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Controle de qualidade dos dados de radiossondagem da campanha WET-AMC/LBA
Marcos Longo1, Rachel Ifanger Albrecht1, Luiz Augusto Toledo Machado2,
Gilberto Fernando Fisch2, Maria Assunção Faus da Silva Dias1
(1) Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Universidade de São Paulo
Rua do Matão 1226, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]
(2) Instituto de Aeronáutica e Espaço, Centro Técnico Aeroespacial
Praça Mal. Eduardo Gomes 50, 12228-904, São José dos Campos, SP, Brasil
Submetido à Revista Brasileira de Meteorologia
Setembro de 2.001
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Resumo
Este trabalho apresenta um controle de qualidade dos dados das radiossondagens reali-
zadas durante a campanha WET-AMC/LBA, em janeiro e fevereiro de 1999, em Rondônia,
baseado em métodos de inspeção visual, verossimilhança e consistência espacial e física, a que
estes foram submetidos. Foi possível constatar que a remoção ou substituição dos dados consi-
derados suspeitos, em especial de superfície, promove melhorias significativas em resultados de
parâmetros termodinâmicos, exemplificado pela CAPE, sendo recomendável a utilização da
série corrigida de dados.
Palavras-chave
1. Controle de qualidade. 2. Radiossondagens. 3. Amazônia. 4. LBA.
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WET-AMC/LBA campaign sounding data quality control
Abstract
This work presents a quality control of radiosounde data collected during WET-
AMC/LBA, which is based on visual inspection, plausibility and spatial and physical consis-
tency. The substitution or elimination of suspected data improves the reliability of thermody-
namical parameters, for instance, CAPE. Consequently, it is strongly recommendable to use the
corrected data series.
Keywords
1. Quality control. 2. Radiosoundings. 3. Amazon Basin. 4. LBA.
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1. Introdução
A primeira campanha atmosférica em meso-escala do projeto LBA, denominada
WET-AMC/LBA, ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 1999, em Rondônia (veja Silva
Dias, 2001). Silva Dias et al. (2001) apresentam uma visão integrada de diversos resultados
desta campanha, de maneira especial a interação entre nuvens, precipitação e tipo de uso de solo
através de processos da biosfera.
Durante o experimento WET-AMC/LBA foram operadas quatro estações de radiossonda-
gem localizadas nas cidades de Ouro Preto d’Oeste, Rolim de Moura, Cacaulândia (Hotel Fa-
zenda Rancho Grande) e Reserva Biológica do Jaru (Rebio). Em Rolim de Moura (RM) e Re-
serva Biológica do Jaru (RJ) utilizaram-se sondas Väisälä, enquanto que em Rancho Grande
(RG) e Ouro Preto d’Oeste (OP) foram usadas as sondas VIZ. A posição dos sítios de lançamen-
to está na figura 1.
Durante a fase de análise de dados diversos problemas foram apontados por Silva Dias
(2000) e Dr. A. K. Betts (comunicação pessoal); além disto, Fisch et al. (2001) mostram que
existem diferenças significativas, especialmente em relação à umidade, entre as sondas VIZ e
Väisälä, sendo aquela mais úmida durante a comparação realizada na campanha WET-AMC.
Deste modo, faz-se necessária a aplicação de um controle de qualidade nos dados de radiosson-
das, porquanto erros sistemáticos ou até mesmo grosseiros podem comprometer o cálculo de
fluxos e parâmetros termodinâmicos, mesmo que estes se restrinjam a poucos níveis.
Vários esforços têm sido feito para detectar e corrigir os erros incorporados as radiossonda-
gens de todo o mundo. A maior parte concentra-se na composição de séries climatológicas a fim
de detectar possíveis tendências e construir series com um bom grau de confiabilidade para se-
rem utilizadas em modelos climatológicos (Gaffen, 1994, Eskridge et. al. 1995, Zhai et. al.
1996).
