Canções de Guerra - UFF

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE NÚCLEO FLUMINENSE DE ENSINO E PESQUISA “Canções de Guerra” Um Signo Bélico na Formação do Policial Militar do Estado do Rio de Janeiro Monografia apresentada por exigência do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública Coordenador: Professor Roberto Kant de Lima Orientador de Conteúdo: Professor Luiz Fernando Santos de Azevedo Elaborado por: Carlos Eduardo Milagres Pereira Rio de Janeiro - RJ Junho 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSENÚCLEO FLUMINENSE DE ENSINO E PESQUISA

“Canções de Guerra”Um Signo Bélico na Formação do Policial Militar

do Estado do Rio de Janeiro

Monografia apresentada por exigência do Curso de Especialização em

Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública

Coordenador: Professor Roberto Kant de Lima

Orientador de Conteúdo: Professor Luiz Fernando Santos de Azevedo

Elaborado por: Carlos Eduardo Milagres Pereira

Rio de Janeiro - RJ

Junho 2002

Dedicatória

Aos meus pais que me ensinaram os valores corretos que procuro insistentemente seguir

e me servem de rumo.

À Márcia, Renata e Rafaela que sempre estão presentes e justificam e recompensam o

esforço.

Ao Comandante Dorival França, meu amigo, minha admiração e respeito eterno.

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Matriz de Pensamento Pessoal para este Trabalho

O funcionário público não é prestador de serviços ao Estado capitaneado pelos

interesses temporais dos Governos, e sim prestador de serviços a toda a

sociedade, de maneira igualitária, horizontalizada, e regido pelo interesse único

do bem comum a todos os cidadãos, indistintamente.

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Apresentação

Nos dias atuais há intenso debate a respeito das medidas a serem adotadas no âmbito da

Segurança Pública, havendo três vertentes criminológicas que advogam causas e,

conseqüentemente, deixam subentendidas as ações necessárias para conter a violência e o crime,

a saber: (1) “Radicais”: “o problema do crime é a miséria; o pobre precisa roubar para

sobreviver; o criminoso é vítima da sociedade; etc...”; (2) “Tradicionais”: “o problema do

crime é a falta de repressão; bandido tem que morrer; as favelas são antro de criminosos; tem

que se construir mais cadeias; etc...” e, (3) “Contemporâneos”: “é necessário agir na raiz dos

conflitos; a importância da prevenção social; exercício pleno da cidadania e respeito aos

direitos humanos; ressocialização do infrator; etc...”.

O presente trabalho tem como objetivo uma análise de um signo não oficial, aceito e

incentivado informalmente nos Cursos de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado

do Rio de Janeiro, que são as “Canções de Guerra”. Estas são cânticos com teor beligerante e

são entoadas quando das instruções ou nos deslocamentos e que, transmitidas e massificadas aos

seus alunos, contradiz o “discurso oficial” relativo à preparação deste funcionário público

especial para bem servir, democraticamente, a toda a população.

Como parâmetro de política específica, atual e oficial, voltada para a formação do

Profissional de Segurança ao Cidadão, no Capítulo I deste trabalho, são apresentados trechos de

interesse ao Tema tratado, relativos ao “Plano Nacional de Segurança Pública”, elaborado

pelo Ministério da Justiça brasileiro e da “Política Pública para a Segurança, Justiça e

Cidadania” elaborada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2000, não sendo

objeto de análise deste trabalho a discussão sobre as visões apresentadas.

No seu Capítulo II, é apresentado a questão, sempre atual, da discussão sobre a

“Militarização da Segurança Pública”, explicitando alguns entraves e conseqüências que esta

visão acarreta no cotidiano da sociedade fluminense.

Para compreendermos a “importância” da mensagem transmitida através das referidas

“Canções de Guerra”, apresenta-se no Capítulo III, uma análise da “Produção Subjetiva do

Estado de Guerra”, com uma análise sobre signos, reflexões sobre a Identidade Militar, e a

produção de subjetividades, analisadas dentro da influência na formação do Policial Militar.

Foi pesquisado na Unidade de Ensino responsável pelo Curso de Formação de Soldados

da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, diretamente junto aos Pelotões de Alunos

selecionados aleatoriamente, buscando a captação dos cânticos entoados nas diversas

atividades, cujo objetivo destes “seria” o de tão somente “motivar e fortalecer a coesão do

grupo”. Como fator necessário para a comparação do tipo de “mensagem” que se tolera que

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seja transmitido aos formandos da Polícia Militar, foram pesquisadas as respectivas “Canções

de Guerra” nas Organizações Militares de Ensino do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do

Rio de Janeiro e do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, também em seus Cursos

de Formação de Soldados, apresentando-as no Capítulo IV.

Esta pesquisa de campo teve por objetivo a coleta, diretamente nos locais onde são

empregados, dos dados necessários para a real comparação com a realidade da visão de

Segurança Pública, adotada pela área de ensino da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro,

em confronto com a proposta de Segurança Pública, divulgada à sociedade, pelo Governo do

Estado do Rio de Janeiro.

Para se ter uma rápida e correta visão das Corporações analisadas, no Capítulo V é

apresentado um breve relato sobre as mesmas, com ênfase na Polícia Militar do Estado do Rio

de Janeiro, objeto deste trabalho.

Por fim, apresenta-se a Conclusão dos argumentos transcritos, incluindo algumas

Sugestões que visem minimizar as conseqüências dos métodos hoje empregados no aspecto

específico da formação do Policial Militar, objeto deste Trabalho.

Na fundamentação deste Trabalho Monográfico, a metodologia empregada é a da

pesquisa bibliográfica junto aos diversos títulos de interesse ao Tema proposto.

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Índice

Título Página

Dedicatória ................................................................................................................. 02Matriz de Pensamento Pessoal ................................................................................... 03Apresentação .............................................................................................................. 04Índice .......................................................................................................................... 06Glossário ..................................................................................................................... 07Capítulo I – Política Oficial de Segurança Pública ............................................... 10I.1 - Plano Nacional de Segurança Pública ...................................................................... 10I.2 - Política Pública para a Segurança, Justiça e Cidadania – Plano Estadual 2000 ....... 11Capítulo II – A Militarização da Segurança Pública .......................................... 12Capítulo III – A Produção Subjetiva do Estado de Guerra ................................. 22III.1 – Os Signos na Vida Social ..................................................................................... 22III.2 – A Identidade Militar .............................................................................................. 24III.3 – A Produção de Subjetividades ............................................................................. 25III.4 – A Produção da Figura do Inimigo ......................................................................... 30III.5 – A Reafirmação Pelas “Falas Autorizadas”........................................................... 32III.5.1 – Operação Rio – 1994/1995 ................................................................................. 32III.5.2 – Dias Atuais .......................................................................................................... 32III.6 – A Influência na Formação do Policial Militar ...................................................... 33III.6.1 – Teorias Educacionais .......................................................................................... 35III.6.2 – O Ensino de Segurança Pública na PMERJ Versus A Visão Oficial de Segurança Pública ............................................................................................................

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Capítulo IV – As Canções de Guerra ...................................................................... 40IV.1 – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças ..............................................................................................

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IV.2 – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro – Escola de Bombeiros Coronel Sarmento ...........................................................................................

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IV.3 – Corpo de Fuzileiros Navais – Centro de Instrução Almirante Milciades Portela Alves .................................................................................................................................

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Capítulo V – Conheça as Corporações .................................................................... 45V.1 – A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro ....................................................... 45V.1.1 – Histórico ............................................................................................................... 45V.1.2 – Missões Institucionais da PMERJ ........................................................................ 47V.1.3 – Área de Ensino na PMERJ ................................................................................... 47V.2 – O Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro ................................. 48V.3 – O Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil .............................................. 50Capítulo VI – Conclusões e Sugestões ..................................................................... 51Referências Bibliográficas ........................................................................................ 54

Glossário

Acomodaçãoreestruturação dos esquemas de assimilação. O novo conhecimento representa a acomodação.

Aprender tomar conhecimento de. – tornar-se apto ou capaz de alguma coisa, em conseqüência de estudo, observação, experiência, advertência, etc. –

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reter na memória, mediante o estudo, a observação ou a experiência.Aprendizagem modificação da experiência resultante do comportamento.

Artefatoobservação ilusória durante uma medição ou experiência científica e que se deve a imperfeições no método ou na aparelhagem.

Assimilação

incorporação da realidade aos esquemas de ação do indivíduo ou o processo em que o indivíduo transforma o meio para satisfação de suas necessidades. O conhecido ( conhecimento anterior ) representa a assimilação. Só há aprendizagem quando os esquemas de assimilação sofrem acomodação. Assimilação e acomodação são processos indissociáveis e complementares.

BERETTA fábrica de armas italiana, que produz, pistolas e submetralhadoras.Cântico canto em honra da divindade; hino. – poema.

Combateação bélica de amplitude menor que a batalha, travada em área restrita, entre unidades militares de pequeno vulto.

Confrontar fazer face mutuamente.Defrontar colocar-se defronte de; encarar, enfrentar.

Dialéticamodo de raciocinar com método e exatidão – primitivamente a arte da discussão e do diálogo.

Educação

processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. – conhecimento e prática dos usos de sociedade; civilidade, delicadeza, polidez, cortesia.

Ensinotransmissão de conhecimentos, informações, ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação ou a um fim determinado.

Estacas Panjiestacas de bambu afiadas usadas em armadilhas para causar terríveis ferimentos no inimigo, com objetivo secundário, se não for o principal, de incutir o pânico no seio da tropa.

Estado de Guerra

tempo psicológico; clima de apreensão permanente. neste estado, por não haver a cooperação entre os homens, não existe o desenvolvimento.

Estudar dedicar-se à apreciação, análise ou compreensão de; examinar, analisar.

Eugeniaciência que estuda as condições mais propícias à reprodução e melhoramento genético da espécie humana.

FAL fuzil automático leve, de origem belga e fabricado sob licença no Brasil.Fato aquilo que realmente existe, que é real.

Função semiótica

capacidade que o indivíduo tem de gerar imagens mentais de objetos ou ações.

"A função semiótica começa pela manipulação imitativa do objeto e prossegue na imitação interior ou diferida ( imagem mental ), na ausência do objeto. É a função semiótica que permite o pensamento".

Hegemonia preponderância, supremacia, superioridade.Imagem mental

é um produto da interiorização dos atos de inteligência. Constitui num decalque, não do próprio objeto, mas das acomodações próprias da ação que incidem sobre o objeto. Cópia do objeto realizada através do sensório-

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motor. É a imagem criada na mente de um objeto ou ação distante.

Indivíduo

a pessoa humana, considerada quanto às suas características particulares, físicas e psíquicas. – Cada um dos componentes de uma espécie. – Uma pessoa qualquer, cujo nome não se quer dizer; sujeito, cidadão. – Homem reles, insignificante, desprezível.

Inimigo grupo, facção ou partido hostil.

Jogo simbólico

reprodução de situações já vividas pelo indivíduo através de imagens mentais.

( no jogo simbólico ) "a representação é nítida e o significante diferenciado pode ser um gesto imitativo, porém acompanhado de objetos que vão se tornando simbólicos".

Paranóiapsicopatia caracterizada pelo aparecimento de ambições e de suspeitas que se acentuam, evoluindo para delírios persecutório e de grandeza estruturados sobre bases lógicas.

Pessoa

ser ao qual se atribuem direitos e obrigações. – Cada ser humano considerado na sua individualidade física ou espiritual, portador de qualidades que se atribuem exclusivamente à espécie humana, quais sejam, a racionalidade, a consciência de si, a capacidade de agir conforme fins determinados e o discernimento de valores.

Significação o que as coisas querem dizer. – Aquilo que uma coisa significa.

Significadoaquilo que uma língua expressa acerca do mundo em que vivemos ou acerca de um mundo possível. – corresponde ao conceito ou à noção.

Significante a expressão oral de uma língua – corresponde à forma.

Signo

todo objeto, forma ou fenômeno que representa algo distinto de si mesmo. – unidade lingüística que tem significante e significado: signo lingüístico. A imagem acústica de um signo lingüístico não é a palavra falada ( ou seja, o som material ) mas a impressão psíquica desse som.

Singulardiz-se do número que indica apenas um ser. – Que se aplica a um só sujeito.

Subjetividadesuma competente produção através da qual o sistema nos faz acreditar que estas formas de perceber, sentir e pensar o mundo são meramente individuais

Subjetivo

diz-se do que é válido para um só sujeito e que só a ele pertence, pois integra o domínio das atividades psíquicas, sentimentais, emocionais, etc, deste sujeito. – individual, pessoal, particular – passado unicamente no espírito de uma pessoa.

Treinartornar apto, destro, capaz, para determinada tarefa ou atividade; habilitar, adestrar – exercitar, praticar.

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Capítulo I - Política Oficial de Segurança Pública

I.1 – Plano Nacional de Segurança Pública – Ministério da Justiça – Governo Federal

O Plano Nacional de Segurança Pública, elaborado pelo Governo Fernando Henrique

Cardoso teve como objetivo aperfeiçoar o Sistema Nacional de Segurança Pública, através de

propostas que visam integrar políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias,

visando reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade.

Em seu Segundo Capítulo, estabelecem-se medidas que terão apoio do Governo Federal

às ações dos Governos Estaduais e da Sociedade Civil no que tange, primeiramente, na

“Redução da Violência Urbana”, enfatizando a necessidade de uma cidadania ativa e vigorosa,

não só sob o enfoque crítico e reivindicatório, mas também pela vertente pró-ativa de propostas,

sugestões e apoio ao Plano proposto.

Como roteiro básico aos Governos Estaduais para formulação de suas Políticas locais,

destaca-se, entre outras, as ações relativas às “Estratégias Comunitárias”, propondo debates e a

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abertura de canais permanentes de diálogo com lideranças e movimentos comunitários

legítimos, visando estabelecer parcerias que proporcionem a mudança no comportamento da

Polícia, principalmente quando se trata com comunidades da periferia e favelas.

É proposta ação específica para coibir a Violência Policial, sugerindo a criação de

mecanismos adequados para a punição do policial violento, inclusive com a criação de um

“Cadastro Nacional de Policiais Expulsos da Corporação”, visando impedir sua contratação

para exercer atividades de segurança e guarda.

Dentro das ações do Programa Nacional de Direitos Humanos, é sugerida ação para

estabelecer “Programas Comunitários de Combate á Criminalidade”, visando o incentivo à

articulação e cooperação entre comunidade e autoridades públicas, buscando o desenvolvimento

de estratégias de ajuda mútua e de solicitação de serviços policiais.

