Envelhecimento como doença: "fatos biológicos" e controvérsias morais e científicas na...

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1 Envelhecimento como doença: “fatos biológicos” e controvérsias morais e científicas na construção da medicina anti-aging. 1 Fernanda dos Reis Rougemont PPGSA/UFRJ Resumo: O trabalho apresenta as controvérsias em torno da medicina anti-aging a partir do projeto biotecnológico SENS, do biogerontologista Aubrey de Grey. O objetivo é analisar as interpretações divergentes dos “fatos biológicos” que embasam o discurso biomédico do envelhecimento, buscando ressaltar a pertinência do componente biológico para a perspectiva antropológica e destacar as questões metodológicas e teóricas levantadas por essa abordagem. A análise apresenta as controvérsias científicas e morais em torno da intervenção no envelhecimento e a pertinência da dicotomia natureza-cultura no debate do papel da medicina e dos limites da intervenção da ciência no contexto da consolidação da genética e da medicina regenerativa. Ressalta-se a relação entre o projeto anti-aging e preocupações sociais, econômicas e políticas a respeito do envelhecimento da população. Palavras-chave: Envelhecimento; Medicina anti-aging; Biotecnologia. Introdução Paul Rabinow e Nikolas Rose (2006) se dispõem a atualizar o conceito de biopoder de Foucault, considerando o contexto histórico do século XXI. Nesse empreendimento, os autores caracterizam a passagem, no âmbito da biopolítica, do foco na dimensão macro para micro, ou da molar pra a molecular, destacando a emergência 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Envelhecimento como doença: “fatos biológicos” e controvérsias morais e

científicas na construção da medicina anti-aging.1

Fernanda dos Reis Rougemont

PPGSA/UFRJ

Resumo: O trabalho apresenta as controvérsias em torno da medicina anti-aging a partir

do projeto biotecnológico SENS, do biogerontologista Aubrey de Grey. O objetivo é

analisar as interpretações divergentes dos “fatos biológicos” que embasam o discurso

biomédico do envelhecimento, buscando ressaltar a pertinência do componente

biológico para a perspectiva antropológica e destacar as questões metodológicas e

teóricas levantadas por essa abordagem. A análise apresenta as controvérsias científicas

e morais em torno da intervenção no envelhecimento e a pertinência da dicotomia

natureza-cultura no debate do papel da medicina e dos limites da intervenção da ciência

no contexto da consolidação da genética e da medicina regenerativa. Ressalta-se a

relação entre o projeto anti-aging e preocupações sociais, econômicas e políticas a

respeito do envelhecimento da população.

Palavras-chave: Envelhecimento; Medicina anti-aging; Biotecnologia.

Introdução

Paul Rabinow e Nikolas Rose (2006) se dispõem a atualizar o conceito de

biopoder de Foucault, considerando o contexto histórico do século XXI. Nesse

empreendimento, os autores caracterizam a passagem, no âmbito da biopolítica, do foco

na dimensão macro para micro, ou da molar pra a molecular, destacando a emergência

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN.

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de novos métodos de individualização e concepções de autonomia relacionadas à saúde,

à vida, à liberdade, à felicidade, compreendidas em termos corporais e vitais.

Os autores defendem que o conceito de “biopoder” remete a um campo

composto por tentativas, mais ou menos racionalizadas, de intervir sobre as

características vitais da existência humana. De acordo com a conceituação de Rabinow

e Rose (Idem, p. 23), o biopoder refere-se a um plano da atualidade que inclui discursos

de verdade sobre o caráter ‘vital’ dos seres humanos e um conjunto de autoridades

consideradas competentes para falar aquela verdade; estratégias de intervenção sobre a

existência coletiva em nome da vida e da morte; modos de subjetivação através dos

quais os indivíduos são levados a atuar sobre si mesmos a partir dos discursos sobre a

verdade, em nome de sua vida e saúde.

Esta perspectiva teórico-conceitual permite analisar, de maneira mais ampla, os

diversos fatores e agentes envolvidos na questão do envelhecimento da população na

contemporaneidade, através de transformações no discurso médico-científico. O

surgimento de novos elementos na compreensão da vida e do desenvolvimento humano,

como a ascensão da genética, o sequenciamento do genoma humano e a formação do

campo da medicina regenerativa, trouxe uma série de questões a respeito da concepção

do processo de envelhecimento e do papel da medicina nesse contexto.

A figura do biogerontologista Aubrey de Grey, da Universidade de Cambridge,

através da criação do projeto SENS – Strategies for Engineered Negligible Senescence

– expõe a emergência de rupturas na ciência do envelhecimento e um reordenamento de

forças em busca da legitimidade para definir as diretrizes médico-científicas para lidar

com esse aspecto da vida humana. A atuação de Aubrey de Grey dá visibilidade às

controvérsias que mobilizam diferentes agentes, cujos posicionamentos estão associados

às diferentes perspectivas dos processos de saúde e doença na caracterização do

envelhecimento como problema médico e remetem às demandas do atual estágio da

expectativa de vida nas sociedades ocidentais.