Vuolo (1996) classifica os erros como aleatórios e sistemáticos. Os erros aleatórios são de-
vidos a inúmeros fatores independentes, e tendem a se distribuir simetricamente em torno de
zero, além de não dependerem do valor medido. Tais erros estão presentes em todas as séries de
dados, e não é possível removê-los destas, embora o erro quadrático médio devido aos erros
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aleatórios deva tender a zero em conjuntos de dados acurados. Por outro lado, os erros sistemá-
ticos não se distribuem simetricamente em torno de zero, e podem ser devidos a erros na escala
do instrumento ou qualquer outro fator que seja persistente no tempo, ou que dependa deste
(aumentando gradativamente com o tempo, por exemplo). É possível remover este erro desde
que se conheça a sua origem e se determine qual é a relação funcional deste com o tempo. Gan-
din (1988) ressalta que em medidas meteorológicas existe ainda o problema de escalas temporal
e espacial. Tal característica faz que perturbações de escala pequena o suficiente para não ser
detectadas pela resolução do instrumento manifestem-se como ruído branco1. Além disto, é
freqüente a utilização de variáveis dependentes das variáveis medidas, como é o caso da altura
geopotencial, produzindo erros correlacionados. Finalmente, os dados meteorológicos podem
apresentar erros grosseiros, que podem ser provocados por problemas de processamento ou
transmissão dos dados, o funcionamento incorreto dos instrumentos ou erros de leitura. Geral-
mente estes erros são grandes em magnitude e distorcem de maneira significativa os campos
analisados. Por outro lado, estes erros são facilmente detectáveis justamente por causa da dis-
crepância em relação aos demais dados2.
É possível classificar o controle de qualidade de dados em diversas categorias (Gandin, op.
cit.). A primeira delas, muito comum para remoção de erros grosseiros, é a inspeção visual, que,
embora subjetiva, é bastante útil ainda hoje pelo menos em situações mais complicadas.
Há também o método de consistência espacial, que se baseia no fato de que os valores de
uma variável em pontos próximos não devem ser muito diferentes. Entretanto, deve-se tomar
especial cuidado ao se utilizar este método, pois em regiões tropicais a ocorrência de fenômenos
meteorológicos de escalas menores pode produzir, por algumas horas, diferenças significativas
mesmo em pontos adjacentes dependendo da resolução espacial — a passagem de frentes de
rajadas em apenas uma estação pode produzir tais diferenças.
1 Gandin (1988) se refere a este ruído como erro micrometeorológico.
2 Na realidade, nem sempre os erros grosseiros têm elevada magnitude, porém pequenos erros grosseiros,
não detectáveis, tampouco comprometem seriamente a qualidade dos dados.
6
Outro método bastante utilizado é o da verossimilhança, que verifica os dados de maneira
independente e pode ser dividido em dois gêneros: o primeiro, mais simples, rejeita valores
impossíveis, como aumento de pressão com a altura. O segundo, estatístico, consiste em verifi-
car valores suspeitos, que estejam fora de intervalos de confiança de 68 e 95 %, por exemplo.
Finalmente, é possível utilizar equações diagnósticas às quais os dados devem obedecer pe-
lo menos numa primeira aproximação — denominado método de consistência física. Um exem-
plo deste método é a verificação hidrostática (Gandin et al., 1993 e Collins, 1998).
2. Material e métodos
A tabela 1 mostra o número de sondagens realizadas a cada dia da campanha
WET-AMC/LBA nos pontos de lançamento. As sondagens eram soltas nos horários de 00, 03,
06, 09, 12, 15, 18 e 21 TMG3, quando havia oito sondagens por dia, e em alguns destes horários
nos demais casos.
