Controle de qualidade dos dados de radiossondagem da campanha WET-AMC/LBA

25
1 Controle de qualidade dos dados de radiossondagem da campanha WET-AMC/LBA Marcos Longo 1 , Rachel Ifanger Albrecht 1 , Luiz Augusto Toledo Machado 2 , Gilberto Fernando Fisch 2 , Maria Assunção Faus da Silva Dias 1 (1) Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo Rua do Matão 1226, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] (2) Instituto de Aeronáutica e Espaço, Centro Técnico Aeroespacial Praça Mal. Eduardo Gomes 50, 12228-904, São José dos Campos, SP, Brasil Submetido à Revista Brasileira de Meteorologia Setembro de 2.001

Transcript of Controle de qualidade dos dados de radiossondagem da campanha WET-AMC/LBA

1

Controle de qualidade dos dados de radiossondagem da campanha WET-AMC/LBA

Marcos Longo1, Rachel Ifanger Albrecht1, Luiz Augusto Toledo Machado2,

Gilberto Fernando Fisch2, Maria Assunção Faus da Silva Dias1

(1) Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo

Rua do Matão 1226, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

(2) Instituto de Aeronáutica e Espaço, Centro Técnico Aeroespacial

Praça Mal. Eduardo Gomes 50, 12228-904, São José dos Campos, SP, Brasil

Submetido à Revista Brasileira de Meteorologia

Setembro de 2.001

2

Resumo

Este trabalho apresenta um controle de qualidade dos dados das radiossondagens reali-

zadas durante a campanha WET-AMC/LBA, em janeiro e fevereiro de 1999, em Rondônia,

baseado em métodos de inspeção visual, verossimilhança e consistência espacial e física, a que

estes foram submetidos. Foi possível constatar que a remoção ou substituição dos dados consi-

derados suspeitos, em especial de superfície, promove melhorias significativas em resultados de

parâmetros termodinâmicos, exemplificado pela CAPE, sendo recomendável a utilização da

série corrigida de dados.

Palavras-chave

1. Controle de qualidade. 2. Radiossondagens. 3. Amazônia. 4. LBA.

3

WET-AMC/LBA campaign sounding data quality control

Abstract

This work presents a quality control of radiosounde data collected during WET-

AMC/LBA, which is based on visual inspection, plausibility and spatial and physical consis-

tency. The substitution or elimination of suspected data improves the reliability of thermody-

namical parameters, for instance, CAPE. Consequently, it is strongly recommendable to use the

corrected data series.

Keywords

1. Quality control. 2. Radiosoundings. 3. Amazon Basin. 4. LBA.

4

1. Introdução

A primeira campanha atmosférica em meso-escala do projeto LBA, denominada

WET-AMC/LBA, ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 1999, em Rondônia (veja Silva

Dias, 2001). Silva Dias et al. (2001) apresentam uma visão integrada de diversos resultados

desta campanha, de maneira especial a interação entre nuvens, precipitação e tipo de uso de solo

através de processos da biosfera.

Durante o experimento WET-AMC/LBA foram operadas quatro estações de radiossonda-

gem localizadas nas cidades de Ouro Preto d’Oeste, Rolim de Moura, Cacaulândia (Hotel Fa-

zenda Rancho Grande) e Reserva Biológica do Jaru (Rebio). Em Rolim de Moura (RM) e Re-

serva Biológica do Jaru (RJ) utilizaram-se sondas Väisälä, enquanto que em Rancho Grande

(RG) e Ouro Preto d’Oeste (OP) foram usadas as sondas VIZ. A posição dos sítios de lançamen-

to está na figura 1.

Durante a fase de análise de dados diversos problemas foram apontados por Silva Dias

(2000) e Dr. A. K. Betts (comunicação pessoal); além disto, Fisch et al. (2001) mostram que

existem diferenças significativas, especialmente em relação à umidade, entre as sondas VIZ e

Väisälä, sendo aquela mais úmida durante a comparação realizada na campanha WET-AMC.

Deste modo, faz-se necessária a aplicação de um controle de qualidade nos dados de radiosson-

das, porquanto erros sistemáticos ou até mesmo grosseiros podem comprometer o cálculo de

fluxos e parâmetros termodinâmicos, mesmo que estes se restrinjam a poucos níveis.

