Jornalismo científico e pesquisa na Amazônia - UFOPA

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Jornalismo Científico ePesquisa na Amazônia

Universidade Federal do oeste do Pará (UFoPa)Pós-GradUação em Jornalismo CientíFiCo

José Seixas LourençoReitor

Clodoaldo Alcino Andrade dos SantosVice-reitor

Marcos Ximenes PontePró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação Tecnológica

José Antônio Oliveira AquinoPró-reitor de Ensino

Aldo Gomes QueirozPró-reitor de Planejamento Institucional

Arlete MoraesPró-reitora de Administração

Manuel DutraSamuel Lima(organizadores)

2013

Florianópolis

Jornalismo Científico ePesquisa na Amazônia

Editora Insular

Editor ProjetográficoNelson Rolim de Moura Carolina Dantas

Editora Eletrônica FotosSilvana Fabris Acervo dos organizadores

CapaLuciana Leal

JornalismocientíficoepesquisanaAmazônia.ManuelDutraeSamuelLima(organizadores).Florianópolis:Insular.2013.

176p. ISBN 978-85-7474-671-5 1.Jornalismocientífico.2.Pesquisa.3.Amazônia.I.Título.

CDD 070

Manuel DutraSamuel Lima

(organizadores e preparação de originais)

Jornalismo Científico ePesquisa na Amazônia

Conselho EditorialDilvo Ristoff, Eduardo Meditsch, Fernando Serra, Jali Meirinho,Natalina Aparecida Laguna Sicca, Salvador Cabral Arrechea (ARG)

Editora InsularRodovia João Paulo, 226

Florianópolis/SC – CEP 88030-300Fone/Fax:(48)3232-9591

[email protected]–www.insular.com.br–twitter.com/EditoraInsular

Insular LivrosRodovia José Carlos Daux, 647, sala 2Florianópolis/SC – CEP 88030-300

Fone:(48)[email protected]

“As coisas tangíveistornam-se insensíveis

àpalmadamão.

Masascoisasfindas,muito mais que lindas,

essasficarão”

(Carlos Drummond de Andrade)

Sumário

13 Um olhar sobre a pesquisa na Amazônia Manuel Dutra, Samuel Lima

19 Prefácio – O mundo da ciência nas terras do Tapajós Alessandra Carvalho

23 Insetos têm beleza natural, afirma pesquisador Adenomar Neves de Carvalho, entrevistado por Lenne Santos

31 Fazer ciência na Amazônia depende do campo a ser pesquisado Anselmo Alencar Colares, entrevistado por Ednaldo Rodrigues e Ormano Sousa

41 Com um projeto de ciência e vida Celson liga a Amazônia à Europa Celson Pantoja Lima, entrevistado por Ronilma Santos

51 Semiótica e libertação nas palavras Jogo, forma e estilo na literatura Cristina Vaz Duarte da Cruz, entrevistada por Júlio César Guimarães

61 Terras Caídas são fenômeno único que só o Rio Amazonas apresenta Deize de Souza Carneiro, entrevistada por Alessandra Guimarães Mizher eGilmaradosReisRibeiro

71 A indústria do turismo em Santarém: potencialidades e grandes desafios Erbena Silva Costa,entrevistadaporJoabFerreira e Milton Corrêa

81 Autorreconhecimento indígena: do estigma à consciência adquirida Frei Florêncio de Almeida Vaz, entrevistado por Ercio do Carmo Santos e Joelma Viana dos Santos

89 Pesquisas com animais Peçonhentos podem salvar vidas Hipócrates de Menezes Chalkidis, entrevistado por Cristiane Sales e Márcia Reis

97 Terra-preta de índio é o ouro negro da Amazônia Lilian Rebellato, Entrevistada por Maria Lúcia Morais

107 Indígenas em solo socialista e capitalista; na Venezuela, quais as diferenças? Majahua Tapuia, entrevistada por Jeso Carneiro

115 Conhecimento científico como base para construção de uma nova Amazônia Manuel Dutra, entrevistado por Moisés Sarraf

121 Peixes da Amazônia podem desaparecer com o aumento da temperatura Marcos Prado Lima, entrevistado por Adriana Pessoa e Aritana Aguiar

131 Tecnologias da informação podem ajudar a vencer déficit histórico na educação Paulo Henrique Lima, entrevistado por Raimundo Clecionaldo Vasconcelos Neves e Ambelino Minael Andrade

Cunha

139 Mudanças climáticas e sustentabilidade no debate nacional sobre a Amazônia Raimunda Nonata Monteiro,entrevistadaporFábioPena

149 Agronegócio e agricultura familiar: é possível conciliar interesses em conflito? Sandro Viegas Leão, entrevistado por Ailanda Ferreira Tavares e Alciane Ayres

157 A distância entre intenção e gesto na questão ambiental no Oeste do Pará Antônia do Socorro Pena da Gama, entrevistada por Jota Ninos

165 Garimpos e desmatamento fazem do mercúrio um vilão dos rios e igarapés Ynglea Georgina de Freitas Goch, entrevistada por Val Araújo

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Um olhar sobre a pesquisana Amazônia

Manuel Dutra1

Samuel Lima2

Este livro digital traz uma coletânea de entrevistas realiza-das pelos alunos e alunas do Curso de Pós-Graduação emJornalismoCientífico,daUniversidadeFederaldoOestedoPará (UFOPA),sediadanacidadedeSanta-

rém,noPará,bemnocoraçãodaAmazônia.Sãotrabalhosqueseincluemnastarefasdaúltimadisciplina,“Linguagens:Jornalismo,Ciência, Tecnologia”, que foi ministrada pelo Prof. Dr. SamuelLima,daFaculdadedeComunicaçãodaUnB,presentementeco-laborador-docentedoDepartamentodeJornalismodaUFSC,emFlorianópolis.

Não há aqui necessidade de realçar o aspecto de pioneirismo de tal iniciativa, notadamente numa região da qual o imaginário na-cional/globaldistinguequasetãosomenteanatureza,processoquetorna (quase) invisível a cultura e a ciência, isto é, o fazer humano aí existente e que, a cada dia, adquire maior consciência de sua respon-sabilidadelocal/global,nosentidodeproduzirconhecimentocomoqueapartirdedentroenãomais,apenas,esperarque“viajantes”,como os de outrora, sejam os únicos a conduzir esse discurso ini-ciadonotempodasdescobertashistóricas.

1 CoordenadordocursodePós-graduação(LatoSensu)emJornalismoCientíficodaUniver-sidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).

2 ÉDoutoremMídiaeTeoriadoConhecimentopelaUniversidadeFederaldeSantaCatarina(UFSC,2005).DocentedaFaculdadedeComunicaçãodaUniversidadedeBrasília(FAC/UnB)é,atualmente,professor-visitantedocursodeJornalismodaUFSC.

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AUFOPAfazhojeoesforçoporserumambientedeencon-troentresaberes,doslaboratóriosclássicosdaciênciaàsabedoriatradicionalcujosensocomumalimentatantosproblemasdepesqui-sas,tantashipótesesenovosachados.Assimtambém,ainstituiçãoquer ser lugar de encontro de quantos, amazônidas, brasileiros eestrangeiros, estejam dispostos a escrever e reescrever a autonomia naproduçãodoconhecimentocientífico.

A realização de um curso assim, fora dos chamados grandes centros não apenas nacionais, mas distante dos dois grandes centros regionaisondeseconcentraogrossodapesquisasobreaAmazô-nia, Belém e Manaus, só foi possível graças ao espírito pioneiro do reitornanovauniversidadepública,aprimeiradointeriordaregião,professorJoséSeixasLourenço.Apropostafoideimediatoencam-pada pelo pó-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação Tecno-lógica,professorMarcosXimenes,ambosex-reitoresdaUniversi-dadeFederaldoPará(UFPA).Portanto,ainiciativacontoucomoentusiasmo da instituição como um todo, que tem no pioneirismo umadesuasmarcasmaisprofundas.

A ideia matriz é a produção do conhecimento no coração da Amazônia, capaz de gerar um acervo que precisa ser socializado, e umdosprimeirose,espera-se,maiseficazesmeiosparaadissemi-nação desse acervo no seio da sociedade é a participação de jorna-listas.Daíaideiadestecurso,cujoobjetivofinaléacapacitaçãodeprofissionaisdamídia,nosentidodequepossam,commaisfacili-dade, dialogar com o cientista, penetrar no universo conceitual do fazermetódico, interpretar relatóriosdepesquisa,elaborarpautasdemodoautônomopara,afinal,transformaressesaberemnotíciasereportagenscompreensíveiseagradáveisaograndepúblico,no-tadamente numa região e num país onde a pesquisa é majoritaria-menteprocessadaemlaboratórioscusteadospelorecursopúblico.

Não se trata de visualizar um jornalista porta-voz, mas de umprofissionalcríticoque,dentrodaquiloqueéespecíficodesuaatividade,possacontribuirparacomamelhoriadaeducaçãoedodomíniodosaber,acomeçardaquelesabersobreochãoemque

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pisamos, indispensável para que a sociedade e os indivíduos se si-tuem conscientemente no mundo, assim fazendo as suas opções devidapresenteefutura.Apráticadojornalismocientíficoimpõe,porconseguinte,odesafiodaproduçãodeumconhecimentonovosobreosfatoscientíficos,algoqueseconsolidanalinguagemjorna-lística,acessívelàsociedade.

Estecursoresultadecolaboraçãointerinstitucionaleinterdis-ciplinar.ÉprodutodeumacordodecooperaçãocientíficaetécnicaentreaUniversidadeFederaldoParáeaUniversidadeFederaldoOeste do Pará, por meio de seus reitores Carlos Maneschy e José SeixasLourenço.Conta,atéagora,comaparticipaçãodecisivadeprofessores-pesquisadores na área da Comunicação/Jornalismo Científicodesdeoinstantedaconstruçãodoeixodisciplinardocur-so.Assim,aváriasmãos,trabalhamosprofessores-pesquisadoresdeSantarém e de Belém, no Pará, de Natal (RN), do Estado do Rio de Janeiro(Niterói)edeFlorianópolis(SC).SãoelesAnselmoColares(UFOPA),AlessandraCarvalho(UFRRJ),SocorroVeloso(UFRN),OtacílioAmaral,AldaCosta,FábioCastroeManuelDutra(UFPA)eSamuelLima(UFSC).

Apartirdeumbancodedadospreliminar,portanto,incomple-to, reunindo 95 pesquisadores, quase todos pertencentes ao quadro dedocentes-pesquisadoresdaUFOPAedeoutrasuniversidadesdaregião,entredoutoresemestres,osalunosfizeramassuasescolhasdepautas, levandoemcontaumatemáticavariada.Asentrevistasaparecemnestee-bookemordemalfabéticadosentrevistados.

Lenne Santos ouviu o entomólogo Adenomar Neves de Car-valho,quedefine:“Insetosnãosãopragas,elestêmasua impor-tância biológica”;EdnaldoRodrigues eOrmano Sousa dialogamcomopedagogoAnselmoColaresqueafirmaumacrença:“Oco-nhecimento não pertence a um ou outro grupo, por isso não pode sernegado.Índio,negro,pobreouricotodosprecisamteracessoaossaberes”;RonilmaSantosentrevistouopesquisadordasciên-ciasdecomputação,CelsonLima,queresumiu:“Agentenãovivesemenergiaesemosmeiosdecomunicação.Setirarisso,avidadas

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pessoaspara,paramosnegócios,paraaeducação,paratudo!”;JúlioCésar Guimarães conversou com semioticista Cristina Vaz de quem ouviu:“Aformaliteráriadoautorésingularnamedidaemqueeletenhaumaligaçãoíntimacomoseutexto.Épluralnamedidacomoele se liga ao coletivo”;AlessandraGuimarãesMizher eGilmaradosReisRibeiroforamdesvendarcomageógrafaDeizedeSouzaCarneiroofenômenodasterrascaídasdoAmazonas:“Abaciaama-zônicaéúnica.Nãohácomparaçãocomnenhumaoutranomundo.Ela foge a todas as regras, principalmente pela quantidade de água, dimensãoterritorial,localizaçãogeográficacomáreasdecontribui-çãodosdoishemisférios,compluviosidadedonorteaosul”.

JoabFerreiraeMiltonCorrêaouviramumafonteespecializadanaquilo que é decantado como saída ao desenvolvimento da Ama-zônia,oturismo.ErbenaSilvaCostacrêque“oturismoprecisadoauxíliodemuitasoutrasdisciplinasparaserentendido.Bastavocêverumcursodegraduaçãoemturismo,eleégeneralista”;ErciodoCarmo Santos e Joelma Viana dos Santos entrevistaram o religioso e antropólogo Florêncio de Almeida Vaz estudioso da causa indíge-naqueafirma:“Amídiateveumpapeldecisivonaautoidentificaçãodosindígenasdaqui,eaRádioRuraldeSantarémprincipalmente.Os programas estimulam a valorização da identidade, do modo de vida, da defesa da terra”;Cristiane Sales eMárciaReis dialogamcomobiólogoHipócratesdeMenezesChalkidis,queliderapesqui-sasobreanimaispeçonhentosnaregiãoeconfessa:“Nósestamostrabalhandoagoracomosvenenos,parasaberatéquepontonóspodemos contribuir para uma curamais rápida, para diminuir assequelas,ouatémesmoparaeliminá-las”;MariaLúciaMoraisen-trevistouaarqueólogaLilianRebellatoquerevelaalgunssegredosda terra-preta: “Fertilidade e estabilidade.Não apenasdamatériaorgânica,masdosnutrientesdosolo.Aterra-pretatemmuitofós-foro e cálcio, nutrientes que a planta precisa, além de magnésio e manganês”.

Jeso Carneiro ouviu a antropóloga de origem índigena, Ma-jahua“Isa”Tapuia,quelhefalouentreoutrascoisassobreofatode

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“osEstadoseasociedadenãosabemtratarodiferente,ouseja,adiferençaétratadacomasupressão.Omodelodedesenvolvimentoem todooplaneta é capitalista, depredador e excludente”;o jor-nalista Moisés Sarraf, da revista Amazônia Viva (que não integra a turmadealunosdoJornalismoCientífico),contribuientrevistandoopesquisadorManuelDutraqueadverte:“SequisermosdivulgarosachadoscientíficosnaAmazônia,emtodosos ramosdaciên-cia,teremosqueserparticularmentecríticosevigilantes”;AdrianaPessoaeAritanaAguiarconversaramcomobiólogoMarcosPradoLima,especialistaempeixesdaregiãoquetrabalhacomosdadosdemudançaclimática:“Imaginemosumcenáriodaquia100anos,comumaumentodetrêsgrausnatemperaturadoplaneta.Algu-mas espécies podem se adaptar, mas outras podem simplesmente desaparecer”;CléoNeveseMinaelAndradedialogamcomopes-quisador Paulo Lima, que discute educação à distância na Amazô-nia, revelando “como moradores de comunidades longínquas do interiordaAmazôniamodificaramsuasvidasatravésdaeducaçãoutilizando ciência e tecnologia num programa à distância do ensino médiorural”.

Fábio Pena entrevista a jornalista e pesquisadora RaimundaNonata Monteiro, que vê com preocupação o fato de que “nos últi-mosanosaAmazôniatambémdeixadeterumpapelimportantenaagendadadiscussãodemeioambiente,tantointernamentequantoemnívelinternacional”;AilandaFerreiraeAlcianeAyresforamou-viroeconomistaSandroAugustoLeão,quepesquisasobreagro-negócio e agricultura familiar e analisa o caso da soja na região:“Houveumproblemaem2006,umgrandeconflitosocioambiental.Ofatodequeasojaestavatirandoostrabalhadoresruraisesuasfamíliasdesuascomunidades,deBelterraedeoutrasáreas”;JotaNinosencarouodiálogocomapesquisadoraeativistaambientalAntônia do Socorro Pena da Gama, que tratou entre outras coisas desuapassagemrecentepelopoderpúblicomunicipal.Elareco-nheceque“émaisfácilaplicarpolíticasambientaisquandosetraba-lhanumaONG,doquenagestãopública”,porcausadapolíticae

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daburocracia;fechandoaobra,ValdileneAraújoentrevistaabiólo-gaYngleaGeorginadeFreitasGoch,especialistanapesquisasobrecontaminaçãodemercúrio,queécategórica:“Nãosãoapenasosgarimposquepoluem,temcolaboraçãotambémdodesmatamento,poissabemosquearemoçãodavegetaçãodosologeraperdadosnutrientes e leva sedimentos para lagos, igarapés, rios chegando ao mar”.

Oqueseapresentanestee-booképouco,nadamaisqueumtrabalhodeaula,empartecomopreparaçãoparaosTrabalhosdeConclusão que serão apresentados na segunda quinzena de agosto, sobaformatradicionaldemonografias,mastambémsobasformasdeaudiovisuais,programaspararádioesitesnainternet.Todoesseacervoserátambémdisponibilizadonainternet,dentrodoprincí-pio de que jornalista, quando estudante, não produz a informação/notícia apenas para ser lida e avaliada pelo professor, mas destina-se aoleitor/ouvinte/espectador/internauta,àsociedade,enfim.

Por esse princípio, aqui estão estas entrevistas, à disposição de especialistasedoleitorcidadãonãoespecialista.Acríticaserámuitobem-vinda.

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Prefácio

O mundo da ciência nas terras do Tapajós

Alessandra Pinto de Carvalho*

Quando fui convidada a escrever este prefácio, fiqueiem dúvida se deveria escrevê-lo como jornalista, como professora, como pesquisadora de jornalismo científicooucomoleitoraecidadã.Qualocaminho

parame desvencilhar de todos estes olhares ao escrever sobre acoleção de entrevistas feitas pelos meus alunos jornalistas com pes-quisadores e professores radicados em Santarém? Optei por dizer oque significa esta obra para a leitora leiga,mas interessada emdivulgaçãocientífica.

Emprimeirolugar,ficofelizdepoderleremumúnicovolumesobreotrabalhoqueestesprofessoresestãodesenvolvendonacida-de,cadaumemsuaárea,comseusobjetivosespecíficos.Eaminhaalegria se amplia quando sei que muitas outras pessoas, leigas como eu,vãopoderteracessoaopensamentodestesespecialistasesaberumpoucodoqueelesfazem,“alémdedaraulas”.

Adivulgaçãodotrabalhodepesquisadoresepensadores-comousodeumvocabuláriocoloquial–éuminstrumentonecessárioparaquetodossaibamosqueexistegenteempenhadaempraticarodesenvolvimentodoconhecimentocientíficonaregião.Estetipode ação pode responder a pergunta rotineira “o que a pesquisa aca-* Ésantarena.JornalistaformadapelaUniversidadeFederaldoPará;mestraemcomunicação

científica e tecnológica e doutora em comunicação pelaUniversidadeMetodista de SãoPaulo.ProfessoradocursodejornalismodaUniversidadeFederalRuraldoRiodeJaneiro.ColaboradoranocursodejornalismocientíficodaUFOPA.

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dêmicatrazdebomparaanossavida?”,tambémamenizaosensocomumdeque“cientistaéesquisito”oudeque“cientistasótemnosuldopaís”.

Neste livro, vemos que em Santarém há pesquisadores que vieramdetodasasregiõesdopaís;háosquesaíramdaquiparao“mundo”evoltaram; eosque sempreviveramaqui e conhecembemavidaamazônica.Mastodosenfrentamasmesmasdificulda-desdeconseguirverbasparaaspesquisase,tambémdecomunicaràsociedadeoqueestudameproduzem.

Esses estudiosos, como podemos ver, não são somente “ca-rasmalucosenfiadosemlaboratórios”.Elessãopessoassérias,queandam no meio da gente, metem o pé na lama, fazem festas, tem filhosepaixões.Olaboratóriodessepessoalpodeseraquelebrancodoimagináriopopular,mastambémpodeserocolorido(oucinza)dasruas.

Esta série de entrevistas traz um pouco do mundo social dos cientistas(comodiriaPierreBourdieu),objetosdepesquisa,visõesdemundo e engajamento social. Para ser pesquisador, é precisoaprender a olhar ao redor com sincero interesse, curiosidade e de-dicação.Éprecisotrabalhareestudarmuito,comoenfatizaoen-genheiro;oentomólogonosalertaquetemosmuitoqueaprendercomosinsetosesuacapacidadedesobrevivênciaàsmudançasdoambiente;oeducadorressaltaquetodoconhecimentogeradoper-tenceàhumanidade;oantropólogoenfatizaqueosaberconstru-ídonauniversidadeprecisaser“devolvido”atodoomomentoàscomunidadesestudadas;éprecisoencontrarmeiosepolíticasparaquearegiãonãofiquecomosrestosdosprojetoseconômicos,so-ciais e tecnológicos é o que nos dizem todos os entrevistados nas entrelinhas.

OtrabalhofeitopelosalunosdaespecializaçãoemjornalismocientíficodaUfopa,comaorientaçãodoprofessorSamuelLima,éumexercíciodidáticoeprofissional.Mas tambéméumaprovadequemuitasatividadesfeitasemsaladeaulaenos laboratóriosdepráticapodemextrapolarosmurosdauniversidade.Comparti-

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lhar os resultados deste tipo de experiência, que podia ser restrita à saladeaula,éoquedesejamosparaaumentarapossibilidadenãoapenas de agregar informações, mas ajudar a alimentar um espírito críticosobreosatoresdolocalesobreoespaçoemquevivemos,Santarémeomundo.Nauniversidade,chamamestetipodeaçãode“práticadeextensão”.

Aos pesquisadores que lerem este livro, gostaria de sugerir que,diantedopossível,realizassemmaisintercâmbiosdedivulga-çãocientíficacomapopulação.Oformatodestaaberturaàsocie-dade pode ser de vários tipos, seja por meio de contato direto em palestrasaopúblicogeral,ouatendendoa jornalistase,com issoosajudandoacompreenderaseriedadedotrabalhoqueéfeitoporvocês.Eparabenizoaosquejávêmfazendoestetipodeatividade.Hápessoasquenãoestãonauniversidadeeprecisamsaberoquevocêsestãofazendo.

Aos jornalistas, gostaria de pedir que dessem mais espaço aos pesquisadores nas pautas jornalísticas e nas salas de aula.Vamosvalorizar a existência de um time de professores e estudiosos resi-dentes em Santarém, e apelar menos para respostas e análises super-ficiaisouclichêssobreosproblemasdaregiãoedasociedade.Aliás,ébomevitarolugar-comumemtodososaspectos,eatémesmonaabordagemdopesquisador.Otrabalho jornalísticotambémpodesercriativo.

Assim, desejo que este encontro entre jornalistas e pesquisa-dores seja um incentivo ao estreitamento da relação entre estes dois universosprofissionais.Masespecialmenteesperoqueestematerialseja espalhado e aproveitado nas escolas, e que muitos dos jovens leitorespossamser“picados”pelacuriosidade,pelavontadedefa-zer crescer o conhecimento e de gerar práticas e políticas para o engrandecimentodaregiãoamazônica.

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Insetos têm beleza natural,afirma pesquisador

Adenomar Neves de Carvalho, doutor em Ciências Biológicas (Entomologia) pela UniversidadeFederaldoParaná(2006),éprofessorAdjuntoIIdaUniversidadeFederal

doOestedoParáUFOPA).Suaspesquisasseconcentramna área de Zoologia, com ênfase em Taxonomia dos Grupos Recentes, atuando principalmente nos seguintes temas:Hemiptera,Auchenorrhyncha,CicadellidaeeXestocephalinae.

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Entrevistado por Lenne Santos1

Meticuloso. Organizado. Tímido, ou simplesmente:taxônomo.Opequenoespaçode12metrosquadra-dos, que exala um forte cheiro de naftalina, é o local onde o pesquisador Adenomar Neves de Carvalho

passaamaiorpartedoseudia.MasotamanhodolaboratóriodeEntomologiadaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA)nãorefleteaimportânciaquetemparaaconservaçãodabiodiver-sidadeamazônica.Éaquiqueestãoabrigadascoleçõesdidáticasecientíficasdeespéciesanimais–éassimqueeleprefereidentificá--los:“insetosnãosãopragas,elestêmasuaimportânciabiológica”.

Otrabalhodobiólogo,queprefereseautodefinircomopro-fessor-pesquisador,acabadeganharrepercussãointernacional.EleclassificourecentementeaespécieParaportanus longispinu, da família dascicadelidae,encontradasnasflorestasdosestadosdoAmapáeAmazonas.Eotrabalhonãopara:maisquinzeespéciesestãoemfasedeclassificaçãoparaapublicação,cujosresultadosdevemserpublicadosembreve.

Carvalho faz parte de um reduzido grupo de pesquisadores queestudaaespécie.SãoapenascincoespecialistasnessaáreaemtodooBrasil.Aentrevistaaseguirfoiconcedidaemseulaborató-rio, numa tarde chuvosa do mês de fevereiro de 2013, um dos meses maismolhadosdoinvernoamazônicoquevaidedezembroajunho.

* JorgelenedosSantosOliveira é jornalista formadapelaUniversidadeEstadualdePontaGrossa (1996)egraduadaemLetraspelaUniversidadeFederaldoPará (1992).Especia-listaemJornalismoeMídiapelaUniversidadeFederaldeSantaCatarina(UFSC,2003).ÉProfessora titular do Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES), e das Faculdades IntegradasdoTapajós(FIT),comsedeemSantarém(PA).MestreemAntropologiapeloPrograma de Pós-graduação em Ciências Sociais área de concentração em Antropologia da UniversidadeFederaldoPará(UFPA,2008).Pós-graduandaemJornalismoCientíficodaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),ondetrabalhatambémcomoassessoradeimprensa.

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Como foi a sua opção pela pesquisa aCadêmiCa? Abiologiaentrounaminhavidaporacaso.Euqueriaseradvoga-do, porém não podia sair da cidade de Barra do Garça (MT) para cursarafaculdade.EntreinaFaculdadedeBiologiadaUniversidadeEstadualdoMatoGrossoe,por influênciadeumaprofessoradeentomologia,comeceiafazeriniciaçãocientífica.Deciditerminarocursoequandotiveaoportunidadedesair,jáeratardedemais.Hojemesintorealizadocomopesquisadordaárea.

Como o senhor define a entomologia, sua área de atuação? Entomologiaéaorganizaçãodosseresvivos,ouseja,aclassifica-çãoeaorganizaçãodavida.Atualmentehá1,5milhãodeespéciesdeseresvivosdescritas.Boaparte,ou925mil,sãoinsetos.Essesanimais precisam ser organizados num sistema que facilite o resgate das informaçõesquesãogeradasacadadia.Assimcomoorgani-zamos nossa casa, nossa a cozinha, como, por exemplo, o armário, comgavetaemquecolocamoscadatalheremseu lugar, tambémaplicamosessesistemadeorganizaçãoparaosseresvivos.

esse é então o papel do taxônomo, o de organizador? Lidamos cotidianamente com coleções entomológicas, o taxônomo atuacomoumclassificador,umprofissionalquedeveterprofundoconhecimentodaecologiaedadistribuiçãodosanimais,sobretudodosqueestãoemmuseus,guardadosalipordécadas.Éumtraba-lho complicado, difícil. Temos o cheiro da naftalina porque essematerialajudaaafugentaraspragasdascoleçõeseessecheiroficaimpregnado.Euressaltoaindaquealgumascaracterísticasdeperso-nalidade como a timidez e a preocupação excessiva com a organi-zaçãoquepodemserconsideradasnegativassãomuitobem-vindasnosprofissionaisdaáreadaentomologia.

Vamos falar espeCifiCamente sobre sua desCoberta, a noVa “Cigarrinha”, Como se deu esse trabalho?

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Éumapesquisaquevemdesde2006.Eurecebiessacoleçãoen-tomológicacoletadaaquinaflorestaamazônicaequepertenceaoInstitutodePesquisadaAmazônica(INPA),comsedeemManaus.Eurecebinoperíododeconclusãodomeudoutorado,emCuritiba(2006), na época não tive tempo de incluir o material na minha pes-quisa.Porémpercebeiquehaviaumgrandenúmerodeespéciesnãodescritasaoanalisarpreviamenteacoleção.Foiláqueidentifiqueiaespécie Paraportanus longispinu,dafamíliadascicadelidae.Alémdes-sa,hápelomenosmais15espéciesaseremclassificadas.

o senhor está Conseguindo Cumprir esse objetiVo?Ovolumede trabalhoémuitogrande.HápoucospesquisadoresnessaáreanoBrasil.Aindatemosquedividirotrabalhodetaxo-nomiacomasatividadesdesaladeaula.Tenho20horas/aulapormêsparafazerpesquisa,masépouco.Espertoqueem2013consigadesenvolverboapartedotrabalhoqueprecisaserfeito.Ouvoupre-cisar de pelo menos dez anos para catalogar as outras 15 espécie que estãoporserdescobertasnessematerialquetenhoaqui.

suas pesquisas foram feitas a partir de Coleções Coletadas nos estados do amazonas e amapá. essas espéCies oCorrem também aqui no pará?Aindanão tenhodados suficientespara afirmar se essas espéciesocorremaquinaregiãodeSantarém.Maspossoadiantarque,pelafitofisionomiadaflorestaamazônicaquemantémumpadrão,certa-mente a Papaportanus LongispinutambémpodeocorreraquinoPará,emSantarém.

há alguma preVisão de publiCação de noVos artigos, Com a desCrição de noVas espéCies?Em 2013, pretendo escrever novos artigos, um deles está previsto paraserpublicadonarevistadeMuseudeHistóriaNaturaldoRioGrandedoSul.Precisamosatrairpessoasquetenhaminteresseem

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entomologia para que possamos começar a responder perguntas do tipo:emquenívelestáadegradaçãoambiental?Hámuitomaterialcoletado,queficaguardadocercade20anosàesperadeumpesqui-sadorseinteressarnessaárea.

o senhor é um pesquisador de renome internaCional e po-deria, se quisesse, optar apenas pela área da pesquisa, porém faz questão de se autodefinir Como professor-pesquisador e diVidir o tempo Com as atiVidades de sala de aula. por quê? EufuiumdosprimeirosasercontratadospelaUFOPA,fizopri-meiroconcurso,cujoeditalfoipublicadoem2010.Respondendodiretamenteàsuapergunta:Háduasquestõesaseremconsideradas.Primeiro, no Brasil para fazer pesquisa é necessário estar ligado a uma instituição de ensino superior, principalmente a universidades federais.Sãopoucasasagênciasdepesquisaquenãosãoespaçosdeensinocomo,porexemplo,aEmbrapa,oICMbio,MuseuGoeldietc.Aoutraquestãoéque,atuandoemsaladeaula,alémdecon-tribuirna formaçãodenovospesquisadores,possoapresentarosresultadosdapesquisaemprimeiramão.Umartigodemoradoisanospara,desdesuaconstrução,serpublicado.Jánarelaçãodire-tacomosalunoseutenhooportunidadededebaterosprimeirosresultadosdepesquisaslogonoprimeiromêsdeestudo.Tambémtenhopaixãoporministraraulas.Gerarmaisconhecimentoprodu-zirpesquisa.

na uniVersidade o senhor tem a opção de interagir Com os alunos, mas de foram geral, Como esse ConheCimento pode Chegar até a população?Souumpesquisador.Meuobjetivoéproduzirconhecimentoeesseconhecimentoéaltamentetécnico.Demaneiradiretaapopulaçãonãosebeneficiacomesseconhecimento.Nósescrevemosparaacomunidadecientífica.Oretornodeimediatoé,semdúvida,paraos meus alunos que cursam a disciplina Entomologia e quando pas-sam a compreender que os insetos têm um papel importante na

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natureza,vitalparaoecossistemaeoferecemmaisbenefíciosqueprejuízos.

o senhor refere-se aos insetos Como animais, eles não são pragas?Éumavisãoequivocadaimaginarqueinsetossãopragas.Deformageral, o leigo, digo aquela pessoa que não está na academia, tem insetocomopraga,comocoisaruim.Quandovêum,mataréapri-meiraatitude.Issosedeve,emparte,aumacampanhadasmultina-cionais produtoras de inseticidas hoje eufemisticamente chamados deinsumosagrícolas.Opequenoagricultor,nasualavoura,quandovêumgafanhotoacreditaqueéindíciodepraga.Setivercondições,aplicainseticida.Opróprioagricultoréquemacabacriandoapra-ga.Afaltademanejoadequadopodepropiciarqueumapopulaçãode insetos, que não traz nenhum prejuízo, a se tornar um inseto quetrazprejuízo.Aproveitoparadesmistificaressanoçãodequeinseto é sempre praga, de que inseto é nocivo e que tem que matar, temqueexterminar.Essavisãoequivocadanãodeucertoapesardachamada revolução verde dos anos 1960 terem investido pesado em produtosquímicosparaexterminarosinsetos.Oquetemocorridoéqueosinsetosestãocadavezmaisresistentes.

e quais são as ConsequênCias disso? Quem mais sofre com a ação desses inseticidas somos nós que co-memos alimentos contaminados pelos agrotóxicos. Ocorre tam-bém a contaminação da água e do solo, o que causa prejuízos anossasaúde.Ossereshumanossurgirammuitodepoisdosinsetos,há pelosmenos 12mil anos. Temosmuito o que aprender comos insetos,comoporexemplo,comosobrevivernumplanetaemconstantemudança.Vivemosmomentosdegrandesmudanças,oaquecimentoglobaléapenasumadelas.Então,aprendercomoosinsetossobreviveramàsmudançaseentendercomoelessubsisti-ram a tudo pode ajudar muito, pois certamente passaram por mu-danças muito mais drásticas que essas as quais vivemos hoje, e ainda

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assimsobreviveramesãomaioria,nãosóemnúmeromastambémembiodiversidade.

