Leitura, escrita e transcrição musical: a notação mensural branca

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MUNIR MACHADO DE SOUSA SABAG LEITURA, ESCRITA E TRANSCRIÇÃO MUSICAL: A NOTAÇÃO MENSURAL BRANCA Monografia apresentada ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para a Conclusão de Curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Música. Orientadora: Profa. Dra. Susana Cecília IgayaraSouza São Paulo 2011

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MUNIR MACHADO DE SOUSA SABAG 

 

 

 

 

 

 

 

 

LEITURA, ESCRITA E TRANSCRIÇÃO MUSICAL:  

A NOTAÇÃO MENSURAL BRANCA 

 

 

 

 

Monografia apresentada ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para a Conclusão de  Curso  de  Licenciatura  em  Educação Artística com habilitação em Música.   Orientadora:  Profa.  Dra.  Susana  Cecília Igayara‐Souza  

 

 

 

 

 

São Paulo 

2011 

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AGRADECIMENTOS

Não seria possível citar em uma página as muitas pessoas que, de forma direta ou

indireta, contribuíram para que eu pudesse concluir este curso, em que ingressei não muito

jovem e já em exercício da atividade profissional de regente coral. Professores, coralistas,

colegas de trabalho, família e amigos sempre souberam compreender todos os efeitos

decorrentes desta empreitada. A alguns, no entanto, eu não poderia deixar de agradecer de

maneira especial:

• Susana Igayara, pelo tempo que dedicou à cuidadosa orientação desta pesquisa, e também

pelas discussões estimulantes e enriquecedoras que temos sobre a música coral desde a época

dos cursos de Repertório;

• Marco Antonio da Silva Ramos, que me apresentou o canto coral no início da década de 90,

pela acolhida calorosa no CMU e pelo interesse com que tem acompanhado minha trajetória

acadêmica;

• Déborah Rossi, pelas oportunidades profissionais em música, pela longa amizade, e

sobretudo por ter acreditado que eu poderia seguir em frente com a regência coral;

• Otávio Simões, amigo que acompanhou este processo desde antes de meu concurso

vestibular e me auxiliou inúmeras vezes durante a graduação;

• Daniel Paes de Barros, companheiro de estudos cuja amizade felizmente ultrapassou os

muros do CMU;

• Karin Riske, amiga de horas fáceis e difíceis, que me levou ao Coralusp – sem saber que

isso mudaria minha vida;

• Meus pais, Sylvia e Assad (Sud), minha madrinha Stela e meu irmão Felipe, que nunca

deixaram de apoiar minhas iniciativas, perdoar ausências e ajudar no que quer que fosse

preciso.

Marcia Hentschel simplesmente não poderia ser agradecida aqui – nem em poucas nem

em muitas linhas – e a ela dedico este trabalho.

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RESUMO

A notação mensural branca foi o sistema usado para a escrita da música vocal polifônica

durante a Renascença. Este sistema difere da notação musical moderna em diversos aspectos,

particularmente no que diz respeito às relações métricas entre os valores temporais das figuras

– as chamadas mensurações – que não eram fixas como hoje. A falta de bibliografia em

português sobre o assunto nos levou a escrever este texto introdutório, baseado principalmente

em nossa leitura de The Notation of Polyphonic Music, 900-1600, de Willi Apel. Algumas

fontes musicais e tratados dos séculos XV e XVI também foram consultados e usados para

fornecer exemplos, especialmente quando encontramos transcrições modernas disponíveis.

Iniciamos o texto apresentando os sinais de notação e as mensurações básicas, e em seguida

discutimos a notação proporcional, abordando alguns tópicos que foram controversos tanto no

Renascimento quanto na musicologia moderna.

Palavras-chave: notação musical, transcrição musical; Renascimento; polifonia vocal;

notação menural branca; teoria musical.

ABSTRACT

The white mensural notation was the system used for writing polyphonic vocal music during

the Renaissance. This system differs from modern musical notation in several aspects,

particularly regarding the metrical relations among the temporal values of the notes – the so-

called mensurations – which were not fixed as they are nowadays . The lack of bibliography

in Portuguese on the subject has led us to write this introductory text, which is primarily

based on our reading of Willi Apel’s The Notation of Polyphonic Muisic, 900-1600. Some

musical sources and treatises from the fifteenth and sixteenth centuries were also consulted

and used to provide examples, especially when modern transcriptions were available. We

begin the text by presenting the notational signs and basic mensurations, and later on we

discuss the proportional notation, approaching some topics which were controversial both

during the Renaissance and in modern musicology.

Keywords: musical notation; musical transcription; Renaissance; vocal polyphony; white

mensural notation; music theory.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Figuras musicais e suas respectivas pausas no sistema de notação mensural

branca ................................................................................................................ 12 Figura 2 - Claves utilizadas na música vocal do século XVI. Figuras extraídas de A

Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke. (MORLEY, 1597) ..... 12 Figura 3 - Exemplos de ligaduras. Figuras extraídas do cancioneiro Mellon (ca. 1470) .. 13 Figura 4 - Representações esquemáticas das regras de ligaduras. (APEL, 1953, p. 92) .. 15 Figura 5 - Alguns exemplos de ligaduras decodificadas segundo as regras apresentadas

por Apel. Figuras extraídas dos cancioneiros Laborde (ca. 1500), Mellon (ca. 1470) e Wolfenbuttel (ca. 1460) ................................................................ 15

Figura 6 - Sinais subsidiários da notação mensural branca. (ORNITHOPARCUS, 1609, p. 46) ...................................................................................................... 16

Figura 7 - Diagramas das relações entre as figuras nas quatro mensurações principais (MORLEY, 1608, p. 14) .................................................................................. 19

Figura 8 - Perfeições em diferentes níveis de mensuração ................................................ 19 Figura 9 - Imperfectio a parte post ................................................................................... 21 Figura 10 - Imperfectio a parte ante ................................................................................... 22 Figura 11 - Imperfectio ad partem ...................................................................................... 22 Figura 12 - Imperfeição por pausa ...................................................................................... 23 Figura 13 - Pausas notadas em diferentes alturas. (APEL, 1953, p. 111) .......................... 23 Figura 14 - Similes ante similem perfecta ........................................................................... 23 Figura 15 - B perfeita antes de três S. ................................................................................. 24 Figura 16 - Imperfeição por coloração. .............................................................................. 25 Figura 17 - Duas transcrições possíveis de um trecho em coloração. ................................ 25 Figura 18 - Alteração. ......................................................................................................... 26 Figura 19 - Sequências de L e B e seus valores, tomando-se a B como unidade.

(STAINER, 1900, p. 220) ................................................................................ 27 Figura 20 - Punctus divisionis. (STAINER, 1900, p. 220) ................................................. 27 Figura 21 - Genus multiplex. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXIIII) .................................. 36 Figura 22 - Genus superparticulare. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVI) ....................... 36 Figura 23 - Genus superpartiens. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVII) ........................... 37 Figura 24 - Genus multiplex superparticulare. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVIII)..... 38 Figura 25 - Genus multiplex superpartiens. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXIX) ............ 39 Figura 26 - Proporções mais simples aplicadas à semibrevis. ............................................ 40 Figura 27 - Sinais indicando tactus igual e tactus desigual (ZARLINO, 1589, lib. III,

cap. XLIX) ....................................................................................................... 42 Figura 28 - Exemplo de Dufay criticado por Johannes Tinctoris. ....................................... 51 Figura 29 - Uso de e para uma mesma peça, em duas edições diferentes do livro

Madrigalls to Foure Voyces, de Morley. (MORLEY, 1594, fol. Bjr.; MORLEY, 1600, fol. Aiir) ............................................................................... 53

Figura 30 - Uso de no cantus e nas outras vozes de uma mesma peça, no livro Canzonets or Little Short Songs to Three Voyces, de Morley. (MORLEY, 1593a, fol. Bjr , MORLEY, 1593b, fol. Br , MORLEY, 1593c, fol. Br) ........ 53

Figura 31 - Transcrição de uma série de semibreves em integer valor, proportio dupla e proportio tripla (t=tactus). (APEL, 1953, p. 148) ........................................... 54

Figura 32 - Diferentes interpretações do caso → . (BERGER, 1990, p. 400) .......... 56

6

Figura 33 - Comparação entre o cantus e o bassus em um trecho de Fair Phyllis (FARMER, 1599a, fol. D2r; FARMER, 1599d, fol. Dv-D2r) ......................... 58

Figura 34 - Resolução em de um trecho em tempus perfectum (HEYDEN, 1540, p. 77-78) ............................................................................................................... 63

LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Ligaduras binárias na notação mensural branca. (APEL, 1953, p. 90) ............ 13 Tabela 2 - Mensurações perfeitas e imperfeitas. ............................................................... 18 Tabela 3 - Perfeição, imperfeição e alteração das figuras originais no exemplo em . ... 31 Tabela 4 - Perfeição e imperfeição das figuras originais em Vince con lena. .................. 33 Tabela 5 - Correspondência do tactus com as figuras em diferentes mensurações.

(ORNITHOPARCUS, 1609, p. 46). ................................................................ 44

LISTA DE EXEMPLOS MUSICAIS Exemplo 1 - Início da voz superior da canção Je ne vis oncques la pareille, de Dufay ou

Binchois. Perfeições indicadas entre colchetes. (CHANSONNIER LABORDE, ca. 1500, fol. 43v) ........................................................................ 21

Exemplo 2 - Transcrição de H. Besseler do início da voz superior da canção Je ne vis oncques la pareille, com redução de valores 1:4 e transposição de um tom. (BESSELER; BLUME; GUDEWILL, 1932, p. 24) ........................................ 21

Exemplo 3 - Primeira frase do cantus do madrigal The Silver Swan, de Orlando Gibbons. (GIBBONS, 1612, fol. A3r) .............................................................................. 28

Exemplo 4 - Transcrição da primeira frase do cantus de The Silver Swan (sem redução de valores). ............................................................................................................. 28

Exemplo 5 - Trecho em tempus perfectum cum prolatione imperfecta. (MORLEY, 1597, p. 30) ................................................................................................................. 29

Exemplo 6 - Transcrição de Alec Harman do trecho em , modificada para a redução de valores 1:4. ....................................................................................................... 29

Exemplo 7 - Trecho em tempus imperfectum cum prolatione perfecta. (MORLEY, 1608, p. 21) ................................................................................................................. 30

Exemplo 8 - Transcrição de Alec Harman do trecho em , modificada para a redução de valores 1:4. ....................................................................................................... 30

Exemplo 9 - Tenor da canção Vince con lena, de Dom. Bartholomeus de Bononia (ca. 1450). (APEL, 1953, p. 143)............................................................................. 32

Exemplo 10 - Transcrição de John Stainer do tenor de Vince con lena, com redução de valores 1:2. (STAINER; STAINER, 1898, p. 50-51) ....................................... 32

Exemplo 11 - Proportio dupla. (COCHLAEUS, 1514, fol. Evr) ........................................... 45 Exemplo 12 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio dupla.

(COCHLAEUS, 1970, p. 74) ............................................................................ 45 Exemplo 13 - Proportio quadrupla. (COCHLAEUS, 1514, fol. Evv) .................................... 46 Exemplo 14 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio quadrupla.

(COCHLAEUS, 1970, p. 75) ............................................................................ 46

7

Exemplo 15 - Proportio tripla. (COCHLAEUS, 1507?, fol. 14r) ........................................... 47 Exemplo 16 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio tripla.

(COCHLAEUS, 1970, p. 75) ............................................................................ 47 Exemplo 17 - Proportio sesquialtera. (COCHLAEUS, 1507?, fol. 14v) ................................ 47 Exemplo 18 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio sesquialtera.

(COCHLAEUS, 1970, p. 75) ............................................................................ 47 Exemplo 19 - Proportio tripla em tempus perfectum. (MORLEY, 1608, p. 30) .................... 48 Exemplo 20 - Transcrição de Alec Harman do exemplo para proportio tripla em tempus

perfectum, modificada para a redução de valores 1:4. .................................... 48 Exemplo 21 - Proportio sesquitertia. (GAFURIUS, 1496, fol. 60r) ..................................... 49 Exemplo 22 - Transcrições de Willi Apel (redução 1:4) e Johannes Wolf (redução 1:2) do

exemplo de proportio sesquitertia (WOLF, 1913, p. 418; APEL, 1953, apêndice nº 22) ................................................................................................. 49

Exemplo 23 - Início do Kyrie da Missa L’Homme Armé de Johannes Ockeghem. (APEL, 1953, p. 165) .................................................................................................... 50

Exemplo 24 - Transcrição de Albert Smijers do início do Kyrie da Missa L’Homme Armé de Johannes Ockeghem com redução de valores 1:2. (SMIJERS, 1952, p. 1) 50

Exemplo 25 - Brevis perfeita em tempus perfectum diminutum (perfeições indicadas por colchetes). (APEL, 1953, p. 155) ..................................................................... 56

Exemplo 26 - Trecho do bassus do madrigal Fair Phyllis, de John Farmer (FARMER, 1599d, fol. Dv) ................................................................................................. 57

Exemplo 27 - Transcrição de Philip Ledger do trecho de Fair Phyllis. (LEDGER, 1978, p. 111) .................................................................................................................. 59

Exemplo 28 - Início da peça Strike it up, Tabor, de Thomas Weelkes, com o símbolo 3 em todas as vozes. (WEELKES, 1608a, fol. Dv, WEELKES, 1608b, fol. Dv, WEELKES, 1608c, fol. Dv) ............................................................................ 61

Exemplo 29 - Transcrição de Philip Ledger do início de Strike it up, Tabor. (LEDGER, 1978, p. 266) ................................................................................................... 61

LISTA DE ABREVIATURAS a p.a. a parte ante a p.p. a parte post B brevis c. o. p. cum opposita proprietate F fusa L longa M minima Mx maxima p.a. punctus additionis p.d. punctus divisionis S semibrevis Sm semiminima Sf semifusa

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9

2 A NOTAÇÃO DA MÚSICA VOCAL RENASCENTISTA ........................................... 11

3 SINAIS DE NOTAÇÃO ..................................................................................................... 12

3.1 Ligaduras ........................................................................................................................... 13

3.2 Símbolos subsidiários ........................................................................................................ 16

4 MENSURAÇÃO ................................................................................................................. 18

4.1 Imperfeição ........................................................................................................................ 20

4.2 Alteração ............................................................................................................................ 26

4.3 Transcrições de exemplos das quatro mensurações principais .......................................... 27

4.3.1 Tempus imperfectum cum prolatione imperfecta ( ) ................................................ 28

4.3.2 Tempus perfectum cum prolatione imperfecta ( ) ..................................................... 29

4.3.3 Tempus imperfectum cum prolatione perfecta ( ) ..................................................... 30

4.3.4 Tempus perfectum cum prolatione perfecta ( ) ......................................................... 31

5 PROPORÇÕES .................................................................................................................. 34

5.1 As proporções como entidades matemáticas ..................................................................... 34

5.2 Aplicação das proporções à música mensural ................................................................... 40

5.2.1 Tactus ............................................................................................................................. 41

5.2.2 Exemplos de proporções .............................................................................................. 45

5.2.3 Interpretações dos sinais de proporção: algumas dificuldades ................................ 52

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 62

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 64

9

1 INTRODUÇÃO

O objeto central da pesquisa apresentada neste trabalho é o sistema de notação da

música polifônica renascentista, a chamada notação mensural branca. Embora o repertório

associado a este período seja extensamente estudado em diferentes disciplinas dos cursos de

graduação em música, uma análise detalhada de sua escrita original não costuma fazer parte

de seus programas em nível de graduação. A quase completa inexistência de bibliografia

sobre a notação mensural em língua portuguesa nos motivou a produzir este texto

introdutório, refletindo o resultado da pesquisa que realizamos a seu respeito.

