Importância da Prática Deliberada
na Formação do Guarda-Redes de
Futebol Perito
Estudo baseado na literatura e na
percepção de jogadores e treinadores
Pedro Miguel Ramos e Silva
Porto, 2009
Importância da Prática Deliberada
na Formação do Guarda-Redes de
Futebol Perito
Estudo baseado na literatura e na
percepção de jogadores e treinadores
Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Alto Rendimento – Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Orientador: Prof. Doutor Júlio Manuel Garganta Silva
Pedro Miguel Ramos e Silva
Porto, 2009
Provas de Licenciatura
Ramos Silva, P. (2009). Importância da prática deliberada na formação do
Guarda-Redes de Futebol Perito. Estudo baseado na literatura e na percepção
de jogadores e treinadores. Dissertação de Licenciatura apresentada à
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Palavras-chave:
FUTEBOL – GUARDA-REDES DE FUTEBOL – FORMAÇÃO – PRÁTICA
DELIBERADA – PERITO.
III
Agradecimentos
Ao Professor Júlio Garganta pela disponibilidade em orientar o trabalho,
pelas «dicas» realçadas e pelo conhecimento transmitido. O meu obrigado.
À minha família, sobretudo ao meu Pai, à minha Mãe e à minha Irmã,
pelo auxílio activo sempre presente no meu percurso de vida, por me
orientarem e apoiarem nas decisões, pelas ricas experiências de vida
transmitidas e pelo exemplo que são para mim.
À Daniela, confidente, namorada, por juntarmos os nossos percursos de
vida, pelo que já vivemos e pelo que ainda queremos viver. Obrigada pela
cooperação directa na realização de muitas tarefas e por me compreenderes.
Aos meus amigos e ao, Tiago, Jorge, Benjamim, Ricardo, Filipe, Mário,
Hélder, Gil, pelas experiências e bons momentos passados juntos. Que
prevaleça a amizade e o companheirismo.
À «MantaRota», a equipa que venceu todas as competições no percurso
de faculdade… menos duas. Ao Ita, Tiago Salgado, Ângela, Romain, Luís,
Tiago Rocha.
Ao Zé e à Tânia pela «orientação» neste trabalho.
Aos entrevistados, Hugo Oliveira, Paulo Santos, Jorge Silva e Tó
Ferreira. Colaboradores necessários pelo conhecimento fornecido e pela
disponibilidade demonstrada.
Aos Professores do Gabinete de Futebol, pelo conhecimento transmitido.
Em particular, ao Professor Vítor Frade, pelo privilégio de ouvir os seus
ensinamentos e abrir os horizontes sobre o «Planeta do Futebol».
“O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão
grande para fazer esquecer pessoas que, por algum motivo, um dia nos
fizeram felizes” (Paulo Baleki, s/d). Às pessoas que cruzaram o seu percurso
de vida com o meu e enriqueceram a minha experiência de vida.
Índice Geral
V
Índice Geral
Agradecimentos III
Índice Geral V
Índice de Quadros VII
Índice de Figuras IX
Índice de Abreviaturas XI
Índice de Anexos XIII
Resumo XV
Abstract XVII
1. Introdução 1
2. Revisão da Literatura 5
2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol 5
2.2 O conceito de Perito no Desporto 8
2.3 A prática deliberada 11
2.3.1 A influência desta no processo de formação 11
2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise 12
2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática
sustentada 14
2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol
sustentada pelo jogo: Especificidade 17
2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno 22
2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol 25
2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão 25
2.6.2 Qualidades técnicas 32
2.6.3 Padrão psicológico 40
2.6.4 Qualidades físicas 43
2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol 47
3. Material e Métodos 55
3.1 Metodologia de investigação 55
Índice Geral
VI
3.2 Caracterização da Amostra 55
4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas 57
4.1 O guarda-redes de Futebol perito 57
4.1.1 Como se define? 57
4.1.2 Que características o distinguem? 59
4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade
da performance superior 62
4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de
Futebol 65
4.2.1 Influência da prática deliberada 65
4.2.1.1 Qualidade da prática…? Quantidade da
prática…? 67
4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior… talento
inato ou experiência adquirida? 69
4.2.2.1 Uma ordem de importância para os
constrangimentos: genética, treino, ambiente/envolvimento 74
4.2.3 Nas sessões de treino… condicionar as experiências em
função de estímulos muito específicos, ou para proporcionar o
maior número de experiências possíveis?
76
4.2.4 Observação e identificação com um ídolo, constitui factor
de aprendizagem complementar às sessões de treino
convencionais?
79
4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol 82
4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de
formação do guarda-redes de Futebol 86
5. Conclusões 93
6. Considerações finais 101
7. Referências bibliográficas 105
8. Anexos XXI
Índice de Quadros
VII
Índice de Quadros
Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle &
Hillman, 2003) 9
Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes.
(Voser et al., 2006) 49
Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil
(2008). 52
Índice de Figuras
IX
Índice de Figuras
Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006). 36
Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006). 36
Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006). 36
Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006). 37
Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006). 37
Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006). 38
Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006). 38
Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006). 38
Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006). 39
Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006). 39
Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006). 39
Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006). 40
Índice de Anexos
XIII
Índice de Anexos
Anexo 1 – Entrevista a Hugo Oliveira XXI
Anexo 2 – Entrevista a Jorge Silva XXVIII
Anexo 3 – Entrevista a Tó Ferreira XL
Anexo 4 – Entrevista a Paulo Santos LII
Anexo 5 – Guião da Entrevista LXIII
XV
Resumo
De todos os jogadores num jogo de Futebol, o guarda-redes parece ocupar
uma posição especial, devido às características e exigências inerentes às respectivas
funções. No presente estudo, a partir da teoria da prática deliberada (Ericsson,
Krampe & Tesch-Romer, 1993), procurou-se perceber a importância da prática
deliberada na formação do guarda-redes de Futebol perito.
Para tal, para além duma revisão da literatura, recorreu-se a entrevistas semi-
estruturadas realizadas a guarda-redes e treinadores de guarda-redes com
experiência de nível superior.
Todavia, a informação seleccionada visa responder aos objectivos que
orientam o estudo: perceber a importância da prática deliberada na formação do
guarda-redes de futebol perito; caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber
distinguir os domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos; saber se
se tornou perito por influência genética/hereditária (talento inato) ou através da
qualidade do processo e da quantidade de horas de prática a que foi submetido ao
longo de todo o seu percurso de vida; conhecer outros factores, para além da
qualidade/quantidade de prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de
superioridade dos guarda-redes de futebol peritos; determinar características de uma
prática de qualidade para a formação do guarda-redes de futebol perito; determinar
etapas do processo de formação do guarda-redes de Futebol.
A partir do cruzamento da informação decorrente da pesquisa bibliográfica e do
conteúdo das entrevistas foi possível concluir que: a qualidade da prática parece ter
importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito; a tomada de
decisão e a concentração distinguem os guarda-redes peritos; propendemos afirmar
que o guarda-redes se tornou perito por influência da qualidade/quantidade de prática;
a prática de qualidade reúne actividades específicas idênticas às situações de jogo,
com estímulos orientados para os quatro domínios da performance do guarda-redes
(táctico, técnico, psicológico, físico), é mais importante a concentração do que o
esforço dispendido na actividade e a motivação também deve ser promovida pela
prática; consideramos cinco etapas de formação, uma anterior à especialização até
aos 8 anos de idade e quatro etapas de especialização, 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15
anos; 16-18 anos; as primeiras etapas de formação devem ser orientadas para o
desenvolvimento das situações de jogo e do pensamento táctico, e não só centradas
no desenvolvimento técnico, isolado dos constrangimentos do jogo.
Palavras-chave: Futebol – Guarda-Redes de Futebol – Formação – Prática
Deliberada – Perito.
XVII
Abstract
Of all the players, in a Football game, the goalkeeper seems to occupy a
special position, due to the characteristics and demands inherent of his respective
functions. In the present study, from the theory of the deliberated practice (Ericsson,
Krampe & Tesch-Romer, 1993), it was tried to realize the importance of deliberated
practice in the formation of the expert soccer goalkeeper. For such, besides a revision
of the literature, has resorted to semi-structured interviews to goalkeepers and
goalkeeper's trainers with experience of a superior level.
However, the selected information aims to respond to the objectives that
orientate this study: to realize the importance of deliberated practice in the formation of
the expert soccer goalkeeper; to characterize the expert goalkeeper and to be able to
distinguish the domains that differentiates the expert goalkeepers and non-experts; to
know if his expertise was made/born under the genetic/ hereditary (innate talent)
influence or through the quality of the process and the quantity of hours of practice that
was submitted along his whole life; to know others factors besides the quality/quantity
of practice and/or the innate talent that influence the level of superiority of the expert
soccer goalkeepers; to determine characteristics of a quality practice for the formation
of the expert soccer goalkeeper; and to determine the stages of the process of
formation of the soccer goalkeeper.
From the crossroad of the information resulting of the bibliographical research
and from the content of the interviews, it was possible to conclude that: the quality of
the practice seems to have a significant importance in the formation of the expert
soccer goalkeeper; the taking decision and the concentration distinguish the expert
goalkeepers; we lean to affirm that the goalkeeper became an expert under the
influence of the quality / quantity of practice; the quality practice joins specific activities
identical to the situations of game, with stimuli orientated for the four domains of the
performance of the goalkeeper (tactic, technical, psychological, physical), the
concentration is more important than the effort spent in the activity and the motivation
also must be promoted by the practice; we considerate five stages of formation, one
previous to the specialization till 8 years old and four stages of specialization, 8-10
years old; 11-12 years old; 13-15 years old and 16-18 years old; the first stages of
formation must be orientated for the development of the situations of the game and of
the tactic thought, and not only centred in the technical, isolated development of the
constraint of the game.
Key-Words: Soccer – Goalkeeper – Formation – Deliberate Practice – Expert.
XIX
“A curiosidade é mais importante do que o conhecimento” (Albert Einstein, s/d).
“A experiência é um conhecimento empírico, isto é, um conhecimento que
determina um objecto por percepções” (Immanuel Kant, s/d).
“Da ausência de escola têm escapado, pela capacidade revelada ao longo do
tempo, por talento inato ou melhorado com trabalho, guarda-redes que
marcaram a História do futebol português, como Azevedo, Carlos Gomes, Vítor
Damas, Bento ou Vítor Baía” (Paulo Jorge Pereira & Pedro Ferraz, s/d).
“Ser guarda-redes é um dos trabalhos mais solitários que existe. Todas as
grandes defesas da história juntas não conseguem compensar um simples erro
num momento vital” (Albert Camus, s/d).
Introdução
1 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
1. Introdução
“Portugal é um viveiro de guarda-redes talentosos” (Oliveira, 2004)
Observamos um jogo do principal campeonato do Desporto rei nacional
ou um jogo das competições internacionais de Futebol, constatamos que os
G.R. casualmente intervêm poucas vezes em jogo, realizam diferentes tipos de
acções determinantes para o resultado com comportamentos excepcionais e, o
nosso espanto questiona como conseguiram realizar esse desempenho, o
modo como conseguem ser excepcionais ou o modo como se tornaram
excepcionais. São diferentes perspectivas de analisar um comportamento
excepcional e, revelam o problema deste estudo.
É o "saber ver" que suscita um problema profundo, porque não só
qualquer teoria depende de uma observação, mas também porque qualquer
observação depende de uma teoria (Morin, 1981). Assim, a mera observação,
sem uma teoria, não tem validade fundamentada. Neste sentido, queremos
perceber qual a relevância da teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe
& Tesch-Romer (1993), no desenvolvimento do G.R. de Futebol de nível
superior. Estes indivíduos ao revelarem um desempenho superior no Futebol, o
que os distingue dos demais, confere-os portadores de talento ou capacidades
invulgares e representam uma fonte preciosa para a sociedade pelas
expectativas que geram à sua volta, sobretudo por expressarem a excelência
em diferentes domínios da actividade humana e a possibilidade de podermos
estudá-los.
Portanto, é importante reflectir sobre as duas perspectivas que procuram
explicar o comportamento excepcional dos peritos: a primeira, baseada numa
predisposição genética, uma espécie de talento inato que os peritos possuem
para sobressaírem numa determinada área, e outra, que defende que o
desempenho superior numa área específica está dependente da qualidade e
da quantidade de actividades práticas realizadas.
Todavia, se a prática fosse considerada a única condição para alcançar
o desempenho de perito, então, segundo Helsen, Hodges, Winckel & Starkes,
(2000), os treinadores limitar-se-iam a concentrar o seu trabalho no acesso a
Introdução
2 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
facilidades ou treinos específicos que contribuíssem, efectivamente, para
maximizar o potencial do ambiente de prática.
Mas, Janelle & Hillman (2003) sugerem, também, que para um
desenvolvimento efectivo do desempenho superior numa determinada área, há
variáveis que exigem grande atenção, tais como: a motivação para devotar
longas horas ao treino; o tipo de prática (versus a quantidade de prática) que é
exigida para atingir um desempenho perito; as condições que caracterizam a
“prática perfeita”; os aspectos que permitem transferir um desempenho
superior, na prática, para os domínios da competição e da avaliação; os
mecanismos pelos quais a prática deliberada pode influenciar o
desenvolvimento do perito.
No presente trabalho, mediante a comparação entre as informações
retiradas da revisão bibliográfica e das entrevistas efectuadas, procurar-se-á
perceber a formação do G.R. de Futebol perito. Para esta finalidade
elaboramos os seguintes objectivos:
- Perceber a importância da prática deliberada na formação do guarda-
redes de futebol perito;
- Caracterizar o guarda-redes de futebol perito e saber distinguir os
domínios que diferenciam os guarda-redes peritos e não peritos;
- Saber se se tornou perito por influência genética/hereditária (talento
inato) ou através da qualidade do processo e da quantidade de horas de
prática a que foi submetido ao longo de todo o seu percurso de vida;
- Conhecer outros factores, para além da qualidade/quantidade de
prática e, ou do talento inato, que influenciam o nível de superioridade
dos guarda-redes de futebol peritos.
- Determinar características de uma prática de qualidade para a
formação do guarda-redes de futebol perito;
- Determinar etapas do processo de formação do guarda-redes de
Futebol.
Introdução
3 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Se nos concentrarmos no Futebol de alto nível, segundo Sainz de
Baranda & Ortega Toro (2002), a selecção do G.R. para a posição é a chave
no momento de confeccionar uma equipa, pois a segurança e a confiança que
a equipa tem nele, será de grande importância, que a actuação do G.R. vai
influenciar de maneira significativa no jogo da equipa.
Segundo Voser et al. (2006) entendemos que é muito difícil alcançar o
alto rendimento, exactamente por se tratar, na maioria das vezes, de um
processo extremamente selectivo.
No futebol, ouve-se correntemente que o G.R. para ser bom tem de
reunir bastante experiência, associa-se a essa experiência os amontoados
anos de prática e também uma faixa etária próxima do final da carreira. Em
contrapartida, também percorre outro entendimento para “ser um grande
guarda-redes, tal como em outras disciplinas desportivas, está fora do alcance
de qualquer um. Ser um bom guarda-redes é uma rara e admirável combinação
de qualidades improváveis. Ainda assim há quem acredite que qualquer um
pode sê-lo” (Hodgson, s/d).
Estas duas opiniões empíricas argumentam a problemática central do
estudo e estimulam o conhecimento de perceber como o G.R. se tornou tão
bom no desempenho da sua função.
Perante esta compreensão, surge o tema deste trabalho centrado no
estudo do processo de formação do G.R. de Futebol perito.
A realização deste trabalho será estruturada em oito pontos:
1. Introdução; com o propósito de apresentar e justificar a importância do
estudo, delimitar o problema e descrever os objectivos.
2. Revisão da Literatura; conhecer os aspectos relacionados com o tema.
3. Material e Métodos; caracterizar a amostra e a metodologia de
investigação.
4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas; analisar e
relacionar o conteúdo das entrevistas com a revisão da literatura.
5. Conclusões;
6. Considerações Finais; descrever recomendações para futuros estudos.
Introdução
4 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
7. Referências Bibliográficas; são escritas todas as referências dos autores
citados ao longo do trabalho.
8. Anexos; são anexas as entrevistas realizadas e o guião das mesmas.
Na produção deste trabalho, para além de conhecer todos os aspectos
relacionados com a problemática em questão através da revisão bibliográfica, a
metodologia adoptada na investigação concebe a realização de uma entrevista
aberta a alguns G.R. de Futebol com experiência de nível superior e também a
treinadores de G.R. de Futebol.
Revisão da Literatura
5 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2. Revisão da Literatura
2.1 Processo de formação desportiva, em Futebol
“A formação é a base do futebol profissional, por isso tem de haver uma preocupação elevada
com ela” (Frade, 2002, cit. Vieira, 2004, p. 26).
Ao pensarmos em formação desportiva e em integração no fenómeno
desportivo somos levados a pensar em desempenho e rendimento, pois ao
nível da alta competição, ou seja no mais alto patamar do desporto, é o
sucesso que encontramos como meta a alcançar. Segundo Frade (2008),
formar é ganhar e a competição é a mola condutora de «tudo».
Sendo actualmente a formação de jogadores no futebol, como em
qualquer outra modalidade, um aspecto indispensável para que no futuro
possam surgir atletas de rendimento superior, para Pacheco (2001) a «escola»
de futebol pretende dar a formação adequada aos jovens futebolistas, para que
mais tarde possam vir a integrar as suas equipas seniores.
Invocando o dicionário de língua portuguesa (Porto Editora, 2004), o
conceito de formação está descrito como sendo o acto ou efeito de formar,
«dar forma a», sendo que forma designa modelo, figura, feitio.
A formação para Leal e Quinta (2001), não se trata apenas de treinar, é
mais do que isso, é educar, é acompanhar o crescimento e maturação, é sentir
os problemas dos atletas, é participar, é viver e acompanhar a escola, o
namoro ou a discoteca. Antes de percebermos a especificidade da formação
em futebol, pela citação anterior perspectivamos a noção da globalidade dos
domínios de intervenção que o processo de formação abrange. Em Futebol, a
noção de processo é fundamental. O processo carece de uma ideia conceptual,
metodológica (enquadramento conceptual), e assim, é combinado pelo lado
macro e pelo lado micro. É influenciado por aquilo que se fez ontem e aquilo
que se faz amanhã. A formação é um processo que tem como trave mestra o
fazer, “o primado está no saber fazer” (Frade, 2008). O processo é uma
racionalização, mas a configuração tem de entender a razão como maior
Revisão da Literatura
6 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
inimiga da incongruência. Assim sendo, entender melhor o contexto de prática
do futebol, o jogo, é tão importante como entender a inconstância do mesmo. O
Futebol é uma modalidade pertencente aos jogos desportivos colectivos, e
estes segundo Garganta (1997) possuem uma elevada aleatoriedade, e no
qual as equipas em confronto disputam objectivos idênticos num mesmo
espaço e tempo, efectuando acções reversíveis de sinal contrário alicerçadas
em relações de oposição/cooperação. Para definir prioridades no ensino do
futebol, segundo Graça (1995) é fundamental compreender a natureza aberta
do jogo, regulada pelos constrangimentos de factores exteriores como a
posição de colegas e adversários. E igualmente importante perceber quais as
exigências que o jogo coloca aos seus praticantes, sendo o primeiro de
natureza táctica, o que fazer, para que a posteriori o problema seja
solucionado, como fazer, seleccionando a resposta motora mais adequada
(Garganta & Pinto, 1998).
Portanto, o treino como processo de formação pressupõem objectivos
que passam por fazer do atleta um ser pensante, que entenda o que tem de
fazer nos diferentes momentos de jogo. Popper (1991), citado por Garganta
(2001), afirma que, para que os nossos sentidos nos digam alguma coisa,
temos que possuir conhecimento prévio, para podermos ver uma «coisa»,
temos de saber o que são «coisas». Neste sentido, percebemos a importância
da decisão no processo de formação, sendo a tomada de decisão o capítulo
táctico da acção adoptada para responder às necessidades do jogo. Araújo
(2005) expõe um conceito abrangente da «acção táctica», ao referir que esta
caracteriza o resultado da exploração das possibilidades da acção, as quais
são constrangidas pelo tempo disponível, perícia do executante, estado
emocional, fadiga, etc. Segundo o mesmo autor, o desportista com os anos de
prática vai filtrando/ seleccionando informação relevante e sempre que esta o
conduz ao sucesso aumenta também a probabilidade de este a usar
novamente. Nesta linha de pensamento, a “afinação perceptiva” segundo
Araújo (2005) está na base da acção táctica, pois esta explica a intuição, que é
considerada a responsável pela tomada de decisão do jogador.
Revisão da Literatura
7 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Estando a técnica confinada a servir a decisão táctica do jogador, o
ensino e treino do futebol não devem restringir-se aos aspectos biomecânicos,
isto é, ao gesto, devendo atender sobretudo às imposições da adequação às
situações de jogo (Garganta & Pinto, 1998).
Mais do que dicotomizar técnica e táctica, enquanto perspectivas de
abordagem distintas e antagónicas, importa estabelecer relações de
compromisso e complementaridade entre ambas (Mesquita, 1998).
No entanto, não basta praticar desporto para se ter a garantia de que o
processo de formação desportiva promova o desenvolvimento das
competências/capacidades do indivíduo. É impreterivelmente, necessário que
se conheça, de forma profunda, o processo de formação desportiva, de modo a
que se respeitem os diferentes níveis de prática, cada qual com as suas
características próprias (Mesquita, 2000).
A integração de um jovem na prática desportiva, desperta um conjunto
alargado de preocupações, não só porque o processo de crescimento e
desenvolvimento dos jovens assume especificidades metodológicas, mas
também porque à volta do jovem emergem factores de socialização de grande
importância para a sua integração no fenómeno desportivo (Marques et al.
2004). Ramos (2003) refere que o que se pretende é que as metodologias de
treino se baseiem o mais possível nas necessidades do futebolista e possam
ter como referência àquilo que é mais específico na modalidade, o Jogo.
Mesquita (2000) salienta a necessidade da formação desportiva
preceder a especialização, para que esta aconteça como consequência da
existência de bases sólidas e consistentes adquiridas no período de formação.
No seguimento da revisão, tendo em vista a necessidade da formação
desportiva antecipar a especialização, procuramos perceber quais as bases
sólidas e consistentes de um Guarda-Redes de Futebol para se denominar de
perito.
Revisão da Literatura
8 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2.2 O conceito de Perito no Desporto
“ Dos primeiros momentos nas ruas do bairro dos Pobres, em Leça da Palmeira, até às vitórias
em grandes palcos internacionais, como Sevilha ou GelsenKirchen,...” (Baía, 2005, p.11).
Já vimos anteriormente que o treino desportivo tem como propósito a
aquisição e melhoria das capacidades e habilidades do indivíduo. No caso do
Futebol, o treino visa optimizar as relações entre estímulo e resposta, tendo
presente a aleatoriedade característica do jogo, preparando o atleta para
analisar, decidir e executar, de forma adequada e eficaz. Neste âmbito, temos
de compreender o que é um Perito, ou quem é Perito.
No dicionário da língua Portuguesa (2004), perito é definido como sendo
um indivíduo que tem prática ou é sabedor.
Segundo Starkes & Allard (1993), um perito motor é alguém muito bom
no desempenho motor de uma tarefa.
Para Ericsson & Smith (1991) o perito ou “experto”, caracteriza-se pela
estabilidade e mensurabilidade da performance durante longos períodos de
tempo. Bloom (1985), ao estudar expertos na área da música, desporto e
ciência confirmou ser necessária uma década de prática, para atingir a
excelência em qualquer uma dessas áreas. Ericsson & Crutcher (1990, cit.
Starkes & Allard, 1993) mostraram que um indivíduo que se encontre a
competir a nível internacional, iniciou a sua prática nessa modalidade ainda
antes dos 6 anos, ocupando grande parte da sua juventude a treinar.
Wrisberg (2001) indica que os indivíduos que apresentam um elevado
nível de execução nas habilidades que interessam para o desempenho de uma
dada tarefa, irão apresentar um grau superior de performance.
Os autores citados procuraram delinear características que definem um
perito, mas alguns autores acreditam que cada um de nós possui algum nível
de expertise num determinado domínio (Sloboda, 1991). De acordo com
Starkes & Allard (1993) a exclusividade está associada à expertise. Assim,
podemos compreender o perito como sendo alguém com o desempenho acima
da norma da sociedade.
Revisão da Literatura
9 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Perito é aquele que desempenha conscientemente de modo excepcional
num dado domínio (desporto) ao longo de um período de tempo (Araújo, 2004),
segundo a psicologia ecológica a perícia não é uma propriedade fixa da
pessoa, mas antes uma relação variável entre as exigências impostas pelo
contexto e os recursos que o indivíduo tem disponíveis. O desempenho perito
surge da interacção das características do jogador e das do envolvimento,
portanto a perícia de acordo, com a psicologia ecológica deverá ser entendida
como um processo holístico e dinâmico (Araújo, 2004).
Para visar o estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como
necessário alcançar a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e
emocional. Segundo os mesmos autores, um nível de expertise inferior, num
destes domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto nível do seu
rendimento. Em contrapartida, a expertise num dos domínios pode ser um meio
facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros.
Quadro 1: Os domínios da expertise no desporto. (Janelle & Hillman, 2003)
A expertise a nível fisiológico é exclusiva do desporto. Pensando nas
questões fisiológicas de desenvolvimento e adaptação musculares,
percebemos que embora as fibras possam evoluir de acordo com o tipo de
treino (Wilmore & Costill, 1999, citados por Janelle & Hillman, 2003), chegamos
à conclusão que os limites desta adaptação são impostos por factores
Revisão da Literatura
10 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
genéticos (Bouchard et al., 1992; Klissouras, 1997; Swallow et al., 1998,
citados por Janelle & Hillman, 2003).
Já a expertise técnica pode ser entendida como o grau de coordenação
sensório-motor que está na base de movimentos padrão coordenados,
refinados e eficientes, que emergem no seguimento dos anos de treino
extensivo e sistemático, ou prática deliberada (Starkes & Allard 1993; Janelle &
Hillman, 2003).
A expertise cognitiva, segundo Janelle & Hillman (2003), pode subdividir-
se em conhecimento táctico/ estratégico e percepção/ tomada de decisão. O
conhecimento táctico/ estratégico apresenta-se como a propriedade de decidir
sobre qual a estratégia mais adequada numa determinada situação e também
como a estratégia capaz de ser executada, tendo em conta os
constrangimentos dos movimentos requeridos. Segundo os mesmos autores,
esses procedimentos potenciam a eficácia da tomada de decisão.
Independentemente de se tratar de um desporto individual ou colectivo, pensa-
se relativamente à tomada de decisão que o experto é capaz de retirar do meio
ambiente as informações relevantes, deixando de lado o que é acessório
(Janelle & Hillman, 2003). A tomada de decisão é compreendida como uma das
mais importantes capacidades dos jogadores e, em muitos casos, a
responsável pelas diferenças de rendimento entre estes (Tavares, 1993).
Quanto ao domínio da expertise emocional é dividido em regulação
emocional e capacidade psicológica. A regulação emocional contribui em muito
para a variação na performance do jogador e representa a capacidade que o
indivíduo possui para controlar e dominar as suas emoções. A capacidade
psicológica tem elevada importância na performance de um perito e esta pode
subdividir-se em temas como a definição de objectivos, a adopção de uma
atitude positiva, a motivação, a construção da confiança, a visualização e treino
mental, “treinabilidade” e relações interpessoais (Janelle & Hillman, 2003).
Revisão da Literatura
11 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2.3 A prática deliberada
2.3.1 Influência desta no processo de formação
“No rendimento superior a arte e ciência misturam-se e toda a dinâmica do jogo não
pode ser só submetida aos olhos da ciência. Necessita da integração de conhecimentos
práticos produzidos pela experiência” (Frade, 2008).
De uma forma sumária, entende-se por prática deliberada, uma prática
altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e aperfeiçoar o
desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento (Ericsson, Krampe &
Tesch-Romer, 1996). Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador
de um desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch-
Romer (1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados
pela participação na prática deliberada. Assim, se o desempenho dos
indivíduos se avalia em função da quantidade da prática deliberada acumulada
desde que iniciaram a prática deliberada num domínio, então a idade com que
se inicia a prática é um importante determinante do nível de perícia; deste
modo, um individuo que comece aos 5 anos uma actividade e que pratique 15
horas semanais terá melhor desempenho do que um individuo que devote a
mesma quantidade de prática à actividade, mas que tenha começado com 10
anos (Costa, 2005). Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria,
apresentando um estudo sobre as modalidades de Hóquei e Futebol,
confirmando que os jogadores belgas expertos (do sexo masculino)
despendem cerca de 10 000 horas de prática.
A ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de treino
acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está patente na
“regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como Ericsson,
Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985, entre outros
(Costa, 2005).
Neste estudo de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), os autores
defendem que a prática deliberada requer esforço e nem sempre é agradável;
os indivíduos estão motivados para a prática porque a prática melhora o seu
Revisão da Literatura
12 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
desempenho. Deste modo os autores defendem que a prática deliberada difere
de outras experiencias nas quais o desenvolvimento da perícia pode ser um
resultado indirecto (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993). Costa (2005)
afirma que segundo esta teoria, o indivíduo refina continuamente o seu
desempenho, utilizando o conhecimento dos resultados e o feedback. As
secções de treino devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de
modo a assegurar que o indivíduo possui resistência física e mental para se
concentrar na prática, caso contrário, a prática não leva aos tipos de
desempenho estabelecidos por esta teoria (Ericsson, Krampe & Tesch-Romer,
1993). Esta teoria é reforçada por Bouchard, Malina & Perusse (1997), quando
alega que enquanto certas características gerais tem sido associadas ao
talento genético o refinamento destas características ocorre apenas após
vários anos de treino intenso.
2.3.2 Qualidade de treino como influenciador da expertise
Como sintetiza Georges Chapouthier, director de pesquisa no CNRS, “o homem é,
antes de mais, o produto de uma evolução biológica à qual foi acrescentada uma evolução
sócio-cultural”. (Revoy & Nicolas, 2007).
São vários os autores destacando a importância, para além da
quantidade de treino, a qualidade no treino para o desenvolvimento do talento,
para muitos a qualidade do processo está intimamente ligado á formação.
Como nos diz Mesquita (1991), a eficácia no treino está também
dependente das competências didácticas e pedagógicas do treinador.
Na mesma linha de pensamento, Graça (1991) afirma que a
investigação no ensino geral conseguiu identificar uma forte associação entre o
tempo que o aluno está empenhado com sucesso em tarefas de aprendizagem
e o seu progresso. Em relação à Educação Física, embora logicamente se
advogue a importância daquela variável, tem sido difícil evidenciá-la
empiricamente.
Revisão da Literatura
13 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Verifico então que para além da quantidade da prática, outro elemento
poderá ser fundamental, pois, apesar de ser visível a influência do tempo de
empenhamento motor nos progressos alcançados pelos alunos, através de
alguns estudos realizados constatou-se que o tempo passado na tarefa
(duração), não constituía por si só um factor preditivo das aquisições
resultantes da aprendizagem (Mesquita, 1991).
É aqui que o treinador ou professor se assume como principal
responsável. Neste sentido Mesquita (1991), acrescenta que a intervenção
pedagógica do treinador condiciona a actividade do praticante, exercendo um
papel decisivo na sua formação.
Um exemplo dado da importância da qualidade do treino na formação do
talento refere-se a um estudo relativo ao hóquei alemão de (Van Rossum,
2000, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) diz-nos que os dados
recolhidos no estudo comprovaram que os jogadores alemães não passavam
tantas horas a praticar como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã
acabou bem classificada nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no
campeonato europeu de 1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou
o título olímpico um ano mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou
classificada para os jogos olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu
prestigiado “Champions trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a
conseguir os três títulos internacionais mais concorridos.
Parece então evidente que apesar do maior número de horas de prática
adquirida pela equipa belga, foram os jogadores alemães que conseguiram
melhores resultados. Isto leva-nos a concluir que a qualidade de treino foi
preponderante na conquista de melhores resultados.
Revisão da Literatura
14 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2.3.3 Do talento ao experto como consequência da prática
sustentada
“Certamente, o ser humano é capaz de inventar novo comportamento ao longo da vida,
mesmo se este não é destinado geneticamente” (Revoy & Nicolas, 2007).
Actualmente existem algumas discrepâncias sobre o significado exacto
do que se entende por talento desportivo, sendo comum encontrar na literatura
o termo talento a designar o jovem atleta de sucesso.
Segundo Costa (2005), o conceito de talento foi tratado por muitos
especialistas, não só no âmbito do desporto, mas também na matemática, na
literatura, na música, no cinema, o que é suficiente para perceber que esta
palavra vem sendo insistentemente aplicada nas mais diversas áreas.
Contudo, é difícil estabelecer uma definição deste conceito, o que faz
com que seja importante determinar o seu significado. Assim sendo, veremos
qual o significado que comporta o conceito de talento segundo alguns autores.