Vários esforços têm sido feito para detectar e corrigir os erros incorporados as radiossonda-

gens de todo o mundo. A maior parte concentra-se na composição de séries climatológicas a fim

de detectar possíveis tendências e construir series com um bom grau de confiabilidade para se-

rem utilizadas em modelos climatológicos (Gaffen, 1994, Eskridge et. al. 1995, Zhai et. al.

1996).

Vuolo (1996) classifica os erros como aleatórios e sistemáticos. Os erros aleatórios são de-

vidos a inúmeros fatores independentes, e tendem a se distribuir simetricamente em torno de

zero, além de não dependerem do valor medido. Tais erros estão presentes em todas as séries de

dados, e não é possível removê-los destas, embora o erro quadrático médio devido aos erros

5

aleatórios deva tender a zero em conjuntos de dados acurados. Por outro lado, os erros sistemá-

ticos não se distribuem simetricamente em torno de zero, e podem ser devidos a erros na escala

do instrumento ou qualquer outro fator que seja persistente no tempo, ou que dependa deste

(aumentando gradativamente com o tempo, por exemplo). É possível remover este erro desde

que se conheça a sua origem e se determine qual é a relação funcional deste com o tempo. Gan-

din (1988) ressalta que em medidas meteorológicas existe ainda o problema de escalas temporal

e espacial. Tal característica faz que perturbações de escala pequena o suficiente para não ser

detectadas pela resolução do instrumento manifestem-se como ruído branco1. Além disto, é

freqüente a utilização de variáveis dependentes das variáveis medidas, como é o caso da altura

geopotencial, produzindo erros correlacionados. Finalmente, os dados meteorológicos podem

apresentar erros grosseiros, que podem ser provocados por problemas de processamento ou

transmissão dos dados, o funcionamento incorreto dos instrumentos ou erros de leitura. Geral-

mente estes erros são grandes em magnitude e distorcem de maneira significativa os campos

analisados. Por outro lado, estes erros são facilmente detectáveis justamente por causa da dis-

crepância em relação aos demais dados2.

É possível classificar o controle de qualidade de dados em diversas categorias (Gandin, op.

cit.). A primeira delas, muito comum para remoção de erros grosseiros, é a inspeção visual, que,

embora subjetiva, é bastante útil ainda hoje pelo menos em situações mais complicadas.

Há também o método de consistência espacial, que se baseia no fato de que os valores de

uma variável em pontos próximos não devem ser muito diferentes. Entretanto, deve-se tomar

especial cuidado ao se utilizar este método, pois em regiões tropicais a ocorrência de fenômenos

meteorológicos de escalas menores pode produzir, por algumas horas, diferenças significativas

mesmo em pontos adjacentes dependendo da resolução espacial — a passagem de frentes de

rajadas em apenas uma estação pode produzir tais diferenças.

1 Gandin (1988) se refere a este ruído como erro micrometeorológico.

2 Na realidade, nem sempre os erros grosseiros têm elevada magnitude, porém pequenos erros grosseiros,

não detectáveis, tampouco comprometem seriamente a qualidade dos dados.

6

Outro método bastante utilizado é o da verossimilhança, que verifica os dados de maneira

independente e pode ser dividido em dois gêneros: o primeiro, mais simples, rejeita valores

impossíveis, como aumento de pressão com a altura. O segundo, estatístico, consiste em verifi-

car valores suspeitos, que estejam fora de intervalos de confiança de 68 e 95 %, por exemplo.

Finalmente, é possível utilizar equações diagnósticas às quais os dados devem obedecer pe-

lo menos numa primeira aproximação — denominado método de consistência física. Um exem-

plo deste método é a verificação hidrostática (Gandin et al., 1993 e Collins, 1998).

2. Material e métodos

A tabela 1 mostra o número de sondagens realizadas a cada dia da campanha

WET-AMC/LBA nos pontos de lançamento. As sondagens eram soltas nos horários de 00, 03,

06, 09, 12, 15, 18 e 21 TMG3, quando havia oito sondagens por dia, e em alguns destes horários

nos demais casos.

