Cinema, Teatro e Outros Mundos - Breve Comentário à Palestra de Kousy Lanku

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CINEMA, TEATRO E OUTROS MUNDOS 1 TEATRO AFRICANO BREVE COMENTÁRIO SOBRE A PALETRA DE KUOSY LAMKO Por Joaquim Borges Armando Gove 2 1 Tema do I Ciclo de Palestras da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade Eduardo Mondlane realizada na semana intercalar do ano de 2011. 2 Estudante do II Ano do Curso de Licenciatura em Música na ECA – UEM. [email protected]

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CINEMA, TEATRO E OUTROS MUNDOS1

TEATRO AFRICANO

BREVE COMENTÁRIO SOBRE A PALETRA DE KUOSY LAMKO

Por Joaquim Borges Armando Gove2

1 Tema do I Ciclo de Palestras da Escola de Comunicação e Artes (ECA), da Universidade Eduardo Mondlane realizada na semana intercalar do ano de 2011.2 Estudante do II Ano do Curso de Licenciatura em Música na ECA – UEM. [email protected]

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Novembro, 2011

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ABSTRACTO:

O presente artigo foi escrito com o objectivo de comentar a

reflexão de Kousy Lamko proferida numa palestra, no âmbito do I

Ciclo de Palestras da Escola de Comunicação e Artes da

Universadade Eduardo Mondlane subordinado ao tema “Cinema, Teatro

e Outros Mundos...”. Lamko dissertou sobre o teatro e artes em

África abordando a questão da “...visão e postura sobre a guerra e a politica

em África...” Apresenta-se aqui, de forma breve, a biografia do

referido orador, e discute-se sobre algumas questões por este

abordadas, no caso, a questão do “teatro africano”, “o nascimento

de actores culturais em África” e a “democratização da arte

teatral”, entre outros. Estimulado pelas reflexões de Lamko, este

documento procura fazer uma leitura sobre os fenómenos no

contexto moçambicano.

PALAVRAS-CHAVES: teatro africano; arte; cultura; actores

culturais

ABSTRACT:

This article aims to comment Kousy Lamku reflection presented I

Cycle of Lectures of Escola de Comunicação e Artes (ECA) of

Universidade Eduardo Mondlane, under the subject “Cinema, Theatre

and Other Worlds…” (“Cinema, Teatro e Outros Mundos…”). Lamku

dissertation was about the theatre and art of Africa, whereas he

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discussed issues about the “…the vision and the posture about the war and

the politics in Africa…”. This work presents a short Lamko biography, and

discusses some issues brought up by him such as “African

theatre”, “the up-coming of cultural actors in Africa” and “the

democratization of theatrical arts”, among others. Stimulated by

Lamko reflections this paper seeks to analyze such phenomenon in

the Mozambican context.

KEY WORDS: African theatre; arts; culture; cultural actors

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ÍndiceIntrodução...........................................................3Biografia de Lamko...................................................5

As Primeiras Experiências de Lamko sobre a Cultura...................5O “...nascimento do conceito que serviu de base para o chamado Teatro Africano...”.........................................................6O “Teatro Total”.....................................................9

O “Nascimento de actores culturais” e a “Democratização do teatro”. .11Conclusões..........................................................12

Bibliografia:.......................................................14

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IntroduçãoEste artigo tem por objecto comentar a palestra proferida por

Lamko no I Ciclo de Palestras da Escola de Comunicação e Artes da

Universadade Eduardo Mondlane subordinado ao tema “Cinema, Teatro

e Outros Mundos...”. Lamko propôs-se a dissertar sobre o teatro e

artes em África abordando a questão da sua própria “...visão e

postura sobre a guerra e o poder politica em África, em tanto que

actor de teatro, literatura e cultura...”(Lamko).

O presente artigo não pretende ser de um carácter crítico.