Em seu 12º Compromisso, o Plano federal aborda especificamente o tema “Capacitação

Profissional e Reaparelhamento das Polícias”, assumindo que a qualificação e a valorização do

profissional de Segurança Pública é fundamental à redução da criminalidade, apontando ainda

como consenso mundial, que o grau de eficiência policial está ligado diretamente à sua

proximidade da população, e ao grau de confiança alcançado perante a comunidade. Nas ações

propostas, destaca-se o “Apoio à Capacitação das Polícias Estaduais e Incentivo às Polícias

Comunitárias”.

Em sua conclusão, o Plano Nacional de Segurança Pública afirma a necessidade de

esforços conjuntos entre todos os segmentos governamentais – Poderes Executivo, Legislativo,

Judiciário e Ministério Público – e a sociedade civil.

I.2 – Política Pública para a Segurança, Justiça e Cidadania – Plano Estadual 2000

– Governo do Estado do Rio de Janeiro

O Plano Estadual 2000, elaborado pelo Governo Anthony Garotinho, denominado

“Política Pública para a Segurança, Justiça e Cidadania”, foi concebido para definir a

política, os programas, projetos e ações governamentais, bem como para servir para a orientação

a todos os Órgãos envolvidos.

Atesta o Plano Estadual 2000, em conformidade com o Plano Nacional de Segurança

Pública, que políticas para o controle da violência e da criminalidade, devem partir de todas as

instâncias governamentais – Federal, Estadual e Municipal – e dos seus respectivos Poderes,

além dos diversos e mais variados segmentos da sociedade. Considera ainda que ações de cunho

social, associadas á Política de Segurança Pública, constituem-se em “armas mais poderosas

que as armas da Polícia”.

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Na área da Prevenção Primária, este Plano estabelece, entre outras ações, a

“Participação da Sociedade Civil”, preconizando a mobilização das comunidades para a

participação na produção de sua própria segurança, articulando-se com os esforços estaduais

criando-se, para isso, os Conselhos Comunitários de Segurança.

Na divisão do Plano Estadual 2000 relativo à questão da “Repressão Qualificada”, fica

clara a visão de que reprimir de forma qualificada é atuar dentro dos limites impostos pela Lei,

distanciando-se da histórica imagem de que, repressão, está ligada ao uso da força, e não a

inteligência e mediação.

Quando se trata da formação do policial, em seu Capítulo 3.4 – No Controle

Institucional e da Cidadania, o Plano apresenta o questionamento de que, os policiais agem de

maneira considerada errada por não saberem o que é o correto ou, se o sabem, decidem fazê-lo

deliberadamente errado, deixando valores e ideologias diferentes serem confundidas com

pretenso despreparo.

Assumindo que os policiais não estão imunes aos valores culturais de nossa sociedade

preconceituosa e socialmente hierarquizada, aponta o desafio em formá-los dentro de uma nova

concepção de emprego onde, a Polícia, seja um prestador de serviço público para a proteção e

defesa da cidadania.

Ainda dentro desta divisão, prevê-se ação quanto ao estabelecimento de “Programas

Contra a Violência e Corrupção Policial”, visando erradicar estas nefastas atitudes através de

mecanismos específicos. Quanto ao aspecto da “Formação Policial”, a principal ação está na

mudança na metodologia adotada no ensino policial, em lugar da simples mudança nos

currículos, abolindo a idéia central de treinamento, típico do “modelo militar de autoridade”,

para o de mediação, capacitando o policial à ponderação e à conceder-lhe autonomia de

decisões.

Capítulo II - A Militarização da Segurança Pública

Adotando a premissa de que Cultura é algo que é adquirido através do pré-

estabelecimento de conceitos – conhecimentos, crenças, arte, moral, Leis, costumes, valores, etc

– pelo homem como membro de uma sociedade, a Cultura estará sempre presente em todos os

aspectos cotidianos e, como não poderia deixar de ser, em toda política de segurança, pública ou

privada, que se discutir e adotar.

Já a Violência é um instrumento não legitimado para garantia do poder, o que sinaliza

que quem detiver este poder legitimado e aceito, não precisará fazer uso de violência. Existem

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dois discursos a respeito da violência no Brasil: (1) A leitura erudita, onde se confunde a

violência com a própria estrutura da sociedade, em que a “direita” a encara como falta de

repressão e de Polícia e, a “esquerda” a vê como um caso de poder, capitalismo, desmando

governamental, sendo incisivo em relação à estrutura do sistema, estando relacionado ao espaço

configurado pelo “mundo da rua”, excluindo o insólito e o pessoal; e (2) o discurso popular ou

de senso comum, onde a violência é vista, sobretudo, como um mecanismo social indesejável,

“descendo dos céus de um universalismo abstrato” para o reino da sociedade com suas

relações e motivações concretas, atuando nos espaços pessoais da “casa e da família” (

Roberto DaMatta – 1993 ).

No Brasil, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, tradicionalmente a análise da

violência e da criminalidade não é produzida através de métodos científicos, e sim baseados em

análises estereotipadas, leigas, sujeitas a conceitos e “definições” emocionais “legitimadas”

pelo poder político de se fazer impor e de se fazer valer seus conceitos.

Segundo Pablos de Molina1, a Criminologia como ciência, tem por objetivo oferecer um

diagnóstico real, qualificado e de conjunto sobre os fatos delitivos, buscando com este

conhecimento válido e confiável – o método científico – a condução de uma intervenção

qualificada capaz de se antecipar ao evento delitivo para preveni-lo. Para Durkheim2 a

necessidade da análise científica, ao revelar-nos as causas dos fenômenos sociais, nos fornece os

meios para atingirmos a vontade que pretendemos atingir.

Conforme afirma ainda Durkheim, a aceitação do crime como um fenômeno normal que

se reproduz em todas as sociedades, podendo ser os atos classificados de formas distintas entre

sociedades, ou até mesmo dentro de uma mesma, já que não há sociedade em que seus

indivíduos não se diferenciem do tipo coletivo onde a consciência comum lhes confira um

caráter criminoso, é corroborado por Molina quando este afirma que não é possível analisar o

criminoso prescindindo da própria reação social a ele, devendo a Criminologia pretender um

controle que seja razoável das ações ditas como criminosas, pois sua total erradicação do seio da

sociedade é uma meta inviável, tendo primeiramente a “criminologia positivista” deslocado a

visão de analise desta criminalidade da ótica jurídica para a realidade social em que os fatores

individuais e sociais expliquem o fenômeno criminal. Já para a “criminologia contemporânea”

a criminalidade é inerente ao ser humano, sendo um fenômeno, conforme Da Silva3, sócio-

político-histórico-cultural, pois pessoas de todas as camadas da pirâmide social sempre

delinqüiram e estão aí delinqüindo.

1 Criminologia: Uma Introdução a seus Fundamentos Teóricos2 Regras Relativas à Distinção Entre o Normal e o Patológico3 Criminologia Aplicada à Segurança Pública (2)

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As ações do poder público frente à violência e à criminalidade, especificamente no

Brasil, tem sido baseadas numa tradição repressiva fundamentada em dois vieses: o penalista e o

militar. Na visão penalista, considera-se que o direito penal basta para resolver os problemas do

crime e da ordem pública, enquanto que na visão militarista a força seria suficiente para

solucioná-los. A cristalização destas visões se deu pela busca permanente de manutenção do

status quo existente, na busca pela perpetuação da base de relacionamento social vigente, onde

aos que detém o poder político-administrativo-econômico cabe a condução de políticas

“públicas”(?) que acabam privilegiando seus modos de vida e obtenção e maximização de seus

próprios ganhos, sendo ao restante da população dedicadas ações que visem à formação de uma

“reserva ‘descartável’ de mão-de-obra” que deve ser controlada e contida nos seus anseios e

nos seus sonhos.

Estas duas visões de enfrentamento do problema da violência e do crime produzem seus

efeitos nas práticas policiais, onde as suas ações são fundamentadas para a obtenção única de

resultados que, na visão penalista, quanto mais inquéritos realizados, quanto mais infratores

levados perante aos tribunais, mais eficiente terá sido esta Polícia, não havendo preocupação

com as causas ou com os crimes não tornados públicos – subnotificação – ou que possam vir a

ocorrer. Já para a visão militarista, a pretensão de “vencer” o crime através do combate ao

“inimigo que domina territórios definidos”, mede-se pelo número destes “infratores” presos

ou “neutralizados”, ( termo em uso atual ), apreensões de materiais ilícitos, principalmente

armas e drogas, e também sobre o número de “baixas” causadas ao “inimigo”, chegando-se ao

cúmulo de considerar o aumento de suas próprias “baixas” como fator de desempenho. Pior do

que estas duas visões é a tentativa de misturar as duas. Estas visões tornam a própria Polícia

refém de seus discursos, tendo cada vez mais de “aumentar suas estatísticas” para comprovar

sua eficiência face ao aumento da demanda por seus serviços, em nenhum momento se

questionando e questionando à própria sociedade e ao poder político, sobre o que estaria

originando este aumento.

A redução do crime só se dará com a atuação sobre todos os fatores que para ele

contribuem, analisando-o dentro dos fatores do momento que estejam influindo para sua

ocorrência. Torna-se fundamental a compreensão de que a naturalização de conceitos leva a

comportamentos “automáticos”, sem a preocupação para sua real interpretação.

Para Da Silva4 há um erro permanente em se discutir, quase sempre sem estudos

preliminares, aspectos administrativos e organizacionais quanto à existência e emprego das

Polícias no Brasil, apesar de se tratar de imposição constitucional, quando se devia estudar e

depois discutir as estratégias de emprego destas.

4 Controle da Criminalidade e Segurança Pública na Nova Ordem Constitucional

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Já Kant de Lima5 explicita o conflito de competência na ação das duas Polícias na

atuação de ciclo completo frente ao fato criminoso, mostrando a realidade dos estereótipos e da

administração de interesses em detrimento da missão precípua às Instituições Policiais.

O conflito de competência hoje existente surge com o fato de, pela busca dos parcos

recursos disponíveis, cada Polícia adentrar na esfera de atribuição da outra em busca de

visibilidade e conseqüente “legitimidade para sua existência”, ações estas com claros e

nefastos prejuízos às missões que legalmente lhe são afetas.

O aumento da criminalidade, comum principalmente às grandes cidades, continua sendo

tratado sob a ótica penalista e/ou militarista, sendo poucas as discussões de cunho

prevencionistas. O próprio Plano Nacional de Segurança Pública que reconhece o problema da

Segurança Pública como fator local e também de âmbito nacional, apesar de avançar em alguns

aspectos visando à prevenção, aplica-se na prática mais para um efeito de cunho simbólico

( político? ) na viabilidade de sua implantação. No próprio Estado do Rio de Janeiro, onde foi

estabelecida uma política teoricamente prevencionista, por corporativismos exacerbados, as

ações policiais estão calcadas na reação aos fatos divulgados pela mídia, buscando a obtenção

de “números” que sustentem a pronta reação à demanda potencializada por esta mesma mídia,

não dando esta o mesmo espaço de divulgação para as ações de polícia e de cunho social

realizadas e ainda necessárias que sejam diretamente ligadas à questão da Segurança Pública.

Os fatos subseqüentes às greves de algumas Polícias nos diversos Estados da Federação

geraram uma série de discussões e “soluções imediatistas” que corroboram o que disse Da

Silva, onde as preocupações com os aspectos administrativos permeiam todas as soluções

apresentadas, não se discutindo a gênese destes problemas, sendo as propostas do Governo

Federal totalmente calcadas no paradigma penalista e militarista, pois só contemplam punições e

medidas de força, coercitivas, visando não à prevenção junto às causas, mas sim, com o tacão da

intimidação, deixando as causas sem sequer serem discutidas. Acrescente-se a isso o despreparo

das Forças Armadas que no seu afã de buscar ser uma alternativa de controlar e até substituir as

Polícias, põe em risco a população que pretende proteger pela irracionalidade no emprego de

seus meios.

As discussões sobre as formas do aparato policial perdem sustentação quando se

analisadas que, conforme a própria Constituição da República estabelece, à cada Polícia cabe

uma função específica que, se internalizada por seus membros, sem o objetivo de “competição”

com as outras, a resposta às demandas da sociedade serão suficientes para que uma discussão

ponderada, sem as pressões do imediatismo, possam transcorrer na necessária evolução destes

mecanismos.

5 A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro – Seus Dilemas e Paradoxos

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Especificamente na estrutura social brasileira, o adotado Sistema de Justiça Criminal

( Polícia, Penitenciário e Jurídico ) é “eficiente” na manutenção e na sustentação da presente

estratificação social, sendo o alicerce da estrutura de poder econômico, ideológico, social e

cultural vigente.

A definição de que algo é eficiente depende dos valores, dos paradigmas, do

entendimento básico da missão executada ou a ser buscada para quem o está avaliando, sendo

que esta eficiência, sob certa análise, pode estar servindo para manter e reforçar uma estrutura

vigente, que não necessariamente atenda a uma maioria, devendo sempre ser levado em

consideração o seguinte questionamento: “eficiente para quem ou para quê?”.

Ao serem estabelecidos os parâmetros para se avaliar uma “Polícia eficiente”, será

necessária a compreensão de suas funções dentro da estrutura social analisada, das missões que

lhe sejam afetas, bem como o estabelecimento dos critérios de avaliação de seu desempenho.

Uma “Polícia eficiente” seria aquela que tenha estabelecido no cidadão o seu foco de

ação, vendo a este como um parceiro permanente no estabelecimento democrático das regras

comuns de relacionamento, zelando por estas de maneira igualitária e negociando todos os

conflitos surgidos através da legitimidade popular a ela conferida em face da confiança de sua

total imparcialidade, preocupada com a “produção do não acontecimento”6 visando não à

erradicação utópica do crime, e sim à preservação da ordem pública a ser estabelecida de

maneira universal e igualitária, através da produção conjunta de “paz com paz”7 e, no caso da

necessidade de agir repressivamente, o faça de forma qualificada, com o emprego de meios

comedidos para fazer valer a sua função legal, sendo estabelecidos critérios claros e

transparentes de avaliação de seu desempenho, discutindo-os permanentemente com a

sociedade.

A sociedade brasileira que se diz indignada com a corrupção e truculência policial,

exigindo comportamento íntegro por parte de seus agentes, não esboça a mesma reação com a

corrupção vivenciada nos outros níveis de relacionamentos sociais, a ponto de criar uma

interpretação própria à Lei Penal vigente ( Art. 333 do Código Penal8 ), onde o funcionário

público responde sozinho perante a Justiça e sofre a execração moral, de maneira unilateral, por

se envolver em atos de corrupção. E o corruptor? Este, sob o argumento do “jeitinho

brasileiro”, cultuado como sendo uma positiva característica cultural, escuda-se e justifica seu

ato ilegal denunciando-o não só na pessoa física do agente público, mas a toda a Instituição a

que pertença este agente.

