D. Vasco de Mascarenhas, 1º Conde de Óbidos e 17º Governador Geral do Brasil

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415 Cadernos de Estudos Leirienses 5 * Setembro 2015 D. Vasco de Mascarenhas, 1.º Conde de Óbidos e 17.º Governador Geral do Brasil Carolina Henriques Pereira* * Licenciada em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Membro da Direcção da Secção Filatélica da Associação Académica de Coimbra (SFAAC). A autora não segue as regras do novo Acordo Ortográfico. O propósito deste pequeno estudo é dar a conhecer a figura do 1.º Conde de Óbidos e 17.º Governador Geral do Brasil, D. Vasco de Masca- renhas. Porém, para que tal seja possível, optou- -se por uma contextualização de base, impres- cindível, para o conhecimento da vida desta figu- ra. Considera-se ainda, que a compreensão da acção governativa dos vários Governadores Ge- rais do Brasil da segunda metade do séc. XVII contribui enormemente para o entendimento da construção, consolidação e organização do Bra- sil moderno. A bibliografia disponível que se refere direc- tamente a D. Vasco de Mascarenhas e à sua ac- tuação enquanto Governador Geral do Brasil é praticamente inexistente. Existem somente algumas informações em enci- clopédias ou em obras de cariz genealógico, que se encontram consideravel- mente desactualizadas 1 . De certo modo, este trabalho visa igualmente colmatar esta ausência. Relativamente à documentação consultada, esta encontra-se 1 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XIX. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopé- dia, Limitada, s. data; Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. III. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enci- clopédia, 1961 a 1984. D. Vasco de Mascarenhas Fonte: Wikipédia

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D. Vasco de Mascarenhas, 1.º Conde deÓbidos e 17.º Governador Geral do Brasil

Carolina Henriques Pereira*

* Licenciada em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Membro da Direcçãoda Secção Filatélica da Associação Académica de Coimbra (SFAAC).A autora não segue as regras do novo Acordo Ortográfico.

O propósito deste pequeno estudo é dar aconhecer a figura do 1.º Conde de Óbidos e 17.ºGovernador Geral do Brasil, D. Vasco de Masca-renhas. Porém, para que tal seja possível, optou--se por uma contextualização de base, impres-cindível, para o conhecimento da vida desta figu-ra. Considera-se ainda, que a compreensão daacção governativa dos vários Governadores Ge-rais do Brasil da segunda metade do séc. XVIIcontribui enormemente para o entendimento daconstrução, consolidação e organização do Bra-sil moderno.

A bibliografia disponível que se refere direc-tamente a D. Vasco de Mascarenhas e à sua ac-tuação enquanto Governador Geral do Brasil épraticamente inexistente. Existem somente algumas informações em enci-clopédias ou em obras de cariz genealógico, que se encontram consideravel-mente desactualizadas1. De certo modo, este trabalho visa igualmente colmataresta ausência. Relativamente à documentação consultada, esta encontra-se

1 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XIX. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopé-dia, Limitada, s. data; Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. III. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enci-clopédia, 1961 a 1984.

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totalmente impressa numa obra de valor inestimável2 distribuída em múltiplosvolumes.

Governo-Geral do Brasil – dos primórdios ao século XVII

Em 1548, D. João III envia um Regimento a Tomé de Sousa e delega-lhea função de primeiro governador das terras do Brasil. A partir deste momento,toda a organização administrativa do território brasileiro se altera. A criaçãodo Governo Geral foi decisiva, uma vez que, será a partir deste núcleo centralque se administrará todo esse território. O Governo Geral exerce, daqui emdiante, governação sobre as restantes capitanias e os seus capitães donatários(mais tarde, capitães-mor). Todavia, numa fase inicial, o Regimento3 detêm-se, sobretudo, em questões militares e de povoamento, e não tanto, em ques-tões administrativas de fundo como os Regimentos que lhe sucederão.

