Ferramentas utilizadas na avaliação de impactes das alterações climáticas na agricultura...

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CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA AGRO-PECUÁRIA Ferramentas utilizadas na avaliação de impactes das alterações climáticas na agricultura portuguesa Pedro Aguiar Pinto Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal e-mail: [email protected] Ana Paiva Brandão Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal e-mail: [email protected] Ricardo Braga Escola Superior Agrária de Elvas, Elvas, Portugal e-mail: [email protected] Miguel Tristany Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal e-mail: [email protected] Resumo A avaliação dos impactes das alterações climáticas no sector agrícola exigiu a utilização de um determinado conjunto de ferramentas baseadas fundamentalmente no manuseamento de dados. Nesta estudo de impactes recorreu-se aos modelos de simulação da produtividade das culturas, incluídos na colecção DSSAT 4.0. O desenvolvimento e/ou utilização de algumas ferramentas tornou possível e eficiente o uso destes modelos, sobretudo relativamente aos dados de entrada exigidos e aos resultados das simulações. Os modelos de simulação geram resultados que se encontram armazenados em ficheiros de texto, não sendo esta a forma mais conveniente para o tratamento da informação. Assim sendo, desenvolveu-se uma aplicação capaz de introduzir os resultados numa base de dados, permitindo a visualização dos mesmos no sistema de informação geográfica. A cultura do trigo foi a escolhida para ilustrar as ferramentas utilizadas. Os impactes foram quantificados pela diferença entre a produtividade obtida num cenário futuro de alteração climática e nas condições actuais. Hoje em dia é possível estimar os impactes na agricultura num cenário futuro de alteração climática, apesar das limitações inerentes à metodologia seguida em estudos desta natureza. Palavras chave: alterações climáticas; DSSAT; HadRM; sistemas de informação geográfica (SIG), funções de pedo-transferência (PTF’s). 1. Introdução O aumento de temperatura registado no sec. XX é em parte atribuído às emissões antropogénicas de gases de efeito estufa. As alterações climáticas propiciam potenciais impactes numa grande variedade de ecossistemas, nomeadamente nos sistemas agrícolas. Em Portugal, o projecto SIAM – Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures - foi o primeiro projecto dedicado ao estudo das alterações climáticas (Santos et al., 2002). A avaliação dos potenciais impactes no sector agrícola continental português baseou-se no uso de modelos de simulação de culturas. Poucas alternativas exploratórias existem a esta metodologia já que levar a cabo ensaios de campo com alteração de temperatura e de concentração de CO 2 é bastante dispendioso

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1º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA AGRO-PECUÁRIA

Ferramentas utilizadas na avaliação de impactes das alterações climáticas na agricultura portuguesa

Pedro Aguiar Pinto Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal

e-mail: [email protected]

Ana Paiva Brandão Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal

e-mail: [email protected]

Ricardo Braga Escola Superior Agrária de Elvas, Elvas, Portugal

e-mail: [email protected]

Miguel Tristany Instituto Superior de Agronomia, Lisboa, Portugal

e-mail: [email protected]

Resumo

A avaliação dos impactes das alterações climáticas no sector agrícola exigiu a utilização de um determinado conjunto de ferramentas baseadas fundamentalmente no manuseamento de dados. Nesta estudo de impactes recorreu-se aos modelos de simulação da produtividade das culturas, incluídos na colecção DSSAT 4.0. O desenvolvimento e/ou utilização de algumas ferramentas tornou possível e eficiente o uso destes modelos, sobretudo relativamente aos dados de entrada exigidos e aos resultados das simulações. Os modelos de simulação geram resultados que se encontram armazenados em ficheiros de texto, não sendo esta a forma mais conveniente para o tratamento da informação. Assim sendo, desenvolveu-se uma aplicação capaz de introduzir os resultados numa base de dados, permitindo a visualização dos mesmos no sistema de informação geográfica. A cultura do trigo foi a escolhida para ilustrar as ferramentas utilizadas. Os impactes foram quantificados pela diferença entre a produtividade obtida num cenário futuro de alteração climática e nas condições actuais. Hoje em dia é possível estimar os impactes na agricultura num cenário futuro de alteração climática, apesar das limitações inerentes à metodologia seguida em estudos desta natureza.

Palavras chave: alterações climáticas; DSSAT; HadRM; sistemas de informação geográfica (SIG), funções de pedo-transferência (PTF’s).