Nas estações em que se utilizavam as sondas Väisälä, o procedimento adotado era, em pri-

meiro lugar, realizar a calibragem de superfície. Neste caso, era aplicada à sondagem uma cor-

reção linear nos valores de temperatura, umidade relativa e pressão em função da diferença en-

tre os valores registrados por esta e por um termômetro e barômetro. O sensor de umidade era

colocado num compartimento com sílica a fim de levar a umidade relativa do sensor da radios-

sonda a zero — a umidade relativa de referência sempre era zero. Em seguida, enquanto se to-

mavam as medidas de superfície com um barômetro aneróide e um psicrômetro de corda (que

permanecia num abrigo meteorológico a cerca de 1,5 m acima da superfície), a radiossonda era

levada ao abrigo para que fossem tomadas três medidas, em intervalos de 30 segundos, da tem-

peratura e umidade relativa registradas pela sonda4. Apenas após este procedimento a sonda era

lançada, sempre tomando o cuidado de esperar a sincronização do GPS da sonda e registrados

3 O horário local de Rondônia é atrasado em quatro horas em relação a Greenwich (TMG).

4 Apesar de se tomar 3 medidas, preferiu-se utilizar apenas a terceira, haja vista que esta apresentara um

perfil com menor flutuação. Toda a vez que se referir à 3a medida, será em relação a esta neste trabalho.

7

os ventos. Após o lançamento, era necessário entrar com os dados de superfície. No caso de

Rolim de Moura, entrava-se com os dados do barômetro aneróide e os dados de temperatura e

umidade relativa determinados a partir do psicrômetro e uma tabela de conversão. Para os dados

de superfície de vento, eram utilizados os dados de vento da torre instalada a poucos metros do

ponto de lançamento, a uma altura de 10 metros da superfície. Na Reserva Biológica do Jaru o

procedimento era o mesmo, a não ser pelo vento, que era obtido por um anemômetro instalado

no local de lançamento da sondagem a cerca de 4 metros de altura.

Nas estações em que se utilizaram as radiossondas VIZ o procedimento era, depois de liga-

da a radiossonda, obter dados de superfície de pressão através do barômetro aneróide, de tempe-

ratura e umidade relativa através dum psicrômetro digital, enquanto os dados de vento em Ouro

Preto d’Oeste eram obtidos da torre micromeotorólogica, localizada a poucos metros do ponto

de lançamento; os dados de vento em Rancho Grande eram obtidos por um anemômetro instala-

do no local de lançamento da sondagem a cerca de 4 metros de altura no período de 13 a 18 de

janeiro, enquanto que entre os dias 9 e 23 de fevereiro não havia instrumento algum para medi-

lo, sendo necessário estimá-lo. Foram utilizados dois tipos de radiossondas VIZ: uma com sis-

tema de GPS diferencial tridimensional (que mede a altura da sonda e sua pressão é então calcu-

lada pela equação hidrostática utilizando a pressão da superfície como condição inicial e o vento

é determinado a partir do vento em superfície) e outra com sensores de pressão e sistema GPS. O fato de não haver outras medidas em Rancho Grande, associado ao fato de que houve

uma interrupção no funcionamento deste sítio entre 18 de janeiro e 9 de fevereiro, com mudança

de instrumentos de referência, impossibilitou qualquer comparação e conseqüentemente qual-

quer alteração nos dados de radiossondagem deste local. Assim sendo, todas as etapas de corre-

ção de dados foram aplicadas apenas à RM, RJ e OP.

O controle de qualidade de dados foi dividido em quatro fases. Na primeira fase, utilizou-se

um método de inspeção visual (Gandin, op. cit.), no qual se verificou se os dados de fato corres-

pondiam ao horário informado no arquivo original. Na segunda fase, submeteram-se os dados a

um método de consistência espacial, verificando a qualidade dos dados de superfície e sua coe-

rência com a 3a medida, e aquelas efetuadas por outros instrumentos, como os instalados nas

8

torres, em seguida aplicando um método de verossimilhança simples para eliminar alguns dados

que ainda apresentam problemas. A terceira fase consistiu em verificar se houve, nos perfis

verticais, trechos das radiossondagens em que as variáveis estiveram fora do intervalo de confi-

ança de 95 % da série temporal no sítio, corrigindo ou eliminando perfis inconsistentes quando

se justificasse tal situação (método de verossimilhança estatística). Ademais, verificou-se nesta

fase a ocorrência de inversões no perfil de pressão, ou seja, aumento de pressão com a altura ao

invés de queda (método de verossimilhança simples). Finalmente, na quarta fase aplicou-se um

método de consistência física, verificando o comportamento da divergência de massa integrada

na coluna atmosférica no triângulo cujos vértices fossem definidos como os pontos de lança-

mento (RM, RJ e OP).

Os conjuntos de dados submetidos ao controle de qualidade acima estão disponíveis na pá-

gina http://www.lba.iag.usp.br. Utilizou-se a seguinte notação: o conjunto de dados A corres-

ponde aos dados originais sem correção alguma; o conjunto B corresponde aos dados corrigidos

pela primeira fase; o conjunto C primeira e segunda fases; o conjunto D primeira, segunda e

terceira fases e o conjunto E todas as fases.

