Imprensa e partido: contribuições de Gramsci para a análise do papel político do jornalismo

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Antonio Adami

Antonio Carlos Hohlfeldt

(orgs.)

Lusofonia e

Interculturalidade

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IX Lusocom. Lusofonia e Interculturalidade. Copyright © 2012 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM

Direção

Antonio Adami

Coordenação Editorial Elaine Nogueira Dias

Projeto gráfico e diagramação Elaine Nogueira Dias

Equipe editorial

Bruno Henrique Bezerra Rebouças

Elaine Nogueira Dias

Rute Osti

Capa

Elaine Nogueira Dias

Daniel Servane Adami

Todos os direitos desta edição reservados à: !

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM Rua Joaquim Antunes, 705 – Pinheiros. !CEP: 05415 - 012 - São Paulo - SP

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NOTA EDITORIAL: As informações, referências e imagens contidas nos textos apresentados neste ebook, inclusive correções que sejam

necessárias, são de inteira responsabilidade de seus autores.!

Ficha Catalográfica

IX LUSOCOM. Lusofonia e Interculturalidade / organizadores: Antonio

Adami, Antonio Hohlfeldt – ed. rev. – São Paulo: INTERCOM, 2012.

1978 p.

Inclui bibliografias

ISBN 978-85-88537-91-0

Ciências da Comunicação - Congresso - Brasil. 2. Pesquisa em

Comunicação. 3. Mercado e Comunicação. 4. Sociedade Digital. 5. Meios e

História da Comunicação. I. Titulo. II. Adami, Antonio. III. Hohlfeldt,

Antonio

CDD: 070

Dados Catalográficos

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10. Imprensa e partido: contribuições de Gramsci para a análise do papel político do jornalismo

1 Jaime Farias

2

1 Trabalho apresentado no GT Comunicação, Política e Cultura do IX Lusocom, realizado de 4 a 6 de agosto de 2011. 2 Mestre em Educação e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, e-mail: [email protected].

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Resumo

Este trabalho destaca a contribuição de Antonio Gramsci para a abordagem interdisciplinar da formação humana, na interface entre educação e comunicação. Discute-se o papel da imprensa e sua constituição como partido, atuando na construção da cultura e nas lutas pela hegemonia. Com isso, busca-se estabelecer as dimensões políticas e pedagógicas da atividade jornalística. O diálogo ocorre por meio da análise político-epistemológica da filosofia da práxis, levando em consideração seu contexto histórico, assim como as ressonâncias desta teoria para o estudo do jornalismo como organismo integrante do quadro cultural e político contemporâneo. Palavras-chave: imprensa; jornalismo; partido; hegemonia.

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Introdução

A discussão proposta aqui faz parte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que tem como

objetivo analisar a relação da imprensa de massas e sindical com a implantação de políticas educacionais

no estado de São Paulo3. Este estudo, por sua vez, concentra-se na contribuição dos postulados

gramscianos para a abordagem interdisciplinar da formação humana. Trata-se, portanto, de uma

reflexão sobre a constituição teórica e metodológica da filosofia da práxis e de suas implicações na

educação lato sensu. Para isso, adota-se, os pressupostos metodológicos da epistemologia política, tal

como descrita por José Carlos Rothen (2004). Este autor toma como referência pressupostos da

epistemologia social utilizada por Popkewitz (1994), propondo, a seu turno, um estudo sobre como os

indivíduos concebem a política e como se constituem por meio dessa representação. Com base nisto, é

possível analisar a complexidade das relações sociais, suas concepções e formulações sobre poder e

atuação dos sujeitos e dos grupos, bem como as teorias sobre a organização e o funcionamento da

sociedade.

Para o estudo da obra de Antonio Gramsci, mesmo direcionada a pontos específicos de sua teoria, é

3 Pesquisa financiada pela FAPESP, sob a orientação do Prof. Dr. José Carlos Rothen e intitulada “A impressão do consenso: uma análise político-epistemológica do SARESP na Folha de S. Paulo e no Jornal da APEOESP”.

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necessário considerar aspectos de sua vida como militante político. Tal vinculação fica evidenciada na

importância atribuída por ele aos intelectuais, sendo importante constatar a tarefa auto imposta como

intelectual orgânico. Gramsci desempenhou o papel de liderança no Partido Comunista Italiano (PCI) no

período pós-primeira Guerra Mundial, o que lhe permitiu aprofundar a visão do partido como organismo

responsável pela formação de uma cultura revolucionária, como indica a primeira parte deste trabalho.