Nas estações em que se utilizavam as sondas Väisälä, o procedimento adotado era, em pri-
meiro lugar, realizar a calibragem de superfície. Neste caso, era aplicada à sondagem uma cor-
reção linear nos valores de temperatura, umidade relativa e pressão em função da diferença en-
tre os valores registrados por esta e por um termômetro e barômetro. O sensor de umidade era
colocado num compartimento com sílica a fim de levar a umidade relativa do sensor da radios-
sonda a zero — a umidade relativa de referência sempre era zero. Em seguida, enquanto se to-
mavam as medidas de superfície com um barômetro aneróide e um psicrômetro de corda (que
permanecia num abrigo meteorológico a cerca de 1,5 m acima da superfície), a radiossonda era
levada ao abrigo para que fossem tomadas três medidas, em intervalos de 30 segundos, da tem-
peratura e umidade relativa registradas pela sonda4. Apenas após este procedimento a sonda era
lançada, sempre tomando o cuidado de esperar a sincronização do GPS da sonda e registrados
3 O horário local de Rondônia é atrasado em quatro horas em relação a Greenwich (TMG).
4 Apesar de se tomar 3 medidas, preferiu-se utilizar apenas a terceira, haja vista que esta apresentara um
perfil com menor flutuação. Toda a vez que se referir à 3a medida, será em relação a esta neste trabalho.
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os ventos. Após o lançamento, era necessário entrar com os dados de superfície. No caso de
Rolim de Moura, entrava-se com os dados do barômetro aneróide e os dados de temperatura e
umidade relativa determinados a partir do psicrômetro e uma tabela de conversão. Para os dados
de superfície de vento, eram utilizados os dados de vento da torre instalada a poucos metros do
ponto de lançamento, a uma altura de 10 metros da superfície. Na Reserva Biológica do Jaru o
procedimento era o mesmo, a não ser pelo vento, que era obtido por um anemômetro instalado
no local de lançamento da sondagem a cerca de 4 metros de altura.
Nas estações em que se utilizaram as radiossondas VIZ o procedimento era, depois de liga-
da a radiossonda, obter dados de superfície de pressão através do barômetro aneróide, de tempe-
ratura e umidade relativa através dum psicrômetro digital, enquanto os dados de vento em Ouro
Preto d’Oeste eram obtidos da torre micromeotorólogica, localizada a poucos metros do ponto
de lançamento; os dados de vento em Rancho Grande eram obtidos por um anemômetro instala-
do no local de lançamento da sondagem a cerca de 4 metros de altura no período de 13 a 18 de
janeiro, enquanto que entre os dias 9 e 23 de fevereiro não havia instrumento algum para medi-
lo, sendo necessário estimá-lo. Foram utilizados dois tipos de radiossondas VIZ: uma com sis-
tema de GPS diferencial tridimensional (que mede a altura da sonda e sua pressão é então calcu-
lada pela equação hidrostática utilizando a pressão da superfície como condição inicial e o vento
é determinado a partir do vento em superfície) e outra com sensores de pressão e sistema GPS. O fato de não haver outras medidas em Rancho Grande, associado ao fato de que houve
uma interrupção no funcionamento deste sítio entre 18 de janeiro e 9 de fevereiro, com mudança
de instrumentos de referência, impossibilitou qualquer comparação e conseqüentemente qual-
quer alteração nos dados de radiossondagem deste local. Assim sendo, todas as etapas de corre-
ção de dados foram aplicadas apenas à RM, RJ e OP.
O controle de qualidade de dados foi dividido em quatro fases. Na primeira fase, utilizou-se
um método de inspeção visual (Gandin, op. cit.), no qual se verificou se os dados de fato corres-
pondiam ao horário informado no arquivo original. Na segunda fase, submeteram-se os dados a
um método de consistência espacial, verificando a qualidade dos dados de superfície e sua coe-
rência com a 3a medida, e aquelas efetuadas por outros instrumentos, como os instalados nas
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torres, em seguida aplicando um método de verossimilhança simples para eliminar alguns dados
que ainda apresentam problemas. A terceira fase consistiu em verificar se houve, nos perfis
verticais, trechos das radiossondagens em que as variáveis estiveram fora do intervalo de confi-
ança de 95 % da série temporal no sítio, corrigindo ou eliminando perfis inconsistentes quando
se justificasse tal situação (método de verossimilhança estatística). Ademais, verificou-se nesta
fase a ocorrência de inversões no perfil de pressão, ou seja, aumento de pressão com a altura ao
invés de queda (método de verossimilhança simples). Finalmente, na quarta fase aplicou-se um
método de consistência física, verificando o comportamento da divergência de massa integrada
na coluna atmosférica no triângulo cujos vértices fossem definidos como os pontos de lança-
mento (RM, RJ e OP).
