Da Impossibilidade de Criação de Tipos Penais pela Via do Mandado de Injunção

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MESA DIRETORA

PRESIDENTE: Dep. Gilmar Sossella - PDT

1º VICE-PRESIDENTE: Dep. Catarina Paladini - PSB

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ESCOLA DO LEGISLATIVO

Presidente: Dep. Vinicius Ribeiro - PDT

Diretora: Sandra Maria de Jesus Reis

Coordenadora da Divisão de Publicações: Claudia Maria Paulitsch

Assembleia Legislativa

do Estado do Rio Grande do Sul

Escola do Legislativo Deputado Romildo Bolzan

Divisão de Publicações

Porto Alegre

Ano 8 - N.º 8 - 2014

Revista Estudos Legislativos - Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do SulPorto Alegre - Ano 8 - Nº 8 - 2014Publicação ofi cial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (ALRS), conforme Resolução nº 2942/2005 ISSN: 1980-2951Peridiocidade: anual

EditorDr. Fernando Guimarães Ferreira - Procurador-geral da ALRS

Pareceristas ad hoc

Prof. André Leandro Barbi de Souza - Especialista em Direito Político - IGAMProf. Dr. André Karam Trindade - Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito - IMEDProfª. Dra. Andréia Orsato - Instituto Federal Sul Rio-grandense - Campus Pelotas - Visconde da Graça Dra. Cláudia Domingues Santos - Especialista em Regulação de Telecomunicações pela UNBProf. Dr. Cleber Ori Cuti Martins - UFSMProfª Ms. Cristiana Sanchez Gomes-Ferreira - FADERGSProf. Msc. Henrique Savonitti Miranda - Escola Nacional de Administração Pública - ENAPDr. Fernando Baptista Bolzoni - Procurador da ALRSProf. Dr. Jair Putzke - Universidade de Santa Cruz do SulProf. Ms. Juliano Heinen - Faculdade IDCProf. Dr. Marco Antonio Karam Silveira - Procurador da ALRSProfª. Ms. Maura Bombardelli Profª. Ms. Monica Rossato - UFSMProf. Dr. José Luis Bolzan de Morais - UnisinosProfª. Ms. Roberta Magalhães Gubert - UnisinosProfª. Dra. Sandra Regina Martini - UnisinosProf. Ms. Wremyr Scliar - PUCRSDra. Sônia Domingues Santos Brambilla - Bibliotecária da ALRS

Conselho EditorialProf. Dr. Vladimir Caleffi Araújo (ALRS) - Prof. Dr. Marco Antonio Karam Silveira (ALRS) - Prof. Dr. Rildo José Cosson (Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados) - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS) - Prof. Ms. Wremyr Scliar (PUCRS) - Profª. Dra. Maria Luisa Gastal (Universidade de Brasília) - Prof. Dr. Manuel Calvo García (Universidad de Zaragoza - Espanha) - Profª. Dra. Teresa Picontó Novales (Universidad de Zaragoza - Espanha) - Prof. Dr. Alfredo Santiago Culleton (Unisinos) - Prof. Dr. José Luis Bolzan de Morais (Unisinos) - Prof. Dr. Luís Gustavo Mello Grohmann (UFRGS) - Prof. Dr. Enrique Serra Padrós (UFRGS) - Dra. Sônia Domingues Santos Brambilla (ALRS)

Comissão EditorialArtur Alexandre Souto - Superintendência-Geral - ALRSFernando Guimarães Ferreira - Procuradoria - ALRSFelipe Kuhn Braun - Superintendência de Comunicação Social e Relações Institucionais - ALRSSônia Domingues Santos Brambilla - Superintendência de Comunicação Social e Relações Institucionais - ALRSSandra Maria de Jesus Reis (em substituição) - Escola do Legislativo Deputado Romildo BolzanClaudia Maria Paulitsch - Escola do Legislativo Deputado Romildo BolzanVanessa Aparecida Canciam - Superintendência Legislativa da ALRS

Revisão de Língua PortuguesaVanessa Aparecida Canciam, jornalista e advogada; Claudia Maria Paulitsch, jornalista; Gislaine Monza, administradora e taquígrafa parlamentar; Sandra Maria de Jesus Reis, pedagoga e servidora da ALRS; Felipe Kuhn Braun, jornalista e escritor; Lauren Duarte Lautert, taquígrafa e assessora da Procuradoria da ALRS; Neuza Silva Soares, bacharel em Letras e servidora da ALRS