1. Introdução

O aumento de temperatura registado no sec. XX é em parte atribuído às emissões antropogénicas de gases de efeito estufa. As alterações climáticas propiciam potenciais impactes numa grande variedade de ecossistemas, nomeadamente nos sistemas agrícolas. Em Portugal, o projecto SIAM – Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts and Adaptation Measures - foi o primeiro projecto dedicado ao estudo das alterações climáticas (Santos et al., 2002). A avaliação dos potenciais impactes no sector agrícola continental português baseou-se no uso de modelos de simulação de culturas.

Poucas alternativas exploratórias existem a esta metodologia já que levar a cabo ensaios de campo com alteração de temperatura e de concentração de CO2 é bastante dispendioso

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(exemplo de experiências com sistemas FACE1 e em OTC2). Os modelos permitem simular o comportamento das culturas num cenário de alteração climática com o mínimo de dispêndio de recursos possível (Pinto et al., 2002). Neste estudo utilizaram-se os modelos incluídos na série DSSAT 4.0 (Jones et. al., 1998). Estes modelos exigem como dados de entrada: dados climáticos diários, dados edáficos, e a definição das opções culturais das respectivas culturas.

Este tipo de estudos implica o manuseamento de uma vasta quantidade de dados. Por exemplo, neste estudo, para cada parâmetro meteorológico consideraram-se 29 anos de dados no presente e de 19 anos no futuro, e um conjunto em cada ano de 365 valores (modelo HadRM2) (Jones et al., 1995 e 1997). Cada mancha de solo (total de 54 em todo o continente português) é caracterizada por uma série de parâmetros3 por horizonte. Assim, é indispensável recorrer a bases de dados (BD). Uma vez que este tipo de estudo tem um cariz eminentemente geográfico, foi igualmente necessário recorrer desenvolver um sistema de informação geográfica (SIG).

A definição de um cenário climático – HadRM2 futuro (Jones et al., 1995 e 1997), a obtenção e organização das características físicas e químicas das manchas de solo (Pinto et al., 2003), e a conversão desta informação num formato utilizável pelos modelos de simulação, exigiu o desenvolvimento de ferramentas, que irão ser descritas. Assim como a automatização do processo de análise dos impactes ao nível espacial, e não apenas pontual.

O objectivo deste artigo é descrever as diversas ferramentas utilizadas no estudo dos impactes das alterações climáticas na agricultura portuguesa: modelos de simulação, bases de dados, SIG e funções de pedo-transferencia (PTF’s).

2. Material e métodos

Modelos de simulação

Quando se avaliam os impactes da alteração climática no sector agrícola devido à grande variedade de culturas que são semeadas apenas algumas irão ser alvo de estudo. As culturas deverão ser seleccionadas em função da sua área de ocupação, e por terem um comportamento semelhante ao de outras. A cultura de trigo foi uma das culturas escolhidas. Optou-se pelo trigo, uma vez que esta cultura reflecte o comportamento de outros cereais de sequeiro de Outono-Inverno, e é a cultura anual que a nível nacional ocupa uma maior área (Pinto et al., 2002) - no continente 183.423 ha (INE, 2003).

Os modelos de simulação do crescimento e produção das culturas incluídos na série DSSAT 4.0 foram os utilizados neste estudo. Como dados de entrada estes modelos necessitam de dados climáticos diários, dados edáficos e da definição do itinerário técnico da cultura. A produtividade da cultura, o desenvolvimento fenológico da cultura (ex: duração do ciclo de crescimento, data floração), o crescimento fisiológico (ex: índice de área foliar, número de grãos, produtividade obtida), o ciclo de azoto (ex: azoto utilizado, stress de azoto da planta durante o ciclo vegetativo) e as necessidades hídricas são exemplos de dados de saída dos modelos incluídos na aplicação DSSAT.

O modelo CERES-Wheat da colecção DSSAT 4.0 foi o modelo utilizado para simular o comportamento do trigo num cenário de alteração climática. No Quadro 1 encontram-se descritas as práticas culturais definidas para a cultura do trigo.

1 FACE – free air carbon dioxide 2 OTC – open top chambers 3 parâmetros de introdução obrigatória para as simulações com os modelos da colecção DSSAT: coeficiente de emurchecimento (cm3.cm-3); capacidade de campo (cm3.cm-3); capacidade máxima para a água (cm3.cm-3); factor de crescimento de raízes (entre 0 e 1, calculado a partir da profundidade); condutividade hidráulica saturada (cm.h-1); densidade aparente (g.cm3); carbono orgânico (%); percentagem de argila (%); percentagem de limo (%); percentagem de elementos grosseiros (%); total de N (%); pH em água; pH em KCl.