Ao defender que a senescência – o envelhecimento estritamente biológico – é

uma patologia que precisa ser tratada pela medicina e que isso já é possível através de

recursos biotecnológicos, Aubrey de Grey se contrapõe ao modelo geriátrico e

gerontológico consolidado, apontando suas falhas e ineficiência.

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Para analisar as controvérsias em torno da construção de uma medicina anti-

aging e identificar as condições que estimulam o combate ao envelhecimento é

necessário compreender o ponto de vista daqueles envolvidos nas disputas. O conflito,

contudo, ocorre do ponto de vista médico, para o qual a materialidade orgânica é

fundamental na caracterização do envelhecimento. É necessário, portanto, observar o

lugar do componente biológico, o qual invariavelmente passa pelo discurso das

biociências.

O objetivo deste trabalho é analisar as interpretações divergentes dos “fatos

biológicos” que embasam o discurso biomédico sobre o envelhecimento. Por ser um

fenômeno cuja materialidade é fundamental para seu significado, esta análise busca

ressaltar a pertinência do componente biológico para as pesquisas de envelhecimento na

Antropologia, destacando as questões metodológicas e teóricas levantadas por essa

abordagem.

Este trabalho é uma reflexão a partir da dissertação “Viver mais e envelhecer

menos: a “fonte da juventude” como projeto científico”, defendida em janeiro de 2014.

A pesquisa foi realizada a partir de artigos e livros publicados por Aubrey de Grey,

textos de divulgação da fundação SENS e pesquisas que dialogam com a proposta de

intervenção no processo de envelhecimento, selecionadas a partir de duas das principais

revistas científicas – Science e Nature. Através desta pesquisa bibliográfica, foram

identificados os principais interlocutores de Aubrey de Grey, opositores e aliados direta

e indiretamente, a fim de caracterizar o debate em torno da proposta de combate ao

envelhecimento e compreender de que maneira a noção “anti-aging” altera o significado

de “envelhecer”. A partir dos fatores observados na pesquisa, questiona-se de que modo

a produção da biociência a respeito do envelhecimento deve ser incorporada à análise

antropológica.

A construção da medicina anti-aging

Promover uma mudança de concepções e métodos a respeito de práticas médicas

implica, primeiramente, que sejam reconhecidas as vantagens perante o modelo

anterior. Entretanto, esta tarefa envolve fatores que estão para além do que é

considerado estritamente “médico” e “científico”.

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No século XIX, a medicina moderna adotou uma abordagem do corpo humano

em termos de uma anatomia patológica, tornando o processo degenerativo corporal um

objeto a ser investigado no nível de células e tecidos. Neste contexto, a velhice foi

definida como estágio específico do curso da vida, com características distintas, e

marcada por sinais sistemáticos da senescência (Katz, 1995). Com a criação da

gerontologia, na segunda metade do século XIX, a categoria idoso passou a designar um

grupo supostamente homogêneo de indivíduos que compartilhavam um mesmo estágio

da vida, com condições físicas e morais similares (Debert, 2004). Os discursos dos

especialistas moldaram uma concepção de envelhecimento como um processo contínuo

de perdas e de dependência. A velhice passou a designar indivíduos fragilizados,

vulneráveis, com demandas de cuidados específicos. Como fase da vida, a velhice foi

submetida a um crescente processo de medicalização, sendo definida e descrita em

termos médicos, na linguagem própria da medicina e tratada por intervenções médicas

(Conrad, 1992).

Embora a senescência tenha um reconhecido aspecto patológico devido ao

surgimento de doenças específicas, as chamadas age-related-diseases, esse processo

tem sido tratado pela ciência especializada como aspecto natural, inevitável e intrínseco

à condição humana. Os seres humanos possuem, naturalmente, uma duração de vida

limitada, sendo, portanto, tarefa da medicina garantir o máximo de vida saudável

possível através do controle das doenças e enfermidades típicas da velhice.

Stephen Katz (1995) destaca a diferença entre expectativa de vida (life

expectancy) e duração de vida (lifespan). O primeiro termo se refere a uma noção

estatística da média de duração de vida das pessoas em uma sociedade, ao passo que a

duração de vida se refere ao limite extremo da longevidade humana, raramente

alcançado, que incorpora os limites da vida humana, calculados em 110 anos. A partir

da noção de duração de vida (lifespan), Katz analisa a mudança na perspectiva da

natureza humana, na qual a visão renascentista da potencialidade de longevidade é

substituída pelo princípio iluminista da duração de vida como um marcador simbólico

das leis da natureza.

