002: p.

11).

Quanto ao Instituto Benjamin Constant, afirmou o conferencista “a sua criação

foi uma mudança radical dentro da sociedade”9 fato é que a partir de 1854, aos cegos

brasileiros é oportunizado freqüentar formalmente uma escola.

Desde sua fundação o Instituto Benjamin Constant tem se preocupado com a

formação acadêmica dos cegos. Assim, informou o palestrante, em acordo com

levantamento feito até 1910, em livros de matrículas que se encontram no museu do

Instituto, que os primeiros alunos eram agraciados com medalhas e botons de prata,

livros, dentre outros prêmios, como meios de estímulo. Com o desenrolar das novas

teorias pedagógicas, contudo, essa prática foi sendo abandonada.

Até o meado dos anos 90 vimos alguns alunos serem premiados por terem se

destacado em algumas disciplinas, e percebemos claramente que essa atitude não era

tida como uma prática que apenas estimulasse a competição entre os pares; mas,

sobretudo, funcionava como uma forma salutar de estimular os alunos a se dedicarem

mais aos estudos.

Outro fato citado por Cerqueira (2002) durante a sua conferência referiu-se aos

primeiros cegos que conseguiram empregos públicos. Foram alunos do IBC, “indicados

à época por Benjamin Constant, então diretor do IBC e, nomeados para serem

repetidores10, depois aspirantes e, finalmente, professores do próprio Instituto”

(Fontes, 1: p. 12).

O que inicialmente restringiu-se apenas ao âmbito do Instituto Benjamin

Constant, por volta dos anos 40, estendeu-se para outros Estados, como por exemplo,

9 - Ver Fontes 1 (p.12). 10 - Professor que repete as lições aos alunos.

62

São Paulo, onde outros ex-alunos conseguiram através de Concurso Público

ingressarem para o magistério estadual.

Assim, coloca Cerqueira (2002) que “os primeiros ex-alunos do IBC fizeram a

história dos cegos na sociedade brasileira, porque foram professores, foram

repetidores” (Fontes, 1: p. 12). Além disso, aqueles que não foram absorvidos pelo

Instituto saíram pelo Brasil afora, criando outras escolas, entidades e associações nas

quais os ex-alunos eram empregados. Dessa forma, foram como desbravadores, criando

pontos de disseminação de cultura e de trabalho para os cegos.

As entidades fundadas em outros Estados, como por exemplo, o Instituto São

Rafael, em Belo Horizonte; o Instituto de Cegos da Bahia; o Instituto de Cegos de

Belém; a Associação de Amparo ao Cego do Ceará e outras, estão ainda em pleno

funcionamento, contribuindo para educar e formar o cidadão cego brasileiro (Vieira,

1988).

A criação de escolas para cegos em outros estados, semelhantes ao Instituto

Benjamin Constant, possibilitou que muitas crianças cegas pudessem ser educadas bem

mais próximas aos seus familiares, inclusive com o apoio desses.

Além disso, o curso de especialização promovido anualmente pelo IBC desde os

anos 50, que é oferecido aos docentes dos estados que não possuem professores

especializados, tem contribuído para evitar o êxodo daquelas pessoas cegas que só

poderiam estudar no Rio de Janeiro.

Assim, conforme levantamento feito para caracterizar o perfil dos egressos do

IBC, distribuídos no Gráfico 1, observa-se menor percentual de matrículas nos Estados

da Bahia, Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Rondônia, seguidos de outros como:

Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Pernambuco e Amazonas, que foram

63

justamente os Estados nos quais foram criadas associações e institutos ou seus docentes

fizeram o curso de especialização no IBC ou em outras entidades.

Como apresentado no gráfico1, dos 89 alunos que concluíram o ensino

fundamental no IBC, entre 1985 e 1990, 71,90% eram do Estado do Rio de Janeiro;

11,24% dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, outros 11,24% oriundos de São

Paulo, Paraíba, Pernambuco, Goiás e Amazonas e os 5,62% restantes distribuídos pelos

Estados de Bahia, Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Rondônia.

Essas associações e escolas referidas por Cerqueira (2002) aproveitando a

habilidade manual e a capacidade de concentração de alguns cegos, começaram a

desenvolver artesanalmente materiais de pequeno custo e de fácil vendagem como

vassouras, palitos para churrascos, cabides, e outros serviços como empalhação de

cadeiras, capeamento e acolchoamento de sofás.

Em decorrência do aumento de fabricação desses objetos artesanais, surgiram os

vendedores ambulantes, que eram cegos acompanhados por guias que comercializavam

esses produtos nas feiras livres, ou os oferecendo nos domicílios.

Ainda a respeito da formação de associações11, é importante que seja lembrado a

criação do primeiro grêmio estudantil, no Instituto Benjamin Constant, que se chamava

Grêmio Comemorativo Beneficente 17 de Setembro. Inaugurado com a finalidade de

comemorar a fundação do Instituto, objetivava fazer ampla divulgação na sociedade,

sobre a realidade da educação das pessoas cegas e do Sistema Braille. Além disso, era

beneficente porque procurava ajudar os ex-alunos que não conseguiam empregos,

dando-lhes apoio financeiro até que conseguissem empregar-se.

11 Associação é uma união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. No caso de um grêmio escolar ele é formado apenas por alunos, de forma independente, e desenvolve atividades culturais e esportivas, organiza debates sobre assuntos de interesse dos estudantes que não fazem parte do currículo escolar e também organiza reivindicações, tais como compra de livros para a biblioteca, transporte gratuito para estudantes e muitas outras.

64

Nesse sentido, afirma Cerqueira (2002) que a atuação desse grêmio foi

importante e suas finalidades encontram-se publicadas em uma revista chamada

Poliantéia,12 da Biblioteca Nacional.

As atividades desse grêmio foram fechadas nos anos 60 e somente a partir de

2002 alguns ex-alunos começaram a se movimentar para a sua reabertura, talvez

contagiados pelas discussões em torno das eleições para Presidente da República e para

Diretor-Geral do Instituto Benjamin Constant.

Outro marco importante na história de vida do cego brasileiro, comentado por

Cerqueira (2002), referiu-se aos primeiros empregos alcançados pelos cegos fora do

Instituto Benjamin Constant. “Na década de 50 os primeiros cegos foram empregados

em atividades públicas como: Departamento Nacional de Correios e Telégrafos, Loyd

Brasileiro, Companhia Costeira de Navegação e outras” (Fontes, 1: p. 12).

Em 1958, com a criação da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de

Cegos, houve grande expansão de aproveitamento de pessoas cegas em atividades como

massagista, professores em escolas públicas, empalhador, vassoureiro, dentre outras.

Com o avanço tecnológico esses materiais foram sendo produtivos em larga

escala, portanto, apresentando preços menores, o que obrigou os cegos a procurarem

outros meios de sobrevivência.

O próprio Instituto Benjamin Constant ao perceber essa mudança, extinguiu os

cursos de estofamento e empalhação que mantinha, dando início a cursos de telefonista,

operador de câmara escura, ascensorista, massagista e, mais recentemente, a outros

como: telemarketing, informática, jardinagem, locução, dentre outros.

Relata ainda o conferencista que a década de 70 foi marcada como a época que

surgiram os primeiros cursos de programadores em computação que começou em São

12 Revista da Biblioteca Nacional, que publicava, dentre outros assuntos, trabalhos e discursos de ex-alunos e professores do Instituto Benjamin Constant.

65

Paulo e “os cursistas iam sendo empregados em Bancos, alguns como Programadores e

outros mais tarde, como Analistas de Sistemas” 13.

Na verdade, as pessoas cegas vêm pouco a pouco conquistando espaço na

sociedade, embora de forma ainda acanhada. Mas, é importante que sejam registrados

os primeiros atos de conquistas, tanto na educação quanto no mundo do trabalho.

Ressalta-se, ainda, que essas conquistas vêm acontecendo desde o advento da

bengala branca, da invenção do Sistema Braille, do Sorobã, da máquina de escrever para

cegos14, do gravador e, mais recentemente, da Informática e da Internet, acessada pelos

cegos através dos sintetizadores de vozes, como por exemplo, o Dos-Vox,15 que foi

inventado por um cego chamado Marcelo Pimentel e desenvolvido pelo professor José

Antonio dos Santos Borges, do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE), da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Todo esse aparato tecnológico trouxe ao cego maior independência, diminuindo,

sua dependência da ajuda de terceiros principalmente na realização das tarefas mais

simples da vida diária.

Ainda a respeito do cego e da sua inserção no mundo do trabalho, convém

lembrar que na década de 80 tiveram início os primeiros cursos de Operador de Câmara

Escura para Cegos, uma iniciativa do Instituto Benjamin Constant em parceria com o

13 - Vide Fontes, 1: p. 12. 14 - É um instrumento que permite a escrita em Braille, oferecendo vantagens como: poder ser lido imediatamente o que se escreve; rapidez na escrita; manejo do Braille com mais soltura, dentre outras. Esta máquina é composta por nove teclas, sendo seis para cada um dos signos que podem compor um caractere Braille; uma para espaçamento; outra de retrocesso e a última para mudança de linha, além de uma alavanca.

15 O Dos-Vox é um sistema para microcomputadores da linha PC que se comunica com o usuário através de síntese de voz, viabilizando, deste modo, o uso de computadores por deficientes visuais, que adquirem assim, um alto nível de independência no estudo e no trabalho (http://intervox.nce.ufrj.br/ (acessado em 10/Jun/2005).

66

Hospital Miguel Couto, nosocômio onde os alunos estagiaram. Muitos daqueles

“cursistas” ainda continuam trabalhando nessa profissão até os dias de hoje.

As últimas décadas do século XX testemunharam o desenvolvimento da

Informática, com a ampla difusão dos PCs. Conforme já citado anteriormente, o

desaparecimento de funções como alfaiate, sapateiro, fabricante de vassouras, dentre

outras, que eram exercidas artesanalmente por cegos, gerou, consequentemente, o

desemprego. Daí, segundo Cerqueira (2002) poder-se afirmar que “a tecnologia de um

lado, vem beneficiando os cegos e, de outro, vem tirando a oportunidade de empregos”

(Fontes, 1: p.13). Aliás como ocorre também com as pessoas que enxergam. Por isso, a

preocupação na capacitação continuada dos trabalhadores.

Quanto a essa questão do desemprego Cerqueira (2002) chamando a atenção

para aqueles deficientes visuais que “ficam na dependência de que a tecnologia os

atenda de forma satisfatória” 16. Por outro lado, é importante que seja sublinhado que

apesar da existência de um software17 capaz de acessar a Internet, de disponibilizar uma

conta bancária, de propiciar meios de alavancar desempenho intelectual, entre outras

facilidades, a realidade dos brasileiros, principalmente, a dos cegos é outra; pois, a

maioria da população nem sequer tem acesso ao computador (Lévy,1994). Sendo que

pouco mais de 8% está conectada à internet (Lyra, 2004).

Nesse caso, corroboramos com Cerqueira, uma vez que a tecnologia tem

beneficiado alguns com grande efetividade, mas, a grande maioria ainda fica a mercê de

uma educação eficaz e de novos recursos tecnológicos, sobretudo aqueles que residem

distante dos centros mais avançados, onde a eletricidade ainda não os beneficiou.

Ressaltou, ainda, a importância das pessoas cegas brasileiras, através de suas

16 - Vide Fontes, 1: p.13 17 - Referência feita ao Dos-Vox.

67

organizações, especialmente, manterem permanentes esforços no sentido de ser aplicado

os melhores recursos da tecnologia para:

A manutenção de todas as conquistas sociais já alcançadas pelas pessoas cegas;

O desenvolvimento de pesquisas com vistas à produção e adaptação de materiais;

A importação de recursos indispensáveis à educação, à saúde e ao desempenho

profissional das pessoas cegas, com isenção de taxas e impostas alfandegários;

A ampliação das oportunidades de trabalho e emprego para as pessoas cegas e

A melhoria do desempenho das pessoas cegas nos diferentes campos de atuação,

com vistas à redução de preconceitos que dificultam sua integração na sociedade.

A proposição do conferencista de os cegos lutarem por seus interesses de forma

organizada, sobretudo para a aquisição de materiais e equipamentos importados

utilizados na educação, na locomoção, em cirurgias em outras finalidades, não se

constitui em nenhum absurdo ou luxúria, principalmente, se os materiais importados

forem comparados com o que existe. Em face disso, declara Cerqueira (2002) que

“percebe-se o muito que há para fazer e como estamos ainda longe de alcançar esses

objetivos”. Por último sublinhou “na condição de egresso do IBC tenho a felicidade de

ter tido uma base de orientação segura, um espelho onde pude mirar para o lado bom,

para aquilo onde o cego pode desempenhar suas atividades com eficácia” (Fontes, 1: p.

13).

Relativamente à realidade educacional brasileira - a chamada escola inclusiva e a

escola especial - argumentou o conferencista que “elas não devem se confrontar, pois

são realidades que podem conviver perfeitamente” (Fontes, 1: pp. 13-14). Aliás,

corroborando com essa afirmação ressaltamos que o Instituto Benjamin Constant tem

um papel importante a desempenhar em qualquer que venha ser a proposta de educação

para cegos adotada no Brasil.

68

Ainda falando a respeito de inclusão o palestrante citou um trabalho, que foi por

ele traduzido, que encontrou em uma revista há alguns anos:

“Na Dinamarca, como todos os países do Mundo, a partir da década de 60, houve aquela ‘febre’ de colocar os alunos cegos na escola comum. O aluno cego passou a se mirar, a se espelhar apenas no colega que enxergava e, o colega que enxergava, geralmente pode alcançar melhor desempenho porque tem melhores recursos e os educadores notaram que o aluno deficiente não tinha aquela oportunidade de aprender com o outro que não vê: detalhes, recursos importantes para superar as dificuldades” (Fontes, 1: p. 14).

Outra colocação importante feita por Cerqueira (2002) foi sobre a convivência,

ao salientar que “os cegos na convivência com seus pares descobrem como resolver

determinados e pequenos problemas. Por outro lado, quando essa convivência é

exclusiva com as pessoas que enxergam isto nem sempre é possível” (Fontes, 1: p. 14).

Quanto a essa afirmação acreditamos que o conferencista esteja se referindo

aquelas situações que são comentadas com amigos mais próximos, no intuito de trocar

algumas experiências, que servirão como dicas ou alertas para realizá-las com sucesso

ou para não incorrer no mesmo erro.

Para encerrar o seu pronunciamento, Cerqueira enfatizou a importância do

encontro, sobretudo, para que o IBC tenha o retorno daquilo que fez ao longo de sua

história, podendo refletir sobre novas orientações a fim de balizar o seu trabalho.

Referindo-se, ainda, às escolas que têm entidades de ex-alunos muito fortes e,

em geral, sobrevivem para comemorar os anos passados; declarou que uma escola como

o Instituto Benjamin Constant deve sempre estar avaliando o seu trabalho para não

perder seu rumo.

E para finalizar, retornou ao tema da informática, confessando que “se não

utilizasse o computador, talvez só estivesse fazendo somente 30% do que estou

conseguindo realizar” (Fontes, 1: p. 14). Por fim, fez questão de sublinhar que apesar

69

da importância da informática não se deve desprezar o velho Sistema Braille porque

nada vai superá-lo, pois é o meio per si de leitura e de escrita do cego.

A respeito dessa afirmação de Cerqueira – sobre a influência da informática e a

importância do Braille para o cego – não se observa entre alunos do Instituto Benjamin

Constant qualquer tipo de competição, no sentido de aprender apenas uma dessas

tecnologias em detrimento da outra. Pelo contrário, o que se ver é a preocupação em

aprender ambas, iniciando pelo Sistema Braille.

A Conferência de abertura do Encontro, além de ter trazido à tona muitas

informações, possibilitou aos participantes momentos de ampla reflexão sobre suas

vidas desde a entrada no Instituto até o momento atual. Além disso, muitas questões

levantadas pelo conferencista nortearam as palestras e os debates que aconteceram em

seguida.

A segunda parte do encontro foi bastante proveitosa, porque as palestras e os

debates calcados nas experiências dos ex-alunos possibilitaram que fossem observados

as impressões e os sentimentos dos depoentes e agregá-los ao que estava sendo dito.

A partir daí, então, já nos foi possível “pinçar” algumas questões que apontaram

pistas orientadoras de investigação.

Foram palestrantes oito ex-alunos, que discorreram sobre suas vidas, abordando

desde o nascimento, a passagem pelo Instituto Benjamin Constant, a inclusão escolar, o

ingresso no mundo do trabalho, a vida social e o ser cidadão cego.

Assim, muitas declarações nos levaram a refletir sobre as dificuldades que os

cegos encontram para estudar, se locomover, traçar o perfil das pessoas, trabalhar,

construir sua própria identidade.... Uma dessas colocações foi feita por Nunez18, ao

narrar sobre a sua infância, rememorando suas percepções de então “(...) quando

18 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

70

criança e estávamos no Instituto, trazíamos de casa algumas crenças no sentido de

acreditar nas nossas limitações. Por exemplo, não conseguíamos fazer muitas coisas

que os nossos irmãozinhos e priminhos videntes conseguiam fazer” (Fontes, 1: p.15).

Observando as crianças cegas brincando nos pátios internos do IBC e, vendo-as

correr, inventar alguns jogos, como por exemplo, envolver uma bola com sacos

plásticos para melhor perceberem o som, notamos que as limitações referidas por

Nunes19 - que inclusive corroboram as observações de Cerqueira20 acerca da

importância da convivência entre pares - ocorrem apenas em ambiente onde as crianças

são discriminadas. Além disso, aquelas crenças trazidas do lar deixam de existir quando

todos são iguais, isto é, têm as mesmas dificuldades e, não obstante as dificuldades

conseguem brincar, fazer “bagunça”, estudar, ficar de castigo, tirar nota baixa, apanhar,

bater, namorar, zoar, quebrar as coisas, enfim, realizar todas as tarefas e travessuras que

uma criança vidente da mesma idade realiza.

Ainda a respeito da realização dessas tarefas e travessuras Neg21, outro

participante do congresso, em sua palestra, comentou que numa escola comum

certamente tais acontecimentos não ocorreriam, declarando: “durante os nove anos que

estudei no IBC me senti um aluno normal (...); já no Colégio Pedro II me sentia um

verdadeiro ‘OVNI’ ” (Fontes, 1: p.21).

Logo, é a partir da convivência com seus pares que a criança cega começa a

perceber que poderá ser uma criança “normal” e levar uma vida igual a das demais de

sua idade. E essa expectativa começa a ser concretizada quando tem notícia que seus

colegas - egressos do IBC – foram matriculados no ensino médio, freqüentaram a

19 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 20 Conferencista do I Encontro de Egressos do IBC, ocorrido em dezembro de 2002. 21 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

71

faculdade, concluíram seus cursos universitários ou outros de ensino técnico,

conseguiram empregos, se casaram, se mudaram para outros Estados e foram bem

sucedidos acadêmica, financeira, social e politicamente. Entretanto, convém ser

enfatizado que nem todos os ex-alunos conseguiram esse sucesso, até mesmo em função

da restrição das normas vitais impostas pela cegueira, na vigência de uma economia de

mercado como o atual.

Mesmo assim, os ex-alunos funcionam como exemplo vivo para aqueles que

ainda continuam na Instituição, principalmente porque o IBC permanece sendo o ponto

de encontro e de referência para muitos deles. Afinal, as lembranças dos longos anos

que ali passaram e as experiências vividas forjaram elos de ligação muito forte com a

Instituição.

Além disso, são pouquíssimos os lugares que o cego pode freqüentar

tranqüilamente e encontrar colegas para um bate-papo, isto é, ouvir e ser ouvido, sem

sofrer nenhuma discriminação.

Ao falar em freqüentar lugares, torna-se importante resgatar um depoimento

bastante interessante feito por Nunez22 relacionado com as possibilidades do cego se

locomover sozinho nas ruas. Disse ele: “quando os alunos concluem o Ensino

Fundamental no IBC saem com uma nova crença, diferente daquela quando iniciou no

Instituto; andam sozinhos, coisa que dificilmente seria permitido por seus familiares,

mesmo aqueles que são filhos de cegos” (Fontes, 1: p. 15).

Locomover-se sozinho é realmente um desafio e não é vencido ao acaso. Trata-

se de uma aprendizagem, calcada no direito de ir e vir - chamada de “Orientação e

Mobilidade” - que constitui uma técnica de locomoção autônoma com postura correta e

com a ajuda de uma bengala. Essa aprendizagem além de ser uma necessidade básica 22 Cognome de um aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

72

para a vida do cego, amplia a auto-estima, que se encontra bastante prejudicada, além de

contribuir sobremaneira para a independência, ajuste emocional e integração à

sociedade.

A criança cega que estuda na escola especializada sabe que todos os seus colegas

têm o mesmo problema que ela; logo, a sua dificuldade é comum a todos. Assim, não

existem diferenças, privilégios ou preconceitos. Os livros são iguais para todos, os

professores são especializados, enfim, as oportunidades são idênticas. Dessa forma, os

alunos novos aprendem também com os mais velhos. As experiências bem sucedidas

são repassadas e copiadas. Nesse sentido, Nunez23, em seu depoimento, resume bem o

processo compartilhado por todos quando afirma: “(...) se fulano pode fazer eu também

posso fazer” (Fontes, 1: p.15).

Os depoimentos foram bastante enriquecedores porque trouxeram informações

valorosas para a pesquisa, todas decorrentes de experiências variadas, como poderemos

constatar usando algumas citações retiradas dos pronunciamentos. Uma dessas

informações, por exemplo, diz respeito à necessidade que o cego tem de ser organizado

e se organizar. A primeira refere-se à organização pessoal: se o cego não consegue ser

organizado, a sua vida será uma tragédia. Ele será um eterno dependente, pois, não

sabendo onde estão suas coisas ficará perdido. A segunda é de cunho mais jurídico: é a

organização representativa, como forma de lutar pelos direitos e de se fazer representar

junto à sociedade, através de movimentos de cunho sócio-comunitário.

Nesse sentido, existe no Instituto Benjamin Constant um Grêmio Escolar; uma

Associação de Docentes; uma Associação de Servidores; uma Associação de

23 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

73

Professores Cegos e Amblíopes; uma Associação de Pais e Amigos do Reabilitando e

uma Associação de Ex-alunos.

Ao defender a necessidade dos deficientes terem representantes nas instâncias

federal, estadual e municipal Uai24 foi enfático porque, em sua opinião “(...) quem tem a

representatividade leva a melhor fatia, quem não a tem, quando consegue algo são

apenas farelos. Esta é a realidade.” (Fontes, 1: p.19).

Apesar da importância de se constituir uma entidade representativa para os

cegos, Nunez e Uai25 coadunam em afirmar a dificuldade que existe para se organizar

uma delas, tanto pela falta de recursos para a sua constituição e manutenção, quanto

pelo desinteresse das pessoas, motivado, segundo eles, pela falta de conhecimento sobre

a importância, as finalidades e as possibilidades dessas entidades.

Ainda falando da importância de uma entidade representativa bem estruturada,

Uai26 citou como exemplo, uma entidade em Minas Gerais, que ajudou a criar e que

“face ao trabalho organizado e coeso de todos os deficientes da sua cidade, o elegeu

vereador” (Fontes, 1: p.19). E foi durante o seu mandato que conseguiu a aprovação de

alguns projetos-leis como: passe livre; reservas de vagas na Lei de Diretrizes

Orçamentária (LDO); cursos de qualificação profissional para docentes; curso de

Braille; curso de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), além de distribuição de

equipamentos e materiais como: órteses, próteses, bengalas, muletas, cadeiras de rodas,

cadeiras de banho, dentre outros.

24 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 25 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 26 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

74

Por ser Uai27 o primeiro vereador cego de sua cidade e bastante atuante,

inclusive, com um programa de rádio, durante o debate muitas perguntas lhe foram

feitas. Dessas, escolhemos uma que consideramos importante para o nosso trabalho:

“(...) você teria tido o mesmo aproveitamento caso você estivesse estudado em uma

escola comum?” (Fontes, 1: p.19). Uai28 respondeu. “Acredito que não, mas pude

estudar no IBC, ter ido para o interior – retornado ao meu Estado – e, com a

experiência adquirida, tentado fazer alguma coisa para mudar isso” (Fontes, 1: p.19).

Tanto a pergunta quanto a resposta de Uai29 apontam para a característica de

compartilhamento entre escola especial e escola comum, com vistas à Educação para

Todos, que é a tônica da educação inclusiva. Desse modo a sua preocupação após ter

retornado ao seu Estado e ser eleito vereador, foi no sentido de viabilizar a capacitação

de recursos humanos para atuarem nas escolas comuns atendendo alunos com

necessidades educativas especiais. Atitudes idênticas têm ocorrido em muitos

municípios desde 1996. Nesse sentido, este pesquisador quando diretor-geral do

Instituto Benjamin Constant, promoveu vários cursos de capacitação objetivando a

educação inclusiva nas prefeituras de Petrópolis, Macaé, Campos, Angra dos Reis,

Teresópolis e, em outras prefeituras em Estados como Acre, Rondônia, Mato Grosso do

Sul, dentre outros.

Outro assunto abordado pelos palestrantes referiu-se às dificuldades que o cego

encontra para fazer um concurso público. Segundo eles, além da discriminação e da má

vontade, as provas não são transcritas para o Sistema Braille, restando apenas a opção

27 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 28 Idem. 29 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

75

da figura dos ledores30, que nesse caso, geralmente não têm o preparo adequado para

exercerem essa função, causando, conseqüentemente, enorme prejuízo ao sujeito que

está realizando a prova, conforme exemplifica Neg31: (...) pede-se ao ledor para ler o

artigo “x” do Código Civil; este código tem a lei de introdução e outras leis, chamadas

extravagantes, que o complementam. Ocorre o ledor ler outra lei e não aquela que foi

pedida. A essa altura já estamos nervosos e o tempo bastante escasso” (Fontes, 1:

p.22)”.

Realmente torna-se muito difícil realizar um prova na dependência de um

terceiro que a leia, que não sabe manuseá-la ou encontrar o que se pede.

Esses erros são percebidos porque os cegos que se submetem a esses concursos,

geralmente, têm noção de onde se encontram as respostas, principalmente na área de

direito. Com raras exceções, esse é o quadro que o cego encontra quando se inscreve

para fazer um concurso.

No Rio de Janeiro, nos casos onde há provas transcritas para o Sistema Braille,

geralmente elas o são pelo IBC ou por pessoas ligadas à instituição. Entretanto, a

problemática continua, pois, geralmente as transcrições são solicitadas em prazo muito

curto, como por exemplo, na véspera do concurso. Além disso, há, ainda, a questão do

sigilo que impede que os transcritores e revisores se ausentem do local da transcrição

até que a prova seja realizada.

Por mais que os governos se empenhem para que todas as crianças em idade

escolar estejam freqüentando a escola, ainda se encontram crianças que não a

freqüentam, principalmente, as deficientes, só o fazendo em idade mais avançada, como

foi o caso de alguns alunos egressos que foram alfabetizados em idades diferentes de

30 Pessoas voluntárias que lêem para os cegos. 31 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

76

seus colegas, de forma que concluíram o ensino fundamental bem mais velhos, como

pode ser visto no gráfico 9.

Também foi observado que alguns alunos com idade diferente de seus colegas

de turma, pensavam e agiam de forma diversa, exatamente por destoarem do grupo. É

mais fácil de se compreender o problema, se pensarmos, por exemplo, nas aulas de

educação física, nas quais numa mesma turma co-existem alunos com idades, pesos e

estatura bastante díspares, exigindo do professor estratégias personalizadas para que

todos participem das aulas.

Gráfico 9 – Conclusão do Ensino Fundamental pela menor e maior idade.

Discriminação da conclusão da 8ª série pela menor e maior idade

0

10

20

30

1985

1986

1987

1988

1989

1990

ano de conclusão

idad

e de

con

clus

ão

mais novomais velho

Discriminação da conclusão da 8ª série pela menor e maior idade

0

10

20

30

1985

1986

1987

1988

1989

1990

ano de conclusão

idad

e de

con

clus

ão

mais novomais velho

Nos anos 1985 a 1989 os alunos que concluíram a 8ª série com a idade menor

estavam com 16 anos e em 1990 com 15 anos. Os que concluíram com a idade mais

avançada em 1985 apresentavam 24 anos; em 1986 e 1989 com 23 anos; 1987 e

1990com 21 anos e em 1988 com 22 anos.

Também foi observado que alguns alunos com idade diferente de seus colegas

de turma, pensavam e agiam de forma diversa, exatamente por destoarem do grupo. É

mais fácil de se compreender o problema, se pensarmos, por exemplo, nas aulas de

77

educação física, nas quais numa mesma turma co-existem alunos com idade, peso e

estatura bastante díspares, exigindo do professor estratégias personalizadas para que

todos participem das aulas.

A matrícula de alunos nas Classes de Alfabetização do IBC aos 14 anos de

idade, tem acontecido por algumas razões como, por exemplo, a falta de informação às

famílias da existência de escolas que estejam preparadas para atender alunos cegos. Isso

ocorre mesmo em localidades aonde a informação chega com maior facilidade, como

por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro. Imaginem então a situação de outros Estados

onde a informação inexiste ou está bastante defasada. Nesse sentido, Rasec32 assim se

expressa: “fiquei cego aos 12 anos e não sabia que existiam outras pessoas cegas e

escola para cegos, só tomando conhecimento disso quando entrei para o Instituto

Benjamin Constant” (Fontes, 1: p.25).

Relativamente à integração e a participação mais efetiva na sociedade, Rasec33

esclarece que “a questão do preconceito talvez seja mais pela falta de informação a

respeito do que o cego seja capaz de realizar do que o não querer aproximar-se do

cego” (Fontes, 1: p.25). Cita por exemplo, a questão de ser pobre e negro, que no seu

caso específico, pesam mais do que a própria cegueira. De acordo com ele, para sua

sorte, conseguiu estudar no IBC, driblar a questão de ser negro, continuar seus estudos,

concluir um curso superior, ter um emprego e, hoje em dia, uma situação mais ou

menos equilibrada, mesmo porque, como ele mesmo aponta, são raras as pessoas que

estejam totalmente bem no Brasil.

32 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 33 Idem

78

Assim como outros cegos, Rasec34 tem desempenhado função como presidente

de associações e clubes esportivos e no início do próximo ano assumirá a presidência do

Rotary Clube de sua cidade, justamente num ano em que o Rotary Internacional estará

privilegiando as diferenças: “O presidente internacional será um nigeriano, um negro;

a governadora distrital será uma mulher e eu, escolhido presidente do Rotary de uma

cidadezinha do interior do Estado do Rio de Janeiro” (Fontes, 1: p.25).

Relativamente às escolas comuns ou inclusivas, comenta Rasec35, também

professor e fonoaudiólogo, “que os professores não estão preparados para trabalhar

com 30 alunos ditos normais, quanto mais com alunos que apresentam problemas de

visão, de audição, mental e outros. O professor fica ‘louco’ e não está preparado para

isso” (Fontes, 1: p.26). A respeito desse assunto, Nunez, Azous, Neg e Rasec,36 são

unânimes em declarar que “não são contra cegos estudarem em escolas comuns –

inclusão escolar, como se fala – apenas não concordam com as escolas comuns

receberem alunos deficientes sem estarem devidamente aparelhadas para tal” (Fontes,

1: pp. 18, 21 e 25).

A questão da inclusão referida por Rasec e outros palestrantes37 que

participaram do I Encontro de Egressos, nos remete a algumas experiências escolares

declaradas como sendo inclusivas e que exigem uma análise cuidadosa de algumas

práticas pedagógicas vistas como inclusiva, pois podem estar associadas a alguns

problemas que podem causar profundos equívocos. Analisando alguns desses discursos

sobre as práticas pedagógicas inclusivas, Omote (2004) declara a sua inquietação, pois,

34 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 35 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 36Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 37 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

79

“em algumas situações, a experiência escolar é referida como inclusão em função da

presença de algum aluno deficiente em classe comum, ainda que este realize

solitariamente alguma atividade diferenciada do resto da classe” (p.5).

Conforme coloca esse autor a mera inserção do aluno deficiente em classe

comum não pode ser confundida com a inclusão. Na verdade, todas as escolas precisam

ter caráter inclusivo nas suas características e no funcionamento para que nelas sejam

matriculados e acolhidos alunos com necessidades especiais.

Esses depoimentos não ocorreram simplesmente ao acaso, foram resultantes da

convivência desses ex-alunos em escolas do ensino médio e superior, não

especializadas, nas quais se inseriram após a saída do IBC. Concluem que o êxito

alcançado em suas vidas acadêmicas deveu-se ao esforço de alguns colegas, de

familiares e da ajuda de ledores recrutados no Instituto Benjamin Constant.

Fazendo parte do I Encontro de Egressos do IBC outros ex-alunos como Enaile,

Soram, Terag e Aram,38 contribuíram com a pesquisa falando sobre o primeiro

emprego. Assim, ouvimos de Enaile39 que começou a trabalhar como massagista, e

“após alguns anos fui dispensada, o que gerou grande desânimo, não tendo, portanto,

mais vontade para procurar outro emprego” (Fontes, 1: p. 28). Casou-se em seguida,

tornando-se mãe de um garoto que atualmente está com seis anos. O segundo egresso,

Soram40, tem baixa visão e sua experiência de trabalho foi, no início, muito difícil, pois,

sua função exigia rapidez e muita atenção, além de ser do tipo competitivo, ou seja,

outros funcionários também estavam na disputa do cargo, de forma que constantemente

faziam cursos de reciclagens. Mesmo assim, informa que “me adaptei rápido e

38 Cognomes de alunos egressos do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 39 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 40 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant.

80

realizava as tarefas que me eram exigidas com bastante desenvoltura” (Fontes, 1: p.

28).

O terceiro egresso, Terag41 esclareceu que passou por vários empregos e alertou

que a maior dificuldade para se conseguir o primeiro emprego reside em; “por onde

começar e por onde procurar” (Fontes, 1: p.29). O último ex-aluno Aram42 confessou

que ainda não havia debutado no seu primeiro emprego, pois, realizou alguns concursos

para a área da saúde, porém não conseguindo classificar-se.

A questão do trabalho para as pessoas com necessidades especiais está amparada

em legislações como a Constituição Federal/1988, no Art. 7º, inciso XXXI, que assim

preceitua: “Proibição de qualquer discriminação no tocante a salário ou critérios de

admissão do trabalhador portador de deficiência” e Art. 37, inciso VIII, que

determina: “A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas

portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

Existe ainda a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que impõe que a União

reserve, em seus concursos, até 20% das vagas a portadores de deficiência; havendo

iniciativas semelhantes nos Estatutos Estaduais e Municipais para o regime de

servidores públicos. O Artigo 203, inciso V dessa mesma lei, dispõe que os deficientes e

idosos incapazes de se manter pelo próprio trabalho ou por auxílio da família, terão

direito a uma renda mensal vitalícia equivalente a um Salário-Mínimo (Regulamentado

pela Lei 8.742Artigo 20, de 7 de dezembro de 1993). A Lei 8.213, de 24 de julho de

1991, trata em seu artigo 93 da obrigação das empresas com 100 (cem) ou mais

empregado, de preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou

pessoas portadoras de deficiência, conforme o número de empregados.

41 Cognome de aluno egresso do IBC. Palestra realizada no I Encontro de Egressos do IBC em dezembro de 2002, no teatro do Instituto Benjamin Constant. 42 Idem.

81

Em que pese a existência desses dispositivos legais, muitos problemas têm sido

encontrados na prática para o seu cumprimento. É o caso, por exemplo, das contratações

feitas pela Administração Pública cujo maior empecilho é o critério médico43, que na

maioria dos editais, acaba funcionando como barreira intransponível. Os médicos

tendem a vetar a contratação argumentando que a deficiência é incompatível com a

função.

Outra problemática que ronda a questão do emprego é a falta de qualificação

profissional do cego, que não pode ser analisada fora de um contexto histórico de uma

sociedade que durante séculos discriminou e alijou o deficiente.

Em suma, a principal dificuldade para que uma contratação se concretize é ainda

a falta de informação sobre a potencialidade dos deficientes, o que gera o preconceito44.

Após as falas dos palestrantes passou-se aos resultados dos dois grupos de

trabalhos cujas temáticas foram: trabalho e educação.

O grupo que discutiu o tema trabalho apresentou três sugestões, que foram

levadas à plenária e que após as discussões tomaram as seguintes configurações:

1ª situação: O IBC deveria ao invés de preparar cursos antes de saber o que está

acontecendo em termos de demanda, levantar as necessidades que os empregadores têm

e estudá-las, avaliá-las e após, preparar os cursos. Depois que os alunos fossem

qualificados, seriam encaminhados aos empresários.

Atualmente os cursos são realizados antes de se conhecer se o mercado está

precisando deles. É o caso, por exemplo, do tele marketing no qual sempre é possível

arrumar um emprego, mas, no que tange outras profissões é necessário levantar a

demanda antes de se realizar o curso.

43 - http://www.deficiente.com.br/imprimir-artigo-149.html-19k (acessado em 12/06/2005). 44 - http://www.deficiente.com.br/imprimir-artigo-711.html.13k (acessado em 12/06/2005).

82

Outra preocupação levantada foi a necessidade de ser feito um cadastro daqueles

que concluírem os cursos. Enfim, as instituições que preparam o profissional cego

precisam estar de acordo com a demanda.

2ª situação: Seria interessante que fossem realizadas palestras junto aos

empresários, no intuito de mudar a imagem do “ceguinho” que fica pedindo esmola na

porta da igreja. Há que mudar essa imagem, para a de uma pessoa positiva e produtiva,

pois as empresas quando empregam, procuram pessoas com menos impedimentos e que

produzam muito e suficientemente.

3ª situação: Mostrar aos empresários os profissionais cegos que já estão no

mercado de trabalho, para que eles possam demonstrar que são bem aceitos e que

realizam um trabalho de boa qualidade técnica e, de preferência, obter das empresas

algum tipo de declaração de que eles são funcionários producentes e que geram lucros.

Finalmente, demonstrar que é realmente um bom negócio empregar um deficiente

visual, não porque o empresário é humano, mas, sobretudo, porque o funcionário é

competente.

Finalmente a 4ª sugestão foi: as empresas que conseguem o certificado da

International Organization for Standardization (ISO)45, que são prêmios, certificações,

qualificações recebidas como selo de garantia de qualidade, por exemplo, por não

agredir o meio-ambiente, por transformar aquilo que pode ser lixo em material

industrial para o consumo, dentre outras atividades, pudessem incluir nesses itens, o

emprego de pessoas deficientes, valendo como pontuação para receber o certificado.

O grupo que discutiu o tema educação, seguiu o mesmo procedimento adotado

para o tema anterior e apresentou as seguintes sugestões:

45 - ISO (Organização Internacional para Normatização) localizada em Genebra, Suíça, tem como proposta desenvolver e promover normas que traduzam o consenso dos diferentes países do mundo de forma a facilitar o comércio internacional.

83

1ª - Em toda a cidade pólo regional46 deverá ser implantado um centro para

deficientes, a exemplo da cidade de Barbacena, Minas Gerais.

2ª – Em todo curso médio e superior deverá ser implantado na grade

curricular/carga horária, uma disciplina sobre educação especial.

Ex: Em algumas escolas particulares já existe essa preocupação. O que se quer é

que o profissional saiba como lidar com o deficiente.

3ª – Transcrever todo o material do Ministério da Educação (MEC) para o

Sistema Braille, repassando-o para todos os municípios.

4ª – Que seja comunicado às escolas que elas podem solicitar os livros que estão

disponíveis.

5ª – Que todos os ex-alunos sejam multiplicadores de experiências, para que

sirvam de suporte de políticas de educação, realizando encontros anuais, nos quais essas

trocas de experiências aconteçam.

6ª – Que seja criada uma política nacional para a aquisição de computadores

para deficientes visuais.

7ª – Verificar quais empresas podem baratear o preço do computador.

Algumas das sugestões apontadas pelo grupo já estão sendo postas em práticas,

como é o caso da distribuição de livros em Braille para escolas públicas do Ensino

Fundamental; entretanto, a transcrição de todo o material do Ministério da Educação

para o Sistema Braille é uma tarefa impossível, pelo menos nas condições de

transcrições atuais. Quanto às demais sugestões, tanto do grupo de trabalho quanto do

educacional, merecem que sejam analisadas individualmente e postas em prática ou por

meio de políticas públicas específicas ou de ações criadas pelo Ministério da Educação

e de outros que estejam interessados. 46 - Programa de atendimento a pessoas com necessidades especiais, que concentra sua base em uma cidade que congrega outras menores de uma mesma região, considerando: localização geográfica; densidade demográfica; infra-estrutura urbana e acessibilidade.

84

Além das sugestões que foram apontadas, acreditamos que inicialmente seria

importante sensibilizar a sociedade, como um todo, a fim de que ela possa conhecer o

potencial do deficiente visual a fim de aceitá-lo sem preconceitos.

2º Momento: Respostas

Esta parte do capítulo trata de análise das respostas às perguntas que foram

enviadas aos egressos logo após a realização do Encontro.

Inicialmente queremos ressaltar que perguntas desse teor, respondidas por

pessoas cegas que realmente vivenciaram as situações que são colocadas, se constituem

num verdadeiro testemunho.

Analisando as respostas recebidas podemos perceber que elas refletem a visão

dos egressos a partir de suas estadas no Instituto Benjamin Constant, de suas passagens

pelo ensino médio e pela universidade, da qualificação profissional e da árdua luta pelos

concursos, com vistas ao primeiro emprego.

O conjunto de perguntas foi, conforme já dito:

- Como você se sente numa sociedade exclusiva?

- O que é viver com o estigma da cegueira?

- Como foi a sua adolescência?

- O que é ser jovem e cego, tentando entrar para a escola ou para a universidade?

- Como o jovem cego é recebido em seu primeiro emprego?

- O que é ser cidadão cego?

4.1 - O sentir-se cego numa sociedade exclusiva

Ao falarmos em exclusão certamente estamos falando em discriminação,

isolamento social, impedimento, desigualdade, diferença... Assim, para muitas crianças

85

e jovens, ter uma deficiência significa crescer numa sociedade de rejeição e de exclusão

de certas experiências que fazem parte do desenvolvimento normal. Além disso, essa

situação pode ser agravada pela atitude e conduta inadequadas da família e da

comunidade.

Analisando as respostas da primeira pergunta que é voltada para a exclusão,

notamos que os egressos têm pontos de vista diferentes com relação ao tema, isto é:

enquanto a grande maioria entende que é excluída, alguns declaram que não são

discriminados e outros poucos que são mais ou menos discriminados. Dessa forma

encontramos alguns depoimentos como, por exemplo, o de Iv47.

“Sinto-me numa eterna batalha, pois todo o dia preciso enfrentar uma sociedade que me trata com extrema diferença por mais que eu leve uma vida normal, pois, sou dona de casa, mãe, trabalho e freqüento lugares como teatros, cinemas e supermercados. Outra coisa que mostra o quanto a sociedade é exclusiva, é o fato das ruas estarem cheias de obstáculos nas calçadas, os avisos importantes nunca estarem em Braille e a falta de informação das pessoas sobre como lidar com o diferente” (Fontes, 1: p.36)

Na concepção de Iv48, a sociedade não deveria tratá-la de forma diferenciada

uma vez que ela leva uma vida normal. Aliás, é muito difícil determinar o que é uma

vida normal, pois pode variar de civilização para civilização, de sociedade para

sociedade e de época para época.

Muitos egressos expressaram que é meio complicado conviver com a exclusão.

Aliás, o ser humano não pode viver isolado, pois ele é um ser social e já nasce no seio

de um grupo social – a família. Assim, para não ficar excluído, declara San49 que é

importante “explorar tudo aquilo que tem capacidade de fazer e lutar pelo seu espaço”

47 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 48 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 49 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC

86

(Fontes, 1: p.36). Enquanto isso, Apa50 revela que se sente frustrada e um pouco

decepcionada e, “à medida que o tempo passa há um processo evolutivo de degradação

do ser humano”. Conclui que o sistema não pode funcionar se as células estão doentes,

por isso, “não há como visualizar uma sociedade mais justa, igualitária e,

verdadeiramente, formada de seres humanos” (Fontes, 1: p.36).

Embora alguns sejam unânimes em afirmar que a exclusão e a discriminação são

decorrentes da falta de informação de como lidar com as pessoas com deficiência (And,

Mar, Margth, Maroo, Alunf, Lups, Wisf, Apor e Crima)51, outros como Ricas e

Marbo52 afirmam que “viver em sociedade excludente significa que a cada dia o

deficiente deve mostrar que pode e que é capaz de fazer e conseguir muitas coisas”(

Fontes, 1: pp.36-37). Apesar disso, alertam que o deficiente deve estar preparado para

que a sociedade duvide dele. Por último, Ricas53 chama a atenção que mesmo no IBC

“(...), grande parte dos funcionários não acredita no próprio trabalho, notando-se

grande falta de respeito, além de muita desinformação em relação à pessoa portadora

de deficiência” (Fontes, 1: p.36).

Outros egressos confirmam a falta de informação da sociedade, em relação às

possibilidades das pessoas cegas. Foi o caso, por exemplo, do que aconteceu com Ales

54 - “eu me encontrava na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, quando, de repente,

uma senhora me deu 10 reais, pensando que eu estava pedindo esmolas, quando na

verdade, me encontrava naquele local a trabalho” (Fontes, 1: p.37) e com Nunez55

50 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 51 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 52 52 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 53 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 54 Idem. 55 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

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“quando cheguei à escola comum, no ensino médio, parecia ser o ET da escola: todos

queriam saber como eu lia, como eu escrevia, como eu comia, dentre outras

curiosidades” (Fontes, 1: p: 16). Já na opinião de Apipe56 o mundo foi desenvolvido

para a maioria e não para a minoria e, isso pode ser observado em lugares e situações

diversas como: no trabalho, na condução, nas boates, dentre outros locais.

Além disso, as pessoas não sabem como abordar o deficiente, daí, a intervenção

ao invés de ajudar, prejudica. Mahef e Camag57 informam que algumas pessoas

“tratam os deficientes com indiferença” (Fontes, 1: pp. 37-38), havendo, inclusive,

momento em que é preciso omitir a deficiência, e, em outro, a necessidade de que essa

deficiência seja declarada de forma agressiva, para mostrar a verdade. Citam como

exemplo, algumas situações que os deficientes passam ao tentar embarcar em alguns

ônibus quando estes param nos pontos.

Darod e Paghel58 afirmam que em relação ao termo exclusão “crêem que no

sentido sociológico, é difícil alguém viver sem nunca ser em algum momento da vida

excluído”. Pode ser em uma festa, por não ter sido convidado, em um coral por não ter

voz, por exemplo. Por último, afirmou “que a exclusão é algo que machuca” (Fontes,

1: p.38), mas, seja ela qual for, é necessário aprender a conviver com ela porque,

segundo eles, na verdade trata-se de um produto de nós mesmos. (Fontes, 1: p.38).

Também Acriz59 expressa que “sentir-se excluído é como sentir-se diminuído” (Fontes,

1: p. 39). De acordo com ele as pessoas querem decidir tudo pelo excluído: suas

necessidades e possibilidades, achando que sabem o que é melhor para eles. Entretanto,

“às vezes a gente sente a necessidade de se impor” (Fontes, 1: p.39). 56 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 57 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 58 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 59 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

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Segundo Lowenfeld (1974) “muitos adolescentes cegos superam seus problemas

porque a força do seu ego se eleva com base em passadas experiências, de forma que

possam suportar desilusões ocasionais” (p.44). Nesse caso, professores, pais e amigos

podem contribuir bastante para ajudar ao adolescente cego. Entretanto, essa atenção não

deve ser revestida de piedade ou de auto-proteção, a fim de não interferir na sua

evolução.

Quanto a algumas reações apresentadas por alguns cegos, Lowenfeld (1974)

comenta que a personalidade é a organização psicofísica do indivíduo modificada pelas

experiências vividas e, influenciadas pela genética e pelo ambiente. Assim, “o efeito que

a cegueira pode ter sobre a personalidade, relaciona-se a impedimentos que indicam as

posições extremas que os cegos tomam sobre este problema” (p. 48). Ainda a respeito

desse assunto, Cobo e colaboradores (2003) comentam que,

“centrando o tema nas pessoas cegas, pode-se afirmar que não se encontra elementos que permitam falar na existência de uma personalidade do cego (...). A cegueira é um complexo de situações variáveis que reduz a capacidade de reunir informações, tornando a pessoa insensível à maior fonte de conteúdo informativo, o que logicamente afeta seu comportamento, reduzindo-o a um ambiente social diferente do da pessoa vidente” (pp. 118-119).

Falando ainda sobre as necessidades dos cegos Lowenfeld (1974) assim se

pronuncia: “Em termos essenciais, a tese é de que os cegos como grupo, são

mentalmente competentes, psicologicamente estável e socialmente adaptáveis, e que

suas necessidades são, portanto, as mesmas das pessoas comuns que têm uma

desvantagem física e social” (p. 49). Outro depoimento, o de Durv60, sublinha que “a

sociedade é interesseira, e por isso, exclui todos aqueles que em seu conceito nada têm

a oferecer” (Fontes, 1: p. 38). Logo, de acordo com esse pressuposto, não importa se a

pessoa é cega, surda ou aleijada, o que importa é o que ela pode dar a sociedade. Prova

60 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

89

disso é que se podem ver nas sarjetas das ruas das grandes cidades pessoas abandonadas

porque não conseguem oferecer o que a sociedade espera deles.

Fazendo um contraponto na sua fala, Durv61 ainda declara que se considera

perfeitamente incluído; um cidadão, não só por ter o título de eleitor, mas, sobretudo,

por conseguir oferecer algo a esta estrutura de certa forma perversa. A mola desta

inclusão, afirma “foi a educação formal, mesmo que não tenha sido só ela, mas, sem

ela, nada seria feito” (Fontes, 1: p.38). Afinal, o quê seria um cego sem estudo?

Segundo ele, provavelmente nada; “ainda mais quem não tem talento para a música ou

para o comércio como é o meu caso” (Fontes, 1: p.38). No entanto, assevera que se

encontra num grupo privilegiado, pelo menos é o que mostram as estatísticas, e não só

entre os deficientes ou o seguimento específico dos cegos, mas, entre a população em

geral, já que tem nível superior completo, um emprego garantido e chance de subir mais

degraus se a acomodação permitir. Mesmo assim, devido ao estigma da cegueira, diz:

“eu tenho que matar um leão diariamente” (Fontes, 1: p.38).

Finalmente Alden62 esclarece que até a presente data, não teve grandes

problemas quanto à condição de excluído; assegura ainda que por onde passa sempre

encontra um jeito de não se fazer excluído, porém, “entendo que os próprios excluídos

têm uma grande parcela de contribuição; pois a sociedade não exclui quem lhe é caro,

quem se mostra útil” (Fontes, 1: p. 39).

O discurso educacional em diversos momentos da história tem se caracterizado

por difundir ideologia, camuflando e mistificando a realidade. Nesse sentido esclarece

61 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 62 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

90

Laplane (2004) que ”a construção de uma sociedade integradora, por sua vez, somente

será possível se a integração se efetivar em todos os âmbitos da vida social” ( p. 15).

Contudo, para que isso ocorra faz-se necessário que não só a educação, mas, a

cultura, a saúde, a economia se façam sentir entre os grupos considerados excluídos.

Isto porque a possibilidade da não exclusão, ou seja, da integração, depende de uma

contenda que defina as tomadas de decisão sobre as questões que afetam a vida de toda

a sociedade e, em última instância, dos interesses públicos e econômicos que

prevalecem nessas decisões. Dependendo, portanto, da convicção, do compromisso e da

boa vontade de todos os indivíduos que integram a sociedade, conforme afirma Laplane

(2004).

Segundo ainda esse autor, se realmente desejamos uma sociedade justa e

igualitária, na qual todas as pessoas tenham valores iguais e direitos iguais, “precisamos

reavaliar a maneira como operamos em nossas escolas, para proporcionar aos alunos

com deficiência as oportunidades e habilidades para participar da nova sociedade que

está surgindo” ( p. 16).

Essa é uma questão bastante preocupante porque a educação, como qualquer

política social, é também fruto de luta da sociedade organizada. E não há como entender

o movimento de luta desvinculado do movimento da sociedade (Kassar, 2004).

Por outro lado, convém lembrar que a sociedade é excludente e desrespeita os

mais básicos direitos humanos a cada segundo. Dessa forma, a exclusão social se torna

evidente quando verificamos o número de pessoas em nosso país que vive abaixo da

linha da pobreza, assim como a exclusão escolar observada no índice de evasão escolar

e nas repetências.

Fato é que se vive a exclusão e se fala da inclusão em um mundo cuja lógica é o

capitalismo, em uma configuração denominada globalização e neoliberalismo. Os

91

conceitos de exclusão e de inclusão social não se configuram, porém, da mesma forma.

De acordo com Dupas (2000) ”a percepção de que a exclusão social está se agravando

com a dinâmica capitalista começou a se configurar quando os índices de desemprego

e marginalidade cresceram significativamente na França e na Alemanha” (p.9). No

Brasil, a dramática urbanização que vem acontecendo desde a segunda metade do

século XX gerou pobreza, inclusive nas cidades médias e pequenas, deteriorando,

precarizando a qualidade do trabalho e os esquemas de proteção social (Dumas, 2000).

Daí, portanto, “a visão dos egressos” oriunda de locus como o lar, a família, a

escola, o trabalho, a rua, dentre outros, é materializada em preconceito, exclusão,

discriminação, piedade e filantropia, no lugar do exercício dos direitos e deveres.

4.2 - viver com o estigma da cegueira.

Uma das marcas mais graves no processo de exclusão - que atinge diretamente a

pessoa deficiente, no nosso caso o cego – é a rotulação. Conforme colocam Paula Nunes

e colaboradores (1998), “uma vez rotulada a deficiência, todas as atitudes da pessoa

que foi rotulada, assim como sua expressão de subjetividade passam a ser vistas a

partir do referencial de “anormalidade”, isto é, o que ele fizer ou dizer será

considerado como um exemplo das supostas características do seu quadro patológico”

(p. 89).

Quanto a essa “marca” Goffman (1998) já informava que os gregos, que tinham

bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para se referirem

aos sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de

extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava.

92

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo

profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de

relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a

normalidade de outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem horroroso nem desonroso.

Aliás, essa discussão envolvendo o cego e a sociedade nos remete a uma frase de

Canguilhem (2002) que fala da diferença entre um organismo e a sociedade. Segundo

este autor “no caso do organismo, o terapeuta dos males sabe, de antemão e sem

hesitação, qual é o estado normal que deve ser instituído, ao passo que no caso da

sociedade, ele o ignora” (p. 231).

Relativamente a esse assunto, nada melhor que as respostas à pergunta feita aos

ex-alunos cegos do IBC que participaram do I Encontro de Egressos naquele Instituto

em 2002 e que convivem diariamente com essa “marca” e, de certa forma, corroboram a

assertiva de Canguilhem.

Margth63 declara que conviver com o estigma da cegueira, “é saber que a maior

parte das pessoas que cercam os cegos não os percebem como pessoas e quando

percebem, muitas das vezes, vêm primeiro a deficiência visual” (Fontes, 1: p. 40). Para

superar isso, expressa San64 “é preciso personalidade e coragem e, nesse ponto, o

apoio familiar é de grande importância” (Fontes, 1: p. 39).

Já outros depoentes como JJ, CGRoc, Cama, Apipe, Joaf, Wisf 65esclarecem

que a questão do estigma passa pelo despreparo das pessoas e pelo juízo que fazem a

respeito de suas possibilidades, embora Sisori66 defenda que “isso somente acontece

porque o próprio deficiente permite” (Fontes, 1: p. 41). Cabe, portanto, também ao 63 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 64 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 65 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 66 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

93

deficiente lutar e mostrar que tudo isso passa pela falta de conhecimento e, ser cego,

conforme diz Marbo67, “é ter um único impedimento que é não poder enxergar”

(Fontes, 1: p. 41).

Embora se tenha a impressão que o cego seja mais estigmatizado que o

indivíduo de baixa visão, Alunf, Gifen e Emsosi68, todos de baixa visão, afirmam que

essa condição é ainda mais complicada, pois, “por não serem cegos e por não usarem

bengalas, algumas vezes são taxados de mentirosos, por pensarem que estejam

querendo levar vantagem em alguma situação” (Fontes, 1: pp. 41-43).

Daí, ser constrangedor e hilário, ao mesmo tempo, conforme comenta Camag69.

Por outro lado, informa Emsosi70 que quando se encontra sozinho, as pessoas lhe tratam

normalmente, mas quando está em companhia de outros deficientes visuais é tratado

como tratam todos. Daí a sua dúvida: “será que sou eu ou os outros que carregam esse

estigma?” (Fontes, 1: p. 43). Cita como exemplo, o que lhe aconteceu num determinado

banco: “(...) algumas pessoas vieram pegar no meu braço para me ajudar e, acredito

que isto só aconteceu porque eu estava com mais dois colegas. Se estivesse sozinho,

certamente isso não teria acontecido” (Fontes, 1: p. 43).

Também Apa71 desabafa que viver com esse estigma “é quebrar uma pedreira e

matar vários leões diariamente” (Fontes, 1: p. 39), a fim de tentar provar que o único

sentido que lhe falta é a visão. Ainda no seu depoimento, desabafa: “quando me

manifesto mais efusivamente, percebo que isso gera algo no sentido de que minha

opinião não deva ser levada muito em consideração, porque a cegueira provoca revolta 67 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 68 Alunos egressos do IBC (1985-1990)-resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 69 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 70 70 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – respostas ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 71Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

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e amargura” (Fontes, 1: p. 40). Mais difícil, ainda, é que “não consigo esclarecer que

não sou revoltada; apenas possuo um temperamento forte, o qual independe de ser

cega ou não.” (Fontes, 1: p. 40). Apesar de tudo isso, afirma Apa72 que não se curvará

perante esses argumentos, pois, se assim o fizer, “perderei todo meu referencial de

indivíduo que faz parte desse complexo sistema que é o das relações humanas” Fontes,

1: (p. 40). Todavia, sempre que consegue, tenta esclarecer que se encontra aberta para

conversas, troca de idéias e experiências, desde que, obviamente, as suas idéias sejam

respeitadas.