Nosso interesse inicial pela notação musical da Renascença surgiu a partir do contato

que tivemos, durante um dos cursos de Repertório Coral, com o célebre tratado escrito por

Thomas Morley no final do século XVI, intitulado A Plaine and Easie Introduction to

Practicall Musicke. O texto de Morley é considerado o mais importante tratado sobre música

em língua inglesa e foi escrito em forma de diálogo entre um mestre e dois discípulos, que

discutem tópicos tão elementares quanto os nomes das notas ou as figuras musicais, e outros

tão complexos como as regras do contraponto a cinco vozes ou as intrincadas soluções para os

cânones de William Byrd. A obra pretende ser didática e é permeada de exemplos e exercícios

propostos pelo mestre, assim como de constantes questionamentos por parte de seus

discípulos, o que nos pareceu particularmente interessante do ponto de vista de nosso curso, a

Licenciatura. Uma verdadeira compreensão da exposição do autor, contudo, revelou-se muito

difícil em um primeiro momento, levando-nos a buscar outras fontes que nos permitissem

alguma familiarização com a notação mensural branca antes que pudéssemos retornar a seu

texto original.

Com o objetivo de estudar este sistema de escrita através de um texto moderno,

recorremos ao volume The Notation of Polyphonic Music, 900-1600, de Willi Apel.

Originalmente publicada em 1942 e nunca traduzida para o português, esta obra permanece

uma das mais sólidas referências sobre o assunto e é frequentemente citada em artigos

especializados até os dias atuais. No capítulo que dedica à notação branca, Apel considera em

detalhe seus aspectos teóricos e fornece uma grande quantidade de exemplos e transcrições de

peças da Renascença, o que nos permitiu observar não apenas a estrutura do antigo sistema,

mas também as dificuldades e limitações dos processos de transcrição da música deste

período para a notação atual.

A recente possibilidade tecnológica de encontrar documentos antigos através da

internet nos motivou a procurar, paralelamente, por outros tratados e fontes musicais da

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Renascença. Os resultados destas buscas foram bastante satisfatórios e possibilitaram a

consulta a obras originais de diversos autores importantes que discutiram a notação mensural,

entre os quais citamos Pietro Aron (Toscanello in Musica), Johannes Tinctoris (Proportionale

Musices), Andreas Ornithoparcus (Micrologus), Gioseffo Zarlino (Istitutioni Harmoniche),

além do próprio Morley, cuja Introduction – motivação inicial deste trabalho – foi revisitada

em muitos momentos de nossa pesquisa. Um grande número de fontes musicais propriamente

ditas encontram-se igualmente disponíveis na rede e foram utilizadas como consulta e, quando

possível, como exemplificação.

O conteúdo deste trabalho deriva de nossa leitura do texto de Apel – cujo pensamento

inevitavelmente ecoou ao longo desta exposição – complementada por consultas aos tratados

e fontes musicais a que nos referimos no parágrafo anterior. Durante o estudo dos tópicos

mais delicados ou controversos do sistema mensural, pesquisamos ainda a bibliografia

especializada mais recente, o que nos demonstrou que a notação branca continua sendo objeto

de investigação musicológica e que, por vezes, algumas das próprias visões de Apel são

colocadas em perspectiva. Não pretendemos, contudo, que este trabalho seja considerado uma

revisão bibliográfica. O uso das referências aqui citadas teve apenas a função de embasar

nossa própria exposição e não relativiza a importância de quaisquer outras fontes. A literatura

primária (manuscritos e edições musicais em notação branca e tratados publicados até o início

do século XVII) e secundária (transcrições musicais em notação moderna e escritos

musicológicos publicados a partir do final do século XIX) utilizada neste trabalho está

indicada nas referências, e apontamos, sempre que possível, os websites onde cada item pode

ser encontrado.

A estrutura do texto final desta pesquisa foi baseada naquela adotada por Apel em The

Notation of Polyphonic Music, 900-1600, assim como pela maioria dos antigos teóricos em

seus tratados. Iniciamos nossa exposição apresentando as figuras musicais, as ligaduras e os

símbolos subsidiários da notação branca (Seção 3) e em seguida tratamos das mensurações

propriamente ditas, exemplificando-as através de transcrições de pequenos trechos para a

notação moderna (Seção 4). As proporções (Seção 5), que seguramente constituem o mais

árduo capítulo da notação mensural, foram inicialmente apresentadas a partir de suas

definições teóricas e aplicações elementares, e posteriormente discutidas em exemplos mais

complexos, através dos quais procuramos ilustrar algumas questões que geraram controvérsias

não apenas no âmbito da musicologia moderna, mas também durante o próprio Renascimento.

11

2 A NOTAÇÃO DA MÚSICA VOCAL RENASCENTISTA

Derivada de um extenso processo desenvolvido ao longo da Idade Média, a notação

mensural branca se refere a um período relativamente curto da história da música, de meados

do século XV até o final do século XVI, aproximadamente. Seu legado musical

prodigiosamente rico, entretanto, faz com que a notação a ele associada constitua objeto de

vivo interesse musicológico. Felizmente, a música renascentista está extensamente

documentada em termos teóricos e existem diversos tratados preservados até os dias de hoje

que apresentam a teoria musical da época em grande detalhe – o que inclui eventuais

divergências, contendas e disputas entre autores – permitindo a compreensão da maior parte

dos documentos musicais a que hoje temos acesso. Neste texto, a partir das leituras que

realizamos a respeito do sistema de notação mensural branca, procuramos apresentar ao leitor

as linhas gerais de sua estrutura e funcionamento.

Diferentemente da musica plana medieval, em que o texto e a melodia seguramente

predominavam sobre qualquer outro aspecto musical, a polifonia vocal da Renascença exibe

uma notável complexidade rítmica. Embora seja certo que a musica mensurata – isto é, com

valores precisamente medidos – já existisse pelo menos desde o século XII, as diversas

tentativas de expressá-la graficamente não chegaram a se consolidar como sistemas de

notação, pois eram rapidamente substituídas por outras, algumas delas não durando mais do

que poucas décadas (APEL, 1953, p. 199). O final da Idade Média foi o período em que

efetivamente se cristalizou um método de escrita capaz de contemplar de maneira eficiente as

relações de duração entre os sons – isto é, as mensurações dos valores – que emprestam o

nome ao antigo sistema. Embora nosso método moderno de notação musical continue sendo

mensural – já que nele as proporções entre as figuras também são medidas e estão igualmente

bem definidas – , a mensuração propriamente dita não representa hoje uma preocupação

devido ao fato de ser fixa e sempre assumida como dupla ( = , = , etc.); nos

séculos XV e XVI, por outro lado, estas relações podiam ser duplas ( = , = , etc.)

ou triplas ( = , = , etc.) e sua determinação constitui o problema central deste

sistema de notação. O termo “branca”, por sua vez, refere-se ao fato de algumas figuras

musicais terem suas cabeças deixadas vazias (como ou , por exemplo), ao contrário da

prática anterior, onde eram normalmente preenchidas de preto ou vermelho.

12

3 SINAIS DE NOTAÇÃO

Em suas formas mais simples, as figuras musicais utilizadas no sistema de notação

mensural branca não diferem significativamente daquelas usadas hoje em dia e podem ser

facilmente reconhecidas à primeira vista, conforme ilustra a Figura 1. Apesar da similaridade

existente entre sua nomenclatura e a denominação atual das figuras musicais na língua

portuguesa, consideramos importante notar que uma semibrevis ( ) e uma semibreve ( ),

por exemplo, carregam significados bastante distintos, e por este motivo sempre nos

referiremos aos nomes latinos das figuras antigas (ou às suas abreviaturas, também

relacionadas na Fig. 1), indicando-os em itálico ao longo deste texto. As variantes das pausas

de Mx e L, cobrindo dois ou três espaços do pentagrama, indicam a mensuração dupla ou

tripla da L, respectivamente1

As claves normalmente utilizadas na música vocal do século XVI são as de sol, fá e dó

(Fig. 2), as duas últimas podendo ocorrer em diferentes linhas do pentagrama.

.

1 A pausa de Mx cobrindo três espaços do pentagrama não significa uma mensuração tripla da própria Mx, que é quase

sempre assumida como dupla. Nas raras exceções em que isto não ocorre, esta mensuração é indicada como ou , segundo a medida dupla ou tripla da L.

Figura 1 - Figuras musicais e suas respectivas pausas no sistema de notação mensural branca.

Figura 2 - Claves utilizadas na música vocal do século XVI. Figuras extraídas de A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke (MORLEY, 1597)

13

3.1 Ligaduras

Além das formas simples apresentadas na página anterior, as figuras também podiam

aparecer conectadas umas às outras assumindo formatos variados, denominados ligaduras

(Fig. 3). A origem destas figuras remonta à notação neumática do canto gregoriano, em que

um único sinal podia expressar simultaneamente (i) a duração de vários sons, e (ii) os

movimentos melódicos existentes entre eles. Os neumas mais simples capazes de descrever

saltos ascendentes ou descendentes denominavam-se, respectivamente, podatus ( ) e clivis

( ), e por volta de 1200 passaram a expressar valores métricos definidos, significando B L –

isto é, um som breve seguido de um longo. Esta sequência de durações era considerada

“própria” (por iniciar-se com uma B) e “perfeita” (por finalizar-se com uma L), configurando

as formas que se denominavam cum proprietate et cum perfectione. Sequências diferentes

desta (sine proprietate e/ou sine perfectione) eram expressas através de modificações das

formas perfeitas correspondentes. A Tabela 1, extraída de The Notation of Polyphonic Music,

900 – 1600, de Willi Apel, ilustra as ligaduras binárias (compostas de duas notas) da maneira

como ocorriam na notação mensural branca2. A última linha da tabela indica as ligaduras cum

opposita proprietate (c. o. p.), as únicas capazes de descrever valores menores do que a

brevis.

2 O interessante processo de evolução dos neumas mais simples para os formatos como os expressos na Figura 3 está descrito em The Notation of Polyphonic Music, 900-1600 (APEL, 1953, p. 87-91).

Figura 3 - Exemplos de ligaduras. Figuras extraídas do cancioneiro Mellon (ca. 1470).

Tabela 1 - Ligaduras binárias na notação mensural branca (APEL, 1953, p. 90)

14

Thomas Morley, em A Plaine and Easie Introduction to Practicall Musicke, afirma

que uma ligadura “é uma combinação ou junção de duas ou mais notas, alterando (através de

sua localização e ordem) o valor das mesmas” (MORLEY, 1597, p. 19, tradução nossa)3. De

fato, o valor de cada uma de suas notas depende de sua posição dentro do conjunto (initialis,

media ou finalis), e eventualmente da relação intervalar que mantém com a nota precedente e

com a seguinte. Atenção especial deve ser dada às formas oblíquas que ocorrem no segundo e

no terceiro exemplo da Figura 3 e significam apenas duas notas de alturas indicadas por suas

extremidades, e não as notas intermediárias ou alguma espécie de glissando, como se poderia

supor a partir de sua semelhança com a notação gráfica utilizada no século XX. Ainda que o

processo de decodificação das ligaduras possa parecer bastante complexo, um pequeno

número de regras é, em geral, suficiente para determinar os valores das figuras que as

compõem. Apel as enuncia de maneira prática e concisa, ilustrando-as também através de

representações esquemáticas (Fig. 4):

A. Regras sobre o significado das hastes.

1. Uma nota com uma haste descendente à direita é L; 2. Uma haste ascendente à esquerda da nota inicial faz daquela nota e da

próxima uma S cada.

3. Uma inicial com uma haste descendente de seu lado esquerdo é B. B. Regras para notas não contempladas em A.

4. Todas as notas intermediárias são B. 5. Uma nota inicial em posição descendente (isto é, seguida de uma nota

mais grave) e uma nota final em posição descendente (isto é, precedida de uma nota mais aguda) são L.

6. Uma inicial em posição ascendente e uma final em posição ascendente são B.

7. Uma nota final em posição oblíqua é B.

(APEL, 1953, p. 91-92, tradução nossa) 4

3 No original: “it is a combination or knitting together of two or more notes, altering (by their situation and order) the value of the same.” 4 No original: “A. Rules about the meaning of the tails. 1. A note with a downward tail to the right is L. 2. An ascending tail to the left of the initial note makes that note and the following one a S each. 3. An initial with a downward tail to its left side is B. / B. Rules for notes not covered under A. 4. All middle notes are B. 5. An initial note in descending position (i.e., followed by a lower note) and a final note in descending position (i.e., preceded by a higher note) are L. 6. An initial in ascending position and a final in ascending position are B. 7. A final note in oblique form is B.”

15

Figura 4 - Representações esquemáticas das regras de ligaduras (APEL, 1953, p. 92)

A aplicação destas regras aos exemplos (a) e (b) da Figura 5 permite recuperar duas

das estruturas originais apresentadas na Tabela 1, as formas cum-sine ascendente e sine-cum

descendente. Diferentemente do que ocorre com as figuras em suas formas isoladas, seus

valores nas ligaduras também são afetados pela direção das hastes, o que se pode observar

através da comparação dos exemplos (c) – (d) e (e) – (f):

Figura 5 - Alguns exemplos de ligaduras decodificadas segundo as regras apresentadas por Apel. Figuras

extraídas dos cancioneiros Laborde (ca. 1500), Mellon (ca. 1470) e Wolfenbuttel (ca. 1460).

Qualquer nota de uma ligadura pode ser pontuada. No caso da initialis e das mediae, o

ponto aparece acima da figura em questão ( , ), e quando aplicado à

finalis aparece à direita, afetando apenas esta última nota ( ) (APEL, 1953, p. 93).