Supervisão TécnicaSônia Domingues Santos Brambilla - Bibliotecária. CRB10/1679Júlia Wiener - Bibliotecária. CRB10/1699Betina de Azevedo Faria - Graduanda em Biblioteconomia (UFRGS)Divisão de Biblioteca - ALRS

Projeto gráfi co: André Sardá e Sérgio SantosDiagramação: Vanessa Carvalho Machado VelhoCapa: antigo plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul Foto: acervo do Memorial do Legislativo

Endereço para correspondênciaEscola do Legislativo Deputado Romildo BolzanPraça Marechal Deodoro, nº 101- Solar dos Câmara Cep. 90010-300 Porto Alegre/RS - Brasil

Todos os direitos reservados. A reprodução ou tradução de qualquer parte desta publicação deverá ser previamente autorizada pelo editor responsável.

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP - Brasil)

Revista Estudos Legislativos / Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul; coordenação Escola do Legislativo Deputado Romildo Bolzan. - Ano 8, n. 8, 2014. - Porto Alegre: CORAG, 2014 - ---v. Anual.

ISSN: 1980-2951

Publicação ofi cial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, conforme Resolução n.º 2.942 de 8 de julho de 2005.

1. Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. 2. Escola do Legislativo Deputado Romildo Bolzan. 3. Política - Periódico. 4. Poder Legislativo - Periódico. 5. Direito - Periódico. I. Título.

CDU 342.52 (05)

CDU: edição média em Língua PortuguesaBiblioteca Borges de Medeiros / ALRS

E S T U D O S L E G I S L A T I V O S

SUMÁRIO

EDITORIAL..............................................................................................9

Limites da Competência Estadual para Legislar sobre Licitações e ContratosLeo Oliveira van Holthe..........................................................................11

A Efetividade das Políticas de Mitigação do Regime Internacional de Mudanças Climáticas na Redução de Gases do Efeito Estufa na Área de TransportesRosane Monteiro Borges.........................................................................43

A Necessidade de Regulação Legislativa para Utilização do Serviço de Computação em NuvemLuciana Vasco da Silva e Maria Eugênia Finkelstein..........................81

Do Estado de Bem-estar Social para o Neoliberalismo Marciano Buffon e Bárbara Josana Costa.........................................103

Uma Proposta para a Diplomacia Parlamentar: representação e funções no Direito InternacionalCícero Krupp da Luz...........................................................................129

Da Impossibilidade de Criação de Tipos Penais pela Via do Mandado de InjunçãoCarlos Eduardo Edinger de Souza Santos e Bruno Menegat...........155

O Direito do Companheiro ou Cônjuge Homossexual à Pensão por Morte e ao Auxílio-reclusãoRodrigo Chandohá da Cruz................................................................173

Trajetória Discursiva do Deputado Carlos da Silva Santos na Assembleia Legislativa do RS (1959-1974)Arilson dos Santos Gomes....................................................................187

E S T U D O S L E G I S L A T I V O S

Educação Legislativa: as escolas do legislativo nas Câmaras Municipais de Minas GeraisMargareth Melo Rezende Butori.........................................................229

O Papel dos Atores Sociais no Desenvolvimento da Esfera Pública e na Construção do Processo DemocráticoAna Amélia Franco...............................................................................269

E S T U D O S L E G I S L A T I V O S

9

EDITORIAL

Criada pelo Plenário da Assembleia Legislativa, em 8 de julho de 2005, através da Resolução n.º 2.942, a Revista Estudos Legislativos, agora em sua oitava edição, foi instituída não como uma revista monotemática, voltada tão somente aos aspectos jurídicos do Poder Legislativo, mas com um caráter eminentemente multidisciplinar, aberta para a divulgação das mais diversas produções científi cas de relevância na área legislativa, tendo como eixo central a investigação, a teoria e a refl exão a respeito de temas relacionados diretamente ou indiretamente ao Poder Legislativo.

Essa pluralidade, felizmente, tem sido alcançada desde a primeira edição da Revista Estudos Legislativos, e mais uma vez atingida neste ano.

Em 2014, comemoramos os 25 anos da promulgação da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, ocorrida em 3 de outubro de 1989, data essa extremamente importante para o Parlamento Gaúcho em sua trajetória em defesa das liberdades públicas e da reconstrução da autonomia e independência dos Poderes constituídos do Estado. A Constituição Estadual de 1989, assim como a Constituição Federal de 1988, demanda a construção de um novo arcabouço doutrinário, adequado à nova realização constitucional estabelecida, inserindo-se a Revista Estudos Legislativos como instrumento desse processo.