Como um dos loCais de maior biodiVersidade do planeta a amazônia é um loCal onde há ainda muito o que se pesquisar. Como o senhor analisa isso. Hámuitaslacunasdeconhecimentoquandosetratadoestudodeanimais, sobretudo insetos.Por exemplo, especialistas em insetosdafamíliadataxonomiadecicadellidae,sãoapenascinconoBrasil.Apenas eu, estudo essa espécie na Amazônia, os outros quatro es-tãonoeixosul-sudeste-centrooeste.Nossoobjetivoédesenvolverpesquisacomacigarrinha.IssofazpartedavontadedeentenderabiodiversidadedaAmazônica.FuiatraídoparacápelaUFOPA.Pa-receu-memuitointeressantetrabalharnumauniversidadenointe-rior da Amazônia e tive o projeto aprovado pela Fundação Paraense deApoioàPesquisa(FAPESPA/CNPQ).Foioprimeiropassoparamefixaraquinaregião.

quais os desafios de fazer pesquisa na amazônia?ÉumdesafiomuitograndefazerpesquisanaAmazônia,aliás,tudonapesquisaédifícil.Hojeestounaáreadoensinoporqueéumdospoucoslocaisemquesefazpesquisanopaís.Amaiordificuldadeéconseguir recursos.Fala-semuitona liberaçãodedinheiroparapesquisa na Amazônia com o intuito de atrair pesquisadores, po-rémquando chegamos aqui não recebemos toda a infraestruturanecessária.Euestouaquihátrêsanos,enãopossoreclamarmuito.Tenhoum laboratório,mashácolegasquenemmesa têm.Essaspesquisas exigem equipamentos caros. Faltam locais apropriados,dentrodaprópriauniversidade.Parafazerpesquisaénecessáriore-cursosetambémprodutividadeacadêmicaquesãoaspublicaçõescomo,porexemplo,livros,capítulosdelivroseartigos.UmgrandeproblemaéquemuitasvezesopesquisadorsubmeteumprojetoaoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico(CNPQ),oprojetotemméritocientífico,porémopesquisadornão

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temprodutividadesuficienteparaaaprovaçãodoprojeto.Aí,nãotemosdinheiroparapesquisa.Esenãotemosdinheironãofazemospesquisa e se não fazemos pesquisa não temos produtividade aca-dêmica.Enfim,acabaseformandoumcírculovicioso.OnúmerodeartigospublicadoséamoedadoCNPQ.Esseéumdosmaioresdesafiosquetemoshoje.

mas há também a questão das grandes distânCias amazôniCas, Como o pesquisador lida Com isso?Esseéoutrograndedesafio.Muitosinsumosparaapesquisanãosãoencontradosaqui.Temosdemandarbuscarfora,chegamaquicomumcustomaisalto.Issolevatempo.Precisamosplanejartudocomumaantecedênciabemmaior.Omeubolsista,muitasvezestemdefabricarseusequipamentosparapesquisa.Issotambémaju-daadesenvolver a criatividadee a superardesafios.Souotimistaeacreditoque issotendeamelhorar.Ouseja,asdificuldadessãomuitas.Mascreioqueessasituaçãoépassageira.Souotimista.

o senhor Costuma afirmar que “entomologia é arte”. pode expliCar melhor?Sim, os insetos são seres muito ornamentados e de colorações exu-berantes que encantamqualquer observador.AEntomologia é aciênciaqueestudaosinsetos,então,umentomólogoquetrabalhacommorfologia,porexemplo,precisapossuirhabilidadesparailus-trá-los, fotografá-los.O resultado final damaioria dos estudos éumaverdadeiraobradearte!

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Fazer ciência na Amazôniadepende do campoa ser pesquisado

Anselmo Alencar Colares, professor e pesquisadordaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),atuanaáreadeeducação,com mestrado (1996) e doutorado (2003)

pós-doutorado(2012)pelaUnicamp-SP.Suapesquisade doutorado trata do o processo histórico da educação naAmazônia:“Colonização,catequeseeeducaçãonoGrão-Pará”.PossuiamploconhecimentodesuaáreacomtrabalhosdesenvolvidosemváriascidadesdaAmazônia,inclusiveemPortoVelho(RO),ondeémembrodecursodemestradodaUniversidadeFederaldeRondônia(UFRO).

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Entrevistado por Ednaldo Rodrigues1 eOrmano Sousa2

O modelo de educação na Amazônia, desde os tempos do Grão-Pará até os dias atuais, indica resquícios seculares, com a seg-mentação do processo educacional formal que se temhoje. Issopodeserumequívocoamaquiarasupostagarantiadaacessibilidadeaosaberaíndiosenegros.

O conhecimento ainda está restrito a determinados segmentos sociais e concentrado nas metrópoles da região – Belém e Manaus, principalmente–emdetrimentodointerior.

Esta é a visão de Anselmo Alencar Colares , professor e pes-quisadordaUniversidadeFederaldoOestedoPará(Ufopa).“Oco-nhecimento não pertence a um ou outro grupo, por isso não pode sernegado.Índio,negro,pobreouricotodosprecisamteracessoaossaberes”,defende.

Nesta entrevista,Colares fala dopassado e seus reflexos naeducaçãocontemporânea.

1 ManoelEdnaldoRodrigueségraduadoemComunicaçãoSocial,comhabilitaçãoemjor-nalismopeloInstitutoEsperançadeEnsinoSuperiorIESPES-PA–2009.Especializaçãoemandamentoem JornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará–UFOPAeemMetodologiadoEnsinoSuperiorpelaUNINTER.SóciofundadoremembrovitalíciodaAcademiadeLetraseArtesdeSantarém(ALAS).AtualmenteémestrandoemCiênciasdaComunicaçãopelaUniversidadeFederaldoPará(UFPA),noProgramadePós--GraduaçãoComunicação,CulturaeAmazônia(PPGCOM).

2 OrmanoQueirozde Sousa é licenciado emLetras pelaUniversidadeFederal doPará eespecialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura (Faculdade In-ternacionaldeCuritiba–Facinter),emGestãoEscolar(CentroUniversitárioLuteranodeSantarém–Ulbra).CursaaespecializaçãoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFe-deraldoOestedoPará.Acumulaexperiênciasemjornalismoradiofônico,impressoeonlinee na docência nos cursos de Jornalismo do Instituto Esperança de Ensino Superior (Iespes) edasFaculdadesIntegradasdoTapajós(FIT).

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o que o motiVou a estudar a Colonização, Catequese e edu-Cação no grão-pará?Inicialmente agradeço a minha escolha como fonte desta entrevista, alguém que atua na área da educação para discutir a temática so-brejornalismocientífico.NemsempreospesquisadoresdaáreadasCiênciasHumanas, principalmente da educação, são vistos comocientistas,emborasejampesquisadores.Émaiscomumseentenderquecientistassãoaquelesqueclassicamentesãovistosemlaborató-riotestandoosresultadosdeseusestudos.Aescolhaquefizeram,naminhaopinião,jáfazpartedeumnovoolhardojornalistasobreesseenfoque.Sintoqueessanovavisãopodecontribuircomumnovoentendimentoarespeitodoqueéciência.Ficoàvontadeparafalarsobreaeducaçãonoaspectocientífico,afinal,aeducaçãotemcomoobjetodoestudoaprópriaeducação.

a sua tese destaCa a eduCação no período da Colonização. ainda hoje a eduCação tem um perfil ou traços daquele pe-ríodo?Aminhatesemepermitiumúltiplasleituras.Estáfocadanoobjetoeducação e, como tal, se realiza a partir de uma interface com várias outrasáreas.Aoolharparaesseobjeto–emfunçãodaconcepçãoteórico-metodológica adotada, o materialismo histórico-dialético –, tivedefazê-loemsintoniacomoutroscampos:econômico,cultu-ral,social,religioso,todosaomesmotempo.Comisso,fizdesco-bertastantopessoaiscomoparaefeitosdetransmissãoaosalunos.Fiz descobertas sobre a educação e sobreoutros campos.Comooestudotinhaavertentedahistória,apreocupaçãoerabuscarnopassadoumaexplicaçãoparasituaçãoquevivenciamoshoje.Queriacompreender como isso aconteceu e depois, de certa forma, evitar os modelos não conduzidos corretamente, situações de imposição depadrõesdomaisfortesobreomaisfraco;evitarqueissoserepitanopresente.

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para se Compreender esse proCesso o senhor pesquisou até mesmo a etimologia da palaVra colonização. retomando esse sentido, ainda existe uma Colonização na eduCação hoje?O estudo que desenvolvi me permite dizer que, nas sociedades divi-didasemclasses,osinteressessãodistintos.Consequentemente,nãoé possível ter uma educação única, mas diferenciada em decorrência daexistênciadessasclasses.Mundialmenteocorreessadivisão.Issoimplicaprojetosdesociedadesdiferenciados.Emborasetenhaummodelodeeducaçãonacional,compolíticaelegislaçãodefinidasepensadas nacionalmente, na concretização em sala de aula, nas esco-las,aindasetemmuitaslimitações.Faloaosmeusalunosquenãohámaisproibiçãoparaacessarosespaçosdeestudo,comoaconteciano período colonial, quando havia um impedimento formal para índios,eprincipalmenteaosnegros.Hoje,aproibiçãonãoéexplí-cita.Aspessoassãoimpedidasdeacessardeterminadosambientespor vários fatores e, consequentemente, de acessar o conhecimento, assim,aspessoasseautoexcluemdedeterminadosambientesedu-cacionais, especialmente na Amazônia, em decorrência de suas pe-culiaridadesgeográficas,econômicasesociais.Afaltadeinstalaçãode determinados cursos de pós-graduação no interior da Amazônia éumdosinstrumentosdeexclusão.

quais os impaCtos proVoCados pelo modelo eduCaCional pra-tiCado pelos jesuítas em relação ao que se tem hoje? Como a influênCia dos jesuítas se Configura em sua pesquisa?Como fomos colonizados pelos portugueses, vigorava em Portugal umsistemadeestadoemquehaviaumaintegraçãoestado-igreja.Nãosetratavadeumainterdependência,masalgomuitomaisforte.Tratava-sedeumarelaçãopolítica,econômicae ideológica.Estu-diososmaiscríticosconsideramumarelaçãovisceral.Aeducaçãonãovisavaosfinsdogoverno,masreligiosos;eraatribuiçãodaigre-jaenãodeEstado.IssoveioamudarquandoSebastiãoCarvalho,oMarquêsdePombal,assumiuocontrolepolíticoemPortugal,quetinhanaAmazôniaumbraçoforte,MendonçaFurtado[Francisco

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Xavier de Mendonça Furtado, que foi presidente da Província do Grão-Pará, responsável pela mudança dos nomes dos vilarejos ao longodaregiãodobaixoAmazonas,inclusiveSantarém],quecon-duziumuitobemanovapolíticaeducacional.OMarquêsdePombalteveapercepçãodemudaraconcepçãoedu-cacional.A educaçãopassa a ser atribuição governamental enãomaisda igreja.Aúnicaformadepromoveressamudançafoiex-pulsar os jesuítas doBrasil, embora, essa não tenha sido a únicarazão.Houve tambémoutrosmotivos, comoo fator econômico.OsjesuítasestavamnaAméricadoSul,BrasilepartedoUruguaieArgentina onde havia uma grande produtividade, devido à melhor conduçãonagestãodaagricultura.

mas houVe Choque Com a Cultura europeia...Sim, considero que a colonização dos portugueses foi menos trau-máticaemrelaçãoaosespanhóis [odomínioespanholnaAméri-caLatina].Ondeosespanhóischegaram,ficarammenosvestígiosculturais dos povos que ali viviam do que por onde os portugueses passaram.A educação que se processounoperíodo colonial, foiconduzida pela igreja, e quando falamos isso, concretamente quem fezforamasordensreligiosas.Aprimeiraordemreligiosaqueparacáveiofoiadosfranciscanos.Eleschegaramafazerumtrabalhoeducacional,masforaminfelizes.Atáticafoifracassada.Elesiamcatequizando os índios e iam avançando mata adentro, para o inte-rior,catequizando.Abandonavam,poronde jáhaviampassado,eosrelatosmostramque,navolta,jáestavatudodesfeito.Muitodosfranciscanosforamcomidosporíndiosantropofágicosnoretorno.Houvemuitosmártiresfranciscanosnoperíodocolonial.Jáosjesu-ítasfizeramoutromodelo.Aoinvésdeavançarem,passaramacriaraldeiaseosíndioscatequizadosiambuscaroutrosparaacatequeseetraziamparaosaldeamentos.Depoiséqueosjesuítasavançavam.Foramestratégicos.Nãopodemosesquecerdequeosjesuítaserammilitares.FoiumaordemcriadaporInáciodeLoyola,ummilitarespanhol.Os jesuítas, então, usavama táticadosmilitares coma

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fortehierarquiadaigreja.Essacombinação:militarismo-obediênciahierárquica, deu muito mais resultados no processo de educação queaconteceunoBrasil.Osjesuítastiveramforteinfluêncianaedu-caçãonoBrasilenaAmazônia,noperíodocolonial.

nos primeiros séCulos da Colonização haVia explíCito pre-ConCeito Contra os índios, disCriminados por não terem “lei, fé e nem rei”, Conforme os esCritos da époCa de pero de ma-galhães gandaVo. hoje, se tem eduCação indígena e quilom-bola, esses prinCípios não podem Contribuir para segmentar e disCriminar ainda mais o indígena e o negro?Entendoessareflexãocomoalgodamaisaltaimportância.Avisãoque se tinha naquele período era de que a Europa havia atingido um estágiodecivilizaçãoesesentiacomaresponsabilidadelevaressacivilização a outros lugares, semelhante ao que ocorreu com os Es-tadosUnidosqueatingiramumníveldedemocraciaeque,porisso,acreditavam que deveriam levar essa democracia aonde não havia, mesmoquefosseprecisoderrubarosgovernosaliinstalados.Haviaumaselvageriaemoutroslocaiseumacivilizaçãonospaíseseuropeus católicos, especialmente Espanha e Portugal, que se viram com a tarefa de colonizar e civilizar omundo.Associado a isso,nasciaomododeproduçãocapitalistacomaideiadeprogresso.NaAmazônia, isso ainda é muito forte e está associado ao conceito de civilização, enquanto que conviver com o mato associa-se a um es-tadoselvagem.Omodelodeprogressoestáassociadoaodesmata-mento.Aindahojetemmuitagentequepensaquenãopodeterpro-duçãosemodomíniofortedohomemsobreaquiloqueénatural.Vejamossituaçõescomoessedesmatamentoenormeaí[áreade200hectares às margens da rodovia Fernando Guilhon, em Santarém, quefoidevastadaparafinsdeexpansãourbanaporumaempresaparticular,impondoriscosgravesaoigarapéelagodoJuá],massevocê for conversar com as pessoas, as opiniões são muito divididas, emuitossãofavoráveis.

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Oseuropeus,comessavisãodeprogresso,comautoincumbênciadecivilizar essespovos,fizeramcomqueviessepronta, comummodeloeducacional,umavisãodemundoaser transmitida.Paraimplantar esse novo conceito, os colonizadores tiveram que afastar avisãoaquiexistente.Comisso,deu-sepoucoespaçoàculturalo-cal.Hojenota-seummovimentobemdiverso,umacompreensãode que as diferentes culturas devem ser respeitadas, preservadas.Isso,noentanto,podelevaraoutroextremo:umasupervalorizaçãodessasdiferençasapontodeproduzirosguetoseatéseisolarem.Émuitodifícilessepontodeequilíbrioqueseriaainter-relação,ainterculturalidade.

haVeria uma forma de se estabeleCer uma interCulturalida-de no Campo da eduCação, sem que se tenha a intenção de se fazer uma homogeneização de Conteúdo, leVando em Consi-deração essa pluralidade Cultural?Imaginoquesim.Masparaissoéprecisopartirdoentendimentode que a educação escolar é o resultado de um produto histórico da humanidade.Todooconhecimentoqueahumanidadegerounãopertence a um ou a outro, dessa forma não vejo por que se negar esseconhecimento.Independentedeseríndio,negro,pobreouricotodosprecisamacessarossaberes.Oconhecimentoexistentehojenoscamposdamatemática,física,química,biologiaetantosoutrosjamaispodesernegadoaquemquerqueseja.Emnomedodiscursodevalorizaraculturadessessegmentos,acaba-seporsimplificaraeducaçãoquerecebem.

não há um risCo também Com essa segmentação, Com a eduCa-ção mais espeCífiCa, de saCramentar quem é ou não inCapaz de aCessar determinado saber?Euvejonessecontextoumanovaformadecolonização.Certodia,discutindo comprofessores daUSPpor ocasião de um trabalhoemparceriacomaUnicamp,estabeleceu-seumdebatecombasenavisãodePauloFreire emoposiçãoaoprofessorSaviani [Der-

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mevalSaviane,pesquisadordaUnicamp,umadasreferênciasdosestudoseducacionaisnoBrasilnaatualidade].Emboraosdoisseaproximem,tambémsedistanciam.OspesquisadoresdaUSP,dis-cípulosdateoriafreireana,defendemavalorizaçãodossaberesqueas pessoas constroem em sua trajetória de vida e isso não pode ser ignoradojamais.OsseguidoresdeSaviani,ligadosàUnicamp,de-fendemqueaescolatemumaespecificidadeequenãosedeveabrirmãodisso.Nomomentoemquesepropõeasubstituiçãodasaçõesde professores e diretores de escolas pela participação da família, aí faltacompreensãodoprocesso.Ésalutare importanteaparti-cipação da família, mas quem pode fazer isso com competência é quemrecebeuaformaçãoeessessujeitossãoosprofessoreseosdiretoresdeescolas.Sãoduasvisõesquetêmsuasaproximaçõesesuasdivergências.Veja a importância do processo educativo no fenômeno presente na construção das hidrelétricas que estão sendo construídas no estado deRondônia,ondeamãodeobraqualificadaestácomaspessoasque tiveramacessoaossaberesnasmelhoresescolasdopaís.Nomais,ogrossoqueformaoquadrode trabalhadoressãopessoasdebaixaescolaridade,depoucaqualificaçãoprofissional.Vejoissodeformatemerosa.Aosefazerdessaforma,segmentandoaedu-cação, supostamente se está valorizando as culturas, mas isso pode gerargrandesconsequências.Nãodefendoessemodelodesocieda-de, mas no momento é isso que se tem e para se evitar um choque maior,tãodesfavorável,faz-senecessárioestabeleceromínimodeequilíbrio.Eissopassaporumaeducaçãoescolarefetiva. essa Visão Capitalista da eduCação não aCaba Camuflando uma suposta Valorização do setor, quando se Vê uma estrutura, na realidade, Corroída?O capitalismo tem o poder de decompor o meio onde atua, mesmo queapropostasejabemintencionada,masafúriapelolucrodestróiqualquerboaintenção.Ocapitalismogeraanecessidadedodesejo,que não é omesmo desejo das necessidades básicas, como a de

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comer.Issopodesersupridocomumarefeição,masseodesejoédecomerdeterminadacoisa,aímudaoconceitodenecessidadebá-sica.Desmistificaresseentendimentoémuitodifícil,hajavistaqueo próprio educador faz parte desse sistema e isso inclui a realidade amazônica.Aquiodanoébemmaiordevidotersaídodeumafasedeprofundoatrasoeseincorporadoàrevoluçãotecnológica.Passaatercontatoouatémesmoacessaressesnovosbenefícios,comoo celular, por exemplo, e outros aparelhos que se transformaram rapidamenteemverdadeirosfetiches.Maisquenecessidade,passaa ser desejo, ou seja, todos estão instrumentalizados pela estratégia demercado.Porisso,osistemasetornapraticamenteindestrutível.

Como o senhor perCebe a Complexidade amazôniCa ao olhar as soCiedades mais antigas, Como a dos CaCiCados, fazendo uma relação Com o proCesso eduCaCional?AgrifeAmazôniapoucocontribuicomostemasdaeducaçãonare-gião.Issoporqueasproduçõescientíficaspartemdoscentrosurba-nos,sobretudoosmaisavançados,eacabasefalandodeAmazôniadeformahomogênea.OsmaiorescentrosestãoconcentradosnascapitaisBelémeManaus,efuncionamhistoricamentecomoacabe-çapensantedeumaregiãoquevaialémdasmetrópoles.Comisso,tem-seumacabeçagrandeéumcorpoatrofiado.Assim,aeducaçãoé deformada, poucos dominam grande parte do conhecimento e produzem suas teses a partir de uma realidademais urbana. Poroutro lado, grande maioria das pessoas é impedida de acessar os saberes.Produzirconhecimentocientífico,nempensar...Até que ponto é possível falar de uma história da educação na Ama-zônia, quando a maioria dos escritos se limita a falar de Belém como dandocontadaAmazôniaoudoPará.Naverdade,sediscutesu-perficialmenteBelém.QuandoseincluiRondônianocontextonosdeparamos com realidades totalmente diferentes que despertam diversos olhares de cultura, de sociedade e de progresso, com um modelodedistribuiçãoderendamaisequânime,diferentedacabeçagrandeeocorpoatrofiadodoParáedoAmazonas.

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o que signifiCa fazer CiênCia na amazônia leVando em Consi-deração as peCuliaridades loCais?Fazer ciência na Amazônia, assim como em outras regiões, depen-dendodocampodapesquisa,pode-se termuitasdificuldadesougrandesfacilidades.Desdeosprimórdiososestudoscientíficoses-tãoligadosàideiadeprogresso.Seopesquisadorestiverligadoaum projeto capaz de impulsionar ainda mais esse progresso, cer-tamenteteráfinanciamento,patrocinador,visibilidade.Apartirdosurgimento do capitalismo, na medida em que avança a ideia de progresso,avançamtambémasmazelas.Aformadefazerciênciaque visa a compreender e criticar os modelos impostos pelo sistema nãoteráomesmoapoio.Fazerciênciaemsintoniacomosistemaé diferente de fazer ciência se opondo ao modelo que o sistema defende.Grandemaioriadoscientistasligadosàeducaçãofazpartedoscríticosdomodelodosistemavigente.Porisso,osincentivossão mais escassos e consequentemente os estudos avançam mais lentos.

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Com um projeto de ciência e vidaCelson liga a Amazônia à Europa

Celson Pantoja Lima é professor adjunto e pesquisadordaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).GraduadoemCiênciasdaComputaçãopelaUniversidadeFederaldeSanta

Catarina(UFSC,1986),mestreemEngenhariaMecânicapelaUFSC(1994)edoutoremEngenhariaElectrotécnicaeComputadorespelaUniversidadeNovadeLisboa(2001).Possuipós-doutoradoobtidojuntoaoCentreScientifiqueet Technique Du Batiment, CSTB, Sophia Antipolis, França(2002).DesdeJunhode2012ocupaocargodeDiretor do Instituto de Engenharia e Geociências da UFOPA.

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Entrevistado por Ronilma Santos*

Na Amazônia existe um potencial para o desenvolvimento de modelos principalmente ligados à geração de energia, que já existem emoutroslugares,masnãotemnadaespecíficoparaaregião,ouseja,aplicadoaqui.Ocustodospainéiséalto,ocustodasbateriastambém émuito alto.AUniversidade Federal doOeste do Pará(UFOPA)começouafazerpequenosprojetostambémnessesenti-do.Aideiaéqueissosematerializeemtermosdepesquisa.Entreoutrostemas,essaéumadasquestõesabordadasaquipelopesqui-sadordainstituiçãoCelsonPantojaLima.

Olhar tranquilo e sorriso amigável, à primeira vista a forma sim-plesde conversar escondeo conhecimento científico adquirido aolongodosanos.TememseucurrículotítuloscomodoutoradoemEngenhariaElectrotécnicaeComputadorespelaUniversidadeNovadeLisboa(UNL),compós-doutoradopeloCentreScientifiqueetTe-chniqueduBâtiment(CSTB),emSophiaAntipolis,França.

Poliglota,falafluentementeinglês,francês,espanhol,italiano,alémdoportuguês.OpesquisadorCelsonPantojaLima,47anos,retornou a Santarém (PA), em fevereiro de 2011, após quase 20 anosdeestudosnoSuldoBrasileEuropa.AentrevistafoirealizadaemsuasaladetrabalhonaUFOPA,ondeatualmenteéprofessor--pesquisadoremEngenhariadeSoftwareeDiretordoInstitutodeEngenhariaeGeociências.

* Ronilma Santos é jornalista, graduada em comunicação social, com habilitação em Jor-nalismopelo InstitutoEsperançadeEnsinoSuperior– Iespes.Alunadocursodepós--graduaçãoemJornalismocientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPara(UFOPA).IniciousuasatividadescomorepórternaTVAmazônia–AfiliadadaRedeTVemSantarém(PA)eatualmenteérepórternaTVTapajós,afiliadadaRedeGloboemSantarém.

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A entrevista começa, o pesquisador se preocupa em arrumar o local, as cadeiras, não conseguindo disfarçar um pequeno grau de timidez,confirmadonahoradasfotos,quandocruzaosbraçosecomentanãogostarmuitodasituação[risos].Maslogodesandaafalar revelando a imensa vontade de compartilhar o conhecimento adquirido em prol de melhorias à educação e ao desenvolvimento dolugarondenasceu.

VoCê trabalhou por Vários anos na europa Como pesquisador e professor. por que deCidiu Voltar para santarém?Eu sempre quis voltar para Santarém, durante todo esse tempo que estive fora, nunca perdi o contato com a cidade, com as pessoas, aquitenhofamíliaeamigos.Tantoqueboapartedasminhasférias,eu vinha passar aqui.Aproveitei para estudar,me qualificar,massemprequisvoltar.EntãoquandoabriuconcursoparaUFOPA,naminhaárea,eufiz,passeievoltei.Boapartedaminhafamíliaestáaqui,masminhavindapracáfoimotivadatambémporacharqueaquieupossocontribuirparaodesenvolvimentodaregiãodeumaformamuitomaisprodutivadoqueemgrandescentrosjáestabele-cidos.Enossaregiãoprecisadisso!

fora do brasil, VoCê partiCipou de Vários projetos, Como em 2009, quando esteVe na final mundial da Competição imagine Cup no Cairo, Categoria de software design, Como mentor da equipe do departamento de engenharia eleCtrotéCni-Ca da uniVersidade noVa de lisboa. Como VoCê aCha que a teCnologia pode ajudar a resolVer alguns dos problemas da amazônia? dentro da sua área, VoCê tem um projeto espeCi-fiCo para amazônia?O meu projeto para Amazônia é um projeto de vida, na realidade, é muitomaisabrangentedoqueumprojetotecnológico,aexperiên-cia acumulada nos projetos, a experiência de ter vivido na Europa, isso pode se materializar de muitas formas, na verdade já está se

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materializando.Porexemplo,asligaçõesquetenhocomasuniver-sidades de lá, me permitem enviar alunos para estudar na Europa, tambémnospermitiuassinarumconvêniodecotuteladedoutora-do,comodoutoradodaUFOPA.Ouseja,seoalunoquiser,elevaisairdaquicomdoisdiplomas,umbrasileiroeumeuropeu.

e Como funCiona essa parCeria?Bem,oalunodaUFOPAvaiatéPortugal,fazseismesesouumanodetrabalhonodoutoradodaUNL[UniversidadeNovadeLisboa]e, ao fazer isso, ganha o direito de uma dupla diplomação e isso é frutodaminharelaçãocomaquelauniversidade.Nossoprojetoco-meçou agora, a primeira turma foi formada no ano passado e agora agentecomeçaatrabalharapartirdodia19defevereirodesteano,são14alunos,dos41queseinscreveram.Entãosãoprojetosdessetipoquepretendotrazerpararegião.Euaindatenhomuitosproje-tos na Europa, aqui eu ainda não tenho muita coisa de concreto, em termosdeprojeto,tenhoumnaáreaderedesmóveis,porexemplo.

redes móVeis? fale-me mais sobre isso.Oprojetoébemsimples,naverdadeéumacontinuaçãodoprojetoqueeutinhanaEuropa.Qualéaideia?Agentesdecomunicaçãoprecisam todosdeum servidor, então a gentenão tem rede.Natelefonia, se eu não tiver o sinal da Oi, nem da Vivo, não consigo falar com ninguém, no entanto os dispositivos têm capacidade de comunicação,têmprotocolo.Qualéa ideia?Fazerumaredesemservidores centrais, cada nó da rede (cada celular, por exemplo) é umretransmissoreamplificadordarede,ditaadhoc.Issopodesermuitoútil,principalmentenasregiõesondeossinaisnãochegam.Eu posso falar com outras pessoas, enviar SMS, usando uma rede wifi.Entãofoiissoquenóstentamosfazeraqui,issoéumapeque-naextensão.Ooutroprojeto,que tambéméumapequenaextensãodotraba-lho desenvolvido em Portugal, originário do controle de sensores, éodeaplicaçõesdesistemasdomóticos,ouseja,confortobasea-

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doemautomaçãoparaespaçoshabitacionais.Otermo“domótica”resultadajunçãodapalavralatina“domus”(casa)com”robótica”(controleautomatizadodealgo).Permiteousodedispositivosparaautomatizarrotinasetarefasdeumacasa.Normalmentesãofeitoscontrolesdetemperaturaambiente,iluminaçãoesons,distinguindodos controles normais por ter uma central que comanda tudo, que àsvezeséacopladaaumcomputadore/ouinternet.Osalunosaquifizerameaplicaramessemodelotambém.Agentenãoteminova-ção, é só aplicação da tecnologia, porque esses modelos já existem, eutrouxedelápracá.

o aVanço da teCnologia é um assunto que tem despertado bastante o interesse da soCiedade de forma geral......Possodizerduascoisasválidasnessecontexto!Agentenãovivesemenergiaesemosmeiosdecomunicação.Setirarisso,avidadaspessoas para, param os negócios, para a educação, para tudo! Aqui na nossa região, a gente tem potencial para desenvolver modelos principalmente ligados à geração de energia, que já existem em ou-troscantos,masnãotemnadaespecíficoparaaAmazônia,ouseja,aplicadoaqui.Ocustodospainéiséalto,ocustodasbateriastam-bémémuitoalto.AUFOPAcomeçouafazerpequenosprojetostambémnessesentido,aideiaéqueissosematerializeemtermosdepesquisa,naquestãodesobrevivência,éprecisofontelocaldegeração, nós temos biomassa, temosmuitas coisas que podemosaproveitarefazer.Em relação à comunicação é a mesma coisa, a internet é um pro-blemasérioemSantarém,todooavançoquehouvenessaáreanãojustificaaprecariedadedoserviçonacidade,éumproblemaparabancos,paraoscomerciantes...Todasasempresashojefazemser-viço pela internet, então a parte social é importante, mas eu até co-locaria em segundo plano, a internet é importante para educação, é importantenasescolas,nasuniversidades.Osalunosprecisamdes-se acesso, muitos conhecimentos são extraídos através da internet, a redefacilitamuito.Asgrandesinstituiçõesdomundotambémestão

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nanet,asuniversidadesdeHarvardeMITfizeramumsitesódelas,paradivulgarasaulas, investirammilhõesnessenegócio.Eoqueagentetiradaí,équebonsconteúdospodemserextraídosdanet.

Como a falta de polítiCas públiCas relaCionadas a um aCesso de qualidade da internet pode Comprometer a eduCação na amazônia?Jácompromete.Asescolasdointeriornãotemacessoaomardeconhecimentodisponibilizadopelaweb.Tambémpassamaolargode potenciais melhorias no processo de ensino-aprendizado que é oferecidopelosserviçosdagranderede.Amanutençãodaausênciasóvaipioraroestadoatualdascoisas.

quais projetos que, em sua opinião, poderiam ser implantados na região, para igualar as oportunidades dos estudantes daqui aos das regiões desenVolVidas, ou até mesmo de países desen-VolVidos?Infraestrutura e investimento na formação de professores capacita-dos para explorar os recursos da tecnologia, motivando os alunos a iremmaisalém.Existetambémoprojeto“sociocultural”quepassapelavalorizaçãodosprofissionaisdaáreadaeducação,somenteosdo ensino fundamental e os do ensino médio, que devem ser vistos comoagentesvitaisnaformaçãodosnossosalunos.Ecertamentea família não pode se furtar a desempenhar o seu papel de “educa-dor”, também,comoacontecenassociedadesmaisdesenvolvidasem termos de educação. Pais precisam acompanhar os filhos, astarefas,aleitura,eassimpordiante.

VoCê aCha que esse aVanço teCnológiCo tem feito Com que a soCiedade Vire refém de um “sistema”? já que hoje tudo é feito atraVés do Computador, Como VoCê falou no iníCio. quando a internet e os serViços ligados a ela param, a Vida das pessoas também aCaba parando, de Certa forma.