16

Embora tenham gradualmente caído em desuso ao longo do século XVI, as ligaduras

foram discutidas detalhadamente no tratado de Morley (MORLEY, 1597, p. 19-21). Na

música vocal, costuma-se considerar que elas pressuponham melismas, isto é, todas as suas

notas são normalmente associadas a uma única sílaba de uma palavra. Sua verdadeira função

musical, contudo, ainda permanece obscura e constitui controvérsia entre especialistas. Paul

Raasveld, em seu artigo Towards a Functional Description of the Ligatures in Mensural

Notation, critica a consideração das ligaduras como sendo unicamente associadas à colocação

do texto já que elas também aparecem na música instrumental, e afirma que

[...] uma vez que a postura comum a respeito das ligaduras é altamente influenciada pelo princípio de colocação do texto, nenhuma outra explicação pode ser formulada para a presença das próprias ligaduras. Aqui repousa o problema central deste campo de estudo, porque enquanto permanecer obscuro por quê e em que circunstâncias uma ligadura era escrita, as ligaduras vão continuar a aparecer como símbolos enigmáticos. (RAASVELD, 1991, p. 88, tradução nossa) 5

Nas edições modernas, trechos originalmente escritos em ligaduras são normalmente

indicados por colchetes ( ) colocados sobre as notas em questão.

3.2 Símbolos subsidiários

Encerramos esta seção apresentando alguns sinais adicionais encontrados nos

manuscritos e edições de música em notação branca, classificados por Apel como “símbolos

subsidiários” (APEL, 1953, p. 94-95). Andreas Ornithoparcus6, em seu tratado Musice active

micrologus, também apresenta estes mesmos sinais sob a classificação de “menos principais”

5 No original: “[...] since the current attitude toward ligatures is highly influenced by the principle of text underlay, no other explanation can be formulated for the presence of the ligatures themselves. Here lies the central problem of this field of study, because as long as it remains unclear why and under which circumstances a ligature was written, ligatures will continue to appear as enigmatic symbols.” 6 Teórico alemão nascido por volta de 1490, Ornithoparcus foi citado diversas vezes por Morley como uma autoridade na Introduction. Seu tratado Musice active micrologus, de 1517, foi traduzido do latim para o inglês por John Dowland em 1609.

Figura 6 - Sinais subsidiários da notação mensural branca. (ORNITHOPARCUS, 1609, p. 46)

17

(Fig. 6), por não serem necessários para a compreensão das mensurações. Alguns comentários

a respeito dos símbolos apresentados nesta figura são necessários: (a) o signum repetitionis

era usado de maneira semelhante à atual nos séculos XV e XVI; (b) o signum convenientiae,

também chamado de signum imitationis (ou, mais comumente, signum congruentiae), tinha a

função de indicar pontos importantes de coincidência entre várias vozes, ou ainda o momento

em que os cantores deveriam parar, já que a música mensural era habitualmente escrita em

partes separadas e sem barra de compasso. O termo imitationis refere-se ao seu possível uso,

em um cânone, para indicar as diferentes entradas das vozes – isto é, os pontos de imitação;

(c) o signum concordantiae cardinalis, também chamado de pausa generalis, mora generalis,

corona, diadema, signum taciturnitatis ou quietantiae, indicava o silêncio geral após a nota,

frequentemente ao final de uma seção musical; (d) os acidentes (signum aspirationis e

bemollitatis), quando apareciam anotados7, significavam a elevação ou o abaixamento

cromático das alturas. Diferentemente de seus equivalentes modernos, entretanto, ambos

indicavam apenas a alteração cromática em relação à altura natural das notas em um dado

modo (isto é, no modo de fá jônico, por exemplo, o signum aspirationis aplicado à nota si

teria a função do atual bequadro, e não do sustenido). Suas posições também podiam ser

diferentes do usual, aparecendo eventualmente acima, abaixo, ou até mesmo à direita de uma

nota; (e) o signum dealbationis era um método de correção de eventuais enganos na escrita:

se, por acidente, uma figura fosse preenchida de preto quando na verdade devesse ser vazia,

este símbolo – provavelmente uma deformação da letra v (vacua) – era colocado abaixo da

nota, com o significado (APEL, 1953, p. 94).

Outro método de correção, utilizado no caso de uma haste ser acidentalmente colocada

sobre uma nota, era a adição de mais uma haste na direção oposta ( ), ou ainda a colocação

de um traço perpendicular à primeira ( ). Segundo Ornithoparcus, “uma figura que tem duas

hastes é como se não tivesse nenhuma, pois uma bloqueia a outra” (ORNITHOPARCUS,

1609, p. 40, tradução nossa)8. Por fim, o custos ou, em inglês, “index of director”

era um sinal colocado no final de cada pentagrama, antecipando a altura da primeira nota da

pauta seguinte. O custos é o equivalente musical do antigo hábito de se escrever, ao pé de uma

página, a primeira palavra da página seguinte, e encontra-se em praticamente toda a música

vocal da Renascença, seja ela manuscrita ou editada.

7 Na música renascentista, algumas alterações cromáticas eram implícitas segundo regras que remontavam à Idade Média e não eram notadas graficamente, o que se denomina musica ficta (música fictícia, não notada). 8 No original: “A figure which hath two tayles, is as if it had none, because one doth hinder another.”

18

4 MENSURAÇÃO

Conforme destacamos anteriormente, as relações entre as figuras musicais do sistema

de notação mensural branca não eram fixas e podiam ser duplas ( = , = , etc.) ou

triplas ( = , = , etc.), sendo usual a coexistência de mensurações distintas para

diferentes valores em uma mesma peça (ex.: = , = , = ). De acordo com a

antiga associação do número três à ideia de perfeição9

, as mensurações triplas eram

denominadas perfeitas e as duplas imperfeitas. A medida de cada figura também recebia

nomes particulares: modus (mensuração da longa em breves), tempus (mensuração da breve

em semibreves) e prolatio (mensuração da semibrevis em minimae), cada uma delas podendo

ser perfeita ou imperfeita (Tabela 2). Mensurações de valores menores do que a S eram

sempre imperfeitas ( = , = , = ) e a Mx, cuja mensuração era chamada de modus

maximarum ou modus major, era, salvo em raras exceções, também imperfeita ( = ).

modus perfectus

=

modus imperfectus

=

tempus perfectum

=

tempus imperfectum

=

prolatio perfecta

=

prolatio imperfecta

=

Tabela 2 - Mensurações perfeitas e imperfeitas.

Valores grandes como a L e a Mx têm importância relativamente pequena na música

secular. Devido ao fato de representarem durações muito longas, costumam ocorrer apenas no

tenor de missas e motetos, quando este entoa um cantus firmus sobre o qual as outras vozes

realizam o descanto. Sendo assim, nossa consideração inicial sobre as mensurações tratará

apenas de tempus e prolatio, cujas combinações se designavam por símbolos especiais:

(tempus perfectum cum prolatione perfecta), (tempus imperfectum cum prolatione

perfecta), (tempus perfectum cum prolatione imperfecta) e (tempus imperfectum cum

9 Esta associação foi provavelmente influenciada pelo dogma da Santíssima Trindade e também pelo fato de este número conter “começo, meio e fim” (APEL, 1953, p. 96)

19

prolatione imperfecta). Os diagramas da Figura 7 foram extraídos da reedição de 1608 do

tratado de Morley e ilustram as relações métricas em cada um destes casos:

A observação das subdivisões da brevis nos diagramas acima sugere uma associação

dos sinais de mensuração com nossas estruturas rítmicas modernas – correspondendo a um

compasso binário simples, ao binário composto, ao ternário simples e ao ternário

composto. Na música escrita em tempus perfectum ou prolatio perfecta, portanto, as

semibreves ou minimae tendem a estar organizadas em grupos de três, de maneira não

diferente da notação moderna, em que esperamos encontrar grupos ternários de semínimas em

ou de colcheias em , por exemplo. Na notação mensural branca, estes agrupamentos eram

chamados de perfeições e podiam ocorrer em diferentes níveis de mensuração (Fig.8):

Para que a música escrita em notação branca seja adequadamente transcrita e

representada através das fórmulas de compasso modernas, é necessário estabelecer alguma

correspondência entre as figuras antigas e atuais, optando-se por reduzir ou não os seus

valores. Apel lamenta o fato de não haver uma unanimidade entre os editores a esse respeito e

Figura 7 - Diagramas das relações entre as figuras nas quatro mensurações principais. (MORLEY, 1608, p. 14)

Figura 8 - Perfeições em diferentes níveis de mensuração.

20

propõe a redução 1:4 ( = ), que possui a vantagem de fazer com que o valor de uma brevis,

nas mensurações , , e , corresponda a um compasso , , e , respectivamente,

o que se pode facilmente verificar a partir das subdivisões esquematizadas na Figura 7.

Embora utilize esta redução ao longo de todo o seu texto, o autor reconhece a necessidade de,

na prática, se adotarem outras opções, levando-se em conta o andamento da peça em questão

(APEL, 1953, p. 97).

4.1 Imperfeição

Conforme explicitamos na seção anterior, a relação métrica entre uma figura e aquela

de espécie imediatamente inferior à sua ( : , : , etc.) é sempre dupla nas mensurações

imperfeitas de seu valor. Isto não significa, entretanto, que não seja possível escrever uma

brevis ternária em tempus imperfectum ou uma semibrevis ternária em prolatio imperfecta,

por exemplo. Assim como na notação moderna, existe na notação branca o punctus additionis

(p.a.), que acrescenta a uma figura imperfeita metade de seu valor original, tornando-a

ternária. Na mensuração , portanto, este ponto pode ser aplicado à B ( = ) e à S

( = ). Em , pode-se aplicá-lo apenas à S e em apenas à B, por serem estas as

figuras de mensuração binária em cada um dos casos. A aplicação do punctus additionis a

valores perfeitos não possui sentido musical e nunca foi considerada pelos teóricos da

Renascença.

Se a notação de valores ternários em mensuração dupla é relativamente simples, o

problema inverso requer algumas considerações adicionais e está associado a um processo

denominado imperfeição. Com o objetivo de expor e exemplificar este mecanismo,

reproduzimos aqui o início da voz superior da canção Je ne vis oncques la pareille, atribuída a

Guillaume Dufay ou a Gilles Binchois (Ex. 1). Nesta peça, escrita em tempus perfectum cum

prolatione imperfecta ( ), as semibreves estão organizadas em grupos de três, constituindo

as perfeições que estão indicadas na figura através de colchetes. O trecho foi extraído do

Chansonnier Laborde e sua transcrição, reproduzida no Exemplo 2, é do musicólogo alemão

Heinrich Besseler.

21

A observação deste exemplo permite notar que as quatro perfeições destacadas

entre colchetes possuem diferentes subdivisões internas, todas elas facilmente expressas

através das figuras , e (pontuadas ou não). Para efeito de argumentação, suponhamos

agora que o compositor houvesse desejado expressar, na terceira perfeição, o ritmo

ao invés de . Neste caso, surgiria naturalmente a importante questão de como

expressar um valor duplo (a mínima moderna) nesta mensuração. Na notação branca, a

solução para este problema era sacrificar a perfeição da B, mantendo-se perfeito o

agrupamento B + S. Este processo de imperfeição, por ser causado pela figura subsequente,

era denominado imperfectio a parte post (a p. p.) e está exemplificado na Figura 9:

Figura 9 - Imperfectio a parte post.

Exemplo 1 - Início da voz superior da canção Je ne vis oncques la pareille, de Dufay ou Binchois. Perfeições indicadas entre colchetes. (CHANSONNIER LABORDE, ca. 1450, fol. 43v)

Exemplo 2 - Transcrição de H. Besseler do início da voz superior da canção Je ne vis oncques la pareille, com redução de valores 1:4 e transposição de um tom. (BESSELER; BLUME; GUDEWILL, 1932, p. 24)

22

De maneira análoga, se desejássemos expressar o ritmo no mesmo

agrupamento, a B se tornaria imperfeita devido à S anterior (Fig. 10), o que se denomina

imperfectio a parte ante (a p. a.)10:

Apesar de termos considerado apenas a imperfeição da B causada pela S em tempus

perfectum, o mesmo processo pode ocorrer envolvendo valores análogos em outras

mensurações: imperfectio da L pela B em modus perfectus e da S pela M em prolatio perfecta.

Existe ainda a possibilidade de imperfeição de uma figura por outras de valores mais

distantes, o que se denomina imperfectio ad partem, em oposição à imperfectio ad totum

discutida até o momento. Neste caso, considera-se que uma ou mais partes da figura maior

tornem-se imperfeitas, separadamente, pelas figuras menores adjacentes a ela (Fig. 11).

Embora este processo seja discutido extensamente pelos teóricos, seu uso na prática é apenas

ocasional (APEL, 1953, p. 111).

Figura 11 - Imperfectio ad partem.

10 Estes dois exemplos de imperfeição foram facilmente visualizáveis devido ao fato de o próximo grupo perfeito (compasso 4 da transcrição) já ter sido claramente indicado por Besseler desde o início. Se este não fosse o caso, seria necessária também uma análise deste quarto grupo – e dos seguintes, se houvesse outros – até algum ponto seguramente identificado como início de uma nova perfeição, antes que se pudesse chegar a uma conclusão definitiva sobre a medida da B em questão. Neste exemplo, a primeira nota do compasso 5 da transcrição já faz sentido como um final de frase e parece confirmar a organização dos grupos anteriores.

Figura 10 - Imperfectio a parte ante.

23

A imperfeição de uma figura pode também ser causada por uma pausa, com o mesmo

efeito descrito anteriormente (Fig. 12). As próprias pausas, contudo, jamais se tornam

imperfeitas.

Figura 12 - Imperfeição por pausa.

Quando uma B é seguida de duas pausas de S, considera-se que estas últimas façam

parte da mesma perfeição se estiverem em uma mesma linha do pentagrama; se estiverem

notadas em alturas diferentes, devem pertencer a perfeições distintas, conforme ilustra a

Figura 13, extraída de Apel:

Figura 13 - Pausas notadas em diferentes alturas. (APEL, 1953, p.111)

Se a imperfeição de uma dada figura ocorre, em geral, para manter a perfeição de um

grupo do qual ela faz parte, parece natural que este processo não deva se aplicar a uma figura

perfeita seguida de outra idêntica a ela, pois sequências de figuras ternárias iguais constituem

perfeições (Fig. 14). De fato, esta é uma importantíssima regra do sistema mensural, quase

nunca violada pelos compositores e habitualmente expressa como “similes ante similem non

potest imperfici”:

Figura 14 - Similes ante similem perfecta.

24

Da mesma maneira, não há motivo para imperfeição quando uma B é seguida de três

S, pois estas também constituem um agrupamento perfeito (Fig. 15).

Figura 15 - B perfeita antes de três S.

