Os livros de óbitos do Hospital do Conde de Ferreira 1883 – 1903
-
Upload
independent -
Category
Documents
-
view
4 -
download
0
Transcript of Os livros de óbitos do Hospital do Conde de Ferreira 1883 – 1903
Os livros de óbitos do Hospital do Conde de Ferreira
1883 – 1903i
Álvaro de Sousa Holstein
ii
Ashf/2007
Inicialmente o que se tinha como meta era sobretudo dar notícia da existência dos
livros de óbitos do Hospital do Conde de Ferreira que começam em 1883 e
terminam em 1906.
Num primeiro contacto com eles vai para mais de dez anos, ficara-nos a
impressão de que a instituição recebia doentes provenientes de zonas bastante
distantes da sua natural área de intervenção e assim servia, por vezes de
vazadouro, para aquilo que interessava esconder.
Desde 1848 que o Convento de Rilhafoles era Hospital de Alienados, pelo que a
vinda de doentes do Sul e Ilhas para o Norte nos surja como uma solução de
recurso.
Foi assim com base nesta premissa e com a intenção de fazer um índice geral que
começarmos a compulsar de novo a documentação referida, só que ao fazê-lo
fomos verificando que muito mais informação estava lá contida, informação essa
que poderia ser tratada desde o ponto de vista genealógico, de história de família,
demográfico, sociocultural, etc.
Entre as variadíssimas informações são de referir o elevado número de pessoas
que faleciam sem a extrema-unção e o facto de cerca de 98% serem sepultados
no Cemitério de Paranhos, pelo que apenas um número ínfimo deles eram
levados para a terra natal ou enterrados em Agramonte ou no Prado, o que quer
num caso quer noutro demonstra uma manifesta indiferença pelo destino
daqueles que faleciam no hospital, mesmo na morte.
Assim a ideia inicial acabou por ganhar novos contornos e deu origem a este
trabalho que não abordando em absoluto a genealogia, não deixa de a ter como
preocupação.
Proximamente iremos iniciar a publicação dos índices de várias instituições de
saúde do concelho do Porto e seus confinantes, começando pelo Hospital do
Conde de Ferreira.
Iniciaremos por localizar no tempo e costumes da época a Instituição.
O Hospital do Conde de Ferreira abre as suas portas a 24 de Março de 1883,
tendo como director o psiquiatra António Maria de Sena, sendo o primeiro
hospital psiquiátrico construído de raiz em Portugal, fruto da vontade e
cumprimento dos desígnios do benemérito nortenho Joaquim Ferreira dos Santos,
Conde de Ferreira, Com a sua abertura foi posto fim às degradantes condições a
que estavam condenados os “alienados” que até aí eram atirados para a cave do
Hospital de Santo António e para as cadeias. Na verdade tratou-se de uma obra
magnífica para a época, tendo sido atribuídos para a sua construção, equipamento
e manutenção, a impressionante soma de 679.000 reis. Composto por catorze
enfermarias que atendiam ao tipo e fase da doença e também à classe social, o
hospital tratou milhares de doentes, doentes esses sobre os quais nos
debruçaremos apenas no que concerne aos lá falecidos entre 1883 e 1903.
É de realçar que o regulamento do hospital continha algumas normas
particularmente avançadas para a época, das quais destacamos o “art. 44º - Caso
faleça algum alienado, cuja religião não seja a católica, e haja pessoa
interessada que pretenda encomendar o cadáver com práticas religiosas
conformes à sua crença, será para esse fim permitida a entrada do ministro de
qualquer culto, devendo neste caso o director clínico assistir continuamente ao
acto religioso”.
Ficaram de fora os três últimos anos, por os livros a eles referentes ainda não
terem sido incorporados no Arquivo Distrital do Porto.
Iniciaremos dando uma imagem, através de tabelas e gráficos, sobre alguns dos
dados constantes dos assentos de óbito entre 1883 e 1896 (condição sócio-
profissional; idades por sexo e estado civil), estendendo apenas a 1903 os dados à
situação de terem ou não recebido a extrema-unção e terminaremos com alguns
exemplos sobre aqueles que lá faleceram.