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Seeuachoqueagentevirourefém?Achoque“refém”éumapa-lavra muito forte, é que a tecnologia evoluiu tanto que ela está pre-sente em todas as áreas da vida, principalmente a tecnologia com-putacional, a gente não vive mais sem computador e a rede é nosso meiodeligação;nósnosacostumamosàtecnologia,ocomputadordeixoudeserartigodeluxo,semeleagentenãoconseguetrabalhar,éumanecessidadereal,assimcomoprecisamosdecoisasbásicasnodiaadia,aredevirouumacoisabásica.EmSantarém,oproble-ma não é a tecnologia, tecnologia nós temos, é a falta de seriedade na prestação dos serviços, como os de internet, a falta de controle quedeveriaserrigorosodaAnatelecompanhia.EmSantarémfaltaumaaçãoplanejadaparaacabarcomesseproblemadeumavezportodas.

aparelhos Celulares, smartphones, Computadores e outros tantos hoje agilizam o proCesso de ComuniCação. mas quanto à fragilidade desse proCesso teCnológiCo, Como garantir o sigilo das informações repassadas atraVés desses meios Como e-mails, mensagens de textos e ligações, já que em algum lu-gar essas informações fiCam armazenadas?Não.Éimpossível.Apartirdomomentoemqueagentetemumservidor no meio do caminho, porque tudo deve passar por um ou mais servidores, por exemplo, meus e-mails estão armazenados em umlugarqueeunemseiqualé, seeusouumapessoa influente,quem me garante que alguém não pode violar meus e-mails e ven-der minhas informações? A garantia que tenho é zero, porque é um servidorquenãoseiondeestáenemquemtemacessoaele.

ViVemos numa époCa em que as inoVações oCorrem de for-ma surpreendente. antes, por exemplo, quase ninguém pos-suía Computador. depois ele passou a ser um aparelho quase tão Comum quanto a teleVisão. o aparelho Celular, tablets, ipad, enfim, e tudo surgindo Com muita agilidade. VoCê aCha que essa rapidez de ofertas teCnológiCas é boa?

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Eu vejo sim! Depois que vi o primeiro computador pessoal (Ne-xus 1600) chegar aoBrasil, acompanhoos avanços.Há sempreumladobomemtudoisso.Aúnicaquestãoéautilizaçãoqueaspessoas fazem da tecnologia, como utilizam esses meios, há o lado maléfico claro, a pornografia, a venda de drogas pela internet...Oladobomépoderinteragirdeformarápidaeeficiente.Atéasredes sociais temo ladobom,depoder reencontrar amigos, euutilizoredessociais.Éclaroquetambémtemumladoruim,queacabasendoumvício,umadroga,atrapalhaaconcentraçãodosalunos nas aulas, por exemplo, qualquer atualização os alunos que-rempostarna internet, temquesaberutilizar,assimcomotudonavida.

VoCê aCha que a internet é uma forma de narCisismo Virtual?Sim, a internet oferece uma forma de narcisismo virtual, as pes-soasqueremsempreseexibir,contaroqueestãofazendo,ondeestão, com quem estão, o que estão comendo, e muitas vezes o queelaspublicamneméarealidadedelas.Porexemplo,emmui-tosperfisdarede,aspessoastêmmaisdemilamigos.Vocêachamesmoqueaspessoastêmmilamigos?Hojeaspessoasdeixamdeirafestasparaficarnainternet,deixamdeserelacionardeformaverdadeira,paraficarnainternet,deixamdefazeramigosparatercontatos.

“preCisamos rapidamente humanizar a teCnologia antes que ela nos desumanize”. essa Citação é do filósofo martin bu-ber. VoCê ConCorda Com esse ponto de Vista?Decertaformasim,mastambémdependedautilizaçãomáquina/pessoa-pessoa/máquina.Comofazerparaqueatecnologiaaproxi-measpessoas...Eunãosei,achoumpoucocomplicado.Hápaísesque possuem visões diferentes da tecnologia, onde a TV é contro-lada,ondealeituraéprivilegiada.Éprecisoolharparaatecnologiaefazerumbomusodela,sabercomoelapodecontribuirpositiva-menteparanossavida.

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VoCê é Considerado por muitos uma pessoa muito inteligen-te. isso é deVido ao seu trabalho Com os Computadores e a teCnologia? VoCê se Considera de fato uma pessoa inteli-gente?Naverdade,eusouumcaraquetrabalhoumuito,quebatalhoumui-to, sempre fui um dos melhores alunos da sala, mas sou um cara or-ganizado,disciplinado,meconcentronoqueeuquero.Noentantoeueraocaratambémqueorganizavaasfestasnaturma.Nahoradetrabalhareestudarsousérioeempenhado,esforço-meparaobterosmelhoresresultados,masnahoradefesta,tambémlevoasério[risos].

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Semiótica e libertaçãonas palavrasJogo, forma e estilo na literatura

Cristina Vaz Duarte da Cruz é doutora em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pelaUniversidadedeSãoPaulo(2005)noâmbitodaSemióticadasInstâncias,com

pós-doutorado em Ensino de Línguas pelo Instituto de EducaçãodaUniversidadedeEstolcomo.Atualmenteéprofessora titular de Língua Portuguesa e Semiótica na UniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).

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Entrevistada por Júlio César Guimarães*

A pesquisadora Cristina Vaz toma todo o cuidado na escolha daspalavras.Édetalhista,comoseestivesseescolhendoumvestidode noiva na vitrine de uma loja. Seleciona as ideias. Influenciadapela teoria a Semiótica da Instância, de Jean-Claude Coquet, ela é autorade“AformaliteráriaemNathalieSarraute”,2007,resultadodapesquisadedoutoradoemTeoriaLiteráriapelaUniversidadedeSãoPaulo(USP).

Vaz analisa e expõe de forma clara dois livros de Sarraute, es-critora nascida em Ivanovo, na Rússia, a 18 de julho de 1900, mas que foi levada para França ainda criança onde cresceu e produziu maisde20obras,sendoreferênciaparaorevolucionáriomovimen-toliterário“Nouvelleroman”.

Nesta entrevista, ela expõe os eixos principais de suas pesqui-sas,explorandoobrasdaescritorafrancesaNathalieSarraute(1900-1999).

* JúlioCésarGuimarãescursaaEspecializaçãoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederal doOeste doPará (UFOPA).Ébacharel emComunicação Social comHabili-tação em Jornalismopelo InstitutoEsperançadeEnsinoSuperior (2009).Atua comoassessordecomunicaçãodaSecretariaMunicipaldeSaúde(SEMSA)deSantarém(PA).ÉrepórterdaRedeBrasilAmazônica(RBA)emSantarém(PA),emissoraafiliadaàRedeBandeirantes(BAND).E-mail:<[email protected]:www.juliocesarguimara-es.wordpress.com>.

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Como tudo iniCiou?Minha graduação, onde conheci a semiótica pela primeira vez, foi naFrança.FizagraduaçãonaParisVIII,umafaculdadequetemuma história interessante, pois foi formada graças a revolução de maiode1968,dosestudantes.Elasurgiucomoumaopçãointerdis-ciplinar[movimentocientíficoquetemfundamentaçãonahistóriadaciênciamoderna,apartirdoséculoXX]e livreemrelaçãoaomodelo tradicional que havia na França, muito autoritário, em que oprofessornãotinhacontatocomoaluno.ParisVIIIsurgiuparademocratizaroensino.Alémdisso,proporlinhasinterdisciplinares.No departamento no qual eu estava, que era de Letras Modernas, faziafrancês,sóqueeraumauniversidadelivre;oalunopodiaes-colherasdisciplinaspara seucurrículo.Havia,porexemplo,pro-fessores que ofereciam ao todo, 30 cursos e você poderia caminhar como bem intencionasse, seja através da empatia com a área doprofessor,sejacomadisciplinavocêpodiafazerasuagrade.Eaíoqueeufiz?Encantei-mepelosestudosdeJean-ClaudeCoquet,queéumsemioticista,seguidordeBenvenistedeMelloPoint.Encantei--mepelalinhadepesquisadeleefizaopçãodefazer80%domeucursobaseadonaspropostasdeCoquet.Foiaíquecomeceiameespecializarnasemiótica.Todasasdisciplinasquemeinfluenciamsãonaáreadesemiótica.Todaaminhaformaçãofoipautadanessapesquisadesemiótica.PrimeiroSemióticaLiterária,depoisjornalís-tica,análisedeartigosdejornais.

e o seu perCurso na pós-graduação?FizummestradosobretrêsartigosdejornaisquesaíramsobreaTeologiadaLibertação[termoelaboradopelopadreperuanoGus-tavoGutiérrez,autordolivro“ATeologiadaLibertação”,de1971].Ointeressepelateoriadalibertaçãoéporcausadoaniversáriode500anosdodescobrimentodaAméricaLatinaecomointeressepelaTeologiadaLibertação,encontreiumcaminhoqueeratentarverosdiscursossobrepolítica,nessestrêsartigos,ligadosàreligião.Fizomestradonessalinhaemsemiótica.QuandochegueiaoBrasil,

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tivedificuldadesparaacharumorientadorqueentendessequease-mióticaeramuitointerdisciplinar,porqueasemióticafeitanaUSP[UniversidadedeSãoPaulo]eravoltadamuitoparaalinguísticaenãotinhaumatomadaemfilosofia,umafilosofiamaisabertaparaafenomenologia,nãohaviaessalinhadepesquisa;então,olugarqueencontrei para continuar minhas pesquisas não foi na Linguística, não foi na Língua Francesa, como era o que fazia na França, foi em TeoriaLiteráriaporqueoDepartamentodeTeoriaLiterárianaUSPaceita linhas interdisciplinares.Acabei fazendoumdoutoradoemTeoriaLiterária.Aminhaorientadoramedeixoucomamplamar-gemparatrabalhardemaneira interdisciplinar,pegandotextosdeuma autora e o compromisso com o Departamento foi estudar um assuntodaTeoriaLiterária.ApliqueiasemióticaparaaquestãodaForma Literária que era um assunto muito caro para os teóricos da literatura.AFormaLiteráriaseriaojeitodosautoresescreveram.Emais do que um jeito, um formato mental que faz que um livro seja deumautoresódele,quenãopossasercopiado.

o Chamado estilo?Oestilotemumacomponente[composição]queéaforma.Oes-tiloseriaojeitodeescrever,aformaéessabagagemqueestruturao pensamento do escritor permitindo-lhe fazer opções para deter-minadasconstruçõessintáticas[desintaxe,partedagramáticaqueestudaadisposiçãodaspalavrasnafraseedasfrasesnodiscurso],queeletenhaumnúmerodelinhasparaoseuparágrafo.Aformaémaisampla.Oestiloestáparaoleigo.Oteóricodaliteraturavaifalardeforma.AFormaLiteráriaéessearcabouçomentalquefazcomqueumtextosejadiferentedeoutro.Apalavraestilolevamaisparaumasofisticaçãodojeitodeescreverenãoébemissoqueaformaestipula,mastodoessearcabouçomentalquefazadiferençaentreostextoseserúnico.Aíestáaquestão.Umgrandeescritoré aquele que tem forma literária única, que não pode ser copiado e quevaificarnahistóriacomosendoumúnicoestilo.Ninguémes-crevecomoShakespeare,ninguémescrevecomoMachadodeAssis. Cadagrandeescritordeixouumaformaparaserabsolvida.

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posso dizer que a forma Contempla o estilo?Isso...

são, digamos, detalhes?Oestilodoautorécomovocêfalasseassim:“—Oburacodaportaeocaixilhodaporta”.Caixilhovaiserapalavradotécnico,espe-cialista,eoburacodaportaéparaumleigoqueolhaefala:“—Aportapassaporaqui”.Apalavraestiloéligadaaovocabuláriolei-go,comoagentefaladosautoresemgeral.Apalavra“forma”éumcomponentemais técnicodaáreada teoria literária.Aformaimplica não só o jeito de pensar e de seguir um estilo, mas implica asescolhas lexicais [escolhadaspalavras],asescolhasdeformatodotexto,nãosóaestruturaçãodosparágrafoscomoapontuação.Tudooquevaicomporumjeitodeescrever.Quandofizatesededoutorado,minhapropostaeraconseguirencontrarumaverbaliza-ção para o que fosse a forma, como estrutura que deixa o autor ser singular,quesejaumexemplonaliteratura,quefiquemarcadonahistória da literatura, o que faz da forma literária de cada autor tenha umcomponentepluralesingular.A forma literária do autor é singular na medida em que ele tenha uma ligação íntima como seu texto.É plural namedida comoeleseligaaocoletivo.Paraumaformaserúnica,precisaterduascomponentes:umacomponentesingular,daquelarelaçãodoautorcomopróprio textoe trazer tambémumcomponentecoletiva,quefaçaolinkdessetextocomocoletivo.Issofoiaconclusãodaminhateseemqueoautorsóficana literaturaesópermanece,nunca é esquecido, quando consegue ter ao mesmo tempo, na for-maliterária,ascomponentessingulareplural.Sevocêficaligadoao seu texto e não consegue alcançar o coletivo, você não é um grandeautor.Minha tesediz isso: sevocê temumacoisaenãotemoutra,vocênãoseinserenahistórialiterária.Éprecisoterasduascomponentes.

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dê um exemplo...Provei isso, analisando semioticamente dois textos da Nathalie Sar-raute.Oprimeiro[“Tropismos”,de1939]eoúltimo[“Abram”,de1997].Vinumadimensãomicro,emanálisedotexto,oqueéessaformasingulareessaformaplural.Fizumcaminhoquepoderianamicroestruturarepresentaroqueelatinhafeitonocoletivo.Oqueficougrandementemarcante foiobservar comoessa autora con-seguiu fazer o link coletivodela.A componenteplural da formaliteráriadela.Outracoisaqueficoumuitomarcantefoiqueaformaliterária dessa autora impedia, o que a gente referisse ao que ela põe em cena a palavra personagem, a palavra narrativa, todos esses ter-mosforamultrapassados.A forma literária que ela criou impede que a gente use os termos danarratologia[oseguimentodefatosreaisouimaginárioscomunsemcontosehistórias]parafalardostextosdela.Porquê?Bem,aformaliteráriadelaultrapassa...Vocêestávendoquefizacapaemduascores.Vejaqueasletrasestãocomoquemergulhadasumasnasoutras,poisnãoexistelinhaentreaficçãoeoreal.Elacolocaemcenaumaformaliteráriaquequebraalinhaentreficçãoereal.Que-brandoessalinha,nãosepodemaisfalarempersonagem,ficção,pois esses termos se referem quando você tem uma separação entre realeficcional.Oqueelapõeemcenanostextosdelaimpedequeagentefaçaessacisão.Orealeaficçãosãoumacoisasó.

então o que eram os textos dela? romanCe ou um relato baseado em fatos reais?Nenhumacoisa,nemoutra.Deixaeupegarumexemplo...[folheiaolivro]Elafaladaspalavras...[folheiaolivro]Aspalavrasqueestãoemcena...[folheiaolivro]Nãotemumaestória...[folheiaolivro]...Elafaladaspalavras,aspalavrasqueestãoemcena...[folheiaolivro]

os textos dela são baseados na palaVra? Como?Sim, a palavra é o assunto do texto, a escolha das palavras para você falarqualquercoisa.Aqui,oh,voudarumexemplo, lerum

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pedacinhodotextodela.EsseéotextoIVdolivrodela“Abram”,“Ouvrez” [emfrancês]queéoultimotexto,escritoaos97anos.Elaescreveu:

— Vocês parecem incomodados... O que aconteceu com vocês?— Vocês que estavam lá o tempo todo, vocês devem ter percebido alguma coisa?— Claro que não, vocês nos viram... Nós respondemos prontamente a todas as convocações...— Foi fácil, era a mais banal das conversas. O que quer que fosse...Impossível de se dar um passo em falso...— Logo que a secretária eletrônica foi acionada, nós viemos cumprimentar como se deve alguém simpático, gentil...— Mas vocês que recebiam o que chegava do outro lado da ligação, vocês sabem bem o que os colocou nesse estado... Então, digam-no...— A gente não está se sentindo bem...— Por quê? Façam um esforço...— Ora, alguma coisa aconteceu com a palavra “é”, que em francês se pronuncia “C’est”...— Com “C’est”?— Sim, “C’est” foi maltratado diante de nós, seu “t” foi retirado...— E foi necessário aceitá-lo sem fazer nada.— Retirado o seu “t”? Como?— Logo que o fone foi retirado do gancho, veio de lá, precedendo “Antonin”, um “C’es” amputado de seu “t”... C’es... Antonin... e não “C’est’Antonin”...

Aí ela fala de uma frase que foi pronunciada na secretária eletrônica eficaumdelírioemvoltadessafrase.Entãoissonãoécontarumahistória.Issoéumadiscussãoemformadialogal.Vocêvêquesãodiálogos[mostraotextoparaoentrevistador].Nãotemumaestó-ria,sóexisteumadiscursãodepalavras.

ela faz uma análise daquela situação?Daquelapalavra...

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qual foi a palaVra nesse texto?“C’est’Antonin”...[aoaportuguesarapronunciafica:Cét’Antantonan]

mas o que quer dizer no texto essa palaVra?Essa palavra vem do Francês que significa: “É o Antônio”. Sóqueemfrancêsvocêpodefalar“C’est’Antonin”ou“C’es...Anto-nin...”.Naverdadearegradizquevocêtemquefazeraelisão,queéaligaçãoentreosdoissons,criandooterceiroqueéaletra“t”:“C’est’Antonin”.Sóqueapessoaquedizisso,omitealigaçãoentreaspalavrasenãoformaessaletra“t”.Nãoformandoessaletra“t”,ficaumerroemlínguafrancesa,masapessoaquefala,ficamaistranquilacomelamesma.Sabeporquê?Porqueexisteumaono-matopeiaque“t’Antonin”significa“êxitante”eapessoaquefalaaotelefone,nãoquersepassarpor“exitante”,entãoaoemvezdelafalar“C’est’Antonin”,comosevocêestivessedizendo“Éo“exitan-te”,faz-seumerronalínguafrancesapraquebraralínguafrancesaenãodeixarque se façaumaexplicação subliminarnessa língua.Entãonosjogosdediscursodelasãotodosvoltadosparaquebraroslimitesdalínguafrancesa.

VoCê poderia dar um exemplo?Acho que no Brasil alguns autores fazem isso em pequenos mo-mentosdos seus livros.Ou,por exemplo,não sei sevocêpegouaqueleartigodoMachadodeAssis sobreDomCasmurro [ela serefere a um artigo em construção intitulado “Semiótica e Interdis-ciplinaridade”], quandovocêpegaoDomCasmurro e escolheouso de sintaxe curta para descrever a casa de Matacavalos, ele tam-bémquerchegaraoslimitesdalínguaportuguesa-brasileira.Eleficatentandomostrarsintaticamenteoquantoaquelacasafoiracional.Vocêpodeperceberqueasfrasessãocurtas,lapidares.O segundo capítulo do Dom Casmurro é uma compilação de frases muito curtas e lapidares para demostrar o quanto é racional aque-leespaçoqueele [MachadodeAssis]estavadescrevendo.Muitosautores fazem isso para tentar chegar aos limites da língua. E a

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Nathalie Sarraute tentou chegar aos limites da língua sem contar umahistória. Só discutindopalavras e jogos de palavras. Sem seaprofundar muito nas situações, no contexto, mas se aprofundado bastantenadiscussãodousodapalavra.Elatematéolivrodousodapalavra.Umdoslivrosqueelaestudou,escreveu,sechama“Ousodapalavra”,aindanãofoitraduzidoemportuguêsdoBrasil,sódePortugal.

então ela foi úniCa em sua forma de esCreVer?Olha...Damaneiracomoelafaz,foiúnica.Porqueissomostraqueela foiumapessoaquecriouuma forma literáriade escrever.Sóque ela faz parte de uma corrente de literária maior que se chamava “Nouvelleroman”[“Novoromance”].Tevemuitagentequeescre-veudemaneirarevolucionáriacomaformaliterária.Temotextomuitofamosoquesechama“Opão”,nelesedescreveopãocomose fosse uma montanha, com crateras, as cascas de pão eram as crostasquevocêpodiaobservardaterra,umtextoabsolutamentedescritivoquefaladopãoedorelevodopão.Essacoisadetentarfocalizar o microscópico, o que é muito pequeno, para tentar chegar numa dimensão maior, foi uma vertente da escola literário que é o“Nouvelleroman”,umaescolaquesurgiualipelosanos1940e1950 do século XIX e que chegou até os nossos dias porque pesso-asescreveramatéofinaldoséculo,comoNathalieSarraoute,quemorreuem1999.

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Terras Caídas sãofenômeno único que sóo rio Amazonas apresenta

Deize de Souza Carneiro é mestre em GeografiapelaUniversidadeFederalFluminense (2009) e graduada pela UniversidadeFederaldoAmazonas(2004).

PesquisanasubáreaGeografiaFísica,comênfaseemGeomorfologiaFluvial,PedologiaeGeomorfologia.AtualmenteéprofessoradaUniversidadeFederaldoOestedoPará,noInstitutodeEngenhariaeGeociências.

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Entrevistada por Alessandra Guimarães Mizher1

e Gilmara dos Reis Ribeiro2

Aindana infância, asviagensdebarcopela regiãoamazôni-ca estimularam Deize de Souza Carneiro, 32 anos, a investir nos estudoshidrográficos.AmazonensedeBarreirinha,formou-seemgeografiapelaUniversidadeFederaldoAmazonas(UFAM)háoitoanos.OtítulodeMestrefoipelaUniversidadeFederalFluminense.VeioemseguidaseaprofundarnadinâmicafluvialenasimplicaçõesparaoordenamentoterritorialnafronteiraBrasil,Colômbia,Peru.

Hádois anos,Deize fazpartedocorpodocentedaUniver-sidadeFederal doOeste doPará (UFOPA).Ela é professora noBacharelado Interdisciplinar em Ciências da Terra e no Bacharelado ProfissionalizanteemGeologia,doProgramadeCiênciasdaTerra.Enãoparaporaí.Apesquisadoratambémestudaofenômenodas“terrascaídas”,ocorrência,segundoela,peculiardoRioAmazonas.

Foi na sala dos professores do Programa de Ciências da Terra no campusTapajósdaUFOPA, emmeio amapas e imagensdesatélites, que Deize contou um pouco de sua história e de como surgiuointeresseemconhecerafundoosriosdaregiãoamazônica.Nenhumdetalhepassoudespercebidoaosolhosdapesquisadora.

1 AlessandraGuimarãesMizherégraduadaemJornalismonoCentroUniversitáriodeBeloHorizonte(UNI-BH).Épós-graduadaemMarketingPolítico,naEscoladoLegislativodaAssembleiaLegislativadeMinasGeraiseatualmenteéalunadocursodeEspecializaçãoemJornalismoCientífico,naUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).Atuoucomojornalista em diversos veículos de comunicação no estado de Minas Gerais e Pará como jornal O Tempo, jornal Pampulha, Estado de Minas, jornal Hoje em Dia, revista Encontro e TV Tapajós,afiliadaàRedeGlobo.

2 GilmaradosReisRibeiro,graduadaemLetras,habilitaçãoemLínguaPortuguesa,pelaUni-versidadeFederaldoPará(UFPA),campusSantarém.AtualmenteémestrandaemLetras,naáreadeEstudosLinguísticos(linhadepesquisaEstudosDiscursivos),naUniversidadeFederaldeViçosa(UFV),ealunadocursodeEspecializaçãoemJornalismoCientífico,naUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).

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“Abaciaamazônicaéúnica.Nãohácomparaçãocomnenhu-maoutranomundo.Elafogeatodasasregras,principalmentepelaquantidade de água, dimensão territorial, localização geográficacomáreasdecontribuiçãodosdoishemisférios,compluviosidadedonorteesul.AcaracterísticatopográficadaregiãocomosAndeseosescudosnonorteenosultambéminfluenciambastante”.Estaé uma das inúmeras constatações da pesquisadora, que aprofunda o temanaentrevistaaseguir.

Como surgiu o interesse em pesquisar os rios e se aprofundar em geomorfologia fluVial da amazônia?Eusougeógrafaemeinteresseiporestudaromeioambientedesdeoperíododagraduação.Avontadedecompreenderageomorfolo-giafluvialsurgiupelaminhavivênciacomosrios.Nasviagens,eujáiapercebendoosfenômenosepasseiameinteressarporessetema.Pesquiseio tema“Amorfodinâmicafluvial e as implicaçõesparao ordenamento territorial na fronteira Brasil, Colômbia e Peru”.Estudeiadinâmicadorioemsi,queabrangeosprocessosdeero-são, transporte e deposição dos sedimentos que as águas correntes promovem.São fenômenosnaturais.A sedimentaçãoqueocorredentrodeumcanaldorioénatural,fazpartedotrabalhodelequeémedidoporessacapacidadedetransportaredepositarsedimentos.

existe algum diferenCial da baCia hidrográfiCa da região amazôniCa?Abaciaamazônicaéúnica.Nãohácomparaçãocomnenhumabaciahidrográficadomundo.Elafogeatodasasregrasprincipalmentepelaquantidadedeágua,dimensãoterritorial,localizaçãogeográficacomáreasdecontribuiçãodosdoishemisférios,compluviosidadedonorteesul.AcaracterísticatopográficadaregiãocomosAndese os escudosnonorte e no sul também influenciambastante.Étodo um contexto climático, de localização, latitude, temperatura e umidade.SãocondiçõesparticularesquefazemdaAmazôniauma

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região diferenciada e que não é possível ser comparada a nenhum outrolugardomundo.

e o fenômeno de terras Caídas pode ser Considerado uma peCuliaridade desta região?Comcerteza.Ofenômeno“terrascaídas”nãoésimplesmenteumaerosãofluvialcomum,queaconteceemtodososrios.Eletempar-ticularidadeseumadefiniçãoprópria.Asterrascaídastêmmeca-nismos que não acontecem em outros rios, como, por exemplo, o movimentodemassa.Algunsestudosmostramqueocorremmovi-mentosdemassanamargemdorio.Mas,teoricamente,essemovi-mentodentrodocanaldorionãoémuitoaceito.Omovimentodemassaéodesmoronamento,quedaemblocoseacontecemaisnavertente,naencostaenãonamargemdocanal.Oqueacontecenamargemdocanaléerosãofluvial.Sóqueaquinaregiãoédiferente.O rio Amazonas pode chegar a ter 110 metros de profundidade com uma variação do nível do rio de 11 a 12 metros entre seca e cheia.Assim,aforçadagravidade,queéoprincipalfatordemovi-mentodemassaqueacontecenavertente,acabaatuandotambémnamargem,pelavariaçãoepelaalturadessepacote.Aquedanãoacontece somentepelabatidada águanamargemnoperíododecheia,comoserianocasodaerosãofluvial.Achuva tambémin-fluencianesseprocesso,aumentandoopesodopacoteefazendoaencostacairemmovimentodemassa.Abaciaamazônicaéatípi-ca.Aquiacontecemfenômenosemgrandesdimensões,quenãodáparadizerqueéumasimpleserosãofluvial.Otermo“terracaída”éregionaleéumfenômenotípicodorioAmazonas.

Como os ribeirinhos entendem esse partiCular fenômeno?Existemuitossaberes,muitosconhecimentos.Conhecimentocien-tífico, popular,filosófico, religioso.Eu respeitomuitoo conheci-mentotradicional.Enquantoparamiméumafalésiafluvial,paraoribeirinhoébarrancooudesbarrancamento.Éumnomequefazsentidoparaele.Eelevaidarumaexplicaçãotãológicaquantoa

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docientista.Umavez,umjornalistadeManaus,nadécadade70,publicouumamatériasobreosurgimentodeumbancodeareianoencontrodaságuasdoRioNegroeSolimões.Naépoca,eleouviutantotécnicosquantoribeirinhos.OstécnicosdoINPA(InstitutoNacional de Pesquisas da Amazônia) explicaram que o rio perdeu a competência de transportar os sedimentos por algum motivo e es-sessedimentosacabaramdepositandonofundo.Assim,noperíododevazante,a ilhaapareceu. Jáos ribeirinhosacreditavamqueeraumacobragrandeembaixodailhaqueselocomoveueseacomo-dounoencontrodaságuas.Aíacorrentedoriobateunacobraeossedimentospararamnoobstáculo,formandoailha.Issomostraquealógicadoribeirinhoéamesmadotécnico,oquemudaéoobstáculo.Enquantoparaostécnicosoobstáculoéumarocha,ga-lhos,raízes,umaárvoreouatéumbichomorto,paraocomunitárioéumacobragrande.Osribeirinhosnãoencaramapenascomoalgosobrenatural.Aexplicaçãopodeestarvinculadaaomito,aoimagi-nário, mas eu vejo como uma maneira de entender e conscientizar do perigo de viver em áreas de risco, evitando catástrofes, mortes eperdas.Umavezeupergunteioporquêdecobragrandeeelesdisseram que, quando o fenômeno está acontecendo, a terra treme esurgeumbarulhoaltoesaibolhasdeardedentrodorio,comoseacobrativessesoltado.

é possíVel Citar as prinCipais Causas das “terras Caídas”?Peladimensãodabaciahidrográfica,ascausassãomaisnaturaisdoque antrópicas [causadapelohomem].Éclaroque, emcasos lo-cais,podehavercausasantrópicas.EmFátimadeUrucurituba,porexemplo,amudançadarotadasembarcaçõesécitadapormorado-rescomocausa.Masseagenteforanalisaroconjunto,ascausasnaturaissãomais influentes,comoaquestãotectônica,oclima,avelocidade e vazão do rio, a pressão hidrostática, a força da gravida-de,períodogeológico,dentreoutros.OrioAmazonaségigantesco,com a maior vazão do mundo e uma grande capacidade de trans-portar sedimentos.Existemoutros fatoresque tornamasituação

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aindamaiscomplexa,comoaestruturadaregião.Sevocêforcon-versar com um geólogo, ele vai falar do ponto de vista geológico, estrutural.Eu,comosougeógrafa,especialistaemdinâmicafluvial,explicodopontodevistadahidrodinâmica,dageomorfologiaflu-vial.

a destruição da mata Ciliar, por Causa da oCupação humana, não agraVaria o fenômeno?ParaamargemdorioAmazonasnãotemjeito.EmFátimadeUru-curituba, que deve ter uns 30 ou 40metros de profundidade, asraízesdasárvoreschegamaumoudoismetros.Aáguaestábatendoláembaixo.Aerosãoaconteceabaixoda influênciadacoberturavegetal.Porisso,nãodáparadizer,nocasodorioAmazonas.Nosriosmenores,braçoseigarapés,aretiradadamataciliarvaiinfluen-ciarsim.Épossível fazercontroledeerosãoemriocompoucosmetros de largura e de profundidade, mas no caso do rio Amazonas nãotemcomo.

então é importante para a população loCal ConheCer o fe-nômeno para entender que Vai ter que sair dali? Como eVi-tar o problema?É,exatamente.QuandoestudeiadinâmicafluvialnafronteiraBra-sil,ColômbiaePeru,emmeumestrado,umacomunidade inteiramudouquatrovezes.Emoutrocaso,pertodeManaus,umacomu-nidade desenvolveu uma técnica de afastar a casa sem desmontá-la, emumaespéciedetrilhos.Elesescavamnoesteiodacasa,suspen-demumpouquinhoearrastamacasa inteiraparaofinal.Elesseprogramam.Mudamprimeiro a escola, depois a igreja, a sede, ocampodefutebol.Depoiselesvãodecasaemcasa,numaformadecooperação.EmFátimadeUrucurituba,acomunidadeestálo-calizadaemumaáreaondeháerosão,emumacurva,porexemplo.Sóquenemsemprefoiassim.Seconversarcomeles,vãodizerqueanteseraumapraia,áreadedeposição.Ofatoaconteceemrazãodamudançadocanal.Orioseguealógicadomenoresforço,seguindo

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agravidade.Uma intervençãoparaevitaroproblemasóépossí-vel através da engenharia, mas deveria haver um estudo em longo prazo, com muitos dados, para que essa alteração não cause uma consequênciapiorrioabaixo.

os moradores mais antigos de santarém afirmam que esta ilha na frente da Cidade não existia. o surgimento da ilha seguiu esse mesmo raCioCínio?Ailhafoiseformandoaospoucos,láembaixo.Euliumainforma-çãoqueacadaano,aplanícieamazônicarecebe10ou12centíme-trosdesedimentos.Oriotrouxeasedimentaçãoaospoucose,comosurgimentodoobstáculo,asedimentaçãofoiseconfirmando.Oníveldoriobaixouea ilhaapareceu.Adinâmicaémuitograndeaqui,oprocessoécontínuo.

essa ilha pode ter sido formada pelos sedimentos de fátima de uruCurituba?Nãodáparaagenteafirmar,porqueteriaquepegarsedimentosdeláecompararcomossedimentosdailha,masalógicaéessa.Erodeaqui,depositaali.Erodeemumamargem,depositanamargemse-guinte.Amargemcôncavaerode,aconvexaéaquerecebe.