Numa primeira pesquisa, procuramos ver o significado ao Grande
Dicionário da Língua Portuguesa (1981: 445), e verificamos que talento
significa “intelectualmente brilhante; inteligência superior que se afirma por
méritos excepcionais; pessoa promissora ou dotada de inteligência invulgar;
aptidão natural ou faculdade adquirida”.
Numa perspectiva de talento segundo uma presença de capacidades ou
características, encontramos a definição de Léger (1986, cit. Costa 2005), o
talento se pode definir como uma capacidade ou habilidade para uma
actividade particular ou um determinado desporto, natural ou adquirida.
A definição apresentada por Hahn (1988) parece ser, contudo, a mais
adequada, afirmando que o talento desportivo é uma competência acentuada
numa direcção, superando a medida normal, que ainda não está de todo
desenvolvida, acrescentando ainda que é uma disposição acima do normal, de
poder e querer realizar rendimentos elevados no campo do desporto.
Em termos gerais, falamos de sujeitos com talento desportivo, quando a
sua capacidade de assimilação e rendimento se destacam numa especialidade
Revisão da Literatura
15 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
desportiva concreta e possuem características que os distinguem dos demais e
que são a base do seu elevado rendimento.
Hahn (1988) considera que o jovem talento desportivo é aquele que
aprende depressa, e de forma duradoura, ou aquele que possui predisposição
para o alto rendimento, muito acima da média.
Procurando ser mais específico, Weineck (1991) apresentou três
expressões para definir talento: motor geral, talento desportivo e talento
desportivo específico. Por talento motor geral entende-se a capacidade de
adquirir rapidamente destrezas motoras; enquanto, por talento desportivo
consideramos todos aquelas pessoas com condições superiores, alta
adaptabilidade de recursos, criatividade, grande capacidade de resolução de
problemas e grande habilidade motora. O conceito de talento desportivo
específico integra os sujeitos que nasceram para um determinado desporto,
mesmo dispondo de uma grande capacidade condiciona e coordenativa para
vários desportos, mas a envolvência social e o seu perfil psicológico levaram-
no a ser altamente eficaz nesse desporto.
O talento desportivo pode ser determinado por condições e
pressupostos físicos e psíquicos, que lhes permitem alcançar prestações de
alto nível num determinado desporto. Dentro desta perspectiva, pensamos no
talento desportivo como a atitude e capacidade natural de alcançar um alto
rendimento nesse desporto. Descrevemos os talentos desportivos como sendo
as pessoas com condições superiores, com elevada adaptabilidade e
criatividade.
Alguns autores utilizam a expressão “jovem talento de sucesso” em vez
de talento desportivo por a considerarem mais sensata e esclarecedora. O
conceito de “talento desportivo” não foi ainda suficientemente objectivo e
preciso, tornando-se por isso extremamente difícil o recurso de estratégias
validas para a sua avaliação e identificação.
A expressão “jovem atleta de sucesso” é por vezes utilizada para se
referir a atletas campeões, que apresentam o mais alto nível de habilidade na
modalidade desportiva que praticam. Procurando enquadrar melhor esta
definição, Bloom (1985) acrescentou quatro características partilhadas pelos
Revisão da Literatura
16 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
jovens atletas de sucesso: interesse e empenhamento no campo escolhido;
vontade de realizar trabalho intenso para obter elevada expressão na
actividade escolhida; elevada motivação e interesse; capacidade e facilidade
de aprendizagem. A estas características Maia (2000), acrescenta o sucesso
como sendo um atributo indissociável deste tipo de atleta, sugerindo a
substituição da designação de talento desportivo pela de jovem atleta de
sucesso, pelo facto de este ser o resultado que todos ambicionam.
Através da investigação feita, reparo que muitas vezes o termo talento
está relacionado, ou é em muitos casos visto, sinónimo de experto.
Tal como nos indica Costa (2005), na actualidade observa-se cada vez
mais que alguém tido como um individuo de talento é agora encarado como
experto, de tal forma que, este conceito supõe uma aproximação totalmente
diferente do conceito de talento utilizado até então.
Para Durand-Bush & Salmela (1996) o experto é definido como alguém
experimentado, ensinado a partir da prática, habilidoso, ágil, disposto; com
facilidade para render a partir da prática. Uma pessoa habilidosa ou
experimentada. Estes mesmos autores afirmam que esta definição tem algo de
interessante, pois por varias vezes o conceito de prática e experiencia aparece
varias vezes, o que demonstra através desta perspectiva que o importante é o
trabalho e a prática.
Salmela (1997) acrescenta que o conceito de talento se modificou e que,
antigamente, a noção de talento estava associada a um conjunto de
capacidades inerentes ao sujeito, que determinavam o rendimento do
desportista. Este autor afirma ainda que a pedra angular do desenvolvimento
da experiencia é a prática sustentada e altamente estruturada com o principio
de melhorar o rendimento desportivo. Assinala também, o facto de que esta
prática não é agradável nem divertida, e que é aqui onde o papel do treinador
adquire protagonismo.
Ora seguindo a linha de pensamento descrita, verifico que o treinador
tem, junto do tempo de prática do talento um papel fundamental, neste ponto
Mesquita (1991) salienta que, é evidente a influencia das decisões do treinador
na natureza das experiencias dos praticantes, tanto na qualidade como na
Revisão da Literatura
17 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
quantidade das situações de aprendizagem que proporciona, interferindo nos
níveis de prestação motora alcançados.
Através das afirmações atrás referidas, verifico que existem dois
aspectos fundamentais no processo de treino para chegar à expertise, por um
lado a quantidade de treino, através do conceito da prática deliberada adquiria
durante o processo de formação, onde iremos ver através dos estudos de
Ericsson, por outro lado a influencia do treinador em todo o processo, este
levando-nos para a qualidade do processo de formação do talento.
2.4 A qualidade da prática do guarda-redes de Futebol sustentada
pelo Jogo: Especificidade
“O jogo treina o nosso G.R. ... o treino tem que ser o mais integrador possível dos
constrangimentos proporcionados pelo jogo” (Oliveira, 2009).
A Especificidade que aqui pretendemos elucidar, depara-se com a
pluralidade do Jogo de Futebol e se constituiu numa busca permanente de
melhorar cada vez mais o modelo de jogo da equipa. A Especificidade do
modelo de jogo que integra os princípios que «regem» a acção do G.R. em
jogo e orienta a prática de treino.
“O conceito de Especificidade centra-se na procura de adequação dos
efeitos do treino, não só à modalidade em causa, mas fundamentalmente ao
modelo de jogo adoptado” (Freitas, 2005). “Só se poderá chamar
especificidade à Especificidade se houver uma permanente e constante relação
entre as dimensões psico-cognitivas, táctico-técnicas, físicas e coordenativas,
em correlação permanente com o modelo de jogo adoptado e respectivos
princípios que lhe dão corpo” (Guilherme Oliveira, 1991).
O Jogo é um suporte para a organização e desenho das tarefas
específicas para o treino do G.R., que devem assegurar um trabalho em que se
realizem situações semelhantes à própria competição (Sainz de Baranda,
2005).
Revisão da Literatura
18 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser
feito criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de
decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo
autor e na continuidade do pensamento citado, “a concentração também está
sempre presente e a ser trabalhada”.
Na continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração
esteja sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão
e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração
intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta
atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”.
Neste sentido, Guilherme Oliveira (2004 cit. Freitas, 2005) menciona que “ser
trabalhada a forma de jogar exige determinado tipo de concentração, quando
nós direccionamos o treino para essa forma de jogar uma evidência do nosso
jogo, também estamos a apelar para que a concentração necessária para essa
forma de jogar também seja treinada”. O mesmo autor conclui que “a
concentração é uma das coisas que se treina para que no jogo nós sejamos
melhores e consigamos fazer as coisas como pretendemos”.
Na perspectiva de Mourinho (2004 cit. Freitas, 2005), a forma adequada
de potenciar a concentração táctica nos treinos “é a construção de exercícios
que exigem essa mesma concentração e a construção dos exercícios que o
exigem são exercícios não analíticos, mas sim exercícios onde os jogadores
têm que pensar muito, comunicar muito e exercícios de complexidade
crescente que os obriguem a uma concentração permanente”.
Para compreender esta forma de operacionalização ao nível da
concentração, importa referir o processo de apresentação mental de
conhecimentos. Segundo Damásio (1995), este processo só é possível se duas
condições se verificarem; primeiro temos de ser capazes de usar mecanismos
de atenção básica (concentração específica) que permitam a manutenção de
uma imagem mental na consciência com a exclusão relativa de outras.
Segundo, é necessária a existência de um mecanismo de memória de trabalho
básica (alcançada pela especificidade), que mantém activas diversas imagens
separadas, durante um período relativamente extenso de centenas de milhares
Revisão da Literatura
19 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
de milissegundos. Quer o pensamento e o movimento requerem
processamentos concomitantes, a organização das diversas sequências
ordenadas deve decorrer continuamente (através da Especificidade) (Damásio,
1995).
Para esta Especificidade se evidenciar no nosso jogar o treino deverá
ser orientado pela prática sistemática, sendo um processo rico em criar hábitos.
Para além da repetição, a aprendizagem necessita de uma intencionalidade
nas acções repetidas dos jogadores, “só o movimento intencional é educativo”
(Frade, 2007).
Segundo Faria (2002 cit. Freitas 2005), “o hábito é um saber fazer que
se adquire na acção, ou seja, tu aprendes a fazer qualquer coisa a partir da
acção que estás a realizar. E agora essa acção, que tu sabes, à partida, que o
jogador sabe fazer, sabe jogar, mas o que se torna importante é orientar esse
jogar para um determinado objectivo”.
Para Manno (1982 cit. Carvalhal, 2001), os fenómenos de adaptação
que estão na base da elevação do rendimento estão ligados à especificidade
do estímulo, que, no treino, é constituído principalmente pelo exercício. Um
exercício específico deve constituir uma propensão das coisas que mais
queremos que apareçam no nosso jogo, introduzindo comportamentos o mais
semelhante possível aos pretendidos pelo nosso modelo de jogo (Frade, 2001
cit. Tavares 2003).
Para alcançar a Especificidade no treino de G.R. de Futebol segundo
Oliveira (2009), a forma de o fazer (treino em Especificidade) passa pelo uso
de jogadores de campo para trabalhar especificamente o G.R. ou através dos
G.R. do plantel. O mesmo autor expõe um exemplo: “por norma, os planteis
têm 3 G.R. e a utilização dos 3 G.R. possibilita a realização de situações
semelhantes ao jogo. Situações onde os G.R. vivenciam as posições de
jogador de campo, onde também estão a trabalhar aspectos motores, a
trabalhar a distribuição ao nível do pé e a perceber como pensa um médio, um
avançado. É uma vantagem para o trabalho que realizarão a seguir”.
Portanto, o G.R. deve receber treinos “especiais”, o que não significa
excesso, quantidade de treino, mas sim qualidade (Voser et al., 2006).
Revisão da Literatura
20 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear
sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de
estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão,
principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a
necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física
dentro das sessões de treino.
Do ponto de vista da posição específica de G.R., o objectivo final do
processo de treino, será a optimização de uma correcta execução de cada
gesto, conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção que
precederá a decisão da acção a realizar seja mínimo. No entanto, na
perspectiva de Sainz de Baranda (2003) a eficácia do G.R. será determinada
pela:
Qualidade da análise e percepção do jogo para resolver situações;
Qualidade da tomada de decisões (pensamento táctico);
Qualidade no momento de seleccionar a acção física a realizar antes do
gesto técnico;
Qualidade da execução técnica;
Qualidade no domínio de diversas variáveis psicológicas (ansiedade,
auto-confiança);
Qualidade no conhecimento teórico do jogo;
Qualidade no treino biológico.
Neste sentido, Piéron (1989) enfatiza a necessidade de um amplo tempo
de actividade para alcançar maiores progressos nos alunos, mas também, não
é por estar mais tempo dedicado a aprender uma determinada actividade
motora, que conseguirá realiza-la melhor, mas será necessário realiza-la com
uns determinados níveis de qualidade.
Constato que a qualidade da prática de treino do G.R. de Futebol não se
esgota na exercitação em Especificidade das acções do G.R. em jogo,
prolonga-se na reflexão crítica induzida pelo técnico ou pela capacidade de
auto-análise do G.R. Neste sentido, Voser et al. (2006) estende a exercitação
em Especificidade da aprendizagem das acções do G.R em jogo até à
Revisão da Literatura
21 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
complementaridade de uma análise criteriosa do seu desempenho nos treinos
e nos jogos por parte do técnico de G.R. e da equipa técnica. Portanto, a
análise da acção e participação do G.R. em competição, definirá as chaves
para planear as tarefas que assegurem um trabalho onde se desenvolvam
situações mais semelhantes à lógica interna do futebol (Sainz de Baranda &
Ortega, 2002). Podemos entender que só uma descrição detalhada e
pertinente da acção do G.R. em jogo pode formar a base e o sustento dos
treinos para um maior rendimento do jogador em competição.
Para a realização de uma aprendizagem significativa ao exercitar em
Especificidade as acções do G.R., no entender de Sainz de Baranda (2003),
será fundamental a actuação do técnico, o qual deverá utilizar, quase maneira
exclusiva, o feedback interrogativo, com o objectivo de fomentar a capacidade
de reflexão do desportista, que deverá descobrir e indagar sobre o porquê de
cada uma das suas condutas, assim como se estas são as mais interessantes
para solucionar de maneira eficaz o problema que se depara. O mesmo autor
refere que o uso deste tipo de feedback fomenta a capacidade de reflexão e
compreensão da aprendizagem, para facultar a descoberta e entendimento do
porquê e como solucionar os diferentes problemas que são colocados pelas
distintas tarefas ou exercícios que projectam o jogo.
O G.R. de futebol necessita de um treino complementar, diferente dos
seus colegas jogadores de campo, visto ser o único elemento da equipa que,
dentro da área de grande penalidade, pode jogar a bola com as mãos e pelas
características singulares das acções Específicas no jogo que compõem os
níveis de performance do G.R. de Futebol. Estes níveis de performance são a
“Arte do G.R.”, como Gaspar (2009) denominou durante a prelecção no
seminário técnico “Operacionalização do treino de G.R. Da teoria à Prática”.
Revisão da Literatura
22 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2.5 O guarda-redes no Futebol Moderno
“O desporto é a oitava arte (Lenk, 1995) onde se pode cultivar a beleza das formas de acção
livres da pressão utilitarista do quotidiano” (Bento, 1998, p.152)
“Um goleiro (G.R.) bem treinado poderá contribuir positivamente com sua equipe na construção
de uma vitória” (Voser et al., 2006, p.126).
Ao ler as citações introdutórias, visualizamos as acções desportivas
como sendo uma arte, cultivando a beleza do movimento, a criação
espontânea em jogo pelo cultivo quotidiano dessas formas de jogar e a
importância da expressão livre das formas de acção do G.R. no jogo de uma
equipa de Futebol. Pensamos, de facto, que o G.R. se constituí como um
elemento muito importante no seio de uma equipa de futebol dada a função
que desempenha, ou seja, afirma-se como o último obstáculo ao golo. Para
Howe & Scovell (1991), o G.R. de futebol é até o elemento mais importante de
uma equipa, pois qualquer equívoco ou falha pode afectar negativamente o
trabalho de toda a equipa.
Dentro deste quadro conceptual, podemos perceber que a arte emerge
de um estilo próprio, não existe uma forma única de jogar, e cada G.R. tem
uma performance singular. Neste sentido, para compreender o G.R. de nível
superior, um perito na arte de G.R., temos de analisar o Futebol moderno e de
indagar dentro do jogo de uma equipa de Futebol, perceber qual a forma de
jogar dessa equipa e extrair qual é o papel do G.R. nesse jogo. A forma de
jogar de uma equipa deverá resultar do Modelo de Jogo construído pelas ideias
do treinador e segundo Tamarit (2007) representará um conjunto de
comportamentos que se manifestam de forma regular e sistemática nos quatro
momentos de Jogo, a organização defensiva, organização ofensiva e as
transições defesa-ataque e ataque-defesa. Para perceber os níveis de
performance do G.R., a análise da competição é um meio para melhorar o
conhecimento do jogo do G.R., desde uma perspectiva física e táctico-técnica
(Sainz de Baranda, 2005).
Revisão da Literatura
23 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Para perceber o papel do G.R. no Futebol moderno, segundo Oliveira
(2009) a análise de quatro aspectos centrais da evolução do jogo responde às
mais recentes exigências:
Desde há uns tempos para cá mudaram as leis de jogo, no atraso para
o G.R. deixou de ser possível agarrar com as mãos e passou a ser uma
acção regulamentada pela obrigatoriedade de jogar com os pés. Assim,
conduziu a um aumento da carga de responsabilidade do G.R. no jogo e
no desenvolvimento deste. A obrigatoriedade do G.R. ser o elemento
mais complemento e mais polivalente da equipa, conduziu às
necessidades técnicas com as mãos e com os pés, deixou de só jogar
recuado e com as mãos e passou a ter um papel importante nas acções
ofensivas através da sua capacidade de distribuição do jogo da equipa.
Mudanças e necessidades tácticas: o G.R. não é só um elemento de
equipa que permanece nas costas da defesa, é um jogador que se
movimenta nas costas da defesa, tem obrigações tácticas para o
equilíbrio das acções defensivas da equipa, o libero dos tempos
modernos. As equipas quando se constroem têm de compreender que
tem um jogador recuado, posicionado atrás da linha defensiva a proteger
o espaço nas costas da defesa.
O aumento do número de cruzamentos é uma evidência do jogo no
futebol actual e perspectiva que o G.R. seja forte no jogo aéreo.
A qualidade no jogo ofensivo: distribuição curta e longa; é uma «arma»
muito importante para a equipa. Corresponde à possibilidade de dar à
equipa uma transição rápida para surpreender o adversário.
O aumento da velocidade do jogo: o jogo é mais rápido e procurasse a
velocidade para surpreender e ultrapassar o adversário. Cada vez mais
os treinadores procuram jogadores rápidos nas acções motoras do jogo
e nas acções de execução da leitura do mesmo jogo. As transições no
jogo, também influenciam o trabalho do G.R., o ritmo de jogo é elevado
e a velocidade de reacção, a tomada de decisão táctica tem de ser mais
rápida.
Revisão da Literatura
24 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Importância social e a pressão psicológica: o futebol moderno é uma
janela de mediatismo, de milhões de pessoas, de milhões de euros.
Jogar perante milhões de pessoas um jogo que decide pontos, pontos
esses que decidem campeonatos que podem valer milhões de euros,
coloca uma enorme responsabilidade, uma pressão social e psicológica
muito elevada. Um erro mínimo leva à crítica máxima. Parece fácil mas
não é, um bom G.R. pode ganhar épocas e campeonatos.
A função do G.R. dentro da dinâmica da equipa foi um dos aspectos
básicos do jogo que maior evolução conheceu, tendo como consequência o
aumento considerável da sua responsabilidade dentro da equipa. Nos primeiros
esquemas tácticos a actividade do G.R. consistia essencialmente em não
deixar que a bola ultrapassasse a linha de golo.
Conscientes da importância da acção do G.R. em jogo, da complexidade
e da Especificidade dos comportamentos em jogo, segundo Voser et al. (2006),
só sentimos a necessidade de maiores informações sobre as reais exigências
técnicas do G.R. durante o jogo. O mesmo autor refere a preocupação da
formação de base do G.R. ao nível das qualidades físicas, técnicas, tácticas e
psicológicas. De uma forma global entendemos as referidas quatro dimensões
como os níveis de performance do G.R. de Futebol.
Do ponto de vista da posição específica de G.R. de Futebol, segundo
Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de aprendizagem,
será a realização de uma correcta execução de cada gesto, conseguir uma
automatização do mesmo e que o tempo de reacção para decidir a acção a
realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem que a eficácia do
G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção das situações de
jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões (pensamento
táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção física a realizar antes
do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela qualidade da
execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas variáveis
psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no conhecimento
teórico do jogo e pela qualidade no treino biológico.
Revisão da Literatura
25 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
2.6 Níveis de performance de um guarda-redes de Futebol
“Só podia ser melhor se treinasse mais 20% que os meus rivais. A verdadeira luta começa
quando estás morto de cansaço. Estás KO mas dizes OK. Este é o segredo!” (Toni Shumacher,
s/d cit. Oliveira, 2006).
2.6.1 Táctica, uma tomada de decisão
A táctica é entendida como o conjunto de normas, comportamentos
individuais e colectivos, com o objectivo de realizar uma prestação com
sucesso a partir da contribuição activa e consciente durante o jogo (Matvéiev,
1986). Frequentemente a táctica é conotada como a gestão inteligente do
comportamento nas situações de conflitualidade (Garganta, 1997).
Assim os comportamentos tácticos dos jogadores resultam das relações
de cooperação e oposição e, portanto, das sucessivas transformações que
decorrem ao longo do jogo (Garganta, 1997) estando estas, por sua vez,
sujeitas aos constrangimentos situacionais. A inteligência é entendida como a
capacidade de adaptação a novas situações, isto é, a capacidade de elaborar e
realizar respostas ajustadas aos problemas colocados pelas situações
imprevistas que vão sucedendo ao longo do jogo (Garganta, 1995). Assim
sendo, a dimensão cognitiva é determinante na performance surgindo como
indicador de diferenciação qualitativa dos jogadores. A sua importância é
realçada no facto de esta dimensão possuir um elevado poder no grau de
sucesso das equipas, principalmente quando existe equilíbrio entre as
restantes componentes do rendimento desportivo (Tavares, 1993).
A relação da dimensão cognitiva com a componente táctica é
inquestionável, na medida em que as capacidades cognitivas de antecipação,
percepção e tomada de decisão estão dependentes dos conceitos tácticos.
Porém, as nossas decisões nunca dependem apenas da razão, pelo simples
motivo que o espírito não está separado do corpo (Denigot, 2004). Segundo
Damásio (2003) a emoção e o sentimento desempenham um papel no
raciocínio e quando o papel é benéfico, a presença da emoção e do sentimento
é indispensável.
Revisão da Literatura
26 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
“Raciocinar e decidir implicam habitualmente que o decisor (G.R.) tenha
conhecimento da situação que requer uma decisão, das diferentes opções de
resposta e das consequências de cada uma dessas opções (resultados),
imediatamente ou no futuro” (Freitas, 2005). Dentro de um quadro de diferentes
opções de resposta perante uma dada situação, segundo Damásio (1995), as
boas decisões, além de outros elementos, necessitam de imagens. Neste
sentido, ao extrapolar a ideia de Damásio para o Jogo de Futebol, a construção
de imagens para as boas decisões em jogo é suportada pelas experiências
anteriores vividas no jogo e no treino.
A capacidade de estabelecer uma relação mental entre a situação
adquirida e a respectiva solução representa, na competição, o aspecto
fundamental para solucionar o problema de forma ajustada e oportuna
(Castelo, 1998).
A relação de comprometimento existente entre a selecção e a execução
da resposta é esclarecida por Mesquita (1998) ao afirmar que, quanto mais
refinado for o nível técnico do jogador, mais predisposto ele está para analisar
o jogo e, concomitantemente, poder decidir melhor.
Deste modo, é natural que, na nossa intervenção diária no processo de
treino, encontremos atletas que decidem bem em pouco tempo e outros que
demoram a decidir e não raras vezes decidem da forma errada. A decisão pode
ser entendida como o acto consciente de selecção da resposta que melhor
soluciona um determinado problema proveniente de uma determinada situação.
Mas, antes de decidir qual a solução, é necessário analisar a situação. Deste
modo, o processo de decisão inicia-se na análise da situação, da qual resultará
uma escolha da melhor solução que se manifesta através de um
comportamento do atleta.
Segundo Tavares (1993), a decisão pode ser entendida como um
conjunto de processos de selecção e de escolha, e não apenas o acto final,
considerando-a como o produto do processo.
O conceito de decisão está intimamente associado ao conceito de
estratégia sendo considerada como uma acção eminentemente táctica que
Revisão da Literatura
27 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
permite resolver da forma mais adequada a ambiguidade dos problemas do
jogo.
Araújo (1997) classifica a decisão em três níveis distintos: (I) decisão
estratégica (o jogador decide rematar em vez de passar), (II) decisão táctica (o
extremo esquerdo movimenta-se para o meio aclarando o espaço para a
progressão do lateral esquerdo) e (III) decisão propriamente dita (o extremo
direito decide arrancar em velocidade porque sabe que é mais rápido que o seu
defensor).
Por sua vez, Januário (1992, cit. Miragaia, 2001) propõe uma
classificação em função do tempo de latência, isto é, do tempo que medeia a
tomada de decisão e a execução técnica do movimento. Deste modo temos (I)
decisões reflexivas as quais representam constructos mais gerais em relação
ao processo ensino-aprendizagem (estruturação dos conteúdos, determinação
dos objectivos finais), (II) decisões imediatas caracterizadas por um tipo de
raciocínio rápido e muitas vezes intuitivo (grande parte das decisões em
situações inesperadas) e (III) decisões de rotina, respondendo prontamente a
situações já vivenciadas, automatizadas (conjunto de rotinas de ensino).
De acordo com Araújo (1997) as decisões tomadas em situações
desportivas desenrolam-se a partir de duas lógicas complementares: (I) a
lógica interna da modalidade, que define o âmbito em que podem ser tomadas
as decisões, isto é, de acordo com as regras regulamentares e estratégicas, e
(II) a lógica dos sujeitos, de acordo com o seu estilo cognitivo e com os seus
conhecimentos e vivências anteriores, permite aos jogadores decidir sobre
dados objectivos, mas tendo em conta a subjectividade na sua percepção e
análise.
No desporto, as decisões podem ser únicas ou repetidas, individuais ou
colectivas, dependendo da natureza da actividade praticado, bem como das
exigências de regulação que esta solicita ao atleta (Araújo, 1997).
A dominância de muitas respostas/decisões em futebol tem origem no
inconsciente. Este lado neural pode criar hábitos e estes podem melhorar a
capacidade de decisão consoante as variadíssimas situações de jogo. A
antecipação está relacionada com este desempenho. Jogar em antecipação é
Revisão da Literatura
28 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
prever decisões do adversário e agir consoante indicações que somos capazes
de perspectivar, segundo Goleman (2003), estes estímulos são traduzidos nas
amígdalas do cérebro e através do inconsciente é tomada uma decisão.
As intenções em actos são livres, mas não de todo livres porque estão
condicionadas às intenções prévias da organização estruturada pelo treino.
Inerente à tomada de decisão está a velocidade de execução. O
incremento da velocidade de execução na tomada de decisão é orientado para
o desenvolvimento consoante a modelação do jogo. É também interveniente na
velocidade de execução, o tempo de reacção simples individual e o tempo de
escolha. No tempo de reacção de escolha são apresentados dois ou mais
estímulos diferentes, cada um com a sua resposta específica, caracterizando-
se pela incerteza da mesma, do desconhecimento da natureza do estímulo e
do momento do seu aparecimento. Ou seja, o indivíduo terá que seleccionar a
resposta adequada, de entre as possíveis, para o estímulo apresentado
(Tavares, 1993). No tempo de reacção simples há aplicação de um único
estímulo, para o qual existe uma resposta predeterminada, isto é, o estímulo é
sempre o mesmo e a resposta também. Por conseguinte, o tempo de reacção
simples é o intervalo entre a aplicação do estímulo e a execução da resposta
na condição de o sujeito responder tão rápido quanto possível (Whiting, 1979).
A tomada de decisão é um domínio influente na modelação táctica da
equipa. Treinada pela causalidade do treino dentro dos múltiplos domínios
integrantes do “Todo” que no treino fazem perspectivar a competição.
Podemos então verificar que a tomada de decisão é um domínio
importante para os jogadores, determinando o sucesso das acções táctico-
técnicas. É, igualmente, uma condição determinante para o rendimento
desportivo diferenciando os jogadores e evidenciando aqueles que pertencem
a um grupo de rendimento superior.
Para Oliveira (2009), o comportamento táctico é o ponto fulcral para o
desenvolvimento de um G.R. de alta competição. Para o mesmo autor, o
aspecto de tomar uma decisão adequada constitui-se como preponderante
para o melhor desempenho de um G.R. Entende que o jogo treina o G.R. e o
Revisão da Literatura
29 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
treino tem de ser o mais integrador possível dos constrangimentos vividos no
jogo.
Segundo o estudo de Castelo (1996) relativo à racionalização das
tarefas tácticas dos jogadores, define as atitudes e comportamentos técnico-
tácticos específicos do G.R. no processo ofensivo em seis aspectos:
1- O guarda-redes dentro do processo ofensivo é considerado o 1º
atacante, logo, deverá aumentar ou diminuir o ritmo de jogo da sua
equipa através da reposição rápida ou lenta da bola em jogo,
escolhendo o companheiro melhor posicionado.
2- A partir da sua posição é possível uma observação global do terreno de
jogo, dirigindo essencialmente os companheiros da última linha
defensiva.
3- Deverá executar os pontapés de baliza, evitando assim a inferioridade
numérica que sucederia se fosse um companheiro a executá-lo.
4- Deverá quebrar o ritmo de jogo ofensivo da equipa adversária, através
de “demoras” na reposição da bola em jogo, de conduções de bola
dentro da sua grande área, ou através de passes curtos que serão
devolvidos pelo seu defesa central.
5- Assegura constantemente linhas de passe seguros aos seus
companheiros, fazendo uso das vantagens que as Leis do jogo lhes
conferem, no que diz respeito ao seu controlo e protecção da bola com
as mãos.
6- Deverá transparecer tranquilidade, confiança e segurança aos
companheiros, para que assumam comportamentos mais arriscados,
pois sabem que existe confiança “nas suas costas”.
“Dentro do processo ofensivo o guarda-redes é considerado o primeiro
atacante, pois devido ao seu posicionamento tem uma visão global do terreno
de jogo, dirigindo essencialmente os comportamentos técnico-tácticos dos
companheiros da última linha defensiva” (Castelo, 1996: p.110). O mesmo
autor, também define as atitudes e comportamentos técnico-tácticos
específicos do G.R. no processo defensivo em cinco aspectos:
Revisão da Literatura
30 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
1- Dentro do processo defensivo é considerado o último defesa, logo, a sua
tarefa primordial é de proteger a baliza;
2- Deverá aconselhar e dirigir os seus companheiros tanto nas situações
de bola de jogo como nas situações de bola parada, utilizando uma
linguagem constituída por expressões curtas, simples e inequívocas;
3- Deverá constantemente ler o jogo e em situações de emergência deverá
sair da sua grande área e jogar a bola com os pés;
4- Evitará sair da baliza se o atacante está a ser acompanhado e
pressionado por um dos seus companheiros;
5- Deverá transmitir constantemente tranquilidade, confiança e segurança
aos companheiros.
Neste estudo de Castelo podemos observar os parâmetros que
constituem os princípios que orientam a acção do G.R. no “Jogo”. Estes
parâmetros são formalizados pelo autor de acordo com a sua concepção
ideológica de jogo, assim atribui uma identidade singular aos princípios que
regem os comportamentos do G.R. em jogo. Em concordância com o tema
desenvolvido no ponto anterior, os princípios de jogo devem ser concebidos
pelo treinador e constituem o modelo de jogo da equipa, o qual concebe a
Especificidade do Jogo. “A táctica individual do guarda-redes deverá estar
inserida, necessariamente, na táctica da equipa, a qual decorre do modelo de
jogo preconizado” (Madeira, 2002, p. 18)
Percorrida a análise global, é imprescindível verificar quais os
comportamentos tácticos que o G.R. de alto nível deve dominar.
Esteves (2006) determina de uma forma geral oito competências tácticas
do G.R. de Futebol em situações normais de jogo: jogo de posição (é primordial
para o comportamento táctico do G.R, determina a movimentação do G.R. em
função da direcção da bola, dos seus companheiros e dos seus adversários;
“Nos remates à baliza o guarda-redes deverá estar sempre na bissectriz do
espaço angular, tendo como vértice a bola e como lados as linhas imaginárias
da própria bola com os postes da baliza. Quando tem que parar um remate e
se encontra adiantado, será muito útil ter como pontos de referência as
esquinas da grande área e a marca de grande penalidade, ou o semi-círculo
Revisão da Literatura
31 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
superior da grande área; só com estas referências poderá imaginar a sua
posição em relação à baliza” (Esteves, 2006, p. 24); organizador e coordenador
da defesa (por estar situado numa posição mais recuada e privilegiada para
dirigir com a voz os movimentos da defesa, deve ter o conhecimento do modo
e dos princípios que determinam o comportamento da equipa, nomeadamente
das linhas estruturais organizativas com quem estabelece relação);
comportamento diante situações recorrentes (acções defensivas (pontapés de
canto, livres, lançamentos laterais e penaltis) e ofensivas (pontapés de baliza)
em situações de bola parada. Pelos registos estatísticos é um momento de
jogo com elevado grau de importância devido ao crescente registo de golos a
partir destas situações recorrentes); iniciador do ataque (o G.R. é o primeiro
atacante, em ataque posicional e contra-ataque); duelos com adversários 1x1
(é um confronto com o adversário de elevada dificuldade e o mais importante é
manter o centro de gravidade baixo, o equilíbrio, as pernas e os braços semi-
abertos para aguentar sem cair precipitadamente, deve ir em uma ou outra
direcção ao mesmo tempo que o atacante para pressionar e ir ganhando
terreno sem que ele remate. A progressão, a decisão e a agressividade são
importantes neste tipo de acções porque o momento de intervir é quando a
bola está mais distante do pé do avançado e fora da acção de controlo deste)
domínio – autoridade na grande área (é uma capacidade determinante e no
futebol actual não se reside a dominar só a grande área, mas também o
espaço entre o G.R. e a linha defensiva. O G.R. tem de acompanhar e
interpretar a situação defensiva e por exemplo, optar pela saída da baliza com
determinação e interceptar o ataque adversário ou permanece na baliza; o
controlo do espaço aéreo dentro da grande área em situações de
cruzamentos); apoio ao bloco defensivo (o G.R. deve estar preparado para
jogar perante as solicitações da sua equipa, apoiar a circulação de bola ou
mesmo possibilitar a progressão da equipa no terreno de jogo através de um
passe longo) gestão do tempo de jogo (o G.R. pode ter uma acção importante
na gestão do ritmo de jogo, temporizando ou acelerando consoante as
intenções e circunstâncias do jogo).
