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Navigation “Diálogo institucional” ou “business as usual”? STF, seletividade decisória, interesses econômicos e a copa do mundo da FIFA by Crítica Constitucional on 12 de Maio de 2014 in Blog “Diálogo institucional” ou “business as usual”? STF, seletividade decisória, interesses econômicos e a copa do mundo da FIFA Gilberto Guerra Pedrosa (Mestrando em direito na UnB) e Pablo Holmes (mestre em direito pela UFPE e doutor em sociologia pela Universidade de Flensburg, Professor de Teoria Política na UnB) Na primeira semana de maio, o Supremo Tribunal Federal decidiu acerca dos questionamentos feitos à constitucionalidade da Lei Geral da Copa pelo Procurador Geral da República na ADI n° 4976. Em sua decisão, o STF salientou a importância do consenso institucional entre os poderes da república (Executivo, Legislativo e Judiciário) acerca de matérias políticas controversas como um dos parâmetros de julgamento da constitucionalidade e, ao final, decidiu a favor da constitucionalidade dos dispositivos legais. Segundo entendemos, revelase nessa decisão a emergência de um discurso constitucional inspirado na ideia de que o arranjo de poderes deve funcionar na forma de um “diálogo institucional” entre os atores constitucionalmente relevantes, em nome da preservação e alargamento do regime democrático. [1] Como costuma acontecer entre nós, discursos constitucionais da moda podem servir menos para aperfeiçoar os mecanismos da jurisdição constitucional e mais para legitimar interesses particularistas. Observando o caso da ADI 4976, a sensação clara é a de que o suposto “diálogo consensual” entre os poderes, usado na argumentação da corte para justificar o julgamento, serviu, na verdade, para legitimar uma submissão nada “democrática” das instituições de direito público do ordenamento jurídico brasileiro aos interesses econômicos da

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“Diálogo institucional” ou “business asusual”? STF, seletividade decisória, interesseseconômicos e a copa do mundo da FIFAby Crítica Constitucional on 12 de Maio de 2014 in Blog

“Diálogo institucional” ou “business as usual”?

STF, seletividade decisória, interesses econômicos e a copa do mundo da FIFA

Gilberto Guerra Pedrosa (Mestrando em direito na UnB) e

Pablo Holmes (mestre em direito pela UFPE e doutor em sociologia

pela Universidade de Flensburg, Professor de Teoria Política na UnB)

Na primeira semana de maio, o Supremo Tribunal Federal decidiu acerca dos questionamentosfeitos à constitucionalidade da Lei Geral da Copa pelo Procurador Geral da República na ADI n°4976. Em sua decisão, o STF salientou a importância do consenso institucional entre ospoderes da república (Executivo, Legislativo e Judiciário) acerca de matérias políticascontroversas como um dos parâmetros de julgamento da constitucionalidade e, ao final, decidiua favor da constitucionalidade dos dispositivos legais.

Segundo entendemos, revela­se nessa decisão a emergência de um discurso constitucionalinspirado na ideia de que o arranjo de poderes deve funcionar na forma de um “diálogoinstitucional” entre os atores constitucionalmente relevantes, em nome da preservação ealargamento do regime democrático. [1]

Como costuma acontecer entre nós, discursos constitucionais da moda podem servir menospara aperfeiçoar os mecanismos da jurisdição constitucional e mais para legitimar interessesparticularistas. Observando o caso da ADI 4976, a sensação clara é a de que o suposto“diálogo consensual” entre os poderes, usado na argumentação da corte para justificar ojulgamento, serviu, na verdade, para legitimar uma submissão nada “democrática” dasinstituições de direito público do ordenamento jurídico brasileiro aos interesses econômicos da

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FIFA, suas subsidiárias e daqueles que sempre costumam ser beneficiados em um país tãodesigual e excludente como o Brasil.

A FIFA como ator institucional?