é Verdade que próximo ao muniCípio de óbidos, no pará, o rio amazonas apresenta sua maior profundidade?Nãoébemassim.Háumgrupointernacional,chamadoProjetoHi-bam,queestudaabaciaamazônicaequefazmediçãodavazãodoriodetrêsemtrêsmeses.Essamediçãoéfeitahá20anosenuncafoiconstatadomaisde80metrosdeprofundidadepróximoaÓbi-dos.MasjáfoirelatadonomunicípiodeItacoatiara,noAmazonas,pontosde120metrosdeprofundidade.Mastudodependedoníveldorionaépoca.Masérelativoporqueamediçãoépontual.Umpontopodeserbastantefundo,masdepoisdepoucosmetrosnãosermais.OfatoéquepróximoàÓbidos,orioAmazonasnãotemamaiorprofundidade.Omaisimportanteéquepelasuaformação

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geológica,nãoexistemmuitoscanaisparalelosnaregião.EmoutrospontosdorioAmazonasháalgunsbraçosecanaisporondeaáguapassa.Assim,aáguadabaciasedispersa.EmÓbidos,porcausadaformaçãogeológica, issonãoacontece.Toda a água que vem dos rios anteriores passa, necessariamente, emfrenteaomunicípio.Apressãodaáguaeavelocidadesãomui-to grandes e faz com que o canal tenha formação simétrica, o que significadizerqueaprofundidadede80metrosmedidanaregião,estáemquasetodaaseçãotransversal.Amaiorimportânciadorionessa região é que é possível medir a quantidade de vazão quase totaldoAmazonas.Aíorioémaisestreito,comapenas2quilô-metrosde largura.Por isso,Óbidos é chamadadeestação-chave,ondeseconseguedizermuitacoisasobreadinâmicahidrológicaesedimentológicadabacia.Issoéomaisimportante,muitomaisqueaprofundidade.

o rio amazonas é um rio Considerado noVo?Onovoestáassociadoàenergia.Háumateoriadelinhaamericanada Geomorfologia que foi muito divulgada no início do século XX, sobretiposdeerosão.Elaentendeaevoluçãodorelevocomoumestágiode juventude,maturidadeecivilidade; comoumpercursode vida.Quandoo rio é jovem, a superfície vai sendomodeladamais rapidamente e depois vai rebaixando e ficando uniforme ecompouca energia.Háumequilíbrio entreosprocessosde ero-sãoedeposição.OsriosTapajóseArapiunssãomaisvelhosqueoAmazonas,enelesháumequilíbrioentreoprocessodeerosãoedeposição.Aidadedorioestávinculadaàenergia,aoestágio,àcaracterísticadele.OrioAmazonastemumacapacidadedemanter,de erodir, de transportar sedimentos e remodelar o leito e, por isso, eletemessacor;aenergiaémuitograndeemantémossedimentosem suspensão.Os que têmpouca energia não conseguem trans-portaroujátransportaram, játrabalharamtodososmateriaisquetinhamaolongodotempo.

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a senhora partiCipa do projeto “roteiros santarenos: geo-logia, história e turismo”. qual o objetiVo desse trabalho?É um projeto interdisciplinar na área de geoconservação, uma área daGeologia,daGeografia.Oobjetivoédespertarnapopulaçãoointeresseporconhecerosambientesgeológicos.Tentamoscontri-buirparacriarumaconsciênciaambientalepatrimonial.Cadaáreatemumaimportânciaparaoequilíbriodomeioambiente.Busca-mos uma maneira de conhecer, estudar o local, a região, por isso propomos levar os alunos para fazer uma pesquisa e, ao mesmo tempo, jádaressaconsciência.AvocaçãodeSantaréméo rio,anatureza,aspraias,quesãoambientesgeológicos,patrimôniosqueprecisam ser conservados. Acreditamos que o projeto contribuiparaumturismomaisconsciente.

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A indústria do turismoem Santarém: potencialidades e grandes desafios

Erbena Silva Costa é graduada em Turismo pelaUniversidadeFederaldoPará(1985)eemAdministração de Empresas pela Faculdade de AdministraçãodeBrasília(2010).Especialista

emRecursosHumanospelaUniversidadeEstadualdaParaíba(2002)éMestreemTurismoeHotelariapelaUniversidadedoValedoItajaí(Univali,SantaCatarina,2005).

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Entrevistada por Joab Ferreira1 e Milton Corrêa2

Santarém,repletadebelezasnaturaisecomumaricacultura,ao longo dos anos se transformou em um importante destino turís-tico,nãosóparabrasileiros,masparagentedomundointeiro.Nãoé difícil andar pela Orla da cidade ou passear por Alter do Chão e se deparar com um casal, ou pequeno grupo, formado por pessoas quenãosãonaturaisdaregião.Essefatoéumimportanteimpul-sionador da economia local, já que os turistas são consumidores em potencial.Tantoéqueoturismoaparececomoprincipalatividadeeconômicadosetorterciário.

No entanto, apesar de tantos atrativos que encantam os turis-tas,comoasbelaspraiasqueseformamàsmargensdosriosouaFloresta Nacional do Tapajós (Flona), o município ainda não ofere-ceaestruturanecessáriaedesejadapelosvisitantes.Eparacompetirdeigualparaigualcomosmaisbadaladosdestinosturísticosnacio-nais,osdesafiossãograndes.ÉexatamentesobreestecontextoqueapesquisadoraErbenaSilvaCostaanalisaosfatoresqueimpedemSantarém de se tornar, de fato, um importante polo impulsionador doturismonaregião.

Nessa entrevista, concedido nos últimos dias de janeiro de 2013,emSantarém,apesquisadorafalamaissobreachamadavoca-çãoturísticadoTapajóseregião.

1 JoabBarbosa Ferreira é bacharel emComunicação Social, graduado em Jornalismo pe-lasFaculdadesIntegradasdoTapajós(FIT).Pós-graduandoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará(Ufopa).

2 MiltonJoséRêgoCorrêaébacharelemComunicaçãoSocial,graduadoemJornalismopeloInstitutoEsperançadeEnsinoSuperior(Iespes).Jornalistaprofissionalcompassagensnorádio,televisãoejornalimpressoemSantarém(PA).Dosseus53anos,maisde30foram,atéhoje,vividosnaintensalabutajornalística,buscandodiaenoiteosfatosrelevantesparatransformá-los emnotícias.Éo repórtermais conhecidonametadeoestedoPará, porcujascidadesjáandoucumprindopautasasmaisdiversas.Pós-graduandoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará(Ufopa).

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nos últimos anos tem haVido muitos debates sobre a defini-ção de turismo Como CiênCia. alguns pensadores aCreditam que, de fato, turismo seja uma CiênCia. outros pensam ser apenas uma atiVidade eConômiCa. qual a sua opinião sobre isso? Eu acredito que está evoluindo para isso.Não existe, ainda, umcorpo teóricopróprio.Marusca [MartiniMoesch] fala sobreumaepistemologia do turismo.Outros, inclusive daUSP, onde tive aoportunidade de ter contato, falam que o turismo é uma atividade econômica.Unsaindachegamafalarqueéumaindústria.Entãoexiste controvérsia entre os acadêmicos e teóricos com relação ao turismo.Olivro[“PorumaepistemologiadoTurismo”]daMaruscafazumaabordagemqueagentenãotemainda,entenderoturismocomoumaciência.Éumaatividadeeconômica,masnãoéumaindústria,essahistóriajáfoiabolida.Entãoéconsideradaumaatividadeeco-nômicamultiplicadora.

então, Como entender o turismo? O turismo precisa do auxílio de muitas outras disciplinas para ser entendido.Bastavocêverumcursodegraduaçãoemturismo,eleégeneralista.Euprecisosaberaadministração–paraadministraro empreendimento –, preciso do psicólogo – para entender a mo-tivação do turista –, do sociólogo – para entender a relação entre o visitante e o visitado –, do antropólogo – para entender a cultura de umpovo–,euprecisodocontador–parapoderfazerobalanço,apartefinanceiradaminhaempresa–,eporaívai...Então,émuitacoisa.Porissoaindaestásendodiscutido.

partindo desse ponto CientífiCo, quais inVestimentos em pes-quisas são neCessários para alaVanCar o turismo regional e gerar mais oportunidades?Euacreditoquetenhaquehaverinvestimentoseminovação.Ino-vação não é só fazer um microchip de computador, ou algo tecno-

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lógico.Inovaréatévocêfazeralgodiferenteemcoisasrealizadasdiariamente.Oturismo,fazendopartedosetorterciário,deservi-ços, éumsetorquedepende,principalmente,daqualificaçãodaspessoas,dahospitalidadeeartedereceber.Porqueoturistaquandovem,vai tercontatocomaspessoas.Ébaseadona interaçãohu-mana.Apessoaquechega,elaconvive,elavaiseratendidaporummontedepessoasquemoramnaquelacidade.Santarém,hoje,éumdestino indutor, é uma cidade turística, mas o que mais acontece é o turismodenegócios.Dentrodo turismo,comoatividadegeral,existem vários segmentos.O turismo de negócios, na verdade, éalgoespontâneo.HojeomercadodeSantarém,emtermodeempresariado,nãopre-cisafazermuitacoisa,oturistavem.Entãooshotéistêmumaocu-paçãomuitoboa.Mesmoseminvestimentosoturistavem.Agora,quando houver uma explosão de empreendimentos hoteleiros, prin-cipalmente, de rede, com uma administração que não seja familiar, que comece a ver de uma forma diferente, aí vai haver um despertar derepente.Mastemquehaveressaintegraçãodosetorprivado,dopúblico–fomentando,dandocondições–eaprópriacomunidadetem que estar envolvida, fazendo a sua parte, seja não jogando lixo narua,sejamantendooarhospitaleiro,parapoderreceberbemoturista.

Como fazer para integrar os Vários setores de uma soCiedade e para o turismo Caminhar melhor?Primeiro, tem que haver vontade política das pessoas que estão no poder,quepodemdecidiralgumacoisa.Elastêmqueabsorveroqueéoturismo.Temquehaverumamaiorsensibilizaçãodoturis-mo.Enquantoissonãoacontecer,umvaificarjogandoaculpaparaooutroeninguémvaifazernada.Sehouver,realmente,aintegraçãodostrêsfatoresprincipaisenvolvidos,vaifuncionar.Agoratemqueterparceria,temquetervontade.Porquesenãotivervontadeparafazer,paradespertarparaisso,nãovaiacontecer.Agentenãosenteaquiessaintegração,essaunião.Inclusivejáacontecerammomen-

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tos de o SEBRAE, que é um órgão de consultoria e treinamento, fazerváriasreuniõesparadiscutiroassuntoeaparecerumapessoa.Omercado,nomomento,temumamovimentaçãoespontânea.Seeu tenho uma loja em que todo mundo vai lá e compra, por que eu vougastarempropaganda,porquevouestarreunidoembuscademelhorias?Nãovou,euvouficarporqueestoutranquilo.Quandoisso mudar, porque a gente acredita que vai mudar, as pessoas vão despertar para a concorrência, para inovação, para valorização da cultura.Temcoisasqueagenteestáperdendoenãodávalor.Porexemplo, ainda hoje tem gente que vem de fora para visitar o Museu doÍndioemAlterdoChão.Eondefoipararomuseu?[Omuseufoifechadoem1997.Semmanutenção,oprédioacaboudesabando.Nolocal,hoje,funcionaumestacionamentodeumhotel].Osca-sarões e prédios históricos contam a história do local, e a gente está vendotudoissoseperder.

e por que isso oCorre?Porqueaspessoastêmvisõesimediatistas.“Eunãoqueronemsa-berseestouacabandocomtudo,sóquerosaberqueeuestouga-nhandocomtudo”.Queremresultadonocurtoprazo.Equandosefalaemsustentabilidade,temqueseremlongoprazo.Temquesetrabalharparabuscarestratégiasdeascoisasacontecerem.Temqueterpesquisa.

o que é preCiso para o desenVolVimento do turismo em santarém?Eu acredito que para o turismo realmente acontecer, em qualquer lugarqueseja,éprecisoderecursosnaturais,infraestruturabásicae de recursos humanos capacitados. Temos recursos naturais? Anaturezaaquiéexuberante.Temos.Nós temospessoasqualifica-das?Nóstemosrecursoshumanosaí,sim.Qualificados.Eaívemaquestãocrônica,ocalcanhardeAquiles,queéainfraestrutura.Oturistaquerabelezanatural,claro,maselequerconforto.Elequertambémàs22h30,23h,numdomingo,encontrarumbomrestau-

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rante.Elequeralgoparaserfeito,emtermodeentretenimento,delazer.Eoquetemosemrelaçãoa isso?Osempresáriosdoramoinvestemdealgumaforma.Mas,opoderpúblicoondeéquefica?Porque não é papel do empresário privado, por exemplo, duplicar a Fernando Guilhon, não é papel do empresário colocar iluminação naestradadeacessoaoaeroporto.

o problema então é a falta de iniCiatiVa do poder públiCo?Sim,evoudarumexemplobásico.Oturistaquevemaquichegadeavião.Aí,temdoisvoosaomesmotempo.Éaquelavergonha.Oaeroportonãosuportaademanda,aquantidadedepessoas.Nãoépossível acomodar de forma confortável, é gente se empurrando, se atropelando.Ficaaquelaconfusãoparapegaramala.Depoisvocêvemparaaestradaquenãotemiluminação.Aívocêpensa:“pronto,chegueiàselvamesmo”.Eujávigentefalarassimparamim.Entãoaprimeiraimpressãoqueapessoatemdacidadeéessa.Equandoelevaiembora,éaúltimaqueleva,também.O turismo é o imaginário das pessoas.Você quer buscar novasexperiências.EvocênãotemaoportunidadedefazerissoaquiemSantarém.Quandosefazpesquisasobrequalamotivaçãodotu-rista,osmaisinstruídoscolocamaquestãodosaneamentobásico.Eéoutracoisaquetambémnósnãotemosaqui.Chegueiaouvirdeumgestorpúblico,degovernospassados,emumauditório,queaquelesurubusqueficamrondandolánaOrlaéalgoqueoturistaachava típicodaqui.Queera algoatrativo.Emoutromomento,tambémfoifaladoqueamaneiracomoaspessoasadentramnasembarcaçõeséumacoisaregional.Seumapessoadessas,aoatra-vessardeumbarcoparaoutro,escorrega,quebraumapernaoualgodotipo,issoéumproblema.Tudoissofazpartedainfraes-trutura.

falta dar importânCia ao turismo?Euvejoquefaltaummaiorentendimentodopoderpúblicosobreasvantagensqueoturismobemplanejadopodetrazerparacidade.

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Oturismoéumaatividadeeconômica,quandobemplanejadoeletrazmelhorianaqualidadedevida.Eleelevaaautoestimadeumpovo.Háumamaiordistribuiçãodarenda,porserumaatividademultidisciplinaretemumefeitomultiplicadormuitogrande.AOr-ganizaçãoMundialdoTurismojácontabilizou52setoresimpacta-dosdiretamentepeloturismo,quandoeleacontece.Oturismogeraempregosdiretoseindiretos.Acontece,também,outrasituaçãocultural.Muitagentenuncasaiudaqui,entãonãotemparâmetros,nãotemcomoimaginar.Quan-do você vai para outras cidades mais desenvolvidas, quando volta, parecequeestávoltandonotempo.TemgentequepassaanossemviraSantarém,equandovem,diz:“nossa,parecequeacidadenãomuda!”.Claroqueagentenãovaimaquiarnadaparamostrar,mastemos que tentar maximizar o que é positivo e minimizar o que é negativo.

um dos pontos negatiVos de santarém, e região, é a questão do lixo. boa parte desse problema é Causado pela própria po-pulação. Como trabalhar essa eduCação ambiental?Éprecisovermuitasquestõesdeformacontinuada.Nãoadiantafazermutirãoelimpartudoumavezporano.Temquehaveralgomaisconstante.Aspessoasadultas,quejátêmaquelaconcepçãoformada, ideias e maneira de agir, não vão mudar de uma hora paraaoutra.Nãovão!Vaiserumtrabalhoárduo,mastemqueterpersistência.Tudovoltaparaaunião.Senãohouverumaconstân-cia,defazercomfrequência,nãovaisurtirresultados.Temqueserotempotodo.Claro,criançassãomaisfáceisdeensinar.Alémdeserempropagadoras.Maséprecisocriarestratégias,mecanismos.Tem que ter persistência, porque se não tiver não vamos conse-guir.

o que VoCê faria se fosse seCretária de turismo de santarém?Umbomcomeço seria exatamente chamar os envolvidos na ati-vidade,mesmosabendoquemuitosnão iriam.Mas teríamosque

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chamar todas as pessoas envolvidas e realmente dialogar com essas pessoas,verquaissãoasdificuldades,quaissãoassugestõesparamelhorar,econversar.Masalémdeconversar,éimportantequesearticulemelhoriasparaomunicípio.UmdosproblemasdeSantaréméocustoparasechegaraqui.TemaTAMetemaGOL.Aconcorrênciaémínima.Existequasequeummonopólio.Eu tenho umoligopólio, duas grandes empresasmonopolizamomercado.Entãoessegestorpúblicodeveriaarticu-larenegociaravindadeoutrasempresasequetivessesustentabi-lidade.Ondevamoscolocarisso,seainfraestruturadoaeroportonãocomporta?Vaificarládoladodefora?Tiraraguaritadosguar-dasecolocarlá?Mastambémnãoadiantaficarcomutopia,sonhan-docomoquenãovaiter.Temosqueprocurartrabalharoquetem,parapodercomotempo,melhorar.Seoconhecimentonãoévalorizado,ascoisasnãovãoacontecer.Temquechamarquemconhecequemrealmentesabe.Àsvezesnãoé porque você fez um evento, ou um determinado empreendimen-to,quevocêsabe.Vocêdeusorteeestálá.Temquebuscarmesmoondeestáoconhecimento.

trabalhar mais Com o turismo regional não seria uma boa alternatiVa de desenVolVimento?Manaus, apesar de ter um contexto mais ou menos parecido, vem muitagentedeManausparacá.Temosqueatentarparaessesmer-cados.TemmuitagentedeBelémeManausquenuncaveioaSan-tarém.Essesmercadosregionaispodemsertrabalhadosparatrazermaisgente.

qual a sua perspeCtiVa quanto ao futuro de santarém?Oqueeuconsigovislumbrarsãoboasperspectivas.Agentetemque acreditar, e havendo essa vontade política, as coisas vão acon-tecer.Masnãobastasóvontade,temqueteraçõesvoltadasparaisso.Começapelaviadeacesso,quetemqueserolhadacommui-to carinho para que a gente não se sinta constrangido ao chegar

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aoaeroporto,porexemplo,everaquelasituação.Aoveralguémembarcarporviafluvialeterquepassarporsituaçõesconstrange-doras,difíceis.Issoagenteacreditaquedeveserfocadoparaquehajamelhoriasnessesentido.Eomaisnóstemos.Recursosnatu-raisepessoalqualificado,faltaainfraestruturabásicaparapoderalavancar o turismo e Santarém sair dessa situação de potencial, que vem se arrastando há anos e anos, e que alcance o patamar que mereça e possa realmente propiciar oportunidades aos que trabalham no setor.No improviso não dámais para acontecer,temquebuscaro rigor científico, dapesquisa, saberoque estáacontecendoemoutraslocalidades.

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Autorreconhecimento indígena:do estigma à consciênciaadquirida

Frei Florêncio de Almeida Vaz, doutor em Ciências Sociais com concentração em Antropologia,pelaUniversidadeFederaldaBahia(2010).AtualmenteéprofessornaUniversidade

FederaldoOestedoPará(UFOPA).TemexperiêncianaáreadeAntropologia,comênfaseemestudossobrepovosindígenas,atuandoprincipalmenteemconflitoseidentidadeindígenanoBrasil.

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Entrevistado por Ercio do Carmo Santos1

e Joelma Viana dos Santos2

Caradeíndio,sorrisolargo,pensamentofirme.AssiméFreiFlorêncio de Almeida Vaz, 48 anos, religioso da Ordem dos Frades Menores,daCustódiaSãoBeneditodaAmazônia.

NascidoemPinhel,comunidaderibeirinha,àmargemdoRioTapajós, município de Aveiro, de uma família de nove irmãos, dedi-cou-seaosestudosnaáreasocial.Asededeconhecimentooajudouairalémdasflorestas.Nacidadegrande,atravésdasciênciassociais,mergulhoufundoemsuasorigens.Compreendeuqueseumododevida,antesconsideradocaboclo,eraindígena.Essaautoafirmaçãoo ajudou a encontrar sinais, compreender o porquê de alguns se autoafirmarem indígenas e outros não.Vaz buscou responder àsindagações em sua pesquisa de doutorado entre os anos de 2005 e2010,nosmunicípiosdeAveiro,BelterraeSantarém.UmanovahistóriacomeçaaserescritanoBaixoTapajós.

“Agentesabequeédescendentedeíndio,masnãoqueremosser índio”, reconhece o pesquisador, que nesta entrevista analisaessas transformações culturais características do momento contem-porâneo.

1 Ercio do Carmo Santos, graduado em Ciências Sociais, com ênfase em Ciência Política, pela UniversidadeFederaldoPará,CampusSantarém.AtualmenteécoordenadordaPastoraldaComunicaçãodaDiocesedeSantarém,eespecializandoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará–UFOPA.

2 JoelmaVianadosSantoségraduadaemLetraseArtes,pelaUniversidadeFederaldoPará,CampusdeSantarém.AtualmenteécoordenadoradosetordejornalismodaRádioRuraldeSantarém,eespecializandaemjornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará–UFOPA.

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o senhor se Considera índio. quando Começou esse proCesso de autoafirmação?Começoudeumaformamuitalenta,apartirdoestudodefilosofiano Instituto de Pastoral Regional (IPAR), em Belém, entre 1987 e 1989.Nessaépoca,eutinhaváriosprofessoresnaáreadeciênciassociais,história,quechamavamaatençãoparaacabanagem,leiturade livrossobreos índiosnaAmazônia,queforamdespertandoacuriosidade não só da minha história, mas a história do povo ao qualeupertencia.Maseuaindanãomeidentificavacomoindíge-na, apesar de participar da causa ajudando o Conselho Indigenista Missionário(CIMI).Trabalhavaentendendoqueosindígenaseramosoutros.Nãoeu!Em1999memudeiparaoRiodeJaneiroparacontinuarocursodeciênciassociaisnaUFRJ,efoiláquecomeceialerintensamenteautoressobreaAmazônia,quemencionavamanossaidentidade,principalmentedoscaboclos.Naépocafizumtrabalhodepesquisadecampo,nacomunidadePa-rauá,RioAmorim(regiãodoTapajós).Láfoipossívelproblematizarque os moradores dessa comunidade não tinham orgulho da identida-decabocla,equeoutrasidentidadeserampossíveis,comoaindígena.LisobreahistóriadospovosindígenasdoNordeste,queestavamseorganizandoeseassumindocomoindígenas.Questionei:seosindí-genas do Nordeste estão se assumindo porque os da região do Baixo Tapajós não podem se assumir? Ainda no Rio de Janeiro eu comecei a me assumir como índio, até porque as pessoas me chamavam de índio,porcausadocabeloliso,dasminhascaracterísticas.Em1997volto para Santarém e, com outras pessoas, começamos a criar o Gru-poConsciênciaIndígena.Oprocessoseexpandiuapartirde1998comoreconhecimentodacomunidadeTaquara.

e Como é esse proCesso?Bom, temumaspecto individual, que épsicológico.Dependedeumasuperaçãodeváriostraumas,vergonhas.Eudiriaquenosúlti-mosanosestámaisfavorável.Apessoaquehojequerseidentificarcomo indígena temmuitomais compensações simbólicas.Elavê

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o índio na televisão de uma forma positiva, não apenas como o selvagem,aquiloquecausavergonha.Ser índio temrecompensassimbólicase inclusivemateriais.Nosentidocoletivo,queéoqueestá acontecendo aqui na região e no Brasil inteiro, o que leva uma comunidade a se assumir como indígena é a mudança de concepção queasociedadetememrelaçãoaoíndio.Hojeospovosindígenassãosujeitoscoletivosdedireitos.AConstituiçãoBrasileiraeoDi-reito Internacional asseguram a essas comunidades o direito à terra, aumaeducaçãoeaumasaúdediferenciados.Essamudançadepos-turadoEstadofavoreceuesseprocesso.

mas nem todas as Comunidades do baixo tapajós se autoiden-tifiCam. por quê?Bom,outrosgrupos,mesmosabendodasuaascendênciaindígena,conseguemrecompensasmateriaisesimbólicasdeoutrasformas,porissonãoseconsideramindígenas.ExistemcomunidadesaquinoTa-pajósquedizem:“agentesabequeédescendentedeíndio,masnãoqueremosseríndio”.EmgeralessascomunidadesestãoassociadasàONGSaúdeeAlegria,aoSindicatodosTrabalhadoreseTrabalhado-rasRuraisdeSantarém.Nocasodosindicatoademandaéporterra,por exemplo, no PAES – Projeto de Assentamento Agroextrativista, que dá segurança jurídica a essesmoradores.Outras comunidadesqueseidentificamcomoindígenasvãoparaaFUNAIreivindicarde-marcaçãodesuasterras.Eassimaspessoasvãosedefinindo.Esseprocessoémuitodinâmico.Estáemplenavigência.

o senhor menCionou benefíCios simbóliCos, poderia esClare-Cer de que se trata?Osimbólicoéessanova imagemqueo indígena tem,eque trazorgulho.Porexemplo,asmoçassempretiveramvergonhadeseuscabeloslisos.Tercabeloassociadoaumindígenaeraumestigma.Nosúltimosanos,essarealidadetemmudado.UmamoçaaquinoParáfoieleitaàgarotaFantásticoporterostraçosindígenas.Então,indígenapassouseralgobomebonito.Issoinfluenciaaspessoas.

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Como o senhor Vê a postura do estado quando, de um lado, faz o reConheCimento dos poVos indígenas, e do outro en-tra em Choque, sobretudo, quando se fala de demarCação da terra?OEstadoécontraditório,poishádentrodeleváriasforças.Deumladoasociedadecivil,antropólogos,Igreja.Dooutro,fazendeiros,militares,grandesempresas.AcomposiçãodoEstadomudou,ehoje eu diria que as forças do capital estão muito mais poderosas doquenaépocaemquefoiaprovadaaConstituiçãoFederal[Pro-mulgadaem5deoutubrode1988].Hoje, seoEstadopudesseextinguirosdireitosindígenas,fariacomcerteza.Comonãocon-seguefacilmente,protela,nãoatende,criaburocracias.Entãoeudiria,nãofoioEstado,porserbonzinho,quecriouessesdireitos,mas foram os próprios indígenas e seus apoiadores que conquis-taram.

os poVos indígenas têm direitos garantidos, mesmo assim há quem questione e afirme que esses poVos têm muito mais di-reitos que os não indígenas... Essaéumaafirmaçãoditacorrentementenaimprensa,eacabache-gando ao senso comum, a ponto de algumas pessoas dizerem que os índios são privilegiados. “Porque índio tem tudo agora. Índiopodetudo”.Nãoébemassim.Sevocêforanalisararealidadedosfatos, esses direitos indígenas são muito mais formais do que na prática.Porexemplo,asaúdeindígena.Oíndiotemdireitosimauma saúde diferenciada, onde seja preservado seu modo de vida, suacrençanospajésenosbanhos.Porém,nãohárespeito,eledevesertratadoporummédicoenãoporumpajé.Aeducaçãoindígenadevepreservaracosmovisão,omodoprópriodeterconhecimento.Masissonãoacontece.Existemaldeiasemqueprofessoresminis-tramaulascomoemqualqueroutraescola.Entãonãoprocedeaacusaçãodequeosíndiossãoprivilegiados.Elestêm,sim,direitos,sóquenãosãorespeitados.

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atualmente quantas Comunidades se autoafirmam Como indí-genas? e o que mudou no modo de Vida?De1998atéhojejásão54comunidades.Em15anoséumacoi-sa fantástica doponto de vista numérico.Com relação aomododevida,eudiriaquenãomudounada,oumudoupoucacoisa.Asmudanças se fazemnotar emalgunsmomentos.Por exemplo, seaFUNAIvisita a aldeia, naquelediaosmoradores sepintamdeurucum, de jenipapo, colocam cocares, cantam o hino nacional em Tupy Guarany como uma forma ostensiva para mostrar ao Estado eaosantropólogosqueelessãoindígenas.Éoqueacontececomqualquer povo, na hora de se mostrar para os outros, colocam as suasindumentárias.Oquequerodizeréqueamudançamaiornãoétantonomododevida,masnaconsciência,aformacomoseveem.Vocêsópercebenocontato,naconvivência.

porque, no Cotidiano, eles não proCuram agir Como nesses momentos espeCiais?Porque no cotidiano estão vivendo entre eles, e não têm pra quem destacarestadistinção.Agora,seháconflitos,éprecisomostrarasarmasdadiferença.Issoacontececomqualqueraldeia.

no resumo da sua pesquisa, o senhor pretendia identifiCar os prinCipais sinais diaCrítiCos da Compreensão dos natiVos. o que são esses sinais?Acaraindígenaéumadascoisasqueeucoloconaminhatese.Aspessoasdescobriramqueacaradelaséindígena.Podeparecermeioóbvio,masnãoé.Nosúltimostempos,percebemqueexisteumacaraindígena:éocabelo,oolhopuxado,atonalidadedapele.Aspessoas recuperaram sua autoestima com relação aos seus traços físicos.Esseéumdossinaisdiacríticosquemarcamessadiferençafrenteaooutro.Osoutrossinaisestãoligadosàcrençanapajelança,nosencantados,emtodaessacosmovisão.Aroupatambém,masmuitopouco.Eudiriaqueosindígenasdaquisabemque,mesmosemusartanga,colocararco,sãoindígenas.Aspessoas,depoisde

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séculos de convivência com a sociedade não indígena, têm outra ideiadoqueéseríndio,eseríndionãoémaisandarnu,tambémnãoéusarasroupasdeíndio,elessãoíndiosdojeitoquesão.Porisso que eu digo que o sinal diacrítico maior aqui na região não é a roupa,nemapintura.Estámuitomaisligadoàcaradeíndioeàssuascrenças.

a mídia tem feito parte desse proCesso? Como?Amídiateveumpapeldecisivonaautoidentificaçãodosindígenasdaqui,eaRádioRuraldeSantarémprincipalmente.Osprogramasestimulam a valorização da identidade, do modo de vida, da defesa daterra.Osprogramasdetelevisãodestaregiãonãosãomuitopre-conceituososem relaçãoaos indígenas.Sempreque temeventos,talvezporfaltadeopção,elesmostram.Emoutrasregiões,atelevi-são é muito mais preconceituosa, como em Mato Grosso do Sul e Roraima.Entãoeupossodizerqueaimprensalocalfoimuitoposi-tivanalegitimaçãodessascomunidades;ojornalGazeta de Santarém, porexemplo,chegouairaalgumasaldeiasparapublicarcadernossobreisso,eoutrosjornaisimpressosproduzirammatériassobreoassunto.

não há pontos negatiVos da mídia no proCesso?Sim,quandosetoresdamídiasesubmeteramaumtipodeprojetopolíticoquenegavaosindígenas.Estoufalandobasicamentedojor-nal O Impacto, que em 2009 e 2010 deu ampla divulgação às ideias do senhor Inácio Régis, quando chegou a dizer que os índios não eram mais índios porque tinham sangue misturado com nordesti-nos,compessoasdeBelém.Absurdoscomoesseeramdivulgados,também,portelejornaiscontraos indígenas.Comonaépocanãohavia, digamos assim, uma massa crítica que pudesse argumentar, issopassavacomociência.MasgraçasaDeusissopassou,hojete-mos os cursos de Antropologia e de Arqueologia, e esse senhor nãoaparecemaisempúblicoenemnaimprensapararepetiressasbaboseirasporqueseriadesacreditadonahora.

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Como pesquisador na área da antropologia, o senhor Con-segue “Casar” o Cientista Com o florênCio engajado nos mo-Vimentos soCiais e Com os poVos indígenas que estão se auto-afirmando?AAntropologia,sabendoqueoantropólogo,noseutrabalho,temum envolvimento afetivo e político com a população a partir da qual estuda, nos dá alguns instrumentos teóricos para que não se-jamos vítimas dessas pré-noções, pré-conceitos. Então eu, comoantropólogo, tenho que fazer o tempo toda uma vigilância teórica eepistemológicaparaqueeunãoreproduzaasminhas ideias.Eusoucatólico,souindígena,ecomofazerparaque,aoobservaressarealidade,nãoapenasreproduza,masfaçaumaobservaçãocrítica,que procure fazer as recomendações necessárias?Uma delas é otrabalhodecampo,atravésdeentrevistascompessoas.Eupossonão gostar daquela pessoa, então não vou entrevistá-la para que a suavisãonãocontradigaosmeusargumentos.MasnaAntropologiaeuprecisodaopiniãodela,entãovouterqueouvi-la.Umavezpes-quisando, comparando com outras realidades, lendo o que outros antropólogos já produziram, esse estudo de comparação ajuda para que não caiamos na armadilha de uma Antropologia do senso co-mum.Seeuproduzirumaantropologiafrágilteoricamente,euvoupassarvergonhadaquiacincoanos.

o resultado das suas pesquisas já retornou às Comunidades?Sim, a começar nos encontros com essas comunidades indígenas, noprograma“AhoradoXibé”,naRádioRural,emassessorias,nasigrejaseemoutrosambientes.As ideiasqueeudivulgo, indireta-mentesãoasminhasconclusões.Éalgoqueédevolvidootempotodoparaascomunidades.

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Pesquisas com animaisPeçonhentos podem salvar vidas

Hipócrates de Menezes Chalkidis é mestre em Biociências (Zoologia) pela Pontifícia UniversidadeCatólicadoRioGrandedoSul.Atualmente é professor titular das Faculdades

IntegradasdoTapajós(FIT).Publicouartigosemperiódicosespecializadosetrabalhosemanaisdeeventos.Participa atualmente de cinco projetos de pesquisa, atuandonaáreadeZoologia,comênfaseemHerpetologia.Desenvolvetrabalhosemecologiadecomunidadesdeserpentesnaregiãoamazônica.