6 Muniz, UFF – 20017 Idem8 Corrupção Ativa: “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

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O problema da corrupção e truculência policial, especificamente na Polícia Militar do

Estado do Rio de Janeiro, é tratado de forma emocional, freqüentemente reagindo-se de maneira

simplista a alguma denúncia pontual que tenha repercussão pública, limitando-se a atribuir a

culpa individual aos agentes denunciados, “eximindo” a sociedade e a própria Instituição de

qualquer responsabilidade sobre este problema característico aos relacionamentos sociais, face à

origem geográfica-social-cultural do recrutamento de suas fileiras e a subcultura na formação

profissional, acentuados pela vigente estrutura social e profissional desigual, patrimonialista e

autoritária.

A seleção para ingresso na Polícia Militar está atrelada ao recrutamento de integrantes

desta mesma sociedade, recebendo como “herança” todos os seus valores, preconceitos e

experiências. A formação policial tradicionalmente centrada na concepção de “treinamento”,

onde o policial é condicionado ao cumprimento de ordens e adstrito em seus atos à “cadeia de

comando”, somente reforça a concepção hierárquica da sociedade para a existência e emprego

do aparato policial, criando-se uma contradição com as exigências de que estes policiais estejam

aptos a responder a situações dinâmicas, difusas e emergenciais.

O medo subjetivo, potencializado pela forma de atuação da mídia como veículo

formador de opinião face sua penetração entre todas as camadas sociais, gera um clima de

insegurança e o conseqüente clamor por medidas mais enérgicas para o “combate à

criminalidade”. Como a mídia preocupa-se em tornar visível o crime cometido

tradicionalmente por integrantes das camadas sociais mais baixas, crimes estes podendo ser

considerados pontuais, o que não minimiza em nenhuma hipótese seus danos às suas vítimas e

às pessoas que as cercam, a resposta política, calcada na emoção e na necessidade de dar “uma

pronta resposta”, rotula toda uma parcela da população para receber o peso do aparato de

segurança do Estado, estigmatizando seus membros e regiões de moradia, fatos calcados sob

uma tradição histórica, voltando a atenção da mídia e conseqüentemente do restante da

sociedade para este “embate do bem contra o mal”, gerando uma visibilidade forçada que

corrobora o estereótipo e protege com uma invisibilidade útil aos crimes de menor repercussão

pública, tradicionalmente cometidos por integrantes das parcelas mais altas da hierarquia social,

mas com uma amplitude de dano social muito maior. Paira até os dias atuais a dúvida se o

clamor “popular legitimador” da Operação Rio9 foi gerado pela grande quantidade de crimes

ocorridos, ou se pela “qualidade” das pessoas que passaram a ser atingidas ou se sentiram

ameaçadas nos “seus” bairros até então “protegidos”.

9 1994/1995 - Operações de guerra e ocupações de áreas consideradas perigosas pelas Forças Armadas, com a cooperação das Polícias Estaduais, com a justificativa de acabar com a violência e o narcotráfico no Rio de Janeiro. Sobre o assunto, consultar Coimbra, C. – Operação Rio, o Mito das Classes Perigosas.

16

Por derradeiro, entende-se por militarização como sendo um processo de adoção e

emprego de modelos, métodos, conceitos, doutrinas, procedimentos e pessoal militar ( Jorge

Zaverucha – 1999 ) ou sob exclusiva subordinação à influência ideológica militar, em

atividades as mais distintas face às missões precípuas das Forças Armadas, inclusive e

principalmente nas atividades ligadas à Segurança Pública. O termo militar, em sentido estrito,

subentende: estrutura e ideologia. Em conseqüência, no Brasil temos uma estrutura militar

fazendo o papel de Polícia, enquanto em outros países há forças Policiais com uma estrutura

militar. O uso da doutrina de guerra que segundo Clausewitz – “quanto maior a violência

contra o inimigo, menos vontade este terá para combater”, que atua nos limites das sociedades

e contra um inimigo identificado, não pode ser utilizada para situação de paz em relação ao

controle social.

A “militarização da ideologia da Segurança Pública” ( Jorge da Silva – 1996 ) seria a

adoção pela área da Segurança Pública das concepções, valores e crenças da doutrina militar,

incutindo primeiramente na sociedade, e na seqüência, aos Policiais – estes não podem ser

olhados como membros “fora da sociedade” –, a naturalização de uma concepção centrada na

idéia de guerra – inimigo – e de respeito irrestrito e impensado às “ordens superiores”, onde a

nomeação de Oficiais das Forças Armadas para atuação nas cúpulas das Polícias Estaduais é

feito, ainda nos dias atuais, tanto por políticos de esquerda quanto por políticos de direita, não

sendo estas nomeações contestadas pela opinião pública, pela mídia e nem pela classe

intelectual. A concepção militar da Segurança Pública não é compatível com o Estado

Democrático de Direito.

A adoção da ideologia militar desde o treinamento até a execução da ação Policial,

principalmente do Policial Militar, representada na prática institucional de supressão sistemática

ao subordinado da faculdade do arbítrio próprio baseado em conhecimento profissional, não

permite aos Policiais o uso da discricionariedade para exercer suas atividades na ordem pública,

essencial à mediação dos conflitos cotidianos. Quanto mais imediata, emergencial a situação,

mais discricionariedade cabe ao agente em seu agir, gerando aí um confronto com a visão

militar de “cadeia de comando” na ação Policial.

Um exemplo histórico de visão militarista relativa às atribuições da Polícia Militar, está

nos diversos textos constitucionais promulgados na história do Brasil, conforme a descrição a

seguir10:

-Constituição de 1934: nesta Carta é estabelecida competência da União para legislar sobre a

organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares, inclusive no tocante à

sua convocação e mobilização. No título relativo à "Segurança Nacional", as Polícias Militares 10 Muniz, 2001

17

são definidas como forças "reservas do Exército" voltadas para a "segurança interna e

manutenção da ordem". No ano de 1936, o Decreto-Lei nº 192 de 17 de janeiro, determina que

as Polícias Militares devem ser estruturadas segundo as unidades de infantaria e cavalaria do

exército regular;

-Constituição de 1946: no título que trata das "Forças Armadas", as Polícias Militares são

definidas como "forças auxiliares e reservas do Exército", voltadas para a "segurança interna

e a manutenção da ordem", permanecendo a competência da União para legislar sobre a

organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares, inclusive sua

convocação e mobilização;

-Constituição de 1967: esta Carta mantém o papel das Polícias Militares definido nas

Constituições anteriores como "forças auxiliares e reservas do Exército”, invertendo a

prioridade de suas atribuições, destinando às Polícias Militares a missão de "manter a ordem e

a segurança interna", sendo mantida a competência da União para legislar sobre a organização,

efetivos, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares, incluindo sua convocação e

mobilização. Em 13 de março deste ano, o Decreto-Lei n.º 317 cria a Inspetoria Geral das

Polícias Militares - IGPM, um órgão do Exército com a missão de fiscalizar as Polícias

Militares, através da subordinação das mesmas, apesar de serem estaduais, diretamente a este

organismo federal, além de atribuir às Polícias estaduais o policiamento ostensivo fardado,

abandonando a determinação quanto à adoção dos modelos de infantaria e cavalaria. Em 1968,

o Ato Complementar n.º 40 de 30 de dezembro, estabelece que aos integrantes das Polícias

Militares está vedada a percepção de vencimentos superiores aos dos militares federais;

-Constituição de 1969: esta Carta suprime de seu texto a missão das Polícias Militares relativas

à sustentação da segurança interna, permanecendo a expressão "manutenção da ordem pública"

bem como sua definição como "forças auxiliares e reservas do Exército", mantendo a

competência da União para legislar sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e garantias

das Polícias Militares, incluindo sua convocação e mobilização, mantendo ainda a proibição aos

Policiais Militares de receberem vencimentos superiores aos dos militares das Forças Armadas;

-Constituição de 1988: neste texto constitucional introduz-se um Capítulo próprio para a

Segurança Pública, definindo-a como sendo "dever do Estado, direito e responsabilidade de

todos". O seu artigo 144, que trata das atribuições das Polícias brasileiras, estipula que compete

exclusivamente às Polícias Militares "o policiamento ostensivo fardado e a preservação da

ordem pública". Apesar de ser conhecida como a Constituição Democrática, ainda é mantida a

definição das Polícias Militares como "forças auxiliares e reservas do Exército”, mantendo a

subordinação à IGPM, além de perpetuar à União a competência para legislar sobre a

18

organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das Polícias Militares, incluindo sua

convocação e mobilização.

Como se vê, somente em 1988 uma Constituição da República apresenta um capítulo

próprio para a Segurança Pública, o que era antes tratado no Capítulo da Segurança Nacional. A

naturalização por parte da sociedade do ethos militar está tão enraizada que, na estrutura

prevista pela Constituição Democrática, ainda em seu Art 144, a Polícia Civil tem este adjetivo,

Civil, para expressar o significado “não-militar”, face à existência, também neste Artigo, da

Polícia Militar, e não na origem etimológica da palavra civil, que é civita, civitatis, isto é,

cidadão.

O exemplo máximo da ideologia militar na Segurança Pública ocorreu como

conseqüência da “reivindicação” por parte da sociedade, produzida e legitimada através dos

veículos de comunicação de massa, da participação das Forças Armadas contra a criminalidade,

através da denominada “Operação Rio” em novembro de 1994, ocorrida na cidade do Rio de

Janeiro – RJ onde, apesar de todo aparato bélico de que dispunham e da bazofia do porta-voz do

Comando Militar do Leste, os resultados práticos são de domínio público, pois nada

acrescentaram de permanente, contribuindo tão somente para reforçar no imaginário popular,

midiático e marginal o “poder dos criminosos nas áreas controladas por estes”.

A concepção por parte de parcelas influentes da sociedade do Estado de que realmente

uma solução militar solucionaria definitivamente a questão da violência e da criminalidade,

atuando diretamente nos “focos” irradiadores destes problemas, as favelas, permitindo ser a

segurança do Estado “devolvida” às Polícias após a atuação das Forças Armadas, permitiu,

dentro desta concepção, o emprego por parte dos militares de toda sua doutrina de guerra, com

emprego de armamentos e táticas específicas para ações bélicas, desconsiderando a segurança e

o respeito às populações das áreas visadas, legitimadas pelo noticiário diário e até pelo Poder

Judiciário, onde os arbítrios e ilegalidades cometidas nas ações desenvolvidas, pois não foi

decretada nenhuma medida de exceção por parte do Presidente da República, função

exclusivamente sua, foram justificadas em nome da “causa maior”.

A falácia dos ufanistas porta-vozes militares transmitiu uma certeza no resultado

esperado, apesar da ineficiência inicial e do argumento da necessidade de se ampliar a operação

já iniciada, tentando a imprensa instigar um “embate definitivo” com os criminosos,

esquecendo-se esta mesma mídia de cobrar com sua característica ênfase em que questionava

aos organismos estaduais, o cumprimento das promessas feitas em público. Pela análise dos

noticiários da época, fica claro que a imprensa deixou de lado sua função de ser um veículo de

comunicação de fatos para assumir, emocionalmente e fundamentada numa total falta de

19

racionalidade, um papel preponderante no clima precedente e de posterior legitimação dos fatos

que se seguiram.

As Forças Armadas deixaram claro seu despreparo para a compreensão dos complexos

aspectos sociais que influenciam a segurança pública, pois o abandono da racionalidade no

emprego militar de meios desmedidos para a missão a que se propôs, pôs em risco toda a

população que esteve sob sua “mira”, servindo somente para legitimar o poder dos marginais

nas comunidades em que atuou, pois, “se nem as Forças Armadas os intimidou e os freou,

quem então o fará?”, e o que se torna mais alarmante, nada aprendeu com os fatos ocorridos, já

que recentemente nas ruas na cidade de Salvador, Bahia, empregou a mesma irracionalidade

característica em sua atuação, pondo em risco desta vez a população baiana.

As “facções criminosas” na cidade do Rio de Janeiro obtiveram força de representação

coletiva pela reafirmação diária nas manchetes dos jornais e, principalmente, ingenuamente nos

discursos oficiais das autoridades do Sistema de Segurança Pública ( Marcos Alvito – 1998 ),

onde a visão militarista está explícita no jargão – novamente oficial e popular – adotado a

respeito destas “facções”, tais como “comando; exército do tráfico; hierarquia do tráfico –

olheiro, vapor, soldado, gerente, chefe; armamento de guerra; invasões; ocupações; bandeiras

e pichações para marcar território; bondes; uniformes e distintivos; etc”, onde o uso destes

signos, reforçam as crenças, os valores e comportamentos ( ver Semiótica ) já existentes. Para

Marcos Alvito um dos palcos da guerra travada entre as “facções representativas” é a mídia,

que dá visibilidade, importância e induz a esta ilusória “legitimidade social” ( “marginal Hobin

Hood” ).

A presença constante desta figura de retórica, legitimando-a perante a sociedade, de onde

o criminoso não pode ser excluído ou alienado, transmite a sensação de uma guerra fratricida

entre as forças antagônicas que gera – por concepção dos opositores envolvidos no embate e na

própria expectativa da sociedade – o confronto permanente, com os dois lados “eliminando

seus inimigos”, onde tudo vale para a “eliminação destes inimigos”. O foco da Polícia

brasileira está no criminoso, com tudo se justificando, inclusive o alto risco para pessoas

inocentes, em busca da “caçada aos criminosos”, conforme o ethos militar. O foco na

sociedade, na prevenção, na vítima, requer formas democráticas, igualitárias de agir, requerendo

novas concepções, nova cultura social e corporativa.

Apesar de todo este aparato, ou por causa dele, e em razão da realidade econômica e

social que a visão militarista da Segurança Pública ignora – visão erudita da violência –,

criaram-se áreas carentes onde se procuram formas apropriadas e disponíveis de segurança e a

busca da subsistência diária – visão de senso comum da violência. A “ausência” do Estado

nestas áreas, salvo para “travar suas incansáveis batalhas militares sem trégua”, faz com que

20

se criem mecanismos próprios de justiça e de participação social, que entram francamente em

conflito, e até em confronto, com a doutrina pregada e defendida pelo “Estado” ( ordem social

vigente ).