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Sementeira Variedade Anza Data sementeira 15 Novembro Data de emergência 25 Novembro Densidade sementeira 444 sementes/m2 Valor cultural 85% Adubação Total azoto aplicado 160 kg N/ha Total fósforo aplicado 60 kg N/ha Total potássio aplicado 40 kg N/ha

Quadro 1 - Práticas culturais definidas para a simulação do trigo, na situação actual e futura.

Cenários de alteração

Os modelos de circulação geral (GCMs) são a mais avançada ferramenta capaz de prever os potenciais efeitos do aumento da concentração dos gases de efeito de estufa (Rosenzweig et al.,1998 (1); Santos et al., 2002). A partir dos dados de GCMs obtêm-se dados climáticos regionais a partir de técnicas de “downscalling”. As técnicas de “downscalling” assentam no tratamento estatístico dos dados históricos, permitindo estabelecer uma relação entre os dados locais/regionais e os dados obtidos quando se considera uma superfície maior (por exemplo, a nível nacional). Esta técnica apresenta deficiências quando não há uma boa correlação espacial da variável climática em causa, afectando a sua aplicabilidade a outros cenários climáticos e impedindo o seu uso para dados que não tenham sido considerados na pré-definição da relação espacial da variável climática (Rosenzweig et al.,1998 (2)).

Para além de outras limitações, a simulação da variabilidade climática pelos modelos climáticos ainda não se encontra validada, nomeadamente a previsão da frequência de ocorrência de cheias e de secas. Estas situações extremas afectam significativamente a produtividade das culturas (Rosenzweig et al.,1998 (1)).

Os dados climáticos diários de temperatura máxima e mínima (ºC), de precipitação (mm) e de radiação (MJ/m2/dia) foram gerados pelo modelo HadRM2, do Hadley Centre (Jones et al., 1995 e 1997). O modelo HadRM2 é um modelo climático regional (RCMs), gerado a partir do GCM HadCM2. A grelha utilizada pelo modelo regional apresenta 50 km de resolução horizontal (Miranda et al., 2002). Foram utilizadas duas séries de dados - uma série que reproduz as condições climáticas actuais (1961 a 1989), e outra as condições futuras (2080 e 2098).

Este modelo climático produz dados climáticos associados a uma série de pontos distribuídos pelo País – grelha do modelo. Para cada ponto desta malha definiu-se uma determinada área de influência – polígonos de Thyssen -, deste modo toda a área continental do País ficou coberta pelo modelo climático. Os pontos da grelha considerados foram pontos de terra, tendo sido excluídos todos os pontos cuja altitude fosse igual a 0 m (pontos de mar). Esta metodologia foi também seguida no projecto CLIVARA (Downing et al., 2000).

Castillo et al (1996) sugerem, entre outros métodos, os polígonos de Thyssen para determinar a precipitação espacial média a partir dos valores de precipitação recolhidos em determinados locais. Este método pressupõe que a precipitação registada num determinado local seja representativa da área situada a uma distância média entre o local considerado e os outros adjacentes. Sendo esta forma de cálculo bastante rígida, excluindo uma possível informação adicional sobre as condições meteorológicas locais, o seu uso está restringido a zonas relativamente planas.

Dados edáficos

Os dados edáficos fornecidos pela cartografia dos solos do continente português está ainda incompleta e aquela que existe não é homogénea no que diz respeito à escala com que foi elaborada, ao método de recolha e de análise das amostras e à classificação utilizada.

Os modelos da série DSSAT exigem as características físico-químicas das manchas de solo escolhidas como dados de entrada de uma determinada simulação. Num estudo que se pretende de âmbito nacional, encontram-se dificuldades na obtenção da informação para todo

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o território, sobretudo para a região do centro, e na indisponibilidade de dados de difícil determinação em análises de rotina, como as propriedades hidráulicas do solo.