Revisão da Literatura
32 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Oliveira (2009) interpreta a globalidade do comportamento táctico do
G.R. em três tipos de acções:
- Evitar situações de perigo: através da comunicação.
- Evitar sofrer golo: saber escolher o posicionamento correcto em função
da situação de jogo e da sua variabilidade e imprevisibilidade. Saber
decidir o seu posicionamento e a sua acção técnica adequada.
- Depois de recuperar a bola, iniciar correctamente o jogo, as acções de
posse de bola, quer seja em acção de distribuição curta ou longa.
A missão primordial do G.R. é impedir que o adversário faça golo, porém
a complexidade do jogo abre o leque de comportamentos solicitados ao G.R.
nos diferentes momentos de jogo.
“Face ao jogo de Futebol, tal como em qualquer outro jogo desportivo
colectivo, o problema primeiro que se coloca ao indivíduo que joga, é sempre
de natureza táctica, isto é, o praticante deve saber o que fazer, para poder
resolver o problema subsequente, o como fazer, seleccionando e utilizando a
resposta motora mais adequada” (Garganta & Pinto, 1998, p.98).
2.6.2 Qualidades Técnicas
Nos Desportos Colectivos, nomeadamente no Futebol, as habilidades do
jogo são de “natureza aberta” (Tavares, Greco & Garganta, 2006). Como o
futebol é um jogo situacional de oposição activa, ou seja, é uma actividade
onde a oposição directa regula de forma significativa o desempenho,
concebendo assim situações que acarretam e exigem respostas diferenciadas
(Garganta, 2006). E de acordo com o mesmo autor, essas situações ocorrem
em contextos de elevada imprevisibilidade e aleatoriedade. As habilidades
técnicas Realizam-se normalmente em contextos onde o envolvimento é
imprevisível e onde a sua execução é condicionada pelos demasiados
constrangimentos externos (posição e movimentos dos colegas e adversários,
zona do terreno ou adversário a defender ou a atacar, distância do alvo,
trajectórias e velocidade da bola, etc.) de cada momento do jogo (Graça, 1994).
Revisão da Literatura
33 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
No Futebol, a execução técnica é determinada por condições inerentes ao
contexto táctico, “de tal forma isto acontece, que em duas técnicas formalmente
similares, qualquer manipulação da estrutura duma delas, através por exemplo
da modificação do ritmo de execução, produz alterações importantes, daí
resultando técnicas diferentes” (Garganta & Pinto, 1998, p.99).
Em termos gerais, a técnica é definida como “o conjunto de processos
utilizados para obter certo resultado” (Dicionário de Língua Portuguesa, 2004).
Porém, quando falamos no âmbito do desporto, existem vários conceitos
de técnica.
De acordo com Matvéiev (1986), a técnica é um modelo ideal da acção
competitiva (mental, verbal, matemático ou outro), produzidos com base na
experiência prática ou mesmo teórica.
Garganta & Pinto (1998) definem a técnica como um conjunto de
recursos motores específicos que os jogadores apresentam no momento de
concretizar a acção. Os mesmos autores descrevem a verdadeira dimensão da
técnica subjugada à utilidade desta servir a inteligência e a capacidade de
decisão táctica dos jogadores e das equipas em jogo.
Tavares (1993) refere que a técnica deve ser entendida como um
sistema de acções motoras racionais, que quando realizadas de forma
eficiente, permitem atingir elevados níveis de eficácia na aquisição de um
resultado.
Garganta (2002) constata uma ambiguidade existente na literatura da
especialidade relativamente à definição teórica da técnica. Não sendo
consensual, o autor descreve duas perspectivas sobre o entendimento da
técnica:
As perspectivas que atribuem à técnica um sentido ideal e abstracto,
considera-se que a técnica é genérica, ideal e impessoal e que consiste
na execução dos elementos fundamentais do jogo: passe, recepção,
drible e outros, através da aplicação dos princípios da mecânica
humana, no sentido de tornar eficazes os gestos desportivos próprios da
modalidade. É privilegiada a dimensão eficiência da habilidade (forma de
realização), independentemente das dimensões eficácia (finalidade) e
Revisão da Literatura
34 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
adaptação, isto é, do ajustamento das soluções e respostas ao contexto,
enfatizando-se a dimensão gestual-técnica em detrimento da dimensão
jogo;
As perspectivas que atribuem à técnica uma faceta dinâmica, adaptativa
e relacional, a técnica é entendida como um meio da táctica pois implica
uma execução coordenada dos sistemas de percepção e resposta do
jogador, face ao envolvimento. A técnica e a táctica formam uma
unidade que se influencia reciprocamente. Esta perspectiva induz nos
praticantes uma apropriação inteligente dos elementos técnicos na sua
relação com as situações de jogo, condicionando positivamente o
desenvolvimento das capacidades cognitivas (percepção, antecipação e
tomada de decisão).
Actualmente os autores estudiosos da prática do G.R., consideram a
dimensão técnica da especificidade das acções do G.R. como sendo um
comportamento dinâmico, adaptado a uma situação e relacionado com as
capacidades cognitivas do G.R. que coordenam os sistemas de percepção e
resposta face ao contexto de jogo. Implica que se adapte a técnica específica
da execução motora à sua aplicação desportiva (Madir, 2002).
Voser et al. (2006) evidencia a importância de obter informações mais
fidedignas sobre aspectos importantes ocorridos durante os jogos, de forma a
poder constituir um planeamento de treino técnico associado ao treino físico,
táctico e psicológico, mais próximo da realidade dos jogos.
Oliveira (2009) caracteriza a complexidade do planeamento do treino de
G.R. de Futebol através da necessidade de integrar as condicionantes da
performance em jogo, para não desagregar os domínios complementares do
jogo (táctico, técnico, psicológico e físico). Para o mesmo autor, a habilidade
técnica é precedida de uma tomada de decisão, uma acção táctica.
A técnica específica do G.R. de Futebol pode ser dividida em quatro
categorias: acções defensivas com as mãos (base de actuação do G.R.), acção
defensiva com os pés, acções ofensivas com as mãos e acções ofensivas com
os pés (Voser et al., 2006).
Revisão da Literatura
35 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Marcellus (2004 cit. Nogueira et al. 2006) destaca como principais
acções técnicas defensivas os encaixes ao nível da cabeça e do peito, defesa
rasteira no meio e nas laterais, defesa a meia altura nas laterais, defesa alta no
meio, defesa alta nas laterais, saídas a cruzamentos, grande penalidade e
formação de barreiras.
Manoni et al. (1995) salienta dois grupos de acções técnicas: defensivas
e ofensivas. As acções técnicas defensivas reportam-se aos encaixes ao nível
do peito e do abdómen, às quedas laterais para ambos os lados rente ao chão,
a meia altura e altas, quedas laterais com desvio da forma referida
anteriormente e recepção aos cruzamentos altos, baixos e saídas. As acções
técnicas ofensivas abarcam o pontapé de baliza e os lançamentos (com a mão
tipo bowling, em parábola, com pé com a bola em jogo e o pontapé de saída).
Segundo Sarli (2000), o G.R. deve ser capaz de realizar o pontapé de
baliza e sair a jogar com as mãos e com os pés. Este autor refere ainda que
em termos de predisposição para as acções técnicas, o guarda-redes deve
aprender que tem de existir um encadeamento de acções. Se, por exemplo, o
G.R. realizar um encaixe, depois tem de iniciar a acção ofensiva através do uso
das mãos (lançamento) ou dos pés, jogando curto ou longo.
Neste sentido, o estudo de Sainz de Baranda et al. (2005b) refere a
importância das acções técnicas ofensivas em jogo, na actualidade têm cada
vez maior preponderância no jogo do G.R., pelo que devem figurar na
planificação do treino, a par das acções técnicas defensivas. A utilização das
mãos está sendo substituída pouco a pouco pelos pés: o domínio da bola com
os pés é imprescindível para o G.R. no futebol actual. Muitos guarda-redes
utilizam mais os pés que as mãos, tanto no jogo ofensivo como no defensivo
(Sainz de Baranda & Ortega Toro, 2002).
Gaspar (2009) distingue o leque de competências técnicas em três tipos:
técnicas de distribuição; atributos como jogador de campo (acções ofensivas) e
técnicas de intervenção (acções defensivas). Invariavelmente, no Futebol
Moderno, este aspecto terminológico revela a elevada importância da
integração do G.R. em todos os momentos do jogo.
Revisão da Literatura
36 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Decompõe as técnicas de distribuição:
Lançamento com a mão: Rasteiro (tipo bowling) e Por cima.
Fig. 1 – Lançamento Rasteiro (Gaspar, 2006).
Fig. 2 – Lançamento por cima (Gaspar, 2006).
Pontapé longo: “Drop Kick” (a bola «bate» no chão) e “Full Volley” (sem
bater no chão).
Fig. 3 – “Drop Kick” (Gaspar, 2006).
Revisão da Literatura
37 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Fig. 4 – “Full Volley” (Gaspar, 2006).
Pontapé de baliza.
Fig. 5 – Pontapé de baliza (Gaspar, 2006).
Apresenta os seguintes atributos como jogador de campo:
Reacção.
Recepção.
Passe curto e passe longo.
Subdivide as técnicas de intervenção:
Recepção: Bolas baixas; Bolas picadas; Bolas Médias; Bolas altas e
Bolas acima da cabeça.
Revisão da Literatura
38 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Fig. 6 – Recepção de bolas baixas (Gaspar, 2006).
Fig. 7 – Recepção de bolas médias (Gaspar, 2006).
Fig. 8 – Recepção de bolas altas (Gaspar, 2006).
Revisão da Literatura
39 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Fig. 9 – Recepção de bolas acima da cabeça (Gaspar, 2006).
Quedas laterais: Técnica de queda; Extensões altas; Bolas rasteiras;
Mobilidade de pés; Força e explosão e Técnica de levantar.
Fig. 10 – Técnica de queda lateral (Gaspar, 2006).
Punhos/Soco: Com um punho; Com dois punhos.
Sacudir/Sapatadas: Por cima dos postes; Pelo lado dos postes.
Fig. 11 – Sacudir pelo lado dos postes (Gaspar, 2006).
Revisão da Literatura
40 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Cruzamentos: Técnica de recepção; Timing; Trabalho de pés; Alcance e
Zona de Recepção.
Fig. 12 – Técnica de recepção (Gaspar, 2006).
Um contra Um: Estilo de ataque e Como decidir (antes do remate,
durante ou após).
2.6.3 Padrão Psicológico
O bom jogador de Futebol ajusta-se não só às situações que vê, mas
também àquelas que prevê, decidindo em função das probabilidades de
evolução do jogo (Garganta & Pinto, 1994). Por isso, é usual ouvir treinadores
referir a importância de ter jogadores experientes, visto terem uma capacidade
de decisão rápida, uma vez que apenas se concentram no essencial. Mais uma
vez determinamos a melhor competência para seleccionar os estímulos de
jogo, como necessária para agir melhor mediante a situação, agindo
correctamente. Estes aspectos estão relacionados com alguns requisitos
psicológicos que influenciam a performance do G.R. em jogo e segundo
(Konzag, 1995) são: capacidade volitiva (tomada de decisão, disponibilidade
para o esforço, perseverança); capacidade de atenção (concentração,
intensidade); função cognitiva (capacidade perceptiva, capacidade de
Revisão da Literatura
41 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
raciocínio, de imaginação e capacidade de memória) e capacidade psicossocial
(capacidade de cooperação). Pelo facto da nossa capacidade de captar muita
informação ser limitada, devemos concentrar na informação mais relevante,
para assim ser mais fácil a sua codificação (Madeira, 2002). Assim, podemos
destacar a concentração, como uma capacidade associada à função cognitiva,
com elevada importância na performance desportiva e em particular, do G.R..
“Na concentração há dois aspectos fundamentais: por um lado está a atenção
nas situações ambientais pertinentes, eliminando portanto as que não são, e
por outro está a manutenção desse foco de atenção” (Esteves, 2006, p.31). O
mesmo autor refere que a concentração terá uma relação directa e implícita
com o rendimento do G.R. e quanto maior for a sua concentração, melhores
condições terá para realizar uma leitura e antecipar o estímulo. Visto que os
jovens têm uma capacidade de atenção limitada, é especialmente necessário
estimular esta característica psicológica.
Gaspar (2006) distingue as seguintes qualidades psicológicas no G.R.
de Futebol: concentração (o jogo é um campo de distracções, o G.R. tem de
ser centrar nos factores centrais do jogo); auto-motivação; responsabilidade;
liderança; linguagem gestual e disciplina de treino.
Oliveira (2009) refere que o G.R. de elite deve ter os seguintes atributos
psicológicos: concentração; tranquilidade; coragem (o G.R. tem de estar
preparado para remates fortes, muitas vezes a poucos metros de distância);
liderança; confiança e iniciativa.
Para Voser et al. (2006), o G.R. deve ter uma grande capacidade de
concentração estando a todo o momento focalizado nas situações de jogo,
deve ser corajoso para enfrentar qualquer dificuldade que surja no jogo, deve
ser um líder, demonstrando-o na capacidade de comandar os colegas e de se
assumir como o organizador da defesa, deve demonstrar tranquilidade nas
suas acções transmitido desta forma confiança para os restantes colegas e
deve ter iniciativa não esperando pelas acções do adversário, mas antecipando
aquilo que estes irão fazer.
Revisão da Literatura
42 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Relativamente ao nível psicológico, o G.R. precisa de: controlar a sua
tensão e o seu nervosismo (auto-domínio), possuir confiança, estar
constantemente concentrado, ser corajoso e responsável (Madeira, 2002).
Segundo Voser et al., (2006) para tornar-se um bom G.R., além de
qualidades físicas, técnicas, e psicológicas excepcionais e de muito treino,
deverá ter como características intrínsecas: dedicação, humildade, vontade de
aprender, personalidade, perseverança e muitos outros adjectivos que se
preconizam no atleta que decide ser G.R.
Além das qualidades psicológicas de eleição para um G.R. de nível
superior, para perceber o padrão psicológico do G.R. de Futebol, segundo
Morais (2006) é necessário o conhecimento total da personalidade do atleta.
No que diz respeito ao seu carácter, Madeira (2002) menciona a:
decisão, vontade, calma, autoridade, serenidade, coragem, audácia e firmeza,
como características pessoais do G.R. de nível superior.
Para Gaspar (2009) o processo de treino deve incluir uma programação
mental, é fundamental adequar os planos de treino às características
psicológicas do G.R..
No treino de G.R., para Oliveira (2009) o treino individualizado é o
caminho para o futuro. Os guarda-redes não são todos iguais, não há G.R.
perfeitos, há o trabalho do treinador para perceber os guarda-redes e adequar
o trabalho às necessidades, a capacidade analítica do treinador é fundamental.
No processo de treino, Voser et al. (2006) refere que é fundamental que
sejam fornecidos estímulos positivos, feedbacks e abordagens cognitivas que
reforcem e estimulem a busca pelos objectivos para que a motivação e a
concentração nas tarefas seja maior.
Existe um limiar muito curto entre o insucesso e o sucesso, os técnicos
devem perceber quando «puxar» pelo G.R., ou quando devem ter uma palavra
para amenizar e dar um pouco de calma (Oliveira, 2009).
Neste sentido, as intervenções psicológicas no desporto visam contribuir
para o desenvolvimento de capacidades e estratégias psicológicas que ajudem
o atleta a aproximar-se do potencial numa lógica de treino em que se integram
todas as dimensões do desempenho (Serpa, 2006).
Revisão da Literatura
43 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
A presença do G.R. em jogo tem grande influência sobre o
comportamento da defesa, em particular, e da equipa em geral. Ele terá de dar
confiança aos defensores e deverá ser o «patrão» que comanda, incentiva e
que intimida os atacantes adversários (Howe & Scovell, 1991; Voser et al.,
2006).
2.6.4 Qualidades Físicas
Uma boa condição física proporciona o suporte para o rendimento
táctico-técnico do G.R. em competição. A dimensão física deve estar sempre
relacionada com as restantes dimensões e o desenvolvimento da sua
capacidade física deve ser aplicada aos contextos de acção (Madeira, 2002).
O jogo de Futebol é considerado um desporto intermitente, pela
alternância de esforços e acções de diferente forma e intensidade (Bangsbo et
al., 2006).
A preparação e o treino de Futebol não podem descontextualizar a
especificidade dos comportamentos em jogo, a forma de jogar integrada no
modelo de jogo da equipa. O treino não pode deixar de ter como referência o
jogo de Futebol e as suas características particulares (Pinto, 1991).
A actividade que um G.R. realiza em competição manifesta uma série de
características que determinam o tipo de esforço específico, muito diferente
dos restantes jogadores da equipa e portanto justifica a organização de treino
individualizado. Neste sentido, Tunãs (2007) define três aspectos
comportamentais que caracterizam a especificidade fisiológica das acções do
G.R. em competição:
1.- «Aciclicidade» e intermitência comportamental:
O G.R. realiza acções variadas e não estandardizadas, participa em diferentes
situações em jogo: activas, semi-activas e passivas. Por outro lado, é
extremamente importante a capacidade de decisão: quando intervir.
2.- Variedade da carga competitiva:
Revisão da Literatura
44 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
O G.R. é submetido durante o próprio jogo a diferentes tipos de cargas, em
função de uma série de factores:
- O estilo de jogo da própria equipa (ex. uma equipa que queira ter a iniciativa
de jogo ou que prefira cede-la)
- A eficácia defensiva da sua própria equipa, dependendo da capacidade de
recuperar a posse de bola e da zona onde recupera.
- O potencial ofensivo da equipa adversária, com base na sua capacidade de
finalização.
3.- Manifestação de maneira ocasional de esforços de alta intensidade:
Devido à realização de acções de breve duração, mas com grande potencial
explosivo.
Assim, podemos averiguar que a carga de trabalho associada à
actividade competitiva do G.R. é moderada, comparando com os restantes
jogadores da equipa.
Tendo em vista a especificidade da função do G.R., o treino deve focar
os requisitos específicos da performance desportiva em termos da qualidade
física, sistema energético predominante e coordenação motora (Voser et al.,
2006). O mesmo autor cita um conjunto de capacidades condicionais e
coordenativas importantes para os G.R.: força explosiva, flexibilidade, ritmo,
equilíbrio, coordenação, agilidade e define a velocidade como uma qualidade
fundamental.
O G.R. deverá ter uma resistência específica para realizar acções curtas
mas intensas, uma grande capacidade de percepção táctil e cinestésica,
flexibilidade, destreza e bons índices de força explosiva, de velocidade de
reacção e de execução (Sarli, 2000).
Capuano (2002) salienta as principais capacidades físicas requeridas:
força explosiva e explosivo-elástica, capacidade de cair e levantar-se
rapidamente, velocidade de reacção, reforço muscular geral e em particular da
musculatura abdominal e dorsal, mobilidade articular, equilíbrio, agilidade e
coordenação motora.
Sainz de Baranda et al. (2005a) têm um entendimento mais específico das
acções físicas do G.R. e referem: os deslocamentos, como a acção física
Revisão da Literatura
45 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
específica que deve ser sempre treinada na máxima capacidade. Segundo os
autores, dividem os deslocamentos em 3 tipos:
- Deslocamentos frontais, realizam em direcção ao sentido do jogo, com o
objectivo de reduzir ângulo de remate ou de antecipar uma jogada.
- Deslocamentos laterais, normalmente realizam-se ao longo da linha de baliza
quando o guarda-redes procura posicionar-se em função da bola e quando o
guarda-redes tenta preparar-se para realizar uma queda lateral, encurtando a
distância que terá de percorrer em salto/voo.
- Deslocamentos à retaguarda, quando o guarda-redes procura responder a
bolas que pela sua trajectória o irão sobrevoar, ou então quando o guarda-
redes perante o ataque adversário procura reposicionar-se entre os postes sem
tirar os olhos da bola. São absolutamente fundamentais para que o G.R possa
responder positivamente àquilo que o jogo pede.
Para além dos deslocamentos, os saltos e as quedas completam o tipo
de acções físicas a serem treinadas.
Ao nível das capacidades condicionais requeridas pelo comportamento
do G.R. em jogo, Tunãs (2007) define com a seguinte terminologia, resistência
específica, força específica, velocidade específica e flexibilidade específica. A
utilização do termo «específica» preconiza a caracterização das determinadas
acções motoras do G.R. em jogo, em toda a sua dimensão, quer ao nível do
estímulo, da tomada de decisão, da intensidade e do metabolismo energético
solicitado. Desta forma, pretende-se caracterizar as acções que o G.R.
normalmente executa e elaborar formas de se treinar a dimensão física inserida
nesses comportamentos. Perspectivar a preparação específica, é idealizar o
nosso jogo para recriar em situações de treino.
Neste sentido, além de identificar os comportamentos mais solicitados
em jogo, “é muito importante que o técnico ou o treinador compreendam o
metabolismo do exercício, uma vez que a elaboração de um programa que visa
optimizar o desempenho atlético exige o conhecimento dos principais sistemas
energéticos utilizados pelo desporto” (Powers & Howley, 2000 cit. Voser et al.,
2006, p. 168).
Revisão da Literatura
46 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Segundo Domingues (1997), do G.R. devemos exigir a sua capacidade
aláctica, ou seja, exercícios de curta duração e elevada intensidade. O
metabolismo energético prioritário é anaeróbio, “refere-se à produção de
energia através de reacções químicas que não exigem a presença de oxigénio.
A principal fonte de energia nos exercícios de curta duração é de origem
anaeróbia. Para a realização de actividades de curtíssima duração, o
organismo lança mão do sistema ATP-PC, onde não existe produção de lactato
(por isso, anaeróbio aláctico). Para actividades com duração um pouco maior o
sistema utilizado é a glicólise anaeróbia onde o produto final é a produção de
lactato (por isso, anaeróbio láctico) ” (Pitanga, 2004 cit. Voser et al., 2006, p.
168). O sistema anaeróbio láctico permite que o G.R. suporte níveis de
esforços elevados, sem queda de rendimento (Domingues, 1997).
O treino de G.R. para ser específico deve conter poucas repetições de
um exercício, mas com intensidade máxima. Para aumentar a carga de treino,
devemos aumentar as séries mas não o número de repetições, dando sempre
uma pausa para recuperar adequadamente, porque o mecanismo energético
mais utilizado é o anaeróbio aláctico (Capuano, 2002).
Para a execução deste mecanismo na estruturação do treino, segundo
Tunãs (2007) devemos ter em atenção os referenciais qualitativos (aspectos
qualitativos da execução do movimento que definem o nível de coordenação
neuromuscular requerido para o inicio e posterior controlo do movimento
desportivo) e os referenciais quantitativos (aspectos quantitativos da execução
do movimento, definem o nível de condição física solicitado).
Sarli (2000) é da opinião que um guarda-redes talentoso terá de ter uma
série de qualidades, entre as quais uma boa compleição física e uma estatura
elevada e ainda que até certos escalões estas características não sejam
decisivas, no alto rendimento cada vez mais se apresentam como factores
selectivos para a escolha de um guarda-redes.
Para Voser et al. (2006) a estatura é um aspecto biológico importante e
um G.R. deve apresentar uma altura média entre 1,85m até 1,95m. Já
Domingues (1997) refere que a maior eficiência está nos G.R. com altura entre
1,80m e 1,90m, mas se um G.R. estiver fora deste intervalo e tiver rendimento
Revisão da Literatura
47 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
igual ou superior do que os que se enquadram neste perfil, também terá lugar
para a posição. Portanto, podemos entender a estatura como um factor de
selecção e como padrão normativo na literatura, mas não será um factor
limitativo da performance.
Por fim, para caracterizar as qualidades físicas do G.R., é necessário
compreender a especificidade das acções do G.R. em jogo, para termos como
referência o tipo de esforço que está sujeito. Fica claro que este entendimento
pode ter duas perspectivas, uma provém da descrição dos conteúdos de treino
pelas capacidades físicas e condicionais e a outra resulta do entendimento das
acções que se querem optimizar e da componente física específica que é
inseparável do comportamento motor.
2.7 Etapas da formação do guarda-redes de Futebol
“...a capacidade de aprendizagem não é específica da infância; ela permanece ao longo da
vida, mesmo que diminua com a idade” (Revoy & Nicolas, 2007).
Após conhecermos as características principais de um G.R. e as
dimensões da sua performance citadas por vários autores, interessa-nos
compreender as fases da formação do G.R. de Futebol, entendendo a
aprendizagem como um processo contínuo e evolutivo.
A aprendizagem motora é o resultado de um conjunto de experiências
vividas que são insubstituíveis e justificam nas primeiras etapas, uma maior
preocupação do treinador ao nível do incremento de tempo disponível para a
prática, o tempo de compromisso motor da sessão, assim como o tempo gasto
na tarefa, porque independentemente de outros factores, segundo Sainz de
Baranda et al. (2003), é evidente que o maior tempo dedicado a uma prática,
maior probabilidade de obter resultados positivos no processo de ensino-
aprendizagem.
Desde o momento que se iniciam na prática do Futebol, até atingirem
um nível superior, os jovens futebolistas devem passar por um processo de
formação coerente em que haja uma progressão da aprendizagem distribuída
Revisão da Literatura
48 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e conteúdos adequados às
suas diferentes fases de desenvolvimento (Pacheco, 2002).
No processo de ensino-aprendizagem, será necessário um
desenvolvimento de aprendizagens significativas, de forma que “na estrutura
cognitiva do jovem exista uma base conceptual necessária para assimilar os
novos conteúdos” (Feu, 2001 cit. Sainz de Baranda et al., 2003). Portanto, o
jovem deverá possuir uma grande bagagem de experiências, que sirvam para
solucionar de diferentes e variadas formas distintos problemas, assim como
através da sua imaginação e criatividade desenvolver novas soluções (Sainz
de Baranda et al., 2003).
Para realizar a dita aprendizagem significativa e incrementar a
capacidade criativa no jovem desportista, será necessário desenvolver
exercícios de tipo global, para que o jovem consiga: buscar diferentes soluções
para os problemas que o jogo levanta, incrementar a sua bagagem de
experiências motoras, realizar gestos técnico-tácticos em situações similares
ao jogo real, com um sentido prático para ser eficaz no momento concreto para
um problema determinado (Sainz de Baranda et al., 2003).
Deste modo, perspectivamos a compreensão do tipo de exercício
potencialmente mais significativo para a aprendizagem e desenvolvimento da
performance do G.R. durante as etapas de formação. O treinador de jovens
tem de assumir um comportamento profissional, mesmo não sendo, para
desenvolver um estilo de trabalho e de comportamento muito próprio, assumir
as suas responsabilidades particulares, não tendo de imitar o treinador de
jogadores seniores (Buceta, 2001, cit. por Brasil, 2004).
Agora vamos apresentar várias propostas de formação, as quais
revelam uma progressão na aprendizagem dos conteúdos e uma selecção de
conteúdos relativos à etapa de formação.
Capuano (2002) descreve quatro etapas importantes para a formação do
jovem G.R.:
1- Situações de jogo. As situações de jogo contêm vários tempos para
decidir, os adversários, os colegas, os referenciais temporais e espaciais.
Revisão da Literatura
49 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Exercitar situações de jogo, onde está presente «toda» a variabilidade do
mesmo, ajuda imenso o guarda-redes a decidir nas mais distintas situações.
2- Desenvolvimento do pensamento táctico. Pelo facto do pensamento
táctico ser um suporte necessário para a formação da antecipação motora
complexa, a orientação dos comportamentos influencia a própria coordenação
motora do jovem guarda-redes.
3- Treino ideológico-motor. A partir de determinadas idades (12, 13
anos) este tipo de treino permite uma exercitação mental, que relacionada aos
aspectos motores, desenvolvem o controlo motor determinado pela via
cinestésica. É a capacidade do G.R. pensar inversamente (ou antecipações
mentais na coordenação espacial ou temporal).
4- Treino específico. É a condição fundamental para uma base de toda a
acção gestual, acções tácticas específicas da posição. Perspectiva a execução
de várias acções técnicas, sob várias condições, levando à aquisição dos
comportamentos típicos do guarda-redes.
Voser et al. (2006) também apresentam quatro etapas de formação, mas
ostentam uma proposta onde se observa uma preocupação central nas idades
mais baixas da formação (quadro 2).
Etapa Pré-Formação Formação
Inicial
Final da
Formação
Formação
Especial
Idade 9/ 11 11/ 14 14/ 18 18/ 21
Categoria Pré-Mirim/
Mirim
Mirim/ Infantil Infantil/ Juvenil Júnior/
Profissional
Conteúdo
Físico
15% 20% 30% 30%
Conteúdo
Técnico
70% 50% 25% 20%
Conteúdo
Táctico
5% 10% 10% 10%
Conteúdo
Específico
10% 20% 35% 40%
Quadro 2: Apresentação das etapas de formação do guarda-redes. (Voser et al., 2006)
Revisão da Literatura
50 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Os autores idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6 aos 9
anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também
outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a
exercitação de movimentos específicos da posição de G.R..
Na fase de pré-formação, o estímulo para a melhoria das acções
motoras simples com bola são o mais importante. Esta fase será tanto melhor
quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6 aos 9
anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais (andar,
correr, saltitar, etc.). A variabilidade de movimento ao nível das questões de
interacção e cooperação revela-se importante nesta fase, para constituir um
repertório motor de base que na fase seguinte será a sustentabilidade para a
aprendizagem da técnica específica.
Na fase de formação inicial, o destaque é atribuído às qualidades
coordenativas e à especificidade que deverá chegar a um volume considerável,
ao final desta etapa, ou seja ao final dos 13 anos. É importante desenvolver
actividades para o desenvolvimento técnico e no inicio desta fase os exercícios
físicos devem ter um carácter mais geral (particularmente resistência geral).
Combina-se a incorporação gradual da dimensão física com os aspectos
técnicos. Com relação aos aspectos específicos da preparação dos guarda-
redes torna-se fundamental que o jovem atleta tenha uma grande variabilidade
de acções motoras próprias da sua posição. É imprescindível corrigir os
possíveis vícios de execução ou evitar a ocorrência dos mesmos.
Posteriormente, na fase de formação inicial, o G.R. deverá ter condições
de demonstrar as suas potenciais competências de forma efectiva. Devem-se
enfatizar todas as qualidades do G.R. (dimensões táctica, técnica, psicológica e
física). É importante que o G.R. consiga apresentar bons resultados nesta fase,
pelo facto de ser decisiva para uma futura transição bem sucedida para o
plantel sénior.
Na fase de formação especial, o G.R. deve mostrar todas dimensões
competitivas da sua especialização e estar preparado para jogar. No entanto,
na transição para esta etapa não é frequente vermos o G.R. jovem a jogar
como titular da posição e contraditoriamente é nesta fase que a sequência de
Revisão da Literatura
51 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
jogos é necessária para que ele adquira mais experiência e competitividade.
Por isso é importante que na medida do possível o G.R. treine bem e possa
disputar várias competições. O G.R. continua a evoluir e deve estar sempre
preparado para aprender.