Procura-se pelo contrário realçar os aspectos destacáveis no

ponto de vista do autor e sobre estes fazer uma analogia ou mesmo

convidar o leitor a uma reflexão com o objectivo de procurar

encontrar mais valias para as artes africanas, para daí tirar

ilacções para as artes em Moçambique particularmente, em tanto

que uma nação onde apesar de a arte acontecer de modo nato como

acontece em toda África, ainda se está a iniciar a formação nas

áreas artísticas com o surgimento de instiuições de ensino

superior vocacionadas à estas áreas.

Numa altura em que se procura estimular o reconhecimento do que

pode ser considerado origináriamente moçambicano, com o devido

valor e a recuperação da auto-estima que foi sofrendo degradações

em consequência de vários factores (políticos, religiosos3 e

3 É importante fazer referência de que depois da independência de Moçambiqueas igrejas foram literalmente banidas, ou seja, estas ficaram proibidas deexercer o seu papel. Por outtro lado a religião cristâ foi imposta pelo

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socio-económicos) podendo destacar dentro destes quadros, a

tentativa de seguir uma ideologia política socialista/comunista

que foi observado no período pós-independêcia; a guerra de

desestabilização que de algum modo fragilizou os valores sociais,

económicos e culturais; a integração e recuperação económicas

pós-guerra dos 16 anos entre o Governo moçambicano (da FRELIMO4)

e as forças militares da Renamo5 então consideradas de

desestabilizadores ou bandidos armados. Como resposta ao

resultado da referida guerra e os restantes factores indicados,

aproximaram-se de vários actores estrangeiros em quase todas as

áreas da vida moçambicana, assim como ampliou-se a mistura entre

pessoas das várias regiões do país, com suas diversificadas

culturas. As influências mútuas podem tanto ter ajudado na tal

fragilização de valores, como podem ter enriquecido, mas estes

fenómenos no seu conjunto poem ter contribuido para desenvolver

um espírito do consumismo à nível dos moçambicanos.

Assim, as áreas culturais (teatro, música, dança, etc), pelo

facto de estas facilmente absorverem influências ao mesmo tempo

colonialismo ou pelo menos no período colonial, o que pode ter representado umconflito de cultura religiosa pois os africanos tem as suas próprias religiões(tradicionais). 4 Por FRELIMO aqui refere-se ao movimento da libertação de Moçambique (Frenteda Libertação de Moçambique) mais que ao partido político que detém o poderaté os dias de hoje. A importância de frisar-se este aspecto centra-se nofacto de que depois dos acordos de paz em Moçambique passou a viver-se emambiente de multipartidarismo em substituição do monopartidarismo queprevaleceu até o reerido momento. 5 Renamo (Resistência Nacional de Moçambique) é um partido politico ou pelo menos tronou-se em partido político como é reconhecido até hoje, e que foi e tem sido responsabilizado pela desestabilização por acções militares do país durante 16 anos depois da independência de Moçambique.

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que respondem rapidamente ao chamado para a comunicação com as

massas, ressentiram-se muito destes fenómenos e, é à volta de

aspectos análogos a estes e outros vividos em Moçambique que

Lamko reflecte, daí a proposta para o covinte a reflexão no nosso

próprio contexto.

Dentre vários aspectos apresentados por Lamko, importa destacar a

sua autobiografia (no que tange ao percurso da sua formação e

principais actividades pós-formação), para dimencionar, talvez, o

nível de autoridade e comprometimento deste com o assunto.

Destaca-se também o que ele referiu como “Teatro Total” praticado

na África do Oeste, pelo seu impacto nas comunidades e o percurso

que conheceu; assim como a sua análise sobre o “...nascimento do

conceito que serviu de base para o chamado Teatro Africano...”, o “...nascimento de

actores culturais...” e a “...democratização da arte teatral...”.

Para melhor percepção propõe-se a discussão de cada um destes

aspectos, usando de recursos disponíveis que incluem outras

passagens da mesma palestra e outros ligados à matéria da arte e

cultura, sempre que necessário, na análise, para que no fim se

possa trazer uma contribuição ao desejado desenvolvimento para as

artes em África.

Para a realização do presente trabalho fez-se uma pesquisa

bibliográfica com o obejctivo de enriquecer as abordagens da

reflexão assim como encontrar pontes entre as experiências e

percepções de Lamko e as realidades sócio-culturais que podem

servir para sustentar a presente reflexão.

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Biografia de LamkoLamko nasceu no Chad e depois de terminar os seus estudos ao

nível que podia no seu país teve que ir prosseguir em

Borquinafasso onde estudou Letras e Artes Dramáticas. Depois de

concluidos os seus estudos regressou ao seu país, já com alguma

experiência e pronto para trazer o seu produto à casa. O seu

sentido crítico em relacção ao poder político fez com este não

fosse bem vindo à sua própria terra tendo regressado ao

Borquinafasso de onde depois partiu para França e posteriorimente

para o Canadá onde se estabeleceu e se exilou. Criou, com a

dedicação de 4 anos da sua vida profissional, artística e

académica, o Centro Cultural Universitário de Rwawnda depois do

genocídio, por solidariedade ao povo do Rwanda. Também criou o

Centro Cultural Africano no México, onde vive. É actor de teatro,

compositor musical, escritor e cineasta.

As Primeiras Experiências de Lamko sobre a CulturaLamko apresentou as suas experiências sobre o teatro e artes.

Reteve-se sobre a questão da África Ocidental considerada por ele

de “fechada ao resto do mundo” (Lamko). Segundo o mesmo, nos anos

80, emergeram novas formas de fazer teatro – “teatro de

participação” - que veio a marcar o antes e pós 80's. É nesta

senda que começam a aparecer estudantes que vão estudar artes,

com maior destaque para o teatro, fora de África e de forma geral

em países francófonos. Regressados dos países onde realizaram

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seus estudos, estes tiveram que defrontar-se com grupos teatrais

amadores e sem iniciação académica, situação que representava uma

realidade diferente e de certa forma adversa ao que estes podiam

ter como expectativa para pós-regresso. Estes regressam com uma

visão ocidental para espaços culturais franceses (onde podiam

fazer as suas apresentações), em língua francesa numa sociedade

onde nem todos são bons falantes da língua francesa ou

simplesmente não são fluentes falantes desta língua; o seu

repertório é basicamente criado a partir de textos clássicos

(ocidentais). Uma situação que desvirtava o sentido do que podia

ser considerado de “puramente africano”. Por seu lado, os

amadores podiam fazer um teatro com que a maioria se

identificava, mas as suas oportunidades eram ofuscadas pela

ausência de apoios, que se resumia na falta de espaços e

sustentabilidade para os seus fazedores.

Assim, se por um lado estavam pessoas preparadas nos moldes

acadèmicos e científicos para fazer o teatro e munidos de

oportunidades para tal, estes não comungavam do código de

comunicação com as pessoas a quem deveriam comunicar. Por outro

lado estavam os que a seu próprio modo podiam comunicar-se

eficazmente com o povo mas desprovidos de efeciência pois não

detinham de instrumentos técnico e científicos para o efeito e

ainda lhes escasseavam as possibilidades materias ou económicas.

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O “...nascimento do conceito que serviu de base para o chamado Teatro Africano...”Neste contexto, Lamko falou sobre o desafio impostos pela

necessidade de se poder fazer “teatro para o povo”, que

ultrapassasse as questões ligadas à língua e outros signos que

eram estranhos para o povo que devia consumir as artes com

especial enfoque para o teatro trazido pelos estudiosos da

diáspora. Assim adoptadou-se a realização de colóquios, pesquisas

e outras actividades de inserção que poderiam trazer o tal

conceito. Lamko referiu que “Entre várias pesquisas, foram

direccionadas pesquisas antropológicas e sociológicas que deram

uma importância aos rituais tradicionais que serviriam para a

criação teatral; foram estudadas técnicas de comunicação oral e

outras com que o povo local podia identificar-se...”. Disse ainda

que foi com esta base que “nasceu a diversidade de formas e de

elementos constantes para o nascimennto duma dramaturgia

africanas ou teatro ritualista”.

Analisando as trajetória apresentadas por Lamko podemos

facilmente olhar para a questão da arte no nosso continente em

duas direcções: numa teríamos Arte Africana e noutra a Arte de

Africanos.ou Arte feita por Africanos - A Arte Africana seria aquela que

tem as suas raizes ou bases em tradições, signos, realidades,

simbologias, contexto, etc, africanos. Enquanto a Arte de

Africanos, a que independetemente da sua origem, desde que seja

feita por africanos pode traduzir-se como africana. Esta pode

interpretar fenómenos estrangeiros da África quer em línguas

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africanas ou estrangeiras; pode representar em moldes africanos o

que não é tradicionalmente africano ou no sentido contrário, pode

reprsentar eventos ou fenómenos africanos usando códigos de

comunicação que não se identificam com tradições africanas. Aqui

é importante realçar que ao falar de africanos e suas tradições

refere-se aos africanos no geral, cuja maioria é analfabeta e

rural e que ainda não se identifica com muitos eventos

resultantes dos efeitos globalizadores como nas urbes. Foi Lamko

quem referiu-se à questão da situação da maioria dos africanos,

concordando com vários estudos dedicados à questão.

Portanto, a arte africana tem que identificar o africano, deve

ser descodificada pelo africano, deve ser contextualizada para e

pelo africano como algo seu; cada africano dentro ou fora da sua

tradição, pode percebe-la como algo que não lhe seja será

estranha, mesmo considerando a diversidade da cultura africana

esta tem também a unidade. A história do continente permitiu aos

povos intercâmbios tais que ajudam o africano a perceber o que é

africano mesmo com as barreiras das línguas. Por exemplo, Lamko

falou das similaridades nos ritos mesmo que estes possam tomar

nomes diferentes devido às diferenças linguísticas que na partida

a maior parte tem bases comuns, caso das línguas Bantu.

Depois das reflexões apresentadas até este momento urge levantar

algumas questões sobre de facto constituiu-se aqueles países

(África Ocidental) um teatro africano? Arte africana? E, se a

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resposta é afirmativa, “será que os modelos adotados para tal

seriam aplicáveis a toda a África?”6

Para estas questões Lamko acredita que a situação vivida naqueles

países ocorre em quase toda a África no que respeita à cultura.

Justificou que pode ser pelo facto de este continente ter vivido

muitos anos sob jugo dos colonialistas que por sua vez foram

desenvolvendo e enrobustecendo as suas economias, o que

condiciona as novas realidades sócio-culturais e políticas do

mundo, e “aparentemente” torna o ocidente o único socorro para a

África, num ciclo vicioso de dependência e de facto, a cultura

ocidental torna-se “imposição” para além de condicionate da

globalização. Traduzindo o quis Lamko dizer, quando se fala da

globalização é como que se se falasse da ocidentalização, onde os

povos africanos percebem as culturas ocidentais como os modelos

de boa cultura.

Observe-se que no ensino das artes (música, teatro, cinema,

dança, etc) ainda pode dizer-se que não há países africanos que

tenham programas ou curricula baseados na sua própria realidade.

Já os países que adoptaram programas de formação que valorizem as

suas culturas tradicionais ou folclóricas, isto é mais observável

no ensino de línguas locais e os restantes aspectos culturais são

ainda entendidos como não sendo apropriados para o ensino e ainda

nalguns casos como tedência ao encorajamento para que os alunos e

as sociedades se distânciem. A título de exemplo, isto pode ver-

6 Esta foi uma das questões colocadas à Lamko por um participante durante apalestra.

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se nas peças teatrais moçambicanas de grupos amadores e

profissionais, que de alguma maneira procuram ridicularizar actos

como “lovolo”7, o curandeirismo e outros ritos, focalizando seus

aspectos que nas percepções actuais podem ser entendidos como

negativos e, todavia, genaralizando todo acto ligado à usos e

costumes da tradição.

No caso da música, os curricula são ocidentais, o que faria com

que os repertórios da música e danças tradicionais e folclóricas

perdessem a característica se se tivesse que obedecer aos

princípios composicionais aprendidos na base desses currícula,

pois estes princípios aplicam-se para música ocidental e os

instrumentos tradicionais africanos, as formas de execussão e

performance não se encaixam às teorias do modelo ocidental, entre

outros aspectos. Sendo assim, estes repertórios e os respectivos

instrumentos e performances acabam ficando relegados à gente das

zonas rurais e principalmente aos iletrados. Deste modo a arte

africana fica condenada ao desconhecimento e quando é estudada,

tende a ficar adulterada pelos métodos usados que são estranhos

às cultura e tradição africanas.

7 Lovolo, frequentemente escrito e pronunciado “lobolo” por influência da línguaportuguesa, um acto que representa o matrimónio em todas suas dimensões: dote – com opagamento ou oferecimento de uma quantia em dinheiro, tradicionalmente eram outrosbens como tihaka (fruto de uma planta rastejante chamada nkakana), castanha de cajú,ou outros produtos alimentares que vieram a ser substituidos por artigos como enxadasde ferro como a imigração dos moçambicanos para trabalhar na minas da África do Sul,gado bovino, etc. O acto da entrega destes valores poderia ser comparado ao dote dadopelo noivo aos pais da noiva entendido como forma de gratidão e compromisso;religiosidade ou sacralidade – com a invocação e comunicação aos antepassados sobre oacto acreditando-se na possibilidade de intercessão destes para o sicesso da novafamília; e outros actos que podem ter comparação ao matrimónio do ocidente.

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Do mesmo modo, no que se refere às línguas de origem africana,

que não faz parte das artes mas é um grande vector cultural,

porque é meio de comunicação, todos os países ex-colónias usam

para a educação a língua dos países que os colonizaram e as

consideram de línguas oficiais, com pequenas excepções de países

que valorizam as suas prórias línguas. No cinema, tal como no

teatro e poesia, por mais que se possa querer retratar qualquer

assunto tradicional, não se pode escapar da presença omnipotente

do ocidente que se manifesta na própria forma de representar,

mesmo quando se usam línguas locais; no tratamento da própria

comunicação, deixa-se transparecer o elemento emprestado pelo

ocidente como o sotaque a adaptação do estilo, estilo. Os

iletrados, os anciãos que não têm e não tiveram oportunidades

para conhecer estas línguas e para quem muitos destes signos são

estranhos, ficam excluidos ou atropelados por ruídos na tentativa

de receber a informação que se pretende, ou seja, estes

intrumentos de comunicação ficam votados às populações das

cidades onde há toda a sorte de tecnologia e gente minimamente

instruida em matérias da língua e linguagens do mundo, muitas

vezes em detrimento da nativa.

Mais uma vez, Lamko acredita que isto se explique, com o facto do

atraso do continente africano no desenvolvimento intelectual, nas

guerras civís que foram assolando a maioria dos países africanos

depois das suas independências, o que levou o próprio Lamko e

tantos outros africanos a sairem dos seus países para

prosseguirem com os estudos noutros países. Moçambique não foge

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deste fenómeno, bastando lembrar o percurso tomado por Eduardo

Mondlane, como exemplo dentre tantos outros e em várias fases de

Moçambique que procurando servir e melhorar a vida do seu país

foram estudar fora, fruto do atrazo programado pelo colonialismo

português.

Lamko olha de forma crítica os sistemas de poder político em

África, para além considerar que os movimentos da busca do saber

no exterior trazerem consigo e fomentam um produto estrangeiro em

detrimento do local sob o perigo de não beneficiar do necessário

suporte dos seus governos que por sua vez esperam favores das

potências internacionais (de onde se importam as culturas), e em

alguns casos são perseguidos por estes sistemas do poder político

caso ajam contrário. E, é o próprio Lamko um dos exemplo deste

impasse na tentativa de ser africano identificável através das

artes.

O “Teatro Total”A fase que se seguiu, na Áfirca do Oeste, segundo Lamko foi de

iniciativas no sentido da investigação e promoção de colóquios de

modo que se pudesse adequar o seu teatro às realidades locais e

assim passarem a ser de facto úteis aos seus destinatários, o

povo africano. É assim que aparece o chamado “Teatro Total” que

consiste em actuações teatrais mistas com música, conto de

histórias, cantigas, mímica, e toda a manifestação artístico-

cultural com o uso de línguas nativas, que identificam e se

identificam com as pessoas para quem as actividades são

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promovidas. Estas experiências são vividas no Togo e Benin, tendo

passado a ser frequentes noutros poucos países da região.

Este aspecto também chamou bastante atenção, a equiparada a

questão já colocada similar a que segue - Será que existe o teatro

africano ou então existe uma idealização de teatro africano? –

Segundo Kentia, “O estudo da cultura do continente africano é um

estudo de unidade e diversidade, devido a sua vastidão de

tradições, usos e costumes, línguas, etc, que são equiparadas à

sua vastidão territorial” (Kentia, 1974:ix). É um continente que

tem por bases para o seu desenvolvimento os padrões ocidentais,

em quase totalidade das áreas, desenvolvimento cultural,

intelectual, tecnológico, e económico, devido aos contextos

históricos já conhecidos.

Ora, tendo o continente africano uma diversidade cultural, os

povos africanos mesmo partilhando de uma série de ritos

tradicionais, estes tem as suas especificidades de região à

região; não partilham das mesmas línguas,a pesar de muitas terem

bases comuns; não constituirá isto a primeira barreira para a

constituição de tudo o que se pode considerar africano na

globalidade, mesmo como as notáveis identidades históricas? Este

continente que continua refém de favores dos seus ex-

colonizadores e outras potências económicas e tecnológicas para a

viabilidade dos seus projectos de desenvolvimento cultural,

intelectual, tecnológico e económico, que goza da simpatia dos

actores estrangeiros cuja boa vontade para ajudar as necessidades

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do continente acaba impondo as suas próprias culturas por via da

globalização, não será este um elemento suficiente que adicionado

à própria diversidade cultural da África dificultaria o

florescimento de uma arte verdadeiramente africana?

Pode chegar-se deste modo ao ponto de vista que se confirma com a

ideia da “existência de uma autonomia dentro da chamada cultura

dominada ou popular”, defendida por Bianca dos Santos no seu

artigo “Arte como processo cultural: por uma ampliação do humano”[20??

:pp357], e diz (apud Denys Cuche):

“Para Denys Cuche, “Karl Marx como Max Weber não se enganaram ao afirmar que a

cultura da classe dominante é sempre a cultura dominante”. Em sentido diverso, Slavoj

Zizek aponta que “las ideas de la clase dominante no son precisamente las ideas de

aquellos que dominan”.83 Isto porque segundo o autor, a ideologia dominante tem que

incorporar alguns desejos dos dominados para que seja aceita. Para chegar a distorção

provocada pela dominação e legitimar a sua hegemonia tem que permitir ao menos

algumas das aspirações e desejos dos oprimidos. Portanto, ao falar de cultura

dominada e cultura dominante estamos utilizando metáforas, pois na realidade, o que

existe são determinados grupos sociais em relação de subordinação a outros.

De acordo com Marilena Chauí, o lugar da cultura dominante é muito claro: “É o lugar a

partir do qual o exercício da dominação política, da exploração econômica e da exclusão

sociase realiza…”84 Isto se dá porque a cultura dominante é apresentada como única

fonte do saber,como único critério de verdade, em oposição à ignorância do povo. E o

povo por ser ignorante,deve ser dirigido. Ao negar a existência da cultura do povo por

ser considerada uma cultura “menor”, “atrasada”, e ao mesmo tempo negar o direito a

fruição a cultura entendida como “melhor”, como fonte única do saber, as elites surgem

como autoritárias por essência. Deve ser negada e ocultada qualquer manifestação da

diferença, qualquer autonomia e possibilidade de interpretação do real que seja diversa

da que interessa à classe dominante:”

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Isto que dizer que enquanto os africanos não se libertarem dadependência económica estes estarão sujeitos à perda dos valoresda sua própria cultura e consequentemente dos os seus valoresartísticos serão uma soma de empréstimos em alienação da suaidentidade, pois a cultura dominante não cessará de se impôr.

O “nascimento de actores culturais” e a “democratizaçãodo teatro”Será, ainda, possível falar do “nascimento de actores culturais”

e da “democratização do teatro”? existem estes fenómenos para

África? São almejos de Lamko que todavia deixa em aberto para

reflexão e exercício de modo que possam ser possíveis.

Se virmos a questão do “Teatro Total” que é uma prática africana e

que é implementada apenas por um pequeno grupo de países da

África do Oeste,de facto, se esta prática fosse do interesse das

potências que de boa vontade apoiam os africanos, quantos países

africanos, certamente, já a implementariam ou pelo menos a

conheceriam? Pode-se assim induzir-se que não haverá democracia

nas artes enquanto estas interessarem o poder político como

vehículo para canalizar os seus programas e não como um modo de

estar na cultura, um elo para ligar os povos no tempo e espaço.

Isto significa que a arte não pode ser democrática, enquanto

depender de imposições sejam elas internas (dentro dos próprios

países africanos) ou externas. Enquanto a sua prática tiver que

acomodar interesses não meramente artísticos e culturais, e

estiver à mercê dos poderes políticos e económicos, o teatro em

África fica teatro de africanos e não necessáriamente Teatro Africano pois este

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é executado por africanos, nem sempre para africanos e nem para

exprimir o ser, sentir e viver dos africanos como africanos,

passando a servir a “Indústria Cultural e Cultura de Massas”

defendidos por Ferraz (2004:24, apud Chauí:1994), no seu artigo

“A Democracia para Marilena Chauí”:

Chauí trata a Modernidade como o fim de um processo que se inicia com a Filosofia

grega: o Desencantamento [SIC] do Mundo, do mito à razão, da magia à ciência. Mas,

passado algum tempo, na sociedade pós-industrial (a partir de 1970) as artes deixaram

de ser vinculadas à Religião ou à Nobreza e passam a uma nova servidão: do mercado

capitalista e da indústria cultural. O consumo dos produtos culturais seguem no ritmo

da fabricação em série. A arte, de mítica passa a material de consumo rápido e fácil,

ditado por uma questão de moda volátil, mera propaganda e publicidade. Ao se

massificar (mas sem se democratizar), a arte perde suas três características principais:

De expressivas, acabam como reprodutivas e repetitivas;

De criação, acabam como evento de consumo rápido e fácil;

De experimentação do novo, acabam como consagração do consagrado, sem

qualquer inovação.

A questão da nova "modalidade" artística passou a ser valorizada pela exposição, pela

contemplação. Mas, com os novos patronos da arte - empresas de produção artística -, os

interesses são voltados à fruição rápida, o que deixa de lado todo o trabalho individual e

exclusivo do artista. Não se preocupa mais em conhecer o artista, mas sim se a arte será

aceite pelo mercado.

Ou seja, enquanto se falar e se concorrer para a globalização;

enquanto se depender de patrocínios e financiamentos; enquanto se

depender de meios técnicos e modelos artísticos importados, a

África ainda terá a democratização das artes e a implantação de

uma arte africana como um desafio. Assim conclui Lamko

endereçando um convite a todos os actores da sociedade a fazerem

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cada um de tudo para que um dia o sonho de arte africana venha a

ser uma realidade.

Conclusões No contexto moçambicano vemos as discussões que não cessam nos

orgãos de informação em torno de “Nova guarda” e “Velha guarda”

quando se fala da qualidade musical, originalidade moçambicana na

música, se as inovações musicais representam a cultura

moçambicana, etc. Procura-se resgatar alguma coisa, pois alguns

círculos acreditam que ainda que nascida em Moçambique mas é

muito longe de ser moçambicana por não ter nenhuma identidade com

elementos tradicionais da música moçambicana. Os jovens conotados

por “Nova guarda” procuram nesta indústria cultural e cultura de

massas encontrar a seu auto sustento, distanciando-se do que é

artisticamente arte em obediência às regras de mercado e ainda

insistir em considerar o seu produto de música moçambicana pelo

facto de serem mçambcanos quem a faz, mesmo cientes de que imitam

música ou estilos de outros povos. Já os artistas conhecidos como

da “Velha guarda”, por sua vez, vivem condenados à miséria

económica e artística por tentarem viver a arte como aquele

elemento de comunicação, educação, edificação da identidade, e de

expressão de sentimentos e emoções, no que acreditam ser o modo

de viver a arte como actores culturais comprometidos com a

sociedade moçambicana no seu todo. Estes acabam desasjustados com

com a camada da sociedade moçambicana que tem possibilidades de

viver a globalização através das diversas fontes de comunicação e

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mídia, que na sua maioria acaba se identificando com o alheio em

detrimento da sua própria identidade.

Será que sobreviverá a arte africana em Moçambique?

A resposta depende de muitos factores, que abrangem âmbitos

sociais, económicos, políticos locais e que vão até a política

internacional. Todos os praticantes das artes, todos

intervenientes da sociedade moçambicana tem um papel muito

importante no resgate e tentativa de manutenção de uma auto-

estima, esta que passa necessáriamente por questões de

identidade, e esta última encontra por sua vez expressão e rigor

na cultura de um povo. De qualquer modo se fora das urbes pode

falar-se de artes e cultura africana em Moçambique já nas zonas

urbanas não se pode, assim como não pode falar da valorização

destas nas instituições ligadas à formação nestas áreas, à mesma

semelhança do que Lamko discutiu. As tendências formais de

preservação são notórias mas mais políticas do que práticas e

concretas.

A semelhança do que aconteceu em alguns países da África do

Oeste, deve-se iniciar com processos de pesquisa visando

encontrar formas de integração dos símbolos culturais das

tradições nacionais, encontrando nos ritos de cada tradição

elementos que sem serem adulterados possam por sí só realizar

eventos artístico-culturais. Ou seja, se se buscar um elemento

tradicional e for apresentado sob ponto de vista ocidental, no

estilo e na forma, mesmo com o uso de línguas locais, ainda não

I. 23 | P a g e

se estará a comunicar ao africano sobre o africano e por um

africano.

Paralelamente, estas acções devem ser acompanhadas de um apoio em

todos os âmbitos por parte do governo, das instituições culturais

nacionais e das universidades nacionais, quem devem conduzir os

estudos e desenvolver e/ou monitorar projectos que visem a

divulgação dos materiais resultantes destas acções, servindo

assim de impulsionadoras das dinámicas do país por ser onde se

forma o conhecimento que é na última instância a última chave

para a liberdade do homem – a educação

I. 24 | P a g e

Bibliografia: Nkentia, J. H. Kwabena

1974 The Music Of Africa. New York . London: W.W. Norton & Company

Ferraz, Henrique

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