TV CAPRICHO: EXPERIMENTAÇÕES NO JORNALISMO ONLINE
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IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIBERJORNALISMO
IV INTERNATIONAL CONFERENCE ON ONLINE JOURNALISM 04/05 Dezembro 2014
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Livro de Atas – Março 2015
Proceedings – March 2015 Ana Isabel Reis, Fernando Zamith, Helder Bastos, Pedro Jerónimo , (org.)
Observatório do Ciberjornalismo (ObCiber)
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Livro de Atas do IV COBCIBER
Livro de Atas IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIBERJORNALISMO
Março 2015
Proceedings IV INTERNATIONAL CONFERENCE ON ONLINE
JOURNALISM
March 2015
Ana Isabel Reis, Fernando Zamith, Helder Bastos, Pedro Jerónimo (org.)
Observatório do Ciberjornalismo (ObCiber)
Porto
ISBN: 978-989-98199-1-7
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Livro de Atas do IV COBCIBER
ÍNDICE THE NEWS CODE: IMPLICATIONS OF DATA, ALGORITHMS AND CONNECTIVITY FOR
JOURNALISM QUALITY IN THE DIGITAL AGE
JOHN V. PAVLIK ....................................................................................................................... 8
QUALIDADE DO CIBERJORNALISMO PROFISSIONAL E AMADOR: ESTUDO COMPARATIVO
FERNANDO ZAMITH ................................................................................................................. 21 FORMATOS DIGITAIS E QUALIDADE NO JORNALISMO BRASILEIRO EM BASE DE DADOS
DANIELA O. RAMOS, EGLE M. SPINELLI E MAYANNA ESTEVANIM ....................................... 36 A IMPORTÂNCIA DA VERIFICAÇÃO NO CIBERJORNALISMO: O MANUAL DE VERIFICAÇÃO
COMO FERRAMENTA BÁSICA PARA EVITAR ERROS
MIGUEL Á. O. VEJA ................................................................................................................. 50
O JORNALISMO IMEDIATO: A INSTANTANEIDADE NO PORTAL DE NOTÍCIAS BRASILEIRO
UOL
FLÁVIO E. COSTA E CLAUDIA I. QUADROS ............................................................................. 64 O UTILIZADOR COMO PRODUTOR DE INFORMAÇÃO: O CASO DO JORNAL P3
PEDRO G. PACHECO ................................................................................................................ 85 GUARDING PROFESSIONAL JUDGEMENT AND QUALITY: FINNISH PRESS JOURNALISTS’
CLAIMS ON PARTICIPATORY JOURNALISM
JAANA HUJANEN ..................................................................................................................... 99 MUITO ALÉM DO LEAD: COMO O CIBERJORNALISMO PODE ATRAIR O LEITOR SEM
COMPROMETER A QUALIDADE DA NOTÍCIA
NILTON M. ARRUDA .............................................................................................................. 115 THE DATA, APIS AND, TOOLKIT IN THE PRODUCTION OF INFORMATION OF SOCIAL
RELEVANCE (NEWS)
WALTER T. L. JUNIOR ........................................................................................................... 127 QUALIDADE E CREDIBILIDADE NO CIBERJORNALISMO: REPRESENTAÇÕES DE
ESTUDANTES DO 1.º CICLO DE ESTUDOS EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
DULCE MELÃO ...................................................................................................................... 143 CREDIBILIDADE NO CIBERESPAÇO: RELAÇÕES ENTRE JUVENTUDE, LOCALIDADE E
ESPAÇOS MIDIÁTICOS
MIRIAN A. M. NUNES ............................................................................................................ 158 A INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA NA PONTA DOS DEDOS: O CIBERJORNALISMO E A LEITURA
TOUCHSCREEN
GERSON L. MARTINS E ELTON T. OLIVEIRA ......................................................................... 183 JORNALISMO MULTIPLATAFORMA EM DISPOSITIVOS MÓVEIS: MEDINDO A QUALIDADE
DOS CONTEÚDOS PUBLICADOS PELO JORNAL ESPANHOL EL PAÍS
PEDRO SIGAUD-SELLOS ........................................................................................................ 199 CIBERJORNALISMO E DISPOSITIVOS MÓVEIS: CARACTERÍSTICAS DO JORNALISMO EM
MOBILIDADE
ISADORA O. CAMARGO E STEFANIE C. SILVEIRA ................................................................. 214 LA TRANSPARENCIA COMO ÍNDICE DE ÉTICA PERIODÍSTICA: ANÁLISIS COMPARADO DE
PUBLICO.PT Y ELPAIS.ES
MARTA R. GARCÍA E EVA CAMPOS-DOMINGUEZ ................................................................. 228 LA PRENSA EN TWITTER, UNA COMPARATIVA ENTRE MEDIOS PORTUGUESES Y
ESPAÑOLES. LOS CASOS DE JORNAL DE NOTÍCIAS (PORTUGAL) Y EL PAÍS (ESPAÑA)
FLÁVIA G. F. SILVA E BELÉN P. MARTÍNEZ .......................................................................... 244 A CREDIBILIDADE E A REDE: AS NOVAS FONTES DE INFORMAÇÃO NOS CIBERJORNAIS
PORTUGUESES
BÁRBARA MATIAS ................................................................................................................ 259 PERIODISMO Y REDES SOCIALES: LA CREDIBILIDAD EN TWITTER
MARIÁN A. GONZÁLEZ ......................................................................................................... 272
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Livro de Atas do IV COBCIBER
CZECH JOURNALISTS TWEET ELECTIONS TO THE EUROPEAN PARLIAMENT 2014
ZUZANA KARASCAKOVA....................................................................................................... 289 GESTIONANDO LA CALIDAD Y LA CREDIBILIDAD EN EL ENTORNO DIGITAL: ANÁLISIS DE
LA MEDIACIÓN EN FRANCE TV, RTP Y RTVE
DOLORES P. SAMPIO .............................................................................................................. 304 REWARD-BASED CROWDFUNDING AND FUNDING CYCLES: AN EVALUATION OF
JOURNALISM PROJECTS
NUNO MOUTINHO E RUI NOGUEIRA ..................................................................................... 317 INDICADORES DE CALIDAD PARA EL ANÁLISIS DE LA FOTOGRAFÍA EN PUBLICACIONES
PERIODÍSTICAS DIGITALES Y SU APLICACIÓN A CASOS DE ESTUDIO
JOAQUÍN DEL RAMO .............................................................................................................. 336 COMBINING ONLINE JOURNALISM AND SELF-DIGITIZATION: A NEW PRACTICAL
APPROACH
TIAGO G. ROCHA, PAULO FRIAS, PEDRO R. ALMEIDA, JOÃO S. LOPES E SOFIA LEITE ........ 355 ANÁLISE DA QUALIDADE DO CIBERJORNALISMO SATÍRICO: O INIMIGO PÚBLICO
JOÃO GUIMARÃES ................................................................................................................. 381 NOTICIAS FALSAS EN INTERNET: DIFUSIÓN VIRAL A TRAVÉS DE LAS REDES SOCIALES
MARIÁN A. GONZÁLEZ E Mª JOSÉ G. ORTA .......................................................................... 394 FONTES EM CENÁRIO DE CONVERGÊNCIA: REMEDIAÇÃO, POTENCIALIZAÇÃO DAS
CARACTERÍSTICAS E RECONFIGURAÇÃO DAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS EM RÁDIO
DEBORA C. LOPEZ E MARIZANDRA RUTILLI ......................................................................... 406 PARÂMETROS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NARRATIVA VISUAL PARA A WEB:
CONVERGÊNCIA, SUBJETIVIDADE E QUALIDADE NO JORNALISMO
CRISTIANE F. MIRANDA E MARIA J. BALDESSAR ................................................................. 420 INFORMAÇÃO LOCAL NAS REDES SOCIAIS ONLINE: QUALIDADE E CREDIBILIDADE DAS
NOTÍCIAS PARA ALÉM DO JORNALISMO?