Os conjuntos de dados submetidos ao controle de qualidade acima estão disponíveis na pá-
gina http://www.lba.iag.usp.br. Utilizou-se a seguinte notação: o conjunto de dados A corres-
ponde aos dados originais sem correção alguma; o conjunto B corresponde aos dados corrigidos
pela primeira fase; o conjunto C primeira e segunda fases; o conjunto D primeira, segunda e
terceira fases e o conjunto E todas as fases.
3. Resultados e discussão
3.1. Correção de data e horário
A correção de data e horário consistiu em comparar o nome dos arquivos das radiossonda-
gens e o horário de lançamento. Observou-se em diversas radiossondagens, todas de Ouro Preto
d’Oeste, problemas de incompatibilidade no horário de 00 TMG. O lançamento normalmente se
dava cerca de 23:30 TMG do dia anterior, porém no arquivo deveria constar o dia seguinte, o
que nem sempre ocorreu. Deste modo, todas as radiossondagens foram adequadas para esta
convenção. Ademais, ainda para Ouro Preto d’Oeste, homogeneizou-se a origem dos dados de
superfície, corrigindo-se quaisquer problemas de unidade, especialmente do vento, que estavam
ora em nós, ora em m/s. Adotou-se, portanto, a mesma convenção dos demais sítios, o sistema
internacional. Para a Reserva Biológica do Jaru foi detectada apenas uma sondagem com o pro-
blema de horário, enquanto que em Rolim de Moura nenhuma sondagem apresentou tal proble-
ma.
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Nesta fase também foi detectada a ausência de arquivos de algumas sondagens que foram
lançadas — existia a folha de dados que era preenchida a cada sondagem — e foram recupera-
das duas sondagens da Reserva Biológica do Jaru, oito sondagens de Rolim de Moura e uma
sondagem de Ouro Preto d’Oeste.
3.2. Correção dos dados de superfície
Para aplicar o método de consistência espacial utilizaram-se os dados originais de superfí-
cie, medidas das torres e a 3a medida. A tabela 2 mostra os valores médios e desvios-padrão
medidos pelos diferentes instrumentos. A figura 2 ilustra as diferenças observadas, em Rolim de
Moura, entre os dados de entrada de superfície e a estação, no caso de pressão, e a 3a medida, no
caso da temperatura e umidade relativa. É possível observar que a diferença na pressão entre os
dias 8 e 9 foi muito alta, ultrapassando 7 hPa, elevando o valor médio e desvio-padrão registra-
dos pela estação; porém uma análise dos dados mostra que esta diferença é devida a problemas
no sensor de pressão da estação automática, e não do barômetro ou da radiossonda. Por outro
lado, é possível notar que há uma descontinuidade na série no dia 16 de fevereiro. Analisando a
série temporal da correção aplicada ao barômetro, verifica-se que houve uma mudança no valor
médio após esta data, surgindo uma componente sistemática do erro. Isto indica que o problema
é devido a uma perda da calibragem original do barômetro, possivelmente decorrente duma
queda acidental do instrumento. Assim, optou-se por remover a correção feita pela radiossonda
de todo o perfil das radiossondagens de Rolim de Moura.
Na Reserva Biológica do Jaru, há uma diferença relativamente grande nos valores médios
de pressão, e isto é devido ao fato de que a torre e o ponto de lançamento não estavam próxi-
mos, além de o barômetro da torre estar instalado a cerca de 30 m acima da superfície. Tais
diferenças tornariam inviável qualquer substituição dos dados de superfície pelos da torre na RJ.