Sua atuação junto ao movimento dos comitês de fábrica serviu como fundamento à teoria que viria a

formular na prisão, sob o regime fascista. Devido ao comprometimento com a causa revolucionária, os

“Cadernos do cárcere” são considerados uma das maiores contribuições ao marxismo no século XX

(BURAWOY, 2010, p. 56). Na segunda parte, será aprofundada a caracterização da imprensa como

partido, o que representa o profundo vínculo estabelecido por Gramsci entre a formação política e cultural

das massas e as lutas pela hegemonia.

Partido, cultura e revolução

A filosofia da práxis não só atualizou o materialismo dialético, mas potencializou sua dimensão

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teleológica. A preocupação em analisar as minúcias da dominação estava diretamente vinculada à

urgência em superar a opressão burguesa. E com este propósito Gramsci redefiniu certos aspectos do

marxismo dando-lhes finalidades estritamente ligadas ao projeto revolucionário comunista, que se tornava

realidade com os desdobramentos da Revolução Russa de 1917.

O contexto político no qual Gramsci viveu foi o da construção do socialismo, segundo o modelo

adotado pelo partido bolchevique, sob a liderança de Vladimir Lênin e Josef Stalin. As transformações

que vinham ocorrendo na recém criada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) difundiram a

concepção marxista-leninista de sociedade em transição. De fato, os soviéticos pretendiam disseminar a

revolução no resto do mundo, projeto que foi assumido pela Internacional Comunista, surgida logo após a

Revolução Russa. Neste período, animados pelas experiências soviéticas, diversos movimentos e grupos

socialistas passaram a incorporar as diretrizes definidas pela Internacional.

Na Itália, alguns socialistas, incluindo Gramsci, romperam com o Partido Socialista Italiano e

formaram, em 1921, o PCI. Isto ocorreu devido à constatação por parte de alguns socialistas de que o PSI

transformara-se numa instituição heterogênea e com práticas contraditórias no pós-primeira Guerra.

Diante desta insatisfação e influenciados pelos ideais soviéticos, o grupo dissidente via a necessidade de

redirecionar a luta política, assumindo a responsabilidade e a iniciativa impostas pelo processo

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revolucionário. Gramsci tomou parte na constituição de uma fração comunista, que em princípio, tentou

debater o posicionamento do PSI em relação às diretrizes da Internacional Comunista. Sendo derrotados

nas votações, o grupo se reuniu separadamente e fundou o PCI (SCHLESENER, 2002, p. 129-130).

A partir de então, Gramsci passou a atuar na direção do jornal L’Ordine Nuovo, que publicou muitos

de seus artigos. Dentre as ideias que defendeu, destaca-se o preparo e a educação política das massas

operárias para que estas pudessem reestruturar a organização sindical (SCHLESENER, 2002, p. 130-

131). O objetivo proclamado pelo L’Ordine Nuovo era fortalecer a luta do partido na sua tarefa de

organizar as disposições revolucionárias “capazes de fundar o Estado operário”. O PCI aspirava a

consolidar sua liderança na organização operária, contudo teve de enfrentar a preponderância das ideias

reformistas, resultantes da crise econômica italiana e das demandas da reorganização do capital. Este

quadro político acabou se tornando fértil às atividades fascistas, materializando-se numa ofensiva cada

vez mais intensa à resistência organizada dos trabalhadores (SCHLESENER, 2002, p. 146).

Em 1922, a hegemonia do pensamento fascista permitiu que Mussolini integrasse o governo, ainda

sob a forma de uma monarquia parlamentarista. O fato contribuiu para o acirramento dos conflitos entre a

oposição operária e o Estado, instaurando um regime de violência explícita. Numa carta escrita em 1924,

Gramsci admitia que o fascismo fora bem sucedido ao empreender uma convergência no modo de pensar

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e mobilizando os sentimentos da população, promovidos pela instauração de um cotidiano marcado pela

violência. Contudo, percebia também a emergência de “clima cultural de resistência ao fascismo”, o que

tornava possível a ação revolucionária (SCHLESENER, 2002, p. 182).

As táticas de atuação do partido junto às bases populares tornaram-se cada vez mais o foco central

do pensamento de Gramsci, especialmente a função dos intelectuais organicamente vinculados aos grupos

subalternos, cuja missão seria viabilizar a hegemonia de uma nova cultura e a criação de uma nova

civilização. Mesmo ao considerar a complexificação do capitalismo e as características específicas dos

países periféricos como a Itália, Gramsci defendia a ideia de uma “fase intermediária”, democrática,

porém não reformista. Essa fase recolocaria em pauta a “tomada do poder” por meio de estratégias

adequadas às condições nacionais (SCHLESENER, 2002, p. 182). A posição política de Gramsci refletia

a situação vivida por ele no papel de mediador das divergências entre o partido e a Internacional