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Entrevistado por Cristiane Sales1

e Márcia Reis2

HipócratesdeMenezesChalkidis,34anos,ésergipanodeAra-caju.Desde2000épesquisadoresonhaemcontribuirpararespon-deralgumasquestõesecológicaschaves.Suaperspectivaécompre-enderosfatoresqueinfluenciamavidadohomemedosanimaisdaAmazônia,garantindoassimaconservaçãoeasustentabilidadehumana.

EledestacaoestudosobreasserpentesdaFlorestaNacionaldo Tapajós como a mais relevante, porque até então não se conhecia nadasobreessesrépteisnaregião.Oestudopermitiráaformula-çãodepolíticaspúblicasqueviabilizemaimplantaçãodeplanosdemanejonaregião,garantindoaeficáciadotripédoecologicamentecorreto,economicamenteviávelesocialmentejusto.

NohorizontedepesquisadeChalkidisháumobjetivonobre:salvarvidas.OestudoéfinanciadopeloministériodaCiênciaeTec-nologia através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas(INCTTtox).Baseia-senoconhecimentoacercadahistó-ria natural, diversidade, sistemática e estudo das toxinas de algumas espéciesde animaispeçonhentosda regiãoOestedoPará.Antesdessa pesquisa não se conhecia ao certo a composição de espécies naregião.OpesquisadorcrêqueseutrabalhotraráàAmazôniaumdosmaioresacervossobreecologiasistemática.

1 CristianeSilvadeSaleségraduadaemComunicaçãoSocial,comhabilitaçãoemJornalismo,peloInstitutoEsperançadeEnsinoSuperior–IESPES(Santarém).Atualmenteéjornalistana empresa rádio e TV Amazônia/ Rede TV, fazendo especialização em jornalismo Cientí-ficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará–UFOPA.

2 MárciaCristinaReisPedrosoégraduadaemLetraseArtes,peloCentroUniversitárioLute-ranodoBrasil,CampusdeSantarém.AtualmenteécoordenadoradosetordejornalismodaTvGuarany,eespecializandaemjornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará–UFOPA.

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qual o objetiVo em pesquisar animais peçonhentos na ama-zônia?A Amazônia desponta como uma das áreas de maior ocorrência de acidentesporanimaispeçonhentosnoBrasil.Entãoporissoqueseresolveuestudaressesgruposaquinaregião.Háváriosobjetivos,maisdentreosmaisdevinte,oprincipaléeste.

Como se fez a esColha dos animais estudados?O principal critério foi o número de acidentes e o grau de conhe-cimentoarespeitodastoxinasdecadauma.Apartirdaísejulgounecessárioestudarestesanimais,parasaberograudesuatoxidade,e até que ponto são venenosos ou como esse veneno pode ser re-vertido.

qual era a estrutura para pesquisa no iniCio do estudo?Aestruturainicialeraamínimapossível,basicamenteestruturafísi-ca.Comrelaçãoàimplantaçãodessesprojetos,nosganhamosnãoapenasestruturafísica,masequipamentoslaboratoriaisparadesen-volveromínimodapesquisae tambémprofissionaisqualificadosparaisso.

de que forma a pesquisa é desenVolVida?Dependemuitodoobjetivodotrabalho,entãodesdemanutençãodeespéciesemcativeirosatéadescriçãodapeçonha,eotrabalhoemsicomapeçonhaémaisrefinado,queseguemcamposdiferen-tes.Oprocedimentoinicialéiracampo,coletaressasespécies,tra-zerparaolaboratório,deixá-lasconfinadasnobiotérioedepoisnósfazemosaextraçãodeveneno,deserpenteseescorpiões.Sódepoisdisso, nós mandamos para os grupos de pesquisas fazerem suas análisesrefinadas.Daíostrabalhosseguememcamposdiferentes.Ao todo 132 armadilhas foram montadas para a captura de material paraapesquisa.Osestudosporenquantoestãosendorealizadosapenas na área do Km 83 da Floresta Nacional do Tapajós (Flona),

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mas devem se estender para as áreas de cerrado e área de cultivo no planaltocomoobjetivodeidentificar,seacomposiçãodeanimaispeçonhentosédiferentenasáreasalteradasenasconservadas.Omaterial já coletado até o momento está sendo triado, analisado e identificadoparaemseguidadarinícioaspublicaçõescientíficas.

em quanto tempo foram apresentados os primeiros resulta-dos do estudo? e quais foram eles?Dois anos. Foram vários resultados.O principal deles é referen-te às diferenças na composição do veneno entre jovens e adultas, de jararacas.É que a fêmea, salvo engano, temmaior toxicidadequando está no período jovem, quer dizer que o veneno está mais concentrado.Seumapessoaforpicadaporelaapresentarámaioressequelas, porém, com toda toxidade do veneno, ele não é capaz de levar apessoa àmorte,o índicedemortalidadeébaixo.Atéporcontadaestruturadoanimal.

a partir desses resultados a pesquisa se fortaleCeu em seu objetiVo iniCial, ou ganhou noVos rumos?Ela se fortaleceu, já respondeu a alguns questionamentos iniciais, eserviutambémparareforçarosvínculosentreasinstituições.Apartir das primeiras perguntas já respondidas, que não podem ser divulgadas,equepoderemosdarsequênciaápesquisa.Osestudosdevem avançar para as áreas de cerrado e cultivos de soja, para sa-berseacomposiçãodaespécieédiferenteconformeambiente,seacomposiçãodovenenotambémsealteraconformeadisponibi-lidadedepresas,oquejáfoiparcialmenteconfirmadonocasodasjararacas, Bothropsatrox[Um gênero de serpentes da família Viperidae].

quais as difiCuldades enContradas para fazer pesquisa na amazônia?Onúmerodeestudantesuniversitáriosno trabalhodepesquisaérestrito.Otrabalhodepesquisaéamplomaisnecessitademãodeobra qualificada para ir a campo, interpretar os dados e publicá-

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-los.Entãoessasparceriasserviramparanosdarmaissuportefi-nanceiro, e de pessoal voltado para esta área, porque nós fazemos apesquisabásica,dodia adia, se fossemos fazerpesquisasmaisavançadas nós teríamos que ter um aporte intelectual, um aporte financeirosmaior,eagoranóstemos.Anossaregião,tembonstra-balhosdepesquisa,masessafaltademãodeobranãopermitequetrabalhossejampublicadoscommaiorfrequência.Nósjápassamosdaquelafasedeconhecerobásico,agoraqueremosconhecermuitomais.Umexemplodissoéonúmerodeserpentesnanossaregião,tínhamosumavaganoçãodeumtrabalhoquepublicamosem2005,noqualnostínhamosáreadevárzea,cerradoematadeterrafir-me,agorasabemosquesomentenamatadeterrafirmetemos55espécies.Agoraprecisamossaberquantasdestastempotencialparapesquisa.Detectamosquejararacaecobracoralsãoasquemelhorrespondemaalgunsquestionamentos.

qual a quantidade de animais Catalogados até o momento?Nóspegamos500escorpiõesealgoemtornode100jararacas.

e quanto aos inVestimentos na pesquisa?Os investimentos estão ocorrendo, e, isso é gradativo, a partir do momento que mais pessoas estão se formando, mais mestres, no-vosdoutores também,afixaçãodedoutoresna região, tudo issoperpassa pelas pesquisas que estamos fazendo, então a partir daí acredito que mais pessoas vão se interessar e vai começar a mexer comalgunsobjetivosqueestavamparados.Porém,afaltadeinves-timento em Ciência e Tecnologia atrapalha e muito o crescimento dostrabalhosdepesquisaemnossaregião,deformaqueessesin-vestimentosacontecemdemodopolarizadoeumadassaídasacabasendo a união junto a Instituições que desenvolvem pesquisas, caso contráriooisolamentoéinevitável.Alémdisso,asparceriasepu-blicaçõestrazemparanossaregiãoumgranderespaldo,permitindoaumentaroconhecimentodaaracnoeherpetofaunapossibilitandooacessoarecursosmaisvultosos.

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qual a Contribuição desse projeto para a soCiedade?Olha,nóspodemoscontribuirprimeiro,conhecendomelhoraeco-logia desses animais, entendendo melhor como é o mecanismo dos acidentes, como se da a dinâmica dos acidentes, a partir daí pegando as informações dos sinais e sintomas que os pacientes apresen-tam,nósestamostrabalhandoagoracomosvenenos,parasaberatéquepontonóspodemoscontribuirparaumacuramaisrápida,paradiminuir as sequelas, ou atémesmopara eliminá-las. Tratamentosoroterápicomaiseficiente,esseéoprincipalobjetivodessafasedapesquisa,dequeformaumsoropodeeliminarumadoença.Apesquisacontribuirátambémcomumvastomaterialaserofer-tado à comunidade acadêmica, científica e àpopulação emgeral.Deverá ser disseminado através de livros, cartilhas e artigos, cada público contará commaterial apropriadoparaomelhor entendi-mento dos resultados do trabalho. Instituições como o InstitutoButantan,FaculdadesIntegradasdoTapajós(FIT),UFOPAentreoutrassãoosprincipaisbeneficiadascomapesquisaporqueagregaosnovosresultadosaosjáexistentesgerandobenefíciossignificati-vosasociedade.

já é possíVel usufruir do resultado das pesquisas no Combate a piCada de animais peçonhentos?Sim, sim, sim, nós já tivemos uma experiência há dois anos, onde re-duzimos a zero, o número de acidentes na Flona do Tapajós, só com aintervençãodeeducaçãoambiental.Sódepalestras,nósfizemosquatro palestras na área doKm83, naBR-163 Santarém-Cuiabáedessasquatropalestras atéhojenão tivemosnemumacidente.Simplesmente utilizamos a informação para que as pessoas tivessem cuidado.Anteselestinhammedo,tinhareceio,osanimaisestãolá,éohabitatdeles,por issoaresistênciadessesmoradoresaosani-mais,entãoelesconheceramabiologiaapontodeevitarqualqueracidente.Umainformaçãobásicadeduashorasserviuparaevitarmuitosacidentes.

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qual a situação atual das pesquisas?Oandamento dos trabalhos de pesquisa segue o cronograma deação planejado pela equipe, e recentemente ganhou um novo aditi-voquedeveprolongarosestudospormaisdoisanos.Temmuitochão,temmuitochão.Euacreditoqueestamosentre40a60%,emumanodepesquisa.NapartedeEcologia temosdoisanos,aí jáconhecemos,jáfechamos.Jáemtoxicologiaestamosengatinhando.Apesquisaestádivididaemtrêspartes.

VoCês Chegaram a desCobrir alguma noVa espéCie de animal?Provavelmente uma nova espécie de serpente, eu estou indo agora paraBelémpara levaressaespécie, foiencontradanaFlona.Nóstemoschavesdeidentificação,eelanãoseagrupouanenhuma.

e qual é essa espéCie?Issoéouro [risos]...Nãopodemos revelaraindanadasobreoas-sunto.

Como VoCê aValia a pesquisa na região, já que para a Comuni-dade esse tipo de animal peçonhento pareCe ser muito Co-mum, e não tem um grande Valor?Bom, uma serpente pode salvar vidas, com alguns compostos você pode fazer um remédio, tem remédio que tem seu princípio ativo no próprioveneno,podediminuirapressãoarterial,arritmiacardíaca.

e uma entreVista anterior, VoCê disse que a ConClusão desta pesquisa trará para a amazônia um dos maiores estudos em eCologia sistemátiCa, indiCando um grande aVanço Cientí-fiCo. o que realmente signifiCará o resultado final deste estudo?O resultado deve integrar pesquisadores e pesquisas, vai juntar informaçãobásica e informação avançada, entãonanossa regiãonuncachegamosaumconhecimentotãoamplo,desdeobichono

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campoatéosubprodutonolaboratório,nuncativemosisso.Erampesquisas passáveis, um fazia ecologia, o outro um pouco de mole-cular, quando conseguia recurso fazia um poucos do veneno, agora não,estamosnumalinhaondevocêsabeondecomeçaeondeter-mina.Issoélucrototal,paratodasasinstituições.Temospessoasentrando no doutorado por causa do nosso projeto, então a forma-ção de recursos humanos à região talvez seja o maior ganho, a maior contribuiçãoqueoprojetopoderiadar.

e quando Vamos poder ConheCer a espéCie de serpente des-Coberta?Vaidemorar,oprocessodedescriçãodemora.Nomínimoentreostrabalhos laboratoriais e começar testescomsereshumanos, levauns cinco anos, ainda passa por mais cinco anos de analises e testes laboratoriais,parasódepoisserlançadonomercado.Vaiemtornodedezaquinzeanos,nomínimo.

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Terra-preta de índio é oouro negro da Amazônia

Lilian Rebellato é doutora em Geoarqueologia pelaUniversityof Kansas(EUA).ProfessoradaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),ondecoordenaoLaboratóriode

Arqueologia Curt Numuendaju e o Grupo de Pesquisas em Terras Pretas e Mulatas da Amazônia (ArqueoTerra), que desenvolve estudos com solos antrópicos aplicados à compreensão da morfologia dos sítios arqueológicos da região.

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Entrevistada por Maria Lúcia Morais1

Solo antrópico encontrado em sítios arqueológicos na Ama-zônia, a terra-preta de índio ou terra-preta da Amazônia é rica em nutrientes, com grande potencial para a agricultura, numa região de solospobres,inférteisepoucopropíciosaocultivo.Esteéoobjetode estudo da arqueólogaLilianRebellato, uma simpática paulistaque adotou Alter do Chão, município de Santarém (PA), como lar e aAmazôniacomolocaldetrabalho.

Doutora em Geoarqueologia pela University of Kansas(EUA),apesquisadoradesenvolvemetodologiasdeanálisesquími-cas e físicas da terra-preta, aplicadas à compreensão da morfologia desítiosarqueológicos.ProfessoranaUniversidadeFederaldoOes-tedoPará(UFOPA),RebellatotambémcoordenaoLaboratóriodeArqueologia Curt Nimuendaju, que congrega pesquisas, em caráter multidisciplinar, em parceria com outras universidades e instituições brasileiraseestrangeiras.

Nesta entrevista, concedida em sua residência, explica a sua relaçãocomaArqueologiaerevela“segredos”daterra-preta,focodeinteressedepesquisadoresdediferentespartesdomundo.FalatambémdasperspectivasdesuaáreadeconhecimentoparaaAma-zôniae,maisespecificamente,paraSantarém,especialmentecomainstalaçãodaUFOPAnaregião.

1 MariaLúciaSabaaSrurMoraiséservidoraconcursadadaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),desde2010,ondeatuacomocoordenadoradeComunicaçãoSocial.ÉjornalistagraduadapelaUniversidadeFederaldoPará(UFPA),comespecializaçãoemJor-nalismoDigital.FoibolsistadepesquisaemcomunicaçãonoMuseuParaenseEmílioGo-eldi.Éco-autoradoe-book“PesquisaemComunicaçãodeCiêncianaAmazôniaOrientalBrasileira:AexperiênciarecentenoMuseuParaenseEmílioGoeldi”,publicadopeloMuseuGoeldi(2010).

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Como surgiu o seu interesse pela arqueologia?Sempre tive curiosidade de entender o passado, as diferentes formas desociedadestradicionais,comoelassobreviviam,extraíammaté-ria-prima.Quandoeuerapequena,estavasempreligadaànatureza.Gostava de pescar com meu pai e, quase sempre, encontrávamos, nas fazendas do interior de São Paulo, fragmentos cerâmicos e lâ-minas de machados, que até hoje as pessoas chamam de “pedra de raio”.Omeupaisemprefalava:“Ah,issoédopessoalquemoravaaquiantes”.Duranteminhapreparaçãoparaovestibularnutriumadúvidamui-tograndeentreasCiênciasHumanaseExatas,porquesempregos-tei deQuímica, Física e também deHistória eGeografia. Vi naArqueologia uma ciência na qual poderia dialogar com as demais áreas do conhecimento, mas como na década de 1990, havia no Brasil um único curso de graduação em Arqueologia na Estácio de Sá, uma instituição privada no Rio de Janeiro, optei por fazer Ciên-ciasSociaisnaUnicamp,oquefoibastanteproveitoso,porterumdiálogoestreitocomaAntropologia.

e Como a arqueologia entrou de fato na sua Vida?Em2000vimaSantarémfazerumtrabalhoemalgumascomunidadesearegiãomechamoumuitoaatenção.QuandoretorneiaSãoPaulo,o antropólogo Pedro Paulo Funari, que havia sido meu orientador deiniciaçãocientíficanagraduação,mefalou:“Sevocêteminteresseem atuar na Amazônia, tem o Eduardo Neves que está precisando de genteparaformarumaequipenaAmazôniaCentral”.InicieimeuMestrado emArqueologia pelaUSP em2003, já de-senvolvendoaideiadetrabalhartambémcomaquímicadesolos.Nessa época, pesquisando isso no Brasil, só havia a Dirse Kern, do MuseuGoeldi,eoMarcondesLimadaCosta,geólogodaUFPA,que tambémfoioorientadordaDirse.EntreiemcontatocomaDirse e fomos para um congresso sobre terra-preta. Foi quandoconheci todo mundo e decidi que esta era a área que eu realmente gostariadetrabalhar.

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o que é a terra-preta?A terra-preta é um solo antrópico, gerado pelas ocupações pré-co-lombianas,apesardetambémapresentardataçõespós-colonização.As práticas culturais que levaram à formação desse solo continua-ramexistindoealgumasaindaexistemnosdiasatuais.Umexemplobásico é a queimaque as populações fazem até hoje, a chamada“queimafria”,ondevocêrecolheasfolhasdoquintalecolocafogo,umfogocombaixatemperaturaquefazmuitafumaça.Issopreser-vaamatériaorgânicapormuitotempoeelevaoPHdosolo,queémuitoácidonaAmazônia,gerandoumagrandeestabilidadedamatériaorgânica.

e quais são as mais antigas?Essaéumacontrovérsiamuitogrande.OarqueólogoEuricoMillerobteveumadataçãodecincomilanoscomterra-pretaemRondô-nia,sóqueessesítiofoialagadoporumahidrelétrica.Comonãotemcomore-escavarosítio,ficasempreadúvidaseaúnicaamos-tradatadanãofoicontaminadaduranteoprocessodecoleta.Dedataçãoabsolutacompublicação,são2.500anosantesdopresente.

quais são as prinCipais CaraCterístiCas desse solo?Fertilidadeeestabilidade.Nãoapenasdamatériaorgânica,masdosnutrientesdosolo.Aterra-pretatemmuitofósforoecálcio,nutrien-tesqueaplantaprecisa,alémdemagnésioemanganês.Poroutrolado,elaapresentadeficiênciadezincoepotássio.Outracaracterís-ticamarcanteéqueaterra-pretaseregenera.Elaémaisapropriadapara a agricultura familiar, de pequena escala ou de uma agricultura queequilibraosnutrientes,comonaplantaçãoconjugadademilhoemandioca.NaregiãodoLagodoMaicá,aquiemSantarém,qui-lombolasdacomunidadedoBomJardimafirmamqueestãoculti-vandoessetiposolohá40anos.Aterra-pretatambémseexaure,masaperdaémenoremcomparaçãocomossolostropicais.Po-rém, com a mecanização da agricultura o solo perde rapidamente

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osnutrientes jáqueumaáreamuitomaiordosoloficaexpostaàlixiviaçãoeerosão.

o que a terra-preta representa para a arqueologia?Umaformaparaseentenderpráticaseatividadeshumanasnopas-sado.Tantoparainterpretarasáreasdeatividades,ondesecomia,dormia, jogava o lixo, e todas as dinâmicas que compõem um as-sentamento,como,porexemplo,acomposiçãodadietaalimentar.Com amatéria orgânica bempreservada é possível encontramossementes,quenosajudamaidentificarasespéciesqueestavamsen-do consumidas, assim como as espinhas de peixes e outros restos faunísticos.Alémdisso,aterra-pretafornecesubsídiosparaentenderavegeta-ção no passado, reconstruir a paisagem vegetal e compreender as mudanças que a ocupaçãohumana gerou atravésdo tempo.Nasáreas de terra-preta, a vegetação e a densidade de espécies são muito mais variadas, seja de plantas domesticadas, semidomesticadas ou selvagens.Avariedadedeespéciesúteisparaassociedadeshumanasé muito maior em áreas de terra-preta e essa paisagem foi manipu-lada no sentido de prover ao assentamento os alimentos e outros gêneros de matéria-prima, como madeira para queima, construção decasasecanoas.

Como são os sítios de terra-preta em santarém?TodaacidadeSantaréméumgrandesítioarqueológicodeterra-preta.No centro da cidade existe um pacote de terra-preta de pelo menos trêsmetrosdeprofundidade.Éimpressionante!EmAlterdoChãotambém temosum sítiomuito grande.Hámanchasde terra-pretaportodooplanaltodeBelterra.Ecomumpacotedepelomenos50centímetrosdeprofundidade.Agoraprecisamosentenderadinâmicados assentamentos, fazer um mapeamento cronológico sistemático para entender quando e como essas populações saíram de Santarém eforamparaBelterra,AlterdoChão,Itaituba,sefoiumprocessosimultâneoouresultantedoprocessodecolonizaçãonaAmazônia.

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por que a terra-preta desperta o interesse de pesquisadores de diVersas áreas do ConheCimento e de diferentes partes do mundo?NaArqueologia,ospesquisadoresbrasileirosiniciaramestudosso-bre terra-preta, associadaàs atividadeshumanas, aindanadécadade1980.Hoje,aterra-pretaéumprojetointernacionaleinterdis-ciplinarmuitoconsolidado.Háumarededetrocadeinformações,de papers, e quem a lidera é o pesquisador norte-americano Willian Woods,meuorientadornodoutorado.NoBrasil,oCharlesClementtemessaposiçãodeinformativo,eoMarcondesLimatambémsemantémpublicando,juntocomaDirseKern.NaUFOPA,estamostrabalhandoparaconsolidarumgrupo,nãoapenasdauniversidade,mas internacional, para continuar atraindo pesquisadores, uma vez que toda essa história começa a partir dos estudos realizados em BelterraeSantarém.

quais as pesquisas que VoCê está Coordenando na ufopa?Coordeno o projeto Geoarchaeology in the Amazon,quetemporobje-tivo reconstruir a história da ocupação pré-colonial, por meio dos estudosdaterra-preta,sobresuaformaçãoesobreaspráticashu-manasquelevaramaessaformação.Outrametaégeorreferenciarasáreasdeterra-pretanasáreasdeabrangênciadoprojeto,entreosriosCuruá-UnaeTapajóse,aosul,pelomenosatéItaituba.

VoCê também orienta um projeto de iniCiação CientífiCa Vol-tado para Comunidades quilombolas. Como é esse projeto?EsseprojetotambémestáinseridonoGeoarchaeology in the Amazon, comumavertentequebuscaconheceraspráticasdemanejoatualdeterra-pretapelascomunidadestradicionais.Aideiaédecoope-rarcomosquilombolasnosentidodetrabalharasáreasdeplantioparaidentificarcarênciadenutrientesnosolo,visandoàrecupera-çãodeáreasdesgastadaspela intensaproduçãodealimentos.Va-mos trabalhar com as comunidades de Bom Jardim,Murumuru,

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MurumurutubaeTiningu,localizadasaolongodarodoviaCuruá--Una,emfrenteaoLagoMaicá.Sãocomunidadesqueserecusamautilizarfertilizantesquímicoseagrotóxicos.Oqueéinteressante,pois, com a ajuda de um agrônomo, poderão desenvolver a produ-çãodealimentosorgânicoscertificados,agregandomaisvaloraosseusprodutos.Outraideiaétrabalharcomomanejoagroflorestal,comoplantio eobeneficiamentodopau-rosa, emparceria comoprofessordequímicadaUFOPA,LauroBarata,analisandoseaterra-preta apresenta ou não melhor qualidade e produtividade na produçãodeóleosessenciais.

VoCê Coordena o laboratório de arqueologia Curt ni-muendaju, que ganhou um noVo espaço na ufopa. Como o laboratório está sendo estruturado?Apesardetodasasdificuldadesinerentesaosprocessosburocráti-cos,auniversidadetemapoiadobastantenaárduatarefadeequiparolaboratóriodearqueologiaedotá-lodecapacidadepararealizaraspesquisasdemandadasparaaregião.Alémdeestruturartodaapartede análise do material arqueológico com equipamentos de ponta, queremosimplementarumaricabibliotecatécnicaparaconsultadenossosalunos.Comojátemosumacoleçãoimportantedematerialcerâmico e de líticos, precisamos tambémfinalizar nossa reservatécnica,poisseconstituiumagranderesponsabilidadeasalvaguardadetodaessacoleção.

na ufopa, qual o perfil do aluno que busCa a arqueologia?Operfildenossosprimeirosalunosestáseconsolidandocomumpúblicomaismaduro,quemuitasvezesjátemumaprofissão,equepossuíaumacuriosidadeouumdesejoreprimidodeserarqueólogo.Geralmente os alunos mais jovens olham as carreiras não tradicio-nais como um risco, principalmente para se conseguir um emprego, preferindo, num primeiro momento, as carreiras mais tradicionais, comoDireitoeMedicina.OqueelesaindanãosabeméqueaAr-queologiaéumaáreaemfrancaexpansãonomercadodetrabalho.

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Nomomento,opaísprecisademãodeobraespecializadaparaodesenvolvimento de grandes projetos e os arqueólogos se encaixam nessademanda.

e qual a perspeCtiVa desse merCado para a amazônia?De grande expansão, uma vez que os grandes empreendimentos necessitamdolicenciamentoambiental,queincluiolevantamentodafauna,daflora,dosrecursoshídricose, também,dosrecursosarqueológicos.Numprimeiromomento, com a prospecção, paraidentificaraexistênciaounãodesítiosarqueológicosnaáreaaserimpactada e, posteriormente, com o salvamento do mesmo, e esse trabalhosópodeserfeitoporumaequipedearqueólogos.Oqueacontece atualmente é que a maioria das empresas que fazem esse serviçonaAmazôniaédosulesudestedopaís.Háummercadorealmente importante surgindo aqui, inclusive para a população lo-cal.Aosevincularessetrabalhodeprospecçãoesalvamentoaumauniversidadeestamospossibilitandomaioracessoàpesquisa,arti-culando mestrados e doutorados, e gerando conhecimento, que não ficarárestritoaosetorprivado.

qual a perspeCtiVa dessa área em santarém?Oque vejopara Santarém éo estabelecimentode umcentrodereferência em Arqueologia, pelas condições tanto históricas, de co-nhecimento já produzido em pesquisas realizadas desde o século 19 naregião,comotambémestruturais,queauniversidadeestápropi-ciando.Nossodesafionauniversidadeéintegraraarqueologiadecontrato com a arqueologia acadêmica e não deixar que esse conhe-cimentosejaapenasdegaveta,quesóaspessoasquetrabalharamnosprojetostenhamacessoàsinformações.EcomoaArqueologiaéumaciênciamultidisciplinar,poressência,queaborda tantoas-pectos sociais, culturais, como os aspectos naturais que impactaram os sítios arqueológicos, a partir das ações das populações que ne-leshabitaram,queremos,apartirdeSantarém,ampliarolequede

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abordagensabrindoespaçosparaospesquisadoresinteressadosemdesvendarossegredosdaocupaçãohumananaAmazônia.

Como é ser mulher e arqueóloga?Geralmentegostodotrabalhodecampo,apesardeserfisicamentemuitopuxado.Nãoéumaquestãodegênero,masdedisposiçãofísicaparaaguentar.Algunshomenstêmdificuldadedereceberor-densdeumamulher.Issonuncaaconteceucomigo,nãoseiopor-quê(risos)...Massempreprocuromanteressasrelaçõescombomhumor, tratar todomundobem, indistintamente.Essa é aminhapolítica: procurar não exercer uma autoridade truculenta,mesmoporque deve haver respeito pessoal com a equipe de escavação, tan-to faz se são alunos, trabalhadores braçais ou pesquisadores.NaArqueologia da Amazônia, grande parte dos pesquisadores que se sobressaemsãomulheres:DeniseSchaan,DeniseGomes,BethMe-ggers,AnaRoosevelt,entreoutras.Háumagrandequantidadedepesquisadorasnacarreiradearqueóloga.Issodiminuiumpoucoopreconceitoeavisãomasculinadoarqueólogonocampo.

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Indígenas em solo socialistae capitalista; na Venezuela,quais as diferenças?

Majahua Tapuia, 48 anos, é antropóloga nascida em Santarém (PA), com mestrado noEquador.Lá,escreveu“PovosIndígenasdo Baixo Tapajós, rostos contemporâneos

doBrasil”.Étambémespecialistaem“PovosIndígenas,DireitosHumanoseCooperaçãoInternacional”,pelaUniversidadCarlosIII(Espanha).Nagestãodagovernadora do Pará Ana Júlia Carepa (2009-2012) chefiouaCoordenadoriadeProteçãodosDireitosdosPovosIndígenas.

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Entrevistada por Jeso Carneiro*

Qual a política de Estado dispensada aos indígenas por uma nação socialista, sul-americana e na qual vivem 42 povos indígenas (600 mil índios), como é o caso da Venezuela? Qual a política de Estado, por outro lado, de uma nação capitalista, sul-americana e na qual vivem 225 povos indígenas (800 mil índios), como é o caso do Brasil?

Só uma pessoa que conhece as duas realidades, com partici-pação ativa no movimento indígena da América Latina e lastro in-telectual,poderiarespondercomautoridadeaessasduasquestões.Poisbem:essapessoaexiste–nasceuemoraemSantarém(PA),mantém estreita sintonia com os povos indígenas venezuelanos, prepara-se para o voo do doutorado na sua carreira acadêmica e, melhorainda,éindígena.

Majahua“Isa”Tapuia,48anos,éantropólogacommestradonoEquador,comotrabalho“PovosIndígenasdoBaixoTapajós,rostos contemporâneos do Brasil”, com base no estudo realiza-doem2003nacomunidadeMuratuba,dopovoTupinambá,RioTapajós,municípiodeSantarém.Mãedetrêsfilhos(Maíra,UiráeHuaido,todosnauniversidade),elaéreferêncianoParáquandooassuntoversasobreeducaçãoindígena.Aantropólogapassouquaseum ano na Espanha em 2011 fazendo curso de especialização em Povos Indígenas,DireitosHumanos eCooperação Internacional,naUniversidadCarlosIII,emMadrid.

Nesta entrevista, ela detalha aquelas duas questões antes le-vantadas:

* Jeso Carneiro é graduado em Administração pela Universidade Federal do Amazonas(UFAM).Pós-graduadoemEnsinoSuperioreLínguaPortuguesa,ambospelaUniversidadeFederaldoPará(UFPA).Érepórter,hámaisde25anos,compassagenspelorádio,televi-são,jornalimpressoe,nosúltimosoitoanos,namídiaeletrônica(BlogdoJeso–http://www.jesocarneiro.com.br/).AtuatambémcomoprofessornoensinomédiodoPará.

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o moVimento indígena amazôniCo-brasileiro tem pautas em Comum Com o moVimento indígena sul-ameriCano?A luta em geral do movimento indígena mundial é por garantir os direitoshumanoseindígenas.Aonívelgeral,arealidadedestapo-pulaçãonomundonãoédistinta.Ouseja,areivindicaçãobásicaéa garantia jurídica das terras, o controle dos recursos naturais e a ofertadosserviçospúblicos,taiscomosaúde,educação,transpor-te,comunicação,etc.Aagressãoaopatrimôniomaterialeimaterialmilenar e contemporâneo dos povos indígenas é uma realidade em todosospaísesdoscincocontinentes.Expressõesdotipo:“índioboméíndiomorto”ouo“índioéumempecilhoparaoprogresso”sãoescutadasemtodososidiomas.

em outras palaVras: o estado, seja em qualquer país, sempre tratou os indígenas Com desdém, Como estorVo. é isso?OsEstadoseasociedadenãosabemtratarodiferente,ouseja,adiferençaétratadacomasupressão.Omodelodedesenvolvimen-toemtodooplanetaécapitalista,depredadoreexcludente.Nãoimportaondetuestejas,oregimevaitealcançar.SeoEstado,emnome do progresso e do desenvolvimento, precisar fazer hidrelé-tricas, rodovias,portos,basemilitar,oqueseja,e tiverumalgumempecilho,seráremovido.Enós,indígenasemtodooplaneta,es-tamosnoslugaresférteis,planos,minerados,etc.Alutaé,esem-pre será, pela garantia a existir e viver respeitando a memória dos ancestrais.IssosomenteserápossívelquandooEstadoentenderovalor da nossa cultura como construção coletiva que precisa seguir existindo.Alutaépelavidaindígenaemtodooplaneta.

o que une os poVos indígenas do brasil, de modo espeCial da amazônia, Com os da Venezuela?A realidade indígena não é diferente nem em termos políticos e tampoucoculturais.Nossamatrizétnicaculturalestácentradaemtrêsgrandesnúcleos,quesão:Karib,AruakeTupi,ouseja,troncos

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culturaisqueenraízamtodosessesmaisdedoismilhõesdehabitan-tesindígenassul-americanoseobviamentequenosconectacomosparentesdaVenezuela,emparticularosamazônicos.Conhecendode perto a realidade da Venezuela, sigo convicta de que o Estado, quando quer fazer que não existe essa de privatização no caso das políticas indigenistas, as quais exigem muito recurso e vontade polí-tica.AVenezuelatem600milindígenas.ÉoúnicoEstadoquetemum ministério e orçamento próprio para cuidar das questões indí-genaseissofazadiferença.ContudooproblemadaburocraciaéamesmaemtodososEstadoseissoacabaprejudicandoemmuitoasconquistaseosavançosemtermosdegarantiasdedireitos.

o modelo soCialista Venezuelano para os poVos indígenas tem sido benéfiCo?Na Venezuela, os indígenas têm quatro cadeiras no parlamento fe-deral,estadualemunicipal.Todoindígenaentradiretoparauniver-sidade no curso que desejar e com apoio do governo, tem legislação secundária em todos os campos, terra, mineração, recursos naturais, saúde,educação.

e o nó Venezuelano onde se enContra?Lá,omovimentoindígenaéfrágil,oumelhor,nãoestáorganizado.Todasasconquistassãofeitaspeloprópriogoverno.

que ações implementadas na Venezuela poderiam, na sua opi-nião, ser adotadas nos demais países sul ameriCanos em faVor dos indígenas?Podemoscitaralgunsexemplosinteressantesdepolíticaspublicas.Acreditoqueapolíticadevivenda[casa]dignaparaosindígenasdascomunidadesedascidades;acriaçãodeumvice-ministériosomen-teparacuidardosindígenasurbanos,reconhecendoessapopulaçãocomosujeitodedireito.Criaçãodoministérioparaospovosindí-genas,intercâmbiodeconhecimentoeinformaçãocomindígenas

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de outros países – Equador, Brasil e Bolívia – através de termo de cooperaçãotécnica.

e o inVerso. há alguma ação ou polítiCa indígena no brasil do tipo exportação?Infelizmente,não.

qual a sua CrítiCa ao moVimento indígena no brasil?Diasdessesliessafrasedeumaliderançaindígena:“Asliderançasindígenas nacionais não sabem defender nossos direitos”. Fiqueipensandosobreessaafirmação,precisamuitoparaagenteavançareconseguirgarantirosdireitoshumanoseindígenas.Paraenfrentarum agente do governo, de empresa, de organismo internacional, é precisoconhecimento,informação.Geralmenteosnossosdirigen-tes indígenas nacionais não têm formação técnica, foram formados naluta.Issonãoéobastanteparaentenderumalinguagemburo-cráticaeelesacabamrefémdosassessores,dostécnicos.