Com a divisão da cidade em “feudos” onde existem áreas com grande concentração de

segurança privada e há a presença da Polícia preventiva, com amplo acesso à Justiça para

defender seus interesses, e em oposição, em “guetos”, onde só há a Polícia repressiva, onde é

impossível o acesso à segurança privada e o acesso à Justiça é “negado”, palco constante das

“políticas oficiais de guerras”, acentua-se cada vez mais a sociedade hierarquizada, permitindo

o surgimento de valores próprios e antagônicos de cidadania, fator gerador permanente e

autofágico de violência.

As políticas de repressão – guerra e seus “efeitos colaterais” somente ali aceitos – feitas

de dentro dos “feudos” protegidos contra a periferia constituída pelos “guetos que os sitiam”,

geram necessidades nestes de se protegerem, aliando-se cada vez mais a quem lhes “pode

proteger contra os inimigos, estatais ou não” – escolha quase sempre não necessariamente

voluntária, mas opcional pelo que lhes é “menos ruim” – , atraindo cada vez mais a “fúria” do

aparelho estatal de segurança.

A lógica da “guerra”, incutida a fórceps dentro da função de ser do policial que é de

proteger o cidadão, é mera conseqüência, sendo um deslocamento intencionalmente produzido

em grande parte pela mídia e reproduzido por parcelas da sociedade, sendo “aceito” política e

institucionalmente, corroendo a consciência, a dignidade pessoal e profissional e a importância

da razão de ser policial.

Democratizar a Segurança Pública significa desmilitarizar o conceito de segurança,

criando o diálogo para que ela se estabeleça baseada na cidadania plena, universal. A formação

de uma mudança cultural se dá não através de “papéis escritos”, e sim através da ação direta

das pessoas no dia-a-dia, permanentemente, com a adoção de novos conceitos e padrões

comportamentais.

Confundir a estrutura administrativa e até a hierarquia militar adotada pelas Polícias

brasileiras, tal como muitas Polícias internacionais que, embora com estruturas para-militar,

possuem regimes jurídicos eminentemente civis, com a visão militar de guerra, de “combate ao

inimigo” adotado no Brasil, é um erro que está se tornando muito caro para toda a sociedade.

Desmilitarizar os conceitos de Segurança Pública é fazer com que todas as partes

componentes da sociedade se convençam de que a Segurança Pública é um problema de

cidadania, desvinculando a Segurança Pública do conceito de Segurança Nacional,

desvinculando a figura do cidadão que comete um delito ser igualado ao de “inimigo” da

sociedade e do Estado.

21

Capítulo III – A Produção Subjetiva do Estado de Guerra

III.1 – Os Signos na Vida Social

A Semiótica11 é uma ciência relativamente nova que estuda os signos e como eles se

relacionam, sendo útil ao estudo de qualquer fenômeno relacionado à transmissão e retenção de

informações. Esta ciência impôs o termo signo ( termo técnico ) aos sinais, considerado termo

mais vasto, menos preciso.

A Semiose, objeto ou assunto da investigação semiótica, é o nome que se dá à ação dos

signos, emergindo entre o que é, o que pode ser, ou o que poderia ter sido.

A base geral de um signo, segundo Deely, está ligada à relação entre os três elementos

universais que o compõe, a partir dos quais é possível entender o processo de produção de

significados e significantes, quais sejam, (a) primeiridade, onde está latente o sentimento

imediato e presente das coisas, sem relação com outras interpretações, momento em que se vê

aquilo tal como é - um fato ou objeto; (b) secundidade, onde ocorre a comparação, existindo

uma relação entre um primeiro acontecimento e um segundo acontecimento qualquer –

interpretação que alguém faz do fato ou objeto; e (c) terceiridade, onde se estabelece a relação

de um fenômeno a um terceiro termo – um representante, que é o veículo da informação –

gerando-se assim a representação, o signo.

Qualquer coisa é capaz de ser um substituto para qualquer outra coisa que a ela se

estabeleça arbitrariamente uma relação, surgindo assim a relação realidade–pensamento–signo.

As formas sígnicas são passíveis de serem construídas, independentemente de existirem

ou não no mundo real, atrelando o pensamento às palavras, onde o ser humano interage

permanentemente com os sinais, influenciado pelos meios visuais e sonoros de massa.

Inicialmente os signos guardam uma similaridade com a estrutura do real, e que, de

acordo com a intensidade na sua produção e permanente reafirmação, atribuem uma condição

de realidade a acontecimentos externos.

O signo relaciona um significado – um conceito – a um significante – uma imagem –, e

não uma coisa a seu nome, criando uma relação mental, não mediada, de similaridade entre as

coisas e os conceitos atribuídos, gerando interações subjetivas, tanto física quanto psíquica,

entre significado e significante.

11 Sobre o assunto ver Deely, John, “Semiótica Básica”, São Paulo: Editora Ática, 1990.

22

Para que algo seja um signo, basta que alguém, através dele, se dê conta de uma outra

coisa, onde a percepção frente a imagens geradas, individual ou coletivamente, manipuladas

pela mente humana, foge da convencionalidade geográfica das letras. E quando as “letras

midiaticamente tornadas oficiais” corroboram as imagens “interpretadas”, estabelece-se daí um

“signo coletivo”.

O signo como uma representação mental, uma realidade psicológica, pertence à ordem

da existência subjetiva, atuando como artefatos mentais, podendo ou não ter realidade no

sentido físico, apesar de estar presente em todo relacionamento social, em suas diversas

nuances, através de uma teia de relações sígnicas, pois os signos nada mais são do que

convenções sociais que ratificam ou estabelecem novos significantes.

A ação dos signos não é diretamente produtora de mudanças, pois é sempre mediada,

possuindo uma qualidade etérea, já que induz a algo que não ele mesmo, sendo uma

representação, tornando-se assim, preso ao significado, o objeto que o signo não é, mas que

representa e substitui. Interpretar um signo significa prever – idealmente – todos os conceitos e

interpretações possíveis onde ele pode ser inserido.

Os signos verbais, ou a língua falada, é o principal sistema sígnico, existindo tantos

outros, como o código de bandeiras náutico, o sinais militares de corneta, os códigos cifrados,

etc. Nos casos em que palavras servem como signos, denota-se uma artificialidade por detrás,

onde há uma codificação anterior que determina o seu significado que, face ao contexto em que

é empregado, podem apresentar distintos significantes.

III.2 – A Identidade Militar

Com base em suas características internas, seu histórico e suas missões específicas e

exclusivas, há toda uma organização social militar própria, onde a “identidade militar”,

segundo Leirner12, é construída, em oposição ao “mundo civil”, sendo que o processo de

formação social profissional estabelece-se através da construção de fronteiras simbólicas entre

os “dois mundos”, iniciando-se nos Cursos de Formação este processo de construção da

identidade própria, o “espírito militar”.

A preponderância na adoção da “identidade militar” gera uma contradição conflituosa,

pois, por serem os militares membros de uma Instituição Pública, onde “todos” os cidadãos

dela podem ingressar, seus membros possuem uma identidade, cultura e valores próprios,

12 Leiner, Piero de Camargo, “Meia Volta Volver, Um Estudo Antropológico Sobre a Hierarquia Militar”, Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.

23

“vendo como estranhos” todos os que se encontrem fora de seus círculos, sendo, no máximo,

aceitos como “amigos”.

As forças militares são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, onde a

subordinação à Cadeia de Comando é explícita e regulada até por Leis próprias, estabelecendo

aí uma divisão social de tarefas, papéis e correspondentes níveis de status, através de relações

rígidas de comando-obediência.

A relação comando-obediência é explicitada pelo escalonamento hierárquico, que

determina as possibilidades, limitações e responsabilidades de cada integrante da organização

militar, de acordo com seu Posto ou Graduação.

É tradição militar, através de diversas datas históricas, louvar os seus sacrifícios e

triunfos militares frente ao inimigo, estando esta doutrina bastante arraigada nos seus Cursos de

formação.

Se o fato de sua existência, com a respectiva capacitação material e atual nível de

adestramento, não for suficiente para dissuadir possíveis agressões externas, o seu objetivo

passa a ser o “combate ao inimigo”, onde a sua eliminação é a regra e constitui moções de

honraria.

Nas ações bélicas frente ao inimigo, a cadeia de comando-obediência é executada em sua

essência, pois o militar, face seu treinamento, atua rotineiramente em conjunto e sempre sob

comando, seja ao nível de exércitos, ou grupos de combate. Neste caso, a maior gama de

responsabilidade cabe ao comandante, cabendo ao subordinado, a obediência que espera-se

irrestrita.

Mesmo após a “Constituição Democrática de 1988”, as Polícias Militares no Brasil

foram mantidas como Forças Auxiliares, Reserva do Exército, conforme o § 6º do seu Artigo

144.

As Polícias Militares são controladas e fiscalizadas pela Inspetoria Geral das Polícias

Militares, órgão subordinado ao Comando de Operações Terrestres do Estado-Maior do

Exército. Historicamente com mais ênfase, mas até os dias atuais, Oficiais das Forças Armadas

comandaram Polícias Militares estaduais, quando não exerceram ou ainda exercem a função de

Secretários Estaduais de Segurança Pública, compondo seu staff com companheiros de farda.

Por sua vinculação ao Exército, a Estrutura Organizacional das Polícias Militares está

baseada naquela organização militar federal, com a semelhança até nos seus Postos e

Graduações, estabelecendo-se assim a mesma cadeia de comando-obediência e a mesma

doutrina de valores, principalmente nos Cursos de Formação.

Com base no ethos militar, onde os sacrifícios e triunfos frente ao inimigo são

falicamente enaltecidos e até recompensados, as ações policiais junto à sociedade, menos

24

ruidosas e mais cotidianas, não merecem o mesmo tratamento, até mesmo pela própria Polícia

Militar, gerando assim uma dependência aos valores militares, e não policiais, influenciando

sobremaneira na atitude do Policial Militar, principalmente no tocante à ação frente ao cidadão

delinqüente que, independentemente da gravidade de seus delitos, possui direitos e garantias

individuais respaldadas em Lei, enquanto que, ao “inimigo em uma guerra”, seus direitos são

bem mais restritos.

III.3 – A Produção de Subjetividades

Segundo Guattari13, entende-se por subjetividades as produções através do qual o sistema

vigente faz com que as pessoas acreditem que as formas de perceber, sentir e pensar o mundo

são meramente individuais, e não uma serialização, uma padronização resultante de uma

produção em massa fabricada e modelada no registro social.

As serializações subjetivas obrigam pessoas a adotar posturas defensivas por medo de

serem marginalizadas se ousarem criar seus territórios singulares, particulares, tentando fugir

dos rótulos estabelecidos. Este medo faz com que as pessoas, muitas vezes em confronto com

suas consciências, aceitem as montagens estabelecidas, sem contestação, passando a se

organizar segundo os “padrões universais” que as serializam, individualizando-as,

descaracterizando-as como pessoas.

Uma cultura de massa tem como característica o nivelamento das pessoas à condição de

indivíduos, através da produção de subjetividades inconscientes, tornando-o serializado,

modelado. O modo como os indivíduos vivem esta subjetividade oscila entre dois extremos: (a)

alienando-se ao se submeter à subjetividade tal como a recebe, ou (b) estabelecendo uma

relação de criação onde o indivíduo, utilizando-se de componentes da própria subjetividade, cria

um processo de singularização,ou seja, afirmando-se através de outras maneiras de ser, com

outras sensibilidades, outras percepções.

A atuação da mídia, transmitindo uma cultura de massa, exerce, conforme afirma

Guattari, um papel de destaque na tentativa de controle social através da produção em escala de

subjetividades, através do uso de linguagem e massificação de imagens que propõe,

cotidianamente, modelos nas quais os receptores possam se conformar, estabelecendo padrões

de beleza, de justiça, de rotulação, etc.

Os processos de marginalização perspassam o conjunto da sociedade, em todos os seus

estratos e componentes, através da manipulação da subjetividade coletiva onde a preservação da

13 Guattari, Félix, “Micropolítica, Cartografias do Desejo”, Petrópolis, Editora Vozes: 2000.

25

textura da ordem social é confundida com a preservação da ordem social estabelecida, seja qual

for sua natureza.

A intervenção da mídia na opinião pública, assume papel hegemônico na formação e

modelização de subjetividades que reforçam os processos de marginalização programados no

conjunto social vigente, onde o massivo e variado discurso sobre Segurança Pública, tem sido

um poderoso instrumento que forja modos comuns e estereotipados de sentir, pensar, perceber e

agir.

No I Seminário “Mídia e Violência”, realizado nos dias 1 e 2 de julho de 1993, na

cidade do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, jornalista e então Diretor do Departamento de Pós-

Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, quando da Mesa Temática sobre “A

Construção da Realidade Pela Mídia”, afirma

“A mídia produz um tipo de subjetividade individual e

coletiva. Não resta dúvida que a violência se acentua quando

há apenas mídia e isso se dá ao mesmo tempo que a

desagregação da educação, da saúde, dos recursos da

alimentação.

( ... )

Onde começa a dimensão paranóica da segurança

alimentada por uma ideologia da catástrofe que é tão cara à

mídia contemporânea? Nós sabemos que a mídia

contemporânea vive do imaginário da catástrofe. Até onde,

efetivamente, essa insegurança é real, qual é a medida de

sua realidade e onde começa a paranóia catastrófica

alimentada e produzida por essa mesma mídia?”14 ( pág. 150

e 151 )

Ainda neste Seminário, na Conferência preferida por Nilo Batista15, então Vice-

Governador do Estado do Rio de Janeiro, sob o tema “Regras do Mercado da Informação

Sobre Violência”, este apresenta sete Princípios que, apesar do tempo decorrido desde a

discussão do tema, mostra-se extremamente atual com a forma como hoje atua os meios de

comunicação de massa, quais sejam,

14 Mídia & Violência Urbana, FAPERJ15 Criminólogo, Professor de Direito Penal e Advogado.

26

“1 – Princípio da verdade primacial

A primeira notícia do jornal sobre um fato criminal

que ele mesmo apurou ou que divulga com exclusividade

contitui-se em dogma, matriz e fio condutor de todo o

noticiário subseqüente.

( ... )

2 – Princípios da progressividade

A violência progressiva ( continuada, organizada )

vende mais que a violência episódica ( individualizada,

circunscrita ); sempre que possível, casos isolados devem ser

articulados, e o episódio individual inserido num contexto de

progressividade.

( ... )

3 – Princípio da mais-valia da violência impune

O caso criminal imediatamente apurado merece

menos espaço do que aquele não-apurado. A notícia que

contém ao mesmo tempo a ação criminosa e a identificação

ou prisão de seu(s) autor(es) perde pontos na classificação

editorial. Salvo casos nos quais peculiaridades dos

protagonistas ou do modo de execução permitem a análise

extensiva que faz perdurar a imagem da violência, a punição

geralmente encerra o interesse jornalístico. A violência

impune vende mais do que a violência punida.