Comunista, entre 1922 e 1923, quando assumiu a direção do PCI. Na sua visão, a revolução a qualquer

custo não se sustentaria, sendo necessária uma ampla reforma moral, como defenderia posteriormente nos

Cadernos do Cárcere. Assim, as questões da vontade popular e da necessária reforma intelectual e moral

são colocadas como tarefa do partido, representante das classes operárias:

O moderno Príncipe deve e não pode deixar de ser o anunciador e o organizador de uma reforma intelectual e moral, o que significa, de resto, criar o terreno para um novo

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desenvolvimento da vontade coletiva nacional-popular no sentido da realização de uma forma superior e total de civilização moderna (GRAMSCI, 2000, p. 18).

Ainda em 1919, a questão dos conselhos de fábrica e seu papel preponderante na educação e na

organização dos operários aparecem nos escritos de Gramsci e, quando trata especificamente da escola,

ele a define como instituição voltada aos interesses revolucionários que, no período de transição, teria

como objetivo o desenvolvimento pleno da vida e da democracia internacional:

ao desenvolvimento e ao bom êxito da escola comunista é legado o desenvolvimento do Estado comunista, o advento de uma democracia na qual seja absorvida a ditadura do proletariado. A geração contemporânea se educará na prática da disciplina social necessária para atuar na sociedade comunista, com comícios, com a participação direta nas deliberações e na administração do Estado socialista. A escola deverá educar as novas gerações, aquelas que gozarão o fruto dos nossos sacrifícios e dos nossos esforços, aquelas que conhecerão, depois do período transitório das ditaduras proletárias nacionais, a plenitude da vida e do desenvolvimento da democracia comunista internacional (GRAMSCI, 1970, p. 256, tradução nossa).4

De modo geral, os postulados gramscianos deram uma nova dimensão ao materialismo dialético. 4 Trecho de “Il problema della scuola”, publicado em L’Ordine Nuovo, em 27 de junho de 1919.

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Isso foi possível graças à sua relação orgânica com o movimento operário, onde Gramsci atuara

vigorosamente na construção das ideias e do próprio movimento revolucionário comunista, até ser preso,

em 1926. Antes de mencionar sua contribuição ao jornalismo, serão relacionados alguns aspectos

originais da filosofia da práxis, destacados por Burawoy: 1) buscou superar o determinismo histórico de

Marx, na medida em que desenvolveu não só uma análise da dominação e dos seus efeitos, mas também

uma teoria política prescritiva, isto é, de ação revolucionária; 2) construiu uma concepção sofisticada da

luta de classes, a fim de compreender a lógica de coações e de restrições na sociedade; 3) enfatizou o

papel da superestrutura na transformação da realidade, atribuindo grande importância à cultura na

formação humana; 4) preocupou-se com o papel dos intelectuais na política (BURAWOY, 2010, p. 50-

51).

Tendo estudado detalhadamente a participação da cultura na estrutura social, Gramsci descreveu o

exercício da hegemonia como um movimento que tenta equilibrar-se, “sem que a força suplante o

consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria,

expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações” (2000, p. 95). Deste modo, o

processo de dominação é mais eficiente quanto mais força adquirem certas ideias, difundidas

especialmente pelos meios de comunicação de massas.

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Todavia, o processo revolucionário é percebido como o acirramento das oposições entre a visão de

mundo dos dominantes e dos dominados. Neste processo, os grupos subalternos lutam para impor a sua

hegemonia, por meio de estratégias capazes de minar o bloco histórico. Assim, Gramsci concebe as

mudanças históricas como resultado da luta de indivíduos e de grupos organizados, que não podem

simplesmente esperar que toda a sociedade mude antes deles (GRAMSCI, 2001, p. 54). O conceito de

bloco histórico, na perspectiva dialética gramsciana corresponde à relação da superestrutura com a

política (estrutura). Em outras palavras, ele representa a “unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e

superestrutura), unidade dos contrários e dos distintos” (GRAMSCI, 2000, p. 26). Por isso, quando trata

da transformação da sociedade, ele enfatiza as condições materiais de luta pela hegemonia, isto é, procura

compreender a complexidade do espaço onde a vida se objetiva numa série de contradições.

Para identificar a função da imprensa e do jornalismo em meio aos conflitos sociais é importante

esclarecer o papel do partido na filosofia da práxis. Em primeiro lugar, esta é uma questão diretamente

relacionada à hegemonia, pois o partido atua juntamente, e mesmo dentro do Estado, de modo a impor

uma concepção de mundo específica. Segundo Gramsci, “no mundo moderno, um partido é integralmente

tal [...] quando é concebido, organizado e dirigido através de modos e formas capazes de se

desenvolverem integralmente num Estado [...] e numa concepção de mundo” (GRAMSCI, 2010, p. 354).

