ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAMFACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTROCENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD
ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELAINCONTROVÉRSIA DO PEDIDO
Monografia apresentada como requisitoindispensável para a para a obtenção do títulode Especialista em Direito Processual Civil.
Aluno: Felipe Veiga Schottz
Orientador: Prof.
RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO, 2014.
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAMFACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTROCENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD
FELIPE VEIGA SCHOTTZ
ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELAINCONTROVÉRSIA DO PEDIDO
Monografia apresentada à Faculdade deDireito Candido Mendes – Centro comorequisito parcial para a obtenção do título deEspecialista em Direito Processual Civil.
Nota ( )
Professor _____________________________________Orientador
Professor _____________________________________
Professor _____________________________________
RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2014.
RESUMO
A efetivação dos direitos, no plano dos fatos, surge como uma das maiores dificuldades
enfrentadas pelo direito processual civil moderno. Nesse quadro, a técnica da antecipação dos
efeitos da tutela constitui-se em uma das maneiras de aliviar as tensões existentes entre os
direitos, de base constitucional, à efetividade e à segurança. Objetiva-se, nesta monografia,
caracterizar e discutir os principais aspectos, requisitos e pressupostos da antecipação da
tutela do pedido incontroverso, introduzida no art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil,
pela Lei n. 10.444/2002, além de sua natureza e relação com as demais hipóteses de tutela
antecipada.
Palavras-chave
Processo; antecipação; incontrovérsia; pedido.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................52 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.....................................................6
2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO.................................................................................................62.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA.................82.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO.........................................................................................92.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA....................................................102.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS......................112.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA...............13
3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO........................153.1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................153.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS.....................................................................15
3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único............................................153.2.2 Objeto de prova......................................................................................................183.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos..................................................................................................................203.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual.....................................................223.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor....................................................233.2.6 Revelia e não contestação.......................................................................................243.2.7 A incontrovérsia......................................................................................................27
3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis.............283.4 Natureza da decisão e precariedade da medida..............................................................293.5 Natureza jurídica e recurso da decisão...........................................................................32
4 CONCLUSÕES.....................................................................................................................37REFERÊNCIAS........................................................................................................................38
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo analisar aspectos relevantes relacionados ao
instituto da antecipação de tutela em razão da incontrovérsia parcial do pedido, incluído no
ordenamento processual brasileiro pela Lei n. 10.444/2002 no parágrafo sexto do art. 273 do
Código de Processo Civil.
Na primeira parte, serão analisados os fundamentos – legais e de ordem fática –
que permitem a concessão da medida e sua inclusão na legislação pátria, tais como os efeitos
do tempo para a correta prestação jurisdicional, além das tensões provocadas pelos direitos à
efetividade e à segurança – características que determinaram a escolha do tema apresentado.
Para permitir melhor diferenciação com as demais tutelas de urgência – tanto as demais
hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela (tutela antecipada assecuratória e punitiva)
quanto as tutelas cautelares –, serão explorados seus respectivos requisitos e principais
características.
Já na segunda, serão estudados conceitos necessários à correta delimitação do
tema, como a cumulação de pedidos, espécies de defesa do réu, objeto de prova, além de
condições para se considerar um pedido como incontroverso. Outrossim, serão averiguadas a
natureza da decisão que antecipa os efeitos da tutela considerada e suas respectivas
consequências no âmbito recursal, bem como analisadas as principais correntes doutrinárias a
respeito. A metodologia empregada foi a documental, com todas as reflexões realizadas a
partir da análise de textos.
6
2 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO
Uma das características do Estado moderno, no que se refere à questão da
administração da justiça, é o monopólio da jurisdição. A resolução de conflitos que surjam no
campo das relações interpessoais dá-se (ou se deve dar) a partir da apresentação do problema
a um corpo técnico organizado pelo Estado, que, atuando a pedido, resolverá a controvérsia
através da substituição da inteligência e vontade dos envolvidos. Não se admite, portanto,
salvo exceções previstas em lei1, a autotutela.
Assim, o Estado, tendo se arrogado no monopólio da utilização da força, deve
prestar a tutela mais ampla possível. A tutela estatal padrão define-se, por isso, como aquela
construída através de processo em que haja cognição exauriente e que assuma caráter de
definitividade (ou imutabilidade), uma vez que deve açambarcar todo o conflito instaurado e
solucioná-lo de forma perpétua, respeitando-se a segurança – um dos poucos valores a que
pode aspirar com integridade, dispondo dos meios necessários para realizá-lo – daqueles que
se submetem a sua autoridade.
Ocorre que um dos grandes problemas, no que se refere ao procedimento surgido
a partir de tais considerações, o procedimento ordinário, é justamente a espera necessária para
que haja a certificação do direito pleiteado, fato que nem sempre é possível ao autor, uma vez
que sua fruição lhe pode ser necessária desde logo, com o início da relação processual. Assim,
ocorrem situações no campo dos fatos que ensejam a concessão de tutela que, por suas
próprias características, deve se revestir do atributo da provisoriedade.
