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Importância da Prática Deliberada na Formação do Guarda-Redes de Futebol Perito Estudo baseado na literatura e na percepção de jogadores e treinadores Pedro Miguel Ramos e Silva Porto, 2009

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Importância da Prática Deliberada

na Formação do Guarda-Redes de

Futebol Perito

Estudo baseado na literatura e na

percepção de jogadores e treinadores

Pedro Miguel Ramos e Silva

Porto, 2009

Importância da Prática Deliberada

na Formação do Guarda-Redes de

Futebol Perito

Estudo baseado na literatura e na

percepção de jogadores e treinadores

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Alto Rendimento – Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Orientador: Prof. Doutor Júlio Manuel Garganta Silva

Pedro Miguel Ramos e Silva

Porto, 2009

Provas de Licenciatura

Ramos Silva, P. (2009). Importância da prática deliberada na formação do

Guarda-Redes de Futebol Perito. Estudo baseado na literatura e na percepção

de jogadores e treinadores. Dissertação de Licenciatura apresentada à

Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Palavras-chave:

FUTEBOL – GUARDA-REDES DE FUTEBOL – FORMAÇÃO – PRÁTICA

DELIBERADA – PERITO.

III

Agradecimentos

Ao Professor Júlio Garganta pela disponibilidade em orientar o trabalho,

pelas «dicas» realçadas e pelo conhecimento transmitido. O meu obrigado.

À minha família, sobretudo ao meu Pai, à minha Mãe e à minha Irmã,

pelo auxílio activo sempre presente no meu percurso de vida, por me

orientarem e apoiarem nas decisões, pelas ricas experiências de vida

transmitidas e pelo exemplo que são para mim.

À Daniela, confidente, namorada, por juntarmos os nossos percursos de

vida, pelo que já vivemos e pelo que ainda queremos viver. Obrigada pela

cooperação directa na realização de muitas tarefas e por me compreenderes.

Aos meus amigos e ao, Tiago, Jorge, Benjamim, Ricardo, Filipe, Mário,

Hélder, Gil, pelas experiências e bons momentos passados juntos. Que

prevaleça a amizade e o companheirismo.

À «MantaRota», a equipa que venceu todas as competições no percurso

de faculdade… menos duas. Ao Ita, Tiago Salgado, Ângela, Romain, Luís,

Tiago Rocha.

Ao Zé e à Tânia pela «orientação» neste trabalho.

Aos entrevistados, Hugo Oliveira, Paulo Santos, Jorge Silva e Tó

Ferreira. Colaboradores necessários pelo conhecimento fornecido e pela

disponibilidade demonstrada.

Aos Professores do Gabinete de Futebol, pelo conhecimento transmitido.

Em particular, ao Professor Vítor Frade, pelo privilégio de ouvir os seus

ensinamentos e abrir os horizontes sobre o «Planeta do Futebol».

“O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão

grande para fazer esquecer pessoas que, por algum motivo, um dia nos

fizeram felizes” (Paulo Baleki, s/d). Às pessoas que cruzaram o seu percurso

de vida com o meu e enriqueceram a minha experiência de vida.

IV

Índice Geral

V

Índice Geral

Agradecimentos III

Índice Geral V

Índice de Quadros VII

Índice de Figuras IX

Índice de Abreviaturas XI

Índice de Anexos XIII

Resumo XV

Abstract XVII

1. Introdução 1

2. Revisão da Literatura 5

2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol 5

2.2 O conceito de Perito no Desporto 8

2.3 A prática deliberada 11

2.3.1 A influência desta no processo de formação 11

2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise 12

2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática

sustentada 14

2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol

sustentada pelo jogo: Especificidade 17

2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno 22

2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol 25

2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão 25

2.6.2 Qualidades técnicas 32

2.6.3 Padrão psicológico 40

2.6.4 Qualidades físicas 43

2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol 47

3. Material e Métodos 55

3.1 Metodologia de investigação 55

Índice Geral

VI

3.2 Caracterização da Amostra 55

4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas 57

4.1 O guarda-redes de Futebol perito 57

4.1.1 Como se define? 57

4.1.2 Que características o distinguem? 59

4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade

da performance superior 62

4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de

Futebol 65

4.2.1 Influência da prática deliberada 65

4.2.1.1 Qualidade da prática…? Quantidade da

prática…? 67

4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior… talento

inato ou experiência adquirida? 69

4.2.2.1 Uma ordem de importância para os

constrangimentos: genética, treino, ambiente/envolvimento 74

4.2.3 Nas sessões de treino… condicionar as experiências em

função de estímulos muito específicos, ou para proporcionar o

maior número de experiências possíveis?

76

4.2.4 Observação e identificação com um ídolo, constitui factor

de aprendizagem complementar às sessões de treino

convencionais?

79

4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol 82

4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de

formação do guarda-redes de Futebol 86

5. Conclusões 93

6. Considerações finais 101

7. Referências bibliográficas 105

8. Anexos XXI

Índice de Quadros

VII

Índice de Quadros

Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle &

Hillman, 2003) 9

Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes.

(Voser et al., 2006) 49

Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil

(2008). 52

VIII

Índice de Figuras

IX

Índice de Figuras

Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006). 36

Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006). 36

Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006). 36

Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006). 37

Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006). 37

Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006). 38

Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006). 38

Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006). 38

Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006). 39

Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006). 39

Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006). 39

Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006). 40

X

Índice de Abreviaturas

XI

Índice de Abreviaturas

G.R. Guarda-Redes

Fig. Figura

XII

Índice de Anexos

XIII

Índice de Anexos

Anexo 1 – Entrevista a Hugo Oliveira XXI

Anexo 2 – Entrevista a Jorge Silva XXVIII

Anexo 3 – Entrevista a Tó Ferreira XL

Anexo 4 – Entrevista a Paulo Santos LII

Anexo 5 – Guião da Entrevista LXIII

XIV

XV

Resumo

De todos os jogadores num jogo de Futebol, o guarda-redes parece ocupar

uma posição especial, devido às características e exigências inerentes às respectivas

funções. No presente estudo, a partir da teoria da prática deliberada (Ericsson,

Krampe & Tesch-Romer, 1993), procurou-se perceber a importância da prática

deliberada na formação do guarda-redes de Futebol perito.

Para tal, para além duma revisão da literatura, recorreu-se a entrevistas semi-

estruturadas realizadas a guarda-redes e treinadores de guarda-redes com

experiência de nível superior.

Todavia, a informação seleccionada visa responder aos objectivos que

orientam o estudo: perceber a importância da prática deliberada na formação do

guarda-redes de futebol perito; caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber

distinguir os domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos; saber se

se tornou perito por influência genética/hereditária (talento inato) ou através da

qualidade do processo e da quantidade de horas de prática a que foi submetido ao

longo de todo o seu percurso de vida; conhecer outros factores, para além da

qualidade/quantidade de prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de

superioridade dos guarda-redes de futebol peritos; determinar características de uma

prática de qualidade para a formação do guarda-redes de futebol perito; determinar

etapas do processo de formação do guarda-redes de Futebol.

A partir do cruzamento da informação decorrente da pesquisa bibliográfica e do

conteúdo das entrevistas foi possível concluir que: a qualidade da prática parece ter

importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito; a tomada de

decisão e a concentração distinguem os guarda-redes peritos; propendemos afirmar

que o guarda-redes se tornou perito por influência da qualidade/quantidade de prática;

a prática de qualidade reúne actividades específicas idênticas às situações de jogo,

com estímulos orientados para os quatro domínios da performance do guarda-redes

(táctico, técnico, psicológico, físico), é mais importante a concentração do que o

esforço dispendido na actividade e a motivação também deve ser promovida pela

prática; consideramos cinco etapas de formação, uma anterior à especialização até

aos 8 anos de idade e quatro etapas de especialização, 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15

anos; 16-18 anos; as primeiras etapas de formação devem ser orientadas para o

desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico, e não só centradas

no desenvolvimento técnico, isolado dos constrangimentos do jogo.

Palavras-chave: Futebol – Guarda-Redes de Futebol – Formação – Prática

Deliberada – Perito.

XVI

XVII

Abstract

Of all the players, in a Football game, the goalkeeper seems to occupy a

special position, due to the characteristics and demands inherent of his respective

functions. In the present study, from the theory of the deliberated practice (Ericsson,

Krampe & Tesch-Romer, 1993), it was tried to realize the importance of deliberated

practice in the formation of the expert soccer goalkeeper. For such, besides a revision

of the literature, has resorted to semi-structured interviews to goalkeepers and

goalkeeper's trainers with experience of a superior level.

However, the selected information aims to respond to the objectives that

orientate this study: to realize the importance of deliberated practice in the formation of

the expert soccer goalkeeper; to characterize the expert goalkeeper and to be able to

distinguish the domains that differentiates the expert goalkeepers and non-experts; to

know if his expertise was made/born under the genetic/ hereditary (innate talent)

influence or through the quality of the process and the quantity of hours of practice that

was submitted along his whole life; to know others factors besides the quality/quantity

of practice and/or the innate talent that influence the level of superiority of the expert

soccer goalkeepers; to determine characteristics of a quality practice for the formation

of the expert soccer goalkeeper; and to determine the stages of the process of

formation of the soccer goalkeeper.

From the crossroad of the information resulting of the bibliographical research

and from the content of the interviews, it was possible to conclude that: the quality of

the practice seems to have a significant importance in the formation of the expert

soccer goalkeeper; the taking decision and the concentration distinguish the expert

goalkeepers; we lean to affirm that the goalkeeper became an expert under the

influence of the quality / quantity of practice; the quality practice joins specific activities

identical to the situations of game, with stimuli orientated for the four domains of the

performance of the goalkeeper (tactic, technical, psychological, physical), the

concentration is more important than the effort spent in the activity and the motivation

also must be promoted by the practice; we considerate five stages of formation, one

previous to the specialization till 8 years old and four stages of specialization, 8-10

years old; 11-12 years old; 13-15 years old and 16-18 years old; the first stages of

formation must be orientated for the development of the situations of the game and of

the tactic thought, and not only centred in the technical, isolated development of the

constraint of the game.

Key-Words: Soccer – Goalkeeper – Formation – Deliberate Practice – Expert.

XVIII

XIX

“A curiosidade é mais importante do que o conhecimento” (Albert Einstein, s/d).

“A experiência é um conhecimento empírico, isto é, um conhecimento que

determina um objecto por percepções” (Immanuel Kant, s/d).

“Da ausência de escola têm escapado, pela capacidade revelada ao longo do

tempo, por talento inato ou melhorado com trabalho, guarda-redes que

marcaram a História do futebol português, como Azevedo, Carlos Gomes, Vítor

Damas, Bento ou Vítor Baía” (Paulo Jorge Pereira & Pedro Ferraz, s/d).

“Ser guarda-redes é um dos trabalhos mais solitários que existe. Todas as

grandes defesas da história juntas não conseguem compensar um simples erro

num momento vital” (Albert Camus, s/d).

XX

Introdução

1 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

1. Introdução

“Portugal é um viveiro de guarda-redes talentosos” (Oliveira, 2004)

Observamos um jogo do principal campeonato do Desporto rei nacional

ou um jogo das competições internacionais de Futebol, constatamos que os

G.R. casualmente intervêm poucas vezes em jogo, realizam diferentes tipos de

acções determinantes para o resultado com comportamentos excepcionais e, o

nosso espanto questiona como conseguiram realizar esse desempenho, o

modo como conseguem ser excepcionais ou o modo como se tornaram

excepcionais. São diferentes perspectivas de analisar um comportamento

excepcional e, revelam o problema deste estudo.

É o "saber ver" que suscita um problema profundo, porque não só

qualquer teoria depende de uma observação, mas também porque qualquer

observação depende de uma teoria (Morin, 1981). Assim, a mera observação,

sem uma teoria, não tem validade fundamentada. Neste sentido, queremos

perceber qual a relevância da teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe

& Tesch-Romer (1993), no desenvolvimento do G.R. de Futebol de nível

superior. Estes indivíduos ao revelarem um desempenho superior no Futebol, o

que os distingue dos demais, confere-os portadores de talento ou capacidades

invulgares e representam uma fonte preciosa para a sociedade pelas

expectativas que geram à sua volta, sobretudo por expressarem a excelência

em diferentes domínios da actividade humana e a possibilidade de podermos

estudá-los.

Portanto, é importante reflectir sobre as duas perspectivas que procuram

explicar o comportamento excepcional dos peritos: a primeira, baseada numa

predisposição genética, uma espécie de talento inato que os peritos possuem

para sobressaírem numa determinada área, e outra, que defende que o

desempenho superior numa área específica está dependente da qualidade e

da quantidade de actividades práticas realizadas.

Todavia, se a prática fosse considerada a única condição para alcançar

o desempenho de perito, então, segundo Helsen, Hodges, Winckel & Starkes,

(2000), os treinadores limitar-se-iam a concentrar o seu trabalho no acesso a

Introdução

2 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

facilidades ou treinos específicos que contribuíssem, efectivamente, para

maximizar o potencial do ambiente de prática.

Mas, Janelle & Hillman (2003) sugerem, também, que para um

desenvolvimento efectivo do desempenho superior numa determinada área, há

variáveis que exigem grande atenção, tais como: a motivação para devotar

longas horas ao treino; o tipo de prática (versus a quantidade de prática) que é

exigida para atingir um desempenho perito; as condições que caracterizam a

“prática perfeita”; os aspectos que permitem transferir um desempenho

superior, na prática, para os domínios da competição e da avaliação; os

mecanismos pelos quais a prática deliberada pode influenciar o

desenvolvimento do perito.

No presente trabalho, mediante a comparação entre as informações

retiradas da revisão bibliográfica e das entrevistas efectuadas, procurar-se-á

perceber a formação do G.R. de Futebol perito. Para esta finalidade

elaboramos os seguintes objectivos:

- Perceber a importância da prática deliberada na formação do guarda-

redes de futebol perito;

- Caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber distinguir os

domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos;

- Saber se se tornou perito por influência genética/hereditária (talento

inato) ou através da qualidade do processo e da quantidade de horas de

prática a que foi submetido ao longo de todo o seu percurso de vida;

- Conhecer outros factores, para além da qualidade/quantidade de

prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de superioridade

dos guarda-redes de futebol peritos.

- Determinar características de uma prática de qualidade para a

formação do guarda-redes de futebol perito;

- Determinar etapas do processo de formação do guarda-redes de

Futebol.

Introdução

3 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Se nos concentrarmos no Futebol de alto nível, segundo Sainz de

Baranda & Ortega Toro (2002), a selecção do G.R. para a posição é a chave

no momento de confeccionar uma equipa, pois a segurança e a confiança que

a equipa tem nele, será de grande importância, que a actuação do G.R. vai

influenciar de maneira significativa no jogo da equipa.

Segundo Voser et al. (2006) entendemos que é muito difícil alcançar o

alto rendimento, exactamente por se tratar, na maioria das vezes, de um

processo extremamente selectivo.

No futebol, ouve-se correntemente que o G.R. para ser bom tem de

reunir bastante experiência, associa-se a essa experiência os amontoados

anos de prática e também uma faixa etária próxima do final da carreira. Em

contrapartida, também percorre outro entendimento para “ser um grande

guarda-redes, tal como em outras disciplinas desportivas, está fora do alcance

de qualquer um. Ser um bom guarda-redes é uma rara e admirável combinação

de qualidades improváveis. Ainda assim há quem acredite que qualquer um

pode sê-lo” (Hodgson, s/d).

Estas duas opiniões empíricas argumentam a problemática central do

estudo e estimulam o conhecimento de perceber como o G.R. se tornou tão

bom no desempenho da sua função.

Perante esta compreensão, surge o tema deste trabalho centrado no

estudo do processo de formação do G.R. de Futebol perito.

A realização deste trabalho será estruturada em oito pontos:

1. Introdução; com o propósito de apresentar e justificar a importância do

estudo, delimitar o problema e descrever os objectivos.

2. Revisão da Literatura; conhecer os aspectos relacionados com o tema.

3. Material e Métodos; caracterizar a amostra e a metodologia de

investigação.

4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas; analisar e

relacionar o conteúdo das entrevistas com a revisão da literatura.

5. Conclusões;

6. Considerações Finais; descrever recomendações para futuros estudos.

Introdução

4 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

7. Referências Bibliográficas; são escritas todas as referências dos autores

citados ao longo do trabalho.

8. Anexos; são anexas as entrevistas realizadas e o guião das mesmas.

Na produção deste trabalho, para além de conhecer todos os aspectos

relacionados com a problemática em questão através da revisão bibliográfica, a

metodologia adoptada na investigação concebe a realização de uma entrevista

aberta a alguns G.R. de Futebol com experiência de nível superior e também a

treinadores de G.R. de Futebol.

Revisão da Literatura

5 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2. Revisão da Literatura

2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol

“A formação é a base do futebol profissional, por isso tem de haver uma preocupação elevada

com ela” (Frade, 2002, cit. Vieira, 2004, p. 26).

Ao pensarmos em formação desportiva e em integração no fenómeno

desportivo somos levados a pensar em desempenho e rendimento, pois ao

nível da alta competição, ou seja no mais alto patamar do desporto, é o

sucesso que encontramos como meta a alcançar. Segundo Frade (2008),

formar é ganhar e a competição é a mola condutora de «tudo».

Sendo actualmente a formação de jogadores no futebol, como em

qualquer outra modalidade, um aspecto indispensável para que no futuro

possam surgir atletas de rendimento superior, para Pacheco (2001) a «escola»

de futebol pretende dar a formação adequada aos jovens futebolistas, para que

mais tarde possam vir a integrar as suas equipas seniores.

Invocando o dicionário de língua portuguesa (Porto Editora, 2004), o

conceito de formação está descrito como sendo o acto ou efeito de formar,

«dar forma a», sendo que forma designa modelo, figura, feitio.

A formação para Leal e Quinta (2001), não se trata apenas de treinar, é

mais do que isso, é educar, é acompanhar o crescimento e maturação, é sentir

os problemas dos atletas, é participar, é viver e acompanhar a escola, o

namoro ou a discoteca. Antes de percebermos a especificidade da formação

em futebol, pela citação anterior perspectivamos a noção da globalidade dos

domínios de intervenção que o processo de formação abrange. Em Futebol, a

noção de processo é fundamental. O processo carece de uma ideia conceptual,

metodológica (enquadramento conceptual), e assim, é combinado pelo lado

macro e pelo lado micro. É influenciado por aquilo que se fez ontem e aquilo

que se faz amanhã. A formação é um processo que tem como trave mestra o

fazer, “o primado está no saber fazer” (Frade, 2008). O processo é uma

racionalização, mas a configuração tem de entender a razão como maior

Revisão da Literatura

6 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

inimiga da incongruência. Assim sendo, entender melhor o contexto de prática

do futebol, o jogo, é tão importante como entender a inconstância do mesmo. O

Futebol é uma modalidade pertencente aos jogos desportivos colectivos, e

estes segundo Garganta (1997) possuem uma elevada aleatoriedade, e no

qual as equipas em confronto disputam objectivos idênticos num mesmo

espaço e tempo, efectuando acções reversíveis de sinal contrário alicerçadas

em relações de oposição/cooperação. Para definir prioridades no ensino do

futebol, segundo Graça (1995) é fundamental compreender a natureza aberta

do jogo, regulada pelos constrangimentos de factores exteriores como a

posição de colegas e adversários. E igualmente importante perceber quais as

exigências que o jogo coloca aos seus praticantes, sendo o primeiro de

natureza táctica, o que fazer, para que a posteriori o problema seja

solucionado, como fazer, seleccionando a resposta motora mais adequada

(Garganta & Pinto, 1998).

Portanto, o treino como processo de formação pressupõem objectivos

que passam por fazer do atleta um ser pensante, que entenda o que tem de

fazer nos diferentes momentos de jogo. Popper (1991), citado por Garganta

(2001), afirma que, para que os nossos sentidos nos digam alguma coisa,

temos que possuir conhecimento prévio, para podermos ver uma «coisa»,

temos de saber o que são «coisas». Neste sentido, percebemos a importância

da decisão no processo de formação, sendo a tomada de decisão o capítulo

táctico da acção adoptada para responder às necessidades do jogo. Araújo

(2005) expõe um conceito abrangente da «acção táctica», ao referir que esta

caracteriza o resultado da exploração das possibilidades da acção, as quais

são constrangidas pelo tempo disponível, perícia do executante, estado

emocional, fadiga, etc. Segundo o mesmo autor, o desportista com os anos de

prática vai filtrando/ seleccionando informação relevante e sempre que esta o

conduz ao sucesso aumenta também a probabilidade de este a usar

novamente. Nesta linha de pensamento, a “afinação perceptiva” segundo

Araújo (2005) está na base da acção táctica, pois esta explica a intuição, que é

considerada a responsável pela tomada de decisão do jogador.

Revisão da Literatura

7 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Estando a técnica confinada a servir a decisão táctica do jogador, o

ensino e treino do futebol não devem restringir-se aos aspectos biomecânicos,

isto é, ao gesto, devendo atender sobretudo às imposições da adequação às

situações de jogo (Garganta & Pinto, 1998).

Mais do que dicotomizar técnica e táctica, enquanto perspectivas de

abordagem distintas e antagónicas, importa estabelecer relações de

compromisso e complementaridade entre ambas (Mesquita, 1998).

No entanto, não basta praticar desporto para se ter a garantia de que o

processo de formação desportiva promova o desenvolvimento das

competências/capacidades do indivíduo. É impreterivelmente, necessário que

se conheça, de forma profunda, o processo de formação desportiva, de modo a

que se respeitem os diferentes níveis de prática, cada qual com as suas

características próprias (Mesquita, 2000).

A integração de um jovem na prática desportiva, desperta um conjunto

alargado de preocupações, não só porque o processo de crescimento e

desenvolvimento dos jovens assume especificidades metodológicas, mas

também porque à volta do jovem emergem factores de socialização de grande

importância para a sua integração no fenómeno desportivo (Marques et al.

2004). Ramos (2003) refere que o que se pretende é que as metodologias de

treino se baseiem o mais possível nas necessidades do futebolista e possam

ter como referência àquilo que é mais específico na modalidade, o Jogo.

Mesquita (2000) salienta a necessidade da formação desportiva

preceder a especialização, para que esta aconteça como consequência da

existência de bases sólidas e consistentes adquiridas no período de formação.

No seguimento da revisão, tendo em vista a necessidade da formação

desportiva antecipar a especialização, procuramos perceber quais as bases

sólidas e consistentes de um Guarda-Redes de Futebol para se denominar de

perito.

Revisão da Literatura

8 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2.2 O conceito de Perito no Desporto

“ Dos primeiros momentos nas ruas do bairro dos Pobres, em Leça da Palmeira, até às vitórias

em grandes palcos internacionais, como Sevilha ou GelsenKirchen,...” (Baía, 2005, p.11).

Já vimos anteriormente que o treino desportivo tem como propósito a

aquisição e melhoria das capacidades e habilidades do indivíduo. No caso do

Futebol, o treino visa optimizar as relações entre estímulo e resposta, tendo

presente a aleatoriedade característica do jogo, preparando o atleta para

analisar, decidir e executar, de forma adequada e eficaz. Neste âmbito, temos

de compreender o que é um Perito, ou quem é Perito.

No dicionário da língua Portuguesa (2004), perito é definido como sendo

um indivíduo que tem prática ou é sabedor.

Segundo Starkes & Allard (1993), um perito motor é alguém muito bom

no desempenho motor de uma tarefa.

Para Ericsson & Smith (1991) o perito ou “experto”, caracteriza-se pela

estabilidade e mensurabilidade da performance durante longos períodos de

tempo. Bloom (1985), ao estudar expertos na área da música, desporto e

ciência confirmou ser necessária uma década de prática, para atingir a

excelência em qualquer uma dessas áreas. Ericsson & Crutcher (1990, cit.

Starkes & Allard, 1993) mostraram que um indivíduo que se encontre a

competir a nível internacional, iniciou a sua prática nessa modalidade ainda

antes dos 6 anos, ocupando grande parte da sua juventude a treinar.

Wrisberg (2001) indica que os indivíduos que apresentam um elevado

nível de execução nas habilidades que interessam para o desempenho de uma

dada tarefa, irão apresentar um grau superior de performance.

Os autores citados procuraram delinear características que definem um

perito, mas alguns autores acreditam que cada um de nós possui algum nível

de expertise num determinado domínio (Sloboda, 1991). De acordo com

Starkes & Allard (1993) a exclusividade está associada à expertise. Assim,

podemos compreender o perito como sendo alguém com o desempenho acima

da norma da sociedade.

Revisão da Literatura

9 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Perito é aquele que desempenha conscientemente de modo excepcional

num dado domínio (desporto) ao longo de um período de tempo (Araújo, 2004),

segundo a psicologia ecológica a perícia não é uma propriedade fixa da

pessoa, mas antes uma relação variável entre as exigências impostas pelo

contexto e os recursos que o indivíduo tem disponíveis. O desempenho perito

surge da interacção das características do jogador e das do envolvimento,

portanto a perícia de acordo, com a psicologia ecológica deverá ser entendida

como um processo holístico e dinâmico (Araújo, 2004).

Para visar o estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como

necessário alcançar a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e

emocional. Segundo os mesmos autores, um nível de expertise inferior, num

destes domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto nível do seu

rendimento. Em contrapartida, a expertise num dos domínios pode ser um meio

facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros.

Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle & Hillman, 2003)

A expertise a nível fisiológico é exclusiva do desporto. Pensando nas

questões fisiológicas de desenvolvimento e adaptação musculares,

percebemos que embora as fibras possam evoluir de acordo com o tipo de

treino (Wilmore & Costill, 1999, citados por Janelle & Hillman, 2003), chegamos

à conclusão que os limites desta adaptação são impostos por factores

Revisão da Literatura

10 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

genéticos (Bouchard et al., 1992; Klissouras, 1997; Swallow et al., 1998,

citados por Janelle & Hillman, 2003).

Já a expertise técnica pode ser entendida como o grau de coordenação

sensório-motor que está na base de movimentos padrão coordenados,

refinados e eficientes, que emergem no seguimento dos anos de treino

extensivo e sistemático, ou prática deliberada (Starkes & Allard 1993; Janelle &

Hillman, 2003).

A expertise cognitiva, segundo Janelle & Hillman (2003), pode subdividir-

se em conhecimento táctico/ estratégico e percepção/ tomada de decisão. O

conhecimento táctico/ estratégico apresenta-se como a propriedade de decidir

sobre qual a estratégia mais adequada numa determinada situação e também

como a estratégia capaz de ser executada, tendo em conta os

constrangimentos dos movimentos requeridos. Segundo os mesmos autores,

esses procedimentos potenciam a eficácia da tomada de decisão.

Independentemente de se tratar de um desporto individual ou colectivo, pensa-

se relativamente à tomada de decisão que o experto é capaz de retirar do meio

ambiente as informações relevantes, deixando de lado o que é acessório

(Janelle & Hillman, 2003). A tomada de decisão é compreendida como uma das

mais importantes capacidades dos jogadores e, em muitos casos, a

responsável pelas diferenças de rendimento entre estes (Tavares, 1993).

Quanto ao domínio da expertise emocional é dividido em regulação

emocional e capacidade psicológica. A regulação emocional contribui em muito

para a variação na performance do jogador e representa a capacidade que o

indivíduo possui para controlar e dominar as suas emoções. A capacidade

psicológica tem elevada importância na performance de um perito e esta pode

subdividir-se em temas como a definição de objectivos, a adopção de uma

atitude positiva, a motivação, a construção da confiança, a visualização e treino

mental, “treinabilidade” e relações interpessoais (Janelle & Hillman, 2003).

Revisão da Literatura

11 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2.3 A prática deliberada

2.3.1 Influência desta no processo de formação

“No rendimento superior a arte e ciência misturam-se e toda a dinâmica do jogo não

pode ser só submetida aos olhos da ciência. Necessita da integração de conhecimentos

práticos produzidos pela experiência” (Frade, 2008).

De uma forma sumária, entende-se por prática deliberada, uma prática

altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e aperfeiçoar o

desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento (Ericsson, Krampe &

Tesch-Romer, 1996). Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador

de um desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch-

Romer (1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados

pela participação na prática deliberada. Assim, se o desempenho dos

indivíduos se avalia em função da quantidade da prática deliberada acumulada

desde que iniciaram a prática deliberada num domínio, então a idade com que

se inicia a prática é um importante determinante do nível de perícia; deste

modo, um individuo que comece aos 5 anos uma actividade e que pratique 15

horas semanais terá melhor desempenho do que um individuo que devote a

mesma quantidade de prática à actividade, mas que tenha começado com 10

anos (Costa, 2005). Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria,

apresentando um estudo sobre as modalidades de Hóquei e Futebol,

confirmando que os jogadores belgas expertos (do sexo masculino)

despendem cerca de 10 000 horas de prática.

A ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de treino

acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está patente na

“regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como Ericsson,

Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985, entre outros

(Costa, 2005).

Neste estudo de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), os autores

defendem que a prática deliberada requer esforço e nem sempre é agradável;

os indivíduos estão motivados para a prática porque a prática melhora o seu

Revisão da Literatura

12 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

desempenho. Deste modo os autores defendem que a prática deliberada difere

de outras experiencias nas quais o desenvolvimento da perícia pode ser um

resultado indirecto (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993). Costa (2005)

afirma que segundo esta teoria, o indivíduo refina continuamente o seu

desempenho, utilizando o conhecimento dos resultados e o feedback. As

secções de treino devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de

modo a assegurar que o indivíduo possui resistência física e mental para se

concentrar na prática, caso contrário, a prática não leva aos tipos de

desempenho estabelecidos por esta teoria (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer,

1993). Esta teoria é reforçada por Bouchard, Malina & Perusse (1997), quando

alega que enquanto certas características gerais tem sido associadas ao

talento genético o refinamento destas características ocorre apenas após

vários anos de treino intenso.

2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise

Como sintetiza Georges Chapouthier, director de pesquisa no CNRS, “o homem é,

antes de mais, o produto de uma evolução biológica à qual foi acrescentada uma evolução

sócio-cultural”. (Revoy & Nicolas, 2007).

São vários os autores destacando a importância, para além da

quantidade de treino, a qualidade no treino para o desenvolvimento do talento,

para muitos a qualidade do processo está intimamente ligado á formação.

Como nos diz Mesquita (1991), a eficácia no treino está também

dependente das competências didácticas e pedagógicas do treinador.

Na mesma linha de pensamento, Graça (1991) afirma que a

investigação no ensino geral conseguiu identificar uma forte associação entre o

tempo que o aluno está empenhado com sucesso em tarefas de aprendizagem

e o seu progresso. Em relação à Educação Física, embora logicamente se

advogue a importância daquela variável, tem sido difícil evidenciá-la

empiricamente.

Revisão da Literatura

13 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Verifico então que para além da quantidade da prática, outro elemento

poderá ser fundamental, pois, apesar de ser visível a influência do tempo de

empenhamento motor nos progressos alcançados pelos alunos, através de

alguns estudos realizados constatou-se que o tempo passado na tarefa

(duração), não constituía por si só um factor preditivo das aquisições

resultantes da aprendizagem (Mesquita, 1991).

É aqui que o treinador ou professor se assume como principal

responsável. Neste sentido Mesquita (1991), acrescenta que a intervenção

pedagógica do treinador condiciona a actividade do praticante, exercendo um

papel decisivo na sua formação.

