ESCRILEITURAS: O MULTIFACETADO DA MULTIPLICIDADE NA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA E NO PENSAMENTO

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ESCRILEITURAS: O MULTIFACETADO DA MULTIPLICIDADE NA FORMAÇÃO PEDAGÓGICA E NO PENSAMENTO Sandra Mara Corazza UFRGS/CNPq/CAPES Conferência de Abertura: SEMINÁRIO NACIONAL: FORMAÇÃO PEDAGÓGICA E PENSAMENTO 09 abril de 2015 UNIVATES, Lajeado, RS 1. Começo esta Conferência, intitulada Escrileituras: o multifacetado da multiplicidade na formação pedagógica e no pensamento, agradecendo o convite e o acolhimento da UNIVATES; a confiança de Angélica Munhoz e de Cristiano Bedin da Costa; o apoio amigo de minha orientanda de Doutorado Polyana Olini, na competência do audiovisual. Assim como, agradeço a presença de todos vocês, que fazem desta Conferência a legítima abertura do Seminário Nacional: Formação Pedagógica e Pensamento. Conferência, originalmente escrita para integrar o Vidarbário: filosofia, educação, literatura, junto à Vidarbo de Nilson Oliveira e de sua/nossa revista literária Pollichinelo; a qual será acompanhada, amanhã pela manhã, pela Vidarbo de Máximo Adó. Vou pelas Galáxias de Haroldo de Campos (2004, s/p): e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever mil páginas escrever milumapáginas para acabar com a escritura para começar com a escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso recomeço por isso 1

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ESCRILEITURAS: O MULTIFACETADO DA MULTIPLICIDADE NAFORMAÇÃO PEDAGÓGICA E NO PENSAMENTO

Sandra Mara CorazzaUFRGS/CNPq/CAPES

Conferência de Abertura:SEMINÁRIO NACIONAL: FORMAÇÃO

PEDAGÓGICA E PENSAMENTO09 abril de 2015

UNIVATES, Lajeado, RS1.

Começo esta Conferência, intitulada Escrileituras: o

multifacetado da multiplicidade na formação pedagógica e no

pensamento, agradecendo o convite e o acolhimento da

UNIVATES; a confiança de Angélica Munhoz e de Cristiano

Bedin da Costa; o apoio amigo de minha orientanda de

Doutorado Polyana Olini, na competência do audiovisual.

Assim como, agradeço a presença de todos vocês, que fazem

desta Conferência a legítima abertura do Seminário Nacional:

Formação Pedagógica e Pensamento. Conferência, originalmente

escrita para integrar o Vidarbário: filosofia, educação, literatura,

junto à Vidarbo de Nilson Oliveira e de sua/nossa revista

literária Pollichinelo; a qual será acompanhada, amanhã pela

manhã, pela Vidarbo de Máximo Adó.

Vou pelas Galáxias de Haroldo de Campos (2004, s/p): e

começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui

me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a

viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever mil páginas

escrever milumapáginas para acabar com a escritura para começar com a

escritura para acabarcomeçar com a escritura por isso recomeço por isso

1

arremeço por isso teço escrever sobre escrever é o futuro do escrever

sobrescrevo sobrescravo em milumanoites milumapáginas ou uma página em

uma noite que é o mesmo noites e páginas mesmam ensimesmam onde o fim é

o começo onde escrever sobre o escrever é não escrever sobre não escrever e

por isso começo descomeço pelo descomeço desconheço e me teço [...] conheço

o osso o osso buco do começo a bossa do começo onde é viagem onde a

viagem é maravilha da tornaviagem é tornassol viagem de maravilha onde a

migalha a maravalha a apara é maravilha é vanilla é vigília é cintila de

centelha é favila de fábula é lumínula de nada e descanto a fábula e desconto

as fadas e conto as favas pois começo a fala

2.

Agora, se esta fala começa aqui e mede aqui este

começo, ao mesmo tempo, testemunho e afianço e mo(n)stro

que não começamos por aqui nem por agora. E se nem aqui nem

agora começamos é, por isto mesmo, que aqui estamos.

Façamos consultas rápidas, assaltos breves aos arquivos do

primeiro Grupo de Pesquisa, DIF – Artistagens, Fabulações, Variações,

que existe desde 2002; ou ao Projeto Escrileituras: um modo de ler-

escrever em meio à vida (CORAZZA, 2010), do Observatório da

Educação desde 2011 até agora; ou roubemos o atual grupo de

2015, que está nas fraldas, intitulado Escrileituras da Diferença

na Filosofia-Educação.

Essas pilhagens nos mostram que já vai longo o gonzo

do tempo que faz na luta vidarborial da escrita e da

leitura, com a centralidade que lhe atribuímos. Veremos o

multifacetado da multiplicidade dessas escrileituras, se

tomarmos teses, dissertações, livros, revistas e artigos,

abrigados na Linha de Pesquisa 09, Filosofias da Diferença e2

Educação do PPGEDU/UFRGS; e em outras Linhas da UFPel, sob

a orientação da Carla Rodrigues; na UFMT, com Silas

Monteiro; ou na UNIOESTE, com orientação da Ester Heuser.