A Comissão Editorial agradece os incansáveis auxílios e sugestões apresentados pelo Conselho Editorial, bem como por todos os pareceristas ad hoc, cujos esforços ajudaram a tornar possível a presente edição.

Boa leitura.

Dr. Fernando Guimarães FerreiraEditor

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VIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Carlos Eduardo Edinger de Souza Santos 1

Bruno Menegat 2

RESUMOCom o presente trabalho, pretende-se demonstrar a inviabilidade de se criar tipos penais através do Mandado de Injunção. Para tanto, abordar-se-á questões atinentes ao fundamento dessa ação constitucional, bem como a efi cácia de decisões proferidas em seu bojo, além de se mostrar a evolução jurisprudencial do Supremo Tribun al Federal (STF) sobre a matéria. Por fi m, trar-se-á os contributos do Direito Penal, que, no caso, agem como limitadores da função atípica de legislar conferida à Corte Constitucional brasileira. Dessa forma, pretende-se ressaltar a importância de outros espaços de debate político mais aptos à criação de tipos penais.Palavras-Chave: Tipo penal. Mandado de injunção. Poder judiciário.

ABSTRACTWith the presente article, we intend to show the inviability of creating hypothesis of criminal acts through the writ of injunction. For this intent, we must approach the following themes: the situations that allow someone to fi le this constitutional motion, the effects and applicability of the decisions made in theses procedures, the evolution of the precedents regarding this theme. We’re also going to analyze the foundations of Criminal Law, how it intertwines with the writ of injunction and how it imposes limits on the power of the Supreme Court law-making decisions. In the end, given the existence of other spaces of political debates, we sustain that the Judicial branch is not the adequate one to act on this subject.Keywords: Criminal law. Writ of injunction. Judiciary.

1 Servidor público na Procuradoria-Geral do Estado do RS. Foi servidor público no TJRS e na Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento. Acadêmico de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é pesquisador dos grupos de Fundamentos do Processo Penal, orientado pelo Prof. Dr. Pablo Alfl en e de Processo e Argumento, orientado pelo Prof. Dr. Eduardo Scarparo. Interessa-se pelas áreas de direito societário, concorrencial e processual.

2 Acadêmico do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com ênfase de pesquisa na área de Direito Econômico e Direito da Concorrência, tendo publicado dois artigos nesses temas: “Livros, jornais, rádio e TV: o mercado de bens simbólicos na ótica das autoridades concorrenciais nos Direitos americano, italiano e brasileiro”, e “O Regime de Concentração Empresarial como estratégia de desenvolvimento econômico na doutrina contemporânea ao advento da Lei das Sociedades Anônimas”, ambos em coautoria com o Prof. Dr. Ricardo Camargo.

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1 INTRODUÇÃO: AS FORMAS DE CORREÇÃO DA MORA

LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL

A presente investigação visa a analisar a problemática relativa

à possibilidade de se obter, pela via da ação constitucional do mandado

de injunção (doravante denominado MI), provimento judicial de criação

de tipos penais. Essa questão, recentemente, foi levada à apreciação do

Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se discutiu a questão, a qual,

contudo, ainda não possui delineamento jurídico preciso. Sistematicamente,

a resposta a tal indagação passa pelo aclaramento de certos quesitos: o

suporte fático do MI, a efi cácia da decisão dada ao writ, o papel do Direito

Penal em um Estado Democrático de Direito e a relação que se pode

estabelecer entre a criação de tipos penais e o exercício de determinado

direito. Em linhas gerais, ressaltar-se-á a legitimidade de outros espaços de

discussão política, da qual o Poder Judiciário não precisa, necessariamente,

fazer parte.

Para maior precisão técnica da questão, cabe, inicialmente, fazer a

distinção entre o MI e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

(daqui para frente denominada ADO). Tais recentes fi guras se relacionam

intimamente com a ideia de força normativa da Constituição, desenvolvida

principalmente pelo jurista Konrad Hesse, que afi rmava que, inobstante

não possa a Constituição, por si só, realizar nada, o texto constitucional

possui força ativa, capaz de impor tarefas3.

O que se busca nessas ações, precipuamente, é um ato do poder

público que regulamente o exercício do direito, seja de modo positivo ou

negativo, o qual o autor da ação, em princípio, possui. O fato é que os

3 HESSE, Konrad. A Força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. p. 14.

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remédios constitucionais em comento têm por escopo a efetivação das

normas postas na Constituição, usualmente relacionadas aos direitos e

garantias fundamentais (mas não a eles limitadas). Refl ete-se, assim, nítido

aprimoramento da divisão dos Poderes classicamente delineada desde o

século XX, ao determinar que os Poderes constituídos exerçam funções

atípicas que, em geral, constituem-se de atribuições dos outros Poderes4.