( ... )

4 – Princípio da manipulação estatística

As informações diariamente divulgadas sobre

violência desconsideram por completo as séries estatísticas

que poderiam realmente orientar o público sobre a

verdadeira tendência das diversas incidências criminais.

Baseando-se estritamente nos fato diários – e até

convertendo a divulgação periódica das séries estatísticas

num fato, sujeito às mesmas regras que estamos examinando

–, as páginas policiais criam e manipulam suas próprias

estatísticas, selecionando arbitrariamente períodos e casos.

Quando se trata de divulgar levantamentos estatísticos

27

completos, dedicam espaço diferente para tendências de

ascenção e tendências de rebaixamento ( essas últimas, ás

vezes não merecem qualquer espaço ). ( ... )

5 – Princípio da ineficiência do Estado

A violência social noticiada é atribuída sempre à

ineficiência do Estado, e jamais se converte em objeto de

discussão da própria organização social. A crônica policial

só excepcionalmente ultrapassa o horizonte da ineficiência

do Estado, mesmo diante de casos nos quais a transgressão

evidentemente implicaria outras considerações.

( ... )

6 – Princípio da credibilidade imediata do terror

Na cobertura jornalística de um caso policial, o

espaço conferido a um depoimento qualquer ( vítima,

testemunha, suspeito, policial, morador da área, etc ) é

diretamente proporcional à mensagem de aterrorização que

ele contenha. A credibilidade da fonte é assim

desconsiderada em favor de uma credibilidade imediata em

seu próprio terror.

( ... )

7 – Princípio do estereótipo criminal

Se um protagonista do episódio de violência integra

alguma minoria, objeto de preconceito ou marginalização

social ( homossexuais, egressos da prisão, drogadictos, etc ),

tal condição será sempre mencionada e freqüentemente

enfatizada – ainda que não se possa relaciona-la, de

qualquer modo, ao episódio em questão.

( ... )” ( pág 100 a 106 )16

A naturalização da morte de “elementos perigosos”, numa subjetividade tão atual no

cotidiano das grandes cidades brasileiras, nada mais do que competente construção oriunda de

determinados segmentos sociais, chegando ao ponto máximo de, através de “falas

autorizadas”, segundo Coimbra, a mídia produzir e reforçar a imagem coletiva de uma “guerra

civil” nas grandes cidades do país.

16 FAPERJ, obra citada

28

Como exemplo concreto do poder dos meios de comunicação de massa na produção, ou

reafirmação, das subjetividades que lhe convém, apresenta-se a atual decisão de ter abolido, em

todo o seu noticiário, dos nomes das “facções criminosas” que ela própria tornou pública e

legitimou-as, utilizando-se da “ingenuidade” de muitas autoridades públicas. Segundo Arnaldo

Jabor17, em seu artigo no jornal O Globo sob o título “A violência virou um problema de

Estado-Maior” ( 18/06/02, Segundo Caderno, pág. 08 ),

“(...).

(...) Achamos até que eles querem calar a imprensa.

Nada. Mataram por matar, chamaram o Tim de X-9 e ‘já

era’ – disseram eles. Nós é que estamos lhes fornecendo uma

‘ideologia’.

(...)

Nós os transformamos em superstars do crime. Eles

nos transformaram em palhaços.

(...)

Eles não esquecem da gente nunca, pois somos seus

fregueses. Nós esquecemos deles logo que passa uma crise

de violência.”

(...)

III.4 – A Produção da Figura do Inimigo

Desde o final do século XIX e começo do século XX, os meios de comunicação de

massa, já considerados importantes equipamentos sociais produtores de significações e

interpretações do mundo, produzem subjetividades que, através da “criação de uma realidade”,

forjam bandidos e mocinhos, vítimas e culpados.

A política higienista que teve seu auge no Governo do Prefeito da cidade do Rio de

Janeiro, Pereira Passos, no início do século XX, foi conduzido pela impressora como uma

verdadeira guerra contra as áreas urbanamente perigosas e seus moradores, considerados

marginais natos ou potenciais.

O poder da mídia em “produzir uma realidade” amena ou agressiva, está intimamente

atrelada à sua capacidade de, ao narrar repetida e insistentemente um acontecimento, real ou

fictício, este passe a ter o peso de prova, utilizando-se para isso de “peritos e autoridades” com

17 Jornalista e articulista do jornal O Globo

29

quem mantém laços de interesse onde, através de seus discursos, modelarão a todos como

devem pensar, sentir, agir e viver, pois graças aos seus “conhecimentos científicos e níveis de

informações”, quem se encontre fora de seu mundo, é convencido de que se encontra longe da

“verdade, ignorante sobre o tema tratado”.

Somente segmentos específicos da sociedade e determinadas instituições públicas ou

privadas, têm suas vozes legitimadas pelos meios de comunicação de massa, excluindo

totalmente os segmentos e instituições restantes, tornando-os invisíveis ao grande público,

produzindo assim a “versão oficial” dos acontecimentos. Esta capacidade de forjar a

“realidade oficial”, reforça a produção das “áreas perigosas” e do estereótipo do marginal, e

dos “inimigos” a serem “combatidos” pelo aparato de segurança estadual, estigmatizando cada

vez mais estes segmentos sociais, fechando assim um perigoso círculo vicioso. Quanto aos

crimes de “colarinho branco”, cometidos por integrantes de classes sociais elitizadas, não há

nenhum destaque.

Um indivíduo rotulado de desviante ou marginal pode ter uma interpretação diferente do

contexto que gerou o rótulo, com base na sua percepção de como se deveria aplicar ou ainda de

onde se deveria aplicar uma determinada regra, não aceitando, portanto, tal rotulação por

considerar o grupo que o “julgou” como não legítimo e nem competente para fazê-lo, podendo,

inclusive, atribuir-lhe o rótulo de desviante.

Para o estabelecimento do rótulo de desviante, é necessário um “processo acusatório”

em que fica implícita a luta de “quem impõe o quê a alguém” ( Teoria do Rótulo ), onde é

necessária a acusação pública do “desvio”, originando-se então uma comoção pública, que

força aos grupos sociais inter-relacionados a deixarem de lado a “hipocrisia de fingir que não

sabiam”. O que cria o desviante não é o comportamento, e sim a acusação, a rotulação. O fato

de um ato ser desviante, então, depende de como as pessoas reagem a ele. O ponto principal está

em que a resposta das outras pessoas tem que ser encarada como problemática. Só porque

alguém infringiu uma regra não significa que os outros reagirão como se isso tivesse acontecido

– inversamente, só porque alguém não violou uma regra, não significa que não será ameaçado,

em algumas circunstâncias, como se o tivesse feito.

No modelo de sociedade hierarquizada ( modelo piramidal ), cuja característica é o

exercício do poder de cima para baixo, temos a construção e aplicação das regras engendradas

através do aspecto político e impostas à sociedade não de maneira igualitária, mas sim de forma

diferenciada e particularizada a cada grupo social, seja na sua forma de aplicação, seja na forma

de interpretação ou então no espaço de tempo e local de acordo com a posição especifica a cada

elemento, indivíduo ou grupo dentro da “pirâmide”, o que realça uma explícita e permanente

política de exclusão.

30

Um fato não tornado público, não “denunciado”, terá seu efeito circunscrito aos

envolvidos, com pouca influência na percepção coletiva. A busca pelos meios de comunicação

de massa em reafirmar as subjetividades que ela produz, leva-se a acreditar que, conforme

afirma Coimbra,

“Ninguém nunca viu uma notícia na rua. Na verdade,

o que vemos são acontecimentos que nos chamam a atenção.

Notícia, portanto, é narrativa e toda narrativa é arbitrária”.

( pág. 69 )

Algumas teorias produziram subjetividades que permanecem vivas no cotidiano das

grandes cidades brasileiras, tais como: teorias eugênicas ou raciais sobre a limitação evolutiva e

social do negro, e teorias higienistas onde os locais pobres são imorais e perigosas.

Através da produção em massa do sentimento de medo que se está construindo no Rio de

Janeiro, onde se considera que todas as pessoas estão “desprotegidas e à mercê dos

criminosos”, aceita-se então que qualquer coisa que se fizer para acabar com esta situação seria

legal através da legitimação popular. A aceitação induzida pela mídia, e corroborada pela

“sociedade com voz ativa”, do estado de “guerra civil”, onde se insiste nas ações militares nas

“áreas perigosas”, e somente lá serão aceitas, pois clama-se pelo emprego imediato e maciço

das Forças Armadas, para travar um “combate” sem tréguas aos “inimigos da sociedade”,

legitimando “medidas de exceção” onde seriam empregados os mais variados métodos, desde

que estes não se apliquem às “pessoas de bem ou nas áreas não perigosas”, pois aí haveria a

culpabilização do aparelho policial.

Quando se faz a prisão de um traficante, este é sempre rotulado como o “dono de um

morro, o líder do tráfico, o contato com os cartéis das drogas e fornecedores de armas”, e seus

captores são “os grandes policiais, as tropas de elite, os combatentes e incorruptíveis, a banda

boa”. A massificação das imagens de violência e criminosos “inimigos do Rio”18, inspiram a

imagem subjetiva de “guerra civil”, onde os preceitos de direitos humanos são relevados se

forem aplicados somente a determinadas pessoas.

III.5 – A Reafirmação pelas “Falas Autorizadas”

18 Campanha patrocinada pelo RJ-TV da Rede Globo de Televisão, no mês de junho de 2002, coincidentemente relacionando somente os quatro marginais acusados de assassinar o jornalista Tim Lopes, funcionário daquela emissora.

31

Esta Seção, aproveitando-se de pesquisa já realizada sobre a “Operação Rio”, apresenta

termos e expressões divulgadas pela imprensa escrita, justamente aquela que produz mais

reflexões ao público direcionado pela perpetuação da mensagem pela escrita, mostrando a

reafirmação do clima de “guerra civil” e de “áreas e elementos perigosos”, como fator

histórico.

III.5.1– Operação Rio19 – 1994/1995

“Empresários querem Exército nos morros” in O Globo – 29/01/93, pág. 11;

“O Rio parece Nicarágua ou Ruanda. O Estado se ausenta e o crime domina à vontade” –

“Basta! É Preciso Intervir! – editorial de O Estado de São Paulo – 10/04/94, pág. A-3;

“Guerra do tráfico mata 22 pessoas no Rio” in Jornal do Brasil – 15/06/94, pág. 15;

“Os bairros sufocados pela violência, invadidos pela ocupação desenfreada das favelas,

pedem socorro, ( ... ), chegou a hora de pedir auxílio federal” – “Bairros da Violência” in

Jornal do Brasil – 08/07/94, pág. 08;

“ Pronto para combater o crime no Rio” in Jornal do Brasil – 23/08/94;

“A Lei tem que ser cumprida. Bandido puxou a arma vai para a vala ( Maurílio

Moreira,Delegado de Polícia do RJ ) – “Uma Situação Democrática” – editorial de O Estado

de São Paulo – 20/10/94, pág. A-3;

“Militares defendem intervenção branca no Rio de Janeiro” in Jornal do Brasil – 24/10/94,

pág. 15;

“Só mesmo as Forças Armadas podem restabelecer a ordem ( ... ), pois a cidade ficou

desgovernada” – “ A 25 Hora” in Jornal do Brasil – 28/10/94, pág. 10;

“Desde 1º de novembro de 1994, a chamada guerra no Rio está oficialmente deflagrada, com

o aval do Ministério da Justiça, por ordem do Presidente da República e do Governador do

Rio” in Jornal do Brasil – 01/11/94, pág. 13;

“General Senna20 e família se mudam para forte” in Jornal do Brasil – 03/11/94, pág. 14;

“Exército já tem dia D para ação no Rio” in O Estado de São Paulo – 08/11/94, pág. C-1;

“Forças Armadas começam a ocupar Rio” in o Estado de São Paulo – 13/11/94, pág. C-1;

“General Senna diz a vereadores que direitos serão ‘prejudicados’ e que soldado não é

assistente social” in Folha de São Paulo – 23/11/94, pág. 1-1;

“Exército usa Mandato ilegal em morro” in Folha de São Paulo – 13/12/94, pág. 1-12;

19 Pesquisa realizada Cecília Coimbra, obra citada.20 Oficial da ativa do Exército nomeado Comandante da Operação Rio I – nota deste autor.

32

“Trata-se de uma guerra – nada menos que uma guerra deflagrada pelos traficantes e

bicheiros contra a sociedade” – “Começar de Novo” in Jornal do Brasil – 28/03/95, pág. 10;

“A guerra da segurança é inadiável; vencerá o lado mais persistente” – “Capítulo Inédito”

in Jornal do Brasil – 30/03/95, pág. 10;

“O Rio é uma área de guerrilha” ( General Cerqueira, Secretário de Segurança Pública no

Estado do Rio de Janeiro ) in O Globo – 06/05/96.

III.5.2 – Dias Atuais

“Rotina de guerra” – caderno “Retratos do Rio” in O Globo – 21/04/2001, pág. 01;

‘É preciso mover uma guerra contra o crime organizado ( ... )” – “Os Intocáveis” – Denise

Frossard, juíza, in O Globo – 22/01/02, pág. 07;

“Percebe-se a incapacidade do Estado brasileiro para lidar com o crime” – “Trocar de

Comando” – Denise Frossard, juíza, in O Globo – 22/02/02, pág. 07;

“Combati o bom combate ( ... ) – Wilton Soares Ribeiro, Coronel PM ex-Comandante Geral

da PMERJ in Boletim da Polícia Militar nº 064 – 08/04/02, pág. 04;

“Prefeito defende morte de bandidos para garantir a ordem pública no Rio” – in O Globo –

18/05/02, pág. 15;

“Se tiverem que morrer 50, 500, mil bandidos, que morram tantos quantos forem necessários

para garantir a ordem pública no Rio” – César Maia, Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, in o

Globo – 18/05/02, pág. 15;

“A Colômbia gostaria de ter feito no passado o que é preciso fazer agora no Brasil” – “

Para não ser Colômbia amanhã” – Luiz Garcia, jornalista, in O Globo – 23/05/02, pág. 07;

“Quanto mais os morros foram alvos de ações de urbanização, mais o tráfico ousou” –

“Violência: paradoxos e realidade” – Milton Corrêa da Costa, Tenente Coronel reformado da

PMERJ, in O Globo – 23/05/02, pág. 07;

“Estamos vivendo um clima de guerra civil” – Jorge Roberto Silveira, político candidato a

Governador do Estado do Rio de Janeiro, in O Globo – 08/06/02, pág. 09;

“O bom combate” – editorial de O Globo – 10/06/02, pág. 06;

“Nosso correspondente de guerra” – Silviano Santiago, escritor, in O Globo – 11/06/02, pág.