Da mesma maneira, podemos ler produções de outros

programas de pós-graduação, como, aqui em Lajeado, na

UNIVATES, sob a coordenação de Angélica Munhoz e de

Cristiano Bedin; ou, em outros programas e cursos de

Graduação, com Gabriel Sausen Feil, Deniz Nicolay, Eduardo

Pacheco, Ada Kroef, Roger Albernaz, André Lima, Claudia

Madruga Cunha, e tantos outros.

E que esta natureza plural, múltipla, rizomática, que

fomos maquinando, não seja, em hipótese alguma, escutada

como autoelogio, pois temos asco da cretinice vazia, fácil

e, logo, estéril desta posição. Consultas desse tipo

somente demarcam, de imediato, a vontade de potência do

trabalho feito, como diz Klossowski (2000), enquanto uma

tendência a, na direção de, o sentido como direção, qual

seja: aquilo que é apenas uma ficção da linguagem, isto é:

a total impossibilidade, em nosso trabalho, de demarcação

nítida entre filosofia, literatura, poesia, arte, cinema,

teatro e educação.

3.

Vejam, por exemplo, o que aparece escrito, como Ata de

Fundação do Grupo de Pesquisa DIF, intitulado, na ocasião,

Grupo de Currículo de Porto Alegre:

No Inverno de 2002, o DIF Grupo de Currículo de Porto Alegre é criado

como efeito, contingencial e necessário, dos estudos, pesquisas e publicações

3

sobre Currículo, que vêm sendo realizados, na Universidade Federal desta

cidade.

Sua criação é possível porque, há anos, por caminhos diversos, constitui-

se, neste lugar, um encontro, uma comunidade, de pensamento e de práticas.

Um encontro, uma comunidade, que se autoriza a experienciar diferentes

potências investigativas e expressivas do Currículo, por deixar-se interrogar

pelo pensamento da diferença, neste mundo, destes tempos de agora.

Se o DIF marca, com um nome, o já-sabido, já-dito, já-feito, convoca,

daqui para frente, a uma responsabilidade ética de relação, trabalho e

produção, qual seja:

1) transmitir a sua experiência, para gerar e fazer circular o inverossímil,

o que

está chegando, o que está por vir;

2) irradiar e fazer convergir novos ensinos, estudos e pesquisas, para

interceptar a opinião e a doxa, a mesmice e a imbecilidade;

3) tramar, trançar e tecer amigos e colegas, parceiros e simpatizantes,

interessados e laços, afetos e amores, agenciamentos e maquinações, saberes e

sacações, conceitos e personagens, planos e aventuras, caos e cacos, diabos e

deusas, anjos e bruxas, aventuras e escrituras, alianças e diferenças, festas e

trabalhos: para que o DIF torne-se produtivamente alegre e positivamente feliz.

Pela decisão dos presentes que, assinando esta Ata, se constituem

Membros Fundadores do DIF Grupo de Currículo de Porto Alegre.

Porto Alegre, 1º de julho de 2002.

Tomaz Tadeu da Silva

Sandra Mara Corazza (CORAZZA, 2014, p.206-207).

4.

Convido-os, também, a percorrerem, junto comigo, a

Súmula atual da Linha de Pesquisa 09 do Pós-Graduação em4

Educação da UFRGS, que indica o seguinte: Nietzsche, sempre.

Então, Deleuze e sua crítica e clínica, filosofia, literatura, teatro, poesia, pintura,

música, cinema: Hume, Kant, Leibniz, Spinoza, Bergson, Foucault, Artaud,

Melville, Sacher-Masoch, Proust, Kafka, Woolf, Beckett, Lawrence, Miller, Bene,

Bacon, Turner, Eisenstein, Rosselini, Fellini, Resnais, Buñuel, Godard... Conexões

transversais. Disjunções inclusivas. Conjunções polívocas. Metainfanciofísica.

Máquinas de guerra, máquinas de escrever. Paisagens plásticas.

5.

Ou, então, tomemos de assalto a minha Temática

Individual, no mesmo Programa, que se intitula Fantasias de

Escrileitura: Devir-Infantil de Currículos Nômades, qual seja: Não se pode

deixar de rir quando se embaralham os códigos: Filosofia-Arte-Ciência-

Literatura-Educação. Ideias-forças: Nietzsche, Valéry, Deleuze, Barthes e afins.

Fluxos em fuga ao infinito. Atual-virtual. A violência do Fora. Pesquisa do

Acontecimento: empiria transcendental. Formas de expressão puxam formas de

conteúdo. Do Prazer de Ler ao Desejo de Escrever. Escrileitura-artista. Imagem

do pensamento. Dinamismos espaço-temporais. Método da Dramatização:

debaixo do logos, há drama. Espírito: consciência das inconsciências. Lógica

imaginativa. Demônio da possibilidade. Comédia intelectual. Biografemática:

programa, procedimento, operação. Passagens de Vida que atravessam o

vivível e o vivido. Fantasias: entre a língua e o estilo. Máscaras, quimeras,

ficções. Docente da Diferença: artesão, esteta, pesquisador. Esquizo-análise de

minorações. Micropolítica. Abalos jubilatórios. Acerca do devir-infantil de

currículos nômades.