Antes de um grupo de mais do que três S, assume-se, em geral, que uma B seja

imperfeita. Entretanto, esta regra – assim como todas as outras relativas ao processo de

imperfeição – não é infalível e depende da observação de seu efeito no contexto musical da

peça considerada. A seguir, transcrevemos as regras de imperfeição da maneira como são

enunciadas por Apel:

Regras de imperfeição (para [3,2])11:

1. Uma B é perfeita se seguida de outra B ou de uma pausa de B; 2. Uma B é perfeita se for seguida de duas ou três S; 3. Uma B é imperfeita se seguida ou precedida de uma ou de mais de três

S; 4. Se tanto imperfectio a p. p. e a p. a. são admissíveis, a primeira tem

preferência; 5. Uma pausa de B nunca pode se tornar imperfeita; entretanto, uma

pausa de S pode causar imperfeição de uma nota.

(APEL, 1953, p. 108, tradução nossa)12

O caso da B seguida de duas S (regra 2) ainda não foi exemplificado e será discutido

na próxima seção (ver alteração). A regra 4, em nossa visão, é uma simples consequência do

11 [3,2], é o símbolo proposto por Apel para designar a mensuração . Os dois algarismos indicam a perfeição do tempus e a imperfeição da prolatio, respectivamente. 12 No original: “Rules of imperfection (for [3,2]): 1. A B is perfect if followed by another B or by a B-rest; 2. A B is perfect if followed by two or three S; 3. A B is imperfect if followed or preceded by one or by more than three S; 4. If both imperfectio a p. p. and a p. a. are admissibile, the former takes preference; 5. A B-rest can never be imperfected; however a S-rest may cause imperfection of a note.”

25

fato de a música ser lida da esquerda para a direita, procurando-se definir as perfeições tão

cedo quanto seja possível.

Para Morley, a imperfeição é “a retirada da terça parte do valor de uma nota perfeita, e

é feita de três maneiras – por nota, pausa ou cor” (MORLEY, 1597, p. 24, tradução nossa) 13.

Este terceiro processo é chamado de coloração e consiste em se preencher de preto a cabeça

de uma nota ternária, fazendo com que ela perca um terço de seu valor original14 (Fig. 16). Na

mensuração , portanto, a coloração aplicada à brevis tem o significado = .

Esta equivalência não consiste apenas em uma alteração de valores, mas usualmente implica

em uma mudança importante de acentuação. Na Figura 17, ilustramos duas possíveis

transcrições de uma sequência elementar de breves em tempus perfectum. Embora o trecho

esteja, do ponto de vista dos valores, corretamente transcrito nos dois casos, a forma (b) é

preferível pois não sugere um efeito de síncopa (APEL, 1953, p. 131-132). Este tipo de

mudança nas fórmulas de compasso ao longo de uma peça é bastante comum nas edições da

música renascentista e representa uma tentativa de evitar a sugestão de acentuações incorretas.

Nas edições modernas, trechos originalmente escritos em coloração também costumam ser

indicados através de colchetes interrompidos ( ) sobre as notas correspondentes na

transcrição, com o objetivo de advertir o intérprete para eventuais diferenças de acentuação.

13 No original : “the taking away of the third part of a perfect note’s value, and is done three manner of ways – by note, rest or colour.” 14 Apesar desta afirmação de Morley, existem mensurações em que esta redução de um terço não se aplica a qualquer figura (APEL, 1953, p. 131).

Figura 16 - Imperfeição por coloração.

Figura 17 - Duas possíveis transcrições de um trecho em coloração.

26

A coloração pode ainda ser aplicada a uma nota de uma ligadura ( = ) ou

até mesmo a uma parte de uma figura perfeita, significando que ela é composta de uma parte

perfeita e uma imperfeita ( , ). Em seu texto, Apel denomina este

processo “meia coloração” (half-coloration) (APEL, 1953, p. 142-143).

4.2 Alteração

Acreditamos haver demonstrado através dos exemplos anteriores que, ao contrário do

que ocorre na notação atual, os processos de imperfeição permitem que uma mesma figura

assuma valores diversos em uma mesma mensuração. De fato, na ausência de nossas ligaduras

modernas, a imperfeição era o principal mecanismo que imprimia ao sistema mensural a

flexibilidade necessária para expressar os complexos ritmos da música renascentista.

Entretanto, há ainda um caso importante para cuja representação os processos de imperfeição

não são suficientes. Na Figura 10 (Seção 4.1), havíamos apresentado a imperfectio a parte

ante como uma maneira de se representar o ritmo iâmbico ( ) em tempus perfectum.

Não havíamos considerado, contudo, a possibilidade de a perfeição seguinte a este grupo

iniciar-se com uma B. Neste caso, a regra similes ante similem perfecta não permitiria a

imperfeição da B anterior, fazendo-se necessário algum outro mecanismo para expressar o

ritmo em questão. Neste caso, o iambo era representado através de duas semibreves, sendo

que o valor da última delas era duplicado. Este processo é denominado alteração (Fig. 18) e

ocorre apenas na impossibilidade de se expressar o mesmo ritmo através de imperfectio a

parte ante.

Figura 18 - Alteração.

Assim como a imperfeição, a alteração pode ocorrer da mesma maneira em outros

níveis de mensuração perfeita. John Stainer, em seu conciso e instrutivo artigo The Notation

of Mensurable Music (STAINER, 1900), apresenta diferentes sequências de figuras ( L B B ...

B B L ) e seus respectivos valores tomando-se a B como unidade, ilustrando assim os efeitos

dos processos de imperfeição e alteração em modus perfectus (Fig. 19).

27

Figura 19 - Sequências de L e B e seus valores, tomando-se a B como unidade. (STAINER, 1900, p.220)

A primeira sequência de Stainer é resolvida através de imperfectio a p. p. aplicada à

primeira L, o que resulta nos valores 2-1-3. Se desejássemos, por outro lado, expressar o ritmo

inverso (3-1-2) através de uma L perfeita, uma S e uma L imperfeita a p. a., isso não seria

possível devido à regra 4 de Apel, que diz que imperfectio a parte post sempre tem

preferência sobre imperfectio a parte ante. Em casos como este, a notação branca permitia

“forçar” a perfeição da primeira L através da inserção de um ponto denominado punctus

divisionis (p.d.) após esta figura, conforme ilustra a Figura 20.

Figura 20 - Punctus divisionis. (STAINER, 1900, p. 220)

A função geral do punctus divisionis é simplesmente delimitar a fronteira de uma

perfeição. Entretanto, conforme a situação em que é empregado, ele pode ter diferentes

consequências locais, como a perfeição ou a alteração da figura anterior, e nesses casos pode

receber as denominações particulares “punctus perfectionis” ou “punctus alterationis”. Sua

natureza, entretanto, permanece a mesma em qualquer um deles15.

4.3 Transcrições de exemplos das quatro mensurações principais

Com o objetivo de ilustrar a ocorrência de alguns dos processos discutidos nas seções

anteriores, discutiremos a seguir a transcrição de pequenos exemplos em diferentes

mensurações de tempus e prolatio.

15 Apel, na nota de rodapé da página 116, faz uma interessante discussão sobre os diferentes tipos de puncti, argumentando que, em sua essência, se resumem a apenas dois: punctus additionis e punctus divisionis. (APEL, 1953 p. 116-117)

28

4.3.1 Tempus imperfectum cum prolatione imperfecta ( )

Quando comparada com a notação moderna, é a mais simples dentre as

mensurações apresentadas até o momento. Em tempus imperfectum cum prolatione

imperfecta, os processos de imperfeição ou alteração não são possíveis e os valores das

figuras normalmente podem ser determinados sem grande dificuldade. Como um exemplo –

escolhido entre inúmeros outros, uma vez que a maior parte da música do século XVI foi

escrita em mensurações imperfeitas – reproduzimos o facsimile da primeira frase do cantus do

famoso madrigal The Silver Swan, de Orlando Gibbons (Ex. 3), seguido de nossa transcrição,

realizada sem redução de valores (Ex. 4).

Exemplo 3 - Primeira frase do cantus do madrigal The Silver Swan, de Orlando Gibbons. (GIBBONS, 1612, fol.

A3r)

Exemplo 4 - Transcrição da primeira frase do cantus de The Silver Swan (sem redução de valores).

A comparação deste original com sua transcrição, apesar de aparentemente muito

simples, traz à tona uma importante questão referente às relações dos antigos sinais de

mensuração com as fórmulas de compasso modernas. Embora o símbolo atual seja um

remanescente da notação mensural, a indicação de tempus imperfectum cum prolatione

imperfecta ( ) não carregava a atual conotação quaternária, pois os sinais , , e

diziam respeito apenas às relações entre os valores e não implicavam necessariamente em

efeitos de acentuação. Esta questão pode se tornar delicada devido a uma parte da música da

Renascença se adequar, de fato, ao esquema métrico moderno16, eventualmente sugerindo

falsas associações entre os símbolos e, consequentemente, interpretações equivocadas. Robert

16 Ao discutir os diferentes métodos de transcrição, Apel destaca o fato de grande parte da música antiga ser uma “música de barras de compasso”, no mesmo sentido que a de Mozart ou de Beethoven (APEL, 1953, p. 102).

29

Donington, em The Interpretation of Early Music, adverte que qualquer informação sobre a

métrica (no sentido atual) que os sinais de mensuração possam incidentalmente fornecer é

indireta, não sendo “nem exata e nem confiável” (DONINGTON, 1963, p. 341, tradução

nossa)17. Na transcrição do exemplo de Gibbons, portanto, a correspondência entre e é

incidental e não constitui uma regra a ser generalizada. Somente uma observação detalhada do

texto e dos contornos melódicos da música vocal renascentista permite chegar a conclusões

acertadas sobre suas inflexões e acentuação.

4.3.2 Tempus perfectum cum prolatione imperfecta ( )

Embora já tenhamos utilizado esta mensuração na seção anterior para ilustrar os

processos de imperfeição e alteração, apresentamos aqui um exemplo adicional extraído do

tratado de Morley (Ex. 5). A transcrição do trecho foi realizada por Alec Harman com

redução de valores 1:2 em sua edição da Introduction (MORLEY; HARMAN, 1952, p. 51) e

está reproduzida no Exemplo 6 com a redução 1:4, sugerida por Apel.

Exemplo 5 - Trecho em tempus perfectum cum prolatione imperfecta. (MORLEY, 1597, p. 30)

Exemplo 6 - Transcrição de Alec Harman do trecho em , modificada para a redução de valores 1:4.

Diferentemente do que ocorre no trecho em considerado na Seção 4.1, este

exemplo exibe síncopas, pois nenhuma regra de imperfeição ou alteração é suficiente para

evitá-las. A primeira B, por ser seguida de mais do que três S – ou, neste caso, de seus

17 No original: “neither exact nor reliable”

30

equivalentes em valores menores – torna-se imperfeita (regra 3 de Apel), de modo que B + S

(compasso 1 da transcrição) constituem a primeira perfeição; a partir deste ponto não há

nenhuma maneira de fazer com que as figuras subsequentes (M, S, S, M pontuada) formem

um novo grupo perfeito, o que ocasiona a síncopa entre os compassos 2 e 3, e,

consequentemente, entre 4 e 5. Todos os pontos ocorrentes neste exemplo são puncti

additionis aplicados às M, o que se confirma facilmente pela observação dos valores

complementares (Sm) que ocorrem imediatamente após o seu emprego. Os fenômenos de

imperfeição presentes neste trecho são, portanto, (i) imperfectio a parte post da primeira B

devida à S seguinte, e (ii) imperfectio a parte post da última B em consequência da pausa de

S.

4.3.3 Tempus imperfectum cum prolatione perfecta ( )

O exemplo que selecionamos para esta mensuração também foi extraído do tratado de

Morley (Ex. 7). Em tempus imperfectum cum prolatione perfecta, as perfeições existem

apenas no nível prolatio e constituem grupos de três minimae. Em uma transcrição com

redução de valores 1:4, portanto, cada compasso ( ) contém duas perfeições, isto é, dois

grupos de três colcheias. As figuras originais correspondentes a cada compasso da transcrição

de Alec Harman (Ex. 8), originalmente realizada com redução 1:2 (MORLEY; HARMAN,

1952, p. 36), estão indicadas na Tabela 3, permitindo observar processos de imperfeição da S

e alteração da M, além do uso do punctus divisionis.

Exemplo 7 - Trecho em tempus imperfectum cum prolatione perfecta. (MORLEY, 1608, p. 21)

Exemplo 8 - Transcrição de Alec Harman do trecho em , modificada para a redução de valores 1:4.

31

compasso da

transcrição figuras correspondentes no original

1 B (imperfeita)

2 B (imperfeita)

3 perfeição 1 S perfeita (“similes ante similem”)

perfeição 2 S perfeita (“similes ante similem”)

4 perfeição 1 S imperfeita pela pausa de M seguinte (imperfectio a p. p.) + pausa de M

perfeição 2 M + M + M

5 perfeição 1 M pontuada (p. a.) + Sm + M

perfeição 2 M + M alterada em consequência do p. d. seguinte18

6 perfeição 1 S perfeita em consequência do p. d. seguinte

perfeição 2 M + M + M

7 perfeição 1 M + M pontuada (p. a.) + Sm

perfeição 2 S imperfeita pela M seguinte (imperfectio a p. p.) + M

8 S imperfeita pela pausa de M (imperfectio a p. p.) + pausa de M

Tabela 3 - Perfeição, imperfeição e alteração das figuras originais no exemplo em .

4.3.4 Tempus perfectum cum prolatione perfecta ( )

Apesar de Morley apresentar esta mensuração antes de qualquer outra na Introduction,

peças escritas em são muito raras nos manuscritos em notação branca e só ocorrem entre os

mais antigos deles (APEL, 1953, p. 123). As regras de imperfeição e alteração se aplicam da

maneira usual nos níveis tempus e prolatio, mas a coexistência destas duas mensurações

perfeitas pode gerar complicações como a imperfeição de notas alteradas e uma maior

frequência da imperfectio ad partem. Os puncti divisionis também podem se tornar ambíguos

por atuarem nos dois níveis, e muitas vezes é necessária a experimentação para compreendê-

los corretamente. O exemplo que selecionamos para ilustrar o tempus perfectum cum

prolatione perfecta é o tenor da peça Vince con lena, de Dom. Bartholomeus de Bononia, cujo

facsimile (Ex. 9) foi extraído do texto de Apel. Assim como fizemos na mensuração anterior,

apresentamos as figuras originais desta peça através de uma correspondência com a edição

moderna de John Stainer (Ex. 10) na Tabela 4.

18 Morley, em seus exemplos, procura eliminar a ambiguidade entre os puncti colocando o p. d. em alturas bem distintas da nota anterior, em oposição ao p. a., que é colocado imediatamente à direita da cabeça da nota a ser aumentada. Esta distinção simplificadora, entretanto, não é uma regra geral nos manuscritos e edições em notação branca.

32

Exemplo 9 - Tenor da canção Vince con lena, de Dom. Bartholomeus de Bononia19 (ca.1450).