LUCIANA G. FERREIRA .......................................................................................................... 430 EL PAPEL DE LAS REDES SOCIALES EN EL PERIODISMO DE INVESTIGACIÓN. ESTUDIO
COMPARATIVO DE LOS PERIODISTAS CATALANES Y BELGAS
SUSANA PÉREZ-SOLER E JOSEP L. MICÓ ............................................................................... 444 O EDITOR DE JORNAL EM TEMPOS DE CIBERCULTURA: DE GATEKEEPER A CURADOR DE
INFORMAÇÕES E O CONECTIVISMO SOCIAL
RENATO ESSENFELDER E PAULO RANIERI ............................................................................ 459 A CIRCULAÇÃO DE NOTÍCIAS NO NOVO ECOSSISTEMA MIDIÁTICO: A RELAÇÃO ENTRE
APLICATIVOS JORNALÍSTICOS E REDES SOCIAIS NA INTERNET
MAÍRA SOUSA ....................................................................................................................... 473 MAIS DO QUE CLICAR E ARRASTAR: O USO POTENCIAS DO DISPOSITIVO E DO AMBIENTE
DIGITAL COMO PARÂMETRO DE ANÁLISE DE REVISTAS PARA TABLETS
MARCELO F. P. SOUZA .......................................................................................................... 490 A INTERATIVIDADE NOS SITES NOTICIOSOS E A CONTRIBUIÇÃO DO UTILIZADOR: ESTUDO
DE CASO, LIMITES E DESAFIOS
JOANA CARVALHO E FERNANDO ZAMITH ............................................................................. 505 O INFOTENIMENTO E A INTERNET COMO ESTRATÉGIAS PARA O JORNALISMO IMPRESSO
JOSÉ A. TRIGO ....................................................................................................................... 513 INFOGRAFIA NO CIBERJORNALISMO: FRONTEIRAS CONCEPTUAIS E NOVOS TERRITÓRIOS
SARA P. RODRIGUES .............................................................................................................. 527 REDAÇÕES DIGITAIS NO JORNALISMO TELEVISIVO: A INTEGRAÇÃO DE CONTEÚDOS
ATRAVÉS DA EDIÇÃO
WASHINGTON J. S. FILHO ...................................................................................................... 544 UM ESTUDO DA CONSTRUÇÃO INTERMÍDIA NO ESPECIAL MULTIMÍDIA
ALCIANE N. BACCIN E PRISCILA DANIEL .............................................................................. 556 LA CALIDAD COMO FACTOR DETERMINANTE EN LA CREDIBILIDAD DE LOS CIBERMEDIOS
DOLORS P. SAMPIO E JOSEP L. G. MOMPART........................................................................ 571
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Livro de Atas do IV COBCIBER
CREATIVITY AND INNOVATION IN THE NEW DIGITAL ENVIRONMENT - THE CHALLENGES
OF THE NEW TYPES OF JOURNALISM
BISSERA ZANKOVA E ILIANA FRANKLIN ............................................................................... 586 BLOG MURAL: A PRÁTICA DO JORNALISMO COLABORATIVO NA COBERTURA ON-LINE DA
PERIFERIA DE SÃO PAULO, BRASIL
LÍVIA L. SILVA E VAGNER A. SILVA ..................................................................................... 603 RESPONSABILIDADE E IMPARCIALIDADE: UMA DISCUSSÃO SOBRE A ESPECIFICIDADE
EPISTEMOLÓGICA DO JORNALISMO FRENTE AOS FENÔMENOS CIBERCULTURAIS
CARLOS E. S. SANTOS ........................................................................................................... 615 LE JOURNALISME SPORTIF, INTERNET ET LE PROBLEME DE LA CREDIBILITE
MARICA SPALLETTA E LORENZO UGOLINI ........................................................................... 629 TV CAPRICHO: EXPERIMENTAÇÕES NO JORNALISMO ONLINE
ISSAAF KARHAWI E ELIZABETH S. CORRÊA .......................................................................... 648 LA CALIDAD DEL CIBERPERIODISMO: ESTUDIO SOBRE LAS PRINCIPALES APLICACIONES
MÓVILES Y REDES SOCIALES ENESPAÑA
CRISTINA G. OÑATE E CARLOS F. FEYRÓ ............................................................................. 665 OS PRIMEIROS PASSOS ONLINE DA IMPRENSA REGIONAL EM PORTUGAL
PEDRO JERÓNIMO .................................................................................................................. 677 A UTILIZAÇÃO DA INFOGRAFIA NO CIBERJORNALISMO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA: A
PERSPETIVA DE QUARTO JORNAIS NACIONAIS
FILIPA PEREIRA, LÍDIA OLIVEIRA E FERNANDO ZAMITH. ..................................................... 699
648
Livro de Atas do IV COBCIBER
TV CAPRICHO: EXPERIMENTAÇÕES NO JORNALISMO ONLINE
Issaaf Karhawi
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)
Elizabeth Saad Corrêa
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)
Resumo
O presente artigo discute conceitos de inovação no jornalismo a partir de uma noção
mais ampla do termo. Partimos do pressuposto teórico que aceita a inovação como uma
nova ideia colocada em prática, como a criação de novos valores para algo já existente:
inovação não se restringiria apenas a grandes revoluções no jornalismo, mas à
possibilidade de experimentar novas práticas. A partir daí, nos questionamos: seria um
jornalismo mais híbrido um exemplo de experimentação capaz de contemplar os anseios
de interatividade, personalização e inovação da contemporaneidade? Trazemos para a
discussão um estudo de caso baseado na TV Capricho, televisão ao vivo – transmitida
pelo YouTube – pela revista brasileira Capricho.