6.

Em 03 de outubro de 2008, forneci uma entrevista para

Edgard Murano, que saiu publicada na Revista Língua Portuguesa,

cuja pauta era Teses & Ficção. Nesta entrevista, havia uma5

epígrafe de Deleuze (1988, p.18-19), escrita em Diferença e

repetição, a qual, de alguma maneira, sempre funcionou, para

nós, como um farol:

Aproxima-se o tempo em que já não será possível escrever um

livro de Filosofia como há muito tempo se faz: ‘Ah! O velho estilo...’ A

pesquisa de novos meios de expressão filosófica foi inaugurada por

Nietzsche e deve prosseguir, hoje, relacionada à renovação de outras

artes, como, por exemplo, o teatro e o cinema.

E eu acrescentava: por que não, também, a renovação da

escrileitura em Educação?

O jornalista indagou, então: Recentemente, três livros

originalmente concebidos como teses acadêmicas ficaram

entre os finalistas do Jabuti 2008. Tais teses, convém

ressaltar, já tinham um formato ficcional/experimental à

época em que foram defendidas. Como você vê essa mudança?

Acha que o formato dos trabalhos acadêmicos deve ser

rediscutido?

A minha resposta foi a seguinte: No caso de nosso Grupo de

Pesquisa [...] e de nossa Linha de Pesquisa [...], não apenas discutimos “o

formato dos trabalhos acadêmicos”, como vimos experimentando refazer tanto

a sua forma de conteúdo quanto a sua forma de expressão, pois, uma não

muda sem a outra; e, sem as duas mudanças de formas, não há qualquer

alteração de “formato”. Para isso, nos deixamos guiar pela Fantasia.

Ou seja, sabemos que podemos escrever em Educação, sem nos indagar

porque escrevemos. Sabemos também que a literatura começa no momento

em que ela própria se torna uma questão. Ora, escrever não é impor uma

forma de expressão a uma matéria vivida. A literatura está antes do lado do

informe ou do inacabamento. Escrever é, assim, um caso de devir, um6

processo, uma passagem de Vida que atravessa o vivível e o vivido. No

momento em que escreve, o escritor está na literatura e comprometido com

ela. É preciso que ele seja um bom artesão e também um esteta, pesquisador

de palavras, de frases, de imagens. O Querer-Escrever (Scripturire, no sentido

dado por Roland Barthes) é uma força fantasística (fantasmática) que permite

uma nova partida em direção a uma Vita Nuova.

[...] Por isso, nos debruçamos sobre a Prática de Crítica-Escrileitura das

Fantasias: para lutar contra a secura dos corações, contra a acídia nas

relações, contra o agreste dos códigos. Para isso, lançamos mão dos Guias

Iniciáticos existentes, inspirados por filósofos, escritores, educadores, críticos

literários do Pensamento da Diferença, que podem gerar uma espécie

diferenciada de crítica-escrileitura em Educação, a qual participa de um gesto

coletivo, cuja divisa consiste nesta palavra tão extraordinariamente simples,

embora dotada de um poder infinito, e que é a famosa palavra de Nietzsche:

“Uma nova maneira de sentir, uma nova maneira de pensar”. Ou seja, o gesto

coletivo consiste em auxiliar na criação de novas sensibilidades e de novas

maneiras de pensar, de pesquisar, de ler e de escrever os componentes

educacionais e seus correlatos (CORAZZA, 2014, p.208-218).

7.

Convido-os, agora, a ouvir a leitura de trechos de uma

Reportagem, escrita pela jornalista Simone Iwasso, que foi

publicada pelo jornal Estado de São Paulo, em dezembro de

2008, intitulada Universidades aceitam dissertações e teses fora do

formato convencional e cuja chamada foi: Textos que resvalam na

ficção, como romances e ensaios autobiográficos, causam polêmica entre

orientadores.

Diz a reportagem, em seu início: Desafiando a tradição de

formatos e metodologias quase sagradas e abençoadas pela Associação7

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), universidades brasileiras têm aceitado

dissertações de mestrado e teses de doutorado na forma de romances, ensaios

autobiográficos, roteiros e textos experimentais que resvalam na ficção e na

criação literária. A repercussão aparece em extremos: há os entusiastas da

flexibilização e os que defendem como imprescindível a manutenção dos

moldes acadêmicos tradicionais.

A prática, que vem ocorrendo há alguns anos nas áreas de Literatura,

Educação, Psicologia e Ciências Sociais, ganhou mais visibilidade neste ano,

após dois finalistas do Prêmio Jabuti, na categoria melhor livro de romance,

terem sido apresentados pouco antes como teses de doutoramento: Rakushisha

(editora Rocco), de Adriana Lisboa [UERJ], e A Chave de Casa (editora Record),

de Tatiana Salem Levy [PUC-RJ].

[...] Na [...] (UFRGS), foi formado um grupo de pesquisa para analisar e

estimular a busca por novas formas de expressão do trabalho acadêmico.