3. Resultados e discussão

3.1. Correção de data e horário

A correção de data e horário consistiu em comparar o nome dos arquivos das radiossonda-

gens e o horário de lançamento. Observou-se em diversas radiossondagens, todas de Ouro Preto

d’Oeste, problemas de incompatibilidade no horário de 00 TMG. O lançamento normalmente se

dava cerca de 23:30 TMG do dia anterior, porém no arquivo deveria constar o dia seguinte, o

que nem sempre ocorreu. Deste modo, todas as radiossondagens foram adequadas para esta

convenção. Ademais, ainda para Ouro Preto d’Oeste, homogeneizou-se a origem dos dados de

superfície, corrigindo-se quaisquer problemas de unidade, especialmente do vento, que estavam

ora em nós, ora em m/s. Adotou-se, portanto, a mesma convenção dos demais sítios, o sistema

internacional. Para a Reserva Biológica do Jaru foi detectada apenas uma sondagem com o pro-

blema de horário, enquanto que em Rolim de Moura nenhuma sondagem apresentou tal proble-

ma.

9

Nesta fase também foi detectada a ausência de arquivos de algumas sondagens que foram

lançadas — existia a folha de dados que era preenchida a cada sondagem — e foram recupera-

das duas sondagens da Reserva Biológica do Jaru, oito sondagens de Rolim de Moura e uma

sondagem de Ouro Preto d’Oeste.

3.2. Correção dos dados de superfície

Para aplicar o método de consistência espacial utilizaram-se os dados originais de superfí-

cie, medidas das torres e a 3a medida. A tabela 2 mostra os valores médios e desvios-padrão

medidos pelos diferentes instrumentos. A figura 2 ilustra as diferenças observadas, em Rolim de

Moura, entre os dados de entrada de superfície e a estação, no caso de pressão, e a 3a medida, no

caso da temperatura e umidade relativa. É possível observar que a diferença na pressão entre os

dias 8 e 9 foi muito alta, ultrapassando 7 hPa, elevando o valor médio e desvio-padrão registra-

dos pela estação; porém uma análise dos dados mostra que esta diferença é devida a problemas

no sensor de pressão da estação automática, e não do barômetro ou da radiossonda. Por outro

lado, é possível notar que há uma descontinuidade na série no dia 16 de fevereiro. Analisando a

série temporal da correção aplicada ao barômetro, verifica-se que houve uma mudança no valor

médio após esta data, surgindo uma componente sistemática do erro. Isto indica que o problema

é devido a uma perda da calibragem original do barômetro, possivelmente decorrente duma

queda acidental do instrumento. Assim, optou-se por remover a correção feita pela radiossonda

de todo o perfil das radiossondagens de Rolim de Moura.

Na Reserva Biológica do Jaru, há uma diferença relativamente grande nos valores médios

de pressão, e isto é devido ao fato de que a torre e o ponto de lançamento não estavam próxi-

mos, além de o barômetro da torre estar instalado a cerca de 30 m acima da superfície. Tais

diferenças tornariam inviável qualquer substituição dos dados de superfície pelos da torre na RJ.

Ademais, observou-se uma tendência sistemática na série temporal da diferença de pressão entre

a estação e o barômetro (não exibido), e foi constatado que o problema também era devido a

este. Assim, foi necessário remover a correção feita pela radiossondagem também na Reserva

10

Biológica do Jaru. Em Ouro Preto d’Oeste, apenas em alguns casos foi necessário corrigir a

pressão, haja vista que os dados da estação e medidos na superfície estavam coerentes. A figura 2b, bem como a tabela 2, mostra que a diferença da temperatura entre o psicrôme-

tro e a 3a medida em Rolim de Moura não apresentou tendência alguma, tampouco erros siste-

máticos, de forma que não se mostrou necessária a mudança de toda a série: apenas em alguns

casos, rejeitados pelo método de verossimilhança simples já que a sondagem se tornaria exces-

sivamente instável — com valores de CAPE5 superiores a 15 000 J — foi realizada a substitui-

ção ou até mesmo a eliminação dos dados de temperatura da superfície. O mesmo pode ser dito

para a Reserva Biológica do Jaru e Ouro Preto d’Oeste.