As recentes pesquisas demográficas têm apontado a aproximação da expectativa

de vida (life expectancy) aos supostos limites biológicos da duração de vida humana

(lifespan). Esse é um fator fundamental para a avaliação das condições de vida e

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definição das atribuições médicas. O otimismo dos ganhos em expectativa de vida tem

contrastado com os cálculos dos gastos com a saúde e da insuficiência de recursos para

uma sociedade com mais velhos, promovendo uma revisão da longevidade como meta.

As condições desta vida mais longa e as possibilidades de redução da morbidade na

velhice se tornam uma preocupação crescente, ao passo que a dimensão do problema

permanece incerta na medida em que surgem questionamentos a respeito da existência

de um limite biológico para a vida. Dentre os questionadores, os demógrafos James

Vaupel e Jim Oeppen (2002) afirmam não haver evidências que contribuam para a ideia

de que os ganhos em expectativa de vida serão reduzidos nos próximos anos. Ao

contrário, os autores defendem que a crença neste limite máximo pré-determinado é um

agravante nos impactos socioeconômicos da longevidade na medida em que impede o

planejamento, tanto público quanto privado, e compromete a organização da sociedade

em longo prazo.

Neste contexto, o projeto da medicina anti-aging defendido por Aubrey de Grey

se destaca pela desconstrução das concepções hegemônicas no campo

geriátrico/gerontológico atual. Ele atribui a resistência em buscar soluções para o

envelhecimento físico a interpretações equivocadas sobre a natureza humana e ao

desconhecimento dos processos biológicos que constituem a senescência do organismo.

Seu discurso é compatível com questionamentos produzidos pelos avanços em áreas

científicas contemporâneas, como a nanotecnologia, a genética e a neurociência, os

quais ele utiliza para contrapor a legitimidade do modelo médico vigente, considerando-

o paliativo e obsoleto, na medida em que não pode responder às necessidades da

longevidade atual.

A medicina anti-aging proposta por Aubrey de Grey propõe uma concepção

específica do envelhecimento e da velhice, que depende da acepção singular de natureza

humana, do corpo humano e do significado do envelhecimento na história da

humanidade. A nomenclatura anti-aging supõe uma forma distinta de medicina,

pensada em termos que destoam de uma versão anterior, com a qual se quer romper.

São, portanto, representações distintas. Para alcançar as diferenças entre os opositores e

proponentes da medicina anti-aging, contudo, é preciso compreender as interpretações

que compõem as diferentes perspectivas. Neste caso, tais interpretações dizem respeito

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principalmente aos fatos biológicos a partir dos quais os cientistas deduzem suas

afirmações.

As críticas feitas à produção científica pela Antropologia se mostraram frutíferas

para compreender a própria relação entre as ciências e o significado do saber científico

no Ocidente. Bruno Latour (2011) busca mostrar a relação entre o saber e as relações de

poder, bem como os fatos científicos dependem de uma longa cadeia de associações de

atuantes distintos. Embora a perspectiva da construção dos fatos científicos seja

fundamental para a perspectiva antropológica, uma vez que o objetivo é compreender as

controvérsias do discurso biológico do envelhecimento as proposições das biociências

que embasam os discursos divergentes precisaram ser tomadas como referencial. Neste

sentido, os processos biológicos considerados constitutivos da senescência não foram

questionados em sua validade explicativa, mas considerados como elementos

constitutivos dos modelos concorrentes.

Esta abordagem permite identificar as representações do corpo e da natureza

humana que dão base tanto à perspectiva de envelhecimento como doença de Aubrey de

Grey, quanto à perspectiva de seus opositores, muitos dos quais consideram a

intervenção no processo de senescência para a expansão radical da duração de vida um

objetivo inviável. É necessário considerar que estamos lidando com duas formas de

discurso distintas. Analisar o discurso médico-científico neste contexto significa

assumir que os "fatos biológicos", tal como são enunciados e independentemente da

forma como foram construídos, têm um valor objetivo na forma como a saúde e a

doenças são pensadas e, consequentemente, na forma como o envelhecimento é

representado. Esta leitura, em certa medida ambígua, mostrou-se necessária para

compreender de que maneira a proposta da medicina anti-aging do SENS se diferencia

e contrapõe a forma como o envelhecimento é pensado pelo modelo antecessor.