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Para que um partido exista e alcance o máximo de eficiência, é preciso articular o trabalho de um

conjunto de dirigentes com a formação de um determinado grupo social, a fim de constituir um “exército

político organicamente preparado” (GRAMSCI, 2000, p. 85). Essa articulação está relacionada a três

elementos, que compõem o partido: o elemento difuso, formado por homens comuns, que participam em

função da disciplina e fidelidade dedicadas à organização; o elemento de coesão, que promove com

grande talento a organização em torno da disciplina do partido; o elemento médio, capaz de articular os

dois outros, de modo a fortalecer os aspectos morais e intelectuais da organização. Contra a destruição, os

partidos devem fortalecer o segundo elemento, isto é, preparar seus sucessores (lideranças), e não só

buscar a vitória. (GRAMSCI, 2010, p. 316-317).

A concepção gramsciana de partido supõe duas formas antagônicas de organização: a repressiva e a

expansiva. Ao mesmo tempo, considera que os partidos políticos, tanto dos grupos dominantes como dos

grupos subalternos, exercem também uma função de polícia, ou seja, de defesa de uma ordem política e

legal. O sentido dessa função pode ser repressiva (caráter reacionário) ou expansiva (de caráter

progressista). Como resultado, há forças que lutam para conservar certa ordem política e legal e outras,

que pretendem “levar o povo a um novo nível de civilização” (GRAMSCI, 2010, p. 308). Conclui-se que

um partido é progressista, quando funciona sob o modelo do centralismo democrático e é reacionário

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quando adota o modelo do centralismo burocrático. (GRAMSCI, 2010, p. 308). Ao criticar a burocracia, o

autor assume a defesa do centralismo democrático como forma privilegiada de organização estatal e

partidária voltada aos interesses das classes subalternas. Nas suas palavras:

A “organicidade” só pode ser a do centralismo democrático, que é um “centralismo” em movimento, por assim dizer, isto é, uma contínua adequação da organização ao movimento real, um modo de equilibrar os impulsos a partir de baixo com o comando pelo alto, uma contínua inserção dos elementos que brotam do mais fundo da massa na sólida moldura do aparelho de direção, que assegura a continuidade e a acumulação regular das experiências: ele é “orgânico” porque leva em conta o movimento, que é o modo orgânico de revelação da realidade histórica, e não se enrijece mecanicamente na burocracia; e, ao mesmo tempo, leva em conta o que é relativamente estável e permanente ou que, pelo menos, move-se numa direção fácil de prever, etc. (GRAMSCI, 2000, p. 91).

Ao considerar os pormenores da formação da cultura, Gramsci não esquece de apontar as

implicações da estrutura política na formação humana. Deixa claro que sua concepção de homem supõe

transformações sociais que possibilitem novas formas de objetivação. Bastante diferente dos parâmetros

da sociedade capitalista, fundamentada nos princípios do individualismo, do liberalismo econômico e da

igualdade formal, o homem coletivo deve ser formado na contramão destes princípios, motivo pelo qual o

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direito burguês não pode assegurar os novos valores almejados pela sociedade comunista. O direito,

então, passa a ser um instrumento de defesa desses novos valores, dessa moralidade adequada à nova

humanidade (GRAMSCI, 2000, p. 23). Gramsci, portanto, não desconsidera o papel da estrutura

econômica na formação da nova sociedade. Segundo ele, antes de haver uma mudança cultural, é

necessário uma reforma econômica, que “é exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda

reforma intelectual e moral” (GRAMSCI, 2000, p. 19). Neste aspecto, o autor permanece coerente com a

própria noção de bloco histórico, compreendido como as implicações mútuas da estrutura e da

superestrutura, de modo que a cultura não assuma lugar privilegiado das lutas pela hegemonia, mas seja

um dos elementos mobilizadores das massas em direção à revolução.

Imprensa e partido

A filosofia da práxis fornece uma leitura sobre a participação da imprensa na configuração da

cultura, na qual assume o papel de partido. A partir desta constatação, serão aprofundados alguns de seus

aspectos organizacionais, porém sob o ponto de vista genérico, enfatizando as semelhanças estruturais dos

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dois tipos de partido mencionados por Gramsci, o das classes subalternas e o das classes dominantes. Isto

se deve à convergência do liberalismo e do comunismo quanto aos ideais de aprimoramento social,

especialmente por ambos proclamarem medidas racionais de desenvolvimento da sociedade. Esta

convergência será explicitada mais adiante.