Cite um exemplo.Umclássico é a lutadeBeloMonte [Usinahidrelétricaque seconstrói no rio Xingu, no Pará]. As reivindicações são super-ficiais, os acordos sãomanipulados e as respostas nunca vêm,porquenósnãodamosseguimentoàspautasdereivindicações.Terminada a negociação, geralmente tudo que foi solicitado foi atendido no papel, não na prática e muitas vezes a gente vai olhar o que foi e o que não foi atendido quando vamos fazer outra pauta de negociação e o que acontece sempre vamos dis-cutiresolicitaromesmo,eaboladenevesomenteaumenta.Equemsofrecomissoéapopulaçãoindígenaqueestánasaldeias.Osqueestãonascidadesnemsempreacabamescapando.Nãoexisteultimamentemovimentodebasesustentandoaspropostasdoslíderesindígenasnacionais.

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por que, no pará, palCo de belo monte, Com tantas nações, aldeias e indígenas não despontam lideranças fortes e res-peitadas?Desgraçadamente,aspessoas,asideias,asirresponsabilidadessere-petemeéissoqueatrapalhamuito.OParáatéhojenãoconsolidouumaorganizaçãoindígena.Aquioproblemaéexcessodesobera-nia.Temosospovosdemaiortradiçãoculturaleanegociaçãodarepresentação política é longa e tem alguns que não querem ter essa paciênciaeatrapalhamosprocessoseacabamprejudicando tam-bémaformaçãodeumaorganizaçãopolíticaderepresentaçãodeinteressescoletivos.TodasasconquistasquetivermosnogovernodoPT[atravésdaex-governadorapetistaAnaJúlia,de2009a2011]nãocontinuaramnogovernodoJatene[atualgovernadorparaense,filiadoaoPSDB].Nãosãoconquistasdospetistas,sãodireitosga-rantidos que foram consagrados para melhorar a vida dos 58 povos indígenasexistentesnesteestado.Nessecontexto,avidaindígenahojenoParáéprecária.

e ao moVimento indígena santareno, qual a sua CrítiCa?Acompreensãosobreaquestãoindígenaeosdireitosindígenasélimitada por grande parte dos integrantes do movimento indígena local.Issodificultaauniãodospovosparalutarpelobemcomum.Aausênciadeinformaçãosobredireitoseasprerrogativasdodi-reitosingularecoletivoéinsatisfatória,também.Algumaslideran-çasdedistintospovosseentendem“representantes”dospovos,enãoéassim.Arepresentaçãopolíticadeumpovoéfeitaporsuasautoridadespróprias,demaneirasingularedireta.Nãoexisteumentendimentonomovimentosobreoqueésoberania,autonomiaeautodeterminação de um povo, e às vezes as pessoas se autoprocla-mamlíderesdepovos,dosquaisnãosãointegrantes.

qual a ConsequênCia dessa desunião?Por causa dessa ideia de algumas lideranças de tratar os indígenas comodefossemfieisdeumaigreja,tipoessessãomeusíndios,eu

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équedeterminoodestinodosdeles,nãoseavançanasconquistas.Issoprejudica, atrapalha.Acreditoque,nestemomento,devidoàfaltadesensibilidadeeegoísmodealgumaslideranças,omovimen-toindígenalocalestásofrendoperdasirreparáveis.Vamosterquelutar para garantir as conquistas já alcançadas, e como fazer se todo mundo quer ser o/a cacique, incluindo-me nesse jogo? A Funai [FundaçãoNacionaldoÍndio]nãofoiinstalada,oDistritoSanitárioEspecialIndígenatambémnão,oINSSnãonosatende.Osindíge-nasaindatêmqueapresentaracartadosindicato.OsrelatóriosdedemarcaçãoestãotodosparadosnaFunaieosproblemasdeinva-sãosemultiplicando.Enquantoisso,opessoalqueestánadireçãodoCITA[ConselhoIndígenaTapajós-Arapiuns],quedeveriaestáliderandoessaluta,sósabereunirparafazercartadizendoqueostapuias não existem como povo, numa estreita compreensão do que éumpovo.SomosasomadeumconjuntodeparentesespalhadospelosBrasileColômbia,eporalgumarazãomuitoespecialminhaavóClarindaTapuiasemantevefirmecomestenome,apelido,con-sidereoqueseja.Éumaidentidadequealudeancestralidadeemile-naridade,daqualsomosherdeiros.

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Conhecimento científicocomo base para construçãode uma nova Amazônia

Manuel Dutraéjornalistaprofissional,professor e pesquisador no Curso de Comunicação/JornalismodaUniversidadeFederaldoPará.Detentordetrês

Prêmios Esso Região Norte, é doutor em Ciências Sócio-ambientais(ProgramadePós-GraduaçãoemDesenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da UniversidadeFederaldoPará(2003).Atuanaslinhasdepesquisamídia/discursoemídia/meioambiente.

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* MoisésSarraf égraduadoemComunicaçãoSocial–Jornalismo,pelaUniversidadeFederadoPará (UFPA).Atualmente é repórter dos cadernosPoder eAtualidades do jornalO Liberal,emBelém(PA).TrabalhatambémcomorepórternarevistaAmazônia Viva, que é encartadamensalmentenomesmojornal.

Entrevistado por Moisés Sarraf*

A entrevista a seguir foi concedida pelo jornalista Manuel Du-tra, coordenador doCursode JornalismoCientífico resultadodeacordodecooperaçãotécnicaecientíficaentreaUniversidadeFe-deraldoParáeaUniversidadeFederaldoOestedoPará.Otextofoipublicadona revistaAmazônia Viva, de periodicidade mensal, patrocinadapelaValeeeditadaeencartadapelojornalOLiberal,deBelém.Trata-sedaediçãodesetembro2012,número13,ano2dareferidapublicação.

Anotícia sobre ciência pode e deve ser tão útil e agradávelcomoanotícia sobrequalqueroutro assunto,desdeque sejamoscompetentesparaproduzi-la.

Qual a relação entre o armário de ervas e unguentos das resi-dênciasamazônicasetubosdeensaiodeinstituiçõesdepesquisasna região? Para o jornalista e professor de Comunicação Social da UniversidadeFederaldoPará (UFPA),ManuelDutra, essaponteentreoconhecimentocientíficoeosabertradicionalénecessáriapara“nosafirmarmoscomopovoautônomo”.Esseé,paraele,umaspectofundamentalparapesquisadoresedivulgadoresquetraba-lhamdentrodaAmazônia.

AvaliaDutra: “Se quisermos divulgar os achados científicosna Amazônia, em todos os ramos da ciência, teremos que ser par-ticularmentecríticosevigilantes”.GanhadordetrêsprêmiosEssoRegiãoNorte,doutoremCiênciasSocioambientaisnoNúcleodeAltosEstudosAmazônicos(NAEA)daUFPAeautor,entreoutros,dolivro“Anaturezadamídia:osdiscursosnaTVsobreaAmazô-

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nia, a biodiversidade e os povos dafloresta”, o jornalista apontaosporquêsdenotíciassobreosresultadoscientíficos–alcançadosdentrodeestadosnortistas–teremaobrigaçãodepercorrerosrioseigarapésdabaciaamazônica.

qual o seu ConCeito de diVulgação CientífiCa? há peCuliari-dades nesse Campo dentro da amazônia?Divulgaçãocientíficaejornalismocientíficosãotemasrelativamen-tecontroversos.Queromeateraquimaisàsnoçõesdejornalismocientífico.Éclaroqueasociedadeprecisatomarconhecimentodoqueseproduznoslaboratóriosdasuniversidadeseoutrosinstitutos,especialmentenoBrasilondecercade90%dapesquisasãopagoscomrecursospúblicos.Afinal,aciênciaéparaobemdasociedade,oque,infelizmente,nemsempreacontece.Entendooconceitodedivulgação/jornalismocientíficocomoumproduto – o texto, a fala, o audiovisual, o hipertexto como resultado da capacidade do jornalista de dialogar com o pesquisador e assim obterasinformaçõesbásicas,fiéisaorelatóriodepesquisa,afimdepassar ao leitor/espectador/ouvinte a informação ao mesmo tem-po dentro dos parâmetros científicos quanto compreensíveis aosleitores não especializados. A controvérsia que sugiro advém dofatodemuitosprofissionaisquesededicamaessetipodejornalis-mo especializado se tornarem espécies de assessores de entidades de pesquisa e, como tal, terminam por perder o senso indagador e críticoquedevepermeartodotextojornalístico.Creio que esse ponto de vista vai na direção universal da produção dotextocientíficoparapúblicosnãoespecializados.NaAmazônia,imagino que a peculiaridade se dá mais pelas próprias peculiaridades daregião,umespaçosubalterno,historicamentevisitadoeanuncia-do ao mundo por estudiosos de outros países, produtores de um discursonãorarotomadocomo“verdade”acabada.SequisermosdivulgarosachadoscientíficosnaAmazônia,emtodososramosdaciência, teremos que ser particularmente críticos e vigilantes para,

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como jornalistas, não nos tornarmos divulgadores de pontos de vis-ta externos à região, lendo sem interpretar relatórios que visam a interessesnãoamazônicosoubrasileiros.

Como gerar interesse pelo ConheCimento CientífiCo? por que a soCiedade preCisa ter aCesso a essas informações?Todoserhumanoé,pornatureza,curioso,desejasaberdomundoqueo rodeia. Semconhecimentonão temos comonos situarnomundo.Issopodeedeveserfeitocomacontribuiçãodojornalis-mo,sejaelerotuladodecientíficoounão.Desdesempreassocieda-deshumanasbuscaramoconhecimentodentrodasparticularidadesdolugaredomomentodesuasexistências.Comoavançodaci-ência,esseconhecimentotendeaseaprofundareassimpossibilitarmelhorescondiçõesdevida,mastambémmaisdesgraças,comosevêcomacontribuiçãodaciênciaparaaproduçãodearmasinima-gináveisnopassado.Masamesmaciênciaproduzhojeremédiosetecnologiasoutrasquenosoferecemmelhoreschancesdesobrevi-vênciaebem-estar.Gerarinteressepeloconhecimentocientíficoemnossosleitoreséalgo que depende, no caso do jornalismo, de um interesse anterior, do próprio jornalista. Se este não tem esse interesse, não haverácomomotivarosleitores.Anotíciasobreciênciapodeedevesertãoútileagradáveldelercomosobrequalqueroutroassunto,desdequesejamoscompetentesparaproduzi-la.Precisamosnosinsurgircontracertosmitos,comoaqueledocientistaabilolado,ocientistamaluco,etc.,comosetalatividadefosseexclusivadepessoasinco-muns.Oqueojornalistaprecisa,repito,écompreenderotrabalhodepesquisa,entenderseussignificados,conceitoseasuautilidade.

qual o panorama da ComuniCação CientífiCa nos estados nor-tistas?Creioqueogrossodosjornalistasquesededicamaessaáreatraba-lhameminstitutosdepesquisa,diversosdelesprestandoumbomserviçoàcomunidade.Masoidealéqueaprópriaimprensaincen-

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tiveareportagemautônomasobreciência,livredasregrasdeumasimples assessoria. Assim, os leitores poderiam informar-se pormeio de textos interpretativos, comopiniões diversas sobre umanovadescobertacientífica,porexemplo,enãoapenastextossobreumdeterminadogrupodepesquisadoresquefezistoouaquilo.

Como Criar Vias de ComuniCação entre as pesquisas na região e a população amazôniCa?Ojornalistapodecontribuir,masnãopodefazerissosozinhoatéporqueissonãoéasuaatribuiçãoespecífica.Aimprensapodeas-sumirumaespéciedecontribuição,digamos,pedagógica,ajudandoa disseminar o conhecimentometódico produzido nos laborató-rios.Comofazerestesresultadoschegaremaogrossodapopulaçãocabe,prioritariamente,àescolafundamentalesecundária,àsuniver-sidades,àsorganizaçõespopulares.Adisseminaçãodoconhecimentocientíficodeveserumapreocu-pação geral da sociedade, a começar pelos responsáveis pela educa-ção.Agora,outromitodevesersuperado:odequeoconhecimentocientíficoé“naturalmente”superioraoconhecimentotradicional.Aliás, é o acervo de conhecimentos dos antepassados que fornece osobjetos,asquestõeseashipótesesparaapesquisacientífica.AAmazônia possui um imenso manancial de conhecimento tradicio-nal que jamais deve ser relegado pelos projetos de pesquisa cientí-fica.Seosnossosantepassadosnão tivessemesseconhecimento,sequerteriamsobrevividomenosaindasereproduzidoecriadoascondiçõesparaaexistênciadomundocontemporâneo.

qual o Valor estratégiCo da diVulgação CientífiCa na ama-zônia? Como ela pode impulsionar o desenVolVimento na re-gião?OconhecimentoéabaseparaastransformaçõesdequeaAmazô-nianecessita.Élugarcomumafirmarquenãopossuímosaquiloquenãoconhecemos.Precisamos,então,possuiraAmazôniaeopontode partida para essa posse é justamente o conhecimento das coisas

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daregiãoquehabitamos,emtodosossetores,domineral,aovege-tal, o potencial hídrico, pesqueiro e, com destaque, o conhecimento dasculturasdequenossaregiãoétãoexuberante.Fico preocupado porque me parece que esse não é foco da maioria dosnossoscursosuniversitáriosdaformacomodeveriaser.Menosaindadaescolafundamental.Claroqueaciênciatemprincípiosuni-versais, mas ela se realiza, por meio da pesquisa, num lugar e num tempohistóricodeterminados.Assim,o conhecimentoquepodeser útil à Finlândia, por exemplo, pode não ser útil à Amazônia em certomomento.Comodito,historicamenteaciênciaqueseprodu-ziusobreanossaregiãofoiprodutodepesquisadoresdeforadoambienteamazônico.Nãopodemosrepetiressecaminho,quefoitípicodasherançascoloniais.IssonãosignificaquenãodevamosbuscaratrocadeexperiênciaseconhecimentoscompesquisadoresdequalquerpartedoBrasiledomundo.Precisamosconheceranósmesmoseaosnossospotenciaisparanosafirmarmoscomopovoautônomo, capaz de se relacionar com o restante do Brasil e com os demaispovosempédeigualdade.

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Peixes da Amazônia podemdesaparecer com o aumentoda temperatura

Marcos Prado Lima é graduado em CiênciasBiológicaspelaUFPA(2005)eemEducaçãoFísicapelaUEPA(2004).Mestre em Genética, Conservação e

Biologia Evolutiva pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2009), é doutorando do curso de Genética, Conservação e Biologia Evolutiva pelo INPA e professor AssistenteIIdaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).AtuanasáreasdeGenéticaeBiologiaMolecular.

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Entrevistado por Adriana Pessoa1

e Aritana Aguiar2

“AUniversidadetemopapeldecontribuirparaodesenvolvi-mentosustentáveldaregião.Temosquecrescercomsustentabilida-de”.EstaéaconvicçãodobiólogoeprofessorMarcosPradoLima,referindo-se à contribuiçãodaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA)aodesenvolvimentodepesquisasquebeneficiemaregião.

Ojovempesquisadorgostadelerficção,estudouemescolaspúblicaseconfessaserapaixonadopelaregiãoondenasceu.Limatem as atenções voltadas para a preservação da vida de espécies para aspróximasgeraçõesequerdeixarsuacontribuição.

Preocupadocomomeioambiente,emsuatesededoutoradoeleestudaosefeitosdasmudançasclimáticasnafisiologiaeexpres-são gênica de peixes da Amazônia, tendo como modelo uma típica espécieda região: o tambaqui.Aproposta sebaseia emcenáriosclimáticos previstos para os próximos 100 anos, levando em conta a emissãodegasespoluentesdaatmosfera.

O estudo é realizado através do Instituto Nacional de Pesqui-sasdaAmazônia(INPA)edeveserconcluídoemdoisanos.

“Imaginemos um cenário daqui a 100 anos, com um aumento detrêsgrausnatemperaturadoplaneta.Algumasespéciespodemseadaptar,masoutraspodemsimplesmentedesaparecer.Porissoque tudo é realizado considerando várias condições e com cautela,

1 Adriana Pessoa Cunha, graduada em Comunicação Social/Jornalismo pelo Instituto Esperan-çadeEnsinoSuperior(Iespes),especializando-seemMarketingpelamesmainstituiçãoeemJornalismoCientíficopelaUfopa.AtualmenteéchefedereportagemnaRBATVSantarém.

2 Aritana Aguiar de Sousa, graduada em Comunicação Social /Jornalismo pelo Instituto EsperançadeEnsinoSuperior (Iespes),especializando-seemJornalismoCientífico,pelaUfopa.AtualmenteéprodutoradejornalismonaRBATVSantarém.

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nãododiaparaanoite.Mas,podemosafirmarquealgumasespéciesnãovãoconseguirseadaptarevãodeixardeexistir.Éumaperdamuitograndeprabiodiversidadedoplaneta”.Estaquestãoémaisdetalhadapelopesquisadornestaentrevista.

Como surgiu a ideia de estudar os efeitos das mudanças Cli-mátiCas sobre o tambaqui?Quando entrei no mestrado, tinha uma visão muito restrita na questãodagenética,limitadaaSantarém.Aoseraprovadoparaomestrado,emconversacomomeuorientador,Dr.AdalbertoVal,recebiaofertadeumprojetoque já tinhafinanciamentopróprioparatrabalhar.Nodoutoradoeuelaboreiaideiadetrabalharcomessetemacujoobjetivo é compreenderqual efeito real dasmudanças climáticas,nospeixes,principalmenteosdaAmazônia.Otambaquiestásendoutilizadocomoespéciesentinela,eoprinci-pal motivo, além da necessidade de ter uma espécie para extrapolar, équeotambaquiéumanimalextremamenteplástico.Nodoutora-do,agenteespecificamaisoestudoemdeterminadalinhadetraba-lho,nãoteriacomoabrirapesquisaparaváriasespécies.Nãoémeuobjetivocompreenderumaespécieespecífica,massim,osefeitosda elevação da temperatura e emissão de gases de efeito estufa em peixesdeáguadoce,principalmentedaAmazônia.Apesquisaestásendo realizada no INPA, em Manaus, mas a coleta de alguns pei-xes,tambémenglobaanossaregião.

o que signifiCa dizer que “o tambaqui é uma espéCie extrema-mente plástiCa”?A plasticidade é a capacidade que ele tem de se adaptar a um novo ambiente,enocasodotambaqui,háumagrandecapacidade.Emcativeiro, por exemplo, ele se cria facilmente, diferente de outras espéciescomoopirarucu.Noambientenaturaleletambémsurpre-ende,adaptando-seamuitasadversidadesquepodemsurgir.

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Como apliCa a metodologia dessa pesquisa?OsanimaissãosubmetidosaquatrosalasconstruídasnoLaborató-riodeEcofisiologiaeEvoluçãoMoleculardoINPA,medindocadaum25metroscúbicos,totalmenteisoladaseintegradasaumcentrode controle automatizado onde são monitoradas continuamente a temperatura, a concentraçãodeCO2 (gás carbônico), eoxigênio,fotoperíodoeumidade.Sãoseispeixesemcadaaquário,cadasalapossuioitoaquários.Asaladecontrolepossuiasmesmascondiçõesambientaisdetectadasemtemporealporsensoreslocalizadosnumaáreaflorestalpreservada,enquantoasoutrastrêsterãotemperaturasestimadaspeloPainelIntergovernamentalsobreMudançasClimá-ticas para os próximos 100 anos, de acordo com o nível de emissão degasesde efeito estufapelahumanidade:Cenáriobrando (B1),com temperatura 1,5ºC acima da sala de controle e concentração de CO2a600ppm;intermediário(B2),comtemperatura2,5ºCaci-madasaladecontroleeCO2a800ppm;eextremo(A2),ondeatemperatura está 4,5ºC acima da sala de controle e concentração de CO2a1.250ppm.É importante destacar que no planeta, a quantidade normal gás car-bônicodiluídoemoxigênioéde382ppm(partepormilhão),entãologonoprimeirocenárioagentequasedobraessevalor.Sóparaqueagentepossaperceberagravidadedessasprevisõesparaoserhumanoeoutrosanimais.

Como oCorre o monitoramento?Todososresultadossãocomparadoscomasalacontroleeentresi.Asala01,queimitaocenáriobrando,comparamoscomacontrole;a sala 02, que imita o cenário intermediário, a gente compara com ocontroleecomasala01(brando),easala03queimitaocenáriorigoroso,écomparadacomtodasasoutras.

quanto tempo a pesquisa Com esses animais deVe durar para obter os resultados desejados?

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Agentedelimitaumtempodeacordocomcadaorganismo.Nãopode ser muito, porque os organismos têm a capacidade de se adap-taraocenário,pormaisadversoqueeleseja.Portantonósdelimi-tamos três períodos para avaliação.Os animais são expostos aoscenáriosemcincodias,depois15diaseporúltimo,30dias.Nóshumanoseoutrosorganismos,animaiseplantastambémte-mosessacapacidade.Sóquetemosumlimite.Temosumestresseorgânico para suprir o aumento de temperatura, que é a sudore-se.Essesanimaisnãopodemsuar,maselestêmoutrasalterações,elesaumentamobatimentoopercular,conhecidacomoguelra,porexemplo,eissoaumentaoseumetabolismo.Nessetrabalhoagentefazcomparaçõesquesãomaisrápidas.Faz--senotempozero,queéobrando,parainiciaroexperimentoparatercomocompararoorganismoquandoeleentrounasala.Eva-mosfazernessastrêsmodalidades,extrapolandoos60dias.Nesse período nós vamos verificar como ocorre essa cadeia deeventoscapazesdefazerounãootambaquiseadaptaraoaumentodocaloreCO2.Seráquenoscincodiaselemanifestourapidamen-te,essa inquietaçãoealteraçõesbioquímicas?Mascom60dias,oorganismoseadaptouàquelasituaçãoounão?Agentenãosabe.Éissoqueestamostentandodescobrir.

Com relação à Captura, existe um tamanho ideal e de onde a espéCie é retirada?Nossosanimaissãodecativeiro,dereproduçãoartificial.Agentenãopode retirar do rio, porque se não vamos expor o animal a um novo cenário diferente e podem surgir outros fatores que vão interferir no resultado.Oanimaldanaturezaestáacostumadoaprocuraroseuali-mento, o de cativeiro está acostumado a ser alimentado e tem um es-paçoreduzidoparaviver,comoodoaquário.Anossaideiaédiminuirasvariáveis.Porisso,éimportantequeoanimalvivaemcondiçõessemelhantesàvidaemumaquáriodesdeonascimento.Quantoaotamanho,ospeixesutilizadosnapesquisasãodomesmoporte.Umaoutraformaqueencontramosdediminuirasvariáveis.

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Com os trabalhos iniCiados, quais os resultados preliminares?Sim.Nósestamoscomapartepilotodoprojeto,queéoprimeiro.Então,éumaexposição,porumtempomenor,paraverificaroqueagenteprecisaalterar.Nesseprimeiromomento,percebemosqueosaquáriosondeospei-xes estavam não eram adequados, por que eles tinham uma tampa, queestavareduzindoatrocadeoxigênioeCO2,comoambienteexterno.Tivemosquefazeroutrostiposdeaquários,agoraabertos.Mas,nãototalmenteporqueopeixepodepular.Colocamosumarede.Tudoissoestásendopensado,notrabalho.Alémdessaexperiênciainicial,percebemosalgumasalteraçõesfisio-lógicas,porexemplo,opeixeficamaisativoporcontadoaumentodatemperaturadaágua.Tudoindicaqueexisteumgrupodegenes,que é ativado nessas circunstâncias, chamados genes de choque tér-mico,quepodemestarrelacionadosàadaptaçãodaespécie.

então não é possíVel saber se o tambaqui Vai sobreViVer ou resistir Caso o ambiente fique mais quente?Sabemosatravésdeoutrosestudosquecadaespécietemumatole-rância.Otambaqui,emespecial,temumatolerânciamuitogrande,masatéqueponto?Nãosabemosporquantotempoelevairesistire semanter saudável. Imaginemosumcenáriodaqui a 100 anos,comumaumentodetrêsgrausnatemperaturadoplaneta.Algumasespécies podem se adaptar, mas outras podem simplesmente desa-parecer.Por issoquetudoérealizadoconsiderandováriascondi-çõesecomcautela,nãododiaparaanoite.Mas,podemosafirmarque algumas espécies não vão conseguir se adaptar e vão deixar de existir.Éumaperdamuitograndeprabiodiversidadedoplaneta.

no Caso do tambaqui, o que tem oCorrido quando ele é sub-metido ao Calor?Eleficaagitado,maisativo,eissoénegativo,porquequantomaiseleseagita,maisconsomeenergia,ficacansadoevaiprecisardemais

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alimento.Seatemperaturaelevaeaquantidadedealimentodispo-nível para ele não aumenta, o peixe tem um emagrecimento, e isso com o tempo vai reduzir a imunidade dele, e a espécie pode morrer porumadoençaousimplesmentechegaraumaexaustão.

nesse Caso, da fome ser maior e haVer a falta de alimento, é possíVel a espéCie desenVolVer Canibalismo?Sim,inclusiveseusprópriosfilhoteselarvasopeixepodepassarautilizarcomoalimento,porquesetornaumanecessidadedesobre-vivência.Otambaquisealimentapreferencialmentedefrutas,emcondiçõesnormais,masseeleforsubmetido,podevirasealimen-taratédeoutrasespécies.

existe uma hipótese de resultado para sua pesquisa, VoCês imaginam que o tambaqui Vai resistir ao Cenário extremo?Acreditamosqueopeixevaiconseguirsobreviverporumperíodocurto,masnãootempodevidaqueeletemnumcenárionormal.

VoCês estão preVendo a mudança em algumas CaraCterístiCas do animal, ou só redução do tempo de Vida?Não,émuitoprovávelqueeletenhatambémalteraçãonotamanho,peso, e as condições imunológicas do organismo (tornando-se mais suscetível a doenças) então tudo isso deve ser alterado já no cenário intermediárioeprincipalmentenoambienteextremo.

nesse Caso, porque é interessante Compreender a questão das mudanças ClimátiCas?Para que se compreenda também a necessidade de desenvolverações para diminuir as consequências dessas emissões de gases tóxi-cos.Ecompreendercomoocorremasalteraçõeseoqueprecisaserfeito para reduzir, para que o efeito do aumento da temperatura nos peixeseemoutrosorganismosnãosejatãogrande.Porque,enfim,dependemosdessesorganismosparasobreviver.

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qual é o grande benefíCio que a sua pesquisa Vai ofereCer à soCiedade?Nossoobjetivoéidentificarqualéogrupodegenesresponsávelpelaadaptaçãodotambaquiaessescenárioseseelevaiconseguirounãoseadaptar.Porexemplo,seopeixeseadaptaraocenáriobrando e ao intermediário,masmorrer no cenário extremo vaisignificarqueaprincipalespéciedepeixecomercializadanaAma-zônia pode desaparecer em 100 anos se as mudanças climáticas globaispermanecerem.Significaqueem100anospodemosnãotermais o tambaqui para o consumo, tanto de origem natural,como de cativeiro, porque a temperatura vai interferir nos dois ambientes. E isso não deixa de ser um alerta para a sociedade,trata-sedeumpeixequeumaespéciesímbolodaAmazôniaequepoderádesaparecerseasituaçãonãomudar.Eseotambaqui,quetem essa capacidade adaptativa grande, morrer, imagine outras es-pécies como o pirarucu, que é mais sensível, ou o curimatã, que tambémtemessasensibilidade.Paraseterumaideiadaresistênciadotambaqui,eucoloqueiopeixenadando em água aquecida a mais de 40ºC, é possível ver a água fu-maçandoeelesobreviver,mesmosobumestressegrande,issonumperíododetempocurto.Eissoacontecenanatureza,numigarapé,por exemplo, que é um corpo d’água de pequeno volume, pode chegaraessatemperatura.Imaginaesseslagosdevárzeaemnossaregião, na cheia, eles se comunicam com o rio, mas na seca ele chega a um ponto em que se torna um córrego, e perde todo o contato comorio,entãoeleficaisoladoecomaevaporaçãoquecontinuaocorrendo,aquantidadedeáguadesselagodiminui,entãoeleficamais sujeito à variaçãode temperatura.Umexemplo équando agente vai à praia e próximo à areia, a água está quente, mais lá no fundo a água está mais fria, então quanto menos água, maior será a temperaturaporcontadaradiaçãosolar.Então nós queremos mostrar para a sociedade qual o efeito que essas mudanças climáticas podem causar nos peixes e, a partir daí,

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tentarsensibilizarnãosóosgovernantes,políticos,mastambémasociedade,paraquetambémfaçamasuaparte.

o senhor aCha que, a partir de pesquisas Como essa, aumen-tam as nossas possibilidades de obter Vida mais extensa para os organismos, Como é o Caso dos peixes da região amazôniCa? Sim.Agentetemapossibilidadedeentendermelhoroqueocorrenanossaregião,eapartirdessacompreensão,gerarpolíticaspúbli-cas que, de fato, mudem a realidade atual, ou a realidade quando for ocasodemudar.

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Tecnologias da informaçãopodem ajudar a vencer déficit histórico na educação

Paulo Henrique LimaégraduadoemHistóriapelaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro(1994).ConsultordaComissãoEconômicaparaAméricaLatinaeCaribe–CEPAL.Foi

consultor do Rimisp – Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, Santiago, Chile e da Organização InternacionaldoTrabalho(OIT).Atualmenteéumdoscoordenadores do Projeto Saúde & Alegria (PSA) em Santarém(PA),instituiçãocivilsemfinslucrativosqueatuaemcomunidadestradicionaisnaAmazônia.

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1 RaimundoClecionaldoVasconcelosNeveségraduadoemPedagogia,comhabilitaçãoemSupervisãoEscolar,ULBRA(2000).MestreemTeologiapelaEST(2010).Pós-graduado(lato sensu) em Educação Especial pela FACINTER (2007) e em Psicologia Educacional com ênfaseemPsicopedagogiaPresentivanaUEPA(2007).EspecialistaemCiênciasdaReli-gião(IESPES,2007)eemGestãoEducacional(CEUS/ULBRA,2007).Pós-graduandoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).Éjornalistaecomentaristaesportivo.

2 AmbelinoMinaelAndradeCunhaéjornalistaeradialista,graduadoemComunicaçãoSo-cial–HabilitaçãoemJornalismopeloInstitutoEsperançadeEnsinoSuperior(IESPES,Santarém/PA,2009).Pós-graduandoemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).

Entrevistado por Raimundo Clecionaldo Vasconcelos Neves1

e Ambelino Minael Andrade Cunha2

Umapesquisafeitaem2011pelohistoriadoreprofessorPauloHenriqueLima,carioca,46anos,solicitadapelaComissãoEconô-micaparaaAméricaLatinaeCaribe(CEPAL)sobreautilizaçãodastecnologias da informação, aplicadas à educação pelo Centro de Mí-dias da Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, aponta os principaisobstáculosencontradosnoprocessodauniversalizaçãodoensinomédioenaaplicabilidadedasnovastecnologiasporcausadafaltadeinfraestruturaepelainexistênciadeculturadeusodigital.