Aubrey de Grey e a Fundação SENS

A crítica de Aubrey de Grey é direcionada ao objetivo médico de combater

doenças relacionadas à velhice. Do seu ponto de vista, há um equívoco na distinção

entre o processo de envelhecimento em si e as doenças associadas à velhice. Aubrey de

Grey defende que as doenças são sinais de um problema maior e o alvo da medicina

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deve ser o envelhecimento em si mesmo. Essa afirmação parte da definição de

envelhecimento de Aubrey de Grey, que consiste no “conjunto de efeitos colaterais do

metabolismo que altera a composição do corpo ao longo do tempo, tornando-o

gradativamente menos capaz de se automanter e assim, finalmente, progressivamente

menos funcional.” (De Grey, 2006, p.279, tradução minha)

Na perspectiva de Aubrey de Grey, o envelhecimento é resultado do processo

metabólico normal do organismo. O metabolismo é definido por ele como uma

complexa rede de processos geneticamente programada e necessária para a manutenção

do corpo. Entretanto, esses processos produzem efeitos colaterais que acumulam e

causam danos (De Grey, 2006, 2008a). Neste âmbito, Aubrey de Grey rejeita uma visão

generalista do envelhecimento e busca apresentar as principais causas desse fenômeno

no organismo, evidenciando os eventos bioquímicos que conduzem à degeneração do

corpo. Para isso, divide a senescência em sete processos de danos principais, definidos a

partir da literatura já existente sobre o tema.

Tipo de dano Proposta de reparo (eliminação)

Cell loss, cell atrophy

Perda celular

Stem cells, growth factors, exercise

Células-tronco

Senescent/toxic cells

Células Senescentes/ tóxicas

Ablation of unwanted cells

Remoção das células indesejadas

Oncogenic nuclear

mutations/epimutations

Mutações nucleares oncogênicas/

epimutações

“WILT” (Whole-body Interdiction of

Lengthening of

Telomeres)

Interdição do alongamento dos telômeros

em todo o corpo

Mitochondrial mutations

Mutações mitocondriais

Allotopic expression of 13 proteins

Expressão alotrópica de 13 proteínas

Intracellular aggregates Microbial hydrolases

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Agregados Intracelulares Hidrolase microbial

Extracellular aggregates

Agregados Extracelulares

Immune-mediated phagocytosis

Fagocitose Imunologicamente Mediada

Extracellular crosslinks

Ligações Cruzadas Extracelulares

AGE-breaking molecules

Moléculas Quebradoras de AGEs

A divisão da senescência em sete processos específicos reduz a amplitude do

fenômeno geral a processos menores e interligados que permitem sua racionalização e

controle. Neste ponto, a noção dos danos é fundamental, já que todo o programa do

SENS é baseado na intervenção para evitar que os efeitos colaterais alterem a

“programação” original do corpo. A proposta do SENS não é alterar o metabolismo,

mas desenvolver o melhoramento (enhancement) do corpo, aperfeiçoando suas

capacidades às necessidades metabólicas, partindo do princípio de que o corpo possui a

capacidade latente de se regenerar.

A minuciosa descrição do corpo como um sistema a nível molecular, baseada em

pesquisas consolidadas na biogerontologia, mostra uma série de processos que

funcionam perfeitamente e de maneira previsível, mas que ao longo do tempo são

perturbados por situações imprevistas, com as quais o organismo não tem recursos para

lidar. Em outras palavras, não está geneticamente preparado para processar as alterações

no ambiente celular promovidas pela danificação de componentes celulares.

Aubrey de Grey pretende demonstrar como pequenas alterações promovem uma

série de disfunções em um processo de acúmulo e defeito, intensificados de modo

diretamente proporcional. Um aspecto central da apresentação sistemática destas falhas

é a associação com condições específicas que caracterizam as mais diversas doenças,

tais como diabetes, arteriosclerose, mal de Parkinson, câncer, mal de Alzheimer,

catarata, além do enfraquecimento do sistema imunológico e a oxidação das células de

todo o corpo. Com o SENS, Aubrey de Grey associa as doenças específicas diretamente

ao processo inicial de acúmulo de danos. Desta forma, ele torna o processo de

senescência indissociável das doenças.

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O envelhecimento biológico é assimilado pela concepção da degeneração, na

medida em que é apresentado em termos de falhas gerais, sistemáticas e que se

intensificam continuamente tornando os indivíduos cada vez mais debilitados. Aubrey

de Grey utiliza os princípios da medicina regenerativa para viabilizar a reversão da

senescência, dando a esta intervenção médica o sentido da revitalização corporal.

Como destacam Rodrigues, Leibing e Saint-Hilaire (2008), a medicina

regenerativa tem como diferencial a investigação de mecanismos autorregenerativos nas

células para colocá-los em operação. As distintas linhas de pesquisas da medicina

regenerativa apresentam a regeneração como uma dimensão da natureza humana que

abre uma gama de possibilidades medicinais e que permite aprofundar a compreensão

do desenvolvimento do organismo (Maienschein, 2006). Especialmente as pesquisas de

células-tronco embrionárias, que podem produzir qualquer tipo de tecido, estimulam a

perspectiva de um potencial criativo para fins medicinais ainda a ser explorado. Com

essa abordagem o próprio corpo é utilizado como meio para que, através da intervenção

tecnológica, suas falhas sejam suprimidas. A pretensão é utilizar o potencial

regenerativo latente para proteger o corpo dos efeitos deletérios do metabolismo.