A Coroa portuguesa, na tentativa de organizar a conquista, eleva a cida-de de São Salvador da Baía a capital civil, militar e religiosa do GovernoGeral do Brasil: «e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é olugar mais conveniente da costa do Brasil para se poder fazer a dita povoa-ção e assento, assim pela disposição do porto e rios que nela entram, comopela bondade, abastança e saúde da terra, e por outros respeitos, hei pormeu serviço que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento, e para issová uma armada com gente, artilharia, armas e munições e todo mais que fornecessário»4. A Baía torna-se então, a sede do Governo Geral do Brasil5

(futuro Estado do Brasil6) e a intermediária de Lisboa nesse território

2 Documentos Históricos, Vol. V (1650-1668) e Vol. VI (1663-1677) da série E III dos documentos daBiblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Augusto Porto & Praça dos Governadores nº 6, 1928.3 O Regimento de Tomé de Sousa (1548) assume-se, portanto, como uma das formas de materializaçãodo controlo administrativo do território brasileiro. Vide Regimento que levou Tomé de Souza governa-dor do Brasil (Almeirim, 17/12/1548). Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9, http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/1.3._Regimento_que_levou_Tom__de_Souza_0.pdf4 Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil (Almeirim, 17/12/1548). Lisboa, AHU,códice 112, fl. 1.5 O Governador Geral encontrava-se então, na Baía. Numa carta dirigida ao Governador da capitaniado Rio de Janeiro, Pedro de Mello, o Governador Geral D. Vasco de Mascarenhas diz: «Cada instan-te o espero nesta Bahia (…)»,Documentos Históricos, Vol. VI, pp. 52-53.6 O Governo Geral do Brasil passa a designar-se como Estado do Brasil, a partir de 1612, aquandoda realização do terceiro Regimento para o Governo Geral dado por D. Filipe III (IV de Espanha) aGaspar de Sousa. Este Regimento «composto por 59 capítulos, é o primeiro em que aparece a

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pluricontinental7.A governação era uma actividade, que, como refere Maurizio Fiorovante,

era «um conjunto social onde marcava presença uma pluralidade de sujeitos

Dimensão do Estado da Baía, actualmente. Fonte: Google Maps

palavra Estado para qualificar as partes portuguesas da América, sinal do crescente enraizamentode um modo de governar que encontrava eco na maior complexificação e unidade do aparelho admi-nistrativo construído no agora Estado do Brasil», SANTOS, Marília Nogueira dos – “O império naponta da pena: cartas e regimentos dos governadores-gerais do Brasil”, Tempo, 27, 2009, p.123,http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042009000200008&script=sci_arttext. Vide aindaCOSENTINO, Francisco Carlos – “Comunicação entre governadores, capitanias e câmaras:governação no Estado do Brasil, 1654-1681”, 2012, p. 7, http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370459873_ARQUIVO_FCCOSENTINOAnaisANPUHNatal2013.pdf.7 A monarquia portuguesa, segundo Francisco Consentino, pode ser considerada uma monarquiapluricontinental. Tal sucede porque, na Época Moderna, a monarquia portuguesa transpunha osmodelos da metrópole para os espaços coloniais. Vide COSENTINO, Francisco Carlos – “Fidalgosportugueses no Governo Geral do Estado do Brasil, 1640-1702”. Lisboa, 2011, p. 1, http://www.iict.pt/pequenanobreza/arquivo/Doc/t9s1-04.pdf.

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titulares de imperium, e onde encontramos, também, uma diversidade de vín-culos e de obrigações»8.