19;

“A Justiça está convocada a alistar-se na guerra contra o crime” – “Medo do Estado” –

editorial de O Globo – 11/06/02, pág. 06;

“O Estado não tem mostrado condições de garantir a segurança” – “Estado de Defesa” –

Marcelo Cerqueira, professor de Direito Constitucional, in O Globo – 12/06/02, pág. 07;

33

“O Rio está perdendo a guerra contra o tráfico?” – in O Globo – 13/06/02, pág. 14;

“O estado de guerra pressupõe medidas adequadas e imediatas, para que evitemos a

ocupação total da nação” – “A nação invadida” – Marcos F. Moraes, médico, in O Globo –

14/06/02, pág. 07;

“Tropas nas ruas, Tema em Discussão” – editorial de O Globo – 15/06/02, pág. 06;

“Atiramos primeiro e perguntamos depois” – Abílio dos Santos Diniz, empresário, in O

Globo – 22/06/02, pág. 17;

“Que diferença moral existe entre atirar contra um exército de inimigos que invade nosso

país e atirar num exército de bandidos que brutalizam trabalhadores? É por isso que eu

afirmo: bandido bom é bandido morto” – “Sem contemplação, Segurança, Tema em

Discussão”– José Guilherme Sivuca, Deputado Estadual do Rio de Janeiro e Delegado de

Polícia Civil aposentado, in O Globo – 22/06/02, pág. 06.

III.6 – A Influência na Formação do Policial Militar

III.6.1 - Teorias Educacionais

Analisando-se superficialmente as teorias propostas por Jean Piaget21, que tentam

explicar como se desenvolve a inteligência nos seres humanos, sendo estas estudadas através da

Epistemologia Genética, que é entendida como sendo o estudo dos mecanismos do aumento dos

conhecimentos, compreende-se que para este cientista, a inteligência é o mecanismo de

adaptação do organismo a uma situação nova, implicando assim na construção contínua de

novas estruturas, logo, os indivíduos se desenvolvem intelectualmente a partir de exercícios e

estímulos oferecidos pelo meio que os cercam. A inteligência do indivíduo, bem como seu

comportamento, como fator resultante da adaptação a situações novas, é construído numa

interação entre o meio e o indivíduo.

Em sua teoria, Piaget mostra que o indivíduo só recebe um determinado conhecimento se

estiver preparado para recebê-lo, não existindo um novo conhecimento sem que o organismo

tenha um conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. Surgem daí dois pólos

da atividade inteligente: assimilação e acomodação, onde a assimilação se dá à medida em que

incorpora a seus quadros todo o dado da experiência, e a acomodação se dá à medida em que a

estrutura se modifica em função do meio, de suas variações.

21 Formado em Biologia, interessou-se por pesquisar sobre o desenvolvimento do conhecimento nos seres humanos.

34

Já Paulo Freire22, define o homem como um ser de reflexão e de relação. A relação com

o outro é a posição que implica na sua relação com o mundo. Esta pedagogia não poderá ter

outros objetivos que não incluam o engajamento do indivíduo, transformando-o então em

sujeito, na prática social e transformadora, tendo a relação indivíduo X sociedade, como

resultado de uma interação dialética do homem e seu meio sócio-cultural

No campo ensino-aprendizagem, Freire pensa que aprender e ensinar é um processo

dialético em que só se ensina o que se aprende. O aluno está como um receptáculo, pronto a

trocar experiências empíricas já adquiridas e absorver conhecimentos e formas de ver a vida, a

sociedade e o mundo. Está em condições psicológicas muito mais favoráveis para adicionar ao

seu cabedal de conhecimento o resultado da experiência da sociedade e a ela acrescentar sua

experiência que é única, porém fundamental para afirmação dialética da sociedade. A grande

importância da escola está não só no que diz respeito à formação intelectual do indivíduo, mas

especialmente no que se refere à formação do indivíduo, à criação de um ambiente de troca

capaz de elevar o nível do desenvolvimento do indivíduo. É possível fazer deste ambiente

escolar mais do que um produtor de diplomas somente, mas sim um verdadeiro co-produtor de

cidadãos.

O homem como um ser que se relaciona e que reflete, objetivamente direcionado para a

formulação de um aprendizado cidadão, isto é, que não lhe proporcione somente o

conhecimento, mas que juntamente lhe dê ferramentas intelectuais para usá-los com fim de

libertação.

O diálogo é meio para a reflexão, trata-se de meio privilegiado para a tomada de

consciência social e política. A relação do diálogo é eminentemente intersubjetiva, assegurando

a relação humana e excluindo as relações de dominação, e servindo de base para a construção da

liberdade. O homem pleno é o sujeito que se relaciona com outros sujeitos.

Será que o conhecimento construído pelo grupo humano está sendo, de fato, socialmente

distribuído? Se o processo de escolarização desempenha um papel fundamental na constituição

do indivíduo que vive numa sociedade letrada e complexa como a nossa, a exclusão, o fracasso

e o abandono da escola, por parte dos alunos e do poder público no tocante à qualidade,

assumem, desta forma, extrema gravidade.

Desafiar, estimular, exigir do intelecto do aprendiz é função do meio ambiente e caso

não seja devidamente direcionado, o indivíduo poderá não chegar ou atrasar-se para a conquista

dos estágios mais elevados de raciocínio. Ao interagir com esses conhecimentos o ser humano

se transforma, absorvendo dois tipos de conhecimentos: os conhecimentos cotidianos e os

22 Professor, educador

35

conhecimentos científicos. Os primeiros são o resultado da vivência, observação e manipulação

e os outros conhecimentos são os adquiridos nas interações escolarizadas.

III.6.2 - O Ensino de Segurança Pública na Polícia Militar do Estado do

Rio de Janeiro Versus a Visão Oficial de Segurança Pública

O Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública, elaborou o

“Programa de Especialistas e Instrutores Policiais” relativo aos profissionais de segurança ao

cidadão – nova denominação adotada aos integrantes das Polícias brasileiras – e, em suas

“Orientações Pedagógicas”, baseado nas Teorias Piagetianas, propõe para modelo de processo

de construção do conhecimento o “Processo de Equilibração”.

Neste Processo, o desenvolvimento intelectual envolve as seguintes funções de

adaptação e organização:

”Adaptação – a atividade intelectual é uma

adaptação, ou seja, uma inter-relação entre indivíduo e meio

( equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação ).

Cada vez que acomodamos um novo problema ou

acontecimento, geramos um esquema mais adaptativo.

Organização – articula esses processos com as

estruturas existentes e reorganiza todo o conjunto.

A Adaptação tem duas formas básicas:

Assimilação – o indivíduo age sobre o mundo ( objeto

e pessoas ) incorporando-os em si mesmo, ou seja em seus

esquemas de ação, em suas estruturas mentais.

Acomodação – é a ação do meio sobre o indivíduo

fazendo com que este se modifique, ou seja, modifique seus

esquemas e estruturas mentais ajustando-os aos novos dados

fornecidos pela assimilação.”

Conforme o demonstrado no Capítulo I, a visão Oficial de Segurança Pública, tanto do

Governo Federal como do Governo do Estado do Rio de Janeiro, independente da cronologia

em suas elaborações, são semelhantes no tocante ao fato de que as políticas para o controle da

violência e da criminalidade, devem partir de todos os níveis governamentais, o Federal, o

Estadual e o Municipal, através de seus Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como

também nas “políticas não-públicas”, contidas nas ações dos diversos segmentos da sociedade,

36

com isso aperfeiçoando, e porque não dizer, “criando o modelo” de um Sistema de Segurança

Pública Brasileiro, por meio de propostas que integrem Políticas de Segurança, Políticas Sociais

e Ações Comunitárias. Sem esta perspectiva, continuarão sendo executadas ações individuais

dos diversos órgãos governamentais, sem uma coordenação, dispendendo esforços e recursos

em ações fragmentadas e sem continuidade, geralmente reagindo a tragédias cotidianas que se

sucedem, falhando em seu objetivo de conduzir a população do Estado do Rio de Janeiro ao

grau de tranqüilidade merecida e desejada e ao pleno gozo de sua cidadania já que hoje, o medo,

é um sentimento democrático, ou seja, ou se unem esforços para a segurança e tranqüilidade de

todos, ou ninguém a sentirá em sua plenitude.

Esta visão conceitual de Segurança Pública constitui-se num marco de ideologia

democrática, pois está alicerçado nos princípios de interdisciplinaridade face sua magnitude,

pluralismo organizacional e gerencial, legalidade, descentralização, imparcialidade,

transparência das ações, participação comunitária, profissionalismo, atendimento das

peculiaridades regionais e no estrito respeito aos direitos humanos.

Para não se ver a função da Polícia como sendo a mera luta contra a violência e o crime,

e sim como uma permanente Polícia Cidadã, uma força claramente da sociedade, para proteger

e servir à população, é necessário a compreensão, por parte de todos os níveis hierárquicos e

funcionais das Polícias do Estado do Rio de Janeiro, desta “Visão Oficial do Sistema de

Segurança Pública”, para que o policial tenha plena consciência de sua inserção dentro deste

Sistema, seja como cidadão, com todos os seus direitos e deveres, seja como “agente da Lei”,

bem como melhor compreender o comportamento dos demais profissionais, além da própria

sociedade, que interagem no Sistema de Segurança Pública.

Na formação do Policial Militar no Estado do Rio de Janeiro, é fundamental que se

estabeleça que a concepção de Segurança Pública não é exclusivamente “militar”, havendo a

dimensão operacional concomitante com a dimensão “civil”, social, tendo que privilegiar a

prevenção e a investigação para que a repressão venha a ser, um dia, menos importante. É

preciso conscientizá-los também que a subnotificação ( carência de registros ) dos fatos

delituosos por parte da sociedade, é feita por falta de confiança na capacidade da Polícia de

recuperar os bens perdidos e prender os culpados, ou então por medo de “se envolver com a

Polícia”, e que a reversão deste quadro só será alcançado através da melhora dos serviços

oferecidos, permitindo uma real visão dos fatos que afligem ao cidadão, podendo, então, serem

melhor planejadas as ações pertinentes.

Dentro desta concepção, somente o Curso Superior de Polícia Militar realizado na Escola

Superior de Polícia Militar, em parceria com a Universidade Federal Fluminense, oferece uma

visão sistêmica de Segurança Pública, apresentando toda a sua complexidade, permitindo uma

37

correta análise do momento atual, o que proporciona o planejamento das ações da Polícia

Militar do Estado do Rio de Janeiro para uma eficiente e eficaz prevenção e para ações de

repressão qualificada. Já o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, realizado no mesmo

Estabelecimento de Ensino, confunde ainda a concepção de Segurança Pública com ações

eminentemente operacionais e pontuais.

Esta visão transmitida à cúpula da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro não é

repassada aos executores da missão junto à sociedade pois, no Curso de Formação de Soldados,

não há sequer a Unidade Didática relativa à Segurança Pública, o que impede o acesso à “parte

visível da Polícia Militar para a sociedade” da compreensão dos meandros dos problemas

sociais que afligem à comunidade em que atuará, dificultando sua transformação

comportamental para atuação como uma “Polícia Cidadã”.

É necessária a reformulação na estrutura de ensino aos agentes policiais23, não só se

atendo à reformulação de currículos, mas devendo a estes agentes ser maciçamente incutida a

missão de prestação de serviços à toda a sociedade, independentemente de suas características

sócio-geográfica-financeira, reforçando a imagem de que o policial e sua família são parte

integrante desta mesma sociedade – muitos parecem se esquecer deste “detalhe” – onde, sua

missão de mediador dos conflitos cotidianos, gera a tranqüilidade necessária ao

desenvolvimento social de todos, inclusive do próprio policial e seus familiares, e a ação

imediata, legal e legítima contra os criminosos – repressão – seja a exceção em sua função.

Para estas novas funções, o agente policial deverá receber em sua formação

conhecimentos específicos para a aplicação da discricionariedade em sua atuação cotidiana,

estando sempre regulado pelos condicionantes legais, surgindo então uma nova interpretação na

aplicação da estrutura hierárquica das Instituições policiais em prol de sua missão.

Com a conscientização do agente policial de sua real missão, inclusive sofrendo sua

avaliação profissional sob esta nova visão, mudar-se-á sua forma de relacionamento com a

sociedade e desta para com ele, podendo daí surgir o embrião dos novos valores a serem

adotados por todos indistintamente.

A visão de Segurança Pública no Sistema de Ensino da Polícia Militar do Estado do Rio

de Janeiro está muito atrelada à análise de aspectos operacionais, jurídicos e penitenciários,

carecendo de perspectivas das ciências sociais sobre o tema, incluindo-se aí estudos

sociológicos, antropológicos e históricos relativos ao tema.

A visão adotada, não corresponde ao preconizado na Política Pública para a Segurança,

Justiça e Cidadania elaborado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, e pelo Plano Nacional

de Segurança Pública, oferecendo uma visão militarista da concepção sobre o tema estudado,

23 Milagres, UERJ, 2000

38

criando uma dicotomia entre o que lhe é transmitido em sua Formação e Aperfeiçoamento, e o

do que lhe é esperado por parte da sociedade quando da execução de suas atividades, conforme

é amplamente divulgado pelo Governo do Estado, à exceção do Curso Superior de Polícia.

Independente da correção da Política Oficial adotada, que não se discute no escopo deste

Trabalho, há que se ter consciência de que o modelo de visão sobre Segurança Pública ainda

enraizado, executado a pelo menos duas décadas, provou sua ineficiência e sua ineficácia, onde

está plenamente provado pelos números oficiais, já que os reais não são conhecidos, de que “à

bala o problema não será resolvido pois, matando e morrendo, as Polícias só conseguem

aumentar as estatísticas do crime, e a sociedade cada vez mais se fecha, provocando a necrose

do tecido urbano”.

Os currículos de todos os Cursos de Formação e Aperfeiçoamento realizados na

Corporação, com certeza possuem matérias e assuntos distribuídos nas diversas Unidades

Didáticas que, mediante uma redistribuição curricular, poderão se aproximar mais da visão

oficial sobre Segurança Pública, permitindo uma adequação conceitual e comportamental entre

a proposta elaborada e divulgada pelo Governo do Estado e as ações práticas relativas à

Formação e Aperfeiçoamento, influenciando diretamente na atuação e comportamento dos

integrantes da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

Por não se ter uma visão clara, e não lhe ser ensinado nas escolas da Polícia Militar, do

que seja Segurança Pública, o Policial Militar formando entra em conflito entre os discursos

oficiais e as imagens mentais que já traz em sua bagagem anterior de vida, pois ao ingressar na

Corporação com a idade mínima de dezoito anos incompletos, podendo até ser com vinte e oito

anos, todo o meio que o cercou, influenciado pela função semiótica que o conduz, é reforçado

pela produção maciça de subjetividades que lhe induzem à imagem de “guerra” por que passa a

sociedade, gerando uma visão distorcida de sua real missão policial.