No entanto, o pesquisador defende o modelo do Centro e Mídias para a Educação, como processo inclusivo e de qualidade noensinomédionocampo.Oresultadodapesquisafoiapresen-tado 2012 em Santiago do Chile, no Seminário Internacional “La tecnología digital frente a los desafíos de una educación inclusiva enAméricaLatina.Algunoscasosdebuenasprácticas”.SalaCelsoFurtado,CEPAL.

O enfrentamento da universalização da educação com qualida-denaAmazôniamostraqueéumatarefadedimensõesgigantescas.Odéficithistóricodaeducaçãonointeriorounocampo,comoulti-mamente o Ministério da Educação vem tratando a questão, somen-tenosúltimosanoséquevemsendotomadocomopolíticapública.

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No Estado do Amazonas, o ensino fundamental, até da década de 1950,estavarestritoàssedesmunicipais.

Noiníciodosanosa1960,arealidadeurbanaapresentavaal-guns avanços, mas os Estados da Amazônia e do Nordeste registra-vamospioresresultadosnaeducaçãonacional.

Nos anos da ditaduramilitar,mesmo com as dificuldades edosgravesproblemasdecorrentesdaperseguiçãoaosopositoresdoregime,dacensuraedoarbítrio,oestadoacabaporcriarcondiçõesparaauniversalizaçãodoensinonoBrasil.

Comofimdoregimemilitareaaberturademocrática,apar-tirde1985,opaísrespiranovaspossibilidadesparaaeducação,eintelectuaiscomoPauloFreireeDarcyRibeiroretornamdoexílioecontribuemefetivamenteparaumnovodebatesobreaeducaçãonoBrasil, resultandonacriaçãoda lei9394/96queversasobreaLeideDiretrizeseBasesdaEducaçãoNacional,ressignificandoaeducaçãonacional.

Um dos aspectos transformadores da realidade da educaçãoAmazônicaverificou-seem1996comaproclamaçãodaDécadadaEducação, influenciada pela DeclaraçãoMundial sobre a Educaçãoparatodos,escritanareuniãodeJomtien,Tailândia,emmarçode1990.

Apartirde2007oEstadodoAmazonas,baseadonaLeideDiretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), avançou na for-mação continuada de seus professores através do programa PRO-FORMAR–programadeFormaçãoeValorizaçãodeProfissionaisdaEducação.Porém,algumasdificuldadesmetodológicaslevaramaUniversidadedoEstadodoAmazonasaadotaroutrastécnicasdeensinomediadoportecnologias.

Levando em consideração que o Amazonas é o maior esta-dodoBrasil,comumaáreade1.570.745,680km²,seconstituinanonamaiorsubdivisãomundial,sendomaiorqueasáreasdaFrança(547.030,0km²),Espanha(504.782,0km²),Suécia(357.021,0km²)eGrécia(131.940,0km²)somadas,seriaodécimooitavomaiorpaísdo mundo em área territorial, pouco superior à Mongólia, com seus 1.564,116km².

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O Amazonas possui mais de 20 mil quilômetros de vias nave-gáveis e é cortado por grandes rios como o Amazonas/Solimões e RioNegro.OEstadomantémapartemaisconservadadaflorestatropical(98%deflorestaspreservadas).Asestradasderodagemsãomuito poucas em extensão e representam a ligação entre poucas cidades.Aprincipalemaispopularformadedeslocamentoépelosrios,pelos“barcosderecreios”ou“motoresdelinha”.

Dessa forma, vivendo na região amazônica há dez anos, Pau-lo Lima revela seu amor e encanto por uma terra que apresenta grandesdesafiosparaodesenvolvimentodapopulaçãoquevivenafloresta,mas,quetemuma identidademarcantedeumpovoqueresisteaopoderdominanteecontasuaprópriahistória.

É nesse universo que esta entrevista revela como moradores decomunidadeslongínquasdointeriordaAmazôniamodificaramsuas vidas através da educação utilizando ciência e tecnologia num programaàdistânciadoensinomédiorural.

Como a sua presente pesquisa Começou?ACEPALéumórgãodepesquisaligadoaosistemadasNaçõesUni-das(ONU)quetemumatradiçãodeavaliaremvárioscampos,nãosóodaeducação,mas,também,saúde,combateàpobreza,comba-teàfomeeàviolência.Elesprocuramavaliarboaspráticas.Comoexemplo,temosoAbaré,queéumprojetodesaúdefluvialribeirinha.Trata-se de uma unidade móvel que foi reconhecida internacional-mente como uma solução de inclusão social inovadora, ao invés de as pessoas que não têm acesso ao médico, pelo fato de morarem seis, oitos,quinzehorasemviagemdebarcodeSantarém,mas,obarcosósaidacomunidadeduasvezesporsemana.Então,alémdasdistâncias,aquestãofinanceirapesamuitoparaqueosmoradoresdessascomu-nidadespossamterdireitosàsaúde.Esseexemploéconsideradoumaboaprática.OcontextodessetrabalhoéparecidosobreoCentrodeMídiasparaaEducaçãonoEstadodoAmazonas.Elessouberamdoprojeto,meconvidaramparaeufazeressapesquisa.

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quais as pessoas enVolVidas na pesquisa?Entrevistei o secretário de Educação do Estado do Amazonas, o gestor do Centro de Mídias para a Educação do Amazonas, tam-bém,aspessoasqueparticipamemcampo.Eufuiaumaescoladomunicípio de Presidente Figueiredo e outra no município de Parin-tins, muito isoladas, sem energia, mas onde existe um professor que intermedeia os conhecimentos que vêm de Manaus do Centro de Mídias.

nessas Condições é possíVel assegurar uma aula de qualidade para os alunos?Oprogramaéuma réplica àdistânciado ensinomédio regular.A grande questão do ensino médio no Brasil e nos países com dimensões maiores e com grandes áreas rurais é manter um en-sino médio de qualidade, estimulante para o adolescente, que é umsujeitoemcrise,emdescoberta.Alémdisso,outraquestãoéaevasãoescolar,senoensinoregularessesdesafiossãograndes,imagina na zona rural, pois não temos professores com formação de nível superior que morem nas comunidades, principalmente o município de Benjamim Constant que tem dimensões continen-tais.Logo,paramantê-lonaescola,sãonecessáriasintervençõescriativas, ousadas.Neste sentido, as tecnologias de informaçõesfazemadiferençanessasescolas.

qual é a noVidade que esse projeto apresenta?Quando se pensa em educação à distância, logo vem à mente a internet, onde se utiliza, por exemplo, a plataforma Moodle, ou seja, ambientevirtualqueatravésdainternetsepostaostrabalhosaca-dêmicoseénesseambientevirtualqueocorretodooprocessodeensinoeaprendizagem.Noentanto,paraanossarealidadeissonãofunciona,poistemosproblemascomabandalarga.Logo,oprojetoimplantado do ensino médio presencial com mediação tecnológica oferece um ensino com metodologia diferenciada, inovadora, com

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implantação de redes de serviços de comunicação multimídia, onde numprocessointerativo,observa-se:dados,vozeimagemtransmi-tidadoCentrodeMídiasdeEducação,queficanasededaSecreta-riadeEducaçãoemManaus.

Como promoVer a uniVersalização do ensino na região ama-zôniCa?O Brasil, desde 1996, através da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-caçãoNacional (LDBN)modifica, inova, e, sobretudo, tenta pa-garumadívidasocialcomaeducação.NestadireçãooEstadodoAmazonas compreendeu que era necessário investir na formação, naqualificaçãodosprofessores.Lásãomaisde15milprofessorescom nível superior, e isso faz toda a diferença, pois além de quali-ficaroprofessor,oportunizaainclusãodealunosnasescolasqueficamnas comunidades,promovendo, então, auniversalizaçãodaeducaçãocomqualidade.

qual é a metodologia utilizada?A metodologia prevê aulas ao vivo, transmitidas pela televisão, pro-feridas por um professor ministrante, do estúdio localizado na sede da Secretaria de Educação, em Manaus, as quais o aluno assiste na saladaescoladesuacomunidade.Soborientaçãodeumprofessorque estará presente em sala, chamado professor presencial, o alu-no interage com o professor ministrante, posicionando-se diante deumawebcam,quetransmitirásuaimagem,suavozedados,doque resultará um diálogo efetivo, em tempo real, garantindo a com-pleta comunicação entre os participantes do processo de ensino e aprendizagem.

quais as difiCuldades que o projeto tem para se Consolidar Como polítiCas públiCas?Odireitoàeducaçãodeveserasseguradoatodos.Noentanto,faz--senecessário investimentofinanceiroe, sobretudo,doProduto

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Interno Bruto (PIB), para que se garanta o acesso, a permanência eosucessodosalunosnasescolas.Outradificuldadeéaquestãoda logística dos equipamentos, do deslocamento dos professores para as comunidades, da variação climática que ocorre na região amazônica, interferindodiretamentenamanutençãodoprojeto.Poroutro lado,adificuldadedoprojetoemdialogarcomaset-niasindígenas.Paraseterumaideia,noAmazonas,são67etnias,constituídas de aproximadamente 87 mil pessoas, as quais devem ser computados 12 grupos isolados e a maior parte na região do Vale doRio Javari, e 52 terras indígenas, sobre as quais não setemregistro,aforaaqueleshabitantesdastrêssedesmunicipais,osdeslocados,inclusiveparaManaus.Os86milconhecidosocupam171 terras indígenas, que juntas compõem uma área de mais de 28 milhõesdehectares,oqueequivaleamaisoumenos33%detodasasterrasindígenasdopaís.

diante dessa realidade ainda falta uma polítiCa espeCífiCa para que a uniVersalização oCorra, também, Com a eduCação indígena?No Amazonas hoje temos o maior contingente de povos indígenas habitandonessaregião.Existemgruposquenãofalamportuguêseeu não conheço nenhum programa que ministre aulas nas línguas própriasdessasetnias.Osgruposqueparticipamdoprojetofalamalínguaportuguesa.Deveriaexisteoutrocentrotecnológicovoltadoparaaeducaçãoindígena.

quais são os inVestimentos finanCeiros?São6,1milcomunidadesruraisamazonenses.Oinvestimentoatualda Secretaria de Educação do Amazonas no Centro de Mídia é de US$5,2milhõesporano,emmédia.Oprojetoatendecercade25%dademandaporensinomédiodascomunidadesrurais.

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quais os resultados apresentados pela pesquisa?Constamos que houve melhora nos resultados do processo ensino/aprendizagem, a dinâmica pedagógica favoreceu a interação entre alunoeprofessor,oprojetoreproduzoambientedesaladeaulaa milhares de quilômetros, respeitando as diferenças entre o rural eourbano.Hábaixastaxasdeabandonoereprovação,conclusãodo curso por parte dos alunos, professores que ministram aulas na sedesãotodosmestresedoutores.Épreciso,contudo,ressaltarquenão se trata de um projeto de uso de tecnologias de informação e comunicaçãoparacombaterabrechadigital,massim,decididamen-te, um projeto de universalização da educação com qualidade para populaçõesisoladasgeograficamente.

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Mudanças climáticase sustentabilidade no debatenacional sobre a Amazônia

Raimunda Nonata Monteiro é graduada em ComunicaçãoSocialpelaUniversidadeFederaldoPará(1990).DoutoraemDesenvolvimentoSustentável do Trópico Úmido pela

UniversidadeFederaldoPará(2003),éprofessoraadjuntaIdaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).Suaspesquisasseconcentramprincipalmentenosseguintestemas:desenvolvimentosustentável,desenvolvimento regional, desenvolvimento rural, crédito ruraleflorestastropicais.

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Entrevistada por Fábio Pena*

Como o Brasil vem tratando o tema das mudanças climáticas? EstaéaquestãocentralabordadanumestudoproduzidoporRai-mundaNonataMonteiro,doutoraemCiênciasSocioambientaiseprofessoradoInstitutodeCiênciasdaSociedade,daUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).

A pesquisadora se somou ao meteorologista João Feitosa, tambémprofessordaUFOPA,naelaboraçãodoestudointituladoDebateNacionaldeMudançasClimáticaseSustentabilidade,queabordaapercepçãobrasileirasobrefenômenosatribuídosàsmu-dançasclimáticasnoâmbitodgoverno,dasociedadeedosmeiosacadêmicos.Nascida emSantarém, noPará,RaimundaMonteirotemumolharespecialsobreaAmazônia,dandoumenfoquesobreopapeldestaregiãonessedebate.

Nestaentrevista,feitanofinaldejaneirode2013,emSanta-rém, a pesquisadora fala das principais questões de suas pesquisas, refletindosobreosavançoseretrocessosdaquestãoambientalque,segundo ela, por um lado ganhou em marco regulatório, mas, por outro, é pressionada pela imposição de outros temas na agenda pú-blica,comoacriseeconômicainternacionaleomomentodedesen-volvimentodoBrasil.ApesquisadoraalertaaindaparaumapossívelperdadeprotagonismodaAmazônianosdebatesambientais.

* FábioPenaégraduadoempedagogiapelaUniversidadeFederaldoPará,pós-graduandoemJornalismoCientíficonaUFOPA.Atuanocampodacomunicaçãocomunitária,edu-comunicação e é coordenador de educação e comunicação no CEAPS – Projeto Saúde & AlegriaemSantarém.

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a questão das mudanças ClimátiCas está Cada Vez mais em eVi-dênCia no mundo e aqui no brasil também, espeCialmente Com a realização da rio + 20, em 2012. a senhora produziu um trabalho que apresenta um Cenário sobre Como está se tratando este tema no brasil, e aponta que o país tem tido um papel de destaque. por quê?Bem, o Brasil, a partir principalmente da cúpula dos povos, em 1992, já inspirado em grande medida no processo de democrati-zação que a constituição de 1988 consolidou, permitiu esse prota-gonismoaopaís.Ademocratizaçãodopaís,ofortalecimentodosmovimentos sociais, a criação de uma massa crítica, foram fatores que se combinaram para que a questão ambiental emergisse nosanos90noBrasileenvolvesseasociedade.Osmovimentossociaisquelutaramcontraaditaduraagoratraziamoingredienteambientalparasuapautapolítica.Issofortaleceuumacapacidadedeinfluênciada sociedade que empurrou os governos a assumirem e avançarem nos seus compromissos pactuados entre os países, a partir de Eco 92.EcreioqueoprotagonismoqueoBrasiltemhojevemdestecontextopolítico.Seasociedadenãohouvessesemobilizado,difi-cilmenteopaíssedestacarianasnegociaçõesinternacionaissobremudançasclimáticas.

no seu estudo a senhora diz que o brasil ainda neCessita de pesquisas que respondam de maneira mais Contundente às mudanças ClimátiCas e à relação dessas mudanças Com os eVentos extremos que estão oCorrendo aqui, Como sendo de fato ConsequênCia do aqueCimento global. então, que bases o brasil possui em relação às mudanças ClimátiCas? Apartedapesquisa,oembasamentocientíficodasmudançascli-máticas, vejo como algo dinâmico. Por exemplo, oMinistério daCiência e Tecnologia está investindo em pesquisas para dar suporte ao desenvolvimento de conhecimentos nessa área no país, para ar-ticulaçãodoscientistasbrasileirosnasredesinternacionais.Enfim,acho que isso caminha bem.O que eu acho que demonstra um

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comprometimentomaiordoBrasiléoarcabouçoinstitucionalqueopaíscriouparaarticularasaçõespúblicasnessesentido.Temos,por exemplo, a política nacional demudanças climáticas.Dentrodela, temos os pactos formados com os setores considerados mais impactantesememissõesdegasesdoefeitoestufa(GEE).Emde-zembrode2011oMinistériodoMeioAmbienteconcluiuospac-tos setoriais pela redução nos diversos setores, como transportes, indústria,eatéoagronegócio.Busca-seumcomprometimentodossegmentosque emitemgasesdo efeito estufa. Isso criaumarca-bouçointernonopaísquedácondiçõesparasepensarempolíticasestruturantes, já na perspectiva das reduções de emissões, ajudando no compromisso que o Brasil assumiu de redução em torno de 38, 9%dasemissõesdeGEEaté2020.Porém,euvejolimites,ligadosàs vontades políticas de um ou outro governo de manter essas polí-ticasvivaseasociedademonitorar.

e nesse Contexto em que tiVemos a rio + 20, Como o país fiCou entre o que já Vinha Construindo e o que resultou da ConferênCia? UmdosmaioresavançosparaoBrasilcomaRio+20foiopactodas maiores cidades, porque são as cidades que poluem, são cidades quesãoreferência,queinfluenciamempolíticasglobais.Ascidadesfizeramumacordonessesentido,representandoumavançoeumengajamentodegrandesplayers,grandesagentes.Dopontodevis-to dos temas do desenvolvimento sustentável, que são mais amplos doquemudançasclimáticas,poisentrapobreza,economia,nósti-vemosretrocessosporquenãoficaramexpressososcompromissos.Nem dos governos centrais, nem de governos que já tinham um papelmedianonessasrelações.ARio+20remeteuparainstânciastécnicasacontinuidadedaconstruçãodaspropostas.Nessesenti-do,houveumesvaziamentopolíticoemnívelglobal,agravadoporum contexto de crise internacional, em que os países estavam mais preocupadoscomseusproblemaseconômicos.ApósaRio+20aquestãoambientalsaidagrandepauta.Porém,nocasodoBrasil,

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aspectos que são acúmulos que o país já tinha, como os marcos regulatóriosparaaquestãoflorestal,paragestãodosrecursoshídri-cos, para a gestão dos resíduos sólidos e o das mudanças climáticas, esses avanços não são afetados pelo maior ou menor engajamento deumacúpulacomoaRio+20.Essesaspectosinternosavança-rão dependendo muito mais da capacidade interna da sociedade de cobrar.

existe toda uma preoCupação Com a amazônia nesse debate das mudanças ClimátiCas. que lugar oCupa esta região nesse debate? Eu avalio que falta mais conhecimento, mas está se construindo comnovaspesquisasparavalidaraspercepçõesda influênciadasflorestastropicais,nãosódaAmazônia,porquetemosflorestastro-picaisnoValedoCongo,naÁfrica,enaÁsia.Então,semdúvidanenhuma,essasflorestasjogamumpapelmuitoimportantenocli-mamundial.Hádivergênciasentreoscientistassobrequeintensi-dadeexerceessainfluência.Porém,nãohácomonegarosimpactos.Nasminhaspesquisasdecampo,trabalhandoprincipalmentecomagricultores,buscomuitocaptaraspercepçõesdelesdasmudançasemmicroclimas,emclimasemnívelregional,percebidosaoníveldeuma geração ou do que eles conseguem reportar a partir de duas ou trêsgerações.Eéinteressanteoquantoéperceptívelumaalteraçãodo regime das chuvas, aumento do período de seca.Em regiõesondetivemosumdesflorestamentoextensivocomasupressãodeáguasuperficial,deigarapés,comoassoreamentoderios,apercep-çãodessasmudançasémuitoforte.Emrelaçãoàperguntamaisgeral,sobrequalopapelqueaAmazô-nia joga nessa discussão do clima, eu vejo que nos últimos anos a Amazôniatambémdeixadeterumpapelimportantenaagendadadiscussãodemeioambiente, tanto internamentequantoemnívelinternacional.Vejamos um indicador, que foi naRio+20.Houveumasecundarizaçãodopapeldasflorestastropicaiscomoumtodo.Ogovernobrasileiro,apresentandodadosquemostramaredução

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nosdesmatamentos,atingindoíndicesdentrodasmetasestabeleci-das,fazendooordenamentoterritorialquedestinouàsáreaspúbli-casqueeramobjetosdemaiorpressão,enfim,criandoumambienteinstitucional com maior controle, e assim lançando o foco para ou-trasdemandas.No entanto, as questões estruturais que levam ao desmatamento aindapersistemeasituaçãodeameaçaaindanãofoiresolvida.Eéumapena.Porexemplo,asquestõesdaAmazôniaestãosecunda-rizadas,praticamenteinvisíveisdentrodaagendadaimprensa.Devezemquandoumfatoaquieoutroali,masumaagendaafirma-tiva do que seria promover um desenvolvimento para a Amazônia embasessustentáveisporcausadaimportânciadamanutençãodassuasflorestas,nãovemosnadadesubstancial.

tiVemos aVanços no ordenamento territorial, Criação de reserVas, assentamentos, mas pareCe que isso não Vem aCom-panhado de uma mudança signifiCatiVa de qualidade de Vida da população que ViVe nessas áreas. por exemplo, na reserVa extratiVista tapajós/ arapiuns, em santarém, uma das maio-res do país. embora os moradores tenham maior aCesso às po-lítiCas públiCas básiCas, por outro lado, na geração de renda pareCe que não aVançou tanto. o que a senhora aCha que está faltando? Achoquehouve avanços institucionais na questão ambiental, notemadasmudançasclimáticas.Temosumapolíticanacionaldeges-tãoflorestal,umapolíticanacionaldedesenvolvimentodepovosecomunidades tradicionais, que inclusive é uma reivindicação política dessaspopulaçõesquevivemnasreservas.Nocampodagestão,ogoverno Lula deu um choque no avanço da fronteira que estava vin-do de forma avassaladora a partir de meados dos anos 1990 a 2005, principalmente coma leidegestãodeflorestaspúblicas, comoacriação doDistrito Florestal Sustentável daBR-163.As florestaspúblicas,passandoaserregidasporconselhosquejuntamsocieda-deegoverno,comacessocontroladodasempresasaessesestoques.

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Enfim,essesanosécomosefossemestruturadoresdemarcosderegulação, anos estruturadores de políticas que, pela primeira vez, vãodaratençãoparasetoresqueantesnãotinham.Porém,criarasunidades de conservação sem promover uma economia sustentável nas áreas ocupadas pelos extrativistas, pelos agricultores familiares, sem que tudo isso funcione de uma forma articulada, é deixar essas asáreascontinuaremsofrendopressão.No entanto, a implementação real de um modelo de desenvolvi-mento, das reservas extrativistas, ainda não aconteceu para um povo que, em grande medida, não vive só do extrativismo há mui-totempo.Vivemtambémdeumaagriculturadesubsistência,dapesca.Quesuajuventudeemgrandemedidanãoquermorarnareservaextrativista,querirparaacidade.Ondeéquevaiserofere-cido um emprego pra esses jovens, se esse emprego vai continuar sendo centralizado nas zonas urbanas? Se a condição da rendapara eles vai continuar sendo centralizada na cidade, se a produção deles continuar desvalorizada pelo mercado? Vai ser muito difícil segurar essepovonessas áreas. Se formantidauma situaçãodepobrezaprolongadaemqueessasmudançasvenhammuitolentas,o que vai ocorrer? A própria ideia, a validade da Reserva Extrati-vistadopontodevistadedominabilidadeporelespoderáviraserquestionadodepoisporoportunistas,eelesmesmosabriremmãodessamodalidadedeusodareserva.

é preCiso desenVolVer polítiCas para isso, inClusão produti-Va, não é?Poisé,eéaíquenóstemosumadisparidade.AAmazôniatambémtem uma situação pouco privilegiada em relação às políticas de de-senvolvimentodopaís.Porquê?OBrasilcontinuapensando,paraa Amazônia, o padrão de desenvolvimento que foi realizado e que é dominante nas outras regiões do país.OBrasil não conseguiupensar em instrumentos de desenvolvimento apropriados para uma vocaçãoflorestal.

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a nossa região tem essa VoCação? o que seria essa VoCação florestal?Olha, o exemplo da Costa Rica, que é muito parecida com a Amazô-niaCentral,umpoucocomaAmazôniaOcidental.Láelesmostramque a economia pode se estruturar a partir de várias modalidades deatrativosturísticos,apartirdosrecursosaquáticosedafloresta.Aquiagentepensaemfloresta,masnãopensaemcomopodemosmanejarnossosrios,agregarvaloraosprodutosdapesca.Emre-lação à pesca, nós temos o mesmo sistema que nós temos com as florestas.Ofilédaflorestaéexportado,nãoficanadaaqui.Ofilédopescadonãoficaaqui.Asociedadelocalficacomosrestos.

e nem são gerados sistemas produtiVos que promoVam uma eConomia loCal sustentáVel...Exatamente.Nãoagregavalor,nãogeraempregosaqui.Nóstemosvárzeas.Temosquepensar:vouprotegerafloresta.Ótimo!Massevocê incrementar uma produção de alimentos nas várzeas, você se tornaumexportadordealimentos.Precisamosdeumaeconomiaagrícola para a várzea, uma produção de alimentos nas áreas já alte-radas,jáocupadasportrabalhadoresfamiliaresdeformaracional.Aflorestautilizadanãosódeformaexclusivistaemtornodamadeira,masbuscarousomúltiplodessafloresta.Nóspodemosterdesdeousoembiotecnologia,atéoaproveitamentodesubprodutoscomoresinas, corantes, couros, tecidos, que podem ser desenvolvidos se houver uma política de pesquisa, tecnologia, fomento, crédito, e in-fraestrutura local.Porqueoqueaconteceéque sebuscao asfal-tamento da BR-163 [Cuiabá-Santarém], se faz um porto ali paraasoja,masosribeirinhos,ostrabalhadoresruraiscontinuamseminfraestruturanenhumaparasuaprodução.O que nós temos são macropolíticas para macroagentes econômi-cos,eaeconomiareal,queestáaquiembaixoquepodeserdesen-volvidaparaocuparumamãodeobradaregião,nãoestáaindaen-quadradanaspolíticaspúblicas.Nóstemosessevácuo.Nossosriosnão estão sendo pensados para a pesca, estão sendo pensados para

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aenergia.Nossosminériosestãoquasetodosemfasedepesquisaesendoexportadosdentrodomodeloantigo.Então, eu vejo avanços em relação a marcos regulatórios, em orde-namento territorial, em sistemas de gestão, mas em relação à eco-nomia ainda vemos se reproduzir um modelo tradicional, atrasado ereducionistaemrelaçãoàspotencialidadeseconômicasdaregião.E ainda autoritário, porque é de fora que vêm as grandes decisões sobreoquevaiserinvestidonaregião.

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Agronegócio e agriculturafamiliar: é possível conciliarinteresses em conflito?

Sandro Viegas Leão é graduado em Ciências EconômicaspelaUniversidadeFederaldoPará (1999) e mestre em Desenvolvimento, AgriculturaeSociedadepelaUniversidade

FederalRuraldoRiodeJaneiro(2006).ÉprofessorepesquisadordaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).Pesquisaeatuanaáreadeeconomia,comênfase em economia política, atuando principalmente nos seguintestemas:economiabrasileira,desenvolvimentosocioeconômico,políticaspúblicasdedesenvolvimentorural,agronegócionaAmazônia.

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Entrevistado por Ailanda Ferreira Tavares1

e Alciane Ayres2

O economista e professor Sandro Augusto Leão, 40 anos, na-tural de Altamira, está pesquisando desde 2011 as dinâmicas regio-nais a partir da expansão do agronegócio de grãos, especialmente soja,sobaóticadasestratégiasdeatoressociaisdiferenciados,eainstitucionalização de políticas voltadas para a organização e regula-çãodaatividadeagropecuárianaregiãodeSantarém.

Emseu localdetrabalho,naUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),SandroLeãoconfessaqueéaprimeiravezqueconversacomjornalistasparaexporesseprojeto.Apósumrápidobate-papo,oeconomistarelatouqueaagriculturafamiliartambémestá inserida em sua pesquisa, como uma forma de expansão na região.Segundooestudo,aeconomiaruraldaregião,atéadécadade 1960, era predominantemente extrativista, coexistindo com a pe-quenacriaçãodegadoeaagricultura.

No entanto, esta conjuntura sofre drásticas mudanças, prin-cipalmente a partir de 1970, quando chegam à Amazônia investi-mentosfederais.NomunicípioSantarém,OestedoPará,devidoaváriasestratégias,aagriculturaacabaporseconsolidarcomoumadasfrentesdeexpansãopromissoraedinâmica.

1 Ailanda Ferreira Tavares é jornalista formada pelo Instituto Esperança de Ensino Superior –IESPES,em2010.EspecialistaemCrisedeImagempelaUniversidadedeFortaleza.Pós--graduandaemJornalismoCientíficodaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).AtualmenteéassessoradeimprensanasecretariamunicipaldeEducação,emSantarém(PA).

2 Alciane Ayres da Mota é jornalista formada pelo Instituto Esperança de Ensino Superior – IESPES,em2010.Pós-graduandaemJornalismoCientíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará.Atuouprofissionalmentenoperíododejaneirode2007amaiode2012,noscargosdeprodutora,nasafiliadasdaGlobo/TvTapajóseRecordNews/NITV.Ecomorepórter de imprenso, nos jornais Diário do Pará/Sucursal Diário do Tapajós e O Impacto.Exerceatualmente função de Assessora de Imprensa concursada na Secretaria Municipal de Cultu-ra,nomunicípiodeSantarém/PA,desdeagostode2012.

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quais as prinCipais polítiCas públiCas que inCentiVam a agri-Cultura familiar?HojeoBrasiltempolíticanacionaldeassistênciatécnicaparaagri-cultores familiares. E essa técnica desenvolvida pela EMATER(Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) muda o caráter daassistênciatécnicarural,priorizandoosprodutores.Porqueantesera geral, atendia grandes epequenos agricultores enofinal nãoatendianinguém.Essanovapolíticatrouxeaprioridadeparaaagriculturafamiliar.Agoraotécnicoseespecializanasculturasvoltadasparaestefime por região, não mais para o agronegócio, mesmo porque aqui em Santarém as culturas são diferentes das culturas do Sul, por exemplo.Hoje,ogovernofederaltentaarticularpolíticasdoprópriogovernofederalcomaspolíticasvoltadasparaagriculturafamiliar,paraabrircanaisdecomercialização.UmexemploéoProgramaNacionaldeAlimentação Escolar (PNAE) que, por lei, as escolas têm que ofere-ceraosalunos30%deprodutosdaagriculturafamiliar,esearticulatambémcompolíticanacionaldeSegurançaAlimentar,quesepre-ocupaquecadabrasileirotenhaacessoaumaalimentaçãosaudável,orgânica, in naturaedequalidadeeprincipalmentedaregião.Antes, a merenda escolar continha muitos alimentos enlatados, agoraosprodutossãomaissaudáveis.Asegurançaalimentarentracomo uma política transversal, tanto no Programa Nacional de For-talecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) como no PNAE, criando esses critérios, essas normas, essas leis, para termos uma alimentaçãodequalidade.Emcomparaçãocomagrandeagricultura,80%dasfeirasemerca-dosrecebemfrutas,verdurasdaagriculturafamiliar,nãodoagro-negócio.Oplano-safradoagronegóciovisaaincentivarefinanciargrandesagricultoresligadosaprodutosdeexportação:soja,milho,gadoetc.Jánoplano-safradaagriculturafamiliar,ovalorémenor,porqueoagronegóciotemumaarticulaçãomuitofortecomabasedogoverno.

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Como estão as linhas de Créditos Voltadas para a agriCultura familiar?Até 1996, a agricultura familiar não era reconhecida como uma cate-goriadetrabalhadoresruraispeloEstado.Ouseja,depoisdemuitosconflitosagrários,foramcriadaspolíticaspúblicaselinhasdecré-dito.Osassentadosemprestavamumvalor,epagavamapenas55%dovalor,ouseja,tinhamorebatede45%,depoisdedoisanos,por-que a agricultura é a atividade que produz alimentos para a mesa do brasileiro.Ogovernotemumalógicaeconômicadebaratearovalordaalimentação,queéareferênciabásicaparaosaláriomínimo,eé por isso que a agricultura familiar é considerada uma atividade estratégicanopaís.Umdosprincipaisproblemasparaosprodutoreséocreditorural.Os produtores da Amazônia não conseguiram se adaptar ao modelo quefoicriado.Elespegamodinheiroetêmdoisanosparapagar,edepoisdessetempotêmquepagarintegralmente.Osprodutoresgastam em outras coisas e os que realmente investem na agricultura nãotêmocostumedeguardar.Eissodificultaocrescimentodospequenosprodutores.

Com a mudança no quadro territorial Com a Criação do mu-niCípio de mojuí dos Campos, desmembrado do muniCípio de santarém, Como fiCa a ConCentração da produção e a expor-tação para outros estados?As mudanças dependem da organização política dos municípios e tambémdoasfaltamentodaBR-163(Cuiabá-Santarém).Entãooas-faltamentodaBR-163vaiserumareferênciaparasaberadinâmicadecadaum.Nósprecisamossaber,oquantoSantarémdependedisso.Nãoque,comessarodovia,vámelhorarouvaisedesenvolver.Masvaisecriarumasituaçãodepossibilidades,tantoparaSantarém,comoBelterraeMojuídosCampos.Comaestradavaihaverumgrandecrescimentodemográfico.Virãonovasempresas,novosinvestidores,vãoabriroutraspossibilidades,maiorfluxodecomercial,maiorfluxodepessoas.Nãosóaqui,masemoutrosmunicípios.