O rei nomeava então, um fidalgo para o aliviar e auxiliar nas tarefas dagovernação, visto que, o território ocupado era bastante vasto dificultando asua organização e administração. Além disso, a Coroa não se encontrava,em alguns casos, apta ou em condições para administrar directamente essesterritórios9. Pretendia-se, de certo modo, aumentar a eficácia governativa desteterritório que tanto interessava à Coroa portuguesa. A eficácia aumenta apartir do momento em que a administração pública do Estado do Brasil seintensifica10. «A eficácia da gestão administrativa de tal espaço, com frontei-ras tão móveis, mede-se pela intensidade e pelo êxito da conquista colonialde um território cuja transformação em território nacional aquando da inde-pendência, foi a surpresa dos contemporâneos»11. Pode-se, no entanto, per-guntar: «Se o Império do Brasil conseguiu manter esta unidade territorial desete a oito milhões de km2, não será de considerar que a lusitanização admi-nistrativa, nos séculos XVII e XVIII, algum papel teve nesta questão?»12.

A intensificação da administração do Estado do Brasil, sobretudo, a par-tir dos séculos XVII e XVIII, permitiu a solidificação da governaçãopluricontinental portuguesa. O Estado do Brasil cresceu intensamente e assuas relações com a Coroa foram-se estreitando. Para que tal fosse possível,contribuiu a forte ligação entre o monarca e os vários Governadores Gerais,ligação essa, materializada pela vasta e intensa correspondência trocada.

Façamos uma análise mais focada num Governador Geral – D. Vascode Mascarenhas – compreendendo, previamente, o substracto inicial que ori-

8 COSENTINO, Francisco Carlos – “Comunicação entre governadores, capitanias e câmaras: gover-nação no Estado do Brasil, 1654-1681”, 2012, p.15 (vide nota 76 do artigo), http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370459873_ARQUIVO_FCCOSENTINOAnaisANPUHNatal2013.pdf.9 SALDANHA, António Vasconcelos de – As capitanias do Brasil. Antecedentes, desenvolvimento eextinção de um fenómeno atlântico. Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos Desco-brimentos Portugueses, 2001, p. 141.10 «O processo de centralização da administração da Justiça na colônia iniciou-se com a instalação dogoverno-geral, em 1548, cuja sede ficava em Salvador. Compunham a nova estrutura administrativa ogovernador-geral, o provedor-mor da Fazenda e o ouvidor-geral», http://linux.an.gov.br/mapa/?p=4971.Estes cargos eram fundamentais para o auxílio governativo do Governador Geral do Brasil.11 MARQUES, A. H. de Oliveira e SERRÃO, Joel (dir.) – Nova História da Expansão portuguesa, Vol.VII. Lisboa: Editorial Estampa, 1991, p. 171.12 Idem, Ibidem, p. 171.

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ginou a base de toda a administração do Estado do Brasil13. Focar-nos-emos,no entanto, no entendimento da vida e percurso desta figura ligada à históriado distrito de Leiria, e hoje, em parte esquecida.

Governadores Gerais do Brasil

A nobreza ocupou um lugar de destaque no Antigo Regime português,nomeadamente, no âmbito da governação. Na ordem política dominante nes-te período, a nobreza era detentora de uma importância fulcral. Competiacontudo, aos mais nobres e poderosos o auxílio directo ao monarca. Destemodo, e como refere Francisco Cosentino, «a estratégia da acção política esocial dessa aristocracia, ou como afirma Nuno Gonçalo Monteiro, o ethos daaristocracia de Corte, estava alicerçado, na concepção de um grupo socialque adquiria legitimidade pelos serviços que prestava à monarquia e ao rei»14.

Os serviços prestados na corte, nomeadamente ao monarca, tinham comoprincipal objectivo o vínculo aos ofícios régios, que serviriam como «trampolim»de construção e engrandecimento não só pessoal, mas da casa aristocrática aque pertencia o «servidor». Segundo Francisco Consentino, «(…) o exercíciode serviços públicos nobilitava, pois a concessão de um ofício era um honoratior,dado a alguém que era especialmente honrado pelo soberano»15. Ou seja, oexercício de serviços públicos nobilitava. A busca incessante de mercês régiaslevou muitos membros da aristocracia portuguesa a servir o monarca em ofíciospúblicos, por vezes no Império, o que aumentava inevitavelmente o seu prestí-gio e influência na sociedade de corte portuguesa do Antigo Regime.