Ligado ao programa de pós-graduação em Educação, o grupo é coordenado

por Sandra Mara Corazza, ela mesma orientadora de pelo menos uma dúzia de

teses fora do modelo convencional. Uma delas, a de Luciano Bedin da Costa,

começa com a seguinte introdução: “É bem verdade que já estamos para lá de

cansados dos refrões pomposos, dos giros que se anunciam grandiosos, e que,

ao final das contas, não passam de meras palavras de ordem. Sejamos justos

com a coisa: dos giros, os pequenos, por favor”!

As propostas ganham amparo no crítico e intelectual francês Roland

Barthes (1915-1980), um defensor de mudanças na linguagem acadêmica e da

flexibilização na hierarquia exigida no formato acadêmico consagrado. “Há um

impulso na criação de novas sensibilidades e de novas maneiras de pensar, de

pesquisar, de ler e de escrever os componentes educacionais”, explica Sandra.

“Damos suporte aos orientandos, preparamos oficinas de escritura, seminários

avançados”, completa (CORAZZA, 2014, p.207-208).8

8.

Em vaivém, no tempo cronológico, extraio excertos de

um artigo meu de 1995, publicado em Educação e Realidade

(CORAZZA, 1998), derivado dos estudos pós-estruturalistas,

quando eu cursava o Doutorado, sob orientação do Tomaz

Tadeu da Silva, intitulado Manual de auto-ajuda para intelectuais

da Educação. Como viver feliz, respondendo à pergunta: O que fazer após

a orgia? O qual apontava a dedicação multifacetada à

escrileitura, como possibilidade de renovação para a

formação pedagógica e para prosseguir pensando em Educação.

Neste artigo, parto do livro de Jean Baudrillard

(1992) A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos,

quando o filósofo francês afirma:

Se fosse caracterizar o atual estado de coisas, eu diria que é o da

pós-orgia. A orgia é o momento explosivo da Modernidade, o da

liberação em todos os domínios. Liberação política, liberação sexual,

liberação das forças produtivas, liberação das forças destrutivas,

liberação da mulher, da criança, das pulsações inconscientes, liberação

da arte. Assunção de todos os modelos de representação e de todos os

modelos de anti-representação. Total orgia de real, de racional, de

sexual, de crítica e de anticrítica, de crescimento e de crise de

crescimento. Percorremos todos os caminhos da produção e da

superprodução virtual de objetos, de signos, de mensagens, de

ideologias, de prazeres. Hoje, tudo está liberado, o jogo já está feito e

encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: O QUE

FAZER APÓS A ORGIA?

Repito e circunscrevo a pergunta de Baudrillard,

aceitando “o estado orgiástico”, como metáfora do momento9

explosivo da Modernidade; bem como a situação de “pós-

orgia”, enquanto uma denominação adequada às condições pós-

modernas do tempo presente.

Para começar a responder à questão, escrevo: Essa é uma

época difícil para intelectuais da Educação. Houve uma enorme mudança na

natureza desta categoria social, cuja emergência ocorreu no Século das Luzes,

e que vinha, desde então, sendo univocamente significada como guardiã dos

ideais modernos e da própria República. Abalada e dividida, enquanto

totalidade, pelas problematizações pós-estruturalistas/pós-modernistas, tal

categoria abriga, hoje, o segmento constituído por intelectuais que estudam e

pesquisam desde esta perspectiva “pós”.

Para estes intelectuais, coloca-se o desafio de responder à pergunta

reiteradamente formulada, em quase todos os espaços pedagógicos em que a

prática discursiva “pós” é operada, qual seja: – O que fazer, como intelectual da

Educação, após a orgia moderna? Então, indico que: Mais do que

nunca, elas e eles precisam ser espertos para responder a tal pergunta. Neste

guia da intelectualidade competente – que é, claro, o meu Manual –

eu mostro como.

Desenho, então, o que chamo de epítome, definindo o

trabalho como um manual de auto-ajuda [...], o qual traz a-chave-

para-o-sucesso, apresentando 60 maneiras de como responder à

atormentadora questão “o que fazer”?

Digo que: Lidando com instruções de base científica, mas

eminentemente práticas, o manual equipa tais intelectuais – de modo imediato

e definitivo – com um compêndio essencial para a completa realização de seu

ser integral, assim como para uma vida – biológica, intelectual e emocional –

feliz.

10

A seleção dos autores foi intencionalmente

interessada. Para começar, busquei respostas em produções de dois já

“clássicos” do discurso pós-moderno – Baudrillard (1992) e Lyotard (1993 [O

pós-moderno explicado às crianças]); a seguir, minha escolha recaiu sobre

dois livros do campo educacional – Silva (1994 [O sujeito da educação]) e

Veiga-Neto (1995 [em um livro que Alfredo organizou, quando

tudo isso começou para nós, no início dos anos 90 do século

passado, e que foi publicado pela Editora Sulina,

intitulado Crítica pós-estruturalista e educação, e que poucos

conhecem; embora tenha sido, inclusive, traduzido e

publicado na Espanha, em 1997, pela editora Laertes de

Barcelona) –, aos quais sou ligada intelectual e afetivamente, e que, sem

dúvida, foram os primeiros mais importantes, em língua portuguesa, para

pensar e operar uma prática analítica educacional, perspectivada desde a

teorização “pós”; trabalhei também com um texto de Walkerdine (1995

[Psicología del desarrollo y pedagogía centrada en el niño:

la inserción de Piaget en la educación temprana) [...]