Palavras-chave: jornalismo; inovação; experimentação; revista; YouTube
Abstract
This paper discusses some concepts about innovation in journalism from a broad
assumption of the term. The paper is based on the theoretical perspective of innovation
as a new idea put into practice, as a creation of new values to something that already
exists: innovation would not be restricted to big revolutions in journalism but opened to
possibilities of trying new practices. Therefore, we wonder: would a more hybrid
journalism be an example of experimentation that would consider the concerns about
interactivity, customization of content and innovation of our contemporary times? To
discuss this we present the case of TV Capricho, a live television broadcasted via
YouTube by the Brazilian magazine Capricho.
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Livro de Atas do IV COBCIBER
Keywords: journalism; innovation; experimentation; magazine; YouTube
Introdução
Para Jenkins (2009: 47), todo consumidor deve ser cortejado. Essa necessidade é
resultado de um novo perfil contemporâneo: “os novos consumidores são migratórios,
demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação”. Essa
mudança foi imposta pela convergência midiática, definida pelo fluxo de conteúdos em
múltiplas plataformas e pelo trabalho cada vez mais colaborativo entre diversos
mercados midiáticos (JENKINS, 2009). O jornalismo vive, sob as alterações impostas
pela convergência, períodos de mudanças significativas. Pavlik (2001) aponta algumas
que nos servem de fundamento teórico: a reinvenção da prática jornalística e a
reestruturação das relações entre organizações, jornalistas e audiências. É nesse cenário
conceitual que nosso trabalho se insere.
O desenvolvimento da web trouxe diferentes imperativos para a prática
midiática: a exigência de estar na rede e, quando nela, a exigência de interagir, de abrir
espaços de troca e de coprodução. Em meio às requisições, algumas experimentações
foram empreendidas pelo jornalismo visto a escassez de fórmulas prontas para a
renovação da prática. A partir desse cenário, questionamos: um tipo de jornalismo mais
híbrido contemplaria os anseios contemporâneos de inovação e experimentação? A fim
de ilustrar nosso problema proposto, optamos pela apresentação de um estudo de caso: a
TV Capricho, uma experimentação de streaming da revista homônima que representaria
um exemplo de inovação para um jornalismo mais híbrido. A partir da observação e
breve análise dos programas da TV Capricho e comentários no YouTube, apresentamos
as principais características da relação entre leitores e revista. Acrescentamos ao estudo
uma entrevista realizada com a editora da revista Capricho, Marina Bessa.
Ao final do trabalho, almejamos ter colaborado no registro desse momento de
experimentações do jornalismo online que se coloca, na atualidade, como tendência e
necessidade: período de tentativas de definir novas práticas em busca de qualidade,
credibilidade e atualização do jornalismo.
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Livro de Atas do IV COBCIBER
Experimentação: um caminho para a inovação no jornalismo
Pavlik acredita que aquilo que o jornalismo online produz, no que tange à
qualidade, em muito se assemelha ao que encontramos em jornais impressos, revistas, ou
transmissões televisivas e radiofônicas. Por essa razão, Pavlik questiona:
[...] se o jornalismo online é pouco mais do que outro sistema de
entrega [de informação] dessas mídias mais antigas, mesmo que um
sistema de entrega potencialmente melhor, por que todo o alvoroço
sobre o jornalismo online? Em termos de jornalismo, qual o ponto?”
(2001: 28)220
A resposta está nas conclusões do próprio autor: “para muitos jornalistas, o ponto
é engajar aquilo que não foi engajado” (PAVLIK, 2001: 28). O jornalismo online
desempenha uma função de encontrar brechas na cadeia da comunicação, aglutinar um
público em constante movimento na rede, reunir informações cada vez mais dispersas,
ou seja, engajar o que o jornalismo impresso não seria capaz de engajar.
Nosso posicionamento é de que não há receitas para um engajamento de sucesso;
apenas a experimentação no jornalismo permitiria sondar possibilidades de mudanças na
prática. Shirky reforça nosso ponto-de-vista ao afirmar que
Com tantas coisas que já mudaram, nossa melhor chance de encontrar
boas ideias é ter o máximo possível de grupos tentando o máximo
possível de coisas. O futuro não se estende por um caminho
predeterminado; as coisas mudam porque alguém percebe algo que
pode ser feito agora, e dá um jeito de fazer acontecer (SHIRKY, 2011:
164)
Pela experimentação, por tentativa-e-erro, chega-se a um modelo de inovação
jornalística que renova não apenas estratégias de mercado e técnicas de produção, mas
revigora a relação mídia-público. Nesse sentido, Pavlik afirma que a “transformação dos
meios de comunicação é muito mais do que uma simples resposta à evolução
tecnológica” (2014: 17), na verdade, as evoluções tecnológicas seriam “[...] mais
apropriadamente compreendidas como propulsoras de mudanças na mídia e no público,
para o bem ou para o mal” (PAVLIK, 2014: 17).