Os interesses econômicos da Fifa, uma pessoa jurídica de direito privado constituídaoriginalmente na Suiça, estão sensivelmente relacionados à decisão na ADI de nº 4.976. Aocontrário do que pode parecer, desde o ponto de vista constitucional, tratou­se na ação nãoapenas da constitucionalidade de normas internas da ordem jurídica brasileira, mas da relaçãoentre nossa ordem constitucional a e os objetivos, sobretudo econômicos, da FIFA, umasuperorganização transnacional com poder para pressionar e constranger Estados nacionais.

Claro que a copa tem uma conexão direta com a identidade nacional e será um megaeventocapaz de divertir e alegrar a população. Ademais, ela pode ter uma dimensão política quetranscende o simples entretenimento, significando uma projeção simbólica das potencialidadesculturais, econômicas e sociais brasileiras para o mundo: uma expressão do soft powerbrasileiro fundado na diversidade étnica e cultural, no espírito de cordialidade e alegria nacionais.Longe de representarem apenas clichés, a imagem política de um país pode se traduzir demaneira concreta na geopolítica das nações, inclusive com possíveis ganhos econômicostraduzíveis em investimentos.

E, de fato, os argumentos econômicos se tornaram os mais importantes a justificar tudo que dizrespeito à Copa do Mundo do Brasil de 2014. Para o bem, mas sobretudo para o mal.

Segundo a Consultoria Ernst Young, em estudo feito em parceria com a Fundação GetúlioVargas, as olimpíadas e a copa do mundo juntas gerariam mais de 6 milhões de empregosdiretos e indiretos entre 2010 e 2014. Apenas a copa do mundo significaria investimentos daordem de 142 bilhões de reais, acrescentando 63,8 bilhões à renda nacional. E segundoestimativas do governo central, ela renderia um incremento de até 10 bilhões na arrecadaçãotributária, nos diversos níveis federativos.

Bom para a economia? Melhor ainda para a FIFA. Já em 2013, a federação bateu todos os seusrecordes anteriores de arrecadação devido à organização do torneio. Segundo o secretário­geral da entidade, Jérome Valcke a previsão de faturamento da Fifa com a copa realizada noBrasil é de US$ 4 bilhões só em receita comercial. Ela seria, assim, a competição mais rentávelda história, gerando para a FIFA U$S 1,7 bilhões a mais que a copa realizada na África do Sulde 2010.

Os números bilionários se tornam tão poderosos que eles eliminam quaisquer preocupaçõescom os efeitos destrutivos que os imperativos econômicos podem ter sobre as instituiçõesjurídicas e políticas. Presume­se que tudo que gere crescimento, e lucros, é necessariamentebenéfico para o conjunto da sociedade, não importando a que custo as cifras sejam produzidas:seja o desrespeito a direitos individuais e coletivos e a procedimentos democráticos ou aprodução de instabilidades institucionais por meio de um verdadeiro regime jurídico de exceção

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para satisfazer os interesses de uma entidade privada.

Os incontáveis relatos de violações de direitos de populações locais graças aos esforçosmonumentais para a realização do evento são diversos. Eles vão desde a remoção forçada oupor meio de pífias indenizações a moradores do entorno de áreas a serem utilizadas de algumaforma para o torneio, até a repressão violenta de manifestações contra a competição. Váriasviolações foram objeto de denúncia feita por organizações não­governamentais e pela relatoriada ONU para o direito à moradia durante a 23° reunião do Conselho de Direitos Humanos daONU.

Os custos que talvez sejam mais difíceis de mensurar dizem respeito, porém, ao própriofuncionamento das instituições. Como condição para a realização da Copa do Mundo no país, aFIFA impôs ao Estado brasileiro uma série de constrangimentos, muitos deles completamenteantagônicos ao funcionamento normal das estruturas políticas e jurídicas nacionais. Essascondições de exceção se materializaram nos diversos marcos legais da copa, que criaram umaverdadeira ordem jurídica paralela a regular a preparação e a realização do evento, assim comoo regime de responsabilização por quaisquer danos ou violações que pudessem ser imputadasa FIFA durante e após o torneio.