A competência para o julgamento dessas duas ações - de

grave controle das atividades legislativas - é lastreada no fato de ter a

Constituição de 1988 incumbido ao Supremo Tribunal Federal a guarda

da Constituição por meio da jurisdição constitucional, ideal democrático

elaborado por Hans Kelsen em sensível contexto histórico, que visava

garantir um sistema de medidas técnicas, cuja fi nalidade é o exercício

regular das funções estatais5. Pode-se dizer que, hoje, essa garantia de

sistema é, inclusive, feita através das funções atípicas, anteriormente

citadas, demonstrando o desenvolvimento do sistema de freios e

contrapesos teorizado por Montesquieu6.

Tais procedimentos levam, também (dando um passo adiante

ao pensamento do célebre jurista do positivismo jurídico), ao abandono

da ideia de serem as normas constitucionais meramente programáticas,

carecedoras de uma atividade legislativa que as dê exequibilidade. Como

afi rma Flávia Piovesan, modernamente é descabido negar o caráter jurídico

e, logo, a exigibilidade e a acionabilidade dos direitos fundamentais,

na sua múltipla tipologia, desde os direitos a liberdades fundamentais

aos hodiernos direitos difusos, até pelo fato de poderem os legitimados

lançarem mão de meios de concretização desses direitos, principalmente,

4 MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de injunção: estudos sobre sua regulamentação. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 46.

5 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 124.6 MONTESQUIEU, Barão de. O Espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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através do MI e da ADO7.

A principal tarefa dessas ações é concretizar as normas

constitucionais em face da mora legislativa. É dizer, advindas do

bojo da Constituição Federal de 1988, sua fi nalidade é, nas palavras

de Luís Roberto Barroso, atender a uma reclamação generalizada da

sociedade e da doutrina em busca da maior efetividade para as normas

constitucionais, enfrentando uma das principais disfunções históricas do

constitucionalismo brasileiro8.

Apesar das semelhanças quanto à teleologia, elas em muito

se diferenciam. A ADO possui um rol taxativo de habilitados para seu

ajuizamento, previsto no artigo 103 da Constituição da República Federativa

do Brasil9 (doravante denominada CRFB), ao contrário do MI, que admite

sua impetração por qualquer um que seja processualmente capaz.

A ADO, ademais, somente pode atacar a omissão legislativa em

abstrato: verifi cada a omissão, desde logo se ajuíza a ação para evitar a

inexequibilidade da norma constitucional, independentemente de haver

– ou não – caso concreto subjacente; constitui-se, assim, modalidade

de controle concentrado de constitucionalidade. Diversamente do writ

de injunção, que visa tutelar o caso concreto (em que pesem as visões

divergentes, que logo mais serão abordadas).

Ainda, a ADO admite seu ajuizamento para sanar qualquer

omissão do Poder Legislativo, nos exatos termos do artigo 103, § 2º da

7 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 73.

8 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 112.

9 “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

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Constituição10, ao passo que o MI possui objeto mais restrito, somente

podendo versar sobre direitos inerentes à nacionalidade, soberania e

cidadania, como preceitua o art. 5°, inciso LXXI, da Constituição11.

Tais novas fi guras emergem da CRFB, assim, como um instrumento de

garantia direcionado, especifi camente, ao legislador ordinário ou à autoridade

a quem incumba a elaboração da norma regulamentadora. É patente que a

mens legislatoris constituinte preocupou-se, precipuamente, com a garantia

de efetivação de direitos que, embora previstos na própria Constituição,

dependem de regulamentação infraconstitucional para adquirirem efetividade,

o que pode se tornar difícil – ou, até, impossível - em face de eventual inércia

ou omissão do responsável pela elaboração da regra12.

Por tais ações constitucionais, assim, abre-se o debate acerca da

efi cácia das normas constitucionais que, pela densidade jurídica de seus

preceitos, devem ser analisadas mais detidamente.

2 A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E O

MANDADO DE INJUNÇÃO

De acordo com o ensinado por José Afonso da Silva, as normas

constitucionais, conforme sua efi cácia, podem ser divididas em normas de

efi cácia plena e aplicabilidade imediata; de efi cácia contida e aplicabilidade

imediata (podendo ser restritas por legislação infraconstitucional); e

normas constitucionais de efi cácia limitada ou reduzida (que, por sua

vez, repartem-se entre defi nidoras de princípio institutivo e defi nidoras

10 § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

11 “ LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania [...]”