Um exemplo dado da importância da qualidade do treino na formação do

talento refere-se a um estudo relativo ao hóquei alemão de (Van Rossum,

2000, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) diz-nos que os dados

recolhidos no estudo comprovaram que os jogadores alemães não passavam

tantas horas a praticar como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã

acabou bem classificada nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no

campeonato europeu de 1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou

o título olímpico um ano mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou

classificada para os jogos olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu

prestigiado “Champions trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a

conseguir os três títulos internacionais mais concorridos.

Parece então evidente que apesar do maior número de horas de prática

adquirida pela equipa belga, foram os jogadores alemães que conseguiram

melhores resultados. Isto leva-nos a concluir que a qualidade de treino foi

preponderante na conquista de melhores resultados.

Revisão da Literatura

14 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática

sustentada

“Certamente, o ser humano é capaz de inventar novo comportamento ao longo da vida,

mesmo se este não é destinado geneticamente” (Revoy & Nicolas, 2007).

Actualmente existem algumas discrepâncias sobre o significado exacto

do que se entende por talento desportivo, sendo comum encontrar na literatura

o termo talento a designar o jovem atleta de sucesso.

Segundo Costa (2005), o conceito de talento foi tratado por muitos

especialistas, não só no âmbito do desporto, mas também na matemática, na

literatura, na música, no cinema, o que é suficiente para perceber que esta

palavra vem sendo insistentemente aplicada nas mais diversas áreas.

Contudo, é difícil estabelecer uma definição deste conceito, o que faz

com que seja importante determinar o seu significado. Assim sendo, veremos

qual o significado que comporta o conceito de talento segundo alguns autores.

Numa primeira pesquisa, procuramos ver o significado ao Grande

Dicionário da Língua Portuguesa (1981: 445), e verificamos que talento

significa “intelectualmente brilhante; inteligência superior que se afirma por

méritos excepcionais; pessoa promissora ou dotada de inteligência invulgar;

aptidão natural ou faculdade adquirida”.

Numa perspectiva de talento segundo uma presença de capacidades ou

características, encontramos a definição de Léger (1986, cit. Costa 2005), o

talento se pode definir como uma capacidade ou habilidade para uma

actividade particular ou um determinado desporto, natural ou adquirida.

A definição apresentada por Hahn (1988) parece ser, contudo, a mais

adequada, afirmando que o talento desportivo é uma competência acentuada

numa direcção, superando a medida normal, que ainda não está de todo

desenvolvida, acrescentando ainda que é uma disposição acima do normal, de

poder e querer realizar rendimentos elevados no campo do desporto.

Em termos gerais, falamos de sujeitos com talento desportivo, quando a

sua capacidade de assimilação e rendimento se destacam numa especialidade

Revisão da Literatura

15 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

desportiva concreta e possuem características que os distinguem dos demais e

que são a base do seu elevado rendimento.

Hahn (1988) considera que o jovem talento desportivo é aquele que

aprende depressa, e de forma duradoura, ou aquele que possui predisposição

para o alto rendimento, muito acima da média.

Procurando ser mais específico, Weineck (1991) apresentou três

expressões para definir talento: motor geral, talento desportivo e talento

desportivo específico. Por talento motor geral entende-se a capacidade de

adquirir rapidamente destrezas motoras; enquanto, por talento desportivo

consideramos todos aquelas pessoas com condições superiores, alta

adaptabilidade de recursos, criatividade, grande capacidade de resolução de

problemas e grande habilidade motora. O conceito de talento desportivo

específico integra os sujeitos que nasceram para um determinado desporto,

mesmo dispondo de uma grande capacidade condiciona e coordenativa para

vários desportos, mas a envolvência social e o seu perfil psicológico levaram-

no a ser altamente eficaz nesse desporto.

O talento desportivo pode ser determinado por condições e

pressupostos físicos e psíquicos, que lhes permitem alcançar prestações de

alto nível num determinado desporto. Dentro desta perspectiva, pensamos no

talento desportivo como a atitude e capacidade natural de alcançar um alto

rendimento nesse desporto. Descrevemos os talentos desportivos como sendo

as pessoas com condições superiores, com elevada adaptabilidade e

criatividade.

Alguns autores utilizam a expressão “jovem talento de sucesso” em vez

de talento desportivo por a considerarem mais sensata e esclarecedora. O

conceito de “talento desportivo” não foi ainda suficientemente objectivo e

preciso, tornando-se por isso extremamente difícil o recurso de estratégias

validas para a sua avaliação e identificação.

A expressão “jovem atleta de sucesso” é por vezes utilizada para se

referir a atletas campeões, que apresentam o mais alto nível de habilidade na

modalidade desportiva que praticam. Procurando enquadrar melhor esta

definição, Bloom (1985) acrescentou quatro características partilhadas pelos

Revisão da Literatura

16 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

jovens atletas de sucesso: interesse e empenhamento no campo escolhido;

vontade de realizar trabalho intenso para obter elevada expressão na

actividade escolhida; elevada motivação e interesse; capacidade e facilidade

de aprendizagem. A estas características Maia (2000), acrescenta o sucesso

como sendo um atributo indissociável deste tipo de atleta, sugerindo a

substituição da designação de talento desportivo pela de jovem atleta de

sucesso, pelo facto de este ser o resultado que todos ambicionam.

Através da investigação feita, reparo que muitas vezes o termo talento

está relacionado, ou é em muitos casos visto, sinónimo de experto.

Tal como nos indica Costa (2005), na actualidade observa-se cada vez

mais que alguém tido como um individuo de talento é agora encarado como

experto, de tal forma que, este conceito supõe uma aproximação totalmente

diferente do conceito de talento utilizado até então.

Para Durand-Bush & Salmela (1996) o experto é definido como alguém

experimentado, ensinado a partir da prática, habilidoso, ágil, disposto; com

facilidade para render a partir da prática. Uma pessoa habilidosa ou

experimentada. Estes mesmos autores afirmam que esta definição tem algo de

interessante, pois por varias vezes o conceito de prática e experiencia aparece

varias vezes, o que demonstra através desta perspectiva que o importante é o

trabalho e a prática.

Salmela (1997) acrescenta que o conceito de talento se modificou e que,

antigamente, a noção de talento estava associada a um conjunto de

capacidades inerentes ao sujeito, que determinavam o rendimento do

desportista. Este autor afirma ainda que a pedra angular do desenvolvimento

da experiencia é a prática sustentada e altamente estruturada com o principio

de melhorar o rendimento desportivo. Assinala também, o facto de que esta

prática não é agradável nem divertida, e que é aqui onde o papel do treinador

adquire protagonismo.

Ora seguindo a linha de pensamento descrita, verifico que o treinador

tem, junto do tempo de prática do talento um papel fundamental, neste ponto

Mesquita (1991) salienta que, é evidente a influencia das decisões do treinador

na natureza das experiencias dos praticantes, tanto na qualidade como na

Revisão da Literatura

17 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

quantidade das situações de aprendizagem que proporciona, interferindo nos

níveis de prestação motora alcançados.

Através das afirmações atrás referidas, verifico que existem dois

aspectos fundamentais no processo de treino para chegar à expertise, por um

lado a quantidade de treino, através do conceito da prática deliberada adquiria

durante o processo de formação, onde iremos ver através dos estudos de

Ericsson, por outro lado a influencia do treinador em todo o processo, este

levando-nos para a qualidade do processo de formação do talento.

2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol sustentada

pelo Jogo: Especificidade

“O jogo treina o nosso G.R. ... o treino tem que ser o mais integrador possível dos

constrangimentos proporcionados pelo jogo” (Oliveira, 2009).

A Especificidade que aqui pretendemos elucidar, depara-se com a

pluralidade do Jogo de Futebol e se constituiu numa busca permanente de

melhorar cada vez mais o modelo de jogo da equipa. A Especificidade do

modelo de jogo que integra os princípios que «regem» a acção do G.R. em

jogo e orienta a prática de treino.

“O conceito de Especificidade centra-se na procura de adequação dos

efeitos do treino, não só à modalidade em causa, mas fundamentalmente ao

modelo de jogo adoptado” (Freitas, 2005). “Só se poderá chamar

especificidade à Especificidade se houver uma permanente e constante relação

entre as dimensões psico-cognitivas, táctico-técnicas, físicas e coordenativas,

em correlação permanente com o modelo de jogo adoptado e respectivos

princípios que lhe dão corpo” (Guilherme Oliveira, 1991).

O Jogo é um suporte para a organização e desenho das tarefas

específicas para o treino do G.R., que devem assegurar um trabalho em que se

realizem situações semelhantes à própria competição (Sainz de Baranda,

2005).

Revisão da Literatura

18 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser

feito criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de

decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo

autor e na continuidade do pensamento citado, “a concentração também está

sempre presente e a ser trabalhada”.

Na continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração

esteja sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão

e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração

intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta

atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”.

Neste sentido, Guilherme Oliveira (2004 cit. Freitas, 2005) menciona que “ser

trabalhada a forma de jogar exige determinado tipo de concentração, quando

nós direccionamos o treino para essa forma de jogar uma evidência do nosso

jogo, também estamos a apelar para que a concentração necessária para essa

forma de jogar também seja treinada”. O mesmo autor conclui que “a

concentração é uma das coisas que se treina para que no jogo nós sejamos

melhores e consigamos fazer as coisas como pretendemos”.

Na perspectiva de Mourinho (2004 cit. Freitas, 2005), a forma adequada

de potenciar a concentração táctica nos treinos “é a construção de exercícios

que exigem essa mesma concentração e a construção dos exercícios que o

exigem são exercícios não analíticos, mas sim exercícios onde os jogadores

têm que pensar muito, comunicar muito e exercícios de complexidade

crescente que os obriguem a uma concentração permanente”.

Para compreender esta forma de operacionalização ao nível da

concentração, importa referir o processo de apresentação mental de

conhecimentos. Segundo Damásio (1995), este processo só é possível se duas

condições se verificarem; primeiro temos de ser capazes de usar mecanismos

de atenção básica (concentração específica) que permitam a manutenção de

uma imagem mental na consciência com a exclusão relativa de outras.

Segundo, é necessária a existência de um mecanismo de memória de trabalho

básica (alcançada pela especificidade), que mantém activas diversas imagens

separadas, durante um período relativamente extenso de centenas de milhares

Revisão da Literatura

19 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

de milissegundos. Quer o pensamento e o movimento requerem

processamentos concomitantes, a organização das diversas sequências

ordenadas deve decorrer continuamente (através da Especificidade) (Damásio,

1995).

Para esta Especificidade se evidenciar no nosso jogar o treino deverá

ser orientado pela prática sistemática, sendo um processo rico em criar hábitos.

Para além da repetição, a aprendizagem necessita de uma intencionalidade

nas acções repetidas dos jogadores, “só o movimento intencional é educativo”

(Frade, 2007).

Segundo Faria (2002 cit. Freitas 2005), “o hábito é um saber fazer que

se adquire na acção, ou seja, tu aprendes a fazer qualquer coisa a partir da

acção que estás a realizar. E agora essa acção, que tu sabes, à partida, que o

jogador sabe fazer, sabe jogar, mas o que se torna importante é orientar esse

jogar para um determinado objectivo”.

Para Manno (1982 cit. Carvalhal, 2001), os fenómenos de adaptação

que estão na base da elevação do rendimento estão ligados à especificidade

do estímulo, que, no treino, é constituído principalmente pelo exercício. Um

exercício específico deve constituir uma propensão das coisas que mais

queremos que apareçam no nosso jogo, introduzindo comportamentos o mais

semelhante possível aos pretendidos pelo nosso modelo de jogo (Frade, 2001

cit. Tavares 2003).

Para alcançar a Especificidade no treino de G.R. de Futebol segundo

Oliveira (2009), a forma de o fazer (treino em Especificidade) passa pelo uso

de jogadores de campo para trabalhar especificamente o G.R. ou através dos

G.R. do plantel. O mesmo autor expõe um exemplo: “por norma, os planteis

têm 3 G.R. e a utilização dos 3 G.R. possibilita a realização de situações

semelhantes ao jogo. Situações onde os G.R. vivenciam as posições de

jogador de campo, onde também estão a trabalhar aspectos motores, a

trabalhar a distribuição ao nível do pé e a perceber como pensa um médio, um

avançado. É uma vantagem para o trabalho que realizarão a seguir”.

Portanto, o G.R. deve receber treinos “especiais”, o que não significa

excesso, quantidade de treino, mas sim qualidade (Voser et al., 2006).

Revisão da Literatura

20 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear

sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de

estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão,

principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a

necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física

dentro das sessões de treino.

Do ponto de vista da posição específica de G.R., o objectivo final do

processo de treino, será a optimização de uma correcta execução de cada

gesto, conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção que

precederá a decisão da acção a realizar seja mínimo. No entanto, na

perspectiva de Sainz de Baranda (2003) a eficácia do G.R. será determinada

pela:

Qualidade da análise e percepção do jogo para resolver situações;

Qualidade da tomada de decisões (pensamento táctico);

Qualidade no momento de seleccionar a acção física a realizar antes do

gesto técnico;

Qualidade da execução técnica;

Qualidade no domínio de diversas variáveis psicológicas (ansiedade,

auto-confiança);

Qualidade no conhecimento teórico do jogo;

Qualidade no treino biológico.

Neste sentido, Piéron (1989) enfatiza a necessidade de um amplo tempo

de actividade para alcançar maiores progressos nos alunos, mas também, não

é por estar mais tempo dedicado a aprender uma determinada actividade

motora, que conseguirá realiza-la melhor, mas será necessário realiza-la com

uns determinados níveis de qualidade.

Constato que a qualidade da prática de treino do G.R. de Futebol não se

esgota na exercitação em Especificidade das acções do G.R. em jogo,

prolonga-se na reflexão crítica induzida pelo técnico ou pela capacidade de

auto-análise do G.R. Neste sentido, Voser et al. (2006) estende a exercitação

em Especificidade da aprendizagem das acções do G.R em jogo até à

Revisão da Literatura

21 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

complementaridade de uma análise criteriosa do seu desempenho nos treinos

e nos jogos por parte do técnico de G.R. e da equipa técnica. Portanto, a

análise da acção e participação do G.R. em competição, definirá as chaves

para planear as tarefas que assegurem um trabalho onde se desenvolvam

situações mais semelhantes à lógica interna do futebol (Sainz de Baranda &

Ortega, 2002). Podemos entender que só uma descrição detalhada e

pertinente da acção do G.R. em jogo pode formar a base e o sustento dos

treinos para um maior rendimento do jogador em competição.

Para a realização de uma aprendizagem significativa ao exercitar em

Especificidade as acções do G.R., no entender de Sainz de Baranda (2003),

será fundamental a actuação do técnico, o qual deverá utilizar, quase maneira

exclusiva, o feedback interrogativo, com o objectivo de fomentar a capacidade

de reflexão do desportista, que deverá descobrir e indagar sobre o porquê de

cada uma das suas condutas, assim como se estas são as mais interessantes

para solucionar de maneira eficaz o problema que se depara. O mesmo autor

refere que o uso deste tipo de feedback fomenta a capacidade de reflexão e

compreensão da aprendizagem, para facultar a descoberta e entendimento do

porquê e como solucionar os diferentes problemas que são colocados pelas

distintas tarefas ou exercícios que projectam o jogo.

O G.R. de futebol necessita de um treino complementar, diferente dos

seus colegas jogadores de campo, visto ser o único elemento da equipa que,

dentro da área de grande penalidade, pode jogar a bola com as mãos e pelas

características singulares das acções Específicas no jogo que compõem os

níveis de performance do G.R. de Futebol. Estes níveis de performance são a

“Arte do G.R.”, como Gaspar (2009) denominou durante a prelecção no

seminário técnico “Operacionalização do treino de G.R. Da teoria à Prática”.

Revisão da Literatura

22 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno

“O desporto é a oitava arte (Lenk, 1995) onde se pode cultivar a beleza das formas de acção

livres da pressão utilitarista do quotidiano” (Bento, 1998, p.152)

“Um goleiro (G.R.) bem treinado poderá contribuir positivamente com sua equipe na construção

de uma vitória” (Voser et al., 2006, p.126).

Ao ler as citações introdutórias, visualizamos as acções desportivas

como sendo uma arte, cultivando a beleza do movimento, a criação

espontânea em jogo pelo cultivo quotidiano dessas formas de jogar e a

importância da expressão livre das formas de acção do G.R. no jogo de uma

equipa de Futebol. Pensamos, de facto, que o G.R. se constituí como um

elemento muito importante no seio de uma equipa de futebol dada a função

que desempenha, ou seja, afirma-se como o último obstáculo ao golo. Para

Howe & Scovell (1991), o G.R. de futebol é até o elemento mais importante de

uma equipa, pois qualquer equívoco ou falha pode afectar negativamente o

trabalho de toda a equipa.

Dentro deste quadro conceptual, podemos perceber que a arte emerge

de um estilo próprio, não existe uma forma única de jogar, e cada G.R. tem

uma performance singular. Neste sentido, para compreender o G.R. de nível

superior, um perito na arte de G.R., temos de analisar o Futebol moderno e de

indagar dentro do jogo de uma equipa de Futebol, perceber qual a forma de

jogar dessa equipa e extrair qual é o papel do G.R. nesse jogo. A forma de

jogar de uma equipa deverá resultar do Modelo de Jogo construído pelas ideias

do treinador e segundo Tamarit (2007) representará um conjunto de

comportamentos que se manifestam de forma regular e sistemática nos quatro

momentos de Jogo, a organização defensiva, organização ofensiva e as

transições defesa-ataque e ataque-defesa. Para perceber os níveis de

performance do G.R., a análise da competição é um meio para melhorar o

conhecimento do jogo do G.R., desde uma perspectiva física e táctico-técnica

(Sainz de Baranda, 2005).

Revisão da Literatura

23 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Para perceber o papel do G.R. no Futebol moderno, segundo Oliveira

(2009) a análise de quatro aspectos centrais da evolução do jogo responde às

mais recentes exigências:

Desde há uns tempos para cá mudaram as leis de jogo, no atraso para

o G.R. deixou de ser possível agarrar com as mãos e passou a ser uma

acção regulamentada pela obrigatoriedade de jogar com os pés. Assim,

conduziu a um aumento da carga de responsabilidade do G.R. no jogo e

no desenvolvimento deste. A obrigatoriedade do G.R. ser o elemento

mais complemento e mais polivalente da equipa, conduziu às

necessidades técnicas com as mãos e com os pés, deixou de só jogar

recuado e com as mãos e passou a ter um papel importante nas acções

ofensivas através da sua capacidade de distribuição do jogo da equipa.

Mudanças e necessidades tácticas: o G.R. não é só um elemento de

equipa que permanece nas costas da defesa, é um jogador que se

movimenta nas costas da defesa, tem obrigações tácticas para o

equilíbrio das acções defensivas da equipa, o libero dos tempos

modernos. As equipas quando se constroem têm de compreender que

tem um jogador recuado, posicionado atrás da linha defensiva a proteger

o espaço nas costas da defesa.

O aumento do número de cruzamentos é uma evidência do jogo no

futebol actual e perspectiva que o G.R. seja forte no jogo aéreo.

A qualidade no jogo ofensivo: distribuição curta e longa; é uma «arma»

muito importante para a equipa. Corresponde à possibilidade de dar à

equipa uma transição rápida para surpreender o adversário.

O aumento da velocidade do jogo: o jogo é mais rápido e procurasse a

velocidade para surpreender e ultrapassar o adversário. Cada vez mais

os treinadores procuram jogadores rápidos nas acções motoras do jogo

e nas acções de execução da leitura do mesmo jogo. As transições no

jogo, também influenciam o trabalho do G.R., o ritmo de jogo é elevado

e a velocidade de reacção, a tomada de decisão táctica tem de ser mais

rápida.

Revisão da Literatura

24 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Importância social e a pressão psicológica: o futebol moderno é uma

janela de mediatismo, de milhões de pessoas, de milhões de euros.

Jogar perante milhões de pessoas um jogo que decide pontos, pontos

esses que decidem campeonatos que podem valer milhões de euros,

coloca uma enorme responsabilidade, uma pressão social e psicológica

muito elevada. Um erro mínimo leva à crítica máxima. Parece fácil mas

não é, um bom G.R. pode ganhar épocas e campeonatos.

A função do G.R. dentro da dinâmica da equipa foi um dos aspectos

básicos do jogo que maior evolução conheceu, tendo como consequência o

aumento considerável da sua responsabilidade dentro da equipa. Nos primeiros

esquemas tácticos a actividade do G.R. consistia essencialmente em não

deixar que a bola ultrapassasse a linha de golo.

Conscientes da importância da acção do G.R. em jogo, da complexidade

e da Especificidade dos comportamentos em jogo, segundo Voser et al. (2006),

só sentimos a necessidade de maiores informações sobre as reais exigências

técnicas do G.R. durante o jogo. O mesmo autor refere a preocupação da

formação de base do G.R. ao nível das qualidades físicas, técnicas, tácticas e

psicológicas. De uma forma global entendemos as referidas quatro dimensões

como os níveis de performance do G.R. de Futebol.

Do ponto de vista da posição específica de G.R. de Futebol, segundo

Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de aprendizagem,

será a realização de uma correcta execução de cada gesto, conseguir uma

automatização do mesmo e que o tempo de reacção para decidir a acção a

realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem que a eficácia do

G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção das situações de

jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões (pensamento

táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção física a realizar antes

do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela qualidade da

execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas variáveis

psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no conhecimento

teórico do jogo e pela qualidade no treino biológico.

Revisão da Literatura

25 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol

“Só podia ser melhor se treinasse mais 20% que os meus rivais. A verdadeira luta começa

quando estás morto de cansaço. Estás KO mas dizes OK. Este é o segredo!” (Toni Shumacher,

s/d cit. Oliveira, 2006).

2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão

A táctica é entendida como o conjunto de normas, comportamentos

individuais e colectivos, com o objectivo de realizar uma prestação com

sucesso a partir da contribuição activa e consciente durante o jogo (Matvéiev,

1986). Frequentemente a táctica é conotada como a gestão inteligente do

comportamento nas situações de conflitualidade (Garganta, 1997).

Assim os comportamentos tácticos dos jogadores resultam das relações

de cooperação e oposição e, portanto, das sucessivas transformações que

decorrem ao longo do jogo (Garganta, 1997) estando estas, por sua vez,

sujeitas aos constrangimentos situacionais. A inteligência é entendida como a

capacidade de adaptação a novas situações, isto é, a capacidade de elaborar e

realizar respostas ajustadas aos problemas colocados pelas situações

imprevistas que vão sucedendo ao longo do jogo (Garganta, 1995). Assim

sendo, a dimensão cognitiva é determinante na performance surgindo como

indicador de diferenciação qualitativa dos jogadores. A sua importância é

realçada no facto de esta dimensão possuir um elevado poder no grau de

sucesso das equipas, principalmente quando existe equilíbrio entre as

restantes componentes do rendimento desportivo (Tavares, 1993).

A relação da dimensão cognitiva com a componente táctica é

inquestionável, na medida em que as capacidades cognitivas de antecipação,

percepção e tomada de decisão estão dependentes dos conceitos tácticos.

Porém, as nossas decisões nunca dependem apenas da razão, pelo simples

motivo que o espírito não está separado do corpo (Denigot, 2004). Segundo

Damásio (2003) a emoção e o sentimento desempenham um papel no

raciocínio e quando o papel é benéfico, a presença da emoção e do sentimento

é indispensável.

Revisão da Literatura

26 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

“Raciocinar e decidir implicam habitualmente que o decisor (G.R.) tenha

conhecimento da situação que requer uma decisão, das diferentes opções de

resposta e das consequências de cada uma dessas opções (resultados),

imediatamente ou no futuro” (Freitas, 2005). Dentro de um quadro de diferentes

opções de resposta perante uma dada situação, segundo Damásio (1995), as

boas decisões, além de outros elementos, necessitam de imagens. Neste

sentido, ao extrapolar a ideia de Damásio para o Jogo de Futebol, a construção

de imagens para as boas decisões em jogo é suportada pelas experiências

anteriores vividas no jogo e no treino.

A capacidade de estabelecer uma relação mental entre a situação

adquirida e a respectiva solução representa, na competição, o aspecto

fundamental para solucionar o problema de forma ajustada e oportuna

(Castelo, 1998).

A relação de comprometimento existente entre a selecção e a execução

da resposta é esclarecida por Mesquita (1998) ao afirmar que, quanto mais

refinado for o nível técnico do jogador, mais predisposto ele está para analisar

o jogo e, concomitantemente, poder decidir melhor.

Deste modo, é natural que, na nossa intervenção diária no processo de

treino, encontremos atletas que decidem bem em pouco tempo e outros que

demoram a decidir e não raras vezes decidem da forma errada. A decisão pode

ser entendida como o acto consciente de selecção da resposta que melhor

soluciona um determinado problema proveniente de uma determinada situação.

Mas, antes de decidir qual a solução, é necessário analisar a situação. Deste

modo, o processo de decisão inicia-se na análise da situação, da qual resultará

uma escolha da melhor solução que se manifesta através de um

comportamento do atleta.

Segundo Tavares (1993), a decisão pode ser entendida como um

conjunto de processos de selecção e de escolha, e não apenas o acto final,

considerando-a como o produto do processo.

O conceito de decisão está intimamente associado ao conceito de

estratégia sendo considerada como uma acção eminentemente táctica que

Revisão da Literatura

27 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

permite resolver da forma mais adequada a ambiguidade dos problemas do

jogo.

Araújo (1997) classifica a decisão em três níveis distintos: (I) decisão

estratégica (o jogador decide rematar em vez de passar), (II) decisão táctica (o

extremo esquerdo movimenta-se para o meio aclarando o espaço para a

progressão do lateral esquerdo) e (III) decisão propriamente dita (o extremo

direito decide arrancar em velocidade porque sabe que é mais rápido que o seu

defensor).

Por sua vez, Januário (1992, cit. Miragaia, 2001) propõe uma

classificação em função do tempo de latência, isto é, do tempo que medeia a

tomada de decisão e a execução técnica do movimento. Deste modo temos (I)

decisões reflexivas as quais representam constructos mais gerais em relação

ao processo ensino-aprendizagem (estruturação dos conteúdos, determinação

dos objectivos finais), (II) decisões imediatas caracterizadas por um tipo de

raciocínio rápido e muitas vezes intuitivo (grande parte das decisões em

situações inesperadas) e (III) decisões de rotina, respondendo prontamente a

situações já vivenciadas, automatizadas (conjunto de rotinas de ensino).

De acordo com Araújo (1997) as decisões tomadas em situações

desportivas desenrolam-se a partir de duas lógicas complementares: (I) a

lógica interna da modalidade, que define o âmbito em que podem ser tomadas

as decisões, isto é, de acordo com as regras regulamentares e estratégicas, e

(II) a lógica dos sujeitos, de acordo com o seu estilo cognitivo e com os seus

conhecimentos e vivências anteriores, permite aos jogadores decidir sobre

dados objectivos, mas tendo em conta a subjectividade na sua percepção e

análise.

No desporto, as decisões podem ser únicas ou repetidas, individuais ou

colectivas, dependendo da natureza da actividade praticado, bem como das

exigências de regulação que esta solicita ao atleta (Araújo, 1997).

A dominância de muitas respostas/decisões em futebol tem origem no

inconsciente. Este lado neural pode criar hábitos e estes podem melhorar a

capacidade de decisão consoante as variadíssimas situações de jogo. A

antecipação está relacionada com este desempenho. Jogar em antecipação é

Revisão da Literatura

28 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

prever decisões do adversário e agir consoante indicações que somos capazes

de perspectivar, segundo Goleman (2003), estes estímulos são traduzidos nas

amígdalas do cérebro e através do inconsciente é tomada uma decisão.

As intenções em actos são livres, mas não de todo livres porque estão

condicionadas às intenções prévias da organização estruturada pelo treino.

Inerente à tomada de decisão está a velocidade de execução. O

incremento da velocidade de execução na tomada de decisão é orientado para

o desenvolvimento consoante a modelação do jogo. É também interveniente na

velocidade de execução, o tempo de reacção simples individual e o tempo de

escolha. No tempo de reacção de escolha são apresentados dois ou mais

estímulos diferentes, cada um com a sua resposta específica, caracterizando-

se pela incerteza da mesma, do desconhecimento da natureza do estímulo e

do momento do seu aparecimento. Ou seja, o indivíduo terá que seleccionar a

resposta adequada, de entre as possíveis, para o estímulo apresentado

(Tavares, 1993). No tempo de reacção simples há aplicação de um único

estímulo, para o qual existe uma resposta predeterminada, isto é, o estímulo é

sempre o mesmo e a resposta também. Por conseguinte, o tempo de reacção

simples é o intervalo entre a aplicação do estímulo e a execução da resposta

na condição de o sujeito responder tão rápido quanto possível (Whiting, 1979).

A tomada de decisão é um domínio influente na modelação táctica da

equipa. Treinada pela causalidade do treino dentro dos múltiplos domínios

integrantes do “Todo” que no treino fazem perspectivar a competição.

Podemos então verificar que a tomada de decisão é um domínio

importante para os jogadores, determinando o sucesso das acções táctico-

técnicas. É, igualmente, uma condição determinante para o rendimento

desportivo diferenciando os jogadores e evidenciando aqueles que pertencem

a um grupo de rendimento superior.

Para Oliveira (2009), o comportamento táctico é o ponto fulcral para o

desenvolvimento de um G.R. de alta competição. Para o mesmo autor, o

aspecto de tomar uma decisão adequada constitui-se como preponderante

para o melhor desempenho de um G.R. Entende que o jogo treina o G.R. e o

Revisão da Literatura

29 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

treino tem de ser o mais integrador possível dos constrangimentos vividos no

jogo.

Segundo o estudo de Castelo (1996) relativo à racionalização das

tarefas tácticas dos jogadores, define as atitudes e comportamentos técnico-

tácticos específicos do G.R. no processo ofensivo em seis aspectos:

1- O guarda-redes dentro do processo ofensivo é considerado o 1º

atacante, logo, deverá aumentar ou diminuir o ritmo de jogo da sua

equipa através da reposição rápida ou lenta da bola em jogo,

escolhendo o companheiro melhor posicionado.

2- A partir da sua posição é possível uma observação global do terreno de

jogo, dirigindo essencialmente os companheiros da última linha

defensiva.

3- Deverá executar os pontapés de baliza, evitando assim a inferioridade

numérica que sucederia se fosse um companheiro a executá-lo.

4- Deverá quebrar o ritmo de jogo ofensivo da equipa adversária, através

de “demoras” na reposição da bola em jogo, de conduções de bola

dentro da sua grande área, ou através de passes curtos que serão

devolvidos pelo seu defesa central.

5- Assegura constantemente linhas de passe seguros aos seus

companheiros, fazendo uso das vantagens que as Leis do jogo lhes

conferem, no que diz respeito ao seu controlo e protecção da bola com

as mãos.

6- Deverá transparecer tranquilidade, confiança e segurança aos

companheiros, para que assumam comportamentos mais arriscados,

pois sabem que existe confiança “nas suas costas”.