Por isso, a ADI 4976 não tratava apenas da regulação recíproca entre os poderes da RepúblicaBrasileira. Ela dizia respeito a uma tensão mais profunda entre racionalidades sociais distintas.Uma disputa entre os imperativos econômicos, representados pelas pretensões de eficiência naorganização do evento impostas pela FIFA e materializadas em seu regime jurídico de exceção,e entre os imperativos democráticos da ordem constitucional. Dar nomes aos bois é muitasvezes importante, para que possamos saber como caminha a boiada. E, no caso dessa tristedecisão do tribunal, parece que a boiada marchou firmemente para pisar questõesconstitucionais fundamentais em nome de vantagens econômicas cujo significado pode nemsempre ser exatamente proveitoso para o conjunto da população.

A economia contra a democracia: a FIFA e o regime jurídico de exceção da copa

A realização da Copa do Mundo de 2014 criou, desde o ponto de vista institucional, umaverdadeira ordem paralela em relação à ordem constitucional brasileira, com repercussões nasmais diversas esferas de direitos.

No Congresso Nacional, o pedido de urgência foi cumprido com êxito para dar maior celeridadee garantir a aprovação de todas as exigências legislativas estabelecidas pela FIFA. A Lei12.350/10 dispunha sobre diversas isenções tributárias (IRPJ, PIS, COFINS, IPI, IOF etc)concedidas à entidade, as quais atingiriam quase R$ 560 milhões, e um regime diferenciado detributação para empresas envolvidas nas reformas e construções de estádios de futebol. A Lei12.462/11 estabeleceu um regime excepcional de licitações e contratos para obras e serviçosligados a copa das confederações, copa do mundo e jogos olímpicos. E a Lei 12.663/12, a “Leigeral da Copa”, que transformou a FIFA em um entidade jurídica praticamente soberana, com

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poderes e prerrogativas que a colocam acima da constituição federal.

A copa da Fifa também estimulou de forma inusitada ações do Executivo e do Judiciário.

Em outubro de 2013, a súmula 502 do STJ afastou qualquer possibilidade de entendimentocapaz de flexibilizar o tipo penal de crime autoral, adequando­o perfeitamente aos tiposestabelecidos pela Lei Geral da Copa (Capítulo VIII) para a proteção de direitos autorais da Fifa.Desse modo, ficava estabelecido que os direitos de propriedade intelectual da FIFA sedistinguem dos direitos de propriedade de quaisquer outros cidadãos ou empresas, nos termosda Lei 9.610/98 (por sinal já resultada de imposição graças às negociações da OMC). E, emdezembro de 2013, a portaria normativa de nº 3.461 do Ministério da Defesa denominada“Garantia da Lei e da Ordem”, estabeleceu um regime excepcional para o “controle e distúrbiodo ambiente urbano”.

A agilidade como esses mecanismos foram aprovados no congresso e incorporados emdiversos planos institucionais só não é mais surpreendente que a forma acrítica como as maisabsurdas exceções foram incluídas no ordenamento jurídico de modo a dar um status especial àFIFA. O Estado brasileiro parece ter se comportado, nesse processo, menos como umaorganização democrática, em que procedimentos deliberativos são fundados na igualdadejurídica e política e mais como um sócio­investidor, numa busca interessada sem limites porotimizar os interesses econômicos de seus parceiros numa empresa lucrativa.

Os conflitos entre os imperativos econômicos de eficiência e lucratividade com as estruturasdemocráticas de deliberação e os mecanismos constitucionais de regulação jurídica parecemser, aliás, algo que acompanha a realização desses megaeventos esportivos por organizaçõestransnacionais privadas.