Nas palavras de Teori Zavascki2:
se o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão
própria, é seu dever fazer com que os indivíduos a ela submetidos
compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da demora da
atividade jurisdicional.
1 Uma das hipóteses é o desforço imediato, previsto no art. 1210, § 1º, do Código Civil: “O possuidor turbado,ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos dedefesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. Outra éa do penhor legal, cujo art. 1.470 do diploma civil assim estabelece: “Os credores, compreendidos no art.1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo nademora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem”.
2 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28.
7
Insere-se a temática da antecipação da tutela na tentativa de se conciliar o direito à
prestação jurisdicional tempestiva com a necessidade de desenvolvimento dos debates entre
os litigantes. Tendo tal situação em vista, o tempo deve ser encarado como um ônus, a ser
repartido entre as partes para que a jurisdição possa ser exercida de maneira eficaz.
Dessarte, quanto mais longa for a marcha processual, maior será o benefício
gerado ao réu que não possui razão, àquele que efetivamente provocou ou provocará uma
lesão, e maior o dano provocado ao autor que tenha razão. Conforme o magistério de Luiz
Guilherme Marinoni3:
Mas, ainda que o autor possa ter, na execução, o bem que persegue, a
simples demora na sua obtenção é, por si só, fonte de dano. Trata-se do dano
que Andolina denomina de 'dano marginal em sentido estrito' ou de 'dano
marginal de indução processual'. O tempo do processo causa,
inevitavelmente, este dano. O dano que pode ser evitado através da tutela
cautelar, ao contrário, não depende apenas da demora do processo e, por isso
mesmo, não é peculiar a todo e qualquer processo.
Assim, tem-se que as regras processuais devem ser lidas e interpretadas de acordo
com os direitos fundamentais de cariz constitucional, notadamente o direito à duração
razoável do processo e à efetividade da jurisdição. Como solução, o processo, para garantir
isonomia ao trato dispensado às partes, deve distribuir o ônus do tempo da demanda a um ou
outro litigante de acordo com a probabilidade de sucesso que possa ser conferida aos
argumentos de cada um.
O mesmo autor sustenta a existência de um princípio de distribuição do ônus do
tempo no direito processual brasileiro4:
De modo que o conceito de título executivo extrajudicial e a consequente
separação entre a ação de execução e a eventual ação de conhecimento
(embargos do executado) constituem genuíno exemplo de distribuição de
ônus do tempo da justiça entre o detentor do título extrajudicial e o devedor.
É o que explica Scarselli: 'se a qualidade dos títulos executivos extrajudiciais
decorre do fato de que estes representam a prova dos fatos constitutivos,
então parece indiscutível que para o ordenamento jurídico esta prova é
pressuposto suficiente para a instauração da execução. Nestes termos, os
3 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.
4 Ibid., p. 114/115.
8
títulos executivos extrajudiciais – de cuja legitimidade ninguém nunca
duvidou – demonstram melhor do que qualquer outro instituto processual a
existência do princípio pelo qual o tempo do processo deve ser suportado
pela parte que tem necessidade da instrução da causa, porque evidenciam
que, em regra, o ordenamento supõe suficiente a prova dos fatos
constitutivos para antecipar a execução à sentença de cognição exauriente.
2.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA
Nesse diapasão, as situações de risco à efetividade da prestação da tutela
definitiva podem ser resumidas em três espécies: (1) aquelas que colocam em risco a
certificação do direito material – nesse caso, a prova da existência do direito material
encontra-se ameaçada, seja em virtude do longo lapso temporal em que se deve desenrolar o
procedimento ordinário ou por algum outro motivo; (2) aquelas que colocam em risco a
execução do direito material pleiteado – há, nessa hipótese, a dissipação, por parte do
devedor, dos bens que possam assegurar a fruição do direito que porventura venha a ser
afirmado; e (3) perigo de dano decorrente da demora na fruição do próprio direito pleiteado5.
Por outro lado, inovações mais recentes no direito brasileiro permitiram o
surgimento de tutelas visando à proteção contra embaraços injustificáveis à fruição do direito
pleiteado, aptas a serem igualmente antecipadas – são os casos de abuso do direito de defesa e
de incontrovérsia do pedido. A existência de tais tutelas visa à concreção, em âmbito
infraconstitucional, da regra encartada n art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República: “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
O que se observa, portanto, é que a tutela provisória poderá consistir em
providências de duas naturezas distintas: aquelas que antecipam a própria fruição do direito
inicialmente pleiteado, e aquelas que garantam a certificação do direito material discutido ou
a futura execução do direito que possa, ao final, ser afirmado. Desse modo, surge como um
pressuposto para a concessão de tais tutelas a existência de fato que coloque em risco o direito
pleiteado, a própria efetividade da jurisdição, ou cause embaraços à necessária celeridade
processual. Tutela provisória é, portanto, um termo guarda-chuva, utilizado para fazer
5 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 49.