13 Os governadores eram a autoridade máxima «na América, cabia a eles, principalmente, a tarefa deinformar ao rei, sugerindo muitas vezes o que fazer. Eram eles os olhos do rei na conquista. Deviam,por isso mesmo, produzir descrições detalhadas acerca da sociedade que gradativamente ia seestabelecendo nos trópicos. E é por tudo isso que cada vez mais a correspondência produzida porestes homens merece atenção, pois o bom governador, além de respeitar as jurisdições (…) deveriatambém governar tendo sempre a pena à mão, de forma a conjugar os diversos interesses em jogo,e disso sempre informar ao rei» in SANTOS, Marília Nogueira dos – “O império na ponta da pena:cartas e regimentos dos governadores-gerais do Brasil”, Tempo, 27, 2009, p. 133, http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042009000200008&script=sci_arttext.14 COSENTINO, Francisco Carlos – “Perfil social e importância política dos Governadores Gerais doEstado do Brasil (1640-1705)” in Mneme, Revista de Humanidades, UFRN: Caicó,V.9,nº24,2008, p.6 (vide nota 29 do artigo) http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_7/francisco_st7.pdf15 Idem, Ibidem, p. 7.

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Os homens que assumiram a governação do Estado do Brasil pertenci-am, na sua generalidade, à Alta nobreza do reino. O que competia ao Gover-nador Geral e que funções detinha? Competia a este, «(…) viabilizar a defe-sa, dinamizar a Fazenda, resguardar direitos, demarcar jurisdições, gerir osconflitos, promover os provimentos necessários, ou seja, resgatando signifi-cados do Antigo Regime português, realizar a governação»16.

Nas palavras de António Manuel Hespanha, os governadores gozavamde um poder extraordinário (extraordinaria potestas) e, «(…) tal como o pró-prio rei, podiam derrogar o direito em vista de uma ainda mais perfeita realiza-ção do seu múnus»17. Hespanha afirma ainda que havia possibilidade destescontornarem a rigidez dos regimentos, o que lhes dava uma maior autono-mia: «(…) nos regimentos que lhe eram outorgados estava sempre inserida acláusula de que poderiam desobedecer ao regimento, sempre que uma ava-liação pontual do serviço real o justificasse. Daí que, apesar do estilo alta-mente detalhado das cláusulas regimentais e da obrigação de, para certoscasos, consultarem o rei ou o Conselho Ultramarino, os vice-reis e governa-dores possuíam de facto, uma grande autonomia»18.

Os Governadores Gerais exerciam autoridade sobre os restantes gover-nadores das capitanias como se encontrava patente nos Regimentos. Segundoesta legislação, «os ditos governadores [das capitanias] são subordinados aoGovernador Geral e «(…) hão-de obedecer a tôdas as ordens que êle lhesmandar, dando-lhe o cumpra-se, e executando-as»19, bem como os vários Mi-nistros – Justiça, Fazenda, Guerra. Por sua vez, os Governadores Gerais (e osgovernadores das capitanias) eram obedientes, logicamente, ao monarca. Fran-cisco Cosentino refere: «os governadores gerais eram o poder superior no Es-tado do Brasil e os representantes dos reis de Portugal nessa conquista. Rece-beram regalias por jurisdição delegada e, em razão disso, submetiam, de acor-do com as regras da dinâmica política e governativa da monarquia pluricontinentalportuguesa, as capitanias dessa conquista americana»20.

16 Idem, “Comunicação entre governadores, capitanias e câmaras: governação no Estado do Brasil,1654-1681”, 2012, p. 15.17 HESPANHA, António Manuel – As estruturas políticas em Portugal na Época Moderna, 2003, p.19, http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/amh_MA_3843.pdf18 Idem, Ibidem, p. 19.19 COSENTINO, Francisco Carlos – “Comunicação entre governadores, capitanias e câmaras:governação no Estado do Brasil, 1654-1681”, 2012, p. 4.20 Idem, Ibidem, p. 5.