“Dentro do processo ofensivo o guarda-redes é considerado o primeiro

atacante, pois devido ao seu posicionamento tem uma visão global do terreno

de jogo, dirigindo essencialmente os comportamentos técnico-tácticos dos

companheiros da última linha defensiva” (Castelo, 1996: p.110). O mesmo

autor, também define as atitudes e comportamentos técnico-tácticos

específicos do G.R. no processo defensivo em cinco aspectos:

Revisão da Literatura

30 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

1- Dentro do processo defensivo é considerado o último defesa, logo, a sua

tarefa primordial é de proteger a baliza;

2- Deverá aconselhar e dirigir os seus companheiros tanto nas situações

de bola de jogo como nas situações de bola parada, utilizando uma

linguagem constituída por expressões curtas, simples e inequívocas;

3- Deverá constantemente ler o jogo e em situações de emergência deverá

sair da sua grande área e jogar a bola com os pés;

4- Evitará sair da baliza se o atacante está a ser acompanhado e

pressionado por um dos seus companheiros;

5- Deverá transmitir constantemente tranquilidade, confiança e segurança

aos companheiros.

Neste estudo de Castelo podemos observar os parâmetros que

constituem os princípios que orientam a acção do G.R. no “Jogo”. Estes

parâmetros são formalizados pelo autor de acordo com a sua concepção

ideológica de jogo, assim atribui uma identidade singular aos princípios que

regem os comportamentos do G.R. em jogo. Em concordância com o tema

desenvolvido no ponto anterior, os princípios de jogo devem ser concebidos

pelo treinador e constituem o modelo de jogo da equipa, o qual concebe a

Especificidade do Jogo. “A táctica individual do guarda-redes deverá estar

inserida, necessariamente, na táctica da equipa, a qual decorre do modelo de

jogo preconizado” (Madeira, 2002, p. 18)

Percorrida a análise global, é imprescindível verificar quais os

comportamentos tácticos que o G.R. de alto nível deve dominar.

Esteves (2006) determina de uma forma geral oito competências tácticas

do G.R. de Futebol em situações normais de jogo: jogo de posição (é primordial

para o comportamento táctico do G.R, determina a movimentação do G.R. em

função da direcção da bola, dos seus companheiros e dos seus adversários;

“Nos remates à baliza o guarda-redes deverá estar sempre na bissectriz do

espaço angular, tendo como vértice a bola e como lados as linhas imaginárias

da própria bola com os postes da baliza. Quando tem que parar um remate e

se encontra adiantado, será muito útil ter como pontos de referência as

esquinas da grande área e a marca de grande penalidade, ou o semi-círculo

Revisão da Literatura

31 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

superior da grande área; só com estas referências poderá imaginar a sua

posição em relação à baliza” (Esteves, 2006, p. 24); organizador e coordenador

da defesa (por estar situado numa posição mais recuada e privilegiada para

dirigir com a voz os movimentos da defesa, deve ter o conhecimento do modo

e dos princípios que determinam o comportamento da equipa, nomeadamente

das linhas estruturais organizativas com quem estabelece relação);

comportamento diante situações recorrentes (acções defensivas (pontapés de

canto, livres, lançamentos laterais e penaltis) e ofensivas (pontapés de baliza)

em situações de bola parada. Pelos registos estatísticos é um momento de

jogo com elevado grau de importância devido ao crescente registo de golos a

partir destas situações recorrentes); iniciador do ataque (o G.R. é o primeiro

atacante, em ataque posicional e contra-ataque); duelos com adversários 1x1

(é um confronto com o adversário de elevada dificuldade e o mais importante é

manter o centro de gravidade baixo, o equilíbrio, as pernas e os braços semi-

abertos para aguentar sem cair precipitadamente, deve ir em uma ou outra

direcção ao mesmo tempo que o atacante para pressionar e ir ganhando

terreno sem que ele remate. A progressão, a decisão e a agressividade são

importantes neste tipo de acções porque o momento de intervir é quando a

bola está mais distante do pé do avançado e fora da acção de controlo deste)

domínio – autoridade na grande área (é uma capacidade determinante e no

futebol actual não se reside a dominar só a grande área, mas também o

espaço entre o G.R. e a linha defensiva. O G.R. tem de acompanhar e

interpretar a situação defensiva e por exemplo, optar pela saída da baliza com

determinação e interceptar o ataque adversário ou permanece na baliza; o

controlo do espaço aéreo dentro da grande área em situações de

cruzamentos); apoio ao bloco defensivo (o G.R. deve estar preparado para

jogar perante as solicitações da sua equipa, apoiar a circulação de bola ou

mesmo possibilitar a progressão da equipa no terreno de jogo através de um

passe longo) gestão do tempo de jogo (o G.R. pode ter uma acção importante

na gestão do ritmo de jogo, temporizando ou acelerando consoante as

intenções e circunstâncias do jogo).

Revisão da Literatura

32 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Oliveira (2009) interpreta a globalidade do comportamento táctico do

G.R. em três tipos de acções:

- Evitar situações de perigo: através da comunicação.

- Evitar sofrer golo: saber escolher o posicionamento correcto em função

da situação de jogo e da sua variabilidade e imprevisibilidade. Saber

decidir o seu posicionamento e a sua acção técnica adequada.

- Depois de recuperar a bola, iniciar correctamente o jogo, as acções de

posse de bola, quer seja em acção de distribuição curta ou longa.

A missão primordial do G.R. é impedir que o adversário faça golo, porém

a complexidade do jogo abre o leque de comportamentos solicitados ao G.R.

nos diferentes momentos de jogo.

“Face ao jogo de Futebol, tal como em qualquer outro jogo desportivo

colectivo, o problema primeiro que se coloca ao indivíduo que joga, é sempre

de natureza táctica, isto é, o praticante deve saber o que fazer, para poder

resolver o problema subsequente, o como fazer, seleccionando e utilizando a

resposta motora mais adequada” (Garganta & Pinto, 1998, p.98).

2.6.2 Qualidades Técnicas

Nos Desportos Colectivos, nomeadamente no Futebol, as habilidades do

jogo são de “natureza aberta” (Tavares, Greco & Garganta, 2006). Como o

futebol é um jogo situacional de oposição activa, ou seja, é uma actividade

onde a oposição directa regula de forma significativa o desempenho,

concebendo assim situações que acarretam e exigem respostas diferenciadas

(Garganta, 2006). E de acordo com o mesmo autor, essas situações ocorrem

em contextos de elevada imprevisibilidade e aleatoriedade. As habilidades

técnicas Realizam-se normalmente em contextos onde o envolvimento é

imprevisível e onde a sua execução é condicionada pelos demasiados

constrangimentos externos (posição e movimentos dos colegas e adversários,

zona do terreno ou adversário a defender ou a atacar, distância do alvo,

trajectórias e velocidade da bola, etc.) de cada momento do jogo (Graça, 1994).

Revisão da Literatura

33 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

No Futebol, a execução técnica é determinada por condições inerentes ao

contexto táctico, “de tal forma isto acontece, que em duas técnicas formalmente

similares, qualquer manipulação da estrutura duma delas, através por exemplo

da modificação do ritmo de execução, produz alterações importantes, daí

resultando técnicas diferentes” (Garganta & Pinto, 1998, p.99).

Em termos gerais, a técnica é definida como “o conjunto de processos

utilizados para obter certo resultado” (Dicionário de Língua Portuguesa, 2004).

Porém, quando falamos no âmbito do desporto, existem vários conceitos

de técnica.

De acordo com Matvéiev (1986), a técnica é um modelo ideal da acção

competitiva (mental, verbal, matemático ou outro), produzidos com base na

experiência prática ou mesmo teórica.

Garganta & Pinto (1998) definem a técnica como um conjunto de

recursos motores específicos que os jogadores apresentam no momento de

concretizar a acção. Os mesmos autores descrevem a verdadeira dimensão da

técnica subjugada à utilidade desta servir a inteligência e a capacidade de

decisão táctica dos jogadores e das equipas em jogo.

Tavares (1993) refere que a técnica deve ser entendida como um

sistema de acções motoras racionais, que quando realizadas de forma

eficiente, permitem atingir elevados níveis de eficácia na aquisição de um

resultado.

Garganta (2002) constata uma ambiguidade existente na literatura da

especialidade relativamente à definição teórica da técnica. Não sendo

consensual, o autor descreve duas perspectivas sobre o entendimento da

técnica:

As perspectivas que atribuem à técnica um sentido ideal e abstracto,

considera-se que a técnica é genérica, ideal e impessoal e que consiste

na execução dos elementos fundamentais do jogo: passe, recepção,

drible e outros, através da aplicação dos princípios da mecânica

humana, no sentido de tornar eficazes os gestos desportivos próprios da

modalidade. É privilegiada a dimensão eficiência da habilidade (forma de

realização), independentemente das dimensões eficácia (finalidade) e

Revisão da Literatura

34 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

adaptação, isto é, do ajustamento das soluções e respostas ao contexto,

enfatizando-se a dimensão gestual-técnica em detrimento da dimensão

jogo;

As perspectivas que atribuem à técnica uma faceta dinâmica, adaptativa

e relacional, a técnica é entendida como um meio da táctica pois implica

uma execução coordenada dos sistemas de percepção e resposta do

jogador, face ao envolvimento. A técnica e a táctica formam uma

unidade que se influencia reciprocamente. Esta perspectiva induz nos

praticantes uma apropriação inteligente dos elementos técnicos na sua

relação com as situações de jogo, condicionando positivamente o

desenvolvimento das capacidades cognitivas (percepção, antecipação e

tomada de decisão).

Actualmente os autores estudiosos da prática do G.R., consideram a

dimensão técnica da especificidade das acções do G.R. como sendo um

comportamento dinâmico, adaptado a uma situação e relacionado com as

capacidades cognitivas do G.R. que coordenam os sistemas de percepção e

resposta face ao contexto de jogo. Implica que se adapte a técnica específica

da execução motora à sua aplicação desportiva (Madir, 2002).

Voser et al. (2006) evidencia a importância de obter informações mais

fidedignas sobre aspectos importantes ocorridos durante os jogos, de forma a

poder constituir um planeamento de treino técnico associado ao treino físico,

táctico e psicológico, mais próximo da realidade dos jogos.

Oliveira (2009) caracteriza a complexidade do planeamento do treino de

G.R. de Futebol através da necessidade de integrar as condicionantes da

performance em jogo, para não desagregar os domínios complementares do

jogo (táctico, técnico, psicológico e físico). Para o mesmo autor, a habilidade

técnica é precedida de uma tomada de decisão, uma acção táctica.

A técnica específica do G.R. de Futebol pode ser dividida em quatro

categorias: acções defensivas com as mãos (base de actuação do G.R.), acção

defensiva com os pés, acções ofensivas com as mãos e acções ofensivas com

os pés (Voser et al., 2006).

Revisão da Literatura

35 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Marcellus (2004 cit. Nogueira et al. 2006) destaca como principais

acções técnicas defensivas os encaixes ao nível da cabeça e do peito, defesa

rasteira no meio e nas laterais, defesa a meia altura nas laterais, defesa alta no

meio, defesa alta nas laterais, saídas a cruzamentos, grande penalidade e

formação de barreiras.

Manoni et al. (1995) salienta dois grupos de acções técnicas: defensivas

e ofensivas. As acções técnicas defensivas reportam-se aos encaixes ao nível

do peito e do abdómen, às quedas laterais para ambos os lados rente ao chão,

a meia altura e altas, quedas laterais com desvio da forma referida

anteriormente e recepção aos cruzamentos altos, baixos e saídas. As acções

técnicas ofensivas abarcam o pontapé de baliza e os lançamentos (com a mão

tipo bowling, em parábola, com pé com a bola em jogo e o pontapé de saída).

Segundo Sarli (2000), o G.R. deve ser capaz de realizar o pontapé de

baliza e sair a jogar com as mãos e com os pés. Este autor refere ainda que

em termos de predisposição para as acções técnicas, o guarda-redes deve

aprender que tem de existir um encadeamento de acções. Se, por exemplo, o

G.R. realizar um encaixe, depois tem de iniciar a acção ofensiva através do uso

das mãos (lançamento) ou dos pés, jogando curto ou longo.

Neste sentido, o estudo de Sainz de Baranda et al. (2005b) refere a

importância das acções técnicas ofensivas em jogo, na actualidade têm cada

vez maior preponderância no jogo do G.R., pelo que devem figurar na

planificação do treino, a par das acções técnicas defensivas. A utilização das

mãos está sendo substituída pouco a pouco pelos pés: o domínio da bola com

os pés é imprescindível para o G.R. no futebol actual. Muitos guarda-redes

utilizam mais os pés que as mãos, tanto no jogo ofensivo como no defensivo

(Sainz de Baranda & Ortega Toro, 2002).

Gaspar (2009) distingue o leque de competências técnicas em três tipos:

técnicas de distribuição; atributos como jogador de campo (acções ofensivas) e

técnicas de intervenção (acções defensivas). Invariavelmente, no Futebol

Moderno, este aspecto terminológico revela a elevada importância da

integração do G.R. em todos os momentos do jogo.

Revisão da Literatura

36 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Decompõe as técnicas de distribuição:

Lançamento com a mão: Rasteiro (tipo bowling) e Por cima.

Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006).

Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006).

Pontapé longo: “Drop Kick” (a bola «bate» no chão) e “Full Volley” (sem

bater no chão).

Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006).

Revisão da Literatura

37 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006).

Pontapé de baliza.

Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006).

Apresenta os seguintes atributos como jogador de campo:

Reacção.

Recepção.

Passe curto e passe longo.

Subdivide as técnicas de intervenção:

Recepção: Bolas baixas; Bolas picadas; Bolas Médias; Bolas altas e

Bolas acima da cabeça.

Revisão da Literatura

38 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006).

Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006).

Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006).

Revisão da Literatura

39 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006).

Quedas laterais: Técnica de queda; Extensões altas; Bolas rasteiras;

Mobilidade de pés; Força e explosão e Técnica de levantar.

Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006).

Punhos/Soco: Com um punho; Com dois punhos.

Sacudir/Sapatadas: Por cima dos postes; Pelo lado dos postes.

Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006).

Revisão da Literatura

40 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Cruzamentos: Técnica de recepção; Timing; Trabalho de pés; Alcance e

Zona de Recepção.

Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006).

Um contra Um: Estilo de ataque e Como decidir (antes do remate,

durante ou após).

2.6.3 Padrão Psicológico

O bom jogador de Futebol ajusta-se não só às situações que vê, mas

também àquelas que prevê, decidindo em função das probabilidades de

evolução do jogo (Garganta & Pinto, 1994). Por isso, é usual ouvir treinadores

referir a importância de ter jogadores experientes, visto terem uma capacidade

de decisão rápida, uma vez que apenas se concentram no essencial. Mais uma

vez determinamos a melhor competência para seleccionar os estímulos de

jogo, como necessária para agir melhor mediante a situação, agindo

correctamente. Estes aspectos estão relacionados com alguns requisitos

psicológicos que influenciam a performance do G.R. em jogo e segundo

(Konzag, 1995) são: capacidade volitiva (tomada de decisão, disponibilidade

para o esforço, perseverança); capacidade de atenção (concentração,

intensidade); função cognitiva (capacidade perceptiva, capacidade de

Revisão da Literatura

41 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

raciocínio, de imaginação e capacidade de memória) e capacidade psicossocial

(capacidade de cooperação). Pelo facto da nossa capacidade de captar muita

informação ser limitada, devemos concentrar na informação mais relevante,

para assim ser mais fácil a sua codificação (Madeira, 2002). Assim, podemos

destacar a concentração, como uma capacidade associada à função cognitiva,

com elevada importância na performance desportiva e em particular, do G.R..

“Na concentração há dois aspectos fundamentais: por um lado está a atenção

nas situações ambientais pertinentes, eliminando portanto as que não são, e

por outro está a manutenção desse foco de atenção” (Esteves, 2006, p.31). O

mesmo autor refere que a concentração terá uma relação directa e implícita

com o rendimento do G.R. e quanto maior for a sua concentração, melhores

condições terá para realizar uma leitura e antecipar o estímulo. Visto que os

jovens têm uma capacidade de atenção limitada, é especialmente necessário

estimular esta característica psicológica.

Gaspar (2006) distingue as seguintes qualidades psicológicas no G.R.

de Futebol: concentração (o jogo é um campo de distracções, o G.R. tem de

ser centrar nos factores centrais do jogo); auto-motivação; responsabilidade;

liderança; linguagem gestual e disciplina de treino.

Oliveira (2009) refere que o G.R. de elite deve ter os seguintes atributos

psicológicos: concentração; tranquilidade; coragem (o G.R. tem de estar

preparado para remates fortes, muitas vezes a poucos metros de distância);

liderança; confiança e iniciativa.

Para Voser et al. (2006), o G.R. deve ter uma grande capacidade de

concentração estando a todo o momento focalizado nas situações de jogo,

deve ser corajoso para enfrentar qualquer dificuldade que surja no jogo, deve

ser um líder, demonstrando-o na capacidade de comandar os colegas e de se

assumir como o organizador da defesa, deve demonstrar tranquilidade nas

suas acções transmitido desta forma confiança para os restantes colegas e

deve ter iniciativa não esperando pelas acções do adversário, mas antecipando

aquilo que estes irão fazer.

Revisão da Literatura

42 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Relativamente ao nível psicológico, o G.R. precisa de: controlar a sua

tensão e o seu nervosismo (auto-domínio), possuir confiança, estar

constantemente concentrado, ser corajoso e responsável (Madeira, 2002).

Segundo Voser et al., (2006) para tornar-se um bom G.R., além de

qualidades físicas, técnicas, e psicológicas excepcionais e de muito treino,

deverá ter como características intrínsecas: dedicação, humildade, vontade de

aprender, personalidade, perseverança e muitos outros adjectivos que se

preconizam no atleta que decide ser G.R.

Além das qualidades psicológicas de eleição para um G.R. de nível

superior, para perceber o padrão psicológico do G.R. de Futebol, segundo

Morais (2006) é necessário o conhecimento total da personalidade do atleta.

No que diz respeito ao seu carácter, Madeira (2002) menciona a:

decisão, vontade, calma, autoridade, serenidade, coragem, audácia e firmeza,

como características pessoais do G.R. de nível superior.

Para Gaspar (2009) o processo de treino deve incluir uma programação

mental, é fundamental adequar os planos de treino às características

psicológicas do G.R..

No treino de G.R., para Oliveira (2009) o treino individualizado é o

caminho para o futuro. Os guarda-redes não são todos iguais, não há G.R.

perfeitos, há o trabalho do treinador para perceber os guarda-redes e adequar

o trabalho às necessidades, a capacidade analítica do treinador é fundamental.

No processo de treino, Voser et al. (2006) refere que é fundamental que

sejam fornecidos estímulos positivos, feedbacks e abordagens cognitivas que

reforcem e estimulem a busca pelos objectivos para que a motivação e a

concentração nas tarefas seja maior.

Existe um limiar muito curto entre o insucesso e o sucesso, os técnicos

devem perceber quando «puxar» pelo G.R., ou quando devem ter uma palavra

para amenizar e dar um pouco de calma (Oliveira, 2009).

Neste sentido, as intervenções psicológicas no desporto visam contribuir

para o desenvolvimento de capacidades e estratégias psicológicas que ajudem

o atleta a aproximar-se do potencial numa lógica de treino em que se integram

todas as dimensões do desempenho (Serpa, 2006).

Revisão da Literatura

43 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

A presença do G.R. em jogo tem grande influência sobre o

comportamento da defesa, em particular, e da equipa em geral. Ele terá de dar

confiança aos defensores e deverá ser o «patrão» que comanda, incentiva e

que intimida os atacantes adversários (Howe & Scovell, 1991; Voser et al.,

2006).

2.6.4 Qualidades Físicas

Uma boa condição física proporciona o suporte para o rendimento

táctico-técnico do G.R. em competição. A dimensão física deve estar sempre

relacionada com as restantes dimensões e o desenvolvimento da sua

capacidade física deve ser aplicada aos contextos de acção (Madeira, 2002).

O jogo de Futebol é considerado um desporto intermitente, pela

alternância de esforços e acções de diferente forma e intensidade (Bangsbo et

al., 2006).

A preparação e o treino de Futebol não podem descontextualizar a

especificidade dos comportamentos em jogo, a forma de jogar integrada no

modelo de jogo da equipa. O treino não pode deixar de ter como referência o

jogo de Futebol e as suas características particulares (Pinto, 1991).

A actividade que um G.R. realiza em competição manifesta uma série de

características que determinam o tipo de esforço específico, muito diferente

dos restantes jogadores da equipa e portanto justifica a organização de treino

individualizado. Neste sentido, Tunãs (2007) define três aspectos

comportamentais que caracterizam a especificidade fisiológica das acções do

G.R. em competição:

1.- «Aciclicidade» e intermitência comportamental:

O G.R. realiza acções variadas e não estandardizadas, participa em diferentes

situações em jogo: activas, semi-activas e passivas. Por outro lado, é

extremamente importante a capacidade de decisão: quando intervir.

2.- Variedade da carga competitiva:

Revisão da Literatura

44 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

O G.R. é submetido durante o próprio jogo a diferentes tipos de cargas, em

função de uma série de factores:

- O estilo de jogo da própria equipa (ex. uma equipa que queira ter a iniciativa

de jogo ou que prefira cede-la)

- A eficácia defensiva da sua própria equipa, dependendo da capacidade de

recuperar a posse de bola e da zona onde recupera.

- O potencial ofensivo da equipa adversária, com base na sua capacidade de

finalização.

3.- Manifestação de maneira ocasional de esforços de alta intensidade:

Devido à realização de acções de breve duração, mas com grande potencial

explosivo.

Assim, podemos averiguar que a carga de trabalho associada à

actividade competitiva do G.R. é moderada, comparando com os restantes

jogadores da equipa.

Tendo em vista a especificidade da função do G.R., o treino deve focar

os requisitos específicos da performance desportiva em termos da qualidade

física, sistema energético predominante e coordenação motora (Voser et al.,

2006). O mesmo autor cita um conjunto de capacidades condicionais e

coordenativas importantes para os G.R.: força explosiva, flexibilidade, ritmo,

equilíbrio, coordenação, agilidade e define a velocidade como uma qualidade

fundamental.

O G.R. deverá ter uma resistência específica para realizar acções curtas

mas intensas, uma grande capacidade de percepção táctil e cinestésica,

flexibilidade, destreza e bons índices de força explosiva, de velocidade de

reacção e de execução (Sarli, 2000).

Capuano (2002) salienta as principais capacidades físicas requeridas:

força explosiva e explosivo-elástica, capacidade de cair e levantar-se

rapidamente, velocidade de reacção, reforço muscular geral e em particular da

musculatura abdominal e dorsal, mobilidade articular, equilíbrio, agilidade e

coordenação motora.

Sainz de Baranda et al. (2005a) têm um entendimento mais específico das

acções físicas do G.R. e referem: os deslocamentos, como a acção física

Revisão da Literatura

45 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

específica que deve ser sempre treinada na máxima capacidade. Segundo os

autores, dividem os deslocamentos em 3 tipos:

- Deslocamentos frontais, realizam em direcção ao sentido do jogo, com o

objectivo de reduzir ângulo de remate ou de antecipar uma jogada.

- Deslocamentos laterais, normalmente realizam-se ao longo da linha de baliza

quando o guarda-redes procura posicionar-se em função da bola e quando o

guarda-redes tenta preparar-se para realizar uma queda lateral, encurtando a

distância que terá de percorrer em salto/voo.

- Deslocamentos à retaguarda, quando o guarda-redes procura responder a

bolas que pela sua trajectória o irão sobrevoar, ou então quando o guarda-

redes perante o ataque adversário procura reposicionar-se entre os postes sem

tirar os olhos da bola. São absolutamente fundamentais para que o G.R possa

responder positivamente àquilo que o jogo pede.

Para além dos deslocamentos, os saltos e as quedas completam o tipo

de acções físicas a serem treinadas.

Ao nível das capacidades condicionais requeridas pelo comportamento

do G.R. em jogo, Tunãs (2007) define com a seguinte terminologia, resistência

específica, força específica, velocidade específica e flexibilidade específica. A

utilização do termo «específica» preconiza a caracterização das determinadas

acções motoras do G.R. em jogo, em toda a sua dimensão, quer ao nível do

estímulo, da tomada de decisão, da intensidade e do metabolismo energético

solicitado. Desta forma, pretende-se caracterizar as acções que o G.R.

normalmente executa e elaborar formas de se treinar a dimensão física inserida

nesses comportamentos. Perspectivar a preparação específica, é idealizar o

nosso jogo para recriar em situações de treino.

Neste sentido, além de identificar os comportamentos mais solicitados

em jogo, “é muito importante que o técnico ou o treinador compreendam o

metabolismo do exercício, uma vez que a elaboração de um programa que visa

optimizar o desempenho atlético exige o conhecimento dos principais sistemas

energéticos utilizados pelo desporto” (Powers & Howley, 2000 cit. Voser et al.,

2006, p. 168).

Revisão da Literatura

46 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Segundo Domingues (1997), do G.R. devemos exigir a sua capacidade

aláctica, ou seja, exercícios de curta duração e elevada intensidade. O

metabolismo energético prioritário é anaeróbio, “refere-se à produção de

energia através de reacções químicas que não exigem a presença de oxigénio.

A principal fonte de energia nos exercícios de curta duração é de origem

anaeróbia. Para a realização de actividades de curtíssima duração, o

organismo lança mão do sistema ATP-PC, onde não existe produção de lactato

(por isso, anaeróbio aláctico). Para actividades com duração um pouco maior o

sistema utilizado é a glicólise anaeróbia onde o produto final é a produção de

lactato (por isso, anaeróbio láctico) ” (Pitanga, 2004 cit. Voser et al., 2006, p.

168). O sistema anaeróbio láctico permite que o G.R. suporte níveis de

esforços elevados, sem queda de rendimento (Domingues, 1997).

O treino de G.R. para ser específico deve conter poucas repetições de

um exercício, mas com intensidade máxima. Para aumentar a carga de treino,

devemos aumentar as séries mas não o número de repetições, dando sempre

uma pausa para recuperar adequadamente, porque o mecanismo energético

mais utilizado é o anaeróbio aláctico (Capuano, 2002).

Para a execução deste mecanismo na estruturação do treino, segundo

Tunãs (2007) devemos ter em atenção os referenciais qualitativos (aspectos

qualitativos da execução do movimento que definem o nível de coordenação

neuromuscular requerido para o inicio e posterior controlo do movimento

desportivo) e os referenciais quantitativos (aspectos quantitativos da execução

do movimento, definem o nível de condição física solicitado).

Sarli (2000) é da opinião que um guarda-redes talentoso terá de ter uma

série de qualidades, entre as quais uma boa compleição física e uma estatura

elevada e ainda que até certos escalões estas características não sejam

decisivas, no alto rendimento cada vez mais se apresentam como factores

selectivos para a escolha de um guarda-redes.

Para Voser et al. (2006) a estatura é um aspecto biológico importante e

um G.R. deve apresentar uma altura média entre 1,85m até 1,95m. Já

Domingues (1997) refere que a maior eficiência está nos G.R. com altura entre

1,80m e 1,90m, mas se um G.R. estiver fora deste intervalo e tiver rendimento

Revisão da Literatura

47 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

igual ou superior do que os que se enquadram neste perfil, também terá lugar

para a posição. Portanto, podemos entender a estatura como um factor de

selecção e como padrão normativo na literatura, mas não será um factor

limitativo da performance.

Por fim, para caracterizar as qualidades físicas do G.R., é necessário

compreender a especificidade das acções do G.R. em jogo, para termos como

referência o tipo de esforço que está sujeito. Fica claro que este entendimento

pode ter duas perspectivas, uma provém da descrição dos conteúdos de treino

pelas capacidades físicas e condicionais e a outra resulta do entendimento das

acções que se querem optimizar e da componente física específica que é

inseparável do comportamento motor.

2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol

“...a capacidade de aprendizagem não é específica da infância; ela permanece ao longo da

vida, mesmo que diminua com a idade” (Revoy & Nicolas, 2007).

Após conhecermos as características principais de um G.R. e as

dimensões da sua performance citadas por vários autores, interessa-nos

compreender as fases da formação do G.R. de Futebol, entendendo a

aprendizagem como um processo contínuo e evolutivo.

A aprendizagem motora é o resultado de um conjunto de experiências

vividas que são insubstituíveis e justificam nas primeiras etapas, uma maior

preocupação do treinador ao nível do incremento de tempo disponível para a

prática, o tempo de compromisso motor da sessão, assim como o tempo gasto

na tarefa, porque independentemente de outros factores, segundo Sainz de

Baranda et al. (2003), é evidente que o maior tempo dedicado a uma prática,

maior probabilidade de obter resultados positivos no processo de ensino-

aprendizagem.

Desde o momento que se iniciam na prática do Futebol, até atingirem

um nível superior, os jovens futebolistas devem passar por um processo de

formação coerente em que haja uma progressão da aprendizagem distribuída

Revisão da Literatura

48 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e conteúdos adequados às

suas diferentes fases de desenvolvimento (Pacheco, 2002).

No processo de ensino-aprendizagem, será necessário um

desenvolvimento de aprendizagens significativas, de forma que “na estrutura

cognitiva do jovem exista uma base conceptual necessária para assimilar os

novos conteúdos” (Feu, 2001 cit. Sainz de Baranda et al., 2003). Portanto, o

jovem deverá possuir uma grande bagagem de experiências, que sirvam para

solucionar de diferentes e variadas formas distintos problemas, assim como

através da sua imaginação e criatividade desenvolver novas soluções (Sainz

de Baranda et al., 2003).

Para realizar a dita aprendizagem significativa e incrementar a

capacidade criativa no jovem desportista, será necessário desenvolver

exercícios de tipo global, para que o jovem consiga: buscar diferentes soluções

para os problemas que o jogo levanta, incrementar a sua bagagem de

experiências motoras, realizar gestos técnico-tácticos em situações similares

ao jogo real, com um sentido prático para ser eficaz no momento concreto para

um problema determinado (Sainz de Baranda et al., 2003).

Deste modo, perspectivamos a compreensão do tipo de exercício

potencialmente mais significativo para a aprendizagem e desenvolvimento da

performance do G.R. durante as etapas de formação. O treinador de jovens

tem de assumir um comportamento profissional, mesmo não sendo, para

desenvolver um estilo de trabalho e de comportamento muito próprio, assumir

as suas responsabilidades particulares, não tendo de imitar o treinador de

jogadores seniores (Buceta, 2001, cit. por Brasil, 2004).

Agora vamos apresentar várias propostas de formação, as quais

revelam uma progressão na aprendizagem dos conteúdos e uma selecção de

conteúdos relativos à etapa de formação.

Capuano (2002) descreve quatro etapas importantes para a formação do

jovem G.R.:

1- Situações de jogo. As situações de jogo contêm vários tempos para

decidir, os adversários, os colegas, os referenciais temporais e espaciais.

Revisão da Literatura

49 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Exercitar situações de jogo, onde está presente «toda» a variabilidade do

mesmo, ajuda imenso o guarda-redes a decidir nas mais distintas situações.

2- Desenvolvimento do pensamento táctico. Pelo facto do pensamento

táctico ser um suporte necessário para a formação da antecipação motora

complexa, a orientação dos comportamentos influencia a própria coordenação

motora do jovem guarda-redes.

3- Treino ideológico-motor. A partir de determinadas idades (12, 13

anos) este tipo de treino permite uma exercitação mental, que relacionada aos

aspectos motores, desenvolvem o controlo motor determinado pela via

cinestésica. É a capacidade do G.R. pensar inversamente (ou antecipações

mentais na coordenação espacial ou temporal).

4- Treino específico. É a condição fundamental para uma base de toda a

acção gestual, acções tácticas específicas da posição. Perspectiva a execução

de várias acções técnicas, sob várias condições, levando à aquisição dos

comportamentos típicos do guarda-redes.