A dificuldade de conciliar a “eficiência” organizacional com os constrangimentos institucionais deum Estado de Democrático de Direito foram, aliás, objeto de já famosos comentários dedirigentes da FIFA. O secretário­geral da entidade, Jérôme Valcke, afirmou, por exemplo, sermais fácil organizar copas do mundo em países com menos democracia. E ao fazer umacomparação entre Rússia e Alemanha, ele afirmou que “quando você tem um chefe de estadoforte, que pode decidir, assim como Putin poderá ser em 2018, é mais fácil para nósorganizadores do que um país como a Alemanha, onde você precisa negociar em diferentesníveis”.

O que, num primeiro momento, pode parecer uma ode (conhecida entre nós) à eficiência domercado, em detrimento das implicações um tanto “populistas” da democracia, se desfazquando consideramos quais as exigências feitas pela FIFA, e materializadas no regime jurídicode exceção da Copa, e como essas exigências rompem com os fundamentos da igualdadejurídica do nosso ordenamento constitucional. Como sempre, a ideia de que a eficiência domercado redime a sociedade de quaisquer considerações políticas sobre a distribuição dosrecursos e sobre os limites jurídicos dos ganhos frente aos direitos individuais e coletivos deterceiros parece ter um e único motivo: o benefício particularista de interesses, tornadosinvisíveis.

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Diversas entidades não­governamentais e internacionais tem alertado, exatamente, que adistribuição dos benefícios trazidos pelo evento parece se dar de modo tão desigual, que restamduvidosos se seus resultados podem ser vantajosos para o conjunto da sociedade. OObservatório das Metrópoles além de vários pesquisadores em diversas cidades sede temdenunciado a forma violenta e muitas vezes ilegal como moradores tem sido removidos para arealização das obras da copa. E diversos urbanistas tem chamado a atenção para os possíveisimpactos nocivos trazidos às cidades pelo torneio.

Outras cidades e Estados do mundo já vem percebendo claramente que as mega­cifrasrelacionadas aos megaeventos não são nenhuma garantia de que eles representem um retornosocial digno de ser comparado aos transtornos e constrangimentos à ordem democrática local.No início deste ano, a cidade de Estocolmo declinou de sua candidatura para sediar asolimpíadas de inverno. E um dos políticos locais justificou assim a desistência: “Quando se tratade custos deste calibre [3,6 bilhões de reais], os cidadãos que pagam impostos exigem de seuspolíticos mais do que previsões otimistas e boas intuições [argumentação do Comitê Olímpicosueco]. Não é possível conciliar um projeto de sediar os Jogos Olímpicos com as prioridades deEstocolmo em termos de habitação, desenvolvimento e providência social”

É verdade que a copa pode trazer benefícios. Mas a única forma de fazer com que essesbenefícios possam justificar os tremendos esforços do poder público é insistir na garantia deque a realização dos eventos se adeque ao ordenamento jurídico, sem que sejam realizadasviolações aos princípios fundamentais da ordem constitucional democrática.

A ADI 5976 e a decisão do Supremo Tribunal Federal

A Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4976, cujo relator foi o min. Ricardo Lewandowski,questionava entre outras coisas, a responsabilização objetiva da união por quaisquer prejuízoscausados pela FIFA a terceiros e em casos fortuitos, durante a realização da Copa; opagamento de prêmios e auxílios mensais a jogadores das seleções brasileiras campeãs emcopas passadas e a isenção, oferecida às custas da união, à Fifa e suas subsidiárias dopagamento de quaisquer taxas e custas judiciais.

A ação questionava, assim, a constitucionalidade de apenas alguns dos diversos dispositivosque estabeleceram o regime jurídico da copa, e que garantiam à FIFA uma série deprerrogativas completamente excepcionais.

O STF decidiu, com o único voto contrário do Min. Joaquim Barbosa, que todos essesdispositivos eram constitucionais. E, para justificar a decisão, recorreu a uma interessanteargumentação, que parece ter feito uso de nova moda teórica no discurso constitucionalbrasileiro.