Vigil (2008) apresenta uma proposta de formação mais detalhada, mas
igualmente composta por quatro fases. Para o autor é importante que o G.R.
esteja envolvido em todos os treinos com o fim de optimizar a sua forma física
e as suas relações com os restantes jogadores da equipa. Em cada fase, Vigil
(2008) descreve os conteúdos de treino do G.R. adequados ao
desenvolvimento do jovem nos quatro domínios da performance (quadro 3):
Domínios da Performance
Físico Técnico Táctico Psicológico
10 Anos
Adaptar-se ao jogo; Manter equilíbrio e coordenação; Aquecimento e recuperação básicas
Entender a sua posição específica; Dominar a bola; Saber rodar, distribuir, passar e lançar a bola
Conhecimento das regras básicas
A criança deve divertir-se e ter prazer; o treino deve ser simples
11-12
Anos
Equilíbrio, coordenação e ritmo; Conhecer os estiramentos específicos do G.R.; Flexibilidade e mobilidade; Aquecimento e recuperação básicas
Posição Base; Controlo e distribuição da bola com as mãos e os pés; saber reagir aos cruzamentos; saber realizar passes curtos e resolver o 1x1
Entender o papel do G.R. com respeito aos princípios básicos; inteirar-se das posições e papéis dos restantes jogadores
Progressão de técnica simples e estabelecer os níveis /as normas; Realizar trabalho em grupos
13-14
Anos
Manter equilíbrio, coordenação e ritmo com velocidade durante 15 jardas; Conhecer estiramentos específicos para os GR;
Diferentes maneiras de defender remates, agarrando ou desviando a bola; Reduzir os ângulos; Saber movimentar-se para não sofrer
Conhecer o jogo de futebol e as regras do jogo; entender situações relacionadas com o 11x11; ter a capacidade de comunicar com os
Bom conhecimento da pequena e da grande área; Preparação do treino e do jogo de futebol; saber aceitar a avaliação, os elogios e a crítica
Revisão da Literatura
52 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Exercícios de flexibilidade e mobilidade; Aquecimento e recuperação
golos; exercício para melhorar a reacção e que os façam decidir; Distribuição da bola com a mão e com os pés e pontapé de baliza; importância do apoio e disponibilidade; saber como controlar e passar a bola com ambos os pés; saber como jogar 1x1
companheiros
15-16
Anos
(inclui
todas as
caracterí
sticas
prévias)
Velocidade em todas as direcções até 20 jardas; Equilíbrio, coordenação e ritmo; Estiramentos, exercícios de força, reflexões, agilidade e resistência; aquecimento e recuperação de alto nível
Ser ubíquo em relação à baliza e na velocidade de reacção; deslocamento rápido e queda lateral; saída a punhos, fechar ângulos e saídas da baliza; pontapé de baliza e pontapé de saída tipo “raquete”
Comunicação apoiando verbalmente com instruções; situações relacionadas com o jogo em 11x11; organização – defendendo contra remates de livre directo, indirecto e cantos; entender sistemas de jogo
Discussões em grupo e apresentações ao grupo; estilo de vida, nutrição e disciplina; ser competitivo e confrontar-se fisicamente; estabelecer metas individuais e de grupo; aguentar a pressão – interna, externa, o fracasso e solucionar problemas
Quadro 3: Etapas de formação do guarda-redes adaptadas de, Vigil (2008).
Reconhecemos esta proposta como a mais completa, sendo que
estratifica detalhadamente uma ideia contínua para o desenvolvimento dos
conteúdos específicos, nomeadamente os conteúdos físicos e técnicos.
Denota-se uma menor complexidade na estratificação dos conteúdos tácticos e
psicológicos, uma vez que os vários tópicos compõem metas superficiais a
alcançar, não percorrem o desenvolvimento dos objectivos ao pormenor, tal
como nos aspectos físicos e técnicos.
Revisão da Literatura
53 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Assim, entendemos ser necessária a identificação de princípios simples
para uma identificação objectiva dos guarda-redes jovens e orientar a
progressão sustentada da formação, um processo complexo.
Como todos os desportistas, o G.R. necessita de uma planificação, tanto
a curto como a médio e longo prazo. O processo de formação de um G.R., não
é um trabalho de pouco tempo, pelo contrário, é uma sucessão de tarefas
diárias, não improvisadas, na procura de objectivos concretos e específicos
(Sainz de Baranda, 2003).
Material e Métodos
55 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
3. Material e Métodos
3.1 Metodologia de Investigação
A metodologia utilizada na investigação prática deste trabalho para a
recolha de dados, consistiu numa entrevista aberta a G.R. de Futebol com
experiência de nível superior e a treinadores de G.R. de Futebol.
É importante referir que a entrevista é composta por questões de
natureza aberta, para possibilitar aos entrevistados discorrer sobre as suas
opiniões de um modo pessoal e evidente.
A recolha das entrevistas decorreu entre as datas de 5 de Junho e 10 de
Setembro de 2009.
Para a realização das entrevistas foi utilizado um gravador de áudio
«Olympus», modelo: Digital Voice Recorder VN-3500PC, para posteriormente
realizar a transcrição para o programa Microsoft Office Word 2007 com a
autorização dos respectivos entrevistados.
3.2 Caracterização da Amostra
A amostra é constituída por quatro entrevistados, dois G.R. de Futebol
com experiência de nível superior, Jorge Silva e Tó Ferreira, ambos da U.D.
Oliveirense, clube a competir na Liga Vitalis (II liga de futebol profissional), e
por dois treinadores de G.R. de Futebol, Paulo Santos (C.D. Feirense – Liga
Vitalis) e Hugo Oliveira (actual treinador de G.R. da Selecção Nacional de
Futebol).
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
57 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
4. Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
Depois da realização de uma revisão de literatura e das entrevistas, a
análise dos argumentos recolhidos é composta por quatro categorias centrais,
de encontro aos temas abordados na entrevista formalizada e das linhas de
pesquisa bibliográfica. Assim partimos para o cruzamento de informações, para
comparar e discutir em permanente reflexão e dúvida, visto que o
conhecimento emerge a partir destes e vive da incerteza.
4.1 O G.R. de Futebol Perito
4.1.1 Como se define?
Com base nos dados recolhidos, o nosso raciocínio pretende efectuar
uma peritagem, entendendo este termo como sendo o estudo dos peritos, sem
sermos intitulados peritos, queremos indagar pela definição de um Guarda-
Redes de Futebol Perito.
À partida, por si só um G.R. é considerado perito se jogar ao mais alto
nível nacional ou internacional, pois estes activos nas balizas dos grandes
clubes encontram-se acima do enorme grupo de guarda-redes que se
encontram a defender em clubes de menor escala e mesmo em clubes de
escalões profissionais secundários ou amadores. Este aspecto é exposto por
Tó Ferreira quando refere que distingue os G.R. de alto nível dos demais pelas
equipas onde jogam.
Paulo Santos e Tó Ferreira determinam um G.R. de alto nível pelas suas
capacidades psicológicas, nomeadamente a concentração. “Chamo um G.R.
de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste caso
porque há sempre mais uns descontos” (Paulo Santos). Tó Ferreira completa a
ideia anterior ao referir que o G.R. se “tiver bem psicologicamente é meio
caminho percorrido para o sucesso”. Janelle & Hillman (2003) no seu estudo
relativo aos domínios da expertise no desporto salientam a elevada importância
das capacidades psicológicas na performance de um perito.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
58 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Para Jorge Silva e Hugo Oliveira, um G.R. de alto nível é aquele que
reúne as capacidades necessárias para desempenharem a posição. Hugo
Oliveira é amplo na sua definição e define com rigor o G.R. de alto nível: “é o
G.R que domina a técnica base do G.R em toda a sua plenitude, ou seja,
desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e psicológico”. Para visar o
estatuto de perito, Janelle & Hillman (2003), definem como necessário alcançar
a excelência nos domínios: fisiológico, técnico, cognitivo e emocional.
Tal como citamos na revisão de literatura, as quatro componentes do
rendimento desportivo do G.R. (técnico, físico, táctico, psicológico) englobam
as aptidões específicas requisitadas pela actividade do G.R. em jogo. Interessa
perceber que a especificidade destas componentes são a base da formação de
um G.R. de Futebol, mas será que todas têm a mesma relevância no
desenvolvimento e desempenho futebolístico do G.R. ao mais alto nível para
extrapolarmos o executante da arte de G.R. até à denominação de perito? Tó
Ferreira tem um exemplo prático que pode ser interpretado nesta questão: “eu
conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em equipas
secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço G.R. que
trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o caso do
Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais
competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C.
Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar.
Não sei o que se passou.”
Por este exemplo não podemos relativizar o sucesso de um G.R. de
Futebol exclusivamente à prática, às componentes fundamentais do treino de
G.R., nem à questão da altura elevada do G.R. relativa da identificação de um
padrão normativo da estatura ideal para o sucesso do G.R. de futebol ou às
generalizações desvirtuosas da realidade bem presente no Futebol mundial,
«as excepções à regra». O Bruno Vale é um G.R. considerado de elevada
estatura e pelo exemplo do Tó Ferreira compreendemos que teve boas
oportunidades de prática, bons métodos de trabalho e o Quim, actual G.R.
titular do Sport Lisboa e Benfica, considerado pelo seu actual treinador um G.R.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
59 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
de baixa estatura, está ao mais alto nível nacional com sucesso, apetrechando-
se de atributos para ser denominado de perito.
Procuramos perceber as características que distinguem o artista para
exaltar a arte de G.R. de Futebol.
4.1.2 Que características o distinguem?
“Os três C do guarda-redes são: calma, controlo e concentração” (Banks, s/d).
No seguimento da definição de um G.R. de Futebol perito estão
subjacentes os domínios onde o mesmo exerce necessariamente controlo
específico da actividade. Estes domínios compreendidos anteriormente são as
áreas do rendimento específico relativas à formação de um G.R. de Futebol.
Para Sainz de Baranda et al. (2003) o objectivo final do processo de
aprendizagem, será a realização de uma correcta execução de cada gesto,
conseguir uma automatização do mesmo e que o tempo de reacção para
decidir a acção a realizar seja mínimo. Neste sentido, os autores descrevem
que a eficácia do G.R. será determinada pela qualidade da análise e percepção
das situações de jogo que intervêm, pela qualidade da tomada de decisões
(pensamento táctico), pela qualidade na hora de seleccionar a acção motora a
realizar antes do gesto técnico (deslocamentos, saltos e quedas), pela
qualidade da execução da acção técnica, qualidade no domínio de diversas
variáveis psicológicas (ansiedade, auto-eficácia...), pela qualidade no
conhecimento teórico do jogo e pela qualidade do treino fisiológico.
Segundo os autores Janelle & Hilllman (2003), um nível de expertise
inferior, num dos domínios, impedirá o perito de se apresentar ao mais alto
nível do seu rendimento, em contrapartida, a expertise num dos domínios pode
ser um meio facilitador ou impeditivo do alcance da expertise noutros.
Retendo este conceito, pretendemos canaliza-lo para a análise do G.R.
de Futebol perito ao discutir as opiniões dos entrevistados relativas às
características que distinguem o G.R. de alto nível dos demais.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
60 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Para Jorge Silva e Hugo Oliveira a tomada de decisão é o aspecto que
distingue os G.R. de Futebol peritos dos demais e compreendem este domínio
como um meio facilitador ou impeditivo do alcance de bons níveis de
performance noutros domínios. Jorge Silva refere que “é importante a todo o
nível” e indica um exemplo prático facilitador do entendimento do mesmo:
“dentro de campo temos que tomar uma decisão quando há um cruzamento,
uma defesa, pois condiciona a acção técnica. Não adianta ter um G.R. bom
tecnicamente, por exemplo, se a tomada de decisão sempre que vai tomar uma
acção é errada”. A velocidade de tomada de decisão e a exactidão são, em
grande parte, baseadas no valor interpretativo da informação adquirida através
de perícias perceptuais e da sua apropriação para uma selecção de resposta
efectiva (Janelle & Hillman, 2003).
“A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta
distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível” (Jorge Silva).
Esta questão da capacidade de análise da tomada de decisão, é tratada
por French & Thomas (1987) e McPherson & Thomas (1989, cit. Guilherme
Oliveira, 2004: 63). Segundo estes autores, os atletas peritos demonstram as
seguintes características:
“ 1 – São mais rápidos e precisos a reconhecerem padrões de jogo;
2 – São mais rápidos e precisos a detectar e localizar os aspectos
determinantes e relevantes que acontecem no seu campo visual;
3 – São eficazes a antecipar as acções dos adversários, baseando-se em
pistas visuais;
4 – Revelam um conhecimento superior em situações mais prováveis de
acontecer;
5 – Adoptam decisões tácticas mais ajustadas à situação;
6 – Têm um conhecimento estruturado e aprofundado das matérias
específicas, conhecimento declarativo, e de como fazer as acções,
conhecimento processual;
7 – Possuem capacidades superiores de auto-controlo”.
Segundo Hugo Oliveira, a característica que define um G.R. de Futebol
de alto nível de um G.R. que não é de alto nível, é a tomada de decisão, ou
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
61 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
seja, “a execução de uma determinada vertente técnica com uma tomada de
uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo em que os níveis
psicológicos são de alta intensidade” (Hugo Oliveira).
Hugo Oliveira é mais amplo no entendimento das características que
distinguem o G.R. perito, pois refere a importância da decisão táctica em jogo
com níveis psicológicos de alta intensidade. A capacidade psicológica do G.R.
é outro aspecto, também distinguido por Tó Ferreira e Paulo Santos.
Paulo Santos específica a capacidade psicológica do G.R. de Futebol
perito distinguindo a concentração como sendo fundamental para o sucesso e
rendimento superior. “Um G.R. de alto nível é aquele que acima de tudo tem de
estar super concentrado”. Para o mesmo treinador de guarda-redes, a
concentração é a característica psicológica que influência os restantes níveis
de performance do G.R. de Futebol em jogo. Tó Ferreira expõem-nos um
exemplo concreto e recorrente no âmbito futebolístico: “há jogadores que dão
tudo nos treinos e depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque
será?”. Explica a sua interrogação pela influência dos níveis psicológicos no
rendimento desportivo, “no treino estamos à vontade, não há pressão, não há
competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente, requer
concentração no máximo das nossas capacidades”.
Tó Ferreira além de referir a importância para o G.R. de Futebol estar
“bem psicologicamente”, expõem-nos outro ponto de vista, “o apoio psicológico
também é importante”. O apoio psicológico é um aspecto externo, não é uma
característica que o distingue, mas pode ser conduzido a adquirir a capacidade
psicológica desejada para ser um G.R. de Futebol perito. Assim, na formação
de um G.R. de Futebol perito podemos detectar as características pessoais
favoráveis para a selecção de um jovem para a posição específica de G.R., ou
conduzir um apoio psicológico necessário, como por exemplo, para a obtenção
de níveis elevados de concentração.
Pela discussão efectuada dos depoimentos recolhidos, podemos eleger
a capacidade de tomada de decisão para um comportamento táctico-técnico e
as capacidades psicológicas (nomeadamente a concentração) como
características que distinguem os guarda-redes de Futebol de alto nível.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
62 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
4.1.3 Mais difícil alcançar ou permanecer? A sustentabilidade da
performance superior
Para perceber o G.R. de Futebol perito, interessa-nos compreender o
percurso até à performance superior e discorrer sobre a manutenção da
motivação necessária para estar no nível superior durante os longos anos de
prática que se expõe.
De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), como já foi
mencionado anteriormente, as actividades de prática deliberada são formas de
treino que não são intrinsecamente motivadoras, exigem altos níveis de esforço
e atenção, e não conduzem a recompensas sociais ou financeiras imediatas.
Sob as condições da prática deliberada, isto é, sob condições de grande
esforço e concentração, os peritos desenvolvem habilidades específicas que
são exigidas pelo seu domínio.
Assim sendo, percebemos que é difícil alcançar a performance superior
e a sustentabilidade da mesma é um percurso árduo suportado por diversas
motivações.
No entendimento da maioria dos entrevistados é difícil alcançar a
performance superior e só Paulo Santos tem opinião contrária.
Jorge Silva é óbvio ao caracterizar a carreira de um G.R. de Futebol, “é
difícil permanecer e chegar ao nível superior”.
Segundo Hugo Oliveira, na actualidade é mais difícil para um G.R. de
Futebol chegar ao nível superior do que se manter lá.
Tó Ferreira reconhece que é mais difícil chegar ao nível superior e refere
que “para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas
quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não
descerem a um nível inferior.
Fora da esfera da experiência adquirida e do talento inato, Paulo Santos
e Tó Ferreira referem-nos um factor recorrentemente falado na alçada
futebolística, “a sorte, uma oportunidade” como componente necessária para
alcançar o sucesso. O entendimento deste factor pelo Paulo Santos caminha
para a explicação de decisões externas ao domínio da expertise revelada pelo
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
63 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
G.R. de Futebol perito. “Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem
te contratar. Ou outro exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o
titular, mas se o treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não
passa de suplente” (Paulo Santos).
Assim, percebemos «a oportunidade» que nos fala Paulo Santos e Tó
Ferreira como uma condição externa ao domínio da expertise, que
condicionará a manutenção e a possibilidade de alcançar a performance
superior.
A regularidade da performance superior é igualmente difícil de alcançar
no nível superior, e segundo todos os entrevistados é um aspecto essencial
para permanecer neste patamar competitivo. Tal com referem Ericsson,
Krampe & Tesch-Romer (1993), as actividades de prática deliberada são
formas de treino que não são intrinsecamente motivadoras, por isso
questionamos os entrevistados no sentido de perceber como é que um G.R.
mantém a motivação necessária para a prática durante longos anos.
Num estudo mais recente, de Côté, Baker & Abernethy (2003, in
Ericsson & Starkes, 2003), os autores comentaram trabalhos de alguns
autores, no sentido de salientarem a importância dos aspectos motivacionais
para o desenvolvimento do desempenho excepcional. Fizeram questão de
salientar os aspectos que constituem a superioridade no desenvolvimento dos
peritos altamente motivados e auto-determinados. Sugeriram que,
basicamente, é a construção de uma fundação sólida de motivação intrínseca,
através do envolvimento em actividades que promovem a regulação intrínseca
que, por sua vez, faz com que os participantes tenham oportunidade de
tomarem decisões autónomas, desenvolverem a competência e sentirem-se
ligados aos outros.
Ao compreender que a prática deliberada nem sempre é sinónimo de
prazer para o indivíduo e a motivação intrínseca do praticante impulsiona a
aprendizagem, para manter a motivação necessária para a prática, segundo
Hugo Oliveira essa motivação é alimentada pela “paixão muito grande pela
posição de G.R.”. O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional vai mais
longe ao atribuir elevada importância à paixão pela arte de G.R. para um jovem
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
64 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
ser G.R. de Futebol perito, “o G.R. no futebol é o «anti-herói» e tem que se ter
uma paixão muito grande para se fazer uma carreira de G.R. de futebol. Tem
que ser diferente dos demais para ser G.R.. Na minha opinião os miúdos que
têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R., porque querem
ser diferentes dos outros”.
Para Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos, a motivação para
prolongar a carreira ao alto nível sustem-se pelo gosto de treinar, gosto pelo
trabalho diário. Porém, Tó Ferreira e Paulo Santos completam a sua opinião
referindo que um jogador sente-se realmente motivado se jogar. Jorge Silva
completa a sua opinião ao referir que “ter sempre um objectivo é outro aspecto
importante” para manter a motivação.
“O que sempre quis e sempre procurei foi estar entre os melhores do
mundo. É essa a motivação que levo para cada treino e para cada jogo.” (Baía,
2005, p.87)
Revista a opinião dos nossos entrevistados, a «paixão pela posição de
G.R.» e o «gosto de treinar» constituem pela nossa apreciação um limite muito
ténue de distinção, pois percebemos que para ter paixão de ser G.R. de
Futebol será necessário gostar de praticar.
Para formar um G.R. de Futebol perito também parece-nos necessário
inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação
intrínseca (gosto pelo treino) em sintonia com a aprendizagem.
Assim, segundo os nossos entrevistados, conhecemos alguns aspectos
que se constituem fonte de motivação, sendo esta considerada uma influência
muito significativa no percurso desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas
durante a sua carreira, mas mesmo antes de se envolverem seriamente no
desporto.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
65 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
4.2 A prática no processo de formação do guarda-redes de Futebol
4.2.1 Influência da prática deliberada
“Peter Bonetti tinha uns reflexos prodigiosos e era mais ágil do que eu. Eu era demasiado
grande para me lançar à mesma velocidade de Bonetti. Por isso tive de compensar tudo com
uma boa colocação/ posicionamento” (Banks, s/d).
Partindo da premissa que a prática é o primeiro mediador de um
desempenho excepcional, o trabalho de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer
(1993) afirma que os níveis de aquisição da expertise são orientados pela
participação na prática deliberada. Estamos perante a ideia da existência de
uma relação directa entre a prática de treino acumulada e o desenvolvimento
de um desempenho superior.
Entendendo as principais características de um G.R. de Futebol perito, a
tomada de decisão e os níveis psicológicos (concentração), todos os
entrevistados consideram estas componentes específicas da performance de
um G.R. de Futebol influenciadas pela prática. Que prática? Uma prática
deliberada, altamente estruturada com o intuito declarado de progredir e
aperfeiçoar o desempenho e não tendo apenas em vista o divertimento
(Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993).
Extrapolando a definição e o intuito da prática deliberada para a
especificidade centrada na procura de adequação dos efeitos do treino com
“uma permanente e constante relação entre as dimensões psico-cognitivas,
táctico-técnicas, físicas e coordenativas” (Guilherme Oliveira, 1991) em
correlação permanente com os princípios que regem a acção do G.R. em jogo,
segundo Oliveira (2009), o treino de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito
criando situações semelhantes à do jogo, obrigando o G.R. à tomada de
decisão e à realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Segundo o mesmo
autor e na continuidade da ideia de prática específica do G.R. de Futebol, “a
concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”. Na
continuidade da ideia deste autor, pretende-se que a concentração esteja
sempre presente no treino de G.R., este que obriga à tomada de decisão e à
realização de perfeitas acções táctico-técnicas. Estando a concentração
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
66 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
intimamente ligada ao processo de treino de acções táctico-técnicas, esta
atenção específica ao jogo é, segundo Freitas (2005), “concentração táctica”.
Na opinião de Hugo oliveira a influência da prática “é tamanha”, “muito
grande”, mas o jogo é a prática mais influente para o desenvolvimento de um
G.R. de Futebol: “mais do que num elemento de campo dos outros dez do jogo
de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R., porque por muito que
se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a pressão
de um jogo é muito mais intensa do que no treino”. Para Paulo Santos “o
melhor treino é o jogo”. “No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança,
por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em
situação de stress, em grandes jogos” (Jorge Silva).
Jorge Silva, Tó Ferreira e Paulo Santos discorrem na mesma linha de
pensamento, revelando a importância das práticas de treino e de jogo para o
desenvolvimento de um G.R. de Futebol e Jorge Silva acrescenta que a
avaliação do desempenho real do G.R. de Futebol é sempre feita durante um
jogo. Julga que no treino podemos treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no
jogo ele pode não corresponder. “Dizem que o treino é o espelho do jogo…
deve ser e acredito que sim, mas há jogadores que no treino são uma coisa e
no jogo são outra” (Tó Ferreira).
Transportando a opinião de Jorge Valdano sobre as equipas de futebol e
os seus respectivos jogadores: “assim como as habilidades se melhoram
treinando-se, os maus hábitos pioram se se treinam. Nessas equipas de futebol
que parecem fábricas, onde os jogadores cumprem tarefas mecânicas, como
se ajustassem sempre o mesmo parafuso, produziu-se um fenómeno lógico:
cada dia que passa os futebolistas são mais medíocres. (...) sendo que muito
jovens sofreram uma evolução lamentável. Se não os deixam pensar e eles
não são capazes de revelar-se, a mediocridade é um castigo justo.” (Valdano,
2001, p. 201, 202), a prática para conduzir a uma aprendizagem significativa
tem de reunir diversas características próprias da competição. A característica
central retida no exemplo de Jorge Valdano, também referida por Hugo Oliveira
e Jorge Silva, é a viabilidade da prática não ser castradora do pensamento do
jovem perito, a possibilidade de análise e tomada de decisão do jovem perito
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
67 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
para a execução da habilidade motora específica, a acção técnica do G.R. de
Futebol. Mas, no mesmo exemplo outra característica da prática é explícita
através da expressão utilizada “cada dia que passa”, atribuindo uma distinção
diária para uma prática futebolística. Pelo exemplo de Jorge Valdano,
salientamos a necessidade de estudarmos um pouco mais a relevância da
quantidade e da qualidade da prática.
4.2.1.1 Qualidade da Prática…? Quantidade da Prática…?
No processo de formação de um G.R. de Futebol, é consensual que a
prática influência o desenvolvimento e é uma condição não só necessária, mas
fundamental para alcançar o altos níveis de rendimento desportivo.
Num estudo acerca da expertise no xadrez, Simon & Chase (1973)
indicaram que as diferenças entre o nível dos jogadores peritos e os jogadores
menos especializados era atribuída à habilidade para organizar informação,
mais do que a uma capacidade de memória superior. Baseados nesta
descoberta, os autores sugeriram que a variação inter-individual do
desempenho podia ser explicada pela quantidade e qualidade do treino.
Como constatamos na revisão bibliográfica, a quantidade de treino pode
ser explicada de acordo com a “regra dos 10 anos”, um compromisso de 10
anos com altos níveis de treino é a exigência mínima para se alcançar o nível
de perito. Esta regra foi verificada na música (Ericsson, Krampe & Tesch-
Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985), na matemática (Gustin, 1985), na
natação (Kalinowski, 1985), no atletismo (Wallingord, 1975) e no ténis
(Monsaas, 1985).
Num estudo mais recente sobre as modalidades de hóquei e futebol,
Starkes (2000) também dá crédito a esta teoria, confirmando que os jogadores
belgas peritos (do sexo masculino) despendem cerca de 10 000 horas na
prática. Porém, noutro estudo relativo ao hóquei alemão, (Van Rossum, 2000,
in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001) os dados recolhidos
comprovaram que os jogadores alemães não passavam tantas horas a praticar
como os jogadores belgas e, contudo, a equipa alemã acabou bem classificada
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
68 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
nos campeonatos do mundo de 1990 e 1994, e no campeonato europeu de
1995; venceu o torneio pré-olímpico de 1996 e ganhou o título olímpico um ano
mais tarde (enquanto a Bélgica nem sequer ficou classificada para os Jogos
Olímpicos de 1996); em 1998 a equipa alemã venceu o prestigiado “Champions
Trophee”, tornando-se a primeira equipa da história a conseguir os três títulos
internacionais mais concorridos.
Deste modo, parece inevitável concluir que o número mágico de 10 000
horas de prática não pôde ser aplicado ao hóquei alemão e,
consequentemente, pode-se concluir que a relação entre horas acumuladas de
prática e a expertise deverá ser questionada sempre que se faça uma
investigação neste campo. Assim, parece evidente que, se os jogadores
alemães atingiram desempenhos qualitativos superiores com menos horas de
prática, isso deve-se à qualidade da prática, mais do que à quantidade de
horas passadas a treinar.
Pelos estudos mais recentes efectuados fora do âmbito da influência da
prática no desenvolvimento do G.R. de Futebol, podemos constatar que a
qualidade da prática exerce maior influência do que a quantidade de prática.
Pelo nosso estudo, a relação entre as horas acumuladas de prática e a
expertise é questionada, na medida que nenhum dos entrevistados pensa que
um G.R. de Futebol que treine um maior número de horas semanais tem
maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que
treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada
sessão. Quando foi colocada esta suposição a Hugo Oliveira, este foi claro na
sua opinião e descritivo relativamente à sua posição: “concordo que mais
importante que a quantidade é importante a qualidade. Às vezes podemos
estar a trabalhar pouco e trabalhar bem, do que trabalhar muito e estar a
trabalhar mal. Acho que não se deve trabalhar muito porque o importante é
trabalhar com altos níveis de concentração para fazer as tomadas de decisão
certas e adequadas, trabalhar muito vamos perder esse nível de concentração.
Pouco mas bom, é na minha opinião o trabalho de G.R., curto e intenso”.
Jorge Silva com a mesma linha de pensamento, possibilitamos um
entendimento funcional desta questão: “acho que neste caso o número de
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
69 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
horas não influência o desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito,
com qualidade. Com a mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com
qualidade é mais importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.”
Na recolha bibliográfica, Voser e colaboradores (2006) são os únicos
autores com uma ideia mais concreta na abordagem deste tema. Para estes
autores, a prática do G.R. de Futebol deve ser conduzida de forma a
proporcionar treinos “especiais” para o G.R., o que não significa excesso,
quantidade de treino, mas sim qualidade. Neste sentido, tal como verificamos
anteriormente, entendemos a qualidade da prática do G.R. de Futebol como
sendo uma condutora da especificidade dos comportamentos do G.R. em jogo.
Estes comportamentos revelam as características que distinguem os G.R. de
alto nível dos demais, logo uma prática de qualidade para influenciar o
desenvolvimento de um G.R. de Futebol perito deve estimular a tomada de
decisão para a realização de acções táctico-técnicas específicas e ser
conduzida de forma a garantir elevados níveis de concentração do executante.
“Só o movimento intencional é educativo” (Frade, 1985 cit. Freitas,
2005), para uma aprendizagem significativa do G.R. de Futebol, para além da
sistematização da prática, é importante que o G.R. seja o autor da intenção na
realização dos comportamentos para intensificar a qualidade da prática
deliberada.
4.2.2 Contributo para chegar a um nível superior... talento inato
ou experiência adquirida?
“O preconceito diz que ao guarda-redes deve-se pedir experiência” (Sampaio, 2008, p.23).
Diversos estudos (Bouchard, 1997; Baker, Horton, Robertson-Wilson &
Wall, 2001), realizados no âmbito do desporto, comprovaram que, quando os
peritos e os não peritos são distinguidos pelo domínio específico e habilidades
de processamento de informação, estas diferenças de perícia são melhor
explicadas pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
70 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Bouchard (1997, in Baker, Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001),
alega que a lógica por trás desta posição é que, enquanto certas
características gerais têm sido associadas ao talento genético, o refinamento
destas características dentro das habilidades específicas do domínio
(reconhecimento de modelos, pensamento estratégico) acontece apenas após
vários anos de treino intenso. Para além disso, não existem provas científicas
capazes de explicar a existência de um gene que predispõe um atleta para um
processamento de informação superior que só se manifesta num domínio (no
futebol, por exemplo).
No nosso estudo a questão colocada inicialmente não é consensual
entre os entrevistados e levanta questões fora do âmbito do talento inato e/ ou
da experiência adquirida, quando, Paulo Santos refere a «oportunidade» como
um contributo importante para se formar perito.
Para além de todos os entrevistados considerarem a prática um aspecto
fundamental para o desenvolvimento, como observamos anteriormente,
relativamente à experiência adquirida ou ao talento inato surgem dúvidas
relativas ao contributo destes aspectos para o G.R. de Futebol alcançar o nível
superior. Pela lógica de raciocínio, os entrevistados ao considerarem a prática
fundamental para o desenvolvimento do G.R., parecia evidenciar que a
experiencia adquirida poderia também ser considerada o contributo para
chegar a um nível superior, mas não. Paulo Santos e Tó Ferreira são claros ao
considerar que a experiencia adquirida é o contributo para chegar a um nível
superior, mas Jorge Silva e Hugo Oliveira consideram ambas condições
necessárias.
Segundo Paulo Santos, o G.R. para alcançar o nível superior tem de ter
uma formação adequada e “a experiência que vai adquirindo ao longo da vida,
através da prática, é fundamental para chegar a um nível superior”. Na mesma
linha de pensamento, Tó Ferreira pensa que ninguém nasce com talento,
“ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa experiência com o
tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho. Por exemplo, vou
falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair, não sabia chutar
uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas. Com o tempo e
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
71 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os treinadores de
G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu desenvolvimento. Hoje com
37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O Jorge, que é o meu treinador de
G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar colmata-lo. Com o tempo vamos
assimilando o trabalho e adquirir a experiência necessária”.
Por outro lado, Jorge Silva e Hugo Oliveira têm uma opinião
diferente dos outros dois entrevistados. Hugo Oliveira é da opinião que o G.R.
de Futebol é “um misto”, para alcançar o nível superior tem de adquirir
experiência, mas nasce predisposto com talento para o ser. “Tem que se
nascer para ser G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver escola para
ser G.R., por isso eu sou da opinião que tentar juntar as duas coisas é o mais
aceitável, mais produtivo” (Hugo Oliveira).
Hugo Oliveira, revela a influência de um talento inato para alcançar um
nível superior de desempenho, na medida que, tem que se nascer para ser
G.R. mas não vale de nada ter talento se não tiver prática deliberada para ser
G.R. de Futebol. Todavia, no seguimento da entrevista, menciona o treino
como um constrangimento mais importante do que a genética.
Jorge Silva completa a ideia ao referir que já nasce “alguma coisa que
diferencia os G.R. de alto nível e o resto tem de ser trabalhado”. A noção de
distinção de um G.R. de alto nível pelas particularidades inatas que possui,
configurada por Jorge Silva, pode ser interpretada para perceber algumas
características patentes num jovem G.R. de Futebol importantes para o
desenvolvimento da expertise. No entendimento de Jorge Silva, as
características inatas podem constituir-se importantes factores para a selecção
de um jovem G.R. de Futebol.