(APEL, 1953, p. 143)

Exemplo 10 - Transcrição de John Stainer do tenor de Vince con lena, com redução de valores 1:2.

(STAINER; STAINER, 1898, p. 50-51)

Uma vez que Stainer utilizou a redução de valores 1:2, cada compasso ( ) da

transcrição equivale a uma perfeição no nível tempus (B perfeita) e cada tempo deste

compasso ( ) corresponde a uma perfeição no nível prolatio (S perfeita). O leitor que desejar

considerar o exemplo em detalhes poderá, se necessário, referir-se à Figura 4 para a

decodificação das ligaduras.

19 BONONIA, Bartholomeus. Vince con lena. MS Oxford, Bodleian Library Canonici misc. 213, p. 135 (ca. 1450)  

33

compasso da

transcrição figuras correspondentes no original

1 B perfeita (“similes ante similem”)

2 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

3 B perfeita (“similes ante similem”)

4 B perfeita (“similes ante similem”)

5 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

6 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S imperfeita pela M seguinte (imperfectio a p. p. – nível prolatio) + M

7 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela M seguinte (imperfectio ad partem) + M

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

8 B perfeita (“similes ante similem”)

9 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

10 B perfeita (“similes ante similem”)

11 B perfeita (“similes ante similem”)

12 B perfeita em consequência do punctus divisionis atuando no nível tempus

13 perfeição 1 S perfeita

perfeições 2 e 3 B imperfeita pela S anterior (imperfectio a p. a. – nível tempus)

14

perfeição 1 S perfeita (“similes ante similem”)

perfeição 2 S perfeita (“similes ante similem”)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

15 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

16 perfeições 1 e 2 B imperfeita pela S seguinte (imperfectio a p. p. – nível tempus)

perfeição 3 S perfeita (completando a perfeição no nível tempus)

17

perfeição 1 S perfeita (“similes ante similem”)

perfeição 2 S perfeita (“similes ante similem”)

perfeição 3 S imperfeita pela M seguinte (imperfectio a p. p. – nível prolatio) + M

18

perfeição 1 S perfeita

perfeição 2 S perfeita

perfeição 3 S perfeita

19 Longa

Tabela 4 - Perfeição e imperfeição das figuras originais em Vince con lena.

34

5 PROPORÇÕES

Na notação mensural branca, as possibilidades de expressão gráfica dos ritmos podem

ainda ser consideravelmente ampliadas através do uso do conceito matemático de proporção.

Uma grande variedade de símbolos proporcionais permite estabelecer novas relações entre os

valores das figuras, modificando suas durações fundamentais discutidas até este momento.

Infelizmente, o uso dos sinais de proporção nunca chegou a uma real consistência durante a

Renascença e as prescrições dos teóricos a este respeito não eram necessariamente adotadas

pelos compositores, de modo que a determinação dos valores escritos em notação

proporcional pode ser bastante complexa e eventualmente envolver processos de tentativa e

erro. Nesta seção, com base em nossa leitura do texto de Apel, complementada por algumas

consultas a tratados do período e a outros textos musicológicos modernos, apresentamos um

panorama das regras que governam esta escrita.

5.1 As proporções como entidades matemáticas

Nos tratados musicais da Renascença, as proporções são normalmente apresentadas

como conceitos através dos quais se podem descrever não apenas as relações entre os valores

temporais das figuras, mas quaisquer outras correspondências existentes entre duas grandezas

de um mesmo tipo. A comparação entre as frequências dos sons que compõem intervalos

consonantes ou dissonantes, por exemplo, foi amplamente discutida pelos teóricos sob a ótica

proporcional e consta em diversos textos do período. A tradição pedagógica medieval, que

incluía a Música no quadrivium – colocando-a, portanto, ao lado da Aritmética, Geometria e

Astronomia – certamente permitia que os teóricos da Renascença tivessem grande

familiaridade com a matemática e eventualmente a discutissem de maneira independente de

suas aplicações musicais imediatas. O italiano Pietro Aron, em seu Toscanello in musica

(1531) inicia o capítulo sobre proporções afirmando que “como a força dos números é

anterior à música, o que se pode compreender por um raciocínio muito simples, [...] resta falar

das proporções, que destes números se compõem” (ARON, 1531, lib.II, cap. xxii, tradução

nossa)20, e prossegue com sua definição:

20 No original: “Perche la forza de numeri è prima che la musica, come si può per una semplicissima ragione intendere, [...] resta che parliamo de le proportioni che di questi numeri si compongono”

35

[...] diremos proporção quando duas quantidades de um mesmo gênero são comparadas juntas de certa e determinada maneira, isto é, que [...] ou sejam iguais ou sejam desiguais, como aparece nestes números: 3 a 2, 2 a 3, 4 a 3, 5 a 4, e 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4, etc.. Por isso se nota que todas as quantidades devem ser iguais ou desiguais – se é que é necessário que se faça alguma vez comparação de uma coisa igual a outra, o que gera uma espécie dita proporção racional de igualdade, a qual não vem a propósito ao músico, e portanto desta não falaremos. Mas fazendo comparação de números diferentes, nasce a segunda espécie, dita proporção racional de desigualdade, da qual se ordenam cinco gêneros assim chamados: multiplex, superparticulare, superpartiens, multiplex superparticulare e multiplex superpartiens. (ARON, 1531, lib. II, cap. XXXII, tradução nossa)21

A nomenclatura dos cinco gêneros de proporções citados por Aron foi utilizada

correntemente por diversos outros autores do período, sugerindo que seu uso fosse bastante

comum na época. Nos termos da aritmética moderna, uma proporção não é apenas uma

comparação entre dois números, mas consiste em uma relação entre duas razões. As

definições apresentadas pelos teóricos renascentistas a este respeito, entretanto, normalmente

baseavam-se em Boécio, que não fazia uma distinção clara entre ratio e proportio (MASI,

1983, p. 26), de modo que podemos considerar, neste contexto, que uma proporção seja

adequadamente representada por uma única fração. Em The Notation of Polyphonic Music,

900-1600, Willi Apel classifica as proporções de acordo com a relação entre o numerador e o

denominador das frações correspondentes (APEL, 1953, p. 146), expondo algumas regras que

serão reproduzidas e exemplificadas nos itens seguintes. As ilustrações que acompanham a

descrição de cada genus foram extraídas do célebre tratado Istitutioni Harmoniche (1558), de

Gioseffo Zarlino, e representam a nomenclatura das proporções de maneira esquemática.

(a) Genus multiplex: A este gênero pertencem as proporções representadas por frações cujos

denominadores são iguais à unidade22. Sua nomenclatura é facilmente determinada a partir do

numerador da fração, como em 2/1 (dupla), 3/1 (tripla), 6/1 (sextupla), etc.. Os dez primeiros

tipos de proporções multiplex estão representados na Figura 21, retirada do tratado de Zarlino.

21 No original: “[...] diremo proportione quando due quantità dun medesimo genere luna a laltra insieme sono comparate con certa & determinata habitudine:cioe che [...] ò siano equali ò siano inequali:come appare in questi numeri 3 a 2, 2 a 3, 4 a 3, 5 a 4, & 2 a 2, 3 a 3, 4 a 4 &c. Per laqual cosa si notifica che tutte le quantità bisogna siano equali overo inequali: si che è necessario si faccia comparatione alcuna volta dal una equale a laltra:laqual comparatione genera una spetie detta proportione rationale di equalità: la qual non cade in proposito al musico: & pero di questa non ne parleremo. Ma facendo comparatione di inequale numero, ne nasce la seconda spetie detta proportione rationale di inequalità:de la quale si ordina cinque generi così chiamati. Multiplice. Superparticulare. & Superpartiente. Multiplice superparticulare. & Multiplice superpartiente.” 22 Consideramos importante notar o fato (não explicitado por Apel) de esta regra, assim como outras que serão apresentadas para as frações dos próximos gêneros, referir-se às frações irredutíveis de cada genus: embora a fração 8/4, por exemplo, não possua denominador 1, ela pode ser reduzida a 2/1 e representa proportio dupla, pertencendo ao gênero multiplex.

36

Figura 21 - Genus multiplex. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXIIII)

(b) Genus superparticulare: Nas frações (irredutíveis) que representam as proporções deste

tipo, o numerador supera o denominador em apenas uma unidade (3/2, 4/3, 5/4, etc.)23, e sua

nomenclatura se determina adicionando-se o prefixo sesqui ao ordinal correspondente ao

denominador (3/2: sesquialtera, 4/3: sesquitertia, 5/4: sesquiquarta, etc.) (Fig. 22).

Figura 22 - Genus superparticulare. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVI)

23 Excetua-se, naturalmente, o caso 2/1, pertencente ao genus multiplex.

37

(c) Genus superpartiens: Nas frações irredutíveis deste gênero, o numerador M deve superar o

denominador N em mais do que uma unidade, sem que M chegue, no entanto, a 2N (o que

resultaria em proportio dupla). As proporções da primeira espécie do gênero superpartiens

são aquelas em que M=N+2 e recebem a denominação superbipartiente, seguida do ordinal

correspondente ao denominador da fração (5/3: superbipartiente tertias, 7/5: superbipartiente

quintas, etc.). Na segunda espécie (M=N+3), a proporção é denominada supertripartiente

(7/4: supertripartiente quartas, 10/7: supertripartiente setimas, etc.), e na terceira espécie

(M=N+4), analogamente, temos 9/5 (superquadripartiente quintas), 13/9

(superquadripartiente nonas), etc.. A Figura 23, extraída de Istitutioni Harmoniche, de

Zarlino, contém todos os exemplos acima citados.

Figura 23 - Genus superpartiens. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVII)

38

(d) Genus multiplex superparticulare : As proporções deste gênero são expressas através de

frações cujo numerador M supera algum múltiplo k×N do denominador N em apenas uma

unidade24, isto é, possuem a forma (ex.: , , , etc.),

sendo, portanto, uma combinação dos gêneros multiplex e superparticulare. A nomenclatura

das proporções deste genus determina-se através de uma composição das denominações

utilizadas naqueles que lhe dão origem, de modo que 5/2 corresponde a dupla sesquialtera,

13/3 a quadrupla sesquitertia, 9/4 a dupla sesquiquarta, etc.. Exemplos adicionais estão

ilustrados na Figura 24, também retirada do tratado Istitutioni Harmoniche.

Figura 24 - Genus multiplex superparticulare. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXVIII)

24 k≠1

39

(e) Genus multiplex superpartiens: De maneira análoga ao caso anterior, estas proporções

consistem em uma combinação dos tipos multiplex e superpartiens. Sendo assim, as frações

M/N que representam proporções deste gênero possuem um numerador que supera algum

múltiplo k×N do denominador25 em mais do que uma unidade (M = k×N + 2, M = k×N + 3,

M = k×N + 4, etc.), sem que M atinja o valor (k+1)×N, o que faria da proporção uma simples

multiplex. Assim como no gênero anterior, a nomenclatura das proporções multiplex

superpartiens é determinada através da combinação daquelas utilizadas nos gêneros originais,

como nos exemplos a seguir: (dupla superbipartiente tertias), (tripla

supertripartiente quartas), (tripla superquadripartiente quintas). Na Figura 25,

Zarlino apresenta exemplos adicionais, classificados em espécies segundo seu denominador.

Figura 25 - Genus multiplex superpartiens. (ZARLINO, 1589, lib. I, cap. XXIX)

25 k≠1

40

Os exemplos dos cinco gêneros de proporções aqui apresentados eram chamados pelos

teóricos de “proporções racionais da desigualdade maior”, por serem representados por

frações cujo numerador supera o denominador, e indicam diminuição (proportio dupla, por

exemplo, também é chamada de diminutio simplex). Às proporções da desigualdade menor

(aumentações), representadas pelas frações inversas, adiciona-se simplesmente o prefixo sub

(1/2: subdupla, 4/5: subsesquiquarta, 3/5: subsupertripartiente tertias, 3/13: subquadrupla

sesquitertia, 5/19: subtripla superquadripartiente quintas, etc.).

5.2 Aplicação das proporções à música mensural

Da maneira como foram expostas na seção anterior, as proporções são conceitos

abstratos através dos quais se podem descrever relações entre quaisquer duas quantidades de

um mesmo gênero. Quando aplicada ao aspecto mensural da música, uma proporção consiste

na comparação entre duas quantidades de figuras que devem executadas em um mesmo

intervalo de tempo. Sendo assim, a utilização de suas espécies mais complexas não era

frequente no repertório e as mais usuais eram a dupla, a tripla, a quadrupla, a sesquialtera e a

sesquitertia (MORLEY, 1597, p. 27). Nas palavras de Zarlino, “[...] por mais que tais

espécies [de proporções] possam ser infinitas, a Música (como disse acima) não recebe o

infinito, mas se contenta com uma parcela que seja finita e mais próxima da simplicidade,

para que possa dar boa conta daquilo que opera [...]”(ZARLINO, 1589, cap. XXIIII, tradução

nossa)26. O uso das cinco proporções citadas por Morley aplicadas à semibrevis está ilustrado

na Figura 26, onde os colchetes indicam um mesmo intervalo de tempo. Diz-se que a música

escrita após uma destas indicações está em “em notação proporcional”, em oposição àquela

escrita em “valor inteiro” (integer valor), na ausência de tais sinais.

Figura 26 - Proporções mais simples aplicadas à semibrevis.

26 No original: “[...] quantunque tali Specie possino essere infinite ; nondimeno la Musica (come dissi di sopra) non riceue l’Infinito; ma si contenta d’una particella, che sia finita, & più uicina alla semplicità; acciò possa dar buon conto di quello, che opera [...]”