Ademais, observou-se uma tendência sistemática na série temporal da diferença de pressão entre
a estação e o barômetro (não exibido), e foi constatado que o problema também era devido a
este. Assim, foi necessário remover a correção feita pela radiossondagem também na Reserva
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Biológica do Jaru. Em Ouro Preto d’Oeste, apenas em alguns casos foi necessário corrigir a
pressão, haja vista que os dados da estação e medidos na superfície estavam coerentes. A figura 2b, bem como a tabela 2, mostra que a diferença da temperatura entre o psicrôme-
tro e a 3a medida em Rolim de Moura não apresentou tendência alguma, tampouco erros siste-
máticos, de forma que não se mostrou necessária a mudança de toda a série: apenas em alguns
casos, rejeitados pelo método de verossimilhança simples já que a sondagem se tornaria exces-
sivamente instável — com valores de CAPE5 superiores a 15 000 J — foi realizada a substitui-
ção ou até mesmo a eliminação dos dados de temperatura da superfície. O mesmo pode ser dito
para a Reserva Biológica do Jaru e Ouro Preto d’Oeste.
A figura 2c apresenta a diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida. É
possível observar que há uma diferença significativa entre as medidas, em diversas vezes ultra-
passando 30%, o que é inaceitável. Isto ocorreu porque, ao analisar a série temporal de umidade
relativa do psicrômetro (não exibida), praticamente não se verifica ciclo diurno6, o que não é
razoável. Além disto, foi feito um periodograma da diferença entre a umidade relativa medida
pelo psicrômetro e 3a medida — figura 3. O periodograma retorna, para cada período, uma fun-
ção intensidade que, para uma série aleatória — sem tendências ou ciclos, deve apresentar valo-
res baixos e comparáveis para todos os períodos (Box e Jenkins, 1976). No entanto, observa-se
um máximo extremamente elevado da função intensidade correspondente ao período de 24 ho-
ras, confirmando que há ausência de ciclo diurno bem definido no psicrômetro e conseqüente-
mente presença de ciclo diurno na série de diferença. Entre outros fatores, provavelmente não se
esperava tempo suficiente para que o bulbo úmido atingisse o valor mínimo. Além disto, a gaze
que envolvia o bulbo deveria estar mais larga que o necessário, impedindo a ventilação adequa-
da, superestimando a umidade principalmente durante o dia. Como a mesma característica foi
constatada na Reserva Biológica do Jaru, em ambas as estações a medida original da superfície
5 Sigla em inglês Energia convectiva potencial disponível
6 Esta ausência pode ser verificada através do valor médio original muito elevado e desvio-padrão relati-
vamente baixo.
11
foi substituída pela 3a medida, em todas as sondagens. Em Ouro Preto d’Oeste a umidade relati-
va foi substituída pelo valor da estação de superfície apenas em casos isolados, haja vista que os
dados não estavam muito distantes de uma forma geral.
3.3 Correção dos perfis verticais
Para sistematizar a análise dos perfis verticais pelo método da verossimilhança estatística,
interpolaram-se todas as sondagens em níveis regulares de 10 hPa, e procuraram-se todos os
pontos ou trechos de radiossondagens que estivessem fora do intervalo de 95% de confiança.
Em seguida, determinaram-se quais trechos estavam fora do intervalo de confiança devido a
erros de medida. Como se pode observar na figura 4a, as sondagens não apresentaram em geral
desvios significativos em relação ao intervalo de confiança de 95 %, e na maioria das ocasiões
em que ocorreram estes desvios, não foi verificada a necessidade de substituição ou eliminação
dos dados, haja vista que estes desvios não eram devidos a erros. O perfil de temperatura da
sondagem de 1o de fevereiro, 09 TMG, em OP — figura 4b — foi o único considerado inconsis-
tente: este se mostrou muito deslocado do intervalo de 95 %, e os valores de temperatura, inferi-
ores a 10°C logo no 3o nível da sondagem, não eram verossímeis. Conseqüentemente, foi neces-
sário eliminar todo o perfil de temperatura desta radiossondagem.