Neste sentido, Jorge Silva e Hugo Oliveira decifraram como
características específicas desse talento inato, aspectos fisiológicos e
psicológicos, como tal, esta opinião não se mostra totalmente válida porque na
revisão da literatura percebemos que o domínio fisiológico é determinado pela
prática de treino e não pelo talento inato. Já os aspectos psicológicos, pela
revisão de literatura concluímos que podem ser influenciados e estar inerentes
ao processo de treino, mas para determinar o padrão psicológico do G.R. de
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
72 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Futebol perito, compreendemos a existência de importantes características
intrínsecas no G.R. de Futebol perito, como por exemplo, a dedicação,
humildade, vontade de aprender, personalidade e a perseverança (Voser et al.,
2006).
Ultrapassando a superioridade a nível cognitivo adquirida pelos peritos
(a tomada de decisão no G.R. de Futebol perito), Ericsson, Krampe & Tesch-
Romer (1993) vão mais longe ao sugerirem que até as diferenças físicas (à
excepção da altura) entre os indivíduos podem ser explicadas pela prática
prolongada dentro do domínio específico. Neste sentido, as características
inatas relativas ao G.R. de Futebol perito no domínio fisiológico e psicológico
referidas por Hugo Oliveira e Jorge Silva, segundo a explicação de Ericsson,
Krampe & Tesch-Romer (1993), as diferenças de excelência no perito nos
domínios fisiológico e psicológico podem ser explicadas pela prática
prolongada na posição de G.R. de Futebol e só o domínio morfológico,
nomeadamente a altura do G.R., é uma característica inata que pode contribuir
para o talento, para a excelência do G.R. de Futebol.
No Futebol Moderno, esta é uma realidade cruel para a História do
Futebol Nacional, “porque Portugal teve em Bento um ídolo de gerações e Vítor
Baía também não era extraordinariamente alto” (Nunes 2009).
Na actualidade, Vítor Baía não é considerado um ex-guarda-redes
extraordinariamente alto, mas na sua autobiografia revela ter passado pelo
critério de selecção (altura), no seu primeiro contacto com a formação do F.C.
Porto. Uma forma de previsão da estatura adulta para critério de selecção não
tão criteriosa como o conjunto de testes para a previsão da estatura adulta
utilizados na actualidade pelo Sporting, tal como divulgou Jorge Silva na
entrevista realizada.
“Era baixinho… O Costa Soares olhou para mim, mediu-me da cabeça
aos pés, e perguntou-me: «Tu és guarda-redes? O teu pai é alto?» (…) A
minha estatura não impressionava ninguém. Antes pelo contrário. Mas o Costa
Soares, por toda a experiência que tinha, entendeu que eu ia crescer muito, tal
como o meu pai” (Baía, 2005, p.19).
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
73 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Ao reportarmos o panorama internacional, na história da selecção
Mexicana quem não se lembra de Jorge Campos que impressionava pela
agilidade? Tinha 1,75 metros, mas era mais alto que Óscar Pérez (1,72
metros), o seu sucessor. São excepções e sinónimos de espectacularidade que
confirmam juntamente com a tendência do Futebol Moderno, a altura de um
G.R. de Futebol como uma característica considerada na selecção, mas não
pode ser relacionada directamente com a performance de um G.R. de Futebol,
nem o único factor de descriminação de jovens na formação, relativamente à
opção da criança para a posição de G.R.
“Dos titulares na baliza dos grandes, em juniores – Bruno Barros
(Benfica), João Figueiredo (Sporting) e Tiago Maia (FC Porto) -, o portista é o
mais baixo, mas é o que tem maior capacidade técnica. A falta de altura não o
impediu, por exemplo, de ser o melhor em campo frente ao Guimarães”
(Nunes, 2009).
Na actualidade, a altura de um G.R. de Futebol é um contributo para
chegar a um nível superior. “O futebol do século XXI favorece a formação de
guarda-redes mais altos. Há excepções, mas a ideia geral é que um guarda-
redes grande «enche melhor a baliza»” (Nunes, 2009).
Simonton (2001, cit. Barreiros, 2005) reforça que o talento é, acima de
tudo, um processo de desenvolvimento multidisciplinar (integra componentes
físicas, fisiológicas, cognitivas e disposicionais) e multiplicativo. Concebe
talento como qualquer capacidade inata que possibilita ao indivíduo evidenciar
prestações de excelência em qualquer domínio que exija capacidades
especiais e treino. Este autor, defende que o talento emerge pela combinação
múltipla das diferentes componentes e os traços genéticos inatos não se
manifestam todos de uma só vez, mas desenvolvem-se segundo diferentes
trajectórias.
A ideia de que o talento é um processo de desenvolvimento
multidisciplinar e multiplicativo está bem presente nas citações de Hugo
Oliveira: “…o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista fisiológico
e do ponto de vista comportamental. A questão da tomada de decisão e depois
da consequente execução técnica tem a ver com o treino” e Jorge Silva: “A
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
74 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a nível
psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas
características para confrontar algumas situações no jogo, são características
pessoais inatas”.
Porém, todos os entrevistados em consonância com a revisão da
literatura, também consideram que a experiência adquirida influencia na
obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol perito.
Na linha de processamento deste estudo, as opiniões dos quatro
entrevistados parecem complementares, visto que a experiência adquirida é
um contributo indispensável para alcançar o rendimento superior nos G.R. de
Futebol, condição referida por todos os entrevistados. A relevância das
características inatas, nomeadamente a estatura referida por Jorge Silva e
Paulo Santos, é um importante factor de selecção do jovem G.R. perito. “Os
guarda-redes mais altos estão a ganhar tanto espaço no futebol que a estatura
é cada vez mais um critério decisivo para a selecção” (Nunes, 2009).
Compreendemos a selecção como um processo de apuramento das
características de excelência reveladas pelo indivíduo, sendo que estas
características no G.R. de Futebol perito podem ter origem genética (altura) ou
na prática (tomada de decisão, concentração). Na opinião de Paulo Santos
“ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter gosto em ser G.R. e
estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as experiências da
prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior”.
4.2.2.1 Uma ordem de importância para os constrangimentos:
genética, treino, ambiente/envolvimento.
Nos depoimentos recolhidos encontramos diferentes convicções sobre o
contributo da experiência adquirida e, ou, do talento inato para a aquisição de
um desempenho superior na arte de G.R. de Futebol.
Convicto da complexidade do processo de formação, a ordem dos
constrangimentos não caracteriza linearmente o desenvolvimento do perito e
concretamente as causas residuais do seu sucesso, mas sim, ajuda-nos a
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
75 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
compreender a influência desses constrangimentos para dinamizar e detectar
um G.R. de Futebol perito.
Para Hugo Oliveira é difícil criar uma ordem de importância entre o
treino, a genética e o ambiente/envolvimento, porque todos os
constrangimentos têm de estar em sintonia. Nesse sentido, pensa que o
desenvolvimento do G.R. de futebol é fruto da experiência adquirida pela
prática, como também é resultado do talento inato. Contudo, deixa-nos a
perceber que o treino é o constrangimento mais importante ao responder desta
forma à pergunta sobre uma ordem de importância: “acho que o treino é
importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética”.
Tó Ferreira e Paulo Santos são inequívocos ao revelar a importância do
factor treino no que respeita ao impacto que pode ter no desenvolvimento de
um G.R. de Futebol perito. Patenteiam a opinião constante durante toda a
entrevista e descrevem a mesma ordem de importância dos constrangimentos
(treino, ambiente/envolvimento, genética) do que Hugo Oliveira.
Três entrevistados têm a mesma opinião sobre a importância superior do
treino para o desenvolvimento de um perito, tal como Bouchard, 1997; Baker,
Horton, Robertson-Wilson & Wall, 2001, revelaram nos seus estudos que o
domínio específico e as habilidades de processamento de informação são
melhor explicados pelo treino intenso, mais do que pelas habilidades inatas.
Só Jorge Silva expõe uma opinião diferente, salienta a genética como
sendo mais importante do que o treino e o ambiente/envolvimento.
Estamos a falar da importância de características originadas pelos genes
para o desenvolvimento do G.R. de Futebol perito e para Jorge Silva no futebol
moderno é bastante importante.
Expõe-nos um exemplo sobre a selecção de G.R. para a formação: “têm
dois G.R.: um tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro
tecnicamente menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a
estrutura de 1,80m entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque
o menos bom tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler
ao anterior, o outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting
fazem testes para a previsão da altura” (Jorge Silva).
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
76 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
As previsões da estatura na idade adulta ou considerar um G.R. com
1,84 metros (altura do ex-guarda-redes Vítor Baía) baixo para alcançar a
performance superior, pode negar G.R. excepcionais e condicionar a formação
de um potencial perito. Neste sentido, para Baía (2005), o trabalho de formação
é uma aposta, requer muita paciência e inteligência também. Isto, porque o
mesmo indica na sua autobiografia que a sua estatura baixa foi sempre um
problema durante a formação até aos iniciados, porque só nos juvenis é que
ocorreu o seu salto pubertário e cresceu consideravelmente. Por isso, é que a
formação requer muita paciência, porque se não esperassem pelo crescimento
do Vítor Baía no escalão de juvenis, poderíamos ter perdido um dos ídolos das
balizas Nacionais e Internacionais durante a década de 90 até 2007.
Tal como vimos anteriormente, a estatura, ou a previsão da mesma,
revela-se um importante factor de selecção para determinar o potencial de um
G.R. de Futebol jovem no Futebol Moderno, para quem idêntica a necessidade
de uma estatura considerada elevada para obter uma melhor performance.
Assim, parece-nos que o treino, nomeadamente a qualidade e a
quantidade, tem inequívoca relevância no desenvolvimento da performance
superior num G.R. de Futebol, porém não podemos isolar a importância de um
constrangimento em detrimento de outro, mas sim considerar e reconhecer a
importância da estatura para o G.R., como também do ambiente/envolvimento.
4.2.3 Nas sessões de treino... condicionar as experiências em
função de estímulos muito específicos, ou para
proporcionar o maior número de experiências possíveis?
“O êxito do guarda-redes não se mede somente por um trabalho bem feito, mas também,
principalmente, pela ausência de erros” (Hodgson, s/d).
Para este efeito, segundo Sainz de Baranda (2003) deve-se planear
sessões com um grande volume de tarefas com grande quantidade de
estímulos que melhorem os processos de percepção e de tomada de decisão,
principalmente estímulos semelhantes ao da própria competição, incluindo a
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
77 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
necessidade de integrar a formação biológica, teórica, psicológica e física
dentro das sessões de treino.
Tal como Sainz de Baranda (2003), todos os entrevistados consideram
que as sessões de treino devem proporcionar o maior número de experiências
possíveis.
Para Hugo Oliveira, temos de “preparar os planos de treino para uma
forma global trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica,
mais abrangente possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no
jogo perante situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre
acertada”.
Segundo Jorge Silva, “uma sessão de treino deve proporcionar um maior
número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias
situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só
condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o
jogo tem uma variabilidade enorme”.
Para a formação de um G.R. de Futebol, a qualidade da prática é um
contributo indispensável, assim sendo, uma prática de qualidade parece reunir
um maior número de experiências, a globalidade dos domínios da performance
do G.R. de Futebol numa sessão de treino.
Contudo, um maior número de experiências possíveis não deve ser
sinónimo de exagerada quantidade de prática em cada sessão, na medida que
segundo Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), as secções de treino
devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar
que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática,
caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por
esta teoria.
Pela análise das entrevistas realizadas, observamos que os nossos
entrevistados reúnem a mesma opinião.
Mediante o entendimento de Paulo Santos, “o G.R. treina em
intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas vezes
com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e não é
capaz de recuperar até à próxima sessão”.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
78 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Segundo Tó Ferreira, para além das sessões de treino perspectivarem
um maior número de experienciais, outro aspecto importante no treino é as
repetições e a intensidade. “O treino de G.R. não é «carne para canhão», não é
para rebentar. Devemos trabalhar na máxima intensidade, mas também na
nossa máxima lucidez, não é fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o
máximo ou massacrar sem intervalos de recuperação” (Tó Ferreira).
Hugo Oliveira incide sobre este aspecto referindo: “não se deve trabalhar
muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de concentração para
fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar muito vamos
perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha opinião o
trabalho de G.R., curto e intenso”.
Ao expressar esta opinião, Hugo Oliveira perspectiva a qualidade da
prática no sentido de desenvolver as características que distinguem um G.R.
de Futebol perito, de acordo com a discussão deste trabalho. Assim, a prática
de qualidade será congruente com o crescimento da performance superior do
G.R. de Futebol perito.
Neste sentido, o respeito pela recuperação que Ericsson, Krampe &
Tesch-Romer (1993) nos expõe, em consonância com Hugo Oliveira evidência
não só a preocupação com a recuperação física do G.R. de Futebol, mas
principalmente com a recuperação ao nível psicológico, porque no
entendimento de todos os entrevistados os atributos mentais são mais
importantes do que os atributos físicos e a performance física é influenciada
pela performance mental do G.R. de Futebol.
Na teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer
(1993), somente as actividades que exigem esforço e concentração por parte
do sujeito contribuem efectivamente, para o aumento do seu nível de
desempenho.
Contudo, as convicções dos entrevistados permitiram concluir que a
concentração é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste
sentido, percebemos que a concentração é muito mais importante que o
esforço e, deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
79 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
com concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior,
não se verificando o mesmo no que respeita ao esforço dispendido na prática.
“É muito mais importante a questão mental do que a questão física,
porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não
estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico” (Hugo
Oliveira).
“É simples, se tivermos bem fisicamente e mal mentalmente não
conseguimos ter o melhor rendimento, porque a nossa cabeça comanda o
corpo, podemos não estar concentrado no aspecto mais importante” Tó
Ferreira).
Para o bem-estar mental do G.R. de Futebol, os nossos entrevistados
consideram importante a estabilidade emocional, o gosto pela prática, o bom
ambiente familiar e o envolvimento social. Consideramos estes aspectos como
factores que podem influenciar o perito no seu desempenho para alcançar ou
não o nível superior, porém este aspecto será uma extensão do tema deste
trabalho, o qual é considerado, mas não pretendemos desenvolver.
4.2.4 Observação e identificação com um Ídolo, constitui factor
de aprendizagem complementar às sessões de treino
convencionais?
“Na minha juventude tinha algumas referências, aqueles guarda-redes que estavam no top na
altura. O Fonseca, o Bento, o Damas, que teve um trajecto muito idêntico ao meu. Mas
naquelas brincadeiras eu fazia mais de Bento.” (Baía, 2005, p.25).
Tani (2001) refere que cada vez mais os conhecimentos vão para além
daqueles baseados na tradição.
No rendimento superior, segundo Frade (2007), a arte e ciência
misturam-se, toda a dinâmica do jogo não pode ser só submetida aos olhos da
ciência. Necessita da integração de conhecimentos práticos produzidos pela
experiência.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
80 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Para além dos conhecimentos práticos produzidos pela experiência,
queremos confirmar se a observação atenta de um indivíduo perito (G.R. de
Futebol perito, ídolo) por um jovem durante o processo de formação, se poderá
ser um complemento importante à aprendizagem pela experiência prática nas
sessões de treino.
“A maior parte do comportamento humano é aprendida pela observação
através da modelagem: pela observação dos outros, uma pessoa forma a ideia
de como os novos comportamentos são executados e, em situações
posteriores, a informação codificada serve como um guia para a acção."
(Bandura, 1977, p. 22).
Com base na teoria da aprendizagem por modelação de Bandura (1977)
e da convicção de todos os nossos entrevistados, sustentamos a efectiva
aprendizagem por observação atenta de um G.R. de Futebol que se constitua
ídolo para o jovem G.R. em formação.
Hugo Oliveira refere que é uma aprendizagem complementar às sessões
de treino fundamental. “Nos meus planos de treino com a formação, os G.R.
são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de observação
dele mesmo.” (Hugo Oliveira).
O actual treinador de G.R. da Selecção Nacional reconhece no corrente
panorama do Futebol Nacional a falta de um G.R. que se constitua um ídolo
para as gerações mais novas. Regista essa falta como uma das razões porque
se tem vindo a perder o número de miúdos em Portugal para serem guarda-
redes. “O facto do Vítor Baía ter deixado de jogar e durante muitos anos foi ele
o ídolo de muitos miúdos que queriam ser G.R., se pararmos agora para
pensar, todos querem ser o Cristiano Ronaldo ou o Messi, ou o Drogba e se
perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles querem ser, dizem que querem
ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não temos esses ídolos. Se
existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a quererem ser G.R.” (Hugo
Oliveira).
Jorge Silva acrescenta que este aspecto também “pode ser importante
para criar estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência
e não devemos de ter vergonha de o fazer”.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
81 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Paulo Santos enriquece a nossa discussão com um exemplo verídico
deste aspecto, “eu conheço um «miúdo», o Afonso, G.R. da formação do
Feirense, num jogo dos seniores, quando eu entro em campo ele não sai da
minha beira e de trás do G.R. para ver como é que o G.R. trabalha”.
Tó Ferreira menciona que a observação de um ídolo é importante
quando é transportada para o treino e tentam imitar. O mesmo revela o seu
ídolo, “eu gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco
mais, uns 40 anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu
posicionamento em campo, a maneira como defende, a sua postura”.
Mas, qual o benefício complementar desta aprendizagem em relação a
uma sessão de prática tradicional?
O treino de G.R. de Futebol visa a optimização da performance nos
quatro domínios, táctico, técnico, psicológico e físico.
Neste sentido, a observação atenta de um ídolo proporciona a
visualização do desempenho desse perito no domínio táctico e técnico, uma
possível aprendizagem por imitação das habilidades específicas do G.R. e dos
comportamentos.
“A habilidade é uma capacidade individual adquirida, sendo portanto
pessoal” (Tani, 2001, p.160). Assim, é difícil transmiti-la a outra pessoa, pois
carece de objectividade. Para transmitir as habilidades e os comportamentos é
necessário transforma-los em algo objectivo (palavras) e isso não é uma tarefa
vulgar.
A dificuldade na transmissão está em como expressar de forma
objectiva, transformando a habilidade em informações verbalizadas.
Segundo Tani (2001) a prática de uma habilidade compreende dois tipos
de conhecimento: declarativo (refere-se ao que fazer e, portanto, é de fácil
verbalização; o procedimental (são as instruções para a realização de uma
série de operações as quais não estão disponíveis para introspecção
consciente).
Nas sessões práticas só assim as habilidades serão passíveis de serem
transmitidas, isto é, transformadas de algo pessoal para impessoal.
Obviamente, essa tarefa não é fácil e para além dos conhecimentos acerca dos
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
82 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
mecanismos e dos processos envolvidos na execução e aprendizagem de
habilidades motoras, a observação atenta de jogos de um G.R. que se
constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante,
complementar às sessões de treino convencionais.
4.3 Etapas de formação do guarda-redes de Futebol
“A formação do jogador é uma história interminável” (Van Gaal, 1996:19).
Parece contraditório citar Van Gaal quando este referiu que a formação
do jogador de futebol é interminável num tema que pretende discutir etapas de
formação do G.R. de Futebol. Mas, é em concordância com o tema que
indagamos pela ideia da formação do G.R. de Futebol ser contínua e
inacabada. Para alcançar a excelência num domínio específico, a qualidade e a
quantidade de horas diárias de prática nesse domínio parecem ser uma
condição necessária. Assim, após alcançar a excelência, a manutenção desse
patamar de performance regista-se pela ideia de Van Gaal, uma formação
diária interminável.
Portanto, para perspectivar a formação do jovem futebolista com vista à
performance superior, segundo Añó (1997, cit. Brasil, 2004) o treino é
absolutamente necessário nos jovens e deve estar de acordo com as faixas
etárias dos mesmos, isto é, o treino com jovens deve ser generalizado e
multidisciplinar de forma a maximizar as aprendizagens motoras resultantes.
“Temos de adaptar o jogo e o treino às características mentais e físicas
dos miúdos. De dois em dois anos, a complexidade deve crescer,
acompanhando o crescimento das funções cerebrais... a pressa de fazer
craques faz perder vários talentos” (Wein, 2005: 4).
A adaptação das práticas deve estar presente no processo de formação
desde o momento que iniciam a prática do Futebol, até atingirem um nível
superior e segundo Pacheco (2002), os jovens futebolistas devem passar por
um processo de formação coerente em que haja uma progressão da
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
83 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
aprendizagem distribuída por diferentes etapas, com objectivos, estratégias e
conteúdos adequados às suas diferentes fases de desenvolvimento.
Neste sentido, foi pertinente questionar os nossos entrevistados sobre
as etapas do processo de formação do G.R. de Futebol e parece necessário
perceber os pontos de opinião comum e de discórdia, como também discutir as
propostas de formação encontradas na bibliografia.
O processo que constitui etapas de formação concebe um momento que
inicia a especialização no domínio específico da arte de G.R. de Futebol.
Assim, a primeira dúvida surge na identificação da idade, ou fase óptima para
iniciar a prática de G.R. de Futebol. Segundo Sainz de Baranda et al. (2003), é
evidente que o maior tempo dedicado a uma prática, maior probabilidade de
obter resultados positivos no processo de ensino-aprendizagem. Se o
desempenho dos indivíduos se avalia em função da quantidade da prática
deliberada acumulada desde que iniciaram a prática deliberada num domínio,
então a idade com que se inicia a prática é uma condição determinante do nível
de perícia. Nos estudos relativos à prática deliberada em diversos domínios de
expertise, surgiu a ideia da existência de uma relação directa entre o tempo de
treino acumulado e o desenvolvimento de um desempenho superior, está
patente na “regra dos 10 anos” referida para várias áreas por autores como
Ericsson, Krampe & Tesch-Romer, 1993; Hayes, 1981; Sosniak, 1985. Na
eventualidade de aplicar esta regra ao nosso estudo, a idade óptima para
iniciar a especialização do G.R. de Futebol, seria os 8 anos de idade (inicio dos
quadros competitivos coordenados pelas associações distritais no âmbito
nacional), na medida que o último escalão de formação termina com os 18
anos de idade, o momento de transição do escalão de júnior para o de sénior.
Hugo Oliveira discorre nesta linha de pensamento, idealiza os 8 anos
como a idade adequada para começar a especializar.
Jorge Silva é um pouco mais amplo, refere o intervalo etário entre os 8 e
os 10 anos.
Paulo Santos indica as idades de 10/ 11 anos e Tó Ferreira refere os 13
anos de idade.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
84 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Pela revisão efectuada, Voser et al. (2006) indicam a faixa etária entre
os 9 e os 11 anos de idade como sendo apropriada para começar a primeira
etapa de formação do G.R. de Futebol. Vigil (2008) indica os 10 anos de idade
para iniciar a especialização no domínio específico de G.R. de Futebol.
Reunidos estes dados, extraímos que a idade apropriada para iniciar a
especialização é delimitada pela maioria dos entrevistados no escalão de
formação «Escolas», entre os 8 e os 10 anos de idade.
Somente Tó Ferreira indicou uma idade mais avançada, os 13 anos de
idade como sendo a fase da formação de um G.R. mais adequada para iniciar
o treino específico. Porém, com base na literatura parece-nos uma idade
demasiado tardia para iniciar a especialização.
A partir de uma idade mais adequada para iniciar a formação específica
de um G.R. de Futebol, interessa-nos perceber como é que se desenvolve
esse processo e quais as etapas que podem-se constituir.
Todos os entrevistados diferenciaram três etapas distintas no processo
de formação do G.R. de Futebol após a idade de especialização, enquanto,
pela revisão bibliográfica efectuada, Capuano (2002), Voser et al. (2006) e Vigil
(2008) descrevem quatro etapas no processo de formação do G.R. de Futebol.
Hugo Oliveira diferencia três etapas consoante o entendimento da
existência de três tipos de treino distintos: treino para crianças (8-11 anos),
treino para jovens (a partir dos 12 anos) e treino para seniores.
Jorge Silva distingue três etapas de formação (Escolas; Iniciados e
Juniores) onde evidência a necessidade de uma progressão na aprendizagem
de conteúdos específicos complementares. Para o ex-guarda-redes de futebol,
as faixas etárias de infantis e juvenis são fases transitórias, os conteúdos e as
características são intermédias relativamente às fases anteriores e posteriores.
Paulo Santos também dividiu três etapas distintas (Infantis;
Iniciados/Juvenis e Juniores/Seniores) para a especialização do G.R de
Futebol. Porém, adequa a especialização a partir dos 10-11 anos de idade
(Infantis) e caracteriza a etapa de formação Júnior - Sénior como fundamental,
revelando a importância de uma adequação no processo de formação entre o
final do Futebol de Formação e o Futebol Profissional.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
85 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Tó Ferreira determina as etapas: Iniciado; Juvenil/Júnior e Sénior, para a
especialização do treino de G.R. de Futebol.
Além das três etapas distintas do treino específico do G.R. de Futebol
segundo os nossos entrevistados, Paulo Santos e Tó Ferreira referem a
utilidade de uma fase anterior à especialização. Para Paulo Santos esta fase
de pré-especialização deverá decorrer antes dos 10 anos de idade e para Tó
Ferreira deverá ser maior, entre as faixas etárias de Escolas e Infantis.
“Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve passar
pela experiência de jogador” (Paulo Santos).
“Nos infantis e escolas devemos brincar com eles…”, “Nos escalões
mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se querem ser G.R., porque
passados uns tempos já querem ser avançados. Acho que devem ter tempo
para escolher, para saberem o que é que querem” (Tó Ferreira).
Voser et al. (2006) idealizam uma etapa anterior à especialização, dos 6
aos 9 anos, na qual as crianças devem experimentar várias posições e também
outras modalidades desportivas sempre que possível, para depois, iniciarem a
exercitação de movimentos específicos da posição de guarda-redes. Segundo
os mesmos autores, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto
melhor quanto melhores tenham sido as vivências motoras da criança dos 6
aos 9 anos, mais especificamente com relação aos movimentos naturais
(andar, correr, saltitar, etc.).
Este entendimento também pode ser relevante ao nível da
sustentabilidade da prática e do interesse da criança pela mesma prática
deliberada, visto que, Côté, Baker & Abernethy (2003, in Ericsson & Starkes,
2003) acrescentam que um ambiente de brincadeira durante os primeiros anos
de envolvimento de uma criança no desporto podem explicar a aprendizagem
precoce e a motivação excepcional dos atletas peritos, porque parece levar a
uma subsequente aprendizagem e ao envolvimento na prática deliberada.
Porém, todos os entrevistados ao agruparem o desenvolvimento do
processo em três etapas distintas, também identificam potenciais fases
transitórias entres as etapas. Identificam fases transitórias entre as etapas
descritas pelo facto de considerarem características diferentes no
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
86 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
desenvolvimento dos jovens em todos os domínios (fisiológico, maturacional,
psicológico, habilidades técnicas, percepção táctica) e também pela eventual
necessidade de antecipar o processo consoante o rendimento específico do
G.R.. Neste sentido, entendemos que as etapas descritas pelos entrevistados
podem ser fraccionadas, de forma a diminuir a amplitude etária contida em
várias etapas relatadas e considerar efectivamente as fases transitórias para
formar etapas concretas com conteúdos específicos ajustados às necessidades
de aprendizagem e do ensino do jogo. Tal como citamos anteriormente Wein
(2005), a complexidade deve crescer de dois em dois anos, acompanhando o
crescimento das funções cerebrais. Da mesma forma que observamos a
transferência desta ideia de Wein (2005), em concordância com os intervalos
etários registados na etapas de formação estabelecidas por Voser et al. (2006)
e Vigil (2008). Vigil (2008) organiza as suas etapas de formação em intervalos
etários de dois em dois anos (10 anos; 11-12 anos; 13-14 anos; 15-16 anos),
com excepção da primeira etapa (10 anos). Voser et al. (2006) constitui
intervalos etários de três em três anos para as suas etapas de formação, 9-11;
11-14; 14-18; 18-21, mas podem-se entender os 11, os 14 e os 18 anos, como
idades transitórias e assim as etapas são constituídas por intervalos de dois em
dois anos.
Mais do que a minuciosidade de estratificar etapas de dois em dois anos
consoante a interpretação dos autores revistos, interessa-nos contrapor as
etapas descritas pelos entrevistados e sugerir um maior rigor na distribuição da
aprendizagem efectiva no processo de formação de etapas para o
desenvolvimento do G.R. de Futebol.
4.3.1 Relação entre a qualidade e quantidade nas etapas de
formação do guarda-redes de Futebol
“Não se treina com a qualidade desejada nas camadas jovens e isso é outro dos factores a ter
em conta. Como há um trabalho irregular, as deficiências vêm ao de cima quando os atletas
chegam aos seniores” (Oliveira, 2007).
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
87 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Tal como discutimos anteriormente, os entrevistados consideram que é
necessária uma prática de qualidade para se atingir a expertise, algo que a
teoria da prática deliberada de Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993)
também defende. Já no que respeita à importância da quantidade de horas de
prática que a mesma teoria considera essencial, aparentemente, as respostas
dos entrevistados não se apresentam completamente de acordo, dado que
privilegiam a qualidade, em detrimento da quantidade.
Ao perceber a importância de uma prática de qualidade na divisão por
etapas do processo de formação do G.R. de Futebol para se constituir perito,
interessa-nos perceber se a relação entre a qualidade e quantidade nas
diferentes etapas é igual ou difere, através das características da prática
deliberada reveladas pelos entrevistados.
Segundo Jorge Silva, durante as etapas de formação a relação entre a
qualidade e a quantidade de prática não é sempre igual. Para o ex-guarda-
redes profissional e actual treinador de G.R. da U.D. Oliveirense, nas primeiras
etapas de formação a quantidade não pode ser minimizada, refere que nestes
escalões competitivos (escolas, infantis) a frequência de horas semanais de
prática poderia ser maior, na medida que a realidade nos clubes nacionais,
estes escalões treinam 2 ou 3 vezes por semana. Porém, Jorge Silva foi mais
abrangente ao caracterizar a quantidade de prática nestas etapas de formação,
ao acentuar a quantidade de prática ao nível das repetições de exercitação,
isto é, oportunidades de prática para aprender. “Temos que perspectivar
sempre a quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para
conseguir executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a
oportunidade para aprender a acção, durante um treino e durante várias
sessões de treino” (Jorge Silva).
Para Jorge Silva e Tó Ferreira a qualidade de prática nas etapas de
formação deve estar sempre presente, porém mencionam que a mesma
qualidade deve ser crescente, acompanhando a evolução da formação do G.R.
até sénior. Para ambos os entrevistados, nos escalões de iniciados, juvenis e
juniores tem de existir muita qualidade. Assim, nestes escalões revelam uma
importância superior da qualidade de prática em detrimento da quantidade.
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
88 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Pelo contrário, Paulo Santos não aponta diferenças na relação em a
qualidade e a quantidade de prática nas diferentes etapas de formação
reconhecidas pelo mesmo. Para o treinador de G.R. do C.D. Feirense, a
qualidade da prática é essencial e se trabalharmos sempre com qualidade
estamos a reforçar aquele trabalho diariamente.
Percebendo a importância da prática de qualidade em todas as etapas
de formação do G.R. de Futebol e a possibilidade de perspectivarmos uma
relação crescente dessa prática de qualidade ao percorrer o percurso de
formação até sénior, interessa-nos perceber quais as características que
definem uma prática de qualidade no processo de formação do G.R. de Futebol
perito.
Para Hugo Oliveira a prática de qualidade nas diferentes etapas do
desenvolvimento do G.R. é definida pelas componentes específicas do jogo.
Trabalhando em especificidade consoante as exigências da competição nas
diferentes faixas etárias, existem “idades mais adequadas para ensinar
técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica base ser adquirida no
grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens, sendo que a tomada
de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a partir do 14/15 anos e
partindo para muitos outros patamares divididos entre estes dois grupos,
crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores terem toda a escola do
trabalho de G.R” (Hugo Oliveira).
Todos os autores citados distribuem variados conteúdos da
aprendizagem específica da posição de G.R. de Futebol pelas suas etapas de
desenvolvimento, dando ênfase a uns conteúdos em detrimento de outros
consoante as suas perspectivas do desenvolvimento motor do jovem G.R. de
Futebol.
Neste sentido, todos os entrevistados em sintonia com Voser et al.
(2006) e Vigil (2008), consideram que nas primeiras etapas da formação do
G.R. de Futebol devem ser aprendidos conteúdos preferencialmente técnicos,
pois entendem ser a base para uma aprendizagem sustentada de todos os
domínios da performance. Por esta ordem de ideias, ao enfatizarem a
necessidade da aprendizagem da técnica de G.R. de Futebol nas primeiras
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
89 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
etapas de especialização, estão a direccionar uma maior quantidade de prática
durante o processo de formação, para um domínio da performance que os
mesmos entrevistados não consideram ser o domínio da performance que
reúne as particulares que distinguem um G.R. de Futebol perito. Esta poderá
ser uma contradição no entendimento do desenvolvimento dos conteúdos de
aprendizagem nas etapas de formação em relação a um entendimento da
prática deliberada de qualidade e também em relação ao entendimento das
características que definem um G.R. perito.
Assim, questionamos a definição de uma prática de qualidade nas
primeiras etapas de formação e os conteúdos preferenciais para uma
aprendizagem efectiva dos mesmos.