Entre fatos biológicos e representações: consensos e controvérsias

Para Aubrey de Grey o principal obstáculo para o estabelecimento de

tratamentos que combatam a senescência está no fato do declínio funcional do corpo

não ser considerado ele mesmo uma doença. Neste âmbito, Aubrey de Grey acusa seus

opositores de estarem presos em um “transe pró-envelhecimento”, visto que a

resistência não estaria baseada nas evidências, mas em uma crença moral de que o

envelhecimento é inerente à natureza humana e não pode ser alterado.

Por que a medicina deve intervir? Na perspectiva de Aubrey de Grey esta

responsabilidade está no motivo pelo qual envelhecemos biologicamente: nós nos

mantemos vivos por mais tempo graças ao processo de civilização, que garantiu que as

principais causas de morte prematura - doenças, penúria e predação - fossem afastadas.

Nosso corpo, contudo, não tem ainda o aparato biológico para lidar com essas

transformações nas condições de vida.

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Essa perspectiva parte de um fator em comum entre opositores e defensores da

medicina anti-aging: a tese evolucionista da senescência. De acordo com essa tese, o

principal fator para a compreensão dos seres vivos está na reprodução e o gene é a

unidade básica da evolução. As espécies são pensadas como experiência de propagação

dos genes através do tempo. Por tais motivos, a força da seleção natural ocorreria

especificamente ao longo do período reprodutivo, na segunda e terceira década de vida.

Se ao longo de sua existência os humanos passaram por altas e instáveis taxas de mortes

nos primeiros anos de vida, no século XX esse padrão de mortalidade mudaria

radicalmente. Com o controle sobre as taxas de mortalidade, as forças da seleção natural

que operavam sobre os humanos foram alteradas.

Nesta lógica, a seleção natural não é sensível a diferenças na mortalidade após o

período reprodutivo. A tese apresenta a senescência como um “efeito colateral”, devido

ao fato de que genes que atuam no aperfeiçoamento do sucesso reprodutivo nas

primeiras décadas de vida podem ter efeitos deletérios após essa fase. A senescência é,

portanto, uma dimensão do desenvolvimento que não está prevista geneticamente. Ela é

concebida como subproduto da operação da seleção natural sobre outro aspecto do

desenvolvimento humano, marcando a passagem do tempo biológico. Iniciada na

fertilização, a senescência é caracterizada pelo acúmulo de danos a nível molecular e se

expressa através da manifestação de uma vulnerabilidade não específica, funções

defeituosas, doenças e finalmente a morte (Olshansky e Carnes, 1993).

Georges Canguilhem (1975) destaca a mudança na concepção de vida que

ocorreu no século XX com a transição de uma visão mecanicista, focada na matéria, na

estrutura e nas funções, para a teoria da informação e da comunicação. Nesse contexto,

o gene se destaca como unidade primária, portadora da informação.

Para Tim Ingold (2006), a concepção dos genes como portadores de informações

pré-existentes a serem desenvolvidas na formação do organismo é um equívoco

decorrente da deturpação do significado original da teoria da informação: “informação”

significa diferenças na entrada de um sistema que farão diferença no resultado final.

Deste modo, os genes não teriam valor determinante de uma “programação”, com

instruções a serem executadas. Entretanto, como mostra Gísli Pálsson (2012), a genética

se consolida como campo de significações, influenciando na construção de identidades.

Com a prevalência da linguagem da informação no campo biológico, a noção de

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programação passa a vigorar na tentativa de explicar o desenvolvimento da vida.

Consequentemente, a representação de um programa biológico emerge como fator

norteador da definição de doença e saúde.

A premissa comum de que a senescência não é prevista geneticamente é

interpretada de maneiras distintas pelos cientistas a favor e contrários à intervenção no

envelhecimento humano. Para opositores como S Jay Olshansky, Bruce Carnes e

Leonard Hayflick, a ausência de um programa genético para a senescência é um

empecilho para que a medicina possa tratá-la como doença. Como subproduto de outras

funções genéticas, a senescência não poderia ser prevista e controlada. Portanto, os

autores defendem que a meta principal da biogerontologia é o prolongamento da vida

saudável através do combate de doenças específicas (Olshansky et al, 2002). Aubrey de

Grey considera que justamente por não haver uma definição da senescência, ela não

precisa acontecer. Essa interpretação sugere que ela não é parte necessária da vida

humana.

Embora ambos os lados do debate concordem com a concepção da senescência

como consequência de intervenções que alteraram as taxas de mortalidade e as

condições de vida, a medicina tradicional não admite a possibilidade de suprimi-la. O

envelhecimento permanece como um aspecto natural da vida humana que precede a

morte inevitável. Já para Aubrey de Grey, se fomos capazes de controlar as condições

adversas e garantir mais tempo de vida, devemos dar continuidade às intervenções para

solucionar a senescência, vista como um efeito colateral de uma vida longa e mais

saudável.