Capítulo IV – As Canções de Guerra

É tradição nas Corporações militares desde os Cursos de Formação, o uso de cânticos

não oficiais, elaborados pelos próprios componentes das frações de tropa, com objetivos

motivacionais e de criação e reforço de um espírito de coesão do grupo, onde estas “canções”

costumam refletir a mística, a missão ou as ações que os instruendos interpretam de sua real

profissão.

A metodologia da pesquisa nas três Organizações Militares foi realizada somente

solicitando aos Pelotões selecionados pelos próprios Comandos das Unidades de Ensino, que

39

cantassem os cânticos que mais lhe motivavam quando das instruções a que se submetiam, não

os influenciando sobre o teor das referidas letras.

IV.1 – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – Centro de Formação e

Aperfeiçoamento de Praças 31 de Voluntários – CFAP

Cânticos gravados em 04 de junho de 2002.

“Quando a gente passa estremece o CFAP

Terceiro Pelotão o terror de Sulacap

Quando a gente passa é vibração e energia

Terceiro Pelotão o melhor da Companhia

Não sou eu quem fala, quem afirma é o Sargento

Terceiro Pelotão, com esse eu não agüento

Quando a gente passa estremece a Fazenda

Terceiro Pelotão confirmando a velha lenda”.

“Quando eu morrer eu vou de FAL e de BERETTA

Vou lá no inferno dar três tiros no capeta

E o capeta vai ficar desesperado

Meu Deus do céu, tira daqui este Soldado”.

“Ataca, ataca, impõe o seu valor

Não tem medo da morte, ao inimigo causa horror

Nós somos da Primeira, nosso lema é vibração

Estamos sempre prontos a cumprir qualquer missão

Terceiro, CFAP”.

“Olê mulher rendeira

Olé mulher renda

Oi tu me ensina a fazer renda

Que eu te ensino a guerrilhar

Mas se me der uma granada

Eu largo minha namorada

Com um fuzil e uma granada

Eu não preciso mais de nada

40

A noite é minha amiga

A chuva minha companheira

Por este solo que tu pisa

Eu patrulhei a noite inteira”.

IV.2 – Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro – Escola de Bombeiros

Coronel Sarmento

Cânticos gravados em 04 de junho de 2002.

“Pra salvar

Avançar

Enquanto o povo berra

É Deus

No céu

E Bombeiro aqui na Terra”.

“Ei, você que tá no meio da tormenta

Tenha calma eu to de olho em você

Porque aqui é o meu lugar

Eu vim aqui pra te salvar

Já estive cara-a-cara com a morte

Diante do mundo eu fui mais forte

Mas eu não sou comum

Eu sou aquele combatente

Que estava no meio do incêndio

Mas de lá eu escapei

Mas antes disso aquele fogo eu apaguei”.

“Olhe pra mim

Se orgulhe de mim

Eu tenho aquilo que você sempre quis ter

Força, coragem e vibração, pode crer

Este é o lema do CFSd

Eu arrisco minha vida pra poder salvar você”.

41

IV.3 – Corpo de Fuzileiros Navais – Centro de Instrução Almirante

Milciades Portela Alves – CIAMPA

Cânticos gravados em 20 de junho de 2002.

“ Fuzileiro, Fuzileiro, donde tu vieste

Eu venho da montanha da terra do Mendanha

Fuzileiro, Fuzileiro, qual é tua missão

É matar o inimigo e causar destruição.

Eu sou um Fuzileiro audaz

E não vacilarei jamais

Se Fuzileiros querem ser

Ouçam bem o que eu vou dizer

Ousar lutar e querer vencer

Esse é o lema que devem ter

Quando o frio for intenso

E o calor for de amargar

Mas não se esqueça um só momento

Que os Fuzileiros não podem parar.

Entre fogos e metralhas

E granadas a troar

Aí vem a 1ª Companhia

Valorosa vai passar.

Quando eu morrer quero ir de FAL e de BERETTA

Chegar no inferno e dar dois tiros no capeta

Mas o capeta vai ficar desesperado

Meu Deus do céu, tira daqui o guerreiro alado

Mas o capeta gritava e eu não saía

Este Soldado é da 1ª Companhia.

1973

No Araguaia

Operações

Xambioá

42

Foi em Xambioá, foi em Xambioá

Cantos de glória que eu vou agora vou falar

Contra-guerrilha não era brincadeira

Alvo de noite era só faca na caveira

Se algum dia alguém lhe perguntar

Se o teu pai esteve em Xambioá

Diga com orgulho, teu pai esteve lá.

Alerta

Alerta

Deixar

Passar

Os selvagens

Sanguinários

Carniceiros

Cães de guerra

Cães de guerra preparar

Preparar para saltar

Salto livre a comandar

E na selva se embrenhar

Você pode até tentar

Tentar me capturar

Mas no caminho eu vou deixar

Brinquedinhos pra você

Pra quando você passar

Estacas panji vão entrar

E sua víceras rasgar

E o seu corpo possuir

E gargalhadas eu vou dar

Há! há! há! há!.

Me pergunta de onde eu venho

Diz qual é minha missão

Eu trago a morte e o desespero

E a total destruição

43

No cordel uma granada

Acionadores de tração

Quem vier atrás de mim

Só vai ouvir a explosão

E gargalhadas eu vou dar

Há! há! há! há!.

Capítulo V – Conheça as Corporações

V.1 – A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

V.1.1 – Histórico

No início do século passado, como conseqüência da campanha Napoleônica de conquista

do continente europeu, a Família Real portuguesa, juntamente com sua corte, decide mudar-se

para o Brasil. Aqui chegando, a Corte instalou-se no Rio de Janeiro iniciando a reorganização

do Estado no dia 11 de março de 1808, com a nomeação de Ministros.

A segurança pública na época era executada pelos chamados "quadrilheiros", grupo

formado pelo reino português para patrulhar as cidades e vilas daquele país, e que foi estendido

ao Brasil colonial. Eles eram responsáveis pelo policiamento das 75 ruas e alamedas da cidade.

Com a chegada dessa "nova população", os quadrilheiros não eram mais suficientes para fazer a

proteção da Corte, agora com cerca de 60.000 pessoas, sendo mais da metade escravos.

Em 13 de maio de 1809, dia do aniversário do Príncipe Regente, D. João criou a Divisão

Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, formada por 218 guardas com armas e trajes

idênticos aos da Guarda Real Portuguesa. Era composta por um Estado-Maior, 3 regimentos de

Infantaria, um de Artilharia e um esquadrão de Cavalaria. Seu primeiro comandante foi José

Maria Rebello de Andrade Vasconcellos e Souza, ex-capitão da Guarda de Portugal. Como seu

auxiliar foi escolhido um brasileiro nato, Major de Milícias Miguel Nunes Vidigal.

A Divisão Militar teve participação decisiva em momentos importantes da história

brasileira como, por exemplo, na Independência do país. No início de 1822, com o retorno de D.

João VI a Portugal, começaram as articulações para tornar o Brasil um país independente. A

Guarda Real de Polícia, ao lado da princesa D. Leopoldina e o Ministro José Bonifácio de

Andrade e Silva, manteve a ordem pública na cidade de forma coesa e fiel ao então príncipe D.

Pedro, enquanto ele viajava às terras do atual estado de São Paulo.

44

Outro fato histórico que teve participação importante da Divisão Militar da Guarda Real

de Polícia de Corte foi o conflito iniciado em 1865 contra o Paraguai. O Brasil formou com

Uruguai e a Argentina a chamada Tríplice Aliança. Na época o país não tinha um contigente

militar suficiente para combater os quase 80 mil soldados paraguaios. O governo brasileiro se

viu forçado, então, a criar os chamados "Corpos de Voluntários da Pátria". Em 10 de julho,

partiram 510 oficiais e praças do Quartel dos Barbonos da Corte, local onde hoje está o situado

Quartel General da Polícia Militar. A este grupo foi dado o nome de 31º Corpo de Voluntários

da Pátria, atual denominação do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da

corporação. A participação deste grupo foi vitoriosa em todas as batalhas das quais tomou parte:

Tuiuti, Esteiro Belaco, Estabelecimento, Sucubi, Lomas Valentinas e Avaí.

No dia 15 de novembro de 1889, o Corpo Militar da Polícia da Corte teve destacada

participação no apoio ao Marechal Floriano Peixoto, considerado o consolidador dos anseios da

Proclamação da República. Ao alvorecer daquela data, uma tropa ficou a postos na Praça da

Aclamação (hoje Praça da República/Campo de Santana), onde os republicanos estavam

reunidos, para garantir a efetivação do desejo popular.

Em toda sua história, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro já teve 12 diferentes

nomes. Em 1960, a capital do país foi transferida para Brasília e a cidade do Rio de Janeiro

passou a ter o nome de Estado da Guanabara. Até então a instituição era denominada Polícia

Militar do Distrito Federal e passou a ser chamada Polícia Militar do Estado da Guanabara.

No restante do estado a corporação passou a ter o nome de Polícia Militar do Rio de

Janeiro. Em 1975, o Governo Federal decidiu reunir os dois estados. A nova unidade da

federação recebeu o nome de Estado do Rio de Janeiro e, conseqüentemente, fundiram-se,

também, as duas corporações policiais militares. Surgiu então, a atual denominação: Polícia

Militar do Estado do Rio de Janeiro”.

V.1.2 – Missões Institucionais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

A Constituição Federal de 1988 classifica a segurança como um direito social e dedica a este

assunto um capítulo intitulado "DA SEGURANÇA PÚBLICA". Neste capítulo estabelece o

sistema de Segurança Pública, com seus órgãos e funções ( CF, art. 144, incisos I a V ), sendo

este sistema encarregado da:

a) preservação da ordem pública;

b) preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

No tocante às Polícias Militares (CF, art. 144, inciso V), estabelece:

a) sua competência para a execução da polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;

45

b) seu caráter militar, através de sua vinculação ao Exército Brasileiro como Força Auxiliar;

c) sua subordinação aos Governadores dos Estados.

Baseado na Carta Magna é estabelecido o sistema de segurança em nível estadual, de

acordo com o Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que repete os encargos

contidos na legislação federal, da preservação da ordem pública, incolumidade das pessoas e do

patrimônio. São mantidas também sua competência, seu caráter militar e sua subordinação ao

Governador do Estado.

De acordo com os diplomas legais citados, o núcleo das missões das Polícias Militares, e

em especial a do Estado do Rio de Janeiro, está centrado nos conceitos de Ordem Pública e

Polícia Ostensiva. Buscamos no pensamento do eminente administrativista Hely Lopes

Meirelles, explicitado no livro "Direito Administrativo da Ordem Pública", a delimitação do

primeiro conceito: (a) daí decorre a variabilidade do conceito de Ordem Pública no tempo e no

espaço, vinculado sempre à noção de interesse público e de proteção à segurança, à propriedade,

à saúde pública, aos bons costumes, ao bem-estar coletivo e individual, assim como à

estabilidade das instituições em geral. A proteção a esses bens é, modernamente, confiada à

Polícia de Manutenção da Ordem Pública, no nosso país exercida, precipuamente, pela Polícia

Militar estadual; (b) o conceito de Polícia Ostensiva é novo no texto constitucional e expressa

uma ampliação do termo "policiamento ostensivo" ( fase da atividade de Polícia ) para um

contexto mais amplo. Existe uma preferência do constituinte pela prevenção ostensiva constante

( vinculada a identificação dos Policiais Militares pelo uso de uniformes, equipamentos e

armamentos ) em relação a eventuais ações repressivas.

V.1.3 – Área de Ensino na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

Através do Decreto nº 856 de 19 de agosto de 1976 o Governador do Estado do Rio de

Janeiro aprovou o Regulamento da Diretoria Geral de Ensino da Polícia Militar do Estado do

Rio de Janeiro.

A hoje denominada Diretoria de Ensino e Instrução é o órgão de direção setorial

incumbido do planejamento, coordenação, fiscalização e controle das atividades do Sistema de

Ensino da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, subordinada diretamente ao

Comandante-Geral da Corporação.

Para o cumprimento de suas finalidades, compete à Diretoria de Ensino e Instrução, entre

outras atribuições: (1) planejar, orientar, coordenar, controlar e fiscalizar as atividades

relacionadas com a formação, aperfeiçoamento, especialização, atualização, reciclagem e

adestramento de Oficiais e Praças e pesquisa de ensino; (2) aprovar os Planos Gerais de Ensino

e os Planos Didáticos dos Estabelecimentos de Ensino subordinados; (3) manter contatos e

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intercâmbio com organizações congêneres e instituições oficiais e particulares, visando a

apreciação de fatos ou sugestões, de sua competência, que possa contribuir para a maior

eficiência do ensino.

Unidades Subordinadas: Escola Superior de Polícia Militar; Academia de Polícia Militar

Dom João VI; Centro de Qualificação de Profissionais de Segurança, administrado em parceria

com a Secretaria de estado de Segurança Pública e, o que diz respeito ao universo pesquisado

para este trabalho, o Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, Unidade com

origem na Escola de Recrutas da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, inaugurada em 13

de maio de 1933. Em 1963 a Escola de Recrutas transformou-se no Centro de Formação e

Aperfeiçoamento 31 de Voluntários que, em 1967 evoluiu para Centro de Formação e

Aperfeiçoamento de Praças. A alusão do 31 de Voluntários ( Trigésimo Primeiro Batalhão de

Voluntários da Pátria ) é uma homenagem aos nossos Soldados Policiais Militares que

participaram da Guerra do Paraguai, entre 1865 e 1870.

O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças é um Estabelecimento de Ensino

com a finalidade de ministrar a formação básica e o aperfeiçoamento de Praças para a

Corporação.

V.2 – O Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Rio de Janeiro

Após incêndios que alcançavam grandes proporções e inúmeras vítimas, o Imperador D.

Pedro II, através do Decreto Imperial de 02 de julho de 1856, organizou o Serviço de Extinção

de Incêndio, que seria executado por operários dos Arsenais de Guerra e Marinha, das Obras

Públicas e da Casa de Correção, sendo criada e organizada em cada uma dessas repartições uma

seção destinada a esta atividade. Estas seções formavam o Corpo Provisório de Bombeiros da

Corte, sendo seu primeiro Comandante o Major João Batista de Castro Moraes Antas, Oficial do

Corpo de Engenharia do Exército, nomeado em 26 de julho de 1856.