9
referência tanto à tutela antecipada quanto à tutela cautelar.
As diferenças entre as espécies são as seguintes: a tutela antecipatória guarda
conteúdo similar ao da tutela definitiva, espraiando-se através do procedimento até que
sobrevenha essa última; a tutela cautelar, por outro lado, possui conteúdo diverso daquele
requerido para a tutela definitiva, sendo sua função assegurar a possibilidade de certificação
do direito ou sua posterior execução, caso certificado, durando apenas enquanto persistir o
estado de perigo.
A tutela provisória, seja antecipada ou cautelar, possui dois limites de natureza
temporal, que se relacionam a sua finalidade e a sua necessidade. Concretizado o fim a que se
destina a tutela definitiva, impõe-se o término da tutela provisória. Por sua vez, a tutela
provisória somente se justificará caso persistam as condições de fato que permitiram seu
deferimento inicial.
A tutela provisória reveste-se, ainda, do atributo da precariedade, uma vez que
possível de revogação ou modificação a qualquer tempo, desde que haja mudança no estado
de fato ou no estado de prova.
2.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO
Conforme aduzido por Kazuo Watanabe6:
Cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em
considerar, analisar, e valorar as alegações e as proas produzidas pelas
partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no
processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do
julgamento do objeto litigioso do processo.
A cognição, por sua vez, dá-se em dois planos: horizontal (extensão) e vertical
(profundidade). No primeiro deles, a cognição pode ser plena ou limitada, sendo todo o
conflito apreciado ou apenas parcela dele. Já no segundo, poderá ser exauriente ou sumária, a
depender da completude com que realizada. O processo em que a cognição tenha sido
realizada de maneira exauriente assumirá o caráter de definitivo e, após o prazo da ação
rescisória, imutável, seja em face de atos normativos superveniente ou mesmo com relação a
6 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41 apud DIDIER JUNIOR,Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 311.
10
atos do próprio Poder Judiciário.
Por outro lado, a previsão de limitações a qualquer dos planos em que se
desenvolve a cognição, por sua vez, é possível, sem que se possa falar, no entanto, em
descumprimento a princípios constitucionais ou processuais. O art. 5º, LV, da Constituição da
República não se configura, assim, em uma espécie de “direito a procedimento ordinário” –
onde tais características se encontram dispostas em maior grau. A cognição realizada no
processo poderá ser, desse modo, limitada e exauriente (p. ex. procedimentos de embargos de
terceiro – art. 1054 do CPC –, desapropriação, ação monitória em que o réu não opõe
embargos – art. 1102-A do CPC)
Desse modo, a cognição, na tutela antecipada, é sumária, menos aprofundada
verticalmente que sua correspondente tutela definitiva, e dependente de futura existência, ao
menos potencial, dessa última. Não se deve, no entanto, confundir procedimento sumário,
apto a gerar tutela definitiva – pois fundada em cognição exauriente –, com a tutela
antecipada, necessariamente menos aprofundada que a concedida no processo principal e
inapta a gerar coisa julgada material. Cognição sumária é aquela formada quando há qualquer
tipo de constrangimento ao contraditório, em especial quando se limita a possibilidade de
produção da prova.
2.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA
Processualmente, o Estado deve garantir aos litigantes a possibilidade não só de
provocar sua atuação, mas, de igual modo, a de obter a melhor decisão possível, em prazo
adequado e com potencial de atuação no âmbito dos fatos – tal é o direito, de base
constitucional, à efetividade da jurisdição (ou, ainda, de acesso à justiça ou à ordem jurídica
justa). O direito à efetividade, sob o prisma processual, decorre da cláusula geral do devido
processo legal: os direitos deve ser, além de simplesmente reconhecidos, efetivados. Portanto,
processo devido é aquele efetivo7.
Por outro lado, garante-se, no art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República, que
ninguém será privado de seus bens e liberdade sem o devido processo legal e o respeito ao
contraditório e à ampla defesa.
7 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 73.
11
A colisão entre tais direitos, de índole constitucional, opera-se, no caso concreto,
com relativa regularidade, desencadeada, na maior parte das vezes, pelo decurso do tempo, e
deve ser harmonizada: a outorga de medidas de caráter provisório é uma maneira de assim
proceder8.
Assim, nas palavras de Teori Zavascki9:
o poder jurisdicional de decretar medidas provisórias cautelares ou
antecipatórias apresenta, simplesmente, o poder de formular regras de
solução para os fenômenos concretos de conflito entre direitos fundamentais
que formam o devido processo legal.