Realizo, ali, um Inventário de 60 respostas, retirado

desses textos; as quais, garanto, se não [são] mais universais e

baseadas em princípios, ao menos, [são formuladas] a partir das

ressignificações da Pedagogia, do Currículo e da Cultura, que vimos

constituindo (CORAZZA, 1998; 2014, p.44). Respostas que

apontam que essas ressignificações somente são possíveis se

experimentarmos a escrita-leitura, como desprendimento de

nós próprios, dos clichês, das ideias feitas, dos

pensamentos prontos, das verdades acabadas, do já pensado,

já dito, já sentido.

9. 11

Eu, ainda, poderia citar muitas “Matérias de escrita”

(Chico), muitas produções nossas, coletivas, de vários

Bandos e Matilhas, como os livros: Composições (2003); Linhas

de escrita (2004); Fantasias de Escritura (2010); Abecedário da

educação (2009); Dicionário das ideias feitas em educação (2011);

mais todos os nossos sete/oito/nove Cadernos de Notas da

Coleção Escrileituras; ou mesmo produções individuais (se elas

existem), como os meus livros mais queridos, quais sejam:

Para uma filosofia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros

malditos afins (2002); Artistagens (2006); e Os cantos de Fouror:

escrileitura em filosofia-educação (2008); O que se transcria em educação?

(2013). Sem contar as produções que estão aí, se

consolidando, como a nossa querida revista Polichinello; ou o

admirado Dicionário Raciocinado das Licenciaturas, coordenado por

Luciano Bedin; ou Parafernálias, organizadas por Wagner Ferraz

e Dani Noal, que vem se firmando, para ficar.

10.

Há muitas letras dispostas já. Algumas pitadas delas.

10.1.

Em 2006, no livro Artistagens, escrevi na seção Como um

cão:

Teoria materialista. – Fazer uma teoria materialista da escrita é:

1) expressar um mundo possível; 2) pôr eventos a bailar; 3) desmascarar a

mediocridade e a compaixão; 4) denunciar a crueldade, a hipocrisia e o

ressentimento; 5) execrar o prosaísmo, a vulgaridade e o tédio; 6) perguntar

pelo valor dos valores; 7) transvalorar a moral tradicional que habita a

educação.

12

Quando? (A que horas escrever?) – Pode ser a qualquer hora. A

preferida é a meia-noite, o fim da noite, a hora mais noturna, a mais

misteriosa, a mais obscura, a mais deserta, hora das bruxas e das aparições,

das falas com o demônio, hora dos grandes enigmas, hora do trânsito, da

passagem, hora na qual termina um dia e começa o seguinte, ponto crucial

entre uma jornada e outra.

Quis? (Quem?) – Quem escreve de modo artista? Ora, são os animais de

rapina, os selvagens sagazes, os franco-atiradores, os ousados, terrestres,

estrangeiros, guerreiros, legisladores, artistas, pensadores, poetas,

afirmadores, experimentadores e criadores, que agem em nome da doutrina

do círculo vicioso e dela fazem a condição sine qua non da escrita universal.

Aqueles que escrevem excedendo-se e reservando-se o direito de malograr.

Aqueles que escrevem não porque possuam um projeto de escrita e tentam

realizá-lo, mas que encetam o ato de escrever para ver se existe uma

intensidade que produza alguns efeitos. Escritores da inocência alegre de um

en-fant que só sabe falar a única palavra ajuizada: – Sim!

10.2.

No livro Os cantos de Fouror, de 2008, proferi o Manifesto

(della scrilettura cannibale), o qual começava e terminava assim:

só a antropofagia nos une

escrileituralmente

expressão mascarada da

escrita-pela-leitura e da leitura-pela-escrita

bravos combates das máquinas de guerra

única lei do mundo da escrita-leitura (écrilecture)

síndrome de Saturno

ogro que engole mais que devora 13

olho esbugalhado boca escancarada

um velho louco

goya

[...]

ação escrileitora

de experiências renovadas de queima do tempo nas praças

de alegria com o largado e o descoberto

de supressão das paralisias do pensamento

por procedimentos fantasmagóricos

acreditar em nada fazer estrelas

engolir inimigos sacros especialmente são paulo

lutar contra o cotidiano mecânica de fazer versos oficinas de escrita

questionários morais de leitura

humana aventura terrena finalidade

com alicerces molhados

sem derramar lágrimas

sem o mais alto sentido da vida

contra

a poesia que foi pau-brasil e pau-no-brasil

agora

escrileitura-(scriletture)-de-pau-e-pedra

sem sala de jantar domingueira

sem passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas

sem sujeito magro compondo valsa pra flauta

sem maricota lendo o jornal

nele já não anda o presente

hoje só o fantástico14

agora

textos-de-pau-e-pedra-com-e-sem-brasil

sem fórmulas pra extemporâneas expressões

senão vão sufocar

outra vez

estado de inocência absoluta

novas

perspectivas notas escalas

novos

conceptos perceptos afectos

pela invenção e pela surpresa

novas

no

10.3.