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Estes homens possuíam, como se referiu anteriormente, uma elevadacondição social, sendo membros da mais elevada fidalguia portuguesa des-se tempo. Além disso, muitos deles detinham altos cargos no reino e no Im-pério, aos quais acrescentavam a sua presença nos Conselhos de Estado ede Guerra21. Assim, «(…) a presença nos conselhos régios, na corte e nogoverno português desses governadores e de muitos dos seus parentes22,demonstra também que além de indivíduos socialmente qualificados eramfidalgos politicamente influentes»23.

Veja-se o exemplo que se analisará mais atentamente, do 1.º Conde deÓbidos e 17.º Governador Geral do Brasil (1663-1667), D. Vasco de Mascarenhas.

D. Vasco de Mascarenhas e o seu tempo

D. Vasco de Mascarenhas nasceu nos princípios do séc. XVII, no seiode uma família fidalga, vindo a falecer a 4 de Julho de 1678. Seu pai, D.Fernão Martins Mascarenhas era titular de um senhorio – senhor de Lavre –e sua mãe, D. Maria de Lancastre era filha de D. Dinis de Lancastre,«Comendador mór da Ordem de Chrifto»24.

Foi alcaide-mor da Vila de Óbidos e serviu sob os Filipes na Flandres, deonde partiria para o Brasil. Mais tarde, na sequência dos seus bons serviços

21 Conselho de Estado: «que consta de conselheiros personagens da primeira graduação», BLUTEAU,Rafael – Vocabulario portuguez e latino (…). Coimbra, 1712-1728, vide entrada «Conselho», s/ indi-cação do tomo, p. 313 http://purl.pt/13969/4/. Conselho de Guerra: «O Conselho de Guerra foi criadoapós a Restauração, ainda em dezembro de 1640. Reformulado em 1643, passou a ser constituídopor três conselheiros nomeados pelo rei, podendo participar nas suas sessões qualquer conselheirode Estado», COSENTINO, Francisco - “Fidalgos portugueses no Governo Geral do Estado do Brasil,1640-1702”. Lisboa, 2011, p. 18, http://www.iict.pt/pequenanobreza/arquivo/Doc/t9s1-04.pdf.22 Esta situação é visível para o caso do 17º Governador Geral do Brasil, D. Vasco de Mascarenhas,que aqui analisaremos com mais precisão. Aquando da sua governação no Estado do Brasil (1663-1667) era detentor do cargo de Governador da Capitania do Rio de Janeiro, o seu meio-irmão, D.Pedro Mascarenhas de Lancastre.23 COSENTINO, Francisco Carlos – “Fidalgos portugueses no Governo Geral do Estado do Brasil,1640-1702”. Lisboa, 2011, p. 19, http://www.iict.pt/pequenanobreza/arquivo/Doc/t9s1-04.pdf.24 COSTA, António Carvalho da - Corografia Portugueza e descripçam topografica do famoso Reynode Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem; varões illustres,gealogias das familias nobres, fundações de conventos, catalogos dos Bispos, antiguidades, maravi-lhas da natureza, edificios & outras curiosas observaçoens. Tomo II, Lisboa, 1702-1712, BNP http://purl.pt/434/3/, p. 403.

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é recompensado com o título, meramente honorífico, de 1.º Conde de Óbidos.Todavia, não há certeza da data em que tal concessão terá ocorrido. Segun-do alguns, «os seus serviços naquele estado foram recompensados por D.Filipe III (IV de Espanha) com a concessão do título de conde de Óbidos porcarta de 22-XII-1636»25, porém, outros defendem que este só terá sido agra-ciado posteriormente, possivelmente, após o seu vice-reinado no Brasil26.