Desse modo, será legítima a tutela antecipada mesmo com relação aos casos em
que sua antecipação seja concedida na sentença sujeita a recurso com efeito suspensivo ou
reexame necessário, em virtude da ponderação realizada, em sede legislativa, que optou por
privilegiar o vetor efetividade em detrimento, nesse caso, da segurança jurídica.
2.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS
Atualmente, no direito brasileiro, as espécies de antecipação de tutela podem ser
elencadas da seguinte maneira: (1) antecipação assecuratória – funda-se no receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, prevista no art. 273, I, do Código de Processo Civil; (2)
antecipação punitiva – com base no abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do
réu, com previsão no art. 273, II, do mesmo diploma; e (3) antecipação do pedido
incontroverso – aplicável quando parcela do pedido ou um deles se mostrar, de plano,
evidente, conforme o art. 273, § 6º, daquele estatuto.
Os pressupostos comuns para a concessão de tutela antecipada, no que se refere
aos itens (1) e (2) acima são: existência de prova inequívoca do direito afirmado e
verossimilhança das alegações. A definição de verossimilhança, para a doutrina, é
controversa: Teori Zavascki10 afirma que consistiria em grau de certeza maior que o da mera
probabilidade, próximo àquele da liminar em mandado de segurança.
Além dos dois pressupostos acima, exige-se ainda outro, este alternativo: que haja
8 Como técnica de resolução de conflitos de caráter constitucional, a antecipação de tutela deve observar asregras da necessidade, da menor restrição possível e da salvaguarda do núcleo essencial do direito.
9 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 70.10 Ibid., p. 79
12
receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito afirmado; ou a existência de abuso
de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório por parte do réu. O risco afirmado ao
direito deve ser grave, atual e concreto pra ensejar a concessão da medida. Abuso do direito
de defesa faz referência a atos praticados dentro do processo (v. nesse sentido, art. 14, III e IV,
do CPC), enquanto manifesto propósito protelatório diz respeito a atos praticados fora dele
(como ocultação de provas, não devolução dos autos etc.).
Os efeitos da tutela definitiva que podem ser antecipados são aqueles que
poderiam decorrer, ao menos potencialmente, do conteúdo da sentença de mérito, efeitos que
acarretem ou impeçam mudanças no plano dos fatos. A antecipação não serve, assim, para
tutelar efeitos meramente jurídico-formais.
Desse modo, é irrelevante a diferenciação normalmente feita entre ações
declaratórias, constitutivas ou condenatórias para se determinar em qual espécie de ação a
antecipação seria possível. O que se deve ter em mente são os efeitos práticos que a sentença
de mérito poderia gerar com relação à ação proposta, quais modificações no plano dos fatos
ela poderia gerar. São esses efeitos que poderão ser antecipados pela tutela.
O cumprimento da decisão de antecipação da tutela seguirá as normas previstas
para o cumprimento de prestação de fazer ou não fazer (art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC), de
prestação de entregar coisa (art. 461-A, § 3º, do CPC) e de pagar quantia (art. 475-O do CPC),
a depender da modalidade de obrigação. A execução da medida é de inteira responsabilidade
do requerente, que se obriga a reparar eventuais prejuízos causados (art. 475-O, I, do CPC).
No entanto, a vedação prevista no art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil não deve ser
considerada de maneira absoluta. Deve-se tutelar em juízo o direito que demonstre ser
verossímil em detrimento daquele implausível, sem prejuízo de que o magistrado imponha,
tanto quanto possível, o oferecimento de garantias reais ou fidejussórias que entender
necessárias.
A medida poderá ser implementada pelo juízo através da expedição de ordens e
mandados; frustrada, caberá a adoção do procedimento comum de execução provisória,
antecedida, caso necessário, de prévia liquidação da decisão. Na hipótese do art. 273, I, do
Código de Processo Civil, os meios de defesa previstos ao executado não terão, via de regra,
efeito suspensivo, em virtude da própria situação que ensejou a concessão da antecipação da
tutela. Tal decisão, que antecipa os efeitos da tutela, terá natureza interlocutória, constituindo
título executivo judicial.
13
Bem se vê, portanto, que o antigo princípio da nulla executio sine titulo, nos
tempos atuais, não pode mais ser tido como existente; não se constitui mais no pressuposto
lógico-jurídico para a instauração da execução - “abrir a via executiva a um direito não é uma
consequência de sua existência, mas uma simples opção pela sua realização prática”11.
Por fim, verifica-se que, a partir do advento da Lei n. 10.444/2002, a sentença
proferida em processo cujo pedido fundamenta-se no art. 461 do Código de Processo Civil
possui natureza executiva em sentido amplo, sendo cumprida no bojo do mesmo
procedimento.
2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
A antecipação da tutela sujeita-se ao princípio dispositivo, dependo, portanto, de
expresso requerimento da parte interessada, entendida como aquela que postula a tutela
definitiva, não necessariamente o autor.