Explorando, então, a descrição de partido proposta por Gramsci, é possível afirmar que a imprensa

assume dupla função: em primeiro lugar, é um canal de comunicação, no qual o nível de controle sobre a

informação é exercido em sentido descendente, do elemento de coesão, passando pelo elemento médio e

chegando em menor nível ao elemento difuso; por outro lado, é um instrumento de formação, no qual a

ação tem um sentido ascendente, ou seja, é planejada prioritariamente para o elemento difuso, mas

repercute consideravelmente na formação do elemento médio e do elemento de coesão. É importante

considerar em ambas as atividades a presença da reciprocidade, ou seja, todos os elementos se

influenciam mutuamente, assim como são influenciados pelos aspectos culturais nos quais estão

inseridos.

A função comunicativa dos impressos - jornais, revistas e publicações em geral – está relacionada

com a divulgação do pensamento e dos projetos do partido. Para assegurar a homogeneidade da

organização, as informações são controladas, conforme o caso, pelos princípios do centralismo

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burocrático ou do centralismo democrático. Por meio dos impressos, as lideranças partidárias fazem

chegar às classes ou frações de classes as informações pertinentes à reprodução do partido. Sendo assim,

o conteúdo desta comunicação é necessariamente mediado pelos elementos de coesão e médios, segundo

a visão de mundo que fundamenta as ideias do partido. O controle sobre a imprensa é um modo de

garantir a coesão, razão pela qual a autonomia do elemento médio é relativa.

Esta descrição serve tanto aos partidos das classes dominantes como aos das classes subalternas,

resultando em efeitos repressivos ou expansivos, como visto anteriormente. Aplicando os conceitos à

imprensa de massas atual, o elemento de coesão é o grupo responsável pela linha editorial do veículo: os

diretores de redação, o conselho editorial, os proprietários da empresa de comunicação; o elemento médio

é o corpo técnico responsável pela construção das notícias: os jornalistas, fotógrafos, editores,

diagramadores; o elemento difuso é a massa que recebe direta ou indiretamente as mensagens veiculadas.

Em virtude da complexificação do processo produtivo, o jornalismo incorporou aspectos da organização

industrial do trabalho (o que na época de Gramsci ocorria com menor intensidade). Com efeito, a

racionalização acabou desconcentrando o controle sobre a informação, que deixa de ser exercido em

maior nível pelo elemento coesivo e passa a fazer parte das rotinas de construção de notícias.

A interação entre sujeito e meios de comunicação produz efeitos no processo de formação humana.

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Isto caracteriza a função formativa da imprensa, isto é, sua atividade pode ser planejada segundo os

princípios que regem determinado partido, sejam eles progressistas ou reacionários. De modo geral, o

planejamento leva em consideração as condições materiais do elemento difuso, sendo ele o centro das

atenções por parte do outros elementos do partido. Portanto, para repercutir com maior eficácia sobre o

elemento difuso, é necessário conhecer sua capacidade de recepção dos conteúdos, o que exige uma

constante adaptação das informações veiculadas e das formas de comunicação. É esta articulação com a

realidade em busca de resultados que difere a função formativa da função comunicativa. Se as ideias são a

razão de ser do partido e, por isso, são menos flexíveis, é preciso difundi-las ao maior número de

indivíduos. Para isso, utilizam-se os mais variados recursos de linguagem e de tecnologia. Normalmente,

o elemento médio está mais próximo e possuiu maior conhecimento sobre a capacidade de recepção e

aprendizagem do elemento difuso. Por isso, ele participa ativamente do planejamento de estratégias

formativas, junto como o elemento de coesão, sendo que ambos também sofrem os efeitos deste processo.

A atuação da imprensa como partido, seja nos moldes democráticos ou burocráticos, está ligada a

uma noção de desenvolvimento racional do progresso. A análise de Thomas Popkewitz contribui para

estabelecer a origem da noção de desenvolvimento racionalmente neutro e previsível das relações sociais.

Segundo o autor, o conhecimento até o século XVII estava intimamente ligado à ordem natural do mundo

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1366

e, por isso, “a existência não podia ser colocada em dúvida por raciocínios individuais” (POPKEWITZ,

1997, p. 41). O homem preocupava-se em adaptar-se à ordem divina, buscando o conhecimento dentro do

paradigma da criação. A alteração epistemológica ocorreu quando a preocupação com a representação foi

substituída por um pensar voltado ao interior dos indivíduos, para sua própria natureza, desvinculado da

essência criada por Deus. A partir de então, abre-se espaço para a ideia de desenvolvimento racional

construído pelo conjunto dos indivíduos que interagem sob o governo dos “estados democráticos”:

A capacidade para refletir criticamente e promover o auto-aperfeiçoamento individual continha uma ruptura epistemológica com formas anteriores de ordem. A mudança para uma mentalidade que torna problemático o mundo da natureza, das instituições sociais e do self foi parte da transformação que incluiu a construção de diversas relações estruturais (POPKEWITZ, 1997, p. 42).