A metáfora utilizada por Apa 73 - matar vários leões diariamente -, segundo

Oliveira (2004) entende-se que ela possua qualidades que se evidenciam neste animal, a

saber: a força, a coragem e assim por diante. E este entendimento tende a ser o mesmo

em qualquer sociedade, bastando para isso que os seus membros saibam o que seja um

leão no sentido literal da palavra.

Por outro lado, Apa, Lups, Iv e Patghel74 narram algumas situações nas quais as

pessoas os tratam ou com admiração, com carinho, com rejeição ou com pena, como se

eles fossem dignos somente de piedade. Outro fato até engraçado é que as pessoas, na

tentativa de ajudá-los, gritam bastante como se eles fossem surdos e até se utilizam de

interlocutores para se informar de uma possível necessidade básica possam ter.

And, Ricas, Ales e Fils75 explicam que ainda hoje, em pleno século XXI, a

cegueira é algo que tende a afastar e isolar as pessoas, por mais que se tente levar uma

vida ‘normal’, “porque as pessoas já nos abordam com uma idéia preconcebida”

(Fontes, 1: pp. 40-42). Desse modo, o cego tem que tentar uma aproximação, para que 72 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 73 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 74 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 75 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

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não fique completamente isolado da sociedade. Felizmente, em muitos casos,

esclarecem que pode haver uma integração; porém, dificilmente essa integração será

total, porque a primeira coisa que vem à mente das pessoas é: “fulano é cego” (Fontes,

1: pp. 40-42).

Ainda falando a respeito dos estigmas Darod76 assim se pronuncia: “a sociedade

tende a classificar os indivíduos em categorias, grupos, e outros. Logo, esse termo

varia de sentido de acordo com a evolução dos costumes, crenças e das tradições de um

povo” (Fontes, 1: p. 42). Por vezes, os estigmas associados a um determinado grupo

podem o colocar em uma situação desfavorável em relação aos demais, pelos menos

aparentemente. No entanto, quando se tem a convicção do que se é realmente e das

limitações que a deficiência impõe: “os estigmas sociais passam a ter um peso muito

menor na vida das pessoas deficientes”. (Fontes, 1: p. 42).

Parece que as pessoas não foram ensinadas a tratar os deficientes como iguais.

Prova disso, são as expressões que Patghel77 escuta quando sai à rua: “(...) olha lá a

ceguinha! Ela é cega, mas é bonita. Oh! Ela sabe fazer isso. Deus fecha uma porta mais

abre uma janela” (Fontes, 1: p. 42). Enfim, perante a sociedade conforme afirma, “nós

somos vistos como ‘ET” (Fontes, 1: p. 42) e, além disso, as pessoas pensam que além da

cegueira, os cegos são surdos e retardados.

Existem também aqueles que são resignados com a condição de ser deficiente

visual como Acriz, Elos, Cros, Alden e Gigon,78 os quais, lutando com muita

dificuldade convivem harmoniosamente com a piedade alheia, com a admiração das

pessoas pelas coisas mais triviais que fazem, “embora tentem resistir à proteção que é

oferecida” (Fontes, 1: p. 43). Eles têm consciência que os seus predecessores sofreram

76 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 77 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 78 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

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bastante, porém que não têm as mesmas dificuldades, pois levam uma vida que não é

melhor ou pior pelo fato de ser deficiente visual. Finalmente outro depoimento que

merece profunda reflexão é o de Durv79. Ele inicia seu testemunho dizendo que

“ceguetas e leprosos são problemas bíblicos” (Fontes, 1: p. 42), isso porque uma das

deficiências mais citadas na Bíblia, se não a mais citada, como digna de pena é a

cegueira. Esclarece, ainda, que nota nas pessoas uma espécie de discriminação não

intencional, ou seja, é como se elas não pudessem admitir internamente a capacidade de

um deficiente, e até melhor, admitir o próprio deficiente. Para exemplificar o que diz,

cita como exemplo, o que acontece na sua própria família:

“Sou de uma família de quatro irmãos, modelo regra de três, ou, produtos dos extremos são iguais aos produtos dos meios. Quem não me conhecia e a minha irmã mais velha, quando éramos adolescentes e nos encontravam pela rua, provavelmente pensava que ali ia um casal de namorados. Hoje, já pensaram no shopping que se tratava de marido e mulher, até a explicação de que era um casal de irmãos. Já a minha irmã mais nova, somente anda comigo quando necessário, principalmente quando o interesse for dela”. (Fontes, 1: p. 42).

Embora isso aconteça até com freqüência, Durv80 nota que conscientemente isso

não é voluntário por parte de sua irmã, mas, sem que o inconsciente a traia. Percebe

também a mesma coisa no seu irmão, entretanto, de maneira mais branda. O

interessante é que pelo que já pôde observar este não é um problema só da sua família.

Ele se apresenta em outras famílias e, muitas vezes também no campo profissional,

“pois muitas vezes um cego é bem qualificado no setor de trabalho e não recebe a

chefia, por exemplo, simplesmente por ser cego” (Fontes, 1: p. 42). E o pior é que a sua

capacidade profissional é reconhecida, pois, normalmente, na sua “matança de leão

diária”, o cego é chamado para resolver os problemas que a sua competência o capacita.

79 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 80 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

97

Daí, então, questiona Durv81: “por que na hora de assumir o comando de um setor,

mesmo que seja uma substituição temporária, muitas vezes é colocado um funcionário

de menor graduação?” (Fontes, 1: p. 43). É isso uma questão de estigma?

A mesma coisa ocorre com muitos familiares que não querem se exibir com um

cego no shopping. Aliás, esclarece Durv82, o exemplo do shopping foi escolhido ao

acaso. Por outro lado e, de forma bastante diferente, existem aquelas pessoas que

embora não sejam da família se afinam no dia a dia com o cego, gerando,

consequentemente, grandes amizades, namoros, casamentos, e a inclusão, no lugar do

estigma.

Em que pese a revelação de Durv83, ressaltamos que a exclusão manifesta-se das

mais diversas e perversas maneiras e quase sempre o que está em jogo é o

desconhecimento do outro, frente a padrões pré-estabelecidos pela sociedade (Mantoan,

2004). A constatação dessa afirmação pode ser vista por diversas vezes neste capítulo

nos depoimentos dos egressos. Deste modo, as diferenças apresentadas pelos deficientes

visuais ainda não são aceitas, de forma que o estigma ainda continua vivo no seio da

sociedade. Assim, as experiências escolares, declaradas como sendo inclusivas exigem

uma análise cuidadosa, pois podem estar associadas a alguns dos problemas apontados

pelos egressos, caracterizados como estigma.

4.3 – Adolescência e cegueira.

Todos os meninos e meninas passam pela experiência do adolescer. Esse crescer

altera o estado das coisas, resultando em muitas mudanças, pois, tudo se transforma:

81 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 82 Idem.. 83 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

98

modifica-se o corpo, a conversa, as relações, os interesses, os amigos, as palavras, as

opções estéticas, enfim, é uma fase que, embora passageira, implica em ter que decidir

coisas novas. Daí, os inúmeros questionamentos que assolam os adolescentes.

Portanto, pode-se considerar a adolescência como sendo uma atitude ou postura

do ser humano perante algumas transformações que passam pelo corpo orgânico, pela

aparência, pelas emoções, pela psique e que são mediadas pela sociedade e pelo

ambiente familiar, e mediante a influência transmitida pelo meio familiar e pela cultura

a qual o sujeito pertence.

No caso da criança cega ela também passa pelas mesmas mudanças, entretanto,

ela deve ser educada de forma a tomar conhecimento do que está acontecendo ao seu

derredor, “a fim de obter a confiança necessária para poder enfrentar as realidades que

surgem, dentro de um sentimento de que é reconhecida e aceita como pessoa, pelo seu

próprio direito” (Lowenfeld, 1974: p. 17).

Logo, é a partir dessas realidades vivenciadas que o cego começa a tomar

ciência e a se preocupar com muitas coisas que até então não tinha conhecimento, como

por exemplo, a estética, a condição do seu globo ocular, o ambiente familiar, dentre

outras.

Seguindo essa afirmação, encontramos respaldo no depoimento de Ricas84 quando ele declara que:

“foi a partir da adolescência que comecei a perceber, de fato, que era “diferente” das outras pessoas, por causa da deficiência. Percebi também que a minha família e alguns amigos não gostavam de levar-me aos passeios, porque podia incomodar o sossego deles ou mesmo porque se sentiam envergonhados em minha companhia” (Fontes, 1: p. 44).

Apesar de tudo isso, declara Ricas85 que foi muito bom estudar no Instituto

Benjamin Constant, onde conviveu com várias pessoas cegas como ele, que passavam

84 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 85 Idem

99

pelo mesmo problema. Assim, foi muito importante poder conversar com os colegas,

pois seu problema era comum a todos.

Enquanto isso Darod86 relata que os teóricos costumam classificar a

adolescência como uma fase de transição entre a infância e a fase adulta. E como toda

transição tende a ser uma fase de rupturas e de conflitos, mas que de certa forma ela

fugiu a regra, pois “não vivenciei essa fase conflituosa. Isso porque tentei preservar as

melhores coisas oriundas da infância, o mesmo acontecendo com a minha

adolescência” (Fontes, 1: p. 46).

Assim como Ricas87, outros ex-alunos também sublinham que a sua

adolescência foi tranqüila porque encontraram no IBC colegas iguais a eles e pessoas

que os ajudaram quando necessitaram. Foi o caso, por exemplo, de Apa88 que afirma ter

sua adolescência sida boa, pois não se sentiu só e infeliz, já que foi um momento de

descobertas e trocas e, de Emsosi89 que chegou ao IBC, aos 13 anos de idade, e

encontrou muitas pessoas que lhe ajudaram na sua formação, recebendo, portanto, o

suporte necessário para ser o que é hoje. Outros como Vit, Maroo, Lupi e Luzlou90 que

também passaram a adolescência dentro do IBC, revelam que foi um período melhor do

que a infância, pois foi normal, transcorreu sem dificuldade e foi muito bem

aproveitado, apesar de que IBC, na opinião deles, certos estímulos ao lazer, a prática de

esportes, a leitura e outros, devessem ser ampliados.

86 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 87 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 88 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 89 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 90Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

100

Alguns saudosistas como San, Elos e Gigon,91 se referem à adolescência como

um bom momento de curtição que poderia ter sido melhor aproveitado, já que o IBC

oferecia todas as oportunidades.

Por outro lado, nem todos os egressos tiveram uma adolescência pacífica,

normal e sem conflitos. Alguns conviveram com muitos questionamentos que

demoraram a ser respondidos, pois não havia respostas prontas e imediatas e nem quem

as dessem, “embora fôssemos muito felizes” (Fontes, 1: pp. 43, 47 e 48).

Enquanto alguns egressos consideraram a ausência dos familiares como sendo

normal, Mar92 se manifesta assim: “fui segregado na adolescência em uma escola

especializada, sem a companhia de meus pais, pois moravam muito longe, tendo

contato apenas com eles de seis em seis meses. Essa situação me abalou

psicologicamente, pois entendo que o convívio familiar é fundamental para o

desenvolvimento global de qualquer criança” (Fontes, 1: p.44). Já Barreg93, apesar do

contato diário com os familiares, alega que sua adolescência foi um pouco complicada,

pois, “o relacionamento com os meus familiares não foi muito bom, principalmente

quando permaneci longo período em casa, restabelecendo-me de uma cirurgia”

(Fontes, 1: p. 45). Revela ainda que tão logo se restabeleceu todos seus amigos e

familiares se afastaram.

Outro ponto que merece destaque nas respostas dos egressos é a dificuldade que

alguns passaram para vencer esse período de tormentas – a adolescência – e sair com

poucos “arranhões”. Cada um com a sua particularidade, fala da sua “epopéia” como,

por exemplo, Ales:94 “a minha adolescência foi de altos e baixos, sem responsabilidade

e, durante o tempo que fiquei interno no IBC, discutia muito com os colegas e com os

91 Idem. 92 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 93 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. 94 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos.

101

professores, pois achava que deveria fazer a coisa do meu jeito” (Fontes, 1: p. 45);

Sisori95 fala que o maior problema na sua adolescência foi a questão da

independência96. Mas, de um modo geral, considera que ela foi tranqüila, uma vez que

teve um bom relacionamento com as pessoas; Resa97 informa que teve um convívio

social regular e só não foi melhor pela falta de informação a respeito de certas

transformações que ocorrem na adolescência, as quais deveriam ter sido mais bem

trabalhadas pelo IBC; Crima98 confessa que foi um pouco rebelde porque a sua mãe não

aceitava muita coisa que ele fazia. Além disso, passou por algumas turbulências, pois

perdeu o seu pai aos 16 anos de idade; Wisf99 esclarece que teve apenas infância e não

adolescência porque teve que trabalhar muito cedo; Alunf100 explica que sua

adolescência foi complicada porque “não convivi com pessoas que apresentavam a

minha deficiência” (Fontes, 1: p. 45). Freqüentou uma escola comum e dependia dos

colegas para estudar, fazer os exercícios, fazer as provas e outras tarefas pedagógicas.

Citou como exemplo, “a situação de estar em uma boate com o namorado, não estar

enxergando e ficar dependente dele para tudo” (Fontes, 1: p. 45). Marbo101 explica que

a sua adolescência foi muito complicada, sobretudo porque coincidiu com a época em

que entrou para o IBC. “Tinha 12 anos e não estava acostumada com o jeito das

pessoas, pois morava em um colégio de freiras, onde os costumes eram diferentes”

(Fontes, 1: p. 46). Logo, seu aprendizado foi com os próprios colegas; Llups102

95 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 96 Nesse caso, trata-se da dependência de terceiro para locomover-se sozinha nos trajetos entre: residência/IBC/ residência e outros. 97 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. do IBC. 98 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 99 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos 100 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 101 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 102 Idem.

102

desabafa que esse período foi muito ruim, pois perdeu a visão aos 15 anos de idade e

pensou que tudo tinha acabado. ”Não sabia da existência de escola especializada, daí,

quando cheguei ao IBC, aos 16 anos de idade, percebi que poderia viver normalmente,

apesar da minha deficiência” (Fontes, 1: p. 46). Assim, pôde retornar à sua vida de

antes, conheceu várias pessoas que lhe apoiaram e lhe ajudaram no sentido de perceber

que a vida não tinha acabado, pelo contrário, poderia começar outra a partir dali. Assim,

dedicou-se aos estudos e ao esporte e, hoje, confessa que se sente totalmente tranqüilo e

feliz. Por último Gifen103 reconhece que a sua adolescência foi agressiva; nunca foi de

ter muitas namoradas, foi muito reservado e de poucos amigos.

Houve também um grupo que relatou ter vivido uma adolescência tranqüila,

feliz, enfim, “normal” como todos os outros que enxergam. Foi o caso, por exemplo, de

Iv e And104 que alegam ter tido uma adolescência maravilhosa, pois fizeram “tudo que

os adolescentes fazem como ir à praia, participar de festinhas americanas, namorar, ir

a parques de diversão, encontrar amigos, estudar, enfim curtir as coisas que todos

aqueles da nossa idade gostavam de fazer” (Fontes, 1: pp. 43-44). Já Magda105 diz que

a sua adolescência foi ótima, embora tivesse dificuldade de “entender questões

relacionadas com o sexo e com direitos e deveres” (Fontes, 1: p. 44). Outros como JJ,

Cama, Du, CGroc, Apipe, Rofa, Mahef, Daps, Gigof, Viavi e Camag 106 acrescentam

que também tiveram uma adolescência “natural”, espontânea e sem grandes problemas

porque as famílias ajudaram bastante.

103 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 104 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 105 Idem. 106 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

103

A resposta de Filss107 nos chamou a atenção pela maneira como tratou a questão.

Segundo ele sempre procurou fazer as coisas de acordo com o momento e seguindo o

que todo jovem faz. Confessa, ainda, que até hoje, “só uma garota me disse que não

gostaria de namorar comigo porque eu era cego. Essa garota enxergava e, esse ‘fora’

que ganhei não me abalou e nem tampouco me desestimulou a continuar as paqueras”

(Fontes, 1: p. 46).

Os cegos são uma minoria tão exígua dentro do seu meio social que se vêem

obrigados a assimilar os ideais e os modelos dos videntes que os rodeiam. Como coloca

Cobo e colaboradores (2003), o cego tem de adotar a mesma atitude e os mesmos usos

sociais para com os videntes, mas,

“as relações nunca chegam a ser recíprocas, porque a atitude e o respeito que o cego demonstra em relação ao vidente nunca são correspondidos incondicionalmente. A relação social, então, transforma-se num processo irreversível que deixa o cego sem o mecanismo de compensação para benefício próprio” (p. 127).

Nesse caso, cabe ao adolescente ou jovem cego aprender algumas gentilezas e

galanteios tão comuns aos adolescentes que enxergam quando desejam conquistar uma

garota.

Muito elucidativas foram as respostas de Durv108. Ele considera que a sua

adolescência foi o que se pode chamar de “normal”, conforme relatada a seguir: “em

matéria escolar, foi passada no Instituto Benjamin Constante e no Pedro II, o que

contribuiu para gerar as amizades dentro destes dois grupos ou com pessoas ligadas a

eles” (Fontes, 1: p. 46).

107 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 108 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

104

A adolescência de Acriz109 não foi muito diferente das demais. Como todo

adolescente, foi cheia de vontade de independência em todos os sentidos. Não obstante

essa vontade e a cegueira, talvez, as dificuldades tenham sido maiores porque “meus

pais são cegos e, as famílias dos cegos são mais cautelosas em deixar seus filhos

saírem sozinhos” (Fontes, 1: p. 7). Porém, apesar disso confessa que a sua situação não

foi tão complicada como a de outros colegas de sua época.

Outros que sustentam ter tido uma adolescência como a de qualquer outro

adolescente foram Alden e Patghel110. Alden111 revela que namorou bastante, mas teve

alguns problemas de identidade, posto que “oscilava entre o comportamento de adulto e

de criança” (Fontes, 1: p. 47). Conta que certa vez, durante uma festa junina, na quadra

de esporte do condomínio do seu prédio, se encontrava sentado na mureta da quadra e,

`a sua frente havia uma menina que segundo lhe informaram era muito bonita e estava

piscando para ele. Naturalmente, por ser cego, ele não pôde perceber; até que chegou

um garoto que lhe chamou de “bicha”, perguntando se ele não gostava de mulher, pois

uma garota gostosa estava quase “lhe comendo com os olhos” e ele não fazia nada.

Confessa: “fiquei aborrecido, mas, essa foi a única vez que fiquei chateado por ser

deficiente visual” (Fontes, 1: p. 47).

A situação de Patghel112 foi um pouco diferente. Como toda adolescente diz:

“curti normalmente a minha vida: gostava de ir às festas, de praias, de passear, de

namorar... Entretanto, em plena adolescência, aos 17 anos, perdi a minha visão e isso

109 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC..

110 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 111 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

112 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

105

foi um divisor de águas na minha vida, pois, tive que deixar de lado meus anseios de

adolescente para resolver coisas novas” (Fontes, 1: p. 46). Assim, teve que se dedicar

mais tempo aos estudos pela necessidade de ter um espaço melhor na vida, além de ter

que se adaptar a uma nova situação. Alega que foi difícil, pois, antes de perder a visão

levava a vida mais sem responsabilidade, mas, após perdê-la a coisa ficou diferente.

Entretanto, apesar das dificuldades, comenta que a sua adolescência foi tranqüila.

Analisando os depoimentos dos egressos podemos deduzir que para muitos

cegos, a carga mais pesada pode não ser a cegueira, mas a atitude do vidente para com

eles; talvez porque os fazem sentir como seres inúteis, isto é, incompetentes e inativos,

incapazes de produzir e isolados da sociedade. Conscientes de que são percebidos como

tal, os cegos acabam por sentir-se mal, principalmente quando quem os considera desse

modo são pessoas que lhes são significativas como pais, irmãos, amigos, professores,

dentre outros.

Conforme comenta Cobo e colaboradores (2003) “a maioria dos cegos vive com

forte sentimento de solidão, apesar de aparentemente se mostrarem sociáveis e

espontâneos” (p. 125). Não obstante, a partir do momento que os cegos reconhecem a

impotência da visão e compreendem que ela é uma capacidade que normalmente todos

os outros possuem, o sentimento de inferioridade se instala, criando uma situação de

insegurança, sobretudo quando se deparam com “barreiras” para atingir determinados

objetivos, como por exemplo, a dos concursos, citada por vários egressos.

No entender de Cobo e colaboradores (2003) o cego é um criador de fantasias

crônico. Assim, “a situação de inferioridade, insegurança, de solidão e outras, levam

muitos cegos a reagirem por meio de fantasia, evadindo-se da realidade para criar um

mundo imaginário e inexistente (p. 126)”.

106

4.4 - Ser jovem e cego, o ensino médio e a universidade.

Na primeira leitura das respostas a essa pergunta enviadas pelos egressos, já

percebíamos que alguns deles demonstravam sua preocupação pela falta de apoio dos

órgãos da educação, pela inexistência de professores especializados e, sobretudo, pela

falta de equipamentos e materiais didáticos apropriados para a aprendizagem do aluno

cego e de baixa visão. Além disso, “ensinar o portador de deficiência e compreender o

seu processo de aprendizagem constituem desafios permanentes para os educadores

especiais” (Paula Nunes et al, 1998: p. 37) e, principalmente para aqueles docentes que

não têm especialização na área.

Além do cego, há de se considerar ainda o aluno de baixa visão, que a princípio

parece que o seu problema é de mais fácil solução se comparado ao cego, o que não é

verdade. Além disso, a prevalência dessa condição visual é superior a do cego.

Apesar dessas dificuldades os alunos egressos do IBC continuam se

matriculando nas escolas de ensino médio e nas universidades, concluindo seus cursos,

alguns com alguma facilidade e, outros, a duras penas como poderemos constatar em

seus depoimentos a seguir transcritos e analisados.

Em interessante depoimento Darod113 revela a insegurança do aluno cego ao

migrar de uma escola especializada para uma escola comum e, conseqüentemente, para

a universidade. Segundo esse egresso toda situação nova representa um grande desafio

para o cego, (...) porque é um caminho por vezes penoso, que envolve muitas incertezas

(Fontes, 1: p. 51). E, além disso, não se sabe se conseguirá atingir os seus objetivos.

Para complicar ainda mais, informa Darod114 que há muita resistência dos grupos com

relação às limitações dos cegos. Por outro lado, sustenta ainda, que “essa fase da vida é

113 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 114 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC

107

primordial para o crescimento social do cego enquanto pessoa, porque é um momento

rico em trocas, e o cego aprende bastante com os videntes” (Fontes, 1: p. 51). Por fim,

reconhece que os cegos precisam se sentir em alguns momentos desafiados, para tentar

superar os obstáculos, pois essa é também uma forma de crescer, apesar de perversa.

Corroborando com Darod115, acrescenta Filss116: “já que o cego vai encontrar

dificuldades é importante que ele tenha consciência disso, pois, se assim não o fizer

ficará pelo meio do caminho” (Fontes, 1: p. 51).

Com relação às limitações dos cegos lembradas por Darod, Lups117 rememora

que quando foi para o ensino médio ficou apreensivo e preocupado: “Inclusive sentia-

me constrangido em pedir ajuda aos colegas, para que eles não pensassem que me

aproximava deles somente para pedir ajuda” (Fontes, 1: p. 51). Aliás, informa que na

maioria das vezes essa aproximação era “para saber das novidades ou para um bate-

papo, principalmente, com as garotas que eram as que mais ajudavam os cegos”

(Fontes, 1: p.51).

Enquanto isso, Acriz118 comenta que décadas passadas, entrar para o 2° grau era

mais difícil; isso porque nem todas as escolas aceitavam matrículas de cegos, “sob a

alegação de não estarem preparadas para receberem esse tipo de aluno” (Fontes, 1:

p.52). Por isso alguns egressos passaram por esse tipo de rejeição em escolas, inclusive

em escolas estaduais e universidades como foi o caso de San119: “em 1994 tentei entrar

para a Universidade Estácio de Sá, e não pude, pois alegaram falta de infra-estrutura,

coisa que, aliás, acontece muito por aí” (Fontes, 1: p. 48).

115 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 116 Idem. 117 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 118 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 119 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC

108

É importante ressaltar que a partir de 1995, esse problema apontado por San120

deixou de existir, pois, durante a gestão do pesquisador frente à direção-geral do IBC,

foram firmados vários convênios com universidades, colégios, escolas e Institutos,

inclusive com a Universidade Estácio de Sá, no sentido de dar suporte ao aluno cego.

Continuando, Acriz e Ricas121 expressam que o mais difícil, no entanto, foi a

adaptação ao meio, pois, lhes viam com diferenças e lhes faziam todos os dias perguntas

óbvias, comentários equivocados e queriam lhes proteger em demasiado. Foi preciso,

portanto “’ter a cabeça feita para contornar tudo isso com habilidade, não deixando de

fazer amigos e conseguir ajuda, indispensável para copiar as matérias, consultar

livros, etc.” (Fontes, 1: p. 48-52). Ainda falando dessas dificuldades Iv122 coloca que

“estudar em uma escola comum é uma tarefa muito difícil, pois não se tem o apoio

necessário dos órgãos da educação e os professores e demais funcionários dos

estabelecimentos de ensino geralmente não possuem nenhum conhecimento de como

lidar e ensinar pessoas cegas” (Fontes, 1: p.48). Dessa forma, o jovem cego que quiser

estudar terá que superar “barreiras e descrédito”, sem falar na falta de material didático

apropriado.

Nesse sentido, Ricas123 declara que o cego ao entrar para a escola comum e até

para a universidade, é vítima de preconceitos, até mesmo por causa da desinformação

dos alunos e dos professores: “No início, há certa curiosidade das pessoas com relação

ao Braille, à reglete124, ao punção e à bengala” (Fontes, 1: p.48). Passado esse primeiro

momento, algumas pessoas realmente se aproximam do cego, podendo “ter início uma 120 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 121 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 122 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 123Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 124 - Instrumento específico usado para o ensino do Braille nos primeiros anos de escolarização, constando de celas do hexagrama Braile.

109

boa amizade ou se afastam, ignorando-o, como se ele não existisse em sala de aula.

Quanto aos professores, há aqueles que colaboram, ditam o que está no quadro, lêem

as provas, e outros que rejeitam o cego, tratam-lhe mal ou nem se dirigem a ele”

(Fontes, 1: p.48). Segundo informações colhidas entre os egressos, a maior dificuldade

para o estudante cego no ensino médio, está basicamente naquelas disciplinas que

envolvem gráficos e mapas. Na verdade revela Magda125, há realmente dificuldade no

relacionamento dos colegas com o cego, pois este fica como se fosse a atração do

colégio: “Além disso, os professores não acreditam que esse aluno especial conseguirá

superar as dificuldades” (Fontes, 1: p. 49).

Ainda falando da curiosidade inicial – para saber como o cego escreve e lê –

Margth126 informa que entrou para escola e universidade que já haviam tido

experiência com pessoas cegas, mas, de um modo geral, é bastante difícil, “pois as

instituições não têm preparo algum e o material didático especializado para a pessoa

cega faz muita falta” (Fontes, 1: p. 48).

Outra dificuldade encontrada na escola comum e na universidade, refere-se à

compra de materiais adaptados, pois os existentes são bastante caros. Talvez a criação

de uma lei que facilitasse a importação desses materiais, com isenção de impostos ou

desconto, poderia solucionar o problema; ou mesmo o incentivo à pesquisa e à produção

de materiais tiflotécnicos127, a exemplo do que faz a Organização de Cegos da Espanha

(ONCE), através de sua Unidade Tifloténica, que se encarrega de avaliar, importar e

consertar aparelhos e materiais especiais, assim como promover a pesquisa e a

fabricação, na Espanha, dos protótipos considerados mais adequados e necessários ao

cego e aos deficientes de baixa visão.

125 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 126 Idem. 127 Conjunto de técnicas, conhecimentos, recursos e equipamentos utilizados pelos cegos, com a finalidade de favorecer a autonomia pessoal e a plena integração social, educacional e do trabalho.

110

Aliás, lembra Margth128 que sobre esse assunto há uma portaria de 1999,

obrigando universidades a se adaptarem para receber todo tipo de portadores de

deficiência: “Parece que a coisa só ficou no papel, pois não vejo nenhum movimento

das universidades para isto, exceto a Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(UERJ), que muito antes disso, já desenvolvia um trabalho com este fim” (Fontes, 1: p.

48).

Em relação às dificuldades encontradas para acompanhamento das disciplinas,

alguns egressos se pronunciaram da seguinte forma: Luzlou129 alega que “encontrou

dificuldades nas matérias como matemática, química e física por causa dos gráficos e

figuras” (Fontes, 1: p. 49). Além disso, a falta de preparo dos professores em lidar com

o aluno deficiente visual era notável. Lupi130 diz que “as aulas eram pouco dialogadas

e o uso freqüente do quadro negro prejudicava bastante o cego” (Fontes, 1: p. 49);

JJ131 faz referência às matérias Física e Química, pois “os professores falavam muito

rápido e escreviam quase tudo no quadro negro” (Fontes, 1: p. 49). Em face disso, foi

necessária muita força de vontade e persistência para vencer as dificuldades.

Os egressos de baixa visão revelaram que enfrentaram muitas dificuldades nas

escolas regulares. Não existiam recursos ópticos próprios, como acontecia na escola

especializada e a situação se agravava ainda mais, sobretudo, por não conseguirem ler o

que estava escrito no quadro negro.

Às vezes o não poder ler o que estava escrito no quadro, era contornado; pedia-

se a um colega vidente para ler ou copiar o que estava escrito no quadro, mas, isso “era

uma barra porque as pessoas não tinham paciência e não estavam a fim de gastar seu

128 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 129 Idem. 130 Idem. 131 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

111

tempo lendo para deficientes, elas também precisavam copiar as suas matérias”

(Anrope e Wimas132, Fontes, 1: pp. 49 - 50).

A declaração de Crima133 foi ainda mais contundente: “os professores não

queriam dar aulas, pois achavam que os deficientes deveriam estar em escolas

especializadas. Não aplicavam as provas finais, porque não tinham material adequado

e a escola não tinha estrutura e, os professores eram despreparados” (Fontes, 1: p. 50).

Com relação ao despreparo dos docentes, Rofa e CGRoc134 esclarecem que nesse caso

“os próprios deficientes os ajudavam”. Alguns obstáculos eram colocados já no ato da

matrícula: “’Não temos professores que saibam Braille e os materiais pedagógicos não

são adaptados’” (Fontes, 1: pp. 49 - 50). Enfim, o aluno se matriculava já sabendo o

que encontraria pela frente.

Outros egressos como, por exemplo Patghel135, apontaram que não tiveram

muita dificuldade na escola comum porque “seus familiares e amigos lhe ajudaram

bastante e a dedicação dos ledores foi fundamental para a aprendizagem” (Fontes, 1:

p.51).

Realmente, como afirmam CGRoc, Barreg, Resa, Joaf, Mahef, Gigof, Wisf,

Wacon, Viavi, Resa e Camag136, o aluno deficiente visual - tanto o cego quanto o de

baixa visão - tem que ser bastante persistente para superar o preconceito, a má vontade,

o despreparo dos professores, a falta de material pedagógico adequado e a indiferença.

Existem também alguns egressos que não conseguiram ainda concluir o ensino médio,

132 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 133Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 134 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 135 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 136 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

112

como por exemplo, Ales137 que expressa sua opinião no sentido de que todos os alunos,

desde o jardim de infância, devem iniciar a computação, pois entende ser essa uma das

melhores saídas para a aprendizagem e para a independência do deficiente visual.

Pela análise feita às respostas dos egressos, tudo leva a crer que a dificuldade das

escolas comuns em matricularem um aluno deficiente visual, principalmente o cego,

reside mais no fato de não saber trabalhar com esse tipo de aluno e não propriamente

por não quererem aceitá-lo. Foi o caso, por exemplo, de Marbo138 que morava em Nova

Iguaçu e quis estudar próximo à sua residência. “Fiz a prova do Estado, passei, mas o

diretor fez carga para eu não estudar no colégio que ele dirigia. Não concordando com

tal atitude fui à Secretaria de Educação, relatei o caso e, graças à intervenção do

Secretário de Educação consegui permanecer no Instituto para o qual havia feito a

prova” (Fontes, 1: p. 51). Ocorre que Marbo139 foi a primeira aluna cega daquele

Instituto e, de repente, aquela situação vivida pela aluna hoje em dia pode ser que não

ocorra mais.

Segundo informações colhidas entre ex-alunos e professores aposentados do

Instituto Benjamin Constant, nos anos 50, somente alguns colégios como Mallet Soares;

Pedro II; Rui Barbosa e Bennett se dispunham a matricular alunos cegos no ensino

médio. A partir, daí, então, outros colégios como Infante Dom Henrique, Escola Júlia

Kubitscheck, dentre outros, também abriram suas portas para receberem alunos cegos.

Mais recentemente, principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases do

Ensino Nacional (LDBEN), várias instituições de ensino médio têm matriculado alunos

cegos, como por exemplo, o colégio referido por Marbo140.

137 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. do IBC. 138 Idem. 139 Idem. 140 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos.

113

Assim como Cros,141 que ficou na ociosidade e sem força de vontade para

continuar seus estudos e, somente agora está concluindo o ensino médio, existem outros

que também batalharam bastante para conseguir se inserir na escola comum.

A despeito dos problemas apontados pelos egressos, há ainda de se adicionar o

dilema daqueles alunos que quando estudaram no IBC tinham baixa visão e, quando

foram para o ensino médio a perderam. Segundo eles, a maior dificuldade foi aprender o

Braille, pois tiveram que fazê-lo muito rápido. Além de muito penoso, aprenderam

apenas o básico, o necessário. Finalmente, analisando o depoimento de Alunf142

chegamos à conclusão que ele contempla quase tudo que foi exposto pelos outros

egressos. Afirma ele:

“Freqüentei escolas comuns, sem nenhum preparo para receber deficientes visuais, até o limite que pude acompanhar. Após isso, fui para uma escola comum onde aceitavam alunos com deficiência visual, isto é, que tinham um acompanhamento. Inclusive a diretora passou para os alunos o meu caso e, todos eles se comprometeram a me ajudar, como realmente o fizeram. Até hoje mantenho aquelas amizades. Na universidade foi mais complicado. No início do período fiz amizade com os colegas e eles me ajudaram bastante. Entretanto, os professores não estavam preparados para lidar com alunos deficientes visuais. A idéia que se tinha era que a simples acessibilidade das instalações era suficiente para solucionar o problema dos deficientes. Na verdade, o problema estava na falta de conhecimento dos professores, na falta de materiais e equipamentos adequados para serem utilizados por deficientes visuais, principalmente para os de baixa visão” (Fontes, 1: p. 50).

A transformação do processo educacional é tarefa e competência a ser realizada

coletivamente, não cabendo exclusivamente ao professor promovê-la no interior de uma

sala de aula, como tem ocorrido com freqüência.

A respeito dessa afirmação, Aranha (2004) admite que matricular um aluno com

necessidade especial em classe regular e deixar somente por conta do professor a

administração de seu processo educativo, é manter as condições de segregação desse

aluno e do fracasso do ensino, mascarado pelo índice quantitativo de matrícula.

141 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos. 142 Idem

114

Na opinião de Glat e Pletsch (2004) cabe ao professor – como agente mediador

do processo ensino-aprendizagem – o papel de fazer as adaptações necessárias no

currículo escolar. Comentam ainda, que “o currículo para uma escola inclusiva,

entretanto, não se resume apenas a adaptações feitas para acomodar os alunos com

deficiências ou demais necessidades especiais. A escola inclusiva demanda uma nova

formação de concepção curricular, que tem que dar conta da diversidade do seu

alunado” (p. 3).

Em seu artigo “O direito de ser, sendo diferente, na escola”, Mantoan (2004)

afirma que “a proposta de se incluir todos os alunos em uma única modalidade

educacional, promove um choque de uma escola aberta às diferenças” (p. 113). Nesse

sentido, convém lembrar que as mudanças necessárias para que a escola possa atender

esse contingente de alunos especiais, não ocorrem “num piscar de olho”, ou

simplesmente através da lei pura e fria. Portanto, a educação é um processo, e como tal,

carece de tempo para que a educação possa se articular com as demais políticas

públicas. Isso porque, a concepção de um processo inclusivo, não se restringe apenas às

providências a serem decididas no âmbito educacional (Carvalho, 2004), é necessário o

engajamento de todos os segmentos da sociedade.

Segundo ainda Mantoan (2004) a escola se democratizou abrindo-se a novos

grupos sociais, mas não aos novos conhecimentos: “Com isso, exclui aqueles que

ignoram o conhecimento por ela valorizado; entendendo que a democratização é

massificação de ensino; não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares

epistemológicos; não se abre a novos conhecimentos que não coubera, até então,

dentro dela” (p. 115).

115

Com isso cria-se um impasse, como afirma Morin (2001): “não se pode

reformar a instituição sem a prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as

mentes sem uma previa reforma das instituições” (117).

Como argumentam Glat e Pletsch (2004) esta forma de se pensar a escola

representa um novo modelo, para o qual ainda não há suficiente experiência acumulada.

“A escola inclusiva é, portanto, uma nova escola, uma escola que ainda precisa ser

criada. Nesse sentido, a universidade, a partir de suas três dimensões constitutivas –

ensino, pesquisa e extensão – tem uma grande contribuição no desenvolvimento e

implementação deste processo” (p. 4).

Quanto à falta de professores especializados para atuarem nas escolas comuns,

referidos pelos egressos, vale lembrar que de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), a formação inicial dos professores deverá se tornar

exclusiva responsabilidade das universidades ou institutos superiores de educação.

Nesse sentido, o Ministério da Educação já vem há muito tempo apontando sobre a

importância de incorporar conteúdos sobre necessidades educativas especiais em todos

os cursos de graduação, principalmente na área de formação de professores

(Recomendação 1793, de 28 de dezembro de 1994, do Ministério da Educação, MEC).

4.5 - O jovem cego e seu primeiro emprego.

É importante que seja colocado inicialmente que a questão do emprego – para

ser tratada em adequada perspectiva – “precisa necessariamente ser analisada em

conjunto com os problemas da pobreza e da exclusão social” (Pinheiro e Guimarães,

1998: p. 108), principalmente, ao se falar de portadores de deficiência.

116

Por outro lado, defendemos a premissa e concordamos com Paula Nunes e

colaboradores (1998) quando afirmam “é através do trabalho que o indivíduo com

deficiência pode demonstrar suas potencialidades e competências, construir uma vida

mais independente e autônoma” (p.97), enfim conquistar a sua cidadania.

Também, não paira nenhuma dúvida a respeito da perspectiva de vida daqueles

indivíduos deficientes inseridos no mundo do trabalho, em comparação a outros que

ainda não debutaram no seu primeiro emprego.

Convém ser lembrado, também, que as transformações sócio-econômicas, como

a globalização, ao gerarem uma massa de pessoas supérfluas ao sistema, redirecionaram

o foco das discussões sobre problemas sociais. Se antes, a grande preocupação era com

as condições de exploração na qual a inserção se dava, agora, a dificuldade é no sentido

de encontrar formas de se processar essa inserção social.

O segundo ponto diz respeito às leis que disciplinam a vida desses portadores de

deficiência. Não obstante os esforços na área legislativa, os deficientes ainda são

discriminados no mundo do trabalho, apesar de algumas empresas e instituições estarem

investindo em trabalhos específicos direcionados a esse segmento e terem colocado em

prática programas para a contratação de profissionais deficientes.

Com base nessas experiências, informa a Federação de Indústrias do Estado do

Rio de Janeiro (FIRJAN)143, que algumas empresas identificaram que as limitações

impostas pela deficiência podem ser elementos favoráveis, como as que demandam alto

poder de concentração. A necessidade do ser humano ter um emprego é uma questão de

sobrevivência. Quanto ao deficiente, além disso, é uma das formas de expandir o seu

relacionamento social e amenizar a sua exclusão. Sobretudo para o deficiente visual, o

cego, que “até o início do século XIX não tinha outra possibilidade de sobrevivência a

143 Elimine o preconceito. Contrate trabalhadores: deficientes. Rio de Janeiro: GEA, 2001.

117

não ser a mendicância” (Chazal, 1999: p. 39). Apesar de existir ainda muitos cegos

pedindo esmolas, a situação tem mudado bastante. A cada ano muitos deficientes

visuais são inseridos no mundo do trabalho, resultado de muita luta, persistência,

dedicação e estudo.

Quanto ao primeiro emprego, Iv e And144 cometam que geralmente o jovem

cego é recebido com um misto de descrença, curiosidade e admiração: “No primeiro

momento o chefe e os companheiros de trabalho não acreditam que um cego seja capaz

de desempenhar uma função, seja qual for. Além dessa descrença, eles ficam muito

curiosos para saber como será a convivência com alguém diferente e assim que

descobrem que o cego é capaz, ficam admirados” (Fontes, 1: pp. 52 – 53).

Revela Alden145 que inicialmente as pessoas os recebem no primeiro emprego,

no primeiro contato, com certa reserva e procuram perguntar para os outros funcionários

sobre a conduta e o comportamento do cego para, posteriormente, aproximarem-se e

passarem a tratá-los sem quaisquer reservas. Mar, Patghel e Camag146 informam que

“se nota desconfiança e preconceito no ambiente de trabalho, acerca do potencial

laborativo do deficiente e, isso somente é extinto quando o cego demonstra que é

possível realizar o trabalho e que é competente” (Fontes, 1: pp. 53, 54 e 55).

De acordo com o depoimento de Margth147 é muito difícil chegar ao primeiro

emprego: “Atualmente, a maior oportunidade de emprego para a pessoa cega tem sido

via concursos públicos” (Fontes, 1: p.53). Por isso, são pouquíssimos os deficientes

visuais que estão trabalhando na iniciativa privada: “A minha maior dificuldade foi

como e onde procurar emprego e parece que o problema não foi só comigo. Apesar 144 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 145 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 146 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 147 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

118

disso, fui bem recebida no meu primeiro emprego, embora muitas pessoas não

soubessem como lidar com o cego” (Fontes, 1: p. 53).

A respeito desse assunto, esclarece Ricas148 que o primeiro emprego pode ser

problemático para qualquer pessoa. Entretanto, para o cego, “dependerá da área em que

ele vai atuar, pois, além da concorrência que normalmente acontece, ele tem que

conviver também com a falta de credibilidade que possivelmente despertará nos

colegas” (Fontes, 1: p. 53). Comenta ainda, que teve como primeiro emprego o cargo de

professora no Instituto Benjamin Constant, onde foi bem recebida, embora com as

restrições já mencionadas anteriormente.

Contrapondo o depoimento de Ricas149, Apa150 confessa que o seu primeiro

emprego foi como revisora de textos Braille no IBC e não teve inicialmente, qualquer

dificuldade com o grupo que estava lá. Todavia, esclarece: “Infelizmente o preconceito é

iniciado dentro do próprio IBC, se formando uma dicotomia entre cegos e videntes”

(Fontes, 1: p. 53). Logo, se num espaço que, em tese, seria realmente um lugar de

convívio social harmônico e sincero entre os funcionários e alunos, isso acontece, o que

esperar de outros espaços? Em relação aos seus demais empregos, como professora

estadual e como serventuária da justiça, diz que “foi recebida como a professora cega e

a menina cega que precisava de adaptação no ambiente de trabalho” (Fontes, 1: p. 53).

Comparando o IBC com esses outros ambientes, declara ser mais feliz fora dele:

“embora gostasse extremamente de desempenhar a minha atividade profissional

quando lá estive” (Fontes, 1: p. 53).

148 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 149 Idem. 150Idem.

119

Por último, esclarece Apa151 que pode afirmar isso: “porque, pelo menos, eu

não tenho a sensação de ter sido usada, como mero objeto disso que chamam de

educação ‘especial’” (Fontes, 1: p. 53). Na verdade, ela se considera sujeito histórico

desse sistema educacional diferenciado. No Instituto Benjamin Constant trabalham

profissionais de categorias e classes sociais diferenciadas, distribuídos entre videntes,

cegos e de baixa visão. Ressalta-se, ainda, que o mundo capitalista está cada vez mais

competitivo, exigindo cada vez maior conhecimento e qualificação profissional, maior

flexibilidade do funcionário em trabalhar em equipe e em acumular várias funções

distintas, exigindo-se muito mais do perfil e da produtividade do trabalhador, pois este

precisa se adaptar às regras econômicas (Anacleto et al, 2005).

Por outro lado, o comportamento dos videntes em relação à pessoa cega pode se

revelar um problema, como comenta Apa152. Com relação a isso, Amaral (1994) diz que

o próprio deficiente visual deve se empenhar na integração e não ficar esperando que os

videntes deixem de segregá-lo, pois o maior interessado é ele próprio que vive esta

experiência no dia a dia e não quer ser estigmatizado.

O fato de uma pessoa influente “fazer a ponte” para um emprego, explicando as

vantagens de se contratar uma pessoa cega, é muito importante para esclarecer algumas

dúvidas conforme reconhece Marbo153. Pois, em face dessa intervenção foi recebida de

uma forma muita tranqüila, trabalhando como Operadora de Câmara Escura, conforme

diz: “me adaptei muito bem, apesar de tudo ter sido novidade no início” (Fontes, 1:

p.54). Embora tenha aprendido o trabalho com rapidez e eficácia, segundo ela as

pessoas acham que os cegos não têm muita responsabilidade. Por exemplo: “o simples

151 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 152 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 153 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

120

fato de ficar com a chave da seção que eu trabalhava não me era permitido, porque as

pessoas pensavam que eu poderia perdê-la ou mesmo não ter responsabilidade para

tal” (Fontes, 1: p. 54). Corroborando Marbo, Durv154 informa que o seu primeiro

emprego foi como Operador de Câmara Escura, revelando radiografias, serviço que a

sociedade acha adequado para cego e realmente o é. Esclarece que não houve

dificuldades para se adaptar e exercer essa profissão. Entretanto: “não tive a mesma

sorte quando estagiei numa empresa, na Barra da Tijuca, na área de programação de

computador e, no início da minha contratação, na Justiça Federal, antes da

implantação da rede de informática” (Fontes, 1: p.55).

Outros egressos como Acriz, Elos, Cross e Emsosi155 se pronunciaram no

sentido de que as dificuldades foram todas contornadas, de forma que tudo fluiu

tranquilamente. Assim, fala Acriz156 que como cega trabalhou na área da chamada

“educação especial”. Declara que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito para entrar

no emprego e assumir sua atividade, embora perceba que mesmo nesta área “a opinião

do profissional cego não é muito considerada” (Fontes, 1: p.55). Elos157 começou a

trabalhar em um estaleiro que fabricava peças de fibra de vidro. Era ajudante de

laminação. Foi indicado com mais um colega e “todos me ensinavam com paciência, de

forma que aprendi rápido, mesmo porque o que eu fazia não tinha muito mistério”

(Fontes, 1: p.55). Só saiu de lá porque a empresa faliu. Cros158 trabalhava com

massagem, nunca notou qualquer tipo de preconceito e percebia que as pessoas se

sentiam muito à vontade, “talvez por eu não enxergar ou por não fazer algum tipo de

154 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 155 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC 156 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 157 Idem. 158 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

121

comparação, ou até mesmo, pelo pudor de não poderem ser vistas” (Fontes, 1: p. 55).

Emsosi159 fala do seu primeiro emprego que foi no próprio IBC. Trabalhava com

adolescentes, ensinando e monitorando o laboratório de informática. Apesar de ser um

trabalho um pouco estressante: ”sentia-me à vontade e as pessoas me tratavam muito

bem; inclusive todas as minhas sugestões foram ouvidas e acatadas” (Fontes, 1: p. 55).

Alunf160 confessa que “no início ficou um pouco receosa de informar a extensão

da sua deficiência” (Fontes, 1: p. 57), mas teve que explicar, até para que as pessoas

soubessem como ajudá-la. Era professora e o ginásio que trabalhava era imenso, de

forma que não podia ver as pessoas até mesmo os seus alunos quando eles se afastavam

muito dela. Mas: ”quando eu lhes falei sobre a minha deficiência, as coisas ficaram

mais fáceis e até eu mesma fiquei mais à vontade, até pelo interesse que os colegas

demonstravam em saber como eu com deficiência conseguia ensinar e dominar uma

turma com facilidade” (Fontes, 1: p.50). Ela era professora de Ginástica Olímpica e em

momento algum foi discriminada, embora os profissionais desta atividade sejam

bastante críticos e muito exigentes.

Enquanto isso, Wisf e Wimas161 informam: “trabalhamos como autônomos

porque não conseguimos emprego de carteira assinada e nem ser aprovados em algum

concurso público” (Fontes, 1: p.53). O primeiro informou que foi bem aceito e

trabalhou em um escritório de advocacia e, atualmente, em uma empresa; já o segundo,

é camelô, vende balas e doces e diz que é tratado como todo camelô, apesar de ser

deficiente.

159 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 160 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 161 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

122

Outros egressos como San, Mahef, Daps, Gigo, Viavi, Lups, Filss e Gigon1162

declararam que infelizmente nada têm a contribuir sobre o primeiro emprego porque

“ainda não [começaram] a trabalhar, apesar das inúmeras tentativas” (Fontes, 1: pp.

52-55) .

Como qualquer jovem sem experiência de trabalho esclarece Darod163 que o

primeiro emprego coloca o cego numa situação duplamente delicada: “primeiro por não

ter experiência, pois, na maioria das vezes desconhece aquele universo e, segundo, por

ter que superar essa dificuldade rapidamente, para que não seja associada com a sua

limitação visual” (Fontes, 1: p. 54).

O cego ser bem sucedido no seu primeiro emprego é de fundamental

importância para deixar “as portas abertas” para outros, que certamente virão em

seguida. Corroborando com essa afirmação Wacon164 reconhece que: “fui recebido com

decência e muito respeito, porque outros colegas cegos que foram pioneiros naquele

local, abriram portas e não as fecharam, para que outros por elas pudessem passar”

(Fontes, 1: p. 54). Referia-se ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Finalmente, lembrando da necessidade de se ter um “banco de empregos” para

os deficientes visuais serem encaminhados para o mercado de trabalho, CGRoc165 se

manifesta no sentido de que o próprio Instituto Benjamin Constant poderia criar esse

setor, uma vez que já oferece cursos profissionalizantes. A preocupação de CGRoc166 é

pertinente, principalmente diante do aumento dos índices de desemprego, tornando cada

vez mais difícil encontrar e manter um trabalho remunerado. 162 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 163 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 164 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 165 Idem. 166 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

123

Preocupado com essa questão, o Instituto Benjamin Constant criou em 1996 um

grupo de estudo composto por profissionais do Departamento de Estudos e de Pesquisas

Médicas e de Reabilitação (DMR), que realizou um estudo profissiográfico167, no qual

se fez um levantamento de um conjunto de diversas profissões que podiam ser exercidas

pelas pessoas cegas e de baixa visão, especificando os pré-requisitos e atribuições destas

profissões, visando auxiliar no encaminhamento profissional das pessoas com

necessidades especiais na área da visão ao mercado de trabalho. Foram também

considerados os recursos óticos e técnicos existentes à época e que poderiam ser

utilizados na facilitação do desempenho funcional do deficiente visual.

O estudo apontou para a dificuldade de inserção profissional, que é enfrentada

por uma parcela significativa de brasileiros. Com relação ao deficiente visual tal

situação é agravada pela infundada crença da maioria dos empregadores que pensam a

deficiência como afetando todas as funções do indivíduo. Além disso, desconhecendo as

diversas atividades possíveis de serem realizadas pelo deficiente, receiam dificuldades

de integração com o grupo de trabalho, temem a ocorrência de acidentes e preocupam-

se com o custo de adaptações e aquisição de equipamentos especiais (Nabais et al,

1996).

Outro fator levantado pelo estudo foi a falta de qualificação profissional de

considerável número de deficientes visuais ocasionada pela ausência de ações voltadas

para a preparação profissional dos deficientes, e pela dificuldade de acesso dos mesmos

aos cursos existentes.

167 Estudo profissiográfico realizado no Instituto Benjamin Constant (Portaria/IBC nº l39, de 27/11/95, que criou um grupo de trabalho interdisciplinar composto de dois psicólogos, um assistente social e um professor especializado em reabilitação, com a finalidade de proceder a um estudo voltado para a preparação e encaminhamento profissional das pessoas deficientes visuais).

124

4.6 - Ser cidadão cego.

Nas décadas dos 1990 e da dos 2000 vivemos no Brasil um processo de

mudanças acentuadas, com a maior participação da sociedade civil como talvez nunca

antes em toda a história política brasileira. Democracia e Direitos Humanos se

confundem e abrem espaço para a ação em prol da inclusão social e da proteção especial

dos segmentos mais vulneráveis. Conforme relata Pinheiro (2002) “durante essas

décadas foi aprofundada a atuação do Estado em compasso com as demandas da

sociedade. Pela simples razão de que o governo democrático não assegura por si só a

proteção dos direitos civis a todos os cidadãos e cidadãs” (p.7).

É certo que uma boa formação para o homem requer não apenas um grupo

social, mas, um bom grupo social. Nada é mais importante no julgamento da qualidade

de uma sociedade do que as qualidades que estas fomentam em seus cidadãos. Isso sem

falar que uma boa sociedade é aquela que produz bons cidadãos, promove sua felicidade

e os encoraja a agir corretamente. Como diz Dahl (1998) é nossa fortuna que esses fins

sejam harmoniosos; para o homem virtuoso a felicidade e ninguém pode ser realmente

feliz sem os exercícios da virtude.

Consoante com essa colocação pode-se dizer que, cidadania é a participação de

todos em busca da realização desses benefícios e, consiste desde um simples gesto de

não jogar papel na rua e respeitar os mais velhos, até saber lidar com a exclusão das

pessoas com necessidades especiais, como por exemplo, ajudar a um cego a atravessar

uma rua movimentada.

Em linhas gerais, ser cidadão parece estar ligado ao direito da pessoa participar

das decisões da sociedade para melhorar não só a sua vida, mas, também, a de outrem

que esteja precisando, bem como contribuir para o desenvolvimento da nação.

125

Realmente não se pode pensar o cidadão cego fora do contexto democrático, dos

direitos humanos e da inclusão social. Aliás, é dentro desse pensar que os egressos do

IBC fundamentaram suas respostas, como por exemplo, Apa168 que se diz cidadã de

segunda classe e assim se declara: “como posso me sentir realmente cidadã, se tenho o

direito de votar, mas, a minha participação no processo eleitoral é inibida porque

tenho receio de que qualquer coisa que eu venha a dizer seja utilizada por um político

desonesto na sua campanha?” (Fontes, 1: p. 56). De acordo com a sua declaração, ela

afirma que poucos são os momentos em que se sente cidadã; “são tão poucos que

poderia até enumerá-los” (Fontes, 1: p. 56). A seguir, cita como exemplo, o seguinte:

“há cerca de duas semanas tomei um táxi em frente ao IBC, quando o motorista,

gentilmente, me ofertou um cartão em Braille. Ao ler o número do telefone da

cooperativa, experimentei uma deliciosa sensação de autonomia” (Fontes, 1: p.56).

O que aconteceu não foi um fato comum, apesar de ter sido um ato tão simples.

O poder ler os dados contidos no cartão, pois estavam escritos em Braille, causou a

Apa169 sensação de liberdade, de autonomia, pois fora tratada como uma verdadeira

cidadã, aliás, um ato simples oriundo de um cidadão comum, homem do povo e não dos

governos ou, até mesmo, da cooperativa a qual o táxi pertence.

Conforme depoimento de Marbo170: “ser cidadã cega é viver numa constante

briga pelos meus direitos” (Fontes, 1: p. 58). Acredita que as pessoas não sabem muito

sobre o que é ser cego, pois, em alguns momentos “pensam que nós não somos capazes

para nada, entretanto, em outros, que somos” (Fontes, 1: p. 58). Comenta, também,

que algumas vezes as pessoas vão lhe ajudar, mas a deixa esperando, como se não

tivessem responsabilidade, compromisso, emprego, e tantas outras coisas a fazer: “Tem

168 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 169 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 170 Idem .

126

gente que pensa que a cegueira é uma doença e nos manda para a igreja para sermos

curadas” (Fontes, 1: p. 58).

A falta de conhecimento a respeito da cegueira e do ser cego é uma realidade. E,

tal fato comprova-se pelas perguntas que temos escutado durante esses 25 anos

dedicados à educação do cego. São perguntas do tipo: como eles namoram? Os filhos

deles também são cegos? Como eles conseguem saber que o ônibus está se

aproximando do ponto no qual deverão saltar? Como as mulheres cegas cuidam de suas

casas? Eles são superdotados? Por que alguns deles são tão revoltados? Como eles

conseguem se locomover? Acreditamos que todas essas indagações são geradas pela

curiosidade e pela falta de informação. A respeito desse tipo de curiosidade, manifesta

Marbo171: ”às vezes fico aborrecida, outras não. Interessante é quando alguém quer

nos ajudar. Eles nos empurram como se fôssemos ‘mercadoria de camelô’. Tenho a

impressão que ficam com medo. Outras pessoas acham engraçado quando andamos

com a bengala” (Fontes, 1: p. 58).

Enfim, de acordo com as declarações dos egressos, as pessoas não têm nenhuma

informação sobre a cegueira ou sobre o que é ser cego em geral (Fontes, 1: p. 58).

Ainda falando sobre a falta de informação, as famílias não se preocupam em

informar aos filhos, principalmente, aqueles prestes a se casar sobre a possibilidade de

nascer uma criança deficiente, uma criança cega. A respeito dessa falta de informação

comenta Marbo172 que certa vez, “uma criança perguntou à sua mãe porque eu estava

com o olho fechado; ocorre que a criança nunca tinha visto uma pessoa cega.

Realmente as famílias não se preocupam em dizer para os seus filhos que existem

pessoas deficientes, a sociedade se preocupa mais com as pessoas que não têm

deficiência” (Fontes, 1: p. 58). 171 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 172 Idem..