Voser et al. (2006) também apresentam quatro etapas de formação, mas

ostentam uma proposta onde se observa uma preocupação central nas idades

mais baixas da formação (quadro 2).

Etapa Pré-Formação Formação

Inicial

Final da

Formação

Formação

Especial

Idade 9/ 11 11/ 14 14/ 18 18/ 21

Categoria Pré-Mirim/

Mirim

Mirim/ Infantil Infantil/ Juvenil Júnior/

Profissional

Conteúdo

Físico

15% 20% 30% 30%

Conteúdo

Técnico

70% 50% 25% 20%

Conteúdo

Táctico

5% 10% 10% 10%

Conteúdo

Específico

10% 20% 35% 40%

Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes. (Voser et al., 2006)

Revisão da Literatura

50 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Os autores idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6 aos 9

anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também

outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a

exercitação de movimentos específicos da posição de G.R..

Na fase de pré-formação, o estímulo para a melhoria das acções

motoras simples com bola são o mais importante. Esta fase será tanto melhor

quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9

anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar,

correr, saltitar, etc.). A variabilidade de movimento ao nível das questões de

interacção e cooperação revela-se importante nesta fase, para constituir um

repertório motor de base que na fase seguinte será a sustentabilidade para a

aprendizagem da técnica específica.

Na fase de formação inicial, o destaque é atribuído às qualidades

coordenativas e à especificidade que deverá chegar a um volume considerável,

ao final desta etapa, ou seja ao final dos 13 anos. É importante desenvolver

actividades para o desenvolvimento técnico e no inicio desta fase os exercícios

físicos devem ter um carácter mais geral (particularmente resistência geral).

Combina-se a incorporação gradual da dimensão física com os aspectos

técnicos. Com relação aos aspectos específicos da preparação dos guarda-

redes torna-se fundamental que o jovem atleta tenha uma grande variabilidade

de acções motoras próprias da sua posição. É imprescindível corrigir os

possíveis vícios de execução ou evitar a ocorrência dos mesmos.

Posteriormente, na fase de formação inicial, o G.R. deverá ter condições

de demonstrar as suas potenciais competências de forma efectiva. Devem-se

enfatizar todas as qualidades do G.R. (dimensões táctica, técnica, psicológica e

física). É importante que o G.R. consiga apresentar bons resultados nesta fase,

pelo facto de ser decisiva para uma futura transição bem sucedida para o

plantel sénior.

Na fase de formação especial, o G.R. deve mostrar todas dimensões

competitivas da sua especialização e estar preparado para jogar. No entanto,

na transição para esta etapa não é frequente vermos o G.R. jovem a jogar

como titular da posição e contraditoriamente é nesta fase que a sequência de

Revisão da Literatura

51 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

jogos é necessária para que ele adquira mais experiência e competitividade.

Por isso é importante que na medida do possível o G.R. treine bem e possa

disputar várias competições. O G.R. continua a evoluir e deve estar sempre

preparado para aprender.

Vigil (2008) apresenta uma proposta de formação mais detalhada, mas

igualmente composta por quatro fases. Para o autor é importante que o G.R.

esteja envolvido em todos os treinos com o fim de optimizar a sua forma física

e as suas relações com os restantes jogadores da equipa. Em cada fase, Vigil

(2008) descreve os conteúdos de treino do G.R. adequados ao

desenvolvimento do jovem nos quatro domínios da performance (quadro 3):

Domínios da Performance

Físico Técnico Táctico Psicológico

10 Anos

Adaptar-se ao jogo; Manter equilíbrio e coordenação; Aquecimento e recuperação básicas

Entender a sua posição específica; Dominar a bola; Saber rodar, distribuir, passar e lançar a bola

Conhecimento das regras básicas

A criança deve divertir-se e ter prazer; o treino deve ser simples

11-12

Anos

Equilíbrio, coordenação e ritmo; Conhecer os estiramentos específicos do G.R.; Flexibilidade e mobilidade; Aquecimento e recuperação básicas

Posição Base; Controlo e distribuição da bola com as mãos e os pés; saber reagir aos cruzamentos; saber realizar passes curtos e resolver o 1x1

Entender o papel do G.R. com respeito aos princípios básicos; inteirar-se das posições e papéis dos restantes jogadores

Progressão de técnica simples e estabelecer os níveis /as normas; Realizar trabalho em grupos

13-14

Anos

Manter equilíbrio, coordenação e ritmo com velocidade durante 15 jardas; Conhecer estiramentos específicos para os GR;

Diferentes maneiras de defender remates, agarrando ou desviando a bola; Reduzir os ângulos; Saber movimentar-se para não sofrer

Conhecer o jogo de futebol e as regras do jogo; entender situações relacionadas com o 11x11; ter a capacidade de comunicar com os

Bom conhecimento da pequena e da grande área; Preparação do treino e do jogo de futebol; saber aceitar a avaliação, os elogios e a crítica

Revisão da Literatura

52 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Exercícios de flexibilidade e mobilidade; Aquecimento e recuperação

golos; exercício para melhorar a reacção e que os façam decidir; Distribuição da bola com a mão e com os pés e pontapé de baliza; importância do apoio e disponibilidade; saber como controlar e passar a bola com ambos os pés; saber como jogar 1x1

companheiros

15-16

Anos

(inclui

todas as

caracterí

sticas

prévias)

Velocidade em todas as direcções até 20 jardas; Equilíbrio, coordenação e ritmo; Estiramentos, exercícios de força, reflexões, agilidade e resistência; aquecimento e recuperação de alto nível

Ser ubíquo em relação à baliza e na velocidade de reacção; deslocamento rápido e queda lateral; saída a punhos, fechar ângulos e saídas da baliza; pontapé de baliza e pontapé de saída tipo “raquete”

Comunicação apoiando verbalmente com instruções; situações relacionadas com o jogo em 11x11; organização – defendendo contra remates de livre directo, indirecto e cantos; entender sistemas de jogo

Discussões em grupo e apresentações ao grupo; estilo de vida, nutrição e disciplina; ser competitivo e confrontar-se fisicamente; estabelecer metas individuais e de grupo; aguentar a pressão – interna, externa, o fracasso e solucionar problemas

Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil (2008).

Reconhecemos esta proposta como a mais completa, sendo que

estratifica detalhadamente uma ideia contínua para o desenvolvimento dos

conteúdos específicos, nomeadamente os conteúdos físicos e técnicos.

Denota-se uma menor complexidade na estratificação dos conteúdos tácticos e

psicológicos, uma vez que os vários tópicos compõem metas superficiais a

alcançar, não percorrem o desenvolvimento dos objectivos ao pormenor, tal

como nos aspectos físicos e técnicos.

Revisão da Literatura

53 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Assim, entendemos ser necessária a identificação de princípios simples

para uma identificação objectiva dos guarda-redes jovens e orientar a

progressão sustentada da formação, um processo complexo.

Como todos os desportistas, o G.R. necessita de uma planificação, tanto

a curto como a médio e longo prazo. O processo de formação de um G.R., não

é um trabalho de pouco tempo, pelo contrário, é uma sucessão de tarefas

diárias, não improvisadas, na procura de objectivos concretos e específicos

(Sainz de Baranda, 2003).

Material e Métodos

55 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

3. Material e Métodos

3.1 Metodologia de Investigação

A metodologia utilizada na investigação prática deste trabalho para a

recolha de dados, consistiu numa entrevista aberta a G.R. de Futebol com

experiência de nível superior e a treinadores de G.R. de Futebol.

É importante referir que a entrevista é composta por questões de

natureza aberta, para possibilitar aos entrevistados discorrer sobre as suas

opiniões de um modo pessoal e evidente.

A recolha das entrevistas decorreu entre as datas de 5 de Junho e 10 de

Setembro de 2009.

Para a realização das entrevistas foi utilizado um gravador de áudio

«Olympus», modelo: Digital Voice Recorder VN-3500PC, para posteriormente

realizar a transcrição para o programa Microsoft Office Word 2007 com a

autorização dos respectivos entrevistados.

3.2 Caracterização da Amostra

A amostra é constituída por quatro entrevistados, dois G.R. de Futebol

com experiência de nível superior, Jorge Silva e Tó Ferreira, ambos da U.D.

Oliveirense, clube a competir na Liga Vitalis (II liga de futebol profissional), e

por dois treinadores de G.R. de Futebol, Paulo Santos (C.D. Feirense – Liga

Vitalis) e Hugo Oliveira (actual treinador de G.R. da Selecção Nacional de

Futebol).

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

57 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

Depois da realização de uma revisão de literatura e das entrevistas, a

análise dos argumentos recolhidos é composta por quatro categorias centrais,

de encontro aos temas abordados na entrevista formalizada e das linhas de

pesquisa bibliográfica. Assim partimos para o cruzamento de informações, para

comparar e discutir em permanente reflexão e dúvida, visto que o

conhecimento emerge a partir destes e vive da incerteza.

4.1 O G.R. de Futebol Perito

4.1.1 Como se define?

Com base nos dados recolhidos, o nosso raciocínio pretende efectuar

uma peritagem, entendendo este termo como sendo o estudo dos peritos, sem

sermos intitulados peritos, queremos indagar pela definição de um Guarda-

Redes de Futebol Perito.

À partida, por si só um G.R. é considerado perito se jogar ao mais alto

nível nacional ou internacional, pois estes activos nas balizas dos grandes

clubes encontram-se acima do enorme grupo de guarda-redes que se

encontram a defender em clubes de menor escala e mesmo em clubes de

escalões profissionais secundários ou amadores. Este aspecto é exposto por

Tó Ferreira quando refere que distingue os G.R. de alto nível dos demais pelas

equipas onde jogam.

Paulo Santos e Tó Ferreira determinam um G.R. de alto nível pelas suas

capacidades psicológicas, nomeadamente a concentração. “Chamo um G.R.

de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste caso

porque há sempre mais uns descontos” (Paulo Santos). Tó Ferreira completa a

ideia anterior ao referir que o G.R. se “tiver bem psicologicamente é meio

caminho percorrido para o sucesso”. Janelle & Hillman (2003) no seu estudo

relativo aos domínios da expertise no desporto salientam a elevada importância

das capacidades psicológicas na performance de um perito.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

58 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Para Jorge Silva e Hugo Oliveira, um G.R. de alto nível é aquele que

reúne as capacidades necessárias para desempenharem a posição. Hugo

Oliveira é amplo na sua definição e define com rigor o G.R. de alto nível: “é o

G.R que domina a técnica base do G.R em toda a sua plenitude, ou seja,

desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e psicológico”. Para visar o

estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como necessário alcançar

a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e emocional.

Tal como citamos na revisão de literatura, as quatro componentes do

rendimento desportivo do G.R. (técnico, físico, táctico, psicológico) englobam

as aptidões específicas requisitadas pela actividade do G.R. em jogo. Interessa

perceber que a especificidade destas componentes são a base da formação de

um G.R. de Futebol, mas será que todas têm a mesma relevância no

desenvolvimento e desempenho futebolístico do G.R. ao mais alto nível para

extrapolarmos o executante da arte de G.R. até à denominação de perito? Tó

Ferreira tem um exemplo prático que pode ser interpretado nesta questão: “eu

conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em equipas

secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço G.R. que

trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o caso do

Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais

competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C.

Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar.

Não sei o que se passou.”

Por este exemplo não podemos relativizar o sucesso de um G.R. de

Futebol exclusivamente à prática, às componentes fundamentais do treino de

G.R., nem à questão da altura elevada do G.R. relativa da identificação de um

padrão normativo da estatura ideal para o sucesso do G.R. de futebol ou às

generalizações desvirtuosas da realidade bem presente no Futebol mundial,

«as excepções à regra». O Bruno Vale é um G.R. considerado de elevada

estatura e pelo exemplo do Tó Ferreira compreendemos que teve boas

oportunidades de prática, bons métodos de trabalho e o Quim, actual G.R.

titular do Sport Lisboa e Benfica, considerado pelo seu actual treinador um G.R.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

59 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

de baixa estatura, está ao mais alto nível nacional com sucesso, apetrechando-

se de atributos para ser denominado de perito.

Procuramos perceber as características que distinguem o artista para

exaltar a arte de G.R. de Futebol.

4.1.2 Que características o distinguem?

“Os três C do guarda-redes são: calma, controlo e concentração” (Banks, s/d).

No seguimento da definição de um G.R. de Futebol perito estão

subjacentes os domínios onde o mesmo exerce necessariamente controlo

específico da actividade. Estes domínios compreendidos anteriormente são as

áreas do rendimento específico relativas à formação de um G.R. de Futebol.

Para Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de

aprendizagem, será a realização de uma correcta execução de cada gesto,

conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção para

decidir a acção a realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem

que a eficácia do G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção

das situações de jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões

(pensamento táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção motora a

realizar antes do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela

qualidade da execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas

variáveis psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no

conhecimento teórico do jogo e pela qualidade do treino fisiológico.

Segundo os autores Janelle & Hilllman (2003), um nível de expertise

inferior, num dos domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto

nível do seu rendimento, em contrapartida, a expertise num dos domínios pode

ser um meio facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros.

Retendo este conceito, pretendemos canaliza-lo para a análise do G.R.

de Futebol perito ao discutir as opiniões dos entrevistados relativas às

características que distinguem o G.R. de alto nível dos demais.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

60 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Para Jorge Silva e Hugo Oliveira a tomada de decisão é o aspecto que

distingue os G.R. de Futebol peritos dos demais e compreendem este domínio

como um meio facilitador ou impeditivo do alcance de bons níveis de

performance noutros domínios. Jorge Silva refere que “é importante a todo o

nível” e indica um exemplo prático facilitador do entendimento do mesmo:

“dentro de campo temos que tomar uma decisão quando há um cruzamento,

uma defesa, pois condiciona a acção técnica. Não adianta ter um G.R. bom

tecnicamente, por exemplo, se a tomada de decisão sempre que vai tomar uma

acção é errada”. A velocidade de tomada de decisão e a exactidão são, em

grande parte, baseadas no valor interpretativo da informação adquirida através

de perícias perceptuais e da sua apropriação para uma selecção de resposta

efectiva (Janelle & Hillman, 2003).

“A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta

distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível” (Jorge Silva).

Esta questão da capacidade de análise da tomada de decisão, é tratada

por French & Thomas (1987) e McPherson & Thomas (1989, cit. Guilherme

Oliveira, 2004: 63). Segundo estes autores, os atletas peritos demonstram as

seguintes características:

“ 1 – São mais rápidos e precisos a reconhecerem padrões de jogo;

2 – São mais rápidos e precisos a detectar e localizar os aspectos

determinantes e relevantes que acontecem no seu campo visual;

3 – São eficazes a antecipar as acções dos adversários, baseando-se em

pistas visuais;

4 – Revelam um conhecimento superior em situações mais prováveis de

acontecer;

5 – Adoptam decisões tácticas mais ajustadas à situação;

6 – Têm um conhecimento estruturado e aprofundado das matérias

específicas, conhecimento declarativo, e de como fazer as acções,

conhecimento processual;

7 – Possuem capacidades superiores de auto-controlo”.

Segundo Hugo Oliveira, a característica que define um G.R. de Futebol

de alto nível de um G.R. que não é de alto nível, é a tomada de decisão, ou

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

61 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

seja, “a execução de uma determinada vertente técnica com uma tomada de

uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo em que os níveis

psicológicos são de alta intensidade” (Hugo Oliveira).

Hugo Oliveira é mais amplo no entendimento das características que

distinguem o G.R. perito, pois refere a importância da decisão táctica em jogo

com níveis psicológicos de alta intensidade. A capacidade psicológica do G.R.

é outro aspecto, também distinguido por Tó Ferreira e Paulo Santos.

Paulo Santos específica a capacidade psicológica do G.R. de Futebol

perito distinguindo a concentração como sendo fundamental para o sucesso e

rendimento superior. “Um G.R. de alto nível é aquele que acima de tudo tem de

estar super concentrado”. Para o mesmo treinador de guarda-redes, a

concentração é a característica psicológica que influência os restantes níveis

de performance do G.R. de Futebol em jogo. Tó Ferreira expõem-nos um

exemplo concreto e recorrente no âmbito futebolístico: “há jogadores que dão

tudo nos treinos e depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque

será?”. Explica a sua interrogação pela influência dos níveis psicológicos no

rendimento desportivo, “no treino estamos à vontade, não há pressão, não há

competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente, requer

concentração no máximo das nossas capacidades”.

Tó Ferreira além de referir a importância para o G.R. de Futebol estar

“bem psicologicamente”, expõem-nos outro ponto de vista, “o apoio psicológico

também é importante”. O apoio psicológico é um aspecto externo, não é uma

característica que o distingue, mas pode ser conduzido a adquirir a capacidade

psicológica desejada para ser um G.R. de Futebol perito. Assim, na formação

de um G.R. de Futebol perito podemos detectar as características pessoais

favoráveis para a selecção de um jovem para a posição específica de G.R., ou

conduzir um apoio psicológico necessário, como por exemplo, para a obtenção

de níveis elevados de concentração.

Pela discussão efectuada dos depoimentos recolhidos, podemos eleger

a capacidade de tomada de decisão para um comportamento táctico-técnico e

as capacidades psicológicas (nomeadamente a concentração) como

características que distinguem os guarda-redes de Futebol de alto nível.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

62 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade da

performance superior

Para perceber o G.R. de Futebol perito, interessa-nos compreender o

percurso até à performance superior e discorrer sobre a manutenção da

motivação necessária para estar no nível superior durante os longos anos de

prática que se expõe.

De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), como já foi

mencionado anteriormente, as actividades de prática deliberada são formas de

treino que não são intrinsecamente motivadoras, exigem altos níveis de esforço

e atenção, e não conduzem a recompensas sociais ou financeiras imediatas.

Sob as condições da prática deliberada, isto é, sob condições de grande

esforço e concentração, os peritos desenvolvem habilidades específicas que

são exigidas pelo seu domínio.

Assim sendo, percebemos que é difícil alcançar a performance superior

e a sustentabilidade da mesma é um percurso árduo suportado por diversas

motivações.

No entendimento da maioria dos entrevistados é difícil alcançar a

performance superior e só Paulo Santos tem opinião contrária.

Jorge Silva é óbvio ao caracterizar a carreira de um G.R. de Futebol, “é

difícil permanecer e chegar ao nível superior”.

Segundo Hugo Oliveira, na actualidade é mais difícil para um G.R. de

Futebol chegar ao nível superior do que se manter lá.

Tó Ferreira reconhece que é mais difícil chegar ao nível superior e refere

que “para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas

quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não

descerem a um nível inferior.

Fora da esfera da experiência adquirida e do talento inato, Paulo Santos

e Tó Ferreira referem-nos um factor recorrentemente falado na alçada

futebolística, “a sorte, uma oportunidade” como componente necessária para

alcançar o sucesso. O entendimento deste factor pelo Paulo Santos caminha

para a explicação de decisões externas ao domínio da expertise revelada pelo

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

63 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

G.R. de Futebol perito. “Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem

te contratar. Ou outro exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o

titular, mas se o treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não

passa de suplente” (Paulo Santos).

Assim, percebemos «a oportunidade» que nos fala Paulo Santos e Tó

Ferreira como uma condição externa ao domínio da expertise, que

condicionará a manutenção e a possibilidade de alcançar a performance

superior.

A regularidade da performance superior é igualmente difícil de alcançar

no nível superior, e segundo todos os entrevistados é um aspecto essencial

para permanecer neste patamar competitivo. Tal com referem Ericsson,

Krampe & Tesch-Romer (1993), as actividades de prática deliberada são

formas de treino que não são intrinsecamente motivadoras, por isso

questionamos os entrevistados no sentido de perceber como é que um G.R.

mantém a motivação necessária para a prática durante longos anos.

Num estudo mais recente, de Côté, Baker & Abernethy (2003, in

Ericsson & Starkes, 2003), os autores comentaram trabalhos de alguns

autores, no sentido de salientarem a importância dos aspectos motivacionais

para o desenvolvimento do desempenho excepcional. Fizeram questão de

salientar os aspectos que constituem a superioridade no desenvolvimento dos

peritos altamente motivados e auto-determinados. Sugeriram que,

basicamente, é a construção de uma fundação sólida de motivação intrínseca,

através do envolvimento em actividades que promovem a regulação intrínseca

que, por sua vez, faz com que os participantes tenham oportunidade de

tomarem decisões autónomas, desenvolverem a competência e sentirem-se

ligados aos outros.

Ao compreender que a prática deliberada nem sempre é sinónimo de

prazer para o indivíduo e a motivação intrínseca do praticante impulsiona a

aprendizagem, para manter a motivação necessária para a prática, segundo

Hugo Oliveira essa motivação é alimentada pela “paixão muito grande pela

posição de G.R.”. O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional vai mais

longe ao atribuir elevada importância à paixão pela arte de G.R. para um jovem

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

64 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

ser G.R. de Futebol perito, “o G.R. no futebol é o «anti-herói» e tem que se ter

uma paixão muito grande para se fazer uma carreira de G.R. de futebol. Tem

que ser diferente dos demais para ser G.R.. Na minha opinião os miúdos que

têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R., porque querem

ser diferentes dos outros”.

Para Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos, a motivação para

prolongar a carreira ao alto nível sustem-se pelo gosto de treinar, gosto pelo

trabalho diário. Porém, Tó Ferreira e Paulo Santos completam a sua opinião

referindo que um jogador sente-se realmente motivado se jogar. Jorge Silva

completa a sua opinião ao referir que “ter sempre um objectivo é outro aspecto

importante” para manter a motivação.

“O que sempre quis e sempre procurei foi estar entre os melhores do

mundo. É essa a motivação que levo para cada treino e para cada jogo.” (Baía,

2005, p.87)

Revista a opinião dos nossos entrevistados, a «paixão pela posição de

G.R.» e o «gosto de treinar» constituem pela nossa apreciação um limite muito

ténue de distinção, pois percebemos que para ter paixão de ser G.R. de

Futebol será necessário gostar de praticar.

Para formar um G.R. de Futebol perito também parece-nos necessário

inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação

intrínseca (gosto pelo treino) em sintonia com a aprendizagem.

Assim, segundo os nossos entrevistados, conhecemos alguns aspectos

que se constituem fonte de motivação, sendo esta considerada uma influência

muito significativa no percurso desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas

durante a sua carreira, mas mesmo antes de se envolverem seriamente no

desporto.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

65 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de Futebol

4.2.1 Influência da prática deliberada

“Peter Bonetti tinha uns reflexos prodigiosos e era mais ágil do que eu. Eu era demasiado

grande para me lançar à mesma velocidade de Bonetti. Por isso tive de compensar tudo com

uma boa colocação/ posicionamento” (Banks, s/d).

Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador de um

desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer

(1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados pela

participação na prática deliberada. Estamos perante a ideia da existência de

uma relação directa entre a prática de treino acumulada e o desenvolvimento

de um desempenho superior.

Entendendo as principais características de um G.R. de Futebol perito, a

tomada de decisão e os níveis psicológicos (concentração), todos os

entrevistados consideram estas componentes específicas da performance de

um G.R. de Futebol influenciadas pela prática. Que prática? Uma prática

deliberada, altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e

aperfeiçoar o desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento

(Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993).

Extrapolando a definição e o intuito da prática deliberada para a

especificidade centrada na procura de adequação dos efeitos do treino com

“uma permanente e constante relação entre as dimensões psico-cognitivas,

táctico-técnicas, físicas e coordenativas” (Guilherme Oliveira, 1991) em

correlação permanente com os princípios que regem a acção do G.R. em jogo,

segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito

criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de

decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo

autor e na continuidade da ideia de prática específica do G.R. de Futebol, “a

concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”. Na

continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração esteja

sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão e à

realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

66 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta

atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”.

Na opinião de Hugo oliveira a influência da prática “é tamanha”, “muito

grande”, mas o jogo é a prática mais influente para o desenvolvimento de um

G.R. de Futebol: “mais do que num elemento de campo dos outros dez do jogo

de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R., porque por muito que

se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a pressão

de um jogo é muito mais intensa do que no treino”. Para Paulo Santos “o

melhor treino é o jogo”. “No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança,

por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em

situação de stress, em grandes jogos” (Jorge Silva).

Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos discorrem na mesma linha de

pensamento, revelando a importância das práticas de treino e de jogo para o

desenvolvimento de um G.R. de Futebol e Jorge Silva acrescenta que a

avaliação do desempenho real do G.R. de Futebol é sempre feita durante um

jogo. Julga que no treino podemos treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no

jogo ele pode não corresponder. “Dizem que o treino é o espelho do jogo…

deve ser e acredito que sim, mas há jogadores que no treino são uma coisa e

no jogo são outra” (Tó Ferreira).

Transportando a opinião de Jorge Valdano sobre as equipas de futebol e

os seus respectivos jogadores: “assim como as habilidades se melhoram

treinando-se, os maus hábitos pioram se se treinam. Nessas equipas de futebol

que parecem fábricas, onde os jogadores cumprem tarefas mecânicas, como

se ajustassem sempre o mesmo parafuso, produziu-se um fenómeno lógico:

cada dia que passa os futebolistas são mais medíocres. (...) sendo que muito

jovens sofreram uma evolução lamentável. Se não os deixam pensar e eles

não são capazes de revelar-se, a mediocridade é um castigo justo.” (Valdano,

2001, p. 201, 202), a prática para conduzir a uma aprendizagem significativa

tem de reunir diversas características próprias da competição. A característica

central retida no exemplo de Jorge Valdano, também referida por Hugo Oliveira

e Jorge Silva, é a viabilidade da prática não ser castradora do pensamento do

jovem perito, a possibilidade de análise e tomada de decisão do jovem perito

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

67 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

para a execução da habilidade motora específica, a acção técnica do G.R. de

Futebol. Mas, no mesmo exemplo outra característica da prática é explícita

através da expressão utilizada “cada dia que passa”, atribuindo uma distinção

diária para uma prática futebolística. Pelo exemplo de Jorge Valdano,

salientamos a necessidade de estudarmos um pouco mais a relevância da

quantidade e da qualidade da prática.

4.2.1.1 Qualidade da Prática…? Quantidade da Prática…?

No processo de formação de um G.R. de Futebol, é consensual que a

prática influência o desenvolvimento e é uma condição não só necessária, mas

fundamental para alcançar o altos níveis de rendimento desportivo.

Num estudo acerca da expertise no xadrez, Simon & Chase (1973)

indicaram que as diferenças entre o nível dos jogadores peritos e os jogadores

menos especializados era atribuída à habilidade para organizar informação,

mais do que a uma capacidade de memória superior. Baseados nesta

descoberta, os autores sugeriram que a variação inter-individual do

desempenho podia ser explicada pela quantidade e qualidade do treino.

Como constatamos na revisão bibliográfica, a quantidade de treino pode

ser explicada de acordo com a “regra dos 10 anos”, um compromisso de 10

anos com altos níveis de treino é a exigência mínima para se alcançar o nível

de perito. Esta regra foi verificada na música (Ericsson, Krampe & Tesch-

Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985), na matemática (Gustin, 1985), na

natação (Kalinowski, 1985), no atletismo (Wallingord, 1975) e no ténis

(Monsaas, 1985).

Num estudo mais recente sobre as modalidades de hóquei e futebol,

Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria, confirmando que os jogadores

belgas peritos (do sexo masculino) despendem cerca de 10 000 horas na

prática. Porém, noutro estudo relativo ao hóquei alemão, (Van Rossum, 2000,

in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) os dados recolhidos

comprovaram que os jogadores alemães não passavam tantas horas a praticar

como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã acabou bem classificada

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

68 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no campeonato europeu de

1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou o título olímpico um ano

mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou classificada para os Jogos

Olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu o prestigiado “Champions

Trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a conseguir os três títulos

internacionais mais concorridos.

Deste modo, parece inevitável concluir que o número mágico de 10 000

horas de prática não pôde ser aplicado ao hóquei alemão e,

consequentemente, pode-se concluir que a relação entre horas acumuladas de

prática e a expertise deverá ser questionada sempre que se faça uma

investigação neste campo. Assim, parece evidente que, se os jogadores

alemães atingiram desempenhos qualitativos superiores com menos horas de

prática, isso deve-se à qualidade da prática, mais do que à quantidade de

horas passadas a treinar.

Pelos estudos mais recentes efectuados fora do âmbito da influência da

prática no desenvolvimento do G.R. de Futebol, podemos constatar que a

qualidade da prática exerce maior influência do que a quantidade de prática.

Pelo nosso estudo, a relação entre as horas acumuladas de prática e a

expertise é questionada, na medida que nenhum dos entrevistados pensa que

um G.R. de Futebol que treine um maior número de horas semanais tem

maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que

treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada

sessão. Quando foi colocada esta suposição a Hugo Oliveira, este foi claro na

sua opinião e descritivo relativamente à sua posição: “concordo que mais

importante que a quantidade é importante a qualidade. Às vezes podemos

estar a trabalhar pouco e trabalhar bem, do que trabalhar muito e estar a

trabalhar mal. Acho que não se deve trabalhar muito porque o importante é

trabalhar com altos níveis de concentração para fazer as tomadas de decisão

certas e adequadas, trabalhar muito vamos perder esse nível de concentração.

Pouco mas bom, é na minha opinião o trabalho de G.R., curto e intenso”.

Jorge Silva com a mesma linha de pensamento, possibilitamos um

entendimento funcional desta questão: “acho que neste caso o número de

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

69 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

horas não influência o desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito,

com qualidade. Com a mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com

qualidade é mais importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.”

Na recolha bibliográfica, Voser e colaboradores (2006) são os únicos

autores com uma ideia mais concreta na abordagem deste tema. Para estes

autores, a prática do G.R. de Futebol deve ser conduzida de forma a

proporcionar treinos “especiais” para o G.R., o que não significa excesso,

quantidade de treino, mas sim qualidade. Neste sentido, tal como verificamos

anteriormente, entendemos a qualidade da prática do G.R. de Futebol como

sendo uma condutora da especificidade dos comportamentos do G.R. em jogo.

Estes comportamentos revelam as características que distinguem os G.R. de

alto nível dos demais, logo uma prática de qualidade para influenciar o

desenvolvimento de um G.R. de Futebol perito deve estimular a tomada de

decisão para a realização de acções táctico-técnicas específicas e ser

conduzida de forma a garantir elevados níveis de concentração do executante.

“Só o movimento intencional é educativo” (Frade, 1985 cit. Freitas,

2005), para uma aprendizagem significativa do G.R. de Futebol, para além da

sistematização da prática, é importante que o G.R. seja o autor da intenção na

realização dos comportamentos para intensificar a qualidade da prática

deliberada.

4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior... talento inato

ou experiência adquirida?

“O preconceito diz que ao guarda-redes deve-se pedir experiência” (Sampaio, 2008, p.23).

Diversos estudos (Bouchard, 1997; Baker, Horton, Robertson-Wilson &

Wall, 2001), realizados no âmbito do desporto, comprovaram que, quando os

peritos e os não peritos são distinguidos pelo domínio específico e habilidades

de processamento de informação, estas diferenças de perícia são melhor

explicadas pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

70 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Bouchard (1997, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001),

alega que a lógica por trás desta posição é que, enquanto certas

características gerais têm sido associadas ao talento genético, o refinamento

destas características dentro das habilidades específicas do domínio

(reconhecimento de modelos, pensamento estratégico) acontece apenas após

vários anos de treino intenso. Para além disso, não existem provas científicas

capazes de explicar a existência de um gene que predispõe um atleta para um

processamento de informação superior que só se manifesta num domínio (no

futebol, por exemplo).