Nesse sistema, uma dificuldade imposta ao jornalismo pela contemporaneidade é
a dificuldade em fidelizar os públicos. Não apenas o jornalismo, mas as mídias, de
maneira geral, frente à cultura da convergência. A afirmação de Jenkins (2009: 47) de
que os consumidores precisam ser cortejados sinaliza a dificuldade na fidelização de
leitores, telespectadores e ouvintes que, por sua própria conta, caminham por diferentes
plataformas. Anderson, Bell e Shirky (2013: 35) corroboram com a colocação de Jenkins
220
Citações de Bleyen et al. (2014), Bruns (2014), Corrêa (2014), Domingo (2008), Manovich (2009),
Montgomery (2014), Pavlik (2001 e 2014), Shirky (2009), Villi (2012) e são de tradução das autoras.
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Livro de Atas do IV COBCIBER
ao afirmar que “num mundo de links e feeds [...] em geral é mais fácil achar a próxima
coisa a ser lida, vista ou ouvida por indicação de amigos do que pela fidelidade
inabalável a uma determinada publicação”.
Isso não significaria afirmar que o jornalismo ou as mídias tidas como
tradicionais estão fadadas ao fim, mas que enfrentam um período crucial de
reestruturação. Shirky é incisivo ao afirmar que hoje
quando alguém questiona sobre como iremos substituir os jornais, eles
estão pedindo, na verdade, que lhes digamos que não estamos vivendo
em uma revolução. Eles estão exigindo que lhes digamos que os
antigos sistemas não se desestruturarão antes que os novos sistemas
estejam em seu lugar. Eles estão exigindo que lhes digamos que
antigos contratos sociais não estão em perigo, que instituições cerne
serão poupadas, que novos métodos de difusão da informação vão
aperfeiçoar práticas anteriores em vez de derrubá-las. Eles estão
pedindo que lhes digamos mentiras. (2009: s/n)
O autor não acolhe a ideia apocalíptica da morte do jornalismo, mas aponta que
aquilo antes tido como tradicional e de certa forma irrefutável, perdeu o espaço que
ocupava no ecossistema midiático contemporâneo. Parece não haver volta nesse
processo e, portanto, não há como retomar o espaço perdido. O princípio que guia as
mudanças no jornalismo é redefinir seu espaço, repensar práticas, refazer-se. Assim, ao
acolhermos a imprescindibilidade do jornalismo, precisaremos aceitar que a revolução
(ou crise) pela qual passamos não será revertida e que “[...] a única maneira de garantir a
sobrevivência do jornalismo de que a sociedade precisa no cenário atual é explorar
novas possibilidades” (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013: 38).
E o cenário atual é definido pelas mídias digitais, pela participação e
compartilhamento de informação. Manovich acredita que “o que é importante [...] é que
esse novo universo não é simplesmente uma versão ampliada da cultura midiática do
século XX. Em vez disso, passamos da mídia para a mídia social” (2009: 319, grifo do
autor). Esse novo universo definiu um imperativo: o imperativo da interatividade; do
estar junto em um ambiente social digital. Domingo (2008: 680) afirma que “blogs e
sites de mídia cidadã revitalizaram a ideia de que a Internet tornaria o jornalismo mais
dialógico, transformando a audiência em colaboradores ativos no trabalho de produção
jornalística”. Essa noção limitou as possibilidades de inovação e de reinvenção da
prática jornalística.
O buzz nos anos 1990 era interatividade. Agora é jornalismo
participativo. Mas o resultado final é o mesmo: discursos profissionais
e acadêmicos tendem a reproduzir modelos ideais daquilo que o
jornalismo online deveria ser, pressupondo o caminho pelo qual a
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Livro de Atas do IV COBCIBER
produção de notícias na Internet deveria andar. Pesquisas empíricas já
oferecem evidências de que o desenvolvimento desses ideais em sites
de notícias tende a ser limitado (DOMINGO, 2008: 680).
O que Domingo (2008: 681) defende é que tomar uma diretriz como
única saída possível – ou nas palavras do autor “como um gol necessário para o
jornalismo online” -
elimina alternativas ainda desconhecidas. Shirky (2011: 164), por sua
vez, afirma que “a fonte essencial de valor neste momento vem mais
da ampla experimentação do que do domínio de uma estratégia, porque
ninguém tem uma concepção completa, ou mesmo muito boa, de como
vai ser a próxima grande ideia”.
A noção de experimentação, apontada por Shirky, anda junto com a ideia
de inovação. Não há consenso acerca do uso do termo inovação. Bleyen et al. (2014)
acreditam que as diversas definições do que seria inovação são problemáticas. Corrêa
(2014), por sua vez, aponta que há uma centena de acepções para o termo.
Majoritariamente, nas publicações da área, inovação está ligada a mudanças baseadas
em tecnologias ou ciências. As controvérsias na definição do tema criam campos de
exclusão: algumas práticas são consideradas inovadoras e outras não. A despeito disso,
Bleyen et al. (2014: 30-31) afirmam que
inovação é um conceito amplo tanto em termos teóricos quanto em
termos de políticas práticas. De maneira geral, os estudiosos
concordam que inovação diz respeito à introdução de algo novo com
um elemento de valorização (ou aplicação) a ele [...]. Em outras
palavras, inovação envolve colocar uma invenção em prática. Apesar
de conceitualmente simples, todas as partes da definição exigem uma
delimitação cuidadosa: (1) o que se entende por novo; (2) qual o objeto
da novidade (produto, processo, etc) e (3) o que significa colocar em
prática?
A partir das delimitações apresentadas pelos autores, apropriamo-nos da noção
de “[...] inovação como a criação de valor por meio da introdução de novos produtos,
processos, serviços, novas formas de organização de negócios [...] ou – de maneira geral
– novas formas de fazer coisas” (BLEYEN ET AL., 2014: 31). Observa-se que nosso
ponto de vista não determina exclusões no cenário de inovação, mas aceita a amplitude
do termo e, consequentemente, da área. A ausência de delimitações permite que haja
espaço para tentativa-e-erro na busca por processos, ideias e produtos inovadores.