O “aprimoramento social” passa a ser o objetivo proclamado pelos grupos dominantes, ainda que

este ideal permaneça circunscrito a um processo de democratização que é regulado pelos interesses do

mercado, tomando a forma de políticas de Estado e de ações dos movimentos sociais. Assim, a

democratização representa em primeiro lugar um “aprimoramento” da sociedade política com

repercussões na sociedade civil, sobretudo com a finalidade de reproduzir o capital:

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1367

Uma secularização do conceito de salvação tinha a sua base no trabalho das pessoas na terra e no governo da sociedade. As concepções de progresso, ciência, planejamento racional e do estado tornaram-se pressupostos básicos da prática social. As ideologias de estados democráticos emergiram quando a individualidade foi postulada como uma doutrina política da governabilidade. A reforma tornou-se um esforço público, primeiro para levar a palavra de Deus à organização da vida individual e, mais tarde, como uma estratégia racional para o aprimoramento social (POPKEWITZ, 1997, p. 42).

A questão do aprimoramento social baseado na ideia de progresso racionalmente planejado tem

implicações diretas no papel da imprensa na sociedade contemporânea. Tomando como base sua atuação

como partido, percebe-se que ela funciona como reprodutora de visões de mundo divergentes. Gramsci

preocupa-se em demonstrar e até potencializar seu caráter revolucionário, na medida em que assume suas

funções comunicativas e formativas segundo os princípios progressistas. De outro modo, a imprensa

também participa da construção do consenso em torno do projeto capitalista. Assim, em ambos os casos,

os partidos assumem projetos específicos para reproduzir suas concepções de mundo e de homem,

veiculando ideias e projetos divergentes, mas que defendem sempre o aprimoramento social, apesar das

relações de dominação e hegemonia.

Gramsci percebia claramente a função política da imprensa e, a partir disso, empreendeu esforços

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1368

para utilizá-la como instrumento de comunicação e de formação, segundo o projeto revolucionário

comunista. Sua definição de jornalismo integral indica esta preocupação. Trata-se do “jornalismo que não

somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) de seu público, mas pretende

também criar e desenvolver estas necessidades”, de modo que o projeto do partido tenha condições de

formar e ampliar suas bases, por meio da interação com os leitores (GRAMSCI, 1978, p. 161). A partir

disso, o autor desenvolve uma série de contribuições à imprensa, levando em consideração as condições

materiais e culturais das massas operárias e os interesses do partido comunista (GRAMSCI, 1978, p. 161-

204).

A imprensa operária é, sobretudo, um veículo para (e menos dos) trabalhadores, que devem ser

formados dentro dos princípios adequados à nova civilização. Destarte, os veículos de comunicação

participam das relações de hegemonia, cumprindo o papel de partido na formação da cultura. Os partidos,

segundo Gramsci, não desempenham ações políticas stricto sensu, mas podem operar uma “força

dirigente”. Em outras palavras, os impressos são parte importante na construção da hegemonia, mesmo

quando se apresentam isentos de qualquer afiliação política:

Esta função pode ser estudada com maior precisão se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são também “partidos”, “frações de partido” ou “funções de determinados partidos”. Veja-se a

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1369

função do Times na Inglaterra, a que teve o Corriere della Será na Itália, e também a função da chamada “imprensa de informação”, supostamente “apolítica”, e até a função da imprensa esportiva e da imprensa técnica (GRAMSCI, 2000, p. 350).

As questões éticas, ao serem tratadas por Gramsci, aparecem como oposição à ética burguesa. Em

meio à luta pela hegemonia, os partidos colocam-se como representantes universais de toda a humanidade

e, por isso a filosofia da práxis defende que as organizações não sejam um fim em si mesmas. Portanto,

concebe-se a imprensa como uma vanguarda, ligada organicamente a um agrupamento social, que por sua

vez, está ligada a toda a humanidade. O particular, então, não pode ser elevado a universal, de forma que

uma associação não deve ser definitiva, rígida, mas deve tender a ampliar-se a toda a sociedade, unificada

e regulada em torno de novos padrões éticos (GRAMSCI, 1978, p. 167-168).