12 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 325.

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de princípio programático).

As normas de efi cácia plena são aquelas que, desde a entrada

em vigor da Constituição, “produzem ou têm a possibilidade de produzir

todos os efeitos essenciais relativamente aos interesses, comportamentos

e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis

regular13”. Por sua vez, as normas de efi cácia contida são aquelas em que

o legislador constituinte “regulou sufi cientemente os interesses relativos

à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte

da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei

estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados14”.

Por sua vez, a norma de efi cácia limitada são divididas em

programáticas e de princípio institutivo. As primeiras são normas em que

o constituinte limitou-se a traçar “princípios para serem cumpridos pelos

seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos),

como programas das respectivas atividades, visando à realização dos

fi ns sociais do Estado15”. Por fi m, as normas de princípio institutivo,

aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais

de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o

legislador ordinário os estruture em defi nitivo, mediante lei.

Dentre essas normas, importa-nos as de efi cácia plena. A um,

porque dessas tratam os direitos fundamentais, nos termos do art. 5°, §1°,

da CRFB e, a dois, pois são elas que podem se tornar o suporte fático

(fundamento) da impetração do MI.

Sobre o conceito de suporte fático, Virgílio Afonso da Silva

discorre da seguinte forma:

13 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 100.

14 Ibid., p. 114.15 Ibid., p. 135.

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Suporte fático abstrato é o formado, em linhas ainda gerais, por aqueles fatos ou atos do mundo que são descritos por determinada norma e para cuja realização ou ocorrência se prevê determinada consequência jurídica: preenchido o suporte fático, ativa-se a consequência jurídica. Suporte fático concreto, intimamente ligado ao abstrato, é a ocorrência concreta, no mundo da vida, dos fatos ou atos que a norma jurídica, em abstrato, juridicizou16.

Eis aí o suporte fático que dá azo à impetração do writ em comento,

bem como possibilita o seu julgamento de procedência. Dessa forma, o

MI, tendo em vista a norma que se extrai do dispositivo contido no art.

5º, LXXI, sistematicamente interpretado com os outros incisos do mesmo

artigo, conduz à seguinte conclusão: o suporte fático abstrato do MI é a

falta de norma regulamentadora que torna inviável o exercício dos direitos

e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade,

à soberania e à cidadania; o suporte fático concreto é a omissão legislativa

de regulação de direito e liberdades constitucionais e das prerrogativas

inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Daí se vê que a omissão

legislativa pode se dar em relação a qualquer norma, independentemente

de sua efi cácia. Isso nos leva à conclusão de que o suporte fático do MI é

de largo manejo, mas não ilimitado, como se verá nos pontos a seguir.

No mandado de injunção, assim, o objetivo do impetrante é

justamente a tutela ao direito subjetivo, seja seu, seja de outrem, de modo

que a literatura existente na matéria o tratou como ação cuja decisão tem

efeito somente inter partes. Todavia, vê-se, nos últimos anos, mudanças

quanto a esse posicionamento. Quanto a isso, trataremos a seguir.

16 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e efi cácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 68.

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3 A EFICÁCIA DA DECISÃO PROFERIDA NO MANDADO DE

INJUNÇÃO

O MI é, como se viu, uma ação destinada a promover o

preenchimento de uma lacuna legislativa, de uma omissão inconstitucional

do legislador. Segundo Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em um dos

primeiros ensaios sobre a ação em comento, a efi cácia da sentença proferida

no mandado de injunção é constitutiva, composta por três fatores:

(a) A sentença normativa é ato jurídico constitutivo, criando ou modifi cando direitos, podendo ser, ainda, de natureza dispositiva. A relação jurídica ainda não existe, no momento em que é exercida a pretensão à tutela jurídica, ao contrário das demais sentenças proferidas em processo de conhecimento normal;(b) A exequibilidade da sentença normativa de injunção só poderá ser alcançada mediante ação individual específi ca, obedecidas as regras gerais de competência, vedado o reexame, na ação individual, da matéria forma do direito decidido na lide normativa;(c) A sentença normativa integrativa de lacuna dessa natureza não ostenta, contudo, força de lei, com o caráter de permanência própria dessa última categoria. Tal sentença é fadada a vigorar si et in quantum, até suprimento da lacuna pelo órgão próprio, pois prolatada exatamente para esse fi m17.