As controvérsias em torno do projeto de Aubrey de Grey não se limitam à sua

tentativa de mudar o estatuto do envelhecimento e classificá-lo como doença. Para cada

um dos danos que o biomédico atribuiu como causa da senescência há um reparo

específico, que depende do desenvolvimento de biotecnologias específicas. As

biotecnologias propostas, ainda em caráter especulativo, são o principal alvo das críticas

da comunidade científica. Aubrey de Grey é acusado de promover uma pseudociência,

visto que suas propostas não possuem nenhuma confirmação de que, de fato, podem

reverter o processo de envelhecimento ou estender a duração de vida. Dentre seus

críticos, Tom Kirkwood, um destacado biogerontologista da Grã-Bretanha, considera o

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projeto de Aubrey de Grey “primeiramente cientificamente absurdo e, em segundo

lugar, cientificamente irresponsável” (Templeton, 2007, tradução minha).

Aubrey de Grey defende que o papel legítimo da biogerontologia é desenvolver

formas de parar o processo que torna as pessoas mais frágeis e propensas a doenças que

ameaçam suas vidas: ou seja, o envelhecimento. Observa-se um alinhamento de

interesses para defender os pressupostos que condenam ou promovem o projeto

biotecnológico anti-aging. Esta organização de forças fica evidente ao nos depararmos

com esforços conjuntos de biogerontologistas através de publicações de visam

deslegitimar o propósito de combate ao envelhecimento e extensão da vida humana,

como é o caso do artigo “No truth to the fountain of youth” (Olshansky et al, 2002),

escrito como um alerta da “falsa busca pela longevidade”, e o artigo crítico “Science

fact and the SENS agenda” (Warner et al, 2005), direcionado ao SENS.

Todavia, através da análise dos argumentos contidos nas críticas é possível

observar que a oposição ao projeto anti-aging esta além de questões tecnológicas ou

científicas. Os signatários demonstram preocupação com a imagem do campo de

pesquisa sobre envelhecimento e com os possíveis impactos na sua legitimidade e nos

investimentos recebidos. Huber Warner et al (2005) justificam a resistência em discutir

o SENS ao fato da comunidade não querer dar visibilidade a falsas promessas e

pseudociência. O SENS é percebido como uma ameaça de frustação e perda de

credibilidade.

As argumentações são atravessadas pela ideia de que o envelhecimento humano

é muito complexo e está além das possibilidades de controle da ciência e do domínio da

prática médica, visto que é parte da natureza humana. É a oposição entre a mutabilidade

e a imutabilidade da condição de envelhecer que direciona os posicionamentos em torno

da medicina anti-aging.

O princípio de que o envelhecimento não é uma doença (Aging is not a disease),

afirmativa que se tornou lema do campo gerontologico desde a sua publicação na revista

acadêmica Journal of Gerontology, na década de 1940 (De Grey, 2008a; De Grey e

Rae, 2007), torna a busca pela cura da velhice um contrassenso. A normalização do

envelhecimento, contudo, esbarra nos recentes ganhos em expectativa de vida que

tornaram a saúde na velhice uma questão prioritária.

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Se do ponto de vista tecnocientífico a exequibilidade do SENS é vista com

ceticismo, do ponto de vista ético o alvo são as possíveis consequências das

biotecnologias. A questão ética remete a valores da existência humana, uma vez que a

trajetória de vida é permeada de significados que têm como contexto a finitude: as

gerações, a descendência, as carreiras, o planejamento de vida. É possível uma

sociedade que não envelhece? Neste âmbito, a figura do bioeticista aparece como a

ligação entre a dimensão moral e a dimensão científica que expõe as controvérsias do

emergente campo de pesquisas anti-aging.

O bioeticista Leon Kass é considerado por Aubrey de Grey um alvo icônico do

domínio metaético em que se encontra a questão do envelhecimento. A conjuntura

desfavorável à biotecnologia teria se estabelecido na ocasião da nomeação de Leon Kass

à presidência do Conselho de Bioética no governo de George W. Bush. Pela primeira

vez um bioeticista alcançou um importante cargo político. Para Aubrey de Grey, sua

nomeação resultou não apenas do fato de ser conservador, mas também de sua

excepcional habilidade de converter seu ponto de vista em uma linguagem atrativa para

o público geral (De Grey, 2008b, p. 54).

Devido a seu posicionamento conservador, a influência política que Leon Kass

alcançou teria contribuído para o estabelecimento de um cenário desfavorável ao

desenvolvimento da biotecnologia. Leon Kass (2003) concentra em seu discurso o

temor das consequências da biotecnologia em usos que estão para além de meras

terapias: a busca por um futuro “melhor-que-humano”, feliz e sem envelhecimento

(ageless). A discussão bioética é levada aos limites das intervenções biomédicas

moralmente aceitáveis e conduzida por Leon Kass à questão do significado de ser

humano e de agir como ser humano. Para o autor, a biotecnologia que permite o

aperfeiçoamento do corpo (enhancement) pode modifica-lo para além do que é

considerado normal ou saudável.