Assim, corroboramos com a noção de Corrêa - segundo a autora “simplificada”- do que
seria inovação: “[...] inovação ocorre quando algo fresco (novo, melhorado ou evoluído)
cria um novo valor a algo já existente no mercado ou na indústria. Geralmente, envolve
criatividade - uma habilidade humana” (2014: 544).
653
Livro de Atas do IV COBCIBER
A definição mais branda de inovação excluiria, teoricamente, o imperativo do
novo para abrir espaço para a experimentação, para a aposta em algo que traga
aprimoramento e não, necessariamente, grandes revoluções. Tendo em vista essa noção,
nosso plano de fundo estaria definido pela concepção de inovação não como um fim no
cenário comunicacional contemporâneo, mas como um processo em aberto. O cenário
contemporâneo mostra que “[...] empresas jornalísticas estão em um estado de fluxo,
criando condições básicas para experimentar padrões de negócios sociais como uma
forma de promover um ambiente inovador” (CORRÊA, 2014: 541).
É esse o panorama que serve ao nosso artigo: apesar de algumas correntes de
estudiosos da inovação provavelmente não considerarem a TV Capricho como um
modelo de inovação no jornalismo online (tendo em vista outras práticas parecidas em
diferentes veículos), nossa perspectiva de definições conceituais mais amplas permite
encarar a prática como um exemplo de experimentação para a inovação. Em outras
palavras, encaramos a TV Capricho como uma tentativa na direção de um novo modelo
de jornalismo ou, no mínimo, de novas maneiras de fazer jornalismo na rede.
Capricho: do impresso ao ao vivo
A revista Capricho, da editora Abril, é dedicada ao público jovem feminino e está
há mais de 60 anos no mercado brasileiro como líder em circulação e assinaturas no
segmento. A revista aborda temas comuns à adolescência: celebridades, moda e beleza,
comportamento, atualidades e entretenimento. Em 2013, a Capricho reunia mais de 1,8
milhões de leitoras em sua versão impressa, com uma tiragem de 208 mil revistas e 65
mil assinantes221
. No entanto, desde 2009 a circulação total da revista caiu 20%222
. O
Brasil tem vivido uma crise significativa no mercado editorial223
o que explicaria, em
primeira instância, a queda na circulação da revista, mas há outras hipóteses possíveis.
Na internet, a Capricho reúne 5,3 milhões de fãs no Facebook, 468 mil
seguidores no Instagram e dois milhões no Twitter. O site da revista tem 5,3 milhões de
unique visitors por mês e 48 milhões de page views224
. Esses números são significativos
e apontam para uma constatação geracional: o público da revista Capricho - garotas
221
De acordo com pesquisa da Ipsos Marplan de 2013 apresentados no brand book da revista. 222
Dados obtidos em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/04/04/Revista-
Capricho-sera-mensal.html#ixzz3GjLA9nL4> Acesso em: 21/07/2014 223
‘Editora Abril fecha 4 revistas, um portal e demite 150 pessoas’. Folha de S. Paulo, São Paulo, 01 de
agosto de 2013, Caderno Mercado. 224
CAPRICHO. Mídia Kit Online 2014. Editora Abril, 2014. Disponível em:
<http://www.publiabril.com.br/upload/files/0000/1375/CAPRICHO_Site_M_dia_kit_20140407.pdf>
Acesso em 01/07/2014.
654
Livro de Atas do IV COBCIBER
entre 10 e 19 anos – é formado por uma parcela populacional considerada nativos
digitais. Não nos prenderemos à discussão teórica do termo, mas o tomamos emprestado
no presente artigo para caracterizar uma geração que se serve de tecnologias móveis e
internet desde a mais tenra idade. Dados da pesquisa TIC Kids Online 2013225
aponta
que entre crianças/adolescentes de 9 a 17 anos, 77% têm acesso à internet por
desktop/PC; 53% acessam por telefone celular e 41% pelo notebook. Do grupo
pesquisado, 79% tem o próprio perfil em redes sociais; 63% usam a internet todos os
dias ou quase todos os dias; 42% usam a internet por uma ou duas horas em um dia da
semana.
Os dados evidenciam a forte presença da internet na vida das crianças e dos
adolescentes brasileiros o que poderia justificar a queda na venda de exemplares da
revista Capricho nas bancas. A discrepância entre o sucesso online e o sucesso impresso
se dá, pois os públicos dos meios de comunicação “vão a quase qualquer parte em busca
das experiências de entretenimento que desejam” (JENKINS, 2009: 33). A internet
facilita a busca por informação e diversão e, sendo assim, o conteúdo impresso, já lido
no online, deixa de ser imprescindível. Shirky usa a metáfora do mouse em seu livro A
Cultura da Participação para refletir sobre o ponto que queremos esmiuçar aqui:
Eu jantava com um grupo de amigos, falando sobre nossos filhos, e um
deles contou uma história que acontecera quando assistia a um DVD
com sua filha de quatro anos. No meio do filme, sem razão alguma, a
menina pulou do sofá e correu para trás da TV. Meu amigo achou que a
filha quisesse ver se as pessoas do filme estavam realmente lá. Mas
não era isso que ela estava fazendo. Ela começou a mexer nos cabos
atrás da tela. Então o pai perguntou: ‘O que você está fazendo?’. A
menina esticou a cabeça e disse: ‘Procurando o mouse.’ (2011: 187).
A reflexão de Shirky continua: “eis algo que as crianças de quatro anos sabem:
numa tela sem mouse, falta alguma coisa. Elas também sabem algo mais: a mídia da
qual somos o alvo, mas que não nos inclui, não merece ser tolerada” (2011: 287). O
autor fala em uma criança, mas o anseio pela participação é sintoma de nosso tempo. A
diferença pode estar na familiaridade com a possibilidade de interagir, mas somos todos
testemunhas de uma cultura participativa potencializada pelas mídias digitais.
É nesse cenário que a Capricho se encontra, é essa a parcela populacional com a
qual a revista dialoga: jovens para quem a leitura da revista no final do mês não é o
bastante. Como resposta a esse movimento, a Capricho tem investido de maneira
225
Pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil com base ponderada de 2261
crianças/adolescentes e pais/responsáveis. Dados disponíveis em:
<http://www.cetic.br/media/analises/Infografico_kids_online_2013.pdf> Acesso em: 20/10/2014.