Tendo por base a carta de solos do Atlas do Ambiente à escala de 1:1.000.0004 (Instituto de Ambiente, 1971) procurou caracterizar-se quantitativamente os solos de Portugal continental. Nas zonas do País que se encontram cobertas por cartografia de solos publicada de maior escala - cartas de solos do sul do Tejo (S.R.O.A., 1973), da região nordeste de Portugal (Agroconsultores e COBA, 1991) e da zona de Entre Douro e Minho (Agroconsultores e Geometral, 1995) – substitui-se a classificação do Atlas de Ambiente pela classificação vigente nestas cartas. Com esta metodologia cerca de 80% da área do continente português ficou coberta, tendo a segurança de que a informação associada às manchas baseia-se em dados recolhidos no terreno, que têm associada a descrição de um perfil e os dados das análises feitas às amostras colhidas.

As manchas que não são cobertas por cartas de escala maior, caso da zona compreendida entre os rios Tejo e Vouga/Douro, foram classificadas do seguinte modo. Em primeiro lugar, identificaram-se estas manchas e compararam-se com as manchas geograficamente mais próximas do Atlas de Ambiente, para as quais já se tinha estabelecido uma correspondência com cartas de maior escala. Analisou-se a base litológica (Instituto de Ambiente, 1982) destas manchas (solos do Atlas de Ambiente e de cartas mais detalhadas), e se esta fosse semelhante atribuir-se-ia à mancha de solo a classificação da carta mais detalhada. Caso contrário seguiu-se para a segunda etapa do processo. Nesta etapa, considerou-se a classificação das manchas mais próximas geograficamente e cuja classificação original e litológica fosse a mais próxima. Apenas 5% da área continental foi classificada por esta segunda forma.

Depois de classificadas, a cada mancha de solo atribuíram-se dados físico-químicos. As cartas de escala maior, têm na sua memória descritiva a caracterização físico-química dos perfis de solo abertos (Cardoso, 1965; Agroconsultores e COBA, 1991; Agroconsultores e Geometral, 1995).

Por vezes a informação dos solos não está completa, nomeadamente a que diz respeito às propriedades hidráulicas do solo, devido à morosidade da sua determinação e ao custo envolvido (Wösten et al., 2001). Para a determinação dos dados em falta recorreu-se à sua estimativa a partir de dados mais simples de obter, exemplo da textura (Saxton et al., 1986; Gonçalves et al., 1998; Wösten et al., 2001). As funções de pedo-transferência (PTF’s) são regressões lineares múltiplas capazes de estimar dados inexistentes a partir de dados conhecidos. Procurou estimar-se valores de capacidade máxima para a água (CM) (pF 2,0), de capacidade de campo (CC) (pF 4,2), do coeficiente de emurchecimento (CE) e da condutividade hidráulica no estado de saturação (COND). Apesar de existirem equações já definidas por outros autores, optou-se pela determinação de novas regressões, entre outras razões, por causa da especificidade dos solos de Portugal e devido às fracas correlações obtidas entre os valores observados e os obtidos pelas PTF’s estabelecidas (Saxton et al., 1986; Gonçalves et al., 1997; Wösten et al., 2001).

No total, utilizaram-se 403 horizontes, pertencentes a 153 perfis de solo diferentes (Agroconsultores e COBA, 1991; Agroconsultores e Geometral, 1995; Gonçalves, 1994; Gonçalves com. pess.).

Como nem todos os conjuntos de dados possuem a totalidade das variáveis independentes consideradas foram então definidas diferentes equações, em função do número de variáveis disponíveis.

Toda a informação relativa às manchas de solo foi armazenada numa BD relacional (Pinto et al., 2003).

4 carta delineada em 1971 e digitalizada pela Direcção Geral do Ambiente. Esta carta utiliza a classificação da FAO/UNESCO de solos desenvolvida na elaboração da Carta de Solos do Mundo de 1974.

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Entre as vantagens do armazenamento de dados numa BD destaca-se o eficiente acesso aos dados, a integridade e a segurança da informação armazenada. A BD utiliza um vasto conjunto sofisticado de técnicas para armazenar e aceder eficientemente aos dados. A integridade é assegurada porque, por exemplo, não é possível introduzir dados analíticos de um solo que não tenha sido previamente registado na BD (Ramakrishnan et al., 2000).

As BD permitem também que os programas de aplicação (application programs) sejam independentes em relação aos pormenores de representação e da forma de armazenamento dos dados (Ramakrishnan et al., 2000).