A principal oposição presente na argumentação de Leon Kass é entre humano e

não humano, no sentido de um processo que retira as características próprias humanas.

As noções de “desumanização” e de “dotação da natureza” indicam uma concepção

essencialista de natureza humana genuína, criada por Deus ou pela natureza, que torna

certas características invioláveis. Somente a humanidade que está dada, e nos foi dada

pela natureza, é digna de respeito. Neste âmbito, observamos a oposição entre a

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natureza e suas determinações e as biotecnologias, como o polo da cultura. Essa

dimensão é simétrica à oposição entre normalidade/anormalidade, saúde/doença. O

envelhecimento, do ponto de vista bioético é necessário para a normalidade da

sociedade, é saudável, condizente com a ordem natural. Já a supressão do

envelhecimento traz desordem à sociedade, provoca uma condição anormal - uma forma

de doença social -, ao suplantar a ordem natural.

O mito do ciborgue, sugerido por Donna Haraway (1991), permite pensar a

dicotomia natureza-cultura presente nas controvérsias em torno do projeto anti-aging: a

longevidade humana pensada como uma conquista civilizatória borra as fronteiras entre

o natural e o artificial. A senescência e a longevidade adquirem, portanto, um status

ambíguo refletido nas divergências sobre a imutabilidade natural do envelhecimento.

As críticas bioéticas sobre o projeto anti-aging reafirmam as fronteiras entre

natureza e cultura como marco divisor entre o que é moralmente aceitável e moralmente

condenável. Ao comprometer a separação entre esses dois domínios, as biotecnologias

de rejuvenescimento se tornam perigosas e, portanto, moralmente condenáveis. O caso

de Leon Kass expõe fatores políticos e morais que circundam as práticas científicas e

influenciam diretamente a repercussão do projeto SENS.

Para solucionar o impasse moral, Aubrey de Grey recorre à estratégia do

“equilíbrio reflexivo”, baseada no conceito de John Rawls:

[...] uma concepção de justiça não pode ser deduzida de

premissas axiomáticas ou de pressupostos impostos aos

princípios; ao contrário, sua justificativa é um problema de

corroboração mútua de muitas considerações, do ajuste de todas

as partes numa única visão coerente”. (Rawls, 1997, p. 23)

Através do equilíbrio reflexivo, Aubrey de Grey visa sobrepor a imoralidade da

alteração do envelhecimento físico como equivalente à alteração da natureza humana.

Ele associa sua perspectiva do envelhecimento às mudanças de posicionamento das

sociedades em questões como escravidão, homossexualidade, direitos das mulheres,

racismo. Nesses casos a visão moral que prevalecia foi superada na medida em que os

argumentos que a sustentavam passaram a ser percebidos como fé em uma “ordem

natural” e a mudança foi promovida através de argumentos que mostravam a

15

incompatibilidade da posição tradicional com posturas morais de assuntos considerados

equivalentes àquele em disputa.

Uma vez que as doenças relacionadas à velhice são alvos legítimos da medicina

e aceitos moralmente de forma ampla pela sociedade, a estratégia metaética de

equilíbrio reflexivo permite uma mudança de mentalidade através do argumento de

equiparação. Uma vez que o envelhecimento seja considerado uma doença, a mesma

moral que aceita o combate às “age-related diseases” deverá aceitar também o combate

ao envelhecimento.

Embora o discurso de Aubrey de Grey sobre o envelhecimento seja fisicalista e

geneticamente determinista, seu projeto SENS promove a indivisibilidade entre o corpo,

natureza e técnica, desfazendo a fronteira entre natureza e cultura que subjaz o debate.

Um consenso

Para Canguilhem (1978), mais do que a definição do médico, é a apreciação dos

pacientes e as ideias dominantes do meio social que determinam o que é doença. O que

há de comum entre os diversos significados é o fato de serem um julgamento de valor.

Segundo Canguilhem, estar doente significa ser nocivo, socialmente indesejável, ou

socialmente desvalorizado, na medida em que a noção de doença reúne valores

negativos.

Ao enfatizar o comprometimento do desempenho físico ao longo do

envelhecimento, Aubrey de Grey relativiza a conquista da longevidade ao confrontá-la

com um panorama em que a inevitável fragilização do corpo estará presente em uma

parcela cada vez mais significativa da população. Embora as divergências sejam

vinculadas à consideração da senescência como doença ou não, o projeto de Aubrey de

Grey expõe a preocupação com a relação entre envelhecer e adoecer.