3.3. Análise da divergência de massa
A análise da divergência de massa integrada na coluna foi realizada considerando a área de-
finida pelo triângulo cujos vértices são as estações de RM, RJ e OP. Para viabilizar o cálculo,
aproximou-se o topo da atmosfera para a tropopausa, considerada fixa em 90 hPa7. O programa
desenvolvido retorna valor definido apenas quando há, nas três estações, perfil de vento até pelo
menos 70 % da altura da tropopausa, embora o método aplicado forneça valores muito mais
acurados quando há o perfil completo de vento até 90 hPa. Como a divergência de massa inte-
grada na coluna equivale à variação de pressão (Bluestein, 1993), não é razoável que estes valo-
7 90 hPa corresponde a um valor típico encontrado nas radiossondagens da campanha WET-AMC/LBA.
12
res sejam elevados, haja vista que na região tropical não se observam variações muito significa-
tivas de pressão. A equação utilizada para esta integração, é definida por Machado (2000):
∫∫∫ ⋅∇=⋅∇−≅⋅∇=∞ spf
Spf
p
hPap
dpVg
dpVg
dzV90
0
0
11 rrrrrrρδ
A figura 5 mostra a série temporal de divergência de massa. É possível observar que um
número muito reduzido de casos, cerca de 7%, esteve fora do intervalo de 68% de confiança —
média mais ou menos um desvio-padrão. Dentre estes casos, não foi observado nenhum que
fosse devido a problemas nas medidas: em alguns destes casos, o perfil de vento em OP não
estava completo até a tropopausa, acarretando valores pouco acurados, como mostra a figura 6a.
Nos demais, a ocorrência de fenômenos de escala menor que o triângulo justifica a ocorrência
de valores elevados de divergência de massa, como se observa na figura 6b, em que uma linha
de instabilidade que passava no sul do Rondônia atingiu apenas RM, alterando portanto o perfil
de vento.
3.4. Considerações finais.
A fim de se verificar de maneira objetiva o efeito das correções nas radiossondagens, foi
calculada a CAPE para todas as radiossondagens. Escolheu-se tal variável porque esta depende
tanto dos dados de superfície quanto do perfil vertical, e é bastante sensível mesmo para peque-
nas variações. A figura 7 apresenta as séries temporais de CAPE para o conjunto de dados A —
sem correção alguma — e conjunto E — submetido a todas as etapas de controle de qualidade,
para a Reserva Biológica do Jaru. Verifica-se que, enquanto o conjunto A apresentava diversas
sondagens com CAPE superior a 10000 J, que é inverossímil mesmo para regiões tropicais. Tais
valores fizeram que o valor médio da CAPE fosse muito maior na fase A que na fase E; o mes-
mo pode ser dito em relação ao desvio-padrão, como se observa na tabela 3. Por outro lado, a
remoção ou substituição dos dados de superfície suspeitos fez o valor médio e o desvio-padrão
caírem significativamente, indicando que os dados flutuavam menos. Tal característica pode ser
confirmada ao se tomarem os valores máximos. Tais reduções mostram que o conjunto E, do
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ponto de vista termodinâmico, é muito mais razoável que o conjunto A. Padrão semelhante é
observado em Rolim de Moura (não exibido), com uma redução média mais evidente — tabela
3, enquanto que em Ouro Preto d’Oeste, a rara ocorrência de valores espúrios no conjunto A não
acarretou mudanças significativas.
4. Conclusões
A inconsistência espacial dos dados de superfície foi a principal causa de erros nos perfis de
radiossondagem. As falhas mais relevantes foram erros de leitura, dos instrumentos e de inser-
ção dos dados nas radiossondagens, como ocorreu em Ouro Preto d'Oeste com as unidades dos
dados de vento.
A relevância das correções realizadas nas radiossondagens foi comprovada no cálculo dos
parâmetros termodinâmicos, em que se observou uma significativa melhora naqueles calculados
a partir das radiossondagens corrigidas. Além disto, a detecção de erros significativos em alguns
dados de superfície durante a utilização do método de consistência espacial mostra que é neces-
sária também a correção dos dados das estações automáticas de superfície.