E, datadas de 2013 D.C, assaltemos as minhas

luteranices (em estilo) das “50 Teses sobre Escrileitura”,

publicadas, oficialmente, pela primeira vez, no volume 16

da Pollichinelo, em 2014, dentre as quais, encontramos:

a) A introdução, que diz:

Com um desejo ardente de trazer a verdade sobre a Escrileitura à luz,

as 50 teses seguintes serão defendidas nas catedrais de WITTCAPESBERG,

CHEPPENQUE e VANNPÉDY, sob a presidência da necromanceira

Warhammera Warga de Wolwea y WHASANSA, Mestra Trolla das Artes, MestrA

Orca da Sagrada Misosofia, MestrA Uruka dos Heroscapers e Professora

doutora Goblina de Comunicação Oficial das mesmas. Ela solicita que todos

os que não puderem estar presentes para com ela disputar verbalmente,15

façam-no por escrito. E BEM ESCRITO. In nomine domini nostri excelsi

vocationem. Amém.

E algumas Teses, como as 5 primeiras:

1. Práticas de Escrileitura, sem crer que um determinado tipo de

leitura e de escrita, como o Científico, traz felicidade à humanidade.

2. Tão rara como a paixão amorosa, a Escrileitura é região pantanosa

para o mito narcísico, egos equilibrados e associação à verdade.

3. A Escrileitura participa dos benefícios do próprio medo à

autocatatonia complacente.

4. A Escrileitura tem muita cautela com a auto-depreciação.

5. Como a Escrileitura não é realizada nem por amor nem por ódio,

não se queixa nem dá queixa; não recrimina nem insulta; não se idealiza,

desvalorizando outras escritas e leituras.

11.

Por aí, andamos. Mas, começo a puxar o freio da

língua, sob pena dessa Conferência parecer demasiadamente

longa e correr o risco de não abrir nada, mas obstaculizar

a passagem do que está por vir. Só ajo assim, de maneira

mon(s)tradora, em função de dois motivos bem honestos

(diria o Cristiano Bedin).

1º. Para dar a ver um pouco da concretude de que,

nunca, em nossos trabalhos de pesquisa e de escrita-

leitura, nos esforçamos para transformar num possível, isto

é: a impossibilidade de demarcação entre literatura,

educação, filosofia e vida. Por um motivo simples: isso não

nos interessa. E, ainda mais, por nos parecer uma renomada

idiotice a preocupação em definir um objeto que esteja

16

delimitado por esses

âmbitos/campos/áreas/disciplinas/territórios.

2º. Em segundo lugar, opero desse modo porque, em

função da já curta duração da minha existência, daqui a

pouco, estarei indo desta para melhor (será melhor? sempre

duvidei deste ditado!), e constatar que é preciso deixar

registrado, nos ouvidos daqueles que viverão, durante mais

tempo, no século XXI (que já vai à galope), algumas lutas que

lutamos, que continuamos e que vocês continuarão lutando,

para arejar a mortandade em vida, que vêm sendo, nesses

últimos séculos, a leitura e a escrita em educação.

Mesmo porque existem jovens que estão chegando, mas

acham que a horta, da qual cuidamos, que aguamos, há mais

de vinte anos, e que os acolhe, lhes dá guarida e alguma

sustentação, deixando que abram portas e janelas para

múltiplas formas de conteúdo e de expressão, caiu dos Céus

ou sobrou do Dilúvio, graças a Noé; ou é inspirado pelas

Musas; ou lhes pertence de direito, por serem tão

brilhantes e geniais.

12.

Quando, em verdade, em função das nossas escolhas de

prioridades, de ênfases, de inflexões nas experimentações,

cada vez mais acredito que somos iguais a El perro semi-hundido

de Francisco Goya y Lucientes, conhecido como El perro, com

sua cabecinha de fora, para, no mínimo, continuar

respirando e subindo e lutando, sem morrer. Cada vez mais,

nos parecemos com El perrito, uma das mais importantes e belas

telas, dentre as Pinturas Negras de Goya, que decoravam os17

muros da casa da Quinta del Sordo, ficando à esquerda da porta

de entrada.

(Entre parênteses.) Interessante é que, entre 1863 e 1874,

o fotógrafo francés Jean Laurent fotografou essas Pinturas

Negras, antes que elas fossem retiradas dos muros, sob a

curadoria financeira de um banqueiro francês, para serem

restauradas e transformadas em telas, com a intenção de

vendê-las na grandiosa Exposição Universal de Paris de

1878. Felizmente, para nós todos, as obras não atraíram

compradores e o próprio banqueiro as doou ao Museu do Prado,

onde se encontram até hoje.

Na fotografía, antes da remoção e restauro, ainda pode

ser vista uma paisagem de fundo, formada por uma grande

rocha e por alguns vultos de pássaros, aos quais o cãozinho

parece olhar. Em seu estado atual, o quadro, austero,

apenas apresenta a cabeça de um cachorro, escondida ou

semi-afundada, sobre um plano inclinado, pintado de ocre

escuro, e um espaço vertical, em ocre mais claro; tudo

isto ausente de qualquer outra figura, seja a pedra, seja

os supostos pássaros. O olhar da cabeça do cãozinho se

dirige para cima, indicando, talvez, a sua total solidão e

desamparo, a não ser a sua vontade de potência de mais vida

que cria vida. (Como nosotros, que nos amamos tanto!)