Embora os biogerontologistas de destaque no campo reiterem a ideia de que o

envelhecimento não é uma doença, a preocupação com a morbidade na velhice enfatiza

a dimensão patológica do envelhecimento. A despeito da divergência dos caminhos a

seguir, há um ponto de convergência entre os cientistas que debatem o modelo médico-

científico ideal para o envelhecimento: a manutenção da produtividade dos indivíduos

16

que envelhecem. Deste modo, a saúde se destaca como um valor do envelhecimento no

contexto da longevidade.

Opositor do projeto de Aubrey de Grey, Olshansky defende a necessidade de

retardar o processo de envelhecimento o quanto for possível para evitar o

desenvolvimento de um conjunto de doenças promovido pela senescência e sintetiza as

expectativas em torno da biogerontologia:

Somando-se aos óbvios benefícios na saúde estão os benefícios

econômicos que cresceriam de acordo com a extensão da vida

saudável. Expandindo o período da duração de vida (lifespan)

em que os altos níveis de capacidade física e mental são

expressos, as pessoas permaneceriam na força de trabalho por

mais tempo, renda pessoal e poupanças aumentariam, programas

de subvenção para idosos enfrentariam menos pressão das

mudanças demográficas e há razões para acreditar que a

economia nacional irá florescer. A ciência do envelhecimento

tem o potencial de produzir o que nós nos referimos como

“dividendos da longevidade” na forma de bônus sociais,

econômicos e de saúde, tanto para os indivíduos quanto para a

população como um todo - um dividendo que começaria com

gerações atualmente vivas e que continuarão. (Olshasky et al,

2006, tradução minha)

Ressaltando a importância das pesquisas de envelhecimento para a saúde

pública, os opositores de Aubrey de Grey visam incluir o envelhecimento na agenda

política. Sob o prisma das doenças e da debilidade, a longevidade adquire um caráter

ambíguo. A longevidade e a preservação da saúde se tornam valores articulados de

maneira indivisível com a emergência de um movimento anti-aging. Não basta a

longevidade, é preciso uma longevidade saudável.

Considerações Finais

Nikolas Rose (2013) distingue a biopolítica atual daquela vivenciada ao longo

do século XX, focada na noção de hereditariedade de condições biológicas, a qual

motivava uma administração coercitiva e, por vezes, mortífera da “qualidade da

população”. Rose sugere que no século XXI a biopolítica não está delimitada pelos

polos de doença e saúde e o foco não é mais eliminar patologias para proteger o futuro

da nação. O foco estaria, para o autor, no desenvolvimento de capacidades de controlar,

17

remodelar e projetar as características vitais dos seres humanos. Rose chama de

“política da vida em si mesma” esse processo. Se no século XX a política da vida era

exercida pelo aparato formal do governo, na contemporaneidade ela é exercida

prioritariamente por entidades regulatórias quase autônomas, como os conselhos de

bioética, e na responsabilização dos indivíduos na autogestão da sua saúde.

Como destaca Duarte (1998), a abordagem antropológica possui uma percepção

dos “sofrimentos” nomeáveis pela experiência humana que contrasta com a perspectiva

mais restrita da biomedicina ocidental, marcada por uma visão dicotômica e pelo

fisicalismo. Os estudos antropológicos no âmbito da saúde e da medicina revelam um

confronto entre a perspectiva pragmática, operativa e interventiva do saber médico e a

sua própria, mais reflexiva e relativizadora. Neste sentido, a sugestão de Rose (1999)

de uma análise do conhecimento científico não em termos de “ideologias”, mas em seu

papel produtivo, focando no processo em que o conhecimento ganha forma no mundo, é

pertinente à questão da medicina anti-aging.

A relevância do projeto SENS para pensar o envelhecimento não depende do

êxito de seus objetivos principais. Antes disso, a sua existência como um centro

articulador de ideias em torno da noção de combate ao envelhecimento permite perceber

um determinado estado das discussões sobre o envelhecimento humano e as dimensões

políticas, sociais, morais e éticas que contextualizam a produção dos discursos de

verdade sobre a vida na perspectiva do envelhecimento. O foco no retardamento do

envelhecimento ganha forma através das articulações de novos saberes científicos com

o potencial tecnológico atual, especialmente através da genética e da medicina

regenerativa.

Observamos um reordenamento dos elementos designados no processo de saúde

e doença, na qual o envelhecimento é apresentado como ambíguo. Ao mostrar o

envelhecimento como efeito de um processo social, Aubrey de Grey rompe com a

estrita “naturalização” desse fenômeno. O debate apresenta as contradições do

envelhecimento: a conquista social de uma vida mais saudável torna as pessoas que

vivem mais propensas a adoecer. Neste sentido, a patologização do envelhecimento

redimensiona a noção de corpo saudável, focando na vitalidade e funcionalidade. A

meta da longevidade é transmitida para a duração da vida saudável, que constitui o

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conceito de Healthy lifespan. As controvérsias indicam um sentido comum: a velhice é

incompatível com a sociedade atual.

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