Como se verá adiante, o referido doutrinador adota a posição

concretista individual. Ademais, como salientava Luiz Flávio Gomes,

ainda em 1989, a efi cácia da sentença injuncional não é condenatória,

mas constitutiva, tendo em conta que o Judiciário, quando muito, apenas

edita a norma regulamentadora do direito, podendo o impetrante, a partir

disso, exigir em juízo o cumprimento do julgado valendo-se da via

17 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A Natureza do mandado de injunção. Estudos Jurídicos, São Leopoldo, n. 57, p. 68, jan./mar. 1990.

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judicial adequada18.

Quanto à ADO, até 1999, preponderava, no Supremo Tribunal

Federal, a ideia de que ao ato decisório a Corte nada poderia agregar, tendo

em vista a separação de Poderes. Sinteticamente, o procedimento se dá da

seguinte forma:

No caso de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a decisão do STF apontará a omissão do órgão legiferante competente, ao qual será dada ciência para a adoção das providências necessárias (art. 103, §2º, da CF/1998. E art. 12-H, caput, da Lei 9.868/1999, inserido pela Lei 12.063/2009)19.

É dizer, o comando decisório seria tão somente declaratório20. No

entanto, viu-se que pela abstratividade e pelo fato de que a causa de pedir

nessa ação ser aberta, não há a necessidade de se comprometer com o

princípio da congruência. Assim, faz-se possível que se introduzam efeitos

aditivos à decisão21. O Mandado de Injunção também seguiu essa linha da

evolução jurisprudencial. Assim, ambos se prestam a estabelecer profícuo

e permanente diálogo institucional nos casos de omissão normativa.

Para Pedro Lenza, sintetizam-se as posições possíveis no Mandado

de Injunção da seguinte forma: há a posição concretista geral, a concretista

individual, a posição concretista individual intermediária e a posição

não concretista. Segundo a visão concretista geral, o STF legisla no caso

concreto, produzindo decisão erga omnes até que o Poder Legislativo

cumpra com sua função de legislar. Conforme a posição concretista

18 GOMES, Luis Flávio. Anotações sobre o mandado de injunção. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 78, v. 647, p. 43, 1989.

19 Ibid., p. 457.20 MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de; GAJARDONI, Fernando da

Fonseca. Procedimentos cautelares e especiais. In:______. Processo civil moderno. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013. v. 4, p. 55-456.

21 Ibid., p. 456.

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individual, a decisão, ao concretizar o direito, fará isso tão somente em

relação ao autor do MI. A posição concretista individual intermediária, por

sua vez, diz-nos que, julgado procedente o writ, estabelece-se prazo para

que o Poder Legislativo elabore a norma regulamentadora e, fi ndo o prazo,

o Poder Judiciário passa a, atipicamente, normatizar a situação. Por fi m, a

posição não concretista tão somente declara a mora do Poder Legislativo,

reconhecendo formalmente sua inércia22.

Pensamos que a posição concretista geral é a mais apta a concretizar

o suporte fático do MI. Todavia, isso deve ser feito dentro do estrito limite

do writ, que, como se verá adiante, choca-se frontalmente com os princípios

reitores do Direito Penal. Assim, adiantando-se, não há falar em criação de

tipos penais pela apertada via do MI, em que pese a correta adoção da visão

concretista geral. Isso porque essa visão diz respeito à efi cácia da decisão

normativa e não ao seu campo de possível elaboração. É bom lembrar,

nesse sentido, que o suporte fático abstrato do MI é “a falta de norma

regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades

constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania

e à cidadania”, e a sua decisão pode tão somente ensejar a função atípica

legiferante até que o Poder Legislativo cumpra com sua função de legislar.

Nesse sentido, traz-se à baila o posicionamento do STF. Mormente

após o MI 708/DF, relativo à extensão da regulamentação do direito de

greve dos trabalhadores da iniciativa privada aos servidores públicos, a

Suprema Corte passou a adotar a visão concretista geral, abandonando a

efi cácia meramente declaratória da mora legislativa23. É salutar sublinhar

22 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 392.

23 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 708/DF. Tribunal Pleno, Relator Min. Gilmar Mendes, 25 de outubro de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28708%2ENUME%2 E+OU+708%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kfa8sts>. Acesso em: 27 out. 2014.