No nosso estudo a questão colocada inicialmente não é consensual

entre os entrevistados e levanta questões fora do âmbito do talento inato e/ ou

da experiência adquirida, quando, Paulo Santos refere a «oportunidade» como

um contributo importante para se formar perito.

Para além de todos os entrevistados considerarem a prática um aspecto

fundamental para o desenvolvimento, como observamos anteriormente,

relativamente à experiência adquirida ou ao talento inato surgem dúvidas

relativas ao contributo destes aspectos para o G.R. de Futebol alcançar o nível

superior. Pela lógica de raciocínio, os entrevistados ao considerarem a prática

fundamental para o desenvolvimento do G.R., parecia evidenciar que a

experiencia adquirida poderia também ser considerada o contributo para

chegar a um nível superior, mas não. Paulo Santos e Tó Ferreira são claros ao

considerar que a experiencia adquirida é o contributo para chegar a um nível

superior, mas Jorge Silva e Hugo Oliveira consideram ambas condições

necessárias.

Segundo Paulo Santos, o G.R. para alcançar o nível superior tem de ter

uma formação adequada e “a experiência que vai adquirindo ao longo da vida,

através da prática, é fundamental para chegar a um nível superior”. Na mesma

linha de pensamento, Tó Ferreira pensa que ninguém nasce com talento,

“ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa experiência com o

tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho. Por exemplo, vou

falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair, não sabia chutar

uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas. Com o tempo e

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

71 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os treinadores de

G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu desenvolvimento. Hoje com

37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O Jorge, que é o meu treinador de

G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar colmata-lo. Com o tempo vamos

assimilando o trabalho e adquirir a experiência necessária”.

Por outro lado, Jorge Silva e Hugo Oliveira têm uma opinião

diferente dos outros dois entrevistados. Hugo Oliveira é da opinião que o G.R.

de Futebol é “um misto”, para alcançar o nível superior tem de adquirir

experiência, mas nasce predisposto com talento para o ser. “Tem que se

nascer para ser G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver escola para

ser G.R., por isso eu sou da opinião que tentar juntar as duas coisas é o mais

aceitável, mais produtivo” (Hugo Oliveira).

Hugo Oliveira, revela a influência de um talento inato para alcançar um

nível superior de desempenho, na medida que, tem que se nascer para ser

G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver prática deliberada para ser

G.R. de Futebol. Todavia, no seguimento da entrevista, menciona o treino

como um constrangimento mais importante do que a genética.

Jorge Silva completa a ideia ao referir que já nasce “alguma coisa que

diferencia os G.R. de alto nível e o resto tem de ser trabalhado”. A noção de

distinção de um G.R. de alto nível pelas particularidades inatas que possui,

configurada por Jorge Silva, pode ser interpretada para perceber algumas

características patentes num jovem G.R. de Futebol importantes para o

desenvolvimento da expertise. No entendimento de Jorge Silva, as

características inatas podem constituir-se importantes factores para a selecção

de um jovem G.R. de Futebol.

Neste sentido, Jorge Silva e Hugo Oliveira decifraram como

características específicas desse talento inato, aspectos fisiológicos e

psicológicos, como tal, esta opinião não se mostra totalmente válida porque na

revisão da literatura percebemos que o domínio fisiológico é determinado pela

prática de treino e não pelo talento inato. Já os aspectos psicológicos, pela

revisão de literatura concluímos que podem ser influenciados e estar inerentes

ao processo de treino, mas para determinar o padrão psicológico do G.R. de

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

72 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Futebol perito, compreendemos a existência de importantes características

intrínsecas no G.R. de Futebol perito, como por exemplo, a dedicação,

humildade, vontade de aprender, personalidade e a perseverança (Voser et al.,

2006).

Ultrapassando a superioridade a nível cognitivo adquirida pelos peritos

(a tomada de decisão no G.R. de Futebol perito), Ericsson, Krampe & Tesch-

Romer (1993) vão mais longe ao sugerirem que até as diferenças físicas (à

excepção da altura) entre os indivíduos podem ser explicadas pela prática

prolongada dentro do domínio específico. Neste sentido, as características

inatas relativas ao G.R. de Futebol perito no domínio fisiológico e psicológico

referidas por Hugo Oliveira e Jorge Silva, segundo a explicação de Ericsson,

Krampe & Tesch-Romer (1993), as diferenças de excelência no perito nos

domínios fisiológico e psicológico podem ser explicadas pela prática

prolongada na posição de G.R. de Futebol e só o domínio morfológico,

nomeadamente a altura do G.R., é uma característica inata que pode contribuir

para o talento, para a excelência do G.R. de Futebol.

No Futebol Moderno, esta é uma realidade cruel para a História do

Futebol Nacional, “porque Portugal teve em Bento um ídolo de gerações e Vítor

Baía também não era extraordinariamente alto” (Nunes 2009).

Na actualidade, Vítor Baía não é considerado um ex-guarda-redes

extraordinariamente alto, mas na sua autobiografia revela ter passado pelo

critério de selecção (altura), no seu primeiro contacto com a formação do F.C.

Porto. Uma forma de previsão da estatura adulta para critério de selecção não

tão criteriosa como o conjunto de testes para a previsão da estatura adulta

utilizados na actualidade pelo Sporting, tal como divulgou Jorge Silva na

entrevista realizada.

“Era baixinho… O Costa Soares olhou para mim, mediu-me da cabeça

aos pés, e perguntou-me: «Tu és guarda-redes? O teu pai é alto?» (…) A

minha estatura não impressionava ninguém. Antes pelo contrário. Mas o Costa

Soares, por toda a experiência que tinha, entendeu que eu ia crescer muito, tal

como o meu pai” (Baía, 2005, p.19).

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

73 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Ao reportarmos o panorama internacional, na história da selecção

Mexicana quem não se lembra de Jorge Campos que impressionava pela

agilidade? Tinha 1,75 metros, mas era mais alto que Óscar Pérez (1,72

metros), o seu sucessor. São excepções e sinónimos de espectacularidade que

confirmam juntamente com a tendência do Futebol Moderno, a altura de um

G.R. de Futebol como uma característica considerada na selecção, mas não

pode ser relacionada directamente com a performance de um G.R. de Futebol,

nem o único factor de descriminação de jovens na formação, relativamente à

opção da criança para a posição de G.R.

“Dos titulares na baliza dos grandes, em juniores – Bruno Barros

(Benfica), João Figueiredo (Sporting) e Tiago Maia (FC Porto) -, o portista é o

mais baixo, mas é o que tem maior capacidade técnica. A falta de altura não o

impediu, por exemplo, de ser o melhor em campo frente ao Guimarães”

(Nunes, 2009).

Na actualidade, a altura de um G.R. de Futebol é um contributo para

chegar a um nível superior. “O futebol do século XXI favorece a formação de

guarda-redes mais altos. Há excepções, mas a ideia geral é que um guarda-

redes grande «enche melhor a baliza»” (Nunes, 2009).

Simonton (2001, cit. Barreiros, 2005) reforça que o talento é, acima de

tudo, um processo de desenvolvimento multidisciplinar (integra componentes

físicas, fisiológicas, cognitivas e disposicionais) e multiplicativo. Concebe

talento como qualquer capacidade inata que possibilita ao indivíduo evidenciar

prestações de excelência em qualquer domínio que exija capacidades

especiais e treino. Este autor, defende que o talento emerge pela combinação

múltipla das diferentes componentes e os traços genéticos inatos não se

manifestam todos de uma só vez, mas desenvolvem-se segundo diferentes

trajectórias.

A ideia de que o talento é um processo de desenvolvimento

multidisciplinar e multiplicativo está bem presente nas citações de Hugo

Oliveira: “…o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista fisiológico

e do ponto de vista comportamental. A questão da tomada de decisão e depois

da consequente execução técnica tem a ver com o treino” e Jorge Silva: “A

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

74 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a nível

psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas

características para confrontar algumas situações no jogo, são características

pessoais inatas”.

Porém, todos os entrevistados em consonância com a revisão da

literatura, também consideram que a experiência adquirida influencia na

obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol perito.

Na linha de processamento deste estudo, as opiniões dos quatro

entrevistados parecem complementares, visto que a experiência adquirida é

um contributo indispensável para alcançar o rendimento superior nos G.R. de

Futebol, condição referida por todos os entrevistados. A relevância das

características inatas, nomeadamente a estatura referida por Jorge Silva e

Paulo Santos, é um importante factor de selecção do jovem G.R. perito. “Os

guarda-redes mais altos estão a ganhar tanto espaço no futebol que a estatura

é cada vez mais um critério decisivo para a selecção” (Nunes, 2009).

Compreendemos a selecção como um processo de apuramento das

características de excelência reveladas pelo indivíduo, sendo que estas

características no G.R. de Futebol perito podem ter origem genética (altura) ou

na prática (tomada de decisão, concentração). Na opinião de Paulo Santos

“ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter gosto em ser G.R. e

estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as experiências da

prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior”.

4.2.2.1 Uma ordem de importância para os constrangimentos:

genética, treino, ambiente/envolvimento.

Nos depoimentos recolhidos encontramos diferentes convicções sobre o

contributo da experiência adquirida e, ou, do talento inato para a aquisição de

um desempenho superior na arte de G.R. de Futebol.

Convicto da complexidade do processo de formação, a ordem dos

constrangimentos não caracteriza linearmente o desenvolvimento do perito e

concretamente as causas residuais do seu sucesso, mas sim, ajuda-nos a

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

75 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

compreender a influência desses constrangimentos para dinamizar e detectar

um G.R. de Futebol perito.

Para Hugo Oliveira é difícil criar uma ordem de importância entre o

treino, a genética e o ambiente/envolvimento, porque todos os

constrangimentos têm de estar em sintonia. Nesse sentido, pensa que o

desenvolvimento do G.R. de futebol é fruto da experiência adquirida pela

prática, como também é resultado do talento inato. Contudo, deixa-nos a

perceber que o treino é o constrangimento mais importante ao responder desta

forma à pergunta sobre uma ordem de importância: “acho que o treino é

importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética”.

Tó Ferreira e Paulo Santos são inequívocos ao revelar a importância do

factor treino no que respeita ao impacto que pode ter no desenvolvimento de

um G.R. de Futebol perito. Patenteiam a opinião constante durante toda a

entrevista e descrevem a mesma ordem de importância dos constrangimentos

(treino, ambiente/envolvimento, genética) do que Hugo Oliveira.

Três entrevistados têm a mesma opinião sobre a importância superior do

treino para o desenvolvimento de um perito, tal como Bouchard, 1997; Baker,

Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001, revelaram nos seus estudos que o

domínio específico e as habilidades de processamento de informação são

melhor explicados pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas.

Só Jorge Silva expõe uma opinião diferente, salienta a genética como

sendo mais importante do que o treino e o ambiente/envolvimento.

Estamos a falar da importância de características originadas pelos genes

para o desenvolvimento do G.R. de Futebol perito e para Jorge Silva no futebol

moderno é bastante importante.

Expõe-nos um exemplo sobre a selecção de G.R. para a formação: “têm

dois G.R.: um tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro

tecnicamente menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a

estrutura de 1,80m entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque

o menos bom tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler

ao anterior, o outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting

fazem testes para a previsão da altura” (Jorge Silva).

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

76 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

As previsões da estatura na idade adulta ou considerar um G.R. com

1,84 metros (altura do ex-guarda-redes Vítor Baía) baixo para alcançar a

performance superior, pode negar G.R. excepcionais e condicionar a formação

de um potencial perito. Neste sentido, para Baía (2005), o trabalho de formação

é uma aposta, requer muita paciência e inteligência também. Isto, porque o

mesmo indica na sua autobiografia que a sua estatura baixa foi sempre um

problema durante a formação até aos iniciados, porque só nos juvenis é que

ocorreu o seu salto pubertário e cresceu consideravelmente. Por isso, é que a

formação requer muita paciência, porque se não esperassem pelo crescimento

do Vítor Baía no escalão de juvenis, poderíamos ter perdido um dos ídolos das

balizas Nacionais e Internacionais durante a década de 90 até 2007.

Tal como vimos anteriormente, a estatura, ou a previsão da mesma,

revela-se um importante factor de selecção para determinar o potencial de um

G.R. de Futebol jovem no Futebol Moderno, para quem idêntica a necessidade

de uma estatura considerada elevada para obter uma melhor performance.

Assim, parece-nos que o treino, nomeadamente a qualidade e a

quantidade, tem inequívoca relevância no desenvolvimento da performance

superior num G.R. de Futebol, porém não podemos isolar a importância de um

constrangimento em detrimento de outro, mas sim considerar e reconhecer a

importância da estatura para o G.R., como também do ambiente/envolvimento.

4.2.3 Nas sessões de treino... condicionar as experiências em

função de estímulos muito específicos, ou para

proporcionar o maior número de experiências possíveis?

“O êxito do guarda-redes não se mede somente por um trabalho bem feito, mas também,

principalmente, pela ausência de erros” (Hodgson, s/d).

Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear

sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de

estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão,

principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

77 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física

dentro das sessões de treino.

Tal como Sainz de Baranda (2003), todos os entrevistados consideram

que as sessões de treino devem proporcionar o maior número de experiências

possíveis.

Para Hugo Oliveira, temos de “preparar os planos de treino para uma

forma global trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica,

mais abrangente possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no

jogo perante situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre

acertada”.

Segundo Jorge Silva, “uma sessão de treino deve proporcionar um maior

número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias

situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só

condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o

jogo tem uma variabilidade enorme”.

Para a formação de um G.R. de Futebol, a qualidade da prática é um

contributo indispensável, assim sendo, uma prática de qualidade parece reunir

um maior número de experiências, a globalidade dos domínios da performance

do G.R. de Futebol numa sessão de treino.

Contudo, um maior número de experiências possíveis não deve ser

sinónimo de exagerada quantidade de prática em cada sessão, na medida que

segundo Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), as secções de treino

devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar

que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática,

caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por

esta teoria.

Pela análise das entrevistas realizadas, observamos que os nossos

entrevistados reúnem a mesma opinião.

Mediante o entendimento de Paulo Santos, “o G.R. treina em

intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas vezes

com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e não é

capaz de recuperar até à próxima sessão”.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

78 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Segundo Tó Ferreira, para além das sessões de treino perspectivarem

um maior número de experienciais, outro aspecto importante no treino é as

repetições e a intensidade. “O treino de G.R. não é «carne para canhão», não é

para rebentar. Devemos trabalhar na máxima intensidade, mas também na

nossa máxima lucidez, não é fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o

máximo ou massacrar sem intervalos de recuperação” (Tó Ferreira).

Hugo Oliveira incide sobre este aspecto referindo: “não se deve trabalhar

muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de concentração para

fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar muito vamos

perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha opinião o

trabalho de G.R., curto e intenso”.

Ao expressar esta opinião, Hugo Oliveira perspectiva a qualidade da

prática no sentido de desenvolver as características que distinguem um G.R.

de Futebol perito, de acordo com a discussão deste trabalho. Assim, a prática

de qualidade será congruente com o crescimento da performance superior do

G.R. de Futebol perito.

Neste sentido, o respeito pela recuperação que Ericsson, Krampe &

Tesch-Romer (1993) nos expõe, em consonância com Hugo Oliveira evidência

não só a preocupação com a recuperação física do G.R. de Futebol, mas

principalmente com a recuperação ao nível psicológico, porque no

entendimento de todos os entrevistados os atributos mentais são mais

importantes do que os atributos físicos e a performance física é influenciada

pela performance mental do G.R. de Futebol.

Na teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer

(1993), somente as actividades que exigem esforço e concentração por parte

do sujeito contribuem efectivamente, para o aumento do seu nível de

desempenho.

Contudo, as convicções dos entrevistados permitiram concluir que a

concentração é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste

sentido, percebemos que a concentração é muito mais importante que o

esforço e, deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

79 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

com concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior,

não se verificando o mesmo no que respeita ao esforço dispendido na prática.

“É muito mais importante a questão mental do que a questão física,

porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não

estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico” (Hugo

Oliveira).

“É simples, se tivermos bem fisicamente e mal mentalmente não

conseguimos ter o melhor rendimento, porque a nossa cabeça comanda o

corpo, podemos não estar concentrado no aspecto mais importante” Tó

Ferreira).

Para o bem-estar mental do G.R. de Futebol, os nossos entrevistados

consideram importante a estabilidade emocional, o gosto pela prática, o bom

ambiente familiar e o envolvimento social. Consideramos estes aspectos como

factores que podem influenciar o perito no seu desempenho para alcançar ou

não o nível superior, porém este aspecto será uma extensão do tema deste

trabalho, o qual é considerado, mas não pretendemos desenvolver.

4.2.4 Observação e identificação com um Ídolo, constitui factor

de aprendizagem complementar às sessões de treino

convencionais?

“Na minha juventude tinha algumas referências, aqueles guarda-redes que estavam no top na

altura. O Fonseca, o Bento, o Damas, que teve um trajecto muito idêntico ao meu. Mas

naquelas brincadeiras eu fazia mais de Bento.” (Baía, 2005, p.25).

Tani (2001) refere que cada vez mais os conhecimentos vão para além

daqueles baseados na tradição.

No rendimento superior, segundo Frade (2007), a arte e ciência

misturam-se, toda a dinâmica do jogo não pode ser só submetida aos olhos da

ciência. Necessita da integração de conhecimentos práticos produzidos pela

experiência.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

80 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Para além dos conhecimentos práticos produzidos pela experiência,

queremos confirmar se a observação atenta de um indivíduo perito (G.R. de

Futebol perito, ídolo) por um jovem durante o processo de formação, se poderá

ser um complemento importante à aprendizagem pela experiência prática nas

sessões de treino.

“A maior parte do comportamento humano é aprendida pela observação

através da modelagem: pela observação dos outros, uma pessoa forma a ideia

de como os novos comportamentos são executados e, em situações

posteriores, a informação codificada serve como um guia para a acção."

(Bandura, 1977, p. 22).

Com base na teoria da aprendizagem por modelação de Bandura (1977)

e da convicção de todos os nossos entrevistados, sustentamos a efectiva

aprendizagem por observação atenta de um G.R. de Futebol que se constitua

ídolo para o jovem G.R. em formação.

Hugo Oliveira refere que é uma aprendizagem complementar às sessões

de treino fundamental. “Nos meus planos de treino com a formação, os G.R.

são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de observação

dele mesmo.” (Hugo Oliveira).

O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional reconhece no corrente

panorama do Futebol Nacional a falta de um G.R. que se constitua um ídolo

para as gerações mais novas. Regista essa falta como uma das razões porque

se tem vindo a perder o número de miúdos em Portugal para serem guarda-

redes. “O facto do Vítor Baía ter deixado de jogar e durante muitos anos foi ele

o ídolo de muitos miúdos que queriam ser G.R., se pararmos agora para

pensar, todos querem ser o Cristiano Ronaldo ou o Messi, ou o Drogba e se

perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles querem ser, dizem que querem

ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não temos esses ídolos. Se

existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a quererem ser G.R.” (Hugo

Oliveira).

Jorge Silva acrescenta que este aspecto também “pode ser importante

para criar estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência

e não devemos de ter vergonha de o fazer”.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

81 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Paulo Santos enriquece a nossa discussão com um exemplo verídico

deste aspecto, “eu conheço um «miúdo», o Afonso, G.R. da formação do

Feirense, num jogo dos seniores, quando eu entro em campo ele não sai da

minha beira e de trás do G.R. para ver como é que o G.R. trabalha”.

Tó Ferreira menciona que a observação de um ídolo é importante

quando é transportada para o treino e tentam imitar. O mesmo revela o seu

ídolo, “eu gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco

mais, uns 40 anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu

posicionamento em campo, a maneira como defende, a sua postura”.

Mas, qual o benefício complementar desta aprendizagem em relação a

uma sessão de prática tradicional?

O treino de G.R. de Futebol visa a optimização da performance nos

quatro domínios, táctico, técnico, psicológico e físico.

Neste sentido, a observação atenta de um ídolo proporciona a

visualização do desempenho desse perito no domínio táctico e técnico, uma

possível aprendizagem por imitação das habilidades específicas do G.R. e dos

comportamentos.

“A habilidade é uma capacidade individual adquirida, sendo portanto

pessoal” (Tani, 2001, p.160). Assim, é difícil transmiti-la a outra pessoa, pois

carece de objectividade. Para transmitir as habilidades e os comportamentos é

necessário transforma-los em algo objectivo (palavras) e isso não é uma tarefa

vulgar.

A dificuldade na transmissão está em como expressar de forma

objectiva, transformando a habilidade em informações verbalizadas.

Segundo Tani (2001) a prática de uma habilidade compreende dois tipos

de conhecimento: declarativo (refere-se ao que fazer e, portanto, é de fácil

verbalização; o procedimental (são as instruções para a realização de uma

série de operações as quais não estão disponíveis para introspecção

consciente).

Nas sessões práticas só assim as habilidades serão passíveis de serem

transmitidas, isto é, transformadas de algo pessoal para impessoal.

Obviamente, essa tarefa não é fácil e para além dos conhecimentos acerca dos

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

82 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

mecanismos e dos processos envolvidos na execução e aprendizagem de

habilidades motoras, a observação atenta de jogos de um G.R. que se

constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante,

complementar às sessões de treino convencionais.

4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol

“A formação do jogador é uma história interminável” (Van Gaal, 1996:19).

Parece contraditório citar Van Gaal quando este referiu que a formação

do jogador de futebol é interminável num tema que pretende discutir etapas de

formação do G.R. de Futebol. Mas, é em concordância com o tema que

indagamos pela ideia da formação do G.R. de Futebol ser contínua e

inacabada. Para alcançar a excelência num domínio específico, a qualidade e a

quantidade de horas diárias de prática nesse domínio parecem ser uma

condição necessária. Assim, após alcançar a excelência, a manutenção desse

patamar de performance regista-se pela ideia de Van Gaal, uma formação

diária interminável.

Portanto, para perspectivar a formação do jovem futebolista com vista à

performance superior, segundo Añó (1997, cit. Brasil, 2004) o treino é

absolutamente necessário nos jovens e deve estar de acordo com as faixas

etárias dos mesmos, isto é, o treino com jovens deve ser generalizado e

multidisciplinar de forma a maximizar as aprendizagens motoras resultantes.

“Temos de adaptar o jogo e o treino às características mentais e físicas

dos miúdos. De dois em dois anos, a complexidade deve crescer,

acompanhando o crescimento das funções cerebrais... a pressa de fazer

craques faz perder vários talentos” (Wein, 2005: 4).

A adaptação das práticas deve estar presente no processo de formação

desde o momento que iniciam a prática do Futebol, até atingirem um nível

superior e segundo Pacheco (2002), os jovens futebolistas devem passar por

um processo de formação coerente em que haja uma progressão da

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

83 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

aprendizagem distribuída por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e

conteúdos adequados às suas diferentes fases de desenvolvimento.

Neste sentido, foi pertinente questionar os nossos entrevistados sobre

as etapas do processo de formação do G.R. de Futebol e parece necessário

perceber os pontos de opinião comum e de discórdia, como também discutir as

propostas de formação encontradas na bibliografia.

O processo que constitui etapas de formação concebe um momento que

inicia a especialização no domínio específico da arte de G.R. de Futebol.

Assim, a primeira dúvida surge na identificação da idade, ou fase óptima para

iniciar a prática de G.R. de Futebol. Segundo Sainz de Baranda et al. (2003), é

evidente que o maior tempo dedicado a uma prática, maior probabilidade de

obter resultados positivos no processo de ensino-aprendizagem. Se o

desempenho dos indivíduos se avalia em função da quantidade da prática

deliberada acumulada desde que iniciaram a prática deliberada num domínio,

então a idade com que se inicia a prática é uma condição determinante do nível

de perícia. Nos estudos relativos à prática deliberada em diversos domínios de

expertise, surgiu a ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de

treino acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está

patente na “regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como

Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985. Na

eventualidade de aplicar esta regra ao nosso estudo, a idade óptima para

iniciar a especialização do G.R. de Futebol, seria os 8 anos de idade (inicio dos

quadros competitivos coordenados pelas associações distritais no âmbito

nacional), na medida que o último escalão de formação termina com os 18

anos de idade, o momento de transição do escalão de júnior para o de sénior.

Hugo Oliveira discorre nesta linha de pensamento, idealiza os 8 anos

como a idade adequada para começar a especializar.

Jorge Silva é um pouco mais amplo, refere o intervalo etário entre os 8 e

os 10 anos.

Paulo Santos indica as idades de 10/ 11 anos e Tó Ferreira refere os 13

anos de idade.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

84 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Pela revisão efectuada, Voser et al. (2006) indicam a faixa etária entre

os 9 e os 11 anos de idade como sendo apropriada para começar a primeira

etapa de formação do G.R. de Futebol. Vigil (2008) indica os 10 anos de idade

para iniciar a especialização no domínio específico de G.R. de Futebol.

Reunidos estes dados, extraímos que a idade apropriada para iniciar a

especialização é delimitada pela maioria dos entrevistados no escalão de

formação «Escolas», entre os 8 e os 10 anos de idade.

Somente Tó Ferreira indicou uma idade mais avançada, os 13 anos de

idade como sendo a fase da formação de um G.R. mais adequada para iniciar

o treino específico. Porém, com base na literatura parece-nos uma idade

demasiado tardia para iniciar a especialização.

A partir de uma idade mais adequada para iniciar a formação específica

de um G.R. de Futebol, interessa-nos perceber como é que se desenvolve

esse processo e quais as etapas que podem-se constituir.

Todos os entrevistados diferenciaram três etapas distintas no processo

de formação do G.R. de Futebol após a idade de especialização, enquanto,

pela revisão bibliográfica efectuada, Capuano (2002), Voser et al. (2006) e Vigil

(2008) descrevem quatro etapas no processo de formação do G.R. de Futebol.

Hugo Oliveira diferencia três etapas consoante o entendimento da

existência de três tipos de treino distintos: treino para crianças (8-11 anos),

treino para jovens (a partir dos 12 anos) e treino para seniores.

Jorge Silva distingue três etapas de formação (Escolas; Iniciados e

Juniores) onde evidência a necessidade de uma progressão na aprendizagem

de conteúdos específicos complementares. Para o ex-guarda-redes de futebol,

as faixas etárias de infantis e juvenis são fases transitórias, os conteúdos e as

características são intermédias relativamente às fases anteriores e posteriores.

Paulo Santos também dividiu três etapas distintas (Infantis;

Iniciados/Juvenis e Juniores/Seniores) para a especialização do G.R de

Futebol. Porém, adequa a especialização a partir dos 10-11 anos de idade

(Infantis) e caracteriza a etapa de formação Júnior - Sénior como fundamental,

revelando a importância de uma adequação no processo de formação entre o

final do Futebol de Formação e o Futebol Profissional.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

85 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Tó Ferreira determina as etapas: Iniciado; Juvenil/Júnior e Sénior, para a

especialização do treino de G.R. de Futebol.

Além das três etapas distintas do treino específico do G.R. de Futebol

segundo os nossos entrevistados, Paulo Santos e Tó Ferreira referem a

utilidade de uma fase anterior à especialização. Para Paulo Santos esta fase

de pré-especialização deverá decorrer antes dos 10 anos de idade e para Tó

Ferreira deverá ser maior, entre as faixas etárias de Escolas e Infantis.

“Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve passar

pela experiência de jogador” (Paulo Santos).

“Nos infantis e escolas devemos brincar com eles…”, “Nos escalões

mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se querem ser G.R., porque

passados uns tempos já querem ser avançados. Acho que devem ter tempo

para escolher, para saberem o que é que querem” (Tó Ferreira).

Voser et al. (2006) idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6

aos 9 anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também

outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a

exercitação de movimentos específicos da posição de guarda-redes. Segundo

os mesmos autores, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto

melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6

aos 9 anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais

(andar, correr, saltitar, etc.).

Este entendimento também pode ser relevante ao nível da

sustentabilidade da prática e do interesse da criança pela mesma prática

deliberada, visto que, Côté, Baker & Abernethy (2003, in Ericsson & Starkes,

2003) acrescentam que um ambiente de brincadeira durante os primeiros anos

de envolvimento de uma criança no desporto podem explicar a aprendizagem

precoce e a motivação excepcional dos atletas peritos, porque parece levar a

uma subsequente aprendizagem e ao envolvimento na prática deliberada.

Porém, todos os entrevistados ao agruparem o desenvolvimento do

processo em três etapas distintas, também identificam potenciais fases

transitórias entres as etapas. Identificam fases transitórias entre as etapas

descritas pelo facto de considerarem características diferentes no

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

86 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

desenvolvimento dos jovens em todos os domínios (fisiológico, maturacional,

psicológico, habilidades técnicas, percepção táctica) e também pela eventual

necessidade de antecipar o processo consoante o rendimento específico do

G.R.. Neste sentido, entendemos que as etapas descritas pelos entrevistados

podem ser fraccionadas, de forma a diminuir a amplitude etária contida em

várias etapas relatadas e considerar efectivamente as fases transitórias para

formar etapas concretas com conteúdos específicos ajustados às necessidades

de aprendizagem e do ensino do jogo. Tal como citamos anteriormente Wein

(2005), a complexidade deve crescer de dois em dois anos, acompanhando o

crescimento das funções cerebrais. Da mesma forma que observamos a

transferência desta ideia de Wein (2005), em concordância com os intervalos

etários registados na etapas de formação estabelecidas por Voser et al. (2006)

e Vigil (2008). Vigil (2008) organiza as suas etapas de formação em intervalos

etários de dois em dois anos (10 anos; 11-12 anos; 13-14 anos; 15-16 anos),

com excepção da primeira etapa (10 anos). Voser et al. (2006) constitui

intervalos etários de três em três anos para as suas etapas de formação, 9-11;

11-14; 14-18; 18-21, mas podem-se entender os 11, os 14 e os 18 anos, como

idades transitórias e assim as etapas são constituídas por intervalos de dois em

dois anos.

Mais do que a minuciosidade de estratificar etapas de dois em dois anos

consoante a interpretação dos autores revistos, interessa-nos contrapor as

etapas descritas pelos entrevistados e sugerir um maior rigor na distribuição da

aprendizagem efectiva no processo de formação de etapas para o

desenvolvimento do G.R. de Futebol.

4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de

formação do guarda-redes de Futebol

“Não se treina com a qualidade desejada nas camadas jovens e isso é outro dos factores a ter

em conta. Como há um trabalho irregular, as deficiências vêm ao de cima quando os atletas

chegam aos seniores” (Oliveira, 2007).

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

87 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Tal como discutimos anteriormente, os entrevistados consideram que é

necessária uma prática de qualidade para se atingir a expertise, algo que a

teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993)

também defende. Já no que respeita à importância da quantidade de horas de

prática que a mesma teoria considera essencial, aparentemente, as respostas

dos entrevistados não se apresentam completamente de acordo, dado que

privilegiam a qualidade, em detrimento da quantidade.

Ao perceber a importância de uma prática de qualidade na divisão por

etapas do processo de formação do G.R. de Futebol para se constituir perito,

interessa-nos perceber se a relação entre a qualidade e quantidade nas

diferentes etapas é igual ou difere, através das características da prática

deliberada reveladas pelos entrevistados.