655
Livro de Atas do IV COBCIBER
significativa em seu conteúdo digital. Em entrevista às autoras, Marina Bessa, editora da
revista Capricho, afirma que “a Capricho tem um DNA multiplataforma que tem a ver
com a leitora da revista”226
. Algumas experimentações com produção audiovisual já
eram feitas antes mesmo da TV Capricho, mas foi em 2013 que a equipe da revista viu a
necessidade de estar presente de maneira mais efetiva também no YouTube.
A TV Capricho227
surge em fevereiro de 2014, após a decisão da direção da
revista de construir um estúdio dentro da redação228
(em um espaço antes dedicado ao
acervo de moda) e produzir conteúdo a partir dos recursos - humanos e técnicos - já
disponíveis na própria revista.
Figura 1. Abertura dos programas da TV Capricho. Figura 2. Redação ao vivo durante exibição da TV
Capricho.
Atualmente, a TV Capricho transmite no YouTube uma programação ao vivo, das
17h às 19h, direto da redação. A grade de programação contempla programas sobre
comportamento, moda e beleza. De segunda à sexta-feira, a TV Capricho tem três mil
acessos simultâneos ao vivo, cerca de 25 mil visualizações por dia e mais de um milhão
de visualizações por mês. Cada dia da semana há um programa apresentado ao vivo
pelos repórteres da revista e também programas gravados. Durante os intervalos de um
programa para outro, a TV Capricho deixa de emitir som, mas exibe a redação
trabalhando ao vivo.
226
Marina Bessa, editora da revista Capricho, concedeu uma entrevista à autora Issaaf Karhawi em 29 de
outubro de 2014 na redação da revista. Todas as passagens creditadas à Marina Bessa, ao longo do artigo,
são resultado dessa entrevista. 227
TV CAPRICHO disponível em: <https://www.youtube.com/user/capricho> 228
Inspirados no HuffPost Live, streaming ao vivo, do portal Huffington Post no ar desde 2012.
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Figura 3. Programa “Clube do Livro”, por Thiago Theodoro Figura 4. Programa “Top 5 da Beleza”, por Juliana
Costa.
O formato oferecido às leitoras da Capricho, uma TV que mostra a rotina de uma
redação jornalística, aparece como uma tentativa de driblar o anseio do público da mídia
contemporânea. Observa-se que “no contexto das mídias, os membros da audiência
ainda são majoritariamente consumidores de notícias ao invés de produtores de notícias
[...]. O núcleo do processo jornalístico, a produção real da história, ainda está fora do
alcance da audiência” (VILLI, 2012: 618). E esse panorama é identificado em um
cenário de participação, compartilhamento, engajamento e produção. Villi afirma que
“apenas uma pequena parcela da audiência realmente cria conteúdo para a nova mídia, a
grande maioria ainda consiste apenas em espectadores, leitores e ouvintes” (2012: 618).
Vê-se aí, portanto, um paradoxo enfrentado pela mídia contemporânea: seria
possível produzir ao lado da audiência, de fato? A internet e as mídias digitais
permitiriam a eclosão de um “jornalismo a muitas mãos”? Não pretendemos responder a
essas questões, mas observar o que tem sido feito quanto a esse conflito. Assim sendo, a
TV Capricho representaria um movimento na diluição dessa impossibilidade de
participação direta da audiência: mostrar a redação ao longo de toda a semana nas horas
de trabalho é abrir a cadeia de produção da notícia. Nesse processo, a audiência ainda
não produz diretamente, mas é convidada a participar, de alguma maneira, dessa cadeia.
É especialmente urgente uma solução para a crise do jornalismo contemporâneo
ao lidar com um público de leitoras mais jovens. Isso porque as adolescentes que
acompanham a Capricho não testemunharam o jornalismo do século 20. Anderson, Bell
e Shirky utilizam a metáfora do pipeline para explicar o jornalismo da época. No
upstream estavam os jornalistas e o poder de decidir o que era notícia. “Já a audiência
ficava ‘downstream’. Éramos receptores do produto, que víamos apenas em seu formato
final, processado. Podíamos consumi-lo, é claro [...] – mas não muito mais. A notícia era
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algo que recebíamos, não algo que usávamos” (ANDERSON, BELL, SHIRKY, 2013:
70). Mesmo que o cenário midiático brasileiro tenha apenas lentamente revertido a ideia
do pipeline, as leitoras da revista já buscam, naturalmente, pela possibilidade de fazer
parte do processo comunicacional. Aparentemente, a TV Capricho oferece isso: abre as
portas da redação para a leitora entrar e se sentir parte desse espaço e,
consequentemente, da produção da revista.
Assim, “como consequência, a comunicação de massa torna-se parcialmente
comunicação interpessoal, ou ao menos, a comunicação de massa passa a utilizar
gradativamente redes interpessoais para distribuir seu conteúdo” (VILLI, 2012: 627). Na
passagem de Villi deparamo-nos com outra noção basilar para nosso tempo:
pessoalidade. O boom dos blogs e da curadoria da informação, por exemplo, aponta uma
necessidade de conteúdo produzido para um público cada vez mais de nicho e
especializado com um viés de pessoalidade, subjetividade por parte de quem produz a
informação. Bruns acredita que, hoje, as estruturas das empresas jornalísticas têm
minado uma vez que
[...] nós encontramos histórias individuais [...] em uma ampla gama de
fontes ao invés de, lealmente, nos subscrevermos a canais e
publicações selecionadas; nós seguimos jornalistas (individual
journalists) [...] ao invés de confiar apenas naquilo que é estampado
pelas organizações de mídia (2014: 18).
Fica marcada na passagem de Bruns a questão da pessoalidade, da confiança em
um indivíduo e não, necessariamente, em uma organização. É como se a audiência
contemporânea busca-se um rosto para aquilo que lê, assiste ou ouve na mídia de massa.
Se essa hipótese for real, a experiência empreendida pela TV Capricho abranda esse
anseio e personaliza o conteúdo entregue à leitora da revista quando mostra a rotina de
trabalho da redação e os editores responsáveis por aquilo que a garota lê no final do mês
em sua edição impressa da revista.