13.

Que fique bem dito: tanto os esforços individuais como

os dos nossos diversos bandos, que duram mais de duas

décadas, seguem em direção a um único ponto: que os

educadores que estão vindo não aceitem nenhuma retração,18

não façam nenhum recuo, não autorizem qualquer retrocesso.

Como escreveu William Faulkner, em O intruso, p.154:

Certas coisas você deve ser sempre incapaz de aguentar. Certas

coisas você nunca deve parar de se negar a aguentar. Injustiça e

afronta e desonra e vergonha. Não importa se você é muito jovem ou

se está muito velho. Nem por prestígio nem por dinheiro: nem por seu

retrato no jornal nem pela conta no banco. Simplesmente se negue a

aguentá-las.

Concessões, recuos, retrações, do nosso ponto de

vista, injustificáveis e covardes, de uma alegada pureza da

educação. (Se isso acontecer, juro que, nas madrugadas, depois que eu me

for, virei puxar os seus pés, quando dormirem. E lançarei a maldição de nunca,

nunca, nunquinha, terem um artigo aceito por um periódico Qualis A1!)

14.

Se os filósofos, desde sempre, se interrogaram sobre a

literatura – mesmo encarando-a com suspeita, temor,

perplexidade, desdém, virada de nariz, amor inconfessado ou

paixão –, os que se dedicam à educação pareceram sempre

preocupados com a ingerência da filosofia e, em maior

medida, da literatura, da poesia, das artes, coibindo-se,

por sua vez, de interrogá-las, a partir dessa intersecção.

15.

Viver, educar e escrever nessa intersecção, se não

impede, dificulta pressupor que se pode apreender alguma

coisa, considerada a dita “realidade escolar”, para só

então adquirir habilidade para nela intervir. Neste caso, a

escrita em educação, por mais imparcial, científica ou

rigorosa que pudesse ser, conseguiria alcançar o âmago19

verdadeiro dos acontecimentos cotidianos do tal e tão

aclamado “chão de escola”, como se ele tivesse uma essência

inabalável.

Tomaz (2007, p.314), um dia, no texto Políptico, na

Educação em Revista de Belo Horizonte, escreveu que nós

escrevíamos do jeito que escrevíamos: “porque não temos

negócio com a objetividade. Nem com a subjetividade. Não

botamos nossas fichas na descontinuidade entre objeto e

sujeito. Ou entre linguagem e o mundo. Porque cremos que

escrever é só escrever”.

16.

Julio Groppa e um orientando seu em 2012, na revista

Textura, registraram: “Ao que parece, o espelhamento fiel do

mundo nunca foi uma das potencialidades da escrita. Antes,

sua turvação, seu desrespeito, sua febre. De tal modo que

jamais as descrições, incluindo as nossas, das escolas

deveriam ser tomadas a sério ou gravemente. São ficções, no

mais das vezes, sólidas, concretas, operacionais; e é

tudo”.

17.

Nesta direção, vemos como a nossa relação com o mundo

da Educação (e não somente com ele) muda de figuração.

Mesmo após mais de duas décadas, defendemos a necessidade

de reconhecer e de fazer reconhecer a atitude rebelionária

e crítica de uma escrileitura em educação, junto, entre, no

meio, misturada, com a literatura e a filosofia, que

permanece inclassificável, mas nunca inibidora ou

paralisante. É por isso que preferimos ser impuros,20

híbridos, mestiços: para que o pensamento da educação se

transcrie sem cessar; para que, desse modo, ao menos, possa

criar as condições da esperança de renascer com uma força

infinita.

18.

Nossas práticas de liberdade de escrever-e-ler não são

fruto de criatividade espontânea ou de esteticismo estéril,

mas a articulação de novas maneiras dos saberes traduzidos

para as escrileituras. Deve ser por isso mesmo que

escrevemos o que e como escrevemos: porque estamos

acompanhados. E somos uma multidão, já, de estudantes,

colegas professores e todos os bandos, espalhados por aí,

neste mundão velho sem porteira, que se deixaram afetar por

elas. E isto é tudo o que pode ser lido, tudo que se abre à

escrileitura de outros, sem que haja codificação de nenhuma

fantasia.

19.

Como, em 1851, quando Michelet foi exonerado do Collége

de France, e seus alunos lhe disseram, para reconfortá-lo:

“Não aprendemos nada com o senhor. Somente nossa alma,

ausente, voltou para dentro de nós”.

Assim, acho que também posso dizer que gostaríamos que

vocês nos dissessem, mais ou menos isso. Tal como eu, em

sonho ou alucinação, escuto vocês dizendo, por meio dos

seus artigos, revistas, livros, teses e dissertações: Não

aprendemos a escrever com vocês. Somente o nosso querer-escrever, nossa

scripturire, nosso desejo de escrever, que estava ausente, voltou para dentro de

nós. 21

[Se assim for, acreditem, nós seremos felizes! E vocês não escreverão

mais para atender nenhuma demanda exterior; mas unicamente para

contentar o Desejo de Escrever, cujo ponto de partida é a alegria, o júbilo, a

satisfação, um êxtase, uma mutação, uma iluminação, um abalo. E, assim,

vocês terão evocado e recompensado a nossa trabalheira, para sempre. E

seremos gratos a vocês. Por ter valido todas as penas e dores, todos os

produtos fracassados e maus resultados.]