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que a decisão nesse writ reconhece que o STF, ocupante da posição

de Corte Constitucional, não pode se quedar silente diante da inércia

do Poder Legislativo, cogitando inclusive, nestes casos, sobre atribuição

temporária de poder normativo ao Pretório Excelso para resolução da

questão de modo defi nitivo. A interpretação do Tribunal vem ao encontro

do que se defende no presente estudo, eis que a ausência de interesse

político em regulamentar esta ou aquela matéria não pode obstaculizar,

sob pena de mácula de inconstitucionalidade por omissão, o cumprimento

da vontade constitucional. Como leciona Gilmar Ferreira Mendes:

[O] que se evidencia é a possibilidade de as decisões dos mandados de injunção surtirem efeitos não somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo também seus efeitos normativos para os demais casos que guardem similitude. Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda que dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão objetiva, com efi cácia erga omnes, que serve para tantos quantos forem os casos que demandem a concretização de uma omissão [sic] geral do Poder Público, seja em relação a uma determina conduta, seja em relação a uma determinada lei24.

4 O PROBLEMA POSTO: MANDADOS DE INJUNÇÃO E A

CRIAÇÃO DE TIPOS PENAIS

Em duas oportunidades o Supremo Tribunal Federal se debruçou

sobre writs injuncionais que pleiteavam a criação de tipos penais com base

na mora inconstitucional do Congresso Nacional.

O primeiro precedente, o MI nº 624/MA, foi julgado pela Corte

em novembro de 200725, já quando pacifi cada a teoria concretista dos

24 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1375.

25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 624/MA. Tribunal Pleno, Relator Min. Menezes Direito, 25 de novembro de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/

Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 8, n. 8, p. 155-172, 2014

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provimentos injuncionais. No caso, pleiteava-se a concessão da ordem

para que o Poder Legislativo editasse lei defi nidora dos crimes de

responsabilidade dos desembargadores dos tribunais de justiça, tendo

em conta que, ainda atualmente, a Lei nº 1.079/50 somente defi ne a

responsabilidade política do Presidente da República, de Ministro de

Estado e do Procurador-Geral da República. Tal lacuna, inclusive,

já impossibilitou o Superior Tribunal de Justiça de apurar eventual

responsabilidade de magistrado goiano, exatamente pela falta de previsão

legal, inobstante a expressa determinação constitucional de competência

do STJ no julgamento de tais ações, conforme o artigo 105, I, alínea “a”,

da Constituição, tal como decidido na Representação nº 826.

O voto do relator da ação, Ministro Menezes Direito, acompanhado

unanimemente pelo Tribunal, ressaltou que, apesar de ser fl agrante a

omissão legislativa, mesmo que se considerasse como ínsito à cidadania

o enquadramento dos magistrados de segundo grau em crimes de

responsabilidade, o impetrante não demonstrou, efetivamente, que a falta

da norma apontada estivesse impedindo o autor de exercer direito subjetivo

seu. Assim, como ressaltou o Ministro-Relator, o que se pretendia na ação

era uma declaração de inconstitucionalidade por omissão, o que seria

inviável por questão de legitimidade e, ad argumentandum, de eleição da

via processual adequada.

Já o Mandado de Injunção nº 4.733/DF27, ainda pendente de

portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28624%2ENUME% 2E+OU+624%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/l5a97j3>. Acesso em: 27 out 2014.

26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Rp 8/GO. Corte Especial, Relator Min. Gueiros Leite, 08 de fevereiro de 1990. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%28%22GUEIRO S+LEITE%22%29.min.&processo=8&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 27 out. 2014.

27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 4733/DF. Decisão Monocrática, Relator Min. Ricardo Lewandowski, 24 de outubro de 2013. Disponivel em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28% 284733%2ENUME%2E+OU

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julgamento defi nitivo na Corte, dá um passo além quanto ao primeiro

precedente, porquanto pleiteia-se não só a declaração de mora do

legislador, mas também provimento judicial de criminalização específi ca

de todas as formas de homofobia e transfobia, nos diversos tipos penais

existentes, mormente homicídio e lesões corporais, inclusive utilizando de

analogia em relação aos crimes de preconceito e racismo. Em julgamento

monocrático, entendeu o Ministro Ricardo Lewandowski, em decisão de

24 de outubro de 2013, que, como existem projetos de leis específi cos em

discussão nas Casas do Congresso Nacional, tal fato impediria o STF de

interferir no processo legislativo, salvo hipóteses de existência de danos

concretos de grave reparação. Declarou-se, também, que já existem no

ordenamento jurídico normas penais que tipifi cam os delitos em comento,

não havendo prejuízo concreto que justifi casse o cabimento do mandamus.

É inegável a coerência da Suprema Corte brasileira no julgamento

das duas ações. Inobstante, a melhor solução para os casos de criação

de tipos penais apontam para refl exões não sobre o direito subjetivo dos

impetrantes, mas para os limites estabelecidos pelo Direito Penal.

