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CÂMARA DOS DEPUTADOS CPI – Tráfico de Pessoas no Brasil 1 *CD142455375347* CÂMARA DOS DEPUTADOS CPI – TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A INVESTIGAR O TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL, SUAS CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E RESPONSÁVEIS NO PERÍODO DE 2003 A 2011, COMPREENDIDO NA VIGÊNCIA DA CONVENÇÃO DE PALERMO. RELATÓRIO FINAL Presidente: Deputado Arnaldo Jordy Relatora: Deputada Flávia Morais Brasília, maio/2014

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

CPI – TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL

COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A INVESTIGAR O TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL, SUAS CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E RESPONSÁVEIS NO PERÍODO DE 2003 A 2011, COMPREENDIDO NA VIGÊNCIA DA CONVENÇÃO DE PALERMO.

RELATÓRIO FINAL

Presidente: Deputado Arnaldo Jordy

Relatora: Deputada Flávia Morais

Brasília, maio/2014

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SUMÁRIO

1. Da criação e composição da CPI ................................................................................... 4

2. Composição da Comissão .............................................................................................. 8

3. Considerações gerais acerca do tráfico de pessoas....................................................... 11

4. Legislação aplicada ao tráfico de pessoas .................................................................... 21

5. Análise da legislação em vigor .................................................................................... 26

6. Considerações acerca do 1º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ... 38

7. Resumo dos principais itens do 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ................................................................................................................. 39

8. Cotejo entre os dois Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas .......... 41

9. Importância da perícia criminal na apuração de crimes de tráfico de pessoas ............... 42

10. Relação entre o tráfico de seres humanos e a exploração de trabalho em condição análoga à de escravo ............................................................................................................... 45

11. As redes de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil ......................................... 56

11.1. Casos de exploração sexual e tráfico de pessoas no Estado de Goiás ............... 56

11.2. Tráfico de pessoas no Estado do Pará ............................................................. 61

11.3. Tráfico de pessoas no Município de Oiapoque-AP ............................................ 79

11.4. Tráfico de pessoas em Itaquaquecetuba, no Estado de São Paulo .................... 85

11.5. Outros relatos de tráfico de seres humanos no Estado de São Paulo .............. 102

11.6. Tráfico de pessoas no Estado de Pernambuco ............................................... 112

11.7. Tráfico de pessoas no Estado do Rio Grande do Sul ....................................... 127

11.8. Tráfico de pessoas no Distrito Federal .......................................................... 129

11.9. Tráfico de pessoas no Estado do Ceará ......................................................... 130

11.10. Tráfico de pessoas no Estado do Acre ........................................................... 130

11.11. Tráfico de pessoas no Estado do Rio de Janeiro ............................................. 131

12. Relatório parcial apresentado pela CPI ..................................................................... 132

13. Casos investigados pela CPI ...................................................................................... 149

13.1. Caso da ONG Limiar, intermediadora de adoções internacionais no Paraná ... 151

13.2. Caso de “crianças inadotáveis” no Estado do Paraná ..................................... 191

13.3. Caso das crianças de São João do Triunfo, no Estado do Paraná ..................... 193

13.4. Caso de suspeita de exploração sexual de adolescente na praia de Itaparica em Vila Velha-ES .......................................................................................... 198

13.5. Tráfico de crianças em Belo Horizonte-MG ................................................... 198

13.6. Caso de trabalho escravo em Belo Horizonte-MG .......................................... 216

13.7. Caso da guarda da menor Fernanda Almeida Ramos em Mazagão-AP ........... 218

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13.8. Caso das modelos Ludmila e Luana, enviadas para a Índia ............................. 220

13.9. Caso da modelo Monique Menezes da Silva, enviada para a Índia ................. 226

13.10. Caso dos operários da Usina de Jirau ............................................................ 229

13.11. Caso da adoção de cinco crianças em Monte Santo-BA .................................. 239

13.12. Tráfico de pessoas para Salamanca – Espanha .............................................. 254

13.13. Caso dos adolescentes recrutados como jogadores de futebol pelo Sr. Reginaldo Pinheiro dos Anjos .................................................................. 256

13.14. Caso da Sra. Telma Rodrigues dos Nascimento .............................................. 258

13.15. Caso da menor Fernanda Ellen Miranda Cabral de Oliveira, desaparecida em João Pessoa ........................................................................................... 261

13.16. Caso das garotas do Pantanal-MS ................................................................. 265

13.17. Caso Cirlene Aeschbacher ............................................................................ 266

13.18. Caso São Pedro da Aldeia ............................................................................. 267

13.19. Caso Fernando Marinho de Melo - Oficial Superior de Máquinas da MarinhaMercante, condenado pelo sequestro de Larissa Santos, de 12 anos, e investigado em outros dezessete casos de desaparecimento de menores ................................................................................................. 268

13.20. Caso Sérgio Leonardo, no Estado do Tocantins .............................................. 292

13.21. Sequestro de bebê em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso ............................ 318

13.22. Caso do site Garota Copa 2014, no Estado do Mato Grosso ............................ 322

13.23. Caso Lorisvaldo, no Estado de São Paulo ....................................................... 323

13.24. Caso Lindsay ................................................................................................ 324

13.25. Caso da Portuguesa Santista ........................................................................ 339

13.26. Caso Delivery, no Estado do Acre .................................................................. 340

13.27. Caso Charlotte Merryl, no Estado de São Paulo ............................................. 342

13.28. Caso Itaquaquecetuba, no Estado de São Paulo ............................................ 365

13.29. Caso de Belo Monte ..................................................................................... 372

13.30. Outras audiências realizadas pela Comissão ................................................. 377

14. Audiência pública realizada em 13/08/2013, para debater a regulamentação das atividades dos profissionais do sexo ......................................................................... 378

15. Indiciamentos feitos pela Comissão .......................................................................... 384

16. Encaminhamentos feitos pela Comissão ................................................................... 387

17. Conclusão................................................................................................................. 390

Parecer da Comissão ....................................................................................................... 393

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DA CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA CPI

Criada por Ato da Presidência da Câmara dos Deputados, de 09 de

fevereiro de 2012, e constituída em 28 de março de 2012, esta CPI decorreu de

Requerimento formulado pelo Deputado Arnaldo Jordy e outros, com a finalidade

a investigação do tráfico de pessoas no Brasil, suas causas, consequências e

responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da

Convenção de Palermo, cujo teor transcrevemos:

“REQUERIMENTO Nº , DE 2011.

(Do Sr. Arnaldo Jordy e outros )

Requer a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar O TRÁFICO DE PESSOAS no Brasil, suas causas, conseqüências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo.

Excelentíssimo Senhor Presidente:

Requeremos a Vossa Excelência, nos termos do art. 58, § 3º, da

Constituição Federal – CF,c/c os arts. 35, 36 e 37, do Regimento Interno da

Câmara dos Deputados – RICD, a instituição de Comissão Parlamentar de

Inquérito – CPI, para investigar o TRÁFICO DE PESSOAS NO BRASIL, suas

causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido

na vigência da Convenção de Palermo.

A Comissão será composta por 23 membros e igual número de suplentes,

e terá o prazo de 120 dias, prorrogável por até metade.

Os recursos financeiros e administrativos e o assessoramento necessários

ao funcionamento desta Comissão serão providos por recursos orçamentários da

Câmara dos Deputados.

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JUSTIFICATIVA

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, é o principal instrumento

global de combate ao crime internacional.

A Convenção é complementada pelos protocolos que abordam áreas

específicas: Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas; Combate

ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; e Contra a

Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo.

Os Estados Membros que ratificaram este instrumento se comprometem a

adotar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional, incluindo a

tipificação criminal na legislação nacional de atos como a participação em grupos

criminosos organizados, lavagem de dinheiro, corrupção e obstrução da justiça. A

convenção também prevê que os governos adotem medidas para facilitar

processos de extradição, assistência legal mútua e cooperação policial.

Para a Organização das Nações Unidas – ONU, o número de pessoas

traficadas no planeta atinge a casa dos quatro milhões anuais. Em meio a essas

denúncias, veio à tona uma realidade espantosa: o Brasil é um dos países

campeões no mundo em relação ao fornecimento de seres humanos para o

tráfico internacional.

O tráfico de pessoas tomou visibilidade no contexto brasileiro e foi

considerado um problema de governo no Brasil após divulgação dos resultados

de Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de

Exploração Sexual Comercial no Brasil (PESTRAF), encomendada pela

Organização dos Estados Americanos – OEA. Tal pesquisa evidenciou a

ocorrência e a gravidade desse problema em todo o território brasileiro,

apontando a existência de mais de 240 rotas de tráfico interno e internacional de

crianças, adolescentes e mulheres brasileiras. Merece destaque também os

trabalhos conduzidos pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, do

Congresso Nacional, instituída em 2003, com o propósito de investigar as

situações de violência e as redes de exploração sexual de crianças e

adolescentes no Brasil.

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O Estado de Goiás lidera o ranking nacional de tráfico de pessoas com

18,6% dos casos na última década, mesmo com uma população sete vezes

menor que a de São Paulo, que vem em segundo lugar com 12,8% dos casos.

O Grupo de Pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração

Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescente – Violes, da Universidade de Brasília

– UNB, apontou em 2010, foco de tráfico de pessoas em 930 cidades brasileiras

tendo como os principais destinos Portugal, Itália, Suíça e Espanha, para a

exploração sexual, tráfico de drogas, trabalho escravo, venda de crianças e de

órgãos. Além desses países, tem sido mais comum o tráfico para os países de

língua portuguesa e os de fronteira com o Brasil.

O Brasil também é receptor de pessoas traficadas, as vitimas são

submetidas principalmente ao trabalho escravo em industrias clandestinas nos

grandes centros, vindas principalmente dos países bolivarianos, africanos e

asiáticos.

Apontado como uma das atividades criminosas mais lucrativas do mundo,

o tráfico de pessoas faz cerca de 2,5 milhões de vítimas, movimentando,

aproximadamente, 32 bilhões de dólares por ano, segundo dados da ONU sobre

Drogas e Crimes – UNODC. Atualmente, esse crime está relacionado a outras

práticas criminosas e de violações aos direitos humanos, servindo, não apenas à

exploração de mão-de-obra escrava, mas também a redes internacionais de

exploração sexual comercial, muitas vezes ligadas a roteiros de turismo sexual, e

a quadrilhas transnacionais especializadas em remoção de órgãos.

Estimativas do UNODC indicam que a exploração sexual é a forma de

tráfico de pessoas com maior frequência (79%), seguida do trabalho forçado

(18%), atingindo, especialmente, crianças, adolescentes e mulheres. O fato é que

o tráfico de pessoas não é um problema só dos países de origem das vítimas,

mas também dos de trânsito e de destino, que devem coibir, principalmente, o

consumo de produtos deste crime.

Destaca-se ainda que em casos investigados, as mulheres formam a

maioria das vítimas. Isso ocorre, principalmente, pela intensa atuação das redes

internacionais de prostituição no Brasil. A maioria tem entre 18 e 21 anos, com

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pouco estudo, e os critérios para escolha das vítimas são desinibição, porte físico,

dotes artísticos e cor da pele.

Esta Casa, na legislatura passada já instaurou CPI para analisar as causas

do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes. Nosso objetivo é não

especificar e particularizar as investigações, mas sim amplia-la, no sentido de

aprofundar e analisar desde o recrutamento, o transporte, a transferência, o

alojamento ou acolhimento de pessoas, as redes formadas, bem como as formas

de combate e a estruturação de políticas públicas. Quando se utilizar desde a

ameaça ou uso da força até a coação, ao rapto, a fraude, ao engano, ao abuso de

autoridade ou a situação de vulnerabilidade ou a entrega ou aceitação de

pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha

autoridade sobre outra para fins de exploração, pois é isto que define claramente

o tráfico de pessoas.

São várias as recentes manchetes recente de Jornais do país inteiro:

“POLÍCIA DESCOBRE ESQUEMA DE TRÁFICO DE TRAVESTIS EM

SP”

Na quarta-feira, 02 de fevereiro, próximo passado a Policia Civil de

São Paulo desmantelou uma rede de tráfico de pessoa s para exploração

sexual. Por acaso, quando procuravam um jovem desap arecido, a polícia

encontrou duas pensões que abrigavam mais de 70 tra vestis, entre eles,

seis adolescentes. A maioria das supostas vítimas d e tráfico sexual é

proveniente da região Norte do País.

“PARAENSE 'ESCRAVA DO SEXO' É RESGATADA” (Diário d o Pará)

“TRAVESTIS PARAENSES LEVADOS PARA SE PROSTITUIR EM SÃO

PAULO”

O Diário do Pará teve acesso ao apelo dramático de uma mãe

residente na Região Metropolitana de Belém, para qu e os órgão

responsáveis resgatassem sua filha de 26 anos, que desde 2006 estava na

condição de prisioneira em uma boate no Suriname. E várias outras

matérias relacionadas ao tema.

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O assunto é grave, desta forma a bancada do PPS entende que a

instalação de uma CPI constitui instrumento fundamental para investigar as

denúncias relatadas, trazendo uma resposta para a sociedade sobre o tráfico

internacional de pessoas.

Conclui-se que estes fatos, de relevante interesse para a Nação, exigem

que o Congresso Nacional, cumprindo o seu fim institucional e atendendo a

reclamos sociais, manifeste-se a respeito, e com todo o rigor que a situação

exige.

Face ao exposto, propomos, por meio deste Requerimento, a criação de

uma CPI com o intuito, não só de apurar, de forma aprofundada, as causas do

tráfico seres humanos, mas também produzir propostas para a prevenção e

fiscalização dessa forma de ilícito e de violação de direitos humanos,

apresentando assim, uma resposta à sociedade brasileira.

Sala das Sessões, em de fevereiro de 2011.

Deputado ARNALDO JORDY

PPS/PA

COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO

A Comissão foi composta de 30 (trinta) membros titulares e de igual

número de suplentes, mais um titular e um suplente, atendendo ao rodízio entre

as bancadas não contempladas, designados de acordo com os §§ 1º e 2º do art.

33, combinado com o § 5º do art. 35, todos do Regimento Interno, com a seguinte

estrutura:

Presidente: Arnaldo Jordy (PPS/PA)

1º Vice-Presidente: Luiz Couto (PT/PB)

2º Vice-Presidente: Fernando Francischini (PEN/PR)

3º Vice-Presidente: Asdrubal Bentes (PMDB/PA

Relator: Flávia Morais (PDT/GO)

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DEPUTADOS TITULARES

Luiz Couto PT/PB (Gab. 442-IV); Miriquinho Batista PT/PA (Gab. 435-IV);

Nelson Pellegrino PT/BA (Gab. 834-IV); Sibá Machado PT/AC (Gab. 421-IV);

Asdrubal Bentes PMDB/PA (Gab. 410-IV); Edio Lopes PMDB/RR (Gab. 350-IV);

Flaviano Melo PMDB/AC (Gab. 224-IV); Teresa Surita PMDB/RR (Gab. 250-IV);

João Campos PSDB/GO (Gab. 315-IV); Paulo Abi-ackel PSDB/MG (Gab. 460-IV);

Missionário José Olimpio PP/SP (Gab. 507-IV); Rebecca Garcia PP/AM (Gab.

520-IV); Mendonça Prado DEM/SE (Gab. 508-IV); Davi Alves Silva Júnior PR/MA

(Gab. 831-IV); Paulo Freire PR/SP (Gab. 273-III); Janete Capiberibe PSB/AP

(Gab. 209-IV); Severino Ninho PSB/PE (Gab. 380-III); Flávia Morais PDT/GO

(Gab. 738-IV); Arnaldo Jordy PPS/PA (Gab. 376-III); Leonardo Gadelha PSC/PB

(Gab. 735-IV); Antonio Bulhões PRB/SP (Gab. 327-IV); Liliam Sá PSD/RJ (Gab.

434-IV); Moreira Mendes PSD/RO (Gab. 943-IV); Fernando Francischini PEN/PR

(Gab. 265-III) - vaga do PSDB.

DEPUTADOS SUPLENTES

Arthur Oliveira Maia PMDB/BA (Gab. 537-IV); João Magalhães PMDB/MG

(Gab. 211-IV); Marinha Raupp PMDB/RO (Gab. 614-IV); Nelson Marchezan

Junior PSDB/RS (Gab. 368-III); Gladson Cameli PP/AC (Gab. 956-IV); José

Otávio Germano PP/RS (Gab. 424-IV); Anderson Ferreira PR/PE (Gab. 272-III);

Sebastião Bala Rocha PDT/AP (Gab. 608-IV); Carmen Zanotto PPS/SC (Gab.

503-IV); Josué Bengtson PTB/PA (Gab. 505-IV);

ATUAL COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO

A Comissão, atualmente, encontra-se estruturada com os seguintes

participantes:

Presidente: Arnaldo Jordy (PPS/PA)

1º Vice-Presidente: Luiz Couto (PT/PB)

2º Vice-Presidente:

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3º Vice-Presidente:

Relator: Flávia Morais (PDT/GO)

DEPUTADOS TITULARES

Luiz Couto PT/PB (Gab. 442-IV); Miriquinho Batista PT/PA (Gab. 435-IV);

Nelson Pellegrino PT/BA (Gab. 826-IV); Sibá Machado PT/AC (Gab. 421-IV);

Asdrubal Bentes PMDB/PA (Gab. 410-IV); Edio Lopes PMDB/RR (Gab. 350-IV);

Flaviano Melo PMDB/AC (Gab. 224-IV); João Magalhães PMDB/MG (Gab. 211-

IV); João Campos PSDB/GO (Gab. 315-IV); Paulo Abi-ackel PSDB/MG (Gab.

460-IV); Missionário José Olimpio PP/SP (Gab. 507-IV); Roberto Teixeira PP/PE

(Gab. 450-IV); Mendonça Prado DEM/SE (Gab. 508-IV); José Rocha PR/BA (Gab.

908-IV); Paulo Freire PR/SP (Gab. 273-III); Janete Capiberibe PSB/AP (Gab. 209-

IV); Severino Ninho PSB/PE (Gab. 380-III); Flávia Morais PDT/GO (Gab. 738-IV);

Arnaldo Jordy PPS/PA (Gab. 376-III); Antônia Lúcia PSC/AC (Gab. 444-IV);

Antonio Bulhões PRB/SP (Gab. 327-IV); Marcos Montes PSD/MG (Gab. 334-IV) -

vaga do PMN; Moreira Mendes PSD/RO (Gab. 943-IV); Fernando Francischini

SDD/PR (Gab. 265-III) - vaga do PSDB; José Augusto Maia PROS/PE (Gab.

758-IV) - vaga do PTB; Liliam Sá PROS/RJ (Gab. 434-IV) - vaga do PSD; Major

Fábio PROS/PB (Gab. 368-III).

DEPUTADOS SUPLENTES

Eduardo Cunha PMDB/RJ (Gab. 510-IV); Eliseu Padilha PMDB/RS (Gab.

222-IV; Marinha Raupp PMDB/RO (Gab. 614-IV); Izalci PSDB/DF (Gab. 284-III);

Nelson Marchezan Junior PSDB/RS (Gab. 250-IV); Gladson Cameli PP/AC (Gab.

956-IV); José Otávio Germano PP/RS (Gab. 424-IV); Professora Dorinha Seabra

Rezende DEM/TO (Gab. 432-IV); Anderson Ferreira PR/PE (Gab. 272-III); Davi

Alves Silva Júnior PR/MA (Gab. 831-IV); Josué Bengtson PTB/PA (Gab. 505-IV);

Leonardo Gadelha PSC/PB (Gab. 735-IV); Acelino Popó PRB/BA (Gab. 576-III);

Geraldo Thadeu PSD/MG (Gab. 248-IV) - vaga do PMDB; Sebastião Bala Rocha

SDD/AP (Gab. 608-IV) - vaga do PDT.

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3. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO TRÁFICO DE

PESSOAS

O tráfico de pessoas é um fato e uma prática que remonta à antiguidade. O

comércio de seres humanos para fins ilícitos esteve presente na história desde

sempre. Nos tempos modernos, face ao aspecto transfronteiriço que muitas vezes

reveste o tráfico de pessoas, a comunidade internacional identificou, há muito

tempo, a necessidade de se lançar mão da cooperação bilateral e, principalmente,

multilateral, como forma de combate relativamente efetivo ao tráfico de pessoas e

a toda a criminalidade associada a esse tipo de conduta. O tráfico de pessoas é

praticado com diversas finalidades.

Aliciamento para a exploração sexual. Esta forma de tráfico se

manifesta por meio do aliciamento para suposto trabaho em outras cidades do

Brasil – tráfico interno - ou no exterior – tráfico internacional. São propostas de

emprego que parecem vantajosas e atingem pessoas em situação de pobreza, de

desemprego ou de deslumbramento com a possibilidade de migrar para uma

cidade grande e ter uma vida mais glamourosa.

Esse esquema conta com uma rede de criminosos bem extensa, que

envolve donos de hotéis, de bares, de boates, de agências de viagem, de

agências de emprego e até mesmo autoridades e agentes públicos, como

policiais, delegados e políticos.

Quando o tráfico é internacional, as pessoas aliciadas recebem

passaportes falsos, providenciados pelos próprios aliciadores. Alguns destinos

são bastante conhecidos, como é o caso de Portugal, Espanha, Holanda e

Suriname, para onde dezenas de pessoas são traficadas a cada ano para fins de

exploração sexual.

As propostas de emprego são as mais diversas: trabalho como babá,

comumente denominado “au pair”, trabalho como doméstico, contrato de modelo,

proposta para atuar como jogador de futebol, entre outras atividades.

Aliciamento para trabalho escravo. Neste caso, as pessoas são atraídas

por propostas de emprego com salários elevados e, ao chegarem ao destino

combinado, são colocados em situação semelhante à de escravos.

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Tudo começa com as despesas de viagem feitas pelos aliciadores e

cobradas dos aliciados. Assim essa pessoa já inicia o vínculo com o aliciador

devendo o valor do transporte, de hotéis e de alimentação feitos para chegar até o

local da prestação de serviços.

Em seguida, o aliciador passa a cobrar o valor da hospedagem, da

alimentação e outras despesas ocorridas no local de trabalho. Esses preços

costumam ser elevados além do valor normal de mercado, de modo que a dívida

do aliciado atinge valores superiores em muito ao salário pago, quando é pago.

Isso faz com que o trabalhador semelhante a escravo nunca tenha condições de

quitar a dívida com o explorador.

A consequência disso é que o trabalhador não recebe pagamento e ainda

fica devendo, dívida esta que só aumenta, tornando impossível o seu

cumprimento.

Nesse momento, o trabalhador é impedido de deixar o local de trabalho,

sendo vigiado por capangas e, em alguns casos, tem os documentos confiscados

pelo explorador.

Quando o tráfico é internacional, a providência tomada pelo aliciador é

confiscar o passaporte do aliciado, o que lhe impede de se movimentar livremente

no país estrangeiro e inviabiliza o seu retorno ao país de origem.

Tráfico para retirada de órgãos. Outra suspeita que vem tomando espaço

na mídia e entre diversas autoridades é a possibilidade de que pessoas estão

sendo traficadas internamente ou internacionalmente com o objetivo de retirada

de órgãos.

Tráfico de crianças para adoção clandestina. Esta é outra modalidade

de tráfico, geralmente de crianças até os três anos de idade, com o objetivo de

negociá-las com casais estrangeiros, para fins de adoção à margem da lei.

Atualmente, o tráfico de seres humanos é um das atividades criminosas

mais lucrativas do mundo. Segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre

Drogas e Crime, a atividade movimenta US$ 32 bilhões por ano. As quadrilhas

são responsáveis pelo tráfico ilegal de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas.

Relatório divulgado em fevereiro de 2011 aponta ainda que 79% dos casos estão

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ligados à exploração sexual, que na maioria das vezes envolvem mulheres e

crianças.

No Brasil, levantamento do Ministério Público Federal - MPF, que compilou

os resultados de ações movidas até 2008 para combater o tráfico de pessoas,

mostra que os casos mais frequentes são relacionados ao uso de mão-de-obra

escrava: 536 processos. O tráfico de mulheres para fins de prostituição aparece

em segundo lugar (183 casos). Ao todo, nos tribunais regionais federais há 115

ações de combate ao tráfico de pessoas, além de 817 processos tramitando na

primeira instância da Justiça Federal. Há diversas condenações transitadas em

julgado. Devemos levar em consideração que esses dados se baseiam apenas

nos casos denunciados, sem esquecermos que a situação de tráfico é ainda mais

grave, considerando-se os casos velados, as hipóteses que não chegam ao

conhecimento das autoridades, inclusive devido à intimidação exercida sobre

vítimas e testemunhas.

No Século XX, os esforços da comunidade internacional para combater o

tráfico de pessoas resultaram na firma, em 1926, ainda no âmbito da extinta

Sociedade das Nações, de uma Convencão visando ao combate ao tráfico de

escravos, caracterizando este como todo “ato de captura, aquisicão ou cessão de

um indivíduo para vende-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou cambio

de um escravo, adquirido para vende-lo ou trocá-lo e, em geral, todo ato de

comércio ou de transporte de escravos”. Mais tarde, a Convencão de Genebra,

de 1956, já sob a égide das Nações Unidas, tratou novamente da questão e

repetiu esses conceitos, ampliando, porém, o foco para instituicões e práticas

análogas à escravidão, nomeando expressamente a servidão por dívidas, bem

como o casamento forcado de uma mulher em troca de vantagem economica

para seus pais ou terceiros; a entrega, onerosa ou não, de uma mulher casada

pelo seu marido, sua família ou seu clã a terceiro; os direitos hereditários sobre

uma mulher viúva; a entrega, onerosa ou não, de menor de 18 anos, a terceiro,

para exploracão.

Além da definição dos compromissos assumidos pelos Estados signatários,

quanto ao estabelecimento de medidas de natureza administrativa e civil visando

a modificar as práticas análogas à escravidão de mulheres e criancas, a

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Convencão de Genebra de 1956 estabeleceu o compromisso para os Estados

Partes no sentido de definir como crimes, entre outras práticas, as condutas

consistentes em transportar ou de tentar transportar escravos de um país a outro,

de mutilar ou aplicar castigos, de escravizar alguém ou de incitar alguém a alienar

sua liberdade ou de quem esteja sob sua autoridade.

Paralelamente à questão do tráfico de pessoas relacionado à escravidão e

ao trabalho escravo, por outro lado, ainda no Século XX, surgiram os primeiros

esforços das nações no sentido de reprimir o tráfico de pessoas com outras

finalidades. Em 1904, é firmado em Paris o Acordo para a Repressão do Tráfico

de Mulheres Brancas, no ano seguinte transformado em Convencão. Além disso,

nas tres décadas seguintes foram assinados: a Convencão Internacional para a

Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910), a Convencão

Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Criancas (Genebra,

1921), a Convencão Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres

Maiores (Genebra, 1933), o Protocolo de Emenda à Convencão Internacional

para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Criancas e à Convencão Internacional

para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947), e, por último, a

Convencão e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do

Lenocínio (Lake Success, 1949).

A primeira fase de combate a este tipo de tráfico de pessoas iniciou com a

preocupacão de proteger as mulheres europeias, principalmente do leste

europeu. Não se definiu tráfico, apenas o compromisso de reprimi- lo e preveni-lo

com sancões administrativas. A partir de 1910, os instrumentos internacionais

passaram a conceituar tráfico e exploracão da prostituicão como infracões

criminais puníveis com pena privativa de liberdade e passíveis de extradicão. A

protecão foi se ampliando para abranger todas as mulheres, com especial

atencão para criancas e adolescentes, à época chamados de “menores”.

A Convencão de 1910 definia o tráfico e o favorecimento à prostituicão

como o aliciamento, induzimento ou descaminho, ainda que com seu

consentimento, de mulher casada ou solteira menor, para a prostituicão.

Tratando-se de mulher casada ou solteira maior, a conduta só deveria ser

punida se aquelas condutas tivessem sido praticadas “com fraude ou por meio de

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viole ncias, ameacas, abuso de autoridade ou qualquer outro meio de

constrangimento”. Era permitido, porém, aos Estados Partes dar a mesma

protecão à mulher casada ou solteira maior, independentemente da fraude ou

constrangimento. A maioridade se completava aos 20 anos. A Convencão de

1921 alterou o art. 1º para incluir “criancas de um e do outro sexo” e aumentou a

maioridade para 21 anos completos. A regra geral era de que o consentimento de

mulheres casadas ou solteiras maiores excluía a infracão.

A Convencão de 1933 modificou essa orientacão. Consoante o art. 1°:

“Quem quer que, para satisfazer às paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou

descaminhado, ainda que com seu consentimento, uma mulher ou solteira maior,

com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido”.

Os Protocolos de Emenda ao Acordo de 1904 e às Convencões de 1910,

1921 e 1933, aprovados pela ONU em 1947 e 1948, não afetaram as definicões,

apenas validaram as Convencões na nova ordem internacional pós-guerra. A

prostituicão, nessa primeira fase, era considerada um atentado à moral e aos

bons costumes.

A Convencão de 1949 veio valorizar a dignidade e o valor da pessoa

humana, como bens afetados pelo tráfico, o qual põe em perigo o bem-estar do

indivíduo, da família e da comunidade. Vítima pode ser qualquer pessoa,

independentemente de sexo e idade.

De acordo com o seu art. 1º, as partes se comprometem em punir toda

pessoa que, para satisfazer as paixões de outrem, “aliciar, induzir ou

descaminhar, para fins de prostituicão, outra pessoa, ainda que com seu

consentimento”, bem como “explorar a prostituicão de outra pessoa, ainda que

com seu consentimento”. O art. 2º detalha as condutas de manter, dirigir ou,

conscientemente, financiar uma casa de prostituicão ou contribuir para esse

financiamento; de dar ou tomar de aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou

outro local, para fins de prostituicão de outrem.

É permitido à legislacão interna prever condicões mais rigorosas e são

lancadas bases para a cooperacão jurídica internacional. Sob o angulo das

pessoas que exercem a prostituicão, consideradas vítimas, enfatiza-se a

obrigacão dos Estados em atuar na prevencão e na reeducacão e readaptacão

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social, bem como em facilitar a repatriacão no caso de tráfico internacional. Os

Estados devem abolir qualquer regulamentacão ou vigila ncia das pessoas que

exercem a prostituicão.

A ineficácia da Convencão de 1949 é reconhecida pela Convencão sobre a

Eliminacão de todas as Formas de Discriminacão contra a Mulher (1979), ao

obrigar os Estados Partes a tomar medidas apropriadas para suprimir todas as

formas de tráfico e de exploracão da prostituicão de mulheres. Em 1983, o

Conselho Economico e Social da ONU decide cobrar relatórios. Em 1992, a ONU

lanca o Programa de Acão para a Prevencão da Venda de Criancas, Prostituicão

Infantil e Pornografia Infantil. A necessidade de um processo de revisão se

fortalece na Conferencia Mundial dos Direitos Humanos (1993), cuja Declaracão e

Programa de Acão de Viena salientam a importancia da “eliminacão de todas as

formas de assédio sexual, exploracão e tráfico de mulheres”. Daí o Programa de

Ac ão da Comissão de Direitos Humanos para a Prevencão do Tráfico de Pessoas

e a Exploracão da Prostituicão (1996).

Em 1994, a Resolucão da Assembleia Geral da ONU definiu o tráfico como

o movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e

internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países

com economias em transicão, com o fim de forc ar mulheres e criancas a

situacões de opressão e exploracão sexual ou economica, em benefício de

proxenetas, traficantes e organizacões criminosas, assim como outras atividades

ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico

forc ado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adocões

fraudulentas.

A Quarta Conferencia Mundial sobre a Mulher, em Beijing (1995), aprovou

uma Plataforma de Acão. Para a viole ncia contra a mulher, um dos tre s objetivos

estratégicos fixados consiste em eliminar o tráfico de mulheres e prestar

assistencia às vítimas da viole ncia derivada da prostituicão e do tráfico. Foi

acolhido o conceito de prostituicão forcada como uma forma de viole ncia,

permitindo entender que a prostituicão livremente exercida não representa

violac ão aos direitos humanos. Isso altera o paradigma da Convencão de 1949.

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Vale lembrar que o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (1998) define

os crimes internacionais de escravidão sexual e de prostituicão forc ada contra a

humanidade e de guerra. O conceito de escravidão sexual tem como elemento

específico: exercer um dos atributos do direito de propriedade sobre uma pessoa,

tal como comprar, vender, dar em troca ou impor alguma privacão ou qualquer

outra forma de reduzir alguém à condicão análoga à escravidão.

A Convencão Interamericana de 1998 sobre o Tráfico Internacional de

Menores conceituou como tráfico internacional de pessoas com menos de 18

anos a “subtracão, transferencia ou retencão, ou a tentativa de subtracão,

transferencia ou retencão de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos”.

Exemplificou como propósitos ilícitos, entre outros, “prostituicão, exploracão

sexual, servidão” e como meios ilícitos “o sequ estro, o consentimento mediante

coerc ão ou fraude, a entrega ou recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos

com vistas a obter o consentimento dos pais, das pessoas ou da instituicão

responsáveis pelo menor”.

Posteriormente, a Assembleia Geral da ONU criou um comite

intergovernamental para elaborar uma convencão internacional global contra a

criminalidade organizada transnacional e examinar a possibilidade de elaborar um

instrumento para tratar de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas, em

especial de mulheres e criancas. O comite apresentou uma proposta

intensamente discutida durante o ano de 1999, a qual resultou no texto afinal

aprovado o denominado o “Protocolo de Palermo” nome pelo qual ficou conhecida

o “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico

de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, adotado em Nova York em 15 de

novembro de 2000”, cujo texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do

Decreto Legislativo no 231, de 29 de maio de 2003, sendo posteriormente

ratificado pelo Brasil e posto em vigor no plano do ordenamento jurídico pátrio

pelo Decreto N. 5.017, de 12 de março de 2004.

O referido Protocolo adicional, nos termos de seu artigo 1º, completa a

“Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”, mais

conhecida como “Convenção de Palermo”, em razão das reuniões de negociação,

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tal como aconteceu com seus protocolos adicionais, haverem se dado na capital

siciliana (embora haja sido adotado em Nova York).

O Protocolo, no artigo 3º, define como tráfico de pessoas: “o recrutamento,

o transporte, a transferencia, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,

recorrendo à ameaca ou uso de forca ou a outras formas de coacão, ao rapto, à

fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situacão de vulnerabilidade ou à

entrega ou aceitacão de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de

uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploracão.”

A exploracão inclui, no mínimo, “a exploracão da prostituicão de outrem ou

outras formas de exploracão sexual, os trabalhos ou servicos forcados,

escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remocão de

órgãos”.

Tratando-se de criancas e adolescentes, isto é, com idade inferior a 18

anos, o consentimento é irrelevante para a configuracão do tráfico. Quando se

tratar de homens adultos e mulheres adultas o consentimento é relevante para

excluir a imputacão de tráfico, a menos que comprovada ameaca, coerc ão,

fraude, abuso de autoridade ou de situacão de vulnerabilidade, bem como a oferta

de vantagens para quem tenha autoridade sobre outrem.

Este Protocolo inicia a terceira fase do controle jurídico internacional em

matéria de tráfico e de prostituicão. Considerando a fase anterior, quatro aspectos

se destacam.

Os dois primeiros dizem respeito às pessoas objeto de protecão. As vítimas

que eram, inicialmente, só as mulheres brancas, depois mulheres e criancas,

após a adoção do Protocolo, passaram a ser os seres humanos, mantida a

preocupacão especial com mulheres e criancas.

Antes as vítimas ficavam numa situacão ambígua, como se fossem

criminosas. O Protocolo busca garantir que sejam tratadas como pessoas que

sofreram graves abusos, e os Estados membros devem criar servic os de

assistencia e mecanismos de denúncia.

O terceiro é concernente à finalidade do tráfico. Nas Convencões até 1949

a preocupacão era coibir o tráfico para fins de prostituicão. O Protocolo acolhe a

preocupacão da Convencão Interamericana sobre o Tráfico Internacional de

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Menores para combater o tráfico de pessoas com propósitos ilícitos, neles

compreendidos, entre outros, a prostituicão, a exploracão sexual (não mais

restrita à prostituicão) e a servidão. O Protocolo emprega a cláusula para fins de

exploracão, o que engloba qualquer forma de exploracão da pessoa humana, seja

ela sexual, do trabalho ou a remocão de órgãos. A enumeracão é apenas

ilustrativa. Atualmente não há limitacão quanto aos sujeitos protegidos e na

condenacão de todas as formas de exploracão.

Cabe registrar, porém, a mudanca que se estabeleceu acerca do valor

consentimento e, ainda, o detalhamento conceitual. Inicialmente a prostituicão era

mencionada como uma categoria única. Hoje o genero é a exploracão sexual,

sendo espécies dela turismo sexual, prostituicão infantil, pornografia infantil,

prostituicão forcada, escravidão sexual, casamento forcado.

Houve intenso debate sobre o tema do consentimento. A redacão provada

é ambígua, no esforco de atender a tendencias opostas (de uma lado, os

defensores da descriminalizacão total da prostituicão com reconhecimento do

“trabalho sexual” e, de outro garantir a criminalizac ão dos clientes e dos

proxenetas visando erradicar a prostituicão). A “situacão de vulnerabilidade” pode

ser aplicada na maior parte dos casos em que ocorre exploracão de qualquer

natureza, mas depende da interpretacão da polícia, do ministério público e do

judiciário, permitindo a incidencia de outro Protocolo, relativo à migracão ilegal,

que não considera o migrante como vítima. Ora, configurada a finalidade de

exploracão de uma pessoa, há violacão à dignidade humana como expresso na

Convencão de 1949. O Estado não pode chancelar o consentimento.

Ficou enfraquecida a protecão das mulheres adultas, quando se trata do

exercício da prostituicão ou outra forma de exploracão sexual, e de modo geral

das pessoas, na exploracão do seu trabalho. Rompe com o paradigma das

Convencões sobre escravidão e práticas análogas à escravidão e sobre a

exploracão da prostituicão.

Os Estados que ratificaram a Convencão de 1949, enquanto não a

enunciarem, continuam a ela vinculadas. Houve pressão para eliminar do texto do

Protocolo todas as referencias às precedentes Convencões sobre Direitos

Humanos e para revogar a Convencão de 1949. Mas, prevaleceu no texto final a

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cláusula de salvaguarda (art. 14), segundo a qual “nenhuma disposicão do

Protocolo prejudicará os direitos, obrigacões e responsabilidades dos Estados e

das pessoas por forca do direito internacional, incluindo o direito internacional

humanitário e o direito internacional relativo aos direitos humanos e,

especificamente, na medida em que sejam aplicáveis, a Convencão de 1951 e o

Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados e ao princípio do non

refoulement”.

Na verdade, o Protocolo de Palermo é o instrumento de maior importancia

em vigor no plano do Direito Internacional voltado para o combate ao tráfico de

pessoas. O Protocolo estabelece diretrizes fundamentais que orientam a criacão

de leis e a formulacão de políticas públicas de prevencão e repressão ao tráfico

internacional de pessoas, além e contribuir para o desenvolvimento de uma

abordagem internacional consolidada e abrangente, constituindo-se em um

instrumento universal que contempla de forma inédita normas e medidas práticas

voltadas ao combate ao tráfico de pessoas e à exploracão, especialmente de

mulheres e criancas.

O Protocolo de Palermo contém um grande avanco representado pela

definição dos direitos das vítimas do tráfico. Tal conceituação ampliou a

consciencia da sociedade internacional sobre os problemas do tráfico forcado. O

estabelecimento de direitos das vítimas era considerado uma necessidade

urgente visto que as vítimas que haviam sido objeto de tráfico, mulheres,

crianças, adolescentes e também homens, eram anteriormente tratadas pelas

autoridades estatais como se criminosos fossem e não pessoas como pessoas

submetidas a abusos de diversa natureza.

Contudo, apesar de haver ratificado a Convenção de Palermo da

Organização das Nações Unidas (ONU) e os seus protocolos adicionais - por

meio dos quais assumiu compromissos para o enfrentamento ao tráfico de

pessoas -, o Brasil ainda não possui leis que dão conta por completo de medidas

para a prevenção do crime, a proteção às vítimas e a responsabilização dos

envolvidos.

Nesse sentido, a lei penal ainda é incompleta, o que resulta em punições

brandas para esse tipo de crime e além disso, não há um capítulo do Código

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Penal que cuide de modo concatenado das diversas hipóteses delitivas

relacionados ao tráfico de pessoas, tratando do tráfico de pessoas e os aspectos

relacionados ao aliciamento, transporte e exploração. A lei brasileira não dá

tratamento específico a diversas condutas previstas nos protocolos.

Um exemplo dessa "limitação" está no art. 231 do Código Penal, que

aborda o tráfico internacional de seres humanos. A lei contempla apenas a

hipótese de tráfico de pessoas referente à prostituição. O protocolo adicional,

contudo, prevê a criminalização do tráfico voltado a qualquer forma de exploração

sexual, além de orientar punições para casos de escravidão e de remoção de

órgãos.

Já o protocolo relativo ao combate ao tráfico de migrantes estipula a

criminalização dessa modalidade sempre que for verificada a finalidade de

obtenção de vantagem financeira ou material. No entanto, o Código Penal

somente prevê a caracterização de crime se o recrutamento de trabalhadores for

realizado "mediante fraude".

Por outro lado, as formas mais graves de tráfico de pessoas, como os

aliciamentos para extração de órgãos, deveriam ser considerados crimes

hediondos, permitindo decisões penais mais rigorosas. O tráfico de mulheres para

fins de prostituição, por exemplo, ainda está previsto no capítulo dos "crimes

contra os costumes" no Código Penal, porém é mais adequado que o bem jurídico

atingido por essa conduta é a dignidade da pessoa humana.

4. LEGISLAÇÃO APLICADA AO TRÁFICO DE PESSOAS

- Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas c ontra o Crime

Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repr essão e Punição do

Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças .

- Arts. 231 e 231-A do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940

– Código Penal brasileiro, que tratam do tráfico pa ra fins de exploração

sexual, cujo teor é o seguinte:

“Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

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Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém

que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a

saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a

pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la,

transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário

discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,

companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se

assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-

se também multa.

Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do

território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração

sexual:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar

a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-

la, transferi-la ou alojá-la.

§ 2o A pena é aumentada da metade se:

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário

discernimento para a prática do ato;

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge,

companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se

assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

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IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-

se também multa.”

- Arts. 197, 198, 203, 206 e 207 do Decreto-Lei n. 2. 848, de 7 de

dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro, que tra tam dos crimes contra a

organização do trabalho, nos seguintes termos:

“Atentado contra a liberdade de trabalho

Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça:

I - a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a

trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena

correspondente à violência;

II - a abrir ou fechar o seu estabelecimento de trabalho, ou a participar de

parede ou paralisação de atividade econômica:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena

correspondente à violência.

Atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta

Art. 198. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a

celebrar contrato de trabalho, ou a não fornecer a outrem ou não adquirir de

outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena

correspondente à violência.

...............................................................................................................

Frustração de direito assegurado por lei trabalhista

Art. 203. Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela

legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena

correspondente à violência.

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado

estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de

dívida;

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II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza,

mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou

contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de

dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou

mental.

...............................................................................................................

Aliciamento para o fim de emigração

Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los

para território estrangeiro.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Art. 207. Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra

localidade do território nacional:

Pena - detenção de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade

de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou

cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições

do seu retorno ao local de origem.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de

dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou

mental.”

- Art. 149 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembr o de 1940 – Código

Penal brasileiro, que tipifica a redução a condição análoga à de escravo,

com a seguinte redação:

“Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a

condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua

locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente

à violência.

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§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de

documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de

trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

- Arts. 237 a 239 e 244-A da Lei n. 8.069, de 13 de j ulho de 1990, que

dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras

providências, com a seguinte redação:

“Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua

guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar

substituto:

Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.

Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro,

mediante paga ou recompensa:

Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas quem oferece ou efetiva a paga

ou recompensa.

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de

criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais

ou com o fito de obter lucro:

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à

violência.

...................................................................................................................

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput

do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

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§ 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o

responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou

adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.

§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de

localização e de funcionamento do estabelecimento.”

- Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, que define a situação jurídica

do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração e dá outras

providências. Esta Lei trata das questões relativas à expulsão e extradição de

estrangeiro que pratica crime no Brasil, que se encontra em situação irregular no

território nacional ou sobre o qual pese pedido de extradição por país estrangeiro.

5. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR

No Código Penal, há tre s situacões em que a saída de pessoas do território

nacional, ou a entrada nele, estão tipificadas.

Primeira situacão:

Promover ou facilitar a entrada de pessoas no território brasileiro ou a

saída dele constitui, no art. 231, o crime de tráfico internacional de pessoas, se

tiver como finalidade o exercício da prostituicão. Este crime, até a Lei n. 11.106,

de marco de 2005, contemplava apenas a mulher como sujeito passivo. É uma

infracão inserida no Título dos Crimes contra os Costumes. Portanto, embora

esteja presente a tutela da liberdade sexual e do pudor individual prevalece a

tutela do pudor público. A pena cominada é privativa de liberdade, de 3 (tres) a 8

(oito) anos. Se houver fim de lucro, aplica-se também multa.

Segundo a doutrina “promover” abrange o dar causa, executar, tomar a

iniciativa e “facilitar” abrange auxiliar, ajudar, tornar mais fácil. Os meios utilizados

podem ser: fornecimento de dinheiro, papéis, passaporte, compra de roupas ou

utensílios de viagens etc (Mirabete, 1999, p. 465). Na segunda conduta, a

iniciativa da entrada ou da saída é de outrem ou do próprio sujeito passivo.

O exercício da prostituicão não configura crime. Crime é explorar a

prostituicão alheia. Assim, se uma mulher brasileira quer exercer a prostituicão

em Portugal e conta com a ajuda de alguém para a compra da passagem, ela não

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pratica crime, mas quem lhe empresta o dinheiro, por exemplo, sabendo da

finalidade, pratica o crime de tráfico.

O consentimento livre não exclui o crime. O consentimento forcado ou

viciado, isto é, obtido com emprego de viole ncia, grave ameaca ou fraude, tem

implicacões para a pena que aumenta para 5 (cinco) a 12 (doze) anos, somando-

se a pena correspondente à violencia. Se resultar da violencia, a título de culpa,

lesão corporal de natureza grave a pena será de 8 (oito) a 12 (doze) anos, e,

resultando, do fato a morte, de 12 (doze) a 20 (vinte) anos. Presume-se a

viole ncia se o sujeito passivo não é maior de 14 anos, é alienado ou débil mental,

e o agente conhecia esta circunstancia, ou não pode, por qualquer outra causa,

oferecer resistencia.

Se o sujeito passivo é maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos,

ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador

ou pessoa a que esteja confiado para fins de educacão, de tratamento ou de

guarda, a pena privativa de liberdade é de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

Há outra hipótese no Código Penal de saída de pessoas do território

brasileiro configuradora de crime. Está prevista no art. 207 como crime contra a

Organizac ão do Trabalho, denominado Aliciamento para o Fim de Emigracão, e

consiste em “recrutar trabalhadores, mediante fraude”. É punido com a pena

privativa de liberdade, de 1(um) a 3 (tre s) anos, passível de ser substituída por

pena restritiva de direitos. Antes de 1993, o tipo penal só exigia a iniciativa do

agente para atrair, seduzir ou angariar trabalhadores (no mínimo tre s, irrelevantes

a qualificacão ou habilidade técnica de cada um) para fim de emigracão. Hoje, a

lei exige “que haja fraude, ou seja, que o agente induza ou mantenha em erro os

trabalhadores, com falsas informacões, promessas etc,. convencendo-os a levá-

los para território estrangeiro” (Mirabete, 2000, p. 1228).

Uma terceira hipótese é fruto de alteracão legislativa de 1984, o art. 245 do

Código Penal define como crime contra a assiste ncia familiar, punível com pena

privativa de liberdade de 1 (um) a 4 (quatro) anos, a entrega de filho menor de 18

(dezoito) anos a pessoa em cuja companhia o agente saiba ou deva saber que o

menor fica moral ou materialmente em perigo, para obter lucro, ou se o menor é

enviado para o exterior.

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Fora do Código Penal temos outras situacões:

Em 1990, o Estatuto da Crianca e do Adolescente definiu como crime, no

art. 239, “promover ou auxiliar a efetivacão de ato destinado ao envio de crianca

ou adolescente para o exterior com inobservancia das formalidades legais ou com

o fito de obter lucro. A pena cominada é privativa de liberdade de 4 (quatro) a 6

(seis) anos, e multa. Pratica o crime qualquer pessoa que não o pai ou mãe da

crianca ou adolescente (que, por seu lado, podem incidir nos crimes do caput ou

do §1o do art. 245 do Código Penal ou no art. 238 do Estatuto). Não se exige que

a vítima fique exposta a perigo material ou moral. Basta que o ato destinado ao

envio para o exterior não observe as formalidades legais, ou, ainda que estejam

cumpridas, tenha o agente objetivo de lucro.

Além disso há hipóteses não acobertadas pela norma, como, por exemplo,

o envio da crianca ou adolescente para o exterior em obediencia a todas as

formalidades legais, ou que não tenha como fito a obtencão de lucro. Igualmente

a promocão ou facilitacão da entrada da vítima no território nacional.

Pela Lei n. 9.975, de 2000, foi inserida no Estatuto da Crianca e do

Adolescente a figura delitiva (Art. 244-A) consistente em submeter crianca ou

adolescente à prostituicão ou à exploracão sexual. A pena prevista é a privativa

de liberdade de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. Tratando-se de crime em que

o resultado está descrito no tipo, possível interpretar que abrange a conduta de

tráfico interno e internacional.

A Lei n. 9.434, de 1997, considera crimes comprar ou vender tecidos,

órgãos ou partes do corpo humano bem como promover, intermediar, facilitar ou

auferir qualquer vantagem com a transacão. A pena, num e noutro caso, é

privativa de liberdade de 3 (tres) a 8 (oito) anos, e multa (art. 15 e par. ún.).

Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem

cie ncia terem sido obtidos em desacordo com a lei sujeitam o agente à pena

privativa de liberdade de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa (art. 17)

Na Lei n. 6.815, de 1980, que define a situacão jurídica do estrangeiro no

Brasil, constitui crime, punível com pena privativa de liberdade de 1 (um) a 3 (tres)

anos, passível de ser substituída por pena restritiva de direitos e, se o infrator for

estrangeiro, expulsão, “introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar

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clandestino ou irregular” (Art. 125, XII). A declaracão falsa em processo de

transformacão de visto, de registro, de alteracão de assentamentos, de

naturalizacão, ou para a obtencão de passaporte para estrangeiro, laissez-passer,

ou, quando exigido, visto de saída, implica na pena privativa de liberdade de 1

(um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão (Art. 125, XIII).

No Código Penal encontramos como crime contra a fé pública, sob a

rubrica de fraude de lei sobre estrangeiros, “atribuir a estrangeiro falsa qualidade

para promover- lhe a entrada em território nacional”, com pena privativa de

liberdade de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Vejamos agora se os tipos penais apontados atendem aos Protocolos

Adicionais à Convencão de Palermo, uma vez que os Estados Partes assumiram

a obrigacão de criminalizacão, de forma a estabelecer como infracões penais os

atos descritos nos Arts. 3º e 6º dos Protocolos referidos no início desta exposicão,

quando tenham sido praticados de forma dolosa, mesmo na forma tentada, ou na

forma de participacão, principalmente de cumplicidade e de organizacão.

Inicialmente cabe observar que os Protocolos se aplicam a condutas

transnacionais e que sejam praticadas por grupos criminosos organizados. O

tráfico internacional de pessoas para fins de prostituicão (Art. 231), o tráfico

internacional de criancas e adolescentes (Art. 239 do ECA), o aliciamento para

fins de emigracão (Art. 207) e a introducão clandestina de estrangeiro (Lei n.

6.815), por definicão são crimes transnacionais. Entretanto, podem se configurar

independentemente da existe ncia de um grupo criminoso. Por isso, se desejável a

aplicacão das regras dos Protocolos necessário demonstrar que o fato se insere

nas atividades de uma organizacão criminosa.

No Brasil, o Código Penal preve a figura delituosa autonoma de quadrilha

ou bando, consistente na associacão de mais de tres pessoas, para o fim de

cometer crimes (Art. 288). A pena cominada é de 1 (um) a 3 (tres) anos de pena

privativa de liberdade, aplicada em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Não

há, entretanto, nenhuma previsão específica para organizacões criminosas de

caráter transnacional.

Quanto à criminalizacão de pessoas que não praticam diretamente as

condutas incriminadas, mas colaboram intencionalmente para o sucesso das

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mesmas, ela é prevista no Código Penal brasileiro, ajustando-se, portanto, às

diretivas internacionais.

As inadequacões ocorrem na definicão dos tipos penais, ou seja, nos

verbos que constituem o núcleo, nos sujeitos passivos, no objeto jurídico e, ainda,

na coerencia entre as penas.

Aprofundemos a análise. De conformidade com o Protocolo Adicional

relativo à Prevencão, Repressão e Punicão do Tráfico de Pessoas, em especial

Mulheres e Criancas:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte,

a transferencia, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaca

ou uso da forca ou a outras formas de coacão, ao rapto, à fraude, ao engano, ao

abuso de autoridade ou à situacão de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitacão

de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que

tenha autoridade sobre outra para fins de exploracão. A exploracão incluirá, no

mínimo, a exploracão da prostituicão de outrem ou outras formas de exploracão

sexual, o trabalho ou servicos forcados, escravatura ou práticas similares à

escravatura, a servidão ou a remocão de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista

qualquer tipo de exploracão descrito na alínea a do presente Artigo será

considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na

alínea a;

c) O recrutamento, o transporte, a transferencia, o alojamento ou o

acolhimento de uma crianca para fins de exploracão serão considerados "tráfico

de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a

do presente Artigo;

d) O termo "crianca" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito

anos (Art. 3º).

Estas definicões representam o resultado de uma evolucão histórica

iniciada em 1904 acerca do tratamento normativo internacional a ser dispensado

ao tráfico de pessoas. As alteracões que se processaram de 1904 a 2000

incidiram especialmente em tres aspectos.

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O primeiro diz respeito às pessoas objeto de protecão. As vítimas eram,

inicialmente, as mulheres brancas, depois mulheres e criancas, e, finalmente, os

seres humanos.

O segundo também se relaciona às vítimas. Até o Protocolo de 2000 elas

eram tratadas quase como criminosas. O Protocolo procura garantir que sejam

tratadas como pessoas que sofreram graves abusos. Explicita no Art. 2 como um

dos seus objetivos “proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando

plenamente os seus direitos humanos”. Para concretizá-lo, os Estados membros

devem criar servicos de assistencia e mecanismos de denúncia.

O terceiro aspecto é concernente à finalidade do tráfico. Nas Convencões

até 1950 dominava a preocupacão de coibir o tráfico para fins de prostituicão.

Com a Convencão Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores é

introduzida uma nova preocupacão, repetida no Protocolo para Prevenir, Reprimir

e Sancionar o Tráfico de Pessoas. Trata-se de combater o tráfico de pessoas com

propósitos ilícitos, neles compreendidos, entre outros, a prostituic ão, a exploracão

sexual (não mais restrita à prostituicão) e a servidão. O Protocolo emprega a

cláusula para fins de exploracão, o que engloba qualquer forma de exploracão da

pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remocão de órgãos, bem como

quaisquer outras pois a enumeracão é apenas ilustrativa.

Portanto, hoje, na perspectiva internacional não há limitacão quanto aos

sujeitos protegidos e na condenacão de todas as formas de exploracão. Cabe

registrar, porém, uma diferenca que se estabeleceu acerca do consentimento.

Tratando de criancas e adolescentes, isto é, com idade inferior a 18 anos, o

consentimento é irrelevante para a configuracão do tráfico. Quando se tratar de

homens adultos e mulheres adultas o consentimento exclui o tráfico. Só perde a

releva ncia se obtido por meio de ameaca, coerc ão, fraude, abuso de autoridade

ou de situacão de vulnerabilidade, bem como mediante a oferta de vantagens a

quem tenha autoridade sobre outrem. Por conseguinte, para comprovar o tráfico

de pessoas adultas, imprescindível comprovar o vício de consentimento.

Tendo em conta o Protocolo Adicional sobre Tráfico de Migrantes o artigo

3º estabelece, entre outras, as seguintes definicões:

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a) A expressão "tráfico de migrantes" significa a promocão, com o objetivo

de obter, direta ou indiretamente, um beneficio financeiro ou outro benefício

material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa

não seja nacional ou residente permanente;

b) A expressão "entrada ilegal" significa a passagem de fronteiras sem

preencher os requisitos necessários para a entrada legal no Estado de

acolhimento.

c) A expressão "documento de viagem ou de identidade fraudulento"

significa qualquer documento de viagem ou de identificacão: (i) Que tenha sido

falsificado ou alterado de forma substancial por uma pessoa ou uma entidade que

não esteja legalmente autorizada a fazer ou emitir documentos de viagem ou de

identidade em nome de um Estado; ou (ii) Que tenha sido emitido ou obtido de

forma irregular, através de falsas declaracões, corrupcão ou coacão ou qualquer

outro meio ilícito; ou (iii) Que seja utilizado por uma pessoa que não seja seu

titular legítimo.

A obrigacão de criminalizacão implica em definir como infracão penal: o

tráfico de migrantes e os seguintes atos quando praticados com o objetivo de

possibilitar o tráfico ilícito de migrantes: (i) Elaboracão de documento de viagem

ou de identidade fraudulento; (ii) Obtencão, fornecimento ou posse tal documento;

c) Viabilizar a permane ncia, no Estado em causa, de uma pessoa que não seja

nacional ou residente permanente, sem preencher as condicões necessárias para

permanecer legalmente no Estado, recorrendo a qualquer meio ilegal.

O crime deve ser praticado intencionalmente e de forma a obter, direta ou

indiretamente, um beneficio financeiro ou outro benefício material. Acrescente-se

a obrigacão de considerar como agravantes das infracões estabelecidas as

circunstancias que ponham em perigo ou ameacem por em perigo a vida e a

seguranca dos migrantes; bem como acarretem o tratamento desumano ou

degradante deles, incluindo sua exploracão.

Considerando o padrão normativo internacional, feita a comparacão com os

tipos penais existentes na legislacão brasileira, pode-se afirmar que o Brasil

criminaliza o tráfico internacional de pessoas para fins de prostituicão assim como

o tráfico internacional de criancas e adolescentes independentemente da

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finalidade. Não criminaliza o tráfico internacional de pessoas adultas para o fim de

outras formas de exploracão sexual, trabalhos ou servicos forcados, escravidão

ou formas análogas à escravidão, servidão ou transplante de órgãos, muito

embora criminalize trabalhos ou servic os forc ados, formas análogas à escravidão

e o comércio de tecidos, órgãos e partes do corpo humano.

Não criminaliza o tráfico de migrantes. As infracões penais relativas à

imigracão ilegal não contemplam o fim de lucro, nem o tratamento desumano ou

degradante.

A criminalizacão existente é díspar quanto ao bem jurídico tutelado. No

tráfico internacional de pessoas para fins de prostituic ão é a moralidade pública

(costumes), no recrutamento fraudulento de trabalhadores a organizac ão do

trabalho, no tráfico de criancas e adolescentes é a família (Cód. Penal) ou os

direitos da crianca e do adolescente (ECA), na introducão clandestina de

estrangeiro (Lei n. 6.815) ou na fraude para promover a entrada no território

nacional (Cód. Penal) é a fé pública ou a administracão pública.

Os verbos utilizados para descrever a conduta em cada hipótese de tráfico

são diferentes, nem sempre abrangendo o recrutamento, o transporte, a

transferencia, o alojamento e a recolha de pessoas. Entretanto, cabe lembrar que

a criminalizacão dessas condutas é admissível a título de participacão dolosa,

consoante previsão na Parte Geral do Código Penal (Art. 29).

As formas ilícitas de obter o consentimento de uma pessoa são

criminalizadas autonomamente no Brasil quando se trata de constrangimento

ilegal, ameaca (mal injusto e grave), sequestro ou cárcere privado, estelionato,

assédio sexual, abuso de autoridade, viole ncia física. Pressão psicológica,

corrupcão no ambito privado, abuso da situacão de vulnerabilidade não estão

contemplados.

A reducão à condicão análoga a de escravo, classificada como crime

contra a liberdade pessoal, até a entrada em vigor da Lei n. 10.803, de 2003,

abrangia a conduta de tráfico de pessoas. Todavia, na tentativa de dar maior

efetividade à lei penal, foram explicitadas no texto as condutas que levam ao

resultado (reducão à condicão análoga a de escravo) inadvertidamente deixou-se

de mencionar a hipótese clássica de compra e venda.

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A presuncão de viole ncia, prevista nos crimes contra os costumes, se a

vítima não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistencia, de acordo com a

doutrina diz respeito a “enfermidade, paralisia dos membros, idade avancada,

excepcional esgotamento, sono mórbido, síncopes, desmaios, estado de

embriaguez alcoólica, delírios, estado de embriaguez ou inconsciencia decorrente

de ingestão ou ministracão de entorpecentes, soporíferos etc.” (Jesus, 1996,

p.133)

Não há um sistema de penas coerente. O tráfico de criancas e

adolescentes, qualquer que seja a sua finalidade, tem a mesma pena. Os crimes

relativos à imigracão ilegal, com certa aplicabilidade no tráfico de migrantes, tem

penas mais brandas.

Os Protocolos Adicionais da Convencão de Palermo relacionam o tráfico de

pessoas ou de migrantes à ausencia de consentimento da vítima maior de 18

anos. Na lei brasileira, porém, o consentimento não afeta o tráfico de pessoas

para o fim de prostituicão. É relevante na disposicão gratuita de tecidos, órgãos e

partes do corpo humano e no recrutamento para emigrac ão de trabalhadores.

Tratando-se de recrutamento para trabalhos forcados, servidão ou formas

análogas à escravidão o consentimento também é irrelevante.

Nada impede que o Brasil continue desconsiderando o consentimento

válido de pessoa adulta no tráfico para o fim de prostituic ão. Os Estados que

ratificaram a Convencão e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de

Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949), enquanto não a denunciarem,

continuam a ela vinculadas, pois não foi revogada. Houve pressão para eliminar

do texto do Protocolo todas as referencias às precedentes Convencões sobre

Direitos Humanos e para revogar a Convencão de 1949. Mas, o texto final foi

acordado com uma cláusula de salvaguarda (Art. 14), segundo a qual nenhuma

disposicão do Protocolo sobre o Tráfico de Pessoas “prejudicará os direitos,

obrigacões e responsabilidades dos Estados e das pessoas por forc a do direito

internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional

relativo aos direitos humanos e, especificamente, na medida em que sejam

aplicáveis, a Convencão de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos

Refugiados e ao princípio do non refoulement.”

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Para se por em sintonia com o Protocolo Adicional à Convencão de

Palermo, o Brasil necessita rever sua legislacão penal de forma a definir um tipo

básico para o tráfico de pessoas e os tipos derivados, conforme a finalidade da

exploracão, e não conforme os sujeitos passivos. Para tanto, necessária uma

revisão da própria organizacão sistemica do Código Penal vinculada a bens

jurídicos. A solucão já delineada de certa forma pelo Anteprojeto de Reforma da

Parte Especial, de 1992, seria criar um capítulo dos crimes contra a dignidade da

pessoa humana dentro do título referente aos crimes contra a pessoa humana

incluindo, entre outros, o tráfico de seres humanos para fins de exploracão sexual,

trabalho ou servicos forc ados, escravidão ou práticas similares a esta, servidão e

remocão de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. Com efeito, o bem jurídico

principal a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana. A assistencia familiar, a

organizac ão do trabalho, a moral pública são bens jurídicos secundários.

Destaca-se também a necessidade de passar do conceito restrito de

prostituicão para mais amplo de exploracão sexual, e do conceito restrito de

coacão ou de ameaca para o conceito mais amplo de abuso de situacão de

vulnerabilidade da pessoa traficada (Leal, 2002, p.216).

Quanto ao tráfico de pessoas na migracão há praticamente um vácuo. Os

casos que tem sido levados ao Judiciário, na maior parte relativos à emigracão de

brasileiros, são classificados como incursos nos crimes de quadrilha e de

falsificacão de documentos.

Vê-se que o tráfico fornece seres humanos para os mais diferentes

propósitos. O Brasil ainda se preocupa pouco com o fato. Os países de destino se

preocupam apenas com a exploracão sexual e procuram fazer a distincão entre

tráfico e imigracão ilegal, dando às vítimas do primeiro algum tipo de atencão.

Todavia, é preciso estabelecer a todas as pessoas em movimento garantias

mínimas de emprego legal, de assistencia e de retorno seguro aos países de

origem.

Nessa mesma linha de raciocínio, recebemos a contribuição da Dra. Ella de

Castilho, cujo depoimento passamos a transcrever de forma suscinta.

DEPOIMENTO DA SRA. ELA WIECKO WOLKMER DE CASTILHO -

Subprocuradora-Geral da República .

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A Depoente apontou a inadequação da legislação penal brasileira em

relação ao Protocolo de Palermo. Afirmou que, no entanto, tal adequação não

tem sido muito reclamada porque em termos de incidência a maior parte dos

ilícitos se refere mesmo a tráfico para exploração sexual. Considera que somente

se soube de um único caso de tráfico de pessoas para a África do Sul para

remoção de órgãos, mas que o fenômeno é raro em nosso país.

A autoridade afirmou: “Com relação à exploração laboral, também temos

casos isolados de brasileiros que são levados para o exterior e que acabam

ficando numa situação de redução à condição análoga à de escravo, ou não

chegando a esse ponto, mas de realmente de negação, de violação de direitos

trabalhistas, mas talvez o problema maior seja de estrangeiros aqui para o Brasil,

que é o caso conhecido lá das confecções têxteis no Estado de São Paulo. Diante

disso, o descompasso da legislação brasileira, eu não vejo como um problema

grave, crucial, mas há uma tendência de promover essa harmonização do texto

do Código Penal, com o texto do Protocolo e, como eu disse, eu vejo uma lacuna

nessa falta de definição como crime autônomo.”

A Depoente colocou quatro questões na linha de uma possível adequação

legislativa. Primeiro, a imprecisão de alguns elementos do conceito de tráfico, tal

como posto no Protocolo; segundo, o tratamento jurídico da prostituição; terceiro,

a mutação das formas de exploração humana e desenvolvimento de novas

formas; e, quarto, o princípio da proporcionalidade.

Disse a Procuradora: “Em primeiro lugar o texto do protocolo adicional não

define o que se deve entender por vulnerabilidade, por exploração sexual e outras

formas de coerção. Então, diz-se que uma pessoa não deu o consentimento

quando ela está em situação de vulnerabilidade. Esse tema da situação de

vulnerabilidade é um tema estudado, mas em termos de um conceito legal, e no

próprio Protocolo, não há balizas claras. A mesma coisa com relação a

exploração sexual. A exploração sexual tem sido objeto de discussão nos fóruns

internacionais, tanto naquelas conferências com sobre o direito da criança e os

direitos da mulher. E há uma construção, uma elaboração do que se entende por

exploração sexual. Então, algumas categorias têm sido construídas, mas essas

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categorias também, se a gente faz um trabalho de análise, a gente vê que isso se

vai modificando no curso do tempo.”

Apontou, ainda a Sub-Procuradora Geral a dificuldade legal em se

distinguir criminalmente a situação da pessoa maior de 18 anos que vai praticar a

prostituição e maneira consentida (lembrando que a prostituição não é ilícita em

nosso país, mas tão somente sua exploração) e a situação da pessoa dita

vulnerável, que não é capaz de consentir validamente nesse tipo de atividade. Até

hoje, segundo a Depoente, não se chegou a um consenso sobre essas

definições.

Observou a Dra. Ela: “A Presidente da Associação das Prostitutas da

Região Central de Belém, a Sra. Lurdes Barreto, quando foi ouvida pela CPI do

Senado, referiu-se a uma confusão que a sociedade faz entre prostituição, entre

tráfico de pessoas, migração e exploração sexual. Realmente, hoje em dia, pelo

Art. 231, levar alguém para exercer a prostituição no exterior é crime. Então, a

Associação das Prostitutas que defende a liberdade da profissão considera que

acaba sendo uma criminalização da própria prostituição.”

A Depoente também se referiu ao trabalho doméstico: “Hoje em dia,

algumas situações, parece, ou estão realmente fora do conceito de tráfico, como,

por exemplo, o trabalho doméstico, que é uma realidade que agora está

começando a ser mais visibilizada. O trabalho doméstico acontece aqui no Brasil,

principalmente meninas que são trazidas de lugares mais longínquos, para vir

para a cidade grande, e ficam numa situação de completa dependência das

famílias onde elas trabalham.”

A Depoente sugeriu que a reforma legislativa necessária deveria criar o

Título de Crimes contra a Dignidade da Pessoa, para incluir o de redução a

condição análoga à de escravo e o de tráfico de pessoas.

Disse, por último, a Depoente: “Então, finalizando, o que quero sintetizar é

que a adequação legislativa constitui um desafio enorme, porque os bens

jurídicos objetos da proteção devem ficar bem evidenciados para o aplicador da

lei, e o conjunto das condutas definidas como crime devem estar organizadas

segundo parâmetros de relevância e de proporcionalidade. (...) Nós estávamos

comparando, por exemplo, a questão do tráfico de pessoas com relação ao tráfico

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de armas, ao tráfico de drogas. E a dosimetria da pena no Código Penal é

infinitamente mais grave para esses crimes do que para o tráfico da vida

humana.”

Perguntada sobre tráfico em relação a passes de jogadores ou atletas, a

Depoente disse que o fenômeno ainda é muito pouco conhecido.

Encerrou a oitiva colocando em relevo a necessidade de políticas públicas

que evitem a vulnerabilidade das famílias, o que necessariamente abrangeria

diversas áreas.

6. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO I PLANO NACIONAL DE

ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS.

O I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP) foi

instituído pelo Decreto n. 6.347, 8 de janeiro de 2008, e tem como objetivo

prevenir e reprimir o tráfico de pessoas, bem como responsabilizar os seus

autores e garantir atenção e suporte às vítimas.

Esse Plano visou à integração de diversos órgãos governamentais,

sociedade civil e organismos internacionais que atuam no enfrentamento a esse

crime, promovendo a intersetorialidade da temática, com a articulação entre

diferentes saberes e experiências no planejamento, implementação e avaliação

de ações previstas na Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Pode-se destacar, entre os benefícios promovidos pelo referido Plano: a

ampliação de assistência às vítimas; o aumento significativo de estudos e

pesquisas sobre o tema; o crescimento no número de denúncias e inquéritos

instaurados.

A Portaria n. 749, de 29 de abril de 2010, criou Grupo de Trabalho para

coordenação do processo de elaboração do II Plano Nacional de Enfrentamento

ao Tráfico de Pessoas, com a participação de representantes da Secretaria

Nacional de Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria de

Políticas para as Mulheres e Secretaria de Direitos Humanos.

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As prioridades do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas, estabelecidas pelo Decreto n. 6.347, de 8 de janeiro de 2008, foram as

seguintes:

- Levantar, sistematizar, elaborar e divulgar estudos, pesquisas,

informações e experiências sobre o tráfico de pessoas.

- Capacitar e formar atores envolvidos direta ou indiretamente com o

enfrentamento ao tráfico de pessoas na perspectiva dos direitos humanos.

- Mobilizar e sensibilizar grupos específicos e comunidade em geral sobre o

tema do tráfico de pessoas.

- Diminuir a vulnerabilidade ao tráfico de pessoas de grupos sociais

específicos.

- Articular, estruturar e consolidar, a partir dos serviços e redes existentes,

um sistema nacional de referência e atendimento às vítimas de tráfico.

- Aperfeiçoar a legislação brasileira relativa ao enfrentamento ao tráfico de

pessoas e crimes correlatos.

- Ampliar e aperfeiçoar o conhecimento sobre o enfrentamento ao tráfico de

pessoas nas instâncias e órgãos envolvidos na repressão ao crime e

responsabilização dos autores.

- Fomentar a cooperação entre os órgãos federais, estaduais e municipais

envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas para atuação articulada na

repressão do tráfico de pessoas e responsabilização de seus autores.

- Criar e aprimorar instrumentos para o enfrentamento ao tráfico de

pessoas.

- Estruturar órgãos responsáveis pela repressão ao tráfico de pessoas e

responsabilização de seus autores.

- Fomentar a cooperação internacional para repressão.

7. RESUMO DOS PRINCIPAIS ÍTENS DO II PLANO

NACIONAL DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS.

Diretrizes:

- Cooperação entre órgãos policiais nacionais e internacionais;

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- Cooperação jurídica internacional;

- Sigilo dos procedimentos judiciais e administrativos, nos termos da lei;

- Integração com políticas e ações de repressão e responsabilização dos

autores de crimes correlatos.

Ações desenvolvidas:

- Capacitação de profissionais da segurança pública;

- Revisão da legislação;

- Criação de Centrais de Atendimento ‐ Disque 100 (SDH);

- Criação de Sistema de Informações e Banco de Dados – Integratio;

- Negociação de Acordo de Cooperação Internacional em matéria penal;

- Ações de ETP em regiões de Fronteira.

Atendimento a Vítimas de Tráfico de Pessoas - Prior idade:

- Articular, estruturar e consolidar, a partir de redes e serviços e redes

existentes, uma rede nacional de referência e atendimento às vítimas do tráfico.

Ações:

- Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Postos Avançados de

Recepção a Deportados e Não‐Admitidos;

- Ligue 180 (SPM);

- Centros de Referência Especializados de Atendimento à Mulher;

- Levantamento, mapeamento, atualização e divulgação de informações

sobre instituições governamentais e não‐governamentais situadas no Brasil e no

exterior que prestam assistência a vítimas de tráfico de pessoas;

- Mobilização dos CREAS (Centros de Referência Especializados em

Assistência Social) para atender vítimas de violência ou de tráfico–567 CREAs

estruturados no país;

- Ações no campo da Saúde que incorporaram o tema do Tráfico de

Pessoas: Saúde da Mulher; DST e HIV/AIDS; saúde mental; e uso de álcool e

drogas.

Relação Núcleos e Comitês:

NÚCLEOS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS:

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Unidades administrativas do Poder Executivo Estadual para

desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de pessoas.

COMITÊS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS:

Tem o objetivo de atuar como um canal de diálogo para resolver e antever

problemas, minimizar conflitos e oferecer sugestões, apresentando alternativas de

solução.

Relação com os Estados:

- Presença de Núcleos e Postos – parcerias por meio de convênios;

- Políticas e Planos Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas;

- Distribuição Territorial de Núcleos e Postos

O Plano prevê a implantação de Núcleos e Postos, nos seguintes Estados:

PE, GO, AC, SP, RJ, BA, CE, MG, PB, AM, RS, PR, MS, RN.

Desafios da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas:

1) Institucionalização da Política Nacional;

2) Fortalecimento da Rede;

3) Visibilidade do Tema;

4) Estruturação do Sistema de Informações;

5) Capacitação de atores envolvidos.

8. COTEJO ENTRE OS DOIS PLANOS NACIONAIS DE

ENFRENTAMENTO DO TRÁFICO DE PESSOAS

O objetivo de ambos os Planos é prevenir e reprimir o tráfico de pessoas,

bem como responsabilizar os seus autores e garantir atenção e suporte às

vítimas, promovendo-se, para isso, a integração de diversos órgãos

governamentais, sociedade civil e organismos internacionais que atuam no

enfrentamento a esse crime.

Os dois Planos contemplam a assistência às vítimas, a realização de

estudos e pesquisas voltados para o combate ao tráfico de seres humanos, a

capacitação de profissionais para essas atividades, o aperfeiçoamento do

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ordenamento jurídico, a cooperação entre os diversos entes federativos e a

cooperação internacional.

O 2º Plano amplia essas ações no campo da assistência, no campo da

saúde, com a incorporação do tema do tráfico de pessoas nas políticas de saúde

da Mulher; DST e HIV/AIDS, saúde mental, uso de álcool e drogas, o que torna o

combate a esses crimes ainda mais efetivo, envolvendo, além da punição e

repressão, a assistência às vítimas e suas famílias.

9. IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA CRIMINAL NA APURAÇÃO DE

CRIMES DE TRÁFICO DE PESSOAS

A CPI ouviu o relato de peritos criminais acerca da realização dessa

atividade e de sua importância para as investigações relacionadas ao tráfico de

pessoas e também colheu informações sobre as dificuldades enfrentadas por

esse setor. Passamos, assim, a transcrever as falas dos depoentes que

compareceram perante esta Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. GUILHERME SILVEIRA JACQUES – Per ito

criminal do Laboratório de Genética Forense do Inst ituto Nacional de

Criminalística da Polícia Federal.

O declarante salientou que em relação ao DNA existem duas

características que o tornam muito útil nas investigações criminais e na

investigação também de localização de pessoas: primeira característica é que o

DNA de cada pessoa é único e diferente do das outras; a segunda é a

possibilidade de se relacionar parentes, familiares por intermédio do DNA.

Afirmou que O DNA está presente em praticamente qualquer material

biológico. Disse que o DNA: “É um exame que, na verdade, exige um laboratório

próprio, com equipamentos próprios, com uma estrutura própria e com pessoal

bastante especializado”.

Afirmou que o perfil genético só tem sentido quando comparado com outro

exame de DNA. Descreveu como funcionam os Bancos de Dados que

armazenam os perfis genéticos.

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Afirmou que no Brasil houve um grande incremento na genética forense,

em razão de investimentos do Governo Federal, através de um programa

específico capitaneado pela SENASP. Ressaltou que hoje já existem 15 Estados

interligados à Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.

Elogiou a Lei n. 12.654, que, pela primeira vez, dispõe sobre o Banco

Nacional de Perfis Genéticos e o o Decreto n. 7.950 que permite a utilização

desse banco nos casos de pessoas desaparecidas.

Destacou que a gestão rede integrada de Bancos de Perfis Genéticos está

compartilhada em um comitê gestor no qual participam não apenas peritos da

Polícia Federal, mas também peritos estaduais e também representantes da

Secretaria de Direitos Humanos, do Ministério Público, da OAB, da Secretaria

Nacional de Segurança Pública, da Comissão de Ética em Pesquisa, do Ministério

da Saúde.

DEPOIMENTO DA SRA. MEIGA AUREA MENDES MENEZES - Pe rita

Criminal do Laboratório de Genética Forense do Inst ituto Nacional de

Criminalística da Polícia Federal.

Destacou que uma das características do próprio exame de DNA que

auxiliam muito na área de identificação de pessoas é a sua a resistência ao

tempo. Disse que a coleta do DNA é indolor e feita pela boca. Afirmou que o teste

de DNA é eficaz no reconhecimento de cadáveres e de pessoas que

desapareceram há muito tempo.

Descreveu o que vem a ser um Banco de Dados de Perfil Genético: “ (...) é

um repositório de perfis genéticos que não têm identificação, em princípio, você

tem familiares de um lado, ossadas ou pessoas sem identificação do outro, e esse

banco, esse software, nada mais faz do que comparar, ao invés de ser individual

— seria impraticável você fazer isso com milhões de amostras —, você faz de

uma maneira automática através de um algoritmo de software (...)”.

Falou sobre as três grandes aplicações do Banco de Perfis Genéticos:

identificação de cadáveres, crianças em abrigos e vítimas de tráfico de pessoas.

Descreveu caso de uma criança de outro país achada no Brasil: “Existiu em

2011 um caso que apareceu bastante na mídia de um garoto haitiano que foi

largado no metrô Itaquera, lá de São Paulo, e não falava português. Ninguém

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sabia de onde ele era, e houve uma suspeita de que ele era uma vítima do tráfico

internacional de pessoas. E, de fato, isso se confirmou. (...) Nesse caso (...), eles

levaram uma possível mãe. E a gente confirmou isso através da tecnologia do

DNA”.

Abordou ainda uso do DNA nos casos de tráfico de órgãos: “você pode

encontrar situações em que você tem um órgão com suspeita de ter sido um

órgão roubado — um rim, por exemplo —, e você quer ter a certeza de que aquilo

ali não pertence a uma criança que foi morta justamente para ter seu rim retirado.”

Sugeriu a elaboração de alguma norma que exija uma consulta prévia ao

Banco de Dados Genético para que uma adoção seja homologada, evitando-se

dessa forma que crianças raptadas sejam entregues legalmente a outras famílias.

Descreveu a ação de uma quadrilha que atuou em Florianópolis nos anos

80 e traficou várias crianças para Israel. Demonstrou que é muito importante para

o sucesso de investigações que famílias que tenha algum ente desaparecido

sejam estimuladas a doar o DNA: “quanto mais amostras houver no banco, (...)

mais chance você tem de unir famílias”.

DEPOIMENTO DO SR. HELIO BUCHMULLER LIMA – Perito d a Polícia

Federal.

Expôs os desafios logísticos que dificultam o trabalho dos laboratórios de

DNA: pessoal, estrutura física, estrutura administrativa e investimento continuado.

Disse que “nem todos os Estados têm laboratório hoje. Existem Estados

em fase de implantação ou que sequer estão nessa fase de implantação.”

Pugnou para que haja investimentos permanentes nos Laboratórios:

“Então, quando a gente fala aqui de pessoas desaparecidas, a gente está falando

de restos mortais que podem está em condições muito precárias, e essas novas

tecnologias têm que ser incorporadas. Então, tem que haver obviamente um

investimento para renovação de parque tecnológico, e, no nosso caso, também,

investimento na Polícia Federal, que está sendo feito para ampliação da estrutura

predial.”

Afirmou que o número de pessoas trabalhando nos laboratórios da polícia é

muito pequeno e que a estrutura física , em geral, é precária.

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Conclui-se, assim, que essa atividade pericial é de suma importância para

os trabalhos de investigação de crimes relacionados ao tráfico de pessoas, diante

do que está a merecer uma melhor atenção por parte dos governantes, no sentido

de bem aparelhar esses órgãos responsáveis pela realização de perícias

criminais.

10. RELAÇÃO ENTRE O TRÁFICO DE SERES HUMANOS E A

EXPLORAÇÃO DE TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE

ESCRAVO.

Uma das modalidades de tráfico de pessoas é aquela destinada ao uso de

seres humanos para trabalho em condição análoga à de escravo, daí as

investigações da CPI terem avançado também sobre essa questão. Em relação a

esse aspecto, a Comissão colheu depoimento de várias autoridades envolvidas

no combate a esse tipo de crime. Passamos, de forma sucinta, a transcrever

esses depoimentos colhidos.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ ARMANDO FRAGA DINIZ GUERRA –

Coordenador-Geral da Comissão de Erradicação do Tra balho Escravo da

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Re pública.

Afirmou o Depoente: “O nosso conceito de trabalho escravo está colocado

no Art. 149, com a redação dada pela Lei 10.803, de 2003, que coloca que a

redução de alguém a condição análoga à de escravo se dá através de trabalhos

forçados, ou jornada exaustiva, ou condições degradantes de trabalho, ou

restrição por qualquer meio da locomoção do trabalhador em razão de dívida

contraída.

Como característica do trabalho escravo, nós temos que, no Brasil, ela é

verificada em praticamente todos os Estados. Se você for pegar o histórico de

atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e

dos grupos móveis de fiscalização, de combate ao trabalho análogo ao de

escravo, você vai ver que praticamente todos os Estados têm, de 1995 para cá,

ocorrência de libertação de trabalhadores, de resgate de trabalhadores que

estavam em situação análoga à de escravo.

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O crime do trabalho análogo ao de escravo é verificado, em sua maioria,

em atividades que demandam mão de obra intensiva e pouco qualificada. Você

pode encontrar trabalho escravo em fazendas que têm produção moderna, que

trabalham com material de maior qualidade; você tem a questão do trabalho com

inseminação artificial, com máquinas colheitadeiras de alta tecnologia. Só que

esses trabalhadores, por serem muito qualificados e também por estarem em

outro patamar no mercado de trabalho, têm todos seus direitos garantidos.

Do mesmo lado, você tem, nas atividades que demandam mão de obra não

tão qualificada, apenas força de trabalho, a ocorrência de trabalho escravo.

Então, está mais vinculado ao tipo de atividade feita no local do que ao setor

produtivo em si. E é um crime que não ocorre sozinho, é um crime que interage

com outros tipos, com outros crimes também, como por exemplo os crimes

ambientais, como por exemplo a questão da própria violência, os crimes

fundiários e, no caso que temos que falar agora, o crime de tráfico de pessoas.

No caso específico de trabalho escravo, o crime de aliciamento, que está

colocado no Art. 207 do Código Penal. O trabalho escravo é um crime que não

acontece sozinho na economia brasileira, é um crime que está vinculado aos

demais setores da economia. O trabalho escravo não se circunscreve ao local

onde é explorado. Por exemplo: em cadeias produtivas como a do algodão, em

fazendas onde é encontrado o trabalho escravo de algodão, você vê toda a

interligação delas com empresas trades e, no final — empresas têxteis —, o

trabalho escravo pode vir a ser... acabar desaguando no lençol, na toalha ou na

roupa que a pessoa usa. Quer dizer, o trabalho escravo não está circunscrito

apenas ao local onde é explorado.

Em relação ao tráfico de pessoas com trabalho escravo, você verifica

através do trabalho do Estado brasileiro, nesses 17 anos de combate ao trabalho

escravo, desde 1995 nos últimos anos, com o aumento cada vez maior de

libertações no setor urbano, você tem duas nuances a respeito do tráfico de

pessoas vinculadas ao trabalho escravo, que é a nuance interna, vinculada muito

à questão da migração interna, e a questão externa, dos trabalhadores

estrangeiros que, em busca de uma condição melhor de vida, uma condição

melhor de trabalho... E o Brasil, hoje, mesmo num momento de crise, como o País

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que consegue, com todas as dificuldades, não ser tão atingido por essa crise,

continua gerando emprego, apesar dessa crise que já dura 4 anos, acaba sendo

na verdade um grande polo de atração de trabalhadores de outros países, que

vêm ao Brasil em busca de melhores condições de vida e, infelizmente, acabam

sendo enredados na rede do trabalho análogo ao de escravo e do tráfico

internacional de pessoas.

Poderíamos dizer (...) que o tráfico de pessoas pode ser colocado como um

crime-meio, na verdade. Podemos dizer que o crime do tráfico de pessoas — e

isso é uma forma um pouco exagerada — não existe por si só. O crime do tráfico

de pessoas está vinculado à execução de outro crime, como por exemplo a

exploração sexual de crianças e adolescentes, o tráfico de órgãos ou o trabalho

escravo. Então, poderíamos dizer, que seria um crime-meio.

Como eu coloquei, tive um problema com o computador, mas tinha trazido

uma apresentação na qual você consegue explicar as dinâmicas internas do

Brasil, de trabalho escravo. Você tem como grande polo fornecedor Municípios

com menor IDH. Você acaba confundindo praticamente a mancha do IDH com a

mancha das cidades de onde mais saem trabalhadores libertados da escravidão

e, ao mesmo tempo, você consegue ver no mapa toda a migração dos

trabalhadores, dos setores onde o IDH é menor, para as zonas de atração de

trabalhadores, zonas talvez colocadas como de expansão econômica ou grandes

cidades já estabilizadas no seu poder econômico. E as pessoas são atraídas para

isso.

Em relação ao trabalho escravo, em termos de dificuldades no combate ao

tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, temos dois grandes blocos de

dificuldades.

A primeira dificuldade diz respeito à questão da vítima de trabalho escravo,

que é uma vítima que está em uma situação muito vulnerável. Em relação aos

trabalhadores internos, você tem trabalhadores que não tiveram acesso ao

mercado de trabalho de maneira qualificada. São trabalhadores que não tiveram

acesso aos serviços estatais de educação. Você tem níveis de analfabetismo

muito altos, de alfabetização apenas formal — essa pessoa apenas sabe ler e

escrever o nome.

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Então, essa pessoa não consegue se inserir de forma qualificada no

mercado de trabalho, sendo uma vítima em potencial, facilmente vitimizada por

essa situação de trabalho análogo ao de escravo, principalmente no que diz

respeito à fraude no contrato de trabalho. Essa pessoa é envolvida por uma

promessa de situações de trabalho que acabam não ocorrendo, e acaba sendo

enredada.

Boa parte dessas pessoas tem ausência de documentação. Você encontra

trabalhadores libertados sem nenhum documento. Às vezes, o primeiro

documento que essa pessoa tem, o primeiro reconhecimento estatal dessa

pessoa é a carteira de trabalho emitida na hora da libertação pelos auditores e

pelos procuradores.

Então, você tem essa dificuldade da vitimização, de a vítima ser muito

vulnerável.

Quando acontece o tráfico internacional, você tem a questão da situação

teoricamente irregular da vítima, que acaba sendo, na verdade, uma forma de

coação do explorador sobre ela. A pessoa está aqui no Brasil, não entrou pela

maneira legal, com visto, com passaporte direitinho, e essa situação dela é

utilizada pelo explorador como forma de mantê-la na situação de trabalho

escravo. Há ameaças: “Se você denunciar, eu entrego você para a Polícia

Federal, para a deportação”. Isso acaba colocando a vítima do tráfico

internacional em uma situação muito vulnerável, em relação a trabalho análogo ao

de escravo”.

DEPOIMENTO DO SR. JONAS RATIER MORENO – Procurador do

Trabalho e Coordenador Nacional de Erradicação do T rabalho Escravo,

representando o Sr. Luís Antônio Camargo de Melo, P rocurador-Geral do

Trabalho.

O Ministério Público do Trabalho, como agente e órgão de Estado

responsável pelo combate, principalmente, à questão do trabalho escravo, tem

agido e atuado em várias frentes. A primeira é a frente extrajudicial. O primeiro

item dessa atuação extrajudicial é a questão da articulação política com os órgãos

parceiros, notadamente com os que compõem a CONATRAE, para somar

esforços.

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Quando falamos em crime de aliciamento ou na transferência de um

trabalhador ou de um grupo de trabalhadores de um rincão do Brasil para outro,

para fins de exploração, notadamente esse trabalhador passa por locais. Então,

essa primeira articulação é com os órgãos parceiros: Polícia Rodoviária Federal,

Polícias Rodoviárias Estaduais. E, para essa articulação, está em fase de

desenvolvimento um projeto chamado Caminhos para a Liberdade. O que é isso?

É um monitoramento do deslocamento desse trabalhador, lá do local onde ele é

costumeiramente arregimentado... Além dos Estados onde o IDH é baixíssimo se

pode mencionar dois Estados que ainda ponteiam nessa questão, neste caso,

que são os Estados do Piauí e do Maranhão.

Oriundos desses Estados muitos trabalhadores se deslocam de regiões ali

em que o IDH é muito baixo, em busca do seu ganha-pão do dia a dia, para o

sustento da sua família, já que naquela região ele não poderá prover seu

sustento. Então, ele se desloca para trabalhar no setor canavieiro.

Recentemente começou a se registrar o fenômeno que dessa mão de obra

que ia para o setor canavieiro muitos estavam optando pelo setor de construção

civil.

O projeto Caminhos para a Liberdade foi gestado exatamente porque o

Ministério Público do Trabalho, como um órgão de repressão, está muito

acostumado a entrar num outro ponto de atuação, que é o judicial, que é na parte

repressiva. No ano passado, concebemos esse projeto Caminhos para a

Liberdade e outro, que é o Resgatando a Cidadania, mas já no campo da

reinserção do trabalhador.

Então, essa parte da atuação extrajudicial é sobremaneira importante, para

o Ministério do Trabalho é por demais importante. Por quê? Porque nós temos

que atuar na prevenção. Esse trabalhador, quando está lá no seu local de origem,

tem que receber os esclarecimentos necessários para não cair na cadeia da

exploração.

Disse o Depoente: “O Ministério Público do Trabalho, até antes da

implantação dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, já vinha

atuando e colocando isso na mesa, que não é só a questão para fins de

exploração sexual, como é tradicionalmente a questão do enfrentamento ao

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tráfico de pessoas. Nós também, na questão do trabalho, principalmente do

trabalho escravo, com que nos defrontamos, há um componente, que é o meio.

Quem não conhece a intermediação da mão de obra por gato? O chamado gato

chega àquela região, promete ao trabalhador remuneração muito superior — até

numa forma de enganar esse trabalhador —, para motivá-lo a se deslocar

daquela região de origem para outra, para fins de exploração. Quando chega lá,

como nós sabemos, não é... A prática, o contrato, já pré-pactuado, não é

cumprido. E esse trabalhador é explorado, como todos nós sabemos.”

Apontou que uma opção do ministério público tem sido a utilização de

instrumentos extrajudiciais. “Passando por essa articulação toda, o Ministério

Público do Trabalho tem outro instrumento importante, que é o da investigação,

que é o inquérito civil público. Nesse inquérito, nós vamos buscar toda a dinâmica

do deslocamento desse trabalhador, da forma como ele foi explorado e dali dar

toda a extensão do que ocorreu com determinado fato em apuração. E, se o

infrator não ajustar a sua conduta, na forma da lei, conforme reza o Art. 876 da

CLT, introduzido pelo legislador ordinário, aí sim, nós partimos para a fase

seguinte, que é o ajuizamento da ação civil pública. Mas, no caso do tráfico de

pessoas, que está tipificado no 207 do Código Penal, que transportamos para a

seara trabalhista, ele é um componente-meio, como bem falou o Dr. José Guerra.

Quando atuamos, nós já atuamos no conjunto da repressão em si do trabalho

escravo. Então, esse é apenas um componente. Quando nós lá fechamos a

investigação toda, no bojo dela já vem inclusive a apuração: se aquele

trabalhador foi ou não ou se aquele grupo de trabalhadores foi ou não objeto de

tráfico, de deslocamento ilícito.”

Grande avanço na área, segundo o Depoente, foi a edição Instrução

Normativa n. 90, do Ministério do Trabalho e Emprego, de 28 de abril de 2011,

que dispõe sobre o recrutamento e o deslocamento desses trabalhadores até

onde eles vão prestar o serviço, até aquele posto de trabalho que nós rogamos

que não seja simplesmente um posto de trabalho, mas que seja um posto de

trabalho revestido da dignidade, do princípio da dignidade da pessoa humana.

No campo judicial, O MPT lança mão das chamadas ações civis públicas

para, em si, reprimir todo o conjunto da prática, do ilícito constatado. A ação civil

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pública é ajuizada em vários casos, principalmente onde se absorve grande

massa de trabalhadores, no setor sucroalcooleiro, na indústria têxtil e em diversos

outros casos.

DEPOIMENTO DO SR. RENATO BIGNAMI – Representante d a Sra.

Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque, Secretária de In speção do Trabalho.

Declarou o Depoente: “O Brasil, ao ratificar o Protocolo de Palermo, por

meio do Decreto n. 5.017, em 2004, tomou uma decisão bastante valente. Quer

dizer, internacionalmente reconhece também que essa é uma luta que precisa ser

enfrentada de uma forma bastante corajosa e bastante coordenada. O tráfico de

pessoas não é uma situação muito fácil de ser detectada, apesar de ele poder

acontecer debaixo do nosso nariz.

Pode estar acontecendo aqui na esquina uma situação de tráfico de

pessoas, e nós não estamos nos dando conta, não estamos percebendo. Então, é

realmente uma situação bastante delicada, bastante complexa, que envolve

diversos agentes e diversos estratos subterrâneos no âmbito social. E o grande

desafio das autoridades é conseguir penetrar nesses estratos e dar um alento

para essa vítima. A maior parte das vítimas ou é, primeiro, por ignorância;

segundo, por falta realmente de condições, uma pobreza; terceiro, por falta de

educação. Diversos fatores levam essas pessoas a serem vitimadas e entre eles

está a incapacidade do Estado de fornecer todos os insumos para que o ser

humano se desenvolva e evolua de forma correta e saudável.

Então, eventualmente esse ser humano acaba sendo vitimado por alguém

que está ali para explorá-lo realmente e obter uma vantagem econômica nítida,

em virtude dessa superexploração.

Em linhas bastante gerais é isso que ocorre, tanto no plano interno quanto

internacional. No plano interno, o tráfico tomou o nome de aliciamento,

especificamente para fins de trabalho escravo. No plano internacional, tem-se

utilizado a denominação de tráfico de pessoas.

O Brasil é tanto receptor no plano internacional quanto território de

passagem. Eventualmente, migrantes que por aqui passam e se destinam a

outras nações quanto um País de remessa também. Ele também envia brasileiros

para o exterior com falsas ilusões.

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Eventualmente, essas pessoas vêm a se deparar com uma situação muito

mais dura do que aquela que eles estavam imaginando e com dificuldades para

retorno. Então, é uma situação extremamente complicada, complexa. Quando a

gente fala no tráfico interno, geralmente estamos falando de pessoas muito

humildes, de pessoas que acabam, de uma forma ou de outra, sendo submetidas

a essa situação de serem deslocadas de um espaço para outro dentro do território

nacional, geralmente para regiões de difícil acesso. Mas cada vez menos isso

está ocorrendo. Cada vez mais a gente vê a deterioração do ambiente de trabalho

em meios urbanos — cada vez mais isso.”

Prosseguiu: “Outra faceta do tráfico também é a superexploração de

populações que tradicionalmente sofreram assimetria na própria pele, pessoas

que por questões raciais, étnicas acabam sendo mais vulneráveis — ou de

gênero também. E quando nós falamos no tráfico internacional, um país sendo

receptor, falamos de um grande polo de atração para os vizinhos sul-americanos.

Quando falamos, no Brasil, em território de envio, de remessa, falamos aí dos

tradicionais mercados europeus, talvez cada vez menos por conta da crise que se

experimenta na Europa, mas ainda existe esse fluxo.”

O Depoente fala de caso de rota de tráfico recentemente identificada:

“Falamos agora recentemente de um caso que surgiu de uma agência de modelo

que enviou meninas para a Índia, que era um lugar que eu não imaginava que

havia um fluxo, mas acabei descobrindo, nas nossas investigações, que também

existe um polo ali. Bollywood é um polo. Cria-se uma certa ilusão, e as meninas

acabam entendendo que pode ser que consigam um dia ascender numa carreira

artística. Então, são situações as mais díspares que envolvem o tráfico de

pessoas.”

Sobre a ação do MT, declarou: “Pelo Protocolo de Palermo, o tráfico de

pessoas existe para prostituição, para extração de órgãos, para adoção. Mas, no

nosso caso, para a Secretaria de Inspeção do Trabalho, o tráfico que nos diz

respeito ali, diretamente, é aquele tráfico que ocorre para fins de exploração de

trabalho escravo. A competência da Secretaria de Inspeção do Trabalho é

normatizar, elaborar, monitorar as políticas públicas de fiscalização do trabalho.

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Então, precisa haver uma relação de trabalho ou pelo menos a expectativa

de, para que os auditores fiscais do trabalho estejam ali atuando. E sempre que

ocorre exploração de trabalho escravo a fiscalização é acionada e vai adiante

com o objetivo único de detectar essa situação, resgatar esses trabalhadores

dessa situação, garantir o pagamento das verbas rescisórias e de todas as

indenizações possíveis a que esse trabalhador possa fazer jus, recompor o

salário dele, porque geralmente existe um deficit incrível, da ordem de um terço a

um quinto do que ele deveria receber ao que ele normalmente recebe. Isso

quando recebe. Eventualmente, há trabalhadores que nem recebem nada.

De modo que no momento em que o auditor se depara com uma situação

dessa, ele já reconhece, constata uma situação de trabalho escravo, resgata esse

trabalhador, determina à empresa que rescinda esse contrato e que pague todos

os haveres cabíveis a esse trabalhador. Além disso, o auditor emite uma guia de

seguro-desemprego. Esse trabalhador faz jus a três parcelas do seguro-

desemprego, por força da Lei do Seguro-Desemprego. E também se garantirá o

regresso desse trabalhador à sua origem, caso seja essa a sua vontade.

Esse é o pacote de medidas sob responsabilidade dos auditores fiscais do

trabalho que foi construído no decorrer dos últimos 15 anos. Além disso, essa

empresa certamente será punida pela fiscalização. Serão lavrados diversos autos

de infração que levarão à imposição de multas. E ao final do processo

administrativo dessas multas todas, caso tenha ocorrido a procedência dos autos

de infração, o nome ou a razão social da empresa que estiver por trás,

responsável por essa situação, será lançado no cadastro dos empregadores que

foram flagrados em situação de exploração de trabalho análogo ao de escravo, a

popular conhecida como Lista Suja do Ministério do Trabalho, que tem se

mostrado um dos melhores instrumentos no combate às formas contemporâneas

de escravidão.

Entendemos que a vulneração a que está sujeito o trabalhador vítima de

trabalho escravo não pode ser perpetuada. E o objetivo nosso é justamente

recompor os direitos humanos fundamentais desse trabalhador. Esse é o grande

objetivo.”

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Uma das maiores contribuições a esta CPI foi dada pelo Depoente nesta

fala: “Uma das que mais tem chamado a atenção da Inspeção do Trabalho — até

porque é o nosso mister, o nosso dever diário — está relacionada diretamente

com as novas formas de fragmentação produtiva. Na verdade, 100% dos casos

em que foi constatado o trabalho escravo nos últimos anos estão relacionados, de

uma forma ou de outra, com o fracionamento de cadeia produtiva. Essa é a

famosa terceirização, subcontratação de serviços.

Ao subcontratar, uma empresa-mãe, uma empresa maior, uma empresa

que tem todas as condições para corretamente e adequadamente contratar o

trabalho de um ser humano, ao subcontratar, essa empresa tem a falsa ilusão de

que ela está se livrando de responsabilidades e, portanto, de custos. Ela reduz o

seu custo de uma forma brutal com a terceirização. Só que essa redução

necessariamente vai redundar, lá adiante, na superexploração de um trabalhador.

Quer dizer, em linha de máxima, a gente tem eventualmente 3, 4, 5 — já cheguei

a ver 7 — camadas de subcontratação. E lá no final, na última camada, um

trabalhador recebendo um terço, um quinto de um salário mínimo e trabalhando

15, 17, 18 horas por dia. Além disso, esse trabalhador sem a menor condição de

segurança e saúde, correndo risco de vida diariamente. Além disso, nos casos

mais graves, esse trabalhador sendo humilhado, sofrendo humilhações diárias do

seu feitor, justamente para trabalhar mais e ficar quieto.”

Prosseguiu: “Muitas vezes ameaças são comuns. Ameaça de vida a esse

trabalhador, ameaça de vida a sua família, a sua família que ficou longe. Então, é

dessa situação que nós estamos falando. E, por trás dessa situação, está uma

situação de subcontratação brutal de serviços. Hoje, este País é o país das

subcontratações. Terceirização é uma página não completa na história trabalhista

deste País. Ela ocorre de uma maneira absolutamente liberal ou neoliberal, se

fosse considerar, porque ela ocorre sem travas. Não existem travas na legislação.

O que nós temos aí, basicamente, é um enunciado do Tribunal Superior do

Trabalho. A própria jurisprudência continua contradizendo o próprio enunciado

diariamente. Existem diversos julgados que aceitam terceirização, inclusive em

atividade-fim. Então, é importante que debatamos essas causas do ponto de vista

trabalhista, até para a gente entender por que uma enorme gama de

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trabalhadores, quer seja no meio rural, quer seja no meio urbano, quer seja em

qualquer atividade, está sendo submetida frequentemente a condições análogas à

de escravidão”.

O que existe por detrás dessas subcontratações são grandes empresas,

eventualmente até multinacionais, que se beneficiam de uma lacuna na legislação

brasileira. Na Europa, o combate a essa situação está muito mais avançado, essa

já é uma página praticamente virada, não sendo possível essa subcontratação,

essa terceirização completamente desmesurada. Na opinião do Depoente, esse é

um ponto que precisaria ser bastante trabalhado, para que realmente aumentasse

a responsabilidade.

Tratou da Diretiva é 36, de 2011, da União Europeia, que cria a

responsabilização da pessoa jurídica, tanto por ação quanto por omissão no dever

de corretamente monitorar sua cadeia de produção no sentido de evitar que

ocorram casos de tráfico de pessoas em sua cadeia de produção. Resta saber

como os países vão transpor, vão absorver esse comando da Diretiva 36, de

2011, do Conselho da União Europeia, que é uma diretiva sobre tráfico de

pessoas. Na Califórnia, também recentemente, houve uma lei que ordena que os

CEOs (diretores presidentes de grandes corporações) devem declinar seu plano

de trabalho para evitar tráfico de pessoas e trabalho escravo em sua cadeia

produtiva. Isso poderia ser pensado em termos de legislação brasileira, inclusive

contando com meios de controle como a CVM, possibilidades de cassação de

licenças por parte do Estado, medidas de natureza financeira, societária,

comercial, administrativas, para que possamos avançar no combate ao trabalho

escravo e no combate ao tráfico de pessoas, além, obviamente, de formação e

informação ao trabalhador.

De fato, a CPI constatou o estreito relacionamento entre tráfico de pessoas

e trabalho em condição análoga à de escravo, donde ressalta a necessidade de

atualização da legislação, a fim de tipificar adequadamente essas condutas,

sobretudo diante do que dispõe a Convenção de Palermo.

No Projeto de Lei apresentado pela Comissão, esses crimes são tipificados

de forma abrangente, buscando alcançar as diferentes formas pelas quais as

redes criminosas têm tentado burlar a lei e escapar da punição.

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11. AS REDES DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE

PESSOAS NO BRASIL.

A CPI buscou oportunamente ouvir diversas autoridades públicas

envolvidas no combate ao tráfico de pessoas no Brasil, inclusive colhendo

informações acerca das políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas nesse

setor. Passamos a transcrever o resumo dos depoimentos prestados perante a

Comissão acerca desse tema.

11.1. CASOS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E TRÁFICO DE

PESSOAS NO ESTADO DE GOIÁS.

A CPI recebeu denúncia de Exploração Sexual e Tráfico de Mulheres e

Crianças no Estado de Goiás. Existem também o aliciamento de trabalhadores

rurais para o tráfico entre Pará e Goiás. Um exemplo dessa exploração é o caso

de exploração em Anápolis, pela cafetina Érika, que responde por rufianismo,

exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico interno e internacional de

pessoas, sendo acusada inclusive de traficar travestis menores de idade do Pará

para Goiás.

Esta Comissão ouviu depoimento da Sra. Nelma Maria Pontes de Souza,

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de

Goiás.

Nesse depoimento, foram comentados diversos aspectos que merecem

destaque, os quais passamos a comentar de forma suscinta. Os Casos de

exploração específicos combatidos pelo Núcleo são a Exploração Sexual e

Tráfico de Mulheres e Crianças. A Sra. Nelma se refere ao dado de que, no

Tráfico Internacional: 75% das mulheres traficadas acolhidas na Espanha vítimas

de tráfico são goianas. O tráfico de mulheres goianas também é intenso para

Holanda e Suíça.

Foi mencionado o caso de um travesti levado para a Itália – originalmente

de Pernambuco, recebe benefícios de aposentadoria e medicamentos concedidos

pela Defensoria Pública. Os cuidados são oferecidos pelo Estado de Goiás,

apesar da origem pernambucana.

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Existe também o caso dos trabalhadores rurais, com tráfico entre Pará e

Goiás. O caso que mais recebe atenção é de tráfico interno. Trata-se de caso de

exploração em Anápolis, pela cafetina Érika, que responde por rufianismo,

exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico interno e internacional de

pessoas. Traficou um travesti menor de idade do Pará para Goiás, juntamente

com outros menores de idade.

Assim que chegou a Anápolis, ele recebeu silicone industrial na casa da

própria Érika, aplicado por ela mesma. Também recebeu maquiagem, tintura de

cabelo, roupas. Ao final da operação, foi encaminhado diretamente às ruas para

se prostituir e pagar as “dívidas” da transformação.

Também consta o caso de uma indígena da tribo Carajás raptada por um

grupo de ciganos. O Núcleo discorda e afirma a existência de indícios de que foi

aliciamento, inclusive com o uso de presentes e dinheiro. A criança foi levada

para tomar um sorvete pelo grupo, com o consentimento da mãe. A polícia,

entretanto, trata o caso como rapto e subtração de menor, e não tráfico.

Algumas ações tomadas para o combate ao tráfico foram: capacitação de

pessoal; oferecimento de assistência jurídica às vítimas; campanhas de

prevenção, inclusive nas escolas. No caso Érika, foi pedida a colaboração à

Polícia Federal, por suspeita de envolvimento da polícia na proteção à acusada.

Existe também pelo menos um caso em que foi fornecida a assistência jurídica a

uma brasileira acusada de tráfico na Espanha. A Coordenadora relatou casos

resolvidos pelo Núcleo, de trabalhadores em condições análogas à escravidão e

que foram atendidos em Goiás e de uma mulher que veio da Espanha onde

colaborou com as instituições espanholas para prender criminosos.

No caso dos Travestis, o tráfico ocorre com a compra de identidade para os

menores. Na verdade, geralmente o menor de idade quer a transformação. São

conhecidos por ficarem nas ruas e esquinas de Anápolis, com conhecimento da

polícia.

Nos casos de Goiás, o aliciador pede para que os adolescentes e crianças

consigam o documento para viajar. Como eles querem viajar, geralmente

compram identidades falsas, e mesmo que sejam completamente diferentes dos

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donos, conseguem viajar. Estas foram as principais observações feitas no

depoimento mencionado.

A CPI procedeu à tomada dos seguintes depoimentos sobre essa

investigação.

DEPOIMENTO DO SR. RINALDO APARECIDO BARROS - Juiz Titular

do Juizado Civil e Criminal da Comarca de Jaraguá - GO, respondendo

também por duas Varas Criminais em Aparecida de Goi ânia e pela 11ª Vara

Criminal de Goiânia.

Disse que, no que se refere ao tráfico de pessoas, a partir do caso ocorrido

em Niquelândia, em 2007, foi percebido, naquelas cidades do norte,

principalmente Niquelândia e Uruaçu, um movimento muito grande de mulheres,

sobretudo para a Espanha e Portugal.

Relatou que foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça, dentro da

Comissão de Acesso à Cidadania e Justiça, um grupo de enfrentamento ao tráfico

de pessoas há mais ou menos 2 anos, liderado pelo Conselheiro Ney José de

Freitas, que tem desenvolvido um trabalho importantíssimo.

Mencionou a assinatura de um acordo de cooperação técnica entre o

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e o Conselho Nacional de Justiça, que

visava atuar em seis áreas, em seis frentes no enfrentamento, além da existência

de uma cooperação jurídica internacional.

Na área de prevenção, segundo o depoente, foi proposto ao Poder

Judiciário fazer um trabalho de disseminação perante os Conselhos Tutelares,

conselhos de segurança, centros de pacificação social, associações de bairros.

Propôs-se fazer um trabalho nesse sentido, porque o Juiz pode, nessa nova

função de agente de transformação social, manter um diálogo franco e aberto

com a sociedade, fazer reuniões, fazer palestras em escolas.

DEPOIMENTO DA SRA. ADRIANA ACCORSI - Delegada da Polícia Civil

do Estado de Goiás.

Destacou a criação do Grupo Especial de Investigações de

Desaparecimento de Pessoas, que funciona nos moldes do grupo de São Paulo,

que tem mais ou menos o mesmo número de pessoas.

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Disse que há 2 anos, a Polícia Civil de Goiás investiga um travesti, de

nome Lindomar Fidélis de Miranda, chefe de uma quadrilha que alicia meninos

adolescentes, em especial os abandonados pela família em razão da opção

sexual, para prostituição em Goiânia, preso cerca de 1 (um) mês antes do

depoimento da Delegada.

Mencionou o caso, que reputou gravíssimo, da menina Mayara Kelly

Kuabiru dos Santos, de doze anos, indígena da tribo Carajás, que desapareceu

em 5 de abril deste ano. Disse a depoente que há relatos de que ela foi vista com

três homens e duas mulheres que a aliciaram para um suposto casamento em

outro Estado, onde ela poderia viver melhor.

Também relatou que, em Goiás, há o tráfico de crianças e adolescentes

para o trabalho escravo em Goiânia e Anápolis.

Um desses casos, segundo a depoente, foi o de uma pastora que trazia

crianças índias para Goiânia, as quais eram obrigadas ao trabalho escravo,

espancadas e molestadas sexualmente.

DEPOIMENTO DO SR. EDILSON DIVINO DE BRITO – Delegado da

Polícia Civil, Superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de

Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás.

Não acrescentou novos relatos, que pudessem ser de interesse para as

investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. HAMILTON JOSÉ AMORIM REZENDE -

Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Cri ança e do Adolescente

de Goiás.

Não acrescentou novos relatos, que pudessem ser de interesse para as

investigações realizadas pela Comissão.

DEPOIMENTO DA SRA. TERESA CRISTINA NASCIMENTO SOUS A -

Secretária Municipal de Política para as Mulheres de Goiânia.

Referiu-se a seminários realizados em Goiânia, em 2008, para capacitar os

operadores de tráfego aéreo, o que têm levado os aliciadores a utilizar as vias

terrestres, para escapar da fiscalização.

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Disse que as meninas aliciadas têm em torno de 15, 16 anos e os seus

registros de nascimento são falsificados, para que possam viajar. Relatou que

muitas saem do Brasil, com a ilusão de que vão ser modelos famosas na Europa,

principalmente Portugal e Espanha.

DEPOIMENTO DO SR. JOÃO FELIPE – Pai de vítima.

Relatou a sua perplexidade com o que estava acontecendo com sua filha e

como poderia tirá-la de lá. Disse que algumas freiras espanholas esconderam

mulheres debaixo do altar, para ajuda-las a fugir.

Disse que deram algum remédio para sua filha e a soltaram na rua para

morrer, e depois alegaram que ela tinha morrido de tuberculose.

DEPOIMENTO DA SRA. NELMA MARIA PONTES DE SOUZA -

Coordenadora da Comissão Executiva de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas no Estado de Goiás.

Disse que o Governo Estadual criou, a partir do Decreto 7.624, de 21 de

maio de 2012, uma coordenação na Secretaria de Políticas para Mulheres, que é

chamada de Comissão Executiva de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e

também o Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

Mencionou que foram reunidas cerca de 35 instituições, que já estão

trabalhando nesse Comitê e com a incumbência agora de elaborar a Política

Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e também um Plano Estadual

de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas a partir do primeiro plano estadual, que

foi construído ainda na época em que o núcleo estava sob a gestão do Ministério

Público de Goiás.

Relatou que o Comitê já acompanhou 15 casos de tráfico de pessoas, a

maioria deles investigada pela Polícia Civil, além do acompanhamento feito às

vítimas.

Citou a prisão de uma cafetina chamada Érica, ocorrida a partir do

atendimento feito pelo Comitê de um travesti adolescente traficado do Pará para

Goiás.

A depoente disse que os criminosos falsificam a documentação das

pessoas traficadas, para que elas possam se deslocar para outros Estados.

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Relatou que, no Pará, um programa custa 5, 10 reais, enquanto que, em

Anápolis, o valor pago chega a 500 reais.

DEPOIMENTO DO SR. ALEXANDRE ALVIM LIMA - Delegado de Polícia

Civil de Ceres - Goiás.

Mencionou casos em Ceres e Itapaci de adoções internacionais

fraudulentas envolvendo brasileiros. Foram 74 casos de adoção, realizadas na

comarca de Itapaci.

Disse que as investigações apuraram a existência de estelionato para

conseguir cidadania europeia.

DEPOIMENTO DO SR. EDUARDO DE CARVALHO MOTA - Presi dente

do Conselho de Direitos das Crianças e dos Adolesce ntes de Goiânia.

Relatou que, em Goiânia, há noticia do envolvimento de policiais com o

esquema do tráfico de pessoas. Um exemplo disso, segundo a depoente, foi o

assassinato, há quatro anos, de um travesti na Avenida Paranaíba, por um policial

militar.

DEPOIMENTO DO SR. MARCO AURÉLIO DE SOUSA - Secretário

Executivo do Projeto Resgate Brasil.

Disse que o projeto tem sede na Suíça, em Zurique, e em Goiânia e

trabalha com o retorno de brasileiros, tanto vítimas de trabalho forçado, quanto

também vítimas de prostituição ou qualquer outra forma de violação dos direitos

humanos.

Mencionou que, no ano passado, foram atendidos 54 brasileiros dos quais

15 foram vítimas de tráfico.

11.2. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO PARÁ

De acordo com depoimentos prestados perante a Comissão, o tráfico de

pessoas tem dimensões assustadoras e não encontra fronteiras, possuindo

ramificações nacionais e internacionais.

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Um dos grandes problemas do tráfico no Pará é a dificuldade de

monitoramento das fronteiras, já que o Estado tem fronteiras muito difíceis de ser

monitoradas.

As informações trazidas à Comissão são no sentido de que o Estreito de

Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se constituem dutos dos mais utilizados

para o tráfico humano nessa nossa região. Também foi relatado que a fronteira de

Oriximiná com o Suriname não tem patrulhamento e nem tem posto de

fiscalização como nos aeroportos e nas rodoviárias.

Há notícias de que, no sudeste do Estado, funciona uma rede de

aliciamento de jovens futebolistas para a exploração no Nordeste, Sul e Sudeste

do País. A CPI recebeu denúncias de que o Sr. Ronildo Borges, conhecido como

“Batata”, atua nessa rede de tráfico de crianças e adolescentes no Pará, enviando

meninos para a Baixada Santista.

Essa rede de tráfico seria comandada, de acordo com informações

colhidas, por um presidiário, que atende pela alcunha de “Pororoca” e comanda o

tráfico de pessoas no município paraense de Bragança.

Uma das grandes portas de saída para o tráfico humano no Pará são os

portos, havendo relatos de um esquema de tráfico de mulheres realizado em

Barcarena por um ex-Vereador que tem um barco denominado de “Transputa”.

Em Belém, existem ainda inúmeras denúncias feitas por conselheiros

tutelares ameaçados de morte. Esses conselheiros não dispõem de estrutura para

trabalhar, não recebem nenhuma proteção e, mesmo assim, são obrigados a

apurar as denúncias de tráfico de pessoas envolvendo crianças e adolescentes.

Em muitos desses casos, os culpados são políticos, autoridades influentes ou

pessoas do seu círculo de amizade.

Passamos a transcrever de forma sucinta os depoimentos colhidos sobre o

tráfico de pessoas no Pará.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIE HENRIQUETA FERREIRA

CAVALCANTE – Coordenadora da Comissão Justiça e Paz da Regional

Norte II da CNBB.

Disse a Depoente que um dos eixos de ação da Comissão Justiça e Paz é

o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico de

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pessoas. Portanto, o olhar sobre essas duas realidades tem sido um olhar muito

holístico, muito vivido, corpo a corpo, porque a Comissão tem ido onde essas

pessoas estão, como estão e como estão sendo envolvidas nesses crimes.

Declarou: “Eu gostaria, assim, primeiramente, de dizer para vocês o

seguinte: que nós temos acompanhado pessoas que foram traficadas e que

conseguiram retornar para o Estado do Pará. Através do trabalho que eu venho

fazendo dentro da Comissão, tem me exigido também a ir nos espaços, onde nós

sabemos que o fluxo, o movimento das redes criminosas, assim como o espaço

onde essas pessoas estão também ocupando é muito grande. Eu tive

oportunidade de passar 5 dias no Suriname, em Paramaribo, e nesses 5 dias eu

pude constatar o que realmente as vítimas narravam. Lá eu entrei nos prostíbulos,

nos hotéis, nas boates, conversei muito com as meninas e os meninos que, de

forma enganosa, foram para aquela localidade e que hoje ainda estão lá sofrendo

as consequências desse engano. Na verdade, o que nós temos compreendido

dentro do nosso trabalho é que existe um movimento muito grande, e hoje,

sinceramente, a partir da experiência que eu vivo, eu não tenho mais como dizer

que não existe uma interligação muito forte entre exploração sexual, tráfico de

pessoas, tráfico de drogas e esse vínculo, sim, com o trabalho escravo.”

Apontou a Depoente a impossibilidade de ignorar que a verdadeira causa

para que as pessoas caiam nas promessas enganosas dessas redes criminosas

seja a questão da desigualdade social. A situação de fome, a situação de miséria,

a falta de políticas públicas, de alternativas de trabalho para essas pessoas,

fazem com que elas se submetam, se iludam e vão em busca de uma vida

melhor, e até se submetem a viver a situação de escravidão que estão vivendo no

Suriname, em Caiena e em outras localidades da nossa região.

Narrou caso exemplar: “A situação de miséria dessas pessoas, que as leva

a serem enganadas, porque as promessas são bem enganosas... Hoje, nós

temos uma das vítimas que nós acompanhamos, que é um rapaz de 19 anos, que

está preso em Paramaribo. A forma como ele narra como foi enganado pelas

promessas enganosas de que lá existia garantia de trabalho, de que a vida iria

melhorar, de que o trabalho a que ele iria se submeter era um trabalho muito bom,

onde ele iria ganhar muito dinheiro, vivendo decentemente, e quando eu chego lá

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e eu constato outra realidade, que é justamente essa de encontrar aquelas

pessoas com seus documentos retidos, com o sistema de segurança muito bem

montado dentro daqueles espaços onde esses jovens, rapazes e moças se

encontram, e de repente ela querer voltar, ou algumas não querendo voltar,

mesmo vivendo essa situação de escravidão e de miséria.”

Prosseguiu: “A minha atuação tem sido, na verdade, muito na região do

Marajó. A região do Marajó, como é do conhecimento de muitas pessoas que nem

habitam naquele Estado, porque eu sou amazônida, mas não sou paraense, eu

sou amazonense, mas entendo e compreendo muito bem a realidade do Estado

do Pará, como também pessoas desse contexto. Existe uma localidade dentro da

Região do Marajó, que é chamada Breves. Em Breves, nós constatamos uma

realidade muito mais gritante do que nós podemos imaginar, que é a realidade

das meninas, que nós chamamos as balseiras, que se submetem a subir nas

balsas. E num dos depoimentos a menina diz: “Muitas sobem e não voltam mais”.

Não há dúvida nenhuma de que o tráfico é realmente um fenômeno, tráfico

é aquilo que ele acabou de falar, acontece ao nosso lado e nós não sabemos

identificar. O que existe, na verdade, é uma verdadeira tolerância da sociedade

civil que contempla essa realidade e não sabe dizer o que está acontecendo. E

acaba identificando isso como simplesmente desaparecimento.

Nós que estamos fazendo o enfrentamento, nós que vamos para a base,

nós que temos contato direto com essas vítimas, nós sabemos o mecanismo, o

movimento articulador, o movimento financeiro que existe por trás de tudo isso,

quando muitos acabam se enriquecendo. E hoje eu posso dizer para vocês que o

que acaba mesmo acontecendo é que a vida dessas pessoas se assemelha a

mercadoria barata e fácil nas mãos dessas redes criminosas que atuam nas

nossas regiões. Eu gostaria de destacar aqui neste espaço público, de dizer

também para vocês que não há dúvida nenhuma de que os grandes projetos de

desenvolvimento econômico, eles também incentivam fortemente os processos

migratórios.

Eles vão delineando espaços nos quais as adolescentes, as crianças,

mulheres adultas, homens e mulheres, vão buscar meios de conseguir de alguma

forma dinheiro para garantir seu sustento e também o de sua família. É

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impressionante, mas na região, nessa nossa região hoje é muito fácil,

principalmente na Região do Marajó, você encontrar crianças que estão em

situação de verdadeira vulnerabilidade em troca, gente, de comida, em troca de

comida.

Quando nós chegamos numa das regiões, naquela Região de Breves,

Portel, é tão fácil você ver as crianças que estão expostas se oferecendo até por

um copo de refrigerante, por um bombom. E elas encontram, sim, quem faça com

elas o que querem e, depois, essa criança acaba se acostumando porque um dia

é bombom, um dia é um copo de refrigerante, no outro dia são os 5 reais que ela

pode levar para casa, comprar uma dúzia de ovos, ou quantos ovos, para fazer a

farofa e matar a fome dela e a da família dela toda. Então, não há dúvida

nenhuma de que o tráfico ele está, sim, e hoje eu não tenho dúvida de dizer isso,

que o tráfico está, sim, vinculado à questão dessa desigualdade social que nós

vivemos.”

Aponta a ausência do Estado e a questão da cultura da impunidade, que

favorece essa prática criminosa.

Denunciou: “Hoje, qualquer pessoa que chega no Município de Altamira é

capaz de contemplar isso. Recentemente, saiu uma matéria bem interessante,

com vários depoimentos, que foi publicada pela Agência Brasil no dia 28/04, que

fala de vários casos de pessoas, mulheres que foram para aquela região de

Altamira em busca de vida melhor e que estão sujeitas simplesmente, unicamente

ao trabalho sexual. Não há dúvida nenhuma de que isso favorece, e muito, o

tráfico de pessoas. Então, eu gostaria de dizer para vocês que a Comissão de

Justiça e Paz tem feito um trabalho árduo. O nosso trabalho tem sido árduo para

combater esses crimes. Árduo a ponto de hoje termos o conhecimento da

situação no Suriname. Recentemente, Deputado, como eu atuo também, o meu

trabalho da Comissão de Justiça e Paz, a nossa igreja também atua, abrange o

Estado do Amapá, recentemente, tive a oportunidade tão desejada de contemplar

a situação no seu Estado, no Município de Oiapoque.

No Oiapoque o movimento é muito grande, a facilidade para ir embora para

Caiena e para o Suriname é fácil demais. Lá a situação está mais gritante do que

podemos imaginar. Se eu sempre fui, a partir do momento em que eu comecei a

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atuar dentro desse espaço da CNBB, enfrentando esses crimes, eu nunca mais,

na minha vida, e tenho certeza de que até o momento em que Deus me der a

graça de viver eu serei mais uma pessoa tranquila, serei sempre indignada,

sempre indignada, porque é muito fácil, é muito favorável. O movimento financeiro

disso tudo faz com que a vida das pessoas, principalmente das mais pobres, grite

por justiça e elas gritem para que elas sejam vistas como pessoas e não como

mercadoria. O que é mais triste ainda, e gostaria de partilhar aqui neste espaço

aberto, é que a vítima desse crime nunca se reconhece como vítima, ela não se

identifica, não aceita, não enxerga.

O que me espanta também é a capacidade de as redes criminosas terem o

controle de tudo, quem está à frente, fazendo o enfrentamento, fazendo ações de

prevenção. Como eles são capazes de saber tudo. Quando sabem que a vítima

procurou ajuda, também vão fazer com que a vítima modifique a sua palavra,

retire o que falou, para que o seu nome desapareça. E aí vejo aqui que vocês

terão um árduo trabalho, primeiro para que esta CPI trabalhe com dignidade, com

transparência, com o pacto da justiça, com o pacto da verdade, para que nenhum

criminoso possa tirar proveito da miséria humana dessas pessoas”.

DEPOIMENTO DA SRA. ROBERTA GUZZO SOUZA BELO -

Representante da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos do

Estado do Pará.

Disse que, só no Brasil, há cerca de 520 rotas de tráfico e é um comércio

ilegal, que gera um lucro de cerca 32 bilhões de reais aos criminosos

inescrupulosos, que comandam as organizações dedicadas ao tráfico e à

exploração de pessoas de várias idades.

Relatou que, no Pará, o tráfico de pessoas tem características peculiares:

são homens, para o trabalho escravo no campo ou nos garimpos, no Brasil e no

exterior; mulheres, para o trabalho escravo no âmbito doméstico e no mercado

internacional do sexo; crianças e adolescentes, para o trabalho escravo, ou a

exploração do trabalho infantil doméstico e prostituição; travestis, adultos e

adolescentes, vítimas do tráfico, para fins de exploração no mercado nacional e

internacional do sexo.

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Afirmou que os números de casos de tráfico no Estado foram levantadas

pela SEJUDH, nos últimos anos, e dão conta de que, em 2011, foram 13 casos;

em 2012, 12 casos, e que. neste ano, até agora, há 18 casos notificados.

DEPOIMENTO DO SR. CARLOS BORDALO - Deputado Estadual pelo

Pará e Presidente da Comissão de Direitos Humanos d a Assembleia

Legislativa do Estado do Pará — ALEPA.

Disse que o Estado do Pará tem ramificações nacionais e Internacionais e

fronteiras muito difíceis de serem monitoradas.

Disse que o Estreito de Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se

constituem dutos dos mais utilizados, Srs. Deputados, para o tráfico humano na

região.

Relatou ainda o aliciamento, na região do Marajó e também nos bairros de

periferia da capital, de jovens, mulheres, jovens travestis, para o tráfico e a

exploração sexual, citando os bairros de Cremação e Jurunas.

Fez alusão a um aliciador foragido, nos seguintes termos: “Até hoje há um

foragido em que a Polícia Federal não consegue botar a mão.

Eu não entendo como alguém não é encontrado! O Sr. Batata foi

denunciado à Polícia Federal, está no nosso relatório, nós já pedimos a prisão, e

esse cidadão não é encontrado! E agora, na nossa ida a Marabá, Deputado

Márcio Miranda, que nós realizamos todas as vezes a reunião da Comissão de

Direitos Humanos, mães, agentes sociais, conselheiros tutelares de Marabá e da

região nos denunciaram que o Sr. Ronildo Borges, o Batata, continua atuando e

naqueles dias tinha levado um ônibus cheio de meninos, de novo, para a Baixada

Santista.”

Disse que esse tal de “Batata” continua aliciando gente em Marabá,

Jacundá, Tucuruí e em todos os Municípios do sudeste.

Mencionou que a fronteira de Oriximiná, no Pará, com o Suriname precisa

imediatamente de monitoramento, de uma ação efetiva do Estado brasileiro.

DEPOIMENTO DA SRA. SIMONE EDORON MACHADO ARAÚJO -

Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis e Dele gada da Polícia Civil

do Estado do Pará.

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Disse que, num levantamento estatístico efetuado, foram noticiados, na

esfera policial, desde 2006 até agosto de 2013, apenas 33 ocorrências policiais,

as quais geraram 27 inquéritos policiais por tráfico de pessoas, o que ainda

demonstra um número bem baixo de denúncias.

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO PAIXÃO - Coordenador do Conselho

Tutelar de Belém.

Disse que o Conselho Tutelar do Estado é a porta de entrada de

denúncias do Ministério Público, do Disque 100, 181 e de outras entidades.

Relatou que também chegam, logo depois, outras denúncias contra os

próprios conselheiros tutelares, principalmente quando há demora em se fazer a

verificação das denúncias, por falta de condições, de salário, de estrutura.

Reclamou do tratamento dado às vítimas de exploração sexual nas

delegacias, o que dificulta o trabalho do Conselho Tutelar. Além disso, relatou que

os conselheiros tutelares sofrem ameaça de morte e não dispõem de nenhuma

proteção.

DEPOIMENTO DA SRA. ALBA CRISTINA DE JESUS MARTINS -

Participante do evento. Plateia

Fez o seguinte comentário: “Eu só estou aqui — e fiz um esforço para estar

aqui — para fazer uma cobrança, porque o cara foi condenado a oito anos, mas

foi candidato, ganhou e hoje assume uma Secretaria de Educação no meu

Município.

Eu tive que sair da minha cidade porque um cara que passava perto de

mim dizia: “Oi, como você está? Está bem?” É um cara nojento, um cara sem

dignidade, um cara que não respeita ninguém. Eu pergunto: por quê? Acho que,

se fosse um filho meu, estaria na cadeia. Mas o cara é condenado a oito anos,

vem como candidato, ganha e assume uma Secretaria de Educação, que trata de

assuntos relativos a crianças e adolescentes.

Os amigos dele violentaram uma amiga minha, a Rafaela, foram quatro,

mas hoje trabalham para o Estado, na escola onde tem criança e adolescente. E

é um processo que nunca chegou nas mãos da promotora. E saiu o mandado de

prisão preventiva, mas os caras continuam em liberdade.

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Essa jovem, filha de uma grande amiga minha, teve que ir embora depois

de tentar se matar duas vezes. Cadê a justiça? Cadê a criança que foi violentada

por ele, cuja mãe foi ao fórum? Esse Vereador Odair Avelar... E até hoje a mãe

não foi chamada...

Essa criança parou de estudar e anda por lá. Por quê? Porque não tem

mais escola para estudar, porque ele chega na escola e todo mundo fica falando:

“Lá vai o bichinha, lá vai o bichinha.” Depois do que ele fez com essa criança, ele

continua na impunidade, continua solto?

Que País é esse? Cadê a nossa lei? Eu só queria cobrar das autoridades

que olhem com mais carinho para esses casos nossos. Eu só queria cobrar isso

porque são cinco anos de luta para eu vir para cá. E são os meus amigos que

ajudam a pagar a minha passagem para eu chegar até aqui, entendeu? Porque

esse cara acabou com a minha vida.

Hoje não estou na minha cidade. Vivo lá em Salvaterra por causa dele. E

ele continua cometendo os mesmos crimes, mas continua solto, continua na

impunidade.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA MIRANDA - Participante do evento.

Plateia.

Fez o seguinte pronunciamento: “Dr. Bordalo, eu estou aqui — eu já falei —

para ter uma resposta.

Eu estive aqui em 2011, em vários eventos para os quais me chamaram,

nesta Casa e no Senado, mas ainda não vi qualquer tomada de providência.

Simplesmente, a mãe da moça, um “amiga” — entre aspas — mal-intencionada

que convidou a minha filha para ir para a Espanha, que chamou a minha filha e

disse: “Resolve o teu problema com a tua mãe.”

Aqui a família não tem nada a ver, mas o mal que essa moça trouxe não foi

só pra minha filha; foi pra família toda, foi pra mim. Eu sou viúva, tenho 76 anos.

O Deputado Miriquinho e o Deputado Bordalo conhecem a minha trajetória no

sindicato rural, sempre lutando por políticas públicas para ribeirinhos no Município

de Portel e Marajó. Então, eu sou jurutiense, nasci em uruti, mas vim para Portel

aos 22 anos. E de 1993 até hoje eu dedico a minha vida ao movimento social em

Portel e, por assim dizer, em Marajó.

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Então, eu também sou uma formiguinha. Eu não quero saber se a mulher

vai ser condenada; eu quero saber da recuperação da minha filha na sociedade.

Ela está em uma situação de risco. Só vendo a situação! Se vocês virem a foto do

passaporte, vão poder comparar com a mulher em que ela se transformou hoje.

Então, eu estou aqui pra reivindicar resposta não só pra minha filha, mas

pra todos esses casos em que se usa a mesma linguagem: ‘Resolve teu problema

com o teu pai ou com a tua mãe, que eu não tenho nada a ver’.”

DEPOIMENTO DA SRA. LEILA MARIA DOS SANTOS SILVA -

Coordenadora de Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado

do Pará.

Apresentou o seguinte relato: “Atualizando a situação do caso da Lia. A

Dona Maria... Há 4 meses atrás, a irmã Henriqueta veio até nós, pedindo ajuda,

não foi, irmã? Trouxe o relatório da CPI e, a partir desse relatório, nós fizemos

uma busca junto à Polícia Federal pra verificar em quanto estava o processo da

Lia.

A partir daí, nós entramos em contato com a Dona Maria pra verificar toda

a situação dela. E a Dona Maria veio até a gente, né, falou toda a situação. O

estado de saúde da Lia é precário. Ela veio até à SEJUDH, nós fizemos um

atendimento com ela, entramos em contato com o Município de Portel. E, assim,

peço até ajuda dos senhores, porque, pra até pedir o relatório de atendimento da

época, foi um sacrifício, gente.

Nós tivemos que mandar praticamente quatro ofícios pra Secretaria de

Assistência, pra Secretaria de Saúde, porque... Infelizmente, o Delegado da

Polícia Federal não está mais aqui, mas eu ia conversar com ele no final, porque

a Dona Maria e a Lia foram fazer o depoimento. Segundo a Polícia Federal,

encaminhou um ofício solicitando pra que elas retornassem pra fazer esse

depoimento pra que esse processo desse continuidade. Chegaram lá na Polícia

Federal, o Delegado da Polícia Federal falou, na frente da Dona Maria, das

técnicas da SEJUDH e da Lia, que o processo ia ser arquivado. Nós, enquanto

SEJUDH, falamos pra Dona Maria. Isso já é uma questão de honra nossa, é uma

questão de honra.

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Estamos fazendo o levantamento de todos os relatórios. O relatório da

ASBRAD, quando a Lia chegou pela ASBRAD, nós já solicitamos. O relatório da

ASBRAD já chegou até nós. Solicitamos pro Ministério da Justiça todo o relatório

encaminhado, desde lá da Interpol até aqui. Solicitamos o relatório do CEDECA

também. Já está conosco, pelo Jepiara, que também foi feito um atendimento.”

DEPOIMENTO DO SR. ASSIS OLIVEIRA – Professor e me mbro da

Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Se xual contra a Criança

e o Adolescente de Altamira.

Disse que a “Comissão Municipal de Enfrentamento da Violência Sexual

contra a Criança e o Adolescente de Altamira existe desde 2005 e vem se

fortalecendo nos últimos três anos por conta de uma série de novas articulações

das instituições que dela fazem parte — cerca de 25 instituições, entre sociedade

civil e instituição do Estado — para poder dar conta dessa situação, que, enfim,

não é de hoje, não é de agora, mas tem se intensificado nos últimos anos, e a

Comissão está à frente dessas questões”.

Mencionou o pacto com os Prefeitos, o plano de ação do Conselho de

Direitos e o pacto da assembleia do CONANDA [Conselho Nacional dos Direitos

da Criança e do Adolescente], com o objetivo de traçar estratégias para o

enfrentamento do abuso, da exploração sexual contra a criança e o adolescente

no Município.

Relatou que essa Comissão não conseguiu firmar um compromisso do

Consórcio Construtor Belo Monte, que é o CCBM, e a Norte Energia, para poder

se responsabilizar em uma série de ações de prevenção, de repressão e de

investigação na região ali dos entornos dos canteiros de obra.

O depoente citou como ponto vulnerável de exploração sexual a

Comunidade de Belo Monte, na balsa, na travessia de Vitória do Xingu para

Anapu, onde foram identificadas cerca de dez casas de prostituição.

Outro ponto de exploração sexual citado pelo depoente foi a Comunidade

Leonardo da Vinci, que fica no Km-17, na PA para Vitória do Xingu, nas

proximidades de um dos canteiros de obra.

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Também referiu-se a Medicilândia, município este onde os dados do

Conselho Tutelar de Medicilândia demonstram que houve um crescimento

exponencial da exploração sexual de 2011 para 2012.

O depoente disse que o Município precisa, urgentemente, de uma

delegacia de atendimento ao adolescente; da instalação efetiva do PROPAZ; de

mais dois conselhos tutelares, um para o Município de Altamira e um para Castelo

dos Sonhos, que é um distrito, da instalação do CAPSAD (Centro de Atenção

Psicossocial Álcool e Drogas) e também de uma casa de acolhimento.

DEPOIMENTO DA SRA. ANTÔNIA PEREIRA MARTINS - Representante

do Movimento de Mulheres de Altamira.

Disse que, em Altamira, além de Belo Monte, há o linhão e o problema da

mineração. Também queixou-se da falta de políticas públicas na região.

Comentou que falta uma delegacia da mulher com o devido aparato, para poder

funcionar a contento, além de um abrigo decente para atender as mulheres

vítimas de situação de violência.

DEPOIMENTO DA SRA. MÔNICA BRITO SOARES - Representante de

Movimento Sindical.

Defendeu a paralização das obras de Belo Monte para que a comunidade

possa recuperar a sua forma de viver.

Relatou um caso ocorrido há cerca de dois anos, de uma jovem traficada

do Maranhão para Castelo de Sonhos, por um traficante conhecido como

“Alemão”, a qual fugiu de lá para Altamira, dentro de um carro de funerária.

DEPOIMENTO DA SRA. LUCENILDA DALCI MONTE - Coordenadora do

Conselho Tutelar em Altamira.

Relatou uma caso ocorrido de uma adolescente atendida no Conselho

Tutelar, vítima de exploração sexual, em uma boate situada no Município de

Vitória do Xingu. Ela conseguiu fugir e buscar ajudas para as outras moças, que

se encontravam em cárcere privado naquela boate e lhe pediram ajuda para sair

de lá, pois eram ameaçadas de morte. Segundo o relato da depoente, foram

resgatados a adolescente de 16 anos, um travesti e mais três jovens, tendo a

mais velha 23 anos.

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DEPOIMENTO DA SRA. MARIA IVONETE COUTINHO DA SILVA -

Professora da Universidade Federal do Pará.

Seu depoimento não forneceu informações relevantes para a identificação

de quadrilhas ou redes de exploração sexual e de tráfico de pessoas na região,

nem para o mapeamento de pontos vulneráveis de exploração sexual e tráfico de

pessoas de importância para os trabalhos de investigação desta CPI.

DEPOIMENTO DO SR. MARCELO SOUZA DIAS - Representante do

Fórum da Amazônia Oriental.

Disse que é necessário investigar o envolvimento do consórcio de Belo

Monte com outros empreendimentos em Altamira e em Vitória do Xingu, bem

como a identificação dos veículos alugados e dos espaços utilizados, tendo em

vista o seu envolvimento com a exploração sexual na região.

DEPOIMENTO DO SR. CRISTIANO MARCELO DO NASCIMENTO -

Delegado da Polícia Civil.

Referiu-se ao episódio relatado pela Sra. Lucenilda e ao desbaratamento

da quadrilha envolvida com exploração sexual.

Mencionou a íntima relação do tráfico de entorpecentes com a exploração

sexual e relatou as dificuldades enfrentadas pela Polícia, em virtude da falta de

recursos adequados para o combate ao crime, inclusive com o reduzido efetivo

humano.

Afirmou que a boate Xingu funciona na área de Belo Monte, que possuía

alvará de funcionamento da Polícia e que um dos alvarás para a boate seria o

alvará da DPA, que é a Divisão de Polícia Administrativa.

Relatou que o proprietário de uma boate, que se encontra preso, criou

uma nova boate e xerocou o alvará da anterior para utilizar na que foi criada

posteriormente.

DEPOIMENTO DA SRA. THALITA FEITOZA - Delegada da Polícia Civil.

Disse que participou das investigações no tocante à questão da Boate

Xingu por ordem do Delegado-Geral, tendo em vista que a sua circunscrição é

Altamira, e o Município em que se encontrava a boate era Vitória do Xingu.

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Relatou que foram identificados todos os agentes criminosos e quatro

integrantes da quadrilha foram presos.

DEPOIMENTO DA SRA. ANTONIA MELO – Movimento Xingu Vivo para

Sempre e Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará

e de Altamira.

Disse ter um documentário recente que vincula, sim, a boate Xingu ao

consórcio Belo Monte.

Acusou o Poder Judiciário de ser negligente com relação aos problemas

causados na região pelo consórcio Belo Monte.

DEPOIMENTO DA SRA. ANELISE WOLLINGER KOERICH - Delegada-

Chefe da Polícia Federal em Altamira.

Disse que Altamira é a pior lotação do Departamento de Polícia Federal e

que os agentes não têm nenhuma atração por essa localidade, pois simplesmente

não conseguem pagar os aluguéis da cidade, já que o custo de vida é

extremamente elevado.

Explicou ainda que isso ocorre também com os demais órgãos como

INCRA, FUNAI, ICMBio.

Seu depoimento não forneceu outras informações relevantes para a

identificação de quadrilhas ou redes de exploração sexual e de tráfico de pessoas

na região, nem para o mapeamento de pontos vulneráveis de exploração sexual e

tráfico de pessoas de importância para os trabalhos de investigação desta CPI.

DEPOIMENTO DO SR. MÁRCIO MIRANDA - Deputado Estadu al.

O palestrante é o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Pará.

Discorreu sobre os feitos de uma CPI sobre o tema levada à cabo pela

Assembleia Legislativa do Estado do Pará: “E foi, digamos assim, uma CPI que

marcou o Parlamento do Pará, encontrou situações com empresários, atingiu

Deputados, atingiu toda uma sociedade.”

DEPOIMENTO DO SR. SÉRGIO RODRIGUES BORGES - Repres entante

da Associação dos Conselheiros e ex-Conselheiros Tu telares dos

Municípios Paraenses — ACONEXTEL.

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Ressaltou que, para o combate ao tráfico humano e a violência sexual, o

País precisa ter instituições fortes. Defendeu o fortalecimento do Conselho

Tutelar: “precisamos estruturar, equipar e formar os nossos conselheiros tutelares

(...) nós solicitamos às autoridades aqui presentes, aos Deputados, que, na hora

de votar o Orçamento, direcionassem recursos a esta categoria, a este órgão

chamado Conselho Tutelar”.

DEPOIMENTO DA SRA. ROBERTA GUZZO SOUZA BELO -

Representante da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos.

Discorreu sobre dados do crime de tráfico de pessoas: “Só no Brasil há

cerca de 520 rotas de tráfico e é um comércio ilegal, que gera um lucro de cerca

32 bilhões de reais aos criminosos inescrupulosos, que comandam as

organizações dedicadas ao tráfico e à exploração de pessoas de várias idades”.

Trouxe um panorama da situação no estado do Pará: “aqui no Pará, o

tráfico de pessoas tem características peculiares: são homens, para o trabalho

escravo no campo ou nos garimpos, no Brasil e no exterior; mulheres, para o

trabalho escravo no âmbito doméstico e no mercado internacional do sexo;

crianças e adolescentes, para o trabalho escravo, ou a exploração do trabalho

infantil doméstico e prostituição; travestis, adultos e adolescentes, vítimas do

tráfico, para fins de exploração no mercado nacional e internacional do sexo”.

Chamou a atenção para a falta de notificação de muitos casos de tráfico de

pessoas no estado do Pará.

Descreveu as ações da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos no Combate ao

Tráfico de Pessoas: “O Plano Estadual atua de forma estratégica em três eixos:

prevenção ao tráfico, atenção às vítimas e repressão e responsabilização dos

autores desse crime. As diretrizes da Política Nacional e do Plano Nacional de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas embasaram um projeto que foi adaptado à

nossa realidade (...) Para consolidar a rede, além de ações de capacitação,

implantamos o Comitê Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas com a

participação de diversas instituições e entidades sociais, entre as quais Secretaria

de Justiça e Direitos Humanos, Secretaria de Segurança Pública, de Saúde, de

Educação, de Assistência Social, de Integração Regional, entre outras”.

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DEPOIMENTO DO SR. CARLOS BORDALO - Deputado Estadu al pelo

Pará e Presidente da Comissão de Direitos Humanos d a Assembleia

Legislativa do Estado do Pará — ALEPA.

Afirmou que a dimensão do crime de tráfico de pessoas não encontra

fronteiras e que as infrações cometidas no Estado do Pará têm ramificações

nacionais e internacionais.

Chamou a atenção para a dificuldade de monitoramento das fronteiras do

Pará: “O nosso Estado tem fronteiras muito difíceis de serem monitoradas.

Algumas são fronteiras físicas; outras são fronteiras intangíveis. Nossa CPI

detectou que o Estreito de Breves e a rota do Oiapoque por Macapá se

constituem dutos dos mais utilizados, Srs. Deputados, para o tráfico humano na

nossa região (...) a fronteira de Oriximiná com o Suriname não tem patrulhamento;

não tem posto, como nos aeroportos, nas rodoviárias, que já é muito difícil. Então,

a fronteira de Oriximiná, no Pará, com o Suriname é uma coisa que precisa

imediatamente de monitoramento, de uma ação efetiva do Estado brasileiro”.

Destacou que no sudeste do Estado há uma rede de aliciamento de jovens

futebolistas para a exploração no Nordeste, Sul e Sudeste do País.

Ressaltou que a CPI do Pará sobre tráfico de pessoas chegou a estourar

cativeiros de jovens na Baixada Santista, usando a Portuguesa Santista como a

base logística de recepção de meninos do Estado.

Disse que o Sr. Ronildo Borges, o Batata, continua atuando e naqueles

dias tinha levado um ônibus cheio de meninos, de novo, para a Baixada Santista.

Chamou a atenção para o fato de um presidiário, conhecido por “pororoca”,

ainda comandar a rede de tráfico de pessoas no município paraense de

Bragança.

Alertou que uma das grandes portas de saída para o tráfico humano no

Pará são os portos. Descreveu um esquema de tráfico de mulheres realizado em

Barcarena por um ex-Vereador que tem um barco denominado de “Transputa”.

DEPOIMENTO DA SRA. SIMONE EDORON MACHADO ARAÚJO -

Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis e Dele gada da Polícia Civil

do Estado do Pará.

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Elogiou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, de

2012, e os consequentes avanços na esfera estadual tais como a criação do

Núcleo de Enfrentamento, do Plano Estadual e da Comissão de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas.

Enalteceu ainda “os vários cursos que não só a Polícia, como a Secretaria

de Justiça e Direitos Humanos tem promovido para os servidores públicos e

também para a comunidade em geral, para que a gente tenha condições de

melhor detectar esse tipo de crime”.

Disse que as denúncias sobre tráfico de pessoas chegam até a polícia de

uma forma indireta disfarçadas de uma situação de fuga de lar, de

desaparecimento, de violência sexual ou de abuso sexual.

Elogiou os programas do governo do Estado no atendimento a crianças,

adolescentes e mulheres vítimas de crimes: “(...) no mesmo espaço físico, a

criança, o adolescente e a mulher vítimas de qualquer forma de violência passam

a ter um atendimento integrado e multidisciplinar, onde nós disponibilizamos não

só o atendimento médico, mas o acolhimento psicossocial, o atendimento policial,

o acompanhamento psicológico posterior e também as perícias, evitando que a

gente faça, dentro de um processo de busca da verdade, nessa investigação,

uma nova vitimização dessas crianças, desses adolescentes e dessas mulheres

vítimas”.

DEPOIMENTO DA SRA. HELENA MARIA OLIVEIRA MUNIZ GOM ES -

Promotora de Justiça do Ministério Público do Estad o do Pará.

Disse que: “o Ministério Público do Estado do Pará, através do nosso

Procurador-Geral de Justiça, é um grande parceiro, com os demais promotores

criminais, da área da cidadania, das inúmeras promotorias especializadas nesse

assunto. Estamos de portas abertas para, junto com a sociedade, caminharmos

com todos nesse enfrentamento, para que decisões sejam tomadas, para que

dessas audiências, ao final, saiam inúmeras ações em prol de todos nós e do

enfrentamento, para tirarmos da linha de frente essas crianças, esses

adolescentes, essas mulheres vítimas desses crimes”.

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DEPOIMENTO DA SRA. ANA CELINA BENTES HAMOY -

Coordenadora-Geral do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente —

CEDECA/ EMAÚS.

Reclamou da inércia estatal: “Temos vários casos, inclusive atuais, em que

não se consegue chegar a nenhuma resposta judicial, política, de tranquilidade

para as famílias (...). Nós precisamos dar respostas imediatas, no sentido de que,

se as rotas são conhecidas; se todos nós sabemos — e não são poucas as

matérias que a mídia publica — quem são os grandes traficantes; se nós

sabemos onde estão os pontos de exploração sexual; se nós sabemos quem

explora, por que nada acontece? ”

Afirmou que a sociedade espera uma resposta do Estado: “solicitar a V.Exas. uma

resposta a essas famílias — a essas mães, a esses pais — que hoje esperam

que alguma coisa aconteça, que alguma resposta seja recebida pelos seus filhos

e pelas suas filhas que se perderam nesse mundo afora, em um processo de

violência tão aterrorizador que todos nós conhecemos”.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA HENRIQUETA FERREIRA

CAVALCANTE - Coordenadora da Comissão de Justiça e Paz da Regional

Norte 2 da CNBB.

Anunciou que o Papa Francisco criou, dentro do Vaticano, um grupo de

trabalho sobre tráfico de seres humanos e escravidão moderna, a fim de

estabelecer um plano de ação para combatê-los e que a Campanha da

Fraternidade do próximo ano, 2014, vem trazendo também essa temática.

Salientou que a Igreja tem observado que há uma falta de compromisso

não somente do Estado, mas também de toda a sociedade e isso tem feito com

que os casos de tráfico de pessoas não sejam denunciados.

Disse que os chamados projetos de grande desenvolvimento no Estado trazem

caos ambiental e social. Pugnou por “respostas para esses apelos que estão

presentes na vida de tantas crianças, de tantos adolescentes, de tantas pessoas

adultas, homens e mulheres, que clamam e que querem a sua vida respeitada e

vivida com dignidade”.

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO PAIXÃO - Coordenador do Con selho

Tutelar de Belém.

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Discorreu sobre o caso do Deputado Donadon e diz que o Congresso

Nacional está fomentando a impunidade que por vias transversas incentiva a

prática de crimes tais como o tráfico de pessoas.

Enumerou as dificuldades de atuação do Conselho Tutelar ante a omissão

estatal: “Em Belém, em razão de inúmeras denúncias que foram feitas,

Conselheiros foram ameaçados de morte. Nós somos limitados, não temos carro,

não temos estrutura. Vamos, muitas das vezes, de ônibus para casa, sem

nenhuma proteção. Como é que nós vamos apurar essas denúncias sem sequer

ter a proteção de quem deveria nos proteger? Como é que se cobra punição aos

culpados que, inúmeras vezes, têm contato com políticos ou que são cabos

eleitorais de políticos nas regiões, por usar o seu barco, a sua estrutura? Por

vezes o parente é Prefeito, o parente é Vereador”.

11.3. TRÁFICO DE PESSOAS NO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE

– AP.

Denúncias que chegaram a esta Comissão dão ciência da existência de

tráfico de pessoas no Município de Oiapoque, no Amapá, inclusive com a

utilização do processo de adoção, como instrumento de viabilização do tráfico.

A maior parte do tráfico de pessoas no Estado do Amapá destina-se à

prostituição em boates, inclusive com o tráfico de meninas de Santana e de

Ananindeua, no Pará, e do Maranhão.

Há também o caso de mulheres aliciadas para trabalharem como

cozinheiras ou lavandeiras no garimpo, mas que, na verdade, são obrigadas a

atuar como prostitutas. Além disso, muitas mulheres são traficadas para a Guiana

Francesa.

Foi relatado a esta Comissão o caso de uma Professora, convidada para

trabalhar em Cuiú-Cuiú, tendo sido forçada a se prostituir no Garimpo. Depois de

muito esforço, sua irmã conseguiu resgatá-la.

Foram feitas denúncias a esta Comissão contra o fórum de Mazagão, que

supostamente estaria sendo utilizado como um berço de tráfico de crianças.

Esta CPI colheu vários depoimentos relacionados ao caso, que passamos

a abordar suscintemente.

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DEPOIMENTO DA SRA. CHRISTINE FONSECA DOS SANTOS -

Assistente Social, Representante da Secretaria de E stado da Justiça e

Segurança Pública do Amapá.

Disse que: “o tráfico de pessoas, quando a gente analisa, parece que é

algo surreal, que não acontece — é só nos filmes, na novela —, mas não é assim,

está mais perto da gente do que a nossa imaginação ousa conceber”.

Descreveu como são os aliciadores: “O aliciador é persuasivo, ele conversa

bem, e ele é alguém muito próximo da gente. Ele faz amizade, ele ganha

confiança, porque ninguém vai sair da sua casa para ir, por exemplo, para a

Guiana Francesa, aceitando o convite de alguém que não conhece, de alguém

em que não confia. Primeiro, eles tiram o passaporte e, depois, a liberdade”.

Pediu que as pessoas denunciem o tráfico e indicou como proceder: “Tem

duas maneiras de vocês denunciarem: podem fazer denúncia anônima no Disque

100 ou podem procurar o Núcleo ou qualquer instituição que compõe a Rede de

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, como a Polícia Federal, a Polícia Civil, a

Polícia Militar”.

DEPOIMENTO DO SR. MAURÍCIO BRASIL - Presidente do Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Oiapoque, Estado do

Amapá.

Chamou a atenção para certas práticas, tais como a adoção, que têm por

têm por finalidade dissimular ou esconder o tráfico de pessoas de forma que tal

conduta aparente ser realizada dentro dos limites da lei. Sugeriu a instituição de

benefício financeiro para as vítimas de tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ GROTT - Juiz de Direito da 1ª Vara da

Comarca de Oiapoque, Estado do Amapá.

Disse que a maior parte do tráfico de pessoas no Estado está ligado à

prostituição em boates: “Meninas eram trazidas de Santana, de Ananindeua

(...).Chegavam nessas boates e, aqui, sim, elas tinham que se prostituir, porque

elas tinham que pagar o alojamento, elas tinham que pagar a chave do quarto,

elas tinham que pagar... Então, realmente, o que sobrava de dinheiro não dava

para absolutamente nada. Elas viviam em eterna dívida com o cafetão, com a

dona da boate...”.

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Afirmou que esse tipo de conduta foi coibido com sucesso: “muitos

processos foram instaurados, muitas foram as condenações, muitas foram as

adolescentes resgatadas e remetidas aos seus pais nos mais diversos rincões,

sejam eles do Maranhão, do Pará, do próprio Amapá”.

Chamou a atenção para um novo tipo de tráfico que alicia mulheres para

trabalhar como cozinheiras ou lavandeiras no garimpo, mas na verdade elas são

obrigadas a atuar como prostitutas. Disse que o tráfico que existe no Oiapoque

não é intenso e é igual ao que ocorre em outras localidades do Brasil.

Apontou a solução para o problema: “Para que se pudesse ter soluções

mais cabíveis, mais eficazes, basta que a gente aparelhe melhor a Segurança

Pública. Basta que, depois da instalação do Conselho Tutelar, depois da

instalação do Comissariado de Menores e de ene políticas minoris, houve uma

redução, houve muita redução pelo menos na prostituição infantil e de

adolescente. Agora, essa outra prostituição, esse outro tráfico, acho que é uma

questão a ser analisada com muito cuidado.”

Reclamou do tratamento pelo Governo à cidade de Oiapoque: ”Então,

fomos tratados como rota de tráfico, rota de tráfico de crianças, etc. Enfim, o que

nós precisamos é uma atenção maior na força pública para nós tenhamos mais

segurança, mais combate etc.”. Pediu mais apoio para a cidade de Oiapoque.

DEPOIMENTO DO SR. BENEDITO DE QUEIROZ ALCÂNTARA -

Representante da Comissão de Justiça e Paz do Munic ípio de Oiapoque,

Estado do Amapá.

Afirmou que é possível mudar a situação: “Você pode criar, sim, uma nova

cultura, que é a cultura da defesa da vida, da dignidade humana, que não é fácil,

que cada agente público, que cada instituição e que cada um de nós possa dar a

nossa contribuição, saber que o que vale a pena é a vida humana, é a pessoa

com a sua história, com as suas trilhas nessa vida que a gente tem aqui e que faz

a gente se encontrar e que muitas vezes faz a gente chorar pelas separações,

pelas dores que vêm surgindo, pelos testemunhos que a gente vai colhendo”.

Destacou a importância da próxima Campanha da Fraternidade cujo tema

será o tráfico de pessoas.

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DEPOIMENTO DO SR. MOISÉS RIVALDO PEREIRA - Promoto r de

Justiça no Estado do Amapá.

Reclamou da não participação de representantes do Oiapoque na

discussão de um acordo binacional que trata da fronteira do Brasil com a Guiana

Francesa: “como sempre discutem de cima para baixo, não se ouve a sociedade,

não se ouve principalmente o povo do Amapá como um todo, e aqui o povo do

Oiapoque, principalmente, mais exposto a essa fronteira. E nós temos que discutir

o que o Amapá, o que o Oiapoque vai perder com isso. Não só o que vai ganhar,

mas o que vai perder. E, como sempre, nós temos sempre perdido.”

Discorreu sobre dois casos, em que atuou como como promotor, de duas

pessoas que foram levadas do Amapá, para a prostituição na França. Disse que a

incidência de tráfico de pessoas no Oiapoque não é tão grande quanto falam.

DEPOIMENTO DA SRA. ANGELINA NETA DOS SANTOS RIBEIR O -

Vereadora pelo Município de Oiapoque, Estado do Ama pá.

Salientou que os jovens no Oiapoque não têm oportunidades de trabalho:

“Hoje, está tendo um cursinho, um pré-vestibular aqui da UNIFAP. Essa já é uma

oportunidade, mas precisamos pensar em trazer mais cursos, mais movimentos

com eles, para que eles não pensem em ir para a Guiana Francesa ganhar

dinheiro, porque, geralmente, eles vão para a Guiana Francesa, porque lá o

salário é quase o triplo daqui.”

Afirmou que a prostituição voluntária e deliberada é um problema muito

maior do que o tráfico de pessoas no Oiapoque.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ NAZARENO RODRIGUES LOBÃO -

Vereador pelo Município de Oiapoque, Estado do Amap á.

Disse que o município conta com muitas forças de segurança: “Temos os

nossos vizinhos, lá, que têm a ajuda da Marinha; têm a Legião; temos o Exército

Brasileiro aqui, que, por sua vez, faz o papel de polícia; temos a Força Nacional;

Polícia Federal; Polícia Civil; Polícia Militar; temos outras polícias aqui na rodovia

federal”.

Afirmou que o município não tem ambulância e demonstra as diferenças

sociais entre a cidade e a Guiana Francesa.

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Discorreu sobre as mazelas que assolam o município: “E onde começa o

Brasil lamentavelmente começa tudo isso que vocês estão vendo: tráfico de

pessoas, prostituição, falta de hospital, falta de escolas adequadas com estrutura

para dar condição para os nossos alunos e nossos profissionais e professores”.

DEPOIMENTO DO SR. HUMBERTO JOSÉ BAIA JÚNIOR - Secr etário de

Turismo do Município de Oiapoque, Estado do Amapá.

Disse que existe muito tráfico de pessoas no Oiapoque. Citou diversos

casos de tráfico de pessoas e afirmou que a Guiana Francesa recebe muitas

pessoas traficadas.

Mencionou que há muitas mulheres de Oiapoque em Paris que se

prostituem e que o Município de Oiapoque só é lembrado próximo de eleição.

Ressaltou que é necessário que o Estado brasileiro, de uma forma geral,

esteja presente em Oiapoque e reclamou do acordo feito entre França e Brasil

com relação à fronteira.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA RAIMUNDA COSTA HOLANDA

LLORENS - Professora.

Descreveu o caso de sua irmã que foi forçada a se prostituir no Garimpo:

”Do Cuiú-Cuiú. Nós conseguimos desbaratar tudo isso, porque denunciamos para

a Folha de S.Paulo, para o Washington Post e para o The New York Times,

porque a gente precisava dizer o que estava ocorrendo. Eu consegui resgatar a

minha irmã”. Pediu que a população denuncie os casos de tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DO SR. APARECIDO LUIZ DE SOUZA - Padre.

Disse que há muitas denúncias, todavia o Estado nada faz: “A gente escuta

muitas mães, que vêm com a gente, e a gente não sabe aonde recorrer, porque

nós estamos abandonados aqui no Oiapoque pelo poder estadual, federal. E elas

dizem: eu não vou me expor, padre, porque eu sei que não vai dar em nada.

Então, para quem eu vou denunciar, a quem eu vou recorrer?”.

Descreveu um caso: “E o que mais me chocou nesses anos foi quando

uma assistente social me procurou, desesperada, porque havia tantas denúncias,

tantos documentos, e não sabia a quem recorrer. Até mesmo o pastor da igreja

dela disse: “É melhor a senhora ficar calada, porque senão a senhora vai ser

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podada”. E ela disse: ‘Padre, o senhor é a última pessoa a quem vou recorrer,

porque eu já cansei de bater em portas e só receber: não, fique calada, é melhor

não dizer nada porque vai ser perigoso para você’”.

DEPOIMENTO DA SRA. MAGALI BANDEIRA DOS SANTOS -

Participante.

Acusou a assistente social, Darlita e o juiz do Fórum do Mazagão de terem

entregue a sua neta para adoção. Afirmou que o juiz tinha dito que a criança iria

fazer um tratamento em São Paulo e a criança nunca mais voltou.

Disse que o fórum de Mazagão é um berço de tráfico de crianças.

Lamentou o ocorrido e pediu justiça: “Por que eu não posso ter a minha neta de

volta? Eu quero a minha neta de volta. Eu não aguento mais. Sinceramente, hoje

está fazendo 2 anos. Tem 1 ano e 8 meses que não vejo a minha neta (choro)”.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DE NAZARÉ DOS SANTOS OLIVE IRA -

Voluntária da Pastoral Carcerária em Oiapoque.

Manifestou indignação diante de tudo que acontece no Oiapoque. Pediu

que os Deputados façam alguma coisa para combater a situação: “pergunta que

não quer calar é: a partir de hoje, depois que terminarmos esta audiência, depois

que todos forem embora para suas casas, depois que vocês forem embora fazer

os trabalhos de vocês lá na Câmara dos Deputados, o que é de concreto que

realmente vai ficar aqui para nós e o que de concreto vocês vão levar e quando?

Quando é que nós vamos ter essa resposta? O que foi feito ao longo de todas

essas audiências públicas? O que foi feito de concreto? O que está sendo feito? E

o que é que nós vamos fazer, a partir de hoje, a começar por vocês?”.

Reclamou do acordo assinado entre Brasil e França: “E outra coisa com

que eu fiquei muito indignada foi quando eu soube desse acordo. (...). Porque não

foi ouvido ninguém daqui”.

DEPOIMENTO DO SR. TITO GUIMARÃES NETO - Delegado d a Polícia

Civil do Estado do Amapá.

Esclareceu que o Oiapoque vem passando por uma transformação,

principalmente na área de segurança pública. Afirmou que hoje, a realidade é

bem diferente, que o Estado está tratando das causas, consequências e dos

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responsáveis pelo tráfico de pessoas. Disse que será construído um polo

universitário em Oiapoque e salientou que o sistema jurídico brasileiro fomenta a

impunidade.

11.4. TRÁFICO DE PESSOAS EM ITAQUAQUECETUBA, NO

ESTADO DE SÃO PAULO

Conforme informações veiculadas em fontes abertas (imprensa/internet),

cerca de 48 famílias reclamam sobre supostas subtrações arbitrárias de crianças

de seus lares, tendo algumas sido adotadas, outras retornado aos lares biológicos

e algumas estando em lugar desconhecido pelos familiares.

Segundo reportagem veiculada pelo site UOL Notícias, em 28/10/2008,

como na cidade não havia abrigo municipal, as crianças que sofriam maus-tratos,

abandono ou viviam em situação de risco eram encaminhadas pelos conselheiros

tutelares a famílias que, inicialmente, ficavam com a guarda provisória e, meses

depois, entravam com pedido de adoção na Justiça. Dessa forma, não teriam

entrado na fila de espera do cadastro oficial da cidade, no qual nem estavam

inscritas.

Um grupo de Conselheiros Tutelares que informa ter assumido a gestão do

Conselho a partir do ano de 2007 apresentou documentação à Deputada Flavia

Morais afirmando ter sofrido processo de represália em razão das descobertas

que fizeram quando assumiram os encargos das funções. Relataram que cerca

de 48 famílias tiveram filhos, a maioria recém-nascidos, retirados de seu poder

familiar por ação, que consideram ilegal e injusta, dos antigos representantes do

Conselho, dos responsáveis pelo Hospital Maternidade Santa Marcelina e pela

Promotora de Justiça do Estado, que atuava nos processos judiciais convalidando

os atos irregulares praticados pelos dirigentes do Conselho Tutelar.

A Deputada Federal Janete Rocha Pietá encaminhou material a esta CPI,

por intermédio de ofício, no mesmo sentido.

Esta CPI colheu vários depoimentos sobre o caso, que passamos a

transcrever suscintamente.

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DEPOIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS MICHELE FABRE - Procurador

do Trabalho e Vice-Coordenador Nacional da Coordena doria Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo — CONAETE.

Fez o seguinte pronunciamento: “O que faz parte do meu cotidiano não é,

talvez, esse tráfico em que os senhores aqui estão concentrados hoje. É mais o

tráfico centrípeto; é o tráfico de pessoas que vêm do exterior para o Brasil para se

ativar no setor têxtil.

Geralmente, entram por uma das dezenas de portas de acesso na nossa

imensa fronteira seca — Brasiléia, Corumbá, Ponta Porã — e têm um destino

único, que é o Terminal Rodoviário da Barra Funda, aqui em São Paulo.

A pessoa não conhece ninguém aqui e tem apenas uma referência, apenas

um único contato. E, quando chega à Rodoviária da Barra Funda, ela encontra

esse contato e é levada para morar nos fundos de uma confecção, de uma

oficina, onde vai trabalhar de segunda a sábado, das 7 horas à meia-noite. Nos 3

primeiros meses não tem salário; é considerado um período de experiência. E a

gente chegou a um cálculo de que existe um benefício econômico de 2.300 reais,

estimando por baixo, para cada trabalhador explorado nessa condição. Ou seja,

uma oficina com 10 trabalhadores, a cada mês, tem já um ganho de 23 mil reais.

O empregador que cumpre a lei só tem duas alternativas: ou ele fecha a

sua oficina, ou assimila essas más práticas. Com isso, o ponto de conclusão é

que não são apenas razões de ordem humanitária que empolgam a tutela e o

combate ao tráfico de pessoas; são também razões de ordem econômica,

vertidas na busca por um ambiente de competitividade leal e também um

ambiente em que aquele que cumpre a lei não seja tão prejudicado por aquele

que a descumpre.

Nesse sentido, no tráfico centrípeto, o que eu peço para os senhores

darem atenção é para mecanismos de regularização migratória: talvez a

implementação de gestões para que em postos de atendimento, num local único,

a pessoa já saia com a carteira de trabalho e no mesmo local ela obtenha o RNE.

Talvez explicações nos terminais rodoviários onde esse pessoal chega.

A nosso ver, a única forma de conter essa entrada desordenada de

estrangeiros sem um tratamento xenófobo é regularizar a situação migratória. Não

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existem meios... É uma coisa de filme a gente pensar que uma fronteira tão

extensa como a nossa consegue ser fechada. Ainda mais que eles têm um visto

automático de turista, de 30 dias, de forma que não existe, mesmo, um controle

apriorístico.

Mas é isso. Gostaria de enfatizar a importância de os senhores se aterem à

questão do trabalho escravo, quando pensarem em tráfico, tanto no tráfico

externo quando no tráfico interno.

No tráfico interno, existe uma certidão que é inteligentíssima. Ela se chama

Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores. É algo que permite

identificar onde aqueles trabalhadores que vêm do Nordeste para trabalhar no

setor sucroalcooleiro no Sudeste e no Sul... Eles já saem de lá com essa certidão.

Já é possível você identificar a fazenda, o local de destino.

Então, assim, se forem passar para uma etapa enunciativa, para uma

produção legislativa, não deixem de contemplar, por favor, o trabalho escravo

nessa discussão. E, no âmbito do trabalho escravo nacional, no tráfico interno,

não deixem de contemplar a Certidão Declaratória de Transporte de

Trabalhadores como a ferramenta mais inteligente, em tese, que foi concebida na

esfera trabalhista até hoje para controlar o fluxo de brasileiros de uma localidade

a outra do território nacional.

E, no âmbito externo, a única forma de lidar com a questão é a

regularização migratória, por meio de gestão junto aos consulados, para facilitar o

pagamento de taxas consulares, simplificar a burocracia.

E, daí, para terminar a minha fala, eu acredito que, dessa maneira, será

eliminado o ponto de procura por esse estrangeiro, que é a sua irregularidade

migratória e, portanto, uma vulnerabilidade que faz com que ele aceite essas

jornadas exaustivas.”

DEPOIMENTO DO SR. EMANUEL GIUSEPPE GALLO INGRAO - Ex-

Conselheiro Tutelar em Itaquaquecetuba.

Fez o seguinte pronunciamento: “Eu quero dar o meu depoimento de que,

no ano de 2007, no final de julho, comecinho de agosto, diversas famílias

procuraram o órgão da cidade, que é o Conselho Tutelar, que tem a sua função

pública de amparar as famílias, de ouvir — esse é o papel do Conselho Tutelar.

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Em cima dessas denúncias, mandamos ofícios tanto para a Juíza da

cidade quanto para a Promotora, e, até o dia 22 de novembro, em que ficamos na

sede do Conselho Tutelar, quando fomos cassados, não obtivemos resposta. Aí,

no final do nosso mandato, que nós recebemos a coisa, nós denunciamos na

Assembleia Legislativa o fato ocorrido e também o denunciamos na OAB, na

cidade.

Então, o fato... Ocorria o quê? Diversas famílias simples, humildes...

Setenta por cento da população de Itaquaquecetuba vive com, em média, um

salário mínimo, um salário mínimo e meio. Então, a metade da cidade é pobre. E

o Município tinha o quê? Três creches. E os casos dessas famílias eram

relacionados à falta de creche. Então, qual era o papel do Conselho Tutelar?

Cobrar, junto com o Ministério Público, da Prefeitura que desse creche para essas

crianças, para que elas não ficassem na rua, para que não houvesse denúncias

de maus-tratos, de que os pais as abandonavam. E a maioria desses pais saía

pra trabalhar. E não foi dado o direito ao contraditório.

Como é garantido na nossa Constituição, a história tem que ser vista dos

dois ângulos, sem proteger um ou outro setor. Em momento nenhum, nós da

Comissão de Direitos Humanos, de que faço parte — e que fiz a denúncia —,

queremos intriga com o Judiciário ou com o Ministério Público. Nós queremos um

Judiciário que realmente utilize o símbolo da Justiça.

E os fatos ocorridos? Eu vou falar dos fatos agora. O caso da Ana Iracema.

Ela teve a criança no Hospital Santa Marcelina, e, recém-nascida... Ela teve pós-

parto e, 4 meses depois, ela nos procura, busca ajuda. A gente leva esse fato ao

conhecimento da Promotora, ela se nega a nos ouvir, a nos atender. Ela sabia só

bater na mesa e gritar. Esse não é um papel que deve existir na relação entre as

pessoas. Deve existir o diálogo e o respeito. E diversas vezes tentamos, em

reunião no Santa Marcelina e em outros locais.

Temos o caso da Ana Inês, que é a questão da certidão de nascimento —

os pais não a tinham registrado. Não havia maus-tratos. Eles foram pedir uma

informação, que a mãe estava desaparecida, e a criança foi abrigada no abrigo do

Município.

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E todos os outros casos na cidade, como é o caso da Marli, do Alex, que

vão dar depoimento. Eles trabalham com reciclagem de lixo, e ela estava grávida,

e o último filho dela que nasceu tinha problemas em consequência do trauma que

foi gerado no dia em que foram tirados todos os filhos. Ele denunciou os maus-

tratos que a filha sofreu no abrigo e foi proibido de visitá-la. Isso é um absurdo

num País democrático, em que a gente diz que a criança e o adolescente têm

prioridade.

Então, a gente gostaria que esta CPI e os órgãos competentes que estão

aqui tivessem um olhar justo para essas famílias, que não tiveram o direito à

defesa, porque os seus advogados... E a própria Justiça foi lenta. Eu acho um

absurdo o processo estar há mais de 6 anos — que é o caso da idade que teriam

a filha da Iracema e o filho da Marli, também nessa média, 6, 7 anos, e o da

Valquíria, 9 anos, que lhe foi tirado com 1 ano e meio. Então, são coisas que

precisam ser analisadas, e que as famílias vão falar o que ocorreu. Agora,

as pessoas que tiveram bons advogados, que pagaram, tiveram a solução: os

filhos devolvidos. Por que em uma família devolveram quatro filhos e não

devolveram o recém-nascido? Fica difícil, agora... Retirar das outras famílias eu

sei que vai gerar traumas e conflitos, mas como fica a cabeça dessa família e

dessa criança de saber a sua história e que não teve o direito? Os pais estão

brigando, e é um direito deles continuar lutando para ter esses filhos.”

DEPOIMENTO DO SR. PAULO ROBERTO FADIGAS CÉSAR - Juiz

Titular da Vara da Infância e da Juventude de São P aulo.

Mencionou a existência de aproximadamente 15 adolescentes traficados

de vários países da África colocados para adoção.

Chamou a atenção para um problema enfrentado pela Vara da Infância que

é o registro de crianças nascidas em casa. Sobre isso, relatou o seguinte: “Pela

lei, estabelece-se que o registrador comunique ao juiz competente. No Estado de

São Paulo, por norma da Corregedoria, quem investiga se a criança nasceu

mesmo em casa é a Vara da Infância e Juventude, o que é uma medida salutar,

porque o registrador não tem equipe para fazer visita domiciliar. Então, no Estado

de São Paulo, o juiz recebe esse comunicado e manda a assistente social fazer a

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visita domiciliar. Normalmente, as adoções fraudulentas estabelecem “nascido em

casa”, “nascido tardio em casa”.

Essa é uma medida que tem que ser alterada. Por quê? A Lei de Registros

Públicos foi alterada recentemente para facilitar o registro, para que a criança

tivesse registro. Os fraudadores utilizam essa facilidade — eu acho que é o Art.

43 da Lei de Registros Públicos — para fazer a adoção à brasileira: “Criança

nascida em casa, com registro tardio”. Isso é relativamente muito simples de se

fazer. É uma coisa simples. A mulher chega lá e fala: “Esta criança é minha”.

A outra fraude que está sendo feita em cima do Estatuto da Criança e do

Adolescente é a adoção unilateral. A mãe vem com um homem que está

comprando a criança e fala: “Este é o pai da criança.” Ele: “Eu reconheço.” A mãe

é verdadeira; o pai não é o verdadeiro — o pai não é o verdadeiro. Aí ele fica com

a criança. Ele não precisa pedir a guarda porque, sendo ele o pai, ele tem a

guarda por consequência jurídica. Ele vai para a casa dele e fica... E a mulher

dele pede, depois, a adoção. A fraude que vem ocorrendo é essa.

Então, a adoção unilateral de criança menor de 3 anos tem que ser evitada,

com uma alteração pequena no ECA, porque não é normal uma mãe deixar a

criança com o pai e depois a mulher do pai — a mulher do pai — já pedir a

adoção no ato seguinte — no ato seguinte; passados uns meses. Mas o ECA

permite: a adoção unilateral. Uma das poucas exceções da adoção intuitu

personae, quer dizer, da adoção sem respeitar o cadastro, é a unilateral. Aí é a

fonte de fraude. São essas fraudes que nós vamos, no dia a dia, constatando.”

DEPOIMENTO DO SR. FERNANDO DE OLIVEIRA DOMINGUES

LADEIRA - Juiz Titular da 2ª Vara Criminal e da Infância e Ju ventude de

Itaquaquecetuba.

Disse que, em Vara de Infância, o Juiz de Direito não trabalha sozinho,

mas acompanhado de Conselheiros Tutelares, do Ministério Público, da Ordem

dos Advogados do Brasil e de um corpo técnico formado por psicólogos e

assistentes sociais. Afirmou que as decisões judiciais, em matéria de infância e

juventude, são todas elas pautadas em pareceres conclusivos de outros órgãos

técnicos, até porque, quando se está a lidar com criança e adolescente, o âmbito

jurídico é muito restrito.

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DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE -

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, da

Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do E stado de São Paulo.

Ressaltou a necessidade de atualização da legislação. Chamou a atenção

para a questão do abrigamento e dos orçamentos oriundos e voltados para a

assistência social.

Comentou aspectos contraditórios no ECA, nos seguintes termos: “Outro

item que eu gostaria de suscitar — aí pontualmente do ECA —, retomando,

Deputado Severino, uma discussão que tivemos lá em Brasília, que foi muito

bacana, muito importante. Existem dois pontos no ECA que eu insisto em dizer

que, do ponto de vista do tráfico de pessoas, são complicados: a questão do

trânsito livre de adolescentes pelo território nacional... Porque o próprio ECA é

uma contradição por si só: ele autoriza adolescentes a transitarem de maneira

livre, sem a autorização de pai, mãe ou responsável, e, em contrapartida,

criminaliza e impõe como sanção administrativa a residência ou o abrigamento,

seja em hotel ou congênere, de adolescente. Então, eu tenho uma lei que diz, de

um lado, “adolescente, pode ir embora”, e, de outro lado, diz “se você acolher

esse adolescente, você pratica crime ou infração administrativa”. Isso precisa ser

revisto.

Outro fator que o Ministério Público do Trabalho trouxe aqui, para fazer

uma provocação à revisão legislativa, é o seguinte: Art. 248 do ECA. O Art. 248

do ECA, com todas as palavras, autoriza o trânsito livre de crianças e

adolescentes pra trabalho doméstico, o que a Resolução 182, ratificada pelo

Brasil, da OIT, proíbe — o trabalho doméstico. Isso está legitimado como infração

administrativa do ECA: a pessoa que mantiver adolescente, criança em situação,

em sua casa, de trabalho doméstico pratica uma infração administrativa do ECA.”

DEPOIMENTO DA SRA. DALILA EUGÊNIA MARANHÃO DIAS

FIGUEIREDO - Conselheira do Conselho Estadual da Condição Femini na do

Estado de São Paulo.

A respeito do trabalho irregular de menores, fez os seguintes comentários:

“Nesta oportunidade, quero ressaltar na fala do Dr. Fadigas que a nossa agonia

diária, porque somos uma ONG de atendimento, é observar também

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adolescentes que estão trabalhando em confecções com os pais — horas; 14, 15

horas. E também já observamos adolescentes, aqui no Brasil, sem o pai ou sem a

mãe — eu até comentei com o senhor certa vez —, em situação completamente

absurda. Temos encaminhado, porque temos um diálogo muito aberto com a Vara

da Infância e da Juventude, com o Ministério Público.”

Também referiu-se à questão do acolhimento, nos seguintes termos:

“Quero ainda ressaltar as palavras da Juliana no que tange à situação precária

dos espaços de acolhimento. Nós não temos realmente condições de encaminhar

pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. A nossa parceria com os

Conselhos Tutelares é muito forte. É uma parceria desde 1997. Nós fazemos

capacitações anuais com os Conselhos Tutelares, discutimos casos e sabemos o

quanto é complexo o abrigamento, o acolhimento de adolescentes.

Quando se fala de pessoas, de adolescentes transexuais, transgêneros,

principalmente que vêm da Região Norte para a Região Sudeste, nós não temos

equipamentos adequados para abrigar pessoas nessas condições. Nós nos

deparamos com discriminação, com preconceito. E pior ainda: é não construir

com essa pessoa um plano que seja o plano da pessoa; que o recâmbio não

possa ser automático; que essa pessoa tenha... Nós temos que respeitar

sobretudo as expectativas desse ser humano que foi discriminado no seu Estado

de origem, pela escola, pela família que o expulsou de casa, pela sociedade, e vê

no Estado de São Paulo uma oportunidade de uma vida com menos preconceito,

com mais dignidade.

Nesse sentido, eu quero colocar a ASBRAD e toda a nossa expertise e

publicações em relação às metodologias que desenvolvemos, primeiro, no posto

avançado do Aeroporto Internacional de Guarulhos, local onde nós trabalhamos

há 10 anos, em parceria com a Polícia Federal, com a INFRAERO, com a Polícia

Rodoviária Federal, com o Ministério Público, um trabalho que mereceu do

Ministério da Justiça o reconhecimento de uma boa prática, uma metodologia que

foi disseminada em outros Estados.

Quero nesta oportunidade ressaltar que um posto avançado como aquele,

num país que é o Aeroporto Internacional de Guarulhos, que movimenta 100 mil

pessoas por dia, não é tarefa de um município, é tarefa de um país, é tarefa do

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Estado de São Paulo, é tarefa de todos. Nós jamais podemos achar que o posto é

responsabilidade só de um município. É necessário que tenhamos aporte de

recursos do Governo Federal, do Governo Estadual e do Município. Essa gestão

é uma gestão extremamente complexa. Nós temos casos de estrangeiros que

chegam e ficam em situação completamente irregular, sem documentação

nenhuma, numa coisa chamada ‘conector’.”

DEPOIMENTO DA SRA. CLÁUDIA PAIXÃO - Vice-Diretora da Rede

Estadual de Ensino de Itaquaquecetuba, São Paulo.

Referiu-se a casos de crianças retiradas das famílias, sob a alegação de

maus tratos. E fez os seguintes comentários: “E, na época, diziam que eram

também maus-tratos, mas houve até pessoas que foram e disseram que era por

conta de um vizinho que havia denunciado e aí não quiseram realmente saber se

aquilo era verdade ou desejava de ser. Em nenhum momento no processo deles

está dizendo que houve maus-tratos. Fora isso, foram tiradas as duas crianças,

chorando, de dentro de casa. Isso é relato até de pessoas conhecidas, vizinhas

dele. O policial chegou junto com a Márcia Major, que era a Conselheira Tutelar

na época, e foi tirada.

Ana Iracema: depressão pós-parto. Quem é mulher e teve criança sabe

que em muitas das vezes a gente realmente fica assim. Eu tive esse problema

assim que o meu segundo filho nasceu. Nem por isso é motivo de chegar e dizer:

“Eu não tenho como cuidar dele”. Por que não procuraram a minha família? Por

que não procurar a família? Lá está bem claro que, quando se tira uma criança, a

primeira coisa a fazer é procurar alguém da família, não pedir para... Iracema

assinou um papel que até hoje não sabe o que assinou. Ela não sabe até hoje o

que assinou. E essa criança ela não chegou a ver nunca mais, depois que saiu do

Hospital Santa Marcelina. Agora é que descobrimos uma foto. E ela estava até

neste dia chorando, falando que parece demais com outro menino dela, o Gabriel,

que ela cria superbem. “Não posso criar uma, mas posso terminar de criar o

outro?” Então, sabemos que depressão pós-parto é complicada.

Mas, em todos os casos que aqui nós estamos colocando, a primeira coisa:

a família não foi procurada. A D. Carmelita morreu, ano passado, sem ver as

netas. A nora dela, Miriam Suassuna, entrou em depressão porque a mãe havia

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falecido e começou a deixar de cuidar da sua casa, começou a deixar de cuidar

realmente, de fato, da família. No entanto, o pai estava ali. O Jonilson estava ali.

Por que não deixaram as crianças com o pai? Foram lá, tiraram as crianças. Ele

conseguiu fugir com o mais novo, que tem a idade do meu filho, e só apareceu o

ano passado, quando justamente... Ele chegou na hora em que a mãe estava

tendo um infarto. Essa criança hoje está com um tio. A avó, desde o dia em que

as meninas foram tiradas, briga na Justiça pela guarda das crianças, e morreu

sem tê-la. Morreu sem tê-la.

D. Rosa: viu o primeiro neto nascendo, parto normal; depois foi feita uma

cesárea na filha. Por que foi feita uma cesárea, se ela não viu o segundo neto

nascendo? Mas ela tem onde comprovar que duas crianças nasceram vivas no

Santa Marcelina de Itaquaquecetuba. Ela tem comprovante: dois nascidos vivos.

Cadê a outra criança? Hoje ela nem pôde estar conosco porque não estava se

sentindo bem, mas ela tem o comprovante: ultrassonografia, com duas crianças.

Ela tem o documento de dois nascidos vivos e ela viu o primeiro nascendo. Na

outra hora, tiraram ela da sala, levaram para outra mesa, em outra sala, a filha, e

ela tirou foto da barriga da filha cortada. Por que cortaram a barriga da menina? A

menina tem problemas neurológicos, tem problemas psicológicos. Então, quem

cria esse neto, hoje, é ela. E ela quer saber o paradeiro da outra criança.

Ana Lúcia: só conseguiu os filhos de volta porque ameaçou a promotora,

ameaçou ir à reportagem, ameaçou ir a todos os lugares. As crianças foram

devolvidas.

D. Marlene: todos os filhos dela foram tirados. E ela tem medo, receio de

falar com qualquer pessoa.

A D. Inês e o Dordal estão aqui. A Inês é tia. Pegou justamente porque a

mãe da criança havia sumido e tudo o mais. Pegou para cuidar naqueles dias e

foi atrás da Justiça para poder ter um documento, porque a criança não tinha um

registro. O Conselho foi lá e tirou da casa delas. Agora vão dizer o quê?

A maioria, infelizmente, é de pessoas simples, leigas de qualquer direito.

Leigas. A maioria delas chegava e dizia: “Olha, você vai lá e constrói, termina de

arrumar a sua casa, que eu devolvo o seu filho”.

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E o que eu disse anteriormente, na outra reunião? Eu posso morar numa

caixinha de fósforo, se tenho amor por meu filho, eu não quero, jamais vou aceitar

que o tirem de mim. E assim o fizeram.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA GABRIELA AHUALLI STEINBERG -

Promotora de Justiça e assessora do Procurador-Gera l de Justiça do Estado

de São Paulo.

Teceu as seguintes explicações acerca do tráfico de pessoas: “Embora eu

saiba que há posicionamentos contrários, o Protocolo de Palermo exige que, para

que se considere uma situação como tráfico de pessoas, a finalidade daquele

agente seja a exploração do trabalho, a remoção de órgãos ou a exploração

sexual dessa vítima. Então, do meu ponto de vista particular, a adoção irregular

por si só não configura o tráfico de pessoas. Não estou dizendo que não é

importante essa questão de “Itaquá”, mas estou dizendo que, do meu ponto de

vista, talvez não seja a CPI do Tráfico de Pessoas o fórum adequado para essa

discussão.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DE FÁTIMA NASSIF - Agente de

Proteção Social da Secretaria Social de Desenvolvim ento Social do Governo

do Estado de São Paulo.

Não trouxe informações que sejam de relevância para as apurações de

tráfico de pessoas e para a identificação de quadrilhas ou pessoas que atuem

nessa atividade criminosa.

DEPOIMENTO DO SR. ADÃO PEREIRA BARBOSA – ex-Conselh eiro

Tutelar.

Tendo em vista a importância do relato feito, transcrevemos parte do

depoimento: “Dando continuidade ao que os companheiros falaram, é o seguinte:

meu nome é Adão Pereira Barbosa, eu sou ex-Conselheiro Tutelar, afastado na

mesma condição dos companheiros. Então, é o seguinte: assim que nós fomos

eleitos para o Conselho Tutelar, no mês de junho de 2007 — e assumimos no dia

27 de julho de 2007 —, começaram a aparecer as famílias à procura de seus

filhos. Então aí nós achamos que era uma coisa estranha, porque não era...

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Aquilo ali não era... Conselho Tutelar não era para ter aquele papel, sumir com

filhos de pessoas.

Aí, ouvimos essas famílias e relatamos para a OAB, passando o caso. Aí, a

OAB instaurou um processo para o Ministério Público, dizendo o que estava

acontecendo. O que aconteceu foi o seguinte: meses depois, nós fomos

afastados. Até aí, tudo bem. Aí, nós pegamos e levamos isso aí à frente, porque

nós achamos que famílias pobres não podem perder seus filhos pela pobreza, o

que está garantido na Constituinte e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O ECA diz que, na falta de condições materiais, o Estado não tem que... O

Estado tem que garantir as condições mínimas para as famílias criarem os seus

filhos. E o que aconteceu em “Itaquá” não foi isso. Foram tiradas, às vezes,

crianças amamentando do colo das mães e levadas direito para abrigo.

Outro artigo do ECA diz também o seguinte, que o direito... A criança tem

que ser cuidada e educada no seio da família. E porque hoje essas crianças

foram tiradas da família e não foram consultados os parentes próximos, que

seriam avós ou tios. Não foram consultados. E o Art. 45 diz o seguinte: “A adoção

depende do consentimento das famílias”. E mesmo porque a OAB constatou que

não havia boletim de ocorrência. Nós sabemos disso, não houve boletim de

ocorrência para constatar que houve maus-tratos ou abandono de incapaz. As

crianças simplesmente eram tiradas por uma denúncia do Conselho Tutelar.

Nessa denúncia, eles faziam um termo de... Um termo de? Responsabilidade, e

já levavam essas crianças para o abrigo. Quer dizer, pra constatar maus-tratos,

tinha de ter, primeiro, boletim de ocorrência, delegacia; depois, instaurar inquérito,

ir para promotoria. Da promotoria, apresentar para o juiz, para ver se era

abandono de incapaz ou maus-tratos. Nada disso foi feito.

Quer dizer, foram tiradas de forma às vezes até bruta, porque às vezes ia

até polícia junto com os conselheiros para tirar as crianças. Isso aí não pode. Mas

não tinha boletim de ocorrência. Nunca aconteceu nenhum boletim de ocorrência.

Quer dizer, jogava dentro dos abrigos, e os abrigos eram de péssima qualidade

na época, não havia políticas públicas no Município. A mãe ia trabalhar e deixava

os filhos em casa. O vizinho pegava e denunciava que as crianças estavam na

rua, as crianças maiorzinhas olhando as menores. E o que acontecia? Quando a

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mãe chegava, o filho estava no Conselho Tutelar ou já estava no abrigo. E daí ela

não via mais e já estava sendo adotado.

Quer dizer, isso não é prática de Conselho Tutelar. Tinha de ter uma

fiscalização do Ministério Público, tinha de ter políticas públicas do Município. Os

abrigos tinham de ser visitados pelo Ministério Público, pelos órgãos da

Prefeitura, pelo CMDCA, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

Adolescente. Nada disso aconteceu. Quer dizer, houve uma omissão dos dois

lados.

Agora, nós somos vítimas, sim, porque nós fomos afastados porque

denunciamos. E nós... Este caso só está aqui porque nós viemos a público em

vários meios de comunicação, colocamos isso aí, a denúncia. Não foi nada de

improbidade administrativa no nosso cargo, não foi nada disso. Foi simplesmente

uma perseguição, a partir do momento em que nós denunciamos isso. E aonde os

outros conselheiros tinham a mesma situação, não cumpriam horário e nem por

isso foram punidos até hoje. Agora, se há lei para todos, tem que ser para todos.

Agora, nós não podemos aceitar. Cada um tem a defesa. Agora, nós

estamos aqui porque somos pessoas idôneas e representamos essas famílias

através de uma entidade que é a Comissão de Direitos Humanos do Alto Tietê, e

nós queremos que seja investigado.

Neste ano nós tivemos em reunião com o desembargador, com a

Corregedoria e pedimos que seja investigado, porque famílias não foram ouvidas

até hoje pelo Ministério Público. Elas foram ouvidas, sim, nessas oitivas. O

Ministério Público até hoje nunca ouviu as famílias.

A Corregedoria pegou isto aqui e mandou para a Corregedoria Nacional,

apenas eles passaram um pano lá e disseram que estava tudo bem, aqui estava

tudo bem, que não houve nada de irregularidades. Imagina, 48 famílias perdendo

seus filhos, sem ter motivo e sem ter um acompanhamento psicológico. E há

políticas públicas no Município, e até hoje ninguém resolveu a situação? As

famílias não foram ouvidas. Houve a defesa do Ministério Público, e as famílias

até hoje não tiveram ninguém para ouvi-las, elas vêm nessas oitivas. Cadê o

Ministério Público? Porque foram violados os seus direitos.”

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DEPOIMENTO DO SR. CLODOALDO SAGUINI JUNIOR - Defens or

Público do Estado de São Paulo.

Disse que todas as famílias que perderam os filhos são pobres, são

pessoas sem recursos, e a própria perda dos filhos é relacionada à falta de

recursos do Município, porque o Município não possui abrigos, então eles

arranjaram essa maneira meio irregular de acolher os filhos, que gerou famílias

hospedeiras, que, na verdade, só eram famílias que queriam adotar. Considerou

essa situação como evidente desrespeito ao ECA, que dá prioridade às políticas

públicas de infância e juventude.

DEPOIMENTO DA SRA. MARISA FEFFERMAN - Representante do

Movimento Tribunal Popular.

Explicou que o Tribunal Popular é um movimento social que, desde 2008,

tem buscado questionar e poder apontar os casos em que o Estado brasileiro

como um todo — isso é no Brasil inteiro — comete algum equívoco.

A respeito do caso de “Itaquá”, disse que não é possível saber se se trata

ou não de tráfico e que ninguém sabe onde estão as crianças.

Disse ainda que, mesmo em caso de guerra, não se tira crianças de

família. Fez o seguinte comentário: “Nós estamos ou não vivendo num Estado de

Direito? Terceiro. Eu sou psicóloga, sou pesquisadora da FLACSO, também sou

psicóloga. E eu acho que é importante a gente retomar que famílias que agem

com maus-tratos com crianças estariam, há 8 anos, fazendo o que até agora?

Nessa perspectiva, três pessoas já morreram. E eu quero dizer o seguinte: nós

não estamos aqui pensando... A questão do ECA está clara, o ECA determina o

bem-estar da criança, e bem-estar da criança, já foi lido pelo Adão, o que

significa. Agora, é importante o que estamos colocando... O que nós queremos

reavaliar é o que o Estado fez retirando as crianças, porque não foi outra coisa, a

responsabilidade do Estado brasileiro frente a essa situação. O que a gente quer

é averiguar é a responsabilidade do Estado.”

DEPOIMENTO DA SRA. EDILENE DE SOUZA E SILVA - Depoe nte.

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Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu acho que há facilitação nesse

processo de Taquá, que fez com que essas crianças fossem tiradas do nosso seio

familiar de um jeito muito brutal ...

A gente chegava lá, no Conselho Tutelar, para pedir ajuda, eles praticamente

faziam assinar papel em branco, e estavam roubando as crianças. E a gente estava

sem saber o que estava acontecendo. Quando se via, era a polícia chegando em

casa, era o próprio Conselho chegando, tomando essas crianças. Isso aí virou um

caso banal, porque todo mundo ia lá, ia pedir ajuda e saía roubada ... Então, muitas

pessoas estão por aí (...) Na verdade, todas foram retiradas. Só que a tentativa de

pegar uma, que ficou com a avó paterna, do meu primeiro relacionamento, na

tentativa de pegar essa, aí, a Márcia fingia que estava dando uma de psicóloga — ela

falou que era psicóloga também —, fazia eu assinar papel em branco. E, ali, dizendo

que estava me ajudando. ela acabou conquistando a minha confiança, fingindo que

era psicóloga mesmo. E eu ali com ela. Não pedia, porque ela me fazia desenhar

coisa a lápis e depois fazer assinatura de caneta. Ela acompanhou minha gravidez de

gêmeos. Ela também foi lá e tirou mais uma menina minha, que na época estava com

2 anos e meio, e as minhas gêmeas ela tirou do meu peito, eu ainda amamentando

(...)

Estavam mamando, estavam com 1 ano e 6 meses as gêmeas. Ela

acompanhou a gravidez, porque eu estava tentando tirar a outra menina mais velha,

e a Márcia aproveitou essa parte da minha vida, acompanhou a minha história, e fez

o relato. Como ela descobriu que o (...) Nem as gêmeas, nem a Bianca não sei ...

Não sei nem sei as gêmeas, que são idênticas, se elas estão separadas. Uma vez

que uma sentiu febre, porque estava longe da outra, eu fui levar à Santa Marcelina,

também de Taquá... E eu estranhei também o Santa Marcelina estar nesse meio

porque, quando cheguei lá em Santa Marcelina, ela já tinha sido atendida, e eles me

seguraram lá. Eu perguntei: “Por que, se a minha filha já foi atendida?” “Não, aguarda

um momento.” Eu falei: “Não. Eu vou amamentar minha filha e eu vou para casa, eu

estou com fome”. Aí, quando eu tentei sair de Santa Marcelina, eu fui abordada. Ele

falou assim: “Você vai aguardar aí, porque você vai ter que esperar o Conselho”. Eu

falei: “Por quê? Eu só vim trazer a minha filha aqui para ser medicada. É o que a mãe

faz quando a filha está doente, não é?” Aí, eles falaram: “Olha, você me leva, até

agora, espera um momento”. Aí, apareceu ela, a Márcia, apareceu a Eunice,

apareceu o Lídio, que trabalhava, dirigia a perua na época. Então, eles falaram

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assim: “Olha, a partir de agora você vai levar até a sua casa, porque eu preciso

acertar uma conta com você”. Chegou a casa, eles falaram assim: “Olha, você vai

agora passar todos os documentos das suas crianças, tudo o que estiver no nome

delas, porque você não tem direito de nada delas mais. E tirar o seu poder familiar”.

Eu falei: “O que eu fiz?” “Você assinou os papéis em branco, os que eu mandava

você assinar. E todos eles estavam lá. Então, vai ser difícil agora para você porque o

documento não está falso, a sua assinatura não está falsa. O que está falso é a

documentação. Até você alegar isso, tudo isso vai demorar muito”. Aí eu perdi as

esperanças. Depois que o novo conselheiro de “Itaquá” voltou para lá, que falaram:

“Ó, o novo conselheiro agora está em “Itaquá”, estão resolvendo essa questão, corre

lá que você consegue pegar”. Foi aí que eu voltei a tentar com eles. Inclusive, eles

tiraram cinco crianças, no caso. Não foram quatro, foram cinco. Eu só estranhei

porque a outra menina era do outro casamento com ele, que é pai das gêmeas.

Agora, por que, segunda-feira, 2 dias depois, entregaram para a mãe dele essa

criança, que hoje já está com 15 anos, também não foi bem cuidada, já saiu de casa,

voltou grávida, gestante de novo? A mãe teve de acolher ela, porque foi abandonada

novamente. E ela está lá também como se ela estivesse juntamente com as minhas

crianças. Por que elas devolveram ela? Por que tinha 9 anos de idade? Por que já

era adolescente, já sabia dizer o que ela queria da vida? Ou por que as minhas eram

mais bonitinhas, eram pequenininhas, eram novas e não sabiam falar quem era mãe,

quem era pai e em outro seio rapidinho ela ia aprender a falar papai, mamãe e tudo?

Inclusive, eu fiquei chocada um dia, porque uma das minhas filhas falou assim — ela

tinha 2 anos e meio, ela já sabia me chamar de mãe. Eu apareci no Conselho Tutelar

e ela falou: “Mãe, você vem me buscar?”. Eu falei: “Não, minha filha. A mamãe está

preparando a casa nova, um pouquinho, depois mamãe volta”. Mas ela continuou

gritando: “Mãe, você vem me buscar, não foi?” Ela começou a chorar. Eu sei que

naquele dia eu passei mal lá no Conselho Tutelar. Eu fiquei sem fala, fiquei lá sem

tomar remédio, sem nada. O que eles fizeram? Quando eu acordei, eu estava em um

alojamento de um hospital, porque tinha caído minha pressão e nenhuma delas

deram assistência para mim. Ao contrário, me chamaram foi de louca. Falaram que

eu era louca, para eu deixar esse caso encerrado, porque eu já tinha perdido, para eu

perder as esperanças, porque tudo o que tinha de fazer já tinha feito, que pudesse

esquecer a situação.”

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DEPOIMENTO DO SR. ADRIANO DIOGO - Deputado Estadual de São

Paulo.

Disse que quarenta e oito processos de adoção feitos em Itaquaquecetuba,

na Grande São Paulo, são investigados pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério

Público.

Passou a reproduzir trechos da documentação que se comprometeu a

entregar para a Comissão, com o seguinte teor:

“A Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo revisa, há 5 meses,

48 processos de crianças retiradas dos pais biológicos e entregues à adoção os

últimos 9 anos em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. O objetivo do TJ é

descobrir se houve irregularidades, entrega delas para famílias substitutas. A

Corregedoria do Ministério Público também investiga o caso. Como na cidade não

há abrigo municipal, as crianças que sofrem maus-tratos ou viviam em situação

de risco e precisavam de medidas temporárias, eram encaminhadas pelos

Conselheiros Tutelares para abrigos. As famílias inicialmente ficavam com a

guarda provisória delas e mesmo depois entravam com o pedido na Justiça de

adoção. Desse modo, acabavam burlando, de forma não intencional, a fila de

espera do cadastro oficial da cidade, ao qual nem sempre estavam inscritas.

A investigação já tem 4 volumes, está sob sigilo e encontra indícios de que

o Conselho Tutelar teria entregue a guarda provisória de crianças para famílias

substitutas e comunicado à Promotoria e ao Judiciário meses depois, quando os

casais já haviam entrado com o pedido de adoção.

Há situações em que isso só ocorreu anos depois. A lei determina que

essa comunicação aconteça no máximo em 48 horas. E só um juiz pode autorizar

a transferência da guarda de uma criança de uma família para outra. A apuração,

que começou em março, será concluída nesta semana.Juízes e promotores

estiveram em Itaquaquecetuba várias vezes neste ano. Pais e parentes de

crianças...”

“Inês Martins de Melo, essa senhora teve a sobrinha, Maria Clara, retirada

de sua casa após ter ido ao Conselho Tutelar solicitar ajuda para tirar certidão de

nascimento da mesma, haja visto que a mãe havia sumido e largado com o pai, o

Sr. Dordal e suas tias. E os conselheiros, há época, juntamente com a promotoria,

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alegaram que a criança deveria ficar em um abrigo até que o assunto fosse

resolvido. No entanto, após terem resolvido e achada a mãe da criança, essa não

foi devolvida e hoje está com a família em Mogi das Cruzes.

Marly de Oliveira Santos, Alexandro de Melo dos Santos, esse casal de

catadores de papel tiveram os filhos tirados numa manhã enquanto o pai foi

comprar pão. Disseram que as crianças sofriam maus-tratos, mas nada foi

comprovado. As meninas foram para um abrigo e hoje estão com pais, que

ganharam a causa. O menino não sabemos onde está.

Rosa Lilipuziano. A filha dessa Sra., Maria Cristina Lilipuziano, estava

grávida de gêmeos e lhe foi entregue apenas um bebe. A D. Rosa estava no

momento do parto e sabe que nasceu de um parto normal. Alegaram não ter outra

criança, mas por qual motivo fizeram a cesária? Por conta disso a mãe entrou em

depressão e não recebeu ajuda de ninguém. Dona Rosa tem a ultrassonografia

com os dois fetos e a foto da cesária e outros documentos que

comprovam que eram dois bebês.”

11.5. OUTROS RELATOS DE TRÁFICO DE SERES

HUMANOS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Esta CPI colheu depoimentos sobre a situação do tráfico de pessoas no

Estado de São Paulo, que passamos a transcrever suscintamente.

DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE –

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do

Estado de São Paulo

Disse que o Núcleo está inserido na Secretaria de Estado de Defesa e

Cidadania e apontou como um dos problemas do Estado a dificuldade de punir,

por falta de uma legislação específica. Os casos de exploração específicos

combatidos pelo Núcleo são o dos migrantes internacionais que são atraídos para

trabalho por empregadores irregulares e dos meninos que saem de São Paulo

para trabalhar em escolinhas de futebol.

Quanto a este último fato, a Dra. Juliana disse que preferia não se estender

sobre o assunto, porque não havia argumentos e provas suficientes, pois o caso

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ainda estava sendo analisado pela polícia. O Núcleo, entretanto, considera que as

escolinhas de futebol são exploração.

As ações que o Núcleo tem realizado para melhor atendimento das vítimas,

desde sua criação, foram a implantação de comitês regionais; a interação com

outras Secretarias e buscar diálogo com os Consulados dos migrantes da cidade.

Perguntada sobre possíveis sugestões de legislação, respondeu que a

normativa existente é o Protocolo de Palermo, interiorizado e que traficantes

deviam ser punidos com base no Protocolo. Ressaltou que o Tráfico para

exploração sexual é o único que consta do Código Penal. Criticou o livre trânsito

de adolescentes acima de 12 (doze) anos, que foi permitido pelo ECA.

Esclareceu que, no caso das Escolinhas de futebol: crianças são

cooptadas (Pará e Ceará) e que em alguns casos obtêm das famílias uma

procuração. São levadas para Santos.

Quanto a migração, ressaltou a necessidade de modificação do Estatuto do

Estrangeiro, com possível apoio ao direito ao voto do migrante. Lembrou um caso

recente: o caso Gregory. Informou que, quanto aos migrantes bolivianos, a

exploração, antes retida na cidade de São Paulo, se espalhou pela cidade e pelo

interior.

O Núcleo pediu a Colaboração com a Receita, o INSS e o Ministério do

Trabalho e do Emprego para a fiscalização e atualmente existe uma tentativa de

responsabilizar as empresas para que elas arquem com o custo do migrante.

Além dos Consulados, São Paulo também mantem acompanhamento conjunto

com organizações internacionais.

DEPOIMENTO DO SR. JEFFERSON APARECIDO DIAS - Procu rador

Regional dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria da República em São

Paulo.

Após apontar o aumento do número de casos chegados à Procuradoria

sobre tráfico de pessoas, afirmou o Depoente:

“Na verdade, o Brasil, tradicionalmente, que era um exportador de pessoas,

passou a ser importador também. Então, nós temos enfrentado na PRDC e

também na atuação criminal realidades distintas, realidades que vão de

brasileiros remetidos para o exterior e de estrangeiros trazidos para o Brasil.

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Então nós temos hoje uma via de mão dupla, com situações totalmente diversas,

que acabam exigindo soluções diversas. Nesse aspecto eu já gostaria de fazer

uma primeira observação que me parece bastante oportuna.

A legislação brasileira, no que diz respeito a tráfico de pessoas, crime de

tráfico de pessoas, tem um complicador que é a exigência do fim sexual. Então

me parece este um grande... Desculpe-me a sinceridade, afinal estou na casa dos

senhores que são os senhores das leis, mas eu acho uma grande ineficiência da

legislação, porque ela acaba impondo uma sanção ainda maior à mulher, porque

a mulher que é remetida ao exterior, ela vai ter que admitir que foi para fins

sexuais, e se ela não foi para fins sexuais, se foi para fins de trabalho, nós não

teremos o crime.

Então, é uma situação um pouco inusitada porque pode ser que não tenha

chegado o momento da exploração sexual, pode ser que o Brasil tenha atuado de

forma eficaz a evitar que ela se prostitua para se manter no exterior, porque foi

intercedida, porque foi interrompida a prática delituosa, ou nós punimos a mulher

uma segunda vez porque ela tem que chegar aqui e não esquecer o que

aconteceu lá, ela tem que chegar aqui e admitir que foi explorada sexualmente

para poder ter o crime. Isso é um problema.”

Para suprir a lacuna legal, o Ministério Público vem tentando tipificar como

redução a condição análoga a de escravo o tráfico que entra no país, ou de

imigração irregular para os casos de envio ao exterior, mas é muito difícil o

enquadramento, restando ao MP a opção de tomar medidas cíveis. Apontou o

aumento de casos envolvendo jogadores de futebol e modelos, na saída;

trabalhadores também para alguns mercados específicos, como é o caso do

Japão, pois existe uma certa tradição de o Brasil enviar mão-de-obra, e também

para fins sexuais na Europa, com travestis e também para a prostituição. Na mão

do retorno, da vinda, o normal são pessoas vindas dos nossos países irmãos sul-

americanos, bolivianos e peruanos em especial, para trabalhar em oficinas de

costura, em especial no Estado de São Paulo.

Sobre o caso das modelos assim se pronunciou: “Nesse caso específico

que envolve essa representação, o trabalho do Governo brasileiro foi muito eficaz

— quem tiver acesso aos autos, V.Exas. com certeza podem ter acesso aos

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documentos. Uma situação foi posta. Os familiares de duas irmãs acionaram o

Governo brasileiro, que atuou de forma bastante eficaz num curto espaço de

tempo, num espaço de tempo muito pequeno entre a denúncia ao Governo

brasileiro e a execução.

É um caso exemplar que merece todas as honras, porque, infelizmente, na

minha experiência, na PRDC — sou Procurador da República há 16 anos, mas na

PRDC há três anos —, na maioria dos casos nós não tínhamos muitos elementos

sequer para identificar onde as pessoas estavam e sequer para identificar quem

era responsável pela remessa. Não tínhamos dados. E esse caso específico é um

dado peculiar, porque foi uma atuação muito rápida do Governo brasileiro e muito

eficaz. Lamentavelmente, em outras situações, essa atuação não é tão rápida, e

aí a consequência é muito mais grave.

Foi feito, nesse caso específico. Sim, existem processos criminais,

inquéritos policiais que foram instaurados, mas apesar de não ter total

conhecimento do teor dos inquéritos, parece-me que o grande senão é que não é

tráfico de pessoas mesmo, porque não foi provado intuito sexual. Então aí não

tem tráfico de pessoas, e é normal que os inquéritos sejam arquivados, porque

não há essa elementar do tipo. Apesar disso, entendemos, e sustento minha

posição, que é possível, sim, a responsabilização no aspecto civil. E é o que

buscamos nessa ação civil pública, que infelizmente não será a única. Temos

outras para serem propostas, porque é uma inovação, em certo ponto, e confesso

que não tenho conhecimento de outra medida judicial nesse sentido de aspecto

civil, mas me parece que é uma das soluções possíveis de tentarmos.

Enquanto a lei não é alterada no sentido de criminalizar de forma rigorosa

qualquer tipo de remessa de brasileiros para o exterior, não só para fins sexuais,

há a ação civil que é uma forma que está disponível para reprimir essa prática.

Acho imprescindível que as organizações e as instituições atuem de forma

integrada. Estamos, na verdade, numa nova realidade, uma nova realidade que

vai impor novos desafios. O Brasil passa a ocupar uma posição diferenciada no

cenário internacional e, apesar disso, ainda é muito atraente para algumas

pessoas, principalmente nesses aspectos que envolvem sonhos. Alguns

brasileiros são muito bem sucedidos como jogadores de futebol, como modelos, e

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isso faz com que toda criança acabe sonhando em atingir esse ponto de sucesso.

Isso acaba sendo muito sedutor para todos que querem esse sonho, essas

propostas do exterior. E o Brasil vai ter de se preparar para isso.”

Trouxe à colação, por reputar oportunos, os seguintes trechos do relato do

Ministério das Relações Exteriores:

“Já, quase madrugada — “o Vice-Cônsul, Oficial de Chancelaria Rafael

Godinho, acompanhado da Auxiliar Administrativa Ayesha da Costa Khokar e de

cerca de dez policiais das delegacias de policia de Cuffe Parade e Aarey Milk

Colony, sob a chefia do Agente S. Todkar, efetuou o resgate de três brasileiras

(...)”

Outro ponto: “O agente Todkar (...) — que é o chefe da polícia indiana —

afirmou que “(...) o referido complexo residencial era notoriamente local de

ocorrência de prostituição, inclusive de estrangeiras, além de outros ilícitos. Ao

chegarem à portaria do prédio, o agente Todkar frustrou tentativa de evasão do

vigia, que tentara alertar os suspeitos, e subiram, todos, ao apartamento onde se

encontravam as brasileiras”.

Com relação ao Vivek – pessoa sob a guarda de quem estavam as moças

“(...) notório contraventor, com passagens policiais múltiplas, por agressão,

envolvimento com narcotráficos, rufianismo, além de modus operandi da

‘agências-mãe’ (...) que levam o CG a vislumbrar inequívocos indícios de(...)

tráfico de seres humanos”.

Então, vejam, infelizmente me parece que o mundo não é tão cor-de-rosa”.

Prosseguiu o Depoente: “Então, defendo as meninas porque acho que isso

é um problema de todas as condutas que envolvem as mulheres principalmente,

ou minorias, que é uma forma de jogar a culpa para a vítima. Então, culpar a

vítima. A vítima é que culpada porque ela que deveria ter... Ela que deveria... Nós

fizemos tudo certo, a vítima que fez errado. Então, isso me preocupa e eu não

gostaria que elas fossem punidas, de qualquer forma. Acho que elas tinham um

sonho, e o máximo que pode ser imputado é a falta de experiência.

No caso da menor na verdade não existia contrato. Ela foi. Supostamente,

ela iria como turismo. Então, as informações que nós colhemos é que não existia,

e ela tinha um visto de turista, mas já sabendo que iria para trabalhar.”

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Na opinião do depoente as jovens somente não foram submetidas a

exploração sexual apenas porque o Consulado Brasileiro agiu rápida e

exemplarmente.

DEPOIMENTO DA SRA. IVANISE ESPERIDIÃO DA SILVA SAN TOS -

Presidenta da Associação de Busca e Defesa a Crianç as Desaparecidas —

ABCD

Citou dois casos de moças desaparecidas, cujos indícios levam a crer que

foram vítimas do tráfico humano. Uma delas é Ana Paula Germano, de 23 anos,

loira, de olhos verdes, que desapareceu praticamente na calçada de casa, no dia

3 de outubro de 2009, para ir trabalhar. A outra é uma garota de 11 anos, de 1,73

metro de altura, vista, pela última vez, acompanhada por um homem.

Defendeu a criação de delegacias especializadas em cidades com mais de

100 mil habitantes bem como a criação de um sistema integrado em todo o

território nacional, com a Polícia Federal, a INTERPOL e as fronteiras; interligação

dos boletins de ocorrências das delegacias em todo o território nacional, com um

modelo único de boletim de ocorrência.

Criticou ainda a falta de informações de pacientes não identificadas nos

hospitais.

Relatou ainda que, no ano de 2007, localizou, por meio da Associação,

uma moça que se encontrava em cárcere privado na Espanha, a qual foi

resgatada.

Demonstrou preocupação com a realização da Copa do Mundo,

argumentando com a necessidade de se tomarem medidas contra a ação dos

aliciadores.

DEPOIMENTO DO SR. PAULO ROBERTO FADIGAS CESAR - Juiz da

Vara da Infância e da Juventude.

Mencionou que a Vara recebe adolescentes e crianças vítimas do tráfico

internacional, inclusive devido á proximidade com o Aeroporto de Guarulhos,

como é o caso de uma menina da Eritreia e outras da República Democrática do

Congo, Nigéria, Angola, Bolívia e também um menino do Haiti.

Citou ainda um caso dramático de uma dessa meninas que foi estuprada

16 vezes por um colega de escola, que havia entrado no Exército. Houve uma

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revolução naquele país, ele matou a família e estuprou a menina. Ela fugiu, entrou

na rota da prostituição e veio parar no Brasil.

DEPOIMENTO DA SRA. ELIANA FALEIROS VENDRAMINI CARN EIRO -

Promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial d e Repressão ao Crime

Organizado ( GAECO).

Criticou a legislação em vigor e disse que há dificuldades para dar

andamento aos processos, para responsabilizar os identificados e que o trabalho

de investigação é muito árduo, além dos problemas de proteção à vítima.

Disse que o Ministério Público tem um corpo formado para cuidar das

questões de direitos humanos e defendeu a necessidade de abrigo para as

vítimas enquanto corre o processo.

Relatou ainda que o Ministério Público acompanha os trabalhos da Cáritas,

porque os traficantes, muitas vezes, utilizam essa instituição, que é muito séria,

como inocente útil, já que ela mantem um abrigo para pessoas refugiadas.

Citou um exemplo de uma moça cooptada na África do Sul, por uma

pessoa conhecida, para trabalhar no Brasil e que descobriu, ao chegar aqui, que

tinha sido aliciada para o tráfico. Ela conseguiu fugir do saguão do hotel onde

deveria ficar hospedada e foi parar no Cáritas. Depois de 3 meses de luta, ela

conseguiu voltar para o seu país, tendo contado com a ajuda do Ministério Público

Estadual, da Organização Internacional de Migração e do Cáritas.

Ressaltou a necessidade de mudanças na legislação, não só na questão

da criminalização, mas também com relação aos procedimentos.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA GABRIELA AHUALLI STEINBER G -

Promotora, Coordenadora do Grupo de Trabalho para a realização de

estudos para enfrentamento dos casos de tráfico de pessoas.

Destacou a importância dos cuidados com a vítima, já que, muitas vezes,

ela não se sente vítima, e sim culpada pela situação que está vivendo.

Disse que o atendimento é muito importante do ponto de vista humanitário,

porque são pessoas que estão em situações degradantes e desumanas.

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Além disso, ressaltou que, nos casos em que a vítima tem uma ligação

com o aliciador, ao mesmo tempo em que é vítima, ela também o protege em

algum momento e não colabora prontamente com a Justiça.

Ressaltou também a importância de mudanças na legislação para permitir

maior efetividade na punição desses crimes.

DEPOIMENTO DA SRA. ANÁLIA RIBEIRO – Psicóloga e Es pecialista

em Direitos Humanos.

Comentou a necessidade de o Brasil ter um marco legal que possa de fato

tipificar e criminalizar o tráfico de pessoas. Também destacou a importância de

investimentos, com um orçamento adequado, que de fato seja destinado ao

enfrentamento a esse tipo de prática criminosa, sobretudo no atendimento às

vítimas.

Argumentou com a necessidade de um fluxograma de atendimento às

vítimas, decorrente de um trabalho em rede e de parceria entre a sociedade civil e

o Poder Público.

DEPOIMENTO DA SRA. CLAUDIA PATRÍCIA DE LUNA SILVA -

Presidente da ONG Elas por Elas — Vozes e Ações das Mulheres e Vice-

Presidente do Movimento contra o Tráfico de Pessoas .

Disse que a preocupação principal é com o atendimento às vítimas.

Afirmou a depoente que, na qualidade de ativista e militante das questões de

gênero, das questões das mulheres, preocupa-se com o aumento considerável

dos casos de tráfico de pessoas, em especial envolvendo mulheres.

Disse ainda que, “nesse contexto crítico, em que nós temos dois

megaeventos que serão recepcionados pelo Brasil e em que o Brasil agora se

destaca no cenário internacional como sexta economia do mundo, há um

contraste gritante entre a percepção internacional do nosso País, a percepção

externa, que não consegue entender como um país que ocupa a posição de sexta

maior economia do mundo tem internamente problemas tão estruturantes

relativos ao tráfico de pessoas e desigualdades estruturantes nos fatores gênero,

etnia, raça...”

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Ressaltou que não se pode priorizar a soberania do Estado em detrimento

de vidas humanas, que são reduzidas à subcategoria de coisas.

Relatou o caso de uma vítima boliviana de 25 anos, vítima de exploração

para trabalho laboral, trazida para uma cidade no interior de São Paulo e

encarcerada em uma oficina de costura, sem direito de ir e vir. Como se

encontrava grávida, escondeu a gravidez dos aliciadores. Quando a criança

nasceu, a vítima foi largada em uma estrada com mais duas irmãs.

Continuou explicando a depoente que essa moça teve que ser colocada

em um abrigo para mulheres em situação de violência, já que não existem abrigos

específicos para vítimas de tráfico e exploração.

Disse ainda a depoente que, no abrigo, a criança sofreu um acidente e

ficou tetraplégica. Posteriormente, essa moça foi estuprada, pois não contava

mais com o serviço de proteção.

DEPOIMENTO DA SRA. NILZE BAPTISTA SCAPULATIELLO - Delegada

de Polícia Civil, titular da 1ª Delegacia de Proteç ão à Pessoa do

Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa.

Explicou que o tráfico é o transporte, que atualmente é feito para fins

sexuais.

Disse que, no caso da prostituição, a pessoa pode ter um relacionamento

íntimo com alguém, e, no dia seguinte, quando se encontram em outro local, a

pessoa prostituída não é reconhecida, ela se torna invisível. Na visão da

depoente, trata-se de uma mercadoria barata, de fácil reposição.

Relatou que há um problema sério de prostituição envolvendo os

caminhoneiros.

Em relação aos casos de tráfico de crianças para o exterior, criticou o atual

sistema de informações, pois a única informação é o passaporte carimbado, não

havendo informação de quantas crianças viajaram com a pessoa, se eram do

sexo masculino ou feminino,

DEPOIMENTO DA SRA. JULIANA FELICIDADE ARMEDE -

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da

Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do E stado de São Paulo.

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Destacou a importância do atendimento e proteção às vítimas, não

bastando apenas a repressão, porque há implicações referentes à segurança da

vítima, inclusive do ponto de vista humano, social e psicológico.

Mencionou que temos uma lei incrível para a proteção da infância e da

juventude, mas ainda precisamos amadurecê-la no que tange ao desenvolvimento

daquelas diretrizes.

Lembrou que os Conselhos Tutelares têm problemas com falta de vagas

nos abrigos para acolher crianças e adolescentes.

Relatou que houve uma integração dos Núcleos do Pará e São Paulo, com

a Polícia Civil do Pará com a Polícia Civil de São Paulo, com a construção de uma

rede nacional de núcleos e postos, fomentada pela Secretaria Nacional de

Justiça, e o mais importante: mais fortalecida em cada um dos Estados que têm

núcleos e postos.

Ressaltou também a necessidade de um banco de dados nacional, que

facilitaria o trabalho integrado das diversas instituições envolvidas no combate ao

tráfico de pessoas.

DEPOIMENTO DA SRA. CHRISTIANE FERREIRA DA SILVA LO BATO -

Delegada de Polícia Civil, Diretora de Atendimento a Grupos Vulneráveis da

Polícia civil do Estado do Pará.

Relatou que, no Estado do Pará, há pessoas traficadas de regiões de

garimpos, do Nordeste, mulheres que são traficadas para o Suriname, para a

Guiana Francesa e tráfico interno, principalmente de travestis, com várias rotas

mapeadas. Segundo a depoente, a principal rota ainda é o Estado de São Paulo.

Disse que os travestis não são aceitos pelas famílias, pela sociedade, não

frequentam a escola e veem a oportunidade de vir pra São Paulo como uma

possibilidade de ganho.

Explicou que, no ano passado, das 86 pessoas encontradas no Estado de

São Paulo, em três casas de prostituição, 80% eram paraenses e seis eram

adolescentes.

Destacou a triste realidade de travestis que pedem Super Bonder para

estancar vazamento de silicone, uma realidade que choca aqueles que lidam

diariamente com esses problemas.

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DEPOIMENTO DA SRA. ROSÂNGELA MUNIZ DE ARAÚJO TOMAZ -

Delegada Federal de Direitos Humanos, Presidente da Associação em

Defesa da Dignidade da Pessoa Humana — ADDH .

Disse que, com menos de 19 dias de atuação, no litoral de São Paulo, teve

a sua casa foi invadida por oito homens.

Contou que pediu o apoio da Polícia Militar, a qual, incrivelmente, ninguém

sabe por que, sumiu com o boletim de ocorrência. Além disso, relatou a depoente

que, posteriormente, o Coronel da Polícia Militar do litoral de São Vicente também

foi à Polícia Federal apresentar acusação, com a tentativa de inibir o trabalho da

polícia no combate ao tráfico de pessoas.

Relatou a depoente que ficou longe do filho por mais de 40 dias, por conta

dessas ameaças, e não mora mais no Município de São Vicente, tendo sido

obrigada a se mudar para outro Município, além de não poder mais andar

livremente pelas ruas.

11.6. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DE

PERNAMBUCO

DEPOIMENTO DA SRA. JEANNE AGUIAR PINHEIRO DE SOUZA – Representante do Núcleo de Enfrentamento de Tráfico de Pessoas de Pernambuco. O Núcleo está implantado na Secretaria de Defesa Social do Estado. A

Representante aponta a dificuldade de tipificação do crime.

As principais ações são o trabalho preventivo nas escolas; na Copa de

2014; a capacitação de agentes penitenciários e a criação do Núcleo Itinerante,

para fazer palestras no interior do Estado sobre o tráfico. Os principais casos são

de uma pessoa vinda da Espanha que não quis o apoio do Núcleo e de um rapaz

com problemas psiquiátricos que foi encaminhado para Goiânia.

DEPOIMENTO DO SR. JOÃO JOSÉ DA ROCHA TARGINO - Juiz

Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado de Pern ambuco.

Relatou um procedimento instaurado pelo Tribunal de Justiça de

Pernambuco, pela Corregedoria, contra a Juíza Andréa Calado, referente à

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concessão da guarda provisória de uma criança a um casal que não estaria na

lista do Cadastro Nacional de Adoção.

Disse que a deliberação do Tribunal de Justiça foi no sentido de instaurar

um processo administrativo disciplinar, conhecido por PAD, contra a Dra. Andréa

Calado, o que ocorreu no mês de janeiro, e, a partir daí, começou a contar o

prazo de 140 dias para a conclusão desse feito.

Citou também outro caso que versa sobre possível irregularidade cometida

também em processo de adoção, pelo Juiz da Comarca de Canhotinho, no

Agreste pernambucano, próxima à Comarca de Garanhuns, cujo procedimento

está em curso na Corregedoria.

DEPOIMENTO DA SRA. HENRIQUETA DE BELLI LEITE DE

ALBUQUERQUE - Promotora de Justiça do Ministério Publico do Estad o de

Pernambuco.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Antes de tudo, eu sou Promotora

de Justiça Criminal em Olinda, mas, durante este caso que houve lá, eu estava

numa condição de acumulação da minha titularidade, acumulando a Promotoria

da Infância e da Juventude. Nesta Promotoria eu também dividi as minhas

atribuições com a Dra. Andréa Karla, que, na verdade, era a titular da Promotoria

na época. Mas Andréa terminou pedindo remoção e está em outra comarca, e

terminou que o convite veio para mim e para Rosângela, porque Rosângela

também vai explicar alguns aspectos criminais que couberam a ela na época.

Antes de tudo, a ideia de corresponder ao convite da CPI, em relação à

questão da adoção, que, na verdade, não foi uma adoção, foi uma situação de

burla ao Cadastro Nacional de Adoção... Um casal, uma esteticista carioca e um

piloto de uma companhia aérea norte-americana, residentes nos Estados Unidos,

os dois, residência habitual, obviamente, porque ela é carioca, tem vínculo com o

Brasil, familiares no Rio de Janeiro, e vem com alguma frequência ao País, mas a

residência habitual é o que determina se a adoção vai ser nacional ou estrangeira.

Então, por que essa diferenciação? O casal pode até ser brasileiro; se morar no

exterior, o casal vai ter que se submeter à formalidade de uma adoção

internacional, porque o que diferencia é a competência territorial. É o local de

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residência que determina, porque a adoção internacional é marcada por uma

série de informalidades que a adoção nacional não traz consigo na legislação.

Obviamente, o que a gente percebeu, a primeira vez que eu tomei contato

com o caso foi que nós tomamos conhecimento de que uma criança abrigada

numa instituição de Olinda, à disposição da Justiça, já estava praticamente

destituída do poder familiar, ou seja, praticamente disponível para ser colocada

em família substituta, uma criança bem jovem, de tenra idade, como a gente

chama, ainda com 6 meses de vida, menina, que é praticamente uma preferência

nacional para os pretendentes à adoção. E a gente soube, através de funcionárias

do abrigo, que a criança estava sendo visitada por uma pessoa que não estava no

cadastro; na verdade, uma pessoa residente em Olinda. E, depois, a gente ficou

sabendo que essa pessoa é que estava, na verdade, levando informações da

criança para o casal, que ainda estava nos Estados Unidos. Existe um vínculo de

amizade entre essa pessoa que visitava o abrigo e esse casal. Obviamente, o

casal, sabendo disso, de todas as informações, também foi instruído de que, em

Olinda, a adoção que eles pretendiam seria facilitada.

Então, isso realmente teve um desdobramento muito negativo na época,

porque, quando nós Promotoras descobrimos que essa criança estava sendo

visitada e, depois, procuramos saber de quem era a visita, nós também soubemos

que era filha de um Deputado Estadual lá de Pernambuco, também Presidente da

Assembleia Legislativa. A gente começou a perceber que a coisa estava tomando

um rumo de descontrole. Assim, instituição de abrigo, entidade de acolhimento de

criança e de adolescente não pode ter visita, somente das pessoas que estão

com autorização para tanto, justamente porque, mesmo as pessoas... No Recife,

isso já é instituído de forma muito tranquila. Os abrigos da região metropolitana

sabem que esta é uma recomendação: as pessoas que

pretendem fazer doações, que pretendem fazer qualquer trabalho voluntário nos

abrigos, elas têm que passar por um processo, realmente, de seleção, porque as

crianças que estão nos abrigos não estão necessariamente disponíveis para

adoção.

Existem crianças que estão e existem crianças que, absolutamente, não

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estão — estão ali momentaneamente, passando por um processo de investigação

dos pais, por abandono, uma negligência, um abuso sexual. Mas têm crianças

que vão voltar para casa. Então, por conta disso e também por conta de já ter

sido instituído um cadastro nacional há alguns anos, e de existirem casais e

solteiros habilitados nesse cadastro — e existe uma fila de prioridades —, esses

abrigos não devem ser visitados por terceiros que não estejam nesse cadastro ou

que não guardem nenhum vínculo de emprego com a instituição.

Então, começou a surgir, neste caso específico em Olinda, um interesse

especial pela criança. Os pais já estavam praticamente destituídos do poder

familiar, mas ainda não havia saído a sentença. Quando eu pedi para olhar os

autos, tanto eu quanto a Andréa, que é colega nossa lá, a gente percebeu que a

Juíza estava, de certa forma, segurando a sentença de destituição sem nenhum

motivo plausível nem justificável. É efeito automático da sentença de destituição

do poder familiar a inscrição da criança no cadastro nacional. Então, como a Juíza

já tinha autorizado essa terceira pessoa a visitar a criança e essa criança já

estava encomendada para o casal que ainda chegaria dos Estados Unidos para

conhecê-la, essa sentença não aconteceu, ficou, realmente, no aguardo, e a

gente começou a perceber que estava havendo toda uma movimentação escusa

para que esse casal, assim que chegasse, tivesse acesso à criança. De fato, para

a nossa sorte, a gente tem uma parceria muito boa com as entidades, que

terminaram funcionando como um serviço de inteligência para a gente, nesse

caso, porque foi através das assistentes sociais e das psicólogas e pedagogas

que trabalhavam na casa que a gente ficou sabendo da movimentação que

estava acontecendo.

Em Olinda, nós tínhamos, à época, 37 casais inscritos — casais

olindenses, residentes na Comarca —, aguardando uma criança no perfil deles.

Então, houve uma conversa. A própria filha do Deputado chegou a nos procurar

na Promotoria para dizer que queria apresentar um casal que estava muito

interessado na criança. Tanto eu quanto a Andréa fomos muito incisivas na

questão do que poderia acontecer, inclusive na exposição que poderia terminar

acontecendo. Era inevitável, porque não era justo com os casais que estavam

aguardando a adoção, inclusive casais que estavam aguardando a adoção havia

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anos, numa fila. Chegar alguém de fora, diga-se de passagem, sabendo que iria

encontrar facilidades na cidade.

A coisa mais importante para o leigo entender é por que o casal não se

inscreveu. Não se inscreveu porque eles teriam que passar por um processo de

adoção internacional, que é muito mais complexo, tem uma agência

intermediando, e eles não quiseram enfrentar essa burocracia. Número 2: tiveram

promessa de facilidade. Para mim, isso estava absolutamente claro. Número 3:

dificilmente eles conseguiriam levar do Brasil uma criança com 6 meses de vida,

porque jamais vai uma criança com 6 meses de vida para o exterior. Eu até já fiz

uma adoção de uma criança com 6 meses de vida para um casal da Itália, mas

era uma criança com HIV. Então, já tinha passado pelo cadastro. Não tinha

nenhum casal do cadastro interessado numa criança com HIV. E, aí, exaurindo as

possibilidades do Cadastro Nacional, você parte para o cadastro estrangeiro.

Então, posta a situação, a Juíza veio conversar conosco e dizer que estava

muito sensibilizada, porque o casal já havia começado a visitar a criança. Nós

indagamos o porquê dessas visitas, já que essa não é a regra — é exceção —, se

existia algum vínculo familiar ou afetivo anterior. Não, não há. Não tem como

explicar. Ela é carioca, e ele é americano. E aí ela disse: ‘Não, mas você tem que

ver que é uma questão até de humanidade. A criança é negra e não vai ter boas

perspectivas aqui em Olinda. A gente vai abrir uma oportunidade para ela morar

num país civilizado’.

Para mim, um discurso absolutamente incompatível para uma pessoa que

trabalha na área de infância e juventude. Ao contrário, a gente tem conseguido

fazer adoções de crianças negras, pardas. Eu já fiz adoção até de criança com

paralisia cerebral. Basta ter vontade e motivação. E, principalmente, uma criança

com 6 meses, ainda que no último grau de negritude, mas ela vai ser adotada,

entendeu? A gente sempre vai encontrar gente que não tem nenhum tipo de

preconceito em acolher uma criança negra. Então, não se justifica. Foi quando eu

fui muito clara com ela — eu e a Andréa. Na época, eu disse: ‘Isso não vai dar

certo, porque isso vai ter repercussão, vai ter problema, a gente vai recorrer’.

Mas, assim, na coisa da soberania do órgão judicante, ela pagou para ver. E, de

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fato, a gente também, na surdina, no apagar das luzes, já no fechamento de

expediente, a gente soube que a criança tinha saído para o casal, sob guarda.

Obviamente, mesmo para quem é leigo, uma adoção não pode sair,

mesmo no Cadastro Nacional, de forma imediata. Na adoção, inicialmente, o

casal é convocado, comparece à Vara da Infância, tem uma audiência prévia com

o Promotor de Justiça, Juiz, Defensor Público, com quem for necessário, e

começa o estágio de convivência, que, para nacionais, fica muito a critério do Juiz

e do Promotor que estiver acompanhando o caso, porque, às vezes, quando é

bebê de colo, em 15 dias, o estágio já está bem observado e bem suprido, a

adaptação está tranquila, e pode ir para a sua cidade de origem. Só vai à

audiência de fechamento, que é onde se sacramenta a adoção.

Durante esses 15 dias, a criança fica sob guarda, porque a adoção só sai

nessa audiência de fechamento. Aí é quando há os efeitos da adoção: é expedida

a certidão de nascimento, conforme o nome desejado pelos pais e tal. Nesse caso

específico, a Juíza tinha pleno conhecimento de que criança menor que 3 anos de

idade, pela nova lei que instituiu o Cadastro Nacional, lei instituída pelo CNJ,

determina que crianças menores de 3 anos vão para família substituta que não

está cadastrada não podem ser imediatamente adotadas. Terão que passar 3

anos sob guarda. Por que a lei instituiu dessa forma? Porque se fez toda uma

estatística a respeito dos casos de adoção.

As crianças que têm mais receptividade dos pretendentes são crianças de

até 3 anos de idade. Identificou-se que, em cidades do interior, em locais de difícil

controle, era muito comum as pessoas não quererem enfrentar a fila do cadastro

e, por fora, conseguirem a guarda da criança e, depois, conseguirem

imediatamente a adoção porque, enfim, os pais diziam que não queriam, não

tinham mais interesse na criança. Aí, era possível a adoção antes.

Hoje não mais, porque, dado o interesse que existe em torno dessas

crianças de até 3 anos de idade, a lei deixa a criança em situação precária com o

casal, justamente porque não julgou ilegal — pois a lei não colocou essa guarda

como ilegal, uma vez que é possível ela existir —, mas não é a condição ideal

para uma criança. O ideal é que a criança seja de fato adotada, porque dá mais

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segurança jurídica, tem outra nuance mais interessante para a criança realmente

gozar da condição de filho.

Então, a lei é muito rígida neste aspecto: não proíbe a guarda, porém

desestimula. E, para estrangeiros, a guarda é impossível juridicamente. Então, no

Brasil, não se pode ter estrangeiro, como é o caso desse casal específico, com

criança sob guarda, ou seja, criança nacional sob guarda de estrangeiro. Por

conta disso também, uma das razões da nossa presença aqui é convocar, já que

a CPI é de tráfico de pessoas, houve um problema nesse caso, um

desdobramento muito grave. A juíza, mesmo sabendo disso, ignorou essa

condição de proibição e não só permitiu a guarda, que a guarda não era para fins

de adoção — ela sabia que aquela criança não poderia ser adotada por aquele

casal, fora do Cadastro —, além da guarda, ela também expediu um alvará

autorizando esses guardiões a emitir passaporte também para a saída do País,

ou seja, na verdade, o total descontrole.

Por isso, a questão principal da nossa vinda aqui é que essa condição

precisa mudar. O delegado da Polícia Federal de emissão de passaporte sabe da

proibição: criança nacional não pode sair, sob guarda, acompanhada de casal

estrangeiro. Mas acontece que, quando o casal estrangeiro chega com o alvará

judicial, fica difícil para o policial federal, ou para o agente da Polícia Federal, ou

para o delegado contestar ou ir de encontro àquela ordem judicial. É uma

ordem judicial contrária à lei, mas, infelizmente, a gente sabe dos percalços que

um delegado desses tem que enfrentar para questionar aquilo ali, e eles terminam

não questionando porque, na verdade, a gente soube, tomou conhecimento de

que a criança teve o passaporte emitido e que o casal estava com o alvará para

sair do País. E todo o problema foi, o Ministério Público entrou com recurso, e em

tempo hábil tentamos despachar, mais de uma vez, com o desembargador que

estava responsável pela relatoria, tivemos

alguma dificuldade de estar com ele, até porque a essa altura do campeonato a

articulação política que havia atrás era imensa. Existia um interesse realmente

não só do casal que já estava com a criança sob guarda havia mais de 1 mês, de

que aquela situação se sedimentasse. Para o Ministério Público, o tempo contava

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totalmente contrário — conta a favor do casal —, porque, quanto mais adaptada a

criança, maior a dificuldade de se retirar do convívio.

E assim chegou um momento em que nós nos sentimos, na época, muito

sem condições de evoluir no processo, até de colocar o agravo para julgamento, e

a gente não conseguia acesso a ninguém, tudo bloqueado, o CNJ já comunicado

das irregularidades cometidas pela Juíza no feito, Corregedoria do TJ já

comunicada de todo o andamento, do passo a passo, o Desembargador sabendo

da urgência do caso, que o julgamento tinha que acontecer com prioridade

absoluta, e não julgava, e aí a gente foi vendo se aproximando os 90 dias. Esses

90 dias foram os 90 dias que a Juíza do caso determinou que a criança iria ficar

sob guarda provisória.

Ao final dos 90 dias, essa guarda iria ser convertida em guarda definitiva.

E, quando a gente começou a perceber que o tempo estava passando e todos os

remédios jurídicos já tinham sido utilizados e exauridos e que a coisa não estava

andando como a gente pretendia e os prejuízos também afetivos que esse tempo

iria causar à criança, foi quando nós sentamos com o nosso Corregedor do

Ministério Público e decidimos realmente procurar o apoio da imprensa. Nessa

ocasião, a gente sabia que teria que vir à tona uma série de coisas, informações e

envolvimentos que a gente sabia de tráfico de influência que estava acontecendo.

Quando a gente começou a examinar mais cuidadosamente os papéis, nós

vimos que a criança já tinha, através da filha do Deputado, sido levada a

consultas médicas, ao clínico geral lotado na Assembleia Legislativa. O casal

entrou com uma ação de guarda definitiva. O advogado que entrou com a ação de

guarda no processo também era lotado no gabinete do Presidente da Assembleia.

Então, muita coisa, uma teia muito complexa que a gente realmente só conseguiu

desfazer com a perda de muitas noites de sono, de muito puxa-encolhe, com

imprensa e tal, e muita disposição. Alguns que estão de fora podem até achar que

foi desnecessária, mas só nós sabemos como foi enfrentar os bastidores dessa

luta, porque foi uma verdadeira epopeia.

No frigir dos ovos, a criança terminou, diante da pressão, porque

diariamente saíam revelações a respeito do caso, de envolvimento político do

Tribunal de Justiça, uma série de coisas, e chegou um momento em que a gente

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teve a notícia de que o Desembargador não ia julgar o agravo. Numa terceira vez

em que a gente tentou despachar com ele, a imprensa tomando conta de tudo, de

todos os passos, e aí o Desembargador disse: “Não, não vou julgar; para mim,

perdeu o objeto, o agravo de instrumento, porque a criança foi devolvida agora à

tarde.” Como assim? “Foi devolvida pelo casal”.

Na verdade, esse casal jamais iria devolver a criança em condições

normais de temperatura e pressão. Devolveu porque, enfim, a pressão estava

insustentável, existia uma juíza exposta, um Tribunal de Justiça por trás dela,

também exposto, e, de certa forma, o trabalho do Ministério Público também

estava em jogo. Então, chegou o momento em que essa devolução aconteceu.

Segundo eu soube, a divulgação que foi feita é que o casal pensou melhor e viu

que não era o melhor caminho e resolveu devolver espontaneamente a criança e

tal.

Enfim, aí, de certa forma, a maior vitória nossa e, eu acho, da sociedade,

do Cadastro Nacional, do Estatuto da Criança, do Ministério Público, foi a

devolução da criança. Hoje, com menos de 1 mês, a criança já estava adotada

por um casal olindense. Isso é o mais importante. Isso mostra, também, que não

é assim que se resolvem as coisas; mostra para o estrangeiro que neste País

existe lei, que as coisas não são assim tão fáceis, que não é através de amizade

que se tira uma criança do País dessa forma.

Enfim, é um problema que eu acho que a gente precisa discutir, inclusive,

na sociedade, bem como o controle de saída dessas crianças do País. Essa

situação aconteceu em Olinda, Região Metropolitana do Recife, a 9 quilômetros

do local onde pulsa o Estado, que é a capital. Eu fico imaginando o que não

acontece num grotão desses aí no interior, quantas crianças dessas não saem

nessa condição, e se deixa de contemplar um casal nacional, essa criança manter

suas origens, essa criança manter a sua língua-mãe, enfim, de um país do qual

eu tenho absoluto orgulho, com todos os problemas, com todas as mazelas, mas

a gente precisa fazer a engrenagem funcionar. Se não partir da gente, operadores

do Direito, do juiz, do promotor de justiça, do defensor público, do delegado, fica

muito difícil para o cidadão comum compreender que a legislação é rígida porque

precisa ser rígida.

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Eu já tive situação de devolução, mesmo com toda formalidade, quando a

ação internacional é cercada. Eu já tive um caso no interior, quando eu

trabalhava, de uma devolução de uma criança na Holanda, uma criança brasileira

que foi adotada por um casal holandês, a adaptação aqui foi 100%, tranquila, mas

o casal era um casal desestruturado. Infelizmente, a gente não tem como fazer

um raio-x da alma das pessoas. Quando eles chegaram lá, tiveram uns

entreveros conjugais e depois de 2 ou 3 anos que essa criança já estava na

condição de filha, morando em Amsterdam, esse casal se separou, e a criança

não era de ninguém mais, e foi abrigada numa instituição da Holanda. Depois,

uma comissão da UNESCO estava visitando umas instituições e tomou

conhecimento da história de vida da criança, porque, na verdade, a criança é

cidadã holandesa, adotada por um casal holandês.

Então, o que aconteceu foi uma tripla punição: essa criança já veio de um

abandono no Brasil, um segundo abandono na Holanda e, simplesmente, essa

criança voltou para o Brasil, porque ela não tinha vínculo nenhum na Holanda,

não tinha mais idade para ser adotada lá, nem foi adotada aqui. Então, isso para

mim é uma lástima. É você proibir que alguém seja gente. Eu não sei nem, não

acompanhei, porque, na verdade, ele já voltou adolescente e não voltou para o

interior, voltou para Recife. Depois começou um trabalho árduo, dificílimo, de

localização da família natural, o que é outro problema, um menino sem nenhuma

afinidade cultural com o Brasil, porque nessa história já se tinham passado 8

anos, e volta para um país com o qual ele não guarda nenhuma identidade

cultural. É uma coisa muito complexa e desumana, enfim, é pior do que um

exilado de guerra. É muito complicado.

Apesar de toda a nossa formalidade, ainda existem algumas situações,

muito excepcionais, de adoção internacional que não dão certo. Mas é raro. Por

quê? Porque a formalidade ajuda a gente a filtrar. Se a gente não perceber e

observar a importância disso, vai ficar complicado, o futuro vai ficar

complicado.(...)

Na verdade, é um pedido de articulação, já que a gente está numa Casa

Legislativa, para se tentar fazer uma articulação até na questão da produção

legislativa, do processo legislativo, de se proibir absolutamente, até mesmo

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responsabilizar pessoalmente um delegado da Polícia Federal que, mesmo

sabendo que é proibida a saída daquela criança naquela condição, acata um

alvará que sabe que não tem nenhum apoio jurídico, que não tem nenhum apoio

na lei. Então, assim, não é culpa do delegado. Eu não estou querendo transformar

isso num conflito entre instituições. Mas eu acho que isso deve estar acontecendo

em outras situações aí, e a gente precisa se articular. Eu acho que as instituições

existem para ser parceiras. Enquanto existir esse descontrole, vai haver saída

ilegal de crianças do País, como ia acontecendo nesse caso.”

DEPOIMENTO DA SRA. ROSÂNGELA FURTADO PADELA

ALVARENGA - Promotora de Justiça do Ministério Público do Estad o de

Pernambuco.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu sou Promotora da 8ª Vara

Criminal de Olinda, titular, da Central de Inquéritos, que recebe todos os crimes

da Região Metropolitana de Olinda. Atualmente, eu acumulo a função de

Coordenadora dessa Central também. E, observando de longe o noticiário da

imprensa, eu acompanhei o drama dessas duas colegas, e a instituição apoiando,

a nossa Corregedoria, na luta para que essa criança não saísse do País de forma

ilegal, a princípio acompanhando apenas de fora. Num determinado momento,

elas perceberam que a coisa estava tomando uma proporção tão grande que,

com essa guarda provisória, esse casal tinha conseguido com essa terceira

pessoa que intermediou, a filha do Deputado e Presidente da Assembleia,

conseguiu inclusive... Além dessas consultas médicas, criando todo esse vínculo,

essa aparente adoção, eles foram até uma igreja local e lá eles declararam que a

criança tinha um nome, outro nome, que na verdade não era aquele, porque ela

não tinha ainda mudado o nome, ele tinham apenas a guarda provisória da

criança, precaríssima, à revelia do próprio Ministério Público, uma vez que elas

estavam lutando para que isso não acontecesse, e foram com esse documento,

não apresentaram ao pároco da igreja e lá declararam que essa criança era filha

e conseguiram fazer o batismo dessa criança, como padrinhos do casal, a filha do

Deputado, a íntima ligação era... E para ser padrinho de uma criança precisa ter

uma certa relação de proximidade. E o pároco, lógico, dentro dos preceitos

religiosos, não se negou a fazer e não teve as cautelas necessárias para fazer

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esse batismo, e eles confirmaram essa criança como se deles filha fosse, com

outro nome que não aquele que existia. Mas até onde isso seria, agora, a minha

parte criminal? Na verdade, a gente sabe que, infelizmente, muitos casais,

notadamente no interior... Nós temos 15 anos de Ministério Público em

Pernambuco. Nós rodamos muito pelo interior, foram mais de 10 anos pelo

interior daquele Estado. E nós, muitas vezes, visualizamos partos ocorridos em

residências e que, às vezes, essas crianças eram destinadas a pessoas outras,

que, com um simples batistério, conseguiam registrar essas crianças como se

filhos delas fossem. Então, o batistério, apesar de não ser um documento oficial

— nós estamos num País laico, onde cada pessoa tem a sua religião —, ainda

tem um valor probatório muito grande para a Justiça. Então, muitas vezes, “ah, eu

tive filho em casa, a parteira, tal”. Arruma uma parteira qualquer, declara, e tal. E

registra essa criança como se filho dela fosse. E sai do País facilmente. Então, aí,

nós já estávamos pensando no pior. Essa certidão de batistério poderia virar uma

situação maior. E aí, o Procurador- Geral do Estado, a pedido das colegas,

designou um Promotor para acompanhar o inquérito que tramitava, porque a Dra.

Henriqueta denunciou o caso e pediu a instauração de inquérito com relação à

falsidade ideológica, nesse caso do batistério, e o Procurador me designou para

acompanhar as investigações. A princípio, eu fui designada numa quinta-feira.

Esses detalhes são bem interessantes, porque a gente também vai aí com essa

necessidade de que as instituições se articulem. Isso foi em setembro do ano

passado. Logo a seguir, a questão da PEC 37, que queria retirar o poder do

Ministério Público de investigar. E, nesse momento, eu fui designada, com 15

dias, um inquérito na mão de uma delegada. E essa delegada arrumou todos os

motivos do mundo para que eu não acompanhasse. Eu oficiei, comuniquei que

formalmente eu estaria acompanhando o caso e que nenhum outro passo fosse

dado sem o Ministério Público ter conhecimento. E várias situações aconteceram

para que eu não participasse. Consegui ainda participar da oitiva do padre, até

saber que envolvimento esse padre tinha no caso. Depois verificamos que não

havia. E, para minha surpresa... Isso numa quarta-feira, com 15 dias de

inquérito... Normalmente, o inquérito tramita 30 dias, o delegado conclui as

investigações em 30 dias. Para minha surpresa, eu fui designada numa quarta-

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feira, acompanhei uma oitiva na quinta, quando foi na sexta-feira recebi um

comunicado da delegada que já tinha concluído as investigações, sem a

participação do Ministério Público, um ato absurdo, e que já tinha concluído pela

indicação da autoria. Foi a informação que eu recebi apenas por mensagem.

Concluído o inquérito, chega às minhas mãos na segunda-feira e eu me deparo

com uma peça feita por uma delegada. E, para quem não sabe, o delegado tem

um papel fundamental de parceria, porque ele ali traz as informações. É uma

peça investigativa. Daí a importância da Polícia. É muito importante. A Polícia faz

um trabalho muito importante. E chega às mãos do Promotor já pronto para

oferecer denúncia, se for o caso de denúncia, ou pronto para o arquivamento, ou,

se entendermos que não está suficientemente comprovado, a gente pede mais

diligências e os autos retornam à delegacia. Só que, para minha surpresa, na

verdade aquele inquérito era uma peça de defesa, onde a autoridade policial fez

um relatório, fez o parecer do Promotor, o papel do Promotor, e, ao final, ela

julgou, dizendo que realmente havia uma autoria, mas que ela não tinha agido

com culpabilidade. Eu confesso que, no Direito, ainda não tinha visto uma

situação parecida. Quer dizer, você indica que alguém é autor, mas que ela agiu

por erro, erro de proibição, erro que se chama, não é erro de proibição,

tecnicamente falando. Então, aí eu não tive outra saída, porque felizmente o

nosso poder de investigar continua. E aí a importância de a gente não retirar

poderes, mas, pelo contrário, unir forças, porque em casos pontuais, onde a gente

já via um envolvimento, um tráfico de influência terrível, onde uma polícia

judiciária, no caso, no Estado, atrelada a um Poder Executivo... Aí eu me deparo

com uma situação daquela onde eu poderia requisitar diligências; eu poderia,

normalmente nós fazemos isso. Porque se todo Promotor for investigar todos os

casos... Eu trabalho em duas centrais, eu trabalho na Central na capital,

acumulando há 5 anos todos os crimes. Nós recebemos em média 200 autos por

mês, mais os de Olinda. Se for investigar caso por caso a gente não consegue

produzir. E, na verdade, essa parceria de poder de investigar com a Polícia é

justamente para que eles façam esse trabalho inicial e a gente possa dar início à

ação penal.

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Então, eu me vi numa situação difícil, porque eu não tinha condições de

mandar novamente esse inquérito para que ele retornasse à delegacia de origem,

uma vez que a delegada já tinha emitido juízo de valor, que normalmente, o

delegado, ele faz um relatório. Ele não emite juízo de valor, ele faz um relatório.

Então, eu resolvi instaurar um procedimento que se chama MPIC, um

procedimento de investigação criminal, onde eu mesma, Ministério Público, fiz

todo o trabalho de investigação que a Polícia deveria ter feito e que em 15 dias

concluiu um inquérito. E foi nesse sentido de tomar aquela investigação para

saber se havia só a questão do delito e da falsidade ideológica, que, a meu ver,

sem maiores delongas de investigação existia prova documental, e contra fatos

não há argumentos. Se tem documento tem... A gente pode ouvir a prova

documental, testemunhal, porque ela sempre... ela traz um visual diferente para o

Juiz na hora do julgamento, mas a prova documental era suficiente de que ali

havia uma falsidade e para me proteger, proteger as investigações, eu decretei o

sigilo dessas investigações justamente para que mais ninguém tivesse acesso

não só por conta da investigação, mas porque tinha uma criança e já tinha um

casal com essa criança, um outro casal habilitado, e poderia...

Quanto mais noticiado mais esse casal sofreria e essa criança sofreria...

Então, a lei nos faculta essa decretação do sigilo para proteger o interesse maior,

que nesse caso é o interesse da criança. Mas eu fui até o fim, eu concluí as

investigações e findei por encontrar realmente elementos. Denunciei o casal à

Justiça e a filha do Deputado também por falsidade ideológica, e no caso dela foi

duas vezes porque houve uma falsidade anterior também com relação ao

processo de habilitação, onde declarou que o endereço do casal era o endereço

dela, como se fosse do casal, para que eles tivessem facilidade em concorrer

naquele processo de habilitação. Então, a dificuldade maior foi o enfrentamento

com a Polícia. Recebi um ofício da delegada bastante, digamos, audacioso.

Eu nunca tinha visto nesses 15 anos, para que eu me retratasse e que

devolvesse imediatamente o inquérito para a delegada. Então, eu tomei as

medidas, as medidas foram tomadas, e com relação a isso foi suprido e não

houve maiores problemas, porque nós tomamos a investigação para a gente.

Então, hoje já está, foi distribuído numa Vara lá em Olinda, já está tramitando

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esse procedimento criminal. E eles serão intimados, com muita dificuldade,

porque eles não moram no País, aí teria que ser uma carta rogatória para que

eles sejam intimados e...

Mas, de qualquer forma, aí nós dificultamos a que esse casal... Porque eu

acho que quem tenta uma vez, tenta duas, tenta três. Eles, com certeza, pelo

menos com esse processo, a gente pode garantir a dificuldade. Esse casal e

outros que tentem, pelo menos em Pernambuco, e a gente gostaria que isso

fosse levado, esse controle, e que a gente pudesse efetivamente ter acesso a

todas as informações. A gente sabe que, como a Dra. Rita até falou, o delegado

recebe um documento de uma Juíza ou de um Juiz de Direito e ele fica ali numa

situação: cumpro ou não cumpro? Se eu não cumprir é crime de desobediência,

se eu cumprir eu também vou sofrer uma sanção.

Então, a gente também tem que dar respaldo para que essa autoridade

policial possa trabalhar com tranquilidade, mas com controle — de repente, um

banco de dados, onde o Ministério Público fosse naquele momento acionado. No

momento em que uma criança tentar sair do País, que o delegado não fique

naquela situação “Faço ou não faço”, porque ordem manifestamente ilegal

ninguém é obrigado a cumprir. Isso está na lei. Então, este é o argumento da

autoridade policial para não cumprir. Mas, se ele tiver mecanismos que possa

articular, onde a gente tenha uma rede onde as autoridades compulsoriamente

sejam comunicadas de uma tentativa de saída de uma criança do País, a gente

terá um controle maior sobre esse tráfico de pessoas, de crianças e, sabe Deus

lá, de outras coisas.

Na verdade, esse casal hoje responde por crime de falsidade ideológica e a

filha do Deputado também responde por falsidade, só que duas vezes. Aí a pena

dela vai ser um pouco mais agravada, porque ela cometeu falsidade duas vezes.

E finalizando, para que os senhores possam entender, na verdade, a Dra.

Henriqueta ainda levou ao conhecimento dos órgãos superiores esta possibilidade

do tráfico de influência, um tipo que consta no nosso Código Penal brasileiro,

onde ali você também tenta de alguma forma embarreirar essa facilidade com que

as pessoas acham que vão chegar e “porque eu sou fulano, vou conseguir”.

Então, esse tráfico de influência foi denunciado. Nós já temos um parecer da

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Assessoria Criminal do Ministério Público de Pernambuco que entendeu, a

princípio, que não haveria o envolvimento do Deputado, mas da Juíza e da filha,

sim. Então, hoje ele está na Central de Inquérito de Olinda e foi

distribuído aos colegas, porque nós temos uma distribuição automática. E agora

esse novo procedimento vai começar, uma nova investigação. Ele não tem uma

conexão direta com o primeiro, porque ali se falava de uma falsidade documental;

agora, a gente está falando de um possível tráfico de influência. Então, hoje

ainda temos o desdobramento dessa situação em Pernambuco e ainda vai iniciar,

vai começar uma investigação, a critério do Promotor que pegar esse caso agora.

Mas, o que eu gostaria de falar, para encerrar, e deixar à vontade todos os que

quiserem fazer uso da palavra, é que nós, o Ministério Público, como instituição,

não conseguimos estar em todos os lugares ao mesmo tempo; isto é impossível.

Mas com um pouco de articulação, de inteligência, a gente consegue.

Criminalmente falando, nós não temos em nosso País uma perícia técnica, uma

coisa mais articulada.

A prova documental hoje no Direito Penal é só testemunhal. Então, é tudo

muito difícil. Se a gente conseguisse, de alguma forma, criar um mecanismo para

embarreirar, dentro dos aeroportos, dentro das próprias cidades, dos aeroportos

interestaduais e municipais, efetivamente esse controle... São muitas instituições

envolvidas. Tem como delegar a uma delas essa função. Aí, sim, nós teríamos

um controle de quem está saindo, de quem não está saindo, seja com ordem

judicial, ilegal ou não. Nesse caso pontual, nós temos aí uma série de pessoas

influentes que tentaram, a gente não sabe com que intenção, fazer com que essa

criança saísse facilmente do País, burlando todos os meios legais.”

11.7. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO RIO GRANDE

DO SUL

DEPOIMENTO DO SR. ALDACIR OLIBONI - Deputado Estadu al.

Disse que, das 241 rotas de tráfico de pessoas, pelas informações

existentes, 28 são no Rio Grande do Sul — em alguns municípios, na fronteira, na

Serra e na região metropolitana.

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Destacou que, segundo dados da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, no

ano de 2012, houve 2.380 pessoas com paradeiro desconhecido. Dessas

pessoas, 1.647 são mulheres na faixa etária de 12 a 17 anos, e meninas de até

12 anos têm o menor índice de localização.

DEPOIMENTO DA SRA. ALEXIA MEURER - Coordenadora do Núcleo

de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Rio Grande do Sul.

Disse que o Estado do Rio Grande do Sul, até o ano anterior ao seu

depoimento, não fazia parte da Política Nacional do Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas, que existe desde 2006.

Referiu-se ao caso de três chineses bastante jovens, com visto ilegal,

presos pela Polícia Federal. O passaporte era legal, mas o visto era falsificado.

DEPOIMENTO DA SRA. ELIETE MATIAS RODRIGUES - Delegada,

Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Diret ora da Divisão de

assessoramento para Assuntos Institucionais da Polí cia Civil do Rio Grande

do Sul.

Disse que atua contra o tráfico interno, e que possui poucos dados, mais

ligados à exploração sexual e ao desaparecimento de pessoas.

DEPOIMENTO DA SRA. MÁRCIA ELISÂNGELA AMÉRICO SANTA NA -

Secretária de Políticas para as Mulheres.

Ressaltou a importância da legislação ser mais rigorosa em relação à

exploração sexual,

Disse que a região de fronteira, principalmente nas áreas aduanas de porto

seco, constitui uma área muito vulnerável no que tange à exploração de crianças

e adolescentes.

DEPOIMENTO DA SRA. RUBIA ABS DA CRUZ - Diretora do

Departamento de Justiça da Secretaria de Justiça e dos Direitos Humanos

do Rio Grande do Sul.

Colocou-se à disposição para colaborar com o acionamento do serviço de

proteção oferecido a testemunhas ameaçadas. Confirmou que a modalidade mais

comum do tráfico de pessoas é para a exploração sexual, que atinge cerca de

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três milhões de vítimas no mundo, por ano e rende aos criminosos em torno de 35

bilhões de dólares.

Também mencionou o mercado ilegal de adoção, a questão do mercado

clandestino de órgãos, afirmando que algumas agências de modelo servem como

ponto de captura de jovens seduzidas pela ideia da fama, do sucesso, servindo

de presas fáceis para a prostituição de luxo no exterior.

Lembrou ainda as escolinhas de futebol também, como é o caso da

Portuguesa de Desporto, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em

virtude do desvio de crianças do suposto laboratório de produção de craques,

também seduzidos por essa ideia de fama, de contratos milionários.

Disse ainda que a sociedade civil brasileira não tem consciência,

considerando esse problema como algo distante. Criticou o Estado brasileiro, que,

segundo ela, também não tem consciência da gravidade do problema, valorizando

mais a punição dos crimes contra o patrimônio.

Destacou ainda a necessidade de atualização da legislação sobre o tema,

com a devida tipificação desses crimes.

11.8. TRÁFICO DE PESSOAS NO DISTRITO FEDERAL

DEPOIMENTO DA SRA. MARTA HELENA DOS SANTOS - Gerent e da Gerência ao Enfrentamento do Tráfico de Pessoas do Distrito Federal A Gerência foi criada pelo Convênio de 26 de dezembro de 2011, firmado

entre o Governo do Distrito Federal através da Secretaria Nacional de Justiça,

Direitos Humanos e Cidadania do DF e da Secretaria Nacional de Justiça, do

Ministério da Justiça.

Os principais casos foram uma suspeita de tráfico para fins de trabalho

escravo em fábrica da Sadia, em Samambaia e uma enúncia recebida do Núcleo

do Ceará de menor de 14 anos desaparecido para tráfico, que provavelmente se

encontra na cidade de Planaltina.

Algumas ações tomadas para cooperar no combate ao tráfico foram a

capacitação de pessoal, a criação de um Projeto de Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas e de uma intensa campanha de prevenção com a população.

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11.9. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO CEARÁ

DEPOIMENTO DA SRA. LÍVIA MARIA XEREZ DE AZEVEDO - Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Estado do Ceará O Núcleo está inserido na Secretaria de Justiça e Cidadania. Acompanha

os processos judiciais e os inquéritos policiais em andamento, além de

encaminhar novas denúncias. Existência de uma CPI municipal que investigou

vários casos.

O Núcleo trabalha principalmente com o acolhimento à vítima. Suas

principais ações foram: a Criação do Comitê Estadual Interinstitucional do

Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e a Política de Enfrentamento ao Tráfico

Sexual. Realiza-se também um Programa de capacitação conjunto com a

Secretaria Geral da Copa.

Vários problemas são enfrentados, como a falta de efetivos na polícia e a

falta de conhecimento, pela população, sobre o que é tráfico de pessoas.

No Ceará, a maioria dos casos está em casas de prostituição e de

massagem – existe muito preconceito contra esse meio. Em geral as vítimas não

se consideram vítimas e não colaboram com a polícia, acham que a exploração é

legítima. O aliciador é considerado uma pessoa que fornece oportunidades para a

vítima. Os travestis, por exemplo, vários desejam trabalhar na Europa ou em

outros Estados, onde se sentem mais valorizados. Também expressam o desejo

de ganhar dinheiro com a prostituição, comprar casas e retornar a cidade de

origem.

11.10. OPERAÇÃO DELIVERY E TRÁFICO DE PESSOAS NO

ESTADO DO ACRE

Trata-se de operação deflagrada pela Policia Civil do Acre para desbaratar

uma rede de prostituição e exploração sexual de mulheres em Rio Branco (AC),

tendo como vítimas, inclusive, adolescentes. O Ministério Público do Acre

participou da Operação que foi deflagrada no dia 17 de outubro de 2012. A

denúncia foi protocolada na 2ª Vara de Infância e Juventude da Comarca de Rio

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Branco em 21 de novembro de 2012. Os 22 envolvidos foram divididos entre

aliciadores e clientes.

Entre os supostos clientes estão empresários e pecuaristas, como Adálio

Cordeiro e pessoas influentes no Estado, como o ex-vice-presidente da

Confederação Nacional de Agricultura – CNA e atual presidente da Federação e

Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Doca Veronez e o vereador de Rio

Branco, Fernando Martins.

O modus operandi dos denunciados consistia em identificar mulheres,

homens e adolescentes, economicamente desfavorecidos, induzi-los à

prostituição ou à exploração sexual, incitando-os, convencendo-os e atraindo-os,

mediante promessas de vantagens econômicas, para realizar programas sexuais

com os clientes, que na sua maioria, eram pessoas pertencentes aos mais

elevados estratos sociais.

11.11. TRÁFICO DE PESSOAS NO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO

DEPOIMENTO DA SRA. ALESSANDRA PAGE – Representante do Núcleo de Enfrentamento do Rio de Janeiro O Núcleo está inserido na Secretaria de Assistência Social e Direitos

Humanos. O enfrentamento envolve a prevenção, a assistência às vítimas, a

repressão e a responsabilização dos autores. Casos são considerados poucos.

Suas principais ações são: capacitação de pessoal e uma campanha de

prevenção, lembrando a pessoa que ela sempre deve conferir a proposta e a

documentação antes de aceitá-la.

Os principais casos relatados são de prostituição. Cabe ressaltar que a

pessoa traficada não se vê como traficada porque não sabe o que é isso e não se

vê como explorada – por isso os casos são considerados ainda poucos. No geral,

as pessoas são traficadas por pessoas próximas: namorados, namoradas,

companheiros recentes, parentes. Em alguns casos, a pessoa traficada para a

prostituição é deportada - em alguns países a prostituição é crime, portanto a

pessoa deve ficar atenta ao receber a proposta para ir embora se prostituir no

exterior.

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Há caso de migrantes brasileiros deportados da Espanha e da França que

nem tiveram o direito de receber os documentos e o tráfico de jogadores de

futebol.

A Sra. Alessandra sugeriu a modificação do Código Penal, art 231 e 231-

A, que falam sobre o tráfico interno e o tráfico internacional de pessoas e

incriminam a prostituição. Ela sugere a descriminalização da prostituição.

12. RELATÓRIO PARCIAL APRESENTADO PELA CPI

A fim de adequar a legislação vigente às exigências dos novos tempos, foi

apresentado relatório parcial, contendo alterações em diversas leis, com o

objetivo de combater e punir adequadamente o tráfico internacional e interno de

pessoas.

A mente criminosa consegue arquitetar novos planos e formas de

execução de sua atividade ilícita, principalmente com o objetivo de escapar da

incidência da lei em vigor, aproveitando falhas na legislação. Daí a necessidade

de atualização desse ordenamento jurídico, para fazer frente a essas novas

modalidades de crimes.

Vários depoimentos trazidos a esta Comissão levantaram a problemática

da inadequação da legislação aos tempos atuais, o que dificulta a punição dos

traficantes de pessoas.

Entre essas críticas à legislação, podemos mencionar:

- Inadequação da legislação penal brasileira em relação ao Protocolo de

Palermo;

- No que tange à exploração laboral, falta uma melhor abordagem

legislativa contemplando esses casos de tráfico humano para fins de trabalho

escravo;

- A imprecisão de alguns elementos no conceito de tráfico internacional e

interno de pessoas, na linha do que dispõe o Protocolo de Palermo;

- Inadequação da legislação no que tange ao tratamento jurídico da

prostituição, inclusive diante das novas formas de exploração humana;

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- Falta de definições legais relativas à vulnerabilidade, à exploração sexual

e outras formas de coerção;

- Falta de distinção entre a situação da pessoa maior de 18 anos que vai

praticar a prostituição de maneira consentida e a situação da pessoa dita

vulnerável, que não é capaz de consentir validamente nesse tipo de atividade.

Podemos, resumidamente, apontar as principais mudanças na legislação

contidas no Projeto de Lei apresentado por esta Comissão, após debates entre os

Membros da Comissão e a colheita de sugestões apresentadas por várias

autoridades nesse tema;

- Punir os crimes praticados contra brasileiros, que tenham origem no tráfico

de pessoas, bastando para tanto que o agente ingresse no território nacional;

- Nova configuração do crime de redução a condição análoga à de escravo,

abrangendo no tipo trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes

de trabalho, restrição do direito de ir, vir e permanecer, dívidas impostas pelo

empregador ou preposto, comprometimento do salário além do valor permitido

pela legislação trabalhista, cerceamento do direito de desfazimento do vínculo

contratual, punindo-se também aquele que recruta trabalhadores para esse fim e

a omissão de quem tem o dever legal de impedir essas condutas;

- Tipificação do tráfico internacional de pessoas, consistente em

transportar, transferir, alojar ou acolher pessoas vindas do exterior para o território

nacional, recorrendo à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto,

à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou

à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento

de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração da

prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços

forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de adoção

clandestina, de servidão ou para remoção de órgãos;

- Tipificação do tráfico interno de pessoas, consistente em transportar,

transferir, alojar ou acolher pessoas dentro do território nacional, recorrendo à

ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao

engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou

aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma

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pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração da prostituição

ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de

escravatura ou práticas similares à escravatura, de adoção clandestina, de

servidão ou para remoção de órgãos;

- Criminalização da conduta consistente em realizar modificações corporais

clandestinas no corpo de alguém;

- Alteração nas normas que regulam a colocação de crianças ou

adolescentes em família substituta, estabelecendo-se o respeito à ordem

estabelecida no cadastro nacional de adotantes, ouvidos os pais ou responsáveis

e o Ministério Público;

- Vedação de qualquer forma de intermediação por pessoa física, nos

processos de adoção internacional;

- Exigência, para adoção internacional que o país do adotante seja

signatário da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção

das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, e que possua

mecanismos de concessão automática da cidadania ao adotado;

- Obrigatoriedade de participação da Autoridade Central Federal, para

adoção internacional, sendo nula a adoção feita sem a participação desses

órgãos;

- Criação da exigência de relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade

Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, durante

os dois primeiros anos da adoção e, posteriormente, para o Consulado brasileiro

no país do adotante, a cada dois anos, até que o adotado complete (18) dezoito

anos;

- Exigência de autorização dos pais ou responsáveis e do juiz, ouvido o

Ministério Público, para que o menor de dezoito e maior de dezesseis anos seja

contratado para prestar serviços fora do País;

- Impedimento para que o menor de catorze anos viaje para fora da

comarca onde reside, desacompanhado dos pais ou responsável, sem expressa

autorização judicial;

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- Garantia do acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública,

ao Ministério Público, aos órgãos do Poder Judiciário e, no exterior, aos

consulados brasileiros;

- Endurecimento da punição para os crimes consistentes em remover

tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as

disposições da Lei, e para aqueles resultantes da compra ou venda de tecidos,

órgãos ou partes do corpo humano;

- Punição mais rigorosa para os crimes resultantes de realização de

transplante ou enxerto com utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo

humano obtidos ilegalmente, recolhimento, transporte, guarda ou distribuição de

partes do corpo humano obtidas em desacordo com a Lei;

- Ampliação de poderes de autoridades policiais para requisitar dados e

informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, de quaisquer órgãos do poder

público ou de empresas da iniciativa privada, nos crimes mencionados;

Essas alterações foram feitas em função das diversas modalidades por

meio das quais o tráfico de pessoas vem sendo praticado, quer no âmbito interno,

quer na esfera internacional;

Entre essas diferentes faces do crime de tráfico humano, podemos citar as

seguintes condutas que colaboram para a execução dessas condutas criminosas:

- O aliciamento para suposto trabalho em outras cidades do Brasil – tráfico

interno - ou no exterior – tráfico internacional, por meio de propostas de emprego

que parecem vantajosas, iludindo pessoas em situação de pobreza;

- A exploração de trabalho semelhante ao de escravo, em que as pessoas

são atraídas por propostas de emprego aparentemente vantajosas e, ao

chegarem ao destino combinado, são exploradas, impedidas de voltar, tem os

documentos confiscados pelo empregador e forçadas a contrair dívidas com o

patrão ou seu preposto, passando, então, a trabalhar apenas para quitar parte da

dívida;

- Tráfico de pessoas para a retirada de órgãos;

- Tráfico de pessoas para a exploração sexual.

Foi pensando no combate e na prevenção desses crimes monstruosos, que

apresentamos com urgência o referido projeto de lei, a fim de proteger a

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sociedade dessas ações criminosas praticadas, em geral, por quadrilhas

especializadas, prevendo penas adequadas e proporcionais à gravidade desses

delitos hediondos. Esse Projeto de Lei apresentado na Comissão resultou na

tramitação do Projeto de Lei n. 6.934, de 2013, cujo teor é o seguinte:

“PROJETO DE LEI Nº 6934, DE 2013

(Da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico de

pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de

2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo. –

CPITRAPE)

Dispõe sobre o combate ao tráfico

internacional e interno de pessoas.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei tem por objetivo combater o tráfico

internacional e interno de pessoas em todas as suas modalidades.

Art. 2º Os arts. 7º, 149, 206, 207, 231 e 231-A do Decreto Lei

n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passam a vigorar com as seguintes

alterações:

“Art.7º.........................................................................................

...........................................................................................

III – os crimes praticados contra brasileiro, que tenham origem

no tráfico de pessoas, bastando para tanto que o agente ingresse no território

nacional.

§1º Nos casos dos incisos I e III, o agente é punido segundo a

lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.”

.............................................................................................” (NR)

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo,

submetendo-o a trabalhos forçados, a jornada exaustiva, a condições

degradantes de trabalho, restringindo, por qualquer meio, seu direito de ir, vir e

permanecer, forçando-o a contrair dívidas com o empregador ou preposto,

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comprometendo o seu salário além do valor permitido pela legislação trabalhista,

ou impedindo o desfazimento do vínculo contratual.

Pena - reclusão, de quatro a oito anos, e multa, além da pena correspondente à

violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

.......................................................................................................

III – alicia e recruta trabalhadores, ciente de que serão

explorados em trabalho análogo ao de escravo;

IV – tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes,

por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

§ 2º ......................................................................................

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, gênero,

religião, origem ou orientação sexual.” (NR)

“Art. 206 ............................................................................

Pena - detenção de três a cinco anos e multa.” (NR)

“Art. 207 ...............................................................................

Pena - detenção de três a cinco anos e multa.

..............................................................................................

§ 2º A pena é aumentada de um terço até metade se a vítima

é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência

física ou mental.” (NR)

“Art. 231. Transportar, transferir, recrutar, alojar ou acolher

pessoas vindas do exterior para o território nacional ou deste para o exterior,

recorrendo à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,

ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega

ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma

pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de adoção ilegal, de

exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou

serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão

ou de remoção de órgãos.

Pena - reclusão, de cinco a oito anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena:

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I – aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada,

assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou

alojá-la; e

II – o agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir

e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função

pública.

§ 2º ......................................................................................

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze)

anos;

..............................................................................................

§ 3º A pena é aumentada pelo dobro se a idade da vítima for

igual ou menor que 14 (quatorze) anos.

§ 4º A pena é aumentada em dobro, se o crime for cometido

por servidor público no exercício da função.

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser

cumprida em regime aberto ou semi-aberto, facultando-se ao juiz deixar de aplica-

la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor

colaborar espontaneamente com a investigação policial e o processo criminal na

identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na identificação das

rotas do tráfico e na localização e libertação das vítimas.” (NR)

“Art. 231-A. Transportar, transferir, recrutar, alojar ou acolher

pessoas dentro do território nacional, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a

outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade

ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou

benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade

sobre outra para fins de adoção ilegal, de exploração da prostituição ou outras

formas de exploração sexual, de trabalho ou serviços forçados, de escravatura ou

práticas similares à escravatura, de servidão ou de remoção de órgãos.

Pena - reclusão, de cinco a oito anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena:

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I – aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada,

assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou

alojá-la; e

II – o agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir

e punir tais crimes, por dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função

pública.

§ 2º .......................................................................................

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze)

anos;

..............................................................................................

§ 3º A pena é aumentada pelo dobro se a idade da vítima for

igual ou menor que 14 (quatorze) anos.

§ 4º A pena é aumentada em dobro, se o crime for cometido

por servidor público, no exercício da função.

§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser

cumprida em regime aberto ou semi-aberto, facultando-se ao juiz deixar de aplica-

la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor

colaborar espontaneamente com a investigação policial e o processo criminal na

identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na identificação das

rotas do tráfico e na localização e libertação das vítimas.” (NR)

Art. 3º Fica acrescido o seguinte Art. 284-A ao Decreto-Lei n.

2.848, de 7 de dezembro de 1940:

“Art. 284-A. Realizar modificações corporais sem

consentimento da vítima, por profissional não habilitado ou em condições que

ofereça risco à saúde:

Pena – reclusão, de cinco a oito anos.

§ 1º A pena é aumentada de um terço:

I - se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a

profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

II – se do fato resulta lesão corporal grave.

III – se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14

(catorze) anos.

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§ 2º A pena é aumentada no dobro:

I – se do fato resulta morte;

II – se a crime é praticado para fins de exploração sexual de

vítima de tráfico humano;

III – se a vítima é menor de 14 (catorze) anos.” (NR)

Art. 4º Os arts. 28, 39, 46, 51, 52, 60, 83, 141 e 149 da Lei n.

8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes modificações:

“Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante

guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou

adolescente, nos termos desta Lei, respeitada a ordem estabelecida no cadastro

nacional de adotantes, ouvidos os pais ou responsáveis e o Ministério Público.

§ 1º A criança ou o adolescente será obrigatoriamente ouvido

por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de

compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente

considerada.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 39. ................................................................................

§ 3º É vedada qualquer forma de intermediação por pessoa

física, nos processos de adoção internacional.” (NR)

“Art. 46................................................................................

..............................................................................................

§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou

domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional,

será de, no mínimo, 45 (quarenta e cinco) dias.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 51................................................................................

§ 1º......................................................................................

...........................................................................................

IV- que o país do adotante é signatário da Convenção de

Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação

em Matéria de Adoção Internacional;

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V – que o país do adotante possui mecanismos de concessão

automática da cidadania ao adotado;

VI – que o adotante assinou termo de compromisso de

providenciar a imediata aquisição da nova cidadania pelo adotado, após a

prolação da sentença de adoção.

.............................................................................................

§ 3º Para a adoção internacional, é obrigatória a intervenção

da Autoridade Estadual e da Autoridade Central Federal, sendo nula a adoção

feita sem suas participações.” (NR)

“Art. 52.................................................................................

............................................................................................

§4º.......................................................................................

.............................................................................................

V - enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade

Central Federal Brasileira, com cópia para a Autoridade Central Estadual, durante

os dois primeiros anos da adoção e, posteriormente, para o Consulado brasileiro

no país do adotante, a cada dois anos, até que o adotado complete (18) dezoito

anos.

.....................................................................................” (NR)

“Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis

anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.

§1º A vedação contida no caput deste artigo estende-se ao

contrato de modelo, artista e atleta.

§ 2º O menor de dezoito e maior de dezesseis anos só poderá

ser contratado para prestar serviços fora do País com autorização dos pais ou

responsáveis e do juiz, ouvido o Ministério Público.

§ 3º O menor de dezesseis e maior de quatorze anos, na

qualidade de aprendiz, não poderá exercer essas atividades fora do País.

§ 4º A contratação a que se refere este artigo só poderá ser

feita por empresa devidamente constituída, com registro nos órgãos competentes.

§ 5º Sem prejuízo das medidas penais e civis cabíveis, o

desrespeito ao disposto neste artigo acarreta as seguintes sanções:

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I - multa de dez a cem vezes o valor do contrato;

II - suspensão da atividade dos responsáveis pelo prazo de

trinta a noventa dias;

III – proibição para o exercício das mesmas atividades ou

outras semelhantes, pelo prazo de cinco anos, em caso de reincidência.” (NR)

“Art. 83. Nenhum menor de 14 (catorze) anos poderá viajar

para fora da comarca onde reside, desacompanhado dos pais ou responsável,

sem expressa autorização judicial.

§1º.................................................................................

a) tratar-se de comarca contígua à da residência do menor de

14 (catorze) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma

região metropolitana;

b) o menor de 14 (catorze) anos estiver acompanhado:

.....................................................................................” (NR)

“Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou

adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público, aos órgãos do Poder

Judiciário e, no exterior, aos consulados brasileiros.

......................................................................................”(NR)

“Art. 149. ..........................................................................

..............................................................................................

III – a saída de menor de dezoito e maior de dezesseis anos

para trabalhar no exterior, ouvido o Ministério Público.

....................................................................................” (NR)

Art. 5º O parágrafo único do Art. 3º da Lei n. 6.533, de 24 de

maio de 1978, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 3º.....................................................................................

“Parágrafo único. A contratação a que se refere este artigo só

poderá ser feita por empresa devidamente constituída, com registro nos órgãos

competentes.” (NR)

Art. 6º Fica acrescido o seguinte §º 11 ao Art. 28 da Lei n.

9.615, de 24 de março de 1998:

“Art. 28...................................................................................

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.............................................................................................

§11. A contratação a que se refere este artigo só poderá ser

feita por empresa ou entidade devidamente constituída, com registro nos órgãos

competentes.” (NR)

Art. 7º O Art. 1º, da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990,

passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos:

“Art. 1º ................................................................................

............................................................................................

VIII - os crimes de redução a condição análoga à de escravo e

tráfico de pessoas (arts. 149, 231 e 231-A). (NR)”

Art. 8º Os Arts. 14 a 18 da Lei n. 9.434, de 04 de fevereiro de

1997, passam a vigorar com as seguintes modificações:

“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de

pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:

........................................................................................

§ 1º.........................................................................................

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 100 a 150

dias-multa.

§ 2.º .....................................................................................

.............................................................................................

Pena - reclusão, de seis a dez anos, e multa, de 100 a 200

dias-multa.

§ 3º.........................................................................................

I – incapacidade permanente para o trabalho;

...............................................................................................

Pena - reclusão, de oito a doze anos, e multa, de 150 a 300

dias-multa.

§ 4º .......................................................................................

Pena - reclusão, de doze a vinte anos, e multa de 200 a 360

dias-multa.

§ 5º Se o crime é praticado por meio do tráfico de seres

humanos:

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Pena – reclusão, de quinze a vinte e dois anos, e multa de

200 a 360 dias-multa.

§ 6º Incorre nas mesmas penas quem recolhe, transporta,

guarda, compra, vende, distribui ou transplanta órgãos ou partes do corpo

humano ciente de que foram obtidos por meio do tráfico de seres humanos.”(NR)

“Art. 15. Comprar ou vender células, tecidos, órgãos ou partes

do corpo humano:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 200 a 360

dias-multa.

.....................................................................................”(NR)

“Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando células,

tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido

obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 150 a 300

dias-multa.”(NR)

“Art. 17. Recolher, transportar, guardar ou distribuir células,

tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido

obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:

Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa, de 100 a 250

dias-multa.”(NR)

“Art. 18. .................................................................................

Pena - Reclusão, de cinco a oito anos.”(NR)

Art. 9º O Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941,

passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 13-A a 13-F:

“Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 158, § 3°, 159,

231 e 231-A do Código Penal e 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o

membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar dados e

informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, de quaisquer órgãos do poder

público ou de empresas da iniciativa privada.

Parágrafo único. A requisição deverá ser atendida no prazo

máximo de 24 (vinte e quatro) horas e dela deverá constar:

I - o nome da autoridade requisitante;

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II - o número do inquérito policial; e

III - a identificação da unidade de polícia judiciária

responsável pela investigação.

Art. 13-B. As empresas de transporte manterão, pelo prazo de

5 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do

delegado de polícia, aos bancos de dados de reservas e registro de viagens, para

fins de investigação criminal.

Art. 13-C. As concessionárias de telefonia fixa ou móvel

manterão, pelo prazo de cinco anos, à disposição do juiz, do Ministério Público ou

do delegado de polícia registros de identificação dos números dos terminais de

origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanas e locais,

para fins de investigação criminal.

Parágrafo único. As autoridades de que trata o caput que

manejarem os documentos e registros que lhes forem disponibilizados serão

responsabilizados pelo uso indevido e quebra de sigilo das informações obtidas,

nos termos da lei, no âmbito civil, administrativo e criminal.

Art. 13-D. Se necessária à prevenção e repressão dos crimes

mencionados no artigo anterior, o membro do Ministério Público ou o delegado de

polícia responsável pela apuração dos fatos poderá requisitar às empresas

prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem

imediatamente os sinais que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos

do delito em curso, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° O sinal de que trata esta lei significa o p osicionamento da

estação de cobertura, setorização e intensidade de rádio frequência.

§ 2° Nas hipóteses de que trata o caput, o sinal:

I - não permitirá o acesso ao conteúdo da comunicação de

qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em

lei;

II - não poderá ser interrompido até a conclusão das

investigações policiais e dependerá, ainda, da aquiescência da autoridade

requisitante.

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§ 3° Na hipótese deste artigo, o inquérito polic ial deverá ser

instaurado no prazo máximo de setenta e duas horas, contado do registro da

respectiva ocorrência policial.

Art. 13-E. Os provedores da rede mundial de computadores -

Internet - manterão, pelo prazo mínimo de 01 (um) ano, à disposição das

autoridades mencionadas no art. 13-C, os dados de endereçamento eletrônico da

origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de

equipamentos informáticos ou telemáticos, para fins de investigação criminal.

Parágrafo único. O prazo a que se refere o caput poderá ser

prorrogado por determinação judicial fundamentada.

Art. 13-F. É vedada a difusão de conteúdo e a divulgação dos

meios tecnológicos utilizados na investigação criminal.” (NR)

Art. 10. Os contratos de modelo e manequim só poderão ser

feitos por pessoa jurídica devidamente constituída, com registro nos órgãos

competentes, vedado o agenciamento.

§ 1º A empresa que contratar modelo ou manequim no Brasil

ficará responsável pelo cumprimento do contrato no exterior e pela assistência

necessária ao profissional contratado, incluindo as despesas com o retorno.

§ 2º É vedado o contrato de risco, em que o profissional

contratado tenha de arcar com os prejuízos decorrentes da não execução

contratual a que não deu causa.

§ 3º Em caso de desfazimento ou impossibilidade de

execução do contrato, as despesas com viagens, alimentação, moradia e gastos

médicos correrão por conta exclusiva do contratante.

Art. 11. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

Na reunião do dia 5 de novembro de 2013 a CPI do Tráfico de Pessoas no

Brasil, aprovou, por unanimidade, Relatório Parcial da lavra da dd. Deputada

Federal Flávia Morais, que em seu bojo, continha o presente projeto de lei. Já

havendo elementos suficientes para propositura de um texto legal capaz de suprir

as lacunas legislativas detectadas no decorrer dos trabalhos realizados pela

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comissão até então, deliberou-se pela aprovação e apresentação de imediato do

presente projeto de lei.

A propositura se faz conveniente, mesmo antes da finalização das

atividades da CPI, na medida em que dará oportunidade de participação aos

vários segmentos que buscam reprimir o tráfico de pessoas, visando o

aprimoramento do texto, além daqueles que efetivamente contribuíram para a

redação ora submetida ao descortino desta Casa Lagislativa.

Trata-se de proposição legislativa que, de acordo com preciosas

contribuições dadas por especialistas e pela sociedade civil organizada, altera o

Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro); a Lei

n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA);

a Lei n. 6.533, de 24 de maio de 1978 (que dispõe sobre a regulamentação das

profissões de Artistas e de técnico em Espetáculos de Diversões); a Lei n. 9.615,

de 24 de março de 1998 (que institui normas gerais sobre desporto – a “Lei

Pelé”); a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”); a Lei n.

9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos

e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento); e o Decreto-Lei

n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal); além de

disposições especiais atinentes a contratos de modelo ou manequim.

Constitui-se, pois, de medida legislativa de grande envergadura com

enorme potencial para repercutir positivamente no sentido da eficácia que se

pretende obter no controle dessa hedionda espécie delitiva, essa Comissão

Parlamentar de Inquérito, por seus membros, agradece a contribuição de todos

aqueles que participaram na elaboração da proposta que ora se apresenta, em

especial, à Dra. Anália Belisa Ribeiro.

Feitos esses esclarecimentos, chamamos atenção para a ampliação das

hipóteses insertas nos tipos penais contidos nos arts. 231 e 231-A do Código

Penal. Com essa ampliação, constituir-se-ão condutas caracterizadoras de tráfico

de pessoas, interno ou internacional, transportar, transferir, recrutar, alojar ou

acolher pessoas dentro do território nacional ou vindas do exterior para o território

nacional.

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Referidas condutas configurarão tráfico de pessoas quando o agente

recorrer à ameaça, violência ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao

engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou

aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma

pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração de guarda de

menores, da prostituição ou outras formas de exploração sexual, de trabalho ou

serviços forçados, de escravatura ou práticas similares à escravatura, de servidão

ou de remoção de órgãos.

Também, ainda no âmbito desses dispositivos, buscou-se apenar aquele

que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo

conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la, bem como o

agente público que, tendo o dever de investigar, reprimir e punir tais crimes, por

dever funcional, omite-se no cumprimento de sua função pública.

Ademais disso, a partir dos casos investigados que envolvem crianças

amplamente divulgados pela mídia, decidimos criminalizar aquele que, com os

fins previstos no caput dos arts. 231 e 231-A, subtrair criança ou adolescente ao

poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial;

prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro; promover ou auxiliar a

efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para outra

localidade do território nacional com inobservância das formalidades legais.

Reforçaram-se as cautelas que a adoção internacional de crianças

brasileiras deve se cercar; foram dados mais instrumentos aos membros do

Ministério Público e às autoridades policiais e judiciárias para prevenir e impedir o

cometimento de tais delitos, sem descurar das responsabilidades que devem ter

tais agentes públicos quando do uso desses instrumentos legais.

Por último, trouxemos a este verdadeiro Estatuto do Combate ao Tráfico

Internacional de Pessoas, dispositivos que regulam os contratos de modelo e

manequim inexistentes até agora na legislação pátria voltados à proteção

daqueles que exercem essas atividades.

Na certeza de que a presente medida aperfeiçoa a legislação pátria acerca

do assunto, pedimos apoio aos membros do Congresso Nacional para a rápida

aprovação do presente Estatuto.

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Sala das Sessões,

CPI - Tráfico de Pessoas no Brasil.”

13. CASOS INVESTIGADOS PELA CPI

Trata-se da coleção de análises dos principais casos trazidos à

investigação da CPI do Tráfico de Pessoas no Brasil, ressaltando seus principais

resultados alcançados e sugerindo os encaminhamentos para a sequência dos

trabalhos no âmbito criminal e administrativo.

Para ilustrar o amplo espectro de atuação da presente CPI, os casos foram

tratados sem que as suspeitas iniciais tenham sido necessariamente confirmadas

ao final das investigações, nas seguintes categorias, conforme suas

peculiaridades:

Tráfico de Crianças e Adolescentes

Sob este título foram investigados vários casos, com suspeita de

envolvimento de pessoas e empresas privadas, além de agentes públicos,

incluindo indícios de participação de pessoas ligadas ao Poder Judiciário e ao

Ministério Público.

Dentre os casos investigados, destaca-se o de Monte Santo/BA que

resultou na devolução de cinco crianças para o lar de origem, tendo sido

investigada a atuação também de Magistrados e de servidores do Judiciário

baiano.

Destaque-se, ainda, o caso da ONG Limiar que intermediou a adoção de

mais de 1.700 crianças para os EUA, no qual há suspeitas de participação de

órgãos do Judiciário paranaense e outras pessoas, assim como o de Charlotte

Cohen, menor sequestrada e enviada para o Estado francês, que busca agora a

identidade dos seus pais biológicos.

Tráfico de Pessoas para Exploração Sexual

Nessa categoria podem ser destacados os casos dos travestis trazidos do

Pará para São Paulo, das mulheres traficadas para Belo Monte/PA, libertadas

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pela polícia, e o caso da Operação Salamanca, que está desbaratando uma

quadrilha internacional de traficantes de pessoas, com ramificações em São

Paulo e no Nordeste brasileiro.

Tráfico Interno de Trabalhadores

Além do caso dos Trabalhadores escravizados em Belo Horizonte, há que

se registrarem também os indícios de tráfico de pessoas de Alagoas para

trabalhar nas obras de empreiteiras em São Paulo, que foi também objeto de

apuração da CPI.

Tráfico de Pessoas para Extração de Órgãos

O Caso paradigmático desse tipo é o que ocorreu em Poços de Caldas, no

qual uma quadrilha formada por vários médicos trazia pessoas de outras

localidades para retirada dos órgãos para transplantes “comerciais”. Também foi

objeto de apuração o caso envolvendo o sequestro de criança no Estado do Mato

Grosso, havendo notícias de implicação de tráfico para fins de extração de

órgãos.

Assim se encontram distribuídos os casos por modalidade de tráfico de

pessoas:

TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

- CASO DA ONG LIMIAR

- CASO DE MONTE SANTO - BA

- CASO DE MAZAGÃO – AP

- CASO DE ITAQUAQUECETUBA - SP

- CASO DE SÃO PEDRO DA ALDEIA - RJ

- CASO DAS CRIANÇAS DE LINDSEY

- CASO DE TRÁFICO DE CRIANÇAS - BH

- CASO SERGIO LEONARDO - TO

- CASO CHARLOTTE MERRYL - SP

- CASO CRIANÇAS DESAPARECIDAS NO RIO DE JANEIRO

TRÁFICO DE PESSOAS PARA EXPLORAÇÃO SEXUAL:

- CASO FERNANDA ELLEN

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- CASO MODELO MONIQUE MENEZES DA SILVA

- CASO PRAIA DE ITAPARICA – VILA VELHA - ES

- CASO BELO MONTE/PA

- CASO DELIVERY - AC

- CASO GAROTAS PANTANAL - MS

- CASO MARLENE - RJ

- CASO MODELOS DA ÍNDIA - SP

- CASO PORTUGUESA SANTISTA - RONILDO BORGES DE SOUZA - PA

- CASO SALAMANCA - ESPANHA

- CASO LORISVALDO - SP

TRÁFICO INTERNO DE TRABALHADORES:

- CASO TRABALHO ESCRAVO EM BELO HORIZONTE - MG

TRÁFICO DE PESSOAS PARA EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS:

- CASO DO SEQUESTRO DE BEBÊ EM CUIABÁ - MT

13.1. CASO DA ONG LIMIAR, INTERMEDIADORA DE

ADOÇÕES INTERNACIONAIS NO PARANÁ.

Trata-se de caso de adoções internacionais supostamente irregulares,

intermediadas pela ONG LIMIAR, cuja sede tem endereço no Estado de São

Paulo. Há notícias de que tenham sido intermediadas pela ONG referida diversas

adoções nos Estados de Paraná e Santa Catarina, cujos números são maiores

nas cidades de São José do Triunfo e Gaspar, respectivamente. No curso das

investigações realizadas pela CPI, revelou-se também que a ONG intermediou

adoções internacionais de crianças oriundas do Estado de São Paulo.

O caso veio à tona após a veiculação, pela imprensa, de uma série de

denúncias acerca de irregularidades nos processos de adoções. Há um vídeo

hospedado no site da www.limiar.org, onde supostamente Audelino de Souza

aparece, confirmando que cobraria valores em torno de US$9.000,00 (nove mil

dólares) por criança adotada e encaminhada para lares substitutos no exterior.

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A CPI expediu diversos ofícios relacionados às providências solicitadas nos

requerimentos dos Deputados, que tiveram seu cumprimento já realizado e

também outros relacionados à investigação procedida pela Comissão, tais como

ofícios encaminhados ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional de

Justiça – CNJ, ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério

Público – CNMP, em ambos requerendo a instauração de procedimento

investigativo. Além desses, encaminhou documentos ao Ministério Público do

Paraná e à Embaixada dos Estados Unidos para a competente instauração dos

procedimentos investigatórios.

Providências tomadas pela CPI

Conforme relatório produzido pela Delegada da Polícia Federal Carmem

Marileia da Rocha, que atua em auxílio a esta CPI, “a Comissão Parlamentar de

Inquérito - CPI, além das inquirições realizadas, solicitou o cumprimento de

mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça Federal de São Paulo na

residência de Ulisses Gonçalves da Costa e na empresa LIMIAR, ambas em SP,

bem como determinou o cumprimento de busca e apreensão na residência de

Audelino de Souza, no Paraná.

Inquiridos Ulisses Gonçalves da Costa e Audelino de Souza, constataram-

se várias contradições, razão pela qual eles foram acareados. Na acareação,

ainda continuaram algumas divergências, que dependem de investigações

pontuais a serem realizadas pela Polícia Federal das circunscrições onde

ocorreram os processos de adoção com suspeitas de irregularidades, conforme a

seguir explicado, para esclarecer em quais processos houve a interferência da

LIMIAR ou de seus representantes, em quais processos de adoção houve

contrapartidas financeiras a título de “doações” por parte dos pais adotivos, se o

judiciário foi levado a erro pelos representantes da LIMIAR ou pelos responsáveis

pela apresentação dos relatórios acerca da situação das crianças etc.

O presidente da ONG LIMIAR no Brasil, Ulisses Gonçalves da Costa, foi

ouvido pela CPI em data de 09/04/2013, tendo sido as respectivas Notas

Taquigráficas acostadas aos autos da CPI.

O investigado Audelino de Souza, vinculado à referida ONG, foi ouvido na

Polícia Federal em Curitiba/PR, no dia 10/04/2013, e pela CPI em 18/04/2013.

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Foi cumprido mandado de busca e apreensão na residência de Audelino,

expedido pela CPI, tendo sido apreendidos diversos materiais e documentos, os

quais se encontram em depósito, sob a guarda da Secretaria da CPI. Esses

documentos e objetos apreendidos estão sendo restituídos ao proprietário, por

determinação da CPI.

De outro turno, mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça

Federal de São Paulo também foram cumpridos na residência de Ulisses e na

sede da ONG LIMIAR, em data de 24/05/2013, tendo sido apreendidos diversos

materiais e documentos que também se encontram sob a guarda da Secretaria da

CPI. Este juízo que concedeu os mandados de busca e apreensão em SP, já foi

comunicado que o material já fora analisado, tendo, pois, autorizado a restituição

dos bens aos respectivos locais de origem, conforme determinado em audiência

pública por esta CPI.

Documentos entregues pela jornalista Joice Hasselmann foram acostados

nos autos da CPI.

Documentos entregues por Audelino de Souza foram acostados nos autos

da CPI.

Carta do escritório de adido do FBI, informando sobre o recebimento de

notícia do embaixador americano de uma possível atividade criminosa praticada

por entidade operando nos EUA, bem como de que referida denúncia seria objeto

de análise e investigações necessárias sobre possível violação de lei americana

(fl. 54 do volume 41 e fl. 74 do volume 51 do processo ostensivo).

Notas taquigráficas da audiência pública realizada em 14/05/2013, para

acareação entre Ulisses Gonçalves da Costa e Audelino de Souza, foram

acostados nos autos da CPI.

Notas taquigráficas da audiência pública realizada em 18/04/2013, para

oitivas de Audelino de Souza, de Tarcila Santos Teixeira, Promotora de Justiça

paranaense que atuou na causa das adoções internacionais dos filhos do casal

Antonio Everaldo dos Santos e Maria Rivonete dos Santos, do advogado

Jefferson Luís Biancolini e do ex–conselheiro tutelar de São João do Triunfo/PR, e

de Mauro Sérgio Campos, foram acostadas nos autos da CPI.

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Cópia do processo de destituição de pátrio poder n. 15/01 contra Antonio

Everaldo dos Santos e Maria Rivonete dos Santos (São João do Triunfo), pais de

Valmir (nascido em 1991), Elissandra (vulgo Sandra, nascida em 1993), Elton

(nascido em 1994), Valderez (nascido em 1995), Ademir (nascido em 1997),

Sebastião (nascido em 1998) e Andrei (nascido em 2000), do processo de adoção

das referidas crianças/adolescentes n. 01/06 e do processo de habilitação dos

estrangeiros Thomas Anthony Adamo e Denise Elaine Turner Adamo, cujos

processos a promotora de justiça Tarcila Santos Teixeira pediu providências (fl.

175 e seguintes do volume 49 e fls. 190 a 194 do volume 48 do processo

ostensivo).

No volume 49, também consta procedimento em que foi instaurado no

âmbito do Ministério Público paranaense o processo n. 9114/2013-PGJ/MP-PR.

Trata-se de representação formulada pela Promotora de Justiça Tarcila Santos

Teixeira, que atuou nos processos de adoções internacionais que são objeto

desta CPI, contra o advogado Jefferson Luís Biancolini e contra o ex–conselheiro

tutelar de São João do Triunfo/PR, Mauro Sérgio Campos. Em apertado resumo,

a promotora atribui as denúncias feitas à CPI a desavenças ocorridas entre os

envolvidos, em função da atuação profissional de cada um.

Conforme documento constante na fl. 25 do volume 51 do processo

ostensivo, o Auditor Federal de Controle Externo Wilson Dias Malnati afirmou que

“... Não foram encontrados, nestes autos, quaisquer indícios de conduta

desabonadora da atuação da referida Promotora, de qualquer irregularidade no

processo de adoção das referidas crianças, nem qualquer registro da participação

da entidade LIMIAR ao longo do processo...”.

Nas fls. 53 a 61 do volume 52 do processo ostensivo, consta o pedido da

LIMIAR, datado de 07/03/1991, para cadastramento da referida ONG na

Comissão Estadual Judiciária de Adoção do Paraná - CEJA/PR, certidão acerca

da decisão de aprovação do referido pleito e demais documentos correlatos.

Cópia da Portaria n. 22/2013 foi acostada na fl. 52 do volume 52 do

processo ostensivo, dando conta da sindicância instaurada pela Corregedoria-

Geral de Justiça do Paraná para apurar os fatos veiculados pela imprensa

nacional acerca de possíveis irregularidades nos processo de adoções

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internacionais de crianças brasileiras, e revogando qualquer autorização para

interveniência da ONG LIMIAR e de Audelino de Souza nos processos de adoção

internacional, com consentimento da Comissão Estadual Judiciária de Adoção –

CEJA, bem como da retirada do nome da referida organização não

governamental da relação de entidades conveniadas com a CEJA constante na

página da internet do TJ/PR. Resta pendente a informação acerca da decisão

final exarada no aludido procedimento.

Também consta dos autos, pedidos de quebra dos sigilos bancário e fiscal

de Audelino de Souza, da ONG LIMIAR e de Ulisses Gonçalves da Costa.

Foram expedidos ofícios ao Presidente e ao Conselheiro do Conselho

Nacional de Justiça – CNJ e ao Presidente e ao Conselheiro do Conselho

Nacional do Ministério Público – CNMP, requerendo a instauração de

procedimento investigativo, não tendo sido informado à CPI até a presente data o

resultado de eventual investigação.

DOS DOCUMENTOS APREENDIDOS NA ONG LIMIAR, NA

RESIDÊNCIA DE ULISSES GONÇALVES DA COSTA E NA RESID ÊNCIA DE

AUDELINO DE SOUZA:

A análise dos documentos apreendidos destina-se a verificar se foram

enviadas crianças ou adolescentes aos EUA no período descoberto pela

Convenção de Haia (pelo TJ/PR e TJ/SP), pois os representantes da LIMIAR,

Ulisses Gonçalves da Costa e Audelino de Souza, não apresentaram em nenhum

momento à CPI a relação de crianças e adolescentes que passaram pelo abrigo

em São Paulo (LIMIAR) e no Paraná e que foram adotadas por famílias

americanas. Essa análise teve o escopo de obter indícios/provas de que as

crianças/adolescentes de fato eram enviadas para o exterior com a inobservância

das formalidades legais e/ou com o fito de obter lucro (9.000 dólares por

criança/adolescente), conforme já afirmado em depoimentos.

Anote-se, todavia, que as mídias arrecadadas em São Paulo e no Paraná

não podem ser periciadas porque não têm autorização judicial para acesso aos

respectivos conteúdos, conforme já decidiu o STF (MS 23642 / DF - DISTRITO

FEDERAL ). A Corregedoria-Geral da Polícia Federal também já se manifestou

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nos autos por meio do Ofício n. 1.120/2013-COGER/DPF, de 19/12/2013, de que

há necessidade de autorização judicial específica para a realização de perícia.”

DOS DOCUMENTOS APREENDIDOS NA ONG LIMIAR:

Da análise do auto de arrecadação de documentos lavrados por ocasião do

cumprimento de mandado de busca e apreensão na sede da LIMIAR em São

Paulo, os policiais descreveram que “a nacional Iris Antonia da Silva informou que

havia uns papéis já separados para serem levados, os quais estavam agrupados

em pacotes numerados e armazenados em uma sala de estudo...”.

Tal fato ocorreu, ao que tudo indica, em razão do requerimento de pedido

de mandado de busca e apreensão ter sido apresentado pela Comissão em

audiência pública, na presença do investigado, Presidente da LIMIAR, Senhor

Ulisses.

Em função disso, muitos dos documentos apreendidos na LIMIAR (Rua

Arcachon, n. 55, São Paulo/SP) são inservíveis para a investigação, seja porque

se referem a processos de adoção anteriores a 1999, seja porque, ao certo, o

investigado, usando o seu direito constitucional de não autoincriminação, não

apresentou os documentos que poderiam constituir corpo de delito.

Entretanto, mesmo assim, a pedido da CPI, a Polícia Federal analisou os

aludidos documentos apreendidos na empresa LIMIAR em SP e na residência de

ULISSES, conforme relação anexa. Os documentos, na sua maioria, tratam de

processos antigos de adoção.

Por conseguinte, entre a enorme quantidade de material arrecadado na

sede da LIMIAR, foi encontrado um álbum com o título MED KIDS, contendo

fotografias e descrição das crianças e adolescentes.

Além disso, foram apreendidos vários processos de adoção na LIMIAR SP,

nos quais há procuração em nome de Audelino de Souza e Helena Maria Curvello

Sarhan etc, como representantes da LIMIAR anteriormente a 1999, e, em nome

de Helena Maria Curvello Sarhan, nos períodos de 2001 e 2002.

Também foi arrecadado parte do processo de adoção dos surdos-mudos

Marcel e Raquel - Processo n. 532/85 da Justiça de Jundiaí/SP. Entre os

documentos, consta a escritura de adoção, datada de 04/07/1988, em atenção à

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sentença de adoção exarada em 05/03/1987, quando ainda não existia o Estatuto

da Criança e do Adolescente, que fora promulgado por meio da Lei 8.069, de

13/07/1990, que tipificou o artigo 239 do ECA (Lei 8.069/90), como crime a

promoção ou auxílio para a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro.

No ano de 1988, estava em vigor o artigo 245, § 2º, do Código Penal, que

tipificava “quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação

de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro”

(incluído pela Lei n. 7.251, de 1984), tendo como pena máxima 4 anos de prisão.

Tal crime prescrevia em oito anos a contar do momento em que os menores

completavam dezoito anos. Marcel e Raquel nasceram, respectivamente, em

15/06/1977 e 02/06/1978.

Dessa forma, em que pese a gravidade dos fatos noticiados por Marcel em

suas informações prestadas à CPI, é sabido que a legislação brasileira não

retroage para prejudicar os réus. Dessa forma, eventual exigência de dinheiro

feita aos pais adotivos de Marcel e de Raquel em troca da adoção, hoje, não é

mais punível pelo Estado, pelas razões já expostas.

DO MATERIAL APRENDIDO NA RESIDÊNCIA DE ULISSES

GONÇALVES DA COSTA:

Na residência de Ulisses foram arrecadados documentos dando conta de

que a LIMIAR de SP recebia doações da empresa LIMIAR americana, bem como

de que Audelino era funcionário da LIMIAR brasileira, remunerado como

autônomo, ora com recursos da LIMIAR americana, ora com recursos do

convênio com a Prefeitura de São Paulo. Há várias mensagens de e-mails

apreendidas com Ulisses dando conta da preocupação da funcionária Helena

Maria Curvello Sarhan com o pagamento dos “autônomos”, bem como uma

planilha em que a LIMIAR já sabia que o pagamento desses “autônomos” estava

irregular.

Ulisses, presidente da LIMIAR brasileira desde 2008, não poderia receber

salário, conforme previsão constante no estatuto. Entretanto, há vários depósitos

na conta particular de Ulisses sob o pretexto de utilização de tais valores para

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pagamento de despesas da LIMIAR brasileira, fato esse discutido exaustivamente

nas mensagens apreendidas em sua residência trocadas entre Ulisses, Helena e

Stuart.

Na residência de Ulisses também fora encontrada uma carta em Inglês da

LIMIAR americana, nos seguintes termos:

“... os montantes doados por patrocinadores para a Casa Limiar foram

de 19052 e 24423 dólares, respectivamente em 2008 e 2007, sendo o

número de patrocinadores em torno de 30. A quantia de dinheiro

recebida como resultado de adoções era praticamente o mesmo,

apesar de terem sido feitas poucas adoções em 2008. A quantia de

doações feitas para a Limiar USA foi também a mesma nos dois

anos”...

Em relação às adoções:

... “Nós já fizemos 12 adoções este ano e deveremos fazer cerca de 20

este ano, similar ao último ano. Uma das razões para o número é que

oficialmente o Brasil tem bloqueado todas as adoções para os pais dos

Estados Unidos por meio de uma diretiva da Autoridade Central. Eles

se recusaram a aceitar um pedido da AWAA, nossa agência parceira

nos EUA, para inscrição no Brasil. A Autoridade Central disse que eles

estão negociando com o Departamento de Estado americano porque

os EUA não tem uma lei federal contra o abuso de crianças. Isto é uma

fraude/ardil. Eles realmente querem controlar o número de agências

que podem trabalhar no Brasil. Nós estamos trabalhando/fazendo lobby

entre a Autoridade Central e o Departamento de Estados para manter a

posição da Limiar como uma organização facilitadora de adoções nos

EUA. Neste momento, nós até estamos fazendo adoções, graças aos

CEJA´s no Paraná e Recife, as quais têm ignorado a diretiva da

Autoridade Central, mas até este problema seja resolvido e a AWAA

seja registrada no Brasil com a Limiar como ela é representada, há

dúvida que nós seremos capaz de continuar fazendo adoções para

pais americanos e canadenses. Nós também somos a única

organização fazendo adoções brasileiras para pais Canadenses, desde

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que nenhuma agência canadense esteja registrada em Brasília.

Confuso, mas novamente nós temos fé que é a vontade de Deus que a

gente continue fazendo adoção. ...

Na mesma oportunidade, foi aprendida uma planilha contendo os

problemas detectados na ONG LIMIAR e na CASA LIMIAR em São Paulo em

21/05/2008:

- receitas e despesas da LIMIAR estão juntas na contabilidade e no banco;

- falta de controle e riscos no recebimento de doações internacionais;

- falta de recibo em 50% das doações recebidas pela LIMIAR;

- não é possível avaliar, controlar e demonstrar na contabilidade usos e

aplicações de recursos da CASA LIMIAR, pois a contabilidade é conjunta das

atividades da LIMIAR e CASA LIMIAR;

- relatório mensal de entrada e saída de recursos da LIMIAR e da CASA

LIMIAR sem identificação de quem elaborou e sem aprovação da diretoria;

- autônomos sendo contratados pela LIMIAR sem qualquer amparo legal

(solução: proibir contratação de autônomos na CASA LIMIAR, avaliar a propor

solução para Lino e Elceli);

- situação confusa e com práticas irregulares na contratação, desligamento

e gestão de pessoas na CASA LIMIAR;

- voluntários trabalhando de forma irregular na CASA LIMIAR, sem

qualquer contrato e definições de tarefas, funções responsabilidades;

- folha de pagamento confusa e com erros, muito trabalhosa e com

deficiências de controle na CASA LIMIAR;

- falta de informações sobre organização e arquivamento de documentos,

licenças da LIMIAR e CASA LIMIAR;

- LIMIAR não aproveitando isenções de impostos;

- HTS (?) ainda não recebeu os documentos de Recife assim como o

encerramento das atividades;

- Diane solicitou seu desligamento da diretoria LIMIAR (tesoureira –

solução: convocar reunião e nomear substituto de DIANE e incluir ULISSES na

diretoria).

DA ATIVIDADE DOS SUSPEITOS:

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- Ulisses Gonçalves da Costa, representante da LIMIAR;

- Audelino de Souza, vulgo Lino, representante da LIMIAR.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reza em seu artigo 52-A que “É

vedado, sob pena de responsabilidade e descredenciamento, o repasse de

recursos provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar

pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou a pessoas físicas”.

(acrescido pela Lei 12.010/2009, de 03/08/2009). Eventuais repasses somente

poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e

estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e

do Adolescente.

O ECA também ressalta que a cobrança de valores por parte dos

organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade

Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa

de seu descredenciamento.

O artigo 239 da Lei 8.069/90 define como crime o tráfico internacional de

crianças e adolescentes:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao

envio de criança ou adolescente para o exterior com

inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter

lucro : (grifei)

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou

fraude: (Incluído pela Lei n. 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

É fato nos autos de que a empresa ONG LIMIAR estava indevidamente

cadastrada no CEJA/PR para intermediar adoções ilegais, conforme depoimentos

colhidos pela CPI e informações obtidas no site do TJ/PR, ao arrepio da

legislação brasileira.

As ONGs LIMIAR brasileira e americana não eram credenciadas no Brasil,

pois somente podem ser credenciados (por dois anos, com possibilidade de

prorrogação direcionada à autoridade central brasileira) organismos (sem fins

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lucrativos) oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia (EUA não) e

que estejam credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem

sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional

no Brasil, que satisfaçam as condições de integridade moral, competência

profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e

pela Autoridade Central Federal Brasileira, que sejam qualificados por seus

padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção

internacional e que cumpram os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico

brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal

Brasileira.

Como consequência disso, a Autoridade Central Americana não enviava

os relatórios exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pois o país

sequer era signatário da Convenção de Haia, e o laudo de habilitação à adoção

brasileira não podia ser expedido porque as legislações dos dois países eram

conflitantes (Convenção).

Todavia, desde 1991, Audelino efetivamente esteve representando a

ONG LIMIAR no TJ/PR e esteve intermediando adoções, conforme já apontado

neste Relatório. Senão, vejamos:

a) Consta dos autos, nas fls. 53 a 61 do volume 52 do processo

ostensivo, pedido da LIMIAR, datado de 07/03/1991, para cadastramento da

referida ONG na CEJA/PR, bem como certidão acerca da decisão de aprovação

da mencionada solicitação. A própria Corregedoria-Geral de Justiça do Paraná

informou à CPI, após as denúncias de irregularidades, que teria revogado a

autorização para interveniência da LIMIAR e de Audelino de Souza nos processos

de adoção internacional.

b) Há informações disponíveis no site do TJ/PR e repassadas à CPI que

revelam que, em 04/10/2011, o então Corregedor-geral de Justiça,

desembargador Noeval de Quadros, e o então Corregedor de Justiça,

desembargador Lauro Augusto Fabrício de Melo, receberam a “vice-cônsul” norte-

americana no citado Tribunal. Entre os presentes estavam o “representante do

grupo de pais adotivos LIMIAR”, Audelinod e Souza (Lino), e a coordenadora

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técnica da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (CEJA), Jane Pereira

Prestes.

c) Já em abril de 2012, o status de representante da ONG LIMIAR permitiu

a Audelino de Souza participar de uma reunião entre o então presidente do

tribunal, desembargador Miguel Kfouri Neto, e o presidente do Conselho de

Supervisão da Infância e Juventude (CONSIJ), desembargador Fernando Wolf

Bodziak. Também estavam presentes “representantes de organismos

estrangeiros cadastrados na CEJA para a adoção internacional de crianças que

se encontram em regime de acolhimento em abrigos no Paraná”.

d) Também há nos autos informação de que Audelino de Souza participou

de pelo menos duas reuniões no TJ/PR, não tendo sido explicado à CPI a razão

de Lino ter participado dessas reuniões, nem o que foi discutido e por que Lino

tinha acesso aos encontros.

Quanto às adoções realizadas, Audelino admitiu ter intermediado as

adoções dos sete irmãos de São João do Triunfo/PR, mas negou ter havido

alguma irregularidade. Ulisses, por sua vez, também admitiu à CPI que crianças

do abrigo da LIMIAR em SP também eram levadas para os Estados Unidos, após

a finalização do processo de adoção do judiciário.

Uma das celeumas é que nem Aaudelino de Souza ou Ulisses, nem a ONG

LIMIAR são ou eram credenciados na Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República - SDH, responsável por estabelecer a cooperação

internacional e credenciar os organismos que atuam com adoção internacional em

todo o território brasileiro. Segundo a assessoria da SDH, a ONG solicitou o

credenciamento, mas o pedido foi negado porque a entidade não atendia às

exigências.

É sabido que os documentos em língua estrangeira devem ser

autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções

internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público

juramentado. No presente caso, Audelino de Souza fazia tais traduções sem ser

tradutor público juramentado, conforme informações constantes na sessão pública

do dia 18/04/2013.

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Em relação à Promotora de Justiça do Paraná (Tarcila Santos Teixeira),

embora tivesse dito que nunca teve contato com o Audelino de Souza, nem com

os pais americanos, ela aparece em uma foto com os pais americanos, juntos, e

com as crianças.

Não obstante, sabe-se que é vedado o contato direto de representantes de

organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas

de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes

em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial.

Some-se a isso que a legislação proíbe a saída do adotando do Brasil

antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional.

Ainda assim, o TJ/PR dava guarda provisória dos adolescentes/crianças a

Audelino de Souza para levá-los aos EUA para o programa MED KIDS.

Em relação aos valores recebidos pela ONG LIMIAR, consta dos autos que

a Prefeitura de São Paulo tinha/tem convênio com a LIMIAR, repassando

mensalmente cerca de 60.000 reais, valor este que está sendo analisado pelo

TCU se era efetivamente utilizado no abrigo ou se remunerava os representantes

Audelino e Ulisses.

Além desse convênio, até meados de 2010, a LIMIAR americana fazia

depósito à LIMIAR brasileira, a qual repassava parte do valor a Audelino de

Souza. De 2010 em diante, a LIMIAR americana teria passado a enviar os valores

diretamente para Audelino, conforme de depreende da sessão pública de

18/04/2013.

Há nos autos pelo menos duas testemunhas afirmando que presenciaram

as famílias americanas pagando pelas adoções - adotados Sandra (São João do

Triunfo/PR) e Marcel, além de outras provas já acostadas aos autos, dentre elas,

uma das famílias americanas disse que iria denunciar a LIMIAR porque estariam

sendo cobrados cerca de 8.000 dólares pela adoção. Não há, contudo, até o

momento, informações sobre o valor eventualmente pago, a quem foi pago,

dentre outras circunstâncias que pudessem delimitar a autoria e a materialidade

do crime tipificado no artigo 239 do ECA.

Da acareação, em suma, Ulisses negou que a LIMIAR continuasse a fazer

as intermediações nas adoções internacionais, que a LIMIAR é independente da

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ONG americana, que ela não é cadastrada para fazer as adoções, que não paga

salários a Audelino. Já Audelino, por sua vez, falou exatamente o contrário: que a

LIMIAR brasileira continua a fazer adoções internacionais, que as duas ONGs são

interligadas, que a LIMIAR nacional é cadastrada na CEJA/PR, sendo ele (Lino) o

representante da ONG para intermediar adoções, e que recebe salário/honorários

da LIMIAR, dentre várias outras contradições.

Conforme se depreende das audiências públicas, Audelino possuía um

“cardápio”, com fotos de crianças do abrigo da LIMIAR de SP e respectivas

descrições.

Audelino afirmou também na audiência pública do dia 18/04/2013 que eram

feitas doações voluntárias por parte da famílias americanas, cujos valores seriam

repassados à ONG LIMIAR brasileira, sem admitir, no entanto, que se tratava de

contrapartida em decorrência das adoções concretizadas.

Some-se a isso, a existência de vídeo hospedado na página do youtube,

em que Audelino de Souza aparece confirmando que cobraria valores em torno

de 9.000,00 (nove mil) dólares por adolescente/criança adotado(a) e

encaminhado(a) para os Estados Unidos.

Além disso, há indícios de que o salário de Audelino dependia do número

de adoções das famílias americanas intermediadas pela LIMIAR (Sessão Pública

do dia 18/04/2013).

Não há dúvidas acerca da ONG LIMIAR brasileira ser representada por

Audelino, o qual também participava de reuniões nos EUA, com a brasileira

Luciana Matson, a qual era a intermediária da LIMIAR nos EUA.

Há alusão nos autos de que Helena Maria Curvello Sarhan também

intermediaria adoções ilegais no Estado de São Paulo.

Não há informações nos autos suficientes para afirmar que tenha ocorrido

tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual tipificado no Código Penal. Há

apenas indícios do tráfico de pessoas previsto no Estatuto da Criança e do

Adolescente, em que pese ter havido um processo de adoção devidamente

legitimado pelo judiciário, mas em desacordo com a Convenção de Haia.

O Código Penal, em seu artigo 231 preconiza que:

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Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual

(Redação dada pela Lei n. 12.015, de 2009)

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de

alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de

exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no

estrangeiro. (Redação dada pela Lei n. 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. (Redação dada pela

Lei n. 12.015, de 2009)

§ 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou

comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento

dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. (Redação

dada pela Lei n. 12.015, de 2009)

§ 2o A pena é aumentada da metade se: (Redação dada pela Lei

n. 12.015, de 2009)

I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei n.

12.015, de 2009)

II - a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o

necessário discernimento para a prática do ato; (Incluído pela Lei

n. 12.015, de 2009)

III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão,

enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou

empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,

obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou (Incluído pela Lei

n. 12.015, de 2009)

IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (Incluído

pela Lei n. 12.015, de 2009)

§ 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem

econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei n. 12.015,

de 2009)

Já o artigo 239 do ECA reza que:

Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao

envio de criança ou adolescente para o exterior com

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inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter

lucro: (grifei)

Pena - reclusão de quatro a seis anos, e multa.

Parágrafo único. Se há emprego de violência, grave ameaça ou

fraude: (Incluído pela Lei n. 10.764, de 12.11.2003)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO E DO PARANÁ:

Não é possível afirmar, ainda, de acordo com o material analisado até o

momento, que o TJ/SP e o TJ/PR estejam envolvidos em adoções ilegais. Senão,

vejamos:

O Decreto n. 3.087, de 21/06/1999, que promulgou (assinou e ratificou) no

Brasil a Convenção de Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em

Matéria de Adoção Internacional (de 1993), tendo os EUA assinado a aludida

Convenção apenas em 2008 (entrou em vigor em 1º/04/2008). Entretanto, o TJ de

São Paulo colocou em adoção crianças e adolescente em família substituta

americana anteriormente a 2008, conforme informação constante no seguinte

estudo: Vide http://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=33504,

assim como o TJ/PR.

De acordo com referido Estudo, de 2004 a 2010, 40 crianças de São Paulo

teriam sido adotadas por americanos, cujas adoções teriam sido intermediadas

por representantes particulares (vide página 11 e 12).

Na 125ª reunião da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional

- CEJAI, em 28.07.2008, foi deliberado que a partir daquela data, não mais se

trabalharia com países ratificantes que não tivessem organismos credenciados,

deixando-se de aceitar pedidos feitos por pessoas físicas. Os pretendentes

habilitados antes daquela data puderam concluir as adoções.

Tal apresentação destaca que, no mesmo período analisado, os números

de adoção nacional superaram em 25 vezes a internacional, o que demonstraria a

excepcionalidade da medida. No total, 28.506 crianças e adolescentes adotados

continuariam residentes no Brasil, enquanto 1.142 teriam sido adotados por

estrangeiros e brasileiros residentes no exterior.

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Sabe-se que é imprescindível que o país de acolhida seja signatário da

Convenção de Haia de modo que uma adoção deferida em um país seja

reconhecida como válida em outro. Dessa forma, os Tribunais de Justiça, que não

observaram essa exigência, acabaram fazendo adoções ao arrepio da lei,

correndo o risco, até mesmo, dessas adoções serem anuladas, causando

insegurança para as crianças e adolescentes, para as famílias substitutas e para

as famílias brasileiras.

O Decreto n. 5.491/2005, de 18/07/2005, regulamenta a atuação de

organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional. Tal Decreto, dentre

outras disposições, institui o credenciamento, no âmbito da Autoridade Central

Administrativa Federal, de todos os organismos nacionais e estrangeiros que

atuem em adoção internacional no Estado brasileiro, regulamentando a respectiva

atuação. Apenas entidades idôneas podem ser credenciadas para intermediar

pedidos de adoção internacional. A respeito do tema, a Secretaria Especial dos

Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, expediu as Portarias ns. 26/2005, de

24/02/2005, e 27/2005, de 24/02/2005, que, respectivamente, instituíram os

procedimentos para o credenciamento de organismos estrangeiros que atuam em

adoção internacional no Estado brasileiro e os procedimentos para o

credenciamento de organizações nacionais que atuam em adoção internacional

em outros países.

Esses organismos devem apresentar à Autoridade Central Federal

Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como

relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período,

cuja cópia deve ser encaminhada ao Departamento de Polícia Federal. Além

disso, devem enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central

Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período

mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia

autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para

o adotado. A não apresentação desses relatórios acarretará o

descredenciamento.

Em consulta ao TJ/PR, a CPI obteve a resposta por intermédio de ofício,

datado de 17/06/2013, de que fora instaurada sindicância para apurar a eventuais

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irregularidades na CEJA/PR, em cujo corpo revoga qualquer autorização para

interveniência da ONG LIMIAR e de Audelino de Souza em processo de adoção

internacional. O Tribunal apresentou também à CPI documentos que demonstram

admissão da ONG LIMIAR, em 1992, como intermediária de adoções, e de

Audelino de Souza, em 1993, como representante da ONG.

Helena Maria Curvello Sarhan é suspeita de intermediar adoções ilegais

em SP, se de fato era uma das pessoas que intermediava as adoções no TJ/SP,

como “representante particular”, mencionada no estudo

(http://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=33504), em que pese

apresentar-se naquele tribunal como psicóloga e ter seu registro cancelado no

Conselho Regional de Psicologia.

No site do TJ/SP, abaixo, consta uma nota explicativa sobre adoção

internacional:

http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.asp

x?Id=11609

Há que se registrar, que segundo o Auditor Federal Wilson Dias Malnati, do

TCU, que atua em auxílio à CPI, após análise preliminar das informações

protegidas por sigilo bancário, concluiu pela existência de várias irregularidades e

indícios, os quais, dadas as características sigilosas, encontram-se no acervo

reservado desta CPI.

Também é imprescindível obter resposta ao Ofício expedido em

03/07/2013, pela CPI, em decorrência do Requerimento n. 162/2013, que solicitou

à Comissão Estadual Judiciária de Adoção - CEJA do Estado do Paraná, a

relação de todas as crianças e todos os adolescentes que tiveram suas adoções

intermediadas por Audelino de Souza e/ou pela ONG LIMIAR, bem como o

resultado da Sindicância instaurada.

Esta Comissão colheu depoimentos relativos ao caso, que passamos a

transcrever suscintamente.

DEPOIMENTO DO SR. ULISSES GONÇALVES DA COSTA - Pres idente

da ONG Liminar – Associação de Apoio à Criança e Fa mília Substituta.

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Negou que a ONG faça intermediação na adoção internacional de crianças.

Disse que, desde 1999, a ONG perdeu o direito de se cadastrar para esse fim,

tendo em vista a Convenção de Haia.

Afirmou que conhece o Sr. Adelino Lino e que este age por conta própria

na intermediação de adoções internacionais de crianças, embora utilize o nome

da ONG Limiar. O depoente apontou que isto pode estar ocorrendo por conta do

vínculo histórico do Sr. Adelino com a Limiar, pois, no passado, antes de 1999,

ele prestava serviços à ONG, como traduções, acolhimento de pessoas que

vinham do exterior, entre outras tarefas, recebendo remuneração pelos serviços

realizados.

Negou as informações contidas no site da Limiar na internet, dizendo que

não correspondem à verdade, que estão desatualizadas e que são de

responsabilidade da Limiar dos Estados Unidos, e não da brasileira.

Negou haver vínculo entre a Limiar do Brasil e a dos Estados Unidos. Disse

que mantém convênio com a Prefeitura de São Paulo e que presta contas de tudo

que é feito.

DEPOIMENTO DA SRA. PATRÍCIA LAMEGO – Ex-servidora d a

Autoridade Central Federal.

Disse que a Autoridade Central acompanha as adoções internacionais e é

responsável pelo cadastro de organismos internacionais para intermediar adoção.

Criticou o fato do Brasil realizar atividades de adoção com países que não

são signatários da Convenção de Haia. A seu ver, essas adoções só deveriam

ocorrer com países signatários da Convenção, o que facilitaria o controle dessas

adoções e implicaria na obediência às regras estabelecidas, inclusive porque o

cadastro de organismo internacional para intermediar adoções pressupõe a

autorização dos dois Estados.

Afirmou a depoente que a Limiar nunca esteve cadastrada junto à

Autoridade Central Federal como organismo credenciado para a intermediação de

adoções e que esse cadastro é repassado pela Autoridade Central Federal ao

Judiciário.

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Relatou que, no momento da criação da Autoridade Central Federal, em

2003, havia 47 organismos internacionais cadastrados e que, após análise

rigorosa dessas instituições, esse número foi reduzido para 21.

Disse ainda que há um entrelaçamento de pessoas da mesma família em

diversos organismos internacionais que fazem a intermediação de adoções, de

modo que essas famílias estão sempre participando dessa atividade.

Criticou o fato do Poder Judiciário não estar obrigado a informar ao

Itamaraty acerca dos processos de adoção internacional. Informou que o cadastro

nacional de adoção não é respeitado e que muitas adoções são feitas intuito

personae.

Sugeriu que os CEJAs e a Autoridade Central Federal tenham uma

estrutura mínima, evitando uma rotatividade que pode ser prejudicial ao interesse

público, e defendeu a extinção da figura do colaborador nos processos de

adoção.

Comentou ainda a necessidade de que as crianças adotadas por

residentes de outros países tenham assegurada a cidadania logo após a sentença

de adoção.

Disse que noventa por cento das crianças brasileiras adotadas vão para a

Itália e que há Grupos de Apoio à Adoção que não têm controle da Autoridade

Central.

DEPOIMENTO DO SR. AUDELINO DE SOUZA – Representant e da ONG

Limiar.

Disse que as adoções intermediadas eram de crianças que estavam na

CEJA em situação de adoção, porque já tinham sido destituídas do poder familiar

e já estavam aptas para uma adoção internacional.

Disse que intermediou em torno de 360 crianças nesses 20 anos e que

todas as crianças passam por um processo na comarca de destituição do poder

familiar. Explicou que, via diplomática, quando um dos pais é residente no exterior

e brasileiro, ele pode adotar diretamente com a CEJA, no Paraná.

Confirmou que continua, perante a CEJA, como representante da Limiar e

autorizado a fazer essa ponte entre a CEJA e os Estados Unidos.

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Referiu-se a uma reunião anual, realizada nos Estados Unidos, onde as

famílias que adotaram levam as crianças para conhecer outras que foram

adotadas. Disse que nessa ocasião são realizadas atividades culturais, como

apresentação de capoeira e exibição de filmes brasileiros.

Disse ainda que, até 2000, tinha registro em carteira e recebia honorários

pela Limiar São Paulo e pela Limiar Brasil. Explicou que a Limiar Estados Unidos

foi criada para arrecadar fundos para a Limiar Brasil.

DEPOIMENTO DA SRA. TARCILA SANTOS TEIXEIRA – Membro do

Ministério Público.

Comprometeu-se a entregar cópia da ação de destituição do poder familiar,

cópia do processo de habilitação de casal estrangeiro feito pela Comissão

Estadual Judiciária de Adoção e cópia do processo de adoção – CEJA/PR.

Pela importância do depoimento sobre destituição do pátrio poder e

entrega de crianças para adoção, passaremos a transcrever a fala da depoente:

“O processo maior de destituição de poder familiar, só para nós

estabelecermos uma data, teve seu início a partir de um relatório do Conselho

Tutelar, que está bem no início, pág. 12, datado de 21 de novembro de 1999.

Esse relatório foi encaminhado ao Ministério Público dando conta de que:

“Naquela data, por volta das 21 horas, o Soldado Fulano de Tal, da Polícia

Militar, deslocou-se até à residência do Conselheiro João Assiris Tansk, levando,

em sua companhia, o menor Arivaldo dos Santos, filho de Antônio Everaldo e

Maria Rivonete.

Segundo relatos do soldado, este foi chamado pelo menor, pois seu pai

encontrava-se alcoolizado, ameaçando espancar sua mãe e, com a chegada da

polícia, o mesmo evadiu-se do local. Mas, por ter ameaçado o menor com uma

faca, este ficou com medo de que, ao retornar a sua casa, o pai pudesse vir

querer a se vingar dele. Como não tinha um local onde pernoitar, o menor ficou na

residência do Conselheiro acima citado.

Informamos que, basicamente, todo final de semana o Sr. Antônio Everaldo

faz uso de bebidas alcoólicas, torna-se violento, e ameaça espancar a família. O

Sr. Everaldo é uma pessoa que não desempenha as suas obrigações de pai, vive

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sem trabalhar, não faz questão nenhuma de procurar por emprego, prefere viver

por bares, bebendo, e deixando assim a sua família passar por necessidades”.

Eu li este relatório por quê? É claro que eu não posso ler todo o processo,

mas para mostrar para os senhores qual foi a motivação inicial da minha iniciativa.

E qual foi a minha iniciativa? No dia 30 de novembro de 1999, eu apresentei ao

Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude um pedido de autuação como

procedimento para aplicação de medida de proteção. Eu pedi a aplicação da

medida de proteção, eu pedi que fosse determinado ao Conselho Tutelar que

realizasse breve estudo social do caso e pedi que seja designada audiência para

ouvir a Sra. Maria Rivonete Santos.

Então, na primeira fala que eu tive no processo, eu já pedi para que nós

marcássemos data para ouvir a mãe. Deixo isso bem marcado e deixo a data bem

marcada. Gostaria que todos acompanhassem que esse meu pedido de

instauração do processo data de 30 de novembro de 1999.

O que é uma medida de proteção, o processo para aplicação de uma

medida de proteção? O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, no seu art.

101, várias medidas de proteção que podem ser aplicadas em favor da criança e

refletem na família — porque eu sempre digo que não adianta nós querermos

trabalhar a criança se não trabalharmos a família.

Então, esse processo de medida de proteção tramitou até 2001. E o que

aconteceu nesse meio? Todo tipo de investimento foi ofertado à família: a família

teve acompanhamento de assistente social, teve acompanhamento do Conselho

Tutelar; a família recebeu investimento material; a família foi orientada dentro do

fórum, em audiência formal, onde assinaram o que estava acontecendo e o que

poderia vir a se colher como consequência, caso não houvesse uma alteração de

conduta. E o processo caminhou neste sentido.

Eu gostaria que os senhores verificassem que as assinaturas dos pais

estão em mais da metade das páginas deste processo, com intimações, com

acompanhamento de audiências e tudo mais.

Já em janeiro de 2000, ou seja, 2 meses, veio um novo relatório. Eu estou

fazendo questão de acompanhar isso pelo processo porque são informações que

estão registradas e são provas produzidas num processo judicial em que se

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observou o devido processo legal, o direito à defesa, o direito ao contraditório, há

depoimentos de profissionais, há provas colhidas. Eu não estou falando isso da

minha cabeça, certo?

No dia 4 de janeiro de 2000, o Conselho Tutelar apresenta um relatório que

está a págs. 19 do processo dando conta de que:

“Estudo realizado na data de 04 de janeiro de 2000, onde podemos

constatar a precária situação em que a família vive, condições de higiene são

inexistentes, vivem em meio a uma sujeira sem igual, convivem com verdadeiros

enxames de moscas, o quintal da residência é cercado de fezes, cachorros,

muitas vezes doentes, com sarna, por exemplo, toda espécie de lixo que as

crianças possam carregar são jogados em volta da casa.

Podemos observar também que, a cada visita por nós realizada, encontramos as

crianças completamente nuas e sujas, e mãe, a Sra. Maria Rivonete, parece não

se importar com a situação, pois, quando questionada sobre os fatos, nos relata

que sempre coloca roupas nas crianças, mas elas não param vestidas porque

preferem andar peladas, andar nuas”.

Ao final eles colocam: “Informamos que o Sr. Antônio Everaldo esteve em

tratamento apenas por 15 dias, recusando terminantemente a continuar o

tratamento já na referida casa de saúde, prometendo a todos com quem conversa

que não irá mais beber e que vai cuidar da família. Por isso, esse já participou de

uma reunião do AA e nos prometeu que não deixará de participar dessas

reuniões”.

Muito bem, esse encaminhamento para tratamento de alcoolismo foi feito

como uma das primeiras medidas tomadas pelo pessoal da assistência social, da

equipe que compõe a rede de proteção, justamente para vencer aquele problema,

porque todos nós, eu sei e a equipe que trabalhava, na época, na Prefeitura, no

Conselho Tutelar, sabia, que alcoolismo é doença. Nós sabemos muito bem

disso. Nós respeitamos uma pessoa doente e ajudamos ela a se tratar. Só que a

pessoa tem que também aderir ao tratamento. Nós não podemos obrigar uma

pessoa a fazer um tratamento se ela se recusa. Nós não podemos obrigar a

pessoa a aceitar a ajuda que nós estamos oferecendo.

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Muito bem. Assim, na sequência, nós temos vários estudos sociais. Nós

temos já, à folha 21, nova informação dando conta de que a família está se

mantendo graças à cesta básica do Programa Comunidade Solidária e também

ao auxílio da comunidade. Lá embaixo, situação de saúde: todas as crianças

apresentam problemas de pele, feridas e alto índice de contaminação por vermes.

Esses relatórios são todos oficiais e estão todos dentro do processo.

Parecer do Conselheiro:

“Tendo em vista a situação encontrada, não vemos, em curto prazo, a

melhoria das condições da família citada. O pai e a mãe não apresentam a menor

vontade de, junto com os seus filhos, levar uma vida melhor e decente. Com a

comodidade de poder levar quatro filhos para a creche municipal e outro para a

APAE, a mãe não faz questão alguma de melhorar a sua atual situação, mesmo

porque permanece durante todo o dia na creche, onde presta serviços e faz as

refeições do dia, deixando, portanto, o marido e os filhos mais velhos à própria

sorte”.

E, no final, ele conclui: “Sendo assim, a única fonte de sobrevivência da

família tem sido a cesta básica do Programa Comunidade Solidária e doações da

municipalidade”.

À folha 24, os senhores vão encontrar o mandado de intimação da Sra.

Maria Rivonete Santos, para ser ouvida no fórum, e, logo atrás, a certidão de que

ela foi efetivamente intimada. Na sequência, no dia 10 de fevereiro de 2000, ela é

ouvida no fórum, na presença do Juiz de Direito e na presença da Promotora de

Justiça — na época, eu. E ela assina, aqui, no verso. Ela coloca que...

Nessa ocasião, ela foi inquirida acerca daquelas notícias que nós tínhamos

no processo para que explicasse o que estava acontecendo. Ela disse que, desde

que se casou, o seu marido se deu ao vício de ingerir bebida alcoólica; que

sempre chegava alcoolizado em casa e agredia a depoente e, às vezes, até os

filhos; que, em certa ocasião, Antônio inclusive ameaçou as crianças com um

facão; esclarece a depoente que o Antônio queria pôr fogo em toda a casa, tendo

a mesma que se retirar com todos os filhos; que consente que Antônio permaneça

na residência porque presume que será melhor para os seus filhos.

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Quando ela respondeu a essa questão de que ela consente foi porque eu

perguntei a ela por que ela tinha permitido que ele voltasse, se ele tinha sido

afastado por conta dessas agressões, dessa violência contra a família. E ela

acabou consentindo. Ela disse que achava que era melhor.

Ao final, responde a depoente que tem conhecimento de que, da situação

em que se encontram os seus filhos, poderá até vir a perdê-los. Na sequência

dessa audiência, eu me manifestei no processo e pedi, a folhas 27 — o senhor

pode verificar —, a aplicação da medida da advertência, que é uma medida

prevista no art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu inciso VII,

que são as medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis. São várias medidas ali,

inclusive suspensão e destituição do poder familiar. Mas nós, obviamente,

iniciamos tentando resgatar essa família, tentando dar um alerta em relação à

situação que estava se verificando ali, e que não poderia continuar, sob pena de

as crianças acabarem sendo atingidas ou vítimas de alguma coisa mais grave.

Então, eu iniciei — página 27 —, no dia 18 de fevereiro de 2000. Eu pedi

ao juiz que aplicasse a medida de advertência como forma de tomada de

consciência e de alerta e pedi também que fosse determinado ao Conselho

Tutelar que procedesse ao acompanhamento e à orientação ao casal, pelo

período de 3 meses, emitindo relatório circunstanciado.

Muito bem, na sequência, os senhores veem o despacho do Juiz de Direito

deferindo e designando audiência de advertência para o dia 14 de março de 2000.

Na sequência, intimações. O casal é intimado. E, a folhas 31, o termo de

audiência, onde, os senhores podem perceber, estão a assinatura do casal, a

assinatura do juiz e a assinatura do então Promotor de Justiça, Dr. Ricardo

Kochinski Marcondes.

Consta do termo: “O Meritíssimo Juiz alertou o casal de suas

responsabilidades para com os filhos e mesmo para a com a residência, ficando

ambos cientes de suas atribuições para com os filhos, bem como esclarecidos de

que a situação não deve mais se repetir. Situação essa verificada nos presentes

autos; que o Sr. Antônio e a Sra. Maria Rivonete dos Santos ficam cientes, a partir

de agora, de que não devem mais repetir as situações relatadas pelo Conselho

Tutelar”. Isso, em 14 de março de 2000.

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Já no dia 7 de julho de 2000, o acompanhamento continuava, as crianças

continuavam com os pais. Desde o primeiro momento sempre estavam com os

pais.

Em 7 de julho de 2000 vem a notícia que: “Referente à casa, temos a

informar-lhes que as condições encontradas são terríveis: fezes humanas ao

redor da casa, lixo espalhado ao redor dela, restos de comida espalhados em

cima da mesa e do fogão, tudo desorganizado, uma verdadeira bagunça. Além

disso, o casal possui grande número de cachorros, o que, muitas vezes, dificulta o

acesso à residência. Sempre que realizadas visitas na família, é comum

encontrarmos cachorros dormindo em cima das camas.”

Na sequência, eu gostaria que os senhores prestassem bem atenção a

esse trecho, porque é um trecho que certamente será objeto de comentários:

“Informamos, ainda, que, em contato com o Sr. Renato e também com o Sr.

Nelson Lechinski, esses nos relataram que quando chega o caminhão de lixo os

filhos da Sra. Maria Rivonete vão remexê-lo e não admitem que alguém chame

sua atenção. E quando comunicado à Sra. Maria Rivonete, esta defende os filhos,

dizendo que os senhores acima citados não mandam no lixo local onde

trabalham, sendo que, muitas vezes, ela mesma vai junto com os filhos.”

Relatamos, ainda, que o Sr. Antônio Everaldo, depois que fez tratamento

de alcoolismo, ficou meses sem beber, mas, no momento, aos poucos, o senhor

já citado vem ingerindo bebidas alcoólicas, como nos relatou a sua esposa, Maria

Rivonete.

Na sequência, o juiz dá um despacho no processo. E os senhores

observem que esse processo anda do juiz para o promotor; o promotor faz os

requerimentos; o juiz defere ou não defere. Ou seja, nós temos um devido

processo legal, nós temos rigorosa observância da lei, porque até então, até

pouco tempo atrás parecia que não existia juiz nesse processo. O juiz despacha

dizendo: “Tendo em vista o lamentável relatório às folhas 23 e 24, dê-se vistas ao

Ministério Público”.

O processo vem para mim, e eu me manifesto no dia 11 de julho de 2000,

entrando com pedido de suspensão do poder familiar. Essa minha manifestação,

de três laudas, data do dia 10 de julho de 2000.

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O que é a suspensão do poder familiar? Vejam, hoje em dia, nós sequer

entramos com um pedido de suspensão do poder familiar de forma isolada. Nós

entramos com ação de destituição do poder familiar e pedimos liminarmente a

suspensão. Mas, como, neste caso, efetivamente não havia... nós não tínhamos

efetivamente a ideia de que fosse culminar com uma destituição, nós apenas

queríamos proteger as crianças daquela situação e ter mais condições de exigir

da família uma mudança de conduta, uma mudança de postura... Nós

precisávamos exigir desse pai um tratamento, nós precisávamos exigir que essa

mãe cuidasse da alimentação, cuidasse da casa, trabalhasse, que esse pai

trabalhasse. Enfim, que se comportassem como pais e mães de um grupo de

nove filhos, à época.

Então, eu entrei com uma ação com um pedido de suspensão do poder

familiar. Apenas suspensão. O que é? O nome já diz: suspende o poder familiar,

por hora, enquanto se trabalha em cima das deficiências da família, sempre

naquela busca do resgate social, da busca do vencimento da situação de risco.

Muito bem, nessa ocasião foi pedida a suspensão do poder familiar, com o

acolhimento das crianças na casa-lar, no caso, à época, e também foi requerida a

produção de provas, designação de audiência e tudo mais.

Esse pedido de suspensão do poder familiar foi deferido no dia 12 de julho

de 2000 e foi determinado o acolhimento das crianças. A decisão do juiz de

Direito está a folhas 38, determinando o acolhimento. Contudo, como V.Exas. já

devem ter conhecimento, as vagas em instituições de acolhimento são sempre

muito difíceis. É sempre muito difícil se conseguir uma vaga para

encaminhamento de crianças. E nessa época, em 2000, a Casa Lar de São João

do Triunfo não existia, não funcionava, a Prefeitura a estava construindo, e ela

não estava pronta para receber crianças. Nós não tínhamos nenhum abrigo em

São João do Triunfo nessa época, até essa época, julho de 2000. Então, o Juiz de

Direito determinou à escrivã que providenciasse vaga em entidade de abrigo pra

encaminhamento dos menores pra outras cidades. E isso realmente não

aconteceu, porque não se obtiveram vagas. As crianças então permaneceram,

ainda que com a ordem de suspensão do poder familiar, as crianças

permaneceram com os pais. Vejam, nós estamos falando de julho de 2000.

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À folha 40, os senhores podem observar, há a citação dos pais, onde eles

assinam, ambos assinam, que estão sendo citados, e receberam cópia da

decisão que determinou a suspensão do poder familiar e o acolhimento das

crianças, mesmo que esse acolhimento não tenha se efetivado.

Nesse momento, nós imaginamos que o casal, verificando que a Justiça

efetivamente está tomando providências mais rigorosas pra garantir uma mínima

proteção às crianças, eles poderiam ter reagido, poderiam ter revertido todo esse

quadro, que é efetivamente o que a gente sempre espera.

À folha 41, o casal requerido apresenta, através de advogado, rol de

testemunhas para serem ouvidas no processo. O advogado arrolou três

testemunhas que foram indicadas pelos pais para serem ouvidas judicialmente.

Às folhas 43, a juntada de procuração do advogado.

E às folhas 44, o juiz designa uma audiência pra ouvir as testemunhas

tanto indicadas pelo Ministério Público, quanto indicadas pela parte. As

intimações acontecem: a intimação do casal, a intimação do advogado às folhas

49, e a intimação do casal às folhas 50. Observem que é feita uma intimação para

o advogado e uma para o casal.

No dia 5 de setembro de 2000, acontece a primeira audiência de oitiva de

testemunhas. Eu só gostaria de deixar bem registrado, Srs. Deputados, que em

todos esses depoimentos, que são bastante longos, os senhores vão poder

observar a assinatura de ambos os requeridos ao final de cada depoimento, haja

vista que eles acompanharam os depoimentos; e, mais do que isso, se os

senhores pudessem observar que em todos os depoimentos nós temos

reperguntas pelo advogado dos requeridos. Ou seja, houve uma defesa efetiva.

Houve uma defesa como deve ser: uma defesa que fez reperguntas, que arrolou

testemunhas e que participou ativamente do processo.

Aqui, nós temos informações muito importantes. A primeira testemunha viu

o Sr. Adriano Górdia, que era conselheiro tutelar... Ele relata, entre um

depoimento de praticamente quatro páginas — eu vou só passar alguns trechos

para os senhores acompanharem — que receberam notícia da escola que os

filhos do casal não estavam frequentando a escola; que, efetivamente, o Sr.

Antônio foi internado, mas a duração não foi mais do que 30 dias; que, mesmo

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diante de todos os conselhos que realizavam durante todas as visitas a situação

nunca melhorava quando da situação posterior; que, inclusive, as próprias

crianças retiravam objetos do lixão e traziam para o interior da casa; que

constatou-se a existência de fezes, inclusive dentro da cozinha, e que também

havia fezes no quintal, perto da residência; que algumas vezes constatavam-se

dois ou três cachorros perambulando no interior da residência; que os requeridos

são beneficiários do Programa Comunidade Solidária, da Prefeitura; que as

crianças não tomavam banho; que as necessidades fisiológicas eram feitas no

próprio terreno onde estava localizada a casa; que o filho maior não vem

frequentando a escola; que o depoente esclarece que, na verdade, não vem

frequentando regularmente a escola; que o depoente confirma que na maior parte

das vezes, após ingerir bebida alcoólica, Antônio acaba por agredir e expulsar a

família de casa; que anteriormente ficou consignado que, como a Maria Rivonete

não trabalha fora, era dona de casa, e que, agora — o depoente esclarece —,

embora isso, Maria Rivonete não zela, nem cuida da casa e dos alimentos que

recebe do Programa da Prefeitura; que Maria Rivonete se mostra desleixada com

os cuidados da casa; que, inclusive, em certa ocasião, dirigiram-se até a

residência, sendo que não havia ninguém. No entanto, constataram que, além da

comida que estava espalhada pelo chão, havia um saco de feijão, que era um

saco de 10 quilos de feijão, sendo que o mesmo estava aberto; que em cima do

saco de feijão havia um cachorro dormindo (...)”

FOI REALIZADA TAMBÉM A SEGUINTE ACAREAÇÃO PELA

COMISSÃO ENTRE OS SRS. ULISSES GONÇALVES DA COSTA E AUDELINO

DE SOUZA, INTEGRANTES DA ONG LIMIAR.

A acareação foi determinada pela Comissão tendo em vista as seguintes

discordâncias nos depoimentos prestados individualmente perante a CPI:

O Sr. Ulisses disse não conhecer bem o Sr. Audelino, que só tinha com ele

contatos profissionais esporádicos, enquanto o Sr. Audelino afirma conhecer bem

o Sr. Ulisses e que tinha sim contato com ele.

O Sr. Ulisses disse que o Sr. Audelino não representa mais a Limiar e o Sr.

Audelino afirmou que representa a ONG Limiar e que faz intermediação de

adoção internacional em nome da Limiar.

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O Sr. Ulisses disse que não paga salário para o Sr. Audelino e o Sr.

Audelino confirmou que recebe salário da Limiar.

O Sr. Ulisses negou que a ONG Limiar continua fazendo intermediação em

adoção internacional, enquanto o Sr. Audelino disse que a Limiar continua

intermediando as adoções internacionais.

O Sr. Ulisses disse que a Limiar é independente da ONG americana e o Sr.

Audelino afirmou que as duas são interligadas, que a Limiar tem uma reunião

anual nos Estados Unidos, da qual ele costuma participar e que a Limiar paga as

despesas.

O Sr. Ulisses disse que a Limiar não é mais cadastrada para fazer adoções

internacionais, mas o Sr. Audelino confirmou que continua cadastrado junto à

CEJA, como representante da Limiar, para intermediar adoções.

DEPOIMENTO DO SR. AUDELINO DE SOUZA – Representante da

Limiar.

Disse que, há vinte anos, faz intermediações no Paraná, junto ao Tribunal

de Justiça, em nome da Limiar e que a Limiar faz o trabalho burocrático pela via

diplomática.

Disse que recebia salários pela Limiar de São Paulo até 2005, por

intermédio da Sra. Helena e que, após esse período, passou a receber

pagamento do Sr. Ulisses e que conheceu o Sr. Ulisses em 2010.

Afirmou que a Limiar não é uma agência de adoção, mas que é cadastrada

junto à CEJA do Paraná para realizar intermediação nos processos de adoção

internacional.

Confirmou que continua trabalhando para a Limiar como autônomo e

recebendo pagamento da ONG.

Relatou que, recentemente, por conta das investigações da CPI, a Limiar

encontra-se suspensa nos processos de adoção, mas que, até início de 2013,

continuava intermediando processos de adoção e que ele, Audelino, recebia

pagamento do Sr. Ulisses.

Negou ter recebido qualquer dinheiro das famílias adotantes e disse ser

possível que tenha pago despesas das famílias no Brasil, que lhe teriam restituído

essa quantia posteriormente.

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DEPOIMENTO DO SR. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – Diretor da

ONG Limiar.

Disse que os processos de adoção são feitos pelo Judiciário e decididos

por sentença do juiz, o que, a seu ver, legitima a atuação da Limiar, que apenas

faz a intermediação.

Voltou a afirmar que, depois de 1999, a Limiar teve sua estrutura

paralisada, já que os Estados Unidos não assinaram a Convenção de Haia, o que

inviabilizava o credenciamento da ONG para intermediar adoções internacionais.

Disse que os pagamentos ao Sr. Audelino são feitos pela ONG Limiar dos

Estados Unidos, via Limiar Brasil. Afirmou que o contato que teve com o Sr.

Audelino foi por telefone para definir a questão dos pagamentos.

Argumentou novamente que a ONG Limiar dos Estados Unidos não tem

vínculo com a Limiar do Brasil e que o Sr. Audelino é capitaneado pela Limiar dos

Estados Unidos.

Negou o recebimento de qualquer pagamento feito pela ONG Limiar e

disse que se sustenta com os ganhos de Consultor da área farmacêutica.

DEPOIMENTO DO SR. MARCEL LEE PAUL – RETIRADO DA FAMÍLIA

POR TRAFICANTES DE PESSOAS PARA ADOÇÃO, CUJA INTERM EDIAÇÃO

FOI FEITA PELA ONG LIMIAR.

(Exposição em inglês, com tradução de João Jorge de Abreu Gonçalves.)

TRADUÇÃO DO DEPOIMENTO FEITA PELO SR. JOÃO JORGE D E

ABREU GONÇALVES – Intérprete

Tendo em vista a importância e a gravidade dos fatos, transcrevemos os

principais trechos do depoimento, na forma da tradução feita pelo intérprete:

“Ele está dizendo que, quando era criança, ele morava juntamente com o

seu pai, a mãe dele também, a irmã, e o pai dele tinha... Ele estava caminhando

com o pai dele pela rua para pegar o ônibus, estavam caminhando uma longa

distância. Ele estava seguindo o pai dele, a irmã também, e o pai dele estava

caminhando muito rápido, ele estava tentando seguir ele. Eles estavam

procurando a casa dos familiares, foram em vários lugares e não encontraram o

lugar certo.

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Voltaram pro ônibus, foram por um caminho errado, e aí, no meio desse

percurso, ele se perdeu. Então, nesse ínterim, ele tentou pegar outro ônibus,

pegou o ônibus errado, viu o número do ônibus, que era o número errado, e ele

se perdeu da família. E aí ele estava com fome, tentou arranjar alguma ajuda para

conseguir comida, bateu na porta de alguém, e uma senhora atendeu à porta,

ligou, e, 5 minutos mais tarde, a polícia apareceu. E pegaram ele, e a Raquel

também, que é a irmã. A polícia tentou localizar os parentes, o pai e a mãe, os

familiares, e aí levaram eles para a delegacia.

Tentaram fazer várias ligações para localizar os familiares, mas sem

sucesso. Aí ele ficou na delegacia por um tempo, e ele foi levado para um centro

de acolhimento, onde tinha uma série de outros jovens. A polícia sempre manteve

uma posição mais ou menos distante em relação à pessoa dele, e uma senhora...

E ele está falando que se lembra de um episódio que vai descrever agora. Eles

tiraram umas fotos, e ele perguntou: “Por quê?” E eles disseram: “Simplesmente

queremos tirar uma foto sua”.

Então, fizeram a foto e tentaram recolher os dados pessoais dele para que

ele assinasse inclusive alguma informação relativa à pessoa dele. Para ele, ele

era bem pequeno à época. Ele tentou fugir inclusive. Ele queria encontrar os pais,

como é óbvio, não é? É uma situação difícil, como todos entendem. Ele tentou,

inclusive, a ajuda de várias pessoas, mas ninguém conseguiu levá-lo até os pais.

Na época, ele tinha cerca de 9 anos de idade. A irmã dele era mais nova, e ele

não precisou exatamente a idade da irmã. E as pessoas tentavam falar com ele,

mas, como ele tem incapacidade auditiva, a comunicação era bastante

complicada e difícil. E ele tem uma personalidade bastante tímida também. Tudo

isso dificultou a comunicação. Ele está contando o episódio de um dia em que um

policial chegou a colocar uma arma na boca dele.(...)

Eu queria saber por que eu estava com a polícia. Como eu não posso

ouvir, eles me empurravam para que eu falasse, e eu não entendia. Então, eles

me levaram para outro local, eles me mudaram de local. Eu fiquei por 2 horas em

trânsito, outra pessoa apareceu, outro homem veio, onde jogávamos futebol. O

transporte foi feito em um carro preto. Eu nem percebi, eu estava brincando

quando me chamaram e eu disse que não iria. Então a Raquel foi caminhando, eu

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estava jogando bola. Eu posso jogar bola com a Raquel aqui, então estava... Uma

senhora. Quem é aquela senhora? Eu não sei. Ela falava num idioma que eu não

entendia. Havia um homem, ela fez um sinal de adeus, eu disse que não iria para

outro país. Eu era uma criança, não entendia. Então essa senhora, tentando falar

comigo, ela falava um idioma que eu não entendia. Certa vez, no carro, havia um

homem conduzindo esse carro,

querendo saber onde eu morava. Aquele homem fazia algum tipo de anotação.

Eu lembro que ela estava assinando papéis. A senhora, o nome dela ela

Cheryle Paul. Ela tinha fotos nossas, ela tinha uma foto da Raquel. Eu disse

adeus a todos, e a Cheryle Paul disse: “Você precisa ir”. Um dia, ficamos em um

hotel. “Temos que ir.” Ela me deu um carrinho de brinquedo para que eu

brincasse, eu não queria, eu o joguei, eu o lancei. Eu tentei fugir do hotel.(...)

Mas ele não sabia onde estava em São Paulo. Depois eles entraram no

carro outra vez e foram. Seguiram sempre com um papel, as pessoas assinando

papéis e também passaportes, carimbos. Ele olhou para o seu nome, o último

nome. Ele não reconhecia o seu nome, porque o nome era diferente. O nome do

meio da Raquel estava correto, mas o dele não estava. O último nome, ele

realmente não reconheceu.

Essa pessoa, a Cheryle, tinha dinheiro com ela. A Raquel não entendia o

que se passava. A Cheryle queria que ele fosse para a prisão. Ele se sentia numa

situação esquisita, que algo não estava correto, porque ela falava num idioma que

ele não entendia. Entraram no carro mais uma vez, e a Cheryle disse: ‘Vamos!

Vamos!’ Foram para o aeroporto e saíram do Brasil. “Temos que sair!” Ele se

lembra de que ela tinha um bilhete que dizia “Flórida” e que ela foi para o Estado

de Washington. Ele se lembra disso.

Quando ele era criança, não sabia que “FL” era Flórida, mas, depois que

cresceu, passou a entender. A Cheryle não queria que ele falasse português. Ela

queria, obviamente, que ele aprendesse o idioma local, o inglês. Ele ficou com

muita raiva, ficou bastante chateado.(...) Era 1985, e havia um papel que dizia:

“Brasil, 1985”. Ele pensou que eles iam voar e permanecer no Brasil, mas não,

eles saíram do Brasil. A Cheryle tornou-se sua mãe adotiva. Ele falava com a

Raquel: “Nós vamos sair”. Eles estavam juntos, e ele explicou à Raquel. A

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Cheryle vive nessa região do Estado de Washington, Spokane. É próxima a

Vancouver, no Estado de Washington. Cheryle, a sua mãe adotiva, e seu pai

vivem nessa região no Estado de Washington. Ele tentava me comunicar, mas

era difícil se comunicar por causa do idioma. Então, ele foi à escola para aprender

a linguagem de sinais, o idioma deles também, para começar a se comunicar. A

Cheryle ficava chateada, ficava com raiva e dizia “não” ao português, ao idioma

do Brasil. Ela não queria que ele falasse português. Ele tinha vários professores,

tutores, que iam constantemente mudando porque ela não gostava dos

professores.

Quando ela não gostava do professor, ela pedia a troca de professor. Ele

foi para o Estado de Washington, uma escola para surdos, onde todos são

surdos. Cheryle matriculou-o em Seattle, no Estado de Washington. Ele sofreu

violência física por 8 anos, apanhando, abuso físico por 8 anos. Ele apanhou

durante 8 anos.(...)

Ele diz que Cheryle é uma mentirosa. Raquel o chamou para dizer: “O que

aconteceu? Oito anos?” Separaram-se depois, porque Raquel disse que ele batia

nela, mas era uma mentira.(...) Ele falou com os avós que queria ver a Raquel, e

eles disseram. “Tudo bem, aguarde um pouquinho”. Dois dias depois, ele

perguntou aos seus avós: “E a Raquel?” E os avós: “Espere!” E ele falou: “Olha,

vocês estão mentindo. Eu quero ver a Raquel. Vocês não podem nos separar. Ela

é minha irmã”. Ele estava chateado. Ele tentou bater nos seus avós, estava com

muita raiva. “Ela é minha irmã, Eu sou o mais velho. Eu posso cuidar da minha

irmã, não vocês.” Certo dia, Cheryle estava em Seattle e ele, em Vancouver, com

os avós, eles atenderam ao telefone, porque a Cheryle tinha ligado — os dois ao

telefone, o avô e a avó. Cheryle falou para os avós dele: “Eu quero que o Marcel

volte para o Brasil”. E o meu avô disse: “Não, não, voltar para o Brasil, não. A

Raquel, sim”. E o avô disse: “Não”. O avô estava chateado com a avó e com a

Cheryle: “Por que o Marcel? Por que mandar o Marcel para o Brasil?” O Marcel

não entendia também por que ele, por que isso acontecia com ele.(...)

O avô encontrou a Cheryle e a avó. O avô ligou para a avó e disse: “Vocês

estão erradas,não quero que o mandem embora”. Ele foi para a escola, o ensino

médio. O avô era bom para ele; a avó, não; a Cheryle também não. O avô morreu

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em 2001. Um dia, a Cheryle e a avó estavam conversando. Ele tinha um aparelho

auditivo, ele não gostava da avó e, como não estava escutando a avó, colocou o

aparelho auditivo para poder escutar. E ele escutou a Cheryle e a avó ao telefone

e escutou a Cheryle falar. Então, ele empurrou a avó e disse: “Eu quero ir para

casa, eu quero ir para o Brasil”. E aí a avó disse: “Eu tentei o máximo”. Ele tentou

escutar mais, mas elas desligaram o telefone. E ele escondeu o aparelho auditivo,

para que não o tirassem dele. A avó estava falando com ele e perguntou: “Você

quer voltar para o Brasil? Você quer voltar para casa? Eu vou pagar para você ir

para a casa”. E eu perguntei: “E a Raquel?” E a avó respondeu: “A Raquel não, a

Raquel vai ficar”. E ele respondeu: “Então, eu também não vou, vou ficar

também”. Ele disse: “Você é má, você é ruim”. Ele utilizou inclusive palavrões

para tratar a avó, que não vou usar aqui. Aí a avó também faleceu em 2005. E a

Cheryle se mudou de um Estado para outro.(...)

Isso, ela se mudou para ver a mãe, antes de a mãe falecer. Cheryle tinha

uma professora que era mais velha. E ela vivia em Vancouver, Estado de

Washington. Ele tinha uma bicicleta e, depois do trabalho, podia voltar para a

casa. Um dia, o seu professor estava falando com a Raquel e perguntou: “Você

ficou com raiva por causa do negócio relacionado com a bicicleta?”(...)

Ele estava tentando comunicar tudo isso com o professor, e estava com

raiva. O professor estava agarrando a Raquel, tentando agredir a Raquel, e ele

estava tentando proteger a irmã. “Não agarre ela assim, deixe a minha irmã em

paz!” Ele pediu: “Deixe ela! Deixe ela! Largue ela!” O professor empurrou a

Raquel, e ele reagiu também. Aí ele gritou, a Cheryle veio e ele falou para ela: “O

professor é mau, o professor é ruim. Por que ele estava fazendo isso com a

Raquel?” E aí o professor respondeu: “Eu sou o chefe”. Ele falou: “Não, você não

é chefe. Você é simplesmente meu professor”. Ele ficou com raiva, a cara

vermelha. E a Cheryle não fez nada, simplesmente não reagiu, manteve-se

calada, sem qualquer reação. Ele pediu para a Cheryle: “Reage, faz alguma

coisa, fale com o professor para ele não fazer isso! Por que ele está fazendo isso

com a Raquel?” Ele disse à Cheryle: “Eu estou com raiva de você, você não fez

nada, você deveria ter reagido”. A Raquel estava tremendo, mas ele não, porque

ele não estava com medo, ele queria era resolver a situação. Ele não se

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importava se ele fosse para a prisão, ele queria só proteger a irmã do professor. E

aí a Cheryle e o outro professor, que era mais novo, portanto, um outro

personagem, um outro professor que também ia lá, mantiveram-se calados.

Ninguém disse nada, todo mundo conivente com a situação. Ele tentava proteger

ao máximo a irmã Raquel, porque ele não queria que ela sofresse.(...)

A Raquel, quando estava morando em Seattle, a Cheryle tentou pedir uma

bolsa de estudos para a Raquel. E a Raquel pediu à Cheryle um intérprete porque

não estava entendendo direito. E a Raquel pediu à Cheryle: “Eu quero um

intérprete para me comunicar”. E a Cheryle respondeu: “Não”. A Raquel tinha

ligado para ele antes, que tinha 18 anos. Cheryle falou: “Assina, assina esse

documento!” E a Raquel disse: “Mas eu quero que o Marcel leia antes de eu

assinar”. E a Cheryle disse: “Não, não pode”. A Cheryle era esperta. A Raquel

disse à Cheryle que queria vê-lo, então, ele pegou o carro e dirigiu por 4 horas,

até Seattle. Ele viu a Raquel, que estava fumando na época, e perguntou: “Por

que você está fumando?” Ela tinha um problema, a Cheryle. Eu perguntei qual era

o problema. Eu quero ver minha mãe. Eu quero ver o meu pai e a minha mãe. A

Cheryle, de novo, disse: “não”. Quero ver o meu irmão e a Cheryle disse: “não”. E

eu pedi a Cheryle o papel para que eu pudesse ler. E ela não me entregou o

papel. Não me deu acesso a esse papel, a esse documento. Eu simplesmente

não consegui ter acesso a esse documento. Por

lei, eu teria que ter acesso a esse papel, mas a Cheryle não me facilitou o acesso

a esse documento. E ela me disse: “Você não pode fazer nada. Eu é que sou a

chefe. Eu é que mando”. E eu falei: mas eu já tenho 18 anos. Eu posso tomar

conta da minha vida. Ela tinha remédio. Ela tomava cerca de 13 medicações

diferentes.

Eu achava que ela era completamente doida. Eu falei com a Raquel,

perguntei pela Raquel: você se lembra? Ela falou: “Não, não lembro”. Ela tomava

inclusive injeções.(...) Foi lavagem cerebral que tentaram fazer com a irmã dele,

de modo que se esquecesse, inclusive se esquecesse dele como irmão. De modo

que se afastassem completamente um do outro. Esse era o objetivo. Por isso, a

Cheryle sempre dizia pra Raquel: “Tente esquecer seu pai, sua mãe e tudo o que

tem a ver com o Brasil”. E aí a Raquel foi crescendo. E, conforme foi crescendo,

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quanto mais velha foi ficando, é natural que fosse esquecendo todas essas

ligações com o Brasil. E aí ele perguntou: você se lembra do papai e da mamãe?

E ela falou: “Não muito”. “Eu sei que o nosso pai costumava fumar”. Ela lembrava

de alguns episódios escassos. Sabia que a mãe tinha cabelo comprido. A Raquel

falava que passava muito tempo com a mãe. Ela não era boba. Ela lembrava de

muitas coisas. Mesmo assim, ela ainda conseguia lembrar de muitas coisas

quando cresceu. Só que a Raquel não dizia nada disso a Cheryle exatamente

para não sofrer ainda mais. Porque quanto mais a Cheryle achasse que ela se

lembrava das coisas do Brasil, pior seria o tratamento que lhe daria, obviamente.

Ela também disse que se lembrava da mãe, que a mãe, aqui no Brasil, costumava

trabalhar. A Raquel lembrava desses episódios. Ela dizia: “Sim, eu lembro da mãe

saindo pra trabalhar”.

Eu falei com a Raquel e disse: eu quero que você me passe essa

informação, que você me diga o que é que a Cheryle está fazendo com você, o

que ela fez você. E a Raquel me disse que a Cheryle tinha... Eu não sei como se

fala isso.(...) A Raquel sofria abuso sexual.(...) Era abusada sexualmente pela

Cheryle. A Raquel era abusada sexualmente pela Cheryle. Bolinada,

exatamente.(...)

Quando eu falo com a Raquel no telefone, no FaceTime, a Cheryle sempre

fica assistindo, sempre de olho, para saber o que estão falando. Ela não gosta

que a Raquel fale comigo, inclusive a proibiu de falar comigo algumas vezes. Ela

tem dois iPads, e a Raquel olhava para a Cheryle sempre que estava falando

comigo e, quando a Cheryle aparecia, ela disfarçava, escondia o iPad, porque

não queria que a Cheryle assistisse a nada. Ela estava gritando com a Raquel,

dizendo que não queria que ela falasse comigo. Eu disse: “Claro que não, isso

não pode acontecer. Ela é minha irmã, eu quero falar com ela; é do meu sangue,

é sangue do meu sangue”.

A Raquel quer vir para casa agora, hoje, se possível. Ela está com raiva. A

Raquel quer morar comigo, com a minha esposa e com o meu filho, eu tenho um

filho. A Cheryle trocou inclusive os números de telefone e tentou inclusive se

mudar de novo para Seattle, de modo que eu não pudesse — eu e o resto da

família — encontrar a minha irmã, Raquel. Ela tentou de tudo para impedir isso. E

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eles tentaram mudar de Washington para Seattle, inclusive mais de uma vez, para

que o contato entre a minha irmã e eu não pudesse ser efetuado.”

Conclusão do caso

Importante solicitar ao governo dos Estados Unidos os resultados das

investigações promovidas pelo FBI, em decorrência de solicitação feita pela

Embaixada dos Estados Unidos, conforme informação constante no AMB-13-073

(fl. 54 do volume 41 do processo ostensivo).

No caso em comento, os próprios investigados admitiram que promoviam

ou auxiliavam a efetivação de ato destinado ao envio de crianças e adolescentes

para o exterior – Estados Unidos, após intermediar essas adoções no Brasil,

principalmente no Paraná, após a conclusão do processo de adoção judicial.

Negaram, todavia, que tenha havido inobservância das formalidades legais ou

que tenha ocorrido a obtenção de lucro.

Há a confissão de Audelino e de Ulisses que valores eram recebidos a

título de “doação”, mas não tendo sido delimitadas quais famílias efetivamente

pagaram algum valor para Audelino, Ulisses, Helena, para a LIMIAR americana,

para a LIMIAR brasileira ou interposta pessoa, em decorrência de quais adoções,

qual o valor exato pago.

Por outro lado, é cediço afirmar que para ser possível um indiciamento, é

necessário que a autoridade policial tenha elementos suficientes capazes de

demonstrar os indícios de autoria e materialidade, delimitando perfeitamente os

fatos atribuídos aos suspeitos.

Dessa forma, sugere-se a realização de investigação preliminar ou a

instauração de Inquérito Policial pela Delegacia de Polícia Federal em Itajaí/SC,

para apurar possível crime tipificado no artigo 239 do ECA, ocorrido em

Gaspar/SC, sugerindo a oitiva de André Sarnowski e Elaine Lunge Vitencourt, da

Promotora e Coordenadora do Ministério Público de Santa Catarina, Helen

Sanchez, e da Juíza da Primeira Vara Cível da Comarca de Gaspar, Ana Paula

Amaro de Silveiro, (atentando-se para as prerrogativas dos juízes e promotores).

Indiciar os envolvidos por tantas vezes quantos forem os processos que

culminaram em adoções internacionais em que se constatem irregularidades na

instrução, na tramitação dos processos ou que se tenha obtido lucro.

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Sugere-se, também, a realização de investigação preliminar e/ou a

instauração de Inquérito Policial pela Superintendência Regional da Polícia

Federal no Paraná, para apurar eventual crime tipificado no artigo 239 do ECA,

ocorrido em São João do Triunfo/PR, encaminhando cópia das oitivas de Antonio

Everaldo dos Santos e Maria Rivonete dos Santos e da Promotora de Justiça do

Tarcila Santos Teixeira, dos membros da CEJA/TJPR, para obter informações

acerca da regularidade da atuação da ONG LIMIAR e de seus representantes na

intermediação de adoções internacionais, além de outros dados de interesse das

investigações, solicitando cópia integral da sindicância instaurada pelo TJ/PR,

conforme informação prestada à CPI por meio de Ofício datado de 17/06/2013,

além de cópia da decisão exarada na sindicância instaurada pela Corregedoria do

TJ/PR por meio da Portaria n. 22/2013. Cópia da quebra de sigilo do celular de

Antonio Everaldo dos Santos. Sugere-se que a Autoridade Policial solicite à

Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA/PR a relação contendo o nome

de todas as crianças/adolescentes que tiveram suas adoções intermediadas por

Audelino de Souza e/ou pela ONG LIMIAR naquele Tribunal. Anexar resultado do

procedimento instaurado no âmbito do Ministério Público paranaense sob o n.

9114/2013-PGJ/MP-PR. Verificar se as doações recebidas no Brasil se tratavam

de doações espontâneas ou se decorriam de contraprestação em razão das

adoções realizadas (conforme informações constantes na audiência pública do

dia 18/04/2013). Indiciar os envolvidos por tantas vezes quantos forem os

processos que culminaram em adoções internacionais em que se constatem

irregularidades na instrução, na tramitação dos processos ou que se tenha obtido

lucro.

Por fim, sugere-se a investigação ou a instauração de Inquérito Policial

pela Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, para apurar

possível crime tipificado no artigo 239 do ECA, ocorrido em São Paulo/SP,

solicitando cópia de eventual sindicância instaurada pelo TJ/SP, para apurar

possíveis irregularidades praticadas pela CEJAI/SP. Sugerir a inquirição de

Helena Maria Curvelo Sarhan (adoções para Canadá e EUA). Indiciar os

envolvidos por tantas vezes quantos forem os processos que culminaram em

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adoções internacionais em que se constatem irregularidades na instrução, na

tramitação dos processos ou que se tenha obtido lucro.

Por oportuno, em relação às contradições ocorridas durante a oitiva de

Ulisses e Audelino, registra a Delegada de Polícia Federal Carmem Marileia

Rocha que a prática dos crimes previstos no art. 342, do Código Penal (falso

testemunho) somente é possível por testemunha, em decorrência do princípio

constitucional e do direito da não autoincriminação do investigado.

Por fim, o maior legado da CPI do Tráfico de Pessoas, além dos

esclarecimentos já feitos à sociedade, é justamente propor ao Congresso

Nacional a alteração da legislação pátria, tipificando condutas ainda não

contempladas pelo Código Penal brasileiro e legislações esparsas, conforme

discutido na sessão pública do dia 05/11/2013.

Diante das conclusões, a Comissão houve por bem indiciar as seguintes

pessoas:

1. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – incurso nas penas previstas nos

arts. 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei n.

8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de seis a oito anos, além da pena correspondente

à violência.

2. AUDELINO DE SOUZA - incurso nas pena previstas nos arts. 239 da Lei

n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de

dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

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forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de seis a oito anos, além da pena correspondente

à violência.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

Além dessas informações, à época das denúncias contra a ONG Limiar, o

site do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná divulgava o nome de Audelino de

Sousa como representante da ONG no Paraná, credenciado para intermediar os

processos de adoção.

13.2. CASO DE “CRIANÇAS INADOTÁVEIS” NO ESTADO DO

PARANÁ

A CPI colheu também os seguintes depoimentos em relação à questão das

adoções no Estado do Paraná, envolvendo as chamadas “crianças inadotáveis”.

DEPOIMENTO DO SR. ELIAS MATTAR ASSAD - Presidente da

Associação dos Advogados Criminalistas do Paraná.

Disse que a preocupação dos advogados criminalistas é com relação ao

não cumprimento das leis nacionais por parte das autoridades públicas, inclusive

judiciárias, e, em especial, ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Explicou que o Estatuto determina algumas providências, entre elas, por

exemplo, que a falta de recursos da família não é impeditivo para que a criança

continue sob o convívio, sob a tutela da família.

Prestou ainda os seguintes esclarecimentos: “Aqui, nós temos um

problema seríssimo. Nós temos uma entidade chamada MONACI — Movimento

Nacional das Crianças “Inadotáveis”, que a Dra. Aristéia representa. Ou seja, nós

temos duas filas, Sr. Presidente: uma fila de famílias que querem adotar e outra

fila de crianças que precisam de adoção, entre elas, crianças com paralisia

cerebral, por exemplo, crianças com vírus HIV, e entre elas também as chamadas

inadotáveis.

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O que é criança inadotável? E já, daqui, passando a palavra para a Dra.

Aristéia. Criança inadotável é aquela que cai num limbo jurídico. Eu faço aqui um

paralelo com o casamento: para uma pessoa poder casar novamente, tem de se

divorciar; então, para que uma criança possa ser adotada, ela tem que romper os

laços jurídicos, o vínculo jurídico, com a família de origem.

Então, nós temos que, nesse passo a passo do exemplo da criança

abandonada, um Juiz da Vara da Infância, que tem que, primeiro, destituir o poder

familiar para, depois, colocar a criança numa fila de adoção, numa lista de

adoção.

Aqui em Curitiba nós temos casos, que vão ser retratados pela Aristéia, de

crianças que passaram a infância e a adolescência nos abrigos e que ficaram

maiores de idade nos abrigos e tiveram de sair, sair para o nada. E, aí, ela sai

sem nenhum contato com o mundo exterior e tem os problemas maiores.”

DEPOIMENTO DA SRA. ARISTÉIA MORAES RAU - Representante do

Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis”.

Fez as seguintes afirmações: “Eu exerço minhas funções de servidora

pública no TRT da 9ª Região, a qualidade de Assessora do Desembargador Luiz

Celso Napp.

O MONACI — Movimento Nacional das Crianças “Inadotáveis” nasceu,

Excelência, da nossa frustração, não nossa, de quatro meninas portadoras de HIV

que estavam abrigadas desde que nasceram em uma instituição de Curitiba, que

é verdadeiramente uma prisão, que se chama ACOA — Associação Curitibana

dos Órfãos da AIDS. Agora, ela mudou de nome, porque nós estivemos em

Brasília, em 2011, pedindo à Secretária de Direitos Humanos, Maria do Rosário,

que essa instituição não tivesse o nome de Associação Curitibana dos Órfãos da

AIDS.

Entrando na fila de adoção, em 2010, conhecemos essas meninas

portadoras de HIV, que não eram irmãs e que estavam abrigadas desde que

nasceram, com 4, 8, 10 e 13 anos. A menina de 13 anos, quando ela tinha 5, a

irmã foi dada em adoção para um casal estrangeiro, e ela continua abrigada, e

continua abrigada, tendo o processo de destituição familiar concluído apenas em

meados de julho do ano passado, ainda que em 2010 nós, a nossa família, a

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família Rau, tivesse se apresentado para que essas adoções ocorressem.

Infelizmente, o que eu posso declarar ao senhor é o seguinte: nunca fomos

recebidos pela Juíza da 2ª Vara da Infância de Curitiba.”

13.3. CASO DAS CRIANÇAS DE SÃO JOÃO DO TRIUNFO,

NO ESTADO DO PARANÁ

O caso diz respeito a sete crianças supostamente retiradas de forma ilegal

de sua mãe, a Sra. Maria Rivonete dos Santos, e entregues para adoção por

norte-americanos.

Os filhos de Maria Rivonete dos Santos foram levados para um abrigo sob

a alegação de que sofriam maus tratos. A mãe alega que não foi avisada da

adoção pela Justiça e que só ficou sabendo da adoção por uma amiga, após as

crianças terem sido levadas para fora do País.

De acordo com estatísticas fornecidas à Comissão, existem cerca de

trezentos e cinquenta e cinco casos de crianças adotadas no Paraná de forma

irregular. Em relação e esse caso, a CPI colheu os seguintes depoimentos:

DEPOIMENTO DA SRA. JOICE HASSELMANN - Jornalista.

Pela importância e gravidade dos fatos narrados, transcrevemos o

depoimento prestado pela depoente: “Sou Joice Hasselmann, a jornalista que fez

a reportagem que ensejou o início da investigação envolvendo o caso de São

João do Triunfo, que envolve os filhos da dona Rivonete, do seu Antônio, os irmão

do Guinho, e eu fiquei muito emocionada ao ouvir aqui o depoimento da Aristéia,

porque a conta não vai fechar nunca, Presidente Arnaldo Jordy, Deputado Luiz

Couto, se há famílias e mais famílias querendo adotar, na fila de adoção, e que

têm o desdém do Poder Judiciário e do Ministério Público, e outras famílias que

querem ficar com seus filhos e que têm seus filhos retirados, como aconteceu

com a dona Ivonete.

Para quem não se lembra desse caso, o inquérito era sigiloso, o processo

era sigiloso, mas eu tive acesso a ele, li o processo ali de cabo a rabo.

Basicamente, a promotoria alegou — promotoria, aliás, que não está aqui

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representada. Cadê? Cadê os procuradores? Cadê os promotores? Foram

convidados.

Com o mesmo desdém que trataram a Aristéia, também tratam essa

questão tão grave, que é o tráfico internacional de crianças. Cadê o representante

do Poder Judiciário? Cadê o representante da Comissão Estadual Judiciária de

Adoção? Onde ele está? Onde está o Corregedor, que está fazendo uma

sindicância no Tribunal de Justiça, porque eu mesmo entreguei 22 DVDs com

gravações, provas, vídeos, áudios e tudo o mais que ele quiser? Tudo o que foi

entregue para a CPI para iniciar a investigação foi entregue aqui para o

Corregedor.

Eu mesma entreguei nas mãos dele. Então, tem gente querendo adotar,

que fica desesperada na fila, inclusive crianças especiais, e têm pais querendo

ficar com seus filhos, e que têm seus direitos simplesmente violados e rasgados.

E os filhos são retirados sob que alegação? De pobreza. Foi isso que alegaram —

não é, dona Rivonete? — lá no processo. Eu me lembro que a

senhora ficou muito emocionada na última audiência porque disseram que seus

filhos comiam do lixo, e a senhora disse "Do lixo meus filhos não comiam. Eu vivia

na pobreza, mas meus filhos não comiam do lixo." E ainda que fosse, o dever era

do Estado de ajudar essa família, e não arrancar as crianças e mandar como se

fossem caixas de papelão para fora do Brasil.

Aliás, não se sabe onde eles estão, não é, dona Rivonete? Não se sabe

agora onde essas crianças estão, porque, depois que a gente investigou, depois

que a Sandra esteve aqui, depois que ela contou a história... Primeiro ela foi

escondida, ela chegou a fugir da casa dos pais adotivos, e agora não se sabe

nem onde estão os irmãos. Agora, que Justiça é essa? Que lei é essa? Que

Ministério Público é esse? No discurso é lindo! No discurso é lindo! O Olympio de

Sá Sotto Maior Neto é uma das pessoas que ajudaram a criar o Estatuto da

Criança e do Adolescente e que é contra, inclusive, a adoção internacional de

forma radical. Mas aí fica só no discurso, porque na hora que você precisa da

atuação do Ministério Público, ele sequer debate o assunto. O Desembargador

Lauro Augusto Fabrício de Melo, Poder Judiciário, Tribunal de Justiça,

Corregedor- Geral, não está aqui; o Desembargador Guilherme Luiz Gomes não

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está aqui; a Juíza Ana Paula Amaro da Silveira não está aqui; o Fabian

Schweitzer, Juiz de Direito, não está aqui; a Helen Crystine, Promotora de Justiça,

não está aqui. Cadê o Procurador-Geral, que deveria estar aqui? Com todo o

respeito que eu tenho ao Procurador-Geral de Justiça, ao Procurador-Geral do

Ministério Público, cadê eles? Cadê essa gente para debater esse assunto tão

importante? Por que anda? Anda porque tem gente da imprensa fazendo barulho

— e é fazendo barulho mesmo, porque é só assim que anda — e porque tem uma

CPI séria investigando. E olha que eu sou uma das maiores críticas do Poder

Legislativo. Eu posso dizer que é uma CPI séria porque tenho acompanhado esse

caso desde o início e estive em Brasília algumas vezes. E só vai mudar quando

tiver modificação na lei de adoção. E são, pelo menos, 40 artigos, segundo me

adiantou o Presidente, Deputado Arnaldo Jordy, que devem ser modificados.

Gente, isso aqui é desdém! É desdém!

O Poder Judiciário e o Ministério Público estão desdenhando desse caso,

estão desdenhando das crianças que estão na fila de adoção, estão desdenhando

das famílias que têm seus filhos retirados de dentro de suas casas. A gente falou

com essas crianças.

Elas disseram: "Nós não queríamos abandonar e ser retirados dos nossos

pais. Nós não queríamos. Nós queríamos ficar juntos." Os irmãos com os pais.

Então porque foram retirados? Eu perguntei, inclusive, para a promotora, que foi

quem pediu a destituição do pátrio poder, porque ela falou assim: "Não, porque

tinha um problema ali entre eles. Eles não podiam conviver juntos." E eu

perguntei: "Então, se não podiam conviver juntos, por que mandou todo mundo

para uma família do outro lado do mundo? Se o problema é que eles não podiam

conviver juntos, o que justifica juntar todo mundo e mandar para um casal

estranho?" Ninguém aqui falava uma palavra em inglês e lá ninguém falava uma

palavra em português. Já imaginou o que essas crianças passaram? E eu estou

falando de um caso. De um caso em que eu tive a sorte de encontrar uma CPI

séria no caminho para investigar! E os outros? E os outros?

Presidente, o senhor sabe que tem uma brincadeira aqui no Paraná que diz

assim: tem Poder Judiciário do Brasil e tem o Poder Judiciário do Paraná, que é

completamente diferente do Poder Judiciário brasileiro! Por quê? Porque o

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Presidente do STF nos recebeu. Estivemos lá. Eu, o Presidente Arnaldo Jordy,

outros integrantes da CPI. Ele nos recebeu. Joaquim Barbosa, que é, talvez, a

figura, a estrela do Poder Judiciário. E nos recebeu de bom grado. Foram 2 horas

de conversa. Recebeu todo o material. Começou a investigar. Vieram aqui e

deram uma batida no Tribunal de Justiça!

O Conselheiro Luiz Moreira, do Conselho Nacional do Ministério Público,

homem forte, arretado mesmo, entrou na causa. Mandou um ofício na nossa

frente para todas as promotorias no Brasil envolvidas nas questões de adoção,

querendo saber quem são as ONGs que atuam junto a essas promotorias e a

esses tribunais de justiça, essas varas, enfim. E por que lá em Brasília eles se

mexem e aqui ninguém se mexe? Será conivência? Omissão? Participação

direta? Eu não estou acusando, eu estou perguntando. Que bom seria se

houvesse alguém aqui para responder, algum integrante do Ministério Público ou

do Tribunal de Justiça! Eu já fui lá com uma câmera ligada, gente! Eu já fui lá com

uma câmera ligada, no Tribunal de Justiça! A resposta que eles deram foi chamar

a Polícia Militar. Essa é a resposta do Poder Judiciário. Bom, agora temos um

novo Presidente. Quem sabe a gente consegue uma resposta! O fato, Presidente,

é que uma sindicância foi aberta. E eu estive lá. Eu mesma entreguei nas mãos

deles 22 DVDs. Alguma resposta tem que ser dada.”

DEPOIMENTO DO SR. JEFFERSON LUIS BIANCOLINI - Advogado.

Disse que a Justiça, na realidade, está fazendo pouco caso do Estado do

Paraná com relação a essas adoções, que as chacotas do Ministério Público

continuam e as brincadeiras de que estão encaminhando crianças para a Rússia,

para a Polônia, para todos os lugares, continuam.

Fez ainda o seguinte relato: “Inclusive, trouxe a documentação aqui de uma

situação idêntica à dos meus clientes de São João do Triunfo, em que a

destituição foi feita pelo Ministério Público nos mesmos termos, ocorrida agora, no

dia 13 de agosto de 2013, que relata que o pai, alcoólatra, ao chegar a casa,

discutiu com a mãe; a mãe pegou uma faca, as crianças saíram correndo e

entraram em contato com os vizinhos; os vizinhos chamaram a Polícia, que

prendeu o pai; mas quem estava armada era a mãe. Em seguida, a mãe pratica

atos lascivos e de promiscuidade.

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Esses são os motivos principais pelos quais o Ministério Público está

pedindo a destituição do pátrio poder dos pais. Isso aí não pode mais continuar,

Excelência, Sr. Presidente. Já virou uma chacota: continuam as adoções;

continuam as irregularidades; as pessoas não foram afastadas, continuam

exercendo os cargos, continuam pressionando, continuam coagindo e continuam

ameaçando todos que estão envolvidos no caso, como se isso fosse terminar em

pizza — o que eu sei que não vai acontecer, porque eu conheço V.Exa., conheço

o Dr. Luiz Couto e a Joice. Não podemos mais deixar isso continuar.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA RIVONETE SANTOS - Mãe de crianças

entregues à adoção internacional em São João do Tri unfo, Paraná, objeto de

investigação.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Da primeira vez que nós estivemos

aqui, andavam uns carros estranhos passando, assim meio querendo parar lá em

frente de casa. Daí eu disse: “Eu vou ficar mais é fechada na casa, porque o

negócio está feio para o nosso lado, porque tem que ser alguma coisa conosco,

porque esses carros andando aí, estranhos, com placa de Curitiba...”. E tinha um

outro com placa de São Paulo. Daí eu saí ligeiro e vi a placa de onde era. (...)

Eu só consegui ler, assim, que um era de Curitiba e um era de São Paulo.

Tinha até uma caminhonete cinza. Não é a da Promotora porque a dela era de

outra cor. Só que passou um carro, e para mim era ela, um carro escuro. Eu não

vi por causa do vidro escuro. Eu falei para ele: “Tá feio para o nosso lado, nós

temos que...”. Cada vez que eu saia, vinha sempre me acompanhando. Eu

cheguei para o meu irmão e falei: “Olha, tem um carro me perseguindo.” Daí eles

disseram para eu ficar lá, não sair de lá, esperar... Eu fui embora de tarde, mas

não fui pelo mesmo caminho, fui por uns carreiros que têm lá.

Foi isso que ela falou, que ela estava proibida de conversar conosco, que

ela não podia ter contato mais, que ela estava proibida... Eles tinham arrumado

um advogado para ela. E ele falou mesmo para não era para ela ter contato mais

conosco, que agora ela não podia.”

Essas foram as principais contribuições trazidas à Comissão em relação a

esse caso investigado, no Estado do Paraná.

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13.4. CASO DE SUSPEITA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE

ADOLESCENTE NA PRAIA DE ITAPARICA EM VILA VELHA-ES

Trata-se de notícia trazida ao conhecimento da CPI pelo Senhor Márcio

Almeida, supostamente servidor público lotado no Ministério da Agricultura

(indicou os números de telefone (61) 9962 7246 e 8244 7410), por meio de

mensagem eletrônica enviada ao Senhor Secretário desta Comissão, narrando

fatos ocorridos na praia de Itaparica/ES, em 28/10/2012. Em resumo, a

mensagem traz indícios de exploração sexual de adolescente e da prática de atos

preparatórios para a saída de criança do território nacional, merecendo ser

esclarecida a delação encaminhada, salvo melhor juízo. A mensagem eletrônica em questão traz cópia do encaminhamento dos

fatos ao conhecimento da Polícia Civil do Espírito Santo, na pessoa do Delegado

Carlos Tadeu; no entanto, não há informação sobre a instauração de

procedimentos por parte daquela Polícia Judiciária estadual.

13.5. TRÁFICO DE CRIANÇAS EM BELO HORIZONTE E

BETIM - MG

Trata-se de caso trazido ao conhecimento da CPI pelo Defensor Público

Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, por meio do Ofício n. 32/2013 –

NIJ/DEIJCível-BH/DPMG, de 04/04/2013, que traz anexa decisão proferida pelo

Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Ricardo Cunha Chimenti, nos

autos do PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS n. 0005164-53.2012.2.00.0000(tramitou

perante o CNJ e lá foi arquivado por decisão proferida pelo Juiz Auxiliar da

Corregedoria Nacional de Justiça Ricardo Cunha Chimenti). Em resumo, o

Defensor Público em questão narra “(...) o reiterado deferimento pelo juízo da

vara cível da infância e juventude de Belo Horizonte de ‘guarda com fins de

adoção’ de crianças não inscritas no cadastro de disponíveis para adoção em

favor de casais habilitados, sem a devida intimação e o estabelecimento do

contraditório dos pais e membros da família extensa (...)”.

Providências do caso:

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• Juntada de Ofício n. 32/2013 – NIJ/DEIJCível-BH/DPMG e

anexos às fls. 42/47 do volume n. 36 do processo ostensivo;

• Na opinião do DPF Gustavo Almeida Bubolz, o caso deve ser

arquivado no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência

entre o caso e o objeto da Comissão; contudo, caso não seja este

o entendimento dos parlamentares, sugere-se:

- Oitiva do Defensor Público Wellerson Eduardo da Silva Corrêa,

para que sejam respondidos eventuais questionamentos por parte

dos parlamentares, bem como para que sejam indicados os casos

específicos de adoções com suspeitas de irregularidades.

Não foram feitos requerimentos e o caso parece não guardar

correspondência com o objeto de investigação desta CPI.

Além do caso acima citado, a CPI esteve no município mineiro de Betim

onde colheu depoimentos acerca da tentativa da retirada de um bebê do Hospital

local, mediante falsificação de documentos e falta atribuição de identidade,

supondo-se com vistas à entrega do recém-nascido a casal de outro Estado da

federação, estando abaixo resumidos os depoimentos tomados naquela

assentada:

DEPOIMENTO DO SR. TITO LÍVIO BARICHELLO - Delegado Titular da

3ª Delegacia de Polícia Civil de Betim, Estado de M inas Gerais.

Mencionou um caso ocorrido em Betim, em que o Diretor do Hospital

informou à Polícia que algumas informações não batiam, que a mãe não queria

amamentar e tinha confundido o nome de parentes, o que levou a uma

investigação imediata.

Fez o seguinte relato sobre o caso: “Quando chegamos lá, foi-nos

informado que uma parturiente de nome Selena, internada para ter ali seu filho,

apresentava um comportamento estranho, não queria amamentar e também

estava recebendo acompanhamento psicológico. Por quê? Porque ela havia

informado, no momento da internação, que tinha feito uso de drogas no passado.

E, automaticamente, quando ocorre tal situação, é colocado um psicólogo à

disposição do paciente, para verificar como a mãe irá se portar em momento

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posterior, como a criança será tratada, onde irá trabalhar, onde está o pai. E, em

virtude disso, essa paciente, essa parturiente que se autodenominava Selena

acabou por confundir o nome de seus parentes.

Preocupados, os membros desse estabelecimento de saúde, o Diretor, o

assistente social e o psicólogo nos trouxeram esses dados. Imediatamente

verificamos a documentação apresentada e que se tratava de cópias autenticadas

de um RG e de um título de eleitor de um cartório de Rondônia. E que esses

documentos, à primeira vista já notamos, apresentavam divergências entre a data

de nascimento que constava no RG e no CPF — ou seja, datas distintas para a

mesma pessoa.

Desconfiados de toda essa situação, continuamos conversando e a

assistente social mencionou a insistência da pessoa que havia internado a

parturiente, de nome Cláudia — essa funcionária pública —, em liberar a sua

paciente, liberar a pessoa que ela tinha internado, juntamente com a

acompanhante Eliane. Então, Eliane e Cláudia tentando, de todas as formas,

liberar essa paciente. Segundo foi verificado, houve mais de 15 ligações da

Cláudia, funcionária pública do Município, tentando liberar essa paciente, apesar

de os médicos avisarem que a criança não poderia ter alta ainda, por questões de

saúde. (...)

Em regra, as pessoas querem alta, querem a liberação quando sabem que

estão bem, que está tudo correto. Querem ir para casa, naturalmente. Agora,

quando se informa que uma criança precisa ficar para fazer novos exames,

ninguém pede a saída imediata, pelo contrário. Então, isso chamava a atenção.

Conduzimos, então, a acompanhante Eliane à delegacia de polícia, onde

ela trouxe várias falácias, várias inverdades, informando que quem estava ali

internada era Selena, sua amiga advogada. No momento em que os nossos

policiais iniciaram uma investigação rápida, célere, perfunctória, em virtude

daquele momento, chegaram à conclusão que as imagens, que a fisionomia da

Selena, advogada e psicóloga que mora em Rondônia, não era similar à imagem,

à fisionomia da parturiente que se denominava Selena.

Com a autorização do Hospital Regional de Betim, do Dr. Guilherme,

trouxemos imediatamente à delegacia de polícia a senhora..., a parturiente que se

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autodenominava Selena. E aí, com técnicas policiais, passamos a conversar com

ela, já que ela se autodenominava advogada e psicóloga. Verificamos que ela não

sabia nem onde era formada, que as informações não eram verdadeiras. E

conseguimos, então, a confissão, a confissão expressa de que, na realidade, ela

estava utilizando documentos que não lhe pertenciam. E, com base nessa

confissão e em outras investigações, concluímos, em um inquérito policial, que o

que ocorreu foi que uma mãe denominada Janaína, do interior de Minas Gerais,

de São João del-Rei, que teve — Excelências, desculpem-me por dizer isso — a

coragem de ter a criança, porque muitas mães são covardes e optam pelo

aborto... Ela teve a coragem de ter o filho, de uma relação aparentemente não

querida, e passou a ofertar essa criança em um site, pela Internet.

Uma pessoa, no caso, Selena, a verdadeira Selena, advogada e psicóloga,

lá de Rondônia, então, passa a contatar, através do site, Janaína, informando que

tem interesse. E usa um pseudônimo, o pseudônimo de Sofia. Para conseguirem

contato com Janaína — a mãe, grávida, em São João del-Rei —, segundo consta

do inquérito policial, Selena e seu marido, Breno — Breno, advogado famoso e

conhecido em Rondônia, com mais de 500 alunos, professor universitário,

mestrando em Direito — buscam apoio em quem? Num empresário de Belo

Horizonte, que se chama Alexandre, um empresário de sucesso do ramo de

escapamentos, e também em sua esposa, Eliane, empresária também de

sucesso, do ramo de turismo. E Alexandre e Eliane vão, então, a São João del-

Rei verificar as informações. Fazem a viagem — temos provas dessa viagem — e

contatam lá com Janaína, verificam que não se trata de estelionato, que, aliás, é

comum — não é? — , nessas situações, pessoas oferecendo bens ou vantagens,

e, na realidade, não as têm, muitas vezes, para ofertar, tratando-se, no caso do

crime de estelionato — 171. Mas não era. Havia, então, efetivamente, uma mãe

que tinha interesse em se desfazer da criança. Então, Eliane e Alexandre, com o

apoio de Cláudia, no nosso compreender — isso está no inquérito —, passam a

intermediar a vinda de Janaína, a mãe, para Belo Horizonte. Janaína passa

aproximadamente 4 meses, então, em Belo Horizonte, com todas as despesas

custeadas por quem? Por Selena e por Breno.(...)

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Então, no caso concreto, nós temos o quê? Janaína, a mãe, grávida,

morando, nesse momento, em Belo Horizonte, com todas as despesas pagas por

quem? Por Breno, advogado, e por Selena, advogada e psicóloga, que residem

em Rondônia. Segundo compreendemos com o inquérito policial, depois de um

certo período, todas as despesas foram pagas... Temos, inclusive, mensagem

telefônica, que consta em laudo, juntada ao inquérito, que ocorreram algumas

transferências bancárias.

Mas deixo já consignado aqui que não tivemos ainda acesso à quebra de

sigilo bancário. Já requeremos ao Poder Judiciário quebra do sigilo telefônico e

bancário, não interceptação telefônica — quebra de sigilo para verificar as

ligações, porque nós temos as mensagens e os telefonemas da época, mas não

temos ainda todas as ligações feitas.

Então, nesse contexto, escolhem o Hospital de Betim por quê? Segundo o

nosso compreender — isso está no inquérito, por isso quero repetir —, a Cláudia,

funcionária pública do Município, tem acesso ao hospital e o faz de forma clara,

porque passa a ser responsável pela internação de Janaína. Com os documentos

de quem? De Selena. Então, aqui, Eliane e Cláudia, além de darem o apoio

material, passam a cobrar, em momento posterior, dos membros desse hospital a

liberação imediata da criança que ia nascer, filha de Janaína.”

DEPOIMENTO DA SRA. ELIANE CRISTINA GONÇALVES FIGUEI REDO

AZZI - Depoente. Empresária do ramo de turismo.

Disse, a respeito do ocorrido no Hospital Regional de Betim, que Selena é

prima do seu esposo, Alexandre, mora em Rondônia e foi a Belo Horizonte fazer

tratamento para poder engravidar.

Passou em seguida a relatar os seguintes fatos: “Eu não podia ter filhos há

10 anos, ela também não podia...Eu tenho um filho adotivo legalmente... Então,

ela viu essa história minha, com o meu filho, da nossa família, de eu também não

poder engravidar. Fiz fertilização também. Não podia... Enfim, ela viu que o meu...

Eu tenho dois outros filhos biológicos, posteriores à adoção do meu primeiro filho.

Eu engravidei naturalmente da minha segunda filha. Posteriormente, há 7 anos,

engravidei novamente, por força de Deus. Enfim, ela conviveu com a gente

algumas semanas e viu o nosso tratamento. Não tinha diferença nenhuma. O

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amor é o mesmo. A forma de como eram tratados os outros dois isso independe.

Ela foi embora e parece que ela ficou muito comovida com a minha história. Ela

foi embora e alguns meses depois ela nos ligou, ligou para mim e para o meu

marido, dizendo que tinha entrado num blog e conversado com uma moça, que

seria a Janaína, que queria doar o bebê por não poder criá-lo. E ela solicitou que

nós fôssemos a São João del-Rei para conhecer pessoalmente essa moça,

porque Internet é uma coisa e pessoalmente é outra.

Então, a gente queria saber como que seria esse processo, porque a gente

queria, ela queria uma adoção. Não existe venda, não existia compra, não havia

nenhum interesse em relação a isso. Fomos a São João del-Rei... Antes de ir a

São João del-Rei, nessa mesma ligação, eu e meu marido, nós nos sentimos

lisonjeados com a situação dela, de poder ajudá-la, porque a gente estava

achando que era uma forma de agradecer a Deus o que Ele fez comigo e com o

Alexandre. Foi uma forma de a gente ter gratidão a Deus, porque o nosso sonho

era ter o nosso filho, e a gente se viu diante de uma pessoa que estava com o

mesmo problema que a gente.

Eu e meu marido choramos na hora e agradecemos a Deus a oportunidade

de a gente poder retribuir a Ele o que Ele fez conosco. Fomos a São João del-Rei,

encontramos com ela numa praça, conversamos com ela, perguntamos qual era a

real intenção dela em doar a criança, por que ela estava fazendo isso, e ela nos

relatou o motivo por que ela estava fazendo isso. Ela realmente não queria. Ela

queria doar, sim, a criança, ela já tinha dois filhos, foi fruto de um relacionamento

não planejado, mas isso cabe a ela.

Então, a gente saiu de lá, fizemos algumas perguntas e ficamos cientes de

que não haveria o arrependimento dela, que ela estava, sim, preocupada em

achar um casal de bem para cuidar do filho, que ela já se reportava que não era

filho dela, que era filho da Selena, porque ela já vinha conversando com a Selena

algumas vezes. Até então, eu não conhecia a Janaína. Quem me falou da

Janaína foi a Selena, que me solicitou que fosse lá conversar. Então, ela impôs

nessa conversa de São João, ela impôs três coisas. A primeira que, quando ela

tivesse 6 meses de gravidez, que ela mudasse de São João, porque ninguém

poderia saber da gravidez dela.

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Segunda coisa, que ela traria o bebê dela, de 2 anos, que ela tem um bebê

de 2 anos. E terceira coisa, que o nome dela não poderia aparecer pelo fato de

ninguém poder saber dessa gravidez. Nós não respondemos nada a ela, nem eu,

nem meu marido Alexandre. Nós voltamos para casa e passamos as três

exigências dela para a Selena e o esposo. Eles concordaram.

Então, quando deu 6 meses que ela estava de gravidez, porque ela até

então acreditaria que até os 6 meses ela conseguiria levar a gravidez adiante lá

em São João sem que ninguém soubesse, e aí, deu 6 meses, a Selena acordou

que ela poderia vir para Belo Horizonte, ela alugaria uma casa para ela e a

subsistência dela seria dada pela Selena. O que era a subsistência? Para a

criança, era alimentação e um lugar digno para ela morar, para ela se estabelecer

bem com a criança. Tanto que a preocupação dela, se ela ia ficar no lugar, se era

sozinha com o filho dela, de 2 anos, como que seria.

Então, eu por estar em Belo Horizonte, eu auxiliei ela, aluguei a casa para

ela, e a Selena enviava para mim o dinheiro somente para a alimentação e o

aluguel dela. A alimentação dela eu que comprava. Não passou nenhum dinheiro

pela mão da Janaína. Tudo que ela solicitava eu fazia, eu atendia, eu cuidava. Eu

já tinha um amor pela criança, e eu seria a madrinha da criança. Enfim, não houve

nenhum valor que ultrapassasse o valor de subsistência dela em Belo Horizonte.

Bem, acompanhei ela nesses 3 últimos meses. Ela entrou em trabalho de parto,

me ligou, a gente tinha... Ela já tem um histórico que utilizava drogas, bebida

alcoólica.

Então, nós já tínhamos pensado na maternidade de Imbiruçu, por ser uma

maternidade de referência. Então, se tivesse algum problema no parto, a gente

estava dentro de uma maternidade de referência. Infelizmente, eu não soube

chegar na maternidade de Imbiruçu. “Eliane, eu não vou; eu passei do endereço.”

Liguei para a Cláudia, e falei com a Cláudia: “Me explica..., mas ela está com

muita dor. Ela está entrando em trabalho de parto.” A Cláudia: “Eliane, eu não vou

conseguir te orientar daí. Você sabe chegar ao Hospital Regional?” Eu falei: “Sei.”

Ela falou assim: “Então, pode ir que eu vou e te ajudo.” Ótimo! Chegamos lá,

demos entrada. A médica atendeu, pediu que — estava com 4 centímetros de

dilatação —esperássemos mais um tempo. Aí, depois, quando foi para a gente

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entrar novamente para ela poder... porque ela já estava, sim, em trabalho de

parto, não tinha médico que pudesse atendê-la. As recepcionistas do hospital não

nos dispensaram. Ela disse: “Olha, se vocês quiserem ficar aqui, eu só não sei o

tempo, mas eu vou ter que fazer a ficha de vocês.” Eu estava dentro, com ela, do

banheiro, ela quase deitada no chão, já em trabalho de parto. A Cláudia fez a

entrada dela, e nós conseguimos que ela tivesse o bebê. Eu assisti ao parto.

Como eu falei com vocês, eu estou aqui para falar somente a verdade, eu

não tenho nada a omitir, nem mentir. Estou falando para todos vocês que não há

mentira nenhuma. Eu já amava esse bebê. Eu fiquei com esse bebê. Eu fui ao

ultrassom com o bebê. Eu cortei o cordão umbilical dessa criança. Quem me

solicitou isso foi a própria médica, porque ela viu a minha preocupação. Eu estava

em oração com a Janaína, quando ela estava em trabalho de parto. Eu estava em

pé, segurando a barriga dela, dando força para ela. Eu cortei o cordãozinho do

bebê. Eu segurei ele nos meus braços. Depois disso, nós fomos para o quarto. Eu

não dei só assistência à Janaína, não. Eu dei assistência a outras mães que

estavam lá, e que tinham acabado de ter o parto, e que não tiveram assistência

das enfermeiras.

Eu tenho amor à criança. A minha vida profissional começou dentro de uma

escola de freiras. Eu dava aula para crianças de 1 a 3 anos de idade. As freiras

são loucas comigo, os pais. Por quê? Porque realmente a gente gosta, eu gosto

de criança. Então, passado isso, passei a noite com a Janaína. Cuidei do bebê,

coloquei para ela: “Pode descansar. Eu fico. Eu te ajudo.” Ela: “Eliane, você tem

três bebês, pode ir embora.” Eu falei: “Não, tem pessoas lá em casa.” Inclusive o

bebê dela, de 2 anos, ficou com a minha mãe, na minha casa, sendo muito bem

cuidado. Ela colocou que ela tinha uma confiança muito grande em mim. Quando

eu pegava o bebezinho dela, ela percebia isso.(...) Eu tenho três filhos. Era o

meu sonho ser mãe. Então, eu passei, sim, a noite com ela pelo fato de ela ter

acabado de ter tido um bebê. No dia seguinte fui embora, e o médico-pediatra

disse que o bebê não poderia ter alta. Foi onde eu questionei: “Algum problema?”

A gente ficou com medo pelo fato do uso de drogas, de álcool ter afetado alguma

coisa na criança. Por quê? Porque os exames não deram nada. Os exames de

pré-natal não tinham dado nada. Então, nós ficamos preocupados. Ele não nos

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mostrou o resultado. Ele só disse que o bebê ficaria. Então, a gente ficou

preocupada. A própria Janaína ficou preocupada, sim, por que o bebê não teria

alta. Aí, a gente ficou preocupada... Enfim, eles não mostraram para gente nada.

Ela colocou para mim. Eu fui em casa, tomei banho. Ela me ligou: “Eliane, eu

estou de alta. O bebê está com icterícia. Ele só possivelmente voltará para o

quarto na sexta-feira. Então, você vem me buscar?” “Claro que eu vou te buscar!”

Isso é uma questão de humanidade. A menina tinha acabado de ter um bebê.

Como ela pegaria um ônibus, ou qualquer coisa sozinha? Ela estava em Belo

Horizonte, sozinha.

A referência dela aqui era eu. Eu fui buscá-la, sim. O bebê estava

internado. Chegando lá, ela não estava na enfermaria, disse que foi buscar a alta

dela, eu fiquei aguardando. Foi onde que o delegado (falha na gravação) chegou

e me pediu pra acompanhá-lo até a delegacia. E aí foi feita a minha prisão em

flagrante de tráfico de bebê. E eu não vi isso. Tráfico de bebê realmente eu não...

Eu fui, não sei como que é a palavra certa, mas eu fui colocada, eu fui exposta

como traficante de bebê.

Até então, dia 10 de setembro, eu nunca tinha pisado numa delegacia

(choro), eu nunca tinha feito uma ocorrência policial, um boletim policial. Nunca na

minha vida! Eu tenho 37 anos, eu nunca pensei em entrar num camburão

algemada. (...) Os meus filhos ficaram 10 dias sem ir à escola. Fiquei, pela

primeira vez, 11 dias sem ver os meus filhos, por uma injustiça, porque não existe

o tráfico.

Eu me vi numa condição, eu me vi numa condição de ajudar uma pessoa

que queria fazer o mesmo que eu há 10 anos atrás, de ter um filho, entendeu?

Então, eu só pensei no momento dela. Eu pensava o tempo todo era no bebê, de

ela ter a possibilidade de ser mãe. Era um amor incondicional. É um amor maior.

E, aí, eu me vi, até o dia 10 de setembro, eu era uma pessoa normal, Sr.

Deputado, depois disso, eu não sou uma pessoa mais normal. Eu não posso ir na

escola dos meus filhos, sabe por quê?

Porque eles colocaram pra mim que eu corro risco à sociedade, aos filhos

da escola. Porque eu represento risco, eu posso sequestrar uma criança da

escola pra vender. Isso é uma inverdade, sabe? E eu não tenho... Graças a Deus,

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os meus filhos são de 10, 9 e 3 anos, porque se eles fossem um adolescente,

eles estariam expostos, sim. Porque criança, adolescente eles estão na internet,

sofrem bullying. Graças a Deus, os meus filhos não estão correndo esse risco. A

diretora me chamou na escola e pediu, muito educadamente...

Eu fui levar meus filhos de manhã na escola para uma excursão, e fui dar

uma orientação para a professora, por causa que ia ter nado, os meninos não

sabiam nadar. E aí, quando eu chego em casa, à tarde, a diretora me liga:

“Eliane, gostaríamos que você por enquanto não entrasse na escola, porque

vieram algumas mães colocar que você representa risco à escola”. Uma escola

onde eu tenho três filhos, e um deles, o que é adotado, ele tem problemas de

transtornos. (Choro.) A gente está com tratamento psicológico com ele. Ele não

acompanha a escola. Eu sou uma mãe que eu tenho que praticamente

diariamente estar na escola em reunião, é em terapia, em psicólogo com meu

filho. Como que meu filho agora, no final do ano, vai ter um acompanhamento da

mãe na escola, sendo que a mãe está privada disso? A mãe não pode estar na

Feira de Cultura deles, do trabalho deles. Por quê? Porque ela não pode sair

sábado, domingo e feriado. Porque 8 horas da noite ela tem que estar em casa.

Eu não sou o que estão colocando. Eu não sou traficante de nada.

Eu sou uma pessoa trabalhadora, tenho minha família, que nunca peguei

nada de ninguém, nunca precisei pegar um real de ninguém pra benefício próprio.

Eu nunca, nunca! Tanto que o dinheiro que a Selena me enviava para o

pagamento da menina, o quê que acontecia? Eu falava com ela: “Deu. Tem as

frutas, tem isso, tem aquilo. Está tranquilo. Não preocupa”. Era exatamente, era

principalmente, somente para pagar a subsistência, alimentação e o aluguel da

Janaína em Belo Horizonte. Eu só queria colocar que foi um ato de amor de

verdade. Amor é sentimento, sim. Amor não é que você está pegando uma

criança de uma e dando pra outra. Não foi esse o caso.

Não foi esse o caso. Eu fiz, sim. Eu me prontifiquei em ajudar quando ela

veio me pedir ajuda, porque eu identifiquei com o meu caso, por isso que eu

ajudei, a possibilidade dela ser mãe. Foi isso que eu fiz.”

DEPOIMENTO DO SR. ALEXANDRE CASTIEL AZZI – Depoente.

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Prestou o seguinte depoimento: “Eu não vi a Selena e não conhecia o

marido de Selena até o começo deste ano. Eles vieram a Belo Horizonte em

busca de um tratamento de fertilidade, o mesmo tratamento de fertilidade por que

eu havia passado junto com a minha esposa há 10 anos. Eu posso assegurar aos

senhores que querer ser pai e querer ser mãe dá sentido a uma vida. É só isso.

E eu posso assegurar ao senhor, conforme eu falei na delegacia de polícia,

que adoção é um ato de amor, e quem não reconhece a adoção como ato de

amor ou é muito insensível ou não tem capacidade de doar amor a um terceiro.

Então, eu gostaria de colocar que, quando Selena e Breno vieram a Belo

Horizonte, nós nos identificamos com a situação passada por eles naquele

momento. Eles faziam um tratamento de fertilidade que a gente havia passado

igualmente há 10 anos. E hoje eu posso afirmar aos senhores que, graças a

Deus, o meu tratamento de fertilidade não deu certo, porque eu tive a experiência,

a maior e melhor experiência da minha vida, de praticar uma adoção, uma adoção

regular e com sentença transitada em julgado.

E hoje eu posso olhar de forma igualitária nos olhos dos meus três filhos e

falar, olhando no fundo dos olhos deles, que eu os amo profundamente, de uma

forma igualitária, sem distinção nenhuma, de nada, absolutamente nada, nada,

nada. Então, aos insensíveis, às pessoas que talvez não enxerguem amor numa

adoção ou num ato de carinho e de solidariedade, eu até indicaria que se sentisse

na própria pele, pois eu acho que seria algo extremamente gratificante do ponto

de vista humano. E, quando Selena esteve em minha casa, ela fez o tratamento,

ela foi ao médico e ela pôde acompanhar, de uma forma muito próxima, o nosso

amor e o nosso carinho pelo meu filho adotivo, que é um tratamento, como eu

coloquei, extremamente igualitário ao das outras crianças.

Acabado o tratamento, ela voltou a Rondônia e, a partir daí, não sei se por

influência nossa, ela entrou na Internet num blog de adoção, sem nenhuma

indicação, sem nenhum contexto de que a gente tenha falado nada sobre isso.

Ela viu, ela presenciou isso. E ela entrou num blog de adoção por iniciativa

própria e conheceu Janaína. E, a partir do momento que ela conheceu Janaína,

ela passou a trocar e-mails com Janaína. Eu nem sei muito ao certo, eu não

participei disso, mas ela passou a trocar e-mails com Janaína. E certo dia ela

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ligou para mim e minha esposa e colocou: “Olha, eu conheci, através de um

blog...” E o blog está na Internet, para quem quiser acessar, não é, gente? Isso aí

eu acho que é... não é? “Conheci, através de um blog, uma moça, essa moça é

de São João Del Rei, e eu tenho muita preocupação de que essa história seja

verdadeira. Eu tenho muita preocupação de saber da índole dessa moça, de

saber o contexto que está inserido nisso. Como vocês estão aí a cento e poucos

quilômetros de São João Del Rei, vocês poderiam comparecer a São João Del

Rei, para ter o conhecimento dessa moça?” Eu e minha esposa nos sentimos

lisonjeados no sentido de que Deus nos dava a oportunidade naquela situação de

partilhar um presente chamado Rafael, que tem na nossa vida hoje, e a gente

poderia retribuir à vida esse presente chamado Rafael, que...

Quando eu saí de viagem com a minha esposa, saímos nós dois, eu

lembro que quando a gente chegou ao Viaduto da Mutuca, eu me lembro até do

lugar... A gente chegou ao Viaduto da Mutuca, eu peguei na mão da minha

esposa e falei: “Olha, Deus está nos dando uma oportunidade de retribuir em vida

a alegria que ele nos deu. E nós vamos fazê-lo. Vamos com amor no coração,

vamos com muito carinho e vamos retribuir isso à vida”. E nós fomos. E

chegamos a São João Del Rei, marcamos num supermercado, era um centro

comercial, marcamos num restaurante com um lugar de espera. Marcamos de

esperar a Janaína chegar.

Chegando a Janaína, nós conversamos, e eu fiz muitas perguntas à

Janaína no sentido da segurança dela de doar a criança, se havia livre e

espontânea vontade na questão, o que havia... Se havia livre e espontânea

vontade na questão, se realmente ela fazia uma doação sem arrependimento

futuro, e isso eu pedi para que ela colocasse num papel, numa folha, numa folha

de caderno. E a Janaína, numa folha de caderno, ela pegou e ela teve extrema

dificuldade, ela teve extrema dificuldade de colocar numa folha de papel que ela

estaria doando um filho seu. Depois de ela pensar, de tudo, a finalização da

redação dela foi que ela estaria doando o bebê que ela estaria gerando. Esse

papel está juntado ao inquérito, os senhores podem ter acesso a ele, e é um

papel assinado pela Janaína. E nós tivemos o cuidado de pegar a identidade da

Janaína também para conferir a assinatura dela.

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Posteriormente, voltamos, relatamos o fato à Selena e ao Breno de que

realmente ela queria doar por uma situação pessoal dela. O bebê era fruto de

traição, de um relacionamento extraconjugal, ela teria que esconder isso de

qualquer meio, mesmo porque ela decepcionaria muito a sogra dela, a quem ela

devia muito respeito. Em que pese não ter um bom relacionamento com a mãe,

tinha um ótimo relacionamento com a sogra. A sogra inclusive havia lhe prometido

parece que uma casa, e ela tinha dois filhos naturais com esse marido, no caso. E

esse marido estava fora, fazendo um curso de chefe de cozinha. E, quando eu

voltei, relatei tudo isso ao meu primo.

Ah, eu queria salientar uma coisa muito importante. Eu fui a São João Del

Rei às minhas expensas, a questão do almoço foi às minhas expensas, eu não

pedi 1 centavo para ninguém. Eu fiz um ato que eu julgo ser um ato de que eu

poderia ajudar a realizar um sonho de maternidade e de paternidade que outrora

eu tinha sonhado com todas as minhas forças. E, posteriormente a isso, voltei e

relatei à Selena e ao Breno todo o ocorrido, inclusive o fato de ela ser usuária de

drogas, o fato de ter sido traição.

Relatei tudo, relatei toda a questão. A partir daí, eu meio que — usando

uma linguagem figurada —, eu meio que saí de cena. Eu passei tudo isso a eles e

pensei aqui comigo: “Agora a decisão é deles, eles vão querer saber o modo que

vai ser feito, como vai ser feito e tudo o que vai ser feito”. O que eu realço para

vocês é que sou pai adotivo de uma adoção absolutamente regular. Foi psicóloga

à minha casa, aliás, eu fui entrevistado por uma psicóloga, eu lembro que na

entrevista chorei muito; assistente social foi à minha casa, e eles fazem coisas...

Eu estou contando com minúcias para vocês verem, em que pese a sentença

estar transitada em julgado, mas eu quero elucidar bem isso. A assistente social

vai à sua casa e, além de conversar com você, ela faz um trabalho de abrir

geladeira e de uma série de coisas que... É interessante. Mas aí eu voltei e relatei

isso a eles e meio que saí de cena, eu não tenho mais conhecimento do que... Eu

via que depois Breno e Selena se comunicavam com Eliane, Selena

principalmente se comunicava com Eliane, e Eliane com Janaína, mas, a partir

daí, eu meio que saí do contexto.”

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DEPOIMENTO DA SRA. CLÁUDIA GONÇALVES DENISE GIANI –

Depoente.

Prestou osseguintes esclarecimentos: “Tenho dois filhos. A minha irmã tem

três; eu tenho dois. Um é adolescente. E antes de vir para cá, ele falou comigo:

“Mãe, fala a verdade, você não está falando a verdade? Por que todo mundo,

ninguém até agora falou a verdade? Nós temos te acompanhado, a gente sabe

quem somos nós e por que eles não colocam a verdade, somente a verdade?” Eu

não soube explicar para ele. Ele tem 16 anos, é um adolescente. Eu tenho a

minha filha de 12 anos, moro em Betim há 19 anos. Morar em Betim hoje pesa

muito — muito —, porque eu perdi o meu emprego, perdi a minha vida, perdi a

credibilidade.

Estou sendo julgada por pessoas que me conhecem, não me conhecem.

Graças a Deus, umas me conhecem e sabem da minha índole, mas outras não

me conhecem e me julgam. Isso, hoje, Deputado Arnaldo, é muito, muito, muito

precioso na minha vida. Porque a minha mãe sempre ensinou para a gente que a

gente tem que sempre falar a verdade. E eu passo isso, desde que os meus filhos

nasceram, que a gente tem que falar a verdade. Por isso o meu filho me

questionou ontem, antes de vir para cá, e eu não soube respondê-lo. Gente, do

fundo do meu coração não soube respondê-lo. Estou com um pesar muito grande.

Estou sendo acusada de uma coisa que eu não fiz. Dia 10 de setembro eu

dormi uma cidadã normal e dia 12 eu fui acusada de ser traficante. Isso pesa

muito. Se vocês querem saber isso pesa muito na minha vida, muito. Eu tenho

olhado... Quando a minha irmã foi presa, eu fiquei com três crianças: uma que

tem um problema de saúde, que é o filho adotado dela, e outros dois, duas

crianças que choravam de manhã, de tarde e de noite, por causa dela. Então,

ela não é uma má pessoa, ela não é uma mãe que abandona os seus filhos. E eu

tive essa, graças a Deus, incumbência de olhar os meus sobrinhos, juntamente

com os meus filhos. Passei por uma situação muito complicada. A minha irmã tem

uma agência de turismo. Cheguei lá, de repente, apareceram seis carros da

polícia, com sirene ligada. Eu me senti a pior pessoa da minha vida. Porque eles

foram atrás de mim e me falaram que tinham um mandado de prisão, que tinha

uma pessoa foragida. Gente, não existe isso!

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Olha para uma mãe, olha para a minha mãe que está na casa dela, que

não tem condição nem de levantar da cama de manhã, com tranquilidade, ver as

duas filhas acusadas de serem traficantes de bebês. Eu trabalho na Prefeitura

tem 14 anos. Eu fui mandada embora sem nenhuma pena e nem piedade. Sabem

por quê? Porque a mídia julga. Eles não querem saber os fatos. Por isso,

Deputado Arnaldo, eu gostaria de agradecer imensamente a oportunidade que o

senhor nos está dando. Não sei por qual motivo que o senhor... Não é?

Eu não entendo, muito, eu sou muito leiga nessas questões. Mas eu

gostaria de agradecer do fundo do meu coração. A minha participação na questão

desse envolvimento, na situação que aconteceu... Eu conheci Selena, que é

prima do Alexandre, no início do ano, não sei a data, e ela veio visitar o

Alexandre. Veio fazer um, pelo que ela falou, veio fazer um exame, que também

não sei falar com o senhor. Encontrei com ela na casa de Eliane, porque, graças

a Deus, a minha família é muito unida. Por isso é que estão todos aqui e estão

todos muito, muito, muito tristes. Porque são três famílias que o senhor não tem

noção do acontecimento: estão todos arrasados. Todos, todos muito — sabe? —,

muito chateados com a situação.

E o que acontece? Eu encontrei a Selena, conheci a Selena na casa de

Eliane. A gente é muito unida: eu e Eliane. Nós somos quatro irmãs. E ela veio e

pronto! Depois, Eliane me ligou, conheci a Selena na casa de Eliane. Depois,

mais para a frente, eu soube que a Janaína viria para ganhar o nenê. E aí não tive

participação, não tive acesso, não tive, não conversei hora nenhuma com ela. A

minha irmã me ligou, 5 horas, manhã mais ou menos, e falou comigo que a

menina estava em trabalho de parto, com muita dor e se eu não poderia

acompanhá-la ao hospital, que seria a maternidade. Maternidade porque ela era

usuária de droga. E ela nem tinha feito o pré-natal, pelo que a Eliane tinha me

falado. Aí nós... Eu falei: “Eliane faz o seguinte: vem que eu encontro você”.

Passou um tempo, eu liguei para a Eliane ou a Eliane me ligou, eu não me

lembro, porque se tiver, também nas investigações do celular vai saber, porque

está tudo escrito lá.

Tudo o que eu estou falando tem como comprovar. Eliane foi e falou

comigo assim... Eu falei: “Onde você está?” Ela falou: “Eu estou aqui perto da

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Pepsi”. Aí eu virei e falei assim: “Ah, mas aí eu não sei lhe falar como é que você

vai, porque a maternidade você tem que entrar ali perto da Petrobrás, da FIAT,

sentido a Teresópolis; mas, Eliane, não vai, não, porque eu não sei lhe falar; vai

perder, e, como a menina está sentindo muita dor, vem pro Regional". Eu moro

próxima ao Regional, meu endereço é próximo ao Regional.

Viemos próximo ao Regional. “Eu te encontro lá”. Encontrei elas. Chegou, a

menina estava com dor. Entrou no hospital. A Eliane acompanhou ela.

Até então eu estava como acompanhante. E aí ela foi consultada pela

emergência. Depois a médica pediu para ela fazer uma caminhada, porque ela

estava, não sei, 3, 4 centímetros de dilatação, para ela fazer uma caminhada,

porque tinha outras pacientes, e melhorava quando ela voltasse, assim, facilitava

o parto, a dilatação. Aí, nós ficamos lá fora. A menina ficou com a gente, nós três.

Ela até falou que não queria o menino. Ela agachava. Ela fazia agachamento. Ela

pulava. Ela corria: “Esse menino tem que sair logo, eu não quero ele mais”, e tal.

E aí deu 7 horas e meia. No que deu 7 horas e meia, nós não entramos pela porta

de emergência; nós entramos por outra porta. No entrar nessa outra porta, a

menina estava com mais dor, a dor frequente. E atrás, uma pessoa falou assim —

do hospital que eu não sei falar com o senhor: “Não tem médico aqui hoje, a

médica que está de plantão já foi embora e não tem médico Então, não atende os

pacientes, não”. Aí a Janaína falou assim: “Mas e eu, eu estou passando muito

mal”. Ele falou: “Não sei”. Aí eu, trabalho há 14 anos na Prefeitura, tenho

conhecimento, tanto é que, quando eu fui para a delegacia, a primeira pessoa,

antes de chegar à delegacia, que eu liguei, o Dr. Tito está aí e ele pode me

comprovar, eu liguei foi pra ele, não foi Dr. Tito? Eu liguei pro Dr. Tito.

A gente tem conhecimento, sabe, Dr. Arnaldo? A gente tem os telefones

das pessoas. Então, eu pensei, naquela hora ali, no Guilherme. Por quê? Porque

falou que não tinha médico. A pessoa que me veio à cabeça foi o Guilherme. O

Guilherme me conhecia sim, me conhecia, porque a gente trabalhou junto.

Desculpa, nós trabalhamos juntos, não, nós nos conhecemos porque houve um

trabalho que foi feito na ASMUBE, a gente se conhecia, sim. Amizade não. Nós

não éramos amigos, mas de conhecido, sim, como eu conheço várias pessoas. A

gente tem acesso às pessoas. Por quê? Eu trabalhava no setor de estágio da

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Prefeitura, na Secretaria de Administração, então, eu tenho o telefone dessas

pessoas em meu celular. Aí a menina da recepção ainda falou assim: “Você tem o

telefone do Guilherme para me passar, porque às vezes a gente quer falar com

ele e não consegue”. Eu passei o telefone pra menina.

E, nesse meio tempo, a Janaína passou mal, e a Eliane foi pro banheiro

com ela. A menina falou assim: “Não, vou esperar eles falarem que aqui não tem

médico, não. Ela está passando muito mal, me dá o documento dela”. Eu peguei

um documento, que era um papel ofício, que fala, entreguei pra menina, que era a

bolsa dela em que estava o documento. Entreguei pra ela. (...) E aí entrou, a

Eliane passou mensagem para eu levar a máquina fotográfica, tem isso no celular

dela também, para ela levar a máquina pra tirar foto do neném, ainda falou assim:

“Eu vou assistir ao parto”. Tem no celular também mensagem. Ainda falou

comigo: “Eu vou assistir ao parto. Traz a máquina”.(...)

A minha identidade está lá. Hora nenhuma, eu não falei que eu era outra

pessoa; hora nenhuma, eu não assinei errado; hora nenhuma, eu não dei as

caras. Quando eu entrava no hospital, eu sempre apresentava a minha

identidade. Não existe jaleco branco dentro de hospital. Se existir, eu gostaria

muito que me provassem isso, porque não existe. Falei com o Guilherme, sim. A

Eliane internou com a menina, acompanhou ela, ganharam neném, foi tudo bem.

No outro dia, levei um lanche para ela no hospital. Se tiver a câmera,

também se pode comprovar isso. Quem estava lá fora? Guilherme e... Eu não sei,

não me recordo bem se era Marcos ou Márcio. Estávamos eu e minha irmã. Ele

apresentou para a gente esse rapaz, que me parece que era do administrativo ou

do financeiro, não sei. E ele comentou comigo... Conversamos lá fora. Durante 2

minutinhos, conversamos, e ele falou comigo: “Qualquer coisa que você

precisar....” Ainda falou: “Você está aqui por qual motivo?” Falei: “Minha irmã está

acompanhando uma pessoa que ganhou neném”. Foi essa a minha fala. “Se

precisar de alguma coisa...” “Tudo bem”.

À tarde, nós ficamos sabendo que o neném não iria ter alta. E ficamos

muito preocupadas. Eliane me ligou e falou comigo assim: “Cláudia, será que o

neném está com algum problema?” E nós pensávamos sempre no pior, sempre

na hipótese, para o senhor ter uma ideia, de que nunca ia acontecer isso. Nós

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pensamos na hipótese de a criança estar passando mal, estar muito doente. E, aí,

o que eu fiz? Eu liguei para o Guilherme. Da Prefeitura, liguei para o Guilherme do

meu celular. “Guilherme, é Cláudia, tudo bem? Lembra que eu fui aí de manhã?

Minha irmã está acompanhando a menina de que eu te falei. Eu gostaria de ver

com você, porque o neném não teve alta, e o médico não falou para gente qual

seria o motivo. Ele não falou.” Ele foi e falou assim: “Cláudia, procura Madalena,

que é assistente social. Ela vai saber te explicar”. Deu o tempo? Passou? Está

certinho?

Aí, cheguei no hospital, apresentei minha identidade, subi, procurei

Madalena, não encontrei Madalena. Quando eu entrei — e tem imagens disso no

hospital —, eu dei de cara com o médico. O médico se chama Dr. Frederico. Ele

se apresentou e eu me apresentei para ele. Falei com ele que eu estava

procurando a Madalena, que ela era assistente social, e ele falou assim: “Ela não

está aqui”. A menina falou: “Ela não está aqui”. E ele estava falando para a Eliane

e para a Janaína por que o neném não ia sair. Falou que não ia sair, mas não

falou o porquê. Aí eu virei e falei: “Dr.Frederico, meu nome é Cláudia”. Aí eu falei

com ele: “Eu trabalho na Prefeitura”.

Essa foi a hora em que eu falei com ele que eu trabalhava na Prefeitura.

Foi isso que eu falei. Não falei... Não. O Guilherme me conhece, ele sabe que eu

trabalho na Prefeitura. Nunca trabalhei na área da saúde. E aí ele virou e falou

comigo assim: “Cláudia, você tem que procurar Madalena”. E Madalena não

atendeu a gente depois, explicou que a menina era usuária, que ela estava

preocupada. E a fala dessa foi essa. Mais tarde, como eu já havia procurado o

Guilherme e liguei para ele novamente falando com ele da situação do menino,

ele falou que me daria um retorno e não me deu. Como não me deu o retorno, eu

liguei várias vezes para ele, para ele tentar, porque ele falou que iria falar com a

Madalena para ver o que era e não me falou.

No final da noite, quando eu já havia ligado para ele umas cinco ou seis

vezes, ele falou comigo que era para a minha irmã procurar o médico de plantão.

Eu gostaria de deixar bem claro, Deputado Arnaldo, que eu era funcionária

pública. Perdi tudo na minha vida. Só não perdi, graças a Deus, a tranquilidade de

deitar na minha cama à noite e saber que eu estou falando a verdade, de estar

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com alguma preocupação de mais tarde vir à tona uma coisa que eu não falei,

uma inverdade, que eu omiti uma coisa. Em hora nenhuma eu tenho essa

preocupação, sabe, Dr. Arnaldo? Tanto é que eu sentei com os meus dois filhos e

falei com eles: “É isso, isso e isso. Por quê? Amanhã ou depois, quando alguém

chegar para vocês na escola e falar isso, isso e isso, vocês vão ter como

argumentar que a sua mãe não é o que eles estão falando.”

Então, hoje eu estou aqui com um pesar muito grande. Muito grande

mesmo, porque eu não esperava isso nunca, nunca de ser indiciada, Dr. Tito, por

tráfico de criança. Nunca na minha vida. Igual eu falei com o senhor, a mesma

fala que eu falei com o Guilherme, a mesma ligação que eu fiz para o Guilherme,

eu fiz para o Dr. Tito também. Então, ele é uma prova viva de que a gente não

força ninguém a fazer nada. As pessoas sabem o que têm feito. E como eu estou

muito tranquila na minha situação, tenho pedido muito a Deus força e sabedoria,

porque isso não veio por qualquer coisa, não. Isso veio por alguma coisa na vida

da gente. É isso que eu tenho imaginado.”

O caso se mostra de interesse da CPI, principalmente para subsidiar

alterações legislativas que insiram no ordenamento jurídico pátrio a tipificação da

conduta de tráfico interno de pessoas para fim de exploração laboral, em

consonância com o Protocolo de Palermo.

13.6. CASO DE TRABALHO ESCRAVO EM BELO

HORIZONTE - MG

Trata-se de notícia trazida ao conhecimento da CPI pela Senhora Camila

Riani, assessora de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Construção

Civil (indicou o número de telefone 8774 9677, prefixo provavelmente 31, já que

os fatos são relativos à região de Belo Horizonte/MG), por meio de mensagem

eletrônica enviada ao Senhor Secretário desta Comissão, narrando fatos

ocorridos na cidade de Belo Horizonte/MG.

Em resumo, a mensagem traz indícios de cometimento dos crimes de

redução a condição análoga à de escravo e de aliciamento de trabalhadores de

um local para outro do território nacional, tipificados nos artigos 149 e 207 do

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Código Penal. Merece ainda apuração a conduta do policial militar mineiro

mencionado (“Amâncio” ou “Almansa”), que, caso confirmada, certamente

configurará prática delituosa, muito provavelmente alguma dentre as tipificadas na

Lei n. 4.898/1965, ou, ainda, os crimes de corrupção passiva ou prevaricação,

artigos 317 e 319 do Código Penal (salvo outros enquadramentos melhores a

partir do resultado das investigações).

A mensagem eletrônica enviada pela sra. Camila Riani e seus

anexos foram autuados no volume n. 07 do processo ostensivo, fls. 2/24. Esse

documento traz cópias de notícias de fontes abertas que dão conta da atuação de

diversos órgãos de fiscalização, na apuração da situação dos trabalhadores

aliciados na Bahia e mantidos em condições análogas às de escravos em Belo

Horizonte. Notícias chegaram também da Polícia Federal; contudo, não há

indicação expressa de instauração de procedimentos.

Providências do caso e conclusão :

Após análise do caso, considerou-se necessários os seguintes

procedimentos:

- Ouvir representante do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil

em Belo Horizonte/MG para confirmação das informações encaminhadas, com

sua redução a termo;

- Solicitar informações à Superintendência Regional da Polícia Federal em

Minas Gerais sobre eventuais providências adotadas por parte daquela Polícia

Judiciária, em relação a estes fatos, e caso tenha sido instaurado Inquérito

Policial, solicitar cópia dos autos;

- Solicitar informações ao Ministério Público Federal, por meio da

Procuradoria da República em Minas Gerais, sobre eventuais providências

adotadas por parte daquela instituição, em relação a estes fatos, e caso tenha

sido instaurado procedimento, solicitar cópia do mesmo;

- Identificar, qualificar e ouvir Marcos Romildo de Oliveira, José Arnaldo de

Oliveira, Romeu Silva, Antônio Ramalho de Oliveira, Roberto “de Tal” e Renato

“de Tal” (vide fls. 12/20 do volume n. 07 do processo ostensivo) e os

representantes legais (preferencialmente os gestores de fato) das empresas

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Construtora Romeu & Silva Ltda. E GRM Construtora Ltda, bem como identificar e

ouvir o policial militar mineiro mencionado;

- Considerando-se que foi encontrado o corpo do trabalhador Marcelo

Silveira da Silva em um dos canteiros de obra, com sinais de enforcamento,

obrigatória se faz a solicitação de cópias das apurações policiais relativas a este

fato, que com certeza foram empreendidas pela Polícia Civil/MG.

13.7. CASO DA GUARDA DA MENOR FERNANDA ALMEIDA

RAMOS EM MAZAGÃO – AP

Trata-se de notícia de alegada concessão indevida de guarda provisória à

família substituta da menor Fernanda Almeida Ramos (ou Jeane Ramos

Nascimento – duplo registro), à época com dois meses de vida.

Segundo a denúncia, a criança foi encontrada “abandonada material,

afetiva e moralmente por seus pais biológicos, ambos toxicômanos, em uma

“boca de fumo” no bairro Perpétuo Socorro, em Macapá, sem notícias, ao menos

no momento em que pleiteada sua guarda provisória pelo casal Alexandre Soares

Fortes da Silva e Adriana Rodrigues Seidle da Silva, de parentes consanguíneos

seus que pudessem prestar-lhe amparo” (fls. 141, vol. 32).

Consta do Requerimento da Deputada Janete Capiberibe que “trata-se de

um caso suspeito de tráfico de pessoas, pela forma irregular com que se deu a

adoção da referida criança, e pelas declarações do juiz por ter solicitado dinheiro

para a devolução da criança aos avós”.

A CPI recebeu em 01/07/2013 ofício da Comissão de Direitos Humanos e

Minorias da Câmara dos Deputados dando-lhe conhecimento de expediente

encaminhado àquela Comissão e também à Secretaria Nacional de Direitos

Humanos do Ministério da Justiça e à Comissão de Direitos da Pessoa Humana

do Amapá referente ao Requerimento de convite e convocação para depor na CPI

do Senhor Juiz Saloé Ferreira da Silva e de sua mulher Darlita Daniela Ferreira

Barros. No expediente alegam os requerentes estar sofrendo “inúmeras

represálias, ataques de notícias inverídicas na mídia local e nacional,

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principalmente nas redes sociais, como facebook, twitter, blogs”, os quais

estariam destruindo sua moral, carreira profissional e interferindo na vida privada

de ambos, causando transtornos a sua dignidade e honra que consideram

irreparáveis.

Providências do caso:

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

- Juntada do ofício n. 89/13, firmado pela Deputada Janete

Capiberibe, às fls. 143 do volume n. 32 (processo ostensivo),

solicitando, em síntese, que a CPI investigue o caso;

- Juntada de cópia da representação da Sra. Magali Bandeira

contra o Juiz Saloé Ferreira (fls. 130/139, vol. 32 do processo

ostensivo) com a respectiva decisão do TJAP (fls. 140/142, vol.

32 do processo ostensivo);

- Juntada de cópia de decisão proferida nos autos do

Procedimento Administrativo n. 304/2013 – CGJ, indeferindo a

instauração do PAD contra o Juiz de Direito que deu a guarda da

criança a família substituta;

- Juntada de cópia da decisão interlocutória do Sr. Juiz Cesar

Augusto Souza Pereira, JIJ de Macapá, firmando a competência

do Juízo e mantendo a guarda provisória da menor com o casal

de Jundiaí;

- Juntada nos autos da CPI de relatório do Auditor Federal de

Controle Externo Wilson Dias Malnati;

- Oitiva de Adriana Rodrigues Seidle da Silva e Alexander Soares

Fortes da Silva, guardiões da menor, cuja transcrição encontra-

se no site (http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-

inquerito/54a-legislatura/cpi-trafico-de-pessoas-no-

brasil/documentos/notas-taquigraficas/nt070513-tpb). Não foram

detectadas quaisquer contradições ou irregularidades no

depoimento de ambos;

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- Juntada do ofício n. 684/2013, da Comissão de Seguridade

Social e Família, encaminhando depoimento de Magali Bandeira

dos Santos prestando perante aquela Comissão; - Oitiva da Sra. Magali Bandeira dos Santos.

Não há nos autos desta CPI referências a inquérito policial ou ação penal

em curso para apurar as supostas irregularidades na destituição do poder familiar.

Consta dos autos da CPI o Procedimento Administrativo n. 304/2013 – CGJ,

instaurado para avaliar a conveniência da abertura de Processo Administrativo

Disciplinar contra o juiz da causa.

Tramitam na Comarca de Macapá os autos de adoção 0001044-

07.2011.8.03.0003, da menor Jeane Ramos Nascimento, em favor de Adriana

Rodrigues Seidle da Silva e Alexander Soares Fortes da Silva, de Jundiaí-SP (que

detém a guarda provisória).

Considerando-se que a destituição do poder familiar foi precedida de

autorização judicial e que a Corregedoria do TJ/AP concluiu pela não instauração

de Procedimento Administrativo Disciplinar contra o Juiz de Direito que deu a

guarda da criança a família substituta (vide item 2.1.2), opina o Delegado da

Polícia Federal que auxilia os trabalhos da Comissão pelo arquivamento do caso

no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o caso e o objeto da

Comissão.

13.8. CASO DAS MODELOS LUDMILA E LUANA, ENVIADAS

PARA A ÍNDIA

O caso se resume, pelo noticiário de jornais e pelas informações que foram

obtidas junto ao Procurador-Regional dos Direitos do Cidadão, o Dr. Jefferson

Aparecido Dias, da denúncia de que três modelos brasileiras saíram do Brasil

para seguir carreira de modelo internacional, conforme matéria publicada na

imprensa, de uma maneira geral, sob o título “Modelos foram vítimas de tráfico

de pessoas para a Índia”. Elas, segundo a notícia, acabaram sendo submetidas

a assédio moral e a assédio sexual, além de cárcere privado e servidão por

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dívida, de acordo com a acusação feita pelo Dr. Jefferson, Promotor do Ministério

Público.

Esta denúncia de que essas três jovens foram submetidas a assédio moral

e sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com a

acusação feita pelo Ministério Público, esta denúncia foi acolhida pelo Juiz

Federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Cível de São Paulo, que determinou

que as agências brasileiras Dom Agency Model’s e Raquel Management

parassem imediatamente de enviar modelos ao exterior.

Em entrevista ao Repórter Brasil, o proprietário da Dom Agency Model’s, o

Sr. Benedito Aparecido Bastos, negou que tivesse algum envolvimento com essa

prática, e segundo a Sra. Raquel Felipe, proprietária da agência Raquel

Management, não se manifestou.

As brasileiras, duas irmãs de quinze e dezenove anos, de São José do Rio

Preto, e uma jovem de dezenove anos, de Passos, em Minas Gerais, deixaram o

País com contratos para fotografar em Mumbai, na Índia. A jovem de Passos, de

Minas, assinou contrato com a Dom Agency Model’s em dezembro de 2010. Ao

chegarem à Índia, as três jovens, segundo a matéria, acabaram submetidas a

condições degradantes e tiveram a liberdade cerceada.

De acordo com o depoimento que prestaram ao Ministério Público, elas

eram impedidas de deixar o apartamento em que viviam, em um edifício

localizado em uma zona de exploração sexual, e só conseguiram escapar porque

o pai das duas irmãs denunciou a situação ao consulado brasileiro em Mumbai.

As jovens foram resgatadas e conseguiram voltar ao Brasil no dia 26 de

dezembro de 2011. O agente da K Models Management chegou a ser preso pela

polícia indiana na ocasião. Para as autoridades brasileiras as jovens relataram

que ele pagou para que vigias do edifício as impedissem de deixar o local.

Além da liminar para que as agências parassem imediatamente de enviar

modelos ao exterior, o Dr. Jefferson Aparecido Dias esperava que os proprietários

fossem condenados a indenizar as três por danos materiais, além dos

inequívocos danos morais. O pedido da Promotoria é de ressarcimento à União

de 2.116 dólares, que foi o valor gasto pelo Consulado da Índia durante o

processo de resgate e recondução das modelos ao Brasil.

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A notícia dos fatos gerou Requerimentos regimentais formulados pelos

Deputados Arnaldo Jordy (18 e 19/2012); Paulo Freire (30/2012 e 71/2013), todos

cumpridos.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

- Oitiva de Benedito Aparecido Bastos, Proprietário da Dom

Agency Model's, em audiência pública realizada em 19/06/2012;

- Oitiva de Ludmila Ferreira Verri (vítima) e Damião Verri (pai da

vítima) em audiência pública realizada em 10/07/2012;

- Juntada de documentos relativos ao caso nos autos da CPI;

- Os fatos foram apurados no bojo dos Inquéritos Policiais n.

622/2011, instaurado pela Delegacia de Polícia Federal de São

José do Rio Preto/SP, e n. 156/2011, instaurado pela Delegacia

de Polícia Federal de Divinópolis/MG, relatado sem

indiciamentos.

Muito embora o caso possa servir de subsídio para alterações na

legislação nacional, de forma a incluir a finalidade de “exploração laboral” como

elementar do tipo penal do crime de tráfico de pessoas (que atualmente só

ocorre se a finalidade é exploração sexual, segundo o Código Penal), sugere-se

o seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência de correspondência entre o

caso e o objeto da Comissão. Os depoimentos colhidos pela CPI passam a ser transcritos de forma

suscinta.

DEPOIMENTO DA SRA. RAQUEL FELIPE – Agenciadora de m odelos, na

modalidade scouter .

A depoente explicou que trabalha como autônoma, em casa, e que é

auxiliada pelo marido. Há as empresas mãe, que contratam as modelos e a

função da depoente é indicar as modelos para as agências e ministrar-lhes um

curso de treinamento antes, pelo qual cobra cerca de duzentos reais, de acordo

com o seu depoimento.

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Disse que existem três tipos de contrato feitos com as modelos: contrato de

risco, de garantia, e contrato salário. Os contratos são de dois, três e, no máximo,

seis meses. Explicou que, quando se trata de modelo ainda não conhecida, o

contrato feito é de risco. Neste caso, a modelo recebe uma ajuda de custo que

será cobrada quando ela começar a ganhar pelos trabalhos realizados.

O contrato feito com a Luana foi de risco. Explicou que o risco depende do

país e da agência. Na Europa, a agência paga trinta por cento para a modelo e

fica com setenta por cento. Disse ainda que, quando não há agência cuidando

das modelos, a depoente ganha dez por cento do faturamento das modelos,

quando há a participação de uma agência, ela recebe apenas cinco por cento do

pagamento feito à modelo por ela indicada. Relatou que houve quebra do

contrato, que tal contrato não foi cumprido pelas partes.

Segundo a depoente, no caso de Ludmila e Luana, se o trabalho tivesse

dado certo, as modelos receberiam cinquenta por cento, a agência, quarenta por

cento, e a depoente, dez por cento. Comentou também que as passagens das

modelos são sempre de ida e volta e que ela, depoente, nunca trabalhou com

passagem só de ida.

Mencionou que Ludmila e Luana procuraram a agência por indicação de

outra modelo, com a qual a depoente já havia trabalhado e que essa mesma

modelo foi quem lhe indicou o agente de modelos Vivek. Disse a depoente que

ajudou as modelos em tudo e que não tinha conhecimento de qualquer situação

de cárcere privado, pois as meninas circulavam livremente pela cidade.

Negou ter qualquer conhecimento de situação de exploração sexual das

modelos ou de que moravam em um prédio em que se desenvolviam atividades

de prostituição.

Disse não ter conhecimento de qualquer antecedente criminal do agente de

modelos Vivek e também não sabia que ele era alcóolatra, só tomando

conhecimento de que bebia por informação das meninas.

Disse que a Ludmila só pediu para voltar depois de dois meses e que o

contrato era de seis meses. Mencionou que a Ludmila fez apenas um trabalho.

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Mencionou que prestava atendimento devido às depoentes, inclusive pelo

Skipe. Disse não ter conhecimento de qualquer assédio das meninas por parte do

agente de modelos Vivek.

Disse que, no momento, está trabalhando como maquiadora e produtora, já

que se encontra impedida de exercer atividades de agenciamento de modelos,

em virtude do episódio ocorrido com Ludmila e Luana.

DEPOIMENTO DO SR. BENEDITO APARECIDO BASTOS- Proprietário

da Agência Dom Agency Model's.

Conforme demonstra resumo a seguir, com excertos extraídos do seu

depoimento, a esta CPI o Sr. Benedito Bastos, proprietário da Dom Agency

Model’s, diz que foi responsável pelo envio de apenas uma das modelos

envolvidas no processo e alega que em nenhum momento ela relatou abusos ou

contou ter sido submetida a condições de exploração na Índia. Segundo também

o Sr. Benedito, em depoimento prestado à imprensa, as outras duas modelos

teriam se desentendido com a agência local pela falta de demanda de trabalho e

fizeram a denúncia ao Consulado para conseguirem passagens de volta ao Brasil.

Diz que toda a documentação estava regularizada e nega que faça parte de

qualquer tipo de atividade relacionada ao tráfico de exploração de pessoas.

Afirmou nesta investigação parlamentar que vários modelos enviados e

encaminhados para as agências de São Paulo conseguiram objetivos produtivos,

sucesso, dentre eles muitos hoje estão trabalhando em TV, cursos

profissionalizantes, modelando várias campanhas famosas no Brasil e no exterior.

Alguns anos mais tarde, a Dom começou a enviar modelos para o exterior, sendo

estes através de parcerias com as grandes agências e os scouters, que são

agentes internacionais. E o vem fazendo até hoje de uma forma clara, honesta,

transparente, sem enganação e com muito profissionalismo. A Dom não trabalha

com muitos modelos, mas aos que têm no seu casting, ou mailing, procura dar

uma atenção especial e tenta fazer acontecer algo bacana com cada um deles,

pois sabe que isso mexe com os sentimentos, egos de pessoas, modelos e pais.

E a Dom sempre teve essa preocupação com todos, pois é uma empresa familiar,

onde trabalham apenas Bené Bastos e Adriana Freire, esposa, e uma equipe de

suporte internacional. A agência é do interior de Minas Gerais, onde não se tem

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tantas opções de trabalho nesse segmento, sendo, então, os modelos, depois de

preparados, são encaminhados para o mercado de São Paulo, Rio de Janeiro ou

exterior.

O Depoente afirmou que foi investigado e inocentado no IP instaurado pela

Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal, no suposto tráfico

internacional de pessoas, Inquérito Policial iniciado em meados de 2011 e

finalizado no dia 28 de maio de 2012. Também disse que a Dom Agency Model’s

não enviou, não envia e nunca enviará modelos para a prostituição, tráfico

internacional de pessoas.

Mencionou a responsabilidade no caso da agência Raquel Management,

que é uma parceira há mais de 12 anos. Raquel, a proprietária, já foi modelo,

trabalhou no Japão por 7 anos, e, enfim, resolveu ser uma agente internacional,

pela experiência como modelo que ela tinha.

Disse o Depoente: “O cliente K Model’s não é meu... Não era meu, era da

Raquel Management. Então, eu citei isso, nos meus depoimentos, na Polícia

Federal. (...)Então, a Raquel é que estava cuidando da minha modelo. A minha

modelo não teve problema nenhum profissional, nesses dois meses em que ficou

na Índia. O problema houve... Se houve alguma coisa, isso também está no

relatório que me foi passado hoje, por e-mail... Se vocês quiserem, eu deixo aqui

o relatório, o depoimento das duas meninas da Raquel, que ela me passou, certo,

deixo aqui para vocês comprovarem que a causa foi... Não foi com a minha

modelo, apesar de que a Raquel é que estava cuidando dela, o problema foi com

as outras duas meninas.” Disse que acredita que o problema com essas duas

modelos se deu mais devido a diferenças culturais.

Acrescentou: “O contrato da Índia foi feito com a modelo. A agência da

Índia contratou a modelo. No Brasil, a modelo me contrata para tomar conta dela,

pra correr atrás das possibilidades pra ela. Quando vem o contrato internacional,

quem está negociando é considerado como agência-mãe. Ele consta no contrato.

A agência-mãe tem os deveres e as obrigações. Cinco por cento de tudo o que

essa modelo faturar é devido a sua agência.”

Perguntado sobre quanto a modelo paga para ser enviada ao exterior no

caso de não conseguir trabalho, o Depoente afirmou que não paga nada, é um

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investimento da empresa, pois ela ganha em experiência para próximas

atividades internacionais.

O caso serviu de subsídio para alterações na legislação nacional, o que foi

feito no Projeto apresentado pela Comissão, para exigir que essas contratação

sejam feitas por pessoa jurídica devidamente registrada, e também para incluir a

finalidade de “exploração laboral” como elementar do tipo penal do crime de

tráfico de pessoas.

No mais, fica sugerido seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência

de correspondência entre o caso e o objeto de investigação da Comissão, por

não se tratar de tráfico de seres humanos, mais de irregularidades contratuais a

serem resolvidas na esfera cível.

13.9. CASO DA MODELO MONIQUE MENEZES DA SILVA,

ENVIADA PARA A ÍNDIA.

A modelo Monique é mais um caso aparente de tráfico de mulheres para o

exterior, com a situação de aliciamento para trabalhar como modelo.

Monique foi contratada pelo scouter Júnior Pelicano, que a agenciou para

trabalhar como modelo na Índia. O trabalho deveria girar em torno de fotos para

revistas, com a duração de seis meses e um salário de dois mil e cem dólares

fixos, valores estes que seriam depois descontados dos dos valores obtidos com

os trabalhos realizados pela modelo.

Ocorre que, ao chegar à Índia, Monique enfrentou outra realidade, sendo

obrigada a trabalhar como garçonete em festas, onde sofria constantes assédios

sexuais, inclusive com convites para fazer programas sexuais.

Com ela, moravam mais duas modelos que já estavam lá quando ela

chegou. Moravam as três na casa da gerente da agência de modelos “Be One” na

Índia, de nome Anne Sabrine.

Monique passou fome e sofreu muitas humilhações, além de ter sido

obrigada a trabalhar doente. Dos dois mil e cem dólares prometidos por mês,

apenas cento e sessenta eram efetivamente repassados para ela.

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A casa onde habitava também tinha cachorros e gatos, que, por vezes,

comiam as comidas das modelos, comiam nas mesmas panelas em que as

refeições das modelos eram preparadas e deitavam em suas camas, chegando

até mesmo a urinar em seus cobertores.

O agenciador Júnior Pelicano não lhe deu assistência, não tomou nenhuma

providência e, depois de algum tempo, não atendia sequer as ligações que ela

fazia.

Para fugir dessa situação, Monique teve de recorrer ao Consulado

brasileiro na Índia e à polícia. A gerente da agência de modelos cancelou sua

passagem de volta ao Brasil, diante do que ela teve de recorrer à ajuda de

terceiros para obter a passagem de volta.

A notícia dos fatos gerou Requerimento regimental n. 42/2012, formulado

pelo Deputado Paulo Freire, aprovado em 01/08/2012. As providências previstas

no requerimento foram todas cumpridas, tendo sido a convidada ouvida perante a

CPI na data de 04/12/2012.

DEPOIMENTO DA SRA. MONIQUE MENEZES DA SILVA – Modelo.

Disse que começou como modelo aos treze anos e sempre foi bem tratada,

até que conheceu o scouter Júnior Pelicano, que a agenciou para trabalhar na

Índia.

O trabalho consistia basicamente em fotos para revistas, tinha a duração

de seis meses e deveria render-lhe um salário de dois mil e cem dólares, além

dos valores obtidos com os trabalhos realizados.

Ao chegar à Índia, conheceu mais duas modelos agenciadas pelo Júnior

Pelicano. Essas modelos realizavam trabalhos juntamente com a depoente e

moravam no mesmo lugar, uma casa pertencente à gerente da agência de

modelos que firmou contrato com a depoente. Essa gerente era uma francesa de

nome Anne Sabrine, que, segundo a depoente, maltratava constantemente as

modelos, deixando-as inclusive com fome.

Ressaltou ainda, que, ao chegar à Índia, descobriu que o contrato feito com

as modelos não previa assistência médica, despesa esta a ser arcada por elas.

Nas primeiras duas semanas, fez alguns trabalhos próprios de modelo,

porém, após esse prazo, começou a ser enviada para atuar em festas como

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garçonete, servindo bebidas a convidados, ocasião em que sofria muito assédio

sexual.

A gerente Sabrine vivia chamando as modelos de gordas e as proibia de

comer. Disse que, certa ocasião, teve infecção intestinal e assim mesmo foi

obrigada a trabalhar.

Nessas festas, trabalhava até a madrugada e, no dia seguite, era obrigada

a acordar cedo para trabalhar novamente. Relatou que a casa onde habitava era

cheia de cachorros e gatos, que, por vezes, comiam as comidas das modelos,

eram colocados para comerem nas mesmas panelas em que as refeições das

modelos eram preparadas e também os gatos deitavam em suas camas e até

chegaram a urinar em seus cobertores.

Disse que ligou várias vezes para o Júnior Pelicano e que este não tomou

nenhuma providência e, depois de algum tempo, sumiu e ela não mais conseguiu

fazer contato com ele, tendo que se virar sozinha.

A agência que assinou o seu contrato na Índia chama-se “Be One” e

pertence a Abshek e Anka, segundo a depoente, também franceses. Comentou

que o Júnior Pelicano se referia ao dono da agência como sendo Chirag, pessoa

que ela nunca conheceu nem sabe se existe ou se se trata de uma figura fictícia.

Disse que foi indicada para o Júnior Pelicano por uma colega modelo que

trabalhara com ela em outra agência, mas descobriu posteriormente que essa

colega não ficou também satisfeita com os trabalhos para os quais o Júnior

Pelicano a agenciou.

Relatou ainda que, em duas ocasiões, teve de recorrer à polícia para fugir

do quarto onde estava sendo assediada sexualmente. Uma em um hotel onde

ficou quando foi realizar um tabalho e outra na casa de Sabrine.

A depoente, para fugir dessa situação, teve de recorrer ao consulado

brasileiro na Índia, onde disse ter sido muito bem tratada. A passagem de volta ao

Brasil foi cancelada pela Sabrine e a modelo teve de contar com a ajuda de um

empresário para o qual tinha realizado trabalhos, o qual a doou a passagem de

volta ao Brasil.

Disse que vivia em uma situação semelhante a de escravo e sofria

constantes humilhações por parte de Sabrine. Relatou ainda que, por conta

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desses acontecimentos, ficou bastante traumatizada e que tem muita dificuldade

em trabalhar. Atualmente, para sobreviver, mora com os pais e realiza pequenos

trabalhos na Bahia.

O caso serviu de subsídio para alterações na legislação nacional, o que foi

feito no Projeto apresentado pela Comissão, para exigir que essas contratação

sejam feitas por pessoa jurídica devidamente registrada, e também para incluir a

finalidade de “exploração laboral” como elementar do tipo penal do crime de

tráfico de pessoas.

No mais, fica sugerido seu arquivamento no âmbito da CPI, pela ausência

de correspondência entre o caso e o objeto de investigação da Comissão, por

não se tratar de tráfico de seres humanos, mais de irregularidades contratuais a

serem resolvidas na esfera cível.

13.10. CASO DOS OPERÁRIOS DA USINA JIRAU

Audiência pública na CPI do Tráfico de Pessoas para apuração de uma

denúncia encaminhada por um conjunto de entidades, dentre as quais a Ordem

dos Advogados do Brasil, e a Arquidiocese de Rondônia, CEBRASPO e outras

entidades, acerca de alguns episódios envolvendo os direitos de trabalhadores no

complexo de Jirau, na Hidrelétrica de Jirau. Parte dos fatos relacionados a

episódios que foram de conhecimento público, os episódios de uma greve com

outras decorrências a partir desse movimento.

Foi encaminhado à CPI farto material e a OAB Federal designou, a pedido

desta CPI, advogado para acompanhar o caso.

A CPI colheu depoimentos sobre este caso, que passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. RAIMUNDO BRAGA DA CRUZ SOUSA –

Operário.

Contexto: Audiência pública na CPI do Tráfico de Pessoas para apuração

de uma denúncia encaminhada por um conjunto de entidades, dentre as quais a

Ordem dos Advogados do Brasil, e a Arquidiocese de Rondônia, CEBRASPO e

outras entidades, acerca de alguns episódios envolvendo os direitos de

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trabalhadores no complexo de Jirau, na Hidrelétrica de Jirau. Parte dos fatos

relacionados a episódios que foram de conhecimento público, os episódios de

uma greve com outras decorrências a partir desse movimento.

Foi encaminhado à CPI farto material e a OAB Federal designou, a pedido

desta CPI, advogado para acompanhar o caso.

Dada a gravidade da denúncia, reproduzimos abaixo a declaração do

Depoente, que forneceu a esta CPI importantes subsídios para compreensão do

tráfico de pessoas que vem ocorrendo em obras de usinas hidrelétricas.

Disse a vítima: “Eu estou aqui apenas, mesmo, só para falar a verdade do

que aconteceu comigo dentro da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Então,

foi uma coisa que aconteceu lá, porque eu vim da minha cidade apenas para

construir minha vida, ter um futuro melhor mais para frente, já que lá as coisas é

mais difícil. Então, eu vim tentar conseguir uma coisa melhor, trabalhando,

deixando meu suor, e levar o dinheiro deles para construir, ajudar minha família,

minha mãe. Então, aconteceu coisas que eu nunca pensei na minha vida de

acontecer comigo. Então, como eu vim de lá, de minha cidade, tinha um gato lá,

que disse que estava pegando gente e estava levando. Passou na rádio, então eu

fui colocar meu nome lá. Então, aí, eu botei meu nome e ele me cobrou, nesse

tempo, 500 reais. Isso, pra levar. E pediu identidade e CPF. Então, no dia que foi

viajar essa carrada pra Rondônia, eu não consegui o dinheiro. Então, depois eu

fui mais atrás. A carrada dele foi embora, porque eu não tinha o dinheiro pra

pagar, então ele não levava.

Disse que eu não tinha o dinheiro. Então, foi embora a carrada. Uns 15

dias depois eu arrumo o dinheiro emprestado, eu consegui. Então, eu fui. Quando

eu chego lá, eu já encontro os colegas meus na rodoviária, em Porto Velho,

rodado, que disse que ele tinha só pegado, levou, chegou lá, só deixou lá e disse:

“Não, SINE é pra ali.” E só mostrou o SINE. E ele sumiu. Então, disse que a

negada queria era mata-lo ele, por que deixou todo mundo lá, sem dinheiro e

rodado, e a Camargo Correia não estava pegando. Disse que com 2 meses

depois, com 1 mês depois foi que ela estava pegando, estava fichando a negada,

que foi o tempo que eu cheguei.

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Eu peguei, levei meus papel, aí os outro também levaram. Aí foi que ela

chamou nós. Então, eu entrei pra dentro do canteiro de obras do Jirau. Eu

trabalhei 8 meses.

Aí foi que começou o motivo dessa greve lá. Começou a greve, aí, um dia,

eu estava pro Jaci, e quando eu cheguei lá não tinha ônibus. O ônibus estava

levando só até o meio do caminho, não estava levando até lá. Aí, então, quando

eu cheguei, na volta da 1 e pouco da manhã, de longe eu vi aquele fogo. Então eu

saí correndo pra pegar os meus pertences, que estavam no meu quarto: meus

documento, minhas roupa.

Então, eu chego lá, não tinha pegado fogo no meu pavilhão. Eu só entro,

arrumo minhas coisas. Aí eu arrumo. Quando eu digo: “Olha, é o seguinte, eu vou

bem aqui, assim, no pavilhão 2, atrás dos colega que mora na mesma cidade que

eu moro. Já que coisaram esses fogo aí, então ela vai mandar nós pra casa e

depois ela vai mandar chamar.”

Então, eu fui. Aí eu peguei minha carteira de cigarro, acendi meu cigarro e

saí, né, riscando o isqueiro. E fui embora. Quando eu cheguei lá, eu perguntei

pelo meus colega na frente, meus amigos, lá. Aí disseram que eles não estava lá.

Aí eu procurei lá por detrás. Eu rodeei. Quando eu rodeei por detrás do pavilhão,

chegou um policial me dando ordem de prisão, mandando eu ir pra parede, me

chamando de vagabundo. Eu disse pra ele que eu não ia, não, que eu não devia

a ele; que eu estava ali dentro era trabalhando, ganhando meu dinheiro, então ele

não podia me chamar de vagabundo, não, e ele não ia me levar preso.

Aí ele já puxou a arma dele, engatilhou do meu rumo. Aí, quando eu me

espanto, aparece um num canto e outro no outro do pavilhão, já dizendo que era

pra mim ir pra parede. Aí meu colega que estava conversando comigo disse:

“Olha, vai que ele vai te atirar, ele vai te matar”. Eu disse: “Pode deixar que se ele

quiser atirar ele pode atirar, que eu não devo ele, não. Então, eu não vou me

entregar a ele, não”. Aí, com muita luta foi que apareceu mais um policial. Aí eu

fui pra parede. Aí eles me algemaram. Aí me levaram. Quando ele chegou... A

viatura dele estava localizada do lado do meu quarto, do meu pavilhão. Então,

quando chega lá, tremeu o pavilhão: meus colega não queriam deixar me levar,

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porque disseram que eu não tinha nada a ver, porque nem lá eu estava. Aí eles:

“Não, nós vamos levar ele ali e já nós traz”.

Aí, pegaram eu. Aí me levaram e me jogaram bem no meio. Aí, quando

entra um policial de um lado e outro do outro. Quando eu já espanto, vira a

pancada na boca do meu estômago. Aí se acabou o homem. Aí ele disse: “Olha

aí, miserável, o que tu fez aí. Tu acabou com tudo”. Eu digo: “Não, senhor, não fui

eu. Eu não tenho coragem de fazer uma coisa dessa aí”. Aí ele disse: “É, depois

que tu acabou com tudo, né, desgraçado, agora tu diz que não foi tu, né? Mas tu

vai dizer pra nós quem foi e quem é teus companheiro, porque eu sei que não só

foi você. Não tem condição de você fazer uma coisa dessa aí só, não. Então, hoje

você vai dizer quem é o outros companheiro”. Então, eles me levaram lá pro...

Entraram comigo na obra, me mostraram, e depois me levaram lá pro alojamento

das mulher e dos encarregado. Me trancaram lá dentro de um quarto e eu

apanhei de 2 e meia da manhã até 6 e meia, pra mim contar quem era meus

colega, os outros tocador de fogo. Eu dizia pra eles me soltar até pelo amor de

Deus, que eu não sabia quem era. Aí eles começaram a bater. Me bateram até 6

e meia. Depois foi que entrou um, aí eu vi, que depois ele mandou eu olhar pra

ele, aí eu olhei e eu vi quando ele sacudiu um vidro. Sacudiu pimenta no meu

olho. Aí eu já não enxerguei mais nada.

Aí, quando eu ouvi quando ziniu a porta, quando eu ouvi que a porta abriu,

aí eu ouvi aquela voz, que disse: “Olha, para com isso aí que nós pode ser

complicado, que nós estamos dentro do canteiro de obra”. Aí foi que ele parou de

me chutar, que ele estava me chutando e eu só rolando no chão. Ele chutando

minhas coxas. Eles pararam e foi mais ou menos uma hora depois que eu fui

voltar a enxergar. Era por volta das 7 e pouco já, da manhã. Aí me pegaram e me

levaram lá pra delegacia de Nova Mutum. Quando eu estou lá, dentro da cela, lá

pra tarde, o delegado chegou e disse: “É, vamos te levar mesmo. Disse que tu,

disse que foi você mesmo. Apareceu lá o colchão que você tocou fogo”. Então, aí,

deu poucas horas a Camargo chegou com os papel da minha justa causa pra

mim assinar. Aí eu disse pra ela que eu não ia assinar não; que eu não devia

eles, não; que eu queria apenas que eles me soltassem dali e me pagassem o

que era meu e podiam me mandar eu embora que eu ia tranquilo, satisfeito.

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Então, me jogaram foi dentro de um presídio, lá. Passei 15 dias numa cela

que dá mais ou menos 1 metro com uns 3 metros de tamanho. Tinha eu e mais

seis. Passei 15 dias. Até água pra beber lá escorria na parece, porque é 10

minuto de água lá dentro do presídio. Então, a água é bem fraquinha. Não tinha

força de jogar longe. Então, ela só escorria. Pra você conseguir dois litros de água

pra beber no correr do dia, você botava a boca do litro na parede pra encher.

Então, nós era 24 preso. Desses 24... Eles não sabia que eu tava lá, que era a

Liga Operária, que é o Sr. Jeferson.

E aí tinha o Dr. Ermógenes, o mesmo que me jogou pra lá, que me

encontrou. Só que eles não sabia que eu tava lá, no meio desses 24. É que eu

acho que se não fosse eles eu ainda tava igual os outro, porque tem 12 aí que

ninguém sabe pra onde está; sumido. Ninguém sabe onde está os 12. Então, eu

passei 54 dias preso. Aí, de lá, depois, eu saí. Aí eu fui... No dia 30 eu fui lá.

Entrei na Camargo, lá. Aí cheguei lá eu fui lá no escritório central e perguntei: “Ô,

eu queria saber qual é o motivo da justa causa do Raimundo”. Aí ele só olhou pra

mim e entrou lá pra dentro e foi pra mesa dele. Quando ele bateu lá e coisa, ele

voltou, olhou pra mim, levantou e entrou lá pra dentro mesmo. Já não vi mais ele.

Mais ou menos com uns 10 minutos aparece 5 guarda, que é a guarda que

tem lá dentro, da Patrimonial. Aí perguntou: “Quem é o Raimundo aqui?” Eu

disse: “Sou eu”. Ele: “Olha aqui, você vai assinar a justa causa agora ou você não

vai?” Eu digo: “Ô, eu não vou, não, porque eu não devo vocês, não. Então, eu

queria apenas que vocês me pagassem, acertassem comigo direitinho, me

dessem o que é meu e mandassem eu embora, porque eu estou sem passagem,

não tenho nada pra ir embora”. “Rapaz, você vai assinar a justa causa ou não

vai?” “Eu não vou.” Então, eu não assinei. Porque no dia que eles levaram pra

mim dentro da delegacia eu não assinei, então, eu ia assinar agora, depois que

eu fui julgado, fui absolvido e fui atrás do meus direito? Então, eles me pegaram.

“Ele está despachado. Pode jogar ele na portaria”. Aí me jogaram na portaria pior

do que um cachorro. Não tinha roupa, eu não tinha documento. Eu disse: “Agora

eu vou pra onde, senhor?” Porque eu não tinha roupa, eu não tinha documento.

Eu vou sair sem roupa? Eu estava pior do que um mendigo, do jeito que eles me

jogaram lá. Então, eu fui na delegacia de Nova Mutum registrar queixa. Então, foi

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aí que o delegado entrou lá dentro mais eu, e eu cheguei lá e não tinha nada

meu. Sumiu tudo meu: documento, roupa, sumiu tudo. Eu fui lá, no quarto, lá, já

tinha outros moradores. Então, aí, nunca acertaram comigo. Eu queria apenas

que me dessem o que era meu. Eu ia pedir o que era meu. Então, agora, eu vou

atrás dos meus direitos. Eu vou atrás dos meus direitos agora. Porque eu passei

coisas lá que acho que nem um bandido não passa aquilo que eles fizeram

comigo lá.

Eu nunca fui preso na minha vida. Nunca chegou um policial na porta da

minha mãe. Principalmente, porque eu acho que nós, do Nordeste, nós não temos

valor, você entendeu? Nós não temos valor. É do Piauí, onde eu moro, no

Maranhão. Nós não temos valor. Só que eles têm que saber dar valor à gente.

Porque um canteiro de obra daquele ali só vai pra frente por nossa causa. Só

máquina não faz, não. Tem que ter a mão de obra, que somos nós. A máquina faz

aquela parte, mas temos nós, ajudantes. Eu, principalmente, era ajudante. Eu

ganhava 3,63, na carteira, um ajudante. Sofria muito. Fora as outras coisa que eu

via acontecer lá dentro. Caiu uma pessoa, senhor, mais ou menos de 50 metros

de altura, com todo aquele equipamento no corpo dele. Quando bate no chão...

Acho que no caminho ele já vem morto, aquela pessoa. Aquele operário já vem

morto no caminho. Os técnicos de segurança, na mesma hora, vão, cercam a

área e dizem: “Está vivo. Vamos recolher”. Dizem que lá dentro do canteiro de

obra da Camargo nunca morreu ninguém, só no caminho de Porto Velho. O

caminho de Porto Velho é que é o assassino. Mas por quê? Teve muita gente que

me perguntou: “Ah, Raimundo, mas será que esse corpo dessa pessoa, depois

que sai lá de dentro da portaria, será que vai pra terra natal?” Eu disse: “Aí é que

está, porque dentro do próprio canteiro de obra são poucos operários que sabem

que aquele funcionário morreu”. Não é muito, não. Só aqueles que veem na hora.

Porque na mesma hora vai recolhido. Aí diz que morreu no caminho de Porto

Velho, sendo socorrido. Aí diz: “Será que chega lá na terra natal dele?” Eu digo:

“Aí é que está, porque aqui dentro ninguém sabe”.

É pouca gente que sabe que aquela pessoa morreu. Imagino quando sai

dali da portaria pra fora! Ninguém sabe pra onde vai, com certeza, não é? Será

que chega em casa, ao menos o corpo? Então, também, o sindicato, no dia que

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estava todo mundo de greve, lá, o sindicato foi lá dentro. Foi perguntar: “Negada,

vocês... quem não quiser trabalhar, traga a carteira de vocês que eu dou baixa.

Eu dou baixa e mando vocês tudo pra casa”. Então, todo mundo perguntou,

mandou ele repetir de novo. Então, ele repetiu. Então, a negada meteu foi pedra

mesmo. Porque que sindicato é esse que diz lá que é sindicato dos trabalhadores

— ele bota na parede, diz que é dos trabalhadores —, mas vai dizer uma

proposta dessa para os trabalhadores? Quem não quiser trabalhar, traga as

carteiras que ele dá baixa, que ele manda embora? Nós não fichamos com ele!

Então, ele não pode dizer uma coisa dessas. Então, entrou foi na pedra mesmo,

lá, pra sair. Quebraram o carro dele na pedra, porque olha a conversa que o

sindicato vai perguntar pras pessoas, pros trabalhadores, na faixa de 14 mil

operários! Nós queremos recurso, é aumento. Tem que dar valor ao trabalho da

gente. Então, aí eu queria agradecer também à Liga Operária, que é o sindicato

sério lá de Belo Horizonte. Quero agradecer a eles muito, porque eles é que me

socorreram dentro do presídio, na pior situação que eu estava.

Então, eu acho que esse favor não tem nem como eu pagar a eles, não,

porque eles me socorreram lá. Eles salvaram tipo uma vida, porque os outros 12

que estão sumidos ninguém sabe onde estão. Então, eu acho que era pra eu

estar também no mesmo caminho deles. Só que Deus botou eles no meu

caminho, pra eles me encontrarem. Todo esse sofrimento meu que eu passei

vai... Também vou seguir minha vida em frente, pedindo o apoio de vocês. Eu vou

seguir minha vida em frente. Não vou parar, não. Não vou baixar minha cabeça,

não. Só que eu queria apenas que eles me dessem... acertassem comigo, porque

tem... tem tudo. Tem meu acerto, porque eles não me deram nem um real, não.

Eu trabalhei outro mês. Do jeito que eu fui lá, ele para ele vir: “Não, Raimundo,

está aqui. Vamos embora. Está aqui”. Porque eu tenho todo o meu direito de

receber, porque eu fui julgado, eu fui absolvido, então o juiz comprovou que eu

não tenho nada a ver com isso. Então, eles tinham direito. Não podem me dar

justa causa. E mesmo porque eu nunca assinei justa causa lá não, e nem assino”.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ CARLOS MARTINS - Diretor de Energia da

Camargo Corrêa, representando a empresa Camargo Cor rêa.

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Disse que a empresa Camargo Corrêa jamais se envolveu em quaisquer

fatos relacionados a tráfico de pessoas e que se preocupa sobremaneira não

apenas com o estrito cumprimento das suas obrigações trabalhistas, como

também com o bem-estar dos seus funcionários, tanto que instalou ar-

condicionado, lan house e cinema. Explicou que os há cerca de 10.200 vagas nos

alojamentos construídos pela empresa, tanto alojamentos masculinos como

alojamentos femininos.

Destacou ainda o refeitório da empresa, que, segundo ele, no início de

agosto atingiu a marca de 30 milhões de refeições servidas em Jirau.

Também mencionou que a seleção dos profissionais é feita por meio do

SINE e que a Camargo Corrêa foi a primeira empresa a assinar o acordo nacional

para aperfeiçoamento das condições de trabalho na indústria da construção,

destacando, entre os benefícios pagos, as horas extras: 70% de segunda a sexta,

80% no sábado e 100% no domingo e feriado e cesta básica, de 270 reais.

Explicou ainda que a empresa mantém assistência médica para todos os

profissionais e atendimento odontológico, em uma parceria com o SESI.

DEPOIMENTO DO SR. ERMÓGENES JACINTO DE SOUZA – Adv ogado.

Disse que, no dia 13 de maio do corrente ano, a Liga ligou para ele pedindo

que verificasse no presídio Pandinha, em Porto Velho, a presença de operários

das empresas responsáveis pela construção da usina hidrelétrica e que constatou

a existência de onze operários detidos. Prossegue o depoente relatando que:

“De posse desses nomes, confrontei, então, com o processo e verifiquei

que faltavam 13 operários. Perguntei ao responsável por aquele presídio, que nos

documentos do Ministério Público do Estado de Rondônia constava que estavam

todos presos no Pandinha. E o chefe lá do presídio me disse "Olha, aqui esses

não estão. O senhor procura aí, vai no Presídio Vale do Guaporé, vai no Presídio

da Casa de Detenção Mário Alves, que é o Urso Branco, o senhor peregrina por

aí, que esses homens devem estar espalhados por aí". Eu saí a pé,

procurando (falha na gravação), saí procurando, e não encontrei essas pessoas

até hoje. E fiz isso porque a Liga Operária me pediu. Os que verifiquei que

estavam lá, entrei com habeas corpus, e foram aos poucos sendo liberados pelo

desembargador lá do Tribunal de Rondônia. Primeiro liberou dois, depois mais

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três, e tal, e ficaram por último dois, o Carlos Moisés Maia da Silva e o Jhonata

Lima Carvalho. O Jhonata era da ENESA, da empresa ENESA, e é paraense; o

Carlos Moisés é um rapaz de 20, 21 anos, maranhense, trabalhador da Camargo

Corrêa. Como último recurso eu fiz, então, depois que fiz dois pedidos de habeas

corpus, e eles não foram... A alegação, a afirmação do Desembargador é que não

estava correta, muito segura, a questão da residência deles, do endereço fixo, e

tal, e eu, com um pedido de liberdade provisória sem fiança, eu consegui junto ao

juiz da causa a liberdade deles, recentemente.

Esses homens estavam lá, como todos os presos que ficam nos presídios

no Brasil, totalmente desassistidos, dormindo no chão, sofridos, sem os materiais

básicos de higiene, e toda a sorte de abusos contra a pessoa humana que se

pode ter eles estavam tendo lá. Não sei se o Raimundo já fez o depoimento dele,

mas o caso do Raimundo foi uma situação, porque, quando eu visitei esses

homens, que é uma relação de 24 que tem aqui, que está na contracapa do

processo, e localizei os 11 que estavam lá, alguém comentou: “Tem mais gente

aí, tem o Neguinho, tem o Piauí, e tal, que estão aí também”. Eu falei: “Mas quem

é Piauí? “Quem é, o nome, e tal?” Aí demorou umas três visitas minhas para que

eles pudessem constatar com ele o real nome dele, e eu verificar junto à portaria

que esse homem estava lá também, mas não constava dessa relação, porque o

processo penal era um outro processo, e ele estava lá.

Então, esse processo eu acompanhei, e o Raimundo, conforme ele já deve

ter dito aqui, hoje, foi agredido pelos policiais lá da Força Nacional, uma sessão

de tortura de 3 horas em que agrediram ele. E por sorte apareceu uma anjo, não

sei se da Camargo Corrêa, de quem que foi que apareceu, que ela disse “Olha,

dentro do canteiro de obras vocês não devem ficar batendo numa pessoa assim,

3 horas”, e liberaram, e ele está com vida para contar a história para nós aqui,

hoje. É óbvio que o processo era inconsistente, que não tem prova “bulhufas”

nenhuma, e por isso eu consegui liberá-lo na primeira audiência de instrução lá.

O próprio policial da Força Nacional também se embananou todo, não

provou nada, e aqui o Raimundo está com vida, aqui, para contar a história para

nós.

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Desses 11 que foram liberados aos poucos, saíram tão desesperados

dessas prisões lá, e já voaram para a terra deles, ou de ônibus, ou de qualquer

maneira, foram embora, que não querem saber de Rondônia e não querem saber

dos maus tratos que eles receberam lá.

Os dois últimos que saíram agora, que são o Carlos Moisés e o Jhonata

Lima Carvalho, eu não pude visitá-los depois, regularmente, por falta também de

dinheiro, por falta dessas coisas todas. Com o pedido de liberdade provisória que

fiz, eles saíram recentemente agora. Um veio a pé lá do presídio Pandinha até o

centro da cidade. Eu não pude acompanhá-lo porque — desculpe a minha talvez

ignorância aí nessa questão do processo penal, mas o pedido de liberdade

provisória corre lá em Rondônia, não sei, em segredo de Justiça. Você não tem

acesso, no site do Tribunal, ao andamento do processo. Eu precisei ir a Buritis,

precisei andar pelo interior, e todo dia eu perguntava “Cadê?” “Está concluso, está

concluso”. E no dia em que viajei, eles deram um alvará para soltar ele. Quando

cheguei no outro dia, “Não, já foi liberado”. Corri lá para verificar, não tinha, os

homens já tinham saído de lá. Saíram de lá, vieram a pé até Porto Velho,

procuraram o ...procuraram não sei mais quem, CUT, “Ah, fomos que nós que

liberamos vocês”, fizeram uma média toda com eles, e tal, e fizeram isso.

Então, essa situação que se apresenta, que está tudo colorido e tudo às mil

maravilhas naquela região de Rondônia, lá, eu não vi isso. E quero comentar com

os senhores que não fui atrás de prova nenhuma, não fui dentro de canteiro

nenhum e não saí pesquisando prova nenhuma. Eu estou relatando aqui o que eu

vi, apenas.

Eu acho que operário que sai das terras deles, lá do Nordeste, dessas

pessoas simples, ou o “gato” que vai lá dizer “Olha, vai lá para Rondônia”, e traz,

paga passagem, ou de maneira diferente, não deve ser tratado daquela maneira.

Porque o único advogado que fez a defesa deles lá e que foi atrás de

conseguir a liberdade deles fui eu, porque a Liga Operária pediu que eu fizesse

assim. Os outros que estão todos lá, tudo mentira e tudo balela. Disseram: “Tem

dinheiro, a gente defende”. Não tem, estaria apodrecendo até agora lá. Carlos

Moisés, Jhonata Lima Carvalho e os outros que estão desaparecidos. A Justiça

diz que é foragido. Mas será que é foragido mesmo?

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A Dra. Inara, que acompanhou esses homens lá na Polícia, em Mutum,

etc.,disse, dentro da minha casa, “Tem uns três, aí, que a família está procurando.

Só que a família não foi atrás de direitos humanos, não foi à mídia”. Eu falei

“Quem são os três?” Ela não falou para mim.

Então eu acho que é melhor cotejar esses nomes que estão aqui, a

Camargo Corrêa tem lá os fichários deles nos arquivos dela lá, e informar, e ligar

lá no Maranhão, no Piauí, e perguntar “O fulano apareceu aí?” Porque tem gente

sumida nessa história aqui, e a gente precisa descobrir.”

A questão não ficou bem esclarecida, diante do que se recomenda melhor

aprodundamento nas investigações desse caso por parte da Polícia e do

Ministério Público.

13.11. CASO DA ADOÇÃO DE CINCO CRIANÇAS EM MONTE

SANTO–BA.

Trata-se de caso de adoções supostamente irregulares de filhos biológicos

de cidadãos residentes na cidade de Monte Santo/BA, colocadas em lares

substitutos de famílias paulistas, sob a suposta intermediação de Carmem

Kieckhofer Topschall.

O caso diz respeito aos cinco filhos do casal Gerôncio e Silvânia da Silva,

de Monte Santo, na Bahia, que foram retirados de casa por ordem judicial para

adoção, incluindo uma criança de dois meses.

A questão foi parar na mídia, com forte repercussão nacional, ao mesmo

tempo em que várias suspeitas foram levantadas quando à legalidade desse

processo de adoção.

O caso foi trazido para a CPI, que passou a investigar os acontecimentos,

inclusive ouvindo várias testemunhas e também o juiz que deferiu a adoção e o

atual juiz da comarca.

O juiz responsável pela comarca de Monte Santo, à época da adoção, era

o Dr. Vítor Manoel Xavier Bizerra, que compareceu perante esta Comissão e

negou qualquer ilegalidade no processo, justificando sua decisão com base em

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fatos apurados pelo conselho tutelar e em pronunciamentos de outras

autoridades.

Chegou a afirmar que, devido a várias providências tomadas no Município

para debelar irregularidades em diversos setores, havia interesse de pessoas

contrariadas por ele em criar armadilhas a fim de prejudica-lo e afastá-lo da

comarca. Admitiu a possibilidade de ter sido vítima de uma armação.

Após oitivas e diligências da CPI, a adoção foi revogada pelo juiz Luiz

Roberto Cappio, atual titular da comarca, que compareceu perante esta

Comissão, assumindo o compromisso de anular a adoção considerada irregular.

Os fatos foram amplamente noticiados pela imprensa, tendo sido

veiculadas diversas reportagens sobre o tema, que é publicamente conhecido.

Inicialmente, o foco de irregularidades apontado era concentrado na retirada da

guarda de cinco filhos de Silvânia Mota da Silva e sua colocação em lares

substitutos no Estado de São Paulo. Com o desenrolar das investigações,

empreendidas por parte de vários órgãos e também da imprensa, surgiram mais

notícias de outros casos suspeitos de pedidos de guarda e adoções na região de

Monte Santo/BA, como, por exemplo, nas cidades de Euclides da Cunha e

Encruzilhada/BA.

De acordo com o depoimento prestado pelo juiz Vitor Manoel Sabino Xavier

Bizerra, constante das notas taquigráficas, a escrivã Célia Messias teria indicado

as famílias adotivas que receberiam a guarda dos filhos da Senhora Silvânia.

Providências do caso:

A CPI expediu diversos ofícios relacionados às providências solicitadas nos

requerimentos que tiveram seu cumprimento já realizado e também outros

relacionados à investigação procedida pela Comissão, tais como ofícios

encaminhados ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça –

CNJ, ao Presidente e a Conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público –

CNMP, em ambos requerendo a instauração de procedimento investigativo; ao

Corregedor Nacional de Justiça, a respeito do trabalho de correição realizado pelo

CNJ; ao Ministério Publico Estadual da Bahia, com diversas solicitações; à Polícia

Federal (Diretoria Geral e Superintendência Regional da Bahia), solicitando

instauração de procedimento administrativo; aos Conselhos Tutelares locais.

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Foi encaminhado também ofício ao Conselho Nacional de Justiça, relativa

à correição realizada pelo CNJ no Estado da Bahia visando a Operação Monte

Santo, tendo sido gerada a resposta, segundo a qual “os fatos ali narrados são

objeto de apuração por esta Corregedoria Nacional de Justiça”, e “que os

referidos procedimentos correm em caráter sigiloso”.

No volume n. 19 do processo reservado foram acostados os seguintes

documentos:

• Depoimentos dos Conselheiros Tutelares Salustiano Cardoso da Silva

Junior, Vitória Eugênia Santana e Silva, Nilcéa Moura da Silva,

Michelson Silva Caldas, Tirsa Cristina Lima dos Santos Oliveira

Carvalho, Ana Dária Pereira, Cremilda de Souza Jesus;

• Portaria n. 01-A/2012, que determina a instauração de correição

ordinária nos autos de todos os processos tombados e nos serviços

afetos ao juízo da Comarca de Monte Santo/BA (Vara Crime e da

Infância e Juventude);

• Despacho exarado pelo Promotor de Justiça Luciano Taques Ghignone

no procedimento investigatório criminal n. 02/2012, determinando

diligências, bem como ofícios expedidos ao Ministério Público das

cidades de Indaiatuba/SP e Campinas/SP, solicitando a oitiva dos pais

adotivos;

• Ofício expedido pelo MP/BA à Escrivania do Juízo de Monte Santo/BA,

solicitando a elaboração de certidão relacionando todos os processos

de colocação de crianças em famílias substitutas, autuados nos últimos

dez anos;

• Depoimento de Eunice de Jesus (mãe biológica que entregou filhos

para adoção mediante a intermediação de Carmem Topschall);

• Declarações de Rosângela de Lima Pereira e de Rita de Cássia Ribeiro

de Menezes, diretoras da Escola Maria Perpétua e da Creche Vilma

Guimarães Barreto (instituições frequentadas pelos filhos de Silvânia);

• Declarações de Belarmina Barboa e Milton Agostinho de Santana

(sobre as circunstâncias da entrega dos filhos de Odila para adoção);

• Declarações de Vanuza da Silva Souza (prima de Silvânia);

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• Requerimento endereçado ao Juízo da Infância e Juventude de Monte

Santo/BA por Flávia Regina Cury Carneiro, pedindo adoção e,

liminarmente, guarda provisória de Danilo, filho de Silvânia

(acompanhado por diversos documentos atestando o preenchimento

dos requisitos legais pela requerente);

• Termo de Audiência onde consta o deferimento do pedido mencionado

no item anterior pelo Juiz de Direito Vitor Manoel Xavier Bezerra;

• Declarações (em juízo) de Silvânia Maria da Mota Silva, Jerôncio de

Brito Souza, Perpétua Maria da Mota (avó materna), Maria de Jeus Brito

e Souza (avó paterna), Josias Firmino de Souza (avô paterno), José

Martins da Silva (avô materno);

• “Denúncias” n. 37/2010 e 39/2010, relativas aos fatos sob apuração,

encaminhadas ao Conselho Tutelar de Monte Santo/BA e Termo de

Advertência formulado pelo referido Conselho; Depoimentos de

Perpétua Maria da Mota (avó materna) prestado ao Conselho, onde

relata que Carmem havia pedido uma das crianças para ser adotada

por família paulista, e de Maria da Glória, dando conta de que está

cuidando de um dos filhos de Silvânia;

• Declarações (ao MP/BA) de Jerôncio de Brito Souza e Silvânia Maria da

Mota Silva;

• Relatório da Escola Maria Perpétua relativo aos filhos de Silvânia;

• Novo Despacho exarado pelo Promotor de Justiça Luciano Taques

Ghignone no procedimento investigatório criminal n. 02/2012,

determinando diligências;

• Declarações (ao MP/SP) de Alessandra Pereira de Souza Pondian,

Anderson Richard Pondian, Flávia Regina Cury Carneiro, Débora Brabo

Melecardi, Nelson Luiz Melecardi, Letícia Cristina Fernandes Silva (pais

adotivos);

• Requerimento de aplicação de medida de proteção aos filhos de

Silvânia, formulado em juízo pelo MP/BA (datado de 12/05/2011),

instruído com relatórios do Conselho Tutelar;

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• Decisão concedendo a guarda provisória de Estefane de Jesus (filha de

Silvânia) aos pais adotivos;

• Declarações (ao MP/BA) de Rita de jesus Rocha, filha “de criação” de

Edite Maria de Jesus;

Foram juntados aos autos da CPI, relativamente ao caso:

• Documentos entregues pelo Juiz de Direito Vitor Manoel Xavier BIzerra;

• Petições dos advogados de Carmem e Bernhard Topschall;

• Decisão do Ministro Gilmar Mendes em pedido liminar de Habeas

Corpus formulado por Carmem Topschall;

• Documentos que instruem o pedido liminar de HC referido no item

anterior;

• Decisões de Ministros do STF e documentos que instruíram os pedidos

de liminar em HC;

• Ofício e demais documentos oriundos da Promotoria de Justiça de

Monte Santo/BA, prestando esclarecimentos sobre os fatos;

• Termos de Interrogatório de Carmem e Bernhard Topschall, procedidos

pelo MP/BA;

• Decisão do Ministro Ricardo Lewandovski em pedido liminar de Habeas

Corpus formulado por Bernhard Topschall;

• Diversos documentos oriundos do Conselho Tutelar e decisão judicial

concedendo a guarda provisória das crianças para as famílias adotivas

de SP;

• Carta Aberta à Sociedade do CEDECA-BA, com denúncias relativas

aos fatos;

• Depoimento prestado à CPI pelo Juiz de Direito Victor Manoel Xavier

Bezerra;

• Depoimento prestado à CPI por Carmem Topschall;

• Depoimentos prestados à CPI pelo Juiz de Direito Luiz Roberto Cappio

Guedes Pereira, pelo Promotor de Justiça Luciano Taques Guignone,

pela advogada do CEDECA-BA, Isabella da Costa Pinto Oliveira e por

Silvânia Mota da Silva, mãe biológica das crianças adotadas;

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• Depoimentos prestados à CPI por Maria Elizabete Abreu Rosa,

vereadora da cidade de Encruzilhada/BA e pela advogada das famílias

adotivas, Lenora Thai Steffen Todt Panzetti, fls. 333/383. Existe uma

Ação Penal tombada sob o n. 0000139-57.2010.805.0075 em curso na

Comarca de Encruzilhada – BA, na qual foi denunciada a Sra. Maria

Elizabete de Abreu Rosa, pela prática do delito do art. 238, parágrafo

único do ECA, por três vezes, c/c art. 299, parágrafo único, parte final,

do Código Penal;

• Depoimentos prestados à CPI por Carmem e Bernhard Topschall;

• Resultados das quebras de sigilos bancário e fiscal dos investigados;

• Notas taquigráficas das diligências realizadas em Monte Santo/BA,

onde prestaram depoimento Elineide Barbosa (“Odilia”), Edite Maria de

Jesus e Marivalda de Souza Santos foram acostadas no vol. 36 do

processo ostensivo (Notas taquigráficas não estão disponíveis no

portal da Câmara).

A Assessoria da CPI registra que em relação aos Ofícios 862 e 863/13 –

Pres, encaminhados respectivamente ao Superintendente Regional da Bahia e ao

Diretor-Geral da Polícia Federal, há resposta da Corregedoria-Geral de Polícia

Federal informando que os documentos foram encaminhados ao Conselho

Nacional de Justiça, em observância ao art. 103-B, III, da CF/88. Não obstante, o

objeto do Requerimento que deu origem aos ofícios refere-se à solicitação de

procedimento investigativo em relação à atuação da Sra. Carmem Topschall, a

qual deveria ter sido destacada da que se refere à atuação do Poder Judiciário e

Ministério Público que dispuseram sobre a questão, de forma que se entende

prejudicada eventual investigação sobre a atuação sobre de referida pessoa no

que concerne as adoções irregulares no Estado da Bahia.

Vários depoimentos foram colhidos pela Comissão sobre esse caso,

os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DA SRA. CARMEM KIECKHOFER TOPSCHALL –

Empresária.

No primeiro depoimento perante esta Comissão, a Sra. Carmem Topschall

obteve habeas corpus perante o STF para não falar a esta Comissão o que não

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fosse de seu interesse. Nada disse a depoente à CPI e somente em ocasião

futura, após ter prestado depoimento perante o Ministério Público da Bahia, a Sra,

Carmem Topschall dignou-se a depor perante esta Comissão. Esse depoimento

encontra-se abaixo resumido.

Disse que foi habilitada para adoção e que adotou três crianças, seguindo

todos os trâmites legais.

Relatou que foi para a Bahia para montar uma empresa de produção de

tripa natural bovina e que obteve um financiamento pelo BNB, no valor de dois

milhões e setecentos mil.

Afirmou que as pessoas ligavam para ela pedindo ajuda para entregarem

os filhos para adoção. Citou o caso de uma senhora de nome Silvânia, que ela já

conhecia e que manifestou o desejo de doar o filho quando nascesse.

Sobre o caso da adoção dos cinco irmãos que ela intermediou, disse que

ficou sabendo do caso no Forum, e que ela entrou com pedido de guarda do Luan

para que não fosse para o orfanato, ocasião em que ficou sabendo que apenas

dois dos irmãos seriam retirados da família para adoção.

Disse a depoente que se manifestou contra essa solução, entendendo que

todos os irmãos deviam ficar juntos e que, então lhe perguntaram no Forum se ela

sabia de alguma família que quisesse adotar os cinco irmãos.

Alegou que se interessa pelas crianças e pelos idosos, porque são pessoas

sem capacidade de se defenderem. Ainda confirmou o caso da senhora Beatriz,

que teria sido apresentada a ela pela senhora Edite, e que manifestou o desejo de

doar a criança da qual estava grávida.

Confirmou ter também intermediado a doação de uma criança chamada

Gabriela para uma senhora de nome Dora que afirma ser sua comadre.

DEPOIMENTO DO SR. VÍTOR MANOEL XAVIER BIZERRA - Ju iz de

Direito da Bahia.

Negou qualquer irregularidade no processo de adoção das cinco crianças

na Bahia, sob sua responsabilidade. Disse que pobreza não é motivo para perda

da guarda.

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Sobre os membros dos conselhos tutelares, afirmou que não pode confiar

cem por cento e ressaltou que o conselho tutelar é órgão autônomo e o

magistrado não pode negar fé pública aos seus atos.

Disse que a própria comunidade sabia das condições dessas crianças.

Comentou que há muitos casos de abandono de crianças e que esta situação é

de responsabilidade das políticas públicas.

Disse ainda que sua decisão sobre a adoção das crianças não se baseou

apenas no pronunciamento do conselho tutelar. Acerca da ausência do

representante do Ministério Público nessa audiência, disse que não se trata de

falta, e sim insuficiência de promotores para acompanharem as audiências. Neste

processo especificamente, houve a posterior manifestação favorável do membro

do Ministério Público à colocação das crianças em abrigo.

Indagado sobre o sumiço de um livro de advertência, ocorrido no fórum,

disse que tal fato se deu após sua saída da comarca e que tal livro havia sido

retirado por uma conselheira tutelar de nome Damiana, que se encontra

desaparecida, e devolvido posteriormente por intervenção do Ministério Público.

Disse também que a localização das famílias foi feita pela escrivã da

comarca. Ressaltou que não descarta a possibilidade de ter sido vítima de uma

armação, forjada para lhe prejudicar, tendo em vista diversas operações que

deflagrou na comarca, a fim de apurar e punir irregularidades em vários setores,

inclusive praticadas por autoridades e pessoas importantes.

Mencionou a existência, nesse processo de adoção, de laudos médicos e

psiquiátricos, que podem ser requisitados. Comentou a existência de uma rede de

solidariedade entre candidatos à adoção, que trocam informações entre si, o que

pode explicar que um adotante de fora fique sabendo da existência de crianças

para a adoção na comarca. Disse que o processo em decorrência de crime

tipificado na Lei Maria da Penha contra o adotante só veio a ocorrer após o

processo de adoção. Afirmou que não sabia quem tinha apresentado a

denúncia contra ele e que só veio a saber que se tratava da Sra. Carmen no

momento do depoimento perante a CPI.

Disse que, no processo de adoção, não agiu com falte de cautela e que a

vitaliciedade no cargo não faz com que o juiz atue de forma leviana. Explicou que

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a guarda foi deferida para todas as crianças, porque a situação de risco envolvia

todas elas e que no momento do processo de adoção não houve outras

manifestações de interesse em adotar as crianças. A Sra. Eliana só manifestou

esse interesse após concluído o processo de adoção.

Comentou que, se houver prova posterior de que a situação foi maquiada

com objetivo de induzir o juiz a deferir a adoção, pode haver ação rescisória para

desconstituir tal decisão proferida pelo magistrado.

Quanto ao não comparecimento da família dos adotados na audiência,

disse que não havia ninguém em casa, que ninguém foi encontrado para receber

a intimação e que tal informação foi comprovada pelos policiais que foram até a

casa da família das crianças adotadas e pelo oficial de justiça.

Disse que, se as famílias não tiveram a defesa apropriada, essa falta não se deve

ao Judiciário, pois não houve qualquer cerceamento de defesa.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA ELIZABETE ABREU ROSA – Ver eadora

no Município de Encruzilhada – BA.

Confirmou que participou de alguns casos de adoção, porém, segundo ela,

todos legais, feitos perante o Judiciário. Disse que nunca recebeu nenhum

centavo por ajudar nesses processos de adoção.

Disse que não procura famílias que queiram adotar, e sim é procurada por

essas pessoas que vão a sua casa, para solicitar ajuda para doar filhos e para

adotar crianças.

Disse que as crianças adotadas são todas do Município e que os adotantes

também o são. Posteriormente, comentou que, em alguns casos, há pessoas de

outros Estados que adotam crianças do Município, o que apresentou certa

contradição no depoimento.

Negou que tenha qualquer ligação com o tráfico de crianças na região e

disse que as denúncias de que é vítima partiram de opositores políticos, em

especial um vereador que lhe ofereceu setenta mil reais em troca de apoio para

ser presidente da Câmara de Vereadores no Município, o que ela recusou.

Disse que é Técnico em Enfermagem e que, entre as suas atividades, está

a de realizar partos, porém não realiza atendimento pré-natal. Afirmou que tem

uma filha e uma sobrinha que atuam no conselho tutelar.

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Indagada sobre uma ONG que a teria procurado para solicitar ajuda, disse

que não sabe qual é essa ONG e que a indicação foi feita por um vereador e por

um conselheiro tutelar chamado Daniel, que já foi afastado do conselho tutelar e

nem mora mais na cidade.

Acerca das imagens apresentadas no programa Conexão Repórter,

estranhou uma das imagens em que aparece na casa de Amanda, onde disse

que nunca esteve, e que não tem nenhuma roupa parecida com a qual aparecia

vestida nessa reportagem, sugerindo que houve alguma montagem.

Após ter dito que foi procurada pelas Sras. Bia e Amanda em busca de

ajuda para famílias carentes, e não para tratar de adoção, afirmou, em outro

momento, que estas conversaram, na ocasião, também de adoção, o que deixa

transparecer uma contradição no depoimento.

Disse que a Bia adotou a filha de Amanda e que o programa Conexão

Repórter pagava para Amanda duzentos e sessenta reais por mês além de cesta

básica.

Negou conhecer a Sra. Carmem Topschall. Confirmou que responde a um

processo criminal por intermediação de adoção ilegal, que se encontra na fase de

alegações finais.

DEPOIMENTO DA SRA. LEONORA THAÍS STEFFENTODT PANZET TI –

Advogada das famílias que detém a guarda provisória dos menores do caso

“Monte Santo - BA”, que solicitou ser ouvida por es ta CPI;

Solicitou uma audiência reservada perante a Comissão, porém nada

apresentou ou relatou de interesse para as investigações, limitando-se a fazer

uma defesa da família adotante e acusação da família das crianças adotadas.

Trouxe fotos ilustrativas e outras reais que nada acrescentaram ou esclareceram.

DEPOIMENTO DO SR. LUÍS ROBERTO CAPPIO GUEDES – Juiz de

Direito.

Disse que confirmou a existência de irregularidades no processo de adoção

das cinco crianças de Monte Santo, o que o levou a reformar a decisão do juiz

anterior e determinar o retorno das crianças à família biológica.

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Afirmou que existem outros processos de adoção feitos de forma irregular e

que há caso inclusive de sequestro de crianças para adoção. Disse que há uma

organização criminosa atuando em Monte Santo na adoção de crianças.

Relatou que os vários processos a que responde atualmente são

represálias decorrentes de sua decisão de anular a adoção das cinco crianças de

Monte Santo e que se encontra inclusive afastado do cargo por noventa dias, em

decorrência dessa decisão proferida nos autos de adoção.

DEPOIMENTO DO SR. ARIOMAR JOSÉ FIGUEIREDO DA SILVA –

Promotor de Justiça.

Disse que o Conselho Tutelar acompanhava as crianças de Monte Santo e

que havia denúncia inclusive do pai biológico de algumas dessas crianças contra

a mãe.

Todavia, confirmou que o processo conduzido pelo Juiz Vitor Bezerra não

obedeceu aos trâmites legais e que o juiz rasgou o Estatuto da Criança e do

Adolescente ao deixar de observar os procedimentos legais, inclusive deixando

de fora o Ministério Público, que não participou desse processo.

Disse que, em vários outros casos de adoção, os procedimentos legais são

respeitados e que não há irregularidade. Não concordou com a afirmação de que

exista uma quadrilha atuando em Monte Santo, nos processos de adoção. Disse

ainda que o próprio juiz Luís Roberto Cappio atuou de forma irregular em um

processo de adoção, em Euclides da Cunha, sem a observância dos

procedimentos legais. Afirmou que pediu a quebra de sigilo bancário de todos os

acusados da prática de irregularidades no processo de adoção das cinco crianças

em Monte Santo.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ APARECIDO METELE DE MATOS -

Assessor de Imprensa em Indaiatuba.

O depoente afirmou que tomou conhecimento do ocorrido por intermédio

do programa Fantástico: “A primeira vez que eu também tomei conhecimento foi

na edição do dia 10 de outubro de 2012”.

Disse que é ex-namorado de uma das mães paulistas que adotou uma das

crianças da cidade de Monte Santo, no sertão da Bahia; que conheceu Letícia

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Fernandes em 28 de novembro de 2012; que em março de 2013 passou a

namorá-la; que o relacionamento fora conturbado; que o relacionamento foi

rompido há dois meses; que Letícia é uma mulher que perdeu o útero, não pode

ter filhos e tem o desejo de ser mãe; que Letícia divorciou de seu ex-marido por

não concordar com a guarda da criança; que Letícia conheceu Carmem por

intermédio de uma paciente sua de nome Dora; que Dora já tinha adotado filhos

na Bahia; que Carmem também tem crianças adotadas em Monte Santo; que

Letícia ligou para o fórum, para poder se habilitar à adoção; que Letícia e Carmem

foram juntas a Monte Santo; que lá, receberam a notícia de que Silvânia que

queria entregar uma criança pra adoção; que foram a casa de Silvânia; que

Silvânia havia desistido de entregar à adoção a menina, mas ofereceu o menino

Luan, de forma a não passar por procedimento nenhum; Letícia teria sentado na

calçada, em prantos; que se dedicou ao caso por interesse jornalístico.

Declarou que foi uma vez à Bahia com Letícia para ver o que acontecia no

processo; que ficou na Bahia por duas semanas; que recebeu cópias do processo

de adoção; que não sabe se Letícia deu algum dinheiro para Carmem; que não

conhece Carmem; que o que sabe sobre Carmem é o que a imprensa está

veiculando; que acha que a sua convocação para depor na CPI se deu em razão

sobre um texto que escreveu na Internet sobre o caso; que está escrevendo um

livro sobre o caso; que decidiu escrever sobre o caso em fevereiro de 2013; diz

que o ex-marido da Letícia tinha contatos telefônicos com a Carmem Topschall.

Acusou o Juiz Cappio de cometer irregularidades no processo de adoção,

nos seguintes termos:

“O juiz que revogou a guarda descumpriu o Conselho Tutelar já quando

não ouviu as crianças, impediu o direito das crianças de se manifestarem, de

serem ouvidas — o Conselho Tutelar diz que é direito da criança opinar e se

manifestar. Ou seja, as crianças, em nenhum momento, foram ouvidas.

No dia 27 de novembro, o Juiz Luís Roberto Cappio teria, segundo

declarações dadas na imprensa, até o dia 7 de dezembro pra revogar, pra decidir

sobre a questão. Mas a avaliação nossa é que, como a advogada Lenora Panzetti

depunha no mesmo dia, nesta Comissão, pra que ele não tivesse que usar as

informações que fossem ditas aqui pro seu convencimento pra decisão, no

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mesmo dia — ele não esperou até 7 de dezembro —, no mesmo dia ele revogou

as guardas. Ou seja, foram solicitados das mães estudos sociais. Em nenhum

momento, esses estudos sociais foram acolhidos no processo, para poder formar

o convencimento do juiz.

As crianças foram levadas pra ONG Aldeias e, em nenhum momento, o

Juiz Luís Roberto Cappio recepcionou os relatórios da ONG Aldeias, pra dizer se

foi bem sucedida ou se foi um fracasso a reaproximação das crianças com a mãe

biológica. E também curiosamente, quando ele dá...No dia 18 de fevereiro,

Deputado Luiz Couto, saiu a sentença dele no processo.

Curiosamente, era na época em que a advogada das famílias substitutas

estava em Monte Santo. O que aconteceu? O juiz sentenciou com data retroativa

ao dia 4, porque a advogada tinha pedido a arguição da suspeição dele, tinha

arguido a suspeição dele no dia 6. Então, pra tentar burlar, fraudar esse

procedimento e não acatar... Porque, quando tem um pedido, uma arguição de

suspeição, o processo fica sem movimento até que o juiz diz: “Olha, eu estou

impedido ou não”. Mas o que vale é a data da publicação, a sentença vale no dia

18. E também houve uma arguição do Ministério Público no dia 15 de fevereiro.

(...).

O Juiz Luís Roberto Cappio impediu a todo tempo, ele cerceou o direito de

defesa das famílias biológicas, ele cerceou a manifestação do Ministério Público e

ele agiu como se fosse advogado da família biológica, tanto que... E, pra

simbolizar, no dia em que houve a revogação da guarda, ele aparece em Monte

Santo, abraçado à mãe, ele foi lá pra festa de comemoração da revogação da

guarda. (...)

Então, vamos começar pelo Juiz Cappio, um juiz que faz papel de

justiceiro. Ele cerceia. Primeiro, ele revoga as guardas, violando o direito de

opinião e de manifestação das crianças — não ouviu; ele revoga essas guardas,

cerceando o direito de defesa das famílias biológicas e a manifestação do

Ministério Público. (...) O Poder Judiciário da Bahia, o CNJ, que não toma

conhecimento, joga pra lá, pra cá. Agora, quando eu cito o termo “bandido”, ele

está na figura do Juiz Cappio. Agora, essas autoridades, elas estão omissas.

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Agora, um processo onde você cerceia o direito, você mente, onde entra

uma emissora fazendo esse carnaval, e até agora... e você é influenciado pela

opinião pública... Até agora... Tinha um juiz lá em Euclides da Cunha. O juiz, ele

não quis decidir o caso, porque ele estava para receber uma promoção e ele não

quer se misturar nesse caso. Ninguém quer meter a mão nessa cumbuca. Ou

seja, o Judiciário, ele quer se resguardar para não ser influenciado pela opinião

pública e lavar as mãos. Não é esse o Judiciário que a gente espera.”

Diante das investigações feitas a CPI concluiu que:

- Não há informações disponíveis sobre a origem do dinheiro depositado na

conta do Sr. Bernard. Esse dado merece ser confrontado com a declarada

ausência de atividade das suas empresas.

- Há uma aparente incompatibilidade entre o volume de recursos

movimentado em suas contas entre 2010 e 2012 e sua declaração patrimonial.

Esse dado merece ser confrontado com a declarada ausência de atividade das

suas empresas.

- Há uma incompatibilidade entre o padrão de vida da Sra. Carmem

Topschall e seu esposo com as fontes de renda declaradas perante esta

Comissão.

Esses foram os fatos apurados pela Comissão em relação a essa adoções

irregulares em Monte Santo, no Estado da Bahia.

Tendo em vista a insuficiência da legislação em vigor para punição dessas

condutas descritas nesta investigação e dadas as peculiaridades do caso, não foi

possível chegar a um indiciamento nesta hipótese, porém sugerimos a

continuação das investigações no âmbito policial e do Ministério Público, inclusive

com no que tange à atuação das Sras. Carmem Topschall e Célia Messias.

A análise realizada pela Delegada Tatiane mostra-se bastante precisa no

sentido da investigação realizada, cabendo ser destacado e acolhidas como

razões da CPI as observações ali esposadas: “Inicialmente impende salientar que

embora muitos dos fatos narrados sejam antiéticos, irregulares ou imorais, esta

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análise irá se cingir à adequação das condutas comprovadas aos tipos penais

correspondentes.

Cabe, preliminarmente, referir que os tipos aplicáveis à espécie. De pronto,

exclui-se o tráfico para fins de adoção internacional, previsto no artigo 239 do

Estatuto da Criança e Adolescente (Promover ou auxiliar a efetivação de ato

destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância

das formalidades legais ou com o fito de obter lucro), posto que as crianças não

foram enviadas ao exterior, mas deslocadas dentro do território. Desta feita, a

suposta intermediação de Carmem, ante a inexistência de tipo penal que preveja

a hipótese de tráfico interno, para fins de adoção, é atípica.

Quanto ao artigo 238, do ECA (Prometer ou efetivar a entrega de filho ou

pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa), à toda prova não parece ser

aplicável ao caso ora em análise, eis que os elementos coligidos não apontam

para qualquer ato de Silvânia ou Gerôncio no sentido de entregar as crianças,

mediante paga ou promessa de recompensa, mas apenas uma suposta

ocorrência de negligência no cuidados dos filhos, que ensejaram a retirada das

crianças, as quais foram colocadas nos lares substitutos aparentemente contra a

vontade dos pais. Consequentemente, não há também elementos que apontem

para o pagamento feito pelos casais que receberam a guarda da criança.

Em relação ao artigo 237 do ECA, (Subtrair criança ou adolescente ao

poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o

fim de colocação em lar substituto), trata-se de tipo no qual poderá ser

enquadrada, em tese a conduta do magistrado que determinou a guarda em favor

dos casais paulistas, e consiste na utilização de meios astuciosos, visando a

colocação de menor em família substituta. No entanto, não parece ser o fato, eis

que do exame do caso, verifica-se que os atos dos juiz, embora fossem

irregulares, não foram motivados por motivo nefasto, mas, aparentemente, pela

necessidade que o magistrado entendeu haver no caso, de colocar as crianças de

Silvânia em lar substituto, livrando-as do risco.

Cabe mencionar que as mães das crianças adotadas por Carmem

referiram algum tipo de oferecimento de vantagem econômica para a entrega dos

bebês. Entretanto, além dessas alegações, inexiste outros indícios que apontem

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para a efetiva ocorrência dessa fato, ou circunstância que permitisse supor que

este oferecimento de fato tenha ocorrido, razão pela qual o indiciamento de

Carmem por estes fatos seria temerário. Nada impede entretanto que as

investigações sobre estas adoções sejam aprofundadas pelo órgão policial,

especialmente no que se refere à alegação de Odilo de que Carmem a teria

entorpecido para subtrair-lhe Andréia.

Quanto à escrevente Célia, não se vislumbra qualquer fato típico

relacionado a sua conduta, mormente quando o próprio juiz confirma que ela agiu

se acordo com sua determinação. Sequer há indício de que ela teria recebido

qualquer vantagem de Carmem ou dos casais adotantes para realizar os atos de

ofícios nos processos em testilha.

Finalmente, e entendendo que o papel primordial das CPIs é a propositura

de medidas legislativas tendentes a implementar a segurança pública e o respeito

aos direitos humanos, chamo atenção para a atipicidade de várias condutas que

de acordo com a convenção de Palermo poderiam ser consideradas crime,

notadamente no que se refere a participação de CARMEM e de Dona Edite nas

adoções, pois, caso houvesse um tipo penal que penalizasse o tráfico interno

para fins de adoção, da mesma forma que se pune o externo, conforme o artigo

239 do ECA, a prevenção a ocorrência de intermediações seria mais eficaz.

13.12. TRÁFICO DE PESSOAS PARA SALAMANCA –

ESPANHA

Trata-se de suposto caso de tráfico internacional de pessoas para

fim de exploração sexual objeto da “Operação Planeta”, deflagrada pela

Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia com a colaboração

internacional da polícia espanhola. As vítimas eram aliciadas em Salvador/BA e

transportadas para locais de exploração sexual na Espanha, onde permaneciam

alojadas em situação de cerceamento de liberdade em virtude de suposta dívida

contraída perante os aliciadores (despesas de passagem e etc). Organização

Criminosa composta por Denison Costa Pereira, Elizânia dos Santos Evangelista,

Renata Gomes Nunes e Angel Bermudez Moto.

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Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Juntada de documentos (principalmente cópias de peças do Inquérito

Policial. Os fatos foram apurados no bojo do Inquérito Policial n.

1464/2012-SR/DPF/BA) nos volumes n. 27, 28, 29, 35, 36 e 49 do

processo ostensivo;

• Oitiva de DENISON COSTA PEREIRA REIS e ELIZÂNIA DOS

SANTOS EVANGELISTA REIS em Audiência Pública realizada em

21/02/2013;

• Oitiva de RENATA GOMES NUNES em Audiência Pública realizada em

21/03/2013.

O Ministério Público Federal denunciou os investigados, instaurando a

ação penal n. 880-64.2013.4.01.3300, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção

Judiciária da Bahia.

Passamos a transcrever os depoimentos colhidos pela Comissão com

relação a esse caso.

DEPOIMENTO DO SR. DENISON COSTA PEREIRA REIS – Dep oente.

Relatou que, no mês de setembro, estava trabalhando com a campanha do

Deputado ACM Neto, quando recebeu uma ligação da filha de sua prima, Renata,

que estava na Espanha, dizendo que precisava de alguém para acompanhar um

estrangeiro que se encontrava em viagem na Bahia.

Disse que essa pessoa lhe pediu para levá-lo a umas boates e que a

Renata lhe telefonou pedindo que arranjasse umas meninas para trabalhar lá na

Espanha com contrato. O depoente afirmou que contatou uma menina por nome

Márcia que lhe indicou algumas amigas interessadas em ir para a Espanha.

O encontro do estrangeiro, conhecido por Cigano, e as meninas se deu em

uma churrascaria em frente à estação de trem. Estavam lá a Márcia, a Lidiane, a

Marcela e outras. Disse o depoente que apenas Lidiane e Marcela se

interessaram em ir par a Espanha. Disse que Renata lhe prometeu que ele

receberia dois mil para ficar como motorista do Cigano, que lhe pagou apenas mil

reais.

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DEPOIMENTO DA SRA. ELIZÂNIA DOS SANTOS EVANGELISTA REIS

– Depoente.

Relatou a conversa da Renata com seu marido e negou qualquer tipo de

envolvimento com o tráfico de pessoas, confirmando a proposta da Renata de

indicação de meninas para trabalhar na Espanha.

Disse que essas meninas acabaram sendo deportadas, pois o passaporte

estava vencido e elas se encontravam ilegalmente no País, mas que não teria

havido nenhuma hipótese de cárcere privado dessas moças na Espanha.

O Ministério Público Federal denunciou os investigados, instaurando a

ação penal n. 880-64.2013.4.01.3300, em trâmite na 2ª Vara Federal da Seção

Judiciária da Bahia.

13.13. CASO DOS ADOLESCENTES RECRUTADOS COMO

JOGADORES DE FUTEBOL PELO SR. REGINALDO PINHEIRO

DOS ANJOS

O Sr. Reginaldo Pinheiro foi acusado de ter envolvimento com o

aliciamento de menores, que ele recrutava e encaminhava para clubes de futebol.

O acusado recebia entre cem e quatrocentos reais das famílias dos

adolescentes, que seriam supostamente para fazer frente a despesas de

alimentação e transporte dos jogadores.

De acordo com depoimentos e notícias colhidas pela Comissão, o Sr.

Reginaldo Pinheiro usava remédios para dopar os adolescentes com o fim de

explorá-los sexualmente. Além disso, havia denúncias de que ele dividia uma

cama de casal com os rapazes que moravam no alojamento.

A CPI tomou depoimentos sobre o caso, que passamos a resumir.

DEPOIMENTO DO SR. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS – Ac usado

de crime contra a dignidade sexual de adolescentes.

Negou ter envolvimento com o aliciamento de menores. Disse que

encaminhava jogadores para clubes de futebol com o intuito de ajudá-los. Alegou

que a denúncia de crime contra a dignidade sexual se deu em vista de ter

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chamado a polícia para atuar no furto de um celular praticado pelo menor de

nome William, no alojamento dos jogadores.

Disse que havia um outro amigo do William de nome Murilo que lhe

ameaçou, dizendo que o depoente iria se arrepender cada vez que ouvisse o seu

nome e que, logo depois, houve a denúncia e ele foi preso.

O depoente relatou que Vando e Joel eram pessoas que lhe mandavam os

jogadores para que ele os encaminhasse para os clubes e que as famílias

pagavam a ele entre cem e quatrocentos reais referentes a despesas de

alimentação e transporte dos jogadores.

Disse que começou trabalhando no Clube Confiança como massagista e

que fez o curso de Técnico de Enfermagem, mas não o concluiu porque não

conseguiu fazer o estágio.

Disse que os remédios em grande estoque pertencentes a ele, que foram

apreendidos pela polícia, destinavam-se a uso próprio e para o caso de alguém

necessitar deles. Explicou que é diabético, tem pressão alta e que toma remédio

para dormir.

Confirmou que não tinha qualquer tipo de contrato com os jogadores e com

os clubes. Disse que se arrepende de ter exercido essa tarefa de “olheiro”, pois

gastou tudo que ganhou e ainda está com dívidas.

Confirmou que dividia uma cama de casal com os rapazes que moravam

no alojamento, mas negou qualquer envolvimento sexual com eles.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ GUSTAVO VIEIRA DE CASTRO -

Representante da Confederação Brasileira de Futebol – CBF

Disse que a CBF já está tomando providências em relação à transferência

de jogadores para o exterior, que as exigências são muito grandes e que não há

como transferir menores para o exterior.

Lembrou o caso do jogador Pato, que tentou ir para o Milan com apenas

dezessete anos, mas não obteve êxito.

Explicou ainda que a transferência de jogadores profissionais de um lugar

para outro deve ser registrada na CBF, o que hoje pode ser feito por meio

eletrônico.

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Mencionou ainda que os clubes são fiscalizados rigorosamente, mas que

os olheiros escapam a esse tipo de fiscalização. Ainda explicou que os clubes têm

uma série de exigências no que diz respeito à assistência e proteção dos

jogadores.

A CPI, em virtude dessa investigação, indicia o Sr. Reginaldo Pinheiro dos

Anjos, como incurso na pena prevista no art. 215 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de

dezembro de 1940, pelo crime de violação sexual mediante fraude, consistente

em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante

fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da

vítima.

A pena para este crime é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Na forma

do parágrafo único desse artigo, se o crime é cometido com o fim de obter

vantagem econômica, aplica-se também multa.

13.14. CASO DA SRA. TELMA RODRIGUES DO

NASCIMENTO

Foi acusada de chefiar esquema de aliciamento de travestis para serem

explorados no Estado de São Paulo. A acusada possui uma pensão, na esquina

da Santa Efigênia, onde, segundo as denúncias, é exercida a exploração de

travestis, inclusive menores de idade.

Foi acusada também de envolvimento com as chamadas “bombadeiras” e

de indicar médico para realizar cirurgia superfaturadas nos travestis, participando

dos lucros dessa atividade ilegal. Também foi acusada de manter pessoas em

cárcere na pensão até que elas pagassem o aluguel atrasado.

Esta CPI colheu depoimentos que transcrevemos suscintamente.

DEPOIMENTO DA SRA. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO -

Acusada de chefiar esquema de aliciamento de traves tis para serem

explorados no Estado de São Paulo.

Disse que tem uma pensão, na esquina da Santa Efigênia, e que aluga

vagas, mas não alicia travestis e que os menores que foram encontrados no

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estabelecimento tinham documento falso. Disse que teve outra pensão situada na

Rua Hermínio Lemos, número 340 e faz três meses que está no atual endereço.

Disse ser inocente e que a única coisa que faz é alugar vagas e que há

cerca de sete pessoas hospedadas lá, sendo a capacidade do local para oito ou

nove pessoas. Indagada sobre se sua pensão só hospeda travestis, negou o fato,

porém confirmou que todos os sete hospedes no momento são travestis.

Na pensão anterior, os hóspedes também eram travestis.

Ainda que tem dois filhos e que não tem conhecimento das chamadas

“bombadeiras” e do que elas fazem. Também negou que os hóspedes façam

programa dentro da pensão.

Sobre a indicação de médico para realizar cirurgia nos travestis, disse que

não encaminha ninguém para o médico, mas apenas indicou um médico que fez

uma cirurgia no seu nariz. O médico, segundo o depoente, é o Dr. Jair.

Disse que foi presa sob a acusação de rufianismo e facilitação à

prostituição. Disse que a antiga pensão era de alguém conhecido por “ Alemão”,

que ela diz ter conhecido quando procurava casa para alugar, mas acabou

comprando a casa. Disse que pagou dois mil por quarto, à época. A casa tinha

três quartos segundo a depoente. Disse que passou quatro meses nessa casa.

Explicou que o local era invadido, quando ela comprou os quartos do

Alemão, e que depois ela abandonou a casa. Indagada sobre o verdadeiro nome

do Alemão, disse não saber. Disse que cobrava vinte reais por dia, na casa

anterior, e, na atual, cobra trinta reais por dia. Falou ainda que é costureira e que

vive das costuras.

Negou o recebimento de gratificação resultante das cirurgias

superfaturadas, realizadas nos travestis pelo Dr. Jair indicado por ela. Também

negou ter qualquer gerente que tome de conta da pensão. Disse que tinha apenas

uma cozinheira, de nome Pérola. Negou ter conhecimento do assassinato da

Pérola.

Negou que mantinha pessoas em cárcere privado na pensão até pagar o

aluguel atrasado. Disse que foi denunciada pelo Ruan e que não consegue

entender o porquê.

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DEPOIMENTO DE RUAN GUILHERME PASSOS FERREIRA – Meno r

explorado pela Sra. Telma, em São Paulo.

Disse que frequentou a boate da Sra. Telma, em São Paulo, desde os 14

anos, onde era explorado sexualmente, como travesti. Chegou à boate já com

uma dívida em torno de seissentos reais e tinha de pagar diária de trinta reais,

além de garantir um lucro mínimo para a proprietária da boate.

Relatou que havia vários outros menores, meninos e meninas, na boate,

com idade entre catorze e dezessete anos. Disse que sofreu agressões físicas

por parte da Sra. Telma e que as outras meninas e meninos que trabalhavam na

boate também eram espancados.

Contou que chegou a ir à Polícia para fazer a ocorrência de sua agressão,

mas que nada aconteceu com a Sra. Telma. Foi obrigado a fazer modificações

clandestinas no seu corpo, colocando substâncias proíbidas para atender às

exigências do mercado sexual. Essa intervenção foi feita, segundo o depoente,

pela Sra. Isadora, sócia da Sra. Telma na exploração sexual de mulheres,

travestis e menores.

Disse o depoente que, depois de denunciar a Sra. Telma, passou a sofrer

ameaças de morte, mesmo quando se encontrava no Pará, pois a Sra. Telma tem

um irmão que mora no Pará. Relatou ainda que a Sra. Telma tinha capangas e

que mandava matar quem invadia seu território.

O depoente disse que chegou a trabalhar para uma Sra. chamada Michele,

mas que esta a tratava melhor, não fazia muita pressão, nunca lhe agrediu e lhe

cobrava vinte reais pela diária do quarto em que morava.

Em face dessa investigação, a CPI indiciou a Sra. Telma Rodrigues do

Nascimento, como Incursa nas penas previstas nos arts. 229, 231-A, §§1º e 2º, I,

do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pela prática dos seguintes

crimes:

- Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra

exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do

proprietário ou gerente, cuja pena é de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

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- Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território

nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual,

cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

O § 1o desse artigo prevê que “incorre na mesma pena aquele que

agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo

conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”.

Já o § 2º , inciso I, dispõe que a pena é aumentada da metade se a vítima é

menor de 18 (dezoito) anos.

Foram estas as investigações e providências tomadas pela Comissão em

relação a esse caso.

13.15. CASO DA MENOR FERNANDA ELLEN MIRANDA

CABRAL DE OLIVEIRA - DESAPARECIDA EM JOÃO PESSOA

Trata-se de caso que envolve o desaparecimento de Fernanda Elen

Cabral, no dia 07/01/2013, então com 11 (onze) anos de idade, após sair da

escola, no bairro Alto do Mateus, em João Pessoa/PB. No desenrolar das

investigações empreendidas pelos órgãos de segurança pública, restou apurado

que Fernanda foi, na realidade, vítima de homicídio, razão pela qual se sugere, de

plano, o arquivamento do caso no âmbito desta CPI.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Juntada do ofício n. 007/13, firmado pelo Deputado Major Fábio, às fls.

197/198 do volume 26 do volume ostensivo, solicitando, em síntese,

que a CPI investigue o caso (instruído com cópias do ofício n. 006/13,

expedido pelo Dep. Major Fábio e endereçado ao Exmo Sr. Ministro da

Justiça, solicitando, em resumo, que seja determinado à Polícia Federal

que investigue o caso, fls. 199/200);

• Juntada de vias impressas de notícias veiculadas em fontes abertas

sobre o caso, fls. 201/212 do volume. 26 do processo ostensivo;

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• Audiência pública realizada em 05/04/2013, na Assembleia Legislativa

do Estado da Paraíba, tendo prestado depoimento Fábio Júnior de

Oliveira, pai de Fernanda Ellen Oliveira; notas taquigráficas:

http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-

inquerito/54a-legislatura/cpi-trafico-de-pessoas-no-

brasil/documentos/notas-taquigraficas/nt050413-tpb;

• Ainda conforme relato do Delegado de Polícia Federal Gustavo Almeida

Bubolz, conforme notícias veiculadas por fontes abertas, disponíveis

em

http://www.obeabadosertao.com.br/v3/corpo_de_fernanda_ellen_e_enc

ontrado_enterrado_na_casa_do_vizinho__7379.html, já há

procedimento investigativo instaurado para apurar o fato da morte de

Fernanda Ellen, já submetido ao crivo do Poder Judiciário, inclusive,

considerando-se que, conforme noticiado, foi decretada a prisão

preventiva de JEFFERSON LUIZ DE OLIVEIRA, suspeito de ser o autor

do crime de homicídio.

Tratando-se de caso de assassinato, e não de tráfico de pessoas, sugere-

se o arquivamento do caso no âmbito desta Comissão.

Esta CPI realizou a tomada de depoimentos em relação a este e outros

casos ocorridos no Estado da Paraíba, conforme passamos a transcrever:

DEPOIMENTO DO SR. FÁBIO JÚNIOR CABRAL DE OLIVEIRA - Pai da

menor Fernanda Ellen Miranda Cabral de Oliveira, de saparecida em João

Pessoa.

Queixou-se da falta de comunicação e disse que gostaria de ter uma

pessoa para a qual pudesse passar as informações.

Relatou ameaças sofridas, inclusive por parte de uma pessoa que o

contatou, próximo de sua residência, e disse que ele deveria mudar de endereço,

pois iria morrer. Disse tratar-se de uma pessoa magra, alta, cabelo um pouco

enrolado, amarelado — um pouco do cabelo, não todo, mas uma parte de cima do

cabelo amarelada, moreno claro.

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Mencionou que também recebeu outra ameaça por telefone, na qual

novamente lhe disseram que ele iria morrer.

DEPOIMENTO DA SRA. HIPERNESTRE CARNEIRO - Fundadora do

grupo Mães na Dor.

Queixou-se de casos que permaneceram sem resposta e da impunidade.

Disse ter esperança de que, no caso da Fernanda Ellen, o caso seja solucionado

e tenha uma resposta por parte das autoridades.

Relatou o sumiço de uma menina de 11 anos de idade, chamada Maria

Alícia, desaparecida da escola, da mesma forma que Fernanda Ellen.

DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ CARLOS PATRIOTA – Pai de Rafael

Patriota.

Disse que o seu filho, Rafael Patriota foi brutalmente assassinado, aos 27

anos, juntamente com Daniel Guimarães, de 24 anos, por Victor Souto da Rosa,

que se encontra preso, recolhido no 5º Batalhão de Polícia.

Com relação ao tráfico de pessoas na região, o depoimento não

acrescentou informações importantes para as investigações realizadas pela

Comissão.

DEPOIMENTO DA SRA. VALDÊNIA APARECIDA PAULINO

LANFRANCHI - Ouvidora de Polícia da Paraíba.

Relatou o caso de uma angolana, Felícia, traficada para o Brasil, em

situação de servidão. Disse que, durante a tramitação do processo no Judiciário,

havia uma forte tendência de considerar que se tratava de pessoa adulta, que

veio por vontade própria, o que quase a transformou em ré, em vez de vítima, o

que demonstra a fragilidade do sistema.

DEPOIMENTO DO SR. LUÍS GUSTAVO MAGNATA SILVA - Diretor da

ONG Dignitatis – Assessoria Técnica Popular.

Disse que o último diagnóstico nacional que foi apresentado sobre o tráfico

de pessoas no Brasil foi em 2003, que dez anos se passaram e não há dados

oficiais do Estado brasileiro, que trate sobre o tráfico de pessoas.

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Mencionou um levantamento da ONU, de 2010, que aponta no Brasil inteiro

67 casos de tráfico de pessoas, dos quais 3 foram a julgamento.

Comentou a dificuldade de tipificação desse crime, por causa da

necessidade de lidar com a vítima como principal meio de prova.

Destacou a necessidade de uma Programa de Proteção à Testemunha que

funcione na Paraíba.

DEPOIMENTO DO SR. NOALDO BELO DE MEIRELES - Presidente do

Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão da

Paraíba — CEDDHC/PB.

Disse que não se pode ter várias polícias que não conversam entre si, que

não interagem, que não têm pontos comuns de acumulação de informações, de

troca de dados.

Mencionou o caso de uma pessoa da cidade de Mulungu, chamada Isnard,

que é considerado um dos mentores de uma quadrilha de tráfico de travestis para

a Itália.

Disse que havia um mandado de prisão contra esse Isnard e ele estava de

férias em Mulungu, em janeiro, sem ser incomodado. Questionou como ele

conseguiu passar pelos aeroportos sem ser preso.

Também relatou o caso de Almir Muniz, agricultor de Itabaiana,

desaparecido desde 29 de junho de 2002.

Criticou o fato de parentes e testemunhas de vítimas morarem na mesma

rua dos acusados, sem nenhum esquema de proteção.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA MADALENA DE MEDEIROS -

Representante do Programa Mercosul Social e Partici pativo e do Centro de

Ação Cultural — CENTRAC, de Campina Grande, Paraíba .

Destacou o lançamento do segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao

Tráfico de Pessoas, cujo eixo é a repressão. Disse que, no âmbito do Brasil, o

tráfico de pessoas tem-se configurado como uma ação que atinge especialmente

mulheres, meninas e adolescentes.

Destacou a importância do envolvimento da sociedade civil e dos Governos

para o enfrentamento do tráfico de pessoas.

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Disse que as pessoas que se dispõem a colaborar como testemunhas são

eliminadas, citando inclusive o caso de uma testemunha, em Queimadas, no

caso de uma menina chamada Ana Alice, de 16 anos, que desapareceu e foi

encontrada morta, que foi eliminada entes do depoimento.

DEPOIMENTO DA SRA. JOANA D’ARC SAMPAIO NUNES - Delegada

titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Infância e Juventude

da Polícia Civil do Estado da Paraíba.

Disse que o carro-chefe da sua delegacia são os abusos sexuais de

crianças e adolescentes e maus tratos e colocou a delegacia à disposição da

família de Fernanda.

Com relação ao tráfico de pessoas na região, o depoimento não

acrescentou informações importantes para as investigações realizadas pela

Comissão.

DEPOIMENTO DO SR. SADY SIDNEY FAUTH JÚNIOR - Representante

do Ministério da Justiça.

Disse que o Ministério da Justiça continua firmando convênios com

governos estaduais, municipais para a questão de instalação de núcleos de

enfrentamento ao tráfico de pessoas e postos de atendimento humanizado aos

imigrantes.

Afirmou que, atualmente, existem 16 núcleos e 13 postos, já abrangendo

todas as regiões do Brasil e que uma das metas do segundo plano, que foi

lançado no final de fevereiro, é que sejam instalados pelo menos mais 14 núcleos

e postos até o próximo ano.

13.16. CASO DAS GAROTAS DO PANTANAL – MS

Trata-se de Inquérito Policial instaurado pela Delegacia Especializada de

Defesa da Mulher, Criança e Idoso da Polícia Civil do Mato Grosso, em função de

ter a autoridade policial tomado conhecimento, por meio de expediente oriundo da

Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado, que adolescentes entre 13 e 18

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anos estariam sendo expostas indevidamente em site da internet com o objetivo

de promover concurso para escolher a “Garota da Copa do Mundo no Pantanal”.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Oitiva de Reinaldo Luís Akerley Cavalcante em Audiência Pública

realizada pela CPI em data de 19/03/2013;

• Juntada de cópia integral do inquérito policial n. 103/2012/DDMCI/MT,

por suposta infração ao artigo 244 – A, da Lei n. 8069/90 (ECA),

instaurado pela PC/MT para apurar os fatos, nos autos da CPI.

Sugere-se o arquivamento do caso por incompatibilidade do mesmo com o

objeto da CPI, eis que não há nos autos do inquérito policial em questão qualquer

indício do delito de tráfico de pessoas dos artigos 231 ou 231 – A do CP.

13.17. CASO CIRLENE AESCHBACHER - RJ

Trata-se de denúncia da Senhora Marlene Cisneiros de Oliveira de

um suposto envolvimento de sua filha Cirlene Cisneiros da Silva, atualmente

Cirlene Aeschacher, com uma rede internacional de tráfico de mulheres para fim

de exploração sexual (prostituição) na Europa (principalmente Suíça, Espanha e

Portugal). A rede seria responsável por recrutar pessoas de diferentes cidades do

Brasil. A conexão com os países na Europa se daria a partir do marido de Cirlene,

de nome M. Aeschbacher, de nacionalidade Suíça. Marlene tem outra filha

chamada Simone Cisneiros da Silva, que viajou diversas vezes para a Europa

com sua filha Maria Eduarda, de 10 anos. Marlene receia que Simone se associe

às atividades da irmã na Europa.

Providências do caso:

Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Juntada do Ofício n. 97/2013-GAB/DG/DPF, de 19 de fevereiro de 2013,

que encaminha cópia do despacho n. 34/2013 – URTP/DDH/CGDI/DPF

e anexos em que dão conta de que os fatos foram objeto de apuração,

no âmbito da Polícia Federal, no bojo do Inquérito Policial n. 44/2005 -

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DELINST/SR/DPF/RJ, relatado em data de 02/07/2008 sem

indiciamentos. (volume 29 do processo ostensivo - fls. 200/209);

• Juntada dos documentos encaminhados por Marlene Cisneiros de

Oliveira (volume 2 do processo reservado - fls. 2/224);

• Entrevista da delatora Marlene Cisneiros de Oliveira, realizada por

telefone, na data de 29/04/2013.

Não tendo havido maior aprofundamento nestas investigações, sugere-se o

encaminhamento do caso para as autoridades policiais e para o Ministério Público

para continuidade da apuração desses fatos.

13.18. CASO SÃO PEDRO DA ALDEIA – RJ

Trata-se de representação enviada à CPI por Marco Antonio Santos, que

se encontra recolhido no presídio da Marinha localizado em São Pedro da

Aldeia/RJ. Refere o representante possuir informações “(...) sobre a venda de

uma criança (...)” naquele município. O fato teria ocorrido em janeiro de 2010 e a

criança em questão contaria então com dois anos de idade, de nome Cauã.

Refere que a criança seria neto de Ana Maria Santos, que seria a mentora

intelectual do fato. Os “compradores” da criança seriam Carla de Tal e Edgar de

Tal, sendo que este seria cidadão argentino. Aduz o representante, ainda, que

teriam participado do ilícito, dois policiais militares lotados no 25º BPM – Cabo

Frio/RJ: Flávio Soares e Estevam da Silva Bento. Estes, por sua vez, em

represália ao representante, que teria comunicado o fato às autoridades, teriam

“forjado um flagrante” contra aquele, o que seria o motivo de estar recolhido no

presídio da Marinha.

Conforme consta dos registros desta Comissão, foi realizada a juntada da

representação no volume n. 21, do processo ostensivo.

Providências do caso:

Foi realizada a juntada da representação no volume n. 21, do processo

ostensivo. O representante menciona que o fato teria sido apurado por meio do

inquérito policial n. 2399/2010 da 125ª DP – São Pedro da Aldeia/RJ e do

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Inquérito Policial Militar n. 1096/2538/2012 e sugere a obtenção dessas cópias

para análise.

São estas as informações referentes ao caso.

13.19. CASO FERNANDO MARINHO DE MELO - OFICIAL

SUPERIOR DE MÁQUINAS DA MARINHA MERCANTE.

O investigado foi condenado pelo sequestro de Larissa Santos, de 12 anos,

e é investigado em outros dezessete casos de desaparecimento de menores. A

CPI colheu vários depoimentos sobre o caso, os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA JOVITA BELFORT - Mãe de Priscila

Belfort (desaparecida).

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu estive na CPI do Deputado

Paulo Ramos por duas vezes. Inclusive, fui eu que trouxe a Delegada, de Belo

Horizonte, porque eu estou numa luta! Eu falei: “Eu já perdi tudo”, que era minha

filha. “Então, eu não tenho medo de mais nada, de perder mais nada”, que seria a

minha própria vida. E eu falei: “Enquanto essa delegacia não for colocada aqui no

Estado do Rio de Janeiro, no molde de excelência de Belo Horizonte, eu não

paro”.

Nós estávamos com uma manifestação, eu e as ONGs Rio de Paz e Meu

Rio, para fazer agora, dia 29. Nós tínhamos mães que estavam dispostas a

ficarem amarradas, de preto, porque nós estamos assim, esses anos todos. Faz

10 anos que minha filha desapareceu. Eu tenho contato com as mães da

Candelária — que é de 1995. As mães de Acari infelizmente todas já morreram,

com seus filhos que foram desaparecidos, e é isso. Eu tenho quatro stents,

porque as pessoas vão perdendo a saúde, porque o tempo vai passando e nada,

nada, e nada é feito. (...)

Então, na terça-feira, nós obtivemos uma resposta do Secretário de

Segurança do Estado do Rio de Janeiro de que ele aprovou finalmente a

delegacia. Só lembrando que, desde 1995, essa delegacia é pedida. Então, nós

estamos em 2014, estamos chegando lá. Então, assim, eu peço até inclusive a

colaboração de vocês para ficarem em cima, porque eu não sei muito bem desse

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prazo, até quando pode — eu não sei se delegacia tem prazo para ser inaugurada

—, mas ela precisa ser feita para ontem.

Então, o Secretário oficializou que ele vai realmente fazer, que é

necessária essa delegacia.(...) Então, eu peço à CPI, é um dado real, infelizmente

eu acredito que nem a própria Polícia Federal nem a Polícia Civil tem hoje a

verdade desse tráfico humano, do que é que está acontecendo em nosso País,

dentro e fora.

Eu peço que a gente possa multiplicar o interesse da sociedade, porque é

uma dor tão grande para uma família! Eu tive essa noção quando a mãe do João

Hélio, aquele menino que foi arrastado quando os bandidos roubaram o carro

dela...Ela agora está morando em São João, aqui no Estado do Rio, e sempre me

liga no Natal. Ela diz: “Jovita, quando estou muito desesperada eu penso em

você, porque eu enterrei meu filho”.

O desaparecido, por mais que você, às vezes, tenha a evidência da morte,

como é o caso da Patrícia, aquela ali cujo carro foi baleado...Eles têm esperança,

a mãe dela tem esperança. A mãe dela agora é que consegue, um pouco, viver,

sair de casa, porque ela viveu uma depressão. Eu tive uma depressão também

horrível; aliás, todas nós, não é? O coração começa a pifar.

A gente não pode mais fechar os olhos, porque é uma realidade hoje o

tráfico humano, seja para o que for. A gente não pode mais se calar, tem que

estar nos jornais. A polícia tem que estar a par disso, para ter respeito por esses

familiares e vontade.

Por isso essa delegacia é a coisa mais importante hoje, eu acredito, para

as mães que eu conheço e para mim. Sem ela, os casos vão durar 10 anos, 15

anos, 20 anos, e isso eu acho que é a coisa mais perversa que a gente hoje pode

ter. Eu conheci uma coisa pior do que a morte: ter uma filha desaparecida. É uma

coisa que só quem passa, só quem passa é que pode dizer o que é que é isso.

Eu não estou sentada, como eu digo, não é? Eu posso falar de cadeira o que é

isso, e outras mães.

Então, eu peço mesmo empenho à sociedade, a todos os órgãos, aos

Deputados, porque a gente precisa, precisa de vocês. Foi como eu disse à Dra.

Martha Rocha: “Dra. Martha Rocha, a gente precisa da polícia”. Eu não sei por

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que demorou tanto essa delegacia, porque é uma coisa que a sociedade quer, as

mães querem, não é? Eu acho assim, eu não consegui até hoje... Na minha

cabeça não fechou porque essa delegacia ainda não existe.

É lógico que a gente não quer uma delegacia como a de São Paulo, em

que, de 3 em 3 meses, muda o delegado, porque quando pegam algum barão ali,

literalmente, que está fazendo tráfico humano, eles conseguem, conseguem,

conseguem que aquele delegado vá embora. A média de mudança de um

delegado numa delegacia de São Paulo é de 3 em 3 meses.

A de Belo Horizonte tem este detalhe: ela está à frente da delegacia há 13

anos. E ninguém pensa em tirá-la de lá, porque a sociedade eu acho que vai para

a rua, Belo Horizonte inteira. Lá eles contam com oito 0800; eles estão sempre ali

dando o retorno à mãe, às pessoas que querem denunciar. E outra coisa que ela

viu muito: a questão de tráfico de criança. Hoje você tem uma lei no Brasil pela

qual você leva pessoas para serem testemunhas e consegue fazer um novo

registro de nascimento. Com isso, com uma boa investigação, ela já conseguiu

resgatar muitas crianças.

E o pior de tudo, como ela diz, eu não sei muito bem: por tráfico de drogas,

é caro para você sair da prisão, pagar essa coisa que se paga aí para não

responder, não é? Eu vi esse chofer: pagou um salário mínimo. Ela diz que o mais

barato é o tráfico humano, o tráfico de criança. O maior medo dela é quando pega

alguém por isso; ele entra por uma porta e sai por outra, porque é muito barato.

Se você não tem condição de dar o sequestro, porque o tráfico de criança, de

adolescente e de adulto... Até hoje eu me pergunto: será que Priscila também não

foi traficada? Eu não sei! Porque existe o tráfico de maior, entendeu? Às vezes,

até me pergunto: com tanta prostituta... Uma coisa que, no Brasil... A gente anda

pela praia e vê. Eu moro ali, já morei em Copacabana, em Ipanema. Meu Deus!

Por que não vai procurar uma prostituta? Ele tem que traficar uma pessoa para

fazer sexo com ela, para ter ali aquela escrava sexual.

Além disso, outra coisa que foi feita: as pessoas que se suicidam. Hoje em

dia, tem pessoas na Internet que ensinam a se suicidar, que te levam a se

suicidar. Ela já viu casos em que, se a família não tivesse esperado aquelas 24

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horas ou aquelas 48 horas, em 6 horas pegariam a pessoa com vida. Isso foi um

serial killer. Ela até contou, no Jô Soares, sobre esse caso.

O caso da Priscila também, se puder colocar... A gente não sabe. O

problema é que com o desaparecido pode ocorrer tudo, tudo. Invente aí uma

história: pode. Isso deixa qualquer pessoa louca. Eu não sei como ainda eu não

estou louca. São os amigos, são as outras mães, são as pessoas que estão aí.

(...)

Na segunda-feira, eu estive com o pessoal da Associação dos Magistrados

e a pessoa dos Direitos Humanos. Eu perguntei a ela: “É tanto caso no jornal, por

que que não procura?” Nunca, nunca ninguém dos Direitos Humanos ou de

qualquer associação procurou a mim e as outras mães também.

Infelizmente, as Mães de Acari, que estavam procurando seus filhos

desaparecidos, hoje todas estão mortas. As da Candelária, só tem uma que

consegue pegar ônibus. Também tem um problema: para subir nos ônibus, depois

que você tem uma certa idade, tem que ter alguém para te puxar e tem que

descer de bunda aquelas escadas, uma outra coisa muito perversa para as

pessoas mais idosas.

Enfim, eu deixo o meu relato, como vítima, do que a gente passa. Eu

espero que não só esta CPI mas o Deputado Paulo Ramos, os Direitos Humanos

e a polícia cobrem essa delegacia, porque só assim, como tem sido em Belo

Horizonte, será combatido o tráfico e se terá a resposta certa em questão de

estatísticas.”

DEPOIMENTO DA SRA. SILVÂNIA MARIA DE SOUZA - Mãe de Larissa

Andrade de Souza (desaparecida).

Prestou o seguinte depoimento: “O que eu tenho para dizer aqui é pouco,

porque as mães já disseram tudo o que eu queria dizer. Essa aqui é minha filha,

que hoje, atualmente, está com 16 anos. Eu quero deixar bem claro que existem

os sequestros de duas Larissas: a Larissa de Honório Gurgel e a Larissa da

Barreira do Vasco.

O que acontece? A minha filha foi sequestrada no dia 14 de março de

2007. Parou um táxi à minha porta e levou a minha filha e algum objeto. Alguns

meses depois, foi levada a Larissa da Barreira do Vasco praticamente da mesma

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forma, e esse homem que está sendo acusado está preso. Será que ele está

tendo mais direitos humanos do que essas crianças?

Eu preciso pedir à CPI, eu preciso pedir às autoridades que investiguem.

Eu quero investigação sobre o caso da Larissa de Honório Gurgel. Como todo

mundo sabe, existe o tráfico de crianças. Essas crianças não são levadas para

brincar de boneca, essas crianças não são levadas para ser manequim de loja.

Eu quero pedir às autoridades um pouquinho mais de atenção para o caso

dessas crianças. Quando eu estou me alimentando, quando eu estou comendo,

eu pergunto: “Será que a minha filha já almoçou? Será que ela está viva? Será

que ela está morta?”

Há 2 anos, eu saí para o trabalho às 4 e meia da manhã. Quando eu

atravessei a rua, parou um carro. O cara me xingou de tudo quanto é nome e

disse: “Dá a sua bolsa”. Ele me xingou de tudo quanto é nome. A minha visão

ficou escura, a minha perna tremia, ele fez um terror psicológico na minha cabeça

para pedir a minha bolsa. Ali na hora, eu disse: “Com certeza, com a minha filha

também foi assim”. A pessoa que levou fez um terror psicológico. E a criança vai.

Imaginem a mim quando aquele levou a minha bolsa, fazendo um terror

psicológico na minha cabeça: o meu chão desabou, eu fiquei cega, ele levou um

pedaço de mim, que foi a minha bolsa, e eu fiquei assim... Eu disse: “Meu Deus,

imagine o dia em que esse homem levou a minha filha, como é que ela deve ter

se sentido. Ele deve ter usado o nome da mãe, o nome do pai, o nome da irmã, e

a levou.”

Imaginem esse homem ter pego a minha filha, colocado em uma casa e a

oferecido para vender ao tráfico... Sei lá, gente! É uma dor muito grande. Eu

preciso da investigação do caso da Larissa de Honório Gurgel. Eu preciso pedir à

polícia que investigue mais, uma polícia inteligente — inteligente! — para

investigar esse homem que está preso, porque é da mesma forma, as idades das

crianças são as mesmas, e ele não escolhe qualquer uma criança. As crianças

têm perfil, têm idade para ele levar.

Então, eu peço: investiguem mais esse homem que está preso. Mas não

vale a pena só ele estar preso. Ele tem que dizer o que aconteceu, o que ele fez,

se ele matou, se ele vendeu. O que ele fez tem que ser investigado. Não adianta,

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de repente, ele está lá preso e está fortinho. Está forte, está bem alimentado. Sete

anos passam rápido.(...)

Então, isso tem que ser investigado. A polícia inteligente tem que investigar

esse homem e saber o que ele fez. Não basta só jogá-lo numa cela, gente! Não

basta só chegar e jogá-lo numa cela, e daqui a pouco ele está solto por bom

comportamento.

Os direitos humanos hoje em dia estão mais para um traficante, para esses

criminosos, do que para um trabalhador. O que eu quero dizer, como eu disse, é

pouco: eu só quero investigação, eu só quero saber o que aconteceu com a

minha filha. Eu tenho uma filha de 14 anos em casa que hoje tem medo. Ela foi

para a escola, quando, no ônibus, um senhor se sentou ao lado dela, ela ficou

desesperada, ela ficou com trauma. As crianças têm trauma! As crianças têm

medo!

Então, não basta também só uma delegacia, outra delegacia. Isso precisa

ser investigado. Precisa-se de mais investigação. É muito duro, gente, é muito

triste uma mãe que tem um filho sequestrado conforme foi a minha filha e as filhas

das outras mães. Quando a gente liga a televisão e vê o mesmo caso, a gente

sofre junto, a gente sofre junto. Então, eu quero só pedir à CPI, à Polícia, a todas

as autoridades que venham a investigar mais esse homem que está preso”.

DEPOIMENTO DA SRA. RAQUEL GONÇALVES CORDEIRO DA SI LVA -

tia de Larissa Gonçalves Santos (desaparecida).

Fez o seguinte relato: “Ao fechar os olhos, eu posso me lembrar do dia 31

de janeiro de 2008, quando um homem entrou na minha casa. Ele não pegou a

Larissa na rua. Ele entrou dentro da minha casa e tirou ela de dentro de casa. Ela

estava junto com o meu filho. E levou ela! Eu passei 5 dias na rua. Cinco dias

sem comer! Cinco dias sem dormir! Cinco dias indo de delegacia em delegacia,

procurando uma resposta. E ninguém sabia onde estava. O que eu escutava dizer

era: “ela pode estar na casa de um colega”; “Ela pode estar na casa de um

amigo”; “Olha, essa menina já é grande, ela não está com namorado?” E foi

árduo!

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Eu procurei o Ministério Público porque as coisas não andam como parece,

como deveriam andar. Tive que procurar o Ministério Público várias vezes. Tive

acesso à Promotora do caso. E assim começou a andar o processo da Larissa.

Quando foi no final de 2012, o homem que levou a Larissa, reconhecido

por sete testemunhas, inclusive pelo meu filho, que no depoimento dele, ele fala

claramente. Eu estava sentada do lado, e o delegado — dois delegados —,

quando ele fala que a Larissa falou pra ele que não ia com ele. E ele: "mãe, ele

botou o dedo na caRa dela e disse assim: você vai comigo porque eu quero”. E

assim ele levou a Larissa. E até hoje eu não tenho notícias da Larissa.

Esse homem foi condenado. Está preso. Só que até hoje, eu não sei o que

ele fez com a Larissa. Eu preciso saber. Eu preciso dormir. Meu filho precisa

viver, porque quando começou isso tudo, eu não falava.(Choro.) Eu não falava!

Eu não conseguia falar. Eu fiquei 1 mês sem falar. Foi difícil! O meu filho ficou

sem falar. Escrevia redações e redações, na escola, contando como foi pra ele,

como foi o dia em que esse homem tirou a Larissa de casa.

Então, eu gostaria de pedir aos senhores que não parassem. Que não

parassem! Porque essas crianças, elas podem estar mortas? Podem. Mas

também elas podem estar vivas, sendo escravizadas em outro país, porque a

procura do desaparecido, do sequestrado, do raptado, não é expandida a outros

países, não é expandida a outro Estado. Ela é mais aqui dentro do Estado do Rio

de Janeiro.

Eu gostaria de dizer para a Deputada Liliam: a senhora citou o DNA. No

início deste mês, eu estive na Delegacia de Homicídios. De lá, fui orientada pelo

policial a procurar o Instituto Forense. Estava com a mãe da Thaís de Lima

Barros. Lá, fomos ao Instituto Forense. Fomos atendidas. Só que lá não há

nenhum pedido de DNA.

Ninguém pediu DNA nenhum! Nós estamos na estaca zero. Entendeu?

Vamos ter que bater em delegacia para poder ver onde está.(...) A Dra. Elisabete

está ali, ela estava comigo, ligou para a Civil, ligou para vários lugares, e lá

disseram para ela que não foi pedido nenhum DNA. Então, nós precisamos que

esse DNA seja feito.

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E, também, o que nós precisamos é que haja progressão de imagem, como

a Elisabete falou aqui. A Larissa tinha 11 anos. Larissa, dia 12 de fevereiro, fez

18. Meu filho tinha 7 anos. Ele foi levado à delegacia e foi levado ao júri,

entendeu? E ele o reconheceu.(...)

Então, eu acho impossível, diante de um juiz, diante de um delegado, sete

pessoas que não têm convívio com a gente — moram, sim, na localidade, mas eu

não tenho convívio —, se prestar a esse papel, a acusar uma pessoa. Até porque,

não há interesse nenhum da nossa parte em acusar ninguém. O que nós

queremos é resposta. Onde estão essas crianças? O que foi feito dessas

crianças?

Então, eu queria pedir a vocês que vocês não parassem, que os

senhores não parassem. Mesmo que a CPI acabe — e eu sei que vai acabar —,

mas que os senhores ajudassem a localizar não só a Larissa, mas muitas

Larissas. Muitas Larissas, porque não é só uma criança acusada desse homem.

Pela Larissa, ele está condenado, mas ainda falta. Tem a outra Larissa, tem a

Thaís, tem a Michele. São muitas crianças”.

DEPOIMENTO DA SRA . MARISA DREYS DA SILVA XAVIER -

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Políc ia Rodoviária Federal.

A respeito do trabalho de combate à exploração de crianças e

adolescentes, prestou os seguintes esclarecimentos: “Uma das áreas que a gente

mais valoriza é o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. “Ah,

mas você está falando de ética”. Estou falando de ética, mas eu também estou

falando de tráfico, porque essas crianças não vêm para cá porque elas querem

não. Ou elas vêm trazidas, ou elas vêm sequestradas, ou elas vêm por

cumplicidade da família.

Então, o que nós fazemos efetivamente? De 2 em 2 anos, a Polícia

Rodoviária Federal faz o que chamamos de mapa da exploração sexual de

crianças e adolescentes. E o que é isso? Nós mapeamos pontos de

vulnerabilidade nas rodovias ou no entorno delas. E como isso é feito? Isso é feito

junto com a OIT, com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República e também com consultorias universitárias. Por quê? Porque existem

critérios para que esses pontos sejam considerados. A partir desses pontos, nós

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podemos embasar políticas públicas, aumento de policiamento, um foco muito

determinado. E nós temos tido bons retornos desse mapeamento: crianças ou

adolescentes que são apanhados nesses locais e que a gente às vezes não

enxergaria como uma situação de exploração, não necessariamente sexual, mas

também de mão de obra; criança lavando pneu; criança lavando motor sem ser na

condição... Bom, por ser criança não poderia ser nem ser na condição de

aprendiz, mas mesmo pré-adolescentes e 12 anos, porque às vezes apresenta

um corpo, um físico um pouco mais avantajado.

Imagina-se logo que é uma mão de obra barata, que criança e adolescente

é mão de obra barata. Então, é para isso que o nosso mapeamento serve.

Atualmente, ele está em andamento. Agora, neste momento, policiais de todo o

Brasil estão passando nas rodovias, estão mapeando esses pontos, para que eles

venham a ser publicados e, uma vez publicados, venham a embasar ações na

área de segurança pública e educação.

Também combate ao trabalho escravo ou, como a gente fala hoje, ao

trabalho assemelhado a escravo. Pessoal, a gente pensa que não existe,

principalmente a gente aqui no Rio de Janeiro. Existe, sim, nas usinas de cana,

em São Paulo, nas costureiras, bolivianos, maranhenses. Todo tido de exploração

de humano por humano existe aqui.(...)

Então, aqui é operação de libertação junto com o Ministério do Trabalho,

com o Ministério Público do Trabalho, com muitas promotorias que nos auxiliam,

que nos trazem denúncias. E isso é muito importante, para que a gente possa

também trocar com outras polícias.(...)

Além disso, sobre aquela história que todo mundo já sabe, de

endividamento por ameaças, algumas quadrilhas usam, sim, as rodovias federais,

e a gente tem que pegar isso com inteligência.(...)

Eu fiquei com vontade de levar a mãe da Thaís e a tia da Larissa, que

disseram que a gente tem que trabalhar a polícia com inteligência... Quase que eu

levantei e levei as duas para trabalharem com a gente lá, porque é isso mesmo,

mãe. Polícia sem inteligência não funciona nada. Não adianta ficar exibindo arma,

não adianta ficar exibindo viatura, colete, não. Tem que ser com inteligência, tem

que ser com investigação, tem que ser com troca de comunicação, e sem nenhum

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tipo de vaidade para ninguém. Assim, vamos trabalhar juntos, porque é o que a

sociedade quer da gente. É a resposta que a gente tem que dar para ela”.

DEPOIMENTO DA SRA. WALTÉA FERRÃO RIBEIRO - Presidente do

Portal Kids e do Movimento Mães do Brasil.

Fez o seguinte pronunciamento: “Ela estava enrolando brigadeiros para a

festa da avó que fazia aniversário, e esta avó morreu com câncer no cérebro sem

saber o que aconteceu com a sua neta. A partir daí, nós fizemos campanhas na

televisão e veio uma denúncia da Michele, que a Michele estaria vivendo como

menina de rua na Praça Seca. Eu fui até à delegacia com a mãe dela, porque foi

para a novela Senhora do Destino, foi no ano de 2005, e na delegacia foi que eu

soube, na verdade essa policial ela passou tudo isso para mim, nada do que foi

feito foi sem o acompanhamento policial, e sempre isso foi me relatado primeiro

pelos policiais.

Ela disse para mim que crianças estavam sequestradas em série e que a

delegacia dela não tinha condição de investigar isso, mas eles foram investigar se

a Michele estava na Praça Seca, e não estava, era outra menina. Eu acompanhei

esse caso junto com a mãe da Michele, inclusive ela me relatou que o irmão da

Michele teria reconhecido o sequestrador da sua irmã através de uma matéria de

jornal, porque ele foi apontado como sequestrador de outra menina, e a polícia

não fez esse reconhecimento porque julgou o menino muito pequeno — ele tinha

6 anos na época — para fazer o reconhecimento. E dali eu comecei, eu fui

entrevistar todos os policiais que cuidaram desse caso. Eu descobri mais

meninas, todas elas apontavam para o mesmo sequestrador, que era o Sr.

Fernando Marinho de Melo.

Eu nunca conheci o Sr. Fernando de Melo, eu vi quando ele foi preso e no

julgamento quando eu fui depor. Eu não tenho a mínima, o mínimo interesse, até

porque aprendi o verdadeiro sentido do que é fazer direitos humanos, em apontar

uma pessoa, porque, aliás, não fui eu que apontei, foram os policiais, porque nós

somos muito técnicos e todo esse processo de investigação foi acompanhado

pelo Departamento de Ciências Sociais da UERJ. (...)

Eu acompanhei, nesses 15 anos, o sofrimento de cada uma dessas mães.

Hoje, ao ver a Silvânia falar aqui... Eu espero que ela não fique zangada comigo,

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mas quando ela entrou no Portal Kids, ela entrou igual a um zumbi, ela se

arrastava pelas paredes. E, hoje, ver a Silvânia aqui, falando e sendo citada,

citando a polícia inteligente... Porque essa polícia inteligente, nós encontramos,

sim, dentro de cada policial que nos ajudou dentro da Polícia Civil. E a

recompensa deles foi serem afastados. Um policial sofreu até um infarto, ele ficou

todo torto. Por quê? Cada vez que a gente chegava e se aproximava desse caso,

os policiais eram punidos, caíam.

Eu até brincava que eu era conhecida como a viúva dos policiais. Por que

essa delegacia não foi criada? Essa delegacia tinha verba. A UERJ estava

disponibilizando um espaço. Seria uma delegacia que trabalharia profundamente

com direitos humanos. E o que aconteceu com o delegado? Nós recebemos, dois

dias antes, uma denúncia de que ele iria cair, porque vazou a história do tráfico de

órgãos.

O tráfico de órgãos não é uma lenda urbana. Nós recebemos uma

denúncia de uma clínica que funcionaria de forma clandestina e estaria fazendo

essas operações. Um homem, hoje, inclusive, está preso, não por causa disso,

mas porque o nome dele foi apontado como comandante do tráfico de órgãos. E

ninguém nunca investigou isso. Por quê? Os delegados caíam, a gente tinha que

começar tudo de novo. Os delegados caíam, a gente tinha que começar tudo de

novo. Esse caso só chegou a sua conclusão porque nós ficamos firmes, apoiando

as mães, e, principalmente, por causa da Raquel Gonçalves. Eu digo que ela é

uma mãe em dobro.

Eu ainda vou escrever um livro sobre a vida das Mães do Brasil e ela vai

figurar. Ela foi enxovalhada! A família dela, com medo, num dado momento,

queria que ela parasse. Teve gente, vizinho, que nunca olhou para a cara da

Larissa e posou de madrinha em reportagem. Ela foi vítima de tanta falta de

respeito! Eu não sei como ela sobreviveu.

Teve um momento que eu precisei dizer para ela: “Você vai ter que ir

sozinha ao Ministério Público, porque eu vou lá e as pessoas acham que eu estou

incentivando você, ao contrário de te apoiar”. E ela foi. Ela levou três dias para

conseguir entrar, porque ela tinha medo de ser presa. E eu dizia para ela: “Presa

por quê?”. A Raquel foi, porque a irmã dela, mãe da Larissa... A Raquel criou a

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Larissa desde bebê, mas quando a irmã dela morreu com câncer, morreu

segurando a mão dela e dizendo: “Cuida da minha filha”. E o último registro do

diário da Larissa — pena que ela não o trouxe hoje, porque se não eu mostraria

aos senhores, porque eu conheço isso — foi a seguinte frase, porque a Raquel

convive com ela até hoje: “Tia Raquel, a mãe que me cura de todos os perigos,

que me livra de todos os perigos”. Pode ser que a Larissa nunca mais apareça,

mas a Raquel foi mãe e está sendo até o fim. Graças à coragem da Raquel...

Todo mundo me pergunta: “Como uma mãe tem medo de entrar no

Ministério Público?” Tem, porque elas não têm respeito dentro da delegacia. A

Beth conseguiu indiciamento pelo caso da Thaís, mas ela não queria ir. Eu disse

para ela: “Você tem que ir”. E eu fui com ela, acompanhando-a, e a juíza

perguntou para ela: “Por que você não procurou o Ministério Público?” E ela

disse: “Porque eu não acredito”. Então, as vítimas são... O Tiago falou uma coisa

muito importante aqui, e eu também peço a mesma coisa que ele pediu: “Não

vejam as mães como criminosas, porque essas crianças não fugiram por maus

tratos”. É preciso tipificar o crime de desaparecimento. Essas crianças foram

subtraídas, existe uma máfia que está subtraindo essas crianças.

Recentemente, eu recebi uma denúncia de que ossadas tinham sido

achadas no fundão, num cemitério clandestino, e que a polícia pediu à família da

menina para ficar quieta para investigar e até hoje não foi dada essa resposta

para ela. Eu gostaria também de saber por que essa delegacia não foi criada.

As Mães do Brasil, hoje, se tornaram mães multiplicadoras, porque nós

ficamos juntas, nós as apoiamos, mostramos a elas a necessidade da importância

de elas falarem. Hoje, todas elas, inclusive a Jovita, não queriam falar, e eu disse:

“Vocês têm que falar. Vocês têm que dar o depoimento de vocês”. E vejam como

foi importante. A Silvânia hoje cresceu 100%, porque a Silvânia não acredita mais,

ela não foi ao Ministério Público.

O caso da Larissa ainda não foi para julgamento. E é preciso! Eu gostaria

de pedir a esta CPI que designe uma promotora — a Dra. Márcia Colonese se

mostrou disposta a fazer isso —, para cuidar de todos esses casos. Por quê? Eu

tenho uma mãe, que é a mãe da Michele, que está cega de um olho, com

obesidade mórbida, com problema na coluna que a impede de andar.

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Ontem ela disse pra mim que tentaria vir, mas ela não consegue nem mais

subir no ônibus. Ela está se arrastando, porque ela passa os dias na casa dela

agora com a mão em cima da televisão pedindo a Deus para a Michele voltar.

Talvez a Michele... A gente tem consciência de que é muito difícil uma menina

dessas sobreviver ao horror que é ser retirada de casa e ser levada para a

prostituição.

Nós fizemos manifestação na porta do Coronel Beltrami. Ele me chamou lá

e disse para mim, na frente das mães: “Se eu não resolver, você volta aqui para

me cobrar.” E eu voltei. Todas as vezes eu voltei, liguei e realmente perturbei a

vida do Dr. Beltrami, mas foi ele que conseguiu, com a polícia dele, porque não

existia mais... Nós percorremos todas as delegacias e não existia mais quem

investigasse. Foi a polícia de segurança que conseguiu derrubar o álibi do

sequestrador, segundo nos foi informado.

Então, por que é preciso um olhar atento para o sofrimento dessas

famílias? Hoje eu consegui apoio da Áustria, porque do Brasil não consigo

nenhum, para realizar um projeto para os irmãos de desaparecidos. Ele foi criado

por um menino que cresceu na minha instituição, hoje tem 23 anos, é o

coordenador e idealizador desse projeto, atende a familiares e irmãos de

desaparecidos e às crianças que a gente localizou.

A gente localiza muita criança e sabe Deus como elas voltam. Esse projeto

está sendo apoiado por uma instituição chamada DKA Áustria. Hoje eu trouxe

aqui a Profa. Socorro Calhau, da UERJ, voluntária desse projeto, que tem uma

verba pequena, para ela entender o universo dos meninos com os quais ela lida.

Essas crianças eram prisioneiras, não saiam de casa, porque as mães não

deixavam, tinham medo. Elas tinham horror de dizer que tinham irmãos

desaparecidos, porque elas achavam que as mães tinham que desistir, porque

elas estavam ali crescendo como sombras, enquanto as mães estavam

implorando pelas delegacias ou então internadas em hospitais.

Hoje esse projeto conseguiu resgatar todas as crianças da dor. Elas estão

aí: uma é estudante de Direito e a outra está fazendo Pedagogia. O próprio

Nicolas, cuja irmã foi... Hoje a mãe dela não está aqui porque ela foi ameaçada de

perder o emprego se viesse. Então, ela não pôde vir, porque ela tem que

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sustentar a família dela. Até essas idas constantes... A mãe precisa sobreviver.

Então, o Nicolas tinha pavor de que se falasse na irmã dele. Hoje ele é músico e

faz até música para ela. E ele hoje... Essa menina foi sequestrada e assassinada

com requintes de crueldade.

Ela teve o pescoço quebrado e o corpo incendiado. E nós conseguimos

localizar o sequestrador, pedimos que fosse feita uma acareação entre os outros

suspeitos e o que a polícia fez foi transferir o delegado. Eu disse para ele que ele

ia cair e acabou caindo mesmo. O sequestrador foi posto em liberdade depois da

prisão preventiva e deve estar aí estuprando mais Amandas, porque a polícia

nunca mais o caçou de volta. Nós estamos com o chapéu na mão. Há quantos

anos, a Deputada Lilian pode comprovar, estamos aí implorando? E eu acredito

que hoje, se esse caso conseguiu essa vitória monumental, porque as pessoas só

fazem nos criticar... Muita mãe chega e diz: “Nossa! Eu corri o mundo para achar

vocês!”, porque nós não temos telefone porque não temos dinheiro, mas as mães

acabam nos achando. E elas dizem: “Por que vocês sofrem preconceito de outras

instituições?” Porque falamos a verdade e damos voz às mães?

A minha instituição não é bonita. A minha instituição não tem a mínima

estrutura, não tem nem telefone, mas a gente procura fazer o máximo que a gente

pode. Eu tenho um psicólogo trabalhando comigo desde o ano de 2005, que foi

quando a gente conseguiu, por 2 anos, no Projeto Criança Esperança. Depois a

defesa do sequestrador acusou que a gente inventou isso, que nunca tivemos o

Projeto Criança Esperança. Onde já se viu? Eu poderia até processá-lo, porque

eu tenho o contrato assinado, e as mães que estão ali foram atendidas pelo

projeto e hoje estão, graças a Deus, em pé por causa do projeto.

Então, esse psicólogo, que aliás é um policial que eu conheci dentro da

delegacia, continua trabalhando gratuitamente. As mães são apaixonadas por ele.

Hoje eu digo para ele que elas gostam tanto dele que às vezes até sinto um

ciuminho. O Gilberto é tudo! Eu digo: “Se ele ganhasse, poderia demitir, mas

como ele não ganha, vou deixando ele lá.

Então, assim, existem muitos profissionais de boa vontade. A Deputada

Liliam até se surpreendeu. Um policial é o psicólogo das Mães do Brasil? É, é um

policial civil que quis trabalhar e trabalha até hoje como voluntário nosso. Ele

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adora esse trabalho que ele faz. E graças a ele... Ele é o psicólogo das crianças

também. Eu tenho até medo de falar o nome dele, porque eu tenho medo de o

botarem para a Seropédica. Não que a Seropédica seja ruim, mas ele faz um

trabalho muito bom aqui.

Nós estamos à disposição, porque, hoje, as mães se tornaram mães

multiplicadoras. Estamos à disposição para fazer um trabalho junto com a polícia.

Nós não temos verba, mas, se tivermos um apoio, todas as mães irão, porque nós

nunca fomos contra o bom policial. Nunca fomos contra o bom político.

Em relação ao Sr. Fernando Marinho de Melo, assim... Todas as

testemunhas... Primeiro os policiais. Quem me passou o nome dele foi um policial,

depois eu cheguei às mães. E eu descobri diversas testemunhas. Tudo isto está

em depoimento na delegacia: o caso da Andréia Ferreira da Mota, o caso da Taís

Bernardino. Tudo está em depoimento legal. Então, assim, nós não inventamos

nada! (...)

No caso da Michele. Começou com o caso da Michele. A policial Deise

Simão Gomes falou para mim que existia um sequestrador, que esse menino

tinha visto um sequestrador que era o mesmo da Thaís, da Lima Barros. A Beth já

estava no movimento, mas ela nem tinha comentado isso comigo. Eu liguei para

ela e perguntei: “Existe sequestrador?” E aí ela: “Existe”.

Então, nós começamos a investigar. Por quê? O que aconteceu? No ano

de 2005, a testemunha que viu a Thaís andando de mão dada, na rua, muito

assustada, com esse sequestrador, ela foi fazer o reconhecimento na delegacia.

Quando chegou à delegacia, ele foi colocado atrás do vidro. O menino ficou com

medo, porque ele disse que olhou com...

Segundo o menino, pelo que me passaram os policiais, o Sr. Fernando

teria olhado para ele de cara feia. Só que ele não sabia que ali tinha um vidro. O

menino foi mal preparado. E ele disse que não. Mas ao sair da delegacia, ele

disse: “Pai, era ele, mas eu fiquei com medo porque ele estava olhando para

mim”. E ele: “Menino!” Ele voltou lá, mas a delegada não aceitou o depoimento

dele. Tudo isso foi passado para o Cel. Mariano Beltrame. Tudo isso está em

dossiê.

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Depois, nós fomos... Veio o caso da... Eu fui atrás do testemunho... O que

eu resolvi fazer? Como jornalista, eu liguei para todas as mães que estavam no

movimento e perguntei: “Como foi o sequestro da sua filha? Teve testemunha?” E

achei outra menina dentro de uma comunidade. Eu fui a essa comunidade com

um Policial Civil. Eu nunca fiz nada sozinha.

Essa mãe e essa menina relataram que ela estava passando em uma rua...

A mãe dela acordou passando mal, com asma, ela foi levar o irmãozinho ao

colégio Quando ela estava passando, a mãe levantou e ficou com medo —

porque a menina tinha 12 anos e o irmão era um pouquinho menor — e foi atrás,

mesmo passando mal. Ela percebeu um carro preto circulando a rua que ficava

bem perto da escola.

Quando a menina botou o menino na escola e voltou, ela disse para a

menina: “Vá na frente, porque tem um carro estranho rondando aqui a rua e eu

quero ver o que é”. E a menina foi. Aí o carro... Na hora em que a menina estava

sozinha, o carro parou. A menina pegou o... Depois eu levei essa menina à

delegacia e ela prestou depoimento, fez reconhecimento, fez tudo. Uma pessoa

perguntou para ela onde era determinada rua. Tinham duas pessoas no carro. Ela

disse: “É ali”. Aí ele falou:

“Você pode me ajudar?” Aí a menina disse: “Posso”. A menina já ia

entrando no carro, mas a mãe correu e segurou o braço dela. E falou: “Aonde o

Sr. vai levar a minha filha? A minha filha... É... A minha filha... Eu estou prestando

atenção que o senhor está circulando a minha filha”. E ele: “Não. É ali, é ali”. E ele

ficou puxando a menina. Ela começou a gritar. Ela disse para mim: “Wal, eu a

arrastaria. Eu arrancaria o braço dela se fosse necessário, mas eu não ia deixá-lo

levar a minha filha”. E ela o reconheceu como...

Hoje, essa menina está com 23 anos. Ou 22 anos? Ela diz que hoje já não

lembra mais. Mas, nessa época, a mãe dela foi à polícia, tentou fazer o registro

de ocorrência por tentativa de sequestro e ouviu do policial: “Dê graças a Deus

porque sua filha está com você. Se manda!” Nunca foi feito o registro de... Na

época, não foi feito o registro de ocorrência dessa tentativa de sequestro, mas ela

é uma testemunha que nunca foi chamada.

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Tirando naquela investigação do ano de 2006, que a delegacia toda caiu, e

depois, o delegado que assumiu, mesmo com a gente tendo conseguido a melhor

perícia de Brasília para vir fazer o exame de DNA e, depois, uma instituição

italiana se propôs a oferecer os melhores peritos do mundo, eles queriam fazer

em uma clínica particular, e as mães se recusaram.

Depois disso, veio o sequestro da Larissa. Quem me passou o caso da

Larissa... Foi véspera de carnaval... Foi a TV Record, porque as emissoras de

televisão recorrem muito à nossa ajuda. É... Eles me mandaram o retrato falado.

Eu recebi na minha casa. Quando eu recebi o retrato falado do sequestrador da

Larissa, que foi feito pelo taxista que a levou, eu achei parecido, mas eu... É...

Mandei...

Liguei para a 17ª DP e falei: “Olha, eu achei parecido com outro suspeito,

que é suspeito aqui do caso de algumas meninas, mas o senhor é que tem que

ver. Eu posso mandar por e-mail o retrato falado que eu tenho aqui? O antigo?”

Ele: “Pode”.

Na mesma hora o policial me ligou: “É a mesma pessoa. Eu vou emitir um

pedido... Vou pedir a ajuda do Disque-Denúncia para a gente poder prendê-lo”.

Eu falei: “Não, a polícia tem os endereços dele. Ele já prestou depoimento”. E

assim ele foi preso e foi reconhecido por essas sete testemunhas, inclusive o

Gabriel.(...)

A polícia ligou para mim e disse que mais pessoas o reconheceram,

além da Michele — que foi a da Andréia Ferreira da Mota, de que eu participei, de

que eu tive conhecimento; da Thaís Bernardino, que a mãe dela acredita... A irmã

reconheceu, mas a mãe dela acredita que ela está fugida; da Andréia, da Thaís e

da Larissa. A testemunha da Larissa, de Honório Gurgel, também o teria

reconhecido. Então, são coisas... E tem muito mais coisa nesse caso que a

polícia nunca investigou. Então, é por isso que é preciso que essa investigação

seja feita.(...)

É, um policial da 17ª DP, logo após o que aconteceu com a... Porque...

V.Exas. devem estar se perguntando e os Srs. também: “Por que contam tanta

coisa para ela?” Porque a polícia me conhece. Eu, desde a primeira vez que

entrei dentro da delegacia, eu entrei com um olhar imparcial. Eu olho para um

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policial da mesma maneira como eu olho para a mãe. A polícia... O bom policial

conhece o meu trabalho e o respeita. Ele sabe da maneira séria com que nós

trabalhamos. É... Se não fosse assim, eu nem teria um funcionário policial dentro

da minha instituição. Ele conhece, absolutamente, tudo o que acontece.

E esse policial da 17ª DP virou para mim e falou assim: “Houve outra

tentativa de sequestro aqui, de um menino. Eu o botei para reconhecimento, e ele

reconheceu o Fernando Marinho de Melo”. Então, foi a própria polícia que me

passou isso. Passou todas essas... Esse menino eu nem conheço.

Todas as evidências apontam para um suspeito. Se as evidências apontam

para um suspeito, o que é que eu posso fazer a não ser levar as testemunhas

para relatarem o que elas sabem? Nunca eu as mandei falar absolutamente nada.

As mães estão aqui e eu quero que elas digam se houve alguma vez em que eu

disse fale isso ou fale aquilo. A Raquel chegou à minha instituição muda”.

DEPOIMENTO DO SR. EBENÉZER MARCELO MARQUES DE OLIVE IRA

- Coordenador do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico d e Pessoas do

Estado do Rio de Janeiro.

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu queria só apresentar um pouco

o trabalho do Núcleo para quem não conhece e para que isso fique registrado

também nesta CPI. O Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas é um

equipamento do Executivo estadual, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e

tem a prerrogativa de ser o órgão exclusivo dentro do Executivo estadual para

lidar com a temática do tráfico de pessoas em suas diversas modalidades.

No Rio de Janeiro, o Núcleo fica alocado na Secretaria de Estado de

Assistência Social e Direitos Humanos, na Central do Brasil especificamente. Ele

tem duas funções principais que eu acho importante serem destacadas. A gente

trabalha muito no eixo da assistência à vítima. Então, o equipamento em si tem

uma metodologia de atendimento a vítimas de tráfico de pessoas em suas

diversas modalidades.

A gente atende in loco pessoas que são vítimas dessa violação, mas,

principalmente, a gente encaminha todos os casos que nos chegam através dos

diversos canais que existem de denúncia de tráfico de pessoas nas suas diversas

modalidades, incluído aí o trabalho escravo. Então, é uma porta de entrada no

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Governo Estadual, no Executivo Estadual, para a sociedade civil que queira fazer

denúncia sobre os casos de tráfico de pessoas. Recebemos também dos Disque-

Denúncias que existem, tanto estadual, quanto nacional, Disque 100, Disque 180,

para casos de tráfico de pessoas. A gente então recebe essas pessoas e tem a

tarefa de articular e coordenar uma rede de atendimento a essas vítimas. É claro

que, sozinhos, como já foi dito diversas vezes aqui, nós não somos capazes de

realizar nenhuma atividade com eficiência, mas em conjunto e coordenando e

articulando uma rede de atendimento a essas pessoas, a gente consegue de fato

realizar um trabalho mais importante.

Então, o nosso Núcleo tem esse papel de articular e coordenar essa rede.

Aí a gente está falando, por exemplo, das políticas para as mulheres. Em si, tem

toda uma rede de atendimento à mulher em situação de violência. A gente

trabalha em parceria com essa rede para também tentar incluir as mulheres

vítimas de tráfico nesse tipo de atendimento. As polícias também trabalham em

conjunto com o Núcleo. A gente encaminha casos, faz denúncias, vai às

delegacias e registra casos para que possam ser mais céleres, para que a gente

possa adiantar esses processos. A gente também desenvolve atividade com

organizações da sociedade civil que têm expertise, como já foi colocado aqui, de

lidar muito diretamente com as pessoas e com as famílias. Interessa-nos muito

esse tipo de parceria, porque essas organizações conseguem ter um tipo de

atendimento que às vezes o Estado não consegue dar. Há uma burocracia mais

dura. É aí que a família, a própria vítima precisa não de alguém, mas de

instituições que sejam mais próximas e mais no chão e possam lidar com essas

pessoas.

Então, para a gente, trabalhar em parceria com a sociedade civil, com as

organizações é muito importante. Nós temos esse tipo de orientação também.

Também realizamos trabalhos de prevenção. A gente vê a importância de realizar

a prevenção ao tráfico de pessoas. O Núcleo então realiza campanhas,

participa de debates e discussões para a prevenção ao tráfico de pessoas. É

importante que a gente faça esse tipo de atividade para que se vislumbre a

erradicação de fato, o final dessa violação. É claro que é sempre um desafio

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nosso conseguir erradicar uma violação como essa, como eu disse, complexa,

com vários fenômenos envolvidos, mas esse é o nosso objetivo.

A nossa intenção é perseguir esse alvo da erradicação. Então, nós nos

envolvemos com atividades de prevenção, lançamos campanhas, participamos de

outras campanhas estaduais e nacionais para a prevenção ao tráfico de pessoas.

Eu queria também destacar, porque acho que é importante aqui, que temos as

diversas modalidades do tráfico de pessoas aqui expostas no Rio de Janeiro, mas

temos um fenômeno também bastante comum, bastante concreto, que é o do

trabalho escravo.

A maior parte dos casos que a nossa instituição recebe é de pessoas que

foram vítimas do tráfico interno para o trabalho escravo: pessoas que vieram do

Nordeste e de outros Estados, ou mesmo do próprio Estado do Rio de Janeiro,

migraram, sobretudo para a cidade do Rio de Janeiro, e foram vítimas de

exploração do trabalho escravo. A maior quantidade de pessoas é para esse tipo

de violação, é para esse tipo de exploração. E hoje, no Brasil — o Rio de Janeiro

acompanha esse índice —, nós temos o trabalho escravo urbano prevalente em

relação ao trabalho escravo rural.

O Rio de Janeiro, por ser uma cidade mais de 95% urbanizada,

acompanha essa dinâmica. Encontramos, então, na cidade do Rio de Janeiro, a

maior parte dos nossos casos de vítimas de tráfico de pessoas para o trabalho

escravo.(...)

Existe todo um debate em relação à prostituição e exploração sexual. Acho

que é um debate riquíssimo. A gente tem que fazê-lo. A Davida tem esse

mandato de trazer esse tipo de discussão — é importante —, mas a gente não

deve ter nenhum tipo de negociação, nenhum tipo de aceitação de que criança e

adolescente sejam explorados sexualmente no nosso País. Acho que o trabalho

da Polícia Rodoviária Federal é importantíssimo nesse caso, mapeando os locais

onde esse tipo de coisa acontece, as rodovias, onde de fato isso ocorre com

muita frequência.

Reforço que a CPI tenha esse olhar prioritário em relação às crianças e

adolescentes, mas também observe os casos de trabalho escravo, que é a maior

incidência hoje de casos de tráfico de pessoas internamente no País. É claro que

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pessoas são traficadas para fora do Brasil para exploração sexual, mas aqui

dentro do País a gente sabe que o resgate maior é mesmo de trabalhadores

brasileiros e, no caso do Estado de São Paulo, em que o fenômeno é conhecido,

de estrangeiros, de imigrantes latinos para o trabalho escravo urbano nas oficinas

de costura e também na construção civil.”

DEPOIMENTO DO SR. THADDEUS GREGORY BLANCHETTE -

Representante da ONG Davida.

Disse que Estados Unidos e em vários países da Europa, onde se define

como traficada qualquer prostituta estrangeira que cruza uma fronteira,

independente das suas condições, independente se ela é explorada ou não

explorada.

Ressaltou que a definição do Protocolo de Palermo era justamente tirar um

pouco do antigo foco da luta internacional contra a prostituição e refocalizar o

tráfico em cima da questão de trabalho escravo ou de trabalho em condições

semelhantes à escravidão.

Fez ainda as seguintes considerações: “Então, a situação, em muitos

casos, em termos mais do que uma dúzia de casos recordados disso no Rio de

Janeiro, é você ter uma trabalhadora sexual indo migrar, ilegalmente ou

irregularmente, para trabalho sexual, mas não sendo traficada, presa na Espanha

ou presa na Itália e forçada a depor como traficante, vítima de tráfico, senão é

colocada como criminosa. Em muitos casos, essas mulheres recebem uma

ameaça assim “Ou você testemunha ou você dedura quem foi seu traficante ou

nós sabemos que você faz parte do esquema, e nós vamos tratar você como

traficante”. Em muitos casos, na Espanha, na Europa, na Itália, nos Estados

Unidos, dinheiros que estão sendo colocados na luta contra o tráfico estão sendo

utilizados pragmaticamente para reprimir imigração irregular, particularmente se

isso envolve prostituição.”

Teceu também os seguintes comentários: “Nos últimos 4 anos, nos

preparativos para a Copa do Mundo e para os Jogos Olímpicos, houve várias

operações do Ministério Público e da Polícia da Cidade do Rio de Janeiro para

prender prostitutas e supostos traficantes e aliciadores e para fechar pontos de

prostituição aqui, no Rio de Janeiro. Não conseguiram fechar muitos desses

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pontos, mas conseguiram colocar as vidas de vários trabalhadores sexuais em

risco.

Só vou recontar um desses casos, que foi motivado pelo Ministério Público

em 2012. As informações que eu tenho aqui vêm do Juiz Rubens Casara, que foi

o juiz que finalmente concedeu o habeas corpus nesse caso. O Ministério Público,

em 2012, antes da Rio+20, organizou uma invasão, uma operação contra todas

as casas de prostituição, só na Zona Sul, não é? Vila Mimosa, Zona Norte pode

ter prostituição, mas eles fizeram uma blitz total na Zona Sul. Isso incluía invadir

várias das boates internas da Zona Sul, inclusive a Boate Centaurus. Vários de

vocês devem saber que é um ponto de prostituição de luxo aqui da cidade. A

polícia envolvida na operação filmou todas as moças que trabalharam na

Centaurus e as ameaçou, dizendo que, se elas não pagassem uma propina na

hora, eles iriam colocar as fotos, as imagens delas na Internet. Além disso, o

Ministério Público entrou nas cabines, em vários lugares da Centaurus, e recolheu

todas as camisinhas para indicar isso como provas materiais de que estava

acontecendo um crime lá. Não sei que crime, porque prostituição não é crime no

Brasil, mas a gente ficou extremamente chocado, porque a gente está

trabalhando há 20 anos para garantir que qualquer um que trabalhe no ramo

sexual dessa cidade saiba fazer sexo sadio, utilize camisinhas, proteja-se”.

DEPOIMENTO DO SR. LUIZ HENRIQUE OLIVEIRA - Gerente do projeto

SOS Crianças Desaparecidas, da Fundação para a Infâ ncia e Adolescência -

FIA.

Teceu os seguintes comentários: “Eu acho que o nosso Código Penal

ainda não tem um artigo que defina bem esse conceito de desaparecimento.

Outra questão que eu trago também é que dentro desse PL pudesse estar a

identificação de crianças já no nascimento; há o teste do pezinho, e que se

pudesse também colher a impressão digital logo no nascimento, para que os

hospitais públicos, privados, federais pudessem ter a identificação civil.

Outra coisa que eu vejo como necessária também, pela angústia, pelo

trabalho que a gente já executa: um fluxo definido por lei, na questão do

desaparecimento — um fluxo. Que esse fluxo pudesse ser determinado por lei —

ML, meios de comunicação. Eu também gostaria que pudesse obrigar os

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parceiros, meios de comunicação, que sempre estão presentes com a gente...

Que nesse PL pudesse também haver um espaço igualzinho ao processo eleitoral

no Brasil, que pudesse haver também as fotos das crianças divulgadas, pelo

menos no rodapé, em horário nobre. (...)

Eu gostaria de fazer esta apresentação, resumindo o que a gente vem

fazendo lá no Programa S.O.S. Crianças Desaparecidas, nos últimos 18 anos.(...)

Para concluir, gostaria de dizer que há 6 meses a gente colocou no ar um site de

consulta pública, o www.soscriancasdesaparecidas.rj.gov.br, que tem como

diferencial o cadastro nacional, no sentido de que a gente pode visualizar todas

as fotos. As fotos foram bem tratadas. Clicando-se na foto, aparecem alguns

dados selecionados pelo programa — o nome do pai e da mãe —, mais ainda a

estatística, e também ações de caráter preventivo, tanto para os pais quanto para

as crianças”.

DEPOIMENTO DO SR. FERNANDO MARINHO DE MELO - Oficial

Superior de Máquinas da Marinha Mercante (depoente) .

Prestou os seguintes esclarecimentos: “Eu sou oficial superior de máquinas

da Marinha Mercante. Tenho 32 anos e 7 meses de serviços prestados ao meu

País. Eu sou oriundo de uma família pobre, mas de homens de bem.

Sinceramente me envolveram nessa sujeira toda, no sequestro dessa

menina Larissa, no dia 31 de janeiro de 2008. Nessa ocasião, eu cheguei ao

Porto do Rio de Janeiro por volta das 11h30. Nessa época, eu era subchefe da

embarcação LAB 150. Queria frisar que o subchefe de máquinas tem atribuições

às quais ele não pode se afastar da embarcação, tendo em vista que esse

homem é importante para auxiliar o oficial de máquinas — no caso, está de

serviço — até o término da atracação na Poliporto do Rio de Janeiro. Eu tomei

conhecimento de que essa menina sumiu por volta das 12h às 12h30. É

humanamente impossível eu ter sido acusado de uma coisa dessas, porque a

embarcação em que eu trabalhava, como eu já frisei, chegou às 11h30 no Porto

do Rio de Janeiro — no porto, não; no fundeado ali debaixo da Ponte Rio-Niterói

— e eu saí de serviço às 12 horas. Às 12 horas eu tomei um banho, almocei e

fiquei conversando com amigos no convés da embarcação. Nesse intervalo, eu fiz

várias ligações pra familiares meus, minha esposa, meu amigo Anderson, que se

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encontra ali, pro meu primo em Cabo Frio — porque meu tio estava enfermo; por

sinal, veio a falecer —, pra um amigo meu também, o Edinho, e pra minha irmã, o

que é uma coisa muito importante, porque a minha irmã fazia aniversário no dia

30 de janeiro, e no dia 30 de janeiro eu estava fora. Então, quando eu retornei, eu

fiz essas ligações, todas no período em que essa menina foi sequestrada. Por

volta das 14h30, nós viramos os motores da embarcação; eu estava

descansando, tinha saído de serviço às 12 horas e estava descansando, depois

de ter feito essas ligações. Acordei às 14 horas com o oficial virando os motores

pra atracação.

Essa atracação ocorreu na Poliporto do Rio de Janeiro e finalizou às

15h35min. De forma que o comandante da embarcação nos informou que nós

tínhamos uma carga rápida para a Bacia de Santos. Então, a embarcação

descarregou o backload que nós trouxemos e carregou as cargas, e nós

retornamos para a Bacia de Santos. E eu retornei ao Porto do Rio de Janeiro,

chegando aqui na Baía de Guanabara, porque a gente nunca vinha direto para o

porto, em função de ter muitas embarcações; então todas elas tinham que

aguardar a sua vez para poder atracar. Nós retornamos no dia 4 de janeiro, e no

dia 5 eu... No dia 4, liguei pro meu tio, pro meu primo lá em Cabo Frio, pra minha

esposa novamente — isso já era 4 de fevereiro —, e tomei conhecimento de que

meu tio estava muito mal.

Então eu pedi pra desembarcar e fui até Cabo Frio. Desembarquei no dia 5

de fevereiro. Fui até Cabo Frio e falei com meu tio. Foi onde eu tomei

conhecimento, no período em que a minha irmã me pegou aqui junto com meu

amigo Anderson, dessas acusações infundadas, levianas, que estão fazendo

contra um pai de família, entendeu? E respondi. Soube que houve interferências

agora, por esse processo aí, do qual eu estou recorrendo, entendeu? E

infelizmente é isso que eu tenho a declarar. Estou pronto pra qualquer pergunta

que eventualmente vocês queiram me fazer, mas a história real é essa aí,

entendeu? Eu tenho 32 anos, tenho uma família linda e maravilhosa, nunca me

envolvi com nada de errado na minha vida, sempre procurei fazer da minha vida

uma coisa muito agradável, proporcionar à minha família momentos que agora eu

poderia proporcionar, porque falta pouco tempo pra eu me aposentar.

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Aí veio justamente essa calúnia infundada que levantaram contra mim. Mas

eu tenho muita fé em Deus, porque... Tem uma passagem na Bíblia que diz que

Nabucodonosor botou aqueles três homens dentro da fornalha dele e mandou o

cara aquecer ao máximo aquela fornalha, e quando ele mandou abrir aquela...

Quando eles jogaram Mesaque, Sadraque e Abednego lá dentro, só os guardas,

quando os jogaram, morreram. Então é o que está acontecendo comigo. Aí o

Nabucodonosor levantou e foi ver lá dentro da fornalha — isso é uma passagem

bíblica —, e estavam os três, Mesaque, Sadraque e Abednego, andando lá

dentro, e tinha um quarto homem. E Nabucodonosor falou: “Eu joguei três, por

que tem quatro?” Então, era o anjo do Senhor, e nele eu acredito que isso tudo

vai se reverter a meu favor, porque eu sou inocente.”

Trata-se de um caso que já é objeto de processo judicial, já tendo havido

condenação, inclusive, na ação penal relacionada ao sequestro da garota Larissa

Santos. Outras ações penais contra Fernando Marinho também se encontram em

curso, competindo, doravante, à Justiça a decisão sobre esses casos.

13.20. CASO SÉRGIO LEONARDO – ESTADO DO

TOCANTINS

Trata-se do desaparecimento da criança Sérgio Leonardo Mateus Cardoso,

filho de Zulmira Gonzaga Cardoso e Izael Sérgio Mateus da Silva, em data de

28/09/1987.

A criança sumiu enquanto estava na chácara da avó, na cidade de Porto

Nacional/TO, localizada nas margens do Rio Tocantins. Foram denunciados

Lourival Vicente Ferreira, Pedro Izar Neto e Marcos Roberto Molitor de Souza

pela suposta subtração da criança (a classificação jurídica do fato, dada à época,

foi de sequestro, tipificado no CP, artigo 148, §1.º, III).

Lourival Vicente Ferreira, que trabalhava na fazenda de Pedro Izar, da qual

Marcos Roberto era gerente, era a principal testemunha no sentido da

participação de Pedro Izar e Marcos Roberto no fato.

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Conforme levantamento feito pela Polícia Legislativa da Câmara dos

Deputados, Lourival foi vítima de homicídio em 21/06/1998, crime praticado sem

aparentes conexões com o desaparecimento da criança.

Os Srs. Marcos Molitor e Germiro Moretti foram convocados par depor e

não compareceram.

Providências tomadas pela CPI

De acordo com o relatório produzido pela Delegada de Polícia Federal

Tatiane da Costa Almeida, “cuida-se de relatório apresentado por solicitação do

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito que apura a prática de tráfico

de pessoas. O caso trata do desaparecimento do menor Sérgio Leonardo Mateus

Cardoso, filho de Zulmira Gonzaga Cardoso, em 28/09/1987, o qual, segundo

consta, sumiu enquanto brincava na frente da casa dos avós.

Incumbindo a esta Delegada a análise dos fatos penalmente relevantes,

cabe, inicialmente explicar que os procedimentos produzidos em sede de

Comissões Parlamentares de Inquéritos não segue o formalismo dos inquéritos

policiais e processos judiciais, de forma que não estão disponíveis para análise

todos documentos necessários para examinar com profundidade os fatos em toda

sua extensão. Assim, a análise que ora se passa a fazer se fundamenta nos

elementos apresentado pela Comissão, os quais consistem basicamente nas

oitivas realizadas pela CPI e excertos de inquéritos e processos judiciais sobre o

caso.

Da documentação produzida pela CPI, passa-se a examinar análise

realizada pelo Delegado de Polícia Federal Gustavo Almeida Bubolz.

Os fatos foram inicialmente apurados no bojo, do Inquérito Policial o n.

400/87, da Polícia Civil do Estado do Tocantins, que deu ensejo ao oferecimento

de denúncia pelo Ministério Público Estadual em 11/06/1991, e à Ação Penal n.

541/91, sendo que, em 25/11/1993, o suspeito Lourival foi absolvido por falta de

provas.

Tendo sido determinado o prosseguimento das investigações em relação

aos demais suspeitos, foi instaurado pela Polícia Civil de Porto Nacional/TO em

30/05/1997, o Inquérito Policial n. 16/97, em que foi verificada a extinção da

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pretensão punitiva pela prescrição em relação aos suspeitos Pedro Izar Neto e

Marcos Roberto Molitor de Souza, em 12/02/2006.

Da análise das declarações prestadas no primeiro inquérito instaurado,

observou-se o que se segue:

ZULMIRA GONZAGA CARDOSO: mãe da vítima, foi ouvida em

07/01/1988 e explicou que seu filho Sérgio Leonardo Mateus Cardoso

desapareceu da chácara da avó no dia 28/09/1987, por volta das 08h30minuntos,

sendo que no momento do desaparecimento um funcionário da SUCAM realizava

uma pesquisa no local. Segundo aduziu, naquele mesmo dia, uma ex-vizinha,

Rare Anny, teria dado informações para três rapazes, numa camionete da cor

azul com carroceria de madeira, os quais teriam indagado a respeito acerca do

novo endereço de seu pai, tendo a vizinha dado a direção da chácara onde o

desaparecimento ocorreu. Disse ainda que Helena Windlin afirmou que um casal

teria estado na churrascaria Espeto de Ouro, em Porto Nacional,“em busca de

uma criança para adotar”.

POSSIDONIA GONZAGA CARDOSO , avó da vítima, ouvida em

12/01/1988 informou que as crianças brincavam em uma área onde existiam

valetas profundas, momentos antes de ter dado falta do menor desaparecido;

JORGE LUIZ MATEUS, sobrinho do pai da vítima, foi ouvido em

02/12/1988, era ex-empregado da fazenda do investigado Pedro Izar Neto,

advogado e proprietário rural na região. Afirmou que havia uma pista de pouso na

fazenda e Pedro Izar viajava constantemente entre São Paulo Porto Nacional.

Declarou não se recordar se Pedro Izar se encontrava na cidade na data do

sumiço. Acerca de Lourival Vicente Ferreira, alegou que este teria tido

desentendimentos com Pedro Izar e Marcos Roberto Molitor, em função de um

suposto não pagamento por serviços prestados a estes por Lourival.

LOURIVAL VICENTE FERREIRA: empregado do investigado PEDRO

IZAR foi ouvido em 08/06/1988, quando afirmou ter visto um mural com fotos de

crianças em um escritório de Pedro Izar em São Paulo, sendo que uma das

crianças retratada “guarda muita semelhança com a foto de Sérgio Leonardo”.

Afirmou ainda ter ouvido conversas entre Marcos Roberto Molitor e Pedro Izar

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sobre uma criança que seria adotada, bem como detalhes mencionados por eles

sobre a localização da criança, que levam a crer se tratar do menor desaparecido.

MARIA JOANA BARBOSA LIMA: funcionária do Hotel Meridional), foi

ouvida em 25/11/1988, quando afirmou que havia estrangeiros hospedados no

hotel no período do desaparecimento da criança, os quais estariam atrás de

diamantes na região do garimpo “Carreira Comprida”, o qual é próximo da

chácara onde ocorreu o desaparecimento. Acrescentou que foram embora “pela

época do desaparecimento do menor Sérgio Leonardo, dizendo que voltariam

quinze dias depois, entretanto não voltaram mais”.

DEIJANIRA GONZAGA DE ANDRADE , irmã de Zulmira, tia da criança, foi

ouvida em 14/01/1988, disse que de fato havia valetas perto do local onde as

crianças brincavam e que Sérgio Leonardo teria sido visto se aproximando de

uma dessas valetas, quando então a avó do menor pediu a outra criança que o

trouxesse para perto de casa, o que teria sido prontamente atendido, momentos

antes do desaparecimento da criança.

IVANILCE QUIRINO GUIMARÃES: telefonista da cidade de Porto Nacional

foi ouvida em 17/08/1988 e forneceu os números de telefone com os quais fazia

contato via rádio por solicitação de Pedro Izar Neto, Marcos Roberto Molitor e

Roberto “de Tal”. Declarou ter recebido ligações no mês de junho ou julho (de

1988) de Pedro Izar Neto e de “Beto”, nas quais teriam feito perguntas sobre o

endereço da declarante, sobre os nomes do pai de Jorge Luiz Mateus (sobrinho

do pai de Ségio Leonardo), ao que teria respondido chamar-se Joaquim Matheus

e do irmão deste último, que seria o pai da vítima, Izael Sérgio Matheus da Silva.

RARE ANNY CHAVES BEZERRA: ouvida em 04/02/1988, vizinha que

declarou ter sido indagada, às 18h do dia 27/09/1987, domingo, véspera do

desaparecimento da criança, por 3 indivíduos acerca da localização da chácara

do sr. Ernestino, avô da criança subtraída, e que logo após ter sido perguntada

pela localização da chácara pela primeira vez, os 3 indivíduos teriam retornado

para esclarecer se ficava do lado direito ou esquerdo do rio Tocantins.

DEUZELINA BATISTA DOS SANTOS, era inquilina dos avós da vítima, e

foi ouvida em 27/01/1988, quando confirmou que três indivíduos estiveram na

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cidade perguntando pelo sr. Ernestino, da mesma forma que relatou Rare Anny

Chaves Bezerra, sendo que teria sido esta última que informou a localização da

chácara. Disse que o carro utilizado pelos três indivíduos era “pequeno”,

contradizendo as declarações de Rare Anny de que se tratava de uma camionete;

NILZA RODRIGUES , esposa do proprietário da churrascaria Espeto de

Ouro, foi ouvida em 25/01/1988 e declarou ter tomado conhecimento de que uma

mulher residente em Porto Nacional teria dado à luz uma criança, abandonando-a

no mato, ocasião em que teria comentado sobre a existência de vários casais

querendo adotar crianças, enquanto aquela mãe teria se desfeito da sua. Tais

comentários teriam sido ouvidos por Helena Windlin. Negou entretanto ter feito

qualquer comentário sobre um casal de Goiânia que teria ido até Porto Nacional

adotar uma criança, bem como negou ter dito a Helena Windlin algo sobre o

desaparecimento do menor Sérgio Leonardo.

HELENA WINDLIN : (ouvida em 21/01/1988), informou ter ouvido

comentários de Nilza Rodrigues, no sentido de que um casal de Goiânia teria ido

até Porto Nacional para adotar uma criança de uma mãe solteira, mas que a

criança teria falecido após o parto, declarou ter imaginado, então, que referido

casal poderia ter substituído a criança que pretendia adotar por Sérgio Leonardo.

PEDRO IZAR NETO: foi ouvido em 27/09/1988, na SR/DPF/SP, quando

negou a informação de que seria proprietário de uma frota de aeronaves. Explicou

que utilizava uma aeronave do tipo BONANZA, de propriedade de um sócio, em

seus deslocamentos pelo interior do então estado de Goiás, onde possuía uma

fazenda. Alegou ter tomado conhecimento do desaparecimento da criança através

de Marcos Molitor, quando ainda estava hospedado no hotel Meridional. Informou

que nos deslocamentos entre o hotel e a fazenda utilizava-se de um carro modelo

OPALA “cinza – azulado ” e uma camionete D-10 com carroceria de madeira, da

cor branca . Negou a informação de que o casal Vanda e Vladimir Brickman teria

cuidado de uma criança levada para a fazenda em Natividade pelo declarante.

Acrescentou que um avião teria pousado em sua fazenda em Ourinhos/SP,

carregado de mercadoria internalizada no território nacional de forma irregular

(contrabando), mais precisamente de carregadores de armas de fogo, tendo sido

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presas várias pessoas naquela oportunidade, inclusive Marcos Roberto Molitor o

qual foi demitido em razão desses fatos. Alegou que as denúncias feitas contra

sua pessoa por Lourival Vicente Ferreira de deve a desentendimentos havido

entre ambos na esfera trabalhista e concluiu dizendo que prestou apoio nas

buscas, emprestando sua camionete para tanto.

O Relatório do Inquérito Policial foi inconclusivo, dada a impossibilidade

de se realizar acareação entre Pedro Izar Neto e Lourival Vicente Ferreira.

ISAEL SÉRGIO MATEUS DA SILVA pai da vítima, foi ouvido em

07/06/1991, informou que exibidas fotografias de seu filho Sérgio Leonardo a

Lourival Vicente Ferreira, este teria declarado que se tratava da mesma criança

cuja foto teria visto no escritório de Pedro Izar Neto em São Paulo. Afirmou que os

suspeitos teriam realizado chamada para o exterior no período em que estiveram

hospedados no Hotel Meridional, o que não foi confirmado, pelo exame da lista

constante do dossiê, a qual só indicaria chamadas internas.

Reinquirido em 07/06/1991, LOURIVAL VICENTE FERREIRA confirmou

as declarações anteriormente prestadas à polícia e disse não entender porque

Pedro Izar e Marcos Roberto Molitor venderam a fazenda do Tocantins

“inexplicavelmente”, logo após o desaparecimento, mudando-se para o Estado de

São Paulo. Fez ilações sobre o fato de que na fazenda São Judas havia pista de

pouso com iluminação noturna e que constantemente passavam por ali pessoas

“estranhas”.

INTERROGATÓRIO JUDICIAL DE LOURIVAL VICENTE FERREIR A, em

20/06/1991, afirmou que no dia do fato estava trabalhando em Goianésia/GO.

Esclareceu que ignorava a capacidade de pouso noturno da pista da fazenda de

Izar. Disse ainda que as fotos que teria visto no escritório de Pedro Izar na

fazenda em Natividade, e não no seu escritório em São Paulo, seriam dos filhos

Pedro Izar e de outras pessoas tiradas em dias de festa. Confirmou que Pedro

Izar e Marcos Roberto Molitor estiveram hospedados no hotel Meridional na

época dos fatos, bem como que os viu acompanhados de outros dois homens,

“que achava que estivessem hospedados ali”. Alega não ter ouvido nada da

conversa travada entre aquelas pessoas. Declarou que, dois dias após ter visto

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todos no hotel, viu novamente os outros 2 homens que estavam com Pedro Izar e

Marcos Roberto, voltarem até a fazenda. Reafirmou que Pedro Izar era dono de

uma frota de táxi aéreo, mas negou ter ouvido Marcos Roberto Molitor perguntar

para Pedro Izar sobre a criança que iriam adotar, e também ter ouvido Pedro Izar

respondendo que então demorariam um pouco mais para poder levar a criança.

Esclareceu que as crianças que Pedro Izar já havia levado a fazenda, eram filhos

dele. Relatou ainda ter sido vítima de um atentando e ter levado um tiro, mas não

atribuiu esse fato a qualquer relação com o sequestro do menor e que não teria

medo de Pedro Izar e Marcos Roberto Molitor mandarem lhe matar. Finalmente

afirmou que não saberia quem era o responsável pelo sequestro de Sérgio.

Ouvida em juízo, ZULMIRA acrescentou que cerca de nove meses após o

desaparecimento, Lourival disse que viu fotos de seu filho, exibidas por seu

marido Isael, e confirmou se tratar da criança que Pedro Izar e Marcos Roberto

Molitor teriam levado. Lourival ainda teria dito à depoente que no escritório de

Pedro Izar em São Paulo havia um álbum de fotografias, e que dentre elas havia

uma da vítima. A polícia em São Paulo realizou busca naquele escritório, não

tendo encontrado nenhum álbum. Declarou que a sua vizinha Joana teria lhe dito

que Sérgio Leonardo teria sido levado de avião em companhia de dois

americanos e um brasileiro, que serviria de intérprete e com o qual Joana teria

conversado muito. Referiu finalmente que quando o acusado Marcos frequentava

sua casa demonstrava ter uma simpatia especial pela criança desaparecida,

chegando a ter dito para a depoente que era o mais bonito de seus filhos;

INQUIRIÇAO EM JUIZO DE NILZA RODRIGUES: (esposa do proprietário

da churrascaria Espeto de Ouro), em que confirmou apenas que disse na policia

que teria comentado com Helena (Windlin) sobre uma mãe que teria jogado um

filho fora, enquanto muitos casais querem adotar uma criança; negou ter feito

comentários com D. Helena sobre outros casais que queriam adotar crianças

naquela cidade.

IVANILCE QUIRINO GUIMARÃES: referiu ser “namorada” de Marcos

Roberto Molitor e que teria ido à fazenda de Pedro Izar “umas 4 vezes, passando

por lá os finais de semana” . Disse que Lourival, vivia na casa dos peões e era

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tratado como peão”, o que poderia ser um dos motivos “raiva” que o levou a

incriminar Pedro Izar e Marcos;

INQUIRIÇAO EM JUIZO DE JORGE LUIZ MATEUS: disse que Lourival

“fazia parte do grupo” de Izar e Marcos que se reunia para confraternizar aos fins

de semana.

Expedido ofício requerendo dados sobre a hospedagem de Izar e Marcos

no Hotel Meridional, a resposta esclareceu que ele havia se hospedado naquele

hotel com duas pessoas no apto. 203 no dia 21/09/1987, sendo que a relação de

telefonemas feitos não traz qualquer chamada para o exterior. O ofício do hotel

também revela um intervalo nas ligações telefônicas entre os dias 23/09/1987 e

28/09/1987, sendo este último o dia do desaparecimento. As últimas ligações são

de 29/09/1987, levando a concluir que o acusado foi embora neste dia, ou seja,

no dia seguinte ao desaparecimento da criança.

ALEGAÇÕES FINAIS:

Na sentença – datada de 25/11/1993 – Lourival foi absolvido por não existir

prova suficiente para a sua condenação, tendo sido determinada o

aprofundamento das investigações em relação aos demais suspeitos.

Em 20/09/1996 o MPE realizou relatório em que narra os vários atos

praticados pelos acusados Pedro Izar Neto e Marcos Roberto Molitor com o

objetivo de se esquivarem das citações para os seus interrogatórios, e

requerendo, ao final, a decretação da prisão preventiva de ambos, mas a

autoridade judiciária não se pronunciou acerca do pedido.

Em novas declarações a Sra. Zulmira destaca ter grande suspeita da

participação do sobrinho de seu marido, Jorge Luiz Mateus, na subtração da

criança; indica uma nova possível testemunha, de nome João do Braga, ex –

empregado da fazenda de Pedro Izar, que teria conhecimento de que a criança

teria sido levada por Jorge, Marcos e Roberto (que seria primo de Marcos) de

Porto Nacional/TO em um carro de Pedro Izar até a sua fazenda em

Natividade/TO, de onde teria seguido de avião aos cuidados de Roberto.

Finalmente o Ministério Público Estadual se manifestou nos autos

requerendo o seu arquivamento, considerando-se a prescrição da pretensão

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punitiva e o insucesso das tentativas de se carrear provas que embasassem uma

nova ação penal, sendo que por meio de Sentença prolatada em 12/02/2006

decidiu-se pela extinção da punibilidade dos acusados pela prescrição.

Em ofícios dirigidos ao Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Zulmira

solicita cópias de documentos arquivados em procedimento de emissão de

passaporte de uma criança de nome Hegon Henrique Alves Ferreira, nascido em

07/06/1987, filho de Vera Lúcia Alves Ferreira, residente na Rua 85, n. 30, Setor

Sul, Goiânia/GO. Fundamenta o pedido na semelhança entre os sobrenomes da

mãe dessa criança e do suspeito/investigado/acusado/testemunha Lourival

(ambos “Alves Ferreira”). No mesmo expediente, a sra. Zulmira narra que

divulgou sua história na rede social Facebook, tendo então encontrado um jovem

de nome Luka Ciccone, que teria sido adotado por uma casal de italianos (Carlo

Ciccone e Giovana Salvati, residentes na Via Stadera 86, bloco B, Napolis, Italia)

na década de 80. Alega perceber semelhanças físicas entre aquele jovem e seus

outros filhos, o que reacende uma suspeita de Luka Ciccone se tratar da mesma

pessoa de Hegon Henrique Alves Ferreira, que, na verdade, seria Sérgio

Leonardo, nas suspeitas de sua mãe.

ANÁLISE:

O relatório produzido pela ilustre Delegada de Polícia Federal traz

observações e conclusões fundamentais, pelo que seguem excertos daquele

relatório como parte das conclusões também da CPI:

- Do exame dos documentos produzidos nas investigações policiais, ações

penais e depoimentos conduzidos por esta CPI observa-se inicialmente

que não houve a produção de prova concreta da participação de qualquer

pessoa que seja na subtração do menor Sérgio. O que existem são

inúmeros indícios que poderiam, caso aprofundada a investigação,

embasar a tese de participação de Lourival, Pedro, Marcos e “Beto”. Não é

possível, até o momento, indiciar os investigados, o que não quer dizer que

não estiveram envolvidos no desaparecimento da criança, mas que não há

provas ainda de que tiveram alguma participação, de forma que a

imputação, prima facie, de qualquer tipo penal a estes, com fundamento

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nas diligências até agora produzidas. é medida temerária, posto que o ônus

da prova cabe ao acusador (Art. 156 do Código de Processo Penal “A

prova da alegação incumbirá a quem a fizer...”).

- Caso houvesse comprovada a subtração da vítima, seja para adoção

internacional, seja para adoção em território nacional, o crime previsto seria

o do artigo 148 do Código Penal (Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade,

mediante sequestro ou cárcere privado: § 1º - A pena é de reclusão, de

dois a cinco anos: III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze)

dias e IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos.),

sendo que, a pretensão punitiva já teria se operado, salvante a hipótese de

reabertura do caso pela polícia civil do Estado.

- Ao se considerar a tese de que o crime de sequestro é permanente e só

se exaure quando a vítima se livra da condição da privação da sua

liberdade, poder-se-ia imaginar que, caso ainda esteja na situação de

sequestrada, a prescrição não se verificaria.

Uma investigação profunda à época dos fatos poderia ter esclarecido o

ocorrido. No entanto, caso seja interesse dessa CPI recomendar o

prosseguimento das apurações, sugere-se que seja solicitada à Polícia

Civil de Tocantins, que tem atribuição para esta investigação, o que se

segue:

a) Localização e inquirição de João do Braga, ex – empregado da

fazenda de Pedro Izar, mencionado por Zulmira em sua última oitiva,

que teria informado da participação do sobrinho de seu marido,

Jorge Luiz Mateus, na subtração da criança; pois João do Braga,

teria conhecimento de que a criança teria sido levada por Jorge,

Marcos e Roberto (que seria primo de Marcos) de Porto Nacional/TO

em um carro de Pedro Izar até a sua fazenda em Natividade/TO, de

onde teria seguido de avião aos cuidados de Roberto.

b) Realização de pesquisas e diligências de campo com o objetivo de

identificar o suposto primo de Marcos Roberto Molitor Zouza, de

alcunha “Beto”, suspeito de ter sido um dos autores do sequestro do

menor Sérgio Leonardo.

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c) Localização e inquirição de Vandra e Vladimir Brickman,

empregados da fazenda de Pedro, à época dos fatos.

d) Oitiva de Joana de tal, vizinha de Zulmira, a qual teria afirmado que

a vítima foi levada de avião por 2 americanos e 1 intérprete com os

quais chegou a conversar”.

ACAREAÇÃO ENTRE PEDRO IZAR E ZULMIRA GONZAGA CARDOSO Em audiência pública realizada no dia 30/04/2014, na cidade de São Paulo,

presidida pela Deputada Flávia Morais e com participação do Deputado Paulo

Freire, procedeu-se à acareação entre Pedro Izar e Zulmira Gonzaga Cardoso,

como parte da investigação do caso Sérgio Leonardo.

Antes da acareação a Deputada Flávia Morais esclareceu os motivos da

acareação nos seguintes termos: “Foram iniciados dois processos judiciais

subsequentes para apurar o possível sequestro do menor, em ambos tendo sido

investigadas as pessoas de Pedro Izar Neto, Lourival Vicente Ferreira e Marcos

Roberto Molitor. A Sra. Zulmira é genitora do menor, já foi ouvida pela CPI em

Brasília. Também prestou depoimento no Estado de São Paulo Pedro Izar. A

Zulmira prestou depoimento no dia 27/8/2013 e o Sr. Pedro Izar prestou

depoimento no dia 04/07/2013. Acontece que os dois depoimentos apresentaram

várias contradições, e essa acareação vem justamente para que esta CPI possa

identificar a dificuldade que existe nessas informações dos dois depoimentos”.

No início do procedimento a Presidente fixou os pontos controversos nos

depoimentos antes prestados, indicou como seria realizado e passou a palavra

aos depoentes para que esclarecessem as contradições, conforme transcrição a

seguir:

“A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - A acareação é um

instituto previsto pelo Código de Processo Penal da nossa legislação,

subsidiária da CPI, segundo prevê o art. 6º da Lei n. 1.579, de 1952,

também chamada de acareamento, careação ou confrontação. O

procedimento está previsto nos arts. 229 e 230 do Código de Processo

Penal.

(...)

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Eu gostaria, inicialmente, então, de me dirigir ao Sr. Pedro Izar, colocando

aqui algumas informações, revisando algumas informações que foram

contraditórias no último depoimento do senhor.

Sr. Pedro Izar, o senhor gostaria de fazer alguma manifestação antes de a

gente objetivar as informações que foram contraditórias?

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não. Eu gostaria de ouvir o que é

contraditório.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Sim. Então, eu vou

começar.

Um dos itens em que houve contradição na informação do

depoimento da D. Zulmira é que, na época, o senhor informou para nós,

aqui no depoimento do senhor, que na época o senhor não possuía avião,

mas que já havia possuído antes, e que havia chegado à cidade, naquele

dia, de ônibus, após uma viagem de 12 horas. Então, a gente observa, no

depoimento da D. Zulmira, que ela afirma que o senhor, na época, foi a

Porto Nacional de avião e não de ônibus. Então, eu gostaria só de ouvir o

senhor em relação a esse ponto especificamente, depois nós partiremos

para as outras informações.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Primeiro é o seguinte, Excelência: se a D.

Zulmira é a dona da verdade. Eu disse que não fui de avião. Ela disse que

eu fui de avião. Que peso tem isso? A minha palavra não vale?

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Nós não queremos aqui

fazer ataques; evitar os ataques pessoais, das duas partes.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Claro. Sem dúvida.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - E gostaria de pedir ao

senhor apenas que reforçasse o que o senhor...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não tinha avião. Fui de ônibus.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O.k.

Em relação à outra informação também contraditória...

Nós estamos aqui querendo a confirmação dos dois nesta

acareação. Depois a CPI vai tomar as providências e, de acordo com as

investigações que nós fizermos, fora dos depoimentos de vocês, nós

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vamos constatar quem está falando, o que está falando, sim ou não. Além

dos depoimentos de vocês, é importante lembrar que nós temos outros

depoimentos, outras formas de investigação que nos dão condições de

consolidar ou não as provas e os depoimentos de cada um de vocês.

Eu vou buscar ser bem objetiva, porque acho que foram dois depoimentos

longos que nós já tivemos na CPI e acho que não há necessidade de nós

ficarmos nos alongando mais uma vez nesse tema.

Outra informação que é contraditória: que o senhor se hospedou no hotel

em que sempre se hospedava, onde soube do fato do desaparecimento do

menor, sendo que vieram lhe solicitar auxílio. Foi o que o senhor falou. E

que se prontificou a ajudar, cedendo a caminhonete e o caminhão da

fazenda, além de combustível e funcionários para tentar encontrar o menor.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Perfeitamente.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Isso.

Agora a contradição no depoimento de Zulmira: que o marido procurou o

Pedro Izar para pedir ajuda; que Pedro Izar, antes de atender o pedido de

ajuda, sugeriu ao marido da depoente que alguém havia pegado o seu

filho.

Então, esse é o depoimento dela; que, no momento em que o senhor foi

requisitado para ajudar... Não é uma contradição, mas é um acréscimo que

ela fez, que tem uma relevância muito importante.

O SR. PEDRO IZAR NETO - É mentira. É mentira.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O senhor fala que

não houve nenhum comentário do senhor em relação à questão de a

criança ter sido...

O SR. PEDRO IZAR NETO - É mentira. É mentira.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Outra questão: que tinha

dois apartamentos na cidade na época, dois apartamentos reservados

nesse hotel, né? Foi o que o senhor informou no depoimento do senhor.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Eu me hospedei nesse hotel e usei dois

apartamentos?

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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Isso. Foi o que o senhor

falou no depoimento do senhor.

Contradição no depoimento dela: que tem documento comprovando que

havia três apartamentos e não dois.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Apresente o documento. Eu não tenho. Eu

não sei.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O.k. Mais uma questão:

que o senhor compareceu à Justiça e à delegacia todas as vezes que foi

intimado. E aqui ela fala que foi marcada uma acareação na polícia entre

Lourival e Pedro Izar, mas esta nunca aconteceu; que o caso foi para a

Polícia Federal e que foi marcada nova acareação, só que o Lourival

desapareceu. E outra: que Pedro Izar nunca compareceu a uma audiência

sobre o caso; que os documentos do processo mostram isso.

Então, essas são as informações que ela deu no depoimento dela,

que contradizem...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Todas as vezes que eu fui convocado, eu

compareci. Todas as vezes.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O.k.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Todas as vezes, seja na Polícia Federal, ou

sei lá onde, eu vim. Vocês mesmo me convocaram duas vezes e eu estou

aqui.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O.k. À CPI, o senhor

compareceu. O.k.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Eu tenho o maior interesse em acabar com

isso, porque eu já, inclusive, estou movendo uma ação contra a Globo,

porque ela deve ter dado informações, da forma que ela faz, e estão

denegrindo a minha imagem, e eu quero ressarcir isso aí.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Mais uma questão: que

não possui mais imóveis em Porto Nacional; que não se lembra de haver

falado na polícia que estava no mesmo quarto de Marcos Molitor, e que

normalmente ficavam em quartos separados. Essas foram as informações

do depoimento do senhor.

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O SR. PEDRO IZAR NETO - Eu ratifico isso. Eu ratifico isso.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - A contradição no

depoimento de D. Zulmira: que a fazenda foi vendida logo após o ocorrido;

depois que a depoente indicou a existência de uma caminhonete e de dois

funcionários com características semelhantes, a de Marcos Molitor e de

Lourival e a de Beto.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não entendi.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Que aqui o senhor

afirma que não possui...

O SR. PEDRO IZAR NETO - A fazenda foi vendida, sim. Não sei se foi logo

depois ou quanto tempo depois. Foi vendida. Agora, o que tem a ver a

caminhonete com não sei o quê?

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Hum, hum.

E a última questão: que não se lembra se existia um casal de

estrangeiros hospedado no mesmo hotel na época do desaparecimento. É

a informação do depoimento do senhor.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não me lembro. Não conheço isso.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - O.k. E da D. Zulmira:

que soube que na época do desaparecimento havia um casal de

estrangeiros hospedado no Hotel Meridional, e que foi ao hotel verificar o

registro, mas que não havia registro de hóspedes estrangeiros no hotel.

Essa é outra contradição que ela argumenta, mas que não conseguiu

provar.

Então, essas são as contradições que nós identificamos nos depoimentos

do senhor, e agora nós vamos passar a palavra para a Zulmira, de forma

bem objetiva...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Excelência, me permite?

A SRA. PRESIDENTA (De putada Flávia Morais) - Claro.

O SR. PEDRO IZAR NETO - Eu gostaria de deixar claro que essa senhora

usou de todas as maneiras possíveis e imaginárias para tentar provar que

eu estou envolvido em alguma coisa. Ela foi à Polícia Federal, a Polícia

Federal veio a mim, eu fui à Polícia Federal. Ela leva a crer que eu comprei

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todo mundo na Polícia Federal, que eu comprei todo mundo no Judiciário,

que eu comprei todo mundo que possa intervir nesse negócio. Então, eu

tenho a impressão que ela gosta mais de aparecer do que de resolver o

problema dela. Eu não tenho absolutamente nada a ver com o problema

dela. Ela me conhece? Pergunte para ela se ela me conhece, se ela já

esteve comigo alguma vez, se eu já estive na casa dela. Isso é neurose. Eu

não sei. Eu não posso explicar. Não tenho nada, absolutamente nada a ver

com o caso dela. Tem aqui as certidões dos processos todos. Estou

movendo ação contra a Globo e vou mover uma ação contra ela agora.

Chega, parei, não brinco mais.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Posso falar?

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Vou passar a palavra

para a D. Zulmira.

Eu gostaria de mais uma vez pedir para nós evitarmos ataques

pessoais. De forma bem objetiva também, eu vou me remeter apenas às

contradições. A senhora vai reforçar ou a senhora vai negar. A senhora vai

reforçar ou negar. E com isso nós encerramos esta acareação.

Então, eu gostaria de passar para o primeiro ponto.

Antes de dar continuidade, o Sr. Marcos Roberto Molitor Souza está

presente? (Pausa.)

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Não, nem o Jorge.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - E Jorge Luís Mateus?

(Pausa.) Marisa Bueno está presente, que é do outro caso.

Vamos, então, aos pontos. Eu vou reforçar mais uma vez: vamos evitar

ataques pessoais. Eu sei que essa questão é uma questão que envolve

emocionalmente as duas partes, e eu gostaria muito que a gente deixasse

a gente conduzir os trabalhos de forma bem objetiva, para que a gente

possa avançar nessa questão.

A primeira questão é em relação ao avião. A senhora continua informando

que ele foi de avião e que ele... Quer falar sobre isso?

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Quero. Posso dar bom dia

para ele, não é? Bom dia. Realmente, Dr. Pedro, eu não conheço o senhor.

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É a segunda vez que nós nos encontramos. A primeira foi quando o meu

esposo viu o senhor saindo com o Marcos Molitor da TELEGOIÁS, e a

gente estava saindo da delegacia e do Tiro de Guerra. Nós não tínhamos

carro, e ele falou: “Olha o Dr. Pedro!” E foi até o senhor. Ele conversou

primeiro com o Marcos, e o Marcos falou para o senhor: “Olha, o filho do

Isael sumiu.” Estou olhando nos seus olhos, Dr. Pedro. O senhor olhou nos

olhos do Isael. Eu estava muito emocionada naquele momento. E o senhor

disse: “Isael, se o teu filho foi levado por alguém ou se ele foi raptado, eles

devem estar muito bem.” Eu não conhecia o senhor. De fato, Dr. Pedro, eu

não o conhecia, mas o seu gerente, Marcos Molitor, ele viu o meu filho e

por várias vezes ele disse que o meu filho era muito bonito, parecia um

touro. Ele me ajudou a procurar o meu filho, sim. Eu vou agora ao avião. O

Jorge, que também foi seu funcionário, e é sobrinho do Isael, ele pegou o

meu filho e disse: “Zulmira, o teu filho é muito feio, porque você não

vende?” Depois de uma semana, ele vendeu. Mas as evidências — nós

vamos seguir — dos aviões, doutor. O senhor confirmou realmente que o

senhor foi de avião. Mas eu tenho duas...

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Não, ele falou que não

foi.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - De ônibus. Mas eu tenho duas

contradições: aqui, na Polícia Federal, em setembro, o senhor disse que foi

numa Opala preta. Está aqui, em 88, quando era para o senhor fazer a

acareação com o Lourival. Depois, na CPI, dia 4 de julho, o senhor disse

que foi de ônibus, mas o Jorge afirma que o senhor foi, nunca foi a Porto

Nacional de carro. E o Lourival, aqui no seu depoimento — aqui está —

embora ele já tenha falecido, não é?...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não sei.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Pois é. Ele afirma aqui: “Que o

Dr. Pedro Izar, constantemente, vinha à Estância São Judas Tadeu,

sempre de avião, pois na sua referida Estância tinha uma pista de avião em

que pousava mesmo durante a noite”. E o senhor disse na CPI que foi de

ônibus. Na Polícia Federal, o senhor disse que foi de Opala preto. De que

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mesmo o senhor foi? De ônibus ou de Opala preto? Cinza. Está aqui, na

Polícia Federal. A única vez em que o senhor esteve na Polícia Federal.

Está aqui. O senhor está com o depoimento em mão. Aqui é o depoimento

da Polícia Federal. O senhor disse que naquela época o senhor não estava

de ônibus...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Excelência, se eu fui de ônibus...

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Por favor. Eu

gostaria... Nós vamos ouvi-la. Se o senhor puder anotar, depois a gente

passa para o senhor responder.

Segundo ponto: “Marido procurou Pedro Izar para pedir ajuda. Pedro

Izar, antes de atender o pedido de ajuda, sugeriu ao marido da depoente

que alguém havia pegado o seu filho.”

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Verdade. Eu estava junto, e o

senhor realmente deu a sua caminhonete e o senhor falou, nos olhos do

Isael: “Isael, se alguém pegou o teu filho”... Ninguém falou. Eu não

imaginava, eu não imaginava, doutor, tráfico de pessoa. Eu era leiga, eu

não sabia que na década de 80 existia essa questão de tráfico de pessoa.

E o senhor disse: “Se alguém pegou o teu filho ou se alguém raptou o teu

filho, Isael, está cuidando muito bem.” O senhor abaixou a vista e o senhor

disse ainda — eu digo para o senhor: “Peça para São Judas Tadeu”. O

senhor disse isso. Disse.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Terceiro ponto:

“Que tem documento comprovando que havia três apartamentos e não

dois, no hotel”...

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Sim, senhor. Aqui está, aqui

está. Os três apartamentos. Na Polícia Federal, em 88, o senhor disse que,

quando vai a Porto Nacional... O senhor ficou no 203, com o seu gerente,

com o seu gerente. Porém — e nós temos registro aqui —, o Lourival,

quando denunciou, ele disse... Da forma como ele denunciou, o senhor

chegou realmente no dia 21; depois de 2 dias chegou outro avião na

Fazenda São Judas Tadeu, com dois homens. Está aqui, está aqui. Não

sou eu, não sou eu. Esta acareação era para ter sido feita antes. E ele

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disse que o senhor chegou com dois homens. Inclusive ele se deslocou até

a cidade com esses homens. Eu vou ler aqui... Ele trouxe esses homens.

Juntamente o senhor veio com eles, no carro, ficou no hotel. Então, se o

senhor tinha só um hotel... Na Polícia Federal, o senhor disse que o senhor

se hospedava com o seu gerente. Aqui conta: dia 21, vocês estavam no

apartamento 203; no dia 23, conforme Lourival disse, dois dias depois, no

204; no dia 28, no 209. Se o senhor tinha só um apartamento, por que o

senhor foi fazer ligações em todos os apartamentos? Está aqui. Aqui tem a

fala do Lourival...

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Mas...

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Só vou completar, rapidinho.

Não vou ler tudo, né? “Por volta das 7 horas, se encontram no Hotel

Meridional, em companhia de Dr. Pedro Izar, dois outros indivíduos” — que

eu já tinha citado, que trouxe, que vieram junto com o Marcos Molitor, da

fazenda. “Quando eu vi um dos, digo indivíduo, moreno claro, o Marcos

Molitor perguntou: ‘Dr. Pedro, sobre a criança que o senhor vai adotar...’” Aí

o senhor diz: “Então vamos demorar mais um pouco para poder levar a

criança”. Em seguida: “O indivíduo de cor morena, digo, que o carro só

dava para chegar até três leiras da casa da velha que estava com a

criança; que o indivíduo de cor morena ainda falou: ‘A velha que estava

com a criança mora perto da casa de Isael’. Naquela oportunidade, Pedro

Izar e outros indivíduos estavam com aviões em Porto Nacional’”. Ele diz

aqui: “Avião em Porto Nacional, sendo que um era monomotor e outro era

bimotor”. Aqui, ele que disse. E aí, voltando, eu não sei se cabe

acrescentar sobre as leiras, porque o senhor disse que é ilusão da minha

cabeça — na CPI —, que o meu filho tinha caído no rio, que era a voz da

cidade. Porém, Dr. Pedro, eu quero dizer para o senhor que o meu filho

tinha 1 ano e 8 meses. E tinha a história das leiras mesmo. O senhor

acertou, o senhor acertou. Por coincidência, o meu filho tinha 1 ano e 8

meses e não tinha condições de ir andando 5 quilômetros, para ir para o

rio. E tinha as leiras. Porque à casa da minha mãe o carro só chegava até

a porta. E essas leiras foi de onde se tiraram os aterros para fazer a ponte.

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E as pessoas chamavam de “leiras”. Essa palavra existe no vocabulário de

lá. Inclusive eu pergunto para o senhor: o senhor diz que é a voz da cidade

que o meu filho morreu afogado. Será que uma criança de 1 ano e 8 meses

ia sozinha até o rio? E essa história das leiras? O que se diz?

O SR. PEDRO IZAR NETO - Eu posso falar?

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Daqui a pouquinho. O

senhor vai observando, e eu passo a palavra novamente, para o senhor

responder. O senhor vai anotando. O advogado do senhor, se quiser, pode

ajudar a anotar.

Quarto ponto: “Que foi marcada uma acareação na polícia entre Lourival e

Pedro Izar, mas este nunca compareceu; que o caso foi para a Polícia

Federal, que foi marcada uma acareação, só que o Lourival desapareceu”.

Quer falar sobre isso?

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Sim, sim.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - São informações dela.

Estou repetindo as dela. Eu já falei as do senhor. O senhor confirmou que

não, negou. Eu estou passando as dela, para ela colocar aqui, porque ela

defende essas questões.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Olha, eu gostaria. Aqui está o

processo. Por sinal, está arquivado. A Deputada perguntou: “Quem é o seu

advogado?” Eu não tenho advogado. Mas o senhor teve oito. Oito. Por

quê? Por que o senhor não foi a nenhuma, Pedro Izar, das audiências?

Aqui estão as acareações. O senhor não compareceu a nenhuma.

Nenhuma! O senhor foi uma única vez — 27 de setembro de 88 — à

Polícia Federal. Quando eu cheguei aqui, com o depoimento do Lourival...

Porque ele descreveu como o meu filho foi levado. E quem levou o meu

filho, nos braços, foi o Beto, o seu funcionário. Ele veio de avião. E o

senhor ficou na cidade com o Marcos, porque o senhor e o Marcos

estavam sondando. Inclusive o Marcos me ajudou de fato. Então, o senhor

diz, o senhor afirma que prestou vários depoimentos, que esteve nas

audiências. E por que não consta nenhum depoimento do senhor aqui? Por

que o senhor não compareceu a nenhuma? Por que o senhor constituiu

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oito advogados? Inclusive, no Tocantins — acho que o senhor lembra —,

Germiro Moretti disse, nos meus olhos... Em 96, quando eu encontrei

aquela criança que eu imaginava que era o meu filho, ele foi... O senhor

tinha uma audiência no dia 20 de maio, e eu viajei no dia 12 de maio de 96

para São Paulo, para buscar um menino de rua que se passou como o meu

filho. E a essa audiência o senhor não compareceu, mas o senhor

contratou Germiro Moretti. E ele disse, nos meus olhos, que o senhor

vendeu um apartamento em Santana, e em espécie, para pagar a ele, e

que o senhor ia trancar o meu processo. E aqui eu não tenho nenhum

depoimento do senhor. Aí eu acrescento. Por que? Se o senhor diz que

compareceu a tudo. Segundo: nessa diligência... Essa acareação, em 97...

Foram 15 diligências para a polícia, para cumprir o delegado. O Estado foi

omisso comigo, o Estado não cumpriu o seu papel, o Estado não cumpriu.

O delegado foi à polícia e disse que não tiveram... Porém, em 97, o

Lourival, que era a única testemunha, que era para estar feita a acareação

desde 1988, foi a óbito, foi assassinado. O senhor não sabe, mas eu estou

falando para o senhor. Então, ele foi assassinado. A minha única

testemunha, que poderia confirmar isso para o senhor. Então, se o senhor

confirma isso, Deputado, eu não sei onde é que está. Aqui está o inquérito.

Não tem uma... Nada dele.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Outro ponto: “Que não é

verdade que tenha acusado Pedro Izar muito tempo depois; que soube que

na época do desaparecimento havia um casal”... Não...

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Pode falar. É isso mesmo.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - “Que a fazenda foi

vendida logo após o ocorrido. Depois a depoente indicou a existência de

uma caminhonete de dois funcionários com características semelhantes às

de Marcos Molitor, Lourival e de Beto.” Então, essa seria...

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Falo para a senhora, agora. O

senhor... O meu filho desapareceu no dia 27 de setembro de 88. É o

segundo caso. E o Lourival afirma que aquele outro menino, de Porto

Nacional, também foi levado. E aqui está. Por quê? Eu pergunto para o

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senhor: o senhor chegou a Tocantins em que ano? Ao Goiás. O senhor

lembra?

O SR. PEDRO IZAR NETO - Não.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Pois eu lembro. Em 1982. A

sua fazenda foi 1982. Em 1995 uma criança foi traficada, não foi

encontrada. Em 97, o meu filho desapareceu. Quando o meu filho

desapareceu, tinha 20 dias que a minha mãe tinha mudado para essa

chácara, que é praticamente dentro da cidade. A história das leiras... E

quando o meu filho desapareceu eu não tinha pista, eu pedi para o Espírito

Santo me iluminar. E naquele momento eu voltei à casa da minha mãe, que

ela tinha alugado a casa, e a inquilina falou: “Olha, veio uma caminhonete

aqui, carroceria de madeira, querendo falar com o teu pai, que teu pai é

agrimensor, e queria falar urgente com ele”. Nós ensinamos. Era noite. Era

uma criança de 12 anos. Os três rapazes... E aqui está a descrição dos

rapazes, você pode olhar, a descrição do Jorge Luís e do Marcos Molitor; e

tinha um terceiro, que eu não conheço, esse Beto. E aí a única pista que eu

tinha era essa caminhonete. Em 1997, como eu não tenho dinheiro, não

tenho influência política, não sou irmã de Deputado e não sou tia de

Deputado, eu fui com o meu dinheiro até Goiânia, porque era Goiás, não

era Tocantins, e coloquei nos jornais. O senhor vai ter que processar vários

jornais, o de Goiás... Aqui é um deles. Aqui está a caminhonete de

carroceria de madeira, a justa caminhonete que me ajudou a carregar o

meu filho. Quando foi em janeiro o senhor vendeu a fazenda. A Ivanise.

Você lembra dela? Ivanise. Eu acho que ela está aqui em São Paulo, que

trabalhava na cooperativa. Não sei de quem ela era namorada, e isso não

convém. E ela disse que o senhor... Está aqui. Se o senhor não me

conhecia, se o senhor não conhecia o Isael, por que o senhor queria ligar

para saber o meu endereço? Está aqui. Ela disse isso. Ivanise era minha

vizinha. Era onde o Marcos ficava, na porta, com o carro de som ligado. E

ela sabia o meu endereço. E o senhor ligou. Estão aqui as ligações. Então

é isso, Dr. Pedro. Eu não estou falando para o senhor coisas... São

evidências muito claras.

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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Última questão: “Que

soube que na época do desaparecimento havia um casal de estrangeiros

hospedado no Hotel Meridional. Foi ao hotel verificar o registro, mas não

havia registro de hóspede estrangeiro no hotel”.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Justo. Eu deduzo, isso eu não

sei, mas tinha três pessoas. Mas a D. Joana, funcionária, ela é camareira

de hotel... Está aqui: era minha vizinha e inclusive olhou meu filho, ela já foi

babá do meu filho. Aqui ela afirma que teve uns casais de estrangeiros —

está aqui —, que tinha um intérprete. Está aqui. Inclusive, quando o

Lourival disse, os delegados foram até Porto Nacional... aqui na CPI...

Porque muitas coisas ele não esclareceu. Ele falou... Ele não colocou o

nome da Arlete Hilu. Porque quem foi traficado na década de 80 sabe

muito bem quem é Arlete Hilu. E ele disse: quando o senhor estava lá com

o casal de estrangeiros, foi uma intérprete. E ela se colocaram de Arlete...

Eu fui saber da história de Arlete agora, ano passado, porque eu

desconhecia, eu não sabia, eu era leiga em relação a tráfico. O que eu sei

é que, para Israel, foram 4 mil crianças. Não posso dizer que todas foram

traficadas, mas lá tem adoções ilegais. Para a Itália foram 4 mil. Não posso

dizer que todas foram traficadas, mas lá também tem adoção ilegal. E este

ano eu descobri, lá no texto básico da CNBB, que nessa década, entre 84

e 88, foram 20 mil crianças para o exterior. E, dessas 20 mil, o meu filho

foi. Eu só digo que eu não dei o meu filho, Dr. Pedro. O senhor pode

colocar o processo contra mim, mas eu quero dizer para o senhor que a

única coisa que eu temo é Deus. Nunca tive advogado, Dr. Pedro. O

senhor não imagina o quanto eu esperei esses 27 anos para olhar nos

seus olhos porque, Dr. Pedro, ser mãe é presença de amor, é amor. Foram

27 anos, Dr. Pedro, rezando. No dia 13 de maio — e o senhor ia à

audiência dia 20 de maio —, o senhor esteve em Porto Nacional, Dr.

Pedro. O senhor esteve lá para contratar o Germiro. Aqui está. Por que o

senhor não esperou, se o senhor não devia, Dr. Pedro? Por que o senhor

já não esclareceu isso? Por quê? E eu penso, Dr. Pedro, eu digo para o

senhor, o senhor pode dizer que não — o senhor pode dizer que não —,

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mas existe um Deus. Existe um Deus, e a sua mãe, a D. Hermínia

Adelaide... Eu já tive muito ódio do senhor. O senhor disse que eu mandei

muito recado para o senhor pela Polícia Federal. Eu não mandei recado

pela Polícia Federal, mas eu mandei pelo Germiro Moretti. E não foi só um,

não, porque, naquele momento, o meu coração era cheio de ódio. Eu disse

para o Germiro Moretti, Dr. Pedro, que o senhor ia perder todo, todo o

dinheiro com a venda do meu filho. Eu disse. Eu gostaria muito, Dr. Pedro

— eu desejei —, que caísse o avião do senhor, que o senhor fosse preso,

que o Jorge fosse preso, que o Marcos fosse preso. Como eu desejava

isso, Dr. Pedro! Como eu desejei! Mas hoje... Porque amor de mãe é muito

grande, Dr. Pedro. Eu penso na sua mãe, eu penso na mãe do Marcos, eu

penso na mãe do Jorge, eu penso na mãe do Lourival. O Lourival foi

assassinado, mas ele tem uma mãe. Eu estive com ela. O sofrimento de

uma mãe não é fácil. Então, me tiraram, Dr. Pedro, a coisa mais importante

da minha vida. Quando eu entrei, eu abri a Bíblia, e lá no Eclesiástico diz:

“Mãe, se você é mãe, você é obrigada a educar o seu filho”. E o meu filho,

o homem, com sua ganância, tirou. Tirou o meu filho e o direito de educá-

lo. Eu não tive o direito, Dr. Pedro, de ver o meu filho na escola; eu não tive

o direito, Dr. Pedro, de ver o meu filho quando chorou. O meu filho... foi a

primeira vez que ele foi dormir fora. Então, Dr. Pedro, na CPI o senhor

disse que era fantasia minha. Não é fantasia. Mas eu penso na sua mãe e

eu louvo a Deus por este momento. E quero dizer para o senhor que,

embora o senhor negue tudo, o senhor pode montar o processo contra

mim, contra a Globo, contra o jornal de Goiás, contra o jornal O Popular,

tudo isso, porque lá, desde 1988, desde 1987, os jornais têm seu nome.

Então, o senhor não processou a Globo agora, não. Então, do fundo do

meu coração, a sua mãe sofre. Ela sofre. Eu tenho uma avó de 101 anos, e

ela diz assim, Dr. Pedro, que, quando a gente cala, a gente consente. Por

27 anos, o senhor não esteve frente a frente comigo. Por 27 anos, o senhor

não teve coragem de olhar nos meus olhos. Foram 27 anos! Por que o

Marcos não está aqui? Por que o Jorge não está aqui? Porque eu tenho

mais para falar do Marcos, do Jorge. O Jorge, quando baleou o Isael, não

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sei se o senhor... Talvez o senhor não saiba, mas o senhor diz que não

conhece a gente, mas o senhor ligou para o Jorge. O pai do Jorge... Está

aqui, ó, que o senhor ligou para o Jorge. Na Polícia Federal, o senhor disse

que queria saber notícias do Isael, que o senhor tinha dó. Está aí o

depoimento da Polícia Federal. E, de vez em quando, você ligava para o

Jorge. E o Jorge... Eu, com coração de mãe, quero dizer para o senhor:

quando o senhor falou todas aquelas coisas, que eu estava procurando um

pai para o meu filho, não, ele já tem pai; ele já tem mãe. Mesmo que eu

não tenha estado com ele, o meu coração está lá onde ele está. E aí o que

o senhor... Quando o Lourival saiu da cadeia, o senhor ligou para o Jorge.

O senhor ligou para o Jorge. Não demorou uma semana, o Isael foi

baleado. Não demorou uma semana, o Isael foi baleado! Segundo, o Jorge

me disse que quando ele baleou o Isael, que foi para Goiânia, ele disse...

Já estou terminando, doutora.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Zulmira, precisamos

concluir.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Já vou concluir, já vou

concluir. Ele disse que foi buscar uma caminhonete, um carro, na

concessionária aqui em São Paulo. Então, é isso, Dr. Pedro. Se o senhor

está falando que vai mover um processo, o senhor pode mover, porque

meus advogados são Deus e Maria Santíssima.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Pronto. Obrigada,

Zulmira.

A SRA. ZULMIRA GONZAGA CARDOSO - Obrigada.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Agora eu gostaria de

retornar a palavra ao Seu Pedro, que apresentou aí algumas...

O SR. PEDRO IZAR NETO - Excelência, primeiro, por que eu haveria de

falar que o filho dela havia sido raptado, se tinha acabado de ocorrer

qualquer coisa nesse sentido, e eu estava me prontificando a ajudar a

buscar? Segundo, não havia avião. Como é que havia dois aviões lá?

Terceiro, todas as crianças que desapareceram nesse período são culpa

minha. Todas as crianças que desapareceram nesse período são culpa

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minha, pelo que ela está falando. O cara foi morto; com certeza, fui eu que

mandei matar também. Quer dizer, desculpa, é fantasioso, Excelência,

além de querer desmoralizar a Polícia Federal, as Justiças do Tocantins e

de Goiás e a CPI também. Permita-me, mas para mim está ótimo assim.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Flávia Morais) - Mais alguma coisa, Dr.

Pedro Izar? (Pausa.) Então, eu concluo a acareação dos dois envolvidos

neste caso. Agradeço a presença. Nós já estamos no final da CPI. Em

breve, será apresentado o relatório final, e aí nós daremos o nosso parecer

em relação aos depoimentos. Deus acompanhe cada um de vocês”.

Por derradeiro, vale salientar que a CPI recebeu, da parte da Dra. Eliane

Faleiros Vendramini, Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e

Coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos –

PLID, análise conclusiva do caso, em perfeita consonância com as conclusões

verificadas pela CPI, nos seguintes termos:

“Em função da recente reunião dessa Comissão Parlamentar,

ocorrida em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do

Ministério Público do Estado, quando oitivado o Sr. Pedro Izar Neto,

esta convidada pede vênia para propor a Relatoria que seja pedida a

reabertura do inquérito policial que investigou os respectivos fatos,

dada a detalhada apresentação, pela própria genitora da vítima -

mas calcada em documentos e acareada defronte ao investigado -

de veementes indícios de autoria delitiva (incluindo oitivado e

comparsas).

Ainda assim, que seja observado o diuturno acompanhamento

da investigação e dos cuidados com testemunhas e familiares da

vítima, dada a também evidente capacidade de persuasão do

investigado no local do sequestro, que, apesar de cidade grande, de

características interpessoais provincianas. A própria vítima

demonstrou, mais uma vez por documentos, que os investigados se

furtaram a comparecer para dar suas versões perante a Autoridade

Policial e que o crime foi eventualmente considerado prescrito, mas

alertamos que o Brasil não tem tipo penal específico de tráfico de

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crianças para fins ilegais, de forma que termos, por ora, crime de

sequestro, cuja permanência e indiscutível, tal qual a quadrilha

formada pelos seus autores.

O fato é gravíssimo e pende de acurada investigação.”

13.21. SEQUESTRO DE BEBÊ EM CUIABÁ, NO ESTADO DE

MATO GROSSO

Trata-se do caso de sequestro da criança Nicolas Guilherme dos Santos

Soares, ocorrido em Cuiabá/MT, em 30/05/2013. Conforme informações obtidas

em fontes abertas (imprensa/internet), a criança teria sido retirada dos braços da

mãe, a adolescente Rayane Thalia Inácio dos Santos, de 15 anos de idade

(nascida em 18/06/1997), por uma mulher que ela teria conhecido alguns

momentos antes, dentro de um ônibus. A Polícia Civil foi acionada e prendeu a

autora do fato, Jucione Santos Souza.

Providências do caso:

Foram realizadas as seguintes diligências:

• Análise das cópias do Auto de Prisão em Flagrante;

• Oitiva de Jucione Santos Souza (autora do fato), Ivar Polesso

(Delegado Plantonista da Central de Flagrantes), Gianmarco Paccola

Capoani (Delegado da Polícia Civil de Mato Grosso) e Lenildo Silva

Amorim (companheiro de Jucione), em Audiência Pública realizada em

data de 13/06/2013.

O fato foi apurado por intermédio do Inquérito Policial n. 023/2013 (PC/MT),

encaminhado ao Poder Judiciário onde foi tombado sob o n. 349214 (6ª Vara

Criminal de Cuiabá/MT).

A CPI colheu os seguintes depoimentos relacionados com o caso em tela e

o tráfico de pessoas no Estado.

DEPOIMENTO DO SR. IVAR POLESSO - Delegado Plantonista da

Central de Flagrantes, Delegacia da Polícia Judiciá ria Civil do Estado de

Mato Grosso.

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Relatou o caso de uma criança, um bebê de seis meses, que havia sido

retirada dos braços da mãe. A Polícia Militar efetuou a prisão de Jucione, que

estava com o bebê em seu poder.

De acordo com o relato do depoente, Jucione confessou à Polícia que

pegou carona com um senhor chamado Carlos, proprietário de uma caminhonete

branca, que lhe pediu pra arrumar uma criança, pelo valor de 36 mil reais,

ameaçando sequestrar sua filha, se ela não atendesse ao pedido.

Disse o depoente, que, na qualidade de responsável pela prisão dela, ficou

com a convicção de que se tratava de tráfico de órgãos.

DEPOIMENTO DO SR. GIANMARCO PACCOLA CAPOANI - Delegado.

Reportou-se a sua participação na prisão de Jucione e disse que a mãe do

bebê era uma adolescente de 15 anos de idade, a qual disse à Polícia que estava

emprestando a criança.

Explicou que Jucione não está sozinha e,embora tenha pouco estudo, ela

falsificou documentos e montou um esquema para conseguir essa criança e

enviá-la para fora do Estado.

Disse que o Carlos é um indivíduo de aproximadamente 50 anos, trabalha

como agiota, usa pulseiras de ouro e tem uma caminhoneta S10 branca.

DEPOIMENTO DA SRA. JUCIONE SANTOS SOUZA – Depoente.

Fez o seguinte relato: “Eu conhecei o homem na hora errada, no momento

errado. Sob ameaça, ele ameaçou a minha filha, a mim. Eu vim pra Cuiabá com o

meu ex-marido, ele me trouxe pra aqui. Aqui ele me deixou, foi embora, e eu

fiquei morando de aluguel, com a minha filha pequena. E eu conheci esse homem

no momento errado, ele me ameaçou, e eu fiz o que ele pediu, porque eu tenho

filhos e eu queria proteger a minha filha, né? Eu fui morar na casa de um pessoal,

de favor, e aí eu praticamente servia de empregada para eles, e foi quando eu

conheci o rapaz que me abrigou na casa dele, o Lenildo, e ele me deu apoio. Eu

não contei a verdade para ele porque ele tem uma família e eu queria preservar a

família dele porque eles tinham me dado apoio. E tudo o que eu fiz, tudo o que eu

fiz de errado, eu sei que eu errei, mas foi pra proteger a minha filha, porque eu

tenho 4 filhos — entendeu? —, e aqui, em Cuiabá, só éramos eu a ela.

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Entendeu? A minha filha está no Conselho Tutelar, como todo mundo sabe, e eu

me arrependi. Mas eu me arrependi porque eu sou mãe, eu tenho filhos. E eu sei

que eu errei, e por isso que eu estou aqui falando pra vocês. Eu errei porque eu

fui ameaçada, sabe? A minha filha foi ameaçada. Ele me ameaçou várias vezes,

não foi uma vez só, foram várias, entendeu? Então, assim, eu digo pra os

senhores que eu estou arrependida muito mesmo, mas eu quero que tenha

justiça. O meu medo maior é só que ele faça alguma coisa com a minha filha, e

comigo, né? Porque mesmo que eu esteja presa ninguém está protegida,

ninguém. E com a família desse rapaz, com a família que me apoiou, uma família

que me deu abrigo; e é isso o que eu temo, só isso.”

Disse que perguntou: “O senhor vai matar?” e ele respondeu: “Mais ou

menos.”

Acerca das características do Sr. Carlos, disse a depoente que ele é

branco, tem o cabelo grisalho, na faixa de idade entre 52 e 55 anos. Quanto a

placa do carro, disse que só conseguiu ver a primeira letra e o número da placa: K

8917.

DEPOIMENTO DO SR. LENILDO SILVA AMORIM – Depoente.

Disse que está morando com Jucione há uns 6 meses, 7 meses. Ela não

teria nunca dito que esse homem estaria a ameaçando, porque ela teria que

entregar uma criança para ele. Não tinha conhecimento de qualquer atividade

criminosa. Só ficou sabendo do rapto da criança por informação da Polícia.

DEPOIMENTO DO SR. DANIEL ALMEIDA DE MACEDO - Coordenador

do Comitê Estadual de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Pessoas

do Estado de Mato Grosso.

Disse que o Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de

Pessoas foi constituído, formalmente, em fevereiro de 2012. Passou a explicar o

seguinte: “O CETRAP é composto por representantes da sociedade civil, poder

público, e é coordenado por um colegiado do qual eu tenho a satisfação e a honra

de fazer parte, ao lado da assistente social Dulce Regina, da Prefeitura Municipal

de Várzea Grande e de Valdemir Pascoal, Secretário Adjunto de Direitos

Humanos do Estado de Mato Grosso.

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Para organizar e desenvolver as atividades, o CETRAP formulou um plano

de ação que prevê atuação em dois eixos principais: prevenção/articulação e

defesa/repressão.

No eixo prevenção/articulação, estão as ações de conscientização, isto é,

esclarecer à sociedade sobre a ameaça do tráfico de pessoas: as formas

tradicionais de aliciamento, as promessas falaciosas dos recrutadores e também

a dura realidade, a condição das mulheres vítimas do tráfico. Então aqui estão as

campanhas publicitárias, as palestras, as reuniões e também os simpósios, que

têm esse propósito.

No eixo defesa/repressão, estão as ações táticas operacionais que têm por

objetivo a investigação e a identificação de pessoas ou organizações que

exploram o tráfico de pessoas.

Essas ações de repressão são executadas por forças policiais: Polícia

Judiciária Civil, Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, Polícia Federal, Polícia

Rodoviária Federal e também Agência Brasileira de Inteligência.

A articulação próxima do CETRAP com a sociedade tem gerado, tem

produzido informações importantes sobre indícios de aliciamento e indícios de

deslocamento de mulheres para a exploração sexual. O CETRAP compartilha

essas informações com as frações de inteligência das forças policiais. Essas

informações são processadas, são analisadas e estruturam o planejamento das

ações de repressão.

Este é o modelo que apenas está começando. No entanto, tem contado

com a ajuda e o apoio decisivo da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do

Estado de Mato Grosso, na pessoa do Secretário Luiz Antônio, ele próprio um

defensor tradicional, um defensor histórico dos direitos humanos, e também da

Secretaria Estadual de Segurança Pública na pessoa do Dr. Alexandre

Bustamente, um profissional muito experiente, que também nos tem ajudado

muito.

A pesquisa realizada pela Pastoral da Mulher sobre tráfico de pessoas em

Mato Grosso, os relatórios sobre prostituição infanto-juvenil da Polícia Rodoviária

Federal, o empenho investigativo das Polícias Judiciárias do Estado e da União, a

agilidade tática operacional da Polícia Militar, associados aos conhecimentos de

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inteligência produzidos pela ABIN, têm sido, de fato, decisivos para os avanços

registrados até o momento.

No entanto, há muito, todavia, a ser alcançado, pois o tráfico de pessoas é,

de fato, um crime complexo, com implicações históricas, culturais, sociais. No

entanto, o vigor e a determinação dos integrantes do CETRAP demonstram que

há um caminho promissor a ser seguido e, para vencer essa séria ameaça, é

necessário que todos caminhemos, que todos devamos caminhar juntos.

Portanto, essa é uma breve contribuição. Eu trago, então, aos senhores e à

Mesa, o que Mato Grosso hoje desenvolve.”

O fato foi apurado por intermédio do Inquérito Policial n. 023/2013 (PC/MT),

encaminhado ao Poder Judiciário onde foi tombado sob o n. 349214 (6ª Vara

Criminal de Cuiabá/MT).

Encontra-se em curso a Ação Penal de n. 349214/2013, junto à 6ª Vara

Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, tramitando contudo em segredo

de justiça.

Ademais, tramita no âmbito da Polícia Federal, junto à Superintendência

Regional em Mato Grosso, o Inquérito Policial Federal n. 585/2013 – SR/DPF/MT,

SIAPRO n. 08320.021.789/2013-54, instaurado para apurar o crime de tráfico de

criança ao exterior com o fito de obtenção de lucro, capitulado no artigo 239 da

Lei n. 8.069/1990, investigando, portanto, os fatos narrados neste caso.

13.22. CASO DO SITE GAROTA COPA 2014 NO ESTADO DO

MATO GROSSO DO SUL

Trata-se de Inquérito Policial instaurado pela Delegacia Especializada de

Defesa da Mulher, Criança e Idoso da Polícia Civil do Mato Grosso, em função de

ter a autoridade policial tomado conhecimento, por meio de expediente oriundo da

Procuradoria Geral de Justiça daquele Estado, que adolescentes entre 13 e 18

anos estariam sendo expostas indevidamente em site da internet com o objetivo

de promover concurso para escolher a “Garota da Copa do Mundo no Pantanal”.

Providências do caso:

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Foram efetivadas as seguintes diligências:

• Oitiva de Reinaldo Luís Akerley Cavalcante em Audiência Pública

realizada pela CPI em data de 19/03/2013;

• Juntada de cópia integral do inquérito policial n. 103/2012/DDMCI/MT,

por suposta infração ao artigo 244 – A, da Lei n. 8069/90 (ECA),

instaurado pela PC/MT para apurar os fatos na pasta do caso.

DEPOIMENTO DO SR. REINALDO LUÍS AKERLEY CAVALCANTE –

Agente Penitenciário do Estado do Mato Grosso e responsável pelo site Garota

Copa 2014.

Comentou seu trabalho com eventos comunitários, o que o levou a

organizar o evento Garota Copa 2013, do qual participavam, de acordo com o

depoente, homens e mulheres de todas as idades, inclusive menores com

autorização dos pais.

Negou ser proprietário de qualquer empresa de eventos e disse que

desenvolve essas atividades sem objetivo de lucro, tirando do seu próprio salário

para pagar as despesas.

Confirmou que contrata modelos para divulgar o evento Garota Copa 2014

e que paga cem reais por dia de trabalho, com dinheiro do seu salário de agente

penitenciário.

Negou qualquer financiamento por parte de órgãos públicos. Também

disse não ter nenhum site internacional com foto de menores em cenas eróticas.

13.23. CASO LORISVALDO, NO ESTADO DE SÃO PAULO

Trata-se de caso noticiado pela imprensa acerca da prisão em flagrante de

LORISVALDO PEREIRA DE JESUS, conduzido em data de 12/03/2013 por

policiais civis paulistas, pela suposta prática dos crimes de manter casa de

prostituição, rufianismo e tráfico interno de pessoas para fim de exploração

sexual, tipificados, respectivamente, nos arts. 229, 230 e 231 – A, todos do

Código Penal. O Ministério Público Estadual ofertou promoção de arquivamento

em data de 05/04/2013, em extensa manifestação (quarenta laudas), cujos

argumentos podem ser indicados em apertado resumo: a imprescindibilidade de

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exploração sexual para a configuração do delito do artigo 229 do CP (ou seja,

seria necessário que a vítima fosse obrigada a se prostituir), colacionando nesse

sentido fartas doutrina e jurisprudência e registrando que, como no presente caso

as vítimas foram unânimes em declarar que não eram obrigadas a se prostituir, a

conduta do indiciado é atípica; atipicidade da conduta do indiciado no que diz

respeito ao delito do artigo 230 do CP, eis que demonstrado nos autos que ele

não participava diretamente dos lucros da prostituição alheia; ausência de indícios

da prática da conduta tipificada no artigo 231 – A do CP, tendo em vista as

declarações uníssonas das vítimas no sentido de que foram para São Paulo por

meios próprios e por livre e espontânea vontade.

Diligências realizadas:

• Análise das cópias do Auto de Prisão em Flagrante;

• Oitiva de Lorisvaldo Pereira de Jesus em Audiência Pública realizada

em data de 04/07/2013 (depoimento reservado, nos autos da CPI).

O fato foi apurado, processado e julgado, respectivamente, por intermédio

do Inquérito Policial n. 07/2013 1ª. DHPP/SP e Processo n. 0023295-

62.2013.8.26.0050 - Foro Central Criminal Barra Funda, DIPO 3 – Seção 3.1.2.

Sugere-se o arquivamento do caso por incompatibilidade do mesmo com o

objeto da CPI, eis que não há nos autos do inquérito policial em questão qualquer

indício do delito de tráfico de pessoas dos artigos 231 ou 231 – A do CP.

13.24. CASO LINDSEY

Lindsey Marilyn Silva Larson perdeu o poder familiar que exercia sobre

suas duas filhas adolescentes, de nomes Carla Rafaela Cattneo Larson e Micaella

Cattaneo Larson. Existem indícios de que o genitor das adolescentes – Miguel

Angel Cattaneo Nin – estaria adotando providências na via judicial, com o objetivo

de obter a guarda das filhas, contra a vontade das mesmas, muito provavelmente

para se desonerar de encargos de pensão alimentícia (segundo consta, existiria

ordem de prisão em aberto contra o genitor em função de dívidas dessa natureza)

e, num segundo plano, promover uma exploração laboral ou sexual das filhas.

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Providências tomadas pela CPI

Foram realizadas as seguintes diligências:

• Oitiva de Lindsey em Audiência Pública realizada em data de

06/12/2012;

• Juntada de documentos relativos ao caso (cópias de peças

processuais) nos volumes n. 23, 26 e 39 do processo ostensivo;

• Oitiva do advogado Hamilton Jesus Vieira Pereira, em termo de

depoimento colhido pelo signatário em data de 23/04/2013;

• Análise dos documentos e cotejo das informações.

Ainda de acordo com o relatório, a guarda das adolescentes foi concedida,

por ordem judicial (de primeiro grau de jurisdição), à guardiã Sandra E. da S.

(conforme acórdão do Tribunal de Justiça/RS datado de 17/10/2012, arquivado na

pasta de n. 23 dos arquivos da CPI), que seria Conselheira Tutelar em Porto

Alegre/RS. Esta decisão foi posteriormente revertida pelo TJ/RS, via recurso de

Agravo de Instrumento (Agravo n. 700511662659, acórdão mencionado).

A Sra. RUBIA ABS, Diretora de Justiça da Secretaria Estadual de Justiça e

Direitos Humanos (RS), firmou o ofício n. 16/13, recebido pela Secretaria da CPI,

trazendo anexo o ofício n 71-2013-RSnaPAZ/RS, veiculando a informação, em

síntese, de que Lindsey não teria registrado ocorrência em qualquer repartição

policial do Estado do Rio Grande do Sul sobre os fatos e que, portanto, os

mesmos não haviam sido investigados, muito embora o Decreto – Lei n.

3689/1941 – Código de Processo Penal determine, em seu artigo 5º, I, que em

crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício. Registre-se,

nesse ponto, que se está diante da virtual possibilidade da prática dos crimes dos

artigos 230, 234, 237, 239, 244 – A, todos da Lei n. 8069/1990 – ECA, cujo artigo

227 preceitua que os crimes definidos naquele Diploma Legal são de ação penal

pública incondicionada.

A CPI colheu diversos depoimentos que passamos a relatar.

DEPOIMENTO DA SRA. LINDSEY MARILYN DA SILVA LARSON -

Depoente.

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Tendo em vista os relatos e os detalhes mencionados pela depoente,

passamos a transcrever, na íntegra, os trechos principais do depoimento:

“Boa tarde, Deputado. Boa tarde, Deputado Oliboni, Secretária. Boa tarde a

todos vocês.

Bem, eu tenho duas filhas. Na verdade, tenho três filhas. Mas tenho duas

filhas que não estão comigo agora, porque foram tiradas de mim de forma ilegal

pelo Conselho Tutelar de Porto Alegre no dia 13 de dezembro.

Eu tive uma discussão aqui na Casa com o Deputado Carlos Gomes, onde

a gente discutiu por conta de documentos, porque essas pessoas que entraram

no Conselho Tutelar trabalhavam com ele até aquele momento e elas utilizaram

documentos da entidade em que eu sou presidente, porque elas necessitavam de

ter passado por uma entidade filantrópica que fosse forte para poder entrar. E eu

exigi que me devolvessem a documentação, porque eu disse: “Olha, eu posso me

envolver em alguma coisa e depois não vai ficar bom pra mim e tal”. Enfim,

naquele momento, ele disse que conversaria comigo então no partido. Eu fui até o

PRB, naquele dia, e ele disse: “Não. Vai dar tudo certo”. Eu falei: “Tá, mas as

Meninas foram na escola e levaram. Aonde estão?” Ele disse: “Estão num lugar

seguro”. Eu falei: “Aonde?”

Ele sabia de toda a minha história. Eu vivia sozinha com os meus filhos,

porque há muitos anos a gente se encontrava em imprensa e tudo, muito antes de

ele ser Deputado. Foi apresentado pra mim por outros Deputados. Então, eu

disse:

“Tá, eu quero saber onde estão minhas filhas”. Ele: “Num lugar seguro”.

Fui até o Fórum Central. Já era noite. Quando eu cheguei lá, disse que gostaria

de fazer busca e apreensão, apresentei o documento de guarda das minhas

filhas, que eu não sabia onde estavam, mas que o Deputado saberia. Ele, então,

entrou, foi na outra sala, veio um outro procurador, olhou pra mim e aí se olharam,

ele foi no telefone, na minha frente, ligou para o Conselho, falou com o Rivelino,

Isabel Cristina. Eles estavam no viva-voz, na minha frente, sem nenhuma

cerimônia, ele disse: “Vocês disseram que era só pegar as meninas. A mulher

está aqui cheia de documentos. E agora?” Aí falaram mais alguma coisa, veio até

mim e falou: “A senhora vai embora. Faça um registro na delegacia”. Eu falei:

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“Aqui não é o Fórum? Eu tenho a guarda. Eu já registrei. Minhas filhas foram

tiradas de forma... sem nenhum documento judicial, por coisa nenhuma, por uma

história inventada”.

Fui até a delegacia. Fiz um novo registro, voltei pro Fórum, esperei mudar o

plantão. A outra procuradora que estava lá olhou pra mim como se já me

conhecesse e disse: “Ah! os documentos que você tem nem vai dar para fazer

nada. Isso não é hora de estar aqui. São 3 da madrugada. Vai ficar dormindo

aqui? A gente tem mais o que fazer”. Eu falei: “Tem sim. Tem que pegar minhas

filhas, porque eu não sei onde elas estão”.

Enfim, fiquei até de manhã dentro do Fórum, esperei a juíza, que era a

doutora com o sobrenome Azambuja. Pedi, então, para que fizesse o deferimento

pedindo a busca e apreensão das minhas filhas. Fiquei de 5 da manhã até 5 da

tarde. Quando estava terminando o plantão do Fórum, ela deferiu contra, que não

iria fazer busca e apreensão.

Paguei, então, uma pessoa. Fui para casa, procurei algumas pessoas,

paguei umas pessoas que descobriram que minhas filhas estavam numa área de

prostituição, na Avenida Farrapos, aqui em Porto Alegre. Voltei ao Fórum,

informei o endereço. Mesmo assim não quiseram registrar e ainda me trataram

muito mal: “Você de novo aqui?”

Eu fui embora e fui, então, ao Ministério Público. O Sr. Glauber do quinto

andar da Vara da Infância ligou e disse: “Olha, vou fazer uma coisa que não é

típica”. Ligou para o Rivelino, Conselheiro, e Isabel Cristina e disse o seguinte: “A

mãe está aqui. Ela está bem nervosa. Ela disse que vocês pegaram as meninas e

levaram para uma área de prostituição”. Ele disse: “Essa mulher é louca. A gente

tem laudo, inclusive do CAPS — que são pessoas que estão envolvidas nesta

história —, ela é doente mental e tem graves problemas mentais. Inclusive, a

gente gostaria que chamassem uma ambulância para que ela fosse internada”.

Ele disse: “Olha, a referência que nós temos dela aqui não é desse tipo de coisa.

Ela trabalha com criança e adolescente. Ela tem bastante processo aqui, mas em

prol das crianças e não contra elas. Pode dizer onde as meninas estão?” Então,

ele disse: “As meninas estão morando no CAPS”. Que é uma clínica aqui perto na

Cidade Baixa. Eu disse: “Elas não estão no CAPS. O CAPS está envolvido nesta

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história. Eles estão mentindo”. Então, eu falei para ele o seguinte: “Pergunte onde

as meninas estão”. Ele disse: “As meninas estão morando lá”. Eu falei: “Sou

Conselheira, sou do controle social, inclusive o Oliboni acompanhou, fiz vários

trabalhos com ele, e sei que lá o atendimento é de 8 às 18”. Então, ele disse pra o

Sr. Glauber, que era o agente: “Se essa história que ela está falando for verdade,

vocês vão ser implicados nisso”.

Então, enquanto falava com ele, meu filho ligou e disse: “Mãe, o pessoal do

Conselho entrou aqui junto com o CAPS, revirou todas as nossas coisas e me

levou até o CAPS, machucou meu braço e disse que, se eu não dissesse que tu

me bate, que me agride, que eu ia tomar remédio e ficar bem dopado igual a

Micaella”. Eu falei: “E Micaella?” “Estava junto com eles. Eles reviraram suas

coisas e levaram roupas e coisas das meninas”. Aí, o Glauber falou: “Você quer ir

lá?” Eu falei: “Não, eu vou registrar”. E aí disse para o meu filho que trancasse a

porta com um ferro atrás e prendesse (...)

Então, fui correndo pra lá. Quando cheguei, eles não estavam mais lá.

Depois, no outro dia, voltei ao Ministério Público e informei o endereço, porque

paguei um senhor que fazia frete e trabalhava naquela região, paguei 100 Reais,

e ele descobriu que as meninas estavam com o pai biológico, que é estrangeiro,

mas eu não convivia com ele, me separei, só tive os filhos, um relacionamento em

que eu só engravidei. E era uma pessoa que não era legal.

Aí, eu disse: “Como com ele? Ele é proibido de ficar com minhas filhas e tal”.

Enfim, corri lá, dei o endereço, e ele disse: “Olha, ela está dizendo que as

meninas estão aqui. Se elas estiverem lá mesmo, vai ter problema”. Não teve

problema nenhum. Eu fui para o Fórum, depois desse registro que ele fez, e pedi

busca e apreensão.

Enquanto eu estava lá, isso já era por volta do dia 15, apareceu o pai

biológico com uma das meninas vestida de short muito curto, roupa que elas não

tinham hábito de vestir, mostrando parte dos seios, parte do bumbum, e eu falei:

“Por que minha filha está vestida dessa maneira? Por favor, devolva agora a

minha filha”. E a juíza Elisa Carpim disse assim: “Eu já sei que você é uma louca,

violenta e destrambelhada”. Eu falei: “Eu não sou nada disso. Como a senhora

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pode afirmar? A senhora é médica? Agora, eu tenho um laudo médico, então, de

uma juíza? Não se pode fazer isso com uma mãe. Ninguém tem esse direito”.

Fomos embora, porque, então, ela disse para eu ir, que ele iria ficar ali. Fui

embora para casa pegar documentos. Estava organizando tudo para poder

retornar ao Fórum e, quando mexi no teclado, tinha um recado no computador da

minha filha: “Mãe, me pega na igreja, que eu vou tentar fugir. Nós somos

mórmons”.

Tinha uma festa de Natal na igreja. Fomos até a igreja. Quando cheguei lá

com o meu filho, estava uma das meninas, a mais velha, Micaella, com uma

senhora chamada Lucena, uma senhora que eu sei que mora na Cidade Baixa. E

ela disse: “Mãe, ela vai me trazer aqui de noite. Me pega aqui. Eu vou ficar ali na

frente”. Isso era meio-dia, eu fiquei ali esperando. Ela disse: “A gente vai voltar,

porque eu disse que é comemoração, e nós vamos estar aqui”.

Então, ela não conseguiu trazer a irmã com ela, só veio a Micaella. A

Micaella, quando chegou, depois desse horário que eu falei com ela, ela não

ficava em pé direito, e o nariz estava bem machucado e da boca escorria um

líquido branco. E não falava. Ela falava com voz embolada: “Mãe, eu não consigo

ficar em pé. Eu vou ficar lá na frente, enquanto eles estão ali, e você me pega.

Você não vai conseguir, né?” Eu falei: “Eu vou”. Então, quando saí fora, peguei a

minha filha pelo braço, agarrei ela forte e mandei o meu filho correr na esquina e

pegar um táxi.

Enquanto meu filho corria, essa senhora, a Lucena, chamou muitas

pessoas: “Agarrem essa mulher, ela é doente mental, isso é um caso de

Conselho Tutelar. Peguem ela”. E eu saí correndo. Foi uma coisa

cinematográfica, assim. Saí correndo, entrei no táxi, que meu filho, de 10 anos,

chamou, estava logo na esquina, entramos no táxi e fui para o Fórum Central.

Quando eu cheguei ao Fórum Central, o guarda falou assim: “Aqui não é lugar

pra... Ela está drogada”. Eu falei: “Olha, ela é uma menina, eu preciso de ajuda,

ela fugiu e eu preciso de um documento pra poder levar ela pro hospital, senão

eles vão tirar ela de mim”. E tá. Fiquei lá, a moça falou no telefone. Ela: ”Ai, não

tem como fazer nenhum registro”. Enfim, aí eu saí com minha filha dali, meio

arrastada, fui pro DECA.

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Nesse momento, em que eu fui pro DECA, fiz o registro, o policial falou:

“Olha, ela está visivelmente drogada”. Eu disse: “Micaella, alguém deu alguma

coisa?” Ela disse: “Mãe, depois de um copo de leite que a Lucena deu, eu não

conseguia mais ficar em pé. Mesmo assim, eu insisti para ir e ela me levou lá”.

Enfim, aí peguei, fui andando com ela, porque morava logo aqui também, na outra

esquina, na José do Patrocínio. E minha filha não caminhava direito, meu filho foi

andando na frente, e meu filho gritou: ”Corre, mãe, que alguém está apontando a

arma”. Vinham dois carros atrás, bem lentamente, e, segundo o meu filho, tinha

uma arma apontada. E ele gritava: “Corre, corre”.

Quando eu comecei a correr com ela, ela dizendo que não ia aguentar, tirei

os sapatos dela, joguei fora. Têm câmeras ali na frente daquele Fórum. E nós

fomos correndo. Como eu vinha contra, então, que eu vinha do Fórum e morava

na outra esquina, bem na esquina, aqui mesmo, da José do Patrocínio, sses

carros então tentaram passar por cima do encostamento que tem ali, né. E meu

filho gritava: “Mãe, não para, não para”. E eu correndo com a menina. Então, o

carro tentou subir por baixo do viaduto, porque ali então não tinha mais como ele

seguir. E nós corremos, e enquanto isso eu estava falando no telefone com uma

amiga, que inclusive trabalha aqui, contando pra ela que tinha pego a menina. Foi

quando aconteceu esse fato. Corremos, então, e ele gritando: “Mãe, ele está

encostando, ele está encostando”.

Então, conseguimos entrar dentro de casa. E a minha amiga, desesperada,

falou: “Entra em algum lugar com luz”. Eu entrei, consegui entrar dentro da minha

casa. Fiquei ali. No outro dia, eu estava então organizando alguma coisa, pra tirar

a minha filha daqui. E uma delas, foi a Micaella. Então, chegou bastante... Eu

tinha descido, deixei ela dentro da casa, fui no telefone. Enquanto isso, uma das

minhas vizinhas falou: “Lindsey, corre daqui, tem muita gente ali, tem uma kombi

e tem várias pessoas dentro, e eles disseram que querem a menina. Ou você

entrega ou eles vão dar um jeito em você”.

Nesse meio tempo, eu estava falando com o Zambiasi no telefone, pedindo

ajuda pra ele, que ele pudesse me ajudar. Ele falou: “Sai daí, sai daí”. Eu falei:

“Eu não vou sair, ela está lá dentro”. A minha vizinha foi até lá e disse: “Olha, ela

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saiu daqui com essa menina, que vocês estão dizendo, que é filha dela, e nós

conhecemos. Ela entrou num carro e foi embora”.

Então, eles ficaram como meia hora ali, minhas duas outras vizinhas deram

a volta. Quando eles saíram, eu entrei lá. Pegamos a menina, e o Zambiasi falou:

“Vai no 9º andar e fala com alguém”. E eu tive medo, porque eles mandaram uma

mensagem pro meu telefone justamente dizendo que estavam no 9º andar, o

assessor do Deputado Carlos Gomes, junto com o pai da minha filha. Então, eu

disse: “Não, não vamos prá lá”. Ele disse: “Então, entra no Fórum e faz um

escândalo, pra poder ter uma audiência”.

E foi o que fizemos. Só que eu, minha filha e o meu filho, quando vimos a

menina, ainda vestida também com roupas assim, nós agarramos, nós três nos

agarramos. E foi uma confusão, centenas de pessoas foram àquele andar. Só que

a juíza, que era a Elisa Carpim, ela disse: “Ah, é aquela louca, que está aí

dizendo que quer as meninas. Você não vai pegar. As meninas foram

violentamente machucadas”. E pegou a Micaella e disse que Micaella era doente

mental. E a minha filha falou: “Olha, vocês estão inventando essa história pra

poder afastar a gente da nossa mãe”.

E essa história se prolonga até hoje, pelo seguinte: porque a Elisa Carpim

mandou eu ir até minha casa —, exigiu, inclusive, que eu fosse até minha casa —

, senão não ia levar as meninas. Enquanto eu fui para minha casa, cheguei lá, a

casa estava aberta, com tudo revirado. Eu voltei, fui à farmácia, peguei

medicação, voltei para o Fórum e minha filha já não estava mais lá. Eu disse... O

guarda: “Não precisa subir, a menina não está mais aqui”. E eu falei: Cadê minha

filha? “Ah! ela mandou de volta com o pai”. Eu falei: “Mas eu mostrei as provas, e

a minha filha falou que é tudo mentira”. Aí ele: “Pois é, mas ela disse que é ela

que decide”.

Aí, enfim, nesse meio tempo, no outro dia, ficamos dentro do Fórum. Então,

no outro dia, trouxe a menina, às 9 horas, teve uma audiência. E nessa audiência

ela disse o seguinte: “Você é doente mental, precisa de um tratamento de 30 dias.

Nesses 30 dias, eu vou dar a guarda das suas filhas para minha amiga,

que é a Sandra, ela trabalha em um abrigo — até então eu não sabia que era o

Pão dos Pobres —, vou dar a guarda para a Sandra, que trabalha no Pão dos

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Pobres”. Ela não falou Pão dos Pobres, falou só amiga. “E eu também vou

receber a vó delas, que é a vó biológica, que também disse que é melhor as

meninas ficarem em algum lugar”. Eu falei: “Gente, olha, parece uma coisa de

cinema. Eu tenho uma história de vida e ninguém está levando isso aqui em

conta. Você está fingindo que não me escuta”. E ela, enfim, levou as meninas. Eu

fiquei 30 dias sem contato, sem saber onde estavam. Até que então recebi um

telefonema da (...)

Eu não sei onde ficaram nesses 30 dias. Eu sei que eu fiquei sem saber

onde estavam durante 30 dias e ela também apreendeu todos os telefones que

meus filhos tinham ali na hora, das meninas e meu. E sem nenhum contato

telefônico. Aí eu falei: “Por favor, não faz isso comigo. É o Natal, está chegando o

Natal. Nós somos uma família. Minha filha chorou” (...)

Tudo começou no dia 13 de dezembro do ano que passou. Treze de

dezembro do ano que passou. Então, nesse período, eu fiquei sem ver as minhas

filhas, sem nenhum contato, depois, tive o contato então do Pão dos Pobres, e

passei a ir. Em 20 dias, elas marcaram só final de semana, eu tinha que ser

monitorada, elas estavam sempre acompanhadas, cada uma com dois

seguranças. Eu não podia me aproximar muito e não podia conversar com elas

muito, só olhar ou falar algumas coisinhas.

Um dia, eu cheguei, então, e minha filha estava muito machucada. As

pernas estavam sangrando. E eu falei: “O que aconteceu?” Ela: “Mãe, aquele

homem ali me enforcou, disse que estava só brincando comigo e ficou me

encostando no corpo dele”. E eu fiquei nervosa, porque elas têm essa idade, mas

eu dei uma criação de criança e de adolescente para elas, e não dessas meninas

que andam soltas. “Mãe, e ontem à noite a gente ficou até às 4 da manhã no

Baile da Restinga. A Sandra mandou a gente colocar shortinho. Eu disse para ela

que a gente não tinha o hábito de usar esse tipo de roupa”. Ela disse: “Mas quem

manda agora sou eu. Eu decido o que vocês fazem”. Então, ela foi para o Baile da

Restinga, ficaram até às 4 horas (...)

Então, eu fiquei lá esperando a Sandra e disse: “Sandra, as minhas filhas

não estão acostumadas com esse tipo de situação, não leve mais elas”. Ela:

“Quem decide sou eu. Eu tenho a guarda”. E riu. E minha filha disse: “Mãe, hoje

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esse homem me enforcou e me encostou o corpo dele. Como eu esperneei, ele

me enforcou até eu desmaiar”.

Aí, então, eu fui para a casa, tentei falar com o advogado. Nenhum

advogado... Todos que eu tentava eles não queriam a situação, quando falavam

com alguém se afastavam. Eu, então, consegui o Dr. Hamilton, que resolveu

assessorar. E ele então falou: “A assistente social ligou e disse que a partir de

hoje você não vê mais suas filhas, não têm direito à visita e eu vou conversar com

Klinger, coordenador da FASE, e ele vai tirar sua pátria e poder”. Eu falei: “Quem

tira pátria e poder não é a Justiça?” Ela disse: “É, mas a gente faz também essas

coisas”. Eu falei: “Você não pode fazer isso, eu não sou uma criminosa, você está

afastando meus filhos de mim. Eu estou sendo punida por uma coisa que eu não

fiz. O que aconteceu? Me devolve”. Ela: “É, você vai ficar querendo”. Aí eu disse

para ela: “Meu telefone está grampeado”. Ela disse: “Ah! é mesmo. E daí?” E

desligou o telefone.

Eu não pude mais ver minhas filhas. Eu ia lá para a porta e não conseguia

mais ver. O segurança, todo mundo já me conhecia assim, porque eu chegava ali

e podia ser qualquer um que não tinha me visto. Eles sabiam que era eu. Então,

fiquei nessa situação de três semanas, sem poder me aproximar dali. Eles

chamaram polícia e tudo. Eu não podia me aproximar. Minha filha então chorava

bastante.

O advogado conseguiu, depois de muita briga, que eu tivesse visita às

minhas filhas aos domingos, mas nunca voltar pra casa. Passaram-se então 8

meses até então. A minha filha disse para mim em uma das visitas: “Mãe...”. A

minha amiga então era uma senhora de idade, se mudou ali pra frente, ela tinha

uma condição financeira boa, para vigiar as meninas. E ela disse: “Lindsey, tem

um pessoal lá visitando as meninas”. Eu liguei para Sandra imediatamente:

“Sandra, quem é que está visitando as meninas?” “Ah! Uns amigos”. Eu falei:”

Não, eu não quero amigo visitando, eu sou a mãe delas”. “Eu tenho a guarda, eu

faço o que eu quero”, falou a coordenadora do abrigo. Então, eu fui até lá.

Micaella disse: “Mãe vieram uns chilenos aí, uns estrangeiros me visitar. Eu disse

para ela que eu não ia passear com eles. Ela disse que ela que mandava”. Elas

não foram, porque fizeram bastante birra, espernearam e disseram que não iam

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passear. E todo final de semana então ela marcava horários para mim diferentes,

e essas pessoas iam visitar minhas filhas — pessoas que eu não faço a mínima

ideia de quem seja.

Até que então teve audiências que eu não fui chamada, só com Elisa

Carpim. E eu disse: “Doutora, me devolve minhas filhas”. E ela falou: “Ah! Tá, eu

vou te devolver no dia de são nunca”. Eu falei: “A senhora é uma juíza, não pode

falar assim comigo”. Ela disse: “Eu posso, eu posso fazer o que eu quiser,

inclusive tirar suas filhas”. Eu falei: “Não, a senhora não pode. A senhora está

cometendo um crime contra mim. Eu sou uma mãe”. E a coisa foi se agravando.

O Tribunal de Justiça me devolveu a guarda das meninas, mas ela não, vai

contra o Tribunal de Justiça. E aqui ela diz que não me dá um Termo de Guarda.

Como ela pode ir até contra o Tribunal de Justiça? Eu queria entender, eu sou

leiga. Eu quero entender se ela tem esse poder de ir contra uma decisão do

Tribunal de Justiça (...)

Então, isso vem acontecendo. A Dona Cristina Isabel ligou para mim

inúmeras vezes pra dizer: “Não adianta você estar pedindo pra fulano e cicrano.

Eu conheço muita gente. Todo mundo aqui conhece muita gente”. Aí eu disse:

“Então, tá, Dona Isabel, a senhora então que sabe”. Porque eu conheci ela aqui,

no gabinete, e nunca imaginei que ela pudesse fazer algo assim comigo. Eu só

pedi o papel (...)

Ela trabalhava, antes de entrar aqui no gabinete do Deputado. Eu conheci

todos eles aqui. Antes de tudo isso, assim, eu pensei que nós éramos todos

conhecidos, uma espécie de amizade, não é? Pelos anos que... Quando ele

precisava do ônibus de doação de sangue, eu, como conselheira, intervia junto ao

Secretário.

Então, em nenhuma das reuniões do Conselho Municipal de Saúde, pelo

qual eu fazia parte até então — solicitei meu afastamento —, o Secretário estava

presente. E eu já tinha falado com ele sobre o fato, e ele me mandou uma carta

dizendo que tinha sido investigado e que nada era real. Na frente de todas as

pessoas, eu gritei porque eu já estava realmente emocionalmente abalada. Eu

disse: “Secretário, o senhor está junto com essas pessoas fazendo isso com uma

mãe de família?” É o Secretário Adjunto do Município. E ele ficou bastante

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nervoso. No meio da reunião, ele levantou, sentou, levantou, sentou, pegou o

telefonema e então mandou um e-mail para mim no outro dia dizendo que não

tinham sido bem apurados bem os fatos, mas que ele ia resolver, que não falasse

mais com ninguém.

Eu falei: “Eu vou abrir a boca, eu vou gritar na rua, se for caso, quero

minhas filhas de volta”(...) Essa é de agora, é recente. Faz menos de 30 dias.

“Defiro antecipação da tutela para revogar a guarda concedida pela Magistrada —

para Elisa Carpim — à Sandra — que é Coordenadora do Abrigo — em favor da

genitora — que sou eu —, Lindsey, propriamente”(...) Foi um acórdão da

7.ªComarca, 7ª Câmara do Tribunal de Justiça, o Desembargador Sérgio

Fernandes de Vasconcellos Chaves, presente o Ministério Público, que também

ficou de acordo (...) O Ministério Público, em caráter de urgência, fez, então,

aquelas avaliações sociais. E na avaliação social... Ela fez toda a avaliação e, no

momento de escrever, ela botou coisas que iriam contra mim, dizendo que eu era

uma pessoa destrambelhada, doente, perturbada e que não teria condições de

ficar com minhas filhas. Só que ela esqueceu que meu advogado deixou comigo o

celular dele, ligado, e gravou tudo o que nós conversamos. O desembargador

escutou essa conversa e, por isso, me devolveu a guarda das meninas. Não tinha

nada do que ela escreveu ali. Ela botou uma coisa totalmente... Ela é esposa de

um juiz, essa assistente social que fez essa questão social. Ela inclusive deu a

entender que iria tirar o meu filho também.

Então, eu disse pra ela: “Vocês... Minhas filhas ficaram no Pão dos Pobres.

Os profissionais que estavam lá machucaram ela, tentaram abusar delas, deram

chutes, pontapés, onde elas foram pro hospital, machucadas. Eu que sou

mãe(...)Vocês inventaram que eu tinha machucado e espancado.”

Então, nós tivemos uma audiência onde... Nessa audiência, que eu e

minhas filhas planejamos pra eles poderem estar lá, ela disse: “Presente a autora

Lindsey, as meninas, o defensor Dr. Hamilton...,” “Presentes as meninas, onde

elas afirmam que a mãe nunca machucou, nunca espancou, e que elas têm um

ótimo convívio com a mãe.” Não foi nessa denúncia, feita pelo Conselho Tutelar e

o próprio pai... Não compareceu ninguém. A juíza disse: “Olha, isso é uma

palhaçada. O que está acontecendo aqui? Tem alguma coisa errada aqui.” Eu

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disse: “Não, inventaram queeu bati nelas, pra poder tirar...” Ela disse: “Eu vou te

liberar disso daqui. Suas filhas estão aqui, desesperadas pra ir embora.” As

meninas disseram: “Eu posso ir embora agora?” Ela: “Não, quando sair a

degravação, você mostra isso aqui e vocês saem.”

Então, a Elisa Carpim não tinha mais isso daqui contra mim; então ela

disse que eu era doente mental. Eu tenho aqui uma avaliação psicológica, um

perfil psicológico meu, que foi feito particular. Porque todos os dela diziam que eu

sou extremamente louca, uma pessoa que foi indicada ao Prêmio Direitos

Humanos no Rio Grande do Sul, que recebeu méritos e medalhas por trabalhar

com o ser humano, em favor do ser humano. Eu fazia qualquer coisa, a ponto de

me deitar... A imprensa... O próprio Diário Gaúcho, a RBS... Cansei de, muitas

vezes, deitar no meio da rua, parar trânsito pra que não faltasse medicação.

Entrei com um processo, que durou 3 anos, para que eu conseguisse convênio

médico pras crianças. Como é que uma mulher dessas, mãe, batalhadora pelos

filhos de repente virou um monstro e uma louca? Eu tenho laudos psiquiátricos

que foram feitos diferentes da situação.

Minhas filhas estão sendo colocadas numa situação pra serem levadas pra

prostituição, pra qualquer outra coisa, menos pra ficar com alguém. Então, eu

quero ajuda. Elas estão desaparecidas... Desaparecidas, não; elas fugiram.

Fugiram, deixaram cartas. Tem uma gravação onde ela diz que foi dopada, que

estava presente a Isabel Cristina. A Silvia dizendo: “Vamos dar doses maiores pra

elas.”

Então, eu quero providência nessa situação, porque a guarda me foi dada

e ela está fazendo de tudo...Todo mundo fala: “Não, isso que você está contando

é uma história meio mirabolante.“ Mas está tudo documentado, está tudo

comprovado. Não é nada que eu estou inventando, da minha cabeça. Então,

assim... Você olha o processo em você diz... Os meus vizinhos fizeram abaixo-

assinado e ela disse: “Isso daí pra mim não vale nada”. Eles registraram em

cartório. Ela quer as meninas.

Foi polícia atrás de mim. Em todos os lugares que eu estava foi polícia,

foram pessoas. Lá, onde eu estou agora, todas as pessoas acham que sou uma

criminosa. Foi gente, na minha porta, de madrugada; homens, atrás de mim.

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Foram quatro homens, de madrugada, quase botaram minha porta abaixo.

Revistaram a casa, atrás das meninas. Lá, no Ministério Público de Caçapava, a

Procuradora disse pras conselheiras de lá: “Se afasta desse caso!” Eu disse: Eu

não acredito. Eu estou pedindo a sua ajuda. Eu vim pra outra cidade e a senhora

está mandando as conselheiras se afastarem? As conselheiras da região que eu

moro não querem me ver nem pintada de ouro. E ela: “Lindsey, Lindsey, pelo

amor de Deus, não procure a gente”. Ela falou desse...: “Não procure a gente, por

favor.” A procuradora disse pra elas, na minha frente: “Se afastem desse caso”.

Usou desta forma: “Se afastem desse caso. Existe muito cachorro grande nessa

história”.

Eu não sou cachorro grande, eu sou uma mãe. Se existe cachorro grande

é por trás, tentando pegar duas mocinhas pra fazer algo de muito errado, porque

ninguém briga, pô... Há muita criança pela rua aí, precisando que alguém brigue

por elas dessa forma, que corra atrás delas. Quem quer minhas filhas? Então, eu

não sei mais o que fazer(...) A Sandra, assistente social, enforcou uma delas,

tentou enforcar uma delas porque nessa audiência ela disse: “Eu tinha combinado

com vocês, antes de sair, que não podiam falar nada. Era pra deixar a gente falar.

Aí você foi lá e se meteu a falar, dizendo que queria ir embora pra casa.” E minha

filha disse: “Mãe, ela pegou e me encostou contra a parede, com toda força, eu

bati minha cabeça. E ela disse: ‘Você não devia ter falado”(...) Tinha uma amiga

minha, que morava também, que se mudou pra frente do Pão dos Pobres pra

vigiar minhas filhas, até a gente conseguir tirar de lá. Ela faleceu agora, faz 1

mês. Entrou num grau de depressão muito grande porque ela concluiu, pelas

pessoas que estavam indo lá, que minhas filhas estavam provavelmente sendo

encaminhadas pra alguma situação(...)

Até porque as pessoas que iam visitá-las eram homens(...) Elas mandaram

uma carta, recentemente. Uma, não, mandaram várias cartas pro Dr. Hamilton

dizendo que estavam bem. Mandaram gravação dizendo que estavam bem,

dizendo que eu não falasse com qualquer pessoa, porque há muita gente

envolvida — até dentro do Fórum(...) Eles tinham informação do Facebook, de

conversas. Os nossos telefonemas, eles sabiam o que era conversado(...)

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Depois, enviaram cartas e depois mandaram essa gravação. Eu sei que

elas estão bem(...) E nem procuro saber, porque sei que, se perguntar onde elas

estão, eles vão pegá-las. Até porque um Vereador da cidade mesmo estava

conversando comigo quando, de repente, apareceu um carro, dando voltas ali, e

perguntou se sabia onde morava Lindsey(...) A princípio, acho que o Carlos

Gomes se envolveu na história pra me pegar de alguma maneira, porque ficou

bravo, porque usei a frase para ele: “Eu não tenho rabo preso com ninguém. Você

tem.”

Então, talvez, porque eu toquei no ego dele de alguma maneira e ele quis

mostrar poder, quis mostrar força(...) Mostrei essas mensagens para a Doutora.

Não sei se dá para escutar. “(...) falou pra escrever algumas coisas, pra não

esquecer de nada, pra deixar tudo bem pontuado pra poder falar agora. Oi, mãe.

Espero que esteja tudo bom com você e com o Charles. Quando escutar essa

gravação, quero que a senhora grave ela com você. E quero que a senhora tenha

a certeza de que a gente está bem e que a senhora tome cuidado com Miguel

porque ele estava pretendendo vender a gente pra um amigo dele essa semana.

Olha, mãe, abra o olho, porque tem muita gente envolvida nisso. Tome muito

cuidado com o que vai falar. É... Só quero falar, só quero falar que tudo vai ficar

bem. Mãe, fugimos. Mãe, nós fugimos do Pão dos Pobres. Nós fugimos, sim. E

não vamos contar para ti onde a gente está, porque senão eles vão querer vir

atrás de ti. Quero que tu te cuides, que cuide do Charles, cuide de todos os

nossos amigos, pelo menos dos que restaram.

E eu também queria dizer, gostaria de dizer para quando tu resolver tudo

para postar no seu Facebook, porque a gente vai saber. Com toda certeza, a

gente vai saber. E, se possível, lê o processo para ajudar a gente tirar o nome

desse homem, desse nojento, porque dele a gente não quer nada, nem mesmo o

nome, pra que não exista vínculo com um mau caráter como ele. Ah, estou

falando do Miguel, caso ninguém saiba que o mau caráter é ele. Mãe, eu estou

morrendo de saudade de ti, dos missionários, da igreja, das tuas comidas

malucas e estranhas. E eu espero não ter que mais 1 ano ficar sem férias, como

as nossas férias divertidas eram, ficar sem um Natal, manter um Natal em família,

porque já não basta o ano passado. E não poder estar em casa neste ano,

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também, vai ser um tristeza não está no Natal perto de vocês. Mãe, não sei se tu

te lembras da Isabel Cristina e da Iraildes, aquelas do Conselho de Porto Alegre.

Elas pegaram um bebê lá no Hospital Fêmina. Ela disse que era filho do marido

dela. E o Hospital é bem conivente com isso. Eles pensaram que tinham me

dopado, mas eu escondi os remédios. Eu estava ouvindo tudo que eles falavam.

Eu joguei os remédios fora e fingi que estava dormindo. Mãe, se cuida, porque o

bolo, te cuida, porque toda (ininteligível) está fedendo e está podre — desculpe o

linguajar, é porque ela é adolescente — e porque eles estão envolvidos até o

pescoço com essa coisa de tráfico de criança. É, minha mãe, eu quero te dar um

beijo. Estou te mandando um beijo, porque eu te amo. Eu queria agradecer muito

o Dr. Hamilton, que está ajudando muito a gente, os doutores advogados. E eu te

amo, amo o Charles. Eu quero logo poder voltar, ter férias...”

Sugere-se o arquivamento do caso no âmbito da CPI, pela ausência de

correspondência entre o caso e o objeto da Comissão.

13.25. CASO DA PORTUGUESA SANTISTA

Trata-se de suposto caso de tráfico de pessoas com redução a condições

análogas as de escravos, em que figuram como vítimas jovens aliciados em

estados da Região Norte do país e transportados para alojamentos de

responsabilidade do clube de futebol Portuguesa Santista, onde supostamente

seriam mantidos em condições degradantes de acomodações, vestuário e

alimentação. As vítimas contavam com idades que variavam entre os 14 e os 16

anos e eram levados para o clube em questão com o objetivo de serem

preparados para se tornarem jogadores profissionais de futebol. A Portuguesa

Santista receberia valores pelas operações de transferência destes jogadores que

fossem revelados para outros clubes.

Providências do caso:

A CPI realizou as seguintes diligências:

• Juntada de cópia de decisão judicial às fls. 177/205 do volume n. 25;

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• Juntada de correspondência oriunda da presidência da Portuguesa

Santista às fls. 21/145 do volume n. 33 do processo ostensivo;

• Oitiva de José Ciaglia, Presidente da Associação Atlética Portuguesa,

em audiência pública realizada pela CPI em 21/03/2013;

• 14.2 – existência de ação judicial/inquérito policial, e respectivos

números e Varas judiciais/Delegacias policiais em que tramitam:

• 14.2.1 – processo n. 565/11 da Vara da Infância, Juventude e Idoso de

Santos, cujo objetivo foi avaliar as condições de sobrevivência de

atletas menores.

Estas são as informações relativas ao caso.

13.26. CASO DELIVERY, NO ESTADO DO ACRE

Trata-se de operação deflagrada pela Policia Civil do Acre para desbaratar

uma rede de prostituição e exploração sexual de mulheres em Rio Branco (AC),

tendo como vítimas, inclusive, adolescentes. O Ministério Público do Acre

participou da Operação que foi deflagrada no dia 17 de outubro de 2012. A

denúncia foi protocolada na 2ª Vara de Infância e Juventude da Comarca de Rio

Branco em 21 de novembro de 2012. Os 22 envolvidos foram divididos entre

aliciadores e clientes.

Entre os supostos clientes estão empresários e pecuaristas, como Adálio

Cordeiro e pessoas influentes no estado, como o ex-vice-presidente da

Confederação Nacional de Agricultura – CNA e atual presidente da Federação e

Agricultura e Pecuária do Acre, Assuero Doca Veronez e o vereador de Rio

Branco, Fernando Martins.

O modus operandi dos denunciados consistia em identificar mulheres,

homens e adolescentes, economicamente desfavorecidos, induzi-los à

prostituição ou à exploração sexual, incitando-os, convencendo-os e atraindo-os,

mediante promessas de vantagens econômicas, para realizar programas sexuais

com os clientes, que na sua maioria, eram pessoas pertencentes aos mais

elevados estratos sociais.

Providências do caso:

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Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada de Reclamação Disciplinar ajuizada pelo MP/AC contra o

Desembargador do TJ/AC Francisco Djalma da Silva e contra o Diretor

Judiciário do TJ/AC Emerson Vieira Cavalcante, por supostas

irregularidades na distribuição de habeas corpus impetrados em favor

de pacientes presos na operação (acompanhada de diversos

documentos);

• Juntada de parecer do MP/AC sobre o mérito da reclamação

mencionada no item anterior;

• Juntada de ofício oriundo do Gabinete do Desembargador Francisco

Djalma (TJ/AC), endereçado à Deputada Antônia Lúcia, no qual solicita

o encaminhamento de cópias de todos os dados ou escritos que

envolvam referido Desembargador, para exercício do contraditório, bem

como encaminha cópias de todos os despachos e decisões prolatadas

pelo Desembargador (autuadas na sequência do ofício);

• Oitivas de Elson Santiago (Presidente da Assembleia Legislativa do

Estado do Acre), Maria da Conceição maia de Oliveira (Secretária de

Política de Mulheres do Estado do Acre), Marcela Cristina Ozório

(Promotora de Justiça do Estado do Acre), Joana D’Arc Valente

Santana (Advogada), Ilcelena de Souza Queiroz (Defensora Pública

Federal, representante da Defensoria Pública da União), Nilzon Mourão

(Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Acre), Almir

Fernandes Branco (Promotor de Justiça), Marcelo Sálvio Rezende

Vieira (Delegado de Polícia Federal), Carlos Alberto da Silva Maia

(Procurador de Justiça e Coordenador da Defesa da Infância e da

Juventude do Estado do Acre), Fábio Fabrício Pereira Silva

(Representante da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência

Social de Rio Branco, Maria das Dores de Sousa), Antônia Sales

(Deputada Estadual do Acre), Walter Prado (Deputado Estadual do

Acre), Marileide Serafim (Deputada Estadual), Mariano Jorge de Souza

melo (Promotor de Justiça) e Jocivan Santos (Representante do

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Movimento dos Direitos Humanos no Acre), em Audiência Pública

realizada em 28/02/2013, na Assembleia Legislativa do Estado do Acre;

• Autuadas cópias dos autos de n. 0500808-75.2012.8.01.0081

(Operação Delivery), tais como cópia da denúncia e cópias de relatórios

de análise e de vigilância (Volume n. 4 do processo reservado);

• Autuadas cópias do inquérito policial n. 11/2012-DECCO (Operação

Delivery) – (Volume n. 5 do processo RESERVADO);

• Juntadas cópias de petições da defesa dos acusados na operação

Delivery e de habeas corpus impetrados em seu favor (Volumes n. 6 e 7

do processo Reservado);

• Juntados os depoimentos sigilosos de Barbela (travesti) e Joana D’Arc

Valente Santana (Advogada) - Volume n. 8 do processo reservado;

• Oitiva de Adriano Macedo Nascimento Filho (preso no Acre), em

Audiência Pública realizada 09/04/2013 na Superintendência Regional

da Polícia Federal em Brasília/DF.

Muito embora algumas notícias de fontes abertas indiquem a prática de

tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual, indicando que

supostamente mulheres seriam levadas da Bolívia para o Acre para aquela

finalidade, não há, nos documentos autuados pela CPI, qualquer indício da prática

da conduta tipificada no artigo 231 do Código Penal; tanto é que, se fosse o caso,

a denúncia teria sido oferecida ao Juízo Federal de Rio Branco/AC.

Assim sendo, sugere-se o arquivamento do caso no âmbito da CPI, por

ausência de correspondência entre os fatos investigados na operação Delivery e

o objeto desta Comissão.

13.27. CASO CHARLOTTE MERRYL, NO ESTADO DE SÃO

PAULO

Trata-se do caso da Srta. Charlotte Merryl Victória Cohen Tonoud Ji, que,

tardiamente, descobriu-se na França, adotada ilegalmente quando criança.

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Charlotte tinha 14 anos quando descobriu que fora adotada ilegalmente.

Desde então vem tentando descobrir os reais fatos e personagens que compõe

sua história de vida.

Inicialmente, descobriu que a pessoa que constava em seus documentos

como sua mãe biológica e que a levara para a França não era a sua mãe

biológica de fato. Além disso, descobriu que fora retirada do orfanato Lar das

Crianças Menino Jesus, então presidido pela Sra. Guiomar Morselli.

Segundo consta, a Sra. Guiomar Morselli, que ainda hoje trabalha no

orfanato, intermediou um falso processo de adoção e foi paga para isso.

Sua real data de nascimento é incerta, constando na certidão de

nascimento ter nascido em 30/05/1987. Entretanto, exame realizado dá como

certo o seu nascimento 15 dias antes, ou seja, 15/05/1987. Consta na folha do

exame realizado que o nome da paciente seria Isabella Morselli. Em outro exame

consta o nome Charlotte Morselli. Mas na certidão de Nascimento consta o nome

Charlotte Pinto da Mota.

Durante sua infância Charlotte foi criada em um bairro nobre de Paris. Os

pais eram já idosos, a mãe era agressiva e o pai, alcoólatra. Aos 14 anos

Charlotte descobriu que havia sido comprada em um orfanato a partir de

documentos que encontrou em sua residência. Com a ajuda de instituições

francesas, conseguiu sair do lar desestruturado, fez faculdade, trabalhou e criou

condições de realizar o sonho de retornar ao Brasil. Mora hoje, aos 26 anos, no

Rio de Janeiro, é cineasta e vai fazer seu primeiro documentário sobre tráfico

infantil.

Providências tomadas pela CPI

Segundo Relatório produzido pela Delegada de Polícia Federal Tatiane da

Costa Almeida, “este caso tem por objetivo apurar o envio da então menor

Charlotte para a França, para ser adotada por um casal de franceses A ida da

menor não foi procedida do devido processo de adoção internacional, antes,

Guiomar Morselli teria usado de ardil, falsificando uma certidão de nascimento em

que fez constar que sua empregada, Maria das Dores Pinto da Mota, era a mãe

de Charlotte, a fim de possibilitar a saída do Brasil.”

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O Relatório da análise do caso indica questões relevantes: “incumbindo a

esta Delegada a análise dos fatos penalmente relevantes, cabe, inicialmente

explicar que os procedimentos produzidos em sede de Comissões Parlamentares

de Inquéritos não segue o formalismo dos inquéritos policiais e processos

judiciais, de forma que não estão disponíveis para análise todos documentos

necessários para examinar com profundidade os fatos em toda sua extensão.

Assim, a análise que ora se passa a fazer se fundamenta nos elementos

apresentado pela Comissão, os quais consistem basicamente nas oitivas

realizadas pela CPI, excertos de processos dos inquéritos sobre o caso.

Guiomar Morseli ao que consta era responsável pelo Lar da Criança

Menino Jesus, o qual funcionava desde 1985, na Av. Bras Leme, Barirro de

Santana, São Paulo/SP.

Dos indícios apurados no bojo do Inquérito Policial 1-0001/92 ela teria pelo

menos uma vez aliciado uma mulher, Maria José Pedroso, para registrar

falsamente, em seu nome, menor de idade, que fora levado para a França a fim

de ser adotado por casais franceses. Segundo esclareceu Maria José em

depoimento prestado no bojo daquela investigação, Guiomar teria se oferecido

para pagar as despesas do seu parto e uma laqueadura, a fim de mandar seu

filho Julian para ser adotado na França. Ele lhe mandou também registrar outro

garoto, Charles, como irmã gêmeo de Julian, alegando que deveria levar os dois,

porém o pai de Charles não poderia ir.

A própria Charlotte relatou que soube pela francesa Christiane, que seu

filho adotivo Raphael também teria sido registrado como seu irmão gêmeo,

aparentemente seguindo o mesmo modus operandi que no caso de Julian e

Charles.

Naquela investigação não foi possível o prosseguimento da ação penal,

haja vista que tendo os fatos ocorridos anteriormente a 1990, não havia ainda

tipificação para adoção internacional ilegal, artigo 239 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, razão pela qual as condutas se enquadram no Art. 245 – do Código

Penal (“Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia

saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo: Pena -

detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (...) § 2º - Incorre, também, na pena do

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parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo m oral ou material, auxilia

a efetivação de ato destinado ao envio de menor par a o exterior, com o fito

de obter lucro ), e já estava o crime há muito tempo prescrito.

Esta CPI ouviu o depoimento da Sra. Charlotte Merryl e realizou

acareação, conforme notas taquigráficas disponibilizadas na Secretaria da

Comissão e no site da CPI.

DEPOIMENTO DA SRA. CHARLOTTE MERRYL VICTÓRIA COHEN

TENOUD JI – Vítima do tráfico internacional de crianças

Passamos a transcrever alguns trechos importantes dos esclarecimentos

aqui prestados pela depoente:

“Então, basicamente, eu fui traficada bebê, quando tinha uns 2 meses de

vida, por uma senhora de São Paulo, que se chama Guiomar Morselli. Eu

descobri também que essa D. Guiomar já foi investigada por tráfico de criança, de

92 até 99, na Polícia Federal em São Paulo. Mas nada foi feito... Ela não foi

processada. E essa senhora, como que ela... Uma das coisas que ela fazia: ela

usava uma falsa mãe para registrar os bebês e poder viajar junto a ela, pros

países desses estrangeiros, e aí entregar as crianças no aeroporto, o que

aconteceu no meu caso.(...)

O que eu sei é que eu tenho um comprovante que eu cheguei na França

dia 20 de julho, 87. Dia 27 de julho, 87, essa Sra. Guiomar, que me traficou, abriu

uma conta bancária num banco de gestão de patrimônio lá em Paris. Tenho o

comprovante de abertura dessa conta. Aí eu não tenho acesso a quantos

depósitos foram feitos. Eu acho que isso a Polícia Federal podia rastrear

facilmente com aqueles dados daquela conta.

Eu tenho uma carta que é de 90, 3 anos depois da minha chegada, quando

eu tinha já 3 anos — porque eu fui adotada, na verdade, aos 5 anos. Eu fiquei 5

anos na casa dos meus pais adotivos em situação irregular, e finalmente eles

conseguiram me adotar na França, em 92. Em 90, a Sra. Guiomar voltou para

Paris para ajudar mais uma vez a falsificar meus documentos, e ela recebeu o

valor de 60... Hoje em dia eu acho que seria mais ou menos uns 15 mil euros.

Foram 69 mil francos, na época. Mas todos os depósitos que foram feitos desde

aquela abertura daquela conta, eu não tenho acesso a isso.(...)

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Essa Sra. Guiomar, ela tinha um orfanato que se chamava Lar da Criança

Menino Jesus, que ficava no Bairro de Santana. Mas eu não sei realmente se eu

fiquei nesse orfanato, porque não tem nenhum registro de mim nesse orfanato,

porque eu sei que essa D. Guiomar, ela me tinha na casa dela; ela não me tinha

no Lar, ela me tinha na casa dela — que eu até tenho fotos de eu bebê com uma

empregada dela, na casa dela, e outro bebê. Então, não sei se fui deixada no Lar.

Onde me pegou eu não sei. Ela, ela se recusa a falar comigo, ela se recusa a

falar onde que ela me achou, tudo.(...)

Sim, porque o que os meus pais adotivos me falaram, quando eu

perguntava, às vezes, “Então, o que aconteceu no Brasil? Cadê minha mãe

biológica?”, eles me falaram que eles tinham me achado no lixo e, porque eles

tinham me achado no lixo, não tinha documento, porque é uma criança do lixo,

então não tem pai, mãe, não tem documento. Aí, quando eu descobri os

documentos, fui falar com a minha mãe adotiva. Eu falei: “Então, aquela senhora

que aparece na minha certidão de nascimento brasileira, ela é minha mãe”. “Não.”

Ela me falou: “Não é sua mãe. A D. Guiomar, essa senhora era empregada

doméstica da D. Guiomar, e a D. Guiomar que pediu pra ela registrar você e outro

bebê como filhos dela, para poder viajar junto a D. Guiomar, para poder entregar

vocês aqui na França”.(...)

E depois eu descobri que, além disso — não era só que foi irregular —,

que, além disso, os documentos eram falsificados, porque até minha mãe me

falou que essa data de nascimento que eles colocaram, 30 de maio, não era a

minha data de nascimento. AD. Guiomar tinha falado que eu tinha nascimento dia

30 de abril.(...)

A D. Guiomar foi testemunha daquela certidão, e a D. Marisa foi

testemunha também. Tinham duas testemunhas.(...) E tinha escrito que eu teria

nascido na casa da D. Marisa, que era uma amiga da Guiomar. Só que eu já falei

com essa D. Marisa, ela falou que eu nunca nasci na casa dela, que ela não sabe

onde eu nasci, ela não sabe onde a Guiomar me pegou. Eu descobri agora, que

eu falei daquele processo que teve já contra essas pessoas, de 92 e 99, que elas

foram investigadas, porque teve duas crianças que viajaram pra

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França do mesmo jeito do que eu, em 87, que foram registradas do mesmo jeito

que eu e o outro menino, como gêmeos, nascidos de outra mãe falsa. Guiomar

Morselli de novo como testemunha, como Marisa de novo como testemunha. E

nascidos também na casa daquela Sra. Marisa.(...)

Então, segundo a documentação falsa, eu saí em julho, eu teria nascido

em 30 de maio, eu tinha uns 2 meses...(...) Ou seja, era recém-nascida, ainda

não me lembro de nada. Mas eu não sei se cheguei a ficar nesse lar, porque as

únicas coisas que eu ouvi era eu ficava na casa da D. Guiomar. E no lar não tem

nenhum registro meu que eu teria sido... Não tem um registro, por exemplo, da

Vara da Infância, que alguém teria me colocado naquele lar; não tem um registro

no lar que a minha mãe me deixou lá; não tem nada. Então, na verdade nem eu

sei se realmente eu fiquei nesse orfanato. Este é o grande mistério: eu não sei

onde a D. Guiomar me achou.(...)

O que eu acho muito estranho é como que uma senhora consegue sair do

Brasil com duas crianças, mãe de duas crianças, e volta duas semanas depois

sem criança? Não tem algum tipo de registro na Polícia Federal?(...)

Ela tinha uma amiga que tinha adotado duas crianças brasileiras, adotado

(ininteligível). Ela falou: “Como que você conseguiu aqueles bebês brasileiros tão

lindos?”. Aí ela falou: “Você fala com a D. Guiomar lá em São Paulo, e ela arruma.

Você liga para ela, você fala que quer menino, menina. Aí, quando o bebê

nascer, você vai para o Brasil”. Essa Christiane, ela viajou para o Brasil, quando o

Raphael tinha nascido, que era junho de 87. Ela me falou. Ela viajou e foi

recebida — porque eu falei com essa Christiane —, ela foi recebida na casa de D.

Guiomar. E, lá na casa da D. Guiomar, tinha um quartinho onde tinha uns recém-

nascidos. A D. Guiomar falou para ela: “Olha, tem essa menina”, que era eu — eu

tinha uma foto dessa cena, que era eu. A D. Guiomar falou: “Olha, eu não sei o

que fazer com essa menina, com esse bebê. Você não quer?”. Aí a Christiane

falou: “Não, porque eu só queria um menino, não quero menina”. “Então, você

não conhece alguém que quer?”. Ela falou: “Não sei, vou pensar”. Aí ela lembrou

que a minha mãe adotiva já tinha tentado adotar, mas, porque eles tinham muito

problemas psicológicos, meu pai era alcoólatra, usava drogas, ou seja, não

podiam conseguir de jeito legal. Aí ela ligou para ela. Ela falou: “Jacqueline” —

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que é a minha mãe adotiva — “você teria interesse nesse bebê?”. Ela falou: “Eu

não sei, porque uma criança do Brasil...” — que também minha mãe adotiva era

racista, ela não queria uma criança negra. Ela pediu: “Como é que é a criança?”.

Ela falou: “Não, é uma criança muita bonita, que o pai biológico é de origem

italiana”. Então ela falou: “Me dá uns dias para eu pensar”.

Elas ligaram de novo para a minha mãe adotiva, e aí ela falou: “Se você

não quer essa menina, eu vou levar os dois” — a D. Christiane falou isso. Aí a

minha mãe adotiva falou: “E eu fico sem nada, não (ininteligível), mas eu não vou

viajar pro Brasil, alguém tem me entregar”. Foi aí que a Guiomar arrumou esse

esquema de pedir pra empregada registrar como bebê, os bebês, aí ela podia

viajar junto com a patroa e entregar. Aí os pais adotivos não tinham mais que vir

aqui ao Brasil. E foi mais ou menos isso.(...)

Porque a mãe do Raphael, na verdade, a mãe adotiva, ela tinha combinado

com a D. Guiomar de sair do Brasil com os bebês, porque a D. Guiomar tinha a

ajuda de um juiz, que até saiu na matéria, que o marido dela falou, que era o juiz

Antônio, que ajudava, que providenciava no Brasil algumas adoções falsas.

Então, esse era o esquema. Mas porque teve depois essa história de me

mandar, que a minha mãe adotiva não podia viajar, elas arrumaram esse

esquema de viajar com os bebês, que a mãe era a empregada, tudo isso. Eu

descobri agora, quando eu desarquivei aquele inquérito de 92, que eles faziam

exatamente a mesma coisa com dois outros bebês, o Charles e o Julian. Eu

descobri também que aquele Julian foi adotado por um primo de meu pai adotivo,

que eu nunca conheci, porque eu não tinha muito conhecimento da família adotiva

do meu pai. Mas, ou seja, eles fizeram exatamente o mesmo esquema. Então, eu

penso que talvez, quando eu cheguei lá, alguém da família do meu pai adotivo

deve ter falado: “Nossa, que bebê bonito!

Então vamos fazer. Como que vocês conseguiram?”. E ligaram de novo

para a D. Guiomar. Aí me acharam bebê, e aí de novo o mesmo esquema: os

dois bebês registrados no mesmo cartório, em Tucuruvi, com as mesmas

testemunhas, Guiomar e Marisa, nascidos na mesma casa da D. Marisa. E a

mesma coisa: viajaram com uma mãe falsa, Marisa Pedroso, e entregaram lá na

França. Exatamente a mesma coisa. Mas, dessa vez, foi denunciado pelo

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Consulado brasileiro, no Consulado brasileiro lá na França, porque eu acho que

eles devem ter visto que essa senhora viajou com dois bebês para Paris e nunca

voltou com os bebês. Então, é isso.(...)

Na matéria da Record, o Sr. Franco Morselli, marido da Guiomar, falou de

um tal juiz Antônio que trabalhava na Vara Tutelar lá em Santana. (...) Mas o

que eu não entendo é que, por exemplo, quando eles fizeram a minha certidão de

nascimento falsa, eles fizeram dia 4 de julho, no Cartório de Tucuruvi; dia 10 de

julho eu já tinha passaporte. É muito rápido esse prazo. Eu acho muito estranho.

E também eu vi que no inquérito de 92 a Polícia Federal mandou rastrear os

passaportes. Eles conseguiram rastrear o passaporte da falsa mãe, mas não

acharam nenhum registro dos passaportes das crianças. Então, eu acho que...

Com certeza, devia também ter algum tipo de ajuda na Polícia Federal, porque eu

acho muito estranho.(...)

Então, um dos comprovantes que eu tenho é aquele comprovante de 90.

Em 90, a D. Guiomar viajou de novo pra França, porque ela teve que voltar ao

cartório para assinar alguma coisa sobre a minha adoção, porque eu acho que ela

assinava as coisas no lugar da D... Porque minha biológica falsa é que teve que

dar consentimento para a minha adoção, na França — que era a empregada dela,

a D. Maria das Dores.(...)

A D. Guiomar não aceita falar comigo, não aceita me dar nenhum tipo de

explicação, não aceita me receber, nada. O que a D. Guiomar tinha falado para a

minha mãe adotiva, na época da adoção, na época em que eles me levaram, é

que minha mãe tinha 19 anos, que era uma moça muito bonita, elegante e muito

alta. A única coisa que ela falou. E que meu pai era de descendência italiana.

Então, se ela conseguiu falar tudo isso, é que a D. Guiomar com certeza sabe

quem é minha mãe e quem émeu pai, porque ela deu uma descrição deles. Ela

sabe em qual dia eu nasci, 30 de abril, ela sabe a data verdadeira de

nascimento.(...)

Eu me formei, eu me formei na França, mas eu trabalhei sempre, porque,

quando eu saí de casa aos 16, fui morar num abrigo, então eles não me

sustentavam mais. Aí, até aos 18, eu ficava num lugar do governo, depois, ganhei

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uma bolsa da universidade para me formar, mas não era suficiente para eu poder

me sustentar.(...)

Eu vim morar porque eu sempre quis morar no Brasil, na verdade, porque

eu não me integrei bem na França, porque lá eu sofri muito racismo. As pessoas

me falavam na escola: “Você tem que voltar para o seu país. Por que você é

assim? Por que sua pele é assim?” A França é um país diferente do Brasil, não

tem a mesma misturadas pessoas. Então, é isto, sempre sofri muitos

preconceitos. E então eu não queria ficar lá. Eu não queria ficar lá e também não

tive uma boa experiência com os meus pais adotivos. Realmente, eu não sei

como explicar, mas eu me sentia como sequestrada. Não sei como explicar. Eu

sentia que estava nesse país, nesse lugar, mas que não era o lugar para eu estar.

Não sei como explicar. E, quando eu voltei para o Brasil, mesmo que eu não

tivesse ainda achado os meus pais, os meus pais biológicos, pelo menos eu me

sentia em paz, porque eu sinto pelo menos agora...

Eu não sou mais sequestrada, eu voltei ao lugar a que eu pertencia. O que

aconteceu comigo? Teve uma pessoa que me tirou da minha família, da minha

cidade e me entregou lá para essas pessoas. Então, é isso, eu queria voltar e

também, claro, queria falar com essa D. Guiomar, para que ela me explicasse o

que aconteceu, quem é minha mãe, onde me achou, isso.(...) Nessas coisas

tem dois lados: de um lado têm as pessoas que traficam no Brasil, mas têm as

pessoas que compram. Olha, se uma criança chega à minha casa e eu sei que

todos os documentos são falsificados, eu já penso que tem algum tipo de

problema. Não é assim que se consegue uma criança! Então, acho que são os

dois lados. Não é só do lado do Brasil, são os dois lados. E também como é que a

França aceitou legalizar essa adoção, quando ela viu que era tudo

completamente irregular? Até nesse caso dos meninos de 92, os dois meninos

que foram traficados também pela Guiomar, a Polícia Federal pediu à INTERPOL

para localizar os meninos, pediu à INTERPOL para localizar a família adotiva,

mas a INTERPOL nunca respondeu, o Consulado francês nunca respondeu.

Então, acho que são os dois lados realmente, é uma coisa bilateral.(...)

O problema é que, para quem não teria adoção no Brasil, estar aqui no

Brasil até hoje... Eu sou Charlotte Pinto da Mota, filha de Maria das Dores Pinto

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da Mota. E se meu RG... Só que eu não quero fazer RG com isso, porque essa

senhora não é minha mãe. Agora, eu estou na Defensoria Estadual de São Paulo.

Eu pedi um DNA com a Dona Maria das Dores, para poder provar que ela não é

minha mãe biológica, para poder tentar tirar ela do meu registro civil.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DAS DORES PINTO DA MOTA –

depoente.

Disse que trabalhou na casa da Sra. Guiomar um bom tempo. Que um dia,

sua patroa chegou e lhe falou: “Maria, eu quero que você registre umas crianças

para mim”. Que respondeu para ela: “Como assim? Eu não tenho filho. Como eu

vou registrar?” E ela respondeu: “Não tem problema”. Que então disse: “Então tá”.

Que não ficou sabendo o nome das crianças. Que a Sra. Guiomar não lhe falou

nada. Que ficou sabendo que era Charlotte porque ela foi até a sua casa. Que

uma equipe de reportagem foi lá e falou: “Você conhece a Charlotte?”. Que a

repórter perguntou-lhe: “Você é a mãe da Charlotte?” Que ficou assustada porque

estava em tratamento. Que tomou um susto e falou: “Charlotte? Quem é

Charlotte?” A repórter falou: “Uma que a senhora levou para a França”. Disse

então que se lembrou. Que não fez nada. Que a sua patroa foi que fez e não falou

do que estava acontecendo. Que era cozinheira na casa da Sra. Guiomar, que

fazia comida, estava lá na cozinha e não sabia o que estava acontecendo por fora

disso. Que depois de um tempo, a Sra. Guiomar a levou para tirar o passaporte e

lhe falou: “Você vai viajar comigo para levar as crianças”. Que ficou quieta, porque

não é muito de ficar especulando. Que não se lembrava mais da Charlotte,

porque foi há muitos anos (...) Portanto, quando foram lhe procurar, levou um

choque muito grande, porque não se lembrava de nada. Disse que conhece

Guiomar Morselli, Sr. Franco Morselli e Edson Morselli, sendo que não tinha muito

contato com esse último. Que ele é filho da Sra. Guiomar com o Sr. Franco. Que

começou a trabalhar com a Sra. Guiomar em 1976 e saiu em 2013, porque estava

doente e não tinha como trabalhar mais.

Disse que estudou até a 4ª série, que sabe ler e escrever pouco. Que não

tem filhos. Que registrou somente duas crianças. Disse que para ela era como se

fosse um trabalho.

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Disse que conhece o Lar da Criança Menino Jesus. Que sabe que a Sra.

Guiomar era dona de lá. Que também trabalhava um pouco no Lar, como

cozinheira. Que não conhece a Sra. Marisa Bueno Cabral. Que conhece o Sr.

José Aurenildo de Souza, e que não se recorda o que ele fazia no orfanato, mas

acha que era motorista. Que não sabia que a menina registrada se chamava

Charlotte. Disse que também não sabe se o nome da outra criança registrada é

Rafael. Disse que não conheceu a Sra. Jacqueline, que adotou a Charlotte. Disse

que foi a Paris com a Sra. Guiomar para levar as crianças. Disse que passou no

aeroporto com as crianças, mas não lhe perguntaram se era a mãe delas. Disse

que a Sra. Guiomar que pegou os meninos. Disse que não se lembra se ficou

num hotel em Paris, que ficou assustada e que não ficou cuidando das crianças

durante sua permanência em Paris. Disse que acompanhou as crianças no voo

para Paris. Disse que foi a única vez que viajou para o exterior. Informou que não

respondeu a processo judicial antes.

Disse não se lembrar da média salarial que recebia na época dos fatos.

Disse que tem carteira assinada e ainda não se aposentou, mas não trabalha

mais com a Sra. Guiomar. Disse é solteira e mora com uma irmã também solteira,

na Vargem Grande Paulista.

Disse que a Sra. Guiomar não era uma patroa agressiva, mas que “quando

ela fala uma coisa, ela não explica para a gente o que está acontecendo”. Que

ficava muito nervosa com isso, porque tudo se faz tem que ter uma explicação.

Disse que a Sra. Guiomar lhe falou: “Maria, eu preciso que você me faça

um favor”. Que respondeu brincando: “Se não for sair para a rua, eu faço”. Que

ela falou: “Não, eu quero que você registre umas crianças”. Aí, foi onde

perguntou pra ela: “Mas, D. Guiomar, como que eu vou fazer isso? Eu nunca tive

filho. Como é que vou registrar uma criança?” Disse que a Sra. Guiomar então

falou que não tinha problema. Disse que a Sra. Guiomar não informou para onde

viajariam, que depois de um tempo lhe informou que iriam tirar o passaporte, pois

iriam viajar juntas e que iriam levar as crianças. Que a Sra. Guiomar a levou para

tirar o passaporte, que não viu o passaporte. Disse que apenas na semana que

iriam viajar foi informada de que iriam para a França.

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Disse que nunca recebeu intimação da Justiça, nem prestou depoimento

no Fórum , mas que já foi depor na Polícia Federal uma vez, recentemente, cerca

de um mês antes do depoimento que prestava à CPI. Disse que a sua irmã Deia,

que a acompanhava na audiência pública, nunca trabalhou com a Sra. Guiomar,

mas que a sua outra irmã, Léia, sim. Disse que a Léia trabalhava para a Sra.

Guiomar no orfanato, mas que não sabia o que ela fazia.

Disse que não se lembra se acompanhou a Sra. Guiomar até o cartório

para fazer o registro das crianças.

DEPOIMENTO DO SR. FRANCO MORSELLI – depoente.

Disse que o que fez, na verdade, juntamente com a Sra. Guiomar foi salvar

uma vida. Disse que Charlotte foi largada embrulhada num papel na porta do

orfanato, às 4 horas da manhã. Disse que quem a achou foi a Sra. Guiomar e a

Sra. Leda, que era diretora orfanato. Disse que a criança encontrada estava muito

doente e que ficou em sua residência para cuidar da saúde, pois estava com um

problema pulmonar muito sério. Disse que a levou pessoalmente ao Fleury

(médico) para fazer exame.

Disse que a criança encontrada era um bebê doente, sem nome, sem

documento, sem nada. Disse que como a Sra. Guiomar ia para o orfanato todos

os dias às 4h30min da manhã, e como a Sra. Leda — hoje falecida — era diretora

da creche e chegava no mesmo horário, elas a encontraram na frente do orfanato.

Disse que não sabe como surgiu este nome Charlotte e que a primeira vez

que a levou ao médico tinha outro nome, provavelmente Jaqueline. Disse que é

casado com a Sra. Guiomar há 54 anos. Disse que quando encontraram a

criança, cuidaram da saúde dela e que ela ficou uns 2 meses em sua residência e

mais uns 2 ou 3 meses no orfanato. Disse que depois apareceu uma pessoa

querendo saber se tinha uma criança para adotar, e que informaram a essa

pessoa que sim, mas tinha que se fazer os procedimentos legais junto ao juiz.

Disse que essa pessoa que queria adotar uma criança tinha problema de

claustrofobia, que era estrangeira, não podendo viajar para o Brasil.

Disse que através de informações do consulado francês ficaram sabendo

que havia um meio legal de fazer uma adoção através de escritura pública na

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França, concluindo ser a melhor opção, pois haveria uma criança a menos na rua.

Disse que decidiram então leva-la para a França e lá fazer a escritura pública.

Disse que não comunicaram às autoridades sobre o aparecimento dessa

criança, tendo sido essa a falha que cometeram, pois todas as coisas que foram

feitas foram comunicadas ao juiz, menos essa.

Disse que a iniciativa de pedir à funcionária Maria das Dores que

registrasse a criança em nome dela foi uma iniciativa dele e da Sra. Guiomar para

atender à lei francesa. Disse que a instrução nesse sentido foi dada por uma

pessoa do consulado francês.

Disse que é italiano. Disse que as informações sobre as crianças

disponíveis para adoção eram comunicadas ao juiz. Disse que as crianças que

vinham ao orfanato, todas elas eram registradas no Juizado de Menor. E o

Juizado de Menor que definia quem podia ser adotado, quem não podia adotar,

quem estava adotado, quem não estava adotado.

Disse que não sabe por que no caso da Charlotte não aconteceu a

comunicação ao juiz, que reconhece agora que foi um erro. Disse que entre a

chegada da Charlotte no orfanato e o trâmite da adoção deve ter transcorrido

cerca de 5 meses. “Foram 2 meses para consertar a saúde e 3 meses para

arrumar a papelada para poder viajar”.

Informou que, em 1987 foi aberta uma conta em nome da Sra. Guiomar,

num banco da França, com 60 mil francos e que a Sra. Guiomar não sabia desse

dinheiro. Disse que esse dinheiro está parado desde 1987 e que ssa conta não foi

mexida. Acrescentou que a Polícia Federal está investigando essa situação. Disse

que, com o juro corrigido, segundo a Polícia Federal tem mais ou menos 1 milhão

de reais. Disse que na conta do orfanato não foram depositados valores

relacionados a essa conta.

Disse que além das Sras. Guiomar e Maria, apenas foram naquela viagem

as duas crianças. Disse que não se lembra como a outra criança apareceu no

orfanato e nem se ela já era registrada no Juizado de Menores para adoção.

Disse que apenas soube dessa segunda criança recentemente quando foi

abordado por Charlotte. Disse que a primeira pessoa da França que fez o contato

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com vistas à adoção era uma amiga dele e de Guiomar que morava na França.

Disse que esqueceu o nome dela, pois já são passados 27 anos.

Disse que não era comum o procedimento de pedir que alguém registrasse

crianças para viajar para o exterior e que esta foi a única vez que foi feito, do que

se arrepende amargamente. Disse que viajou muitas vezes para a Itália, mas para

visitar parentes, mãe e tia. Que ia a cada 2 anos para a Itália e a última vez foi

pela morte da mãe.

Disse que o pagamento das passagens da Sra. Guiomar e da Sra. Maria

das Dores na viagem para a França foi feito pelos interessados na adoção, isso já

quando elas se encontravam na França. Disse que ele mesmo comprou as

passagens, e que o reembolso foi feito em dinheiro na França. Que não se lembra

quanto recebeu. Que o reembolso foi feito para a Sra. Guiomar. Disse que o

reembolso referia-se também ao pagamento das estadias, mas que não sabe o

valor. Disse que não foi comprado passagem para as crianças, porque na época

era desnecessário. Disse que não sabia de onde havia surgido o Rafael, mas

sabia que ele também iria para a França.

Disse que era do Conselho Fiscal do orfanato e que verificava se as contas

estavam em dia. Disse que todas as vezes que chegava criança sem nome ou

largada no orfanato, sempre procuravam o Juizado, mas que no caso específico

da Charlotte não sabe porque não procurou, considerando que pode ser por

causa da doença de que ela padecia.

Disse que não entrou em contato com o pessoal que intermediou a

transferência das crianças para a França. Que tinha uma amiga na França que

fez a intermediação por telefone. Que essa amiga ligava sempre perguntando se

tinha criança para adotar. Que não sabe se essa amiga está viva. Que essa

amiga visitava o casal sempre que vinha ao Brasil. Que com os 82 anos que tem

não consegue lembrar fatos de 27 anos atrás, como qual era o nome de uma

pessoa que era amiga.

Disse que falou para a amiga que tinha essa criança e ela pediu para ir ao

Consulado Francês para ver se tinha algum meio legal para fazer a adoção. Disse

que foi ao Consulado Francês, que era no Edifício Nacional, na Paulista. Que lá

lhe disseram o seguinte: “Ter, tem. É só você pegar a criança e levar para lá. Vai

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ao cartório e avisa que a criança foi para a adoção”. Disse que quem fez o

reembolso não foi a amiga, mas a família interessada, que provavelmente eram

conhecidos dessa amiga.

Disse que a documentação do encaminhamento das outras crianças para o

juizado de menores encontra-se toda arquivada. Disse que cerca de 25 crianças

foram encaminhadas para adoção seguindo o procedimento ordinário.

Disse que não responde a quaisquer processos de investigação. Que

conhece a Sra. Marisa Bueno Cabral, a qual ajudava a creche, e que o marido

dela fazia feijoada para a creche. Que acha que eles não têm conhecimento dos

processos de adoção.

Disse que o nome de Isabela dado inicialmente a Charlotte deve ter sido

quando ela precisou ir ao médico. “Como era necessário dar um nome, foi dado o

nome de Isabela”. Que foi ele que escolheu esse nome. Que pelo que sabe

Charlotte apareceu no orfanato no mês de junho ou julho. Que naquela

oportunidade ela não foi registrada. Que só foi registrada quando fez a adoção.

Que a criança tinha mais ou menos 6 meses quando foi registrada com a data do

dia que ela nasceu. Que o Dr. Gilberto Pucci é o médico que cuidou dela. Que

este médico está hoje aposentado, tendo servido ao orfanato até o ano de 1986.

Disse que o Dr. Gilberto ficou por cerca de 20 anos ligado ao orfanato e que

quando as crianças da creche tinha problema muito sério ele internava no Sabará.

Disse que não viu o Rafael, e não sabe nada sobre ele. Que levavam as crianças

ao consultório do médico, de 6 em 6, e que o médico as atendia ao final do

expediente. Disse que provavelmente este médico se lembrará do Rafael, mas

que não sabe onde ele (o médico) se encontra, porque não está mais no

consultório dele; não tendo achado o seu nome em lugar nenhum.

Disse que tem “três filhos adotivos e dois normais” (sic). Disse que um dos

filhos adotados era surdo e o outro tinha problema físico nos pés. Disse que eles

foram operados e que vivem uma vida normal. Disse que ajudava no orfanato,

fazendo as festas. Que é industrial e peças plásticas. Disse que morou na rua

Arapanés, em Moema, durante 25 anos. E agora mora no Planalto Paulista, na

Rua dos Guaxinins, 317, há mais ou menos 15 anos.

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Disse que quando levou Charlote ao médico, preencheu a ficha com o

prenome Isabela e com o seu sobrenome, Morselli.

Que não conheceu os menores chamados Julian e Charles. Disse que em

relação a Charlotte não sabe se realmente cometeram um erro, o que sabe é que

“uma criança que estava sujeita a ficar na rua ou morrer de doença arrumou uma

família para poder sobreviver, estudar e crescer”.

Disse que pessoalmente ele e a Sra. Guiomar não receberam qualquer

quantia dessa amiga francesa que intermediou as adoções, mas que “ o orfanato

recebeu doações de pessoas [podendo ser inclusive da amiga francesa], na conta

do orfanato, para ajudar o orfanato”, o que considera natural. Disse que as

doações nem sempre tinha relação com as adoções, mas que muitas delas

provinham de pessoas agradecidas que mandavam “uma lembrancinha no fim do

ano com a fotografia do menino”.

Disse que não sabe quem é Clemente Cohen nem Florence Passieri, não

sabendo se essas pessoas fizeram alguma doação ao orfanato. Que no orfanato

existe um livro caixa, onde se encontram os registros dos doadores, entre outras

informações. Que não sabe dizer o montante das doações da França, pois estas

são esporádicas. Disse que o custo do lar era 650 mil reais por mês, e que

movimentava muito dinheiro. Que o orfanato possui um telemarketing para fazer a

arrecadação, e que possuía 40 empregados que administravam o total de 250

crianças.

Disse que não houve tráfico de crianças, porque, se houvesse tráfico de

criança, o dinheiro que está parado na França há 27 anos não estaria parado lá.

DEPOIMENTO DA SRA. GUIOMAR MORSELLI – depoente.

Disse que tinha uma pessoa que trabalhava à noite no orfanato que se

chamava Leda, a qual faleceu. Disse que essa pessoa ficava até quatro e meia da

manhã, e que a depoente chegava todo dia no orfanato no mesmo horário. Disse

que ao chegar com o carro encontrou um pacote no portão. Disse que desceu do

carro para abrir o cadeado d o portão. E quando desceu sentiu que tinha algo se

mexendo. Disse que chamou a Sra. Leda para ajudá-la a ver o que era aquele

pacote. Disse que imaginou ser um gatinho que se mexia muito pouco. Que a Sra.

Leda veio e disse: “Ah! Guiomar, pelo amor de Deus, é uma criança!”. Que falou:

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“Então você corre lá dentro, pega um edredonzinho e vamos levar essa criança

ao pronto-socorro”. Disse que a criança estava roxa, que era muito bebezinha, e

tudo foi feito adequadamente. Levou-a para sua casa, que era para onde levava

as crianças doentes graves. Que tinha cinco crianças graves. Disse que chamou

o pediatra chamado Gilberto Pucci, para fazer uma avaliação do estado de saúde

da criança e do que era necessário fazer. Disse que montara em sua casa uma

pequena UTI, pois não caberia manter tal serviço dentro do Lar. Que na UTI tinha

oxigênio, e tudo que uma criança. Disse que com o passar do tempo a Charlotte

fez vários exames, onde foi realmente constatado que ela tinha uma infecção

pulmonar devido à friagem que pegou.

Disse que uma pessoa a procurou dizendo que havia alguém que estava

procurando uma criança para adoção. Disse que na época havia cinco crianças,

mas três delas tivera que adotar, porque eram crianças rejeitadas por todo

mundo. Disse que tinha, portanto, duas crianças com a possibilidade de adoção,

dependendo se a interessada aceitasse ou não. Disse que naquela época existia

escritura pública, que facilitava automaticamente a adoção, razão pela qual

optaram por este procedimento. Essa pessoa informou àquela interessada que

existiam essas duas crianças e ela escolheu a menina. Disse que foi ao

Consulado e perguntou como fazia a papelada. Disse que fez o procedimento

conforme a informação que tivera. Disse que não tem conhecimento nenhum de

familiar da Charlotte. Disse que não sabe se o que fez está certo ou errado. Que

na verdade hoje sabe que está errado, mas na época não sabia. Disse que seu

sogro, Glauco Morselli, doou 10 casas para construir o prédio do orfanato, que é

uma entidade singular no Brasil. Disse que hoje não é mais orfanato, devido a

uma lei de cerca de 4 ou 5 anos que não permite a existência de orfanato com

mais de 25 crianças. Disse que em razão da lei teve que modificar tudo. Disse

que está hoje com 78 anos, a maioria dedicados à instituição. Que fez tudo por

amor e seguiu o que o seu sogro também desejava. Disse que dedicou a vida às

crianças do orfanato e, tanto quanto possível, as conduzia a formação humana e

profissional. Disse que fez núcleos voltados às crianças que já não podiam mais

ficar no lar por causa da idade.

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Em relação ao caso da Charlotte, disse que conversando com a Sra. Maria

das Dores, mediante a conversa que teve com a moça do Consulado, falou:

“Maria, este caso é um caso que, para a gente poder fazer, teria que fazer uma

certidão de nascimento. Será que seria possível nós fazermos isso?” Disse que a

Sra. Maria das Dores respondeu: “Olha, não sei se uma mãe solteira pode fazer”.

Disse que havia se informado com várias pessoas, inclusive um advogado, sobre

a possiblidade de uma mãe solteira poder ter filho. Diante de afirmações positivas,

decidiu fazer a solicitação à funcionária. Disse que não ganhou nada com isso.

Disse que salvou mais de 6 mil crianças.

Disse que não trabalha mais no orfanato, pois depois que saiu a lei a que

se referira, não havia possibilidade de continuar trabalhando com a finalidade de

orfanato. Disse que com 25 crianças é impossível administrar um imóvel daquela

magnitude. Disse que, consultando terceiros, descobriu que só poderia agir

doravante como creche, e, assim, ligada à Prefeitura. Disse que resolveu então

fazer o convênio com a Prefeitura, que já perdura há mais ou menos 2 ou 3 anos,

pois precisava trabalhar com muitas crianças. Disse que agora as crianças não

pernoitam mais, pois a entidade está regularizada como creche e que as crianças

que não tem pai nem mãe não podem mais ser beneficiadas, pois foram retiradas

pelo juiz.

Disse que era presidente do orfanato, que o seu sogro construiu o prédio.

Disse que quem comanda a creche agora é a Prefeitura, sem a sua participação.

Disse que passou tudo para a Prefeitura e que não recebe aluguel do prédio.

Disse que as crianças geralmente chegavam ao orfanato pela Vara do

menor e que outras vezes acontecia como no caso da Charlotte, isto é, eram

deixadas numa porta da entrada principal, ou então do lado da Brás Leme.

Disse que quando verificava que as crianças não tinham condições de ser

recebidas no orfanato, eram encaminhadas à Vara do menor. Disse que nada

havia de errado. Que o único caso errado é o da Charlotte e de um outro

garotinho chamado Raphael. Disse que o Raphael chegou ao orfanato pior, que

fora deixado na Igreja de Santana e que disseram que sua mãe era epilética.

Disse que para registrar o Raphael conversou com a Sra. Maria das Dores

para ver se ela concordava, tendo em vista que existia a possibilidade de escritura

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pública. Afirmou que havia conversado com o pessoal do consulado e que a

orientação seria a mesma dada ao caso da Charlotte. Disse que a Sra. Maria das

Dores respondeu: “Ah! mas como é que eu vou fazer se eu sou solteira, né?”. Ao

que redarguiu: “Não. Quanta pessoa solteira não adota uma criança, né?”. Disse

que então fez o registro dos dois com a Sra. Maria das Dores.

Disse que quem informou sobre a existência de uma família interessada na

França foi a pessoa com quem conversou no Consulado do Brasil, uma brasileira.

Disse também que havia amiga que morava na França e que se hospedava em

sua casa quando vinha para o Brasil, mas não se lembra do seu nome. Disse que

essa pessoa veio poucas vezes ao Brasil, fazer tratamento de saúde. Disse que

não foi essa amiga que apresentou a família francesa a ela, mas o próprio

consulado francês.

Disse que fizeram a certidão de nascimento e o trâmite que o consulado

aconselhou. Disse que não comentou no consulado o procedimento adotado para

a emissão da certidão de nascimento, que não comentou que a Sra. Maria das

Dores não era mãe biológica das crianças. Disse que o consulado orientou sobre

a possibilidade de legalizar a documentação na França, pois lá existia escritura

pública.

Disse que as passagens para a viagem para a França foram as pessoas

interessadas na adoção das crianças que enviaram, por meio da pessoa do

consulado. Disse que além da passagem mandaram algum dinheiro para

despesas com alimentação, mas não sabe precisar o valor. Disse que na verdade

quem trouxe a passagem foi a amiga francesa mencionada anteriormente, a que

vinha fazer exames no Brasil. Disse que não se lembra se tinha passagem ou

passaporte em nome das crianças, mas com certeza tinha em nome dela e da

Sra. Maria das Dores.

Disse que os interessados na adoção já aguardavam no aeroporto francês

para receber as crianças. Disse que estavam no aeroporto a mãe adotiva de

Charlotte e mais uma pessoa. Disse que ao aeroporto só conheceram as

pretensas mães adotivas e que não foram acompanhadas de seus esposos.

Disse que entregou as crianças cada uma para uma das mulheres francesas que

aguardavam no aeroporto.

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Disse que conhece a Sra. Marisa, que foi seu braço direito no orfanato, e

quando faziam eventos ela participava juntamente com o seu marido que era o

cozinheiro. Disse que a Sra. Marisa foi testemunha do caso, aceitando essa

qualidade quando a depoente lhe explicou do que se tratava.

Disse que após a entrega das crianças ficaram hospedadas em uma

quitinete, pois tinhas que “desfazer o trâmite lá”. Disse que ficaram apenas a

depoente e a Sra. Maria das Dores, não tendo mais contato com as crianças.

Disse que ficaram na quitinete por mais ou menos 5 dias.

Disse que não sabia a respeito de uma conta aberta em seu nome na

época, tendo tomado conhecimento recentemente, quando foi apresentado um

recibo de conta bancária em seu nome. Que não sabe quem abriu a conta em seu

nome. Disse que a Polícia Federal confirmou a existência dessa conta em seu

nome.

Disse que após a entrega das crianças só fizeram contato “no dia que ficou

marcado os documentos” (?). Disse que as mulheres prometeram um auxílio

financeiro, mas na conta do Lar, e o fizeram, “umas duas ou três ou quatro vezes

só”.

Disse que foi apenas duas vezes à França, na segunda para auxiliar o filho

de uma amiga que sofrera um acidente no Brasil. Desta feita, permaneceu na

França por 6 meses, em razão dos cuidados com o rapaz. Nesse período o Lar foi

administrado por terceiros.

Disse que não responde a processo judicial.

Disse que o Sr. Gilberto, médico pediatra, era uma pessoa que ajudava

muito no orfanato, e que passava sempre na sua casa também. Disse que o

orfanato tinha psicóloga e assistente social e que em razão disso conseguiu tirar

muita criança da droga e da bebida. Disse que o Sr. Gilberto não atuava na área

das doações.

Disse que a Léia, irmã da Sra. Maria das Dores, era muito jovem e não era

a pessoa que tinha capacidade de tomar decisões. Disse que recebia orientações

sobre o orfanato diretamente com o Juizado de Menores.

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Disse que não é verdade que teria informado aos pais adotivos de

Charlotte que sua mãe biológica era uma jovem bonita, morena e alta e que seu

pai biológico era um italiano que não quisera assumir a paternidade.

Disse que Julian e Charles Pedroso foram adotados com intermediação da

própria mãe biológica que fez todo o trâmite da doação. Disse que nesse caso

atuou apenas como testemunha e que as crianças não estavam no orfanato.

Disse que o nome da mãe biológica é Maria José Pedroso. Disse que quem a

procurou para servir de testemunha foi uma tia das crianças que trabalhava em

São Paulo na ocasião. Disse que quem sugeriu que as crianças fossem adotadas

na França foi uma pessoa que conhecia a mãe das crianças. Confirmou que as

crianças foram doadas para cidadãos franceses.

Disse que Edson Morselli é filho de uma sua irmã já falecida, o qual pegou

para criar. Disse que o nome verdadeiro é Edson Aparecido Garnaça, mas que

após o falecimento de sua irmã e o desaparecimento do pai biológico, mudaram a

certidão dele e passaram a fazer constar o nome de família, isto é, Morselli.

Disse que o juiz que frequentava a sua residência constantemente era o

Dr. Daniel, já aposentado. Disse que também um delegado de polícia civil

frequentava constantemente a sua casa, mas não se recorda de seu nome.

Disse que não conheceu a casa dos pais adotivos de Charlotte e Raphael.

Disse que não sabe informar sobre dois registros de movimentação na

conta bancária que havia sido aberta em seu nome na França por volta do

período em que voltou àquele país. Disse que pretende saber quem mexeu em

sua conta e que já informou isso à Polícia Federal.

Disse que não conhece Priscila Patrícia Rios, que teria sido adotada

também na França, seguindo o mesmo procedimento dos casos anteriormente

citados.

Perguntada sobre como as crianças saíam da entidade para adoção,

respondeu: “... o juiz mandava um ofício para mim, a assistente social das Varas

vinha e levava a criança para a Vara, e, lá, o Juiz é que fazia o trâmite do período

que tinha que ficar e das visitas que tinham que ser feitas, para saber o convívio,

né? Porque é criança de toda idade”. Disse que não faziam relatórios e nem os

recebiam do exterior.

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Disse que muitas vezes atendia em sua casa crianças do orfanato que

passavam por problemas de saúde, porque mantinha uma estrutura de

consultório e era muito difícil levar essas crianças aos hospitais. Disse que as

crianças que iam a óbito em sua residência eram sepultadas no Cemitério da

Cachoeirinha e que a Vara de Menor cuidava do registro.

Disse que adotou três crianças que eram rejeitadas por brasileiros e

estrangeiros. Seus nomes são Martinha, Denis e Regina.

Conclusão

Em relação à Charlotte, pode-se verificar a toda evidência que existem

provas de que fora enviada ao exterior sem a realização do devido processo de

adoção e que seu assento de nascimento lavrado em nome de Maria das Dores

Pinto é muito provavelmente falsa. Ademais, ela possui comprovantes de que

seus pais adotivos realizaram um depósito em favor de Guiomar, em valores

atuais de aproximadamente 15.000 euros. Porém, os fatos ocorreram em 1987,

razão pela qual, tanto as penas do artigo 245 do Código Penal, quanto do artigo

299 (Falsidade ideológica - Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular,

declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa

ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar

obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena -

reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de

um a três anos, e multa, se o documento é particular), estão prescritas.

Entretanto, a Polícia Federal instaurou IPL para investigar os fatos, sendo

que podem ser encontrados fatos mais recentes cometidos por Guiomar, que

ainda possam sofrer a persecução penal do Estado.

Sugere-se que os fatos sejam oficialmente comunicados à Coordenação-

Geral de Polícia Internacional da Polícia Federal, a fim de que se verifique se há

na França investigações sobre adoções de brasileiros irregulares que possam ter

ocorrido com o auxílio de Guiomar.

Finalmente, cabe referir a dificuldade de efetuar persecuções penais em

relação a vítimas menores de idade traficadas para o exterior. Desta forma é

necessário uma maior reflexão sobre o problema, cuja solução pode ser a mesma

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dada para os crimes sexuais, pela Lei n. 12651/2012, que modificou o artigo 111

do Código Penal, determinando que a prescrição correrá “nos crimes contra a

dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em

legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se

a esse tempo já houver sido proposta a ação penal”.

Tendo em vista a análise das oitivas realizadas na reunião da CPI ocorrida

em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do Ministério Público do

Estado, quando colhidos depoimentos de várias pessoas ligadas ao caso

envolvendo o sequestro de Charlotte, tendo exsurgido relevantes questões para a

sua apuração, entende-se possível ainda a persecução criminal em razão da

possibilidade de ocorrência de crime de sequestro, cuja permanência e

indiscutível, tal qual a quadrilha formada pelos seus autores. Reputam-se

gravíssimos os fatos, estando a merecer correspondente apuração.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, por intermédio da Promotora

Eliana Vendramini, aponta conclusões importantes, das quais se extraem os

seguintes excertos:

Em função da recente reunião dessa Comissão Parlamentar,

ocorrida em São Paulo, na data de 30 de abril de 2014, na sede do

Ministério Público do Estado de São Paulo, quando oitivada a Sra. Guiomar

Morselli e o Sr. Franco Morselli, entre outros, esta convidada pede vênia

para propor à Relatoria que envie proposta à d. Autoridade Policial, Dr. Luiz

Tempestini, no sentido de que:

1 - Indicie o Sr. Franco Morselli , dada a aberta confissão perante à

Comissão no sentido de que atuou junto à esposa Guiomar Morselli no

tráfico da vítima Charlottte, pedindo cópia da transcrição da oitiva à CPI.

Cabe lembrar que foi dito perante à CPI:

- Que foi ele quem levou Charlotte (Isabella Morselli, na época) para

o Fleury para fazer exames;

- Foi ele quem deu o nome de Isabella Morselli (ambos nomes

Italianos);

- Foi ele quem foi no Consulado Francês pedir orientações como

proceder no caso da Charlotte;

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- Foi ele quem pagou as passagens para Guiomar e Maria das

Dores irem para França, e que estas despesas foram reembolsadas pelos

pais adotivos;

- Reconhece que foi um erro;

- E disse não se saber quem são os pais de Charlotte;

- Franco foi quem, ademais, telefonou para Maria das Dores, em

meio à reportagem da Record, dizendo-lhe que "ficasse quieta e que o Juiz

Dr. Antônio ia ajudar" (esse momento saiu na matéria do Jornal da

Record!).

2. Oficie à Record requisitando todas as gravações feitas sobre os

fatos.

3. Procure identificar e ouvir o Juiz a que se refere o Sr. Franco

Morselli, na ligação em que esse exige que Maria das Dores se cale.

Além dessa manifestação, a Promotora Vendramini sugere a oitiva de

testemunhas, localização de pessoas, apresenta quesitação necessária à

elucidação dos fatos, enfim, uma nova e ampla investigação sobre o caso, o qual

é considerado também pela CPI de fundamental importância.

13.28. CASO ITAQUAQUECETUBA, NO ESTADO DE SÃO

PAULO

Conforme informações veiculadas em fontes abertas (imprensa/internet),

cerca de 48 famílias reclamam sobre supostas subtrações arbitrárias de crianças

de seus lares, tendo algumas sido adotadas, outras retornado aos lares biológicos

e algumas estando em lugar desconhecido pelos familiares.

Segundo reportagem veiculada pelo site UOL Notícias

(http://noticias.uol.com.br/ultnot/agencia/2008/10/28/ult4469u32447.jhtm) em

28/10/2008, como na cidade não havia abrigo municipal, as crianças que sofriam

maus-tratos, abandono ou viviam em situação de risco eram encaminhadas pelos

conselheiros tutelares a famílias que, inicialmente, ficavam com a guarda

provisória e, meses depois, entravam com pedido de adoção na Justiça. Dessa

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forma, não teriam entrado na fila de espera do cadastro oficial da cidade, no qual

nem estavam inscritas.

Um grupo de Conselheiros Tutelares que informa ter assumido a gestão do

Conselho a partir do ano de 2007 apresentou documentação à Deputada Flavia

Morais afirmando ter sofrido processo de represália em razão das descobertas

que fizeram quando assumiram os encargos das funções. Relataram que cerca

de 48 famílias tiveram filhos, a maioria recém-nascidos, retirados de seu poder

familiar por ação, que consideram ilegal e injusta, dos antigos representantes do

Conselho, dos responsáveis pelo Hospital Maternidade Santa Marcelina e pela

Promotora de Justiça do Estado, que atuava nos processos judiciais convalidando

os atos irregulares praticados pelos dirigentes do Conselho Tutelar.

A Deputada Federal Janete Rocha Pietá encaminhou material a esta CPI,

por intermédio de ofício, no mesmo sentido.

Providências tomadas pela CPI

Foram efetivadas até o momento as seguintes diligências:

• Juntada de informações veiculadas em fontes abertas

(imprensa/internet), do já mencionado ofício firmado pela Deputada

Federal Janete Rocha Pietá e do expediente da lavra de dois ex–

conselheiros tutelares da cidade de Itaquaquecetuba;

• Oitiva de Emanuel Giuseppe Gallo Ingrao (ex–conselheiro tutelar),

Paulo Roberto Fadigas César (representante do TJ/SP), Fernando de

Oliveira Domingues Ladeira (Juiz da Vara de Infância e Juventude de

Itaquaquecetuba a partir de 27/10/2011), Juliana Felicidade Armede

(Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da

Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São

Paulo), Cláudia Paixão (ex–conselheira tutelar), Maria Gabriela Ahualli

Steinberg (assessora do Procurador-Geral de Justiça/SP), Adão Pereira

Barbosa (ex– conselheiro tutelar), Clodoaldo Saguini Junior (Defensor

Público de Itaquaquecetuba), Edilene de Souza e Silva (vítima), Cláudio

Dervaldo Constantino de Mendonça (vítima), Roberto de Menezes

Patrício (vítima), Inês Martins de Melo (vítima);

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• Uma das destituições do poder familiar foi decorrência da ação de

“perda ou suspensão ou restabelecimento do poder familiar” tombada

sob o n. 0015732-22.2007.8.26.0278, que tramitou perante a 2ª Vara

Criminal do Foro de Itaquaquecetuba/SP; não há registros da

instauração de procedimentos de investigação para apuração das

supostas irregularidades alegadas.

A CPI colheu depoimentos sobre o caso, os quais passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO SR. CLÁUDIO DERVALDO CONSTANTINO DE

MENDONÇA - Depoente.

Fez o seguinte relato: “O que eu queria acrescentar aqui é que hoje,

inclusive, vindo para cá, eu cheguei até a passar mal quando a Edilene, minha

esposa, mostrou uma foto antiga que ela guardava com ela com muito carinho e

cuidado.

Aqui ela sempre foi uma mãe de bons tratos, nunca de maus-tratos,

conforme o Conselho, na época, tirou nossas crianças, dizendo que seriam maus-

tratos. Eu acredito, dentro do que nós aqui estamos apresentando, que tomassem

providências porque dói demais o período em que estão minhas filhas, que são

três, a Karen, a Karina, a Bianca, junto com a Edilene, que hoje nós temos um

garoto novo, um bebê. Porque muitas coisas aconteceram em que ela ficou

perdida, no momento, assinava papéis, papéis. Eu também não sabia nem o que

estava assinando, porque eu só queria saber das minhas filhas.

Eu queria minhas filhas, eu queria minhas filhas, onde tiraram (ininteligível).

No momento em que tiraram, alegaram para mim que iam levar... Eu sou

conhecido na área, sou letrista, tenho um bom conhecimento dentro de

Itaquaquecetuba, no momento em que tiraram as minhas crianças, eu só vi ela, a

Conselheira. a Nice, maltratar a Edilene com palavras. Ela, como conselheira, não

deveria ter falado aquelas palavras para Edilene. Foi onde houve esse

desencontro. E ela, que achou que é autoridade maior, como sempre ela está

achando, nos trouxe dois carros de polícia.

Nós não conhecemos o que era conselheiro tutelar. E nisso nos perdemos

entre papeis que assinamos. Eu só digo uma coisa: eu sei o sofrimento da minha

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esposa, que aqui há momento falou, dentro desse tempo que nossas crianças

estão na mão de quem a gente não sabe onde está. Então, eu acredito que existe

lei para isso, existe meio de a gente poder conseguir nossas crianças. É só o que

eu quero, porque... Eu agradeço a esse pessoal que aqui está nos ajudando,

como antigos conselheiros que estão aqui presentes. Eu acho que... Porque, no

momento em que eu vi essa foto eu até passei mal dentro da condução.

Eu não tinha visto essa foto, ela tinha guardado. E não só pelas fotografias.

Como eu sei que ela tem um bom trato com as crianças, tendo ela problema ou

não, ou seja, foi o que inventaram, né?, que ela é louca ou outros mais são

loucos, como estão inventando que nós somos loucos por estarmos atrás daquilo

que é nosso. Eu só peço a V.Exa. que nos ajude a tomar as providências

necessárias, porque nós precisamos estar com nossos filhos, porque há 6 anos

estão lá e nós não vemos há mais de 4 anos”.

DEPOIMENTO DO SR. ROBERTO DE MENEZES PATRÍCIO - Dep oente -

caso Itaquaquecetuba.

Esclareceu o seguinte: “Bom, o nosso caso foi um caso de uma tentativa

de adoção que se iniciou em 2006, em “Itaquá”, onde se tentou adotar uma das

crianças, eram quatro. E, de 2006 até o ano passado, nós realmente só

conseguimos juntar infinitas irregularidades processuais. Inicialmente, por uma

suspensão de poder familiar, com base num laudo pago, de uma psicóloga de

Arujá, onde na sentença final do ano passado, até proferida pelo juiz que estava

presente aqui até poucos instantes, ele estranhou essa suspensão do poder

familiar, ele colocou isso na sentença. E o nosso processo tem tantas

irregularidades tendenciosas, e foi exatamente naquele período, onde a Dra. Ana

Paula e a Dra. Simone estavam à frente da Comarca da Infância e Juventude de

“Itaquá”, que nós denunciamos essas irregularidades do processo. Nenhuma das

nossas petições foi despachada, nenhuma, tem mais de 15 petições sem

despacho”.

DEPOIMENTO DA SRA. INÊS MARTINS DE MELO - Depoente — caso

Itaquaquecetuba.

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Fez o seguinte relato: “Eu estou aqui representando... representando não,

porque o meu irmão está ali. Foi a retirada brusca... Dentro de mim, eu considero

um sequestro que sofreu a minha sobrinha. Por motivo nenhum, ela foi arrancada

do meio familiar. O que aconteceu? O meu irmão vivia junto com a esposa dele

no Marengo. Ela deu à luz a Maria Clara no dia 25 de setembro de 2006.

Em 2006 essa menina nasceu. E eles foram constituir família lá no

Marengo, onde eles estavam vivendo. Só que, quando a menina nasceu, eles não

a registraram imediatamente, porque estavam escolhendo o nominho para a

menina. Estava ali a família toda feliz. Inclusive a avó da menina, da Maria Clara,

por parte de mãe, foi visitá-la por três vezes na casa do meu irmão, a neta dela. O

que aconteceu? A esposa dele, a Arlete, resolveu de imediato, falou: “Não, a

menina já vai fazer 3 meses, eu vou trabalhar para ajudar”. Falou para o meu

irmão: “Eu vou trabalhar para ajudá-lo, porque a gente vive de aluguel, e, eu

trabalhando, a gente vai ter melhor condição de vida”. E era uma pessoa que,

presencialmente, estava lutando por uma vida melhor para ela, e para a filha, e

para o meu irmão. Ela, naquele instante, estava se considerando uma mãe de

família. O que ela fez? Ela saiu à busca de emprego. E ali pertinho morava... Na

mesma rua em que o meu irmão morava, eu morava. É a minha casa ainda lá em

“Itaquá”, no Marengo. E a minha irmã, na rua de trás. Então, o apoio, o auxílio da

família, a Arlete e o meu irmão tinham. Todo o auxílio que eles precisavam, a

gente estava ali presente, ajudando eles, porque eles eram uma família em luta.

Era bebê. Aí, o que aconteceu? Ela saiu para procurar emprego com uma

colega. Foram procurar emprego, e a mãe foi acidentada. A bicicleta bateu nela,

ela machucou a perna. Em vez de ela comunicar a nós... Mas ela sabia que a

menina estava com a gente, porque, quando ela saiu, ela deixou a menina na

casa da minha irmã. Meu irmão, que era o pai, trabalhava e vinha à noite para

poder olhar a menina. Ela sabia que mais tarde o meu irmão ia chegar e pegar a

menina. E eu, que também morava na outra rua, qualquer coisa, auxiliava

também. Aí ela não veio à noite. Chegou a noite, e ela não veio. A gente

estranhou: “Poxa, a Arlete não chegou?” Aí, no outro dia, ela também não

chegou. “Será que ela arrumou algum emprego e ficou trabalhando?” A gente

ficou com isso na cabeça. Quando deu o terceiro dia, a gente falou: “Não, é

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impossível, a gente vai na delegacia falar do sumiço dela, porque a gente está

com a filhinha dela”. E outra: é uma vida que desapareceu. A gente foi até a

delegacia, e o escrivão de polícia falou para a gente: “Olha, como está com 3 dias

do desaparecimento, vocês retornem aqui dentro de 10 dias. Se, dentro de 10

dias, ela não aparecer, aí a gente faz o boletim de ocorrência”.

Dentro desses 10 dias, a gente procurou em necrotério, hospital; em todo

lugar ficamos procurando ela. No décimo dia, voltamos à delegacia. Conversamos

com o escrivão. E o escrivão: “Então, vamos fazer o BO”. É o boletim de

ocorrência. A gente tem o boletim de ocorrência. A gente explicou o caso da

menina, que ela estava tomando vacina. Criança pequenininha, você tem que

estar levando periodicamente ao médico. E a menina estava sem o registro ainda,

porque a mãe levou o DNV na bolsa. Então, por isso, o meu irmão não pôde

registrar, porque o DNV estava com a mãe. Aí ele pegou e falou assim para nós...

Orientação de uma autoridade da cidade, o senhor escrivão. Consta o nome dele

no BO, digitou o BO. Falou para nós: “Vai até o Conselho Tutelar que lá vocês

vão receber uma orientação de como vocês fazem para estar cuidando da menina

até o aparecimento da mãe”.

Estava lá na delegacia eu, a minha irmã e o meu irmão. O meu irmão foi

trabalhar, e a gente foi até o Conselho Tutelar, porque a gente pensou, até então,

que Conselho Tutelar era um órgão para nos auxiliar, para nos conduzir em

alguma coisa que a gente fosse necessitada em relação à criança, à proteção da

criança. E não foi isso o que a gente recebeu. Quando a gente chegou ali, falaram

que tinha que falar com a Presidente do Conselho. Já saímos com o nome dela

de lá: Márcia. Aí chegamos nela e fomos conversar. Ela falou: “Senta aqui”. Ela

falou: “O que vocês vieram fazer?” Nós viemos fazer... Aí ela mandou entrar, a

gente sentou... Estou explicando que eu não vou voltar tudo de novo, senão fica

muito extenso. Explicamos a mesma situação para a Márcia. Aí ela virou para a

gente e falou — estava eu e a minha irmã. Ela falou: “Em casos desse tipo, nós

temos que reter a criança”. Isso foi falado para nós. “Nós temos ordem para reter

a criança.” Aí falou: “Quanto tempo tem a criança?” “Tem 2 meses.” “Ainda assim

mesmo, aí é mais agravante. Assim, nós temos que retirar a criança.” Mas a

gente falou: “Por ordem de quem vocês têm que reter a criança?” Ela falou: “É da

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promotora de justiça”. Aí falamos: “Mas como promotora de justiça? Nós viemos

aqui receber uma orientação para poder estar cuidando da criança, e agora a

gente vai ter que doar a criança para vocês, dar a criança para vocês? Vocês vão

reter a criança? A criança tem pai, tem família, tem mãe, tem avó”. Acho que, se

ela está nas mãos das tias, ela está bem guardada.

A gente só queria saber as condições que a gente tinha, como que a gente

tinha que conduzir para buscar os nossos direitos e o direito da criança que

estava ali sendo julgada. Aí a gente levantou e falou para ela: “Nós vamos lá

conversar com essa promotora, porque é impossível isso. Apesar de não ter muito

estudo, não ser leiga, não ser uma autoridade, eu sei que é um trâmite ilegal fazer

isso”. Aí nós fomos lá conversar com a promotora. Mediante o caso, a promotora

falou para a gente: “Olha, vocês vão...” Estava eu e a minha irmã. “Vocês vão.

Depois que conseguir o registro da menina, a gente vai e busca a menina de

volta. Por enquanto, a gente vai reter a criança, a gente vai buscar a criança.”

Que a criança tinha ficado na casa da minha irmã, ao poder da minha neta,

enquanto a gente foi na delegacia. Ela estava em casa, no bercinho. Ela tinha

quartinho, ela tinha tudo. Ela estava, assim, sendo até muito cuidada, bastante

cuidada, “asseiosa”, limpa. Linda, a menina. Aí, quando...

Então, já estou terminando. É a fase principal. Aí, quando a gente saiu de

lá, a promotora falou: “Mediante vocês devolvem a criança”. Aí a gente foi para

casa. Ali, no Conselho Tutelar, pediram documento meu e de minha irmã. A gente

deu xerox. A gente é idônea, a gente não tem medo de nada. Eu estou batendo

de frente. Eu estou com a Justiça, porque eu sou justa, eu sou de família. Então,

a gente é família. Então, hoje aqui eu tenho o que falar.

O que eu não pude falar até hoje eu falo aqui, falo onde eu tiver a

oportunidade de falar, eu falo. Aí pegou a minha irmã, nós fomos embora para

casa. Quando chegamos lá, o carro do Conselho Tutelar estava lá. Aí o Lídio

desceu e falou: “Cadê a criança? Cadê a criança?” A minha irmã foi e falou: “Tá

aqui dentro. A criança está aqui dentro”. Como se a gente era um grande bandido,

sendo bandido eles, entendeu? Aí chegou, foi empurrando o portão como se

fosse dono de casa. Entrou para dentro... Eu não acho que é um sequestro.

Dentro de mim, é um sequestro. Entrou dentro de casa, tirou a criança, pediu a

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mamadeira, pediu a roupa, pediu a chupeta da menina e falou que ia ficar ali no

Marengo. A promotora falou que a menina ia ficar no abrigo do Marengo. Que não

era abrigo nenhum, era um esconderijo. A igreja não tem nada a ver, que a

Pastoral da Criança dava para aquele povo cuidar das crianças da vila lá, do

bairro, para pegar leite, para vacina, essas coisas, conduzir mãe.

Então, eles pegavam as crianças... A Maria Clara falou que ia ficar ali.

Falou: “Você vai visitar de terça e de sexta”. Terça-feira nós fomos visitar ela.

Trouxeram a menina de outro lugar. Falei: “Mas a menina não ia ficar aqui?” Não,

trouxeram a menina. Aí a gente viu na terça. Quando eu voltei na sexta, já não

tinha mais. Aí a Lourdes, que era diretora dali, falou assim: “As crianças ficam

durante a noite com a família hospedeira, e de dia ela fica aqui”. Mas não ficava,

porque a gente ficou o dia inteiro, sexta-feira, e a menina não apareceu mais.

Fomos ver a menina depois de 1 ano, depois de 1 ano de busca nossa, da

família, e a ajuda de uma assistente social do Fórum, que descobriu onde ela

estava. Ela estava em Mogi. Quando apresentou a menina, a menina parecia um

bicho. Isso está delatado no documento, em documento, está no processo. A

menina comia com a boca, a menina não ia com a mãe e com o pai que falavam

que estavam cuidando da menina. Eu quero saber o que se passou com essa

menina durante 1 ano, o que fizeram com essa menina durante 1 ano. Ela é uma

vida, ela é gente em formação. Então, tem que saber a utilidade dela. Eu não

estou falando de boca, isso está em documento. É só levantar o processo e ver.”

Tendo em vista as decisões do Poder Judiciário no sentido da perda do

poder familiar dos pais biológicos, que se insurgiram contra tal situação, sugere-

se o encaminhamento do caso ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ para que

este órgão verifique a conveniência e oportunidade de instaurar providencias

apuratórias sob sua competência.

13.29. CASO BELO MONTE - PA

Trata-se de notícia de suposto esquema de exploração sexual de mulheres

e adolescentes na região das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio

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Xingu, Estado do Pará, em prostíbulo que funcionaria em área limítrofe ao

canteiro de obras da Usina.

Segundo a notícia da Polícia Civil paraense, uma organização criminosa

atuante no tráfico interno de pessoas para fim de exploração sexual foi

desbaratada em 13/02/2013. A Organização era composta pelas pessoas de

“Classi”, “Cassi” ou “Glaci”, proprietária de casa de prostituição em Joaçaba/SC,

que, juntamente com seu funcionário Moacir Chaves, eram os responsáveis por

cooptar e aliciar as vítimas, algumas delas mediante falsas promessas de lucros

exorbitantes com a prostituição (importante registrar que nenhuma vítima foi

aliciada sob fraude, ou seja, todas sabiam que seriam exploradas sexualmente);

Adão Rodrigues e Solide Fátima Triques, casal proprietário de casa de

prostituição em Vitória do Xingu/PA, para onde as vítimas foram traficadas e

exploradas sexualmente, inclusive tendo sido mantidas sob cárcere privado,

mediante o sistema de “dívidas” com a “casa”; Adriano Cansan e Carlos Fabrício

Pinheiro, que atuavam como garçons, gerentes e vigilantes da casa de

prostituição no Pará.

Ofícios Expedidos

A CPI enviou ofício à Justiça de Altamira/PA requisitando cópia de

processos relacionados a suposta rede de prostituição e tráfico de pessoas em

área situada nas cercanias da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Documentos recebidos A CPI, quer seja em razão de solicitações emanadas, quer seja por

iniciativa de terceiros interessados nas investigações processadas, recebeu

documentos de origens diversas, tais como:

• Documento intitulado “Pacto de Compromisso entre Consórcio

Construtor Belo Monte e Conselho Municipal dos Direitos das Crianças

e dos Adolescentes de Altamira/PA” às fls. 272/276 do volume 29 do

processo ostensivo;

• Ata da 211ª Assembleia Ordinária Descentralizada: crianças e

adolescentes no contexto das grandes obras, às fls. 277/282 do volume

29 do processo ostensivo;

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• Documento intitulado “Pacto pela infância e adolescência nas eleições

2012” e anexos, às fls. 283/298 do volume 29 do processo ostensivo;

• Resolução n. 40/2012 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

do Adolescente de Altamira/PA e plano de ação anexo, às fls. 299/319

do volume 29 do processo ostensivo;

• Relatório de monitoramento do plano municipal de enfrentamento da

violência sexual contra Crianças e Adolescentes de Altamira/PA , às fls.

320/336 do volume 29 do processo ostensivo;

• Documento intitulado “Monitoramento do Eixo Mobilização e

Articulação Político – Institucional do plano municipal de enfrentamento

da violência sexual contra Crianças e Adolescentes”, às fls. 337/55 do

volume 29 do processo ostensivo;

• Ofício n. 98/2013 – DAV, de 25/02/2013, que traz anexos os

depoimentos das vítimas Tatiane Luana Salete Rodrigues, Suelen

Patrícia Martins do Nascimento, Silmara Franke, Michele Cristina Vieira,

Felipe Nogueira, Patrícia Pereira dos Santos, Josiane Cássia da Cruz,

Eliane dos Santos, Daniela Aparecida Ofmann Cavalheiro e Suelen

Magda Weber, às fls. 33/68 do volume 30 do processo ostensivo;

• Ofício n. 101/2013 – DAV, de 25/02/2013, que traz anexos cópias dos

Autos de Reconhecimento das pessoas de Claci de Fátima Morais da

Silva, Adão Rodrigues e Moacir Chaves, confeccionados pelas vítimas

mencionadas no item anterior, às fls. 69/100 do volume 30 do processo

ostensivo (há fotos de Claci e Moacir que, segundo consta, ainda estão

foragidos);

• Mensagem eletrônica impressa, oriunda da Procuradora da República

Thais Santi Cardoso da Silva, encaminhando termos de depoimentos de

vítimas, às fls. 147/187 do volume 31 do processo ostensivo.

• Documentos referentes à ação penal n. 296-31.2013.4.01.3903, que

tem como incidentes processuais (pedidos de liberdade provisória) os

autos de n. 598-60.2013.4.01.3903, 297-16.2013.4.01.3903 e 298-

98.2013.4.01.3903, que tramitam na Subseção Judiciária de

Altamira/PA (Justiça Federal).

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Providências tomadas pela CPI

Foi realizada audiência publica em Brasília, para deliberação de

requerimentos e oitivas diversas.

Conforme relatório produzido pelo Delegado da Polícia Federal Gustavo

Almeida Bubolz, que atua em auxílio a esta CPI, foram efetivadas até o momento

as seguintes diligências:

• Oitiva de Adriano Cansan, Carlos Fabrício Pinheiro, Adão Rodrigues e

Solide Fátima Triques, em data de 25/02/2013, cujas notas taquigráficas

se encontram arquivadas no volume 33 do processo ostensivo;

• Oitiva de Antônio Carlos de Oliveira, Diretor da Área de Qualidade, Meio

Ambiente, Segurança, Saúde Ocupacional e Responsabilidade Social

do Consórcio Construtor Belo Monte, em data de 02/04/2013, cujas

notas taquigráficas se encontram arquivadas no volume 37 do processo

ostensivo;

Conforme se depreende, há neste caso algumas diligências importantes a

serem cumpridas até que se chegue a uma conclusão quando das providências

finais do caso. O Delegado de Polícia Federal Gustavo Almeida Bubolz elenca

algumas que considera essenciais no momento:

• Considerando que o último documento que integra os autos, cujas

cópias foram encaminhadas a esta CPI, data de 12/06/2013,

mencionando a interposição de pedido de revogação da prisão

preventiva de Adão Rodrigues e Carlos Fabrício Pinheiro, tem-se que é

necessária a expedição de novo ofício à Subseção Judiciária de

Altamira/PA, solicitando cópias do restante dos autos, de forma a obter

informações atualizadas até a presente data acerca do caso;

• Considerando que nas informações prestadas ao Eminente

Desembargador Federal, datadas de 22/05/2013, a autoridade judiciária

de 1.º grau refere que os decretos prisionais expedidos em desfavor de

Mocir Chaves e Claci de Fátima Morais da Silva ainda não haviam sido

cumpridos, e considerando, ainda, que constam dos autos informações

que dão conta do encaminhamento dos mandados para cumprimento

por parte da Superintendência Regional da Polícia Federal em Santa

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Catarina, eis que os foragidos são proprietários de casas de prostituição

naquele Estado. Tem-se que é necessária a expedição de ofício ao

Departamento de Polícia Federal solicitando informações acerca dos

resultados das diligências empreendidas para cumprir referidos

mandados. Por meio de mensagem eletrônica encaminhada à CPI pelo

Assessor de Imprensa do Deputado Arnaldo Jordy, Vicente Bezerra, em

23/08/2013, dá conta do cumprimento do mandado de prisão expedido

em desfavor de Claci Fátima Morais da Silva, em data de 22/08/2013,

na cidade de Passo Fundo/RS. A notícia informa que Claci será

transferida para o Estado do Pará, ainda sem data definida;

• Considerando que a defesa dos acusados sustenta que é inverídica a

afirmação de que Taiana Chene teria sido incluída no PPCAM –

Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de

Morte, eis que haveria nos autos formulário onde constaria que a vítima

não teria aceitado as condições do Programa (informação até este

ponto não confirmada, salvo ausência do documento nas cópias

encaminhadas pela Subseção Judiciária de Altamira), tem-se por

necessária a expedição de ofício aos responsáveis pelo referido

Programa, com o objetivo de obter informações que esclareçam a

situação;

• Considerando notícias de supostas ameaças de morte à adolescente

Taiana Chenet, tem-se por necessária a expedição de ofício às

autoridades ministeriais e policiais paraenses, com o objetivo de obter

informações que esclareçam no que consistiram tais ameaças e se foi

instaurado algum procedimento investigativo para apurá-las;

• Considerando que o MPF informou sobre a oferta de cota de

encaminhamento ao Ministério Público Estadual, para que adote as

medidas cabíveis em razão do suposto fato criminoso de ter sido

encontrado Alvará fotocopiado para outro estabelecimento, em moldura

representando documento oficial (fls. 145/146), tem-se por necessária a

busca de informações acerca das providências adotadas para a

apuração deste fato.

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13.30. OUTRAS AUDIÊNCIAS REALIZADAS PELA

COMISSÃO.

Conforme consta das notas taquigráficas disponíveis na Secretaria da

Comissão, foram ainda realizados os seguintes eventos:

DILIGÊNCIA REALIZADA EM 25/02/2013

- Visita ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

AUDIÊNCIA REALIZADA NO DIA 09/04/2013

- Audiência realizada na Superintendência Regional da Polícia Federal em

Brasília/DF, em caráter reservado, para oitiva do Senhor Adriano Macedo

Nascimento Filho, preso no Acre.

DILIGÊNCIAS REALIZADAS NO DIA 09/12/2013

- Reunião no Ministério Público do Estado de São Paulo, com a presença

das Senhoras: Dra. Cláudia Regina Lovato Franco, Procuradora-Chefe do

Ministério Público do Trabalho em São Paulo; Dra. Christiane Vieira Nogueira,

Procuradora do Trabalho – Guarulhos; e Dra. Juliana Felicidade Armede,

Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas do Estado de

São Paulo;

- Reunião no Foro Regional II - Santo Amaro - São Paulo-SP,com a

presença dos Senhores: Dr. Iasim Issa Ahmed, Juiz Titular da 1ª Vara da Infância

e da Juventude do Foro Regional II - Santo Amaro; e Dra. Amanda Eiko Kato,

Juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional II - Santo Amaro:

- Visita à obra de ampliação do Aeroporto Internacional de Guarulhos

André Franco Montoro.

REUNIÃO REALIZADA NO DIA 12/03/2014

- Reunião de Membros da CPI com o Presidente da Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil – CNBB, Dom Raymundo Damasceno Assis, e com o Secretário-

Geral Dom Frei Leonardo Ulrich Steiner, na sede da CNBB, para tratar de tema

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relacionado ao tráfico de pessoas, também objeto da Campanha da Fraternidade

do ano de 2014.

14. AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA EM 13/08/2013, para

debater a regulamentação das atividades dos profiss ionais do

sexo.

Durante a realização dos trabalhos desta Comissão, constatou-se a

tramitação de projeto de lei objetivando a regulamentação da atividade dos

profissionais do sexo. A CPI considerou oportuna o debate sobre essa questão, a

fim de ouvir as diferentes opiniões, até mesmo para subsidiar a discussão da

matéria nesta Casa Legislativa. Por essa razão, foi realizada esta audiência

pública, cujos pronunciamentos passamos a transcrever.

DEPOIMENTO DO Sr. THADDEUS GREGORY BLANCHETTE -

Pesquisador associado da ONG Davida.

O declarante destacou que é antropólogo e que tem investigado a questão

desde 2004. Ressaltou que já entrevistou cerca de 2 mil prostitutas no Rio de

Janeiro, das quais quase a metade já viajou para trabalhar no exterior ou está

almejando ir para fora do país trabalhar.

Disse que “as leis brasileiras sobre prostituição e sobre tráfico de pessoas

são abolicionistas no seu intuito. Elas não miram na salvação, no resgate ou na

ajuda às vítimas de trabalhos forçados, aos escravos etc. e tal, miram na

eliminação da prostituição”

Elogiou os avanços alcançados com o protocolo de Palermo que, ao retirar

do conceito de tráfico de pessoas a prostituição voluntária e consensual,

inaugurou um novo entendimento do tema.

Afirmou que a atual lei brasileira trata erroneamente como sendo sinônimos

três conceitos distintos, quais sejam: prostituição, trabalho sexual e exploração

sexual.

Conceituou a exploração sexual como sendo a conduta de forçar alguém a

trabalhar como prostituta ou impedir a saída de alguém da prostituição.

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Criticou a lei brasileira por não tipificar vários tipos de tráfico de pessoas,

que são mais importantes e mais impactantes do que o tráfico para fins de

exploração sexual, tais como, trabalho escravo na área da agricultura, construção

civil e serviços.

Salientou que “em vez de lutarmos contra o tráfico, como ele está definido

pelo Protocolo de Palermo, nós estamos lutando contra a migração das

prostitutas.”

Reclamou da atuação da Policial Federal que, em um caso específico,

impediu que algumas prostitutas emigrassem voluntariamente para Angola.

Afirmou que o Movimento das Prostitutas apoia totalmente esse projeto de

lei do Deputado Jean Wyllys, que regulamenta a profissão da prostituição.

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA DE LOURDES ARAÚJO BARRETO -

Presidente do Grupo de Mulheres Prostitutas do Pará – GEMPAC.

A declarante se apresentou como prostituta e reclama do estigma social

que a categoria tem.

Disse que “uma sociedade que não sabe definir o que é prostituição,

migração, exploração sexual e tráfico de seres humanos, que pensa em fazer um

projeto para curar gay, está perdida.”

Elogiou o projeto de lei do Deputado Jean Wyllys, porquanto, se aprovado

terá o condão de gerar uma revolução moral na sociedade brasileira.

Disse que o projeto é justo e se coaduna com a realidade. Afirma ainda

que “com esse projeto, você vai ter como combater a exploração sexual de

crianças e adolescentes. Você não vai poder ter uma criança em situação de

exploração, porque criança não é prostituta, está numa situação de exploração.

Você vai poder saber que a mulher... dizer para a mulher que ela tem o direito de

migrar, de ir para outro país, como qualquer cidadão pode ir para qualquer país

do mundo, desde que vá com condições, com informação, falando o idioma,

entendendo. Qualquer ser humano que chegar a qualquer lugar do mundo sem

saber falar o idioma vai ficar numa situação difícil, qualquer ser humano que vai

sair do seu país sem conhecer... “

Destacou que a categoria das prostitutas e o movimento homossexual

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foram os primeiros segmentos da sociedade a lutar contra a AIDS no Brasil que

hoje é referência no combate à essa moléstia.

Defendeu o movimento das prostitutas : “a nossa carta de princípios deixa

bem claro para a sociedade brasileira o que nós queremos. Nós somos mulheres

heroínas, que cresceram na prostituição. Lutamos contra a exploração sexual de

crianças e adolescentes. Nós queremos adolescentes na escola, tendo cultura,

lazer e vivendo bem na sociedade. É isso que nós queremos.”

DEPOIMENTO DA SRA. MARIA APARECIDA MENEZES VIEIRA -

Presidente da Associação das Prostitutas de Minas G erais – ASPROMIG.

Ressaltou a necessidade de se definir o que é tráfico de pessoas. Disse

que as prostitutas, assim como qualquer cidadão, tem o direito de ir e vir. Afirmou

que a Classificação Brasileira de Ocupações reconhece a prostituição como

ocupação, todavia a atividade não está regulamentada como profissão. Reclamou

do desejo da sociedade em criminalizar a prostituição.

DEPOIMENTO DO SR. FRANCISCO GOMES DOS SANTOS -

Coordenador de Identificação e Registro Profissiona l do Ministério do

Trabalho.

Destacou que o Ministério iniciou um trabalho, em parceira com as

profissionais do sexo, em 2000, que culminou com a inserção da codificação, da

nomenclatura com a titulação e a descrição sobre o que fazem os profissionais

do sexo na Classificação Brasileira de Ocupações. Afirmou ainda que essa

classificação facilitou as pesquisas em relação às Doenças Sexualmente

Transmissíveis, os estudos promovidos pela Previdência Social em relação a

direitos previdenciários daquelas que recolhiam e recolhem como autônomas no

exercício da profissão.

Salientou que o PL do Deputado Jean Wyllys está em análise do Ministério

do Trabalho, desde novembro de 2012.

Disse que acredita que o Ministério se colocará a favor da proposta de

regulamentação da profissão do sexo, pois o PL em destaque se coaduna com o inciso

XIII do art. 5º e inciso VIII do art. 170 da Constituição, que faculta a plena liberdade do

exercício de profissão para qualquer cidadão.

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DEPOIMENTO DO SR. RENATO BIGNAMI - Auditor Fiscal d o Trabalho

Disse que não há norma, no Brasil, que que realize concretamente os

ditames do Protocolo de Palermo que é um instrumento moderno e abrangente.

Elogiou o projeto do Deputado Jean Wyllys, todavia aponta pequenos

problemas com a redação do parágrafo único do artigo 3° que permite o

funcionamento de casas de prostituição: “Eu compreendo também a necessidade

de uma casa de prostituição, principalmente no sentido de evitar que o

profissional ou a profissional do sexo vá para a rua e fique sujeita a intempéries

muito piores eventualmente do que se estivesse numa casa de prostituição.

No entanto, me parece que, na prática, dificilmente conseguiríamos ter uma

casa de prostituição em que não houvesse subordinação no sentido dos arts. 2º e

3º da CLT, porque aí já me remete a uma relação de emprego. Não

necessariamente, mas provavelmente acontecerá isso.”

Sugeriu que o projeto de lei em comento poderia garantir alguns direitos

sociais aos trabalhadores do sexo, tais como um ambiente de trabalho digno,

seguro e saudável.

DEPOIMENTO DO SR. DEPUTADO FEDERAL JEAN WYLLYS

Descreveu a origem do projeto e diz que a ideia chegou ao seu

conhecimento por intermédio de Gabriela Leite, reconhecida nacionalmente por

ser uma das pioneiras do movimento político organizado das prostitutas no Brasil.

Chamou a atenção para o fato de que “ muitas mulheres se colocam numa

posição não só de estigmatizar a prostituta, mas numa posição abolicionista em

relação à profissão. Quer dizer, querem abolir a prostituição e não garantir direitos

às mulheres prostitutas. Além disso, essa é uma pauta que estigmatiza o

Deputado.

Disse que: “o caso das mulheres transgêneros é mais complicado, porque

quase todas têm a prostituição como um destino. Elas são expulsas de casa pelos

pais, e a única maneira de se colocar, de sobreviver e de se colocar na vida é por

meio da prostituição. Então, no caso das mulheres transgêneros, a prostituição é

quase um destino. Ao contrário, das mulheres cisgêneros, em que há muito mais

a questão da escolha presente.”

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Ressaltou que a proposição só contém o que é consenso entre os

diferentes grupos que constituem o movimento das prostitutas.

Disse que tem consciência de que o projeto será melhorado à medida que

tramitar na Casa. Demonstrou que o projeto distingue de maneira muito clara

exploração sexual de prostituição.

Chamou a atenção para o fato de o projeto descriminalizar a conduta de

manter casa de prostituição que, por via, indireta criminaliza a prostituição

propriamente dita.

Explicou que a legalização de casas de prostituição facilitará o combate da

exploração sexual de mulheres e de crianças e adolescentes nesses locais.

Salientou ainda que: “sem descriminalizar a casa de prostituição, as

mulheres não podem se cooperativar, elas não podem se organizar em

cooperativa e abrir uma casa sem a figura do cafetão — para usar o termo que a

gente usa hoje. Elas não podem se organizar cooperativamente porque, se elas

criarem uma casa, ainda que cooperativada, será crime, segundo o Código Penal.

Portanto, é preciso descriminalizar a casa. O projeto, portanto, faz isso. O projeto

garante o direito de cooperativa, como eu falei para vocês. Ao descriminalizar a

casa, garante, textualmente, o direito de se cooperativar. Desestigmatiza a figura

desse mediador, que hoje nós chamamos de cafetão. É importante lembrar que

nem todo mediador dos programas feitos pelas prostitutas é um explorador

sexual. É preciso distinguir uma coisa da outra, porque nenhum trabalhador

trabalha de maneira absolutamente autônoma. Todo trabalhador trabalha em

relação, num ambiente de relações.”

O Deputado defendeu que, em se legalizando a prostituição, a divisão de

lucros entre a trabalhadora e o estabelecimento comercial seja feita em partes

iguais: “Há casas de prostituição em que as mulheres fazem um acordo de fato de

50%, 50%, porque a grande maioria das mulheres prostitutas no Brasil são mães,

têm filhos. E, portanto, elas não querem exercer a atividade na casa dela. Ela

precisa de uma casa para exercer. E lá o dono da casa, muitas vezes, arca com a

segurança, com a higiene, com a toalha, com uma infraestrutura que ele tem que

manter.”

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Discorreu sobre as vantagens do projeto: “Bom, ao regulamentar a

prostituição e ao descriminalizar a casa de prostituição por meio desse projeto, a

gente permite uma fiscalização do Estado sobre as casas. Claro, se a casa sai da

clandestinidade, sai da ilegalidade, passa a operar na legalidade, o Estado pode

fiscalizar essas casas, não só no sentido de coibir, de combater a exploração

sexual de mulheres e de crianças e adolescentes, porque hoje — talvez vocês

não saibam — muitas mulheres prostitutas são impedidas de denunciar

exploração sexual de crianças nessas casas.

Elas veem crianças, meninas sendo exploradas lá e elas não podem dizer

nada. Sabe por quê? Porque a casa opera na ilegalidade, e elas podem ser

assassinadas por quadrilhas de exploradores, montadas, ou presas como

coadjuvante, como cúmplice, na verdade, da exploração sexual. Então, elas não

podem dizer isso.

Nós precisamos, portanto, legalizar não só para permitir que o Estado

fiscalize no sentido de coibir a exploração sexual de mulheres e de crianças e

adolescentes, mas também no sentido de levar políticas públicas de saúde da

mulher e de prevenção às DST/AIDS de maneira clara para essas casas.

Bom, a outra vantagem desse projeto da regulamentação da prostituição é

combater a corrupção policial. Por que vocês acham que as casas operam

mesmo sendo crime? Por que existem casas de prostituição Brasil afora? Porque

é claro que, quando os policiais identificam uma casa de prostituição, para que

aquela casa continue funcionando, não seja denunciada e fechada, eles cobram

uma propina.

Nós estamos, portanto, ensejando a corrupção policial. E, se esse projeto

for aprovado, a gente incide na corrupção policial, a gente combate a corrupção

policial.”

Demonstrou ainda que o Projeto defende a liberdade individual, porquanto

reconhece, entre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, o direito de ser

prostituta.

Disse que o projeto visa, sobretudo, o proletariado da prostituição, na

medida em que enfrenta, de maneira clara, honesta, a descriminalização das

casas de prostituição.

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Refutou o argumento de que a prostituição é um subproduto do

capitalismo, vez que a atividade existe antes do referido modelo se constituir

como modo de produção.

Diante de todos esses pronunciamentos, a Comissão considera importante

que a matéria seja mais debatida neste Parlamento, com a participação dos

setores da sociedade civil interessados, a fim de que, a final, se possa deliberar

da melhor maneira possível quanto a esse tema.

15. INDICIAMENTOS FEITOS PELA COMISSÃO

De todo o exposto, e com base no que consta de toda a apuração realizada

ao longo dos trabalhos da presente Comissão Parlamentar de Inquérito, ficam

indiciados:

1. REGINALDO PINHEIRO DOS ANJOS – incurso na pena prevista no art.

215 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pelo crime de violação

sexual mediante fraude, consistente em ter conjunção carnal ou praticar outro ato

libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a

livre manifestação de vontade da vítima.

A pena para este crime é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Na forma

do parágrafo único desse artigo, se o crime é cometido com o fim de obter

vantagem econômica, aplica-se também multa.

2. ULISSES GONÇALVES DA COSTA – incurso nas penas previstas nos

arts. 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei n.

8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

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pena passa a ser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

3. AUDELINO DE SOUZA - incurso nas pena previstas nos arts. 239 da Lei

n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de

dezembro de 1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

4. TELMA RODRIGUES DO NASCIMENTO – Incursa nas penas previstas

nos arts. 229, 231-A, §§1º e 2º, I, do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de

1940, pela prática dos seguintes crimes:

- Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra

exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do

proprietário ou gerente, cuja pena é de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

- Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território

nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual,

cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

O § 1o desse artigo prevê que “incorre na mesma pena aquele que

agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo

conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”.

Já o § 2º , inciso I, dispõe que a pena é aumentada da metade se a vítima é

menor de 18 (dezoito) anos.

5 - GUIOMAR MORSELLI – Incursa nas penas previstas nos arts. 148 e

288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei n. 8.069, de

13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

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- Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado,

cuja pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

6 – FRANCO MORSELLI - Incurso nas penas previstas nos arts. 148 e 288

do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da Lei n. 8.069, de 13

de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado,

cuja pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

7 – MARIA DAS DORES PINTO DA MOTA - Incursa nas penas previstas

nos arts. 148 e 288 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e 239 da

Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

- Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado,

cuja pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

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- Associação criminosa, cuja pena é de reclusão de um a três anos, com

aumento até a metade, se houver uso de arma ou a participação de criança ou

adolescente.

- Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou

adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o

fito de obter lucro, cuja pena é de reclusão de quatro a seis anos, e multa. Na

forma do parágrafo único, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a

pena passa a ser de reclusão, de 6 (seis) a 8 (oito) anos, além da pena

correspondente à violência.

8 - CARMEM TOPSCHALL - Incursa nas penas previstas nos arts. 237 e

238 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, pela prática dos seguintes crimes:

. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda

em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocar em lar substituto, cuja

pena é de reclusão de dois a seis anos, e multa.

Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga

ou recompensa, cuja pena é de reclusão de um a quatro anos, e multa.

16. ENCAMINHAMENTOS FEITOS PELA COMISSÃO

Tendo em vista os fatos apurados nesta Comissão Parlamentar de

Inquérito, decide-se pela realização dos seguintes encaminhamentos:

1. À Mesa da Câmara dos Deputados para as providências de sua

alçada, incluindo a tramitação do Projeto de Lei oferecido por esta

Comissão, visando ao combate e punição do tráfico de pessoas no

Brasil.

2. Aos Órgãos estaduais e federal do Ministério Público e também às

polícias estaduais e federal, conforme as respectivas competências e

atribuições, para promover a persecução criminal das pessoas

INDICIADAS no item 15 deste Relatório , em razão de suas condutas

delitivas, assim como em relação às demais conclusões contidas neste

Relatório Final.

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3. Ao Ministério da Justiça para que adote as medidas cabíveis com

relação à criação, em cada estado da federação, de delegacias

especializadas no atendimento a vítimas de tráfico interno e

internacional de pessoas, nas modalidades apuradas por esta

Comissão.

4. Ao Ministério da Justiça, sugerindo a criação da divisão de combate ao

tráfico de pessoas, no âmbito da Polícia Federal.

5. Requer o envio de indicação ao Poder Executivo, sugerindo medidas

para melhorar a coordenação e a eficiência da rede institucional

voltada ao enfrentamento do tráfico de pessoas.

6. Ao Ministério das Relações Exteriores para as providências cabíveis no

âmbito do controle e da fiscalização da entrada e saída de pessoas que

possam ser vítimas em potencial de alguma forma de tráfico de

pessoas.

7. À Polícia Federal para as devidas providências na apuração e

repressão dos crimes de tráfico de pessoas, incluindo as medidas

necessárias para melhor aparelhamento do Instituição e

aperfeiçoamento no sistema de atendimento às vítimas.

8. À Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos

Deputados para o acompanhamento permanente dos temas ligados ao

tráfico de pessoas no Brasil.

9. Indicação ao Ministério da Justiça sugerindo a ampliação do número

de acordos operacionais entre a Polícia Federal e as polícias de outros

países no sentido de ampliar o combate ao tráfico de pessoas.

10. Ao Conselho Nacional de Justiça para as devidas providências no que

diz respeito à apuração de irregularidades na atuação de magistrados

em processos de adoção, principalmente no que tange à prática do

crime de tráfico de influência, em especial o Caso de Monte Santo e

todos os envolvidos.

11. Ao Ministério das Relações Exteriores, à Embaixada dos Estados

Unidos no Brasil, ao Ministério Público e à Defensoria Pública para as

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providências cabíveis relativamente ao caso envolvendo Marcel Lee

Paul e sua irmã Raquel, conforme descrito neste Relatório.

12. À Confederação Brasileira de Futebol (CBF), recomendando a criação

de grupo de trabalho visando à regulamentação e supervisão das

atividades relacionadas às escolinhas de futebol, notadamente quanto

às irregularidades aqui apontadas.

13. À Organização das Nações Unidas, com sugestão de elaboração de

legislação ou tratado internacional visando á regulamentação das

adoções entre Estados estrangeiros com o objetivo de dificultar o

tráfico de pessoas.

14. Ao Ministério da Justiça, sugerindo a criação de Órgão Fiscalizador de

Abrigos de crianças e também de adultos em situação de

vulnerabilidade.

15. Ao Ministério Público para a adoção de medidas cabíveis como titular

da ação penal, nos crimes envolvendo condutas que caracterizem

tráfico de pessoas ou crime de ação penal pública, incluindo o caso

Sérgio Leonardo, no qual há indícios de sequestro, o que poderia

fundamentar a reabertura do processo, afastando-se a prescrição.

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17. CONCLUSÃO

A definição do tráfico de pessoas encontra-se explicitada no Protocolo

Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado

Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de

Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto n. 5. 017,

de 12 de março de 2004, conhecido como Convenção de Palermo.

O artigo 3 do referido Protocolo encontra-se redigido nos seguintes termos:

“A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a

transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça

ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao

abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação

de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que

tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no

mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração

sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à

escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista

qualquer tipo de exploração será considerado irrelevante se tiver sido utilizado

qualquer um dos meios referidos no Protocolo.

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o

acolhimento de uma criança para fins de exploração também são considerados

"tráfico de pessoas", independente dos meios utilizados. De acordo com o

Protocolo, o termo "criança" refere-se qualquer pessoa com idade inferior a

dezoito anos.

Assim, o tráfico de pessoas consiste em recrutar, transportar, transferir,

abrigar ou receber pessoas, utilizando-se de ameaça ou violência, de coerção,

rapto, fraude, engano, abuso de poder ou situação de vulnerabilidade. Ainda o

tráfico pode se manifestar por meio do pagamento ou oferta de benefícios a fim

de obter o consentimento de outra pessoa com o fim de exploração.

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Nesse sentido, a lei penal ainda é incompleta, o que resulta em punições

brandas para esse tipo de crime e além disso, não há um capítulo do Código

Penal que cuide de modo concatenado das diversas hipóteses delitivas

relacionados ao tráfico de pessoas, tratando do tráfico de pessoas e os aspectos

relacionados ao aliciamento, transporte e exploração. A lei brasileira não dá

tratamento específico a diversas condutas previstas nos protocolos. Um exemplo

dessa "limitação" está no art. 231 do Código Penal, que aborda o tráfico

internacional de seres humanos. A lei contempla apenas a hipótese de tráfico de

pessoas referente à prostituição. O protocolo adicional, contudo, prevê a

criminalização do tráfico voltado a qualquer forma de exploração sexual, além de

orientar punições para casos de escravidão e de remoção de órgãos.

Já o protocolo relativo ao combate ao tráfico de migrantes estipula a

criminalização dessa modalidade sempre que for verificada a finalidade de

obtenção de vantagem financeira ou material. No entanto, o Código Penal

somente prevê a caracterização de crime se o recrutamento de trabalhadores for

realizado "mediante fraude".

Por outro lado, as formas mais graves de tráfico de pessoas, como os

aliciamentos para extração de órgãos, deveriam ser considerados crimes

hediondos, permitindo decisões penais mais rigorosas. O tráfico de mulheres para

fins de prostituição, por exemplo, ainda está previsto no capítulo dos "crimes

contra os costumes" no Código Penal, porém é mais adequado que o bem jurídico

atingido por essa conduta é a dignidade da pessoa humana.

Por essa razão, foi apresentado Projeto de Lei desta Comisssão para

corrigir essa distorções. Além disso, o Projeto visa ao combate e à punição mais

efetivos desses crimes, modificando-se o tratamento legislativo no que tange à

adoção, ao transplante de órgãos, à exploração do trabalho assemelhado ao de

escravo, à migração, à adoção clandestina, à exploração sexual.

Esse Projeto é a maior contribuição desta CPI para o combate ao tráfico,

tendo em vista a adequação da legislação pátria ao Protocolo de Palermo e sua

modernização diante das novas técnicas utilizadas pelas redes de tráfico humano.

A Comissão ouviu diversos depoimentos, requisitou documentos, realizou

inspeção in loco, procedeu a várias diligências, além dos encaminhamentos a

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várias autoridades, que, se acatados, certamente contribuirão para o combate ao

tráfico internacional e interno de pessoas.

Vários indiciamentos foram efetuados, com o objetivo de investigar e punir

pessoas sobre as quais pesam fortes acusações de tráfico de pessoas, tanto para

exploração sexual, como para para adoção clandestina, casos estes

frequentemente relatados perante a Comissão.

Desse modo, esperamos ter cumprido a contento o nosso mister

parlamentar, principalmente nos seus dois pontos mais relevantes, a saber, a

prestação de informações à sociedade e a adequação da legislação aos fatos

sociais.

Sala da Comissão, em..........de.....................2014

Deputada FLAVIA MORAIS

Relatora

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PARECER DA COMISSÃO

A Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o Tráfico de Pessoas no Brasil, suas causas, consequências e responsáveis no período de 2003 a 2011, compreendido na vigência da Convenção de Palermo, em reunião realizada nesta data, aprovou unanimemente o Relatório apresentado pela Deputada Flávia Morais.

Participaram da votação as(os) Deputadas(os) Arnaldo Jordy – Presidente, Luiz Couto – 1º Vice-Presidente, Flávia Morais – Relatora, Antônia Lúcia, Antonio Bulhões, Edio Lopes, Flaviano Melo, Janete Capiberibe, João Campos, José Augusto Maia, Liliam Sá, Major Fábio, Mendonça Prado, Miriquinho Batista, Nelson Pellegrino, Paulo Freire – Titulares; Geraldo Thadeu, Josué Bengtson, Marinha Raupp, Professora Dorinha Seabra Rezende e Sebastião Bala Rocha – Suplentes.

Sala da Comissão, em 20 de maio de 2014.

Deputado ARNALDO JORDY Deputada FLÁVIA MORAIS

Presidente Relatora