Os SIG trabalham com dados espaciais, incluindo pontos, linhas e regiões bi ou tri-dimensionais. Coberturas de pontos multidimensionais, linhas, polígonos e outros objectos geométricos são, em sentido lato, entendidos por dados espaciais. Um determinado objecto espacial ocupa uma certa região do espaço, que se caracteriza pela sua localização e limites (Ramakrishnan et al., 2000). Um SIG deverá ser eficaz no manuseamento dos conjuntos de dados bi e tri-dimensionais. Actualmente os SIG comerciais tal como o ArcInfo encontram-se amplamente divulgados (Ramakrishnan et al., 2000). Neste estudo utilizou-se o ArcView 8.1 como software de SIG, e as BD são já suporte desta aplicação. Esta é outra vantagem do armazenamento da informação numa BD.

Automatização da análise

Os resultados obtidos com os modelos de simulação da colecção DSSAT encontram-se distribuídos em diferentes ficheiros de texto.

Dada a complexidade destes dados, a automatização da sua análise mostrou-se imprescindível. Assim sendo, desenvolveu-se uma aplicação, em linguagem Visual Basic, capaz de introduzir automaticamente os resultados do modelo numa BD. A forma de armazenamento destes dados é idêntica à dos dados edáficos, apresentando assim as mesmas vantagens.

A avaliação dos impactes consistiu no cálculo das diferenças entre as produtividades (kg/ha) obtidas nas condições climáticas actuais e futuras. Os dados climáticos foram os únicos dados de entrada do modelo CERES-Wheat que variaram quando se simularam as culturas no presente e no futuro.

3. Resultados

Clima

Relativamente aos dados climáticos, pela construção de polígonos tendo por base a grelha do modelo HadRM2, obteve-se uma malha de polígonos cujo ponto central é um ponto da grelha do modelo climático (polígonos de Thyssen). Desta forma, em vez de pontos isolados distribuídos pelo País com dados climáticos associados, toda a área continental foi coberta.

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Figura 1– Representação dos pontos da grelha do modelo HadRM3 e das zonas afectas a cada ponto pelo método de definição dos polígonos de Thyssen.

Solo

Quanto aos dados edáficos estabeleceu-se uma carta de solos digital, georreferenciada, de escala 1:1.000.000, em que cada mancha tem associado um conjunto de características físico--químicas que evoluem em profundidade. Esta carta juntamente com a malha climática constituem os dados de entrada do modelo CERES-Wheat.

O coeficiente de determinação (r2) e a raiz da média dos erros quadrados (RMSE5) foram os estimadores do erro entre dados observados e dados estimados pelas PTF’s. Os valores da RMSE obtidos para as equações mais simples (com menor número de variáveis independentes) foram de 6,9% (CM), 8,7% (CC), 3,6% (CE), 13,5 cm.h-1 (COND).

A partir de dados de 103 horizontes, de 38 perfis de solos das cartas de Entre-Douro e Minho, validaram-se as equações construídas (PTF’s) para o cálculo da CC e do CE – aplicando a equação definida quando todas as variáveis dependentes estão disponíveis. Os valores de RMSE obtidos foram 7,8% e 3,6%, para a CC e CE, respectivamente. Enquanto que o r2 entre valores calculados e os observados para a CC foi de 0,72, e para o CE de 0,47.

5 RMSE =N

)yy(N

1

2ii∑ −

(yi – valor observado; iy = valor estimado)

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Figura 2 – Solos do continente6

Resultados das simulações e sua representação

Dos vários ficheiros de saída das simulações efectuadas com o modelo CERES-Wheat incluído na série DSSAT 4.0, considerou-se apenas o ficheiro summary.out. A partir deste ficheiro de texto e com o auxílio da aplicação desenvolvida, os dados das datas de sementeira, de maturação e de colheita, da quantidade de azoto aplicado (kg ha-1), do valor da evapotranspiração (mm), da quantidade de água aplicada por rega (mm), do peso seco da canópia à maturação (kg ha-1) e da produtividade à maturação (kg ha-1), por ano e por tratamento (combinação clima/solo), foram introduzidos automaticamente numa BD.

Sendo a BD suporte do ArcView 8.1 – software de SIG utilizado - a informação pode ser visualizada num SIG. Desta forma, os resultados das simulações são rapidamente visualizados e georreferenciados, permitindo uma apreciação dos resultados por unidade geográfica considerada (exemplo: regiões NUTS II).