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OasfaltamentodaBR-163vaiabrirumpadrãocomercial,concor-rênciaentreempresas.IssovaiservirparamovimentarMojuíeBel-terra,consideradashojecomocidadesisoladas.SeformossairdomunicípiodeSantarémparaAltamiraeMarabáquesãocidadesquetêmestradasqueligamaoSul,aBelémeaoNordeste,percebere-mosumadinâmicaeconômica,deempresa,depecuária.Porqueapecuáriadaquiéumapecuáriavoltadaparaaregião.Apecuáriaaquié tem pouquíssimo dinamismo, não exportamos a carne, só atende-mosomercadolocal.

o senhor partiCipa do projeto obserVatório da eConomia amazôniCa e desenVolVimento regional. qual a linha dessa pesquisa? e Como está o andamento dos trabalhos?OObservatórioéumprojetoamploque temváriossubprojetos.Umdossubprojetoséomeu,queexplicaasentradasdaexpansãodoagronegócio.Aexpansãodoagronegócioémeutempoderefe-rênciaeareferênciadedinâmicaqueeupego.Epodemosrelacio-narqueoPIBdeSantarémaumentou.Eumdosfatoresquefezesse PIB aumentar foi o agronegócio, a soja, a Cargill, entre outros elementos.Essaminhapesquisapartedeumaanáliseterritorial,euanaliso como essas empresas de agronegócios trouxeram para a re-giãodeSantarém,incluindoBelterraeMojuí,osprodutoresdesoja.Houveumanovadinâmica:econômica,socialepolítica,etudoissonãoaconteceudeformaseparada,masdeformaarticulada.Comoagronegócionoano2000tivemosumagrandeconfiguraçãoterri-torial.Essaconfiguraçãonãoaconteceusomentecomasoja,mascomapecuária,comaagriculturafamiliar,etambémcomaminera-ção,quenãoestáaquideformafísica.Nãotemosumaexploraçãomineral na região de Santarém, mas há uma articulação territorial da Alcoa, da Mineração que se articula no território, que tem peso políticonoterritório,equeàsvezesdáincentivo.Esseterritórionaminha pesquisa é um território-rede, é um território-zona e não é umterritóriofixo,quesearticulaforadaáreaqueseencontra.

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há Conflitos desenCadeados pela Cultura da soja na região oeste do pará?Eu parto dessa análise territorial que é a soja, em relação ao agrone-gócio.Houveumproblemaem2006,umgrandeconflitosocioam-biental.Ofatodequeasojaestavatirandoostrabalhadoresruraise suas famílias de suas comunidades, de Belterra e de outras áreas, tirandoopadrãotradicional,ecolocandonacidade.Essasmudan-çasgeraramalgunsproblemaspararegião,omaiordelesfoiasaídadosagricultoresfamiliaresdesuasterras,chamadotambémcomooprocessode“expulsão”(mercadodeterra),resultandonamigraçãodos produtores familiares para outras cidades ou outras comunida-des.OSindicatodosTrabalhadoreseTrabalhadorasRuraisfezcam-panhaparaqueasterrasfossemdevolvidas.Mascomeçoutambéma ter a articulação dos movimentos sociais da região com Organiza-çõesNãoGovernamentais(ONGs),comoéocasodoGreenpeace.

o que proporCionou a estabilidade para o agronegóCio na região?Articulaçãopolítica.Abasesemprefoimuitoforte.Eessaarticu-laçãoresultouemdenúnciacontraodesmatamento.Logicamente,comagronegócioteveaumentododesmatamentoparaabriráreas.Por mais que o discurso governamental dissesse que a soja viria paraumaáreadesmatada,tinhagrandesáreasdeflorestassecundá-rias,sóqueflorestassecundáriasaqui,podemserflorestasdecemanos.Etevetodaessabrigaporposiçõespolíticas.Issoéresultadodos movimentos sociais, do desmatamento, das articulações polí-ticas.Ogoverno,medianteessademanda, entroupara resolveroconflito.Criou-seumartifícioinstitucionalesurgiuamoratóriadasoja.Foiumacordoassinadopelosprodutoresdesoja,pelosex-portadores, como a Cargill, assinado pela Associação Nacional de ProdutoresdeOleaginosas.OGreenpeace levouumagaleraparaEuropa e anunciava que a soja da ração que alimentava os frangos da McDonald’s vinha de Santarém, de desmatamento e de expulsão detrabalhadores.Depoisdisso,houveumalarmeeaimprensain-

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ternacionaldivulgousobreodesmatamentonaAmazônia,atravésdasdenúnciasdoGreenpeace.Ao se falar em moratória, o governo criou alguns mecanismos ins-titucionaiscomooCadastroAmbientalRural(CAR)eoLicencia-mentoAmbientalRural (LAR).Primeiramente,osgrandesfazen-deirosiriamsecadastrarnaSecretariadeMeioAmbiente(SEMA)Estadual, informando nos endereços dos pontos de GPS, e a partir daí o CAR passa a fazer o monitoramento das ações de desmata-mento.

isso signifiCa que o agronegóCio sempre fiCará em baixa na região deVido ao aCordo da moratória da soja?Aqui na região de Santarém, muitas fazendas fecharam, no entanto nãofoiporcausadamoratória.Mas,porcontadeestudodemerca-do.QuaisasestratégiasdosatoressociaisemSantarém?Umpontodeescoamentoparaasoja.QuandoasfaltaremaBR-163,oscustoscairão.Aproduçãodesoja,emSantarém,BelterraeMojui,comaBR-163,vaificarmaismovimentada.Ecomissohaveráumaumen-tonasplantações.Mesmoporqueasáreasdessasregiões,incluindoSantarém, são propícias para a plantação de soja devido a área ser plana,oquefacilitaaatividademecanizada.

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A distância entre intençãoe gesto na questão ambientalno Oeste do Pará

Antônia do Socorro Pena da Gama é mestre em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo Núcleo de Altos EstudosAmazônicos(NAEA/UFPA,2004)

edoutorandaemEducaçãonaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp).Atuoucomoeducadorapopularno Centro de Apoio aos Projetos de Ação Comunitária (CEAPAC,1988-1990).CoordenoudiversosprojetosnoInstitutodePesquisaAmbientaldaAmazônia(IPAM,1997até2006).ÉprofessoraassistenteepesquisadoradaUniversidadedoOestedoPará(UFOPA).

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* João Georgios Ninos (Jota Ninos) é descendente de grego e completa 50 anos em 13/07/2013.Éjornalistaprofissionaleradialistaháquase30anos,atuandonoPará.Gra-duado como Bacharel em Jornalismo pelo Instituto Esperança de Ensino Superior (Iespes, 2010). Pós-graduando em JornalismoCientíficopelaUniversidadeFederal doOeste doPará(UFOPA).AtualmenteéAnalistaJudiciárioconcursadopeloTribunaldeJustiçadoPará.Mantémumblogna internet (www.jotaninos.blogspot.com), alémde apresentar oprogramaradiofônicosemanal“BazarBrasileiro”(www.radioruraldesantarem.com.br).

Entrevistada por Jota Ninos*

Atuar no movimento social, depois no governo e viver o dile-madopersonagemprincipaldomusical“Calabar,oelogiodatrai-ção”(deChicoBuarque)quetentaexplicarseusentimentoduranteoataquemortalaosseuspares:“(...)Setragoasmãosdistantesdomeupeito,équehádistânciaentreintençãoegesto”.AntôniadoSocorro Pena da Gama, 49 anos, viveu de perto essa experiência nosúltimos30anos.

Aguerridaambientalistanosanos1980,hojeelatentaexplicaras ações de um governo do qual participou e que é acusado de per-mitirumadasmaioresagressõesaomeioambientedesuacidade.Elareconheceque“émaisfácilaplicarpolíticasambientaisquandose trabalhanumaONG,doquenagestãopública”,porcausadapolíticaedaburocracia.

Essa experiência vai estar em sua dissertação de mestrado com otítulo“EducaçãoambientalformalenãoformalparaomanejodosrecursospesqueirosdavárzeadeSantarém,Pará”,títuloprovi-sório que revela um pouco dos dois mundos que vivenciou alterna-damente.

Esta entrevista foi feita no início de 2013, quando Santarém assistiaaumnovoconflitoambientalporcausadeumempreendi-mentoimobiliárioinstaladoàsmargensdeumparaísoambientaldacidade.

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por que aquilo que se defende Como ambientalista não se Consegue implementar, na sua totalidade, Como gestor am-biental?É issoquequeroestudar edefendernaminha tese,naUnicamp[Universidade Estadual de Campinas].Pelaminhaexperiência,hojeseiqueémaisfácilaplicarpolíticasambientaisemprogramasdeuminstitutodepesquisacomooIPAM(InstitutodePesquisasAmbien-taisdaAmazônia),ondeatuei,doquenagestãopública.Hámuitosentravesburocráticosepolíticosnagestãopúblicaeosresultadossãomenores.Vouterapossibilidadedeestudareavaliarcomoes-saspolíticasforamaplicadasemdoisgovernosmunicipais:doqualparticipei e o atual [de Raimundo Alexandre de Vasconcelos Wanghon (PSDB), iniciado dia 01/01/2013].Deantemão, levantoahipótesede que é importante compreender a metodologia de um programa deeducaçãoambiental.EmSantarém,temosdiferentesecossiste-mas:devárzea,deriosedoplanalto.OgovernodeMaria[do Carmo Martins Lima, de 2005/2012]conseguiuintegraremsuapolíticapú-blica,diversasONGs.JáAlexandre,foivice-prefeitoduranteoitoanosdogovernoanterior[Joaquim de Lira Maia, de 1997/2004],queeracontraessasparceriaseastratavacomoinimigas.Acreditoqueo arranjo de gestão entre governo e ONGs é fundamental para as políticaspúblicasequerotentarprovarissoemminhatese.

santarém ViVenCia, nos últimos anos, diVersos Conflitos por Causa de grandes projetos eConômiCos e imobiliários – que se implantam sem apresentar estudos de impaCto ambiental – e quase sempre VenCem barreiras judiCiais geradas pelas or-ganizações não goVernamentais e pelo ministério públiCo. Como resolVer esses Conflitos?Hádoisaspectosaseremfocadosnessetemaeoprimeiroéoju-rídico. Santarém vive uma instabilidade jurídica. O processo deexpansão imobiliáriae fundiáriadeveser trazidoparaaesferadalegalidade.Porexemplo,quandoocorreuoconflitocoma“invasãodesojeiros”,apósainstalaçãodaCargill[multinacional exportadora de

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grãos, que instalou no final dos anos 1990 um terminal graneleiro em Santa-rém, questionado na Justiça até hoje por possíveis danos ao meio ambiente],umproprietárioadquiriadez loteseusava“laranjas”para legalizá-losperante o INCRA, mas ele decidia sozinho pelo desmatamento de todas as áreas, num processo que extinguiu comunidades e conso-lidouoprocessodeespeculaçãofundiáriaegerouconflitos.Delápracá,os“sojeiros”tiveramqueselegalizarnoCadastroAmbientalRural (CAR) e regularizar suas áreas.Mais de 300produtores degrãostiveramqueseregularizarparaficarnaregião.Equemnãofez teveque cair fora:ou foipra cadeiaouvoltoudeondeveio.Setivessemchegadodentrodalegalidade,muitosteriampercebidoqueaquinãohaviaáreaapropriadaenemumboomdasoja.ACar-gilltambémseinstalounaregiãosemfazeroEIA/RIMA[Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente]eatéhojeenfrentaumabatalhajudicial.

isso se apliCaria a todos os projetos a serem Criados?Claro! A legislação diz que tem que fazer, então deveria ser feito emtodososprojetos.Nósteríamosquefazerumaadequação,poisquandovocêfazalei,jávemumdebateanterior,umestudoante-riorquedizoquepodeserfeito.Assim,hoje,osprojetosdaCargilledeBeloMonteacabaramvirandoconflitosjurídicos,poisoqueeraparafazeremantes,fizeramàrevelia,depois.

a senhora falou de dois aspeCtos nesse debate. qual seria o outro aspeCto?Seriaoaspectosocioambiental.Euachoqueexistemconflitosdeinteressesedegestão.Santaréméumacidadequeestáemexpan-são,quetemoPlanoDiretoreodeUsodoSolo.Quandovocêusaumapolíticadessas,vocêtrabalhacomdiferentesatoresediferentesinteresses.Aíolhaacontradiçãodaspolíticas:vocêfazumprojetocomooMinhaCasa,MinhaVida[projeto habitacional do governo Federal em parceria com as Prefeituras]paraconstruircincomilunidadeshabi-tacionais.Sabeoquesignificaisso,olhandodopontodevistaam-

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biental?Avárzeavaisearrebentar,poisparafazertijolo,telha,vocêvaiterquepegaraquelaterradavárzeaparabotarnasolariasprafazeressematerial.Vocêvaiterquedesmatarumaáreaparacons-truirascasas.Entãovocêentranumoutroproblema,nosconflitos,nadisputados recursosenadisputados interesses.Eudiriaqueesse processo de expansão é muito complexo hoje, porque ele mexe com diferentes interesses, mexe com uma regulamentação legal, e te confesso que ainda não estudei os detalhes jurídicos do processo doMinhaCasa,MinhaVidaoudaBuriti[empresa responsável pelo lotea-mento de uma grande área de terras na rodovia Fernando Guilhon, na entrada da cidade, que enfrenta protesto de ambientalistas locais pelo possível impacto na área do lago do Juá].Maseudisse,umdiadesses,paraoPodalyro[Neto, atual secretário municipal de Meio Ambiente, que revogou todas as licen-ças ambientais dadas pelo seu antecessor, Marcelo Corrêa, em meio ao embate judicial das áreas citadas]:“Euachoumequívocoaformacomovocêsestão revogando tudo”.Épreciso estudar caso a caso, dopontodevistajurídico,biológico,socioeconômico,emváriasdimensões,o que eu acho que não aconteceu nem com a Buriti e nem com o MinhaCasa,MinhaVida.Masháoutrosprojetosdeexpansãoimo-biliáriamenores,ondefazendasdegadoforamtransformadasemloteamento.Eunãoseiqualfoioimpactonessasáreas,masachoque não se pode dar o mesmo tratamento para esses loteamentos emrelaçãoaosprojetosdeexpansãodarodoviaFernandoGuilhon.

mas não há Contradição no seu disCurso, já que anterior-mente a senhora disse que “todos” os grandes projetos que afetem os reCursos naturais deVam passar por um estudo de eia/rima, leVando-se em Conta que, no Caso da buriti, a administração passada não tomou essa proVidênCia e liCen-Ciou o iníCio das obras sem esse estudo?Eu, pessoalmente não me aprofundei neste aspecto, nem do ponto devistajurídico,nemdopontodevistaambiental.Causou-mees-pantoodesmatamentofeitopelaBuriti.Eunãoconcordeieachoqueéumequívococomeçarumprojetodessejeito.Minhahistória,

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minha consciência pessoal não alcança esse tipo de empreendimento feitodessa forma.EuachoqueagrandeperdaparaSantarémemrelaçãoaessaárea,antesdachegadadaBuriti,foiqueaUFOPAeomunicípiodeSantarém,nãotenhamtrabalhadoparaaliinstalaranovauniversidade,queseriaumlugaridealparaocampus.Auniversi-dade gastou muito dinheiro na aquisição de outras áreas, mas poderia ter canalizado somente para esta, e nós teríamos um resultado muito melhoreconstruiríamosumprocessonovoparaaquelaárea.

mas a ufopa, agora que existe o Conflito, já se mostra in-teressada em reVer sua posição e Criar no loCal um parque ambiental. isso é possíVel no atual estágio deste proCesso?Eunãoacreditonisso,poiséumaáreaprivada.Oqueestáemques-tãoagoraéolicenciamentoambiental.Euachoqueocancelamentodas licenças pela atual gestão apenas transfere a competência para ogovernoestadual,masolicenciamentovaiacontecer.Ocancela-mento foi um gesto muito mais político do que uma preocupação comomeioambiente.

sendo assim, a senhora aCredita que, já estando a área impaC-tada, não é possíVel que atiVistas e goVerno tentem resgatar a área ou eVitar um mal maior?ÉbomlembrarqueaFlorestadaTijuca,noRio,foirefeita.Ouseja,tecnicamenteépossívelreverterasituação.

Com sua experiênCia tanto no atiVismo ambiental Como na gestão públiCa, o que a senhora sugere neste Caso?EnquantoestivenogovernodaMariadoCarmo(PT)brigueiparatransformaroJuáemumaAPA[Área de Proteção Ambiental],oqueimplicariatrabalharcomoutrasregras,dopontodevistaambiental.Sevocêtemumaáreadepreservaçãoambiental,otratamentopodeserdiferenciado.AprimeiracoisaafazeréconsolidaressaAPAedeterminar os limites e o que nós queremos fazer com essa área e determinaroplanodeuso.Oqueantecedeoprocessojurídicoéo

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estudo técnico, o que pode e o que não pode e o que deve e o que nãodeve.Seagestãoquiser,elaimplantaaAPA,quejáfoicriadapelaCâmaraMunicipal.Comotemumconflitoestabelecido,oidealévocêdelimitaroespaço.OtécnicodoIBAMA,quandodeuentre-vista[no momento em que a obra foi embargada preventivamente]dissequedopontodevistatécnicoestavatudocerto.Podeserqueesteja,masnãoseriabomouviroutrosinstitutosdepesquisaparaavaliarsere-almente está certo? Não estou duvidando do técnico, mas se ele diz quedopontodevistalegalestácertoedopontodevistaambientalhá assoreamento, então o município tem que consolidar a APA e proteger as riquezas naturais ali existentes, como o lago, o potencial pesqueiro,amataciliar,apopulaçãotradicional.Dopontodevistado projeto de expansão do município, vai ter que estudar, vai ter quereveroPlanoDiretor,oPlanodeUsodoSolo.Porissoqueeudigoqueaexpansãodacidadepodesernecessária,mastambéméuma contradição, porque você cria um instrumento para resolver oproblemadamoradiaevocêtemgrandesproblemasambientais.EssaéacontradiçãodeSantarém.

e Como se resolVe essa Contradição, prinCipalmente quando no meio do Conflito as deCisões judiCiais aCabam pendendo em faVor dos grandes projetos já implantados?Eu não tenho resposta para o processo de expansão de Santarém, poisestáacontecendodeformaacelerada.Euestousurpresacomaquantidadedeloteamentosquesurgiram.

não seria esta expansão imobiliária uma ConsequênCia do anúnCio de noVos projetos de desenVolVimento eConômiCo na região, Como as uhes belo monte e tapajós ou a estrada de ferro pela rodoVia br-163, Com inVestimentos que Vêm da China, para transformar santarém num Corredor de expor-tação de produtos agríColas?Eu diria que essa expansão estaria mais ligada às políticas nacio-naiseconômicas,quefacilitaramocréditobancário.Amaioriadas

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pessoasquebuscamestesloteamentossabemquepodefazerem-préstimosajurosbaixosnaCaixaEconômicaeterãoosbenefíciosdoprogramaMinhaCasa,MinhaVida.Porissoéprecisopensareplanejaracidade,apartirdessaspolíticas.Eomaiorproblemadesseconflitoéquevocênãodiscute,mastemquepensarnomodelodedesenvolvimentoquenósqueremos.

então, a senhora aCredita que nos últimos 20 anos, desde a Criação da diVisão de meio ambiente, no goVerno ruy Cor-rêa, na qual inClusiVe a senhora indiCou o responsáVel, até hoje os agentes polítiCos foram inCapazes de implementar uma polítiCa ambiental Condizente Com essa expansão fundi-ária e imobiliária, Causando os Conflitos existentes na atu-alidade?VoutedizerumproblemaqueeuidentificoequeéaprincipalcausapelalutadoEstadodoTapajós[a região Oeste do Pará tem uma luta mais que centenária pela autonomia política da região, que desembocou no plebiscito para a criação do Estado do Tapajós, em dezembro de 2011, quando foi derro-tado pelos eleitores da capital].SomosumaregiãocomoEstadodeDi-reitoausenteemalgunsaspectos.SeaSecretariaEstadualdeMeioAmbiente(SEMA)estivesseaquinaregiãoOestedoPará,comes-critórioetécnicos,acompanhandoosproblemasefazendoparceriacomosmunicípios, provavelmente estes problemas não estariamacontecendo.NocasodaBuriti,osagentesdomeioambienteusamlinguagensdiferentes:oIbamadizumacoisa,assecretariasdeMeioAmbientedomunicípioedoEstadodizemoutra.Entãotemosumadivergência que seria desnecessária se tivéssemos uma maior pre-sençadoEstado.Somosumaregiãoabandonada,dopontodevistadagestãopúblicaesofremosasconsequênciasdesseprocesso.

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Garimpos e desmatamentofazem do mercúrio um vilãodos rios e igarapés

Ynglea Georgina de Freitas Goch é doutora em Biologia (Ecologia), pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA, Manaus–2007).Éprofessoraepesquisadora

no Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas, da UniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA).AtuanaáreadasCiênciasBiológicas,Ecologia,MeioAmbienteeContaminaçãoAquática.

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Entrevistada por Val Araújo*

Em algumas espécies de peixes foram encontrados teores de mercúrio acima dos níveis aceitos pela Organização Mundial de Saúde. Por isso é aconselhável que o ribeirinho não coma peixetododia,senãoelepoderáterproblemasdesaúde.Principalmentequando consomem peixes carnívoros como o tucunaré, a piranha e a cachorra, que comem outros peixes, e estão no topo da cadeia an-trópicaquevemacumulandoasubstância.Aafirmaçãoédapesqui-sadoradaUniversidadeFederaldoOestedoPará(UFOPA),YngleaGeorginadeFreitasGoch.

A pesquisadora acredita que é necessário desconstruir certos mitos,comoacontaminaçãoderiospormercúrionaregião.“Nãosãoapenasosgarimposquepoluem,temcolaboraçãotambémdodesmatamento,poissabemosquearemoçãodavegetaçãodosologera perda dos nutrientes e leva sedimentos para lagos, igarapés, rios chegandoaomar”.

Apaixonada pela região, onde mora e pesquisa, Ynglea desen-volve pesquisas na área das Ciências Biológicas, Ecologia, Meio Ambiente e Contaminação Aquática. Conhecedora do jargão “auniãofazaforça”,desdeagraduaçãoelaatuaemgruposdepes-quisas.JáobteveoprêmiodemelhorpesquisanoXIICongressoBrasileirodeEcotoxicologia,em2012,comotrabalho“DinâmicaEspaço-Temporal de Mercúrio em Água e na Comunidade Planctô-nica (Fito e Zooplâncton) dos rios Tapajós, Amazonas e Arapiuns, Pará,Brasil”.

1 ValdileneAraújodaTrindadegraduadaemComunicaçãoSocial–comhabilitaçãoemJor-nalismopelasFaculdadesIntegradasdoTapajós(FIT).Pós-graduandaemJornalismoCien-tíficopelaUniversidadeFederaldoOestedoPará(Ufopa).Endereçoeletrônico:<[email protected]>.

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Ynglea Goch é professora do Instituto de Ciências e Tecnolo-giadasÁguas,daUFOPA.AquielafaladesuaspesquisasesobreodesenvolvimentodeprojetoscientíficosnaAmazônia“comolharamazônico”.

o que motiVou a senhora a estudar biologia nesta região?Naverdadefoiporcarênciadecursosnacidade.Aminhavon-tadeerafazerbiomedicina,maseraumcursoquenãoexistiaemSantarém, e por vínculo familiar preferi permanecer na cidade.Terminei o antigo segundo grau, fiz o vestibular e ingressei naprimeiraturmadebiologiadaUniversidadeFederaldoEstadodoPará (UFPA), campus Santarém.Nodecorrer da graduação, fuipercebendoquetinhafeitoaescolhacorreta,graçasaDeus,deutudocerto.

qual a importânCia de fazer iniCiação CientifiCa?Noiniciodocurso,em1994,ganheiumabolsadepesquisaecome-ceiatrabalharnoantigoProjetoVárzea,hojeInstitutodePesquisaAmbientaldaAmazônia(IPAM).Trabalhandocomomanejodosrecursospesqueiros,fazendotabulaçãodosdadoscoletados,parti-cipeidoprojetodemanejodopirarucunaregiãodasvárzeas.En-tão,fuimeinserindonaquestãodapesquisa.DepoisconvivicomumaparceriaentreaUFPAeUniversidadedeQuébec,emMontrealnoCanadá,comumgrupofortequetrabalhacommercúrio,eco-meceiadesenvolverpesquisascomessasubstânciaeseuimpactonoecossistemaaquático.

Como é desenVolVer pesquisa na amazônia?Nãoéfácil.Faltamaisestruturaparamanteraspesquisas.Poroutrolado,temosafacilidadedeestardentrodonossoambientedetraba-lho.EnquantohápessoasdeoutrosestadosedeoutrospaísesquesonhamemestudarnaAmazônia,nosestamosaquieissoviabiliza

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aspesquisas.Comaproximidadedoobjetodepesquisaémaisfácilentender o nosso ecossistema, do que para os pesquisadores que vêmdefora.Émaisrápidoidentificarumaespéciedepeixe,por-que eu sempre comi esse peixe desde criança, não estou vendo pela primeiravez.Serdaregiãomepermiteagilidadenacompreensãoeconclusãodaspesquisas.

Compartilhar ConheCimento Com outros pesquisadores que não são originários da região é importante?Sim,nãoéfácilrealizarpesquisasozinha.Temosqueterumavisãoecossistêmica,ouseja,dotodo.Quandovamosestudarumigarapé,nãovamosanalisarapenasoigarapé,precisamosidentificarquees-péciesdepeixesexistemnele,comoéaqualidadedaágua.Qualtipodevegetaçãotemnasmargensdoigarapéeseestásendoretirada.Qual vegetação que tem que ser recolocada e recomposta? Por que, quandoretiramosaflorestadosolo,eleétãofacilmenteassoreado?Essanãoéminhaárea,oquefazer?Porissoaparceriaénecessária.Umapesquisasóavançaquandoopesquisadorfazpartedeumgru-po com pesquisadores de várias áreas, que conseguem pegar uma temáticaeentenderaquelaproblemática.

Como é desenVolVer pesquisa em grupos? Égratificantecolaborarcomoconhecimentoparabeneficiaraso-ciedade.Estar inseridaemgruposeemorientaçõesdeprojetoséestendermeuconhecimentoesomarcomosdemaiscolegas.Desde2010 faço parte do grupo de pesquisa de Mamíferos Aquáticos da Amazônia(MAQUA),queanalisaoshábitosalimentares,disponibi-lidadedealimentos,épocasdereprodução,disponibilidadeeusodehabitat,dinâmicadepopulaçõeseusodetelemetriadosmamíferosaquáticosnabaciaamazônica(botorosa,tucuxi,peixe-boi,ariranhae lontra).NessamesmaépocaparticipeidogrupodeManejoemEcossistema Amazônico (MECA), que estuda a relação das comu-nidadescomosrecursosagroflorestais.

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no xii Congresso brasileiro de eCotoxiCologia, em 2012, a senhora partiCipou da pesquisa que ganhou o primeiro lugar na Categoria estudante de graduação sóCio e não sóCio. o que representa esse prêmio?RepresentaumgrandereconhecimentodapesquisanaAmazônia.A pesquisa teve duração de um ano, com coletas em quatro perío-dos (enchente, cheia, vazante e seca), nos rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas.Foigratificantefazerpartedesseprojetocomocoorien-tadora do aluno de graduação Brendson Carlos Brito, que teve seu projetopremiado.Issosignificaestenderecompartilharoconhe-cimentoalémdosmurosdauniversidade.Efazerpartedaequipeformada pelos pesquisadores José Reinaldo Pacheco Peleja, Sâmea Cibele Freitas da Silva, FábioAndrewGomesCunha, Rívolo deJesus Bacelar, Daniela Bianchi e Cárlison Silva de Oliveira foi muito bom.

qual aspeCto mais importante desse tema para a soCiedade?É elucidar e esclarecer a sociedade que tanto o desmatamento quan-to o garimpo são formas de lançamento de mercúrio no sistema aquático.Antesseimaginavaqueeramapenasosgarimposquelan-çavammercúrionomeioambiente.Entãopodedesmatar,sedes-matanãofazmalalgum.Éocontrario,odesmatamentocausaolançamentodessa substânciaparaaágua,oefeitoestufaeoutrascoisas.Esseprojetoserveparazonearprojetosdeimplantaçãodedesenvolvimentosustentável.

em déCadas anteriores, o uso de merCúrio, prinCipalmente na região de garimpo, poluiu rios, lagos e igarapés na região, matando peixes e Causando problemas de saúde a população. Como funCiona o proCesso de aCumulação de merCúrio?O mercúrio entra no ecossistema como mercúrio inorgânico, que estánosoloevemparaoambientenomomentoemqueseretiraafloresta.Aáguadachuvalevasedimentosparaolagos,igarapéserios.Enesseambienteaquáticoocorreoprocessodemetilaçãoque

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é a transformação do mercúrio inorgânico, que não causa dano à saúde, em mercúrio inorgânico, o metilmercúrio, contaminando os organismos microscópicos que estão na cadeia alimentar de espé-ciesmaiorescomoanimaissilvestresepeixes,epropagaasubstân-cia,chegandoaossereshumanos.

em que profundidade o merCúrio pode ser enContrado na região?Dependedosolo.AquinaAmazôniaosoloédiversificado,pode-mosencontrarmercúrioemummetrodeprofundidade.Eaabsor-çãodemercúriovariatambém.Porexemplo,osoloarenosopossuimenos sedimentos, mas tem uma capacidade maior de lavar, levar ecarrearmaismercúrioparaosolo.Entãovocêdeveestudardi-ferentessoloseáguas.Temosaáguapretaeclara,grosseiramentefalando,aáguapretapossuimaisacidezetemacapacidadedebio-acumularmaismercúrio.

então não é Correto afirmar que a Contaminação de merCú-rio na amazônia Vem apenas de garimpos?Não,essemitofoiquebrandoquandopesquisadorfrancêsJacquesCousteauveioparaaAmazônia,eestudouvariasespéciesdepeixe.A partir daí se iniciaram outras pesquisas como a do pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), Bruce Fors-berg,queestudaadinâmicadomercúrionaAmazônia,efoiquemverificoualtoteordemercúrioemcabelosderibeirinhoseempei-xesnorioNegro,questionandooaltoteorencontradoemcabelosepeixes,emregiõessemgarimpos.Econstataramqueaságuaspretassãomaisácidas.Porissoénecessáriotercuidadoparanãodesmataressasárease jamais implantargarimposnelas.Porquesomandoodesmatamentoeogarimpo,háumresultadoavassalador.

sabemos que santarém é abundante em reCursos hídriCos, te-mos os rios tapajós, amazonas e arapiuns. qual deles é mais propiCio para a Contaminação de merCúrio?

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O que tende a ter águas mais acida é o rio Amazonas porque car-reiasedimentosparadentrodele.Noentanto,oteordemercúrioé maior no Tapajós, apesar de não ter águas pretas, e sim pelo fato dedrenaráreasdesmatadas.JáorioArapiunspossuiníveisdeaci-dezsemelhanteaoTapajós.EmprimeirolugaremníveisdeacidezestáoTapajós,emsegundooArapiunseporúltimooAmazonas.Mais nada comparado, ainda, ao rio Negro, que tem teor de acidez altíssimo.

esses resíduos enContrados são oriundos do desmatamento ou de garimpos de itaituba?Comoestamoscoletandoamostrasemregiõesbemaquiabaixo,émuitodifícilqueesse resíduoseja aindadegarimpo.Omercúrioencontrado fazparte da químicada água.Efeitodoprocessodedesmatamentoaquidaregião.

o teor de merCúrio enContrado em santarém é prejudiCial aos seres humanos?Em algumas espécies de peixes foram encontrados teores acima do permitidopelaOrganizaçãoMundialdeSaúde.Porissoéaconselhá-velqueoribeirinhonãocomapeixetododia,senãoelevaiterpro-blema.Principalmentequandoconsomempeixescarnívoroscomootucunaré, a piranha e a cachorra, que comem outros peixes, e estão no topodacadeiaantrópicaquevemacumulandoasubstância.

quais os tipos de sintomas que podemos identifiCar quando o ser humano é Contaminado por merCúrio?O resíduo atinge o sistema neuronal que afeta a coordenação mo-toraeavisãoficareduzida.Osidosossentemmaisfacilmenteessessintomasdevidoàidade,epossuemoutrosproblemastambém,so-madooconsumodealimentaçãocontaminada,elevaiacumulando.Qualquer umde nós, se formos analisar nosso cabelo, podemosencontrarníveisdemercúriotolerável.Nãosãoalarmantes.

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em santarém há muitos igarapés que, em sua maioria, passam por Varias Comunidades. eles estão Contaminados?Écomplicado,algumasáreasestãocontaminaçãoeoutrasnão.Te-mosdentrodacidadeosigarapésUrumarieUruaráquenãopos-suemcondiçõesdebalneabilidadeemespecialnoperíododaschu-vas.HánascentesqueestãopróximasdoaterrosanitáriodoPeremaequeestãocomprometidas.Jáemoutroslocais,comonaestradadeAlter do Chão, os igarapés do Jutuarana, Sorrisal e São Brás estão aindaemníveistoleráveisaoconsumo.

e que tipos de preVenções podem ser realizados para manter o equilíbrio ambiental? e Como a uniVersidade pode Contri-buir?Algumaspessoasnemsabemquemedidas tomar.Auniversidadetemafunçãodeinformarapopulação.Fazemospesquisasquemui-tasvezessãopublicadasemrevistas,livrosesiteseatémesmoemoutras línguas.Eanossapopulaçãonãoconheceessaspesquisas.Precisamos divulgar a ciência para que a sociedade possa se prevenir e ser reeducadaambientalmente.Para issoacontecerénecessárioqueasociedadecomoumtodocolabore,paraquetenhaummeioambientedetodosparatodos.

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Este livro foi impressopara a Editora Insular

em agosto de 2013