Os partidos, como a imprensa, atuam para criar e fortalecer os valores hegemônicos. Desempenham,

nesse sentido, a função de legisladores, criando o consenso “espontâneo” ou a disposição dos indivíduos a

colaborarem com os princípios da sociedade (seja ela liberal ou regulada). Pode-se, portanto, considerar

os veículos de comunicação como “organismos de execução e de controle” na “preparação do consenso”,

ainda que atuem paralelamente, colaborando com os grupos de legisladores do Estado.

A capacidade máxima do legislador pode se deduzir do fato de que, à perfeita

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1370

elaboração das diretrizes, corresponde uma perfeita predisposição dos organismos de execução e de controle e uma perfeita preparação do consenso “espontâneo” das massas, que devem “viver” aquelas diretrizes, modificando seus hábitos, sua vontade e suas convicções de acordo com aquelas diretrizes e com os objetivos que elas se propõem atingir (GRAMSCI, 2000, p. 302).

Percebe-se que o consenso é considerado “espontâneo” quando assimilado pelas massas,

convertendo-se em disposições por parte de indivíduos ou grupos para a realização de determinados

objetivos. A imprensa, desta forma, atua na construção do consenso não somente como partido, mas como

legisladora, nos seguintes termos:

Se cada um é legislador no sentido mais amplo do termo, continua a ser legislador ainda que aceite diretrizes de outros; executando-as, controla sua execução também por parte dos outros, compreendendo-as em seu espírito, divulga-as, quase transformando-as em regulamentos de aplicação particular a zonas de vida restrita e individualizada (GRAMSCI, 2000, p. 302).

Ao reproduzir as diretrizes de outros grupos (partidos), a imprensa mobiliza os recursos formativos

que dispõem para atingir (e formar) o público-alvo. Desenvolve, assim, seu papel como “legisladora”, de

modo que assimila, executa e controla a execução daquelas diretrizes. Todavia, isso não interfere na sua

autodisposição em “legislar” como partido, ou seja, como organização independente. Esta atividade pode

IX Lusocom: Lusofonia e Interculturalidade | 1371

ser verificada quando a imprensa realiza a cobertura de políticas públicas: em primeiro lugar, ela

seleciona o que é notícia, de acordo com os princípios da racionalidade jornalística (assimilação), depois

elabora a forma mais adequada de transmitir a informação (execução) e, num outro momento, divulga os

efeitos práticos, os resultados de determinada política (controle). Vale ressaltar que o êxito como

“legisladora” ocorre na medida em que cumpre também sua função formativa, o que significa colaborar

de maneira eficaz para a legitimação de uma política. Seguindo o mesmo raciocínio, esta atividade inclui

a desconstrução de certas diretrizes, destituindo sua legitimidade ou simplesmente ignorando-as. Nestes

casos, a função comunicativa é mobilizada, com a finalidade de assegurar a coesão em torno dos

princípios do partido.

Se por um lado a hegemonia corresponde ao predomínio de uma determinada visão de mundo na

sociedade, constata-se, também que esta configuração não ocorre mecanicamente via instrumentos

jurídico-normativos. Em situações normais, segundo Gramsci, o papel do partido é fundamental para a

construção do consenso, de modo que este possa suplantar o uso da força, especialmente pela

internalização dos valores hegemônicos pelas massas. Isto se aplica tanto aos partidos progressistas

quanto aos reacionários: ambos mobilizam esforços para tornar o organismo coletivo coeso, fazendo com

que o elemento difuso aceite ativamente as diretrizes de uma hierarquia. No entanto, se o indivíduo não

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atua, o organismo torna-se inoperante, transformando-se num fetiche, como afirma Gramsci:

Um organismo coletivo é constituído de indivíduos, os quais formam o organismo na medida em que se deram, e aceitam ativamente, uma hierarquia e uma direção determinada. Se cada um dos componentes pensa o organismo coletivo como uma entidade estranha a si mesmo, é evidente que este organismo não existe mais de fato, mas se transforma num fantasma do intelecto, num fetiche” (GRAMSCI, 2000, p. 332).

Portanto, em suas atividades, a imprensa desenvolve as funções comunicativas e formativas a fim de

constituir-se como organismo coletivo, o que representa alcançar o máximo de eficiência na articulação

entre seus elementos constituintes. Para analisar a organização do partido, Gramsci utiliza o “teorema das

proporções definidas”, aplicado o conceito à Ciência Política5. Neste ponto, o autor está preocupado com

a análise da composição interna dos partidos, especificamente a com a formação dos seus elementos

constituintes. Isto significa que cada tipo de organismo (partido, sindicato, fábrica) possui certa

composição (proporções definidas) que lhe garante sua existência e sua reprodução. Em função disso,

afirma que

os partidos têm a tarefa de elaborar dirigentes qualificados; eles são a função de massa que seleciona, desenvolve, multiplica os dirigentes necessários para que um grupo social definido (que é uma quantidade “fixa”, na medida em que se pode estabelecer

5 A lei das proporções definidas foi elaborada originalmente pelo químico francês Joseph Louis Proust, em 1808 e aplicada à economia por Maffeo Pantaleoni, em seu livro Princípios de Economia Pura (1889).