Em seu voto, o min. relator Lewandowski ressaltou que a isenção concedida à Fifa e suassubsidiárias quanto às custas e despesas judiciais não contrariam o princípio da igualdadepresente na Constituição, que se manifesta no princípio da isonomia tributária. Para ele, a

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própria CF prevê a possibilidade de isenções fiscais, em seu § 2º, art. 150 da ConstituiçãoFederal. Mais importante seria o efeito político­econômico do evento, dotado “de inegávelpotencial de gerar empregos e atrair investimentos”, que configuraria “um interesseconstitucionalmente relevante”.

Em relação à responsabilização objetiva da união por possíveis danos causados pela FIFA ousuas subsidiárias a terceiros, o ministro alegou que o art. 37 da CF não esgota o tema daresponsabilidade objetiva, visto que há outras previsões legais, como no caso de acidentesnucleares, em que se aplicaria a teoria da responsabilidade objetiva integral, sem ser necessáriaa verificação de nexos de causalidade entre uma ação e o dano. Aqui, restou inquestionado ofato de que a lei oferecia à FIFA e suas subsidiárias, cujas atividades tem finalidade visivelmenteeconômica um grau de irresponsabilização incomparável em relação a qualquer outro atorprivado (ou mesmo atores públicos) em território nacional.

De modo geral, a justificativa dos ministros, seguindo a posição do relator, variou entre umextremo pragmatismo consequencialista acerca dos supostos benefícios econômicos da copa euma consideração acerca de um suposto consenso político institucional, dos poderes daRepública, acerca do “pacto” firmado entre o Estado brasileiro e a FIFA em torno da realizaçãodo torneio.

O ministro Barroso, por exemplo, argumentou, a contrario sensu de suas posições maisativistas em outras ocasiões, que a Lei Geral da Copa teria sido “aprovada pelo CongressoNacional e sancionada pelo chefe do Poder Executivo”, não sendo cabível ao supremo intervirsobre os juízos de “conveniência e oportunidade tomadas pelos agentes públicos eleitos”.Direção que foi acompanhada por diversos outros ministros.

O subtexto da argumentação de diversos outros ministros acentuava, em suma, a interessantesuposição de que a convergência entre os poderes executivo, legislativo e mesmo o judiciário,pareciam “conspirar” a favor da constitucionalidade dos dispositivos do regime jurídico criadopara a realização da copa. O Brasil teria, nas palavras do Ministro relator, assumido “livre esoberanamente” compromissos à época de sua candidatura, algo que deveria agora serrespeitado pela Corte no seu juízo sobre a constitucionalidade da Lei 12.663/12.

Desse modo, o STF se eximia de controlar a constitucionalidade do regime jurídico da copa àluz dos princípios constitucionais da igualdade jurídica, e das regras constitucionais quedificilmente autorizariam as diversas exceções criadas em favor da FIFA. Os argumentos paraisso são reduzidos à consideração da força inquestionável dos imperativos econômicos e dosimperativos políticos que não necessariamente se coadunam com as estruturas jurídicas quepossibilitam qualquer democracia. Como se a própria economia, para seu funcionamentorazoável, não exigisse mecanismos de certeza jurídica baseados em alguma autônoma dosistema jurídico em relação a interesses particularistas tanto econômicos quanto políticos.

Alterar o regime de propriedade, o regime tributário, o regime de responsabilidade civil e o regimepenal do país em benefício de uma empresa privada, da forma como foi feito,teria de ser objetode testes básicos, de consideração constitucional, à luz das exigências de igualdade jurídica

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frente a outros atores privados ou mesmo atores públicos.

A verdade é que o regime jurídico de exceção da copa estabelece restrições a direitos deterceiros e garante privilégios particularistas a uma entidade privada que seriam vedados atémesmo ao Estado brasileiro. E deveria ser tarefa irrenunciável do STF controlar minuciosamentea validade jurídica de diversos de seus dispositivos. .

Diálogos institucionais ou autocontenção? A copa como (big) “business as usual”

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem sido objeto de intensos debates públicos eacadêmicos, de acordo com um diagnóstico muitas vezes pouco preciso acerca de uma“judicialização da política”. A expansão de seus poderes, na esfera do controle concentrado edifuso de constitucionalidade, suscitou, assim, críticas e disputas acerca do seu papel noconcerto institucional dos poderes.