6 na legenda cada código é um solo caracterizado por um conjunto de variáveis quantitativas e qualitativas utilizadas como dados de entrada pelos modelos da colecção DSSAT

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Ficheiro de texto de saída do DSSAT

ligação base de dados - SIG

Base de dados relacional

arroz

milho

pastagem

trigo

Ficheiro de texto de saída do DSSAT

ligação base de dados - SIG

Base de dados relacional

arroz

milho

pastagem

trigo

Figura 3 – Processo de representação dos resultados do modelo DSSAT (ficheiros de

texto) num SIG.

Tal como anteriormente referido, optou-se por avaliar os impactes da alteração climática pelas diferenças de produtividades obtidas na situação actual e na situação futura - num cenário futuro de alteração climática. No caso de haver decréscimo da produtividade, assumiu-se que os impactes serão negativos, caso contrário serão positivos.

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Figura 4 – Mapa das diferenças percentuais da produtividade do trigo entre a situação

futura e a actual.

Limitações

A técnica de “downscalling”, utilizada para a geração de dados climáticos regionais a partir de GCM’s, apresenta deficiências quando não há uma boa correlação espacial da variável climática em causa, afectando a sua aplicabilidade a outros cenários climáticos e impedindo o seu uso para dados que não tenham sido considerados na pré-definição da relação espacial da variável climática (Rosenzweig et al.,1998 (2)).

Para além de outras limitações, a simulação da variabilidade climática pelos GCM’s ainda não se encontra validada, nomeadamente a previsão da frequência de ocorrência de cheias e de secas. Estas situações extremas afectam significativamente a produtividade das culturas (Rosenzweig et al.,1998 (1)).

A criação de polígonos de influência para cada ponto da grelha do modelo climático permitiu cobrir todo o continente português com dados climáticos diários, apesar da simplificação que esta metodologia envolveu. Cometeu-se um erro ao considerar-se que a área de influência (2.500 km2) de cada ponto da grelha do modelo climático teria os mesmos dados climáticos diários que o referido ponto, uma vez que a temperatura e outros elementos climáticos variam espacialmente (Decker, 1994). Assim por exemplo, ao nível de uma grande escala espacial a radiação solar varia em função da latitude. A uma escala espacial de maior pormenor, a topografia é responsável por variações na temperatura, vento e outros elementos, e a altitude afecta a temperatura pelo decréscimo de pressão em função da altitude (Decker, 1994). A descontinuidade entre as superfícies de terra e de água estabelece igualmente um gradiente nas variáveis climáticas. As massas de água amenizam as temperaturas e quando o ar se

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move das superfícies aquáticas para as de terra há um decréscimo no valor de humidade absoluta (Eickenlaub et al., 1990).

A precipitação é uma variável que varia consideravelmente em distâncias de apenas umas centenas de metros (Castillo et al., 1996).

Na construção da carta de solos também se cometeram, entre outros, erros associados à informação de base (carta do Atlas de Ambiente de escala 1:1.000.000), à extrapolação da classificação e correspondente caracterização quantitativa, e às PTF’s.

O próprio modelo de simulação – CERES-Wheat – apresenta algumas simplificações entre as quais são de referir o pressuposto de que as infestantes, pragas e doenças se encontram controladas (Rosenzweig et al.(1), 1998).

4. Conclusões

As ferramentas apresentadas neste estudo foram utilizadas e/ou desenvolvidas como resposta às lacunas sentidas aquando avaliação dos impactes da alteração climática no sector agrícola.

Os dados diários referentes aos polígonos climáticos e os resultados obtidos para a caracterização das manchas de solo podem ser considerados úteis a uma escala pequena, para determinadas aplicações (exemplo do estudo do projecto SIAM). A metodologia seguida permitiu obter dados climáticos e edáficos para qualquer ponto localizado em Portugal Continental.

O desenvolvimento de uma aplicação capaz de introduzir os resultados das simulações numa BD facilitou a análise dos resultados. A visualização dos resultados num SIG leva a que de uma forma imediata seja possível reconhecer a combinação solo/clima que esteve na origem da produtividade alcançada, e identificar a distribuição geográfica dos resultados.

Num contexto de alteração climática, um estudo dos impactes, que podem vir a ocorrer, por si só é importante como alerta das suas potenciais consequências positivas ou negativas.

No projecto SIAM II, para além da avaliação de impactes fez-se um estudo das medidas de adaptação para a zona do Vale do Sado. A adaptação estudada consistiu na mudança da data de sementeira, medida actualmente já tomada pelos agricultores. A adopção de medidas de adaptação é fundamental para potenciar os impactes positivos e evitar os impactes negativos.

5. Referências

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