20.

Para encerrar de fato e cerrar a cortina desta

Conferência – que deve abrir, deixar passar ar fresco, não

obstaculizar – concluo, retirando excertos de um texto que

escrevi há 13 anos, no livro Para uma filosofia do inferno na

educação (CORAZZA, 2002, p.92-93).

Com as nossas escrileituras em/entre/com educação-

literatura-filosofias-artes-ciências: Cavamos terras. Incubamos

sementes. Sonhamos à luz da Lua. Fazemos alianças com o Sol. Corremos com

os lobos. Acendemos fogos criadores. Estrumamos solos. Fertilizamos

conceitos. Transplantamos mudas. Plantamos bulbos para a Primavera.

Descobrimos mortos. Recolhemos ossos. Cortamos carnes. Bebemos sangue.

Arrancamos peles e pelos. Misturamos reinos. [...] Perseguimos águias e

raposas. Desarmamos predadores. Povoamos desertos. Convocamos a força do

vento e do redemoinho.

Rimos e cantamos, dançamos e acarinhamos, choramos e ficamos

[raivosos]. Farejamos perigos. Afiamos nossas garras. Alienamos o conhecido e

familiar. Gritamos palavras indizíveis. Invocamos as estranhezas. Usamos

chaves proibidas. Pulamos cercas, muros, obstáculos. Rastreamos rizomas e

alegrias. Eliminamos cancros, desejos não-satisfeitos, queixas, culpas, ofensas,

fatos morais, arrazoados, tudo o que se enraíza em si mesmo. Sopramos almas22

sobre o que está doente e triste. Adentramos nas grutas, trevas, ares, tempos.

Arrancamos escritos, cantos e poesias das entranhas. Fluidificamos o que nos

impede de deslizar e irromper [...].

Dizemos não às histórias impostas [...] e mergulhamos em um mundo-

entre-mundos [...]. Encontro realizado no infinito, todo feito de névoa cósmica,

inefável, rarefeita e imperceptível, que é onde [nossa escrileitura é e não é, está

e não está, e toda a sua substância é sempre diáfana]. Névoa, por onde

passam o amor e o sexo e a morte e a vida e a criação e a destruição e tudo o

que é irredutivelmente [escrita-e-leitura]. Ou seja, tudo o que é diabólico e

divino, dada a sua multiplicidade, como nações do mundo que somos.

OBRIGADA.

Referências

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Abecedário: educação da diferença. Campinas, SP: Papirus,

2009.

BAUDRILLARD, JEAN. A transparência do mal: ensaio

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Abreu.) Campinas, SP: Papirus, 1992.

CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. São Paulo: Ed. 34, 2004.

CORAZZA, Sandra Mara. Artistagens: filosofia da

diferença e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

CORAZZA, Sandra Mara. Escrileituras: um modo de ler-

escrever em meio à vida. Projeto de Pesquisa – Plano de trabalho

(Observatório da Educação, Edital 038/2010), apresentados a

CAPES-INEP em setembro de 2010. 27p. (Texto digitalizado.)

CORAZZA, Sandra Mara (Org.). Fantasias de escritura:

filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010,

p.143-171.23

CORAZZA, Sandra Mara. Manual de auto-ajuda para

intelectuais da educação. 60 maneiras de responder à

pergunta: “o que fazer após a orgia?”. Educação &

Realidade, vol. 23, nº 2, jul/dez 1998, p.43-62.

CORAZZA, Sandra Mara. Memorial de Vidarbo:

escrileitura biografemática. Apresentado à Comissão

Especial de Avaliação para solicitar Promoção à Classe E de

Professor Titular da Carreira do Magistério Superior. Porto

Alegre, 15 de outubro de 2014. (Texto digitado.) 506 p.

CORAZZA, Sandra Mara. Os cantos de Fouror:

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Ed. da UFRGS, 2008.

CORAZZA, Sandra Mara. Para uma filosofia do inferno na

educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins. Belo

Horizonte: Autêntica, 2002.

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CORAZZA, Sandra Mara; AQUINO, Júlio Groppa (Orgs.).

Dicionário das ideias feitas em educação. Belo Horizonte:

Autêntica, 2011.

CORAZZA, Sandra; TADEU, Tomaz. Composições. Belo

Horizonte: Autêntica, 2003.

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escrita: por um endereçamento não metafísico ao gesto

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p.3-21.

24

KLOSSOWSKI, Pierre. Nietzsche e o círculo vicioso.

(Trad. Hortência S. Lencastre.) Rio de Janeiro: Pazulin,

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TADEU, Tomaz. Políptico. Belo Horizonte, Educação em

Revista, v. 45, jun. 2007, p. 309-322.

TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas

de escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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