5. Agradecimentos
Agradecemos a Luís Gustavo Pereira e Marcel Ricardo Rocco pelo auxílio no processamen-
to de parte das fases de controle de qualidade e a Alan Betts por importantes sugestões durante o
desenvolvimento deste trabalho.
6. Referências Bibliográficas
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humidity time series. J. Climate, 9, 884–894.
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Lista de figuras
Figura 1. Topografia e posição das estações de lançamento das radiossondas.
Figura 2. Série temporal, em Rolim de Moura, da diferença de pressão entre a estação e
barômetro (a), e da diferença de temperatura (b) e umid. rel. (c) entre psicrôme-
tro e 3a medida.
Figura 3. Periodograma da diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida
em Rolim de Moura, RO. O eixo das ordenadas corresponde à função intensida-
de.
Figura 4. Perfil vertical de temperatura — linha com marcadores — em níveis baixos (ca-
mada 1000-700 hPa) de temperatura em Ouro Preto d’Oeste numa sondagem
considerada normal, em 31/Jan/1999 – 12 TMG (a) e num perfil rejeitado pelo
teste de verossimilhança estatística, em 01°/Fev/1999 – 09 TMG (b). As linhas
sem marcadores representam os limites do intervalo de confiança de 95 %.
Figura 5. Seqüência temporal da divergência de massa no triângulo definido por RM-RJ-
OP. A linha escura representa o valor médio e as linhas claras os limites do in-
tervalo de 68% de confiança. Os pontos marcados por triângulo são os casos
suspeitos.
Figura 6. Figura 6. Perfis verticais do vento em que a divergência de massa (kg.m-2.s-1)
esteve fora do intervalo de confiança de 68 % porque o perfil de uma estação
estava incompleto (a) e por causa da ocorrência de fenômeno de escala menor
que o triângulo (b).
Figura 7. Série temporal de CAPE na Reserva Biológica do Jaru, calculado com a série de
dados original (Conjunto A) e após passar por todas as etapas de correção (Con-
junto E).
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Lista de tabelas
Tabela 1. Número de sondagens realizadas por sítio e por dia, obtido através das folhas de
observação. Este número inclui as sondagens que não constavam no conjunto
original de dados.
Tabela 2. Valores médios e desvio-padrão da pressão, temperatura e umidade relativa atra-
vés de diferentes instrumentos, em RM, RJ e OP. A notação original se refere
aos dados de entrada da radiossonda (psicrômetro e barômetro).
Tabela 3. Valores médios, desvio-padrão e máximo de CAPE, em J, encontrados para os
conjuntos A (original) e E (submetido a todas as fases de controle de qualidade).
19
(c)
Figura 2. Série temporal, em Rolim de Moura, da diferença de pressão entre a estação e barôme-
tro (a), e da diferença de temperatura (b) e umid. rel. (c) entre psicrômetro e 3a medida.
Figura 3. Periodograma da diferença de umidade relativa entre o psicrômetro e a 3a medida em
Rolim de Moura, RO. O eixo das ordenadas corresponde à função intensidade.
20
(a) (b)
Figura 4. Perfil vertical de temperatura — linha com marcadores — em níveis baixos (camada
1000-700 hPa) de temperatura em Ouro Preto d’Oeste numa sondagem considerada normal, em
31/Jan/1999 – 12 TMG (a) e num perfil rejeitado pelo teste de verossimilhança estatística, em
01°/Fev/1999 – 09 TMG (b). As linhas sem marcadores representam os limites do intervalo de
confiança de 95 %.
21
Figura 5. Seqüência temporal da divergência de massa no triângulo definido por RM-RJ-OP. A
linha escura representa o valor médio e as linhas claras os limites do intervalo de 68% de confi-
ança. Os pontos marcados por triângulo são os casos suspeitos.