41

5.2.1 Tactus

Para que as proporções indicadas na música mensural sejam corretamente

interpretadas, é necessário conhecer a unidade de tempo que governa o andamento da peça em

questão, assim como a correspondência desta medida com alguma das figuras musicais. Na

Renascença, a unidade de tempo era denominada tactus27 – correspondendo ao que hoje

chamamos de pulso – e podia ser subdividida em partes iguais ou desiguais, conforme

descreve Zarlino em Istitutioni Harmoniche:

[...] vendo os músicos que, pela diversidade dos movimentos que fazem cantando juntos as partes da canção – por um ser mais veloz ou mais lento que o outro – se poderia gerar alguma confusão, criaram um certo sinal, no qual cada cantor deveria se apoiar ao proferir a palavra com medida de tempo veloz ou lenta [...] E imaginaram que fosse bom se tal sinal fosse feito com a mão, para que cada um dos cantores pudesse vê-lo, e fosse regulado em seu movimento à guisa do pulso humano. Depois de dada esta ordem, alguns dos músicos chamaram esse sinal de tactus [...] E realmente me parece que pensaram bem, pois não vejo qual movimento poderiam encontrar, que fosse feito naturalmente e pudesse lhes dar a medida e proporção, que não fosse este. Porque se considerarmos as qualidades que se encontram em um e outro – isto é, no tactus e no pulso, que pelos gregos é chamado sfigmos – , encontraremos entre eles muitas correspondências, porque sendo o pulso [...] um certo alargamento e estreitamento, ou melhor, levantamento e abaixamento do coração e das artérias, vem a ser composto de dois movimentos e duas pausas, coisas das quais similarmente o tactus vem a ser composto; [...] E assim como a Medicina chama o primeiro movimento sístole e o segundo diástole, também a Música denomina o battere thesis e o levare arsis. Semelhantemente, assim como o pulso se encontra de duas maneiras, segundo a autoridade dos celebrados princípios da Medicina – isto é, igual e desigual – também o tactus se encontra de duas maneiras, igual e desigual, a que se reduz todo movimento proporcional que se faz com a voz. [...] Mas deve-se notar que consideraram o tactus em duas partes, e tanto à primeira quanto à segunda atribuíram o tempo breve, ou longo, como lhes fosse mais cômodo. É bem verdade que os modernos aplicaram primeiramente ao tactus ora a brevis, ora a semibrevis imperfeitas, fazendo-as iguais ao tempo do pulso dividido em dois movimentos iguais, onde tal tactus se pode verdadeiramente chamar igual; [...] Depois lhe aplicaram ora a brevis com a semibrevis, e ora a semibrevis com a minima, e o dividiram em dois movimentos desiguais, aplicando ao battere o tempo longo e ao levare o breve, colocando-os em proporção dupla. E porque entre o battere e o levare recai a proporção de desigualdade, tal tactus se pode verdadeiramente chamar de desigual. Tendo, depois, estes músicos tal referência, quando queriam dizer o tactus igual, assinalavam suas canções no início com o círculo ou semicírculo inteiros, ou cortados em duas partes por uma linha; e quando queriam dizer o desigual, acrescentavam a tais sinais,

27 Em inglês, “stroke” ou “tact”; em italiano, “battuta”.

42

ou cifras, o ponto, como se vê nestes exemplos. (ZARLINO, 1589, lib. III, cap. XLIX, tradução nossa, grifos nossos)28

Na Figura 27, reproduzimos os exemplos dados por Zarlino para os sinais de tactus

igual e desigual. O acréscimo do ponto aos sinais de mensuração é apenas um indicador de

prolatio perfecta – isto é, da subdivisão ternária da semibrevis – que se conduzia através de

uma marcação de tempo desigual, onde as duas primeiras minimae correspondem ao

movimento descendente da mão (battere) e a última ao ascendente (levare). Devido ao fato de

conter dois tempos em proporção dupla, o tactus desigual (battuta inequale) é também

chamado de tactus proportionatus. Os sinais cortados por um traço indicam uma diminuição

simples (proportio dupla), o que faz com que a unidade de tempo corresponda, em rigor, à

brevis.

Figura 27 – Sinais indicando tactus igual e tactus desigual. (ZARLINO, 1589, lib. III, cap. XLIX)

28 No original: “[...] i Musici uedendo, che per la diuersità de i mouimenti, che fanno cantando insieme le Parti della cantilena, per esser l'un più ueloce, ò più tardo dell'altro, si poteua generar qualche confusione; ordinarono un certo Segno, dal quale ciascun Cantante s'hauesse da reggere nel proferir la uoce con misura di tempo ueloce, ò tardo [...] Et s'imaginarono che fusse bene, se cotal segno fusse fatto con la mano; accioche ogn'uno de i Cantori lo potesse uedere, & fusse regolato nel suo mouimento alla guisa del Polso humano. Onde dopoi dato tal'ordine, alcuni de i Musici chiamarono cotal segno Battuta [...] Et ueramente parmi che pensassero bene; percioche non sò uedere, qual mouimento poteuano ritrouare, che fusse fatto naturalmente; & potesse dare à loro la regola & proportione, fuori che questo. Percioche se noi consideraremo le qualità, che si ritrouano in uno & l'altro; cioè, nella Battuta & nel Polso, che da i Greci è detto ός, ritrouaremo tra loro molte conuenienze; conciosiache essendo il Polso [...] un certo Allargamento & Ristrengimento; ò pur uogliamo dire Alzamento & Abbassamento del cuore, & delle arterie; uiene ad esser composto di due mouimenti, & di due quiete; dellequali cose similmente la Battuta uiene ad esser composta; [...] Et si come la Medicina chiama il primo mouimento ή , & il secondo ή; cosi la Musica nomina [...] il Battere ές, & la Leuatione Άς .Simigliantemente; si come il Polso si ritroua di due maniere, secondo l'autorità de i commemorati Prencipi della Medicina; cioè, Equale & Inequale; [...] cosi la Battuta si ritroua di due maniere, Equale & Inequale; oue si riduce ogni mouimento proportionato, che si fà con la uoce. [...] Ma si dè auertire, che considerarono la Battuta in due parti; & tanto alla prima, quanto alla seconda attribuirono la misura del Tempo breue, ò lungo; come li tornaua più commodo. E' ben uero che i Moderni applicarono primieramente alla Battuta hora la Breue, & hora la Semibreue imperfette; facendole equali al tempo del Polso distinto in due mouimenti equali; onde cotale Battuta si può ueramente chiamare Equale; [...] Dopoi le applicarono hora la Breue con la Semibreue, & hora la Semibreue con la Minima, & la diuisero in due mouimenti inequali, applicando alla Positione il Tempo lungo, & alla Leuatione il breue, ponendole in Dupla proportione. Et perche tra la Positione & la Leuatione casca la proportione d'Inequalità, però cotal Battuta si può con uerità chiamare Inequale. Hauendo dopoi essi Musici cotal rispetto, quando intendeuano la Battuta equale, segnauano le lor Cantilene nel principio col Circolo, ò Semicircolo intieri; ouer da una linea in due parti tagliati; & quando intendeuano l'Inequale aggiungeuano à cotali segni, ò cifere il Punto; come in questi essempi si uede.”

43

Para Apel, cuja visão tradicional defende a existência de um pulso fixo e

moderadamente lento (M.M. = 50-60) durante todo o período da notação mensural, o tactus

está normalmente associado à semibrevis (APEL, 1953, p. 146-147). Segundo a musicóloga

Ruth DeFord, entretanto, esta correspondência foi bastante flexibilizada ao longo do século

XVI, de forma que peças escritas em por volta de 1500 também poderiam ter seu tactus

associado a esta figura, e no final do século até mesmo a minima poderia representar o pulso

sob a mensuração (DEFORD, 1995, p. 3). Para Morley, o tactus major está associado à

brevis e o tactus minor à semibrevis, de acordo com a definição retirada da Introduction:

[...] [tactus] é um movimento sucessivo da mão indicando a quantidade de cada nota e pausa na canção, com igual medida, de acordo com uma variedade de sinais e proporções, e divide-se em três: major, minor e proportionatus. Chama-se tactus major, quando o tactus compreende o tempo de uma brevis; minor quando o tempo de uma semibrevis, e proportionatus quando compreende três semibreves, como em uma tripla, ou três minimae, como em prolatio perfecta [...] (MORLEY, 1597, p. 9, tradução nossa)29.

Apesar desta associação da semibrevis com o tactus minor, o editor Alec Harman

comenta o fato de este ser “de longe, o mais comum” (MORLEY; HARMAN, 1952, p. 19,

tradução nossa)30, de maneira que se pode assumir a ligação entre tactus e semibrevis também

neste caso. Andreas Ornithoparcus, em seu Micrologus (1517), afirma que esta figura é o

verdadeiro tactus de todas as canções, associando o uso da minima aos músicos de menos

habilidade:

[...] tactus é um movimento sucessivo no canto, dirigindo a igualdade do compasso, ou é um certo movimento, feito pela mão do cantor principal, de acordo com a natureza dos sinais, que dirige uma canção de acordo com o compasso. [...] O tactus divide-se em três: major, minor e proportionatus. Major é uma medida feita por um movimento lento, e como se fosse recíproco. Os escritores chamam este tactus de inteiro, ou tactus total. E porque ele é o verdadeiro tactus de todas as canções, ele compreende em seu movimento uma semibrevis não diminuída, ou uma brevis diminuída em uma dupla. O tactus minor é metade do major, e é chamado de semitactus. Porque ele mede por seu movimento uma semibrevis diminuída em uma dupla, isto só é permitido para os incultos. O proportionatus é aquele onde três semibreves são pronunciadas contra uma (como em uma tripla) ou contra duas, como em uma sesquialtera. [...] (ORNITHOPARCUS, 1609, p. 46, tradução nossa)31.

29 No original : “[...] [stroke] is a successive motion of the hand directing the quantitie of every note & rest in the song, with equal measure, according to the varietie of signes and proportions : this they make three folde, more, lesse and proportionate. The More stroke they call, when the stroke comprehendeth the time of a Briefe : The lesse, when a time of a Semibriefe, and proportionat where it comprehendeth three Semibriefes, as in a triple or three Minoms, as in the more prolation [...]” 30 No original: “by far the most common” 31 No original : “[...] tact is a successive motion in singing, directing the equalitie of the measure: Or it is a certain motion, made by the hand of the chiefe singer, according to the nature of the marks, which directs a Song according to Measure. [...] Tact is three-fold, the greater, the lesser and the proportionate. The greater is a measure made by a slow, and as it were

44

Com base neste equivalência, Ornithoparcus expressou através de uma tabela a

correspondência do tactus com as outras figuras nas diferentes mensurações (Tab. 5):

Tabela 5 - Correspondência do tactus com as figuras em diferentes mensurações

(ORNITHOPARCUS, 1609, p. 46)

Os sinais colocados na primeira coluna das quatro primeiras linhas desta tabela são

indicações de mensuração do tipo modus cum tempore, que frequentemente se confundiam

com os símbolos utilizados para expressar as proporções duplas e triplas nas mensurações e

. Estas quatro linhas correspondem, respectivamente, a: (1) modus maximarum perfectus

cum modo longarum perfecto cum tempore perfecto cum prolatione perfecta; (2) modus

maximarum perfectus cum modo longarum perfecto cum tempore perfecto cum prolatione

imperfecta; (3) modus maximarum imperfectus cum modo longarum imperfecto cum tempore

perfecto cum prolatione imperfecta; (4) modus maximarum imperfectus cum modo longarum

perfecto cum tempore imperfecto cum prolatione perfecta. Nas quatro linhas seguintes

supõem-se modus maximarum e modus longarum imperfeitos, o que faz com que as linhas 4 e

5, assim como 3 e 7, sejam iguais. Na coluna da M e nas posteriores, Ornithoparcus

aparentemente considerou apenas os casos de prolatio imperfecta, pois preencheu com o

número 1 cortado (significando 1/2) apenas as células correspondentes a ela, e somente em

prolatio imperfecta são válidas as descrições dadas nas três últimas colunas (4 Sm, 8 F ou 16

reciprocall motion. The writers call this Tact the whole, or totall Tact. And, because it is the true Tact of all Songs, it comprehends in his motion a Semibreefe not diminished : or a Brief diminished in a Duple. The lesser Tact, is the halfe of the greater, which they call a Semitact. Because it measures by it motion a Semibreefe, diminished in a duple : this is allowed of onely by the vnlearned. The proportionate is that, where three Semibreefes are vttered against one, (as in a Triple) or against two, as in a Sesquialtera. [...]”

45

Sf para um tactus). O número de aparência duvidosa na segunda coluna das duas primeiras

linhas é, naturalmente, 27.

Uma definição adicional em favor da correspondência do tactus com a semibrevis é

dada por Johannes Cochlaeus no tratado Tetrachordum Musices, de 1514:

O que é tactus mensural? É um movimento contínuo mantido em uma dada medida, pois o tempo é reconhecido através do movimento, e também a duração temporal de um tom. Uma semibrevis em qualquer mensuração pode ser medida por um tactus mensural, exceto nas proporções e em aumentação. (COCHLAEUS, 1970, p. 68, tradução nossa)32.

5.2.2 Exemplos de proporções

No texto acima citado, Cochlaeus exemplifica as proporções mais simples através do

uso de indicações numéricas do tipo    , que significam que m semibreves devem ser

executadas no mesmo intervalo de tempo em que n o eram antes da indicação proporcional.

Se o efeito das proporções for considerado cumulativo, o uso subsequente da razão inversa  

provoca, naturalmente, o cancelamento da proporção anterior. Os exemplos dados pelo autor

para a dupla (Ex. 11) e a quadrupla (Ex. 13), além de ilustrarem o mecanismo das

proporções, demonstram a possibilidade de representar um mesmo ritmo através de diferentes

indicações proporcionais, o que se pode verificar nas transcrições de Clement Miller para os

dois casos (Exemplos 12 e 14):

Exemplo 11 - Proportio dupla. (COCHLAEUS, 1514, fol. Evr)33

Exemplo 12 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio dupla. (COCHLAEUS, 1970, p. 74)

32 No original : “What is mensural tactus? It is a continuous movement maintained in a given measurement, for time is recognized by movement, and also the temporal duration of a tone. A semibreve in any time signature can be measured by a mensural tactus, except in proportions and augmentation.” 33 Neste exemplo e no seguinte, faltaria um punctus additionis após a segunda nota mi, de acordo com a transcrição de C. Miller.

46

Exemplo 13 - Proportio quadrupla. (COCHLAEUS, 1514, fol. Evv)

Exemplo 14 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio quadrupla. (COCHLAEUS, 1970, p. 75)

Nos exemplos dados para a tripla e a sesquialtera, Cochlaeus também utiliza uma

única melodia, mas desta vez a escreve usando as mesmas figuras, destacando assim a

diferença entre a medida das duas proporções (Exemplos 15 e 17)34

. O tenor está escrito em

integer valor em ambos os casos e constitui uma referência segura para a interpretação das

partes escritas em notação proporcional. As ligaduras ocorrentes no exemplo da tripla são do

tipo cum opposita proprietate (c. o. p.), de modo que o tenor contém as figuras S S B | S S S S

B L, e, no exemplo da sesquialtera, S S B | B B B B L L (a haste da última longa não está

visível na figura). As transcrições modernas de Clement Miller (Exemplos 16 e 18) destes

trechos, assim como aquelas reproduzidas nos dois casos anteriores, constam em sua tradução

de Tetrachordum Musices para o inglês (COCHLAEUS, 1970).

34 As figuras reproduzidas nos exemplos 15 e 17 foram extraídas do tratado Musica (COCHLAEUS, 1507?) do mesmo autor e representam os mesmos exemplos transcritos por Clement Miller em sua tradução de Tetrachordum Musices. A razão para as havermos retirado do primeiro texto foi simplesmente a melhor qualidade da imagem.