Como ostentamos na revisão bibliográfica, a qualidade da prática do
G.R. de Futebol é sustentada pela especificidade, sendo que esta centra-se na
procura da adequação dos efeitos do treino e segundo Oliveira (2009), o treino
de G.R. à imagem do jogo, deve ser feito criando situações semelhantes à do
jogo, obrigando o G.R. à tomada de decisão e à realização de perfeitas acções
táctico-técnicas. Segundo o mesmo autor e na continuidade do pensamento
citado, “a concentração também está sempre presente e a ser trabalhada”.
Então, uma prática de qualidade deve ir ao encontro das necessidades
do G.R. em jogo. Estas necessidades do G.R. em jogo relevam a
aprendizagem para todos os domínios da performance do G.R. (técnico,
táctico, psicológico e físico). Em todas as etapas de formação, o jogo evidencia
a necessidade de aprendizagem de todos os domínios da performance do G.R.
de Futebol.
Neste sentido, porquê simplificar a prática nas primeiras etapas de
formação, à aprendizagem do domínio técnico? Quando, neste estudo
percebemos que as características que distinguem o G.R. de Futebol perito são
do domínio táctico e psicológico! Quando mais, estudamos a necessidade de
uma prática deliberada para alcançar a expertise e esta percorre-se pela
qualidade e quantidade dessa prática.
Assim, alcançamos a necessidade de orientar a qualidade da prática nas
primeiras etapas de formação do G.R. de Futebol, não só para privilegiar uma
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
90 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
aprendizagem maioritariamente técnica, mas também para os domínios táctico
e psicológico. Percebemos a utilidade de contextualizar a prática às situações
do jogo, para estimular a tomada de decisão e a concentração através da
variabilidade do jogo, dos referenciais temporais e espaciais dessa situação
jogada. De acordo com Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), através da
modificação contínua das actividades do treino para que sejam exigidos novos
níveis de esforço e concentração, os futuros peritos maximizam as adaptações
cognitivas e psicológicas.
Neste sentido, sendo a qualidade da prática condicionada pela
especificidade, em reciprocidade com Capuano (2002) a preocupação central
nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento
das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a
melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso.
Tani (2001), revela a sua inquietação com este paradigma, a
preocupação com os processos internos como a percepção, tomada de
decisão, programação da resposta e controlo motor, necessita ser
urgentemente incorporada na formação para possibilitar alcançar a excelência.
Também Abernethy, Côté & Baker (2002), num estudo com jogadores
australianos de desportos colectivos, concluíram, baseados em entrevistas,
que a noção de jogo / brincadeira deliberada é a actividade mais importante
para ajudá-las a aprender habilidades básicas do desporto e para manter as
crianças motivadas.
Nesta linha de pensamento, pela revisão efectuada às etapas de
formação de um G.R. de Futebol, só Capuano (2002) demonstra esta
preocupação nas primeiras etapas de formação. Este autor descreve quatro
etapas para a formação do jovem G.R., sendo que, nas duas primeiras etapas
(até aos 12/ 13 anos) o desenvolvimento das situações de jogo e do
pensamento táctico é a preocupação central.
Em sintonia com Capuano (2002), Abernethy, Côté & Baker (2002), Tani
(2001), Ericsson, Krampe & Tesch-Romer (1993), podemos repensar os
objectivos da formação nas primeiras etapas de desenvolvimento em
especificidade do G.R. de Futebol e consequentemente ajustar os conteúdos
Apresentação e discussão do conteúdo das entrevistas
91 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
de aprendizagem dessas etapas, quando sugerem uma prática deliberada
centrada no domínio técnico ou físico, no sentido de privilegiar uma prática
ajustada às situações de jogo, com estímulos à informação, à análise cognitiva
para aprender a decidir e tomar mais vezes a decisão acertada para
desempenhar a acção motora técnica com eficiência.
Conclusões
93 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
5. Conclusões
“Ser guarda-redes é, sem dúvida, ser diferente. No fundo ele é um anti-futebolista” (Hodgson,
s/d).
Na investigação dos temas da revisão da literatura, realçavam poucas
dúvidas sobre o conhecimento pesquisado, em comparação objectiva com a
experiência passada como G.R. de Futebol. Parecia que o conhecimento
estava fechado e a perspectiva de contrapor algum conhecimento pela
incerteza da informação já existente revelava-se diminuta. Porém, ao
avançarmos para o terreno, as entrevistas realizadas interpolaram informação
relevante para a discussão do conhecimento e interpor conclusões fidedignas
para informar acerca da importância da prática deliberada na formação do G.R.
de Futebol perito.
Contudo, é importante referir que as opiniões dos entrevistados nem
sempre estiveram de acordo com as informações da revisão da literatura,
sustentando uma posição diferente da posição de autores mencionados na
revisão bibliográfica em alguns casos, e uma posição idêntica noutros.
Deste modo, a revisão da literatura e as respostas dos entrevistados
constituíram um meio efectivo de concluir que a formação do G.R. de Futebol é
um longo processo que começa a desenvolver-se desde cedo e assenta,
principalmente, na actividade prática em que o indivíduo se empenha.
A qualidade e a quantidade dessa actividade prática parece ter
importância significativa na formação do guarda-redes de futebol perito.
De um modo geral, em consonância com todos os entrevistados e com a
revisão da literatura efectuada, no futebol, o G.R. evidência a expertise, nos
domínios específicos ao nível do desempenho técnico, táctico, físico e
psicológico.
Investigamos quais as características que podem distinguir um G.R. de
Futebol perito dos demais G.R. de Futebol, e concluímos que a tomada de
decisão (domínio táctico) e a concentração (domínio psicológico) são
Conclusões
94 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
características que distinguem os G.R. de Futebol perito e estes domínios
podem constituir-se facilitadores ou impeditivos para o jovem G.R. de Futebol
alcançar a performance superior. Um óptimo rendimento ao nível táctico e
psicológico pode ser um meio facilitador para o G.R. de Futebol se constituir
perito.
Assim, entendemos que um G.R. de Futebol perito é aquele que para
além de exercer controlo dos domínios específicos de acção do G.R. de
Futebol, revela superior performance nos domínios táctico e psicológico.
Outro dos objectivos deste estudo consistia em perceber se os G.R. de
Futebol se tornam peritos por influência genética ou pela qualidade do
processo e da quantidade de horas a que foi submetido ao longo da sua vida.
Na continuidade das conclusões anteriores, foi possível perceber que, para ser
tornar G.R. de Futebol perito não é uma consequência da existência de um
talento geneticamente adquirido, pois a capacidade excepcional que um
indivíduo demonstra numa determinada área, particularmente, G.R. de Futebol,
mais não é do que o resultado do empenho do G.R. na prática para melhorar
extraordinariamente a sua performance, isto é, prática deliberada.
Contudo, nem todos os entrevistados reúnem a mesma opinião em
consenso com a revisão da literatura. Jorge Silva é o único entrevistado que
atribuí maior importância à descendência genética em relação à prática de
treino. Porém, esta opinião não pode ser considerada válida, porque o mesmo
refere que a experiência adquirida pela prática exerce elevada importância na
obtenção do nível superior de desempenho pelo G.R. de Futebol.
Neste estudo, distinguimos a estatura do G.R. como uma qualidade
genética importante no Futebol moderno para a formação de um G.R. perito.
Como vimos, a importância da altura no G.R. é referida pela revisão da
literatura e pelo Jorge Silva, mas, esta qualidade genética também foi referida
por Paulo Santos, mas com inferior relevância em relação à prática deliberada
para a formação do G.R. perito. Na revisão bibliográfica, a altura de um G.R. de
Futebol foi evidenciada como um factor de selecção, sendo que não é
Conclusões
95 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
directamente relacionada com a obtenção da melhor performance nos
domínios específicos da posição.
Assim, a experiência adquirida pela prática deliberada é o contributo
indispensável para alcançar o rendimento superior do G.R. de Futebol, contudo
a relevância da estatura, não pode ser relegada por ser considerada um factor
de selecção do jovem G.R. de Futebol e também por ser uma característica
que identifica o G.R. no Futebol moderno.
No Futebol não podemos ser «generalizadores», temos de considerar as
possibilidades da «excepção à regra», porém, na questão da altura necessária
para um G.R. de Futebol só existe regra se formos extremistas ao interpor um
limite mínimo de altura para ser G.R. e em paralelo ser castrador da
experiência adquirida pela prática deliberada (preponderante para o
desenvolvimento do G.R. perito) ao negar a oportunidade de desenvolvimento
de um G.R. de Futebol perito só pela estatura.
Paralelo ao processo de selecção de jovens G.R. de Futebol surge a
possibilidade do factor altura poder discriminar potenciais peritos, percebemos
e concluímos que a “oportunidade”, referida por Paulo Santos e Tó Ferreira é
uma circunstância que devemos considerar como uma condição inerente ao
processo de formação, externa ao domínio da expertise e pode condicionar o
desenvolvimento do G.R. de Futebol perito, ou a manutenção/ possibilidade de
alcançar a performance no nível superior.
No que respeita à prática, apurou-se, que esta é condição fundamental
para se chegar ao alto nível e, como tal, o desempenho superior dos sujeitos
numa modalidade sustenta-se, na sua maioria, pela experiência adquirida após
vários anos de prática nessas mesmas circunstâncias.
Comparativamente à qualidade e quantidade da prática, as opiniões dos
entrevistados aproximam-se do que preconiza a revisão da literatura. Deste
modo, no que respeita à formação do G.R. de Futebol, consideramos que o
princípio da qualidade é muito mais significativo para melhorar o nível de
desempenho do que a quantidade de horas experimentadas nessa prática.
Conclusões
96 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Comitente com a qualidade da prática, é possível desenvolver a
performance superior realizando actividades agradáveis, do mesmo modo que
é possível fazê-lo com outras menos agradáveis, aliás, consideramos, ainda,
que as actividades agradáveis podem ser mais eficazes pelo facto de
motivarem o G.R. de Futebol, levando-o a efectuá-las com mais empenho.
Assim, para formar um G.R. de Futebol perito, também, parece-nos necessário
inserir o jovem em práticas motivadoras de forma a cultivar a sua motivação
(gosto pelo treino de G.R.) em sintonia com a aprendizagem.
Mediante os nossos entrevistados, a motivação do G.R. de Futebol
necessária para alcançar desempenhos superiores é sustentada pela
construção de pequenos objectivos para alcançar com regularidade nas
sessões de treino e pela paixão/gosto de praticar. Na opinião de Jorge Silva e
Hugo Oliveira, a paixão/gosto de praticar, é uma das características intrínsecas
da personalidade do G.R. de Futebol perito que têm origem pessoal,
constituem a motivação intrínseca necessária para a prática e justifica a ideia
que algo nasce com o G.R. de Futebol para este se tornar perito em conjunto
com a experiência adquirida pela prática.
A motivação constitui uma influência muito significativa no percurso
desportivo dos G.R. de Futebol, não apenas durante a sua carreira, mas
mesmo antes de se envolverem seriamente no desporto. Assim sendo,
percebemos que é difícil alcançar a performance superior e a sustentabilidade
da mesma é um percurso árduo, também suportado na motivação pela prática.
As convicções dos entrevistados permitiram concluir que a concentração
é um factor que distingue os G.R. de Futebol peritos, e neste sentido,
percebemos que a concentração é muito mais importante que o esforço e,
deste modo, consideramos que as actividades práticas realizadas com
concentração conduzem realmente o G.R. de Futebol a um nível superior de
desempenho, e percebemos que é uma condição necessária nas sessões de
prática específicas para o G.R. de Futebol.
Congruente com a opinião dos nossos entrevistados, uma prática de
qualidade deve conduzir sessões de treino para o G.R. de Futebol, com o
Conclusões
97 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
intuito de proporcionar o maior número de experiências possíveis, a
complexidade do jogo e a especificidade de todos os domínios da performance
do G.R. de Futebol, consoante os objectivos da sessão de treino. Contudo, um
maior número de experiências possíveis não deve ser sinónimo de exagerada
quantidade de prática em cada sessão, na medida que as secções de treino
devem ser limitadas e a recuperação deve ser respeitada de modo a assegurar
que o indivíduo possui resistência física e mental para se concentrar na prática,
caso contrário, a prática não leva aos tipos de desempenho estabelecidos por
esta teoria.
Em consonância com o objectivo que preconizava distinguir os aspectos
que caracterizam uma prática de qualidade para a formação do G.R. de
Futebol perito, neste sentido, concluímos que essa prática de qualidade é uma
fonte de motivação, a concentração é mais importante do que o esforço
dispendido e proporciona o maior número de experiências possíveis em
especificidade relativa a todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.
A par do objectivo referido, além da aprendizagem efectiva pela prática
deliberada, concluímos que a observação e a identificação com um ídolo (G.R.
de Futebol perito) do jovem G.R. de Futebol, constituí um factor de
aprendizagem complementar às sessões de treino convencionais.
No caso concreto do desporto, nomeadamente, o Futebol, o percurso
desportivo de um G.R. de Futebol perito não acontece simplesmente por se
empenhar ao longo de vários anos em actividades que aumentam o seu nível
do seu desempenho. É necessário considerar aspectos como a qualidade da
prática, a motivação para um longo percurso desportivo e o
ambiente/envolvimento familiar e sociocultural.
Outro dos aspectos deste estudo consistia em analisar as etapas de
formação do G.R. de Futebol.
Mediante a revisão da literatura, este processo inicia a especialização da
criança na prática de G.R. de Futebol. Procuramos perceber qual a idade ou
intervalo etário mais adequado para iniciar a primeira etapa da especialização e
Conclusões
98 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
enquadramos o inicio deste processo entre o intervalo etário dos 8 aos 10 anos
de idade, no escalão de formação «Escolas». No nosso entender, a
especialização do G.R. de Futebol só se justifica no momento a partir do qual
há competição, também, é um argumento para a primeira etapa da
especialização estar enquadrada no escalão de formação «Escolas».
Contudo, percebemos que o processo de formação do G.R. de Futebol
pode começar antes da especialização. A existência de uma etapa anterior à
especialização, possibilita à criança experimentar várias posições num
ambiente de brincadeira, pode explicar a aprendizagem precoce e a motivação
excepcional das crianças para desempenhar uma posição tão específica e
assim, a primeira etapa da especialização do G.R. será tanto melhor quanto
melhores tenham sido as vivências motoras anteriores da criança.
Consideramos o processo de formação do G.R. de Futebol perito com
cinco etapas de formação, uma etapa anterior à especialização e depois de
iniciar a especialização determinamos 4 etapas para o desenvolvimento do
G.R. de Futebol: 8-10 anos; 11-12 anos; 13-15 anos; 16-18 anos. Em sintonia
com os autores da revisão bibliográfica distinguimos 4 etapas complementares
para o desenvolvimento específico e progressivo da arte de G.R. de Futebol.
Porém, em relação aos conteúdos específicos a privilegiar em cada etapa a
nossa preocupação centra-se em responder às necessidades do jogo. Em
todas as etapas da formação, o jogo evidência a necessidade de aprendizagem
de todos os domínios da performance do G.R. de Futebol.
A maioria dos autores (revisão bibliográfica) e todos os entrevistados
indicaram conteúdos maioritariamente técnicos para centralizar a
aprendizagem efectiva nas duas primeiras etapas de formação. No seguimento
do estudo não podemos estar de acordo com essa opinião. Concluímos que o
domínio táctico, nomeadamente o desempenho cognitivo (a tomada de
decisão), distingue os G.R. de Futebol peritos. Assim, a preocupação central
nas primeiras etapas de formação deve estar orientada para o desenvolvimento
das situações de jogo e do pensamento táctico. Para, desta forma, adequar a
melhor decisão e realizar acções táctico-técnicas específicas com sucesso.
Conclusões
99 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Neste sentido, visionamos a configuração do treino para promover uma
mudança de paradigma em relação à compreensão das acções do G.R. em
jogo e da sua aprendizagem, daquele centrado no domínio das competências
físicas, para aquele centrado em informação, controlo e decisão dessa
informação, habilidades motoras e requisitos fisiológicos da acção motora. Com
isto, não queremos dizer que a exercitação centrada na acção motora técnica
do G.R. deve ser desprezada, não entendemos que seja o princípio
fundamental, mas sim as acções táctico-técnicas nas primeiras etapas da
formação, a exercitação técnica está subjacente a uma decisão táctica que
programará a acção técnica a realizar com critério.
Considerações Finais
101 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
6. Considerações Finais
A realização deste estudo foi projectada para dissuadir as incertezas que
nos interrogavam e levantavam a pertinência deste estudo. Porém, o
esclarecimento das questões apontadas suscita a reflexão de outras tantas
questões complementares ao tema deste estudo mas impossíveis de tratar em
simultâneo.
Sob a mesma perspectiva deste trabalho, seria interessante realizar um
trabalho idêntico, mas com mais entrevistas a G.R. de Futebol com experiência
de nível superior, também mais entrevistas a treinadores de G.R. e introduzir
um grupo de entrevistas a G.R. de Futebol que não alcançaram a designação
de peritos.
Noutra perspectiva para um trabalho, existe a possibilidade de estudar
as metodologias de treino do G.R. de Futebol e as metodologias aplicadas nas
diferentes etapas de desenvolvimento do G.R. de Futebol. Isto, porque na
revisão da literatura e nas entrevistas realizadas, verificamos que alguns
especialistas alegavam que a evolução na metodologia de treino, passa pela
realização de práticas de treino individualizadas consoante as necessidades
particulares do G.R. de Futebol.
Outra perspectiva para realizar um estudo complementar ao efectuado,
consiste em validar uma proposta metodológica para o treino de G.R. de
Futebol nas diferentes etapas de formação, com situações práticas de treino
mediante os objectivos determinados para o desenvolvimento em cada etapa.
Neste estudo, aferimos que o domínio psicológico tem uma
preponderante influência na performance do G.R. de Futebol e pode
condicionar o desempenho do G.R. nos restantes domínios da performance.
Neste sentido, talvez seja pertinente estudar o perfil psicológico do G.R. de
Futebol perito.
Hugo Oliveira deixa a sua opinião na entrevista “na minha opinião os
miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais paixão para ser G.R.,
porque querem ser diferentes dos outros”.
Considerações Finais
102 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Talvez seja importante considerar esta opinião… é necessário muita
determinação para querer ser o anti-herói numa história de um jogo de futebol
que se resume pelo objectivo de marcar golo. Também, pela solidão que vive o
G.R. durante o jogo, como Freitas Lobo (s/d) refere “é o jogador solitário”, não
tem companheiros de posição em campo, só um sector defensivo próximo no
auxílio da sua missão, mas, por vezes até esse sector permanece muito tempo
distante.
Entendemos que poderá ficar em aberto um estudo do padrão
psicológico do G.R. de Futebol perito, com o intuito de compreender as
características psicológicas influenciadas pela prática deliberada e, se verifica-
se a existência de preponderantes qualidades psicológicas intrínsecas no G.R.
de Futebol para este se constituir como perito.
“…ninguém duvida que um técnico de guarda-redes tem algo mais para
ensinar, para estar mais atento, para manter a motivação de quem defende e
de quem está de fora. Pedi ao FC Porto que contratasse um treinador de
guarda-redes (…) veio a tempo de continuarmos aquelas conversas e ensinou-
me ainda muito” (Baía, 2005, p.33).
A prática de qualidade durante o percurso de formação do G.R. de
Futebol é preponderante para este se constituir perito. Assim, é inquestionável
a necessidade de ter técnicos de G.R. com formação específica, para conduzir
práticas de qualidade na formação.
Ao olhar para o panorama nacional, o fluxo emigratório de G.R.
internacionais para os nossos campeonatos de futebol e a falta de uma
referência nacional idolatrada nas balizas, as «queixas de insuficientes G.R.
com qualidade», são justificadas pela reduzida formação de treinadores de
G.R. de Futebol, a insuficiência de qualidade nas práticas de treino, o reduzido
número de treinadores de G.R. e também pela incompreensão da necessidade
de técnicos especializados no treino de G.R. por parte dos dirigentes das
Associações de Futebol Distrital e dos clubes, ao nível da equidade revelada
na selecção de técnicos principais de qualidade e técnicos de G.R. de Futebol
também com o mesmo critério.
Considerações Finais
103 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
Na actualidade nacional, com vista ao progresso seria importante criar
uma associação de treinadores de G.R. de Futebol, a qual apoiaria a formação
específica, a investigação na área, a publicação de trabalhos para difundir o
conhecimento e prestigiar a arte do G.R. de Futebol com um projecto
sustentado, para a finalidade de formar G.R. de Futebol para o panorama
nacional e no futuro alcançar o top internacional. Temos o Cristiano Ronaldo a
prestigiar os jogadores nacionais ao ser considerado o melhor jogador mundial
e a permanecer na disputa dessa honrosa posição, porém desde que o Vítor
Baía abandonou os relvados, não temos um G.R. nacional entre os melhores
do mundo, e para já, pela actualidade não me parece que projectamos algum
G.R. num futuro próximo para ser considerado perito ao mais alto nível
mundial.
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105 Importância da prática deliberada na formação do Guarda-Redes de Futebol Perito
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Anexo 1
XXI
8. Anexos
Anexo 1:
Entrevista a Hugo Oliveira
(Clube Cultural e Desportivo, Porto, 5 de Junho 2009)
(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o
distinguem dos demais?
(H.O.) Um G.R. de alto nível é o G.R que domina a técnica base do G.R em
toda a sua plenitude, ou seja, desde o ponto de vista técnico, físico, táctico e
psicológico. Mas aquilo que na minha opinião faz a definição de ser um G.R. de
alto nível para um G.R. que não é de alto nível, tem haver com aquilo que eu
chamo a tomada de decisão, ou seja, a execução de uma determinada vertente
técnica com uma tomada de uma decisão táctica, isto sendo dentro de um jogo
em que os níveis psicológicos são de alta intensidade. Alto nível implica jogar
sobre grande pressão e tomar decisões certas com acções técnicas correctas.
(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível
superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que
contribui para chegar a um nível superior?
(H.O.) Acho que... nem sou 100% da certeza que se nasce nem que se faz. O
G.R. terá de ser um misto. Tem que se nascer para ser G.R. mas não vale de
nada ter talento se não tiver escola para ser G.R., por isso eu sou da opinião
que tentar juntar as duas coisas é o mais aceitável, mais produtivo.
(P.S.) - ... para chegar à tomada de decisão mais adequada em jogo, será
mais importante o treino ou o talento inato?
(H.O.) – Não... o talento inato tem a ver com questões do ponto de vista
fisiológico e do ponto de vista comportamental, na minha opinião. A questão da
tomada de decisão e depois da consequente execução técnica tem a ver com o
treino. Completamente com a escola do ponto de vista técnico e também
táctico.
Anexo 1
XXII
(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de
um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de
alguém um G.R. talentoso?
(H.O.) – É muito grande. A influência é tamanha, só o treino e o treino com
qualidade é que levam à evolução do G.R.
(P.S. – entendendo a prática com sendo o treino e o jogo).
(H.O.) – Sendo que no G.R. mais do que num elemento de campo dos outros
dez do jogo de futebol, o jogo ainda é mais importante para o G.R.. Porque por
muito que se treine adequado às situações de jogo a tomada de decisão sob a
pressão de um jogo é muito mais intensa do que no treino.
(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser
planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,
ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos
muito específicos?
(H.O.) – Não. Acho que é importante criar o maior número de experiências
possíveis de encontro ao objectivo planeado para aquele plano de treino, ou
seja, não podemos num plano de treino querer capacitar o G.R. de muita
informação, mas temos que preparar os planos de treino para uma forma global
trabalhar todas as vertentes do jogo de uma forma específica, mais abrangente
possível dando-lhe experiências muito diferentes para que no jogo perante
situações de jogo diferentes a tomada de decisão seja sempre acertada.
(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser
mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o
começar a especializar?
(H.O) – Eu acho que... a partir das escolas, do escalão de formação escola já
se pode começar a especializar, (P.S. – 8 anos de idade), exactamente. Mas
sou da opinião, que até ao escalão de infantis não faz mal a nenhum jovem
experimentar todas as posições do campo. Se calhar sou um bocado contra
algumas ideias pré-definidas.
Anexo 1
XXIII
(P.S.) – Isto porque hoje em dia o G.R. entra em jogo não só para defender,
mas também para construir...
(H.O.) – Certo. O G.R. moderno é um G.R. com capacidades e exigências do
ponto de vista defensivo mas também do ponto de vista ofensivo. Ainda ontem,
por exemplo (Acção de formação prática para treino do guarda-redes de futebol
– Porto), nós aqui fizemos a acção sobre o trabalho ofensivo e é importante
que um G.R. na execução de um exercício de posse de bola perceba como é
que os laterais pensam, os defesas centrais pensam, para dar seguimento ao
jogo. Daí, o facto de experimentar outras posições, especialmente quando se é
mais novo e têm que se adquirir vivências, experimentar outras posições do
campo é importante.
(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação
que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas
fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino
lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual
do G.R.?
(H.O.) – Eu divido em três etapas: treino para crianças; treino para jovens;
treino para seniores. Tendo em conta que o treino para jovens começa a ser
mais intenso se nós percebermos que estamos a trabalhar para um G.R. que
vai ser de elite, se for do ponto de vista lúdico e se estamos a pensar que é
apenas entretenimento continua a ser de uma forma mais vulgar, mais banal.
Se pensarmos que estamos a trabalhar para um G.R. de elite, no trabalho para
jovens começamos a chegar a patamares já muito semelhantes aos dos treinos
para seniores.
(P.S.) – Qual a idade que define para começar o treino para jovens?
(H.O.) – A partir dos 12 anos começamos a trabalhar a especificidade do
trabalho de G.R. de uma forma diferente do que é feita até aos 12 anos para
projectar um G.R. de elite.
(P.S.) – E nessas fases, de que forma as diferenças entre a
qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o
desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?
Anexo 1
XXIV
(H.O.) – Mais que a quantidade, eu diferencio o treino nas determinadas idades
para as componentes específicas do jogo, ou seja, eu acho que há idades mais
adequadas para ensinar técnicas próprias do trabalho de G.R., desde a técnica
base ser adquirida no grupo de crianças e na primeira fase do grupo de jovens,
sendo que a tomada de decisão e a leitura táctica pode começar a chegar a
partir do 14/15 anos e partindo para muitos outros patamares divididos entre
estes dois grupos, crianças e jovens, para quando chegarem aos seniores
terem toda a escola do trabalho de G.R.
(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural
relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,
para alcançar o sucesso de nível superior?
(H.O.) – Funciona tremendamente, porque cada vez mais a pressão em casa é
cada vez mais para que os miúdos sejam jogadores profissionais de futebol. Eu
acho que agora todos os pais querem ter o Cristiano Ronaldo em casa e isso
tem influenciado o trabalho de G.R. por duas formas: primeiro, os pais são os
primeiros a não querer G.R. em casa, todos querem jogadores de campo;
segundo, a pressão que colocam para o «não erro» limita do ponto de vista
psicológico o treino e o jogo dos jovens G.R.
(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para
alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de
prática a que se expõe?
(H.O.) – Através da paixão. Eu acho que quando respondemos à questão se
um G.R. nasce ou faz-se, que é a conclusão que se quer chegar, eu penso que
é preciso as duas coisas, mas mais que tudo é preciso uma paixão muito
grande pela posição de G.R.. Porque eu sou da opinião que o G.R. no futebol é
o «anti-herói» e tem que se ter uma paixão muito grande para se fazer uma
carreira de G.R. de futebol. Tem que ser diferente dos demais para ser G.R..
Na minha opinião os miúdos que têm mais ego são aqueles que tem mais
paixão para ser G.R., porque querem ser diferentes dos outros.
Anexo 1
XXV
(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil
para um G.R. permanecer aí? Porque razão?
(H.O.) – Não, não acho que seja difícil, acho que é importante ser bem
aconselhado e ser estabilizado principalmente do ponto de vista psicológico e
aí influenciam muitas coisas desde a estabilidade familiar até à estabilidade
profissional, desde os clubes até aos patamares onde possa jogar. Agora, acho
que é mais difícil chegar ao nível superior do que se manter lá, no trabalho de
G.R.!
(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas
semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,
do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com
menos horas em cada sessão?
(H.O.) – Não, não concordo. Concordo que mais importante que a quantidade é
importante a qualidade. Às vezes podemos estar a trabalhar pouco e trabalhar
bem, do que trabalhar muito e estar a trabalhar mal. Acho que não se deve
trabalhar muito porque o importante é trabalhar com altos níveis de
concentração para fazer as tomadas de decisão certas e adequadas, trabalhar
muito vamos perder esse nível de concentração. Pouco mas bom, é na minha
opinião o trabalho de G.R., curto e intenso.
(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o
sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),
apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?
(H.O.) – Eu faço de várias maneiras. Através da criação de objectivos pré-
definidos para uma época de trabalho, através da auto-análise dos jogos e dos
treinos e através da avaliação feita com outros instrumentos, como o vídeo. O
Importante é criar sempre objectivos, para que os objectivos sejam
ultrapassados e a motivação vêm daí, tentar criar uma estabilidade para passar
patamares, para criar o objectivo seguinte e é assim que se faz uma carreira,
uma vida.
Anexo 1
XXVI
(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído
significativamente?
(H.O.) – Acho que fora de Portugal sim, em Portugal não.
(P.S.) – Nessa evolução fora de Portugal, que características distintas
reconhece nessa evolução?
(H.O.) – Cada vez mais um treino sistémico e adequado às situações reais de
jogo. Cada vez mais se deixa de trabalhar o G.R. numa «ilha», à parte como se
trabalhava antigamente e se procura trabalhar o G.R. como um elemento da
equipa porque ele é um elemento da equipa. Não há equipas com 10
jogadores, só há equipas com 11!
(P.S.) – E quais são os entraves em Portugal?
(H.O.) – Os entraves... na minha opinião a falta de formação para os
treinadores de G.R. e a falta de «importância» que o Futebol Português dá ao
G.R. e ao treinador de G.R., a aposta que não existe. Penso que é o parente
mais pobre do Futebol Português. Nós andamos a lutar para que isso mude!
(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a
constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),
como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao
impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol
talentoso?
(H.O.) – Acho que são todos importantes, na minha opinião. É difícil criar uma
ordem porque os três têm de estar em sintonia. Por importância, acho que o
treino é importante e a seguir o ambiente/envolvimento e depois a genética.
(P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao
respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?
(H.O.) – Acho muito mais importante a questão mental do que a questão física,
porque podemos estar fisicamente muito capazes mas se mentalmente não
estivermos bem, nunca vamos agir bem, até do ponto de vista físico. Porque a
mente controla o corpo.
(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?
Anexo 1
XXVII
(H.O.) – Acho que é «meio meio».
(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma
posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua
identificação com um modelo, com um ídolo?
(H.O.) – Sim. É mesmo isso, eu acho que essa é uma das razões porque se
tem vindo a perder número de miúdos em Portugal para ser G.R., porque
temos vindo a perder ídolos na baliza. O facto do Vítor Baía ter deixado de
jogar e durante muitos anos foi ele o ídolo de muitos miúdos que queriam ser
G.R., se pararmos agora para pensar, todos querem ser o Cristiano Ronaldo ou
o Messi, ou o Drogba e se perguntarem aos G.R. Portugueses quem eles
querem ser, dizem que querem ser o Peter Cech, o Buffon e em Portugal não
temos esses ídolos. Se existissem ídolos e modelos havia mais miúdos a
quererem ser G.R.
(P.S.) – Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um
G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem
importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as
sessões de treino convencionais?
(H.O.) – Acho que é fundamental. Nos meus planos de treino com a formação,
os G.R. são obrigados a seguir o G.R. da equipa sénior e a fazer planos de
observação dele mesmo.
Anexo 2
XXVIII
Anexo 2:
Entrevista a Jorge Silva
(Sala de aula – FADEUP, Porto, 30 de Junho 2009)
(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o
distinguem dos demais?
(J.S.) – Para mim um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que consegue
reunir as capacidades necessárias para a posição e neste caso a tomada de
decisão é importante a todo o nível. Dentro de campo temos que tomar uma
decisão quando há um cruzamento, uma defesa, pois condiciona a acção
técnica. Não adianta ter um G.R. bom tecnicamente, por exemplo, se a tomada
de decisão sempre que vai tomar uma acção é errada.
A tomada de decisão, para mim é fundamental e a qualidade desta
distingue os G.R. medianos dos G.R. de alto nível.
Os G.R. de alto nível decidem melhor. Depois da posição tomada, vêm a
execução técnica, se foi ou não bem realizada, mas o que valeu anteriormente
foi a tomada de decisão relativamente ao lance.
(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível
superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que
contribui para chegar a um nível superior?
(J.S.) – Já nasce com o G.R. alguma coisa que diferencia os G.R. de alto nível
e o resto tem de ser trabalhado (a nível físico, a nível psicológico e a nível
técnico). A nível físico e tecnicamente podemos trabalhar qualquer G.R, mas a
nível psicológico é difícil chegar lá. Podemos trabalhar o G.R., mas algumas
características para confrontar algumas situações no jogo, são características
pessoais inatas.