22
(a)
(b)
Figura 6. Perfis verticais do vento em que a divergência de massa (kg.m-2.s-1) esteve fora do
intervalo de confiança de 68 % porque o perfil de uma estação estava incompleto (a) e por causa
da ocorrência de fenômeno de escala menor que o triângulo (b).
23
Figura 7. Série temporal de CAPE na Reserva Biológica do Jaru, calculado com a série de da-
dos original (Conjunto A) e após passar por todas as etapas de correção (Conjunto E).
24
Tabela 1. Número de sondagens realizadas por sítio e por dia, obtido através das folhas de ob-
servação. Este número inclui as sondagens que não constavam no conjunto original de dados.
Dia RM RJ RA RG
Dia RM RJ RA RG
09/Jan – – 6 – 04/Fev 8 8 8 – 10/Jan – – 3 – 05/Fev 8 8 6 – 11/Jan – – 8 – 06/Fev 8 8 8 – 12/Jan – – 8 – 07/Fev 8 8 8 – 13/Jan – – 8 2 08/Fev 8 8 7 – 14/Jan – – 7 1 09/Fev 8 8 6 2 15/Jan – – 7 2 10/Fev 8 8 7 5 16/Jan – – 8 4 11/Fev 8 8 6 5 17/Jan – – 8 3 12/Fev 8 8 8 4 18/Jan – – 5 3 13/Fev 8 8 4 6 19/Jan – – 4 – 14/Fev 8 8 6 6 20/Jan – – 5 – 15/Fev 8 8 4 6 21/Jan – – 4 – 16/Fev 8 8 6 6 22/Jan – – 3 – 17/Fev 8 8 4 6 23/Jan 1 – 4 – 18/Fev 8 8 6 5 24/Jan 8 7 6 – 19/Fev 8 8 6 6 25/Jan 8 8 6 – 20/Fev 8 8 8 5 26/Jan 8 8 5 – 21/Fev – 8 5 4 27/Jan 8 8 4 – 22/Fev – 8 8 6 28/Jan 8 8 7 – 23/Fev – 8 8 1 29/Jan 8 8 7 – 24/Fev – 8 6 – 30/Jan 8 8 6 – 25/Fev – 1 7 – 31/Jan 8 8 6 – 26/Fev – – 6 – 01/Fev 8 8 8 – 27/Fev – – 7 – 02/Fev 8 8 6 – 28/Fev – – 8 – 03/Fev 8 8 7 – Total 225 256 319 88
Tabela 2. Valores médios e desvio-padrão da pressão, temperatura e umidade relativa através de
diferentes instrumentos, em RM, RJ e OP. A notação original se refere aos dados de entrada da
radiossonda (psicrômetro e barômetro).
Estação Dados p (hPa) T (°C) UR (%) Original 983,5 ± 2,1 26,0 ± 3,4 91 ±6 Estação 984,4 ± 2,9 26,2 ± 3,0 84 ± 15 Rolim de Moura
3a medida –––––– 25,9 ± 3,1 80 ± 14 Original 993,2 ± 1,8 25,8 ± 2,8 89 ± 10 Estação 988,8 ± 2,3 25,4 ± 2,4 86 ± 12 Reserva B. do Jaru
3a medida –––––– 25,8 ± 2,8 83 ± 14 Original 979,6 ± 1,9 25,0 ± 3,0 83 ± 15 Ouro Preto d’Oeste Estação 979,6 ± 1,9 25,0 ± 2,9 84 ± 18
25
Tabela 3. Valores médios, desvio-padrão e máximo de CAPE, em J, encontrados para os con-
juntos A (original) e E (submetido a todas as fases de controle de qualidade).
Média Desvio-Padrão Máximo Conjunto A 4 115 4 491 22 086 Rolim de Moura Conjunto E 1 631 1 388 5 621 Conjunto A 3 033 4 506 22 819 Reserva B. do Jaru Conjunto E 1 465 1 601 6 521 Conjunto A 1 206 1 857 21 662 Ouro Preto d’Oeste Conjunto E 1 035 1 199 5 906
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