A figura 2c apresenta a diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida. É

possível observar que há uma diferença significativa entre as medidas, em diversas vezes ultra-

passando 30%, o que é inaceitável. Isto ocorreu porque, ao analisar a série temporal de umidade

relativa do psicrômetro (não exibida), praticamente não se verifica ciclo diurno6, o que não é

razoável. Além disto, foi feito um periodograma da diferença entre a umidade relativa medida

pelo psicrômetro e 3a medida — figura 3. O periodograma retorna, para cada período, uma fun-

ção intensidade que, para uma série aleatória — sem tendências ou ciclos, deve apresentar valo-

res baixos e comparáveis para todos os períodos (Box e Jenkins, 1976). No entanto, observa-se

um máximo extremamente elevado da função intensidade correspondente ao período de 24 ho-

ras, confirmando que há ausência de ciclo diurno bem definido no psicrômetro e conseqüente-

mente presença de ciclo diurno na série de diferença. Entre outros fatores, provavelmente não se

esperava tempo suficiente para que o bulbo úmido atingisse o valor mínimo. Além disto, a gaze

que envolvia o bulbo deveria estar mais larga que o necessário, impedindo a ventilação adequa-

da, superestimando a umidade principalmente durante o dia. Como a mesma característica foi

constatada na Reserva Biológica do Jaru, em ambas as estações a medida original da superfície

5 Sigla em inglês Energia convectiva potencial disponível

6 Esta ausência pode ser verificada através do valor médio original muito elevado e desvio-padrão relati-

vamente baixo.

11

foi substituída pela 3a medida, em todas as sondagens. Em Ouro Preto d’Oeste a umidade relati-

va foi substituída pelo valor da estação de superfície apenas em casos isolados, haja vista que os

dados não estavam muito distantes de uma forma geral.

3.3 Correção dos perfis verticais

Para sistematizar a análise dos perfis verticais pelo método da verossimilhança estatística,

interpolaram-se todas as sondagens em níveis regulares de 10 hPa, e procuraram-se todos os

pontos ou trechos de radiossondagens que estivessem fora do intervalo de 95% de confiança.

Em seguida, determinaram-se quais trechos estavam fora do intervalo de confiança devido a

erros de medida. Como se pode observar na figura 4a, as sondagens não apresentaram em geral

desvios significativos em relação ao intervalo de confiança de 95 %, e na maioria das ocasiões

em que ocorreram estes desvios, não foi verificada a necessidade de substituição ou eliminação

dos dados, haja vista que estes desvios não eram devidos a erros. O perfil de temperatura da

sondagem de 1o de fevereiro, 09 TMG, em OP — figura 4b — foi o único considerado inconsis-

tente: este se mostrou muito deslocado do intervalo de 95 %, e os valores de temperatura, inferi-

ores a 10°C logo no 3o nível da sondagem, não eram verossímeis. Conseqüentemente, foi neces-

sário eliminar todo o perfil de temperatura desta radiossondagem.

3.3. Análise da divergência de massa

A análise da divergência de massa integrada na coluna foi realizada considerando a área de-

finida pelo triângulo cujos vértices são as estações de RM, RJ e OP. Para viabilizar o cálculo,

aproximou-se o topo da atmosfera para a tropopausa, considerada fixa em 90 hPa7. O programa

desenvolvido retorna valor definido apenas quando há, nas três estações, perfil de vento até pelo

menos 70 % da altura da tropopausa, embora o método aplicado forneça valores muito mais

acurados quando há o perfil completo de vento até 90 hPa. Como a divergência de massa inte-

grada na coluna equivale à variação de pressão (Bluestein, 1993), não é razoável que estes valo-

7 90 hPa corresponde a um valor típico encontrado nas radiossondagens da campanha WET-AMC/LBA.

12

res sejam elevados, haja vista que na região tropical não se observam variações muito significa-

tivas de pressão. A equação utilizada para esta integração, é definida por Machado (2000):

∫∫∫ ⋅∇=⋅∇−≅⋅∇=∞ spf

Spf

p

hPap

dpVg

dpVg

dzV90

0

0

11 rrrrrrρδ

A figura 5 mostra a série temporal de divergência de massa. É possível observar que um

número muito reduzido de casos, cerca de 7%, esteve fora do intervalo de 68% de confiança —

média mais ou menos um desvio-padrão. Dentre estes casos, não foi observado nenhum que

fosse devido a problemas nas medidas: em alguns destes casos, o perfil de vento em OP não

estava completo até a tropopausa, acarretando valores pouco acurados, como mostra a figura 6a.