O juiz deverá abrir prazo para ouvir a parte contrária acerca do pedido de
antecipação antes de decidir a respeito, a não ser que a própria demora daí decorrente puder,
por si só, provocar dano direito alegado.
Exaurido o contraditório, esse é o momento em que se deve dar a tutela do direito;
adiar tal momento fere o princípio da duração razoável do processo. “O direito à duração
razoável exige que o julgamento do mérito e a tutela do direito ocorram quando o pedido se
torna maduro para definição (…)”12.
A decisão que deferir ou não o pedido de antecipação da tutela antes da sentença
poderá ser impugnada mediante agravo de instrumento, mesmo após a redação do art. 522 do
Código de Processo Civil conferida pela Lei 11.187/05. O recurso será dirigido ao relator, que
poderá, a requerimento do agravante e desde que relevante a fundamentação, suspender o
cumprimento da decisão agravada.
A decisão que aprecia pedido o pedido de antecipação da tutela constitui decisão
interlocutória, uma vez que seu conteúdo jamais poderá importar em extinção do processo,
11 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.46.
12 Ibid., p. 49.
14
ainda que tenha sido proferida em conjunto com a sentença13. Por outro lado, concedidas a
tutela antecipada e a definitiva no mesmo ato, a doutrina majoritariamente entende que o
recurso adequado para impugnar tal decisão será a apelação, em virtude da regra da
unirrecorribilidade das decisões.
Do acórdão que defere ou indefere medida liminar não é possível recorrer às
instâncias extraordinárias (enunciado n. 735 da súmula do STF), uma vez que tal decisão é
ainda provisória, pendente de confirmação pelos juízos ordinários. Entretanto, tal afirmação
não pode ser tida como absoluta, já que a constitucionalidade do preceito normativo pode ser
atacada, bem como o deferimento ou o indeferimento da medida pode ter acontecido com
ofensa às normas legais que disciplinam a medida14.
As medidas provisórias podem, em geral, ser modificadas ou revogadas,
ocorrendo mudanças no estado dos fatos ou com o aprofundamento da cognição sobre o
direito pleiteado. Não será qualquer modificação da situação fática, no entanto, que poderá
justificar a revogação da antecipação da tutela já concedida, se o direito mantém-se
verossímil; tal hipótese deve ser tida como excepcional, ao contrário de eventuais alterações
no estado da prova, fundamentais para a manutenção da medida.
A posterior prolação de sentença contrária ao direito afirmado na concessão de
medida antecipatória provoca a revogação, imediata e ex tunc, de tal decisão (v. enunciado n.
405 da súmula do STF), mesmo que omissa a respeito. Ainda, na hipótese de superveniência
de sentença que julgue a causa, eventuais recursos ainda pendentes de julgamento, interpostos
contra decisão que deferiu ou indeferiu a medida antecipatória ficarão prejudicados.
A antecipação da tutela perante os tribunais pode ser obtida de três maneiras: por
pedido direto, mediante petição, nos casos de ações originárias (ação rescisória, mandado de
segurança etc.) ou quando os pressupostos surgirem estando a causa na segunda instância; por
recurso da decisão de primeiro grau; por pedido de antecipação da tutela recursal, processado
como incidente ou, em casos excepcionais, por ação direta (mandado de segurança contra ato
judicial, ação cautelar etc.).
13 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 128.14 Ibid., p. 134/135.
15
3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO
3.1 INTRODUÇÃO
A possibilidade de concessão de tutela antecipada pelo juiz ao verificar a
incontrovérsia do pedido formulado na inicial foi inserida no ordenamento processual
brasileiro pela Lei n. 10.444/02, que acrescentou o parágrafo 6º ao art. 273 do Código de
Processo Civil, assim redigido: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um
ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.
Tal hipótese supõe o cúmulo de pedidos na mesma ação ou que o pedido, ainda
que único, possa ser cindido. Para Teori Zavascki15, enquanto as demais hipóteses de
antecipação da tutela tem por finalidade balancear aplicação dos princípios constitucionais de
segurança jurídica e da efetividade do processo, aquela contida no art. 273, § 6º se presta a
cumprir os princípios da efetividade e celeridade (art. 5º, LXXVIII, da CRFB).
Nesse sentido, a antecipação da tutela em virtude da evidência do fato constitutivo
constitui-se em técnica do procedimento comum que permite a distribuição isonômica do
tempo do processo, que deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa.
Não se limita, portanto, a situações específicas que privilegiam determinados atores
processuais – como sói acontecer com relação à execução de título extrajudiciais.
3.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS
3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único
O autor pode cumular, em sua inicial, mais de um pedido dirigido ao órgão
julgador – e normalmente assim faz. A cumulação pode ser classificada em própria, dividindo-
se em simples e sucessiva e em imprópria, compreendo a cumulação subsidiária (ou eventual)
e a alternativa.