5 O LIMITE DO (E NO) DIREITO PENAL

A criminalização de uma conduta se dá por fatores sociopolíticos

que, em um primeiro momento, estão alheios à prática jurídica para, tão

somente após, serem por ela abarcados.

É dizer, a criminalização de condutas deve se dar apenas quando

houver fato jurídico relevante e digno da tutela penal (que se pauta pela

fragmentariedade e pela subsidiariedade) e, ainda, apenas quando os demais

campos de atuação política do Estado Democrático de Direito em que

+4733%2EDMS%2E%29%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas&url=http://tinyurl.com/k4ohfph>. Acesso em: 27 out. 2013.

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vivemos se mostrarem insufi cientes e demasiadamente obstaculizadores

para o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas. Logo, afi rma-se

que não é qualquer conduta que deve ser criminalizada, mas apenas aquelas

que atendam tais requisitos.

Ademais, caso o Supremo Tribunal Federal admita e julgue

procedente mandado de injunção que crie tipos penais, não somente

declarando a mora do legislador, mas dando uma decisão normativa, haverá

grave lesão à Constituição Federal (CF), tendo em vista o princípio da

reserva legal. Vale lembrar que a lei, em sentido estrito, é somente a norma

produzida pelo Congresso Nacional, sendo competência privativa da União

legislar sobre Direito Penal, como estabelecido pela CRFB28. Sobre isso,

Eugenio Raúl Zaffaroni leciona que “o povo é o único soberano, a fonte

do poder do Estado e, consequentemente, sem intervenção legítima dos

representantes do povo, não pode haver lei penal29”.

Outrossim, vale dizer que ver qualquer conduta criminalizada

não é nem direito, nem garantia, muito menos prerrogativa consagrada na

CRFB, inobstante possua o texto constitucional um dos mais extensos róis

de mandados de criminalização do constitucionalismo moderno.

Assim, vê-se que não há direito subjetivo à criminalização de

uma conduta apta a se caracterizar como suporte fático concreto do MI.

Todavia, há mais. Ou melhor, não há. Não há um mandado constitucional

explícito de criminalização que justifi que a atuação judicial.

28 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho [...]”

29 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Parte geral. In:______. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011. v. 1

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6 CONCLUSÃO

Vistos os pontos acima elencados, podemos chegar à seguinte

conclusão: exercer o controle de constitucionalidade quanto à omissão de

legislação penal em matéria de mandados de criminalização, proferindo

sentença normativa aditiva em sede de mandado de injunção é um exemplo

de inconstitucional ativismo judicial. Não se duvida mais da posição da

Corte Constitucional de legisladora positiva, pondo por terra a vetusta

visão do Tribunal Constitucional como legislador negativo.

Todavia esse posicionamento encontra limites em outras normas

constitucionais, tais como aquelas que instituem o sistema do Direito Penal

brasileiro e que reservam ao legislador o exclusivo papel de selecionar as

condutas merecedoras da reprimenda penal. É dizer, a posição de legislador

positivo, ainda que atipicamente, não autoriza o STF, na matéria do controle

de constitucionalidade das normas penais (ou na ausência delas, no caso de

omissão inconstitucional), a se tornar arauto da lei penal faltante.

Ao contrário, deve-se valorizar o debate político para além dos

muros do Poder Judiciário, retomando-se ideias relativamente esquecidas

em nossa República de ocupação de espaços públicos de debate e de política.

Vale dizer, com José Afonso da Silva, que sempre há a possibilidade de

lei de iniciativa popular, prevista no art. 61, §2° da CRFB. Segundo ele,

a omissão do Poder Legislativo não pode ser totalmente suprida pela

participação popular, “mas a falta de iniciativa das leis o pode, e por certo

que a iniciativa, subscrita por milhares de eleitores, traz um peso específi co,

que estimulará a atividade dos legisladores30”.

Assim, considera-se acertada a posição do STF, segundo o qual

não cabe tipifi car crimes por meio do MI, ao alvedrio da legitimidade

30 SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 162.

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legislativa consagrada na CRFB. Ao fi m, cabe transcrever entrevista de

Nelson Jobim, segundo o qual:

Quando o STF começa a ter essa vontade de produzir legislações, signifi ca que cada vez mais se desqualifi ca o Parlamento, porque não se cria mecanismos para que aquilo funcione e exerça as suas funções. Na medida em que esse outro começa a substituir o Parlamento, o Congresso começa a fi car dispensável. Não é verdade31?

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31 Nota disponível em “http://jota.info/materias15-para-nelson-jobim-vontade-de-legislar-do-stf-desqualifi ca-o-parlamento”. Acesso em 19/09/2014.

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