Ao regressar ao reino, em 1640, após se encontrar no Brasil pelo menospor duas vezes, pronunciou-se favoravelmente em relação à nova dinastia e,rapidamente se colocou ao serviço de D. João IV, «(…) que o incumbiu dogoverno do Algarve»27. Uma infeliz decisão estratégico-militar28 levou-o a cairem desgraça. No entanto, retorna à graça régia, em 1646, sendo novamentenomeado para o governo do Algarve. Encontrava-se precisamente neste car-go quando foi nomeado 27º Vice-Rei da Índia29. D. Vasco de Mascarenhaschega a esse Estado a 3 de Setembro de 1646 (ou a 15 de Julho de 1653?30),acompanhado de uma esquadra de quatro navios.

25 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. XIX. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopé-dia, Limitada, s. data, p. 105.26 Segundo Orlando da Rocha Pinto, D. Vasco de Mascarenhas só terá sido recompensado com otítulo de 1º Conde de Óbidos após 1663. Na obra Cronologia da Construção do Brasil, este refere acriação do cargo de vice-rei (o segundo) e de governador do Brasil que é dado a D. Vasco deMascarenhas. E acrescenta que este último seria o «(…) futuro 1º Conde de Óbidos» (p. 99), o quepressupõe, que até 1663 este ainda não teria sido agraciado com tal título.27 Nobreza de Portugal e do Brasil, Vol. III. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, 1961 a 1984, p. 62.28 Quando em 1642 é transferido para o governo de armas do Alentejo, «decidiu o Conde de Óbidoscometer acção de vulto e atacou Valverde que tomou, à frente de 14.000 homens, pondo em seguidacerco a Badajoz, sem êxito, o que lhe valeu o desagrado do Rei, que o mandou prender, bem comoa Joane Mendes de Vasconcelos, seu mestre-de-campo-general», Nobreza de Portugal e do Brasil,ob. cit, p. 62. Não se esqueça que Portugal se encontrava em plena Guerra da Restauração (1640/41-1668). Para aprofundar esta questão vide COSTA, Fernando Dores – A Guerra da Restauração,1641-1668. Lisboa: Livros Horizonte, 2004.29 Nobreza de Portugal e do Brasil, ob. cit, p. 62.30 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, ob. cit, 105. Todavia, consultada a fonte Relação dasNaós e Armadas da India, Com os successos dellas que se puderam saber, Para Noticia e instrucçãodos curiozos, e amantes da Historia da India (British Library, Códice Add. 20902), publicada emCoimbra pela Biblioteca Geral da Universidade em 1985, deparamo-nos com uma outra informação.Segundo esta, D. Vasco de Mascarenhas havia chegado com sucesso à Índia a 15 de Julho de 1653,acompanhado de quatro velas. Cito: «Anno 1652. O conde de Obidos Dom Vasco Mascarenhasvizo-rei. Partiu com 4 vellas a 26 de Março de que forão capitães: o vizo-rei – na náo N. Sra.. da Graça.Alvaro de Novaes – no galeão S. João Perola. Antonio de Abreu de Freitas – no galeão Santiago, e

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À semelhança da fidalguia portuguesa do seu tempo, D. Vasco deMascarenhas deteve altos cargos no seio da monarquia portuguesa31, desdelogo, foi conselheiro da guerra no reinado de D. João IV e conselheiro deEstado por nomeação de D. Afonso VI, em 1662. Contudo, um dos cargosmais relevantes ocupado ao longo da sua vida foi o de Governador Geral doBrasil (ou melhor, 2.º Vice-Rei32), cargo esse que desempenhou continuada-mente de 1663 a 1667.

No entanto, quando termina o desempenho deste elevado cargo regres-sa definitivamente ao reino. Ao regressar é nomeado estribeiro-mor da rainhaD. Maria Francisca Benedita, ocupando este elevado cargo palatino até à suamorte. Foi precisamente este Conde de Óbidos que construiu em Lisboa oseu palácio, «(…) sobre uma penedia sobranceira ao Tejo, ainda designadapela Rocha de Conde de Óbidos (…)»33, onde hoje se encontra instalada aCruz Vermelha34.