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quantos são os componentes de cada grupo social) se articule e se transforme, de um confuso caos, em exército político organicamente preparado (GRAMSCI, 2000, p. 85).

A ênfase que a filosofia da práxis coloca na formação resulta do plano estratégico de luta pela

hegemonia. Pensando nisso, Gramsci identifica finalidades moralizantes em certos periódicos e, de modo

geral, compreende a relação destas publicações com a formação do “senso comum”, o qual é definido

como “a concepção de vida e do homem mais difundida” (GRAMSCI, 1978, p. 176-178). Porém,

considerando o senso comum (ou bom senso) de cada camada social como algo mutável, maleável propõe

instrumentos de intervenção cultural. Isto significa disputar espaço com outras concepções de mundo. Do

mesmo modo como as filosofias difundidas pelos partidos reacionários sedimentam-se sobre a cultura

popular, as ideias dos partidos progressistas também buscam seu espaço, construindo estratégias

eficientes para chegar até as classes subalternas.

Considerações finais

Como visto, Gramsci identifica na imprensa e na atividade jornalística os elementos de um

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organismo coletivo que se articulam, constituindo-se como partido. Tanto os interesses do jornalismo

revolucionário como os do jornalismo reacionário estão voltados para a legitimação de certa ordem social.

O primeiro, apóia o status quo e o segundo, busca legitimar a hegemonia da classe operária. E é

justamente esse desejo em tornar-se poder, revertendo a dominação burguesa, que torna imperativo ao

partido comunista (e aos seus organismos coletivos, como a imprensa) participar do jogo, ou da luta pelo

controle político. Para isso, é preciso estabelecer o máximo de coesão, superando o caráter marginal

típico dos movimentos sociais que atuam fora do consenso. Assim, a filosofia da práxis não pode deixar

de ajustar sua organização ao modelo das organizações hegemônicas. “A cobertura do movimento social

depende em parte da capacidade de criar um aparelho de publicitação e demonstrar a sua vontade de

participar na teia de faticitade que sustenta o trabalho jornalístico” (TRAQUINA, 2005, p. 198).

Portanto, a análise da teoria de Gramsci e suas propostas para o jornalismo revolucionário pautam-

se na observação da atividade jornalística de seu tempo. Por isso, a noção do conflito permeia toda a

filosofia da práxis, colocando-a como projeto alternativo à opressão capitalista. O que importa, então, é

descobrir os instrumentos utilizados pelas forças reacionárias e reconvertê-los aos princípios do campo de

batalha oposto, promovendo uma revolução em sentido amplo. Se a imprensa reacionária consolida uma

cultura dual entre a elite e os trabalhadores, privando estes do conhecimento historicamente produzido

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pela humanidade, cabe aos intelectuais organicamente envolvidos com a transformação social

redirecionar o processo de formação humana. Em razão da própria experiência no jornalismo, Gramsci

defendeu a participação da imprensa na formulação de um novo consenso, baseado na racionalidade dos

valores universais comunistas. Sua visão instrumentalista sobre a atuação dos jornalistas, ou seja,

colocando-os a serviço da luta política consubstanciou o legado da filosofia da práxis para o campo

teórico da comunicação. Segundo Nelson Traquina, suas ressonâncias podem ser verificadas nas “teorias

de ação política”, surgidas na década de 1970 e que consideram as notícias como “distorções” da

realidade, à serviço dos “interesses políticos de certos agentes sociais bem específicos que utilizam as

notícias na projeção da sua visão do mundo” (TRAQUINA, 2005, p. 163).

A filosofia da práxis, de modo geral, coloca em discussão o conteúdo ideológico da imprensa, ou

seja, destaca o problema da parcialidade das notícias e das informações, buscando, superá-lo por meio de

um projeto revolucionário. Entretanto, fundamenta-se também na construção de um consenso

racionalmente planejado, mas que ainda não conseguiu superar sua natureza conflitiva. Sua maior

contribuição, contudo, está na análise do jornalismo como atividade eminentemente política, sujeita às

relações de poder historicamente constituídas.

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ROTHEN, José Carlos. Funcionário intelectual do Estado: um estudo de epistemologia política do Conselho Federal de Educação. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2004. SCHLESENER, Anita Helena. Revolução e cultura em Gramsci. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, 2002. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005. v. 1.