Segundo Jorge Silva, durante as etapas de formação a relação entre a

qualidade e a quantidade de prática não é sempre igual. Para o ex-guarda-

redes profissional e actual treinador de G.R. da U.D. Oliveirense, nas primeiras

etapas de formação a quantidade não pode ser minimizada, refere que nestes

escalões competitivos (escolas, infantis) a frequência de horas semanais de

prática poderia ser maior, na medida que a realidade nos clubes nacionais,

estes escalões treinam 2 ou 3 vezes por semana. Porém, Jorge Silva foi mais

abrangente ao caracterizar a quantidade de prática nestas etapas de formação,

ao acentuar a quantidade de prática ao nível das repetições de exercitação,

isto é, oportunidades de prática para aprender. “Temos que perspectivar

sempre a quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para

conseguir executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a

oportunidade para aprender a acção, durante um treino e durante várias

sessões de treino” (Jorge Silva).

Para Jorge Silva e Tó Ferreira a qualidade de prática nas etapas de

formação deve estar sempre presente, porém mencionam que a mesma

qualidade deve ser crescente, acompanhando a evolução da formação do G.R.

até sénior. Para ambos os entrevistados, nos escalões de iniciados, juvenis e

juniores tem de existir muita qualidade. Assim, nestes escalões revelam uma

importância superior da qualidade de prática em detrimento da quantidade.

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

88 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Pelo contrário, Paulo Santos não aponta diferenças na relação em a

qualidade e a quantidade de prática nas diferentes etapas de formação

reconhecidas pelo mesmo. Para o treinador de G.R. do C.D. Feirense, a

qualidade da prática é essencial e se trabalharmos sempre com qualidade

estamos a reforçar aquele trabalho diariamente.

Percebendo a importância da prática de qualidade em todas as etapas

de formação do G.R. de Futebol e a possibilidade de perspectivarmos uma

relação crescente dessa prática de qualidade ao percorrer o percurso de

formação até sénior, interessa-nos perceber quais as características que

definem uma prática de qualidade no processo de formação do G.R. de Futebol

perito.

Para Hugo Oliveira a prática de qualidade nas diferentes etapas do

desenvolvimento do G.R. é definida pelas componentes específicas do jogo.

Trabalhando em especificidade consoante as exigências da competição nas

diferentes faixas etárias, existem “idades mais adequadas para ensinar

técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica base ser adquirida no

grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens, sendo que a tomada

de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a partir do 14/15 anos e

partindo para muitos outros patamares divididos entre estes dois grupos,

crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores terem toda a escola do

trabalho de G.R” (Hugo Oliveira).

Todos os autores citados distribuem variados conteúdos da

aprendizagem específica da posição de G.R. de Futebol pelas suas etapas de

desenvolvimento, dando ênfase a uns conteúdos em detrimento de outros

consoante as suas perspectivas do desenvolvimento motor do jovem G.R. de

Futebol.

Neste sentido, todos os entrevistados em sintonia com Voser et al.

(2006) e Vigil (2008), consideram que nas primeiras etapas da formação do

G.R. de Futebol devem ser aprendidos conteúdos preferencialmente técnicos,

pois entendem ser a base para uma aprendizagem sustentada de todos os

domínios da performance. Por esta ordem de ideias, ao enfatizarem a

necessidade da aprendizagem da técnica de G.R. de Futebol nas primeiras

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

89 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

etapas de especialização, estão a direccionar uma maior quantidade de prática

durante o processo de formação, para um domínio da performance que os

mesmos entrevistados não consideram ser o domínio da performance que

reúne as particulares que distinguem um G.R. de Futebol perito. Esta poderá

ser uma contradição no entendimento do desenvolvimento dos conteúdos de

aprendizagem nas etapas de formação em relação a um entendimento da

prática deliberada de qualidade e também em relação ao entendimento das

características que definem um G.R. perito.

Assim, questionamos a definição de uma prática de qualidade nas

primeiras etapas de formação e os conteúdos preferenciais para uma

aprendizagem efectiva dos mesmos.

Como ostentamos na revisão bibliográfica, a qualidade da prática do

G.R. de Futebol é sustentada pela especificidade, sendo que esta centra-se na

procura da adequação dos efeitos do treino e segundo Oliveira (2009), o treino

de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito criando situações semelhantes à do

jogo, obrigando o G.R. à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções

táctico-técnicas. Segundo o mesmo autor e na continuidade do pensamento

citado, “a concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”.

Então, uma prática de qualidade deve ir ao encontro das necessidades

do G.R. em jogo. Estas necessidades do G.R. em jogo relevam a

aprendizagem para todos os domínios da performance do G.R. (técnico,

táctico, psicológico e físico). Em todas as etapas de formação, o jogo evidencia

a necessidade de aprendizagem de todos os domínios da performance do G.R.

de Futebol.

Neste sentido, porquê simplificar a prática nas primeiras etapas de

formação, à aprendizagem do domínio técnico? Quando, neste estudo

percebemos que as características que distinguem o G.R. de Futebol perito são

do domínio táctico e psicológico! Quando mais, estudamos a necessidade de

uma prática deliberada para alcançar a expertise e esta percorre-se pela

qualidade e quantidade dessa prática.

Assim, alcançamos a necessidade de orientar a qualidade da prática nas

primeiras etapas de formação do G.R. de Futebol, não só para privilegiar uma

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

90 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

aprendizagem maioritariamente técnica, mas também para os domínios táctico

e psicológico. Percebemos a utilidade de contextualizar a prática às situações

do jogo, para estimular a tomada de decisão e a concentração através da

variabilidade do jogo, dos referenciais temporais e espaciais dessa situação

jogada. De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), através da

modificação contínua das actividades do treino para que sejam exigidos novos

níveis de esforço e concentração, os futuros peritos maximizam as adaptações

cognitivas e psicológicas.

Neste sentido, sendo a qualidade da prática condicionada pela

especificidade, em reciprocidade com Capuano (2002) a preocupação central

nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento

das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a

melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso.

Tani (2001), revela a sua inquietação com este paradigma, a

preocupação com os processos internos como a percepção, tomada de

decisão, programação da resposta e controlo motor, necessita ser

urgentemente incorporada na formação para possibilitar alcançar a excelência.

Também Abernethy, Côté & Baker (2002), num estudo com jogadores

australianos de desportos colectivos, concluíram, baseados em entrevistas,

que a noção de jogo / brincadeira deliberada é a actividade mais importante

para ajudá-las a aprender habilidades básicas do desporto e para manter as

crianças motivadas.

Nesta linha de pensamento, pela revisão efectuada às etapas de

formação de um G.R. de Futebol, só Capuano (2002) demonstra esta

preocupação nas primeiras etapas de formação. Este autor descreve quatro

etapas para a formação do jovem G.R., sendo que, nas duas primeiras etapas

(até aos 12/ 13 anos) o desenvolvimento das situações de jogo e do

pensamento táctico é a preocupação central.

Em sintonia com Capuano (2002), Abernethy, Côté & Baker (2002), Tani

(2001), Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), podemos repensar os

objectivos da formação nas primeiras etapas de desenvolvimento em

especificidade do G.R. de Futebol e consequentemente ajustar os conteúdos

Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas

91 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

de aprendizagem dessas etapas, quando sugerem uma prática deliberada

centrada no domínio técnico ou físico, no sentido de privilegiar uma prática

ajustada às situações de jogo, com estímulos à informação, à análise cognitiva

para aprender a decidir e tomar mais vezes a decisão acertada para

desempenhar a acção motora técnica com eficiência.

Conclusões

93 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

5. Conclusões

“Ser guarda-redes é, sem dúvida, ser diferente. No fundo ele é um anti-futebolista” (Hodgson,

s/d).

Na investigação dos temas da revisão da literatura, realçavam poucas

dúvidas sobre o conhecimento pesquisado, em comparação objectiva com a

experiência passada como G.R. de Futebol. Parecia que o conhecimento

estava fechado e a perspectiva de contrapor algum conhecimento pela

incerteza da informação já existente revelava-se diminuta. Porém, ao

avançarmos para o terreno, as entrevistas realizadas interpolaram informação

relevante para a discussão do conhecimento e interpor conclusões fidedignas

para informar acerca da importância da prática deliberada na formação do G.R.

de Futebol perito.

Contudo, é importante referir que as opiniões dos entrevistados nem

sempre estiveram de acordo com as informações da revisão da literatura,

sustentando uma posição diferente da posição de autores mencionados na

revisão bibliográfica em alguns casos, e uma posição idêntica noutros.

Deste modo, a revisão da literatura e as respostas dos entrevistados

constituíram um meio efectivo de concluir que a formação do G.R. de Futebol é

um longo processo que começa a desenvolver-se desde cedo e assenta,

principalmente, na actividade prática em que o indivíduo se empenha.

A qualidade e a quantidade dessa actividade prática parece ter

importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito.

De um modo geral, em consonância com todos os entrevistados e com a

revisão da literatura efectuada, no futebol, o G.R. evidência a expertise, nos

domínios específicos ao nível do desempenho técnico, táctico, físico e

psicológico.

Investigamos quais as características que podem distinguir um G.R. de

Futebol perito dos demais G.R. de Futebol, e concluímos que a tomada de

decisão (domínio táctico) e a concentração (domínio psicológico) são

Conclusões

94 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

características que distinguem os G.R. de Futebol perito e estes domínios

podem constituir-se facilitadores ou impeditivos para o jovem G.R. de Futebol

alcançar a performance superior. Um óptimo rendimento ao nível táctico e

psicológico pode ser um meio facilitador para o G.R. de Futebol se constituir

perito.

Assim, entendemos que um G.R. de Futebol perito é aquele que para

além de exercer controlo dos domínios específicos de acção do G.R. de

Futebol, revela superior performance nos domínios táctico e psicológico.

Outro dos objectivos deste estudo consistia em perceber se os G.R. de

Futebol se tornam peritos por influência genética ou pela qualidade do

processo e da quantidade de horas a que foi submetido ao longo da sua vida.

Na continuidade das conclusões anteriores, foi possível perceber que, para ser

tornar G.R. de Futebol perito não é uma consequência da existência de um

talento geneticamente adquirido, pois a capacidade excepcional que um

indivíduo demonstra numa determinada área, particularmente, G.R. de Futebol,

mais não é do que o resultado do empenho do G.R. na prática para melhorar

extraordinariamente a sua performance, isto é, prática deliberada.

Contudo, nem todos os entrevistados reúnem a mesma opinião em

consenso com a revisão da literatura. Jorge Silva é o único entrevistado que

atribuí maior importância à descendência genética em relação à prática de

treino. Porém, esta opinião não pode ser considerada válida, porque o mesmo

refere que a experiência adquirida pela prática exerce elevada importância na

obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol.

Neste estudo, distinguimos a estatura do G.R. como uma qualidade

genética importante no Futebol moderno para a formação de um G.R. perito.

Como vimos, a importância da altura no G.R. é referida pela revisão da

literatura e pelo Jorge Silva, mas, esta qualidade genética também foi referida

por Paulo Santos, mas com inferior relevância em relação à prática deliberada

para a formação do G.R. perito. Na revisão bibliográfica, a altura de um G.R. de

Futebol foi evidenciada como um factor de selecção, sendo que não é

Conclusões

95 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

directamente relacionada com a obtenção da melhor performance nos

domínios específicos da posição.

Assim, a experiência adquirida pela prática deliberada é o contributo

indispensável para alcançar o rendimento superior do G.R. de Futebol, contudo

a relevância da estatura, não pode ser relegada por ser considerada um factor

de selecção do jovem G.R. de Futebol e também por ser uma característica

que identifica o G.R. no Futebol moderno.

No Futebol não podemos ser «generalizadores», temos de considerar as

possibilidades da «excepção à regra», porém, na questão da altura necessária

para um G.R. de Futebol só existe regra se formos extremistas ao interpor um

limite mínimo de altura para ser G.R. e em paralelo ser castrador da

experiência adquirida pela prática deliberada (preponderante para o

desenvolvimento do G.R. perito) ao negar a oportunidade de desenvolvimento

de um G.R. de Futebol perito só pela estatura.

Paralelo ao processo de selecção de jovens G.R. de Futebol surge a

possibilidade do factor altura poder discriminar potenciais peritos, percebemos

e concluímos que a “oportunidade”, referida por Paulo Santos e Tó Ferreira é

uma circunstância que devemos considerar como uma condição inerente ao

processo de formação, externa ao domínio da expertise e pode condicionar o

desenvolvimento do G.R. de Futebol perito, ou a manutenção/ possibilidade de

alcançar a performance no nível superior.

No que respeita à prática, apurou-se, que esta é condição fundamental

para se chegar ao alto nível e, como tal, o desempenho superior dos sujeitos

numa modalidade sustenta-se, na sua maioria, pela experiência adquirida após

vários anos de prática nessas mesmas circunstâncias.

Comparativamente à qualidade e quantidade da prática, as opiniões dos

entrevistados aproximam-se do que preconiza a revisão da literatura. Deste

modo, no que respeita à formação do G.R. de Futebol, consideramos que o

princípio da qualidade é muito mais significativo para melhorar o nível de

desempenho do que a quantidade de horas experimentadas nessa prática.

Conclusões

96 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Comitente com a qualidade da prática, é possível desenvolver a

performance superior realizando actividades agradáveis, do mesmo modo que

é possível fazê-lo com outras menos agradáveis, aliás, consideramos, ainda,

que as actividades agradáveis podem ser mais eficazes pelo facto de

motivarem o G.R. de Futebol, levando-o a efectuá-las com mais empenho.

Assim, para formar um G.R. de Futebol perito, também, parece-nos necessário

inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação

(gosto pelo treino de G.R.) em sintonia com a aprendizagem.

Mediante os nossos entrevistados, a motivação do G.R. de Futebol

necessária para alcançar desempenhos superiores é sustentada pela

construção de pequenos objectivos para alcançar com regularidade nas

sessões de treino e pela paixão/gosto de praticar. Na opinião de Jorge Silva e

Hugo Oliveira, a paixão/gosto de praticar, é uma das características intrínsecas

da personalidade do G.R. de Futebol perito que têm origem pessoal,

constituem a motivação intrínseca necessária para a prática e justifica a ideia

que algo nasce com o G.R. de Futebol para este se tornar perito em conjunto

com a experiência adquirida pela prática.

A motivação constitui uma influência muito significativa no percurso

desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas durante a sua carreira, mas

mesmo antes de se envolverem seriamente no desporto. Assim sendo,

percebemos que é difícil alcançar a performance superior e a sustentabilidade

da mesma é um percurso árduo, também suportado na motivação pela prática.

As convicções dos entrevistados permitiram concluir que a concentração

é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste sentido,

percebemos que a concentração é muito mais importante que o esforço e,

deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas com

concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior de

desempenho, e percebemos que é uma condição necessária nas sessões de

prática específicas para o G.R. de Futebol.

Congruente com a opinião dos nossos entrevistados, uma prática de

qualidade deve conduzir sessões de treino para o G.R. de Futebol, com o

Conclusões

97 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

intuito de proporcionar o maior número de experiências possíveis, a

complexidade do jogo e a especificidade de todos os domínios da performance

do G.R. de Futebol, consoante os objectivos da sessão de treino. Contudo, um

maior número de experiências possíveis não deve ser sinónimo de exagerada

quantidade de prática em cada sessão, na medida que as secções de treino

devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar

que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática,

caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por

esta teoria.

Em consonância com o objectivo que preconizava distinguir os aspectos

que caracterizam uma prática de qualidade para a formação do G.R. de

Futebol perito, neste sentido, concluímos que essa prática de qualidade é uma

fonte de motivação, a concentração é mais importante do que o esforço

dispendido e proporciona o maior número de experiências possíveis em

especificidade relativa a todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.

A par do objectivo referido, além da aprendizagem efectiva pela prática

deliberada, concluímos que a observação e a identificação com um ídolo (G.R.

de Futebol perito) do jovem G.R. de Futebol, constituí um factor de

aprendizagem complementar às sessões de treino convencionais.

No caso concreto do desporto, nomeadamente, o Futebol, o percurso

desportivo de um G.R. de Futebol perito não acontece simplesmente por se

empenhar ao longo de vários anos em actividades que aumentam o seu nível

do seu desempenho. É necessário considerar aspectos como a qualidade da

prática, a motivação para um longo percurso desportivo e o

ambiente/envolvimento familiar e sociocultural.

Outro dos aspectos deste estudo consistia em analisar as etapas de

formação do G.R. de Futebol.

Mediante a revisão da literatura, este processo inicia a especialização da

criança na prática de G.R. de Futebol. Procuramos perceber qual a idade ou

intervalo etário mais adequado para iniciar a primeira etapa da especialização e

Conclusões

98 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

enquadramos o inicio deste processo entre o intervalo etário dos 8 aos 10 anos

de idade, no escalão de formação «Escolas». No nosso entender, a

especialização do G.R. de Futebol só se justifica no momento a partir do qual

há competição, também, é um argumento para a primeira etapa da

especialização estar enquadrada no escalão de formação «Escolas».

Contudo, percebemos que o processo de formação do G.R. de Futebol

pode começar antes da especialização. A existência de uma etapa anterior à

especialização, possibilita à criança experimentar várias posições num

ambiente de brincadeira, pode explicar a aprendizagem precoce e a motivação

excepcional das crianças para desempenhar uma posição tão específica e

assim, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto melhor quanto

melhores tenham sido as vivências motoras anteriores da criança.

Consideramos o processo de formação do G.R. de Futebol perito com

cinco etapas de formação, uma etapa anterior à especialização e depois de

iniciar a especialização determinamos 4 etapas para o desenvolvimento do

G.R. de Futebol: 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15 anos; 16-18 anos. Em sintonia

com os autores da revisão bibliográfica distinguimos 4 etapas complementares

para o desenvolvimento específico e progressivo da arte de G.R. de Futebol.

Porém, em relação aos conteúdos específicos a privilegiar em cada etapa a

nossa preocupação centra-se em responder às necessidades do jogo. Em

todas as etapas da formação, o jogo evidência a necessidade de aprendizagem

de todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.

A maioria dos autores (revisão bibliográfica) e todos os entrevistados

indicaram conteúdos maioritariamente técnicos para centralizar a

aprendizagem efectiva nas duas primeiras etapas de formação. No seguimento

do estudo não podemos estar de acordo com essa opinião. Concluímos que o

domínio táctico, nomeadamente o desempenho cognitivo (a tomada de

decisão), distingue os G.R. de Futebol peritos. Assim, a preocupação central

nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento

das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a

melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso.

Conclusões

99 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Neste sentido, visionamos a configuração do treino para promover uma

mudança de paradigma em relação à compreensão das acções do G.R. em

jogo e da sua aprendizagem, daquele centrado no domínio das competências

físicas, para aquele centrado em informação, controlo e decisão dessa

informação, habilidades motoras e requisitos fisiológicos da acção motora. Com

isto, não queremos dizer que a exercitação centrada na acção motora técnica

do G.R. deve ser desprezada, não entendemos que seja o princípio

fundamental, mas sim as acções táctico-técnicas nas primeiras etapas da

formação, a exercitação técnica está subjacente a uma decisão táctica que

programará a acção técnica a realizar com critério.

Considerações Finais

101 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

6. Considerações Finais

A realização deste estudo foi projectada para dissuadir as incertezas que

nos interrogavam e levantavam a pertinência deste estudo. Porém, o

esclarecimento das questões apontadas suscita a reflexão de outras tantas

questões complementares ao tema deste estudo mas impossíveis de tratar em

simultâneo.

Sob a mesma perspectiva deste trabalho, seria interessante realizar um

trabalho idêntico, mas com mais entrevistas a G.R. de Futebol com experiência

de nível superior, também mais entrevistas a treinadores de G.R. e introduzir

um grupo de entrevistas a G.R. de Futebol que não alcançaram a designação

de peritos.

Noutra perspectiva para um trabalho, existe a possibilidade de estudar

as metodologias de treino do G.R. de Futebol e as metodologias aplicadas nas

diferentes etapas de desenvolvimento do G.R. de Futebol. Isto, porque na

revisão da literatura e nas entrevistas realizadas, verificamos que alguns

especialistas alegavam que a evolução na metodologia de treino, passa pela

realização de práticas de treino individualizadas consoante as necessidades

particulares do G.R. de Futebol.

Outra perspectiva para realizar um estudo complementar ao efectuado,

consiste em validar uma proposta metodológica para o treino de G.R. de

Futebol nas diferentes etapas de formação, com situações práticas de treino

mediante os objectivos determinados para o desenvolvimento em cada etapa.

Neste estudo, aferimos que o domínio psicológico tem uma

preponderante influência na performance do G.R. de Futebol e pode

condicionar o desempenho do G.R. nos restantes domínios da performance.

Neste sentido, talvez seja pertinente estudar o perfil psicológico do G.R. de

Futebol perito.

Hugo Oliveira deixa a sua opinião na entrevista “na minha opinião os

miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R.,

porque querem ser diferentes dos outros”.

Considerações Finais

102 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Talvez seja importante considerar esta opinião… é necessário muita

determinação para querer ser o anti-herói numa história de um jogo de futebol

que se resume pelo objectivo de marcar golo. Também, pela solidão que vive o

G.R. durante o jogo, como Freitas Lobo (s/d) refere “é o jogador solitário”, não

tem companheiros de posição em campo, só um sector defensivo próximo no

auxílio da sua missão, mas, por vezes até esse sector permanece muito tempo

distante.

Entendemos que poderá ficar em aberto um estudo do padrão

psicológico do G.R. de Futebol perito, com o intuito de compreender as

características psicológicas influenciadas pela prática deliberada e, se verifica-

se a existência de preponderantes qualidades psicológicas intrínsecas no G.R.

de Futebol para este se constituir como perito.

“…ninguém duvida que um técnico de guarda-redes tem algo mais para

ensinar, para estar mais atento, para manter a motivação de quem defende e

de quem está de fora. Pedi ao FC Porto que contratasse um treinador de

guarda-redes (…) veio a tempo de continuarmos aquelas conversas e ensinou-

me ainda muito” (Baía, 2005, p.33).

A prática de qualidade durante o percurso de formação do G.R. de

Futebol é preponderante para este se constituir perito. Assim, é inquestionável

a necessidade de ter técnicos de G.R. com formação específica, para conduzir

práticas de qualidade na formação.

Ao olhar para o panorama nacional, o fluxo emigratório de G.R.

internacionais para os nossos campeonatos de futebol e a falta de uma

referência nacional idolatrada nas balizas, as «queixas de insuficientes G.R.

com qualidade», são justificadas pela reduzida formação de treinadores de

G.R. de Futebol, a insuficiência de qualidade nas práticas de treino, o reduzido

número de treinadores de G.R. e também pela incompreensão da necessidade

de técnicos especializados no treino de G.R. por parte dos dirigentes das

Associações de Futebol Distrital e dos clubes, ao nível da equidade revelada

na selecção de técnicos principais de qualidade e técnicos de G.R. de Futebol

também com o mesmo critério.

Considerações Finais

103 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

Na actualidade nacional, com vista ao progresso seria importante criar

uma associação de treinadores de G.R. de Futebol, a qual apoiaria a formação

específica, a investigação na área, a publicação de trabalhos para difundir o

conhecimento e prestigiar a arte do G.R. de Futebol com um projecto

sustentado, para a finalidade de formar G.R. de Futebol para o panorama

nacional e no futuro alcançar o top internacional. Temos o Cristiano Ronaldo a

prestigiar os jogadores nacionais ao ser considerado o melhor jogador mundial

e a permanecer na disputa dessa honrosa posição, porém desde que o Vítor

Baía abandonou os relvados, não temos um G.R. nacional entre os melhores

do mundo, e para já, pela actualidade não me parece que projectamos algum

G.R. num futuro próximo para ser considerado perito ao mais alto nível

mundial.

Referências Bibliográficas

105 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito

7. Referências Bibliográficas

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Anexo 1

XXI

8. Anexos

Anexo 1:

Entrevista a Hugo Oliveira

(Clube Cultural e Desportivo, Porto, 5 de Junho 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o

distinguem dos demais?

(H.O.) Um G.R. de alto nível é o G.R que domina a técnica base do G.R em

toda a sua plenitude, ou seja, desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e

psicológico. Mas aquilo que na minha opinião faz a definição de ser um G.R. de

alto nível para um G.R. que não é de alto nível, tem haver com aquilo que eu

chamo a tomada de decisão, ou seja, a execução de uma determinada vertente

técnica com uma tomada de uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo

em que os níveis psicológicos são de alta intensidade. Alto nível implica jogar

sobre grande pressão e tomar decisões certas com acções técnicas correctas.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível

superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que

contribui para chegar a um nível superior?

(H.O.) Acho que... nem sou 100% da certeza que se nasce nem que se faz. O

G.R. terá de ser um misto. Tem que se nascer para ser G.R. mas não vale de

nada ter talento se não tiver escola para ser G.R., por isso eu sou da opinião

que tentar juntar as duas coisas é o mais aceitável, mais produtivo.

(P.S.) - ... para chegar à tomada de decisão mais adequada em jogo, será

mais importante o treino ou o talento inato?

(H.O.) – Não... o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista

fisiológico e do ponto de vista comportamental, na minha opinião. A questão da

tomada de decisão e depois da consequente execução técnica tem a ver com o

treino. Completamente com a escola do ponto de vista técnico e também

táctico.

Anexo 1

XXII

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de

um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de

alguém um G.R. talentoso?

(H.O.) – É muito grande. A influência é tamanha, só o treino e o treino com

qualidade é que levam à evolução do G.R.

(P.S. – entendendo a prática com sendo o treino e o jogo).

(H.O.) – Sendo que no G.R. mais do que num elemento de campo dos outros

dez do jogo de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R.. Porque por

muito que se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a

pressão de um jogo é muito mais intensa do que no treino.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser

planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,

ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos

muito específicos?

(H.O.) – Não. Acho que é importante criar o maior número de experiências

possíveis de encontro ao objectivo planeado para aquele plano de treino, ou

seja, não podemos num plano de treino querer capacitar o G.R. de muita

informação, mas temos que preparar os planos de treino para uma forma global

trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica, mais abrangente

possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no jogo perante

situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre acertada.

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser

mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o

começar a especializar?

(H.O) – Eu acho que... a partir das escolas, do escalão de formação escola já

se pode começar a especializar, (P.S. – 8 anos de idade), exactamente. Mas

sou da opinião, que até ao escalão de infantis não faz mal a nenhum jovem

experimentar todas as posições do campo. Se calhar sou um bocado contra

algumas ideias pré-definidas.

Anexo 1

XXIII

(P.S.) – Isto porque hoje em dia o G.R. entra em jogo não só para defender,

mas também para construir...

(H.O.) – Certo. O G.R. moderno é um G.R. com capacidades e exigências do

ponto de vista defensivo mas também do ponto de vista ofensivo. Ainda ontem,

por exemplo (Acção de formação prática para treino do guarda-redes de futebol

– Porto), nós aqui fizemos a acção sobre o trabalho ofensivo e é importante

que um G.R. na execução de um exercício de posse de bola perceba como é

que os laterais pensam, os defesas centrais pensam, para dar seguimento ao

jogo. Daí, o facto de experimentar outras posições, especialmente quando se é

mais novo e têm que se adquirir vivências, experimentar outras posições do

campo é importante.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação

que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas

fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino

lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual

do G.R.?

(H.O.) – Eu divido em três etapas: treino para crianças; treino para jovens;

treino para seniores. Tendo em conta que o treino para jovens começa a ser

mais intenso se nós percebermos que estamos a trabalhar para um G.R. que

vai ser de elite, se for do ponto de vista lúdico e se estamos a pensar que é

apenas entretenimento continua a ser de uma forma mais vulgar, mais banal.

Se pensarmos que estamos a trabalhar para um G.R. de elite, no trabalho para

jovens começamos a chegar a patamares já muito semelhantes aos dos treinos

para seniores.

(P.S.) – Qual a idade que define para começar o treino para jovens?

(H.O.) – A partir dos 12 anos começamos a trabalhar a especificidade do

trabalho de G.R. de uma forma diferente do que é feita até aos 12 anos para

projectar um G.R. de elite.

(P.S.) – E nessas fases, de que forma as diferenças entre a

qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o

desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

Anexo 1

XXIV

(H.O.) – Mais que a quantidade, eu diferencio o treino nas determinadas idades

para as componentes específicas do jogo, ou seja, eu acho que há idades mais

adequadas para ensinar técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica

base ser adquirida no grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens,

sendo que a tomada de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a

partir do 14/15 anos e partindo para muitos outros patamares divididos entre

estes dois grupos, crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores

terem toda a escola do trabalho de G.R.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural

relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,

para alcançar o sucesso de nível superior?

(H.O.) – Funciona tremendamente, porque cada vez mais a pressão em casa é

cada vez mais para que os miúdos sejam jogadores profissionais de futebol. Eu

acho que agora todos os pais querem ter o Cristiano Ronaldo em casa e isso

tem influenciado o trabalho de G.R. por duas formas: primeiro, os pais são os

primeiros a não querer G.R. em casa, todos querem jogadores de campo;

segundo, a pressão que colocam para o «não erro» limita do ponto de vista

psicológico o treino e o jogo dos jovens G.R.

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para

alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de

prática a que se expõe?

(H.O.) – Através da paixão. Eu acho que quando respondemos à questão se

um G.R. nasce ou faz-se, que é a conclusão que se quer chegar, eu penso que

é preciso as duas coisas, mas mais que tudo é preciso uma paixão muito

grande pela posição de G.R.. Porque eu sou da opinião que o G.R. no futebol é

o «anti-herói» e tem que se ter uma paixão muito grande para se fazer uma

carreira de G.R. de futebol. Tem que ser diferente dos demais para ser G.R..

Na minha opinião os miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais

paixão para ser G.R., porque querem ser diferentes dos outros.

Anexo 1

XXV

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil

para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

(H.O.) – Não, não acho que seja difícil, acho que é importante ser bem

aconselhado e ser estabilizado principalmente do ponto de vista psicológico e

aí influenciam muitas coisas desde a estabilidade familiar até à estabilidade

profissional, desde os clubes até aos patamares onde possa jogar. Agora, acho

que é mais difícil chegar ao nível superior do que se manter lá, no trabalho de

G.R.!

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas

semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,

do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com

menos horas em cada sessão?

(H.O.) – Não, não concordo. Concordo que mais importante que a quantidade é

importante a qualidade. Às vezes podemos estar a trabalhar pouco e trabalhar

bem, do que trabalhar muito e estar a trabalhar mal. Acho que não se deve

trabalhar muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de

concentração para fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar

muito vamos perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha

opinião o trabalho de G.R., curto e intenso.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o

sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),

apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

(H.O.) – Eu faço de várias maneiras. Através da criação de objectivos pré-

definidos para uma época de trabalho, através da auto-análise dos jogos e dos

treinos e através da avaliação feita com outros instrumentos, como o vídeo. O

Importante é criar sempre objectivos, para que os objectivos sejam

ultrapassados e a motivação vêm daí, tentar criar uma estabilidade para passar

patamares, para criar o objectivo seguinte e é assim que se faz uma carreira,

uma vida.

Anexo 1

XXVI

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído

significativamente?

(H.O.) – Acho que fora de Portugal sim, em Portugal não.

(P.S.) – Nessa evolução fora de Portugal, que características distintas

reconhece nessa evolução?

(H.O.) – Cada vez mais um treino sistémico e adequado às situações reais de

jogo. Cada vez mais se deixa de trabalhar o G.R. numa «ilha», à parte como se

trabalhava antigamente e se procura trabalhar o G.R. como um elemento da

equipa porque ele é um elemento da equipa. Não há equipas com 10

jogadores, só há equipas com 11!