De um lado, fizeram­se severas críticas a um exercício expansivo da jurisdição constitucionalcapaz de limitar o exercício do poder legislativo e executivo, fundados na legitimação eleitoraltão importante em uma democracia. De outro, há críticas relevantes à expansão de um discursoconstitucional baseado em uma principiologia vaga e imprecisa, que permitiria o uso ilimitado dospoderes constitucionais do tribunal, muitas vezes de modo contraditório e instável.

Viveríamos, assim, sob o risco de do estabelecimento de uma verdadeira juristocracia, limitadaapenas por aquilo que o próprio tribunal considera metodologicamente aceitável, de acordo comcertas teorias da moda que servem menos para orientar decisões racionais do que comomecanismo retórico de justificação de decisões políticas. Isso significaria, enfim, uma ameaçaaos mecanismos típicos da democracia moderna, em que o direito deveria se conectar, emúltima análise, à soberania popular.

De fato, a inflação discursiva da retórica dos princípios parece muitas vezes ser um pretextopara dar conta de uma complexidade social extremamente explosiva, sobretudo num paísmarcado por estruturas sociais extremamente excludentes e desiguais. Ao recorrer amecanismos altamente flexíveis na fixação de seus parâmetros decisórios, o tribunal podemuitas vezes legitimar jurisdição constitucional que aquiesce com estruturas particularistas ecom a violação de direitos básicos individuais e sociais dos setores mais pobres, excluídosmesmo da população.

As críticas feitas ao STF em relação à expansão de seus poderes e à sua inflaçãoprincipiologista culminaram em crescentes conflitos da corte com outros poderes da república,principalmente com o legislativo. E esses conflitos parecem ter levado o tribunal, maisrecentemente, a uma inflexão, em algumas circunstâncias pontuais, na direção de algumamedida de autocontenção.

Entrementes, eis que surge mais uma elegante teoria a justificar o comportamento do tribunal,tanto do ponto de vista do exercício expansionista do seu poder, como de seus esforços

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pontuais em realizar algum tipo (bem circunstancial e seletivo) de autocontrole.

Na bolsa das teorias, emergiu nos últimos anos o diagnóstico, de fato interessante, por parte deteorias neoinstitucionalistas de que as relações entre os poderes republicanos não precisam servistas a partir de um desenho institucional fixo e conflitivo de competências.

Segundo esse diagnóstico, o comportamento dos poderes em um arranjo democrático nãoimplicaria uma decisão última entre uma democracia popular e uma juristocracia expansionista.Em realidade, os poderes se relacionariam muito mais de acordo com um concerto mais oumenos construtivo de aprendizados recíprocos, baseados em “diálogos institucionais” em quecada parte avança, cede e concede, a depender das dinâmicas temporais de observaçãorecíproca.

Em suma, ninguém teria de fato a última palavra sobre as decisões constitucionais, senão queas dinâmicas institucionais seriam responsáveis por construir consensos políticos que afetariame vinculariam crescentemente os diversos poderes reciprocamente.

O diagnóstico teórico, em si, parece bastante plausível. Aliás, assim como no caso de outrasteorias de metodologia constitucional, o problema não são as construções teóricas mais oumenos complexas que são importadas e incorporadas no discurso da corte. Como sempre, oproblema está na transformação dessas teorias em mecanismos retóricos de justificação para ahistórica seletividade das instituições do Estado brasileiro, costumeiramente empenhado emproteger interesses particularistas e em detrimento dos direitos fundamentais da maioria pobre eexcluída da população.

No caso da copa do mundo da FIFA, o Tribunal visivelmente parece ter se deixado influenciarpela retórica dos diálogos institucionais para conceder ao concerto dos poderes a prerrogativade ter construído um consenso político institucional em torno do pacto assumido pelo Estadobrasileiro para a realização do torneio no país.