O primeiro uniforme usado na Corporação foi criado pela esposa do Imperador D. Pedro

II, a Princesa Teresa Cristina Maria de Bourbon.

Mais de uma centena de voluntários do Corpo juntaram-se às tropas do Império e

atuaram na Guerra do Paraguai.

Foi inaugurado em janeiro de 1879 o primeiro circuito de caixas avisadoras de incêndio,

composto por doze aparelhos, que foram colocados em pontos estratégicos no centro comercial

da cidade.

Com base numa exposição de motivos do Comandante do Corpo de Bombeiros, tendo

em vista que nos locais de incêndio os Oficiais não eram aceitos como militares nem respeitadas

47

suas patentes, principalmente por Oficiais das Forças Armadas, foi expedido o Decreto Imperial

nº 7766 de 19 de julho de 1880, concedendo graduações militares, equivalente aos postos do

Exército, aos Oficiais do Corpo de Bombeiros, sendo ao seu Diretor Geral concedida a

graduação de Tenente Coronel.

Em 31 de dezembro de 1887 é aprovado o Decreto nº 9.829 estabelecendo o regulamento

que alterava a denominação de alguns cargos e criava o Estado-Maior, tornando a organização

do corpo semelhante à dos corpos de linha do Exército.

No ano de 1889, o Corpo de Bombeiros participou ativamente da Proclamação da

República. Durante esse período foi também incumbido da guarda do Senado Federal.

Em 1891, o Decreto nº 8.837 de 17 de dezembro de 1889(sic) aprovou o regulamento

que dava organização militar ao Corpo de Bombeiros, autorizando o governo empregá-lo, em

caso de guerra, como Corpo de Sapadores ou Pontoneiros, ficando nesta situação com a mesma

organização de Batalhão de Engenheiros.

Em 07 de janeiro de 1894 o Decreto nº 1685 mudou a denominação para Corpo de

Bombeiros do Distrito Federal.

Participação inusitada ocorreu no fim do século XIX, quando os Bombeiros substituíram

os açougueiros em greve, nos principais estabelecimentos da cidade.

Em 1914, ao eclodir a 1ª Guerra Mundial, tendo o Brasil declarado guerra à Alemanha,os

navios brasileiros partiram rumo à Europa, levando à bordo diversos Bombeiros que foram

cedidos especialmente pela Administração do Corpo.

O Decreto nº 12.573, de 11 de junho de 1917, deu nova denominação aos postos e

graduações do Corpo, equiparando-os aos já existentes no Exército.

Com a entrada do Brasil na 2º Guerra Mundial, em abril de 1942, foi entregue ao Corpo

a missão de treinar a população para a defesa passiva, com exercícios diurnos e noturnos.

A Lei nº 427, de 11 de outubro de 1948, equiparou a Corporação às Polícias Militares,

passando a gozar, desta forma, das vantagens e predicados constantes do artigo 183 da

Constituição em vigor. Restabeleceram-se assim, as condições em que se encontrava desde 13

de janeiro de 1917 até a946, ou seja, Força Auxiliar do Exército Brasileiro.

Com a transferência da Capital Federal para Brasília, a Lei nº 3.752 de 14 de abril de

1960, criou o Corpo de Bombeiros do Estado da Guanabara.

O Decreto nº 608 de 09 de outubro de 1961, deu à Secretaria de Segurança Pública a

supervisão e o emprego da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros.

Em 1º de julho de 1974, foi sancionada a Lei Complementar nº 20, que determinava a

fusão do Estado da Guanabara e do antigo Estado do Rio de Janeiro, criando-se assim um único

48

Estado, que passou a chamar-se Estado do Rio de Janeiro, a aprtir de 15 de março de 1975. Por

isso, a Corporação passou a denominar-se Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.

O Decreto Federal nº 75.838, de 10 de junho de 1975, deu ao Corpo de Bombeiros do

Estado do Rio de Janeiro a condição de Organização Militar e, por isso, Reserva do Exército.

Assumiu o Comando, interinamente, o Coronel BM José Halfeld Filho, em 28 de

fevereiro de 1983, tornando-se o primeiro Oficial Bombeiro Militar a comandar o atual Corpo

de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro.

Inaugurado no dia 09 de julho de 1986, o serviço de atendimento médico de emergência,

denominado Grupo de Socorro de Emergência ( GSE ).

Nos dias atuais, o Corpo de Bombeiros do estado do Rio de Janeiro encontra-se

subordinado à Secretaria de Estado de Defesa Civil.

V.3 – O Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil

A Brigada Real da Marinha foi a precursora do Corpo de Fuzileiros Navais. Criada em

Portugal (1797), por Alvará da Rainha D. Maria I, chegou ao Rio de Janeiro, em 7 de março de

1808, acompanhando a família real portuguesa que transmigrava para o Brasil, resguardando-se

das ameaças dos exércitos invasores de Napoleão.

O batismo de fogo dos Fuzileiros Navais ocorreu na expedição à Guiana Francesa

(1808/1809), com a tomada de Caiena, cooperando ativamente nos combates travados até a

vitória.

Após o retorno do Rei D. João VI para Portugal, um Batalhão da Brigada Real da

Marinha permaneceu no Rio de Janeiro. Desde então, os soldados-marinheiros estiveram

presentes em todos os episódios importantes da História do Brasil, como nas lutas pela

consolidação da Independência, nas campanhas do Prata e em outros conflitos armados em que

se empenhou o País.

Ao longo dos anos, o Corpo de Fuzileiros Navais recebeu diversas denominações: Corpo

de Artilharia da Marinha, Batalhão Naval, Corpo de Infantaria da Marinha, Regimento Naval e,

desde 1932, Corpo de Fuzileiros Navais (CFN).

Durante a Segunda Guerra Mundial foi instalado um destacamento de Fuzileiros Navais

na Ilha da Trindade, para defesa contra um possível estabelecimento de base de submarinos

inimiga e, ainda, foram criadas Companhias Regionais ao longo da costa, que mais tarde se

transformaram em Grupamentos de Fuzileiros Navais. Embarcaram, também, nos principais

navios de guerra da Marinha do Brasil.

49

Na década de 50 o CFN estruturou-se para emprego operativo como Força de

Desembarque, passando a constituir parcela da Marinha destinada às ações e operações

terrestres necessárias a uma campanha naval.

Em 1965, integrou a Força Interamericana de Paz na República Dominicana, por

solicitação da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Mais recentemente, os Fuzileiros Navais, como Observadores Militares da Organização

das Nações Unidas (ONU), atuaram em áreas de conflito, como El Salvador, Bósnia, Honduras,

Moçambique, Ruanda, Peru e Equador.

Em Angola, como Força de Paz, participaram da Missão de Verificação das Nações

Unidas (UNAVEM-III) com uma Companhia de Fuzileiros Navais e um Pelotão de Engenharia.

Atualmente, apoiando às Missões Diplomáticas, o CFN vem mantendo destacamentos de

segurança em algumas embaixadas brasileiras.

O Brasil, apesar de conviver pacificamente na comunidade internacional, pode se ver

compelido a envolver-se em conflitos gerados externamente, como conseqüência de ameaças ao

seu patrimônio e aos seus interesses vitais. Daí a necessidade de se prover a Nação com alguma

capacidade militar. Contudo, em face de realidades econômicas, sociais e tecnológicas do

Brasil, torna-se impossível o estabelecimento de forças capazes de defender,

incondicionalmente, o país. Por esses motivos, a Marinha encontra-se configurada como uma

força moderna, de porte compatível com as possibilidades atuais do País, apta a impor um custo

elevado a uma eventual opção militar, dissuadindo agressões e incentivando a solução pacífica

das controvérsias. Sua estratégia é priorizar a qualidade ao invés da quantidade.

Nesse contexto, o Corpo de Fuzileiros Navais é a parte integrante da Marinha do Brasil

destinada, primordialmente, a lhe dar capacidade anfíbia, projetando o Poder Naval sobre a

terra, além de prover a segurança das instalações terrestres de interesse naval.

Assim, em um país de destinação e vocação marítimas, como é o caso do Brasil, a

existência do Corpo de Fuzileiros Navais está baseada na necessidade de uma tropa de elite,

permanentemente aprestada para a ação militar em curto prazo, em qualquer lugar, sob

quaisquer condições e pelo tempo que se fizer necessário. É uma força de pronto emprego,

profissional, constituída por pessoal voluntário e motivado por arraigado espírito de corpo, fiel

ao lema da Marinha: "Tudo pela Pátria".

Capítulo VI – Conclusão e Sugestões

50

O clima de guerra que campeia já a alguns anos e vem contaminando a sociedade

fluminense, principalmente face ao papel formador de opinião desempenhado pela mídia, faz

parte do subconsciente do formando da Polícia Militar pois, o mesmo quando de sua formação

básica como indivíduo, é influenciado pelo meio que o cerca, conhecendo e adquirindo a

importância que se dá a todos os signos fálicos estereotipados do “macho latino” e, face à

camada social que normalmente “abastece” de efetivo os quadros da Polícia Militar,

principalmente no âmbito dos Praças, já possui uma experiência prática da atuação

“combativa” tradicionalmente adotada pela Corporação.

Como aluno do Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar, este cidadão, já de

posse de toda sua bagagem cultural, moral, ética e social, além das experiências práticas já

vivenciadas face à idade em que ingressa nas fileiras, está ávido para receber os ensinamentos

profissionais específicos, formando a partir de seu ingresso, “sua identidade policial militar”,

onde a militar é bastante reforçada em seu período de qualificação.

Apesar de todo o “discurso oficial” adotado sobre as reais missões e formas de atuação

do Agente de Segurança do Cidadão, o formando está sujeito em seu novo ambiente, na prática,

a todo peso do ethos militar e à imagem subjetiva do “valor do combate ao inimigo” e, ao

entoar diuturnamente Canções de Guerra destoantes da correta visão de sua missão policial,

não sendo estas coibidas por seus instrutores, quando não incentivadas, apesar da agradável

surpresa em saber que o atual Comando do Centro de Formação de Praças 31 de Voluntários

está impedindo “certos tipos de letras” destes cânticos, somente reforça-se junto aos formandos

os signos adotados pelo meio que o cerca e são reafirmados permanentemente.

Ao Policial Militar não pode ser incutida a missão de “combater o inimigo”, e sim que

está passível de, ao se confrontar com o infrator da Lei, e/ou ao perturbador da ordem pública,

agir de maneira comedida e, se necessário for o confronto com este cidadão, que em nenhum

momento pode ser esta condição obnubilada, usar os meios de repressão qualificada,

defrontando-se, e não combatendo com o resistente dentro dos parâmetros legais.

Pelo exemplo das “Canções de Guerra” aqui transcritas, vê-se claramente que a visão

por parte dos futuros Policiais Militares está mais para os combatentes do Corpo de Fuzileiros

Navais, do que para os do Corpo de Bombeiros, onde a missão destes de servir à sociedade está

latente em seus cânticos, enquanto que os cânticos dos Policiais Militares e dos Fuzileiros

Navais estão mais voltados para o “inimigo”.

Para se reverter esta perigosa situação, os currículos dos Cursos de Formação deverão

passar por uma reformulação de suas Unidades Didáticas onde, às matérias, deverão ser

acrescentadas obrigatoriamente análises conceituais, históricas e comparativas sobre Segurança

Pública, reformulação esta obrigatoriamente sob a coordenação da Diretoria de Ensino e

51

Instrução, e não dos Comandantes das Unidades de Ensino, padronizando e proporcionando a

todos os Policiais Militares, independentemente de Posto ou Graduação, uma noção dissociada

da atual visão de que iniciativas do Estado no campo de Segurança Pública, são sempre através

de seus Órgãos Policiais e/ou Judiciários. Estas perspectivas antiquadas trazem o risco de se

reduzir o problema da Segurança Pública a suas dimensões penais e àquelas relativas ao uso da

força. Esses componentes finais da manutenção da ordem pública, objetivo final de qualquer

Política de Segurança, não podem ser suplantados na visão de que, corretamente, na concepção

e orientação de escolhas de estratégias a serem adotadas, estarão sempre envolvidos princípios e

dinâmicas de caráter filosófico, sociológico, histórico, ético e político.

Quanto às “Canções de Guerra” entoadas na Polícia Militar do Estado do Rio de

Janeiro, deveria-se ser conscientizado aos formandos, e não imposto, pois se assim for, será o

fracasso na missão de bem formá-los, quais devem ser suas mensagens, induzindo seus

“autores”, muitos egressos dos quadros das Forças Armadas24, de onde trazem a visão de

guerra, a utilizarem sua criatividade para reforçar a nobre missão de proteger democraticamente

a sociedade, estabelecendo-se novos signos a serem adotados.

O Policial Militar que está sendo induzido ao clima psicológico de “guerra civil” que se

está querendo legitimar, tornar-se-á perigoso à toda a sociedade, pois não haverá, em curtíssimo

prazo, como ele mesmo distinguir as “áreas perigosas” que os formadores de opinião

estabelecem subjetivamente de acordo com seus interesses, nem como saber quem são os

“inimigos”, logo, tomando-se como “suspeitos” todos aqueles que não “vistam sua farda”,

independente de região ou bairro da cidade, tornando toda a sociedade vulnerável às ações e

inevitáveis conseqüências do “combate sem tréguas”. Este fato se torna concreto e ameaçador

quando se ouve um “Policial Militar” dando entrevista no jornal “Bom Dia Brasil” da Rede

Globo de Televisão, no dia 04 de julho de 2002, afirmar

“Os bandidos podem tudo, e nós policiais não

podemos nada”.

Nota-se assim que este Profissional de Segurança do Cidadão despreparado, desconhece

frontalmente o fato de que ao marginal é facultado o “pode tudo”, justamente por se tratar de

um infrator da Lei, não se podendo admitir o uso dos mesmos métodos marginais por parte de

agentes públicos, ocasionando com isso, caso adotado, como muitas “falas autorizadas”

defendem para “certas áreas”, que não mais haveria a nítida linha divisória entre as pessoas 24 Dos 7.740 cidadãos incorporados aos diversos Cursos de Formação de Soldados da PMERJ nos anos de 2000/2001, 2.712 ( 35,03 % ) serviram às Forças Armadas, e 5.028 receberam o Certificado de Dispensa de Incorporação – Fonte: Centro de Recrutamento e Seleção de Praças da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.

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regidas pelos ditames da Lei, e os infratores desta. O lema de todo Policial Militar deveria ser o

de “fazer cumprir a Lei, cumprindo a Lei”.

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