(P.S.) – E quais são os entraves em Portugal?

(H.O.) – Os entraves... na minha opinião a falta de formação para os

treinadores de G.R. e a falta de «importância» que o Futebol Português dá ao

G.R. e ao treinador de G.R., a aposta que não existe. Penso que é o parente

mais pobre do Futebol Português. Nós andamos a lutar para que isso mude!

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a

constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),

como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao

impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol

talentoso?

(H.O.) – Acho que são todos importantes, na minha opinião. É difícil criar uma

ordem porque os três têm de estar em sintonia. Por importância, acho que o

treino é importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética.

(P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao

respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?

(H.O.) – Acho muito mais importante a questão mental do que a questão física,

porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não

estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico. Porque a

mente controla o corpo.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?

Anexo 1

XXVII

(H.O.) – Acho que é «meio meio».

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma

posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua

identificação com um modelo, com um ídolo?

(H.O.) – Sim. É mesmo isso, eu acho que essa é uma das razões porque se

tem vindo a perder número de miúdos em Portugal para ser G.R., porque

temos vindo a perder ídolos na baliza. O facto do Vítor Baía ter deixado de

jogar e durante muitos anos foi ele o ídolo de muitos miúdos que queriam ser

G.R., se pararmos agora para pensar, todos querem ser o Cristiano Ronaldo ou

o Messi, ou o Drogba e se perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles

querem ser, dizem que querem ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não

temos esses ídolos. Se existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a

quererem ser G.R.

(P.S.) – Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um

G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem

importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as

sessões de treino convencionais?

(H.O.) – Acho que é fundamental. Nos meus planos de treino com a formação,

os G.R. são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de

observação dele mesmo.

Anexo 2

XXVIII

Anexo 2:

Entrevista a Jorge Silva

(Sala de aula – FADEUP, Porto, 30 de Junho 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o

distinguem dos demais?

(J.S.) – Para mim um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que consegue

reunir as capacidades necessárias para a posição e neste caso a tomada de

decisão é importante a todo o nível. Dentro de campo temos que tomar uma

decisão quando há um cruzamento, uma defesa, pois condiciona a acção

técnica. Não adianta ter um G.R. bom tecnicamente, por exemplo, se a tomada

de decisão sempre que vai tomar uma acção é errada.

A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta

distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível.

Os G.R. de alto nível decidem melhor. Depois da posição tomada, vêm a

execução técnica, se foi ou não bem realizada, mas o que valeu anteriormente

foi a tomada de decisão relativamente ao lance.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível

superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que

contribui para chegar a um nível superior?

(J.S.) – Já nasce com o G.R. alguma coisa que diferencia os G.R. de alto nível

e o resto tem de ser trabalhado (a nível físico, a nível psicológico e a nível

técnico). A nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a

nível psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas

características para confrontar algumas situações no jogo, são características

pessoais inatas.

Por exemplo, no treino podemos trabalhar os aspectos psicológicos do

G.R., mas se no jogo, em situação de stress, não consegue superá-lo,

influencia a sua tomada de decisão e pode estar disposto ao erro.

Anexo 2

XXIX

(P.S.) – Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de

um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de

alguém um G.R. talentoso?

(J.S.) – No treino podes treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no jogo ele

pode não corresponder. No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança,

por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em

situação de stress, em grandes jogos. Tu avalias um G.R. em situação de jogo.

O treino e o jogo são importantes para o desenvolvimento de um G.R. Uma

pessoa sem grande talento pode-se tornar G.R. de alto nível, aí está a

vantagem de ter um bom treinador.

Um miúdo não nasce com as características que falamos anteriormente,

mas podemos trabalhá-lo e com o tempo pode chegar a um bom nível. Se a

pessoa tiver gosto pelo trabalho, força de vontade, espírito de sacrifício.

(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas

suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem

outras condicionantes importantes?

(J.S.) – Sem dúvida, o treino é importante, mas não é tudo.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser

planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,

ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos

muito específicos?

(J.S.) – Pela minha experiência, uma sessão de treino deve proporcionar um

maior número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias

situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só

condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o

jogo tem uma variabilidade enorme.

Hoje em dia podemos estudar a equipa adversária e pensar o treino já a

pensar na equipa adversária. Portanto, em? que o treino deve ter vários tipos

de experiências, para o G.R. estar sempre á vontade para quando se deparar

com uma situação idêntica em jogo.

Anexo 2

XXX

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser

mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o

começar a especializar?

(J.S.) – Na minha opinião, começa-se a especializar nas “escolas”, na faixa

etária entre os 8 e os 10 anos. Não é muito exigente, mas tem de existir uma

formação técnica desde jovem, para quando chegar a júnior não existir

deficiências técnicas. É bom chegar aos escalões juvenil e júnior e não centrar

o treino nas acções técnicas para corrigir maus hábitos e assim evoluir noutro

tipo de trabalho necessário.

Nas idades de “escolas” é muito frequente ganharem vícios técnicos

errados e tornam-se hábitos mecânicos, mesmo que não queiram fazer, esses

comportamentos depois aparecem. Por isso, nestas idades é muito importante

trabalhar ao nível técnico e corrigir para não aprenderem erros.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação

que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas

fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino

lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual

do G.R.?

(J.S.) – Não existem necessariamente etapas, a formação é um processo

contínuo.

(P.S.) – Bem… mas ao pensar na globalidade do treino, em todas as suas

dimensões, subentendi na pergunta anterior que caracterizaste dois

momentos distintos, numa fase inicial da especialização, nas “escolas”

idealizou um treino mais técnico para depois nas idades juvenil e júnior

pensar noutro tipo de trabalho necessário.

(J.S.) – Pois na fase inicial, por exemplo nas “escolas” é difícil pensar a parte

física do treino, o n.º de séries que deves fazer, a intensidade… é muito

complicado, até pela maturidade dos G.R. e treinos consoante as capacidades

deles. Até iniciados o treino é fundamentalmente técnico., é necessário muitas

repetições técnicas.

Anexo 2

XXXI

Na fase de iniciados, em termos físicos já devemos “puxar” bastante

pelos miúdos. Nos juniores já não devemos incidir tanto (aspectos físicos) e a

parte psicológica é fundamental. A partir dos iniciados deve ter uma base de

treino relativa a aspectos físicos, técnicos e psicológicos.

(P.S.) - Será que posso detectar que as faixas etárias de infantis e juvenis

são um pouco transitórias?

(J.S.) – Sim, são faixas etárias transitórias. Os G.R. devem chegar a júnior com

uma base de formação quase profissional.

(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as

diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que

influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

(J.S.) – Há muitas diferenças. Por exemplo, no caso da quantidade, nos

escalões de formação mais jovens, temos que perspectivar sempre a

quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para conseguir

executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a oportunidade para

aprender a acção, durante um treino e durante várias sessões de treino.

Há várias características que definem um G.R. Podes ter 3/4 G.R. muito

diferentes e podemos pensar em sessões de treino, com situações de treino

individualizado, consoante o desenvolvimento do G.R. Aqui é importante a

quantidade de repetições, realizar as situações necessárias, as vezes

necessárias, sabendo que a progressão é lenta.

Enquanto nos escalões de iniciados e juvenis já têm de existir muita

qualidade. Nas situações pode haver um menor número de repetições, mas

têm de haver qualidade.

(P.S.) – Mas nesse caso, pela sua resposta, não estás a desprezar a

quantidade, horas de prática nas etapas mas avançadas da formação, é

muito importante ter várias sessões de treino?

(J.S.) – Sim, neste caso é necessário uma maior quantidade de treino nas

etapas de formação mais avançadas. O desenvolvimento é contínuo e prevê-se

crescente para chegar a integrar o plantel sénior. Se os seniores treinam com

elevados níveis de quantidade e também se quer com qualidade, ao longo da

formação esta relação deve ser crescente.

Anexo 2

XXXII

Repara, nos escalões de formação mais baixos, as crianças treinam

duas a três vezes por semana. Para mim, aqui é que seria necessário treinar

com mais quantidade, os miúdos precisam de mais oportunidades para

aprenderem bem.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural

relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,

para alcançar o sucesso de nível superior?

(J.S.) – É importantíssimo, é o suporte de tudo. Dou o exemplo, eu tenho G.R.

com pais muito exigentes, o miúdo tem de dar G.R. Eles chegam a casa e os

pais “dão cabo da cabeça” dos miúdos. Por mais informação que eu transmita

no treino e incentive os pais condicionam muito as expectativas dos miúdos.

Colocam um nível de exigência muito elevado, não toleram o erro e depois é

difícil aprender com esse erro sem deixar marcas no miúdo.

Primeiro é preciso formar homens, transmitir respeito pelo desporto e

todos os seus intervenientes, responsabilidade social para terem carácter e um

suporte para o envolvimento no mundo do futebol. Depois vêm o ensino da

técnica do G.R.

Os pais colocam as crianças num clube de futebol com a expectativa de

serem jogadores de futebol, bons jogadores, e por vezes observa-se que

exigem muito dos filhos. Já vi pais a criticarem os filhos por ter sofrido um

“frango”, com uma postura negativa. Depois o treinador quer dar confiança à

criança e tenta diminuir o valor do erro e não consegue porque o pai criticou o

filho, sem o acarinhar. Por isso que o ambiente familiar e a sociedade onde

está inserido é importantíssimo para alcançar o sucesso de nível superior.

A partir dos iniciados já começamos a ver se o G.R. vai ter um nível

elevado se continuar com as características que o distinguem, carácter, bom

tecnicamente, actualmente nesta excepção podemos intervir e condicionar o

seu ambiente familiar e sócio-cultural, através da integração na academia. O

ambiente familiar, os pais, não deixam de ser importantes, mas aqui pode

encontrar o equilíbrio que necessita para o desenvolvimento.

Anexo 2

XXXIII

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para

alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de

prática a que se expõe?

(J.S.) – Pela minha experiência, o que eu acho fundamental é o trabalho. É o

gosto pelo treino para se sentir bem. Eu sinto-me vaidoso por aquilo que faço.

Ter sempre um objectivo é outro aspecto importante. Hoje não consegui fazer

aquilo, mas amanhã tenho que conseguir. Isto é um pequeno objectivo, mas

constróis a motivação para o dia-a-dia. É a motivação para o treino, para a

busca da perfeição no treino. Se eu não trabalhar, não me sinto bem,

condiciona-me a nível psicológico. Chego ao jogo e pergunto-me “Será que

estou preparado?”. Se estiver lesionado dois dias da semana, depois os outros

dois dias fico condicionado fisicamente pela paragem, não treinei bem durante

a semana, no máximo das minhas capacidades físicas, chego ao jogo e

questiono-me se estou preparado para enfrentar este jogo.

Ao longo dos anos fui traçando um objectivo, sentir-me bem fisicamente,

dá-me gosto trabalhar, sempre aperfeiçoando. Insto dá-me longevidade para

ter uma carreira estável, uma regularidade mental, um suporte psicológico.

Nem todos os jogos correm bem e se não tens esse suporte psicológico

baseado na tua vontade de trabalhar, podes fragilizar. É uma auto-motivação.

Mas claro que é bom ter alguém que te apoie, que te dê valor, nomeadamente

o treinador e o técnico de G.R., dá-te confiança e oportunidade de mostrares o

teu valor. Faz bem ao ego receber uma “moralzita”! Mas não podemos contar

muito com os outros. A capacidade consciente de auto-análise e traçar

pequenos objectivos para alcançar diariamente, é o suporte para estares

sempre bem mentalmente e motivado.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil

para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

(J.S.) – É difícil permanecer e chegar ao nível superior. Para chegar lá há

vários factores que condicionam: a sorte, ter oportunidade, são situações que

condicionam nesse sentido. Depois de chegar ao nível superior, manter esse

nível é muito difícil. Aí o G.R. depara-se com situações de muito stress,

Anexo 2

XXXIV

competição entre colegas, dirigentes, treinadores, imprensa e para saber lidar

com estas situações todo o suporte mental é importantíssimo. Tens de ser

sempre melhor e ninguém te precisa de dizer isso, é ser bom profissional.

Pensando no jogo no nível superior, não podes ter um jogo bom e outro

menos bom, e a regularidade é essencial.

Outro aspecto invisível e não menos importante é a alimentação. No alto

nível é um conjunto de vários factores.

É difícil chegar, mas permanecer também, porque se não houver

continuidade no teu trabalho, podes sair do patamar superior, fragilizar e depois

reconquistar o teu mérito pode ser ainda mais complicado.

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas

semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,

do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com

menos horas em cada sessão?

(J.S.) – Não, acho que neste caso o número de horas não influência o

desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito, com qualidade. Com a

mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com qualidade é mais

importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o

sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),

apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

(J.S.) – Neste sentido o treinador de G.R. é importantíssimo e nós em Portugal

ainda não estamos muito evoluídos. O Treinador tem que visualizar, rectificar e

ensinar. Isto na análise de um jogo, primeiro deve incentivar uma auto-análise

do G.R. e depois vês se concordas com a análise. O treinador de G.R. tem que

criticar o G.R. com o sentido de rectificar as acções incorrectas, para ambos

(treinador e G.R.) perceber os pontos de vista da análise e chegarem ao

consenso. A auto-análise do G.R. também serve para o treinador compreender

os pensamentos do G.R. em jogo que levaram o mesmo a realizar a

determinada acção. Para esta análise decorrer bem, é necessário o treinador

Anexo 2

XXXV

ter uma relação de confiança com o G.R., uma relação aberta, não pode limitar

o G.R. para delinear as causas que influenciaram a acção e estas serem

transportadas para o treino. É fundamental terem uma relação aberta para

existir feedback entre os dois e as pessoas sentirem-se bem.

(P.S.) – Para lidarem com a crítica e a motivação, pensas que é necessário

ter proximidade com o G.R.?

(J.S.) – Sim, sem dúvida. Por exemplo, no início da época se te apercebes que

o G.R. não lidam bem com uma crítica que tu fizeste, tens de manter a tua

postura de análise para arranjares outra estratégia para chegares próximo do

G.R. e transmitir as causas que queres ensinar, para inibir o determinado erro.

Depende da personalidade de cada pessoa. O G.R. pode entender que estas a

criticar, porque queres o mal dele, existe isso no futebol. Por isso é que a

proximidade da relação entre os G.R. e o treinador de G.R. é fundamental, de

forma que o G.R. sinta que o treinador é um suporte que o ajuda. No treino é

necessário estar constantemente a moralizar, a transmitir feedbacks de

incentivos, para quando o G.R. falhar, sentir que a crítica é para o ajudar a não

voltar a errar.

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído

significativamente?

(J.S.) – Está melhor. Tem evoluído e constatamos, porque já existe várias

formações em Portugal com qualidade, já vemos o G.R. nas selecções jovens

com muita qualidade e até G.R. a integrar o plantel sénior vindo da formação e

serem titulares, é o exemplo do Rui Patrício no Sporting.

Tem evoluído bastante, mas não o suficiente. Neste momento há clubes

da 2ª liga, liga profissional, que não têm treinador de G.R.

Futebol profissional…. É uma vergonha. Quando falamos de treinador de

G.R. não é alguém que vai ao treino dar uns chutos à baliza. Mas os

treinadores principais, os adeptos, os dirigentes chegam aos jogos e exigem,

sabem criticar. Neste sentido, isto revolta-me. Por exemplo, chegamos ao

estrangeiro e os G.R. nacionais são rotulados de maus a sair fora da baliza, no

jogo aéreo, mas somos nós que transmitimos essa ideia… parece incrível, mas

Anexo 2

XXXVI

é verdade. Somos bons entre os postes, mas dizem que temos medo de sair

debaixo da baliza. Isto vê-se pela nossa comunicação social, pelas

contratações dos nossos clubes…

Eu vejo o futebol Inglês, por exemplo, o G.R. para sair da baliza é muito

complicado. Vês os G.R.’s ingleses no jogo aéreo a jogar só na pequena área,

com excepções de bolas bombeadas, mas isto é táctico, é treinado entre os

restantes jogadores, têm áreas de intervenção definidas. O G.R. tem, por

exemplo, os homens do 1º poste, os defensores de área frontal na zona do

penalty, fora da grande área e assim o G.R. só tem de defender a zona do 2º

poste. Depois nós é que somos fracos a sair fora dos postes… foi criada essa

ideia. É um longo caminho a percorrer, temos evoluído, mas não o suficiente e

a comunicação social tem de acompanhar.

Por exemplo, vês nos jornais e na TV, “a equipa hoje vai jogar no

4/3/3…” isso faz-me confusão, então a equipa só joga com 10?! E aqueles

“gajo” que está lá atrás? O ano passado confrontei o meu treinador com isso.

Ainda não dão a devida importância ao G.R., mas depois é fácil exigir.

O G.R. é específico, é um trabalho totalmente diferente, tem de ter um

treino específico. As pessoas têm que se mentalizar nesse sentido. Já vi serem

capazes de chamar alguém bancada para fazer aquecimento a um G.R. da

formação… de calças de ganga a dar uns chutos à baliza, nem sequer ao G.R.!

Não tem lógica nenhuma!

Voltando atrás, a metodologia tem evoluído pelo que eu vejo, há debates

sobre os G.R., há acções de formação que têm vindo a ser feitas com

qualidade e na formação já vejo pessoas com formação académicas a treinar

os G.R.

(P.S.) – E em relação à realidade nacional e internacional?

(J.S.) – A metodologia no estrangeiro é mais avançada, já aos anos que vêm a

evoluir nesse sentido, que trabalha só a pensar no G.R. Para veres, neste

momento só temos uma pessoa, a nível nacional, com capacidade de dar

cursos de treinador de G.R., estamos a falar de Hugo Oliveira. Por exemplo,

em Espanha têm 6, 7 pessoas capacitadas para o fazer.

Anexo 2

XXXVII

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a

constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),

como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao

impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol

talentoso?

(J.S.) – No futebol moderno a genética é bastante importante. Por exemplo, há

clubes que na selecção de um G.R. na formação, têm dois G.R.: um

tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro tecnicamente

menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a estrutura de 1,80m

entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque o menos bom

tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler ao anterior, o

outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting fazem testes

para a previsão da altura.

(P.S.) – Que tipo de testes?

(J.S.) – Vários, pela previsão relativa à altura dos pais, pela dentição, pela

maturação visível, através dos caracteres secundários, por relações de

medidas antropométricas.

Por exemplo, nós enviamos dois G.R. à academia do Sporting em

Alcochete, um deles com capacidades excepcionais, bom dentro dos postes, a

jogar a bola com os pés, no jogo aéreo, mas era mais baixo do que o outro, o

qual era mais magro e mais alto e menos vistoso tecnicamente. Estamos a

falar de crianças de 12/13 anos, para integrarem o plantel de iniciados.

Nenhum deles ficou na academia, mas o G.R. que agradou foi o mais alto, ao

contrário do que esperávamos. Vemos que a altura é uma condição ideal e

condiciona a selecção. No futebol actual, o G.R. alto tem mais facilidade no

jogo aéreo do que o G.R. mediano. Por exemplo, na situação de 1x1, se o

avançado vê um G.R. alto e bem constituído até remata antes de chegar perto

do G.R., isto é verdade, porque ele vê a baliza mais pequena!

Vi avançados que rematavam antes só para não ter um embate com o

Vítor Baia, até pela imagem criada pelo Vítor, um óptimo G.R. enche a baliza.

Anexo 2

XXXVIII

Voltando à questão, depois da genética, o mais importante é o treino, é

fundamental um treino de qualidade, não falo de quantidade, mas sim de

qualidade para o desenvolvimento do G.R.

Por fim o ambiente/envolvimento, as companhias podem influenciar

positivamente ou negativamente. Por vezes diz-se que os jogadores se casam

mais cedo, acontece porque muitos encontram estabilidade necessária na

família, ganha um suporte de vida mais equilibrada. Outro aspecto que para

mim importante é a alimentação. As pessoas por vezes esquecem-se, mas é

importante ter uma vida saudável nesse sentido.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?

(J.S.) – É uma pergunta complicada… eu acho que já nasce qualquer coisa

com a pessoa. Um gosto, um sentimento intuitivo, ou mesmo os atributos

genéticos, condicionam o desenvolvimento, mas também sem trabalho, sem

treino, não é possível formar um G.R.

Eu digo que nasce qualquer coisa com o G.R. porque vemos e

aconteceu isso comigo, vários G.R. não começaram a formação futebolística

na baliza, eram jogadores e passados uns tempos, mesmo a meio do processo

de formação, passaram para a baliza. Acredito que seja algo que nasce com a

pessoa que conduz a isso.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma

posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua

identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a

observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo

poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por

imitação), e deste modo complementar as sessões de treino

convencionais?

(J.S.) – Sim, sem dúvida. Muito importante, porque os miúdos imitam.

Começam logo pela maneira de vestir, querem a marca X, igual à do ídolo.

Dou-te o exemplo do Vítor Baia e na actualidade o exemplo do Cristiano

Anexo 2

XXXIX

Ronaldo. Já ouvi treinadores a queixarem-se que ninguém quer ir à baliza,

todos querem ser o Cristiano Ronaldo, porque é a referência nacional. Há uns

anos atrás, o Vítor Baía era um modelo actual e muitos miúdos queriam ser o

Vítor e imitavam-no, compravam camisolas dele e iam para a baliza imitá-lo. Na

actualidade falta-nos uma referência na baliza. O Vítor acabou a carreira e não

há aquele impacto nos miúdos de quererem seguir a posição de G.R. porque

não há um G.R. nacional mediático e o mediatismo está todo centrado no

Cristiano Ronaldo. Este aspecto também pode ser importante para criar

estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência e não

devemos de ter vergonha de o fazer.

Anexo 3

XL

Anexo 3:

Entrevista a Tó Ferreira

(Sala de aula – FADEUP, Porto, 9 de Setembro 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o

distinguem dos demais?

(Tó) – Não consigo distinguir um G.R. de alto nível, só se for pelas equipas

onde jogam, nas grandes equipas internacionais e nacionais.

(P.S.) – Pensa, por exemplo, em guarda-redes que até tiveram as mesmas

oportunidades de formação, ou no mesmo clube e um conseguiu atingir o

nível superior e o outro não. Quais os aspectos que distinguem esse G.R.

que atinge o alto nível?

(Tó) – Eu conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em

equipas secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço

G.R. que trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o

caso do Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais

competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C.

Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar.

Não sei o que se passou.

(P.S.) – Pela tua resposta, caracterizaste práticas diferentes de treino e

exemplificaste guarda-redes muito diferentes. Neles consegues distinguir

características que podem ter sido influentes para os seus destinos?

(Tó) – O apoio psicológico também é importante. Acho que se o G.R. tiver bem

psicologicamente é meio caminho percorrido para o sucesso. A tal chamada

vida invisível é importante para estar e chegar ao alto nível. Se um jogador tiver

problemas familiares, ou outros problemas pessoais, reflectem-se no

importante dia-a-dia do futebolista.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível

superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que

contribui para chegar a um nível superior?

Anexo 3

XLI

(Tó) – Eu acho que ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa

experiência com o tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho.

Por exemplo, vou falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair,

não sabia chutar uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas.

Com o tempo e o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os

treinadores de G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu

desenvolvimento. Hoje com 37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O

Jorge, que é o meu treinador de G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar

colmata-lo. Com o tempo vamos assimilando o trabalho e adquirir a experiência

necessária.

Eu acho que ninguém nasce com talento, como diz aqui na pergunta, a

experiência é que contribui para chegar a um nível superior. Por exemplo, hoje

sinto-me mais experiente, aquilo que fazia há uns anos atrás já não o faço. Se

calhar hoje jogo mais fora da baliza do que há uns anos atrás, jogo mais com a

experiência adquirida. Com a experiência sinto-me mais capaz.

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de

um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de

alguém um G.R. talentoso?

(Tó) – Dizem que o treino é o espelho do jogo… deve ser e acredito que sim,

mas há jogadores que no treino são uma coisa e no jogo são outra. Eu, por

exemplo, faço coisas no treino que se calhar no jogo não faço. No treino tento

corrigir, por exemplo nos cruzamentos, eu vou a todos e no jogo tenho calma,

penso antes de sair a uma bola, no treino se tiver de falhar, falho, porque o

treino é par corrigir os nossos erros. Há jogadores que dão tudo nos treinos e

depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque será? Estou a falar

na generalidade entre jogadores e também de G.R.. Eu não, antes prefiro

cometer erros nos treinos e nos jogos não os cometer. De certeza que não os

cometo porque uma pessoa vai mais concentrada, é diferente de um treino. O

treino é uma coisa e o jogo é outra. No treino estamos à vontade, não há

pressão, não há competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente,

requer concentração no máximo das nossas capacidades.

Anexo 3

XLII

Voltando à pergunta, a prática é importantíssima e a qualidade e

quantidade influenciam no desenvolvimento do G.R., com trabalho vamos

conseguir algo. Como eu digo… eu trabalho e com 37 anos ainda quero mais,

quero ir mais longe. O G.R. até aos 40 anos joga fácil! Eu ainda quero jogar

mais 10 anos (riso). Sem lesões e se tiver vontade jogo sempre.

(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas

suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem

outras condicionantes importantes?

(Tó) – Sim, a prática é necessária, mas… por exemplo, nós jogamos juntos na

2ª Divisão B e não tem nada a ver jogar nessa divisão em relação a jogar na

primeira ou segunda Liga. Primeira e segunda Liga são o topo do futebol

nacional e os níveis de rendimento numa 2ª Liga são diferentes dos níveis da

2ª Divisão B. tinha vontade de jogar na 2ª Divisão B, mas se calhar a minha

vontade de jogar na 2ª Liga é diferente, é maior. Porque há mais informação,

há televisão, mais visibilidade e os objectivos são outros. Joguei aqui na 2ª

Divisão B e não vinha aqui um jornalista, agora na 2ª Liga está quase sempre

aqui um e então imagina na 1ª Liga. Digo isto porque joguei na 2ª Divisão B, na

2ª Liga e na 1ª Liga.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser

planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,

ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos

muito específicos?

(Tó) – No treino de G.R. tem de ser tudo planeado, não é chegar ali e é dose

diária. Nos dias da semana, acho que à terça-feira e quarta-feira tem de ser

uma intensidade mais alta, quinta-feira média intensidade e a partir de sexta-

feira muito baixa. O desgaste do G.R. é muito elevado, porque as nossas

acções são sempre na intensidade máxima. Por exemplo, esta semana vamos

jogar no sintético, jogo para a Taça, o Jorge esta semana está a incidir no

treino da velocidade de reacção, diferente, não temos trabalhado muito este

aspecto. Os treinos que esta semana estamos a fazer foram pensados para o

sintético, um tipo de treino diferente.

Anexo 3

XLIII

(P.S.) – Generalizando, sem entrar neste tipo de trabalho específico para o

próximo jogo, pensas que o treino deve ser planeado para proporcionar

estímulos muito específicos, por exemplo um trabalho de queda lateral

onde isolas este aspecto sem contextualizar um remate, ou então pensas

que o treino deve proporcionar o maior número de experiências

possíveis, o treino engloba mais áreas do rendimento, a técnica, o físico,

os aspectos tácticos, psicológicos e por exemplo trabalhas a queda

lateral numa situação mais contextualizada ao jogo, com um remate, com

adversários.

(Tó) – Isso é o treino que temos vindo a fazer quase diariamente. O Jorge está

a treinar-nos este ano e está com métodos fantásticos, vai muito na linha do

Hugo e acho muito bem porque se um dia quiser ser treinador de G.R. vou

buscar métodos do Jorge, do Hugo ou teus, estamos sempre a aprender. O

Jorge está a fazer uma coisa muito boa, o G.R. no futebol moderno joga muito

com os pés, não é o meu caso, mas muitos G.R. têm dificuldades, não sabem

jogar com os pés e ele trabalha. São experiências diferentes que eu nunca tive.

Antes era só queda, vai ali e aqui e trabalhar cruzamentos. Acho que o G.R.

tem de jogar e treinar muito os pés, desde sempre e esta é uma experiência

muito boa.

Segundo aquilo que nós falamos acho que o G.R. tem de trabalhar o

maior número de experiências possíveis numa sessão de treino, mas por

exemplo, esta semana o Jorge disse-nos logo que ia ser diferente, porque o

jogo em si vai ser diferente, o piso é outro, não é tão rápido como este, é mais

duro. Hoje de manhã fizemos um treino fantástico, todo a pensar no sintético e

treinamos na relva natural.

Outro aspecto importante no treino é as repetições e a intensidade. O

treino de G.R. não é «carne para canhão», não é para rebentar. Devemos

trabalhar na máxima intensidade, mas também na nossa máxima lucidez, não é

fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o máximo ou massacrar sem

intervalos de recuperação.

Anexo 3

XLIV

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser

mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o

começar a especializar?

(Tó) – Vou contar-te a experiência que tive no final da época passada quando

me pediram para ir dar uns treinos na formação da Oliveirense. Fui lá poucas

vezes, era mais uma presença para incentivar os miúdos. Cheguei lá e vi um

miúdo com uns 8 anos que tinha uma qualidade…eu olhava para o miúdo e

perguntava-me: será que temos aqui G.R.? Ele era rápido, ágil, via ali coisas

que bem trabalhado podia ir longe. Por isso é que eu digo que não há idade, se

o miúdo tiver qualidade, aquilo que ninguém nasce ensinado, deve começar a

escola, aprende e deve treinar as experiências de G.R..

Por exemplo, eu comecei muito tarde. Sou suspeito a falar sobre mim,

mas eu conheço-me bem, sei os meus erros e as minhas virtudes, por isso eu

acho que se tivesse um pouco mais de escola, se tivesse a tal formação, podia

estar no topo. Eu tive no topo, tive no F.C. Porto, fui campeão do mundo.

(P.S.) – Se tivesses essa tal formação qual era a idade que pensas que

deverias ter começado?

(Tó) – Não sei, mas talvez a partir dos iniciados e seguir juvenis e juniores.

Com o trabalho nestas etapas vamos adquirir coisas importantes e eu não tive

essa formação. Eu comecei quase a jogar nos seniores, tive o último ano de

júnior e passei logo para sénior. A escola de G.R. nunca tive, eu caía mal, não

sabia atacar uma bola, não sabia chutar, com o tempo fui aprendendo a olhar

para os outros. Na altura eu tive um treinador de G.R. que olhava para mim e

dizia “é miúdo deixa estar ali”, o que interessava era os outros guarda-redes.

Depois veio outro treinador e já olhava para mim. Mas antes, pelo treino dos

outros guarda-redes, olhava para eles e corrigia-me e tentava fazer igual. Com

o outro treinador, começou a corrigir-me e aí tive alguma formação.

Acho que a formação do G.R. deve começar cedo, pela fase de

iniciados, no primeiro ano de iniciados e com um bom trabalho, uma pessoa a

orientar para desenvolver a formação do G.R.

Anexo 3

XLV

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação

que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas

fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino

lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual

do G.R.?

(Tó) – Há etapas de formação. Na fase de juvenil/ júnior é uma etapa

fundamental, porque hoje em dia o futebol nacional e internacional está muito

mais evoluído e nessas idades já se vê alguma qualidade nos guarda-redes. É

importante consolidar a formação para integrar os planteis seniores. Há G.R.

com qualidade na formação e chegam a sénior e não dão nada. São contextos

muito diferentes e não é fácil. Não sei se será a pressão, parece que têm

medo… e não se mostram. Assim, mais um G.R. que se perdeu, até podia ter

qualidade, mas chegou ali, acanhou-se no momento da transição, o clube no

plantel sénior não gostou e fica de fora das opções.