47

Exemplo 15 - Proportio tripla. (COCHLAEUS, 1507?, fol. 14r)35

Exemplo 16 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio tripla. (COCHLAEUS, 1970, p. 75)

Exemplo 17 - Proportio sesquialtera. (COCHLAEUS, 1507?, fol. 14v)

Exemplo 18 - Transcrição de Clement Miller do exemplo de proportio sesquialtera (COCHLAEUS, 1970, p. 75)

35 Mais uma vez, de acordo com a transcrição de Clement Miller, deveria haver um punctus additionis após a primeira mínima.

48

A proporção sesquialtera pode também ser indicada através do processo de coloração

(Seção 4.1) após uma mensuração ternária. Uma vez que este mecanismo retira um terço do

valor de uma nota perfeita, a equivalência = constitui uma maneira de representar

a relação 3:2. Quando expressa através de notas coloridas, a sesquialtera é frequentemente

denominada hemiolia, palavra grega de mesmo significado.

Como um exemplo adicional de proporção tripla, reproduzimos aqui um trecho em

tempus perfectum retirado da Introduction de Morley, onde também se observa o uso da razão

inversa anulando a proporção anterior (Ex. 19). Sua transcrição, originalmente realizada com

redução 1:2, consta na edição de Alec Harman (MORLEY; HARMAN, 1952, p. 51-52), e está

aqui reproduzida com redução de valores 1:4 (Ex. 20).

Exemplo 19 - Proportio tripla em tempus perfectum. (MORLEY, 1608, p. 30)

Exemplo 20 - Transcrição de Alec Harman do exemplo para proportio tripla em tempus perfectum, modificada

para a redução de valores 1:4.

Para ilustrar a última das cinco proporções mais frequentes no repertório – a

sesquitertia (4:3) – selecionamos o início de um exemplo dado por Franchinus Gafurius no

49

tratado Practica Musicae (Ex. 21), também discutido por Apel (APEL, 1953, p. 162) e

transcrito por Johannes Wolf em Handbuch der Notationskunde (Ex. 22) com redução de

valores 1:2. Neste caso, quatro semibreves após a proporção devem ser executadas no mesmo

intervalo de tempo em que três semibreves o eram em integer valor – isto é, devem preencher

um compasso – de modo que uma semibrevis pode ser adequadamente transcrita como

uma semínima (moderna) pontuada após a proporção. No final do segundo compasso,

entretanto, os valores originais requerem que esta semínima pontuada seja dividida em

quatro partes iguais (semicolcheias pontuadas), o que torna difícil encontrar uma figura

moderna que represente o valor , equivalente às três primeiras semicolcheias pontuadas. A

solução dada por Wolf para este problema ( ), não nos parece rigorosamente correta, pois

não soma o valor de uma semínima pontuada, e por esta razão adicionamos a sua transcrição

original a alternativa de Willi Apel para o cantus, esta última realizada com redução 1:4 (Ex.

22).

Exemplo 21 - Proportio sesquitertia. (GAFURIUS, 1496, fol. 60r)

Exemplo 22 - Transcrições de Willi Apel (redução 1:4) e Johannes Wolf (redução 1:2) do exemplo de proportio

sesquitertia (WOLF, 1913, p. 418; APEL, 1953, apêndice n. 22)

50

Na notação proporcional, frações onde o numerador é menor do que o denominador

representam aumentações e podem ser tratadas segundo os mesmos princípios matemáticos

que regem as diminuições. Um caso especial de aumentação, entretanto, não é expresso

através de relações numéricas e consiste no uso do sinal de prolatio perfecta em apenas uma

das vozes de uma peça, significando que esta parte (normalmente o tenor) deve ser lida com o

tactus recaindo sobre a minima, e não sobre a semibrevis. Um exemplo do uso de como

signum augientiae (sinal de aumentação) se encontra no início do Kyrie da Missa L’Homme

Armé de Johannes Ockeghem (Ex. 23). Os originais fazem parte do Codex Chigi e foram

reproduzidos em The Notation of Polyphonic Music, 900-1600 (APEL, 1953, p. 165), de onde

os extraímos. Neste exemplo, a voz superior, o contra e o bassus estão escritas na mensuração

(tactus correspondendo à semibrevis), enquanto o tenor está em , com o tactus associado

à minima, o que se pode observar na transcrição moderna de Albert Smijers (Ex. 24),

realizada com redução de valores 1:2.

Exemplo 23 - Início do Kyrie da Missa l´Homme Armé de Johannes Ockeghem. (APEL, 1953, p. 165)

Exemplo 24 - Transcrição de Albert Smijers do início do Kyrie da Missa l´Homme Armé de Johannes Ockeghem

com redução de valores 1:2. (SMIJERS, 1952, p.1)

51

Da maneira como ocorreram nos exemplos 13 e 19, as aumentações foram expressas

através de razões inversas de uma diminuição anterior com o objetivo de anulá-la e retomar a

escrita em integer valor. Este processo não passa de um caso particular do mecanismo de

proporções cumulativas advogado por Johannes Tinctoris (ca. 1435-1511), que foi, ao lado de

Franchinus Gafurius, um dos grandes reformadores do sistema mensural no final do séxulo

XV. De acordo com Tinctoris, proportio dupla ocorrendo após proportio sesquialtera, por

exemplo, resulta em tripla ( × = ), da mesma maneira que a aumentação subdupla

ocorrendo após proportio dupla resulta em integer valor (BERGER, 2002, p. 649). No século

XVI, como regra geral, uma proporção anterior só se pode considerar “cancelada” quando

seguida de um novo sinal de mensuração.

Em seu tratado Proportionale Musices (ca. 1475), Tinctoris também chamou a atenção

para o fato de que as proporções deveriam se aplicar apenas a figuras de mesma mensuração,

a fim de evitar a confusão decorrente da comparação de figuras perfeitas com imperfeitas. No

penúltimo capítulo de Proportionale, intitulado Como deve ser entendida a referência de

algumas notas a outras36, o autor criticou Guillaume Dufay por este último ter comparado

três breves perfeitas com duas imperfeitas e sinalizado esta proporção como sesquialtera37 em

sua Missa Sancti Anthonii (Fig. 28), quando deveria ter utilizado a proporção dupla

sesquiquarta (9:4) – isto é, comparado nove semibreves imperfeitas com quatro semibreves

também imperfeitas, utilizando o símbolo (TINCTORIS; SEAY, 1957, p. 45). Este caso

também está discutido no artigo The evolution of Rhythmic Notation (BERGER, 2002, p. 650-

652), onde a autora apresenta uma transcrição do exemplo completo, além de estabelecer uma

interessante relação entre este pensamento de Tinctoris e a famosa “regra de três”.

Figura 28 – Exemplo de Dufay criticado por Johannes Tinctoris.

36 Na tradução de Albert Seay do latim para o inglês, “How it must be understood to refer some notes to others”. 37 O número 3 era frequentemente usado, nas proporções, com o significado 3:2, como o próprio autor reconhece em sua crítica.

52

5.2.3 Interpretações dos sinais de proporção: algumas dificuldades

O uso dos sinais de mensuração com o objetivo de expressar proporções foi bastante

frequente no período da notação branca, e é certo que sua interpretação não era consistente

entre os diferentes teóricos e compositores. O significado de praticamente todos estes

símbolos mudou ao longo do tempo, e teóricos contemporâneos frequentemente os

interpretavam segundo critérios conflitantes. Uma confusão especial era gerada por sua

semelhança com os sinais do tipo modus cum tempore38, que por sua vez, também eram

ambíguos: o círculo, assim como os números que o acompanhavam, podiam ser referentes ora

à perfeição do tempus, ora do modus major, ora do modus minor. Uma análise da história e do

complexo uso destes sinais está certamente além do escopo deste trabalho39, e nos parágrafos

seguintes não faremos mais do que alguns comentários a respeito dos mais importantes deles.

A partir do final do século XV, apesar de os compositores haverem passado a escrever

suas peças utilizando valores menores e gradualmente abandonado a estrutura baseada na

brevis, símbolos diminuídos como e tornaram-se muito mais frequentes do que os

originais não cortados pelo traço. Embora o primeiro destes sinais – tradicionalmente

entendido como tempus imperfectum diminutum – esteja teoricamente relacionado a através

de uma proporção dupla (tactus associado à brevis), a relação entre ambos era bastante

variável na prática. Segundo Ruth DeFord, quando e eram aplicados a peças

independentes, a proporção entre os andamentos supostos em cada caso era normalmente

menor do que 2:1 (DEFORD, 1995, p. 4), de modo que o uso de pode sugerir simplesmente

um andamento um pouco mais movido que o original . Em seu texto The English Madrigal

Composers, Edmund Fellowes40 chama a atenção para o fato de até mesmo Morley usar estes

símbolos indiscriminadamente em suas composições: na primeira edição de Madrigalls to

Foure Voyces (MORLEY, 1594), por exemplo, o símbolo foi usado ao longo de todo o

livro, enquanto na reimpressão de 1600 (MORLEY, 1600) as mesmas peças foram escritas

sob (Fig. 29); da mesma forma, na edição de 1593 de Canzonets or Little Short Songs to

Three Voyces (MORLEY, 1593a; MORLEY 1593b) o cantus está escrito em e as outras

vozes em (Fig. 30) (FELLOWES, 1921, p. 91):

38 Cf. Tabela 5, de Ornithoparcus. 39 O leitor interessado poderá se referir aos excelentes textos de Anna Maria Busse Berger, The Origin and Early History of Proportion Signs (BERGER, 1988) e The Evolution of Rhythmic Notation (BERGER, 2002). 40 Edmund Horace Fellowes (1870-1951), membro honorário do Oriel College (Universidade de Oxford), foi o principal responsável pelo ressurgimento do interesse pelo repertório renascentista inglês no final do século XIX e um dos primeiros a transcrever peças do período. Entre suas edições encontram-se 36 volumes de madrigais, 32 volumes de canções para alaúde de 20 volumes de música de William Byrd.

53

Figura 29 - Uso de e para uma mesma peça, em duas edições diferentes do livro Madrigalls to Foure Voyces, de Morley. (MORLEY, 1594, fol. Bjr.; MORLEY, 1600, fol. Aiir.)

Figura 30 - Uso de no cantus e nas outras vozes de uma mesma peça, no livro Canzonets or Little Short Songs to Three Voyces, de Morley. (MORLEY, 1593a, fol. Bjr , MORLEY, 1593b, fol. Br , MORLEY, 1593c,

fol. Br )

Ao expor estes sinais do ponto de vista formal e teórico na Introduction, entretanto,

Morley os define de acordo com a tradição, atribuindo a , , e , assim como a e ,

o caráter de diminuição simples (proportio dupla). De qualquer forma, o mestre não deixa de

destacar que os dois últimos são os mais comumente utilizados para essa função (MORLEY,

1597, p. 25), talvez considerando tacitamente que os primeiros já não fossem correntemente

54

utilizados de acordo com seu significado original. Aos símbolos , , e , Morley

atribui a “diminuição da diminuição” (MORLEY, 1597, p. 25), isto é, proportio quadrupla.

Outra questão controversa ainda no Renascimento era a mensuração das figuras após

uma indicação proporcional. A ocorrência de proporções com caráter ternário como a tripla

ou a sesquialtera após um trecho em tempus imperfectum, por exemplo, não deixa claro se as

figuras subsequentes, embora diminuídas, devem ser consideradas perfeitas ou imperfeitas

após a proporção. No artigo The Early History of Proportion Signs, Anna Maria Busse Berger

menciona os teóricos Ugolino de Orvieto41 e Prosdocimus de Beldemandis42 como defensores

do acordo das figuras com a nova mensuração proporcional – isto é, ambos sempre

consideravam as figuras perfeitas (e consequentemente sujeitas a imperfeição e alteração)

após uma proporção ternária, independentemente da mensuração inicial. Berger aponta Willi

Apel como o único acadêmico a reconhecer este problema e identifica sua posição com a

destes dois antigos teóricos (BERGER, 1988, p. 424).

De fato, Apel chama a atenção para uma aparente “contradição” no uso de proportio

tripla após tempus imperfectum ( ) e, analogamente, no uso da dupla após tempus

perfectum ( ). Ao discutir as propriedades gerais destes dois tipos de proporção, o autor as

considera após ambas mensurações do tempus ( → , → , → , → ),

observando seu efeito sobre os valores subsequentes. A Figura 31, extraída de The Notation of

Polyphonic Music, 900-1600, indica as transcrições do autor para uma série de semibreves em

integer valor ( e ), proportio dupla ( e ) e proportio tripla ( e ):

Figura 31 - Transcrição de uma série de semibreves em integer valor, proportio dupla e proportio tripla (t=tactus). (APEL, 1953, p. 148)

Nesta figura, pode-se notar que o valor das semibreves está diminuído em acordo com

as proporções correspondentes nos quatro casos indicados – isto é, está reduzido à metade em

41 Ugolino da Orvieto (ca. 1380-1457), teórico e compositor italiano, autor de Declaratio musicae discipline (1435). 42 Autor do Tractatus practice de cantus mensurabilis (1408), onde consta a primeira explicação teórica sobre os sinais de proporção (BERGER, 1988, p. 403).

55

e e reduzido à terça parte em e . Apel salienta, contudo, que no caso (2), apesar

da mensuração ternária à qual a proporção se refere, o agrupamento das semibreves

ocorre de forma binária, sugerindo uma leitura desta proporção em tempus imperfectum; no

caso (3), analogamente, as semibreves da notação proporcional estão organizadas em grupos

ternários (apesar da mensuração original ), indicando que sua leitura deva ser realizada em

tempus perfectum (APEL, 1953, p. 148-149). De acordo com esta interpretação de Apel,

pode-se observar que no caso , por exemplo, uma brevis após a proporção passaria a valer

metade (e não um terço) da brevis sob a mensuração original – o que não está em acordo

com definições como a de Morley, que afirma que a tripla é “aquela que diminui o valor das

notas para a terça parte; porque três breves são correspondentes a uma, e três semibreves a

uma [...] e é reconhecida quando dois números são colocados antes da canção, onde um

contém o outro três vezes, da seguinte forma: , , .” (MORLEY, 1597, p. 29, tradução

nossa)43.