127

Rotulando a sociedade de preconceituosa, machista e exclusiva Patghel173

confessa que ser cega e mulher, significa lutar em duas frentes de batalha, pois, “é o

tempo todo buscando cada espaço na sociedade e no mundo moderno” (Fontes, 1:

p.59). Por isso, procura sempre se amparar nos seus direitos e deveres de cidadã cega e

de mulher. Também Magda174 alega “que tem que vencer uma luta todos os dias; por

isso, alerta para o fato de os pais serem mais preparados para criar um filho cego”

(Fontes, 1: p.58). Cita como exemplo, o caso específico que ocorre no Instituto

Benjamin Constant: “as mães ficam muito tempo na instituição sem fazer nada,

aguardando os seus filhos e eles não aprendem a se defender” (Fontes, 1: pp. 58).

A preocupação de Magda175 relaciona-se com a possibilidade das mães se

ocuparem com algo útil e produtivo que lhes traga algum beneficio, como por exemplo,

um curso. Essas mães moram, geralmente, em bairros distantes do IBC e acompanham

seus filhos porque eles são novos e ainda não têm locomoção independente. Além disso,

às vezes o trajeto é longo e complicado, necessitando que sejam tomadas três ou quatro

conduções.

Outro que declarou que ser cidadão cego é muito difícil foi o Iv176: “ser cidadão

cego na nossa sociedade é muito difícil, pois, além de não se ter nenhum apoio dos

governantes, ainda tem-se que conviver num mundo de pessoas egoístas” (Fontes, 1:

p.55). Viavi177 reforça tal posição ao dizer: “o que também atrapalha é o preconceito

com relação ao deficiente” (Fontes, 1: p.58). Contrapondo as duas declarações

173 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 174 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 175 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 176Idem. 177 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

128

anteriores, Mar178 reconhece que: “os cegos precisam ser mais ativos quanto ao

processo de inclusão, apesar da falta de meios e de recursos para atender as

necessidades dos deficientes visuais” (Fontes, 1: p. 56).

Outros como Vit, Anrope e Wacom179 declaram que o fato de serem cegas não

atrapalha em nada: “a sociedade é que não nos aceita e muitos nos tratam com descaso

enquanto outros com preconceitos” (Fontes, 1: pp.56-57). Assim, comentam Wima e

Wacom180 que ser deficiente visual é viver numa constante batalha de superação,

mostrando, acima de tudo, a capacidade de enfrentar a sociedade.

Na percepção de Lups181 “o cego deve procurar participar da sociedade dos

videntes, não se atendo apenas ao mundo dos cegos” (Fontes, 1: p. 58). Além disso,

alerta que se a coisa é ruim para quem enxerga, para quem é cego a dificuldade é muito

maior ainda. Cita como exemplo, as vagas de emprego para cegos: “além de serem

muito poucas, as atividades que os cegos podem exercer são também poucas” (Fontes,

1: p.58). Por último, declara que essa é a dificuldade que o cego tem para exercer a sua

total cidadania.

Nesse sentido, concordamos com Lups182, pois, entendemos que a cidadania

total somente é conquistada quando a pessoa goza de todos os direitos previstos na

Constituição Federal, inclusive o direito de ter um trabalho decente que lhe renda o

suficiente para prover o seu próprio sustento e o de sua família.

178 178 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 179 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 180 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 181 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 182 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

129

Ainda com relação à questão de concursos públicos Alden183 esclarece que aí

reside a maior dificuldade para os cegos, pois eles não dispõem dos mecanismos

necessários ao pleno exercício da cidadania. Afirma que: “quando querem prestar um

concurso, não têm os materiais para estudo no sistema Braille ou em meio magnético,

para poderem fazer as provas em igualdade com os demais; além disso, se

desempenham determinadas funções não têm os equipamentos adaptados, para que

possam ser avaliados com a igualdade que seria necessária” (Fontes, 1: p. 59).

Portanto, em uma sociedade que se pretende inclusiva, há que ser levado em

conta essas desigualdades. Pois, para ser coerente com os princípios de igualdade de

oportunidades, há que se oferecer opções a esses alunos com necessidades especiais na

área da visão que, invariavelmente, passam por múltiplos olhares: diferenciação

institucional, diferenciação curricular, diferentes modalidades de ensino, entre outros

(Denari, 2004). No caso específico dos concursos, os candidatos cegos deveriam fazer

as provas em Braille e, os de baixa visão em tipos ampliados. Quanto aos ledores,

deveriam ser utilizadas pessoas que já prestam esse tipo de serviço e que entendam do

assunto que estão lendo.

Alguns egressos como, por exemplo, San184 defendem a idéia “de maior

aproximação entre cegos e videntes” (Fontes, 1: pp. 55-56). Aliás, a respeito da falta de

entrosamento entre ambos, por diversas vezes observamos durantes as reuniões que

promovíamos no teatro do Instituto, quando éramos diretor-geral do IBC, que havia

uma separação nítida: os professores cegos sentavam de um lado e os docentes que

enxergavam ocupavam o outro lado e, isso ocorria naturalmente e, nós que ficávamos

183 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 184 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

130

no palco, portanto com uma visão do todo, notávamos o fato, entretanto, sem poder

exercer nenhuma ingerência na escolha das amizades ou na preferência dos assentos.

A questão colocada foi a seguinte: se fôssemos analisar a problemática da

integração entre videntes e não videntes, citada anteriormente, sob a ótica da

funcionalidade poderíamos até conseguir uma aproximação física; entretanto, o mais

importante não era apenas a inserção espacial, mas, sobretudo a social. Daí, a

necessidade de se ter em mente que a “proposta de integração implica antes de mais

nada na transformação de relações sociais estabelecidas e sedimentadas entre grupos

humanos” (Glat, 1998: p. 16).

Segundo Carvalho (2004) a questão da exclusão social tem ocupado, atualmente,

importante espaço nas reflexões de todos nós, “particularmente porque os autores que

escrevem sobre a dinâmica das sociedades têm denunciado as desigualdades sociais e

as práticas excludentes, defendendo os ideais democráticos calcados nos direitos

humanos, em especial no da igualdade de oportunidades, para todos” (p. 47).

A respeito desse assunto Duv185 faz a seguinte declaração: “não sei se há

diferença entre o cidadão cego e o não cego; mas, sei que o cidadão cego, para manter

o seu lugar ao sol, deve ‘matar um leão diariamente’ e torcer para não ser pego pelo

‘IBAMA’” 186(Fontes, 1: p. 59).

Apesar do tom hilariante, a revelação de Durv187 demonstra a dificuldade que o

cego encontra na sua labuta diária, para ser aceito e considerado como cidadão, que

goza de todos os direitos.

Também nesse sentido, Margth e Ricas188 se pronunciam dizendo que “o cego é

um cidadão com deveres e direitos, com necessidades específicas que precisam ser

185 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 186 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 187 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

131

atendidas, mas, de forma alguma se torna menos cidadão que outro” (Fontes, 1: p. 56).

Enfim, poder participar da sociedade em que se vive atuando e transformando-a, sem

ser esquecido ou ser super-protegido.

Além desses que se manifestaram, outros como Edu, Cama, Apipe, Sisori.

Rofa, Resa, Roaf e Mahef,189 concordam que a deficiência apesar de trazer grande

limitação, não incapacita o cego para estudar e trabalhar, enfim, cumprir seus deveres e

gozar de seus direitos como cidadão. Não obstante a limitação do cego, Acriz190

complementa a colocação anterior realçando que:

“ser cidadão cego também é uma conquista; até porque muitos cegos internalizam com facilidade a condição de inferioridade que a sociedade os atribui. Assim, a maioria dos cegos é a favor da gratuidade, reservas de vagas, dentre outros benefícios, que os colocam na seguinte situação: querem ter os direitos de cidadão, mas não fazem muita questão de arcar com os deveres. Esta consciência é um pouco complicada porque muitos companheiros cegos não compreendem certos privilégios como discriminação e até se zangam quando tocamos nesses assuntos polêmicos” (Fontes, 1: p. 59).

A fala de Crima191 traz uma mensagem muito importante, à medida que aponta para a necessidade dos pais da criança cega serem orientados a respeito de como tratar essa criança:

“Considero-me uma pessoa comum, apesar da minha cegueira. Aliás, não tenho vergonha de dizer que sou cega, até gosto que as pessoas saibam que sou cega. Gostaria de acrescentar que é preciso preparar os pais para o convívio com o filho deficiente visual, principalmente nos casos de glaucoma, como foi o meu. Quando o IBC receber um aluno cego, logo na estimulação precoce ou no jardim de infância é preciso conversar bastante com os pais, preparando-os, ensinando-os como lidar com o seu filho que é cego ou muito breve ficará cego” Fontes, 1: p. 58).

188 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 189 Alunos egressos do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 190 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 191 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

132

Enquanto Wisf192 declara - contrariando o que dizem alguns colegas - “que sou

uma pessoa privilegiada, pois aprendi a dar valor à vida” (Fontes, 1: p. 57), Alunf193 -

em contrapartida – confessa que “ser cidadão cego é vencer cada etapa com grande

sacrifício, mesmo porque os obstáculos são bem maiores. Isto é, o muro a escalar para

perseguir os objetivos parece intransponível. Enfim, é viver na esperança de que os

direitos sejam iguais, assim como as oportunidades” (Fontes, 1: p. 58).

Com esse depoimento, parece que Alunf194 deseja esclarecer que não adianta

falar em igualdade, sem que antes sejam oferecidas as armas e o preparo adequado para

a luta. É o caso, por exemplo, das provas dos concursos públicos, cujas dificuldades

para realizá-las já foram mencionadas anteriormente.

Como colocam Ferreira & Ferreira (2004) independente das peculiaridades dos

alunos com necessidades educativas especiais, a educação a eles destinada deve

revestir-se dos mesmos significados e sentidos que ela tem para os alunos que não

apresentam deficiências. Logo, a escolarização na perspectiva da cidadania tem como

objetivo educacional a formação de um homem crítico, autônomo quanto aos processos

de construção do conhecimento, enfim, ela passa a ser um espaço do exercício de

direitos e de interações significativas.

Isso porque a educação é um direito e, instrumento básico para o exercício da

cidadania (Padilha, 2004). Em que pese esta afirmação, sabemos que não basta termos

leis que determinem o preconceito como sendo crime e a educação como direito de

todos. Aliás, a luta pelo exercício dos direitos é uma luta popular, uma luta de classe,

queiramos ou não. Daí, a construção e o fortalecimento de uma cultura de convivência

192 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC. 193 Idem. 194 Aluno egresso do IBC (1985-1990) – resposta ao questionário enviado após o I Encontro de Egressos do IBC.

133

humana têm como eixo central a formação da cidadania em educação e valores, sendo a

instituição escolar o eixo de repercussão direta (Denari, 2004).

Ao encerrar este capítulo, convém lembrar que a sociedade é um sistema de

normas (Nóbrega, 1992), sendo excluídos, portanto, todos aqueles que são rejeitados e

levados para fora de nossos espaços, do mercado de trabalho, dos nossos valores,

vítimas de representação estigmatizante (Carvalho, 2004).

Por último, embora tenha ocorrido significativos avanços nos processos de

socialização da informação e as desigualdades sociais sido denunciadas publicamente,

tornando-se mais conhecidas e combatidas, infelizmente, o isolamento social que as

pessoas com necessidades especiais vivem ainda persiste. Assim, essa erradicação é

difícil já que a marginalização desses indivíduos tem raízes históricas profundas (Glat,

1998), se estendendo desde o início da vida humana sobre a Terra, como já citamos no

primeiro capítulo

134

Capítulo 5 - Histórias de vidas

Neste capítulo, temos o propósito de apresentar os nossos entrevistados. Para

isso, lançamos mão de todo material colhido no segundo módulo de construção das

fontes orais e, realizamos um exercício interpretativo desse material, organizando-o de

tal forma que pudesse ser feito o retrato desses egressos, ainda que em preto e branco e

superficial.

Conforme comenta Bosi (1979) “ouvir uma narrativa é um compromisso afetivo

(...) e, a história de cada um, dependendo do limite de confiança estabelecido, é denso,

vasto, sincero e documental” (p. 47). No que diz respeito a essa afirmação, entendemos

que esse limite seja realmente o fator mais importante para a coleta de informações

fidedignas e espontâneas.

No caso específico desta pesquisa – que envolve ex-alunos do Instituto

Benjamin Constant que concluíram o ensino fundamental entre 1985 a 1990 – convém

ser ressaltado que durante esse período, o pesquisador foi professor de educação física

desses egressos, tendo à época estabelecido bom laço de amizade e de confiança, de

forma que permitiu mostrar esse atores 15 a 20 anos depois, dentro da realidade

vivenciada pelo cego, em pleno século XXI, numa sociedade que ainda se mantém

preconceituosa e exclusivista.

Portanto, este capítulo objetivou reconstruir a história pessoal dos entrevistados

desde suas mais remotas memórias da infância até os dias atuais. Foram levantadas

questões voltadas à época que esses egressos ainda apresentavam algum resquício de

visão, da maneira de pensar a sociedade e o grupo no qual se inseriam e suas variações

através do tempo. Levantou-se também questões relacionadas com a escolha de amigos,

hábitos de comer e vestir e de divertir-se. Outras temáticas como namoro e casamento,

135

eventos sociais e situações embaraçosas pelas quais eles passaram, integraram o

universo da coleta.

5.1 - Éden

Natural de Caxias, Estado do Rio de Janeiro, nasceu em 1963, apresentando

glaucoma congênito no olho direito e sem nenhuma visão no olho esquerdo. Foi

operado aos nove meses de idade, do olho esquerdo, sob a alegação médica de não

prejudicar o olho direito. Ainda criança, foi submetido a dez cirurgias no olho esquerdo,

o que lhe fazia passar meses no hospital juntamente com a sua mãe. Em 1977, com a

pressão elevada do olho direito devido ao glaucoma, o olho explodiu e foi levado para o

hospital para ser submetido à cirurgia para colocação de prótese, uma vez que o nervo

óptico fora inutilizado. Essa cirurgia foi realizada no Instituto Benjamin Constant (IBC).

Embora oriundo de uma família bastante humilde, Éden teve uma infância rica

em atividades de lazer. Inventava coisas para brincar, além dos brinquedos de lata e de

plástico que às vezes ganhava. Desde criança já revelava a sua predileção por andar de

bicicleta – atividade que desenvolveu até os últimos vestígios de visão – e pelos

estudos, o que o levava a dizer à sua mãe a todo o momento que queria estudar.

5.2 - Juscelino

Nascido em Capela Nova, Minas Gerais, em 23 de janeiro de 1968 e oriundo de

uma família rural, foi o último filho, de uma série de quatorze, “a raspa do tacho”

como costuma dizer. Na família não tem nenhum caso de cegueira, a não ser uma irmã

que tem retinose pigmentar, mas parece estar estabilizada. Começou a usar óculos a

partir de um ano e seis meses por apresentar baixa acuidade visual para longe e para

perto.

136

Aos três anos de idade ganhou um velocípede de madeira e, ao andar com ele,

trombava nas mesas, nas cadeiras e nos demais objetos que se encontravam à sua frente,

machucando os seus dedos. Apesar de pouca instrução “a minha mãe já percebia que eu

tinha algum problema de visão” (Fontes 2: p. 195), o que lhe causava tristeza e choro.

Tendo nascido em uma fazenda era muito levado e fazia todas as coisas que os seus

primos faziam como: jogar bolinha de gude, andar de bicicleta, montar a cavalo e tomar

banho no rio – coisa que hoje em dia se tornou impraticável face à poluição.

Começou os seus estudos em uma escola comum, lá no interior de Minas, onde

estudou até a 4ª série do ensino fundamental. A partir da 5ª série, o seu problema visual

começou a progredir, pois tinha retinose pigmentar, que é uma doença progressiva.

Assim, começaram a aparecer muitas dificuldades para acompanhar a turma, até porque

eram vários professores, diferente da 4ª série, que só tinha um professor e “esse me

ajudava a escrever e a passar a matéria para o caderno”. Essas dificuldades, portanto,

lhe levava a pensar que era o “menino burrinho da sala de aula” (Fontes 2: p. 195).

Daí o seu desespero: “Meus Deus do Céu, como será que eu vou conseguir

estudar?” (Fontes 2: p. 195). Logo a sua preocupação se transformou em realidade,

pois, o seu cunhado soube da existência do Instituto Benjamin Constant, fez contato

com a instituição e, em 1981, ele foi matriculado ficando interno durante a semana,

sendo que nos finais de semana e feriados ia para casa de uma irmã que morava em

Nova Iguaçu.

Ao chegar ao IBC, não pôde ser matriculado na série que estava freqüentando, a

5ª série, “voltei para a 3ª série, porque realmente as nossas escolas em qualidade de

ensino realmente continuam ruins; também, se eu ficasse repetindo o ano, seria mais

um drama para mim, mais uma frustração” (Fontes 2: p.197). Confessa que a melhor

terapia para uma pessoa que está perdendo a visão, ficando cega, é entrar em contato

137

com outros deficientes. “Eu via aquele monte, aquela quantidade de crianças cegas e

professores, aí eu dizia: ‘tá beleza, tá tudo tranqüilo, vou continuar, vou estudar e ter a

minha vida normal’” (Fontes 2: p. 197).

Em face da diminuição da visão, antes de começar efetivamente a freqüentar as

aulas na 3ª série, Juscelino começou a aprender o Sistema Braille: “em três meses eu já

estava lendo e escrevendo o Braille” (Fontes 2: p. 197). Apesar de o Braille ser um

sistema considerado como de difícil aprendizagem, principalmente para as pessoas que

enxergam, a vontade de vencer e de progredir desse jovem já demonstravam que ele

seria um vencedor.

Ficar longe da sua família lhe causou muito choro, noites mal dormidas,

tristezas... pois lembrava de seus 10 irmãos e de sua mãe. “A minha mãe tinha um

afilhado que perdeu a mãe e vivia conosco, praticamente um filho adotivo. Fiquei seis

meses sem ver a minha mãe, quando cheguei, ele falou para mim que a minha mãe

chorava muito, ela era muito apegada a mim” (Fontes 2: p. 197). Apesar de o Benjamin

Constant ter sido muito bom para Juscelino, ele confessa que “é muito drástico viver

longe da família, pois a presença e o convívio com ela são fundamental na

aprendizagem, no equilíbrio emocional, na formação da personalidade, etc.” (Fontes 2:

p. 197).

5.3 - Arnaldo

Natural do Rio de Janeiro nasceu em 21 de janeiro de 1973, sem enxergar, com

glaucoma congênito em ambos os olhos. Oriundo de uma família muito humilde, dos

cinco irmãos ele foi o único a apresentar problemas visuais. Seus pais somente

perceberam a deficiência após seis meses de vida. Foi submetido à primeira cirurgia aos

dois anos de idade e até aos 10 anos não tinha noção do que era ser deficiente visual,

138

pois “tinha uma infância igual a todos os seus coleginhas, como por exemplo, jogar

bola e andar de bicicleta – coisa que tem saudades até os dias de hoje” (Fontes 2: p.

222). Foi submetido à sua segunda cirurgia aos 10 anos de idade.

Estudou até a terceira série do ensino fundamental, em escola municipal da

Cidade do Rio de Janeiro, tendo ingressado no Instituto Benjamin Constant, em 7 de

janeiro de 1986, com 12 anos de idade. Àquela época ainda tinha 15% de visão, mas

alega que precisava estudar em escola especializada, pois não conseguia ler o que estava

escrito no quadro-negro e nem identificar os objetos à sua frente, como ocorreu durante

uma aula de desenho: “Isso me marcou muito porque não consegui (...) enxergar um

objeto colocado à minha frente, que o professor havia pedido para desenhar” (Fontes

2: p. 222).

Arnaldo foi um garoto que desde cedo se apaixonou pela leitura e tudo teve

início no Instituto. Quando enxergava gostava de jogar futebol, pensava até em ser

profissional quando crescesse; com a perda da visão, contudo, as suas brincadeiras

foram substituídas pelo hábito da leitura.

“Eu digo que o IBC foi um marco, porque ele me apresentou um outro mundo, o mundo da razão; eu passei a gostar de literatura no IBC; li o meu primeiro livro de política aos 13 anos. Na verdade eu o ouvi, não o li em Braille, foi Olga – um livro que me marcou demais – eu era molecote. Reli este livro no Colégio Pedro II. Lembro-me que ia para o terceiro andar, com um colega, ouvir fitas de livros” (Fontes 2: p. 227).

5.4 - Glória

Nascida no interior do Estado do Rio de Janeiro, no dia 01 de fevereiro de 1969,

Glória tem pai e mãe vivos, um casal de irmãos e a sua mãe que também é cega.

Entrou para o Instituto Benjamin Constant aos seis anos de idade e, ”foi muito

difícil para eu me acostumar à nova vida, distante de minha família, na condição de

139

interna, só retornando ao lar às sextas-feiras à tarde” (Fontes 2: p. 265). A dificuldade

para ela se acostumar foi tamanha que, no início, teve que sair da escola, ficar com a

família e só retornar após dois meses.

Os momentos mais significantes da sua vida foram “aqueles que eu passei no

Instituto, quando era do Jardim de Infância; não que em minha casa eu não tivesse

infância, mas, no Benjamin Constant foi outro tipo de infância, era aquela coisa mais

controlada, mais gostosa, havia horários para tudo” (Fontes 2: p. 265). Conta-nos que

as crianças se reuniam com as recreadoras e ouviam historinhas. Havia uma salinha

onde as crianças ficavam nos momentos vagos “e ali tinham caixas de brinquedos e nós

ficávamos bem à vontade para brincar e, assim, íamos passando os dias das nossas

vidas” (Fontes 2: p. 265).

Ela também revela que gostava de brincar no pátio do Instituto, porque no

Jardim de Infância “a gente ficava muito limitado dentro da salinha; quando agente ia

para o pátio, ficava mais à vontade, mesmo porque quase nunca a gente ia lá” (Fontes

2: p. 266).

A mãe de Glória, embora fosse cega, toda segunda-feira a deixava no Instituto e

na sexta-feira ia buscá-la “e queria saber tudo que aconteceu comigo durante a semana;

se eu havia me comportado bem, ficado doente, aquela preocupação, até excessiva”

(Fontes 2: p. 265).

Uma das preocupações do IBC é trabalhar com os alunos a questão da

“Atividade de Vida Diária”, por tratar-se de afazeres que à cada dia da vida da criança

cega vai se tornando mais necessário, os quais repercutem na sociabilização e na

independência da pessoa. São pequenas tarefas que vão desde o aprender a escovar os

dentes, calçar o próprio tênis, até arrumar uma cama ou fazer uma comida. Desde cedo,

aos sete anos de idade, esclarece Glória que “tomava banho sozinha e sabia vestir-se

140

sozinha” (Fontes 2: p. 266). Aos 12 anos entrou para o curso de arte culinária, onde

aprendeu alguns serviços domésticos que lhes servem até hoje como: lavar e passar

roupa, cozinhar, cuidar da casa, dentre outras. “Por isso agradeço ao Benjamin

Constant, porque eles faziam com que a gente se sentisse bem independente” (Fontes 2:

p. 266). Realmente a Glória é uma boa cozinheira e o seu strogonoff e a sua carne

assada recheada considerada excelentes por todos.

Algumas questões como, por exemplo, menstruação, virgindade e sexo ela

confessa “aprendi mesmo foi no Instituto Benjamin Constant; os professores eram

bastante claros e, conversavam mesmo com a gente sobre tudo. Quando eu chegava em

casa e falava com a minha mãe, ela dizia: ‘Nossa! Eu nunca tive coragem de falar isso

para você’” (Fontes 2: p. 267).

Quanto ao namoro, escolha do companheiro e do casamento, foi mais

complicado: “fui muito namoradeira. Desde os 13 anos namorei, tive muitos

namorados. Só pensei mais sério aos 20 anos, quando conheci o meu atual marido.

Estava na oitava série. Foi um namoro gostoso e, hoje, já estamos casados há 15 anos”

(Fontes 2: p. 268).

Com relação aos filhos, ela esclarece “quando estava namorando já planejava

ter um menino e uma menina e foi o que aconteceu realmente” (p.268). Contou-nos que

o garoto é muito responsável, estudioso e obediente, mas a garota, apesar de ser muito

inteligente, é preguiçosa e desligada. Estuda junto com os seus filhos, ensinando todos

os deveres, exceção feita à Matemática.

Concluiu a oitava série em 1989 e no início de 1990 foi morar no interior do

Estado do Rio, dando início a uma nova vida, juntamente, com o seu marido. No ano

seguinte teve o seu primeiro filho e depois o segundo:

141

“Fiquei 11 anos sem estudar. Quando os meus filhos estavam com nove e oito anos comecei a pensar em mim, precisava estudar para ajudar o meu marido, ai fiz o magistério. Foi muito difícil porque tinha que cuidar dos filhos, da casa e ainda estudava em uma escola de apoio, pois nem tudo que o professor passava no quadro eu tinha condição de absorver e entender” (Fontes 2: p. 269).

Concluiu a oitava série do ensino fundamental em 1989 e, somente, em 2003

conseguiu concluir o curso de magistério. Para fazer o magistério sofreu muito:

“Se não fosse uma colega que sentava ao meu lado e me incentivava, acho que

não teria concluído; tinha dia que o professor chegava à sala e eu não sabia

que ele tinha chegado. Um dia ele falava comigo, outro chegava mal humorado.

Escreviam a matéria no quadro e não avisava nada. A Matemática, então ,

aqueles gráficos eu morria, chorava muito. Ia para a escola de apoio e tentava

fazer os gráficos, mas, não era a mesma coisa. As notas não foram muito boas,

mas contornei e consegui passar” (Fontes 2: p. 269)..

É casada com um ex-aluno do IBC que também é cego. Tem um casal de filhos,

de visão normal, não trabalha, dedicando-se somente ao lar. Pretende continuar a

estudar e a trabalhar. Mora em uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro,

distante da capital 200 quilômetros aproximadamente.

Na cidade que reside, não tão distante do Rio de Janeiro, alega Glória que o

tratamento dispensado ao cego é bem diferente da sua cidade natal. “Não sei se eles não

gostam do cego ou não sabem com lidar com ele. Às vezes a pessoa está ao seu lado,

percebe que você precisa de ajuda, mas nada fazem. É necessário você cutucá-la com a

bengala, só aí que ela se toca e ajuda” (Fontes 2: p. 271).

5.5 - Jurema

Nasceu em Miradouro, Estado de Minas Gerais, no dia 21 de janeiro de 1970.

De uma família humilde, somente foi descoberto que ela tinha glaucoma congênito com

142

1 ano e 8 meses de idade, ocasião em que fez a primeira cirurgia para controle da

pressão do olho: “Até os oito anos tive uma infância muito gostosa, apesar do meu

problema visual; participava de todas as brincadeiras com as minhas coleginhas,

inclusive, brincando de pique na rua” (Fontes, 2: p. 277). Ela não tinha noção de que

era deficiente e pensava que todos enxergavam iguais a ela: “eu queria participar das

Olimpíadas Internas do Benjamin Constant e não conseguia, porque elas limitavam as

minhas atividades” (Fontes, 2: p. 278). Para amenizar a situação na escola, a sua mãe

explicou o seu problema a todas as professoras, de forma que pôde sentar-se à frente,

em local bem próximo ao quadro negro e que permitisse ler e copiar o que estava escrito

nele; “Os meus amigos de infância eram tão bons comigo que quando eles perceberam

que eu estava perdendo a visão, ele pegavam o caderno das minhas mãos e faziam as

linhas em pilot, para eu conseguir enxergar” (Fontes, 2: p. 277).

Apesar de pertencer a uma família pobre, tal fato nunca lhe incomodou, pois

vivia em ambiente limpo, saudável e não havia miséria. Além disso, recebia todo

carinho de sua família, mesmo porque era filha única.

Aos nove anos de idade o seu olho direito fora extraído e, passados dois meses

dessa cirurgia ela perdeu o olho esquerdo – atrofia do nervo óptico. Aí começou uma

verdadeira odisséia, pois, além dessa perda ter sido muito rápida, era o olho que ela

ainda enxergava: “O meu drama começou aos nove anos; via a minha mãe muito triste

por eu ter perdido a visão e, a minha irmã já tendo nascido também deficiente visual.

Aí eu sentia uma carga muito grande” (Fontes, 2: p. 277).

A vontade de estudar de Jurema era tão grande que aos 4 anos de idade ela pediu

à sua mãe para levá-la a uma coleginha – que era explicadora na vizinhança - uma

menina que estava concluindo o magistério: “Fato é que eu fui alfabetizada com quatro

143

anos de idade, nessa brincadeira de ir para a explicadora, ficar do lado dela e ela me

corrigindo; com 7 anos eu fui para a escola” (Fontes, 2: p. 277).

A morte do seu pai o abalou bastante: “Ele era alcoólatra e justificava a sua

bebida pela nossa deficiência; achava-se culpado e encontrava na bebida um refúgio”

(Fontes, 2: p. 279).

A Jurema não é uma pessoa revoltada devido à sua deficiência, entretanto,

confessa que gostaria de enxergar para “ver o por do Sol, ler bastante, dirigir e curtir

muitas coisas que dependem essencialmente da visão” (Fontes, 2: p. 280).

Ao sair do Instituto Benjamin Constant Jurema foi para o Colégio Pedro II onde

cursou o ensino médio e, em seguida, fez o curso de História na Universidade Federal

do Rio de Janeiro (UFRJ). No momento está fazendo o curso de direito.

Ela é bastante independente, casada e não tem filhos. Foi funcionária do Instituto

Benjamin Constant e, atualmente, é funcionária pública estadual, além de ser professora

de História, profissão que gosta bastante. Tem grande censo crítico, gosta bastante de

ler e é aficionada ao Braille.

5.6 - Isaura

Natural da cidade do Rio de Janeiro nasceu em 25 de junho de 1970, com o

diagnóstico de micro-globo e micro-córnea congênita hereditária. Filha de mãe cega –

causada por infecção pós-natal, bilateral – e pai cego, por micro-córnea congênita, tem

avós paternos e 2 tios paternos com a mesma moléstia.

Teve uma infância bastante dinâmica, embora fosse uma criança sossegada. De

suas lembranças, fala: “eu gostava de brincar de pique com as coleginhas filhas de

amigos do meu pai e, essas brincadeiras ocorriam na vila, no prédio, na calçada,

enfim, onde tivesse oportunidade” (Fontes, 2: p. 299). Desde aquela época já enxergava

144

muito pouco e, por isso, levava desvantagens nas brincadeiras, sendo às vezes ajudada

pelas colegas conforme diz: “Eu não me lembro muito das regras, mas, eu era um

pouco protegida; de repente eu tinha algumas regalias dentro da brincadeira: eu não

era a que seria pega e nem aquela que iria pegar” (Fontes, 2: p. 299).

A sua primeira escola foi um Jardim de Infância perto à sua residência; era uma

escola particular onde permaneceu por dois anos. Na época de ser alfabetizada alega que

houve certa polêmica em sua casa, a respeito da escola que estudaria: se seria em uma

escola especializada ou em uma escola comum, com apoio pedagógico especializado.

Chegou-se à conclusão que Isaura estudaria em uma escola especializada – no Instituto

Benjamin Constant. “Assim eu fui matriculada no IBC para ser alfabetizada à tinta”

(Fontes, 2: p. 301). Mas, à medida que foi perdendo a visão os seus professores

perceberam a necessidade dela aprender o Braille, o que lhe custou a permanência por

mais dois anos na Classe de Alfabetização, pois já se encontrava para ser promovida

para a primeira série.

Estudar no IBC foi algo comum para a vida de Isaura, pois a sua mãe era

professora daquele Instituto e constantemente ela estava lá com ela. “Na verdade eu já

estava acostumada e gostava da escola” (Fontes, 2: p. 301).

Isaura concluiu a oitava série do ensino fundamental aos 16 anos de idade e foi

cursar o Magistério em um colégio de irmãs e a seguir, cursou Pedagogia.

Atualmente está com 35 anos, é solteira, pedagoga, pós-graduada em psico-

pedagogia e professora do Instituto Benjamin Constant.

145

Capítulo 6 - Cegueira e sociedade

Este capítulo volta-se para o registro das relações entre inserção social e ação

dos entrevistados. Compreende e pressupõe o levantamento e análise de fontes

primárias e secundárias sobre eles e o contexto de suas vidas no IBC e após a saída do

Instituto, tentando abranger questões que se remetem diretamente aos objetivos

delineados no projeto de pesquisa que baseou essa tese. Articula-se à leitura crítica do

que foi produzido nos módulos anteriores e parte de um roteiro temático previamente

delineado. Tal roteiro, baseado nas informações coletadas, compreendeu os seguintes

temas: a construção da identidade; educação em escola especializada e educação em

escola comum; a trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira e a cegueira e as

tecnologias. Esses temas partiram não só dos depoimentos, mas da necessidade em se

dar voz aos cegos para que falassem de tópicos essenciais a melhor compreensão de

suas visões de mundo, nas quais, sem dúvida, o impacto da experiência de aprendizado

no Instituto Benjamin Constant se faz sentir.

6.1 - A construção da identidade.

Queremos iniciar esse tema citando Sá (1998) quando ele fala sobre a

identificação dos fenômenos de representação social. Ele se reporta a uma pergunta

surgida de um grupo, que havia criado, para estudar as representações sociais: “(...)

então, tudo é representação social? Há representação social de tudo? Da mosca, do

Presidente Sarney e, assim por diante?” O professor Sá respondeu que para gerar

representações sociais “o objeto deveria ter suficiente ‘relevância cultural’ ou

‘espessura social’ (...)” (p.45). Outra colocação que nos chamou a atenção foi: “(...) é

146

possível, por exemplo, que um grupo tenha uma representação social de certo objeto e

que outro grupo se caracterize tão-somente pelo fato de dispor de um conjunto de

opiniões, de informações ou de imagens acerca desse mesmo objeto, sem que isso

suponha a existência de uma representação social” (Sá, 1998: pp. 46 – 47).

Concordando com a afirmação anterior, citamos, por exemplo, a bengala longa,

usada pelo cego para a sua locomoção diária. Ela representa para o grupo dos cegos a

extensão da mão, a independência, a liberdade. Entretanto, para outros grupos sociais,

ela não tem essa mesma representatividade.

Outro ponto interessante apontado por Sá (1998) foi: “de onde é que se deve

partir no processo de identificação prévia: do objeto ou do sujeito?” (p.56).

Acreditamos que o ponto de partida poderá ser qualquer um deles, embora Sá (1998)

comente que a rigor torna-se difícil identificar, porque os pesquisadores não acostumam

relatar detalhes iniciais de suas inspirações, interesses e decisões. Por outro lado,

convém ressaltar que as pessoas compreendem e interpretam diferentemente as

situações nas quais se encontram e não se comportam de maneira semelhante diante de

um procedimento que permanece idêntico. É o caso, por exemplo, de um adolescente

cego em duas situações: na primeira, conversando com seus colegas cegos e, na

segunda, com colegas que enxergam.

Por outro lado, também cabe sublinhar que o conceito de identidade é

relativamente novo na história da humanidade. Para este estudo utilizaremos três

conceitos de identidade apresentadas por Hall (1998). A primeira, o sujeito do

Iluminismo “estava baseado em uma concepção da pessoa humana como indivíduo

totalmente centrado e unificado, dotado das capacidades de razão, consciência e ação,

cujo “centro” consistia em um núcleo interior que emergia pela primeira vez com o

147

nascimento do sujeito e desabrochava com ele, permanecendo essencialmente o

mesmo” (p.10). É nessa concepção, portanto, que o sujeito vai conquistando espaço na

medida em que as discussões sobre a individualidade ganham importância.

Depois veio a idéia de um sujeito que se estrutura a partir de relações com outras

pessoas, o sujeito sociológico,

“que refletiu a complexidade crescente do mundo moderno e a compreensão de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas formado em relação a outros significativos, que mediavam o sujeito pelos valores, significados e símbolos. (...) A identidade, nesta concepção sociológica, faz a ponte entre o interior e o exterior” (Hall, 1998: pp.10-11).

Por último, há a concepção de indivíduo pós-moderno, na qual a identidade não

é fixa ou permanente. A pessoa tem identidades múltiplas e as "veste" de acordo com o

papel que exerce em um determinado momento - estudante, trabalhador, pai, mãe,

marido, esposa, por exemplo. Como coloca Hall (1998), nessa concepção, “a identidade

tornou-se uma festa móvel: formada e transformada continuamente em relação às

maneiras pelas quais somos representados e tratados nos sistemas culturais que

circundam” (p.11).

Baseado nessa concepção de Hall pode-se considerar, então, a construção da

identidade como um acontecimento social, que ocorre durante toda ou parte da vida dos

indivíduos. Desde o nascimento o homem inicia uma longa e perene interação com o

meio que está inserido, a partir da qual, construirá não só a sua identidade, como a sua

inteligência, suas emoções, seus medos e sua personalidade.

No entendimento de Isaura195 a formação da identidade se faz através da relação

com o outro; “qualquer pessoa, ao longo da sua evolução, desde pequenino até a idade

195 Entrevista. Aluna egressa do IBC, período 1985/1990.

148

madura vai construindo a sua identidade” (Fontes 2: p. 315). Assim, o cego vai

formando a sua identidade tanto no trato com os que enxergam, quanto no trato com

outros cegos. Daí, então, a importância do cego lidar tanto com videntes quanto com

outros cegos. E por isso, Isaura196 esclarece:

“não é possível negar que exista preconceito, que existam pessoas que têm pena e, existam pessoas que têm vergonha de andar com cegos. Como também, não é possível que a criança, que o cego, conviva somente com pessoas que o proteja, porque ele tem que ser exposto ao desafio, até mesmo para que ele consiga enfrentá-lo” (Fontes 2: p. 315).

Como compreender então o processo de soerguimento da identidade desses

indivíduos cegos que estamos estudando, que desde a idade mais tenra – a partir dos

quatro ou sete anos - se ligaram ao Instituto Benjamin Constant, pois foi ali que

passaram a maior parte da infância e da adolescência.

Dessa forma, os extensos corredores do IBC, com suas enormes portas e janelas

e os pátios internos – com seus gramados verdes e bem cuidados - convidativos às

brincadeiras, juntamente, com outros espaços como as salas de aulas, a biblioteca, o

teatro, os alojamentos, o refeitório, a piscina, o campo de futebol e o ginásio de

esportes, formam um conjunto de símbolos poderosos que certamente contribuíram para

a formação da identidade desses indivíduos.

Além desses símbolos presentes em suas vidas durante a estada no Instituto,

existem outros que permaneceram e que são perenes como os livros em Braille, a

reglete e o sorobã, que se constituem em elementos indispensáveis na educação do cego,

além da influência de familiares, colegas e professores.

Como colocam Grinberg & Grinberg (1980) são muitos os questionamentos que

surgem quando se pretende analisar a fundo o conceito de identidade. Assim, podemos 196 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.

149

encontrar algumas perguntas como, por exemplo: Qual é a natureza do que chamamos

identidade? É uma estrutura? É um símbolo? É um vínculo? É uma força que mantém a

coesão do Eu? É uma relação entre múltiplas relações? É um sentimento? É uma

expressão de uma fantasia inconsciente específica? Existe desde o nascimento da vida

ou vai se consolidando gradativamente durante a evolução?

Ainda segundo Grinberg & Grinberg (1980),

“O sentimento de identidade é resultante de um processo de interação contínua de três vínculos de integração que são: espacial, temporal e grupal. (...) dessa forma, o vínculo de integração espacial diz respeito às distintas partes do self entre si e permite a diferenciação self e não self; o temporal estabelece uma continuidade entre as distintas representações do self no tempo e, o vínculo de integração social é o que relaciona aspectos do self com aspectos dos objetos, mediante os mecanismos de identificação projectiva e introjectiva” (p.26).

Afinal o que é identidade? Será que pode ser definida apenas pela resposta de

uma simples pergunta do tipo, quem sou eu? Ou a construção da identidade exige

elementos mais complexos, que variam no tempo e no espaço, de acordo com o grupo

ao qual pertence o sujeito? Segundo Ciampa (2004) essa simples pergunta é

insatisfatória, pois,

“quando respondemos a uma pergunta desse tipo, a primeira observação a ser feita é que nossa identidade se mostra como a descrição de uma personagem (como em uma novela de TV), cuja vida, cuja biografia aparece numa narrativa (uma história com enredo, personagens, cenários, etc.), ou seja, como personagem que surge num discurso (nossa resposta, nossa história)” (p.60).

Falando a respeito da importância da criança viver no mesmo grupo e freqüentar

o mesmo espaço, Isaura197 declara o seguinte:

“(...) a gente aqui na escola quando era criança, entre nós, todos eram iguais. A gente brincava de bola, de casinha, de pique (...), não importa que fossem todos cegos; de vez em quando a gente se esbarrava, tropeçava, levava tombo, eram situações inevitáveis para nós, pois, éramos cegos. Mas era todo mundo igual, não existia sentimento de inferioridade ou de superioridade, face à cegueira.

197 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.

150

Lógico que existiam umas garotas que eram mais “metidas”, outras tinham poder aquisitivo maior e aí achavam que eram mais, mais isso tem em toda parte, mas a cegueira não nos distinguia, éramos todos iguais. Então, isso ia dando para nós aquela idéia de que nós somos pessoas comuns e, às vezes, quando saímos daqui, como aconteceu comigo. Saí para uma escola comum, fui fazer o curso normal e lá me deparei com uma outra realidade, onde as pessoas tinham medo de me deixar sozinha; então eu estranhei muito essa mudança, porque ali eu não era igual” (Fontes 2: p.315).

O debate sobre a identidade, principalmente, na fase da adolescência, assume

grande importância nos depoimentos analisados. Considerada como fase fundamental

no processo de construção da identidade, pois é o momento de dúvidas, de

questionamentos e de descobertas, o jovem sente necessidade de se mostrar e ser

reconhecido em suas múltiplas identidades. Nesse caso, não há diferença pelo fato do

jovem ser cego, mesmo porque ele sente as mesmas reações e vontades, idênticas

àqueles que enxergam. É, portanto, o período de acúmulo, crescimento, perdas, ganhos,

certezas e incertezas.

"Imprensado" entre a infância e a fase adulta da vida, o jovem deseja reafirmar-

se e conquistar espaço próprio. Por isso, o adolescente busca pertencer a grupos, adota

visual pouco comum e faz de seu corpo um "laboratório de experiências". Piercings,

brincos, tatuagens, cortes de cabelo e musculação são exemplos de manipulações que

têm o objetivo de torná-lo diferente - e facilmente reconhecível. Para o jovem, a

afirmação de sua(s) identidade(s) e a "construção" da aparência são processos que

guardam estreita relação entre si.

O adolescente cego não é diferente do seu colega vidente; ele também segue a

moda: usa cortes de cabelos da moda, piercings, corpo “sarado”, brincos nas orelhas,

cabelos coloridos, jargões dos grupos que freqüentam, gírias, vão aos bailes funks, e

todas outras atividades que atraem a juventude. Desde cedo ele vai buscando referências

151

entre outros jovens – cegos e não cegos – que possam refletir na construção da sua

identidade. Acontece de se encontrar pessoas e circunstâncias que são constituintes da

identidade, mas que nem sempre são “positivas”.

A esse respeito Juscelino198 assim se expressa:

“Pela experiência que eu tenho hoje, eu vejo o convívio do cego, do deficiente, de outra forma, diferente de dez ou quinze anos atrás. E eu nem culpo eles não; eu culpo o próprio sistema. (...) porque quando se casam cego com cego é porque só convivem cegos com cegos. Então não é culpa deles. Às vezes tem algumas pessoas que têm uma postura arredia, até a convivência lá dentro mesmo com quem enxerga, porque eu percebia isso entre os professores que reclamavam das pessoas que trabalhavam lá. Porque o mundo não é dos cegos, é de todos; mas, a sociedade deve respeitar a sua limitação, e você tem que ter o convívio normal com todo mundo” (Fontes 2: p.214).

O preconceito, a exclusão ou até mesmo a falta de informação a respeito do

cego não podem se constituir em referências negativas para a construção da identidade

da pessoa cega. Normalmente algumas pessoas ao se referir aos cegos o fazem assim:

“aqueles são cegos e aqueles outros são videntes”. Ou até mesmo de forma mais

carinhosa, “aqueles são ceginhos”. A respeito desse tratamento, alguns cegos como

Juscelino199 não se importam: “eu acho que a gente tem que tratar isso com

naturalidade, pois se nós não aceitarmos a nossa condição, como é que vamos exigir

que a sociedade nos aceite?” (Fontes 2: p. 208).

Conforme coloca Éden200, dificilmente alguém acaba com o preconceito;

“Parece que já é uma coisa enraizada e já faz parte da sociedade porque nós temos preconceitos em relação a muitas coisas, em várias áreas diferentes. Muitas vezes o preconceito decorre da falta de conhecimento das pessoas, porque elas não sabem muito bem o que é que o cego faz, o que ele não pode fazer ou como lidar com o cego. E isso confunde muita gente. Acredito que muita gente não tem preconceito, o que tem é falta de informação, e você como deficiente tem que se impor com as suas atitudes, seu tipo de comportamento no seu cotidiano, na sua profissão” (Fontes 2: p.187).

198 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 199 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 200 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

152

Já Arnaldo201, declara que o preconceito,

“É uma concepção que o sujeito tem pelo que ele não conhece, ele não sabe que o mecanismo para suplantar essa mazela é o conhecimento. (...), o conhecimento tem duas dimensões, uma perspectiva intrínseca e outra extrínseca: a extrínseca está relacionada com os aspectos formais e as possibilidades que a sociedade cria para os cidadãos: é uma estrutura de educação favorável, oportunidades de experiências, mecanismos sociais que permitem as pessoas se desenvolverem, crescer, serem cidadãs e serem humanas. O aspecto intrínseco é ainda mais profundo. Na verdade, tem a ver com a questão da formação, educação tenra, a educação que se recebe em casa, mas tem a ver com a própria natureza de cada um. Então não adianta numa classe média, os ricos que têm oportunidade de receber e de ter acesso a esses conhecimentos no seu formato extrínseco, mas não recebem dos núcleos formadores, notadamente a família, o desenvolvimento desses conhecimentos intrínsecos que é o auto-conhecimento, o acesso à espiritualidade, a humanização. Por isso eu acho que a luta é contra o preconceito, porque a experiência, ela vai ser praticamente individual. Cada um vai superar essa dificuldade na medida em que tiver oportunidade de demover e retirar de dentro de si esses obstáculos ao conhecimento interno” (Fontes 2: pp.246-247).

A respeito desse assunto, Éden202 comenta que se lembra de uma coisa que

aprendeu no IBC com uma professora:

“Ela dizia em tom de brincadeira - eu não sou deficiente visual, ser deficiente de uma coisa que eu não tenha – ai eu passei a pensar e cheguei a conclusão que o melhor é ser chamado de cego, não sou deficiente visual, eu não tenho visão. Ceginho não, é pejorativo. Eu acho que a pessoa, quando ela fala não tem a intenção, só que já é uma expressão carregada, traz aquela coisa, do ceginho, pobrezinho, miserável, coitadinho. A gente deve evitar isso” (Fontes 2: p. 186).

Glória203 ao se referir ao preconceito declara: “eu gosto da expressão deficiente

visual; acho o termo cego tão pesado, tão cruel. Você já passa toda sua vida, você já

carrega aquela deficiência e ser chamada assim cego; acho que deficiente abranda

mais” (Fontes 2: p. 272).

Jurema204 prefere ser tratada como cega e afirma: “Eu sou cega. Entretanto,

atualmente é politicamente correto o termo: ‘pessoas portadoras de necessidades

201 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 202 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 203 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 204 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

153

especiais’. Eu digo que não estou, portando, carregando nada, nem a cegueira. Sou

cega, sou deficiente visual, sim, porque a minha visão tem uma deficiência total”

(Fontes 2: p 284).

O preconceito sempre existe; não é só com o cego, é com o negro, com todos os

tipos de deficiências, com o gordo, com o magro, com o anão, com o gigante, enfim, é

com todo mundo. Durante o período que cursou o magistério Glória205 confessa que

teve a oportunidade de constatar isso:

“Eu aprendi muito quando eu estudei, porque eu vi muito isso dentro da sala de aula. Eu, por exemplo, cega e tal, tinha meia dúzia de colegas. E algumas outras colegas que enxergavam, ditas normais, também tinham meia dúzia ou um pouco mais de colegas. Elas não tinham aquela amizade toda. Aí eu pergunto por que será, se elas são normais? Tudo bem, é normal, eu sou cega e o preconceito é isso mesmo. Aí eu não entendia o porquê; eu, deficiente, tinha uma meia dúzia de colegas e a minha outra colega, lá no canto, normal, também tinha outra meia dúzia de colegas. Quer dizer, o preconceito rolava mesmo assim, apesar da cegueira ou não e em todo o momento”(Fontes 2: p.272).

Enfim, a construção da identidade da pessoa deficiente visual é feita levando em

consideração todo o quadro que a envolve, ou seja: as cirurgias que se submeteu na

tentativa de salvar o olho ou os olhos; a rejeição da família ou a superproteção; a

dificuldade de locomoção; a necessidade de ajuda; o preconceito; a falta de materiais,

equipamentos e livros didáticos para a sua educação; os constrangimentos aos quais se

submete; a dificuldade para conseguir um emprego, além de outras questões como

namoro; sexo; casamento; lazer e tantas outras que também se inserem nessa

construção.

Existem outros elementos que desempenham papéis importantes na construção

da identidade juvenil. Tradicionalmente, família e escola – comum e especializada -

ajudam o adolescente deficiente visual a criar referências de valores e comportamentos.

205 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

154

Há, também, os meios de comunicação, que podem influenciar nessa construção,

embora muitas pessoas pensem que isso não seja possível, uma vez que eles não podem

ver a televisão ou ler o jornal. O que se vê é que, em muitos casos, o contato com essas

três dimensões - família, escola e mídia - ocupa a maior parte do dia do rapaz ou da

garota, mesmo sendo deficientes visuais.

Por mais humilde e simples que aparente ser, a família é a célula base de todo

esse processo construtivo. O comentário de Éden206 revela que a questão de internato

era meramente social:

“Eu morava em Caxias e não ficava aqui no final de semana. Que tortura pra mim! Por questão de bagunça tive que ficar no IBC um final de semana, a minha irmã veio aqui para saber como eu estava, e, eu observava outros colegas que eles faziam questão em não ir embora. Não sei se havia algum problema na família ou se eles se acomodavam porque aqui tinha comida, tinha roupa, tinha tudo” (Fontes 2: p. 188).

Outra questão apontada por Jurema207 foi a falta de entrosamento que se

observava entre alunos cegos e de baixa visão e entre professores que enxergam e os

que são cegos. Segundo ela, isso vem sendo uma réplica do modelo que o Instituto

Benjamin Constant tem construído nesses últimos anos, talvez desde o início dos anos

90.

Ainda a respeito desse assunto, Jurema208 tem a seguinte opinião: “(...) Eu acho

que em decorrência dessa posição, derivam duas tendências: o mundo de cegos e o

mundo de videntes; eu estou achando que atualmente essa tendência está acontecendo

muito mais do que aconteceu no Instituto Benjamin Constan” (Fontes 2: p.287).

206 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 207 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 208 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

155

Por outro lado, Éden209 defende a premissa que a convivência deverá ser com

todos e quanto à família assim se expressa: “eu acho que a família é fundamental, mas

tem que ter o acompanhamento dos técnicos e dos para-médicos; (...) é a família que

vai conviver com a criança diariamente, o que não acontece nos colégios internos”

(Fontes 2: p.210).

Já no entender de Isaura210 a imagem que as pessoas fazem do cego é

distorcida: “Elas não vêem o cego como uma pessoa isolada, como por exemplo, a

Isaura é uma profissional assim, assim” (Fontes 2: p. 313). Parece que isso ocorre pela

“estranheza” diante de um outro diferente, do medo que essa diferença desperta. Tem

pessoas que acham que o cego é incapaz de compreender as coisas e de realizar as

ações. Já outras, por verem um cego andar sozinho nas ruas com desenvoltura, ou tocar

muito bem um instrumento, acham que todo cego é superdotado.

Acreditamos que a sociedade deveria ser sensibilizada e melhor esclarecida a

respeito de quem é o cego. Talvez, por isso, a origem desses sentimentos variados:

alguns sentem piedade, outros demonstram carinho e admiração e, conforme relata

Isaura211 “as pessoas começam a nutrir às vezes alguns sentimentos; se fosse uma

pessoa comum talvez não nutrisse” (Fontes 2: p. 313).

A respeito da construção da identidade do cego, Arnaldo212 tem o seguinte

entendimento:

“É um tema difícil de responder, pois, o elemento importante da vida hoje é o resultado e, o resultado tem expressões visíveis. Por exemplo, o sujeito que consegue ser bem sucedido na sua posição ele vai pertencer a uma classe social maior, vai estar numa classe social melhor posicionada, com privilégios, com dinheiro e poder. (...) Olhando-se para a realidade você vê como é a estrutura dela. O ser humano escolheu como caminho para estabelecer convivências, o sucesso social. Você cresce e este crescimento está relacionado com o desenvolvimento exclusivamente individual, que é necessariamente excludente

209 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 210 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 211 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 212 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

156

neste modelo de sociedade. (...) A imagem que as pessoas têm do cego é que ele não tem as armas, uma das armas importantes para lutar, que é a visão. Então ele é o ‘café com leite’, tipo aquela brincadeira de criança, não é a ‘vera’, ele não faz parte do jogo, ele faz parte do jogo como ‘café com leite’” (Fontes 2: p.247).

Ao falar sobre a construção da identidade do cego, Jurema213 diz que se trata de

um processo tal qual ocorre com as pessoas que enxergam e, alerta que certos

acontecimentos não devem influenciar nessa construção e, cita o seguinte episódio que

lhe aconteceu:

“Um dia eu tive que falar para uma pessoa: cada dedo seu está cheio de pena. Então são: pena, medo e desprezo. Na realidade é um misto. Tem também aquela coisa de obrigação: ‘vou fazer isso para esse cego, porque amanhã eu posso ficar cego também’. A gente ouve muito na rua isso ‘Aí! Fulano tá fazendo a sua boa ação hoje, hein! ’” (Fontes 2: p.288).

Outra questão que parece influenciar na construção da identidade é a do

preconceito. Só que essas pessoas que falam sobre isso, não são nem cegas, nem gays,

nem negras e nem outras excluídas. Logo, elas não são as pessoas ideais para dizerem

que há preconceito, porque elas não vivenciam, não sentem e não sofrem o problema.

Relativamente a esse assunto declara Jurema214 que “ainda não existe no movimento de

cegos essa luta para acabar com o preconceito. E o cego peca muito nesse sentido, pela

sua indisciplina e, sobretudo, por ele cobrar coisas que não são realmente necessárias,

esse tratamento diferenciado que ele quer” (Fontes 2: p. 285). Na verdade o que tem

ocorrido é que se acaba caindo no assistencialismo e no paternalismo e essas não são as

soluções corretas para se buscar a igualdade, no sentido da construção da identidade do

cego.

213 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 214 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

157

Outro tema abordado nas entrevistas foi o trabalho. A concepção de que o

trabalho é um elemento imprescindível para a construção da identidade do sujeito, deve

ser repensada à luz das várias transformações do mundo do trabalho. Pode-se indagar a

respeito de várias questões. Uma delas se refere à situação de desemprego, que

atualmente tomou proporções imprevisíveis, atingindo tanto os trabalhadores não

qualificados quanto os qualificados.

Assim, em tempos de desempregos, de terceirizações e de soluções alternativas

como o mercado informal – no caso dos cegos na condição de camelô ou de esmoleiro -

que identidade está sendo construída, em cima de uma situação incerta?

O jovem cego conclui o ensino fundamental, o ensino médio ou mesmo o ensino

superior e vai à luta em busca das oportunidades. Bate à porta de uma empresa, recebe

um não, vai para a outra, recebe um talvez e, continuando na sua peregrinação, descobre

que o jogo não é a ‘vera’, como diz Arnaldo215. Daí resta apenas apelar para a lei das

quotas. A respeito desse assunto Éden216 comenta: “Eu acho que a lei ajuda. Por causa

dessa lei muitos cegos estão trabalhando atualmente. Entretanto, como ela se estende

para outras minorias, tem que se ter cuidado para o tiro não sair pela culatra, pois, por

exemplo, na realidade, parece que o preconceito maior é ser pobre. Será que o Pelé

sofre esse tipo de preconceito?” (Fontes 2: p.193).

Para melhor elucidação dessa situação apresentamos um caso, narrado por

Arnaldo217, que aconteceu com um candidato cego de Santa Catarina, em 1984, que

estava fazendo prova para a magistratura daquele Estado:

215 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 216 Idem. 217 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

158

“(...) Permitiram que o candidato cego fizesse prova para juiz, ele era juiz distrital, na época da justiça federal, juiz de Brasília. Ele passou em todas as fases, ficou em terceiro lugar; aí na hora do exame médico ele foi impedido de tomar posse porque era cego. Impetrou Mandado de Segurança, chegou a ir para o extraordinário no Supremo e, o Supremo decidiu por maioria que o cego não poderia ser juiz. Então, um dos votos de um desses Ministros, muito interessante, por que ele faz o comentário no voto, enaltecendo o rapaz que havia passado em todas as provas, falando muito bem, achando o sujeito genial e etc. Entretanto, no final, diz que na verdade um cego o máximo que poderia ser era um serventuário da justiça, porque a pessoa que sofria desta disfunção - não ter o sentido da visão - tinha algum comprometimento mental. Então, essa é a imagem que a elite, a elite deste país, que detêm o poder político, o poder econômico tem a respeito do cego” (Fontes 2: p.248).

Esse caso concreto teve grande repercussão em todo o país, de forma que relata

ainda Arnaldo218 “que o mesmo candidato tentou fazer prova para Juiz do Trabalho no

Rio de Janeiro e não lhe permitiram fazer. Sacaram do ‘fundo do baú’ essa decisão do

Supremo Tribunal Federal em 1984” (Fontes 2: p.248). Então a imagem que a

sociedade tem do cego é a de um sujeito inferior. Enfim, desabafa Arnaldo219: “o

mundo é visual e a sociedade é competitiva e desumana e para isso ela precisa da

visão; e o que mais me deixa triste é saber que todo esse esforço será inútil” (Fontes 2:

p.248).

Realmente é muito difícil incluir o cego no mundo do trabalho. Nos concursos

públicos o cego já conquistou bom espaço, mas na iniciativa privada ainda falta algum

avanço.