Nos demais, a ocorrência de fenômenos de escala menor que o triângulo justifica a ocorrência

de valores elevados de divergência de massa, como se observa na figura 6b, em que uma linha

de instabilidade que passava no sul do Rondônia atingiu apenas RM, alterando portanto o perfil

de vento.

3.4. Considerações finais.

A fim de se verificar de maneira objetiva o efeito das correções nas radiossondagens, foi

calculada a CAPE para todas as radiossondagens. Escolheu-se tal variável porque esta depende

tanto dos dados de superfície quanto do perfil vertical, e é bastante sensível mesmo para peque-

nas variações. A figura 7 apresenta as séries temporais de CAPE para o conjunto de dados A —

sem correção alguma — e conjunto E — submetido a todas as etapas de controle de qualidade,

para a Reserva Biológica do Jaru. Verifica-se que, enquanto o conjunto A apresentava diversas

sondagens com CAPE superior a 10000 J, que é inverossímil mesmo para regiões tropicais. Tais

valores fizeram que o valor médio da CAPE fosse muito maior na fase A que na fase E; o mes-

mo pode ser dito em relação ao desvio-padrão, como se observa na tabela 3. Por outro lado, a

remoção ou substituição dos dados de superfície suspeitos fez o valor médio e o desvio-padrão

caírem significativamente, indicando que os dados flutuavam menos. Tal característica pode ser

confirmada ao se tomarem os valores máximos. Tais reduções mostram que o conjunto E, do

13

ponto de vista termodinâmico, é muito mais razoável que o conjunto A. Padrão semelhante é

observado em Rolim de Moura (não exibido), com uma redução média mais evidente — tabela

3, enquanto que em Ouro Preto d’Oeste, a rara ocorrência de valores espúrios no conjunto A não

acarretou mudanças significativas.

4. Conclusões

A inconsistência espacial dos dados de superfície foi a principal causa de erros nos perfis de

radiossondagem. As falhas mais relevantes foram erros de leitura, dos instrumentos e de inser-

ção dos dados nas radiossondagens, como ocorreu em Ouro Preto d'Oeste com as unidades dos

dados de vento.

A relevância das correções realizadas nas radiossondagens foi comprovada no cálculo dos

parâmetros termodinâmicos, em que se observou uma significativa melhora naqueles calculados

a partir das radiossondagens corrigidas. Além disto, a detecção de erros significativos em alguns

dados de superfície durante a utilização do método de consistência espacial mostra que é neces-

sária também a correção dos dados das estações automáticas de superfície.

5. Agradecimentos

Agradecemos a Luís Gustavo Pereira e Marcel Ricardo Rocco pelo auxílio no processamen-

to de parte das fases de controle de qualidade e a Alan Betts por importantes sugestões durante o

desenvolvimento deste trabalho.

6. Referências Bibliográficas

Box, G. E. P., G. M. Jenkins, 1976: Time series analysis: forecasting and control. Revised edi-

tion, Holden-Day, Oakland, 575 pp.

Bluestein, H. B., 1993: Synoptic-dynamic meteorology in mid-latitudes - Volume I: principles of

kinematics and dynamics. Oxford University Press. Nova Iorque. 431 pp. Collins, W. G., 1998: Complex quality control of significant level rawinsonde temperatures. J.

Atmos. Oceanic Technol., 15, 69–79.

14

Eskridge, R. E., O. A. Alduchov, I. V. Chernykh, P. Zhai, A. C. Polanski, S. R. Doty, 1995: A

comprehensive aerological reference data set (CARDS): rough and systematic errors. Bull.

Am. Meteor. Soc., 76, 1759–1775.

Fisch, G. F., J. Tota, L. A. T. Machado, M. A. F. Silva Dias, R. F. da F. Lyra, C. A. Nobre, A.

J. Dolman, A. D. Culf, J. Halverson, e J. D. Fuentes, 2001: The convective boundary layer

over pasture and Forest in Amazônia. Submetido a J. Geophys. Res.

Gaffen, D. J., 1994: Temporal inhomogeneities in radiosonde temperature records. J. Gephys.

Res., 99(D2), 3667–3676.

Gandin, L. S., 1988: Complex quality control of meteorology observations. Mon. Wea. Rev.,

116, 1137–1156.

——, L. L. Morone, e W. G. Collins, 1993: Two years of operational comprehensive hydro-

static quality control at the national meteorological center. Wea. Forecasting, 8, 57–72.