Shirky (2011: 18) contemplou essa questão ao afirmar que “uma geração inteira
cresceu com tecnologia pessoal, do rádio portátil ao PC, portanto era de esperar que eles
também colocassem na nova mídia mecanismos para uso pessoal”. Uma vez que, como
visto, readaptar a dinâmica do mercado editorial brasileiro não cabe (ainda) aos leitores,
o “uso pessoal” de Shirky poderia ser representado por essa sensação de estar na redação
da revista todos os dias que a TV é exibida.
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TV Capricho na prática: algumas observações
Para Carlón (2013: 109), há uma história sobre a origem e um contrato de
fundação que são constitutivos do YouTube. Simplificadamente, esses discursos
fundantes recaem sobre a expressão “Broadcast Yourself” e o primeiro vídeo postado na
plataforma (por um de seus fundadores) chamado “Me at the zoo”. Para Carlón, a ideia
de “transmita você mesmo” associada ao vídeo de um simples passeio no parque
sinalizaram a natureza do YouTube como uma plataforma revolucionária na história da
midiatização por abrir os canais de emissão. O YouTube aparecia como uma mídia
gerada não em massa, como uma utopia de liberdade e abertura (CÁRLON, 2013).
Dados disponibilizados pela Cisco mostram que o “[...] consumo de vídeo, que já
corresponde a 57% de todo tráfego na internet em 2012, irá aumentar para 69% até
2017” (MONTGOMERY, 2014: 75). Outros dados apontam que “[...] a assistência de
vídeos pelo mobile irá aumentar de 12.7 horas ao mês por pessoa, em 2013, para 21
horas até 2019” (Ibid.). Uma das maiores plataformas para acesso a vídeos, hoje, é o
YouTube. E uma vez que a busca do público aumenta, alargam-se os investimentos
publicitários nessa mídia: “[...] uma pesquisa de mercado mostrou que a publicidade em
vídeo online gasta nos EUA irá dobrar de $4.14 bilhões, em 2013, para $8.04 bilhões em
2016” (MONTGOMERY, 2014: 75).
Fica evidente, desta forma, que o YouTube não desenrolou-se como uma
plataforma feita apenas pelos usuários – apesar de seu contrato de fundação. Carlón
(2013: 113) afirma que “[...] a mídia passa de ser amadora com conteúdos gerados pelos
usuários (CGU) para broadcast com conteúdos gerados por profissionais (CGP)”.
Grandes gravadoras, canais de televisão, artistas do mundo todo, agências, revistas; são
milhares os produtores de conteúdo para o YouTube hoje. A invasão do broadcast em
uma plataforma que vislumbrava o oposto em sua concepção sinaliza aquilo que
discutimos ao longo de nosso trabalho: readaptações e experimentações. Muito do que se
tem feito em várias indústrias envolve a busca pela interatividade e pela personalização
dos conteúdos. Uma plataforma como o YouTube facilitaria, assim como outras redes
sociais digitais, essa busca.
Como contraponto, Rodrigues (2014) observou, após levantamento sobre
segunda tela no Brasil, que a mídia ainda reproduz a lógica de broadcast no ambiente
digital. Assim, poderíamos afirmar que como não há produção e intervenção direta da
audiência na TV Capricho, a experimentação da revista estaria também enquadrada na
lógica de broadcast, de emissão de mensagens por apenas um polo. No entanto, essa
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afirmação não se aplicaria ao caso da Capricho uma vez que há uma preocupação com a
interação com o público durante a exibição da TV: em um chat lateral na transmissão do
YouTube, a audiência pode comentar, em tempo real, sobre a TV e a redação da revista
interage com o público. Esse posicionamento afastaria a TV Capricho de uma lógica
exclusivamente de broadcast. Para a editora, Marina Bessa, “as leitoras são um
termômetro constante, a Capricho sempre escuta o que elas têm a dizer”. O espaço
disponível para conversação no YouTube é constantemente monitorado por alguém da
equipe de mídia social da revista, mas não há um protocolo de interação com as leitoras.
A editora defende que “nós [Capricho] acreditamos que a nossa equipe está preparada
para conversar com a leitora porque sempre lidamos com esse tipo de canal mais
próximo”. As conversas da Figura 5, da TV Capricho do dia 23 de outubro de 2014,
mostram momentos de interação da revista com a audiência da TV.
Figura 5. Interação da revista Capricho com a audiência da TV, ao vivo, no chat do YouTube em 23/10/2014.
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Mas não há apenas interação entre público-revista, mas entre as leitoras da
Capricho enquanto assistem à TV. Essa posição da audiência ilustra o que apontamos ao
longo do trabalho como uma necessidade de personalização da mídia. A TV acaba
criando um espaço de compartilhamento, interação, quase uma comunidade virtual.
Nesse ponto, Marina Bessa afirma que, à época da idealização da TV Capricho, a equipe
da revista já enxergava o site como uma comunidade virtual de leitoras e não apenas
como um canal transmissor de conteúdo.
Outro aspecto observado durante a exibição da TV Capricho é que os editores,
quando apresentando seus programas, fazem referência à participação das leitoras.
Portanto, não se trata de um a ação feita apenas “para constar”, mas para permitir novas
práticas tanto por parte do público quanto da revista. No programa exibido em 23 de
outubro de 2014, por exemplo, Bruno Dias, editor-assistente de entretenimento, ao
apresentar um quadro especial do aniversário da cantora Katy Perry, exibe trechos de
clipes da artista e depois comenta: “Eu sei, gente. Podem xingar aí no chat. Eu sei que é
sacanagem passar só um pouquinho de cada clipe da Katy Perry porque são incríveis,
mas vamos lá...”. Em outro programa, dessa vez o Clube do Livro, o editor Thiago
Theodoro comenta enquanto tenta colocar um livro no foco da câmera: “Vocês vão me
falar: ‘Thiago, aprende com a Ju Costa!’”229
. Um facilitador para essa postura frente à
interação das leitoras vem diretamente da estrutura da TV Capricho: por conta de
229
Ju Costa apresenta o programa “Top 5 da Beleza” em que mostra os melhores produtos que chegaram à
redação. Aparentemente, o público tem feito comentários sobre a naturalidade de Ju Costa com as câmeras
(pelo menos, em mostrar os produtos de beleza, em contraponto a Thiago Theodro mostrando os livros
para as câmeras).