Segundo Busse Berger, os reformadores Tinctoris e Gafurius defendiam a posição

inversa daquela exposta por Apel, embora cite em seu artigo diversos exemplos onde

Tinctoris aparentemente não seguiu suas próprias regras (BERGER, 1988, p. 426). De

qualquer maneira, pode-se imaginar a coexistência conflitante destas duas interpretações

observando-se o destempero da linguagem utilizada por Ornithoparcus ao discutir o assunto

no Micrologus:

[...] Alguns colocam imperfeição e alteração nas sesquialteras do tempus imperfectum, medindo uma pausa de brevis com um tactus, apesar de, nas notas, associarem 3 semibreves a um tactus. Mas por qual motivo eles fazem isso, exceto por uma ignorância imbecil, eu não sei. Porque imperfeição [mensuração imperfeita] não admite imperfeição e alteração dos sinais, nem a proporção exclui as pausas. (ORNITHOPARCUS, 1609, p. 65, tradução nossa)44

Apesar de Berger haver corretamente identificado a exposição de Apel como contrária

às prescrições de Tinctoris e Gafurius, o autor não deixa de reconhecer que a aplicação de

qualquer regra do sistema mensural depende do contexto considerado – sendo esta uma

advertência feita repetidas vezes por ele próprio em seu texto. De fato, ao exemplificar

proportio dupla, Apel afirma que existem muitos casos em que a interpretação de Tinctoris é 43 No original: “that which diminisheth the value of the notes to one third part; for three breves are set for one, and three semibreves for one, and it is known when two numbers are set before the song whereof the one containeth the other thrice, thus, , , . ” 44 No original: “Some put Imperfection & Alteration in the Sesquialterates of the imperfect time, mesuring a Breefe Rest with one Tact:although in the Notes they set 3 Semibreefes in one Tact. But upon what ground they doe it, excepting of an Asse-headed ignorance, I know none. For Imperfection admits not the Imperfection and Alteration of signes, neither doth Proportion exclude Rests.”

56

claramente indicada e dá um exemplo em tempus perfectum diminutum extraído do

Odhecaton, editado por Ottaviano Petrucci (Ex. 25) onde a brevis é “obviamente perfeita”

(APEL, 1953, p. 154-155). Posteriormente, Apel acrescenta que o símbolo , quando usado

em todas as vozes desde o início de uma peça, sempre pede uma mensuração perfeita da

brevis, ao contrário de seu significado correto como sinal de proporção (APEL, 1953, p. 192-

193). Adicionamos à figura de Petrucci colchetes correspondentes às perfeições no nível

tempus, com o objetivo de salientar a estrutura rítmica baseada na brevis ternária.

Exemplo 25 - Brevis perfeita em tempus perfectum diminutum (perfeições indicadas por colchetes)

(APEL, 1953, p.155)

Além destas ambiguidades com respeito à mensuração das figuras após o símbolo

quando este é interpretado como um indicador de proportio dupla, esta própria interpretação

também foi objeto de controvérsia entre musicólogos do século XX. Berger dedicou um artigo

inteiro ao significado de → no período 1420-1520 (BERGER, 1990), e o iniciou

apresentando as interpretações mais comuns deste caso, três das quais estão expressas na

Figura 32:

Figura 32 - Diferentes interpretações do caso → . (BERGER, 1990, p. 400)

57

Entre os musicólogos apontados pela autora como defensores de cada uma destas

interpretações encontra-se, mais uma vez, Willi Apel, que considerou o caso segundo o

exemplo 2 da figura (BERGER, 1990, p. 399), associando o símbolo à proporção dupla,

conforme a discussão que já havíamos realizado nos parágrafos anteriores. Nosso propósito

não é reproduzir aqui os resultados apresentados no artigo ou fornecer resultados definitivos

sobre os significados dos sinais de proporção, e sim enfatizar a complexidade de seu uso, as

diferentes possibilidades de interpretação e a frequente necessidade de tentativa e erro para

compreendê-los.

Como um exemplo de um possível processo de experimentação em uma transcrição,

tomamos uma peça de um período já distante daquele considerado por Berger. Trata-se do

famoso madrigal Fair Phyllis, de John Farmer, originalmente publicado em The First Set of

English Madrigals to Foure Voices (FARMER, 1599a, fol. Dv-D2r; FARMER, 1599b, fol.

Dv-D2r; FARMER, 1599c, fol. Dv-D2r; FARMER, 1599d, fol. Dv-D2r) e transcrito por

Philip Ledger no volume The Oxford Book of English Madrigals (LEDGER, 1978, p. 106-

111). Nesta peça, ocorrem repetidas mudanças de um ritmo binário sob o símbolo para um

ternário expresso através do sinal de prolatio perfecta ( ) seguido de figuras preenchidas de

preto, o que se pode observar neste trecho do bassus (Ex. 26):

Exemplo 26 - Trecho do bassus do madrigal Fair Phyllis, de John Farmer (FARMER, 1599d, fol. Dv)

Ao discutir aspectos técnicos de notação em The English Madrigal Composers,

Edmund Fellowes afirma que neste período “os compositores ingleses empregavam os antigos

sinais de mensuração nem sempre atribuindo muita importância a seu significado exato [...]

Às vezes utilizavam notação branca e às vezes preta, e às vezes misturavam os dois tipos de

58

notação um tanto indiscriminadamente.” (FELLOWES, 1921, p. 91, tradução nossa)45, de

modo que a interpretação de trechos como o Exemplo 26 não está necessariamente prevista na

teoria e pode requerer a comparação entre diversas vozes para ser compreendida. A Figura 33,

uma colagem que realizamos a partir dos originais do cantus e do bassus de Farmer, permite

observar a equivalência entre as durações de e (ou, alternativamente,

e ), conforme descreve Andrew Parker no comentário crítico em The Oxford Book of

English Madrigals:

Figura 33 - Comparação entre o cantus e o bassus em um trecho

de Fair Phyllis (FARMER, 1599a, fol. D2r; FARMER, 1599d, fol. Dv-D2r)

Não existe um relato definitivo e contemporâneo das convenções usadas na notação das proporções tripla e sesquialtera na Inglaterra durante o período do madrigal [...] A solução para a notação preta é dada em Fair Phyllis I saw, de John Farmer (nº 16 neste volume) assim como em muitos manuscritos para teclado. No madrigal de Farmer há uma mudança para notação preta na frase O then they fell a-kissing nas três vozes inferiores enquanto a voz superior continua com pausas sob . Isto carrega a

45 No original: “English composers employed the old signatures without always attaching much importance to their exact significance [...] Sometimes they wrote in white notation and sometimes in black, and sometimes they mixed the two types of notation quite indiscriminately.”

59

implicação que a minima branca é exatamente equivalente à semibrevis preta mais a minima preta, ou semibrevis preta perfeita, e esta interpretação funciona para todos os casos de notação preta que eu examinei. (LEDGER, 1978, p. 400, tradução nossa)46

No exemplo 27, reproduzimos a transcrição moderna de Philip Ledger do cantus e do

bassus para este trecho:

Exemplo 27 - Transcrição de Philip Ledger do trecho de Fair Phyllis. (LEDGER, 1978, p. 111)

46 No original : “There is no definitive and contemporary account of conventions used in the notation of tripla and sesquialtera proportion in England during the currency of themadrigal repertoire [...] The solution to the black notation is provided in John Farmer’s Fair Phyliis I saw (No. 16 in this volume) as well as in many keyboard manuscripts. In the Farmer madrigal there is a change to black notation at the phrase O then they fell a-kissing in the lower three voices while the upper

voice continues with rests in time. This carries the implication that white minim is exactly equivalent to black semibreve plus black minim, or black perfect semibreve, and this interpretation works for every case of black notation which I have examined.”

60

Mudanças de ritmo binário para ternário como as que ocorrem neste madrigal são a

principal aplicação das proporções no repertório vocal do século XVI. Na Introduction de

Morley, antes mesmo de apresentar os primeiros sinais de mensuração, o mestre comenta com

seu discípulo Philomates o fato de “alguns triplos” serem praticamente as únicas estruturas

rítmicas utilizadas além das mensurações binárias e :

Mestre: Aqueles que nestes trezentos anos escreveram a arte da música colocaram os modos47 de maneira diferente daquela que, ou foram, ou são ensinados agora na Inglaterra. Philomates: E qual foi a razão para isso? Mestre: Embora seja difícil atribuir uma causa, nós podemos conjecturar que, apesar de os grandes mestres que se destacaram em tempos passados terem sido, sem dúvida, maravilhosamente hábeis no conhecimento [da arte da música], tanto na especulação quanto na prática, desde sua morte o conhecimento da arte decaiu, e um tipo mais ligeiro ou superficial de conhecimento veio em seu lugar, de modo que hoje em dia é assim, se eles [os modernos] conhecem o modo comum48 e alguns triplos, nada mais procuram.

(MORLEY, 1597, p. 12, tradução nossa)49

Conforme já destacamos anteriormente, as mudanças de métrica binária para ternária –

as únicas realmente importantes no repertório vocal do século XVI – eram sinalizadas através

de uma grande variedade de símbolos que nem sempre estavam em acordo com sua definição

original. Segundo afirma Ruth DeFord no artigo intitulado Tempo Relationships between

Duple and Triple Time in the Sixteenth Century, a ambiguidade dos sinais de proporção deste

tipo está relacionada aos dois diferentes propósitos com que eles eram usados: (i) para notar

mudanças nos valores das figuras (reduções 3:1, 3:2, etc.), independentemente de estes

estarem associados a uma métrica ternária, e (ii) para notar a métrica ternária,

independentemente da relação de valores que o trecho em proporção mantenha com o anterior

(DEFORD, 1995, p. 1). A primeira função é aquela originalmente prescrita pelos teóricos em

seus tratados, enquanto a segunda parece aproximar-se do significado de nossas fórmulas de

compasso atuais, que em geral salientam o caráter métrico de uma seção musical,

47 Em inglês, “moods” (modus major: greater mood ; modus minor: lesser mood; tempus: time; prolatio: prolation). 48 (tempus imperfectum cum prolatione imperfecta) (MORLEY; HARMAN, 1952, p. 22). 49 No original: “Ma. Those who within these three hundreth yeares haue written the Art of Musicke, have set downe the Moodes otherwise then they eyther haue been or are taught now in England. / Phi. What haue been the occasion of that? / Ma. Although it bee hard to assigne the cause, yet may we coniecture that although the great musicke maisters who excelled in fore time, no doubt weare wonderfully seen in the knowledge therof, aswell in specilation as practise, yet since their death the knowledge of the arte is decayed and a more slight or superficiall knowledge come in steede thereof, so that it is come now adaies to that, that if they know the common Moode and some Triples, they seeke no further.”

61

pressupondo efeitos de acentuação e até mesmo fornecendo informações (ainda que vagas)

sobre seu andamento. Este último uso dos sinais torna-se especialmente claro quando ocorre

em todas as partes desde o início de uma peça, pois não há trecho anterior com o qual os

valores possam ser comparados em proporção. Ao discutir a aplicação simultânea de sinais de

proporção a todas as vozes, Apel argumenta que as figuras do sistema mensural não

indicavam apenas valores temporais relativos, mas durações absolutas (S ≈ M.M. 48), o que

faria da notação proporcional a única maneira de expressar andamentos diferentes do

fundamental (APEL, 1953, p. 190-191). A pequena peça Strike it up, Tabor, de Thomas

Weelkes, serve de exemplo desta aplicação extremamente comum no século XVI (Exs. 28 e

29):

Exemplo 28 - Início da peça Strike it up, Tabor, de Thomas Weelkes, com o símbolo 3 em todas as vozes.

(WEELKES, 1608a, fol. Dv, WEELKES, 1608b, fol. Dv, WEELKES, 1608c, fol. Dv )

Exemplo. 29 - Transcrição de Philip Ledger do início de Strike it up, Tabor. (LEDGER, 1978, p. 266)

62

A indicação de andamento “lively” (vivo) observada na transcrição de Ledger é

puramente editorial e não expressa nada além de sua própria concepção da peça,

provavelmente influenciada pelo caráter da melodia e do texto. A esse respeito, consideramos

importante salientar que um grande número de edições modernas da música renascentista

apresentam indicações de dinâmica e andamento que são alheias à notação mensural e que

não poderiam, portanto, constar nos originais.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos este texto afirmando que a notação mensural branca foi utilizada durante um

período de aproximadamente 150 anos, correspondente ao que hoje se denomina

Renascimento. Embora isto seja verdade, a estrutura lógica deste sistema de escrita – assim

como muitos de seus aspectos formais – foi herdada da Idade Média, de modo que a maioria

das regras que o deveriam governar datam, paradoxalmente, de um período anterior à sua

própria existência. Esta é provavelmente a razão para as mensurações totalmente perfeitas, o

processo de alteração e as imperfeições ad partem serem tão pouco comuns nos manuscritos e

edições em notação branca. Apesar disso, muitos dos teóricos renascentistas procuravam

constantemente reafirmar e defender as antigas regras das quais eles possuíam domínio,

possivelmente para se manterem detentores de um conhecimento que sem dúvida possuía

valor de mercado. Críticas a respeito do “desconhecimento geral” das mensurações e

proporções como a que extraímos da Introduction eram bastante usuais nos textos do período,

e não raramente eram feitas através de exclamações inflamadas como a de Thomas

Ravenscroft, no tratado de sugestivo título A Briefe Discourse of the true (but neglected) use

of Charact’ring the Degrees, by their Perfection, Imperfection, and Diminution in

Measurable Musicke, against the Common Practise and Custome of these Times: “Ó

compositores mais desproporcionais e ordinários, cuja arte não lhes serve nem para distinguir

prolação de proporção!” (RAVENSCROFT, 1614, p. 11, tradução nossa)50. A reprovação de

Ravenscroft é claramente endereçada aos compositores que utilizavam os antigos sinais –

talvez na tentativa de demonstrar alguma erudição – sem seguir à risca suas definições

originais.

50 No original: “O most Vnproportionate Customable Compositors, whose Art serves them not so much as to distinguish Prolation from Proportion!”

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Quaisquer que tenham sido as razões para as atitudes mais ou menos conservadoras a

respeito da notação musical durante a Renascença, é possível que a teoria medieval fosse de

fato uma realidade distante de uma considerável parte dos músicos já na primeira metade do

século XVI. Em The Evolution of Rhythmic Notation, Anna Maria Busse Berger menciona o

fato de o alemão Sebald Heyden, em seu tratado De arte canendi (1540), haver incluído

transcrições (resolutiones) em para todos os trechos sob sinais de mensuração complexos,

indicando que os músicos poderiam não ser mais capazes de entendê-los em sua época

(BERGER, 2002, p. 653). Os trechos apresentados na Figura 34, extraídos do próprio tratado,

ilustram a transcrição realizada por Heyden de um exemplo originalmente escrito em uma

mensuração tão elementar quanto tempus perfectum cum prolatione imperfecta em integer

valor. Embora existam outros exemplos consideravelmente mais complicados em De Arte

Canendi, a observação destas fascinantes “transcrições do século XVI” não aponta

Figura 34 - Resolução em de um trecho em tempus perfectum. (HEYDEN, 1540, p. 77-78)

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unicamente para o fato de determinada mensuração original ser considerada simples ou

complexa, mas fornece uma garantia mais forte: seria seguramente compreendida por

qualquer leitor de 1540. A Renascença assistiu, portanto, à evolução das intrincadas

mensurações medievais para a medida binária dos valores ainda em plena vigência da notação

branca.

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