Machado, L. A. T., 2000: The Amazon energy budget using the ABLE-2B and FluAmazon data.

J. Atmos. Sci., 57, 3131–3144.

Silva Dias, M. A. F., 2000: WET-AMC Data Workshop, Primeira Conferência Científica do

LBA. Belém, Pará.

——, 2001: Experimento de grande escala da interação biosfera atmosfera na Amazônia: resul-

tados preliminares. Bol. Soc. Bras. Met., 25(1), 7–14.

——, S. Rutledge, P. Kabat, P. L. Silva Dias, C. A. Nobre, G. F. Fisch, A. J. Dolman, E. Zipser,

M. Garstang, A. O. Manzi, J. D. Fuentes, H. R. Rocha, J. A. Marengo A. Plana-Fattori, L. D. A.

Sá, R. Alvalá, M. O. Andreae, P. E. Artaxo, R. Gielow, e L. V. Gatti, 2001: Clouds and rain

processes in a biosphere atmosphere interaction context in the Amazon region. Submetido a J.

Geophys. Res.

Vuolo, J. H., 1996: Fundamentos da teoria de erros. 2a ed., Edgar Blücher, 249pp.

Zhai, P., e R. E. Eskridge, 1996: Analyses of inhomogeneities in radiosonde temperature and

humidity time series. J. Climate, 9, 884–894.

15

Lista de figuras

Figura 1. Topografia e posição das estações de lançamento das radiossondas.

Figura 2. Série temporal, em Rolim de Moura, da diferença de pressão entre a estação e

barômetro (a), e da diferença de temperatura (b) e umid. rel. (c) entre psicrôme-

tro e 3a medida.

Figura 3. Periodograma da diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida

em Rolim de Moura, RO. O eixo das ordenadas corresponde à função intensida-

de.

Figura 4. Perfil vertical de temperatura — linha com marcadores — em níveis baixos (ca-

mada 1000-700 hPa) de temperatura em Ouro Preto d’Oeste numa sondagem

considerada normal, em 31/Jan/1999 – 12 TMG (a) e num perfil rejeitado pelo

teste de verossimilhança estatística, em 01°/Fev/1999 – 09 TMG (b). As linhas

sem marcadores representam os limites do intervalo de confiança de 95 %.

Figura 5. Seqüência temporal da divergência de massa no triângulo definido por RM-RJ-

OP. A linha escura representa o valor médio e as linhas claras os limites do in-

tervalo de 68% de confiança. Os pontos marcados por triângulo são os casos

suspeitos.

Figura 6. Figura 6. Perfis verticais do vento em que a divergência de massa (kg.m-2.s-1)

esteve fora do intervalo de confiança de 68 % porque o perfil de uma estação

estava incompleto (a) e por causa da ocorrência de fenômeno de escala menor

que o triângulo (b).

Figura 7. Série temporal de CAPE na Reserva Biológica do Jaru, calculado com a série de

dados original (Conjunto A) e após passar por todas as etapas de correção (Con-

junto E).

16

Lista de tabelas

Tabela 1. Número de sondagens realizadas por sítio e por dia, obtido através das folhas de

observação. Este número inclui as sondagens que não constavam no conjunto

original de dados.

Tabela 2. Valores médios e desvio-padrão da pressão, temperatura e umidade relativa atra-

vés de diferentes instrumentos, em RM, RJ e OP. A notação original se refere

aos dados de entrada da radiossonda (psicrômetro e barômetro).

Tabela 3. Valores médios, desvio-padrão e máximo de CAPE, em J, encontrados para os

conjuntos A (original) e E (submetido a todas as fases de controle de qualidade).

17

Figura 1. Topografia e posição das estações de lançamento das radiossondas.

18

(a)

(b)

19

(c)

Figura 2. Série temporal, em Rolim de Moura, da diferença de pressão entre a estação e barôme-

tro (a), e da diferença de temperatura (b) e umid. rel. (c) entre psicrômetro e 3a medida.

Figura 3. Periodograma da diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida em

Rolim de Moura, RO. O eixo das ordenadas corresponde à função intensidade.

20

(a) (b)

Figura 4. Perfil vertical de temperatura — linha com marcadores — em níveis baixos (camada

1000-700 hPa) de temperatura em Ouro Preto d’Oeste numa sondagem considerada normal, em

31/Jan/1999 – 12 TMG (a) e num perfil rejeitado pelo teste de verossimilhança estatística, em

01°/Fev/1999 – 09 TMG (b). As linhas sem marcadores representam os limites do intervalo de

confiança de 95 %.