Por exemplo, no treino podemos trabalhar os aspectos psicológicos do
G.R., mas se no jogo, em situação de stress, não consegue superá-lo,
influencia a sua tomada de decisão e pode estar disposto ao erro.
Anexo 2
XXIX
(P.S.) – Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de
um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de
alguém um G.R. talentoso?
(J.S.) – No treino podes treinar um G.R. ao mais alto nível, mas no jogo ele
pode não corresponder. No jogo o G.R. vai ganhando muito mais confiança,
por mais treinos que eu possa fazer, a confiança que ele vai adquirir é em
situação de stress, em grandes jogos. Tu avalias um G.R. em situação de jogo.
O treino e o jogo são importantes para o desenvolvimento de um G.R. Uma
pessoa sem grande talento pode-se tornar G.R. de alto nível, aí está a
vantagem de ter um bom treinador.
Um miúdo não nasce com as características que falamos anteriormente,
mas podemos trabalhá-lo e com o tempo pode chegar a um bom nível. Se a
pessoa tiver gosto pelo trabalho, força de vontade, espírito de sacrifício.
(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas
suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem
outras condicionantes importantes?
(J.S.) – Sem dúvida, o treino é importante, mas não é tudo.
(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser
planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,
ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos
muito específicos?
(J.S.) – Pela minha experiência, uma sessão de treino deve proporcionar um
maior número de experiências possíveis. Um treino deve proporcionar várias
situações de jogo, a pensar no jogo da equipa. O treino não deve só
condicionar experiências em função de estímulos muito específicos, visto que o
jogo tem uma variabilidade enorme.
Hoje em dia podemos estudar a equipa adversária e pensar o treino já a
pensar na equipa adversária. Portanto, em? que o treino deve ter vários tipos
de experiências, para o G.R. estar sempre á vontade para quando se deparar
com uma situação idêntica em jogo.
Anexo 2
XXX
(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser
mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o
começar a especializar?
(J.S.) – Na minha opinião, começa-se a especializar nas “escolas”, na faixa
etária entre os 8 e os 10 anos. Não é muito exigente, mas tem de existir uma
formação técnica desde jovem, para quando chegar a júnior não existir
deficiências técnicas. É bom chegar aos escalões juvenil e júnior e não centrar
o treino nas acções técnicas para corrigir maus hábitos e assim evoluir noutro
tipo de trabalho necessário.
Nas idades de “escolas” é muito frequente ganharem vícios técnicos
errados e tornam-se hábitos mecânicos, mesmo que não queiram fazer, esses
comportamentos depois aparecem. Por isso, nestas idades é muito importante
trabalhar ao nível técnico e corrigir para não aprenderem erros.
(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação
que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas
fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino
lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual
do G.R.?
(J.S.) – Não existem necessariamente etapas, a formação é um processo
contínuo.
(P.S.) – Bem… mas ao pensar na globalidade do treino, em todas as suas
dimensões, subentendi na pergunta anterior que caracterizaste dois
momentos distintos, numa fase inicial da especialização, nas “escolas”
idealizou um treino mais técnico para depois nas idades juvenil e júnior
pensar noutro tipo de trabalho necessário.
(J.S.) – Pois na fase inicial, por exemplo nas “escolas” é difícil pensar a parte
física do treino, o n.º de séries que deves fazer, a intensidade… é muito
complicado, até pela maturidade dos G.R. e treinos consoante as capacidades
deles. Até iniciados o treino é fundamentalmente técnico., é necessário muitas
repetições técnicas.
Anexo 2
XXXI
Na fase de iniciados, em termos físicos já devemos “puxar” bastante
pelos miúdos. Nos juniores já não devemos incidir tanto (aspectos físicos) e a
parte psicológica é fundamental. A partir dos iniciados deve ter uma base de
treino relativa a aspectos físicos, técnicos e psicológicos.
(P.S.) - Será que posso detectar que as faixas etárias de infantis e juvenis
são um pouco transitórias?
(J.S.) – Sim, são faixas etárias transitórias. Os G.R. devem chegar a júnior com
uma base de formação quase profissional.
(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as
diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que
influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?
(J.S.) – Há muitas diferenças. Por exemplo, no caso da quantidade, nos
escalões de formação mais jovens, temos que perspectivar sempre a
quantidade, se a criança tiver que realizar 5,6,7,8 repetições para conseguir
executar a habilidade, devemos proporcionar muitas vezes a oportunidade para
aprender a acção, durante um treino e durante várias sessões de treino.
Há várias características que definem um G.R. Podes ter 3/4 G.R. muito
diferentes e podemos pensar em sessões de treino, com situações de treino
individualizado, consoante o desenvolvimento do G.R. Aqui é importante a
quantidade de repetições, realizar as situações necessárias, as vezes
necessárias, sabendo que a progressão é lenta.
Enquanto nos escalões de iniciados e juvenis já têm de existir muita
qualidade. Nas situações pode haver um menor número de repetições, mas
têm de haver qualidade.
(P.S.) – Mas nesse caso, pela sua resposta, não estás a desprezar a
quantidade, horas de prática nas etapas mas avançadas da formação, é
muito importante ter várias sessões de treino?
(J.S.) – Sim, neste caso é necessário uma maior quantidade de treino nas
etapas de formação mais avançadas. O desenvolvimento é contínuo e prevê-se
crescente para chegar a integrar o plantel sénior. Se os seniores treinam com
elevados níveis de quantidade e também se quer com qualidade, ao longo da
formação esta relação deve ser crescente.
Anexo 2
XXXII
Repara, nos escalões de formação mais baixos, as crianças treinam
duas a três vezes por semana. Para mim, aqui é que seria necessário treinar
com mais quantidade, os miúdos precisam de mais oportunidades para
aprenderem bem.
(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural
relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,
para alcançar o sucesso de nível superior?
(J.S.) – É importantíssimo, é o suporte de tudo. Dou o exemplo, eu tenho G.R.
com pais muito exigentes, o miúdo tem de dar G.R. Eles chegam a casa e os
pais “dão cabo da cabeça” dos miúdos. Por mais informação que eu transmita
no treino e incentive os pais condicionam muito as expectativas dos miúdos.
Colocam um nível de exigência muito elevado, não toleram o erro e depois é
difícil aprender com esse erro sem deixar marcas no miúdo.
Primeiro é preciso formar homens, transmitir respeito pelo desporto e
todos os seus intervenientes, responsabilidade social para terem carácter e um
suporte para o envolvimento no mundo do futebol. Depois vêm o ensino da
técnica do G.R.
Os pais colocam as crianças num clube de futebol com a expectativa de
serem jogadores de futebol, bons jogadores, e por vezes observa-se que
exigem muito dos filhos. Já vi pais a criticarem os filhos por ter sofrido um
“frango”, com uma postura negativa. Depois o treinador quer dar confiança à
criança e tenta diminuir o valor do erro e não consegue porque o pai criticou o
filho, sem o acarinhar. Por isso que o ambiente familiar e a sociedade onde
está inserido é importantíssimo para alcançar o sucesso de nível superior.
A partir dos iniciados já começamos a ver se o G.R. vai ter um nível
elevado se continuar com as características que o distinguem, carácter, bom
tecnicamente, actualmente nesta excepção podemos intervir e condicionar o
seu ambiente familiar e sócio-cultural, através da integração na academia. O
ambiente familiar, os pais, não deixam de ser importantes, mas aqui pode
encontrar o equilíbrio que necessita para o desenvolvimento.
Anexo 2
XXXIII
(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para
alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de
prática a que se expõe?
(J.S.) – Pela minha experiência, o que eu acho fundamental é o trabalho. É o
gosto pelo treino para se sentir bem. Eu sinto-me vaidoso por aquilo que faço.
Ter sempre um objectivo é outro aspecto importante. Hoje não consegui fazer
aquilo, mas amanhã tenho que conseguir. Isto é um pequeno objectivo, mas
constróis a motivação para o dia-a-dia. É a motivação para o treino, para a
busca da perfeição no treino. Se eu não trabalhar, não me sinto bem,
condiciona-me a nível psicológico. Chego ao jogo e pergunto-me “Será que
estou preparado?”. Se estiver lesionado dois dias da semana, depois os outros
dois dias fico condicionado fisicamente pela paragem, não treinei bem durante
a semana, no máximo das minhas capacidades físicas, chego ao jogo e
questiono-me se estou preparado para enfrentar este jogo.
Ao longo dos anos fui traçando um objectivo, sentir-me bem fisicamente,
dá-me gosto trabalhar, sempre aperfeiçoando. Insto dá-me longevidade para
ter uma carreira estável, uma regularidade mental, um suporte psicológico.
Nem todos os jogos correm bem e se não tens esse suporte psicológico
baseado na tua vontade de trabalhar, podes fragilizar. É uma auto-motivação.
Mas claro que é bom ter alguém que te apoie, que te dê valor, nomeadamente
o treinador e o técnico de G.R., dá-te confiança e oportunidade de mostrares o
teu valor. Faz bem ao ego receber uma “moralzita”! Mas não podemos contar
muito com os outros. A capacidade consciente de auto-análise e traçar
pequenos objectivos para alcançar diariamente, é o suporte para estares
sempre bem mentalmente e motivado.
(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil
para um G.R. permanecer aí? Porque razão?
(J.S.) – É difícil permanecer e chegar ao nível superior. Para chegar lá há
vários factores que condicionam: a sorte, ter oportunidade, são situações que
condicionam nesse sentido. Depois de chegar ao nível superior, manter esse
nível é muito difícil. Aí o G.R. depara-se com situações de muito stress,
Anexo 2
XXXIV
competição entre colegas, dirigentes, treinadores, imprensa e para saber lidar
com estas situações todo o suporte mental é importantíssimo. Tens de ser
sempre melhor e ninguém te precisa de dizer isso, é ser bom profissional.
Pensando no jogo no nível superior, não podes ter um jogo bom e outro
menos bom, e a regularidade é essencial.
Outro aspecto invisível e não menos importante é a alimentação. No alto
nível é um conjunto de vários factores.
É difícil chegar, mas permanecer também, porque se não houver
continuidade no teu trabalho, podes sair do patamar superior, fragilizar e depois
reconquistar o teu mérito pode ser ainda mais complicado.
(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas
semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,
do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com
menos horas em cada sessão?
(J.S.) – Não, acho que neste caso o número de horas não influência o
desempenho. O importante é o trabalho ser bem feito, com qualidade. Com a
mesma frequência semanal, um trabalho de 35min com qualidade é mais
importante do que estar 1h ou mais a “massacrar” o G.R.
(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o
sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),
apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?
(J.S.) – Neste sentido o treinador de G.R. é importantíssimo e nós em Portugal
ainda não estamos muito evoluídos. O Treinador tem que visualizar, rectificar e
ensinar. Isto na análise de um jogo, primeiro deve incentivar uma auto-análise
do G.R. e depois vês se concordas com a análise. O treinador de G.R. tem que
criticar o G.R. com o sentido de rectificar as acções incorrectas, para ambos
(treinador e G.R.) perceber os pontos de vista da análise e chegarem ao
consenso. A auto-análise do G.R. também serve para o treinador compreender
os pensamentos do G.R. em jogo que levaram o mesmo a realizar a
determinada acção. Para esta análise decorrer bem, é necessário o treinador
Anexo 2
XXXV
ter uma relação de confiança com o G.R., uma relação aberta, não pode limitar
o G.R. para delinear as causas que influenciaram a acção e estas serem
transportadas para o treino. É fundamental terem uma relação aberta para
existir feedback entre os dois e as pessoas sentirem-se bem.
(P.S.) – Para lidarem com a crítica e a motivação, pensas que é necessário
ter proximidade com o G.R.?
(J.S.) – Sim, sem dúvida. Por exemplo, no início da época se te apercebes que
o G.R. não lidam bem com uma crítica que tu fizeste, tens de manter a tua
postura de análise para arranjares outra estratégia para chegares próximo do
G.R. e transmitir as causas que queres ensinar, para inibir o determinado erro.
Depende da personalidade de cada pessoa. O G.R. pode entender que estas a
criticar, porque queres o mal dele, existe isso no futebol. Por isso é que a
proximidade da relação entre os G.R. e o treinador de G.R. é fundamental, de
forma que o G.R. sinta que o treinador é um suporte que o ajuda. No treino é
necessário estar constantemente a moralizar, a transmitir feedbacks de
incentivos, para quando o G.R. falhar, sentir que a crítica é para o ajudar a não
voltar a errar.
(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído
significativamente?
(J.S.) – Está melhor. Tem evoluído e constatamos, porque já existe várias
formações em Portugal com qualidade, já vemos o G.R. nas selecções jovens
com muita qualidade e até G.R. a integrar o plantel sénior vindo da formação e
serem titulares, é o exemplo do Rui Patrício no Sporting.
Tem evoluído bastante, mas não o suficiente. Neste momento há clubes
da 2ª liga, liga profissional, que não têm treinador de G.R.
Futebol profissional…. É uma vergonha. Quando falamos de treinador de
G.R. não é alguém que vai ao treino dar uns chutos à baliza. Mas os
treinadores principais, os adeptos, os dirigentes chegam aos jogos e exigem,
sabem criticar. Neste sentido, isto revolta-me. Por exemplo, chegamos ao
estrangeiro e os G.R. nacionais são rotulados de maus a sair fora da baliza, no
jogo aéreo, mas somos nós que transmitimos essa ideia… parece incrível, mas
Anexo 2
XXXVI
é verdade. Somos bons entre os postes, mas dizem que temos medo de sair
debaixo da baliza. Isto vê-se pela nossa comunicação social, pelas
contratações dos nossos clubes…
Eu vejo o futebol Inglês, por exemplo, o G.R. para sair da baliza é muito
complicado. Vês os G.R.’s ingleses no jogo aéreo a jogar só na pequena área,
com excepções de bolas bombeadas, mas isto é táctico, é treinado entre os
restantes jogadores, têm áreas de intervenção definidas. O G.R. tem, por
exemplo, os homens do 1º poste, os defensores de área frontal na zona do
penalty, fora da grande área e assim o G.R. só tem de defender a zona do 2º
poste. Depois nós é que somos fracos a sair fora dos postes… foi criada essa
ideia. É um longo caminho a percorrer, temos evoluído, mas não o suficiente e
a comunicação social tem de acompanhar.
Por exemplo, vês nos jornais e na TV, “a equipa hoje vai jogar no
4/3/3…” isso faz-me confusão, então a equipa só joga com 10?! E aqueles
“gajo” que está lá atrás? O ano passado confrontei o meu treinador com isso.
Ainda não dão a devida importância ao G.R., mas depois é fácil exigir.
O G.R. é específico, é um trabalho totalmente diferente, tem de ter um
treino específico. As pessoas têm que se mentalizar nesse sentido. Já vi serem
capazes de chamar alguém bancada para fazer aquecimento a um G.R. da
formação… de calças de ganga a dar uns chutos à baliza, nem sequer ao G.R.!
Não tem lógica nenhuma!
Voltando atrás, a metodologia tem evoluído pelo que eu vejo, há debates
sobre os G.R., há acções de formação que têm vindo a ser feitas com
qualidade e na formação já vejo pessoas com formação académicas a treinar
os G.R.
(P.S.) – E em relação à realidade nacional e internacional?
(J.S.) – A metodologia no estrangeiro é mais avançada, já aos anos que vêm a
evoluir nesse sentido, que trabalha só a pensar no G.R. Para veres, neste
momento só temos uma pessoa, a nível nacional, com capacidade de dar
cursos de treinador de G.R., estamos a falar de Hugo Oliveira. Por exemplo,
em Espanha têm 6, 7 pessoas capacitadas para o fazer.
Anexo 2
XXXVII
(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a
constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),
como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao
impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol
talentoso?
(J.S.) – No futebol moderno a genética é bastante importante. Por exemplo, há
clubes que na selecção de um G.R. na formação, têm dois G.R.: um
tecnicamente muito bom com 1,70m entre 1,80m e tens outro tecnicamente
menos bom que o anterior (mas claro, não é mau) e com a estrutura de 1,80m
entre 1,90m e o clube opta pelo G.R. mais alto. Isto porque o menos bom
tecnicamente acaba por ser trabalhado para que venha equivaler ao anterior, o
outro não consegue fazê-lo crescer. Por exemplo, no Sporting fazem testes
para a previsão da altura.
(P.S.) – Que tipo de testes?
(J.S.) – Vários, pela previsão relativa à altura dos pais, pela dentição, pela
maturação visível, através dos caracteres secundários, por relações de
medidas antropométricas.
Por exemplo, nós enviamos dois G.R. à academia do Sporting em
Alcochete, um deles com capacidades excepcionais, bom dentro dos postes, a
jogar a bola com os pés, no jogo aéreo, mas era mais baixo do que o outro, o
qual era mais magro e mais alto e menos vistoso tecnicamente. Estamos a
falar de crianças de 12/13 anos, para integrarem o plantel de iniciados.
Nenhum deles ficou na academia, mas o G.R. que agradou foi o mais alto, ao
contrário do que esperávamos. Vemos que a altura é uma condição ideal e
condiciona a selecção. No futebol actual, o G.R. alto tem mais facilidade no
jogo aéreo do que o G.R. mediano. Por exemplo, na situação de 1x1, se o
avançado vê um G.R. alto e bem constituído até remata antes de chegar perto
do G.R., isto é verdade, porque ele vê a baliza mais pequena!
Vi avançados que rematavam antes só para não ter um embate com o
Vítor Baia, até pela imagem criada pelo Vítor, um óptimo G.R. enche a baliza.
Anexo 2
XXXVIII
Voltando à questão, depois da genética, o mais importante é o treino, é
fundamental um treino de qualidade, não falo de quantidade, mas sim de
qualidade para o desenvolvimento do G.R.
Por fim o ambiente/envolvimento, as companhias podem influenciar
positivamente ou negativamente. Por vezes diz-se que os jogadores se casam
mais cedo, acontece porque muitos encontram estabilidade necessária na
família, ganha um suporte de vida mais equilibrada. Outro aspecto que para
mim importante é a alimentação. As pessoas por vezes esquecem-se, mas é
importante ter uma vida saudável nesse sentido.
(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?
(J.S.) – É uma pergunta complicada… eu acho que já nasce qualquer coisa
com a pessoa. Um gosto, um sentimento intuitivo, ou mesmo os atributos
genéticos, condicionam o desenvolvimento, mas também sem trabalho, sem
treino, não é possível formar um G.R.
Eu digo que nasce qualquer coisa com o G.R. porque vemos e
aconteceu isso comigo, vários G.R. não começaram a formação futebolística
na baliza, eram jogadores e passados uns tempos, mesmo a meio do processo
de formação, passaram para a baliza. Acredito que seja algo que nasce com a
pessoa que conduz a isso.
(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma
posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua
identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a
observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo
poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por
imitação), e deste modo complementar as sessões de treino
convencionais?
(J.S.) – Sim, sem dúvida. Muito importante, porque os miúdos imitam.
Começam logo pela maneira de vestir, querem a marca X, igual à do ídolo.
Dou-te o exemplo do Vítor Baia e na actualidade o exemplo do Cristiano
Anexo 2
XXXIX
Ronaldo. Já ouvi treinadores a queixarem-se que ninguém quer ir à baliza,
todos querem ser o Cristiano Ronaldo, porque é a referência nacional. Há uns
anos atrás, o Vítor Baía era um modelo actual e muitos miúdos queriam ser o
Vítor e imitavam-no, compravam camisolas dele e iam para a baliza imitá-lo. Na
actualidade falta-nos uma referência na baliza. O Vítor acabou a carreira e não
há aquele impacto nos miúdos de quererem seguir a posição de G.R. porque
não há um G.R. nacional mediático e o mediatismo está todo centrado no
Cristiano Ronaldo. Este aspecto também pode ser importante para criar
estratégias de motivação, comparando com o ídolo, com a referência e não
devemos de ter vergonha de o fazer.
Anexo 3
XL
Anexo 3:
Entrevista a Tó Ferreira
(Sala de aula – FADEUP, Porto, 9 de Setembro 2009)
(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o
distinguem dos demais?
(Tó) – Não consigo distinguir um G.R. de alto nível, só se for pelas equipas
onde jogam, nas grandes equipas internacionais e nacionais.
(P.S.) – Pensa, por exemplo, em guarda-redes que até tiveram as mesmas
oportunidades de formação, ou no mesmo clube e um conseguiu atingir o
nível superior e o outro não. Quais os aspectos que distinguem esse G.R.
que atinge o alto nível?
(Tó) – Eu conheço G.R. que trabalharam em equipas de topo e hoje estão em
equipas secundárias. Será que o trabalho não foi bom? E também conheço
G.R. que trabalharam em equipas inferiores e hoje estão no nível superior, é o
caso do Quim. Trabalhou sempre num Braga inferior, que actualmente é mais
competitivo. O exemplo do Bruno Vale é o contrário, trabalhou sempre no F.C.
Porto com bons métodos de trabalho e agora está no Belenenses sem jogar.
Não sei o que se passou.
(P.S.) – Pela tua resposta, caracterizaste práticas diferentes de treino e
exemplificaste guarda-redes muito diferentes. Neles consegues distinguir
características que podem ter sido influentes para os seus destinos?
(Tó) – O apoio psicológico também é importante. Acho que se o G.R. tiver bem
psicologicamente é meio caminho percorrido para o sucesso. A tal chamada
vida invisível é importante para estar e chegar ao alto nível. Se um jogador tiver
problemas familiares, ou outros problemas pessoais, reflectem-se no
importante dia-a-dia do futebolista.
(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível
superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que
contribui para chegar a um nível superior?
Anexo 3
XLI
(Tó) – Eu acho que ninguém nasce ensinado, nós vamos adquirindo a nossa
experiência com o tempo, com o trabalho, com a dedicação pelo desempenho.
Por exemplo, vou falar de mim… eu jogava futebol de salão, nem sabia cair,
não sabia chutar uma bola, não sabia agarrar uma bola em condições técnicas.
Com o tempo e o treino com pessoas que apanhei durante a minha carreira, os
treinadores de G.R., fui adquirindo técnica e aperfeiçoando o meu
desenvolvimento. Hoje com 37 anos ainda estou a aprender muita coisa. O
Jorge, que é o meu treinador de G.R. diz-me o erro que cometi e eu vou tentar
colmata-lo. Com o tempo vamos assimilando o trabalho e adquirir a experiência
necessária.
Eu acho que ninguém nasce com talento, como diz aqui na pergunta, a
experiência é que contribui para chegar a um nível superior. Por exemplo, hoje
sinto-me mais experiente, aquilo que fazia há uns anos atrás já não o faço. Se
calhar hoje jogo mais fora da baliza do que há uns anos atrás, jogo mais com a
experiência adquirida. Com a experiência sinto-me mais capaz.
(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de
um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de
alguém um G.R. talentoso?
(Tó) – Dizem que o treino é o espelho do jogo… deve ser e acredito que sim,
mas há jogadores que no treino são uma coisa e no jogo são outra. Eu, por
exemplo, faço coisas no treino que se calhar no jogo não faço. No treino tento
corrigir, por exemplo nos cruzamentos, eu vou a todos e no jogo tenho calma,
penso antes de sair a uma bola, no treino se tiver de falhar, falho, porque o
treino é par corrigir os nossos erros. Há jogadores que dão tudo nos treinos e
depois chegam aos jogos e não aparecem, porquê? Porque será? Estou a falar
na generalidade entre jogadores e também de G.R.. Eu não, antes prefiro
cometer erros nos treinos e nos jogos não os cometer. De certeza que não os
cometo porque uma pessoa vai mais concentrada, é diferente de um treino. O
treino é uma coisa e o jogo é outra. No treino estamos à vontade, não há
pressão, não há competição, é treino só e quando falamos de jogo, é diferente,
requer concentração no máximo das nossas capacidades.
Anexo 3
XLII
Voltando à pergunta, a prática é importantíssima e a qualidade e
quantidade influenciam no desenvolvimento do G.R., com trabalho vamos
conseguir algo. Como eu digo… eu trabalho e com 37 anos ainda quero mais,
quero ir mais longe. O G.R. até aos 40 anos joga fácil! Eu ainda quero jogar
mais 10 anos (riso). Sem lesões e se tiver vontade jogo sempre.
(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas
suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem
outras condicionantes importantes?
(Tó) – Sim, a prática é necessária, mas… por exemplo, nós jogamos juntos na
2ª Divisão B e não tem nada a ver jogar nessa divisão em relação a jogar na
primeira ou segunda Liga. Primeira e segunda Liga são o topo do futebol
nacional e os níveis de rendimento numa 2ª Liga são diferentes dos níveis da
2ª Divisão B. tinha vontade de jogar na 2ª Divisão B, mas se calhar a minha
vontade de jogar na 2ª Liga é diferente, é maior. Porque há mais informação,
há televisão, mais visibilidade e os objectivos são outros. Joguei aqui na 2ª
Divisão B e não vinha aqui um jornalista, agora na 2ª Liga está quase sempre
aqui um e então imagina na 1ª Liga. Digo isto porque joguei na 2ª Divisão B, na
2ª Liga e na 1ª Liga.
(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser
planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,
ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos
muito específicos?
(Tó) – No treino de G.R. tem de ser tudo planeado, não é chegar ali e é dose
diária. Nos dias da semana, acho que à terça-feira e quarta-feira tem de ser
uma intensidade mais alta, quinta-feira média intensidade e a partir de sexta-
feira muito baixa. O desgaste do G.R. é muito elevado, porque as nossas
acções são sempre na intensidade máxima. Por exemplo, esta semana vamos
jogar no sintético, jogo para a Taça, o Jorge esta semana está a incidir no
treino da velocidade de reacção, diferente, não temos trabalhado muito este
aspecto. Os treinos que esta semana estamos a fazer foram pensados para o
sintético, um tipo de treino diferente.
Anexo 3
XLIII
(P.S.) – Generalizando, sem entrar neste tipo de trabalho específico para o
próximo jogo, pensas que o treino deve ser planeado para proporcionar
estímulos muito específicos, por exemplo um trabalho de queda lateral
onde isolas este aspecto sem contextualizar um remate, ou então pensas
que o treino deve proporcionar o maior número de experiências
possíveis, o treino engloba mais áreas do rendimento, a técnica, o físico,
os aspectos tácticos, psicológicos e por exemplo trabalhas a queda
lateral numa situação mais contextualizada ao jogo, com um remate, com
adversários.
(Tó) – Isso é o treino que temos vindo a fazer quase diariamente. O Jorge está
a treinar-nos este ano e está com métodos fantásticos, vai muito na linha do
Hugo e acho muito bem porque se um dia quiser ser treinador de G.R. vou
buscar métodos do Jorge, do Hugo ou teus, estamos sempre a aprender. O
Jorge está a fazer uma coisa muito boa, o G.R. no futebol moderno joga muito
com os pés, não é o meu caso, mas muitos G.R. têm dificuldades, não sabem
jogar com os pés e ele trabalha. São experiências diferentes que eu nunca tive.
Antes era só queda, vai ali e aqui e trabalhar cruzamentos. Acho que o G.R.
tem de jogar e treinar muito os pés, desde sempre e esta é uma experiência
muito boa.
Segundo aquilo que nós falamos acho que o G.R. tem de trabalhar o
maior número de experiências possíveis numa sessão de treino, mas por
exemplo, esta semana o Jorge disse-nos logo que ia ser diferente, porque o
jogo em si vai ser diferente, o piso é outro, não é tão rápido como este, é mais
duro. Hoje de manhã fizemos um treino fantástico, todo a pensar no sintético e
treinamos na relva natural.
Outro aspecto importante no treino é as repetições e a intensidade. O
treino de G.R. não é «carne para canhão», não é para rebentar. Devemos
trabalhar na máxima intensidade, mas também na nossa máxima lucidez, não é
fazer 10 repetições, muitas vezes sem dar o máximo ou massacrar sem
intervalos de recuperação.
Anexo 3
XLIV
(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser
mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o
começar a especializar?
(Tó) – Vou contar-te a experiência que tive no final da época passada quando
me pediram para ir dar uns treinos na formação da Oliveirense. Fui lá poucas
vezes, era mais uma presença para incentivar os miúdos. Cheguei lá e vi um
miúdo com uns 8 anos que tinha uma qualidade…eu olhava para o miúdo e
perguntava-me: será que temos aqui G.R.? Ele era rápido, ágil, via ali coisas
que bem trabalhado podia ir longe. Por isso é que eu digo que não há idade, se
o miúdo tiver qualidade, aquilo que ninguém nasce ensinado, deve começar a
escola, aprende e deve treinar as experiências de G.R..
Por exemplo, eu comecei muito tarde. Sou suspeito a falar sobre mim,
mas eu conheço-me bem, sei os meus erros e as minhas virtudes, por isso eu
acho que se tivesse um pouco mais de escola, se tivesse a tal formação, podia
estar no topo. Eu tive no topo, tive no F.C. Porto, fui campeão do mundo.
(P.S.) – Se tivesses essa tal formação qual era a idade que pensas que
deverias ter começado?
(Tó) – Não sei, mas talvez a partir dos iniciados e seguir juvenis e juniores.
Com o trabalho nestas etapas vamos adquirir coisas importantes e eu não tive
essa formação. Eu comecei quase a jogar nos seniores, tive o último ano de
júnior e passei logo para sénior. A escola de G.R. nunca tive, eu caía mal, não
sabia atacar uma bola, não sabia chutar, com o tempo fui aprendendo a olhar
para os outros. Na altura eu tive um treinador de G.R. que olhava para mim e
dizia “é miúdo deixa estar ali”, o que interessava era os outros guarda-redes.
Depois veio outro treinador e já olhava para mim. Mas antes, pelo treino dos
outros guarda-redes, olhava para eles e corrigia-me e tentava fazer igual. Com
o outro treinador, começou a corrigir-me e aí tive alguma formação.
Acho que a formação do G.R. deve começar cedo, pela fase de
iniciados, no primeiro ano de iniciados e com um bom trabalho, uma pessoa a
orientar para desenvolver a formação do G.R.
Anexo 3
XLV
(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação
que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas
fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino
lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual
do G.R.?
(Tó) – Há etapas de formação. Na fase de juvenil/ júnior é uma etapa
fundamental, porque hoje em dia o futebol nacional e internacional está muito
mais evoluído e nessas idades já se vê alguma qualidade nos guarda-redes. É
importante consolidar a formação para integrar os planteis seniores. Há G.R.
com qualidade na formação e chegam a sénior e não dão nada. São contextos
muito diferentes e não é fácil. Não sei se será a pressão, parece que têm
medo… e não se mostram. Assim, mais um G.R. que se perdeu, até podia ter
qualidade, mas chegou ali, acanhou-se no momento da transição, o clube no
plantel sénior não gostou e fica de fora das opções.
Na transição de júnior para sénior acho que deve haver um treinador que
os apoie, que os deixe trabalhar à vontade e desenvolver no novo contexto. Por
exemplo, aqui no plantel neste momento nós só temos dois G.R., sou eu, o
Marco e o Jorge também está inscrito como G.R., mas como não treina porque
é que eles não mandam vir um miúdo dos juniores para trabalhar connosco.
Vai adaptando-se, conhece novos métodos de trabalho e o ambiente.
(P.S.) – Pelo que entendi, caracterizaste duas etapas importantes, a fase
de juvenil/ júnior e a fase de transição de júnior para sénior. Antes da
idade do escalão de formação juvenil constituis mais algumas etapas de
formação?
(Tó) – Na fase de juvenil/ júnior o trabalho já deve ser exigente, já são
homenzinhos. Nos iniciados é diferente, devem aprender bem e criar bases e
nos infantis e escolas devemos brincar com eles, ensinar como se colocam na
baliza e as bases técnicas, como se agarra a bola, como se cai.
(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, escolas/ infantis,
iniciados, juvenil/ júnior e júnior/ sénior, de que forma as diferenças entre
a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o
desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?
Anexo 3
XLVI
(Tó) – Os trabalhos nos escalões de escolas/ infantis é totalmente diferente dos
trabalhos nos juvenis ou juniores. Em escolas e infantis a quantidade de
trabalho não pode ser muito exagerada, estamos a falar de miúdos que estão a
começar a formação ou começaram há poucos anos. Nos escalões seguintes,
juvenis, juniores e na fase de júnior para sénior tem que ser muito mais
exigente, mais trabalhado, mais quantidade e mais qualidade. Acho que nas
várias etapas a relação é crescente, a qualidade e a quantidade devem
aumentar.
Nos escalões mais baixos são miúdos que por vezes nem sabem se
querem ser G.R., porque passados uns tempos já querem ser avançados. Acho
que devem ter tempo para escolher, para saberem o que é que querem.
Para mim é uma pergunta um bocado complicada porque eu não vivi
estas etapas de formação. Por exemplo, se hoje fosse um miúdo e saber o que
sei, talvez escolheria ser avançado, é uma posição mais grata.
(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural
relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,
para alcançar o sucesso de nível superior?