A cumulação própria de pedidos implica na possibilidade de acolhimento
simultâneo de todos eles. Em uma mesma ação, o autor formula diversos pedidos, que
15 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 109/110.
16
poderiam, cada um deles, consistir em ações diferentes, assim procedendo por razões de
economia (não há, portanto, necessidade de conexão entre os pedidos).
Há cumulação simples quando inexiste qualquer relação de precedência lógica
entre as pretensões deduzidas em juízo – os pedidos, considerados mutuamente, são
autônomos (A+B). Por outro lado, ocorre a cumulação sucessiva quando uma das pretensões
possui precedência lógica sobre a consideração a respeito da outra ou das demais – o segundo
pedido somente será apreciado se o primeiro for acolhido (se A, B).
Essa precedência lógica pode se apresentar de duas maneiras: como uma relação
de prejudicialidade (a rejeição do primeiro pedido implica na rejeição do segundo, ocorrendo
julgamento de mérito) ou como uma relação de preliminaridade (a rejeição do primeiro
pedido implica na impossibilidade de julgamento do segundo, não havendo julgamento de
mérito)16. Dispõe o art. 292 do Código de Processo Civil que pode haver a cumulação de
pedidos desde que: eles sejam compatíveis entre si; que o mesmo juízo seja competente para
conhecer deles; e que para todos os pedidos seja adequado o procedimento escolhido.
Por sua vez, a cumulação imprópria de pedidos consiste na formulação de
diversos pedidos ao mesmo tempo, conhecendo o autor, de antemão, da impossibilidade de
todos serem deferidos. Formula o autor diversos pedidos para que apenas um seja deferido, ou
havendo a improcedência de um ou alguns deles, os demais sejam apreciados, e possam ser
providos.
Com relação à cumulação subsidiária ou eventual, o autor estabelece uma ordem
de preferência no que se refere à apreciação de seus pedidos formulados na inicial: os pedidos
subsequentes somente serão analisados se os anteriores forem rejeitados. Condiciona-se o
atuar do magistrado à ordem apresentada, ainda que o réu reconheça a procedência de pedido
subsidiário. Deve-se salientar que a cumulação imprópria de pedidos incompatíveis não é
motivo, de plano, de inépcia da inicial, na forma do art. 295, parágrafo único, IV, do Código
de Processo Civil. Encontra fundamento legal no art. 289 do mesmo diploma.
Já no que tange à cumulação imprópria alternativa – que não se confunde com a
hipótese do art. 288 do Código de Processo Civil, pedido único fundado em obrigação
alternativa –, tem-se, nesse caso, a formulação, pelo autor, de mais de um pedido autônomo,
16 “São exemplos de cumulação sucessiva por prejudicialidade: a) a investigação de paternidade e alimentos; b)declaratória de inexistência de relação jurídica e repetição de indébito etc. É exemplo da cumulaçãosucessiva por pedido preliminar o formulado na ação rescisória: juízo de rescisão (iudicium rescindens) e ojuízo de rejulgamento (iudicium rescissorium)”.
17
para que apenas um deles seja concedido, sem, no entanto, expressar qualquer tipo de
preferência entre um deles. Exemplo seria a hipótese de consignação em pagamento efetuada
pelo devedor que desconhece o real credor e formula a demanda em face de mais de um réu
(art. 895 do CPC)17.
Por outro lado, a cumulação objetiva pode ocorrer não com relação à pluralidade
de pedidos formulados, mas pela multiplicidade de causas de pedir (remotas18) referentes a um
pedido único. Por exemplo: em ação de despejo, o autor poderá invocar, como violação do
dever do contrato de locação, a falta de pagamento dos valores acordados e o desvio da
destinação do imóvel19.
O cúmulo objetivo inicial ocorrerá, ainda, em virtude da apreciação judicial dos
chamados “pedidos” implícitos: casos em que o pedido principal inclui outras parcelas por
força legal, como os juros legais, a correção monetária (art. 293 do CPC), a condenação nos
custos do processo e honorários de sucumbência (art. 20 do CPC).
Observa-se, na esteira do quanto até aqui disposto, que o mérito pode ser dividido
em capítulos, na forma como apresentada, havendo o cúmulo de pedidos na inicial. A sentença
deverá necessariamente apreciar cada um desses pedidos, permitindo o surgimento de
diversas unidades autônomas de julgamento.
Ocorre que um pedido, ainda que único, também pode ensejar esse fracionamento,
hipótese que ocorrerá quando se trate de pedido relativo a coisas suscetíveis de contagem,
medição, pesagem ou qualquer outra maneira de quantificação. Assim, a incontrovérsia que
permite a antecipação da tutela, além de poder se estabelecer com relação a um dos pedidos
formulados, pode se dar também em virtude da ausência de controvérsia quanto à parcela de
pedido único.