A informação genealógica relativa ao 1.º Conde de Óbidos é vastíssima,e como tal, interessa verificar de forma sintética a genealogia que se apre-senta e que se reporta à família Mascarenhas. Importa salientar as figuras deD. Pedro Mascarenhas de Lancastre, meio-irmão de D. Vasco e Governadordo Rio de Janeiro e o filho e neto de D. Vasco, respectivamente, D. FernandoMartins Mascarenhas e D. Manuel Mascarenhas, detentores por hereditarie-dade do título de seu pai. Atente-se à seguinte genealogia (ver p. seguinte).

S. Filippe. Lourenço Botelho – na caravella N. Sra. da Nazaré. O galeão Nossa Sra. da Graça, em quefoi o vizo-rei chegou a 15 de Julho de 1653», p. 181. Não se encontrou, no entanto, qualquer indica-ção de uma viagem ou chegada à Índia de D. Vasco de Mascarenhas, anteriormente a 1652/1653.31 Vide tabela “Governadores gerais (1640-1703)” in COSENTINO, Francisco Carlos – “Perfil social eimportância política dos Governadores Gerais do Estado do Brasil (1640-1705)” in Mneme, Revistade Humanidades,UFRN:Caicó,V.9,nº24,2008,pp.17-18 http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_7/francisco_st7.pdf.32 «A partir de 1720, os governadores-gerais do Brasil passaram a ser nomeados com a patente device-rei. Até então, apenas três governadores haviam recebido tal titulação. O primeiro deles foiJorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão (1640-41), nomeado com o título de vice-rei e capi-tão-general, com o objectivo de expulsar os holandeses de Pernambuco; e depois, Vasco deMascarenhas, primeiro conde de Óbidos (1663-67), e Pedro de Noronha, marquês de Angeja (1714-18)», GOUVÊA, Maria de Fátima – “Vice-Reinado” in Dicionário do Brasil Colonial, 1500-1808 (dir.VAINFAS, Ronaldo). Rio de Janeiro: Objectiva, 2001, pp. 583-584.33 Nobreza de Portugal e do Brasil, ob. cit, p. 62.34 Veja-se http://www.cruzvermelha.pt/cvp/visitas-palacio-conde-dobidos.html.

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A análise que agora se apresenta possibilita que se retirem várias ila-ções, consentindo, igualmente, diversas abordagens de estudo. Procurou-sefundamentalmente traçar o perfil social de D. Vasco de Mascarenhas, combase numa caracterização geral da governação do Brasil, após a criação doGoverno Geral (1548).

A vida deste fidalgo está repleta de acontecimentos favoráveis que su-cessivamente o colocaram na ribalta. Porém, e apesar da sua natureza ven-cedora, a sua memória encontra-se envolta num nevoeiro cerrado. Assim,este pequeno trabalho procura, simultaneamente, recuperar a memória des-te homem carismático e poderoso, que serviu o rei de Portugal no Estado doBrasil e, que se encontra ligado à vasta história leiriense. A sua acçãogovernativa foi também ela bastante interventiva, incidindo em vários domíni-os que não apenas os político-económicos.

Fontes

Impressas– BLUTEAU, Rafael – Vocabulario portuguez e latino (…). Coimbra, 1712-1728, http://purl.pt/13969/

4/ (acedido a 26/05/2015).– COSTA, António Carvalho da - Corografia Portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno

de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas & lugares, que contem; varõesillustres, gealogias das familias nobres, fundações de conventos, catalogos dos Bispos,antiguidades, maravilhas da natureza, edificios & outras curiosas observaçoens. Tomo I-III, Lisboa,1702-1712, BNP http://purl.pt/434/3/ (acedido a 23/05/2015).

– Documentos Históricos, Vol. V (1650-1668) e Vol. VI (1663-1677) da série E III dos documentos daBiblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Augusto Porto & Praça dos Governadores nº 6, 1928.

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