Condição sócio-profissional 1/2
Ano Sexo
Tra
ba
lha
do
r
Tra
ba
lha
do
r
ind
ife
ren
cia
do
Pro
prie
tário
Ca
pita
list
a
Pro
fess
or
Ad
vo
ga
do
Ac
tor
Clé
rig
o
Ou
rive
s
Ca
mb
ista
Fa
rma
cê
utic
o
En
ferm
eiro
1883 H 4 2 - 1 - - - - - - - -
M - - 1 - - - - - - - - -
1884 H - - - - - - - - - - - -
M - - - - - - - - - - - -
1885 H 8 10 1 - - - - - 2 2
M 5 7 1 - - - - - - - - -
1886 H 12 4 - 1 - - - 1 - 1
M 2 7 - - - - - - - - - -
1887 H 1 3 3 - - - - - 1 - - -
M 1 5 - - - - - - - - - -
1888 H 6 3 2 - - - - 1 - - - -
M 2 - - - - - - - - - - -
1889 H 1 1 - - 1 - - - 1 1
M 1 4 - - - - - - - - - -
1890 H 1 1 3 - - - - - - - - -
M - 4 - - - - - - - - - -
1891 H 2 3 1 - - - - 1 - - - -
M - 2 1 - - - - - - - - -
1892 H 7 2 1 1 1 1 1 2 - - - -
M 1 3 - - - - - - - - - -
1893 H 9 3 2 - - - - 1 1 - 1
M 2 3 - - - - - - - - - 1
1894 H 6 1 - - 1 - - - - - - -
M 3 3 1 - - - - - - - - -
1895 H 7 1 1 - 3 - - - - - - -
M 1 3 1 - - - - - - - - -
1896 H 8 2 - - - - - - - - -
M 2 3 - - - - - - - - - -
92 80 19 3 6 1 1 6 4 3 2 2
16,5% 14,4% 3,4% 0,5% 1,1% 0,2% 0,2% 1,1% 0,7% 0,5% 0,4% 0,4%
Condição sócio-profissional 2/2
Mé
dic
o
Fa
bric
an
te
Tip
óg
rafo
Lavra
do
r
Co
me
rcia
nte
Ne
go
cia
nte
Po
lic
ia
Milita
r
Em
pº
Pú
blic
o
Est
ud
an
te
Cria
da
/o
Ind
ige
nte
Ign
ora
-se
Sexo Ano Soma
- - - - - - - 3 - - - - H 1883
10
- - - - - - - - - - 1 1 M 3
- - - - - - - - - 8 H 1884
8
- - - - - - - - - - - 5 M 5
2 2 2 2 1 1 - 1 1 1 5 H 1885
41
- - - - - - - - - 1 1 4 M 19
1 1 1 1 - 2 2 2 - - 8 H 1886
37
- - - - - - - - - 2 1 7 M 19
- - - 2 - - 1 1 - 2 1 9 H 1887
24
- - - - - - - - - 2 1 7 M 16
- - - 2 - - 1 - - 1 - 7 H 1888
23
- - - 1 - - - - - 3 - 12 M 18
1 - - - 1 1 - 2 - - - 14 H 1889
24
- - - - - - - - - 2 - 12 M 19
- - - - 1 - - - 1 - - 8 H 1890
15
- - - - - - - - - 1 - 8 M 13
- - - 1 - - - - 1 - - 14 H 1891
23
- - - - - - - - - - 1 22 M 26
- 1 1 1 1 - 1 1 - - - 13 H 1892
35
- - - - - - - - - 3 - 8 M 15
1 - - - - - - - - 2 5 H 1893
25
- - - - - - - - - 2 12 M 20
- - - 1 3 - - - - - 1 11 H 1894
24
- - - - 1 - - - - 1 1 4 M 14
1 - - - 2 - 2 3 - - - 5 H 1895
25
- - - - - - - - - - - 6 M 11
- - - 1 2 1 3 2 3 - - 7 H 1896
29
- - - - - - - - - 2 - 8 M 15
2 5 4 12 14 3 11 14 8 23 11 230
556
0,4% 0,9% 0,7% 2,2% 2,5% 0,5% 2,0% 2,5% 1,4% 4,1% 2,0% 41,4%
100,0%
O que se nota é que a mortalidade incide em todos os estratos sociais, contudo algumas
profissões parecem ter uma taxa de incidência maior que outras, como a dos Ourives.