Na doutrina de Cândido Rangel Dinamarco20:
É decomponível o objeto do processo, em primeiro lugar, quando o é o bem
da vida, ou o conjunto de bens da vida sobre os quais incide a pretensão
deduzida pelo demandante. Isso se dá sempre que, física e juridicamente,
17 O exemplo é de DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 449.18 Apesar da existência de controvérsias, o vocábulo vem aqui grafado fazendo referência aos fatos geradores
da pretensão, em oposição aos fundamentos jurídicos da demanda, entendida aqui como a causa de pedirpróxima.
19 O exemplo é de SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Sentenças Parciais no Processo Civil – consequências noâmbito recursal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 78.
20 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.71/73.
18
seja possível atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que ele
pretende e pede, como nos pleitos relacionados com coisas suscetíveis de
serem dimensionadas em peso, extensão ou quantidade ou, em geral, em
unidades possíveis de serem separadas. Decompõe-se idealmente o objeto do
processo, mediante uma abstração mental que permite ver, no pedido posto
em juízo, tantas partes quantas sejam necessárias para dimensionar a tutela
de modo adequado e atribuir ao autor somente uma parte daquilo que ele
postula. O objeto do processo, simples nesse caso (e não composto), é
tratado como se fora uma reunião de duas ou diversas pretensões, cada uma
delas incidente sobre uma das partes que resultam dessa decomposição. Essa
abstração mental conduz, em seu resultado prático, a tratar as parcelas
ideológicas da pretensão deduzida como se foram pretensões autônomas
desde sua formulação, dando-se a cada uma delas a solução que o juiz
entender correta perante o direito material e os fatos confirmados pela prova.
Chega-se, dessa forma, à procedência parcial da demanda, com a mesma
facilidade que se teria se esta fosse composta de pedidos fragmentários
deduzidos em cúmulo.
A situação mais palpável, nesse quadro, é a das demandas que têm por objeto
uma quantidade de bens fungíveis – e particularmente o dinheiro – os quais
são, por natureza, suscetíveis de serem quantificados pelo número de
unidades. (…)
A decomponibilidade do objeto do processo apresenta-se também quando o
bem da vida postulado, embora único, for divisível. O conceito de
divisibilidade é o que está no Código Civil, a saber: “bens divisíveis são os
que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição
considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam”.
Bem se vê, portanto, que a incontrovérsia pode recair sobre os fatos que
fundamentam um (ou mais) dos pedidos formulados, sobre uma das causas que fundamenta
um (ou mais) dos pedidos formulados ou, ainda, sobre parte cindível de pedido único.
3.2.2 Objeto de prova
O objeto da prova (thema probandum) no processo civil são os fatos que dão
19
suporte à alegação das partes, deduzidas em juízo, as do autor, em sua peça inicial, e as do
réu, durante a contestação. Conforme notícia doutrinária, fato, para o processo civil, exprime
tudo o que não é direito21.
Embora passível de severas críticas22 (que não serão aqui consideradas por não
constituírem o escopo do trabalho), a doutrina brasileira tradicional, apoiada em Liebmann e
Carnelutti, estabelece que a função da prova seria, primordialmente, formar a convicção do
juiz acerca dos fatos da causa, estabelecendo-o como seu destinatário direto e principal, ao
que caberia às partes o lugar de destinatários indiretos da atividade probatória.
Assim é que o objeto de prova são os fatos que servem de fundamento à ação e à
defesa, aqueles sobre os quais se apoia a lide. Ocorre, no entanto, que não são todos os fatos
alegados pelo autor ou pela defesa que deverão, necessariamente, serem provados23. Desse
modo, devem ser provados, em juízo, os fatos que sejam controvertidos, aqueles relevantes
para o solucionamento da lide e, ainda, os determinados.
Fatos controvertidos são aqueles que, afirmados por uma das partes como
verdadeiros, foram negados pela parte contrária. São aqueles a respeito dos quais instaurou-se
controvérsia. Fatos relevantes, ou ainda influentes, são os que, justamente, possuam
pertinência com o deslinde das questões postas em juízo; devem possuir algum tipo de relação
ou conexão com a lide. Por fim, fatos determinados são aqueles que se revestem de atributos
que lhes permitam diferenciar de outras situações assemelhadas24.
Desse modo, não há necessidade de se comprovar os fatos incontroversos (art.