O STF reconheceu que tanto o legislativo como o executivo (e também setores do judiciário)agiram em concerto para viabilizar o evento, e que não caberia ao tribunal qualquerconsideração sobre o mérito dessa decisão, que implicava, porém, numa série de absurdos.

Ora, as teorias neoinstitucionalistas não são, porém, teorias propriamente jurídicas, e portantocapazes de oferecer parâmetros decisórios para decisões de uma corte constitucional. Comorigem no pensamento econômico, essas teorias se tornaram hegemônicas no campo daciência política e, por meio dessa disciplina, vem sendo incorporada à analise das dinâmicasconstitucionais dos poderes. Elas se preocupam muito mais em entender como se dão asinterações entre diferentes instituições in the long run do que em oferecer quaisquer parâmetrosdogmáticos de decisão.

Mas decisões tem sempre que se submeter a alguns parâmetros. Elas são sempre opções poruma possibilidade que exclui, necessariamente, outras. E seus parâmetros podem ser políticos(o interesse dos partidos, dos grupos sociais, dos indivíduos etc numa democracia),econômicos (os interesses empresariais e individuais em ganhos monetários no mercado),

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científicos (a comprovação empírica ou a plausibilidade teórica de uma hipótese em detrimentode outra no debate acadêmico) ou, no caso, jurídicos (as regras e princípios internos a umaordem jurídica constitucional, no caso de um Estado Democrático de Direito).

Ainda assim, se teorias constitucionais podem oferecer mecanismos metodológicos paraconstruir parâmetros decisórios no interior do direito, é, a rigor, o compromisso do tribunalconstitucional com a coerência do ordenamento e com as suas próprias decisões, à luz dasregras e princípios constitucionais que devem orientá­las, que nos dá alguma garantia da higidezdo regime constitucional democrático.

A tarefa do tribunal é fazer com que o sistema jurídico opere sem se submeter diretamente ainteresses privados particularistas, seja de grupos políticos ou econômicos: uma condiçãofundamental para o funcionamento não só da democracia, mas da própria economia demercado, que não pode se reproduzir sem segurança jurídica e sem mecanismos que garantama igualdade formal de direitos.

No caso da copa do mundo, ao se eximir de julgar a conveniência e oportunidade das decisõespolíticas que uniram o Estado brasileiro aos interesses da FIFA, o STF não respeitou, como quisdar a entender, os poderes políticos do parlamento e do executivo.

As exceções absurdas feitas no ordenamento brasileiro em favor da FIFA por meio do regimejurídico da copa e o estabelecimento de um status supraconstitucional ao “pacto político” emfavor da sua realização poderiam, sim, ser objeto de controle jurídico­constitucional. Essa é atarefa precípua da corte. Assim como poderão e deverão ser objeto de algum controle deconstitucionalidade os dispositivos questionados na ADI de nº 5030, relativos às praticamenteilimitadas isenções fiscais concedidas à FIFA pela Lei 12.350/10, cujo relator é o Ministro DiasToffoli.

Ao se omitir de realizar controle constitucional jurídico, o tribunal parece ter decidido se redimirdas críticas que vem sofrendo. Mas, para tanto, parece não ter se preocupado tanto assim coma coerência do sistema (que dificilmente aceitaria, por exemplo, o estabelecimento daresponsabilidade objetiva integral do Estado em favor de um parceiro privado economicamenteinteressado). Esse tipo de omissão, a rigor, poderia afinal ser sempre justificado por alguma (ouqualquer) teoria.

Por outro lado, o tribunal talvez tenha agido de modo coerente com a atávica e conhecidaseletividade das instituições brasileiras e sua tendência a favorecer os interesses de gruposeconômicos importantes capazes de oferecer benefícios, também seletivos, aos donos dopoder: (Big) Business as usual.

[1] Agradecemos a Marcelo Neves pela intuição a respeito do mau uso da teoria dos diálogosinstitucionais no presente caso.

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