Figura 6. Conversas no chat do YouTube durante a exibição ao vivo do programa da TV Capricho em 23/10/2014.
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limitações financeiras e técnicas, a própria equipe gerencia os programas da TV. Cada
editor/repórter/apresentador é responsável pelo conteúdo de seu programa, pelos
roteiros, seleção de imagens. Além disso, não há uma equipe exclusivamente
responsável apenas por lidar com os comentários do público, mas uma integração e
divisão de tarefas entre a equipe do impresso e do digital.
A TV Capricho é feita ‘na unha’, ‘na guerrilha’. Tudo o que nós
fazemos é pensando: ‘o que é possível fazer com a mão de obra que
temos aqui?’. Hoje, a TV Capricho funciona com 100% de trabalho
apenas da própria redação da revista. O único profissional da equipe da
TV terceirizado é o responsável pelas questões técnicas (câmera, luz,
som, imagens). A TV Capricho funciona porque nossa equipe topa a
exposição multiplataforma. A TV foi um fator motivador dentro da
redação; todo mundo tinha vontade de participar, de ter seu programa
na TV Capricho. O projeto foi encarado como diversão, fazer algo
novo que fosse legal230
.
Uma particularidade da Capricho, à revelia do que os autores apresentados ao
longo de nossa discussão apontam, é um público mais fidelizado (atributo
provavelmente creditado à faixa etária das leitoras da revista). Marina Bessa afirma que
o público da Capricho tem características que facilitam experimentações no ambiente
digital: a audiência é muito fiel à Capricho como marca (fidelidade à revista, aos canais
de comunicação digitais, aos produtos licenciados da revista) além de admirar os
profissionais que trabalham na redação e, consequentemente, ser muito participativo. A
editora conta que “a ideia inicial [para a TV Capricho] era fazer um BBB da redação.
Nós sabíamos que nossa audiência ia gostar de participar do dia-a-dia da redação”.
Observa-se que há uma tentativa de estabelecer com a audiência um
contato mais pessoal. A ideia de personalização dos conteúdos já fica evidente no
formato da TV Capricho: os programas são como um bate-papo descontraído que
mesmo que apenas discursivamente, envolvem o público do outro lado do monitor e
estimula conversas a partir do conteúdo dos programas (como pode ser visto na figura
6). Além disso, cria uma proximidade discursiva com o público que, no programa
analisado, referia-se com carinho e intimidade aos repórteres e editores da revista. Dessa
maneira, parece possível que o uso associado de vídeos, entretenimento, estratégia para
ação no ambiente digital e informação jornalística gere uma aproximação com a
audiência e, consequentemente, um espaço de interação.
Outra contribuição da TV Capricho para os estudos de inovação tem a ver com o
seu caráter de experimentação. Desde seu lançamento em fevereiro de 2014, a TV
230
Marina Bessa, editora da revista Capricho, em entrevista às autoras.
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passou por diversas mudanças, especialmente mudanças ligadas à tecnologia e
aprimoramento dos programas (padronização da iluminação do estúdio, edição dos
programas, posicionamento das tomadas dos programas). Esse “refazer-se diário” mostra
como a ideia de inovação no jornalismo não está atrelada a algo pronto e dado, mas a
uma construção.
Considerações Finais
Ao longo de nosso trabalho, reunimos autores que mostram como o cenário
midiático tem exigido mudanças em seu modo de funcionamento. Mudanças que têm a
ver, especialmente, com o relacionamento entre mídia e público. No entanto, a grande
crise vivida pelo jornalismo está em conseguir remodelar a prática para atender as
demandas de nosso tempo – as principais delas: interatividade e pessoalidade.
Em meio à exigência por mudanças e a escassez de manuais de “como fazer”,
questionamos, no presente artigo, se um tipo de jornalismo mais híbrido contemplaria os
anseios contemporâneos de inovação e experimentação? A ideia é que não haveria uma
definição do que ou de como fazer um novo jornalismo, ou como atualizar práticas do
século passado, mas soluções que contemplem tomar emprestado aquilo que funciona
em outros ambientes midiáticos (vídeo, relação com o público, entretenimento) e colocá-
los a prova no jornalismo.
A conclusão de que essa seria uma saída possível para o jornalismo e,
especialmente, sua prática online vem dos apontamentos feitos por autores preocupados
com a questão da inovação. A ideia de um jornalismo híbrido ofereceria possibilidades
mais amplas de experimentação. Mais do que pensar a inovação como grandes
revoluções no fazer jornalístico, a noção de experimentação está associada à ideia de
arriscar-se, fazer tentativas, lidar com acertos e erros.
O exemplo da TV Capricho aparece em nosso trabalho como uma alternativa -
ainda incipiente, mas aparentemente positiva - de experimentação no jornalismo online.
Por um lado, poderíamos questionar que o jornalismo desempenhado pela Capricho
estaria mais ligado ao entretenimento e que sua audiência é mais receptiva a
experimentações ligadas ao hibridismo no jornalismo (especialmente por conta da faixa
etária na qual se inscreve o público leitor da revista). Independentemente disso, não há
comprometimento do fazer jornalístico e mesmo que esses sejam aspectos questionáveis,
o exemplo da TV deve ser levado em conta nesse campo de experimentações. Além
disso, muito além da divisão entre hard news e entretenimento, a TV Capricho ilustraria
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a ideia de um jornalismo híbrido – um jornalismo que lança mão do ambiente online, de
vídeos, de entretenimento, interação com o público – como uma alternativa para a
inovação na prática jornalística e de reinvenção no relacionamento com as audiências.
O período pelo qual passamos exige experimentações. A busca por revoluções
inovadoras e sucesso garantido paralisa as possíveis tentativas rumo a uma nova prática.
Vivenciamos um processo, um processo sem uma linha de chegada, mas que pelo
caminho promete oferecer qualidade, inovação, novas perspectivas e cada vez mais
credibilidade ao jornalismo online e off-line.
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