TrabalhadorTrabalhador indiferenciadoProprietárioCapitalistaProfessorAdvogadoActorClérigoOurivesCambistaFarmacêuticoEnfermeiroMédicoFabricanteTipógrafoLavradorComerciante NegociantePoliciaMilitarEmpº PúblicoEstudanteCriada/oIndigenteIgnora-se
Mapa de estado civil
Ano Solteiro (a) Casado (a) Viúvo (a) Ignora-se
Soma
1883 3 9 1 -
13
1884 6 3 3 1
13
1885 26 17 6 3
52
1886 23 19 5 7
54
1887 22 14 4 -
40
1888 14 14 3 10
41
1889 13 14 8 6
41
1890 10 12 3 3
28
1891 29 7 5 8
49
1892 28 12 6 4
50
1893 27 11 5 2
45
1894 19 10 4 5
38
1895 13 14 7 4
38
1896 17 17 6 4
44
A maior incidência de mortes é nos solteiros o que faz todo o sentido, sobretudo se se
atender ao facto de as doenças mentais serem o mais das vezes incapacitantes, sobretudo
no que toca à gestão diária. Estranho é haver anos em que são mais os casados que
morrem.
-
20
40
60
ind
ivíd
uo
s
ano
Óbitos - estado civil
Ignora-se
Viúvo (a)
Casado (a)
Solteiro (a)
Mapa de sacramentos
Ano
Com
extrema-
unção
Sem
extrema-
unção
1883 9 4
1884 5 8
1885 28 24
1886 32 22
1887 27 13
1888 5 36
1889 36 5
1890 16 12
1891 25 24
1892 26 24
1893 25 20
1894 31 7
1895 35 1
1896 38 6
1897 13 16
1898 14 31
1899 20 11
1900 31 18
1901 19 10
1902 30 12
1903 23 8
soma 488 312
O que mais impressiona nesta amostragem é a grande percentagem de indivíduos que
morrem sem os sacramentos.
Para finalizar aqui ficam alguns exemplos de registos que se foram encontrando:
Nome Pai Mãe Idade Idade/Naturalidade
António Medina Ramon Medina Andrea Lopez Aguado criado 56/Mercado, Espanha
Raymond Ellicott Edmund Ellicott Susana Ellicott comerciante 49/Ilha da Madeira
Joaquim Jacob José Jacob Maria Florinda jornaleiro 28/Cernache
Teresa de Comesanha Jacob de Comesanha trabalhadeira 36/Pontevedra, Espanha
Joaquim Botelho Correia Mourão José Botelho Correia
Mourão
Albina Rosa de Jesus ourives 25/Bonfim, Porto
Sebastião Gonçalves Rios António Gonzalez Isabel Rios marcador de
bilhar
47/Mosaicos, Corunha
Augusto de Lemos Pinto
Brandão
Maria Augusta de
Lemos
ourives 42/Marecos, Penafiel
Eduardo Celestino de Magalhães
Brandão
João Ferreira de
Magalhães e Sousa
capitão de
caçadores 7
Valença(?)
Julia Pontvianne Jean Baptist
Pontevianne
Maria Pontevianne 22/S.Martinho do Bispo,
Coimbra
Eloy Prata filho perfilhado de
Maria Joaquina
soldado do
batalhão de
reformados,
da 2ª
companhia,
nº 722
Porto
José Maria de Brito José Maria de Brito Antónia Gertrudes ourives 30/Vila de Fronteira
Francisco Augusto da Cunha (residente no Hospital como pensionista)
proprietário 48/Ilha Graciosa, Açores
Augusto Maria Furtado do Couto
Peres
Audifaço Maria do
Couto Furtado Peres
Inácia Augusta
Henrique do Couto
Bettencourt Peres
empregado
público
36/Noiz, Ponta Delgada
Manuel Batista Ferreira João Batista Ferreira Mariam Ferreira Alves capitalista 65/Raimonda, Paços de
Ferreira
-
10
20
30
40
50
60
1883 1884 1885 1886 1887 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902 1903
ind
ivíd
uo
s
ano
Óbitos
Sem extrema-unção Com extrema-unção
Anexo
Lista dos Capelões do Hospital do Conde Ferreira
entre 1883 e 1903
1883 Francisco Pinto Alves Brandão, aparece como Capelão interino até ao registo 5, passando depois a
Capelão.