(Tó) – Eu falo por mim, hoje eu devo muito daquilo que sou à minha família,
principalmente à minha esposa, ela tem um papel fundamental, pois todos os
problemas que trago e passo no futebol é ela que me dá o apoio.
Desempenham mesmo um papel importantíssimo, pois podemos ter muitos
amigos no futebol, mas são as pessoas mais chegadas e próximas de nós que
mais nos ajudam, porque se temos problemas no futebol, não é com os
colegas de equipa que vamos desabafar nem são eles que nos vão ajudar.
Passando agora para o nível sócio-cultural, acho que miúdos que vivem
em meios mais complicados têm de ter muitas capacidades e um meio familiar
muito estável pois condiciona muito o desempenho do jogador e eu tive sorte,
pois sempre vivi num meio familiar e sócio-cultural favorável para me dar o
apoio necessário, pois se uma pessoa não tem estabilidade e apoio, não terá
cabeça para trabalhar.
Anexo 3
XLVII
(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para
alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de
prática a que se expõe?
(Tó) – Trabalho, mostrar dedicação por aquilo que se faz, ter um bom ambiente
de grupo, mesmo jogando ou não jogando, tal como digo aos jogadores, pois
podemos não ter sido convocados, mas devemos continuar a trabalhar. Mas
claro, um jogador para se sentir realmente motivado, tem de jogar e continuar a
trabalhar. Na minha idade, há muita gente que diz “com 37 anos e ainda a
jogar?” eu digo que sim, pois gosto de trabalhar sinto-me motivado e para mim
nesta idade tenho de exigir tanto como se ainda fosse novo.
(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil
para um G.R. permanecer aí? Porque razão?
(Tó) – É muito difícil de chegar a um patamar elevado e quando lá se está, tem
de se ter muita “cabeça”, pois pode-se descer facilmente e isso acontece
quando os jogadores são mais novos, tal como me aconteceu, mas trabalhei e
dediquei-me sempre a isto e consegui estar neste patamar.
Para chegar a um patamar superior é preciso sorte e oportunidade, mas
quando os G.R. lá se encontram, têm de permanecer regulares para não
descerem a um nível inferior.
(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas
semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,
do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com
menos horas em cada sessão?
(Tó) – Eu acho que o treino de G.R. tem de ser planeado, bem pensado e não
é necessário um maior número de horas. Pode ser um treino de 1h mas muito
exigente, por exemplo, já fiz treinos de 30min que equivaleram +/ – a 2h.
Quando deixar a minha carreira, pretendo que o meu próximo objectivo
seja treinar G.R. e aí irei idealizar o treino semanal ou diário, pois os dias da
semana não são todos iguais e isso conta muito, daí se deve
Anexo 3
XLVIII
esquematizar/programar o tipo de treino para dias específicos e só ai,
consoante os objectivos do mesmo, pensar no número de horas.
Um G.R. para chegar a um nível superior, não necessita ter um elevado
número de horas por treino, mas sim, num período razoável, 30min/1h,
acompanhado de boa qualidade, mais bem preparado se encontrará o G.R.,
até porque um excessivo número de horas, pode desgastar fisicamente um
G.R. Estes treinos, como já referi anteriormente, devem mesmo variar de
acordo com o dia da semana, ou seja, às 3ª e 4ª feiras, a intensidade deve ser
elevada e com mais carga, mas a partir de 5ª feira, a intensidade deve baixar.
(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o
sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),
apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?
(Tó) – Eu falo por mim, se um dia vier a ser treinador de G.R., vou tentar
motivar e ensinar sempre os meus atletas e quanto às críticas, estas devem ser
construtivas, pois conheço muitos treinadores que criticam por criticar e isso
não ajuda e relativamente ao G.R., este como está sempre numa situação
complicada, devem ser constantemente motivado ao máximo, mesmo falhando
num jogo. Esta motivação passa por moralizá-lo e é a partir do trabalho que se
minimiza o erro e se tornam as críticas construtivas.
(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído
significativamente? Nessa evolução fora de Portugal, que características
distintas reconhece nessa evolução?
(Tó) – Mudou bastante e tem tendência para melhorar, como a questão dos
pesos e do colete, como já tive oportunidade de experimentar, um peso em
cada perna, mais o colete que acrescenta mais 2kg ao corpo, é óptimo para o
trabalho de força. Para além disto, já treinei com os elásticos de costas
agarrados aos postes, mas agora parece haver umas luzes, mas ainda não sei
bem para que serve nem ainda experimentei. Na minha opinião, acho que
quantos mais instrumentos de treino, melhor, pois as intensidades e qualidades
Anexo 3
XLIX
dos jogos de futebol estão a aumentar, o futebol está cada vez mais exigente e
as metodologias têm de evoluir cada vez mais.
Por exemplo utilizam-se mais instrumentos para auxiliar o treino. Como
raquetes e bolas de ténis para trabalhar a reacção, agilidade e estimular a
percepção da direcção da bola. Outro exemplo, o Jorge foi buscar umas bolas
de plástico, parecem bolas para bebés mas têm tamanho idêntico às bolas
oficiais. O Jorge coloca essas bolas junto das bolas oficiais e de bolas de ténis
para rematar à baliza nesse trabalho específico. O remate da bola oficial é
normal, mas os remates com aquelas bolas mais leves vão com uma direcção
irregular, para trabalhar o reflexo e também remata as bolas de ténis. Ele faz
este treino ao sábado para trabalhar a reacção.
Ao nível internacional, relataram-me que o Manchester United tem uma
metodologia de treino muito boa para o trabalho dos G.R., acho que não fazem
muitos saltos, é tudo à base da velocidade e da reacção, gostava de ver só uns
treinos. Tem lógica porque a velocidade de jogo no futebol actual aumentou.
Outro aspecto que pode ser melhorado na metodologia de treino dos
G.R. é o trabalho de situações de cruzamentos idênticas ao jogo. Nós,
portugueses trabalhamos pouco as situações de cruzamentos, diversas
consoante o jogo. Na actualidade a maior parte dos golos ocorrem em
situações de bola parada, cruzamentos, cantos e livres. Há treinadores que
preferem o seu jogo ofensivo à base de cruzamentos e nós G.R. temos de
estar bem preparados. O Feirense joga muito assim e nunca treinei tantos
cruzamentos como na semana da preparação desse jogo.
(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a
constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),
como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao
impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol
talentoso?
(Tó) – Eu li uma entrevista do Peter Cech, o G.R. do Chelsea, gostei dela que
até a guardei. Ele diz que os bons G.R. não são aqueles que fazem as grandes
defesas, aqueles voos vistosos aos ângulos, isso também fazem os G.R. da
Anexo 3
L
distrital e da terceira divisão. O que é importante é a forma como o G.R. se
coloca para estar sempre no local onde pode intervir bem e os atributos físicos,
a sua capacidade de treino. Por isso é que eu também penso que o treino tem
uma maior importância no desenvolvimento de um G.R. de alto nível. Depois o
ambiente/ envolvimento e por fim a genética.
(P.S.) – E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao
respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?
(Tó) – Os atributos mentais são mais importantes, um G.R. tem de estar
concentrado e só depois os atributos físicos. É simples, se tivermos bem
fisicamente e mal mentalmente não conseguimos ter o melhor rendimento,
porque a nossa cabeça comanda o corpo, podemos não estar concentrado no
aspecto mais importante, o jogo. Por isso é que os treinadores mandam
desligar os telemóveis duas horas antes da competição.
(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?
(Tó) – Faz-se.
(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma
posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua
identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a
observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo
poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por
imitação), e deste modo complementar as sessões de treino
convencionais?
(Tó) – Eu sempre tive um ídolo, uma pessoa que admiro o seu trabalho e hoje
ainda me dou bem com ele, é o Vítor Baía, sempre gostei dele a jogar. Eu
gostava de ser como o Baía e eu tenho 37 anos e ele tem pouco mais, uns 40
anos. Foi sempre um G.R. que eu admirei, desde o seu posicionamento em
campo, a maneira como defende, a sua postura.
Acho que sim, aprende-se a ver defender quem admiramos. Depois
podemos tentar imitar no treino e aplicar o que gostamos de ver no ídolo.
Anexo 3
LI
Actualmente, gosto de ver os jogos do Van der Sar, vejo os jogos do
United com especial atenção nas intervenções do Van der Sar. Ele tem uma
leitura de jogo fantástica. Não sei se referi anteriormente, mas este aspecto
muito importante para ser um G.R. de alto nível, ter uma boa tomada de
decisão e boa visão periférica.
Anexo 4
LII
Anexo 4:
Entrevista a Paulo Santos
(Instalações do Estádio Marcolino de Castro, S.M. Feira, 10 de Setembro 2009)
(P.S.) – O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o
distinguem dos demais?
(Paulo) – Para mim, um guarda-redes (G.R.) de alto nível é aquele que acima
de tudo tem de estar super concentrado, porque a distracção é a «morte do
artista». Pode estar 90 minutos a fazer um grande jogo e ter o azar de poder
fazer mais qualquer coisa numa bola e toda a gente o vai crucificar. Chamo um
G.R. de alto nível àquele que consegue estar concentrado 95 minutos, neste
caso porque há sempre mais uns descontos. A concentração é fundamental.
(P.S.) – A concentração, como característica psicológica, entende que
influencia os restantes níveis de performance do G.R.?
(Paulo) – Sem dúvida.
(P.S.) – Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível
superior ou será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que
contribui para chegar a um nível superior?
(Paulo) – Para alcançar o nível superior, o G.R. tem de ter uma formação
adequada e “fazer vida”. Neste sentido, a experiência que vai adquirindo ao
longo da vida, através da prática, é fundamental para chegar a um nível
superior.
Outro aspecto que para mim é importante é a sorte, uma oportunidade.
Há treinadores que podem não ir com a tua cara e nem te contratar. Ou outro
exemplo, eu acho que o G.R. suplente é melhor que o titular, mas se o
treinador principal não lhe der uma oportunidade, ele não passa de suplente.
Na minha opinião, ninguém nasce com talento para ser G.R., pode ter
gosto em ser G.R. e estatura, sendo estes dois princípios juntamente com as
experiências da prática de G.R., os contributos para alcançar o nível superior.
Anexo 4
LIII
(P.S.) - Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de
um G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de
alguém um G.R. talentoso?
(Paulo) – O melhor treino é o jogo. Por exemplo, num exercício de
cruzamentos, eu estou a cruzar fora da grande área e os G.R. interceptam
todas as bolas. Eu, também sem oposição, se cruzares umas 5 ou 6 bolas
intercepto todas, mas a partir dessas 5 ou 6 repetições começa-me a falhar as
pernas e posso deixar de conseguir interceptar todos os cruzamentos. Porém,
no exercício com os G.R., sem oposição é uma coisa e com defesas e
avançados, a situação é outra, e aí o G.R. tem que ter a melhor leitura da
situação tal como no jogo.
A partir deste exemplo percebemos que a prática interfere no
desenvolvimento de um bom G.R. e há actividades mais enriquecedoras, com
mais qualidade do que outras.
Por isso é que temos G.R. bons fora dos postes e outros G.R.
considerados mais espectaculares dentro dos postes, são aqueles que têm
melhores reflexos. São dois estilos de G.R. diferentes desenvolvidos pelos
tipos de práticas de foram confrontados.
Os G.R. considerados espectaculares dentro dos postes são mais
vistosos, mas eu considero um melhor G.R. aquele que impede o avançado de
cabecear, aquele que consegue ter bom desempenho fora dos postes.
(P.S.) – Considera que a prática é condição não só necessária, mas
suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem
outras condicionantes importantes?
(Paulo) – Poder ser suficiente. Mas também tem que ter um clube que o
consiga por no patamar superior. Porque um bom G.R. se não tiver uma boa
defesa também não é fácil. Dou-te o exemplo do Beto, ele há 3 anos foi
oferecido ao Feirense por 250 contos por mês. Naquela época tínhamos o Rui
Correia, o Marco e o Hélder Godinho, e ele não veio porque já tínhamos os 3
contratados. Foi para o Marco de Canaveses, apanhou o Hugo Oliveira, deu-
lhe confiança, bons treinos e foi para o Leixões. No Leixões, apanhou uma boa
equipa, aquilo que te referi, fez umas boas épocas e hoje está no FC Porto e
Anexo 4
LIV
na nossa selecção. Quando estava no Leixões já foi chamado à selecção, mas
para isso, teve de assinar pelo FC Porto, assinou pelo FC Porto e prometeram-
lhe que era chamado à selecção nacional. Se não tivesse ido para o Leixões
talvez ninguém se lembraria do Beto.
Por isso, digo que é importante ter oportunidade, ter a sorte de alguém
apostar no G.R. para trabalhar bem e ter visibilidade.
(P.S.) – Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser
planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis,
ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos
muito específicos?
(Paulo) – Eu estou sempre dependente do treinador principal, ele é que me vai
dar os princípios de como quer o G.R. Numa semana de jogo, supomos que
treinamos à 2ªfeira de manhã, o G.R. que foi titular integra o trabalho com os
restantes jogadores titulares. Faz a recuperação com a moral em cima se o
jogo correu bem e mesmo que o jogo tenha corrido menos bem para o G.R. faz
a recuperação com os restantes jogadores para se sentir integrado e também
recuperar mentalmente. Depois fico só com dois G.R. e pergunto ao treinador
quanto tempo tenho para trabalhar com eles. Este é um aspecto importante
porque o trabalho não é sempre o mesmo e até por vezes penso que tenho um
determinado tempo e depois efectivamente tenho menos tempo ou até mais.
Neste dia, o meu objectivo é equilibrar as experiências dos três G.R., o
titular teve melhor treino, o jogo, como já disse anteriormente.
Neste sentido, para o trabalho com os outros dois, tenho de pensar nas
exigências do jogo. Primeiro tento estimular a nível físico e com algumas
situações de jogo e depois, normalmente, realizam uma situação de jogo com a
equipa. Assim tento aproximar o treino ao jogo, para depois da folga de 3ªfeira,
os 3 G.R. na 4ªfeira estarem a um nível semelhante.
Há segunda-feira penso em preparar os guarda-redes (que não jogaram)
bem fisicamente. Por exemplo, o treinador principal dá-me meia hora para estar
com os guarda-redes, nesse tempo preparo bem os G.R. fisicamente, em
trabalho específico para este tempo ser semelhante à hora e meia de jogo do
Anexo 4
LV
G.R. titular. Depois o treinador normalmente realiza situações de jogadas e por
exemplo numa «pelada» a meio campo com 7x7 ou 8x8, os guarda-redes
completam o trabalho no sentido de aproximar as experiências ao jogo que o
G.R. titular teve. O próprio jogo dá tudo para os guarda-redes e proporciona
algum ritmo de jogo. Sempre que seja jogo, é o melhor treino que podes fazer.
Numa sessão de treino é importantíssimo proporcionar o maior número
de experiências possíveis.
(P.S.) – Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser
mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o
começar a especializar?
(Paulo) – Primeiro o G.R. ou jogador tem de saber aquilo que quer.
Eu tenho um filho de 7 anos e não é por eu ter sido G.R. que ele tem
que ser ou tem de escolher a posição de G.R. para jogar futebol. Além de que,
o meu filho não pode pensar que eu sou treinador de guarda-redes, que o vou
treinar e ele será bom G.R.. Eu nunca vou influenciar na decisão dele, tem que
ser ele a decidir pelo seu gosto. Com uns 10 ou 11 anos chega a um clube e
começa a treinar, se vir que quer ser G.R. tem de abdicar de muita coisa. Tem
de saber que é o jogador que tem de estar melhor fisicamente. Porque é que
eu digo isto… se um jogador está a 100% o G.R. tem de estar a 200%. E tu
perguntas-me assim… só vai duas ou 3 bolas ao G.R. porque é que ele tem de
estar bem fisicamente! Nem tem de correr muito. Mas só que quando tiver de
correr tem de intervir a 200%, na intensidade máxima, «sai com tudo». Por
exemplo nos cruzamentos, em jogo com os adversários e os colegas temos de
sair determinados, «com tudo», na intensidade máxima, num treino uma
situação de cruzamentos sem oposição serve para refinar movimentos, andar
para a frente, para o lado, ou para trás consoante a decisão tomada mediante a
análise da trajectória da bola.
(P.S.) – Voltando à pergunta, indicou as idades de 10/11 anos adequadas
para começar a especializar?
(Paulo) – Sim, infantis, iniciados, juvenis e juniores, são as idades de
especialização. Antes dos 10/11 anos a criança até deve jogar à frente, deve
Anexo 4
LVI
passar pela experiência de jogador. Eu falo porque tenho um filho de 7 anos e
vejo que o que ele quer é correr, quer jogar. Eu acho bem, porque quando ele
quiser escolher a posição que quer jogar já passou por várias experiências e
sabe decidir qual delas gosta mais.
(P.S.) – Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação
que idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas
fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino
lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual
do G.R.?
(Paulo) – Dividir etapas…
(P.S.) – Pelo que entendi na sua resposta à pergunta anterior, subentendi
duas etapas de formação do G.R., uma antes dos 10/11 anos onde a
criança pode vivenciar variadas experiências e outra depois dos 10/11
anos, na qual entende iniciar-se a especialização do G.R. para a formação
de um G.R. de nível superior. No seguimento desta etapa, consegue
dividir mais fases na formação do G.R.?
(Paulo) – Sim, a fase de iniciados é diferente da anterior, é mais exigente, o
treino deve acompanhar esta evolução. Aqui, eu entendo que é fundamental ter
um bom treinador de G.R.. Um bom treinador de G.R., é uma pessoa que seja
amiga do G.R., não lhe queira fazer golos para ele sentir-se G.R.. Se eu
colocar um miúdo de 12/13 anos na baliza e ponho-me a chutar fora da área a
fazer golos, o G.R. desmotiva, vão desanimados para casa e amanhã ele já
não aparece ao treino. É importante orientar a todos os níveis e incentivar. Os
golos são para os adversários e também acontecem nos treinos com a equipa.
É também importante saber sofrer golos nestas idades, porque vê-se guarda-
redes jovens a baixar a cabeça após sofrer um golo e perder os seus níveis de
estabilidade emocional, a confiança. Por isso, o treinador de G.R. tem de
incentivar porque os golos sofridos ocorrem em várias situações de treino e no
jogo tem de estar preparado para se auto-incentivar, reagindo positivamente.
O treinador de G.R. tem de colocar a bola ao alcance da mão, para
poder ensinar como intervir, como segurar a bola, ou outras acções técnicas.
Anexo 4
LVII
Digo isto, porque já tive G.R. que passaram pelo Feirense, no plantel sénior,
vindos da formação do F.C. Porto e não sabiam «blocar a bola», pareciam que
batiam palmas contra a bola.
Na fase inicial da especialização a base do trabalho é muito técnico e
nos iniciados deve ser contínua e bem consolidada. Nestas fases, educar os
miúdos para a profissionalização também é importante, o saber estar e o saber
cuidar da sua ferramenta de trabalho, as luvas. Saber escolher as luvas e
estimular o hábito de ter as luvas lavadas e em bom estado. É um princípio
para eles, acabar o treino, passar as luvas por água e depois pendura-las para
não chegarem ao treino com as luvas cheias de lama ou pretas da borracha.
São pequenos princípios para quem quer ser alguém, a par do sonho,
muitos ainda sonham ser o Vítor Baía. A técnica de agarrar a bola é um
pequeno princípio, mas só assim se chega ao alto nível e é nestas idades que
se começa. Depois só se consegue ver se é um bom G.R. se tiver
oportunidade. Ou alguém apostou nele ou não. Eu costumo dizer, nunca se
pode dizer que poderia ter sido um grande G.R. se não teve oportunidade. Não
custa lá chegar, custa é saber manter no alto nível.
Por exemplo, o Bizarro era o titular dos juvenis do F.C. Porto, o Vítor
Baía era suplente do Bizarro. O Bizarro passou ao lado de uma grande carreira
e o Baía foi considerado o melhor G.R. do mundo. O Baía chegou a sénior e do
azar dos outros G.R. teve a sua sorte, a sua oportunidade, jogou com 19 anos
a titular do F.C. Porto, as coisas de inicio não lhe começaram a correr bem,
mas teve sempre alguém que apostou nele. Na actualidade é o que está a
passar com o Rui Patrício no Sporting. Em sénior a formação continua. Neste
caso do Rui Patrício e porque também já fui G.R., eu acho que ele já teve
momentos que devia ter saído da equipa, mais para o seu bem, para o
proteger. Digo isto porque já senti, tive momentos que as coisas não estavam a
sair tão bem e o treinador continuou a apostar em mim e tive jogos que me
perguntei o que é que eu estava a fazer dentro do campo. Mas passaram 2 ou
3 jogos e temos que recuperar, temos que levantar a cabeça e ser fortes
mentalmente.
Anexo 4
LVIII
A idade de júnior é outra fase importante para o desenvolvimento do
G.R., não me refiro à idade de passagem para os seniores. A idade de júnior é
quando nós começamos a «namoricar», a pensar que o mundo vai acabar
amanhã, a pensar que já somos homens, que já podemos sair, deitar tarde e
jogar amanhã fazendo o jogo facilmente. É uma idade difícil e digo isto por
experiência própria. Passar de júnior para sénior, desportivamente é
complicado, por isso eu penso que os G.R. devem optar por um clube onde
podem demonstrar o seu valor. É importante não deixar de jogar e enquanto se
é novo, as pessoas ainda vão contratar. Por exemplo um G.R. chega ao plantel
sénior do Feirense e está um ou dois anos a terceiro G.R., acho que deve sair
para jogar, interessa ter jogo para dar G.R.. É importante o G.R. sentir-se útil
para a equipa, sentir que produz para poder crescer. Na minha opinião, dar um
passo atrás com 18 ou 20 anos, estamos a dar a possibilidade de dar cinco
passos para a frente. São raros os casos dos G.R. que saem da formação e
são titulares do seu respectivo clube. Temos o Patrício, o Baía, o Moreira, mas
este último nem se chegou a afirmar.
(P.S.) – Nessas etapas de formação que diferenciaste, de que forma as
diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que
influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?
(Paulo) – Para mim acima de tudo a qualidade, até em tudo na vida! Se
trabalhares sempre com qualidade estás a reforçar aquele trabalho
diariamente. O G.R. não tem de se sentir cansado de um treino para o outro,
tem de estar sempre no máximo das suas capacidades.
(P.S.) – Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural
relativamente ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol,
para alcançar o sucesso de nível superior?
(Paulo) – Vou falar por mim… casei aos 30 anos. Senti-me mais G.R. quando
casei. Isto em relação ao ambiente familiar. Não é por acaso que um jogador
que case aos 23 anos tenha uma carreira mais brilhante. São capazes aos 35
anos estarem divorciados porque as vidas começaram a ser diferentes, mas
isso não interessa. Reconheço que uma vida estável é meio caminho andado,
Anexo 4
LIX
tanto para o envolvimento no mundo do Futebol, como para alcançar o sucesso
de nível superior. O jogador com família, tem a preocupação com a família,
chega a casa cedo e normalmente encontra o descanso. Para estar a nível
superior o descanso é fundamental, é necessário dormir bem, umas mínimas
8/9 horas diárias.
(P.S.) – Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para
alcançar níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de
prática a que se expõe?
(Paulo) – Quando um G.R. escolheu a posição e está no alto nível, deve ter
pensado chegar pelo menos aos 35 anos a jogar futebol. Um G.R. que
abandona por vontade própria a carreira aos 30 anos não se pode considerar
um grande G.R..
A motivação é deixa-lo jogar. Falo por experiência de dois grandes G.R.
com quem trabalhei no Feirense, o Rui Correia e o William. Em final de carreira
qual era a motivação deles… jogar. Nos treinos procurava sempre tê-los
satisfeitos e ir ao encontro das necessidades deles, para eles estarem
motivados. Se por exemplo eu num treino mandava-lhes dar saltos e mais
saltos, no dia seguinte tinha-os a queixarem-se das costas e a desvalorizar o
meu trabalho. Nestes casos, tinha de jogar com os exercícios e meter o que
queria trabalhar disfarçado, mesmo fisicamente e com menores repetições.
Assim, quero chegar também à motivação no treino, o treino tem que ser a
base da motivação para prolongar a carreira.
(P.S.) – Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil
para um G.R. permanecer aí? Porque razão?
(Paulo) – Eu costumo dizer… não custa lá chegar, custa é saber lá estar.
(P.S.) – Porquê?
(Paulo) – Eu falo por mim, cheguei ao Sporting, mas depois não tive ninguém
que me conseguisse «deitar a mão».
(P.S.) – Entendo ser importante um apoio externo?
Anexo 4
LX
(Paulo) – Sim, é nesse sentido. Na altura era solteiro e senti-me fora de casa
pela primeira vez, comecei a viver sozinho em Lisboa, jogador do Sporting,
com aqueles amigos todos e amigas, não tive um ritmo de vida compatível com
o de ser jogador de futebol e assim ninguém consegue ser jogador de futebol.
Não tive ninguém que chegasse à minha beira e me dissesse: Paulo, o mundo
não acaba amanhã. Só tinha amigos para me dizer: vamos? Ainda não fomos?
(P.S.) – Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas
semanais tem maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho,
do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com
menos horas em cada sessão?
(Paulo) – Não, com menos horas em cada sessão, sem qualquer dúvida.
Desde que tenham qualidade. Por exemplo, eu estou uma tarde a treinar com
os G.R. e eles questionam-se o que é que estão ali a fazer, porque a partir do
momento em que o G.R. não está a trabalhar na intensidade máxima, seja ao
nível físico ou psicológico, o trabalho não tem o rendimento necessário para
aumentar o desenvolvimento do G.R..
Outro exemplo, ainda hoje estive a trabalhar com o Miguel (G.R. dos
juniores e 3ª G.R. do plantel sénior) o jogar com os pés a pensar na situação
de jogo. O Miguel tem dificuldade em jogar com o pé esquerdo e não é num dia
que vai aprender. Por isso, eu indico sempre aos meus G.R. para nos treinos
se habituarem a trabalhar com ambos os pés e ambas as mãos, o que faz o
direito também têm de fazer com o esquerdo, uma vez lança com uma mão, na
seguinte lança com a outra. Eu exijo aos meus G.R. e penso que desde o inicio
da formação este aspecto deve ser ensinado aos G.R. jovens.
A época passada tive aqui o Tiago, o G.R. brasileiro que esteve no
Belenenses, ele não conseguia chutar uma bola com o pé esquerdo,
impressionante e contrário à ideia que temos de um G.R. brasileiro, mas eu
incentivei-o a trabalhar e dizia-lhe: Tiago tu vais sair daqui com o teu pé
esquerdo melhor do que o direito; falha, não tenhas problema, é no treino,
falha, falha, que eu tenho aqui muitas bolas. Era os incentivos que eu lhe dava.
Anexo 4
LXI
(P.S.) – Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o
sucesso de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m),
apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?
(Paulo) – Um aspecto importante ao ensinar… nunca posso dizer a um G.R.
meu que ele está errado, eu tenho de dizer que ele está certo, mas que se
fizesse assim não ia ser pior, o G.R. é que defende. Ele tenta fazer o que eu
digo num treino e noutro e depois no jogo deve fazer como ele se sinta bem.
Se ele treinar como eu lhe digo, pode chegar ao jogo e pensar que lhe correu
bem a semana e optar por aquilo que lhe disse. É um princípio que está na
base da prática.
Dei-te alguns exemplos na resposta anterior quando falei do Tiago. Um
G.R. para estar bem fisicamente tem de trabalhar bem as pernas, para ser
rápido, ter impulsão, reacção, deslocamentos adequados e para estar bem
mentalmente é dar-lhe moral. Se sentires que o G.R. está bem
psicologicamente, ele está mais perto das coisas lhe saírem bem. É um G.R.
confiante. No treino não deves fazer golos ao teu G.R., tu queres que ele
defenda, é uma forma de ensinar e motivar o G.R..
(P.S.) – Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído
significativamente?
(Paulo) – Sim, a metodologia tem evoluído. Eu tinha os meus 17 anos e já era
G.R. suplente do Clube Desportivo Feirense e eles gostavam de ver-me a sair
de «rastos» do treino. Eu hoje não vejo nenhum G.R. a sair de rastos. O G.R.
treina em intensidade máxima e sai cansado do treino, agora não repete tantas
vezes com intensidade máxima de forma a ficar completamente esgotado e
não é capaz de recuperar até à próxima sessão.
(P.S.) – Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a
constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento),
como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao
impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol
talentoso?
Anexo 4
LXII
(Paulo) – O mais importante para ser um G.R. de alto nível é ser um bom
profissional, o treino e a alimentação. Depois o ambiente/ envolvimento e só
depois a genética.
Relativamente ao ambiente familiar, este aspecto é controverso.
Normalmente um grande jogador vem de meios sociais
desequilibrados/instáveis e até famílias com dificuldades. Por vezes se o
jogador tem um bom ambiente familiar e um bom meio social, faz com que a
pessoa tenha outras oportunidades na vida e perca a vontade, a capacidade de
sofrimento para lidar com diversas situações no desenvolvimento como
jogador.
(P.S.) – Um G.R. nasce ou faz-se?
(Paulo) – Um G.R. faz-se.
(P.S.) – O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma
posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua
identificação com um modelo, com um ídolo. Neste sentido pensa que a
observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo
poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por
imitação), e deste modo complementar as sessões de treino
convencionais?
(Paulo) – Sim, uma aprendizagem muito importante. Eu conheço um «miúdo»,
o Afonso, G.R. da formação do Feirense, num jogo dos seniores, quando eu
entro em campo ele não sai da minha beira e de trás do G.R. para ver como é
que o G.R. trabalha.
É uma aprendizagem que pode e deve ser possibilitada.
Anexo 5
LXIII
Anexo 5:
Guião da entrevista
A entrevista que se segue, é realizada no âmbito da monografia da Licenciatura em Desporto e Educação Física – opção complementar de Desporto de Rendimento. O presente trabalho tem como problemática e finalidade de estudo, perceber a relevância da prática deliberada para a formação/desenvolvimento da performance de um G.R. de Futebol.
1. O que é para si um G.R. de alto nível e quais os aspectos que o distinguem dos demais?
2. Pensa que o G.R. nasce com talento para chegar a um nível superior ou
será a experiência que vai adquirindo ao longo da vida que contribui para chegar a um nível superior?
3. Qual a influência da prática (treino e jogo) no desenvolvimento de um
G.R.? Será que a qualidade e a quantidade de trabalho podem fazer de alguém um G.R. talentoso?
(Considera que a prática é condição não só necessária, mas suficiente para alcançar altos níveis de rendimento desportivo ou existem outras condicionantes importantes?)
4. Na sua opinião, as sessões de treino de um G.R devem ser planeadas para proporcionar o maior número de experiências possíveis, ou é mais importante condicionar as experiências em função de estímulos muito específicos?
5. Na formação de um G.R. de Futebol, qual a idade que pensa ser mais adequada para iniciar o respectivo treino específico, ou seja para o começar a especializar?
6. Tendo por base o seu conhecimento, quais as etapas de formação que
idealiza para a formação de um G.R. de nível superior? E nessas fases, de que forma as diferenças entre a qualidade/quantidade de treino lhe parece que influenciam o desenvolvimento do desempenho individual do G.R.?
7. Que papel desempenha o ambiente familiar e sociocultural relativamente
ao desenvolvimento e envolvimento no mundo do Futebol, para alcançar o sucesso de nível superior?
8. Como é que um G.R. mantém a motivação necessária para alcançar
níveis de desempenho superiores, durante os longos anos de prática a que se expõe?
Anexo 5
LXIV
9. Depois de alcançar níveis de desempenho superiores, é difícil para um G.R. permanecer aí? Porque razão?
10. Pensa que um G.R. que treine um maior número de horas semanais tem
maiores probabilidades de aumentar o seu desempenho, do que um G.R. que treine com a mesma frequência semanal, mas com menos horas em cada sessão?
11. Sendo a estabilidade emocional um aspecto importante para o sucesso
de um G.R., como é que (os treinadores) ensina (m), critica (m), apoia (m) e motiva (m) os seus G.R (pela sua experiência)?
12. Parece-lhe que a metodologia de treino do G.R. tem evoluído
significativamente? (Se sim...que características distintas reconhece nessa evolução?)
13. Se tivesse que atribuir uma ordem de importância a constrangimentos como a (genética, o treino, e o ambiente/envolvimento), como os ordenaria, do mais para o menos importante. No que respeita ao impacto que cada um pode ter no desenvolvimento de um G.R. de Futebol talentoso?
(E que importância concede aos atributos físicos e mentais e ao respectivo contributo para o sucesso de um G.R. de futebol?)
14. Um G.R. nasce ou faz-se?
15. O prazer que uma criança experimenta ao desempenhar uma posição tão específica no Futebol como a de G.R., poderá decorrer da sua identificação com um modelo, com um ídolo? Neste sentido pensa que a observação atenta dos jogos de um G.R. que se constitua como ídolo poderá promover uma aprendizagem importante (a aprendizagem por imitação), e deste modo complementar as sessões de treino convencionais? Dados Pessoais: Nome: Correio electrónico:
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