Entretanto, o que mais nos inquieta é que essas situações, incluindo a do

desemprego, ajudam a promover a construção de uma identidade que certamente não

deve ser aquela desejada ou sonhada pelo deficiente visual.

218 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 219 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

159

Na odisséia dos concursos, Éden220 confessa que ao receber o resultado negativo

ficava assim: “na primeira semana eu ficava arrasado; dava vontade de mandar todo

mundo para aquele lugar e ficar por ai fazendo lá não sabe o que. Dias depois eu

refletia e concluía: o que eu vou fazer com todo esse tempo de estudo e dedicação, vou

jogar na lata do lixo? Não vou fazer não” (Fontes 2: p. 193). E recomeçava tudo de

novo.

Ainda com respeito a questão do trabalho, explica Jurema221: “se eu faço um

concurso para ser professora de história – a minha área não é educação especial - eu

tenho que ser cobrada é em história. Eu tenho que ser professora é de história e não

telefonista ou outra atividade” (Fontes 2: p. 285).

Resgatando a colocação de Grinberg & Grinberg (1980) de que “as percepções

visuais são importantes na formação da identidade” (p.19), queremos falar sobre dois

tópicos que consideramos importantes para essa formação: o primeiro diz respeito à

imagem do corpo e, o segundo, refere-se à questão ambiental.

O cego necessita conhecer o seu corpo. Como ressalta Jurema222, “não só

sexualmente, mas, saber como se limpar, como se cuidar, etc.” (Fontes 2: p. 286). Além

disso, a postura e a expressão facial são de suma importância nessa identidade. A

respeito disso, comenta Jurema223 que quando fazia parte do Coral do Instituto

Benjamin Constant “as pessoas achavam que a gente era triste, era como uma estátua”

(Fontes 2: p. 286).

220 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 221 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 222 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 223 Idem.

160

Com relação ao ambiente, revela Jurema224 que “por si só, o cego não tem

condição de cuidar do ambiente que ele se encontra, como por exemplo, onde jogar o

lixo. Ele pensa que está perto dele” (Fontes 2: p. 286).

A questão disciplinar do cego, a necessidade que ele tem de se organizar, até

para conseguir as coisas em tempo hábil, por exemplo, ter disciplina de horários, de se

vestir corretamente, de guardar os seus pertences em lugares que possa encontrá-los

com facilidade, de se locomover com segurança, entre outras necessidades, pode

influenciar sobremaneira na construção da sua identidade.

Em relação a esse tema Isaura225 informa sobre o que acontece quanto à questão

dos horários: “(...) na rua a gente está sujeito a uma série de imprevistos, como por

exemplo, ficar vários minutos em um sinal esperando alguém para atravessar” (Fontes

2: p.311). Realmente esses imprevistos contribuem para os atrasos. Para evitar isso,

Jurema226 aconselha o uso da prudência: “sair mais cedo e andar sempre um pouco

adiantado. A gente vai correr menos risco de se atrasar” (Fontes 2: p. 311).

Além do horário, outra preocupação apontada por Isaura227 refere-se à questão

de organização:

“Eu tenho um lugar certo para colocar as minhas coisas, eu vou direto naquilo que eu estou procurando, eu sei o espaço onde eu guardo a minha máquina, o meu diário, os meus livros e outros objetos (...). Por exemplo, se você é um cego organizado que marca os seus discos em Braille e tem critério para organizar as suas roupas e livros, você vai se achar com muita facilidade. Vai ter condição de se arrumar com mais capricho e vai evitar certos acidentes domésticos, ‘do tipo deixar copo em beirada de pia’. Isso pode ser comum acontecer em muitas casas de videntes, mas em casa de cego é perigosíssimo” (Fontes 2: p. 312).

Realmente a disciplina e a organização são aquisições muito importantes na vida

da pessoa cega. O difícil é conseguir que o aluno perceba que o mínimo de ordem é bom

224 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990 225 Idem. 226 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 227 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.

161

e vai ajudá-lo. Aliás, conforme esclarece Isaura228, “é meio complicado você impor a

alguém disciplina – ‘escuta: você é cego, o cego tem que ser assim’-. Eu acho que tem

coisas que a gente fala mesmo – ‘em casa de cego: isso assim, assim, não dá certo’ –,

mas fica meio complicado você exigir que a pessoa seja mais pontual, organizada e

disciplinada por ela ser cega” (Fontes 2: p. 312).

A respeito de ser disciplinado Arnaldo229 revela “esse é um tema que diz

respeito a minha vida nos últimos anos; estou estudando para fazer alguns concursos

que exigem disciplina de estudo muito forte. Além disso, o portador de deficiência

precisa para estudar, da ajuda e da participação de terceiros” (Fontes 2: p.245).

Na concepção de Éden230 a disciplina é importante para qualquer pessoa,

independentemente de ser cega ou não.

“Eu mesmo aprimorei muito a minha disciplina a partir do momento em que eu comecei a me dedicar aos estudos para os concursos públicos. (...) Em casa, por exemplo, até para as coisas mais elementares o cego precisa saber onde elas estão; os objetos que ele usa, de preferência devem estar no mesmo lugar para ele achar com certa facilidade, principalmente, quando você não tem ninguém que enxerga em sua casa. De certa forma eu já me acomodei com essas coisas porque a minha mulher enxerga” (Fontes 2: p.187).

Qualquer cidadão tem que ter disciplina e regra em sua vida, a fim de poder

desempenhar as suas funções de forma harmônica e independentemente de outras

pessoas. Não é porque o sujeito é cego que todas as pessoas têm que dar regalias para

ele. Aliás, nesse sentido, esclarece Juscelino “que no caso do cego procuro sempre

orientar para que não coloquem cadeiras desordenadamente, tanto no meu trabalho

quanto na minha residência, pois, se assim fizerem ficarei perdido, além de causar

algum acidente” (Fontes 2: p. 208).

228 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 229 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 230 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

162

Quanto a importância do IBC na formação da identidade dos egressos confessa

Arnaldo231:

“O modelo do IBC, na minha época, foi para a minha vida, fundamental, importantíssimo. Esta reflexão que nós estamos fazendo aqui eu nunca tinha parado e sistematizado na minha cabeça, essa idéia de igualizar todos, pois se o sujeito tinha dinheiro, talvez usasse um sabonete melhor, um desodorante melhor, mas ia comer a mesma coisa, na mesma condição, estudar na mesma sala, dormir na mesma condição, dormia lá no doizinho, no dois, ou no dormitório um, então foi uma grande experiência socializante e extraordinária (...). Fato é que o IBC forneceu essa possibilidade de convivência de socialização de vida, e deu o mesmo instrumental e as mesmas possibilidades para cada um; assim, eu e outros, conseguimos ir para o Pedro II, fizemos prova, depois fizemos o vestibular, nós conseguimos traduzir nas nossas vida, as oportunidades que tivemos, incorporei estes valores e estabeleci critérios e armas para atingir as metas que eu ia criando na minha vida” (Fontes 2: p. 256).

Outra questão interessante que foi discutida nas entrevistas foi o casamento entre

cegos e entre cegos e pessoas que enxergam. Incluímos esse assunto porque o

consideramos, também, importante na formação da identidade do cego. Conforme

declaração dos entrevistados como, por exemplo, Juscelino232, o que importa na relação

entre duas pessoas é o amor:

“(...) eu não vejo nisso nenhuma dificuldade, porque quando você gosta, gosta da pessoa da forma que ela é, se ela é torta, se é aleijada, se é cega ou surda se gostou, gostou. Então não vejo influencia nenhuma do estado físico de um ou de outro. O que acontece é o seguinte, é uma questão natural, por exemplo, na minha terra todo mundo casava primos com primos, porque só existia aquela convivência, é o que pode acontecer com os cegos também, até por estarem em mutua convivência, acabam casando cego com cego, mas não tem nada a ver por causa da convivência mesmo. Estão mais tempo dentro da mesma instituição e acabam se casando” (Fontes 2: p. 212).

A despeito do casamento entre primos ou entre cegos, revela nitidamente a falta

de cuidados e, até mesmo da realização de um aconselhamento genético. Com relação a

esse assunto, Juscelino233 vai mais além: “eu tenho retinose pigmentar, o meu neto com

231 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 232 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 233 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

163

certeza terá alguma deficiência. Aí vai da consciência de cada um, se você acha que

deve ter um filho ou não, isso porque o seu neto pode nascer ou ficar cego; nesse caso,

eu acho que se deve ter um respeito muito grande pela opção da pessoa” (Fontes 2: p.

212).

Nos que diz respeito ao casamento entre pessoas cegas e pessoas que enxergam

o que mais ocorre é a mulher que enxerga se casar com um homem cego. Por outro

lado, segundo informa Isaura234,

“A incidência de casamentos de mulheres cegas com homens videntes, é pouca, pode ser contada nos dedos. Quando nós éramos mocinhas, as mais antigas diziam assim: ‘vidente não quer namorar a gente não, porque eles não acreditam que a gente vai cuidar da casa, fazer a comida, dentre outros afazeres’. Não sei até que ponto rolava ali o preconceito, assim como alguns garotos quando namoravam moças videntes ou quando casam, aí o pessoal dizia: ‘olha lá! Fulano já arrumou uma secretária’” (Fontes 2: p. 318).

Isaura235 não está totalmente errada, pois observamos que às vezes ocorre

mesmo a dependência do marido cego para a mulher vidente. Durante a nossa militância

como educador no Instituto Benjamin Constant, pudemos observar que algumas esposas

videntes levavam seus maridos cegos ao ponto de ônibus e frequentemente saíam

juntos, para caminhar, realizar compras, entre outras atividades. Nesse sentido, comenta

Isaura236 “que se fosse ao contrário, de repente o homem vidente não sairia com a sua

mulher cega” (Fontes 2: p.318).

6.2 - Educação em escola especializada e educação em escola comum.

A nossa proposta neste item é apontar algumas dificuldades encontradas e

reveladas pelos egressos durante suas entrevistas, quando da mudança da escola

234 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 235 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 236 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

164

especializada para a escola comum. Apresentaremos, também, algumas sugestões que

poderão ser utilizadas por essas escolas, para a melhoria do atendimento ao cego.

Como mostrado no primeiro capítulo, o atendimento ao deficiente era baseado

em um modelo médico no qual a deficiência era considerada como uma doença (Silva,

1947) e realizado de forma custodial e assistencialista (Glat, 1998).

Isso equivale dizer que a educação confundiu-se historicamente como missão de

credos religiosos (Brito, 1991) e, somente a partir do século XVIII é que surgem as

primeiras propostas educacionais, como por exemplo, a de Valentin Hauy, na França,

que propiciou ao cego o poder aprender.

Fato é que durante décadas o atendimento pedagógico a alunos com

necessidades educativas especiais - no nosso caso o cego – ficou a cargo de instituições

especializadas e de escolas que atendiam a

“educação especial, nascida no âmbito da democratização e universalização do ensino contra os privilégios da nobreza, como uma modalidade de atendimento clínico e de segregação escolar para crianças, que por características pessoais não conseguiam realizar as aprendizagens necessárias ao desenvolvimento das sociedades capitalistas modernas e que eram separadas das demais a fim de não atrapalharem o processo educacional e as práticas pedagógicas” (Delou et al, 2003: p. 7).

É importante ressaltar que a criação de escolas especializadas trouxe para as

pessoas com necessidades educativas especiais, oportunidade para se educarem, uma

vez que esses indivíduos eram vistos como “seres inválidos e incapazes, que pouco

poderia contribuir para a sociedade, devendo ficar aos cuidados das famílias ou

internados em instituições, protegidos do resto da população” (Glat, 1998: p. 11).

No caso do Brasil, com a inauguração do Instituto Benjamin Constant em

setembro de 1854, os cegos brasileiros começaram a estudar em uma escola criada

especialmente para atender cegos, nos moldes daquela criada por Valentin Hauy em

Paris.

165

A partir do IBC, a primeira instituição de educação especial no Brasil, essa

modalidade de educação – como é tratada a partir da Lei de Diretrizes e Base da

Educação Nacional (Lei 9394/96) – começou a se firmar como área específica de

atuação, com a criação de escolas especiais e implantação de classes especiais em

escolas comuns públicas (Glat, 1998), consolidando-se ainda mais com a criação do

Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973, o qual foi extinto na

década de 80.

A escola, como todo grupo social, é um grupo político. Ela constitui, portanto,

uma entidade política que dispõe de um sistema que lhe é próprio (Britto, 1991). Nesse

sentido, declara Carvalho (2004) “que a educação é ato pedagógico e também político”

(p. 25), isto é: o aluno tem que ser visto e valorizado como cidadão.

No bojo das discussões sobre educação especial surgiram duas propostas: uma

de integração e a outra de inclusão, as quais se resumem na busca da participação e na

luta contra a exclusão dos alunos com necessidades educativas especiais.

O termo integração há muito tem sido foco de diferentes interpretações (Masini,

1997) e no Brasil aparece, principalmente, a partir da década de 1970, como ponta de

lança de todas as discussões acerca da significação de ser deficiente (Mantoan et al,

1997). O princípio da integração, também denominado em alguns países como os

Estados Unidos, de mainstreaming237, “tem como objetivo oferecer aos indivíduos com

deficiência formação educacional e reabilitação em ambientes regulares, ou menos

restritivos possíveis, com os suportes psicopedagógicos necessários” (Nunes et al, p.

109).

Na concepção de Masini (1997), “quando se fala em integração, antes de

qualquer outra extensão, está-se fazendo referência à constituição do sujeito psíquico e

237 - a expressão mainstreaming significa curso, fluxo ou corrente principal.

166

aos caminhos pelos quais esse ser humano gradualmente vai aprendendo a lidar com

suas necessidades e desejos nas interações estabelecidas no mundo onde se situa”

(p.33).

A inclusão, desde o início do século passado tem sido discutida em fóruns

internacionais como: em Jontiem, em 1990 e, em Salamanca, em 1994, que

proporcionaram posições políticas favoráveis a ela, como a proposição de princípios que

devem balizá-la (Crochík, 2003).

O objetivo da inclusão está atualmente no coração da política educacional e da

política social. Como coloca Mitler (2003) “a inclusão envolve um processo de reforma

e de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que todos

os alunos possam ter acesso a todas as gamas de oportunidades educacionais e sociais

oferecidas pela escola” (p. 25).

Ainda a respeito desse assunto, Mader (1997) esclarece que um novo paradigma

está nascendo. “Um paradigma que considera a diferença como algo inerente na

relação entre os seres humanos (...). Foi nesse contexto que surgiu, no movimento de

autodefesa e de luta pelos direitos humanos na Europa, a discussão em torno da

criação de um novo conceito, denominado inclusão” (p. 47).

Esclarece ainda Mader (1997) que inclusão é o termo que se encontrou para

definir uma sociedade que considera todos os seus membros como cidadãos legítimos.

Nesses termos, trata-se, então, de uma sociedade onde existe justiça social, em que cada

membro tem seus direitos garantidos e as diferenças são aceitas como algo normal.

Aliás, a esse respeito declara Mittler (2003) que a “a inclusão é uma visão, uma

estrada a ser viajada, mas uma estrada sem fim, com todos os tipos de barreiras e

obstáculos, alguns do quais estão em nossas mentes e em nossos corações” (p. 21).

A respeito desse assunto Carvalho (2004) assim se pronuncia:

167

“A história das idéias sobre educação deixa evidente que pouco ou nada tinha de inclusiva, seja em termos da universalização do acesso, seja em termos da qualidade do que era oferecida. Hoje em dia, o panorama è, felizmente, outro, pois temos mais consciência acerca de direitos humanos, embora a prática da proposta de educação inclusiva ainda não conte com o consenso e unanimidade, mesmo entre aqueles que defendem a idéia” (p. 26).

Por outro lado, comenta Crochík (2003) “que nem todos os estudiosos sobre

educação inclusiva são favoráveis ao ensino inclusivo” (p. 20). Além disso, conforme

anuncia Carvalho (2204) há, ainda, muita confusão e incertezas, a respeito:

“Resistência dos professores em razão da insegurança no trabalho educacional escolar, pois alegam que não tiveram em seus cursos a oportunidade de estudar a respeito, nem de estagiar com alunos da educação especial e, o temor dos familiares com relação à inserção de seus filhos nessas classes, inclusive ponderando que as escolas não estão dando conta dos ditos normais que, cada vez mais, saem da escola sabendo bem menos” (p. 27).

A idéia da inclusão, no plano teórico é boa, porque na realidade o deficiente não

pode ficar segregado ao grupo dos ditos iguais, os deficientes e, ele tem que se expandir

e tem que conviver com os ditos diferentes, os normais. A respeito dessa colocação

Éden238 assim se manifesta:

“Nós vivemos uma realidade catastrófica; hoje eu estava ouvindo no rádio uma propaganda do Sindicato dos Professores criticando o Governo do Estado - dizia que foram tirados tempos de aulas e foram contratados professores temporários e, o déficit de professores do Estado continua 26 mil, não sei se isso é um exagero ou não. Mas veja bem, numa realidade dessas como é que nós vamos colocar cegos iniciando o aprendizado no meio de pessoas que enxergam, sem nenhuma estrutura. É muito estranho e muito questionável e, além disso, o professor não tem nenhuma especialização para lidar com o cego. Até admito que hoje em dia a coisa esteja bem melhor. Há muita gente que conhece o Braille e que nunca tinha ouvido falar, mas nós estamos longe de termos pessoas com preparo, com aquela vivência e, a gente que estudou no Benjamin Constant sabe como é importante o professor saber o Braille. Eu tive aulas aqui no Benjamin Constant com vários professores que enxergam, foram vários, mas são todos especializados” (Fontes, 2: p. 188)

Segundo Mittler (2003) a inclusão, na maior parte das vezes, resulta em

freqüentar a escola que um aluno jamais freqüentaria na ausência de uma necessidade

238 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

168

especial significativa. Por outro lado, comenta ainda esse autor que “a rua de acesso à

inclusão não tem um fim porque ela é, em sua essência, mais um processo do que um

destino. Ela representa, de fato, uma mudança na mente e nos valores para a escola e

para a sociedade como um todo...” (p. 37).

Já na concepção de Arnaldo239 a inclusão sob o ponto de vista da educação é

versão da globalização, de forma inequívoca;

(...), ou seja, cria-se uma relação que em vez de ser horizontal, é uma orientação verticalizada. E assim é a idéia da inclusão, de se colocar todos na escola; criaram-se vagas, mas não associou esse passo a questão da qualidade de ensino; não se discutiu isso como estamos fazendo agora e, assim, fez com relação aos deficientes. Veio a lógica de que a escola especializada criava um obstáculo na inserção social do portador de deficiência, e aí ele precisava ir a qualquer custo para a escola chamada regular. E isso, eu imagino que tenha sido uma das causas para o fracasso (...); porque a escola regular além de muito ruim é despreparada, no que tange a questão ao atendimento ao portador de deficiência; e o portador de deficiência foi colocado num repositório, essa é a verdade” (Fontes, 2: p. 252).

A transformação do Instituto Benjamin Constant - considerado antes apenas

como uma escola especializada - em Centro de Referência Nacional para as questões

voltadas para a deficiência visual, implica na existência de ter uma escola, um colégio

de aplicação ou algo parecido, como se fosse um laboratório, porque como emanariam

certas metodologias se na verdade elas não fossem comprovadas no uso prático e

anteriormente testadas?

A respeito desse assunto Arnaldo240 declara que seria perverso e não seria

inteligente destruir uma história de educação com características pedagógicas próprias,

e jogar tudo fora em nome da inclusão.

“O que se precisa é um modelo de educação que seja próprio para a educação

do cego, isto talvez seja o que em direito nós chamamos de discrime em

positivo, ou seja, você reconhecer a diferença para igualar. A inclusão deve

239 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 240 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

169

partir de quem tem o conhecimento da educação especial, a ótica tem de ser

outra, a perspectiva tem de ser de quem faz parte da educação especial, não é

acabar com o que já se tem, é aperfeiçoar o que já existe, é tentar aparar as

arestas equivocadas do que já existe, criar outros IBCs e, não colocar os cegos

nas escolas comuns achando que eles não são mais cegos” (Fontes,2: p 252) .

Juscelino241, citando como exemplo os cursos que foram ministrados em sua

cidade pelo Instituto Benjamin Constant e pelo Instituto Nacional de Educação de

Surdos, que permitiram aos docentes que fizeram os cursos atuarem na educação de

cegos e surdos, enfatiza “o novo papel da Escola Especializada, principalmente o IBC,

com a experiência de seus 150 anos ele, certamente, tem um papel de estar fomentando

a capacitação de professores de todo o país, para atuarem na educação de pessoas com

necessidades educativas, na área da visão” (Fontes, 2: pp. 209-210).

Não há como negar que a Lei de Diretrizes e Bases Nacional, LDBEN, propiciou

considerável avanço ao apoiar a inclusão de todas as crianças e jovens que se

encontravam fora da escola. Por outro lado, cabe salientar que a inclusão tem se

constituído em importante motivo para que a escola se modernize e os professores se

aperfeiçoem (Mantoan, 1977).

A respeito desse aperfeiçoamento de docentes, Éden242 confessa que um dos

aspectos importantes a ser considerado para a inclusão é a especialização dos

professores. Pois, “se a inclusão é uma coisa inevitável, então que se prepare o

professor, a comunidade, os funcionários das escolas, etc., pois, com o preparo desses

professores eu já acho muito difícil, muito complicado, imagine sem esse preparo”

(Fontes, 2: pp. 189-190).

A nossa preocupação maior não é apontar a escola especializada ou a escola

comum, como sendo a escola ideal, para a educação de cego, pois o importante é que

todos os alunos – com necessidades educativas especiais ou não – atinjam os objetivos

241 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 242 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

170

no final da formação escolar, “mesmo tomando caminhos diferentes” (Perrenoud, 2004:

p. 41), como é o caso das pessoas cegas. Por outro lado, para o cego ter uma educação

de qualidade, além de necessitar de equipamentos e materiais apropriados, “os seus

professores devem receber uma formação, um apoio institucional e um

acompanhamento adequado para construir novas competências” (Perrenoud, 2004: p.

52).

Em se tratando de professores que sejam alfabetizadores de alunos cegos, essa

formação necessita ser mais especializada ainda. Como escreve Carvalho (2004) pensar

na inclusão dos alunos com deficiência(s) nas classes regulares “sem oferecer-lhes a

ajuda e apoio de educadores que acumularam conhecimentos e experiências

específicas, parece o mesmo que fazê-los constar, seja como número de matrícula, seja

como mais uma carteira na sala de aula” (p.29).

Além disso, convém ser lembrado que os caminhos para escolas inclusivas,

segundo Carvalho (2004) devem passar:

pela valorização profissional dos professores;

pelo aperfeiçoamento das escolas;

pela utilização dos professores das classes especiais como professores de métodos e

recursos, atuando como consultores de apoio;pelo aperfeiçoamento do pessoal

docente, para que atue como suporte para as práticas inclusivas nas escolas;

pelo trabalho de equipe e

pelas adaptações curriculares, capazes de assegurar o domínio das matérias

curriculares, provendo-se a igualdade de oportunidades para o sucesso educativo.

Falando ainda de inclusão, nos reportamos a Mantoan (2004) quando esclarece

que “vivemos um tempo de crise global, em que os velhos paradigmas da modernidade

estão sendo contestados e em que o conhecimento, matéria prima da educação escolar,

está passando por uma re-interpretação” (p. 114).

171

Logo, a afirmação de que a inclusão representa a única e melhor solução para

alunos, professores, pais e sociedade, põe em evidência um mecanismo discursivo que

espera para assegurar a eficácia do discurso. Sua fraqueza, entretanto, segundo Laplane

(2004) “reside no fato de que em certo momento o discurso contradiz a realidade

educacional brasileira, caracterizada por classes superlotadas, instalações físicas

insuficientes, quadros docentes cuja formação deixa a desejar” ( p. 8).

O depoimento de Juscelino243, calcado na sua vivência no IBC e na sua

experiência enquanto político nos revela que “escolas federais como o IBC e a escola

agrícola de minha cidade, são escolas federais de qualidade total. Os alunos que

passam por lá, que estudam lá, são fortíssimos candidatos a passar nos vestibulares,

entretanto, além disso, tem que se trabalhar a educação especial em todo o país”

(Fontes, 2: p.209).

Ao olhar para a educação básica, inserida no contexto social mais geral, vemos

então que as desigualdades sociais se aprofundam. Na área da educação, os indicadores

evidenciam que a evasão e a repetência, que sempre foram endêmicas e têm se

constituído em fortes mecanismos de exclusão social, ainda persistem, muitas vezes

camufladas a partir de programas de aceleração, por proposições de progressão

continuada ou outros mecanismos que estão gerando uma forma perversa de exclusão na

escola ou na sala de aula (Ferraro, 1999 e Arroyo, 2000: apud Ferreira e Ferreira, 2004).

Na verdade o que Ferreira e Ferreira e outros autores apontam é uma nova

exclusão que ocorre dentro da sala de aula. Sobre esse assunto Glória244 comenta que

ao entrar uma criança deficiente para uma determinada escola, essa escola e seus

243 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 244 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

172

professores têm que estar preparados, atualizados, especializados, os materiais têm que

estar adaptados.

“Eu sofri muito pela falta de materiais adaptados que a escola não tinha. Eu ficava somente na imaginação – o professor colocava o gráfico no quadro e eu ficava imaginando como seria aquele gráfico – e assim eu ia estudar, apenas com a minha imaginação; ficava isolada, excluída, dentro da minha própria sala de aula. Assim, o material didático deve ser o fator importante para a adaptação dos alunos na escola” (Fontes, 2: p. 273)

Outra questão que foi discutida, diz respeito à faixa etária específica para o

aluno cego ser matriculado em uma escola comum, a dita regular, infelizmente ainda

não preparada para alfabetizar crianças cegas.

Quanto a isso Éden245 assim se pronuncia:

“No aprendizado inicial você tem que aprender o Braille; se você não tem isso na escola comum você já vai ficar com uma deficiência. A base é importante. As escolas não estão preparadas para dar atenção ao deficiente visual, o material em Braille é escasso, não há professores especializados e tal. Assim, a idéia que se tem é que o deficiente visual numa escola comum fica meio que jogado” (Fontes. 2: p. 188).

Em função de suas andanças pelas escolas especializadas e comuns e, baseada na

sua vivência com outros alunos cegos e não cegos, Jurema246 nos alerta que a

alfabetização do cego não se resume apenas ao ensino do Braille, mas que:

“Há um processo de desenvolvimento, de se conhecer, de conhecer o espaço, de se disciplinar, de descoberta. Esse momento é o tempo certo para a construção da identidade do cego. Aliás, como seria na classe comum se a criança cega não conseguisse ler e entender as historinhas? Como os coleginhas agiriam?” (Fontes, 2: p. 290).

A questão que se coloca é a seguinte: geralmente o cego começa a estudar

tardiamente; ou porque a família não sabia e descobre que o cego poderia estudar, ou

porque se gasta muito tempo buscando alternativas para a criança enxergar. A família

leva a criança ao curador, a benzedeira, ao médico e, isso retarda sua entrada na escola.

245 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 246 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

173

O resultado é que é comum se encontrar em uma turma de crianças entre oito e nove

anos, um adolescente já com treze ou quatorze anos, que tem outros interesses e

normalmente não tem paciência nenhuma com essas crianças menores, compartilhando

o mesmo tempo e espaço acadêmicos.

Mudando um pouco o eixo da análise das respostas dos egressos, levando-o para

as necessidades educativas mais prementes das escolas, como carência de recursos

humanos, de materiais e equipamentos e de apoio que necessitam para se organizar e se

manter, é importante ressaltar que para atingir os fins da educação – quer seja oferecida

em escola comum, quer seja em escola especializada – os alunos precisam dispor de

determinadas ajudas pedagógicas ou de serviços.

Corroborando essa afirmação Juscelino247 comenta que para a escola comum

receber alunos especiais, não basta apenas os professores realizarem simplesmente os

cursos ministrados pelo Instituto Benjamin Constant ou por outros órgãos que também

ministram cursos. É de suma importância o estágio, a prática com alunos cegos, que

eles saibam alfabetizar esses alunos.

“Nos cursos promovidos pela prefeitura da minha cidade, os professores algumas vezes me diziam: ‘ estou fazendo o curso, mas não me sinto em condições de atender a uma criança’. Então eu falei com eles que era só o começo e que nem todos os professores ali seriam obrigados a atuar com os deficientes, mas uma noção deveria ser necessária a eles enquanto educadores” (Fontes, 2: p. 211).

Durante as entrevistas foram abordados os mais diversos temas (Fontes, 2:

pp.175-178), como por exemplo, a qualidade de ensino e a necessidade da criação de

entidades, semelhantes ao Instituto Benjamin Constant, em outras regiões do país.

247 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

174

Nesse sentido, Éden248 se manifestou dizendo: “Eu acho que em algumas coisas

nós pioramos, por exemplo, o ensino ele piorou em todos os lugares, parece que há até

uma lógica e é uma verdade. Então, piorou também nas escolas especializadas, até no

Benjamin. É o reflexo do todo” (Fontes, 2: p.189).

Quanto à criação de outros centros no Brasil, semelhantes ao Instituto Benjamin

Constant, Isaura249 assim se manifesta:

“Eu acho que até por causa dessa necessidade da convivência da criança cega com outros cegos, dessa liberdade maior, seria importante que existissem institutos espalhados pelo Brasil; que cada Estado pelo menos tivesse uma escola do Jardim de Infância até pelo menos a 4ª série do ensino fundamental e que desse atendimento integral ao aluno” (Fontes, 2: p.316).

Ainda a respeito da existência de entidades educacionais semelhantes ao IBC em

outras regiões do país, Glória250 tem a seguinte opinião:

“Quando eu falo isso as pessoas me chamam de antiquada. As pessoas pensam que o cego, o deficiente, nunca vai sobressair. É claro que vai, mas você estando no Instituto onde tem pessoas iguais a você, você se sente muito mais à vontade. É claro que você não pode ficar limitada ali dentro. Mesmo estando ali, você tem que sair para a sociedade, entrosar mesmo na sociedade. Mas que um Instituto desses ajuda muito, ajuda. Eu vejo aqui na minha cidade, no interior do Estado do Rio, onde eu tive apoio, é uma escola de deficientes visuais, os meninos conversam, brincam, é aquela coisa toda. E dentro da sala de aula na escola regular a realidade deles é outra, eles ficam completamente isolados com meia dúzia de colegas e se tiver isso, às vezes é um só mesmo e sobrecarrega aquele coleginha. Já se você está num lugar próprio para você, é diferente, você fica à vontade para falar, para conversar, para tudo, até para comer” (Fontes, 2: p. 273).

No entender de Isaura251 a formação acadêmica do aluno cego na escola

comum, às vezes fica prejudicada pela falta do livro em Braille, pela quantidade de

alunos em uma única turma e pela falta de outros suportes, fornecidos por especialistas.

“Então, por esses aspectos, seria importante que existissem institutos onde a criança pudesse pelo menos até a 4ª série, ter garantido o seu direito à vida de criança e ao estudo, à leitura, ao contato direto com a letra escrita e que ele

248 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 249 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 250 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 251 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

175

pudesse ter um professor que corrigisse seus trabalhos e que fosse capaz de fazer as correções necessárias em Braille” (Fontes, 2: p. 316).

Outra que defende a idéia da construção em outros estados de institutos

semelhantes ao IBC é Jurema252. Segundo ela:

“Deveriam existir escolas especiais com internatos inclusive, porque, principalmente na educação infantil, a criança naquele momento tem que ter contato com outra criança que é igual a ela. Não dá para fingir que a gente pode correr, pode brincar, pode jogar bola, quando a gente vê o outro igual a gente fazendo isso. Quando eu entrei no Benjamin que vi o cego jogando bola, que eu vi o cego namorando, brigando, entendi que a minha vida continuava; fora disso, você fica realmente meio excluído” (Fontes, 2: p. 290).

No que diz respeito à especialização na educação de cegos, tanto nas escolas

especializadas quanto nas escolas comuns, abrangendo todos os níveis de ensino,

Jurema253 lembra que a vida do professor brasileiro já é tão difícil - ministrando aulas

em várias escolas – que de repente não daria tempo para fazer um curso intenso de

Braille, de Sorobã254 e de Orientação e Mobilidade.

“Entretanto, daria para ele ter dicas práticas para ajudar o cego, como por exemplo, fornecer o material em disquete para que alguma instituição imprima em Braille o material. Além disso, se ele não pode fazer em Braille, que ele tenha a quem recorrer. Isso eu acho mais importante que o docente ser especializado, é ele saber quem pode lhe dar um suporte. Isso porque muitas vezes não dá tempo, o sujeito tem até boa vontade, mas não tem respaldo das instituições, que não liberam o professor para fazer os cursos. Mas, ele quer dar uma aula legal porque ele tem um aluno cego, ele quer fazer um negócio legal” (Fontes, 2: p. 289).

Na opinião de Glória255 o professor tem que ter especialização - não é jogar um

deficiente dentro de uma sala de aula e deixar ao “Deus dará”.

“Acho que os professores têm que ser realmente especializados, a escola tem que dar condição para esse professor se especializar, para que ele possa receber o aluno deficiente. Não é essa falsa inclusão que ai está – ‘vamos jogar o deficiente na sala de aula’, mas aí, quem sofre com isso? Quem sofre é o

252 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 253 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 254 Instrumento retangular provido de bolas, utilizado pelos orientais e pelos cegos para calcular. Também conhecido pelo nome de ábaco. 255 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990.

176

deficiente e sofre muito, não é pouco não, falta muita coisa ainda“ (Fontes, 2: p. 273).

Ouvimos por diversas vezes o termo “especialista”. Quase todos os egressos

afirmaram que a escola comum carece de professores especializados, pois os existentes

não sabem como trabalhar com alunos com necessidades especiais. Mas qual é a relação

entre escola comum e especialização? Isto é, entre as instituições regulares de ensino e o

processo de especialização em educação especial?

Sem dúvida, a categoria de totalidade e a visão do todo são fundamentais. Hegel

destacou isto através de sua célebre frase: ao ver a árvore pode se perder de vista a

floresta. “O verdadeiro é o todo”, disse Hegel (1992, 9:31). Com o processo de

ampliação cada vez maior da divisão social do trabalho, temos um indivíduo cada vez

mais especializado. Na sociedade capitalista temos não só uma divisão entre trabalho

intelectual e manual como uma divisão no interior do próprio trabalho intelectual. A

divisão social do trabalho intelectual significa a formação de trabalhadores intelectuais

que se dedicam apenas a determinados, utilizando determinadas teorias, métodos e

técnicas. Assim, esses trabalhadores intelectuais formam categorias profissionais, com

interesses próprios voltados para uma determinada área. Dessa forma a divisão social do

trabalho intelectual possui uma base social, a categoria profissional, e uma base

intelectual, a tradição da ciência na qual se fundamentam os profissionais de uma

determinada área. Esta dupla base acaba reforçando a especialização. Daí, como dizia

Hegel, perde-se a visão da floresta e vê-se apenas a árvore (Viana, 2002).

Do ponto de vista metodológico, a totalidade é fundamental porque não é

possível compreender as partes sem uma visão do todo. Não é possível compreender a

dinâmica populacional sem compreender os processos culturais do casamento e

procriação, sem compreender o processo de deslocamento da força de trabalho e da

177

oferta de emprego, e outros como o desenvolvimento dos serviços de saúde, avanços da

medicina, políticas públicas, dentre tantos aspectos. A visão parcelar da realidade,

principalmente, quando provoca o isolamento de suas partes, produz não somente idéias

falsas, mas práticas equivocadas. Por isso, a categoria da totalidade assume importância

fundamental.

Outra colocação que deve ser levada em conta diz respeito à exigência do mundo

do trabalho: à cada dia exige-se profissional cada vez mais completo. Ele deve ser um

especialista, mas ao mesmo tempo está obrigado a conhecer um pouco sobre tudo. Deve

“agregar valor”, ou seja: Ele pode ser um especialista – um técnico de radiologia

especializado em tomografia da região “cabeça-pescoço”, por exemplo – porém, ao

mesmo tempo, deve compreender que a sua clínica ou hospital é uma empresa. Por isso,

ele deve procurar se afinar com assuntos da administração e outros, pois somente assim

“estará na frente”.

Nos casos das universidades que tenham alunos cegos, Jurema256 apresenta a

seguinte sugestão: em uma aula inaugural de uma universidade, por exemplo, seria

importante dedicar um momento dessa aula, para falar dos diferentes que essa

universidade está recebendo. Outra coisa que deve ser feita seria chamar o aluno para

conversar sobre a sua deficiência:

“Isso para não acontecer conforme acontecia comigo todo início de semestre, que chega até ser constrangedor; tinha que falar para todo professor novo que eu era cega e que precisaria de alguma coisa, como por exemplo: ceder o seu material em disquete – e geralmente ele se esquecia ou não tinha” (Fontes, 2: p 289).

Até os anos 1960 todos os alunos do Instituto eram internos, justamente porque

residiam em outros estados. Atualmente não existem alunos de outros estados, mas o

internato continua para aqueles que residem em bairros distantes e na Baixada

256 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

178

Fluminense. Durante os dois mandatos exercidos como diretor-geral do Instituto

Benjamin Constant, por diversas vezes ouvimos críticas referentes ao internato daquela

instituição. Cabe salientar, que a continuidade do internato não é justificada

pedagogicamente, mas, sim, socialmente. Isso porque se não houvesse essa

possibilidade, por razões diversas, muitas crianças que habitam na periferia da cidade do

Rio de Janeiro, certamente não estariam estudando.

A respeito desse assunto Eden257 informa que na sua época de aluno, o IBC

recebia alunos do Brasil inteiro e:

“Querendo ou não, esse é um dos pontos que quem defende a inclusão se vale

justamente dessa realidade do deficiente ter que se deslocar de estados distantes. Por um lado afastar a criança de sua família não é bom, por outro lado, uma criança deficiente, muitas vezes se encontra em uma família problemática, geralmente uma família pobre, muitas vezes uma família que está querendo se ver livre do deficiente e aí depositava o deficiente no Instituto Benjamin Constant. É como se fosse um alívio para a família não ter o deficiente em casa. Eu sei que acontece isso, é um aspecto social a ser considerado. Dependendo da situação, da distância que a pessoa mora, da dificuldade financeira, dos familiares poderem estar à disposição ou não e da idade do deficiente, o internato ainda é necessário nesses casos. Eu acho que não é uma questão necessariamente pedagógica. Agora, para mim o internato foi fundamental, até porque eu morava na Baixada e estudava na Urca – pegava dois ônibus e tinha que acordar muito cedo. Além disso, no início eu necessitava de alguém para me levar e me buscar” (Fontes, 2: p. 189).

Falando sobre a questão do internato do IBC Isaura258 esclarece que o internato

é muito importante ainda; seria bom que ele fosse revitalizado, porque existem alunos

que moram longe e as mães ficam durante todo o dia no Instituto esperando o término

das aulas para retornarem às suas casas com os seus filhos;

“Elas não dão sossego para as crianças, não dão sossego para os professores, elas ficam aqui na escola sem nenhuma ocupação; são mulheres que moram longe, acordam cedinho e as crianças chegam aqui na escola sonolentas, cansadas; você vai dar um dever elas falam – ‘Ai tia! Estou com tanto sono’ – o camaradinha acordou às quatro horas e trinta minutos, às dez horas já está cansado. Existem crianças que têm carências sociais, que são de orfanatos,

257 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 258 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990

179

imagine se o “cara” do orfanato vai trazer o aluno aqui todos os dias e ficar esperando-o. Assim, também, têm pessoas pelo interior do Brasil que estão sem estudar. Ainda há pouco tempo um conhecido meu lá de Minas procurou a minha família para tentar colocar uma criança, aqui no Instituto. Mas ele precisaria um internato daqueles assim do meu tempo de aluna, que ficasse de março a dezembro. Hoje em dia isso não ocorre mais no IBC. O aluno só fica interno de segunda a sexta feira e há a exigência de um responsável pelo garoto, para levá-lo nos finais de semana, feriados e férias. Então, eu acho que ainda é muito necessário porque as escolas, no interior, apesar da inclusão por decreto, elas não estão preparadas e, às vezes, as famílias querem que seus filhos estudem mesmo e lá no interior não tem recursos. É uma coisa cansativa, triste, sofrida, ficar longe da família, mas, ninguém morre não. A minha mãe ficava interna no IBC de fevereiro ou março até dezembro e não morreu” (Fontes, 2: p. 321).

Outra a se pronunciar sobre a importância do internato foi Glória259;

“Em minha opinião o internato tem que continuar porque muitos alunos moram longe. Foi o meu caso; se eu tivesse que ir e voltar todos os dias, como seria? O meu pai coitadinho, que nunca me deixou andar sozinho, como iria fazer? Teria que parar de estudar. E isso acontece com muitos pais que não deixam suas crianças cegas e deficientes visuais estudarem, por isso. Têm que levar e buscar todos os dias e eles não têm condições para isso, até mesmo financeira. Por isso, o internato deveria continuar” (Fontes, 2: p. 275).

Corroborando a opinião de suas colegas Jurema260 comenta que esse assunto

merece uma discussão a parte e revela o seguinte:

“O internato é fundamental para aqueles que moram longe. Longe onde? Baixada Fluminense, Santa Cruz, Campo Grande? Longe porque os pais são pobres. Estou pensando que a questão do internato pode ser até uma medida pedagógica sim, uma pedagogia extensiva. Ela é pedagógica a partir do momento que o aluno aprende a “se virar sozinho”, pois é uma medida pedagógica o cego aprender a lavar a sua roupa, saber que se ele sujar algum lugar ele terá que limpar o que ele sujou. É o caso, por exemplo, da limpeza dos banheiros que pode ser de caráter pedagógico; é melhor do que viver com aquele cheiro horrível de banheiros sujos, como eu vivi por vários anos. É a oportunidade que o cego tem de por em prática o que se chama de Atividade Vida Diária (AVD) - aprender a servir a sua própria comida, a cortar a sua carne, sem paternalismo. Pois, internato não significa paternalismo, as pessoas tentam nos convencer disso. Acho que o sistema de internato do Benjamin é que é falho. Entretanto, sou de opinião que o internato no Benjamin é fundamental” (Fontes, 2: p. 293).

259 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 260 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

180

Ouvíamos, também, que na situação de interno os alunos ficavam segregados na

escola; Juscelino261 confessa que “sentia falta da família, do contato com a sociedade,

por exemplo, da missa ou cultos religiosos fora da instituição e não dentro da própria

instituição, como acontecia” (Fontes, 2: p. 214). Por outro lado, assevera que: “se não

fosse o internato do Benjamin Constant eu acredito que não teria estudado e estaria lá

na roça bebendo ‘algumas cachacinhas’, andando com um pedaço de bambu, ou dentro

de casa, igual a um cachorrinho de estimação” (Fontes, 2: p. 217).

A manutenção do internato no Instituto Benjamin Constant tem suscitado muitas

discussões, tanto interna quanto externamente. Entretanto, convém ser lembrado que as

relações da sociedade brasileira com as pessoas portadoras de necessidades especiais

foram se modificando através dos tempos sob a influência de fatores político-

econômicos, geralmente avalizados pelo conhecimento científico disponível a cada

época (Lowenfeld, 1974; Lemos, 1978; Silva, 1987 e Aranha, 2000).

Como já falamos em capítulos anteriores, os cegos no Brasil, no período

colonial, eram relegados à responsabilidade exclusiva da família, a qual, na ausência de

políticas públicas voltadas para atender a esses indivíduos, ficava a mercê de suas

crenças e possibilidades pessoais, sociais, econômicas, religiosas e culturais. Por outro

lado, a ignorância técnico-científica e a fé no sobrenatural determinavam, na população,

a prevalência de uma leitura metafísica carregada de mitos, preconceitos e fatalismos,

no que se refere à deficiência e à pessoa portadora de deficiência.

Assim, no entender de Aranha (2000) essa leitura, por sua vez, fazia do trato da

deficiência uma tarefa difícil, dolorosa e frustrante.

O que parece ter realmente motivado o envolvimento do poder púbico com a

administração da educação dos cegos, foram as necessidades e o interesse de alguns

261 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

181

indivíduos como José Álvares de Azevedo, Dr Xavier Sigaud e outros, que usaram dos

meios de influência disponíveis para obter junto ao Imperador D Pedro I, suporte que

lhes possibilitassem melhorar as condições de vida das pessoas cegas.

Foi assim que parece ter surgido o primeiro modelo formal de relação da

sociedade brasileira com seus constituintes portadores de deficiência. Denominado,

segundo Aranha (2000) “paradigma da institucionalização”, este modelo caracteriza-se

pela retirada das pessoas com deficiência de suas comunidades de origem e por sua

manutenção em instituições residenciais segregadas.

Nessa visão, foi criado o Instituto Benjamin Constant, uma escola especial e

residencial que até os dias de hoje ainda mantém o internato.

A alfabetização das crianças exige carinho e cuidado. Entretanto, quando esse

processo se volta para crianças cegas, a tarefa exige atributos especiais uma vez que a

metodologia e a didática têm que levar em consideração as especificidades daquelas

para quem se volta.

Além disso, ressalta-se que o processo de alfabetização de crianças cegas não se

resume tão somente em ensinar a ler e a escrever o Braille. É na verdade um grande

desafio, pois, a construção do conhecimento de alunos que apresentam necessidades

especiais tem trazido para os professores medo, ansiedade e muitos questionamentos,

principalmente, para aqueles das escolas comuns que não são especialistas em educação

especial.

Talvez, por isso, se justifiquem as manifestações de alguns egressos quando

declaram que a seu entender no que tange à alfabetização e às primeiras séries do ensino

fundamental o aluno deficiente visual deve fazê-las em uma escola especializada.

182

Comungando com essa atitude, inclusive, por ter vivenciado as duas situações,

Éden262 assim se expressa:

”eu acho que é imprescindível que o aluno cego seja alfabetizado na escola especializada. Talvez do ensino médio em diante ele já esteja com certo preparo para encarar. Aliás o IBC segue isso, não tem o ensino médio, nunca teve. Eu acho que a inclusão a partir da 5ª série ainda é problemática, por exemplo, os símbolos matemáticos o aluno cego vai ter muita dificuldade em acompanhar” (Fontes, 2: pp. 189-190).

Outro que tomando como base a sua experiência nas duas escolas –

especializada e comum – também fez sua colocação foi Arnaldo263:

“Eu acho que a educação de cegos nos primeiros anos, é imprescindível que seja em escola especial. Acho que a escola comum não tem vocação para realizar esse papel. Nesta fase, então, o IBC foi imprescindível, e esse não é um voto preso a realidade, é um voto ideológico também. Acredito que em países mais desenvolvidos,como por exemplo, a Espanha, é mantida essa lógica de que nas primeiras séries o portador de deficiência visual estude na escola especial; aprender o sistema Braille, que é o mecanismo para ele mais à frente ir para a escola regular, a escola comum. Então, para esta fase de alfabetização, de educação inicial, a criança em contato com outra criança cega é importantíssimo, ao contrário do que as pessoas pensam, que você vai criar um gueto, acho que é exatamente o contrário; esse contato, vai dar a ela o apoio emocional e psicológico para se desenvolver. Quanto ao aspecto pedagógico eu não posso falar, eu não conheço” (Fontes, 2: p. 253).

Contrapondo-se a seus colegas Jurema264 entende que o Instituto Benjamin

Constant deveria oferecer o ensino médio inclusivo. Cita que o Instituto São Rafael, em

Belo Horizonte, criado por um ex-aluno do IBC fez essa experiência e está dando certo.

“Eu acho que são poucos os exemplos de cegos bem sucedidos e acho que é decorrente

da educação especial que foi se deteriorando a partir de 1996. Com isso, fica

parecendo que o Instituto Benjamin Constant é um ‘elefante branco’” (Fontes, 2: p.

293).

262 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 263 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 264 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

183

Parece que quando Jurema265 usa a expressão “deterioração da educação

especial” ela deseja se reportar à educação existente antes da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDB), que se referia à escola especial como uma instituição

especializada, destinada a prestar atendimento psicopedagógico a educandos portadores

de deficiências e de condutas típicas, onde eram desenvolvidos e utilizados, por

profissionais qualificados, currículos adaptados, programas e procedimentos

metodológicos diferenciados, apoiados em equipamentos e materiais didáticos

específicos266.

Contrapondo ao atendimento especial oferecido antes de 1996, a legislação

vigente preconiza que aquele tipo de atendimento atualmente deva ser, oferecido

preferencialmente na rede regular de ensino, havendo quando necessários serviços de

apoio especializado.

Conhecemos alguns cegos que estudaram em escolas não especializadas, mas

tiveram em torno deles grande suporte composto por médicos, psicólogos, explicadores,

pedagogos, equipamentos e materiais, tudo proporcionado pela família, pois esses

serviços não existem nas escolas comuns. Sobre esse assunto, Jurema267 faz o seguinte

comentário:

“Mesmo com todos esses meios à disposição deles, provavelmente, cria-se um ser mais

dependente ainda, uma identidade bem comprometida, bem problemática, inclusive

dependente de terceiros para a sua locomoção, uma vez que os familiares permanecem

receosos em deixá-los saírem sozinhos” (Fontes, 2: p. 290).

Por outro lado, segundo Arnaldo268 o IBC enquanto instituição especializada

não cumpre o seu papel, então as pessoas saem dele e perdem completamente o feed

265 Idem 266 Política Nacional de Educação Especial. Livro 1, MEC/SEESP. Brasília: a Secretaria; 1994. 267 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 268 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

184

back: “Os alunos têm um vínculo, mas o IBC não. Os alunos quando têm interesse vão

ao Instituto e mantêm o contato, mas, sem relação institucional. O IBC simplesmente

considera que o seu dever acabou”. (Fontes, 2: p. 260).

A fala do Arnaldo269 vai ao encontro da proposta desta pesquisa,

principalmente, quando ele diz “o IBC simplesmente considera que o seu dever

acabou”. Em linhas gerais o que se quer é que o IBC desenvolva uma educação para a

inclusão. Para isso, ele deverá construir um projeto político pedagógico diferente, que

contemple a construção de uma trajetória em cima do que é essencialmente humano,

mas utilizando fatores que contribuam de uma maneira ou de outra para a inserção e a

evolução de seus egressos na sociedade, considerando as suas finalidades e os

compromissos assumidos, os quais devem ser materializados em prol de uma

convivência que proponha a promoção de uma cultura de inclusão e a construção de

uma nova ética.

6.3 - A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira. Antes de começar a falar sobre a trajetória do cidadão cego na sociedade

brasileira, julgamos importante tecer algumas considerações sobre políticas sociais e

educacionais, realçando o momento atual, visto como de “anomalia” e perplexidade

diante da abrangência e gravidade dos problemas existentes.

Inicialmente, convém lembrar que as políticas destinadas ao atendimento das

necessidades básicas, principalmente da população mais pobre, agrupadas sob o título

de políticas sociais não chegaram a ocupar, ao longo da história, papel de destaque nos

269 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

185

planos de governo e nas dotações orçamentárias, persistindo esta realidade até os dias

atuais.

A questão da responsabilidade do Estado em não assumir de fato algumas

questões que compõem as políticas sociais é antiga; a título de exemplo, é importante

lembrar que nos primeiros anos da história do País, foram os jesuítas que tomaram para

si o papel da ação social, através das catequeses. E mais recentemente, pela falta de uma

busca efetiva e plena do desenvolvimento social, abre-se então o espaço para a

sociedade civil, através das Organizações Não Governamentais atuarem nos espaços

vazios deixados pelo Estado, de tal forma que atualmente essas organizações

denominadas ONGS são os principais aliados e parceiros do Estado.

Também é objeto de menção lembrar que a partir da Constituição Federal (CF)

de 1988, as políticas sociais brasileiras teriam como uma de suas finalidades mais

importantes, dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República, previsto no

artigo 3º da Constituição Brasileira..

Assim, por intermédio da garantia dos direitos sociais, buscar-se-ia construir

uma sociedade livre, justa e solidária: erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as

desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem preconceitos ou

qualquer formas de discriminação.

Com relação as políticas educacionais que possam ser formuladas e os planos a

serem elaborados como respostas aos problemas da educação brasileira, informa

Ciavatta (2002) que isso exige a participação de todos os setores interessados e de

outras políticas públicas, de modo a romper uma tradição de elaboração técnica, estrita

aos órgãos educacionais especializados.

Por outro lado, esse aspecto da realidade educacional brasileira leva a algumas

considerações e desafios como, por exemplo: existe realmente, interesse em incluir as

186

pessoas com necessidades especiais no sistema regular de ensino, como preconiza a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ou essa inclusão, conforme comenta

Fernandes (2004) é tão somente um discurso desenvolvimentista copiado de países, os

quais, efetivamente, trabalham no sentido de realizá-la?

Quanto ao desafio, ele é mais complexo quando postulamos uma sociedade e

processos educativos que tenham como parâmetro não o mercado e o capital, mas o ser

humano. Daí a pergunta: como garantir que os sistemas educacionais criem escolas

inclusivas com as condições necessárias e indispensáveis para oferecer respostas

educativas adequadas às necessidades individuais de aprendizagem de todos e de cada

um de seus aprendizes? (Carvalho, 2004).

Daí, falar sobre a escolaridade, a inserção no mundo do trabalho, a conquista da

cidadania e a inserção comunitária dos alunos egressos do Instituto Benjamin Constant

significa refletir sobre as diferentes trajetórias que esses indivíduos percorreram na

busca de um lugar melhor, a partir das condições sociais que ostentam suas famílias, do

ensino que receberam e das conquistas alcançadas no decorrer de suas vidas.

Por isso, convém ser lembrado que o discurso da liberdade e dos direitos

humanos tem sido muito proclamado, mas também muito menosprezado. Daí, existir

uma imensa distância entre a retórica e o fato, de tal forma que a cidadania garantida da

pessoa portadora de deficiência pode começar por definições abstratas, mas como

salienta Cohen (1988), para que haja a metamorfose dessa liberdade teórica em direito

positivo, é preciso que haja condições concretas.

Usando os argumentos de Morin (2003) quando fala sobre enfrentar as

incertezas, “as civilizações tradicionais viviam na certeza de um tempo cíclico cujo

funcionamento devia ser assegurado por sacrifícios às vezes humanos. A civilização

187

moderna viveu com a certeza do progresso histórico. O progresso é certamente

possível, mas é incerto” (p.80).

No caso do cego, todas as situações ainda não vistas ou vivenciadas são novas

(Vieira, 1988), portanto, incertas. Assim como o progresso referido por Morin (2003)

que em outras palavras, traduz-se na trajetória do cego na sociedade, a qual pode ser

possível, mas é incerta.

Por outro lado, não se pode negar que a tendência da política social nas duas

últimas décadas tem sido a de fomentar a integração e a participação e de lutar contra a

exclusão; no campo da educação, essa situação se reflete no desenvolvimento de

estratégias que possibilitem uma autêntica igualdade de oportunidades. Cabe salientar,

também, que a reforma das instituições sociais não só é uma tarefa técnica, mas também

depende, antes de tudo, da convicção, do compromisso e da boa vontade de todos os

indivíduos que integram a sociedade. Dessa forma, a dificuldade em se transformar o

discurso sobre integração em uma prática permanente generalizada tem sido atribuída a

diversos aspectos (Glat, 1998), como por exemplo, o despreparo dos professores, a falta

de sensibilidade dos empresários e a ausência de uma política pública voltada para a

inclusão do deficiente no mundo do trabalho.

É certo que a partir do século XXI as pessoas com necessidades especiais não

são mais exterminadas, entretanto, podemos considerar que “socialmente elas são

exterminadas. Pois, apesar de excluídas das responsabilidades sociais, também o são

dos privilégios, vantagens e oportunidades, inclusive afetivas” (Glat, 1998: p. 18).

Ainda assim, convém lembrar que a plena participação nas unidades básicas da

sociedade, como a família, o grupo social e a comunidade, é a essência da experiência

humana. Aliás, o direito e oportunidades iguais de participação são consagrados na

Declaração Universal dos Direitos Humanos e devem ser aplicados a todas as pessoas,

188

sem exclusão das que apresentam necessidades especiais, no caso aqui em estudo, o

cego.

Nas últimas décadas do século XX, as pessoas com necessidades especiais, no

mundo Ocidental, conviveram com momentos de fortalecimento dos movimentos

sociais organizados em defesa da inclusão e eliminação das situações de exclusão

(Mazzotta, 2003). A respeito desse assunto, prevalece a idéia de que o portador de

deficiência precisa não apenas ser integrado, mas, sobretudo, incluído na vida social,

devendo ser dada a ele oportunidade para se auto-organizar e construir meios psíquicos,

sociais e culturais para que tenha condições de compartilhar mais plenamente a vida em

sociedade, conforme coloca Cavalcante (2004).

A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira começa com o seu

nascimento ou a partir do momento em que ele perde a visão; inicialmente com o

impacto que um filho cego acarreta. Quanto a isso Amaral (1995), citado por Nunes e

colaboradores (1998) faz a seguinte colocação: “esta situação de impacto familiar (...),

gera em todos os membros da família sentimentos contraditórios muito fortes, com

reações concomitantes, oscilando entre aceitação e rejeição, pena e raiva, euforia e

depressão”.

A dificuldade de lidar com um filho especial, “muitas vezes vivenciada como

profunda impotência, pode ser confundida com desafeto”, como coloca Cavalcante

(2004: p. 48). Contudo, a intervenção do especialista e da escola especializada pode

atenuar essa situação, uma vez que os pais, geralmente não possuem conhecimento e

experiência suficientes para lidar com a socialização de seu filho.

Por isso, é oportuno lembrar, que tanto as causas quanto as conseqüências da

deficiência variam em toda parte e resultam das diferentes circunstâncias sócio-

econômicas e das diversas disposições que adotam os Estados, com vista ao bem-estar

189

de seus cidadãos. Não obstante, existem outras causas que influem nas condições de

vida dos cegos, como: ignorância, abandono, superstição, medo, dentre tantas outras,

que têm ajudado a isolar esses indivíduos e de certa forma atrasado seu

desenvolvimento.

Entretanto, graças à educação e à reabilitação, eles têm se tornado cada vez mais

ativos, contribuindo, portanto, para mudar a concepção inicial de que o cego é inerte e

incapaz para a ação (Vieira, 1988).