Na transição de júnior para sénior acho que deve haver um treinador que

os apoie, que os deixe trabalhar à vontade e desenvolver no novo contexto. Por

exemplo, aqui no plantel neste momento nós só temos dois G.R., sou eu, o

Marco e o Jorge também está inscrito como G.R., mas como não treina porque

é que eles não mandam vir um miúdo dos juniores para trabalhar connosco.

Vai adaptando-se, conhece novos métodos de trabalho e o ambiente.

(P.S.) – Pelo que entendi, caracterizaste duas etapas importantes, a fase

de juvenil/ júnior e a fase de transição de júnior para sénior. Antes da

idade do escalão de formação juvenil constituis mais algumas etapas de

formação?

(Tó) – Na fase de juvenil/ júnior o trabalho já deve ser exigente, já são

homenzinhos. Nos iniciados é diferente, devem aprender bem e criar bases e

nos infantis e escolas devemos brincar com eles, ensinar como se colocam na

baliza e as bases técnicas, como se agarra a bola, como se cai.

(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, escolas/ infantis,

iniciados, juvenil/ júnior e júnior/ sénior, de que forma as diferenças entre

a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o

desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

Anexo 3

XLVI

(Tó) – Os trabalhos nos escalões de escolas/ infantis é totalmente diferente dos

trabalhos nos juvenis ou juniores. Em escolas e infantis a quantidade de

trabalho não pode ser muito exagerada, estamos a falar de miúdos que estão a

começar a formação ou começaram há poucos anos. Nos escalões seguintes,

juvenis, juniores e na fase de júnior para sénior tem que ser muito mais

exigente, mais trabalhado, mais quantidade e mais qualidade. Acho que nas

várias etapas a relação é crescente, a qualidade e a quantidade devem

aumentar.

Nos escalões mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se

querem ser G.R., porque passados uns tempos já querem ser avançados. Acho

que devem ter tempo para escolher, para saberem o que é que querem.

Para mim é uma pergunta um bocado complicada porque eu não vivi

estas etapas de formação. Por exemplo, se hoje fosse um miúdo e saber o que

sei, talvez escolheria ser avançado, é uma posição mais grata.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural

relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,

para alcançar o sucesso de nível superior?

(Tó) – Eu falo por mim, hoje eu devo muito daquilo que sou à minha família,

principalmente à minha esposa, ela tem um papel fundamental, pois todos os

problemas que trago e passo no futebol é ela que me dá o apoio.

Desempenham mesmo um papel importantíssimo, pois podemos ter muitos

amigos no futebol, mas são as pessoas mais chegadas e próximas de nós que

mais nos ajudam, porque se temos problemas no futebol, não é com os

colegas de equipa que vamos desabafar nem são eles que nos vão ajudar.

Passando agora para o nível sócio-cultural, acho que miúdos que vivem

em meios mais complicados têm de ter muitas capacidades e um meio familiar

muito estável pois condiciona muito o desempenho do jogador e eu tive sorte,

pois sempre vivi num meio familiar e sócio-cultural favorável para me dar o

apoio necessário, pois se uma pessoa não tem estabilidade e apoio, não terá

cabeça para trabalhar.

Anexo 3

XLVII

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para

alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de

prática a que se expõe?

(Tó) – Trabalho, mostrar dedicação por aquilo que se faz, ter um bom ambiente

de grupo, mesmo jogando ou não jogando, tal como digo aos jogadores, pois

podemos não ter sido convocados, mas devemos continuar a trabalhar. Mas

claro, um jogador para se sentir realmente motivado, tem de jogar e continuar a

trabalhar. Na minha idade, há muita gente que diz “com 37 anos e ainda a

jogar?” eu digo que sim, pois gosto de trabalhar sinto-me motivado e para mim

nesta idade tenho de exigir tanto como se ainda fosse novo.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil

para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

(Tó) – É muito difícil de chegar a um patamar elevado e quando lá se está, tem

de se ter muita “cabeça”, pois pode-se descer facilmente e isso acontece

quando os jogadores são mais novos, tal como me aconteceu, mas trabalhei e

dediquei-me sempre a isto e consegui estar neste patamar.

Para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas

quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não

descerem a um nível inferior.

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas

semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,

do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com

menos horas em cada sessão?

(Tó) – Eu acho que o treino de G.R. tem de ser planeado, bem pensado e não

é necessário um maior número de horas. Pode ser um treino de 1h mas muito

exigente, por exemplo, já fiz treinos de 30min que equivaleram +/ – a 2h.

Quando deixar a minha carreira, pretendo que o meu próximo objectivo

seja treinar G.R. e aí irei idealizar o treino semanal ou diário, pois os dias da

semana não são todos iguais e isso conta muito, daí se deve

Anexo 3

XLVIII

esquematizar/programar o tipo de treino para dias específicos e só ai,

consoante os objectivos do mesmo, pensar no número de horas.

Um G.R. para chegar a um nível superior, não necessita ter um elevado

número de horas por treino, mas sim, num período razoável, 30min/1h,

acompanhado de boa qualidade, mais bem preparado se encontrará o G.R.,

até porque um excessivo número de horas, pode desgastar fisicamente um

G.R. Estes treinos, como já referi anteriormente, devem mesmo variar de

acordo com o dia da semana, ou seja, às 3ª e 4ª feiras, a intensidade deve ser

elevada e com mais carga, mas a partir de 5ª feira, a intensidade deve baixar.

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o

sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),

apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

(Tó) – Eu falo por mim, se um dia vier a ser treinador de G.R., vou tentar

motivar e ensinar sempre os meus atletas e quanto às críticas, estas devem ser

construtivas, pois conheço muitos treinadores que criticam por criticar e isso

não ajuda e relativamente ao G.R., este como está sempre numa situação

complicada, devem ser constantemente motivado ao máximo, mesmo falhando

num jogo. Esta motivação passa por moralizá-lo e é a partir do trabalho que se

minimiza o erro e se tornam as críticas construtivas.

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído

significativamente? Nessa evolução fora de Portugal, que características

distintas reconhece nessa evolução?

(Tó) – Mudou bastante e tem tendência para melhorar, como a questão dos

pesos e do colete, como já tive oportunidade de experimentar, um peso em

cada perna, mais o colete que acrescenta mais 2kg ao corpo, é óptimo para o

trabalho de força. Para além disto, já treinei com os elásticos de costas

agarrados aos postes, mas agora parece haver umas luzes, mas ainda não sei

bem para que serve nem ainda experimentei. Na minha opinião, acho que

quantos mais instrumentos de treino, melhor, pois as intensidades e qualidades

Anexo 3

XLIX

dos jogos de futebol estão a aumentar, o futebol está cada vez mais exigente e

as metodologias têm de evoluir cada vez mais.

Por exemplo utilizam-se mais instrumentos para auxiliar o treino. Como

raquetes e bolas de ténis para trabalhar a reacção, agilidade e estimular a

percepção da direcção da bola. Outro exemplo, o Jorge foi buscar umas bolas

de plástico, parecem bolas para bebés mas têm tamanho idêntico às bolas

oficiais. O Jorge coloca essas bolas junto das bolas oficiais e de bolas de ténis

para rematar à baliza nesse trabalho específico. O remate da bola oficial é

normal, mas os remates com aquelas bolas mais leves vão com uma direcção

irregular, para trabalhar o reflexo e também remata as bolas de ténis. Ele faz

este treino ao sábado para trabalhar a reacção.

Ao nível internacional, relataram-me que o Manchester United tem uma

metodologia de treino muito boa para o trabalho dos G.R., acho que não fazem

muitos saltos, é tudo à base da velocidade e da reacção, gostava de ver só uns

treinos. Tem lógica porque a velocidade de jogo no futebol actual aumentou.

Outro aspecto que pode ser melhorado na metodologia de treino dos

G.R. é o trabalho de situações de cruzamentos idênticas ao jogo. Nós,

portugueses trabalhamos pouco as situações de cruzamentos, diversas

consoante o jogo. Na actualidade a maior parte dos golos ocorrem em

situações de bola parada, cruzamentos, cantos e livres. Há treinadores que

preferem o seu jogo ofensivo à base de cruzamentos e nós G.R. temos de

estar bem preparados. O Feirense joga muito assim e nunca treinei tantos

cruzamentos como na semana da preparação desse jogo.

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a

constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),

como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao

impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol

talentoso?

(Tó) – Eu li uma entrevista do Peter Cech, o G.R. do Chelsea, gostei dela que

até a guardei. Ele diz que os bons G.R. não são aqueles que fazem as grandes

defesas, aqueles voos vistosos aos ângulos, isso também fazem os G.R. da

Anexo 3

L

distrital e da terceira divisão. O que é importante é a forma como o G.R. se

coloca para estar sempre no local onde pode intervir bem e os atributos físicos,

a sua capacidade de treino. Por isso é que eu também penso que o treino tem

uma maior importância no desenvolvimento de um G.R. de alto nível. Depois o

ambiente/ envolvimento e por fim a genética.

(P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao

respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?

(Tó) – Os atributos mentais são mais importantes, um G.R. tem de estar

concentrado e só depois os atributos físicos. É simples, se tivermos bem

fisicamente e mal mentalmente não conseguimos ter o melhor rendimento,

porque a nossa cabeça comanda o corpo, podemos não estar concentrado no

aspecto mais importante, o jogo. Por isso é que os treinadores mandam

desligar os telemóveis duas horas antes da competição.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?

(Tó) – Faz-se.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma

posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua

identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a

observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo

poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por

imitação), e deste modo complementar as sessões de treino

convencionais?

(Tó) – Eu sempre tive um ídolo, uma pessoa que admiro o seu trabalho e hoje

ainda me dou bem com ele, é o Vítor Baía, sempre gostei dele a jogar. Eu

gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco mais, uns 40

anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu posicionamento em

campo, a maneira como defende, a sua postura.

Acho que sim, aprende-se a ver defender quem admiramos. Depois

podemos tentar imitar no treino e aplicar o que gostamos de ver no ídolo.

Anexo 3

LI

Actualmente, gosto de ver os jogos do Van der Sar, vejo os jogos do

United com especial atenção nas intervenções do Van der Sar. Ele tem uma

leitura de jogo fantástica. Não sei se referi anteriormente, mas este aspecto

muito importante para ser um G.R. de alto nível, ter uma boa tomada de

decisão e boa visão periférica.

Anexo 4

LII

Anexo 4:

Entrevista a Paulo Santos

(Instalações do Estádio Marcolino de Castro, S.M. Feira, 10 de Setembro 2009)

(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o

distinguem dos demais?

(Paulo) – Para mim, um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que acima

de tudo tem de estar super concentrado, porque a distracção é a «morte do

artista». Pode estar 90 minutos a fazer um grande jogo e ter o azar de poder

fazer mais qualquer coisa numa bola e toda a gente o vai crucificar. Chamo um

G.R. de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste

caso porque há sempre mais uns descontos. A concentração é fundamental.

(P.S.) – A concentração, como característica psicológica, entende que

influencia os restantes níveis de performance do G.R.?

(Paulo) – Sem dúvida.

(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível

superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que

contribui para chegar a um nível superior?

(Paulo) – Para alcançar o nível superior, o G.R. tem de ter uma formação

adequada e “fazer vida”. Neste sentido, a experiência que vai adquirindo ao

longo da vida, através da prática, é fundamental para chegar a um nível

superior.

Outro aspecto que para mim é importante é a sorte, uma oportunidade.

Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem te contratar. Ou outro

exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o titular, mas se o

treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não passa de suplente.

Na minha opinião, ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter

gosto em ser G.R. e estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as

experiências da prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior.

Anexo 4

LIII

(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de

um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de

alguém um G.R. talentoso?

(Paulo) – O melhor treino é o jogo. Por exemplo, num exercício de

cruzamentos, eu estou a cruzar fora da grande área e os G.R. interceptam

todas as bolas. Eu, também sem oposição, se cruzares umas 5 ou 6 bolas

intercepto todas, mas a partir dessas 5 ou 6 repetições começa-me a falhar as

pernas e posso deixar de conseguir interceptar todos os cruzamentos. Porém,

no exercício com os G.R., sem oposição é uma coisa e com defesas e

avançados, a situação é outra, e aí o G.R. tem que ter a melhor leitura da

situação tal como no jogo.

A partir deste exemplo percebemos que a prática interfere no

desenvolvimento de um bom G.R. e há actividades mais enriquecedoras, com

mais qualidade do que outras.

Por isso é que temos G.R. bons fora dos postes e outros G.R.

considerados mais espectaculares dentro dos postes, são aqueles que têm

melhores reflexos. São dois estilos de G.R. diferentes desenvolvidos pelos

tipos de práticas de foram confrontados.

Os G.R. considerados espectaculares dentro dos postes são mais

vistosos, mas eu considero um melhor G.R. aquele que impede o avançado de

cabecear, aquele que consegue ter bom desempenho fora dos postes.

(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas

suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem

outras condicionantes importantes?

(Paulo) – Poder ser suficiente. Mas também tem que ter um clube que o

consiga por no patamar superior. Porque um bom G.R. se não tiver uma boa

defesa também não é fácil. Dou-te o exemplo do Beto, ele há 3 anos foi

oferecido ao Feirense por 250 contos por mês. Naquela época tínhamos o Rui

Correia, o Marco e o Hélder Godinho, e ele não veio porque já tínhamos os 3

contratados. Foi para o Marco de Canaveses, apanhou o Hugo Oliveira, deu-

lhe confiança, bons treinos e foi para o Leixões. No Leixões, apanhou uma boa

equipa, aquilo que te referi, fez umas boas épocas e hoje está no FC Porto e

Anexo 4

LIV

na nossa selecção. Quando estava no Leixões já foi chamado à selecção, mas

para isso, teve de assinar pelo FC Porto, assinou pelo FC Porto e prometeram-

lhe que era chamado à selecção nacional. Se não tivesse ido para o Leixões

talvez ninguém se lembraria do Beto.

Por isso, digo que é importante ter oportunidade, ter a sorte de alguém

apostar no G.R. para trabalhar bem e ter visibilidade.

(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser

planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,

ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos

muito específicos?

(Paulo) – Eu estou sempre dependente do treinador principal, ele é que me vai

dar os princípios de como quer o G.R. Numa semana de jogo, supomos que

treinamos à 2ªfeira de manhã, o G.R. que foi titular integra o trabalho com os

restantes jogadores titulares. Faz a recuperação com a moral em cima se o

jogo correu bem e mesmo que o jogo tenha corrido menos bem para o G.R. faz

a recuperação com os restantes jogadores para se sentir integrado e também

recuperar mentalmente. Depois fico só com dois G.R. e pergunto ao treinador

quanto tempo tenho para trabalhar com eles. Este é um aspecto importante

porque o trabalho não é sempre o mesmo e até por vezes penso que tenho um

determinado tempo e depois efectivamente tenho menos tempo ou até mais.

Neste dia, o meu objectivo é equilibrar as experiências dos três G.R., o

titular teve melhor treino, o jogo, como já disse anteriormente.

Neste sentido, para o trabalho com os outros dois, tenho de pensar nas

exigências do jogo. Primeiro tento estimular a nível físico e com algumas

situações de jogo e depois, normalmente, realizam uma situação de jogo com a

equipa. Assim tento aproximar o treino ao jogo, para depois da folga de 3ªfeira,

os 3 G.R. na 4ªfeira estarem a um nível semelhante.

Há segunda-feira penso em preparar os guarda-redes (que não jogaram)

bem fisicamente. Por exemplo, o treinador principal dá-me meia hora para estar

com os guarda-redes, nesse tempo preparo bem os G.R. fisicamente, em

trabalho específico para este tempo ser semelhante à hora e meia de jogo do

Anexo 4

LV

G.R. titular. Depois o treinador normalmente realiza situações de jogadas e por

exemplo numa «pelada» a meio campo com 7x7 ou 8x8, os guarda-redes

completam o trabalho no sentido de aproximar as experiências ao jogo que o

G.R. titular teve. O próprio jogo dá tudo para os guarda-redes e proporciona

algum ritmo de jogo. Sempre que seja jogo, é o melhor treino que podes fazer.

Numa sessão de treino é importantíssimo proporcionar o maior número

de experiências possíveis.

(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser

mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o

começar a especializar?

(Paulo) – Primeiro o G.R. ou jogador tem de saber aquilo que quer.

Eu tenho um filho de 7 anos e não é por eu ter sido G.R. que ele tem

que ser ou tem de escolher a posição de G.R. para jogar futebol. Além de que,

o meu filho não pode pensar que eu sou treinador de guarda-redes, que o vou

treinar e ele será bom G.R.. Eu nunca vou influenciar na decisão dele, tem que

ser ele a decidir pelo seu gosto. Com uns 10 ou 11 anos chega a um clube e

começa a treinar, se vir que quer ser G.R. tem de abdicar de muita coisa. Tem

de saber que é o jogador que tem de estar melhor fisicamente. Porque é que

eu digo isto… se um jogador está a 100% o G.R. tem de estar a 200%. E tu

perguntas-me assim… só vai duas ou 3 bolas ao G.R. porque é que ele tem de

estar bem fisicamente! Nem tem de correr muito. Mas só que quando tiver de

correr tem de intervir a 200%, na intensidade máxima, «sai com tudo». Por

exemplo nos cruzamentos, em jogo com os adversários e os colegas temos de

sair determinados, «com tudo», na intensidade máxima, num treino uma

situação de cruzamentos sem oposição serve para refinar movimentos, andar

para a frente, para o lado, ou para trás consoante a decisão tomada mediante a

análise da trajectória da bola.

(P.S.) – Voltando à pergunta, indicou as idades de 10/11 anos adequadas

para começar a especializar?

(Paulo) – Sim, infantis, iniciados, juvenis e juniores, são as idades de

especialização. Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve

Anexo 4

LVI

passar pela experiência de jogador. Eu falo porque tenho um filho de 7 anos e

vejo que o que ele quer é correr, quer jogar. Eu acho bem, porque quando ele

quiser escolher a posição que quer jogar já passou por várias experiências e

sabe decidir qual delas gosta mais.

(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação

que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas

fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino

lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual

do G.R.?

(Paulo) – Dividir etapas…

(P.S.) – Pelo que entendi na sua resposta à pergunta anterior, subentendi

duas etapas de formação do G.R., uma antes dos 10/11 anos onde a

criança pode vivenciar variadas experiências e outra depois dos 10/11

anos, na qual entende iniciar-se a especialização do G.R. para a formação

de um G.R. de nível superior. No seguimento desta etapa, consegue

dividir mais fases na formação do G.R.?

(Paulo) – Sim, a fase de iniciados é diferente da anterior, é mais exigente, o

treino deve acompanhar esta evolução. Aqui, eu entendo que é fundamental ter

um bom treinador de G.R.. Um bom treinador de G.R., é uma pessoa que seja

amiga do G.R., não lhe queira fazer golos para ele sentir-se G.R.. Se eu

colocar um miúdo de 12/13 anos na baliza e ponho-me a chutar fora da área a

fazer golos, o G.R. desmotiva, vão desanimados para casa e amanhã ele já

não aparece ao treino. É importante orientar a todos os níveis e incentivar. Os

golos são para os adversários e também acontecem nos treinos com a equipa.

É também importante saber sofrer golos nestas idades, porque vê-se guarda-

redes jovens a baixar a cabeça após sofrer um golo e perder os seus níveis de

estabilidade emocional, a confiança. Por isso, o treinador de G.R. tem de

incentivar porque os golos sofridos ocorrem em várias situações de treino e no

jogo tem de estar preparado para se auto-incentivar, reagindo positivamente.

O treinador de G.R. tem de colocar a bola ao alcance da mão, para

poder ensinar como intervir, como segurar a bola, ou outras acções técnicas.

Anexo 4

LVII

Digo isto, porque já tive G.R. que passaram pelo Feirense, no plantel sénior,

vindos da formação do F.C. Porto e não sabiam «blocar a bola», pareciam que

batiam palmas contra a bola.

Na fase inicial da especialização a base do trabalho é muito técnico e

nos iniciados deve ser contínua e bem consolidada. Nestas fases, educar os

miúdos para a profissionalização também é importante, o saber estar e o saber

cuidar da sua ferramenta de trabalho, as luvas. Saber escolher as luvas e

estimular o hábito de ter as luvas lavadas e em bom estado. É um princípio

para eles, acabar o treino, passar as luvas por água e depois pendura-las para

não chegarem ao treino com as luvas cheias de lama ou pretas da borracha.

São pequenos princípios para quem quer ser alguém, a par do sonho,

muitos ainda sonham ser o Vítor Baía. A técnica de agarrar a bola é um

pequeno princípio, mas só assim se chega ao alto nível e é nestas idades que

se começa. Depois só se consegue ver se é um bom G.R. se tiver

oportunidade. Ou alguém apostou nele ou não. Eu costumo dizer, nunca se

pode dizer que poderia ter sido um grande G.R. se não teve oportunidade. Não

custa lá chegar, custa é saber manter no alto nível.

Por exemplo, o Bizarro era o titular dos juvenis do F.C. Porto, o Vítor

Baía era suplente do Bizarro. O Bizarro passou ao lado de uma grande carreira

e o Baía foi considerado o melhor G.R. do mundo. O Baía chegou a sénior e do

azar dos outros G.R. teve a sua sorte, a sua oportunidade, jogou com 19 anos

a titular do F.C. Porto, as coisas de inicio não lhe começaram a correr bem,

mas teve sempre alguém que apostou nele. Na actualidade é o que está a

passar com o Rui Patrício no Sporting. Em sénior a formação continua. Neste

caso do Rui Patrício e porque também já fui G.R., eu acho que ele já teve

momentos que devia ter saído da equipa, mais para o seu bem, para o

proteger. Digo isto porque já senti, tive momentos que as coisas não estavam a

sair tão bem e o treinador continuou a apostar em mim e tive jogos que me

perguntei o que é que eu estava a fazer dentro do campo. Mas passaram 2 ou

3 jogos e temos que recuperar, temos que levantar a cabeça e ser fortes

mentalmente.

Anexo 4

LVIII

A idade de júnior é outra fase importante para o desenvolvimento do

G.R., não me refiro à idade de passagem para os seniores. A idade de júnior é

quando nós começamos a «namoricar», a pensar que o mundo vai acabar

amanhã, a pensar que já somos homens, que já podemos sair, deitar tarde e

jogar amanhã fazendo o jogo facilmente. É uma idade difícil e digo isto por

experiência própria. Passar de júnior para sénior, desportivamente é

complicado, por isso eu penso que os G.R. devem optar por um clube onde

podem demonstrar o seu valor. É importante não deixar de jogar e enquanto se

é novo, as pessoas ainda vão contratar. Por exemplo um G.R. chega ao plantel

sénior do Feirense e está um ou dois anos a terceiro G.R., acho que deve sair

para jogar, interessa ter jogo para dar G.R.. É importante o G.R. sentir-se útil

para a equipa, sentir que produz para poder crescer. Na minha opinião, dar um

passo atrás com 18 ou 20 anos, estamos a dar a possibilidade de dar cinco

passos para a frente. São raros os casos dos G.R. que saem da formação e

são titulares do seu respectivo clube. Temos o Patrício, o Baía, o Moreira, mas

este último nem se chegou a afirmar.

(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as

diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que

influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

(Paulo) – Para mim acima de tudo a qualidade, até em tudo na vida! Se

trabalhares sempre com qualidade estás a reforçar aquele trabalho

diariamente. O G.R. não tem de se sentir cansado de um treino para o outro,

tem de estar sempre no máximo das suas capacidades.

(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural

relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,

para alcançar o sucesso de nível superior?

(Paulo) – Vou falar por mim… casei aos 30 anos. Senti-me mais G.R. quando

casei. Isto em relação ao ambiente familiar. Não é por acaso que um jogador

que case aos 23 anos tenha uma carreira mais brilhante. São capazes aos 35

anos estarem divorciados porque as vidas começaram a ser diferentes, mas

isso não interessa. Reconheço que uma vida estável é meio caminho andado,

Anexo 4

LIX

tanto para o envolvimento no mundo do Futebol, como para alcançar o sucesso

de nível superior. O jogador com família, tem a preocupação com a família,

chega a casa cedo e normalmente encontra o descanso. Para estar a nível

superior o descanso é fundamental, é necessário dormir bem, umas mínimas

8/9 horas diárias.

(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para

alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de

prática a que se expõe?

(Paulo) – Quando um G.R. escolheu a posição e está no alto nível, deve ter

pensado chegar pelo menos aos 35 anos a jogar futebol. Um G.R. que

abandona por vontade própria a carreira aos 30 anos não se pode considerar

um grande G.R..

A motivação é deixa-lo jogar. Falo por experiência de dois grandes G.R.

com quem trabalhei no Feirense, o Rui Correia e o William. Em final de carreira

qual era a motivação deles… jogar. Nos treinos procurava sempre tê-los

satisfeitos e ir ao encontro das necessidades deles, para eles estarem

motivados. Se por exemplo eu num treino mandava-lhes dar saltos e mais

saltos, no dia seguinte tinha-os a queixarem-se das costas e a desvalorizar o

meu trabalho. Nestes casos, tinha de jogar com os exercícios e meter o que

queria trabalhar disfarçado, mesmo fisicamente e com menores repetições.

Assim, quero chegar também à motivação no treino, o treino tem que ser a

base da motivação para prolongar a carreira.

(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil

para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

(Paulo) – Eu costumo dizer… não custa lá chegar, custa é saber lá estar.

(P.S.) – Porquê?

(Paulo) – Eu falo por mim, cheguei ao Sporting, mas depois não tive ninguém

que me conseguisse «deitar a mão».

(P.S.) – Entendo ser importante um apoio externo?

Anexo 4

LX

(Paulo) – Sim, é nesse sentido. Na altura era solteiro e senti-me fora de casa

pela primeira vez, comecei a viver sozinho em Lisboa, jogador do Sporting,

com aqueles amigos todos e amigas, não tive um ritmo de vida compatível com

o de ser jogador de futebol e assim ninguém consegue ser jogador de futebol.

Não tive ninguém que chegasse à minha beira e me dissesse: Paulo, o mundo

não acaba amanhã. Só tinha amigos para me dizer: vamos? Ainda não fomos?

(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas

semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,

do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com

menos horas em cada sessão?

(Paulo) – Não, com menos horas em cada sessão, sem qualquer dúvida.

Desde que tenham qualidade. Por exemplo, eu estou uma tarde a treinar com

os G.R. e eles questionam-se o que é que estão ali a fazer, porque a partir do

momento em que o G.R. não está a trabalhar na intensidade máxima, seja ao

nível físico ou psicológico, o trabalho não tem o rendimento necessário para

aumentar o desenvolvimento do G.R..

Outro exemplo, ainda hoje estive a trabalhar com o Miguel (G.R. dos

juniores e 3ª G.R. do plantel sénior) o jogar com os pés a pensar na situação

de jogo. O Miguel tem dificuldade em jogar com o pé esquerdo e não é num dia

que vai aprender. Por isso, eu indico sempre aos meus G.R. para nos treinos

se habituarem a trabalhar com ambos os pés e ambas as mãos, o que faz o

direito também têm de fazer com o esquerdo, uma vez lança com uma mão, na

seguinte lança com a outra. Eu exijo aos meus G.R. e penso que desde o inicio

da formação este aspecto deve ser ensinado aos G.R. jovens.

A época passada tive aqui o Tiago, o G.R. brasileiro que esteve no

Belenenses, ele não conseguia chutar uma bola com o pé esquerdo,

impressionante e contrário à ideia que temos de um G.R. brasileiro, mas eu

incentivei-o a trabalhar e dizia-lhe: Tiago tu vais sair daqui com o teu pé

esquerdo melhor do que o direito; falha, não tenhas problema, é no treino,

falha, falha, que eu tenho aqui muitas bolas. Era os incentivos que eu lhe dava.

Anexo 4

LXI

(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o

sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),

apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

(Paulo) – Um aspecto importante ao ensinar… nunca posso dizer a um G.R.

meu que ele está errado, eu tenho de dizer que ele está certo, mas que se

fizesse assim não ia ser pior, o G.R. é que defende. Ele tenta fazer o que eu

digo num treino e noutro e depois no jogo deve fazer como ele se sinta bem.

Se ele treinar como eu lhe digo, pode chegar ao jogo e pensar que lhe correu

bem a semana e optar por aquilo que lhe disse. É um princípio que está na

base da prática.

Dei-te alguns exemplos na resposta anterior quando falei do Tiago. Um

G.R. para estar bem fisicamente tem de trabalhar bem as pernas, para ser

rápido, ter impulsão, reacção, deslocamentos adequados e para estar bem

mentalmente é dar-lhe moral. Se sentires que o G.R. está bem

psicologicamente, ele está mais perto das coisas lhe saírem bem. É um G.R.

confiante. No treino não deves fazer golos ao teu G.R., tu queres que ele

defenda, é uma forma de ensinar e motivar o G.R..

(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído

significativamente?

(Paulo) – Sim, a metodologia tem evoluído. Eu tinha os meus 17 anos e já era

G.R. suplente do Clube Desportivo Feirense e eles gostavam de ver-me a sair

de «rastos» do treino. Eu hoje não vejo nenhum G.R. a sair de rastos. O G.R.

treina em intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas

vezes com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e

não é capaz de recuperar até à próxima sessão.

(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a

constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),

como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao

impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol

talentoso?

Anexo 4

LXII

(Paulo) – O mais importante para ser um G.R. de alto nível é ser um bom

profissional, o treino e a alimentação. Depois o ambiente/ envolvimento e só

depois a genética.

Relativamente ao ambiente familiar, este aspecto é controverso.

Normalmente um grande jogador vem de meios sociais

desequilibrados/instáveis e até famílias com dificuldades. Por vezes se o

jogador tem um bom ambiente familiar e um bom meio social, faz com que a

pessoa tenha outras oportunidades na vida e perca a vontade, a capacidade de

sofrimento para lidar com diversas situações no desenvolvimento como

jogador.

(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?

(Paulo) – Um G.R. faz-se.

(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma

posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua

identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a

observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo

poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por

imitação), e deste modo complementar as sessões de treino

convencionais?

(Paulo) – Sim, uma aprendizagem muito importante. Eu conheço um «miúdo»,

o Afonso, G.R. da formação do Feirense, num jogo dos seniores, quando eu

entro em campo ele não sai da minha beira e de trás do G.R. para ver como é

que o G.R. trabalha.

É uma aprendizagem que pode e deve ser possibilitada.

Anexo 5

LXIII

Anexo 5:

Guião da entrevista

A entrevista que se segue, é realizada no âmbito da monografia da Licenciatura em Desporto e Educação Física – opção complementar de Desporto de Rendimento. O presente trabalho tem como problemática e finalidade de estudo, perceber a relevância da prática deliberada para a formação/desenvolvimento da performance de um G.R. de Futebol.

1. O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais?

2. Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou

será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior?

3. Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um

G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso?

(Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes?)

4. Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos?

5. Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar?

6. Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que

idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?

7. Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente

ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior?

8. Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar

níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe?

Anexo 5

LXIV

9. Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão?

10. Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem

maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão?

11. Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso

de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?

12. Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído

significativamente? (Se sim...que características distintas reconhece nessa evolução?)

13. Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso?

(E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?)

14. Um G.R. nasce ou faz-se?

15. O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo? Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? Dados Pessoais: Nome: Correio electrónico: