Capítulo 3

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Capítulo 3 ** *a >. X °+ <s Armazenamento e transmissão \e informações na sociedade \ s ^ 3.1 A cultura e o processo de transmissão No capítulo anterior vimos os modos pelos quais o ser humano interpreta c organiza o mundo da experiência. Aprendemos que..p_ cérebro fnms^oi"]5ij|Jjifoj;ii^õesjensorÍ_ai_s em sinabe^íiubolos. Mais importante ainda, vimos como manipulamos essqsj>mais e símbolos quando desejamos trocar mensagens entre nós e como executamos estes atos de comunicação segundo regras acordadas. De onde tira- mos essas regras? Nós as aprendemos da cultura ou culturas a que pertencemos ou a que, de algum modo, estamos vinculados. Apesar de o termo 'cultura' ser usado para significar excelência moral ou refinamento intelectual, nós o consideraremos, para o que nos inte- ressa no momento, como uma forma_pr á t iça de designar o modo de vida dos grupos humanos e todas as atividades que este modo de vida implica. Assim, 'cultura' incluiria crenças, habilidades, artes,' moral, costumes e qualquer outra aptidão física ou intelectual adquirida por seres humanos como membros da sociedade. Em sentido amplo, a cultura incluiria também as várias entidades e instituições criadas para colocar q_rjrecedcnte emjyáticajO estudo de sistemas de infor- .mação e comunicação impõe que se admitam hipóteses de natureza cultural devido aos seguintes motivos: A cultura é criada por seres humanos; depende de sistemas de signos e símbolos; precisa ser transmitida de uma geração a outra pelo meio que for necessário. A cultura fornece a matriz das regras pelas quais utilizamos a lingua- gem, signos e símbolos não-vcrbais, ou qualquer outro meio que possamos criar para representar informação. • A cultura pode ser categorizada no sentido não-inatcrial como possuidora de sistemas éticos, morais ou artísticos que lhe são pró- prios e padrões de organização social. 62 • A cultura pode ser categorizada no sentido tnaterial de modo a incluir artefatos como armas, ferramentas, construções, qualquer coisa feita pelo ser humano para qualquer fim. Esta categoria às vezes inclui objetos naturais, COLHO montanhas, pedras e nos, no caso de suscitarem associações sagradas ou significados especiais para determinados grupos.' Falamos no capítulo anterior sobre a transmissão de nosso legado genético e as formas como estamos predispostos a agir devido à sua influência. Nosso legado cultural atua de forma muito parecida. Ao contrário dos animais, nascemos dentro de estruturas de aprendiza- do e comportamento que preexistiam a nós, c as utilizamos para de- las extrair informações sobre o mundo e o lugar que nele ocupamos. Se nossos país pudessem, de algum modo, transcrever o conhecimen- to e a sabedoria, frutos da experiência de toda uma vida, para seus genes, seus descendentes começariam a vida um passo à frente, c pelo mesmo processo reincorporariam seus próprios conhecimentos a seus próprios genes. Mas esta ideia pertence ao domínio da ficção científica e cada geração deve começar do zero. Portanto, devemos aos outros membros de nosso contexto cultural, vivos e mortos, as formas como organizamos nossas informações sobre o mundo e as maneiras como pensamos em transformá-lo. Pensemos por um instante no velho adágio 'todas as civilizações são governadas pelos mortos'. Trata-se, muito provavelmente, de enor- me simplÍficação.~Mesmo assim, a contribuição deles nos é legada cie modos sutis e variados: pela tradição oral que nos cerca, o processo de educação formal, e as formas mais duradouras dos meios cie infor- mação existentes em bibliotecas, museus e galerias de arte. Nas filei- ras cerradas de livros da biblioteca pública você encontrará as obras de grandes pensadores que recebem o epíteto de grandes' porque mudaram as estruturas com que questionamos o mundo. São pensa- dores como Aristóteles, Platão, Isaac Newton, Karl Marx, Sigmund Freud e muitos outros. Os modos como pensamos acerca do mundo são influenciados por suas ideias e obras. Igual processo de transmis- são ocorre quando você aprecia a arquitetura da cidade, as pinturas na galeria de arte ou os artefatos no museu. Isso nos foi transmitido; está ali porque alguém colocou ali e, ao fazê-lo, tinha um propósito. Permanência c conservação são essenciais rjara a continuidade de umjLcultura. Para permitir que seres humanos se benfcficiein do co- 63

Transcript of Capítulo 3

Capítulo 3** *a

>. X °+ <s

Armazenamento e transmissão \e informações na sociedade \ s^

3.1 A cultura e o processo de transmissão

No capítulo anterior vimos os modos pelos quais o ser humanointerpreta c organiza o mundo da experiência. Aprendemos que..p_cérebro fnms^oi"]5ij|Jjifoj;ii^õesjensorÍ_ai_s em sinabe^íiubolos. Maisimportante ainda, vimos como manipulamos essqsj>mais e símbolosquando desejamos trocar mensagens entre nós e como executamosestes atos de comunicação segundo regras acordadas. De onde tira-mos essas regras? Nós as aprendemos da cultura ou culturas a quepertencemos ou a que, de algum modo, estamos vinculados. Apesarde o termo 'cultura' ser usado para significar excelência moral ourefinamento intelectual, nós o consideraremos, para o que nos inte-ressa no momento, como uma forma_pr á t iça de designar o modo devida dos grupos humanos e todas as atividades que este modo de vidaimplica. Assim, 'cultura' incluiria crenças, habilidades, artes,' moral,costumes e qualquer outra aptidão física ou intelectual adquirida porseres humanos como membros da sociedade. Em sentido amplo, acultura incluiria também as várias entidades e instituições criadaspara colocar q_rjrecedcnte emjyáticajO estudo de sistemas de infor-.mação e comunicação impõe que se admitam hipóteses de naturezacultural devido aos seguintes motivos:

• A cultura é criada por seres humanos; depende de sistemas designos e símbolos; precisa ser transmitida de uma geração a outrapelo meio que for necessário.

• A cultura fornece a matriz das regras pelas quais utilizamos a lingua-gem, signos e símbolos não-vcrbais, ou qualquer outro meio quepossamos criar para representar informação.

• A cultura pode ser categorizada no sentido não-inatcrial comopossuidora de sistemas éticos, morais ou artísticos que lhe são pró-prios e padrões de organização social.

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• A cultura pode ser categorizada no sentido tnaterial de modo aincluir artefatos como armas, ferramentas, construções, qualquercoisa feita pelo ser humano para qualquer fim. Esta categoria àsvezes inclui objetos naturais, COLHO montanhas, pedras e nos, nocaso de suscitarem associações sagradas ou significados especiaispara determinados grupos.'

Falamos no capítulo anterior sobre a transmissão de nosso legadogenético e as formas como estamos predispostos a agir devido à suainfluência. Nosso legado cultural atua de forma muito parecida. Aocontrário dos animais, nascemos dentro de estruturas de aprendiza-do e comportamento que preexistiam a nós, c as utilizamos para de-las extrair informações sobre o mundo e o lugar que nele ocupamos.Se nossos país pudessem, de algum modo, transcrever o conhecimen-to e a sabedoria, frutos da experiência de toda uma vida, para seusgenes, seus descendentes começariam a vida um passo à frente, cpelo mesmo processo reincorporariam seus próprios conhecimentosa seus próprios genes. Mas esta ideia pertence ao domínio da ficçãocientífica e cada geração deve começar do zero. Portanto, devemosaos outros membros de nosso contexto cultural, vivos e mortos, asformas como organizamos nossas informações sobre o mundo e asmaneiras como pensamos em transformá-lo.

Pensemos por um instante no velho adágio 'todas as civilizaçõessão governadas pelos mortos'. Trata-se, muito provavelmente, de enor-me simplÍficação.~Mesmo assim, a contribuição deles nos é legada ciemodos sutis e variados: pela tradição oral que nos cerca, o processode educação formal, e as formas mais duradouras dos meios cie infor-mação existentes em bibliotecas, museus e galerias de arte. Nas filei-ras cerradas de livros da biblioteca pública você encontrará as obrasde grandes pensadores que recebem o epíteto de grandes' porquemudaram as estruturas com que questionamos o mundo. São pensa-dores como Aristóteles, Platão, Isaac Newton, Karl Marx, SigmundFreud e muitos outros. Os modos como pensamos acerca do mundosão influenciados por suas ideias e obras. Igual processo de transmis-são ocorre quando você aprecia a arquitetura da cidade, as pinturasna galeria de arte ou os artefatos no museu. Isso nos foi transmitido;está ali porque alguém colocou ali e, ao fazê-lo, tinha um propósito.

Permanência c conservação são essenciais rjara a continuidade deumjLcultura. Para permitir que seres humanos se benfcficiein do co-

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Vir;

nhccimentr c das aptidões de outros devemos dispor de algum tipode sistema íi-o armazgnamento_para transmitir esses benefícios atra-vcs dos tcnvpos. Precisamos do equivalente social de nossas própriasmemórias, efetivamente, uma memória social ou cultural. Sem estemecanismo imprescindível cada nova geração teria que reaprenderdo início todos os conhecimentos e habilidades tão arduamente ad-quiridos por seus antepassados ao longo do tempo.

Este sistema de armazenamento apresenta-se sob diferentes no-mes. Alguns estudiosos chamam-no de 'memória cultural', outros de'transcrito social', alguns chegam a utilizar o termo 'livro cultural',que sugere uma comparação com a função de armazenamento dabiblioteca. Carregar em nossas cabeças tudo que sabemos tem todasas vantagens c desvantagens da memória individual. O conhecimen-to c algo emotivo, íntimo e pessoal, e também está sujeito a ser es-quecido. Pior ainda, estamos sujeitos a reorganizar seletivamente oconhecimento que devemos transmitir, dificultando assim que ou-tros averigúem o que realmente aconteceu ou compreendam os fun-damentos factuais das histórias que contamos. Se todas as pessoasinstruídas do grupo cultural fossem eliminadas por uma catástrofe, aidentidade do grupo estaria em grave perigo. A história nos fornecevários exemplos de grupos sociais que caíram no olvido por uma ououtra razão. Temos que adivinhar o que sabiam ou sentiam sobre oinundo examinando ruínas, edifícios e outros artefatos. Como ocor-reu com os pictos, aqui mesmo na Grã-Bretanha, até a língua de cul-turas passadas pode desaparecer sem deixar vestígio.

As culturas orais_são vulneráveis aos seguintes perigos:•

• Há o perigo de a memória coletiva ficar sobrecarregada e distorcidacom o passar do tempo. E difícil 'ficar de fora' e avaliar criticamen-te algo que só existe o m nossas mentes.

* Alguns membros terão maior acesso ao conhecimento do que ou-tros e portanto gozarão de um poder desproporcional. Se o.conjjc-cimento for registrado, será mais difícil restringir o_g cesso a ele,apesar de isso não ser de forma alguma impossível, como veremos.

Como você deve recordar do capítulo 2, a memória humana de-sempenha uma função especial para cada um de nós. Posiciona cadaindivíduo no fluxo do tempo e lhe confere uma identidade única apartir da qual todas as comunicações pessoais são geradas. A mesma

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função é desempenhada pela memória coletiva de um grupo social. Ahistória está repleta de exemplos da absorção completa de unidadesculturais menores por outras maiores e mais poderosas — de fato,este fenómeno é decisivo nos debates e polémicas culturais contem-porâneos. Os grupos que não sobrevivem permanecem, no máximo,como curiosidades arqueológicas. Destrua-se a memória coletivauma cultura e ela será apagada da história.

Suponhamos que esta memória coletiva se situe, de algum modo,fora das mentes dos membros individuais do grupo, ou, melhor ain-da, que se possa guardarem lugar conveniente, para consultar quan-do preciso. Suponhamos ainda que esta memória possa ser represen-tada em forma duradoura, de modo que seja compreendida por to-dos os membros do grupo. Se essas hipóteses se concretizarem, entãoa memória coletiva não só sobreviverá, mas também todos os mem-bros do grupo se beneficiarão das memórias uns dos outros. Essesfatos positivos vieram a ocorrer, mas não da forma completa e idealque planejamos. E este fenómeno que alguns antropólogos chamammemória exgssomática, qu^^mí^,\^\:eja\me\\{s.,^^^Qj^OfpQ'. .AInstória"3esta atividade externalizadora mostra a engenhosidadc téc-nica do homem e o auge de sua atividade de criador de símbolos.Abrange uma longa saga de adaptação, invenção e inovação, dos pn-ineiros rabiscos em pedras, cacos de cerâmica c nas paredes das ca-vernas até a tecnologia da informação quejios rodeia. Este desenvol-vimento contínuo de artefatos não só representa uma sucessão e subs-tituição de 'ferramentas de informação', mas também implica a ques-tão de como essas ferramentas por sua vez afetaram seus criadores.

Estas são etapas identificáveis_ejniportantes no desenrolar destahistória-falamojde uma etap_a_ora/t uma etapa doldjabeto, uma eta-pa do manuscrito, uma etapa da tipografi_a_c uma etapa eletrônica.Mas que o leitor se acautele! Essas etapas nãopossuem pontos cxa-tos de inflexão no tempo. Uma nem sempre substitui totalmente aoutra. Podein_cogxist_i_r_em harmonia^ e representam menos um mo-delo linear do que um modelo circular. ApesarTle^Jarmos à tradiçãooral prioridade cronológicaVclaleTisTcfhoje mais forte do^que nunca.Talvez no futuro e_l_a_yp_l_te_a ter a preeminência cjuejeye no p a ss a d o.

3.2 Á tradição oral

Esta época representa o que o teórico da comunicação Walter Ong2

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chama "oralidade primária". A expressão denota o primado máximoda fala ramoojníejã de todo o conhecimentojiumano. "Npjrmcb.I«^cj^o_VerboV" Onde houver seres humanos haverá uma língua esempre será uma língua falada e ouvida. É preciso que haja um trans-missor e um receptor. As linguagens de sinais, apesar de sua riquezade gestos e engenhosa complexidade, são, na melhor das hipóteses,substitutos da fala. A fala enunciada pela voz humana é rica em in-formações. De fato, qngndoescrevemosjejitajaflumitar.sua.capaci--dadc de transmis^ojdeJniormasãQ^A voz humana pode exprimirtonalidade, cor, cadências e matizes de significado que inexistem emsuas representações escritas. Se duvidar desta afirmação tente ver dequantas maneiras você pode dizer 'boa-noite', criando um sigmhca-do diferente a cada elocução. No entanto, apesar de seus muitos be-nefícios, a fala impõe uma rígida organização ao espaço onde se da ainformação: os ouvidos devem permanecer a distância razoávelquem fala. Aristóteles, escrevendo sobre urbanismo, determinou quetodos os cidadãos deveriam estar a uma distância em que pudessemouvir a voz do arauto. E, se o espaço impõe restrições à comunicaçãooral. o tempo é ainda mais cruel. Todas as sensações acontecem ntempo, A fala é som, e o som guarda relação com o tempo direrenteda relação dos outros meios de informação que são registrados pelossentidos humanos. O som existe apenas quando emana da sensação.Não há forma de parar um som, do modo como se pára uma camaráde vídeo. Se paro o som, tenho silêncio. A visão pode registrar movi-mento e também reduzir o movimento a planos fixos que represen-tam uma espécie de história inversa de um filme. Se você e favorávelà tese de que a estrutura da sociedade é determinada pelo seu mododonunanteje comumcação;ãs sociedades de base oral oferecera^

uma prova contuiíclente a seu favor.Os grupos humanos^uedependem da comum^sãoírente^trente

tcm^icosamente, que se manter pequenos. E preciso um sistemaque determine quem falará com quem. Os membros do grupo temde permanecer ao alcance da voz coletiva, e alguém deve decidir oque será dito ou calado. Há os outros problemas de transmissão deideias, crenças e habilidades entre gerações. Como a maioria dos es-tudantes sabe, a memória é um instrumento falível e requer boa dosede ajuda para aumentar sua confiabilidade funcional. Não sabemosexatamente por que, mas achamos que o ritmo é um maravilhoso

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aliado no aprendizado de fatos, desde os versos infantis que cantáva-mos para aprender o alfabeto e os meses, às alturas mais sublimes dosoneto e da poesia lírica. Nossos antepassados remotos descobriram .essa tendência, e a usaram com bons resultados. Para facilitar a me- •"mor ia e a recordação, a tradição coletiva preservava-se em forma de 5 ,poesia ou prosa rítmica. De fato, todo pensamento mais longo debase oral tem algo de rítmico, por mais tosco que seja o ritmo.

Talvez haja uma razão fisiológica inata para esta predileção huma-na pelo ritmo. Uma coisa, porém, sabemos com certeza razoável: apoesia é mais fácil de lembrar do que a prosa. Os sentimentos e suaexpressão cadenciada ajudam a memória a localizar a 'maior unidademancjável de significado' e tornam mais fácil sua retenção na memó-ria. Em sentido cultural mais amplo,

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aj)rdeni_deye_ preceder o controle. Portanto ', a forma àe representaçãodo conhecimento estava nas formas mais facilmente memorizáveis erecitáveis do niitõ^ã^poesi^ejjs provérbios, canções c lendas. Otermo 'mito' talvez precise de algumas palavras que elucidem seu sig-nificado primordial. O jornalismo sensacionalista levaria o leitor acrer que mito é a versão elegante de unia enorme mentira que foi 'ex- ^posta'. O vocábulo possui um significado técnico, principalmente do jmodo como é usado por antropólogos sociais. Mito vem do gregosmythos, e significa enredo .ou.estrutujgL. Real meu te, s e uj c n t id o ori gi -n ai de^estrutura^cpnstrução ou plaiigjprpxiina-se perigosamente dotermo latino forma, que utilizamos ao tentar definir informação. *

Qs mitos t^ntan^res ionde^àjerytaro^uê.? Por que esta mós.atmj? De onde viemos? As grandes epopeias, como a Ilíada, o Kalevalae o Ramaiana, todas tratam dos temas dramáticos sobre as origens edestmgjjj^jespectiygsp_QA'ps_e^rup.p_s_cu]tuiajs. São, nas palavrasde um antropólogo social, "histórias que contamos a nós mesmossobre nós mesmos". A análise dos mitos tem sido um componenteessencial da obra de muitos antropólogos, e, de modo notável, daobra de Claude Lévi-Strauss.4 Como produtos da 'infância da huma-nidade', são analisados quanto a suas estruturas e camadas de signifi-cados de uma forma bastante próxima dos métodos empregados pe-los linguistas ao dissecar estruturas multiformes da linguagem.

Os grandes mitos clássicos talvez pertençam a tempos passados,mas a realidade fundamental da linguagem oral está sempre presen-

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te. - fato, j .squisas recentes em tecnologia da informação voltamse fo; :^ na direção de computadores comandados pela voz. Le-n • ',rc componentes e programas especiais que permitirão ao com-prador converter em código digital ondas sonoras faladas num dis-positivo de gravação. Os resultados serão processados exatamentecomo se os dados fossem inseridos por meio de um teclado. MarshallMcLuhan"1 argumentou que a voz humana é o meio de informaçãomais rico no universo da comunicação. Este é um argumeYito forte edifícil de provar de modo conclusivo, mas não chega a ser tão excên-trico a ponto de contradizer nossa experiência cotidiana. O universoda linguagem oral pode ser analisado de forma análoga ao da físicadas partículas e à cosmologia do universo físico. A linguagem faladautiliza fonemas como unidades de construção. Estes fonemas são seg-mentos, que se sucedem no tempo, de uma linha filológica. A etapaseguinte é representada pelo morfema, a menor unidade contrastivada gramática. A motivação original para se usar morfema como ter-mo foi uma alternativa à noção da palavra, que se havia mostradodifícil de trabalhar ao se comparar as línguas. As palavras podiam terestruturas complexas, cie modo que havia necessidade de um concei-to único para inter-relacionar noções como raiz, prefixo ou palavracomposta. (Jma_das características principais do método científicoem relação a qualquer assunto c isolar o máximopossíve[de unida-des funcionajj;j:leumjnstema^O morfema, portanto, é visto como amenor unidade funcional na composição das palavras. Alguns exem-plos são: 'homem', 'de-', '-ação'. O morfema homem funciona sozi-nho, mas os outros dois precisam ser combinados com outros para

"formar palavras. 'Desinteressado' consiste em três morfemas: 'dês','interess' e 'ado'; 'interess' é uma forma livre, 'dês' e 'ado' são formasfixas. Estamos observando a língua como um sistema físico, assimcomo um cientista natural examinaria o universo físico. Mas há tam-bém outra maneira cie se observar a linguagem, na qual se criam no-vos contextos ou mesmo 'realidades'/1

Afirmar que a fala é o alicerce do conhecimento humano é umaproposição à qual daríamos, no mínimo, aprovação com restrições. Afala é o elo que nos une a outras mentes; e até que possamos encon-trar um meio alternativo de transmissão do pensamento, a voz hu-mana continuará sendo o principal motor no domínio das coisas hu-manas. O poder da palavra articulada apresenta muitos problemas

<&para muitas pessoas, principalmente para quem pertence ao 'mundoreal' como o único mundo da realidade física. S adqtar uma posiçãoparecida com a de sociólogos como Berger e Lu.'kman,7então as rea-lidades são constructos sociais que não apen.? se sobrepõem, mastambém criam e se controlam mutuamente. Sc estamos ocupadosem reunir, organizar e disseminar informaçõ:.., registradas e não-registradas, então precisamos estar atentos a estes pontos de vistavariantes.

Um filósofo britânico, J.L. Austin (1911-1960),s analisou a fun-ção das elocuções em relação ao comportamento de quem fala e dequem ouve na comunicação interpessoal. Envolvidas neste ato estãoas intenções de quem fala e os efeitos sobre quem ouve, [unto com acriação de um novo estado de coisas. O que Austin chama de "atosda fala" pode ser analisado de várias formas:

• Representativos. Quem fala compromete-se em graus variados coma verdade da proposição; por exemplo, eu afirmo, eu nego, eu acre-dito,

' • Diretivos. Quem fala tenta levar o ouvinte a fazer algo; por exem-plo, eu peço, eu desafio, eu ordeno.

« Comissivos. Quem fala compromete-se em graus variados com unirumo de ação; por exemplo, eu garanto, eu financio, eu prometo,eu juro.

« Expressivos. Quem fala expressa uma posição sobre um estado decoisas; por exemplo, eu peço desculpas, eu lamento, eu congratu-lo, eu dou boas-vindas.

• Declarativos. Quem fala altera uma situação ou estado de ser aofazer uma elocução específica; por exemplo, renuncio, batizo estenavio, declaro aberta esta sessão, eu vos declaro marido e mulher.

Como é fácil perceber, as elocuções acima diferem dos enunciadosfactuais discutidos no capítulo 1. Muitas instituições sociais — jurí-dicas, éticas, religiosas e estéticas — baseiam-se no uso competentedesses vários aros de fala. Obviamente, no caso dos declarativos, apessoa que faz o enunciado deve ter competência para tal, e estaragindo dentro do contexto adequado.

Se a palavra é tão poderosa para criar novas realidades sociais emnossa complexa sociedade moderna, pode-se imaginar sua influênciapenetrante nas sociedades orais ágrafas onde não havia nenhum ou-

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tro meio rival de comunicação. O poder decorria da habilidade deusar a fala para persuadir outrem; portanto, o caminho para o poderconsistia em praticar assiduamente a arte da persuasão. Esta arte —o estudo da retórica — continuaria a exercer forte influência na edu-cação dos jovens durante séculos após a invenção da escrita. E paramostrar a pertinência do ditado que diz que 'não há nada de novosob o sol', gastamos parte substancial do nosso produto interno brutopara persuadir outros seres humanos a tomarem certos rumos de açãoconforme nossos anseios e desejos. E mais: empregamos grande nú-mero de profissionais da informação que aplicam suas habilidadescom tal fim. A indústria da publicidade conta com unia gama muitosofisticada de serviços de bibliotecas e informação.9 No entanto, oorador e persuasor da tradição oral não dispunha de grande variedadede recursos televisuais e bases de dados. Reflitamos por um instantesobre suas dificuldades de comunicação. Precisará de boa memória,pois não poderá recorrer a anotações escritas para disparar a ideiaseguinte ou destnnchar o conteúdo factual de uma frase que agonizano ar. Tem que prender a atenção da plateia enquanto puxa da cabe-ça a próxima ideia bem-encadeada; mesmo assim, o público não devenotar isso. Uma pausa, feita no momento oportuno, pode ter efeitodramático; uma parada forçada pode ser um desastre.

Vejamos os problemas do orador numa sociedade oral: nada deescrita, de imprensa, de ponto eletrônico (teleprompter), de anota-ções. Uma solução seria permitir que seu discurso tivesse uma formapoética ou rítmica onde padrões e cadências auxiliariam sua memó-ria enfraquecida. Outro método útil seria aproveitar o que é conheci-do na teoria da comunicação moderna como 'redundância'. Apesarde seu uso depreciativo em outros contextos, a redundância ajuda aevitar ambiguidades; por isso devemos ser cuidadosos ao redigir umtelegrama. Os retóricos chamavam a redundância copia, embora autilizassem por outros motivos. Quem houver folheado unia epopeiada Antiguidade terá notado o funcionamento da copia. Havia certosepítetos repetitivos que eram usados para descrever eventos e pes-soas famosas. Por exemplo na ilíada, um dos personagens principais,Heitor, não é nunca meramente o velho Heitor, mas, sim, o "podero-so Heitor do elmo de penacho ondulante" e outros superlativos re-buscados. Uma profusão de epítetos repetitivos, uma vez memoriza-dos, auxiliava o orador a antever o tema ou subtema seguinte. Para

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uma geração acostumada com bordões, esses elaborados dispositivosretóricos podem soar de mau gosto e cómicos, mas podem ser encon-tradas semelhanças com os epítetos básicos de muitas manchetes dejornais sensacionalistas. Os gregos estudavam a memória como umrecurso auxi l ia r da vida pública, o que ela ainda continua sendo. Paramelhorar a capacidade de memorização, os oradores eram encoraja-dos a construir 'palácios da memória', enormes prédios imagináriosque guardavam nas cabeças. Após anos de prática as imagens torna-vam-se tão vívidas que a pessoa podia fechar os olhos e ver seu palá-cio como se fosse real. Finalmente essas arquiteturas mentais toma-vam-se impossíveis de apagar. Ao planejar seu discurso o orador pen-saria na própria casa, ou numa que lhe fosse famil iar . Cada divisão doseu discurso era atribuída a uni aposento. A ante-sala poderia repre-sentar bibliotecas públicas, a cozinha, bibliotecas universitárias, a salade visitas, bibliotecas especializadas e de indústrias, e assim por dian-te. Para ajudar a memória ele andaria por cada aposento em sua men-te. Qualquer que fosse sua eficácia, foi uma das poucas exportaçõeseuropeias a interessar aos chineses quando as duas civilizações inici-aram conta tos contínuos.10 E, em nosso caso, quando você escolheum tópico para investigação, está escolhendo um tópico do grego ío-pos, que significa 'lugar'. Podemos pôr de lado esse dispositivo comoparte da arqueologia do armazenamento e recuperação de informa-ção, mas ainda utilizamos 'endereço' em informática para designar onúmero exclusivo que permite acesso a qualquer arquivo, e um cam-po de endereço para que o sistema saiba onde encontrar e guardar osdados respectivos. Um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugarera tão importante para os antigos como para nós, e eles possuíampoucos recursos auxiliares secundários para repelir a erosão contínuados engramas ou o declínio dos neurônios. Algo tinha de ser feito.

3.3 Escrita alfabética

O alfabeto mais antigo que se conhece é o semita setentrional,—- ~ . . -->. _. P - - - -l F»" ~ ""—' -••-- , ,.«»._ ••••.•.-«»_ — — —

desenvolvido por volta de 1700 aC na Palestina e na Síria. Compu-nha-se de 22 consoantes. Os alfabetos hebraico, árabe e fenício base-aram-se nesse modelo. Mais tarde, por volta de 900 aC, o alfabetofenício foi usado como modelo pelos gregos que acrescentaram vo-gais às consoantes. Este alfabeto modificado foi o modelo para osetruscos por volta de 800 aC, de onde vieram as letras do antigo alfa-

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( beto romano c em última instância, de todos os alfabetos ocidentais.H!ste alfabeto foi levado para a Grã-Bretanha pelos legionários do: ipério Romano e depois pelos missionários romanos. Era o alfabeto.jssico de 23 letras, sem o J, V e W, acrescentados mais tarde.

Esta síntese não passa de um pobre resumo dos resultados" de pro-cessos culturais c intelectuais que levaram milhares de anos. Q .alfa-beto tem_sido_ cjia m a do_de jijii a i o r inyençãojdp homem, embora,como muitas^outras^nyenções, haja sido a culminação de uma longalinhagem de rebates_fajsos j^ exper i micntos engènliõsõsrSêguiiHõDavTHDiringer," é quase certo que sua origem tenha sido num único pontoda história: "Historicamente, foi a última grande forma de escrita asurgir, e a mais altamcnfêTleseiivolvida, a mais^onvenieiite^e o siste-ma de escrita mais facilmentejidaptável jamais inventado."

Este aspecto precisa ser ressaltado porque liavia_váríos tipos de. sistemasjJe sinaisgráficos; o alfabeto não estava sozinlio^e ele sim-

plesmente não 'aconteceu'. A evolução destes sistemas de sinais podeser dividida em:

• Pictográfica: representações de objetos, ações ou ideias.• ideográfica: uma atividade, objeto ou ideia representada por um

único signo.• Silábica: signos que representam grupos de letras.

Os seres huinano_s__comegaram_com a pictografia_nrimitava .—JH^sim como as crianças gostam de começar — desenhando figuras, ra-biscando imagens toscas, ou fazendo marcas que servissem de talismãsmágicos, ou mesmo marcas de posse. Com o passar do tempo esses

,>..,,.signos pictóricos tornaram-se estilizados, perdendo seus valores figu-rativos básicos para se tornarem um sistema secundário de ideogramasou ideógrafos. O s signo s p i c to ri co s çpn t i n u a m v e rs ateis em s u a s f u n-çõesjnodernas. Por exemplo, figuras que mostram como operar umamáquina podem expressar uma se^uência^e_idéia_s_e instruções quemuitas vezes traiispõenLas barreiras jjaslínguas. Dependem, porém?

grandemente do contexto pá reproduzi r significado. Algumas das ins-truções pictográficas do código de trânsito contêm inúmeros exem-plos da necessidade de decodificar a partir do contexto imediato. Asambiguidades de comunicação de alguns desses sinais pictogrãficossão bem conhecidas de muitos usuários de estradas e modificam aalegação tão citada de que 'uma imagem vale por mil palavras'.

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As escritas ideográficas são ainda influentes nos sistemas moder-nos de comunicação. A escrita chinesa e o kanji japonês, derivado dachinesa, são exemplos conhecidos de descendentes de escritas ideo-gráficas. Esses 'signos deidéias'' são chamados logógrafos ouJogogra-mas, quando um sinal jrepresenta umajialavra ou partejje uma pala-vra. A matemática_eji lógica uti l izam sisEcmjasJojjQgráficos, e o cifrãocertamente é bem conhecido de todos nós.

Os historiadores do alfabeto traçam uma linha divisória entre oalfabeto propriamente dito e os signos representativos que vimos exa-minando. Assim o fazem por um motivo muito sensato. Adscritapropriamente dita utiliza signos visuais para representar sons ou gru-pos de sons: eía une o mundo visual ao mundo sonoro. Isso é conhe-c\do_como_sa_lto/onêmJcoy quando signos gráficos se ligam a fala. E acompreensão de que as palavras de uma língua emitidas por uni fa-lante são construídas a partir de uma pequena lista permutável deunidades ainda menores. Para o leigo trata-se de sons; para o linguis-ta são fonemas, nossas conhecidas síjabas^oiisjianies.c vogais. Aocombinar as unidades funcionais da fala com as da escrita, os inova-dores forjaram o elo vital entre os dois mundos da comunicação.

—^ A revolugju) da escrita foi a^rimeira das^ grandes Devoluções dacomunicação na história da humanidade, e da qual todas as subse-quentes são devedoras. A escrita foi a tecnologia de comunicaçãomais avançada, desde o quartôlmlênio aCTãTé o sécutd~XV~clC/quan-do Johann Gutenberg compôs com tipos móveis o texto do primeirolivro a ser impresso. H.G. Wells, em seu estilo fluente, mostra qualfoi a importância disso: "Permitiu que ficassem registrados acordos,leís e mandamentos. Possibilitou o crescimento das cídades-estadosda Grécia. Tornou possível a consciência histórica contínua. O man-damento de um sacerdote ou o rei e seu selo podiam deslõcar-se paramuito além de sua vista e podiam sobreviver à sua morte" (The outlineofhistory, 1920 [ed. brasileira: História universal}).

Somos tentados a refletir sobre o fato de os seres humanos viremprocurando ajudar e externalizar suas memórias desde o início davida social e comunitária. A história remota da comunicação media-da inclui bastões com entalhes, cordas com nós e outros métodosengenhosos para estimular a memória individual ou intermediar men-sagens nas atividades cotidianas da vida comunitária. A invenção doalfabeto não somente permitiu à humanidade comunicar ideias por

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meio de signos visuais, mas também criar um registro permanentedestes signos e assim criar uma memória externa. Os antropólogoschamam-na memória ^cxossomá t iça.L para indicar que se situa forado corpo; e esta memória pode ser armazenada, no Úntóo_ogajtoBi-plos, mais tarde cmJjibliptecas. Sociedades orais limitadas no espaçoe acorrentadas ao tempo podiam agora aumentar seu_con t r ol^_sob rg_essas duas categorias básicas doe spaçoedo te mpo-

_Ej p que é mais importante, este jjoyojiiétodode registro sejiara-va o conhecedor do objeto conhecido. Como o alfabeto externalizaideias ele nos permite distanciarnio-nos daquilo que conhecemos eavaliar criticamente nossas próprias opiniões e as dos outros.

A escrita criou j) inundo do estudo^is^tcmático e da burocracia.Ordens e instruções podiam agora chegar a destinos remotos exata-mente da mesma forma como eram despachadas. Qualquer socieda-de que utilize a escrita pode manter uma complexa identidade organi-zacional em vasta área geográfica. As burocracias dependem de ante-cedentes para seu processo decisório; registros escritos ou gráficosfornecem as informações necessárias, desde que, é claro, os docu-mentos estejam guardados de modo apropriado e indexados para rá-pida recuperação. Certos autores, como Harold Innis, têm argumen-tado que o império Romano somente se manteve por tanto tempodevido à existência de registros gráficos.12

Uma característica notável das sociedades orais é a imprecisão, oumesmo inexistência de_tempo_'datado' como coiTliecernos. O modooral de preservação de informações não precisava de datas ou crono-logias rigorosamente calibradas. O tempo assumia forma e substân-

.cia graças às estações, festas c ritos religiosos. A partir do momentoem que se regi s tr a j) pens anie^ntp eniJoniijis que lhe são externas,estabelece-sejam sentido de tempo histórico e a mitologia tribal ad-quire um novo rival que é a história registrada. Interpretações autori-zadas do passado não mais se baseiam na imaginação coletiva acu-mulada. Ò que tem sido, variavelmente, chamado de tradição ma-nuscrita ouquirográfica^Irou aproxjn^ada mente três milénios e meio.Foi essa uma fase na história da comunicação que teve suas própriascaracterísticas distintivas que, ainda hoje em dia, são parte integran-te da textura de nossas ideias e pensamento. O período manuscritocriou o universo das tabulas de argila, rolos de papiros, códices: e,,osmanuscritos iluminados das bibliotecas dos mosteiros. Coexistiu com

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tradições de pensamento e comportamento basicamente orais. Tam-bém demonstrou importante aspecto da relação entre o advento deunia nova tecnologia de comunicação e a sociedade que oferece ocontexto para suas aplicações. A velocidade de adoção pode ser bas-tante lenta, ocorrendo numa velocidade quase glacial. Novas fases decomunicação não vão deixando as-antigas para trás, como um tremque deixa a estação. O mundo antigo era^ojiiTundo^dD^arauto, deimagens visuais ao invés de textos escritos. Não era a assinatura, maso selo que autenticava uni documento. Em documentos políticos ecomerciais era a impressão do anel com o sinete real que autorizava aação. Orei João não 'assinou' a Carta Magna cm 1215, ele a selou.

3.4 A fase de Gutenbetg

Os cinco séculos decorridos desde que Gutenberg montou sua ti-pografia em Mogúncia (c, 1450) têm sido moldados de formas pro-fundas e variadas por um dispositivo que é, em essência, extrema-mente simples. Quer dizer, extremamente simples depois que foi in-ventado e testado. Basicamente, é um dispositivo técnico para repro-duzir -textos virtualmente idênticos e_em quantidades ilimitadas.Como esse dispositivo realiza essa façanha? A imprensa foi definidaco mo: "omeça n i smo de jyntarji pôs móveis, de metal., cada um pos-junidp na extremidade supcriorum caráter alfabético em relevo, eme,

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aj3 sei^entintado e pressionado sobre material adequado, deixa umamarca ou impressão".

Foi essa a invenção que viria a se tornar tão forte ao espalhar opoder e a influência da Europa pelo mundo afora. Esta ligação com opoder e a dominação cultural europeia é um fato a ser observado logode saída. Ajinpressão não_era originalmente uma técnica europeia. Aarte da impressão originou-se na China. O mais antigo livro 'impres-so' guejraz uma data é uma versão chinesa do famoso sutra Diaman-te, feito na China em 868 dC, e impresso a partir de blocos de madei-ra sobrejfojJTasdej^apel de c^asca de amoreira que são coladas for-mando um rolo contínuo. Apesar da longa tradição da produção delivros da China e da Coreia, o único elemento desse processo que seinfiltrou no Ocidente foi o segredo da fabricação do papel. Quando .o s árabes conquistaram Samarcanda. em 751 dC, adquiriram essaarte, que foi introduzida pelos mouros na Espanha e na Sicília.

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Não há provas de que a ideia da impressão com tipos móveis te-nha sida difundida por meio das rotas de comércio entre o Oriente eo Ocidente. O mais provável é que haja sido descoberta de novo naEuropa. A invenção da imprensa é atribuída {com certa polémica) aJoliann Gutenberg, de Mogúncia. Até mesmo a data de seu nasci-mento é incerta, mas se supõe que sua profissão fosse a de ourives.

Ajrólyora, a imprensa e a Reforrna' são citadas porjnstoriadoresCOUI^_°_S. rr^-P_ri!]Ç-'Pa's aÊ!?!lrÇS causais da^stFanjfprujagões tecno-lógicas, políticas e económicas que, em última instância, moldaram

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nosso mundo atual. Ainda que possa haver divergências quanto àscontribuições da pólvora e da Reforma, não há dúvida de que a im-prensa tem exercido influência poderosa e diversificada no mundomoderno. Há, no entanto, ainda três questões fundamentais que nosintrigam. Por que levou tajjto tempo para C|ue_a_imprensa,.surgisse na

• Europa? Por que sua invenção ocorreu naquele momento específicoda história? Por que se difundiu de modo tão rápido a partir do mo-mento em que, finalinenFe, passou a existir? Os anos imediatamenteanteriores e posteriores a 1500 guardam certas semelhanças com nos-so próprio tempo. Se a pólvora fosse a bomba nuclear de sua época, ainvenção da bússola e o consequente incremento da exploração geo-gráfica podem ser comparados a nossos programas espaciais e aosavanços tecnológicos que deles resultaram. O mundo medieval erapequeno e auto-suficiente, minimamente dependente de viagens eobservações empíricas; seu centro estava fixo em Jerusalém. As ex-plorações de Cristóvão Colombo e seus contemporâneos ampliarama Visão de mundo' e o 'espaço vital' da Europa. A partir do início doséculo XV houve o que os historiadores denominam uma nova Visãode mundo'. l í Novas rotas de comunicação marítima abriram oportu-nidades para o comércio internacional e o contato e a interação entrediferentes culturas. C crescimento demográfico de aldeias e cidadesacarretou (para alguns) uma melhoria do bem-estar material e o an-seio de conhecer melhor o inundo onde viviam. Passaram a utilizar os'criados honestos' de Kipling e o resultado disso foi um amplo ques-tionamento dos valores, normas e explicações aceitos sobre por que omundo era como era. Esse questionamento assumiu uma forma co-letiva em instituições chamadas studia generalia universitatis, quereconhecemos pela última palavra como uma 'universidade'. Esteseram locais onde clérigos c leigos podiam ser educados fora da nor-

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nia, e o vigor de sua vida intelectual atraiu estudantes e professoresde longínquas paragens. Elas eram intelectualmente mais autóno-mas <io que os estabelecimentos monásticos que eram estritamenteregulados. Era prática usual dos estudantes que as frequentavam vol-tar às suas instituições de origem e doar suas minuciosas anotaçõesde aulas às respectivas bibliotecas.

O contexto da demanda por um novo meio de comunicação cres-cia constantemente. Desde o século XII vinha ocorrendo um auinen-to substancial no número de universidades na Europa, O desejo pelo

Tiovo saber' levou a um aumento do número de estudantes. Eutão,como hoje, um aumento no número de estudantes teve um efeitodecisivo nas técnicas pedagógicas. Os métodos de ensino daqueletempo baseavam-se totalmente no livro como meio de armazena-mento e transmissão de informações. O único livro disponível erageralmente aquele que o professor tinha em mão. Ele lia o livro emvoz alta e os estudantes tomavam notas como podiam. Em inglês^ovocábulo moderno lecturer [professor universitário] vem do latimfactor, que significa leitor. Os únicos recursos existentesjara a_execu-gão _dc_cópias eram os oferecidos pelos staiionarn, os livreiros dasuniversidades. A cópia de manuscritos por esses 'escreventes' era umaativídade de mão-de-obra intensiva, portanto, era cara e estava acimados recursos de muitos estudantes pobres. Além disso, os stationariinão podiam dar conta da demanda; havia um mercado à espera deuma técnica que pudesse produzir textos em quanrTdádc siIfròièntcTaum custo razoável. Mas a" imprensa não estava destinada a ser umaativídade 'solitária' ao longo dos mais de quatro séculos que a sepa-ram dos dias de hoje. Para Johann Gutenberg ela tinha que ser umaatjvidade de produção em massa que exigia uma base tecnológica euma divisão especializada_ do trabalho. Ele também precisava de ca-pi taUlcjnves ti mento: produzir informação já era, tanto quanto hoj c,produzir mercadoria. Ele teve sorte. Como o comércio marítimo trou-xera prosperidade a Mogúncia e também a várias outras cidades eu-ropeias, ele encontrou pessoas que dispunham do capital de risconecessário. As invenções em geral exigem, para seu sucesso comer-cial, uma necessidade sentida, o conhecimentQjiecessárío c o inves-thiiento f1HHllce.Í£o_Jl^eim-3áp' Também precisam de unia base tec-nológica segura assente nos últimos avanços de tecnologias auxi-liares.14

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A ideia da imprensa não era nova. Assim como em várias outrasinvenções, os chineses estavam um milénio ou mais à nossa frente.Na 'imagem mental' (a estrutura cognitiva) havia a xilogravura; umaimagem talhada em relevo num bloco de madeira, do qual podiamser tiradas impressões. Essas impressões, agrupadas e costuradas, eramconhecidas como livros.tabulares' Qu 'livros xjlográficos'. Era perfei-tamente possível cortar tipos de~madeira em relevo; eles continuamsendo usados como brinquedos infantis, mas se desgastam quandoutilizados frequentemente. Os caracteres chineses não .precisavamser usados com muita frequência, mas o alfabeto romano tem umpequeno número de caracteres e, por isso, as letras teriam que serreutilizadas. A madeira, como 'substrato', possuía graves limitações.E o metal? A metalurgia europeia atingira alto grau de desenvolvi-mento. Séculos antes de Gutenberg, os monges haviam utilizado se-los gravados para imprimir as letras capitulares no início dos manus-critos. O segredo estava na tecnologia da gravação; os ourives eramproficientes neste ofício, e Gutenberg era ourives. Ele fez uma matrizpara receber o metal fundido, e, talhando as letras cm forma inverti-da, a matriz tornava-se o molde a partir do qual se obtinham as letrasde impressão.1' E, melhor ainda, essas letras podiam ser derretidasnuma caldeira e reutilizadas. O tipo era 'móvel' e 'descartável'. Esses'soldadinhos de chumbo' foram essenciais para o sucesso da inven-ção. Se Gutenberg tivesse herdado a escrita chinesa (aproximada-mente 60 000 ideogramas) o gasto teria sido tão vultoso que seriaimpensável em termos comerciais. Mas não foi isso que aconteceu. Olegado que recebeu era um alfabeto cuja base era formada por poucasletras mas com uma capacidade ilimitada de combinação dessas le-tras. O legado dos fenícios aos gregos foi decisivo e a Europa viria aser a maior beneficiada. No entanto, era preciso fazer esses 'soldadi-nhos de chumbo' marcharem numa folha de papel para que a inven-ção se tornasse unia inovação. Eoi um lance de génio a ideia de adap-tar a prensa de lagar, usada na vinicultura, como prelo de impressão;uma convergência de tecnologias não menos importante do que asque têm caracterizado nosso próprio século.

Gutenberg foi bem-sucedido, e muitos impressores o acompanha-ram. Ainda hoje, ficamos maravilhados com a velocidade de difusãoda imprensa quando levamos em conta a situação em que se encon-travam os meios de comunicação no século XV. Meio século após o

surgimento do primeiro livro impresso em 1452, havia centenas detipografias espalhadas pela Europa, a maioria concentrada na Itália enos Países Baixos, a saber, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Esta difu-são da nova invenção ampliou-se para quase toda a cristandade oci-dental. O eíeito da imprensa na história da produção de livros podeser aproximadamente estimado pela velocidade com que essa novatécnica foi adoíada. Até a época de Gutenberg cerca de 30 000 ma-nuscritos continham o acervo mundial de informações registradas.Durante os 150 anos seguintes, até a época em que Shakespcare es-crevia, estima-se que por volta de l 250 000 títulos haviam sido pu-blicados. Seria para essa época uma 'explosão bibliográfica'. Qual aexplicação para uma busca tão ávida da multiplicação de textos im-pressos? A história exemplar que se segue pode nos dar pelo menosuma indicação. Martinho Lutero (1483-1546) era um reformador re-ligioso, e., como todos os reformadores, queria atingir o maior públicopossível. Sua principal intenção era desafiar a autoridade espiritual etemporal da Igreja Católica que era então o maior poder da cristan-dade ocidental. Em 51 de outubro de 1517 ele divulgou seu desafiodoutrinário à autoridade do papa por meio de 'teses' ou pronuncia-mentos manuscritos que afixou na porta da igreja de Wittenberg, naAlemanha. Esses polémicos documentos logo apareceriam em formaimpressa e "por um lance de mágica ele se viu falando para o mundointeiro". Calculou-se que em quatro anos uns 300 000 exemplares desuas 'teses' c outros textos de sua autoria haviam sido vendidos.15

Essa, mesmo pelos atuais critérios de desempenho editorial, é uniagrande vendagem. Realmente, havia o desejo de libertar-se da autori-dade do clero e conquistar o acesso sem intermediários à Bíblia comoa fonte única da verdade religiosa. Havia também o que podemoschamar 'fator vernacular': os manifestos reformadores luteranos eramimpressos em alemão. As ideias não eram mais codificadas em latim,língua das pessoas cultas, que poucos leigos podiam entender. 17A li-gação entre a imprensa como invenção alemã e seu potencial empre-go na promoção da Reforma não passou despercebida aos contempo-râneos, e esta nova aliança entre a imprensa, línguas nacionais e re-forma religiosa não parou nas fronteiras políticas e religiosas. Em 1476William Caxton havia montado uma tipografia em Westminster. Aimprensa expandiu e codificou as literaturas vernaculares da Europa,embora, como frequentemente acontece na história da comunica-

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çao, nem todos foram beneficiados com isso. Boa parte dependia dopoder político e económico da comunidade linguística específica. Ofato de a língua galesa ter mantido até hoje um pouco de seu antigovigor deve-se em grande parte à tradução da Bíblia para o galês feitapelo bispo Morgan em 1588. A falta de uma forma impressa geral-mente leva ao declínio: "existir é existir em forma impressa", e poresta razão as línguas gaélica e cómica entraram em decadência, aúltima ao ponto de extinção. A imprensa, nas palavras de um autor, éa "multiplicação da mente": a fértil matriz de um mercado de ideiasem eterna expansão. Os mercados, porém, implicam competição enesses contextos as culturas mais fracas devem necessariamente serassimiladas ou desaparecer.18

3.5 A imprensa e o conhecimento registrado .

Os efeitos da imprensa najiistória da civilização superam quaj-qucr tóhmativaJ^Nãg foi apenas o rápido crescimento do núnie_rg_d_eexemplares disponíveis, mas a mudança de seu conteúdo crue tantoinr5iÍ]Í2Íõu^ cíima intelectual daquele tempo. Até então, os livroshaviam sido em geral de conteúdo teológico; agora passavam a incor-porar as ideias das novas ciências, nas obras de Galileu, Kepler e ou-tros pioneiros da nova filosofia natural.

Em termos físicos este novo meio trilharia o caminho da miniatu-rização que iria caracterizar os multimeios de tempos posteriores. Aprópria forma do códice foi produto desta tendência da naturezahumana de 'tornar práticas' as coisas. O rolo de papiro era magnífico,

.,11135 um trambolho, principalmente quando, em toda sua extensão,' que podia superar os 10 metros, era desenrolado no chão. Qualquerque fosse sua capacidade de armazenamento, a recuperação rápidanão era seu ponto forte. O volwnen era uni rolo de papiro ou folhas

enroladas em torno de um carretel a par-^tir do quaí o rolo literalmente 'se desenrolava'. Seu efeito na paciên-cia humana era semelhante ao dos primitivos gravadores de som queusavam rolos de fitas. Os cristãos primitivos cortaram os rolos em

- pedaços e criaram o códjce; a prefiguração lógica do códice seria pro-vavelmente o díptico, um caderno de duas páginas utilizado para ora-ções. Quaisquer que tenham sido suas origens o códice deitou raízesprofundas na psique ocidental, tão profundas que, sempre que pode-mos, ainda tentamos e armazenamos multimeios como se tivessem o

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formato de livro. Esta primeira cgleção de folhas presas de um ladodesbancou o rolo nos primeiros séculos como o principal meio paratextos cultos. No entanto, enijjjsó primitivo era pesado. Esses pesados fólios (incunábulos) não so-mente eram impressos com um horrível alfabeto gótico,.mas tam-bém encadernados com capas de madeira, que em nada contribuí-ra m para fácil i tar a colocação n a s estantes ou a portabilidade. Quan-do a grande Summa theologica de Tomás de Aquino foi assim enca-dernada, diz-se que o filósofo Erasmo teria comentado, de mau hu-mor, que "ninguém conseguiria carregá-lo, muito menos colocá-lo nacabeça". O homem providencial foi ^FTtfãlTuzK^ (1450-1515),veneziano, e o primeiro de uma série de eruditWnnpressores queviriam a contribuir de modo notável para a cultura erudita. Aldoavocou-se como objetivo principal imprimir todos os clássicos gregosimportantes que até então não haviam sido publicados c corrigir aque-les textos que haviam sido publicados cm versões erróneas e inexatas.Ele colocava as folhas impressas dependuradas do lado de fora daoficina e oferecia prémios para quem conseguisse descobrir algumerro de impressão. Em sua memória foram denominadas as excelen-tes edições aldinas que vieram a ser um dos notáveis canais por ondeo pensamento clássico chegou à Europa. Sua obra formidável nos fazlembrar o Thesaurus linguae graccae2" que hoje se encontra armaze-nado num cederrom. Junto com sua visão intelectual era suficiente-mente prático para conseguir que as revisões de provas de que preci-sava fossem feitas por uma ninharia; também produziu pequenosvolumes impressos com tipo itálico. O tipo itálico era de leitura maisfácil para a maioria conservadora cujos olhos estavam mais acostu-mados à letra manuscrita. O estudioso que viajava podia agora emba-lar um punhado desses volumes em seu alforje e levar consigo suabiblioteca de trabalho, uma fonte de informação não diferente daque se encontra no conteúdo eletrônico da maleta de um executivomoderno. Resumamos alguns dos principais efeitos da imprensa, cujosresultados destrinçaremos mais tarde.

• A imprensa permitiu que as línguas vernáculas crescessem e frutifi-cassem; a supremacia do latim como língua culta internacionalfoi forçada ao declínio.

• Estimulou o crescimento incipiente dos Estados nacionais, reli-giões nacionais e identidades nacionais. A imprensa acelerou e am-

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pliou o interesse comercia! pela publicação e venda de livros. Oeditor, que se preocupava com o mercado, começou a deslocar oimpressor, que se concentrava na produção técnica. O desloca-mento ocupacional definitivo foi o que levou ao desaparecimentodo ofício de copista.

Q me d iey aj os e s t ud i os os visitavam as biliotecjas para lere examinar os livros; esse comportamento foi alterado pelo novosfatores de duplicação e reprodutibilidade mecânica; os livros eramdJAtribujdg_s_ags lejtores.A disponibilidade de diferentes textos incutiu o método científi-co de crítica c comparação. Os estudiosos começaram a investigarproblemas empiricamente e o prestígio do texto como autoridadeúnica começou a declinar.Como qualquer novo meio de comunicação» o novo sistema deimpressão começou a entrar em choque com a estrutura jurídicaexistente. Em alguns casos de modo marcante, esse conflito prefi-gurava as dificuldades legais com que o computador iria defron-tar-se. Suigiraiu_iKiv.osJeis_para controlar ou suprimira livre circu-lação de ideias; remanescentes dessas leis ainda convivem conosco.Além de expandir as htajitura^ vernáculas, a imprensa preservoue codificou sua situa_ção. Povos numericamente pequenos e eco-nomicamente fracos viram suas línguas maternas entrarem emdeclínio e em alguns casos se extinguirem. A sobrevivência da lín-gua galesa deve-se em grande parte à tradução da Bíblia para ogalês pelo bispo Morgan em 1588, quase um século depois de aimprensa ter sido introduzida na Inglaterra. A iiTiprensa^iiT^fornii-

•20 u a ortografia e o uso educado dajíngua. Devido à natureza deseu trabalho, os tipógrafos influenciam a forma e o estilo do mate-rial impresso. Apesar de o inglês falado ter mantido sua diversida-de, o inglês impresso apresenta menos variação. O estudo de ma-nuscritos em latim exigia alto nível de exatidão e correção. Estasnormas passaram para o legado vernacular do texto impresso, edaí tornou-se modelo para a língua falada. Estes efeitos podemainda ser vistos na influência do latim na gramática inglesa e nanoção de que a fala correta segue mdrões literários.Ajmprensa influenciou os padrões de organização e recuperaçãodo conhecimento registrado. Por exemplo, a história dos dicioná-_^ ___ „„_„ ____ O ........ ... L— . r _ --- •nos e enciclopédias está intimamente ligada à história da impren-

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sã. Uma forte, dependência da ordem alfabética, embora surgidano final da Idade Média, é fundamental para a cultuia impressa.Observem a 'ubiqtiidade1 da lista telefónica, muito mais bem-su-cedida em sua onipresença do que a Bíblia, para cuja dissemina-ção os primeiros protestantes trabalharam tão diligeutenientc.^A,lista telefónica é hoje citada como um típico exemplo do modogutenberguiano de comunicação: muitiplicam-se os exemplares àexaustão de maneira que todo immdo no mercado possua um.

• O livro impresso não envolve apenas uma tecnologia diferente• d a do manuscrito; o resultado^imi produto diferente. Enquanto

/ osTiiãíuiscritos eram copiados em pequenas cjuaatjdades, psj^ri-méirÕTlivrGs eram impressos em edições médias de 250 a l 250excnTpláres.T^o Fim cio século XX a primeira tiragem de um livrocientífico talvez fosse de l 500 exemplares, enquanto a de umbest-selier em edição de bolso pode alcançar hoje 250 000 exem-plares. Esta economia de escala significa que os exemplares po-dem ser rapidamente difundidos.

O poder de preservação dopensainento registrado cresceu enor-mementc. Ideias que haviam sido registradas em poucos manuscri-tos corriam sempre o perigo de se perderem ou caírem no esqueci-mento da comunidade académica. Ideias registradas num milheirode exemplares tinham mais chance de durar do que naquela ténuecadeia de manuscritos.

A nova invenção da imprensa tinha um potencial que só foi com-preendido aos poucos, à medida que a flecha do tempo ganhava velo-cidade. No entanto, como seus sucessores, só se desenvolveu porqueas pessoas viam uma necessidade para suas manifestações. Não sepode separar significativamente o meio de seus usuários.

3.6 Os contextos dinâmicos do alfabetismo

Em meados do século XVIII, 300 anos após a invenção da impren-sa, metade da população inglesa não sabia escrever. Em 1914 mais de99% dos noivos haviam conquistado domínjo suficiente da tecnologiade comunicação para assinar o registro de casamento de modo quesatisfizesse à autoridade responsável. Existem várias deduções que sepodem tirar desta afirmação feita por uma publicação governamen-tal, alegrando-se com o fato de a Inglaterra ser uma 'sociedade alfa-

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betizada'. Em primeiro lugar, deduzimos que quem sabe assinar onome sabe k embora, se for engenhoso, o indivíduo talvez haja trei-nado para chegar a fazer uni garrancho passável nas circunstâncias.:nm segundo lugar, ambos os noivos são obrigados a assinar ou fazeruma marca a ser endossada pelo escrivão. Em terceiro lugar, existeuma legislação, sancionada pelo Estado, concernente a contratos en-tre duas pessoas. Esta legislação vigora, na Grã-Bretanha, desde anorma que dispõe sobre casamentos, conhecida como Lei LordeHardwicke, de 1753. Esta lei pretendia acabar com os abusos entãocometidos na forma de matrimónios clandestinos. Nenhum matri-mónio seria válido se não fosse registrado no livro de casamentos efirmado, com a assinatura ou uma marca em cruz, pelos nubentes eduas testemunhas. Desde então, vem sendo formado um corpo siste-mático de indícios da distribuição do alfabetismo. Até o advento dalei de registro de nascimentos, óbitos e casamentos de 1836, os dadoseram coletados localmente, mas a partir de então passaram para aresponsabilidade do Registrar General que publicava tabelas agrega-das sobre população alfabetizada em seu relatório anual.2 1

Este salto no tempo exige explicação. A melhor que se pode ofere-cer para o leitor desconcertado é que a situação acima descrita sinte-tiza todos os problemas da discussão sobre alfabetização. Qual o ín-dice de alfabetização de nossos antepassados? Se afirmarmos que haviana Inglaterra 90% de alfabetizados em ta! data, o que isso significaexatamente? Como se mede a alfabetização? A alfabetização incluitanto a escrita quanto a leitura? Se dissermos (como o fazem algu-mas pessoas) que não somos tão alfabetizados quanto nossos ante-

- passados, l1131 ° período do passado que está sendo tomado comobase de comparação? Constitui apenas metade da história anunciareuforicamente a velocidade com que a técnica da imprensa espalhou-se pela Europa e pelo inundo, sem assinalar os valores sociais quesaudaram esta inovação e a presença das habilidades necessárias parautilizar os produtos dessa técnica. Como qualquer outro meio decomunicação, a imprensa depende de seus usuários para sua existên-cia. Seguindo esta linha de raciocínio, falamos hoje de educaçãoinformática, educação visual e educação ambiental.

Voltando à época dos primórdios do alfabeto podemos supor queapenas uma elite sabia decodificar os caracteres alfabéticos. Imagi-namos que um número substancial dos mercenários de Alexandre, o

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Grande, eram alfabetizados porque riscavam grafitos nas muralhasdas cidades conquistadas. Como exércitos mercenários em geral nãoatraem os intelectuais da nação, somos levados a deduzir que a alfa-betização era algo comum na Grécia. Supomos que muitos judeussabiam ler por ser o judaísmo uma religião revelada com doutrinas epreceitos venerados em forma escrita. Passando para a era cristã, in-ferimos que alguns monges sabiam ler, embora não muitos. Sabemosque a ordem beneditina prescrevia a leitura como atividade necessá-ria. Perto do ano 1000, a Europa continuava analfabeta. Um estudio-so arrisca o palpite de que uma pessoa em cada mi] sabia ler, mas nãodiz se sabia escrever. Dado o que sabemos sobre as condições sociaise económicas da época, os outros 999 não estariam muito preocupa-dos. O conceito nada significaria para cles,j)ois afirmar que alguém éanalfabeto implica.alguma forinajiejiocjejade alfabetizada. Alfabe-tização é, como 'pobreza' e 'imséria\i cojic^ejto relativo cujo signi-ficado depende do contexto social. Na mesma linha de raciocínioestaria uma avaliação do conhecimento sobre o uso de computadoresdas populações doTerceiro Mundo. As populações do início da IdadeMédia não dispunham de papel, livros ou tecnologia da escrita, mes-mo que sentissem necessidade de tais tecnologias.

Por mais complexas que sejam as causas que geraram o anal-fabetismo do início da Idade Média, um forte motivo está na especi-alização de funções que dividia a sociedade entre quem lutava, quemregava e quem trabalhava a terra: as ordens sociais da nobreza, clero ecampesinato. A estrutura da sociedade e as necessidades de informa-ção guardam íntima associação. A Igreja possuía o monopólio da alfa-betização e pretendia conservá-lo enquanto fosse possível. Os precon-ceitos sociais das classes militares desencorajavam entre seus mem-bros qualquer gosto pelo estudo. As raras exceções recebiam o epítetodesprezível de clerk." Henrique I, que sabia ler e escrever, foi apelida-do Beauclerk. Os camponeses, sem direitos, nada tinham a ganharcom a alfabetização, e, em geral, não aspiravam a ela. Lembremos°iue o Estado moderno é governado pela^>ajavra impressa; sua pre-sença está tão integrada a nosso ambiente visual que raramente anotamos. O mundo medieval era regido por cerimónias e espétácu-

Jos. A Igreja usava meios visuais como recursos didáricos: estátuas,

* Em inglês clerk significa tanto clérigo (do latim clericus) quanto escrevente, amanuense ouempregado administrativo. (N.T.)

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desenhos heráldicos, pinturas e teatro. De fato a história do governona Inglaterra liga-se intimamente à alfabetização de certos reis quepensavam em termos de documentos muito antes de saberem lê-los.Em sociedade assim estratificada as mudanças tinham que partir dosescalões superiores. E eram muito graduais e lentas." v

Entre 1066 e 1377 aconteceu uma revolução na Inglaterra que temmuito a ver com nossa análise da tradição oral. Houve uma mudançanos modos de raciocínio, que se afastaram da memória rumo à escri-ta. Mais extraordinário foi o uso de documentos para assuntos secu-lares em contraste com os solenes ritos religiosos a que estavam tradi-cionalmente associados. Esta prática resultou da conquista normanda,em 1066, que introduziu na Inglaterra uma estrutura administrativaradicalmente diferente. Esta nova estrutura passaria a ser conhecidacomo burocracia, o 'governo da escrivaninha', que depende de prece-dentes para mecanizar seu poder decisório. Estes procedimentos, porsua vez, dependem de rcgjstTOS_gue_sejiain acessíveis e recuperáveis.

Por uni longo período, esses registros, como documentos jurídicose cartorários (atos e títulos relativos à propriedade), eram interpreta-dos como registros destinados a mero arquivamento c não para co-municação ativa, conforme vemos essa atividade. Bastava a palavrafalada dos mensageiros para os negócios cotidianos daquela época.Esta percepção do documento encontra paralelo na história inicialdo computador. Os computadores eram devoradores de números outanques de armazenamento, e seu potencial de comunicação era lar-gamente ignorado. Os processadores de textos surgiram em 1964 naforma de máquinas de escrever eletrônicas com memória; quem en-tão poderia ter antecipado seu emprego ativo na linguagem e suafunção no ensino?21 Outra poderosa influência na sociedade medie-val foi o estilo de aprendizagem daquele tempo. A leitura em voz altae os ditados permitiam ao analfabeto participar do uso de documen-tos. O livro medieval destinava-se a ser lido em voz alta; sua pontua-ção servia mais para poupar o fôlego do orador do que para mostrar aestrutura gramatical. Barras oblíquas ajudavam a lidar com o proble-ma do intervalo voz-olhos que pode tão facilmente atrapalhar o lei-tor tímido. Antes do ano 1000, reconhecidamente um ponto arbitrá-rio no tempo, havia na cultura medieval ambas as tradições: oral cescrita. Com a chegada dos normandos, começou ^acontecer umatransforniação. A palavra escritajião substituiu simdesmente a oral,

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começou jijiyrgirjjrn noyojjpo de ínterdepeodcncja entre asduas, não tão forte quanto a convergência de tecnologias que temoshoje em dia, mas, mesmo assim, com semelhanças visíveis.

AjTadigão oral viria_a influenciar a s etaj^as seguintes de impressãoquirográfica c eletrônica. O avanço do hábito da leitura silenciosa,junto com a demanda por noções elementares de escrita, começou aexcluir os analfabetos, e pode tei atuado como um estímulo à aquisi-ção dessa qualificação. Mas a escrita manual introduziu outra dicoto-mia. Ser capaz de ler textos impressos não era o mesmo que ler umacarta escrita à mão. Quanâo observamos n caligrafia da corte e osmanuscritos dos tribunais podemos compreender por quê. Eles sãodecorativos para os membros da corte, mas ilegíveis, exceto para paleó-grafos e historiadores. A expansão económica da Inglaterra elísabetanae os séculos de exploração territorial tiveram efeito decisivo no cres-cimento da alfabetização tanto na Grã-Bretanha como na Europa. Oanseio de viajar certamente contribuiu para o desenvolvimento daciência. A Europa do início da Idade Média era uma sociedade está-tica; todos permaneciam no mesmo lugar durante o tempo que lhesfosse permitido. Quem viajava eram as civilizações islâmicas, daí asuperioridade de sua geografia e cartografia. A extensão do Impérioislâmico, que ia do Afeganistão à Turquia, criou problemas adminis-trativos que dependiam intensamente do conhecimento exato da lo-calização absoluta e relativa.24 Elas tinham que responder a um gran-de número de perguntas do tipo 'o que está onde' e 'onde está o quê',e por isso publicaram obras sobre as ciências espaciais da geografia eda astronomia. O conhecimento cartográfico21 atingira alto nível, e,de tudo isso, o que seria mais útil para os viajantes europeus maistarde é que obras gregas fundamentais sobre geografia foramtraduzidas para o árabe, contribuindo assim para garantir sua preser-vação. Tão logo os europeus romperam sua imobilidade, seu antigotorpor intelectual começou a desaparecer. Quanto mais longe de casa,irmis jndagamos sobre o meio que nos cerca. Isso talvez tenha algo aver com a redução da incerteza e sua influência na busca de informa-ção. Essas hipóteses talvez possam explicar a expansão cultural daGrã-Bretanha no século XVIII e o crescimento de uma classe médiarica com tempo livre suficiente para valorizar a cultura impressa.

Esta nova classe média comercial proporcionou um mercado lu-crativo para o editor arrojado, especialmente no campo de Hvros in-

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íantis. No entanto, para os camponeses pobres, que formavam quasemetade da população, a alfabetização não trazia benefício algum ondeas perspectivas dependiam de fortuna e família. Mesmo que o traba-lhador rural soubesse ler, o trabalho físico incessante deixava-o semtempo livre para a leitura. De que adiantava aprender a escrever? Sequisesse contar alguma coisa para alguém no vilarejo vizinho, ele ca-minharia até lá para contar. De qualquer forma, igual ao servo medi-eval, raramente se afastava de sua paróquia. Se precisasse assinar onome, a lei permitia-lhe firmar com uma cruz. O custo da educaçãodos filhos era proibitivo. Não só deveria pagar ao professor, como te-ria ainda que se privar dos ganhos que os filhos auferiam. Mesmo quefosse suficientemente resoluto para tentar, iria quase certamente sedefrontar com a oposição daqueles queconsiderayanui alfabetizaçãocomo uma ameaça à ordem social. Tudo estava muito distante denossos estimados ideais da sociedade da informação.

Na Inglaterra foi a Revolução Industrial e o êxodo das populaçõesdo campo para a cidade que deram o impulso rumo à alfabetização,enquanto a complexidade e a incerteza da vida urbana estimularam aprocura de mais informação e a qualificação necessária à sua inter-pretação e utilização. Q_an_alfabetjsiiio(_giic poderia passajr^lcsj>erce-bido no meio rural, tornou-se estigma dejinferioridade no turbilhãode trocas da nova ordem industrial. As escolas tornaram-se uma ne-cessidade, pois o Estado passou_a perceber vagamente o valor econó-mico da informação na forma^e^nvestin^i^_ei^ca.pital Humano.Havia também um crescente número de leitores para a florescenteindústria jornalística. Mas_.o_obstáculo era que a alfabetização estáembutida no contexto social, c, quando esse contextojiiuda, tam-bém mudam os níveis de alfabetização. Ser alfabetizado em Hondurasnãõéo mesmo que ser alfabetizado em Hampstead, Londres NW3. Aalfabetização pode significar uma capacidade mínima de decodifica-ção de textos impressos; pode significar uma consciência crítica dospressupostos culturais, das normas éticas e valor estético da palavraimpressa. Muitos dos mesmos critérios podem ser mencionados numadiscussão sobre educação televisual ou educação informática. Pode-mos estar razoavelmente certos de que a declaração triunfal do Re-gistrar General de 1914 não levou em conta essas observações.

Em nossa argumentação sobre mobilidade, alfabetismo e cresci-mento dos meios de comunicação, esquecemos o apoio vltlupropor-

cionado pelo sistema de tiausrjiç^tgs. Portanto, unia breve palavra so-bre um personagem esque- ic!~ ,Tâ história da comunicação — ocolporleur — o vendedor ai il » * n te de livros que carregava bolsascheias de folhetos impres os, ,.,«duradas, literalmente, ao pescoço.Esses folhetos eram originalmente de natureza religiosa, mas foramaos poucos se metamorfose,; : = ' j em documentos informativos de na-tureza mais mundana e comercial. Esse mascate era o elo na cadeiade distribuição, um precursor do serviço de extensão da biblioteca,um canal de comunicação — e um grande escalador de montanhas emorros escarpados. Não lhe restava outra opção, pois não havia estra-das. O prelo de impressão pode ter se difundido com impressionanterapidez, mas ainda havia o problema da distribuição, que, como todoeditor sabe, c vi tal para a sobrevivência de seu empreendimento.

A construção de estradas facil i tou a distribuição de jorna is e aexpansão do comércio. A invenção das estradas de ferrn deu maiormobilidade às pessoas ao levá-las de um lugar a outro. Também trans-portavam livros, jornais e cartas. A rapidez na entrega de mensagenspassou da velocidade do cavalo para a da locomotiva e desta para a daeletricídade — cerca de dez milhões de vezes mais rápida.K

O telégrafo integrou-se com a estrada de ferro como canais decomunicação mutuamente auxiliares. O passageiro da estrada de fer-ro podia ver os familiares postes telegráficos através da janela do va-gão. A maneira como suas imagens conjugadas dominavam a paisa-gem vitoriana é brilhantemente descrita por Charles Dickens em Hardtimes [Tempos difíceis!: "as linhas telegráficas que traçavam no céudo crepúsculo uma colossal pauta de papel de música".27

Eis camadas de informações compactadas em notável imagem vi-sual; e somos criaturas predvminantemente visuais, que dependemda frase evocativa ou da capacidade de representação do artista, naausência da realidade fotográfica. Quando Dickens era menino erapreciso confiar na genialida d do pintor de retratos se alguém quises-se conhecer o rosto de um antepassado. Por mais fiel que fosse oretrato, era sempre a realicl; Je refletida através dos olhos de outro.J.N. Niépce apresentou a primeira fotografia bem-sucedida em 1822,sendo seguido por Louis Daguerre em 1839. Tinha início, assim, afotografia moderna que abrange todos os processos úteis para a pro-dução de imagens em materiais sensíveis. Começando como arte ediversão de amadores, rapidamente aliou-se ao prelo de imprcssão

na s jécnicas de ilustração de livros e Eotojornalismo e gerou a indús-tria cinematográfica e a televisão.. Assim como a palavra falada foracongelada na escrita, agora o registro visual de uni evento podia sertransmitidoLentregeragões. Na década de 1840 John BenjamirrDancercombinou a arte da fotografia com a microscopia, criando_assim amJcrofotografia. Ao fazê-lo, pôde reduzir uma página de informaçãopaTa umtamanho miniaturizado em forma de microfilme. Este meiode armazenamento e transferência de informação iniciou sua carrei-ra na espionagem e na guerra. Durante a Guerra Franco-Prussiana de1870, estando Paris sitiada, a guarnição assediada amarrou microfoto-grafias nas caudas de pombos, para enviar notícias e informações paraos que estavam do lado de fora.

-*- Se voltarmos o olhar para a história da informação registrada, apartir de nossa posição vantajosa do 'aqui e agora' da década de 1990,veremos uma corrente de acontecimentos que começou placidameu-te com a invenção da escrita, vagueou até a invenção da imprensa, eaí começou a tomar o aspecto de um rio caudaloso. A capacidade degravar e transmitir informações orais, visuais e auditivas aumentouainda mais a vazão desse rio até se tomar elegante dizer que estamossendo 'inundados' por uma torrente de dados e informações.

Se utilizarmos uma metáfora 'vivencial' poderemos aproximar oconceito de nossa realidade. Alguém nascido na primeira década des-te século teria testemunhado os primeiros passos vacilantes do rádioao procurar 'informar, educar e divertir' na pessoa jurídica da incipienteBBC. Se essa pessoa houvesse tido bastante sorte, a próxima etapaseriam as primeiras transmissões de televisão, feitas a partir do Ale-xandra Palace, em Londres, em 1936, seguida da profusão de avançostécnicos da televisão e das gravações sonoras do pós-guerra, e, se boasaúde e longevidade permitissem, as alegrias do disco compacto e dovideodisco interativo. Caso nessa longevidade a pessoa ainda se man-tivesse ativa, então, telas sensíveis ao toque, computadores com co-mando de voz e transferência de informações por redes ajudariam-naa tornar mais vivaz seus anos crepusculares.

Voltando a nosso modelo dos cinco tradicionais sentidos da audi-ção, visão, olfato, paladar e tato, poderemos detectar linhas de exten-são do desenvolvimento cultural da comunicação humana. Você re-cordará a importância vital da voz humana nas sociedades orais ágrafas,e como sua modulação e poder de persuasão determinavam os limi-

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tes do espaço social. O advento da escrita nas formas manuscrita eimpressa parecia ter temporariamente usurpado esta domi-nância.Podia-se ler o que unia pessoa escreveu, mas apenas em sentido mc-tafónco podia-se ouvir a voz do autor falando conosco por meio dotexto. Em 1876 Alexander Graham Bell estendeu o alcance da vozhumana ao inventar o telefone, mas este era um meio de comunica-ção apenas bidirecian.il, ou seja, entre duas pessoas. Mas, 50 anosdepois, a invenção do rádio por Gugliehiio Marconi introduziria ummodo de comunicação em que um falaria para muitos. No ano se-guinte à invenção de Bell, Thomas Edison criou a primeira máquinade gravar sons. O mundo físico do século XIX se encolhia. O temporelativo dava lugar a padrões absolutos, a fim de regular o modo novoe rápido cie comunicação física.2S A hora local era muito comum atémesmo numa pequena ilha como a Grã-Bretanha e constituía umdos mais cativantes traços de sua vida rural. As carruagens tinhamseus próprios relógios. Com a estrada de ferro vieram os horários e aorganização exata do tempo tanto para habitantes do Yorkshire quantopara os londrinos. O mesmo modelo global começou a tomar formaquando os navios a vapor aproximaram os continentes e o telégrafoconsolidou o Império Britânico, a respeito do qual nos garantiam deque ali o Sol jamais se punha. Alei da hora-padrão, cie I8S6, baseava-se no meridiano de Greemvich; o Sol continuava em seu curso.29

A notícia de que agora podemos construir relógios atómicos dealta precisão, que só variam um segundo em um milhão de anos, nãoé apenas uma questão 'académica' no sentido depreciativo do termo.Esta padronização e precisão é que sustentam as recles de telecomu-nicações nacionais e internacionais e muitas atividades c serviços in-dustriais. Um exemplo interessante do impacto cias comunicações naepistemologia nos c dado pelos geógrafos. Até cerca de 1950, os geó-grafos em geral pensavam e elaboravam suas hipóteses sobre distân-cia e espaço em termos absolutos. Medidas de distância e posiçãoeram as absolutas e imutáveis unidades de milhas e quilómetros. Apartir de 1950, 'posição relativa'e 'distância relativa' têm sido utiliza-das para definir um espaço expansível c contra ível. Perguntas sobreonde e o que não podiam mais ser respondidas num contexto absolu-to. As perguntas agora passavam a ser por que posições absolutas crelativas são estruturadas da forma que são. A distância relativa deLondres a San Francisco será diferente para docentes universitários e

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para os membros mais abastados do jei sei. Poder aquisitivo, tempolivre e eficiência da comunicação invalidam a distância absoluta.

. É tentador sugerir um paralelo entre a biblioteconomia tradicio-nal e a geografia. No passado (e no presente) as bibliotecas éfãm or-ganizadas com Base na localização absoluta. Os livros não eram clas-sificados, mas marcados segundo uma 'localização f ixa ' , o que nãodiferia do modo como a gente organiza os livros em casa. "Três livrosà direita, duas prateleiras abaixo': um método de localização aindaadotado em acervos muito grandes. Assim como os geógrafos do sé-culo XIX, o conhecimento técnico do bibliotecário era posicionai, ba-seado no princípio do onde está o quê. A rapidez da recuperação era omáximo da competência. Os leitores eram mantidos longe das estan-tes. O advento da classificação introduziu um pouco de relativismo.Por exemplo, o número de astronomia na classificação de Dewey e520. Isto mostra sua relação com ciência em 500; indica que vemapós matemática em 510, e antes de física em 550. O número cia Luaem 521.62 mostra que vem depois de satélites em 521.6 e precede521.65-68, que se refere a satélites de outros planetas do sistema so-lar. A localização pressupôs um raciocínio relacional por parte dosusuários, aproximando-os das estantes, se não dos bibliotecários. Aclassificação de Dewey, como qualquer outra, é um modo de comu-nicação, que gera significados, por mais vagos c confusos que sejam.

As estradas de ferro foram uma dádiva para o desenvolvimentointroduzido por Rowland Hill no sistema postal britânico, que estavaintimamente ligado ao desenvolvimento da instrução.'" O aglomera-do de significados sociais tornou-se mais complexo quando observa-mos a crescente mobilidade do t rabalho, da migração rural para oscentros industriais e para o exterior. Sempre ha\a alguém no círculofamiliar que sabia escrever, e o condito com entes queridos era umincentivo para aquisição dessa habilidade. De fato, os recém-criadoscurrículos das escolas elementares tio f inal do século X!X incluíam atécnica da reclação de cartas. Fa/i;! parte também da política gover-namental a instrução como fornui de a juda r a liberar o mercado detrabalho ao facili tar a emigração. Kscrever carta> e corresponder-sehavia sido tradicionalmente privilegio das classe altas; escrever cartasera passatempo caro. A entrega do cartas f>cr c j r r íJ na Inglaterra ePaís de Gales aumentou do número oficial de quatro em 1839, paraoito em 1840, checando a 60 em ll>()0. No final do século a Grã-

Bretanha possuía o maior volume de entrega de cartas e cartões pos-tais ao mundo. Há material para uma tese nisso, principalmente se secompara esse fenómeno com o crescimento do fax na úl t ima década.

O telefone oferece uni exemplo sociológico ainda mais interes-sante. A princípio, seu uso foi visto pelas classes altas como uma ex-tensão dos dispositivos então existentes para chamar a criadagem.Adaptou-se à força às estruturas cognitivas existentes mantidas porcerta classe social. Depois, quem tentou profetizar o futuro do tele-fone acabou se equivocando. Como havia um excesso de meninosmensageiros em Londres, dizia o The Times, não havia necessidadedeste aparelho modernoso. Na hipótese de que desse certo,_a socieda-de teria regras estrita s sob rc que mdeve r i a se comunicar com quem.O telefone era perigoso; imagine o que seria se, acidentalmente, umduque falasse com um lixeiro? ^/'

Algumas invenções hjbernam à espera do momento certo. Alexan-derBain (1810-1877), engenheiro elétríoo escocês, foi quem primei-ro teve êxito (1842) em escanear uma imagem e enviar o resultadopelo telégrafo, criando o primeiro sistema de fax. Seu projeto de escâ-ner era muito complexo para a tecnologia da época. Mas, 30 anosdepois, isso levou à produção de aparelhos telegráficos populares quetransmitiam fac-símiles. Outros têm ideias que fornecem o quadroconceitua! para os sucessores. O código Morse foi um ensaio para umaparelho que produz informação em termos de opostos binários, as-sim transformando toda a natureza do ambiente d;i informação.

3.7 A era cletrônica

Alguns estudiosos sugeriram recentemente que os primeiros si-nais escritos nas tabulas de argila da antiga Suméria eram provas detransações que envolviam registros de tributos e comércio. E como seo instinto humano para o comércio e a troca tornasse necessário ocálculo e registro de números ao invés da redação de longos textossobre a condição humana. Os sumérios e babilónios eram comercian-tes e as mais antigas tabulas cuneiformes atestam seus requisitos deprecisão numérica. A cies devemos o uso do número 60 para minutose segundos, e também outras noções c conceitos matemáticos.Defrontamo-nos pela primeira vez com algumas dessas noções c con-ceitos quando começamos a estudar aritmética e nos engalfinhamoscom os problemas de unidades, dezenas e centenas, sem esquecer o

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indispensável zero. Eram, ao que parece, um povo muito prático paraquem o ábaco era tão importante quanto o computador o c para oinundo moderno. Esse antiquíssimo instrumento de cálculo foi usa-do na contabilidade do governo britânico ate meados do século XVIilc, segundo alguns autores, ainda se usa na China c no Japão. Nele osalgarismos e operações são representados pelas posições das contaspresas a varetas de madeira. No início eram usados seixos, daí o vocá-bulo latino calculas, pedra; e já que estamos no terreno da etimologia,o computador mais antigo de todos nos deu digitus, dedo cm latim.E digital é uma palavra de grande peso no universo da informáticacontemporânea. A invenção de uma máquina de calcular mecânicacom engrenagens constitui uma evolução dircta do ábaco. Essa má-quina, por sua vez, levou à calculadora programável, de rodas denta-das, e por fim aos atuais computadores eletrônicos.

Vimos com a invenção por Gutenberg da impressão com tiposmóveis que ele foi favorecido por três fatores essenciais ao sucesso deum invento. Ele dispunha do alfabeto romano; havia uma demandade mercado pelo produto; e as tecnologias necessárias eram apropri-adas para o trabalho de produção. Charles Babbage11 não teve igualsorte, apesar de a necessidade cie sua invenção ser realmente enorme.No século XIX a necessidade de cálculos rápidos cspalhava-sc pelomundo industrial . Governos controlavam, taxavam e policiavam po-pulações de dimensões até então desconhecidas. O comércio expan-diu o número de transações financeiras e exércitos de funcionárioseram empregados para calcular os volumes de transações conduzidaspelas casas de comércio, bancos c companhias de seguro.

Nas escolas da época, saber lidar com números era habilidade mui toencorajada, merecendo altas recompensas a proeza de fazer cálculosrápidos 'de cabeça'. Em muitas das principais cidades britânicas ha-via 'sociedades estatísticas' com a tarefa de compilar dados numéri-cos sobre educação sanitária e outros prementes problemas sociais deentão. O computador ideado por Babbage ia muito além do repertó-rio básico de somar, subtrair e multiplicar. Era uma máquina de cal-cular de uso geral capaz de executar instruções especificadas pelooperador. Podia até mesmo 'decidir' como proceder durante um cál-culo. Mas as especificações de Babbage para a máquina analítica su-peravam em muito as possibilidades das técnicas de engenhariavitorianas. O mundo teve de esperar mais um século para que surgis-

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sem comutadores eletrônicos confia vê is e de alta velocidade, além daútil contribuição teórica de um professor de matemática.*2

Vimos no primeiro capítulo um exemplo de silogismo como modode raciocínio característico da lógica aristotélica de sujeito-predícado.George Boolc (1815-1875)" inventou uma forma diferente de lógicaque fonnali /a e toma explícitos procedimentos escalonados de raeio-cíuio que estão fora da gramática da linguagem.

A principal contribuição de Boole foi colocar o raciocínio lógicoem forma algébrica, e daí a lógica simbólica. Sua ênfase nas opera-ções binárias está hoje incorporada à tecnologia da computação c suacrença em que a mente funciona segundo as l e i s da lógica viria a terimplicações mais tarde para a espinhosa questão cia relação entre com-putador c cérebro humano, liabbagc fez o profeto cie seu computadorem 1834; passariam mais de cem anos até que os manuais escolaresmostrassem a fotografia da novn maravilha do mundo do pós-giierra.Tratava-sc do Electronic Numérica! Integrator and Computer f EN'[AC)[integrador e computador numérico elerrônico]. Esta nova máquinaestava numa giande sala da University of Pennsylvania, pesava 30toneladas e ocupava uma área de 140 m-. Insinuava-se também, vcla-damente, que para construir um computador comparável ao cérebrohumano seria preciso um espaço do tamanho do centro de Londres.Felizmente, como o livro que, dizia-se, ele iria suplantar, o computa-dor nos últimos 40 anos tornou-se muito menor e mais portátil, defato, exageradamcntc portátil, como algumas empresas que fa/cm avigilância de universidades podem comprovar. Há outros paralelosinteressantes além cia evolução do livro desde o pesado tomo acorren-tado a uma escrivaninha numa biblioteca monástica ao elegante l ivrocie bolso na banca de jornais da estação de trem. Qualquer que seja omeio empregado para representar nossos pensamentos, temos queutilizar os recursos físicos do meio ambiente c, na maior parte dasvezes, os materiais que estejam mais à mão. Os babilónios utilizavamargila, os egípcios, os talos de papiro, que é abundante no Nilo, outrasculturas usaram madeira, folhas de palmeira, bambu ou outro mníc-rial durável e acessível. Soubessem ou não, o uso desses mater ia i stransformaria, de algum modo, por menor que fosse, as vidas de mui-tos de seus usuários. O silício é um elemento não-metálico que ocor-re em abundância na crosta cia Terra. Com cie fazem-se as minúscu-las pastilhas de cristal, tão pequenas que podem passar pelo buraco

de uma agulha e transformar-se de modo irreconhecível naquela coi-sinha versatilíssima — o microprocessador; uma etapa da evoluçãotecnológica tão importante quanto aquela em que o homem da Ida-de da Pedra inventou as primeiras ferramentas. E estranho que uniadas unidades constitutivas da natureza viesse a proporcionar a basefísica para a 'alma eletrônica' do computador.

Tão rápidos são os progressos na tecnologia da informática quequalquer tentativa de descrição ou avaliação detalhada é como ten-tar entrar duas vezes no mesmo rio — e, no caso, um rio de forte cor-renteza. Uma das melhores formas de se manter a par das inovações epesquisas correntes consiste em consultar a publicação ComputerAhstracts, que sai todos os meses. De início os computadores esta-vam restritos às instituições militares, académicas c de pesquisa, oque não era diferente dos territórios reservados onde se encontram,hoje cm dia, os 'supercomputadores'. Mais tarde, empresas comerci-ais começaram a comprar computadores de grande porte (mainfranies)para armazenamento e disseminação de informações essenciais parasuas atividades organizacionais c de comércio. Aí surgiu o primo me-nor do muinframe, o minicomputador, depois o computador de mesa,o laplop e o palmtop, lançando uma nova geração de tecnologiasminiaturizadas. Assim os computadores cie grande porte vêm sendosubstituídos pelos computadores pessoais que chegaram a ser consi-derados como pouco mais do que uma calculadora incrementada.Este processo, conhecido como downsízing, tornou-se possível por-que os chips de silício dobram de capacidade a cada 18 meses. Oconceito de rede, tão importante para as ciências sociais e económi-cas, estabeleceu agora sua primazia na convergência cias tecnologiasda informática, televisão e telecomunicações. Se era preciso havercolaboração social para que fossem executadas ate as mais primitivasferramentas, então não há motivo para que o mesmo princípio nãovenha a aumentar a eficiência da comunicação entre computadores.

A computação ínterativa envolve o uso de um microcomputaclorou terminal de uma forma convcrsacional dinâmica. Assim, progra-mas gráficos mterativos permitem ao usuário criar e editar imagensna tela. O usuário pode escolher rumos de ação e até mesmo fazerperguntas. O mesmo princípio prevalece no disco compacto interativo(DCl) , vídeo interativo (Vi) e televisão Ínterativa.

Além do modo visualmente interativo já descrito, há a conhecida

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arte de estabelecer contato por meio de sinais vocais. Na teoria dacomunicação existe um tipo de pessoa que conquista reputação deconversador por saber quando pontuar as observações do interlocutorcom 'grunhidos inteligentes'. Esses grunhidos podem exprimir umleque de opções semânticas. As vezes esse tipo de reação pode indi-car esquiva ao invés de interesse; mesmo assim, admite-se geralmen-te que duas pessoas podem cooperar mais eficientemente numa tare-fa se puderem conversar. Consequentemente, a comunicação oral éem si mesma uma fronteira de pesquisa. A comunicação vocal pres-supõe a capacidade de aceitar a informação falada e produzir falacompreensível; em suma, entrada e saída de voz. Ambos apresentamdiferentes conjuntos de problemas para o tecnólogo da informação.

O serviço telefónico de hora certa é um exemplo conhecido desaída de voz, porém refratãrio à resposta vocal. E exemplo de umsistema em que se compõem frases controladas por computador apartir de um conjunto limitado de elementos pré-coordenados. Estatécnica é obviamente imprópria para aplicações gerais. As palavrasou número de frases necessárias podem aproximar-se do conteúdo cieum dicionário comum; e não é só isso, há também o problema de alíngua inglesa ser rica em sinónimos. O computador deve tambémdar conta das variações de acentuação c entonação normais na falanatural. O que ainda constitui uni desafio da entrada de voz está emcombinar o enunciado falado com uma de uma vasta gama de possí-veis palavras, frases ou sentenças previamente armazenadas. Os si-nais correspondentes a um enunciado particular serão diferentes deum falante para outro; na verdade, podem mudar na mesma pessoase ela estiver resfriada ou emocionada.

A fala, como notamos antes, é a faculdade humana de comunicarinformações oralmente, ou seja, utilizando as ondas sonoras produzi-das pela voz quando adequadamente modulada. A fala é imensamentecomplexa na prática, pois um simples enunciado, que pode durar tal-vez um segundo, é capaz de conter uma riqueza de informações. Issoc possível por se tratar de um padrão complexo de ondas sonoras quediferem em amplitude e frequência, e o fazem a cada momento. Daío problema: a fala é evanescente, e é por isso que precisamos da per-manência proporcionada pela escrita. Cada padrão c próprio de umúnico falante, embora haja motivos que causem mudanças em nos-sos registros vocais, sendo o avanço cios anos uma possibilidade ób-

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via. É provável, segundo relatórios de pesquisas contemporâneos, queainda tenhamos um caminho a percorrer ate que venham a existirtelefones tradutores, servidores de voz em redes locais, sintetizadoresde fala que agradem aos ouvidos mas não forcem o cérebro, sem fa la rcia possibilidade cie ditarem para um processador de textos.

Vimos no capítulo l que todos nossos enunciados, dos criativosaos banais, são o resultado de velocidades variáveis de neurônios dis-parando cm circuitos diferentes. Se podemos nos comunicar com oscomputadores pelo fato e pela voz, qual será a forma mais próximade contato que poderemos atingir? No instituto de pesquisas Fujitsuda universidade de Hokkaido, no Japão, pesquisadores estão desen-volvendo um supercomputador que monitora padrões de onclas cere-brais para predizer o que uma 'cobaia' humana dirá a seguir. Em tes-tes, o sistema, Tala silenciosa', foi capaz de dizer aos pesquisadores osom vocálico que as cobaias humanas produziriam a seguir, quasemeio segundo antes de pronunciá-lo. Os inventores consideram issocomo o primeiro passo a caminho cie um computador de mesa quepossa ser operado peto pensamento ao invés de tato ou som.

3.8 Temas e questões

Em uma de suas muitas obras o filósofo A.N. Whitehead apre-seiilou uma observação interessante para o estudioso da comunica-ção: "E discutível se foi a mão humana que criou o cérebro humano,ou se foi o cérebro que criou a mão. Certamente a ligação é íntima e

recíproca."'"A questão por ele suscitada é que a mão é, uma ferramenta do

cérebro, mas o cérebro é constantementc influenciado pela enverga-dura e alcance cia ferramenta que utiliza. Afinal, podemos descreverum cavalo como tendo X 'palmos' de altura, ou citar o provérbio quediz que muitas mãos tornam o trabalho mais leve. Esta 'perspectivade ferramenta' cia história e do futuro da comunicação não é nova.Um autor do século XIX, Samuel Butler,'' apresentou a noção do pa-ralelo entre a evolução dos órgãos humanos c a evolução das ferra-mentas e máquinas. A evolução animal, argumenta Butler, aconteceprincipalmente por evolução 'cndossomática', isto c, pela evoluçãoclc órgãos dentro do corpo. Contudo, parecemos ter chegado ao fimcleste desenvolvimento, pois entre os povos neolíticos c nós mesmosnão existe nenhuma diferença fisiológica perceptível ou cledutível.

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Então, que fazer? Ao invés de desenvolver uovos olhos e ouvidos,criamos telescópios para ampliar nosso sentido da visão, c como me-mórias criamos a imprensa., bibliotecas e computadores, estes umacréscimo desde a época clc Butler. Esta perspectiva tem sido desen-volvida sistematicamente pelo neurologista Richard Gregorv, que vêa história da comunicação humano como o desenvolviruento sequen-cial e colaborativo de ferramentas da mente. "Por ferramentas damente refiro-me a recursos auxiliares de medição, cálculo c raciocí-nio. Devemos incluir também o poder da fa l a , das imagens c da escri-ta para comunicar e armazenar conhecimentos e ideias.""*'

Seu interesse está no Honio fabcr, o homem como criador de Ferra-mentas. Em seu estudo da mente ele vê a constante interacão entreartefato c intelecto, a relação recíproca cutre cérebro e mão, e atemais ainda: os modos como as ferramentas da mente servem comomodelos da realidade. Seguindo esta linha de raciocínio, eu da n o v aferramenta de comunicação terá moldado de alguma forma o^ mode-los do mundo que levamos dentro de nossos cérebros.

As ferramentas são tanto produtos quanto extensões clc nossosmembros, c sua importância não pode ser exagerada. As ferramentasdependem das propriedades dos materiais de que são fe i t as , da f i n a -lidade para a qual são fe i tas c clc algum tipo de colaboração social,por mais rudimentar que seja. Portanto, fatores sociais c materiaissão sempre relevantes nas discussões sobre desenvolvimento tecnoló-gico. Fazer fogo, construir moradias ou fazer roupas dependeram cieferramentas de algum tipo e de sistemas clc comunicação c organiza-ção social. Os macacos sabem improvisar Ferramentas para l i da r comum problema imediato, mas construir uma ferramenta para uma even-tualidade imaginada para o futuro é marca de raciocínio conceituai.

Para o evoluciomsta esta capacidade deu ao homem poder sobre oresto da criação, que cresceu à medida que a base material de suatecnologia de ferramentas tornou-se mais eficiente e mais portát i l .Por isso definimos as etapas evolutivas como idades da pedra, cio fer-ro, do aço e assim por diante. Para as culturas orais orientadas para osmitos, fazer fogo e ferramentas era ato de desafio e arrogância, poissua posse diminuía a dependência cio homem em face dos deuses; apunição seria sua própria autodestruição, uma perspectiva que en-contra eco em algumas críticas contemporâneas à tecnologia.

Tentar impor um esquema cronológico a esses acontecimentos

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volucionários c algo polémico. Hoje em dia, as aparências indicamque teria havido aproximadamente uns dois milhões de anos de pro-gresso lento da fabricação de ferramentas antes da explosão tecnoló-gica desencadeada pela produção de ferramentas com partes móveis.Por exemplo, os arcos de pua datam das primeiras dinastias egípciaspor volta de 3000 aC. Estas realizações foram praticamente contem-porâneas do início da alfabetização. Se dividirmos esse esquema tem-poral em bases percentuais, os progressos, como os conhecemos, co-meçaram a ocorrer apenas nos últimos 3,5% do tempo decorrido. Se ahipótese de Grcgory for válida, então a tecnologia chegou antes quepudéssemos formular as estruturas conceituais com as quais tenta-mos hoje compreender seu lugar no mundo. Os indícios parecem serfortes a seu favor." A alavanca foi durante milhares de anos maisimportante do que a roda. Já a utilizávamos antes que os princípiosdo sistema de alavancas fossem formalizados no estudo conhecidocomo mecânica. A roda é considerada uma invenção genuína, poisnão se encontra uma réplica dela na natureza. Mesmo assim, pode-seconsiderar a roda como uma alavanca que trabalha numa rotação de300°. Mais tarde as civilizações sumérias valeram-se da roda para re-presentar o movimento das estrelas. A roda permaneceria como umametáfora poética cediça para descrever os movimentos celestiais pormuitos séculos depois.

O ábaco, que mencionamos antes, suscita questões interessantessobre sua invenção. E claro que devia estar presente uma espécie de'princípio do menor esforço', como sucede com a maioria das outrasinvenções. Há ainda outro aspecto a considerar. É que se trata deuma 'ferramenta da mente', segundo o modo como Gregory empregao termo, e que indica que nossos ancestrais remotos tinham, tantoquanto nós, ojeriza por fazer contas de cabeça, senão qual o motivodo sucesso das calculadoras? O ábaco é um computador digital, e namaioria de nós o cérebro gosta mais cie processos analógicos do quedigitais; de fato, os neurologistas nos dizem que o cérebro é umanalogista inveterado. Isto talvez explique por que este autor tevedificuldade tão pronunciada para se acostumar com um relógio depulso digital. Provavelmente há um impulso compensatório na in-venção de ferramentas. Se nossos dedos fossem como chaves de fen-da provavelmente não precisaríamos de tais instrumentos. Deixamospara os outros, ferramentas e pessoas, as coisas nas quais não somos

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bons. O astrolábio é o melhor exemplo de um computador analógicoprimitivo. Feito de placas com gravações em baixo-relevo, era utiliza-do para navegação e para se saber as hor;;5 à noite. As placas gravadasmostravam o curso das estrelas. Empregado por muitas civilizaçõesdurante muitos séculos, mostrava a utilidade de modelos conceituaispara se obter o máximo de proveito de informações limitadas.

Há também outro conjunto de pontos de vista que tendem mais aum determinismo de comunicação do que de tecnologia. O pontoprincipal do argumento pode ser apresentado, de modo prático,, poruma surpreendente declaração de um de seus principais proponen-tes: "A escrita reestrutura o pensamento."-*

Para esse autor a escrita não passa de unia ferramenta externa,uma reciprocidade entre mão e pensamento, mas que altera a consci-ência humana ao ponto de ela mesma externalizar-se. A escrita con-gela nossos pensamentos fora de nós, tanto que lhe atribuímos slatusde realidade externa. Isso parece com o argumento da 'ferramentamental' segundo o qual o tempo do relógio é um tempo inventado, edevido a esta influência acabamos acreditando que o tempo possuiexistência objetiva. Vejamos um pouco mais desse raciocínio. A alfa-betização da mente humana ajudou a criar a tradição do racionalismocientífico.

Em essência, a escrita é a redução física do som dinâmico ao espa-ço, estando, portanto, afastada da esfera da existência humana. Ain-da somos inclinados a considerar que algo escrito é, de certa forma,mais objetivo do que algo simplesmente dito. É um sistema ou dis-positivo de registro mantido por meio de marcas ou formas conven-cionadas. As formas são feitas de propósito pela ação motora da mãodo indivíduo, que precisa organizar e montar seus pensamentos paraa tarefa de registrá-los por escrito. Essas deliberações ajudam a tornarmais analíticos, e lineares, os pensamentos expressados. Desta repre-sentação linear do pensamento surgiu o modelo de uma lógica linear,de sujeito-predicado, que passou a ser a prova para aferir a validadede enunciados e um instrumento para chegar à verdade. 'Não proce-de' (non sequitur), diz-se quando verificamos que a conclusão nãodecorre das premissas do argumento. A escrita, portanto, é umatecnologia, e tecnologia implica instrumentos. Os instrumentos queusamos influenciam nossas percepções do inundo. Assim, a partir dosprocessos intelectuais exigidos pelo ato de escrever, os seres humanos

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se acostumaram ao uso da lógica linear, do raciocínio abstrato e oconceito de uma realidade objetiva externa a nós. O conhecedor estáseparado do objcto de conhecimento, c graças a esta separação alcan-ça uma perspectiva analítica mais desprendida do que é conhecido.

Outro teórico da comunicação, Eric Haveiock,V) avança ainda maisnesta linha de raciocínio. Para ele, a adoção do alfabeto pelos gregostransformou sua língua num artefato objetivo, tornando-a assim dis-ponível para exame, análise c crítica. Desta forma iniciou-se o estudoda gramática c os fundamentos do pensamento moderno. A perguntapor quê? assumiu posição de destaque nos primórdios das especula-ções filosóficas e das investigações científicas.

Apesar de essas afirmações não serem totalmente pacíficas, há pou-cas dúvidas de que sem o alfabeto teria sido impossível acumular oaíual corpo de conhecimentos científicos e técnicos.

É preciso examinar com mais detalhe o argumento segundo o quala escrita é linear c a comunicação oral, não. A linguagem oral utilizafonemas como unidades construtivas; a escrita utiliza equivalentesna forma de grafemas. Estes fonemas são segmentos de uma cadeiafonológica que se seguem no tempo. Qualquer pessoa que já tenhatomado ditado sabe que c preciso esperar até que surjam 'pedaços'significativos antes de se escrever ou datilografar. Ao ler, fazemos pra-ticamente o mesmo. O texto escrito 'congela' a fala, o que é umaproeza útil, mas também incorpora novos textos alem do alcance doautor ou produtor. Não há controle sobre como será interpretado esubsequentes exegeses poderão causar muita confusão e discussão.

A palavra escrita, com toda sua permanência, nada significa a nãoser em relação com a palavra falada. O texto precisa de constanteaperfeiçoamento pelo contexto ou as condições sociais e intelectuaisdo ambiente. Observa-se este aparente paradoxo no desenvolvimen-to do judaísmo, a primeira religião a se def inir por meio de um textoescrito: a Tortí. No entanto, para poder funcionar como guia prescritivode regras de comportamento, essa obra exigiu um longo processo deexplicação, comentários e contínua pesquisa oral.4" Estas ativídadesapareceram em outro texto: o Talmude da Tora. O cristianismo, umrebento do judaísmo, enfrentou a mesma questão na transmissão daBíblia, embora tenha lidado com seus problemas de exegese de formamenos pacífica, com o derramamento de muita tinta e muito sangue.

Ao lídar com os efeitos sociais da escrita ou de qualquer tecnologia,

convém estar atento às armadilhas do reducionismo, ou seja, a supo-sição de que a nova tecnologia é agente autónomo de mudança. Nemtodas as transformações do mundo antigo se devem ao mero surgi-mento da escrita alfabética. A própria tecnologia deve sua existênciaa causas sociais. Como vimos, a invenção da imprensa veio na horacerta para ajudar a resolver um problema urgente de dois grupos teo-lógicos empenhados cm interpretações antagónicas do mesmo texto:protestantes e católicos. Foi só mais tarde que a multiplicação dostextos criou uma base de informação para o novo espírito científico.

Um modelo evolucionista pode ser também enganador para a pes-soa desatenta. Exemplo deste método ainda se vê em muitas históri-as da comunicação. No início havia a tradição oral, do homem pré-lógico e da infância da humanidade. Daí uma sucessão de escritas emordem evolutiva, da escrita pictográfica (primitiva), passando pelasescritas logográficas (simples) aos sistemas silábicos (inteligentes masdesajeitados) até atingir a perfeição alfabética. E sem a perfeição al-fabética não haveria civilização. Também enganadora c a visão 'sar-cástica' que diz ou insinua que todo progresso anterior pertence aolixo da li istória — uma história l inear sem qualquer relevância atual.

O progresso histórico da tecnologia da comunicação aparentariaser circular ao invés de linear; de fato, há uma sensação inevitável de'de volta ao futuro1 quando vemos pictogromas sendo novamente usa-dos em telas de computadores, ou falamos de ícones e pacotes deplanilhas chamados 'ábacos1. 'Rolar' é hoje um modo de apresentartextos eletrônicos ao leitor, pois cada l inha adicional de texto leva asoutras a subirem na tela, linha por linha, enquanto a linha que antesestava no alto desaparece de vista. 'Rolar' um texto no computador,em todas suas variadas formas, é muito menos trabalhoso do que lerum rolo, seu antepassado bibliográfico. E também interessante que apena, aquela extensão primordial do cérebro e da mão, se recuse a sersuplantada seja cm conceito seja em atualidade. Em sua nova apre-sentação, o usuário com unia caneta eletrônica escreve à mão livre natela onde os produtos da mão e do cérebro são convertidos em textoescrito. Não menos importante, a cancta-tinteiro ainda prospera comoum símbolo essencial na heráldica pessoal do executivo de empresas.

Temos muito a aprender das culturas orais e ágrafas e cada vezmais perdemos a arrogância com que desprezávamos essa epistemo-logia 'pré-lógica'. Mesmo que aceitemos que a escrita e a imprensa

ajudaram a treinar o cérebro nas técnicas de raciocínio algorítmicoformal, parece haver boas razões para aceitar a visão do poeta segun-do a qual o coração sabe mais do que o cérebro pode dizer. O filósofoMicliael Polanyi41 utiliza a expressão 'conhecimento tácito' para des-crever o juízo e a compreensão intuitivos que os seres humanos pos-suem, com a importante ressalva de que só uma fração deste conhe-cimento pessoal pode ser precisamente formulada em algoritmos ouproposições lógicas. Sabemos mais do que podemos dizer.

As ciências médicas, por exemplo, oferecem numerosos exemplosde 'conhecimento tácito' acumulado sob a forma de descobertas tar-dias de tratamentos e remédios da sabedoria popular. Algumas denossas ciências mais respeitadas surgiram da magia primitiva; muitassurgiram de um estado de ingénua indução, resolvendo problemaspráticos por meio de ensaios e erros. Os egípcios construíram pirâmi-des muito antes de a geometria e a arquitetura se formalizarem comodisciplinas. Sabiam que um triângulo retângulo podia ser construídocom as medidas 3,4 e 5. Acharam que esse era um conhecimento útilmas não se preocuparam em indagar sobre seus princípios fundamen-tais. O que Pitágoras (ou um de seus discípulos) fez foí provar estarelação mediante 'pura' dedução na forma de um teorema geométri-co. Os gregos puderam então abandonar os ensaios e erros e desenharqualquer triângulo retângulo a partir do teorema confirmado de queo quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catctos(a:+b2=c:). O intuitivo fora formalizado pelo cognitivo: os hemisfé-rios direito e esquerdo do cérebro estavam trabalhando juntos.

Além de criar ferramentas como extensões da mão e amplifica-ções da força muscular humana, os gregos ampliaram o conceito dopictograma para imagens concretas de si próprios. A arte do escultorcomeçou bastante cedo na história humana. A utilização da repre-sentação provocava fortes opiniões em culturas diferentes. O uso derepresentações de pessoas, animais e plantas, fossem esculpidas oupintadas, era estritamente proibido pela lei mosaica. Os egípcios erammenos exagerados; eles usavam tubos falantes colocados no interiorde estátuas com várias finalidades. Algumas dessas finalidades funci-onavam como um sistema arquetípico de apoio às decisões.

A função de apoio às decisões exercida pelo oráculo de Delfos ébem conhecida para precisar de descrição minuciosa. Basta assinalarque uma 'declaração délfica' é sinónimo do conselho ambíguo dado

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pelo oráculo e um possível alerta paia o especi?Iista em informaçãocontemporâneo, sem falar dos criadores de sistemas especialistas.

Os antigos gregos, sempre adeptos da adaptação, desenvolveramautómatos primitivos na forma de marionetes. Eram usadas em tea-tros de bonecos e controladas por fios e contrapesos. Os gregos cha-mavam esses fios de neurônios, e para nós o neurôuio é a unidadebásica do funcionamento do cérebro. Neural é a forma adjetiva paradenominar um sistema que tenta se aproximar da complexidade ecapacidade do sistema nervoso animal. Assim o conceito original estáembutido nos computadores e redes neurais. Não é só a memóriahumana que se acha exterualizada, mas o cérebro humano também.

Se os hebreus eram severos quanto à reprodução de imagens, nãoadotavain a mesma posição cerceadora em relação à comunicaçãointernacional "oncle as nações conversarão entre si".

Um dia faz declaração a outro dia,e uma noite mostra sabedoria a outra noite.Sem linguagem, sem íala, ouvem-se as suas vozes,em toda a extensão da terra, e assuas palavras até ao fim do mundo. (Salmo 19)

Isso foi há mais de 2 500 anos e o salmista nada sabia acerca de tele-comunicações, transponders e informática. Estava ressaltando o po-tencial da humanidade para romper, por meio da imaginação criati-va, os limites inatos ao pensamento. Na mesma época e em contextomais secular, o filósofo Par me n ide s"12 expressa as mesmas linhas deraciocínio de modo mais sucinto; "Tudo que se pode pensar podeexistir", donde deduzimos a realidade potencial de qualquer ideiaconcebida de forma correta. Nossa história intelectual é longa e con-turbada, e esta etapa que denominamos 'oral' é a sementeira fértil deinovações que só seriam realizadas muito mais tarde.

Enquanto estamos no mesmo tema vejamos isto: "O que estamosconstruindo agora é o sistema nervoso da humanidade que ligará todaa raça humana, para o bem ou para o mal, numa unidade que nenhu-ma era anterior teria imaginado."4' Quem assim falava era Arthur C.Clarke, cujo nome estará para sempre associado à comunicação porsatélites. E são palavras de 1945.

O satélite de comunicação tem a função de auxiliar as comunica-ções entre pontos da superfície da Terra ou com uma nave espacial.Desde o lançamento do Telstar em 1962, o crescimento desta tecuo-

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logia tornou-se progressivamente mais poderoso dentro da políticada comunicação global. Este evento de mais de três décadas tambémInfluenciou o teórico da comunicação Marshall McLuhan. McLuhan.,Ong e Innis tendem a fazer variações sobre o mesmo tema principal.McLuhan postulava uma cultura tribal que envolvia todos os senti-dos de comunicação; em seguida vinha a cultura impressa que favo-recia a razão e a visão (a galáxia de Gutenberg); seguida pela 'aldeiaglobal' clctrônica, que provocou um retorno a valores tribais e umacorreção da ênfase anterior no racional c visual. O uso que fazia deaforismos em vez de argumentos era muito mais uma característicada tradição oral pela qual ele possuía uma veneração acrítica. Faloude meios de comunicação 'quentes' e 'frios', dos meios 'massageando'os sentidos; c sua afirmação tão reproduzida de que "o meio é a men-sagem" é mais fácil de citar do que de compreender. Mesmo assim,tempo c espaço não mais limitam a rápida troca de informação comoacontecia com nossos antepassados. Isso suscita a pergunta se o queé tecnicamente viável é sempre socialmente desejável. Também es-creveu numa época em que a televisão era o meio de comunicaçãodominante, c raramente menciona o computador em suas publica-ções. Também (discutivelmente) deu excessiva ênfase ao impacto dastecnologías de comunicação sobre o ser humano. Nisso sofreu a in-fluencia da epistemoiogia de John Locke, de que tratamos brevementeno capítulo anterior. Segundo esta visão, somos observadores passi-vos ao invés de intérpretes ativos da informação recebida pelos senti-dos. Além disso, ao invés de sermos recipientes à espera de sermospreenchidos com dados que chegam, somos criadores: gostamos deproduzir nossa própria espécie, tanto humana quanto tecnológica.Vemos esses produtos como servos, assim utilizando nosso própriosistema social como modelo. Este ponto de vista ecoa nas conotaçõesde muitos dos termos técnicos que utilizamos. Numa rede de teleco-municações internacionais um satélite é uma estação subsidiária ou'escrava'. Um 'mestre' mais poderoso o controla ou atua como elo detransferência de dados. Na mesma linha notamos que 'robô' derivada palavra tcheca para 'trabalho'. O trabalho que temos em mente éum leque de tediosas tarefas de alta precisão ou algumas tarefas peri-gosas. Se surgirá ou não uma raça de robôs e computadores rebeldesà Ia Espártaco é questão que deixamos para a ficção científica.

Temos uma imensa dívida cultural com o alfabeto e as formas de

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pensamento geradas pela alfabetização. Talvez o alfabeto seja o re-sultado do 'princípio do menor esforço', ou porque de alguma formaalgum ancestral remoto não quis se dar ao trabalho de criar picto-gramas para todas as coisas do mundo. Leíbnitz, filósofo alemão doséculo XVII, considerava os pictogramas unia grande ideia. Ele propôsuma língua que seria um cálculo universal de pictogramas, de modoque quando surgisse uma discussão não haveria dúvidas sobre ambi-guidades ou significados ocultos. Falamos de computadores em ter-mos tribais como gerações; estamos agora a meio caminho do desen-volvimento da quinta geração em que o cérebro se tornou o modelopara o computador, e reciprocamente compreendemos o cérebro usan-do o computador como modelo. A regra será o processamento parale-lo e a inteligência mecânica. Serão feitos programas que aprendemcom a experiência c com os quais os usuários podem trabalhar emlinguagem natural (humana) . É também previsível a existência desistemas de bases de dados relacionais altamente complexos, reco-nhecimento eficiente de imagens, c reconhecimento c síntese da fala.O Japão foi o país que mais estimulou c também foi o principal res-ponsável por essa tendência, ao convidar, em 1981, outros países acooperarem num programa conjunto de pesquisa e desenvolvimen-to. O Japão possui uma cultura complexa, profunda c antiga, fora datradição ocidental. Qualquer pessoa interessada nos aspectos socio-culturais da ciência da informação sentir-se-á tentada a perguntarpor quê. Essa pergunta foi feita por J. Ungar, em 1988.44 Ele argu-menta que a quinta geração cie computadores tem mais a ver com osproblemas inerentes ao sistema de escrita japonês do que com o de-senvolvimento de uma frota de máquinas pensantes.

Devido a uma mescla de motivos políticos e culturais a escritakanji é considerada fundamental para a maneira japonesa de pensar.A relutância dos japoneses em abandonar a escrita kanji significa queprecisam superar uma série de problemas para que simples processa-dores de textos possam ler, armazenar e imprimir esses caracteres com-plexos. Ungar argumenta que os caracteres kanji acarretam toda umasérie de problemas para o desenvolvimento de máquinas que possamutilizar a linguagem natural. Parece que o kanji c uma escrita proble-mática por várias razões: o tamanho do conjunto de caracteres, pou-ca organização e complexidade visual. Há um grande conjunto decaracteres a ser aprendido: ler um jornal requer o conhecimento de

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uns dois mil caracteres. A alfabetização é difícil de ser aprendida;ainda assim os japoneses atingem um grau de alfabetização funcio-nai que supera de longe a Inglaterra e muitas outras nações industri-ais avançadas. Talvez a escrita japonesa apresente uma barreira a sertransposta, e este desafio motiva seus engenheiros do conhecimentoa dedicar suas energias à computação neural. Para compreender aproeminência japonesa na tecnologia e no gerenciamento da infor-mação é preciso compreender a cultura japonesa. Isso se aplico comigual valor às nações do Ocidente.

Notas e referências

1 Encontram-se úteis análises da natureza da cultura em: LEACH, Edmund.Co/imiiínícc/fíori and culture. Cambridge: Cambridge University Press, 1966. [Ed.português;): Cultura c comunicação. Lisboa: Edições 70,1992.] Ver também: CEERTZ,Ciifford. /f ifer/ jrc-í í i í iofi of cultures. New York: Holt Rinehart, 1968. [Ed. brasileira: Ainterpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.]

2 ONC, Walter. The presenw of lhe word. Yate: Yale University Press, 1967.3 Fará um estudo de leitura fluente sobre mito ver: FRYE, Northrop. The anatomy

ofcritiásm, Princeton: Princeton Univcrs i ty Press, 1957. [Ed. brasileira: Anatomiada crítica. São Paulo: Cultrix, 1957.] Recomenda-se também: VEYNE, P. Did theGreekx beliere in their myths? Chicago: Chicago University Pressr 19S8. [Ed. brasi-leira: Acreditavam os gregos em seus mitos? São Paulo: Brasílicnse, 1984.]

4 LÊVi-STRAUSS, Claude. The aartigc mine/. London: 1971. [Ed. brasileira: Opensamento secagem. Campinas: Papirus, 1989.] Ver também: FlNNEGAN, Ruth.Modas ofthtmght. Cambridge: Cambridge Univcrsity Press, 1972.

5 Ver: MlLLER, Jonathaii. Marshall McLuhan. London: Fontana Books, 1972.[Ed. brasileira: As ideias de McLuhan. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,1973.]

6 Ver: LYONS, John. Language mcaning and context. London: Fontana Books,1981.

7 BERGER, P, LUCKMANN, T. The social canstructian ofreality. Harmondswort h,Penguin, 1967. [Ed. brasileira: A construção sócia/ da realidade. Petrópolis: Vozes,1976.]

8 AUSTIN, J.L. How to do things with words. London: Oxford University Press,1968.

9 Ver, por exemplo: OSTERGAARD, B.S. The media in Western Europe. London:Sage, 1992.

10 Ver: SPENCE, Jonarhan D. The memnry palace of Matteo Rica. New York:Vikíng Press, 1984. A obra clássica sobre o tema ainda é: YATES, Francês. The art ofmemory. Harmondsworth: Penguin Books, 1969.

11 DlRINGER, David. A history of lhe alphabet. 3rd ed. London: Hutchinson,1968, p. 14.

12 iNNIS, Harold. Empire and commimicatiom. Toronto: Toronto University Press,1952.

13 Para os antecedentes dessa era ver: ROBERTS.J.M, TLondon; BBC, i988. Observe-se em particular a influência do descobrimento daAmérica na crescente preponderância da Europa.

14 O Icxio de leitura mais fluente sobre a invenção da imprensa é: STE1NBERG,S. Fivtí hundrcdyears ofprinting. Harmondsworth: Penguin, 1966.

15 Sobre informações técnicas ver: GASKELL, Philip, íntroduction to bibliogiaphy.London: Oxford University Press, 1978.

16 NEWMAN, J.O. Tlie wor!d made prínt: Luther's 1522 NewTestament. Repre-sentatians, v. 11, p. 95-133, 1985.

17 Ver: HlLL, Christopher. The English Hible and the seveníeenth century revo-lution. London: Alfen, 1992. Calcula que um milhão de exemplares da Bíblia foramvendidos nos cem anos anteriores à 'Revolução*.

18 SMALL, Colín. History of prínt. Aberdeen: Aberdeen University Press, 1982.19 Ver: ElSENSTEIN, Elizabelli. Emergence of print culture in the West. Journal

ofCommunication, v. 30, n. l, p. 99-107, 1980.20 Produzido pelo Oxford text Archive. O 'TLG' proporciona em formato legí-

vel por computador as obras de 3 157 autores que escreveram em grego, de Homeroaté 600 dC.

21 Reportof the Registrar General 1914. Par!iamentary papem, 1916,'v. IV.Table10. Ver também: GRAFF, Harvey. Liieracy and social dcvclopmcnt in the West.Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

22 CLANCHY, Michael. Frorn memory to written rccord: Engtand 1066-1307.London: E. Arnold, 1979. Ver também: MCGARRY, Kevin. Cvmmunicalion, literacyand libraric.;. London: Library Association, 1990.

23 Para uma narrativa interessante de ler sobre a influência do processador detextos ver: HEIM, Michae!. Electric languagc: a philosophical atudy of \mrdprocessing.New Havei): Yale University Press, 1988.

24 Ver: ABLER, R. et ai. Spatial arganization. New York: Prentice Hal!, 1971.25 ROEINS, Arthur. The naturc ofmaps: uncter&fáading maps and iitapping. Chi-

cago: Chicago Uni\ersity Press, 1976.26 VlNCENT, David. Liteiacy and popular culture: England J7SO-J9I4. Cam-

bridge: Cambridge University Press, 1989.27 DlCKENS, Charles. Hard times. Merece ser lido por causa do 'hiperfactua-

lísino' da era vitoriana da personagem Mr. Gradgrind.28 Ver: SHALES, Michael. On time: knowíedge and human experience. London:

Hutchinson, 1984.29 O sistema horário em que o meio-dia ocorre no momento da passagem do

Sol médio sobre o meridiano de Greenwich. Hora-padrão baseada em 24 meridianos,cada um situado a l 5" do outro e começando em Greenwich. Quem primeiro supe-rou na prática os incómodos causados pelas horas locais em suas linhas foram ascompanhias ferroviárias dos EUA e Canadá.

30 Rowland Hill (1772-1842). Propugnava uma tarifa postal, reduzida e unifor-me, de um pêni, a ser paga antecipadamente na forma de selos. Ver também DavidVincent, op. cit., capítulo 2.

31 Charles Babbage (1792-1871). Assim como George Boole, era autodidata.Projetou o que chamou máquinas analíticas e diferenciais. Ao contrário do que su-

cedeu com Gutenberg, a tecnologia contemporânea não podia atender a suasespecificações. Observcm-se também as contribuições de Ada Lovelacc, princãpal-mente no que tange aos conceitos de programação e programa de controle. \cr tam-bém: MEADO WS, A.J. Info-technology: changes in the way we emamuaicate. Oxford:Equinox, 198S.

32 Ver também a contribuição de J. von Neumann (1903-1957) especialmenteno que se refere ao conceito de programa armazenado que possibilitou a existênciados primeiros computadores eletrônicos. Para um lúcido estudo da história intelec-tual do computador ver: PENROSE, Roger. The emf>cror's newnrind. London: OxfordUniversity Press, I9S9, especialmente o capítulo 2, Algorithms anel Turing machines*.

33 Gcorge Boole. Seu grande objetivo era expressar o raciocínio humano emtermos matemáticos. Booieano, como adjetivo, denota o tipo de dado lógico (ele-mento boolcaiio), isto é, com apenas dois valores, verdadeiro ou falso, O ou l . Quan-do aplicado a fenómenos humanos e sociais este raciocínio de dois valores tem deceder lugar ao raciocínio cor.iínuo, por exemplo, louco ou não-louco, calvo ou não-calvo (folículos capilares contestados).

34 Citado em: GREGORY, Richnrd. Mind in science. London: Weidenícld andNicholson, 1982, p. 28.

55 Seu iomance Erewhon (Novrhere) [Nenhum] contém relatos notavelmenteprcscieiitcs da inteligência mecânica. Um bom argumento a favor da teoria de que ali teratura c as artes oferecem um 'sistema de alarme antecipado' para as ciências e astecnoiogías.

36 GREGORY, R., op. cit Ver também: YOUNC, J. Z. Philosophy and the brain.London: Oxforcí University Press, 1980.

37 Ver a história clássica da tecnologia: SiNGER, George. Hintory o; tcchnology.London: Oxford University Press, 1958.

38 ONG, Walter, op. cit.39 Ver seu: Preface to Plata. Cambrídge, Mass.: Harvard University Press, 3966.40 Ver: VERMES, G. Scripturc and traditkm in judaism, in BAUMANN, Gerd. (ed.)

Comantnícalion in transition. London: Oxford Universi ty Press, 1984. Ver também;OLIVER, R. Communieaííon and cultura in ancient índia. Syracuse, NY: SyracuseUniversity Press, 1971.

41 Para um relato das teorias de Michael Polanyi ver: JOHANSSEN, K. Rule follow-ingand tacit knowledge. MandSociety, v. 2, p. 287-301, 1988. Para ele, quantidadealguma de regras e fatos pode "capturar o conhecimento que um especialista possuiquando armazena sua experiência resultante de dezenas de milhares de situações".

42 Filósofo grego que viveu no século V aC. Sustentava que nada muda. Nissotalvez esteja a origem do dito "quanto mais as coisas mudam, mais continuam iguais".

43 CLARKE, Arthur C., na revista Wirelexs World, May 1945. Ver também: FERCU-SOM, M. New communication tvchnologies and the public ínterext: Beverley Hills:Sage, 1986.

44 UNGAR, J.M. The fifth ^ncration fallacy: why Jcipan is betting its future onartificial intelligence. London: Oxford University Press, 1988.

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Capítulo 4

Armazenamento e recuperaçãode informações na sociedade

4.1 A biblioteca na sociedade

O primeiro capítulo delineou algumas das principais teorias sobreprocessamento de informações e os problemas que apresentam noestudo do conhecimento humano. O segundo e terceiro capítulosampliaram a análise para examinar a evolução das técnicas humanasde registro de dados e informações, junto com a influencia dessastecnoiogias de definição na forma como pensamos acerca do inundo.Neste capítulo veremos as formas como as sociedades tem armazena-do e organizado esta crescente 'reserva de pensamentos regisi'rados'no passado, e lançamos um olhar apreensivo sobre o f u t u r o .

Não basta apenas ser capa?, de armazenar informação fora do cé-rebro; ela eleve ser armazenada de modo organizado para que se possavoltar a utilizá-la. Desde o passado mais longínquo a que podemosrecuar com alguma certeza, sempre houve locais especificamenteconstruídos com esse f im. As bibliotecas, em seu sentido mais amplo,existem há quase tanto teijipo quanto os próprios registros escritos.O instinto de preservar e a paixão de coleciouar têm sido os fatoresdeterminantes na sua criação, manutenção e desenvolvimento. Qual-quer que seja a sua forma externa, a essência de uma biblioteca éuma colcção de materiais organizados para uso. As formas externasdesses materiais têm mudado a cada inovação na tecnologia da co-municação, cias tabulas de argila ao computador. A organização parauso define sua função como recipiente ou depósito para a memóriaexterna da humanidade; mas armazenamento implica recuperação erecuperação implica acesso, ou a oportunidade de tirar proveito dissona condição de usuário. Infelizmente, na história desse mecanismocultural, o acesso a suas coleções não cresceu na mesma proporçãodo anseio de preservação e ordem. Talvez a resposta esteja na históriada política do poder humano que tende a ilustrar uma característicaconspícua da motivação humana. Há muito tempo em nossa história