O não poder enxergar traz muitas limitações de várias ordens e essas limitações

vão aumentando à medida que a pessoa vai se tornando adulta. Foi o que aconteceu

com Arnaldo270, apoiado nas experiências dos concursos que prestou, confessa:

“Eu gastava muito tempo por dia, pois precisava de gente pra ler e para produzir material. Além disso, é preciso ter disciplina; no meu caso, tive que queimar uma etapa para poder alcançar o mesmo estágio que as outras pessoas com as quais eu concorria já se encontravam. Logo, a questão da disciplina para gente é um problema muito sério” (Fontes, 2: pp. 245-246).

Embora, ainda hoje a sociedade admita um modelo padrão de beleza e perfeição,

aos poucos está havendo uma conscientização, através de várias entidades institucionais

e filantrópicas, no sentido de perceber e acreditar que o deficiente visual tem condição

de ser um cidadão "normal", um ser humano com direitos e deveres iguais a todos. É o

caso, por exemplo, de vários atletas cegos que são campeões para-olímpicos e outros

que são profissionais liberais, empresários exercendo as mais diferenciadas atividades e

tendo reconhecimento público por isso.

Devido ao comprometimento e dedicação de muitos profissionais da educação

especial, os deficientes visuais estão muito mais vinculados com o dia a dia, lidando

com as situações naturalmente e destacando-se profissionalmente em suas atividades.

270 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

190

Em certas circunstâncias a troca é muito rica para ambos, educador e aluno,

possibilitando credibilidade e confiança.

A cada ano aumenta o número de pessoas com deficiência e, conseqüentemente,

a sua exclusão. Vários fatores contribuem para esse aumento, tais como:

“A fome; a pobreza; programas inadequados de assistência social, saúde, educação, formação profissional e emprego; acidentes na indústria, na agricultura ou nos transportes; a contaminação do meio ambiente; o uso imprudente de medicamentos; a baixa prioridade concedida, no contexto do desenvolvimento social e econômico, às atividades relativas à equiparação de oportunidades; o crescimento demográfico; a violência urbana e outros fatores indiretos” (Cohen, 1998: p. 938).

Além desses podem ser apontados outros como: barreiras físicas; calçadas

estreitas repletas de buracos e com obstáculos de difícil detecção pela bengala do cego;

orelhões instalados sem a mínima preocupação de construção de indicadores que

possam proteger o cego.

A respeito desses obstáculos é comum vermos cegos com pernas e braços com

escoriações, testa com hematoma, dentre outras contusões. Como fala Isaura271 “(...)

realmente ser cego requer bastante coragem, principalmente ao andar na rua. As

pessoas dizem: ‘cuidado!’ Mas, não há como evitar, pois, quando detectamos o

obstáculo já estamos em contato, ou dentro dele” (Fontes, 2: p. 306). Sobre os orelhões,

Juscelino272 assim se manifesta: “(...) nós temos que conscientizar a população e quem

está no nosso meio, que eles devem ajudar a facilitar a nossa vida; quando se coloca

um orelhão de qualquer jeito na calçada, você deve tentar explicar ao responsável

sobre a melhor posição de instalá-lo, a fim de evitar acidentes” (Fontes, 2; p. 202).

Acrescidas a essas questões ligadas à mobilidade, há outras que ocorrem na

adolescência, que estão ligadas ao sexo, ao namoro, ao lazer... Quanto ao namoro, a

grande maioria dos egressos começou a namorar os próprios colegas; quanto ao sexo 271 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 272 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

191

todos foram unânimes ao afirmar que esse assunto foi tratado mais detalhadamente em

palestras promovidas pelo Instituto, durante as aulas e, até mesmo, em conversa com

colegas mais chegados. Poucos foram aqueles que receberam alguma orientação vinda

da própria família.

Sobre esse assunto Cutsforth (1969) ao falar do comportamento sexual dos

cegos, tece o seguinte comentário:

“Todo crescimento social e intelectual da criança cega tem as suas condições estabelecidas, mais pelo meio ambiente subjetivo, do que tem o de uma criança de visão. Enquanto a criança que enxerga está se desenvolvendo em relação ao seu mundo social em expansão e ao seu meio ambiente objetivo e estimulante, a criança cega também está crescendo em relação ao seu meio ambiente. Entretanto, a situação social em expansão e o meio ambiente objetivo e estimulante não são os mesmos. Mesmo sob condições sociais ótimas, a vida sexual dos cegos é composta, em sua maior parte, por fantasias egocêntricas” (pp. 120-123).

A respeito da educação do cego já escrevemos, neste capítulo, um tópico

específico sobre esse assunto. Quanto à formação profissional, talvez aí resida o

momento mais difícil para o jovem, que é a escolha da profissão. Antes da conclusão do

Ensino Fundamental, o aluno começa a se inquietar e a pensar na escolha da profissão,

seja ela de nível médio ou intermediário.

Quanto a isso, pode-se afirmar que até o início do século XIX, os cegos não

tinham outras possibilidades a não ser a de mendicância (Cosandey, 1998). Entretanto,

no início do século XX, começam a surgir outras profissões – acessíveis aos cegos -

como foi o caso da escola de masso-kinésithérapie, aberta por Valentin-Hauy em 1907

em Paris (Cosandey, 1998). Hoje em dia, com o avanço tecnológico, há um leque de

opções profissionais que podem ser ofertadas aos cegos, necessitando apenas que sejam

efetuadas algumas adaptações, como é o caso da informática que graças ao auxílio dos

192

sintetizadores de vozes permitiu aos cegos a utilização dessa ferramenta no seu trabalho.

Como opina Eden273 ao falar sobre as profissões que se coadunam com a cegueira:

”O cego pode trabalhar tranquilamente com o Direito, ser psicólogo, fisioterapeuta e professor, que é uma profissão que ele se adapta muito bem, apesar de algumas dificuldades que são perfeitamente superáveis. Além dessas, existem outras como: massagista, telefonista, ascensorista, operador de câmara escura – eu fui operador de câmara escura, que são perfeitamente adaptáveis.” (Fontes, 2: p. 192).

Ainda falando a respeito da questão profissional do cego, Arnaldo274 faz uma

colocação sobre o papel do Instituto Benjamin Constant, enquanto Centro de Referência

Nacional para as questões voltadas para as pessoas com deficiência visual, que julgamos

muito importante:

“(...) Seria interessante que quando um cego passasse para um concurso público – tem uma fase de adaptação que se chama fase probatória – que o IBC fornecesse material e subsídio para os órgãos que estão contratando os cegos; abrindo a instituição para mostrar como ela funciona e como é a educação especial, com a perspectiva de preparar esses sujeitos lá no local onde eles vão trabalhar. Eu me lembro que quando passei no concurso, fiquei um mês aguardando o programa Dos-Vox – o meu primeiro mês de trabalho foi complicadíssimo. Como ainda não tinha o programa, eu não fazia nada, mesmo porque eles não sabiam o que fazer comigo. Entraram em contato com o IBC para se orientarem a respeito e, não houve nenhuma receptividade, nenhuma manifestação, mesmo negativa” (Fontes, 2: p. 260).

O Instituto Benjamin Constant está sempre prestando algum tipo de apoio a

várias entidades como palestras, consultas, visitas, dentre outras finalidades que

constam no seu Regimento Interno; por isso, entendemos que se o IBC puder orientar

seus egressos tanto na parte acadêmica, quanto na profissional, ele também estará

cumprindo o seu papel regimental, no que tange ao acompanhamento com vistas à

inserção comunitária.

273 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 274 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

193

Conforme expressa Jurema275,

“a falta de conhecimento do próprio cego sobre o que ele pode fazer; aliado a isso, a falta de conhecimento de quem está recebendo o cego e, ainda, a falta de crença mesmo, desestimulam os cegos, de tal forma, que alguns chegaram à conclusão que eles não precisam trabalhar porque eles são cegos, só precisam de um emprego” (Fontes, 2: p. 293).

Outro tema abordado foi o do casamento. Segundo os entrevistados, ele acontece

independente da condição visual. Dessa forma vê-se casamento entre cegos e entre

cegos e videntes. Entretanto, confessa Éden276 - que é casado como uma mulher que

enxerga – “que quando os dois são cegos, a convivência fica mais complicada, pois,

certamente precisará de terceiros que enxergam para ajudar em alguma coisa”

(Fontes, 2: p. 190). Já na opinião de Juscelino277 - que é solteiro - “o casamento entre

cegos é uma questão de convivência; por estarem juntos por longo tempo, acabam

casando cego com cego” (Fontes, 2: p. 212). Contrapondo-se às duas colocações,

Glória278 - que é cega e casada com um cego, também egresso da sua época – esclarece

que “apesar de sermos um casal de cegos, aprendemos a viver sozinhos, a driblar as

dificuldades (...). Hoje em dia a situação é mais fácil; temos um casal de filhos que nos

ajudam bastante” (Fontes, 2: p. 274).

Relativamente ao casamento de ex-alunos e quanto à possibilidade da prole ser

de deficientes visuais, o próprio Instituto Benjamin Constant deveria tratar esse assunto

com maior zelo e aprofundamento, uma vez que mantém um internato e, tem sido

comum muitos alunos cegos e de baixa visão - que estudaram na instituição - se

casarem entre si, gerando, conseqüentemente, filhos, também deficientes visuais.

Ainda sobre esse assunto, aventou-se a hipótese de que o IBC deveria

desenvolver um programa de aconselhamento genético com vistas à prevenção das 275 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 276 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 277 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 278 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

194

doenças oculares, mesmo que fosse, inicialmente, numa perspectiva educacional.

Falando sobre essa questão Eden279 tem a seguinte opinião:

“Com certeza falta essa orientação até dentro do currículo escolar. Por exemplo, ministrar aulas sobre como certas doenças se instalam, sobre a questão da aquisição de hábitos higiênicos, como você pode evitar a doença, etc. Isso, com o intuito de cuidar da doença desde o início, a fim de prevenir o que aconteceu comigo: minha mãe disse que quando ela percebeu que eu tinha glaucoma, ela procurou logo o médico e o médico não deu muita importância, então o meu estado se agravou porque eu não cuidei desde o início” (Fontes, 2: p. 190).

Recordando algumas atividades que eram promovidas para os alunos, na sua

época, Éden280 informa que eram realizadas visitas pedagógicas a museus, ao Jardim

Botânico e ao Jardim Zoológico, além da participação dos alunos em feiras culturais,

seminários e outros eventos. Além desses, por ocasião do aniversário do Instituto existia

uma olimpíada interna, na qual muitos alunos participavam, tendo inclusive revelado

alguns campeões que participaram das Para Olimpíadas. Ao final de cada ano, era

comum alguns concursos como:

“Redação, leitura em Braille, competição pedagógica, entre outros. Tinha festa junina, era festa boa, não idêntica a essas que acontecem hoje em dia. Talvez faltasse mais informação para os alunos, principalmente aquelas sobre as profissões, o mercado de trabalho e outras” (Fontes, 2: p. 19).

Quanto à religião, diferente de décadas passadas, pois existia um capelão e

muitas irmãs de caridades cuidando dos alunos, a tendência atual é deixar a cargo da

família a orientação religiosa, embora sejam celebradas no Instituto a Primeira

Comunhão, missas e outros cultos religiosos, mas, em consonância com a família e a

escolha do próprio aluno.

Já que estamos falando da “trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira”,

presume-se que o cego seja um cidadão em toda sua plenitude: portanto, não estamos

falando daquele indivíduo que apenas cumpre as suas obrigações eleitorais, mas,

279 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 280 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

195

principalmente, daquele que deve ter um trabalho honesto, do qual pode tirar o seu

sustento e o da sua família. É assim que pensamos essa cidadania, uma conquista do

homem, que vai se materializando no seu dia a dia.

Sobre esse assunto, também, Eden281 se manifesta da seguinte forma:

“Confesso que tenho estado muito decepcionado politicamente. Estava pensando outro dia, nós ainda não conseguimos inventar nada melhor do que essa representatividade chamada democracia, que eu não sei se é uma democracia total ou somente uma tintura da democracia formal. Mas é o que nós temos e é com ela que temos que trabalhar. Eu acho que é importante e vejo o seguinte, a organização do deficiente é fundamental. Nós temos que nos organizar e exigir. Veja só, outro dia o Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberou os deficientes físicos de votar, eu achei um absurdo isso. A informação que eu tive foi a seguinte: eles decidiram liberar o deficiente físico de votar, em razão das dificuldades do acesso. E, posteriormente, eles iriam pormenorizar essas hipóteses, casos em que os deficientes ficam realmente isento. Eu não li essa resolução, mas, com certeza o caminho não é esse. Ao invés de adaptar o lugar pra o deficiente chegar, é mais fácil cortar. Então, nós temos que melhorar a cidadania até no sentido de termos consciência dos nossos direitos e exigir esses direitos; cobrar dos órgãos públicos, dos nossos políticos, principalmente. ‘Olha gente, vocês têm que cobrar: cobrar de mim, cobrar da defensoria, cobrar do judiciário, dos políticos e de outras autoridades. Isso para a gente colocar em prática os direitos, as leis – leis é o que não falta no Brasil’” (Fontes, 2: p.191).

A experiência adquirida no Instituto Benjamin Constant trouxe para esses

egressos uma bagagem sólida de conhecimentos que permitiu, desde cedo, a muitos

lograrem sucesso, como foi o caso de Juscelino282, que ainda aluno participava de

debates políticos, passeatas e outras reivindicações em prol do deficiente;

(...) a democracia é fundamental; a partir da constituição de 1988, no anfiteatro do IBC, nós defendemos uma proposta deste salário mínimo que hoje é oferecido ao deficiente pelo governo federal. À época, muitos me criticaram, muitos falaram que seria uma forma do deficiente se acomodar; mas, eu entendia diferente. No meu entendimento aquele salário seria um meio para o deficiente ter o mínimo de manutenção, porque tudo é muito caro e até uma bengala hoje é cara, uma cadeira de rodas é cara, logo, seria uma forma dele sobreviver, de ter o mínimo de condição de sobrevivência e poder estudar e se capacitar. Defendi e defendo este salário mínimo veementemente como uma forma de sustentação, não que o deficiente vá ficar a vida inteira com aquele salário mínimo. Com certeza vai chegar a um ponto em que ele vai abdicar deste benefício e ter a sua vida profissional” (Fontes, 2 pp. 214-215).

281 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 282 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

196

O cego é uma pessoa bem informada, apesar de não ler jornais e, raramente

assistir televisão. Ele tem a seu favor dois veículos extremamente valorosos, para a

disseminação do conhecimento e da informação, que são o rádio e a internet. Além

disso, até pela sua limitação física, o cego prefere permanecer mais em sua casa, do que

sair, fazendo-o, apenas, para atender os compromissos rotineiros e outros inadiáveis.

Em face disso, a sua rotina é ouvir o rádio ou consultar a Internet - para aqueles que a

possui –, uma vez que a outra possibilidade, que seria a leitura, fica bastante

prejudicada, justamente pela quase inexistência de livros em Braille.

Concordando com essa afirmação Éden283 faz o seguinte comentário:

“(...) para o cego se manter informado e atualizado, ainda é o rádio que exerce uma influência muito grande e, há algum tempo, também a internet. Hoje ele fica brincando com a internet. Que eu saiba o cego não vê muito a televisão. Vou te dizer uma coisa, eu não gosto de televisão e, não é porque eu sou cego. Eu gosto mais do rádio, mesmo porque eu ainda não resolvi o meu problema com o computador, a questão da aversão. O rádio é ainda o que eu tenho para me manter atualizado, embora o rádio, também, tenha caído muito, a programação é muito fraca, são muitas bobagens que se ouve e as pessoas perdendo tempo com muitas besteiras. Já foi melhor” (Fontes, 2: pp. 191-192).

Na difícil trajetória da vida de um cego, encontramos aqueles que foram

desbravadores, lutadores e vencedores. Apesar dos inúmeros obstáculos que

encontraram no seu caminho - sejam de ordem biológica, psicológica ou social – eles

não desanimaram e não se deixaram vencer, continuaram persistindo.

Em que pese a existência nas últimas décadas de avanços bastante significativos

em algumas áreas, a exemplo da ciência e da tecnologia, os ganhos conquistados nas

relações humanas e sociais são ainda insuficientes para que se tenha uma vida

harmônica, saudável e que valha à pena ser vivida.

Quanto a essa afirmação, convém lembrar que o direito e iguais oportunidades

de participação são consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e

283 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

197

devem ser aplicados a todas as pessoas, sem exclusão, inclusive às pessoas portadoras

de necessidades especiais. Contudo, a realidade que se apresenta é outra. Sendo comum

a negação a essas pessoas da oportunidade de participar plenamente das atividades do

sistema sócio cultural em que vivem, reforçado, talvez, pela falta de informação ou pela

informação distorcida.

Assim, podem ser observadas várias formas de exclusão social que abrangem as

pessoas com necessidades especiais, principalmente, os cegos e os indivíduos com baixa

visão. Essas ocorrências vão desde as mais comuns, como por exemplo, barreiras físicas

e outras, como o simples fato de evitar contato e relacionamento, ou mesmo a negação

de um emprego, que na maioria das vezes é decorrente da ignorância, da indiferença e

do temor.

Como já mencionamos anteriormente, o alto grau de preconceito e de

discriminação demonstra o desconhecimento da sociedade, principalmente, quanto ao

potencial de participação dessas pessoas. Geralmente não são observadas e nem

reconhecidas, e isso contribui ainda mais para aumentar a exclusão. Na tentativa de

diminuir esse preconceito, surgiram os movimentos de cegos que têm contribuído para

algumas conquistas sociais; entretanto, alerta Arnaldo284 que “os deficientes visuais não

devem se fechar nos movimentos, achando que o movimento é o fim, pois, na verdade,

ele é apenas um meio” (Fontes, 2: p. 251).

Muitos autores discutem a conceituação de movimentos sociais, pois, vários são

os critérios que eles utilizam em sua caracterização, inclusive dando ênfase às maneiras

de diferenciar um movimento social de outras ações coletivas.

Assim, surgem os “novos” movimentos sociais, que contrapõem aos “velhos” e

historicamente tradicionais movimentos sociais em suas práticas e objetivos, conforme

284 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

198

assevera Gohn (1995). Alguns exemplos desses movimentos são: Os movimentos das

mulheres, ecológicos, contra a fome e outros, que sinalizam em princípio um

distanciamento do caráter classista que se configurava nos movimentos sindicais,

operários em torno do mundo do trabalho.

Para Gohn (1995), movimentos sociais são ações coletivas de caráter

sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas

sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na

sociedade civil.

No que diz respeito aos cegos, o acesso à educação – garantido segundo

Belarmino (1997) com o advento e a adoção do sistema Braille – pôs em marcha um

processo de conscientização e politização desses indivíduos que a partir da experiência

do internamento em geral, partiam para um novo modelo de agrupamento que tomaria

corpo em todo o mundo, ou seja, o modelo associativista.

Assim, segundo Belarmino (1997),

“ao contrário dos asilos, hospitais e mesmo das escolas especializadas que sempre foram fruto da caridade e da filantropia de particulares ou de iniciativas governamentais, as novas associações nasceram da vontade e da ação dos indivíduos cegos que, saídos do internato, buscaram nessa nova forma organizativa, mecanismos para o encaminhamento de suas lutas por emprego, melhorias de vida e combate às discriminações contra a pessoa cega” (p. 45).

No Brasil, as primeiras associações de cegos surgiram no Rio de Janeiro nos

anos 50, congregando-se em torno de interesses eminentemente econômicos. Seus

associados eram em geral, vendedores ambulantes, artesãos especializados no fabrico de

vassouras, empalhamento de cadeiras, recondicionamento de escovões de enceradeiras e

outros similares (Belarmino, 1997).

199

Com a inauguração da Década Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência

em 1981, puderam-se observar várias associações de cegos que a exemplo de outros

movimentos sociais existentes no país, marcaram o apogeu do movimento associativista

dos cegos, com a realização de congressos, seminários e encontros regionais, visando

basicamente o fortalecimento desse movimento em nível nacional. A partir daí, então,

foram criadas entidades como representantes máxima das associações em todo o país,

conforme já mencionado.

A pobreza, desigualdade e a exclusão social são constantes na sociedade

brasileira, e parece que somente será possível superá-las quando for encontrada a

origem dos problemas.

Para se ter uma idéia do quadro de pobreza dos nossos jovens, recorremos a

dados do Censo/2002 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que

informa o seguinte: 68,7% da juventude viviam em famílias que tinham uma renda per

capita menor que um salário mínimo. Desse contingente, 12, 2% (4,2 milhões de

jovens) viviam em famílias com renda per capita até ¼ do salário mínimo, e somente

41,3% (14,1% milhões de jovens), viviam com renda per capita acima de um salário

mínimo.

Se considerarmos os resultados do Censo 2000, os quais mostram que,

aproximadamente, 14,5% da população total - 24,5 milhões de pessoas - apresentaram

algum tipo de incapacidade ou deficiência. E que no total de casos declarados de

portadores das deficiências investigadas, 48,1% (16,5 milhões) são as pessoas com ao

menos alguma dificuldade de enxergar. E mais, entre esses 16,5 milhões de pessoas

com deficiência visual, 159.824 são incapazes de enxergar, certamente, considerável

percentual de jovens deficientes visuais encontra-se inserido nesse quadro de pobreza

apontado no censo do IBGE em 2000.

200

Corroborando esses achados mostrados pelo censo há pouco mencionado,

Arnaldo285 no que tange à condição econômica dos seus colegas, assim se pronuncia:

“(...) alguns ostentavam condição de vida diferenciada, ou seja, quem tinha dinheiro se sentia desestimulado com a alimentação do refeitório do IBC e ia à cantina fazer sua refeição. Entretanto, sentia-se constrangido porque só ele tinha condição mais favorável, por isso, voltava a comer no mesmo lugar que todos comiam. O grupo era empobrecido financeiramente e a qualidade oferecida pelo IBC era maior do que a média tinha no seu núcleo familiar.” (Fontes, 2: p. 255).

No que diz respeito à trajetória da cidadã cega na sociedade brasileira, convém

lembrar que a mulher já sofre discriminação em alguns casos e, com a mulher cega essa

discriminação poderá se tornar ainda maior. Sobre esse assunto informa Isaura286 que

isso nunca aconteceu com ela. “Eu acho que hoje em dia não existe tanta diferença,

porque quando a pessoa trata o cego como coitado, você não sabe se é porque é cego

ou porque é mulher, ou se são os dois” (Fontes, 2: pp. 319-320).

Os problemas enfrentados pelos cegos são os mais diversos possíveis e se

evidenciam no cotidiano, conforme relata Isaura 287:

“Teve uma época que eu tentava pagar a passagem no ônibus, entrava por trás. Certo domingo, o trocador resolveu que eu não ia pagar a passagem porque eu era cega e ele simplesmente me tirou de dentro do ônibus. Saiu do seu lugar e foi me arrastando, praticamente até lá na frente (...). Na condução acontecem coisas muito engraçadas. Estava em outro ônibus e entrou uma mulher cega que estava grávida. Aí alguém falou para uma pessoa que estava sentada: ‘Dá licença para a senhora sentar, não está vendo que ela está grávida? ‘Meus Deus, quem foi que fez isso com ela?’ Perguntou a passageira, como se isso não fosse uma coisa normal da vida. Só porque ela era cega não pode casar e ter filhos?Outra vez ouvi o seguinte comentário: ‘Não ajudo mais a cego. ‘Eu tinha muita pena mas, depois que eu encontrei um cego que falou que tinha dois filhos, quer dizer, se ele pode fazer filhos não precisa de ajuda’. São coisas assim muito doidas. Talvez outras mulheres que tenham uma vida doméstica mais ativa do que a minha, tenham outras experiências, como companheiras que tenham procurado emprego em fábrica ou em outro tipo de setor, histórias até mais ligadas ao trabalho, que eu não conheço tanto, pois, o meio que eu lido é

285 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 286 Entrevista: aluna egressa do IBC, período 1985/1990. 287 Idem.

201

mais ‘light’, o da educação. Além disso, quase todas são mulheres e a gente não sofre tanta discriminação no magistério” (Fontes, 2: pp. 319-320).

Podem-se mencionar três tipos de estigma nitidamente diferentes, conforme

esclarece Goffman (1989). Em primeiro lugar, há as abominações do corpo - as várias

deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como

vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade,

sendo essas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental,

prisão, vicio, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e

comportamento político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, nação e

religião, que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos

os membros de uma família.

Ainda de acordo com Goffman (1998) as atitudes que nós, normais, temos com

uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem

conhecidos na medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta

suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma

não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de

discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos

suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a

sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes

uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social.

Utilizamos termos específicos de estigma como ceginho, aleijado, bastardo, retardado,

em nosso discurso diário como fonte de metáfora e representação, de maneira

característica, sem pensar no seu significado original.

Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e,

ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis, mas não

202

desejados, freqüentemente de aspecto sobrenatural, tais como "sexto sentido" ou

"percepção". Conforme esclarece Goffman (1998) alguns podem hesitar em tocar ou

guiar o cego, enquanto que outros generalizam a deficiência de visão sob a forma de

uma gestalt de incapacidade, de tal modo que o indivíduo grita com o cego como se ele

fosse surdo ou tenta erguê-lo como se ele fosse aleijado.

Ao mesmo tempo, erros menores ou enganos incidentais da pessoa cega podem

ser interpretados como uma expressão direta do atributo diferencial estigmatizado.

Tomamos, por exemplo, atos comuns do cego como andar na rua, apanhar com o garfo

a comida que se encontra no prato, acender um cigarro, tomar um ônibus, dentre outros

atos, passam a não ser mais comuns. Por isso, o cego se torna uma pessoa diferente. Se

ele os desempenha com destreza e segurança, provocam o mesmo tipo de admiração

inspirado por um mágico que tira coelhos de cartolas.

O indivíduo estigmatizado tende a ter as mesmas crenças sobre identidade que

nós temos; isso é um fato central. Seus sentimentos mais profundos sobre o que ele é

podem confundir a sua sensação de ser uma "pessoa normal", um ser humano como

qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradável e uma

oportunidade legítima conforme esclarece (Goffman, 1998).

6.4 - A Cegueira e as tecnologias.

A Revolução Industrial constituiu-se em um marco para o desenvolvimento

tecnológico em todos os setores, mas foi especialmente após a Segunda Grande Guerra

que as tecnologias de informação e comunicação causaram impacto em todos os campos

da ação humana, sendo responsáveis pela configuração social de hoje e pelas exigências

do mercado de trabalho (Melca, 2004).

203

O mundo vive um acelerado desenvolvimento no qual a tecnologia está presente

direta ou indiretamente em atividades bastante comuns. No nosso caso específico, dos

deficientes visuais, vislumbra-se a possibilidade de utilização de tecnologia que permita

ajudar esses indivíduos tanto na educação, quanto na questão profissional e médica.

Quando falamos em tecnologias costumamos pensar imediatamente em

computadores, vídeo, softwares e Internet. Sem dúvida são as mais visíveis e que

influenciam profundamente os rumos da educação. Mas, antes de tudo, é importante

lembrar que o conceito de tecnologia é muito mais abrangente. No que diz respeito à

educação, tecnologias são:

“(...) os meios, os apoios, as ferramentas que utilizamos para que os alunos aprendam. A forma como os organizamos em grupos, em salas, em outros espaços isso também é tecnologia. O giz que escreve na louça é tecnologia de comunicação e uma boa organização da escrita facilita e muito a aprendizagem. A forma de olhar, de gesticular, de falar com os outros, isso também é tecnologia. O livro, a revista e o jornal são tecnologias fundamentais para a gestão e para a aprendizagem e ainda não sabemos utilizá-las adequadamente. O gravador, o retro-projetor, a televisão, o vídeo também são tecnologias importantes e também muito mal utilizadas, em geral” (Moran, 1995).

Relativamente ao domínio dessas tecnologias, o pouco conhecimento pode levar

algumas pessoas a se sentirem discriminadas ou constrangidas por não serem capazes de

realizar algumas atividades, como ocorre frequentemente em caixas eletrônicos de

bancos, com telefone celular, televisão acionada por controle remoto, agenda eletrônica

ou com a urna eletrônica, por ocasião das eleições. Esse será um assunto ao qual

retornaremos mais adiante quando estivermos discutindo especificamente a questão do

cego e das tecnologias, um dos tópicos abordados por todos os entrevistados, devido sua

importância na construção da autonomia e ampliação das relações com o mundo.

Quanto aos deficientes visuais, a situação é a mesma de todos os brasileiros; são

poucos os deficientes que possuem ou fazem uso dessas tecnologias. Entretanto, dentre

204

aqueles que se utilizam delas, como por exemplo, a Internet, o fazem muito bem e com

bastante desembaraço. Aliás, na época da implantação da votação através da urna

eletrônica, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ), teve o cuidado de

disponibilizar várias urnas, as quais foram instaladas no Instituto Benjamin Constant

para que os deficientes visuais pudessem aprender a votar. Fez-se, portanto, uma

espécie de treinamento, buscando evitar ao máximo erro de votação.

O desenvolvimento das tecnologias das informações permite que a

aprendizagem ocorra em diferentes lugares e por diferentes meios. Portanto, cada vez

mais aumenta a capacidade para criar, inovar, imaginar, questionar, encontrar soluções e

tomar decisões com autonomia. No caso do cego, se for considerado que há certo

descrédito quanto à capacidade de uma pessoa com necessidades educacionais especiais

para desenvolver um papel ativo em nossa sociedade, “a informática social vem

derrubar antigos tabus, uma vez que permite aos alunos atuarem de forma produtiva,

criativa e eficiente na realização e confecção de trabalhos, utilizando o computador, os

quais tanto podem ser realizados no âmbito de uma empresa, como em seu próprio lar”

(Villanova, 2001).

Diante das novas tecnologias de informação e comunicação, denominadas de

NTIC - a Educação se constitui numa das mais importantes questões da atualidade, não

só no que tange ao processo de inclusão social, como também no digital. Vale ressaltar

que a inclusão social jamais deixou de depender de projetos políticos que incluíssem

uma política educacional inclusiva, no entanto, a ineficácia desses projetos gerou um

contingente de brasileiros com baixa escolaridade, portanto, com impedimentos básicos

para responder às demandas impostas pelas NTIC (Lyra, 2003).

Considerando a tecnologia como ferramenta necessária à educação e ao bom

desempenho profissional do cego, pode-se citar: o uso da bengala, que foi um invento

205

que trouxe grande independência para o cego; do gravador, que permitiu e ainda permite

que muitos cegos estudem; do rádio, um meio de informação inseparável do cego; do

telefone, importantíssimo para a comunicação; do relógio de pulso com as versões:

tampa do mostrador removível, de forma a permitir o toque nos ponteiros e com

programa de voz, que informa as horas; da televisão com controle remoto e, mais

modernamente, da informática, têm possibilitado ao cego melhor desempenho

profissional, maior autonomia para realizar suas pesquisas e confeccionar trabalhos

acadêmicos, movimentação bancárias entre outras. Em razão dessas tecnologias, o cego

vem se beneficiando desses instrumentos de forma autônoma, na busca da

independência e da sua credibilidade junto à sociedade.

Comungando com essa afirmação, Arnaldo288 assim se manifesta:

“(...) Essa tecnologia é a nossa ponte. Estes instrumentais todos são a nossa ponte. Entretanto, quero dizer o seguinte: não há uma coisa x outra; não há Braille x computador. Há o conceito da complementaridade, eles se complementam. Hoje para eu estudar, por exemplo, a demanda, a exigência é muito grande, então eu não conseguiria ainda que houvesse todo o material em Braille, eu não conseguiria dar conta do estudo sem o meu programa de computador e sem o gravador, onde as pessoas gravam. Por outro lado, eu sinto falta do contato com o Braille na hora da leitura dos artigos” (Fontes, 2: p. 258).

Referindo-se às possibilidades profissionais para o cego, decorrentes do

surgimento das tecnologias, Éden289 cita a profissão de professor, como sendo uma

profissão a qual o cego se adapta muito bem e, além disso, as tecnologias que lhe

ajudam a superar muitas dificuldades. Entretanto, convém ser ressaltado que a presença

pura e simples de tecnologias na escola, não garante mudança na forma de ensinar ou de

aprender (PCN, p.140).

288 Entrevistas: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 289 Idem.

206

A afirmação anterior pode ser justificada porque para que as mudanças se

processem a escola tem que se renovar se organizar como espaço de aprendizagem, e se

estruturar em ambientes informatizados de aprendizagem, privilegiando a construção do

conhecimento e sua partilha através da cooperação.

Aliás, referindo-se à sua profissão, Éden290 faz o seguinte comentário: “(...) o

Direito é um negócio tentador. Principalmente depois do advento do computador, tem

tudo; o cego pode trabalhar tranquilamente. Eu não uso o computador, mas, a minha

secretária e os meus estagiários usam. O meu estagiário me deu um CD que tem todos

os códigos; para o cego é só baixar e tem toda a legislação” (Fontes 2: p.192).

A escola faz parte do mundo e para cumprir sua função de contribuir para a

formação de indivíduos que possam exercer plenamente suas cidadania, participando

dos processos de transformação e construção da realidade deve estar aberta e incorporar

novos hábitos, comportamentos, percepções e demandas (PCN, p.138). A respeito disso,

os jovens têm maior facilidade em lidar com essa mudança e, isso ocorre independente

do indivíduo ser cego ou ter visão.

Logo, o maior problema não diz respeito a informações ou às próprias

tecnologias que permitem o acesso e, “sim a pouca capacidade crítica e procedimento

para lidar com a variedade e quantidade de informações e recursos tecnológicos”

(PCN, p. 139).

Durante as entrevistas realizadas com os seis egressos selecionados, observamos

que o problema das tecnologias, a exemplo da informática na educação, parece residir

em “como estimular os jovens a buscar novas formas de pensar e, de selecionar as

290 Entrevistas: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

207

informações, com o objetivo de construir sua maneira própria de trabalhar com o

conhecimento adquirido” (Almeida & Almeida, 1998: p. 50).

A respeito disso, procuramos levantar perguntas sobre se havia algum choque no

emprego concomitante do livro em Braille e do livro falado, gravado em CD. As

respostas foram motivadoras e todos os entrevistados, foram unânimes e convictos

quando mencionaram a importância do Braille na educação do cego, enaltecendo,

também, a importância do livro falado. Nesse sentido, Juscelino291 assim se manifesta:

“Eu acho que o Braille é uma coisa divina. É algo que ainda ninguém conseguiu mudar nem aperfeiçoar. Ele é cansativo para se ler, mas é muito interessante; o livro em Braille não pode ser deixado de lado, em detrimento dos livros gravados em CD. E eu sou uma prova viva disso; - eu falo tudo, mas às vezes tem hora que eu sinto dificuldades em escrever, pois, por escrever pouco e ouvir muito eu tenho esta dificuldade para escrever” (Fontes 2: p.216).

Apesar de o livro em Braille ser de leitura cansativa e ocupar maior espaço para

a sua guarda, Éden292 declara o seguinte: “Entre ler um livro em Braille e ouvir uma fita

ou um CD, eu prefiro ler o livro em Braille, isso porque o toque me dá uma

aproximação e um entendimento melhor, enfim você digere melhor a informação”

(Fontes 2: p. 192).

O toque referido por Éden293 pertence ao grupo das sensações sinestésicas, que

têm sua origem na superfície do corpo ou em suas estruturas profundas e está

diretamente ligado ao mundo exterior (Oliveira, 2004). A sensação táctil começa com a

ação de receptores sensoriais sinestésicos altamente especializados, tais como o

291 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 292 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 293 Idem.

208

corpúsculo de Meissner294, que apresenta sensibilidade extrema a tudo o que toca a

superfície corpórea, ainda de que forma sutil.

Há grande concentração de corpúsculos de Meissner nas pontas dos dedos das

mãos; é o que possibilita a percepção precisa da forma e da textura dos objetos e o que

faz do tato o único sentido através do qual superamos, quanto à precisão, todos os

outros animais. Daí, “haver uma definição do homem centrada na posse das mãos”

conforme argumenta Oliveira (2004, p.147).

No que diz respeito ao acervo disponível em Braille para consulta, ainda é muito

reduzido. Nem todas as bibliotecas públicas dispõem de livros em Braille, ou quando os

possuem são apenas algumas obras, como a Revista Brasileira Para Cegos e a Revista

Pontinhos, que é uma literatura infanto-juvenil.

Quanto aos livros didáticos a Fundação Dorina Nowill até o início da década de

90 imprimiu e distribuiu esses livros para as escolas especiais do Brasil. Mais

recentemente, a partir da década de 90, o Ministério da Educação (MEC), através do

Fundo Nacional de Educação (FNDE) incorporou ao Programa do Livro Didático, os

livros em Braille, destinados a alunos cegos do ensino fundamental das escolas

públicas, os quais são impressos no parque gráfico do Instituto Benjamin Constant.

Enquanto isso, os alunos do Ensino Médio e Superior, se valem dos livros

gravados ou sonoros, e da importantíssima contribuição dos ledores, que além da leitura

direta, também gravam alguns livros.

O depoimento de Jurema295 consolida tudo o que foi dito até agora:

“Sou uma Braillófila. Os livros em Braille são importantíssimos, acho que eles têm que existir e, os livros gravados em CD também, porque na minha casa eu

294 São receptores sensoriais, células especializadas na captação de estímulos, que representam a via de entrada da informação no sistema nervoso de um organismo. São abundantes nas papilas dérmicas da pele (dedos), na mucosa da língua e em outras regiões sensitivas. 295 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

209

não tenho condição de guardar livros em Braille. O que falta são centros de produção em Braille; as Bibliotecas das Universidades deveriam ter um setor em Braille, para os alunos universitários consultarem. Por outro lado, não há necessidade que todos os livros sejam em Braille, apenas os mais importantes” (Fontes 2: p. 293).

Enquanto isso Glória296 revela que não tem o costume de ler muito em Braille,

porque seus afazeres domésticos não permitem, mas sempre que tem tempo livre lê um

pouco. Isso porque senão o fizer, ficará desatualizada.

“Às vezes leio o livro falado, mesmo fazendo os meus serviços domésticos, estou ali ouvindo. Quanto à importância eu acho que o livro em Braille é indispensável. Você pode perceber que todo deficiente visual que ler livros falados não tem o mesmo tato, ou seja, sua coordenação motora fina não é igual a do cego que está sempre lendo o Braille; digo isso porque entre eu e o meu esposo há uma grande diferença, porque ele não lê muito o Braille” (Fontes 2: p. 275).

Além disso, revela Glória297 que o raciocínio da pessoa que lê muito em Braille

é mais concreto porque ele está “visualizando aquilo que está lendo, por isso que eu

sempre fui favorável à pessoa ler em Braille. O livro gravado tem o seu valor, mas, o

livro em Braille é bem melhor para a aprendizagem do aluno” (Fontes 2: p 275).

Ainda falando a respeito da importância do livro em Braille e do livro falado,

Isaura298 tece o seguinte comentário:

“O Braille é um acesso direto, é como o livro em tinta para vocês. É você ter o acesso à sua leitura, à sua interpretação, à gramática, à lingüística, a tudo. Por outro lado, a leitura gravada, através do computador, é um recurso importante, porque não pode ter tudo em Braille, pela falta de espaço, além do preço da impressão Braille que ainda é caro. Logo, esses recursos são importantíssimos. Aliás, sem eles eu não teria feito faculdade, pós-graduação, não teria o acesso ao conhecimento espírita que eu tenho hoje, ao lazer, a cultura, obras clássicas, etc., porque muitos livros gravados eu ouço” (Fontes 2: p 321).

296 Entrevistas: alunos egressos do IBC, período 1985/1990. 297 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 298 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

210

A vibração de Arnaldo299 ao se referir à tecnologia, é imensa, principalmente

pelas possibilidades que trouxe ao cego:

“a tecnologia é uma expressão que adoro, é a ponte sobre o abismo; o Sistema Braille no século XIX foi a luz que Louis Braille, um sujeito cego, recebeu, ao criar esse sistema que é fantástico, pois possibilitou ao cego o verdadeiro aprendizado. Logo, isso é mais do que fantástico, é divino e a tecnologia também está neste contexto”(Fontes 2: p. 258).

Os egressos entrevistados reconhecem que a produção Braille, além de diminuta,

é cara e que a variedade da temática por ela abrangida é mais restrita relativamente à

produção à tinta e à sonora. E esta surge cada vez mais atraente e sofisticada com a

contribuição da informática.

Segundo esses egressos, é uma questão delicada constatar a "desbraillizaçäo" e a

"desalfabetizaçäo" que podem atormentar aqueles que elegem e recorrem a este modo

de leitura. Este fenômeno, observado nas faixas etárias mais jovens, deve ser

devidamente equacionado pelas estruturas educacionais, no sentido de que a

aprendizagem do Braille seja melhorada e usada com vantagem.

É importante ressaltar que entre os estudantes cegos observam-se aqueles que

dominam o sistema Braille sem grandes limitações e podem recorrer ao sistema sonoro

(o livro falado). Um segundo grupo, integrado por aqueles que lêem o Braille com

dificuldade, podem encontrar no livro falado uma solução alternativa. Finalmente,

existem ainda aqueles que, por hobby, gostam de ouvir/ler livros, e outros, como

pessoas acamadas, que utilizam este meio por comodidade.

Por fim, observam-se recentes progressos na produção de ambos os livros - o

Braille e o falado -, face à informática. Tal como acontece com o livro em Braille que

cada vez mais tem a sua produção facilitada e aumentada, graças a programas atuais e a 299 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

211

modernas impressoras, também no livro falado, já é possível transferir os conteúdos da

gravação analógica para suporte informático, permitindo assim desfrutar dos seus

recursos inesgotáveis, por meio da leitura em cd-rom. Este processo traz inúmeras

vantagens, porquanto, além de outras potencialidades, reduz o espaço físico do livro

assim produzido e permite a localização de fragmentos de texto com toda a facilidade,

melhorando-se inclusive a qualidade auditiva.

Também, convém ser lembrado que as tecnologias são só apoio, meios.

Entretanto, como ressalta Moran (2001), elas nos permitem realizar atividades de

aprendizagem de formas diferentes as de antes. Podemos aprender estando juntos em

lugares distantes, sem precisarmos estar sempre juntos numa sala para que isso

aconteça.

Como exemplos desse apoio ao uso de novas tecnologias de informação e

comunicação na educação, encontram-se algumas iniciativas que foram desenvolvidas

em parceria com a UNESCO que vêm obtendo sucesso, pois permitem que muitos

profissionais se qualifiquem ou se especializem. Dentre elas podemos enumerar:

Programa de Profissionalização de Auxiliares de Enfermagem que inclui a formação

pedagógica de enfermeiras, sob a coordenação do Departamento de Educação a

Distância da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, em

cooperação técnica com a UNESCO;

Acordo de cooperação técnica entre a UNESCO e o Ministério da Saúde, que

propiciou o desenvolvimento de três cursos de aperfeiçoamento de gestores do setor

de saúde, na modalidade à distância: Saúde Ambiental e Gestão de Rejeitos

Hospitalares, Gestão da Manutenção de Hospitais e de Equipamentos Hospitalares,

212

Gestão Hospitalar para Administradores de Pequenas e Médias Unidades de Saúde

e,

O Serviço Nacional das Indústrias - SESI, em colaboração com a Universidade de

Brasília e a UNESCO, realiza desde o ano de 2000, uma das mais avançadas infra-

estruturas de videoconferência via satélite em circuito privado instaladas no Brasil, a

infovia CNI.

Em relação a modalidade de ensino a distância (EAD), é importante que seja

ressaltado que essa modalidade ocorreu, inicialmente, em países de grande extensão e

de escassa população, como a Austrália e o Canadá, que objetivavam vencer a distância

territorial e a dispersão populacional. Porém, outros fatores também levaram tanto

países altamente desenvolvidos, como Inglaterra, Canadá, Alemanha, e Israel, quanto

países menos desenvolvidos como Paquistão, Tailândia, Costa Rica, Venezuela e Brasil,

a empregarem a EAD em suas propostas educacionais, conforme apontam Silva e

Azevedo (2001).

Entretanto, apesar do avanço e da comprovação dos resultados do ensino a

distância, alguns alunos ainda preferem as aulas tradicionais; preferem ficar ouvindo,

fazendo anotações e custa-lhes mudar de atitude e por isso criticam o professor que

inova.

Aliás, esses produtos como: a Internet, as redes, o celular, a multimídia estão

revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez resolvemos mais problemas

conectados, a distância. A Internet, além de nos poupar muito tempo permite maior

agilidade nas pesquisas, transações, e tantas outras mais atividades. No caso dos cegos

essas possibilidades trouxeram maior comodidade, pois lhes permitem fazer a partir de

suas residências, de forma segura e confortável, compras, pagamentos, transferências

bancárias, agendamentos, dentre outras necessidades cotidianas.

213

Enfim, a comunicação pela Internet é especialmente importante para as pessoas

cegas, conforme declara Borges (1997): a eliminação da necessidade da locomoção, que

é normalmente um entrave para o cego, e o fato de que do outro lado da Internet,

ninguém precisa realmente saber se o parceiro é ou não cego.

Certamente poucas pessoas têm conhecimento, que considerável parcela dos

nossos cegos - sobretudo do universo da nossa pesquisa - se utiliza desses produtos não

só para se comunicarem ou realizarem suas pesquisas, mas também, para outras

aplicabilidades, conforme foi citado anteriormente. Dentre essas aplicabilidades

apontamos o mundo do trabalho. Um dos objetivos mais importantes do ensino é

preparar a pessoa para o trabalho. No caso dos deficientes visuais, existem diversas

funções para as quais o computador pode ser um meio efetivo de obter emprego. Em

áreas como tele-marketing, prospecção de informações, ensino a distância, e tantas

outras, nas quais o uso da mente, do computador e do telefone são a base, o registro e

manipulação de informações. (Borges, 1997).

Por outro lado, é importante que seja ressaltado que o deficiente visual tem toda

essa interação com o computador, graças ao advento do Dos-vox - que é um programa

que se comunica com o usuário através do uso de sintetizador de voz. O sistema

conversa com o deficiente visual em português, sem sotaque, e dá a ele muitas

facilidades que um usuário vidente tem, como: um sistema de gerência de arquivos

adequado ao uso por deficientes visuais, editor e leitor de textos, impressora a tinta e em

Braille, ampliador de telas para visão subnormal, diversos jogos, além de programas

para acesso a Internet.

Lembramos ainda, que no caso específico do mundo do trabalho, não basta

apenas que o cego saiba usar o Dos-vox. Nesse sentido, alerta Borges (1997), o

problema se situa em dois níveis: o treinamento conveniente (envolvendo outros itens

214

além do computador, como por exemplo, um excelente conhecimento da língua

portuguesa) e a aceitação das empresas. Pouco a pouco esses itens têm sido trabalhados

e hoje já existe mais de 120 pessoas, no âmbito Rio - São Paulo, com trabalho

envolvendo o uso direto do computador e telefone. Enfim, o conviver virtual está se

tornando quase tão importante como o conviver presencial.

Na educação, porém, sempre encontramos dificuldades para a mudança, sempre

achamos justificativas para a inércia ou vamos mudando mais os equipamentos do que

os procedimentos. A educação de milhões de pessoas não pode ser mantida na prisão,

na asfixia e na monotonia em que se encontra. Está muito engessada, previsível,

cansativa (Moran, 2003).

A grande dificuldade do aluno cego, principalmente, nos níveis médio e

superior, é o acesso aos livros didáticos. A maioria dos professores se utiliza

exclusivamente do meio oral para exposição de suas aulas e, além disso, as avaliações,

os trabalhos escolares que deveriam ser em Braille, não o são, pois, os professores não

sabem o Braille. O resultado disso é um aluno mal formado, com graves erros de escrita

e, por praticamente não ler, distanciado culturalmente de seu meio (Borges, 1997).

Quanto à importância de o cego saber ler e escrever o Braille, bem como, a

diferença de alguém estar lendo um texto para o cego e esse texto estar sendo lido por

ele mesmo, alguns entrevistados assim se manifestaram:

Isaura:300 “(...) eu mesma ler o texto existem muitas vantagens: a privacidade, a

independência porque eu posso ler quantas vezes eu quiser, parar, pensar, esperar,

voltar e deixar para ler mais tarde, se eu estiver achando cansativo” (Fontes, 2: p. 303).

Éden:301 “o toque nos pontos me dá uma aproximação e um entendimento

melhor, você digere melhor a informação” (Fontes, 2: p. 192).

300 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

215

Jurema:302 “saber ler e escrever em Braille corretamente é imprescindível; o

esforço que o cego faz para ouvir e interpretar uma leitura é duas ou três vezes maior

do que aquele que está lendo em Braille” (Fontes, 2: p. 288).

Caso houvesse a possibilidade de transcrição e cópias rápida de textos em

Braille, tanto nas escolas quanto nos locais de trabalho, a exemplo do que ocorre com os

textos em tinta, a situação se tornaria mais fácil para os cegos. Entretanto, o que se vê

hoje em dia é a transcrição feita para o Braille pelo próprio aluno ou algum familiar, ou

para fita cassete, usando os serviços gratuitos da maioria das instituições de cegos.

Acontece que a velocidade com que isso é feito, quase nunca atende aos requisitos do

estudante ou do profissional. Dessa forma, eles se tornam cada vez mais dependentes

dos ledores voluntários, em termos de leitura e até de convívio pessoal.

O uso do computador na casa do aluno pode minorar alguns dos problemas, em

especial na feitura dos trabalhos escolares. Segundo informa Borges (1997) como a

maior parte dos professores de nível médio já usa um computador para preparar as aulas

e os exercícios, o disquete se torna o meio bidirecional de comunicação entre professor

e aluno. Os trabalhos em grupo se tornam possíveis e o estudante cego, em alguns

casos se torna mesmo o datilógrafo do grupo, utilizando o sistema DosVox ou outro

sistema de editoração eletrônica, sem prejuízo do conteúdo.

Como diz Moran (2003) combinamos nas escolas tecnologias presenciais (que

facilitam a pesquisa e a comunicação, estando fisicamente juntos) e virtuais (que,

mesmo estando distantes fisicamente, nos permitem acessar informações e nos mantêm

juntos de uma outra forma). Mas, o fato é que na implantação de tecnologias o primeiro

301 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 302 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

216

passo é garantir o acesso, ou seja, não adianta ter a tecnologia, se as pessoas não a usam

por não dominarem a técnica.

A respeito disso, entre os cegos, o que se vê é o aumento a cada ano de pessoas

cegas, usando a informática. Aliás, convêm ser ressaltado, que isso tem ocorrido graças

ao advento do DosVox e de outros sintetizadores de vozes e, aos vários cursos que

algumas entidades vêm promovendo em todo o Brasil, como por exemplo, o Instituto

Benjamin Constant, que desde 1994, em convênio com o Núcleo de Computação

Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade de São Paulo e

outras entidades, vêm realizando cursos de computação para deficientes visuais.

O primeiro curso sobre computação realizado no Instituto Benjamin Constant foi

ministrado pelo professor cego Antonio Carlos Rodrigues Torres Hildebrandt, que

iniciou o curso de Programação em Linguagem Cobol em 1981, após realizar estágio no

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns dos alunos que

concluíram o curso conseguiram emprego no SERPRO, na LIGHT e no PRODERJ.

São muitos os recursos a nossa disposição para aprender e para ensinar. A

chegada da Internet, dos programas que gerenciam grupos e possibilitam a publicação

de materiais estão trazendo possibilidades inimagináveis vinte anos atrás. A resposta

dada até agora ainda é muito tímida, deixada a critério de cada professor, sem uma

política institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de mudanças.

É o caso, por exemplo, do livro em Braille. Inicialmente ele era feito de forma

artesanal, unitário, em uma máquina chamada “reglete”. Houve uma evolução, passando

a ser confeccionado diretamente na folha de zinco, em produção elevada. Hoje em dia,

com a computação, esse processo tornou-se mais fácil, de forma que os livros são

informatizados e os arquivos ficam armazenados em CDs, ocupando pouquíssimo

espaço, bem diferente do ocupado pelas folhas de zinco. Entretanto, convém ser

217

ressaltado que para a impressão de grandes tiragens de livros em Braille ainda são

utilizadas a gravação em folhas de zinco.

Com a chegada da Internet defrontamos-nos com novas possibilidades, desafios

e incertezas no processo de ensino-aprendizagem. Como aprender com tecnologias que

vão se tornando cada vez mais sofisticadas, mais desafiadoras? Ensinar é gerenciar a

seleção e organização da informação para transformá-la em conhecimento e sabedoria,

em um contexto rico de comunicação. Com isso, como colocam Moran e colaboradores

(2003) não se pode ver a Internet como solução mágica para modificar profundamente a

relação pedagógica, mas ela pode facilitar como nunca antes, a pesquisa individual e

grupal, o intercâmbio de professores com professores, de alunos com alunos, de

professores com alunos...

A preocupação em criar dispositivos de acesso à informação tem estado presente

em algumas políticas adotadas pelas Nações Unidas, em especial, nas da Comunidade

Européia, cujos documentos incluem a igualdade de oportunidades para os portadores

de deficiências e para os idosos. Além disso, há indicação de que os Estados devem

promover o acesso universal à informação e aos serviços disponíveis para os cidadãos,

fornecendo instrumental específico (Lyra, 203).

A respeito da disponibilidade desses serviços para todos os cidadãos no nosso

país, independente de sua posição social ou financeira, Lyra (2003) chama a atenção

para os dados do censo de 2000 do IBGE, que revelam que existem no Brasil 24

milhões de pessoas portadoras de deficiência, o que significa cerca de 14% da

população, distribuídas entre: 2,8 milhões com deficiência mental permanente, 1,4

milhão com deficiência física (tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente), 5,7

milhões de pessoas com deficiência auditiva e, 16,5 milhões com dificuldades de

218

enxergar (alguma/grande/permanente) as quais encontram-se excluídas de várias

dimensões da vida social de diversas formas.

Embora a informática tenha se expandido em fantástica proporção, esse recurso

ainda tem uso limitado no Brasil. Um dos motivos é o público que se quer atingir. "As

pessoas, em geral, estão em cidades onde não se tem acesso fácil à internet'', conforme

declara Américo Bernardes, diretor do Programa Nacional de Informática na Educação

– ProInfo do MEC (Lyra, 2004).

Apesar do aumento nos últimos dez anos do número de pessoas que se utilizam

da informática, incluindo nesse contingente os deficientes visuais – cegos e de baixa

visão - essa realidade ainda não chegou ao interior do país, nas cidades menores, a

exemplo do que acontece com o celular. O depoimento de Juscelino303 confirma essa

afirmação e nos mostra a importância dessa ferramenta para o deficiente:

“(...) Eu acho chique demais estar aproveitando tudo isso. Eu me emocionei no dia em que eu fiz um contrato com a Micropower em São Paulo e um funcionário me atendeu e falei assim para ele: ‘dê uma olhada no meu site se ele está preparado para o cego’. Ele abriu e falou ‘está muito bom’; em seguida, ele me disse que também era cego. Eu não sabia que quem havia verificado o meu site era um cego, depois que ele me disse eu fiquei bastante emocionado. Então hoje na ASDEF (Associação de Deficientes) que é uma associação simples, no interior de Minas Gerais, nós temos Internet gratuita que conseguimos via Prefeitura. Ganhamos um computador especificamente para o cego, de uma das empresas de São Paulo, lá da Micropower, que é até um motivo de muito orgulho para nós, porque você tem um equipamento no centro da cidade à disposição do cego o dia todo, especificamente para o cego. Não deixamos outros alunos mexerem para não dificultar o manuseio do equipamento pela pessoa cega, então para mim isto é motivo de orgulho muito grande. É uma coisa simples, eu sempre falo isso. O cego da minha cidade (interior de Minas Gerais) está no mesmo nível do cego de São Paulo, de Belo Horizonte e até de Nova York. De repente até porque o ‘virtual vision’ - programa construído para cegos – é bastante avançado” (Fontes 2: p. 216 ).

No cenário educacional vislumbra-se a possibilidade de atendimento a uma

demanda acentuada por mão-de-obra qualificada empregando-se essas tecnologias,

219

como mostramos anteriormente, em alguns cursos que ocorreram em convênio com o

Ministério da Saúde, FIOCRUZ, SESI e a UNESCO.

Para Moran (2003) na medida em que avançam as tecnologias de comunicação

virtual (que conectam pessoas distantes em termos presenciais) - como a Internet,

videoconferência, redes de alta velocidade - o conceito de presencialidade também é

alterado. Em muitos casos, apesar de os professores e alunos estarem separados

fisicamente no espaço e/ou no tempo, podem estar juntos através das tecnologias de

comunicação empregadas.

Atualmente, o grande desafio, no campo do desenvolvimento profissional, é a

aprendizagem permanen304te. Isso significa que os profissionais devem dar continuidade

à sua educação e ao desenvolvimento em todos os períodos da vida, ao mesmo tempo

em que lidam com carreiras divergentes, nas mais diversas circunstâncias econômicas.

Muitas instituições educacionais estão respondendo a este desafio, desenvolvendo

programas de EAD associados às TIC e firmando parcerias com empresas. Com a

introdução do aprendizado a distância, mudam os modelos da educação consolidados ao

longo de décadas, como o ensino centrado no professor (Melca, 2004). O MEC sabe que

o êxito desse programa depende essencialmente da capacitação dos recursos humanos

envolvidos com a sua operacionalização. Essa inserção do computador no contexto

educacional gera polêmicas, pois a aparição dessa nova tecnologia, com certeza,

modifica as normas de aquisição do conhecimento. Com a sua incorporação os modelos

educacionais tradicionais são questionados, uma vez que a informática educativa

redesenha o ensino.

As mudanças sociais que estamos testemunhando são tão drásticas quanto os

processos de transformação tecnológica e econômica. Surge um nov

o modo

220

informacional de desenvolvimento, onde a fonte da produtividade encontra-se na

tecnologia de geração de conhecimentos, de processamento da informação e de

comunicação.

Estamos presenciando a transformação de nossa cultura material pelos

mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno das novas

tecnologias da informação. Vivemos num mundo que se tornou digital.

O processo atual de transformação tecnológica expande-se exponencialmente. A

informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida numa

velocidade cada vez maior e a um custo cada vez menor, em uma rede de recuperação e

distribuição que atende a vários pontos simultaneamente (Castells, 1999).

A comunicação decididamente molda a cultura. Como a cultura é mediada e

determinada pela comunicação, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente

produzidos são transformados pelo novo sistema tecnológico. Portanto, o surgimento de

um novo sistema eletrônico de comunicação caracterizado pelo seu alcance global,

integração de todos os meios de comunicação e interatividade potencial, está mudando

para sempre nossa cultura (Castell, 1999).

Há muitos anos o meio de comunicação mais utilizado pelos cegos tem sido o

rádio; revela Isaura305 “que apesar do papel importante da imprensa, o cego escuta

mais o rádio. A informação pelo rádio é perfeitamente acessível para nós, porque não

tem nenhum recurso visual que a gente não possa perceber” (Fontes 2: p.320).

A respeito da integração desses meios tecnológicos e das facilidades surgidas

para o exercício da profissão, enquanto cega, Jurema306 cita algumas profissões onde

são utilizadas várias ferramentas, que além de dinamizar o trabalho, aumentam a

produtividade e diminuem o esforço físico:

305 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 306 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

221

“(...) o magistério tem vários recursos, não precisa ser exatamente o quadro-negro. A advocacia, com a Internet ficou muito mais fácil. A informática já foi muito mais acessível – são muitos gráficos – e às vezes o ledor de tela não consegue acessar tudo. Aí eu vejo o cego trabalhando muito bem no grande porte, mas, a micro informática – eu não conheço muito – mas, pelos depoimentos deles naquele seminário de informática que teve no Benjamin, você repara a dificuldade muito grande nessa área hoje. Na massoterapia são utilizadas novas tecnologias, ainda está se desenvolvendo e não está saturado. A telefonia com suas reduzidíssimas e modernas mesas e com recursos bem modernos; infelizmente fica parecendo que a gente só sabe fazer isso – mas não é só isso; A câmara escura, com máquinas automáticas, o cego as manuseia muito bem. Ascensorista apesar de perigosa, os novos elevadores com vozes, inspira maior segurança, mesmo porque os indicativos em Braille não garantem que você já chegou a um determinado andar. O psicólogo, embora alguns alegam que precisa ver a expressão facial, eu não concordo. A linguagem verbal é insubstituível, você falando resolve muita coisa. Existem, ainda, outras profissões que não vejo muita dificuldade para exerce-las” (Fontes 2, p.292 ).

Apesar do auxílio tecnológico aliado à competência do profissional cego,

comenta Jurema307 que “é muito difícil encontrar um cego chefe. As pessoas acham

que o cego não tem condição de administrar, isso me dói muito. O fato de eu ter

perdido a visão não me fez perder a capacidade de pensar” (Fontes 2: pp. 292-293).

É importante ressaltar que as tecnologias também influenciam na qualidade de

vida dos indivíduos cegos, a partir do momento que lhes garante maior segurança,

melhor saúde, cumprimento da legislação, tratamento igualitário, dentre tantos outros

direitos.

Consultado a respeito dessa questão, Juscelino308 afirma que realmente a

qualidade de vida para os cegos tem melhorado, entretanto, “eu acho que tanto nós

como a sociedade brasileira está ainda muito desorganizada; temos até muitas leis,

somos até um país com uma legislação muito avançada, porém essas leis não são

colocadas em prática, porque nós cruzamos os braços, cada um fica chorando o seu

pranto no seu canto” (Fontes 2: p.213).

307 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 308 Entrevistas: alunos egressos do IBC, período 1985/1990.

222

Continuando com a sua fala Juscelino309 informa que “o simples fato de se

instalar os telefones orelhões sobre plataformas, para proteger os cegos de acidentes,

já garante melhor qualidade de vida para eles” (Fonte s 2: p.213).

Além disso, Juscelino21 cita também a questão do transporte público com

acessibilidade – degraus rebaixados – que servirá não somente para os deficientes, mas,

também, para idosos, gestantes, anões e outros.

Conforme coloca Isaura22,

“A qualidade de vida está muito ligada à nossa independência. Por exemplo, por que o computador faz tanto sucesso no meio dos cegos? Todo mundo usa computador hoje em dia, não é só o cego não; muita gente coloca o computador como uma salvação para o cego, eu acho que até rola um pouco de preconceito nisso aí, porque a sociedade é viciada em computador, pelo menos a classe média, porque a grande maioria não tem computador porque não tem grana. Há outras tecnologias, mas o computador faz tanto sucesso no meio dos cegos, a ponto de alguns acharem que o cego não vive sem o computador, porque realmente o computador te dá uma boa autonomia. Eu antigamente datilografava ‘– modesta à parte datilografava bem – datilografava tudo que eu tinha que fazer, que apresentar. Por exemplo, se eu tivesse que escrever uma carta eu datilografava essa carta, só que às vezes batia na tecla errada e tal. Já no computador, ele fala para mim, fala o que eu estou batendo, tenho a possibilidade de corrigir o meu texto e ele tem a possibilidade de ser impresso sem erros. Não temos todos os livros em Braille; os livros que têm na livraria a gente não vai ter gravados e nem em Braille. Já no computador é mais rápido esse processo, basta apenas o livro está disponibilizado na Internet. Então a nossa qualidade de vida, a preocupação com a nossa qualidade de vida está muito ligada com a nossa independência.(Fontes 2: p. 318).

Outro assunto que fez parte das temáticas das entrevistas e tem estreita ligação

com as tecnologias, foi a questão da prevenção da cegueira. Quanto a isso, Jurema310

assim se expressou:

“(...) Eu, por exemplo, se constasse dos meus planos ter filhos, se fosse meu projeto de vida, com certeza eu já teria feito o aconselhamento genético. Isso porque eu sou cega, a minha irmã é cega, o meu esposo tem baixa visão, ele tem quatro irmãos com baixa visão, logo, tem alguma coisa errada aí. Por que eu vou querer ter um filho cego se eu conheço todas as dificuldades que eu passo? Isso não me faz uma pessoa revoltada, só me faz uma pessoa consciente da minha necessidade e possibilidade” (Fontes 2: p. 290).

309 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990. 310 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

223

Já no entendimento de Isaura,311 essa questão deveria ser tratada da seguinte forma:

“Acho que isso poderia ser feito já com alunos maiores, na etapa de 5ª a 8ª série ou no Ensino Médio, mas tem que ser feito com pessoas que não tenham muito preconceito; quando eu era adolescente eu ouvia algumas coisas que me deixavam profundamente chocada - a minha cegueira é hereditária e existe a probabilidade de 50% da descendência ser cega. É uma questão genética. Então, mocinha fui pela primeira vez ao ginecologista, já morrendo de vergonha, aquela coisa toda e ouvia: ‘cuidado, você não pode ter filhos, porque os seus filhos vão ser cegos (...)’. Puxa, eu era cega, tinha uma vida normal, estudava, brincava e fazia tudo que as garotas da minha idade gostavam de fazer, a vida não era tão ruim assim. A moça, normalmente, a jovenzinha está começando a descobrir essa parte da sexualidade, da possibilidade da reprodução, da formação da família, então você começa com aqueles ideais: ‘ vou me casar, vou ter não sei quantos filhos ...’ (...) é normal do ser humano. Aí vem um idiota e diz assim na sua cara – ‘você não pode ter filho porque o seu filho vai ser cego, vai ser assim (...)’ – aí você fica arrasada, acaba com todos os seus sonhos. Tem que se conversar: (...) você tem possibilidade de ter um filho cego. Tem que ser um diálogo mesmo – você está preparada, você gostaria e, se vier o que você vai fazer” (Fontes 2: p. 317).

Retornando as funções da escola, queremos ressaltar aquele papel de “levar em

conta o que acontece fora dela, nas transformações sociais e nos saberes, a enorme

produção de informação que caracteriza a sociedade atual e, aprender a dialogar de

uma maneira crítica com todos esses fenômenos” (Hernández, 1998: p. 61), aliás, uma

das preocupações deste estudo.

Lyra (2003) analisa o atual cenário como uma experiência sem precedentes,

jamais vivida por qualquer outra geração, e ressalta que: nenhuma geração como a atual

enfrentou uma relação tão constante, intensa e crescente com a tecnologia da

informação. Bolder (1993), fazendo uma retrospectiva do que fora produzido em

matéria de meios de comunicação, embora considere os efeitos explosivos deixados

pelo rádio, televisão e telefone, não deixa de destacar o computador como o elemento

que consagrou o século XX, em matéria de meios de comunicação. Esse autor

311 Entrevista: aluno egresso do IBC, período 1985/1990.

224

reconhece o computador como o responsável por ter conferido ao século XX o título de

“Século das Comunicações”.

As profundas modificações decorrentes das novas tecnologias na sociedade atual

devem ser entendidas e avaliadas no seu impacto, de modo a serem utilizadas para o

bem comum da sociedade. Esta deve ser a principal preocupação entre indivíduos de

diversos nichos da sociedade mundial no século XXI. Como salienta Brasil (1996), em

face do íntimo contato com seu entorno social, um novo jogo de saberes e de

inteligência tecnológica produz sistemas de pensamento, de valores e de comportamento

muitos singulares.

Esse sistema de valores, aliado à variedade de recursos atualmente disponíveis

pelos meios tecnológicos, requer uma educação com enfoque na formação de novas

habilidades dos futuros profissionais. Devido à inevitabilidade da entrada dessa

tecnologia na cultura, chocando-se e atravessando-a, criando uma cibercultura (Levy,

1999), o futuro já não mais é divisado, posto que o futuro já se faz presente e nele

somente serão incorporados profissionais flexíveis, capazes de acompanhar as várias

modelagens decorrentes das novas competências (Lyra, 2003).

Surge, então, como conseqüência natural, a exigência de um novo perfil de

sujeito. Perfil que demanda um cidadão criativo, com capacidade de solucionar

problemas, adaptar-se às mudanças, interpretar as informações e trabalhar com as novas

linguagens que este mundo em modificação vem produzindo Lyra (2003).

Após o advento da informática surge o cego com um novo perfil: um sujeito

hábil, competente, independente, enfim, um profissional acreditado, diferente, portanto,

daquele cego do século XIX, analfabeto e vivendo a expensas de dispensários e de

esmolas.

225

Assim, novas tecnologias como os sintetizadores de vozes e outras ferramentas,

permitiram ao cego usar o computador de forma independente, como demonstra Borges

(2001):

Com o uso de “scanners”, o cego pode ler escrita convencional (datilografada)

diretamente.

Através da Internet, qualquer documento de qualquer parte do mundo pode ser

transmitido com um mínimo de esforço e custo muito baixo e traduzido para

“qualquer” língua.

Instrumentos eletrônicos podem ser conectados ao computador e um cego consegue

fazer arranjos orquestrais e imprimir partituras.

Um cego pode desenhar, usando o computador.

Um texto grande em Braille demorava horas para ser criado manualmente. Hoje

demora minutos com o uso de impressoras Braille.

Em síntese, como informa Borges (2001) o acesso à cultura atinge níveis

espantosamente melhores do que há poucos anos atrás.

O maior desafio para as novas tecnologias é a própria exclusão digital que elas

geram. Com pouco mais de 8% da população conectada à Internet (Fonte IBGE –

Censo de 2000), o Brasil vive um paradoxo. Possui uma exclusão digital mais acentuada

do que a vizinha em crise, a Argentina (23% de conectados), porém, conta também com

uma excepcional infra-estrutura de governo eletrônico (Lyra, 2003).

No entanto, nosso país não consegue levar os serviços ao interior, onde vivem

56% da população brasileira; o relatório da Pricewaterhouse & Coopers (2000) aponta

essa discrepância. Por isso, apenas 350 dos 5.561 municípios brasileiros possuem

provedores locais de acesso à rede (Lyra, 2003).

226

A imensa desigualdade social e a grande massa de semi-analfabetos são fatores

preponderantes que tendem a privilegiar as camadas sociais mais ricas, aumentando

cada vez mais a distância entre aqueles usuários potenciais das NTIC, que tem telefone

e computador, daquela grande maioria já excluída socialmente, agora também

digitalmente.

Outra questão importante discutida por Lyra (2203) refere-se à acessibilidade;

ela deve ser compreendida não apenas como o acesso à rede de informações, mas

também como a eliminação de barreiras arquitetônicas, de comunicação e de acesso

físico, a utilização de equipamentos e programas adequados, bem como o conteúdo e a

apresentação da informação em formatos alternativos.

Ainda segundo Lyra (2003), no que concerne à “acessibilidade da Internet”, esta

se caracteriza pela flexibilidade da informação e pela interação com o respectivo suporte

de apresentação. Essa flexibilidade permite sua utilização por pessoas com necessidades

especiais, bem como em diferentes ambientes e situações e por meio de vários

equipamentos ou navegadores.

No entanto, apesar de o termo acessibilidade guardar uma considerável

abrangência, de acordo com Lyra (2003) a participação dos diferentes grupos sociais, na

sociedade de informação, só vai ocorrer quando as políticas global e local tiverem como

objetivo conduzir a população a superar suas diversas lacunas, como o analfabetismo, a

baixa escolaridade e as limitações sensoriais, físicas e mentais, criando condições para

que os recursos das NTIC sejam transformados em aliados da integração social.

Considerando as múltiplas implicações que envolvem a relação da multimídia

com os deficientes visuais, torna-se relevante esclarecer que pensar a inclusão social

desses indivíduos, principalmente por se constatar que, hoje, vivemos numa sociedade

em que a exclusão digital é um dos grandes inimigos de uma sociedade justa e

227

inclusiva, exige compreender o que estamos definindo como “inclusão digital”. Neste

sentido, a expressão “inclusão digital” não deve se limitar à utilização de serviços, a

aplicações de comércio eletrônico ou à capacitação para o trabalho, mas promover a

inclusão e a equiparação de oportunidades para a população brasileira, respeitando os

conceitos de diversidade e desenho universal.

Portanto, a inclusão digital se realiza ao propiciar ao cidadão o acesso aos

processos de comunicação e à produção de conhecimento. O direito de acesso ao mundo

digital, tanto no âmbito técnico/físico (sensibilização, contato e uso básico) quanto

intelectual (educação, formação, geração de conhecimento, participação e criação), deve

ser garantido a toda a população, como um pressuposto de cidadania.

Neste sentido, a inclusão digital está diretamente vinculada à inclusão social,

portanto, depende de programas e estratégias políticas que venham a nortear como

incluir os quase 70% dos brasileiros excluídos socialmente, conforme comenta Lyra

(2003).

228

Capítulo 7 - A experiência de ser cego

Para iniciar este capítulo, lançamos mão de dois autores, que no nosso entender,

retratam pelo menos no primeiro momento – numa situação de impacto e de desespero -

, a experiência de ser cego.

O primeiro, um pequeno texto do livro “Seus Olhos; depoimento de quem não

vê como você nunca viu”, de Ferrarini e Ferrarini (2002), mostra o que é se tornar cego,

mesmo que seja por curto espaço de tempo:

“Desde criança, sempre me questionei como seria a vida sem a visão, como as pessoas poderiam viver sem o maior dos cinco sentidos (...). Certa manhã acordei e não conseguia enxergar com o olho esquerdo, tinha uma mancha escura no meio da retina (...). Aquela experiência serviu-me para fazer o tal balanço que as pessoas fazem em determinados momentos da vida. Passei a dar valor às coisas que realmente mereciam ser valorizadas” (p.11).

O segundo texto, extraído do livro “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago

(1995), relata a historia de um oftalmologista que ficou cego, sem motivo aparente:

(...) “As mulheres dos médicos acabam também por entender algo de medicina, e esta, em tudo tão próximo do marido, aprendera o bastante para saber que a cegueira não se propaga por contágio, como uma epidemia, a cegueira não se pega só por olhar um cego alguém que o não é, a cegueira é um questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu” (pp. 38-39).

Apesar de lidar diariamente com pessoas com problemas de visão, pois era

médico oftalmologista, o personagem de Saramago não mais enxergava e não podia

mais curar olhos, como fazia antes. Em visita ao seu antigo consultório, juntamente com

a sua mulher e outros cegos, exclamou: ”(...) estamos no lugar onde dantes se faziam os

milagres, agora nem sequer tenho as provas dos meus poderes mágicos, levaram-nas

todas. O único milagre que podemos fazer será o de continuar a viver (...)” (p. 283).

229

Os dois exemplos se assemelham às histórias dos nossos egressos, embora no

nosso caso, trata-se de outra realidade. Alguns desses egressos nasceram cegos, outros

adquiriram a cegueira a partir da primeira infância e na adolescência. Os motivos foram

vários e as experiências da cegueira são bastante ricas, como podem ser observadas a

seguir.

Nesta última fase de entrevistas, solicitamos aos entrevistados que contassem

livremente a experiência de ser cego na sociedade brasileira. Certamente, alguns

reforçam o que já foi dito nos capítulos anteriores, bem como acresceram alguma

informação que deixou de ser colocada. Mas, nesse momento, a palavra é inteiramente

deles.

7.1 - Éden

A primeira fase da minha vida já foi relatada anteriormente e, a segunda fase,

teve início quando fui estudar no Instituto Benjamin Constant. Lá as portas foram se

abrindo uma a uma e, de 1977 a 1990, aproveitei bastante as oportunidades que o IBC

me ofereceu. Fiz o meu curso fundamental, o ensino médio e a faculdade morando no

Instituto. Sendo que os dois últimos na condição de bolsista. Estudei violão, fiz curso de

música na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO), tive atividades físicas – judô,

natação, musculação -, fiz curso de inglês no Centro Cultural Anglo Americano

(CCAA) enquanto eu estudava no Benjamin Constant, enfim, guardo gratas recordações

do IBC. Costumo dizer que o que eu sou hoje devo ao Instituto Benjamin Constant e à

minha família, principalmente à minha mãe que sempre esteve ao meu lado.

Hoje a gente vê com certa tristeza alguns deficientes que não correm atrás,

principalmente quando há alguns meios tecnológicos que facilitam alguma coisa. Eu

vejo certa acomodação, mas naquela época também havia isso e depende de cada um, é

230

uma questão muito pessoal. Eu gosto muito de usar o Braille, acho que deveria ter mais

publicações em Braille, gosto muito do livro falado, sempre usei, continuo estudando

até hoje; tenho uma pessoa que grava para mim, estou sempre lendo um livro; é um

após o outro. É uma disciplina que eu tenho e, com isso, a gente tem que está sempre

fazendo reciclagens, principalmente a partir de 2002 com a mudança do Código Civil,

porque as mudanças são muito velozes, a legislação vai se alterando e nós precisamos

estar sempre atualizados.

Eu já falei sobre isso antes. Teve um momento da minha vida que tive que optar

em seguir ou não a carreira de músico e decidir não seguir essa carreira por uma questão

muito pessoal. Refleti e cheguei à conclusão que eu não tinha talento suficiente para me

arriscar. Não sei se fiz a escolha certa, parece que sim. E, passado esse conflito, iniciou-

se o meu suplício, porque eu comecei a faculdade decidido a fazer concurso público e

não a advogar. E nós sabemos que não é fácil, sabemos das dificuldades que os

concursos apresentam. A concorrência é muito grande e, hoje em dia os cursos de

direito estão aumentando a cada dia, é muita gente procurando, é muita gente

competente, esta é a verdade. Mas, as provas são sempre complicadas para você fazer e,

eu tive problemas até para poder realizar alguns concursos. Foram discriminações. Na

hora de fazer as provas eu tive muitas dificuldades e eles não concordaram em colocar

para ler a prova, uma pessoa com formação jurídica, alegando que eu seria favorecido;

eu explicava que não, eu apenas queria certa igualdade, porque uma pessoa que não

tinha formação jurídica, com certeza teria muito mais dificuldades em procurar uma lei

para mim, examinar um código, manusear um código. Isso foi melhorando e hoje em

dia já se admite nos concursos aqui no Rio, uma pessoa com formação em direito para

ler a prova para os candidatos cegos. Acho que também aqui na Defensoria nós estamos

evoluindo. Tive uma boa adaptação; conseguimos comprar uma impressora Braille e

231

estamos nos esforçando para desempenhar a nossa função e, torcer pelos nossos colegas,

para que eles lutem pelos seus sonhos. Eu acho que a pessoa tem que ter o seu sonho,

sua meta, lutar por ela até o fim, até conseguir alcançá-la. Isso porque se você não sonha

não tem motivo para viver, essa é a verdade. E se você não luta por aquilo que acredita,

eu acho que você depois corre o risco de se arrepender por não ter lutado; logo, por

precaução, a gente deve sempre lutar por aquilo que almeja conquistar na vida.

7.2 - Juscelino

Quando eu estava estudando no IBC, os parlamentares estavam trabalhando na

Constituinte e acho que foi um momento importante, como já mencionei anteriormente,

como, por exemplo, o caso de alguns avanços que a Constituição de 1988 obteve para a

pessoa deficiente. Aqui em Minas Gerais, especificamente, o movimento dos deficientes

na década de 80 conseguiu se organizar e se mobilizou com a promulgação da

Constituição Federal e, posteriormente, com a Constituição do Estado. Então houve

assim uma grande mobilização; nós fizemos uma emenda, com uma proposta para a

Constituição do Estado - uma emenda popular - que teve na época milhares de

assinaturas e, isso foi um momento marcante.

Nós temos uma legislação bastante avançada, necessitando apenas que nos

organizemos para podermos colocar em prática tudo que está nas leis e mais ainda,

regulamentar os dispositivos constitucionais e a legislação, para que realmente

possamos usufruir na prática, desses avanços da legislação. Por exemplo, a questão do

transporte que já foi mencionada anteriormente, está aguardando com ansiedade a

regulamentação da lei do transporte porque ela fala que nenhum ônibus poderá sair de

fábrica sem que esteja adaptado para o deficiente. Então o que eu percebo é que existe

232

um grande lobby formado pelas empresas e, por isso, essa questão ainda não foi

regulamentada.

Por outro lado, temos que ver a questão como um todo. Por exemplo, não

adianta eu ficar numa cidade pequena viabilizando projetos específicos para essa cidade.

A questão é mais abrangente, o país como um todo está aquém do que necessita ser uma

prática globalizada. Este é um dos exemplos que eu apresento sobre esta questão; temos

que nos mobilizarmos, temos que cobrar dos nossos parlamentares.

Percebo que é importante a criação de associações, é uma experiência muito boa

que estou vivenciando desde 1990; criamos a associação dos deficientes aqui em minha

cidade e avançamos muito: já enfrentamos empresários, já fomos para as ruas e etc. O

passe para os deficientes aqui era como uma esmola - tínhamos que ir até as empresas

pedir um valezinho - e o empresário achava que estava fazendo caridade, e então fomos

e acionamos o Ministério Público e, se fosse preciso teríamos ido até Brasília, porque a

Promotora iria instaurar um Inquérito Civil-Público, mas não houve necessidade,

porque eles perceberam a nossa força, a nossa garra e, nós fizemos um ajuste de

conduta, que hoje beneficia centenas de pessoas.

Então, noto que as pessoas pela situação econômica do país estão sem

esperanças. Da mesma forma acho que se cada um ficar no seu canto chorando o seu

pranto, não se vai resolver nada e não vai mudar a nossa qualidade de vida. Logo, nós

temos que nos organizar, temos também de aglutinar forças de outros segmentos, de

outras áreas de deficientes, para que possamos nos tornar fortes e, ter a simpatia, a

compreensão e a colaboração da comunidade, da sociedade, para ajudar, isso é

fundamental.

No Rio de Janeiro os cegos que têm uma escola secular, que têm um ensino de

qualidade e profissionais do mais alto nível não têm um vereador e nem um deputado

233

cego. E eu sinto muito orgulho de ser vereador aqui da minha cidade, e mais do que

isso, eu abraço uma causa que não é só do cego, mas de todos os deficientes. Não sei se

é, porque lá, eles têm uma boa estrutura e não sofrem. Mas, eu acho que eles têm uma

responsabilidade muito grande para com os cegos de todo o Brasil. Não é por achar que

estou bem, que não vou me preocupar com os outros. Ao contrário, é preciso pensar nas

pessoas daqueles lugares mais longínquos - referenciando este país que é quase um

continente -, é preciso dar a nossa contribuição para melhorar a qualidade de vida

daquele companheiro que ainda não sabe o que é ser feliz.

Eu acho que o Instituto Benjamin Constant e seus profissionais - que lá

trabalham e que são bem sucedidos, graças a Deus, pois todos têm um bom salário -,

têm uma responsabilidade muito grande de estar passando estas informações, essa

tecnologias, principalmente o Braille, para o Brasil inteiro. Somente assim, o cego

poderá se encontrar, se profissionalizar e trabalhar na sua cidade de origem.

É muito bom e importante ir ao Rio de Janeiro estudar. Entretanto, mais

importante, ainda, é não se esquecer de suas raízes e de sua cultura. Às vezes, quando as

pessoas se aposentam elas voltam para as suas cidades de origem. Por que, então,

quando elas se formam elas não retornam para a suas cidades de origem para fomentar a

educação? Para fomentar a educação da pessoa deficiente em sua própria cidade? É um

chamamento que eu faço, porque posso falar isso de cadeira, porque eu tenho feito e

convivido com isso. É uma coisa que eu acredito e, espero que encontre eco esta minha

fala, para que não só os cegos, mas também os surdos lá do Instituto Nacional dos

Surdos, possam aderir a esse meu exemplo. Eu tenho falado assim Carmelino, porque a

minha experiência é uma experiência diferente, porque eu não convivo só com os cegos,

eu convivo com todas as áreas de deficiência e, isso enriqueceu e fortaleceu muito o

nosso trabalho,

234

Evidentemente, o contato de um cego com um surdo é muito difícil, mas eu

procuro o máximo de comunicabilidade com eles e eles comigo. Foi uma experiência

muito boa que nós tivemos por ocasião das discussões das Constituições; os

movimentos e as entidades tiveram momentos de discussão e de encontros e a gente

enriqueceu muito. Mas, depois que a gente passou este momento, não houve mais

encontros, não houve mais discussões e acho que isso é um ponto negativo, até porque

teríamos que dar continuidade e prosseguimento a essas leis que conseguimos inserir na

Constituição Estadual e até as Leis Orgânicas do Município. É preciso realmente rever

todas aquelas discussões para colocá-las em prática. Percebo que não somente o

segmento dos deficientes, mas a sociedade brasileira como um todo incluindo os

sindicatos, passam por um momento de transformação, por um momento de reavaliação

do processo e, a questão econômica do país também. Mas, entendo que as pessoas não

podem cruzar os braços, nós temos que estar cada vez mais nos organizado, para cobrar

do poder publico e dar a nossa contribuição, principalmente como voluntário.

Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 30% a 40% dos trabalhos que são

feitos - como informa uma Senhora cega que temos aqui e que veio de lá - é realizado

por voluntários. Aqui no Brasil, infelizmente, isso está muito longe de acontecer. Por

outro lado, as pessoas se aposentam e não têm uma ocupação, ficam em casa

engordando, deixando crescer a barriginha, quando, na verdade, poderiam está dando a

sua contribuição. Tem muita gente que tem uma historia e uma vivência na área

pedagógica do ensino especial e, poderia estar ajudando voluntariamente este país

inteiro. Fato é que essas pessoas não dão a sua contribuição. A nossa passagem na terra

é muito rápida - eu estava até comentando isso mais cedo -, então, eu acho que devemos

procurar usufruir da melhor forma possível os nossos momentos e dar a nossa

contribuição para as gerações futuras.

235

Gostaria de encerrar falando sobre a inclusão, que é uma palavra tão decantada e

falada atualmente, porém muito na teoria. Eu me sinto muito tranqüilo porque a gente

tem realmente procurado a inclusão de fato, aqui em minha cidade. Estamos com as

crianças nas salas de aula, não sabemos como será daqui para frente, esta questão da

criança e do adolescente estar nas salas de aula comum e sendo acompanhadas pelo

professor nas salas de recursos.

Eu não me sinto uma pessoa excluída, mesmo porque a gente tem que enfrentar

todas as barreiras que encontra. Cito, por exemplo, o meu caso quando candidato a

vereador: as pessoas falavam que se 19 vereadores já não faziam nada, imaginem mais

um cego. E eu dizia nos palanques, que lá na câmara tem 19 cegos vereadores, mas vai

ter um vereador cego. O nosso desempenho fez com que tivéssemos grande aceitação na

comunidade. Contribuímos para melhorar a qualidade de vida de muita gente, como por

exemplo, na área de saúde e da educação.

No que diz respeito à sensibilidade, acredito que seja uma questão cultural.

Logo, só daqui a alguns anos é que as pessoas vão se conscientizar de que o mundo é

para todos. Sair daquele padrão de que as coisas têm que ser feitas somente para as

pessoas ditas normais, isto é: para quem vê, quem enxerga e escuta. É preciso que esse

trabalho de conscientização seja feito, a gente vai reverter isso.

Antigamente tínhamos o Código Internacional da Deficiência; agora é o Código

Internacional das Potencialidades. É o contrário, você trabalha com a potencialidade que

o ser humano tem e não com a deficiência. Percebo que há uma inversão realmente

muito grande, dessa concepção em nível mundial e, nós temos o papel primordial de

estar conscientizando, trabalhando e ocupando os nossos meios de comunicação de

massa, para mostrar à comunidade a melhor maneira de lidar com o deficiente.

236

É o caso, por exemplo, de saber como atravessar um cego na rua - as pessoas

fazem achando que o cego é um boneco - mas não podemos recriminar esta atitude, ou

xingar as pessoas que querem nos ajudar, muito pelo contrário, devemos perceber o

momento como oportuno, para falar com a pessoa e ensinar a maneira correta de

conduzir um cego, de forma que a próxima pessoa que ela for ajudar não seja tratada

como um mero boneco.

7.3 - Arnaldo

Ser cego na sociedade brasileira é sentir dor. De fato, é assim que eu percebo a

vida, não só do portador de deficiência, mas, de outros - é uma concepção que não é

pessoal, muitos poetas e muita gente pensa assim e usam metáforas para dizer a idéia

central do que é a vida - é um desafio, é uma árdua tarefa a ser cumprida. É estar

andando sempre na contramão, porque é da natureza das coisas fazer questão de

caminhar sempre em sentido contrário; deve haver alguma razão para isso. Esse

pensamento que eu exponho não é exclusivamente abstrato, a linguagem pode ser, mas,

é o que eu sinto nas coisas mais concretas mesmo. Com relação à deficiência visual é

mais um sopro, é a perspectiva de uma manifestação da vida em sentido contrário à

caminhada que eu me propus fazer. Então, com essa imagem, pode-se perceber bem que

se criam movimentos contrários que determinam esforço maior para quem quer

evidentemente seguir o seu caminho, realizar seus sonhos, conquistar espaços, enfim,

estabelecer com isso pontos que podem ser mais ou menos constrangedores. A cegueira

é, portanto, essa manifestação em sentido contrário. Eu digo não só manifestação, como

ação em sentido contrário, porque em todas as coisas tem sido assim em minha vida. Há

sempre uma controvérsia com a qual eu me saio bem, consigo vencê-la e também

237

muitas vezes eu saio vencido. Eu disse deve haver um sentido para isso; deve haver uma

meta linguagem que explique a razão de tudo isso.

Então, essa era a primeira coisa nesse resumo final, esclarecendo que em

particular, em minha vida, primeiro sob o ponto de vista genérico na concepção de

mundo, mesmo aqueles que acham que estão no sentido que a própria vida estabeleceu,

eu acho que deve haver algum tipo de problema, essas pessoas não estão fazendo a

caminhada que deveriam fazer. No meu caso, a cegueira é uma clara manifestação de

força em sentido contrário que eu estou fazendo. Assim é na minha vida profissional.

Por exemplo, você sabe que eu tenho projetos profissionais e tenho nesses anos todos

me dedicado a esses projetos profissionais e, por razões que indubitavelmente a

cegueira está sempre permeando, eu não tenho conseguido realizar. Sejam extrínsecas

essas razões, sejam intrínsecas, sejam frutos das minhas dificuldades pessoais, sejam

frutos das cegueiras dos outros, dos que detêm o poder da própria sociedade. Pelo

menos essa é a leitura que eu faço; que os objetivos sejam institucionais, políticos,

profissionais, até afetivos, mas não podem ser tão altos, por razões puras e simples

relacionadas à deficiência física. Eu não sei qual é o sentido de tudo isso, me faz

bagagem intelectual, conhecimento de psicanálise, conhecimento até de filosofia, mas,

também, não estou muito interessado hoje em perquirir, só aprofunda mais essa dor.

Quero dizer que essa compreensão sobre a dinâmica da existência não me faz

sentir vítima, de modo algum. Não quero passar essa idéia, não me sinto vítima, não me

faço de vítima, ao contrário, procuro sempre nas relações interpessoais, no trabalho,

com as pessoas, com amigos, com os meus familiares, a minha relação conjugal,

procuro sempre afastar os empecilhos que a deficiência visual me impõe. Também

reconheço as limitações, mas não as faço cavalo de batalha. Acho que essa característica

da minha personalidade, você já a conhece bem. Eu apenas entendo que essa é a

238

harmonia da vida. Muita gente numa análise perfunctória pensa que a vida é

essencialmente desarmônica, mas não. Esses conflitos, esses choques, essas resultantes

de vencidos e vencedores é exatamente o que constitui a harmonia da vida. Se você

pensar na cadeia alimentar, por exemplo, em que um ser vivo é necessariamente

alimento de outro e, esse outro alimento de outro. No caso do ser humano o tipo de

alimento é outro, não sei se podemos chamar de espiritual, não sei se podemos chamar o

alimento em que as pessoas traçam a sua trajetória e quando realizam essa trajetória

precisam de outras pessoas e, quando essa trajetória encontra confronto com outros

estabelece o elo, até múltiplos conflitos e é assim.

Você sabe que eu tenho uma visão marxista da política e a mensagem essencial é

da igualdade, é a de se admitir que os nichos de atuação do homem possam ser

partilhados, mas infelizmente a história da humanidade tem dito exatamente o contrário.

O que acontece – é um ponto que eu fico pensando – para o tema específico que é a

cegueira, muita gente desiste no início da caminhada, pára de estudar, por exemplo. Só

que o tipo de caminho que a humanidade escolheu é muito cruel. Mesmo aqueles que

desistem, não conseguem sobreviver, vão restringindo cada vez mais os seus horizontes

e chegam a um ponto até a sucumbência total.

Até para pedir esmolas, por exemplo, deve-se ter um sacrifício material, um

trabalho não fácil, não deve ser fácil de dar conta. Exatamente porque ai se trava

relações de conflitos ao extremo, para que? Para extrair daí o melhor. O problema é que

os critérios que se estabelecem não me parecem muitas vezes melhores. Então o

vencedor, o melhor, muitas vezes nem sempre é – sob o ponto de vista ético, sob o

ponto de vista moral – o correto. Talvez isso seja um momento de transição da

humanidade, e todo momento de transição, os grupos mais frágeis, evidentemente, são

os que sofrem mais.

239

É nesse quadro que eu localizo modestamente o portador de deficiência visual,

com a sua dificuldade de arrumar emprego, de estudar; nasce não de uma força dele,

mas o bombardeio é quase que endógeno quase que genético. Essa ausência de força

endógena nasce dentro dele. Então nessa perspectiva, a sociedade acaba formando

hierarquias de seres humanos, ser agrupados de forma verticalizada que é muito triste,

eu acho. Então eu traço esse quadro pra dizer a você que por questão de personalidade

eu não consigo me acomodar, então eu vou continuar seguindo.

O meu problema de saúde, você sabe, muito provavelmente o meu médico, o

neurocirurgião, considera assim; também, a causa deve ser de ordem emocional, o que

deflagrou e que fez desenvolver o neuroma. Mas eu não me arrependo eu acho que o

que devo fazer é preparar melhor as estratégias para continuar. Estratégias concretas

mesmo, a organização dos estudos, o momento de fazer as provas, por exemplo, no meu

trabalho, a relação com as pessoas. Agora esse primeiro bloco de reflexão eu queria

terminar dizendo o seguinte: para mim existe um núcleo essencial que eu não transijo,

não admito transigi com valores que não são negociáveis, não admito que sejam feridos,

que sejam deixados de lado. Então o respeito às pessoas, a minha dignidade pessoal, o

fato de estar sempre pensando no próximo, estar ao lado dos mais oprimidos - atacados

pela sociedade - enfim, esses são os meus valores.

A importância de querer bem as pessoas, de amar o próximo é uma tarefa que

Jesus trouxe, provavelmente o primeiro – o grande pensador e filósofo – trouxe para

fazer a guinada no comportamento da humanidade e que não se persegue – poucos

atingiram. E eu tento com as minhas dificuldades, com as minhas restrições pessoais

tento por em prática. Mas, também está nessa gama de valores a idéia de saber se

defender, da legítima, de saber responder para não ser considerado uma pessoa sem

personalidade, uma pessoa manipulável e também saber dizer os limites que as pessoas

240

podem transigir. Enfim, essa tarefa não é fácil, a gente vai construindo com a práxis da

realidade, trabalhada com a teoria.

Eu tive algumas coisas boas que aconteceram na minha vida que me possibilita

ser audacioso, não quero ser arrogante de jeito nenhum, mas, serei audacioso no sentido

de ser perseverante. Então, o período que estive no Instituto Benjamin Constant foi

muito importante para mim. Fui moleque para lá, lembro do Sr. Manoel, que era

inspetor, e dizia para minha mãe - que se eu me unisse e me relacionasse com as boas

pessoas daqui, as pessoas de bom caráter, era isso que ele queria dizer – eu teria chance

de sair daqui um doutor. Então com esse meu jeito, eu fiz amizades e extraí dessas

amizades muito conhecimento e desenvolvi minhas potencialidades. O IBC é

responsável por isso; logo, eu sou um incondicional defensor da Instituição e não vou

fazer para trabalhar com condicional, ou com o que poderia acontecer provavelmente eu

não seria o que eu sou. Não é isso, mas não teria os ideais que eu tenho se não ficasse

cego. É curioso isso, mas é verdade. Eu digo isso pensando na minha família, eu tenho

cinco irmãos, todos com potencialidade, mas, de uma família pobre.

Meu pai faleceu e minha mãe teve que trabalhar em ônibus, enfim, sem recurso

financeiro. A família não conseguiu estudar, para gente que é pobre, é essencial nesse

país conseguir galgar degraus até sociais mesmo; a reflexão é estritamente sob o ponto

de vista social. Sob o ponto de vista ético, moral, talvez sejam melhores do que eu.

Enfim, o fato é que se não se dar a oportunidade de conhecer, ler, ter acesso à

informação, de aprender a pensar desde cedo – que eu tive no Benjamin Constant – você

fica mais restrito nessa vida. Então, fica com menos armas para poder manipular,

utilizar as potencialidades pessoais. É assim que eu vejo, por exemplo, os meus irmãos,

eles têm grande potencialidades, mas os mecanismos de realização, de fazer atuar essas

241

potencialidades são muito escassos e a sociedade é muito cruel, porque quem não

consegue essas armas fica no meio do caminho.

Eu falo “dessas armas” como metáfora, para dizer do potencial para se por em

prática um projeto, até de colocar no papel o que sente, o que pensa, de forma

concatenada, enfim é uma barbaridade. Mas eu também penso o seguinte, na concepção

humanista que eu tenho, todas essas potencialidades devem ser postas em prática em

favor das pessoas da coletividade. Não é assim que as pessoas pensam, não é assim que

a sociedade faz. A gente de forma secundária, reflexamente, põe em prática os nossos

talentos, porque em primeiro lugar os nossos interesses pessoais, econômico, financeiro,

de enriquecer, ter fama, sucesso, prestígio, poder e depois de fazer bem ao próximo, de

possibilitar o desenvolvimento do próximo, tornar a humanidade melhor, quando o

correto seria o contrário.

No Instituto Benjamin Constant eu tive, portanto, essa possibilidade. Depois eu

fui para o Colégio Pedro II e lá eu prossegui com a política. Fui presidente do Grêmio

do Pedro II (Marechal Floriano) e depois eu fui para a Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (UERJ) fazer direito e, fui diretor do Centro Acadêmico dessa universidade.

Acho que disse a você que na época eu estava em dúvida entre as duas universidades: a

UFRJ e a UERJ, porque eu queria ser político, político partidário e, acho que fiz a

melhor coisa da minha vida de ter ido para a UERJ estudar direito e não para a UFRJ

que era fazer política. Foi a melhor coisa que eu fiz. Eu acho que estaria muito pior,

estaria à deriva. Se eu conseguir realizar o meu sonho que é de entrar para o Ministério

Público eu serei muito mais útil à sociedade. Estarei concretamente nas atividades até

delineadas pela Constituição da República para atuar em favor das pessoas, dos

brasileiros, mais do que se estivesse na política institucionalizada que é essa loucura.

242

Quero encerrar essa fala agradecendo o convite para fazer parte dessa pesquisa

de doutorado; perdoe-me a excessiva introspecção, fui muito introspectivo, falando de

poucas coisas do cotidiano, mas, também existem outros ex-alunos, de forma que cada

um fala a sua experiência, o que sente de forma mais conotativa e até menos emocional

e mais racional. Eu acho que eu fui introspectivo, mas, espero ter contribuído.

Quanto ao cotidiano, quando eu sinto falta de enxergar é porque eu não estou

bem, então a visão física, ela faz falta, é uma benção a luz; mas como eu disse a você

também não é história, acontece comigo coisa curiosa, inconscientemente e sem fazer

esforço, eu tenho sensação de enxergar as coisas, as pessoas – é curioso isso, mas é

verdade. Então eu sinto falta de ver o rosto do meu filho que tem dois aninhos, às vezes

eu fico curioso em saber se a imagem que eu tenho, corresponde exatamente ao que se

vê dele. Às vezes a independência é mais pragmática e a visão proporciona. Mas eu não

fico triste, falei bem isso antes. A idéia que eu passei é que esse é um desafio de estar

encaminhando em busca dos meus objetivos e, recebendo uma força em sentido

contrário e, essa força eu interpreto como sendo um jeito de me tornar uma pessoa

melhor, me desenvolver mais, ser mais resistente, perseverar, etc. É exatamente isso que

eu acho e também nessa perspectiva, as derrotas não tem caráter absoluto. Não é uma

derrota, talvez o interesse de sintomatizar.

Há índice de derrotas e de vitórias e, no somatório da vida de cada um, pode ser

verificado se cumpriu ou não, o papel, as funções e as coisas que devia fazer. Acho que

é isso. A verificação do desempenho eu considero que está na perspectiva do resultado

da coletividade, do que se fez e dos outros também, da família, por exemplo, e

principalmente no seu raio de possibilidades o que é que você fez. Então o sujeito que

se enriqueceu, concentrou suas energias para conseguir as coisas exclusivamente para

si, eu considero um grande derrotado, pois, provavelmente ele deve ter excluído outras

243

pessoas, feito mal a outras pessoas, possivelmente, nesse mecanismo que a sociedade

estabelece. Acho que também ele se torna mais humanizado à medida que o critério

estabelecido não é o individual, é o coletivo, considerando o que o sujeito deveria fazer

nessa vida.

Essa é a visão que eu tenho. A cegueira pode ser uma aliada para evitar a supremacia

de determinadas fraquezas, pode ser uma aliada para isso. Eu fico pensando, eu vejo

muitas pessoas instruídas que fazem juízo de valor com base exclusivamente no que se

vê. Sem querer filosofar, você me perdoa, eu acho que esse é um dos focos patológicos

da sociedade que é se viver a aparência e, a cegueira protege um pouco disso, eu

imagino. Quer dizer, a gente não queima essa etapa, que é importante quando se tem

consciência que é a primeira etapa e, muita gente se restringe a ela.

7.4 - Glória

Eu acho que já falei praticamente tudo sobre minha vida, nessa fase de ser

deficiente. Eu sempre fui uma pessoa deficiente, cega, mas sempre me considerei uma

pessoa normal, embora enfrentando algumas dificuldades, alguns preconceitos, alguma

má vontade que algumas pessoas tinham para comigo. Inclusive nessa escola onde eu

fazia estágio, percebia que as pessoas até tinham medo que eu subisse, que eu me

promovesse, ou medo de estar competindo com elas e até mais tarde estar tirando o

emprego delas; mas eu acho que eu estou conseguindo vencer, estou vencendo, mesmo

contrariando algumas pessoas e, de repente, contrariando até mesmo a sociedade e os

meus filhos; até porque se eu os coloquei no mundo eu tenho a obrigação de oferecer

uma boa estrutura para eles, todo carinho, enfim, uma vida.

Então, primeiro eu cuido deles e depois de mim. E assim a gente vai vivendo,

vai acontecendo. Não pretendo parar, pretendo continuar estudando, fazer a minha

244

faculdade, embora as minhas dificuldades, meus filhos o que eles precisam, mas, ainda

pretendo fazer isso. Acho que nunca é tarde. E esses preconceitos, essas dificuldades, eu

creio que vou vencê-los e conseguir chegar lá.

7.5 - Jurema

Como nós conversamos por muito tempo sobre minha vida, de uma forma muito

transparente, não me lembro muito bem sobre os pontos que eu toquei. Então, eu vou

fazer um resumo, rápido, rapidinho da minha trajetória de vida. Eu tenho 34 anos, fiquei

cega aos nove anos, decorrente de um glaucoma congênito. Até então eu estudava em

uma escola municipal em Duque de Caxias e fui para o Instituto Benjamin Constant

com doze anos. Lá eu aprendi o Braille, fui considerada uma das melhores alunas, por

alcançar médias muito altas e, tinha um comportamento razoável, dentro do que era

exigido pela disciplina do Instituto. Permaneci no IBC, de 1982 até 1988, ano que

conclui a oitava série do ensino fundamental.

Depois disso, fui para o Colégio Pedro II, onde eu fiz o ensino médio, com

muitas dificuldades. Não havia qualquer interesse por parte da maioria dos professores,

em propiciar melhores condições de estudos. Mas, já naquela época, o Instituto

Benjamin Constant dispunha de professores que nos davam o mínimo de suporte,

principalmente na área de física e de matemática, que eram as professoras Regina

Caropreso e Paula. As provas eram transcritas em Braille e, isso facilitava bastante,

depois elas mesmas as decodificavam. Havia, portanto, um bom relacionamento entre

Instituto Benjamin Constant e o Colégio Pedro II.

O que prejudicava realmente era a falta de interesse dos professores, a ponto de

um deles, certa vez dizer que se quisesse dar aulas para alunos cegos teria ido trabalhar

245

no Instituto Benjamin Constant. Então ele realmente me ignorava todo tempo em sua

aula de matemática.

Para nosso “azar”, geralmente, os professores “das exatas” eram os que estavam

desinteressados. Eles realmente não acreditavam que nós tivéssemos o mínimo de

capacidade de poder apreender o conteúdo que eles transmitiam na sala de aula. Fato é

que mesmo com todas essas dificuldades, eu e todos os meus colegas da minha geração

logramos êxito, graças à intervenção dos ledores voluntários e, sem essas pessoas,

nenhum cego teria condição de chegar ao patamar que chegou; “nenhum” cego que me

refiro – são cegos bem sucedidos que sempre utilizaram ledores – também estou me

referindo aos cegos do Instituto. Não estou falando daquele cego que eu não conheço;

mas, pode existir aquele que a família monta toda uma infra-estrutura e ai, ele fica com

ledor pago em casa – eu até conheço um caso desses, filho de um professor da

faculdade. Mas, o que eu pude reparar é que a experiência de vida dessa pessoa é

mínima, ela vive em uma redoma e nem assim ela consegue atingir a sua meta. Até por

falta de vivência e de experiência com outros cegos.

Eu acho esse contato com outros cegos de fundamental importância. Aliás, eu

só soube que o cego corria, brincava, namorava, brigava e lia, quando eu entrei no

Instituto Benjamin Constant. Isso porque, até então, você acha que é a única pessoa que

enxerga pouco ou que não enxerga nada. Além disso, as pessoas ficam a tua volta ou

não, porque a tendência, infelizmente, é que te cerquem de cuidados, ou te protejam ou

te abandonam. Eu tive muito suporte, muito apoio da minha mãe, infelizmente, quanto

ao resto da minha família eu não posso dizer a mesma coisa.

Quando eu perdi a visão, já senti aquela solidão; porque os amiguinhos sumiram,

eu já não podia brincar como eu brincava antes. Eu acho a criança muito cruel; ela

observa e, se sentir que não vai poder corresponder a sua expectativa - ela quer correr e

246

quer brincar – joga para o canto como se fosse uma boneca que ela já enjoou de brincar,

como se fosse uma bola, como se fosse um cachorro.

Voltando então ao vestibular, eu passei para três universidades públicas.

Contudo, o curso de história era o que eu queria fazer. Eu não tinha outra opção. Optei

pela Universidade Federal do Rio Janeiro e gostei muito do curso que fiz. Mais uma

vez, sem estrutura nenhuma da faculdade, a ponto da coordenação “lavar as mãos” e,

dizer que realmente não sabia como me ajudar. Ai, eu e mais um grupo de cegos

procuramos a Reitoria da UFRJ, à época, era o professor Nelson Macolan, o Reitor, e

ele foi uma figura importantíssima porque a partir daí, nós conseguimos montar uma

Comissão Permanente de Apoio à Pessoa Portadora de Deficiência e eu permaneci nessa

comissão por mais ou menos dois anos, chegando até participar de um congresso

representando a UFRJ.

Outro momento muito importante na minha vida foi quando fui apresentada ao

Dos-vox. Em 1994, eu estava no terceiro ano da faculdade, quando recebi uma notícia

que eu tinha sido uma das convidadas para fazer o curso sobre esse sintetizador de voz

com mais aproximadamente quinze outras. Ali abria um outro horizonte para nossas

vidas – já deu mais um pouquinho de independência - pois, imagine você, acostumada

com o Instituto Benjamin Constant com todo material em Braille, porque na época em

que lá estudei ainda havia a preocupação de fornecer ao aluno todo o material em

Braille. Lembro-me perfeitamente do professor Vitor Alberto preparando apostilas de

história, sendo impressas na Imprensa Braille do Instituto, na máquina de clichê, ainda

aquela estereotipa que não era informatizada e ele tentando atualizar o nosso material. O

mesmo ocorreu com a professora Marieta de geografia que, preocupada com os seus

alunos, não media esforços para preparar o melhor material para seus alunos. Enfim,

quando estudamos no Instituto nós tínhamos livros em Braille. Depois veio o ensino

247

médio, todo sem material em Braille, uma dificuldade tremenda, por isso, cerca de dez a

doze ledores para darem conta de todas as disciplinas.

Aí, o início da utilização do gravador com as fitas cassetes. Então é um choque

muito grande quando se chega à faculdade sem material nenhum, ainda menos que no

ensino médio. A gente acha que vai enlouquecer. Mas, graças a Deus e aos ledores, que

são realmente fantásticos e abnegados, como Marisa, Lilá, professor José Fortes que

acompanhou várias gerações ensinando matemática, Dona Diva e muitos outros já até

falecidos. Em minha opinião esses ledores devem ser sempre reverenciados. Enfim, esse

período todo de faculdade foi bastante difícil para adquirir material. Mas, foi rico

porque eu conheci muitas formas de estudar e, com o advento da informática a coisa foi

melhorando - claro que ainda a passos bem lentos e demorados – tanto é que para eu

fazer a minha monografia foi ainda muito difícil, pois ainda não havia material

digitalizado e disponibilizado, como existe hoje, que a gente baixa vários livros e

códigos pela internet. Na época ainda não havia essa possibilidade, mas foi uma grande

coisa em poder digitalizar um texto, de poder fazer um trabalho e entregá-lo para o

professor. Já deu uma sensação maior de independência. Sensação essa que depois se

transformou em realidade e hoje em dia, acho que muitos problemas foram sanados com

o advento da informática e da internet; é maravilhosa a gente tendo acesso a isso tudo.

Durante o curso de história eu fiz concurso para revisor de textos Braille do

Instituto Benjamin Constant, tendo trabalhado lá por cinco anos, de 1993 a 1998. Foram

momentos muito divididos – momentos muito bons e momentos muito tristes – porque

ali eu comecei a me deparar com a outra faceta do Benjamin, com a outra roupagem do

Benjamin, muito mais preconceituoso. Quando a gente é criança, adolescente, a gente

não sente muito isso; não observa muito essas coisas, mas, depois você vai ficando mais

atento; então, ali eu já comecei a perceber as diferenças, os preconceitos eram muito

248

fortes, como, por exemplo, o que aconteceu em 17 de setembro de 2004; achei a festa

mais fria, mais artificial que eu participei nesse Instituto, ao longo desses 22 anos que

conheço esta casa fundamental na minha vida.

Para mim, este atual momento é de muita tristeza, de muita angústia - porque eu

sempre esperei muito do Instituto – e o que eu vejo lá hoje no Benjamin não poderia

está acontecendo; porque é um espaço que não é nosso, a começar pela acessibilidade, a

gente tenta andar confortavelmente, mas não consegue; principalmente se estiver

usando salto alto, porque há trechos completamente esburacados na área interna do IBC.

Não há nenhuma preocupação de pelo menos tentar resolver essa questão do piso do

Benjamin. Percebo, também, que hoje em dia não há mais a necessidade do aluno cego

ou quase cego, utilizar o Braille como sistema de leitura e de escrita dele, que é oficial e

universal de leitura e de escrita do cego; não há qualquer interesse em querer difundir

mais isso. Eu vejo os meninos com baixíssima visão, achando que enxergam muito, se

considerando quase que “videntes”, e, por isso não aprendem o Braille, lêem cada vez

pior e eu vou constatando essas coisas e me dá grande desânimo e, desestímulo para

tentar lutar.

Eu vejo isso muito de perto porque eu estou lá dentro como professora do CES -

Centro de Ensino Supletivo/RJ, há quatro anos, e vejo que os meninos nos chegam

muito despreparados. Os ex-alunos do Instituto Benjamin rejeitam o Braille e querem

fazer prova oral; aí, por motivos bem claros para mim: primeiro, porque querem ganhar

uma colinha dos professores que ficam penalizados porque estão diante de um cego e,

aí, ficam muito bonzinhos – querem ganhar o reino dos céus – e dão dicas, pequenas

dicas na hora de lerem as questões e, estou muito decepcionada com o que eu tenho

visto no IBC nos últimos anos.

249

Já que a sua pesquisa trata da questão dos alunos egressos do Instituto Benjamin

Constant, o que eles são hoje, o que fizeram, eu acho que o IBC, para mim, enquanto

instituição organizada ele fez muito pouco; pois, há uma cultura dentro do Instituto, que

se o aluno demonstrar interesse ele pode caminhar sozinho. Mas, se ele demonstrar

desinteresse ele também vai caminhar sozinho. Esse interesse é algo que só sai dele, não

há nenhuma preocupação, ou dedicação para que ele desenvolva isso, se ele não tiver. É

como se não pudesse surgir, é como se fosse nato e, na verdade não é, pois sabemos que

o processo de ensino-aprendizagem é uma constância de demonstrações, de

necessidades, de preocupações, de companheirismo, de parcerias, de relacionamentos e,

essa relação de professor x aluno no Instituto, a meu ver, ela foi sempre problemática.

Hoje não tenho dúvida de que esteja bem pior, até porque os alunos hoje no Instituto

são quase que fantasmas, o Instituto perdeu o seu referencial de escola, em minha

opinião.

Sei que estou sendo um pouco radical, mas, pelas observações que eu tenho

feito, quando eu vejo o Ministro da Educação muito preocupado com o “parque gráfico”

do Instituto, para entregar livros Braille para o Brasil inteiro e aí? Sabe daquela coisa de

você arrumar a casa quando a visita chega, ou você fazer uma comida muito gostosa

para a visita; embora no dia a dia você não coma essa comida, você come qualquer

coisa. É assim que eu percebo o Instituto, nesse processo todo de decadência que ele

está vivendo.

Eu lamento muito, porque eu me considero, orgulhosamente, ao contrário do que

foi dito uma vez por uma professora do próprio Instituto em um seminário de educação

especial ou inclusiva, eu me lembro bem, ela defendendo a escola inclusiva. Ela é

professora do Instituto, disse que o Instituto é muito paternalista, é muito

assistencialista. Fato é que comigo e vários outros colegas meus que você os conhece

250

muito bem, esse paternalismo e esse assistencialismo funcionaram porque hoje em dia

somos trabalhadores, ingressamos no Serviço Público, por concurso, por mérito próprio,

é claro pela ajuda de ledores e de alguns familiares. Temos as nossas casas, temos a

nossa própria vida, temos a nossa vida social, dirigimos a nossa economia, dirigimos o

que queremos fazer, nos permitimos determinados lazeres, escolhemos até os nossos

amigos. Então, esse paternalismo que essa professora se referiu, em tom de crítica, eu

tenho que agradecer porque o paternalismo que tive foi esse: receber o material em

Braille, material que todos os cegos deveriam ter. Além disso, eu e meus colegas

tivemos cama para dormir sossegadamente depois de um dia de estudo, pois éramos

internos. Morávamos muito longe; eu morava em Santa Cruz da Serra, e às segundas-

feiras para eu chegar ao Instituto eu tinha que acordar às quatro horas para chegar às

sete horas da manhã. Tomava dois ônibus lotados, passando pela Central do Brasil que

sempre foi uma área de risco. Então, havia tranqüilidade durante a semana, embora a

comida fosse muito ruim, o banho frio e os banheiros sujos. Além disso, tinha medo de

caminhar nos corredores à noite, pois tinha colegas às vezes violentas, inspetoras

grossas e rudes e, apesar de tudo isso, poder deitar às dez horas da noite e acordar às

seis horas da manhã - com o sinal de alerta -, era muito bom, porque bastava levantar da

cama, tomar um banho, tomar um café - quando dava para tomar - porque às vezes a

manteiga estava rançosa e o café não estava bom. Mas aquilo ali nunca pesou para que

eu deixasse de estudar.

Eu tive sorte, à época, dos meus pais terem grande preocupação comigo, e, eu

tinha realmente um aparato nesse sentido. Dentro da vida humilde que eu vivia, era uma

família pobre, meu pai era frentista e a minha mãe dona de casa, mas, eu e minha irmã

sempre tivemos biscoito e leite em pó para matar a fome, porque a comida era muito

mal feita; acho que feita sem carinho, sem amor, e isso fazia falta. Mas eu reforço que

251

não foi motivo para desistir. Então esse paternalismo eu não consigo perceber não. Pelo

contrário, acho que até havia certo descaso, pois, se eu quisesse fazer a aula à tarde eu

fazia; se não quisesse, não fazia. Logo, eu não chamo isso – falsa liberdade - de

paternalismo. Eu acredito que o termo apropriado para esse comportamento

institucional é falta de compromisso com a educação. Então, não se tratava de descobrir

talentos, não se justificava a nossa estada ali, nos cobrando realmente aquilo que deveria

ser cobrado, exigindo com disciplina mais rígida, mais inteligível e compreensível,

porque o que não era permitido não era compreensível. Como por exemplo, você

telefonar no orelhão para a sua família à tarde, não havia essa possibilidade. Quando eu

entrei lá a gente só podia telefonar para a família de 13 às 13h30min, era um absurdo.

Eu, como historiadora, fico impressionada com a rapidez, com a aceleração de

tantas mudanças ocorridas no Instituto Benjamin Constant. Por exemplo, as meninas e

os meninos sem a exigência de usar o uniforme, e em minha opinião, o uniforme além

de simbolizar o compromisso, identifica quem o usa como integrante de uma

comunidade. Então ele ajuda na formação de uma comunidade. E quando você vê um

aluno usando uma bermuda vermelha, uma aluna usando uma saia roxa ou um short

azul, um menino de chinelo, outro de quichute, outro de boné, enfim, é como se eles

estivessem na casa deles. Eu não gosto do Instituto Benjamin Constant ser considerado

como minha casa – ele não é minha casa – ele é um educandário e, como uma

instituição de educação ele deve ditar regras que devem ser respeitadas para manter um

padrão de “normalidade”, porque burlar as leis é muito legal, mas quando elas existem.

Hoje em dia não faz mais nem sentido você querer fazer uma coisa que parece proibido,

porque nada mais é proibido.

A minha preocupação maior em tudo isso é que daqui a alguns anos eu não

consiga mais visualizar nenhum bom fruto do Instituto. Será que vai ter algum aluno

252

saído de lá, egresso, dos primeiros anos desse Terceiro Milênio e entrando como

servidor de um Tribunal? Entrando como professor de um Colégio Militar? Ou fazendo

uma Universidade Pública? Será? Porque nós temos aí sinais perigosos. A universidade

está com quase 100 alunos cegos e, grande parte deles, sem condição inclusive de fazer

um vestibular, ex-alunos do Instituto, ex-reabilitandos do Instituto, por conseguinte, o

que fizerem o nome do Instituto estará por trás. Que nome o Instituto terá para zelar se

ele não contribuiu em nada para isso? Em nada mesmo, é como eu disse, na minha

época se fez muito pouco, mas, hoje se faz menos ainda. Na minha época, pelo menos

tinha espaço para estudar, espaço para movimentar, sentia-me gente, acreditava que eu

ia crescer, por isso que eu cresci.

E esse aluno de hoje do Instituto ele acredita nele? Ele tem condições de

acreditar nele diante de tanto preconceito que ele sofre lá dentro, desde cedo. Outro

agravante em tudo isso é o excesso de terceirização. Nada contra os terceirizados, mas

contra o sistema de terceirização. Por quê? Porque no IBC há várias especificidades,

tem que ter um binômio – afetividade e afinidade. Completado esse binômio a gente

parte para outro, aliás, é um trinômio: a sensibilização, a conscientização e a

capacitação. Pois, a capacitação sem a conscientização e a sensibilização é impossível

de ocorrer. E, muito mais impossível de ocorrer, é quando esse cidadão não está afim do

que faz e sem afetividade pela comunidade na qual está inserido.

Nós somos feitos de afetividade e afinidade; para nós gostarmos do que fazemos,

precisamos gostar de quem, por quem e com quem estamos fazendo. Porque muito mais

importante “de que” e “por que” é o “por quem”. E, eu percebo que o aluno atual do

Instituto é um objeto. Ele é o objeto do Instituto, ele é a razão do Instituto funcionar, de

existir. Mas não é para ele que o Instituto existe, tem que haver um convencimento

coletivo de que o Instituto existe para o cego – é a instituição de educação para cego – e

253

está perdendo essa característica, então você me desculpe esse meu depoimento

extremamente crítico, amargo, mas é o retrato do que eu estou observando hoje. Aquele

17 de setembro para mim, ficou muito mais claro. Eu não vi um grupo de pagode no

pátio, um violão tocando no pátio. Que é isso? Cadê esses alunos que por eles mesmos

procuravam a sua forma de se divertir? De uma maneira saudável, uma brincadeira que

juntasse todo mundo que se gostasse.

A gente não pode perder isso, Carmelino. Eu pelo menos não posso perder isso.

Por que se não eu vou acreditar que nada disso está valendo a pena, que nem esse seu

trabalho de fazer essas entrevistas está valendo a pena. Por que esse trabalho ele tem

que ser feito de dentro pra fora. Nós temos que nos resolver. Nós todos, professores,

alunos, técnicos administrativos, voluntários, enfim, todas as pessoas que compõem o

corpo do Instituto. Então é isso, você me desculpe se eu não atingi aquilo que você

pretendia nessa entrevista livre. Mas, eu não poderia ser diferente porque eu não seria

eu. É uma coisa que eu aprendi ao longo desses anos: se eu deixar de falar o que penso,

se eu deixar de expressar o que sinto, eu vou perder o meu referencial, porque é o

tempo inteiro a pessoa cega sendo tratada: “é aquela cega, é o ceguinho”. Existe uma

luta muito grande no sentido de ter que provar que eu não sou uma ceguinha. Que eu

sou uma pessoa cega, mas, antes de ser cega eu sou uma mulher, e antes de ser uma

mulher eu sou uma pessoa, eu tenho um nome, tenho um único nome, que é um direito

indisponível, tenho uma personalidade jurídica, inclusive. Tenho o direito de falar o que

eu penso, quando eu posso, tenho os meus limites, tenho as minhas limitações, como

qualquer outra pessoa tem. Dentro de níveis diferentes, eu tenho direito de estar nesse

mundo e buscar um mundo melhor do que esse que nós estamos vivendo.

É isso, eu torço para que o seu trabalho tenha resultados realmente positivos,

para você e para nós todos que participamos e acreditamos em você, e que dedicamos

254

essas horas de conversa e, da minha parte, com muito respeito ao que você está se

propondo a fazer. Obrigado.

7.6 - Isaura

Eu acho que a gente explorou bastante a questão da escola inclusiva e da escola

especializada. É importante que fique claro que a gente não é contra nenhum tipo de

escola, desde que o trabalho educacional seja feito com preocupação pelo futuro do

aluno. Que o centro da atenção seja a vida, o futuro do aluno, a conquista da cidadania

do aluno. Que a criança tenha direito futuramente a uma profissão, a ter sua vida

independente, a ter sua família e não ser esmagada, derrubada na sua auto-estima, no

seu valor como ser humano, que ela possa construir a sua identidade.

O que acontece, são alguns profissionais interessados em construir suas carreiras

ou se tornar importantes na história do cego, se tornar nomes. Não estão olhando para

trás para ver tudo que o próprio cego já conquistou e que lutou para ter. E ter apropriado

de conquistas que um dia foram nossas; pois, na realidade o cego, há muitos anos

procura a escola comum. Mesmo porque aqui no Instituto nunca existiu o curso médio,

o segundo grau, o clássico, a faculdade, o nome que tenha a cada época. Então, desde

que foi exigido pela legislação brasileira que para ser professor, a pessoa tinha que fazer

o curso normal, o cego correu atrás para fazer o curso normal e, não foi nenhum

especialista que deu esse direito a ele.

O próprio Instituto existe porque o cego correu atrás e conseguiu falar com o

Imperador que se interessou. Não houve nenhum especialista que chegou aqui e disse:

“Não Majestade, lá na França os cegos fazem isso e aquilo”. O Imperador viu o cego

fazer mesmo. O cego que tinha poder aquisitivo e pôde ir para a França estudar. No caso

da educação do cego existe muita demagogia, como existe em toda a educação. A

255

educação é um “prato” para os interesses políticos do pessoal. Fazem-se muitos

discursos, mas a condição econômica está bem parecida com o que sempre foi. O

discurso, os papéis, as letras tudo é uma beleza.

A luta quanto ao preconceito; eu acho que quando o cego procura o seu

emprego e chega à rua e se impõe, diz o ônibus que ele quer pegar, mostra para onde ele

quer ir, que ele sabe onde estar, é quando o cego tem consciência de querer o seu

direito.

Eu estava dizendo que o cego, muitas vezes assimila essa posição que a

sociedade apresenta; esse lugar que a sociedade dá a ele, de vítima, de incapaz. Então o

cego, muitas vezes, também quer só direitos e, poucos deveres. Outro assunto polêmico,

diz respeito às reservas de vagas em concursos, provas – estas coisas muito

controvertidas - de vagas específicas. O pessoal briga muito por gratuidade em tudo, e,

às vezes, pessoas que absolutamente não precisariam de gratuidade e de reservas; mas

as pessoas brigam por elas, como se fosse coisa indispensável para se ter uma

independência. Infelizmente tem muita gente que está conseguindo se empregar graças a

isso e, aí, é a grande faca de dois gumes.

Por isso, os cegos ainda não conseguiram se organizar como muitos grupos de

minorias conseguiram. Os afros descendentes, por exemplo, conseguiram chegar a um

acordo – porque muita gente acha que reserva de vagas para eles nas universidades é

importante - já outros, não concordam com isso, porque na verdade não se oferece

educação de qualidade nem para os afros descendentes, nem pra os cegos, nem para os

pobres. Faltam recursos e fica a gente brigando. A agente não quer sofrer

discriminações na rua, ser chamado de ceguinho, não quer que neguem oportunidade

para gente, mas, muitas vezes a gente também pede oportunidades, pede direitos que

também não teria. Então essas questões são muito controvertidas, são coisas muito

256

difíceis, por isso é que de repente têm tantas identidades representativas, tantas brigas e

é por aí.

O Instituto poderia acompanhar o aluno quando ele saísse daqui; ter o cuidado

de acompanhar, assim: será que ele foi para o mercado de trabalho? Foi para a escola?

Por que não foi para algum lugar? Por que voltou para casa e está sem estudar ou

trabalhar? Por que o aluno saiu daqui e de repente optou por viver em uma associação?

De repente até acompanhar um pouco mais, porque a questão social e psicológica do

nosso aluno é muito complicada. Vêem-se coisas do tipo: abandono pela família;

famílias que vivem e roubam a pensão dos seus filhos; famílias que simplesmente

vivem dessa pensão e, etc.

O pai encosta na pensão do filho e, não quer mesmo que o filho progrida para

não perder a pensão. Essa, aliás, é uma questão também séria, é a história dos direitos

desnecessários. Por que o portador de deficiência tem direito a uma pensão quando é

criança, quando é jovem, quando está estudando, se outros jovens, de repente

paupérrimos, miseráveis até, não têm? Daí, muitos alunos acharem que não precisam

progredir mais nos estudos e falam: “Ah! Já tenho meu dinheirinho”. Aí você fala de

emprego para ele e, ele diz: “emprego dá muito trabalho, tem que obedecer a patrão,

chegar na hora. Ah! Estou ganhando esse salário do governo, moro na casa do meu pai,

está muito bom”.

Então, são essas coisas assim que deixam a pessoa sem vontade de lutar, ou

melhor, a luta deixa de “cabelo em pé”. Estou preocupada com a minha independência e

tem aluno que não está nem um pouquinho interessado nisso, quer continuar dependente

mesmo, porque está bom assim.

257

Após as narrativas livres de cada egresso, travaremos uma espécie de diálogo

entre eles, buscando salientar as conexões e as discordâncias com o que foi analisado

nos capítulos anteriores.

Nessa perspectiva iniciamos com Éden que começou falar de sua vida,

retratando o que o Instituto Benjamin Constant representou para ele. Declarou que foi

um oportunista porque aproveitou todas as oportunidades que o IBC lhe ofereceu.

Relembra ter morado no Instituto Benjamin Constant durante toda sua vida

acadêmica. Inicialmente, na condição de aluno interno enquanto cursava o ensino

fundamental, depois no ensino médio e na faculdade, como aluno-bolsista.312

Ainda hoje alguns alunos pleiteiam essa bolsa, e a sua concessão é feita a cada

final de ano por indicação dos membros do Conselho de Classe313, de acordo com o

Regimento Interno para bolsistas.

Aluno dedicado e muito esforçado optou pelo curso de direito em detrimento ao

curso de música, arte que demonstrava facilidade na aprendizagem. Segundo ele o cego,

em geral, se identifica bastante com a música. Por isso, é de opinião que o IBC deveria

explorar mais essa potencialidade, observada em seus alunos.

Como aconteceu com outros cegos que prestaram concurso para a magistratura

de alguns estados e não conseguiram ser aprovados, também Éden não logrou êxito

nesses concursos. Entretanto, não desanimou, continuou estudando e fazendo outros

concursos! Assim, tornou-se um respeitável defensor público e declara ter encontrado a

sua verdadeira profissão.

312 Trata-se de um programa de ajuda a alunos egressos do IBC que moravam em outros estados ou em municípios distantes do Instituto. Essa ajuda consistia em dormida, alimentação, ledores e apoio pedagógico. 313 É um colegiado, no qual o diretor da escola, coordenadores, supervisores e professores se encontram para discutir o desempenho dos alunos. O conselho pode se tornar um momento de reflexão, quando se discute as dificuldades de ensino, de aprendizagem (...). Enfim, da própria proposta pedagógica da escola para se adequar às necessidades dos alunos, como por exemplo, a indicação de aluno-bolsista.

258

Para isso, realizou vários concursos, motivo que o leva a se posicionar contra o

jovem cego se acomodar em detrimento de uma pequena ajuda ofertada pelo governo

federal, por força de legislação que ampara o deficiente.

Esclarece que há algumas décadas as dificuldades para os cegos eram bem

maiores, de forma que ficavam mais dependentes. Porém, hoje em dia, graças a alguns

meios tecnológicos – como os sintetizadores de vozes, a internet, o Braille Fácil, dentre

outros - tem sido tornada disponíveis algumas facilidades que permitem ao cego maior

independência e desenvoltura nas suas ações, como foi o caso das respostas às perguntas

que nos foram enviadas diretamente pelo correio eletrônico.

Com Juscelino começamos a entrevista brincando, dizendo que ele era filho da

ditadura, por ter nascido em 1968. Ressaltamos, ainda, que por ele ter vivido momentos

diferentes, provavelmente, essa experiência tenha sido importante para a sua vida hoje

como ex-parlamentar, como ex-vereador da sua cidade.

Foi um adolescente ligado aos movimentos associativos e desde cedo já aflorava

a sua visão política e de representatividade demonstrada nas participações grevistas e

nas campanhas em prol de um grêmio estudantil mais atuante e participativo. Defendia a

idéia de que os movimentos associativistas - cujo cunho era de rede de apoio - deveriam

transcender esse aspecto para se constituírem em forças renovadoras.

Ainda hoje acredita na participação voluntária e defende a idéia que a inclusão

social deva ser fruto de conquistas e não de imposições, a exemplo da que está sendo

proposta. Lutando em prol do bem estar coletivo, conseguiu a aprovação de projetos

abrangentes, isto é, não se ateve apenas aos projetos voltados para os cegos, mas,

também, para outros deficientes e demais pessoas marginalizadas socialmente. Embora

não tenha continuado com os estudos, tendo concluído apenas o ensino fundamental,

259

tornou-se grande incentivador para que os deficientes prosseguissem na caminhada

acadêmica.

Pode ser considerado um exemplo a ser seguido, por ter realizado algum tipo de

trabalho que viabilizou condições para que outros cegos pudessem estudar em suas

cidades, sem necessitar se afastar de seus familiares, evitando, assim, que esses

indivíduos passassem pelo sofrimento que passou, conforme declarou em sua entrevista.

Enfim, parece acreditar em uma pedagogia centrada na sua experiência.

Arnaldo dá asas à sua imaginação ao falar e ao escrever. Tem a cabeça de um

sonhador, se expressa como se fosse um filósofo, um existencialista, como por exemplo,

quando diz: “(...). Esse pensamento que eu exponho não é exclusivamente abstrato; a

linguagem pode ser, mas é o que eu sinto nas coisas mais concretas mesmo”. Afirma

que a vida é uma caminhada composta por um campo de forças extrínsecas e intrínsecas

ao indivíduo, sob o qual a humanidade se ergue e deambula.

Em sua opinião a sua cegueira foi mais circunstância que inevitável. Ao usar a

expressão “ser cego na sociedade brasileira é sentir dor”, ele não se refere exatamente a

dor física instalada em decorrência de um trauma. Mas, àquela caminhada em sentido

contrário, da qual ele se refere e cita como conseqüência dessa força em sentido

contrário, o fato de não ter conseguido realizar os seus projetos profissionais, apesar de

sua dedicação aos estudos.

Confessa que não se considera vítima e nem tampouco usa a cegueira ou a sua

condição de cego para tentar alcançar alguma vantagem pessoal. Embora tenha

consciência que em alguns casos a cegueira faça parte do problema, mas ela a seu ver

não determina a solução.

260

Da mesma forma que Éden, em Arnaldo a concepção de minoria e de

marginalidade social também está presente, principalmente, quando se refere à questão

do emprego.

Ao se referir às desigualdades, sobretudo em relação ao sofrimento dos grupos

mais frágeis, Arnaldo ressalta que os critérios que são utilizados a favor desses

indivíduos não lhe parecem os melhores. Isso porque tem observado que o vencedor

nem sempre, sob o ponto de vista ético e moral, é o mais correto. Por outro lado, se o

vencedor é ético e moral, não há derrota nas normas vitais restritas, mas na restrição da

ética e do caráter.

Referindo-se à educação recebida no Instituto Benjamin Constant e às restrições

que sofreria caso não tivesse estudado naquele instituto, afirma que se não fosse cego

não teria conseguido reunir as armas ou idéias que lhe foram proporcionadas pela

educação. Metaforicamente o IBC é o arsenal que armazena e distribui essas armas.

Por último, Arnaldo vê na cegueira a opacidade de experiência, principalmente,

quando ele fala que se não fosse cego não teria estudado e nem teria tido as

oportunidades que teve, estaria igual a seus irmãos que não estudaram. Nessa

comparação com seus irmãos ele se reporta apenas à questão social, não à questão ética

ou moral.

Quando Glória diz que é uma pessoa deficiente, cega, mas normal, ela

certamente está se reportando ao mundo que conheceu desde que nasceu. Cega

congênita, ela ao se classificar como normal está falando da sua maneira de viver, de

suas limitações para ler, escrever, locomover-se, pois esse é o seu mundo. Por outro

lado, qual é a origem dessa classificação que ela mesma faz? Da sociedade? Ou é mais

261

uma etiquetagem que ela mesma carrega, mas que não é identificatória do ser normal ou

do ser patológico.

Das três egressas entrevistadas, Glória é a única que é mãe: tem um casal de

filhos adolescentes, dos quais cuida desde que nasceram. Dedicou-se inteiramente aos

filhos e ao marido, optando, portanto, por uma vida doméstica voltada para o lar e para

a educação dos seus descendentes.

Tal como Arnaldo, a imagem da luta prevalece. Isto é, a cegueira faz parte, mas

não determina. Assim, ela afirma que primeiro cuida dos filhos e depois dela mesma. E

foi com essa decisão que Glória recentemente concluiu o magistério e está pretendendo

fazer um curso superior. Mas retornar a estudar somente foi possível depois que seus

filhos tornaram-se adolescentes.

Por fim, a sua coletividade hoje em dia é rica. Ela construiu uma família e o seu

papel de mãe a faz lutar, esquecendo às vezes de sua condição de mulher cega.

Jurema se auto referenda. A sua história de vida é sua auto-referência. Sua

narrativa é histórica e clássica, ordenada cronologicamente e nomeando os personagens

e construindo seu enredo através da vida acadêmica e de uma história social das

técnicas.

Enquanto Juscelino ao falar sobre a inclusão o faz apontando os projetos de

capacitação de recursos humanos que desenvolveu quando era vereador, Jurema

também o faz colocando-se na condição de professora, apontando para a problemática

da inclusão nas escolas comuns.

Comenta que as mudanças de um modo geral estão ocorrendo muito rápidas, e o

que acontece no Instituto Benjamin Constant não é muito diferente do que está

acontecendo em outros estabelecimentos de ensino. É o caso, por exemplo, da falta de

262

leitura. Acontece que não são somente os cegos que não estão lendo; os alunos que

enxergam também estão abandonando a leitura.

Os meninos e meninas por aí estão falando uma linguagem cifrada, rápida,

codificada, quase que algorítmica, aos moldes da velocidade de comunicação do

computador. Assim, os cegos estão também no meio desse vértice, a mercê das

mudanças sociais supersônicas e de seus inconscientes.

O discurso de Jurema aponta para o Instituto Benjamin Constant e o momento

atual, focalizando o sentido da educação para os cegos: sensibilização, conscientização

e capacitação. Esse trinômio é uma seta no sentido do empoderamento. E parece que

para ela, nas atuais circunstâncias do mundo, o IBC não faz isso. A impressão que ela

passa é que ele se “deita” no berço de instituição de ensino especial, no sentido de

recortar sua clientela e dirigi-la para um estudo “profissional”, não dialógico com as

transformações a que se vem assistindo. Mas será que isso é uma característica ou

“falha” particular do IBC? Será que isso não está acontecendo na educação em geral? O

IBC não é um “oásis” e “especial” ele simplesmente está incluído na problemática em

geral que atravessa a educação brasileira.

A idéia dela de coletividade/comunidade, manifestada pela sua frase “nós temos

que nos resolver”, revela sua preocupação com o Instituto Benjamin Constant atual,

diferente daquele de algumas décadas passadas.

Talvez caiba discutir o que está escrito na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e

contrapor ao “estado da arte” da educação brasileira e sua inclinação para o mercado de

trabalho, nomeado como um fim, mas que pela sua própria constituição restritiva, e no

meio de um mundo globalizado, não dá conta da inclusão quanto mais quando o sujeito

263

a ser incluído possui uma deficiência ou uma restrição nas suas normas vitais que o faz

constituir uma outra norma para a sua vida, mas que a sociedade não consegue enxergar.

Será que a educação inclusiva garante a inclusão desses indivíduos no mundo do

trabalho, cuja elasticidade ou a arquitetura no Brasil é de exclusão?

Isaura começa sua fala retornando à questão do empoderamento e esclarece que

não é contra a nenhum tipo de escola, apenas realça que o importante é o futuro do

aluno. Dessa forma as atenções devem estar voltadas para a sua conquista profissional e

de sua cidadania.

Assim como Jurema, que se refere à “comida bonita da visita”, Isaura também

faz referência a idéia das “políticas públicas para os outros verem”, ou seja, diz ela:

“fazem-se muitos discursos mas a condição econômica está bem parecida com o que

sempre foi”.

Quando ela levanta a questão da importância do IBC realizar o acompanhamento

dos seus egressos, acredita que essa proposta não se justifica em função da

especificidade do sujeito ser cego, mas, parece relacionar-se às questões sociais e

políticas.

Além disso, o Instituto Benjamin Constant na condição de Centro de referência

Nacional para as questões voltadas para a deficiência visual, deveria ter dentre suas

finalidades a de verificar o tipo de produto que a sua escola está formando.

Nesse sentido, o IBC poderá acrescer ao seu projeto político pedagógico, além

das exigências políticas emanadas pelos diversos instrumentos legais, outras decorrentes

das mudanças do mundo moderno e das informações colhidas entre os seus egressos.

Após fazer uma pequena síntese analítica sobre cada um dos entrevistados e suas

posições na questão “ser cego na sociedade brasileira”, pinçamos alguns fragmentos que

264

corroboram as posições anteriormente apresentadas, salientando os pontos de

concordância entre eles, como se estivesse havendo uma espécie de diálogo. Daí se

constata que embora existam algumas singularidades entre os egressos, cada um deles

apresenta uma peculiaridade que caracteriza e define sua identidade social, política e

profissional.

Assim, vimos em Éden um defensor dos direitos do cidadão; em Juscelino um

político; em Arnaldo um sujeito introspectivo e filosófico: em Glória o papel da

constituição da família e de mãe; em Jurema a sua trajetória histórica de vida e a

cegueira e em Isaura a constatação de preconceitos e o empoderamento.

Ao longo das narrações dos egressos já foram surgindo gradativamente alguns

pontos de concordância, de forma que ao analisar as falas ao término das entrevistas

podemos visualizar as seguintes congruências:

preocupação em torno do ensino do Braille, que está deficitário e gerando,

consequentemente, o abandono desse sistema;

o futuro dos cegos nas escolas inclusivas nos moldes que estão sendo propostos;

a falta de sensibilização da sociedade no que diz respeito às potencialidades dos

cegos, a qual reflete negativamente no mundo do trabalho;

a questão da independência e da autonomia do cego como necessidade pessoal e do

aumento de sua auto-estima;

a necessidade de que sejam constituídas entidades representativas, a fim de que os

cegos possam se estruturar melhor até para reivindicar seus direitos e lutar pelas

questões que julgarem importantes para a melhoria da qualidade de suas vidas;

a importância da existência de bons ledores, principalmente, por ocasião dos

concursos, cujas provas não são disponibilizadas em Braille;

265

a importância do Instituto Benjamin Constant na formação do cidadão cego;

a ausência da atuação do Instituto Benjamin Constant no acompanhamento de seus

egressos, tanto na parte acadêmica quanto na profissional.

Esses pontos de concordância anteriormente elencados foram, inicialmente,

discutidos pelos egressos, entretanto, retornaremos a falar sobre eles nas considerações

finais.

266

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que nos inspirou a empreender esta pesquisa, inicialmente, foi um convite que

nos fora feito em 1996 pela Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico (SEMTEC), do

Ministério da Educação, para conhecer um “novo programa” que estava sendo

desenvolvido por aquela secretaria, com vistas a aplicá-lo nas pesquisas que eram feitas

com seus egressos.

À época éramos o diretor-geral do Instituto Benjamin Constant (IBC) e ficamos

bastante interessados em desenvolver pesquisa semelhante junto aos ex-alunos do IBC.

Apesar desse interesse, entraves técnico-administrativos impediram que a pesquisa

avançasse.

Não obstante esses “entraves”, a idéia foi pouco a pouco sendo amadurecida e

materializada em dezembro de 2002 – já no final do nosso mandato – com a realização

do I Encontro de Egressos de Instituto Benjamin Constant, cujos resultados fazem parte

do terceiro capítulo desta tese.

Como não podíamos realizar a pesquisa com todos os egressos desta

sesquicentenária Instituição, optamos por fazê-la apenas com os ex-alunos que

concluíram a oitava série do ensino fundamental entre os anos de 1985 a 1990. Isso

porque havíamos consultado a Secretaria Geral do IBC e fomos informados que os

alunos que concluíram a oitava série nesse período, o fizeram com idades entre 15 e 24

anos.

Assim, considerando essas duas idades, tínhamos o seguinte quadro: os alunos

que concluíram o curso em 1985 estariam em 2005 com 36 e 44 anos e os que

concluíram em 1990 estariam com 30 e 36 anos (Gráfico 2 p. 82).

267

Daí poder-se considerar que essa faixa etária seja suficiente para a pessoa

concluir o ensino médio, o superior, qualificar-se profissionalmente, engajar-se no

mundo do trabalho, constituir família, dentre outros acontecimentos, mesmo tratando-se

de pessoas com necessidades especiais.

Uma outra importante constatação percebida a partir da análise das fontes

primárias referiu-se à variedade das doenças oculares apresentadas por esses egressos

(Gráficos 7 e 8).

O levantamento realizado nos prontuários médico-oftalmológico apontou para o

seguinte: dos 89 egressos que concluíram o ensino fundamental no período em estudo, a

patologia ocular predominante foi o glaucoma congênito, com 17 casos,

correspondendo a 19,19% do total. Desses 17 alunos, 64,71% eram do sexo masculino e

35,29% do sexo feminino.

A segunda maior incidência foi a retinose pigmentar, com 9 casos,

correspondendo a 10,11% da totalidade. Desses nove alunos, 33,33% eram do sexo

feminino e 66,66% eram do sexo masculino.

Em terceiro lugar surgiram duas doenças oculares: a atrofia óptica e o leucoma,

apresentando 7 casos cada uma delas, equivalente a 7,86% do total de alunos. Daqueles

que apresentaram atrofia óptica 71,43% eram do sexo masculino e apenas 28,57% do

sexo feminino. Quanto ao leucoma, 57,14% eram do sexo masculino e 42,86% do

feminino.

Em quarto lugar apareceu a catarata congênita, com 5 casos, ou seja, 5,62% da

totalidade. Desses 5, 80% foram do sexo masculino e apenas 20% de sexo feminino.

Em quinto lugar apareceram novamente duas patologias: degeneração da retina

e glaucomas + catarata, com 3 casos cada uma delas, compreendendo a 3,38% do total

268

de alunos. Ambas as patologias apresentaram 66,67% de casos do sexo masculino e

33,33% de feminino.

Em sexto lugar, sete patologias: miopia + estrabismo (albinismo); foco de

corioretinite + miopia + astigmatismo; ambliopia; enucleação; anirídia congênita +

nistagmo; buftalmia e miopia + astigmatismo + amblipia, apresentaram 2 casos cada

uma delas, num total de 14 alunos. Desses 14, 28,57% eram do sexo masculino e

71,43% do sexo feminino.

As demais patologias, num total de 23, apresentaram um caso cada uma delas,

sendo 56,52% do sexo masculino e 43,48% do feminino.

Dessa forma, a prevalência das causas da cegueira entre os egressos foi

semelhante àquela apontada por Gonçalves et al (2005) cujas doenças são: a catarata, o

glaucoma, o diabetes (via retinopatia diabética e suas complicações) e a degeneração

macular relacionada à idade. Contudo, ressalta-se que Gonçalves referiu-se à cegueira

no adulto e, as informações relacionadas aos sujeitos deste estudo, reportam-se à época

da matrícula desses egressos no Instituto Benjamin Constant, portanto, ainda crianças

e/ou adolescentes, conforme demonstrado no gráfico três. Logo, não se pode, nesse

caso, considerar para estes egressos a degeneração macular relacionada à idade e a

catarata, cuja incidência desta foi apenas de cinco casos, o equivalente a 5,62% do

grupo em estudo, mesmo assim referindo-se à catarata congênita.

Segundo alguns egressos, a matrícula tardia na escola pode ter ocorrido, em

alguns casos, devido à tentativa dos pais na “busca da cura” de seus filhos em igrejas

evangélicas, centros de macumbas e outras alternativas. Uma vez descartadas essas

possibilidades, “retornam à realidade e ao conformismo da cegueira”, começando outra

“peregrinação” pela busca de escola que aceitem seus filhos. Alguns desconheciam a

269

existência de escolas especializadas, como por exemplo, o Instituto Benjamin Constant,

e outros, não sabiam que crianças cegas poderiam estudar.

Por outro lado, ressaltamos que muitos dos alunos que foram matriculados na

Classe de Alfabetização já haviam sido alfabetizados “à tinta”. Entretanto, por terem

perdido a visão tiveram que aprender o Sistema Braille fez-se necessária. Daí, talvez, a

justificativa da matrícula de alunos na Classe de Alfabetização em idade mais avançada,

conforme demonstrado no gráfico nº 4.

Outra justificativa de matrícula de egressos com faixa etária elevada em outras

séries (gráficos 5 e 6), refere-se a alunos oriundos de escolas comuns, os quais foram

submetidos a teste e não conseguiram ser matriculados nas séries que pretendiam,

havendo, portanto, um retrocesso.

Observamos, também, que alguns egressos, devido a suas doenças oculares

necessitavam de controle periódico e cuidados constantes. Por isso compareciam com

maior freqüência ao oftalmologista que outros. As causas que motivaram essas visitas

médicas foram diversificadas, sendo as queixas mais comuns dor no olho; solicitação de

laudo oftalmológico; hiperemia conjuntival e secreção; lacrimejamento, ardência e

prurido; cirurgia ocular; curativos e outras menos freqüentes, como, por exemplo,

mordida do colega na pálpebra superior (Tabela 03, p. 334).

Daí o seguinte questionamento: Como seria a vida desses egressos se eles

tivessem estudado na escola comum? Será que essa escola teria condição de prestar

algum tipo de serviço para solucionar os problemas oculares desses alunos, como

cirurgias, colocação de próteses, curativos, retirada de corpo estranho do olho tão

comum às crianças, ou mesmo encaminhá-los para os Centros de Saúde ou Hospitais

Públicos, de forma que esses procedimentos pudessem ser realizados?

270

Procuramos analisar as três partes que compõem esta pesquisa, situadas em

momentos diferentes, de forma que nos foi possível inicialmente tecer as seguintes

considerações:

As discussões a respeito da integração da pessoa portadora de deficiência –

como era conhecida antes – tem sido constante nos “Quatro Cantos da Terra” e, se

tornado mais acirrada a partir do término da Segunda Guerra Mundial, com o

surgimento da Reabilitação e a conseqüente luta para re-integração dos “mutilados de

guerra” no mundo do trabalho.

À medida que o direito do homem à igualdade e à cidadania tornou-se motivo de

preocupação de chefes de nações e de entidades como a ONU e a UNESCO essas

discussões tomaram outro rumo tornando-se um problema mundial, de forma que

Governantes de todo o Mundo preocupados com essa questão têm se reunido para

discutir o assunto. Com isso, uma nova ética se impõe, conferindo a todos igualdade de

valores, igualdade de direitos e a necessidade de superação de qualquer forma de

discriminação por questões étnicas, sócio-econômicas, de gênero, de classes sociais ou

de peculiaridades individuais mais diferenciadas.

Assim, convenções, decretos, leis, portarias e outros instrumentos, têm se

convertido em meios legais utilizados pelas pessoas com necessidades especiais, para

conseguirem participação igualitária na sociedade.

Mas, será que esse tratamento igualitário como consta na Lei Magna Brasileira –

a Constituição da República Federativa do Brasil – que garante “que todos são iguais

perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” é cumprido à risca ou se aplica à

pessoa com necessidade especial?

A respeito dessa “igualdade” o saudoso Rui Barbosa já alertava em seus

discursos que “os iguais deveriam ser tratados com igualdade e os desiguais com

271

desigualdade”. Logo, se considerarmos as peculiaridades dos deficientes visuais,

sobretudo as dos cegos, que são diferentes porque não enxergam, porque se orientam e

se locomovem diferentes e porque lêem e escrevem diferentes, somos levados a

concordar com Rui Barbosa no sentido de que essas pessoas tão especiais devam ser

tratadas de forma desigual, justamente porque elas não são iguais às demais.

Daí, a pertinência das falas de alguns egressos quando clamam por tratamento

desigual, como, por exemplo, realizar suas provas em Braille; ter apoio diferenciado

para aquelas matérias que exigem mais da visão; utilização de equipamentos específicos

para cegos como a reglete, a máquina de datilografia Perkins ou o computador com

programas especiais instalados; ter a ajuda de ledores qualificados, dentre outros.

Além disso, há no mundo do trabalho certas tarefas cuja execução depende da

visão. Logo, para que os profissionais cegos possam desempenhá-las elas devem sofrer

algumas adaptações. É o caso, por exemplo, de indicações em Braille para orientar

esses profissionais, ou outros dispositivos orientadores. Enfim, elas necessitam ser

diferenciadas a fim de dar segurança e facilitar a sua execução.

Por outro lado, existem outras situações que apesar de não se constituírem em

tratamento diferenciado, o cego depende totalmente da ajuda de terceiros, ou da

utilização de aparatos tecnológicos para realizá-las. São situações, como por exemplo,

ter que ler um documento; ficar a espera da ajuda dos colegas para ler o que está escrito

no quadro negro e não ter a compreensão de alguns professores, que declararam que “se

quisessem dar aulas para cegos teriam feito concurso para o Instituto Benjamin

Constant”; ter que ficar no ponto do ônibus esperando uma pessoa que lhe coloque no

ônibus correto, dentre outras situações.

272

No capítulo “considerações acerca da deficiência visual”, vimos que desde os

primórdios da civilização, dentre as práticas humanas, a educação tem sido a que mais

tem se destacado.

Assim, através das épocas ela tem sido considerada da seguinte forma: na

antiguidade primitiva – era voltada para a satisfação das necessidades cotidianas; na

antiguidade clássica – a educação era somente para os homens livres, de forma que os

guerreiros os escravos e outros se constituíam em classes inferiores e não tinham direito

à educação acadêmica; na idade média – a educação integral era para o clero e para a

nobreza, sendo vedada para a classe dos trabalhadores; no renascimento – caracterizou-

se por importantes descobertas como a bússola, a imprensa, a pólvora, dentre outras,

que exerceram influências sobre as idéias pedagógicas. Entretanto, a educação ainda

não era para todos, sendo disponível apenas para o clero, os nobres e para a burguesia

emergente; na idade moderna – surge uma nova classe que se volta contra os modelos

vigentes, gerando, em conseqüência, uma teoria educacional revolucionária para a

época, recomendando que o processo civilizatório devesse ser universal, isto é,

extensivo a todos os seres humanos. Contudo, essa “universalidade” não se referia a

todos os indivíduos, indistintivamente, pois os lemas eram: à classe dirigente –

educação para governar; à classe trabalhadora – educação para o trabalho. Assim, o

direito era de acordo com a classe social; no pós moderno – surge a atitude dialética

que procura pontuar a macro e a micro relação do poder entre a escola e a sociedade, de

forma que a educação passa ser ato pedagógico e também político, valorizando o

educando como cidadão.

Enfim, a filosofia e as práticas segregacionistas do passado tiveram grande

influência na educação e, conseqüentemente, na inserção comunitária das pessoas

portadoras de deficiência.

273

Logo, dentro dessa visão segregacionista foi criado em 17 de setembro de 1854

o Instituto Benjamin Constant - a primeira instituição de educação para cegos da

América Latina – que ainda carrega essa marca, talvez por ainda manter um internato.

Por razões educacionais, sociais, entre outras, consideramos que a realização

deste I Encontro não foi meramente uma tarefa acadêmica, mas, pautou-se na

necessidade de levantar subsídios que pudessem ajudar na construção de uma política

para o Instituto Benjamin Constant, tendo em vista algumas mudanças decorrentes das

transformações pelas quais ele vem passando, como por exemplo, a sua transformação

em Centro de Referência Nacional para as questões voltadas para a deficiência visual;

as mudanças preconizadas pela Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 no que diz

respeito a educação inclusiva, dentre outras.

Para iniciar esta pesquisa convidamos os egressos do período em estudo para um

grande encontro que se constituiu no I Encontro de Egressos do IBC. Tendo em vista a

falta de atualização dos endereços dos ex-alunos, cerca de 50% dos convites que lhes

foram enviados retornaram. Assim, compareceram ao Encontro apenas 56 dos 89

egressos.

Ressalta-se, também, que foi a partir deste I Encontro que foi possível elaborar

as questões enviadas aos egressos, construir as temáticas para as entrevistas e eleger os

seis egressos para participarem dessa fase.

Além disso, sublinha-se a importância das questões levantadas pelos egressos –

conhecidas e vivenciadas por eles – que foram fundamentais para fazer o contraponto

entre a escola especializada e a escola comum e que serão discutidas mais à frente.

274

Por tudo isso, afirmamos que o Encontro foi importante porque possibilitou

trazer para a discussão questões que não figuram nas finalidades regimentais do

Instituto Benjamin Constant, em que pese sua relevância.

Várias questões levantadas pelos egressos merecem ser discutidas

administrativamente no âmbito do Instituto Benjamin Constant, pelo seu Conselho

Diretor ou mais amplamente, com todos os segmentos da comunidade interna que são

associações, grêmio estudantil, docentes, técnicos administrativos e discentes, ou em

instância mais avançada com o Ministério da Educação.

Duas dessas questões: a manutenção do internato e a permanência diária das

mães no interior do Instituto mantêm estreita relação, pois, ambas parecem tratar de

uma situação sócio-econômica dos pais.

Outras questões, também relevantes, são apresentadas no final destas

considerações e merecem tratamento idêntico.

As respostas às seis questões enviadas pelos egressos, se constituíram em uma

mostra da trajetória de vida desses ex-alunos a partir da chegada ao IBC, e foram

oriundas de suas experiências, lutas, desilusões, dificuldades e conquistas.

Assim, vimos nessas respostas a manifestação dos seguintes sentimentos:

Sentir-se cego numa sociedade exclusiva - é ser tratado como uma criança, cuja mãe

responde por ela. As pessoas dificilmente se dirigem ao cego, mas, ao seu guia ou

interlocutor, como se ele fosse incapaz. Viver com o estigma da cegueira - é, antes de

qualquer coisa, possuir muita coragem e força. Talvez, por isso, a referência feita por

um dos egressos, que seria “matar um leão diariamente”, até para evidenciar essas

qualidades que certamente o leão as possui. A respeito da adolescência e cegueira - o

convívio com iguais da mesma faixa etária e condição visual possibilita descobertas e

275

trocas que geralmente não ocorrem no ambiente familiar. Ser jovem e cego, o ensino

médio e a universidade – é um grande desafio, pois se trata de um caminho inseguro e

penoso que envolve muitas incertezas. Além disso, é uma constante superação de

barreiras e descréditos, agravado pela falta de equipamento, material didático

apropriado e professores especializados. Enfim, é tentar transportar para a mente um

gráfico que o professor está colocando no quadro negro. O jovem cego e o seu

primeiro emprego – Essa situação, a princípio, deve ser analisada em conjunto com os

problemas da pobreza e da exclusão social. Da mesma forma que acontece com a

entrada na escola comum, no primeiro emprego o cego é também recebido com esse

“misto”: reserva, descrença, curiosidade e até admiração. Somente após algum tempo,

quando demonstram o seu poder laborativo, o preconceito é extinto. Ser cidadão cego –

Parece está ligado ao direito de poder participar das decisões da sociedade, para

melhorar não só a sua vida, mas, também, a de outrem e contribuir para o

desenvolvimento da nação, sustentado na democracia, nos direitos humanos e na

inclusão social. Entretanto, segundo os egressos do IBC, ser cidadão cego é viver numa

constante briga pelos seus direitos. É também uma conquista; até porque muitos cegos

internalizam com facilidade a condição de inferioridade que a sociedade os atribui. Por

outro lado, o cego é um cidadão com deveres e direitos, com necessidades específicas

que precisam ser atendidas, mas, de forma alguma se torna menos cidadão que outro.

Enfim, segundo os egressos a cidadania total somente é conquistada quando a

pessoa pode gozar de todos os direitos previstos na Constituição Federal, inclusive o

direito de ter um trabalho decente que lhe renda o suficiente para prover o seu próprio

sustento e o de sua família.

Quanto à inserção no mundo do trabalho, ressalta-se que o deficiente visual

conquistou espaço bastante expressivo, principalmente, nos serviços públicos.

276

Entretanto, nas empresas parece que ainda existe alguma resistência para receber o

cego. Apesar da existência da lei das quotas – que disciplina a contratação de

deficientes – a não contratação pelas empresas privadas talvez seja justificada pela falta

de qualificação do deficiente visual. Por isso, a maior absorção de egressos foi através

do serviço público, conforme demonstrado no gráfico 10. Destaca-se, ainda, que mais

da metade dos egressos que trabalham nas empresas privadas, prestam serviços às

Prefeituras Municipais e aos Estados via terceirização.

Gráfico nº 10 – Como estão situados os egressos no mundo do trabalho.

Situação dos egressos no mundo do trabalho

23

15

10

18

119

0

5

10

15

20

25

Locais de atuação

egre

ssos

ServidorMunicipalServidor EstadualServidorFederalEmpresaPrivadaAutônomo

Sememprego

O capítulo cinco tratou da reconstrução da história pessoal dos seis entrevistados

e, para conhecê-los melhor, optamos em apresentá-los, considerando alguns aspectos

comuns que julgamos importantes como: condição visual; alfabetização; idade atual;

conclusão do ensino fundamental; naturalidade e estado civil; incidência de deficiência

visual na família e profissão. Para isso, construímos o seguinte quadro:

277

Tabela 2 – Perfil dos entrevistados

Entrevistados

(Cognomes)

Condição visual

Alfabetização Idade

atual

Ano e idade de conclusão Ensino

Fundamental

Éden

(Interno)

Cego.

Glaucoma

Congênito

À tinta em

escola comum.

Braille no IBC

42 anos.

Nascido

em 1963.

Concluiu a 8ª série em

1985, aos 22 anos.

Matriculado no IBC

em 1977, aos 13 anos.

Juscelino

(Interno)

Cego.

Retinose

Pigmentar

Á tinta em

escola comum.

Braille no IBC

37 anos.

Nascido

em 1968.

Concluiu a 8ª série em

1987, aos 19 anos.

Matriculado no IBC

em 1981, aos 13 anos.

Arnaldo

(Interno)

Cego.

Glaucoma

Congênito

Á tinta em

escola comum.

Braille no IBC

32 anos.

Nascido

em 1973.

Concluiu a 8ª série em

1990, aos 17 anos.

Matriculado no IBC

em 1986, aos 12 anos.

Glória

(Interna)

‌‌Cega.

Retinose

Pigmentar

Em Braille no

IBC.

36 anos.

Nascida

em 1969.

Concluiu a 8ª série em

1989, aos 20 anos.

Matriculada no IBC

em 1975, aos seis anos.

Jurema

(Interna)

Cega.

Glaucoma

Congênito

À tinta em

escola comum

Aos quatro anos.

35 anos.

Nascida

em 1970.

Concluiu a 8ª série em

1988, aos 18 anos.

Matriculada no IBC

em 1980, aos 10 anos.

Isaura

(Externa)

Cega.

Micro-globo e

Micro-córnea

Congênita

hereditária

Em Braille no

IBC.

35 anos.

Nascida

em 1970.

Concluiu a 8ª série em

1986, aos 16 anos.

Matriculada no IBC

em 1977, aos sete anos.

278

Quadro 1 (continuação) – Perfil dos entrevistados

Entrevistados

(Cognomes)

Naturalidade

e estado civil

Incidência de deficiência visual na família

Profissão

Éden

(Interno)

Natural do Estado do io Rio de Janeiro; casado;

esposa de visão

normal. Tem um casal

de filhos de visão

normal.

Não há na família

pessoas com

deficiência visual.

Advogado;

Defensor Público do

MP/RJ; exerce o

cargo para o qual

foi concursado.

Juscelino

(Interno)

Natural do Estado de

Minas Gerais.

Solteiro. ‌

Existe uma irmã com

retinose pegimentar.

Ex-vereador

Servidor Municipal;

exerce o cargo para

o qual foi concursado.

Cursou até a 8º série.

Arnaldo

(Interno)

Natural do Estado do

Rio de Janeiro;

Casado; esposa de

visão normal. Tem um

Filho de visão normal.

Não há na família

Incidência de pessoas

Com deficiência

Visual.

Advogado;

Funcionário do

TRE/RJ; exerce o

cargo para o qual

foi concursado.

Glória

(Interna)

Natural do Estado do

Rio de Janeiro; casada;

esposo cego. Tem um

casal de filhos de visão

normal.

Avô materno e mãe

cegos.

Não trabalha.

Cursou até o ensino

médio.

Jurema

(Interna)

Natural de Minas

Gerais; casada; esposo.

de baixa visão; não

possui filhos.

Tem uma irmã mais

nova que também é

cega (glaucoma

congênito)

Professora estadual;

Funcionária do TJ/RJ.

Exerce os cargos

para os quais fez

concurso.

279

Isaura

(Externa)

Natural do Estado do

Rio de Janeiro.

Solteira.

Pai e mãe cegos.

Avós paternos e dois

tios com a mesma

patologia.

Professora federal.

Exerce o cargo para

o qual foi concursada.

Sobre a influência das três dimensões escola, família e mídia, na construção da

identidade do cego, foi observado o seguinte: dos 89 alunos egressos, 66,29% eram

internos, portanto, permaneciam distantes de suas famílias, de segunda a sexta-feira,

somente indo para as suas residências nos finais de semana e feriados. Dos seis alunos

que participaram das entrevistas apenas um era externo. No que diz respeito à mídia,

esses alunos não liam jornais, mas procuravam ouvir as notícias, ou através do rádio ou

da TV ou mesmo de outras pessoas que liam jornais e comentavam sobre as notícias.

Assim, das três dimensões, o contato de maior freqüência era com a escola.

Raramente as famílias se preocupavam em esclarecer aos seus filhos, principalmente

aqueles prestes a se casar, sobre a possibilidade de nascer uma criança deficiente, uma

criança cega.

A nossa preocupação com a construção da identidade dos egressos nos levou ao

seguinte questionamento: a construção da identidade é produto da vivência entre os

cegos ou da oposição aos videntes? Pelas respostas colhidas, constatamos que a

influência predominante relaciona-se à convivência com os familiares, com os pares,

com outros colegas que enxergavam e com os professores, conforme pudemos observar

em alguns depoimentos, como por exemplo, o de Éden:

“Nós tínhamos no IBC uma convivência com os alunos de visão reduzida, os chamados amblíopes e sempre foi razoável. Já naquela época eu me preocupava em não ficar segregado ‘naquele’ grupo de cegos. Eu já tinha assim em mente aquela necessidade de me relacionar lá fora com outras pessoas, com o grupo da igreja, os amigos lá de fora, sair para os lugares e também ter contato com

280

os cegos. Tem que ter essa preocupação para você não ficar muito limitado a um grupo só”.

Outro assunto discutido referiu-se às dificuldades que os egressos encontraram

quando saíram da escola especializada do IBC para uma escola comum, a qual por não

possuir professores especializados, livros em Braille e ampliados, equipamentos e

materiais adequados, ainda não reunia condição de atender satisfatoriamente alunos

cegos e de baixa visão, como aconteceu na escola especializada que estudaram.

Declararam os egressos que acompanhar e entender os assuntos de disciplinas

como português, história, geografia, línguas e outras similares não era tão difícil. Mas,

quando se tratava da área de ciências exatas, que exigiam mais o uso da visão, as

dificuldades aumentavam, sobretudo para entender os gráficos utilizados na física, na

química e na matemática.

Apesar das dificuldades encontradas e apontadas pelos egressos nas escolas

comuns, a situação acadêmica deles em comparação com outros alunos de visão normal

e até mesmo outros deficientes, pode ser considerada muita boa, conforme pode ser

observado no gráfico nº 11.

Gráfico nº 11 – Situação acadêmica atual dos egressos

Situação acadêmica atual dos egressos

4

50

33

0

10

20

30

40

50

60

situação escolar

egressos

EnsFundamental

Ens Médio

Ens Superior

281

Dos 89 egressos faleceram dois: um do sexo masculino e outro do feminino.

Assim, dos 87 restantes, apenas quatro não continuaram seus estudos, tendo concluindo

apenas o ensino fundamental. Outros 50 concluíram o ensino médio e 33 o terceiro

grau.

Apesar disso, nota-se um consenso entre os egressos no sentido de que as duas

escolas – especializada e comum – não devem se confrontar, pois, são duas realidades

diferentes que podem conviver perfeitamente. Entretanto, para a implantação desse

novo modelo chamado “escola inclusiva”, declaram os egressos que é necessário

primeiro desconstruir a exclusão a fim de que o deficiente visual possa ser recebido sem

descrença, curiosidade e admiração, como se fosse um “ET”.

Nesse sentido, o Instituto Benjamin Constant enquanto Centro de Referência

Nacional na área da deficiência visual, parece ter como vocação regimental dar suporte

às escolas comuns ou regulares, a fim de que essas possam atender aos seus alunos

cegos e de baixa visão com a mesma qualidade observada nas escolas especiais.

Por outro lado, para que isso aconteça de forma plena e satisfatória, o IBC

precisa “sair do lugar comum”, isto é, “do intra-muros”; necessita construir uma política

que contemple projetos mais audaciosos como, por exemplo: incentivo à pós-graduação

de seus servidores; contratação de novos recursos humanos; aquisição de novas

aparelhagens, materiais e de recursos tecnológicos, entre outras medidas.

Além disso, precisa repensar o seu “laboratório” que é a escola especializada.

Pois ele é de fundamental importância no processo de implantação e teste de novas

políticas educacionais e na construção de materiais didático-pedagógicos destinados aos

deficientes visuais.

282

Conforme mencionado em capítulo anterior, observam-se algumas divergências

entre autores, professores e até mesmo entre os egressos, quanto à idade ideal para

inclusão escolar de alunos cegos e de baixa visão, a importância da especialização dos

docentes, a utilização de livros em Braille e de livros falados, a necessidade de que

todos os alunos do IBC aprendam o Braille e o sorobã, dentre outras.

A alfabetização do aluno cego não se resume apenas ao ensino do Braille; trata-

se, portanto, de um processo de desenvolvimento: do se conhecer; da pesquisa do

espaço; da disciplina; das descobertas... Assim, esse momento é oportuno também para

a construção da identidade do cego. Por isso, como seria na escola comum se a criança

cega não conseguir ler e entender as historinhas?

Quanto à necessidade dos professores que lidam com deficientes visuais serem

especializados, informam os egressos que não basta apenas a realização pura e simples

dos cursos, mas, também, do contato e a prática, principalmente para a alfabetização.

Por outro lado, não se tem notícia da existência de pesquisa comparativa e

acompanhamento de alunos cegos e de baixa visão, que estudam em escola

especializada, em escola comum e em escola apoiada por alguma entidade especializada

em educação especial.

Daí, acreditarmos que para podermos falar com maior segurança e certeza a

respeito da inclusão de alunos cegos e de baixa visão na escola comum, é preciso antes,

ouvir esses alunos, acompanhando e relatando toda a trajetória acadêmica deles.

Nesse sentido, sendo o IBC um Centro de Referência Nacional na área da visão,

propomos a realização de convênio com escola próxima à instituição, para

desenvolvimento de um projeto de inclusão escolar com alunos cegos e de baixa visão a

partir da quinta série do ensino fundamental.

283

Alem desse projeto, sugere-se, também, que o Instituto Benjamin Constant

empreenda um projeto experimental com o ensino médio, abrindo uma turma mista da

qual participarão alunos de ambos os sexos, cegos, de baixa visão e de visão normal.

A trajetória do cidadão cego na sociedade brasileira começa com o seu

nascimento, ou a partir do momento que ele perde a visão; inicialmente com o impacto

que um filho cego acarreta na família. Esse acontecimento gera em todos os membros

da família sentimentos contraditórios muito fortes, que oscilam entre aceitação e

rejeição, pena e raiva, euforia e depressão.

Por isso, é oportuno lembrar, que tanto as causas quanto as conseqüências da

deficiência variam em toda parte e resultam das diferentes circunstâncias sócio-

econômicas e das diversas disposições que os Estados adotam com vista ao bem-estar

de seus cidadãos. Apesar de tudo isso, existe outras causas que influem nas condições

de vida dos cegos, como: ignorância, abandono, superstição, medo, dentre tantas outras

que têm ajudado a isolar esses indivíduos e de certa forma atrasado seu

desenvolvimento.

Entretanto, graças à educação e à reabilitação, eles têm se tornado cada vez mais

ativo, contribuindo, portanto, para mudar a concepção inicial de que o cego é inerte e

incapaz para a ação.

Ainda nesse enfoque da trajetória do cego na sociedade, dois assuntos foram

apontados pelos egressos como sendo da competência do IBC. O primeiro diz respeito a

intervenção do Instituto junto aos órgãos que recebem o deficiente no seu primeiro

emprego, fornecendo material e subsidiando os órgãos que estão contratando o

deficiente. O segundo, trata do casamento entre os ex-alunos. Sobre esse assunto,

levantou-se a hipótese do IBC desenvolver um programa de aconselhamento genético

284

com vistas à prevenção das doenças oculares, mesmo que fosse, inicialmente, em forma

de palestras e de cunho mais educacional.

A respeito desse assunto o ex-aluno Éden assim se expressa: “Com certeza falta

essa orientação até dentro do currículo escolar. Seria importante que fossem ministradas

aulas sobre como certas doenças se instalam, na aquisição de hábitos higiênicos, como

evitar a doença, dentre outros assuntos”.

O último tópico que fez parte do sexto capítulo – cegueira e sociedade – foi a

cegueira e as tecnologias. O mundo vive um acelerado desenvolvimento no qual a

tecnologia está presente direta ou indiretamente em atividades bastante comuns.

Entende-se por tecnologias os meios, os apoios e as ferramentas que são utilizadas tanto

na educação quanto na preparação para o trabalho do deficiente visual. Daí, o pouco

conhecimento e a falta de domínio dessas tecnologias podem levar alguns deficientes a

se sentirem mais discriminados ou constrangidos por não serem capazes de realizar

algumas atividades, como por exemplo: utilizar o caixa eletrônico de um banco; o

celular; a agenda eletrônica e outras atividades do dia a dia.

Considerando a tecnologia como ferramenta necessária à educação e ao bom

desempenho profissional do cego, constatamos que desde a invenção do sistema Braille;

o advento da bengala longa; do uso do gravador; do telefone; do relógio com tampa

removível - que permite o toque nos ponteiros - ou com programa de voz e, mais

recentemente, da computação – também com programas de vozes -, o cego tem se

tornado mais independente. Além disso, nota-se maior desempenho profissional e

credibilidade em razão de sua maior autonomia, propiciada através dessas tecnologias.

Corroborando com essas afirmações o egresso Arnaldo assim se manifesta:

285

“(...) Essa tecnologia é a nossa ponte sobre o abismo. Todas essas ferramentas

são a nossa ponte. Entretanto, quero esclarecer que não há a competição do Braille x

computador; eles se complementam. Por exemplo, para eu estudar tenho que consultar

uma extensa literatura que se amplia a cada dia. Logo, mesmo quer houvesse todo esse

material transcrito para o Braille, eu não conseguiria dar conta do estudo sem o meu

programa de computador e sem o meu gravador, para ouvir as fitas que as pessoas

gravam para mim. Por outro lado, eu sinto falta do contato com o Braille na hora da

leitura dos artigos”.

Usando a colocação do Arnaldo, quero chamar a atenção das escolas que estão

se preparando para receber o aluno cego, que ao se organizarem como espaços de

aprendizagem, utilizem essa gama de ferramentas, as quais, de forma cooperativa,

facilitarão a construção do conhecimento.

Por fim, o capítulo sete que reúne o testemunho livre dos seis entrevistados

sobre a experiência de ser cego na sociedade brasileira. Após análise dos relatos dos

entrevistados, identificamos alguns pontos de concordância e, constatamos que embora

existam algumas singularidades entre eles, cada um apresenta uma peculiaridade que

caracteriza e define sua identidade social, política e profissional.