21

Figura 5. Seqüência temporal da divergência de massa no triângulo definido por RM-RJ-OP. A

linha escura representa o valor médio e as linhas claras os limites do intervalo de 68% de confi-

ança. Os pontos marcados por triângulo são os casos suspeitos.

22

(a)

(b)

Figura 6. Perfis verticais do vento em que a divergência de massa (kg.m-2.s-1) esteve fora do

intervalo de confiança de 68 % porque o perfil de uma estação estava incompleto (a) e por causa

da ocorrência de fenômeno de escala menor que o triângulo (b).

23

Figura 7. Série temporal de CAPE na Reserva Biológica do Jaru, calculado com a série de da-

dos original (Conjunto A) e após passar por todas as etapas de correção (Conjunto E).

24

Tabela 1. Número de sondagens realizadas por sítio e por dia, obtido através das folhas de ob-

servação. Este número inclui as sondagens que não constavam no conjunto original de dados.

Dia RM RJ RA RG

Dia RM RJ RA RG

09/Jan – – 6 – 04/Fev 8 8 8 – 10/Jan – – 3 – 05/Fev 8 8 6 – 11/Jan – – 8 – 06/Fev 8 8 8 – 12/Jan – – 8 – 07/Fev 8 8 8 – 13/Jan – – 8 2 08/Fev 8 8 7 – 14/Jan – – 7 1 09/Fev 8 8 6 2 15/Jan – – 7 2 10/Fev 8 8 7 5 16/Jan – – 8 4 11/Fev 8 8 6 5 17/Jan – – 8 3 12/Fev 8 8 8 4 18/Jan – – 5 3 13/Fev 8 8 4 6 19/Jan – – 4 – 14/Fev 8 8 6 6 20/Jan – – 5 – 15/Fev 8 8 4 6 21/Jan – – 4 – 16/Fev 8 8 6 6 22/Jan – – 3 – 17/Fev 8 8 4 6 23/Jan 1 – 4 – 18/Fev 8 8 6 5 24/Jan 8 7 6 – 19/Fev 8 8 6 6 25/Jan 8 8 6 – 20/Fev 8 8 8 5 26/Jan 8 8 5 – 21/Fev – 8 5 4 27/Jan 8 8 4 – 22/Fev – 8 8 6 28/Jan 8 8 7 – 23/Fev – 8 8 1 29/Jan 8 8 7 – 24/Fev – 8 6 – 30/Jan 8 8 6 – 25/Fev – 1 7 – 31/Jan 8 8 6 – 26/Fev – – 6 – 01/Fev 8 8 8 – 27/Fev – – 7 – 02/Fev 8 8 6 – 28/Fev – – 8 – 03/Fev 8 8 7 – Total 225 256 319 88

Tabela 2. Valores médios e desvio-padrão da pressão, temperatura e umidade relativa através de

diferentes instrumentos, em RM, RJ e OP. A notação original se refere aos dados de entrada da

radiossonda (psicrômetro e barômetro).

Estação Dados p (hPa) T (°C) UR (%) Original 983,5 ± 2,1 26,0 ± 3,4 91 ±6 Estação 984,4 ± 2,9 26,2 ± 3,0 84 ± 15 Rolim de Moura

3a medida –––––– 25,9 ± 3,1 80 ± 14 Original 993,2 ± 1,8 25,8 ± 2,8 89 ± 10 Estação 988,8 ± 2,3 25,4 ± 2,4 86 ± 12 Reserva B. do Jaru

3a medida –––––– 25,8 ± 2,8 83 ± 14 Original 979,6 ± 1,9 25,0 ± 3,0 83 ± 15 Ouro Preto d’Oeste Estação 979,6 ± 1,9 25,0 ± 2,9 84 ± 18

25

Tabela 3. Valores médios, desvio-padrão e máximo de CAPE, em J, encontrados para os con-

juntos A (original) e E (submetido a todas as fases de controle de qualidade).

Média Desvio-Padrão Máximo Conjunto A 4 115 4 491 22 086 Rolim de Moura Conjunto E 1 631 1 388 5 621 Conjunto A 3 033 4 506 22 819 Reserva B. do Jaru Conjunto E 1 465 1 601 6 521 Conjunto A 1 206 1 857 21 662 Ouro Preto d’Oeste Conjunto E 1 035 1 199 5 906