1884 Francisco Pinto Alves Brandão assina apenas os 2 primeiros assentos, sendo que no segundo acrescenta
Padre à assinatura. Do terceiro em diante e até ao fim do ano o Capelão passa a ser o Padre Abílio da
Silva Samuel.
1885 Abílio da Silva Samuel, Capelão durante todo o ano.
1886 Até ao assento 15, o Capelão Abílio da Silva Samuel, a quem sucede nos assentos 16,17 e 18, o Abade
António João Dias, seguindo-se o Padre José Marques de Almeida até ao fim do ano.
1887 Até ao assento 23, Capelão o Padre José Marques de Almeida, vindo depois até ao fim do ano o Padre
Domingos de Sousa Neves.
1888 Capelão Albino Ferreira Antunes Coelho.
1889 Capelão João António Nogueira Marinho.
1890 Capelão João António Nogueira Marinho.
1891 Capelão João António Nogueira Marinho.
1892 Capelão João António Nogueira Marinho.
1893 Capelão João António Nogueira Marinho até ao assento 8, depois o Padre João Pereira Vidal.
1894 Capelão o Padre João Pereira Vidal, excepto nos assentos 26 a 29 que foram feitos pelo Padre José
Ferreira Vidal, como Capelão Interino.
1895 Capelão o Padre João Pereira Vidal.
1896 Capelão o Padre João Pereira Vidal até ao assento 26, depois até ao fim do ano Joaquim da Mota
Macedo.
1897 Joaquim da Mota Macedo mantem-se até ao assento 11, entrando depois Domingos de Jesus Lourenço.
1898 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
1899 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
1900 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
1901 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
1902 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
1903 Capelão Domingos de Jesus Lourenço.
Apesar de lavrado em impresso próprio, em livros feitos para esse fim para o “hospital
d’alienados do Conde Ferreira, sito na Cruz das Regateiras, freguesia de Paranhos no
Bairro Ocidental da cidade e diocese do Porto”, na verdade a profusão de autores como
se constata pela lista supra, levou a uma total falta de uniformidade na obtenção de
elementos e preenchimento dos mesmos, o que impede o mais das vezes de obter
informação mais detalhada sobre aqueles que aí faleceram.
i Publicado originalmente na revista do Instituto de Genealogia, Heráldica e História de Família da Universidade Lusófona do
Porto ii Álvaro de Sousa Holstein, pós-graduado em História de Família pela Universidade Moderna, investigador, contista, poeta,
ensaísta e genealogista, nasceu no Porto, a 25 de Março de 1959. Tem trabalhos publicados em Portugal, Espanha, Holanda, EUA,
Inglaterra, Brasil e Japão. Foi editor de Babel, Nebulosa [Prémio Europeu da Société Européene de Science Fiction - SESF, para o
melhor fanzine oeste europeu em 1985], BIN, Flamingo e Fénix e editor associado do boletim espanhol Fandom. Publicou Caderno de Ficção Científica (Autor, V.N. Gaia, 1984), Nas Encruzilhadas do Nada (Poesia, Autor, V. N. Gaia, 1985), Bibliografia da Fic-
ção Científica e Fantasia Portuguesa (em co-autoria, Autores, V. N. Gaia, 1987/Prémio Europeu de Ficção Científica 1987,
atribuído pela Société Européene des Écrivains de Science Fiction, 2ª edição, 1993, Lisboa, Black Sun Editor), Referencial List of Ibero American Science Fiction and Fantasy Magazines, Fanzines and Awards (Autor, V. N. Gaia, 1987) e Catálogo de Ficção
Científica em Língua Portuguesa 1921-1993 (em co-autoria, S. Paulo, Brasil, 1994). Membro: APE - Associação Portuguesa de
Escritores, SESF - Société Européene des Écrivans de Science Fiction (Delegado Português), Associação Portuguesa de Genealogia, Instituto de Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto, Círculo Dr. José de Figueiredo - Porto e
Sociedade de Geografia de Lisboa. Colaborador no Dicionário Bibliográfico de Autores Portugueses. Realizador e apresentador de
programas na extinta Rádio Caos [sócio] (1987-1990).