Ao fazermos essa leitura vimos em Éden um defensor dos direitos do cidadão;

em Juscelino um político; em Arnaldo um sujeito introspectivo e filosófico; em Glória

papel da constituição da família e da mãe; em Jurema a sua trajetória histórica de vida

e a cegueira e em Isaura a constatação de preconceitos e o empoderamento.

Além disso, visualizamos as seguintes congruências:

Preocupação em torno do ensino do Braille, que está deficitário e gerando,

consequentemente, o abandono desse sistema;

286

O futuro dos cegos nas escolas inclusivas nos moldes que estão sendo propostos;

A falta de sensibilização da sociedade no que diz respeito às potencialidades dos

cegos, a qual reflete negativamente no mundo do trabalho;

A questão da independência e da autonomia do cego como necessidade pessoal e do

aumento de sua auto-estima;

A necessidade de que sejam constituídas entidades representativas, a fim de que os

cegos possam se estruturar melhor até para reivindicar seus direitos e lutar pelas

questões que julgarem importantes para a melhoria da qualidade de suas vidas;

A importância da existência de bons ledores, principalmente, por ocasião dos

concursos, cujas provas não são disponibilizadas em Braille;

A importância do Instituto Benjamin Constant na formação do cidadão cego;

A ausência da atuação do Instituto Benjamin Constant no acompanhamento de seus

egressos, tanto na parte acadêmica quanto na profissional.

Considerando os depoimentos dos egressos; a experiência do pesquisador

enquanto diretor-geral do Instituto Benjamin Constant e a Portaria Ministerial nº. 325,

de 17 de abril de 1998, que publica o Regimento Interno do Instituto Benjamin

Constant, no qual constam suas competências e finalidades, esta pesquisa teve como

propósito ouvir o que os egressos tinham a nos dizer e na interpretação de suas vozes,

destacar e discutir algumas questões que possam subsidiar o IBC na construção de seu

projeto político.

Assim, nos foi possível concluir e propor ao Instituto Benjamin Constant, a

título de contribuição, a implementação das seguintes ações:

287

- Realização de seminários interdisciplinares sobre as causas mais freqüentes da

cegueira, extensivos à comunidade externa e interna;

– Implantação de um serviço de aconselhamento genético, inicialmente, em nível

educacional destinado à comunidade que procura o IBC e aos alunos em idade

reprodutiva;

– Criação de uma equipe multidisciplinar para pensar a saúde e o acompanhamento

dos seus alunos e familiares ao longo da vida;

– Acompanhamento dos seus egressos no que diz respeito à trajetória acadêmica e

profissional, tanto no ensino médio quanto no superior;

- Realização de encontros anuais com os egressos objetivando levantar como eles

estão inseridos na comunidade;

– Realização de cursos de pós-graduação na área da educação, em convênio com

universidades, com o fito de preparar professores da rede regular de ensino (escola

comum) para atender alunos deficientes visuais.

– Realização de convênios com universidades públicas e outras, para especialização

do seu corpo docente e de técnico administrativos.

– Como meio de estímulo aos docentes, realizar estudo com vista à implantação do

cargo de professor assistente.

288

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World Health Organization (WHO). Guideliness for programmes for the prevention of

blindness; 1979.

305

APÊNDICES CARTA-CONVITE AOS EX-ALUNOS Prezado ex-aluno, Interessados em saber como vivem nossos ex-alunos, se estão efetivamente integrados na sociedade e finalmente de que forma o Instituto Benjamin Constant (IBC), contribuiu ou contribui para melhorar essa integração, estaremos realizando no dia 13 de dezembro de 2002, o I ENCONTRO DE ALUNOS EGRESSOS DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT. Sendo você um ex-aluno, estamos convidando-o para fazer parte dessa grande confraternização e pesquisa. Faça já a sua inscrição através das opções: 1ª. Telefone: ligue para 021 2543-1119, Ramal 144, falar com Elisângela; 2ª. Fax: preencha a ficha abaixo e ligue de um aparelho de fax para 021 2543-1119, Ramal 143, fale com o Leonardo e envie sua inscrição, no horário de 08 às 12 horas; 3ª. Correio: preencha a ficha abaixo, destaque-a e remeta para: Instituto Benjamin Constant/Divisão de Capacitação de Recursos Humanos Avenida Pasteur, 350/468 – Urca – Rio de Janeiro-RJ. CEP: 22.290-240 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

FICHA DE INSCRIÇÃO II ENCONTRO DE EX-ALUNOS DO IBC

NOME: ______________________________________________________________________ Tel.: _____________________ CONDIÇÃO VISUAL: ( ) CEGO ( ) BAIXA VISÃO ENDEREÇO: __________________________________________________________ BAIRRO: ____________________ MUNICÍPIO: ____________________ UF: _____ DATA DE NASCIMENTO: ___/________/______ E-MAIL:

306

I ENCONTRO DE ALUNOS EGRESSOS DO IBC

Programação das Atividades 1º Dia – 13/12/2002 – Sexta Feira 15:00h – Recepção e credenciamento. 18:00h – Abertura

Palestra: O Deficiente Visual e a Sociedade Brasileira atual 20:00h -Coquetel.

2º Dia 14/12/2002 – Sábado 08:00h – Café 09:00 às 10:40h – Relatos de experiências – 5 relatos (20 minutos cada relato). 10:40h – Intervalo. 11:00 às 12:30h – Relatos de experiências – 5 relatos (20 minutos cada relato) 12:30 às 14:00h - Almoço. 14:00h – O 1º Emprego (a prontidão para o trabalho, capacitação profissional e

inserção no mercado de trabalho) – depoimentos de 5 pessoas. 15:00h – Café. 15:30 às 17:30h – Reunião temática:

- Experiências na continuidade da educação. - Experiências no exercício do trabalho. - Experiências na vida em sociedade (exercício da cidadania)

- Experiências na ávida cultural e de lazer. 18:00h – Jantar. 19:00h – Apresentação de Grupos: - Jovens talentos do IBC (alunos e ex-alunos).

3º Dia – 15/12/2002 – Domingo. 07:00h – Café. 08:00h – Apresentação das temáticas. 12:00h – Encerramento. 13:00h – Almoço de confraternização.

307

FICHA DE INSCRIÇÃO NO I ENCONTRO DE EGRESSOS Dados sobre alunos egressos do IBC nos anos 1985 a 1990 Nome: ________________________________________________________________ Data de Nascimento ___/____/_____ Estado/Município _______________________ Entrada no IBC ___/___/___ no _________________ Filiação _____________________________________________________________ e ______________________________________________________________________ Endereço ______________________________________________________________ Município/Bairro _______________________________________________________

Tel.; _____________________ E-mail: _____________________________________ Condição visual: ( ) Cego ( ) Baixa Visão ( ) Congênita ( ) Adquirida

Possui outras patologias: _______________________________________________ Avaliação do Serviço social: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Avaliação Psicológica: ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

308

DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS EGRESSOS DO IBC NOS ANOS –1985 A 1990 POR CONDIÇÃO VISUAL

ANO CEGOS BAIXA VISÃO TOTAL 1985 1986 1987 1988 1999 2000

09 13 09 15 07 11

05 03 05 06 02 04

14 16 14 21 09 15

TOTAL 64 25 89 ____________________________________________________________

309

TÓPICOS DAS ENTREVISTAS VERSANDO SOBRE (HÁBITO, LAZER, BATE PAPO, LEITURAS, MÚSICA, NAMORO, CINEMA,

MODA...) 1ª Entrevista: Principais momentos de sua infância. Acontecimentos de sua vida que você nunca se esqueceu. Amigos da infância. Brinquedos da infância. Ingresso na escola. Escola Especial x Escola Comum. A aprendizagem do Braille. Locais que você gostava de brincar com colegas. Irmãos. Preocupações dos pais. Idade em que você começou a realizar as atividades de vida diária sozinho. Locais que você acostumava freqüentar. Atividade religiosa. Comidas de suas preferência. TV x rádio. Aquisição de hábitos higiênicos. Escolha de amigos. Noção e cumprimento de horários. A família antes. A família atualmente. Ser deficiente visual. Temas que preocupam: menstruação, virgindade, sexo.

310

Namoro e casamento. A escolha do companheiro. Filhos. Preferências musicais. Apresentação em público. Saída do IBC. O ensino médio. O vestibular. O ensino superior. Movimentos de cegos. A moda. Uso de perfume. Tarefas domésticas. Preparo das refeições. Identificação do lar. Programas preferidos. Alegria x tristeza. Emoção e controle. Esporte e lazer. Livros de preferência. A vida a sós. A locomoção do cego. Amizades. Eventos sociais. Situações embaraçosas.

311

Barreiras escolares. O significado da pós-graduação. Escola da profissão. Atividade escolhida x atividade exercida. Pedido de informação? Pistas utilizadas para traçar o perfil das pessoas. Dificuldades encontradas para desempenho das funções no emprego. 2ª Entrevista: Temática - (tem a ver com o tema) Preferência no tratamento: cego ou deficiente visual. A questão disciplinar do cego. O significado do termo vidente. Luta contra o preconceito x luta para acabar com o preconceito. Cegueira congênita x cegueira adquirida. Tópicos importantes em um programa educacional. A estrutura curricular do IBC na sua época de estudante. A estrutura curricular do IBC atualmente. A descoberta da comunidade de iguais dentro do IBC. A construção da identidade: resultado da vivência entre cegos ou da oposição ao

vidente. A educação especial e o seu produto. O sentimento despertado pelos cegos nas pessoas que não são cegas. A imagem que as pessoas têm do cego. A importância da especialização na educação de cegos.

312

A importância da escola especializada na sua época de estudante e na época atual. A política de inclusão. A história da educação dos cegos. A construção de Institutos semelhantes ao IBC. A especialização de professores das escolas comuns para atenderem alunos deficientes visuais.

A saída da escola especializada para a escola comum. O internato. Faixa etária ideal para o aluno cego ser matriculado na escola comum. Pontos que devem ser incluídos nas políticas públicas voltadas para a educação. Mudanças pedagógicas que devem ser promovidas no currículo do IBC. Associação de ex-alunos do IBC. A cegueira e a sua prevenção. Casamento entre cegos e/ou entre videntes. Pessoas cegas na família. Qualidade de vida. Atividades desenvolvidas no IBC que foram fundamentais para a sua formação. Atividades promovidas pelo o IBC, na sua época, que promoviam o aluno. Questões que você sentiu falta na sua educação no IBC. Diferença e dificuldades apresentadas entre homens e mulheres cegas. A importância da democracia para a conquista da cidadania. Principal canal utilizado para captar informação que propiciem exercer o voto ou aumentar o conhecimento. A importância do encontro de ex-alunos do IBC. Profissões que mais se coadunam com a cegueira. A cegueira e as tecnologias.

313

Maiores dificuldades para o cego ser inserido no mercado de trabalho. Os ex-alunos do IBC e o mercado de trabalho. A perspectiva da abertura do Ensino Médio no IBC. Livros em Braille x livros gravados em CD. Profissões que podem e que não podem ser desempenhadas pelas pessoas cegas. A inclusão e o IBC. O internato do IBC. A questão da lei das quotas nos concursos públicos. 3ª Entrevista Entrevista livre (Fale livremente, o tempo que for necessário sobre: “o que é ser cego na sociedade brasileira”).

314

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

AUTORIZAÇÃO DE FILMAGEM.

Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de

1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.

Venho por intermédio deste, solicitar autorização para filmar suas imagens,

durante a sua participação em um fórum a ser realizado no Instituto Benjamin Constant,

no dia ___/____/2002. O material filmado será utilizado na produção de minha tese de

doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da

Mulher, IFF/FIOCRUZ.

Objetivos da pesquisa: essa pesquisa visa descrever e analisar a história de vida -

----------atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período

compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende verificar como esses alunos

egressos situam aquele instituto na trajetória de suas vidas e determinar como se

encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado

de trabalho.

Eu, ____________________________________________________, abaixo

assinado, autorizo a filmagem de minhas imagens durante a minha participação no

fórum a ser realizado no dia ____/____/2002, no Instituto Benjamin Constant.

Rio de Janeiro, _________/___________2002.

________________________________ Carmelino Souza Vieira

Nome do depoente Nome do Pesquisador

__________________________________

_________________________________

Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador

Carmelino Souza Vieira

Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462

email: [email protected]

315

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

REDAÇÃO DE DEPOIMENTO.

Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de

1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.

Venho por intermédio deste, solicitar sua participação em pesquisa intitulada

“alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período 1985 a 1990 e sua

inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”. Esta pesquisa articula-se à produção de

minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da

Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.

Objetivos da pesquisa: Essa pesquisa visa descrever e analisar a história de

vida atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período

compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende: verificar como os alunos

egressos do IBC situam aquele instituto na trajetória de suas vidas; determinar como se

encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado

de trabalho. Para atingir tais objetivos solicitamos ao Sr (a) que escreva sobre suas

recordações do IBC; a experiência da cegueira na adolescência, a saída do IBC; a vida

atual, ou seja: o que faz para se divertir, qual a sua profissão e/ou trabalho e como se

sente em relação a eles; como sua família é atualmente e finalmente, o que espera do

futuro. Essa redação é livre e o Sr (a) pode escrever quantas páginas achar necessário.

Sua participação é voluntária e sua identidade será mantida em sigilo. O Sr (a) poderá

pedir todos os esclarecimentos que desejar, antes e durante o desenvolvimento da

pesquisa. Garantimos ao Sr (a) o direito de retirar seu depoimento escrito a qualquer

momento que o desejar.

Os resultados da pesquisa serão divulgados em tese a ser defendida no Programa

de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher/IFF/FIOCRUZ, assim como nas

publicações científicas, congressos, seminários, mesas redondas e similares.

Eu, ____________________________________________________, abaixo

assinado, declaro que li e entendi esse termo de consentimento e, assim sendo, concordo

em participar da pesquisa.

Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.

316

________________________________ Carmelino Souza Vieira

Nome do depoente Nome do Pesquisador

__________________________________

_________________________________

Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador

Carmelino Souza Vieira

Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462

email: [email protected]

317

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

ENTREVISTA

Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de

1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.

Venho por intermédio deste solicitar sua participação em pesquisa intitulada

“alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período 1985 a 1990 e sua

inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”. Esta pesquisa articula-se à produção de

minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-Graduação em Saúde da

Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.

Objetivos da pesquisa: Essa pesquisa visa descrever e analisar a história de

vida atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período

compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende: verificar como os alunos

egressos do IBC situam aquele instituto na trajetória de suas vidas; determinar como se

encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado

de trabalho; identificar quais as dificuldades que eles tiveram dentro do modelo

proposto pelo IBC, nas suas diversas fases; buscar quais as dificuldades apontadas pelos

egressos para um modelo educacional diferente do IBC.

Para atingir tais objetivos o (a) Sr (a) participará de entrevistas, que serão

gravadas, versando sobre questões que se relacionem com os objetivos que foram

referenciados anteriormente.

Sua participação é voluntária e sua identidade será mantida em sigilo, assim

como a de outras pessoas as quais, por um acaso, venha a fazer referências em seu

depoimento.

O Sr (a) poderá pedir todos os esclarecimentos que desejar, antes e durante o

desenvolvimento da pesquisa. Serão oferecidas cópias das entrevistas e, o Sr (a) poderá

introduzir as modificações que forem necessárias.

Os resultados da pesquisa serão divulgados em tese a ser defendida no Programa

de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher/IFF/FIOCRUZ, assim como nas

publicações científicas, congressos, seminários, mesas redondas e similares.

318

Eu, ____________________________________________________, abaixo

assinado, declaro que li e entendi esse termo de consentimento e, assim sendo, concordo

em participar da pesquisa.

Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.

________________________________ Carmelino Souza Vieira

Nome do entrevistado Nome do pesquisador

__________________________________

_________________________________

Assinatura do depoente Assinatura do pesquisador

Carmelino Souza Vieira

Tels: (21) 2547-7966 e 9974-6462

email: [email protected]

319

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM

DISCUSSÃO LIVRE, SOBRE A CONDIÇÃO PESSOAL E A

MEMÓRIA DE FATOS VIVIDOS.

Projeto: “Alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período de

1985-1990 e sua inserção sócio-comunitária: um estudo de caso”.

Venho por intermédio deste, convidá-lo para participar de discussão livre entre

os alunos egressos do IBC no período 1985-1990, versando sobre: os fatos vividos em

sua educação e a importância desses fatos na sua vida atual e em seu futuro, a ser

realizado no Instituto Benjamin Constant, no dia 13/12/2002. O material colhido será

utilizado na produção de minha tese de doutorado a ser apresentada à Comissão de Pós-

Graduação em Saúde da Criança e da Mulher, IFF/FIOCRUZ.

Objetivos da pesquisa: essa pesquisa visa descrever e analisar a história de vida

atual dos alunos cegos egressos do Instituto Benjamin Constant no período

compreendido entre 1985 e 1990 e, para tanto pretende verificar como esses alunos

egressos situam aquele instituto na trajetória de suas vidas e determinar como se

encontra a inserção desses indivíduos nas suas respectivas comunidades e no mercado

de trabalho.

Eu, ____________________________________________________, abaixo

assinado, autorizo a filmagem de minhas imagens durante a minha participação no

fórum a ser realizado no dia ____/____/2002, no Instituto Benjamin Constant.

Rio de Janeiro, _________/___________/ 2002.

________________________________ Carmelino Souza Vieira

Nome do participante Nome do Pesquisador

__________________________________

_________________________________

Assinatura do participante Assinatura do pesquisador

Carmelino Souza Vieira

tel: (21) 2547-7966

email: [email protected]

320

Tabela 04 - Principais patologias oculares apresentadas pelos ex-alunos no período

1985 a 1990.

Patologias Masc Fem Total Glaucoma congênito 11 06 17 Retinose pigmentar 03 06 09 Atrofia óptica 05 02 07 Leucoma 03 04 07 Catarata congênita 04 01 05 Degeneração da retina 02 01 03 Glaucoma + catarata 02 01 03 Miopia + estrabismo (albinismo) 01 01 02 Foco de corioretinite + miopia + astigmatismo 02 - 02 Ambliopia de AO - 02 02 Enucleação de AO - 02 02 Anirídia congênita + nistagmo - 02 02 Buftalmia 01 01 02 Miopia + astigmatismo + ambliopia - 02 02 Maculopatia 01 - 01 Corioretinite atrófica 01 - 01 Microglobo+ microcórnea congênita - 01 01 Ceratite em faixa + descolamento de retina 01 - 01 Estrabismo + oftalmoplegia 01 - 01 Atrofia óptica + catarata congênita - 01 01 Ceratocone agudo + leucoma central 01 - 01 Exotropia + nistagmo + retinose pegimentar 01 - 01 Uveite - 01 01 Ceratopatia em faixa - 01 01 Catarata congênita + afacia - 01 01 Coloboma de íris + coloboma de papila + estrabismo

- 01 01

Anaftalmia + angioma - 01 01 Estafiloma em AO - 01 01 Fibroplasia retrolenticular - 01 01 Retinose albínica - 01 01 Afacia macular 01 - 01 Atrofia óptica + nistagmo - 01 01 Toxoplasmose congênita 01 - 01 Degenração macular - 01 01 Microftalmia + microcórnea 01 - 01 Fundo Flaviomaculatus 01 - 01 Foco atrófico nocular externo - 01 01 Microftalmia + atrofia óptica + afacia 01 - 01 Total 45 44 89

321

Tabela 05 - Motivos que mais levaram os ex-alunos a procurar o oftalmologista

(período- 1985 a 1990)

Ordem Queixa mais comum incidência 01 Dor no olho 38 02 Atestado/laudo oftalmológico 29 03 Hiperemia conjuntival + secreção 28 04 Lacrimejamento + dor + ardência + prurido 24 05 Cirugia ocular 21 06 Curativos 16 07 Trauma ocular 13 08 Atestado/laudo para Alistamento Militar 12 09 Vista embaçada + dor 10 10 Laudo oftalmológico para concurso 09 11 Olhos colados pela manhã + secreção 09 12 Lacrimejamento + fotofobia 08 13 Coçeira nos olhos 08 14 Receita/exame para óculos 08 15 Quebra de óculos 07 16 Revisão de lentes 07 17 Sensação de areias nos olhos 07 18 Secreção na prótese ocular 07 19 Corpo estranho no olho 07 20 Dor de cabeça + fisgada no olho 06 21 Hordéolo na pálpebra 06 22 Dor no olho + dor na cabeça 06 23 Diminuição da acuidade visual 06 24 Revisão da prótese 05 25 Classificação esportiva 05 26 Pressão nos olhos 05 27 Exame para colocação de lentes de contato 05 28 Consulta neurológica 04 29 Úlcera de córnea 04 30 Edema no olho 03 31 Olho arranhando e coçando 03 32 Caroço no olho 03 33 Mancha no olho 03 34 Olho vermelho + dor + ardência 03 35 Visão turva e vermelha 02 36 Óculos com grau fraco 02 37 Hemorragia subconjuntival 02 38 Coceira no olho + sensação de areia no olho + secreção 02 39 Pálpebra tremendo 01 40 Alega visão em galhos 01 41 Alega que está vendo torto 01 42 O ponto branco do olho está correndo 01 43 Vê pinginhos brancos e pretos com pontos correndo 01 44 Solicita uso de lupa 01 45 Alega visão periférica 01 46 Mordida do colega na pálpebra superior 01

322

ANEXOS

Anexo I

Mortalidade Infantil

As condições de saúde da humanidade têm sofrido constantes alterações em

função do desenvolvimento social e tecnológico. Diretamente ligada a essas

transformações, a mortalidade ocupa lugar de destaque para o conhecimento da

dinâmica sócio-demográfica, como variável sensível às condições sociais e econômicas.

Como o seu nível é resultante do efeito combinado de um conjunto de fatores que

afetam o bem-estar da população, tais como a oferta e acesso aos serviços públicos de

saúde e saneamento básico e os rendimentos auferidos, a taxa específica de mortalidade

pode ser considerada como indicador da qualidade de vida dessa população.

A mortalidade exprime através de suas taxas e coeficientes, o nível de

desenvolvimento econômico de uma população314 Esta condição é decorrente do fato de

que a saúde é condicionada por um grande número de determinantes sociais e do acesso

aos chamados bens de consumo coletivo; assim, a saúde adequada decorre da renda, da

alimentação, da educação, da existência de saneamento básico, do transporte e do

acesso à assistência, que é um direito constitucional.

A taxa de mortalidade infantil é expressa pelo número de óbitos de menores de

um ano de idade, por mil nascidos vivos, em determinado espaço geográfico, no ano

considerado e compreende a soma dos óbitos ocorridos nos período neonatal precoce

(0-6 dias de vida), neonatal tardio (7-27 dias) e pós-neonatal (28 dias e mais). A taxa

de mortalidade infantil (TMI) é um dos indicadores mais eficazes para refletir não

314. Ministério da Saúde/CENEPI: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

323

somente aspectos da saúde de crianças, como a qualidade de vida de uma determinada

população. Existem claras associações entre riqueza e nível de desenvolvimento de um

país ou região e suas TMI. Nas regiões pobres do mundo, onde essas taxas são mais

elevadas, a maioria das mortes infantis poderia ser evitada com medidas simples e

eficazes. Mais de 70% desses óbitos deve-se a pneumonia, diarréia, desnutrição,

afecções perinatais, ou uma associação delas. Essas taxas refletem de maneira geral

baixo níveis de saúde, de desenvolvimento socioeconômico e de condições de vida.

Taxas reduzidas também podem encobrir más condições de vida em segmentos sociais

específicos e, geralmente são classificadas em altas (50 ou mais), médias (20-49) e

baixas (menos de 20), em função da proximidade ou distância de valores já alcançados

em sociedades mais desenvolvidas. Esses parâmetros devem ser periodicamente

ajustados às mudanças verificadas no perfil epidemiológico.

Os indicadores de saúde são utilizados pela Saúde Pública para avaliar as

condições de vida de uma população. A mortalidade infantil é considerada um dos mais

sensíveis desses indicadores. Conhecer o perfil da mortalidade infantil é fundamental

para a formulação de estratégias que permitam esse controle. Este deve ser feito desde

uma assistência adequada à mulher durante a gravidez e o parto e um acompanhamento

principalmente das crianças consideradas de risco. Assim, os índices de mortalidade

observados em uma população, além da situação em que se encontram os fatores sociais

que predispõe às doenças, cabe aos governantes organizar um planejamento adequado

para implementar as ações de sua gestão, bem como, avaliar o impacto das ações

governamentais na melhoria de saúde; portanto, ao verificarmos as taxas de mortalidade

de uma população, devemos considerar os aspectos que determinam a maior ou menor

ocorrência da mortalidade, como por exemplo: redução das chamadas doenças da

pobreza, isto é, doenças infecciosas intestinais de nutrição e pneumonia; a má qualidade

324

do atendimento médico, tais como causas perinatais, septicemia e anomalias congênitas.

Além disso, as mudanças nas causas da mortalidade infantil refletem as transformações

decorrentes do processo de urbanização e a efetiva atuação das instituições de saúde no

parto e nos primeiros cuidados à infância.

Nos últimos anos, muitos foram os esforços desenvolvidos pelo Brasil na

promoção da saúde e nutrição da criança, resultando na queda da taxa de mortalidade

infantil e na diminuição da desnutrição em todas as regiões brasileiras. A implantação e

consolidação do Sistema Único de Saúde/SUS foi de suma importância na redução

dessa mortalidade infantil, em que pese as dificuldades encontradas. Além disso,

convém ser ressaltado que essa diminuição deveu-se, também, ao maior controle das

doenças infecto-contagiosa, à melhoria no saneamento básico e ao maior acesso da

população geral, gestantes, aos serviços de saúde.

Apesar dessa redução, as doenças infecciosas intestinais ainda têm uma

participação elevada no Norte e Nordeste do Brasil. Nesse sentido a Organização

Mundial de Saúde (OMS) alerta: as más condições de vida associadas à poluição e à

contaminação são responsáveis pela morte de cinco milhões de crianças por ano,

conforme estudo realizado para celebrar o Dia Mundial da Saúde em 7 de abril de 2003.

Segundo ainda esse estudo, as principais causas das mortes são as doenças

respiratórias, muitas delas geradas ou agravadas pela poluição nas cidades, sendo

responsáveis pela morte de 2 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade; e

a diarréia que mata cerca de 12% das crianças com a mesma idade; enquanto nos países

ricos essa ocorrência é de 100 mil (DATASUS)

As doenças genéticas, embora raras se analisadas individualmente, tornam-se

relativamente freqüentes, em seu conjunto, se somarmos a incidência dos milhares de

traços gênicos, as anomalias cromossômicas e as doenças multifatoriais. Os

325

nascimentos com anomalias congênitas, que podem ou não ter etiologia genética,

ocorrem na proporção de 1:10-20 (ECLAM-1996).

Calcula-se que 5/1000 crianças morrem no primeiro ano de vida por doenças de

causa genética. À medida que diminui a mortalidade infantil por desnutrição ou doenças

infecciosas em um país, as doenças genéticas passam a ter participação crescente na

morbidade e mortalidade desse grupo. Para ilustrar melhor esse fato, apresentamos a fig.

1 e a tabela 4 que contêm dados comparativos referentes a internações hospitalares e

óbitos, de crianças normais e com malformações.

Fig. 1 – Crianças com malformações

326

Tabela 6 - Internações hospitalares e óbitos de crianças normais e com MCT

Trimestre

Internações Hospitalares

Internações Hospitalares com MCT

Óbitos

Óbitos com MCT

I 961 106 11 34 12 35,3%

II 876 89 10,2 20 8 40%

III 970 125 12,9 24 6 27,27%

IV 1016 141 13,9 24 7 29,17%

Total 3823 461 12% 100(2,6%) 33 32,9%

Fonte: Departamento de Genética do IFF/FIOCRUZ (2003).

Um dos grandes problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento é a

inexistência de registros estatísticos confiáveis para medir as taxas de mortalidade

infantil. Em geral, faltam informações sobre nascimento e morte de crianças menores de

um ano que, em muitos casos, sequer são registradas nos Cartórios de Registros Civis,

especialmente nas regiões rurais, pequenas cidades ou entre os grupos sociais de menor

renda.

Assim, o documento intitulado “Declaração de Nascido Vivo” (Quadro 1),

controlado pelo Ministério da Saúde e preenchido pelas Unidades de Saúde o qual é

entregue ao pai ou ao responsável, para registro da criança no Cartório de Registro

Civil, nem sempre é preenchido, uma vez que muitos dos partos ocorrem fora das

Unidades de Saúde. Além disso, 6,3 milhões de crianças com menos de seis anos de

idade não são registradas, ou seja, não têm Certidão de Nascimento.

No que diz respeito à Educação Infantil, somente 49,6% das crianças de 0 a 3

anos de idade têm acesso à creche e 57% das crianças de 4 a 6 anos não freqüentam a

escola (Relatório Anual 2002/UNICEF).

327

Quadro 1 - Declaração de nascido vivo

O campo 34 dessa declaração (Quadro 2) permite detectar o nascimento de

crianças com malformação congênita ou com anomalia cromossômica. Defeitos

congênitos são alterações ou malformações que podem afetar o aspecto, a saúde, ou a

capacidade de aprendizagem. Alguns desses defeitos são herdados, outros resultam de

acidentes que podem ocorrer quando os gametas se formam e ainda outros, são devidos

à exposição a agentes nocivos durante a gravidez. Em muitos casos não é possível

328

identificar a causa ou a origem da anomalia, para isso é de fundamental importância que

os clínicos estejam preparados para reconhecer as doenças genéticas, que cada vez mais

fazem parte da rotina dos profissionais de saúde.

Quadro 2 – Declaração de nascido vivo

Nos últimos anos o Brasil avançou muito na redução da mortalidade infantil. As

campanhas de aleitamento materno, do uso do soro caseiro, o aumento do programa de

agentes comunitários de saúde, são algumas das razões desse declínio da taxa de

mortalidade de crianças menores de 1 ano, como pode ser observado no Gráfico 12.

Gráfico 12 – Mortalidade Infantil (menor de 1 ano)

329

Realmente, há consistente tendência de redução da mortalidade infantil em todas

as regiões brasileiras, que reflete o declínio da fecundidade nas últimas décadas e o

efeito de intervenções públicas nas áreas de saúde e saneamento. Ainda assim, se

observarmos os dados da tabela 6 (abaixo), constataremos que os valores médios

continuam elevados, sobretudo nas regiões Nordeste e Norte. Para 1998, as taxas

calculadas para os estados brasileiros, mostram variações entre 17,3 por mil (Rio

Grande do Sul) e 68,2 por mil (para Alagoas).

Tabela 7: Taxa de Mortalidade Infantil (em mil), Brasil e Grandes regiões – 1991,

1996 e 1998

Regiões 1991 (a) 1996 (a) 1998

Brasil 45,2 37,5 33,1

Norte 42,3 36,1 34,6 (a)

Nordeste 71,2 60,4 53,5 (a)

Sudeste 31,6 25,8 22,1 (b)

Sul 25,9 22,8 18,7

Centro-Oeste 29,7 25,8 25,5 (c)

Fontes: Ministério da Saúde/CENEPI: Base de dados do SIM e do SINASC e IBGE:

estimativas demográficas.

Notas:

(a) – Taxa estimada.

(b) – Inclui estimativa para MG.

(c) - Incluem estimativa para MT, GO e DF.

330

Anexo II

Aconselhamento genético.

Genética é o estudo da hereditariedade e da variação dos seres vivos.

Compreende os ramos da Genética de Microorganismos, Genética Vegetal, Genética

Animal e a Genética Humana. Na Genética Humana temos áreas específicas como a

Genética de Populações (que trata do estudo da distribuição dos genes nas famílias e nas

populações), a Citogenética (que estuda as aberrações cromossômicas), a Genética

Bioquímica (estuda as doenças geneticamente determinadas nas quais são conhecidas as

alterações bioquímicas, que são vistas como erros inatos do metabolismo) e a Molecular

(que se interessa pelo estudo e identificação dos genes responsáveis pelas doenças que

apresentam herança monogênica e a busca de metodologia para modificar o DNA,

incluindo-se aí o projeto de Genoma Humano que decifrou o código genético da espécie

humana). A Genética Médica, embora utilize os conhecimentos das demais áreas, lida

especificamente com as doenças de origem genética, que é o atendimento ao paciente

com doenças genéticas, a sua família e a realização do aconselhamento genético.

É uma especialidade que exerce também uma interlocução com diferentes

gestores, além da saúde, como, por exemplo, junto às secretarias de educação,

especialmente a Secretaria de Educação Especial do MEC (Llerena et al., 2002).

Quanto ao aconselhamento genético, trata-se de um processo de comunicação

sobre problemas humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma

doença hereditária e/ou genética na família, através do qual os indivíduos que possuem

ou estão em risco de possuir uma doença hereditária são informados sobre as

características da condição, a probabilidade ou risco de desenvolvê-la ou transmiti-la e,

as opções pelas quais pode ser prevenida ou amenizada. Devido a sua complexidade e

importância médica, deve ser sempre realizada pelo especialista em genética clínica.

331

Além disso, afirma Llerena (2002) que “a prática no cuidado à saúde das doenças

genéticas, talvez privilegie, como poucas na medicina uma interdisciplinaridade

envolvendo psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,

ortodontistas, biólogos, biomédicos, epidemiologistas, entre outros, intensificando o

caráter de integralidade”.

O aconselhamento genético tem como objetivo permitir que os casais possam

tomar decisões conscientes e equilibradas a respeito da procriação. Obviamente, isto

inclui também a discussão sobre questões tais como: recursos terapêuticos disponíveis

para a doença, a possibilidade de diagnóstico precoce e de prevenção de complicações

graves, adoção de filhos, uso de método anticoncepcional, etc.

Os exames genéticos ainda estão restritos a centros de pesquisa e clínicas

especializadas, não alcançando, portanto o consultório cotidiano. Quanto a isso, informa

Llerena (2002) que:

“Nos países de Primeiro Mundo, especialmente nos Estados Unidos, o ônus

financeiro para a realização dos exames genéticos moleculares, por exemplo,

geralmente é dos grupos privados de saúde. No Brasil, entretanto, somente uma

pequena parcela da população tem acesso aos planos de saúde privados

(~25%). Contudo, as doenças genéticas não são exclusivas das classes sociais

mais desfavorecidas e basta um caso ocorrer nas famílias que tenham planos de

saúde privados para que novos tipos de exigências e responsabilidades aos

planos sejam reivindicados pelos usuários visando ao custeio de patologias de

alta complexidade, como a fibrose cística, ou a realização de testes preditivos

moleculares, como os associados ao câncer de mama familiar”.

Segundo Ribeiro-Gonçalves (2001), à medida que uma população atravessa os

vários estágios do subdesenvolvimento em direção a patamares mais elevados do

desenvolvimento, “ela vai pouco a pouco, resolvendo os problemas de saúde pública

inerentes à primeira fase, decorrentes da carência alimentar, das doenças infecto-

332

contagiosas e das parasitoses” (p.20). Daí, a necessidade de algumas medidas

sanitárias como vacinação (sarampo, rubéola, etc.), o combate às endemias

(parasitoses), a infecções (toxoplasmose, sífilis, etc.); medidas preventivas contra

traumas e acidentes (brinquedos condenados, fogos, acidentes de trânsito e

profissionais), e outras como, por exemplo, para evitar a retinopatia dos prematuros

(oxigenação racional).

Nos países desenvolvidos, as alterações mais comuns em crianças são detectadas

na infância precoce. Por exemplo, no Reino Unido o exame ocular é realizado

rotineiramente nos recém–nascidos, visando promover o mais precoce possível,

adequada orientação terapêutica, aconselhamento genético e outras condutas de suporte

às doenças oculares congênitas detectadas (Rahi et al, 1999). Já nos países em

desenvolvimento, os escassos recursos destinados à área da saúde devem atender

prioridades múltiplas e distintas, nem sempre privilegiando programas preventivos

(Ventura et al, 1995).

Conforme comenta Ribeiro-Gonçalves (2001) cerca de 60% das doenças

oculares são devidas a fatores genéticos, ou seja, são hereditárias. Conhecedores dessas

informações, os oftalmologistas se utilizam da prevenção primária através do

aconselhamento genético, “que se trata de um procedimento médico no qual o

geneticista dá a um indivíduo ou casal com problema genético (atual ou potencial) as

informações necessárias para que uma decisão reprodutiva informada possa ser

tomada” (Ribeiro-Gonçalves, 2001: p.21). A intervenção do geneticista junto ao

paciente e à família é de fundamental importância para ajudá-los a: a) compreender o

diagnóstico, a evolução e o tratamento da doença; b) entender a maneira pela qual a

hereditariedade influencia o aparecimento da doença e o risco de ocorrência (ou

recorrência) da mesma em membros da família; c) entender as opções existentes para

333

lidar com o risco de ocorrência da doença; d) escolher a alternativa mais apropriada

tendo em vista o risco da doença e as metas reprodutivas do casal e e) alcançar um

ajuste psicológico com relação à doença ou risco de ocorrência da doença (Rocha et al.,

1987).

Muitas malformações congênitas, as aberrações cromossômicas, distrofias

retinianas e corneanas, o retinoblastoma e o glaucoma congênito são exemplos de

entidades às quais tipicamente se presta o aconselhamento genético, que se constitui

em peça indispensável na prevenção de expressivo número de doenças oculares. Logo,

contribui para prevenir a cegueira ou as grandes deficiências visuais que tais doenças

causam.

A realização de programas de aconselhamento genético, prevenção e diagnóstico

pré-natal ainda é a única opção disponível para diminuir a freqüência de crianças

portadoras de doenças geneticamente determinadas. Nesse sentido e frente ao cenário

socioeconômico do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) que desenvolve uma

política de descentralização e desconcentração no cuidado e atenção à saúde, parece ser

uma das propostas alternativas para as questões envolvendo a genética médica e suas

ramificações na biologia molecular, conforme comenta Llerena (2002).

Os rápidos avanços na genética e em suas aplicações produzem questões éticas

complexas; além disso, o fabuloso volume de informações produzidas pelos estudos do

genoma humano que está apenas começando, torna imprescindível analisar o impacto

que o domínio dessa nova tecnologia terá em nossas vidas. Dada a complexidade

laboratorial envolvida na genética médica, especialmente quanto às técnicas de biologia

molecular, reveste-se de grande importância a recomendação feita pelas agências de

fomento de pesquisa no Brasil “que tais exames moleculares não mais requerem verbas

federais para sua consolidação e/ou validação e devem, portanto, ser incorporados

334

como métodos laboratoriais no auxílio diagnóstico e/ou aconselhamento genético”

(Llerena, 2002: p.22).

É certo que além dessas dificuldades tecnológicas, surgem outras quando

manifestações da doença só aparecem em idade mais avançada, como por exemplo, a

retinose pigmentar. Enfim, dada à realidade sócio-econômica do nosso país, a política

implementada pelo SUS e a complexidade laboratorial aplicada na genética médica,

concordamos com Llerena (2002) quando afirma:

“o grande desafio atual para a saúde no Brasil, uma vez que as agências de

fomento federal e estadual incentivam as pesquisam médicas tanto no campo da

genética básica como na genética aplicada, será a transferência tecnológica

decorrente deste incentivo para o SUS que a priori deverá ser gerenciado como

insumo, inclusive as técnicas de biologia molecular, na atenção e cuidado da

saúde da população brasileira” .

O estudo e a identificação dos genes responsáveis pelas doenças que apresentam

um padrão de herança monogênico (Leis de Mendel) e a busca de metodologias para

investigar o DNA, têm sido de grande aplicação à Genética Molecular como, por

exemplo, o oriundo do projeto Genoma Humano. Fato é que a Genética está presente

em todas as áreas do conhecimento médico, a exemplo da Oftalmologia que mantém um

contato bastante estreito com o geneticista.

A título de ilustração e no sentido de demonstrar a atual heterogeneidade clínica

e genética das doenças oculares hereditárias, exemplificamos as distrofias corneanas e

a distrofia pigmentar ou retinite pigmentosa.

Distrofias corneanas - são doenças hereditárias não inflamatórias e avasculares,

que acometem os dois olhos e não se acompanham de doenças sistêmicas

demonstráveis; são afecções que se instalam tardiamente, de regra após a puberdade.

335

Algumas, em caráter de exceção, são também congênitas, ou seja, encontram-se

presente no nascimento.

Na sua maioria, manifestam caráter autossômico dominante (AD), por vezes

autossômico recessivo (AR) e, mais raramente, caráter dominante ligado ao sexo (XD)

ou caráter recessivo ligado ao sexo (XR). Existem outras em que a herança não foi anda

esclarecida, ou parece alternarem-se as várias modalidades heranças (Ribeiro-

Gonçalves, 1987). Dada a natureza deste projeto, abordaremos apenas aquelas atrofias

que induzem a maior deficiência visual e que tenham alguma relação com a genética

(Tabela 6).

Distrofia pigmentar ou retinite pigmentosa – Conforme comenta Ribeiro-

Gonçalves a retinose pigmentar inicia-se como as demais abiotrofias, por volta dos 12

anos de idade, manifestando-se inicialmente por cegueira noturna (acometimento

precoce dos bastonetes), seguida de escotoma anular, que evolui para o campo visual

tubular e, finalmente, para a cegueira total, em torno dos 60 anos. O fator primordial da

patogênese da retinose pigmentar é a degeneração progressiva do neuroepitélio

retiniano, acometendo primariamente os bastonetes e secundariamente os cones,

seguindo-se a atrofia geral de toda a retina.

Tabela 8 - Distrofias Corneanas segundo OMIM (2001)

Nº do catálago Tipo Herança

121900 Granular AD

121820 Membrana epitelial basal AD

122200 Laticce tipo 1 AD

121800 Schnyder AD

121700 Endotelial congênita AD

122100 Epitelial juvenil de Meesmann AD

122000 Polimorfa posterior hereditária AD

121850 François-Neetens AD

336

122400 Erosões corneanas recorrente AD

602082 Camada de Bowman tipo II

210370 Corneoretiniana Bietti AR

271320 Macular com degeneração espinocerebelar AR

217400 Associada a surdez AR

217600 Central AR

217500 Tipo-banda AR

217800 Macular AR

217700 Congênita hereditária AR

217520 Tipo banda esferóide AR

Tabela 9 - Exemplo de diferentes síndromes genéticas relacionadas à retinite pigmentosa

RETINITE PIGMENTOSA OMIM (2001)

1: #268000

RETINITIS PIGMENTOSA; RP

Gene map locus 19q13.3, 1q41, 16q13, 15q26, 15q23, 2q14.1

2: #209900

BARDET-BIEDL SYNDROME; BBS

BARDET-BIEDL SYNDROME 1, INCLUDED; BBS1, INCLUDED

Gene map locus 20p12, 16q21, 15q22.3-q23, 11q13, 4q27, 3p13-p12, 2q31

3: #200100

ABETALIPOPROTEINEMIA; ABL

Gene map locus 4q22-q24

Segundo ainda Ribeiro-Gonçalves (1987) “a retinose pigmentar transmite-se

como traço autossômico recessivo em 75% dos casos, autossômico dominante em 15-

20% e cerca de 5% dos casos evoluem sob a forma ligada ao X, ora recessiva, ora

dominante (excepcional), ora intermediária” (p.89).

337

Anexo III

Qualidade de Vida

Segundo a Organização Mundial de Saúde, OMS, a expressão qualidade de

vida foi empregada pela primeira vez pelo presidente dos Estados Unidos, Lyndon

Johson, em 1964, ao declarar que “os objetivos não podem ser medidos através do

balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que

proporcionam às pessoas”. (WHO QOL Group, p . 01).

O interesse em conceitos como “padrão de vida” e “qualidade de vida” foi

inicialmente partilhado por cientistas sociais, filósofos e políticos. O crescente

desenvolvimento tecnológico da Medicina e ciências afins trouxe como conseqüência

negativa a sua progressiva desumanização. Assim a preocupação com o conceito de

“qualidade de vida” refere-se a um movimento dentro das ciências humanas e

biológicas, no sentido de valorizar parâmetros mais amplos que o controle de sintomas,

a diminuição da mortalidade ou o aumento da expectativa de vida.

A avaliação da qualidade de vida sob o ponto de vista médico foi acrescentada

nos ensaios clínicos randomizados como a terceira dimensão a ser avaliada, além da

eficácia (modificação da doença pelo efeito da droga) e da segurança (reação adversa a

drogas) (WHOQOL Group, 1995).. A Oncologia foi a especialidade que, por

excelência, se viu confrontada com a necessidade de avaliar as condições de vida dos

pacientes que tinham sua sobrevida aumentada com os tratamentos propostos, já que

muitas vezes na busca de acrescentar “anos à vida” era deixado de lado a necessidade de

acrescentar “vida aos anos” (WHOQOL Group, 1998).

338

Assim, o termo qualidade de vida como vem sendo aplicado na literatura médica

não parece ter um único significado. “Condições de saúde”, “funcionamento social” e

“qualidade de vida” têm sido usados como sinônimos e a própria definição de qualidade

de vida não consta na maioria dos artigos que utilizam ou propõe instrumentos para a

sua avaliação. Qualidade de vida relacionada com a saúde (health-related quality of

life) e estado subjetivo de saúde (subjective health status) são conceitos afins centrados

na avaliação subjetiva do paciente, mas necessariamente ligados ao impacto do estado

de saúde sobre a capacidade do indivíduo viver plenamente. Nesse sentido (WHOQOL

Group, 1998) considera que o termo qualidade de vida é mais geral e inclui uma

variedade potencial maior de condições que podem afetar a percepção do indivíduo,

seus sentimentos e comportamentos relacionados com o seu funcionamento diário,

incluindo, mas não se limitando, à sua condição de saúde e às intervenções médicas.

A preocupação com a qualidade de vida nas últimas décadas, tem suscitado

grande proliferação de instrumentos de avaliação desse construto, principalmente nos

Estados Unidos onde há crescente interesse em traduzi-los para aplicação em outras

culturas. Aliás, ressalta o Group WHOQOL (1995) a tradução e a aplicação de

instrumentos de avaliação em outras culturas tem gerado muitas discussões quanto ao

conceito de qualidade de vida estar ligado ou não à cultura. Por outro lado, em um nível

abstrato, comenta Bullinger (1993) que alguns autores têm considerado que existe um

“universal cultural” de qualidade de vida, isto é, que independente de nação, cultura ou

época, é importante que as pessoas se sintam bem psicologicamente, possuam boas

condições físicas e sintam-se socialmente integradas e funcionalmente competentes.

Daí, a preocupação com a existência de um instrumento que avaliasse a

qualidade de vida numa perspectiva internacional fez com que a Organização Mundial

de Saúde (OMS) organizasse um projeto colaborativo multicêntrico, resultando no

339

WHOQOL-100315 e no WHOQOL – bref316, que são questionários que se baseiam nos

pressupostos de que a qualidade de vida é um construto subjetivo (percepção do

indivíduo em questão), multidimensional e composto por dimensões positivas (por

exemplo mobilidade) e negativas (por exemplo dor).

Não havendo um consenso a respeito do conceito de qualidade de vida, três

aspectos fundamentais referentes ao construto qualidade de vida foram obtidos através

de um grupo de experts de diferentes culturas: subjetividade, multidimensionalidade e

presença de dimensões positivas. O desenvolvimento destes elementos permitiu ao

Grupo de Qualidade de Vida da divisão de Saúde Mental da OMS (WHOQOL GROUP,

1994) definir qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida

no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus

objetivos, expectativas, padrões e preocupações”

Havendo, portanto, reconhecimento da multidimensionalidade do construto, o

instrumento estruturado em seis domínios: físico, psicológico, nível de independência,

relações sociais foi, meio-ambiente e de espiritualidade/religião/crenças pessoais.

A versão em português dos instrumentos WHOQOL-100 e WHOQOL-bref foi

desenvolvida no Centro WHOQOL para o Brasil, no Departamento de Psiquiatria e

Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a coordenação do

Dr Marcelo Pio de Almeida Fleck.

315 WHOQOL – 100, (World Health Organization Quality Of Life – 100). 316 WHOQOL – bref, é uma versão abreviada do WHOQOL-100

340

ANEXO IV

Principais doenças oculares apresentadas pelos alunos egressos que concluíram o

ensino fundamental no período 1985 a 1990.

Glaucoma: doença causada pelo aumento da pressão intra-ocular, resultante do

acúmulo de humor aquoso, líquido que preenche o espaço entre a córnea, o cristalino e a

íris. Por causas desconhecidas ocorre uma produção excessiva desse líquido ou uma

diminuição dos orifícios por onde ele escoa. Com o aumento da pressão, surgem danos

irreversíveis no nervo óptico. É uma doença indolor que vai diminuindo a visão

periférica até provocar cegueira irreversível. Se descoberta a tempo, pode ser controlada

com remédios que inibem a produção do líquido, ou por uma cirurgia que abre orifícios

para seu escoamento.

Retinose Pigmentar (RP): É um grupo de doenças da retina, de caráter degenerativo e

hereditário. É causada por inúmeras mutações genéticas, cujo traço comum é a

degeneração gradativa das células da retina sensíveis à luz. Pessoas que são afetadas

pela RP sofrem um processo de degeneração dos cones e bastonetes da retina, o que as

leva a uma perda de visão noturna e a ter dificuldade de enxergar quando há pouca

luminosidade ou claridade excessiva. Perdem, também, progressivamente a visão

periférica e o estreitamento do seu campo visual pode levar à visão tubular; por isso,

comumente os portadores de RP tropeçam em objetos à sua frente ou esbarram em

pessoas e em objetos fora do seu campo visual. O ritmo que se dá a perda do campo

visual varia de pessoa a pessoa, o que se explica em parte pela herança genética e por

341

fatores ambientais (stress, fumo, alimentação, medicamentos, etc.) (www.acapo-

centro.rcbs.pt/pigmentar.htm).

Atrofia do nervo Óptico: É uma incapacidade permanente da visão, causada por danos

ao nervo óptico. O nervo óptico é como um cabo (mais de um milhão de nervos

pequenos – os axiomas) que levam a informação do olho ao cérebro para ser

processada. Quando desses nervos não danificados por alguma enfermidade, o cérebro

não recebe a informação completa e a vista fica nublada. A atrofia pode ser parcial ou

total. As principais causas são: tumores; falta de sangue e oxigênio; trauma;

hidrocefalia; genética; processo inflamatório; atrofia tóxica.

(http://salud.discapnet.es/discpacidades+y+deficiências/deficiências+visuales/atrofia+ó

ptica+19/)

Catarata congênita: As cataratas congênitas são aquelas opacidades do cristalino que

se apresentam nos três primeiros meses de vida. São consideradas as anormalidades

oculares mais comuns e supõe-se uma causa importante de deterioração visual na

infância. As causas são: hereditárias; infecções intra-uterinas (rubéola, citomégalovírus

e toxoplasmose); desordens metabólicas; associados a outras anomalias oculares;

ingestão de medicamentos pela mãe; radiação; mal nutrição materna e associado a

síndromes.

(http://salud.discapnet.es/discapacidades+y+deficiencias/deficientes+visuales).

Leucoma da Córnea: O Leucoma da Córnea é a opacificação da córnea, parecido ao

que acontece com o cristalino na catarata. Quando “agudez visual” diminui em grau

342

variável, chegando ao extremo do paciente somente perceber luz e vultos.

(http://salud.discapnet.es/discapacidades+y+deficiencias/deficientes+visuales).

Ceratocone: Desenvolvimento anormal de ambas as córneas, que apresentam formas

cônicas, principalmente nas partes centrais, desenvolvendo-se sem sintomas de

inflamação. Terapias: uso de óculos com lentes fortemente tóricas, lentes de contacto

rígidas, perfurações no ápice corneano, enxertos de camada na córnea, transplantes são

indicados quando a acuidade visual com lentes de contacto está menor a ponto de

interferir nas atividades normais do indivíduo.

Catarata: É definida como uma opacificação da lente ou de sua cápsula. Doença que

turva gradativamente a visão, tendo como único sintoma o impedimento da visão. É

comum nas pessoas mais idosas, mas também pode ocorrer em crianças e jovens. Seja

qual for a causa (trauma congênito ou senil), o cristalino se torna opaco,

impossibilitando a passagem de luz e consequentemente, diminui a visão até provocar a

cegueira. Não há tratamento clínico, apenas cirúrgico. Ele consiste na introdução de

uma LIO, que fará o papel do cristalino, devolvendo a visão do paciente em mais de

90% dos casos.

Miopia: É a condição em que os raios de luz (imagem) são focalizados antes de

atingirem a retina. A pessoa míope enxerga bem os objetos próximos e, quando tenta

focalizar algo mais afastado, procura forçar a vista na tentativa de reduzir a distância.

Para isso, a fim de enxergar um ponto distante, o míope aperta os olhos.

343

Ambliopia: É a baixa de visão em um olho que não se desenvolveu adequadamente na

infância. Às vezes é chamado “olho preguiçoso”.

Degeneração senil da mácula: A região central da retina, a mácula, pode degenerar

com o envelhecimento, prejudicando a visão central. Pesquisas indicam que a excessiva

exposição ao sol favorece seu aparecimento. Ainda não existe um tratamento eficaz,

busca-se por novos tratamentos que preservem as células sadias.

Pterígio: Caracterizado por uma “pelezinha” na superfície do olho, que cresce do canto

para o meio, sobre a córnea. É causado em parte, pela luz do sol, poeira ou vento.

Correção cirúrgica antes que alcance a pupila, podendo também estacionar sem a

necessidade de cirurgia.

Descolamento de retina: Ocorre quando a retina sofre uma perfuração permitindo a

infiltração do humor vítreo (líquido que preenche o globo ocular), ou pessoas com

diabetes, devido a fragilidade capilar, rompendo e ocorrendo hemorragias. Em

conseqüência a estes fatores, ela começa a se deslocar, separando-se da camada

chamada coróide, que lhe fornece nutrientes. O tratamento é cirúrgico e deve ser

realizado antes que o descolamento de retina atinja a mácula, região central da retina,

tornando a cegueira irreversível.

Conjuntivite: Causa mais comum: penetração de um corpo estranho ou poeira

excessiva; a irritação resultante provoca aumento de secreção e afluxo de sangue (traz

células de defesa), além de corpos estranhos, certos microrganismos (bactérias/vírus),

344

poderão também produzir efeitos semelhantes. Outros fatores podem ocorrer: defeitos

de visão, deficiências de iluminação, esforço prolongado e excessivo da visão e alergias.

Terçol (Hordéolo): É a mais freqüente e mais conhecida afecção das glândulas

localizadas na parte interna da pálpebra, produzida por microrganismos (estafilococos).

Apresenta-se como um abscesso vermelho, intensamente doloroso, com pus em seu

interior.

Tracoma: Forma de conjuntivite crônica não tão comum e costuma durar meses ou até

anos. Se não for tratado a tempo pode provocar a cegueira. Transmissão: contato direto

com pessoa contaminada, por objetos infectados ou ainda por moscas.

Moscas Volantes: São pequenos pontos ou manchas que muitas pessoas costumam ver

no seu campo de visão. Na verdade, essas manchas são opacificações na gelatina que

preenche grande parte do olho, conhecida por vítreo. Embora pareçam estar à frente do

olho, as “moscas volantes” que surgem em nossa visão, principalmente quando

olhamos para um campo de cor uniforme como uma parede ou para o céu, estão

flutuando inteiramente no olho e provocam uma sombra na retina, a parte sensível à luz,

no fundo do olho.

Uveíte: O olho é formado por três camadas que envolvem a sua cavidade central. A

camada mais externa é chamada esclera (a parte branca do olho). A camada mais interna

é a retina (que é sensível à luz e transmite as imagens ao nervo óptico). A camada do

meio é chamada úveo, do grego, uva. Tem esse nome por assemelhar-se a uma uva

descascada. A úvea possui muitos vasos sanguíneos e é responsável pela nutrição do

345

olho. Quando a úvea sofre uma inflamação, diz-se que há uma uveíte. Uma vez que a

úvea está em contato com muitas partes importantes do olho, sua inflamação pode

provocar problemas de córnea, na retina ou na esclera. É, portanto, um grande risco para

sua visão.

Blefarite: É uma inflamação na linha dos cílios. cós cílios nascem em torno dos olhos e

nessa parte existem pequenos poros por onde a secreção oleosa e transpiração saem.

Quando esses poros ficam entupidos, devido geralmente a infecções por estafilococos

ou excesso de secreção gordurosa pelas glândulas de Meibômio, ocorre a blefarite. Para

tratá-la é recomendada a limpeza dos cílios.

Hipermetropia: É a condição inversa à miopia cem que os raios de luz são focalizados

após a retina. A hipermetropia mais comum é a axial, que se caracteriza pelo olho ser

menor que o normal. O hipermétrope vê melhor os objetos distantes.

Astigmatismo: É causado geralmente por uma alteração na córnea. A superfície da

córnea está irregular, fazendo com que os raios de luz cheguem na retina em regiões e

focos diferentes. A córnea normal é um segmento perfeito, como uma esfera. A córnea

de um astigmata apresenta diferentes raios em sua curvatura, em um lugar de um ponto

focal, existirão dois e, por isso, não conseguirá focalizar simultaneamente num mesmo

plano tudo o que vê. O astigmatismo causa piora da visão tanto para perto quanto para

longe e, acontece mais à noite.

346

Estrabismo: É a condição onde um ou ambos os olhos são desviados do eixo central. É

provocado pelo enfraquecimento de um dos músculos oculares e, por algumas doenças

graves.

Daltonismo: É uma perturbação da visão colorida, determinada geneticamente,

caracterizada pela falta de reconhecimento de uma ou várias cores.

Toxoplasmose: É uma doença infecto-parasitária que tem como agente etiológico um

protozoário chamado Toxoplasmose Gondii, que é um parasito intra-ocular, que

através da corrente sanguínea atinge alvos (órgãos ou tecidos) de predileção, como

cérebro e retina, porém a infecção inicial pode passar despercebida ou como um estado

gripal. Possui duas formas clínicas: a congênita e a adquirida. Na forma congênita é

transmitida ainda na vida embrionária pelo sangue materno. Na forma adquirida a

contaminação acontece por ingestão do protozoário em forma de oocistos, que são

eliminados nas fezes do gato, que é hospedeiro definitivo e que pode através, também,

das fezes contaminar outros animais como: suínos, bovinos, aves e o homem.

(http://www.revistasaudeaogra.com.br/htm)