334, III, do CPC), sobre os quais não paira qualquer controvérsia, seja em razão da confissão
ou não contestação da parte contrária (art. 334, II, do CPC), e, ainda, os fatos evidentes e os
impertinentes à causa. Igualmente não será necessário provar os fatos impossíveis – categoria
na qual se incluem os inverossímeis e os inacreditáveis – os possíveis de prova impossível (a
impossibilidade pode advir por força de lei, caso das presunções de direito e por direito, pela
natureza do fato, em razão de vedação legal de meio de prova – art. 401 do CPC –, ou quando
condições do caso concreto impedirem a utilização de meio de prova – art. 420, pár. ún., III,
do CPC). Desnecessária é a prova, ainda, no que tange aos fatos indeterminados e aos
notórios (art. 334, I, do CPC), aqueles que são do conhecimento de todos ou imensa maioria
21 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 260.22 V., nesse sentido, LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – primeiros estudos. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.23 ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270.24 Ibid., p. 270/271.
20
dos habitantes de determinada região25.
3.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos
O ônus probatório é o encargo que pesa em cada uma das partes de provar aqueles
fatos que constituam o fato do direito que cada uma delas alega possuir, em juízo. Satisfazê-lo
é interesse do próprio onerado, na medida em que apenas assim o resultado do processo
poderá lhe ser favorável. A existência de regras processuais voltadas à determinação de quais
fatos cabem a cada sujeito processual comprovar, além de autorizar a distribuição desse ônus
segundo critérios racionais, permite ao julgador resolver impasses quando a prova se mostrar
ausente ou insuficiente, funcionando, portanto, como regra de julgamento.
Conforme previsão do art. 302 do Código de Processo Civil, os fatos aduzidos
pelo autor serão considerados verdadeiros, caso não sejam impugnados especificamente pelo
réu, salvo: se inadmissível a confissão (art. 351 do CPC e art. 213 do CC/2002); se a inicial
estiver desacompanhada de instrumento considerado da substância do ato (art. 366 e art. 320
do CPC; p. ex. a certidão do registro imobiliário, o testamento); ou se a peça de defesa, em
sua totalidade, for incompatível com a veracidade dos fatos apresentados (incompatibilidade
lógica entre o que foi arguido pelo demandado e o que não foi contestado). A regra aí
encartada impede, portanto, a utilização, pelo réu, de contestação genérica aos fatos trazidos
pelo autor em sua demanda. Ao autor compete, portanto, formular sua demanda de maneira
clara e determinada26, enquanto o réu deve impugná-la, querendo, de maneira pormenorizada.
Assim, a inobservância da norma deve acarretar a presunção de veracidade dos
fatos articulados pelo autor na inicial27. Se incidente sobre todos os fatos, no entanto, deve
provocar o julgamento antecipado do mérito. A não contestação específica dos fatos
constitutivos narrados pelo autor implica, nessa esteira, a realização imediata do direito em
questão, não existindo razão para a postecipação da tutela.
Conforme aduzido por Luiz Guilherme Marinoni28:
25 Ibid., p. 272/273.26 “Demanda obscura é inepta e o pedido genérico é apenas excepcionalmente admitido” (DIDIER JUNIOR,
Fredie. Op. cit., p. 513).27 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 140.28 Ibid., p. 164.
21
O art. 302 do Código de Processo Civil, ao dispensar o fato não contestado
de prova, impede que o juiz forme convicção própria a seu respeito. A não
contestação não fornece ao juiz elemento para a formação da sua convicção
sobre o fato não contestado. A não contestação apenas reduz a massa dos
fatos controversos, impedindo que o fato não contestado seja objeto de prova
e de questionamento judicial.
Há, no entanto, certos atores processuais que estão dispensados da observância da
regra da impugnação especificada dos fatos articulados na inicial, conforme disposto no
parágrafo único do art. 302 do Código de Processo Civil. O encargo não se aplica à defesa
representada por advogado dativo, por curador especial ou por membro do Ministério Público.
Justifica-se a possibilidade ao advogado dativo (art. 5º, parágrafos 3º e 4º, da Lei
n. 1.060/1950) e ao curador especial em virtude da posição peculiar que ocupam no processo
– geralmente, devem defender o representado sem possuírem maiores vínculos com ele; no
mais das vezes sequer possuem acesso imediato àquele que devem defender em juízo.
Quanto ao Ministério Público, após a Constituição da República de 1988, pode-se
cogitar apenas da hipótese em que o Parquet aja como representante de réu incapaz, em
demanda relativa a algum de seus direitos indisponíveis. Em suas demais atuações, o órgão do
Ministério Público deverá observar a regra encartada no caput do art. 302 do Código de
Processo Civil. Frise-se, ainda, que o defensor público deve igualmente observar o preceito,
apenas vendo-se dele livre apenas quando atuar na condição de advogado dativo ou curador
especial, que é uma de suas funções institucionais, conforme disposto no art. 4º, XVI, da Lei
Complementar n. 80/1994.
Por outro lado, há certas hipóteses em que, mesmo sendo o pedido incontroverso,
não será possível a antecipação da tutela: sendo o pedido manifestamente descabido; no caso
de colusão entre as partes; com relação a demandas em que se discutam direitos indisponíveis;
caso o réu alegue defesa relativa a inexistência de pressuposto processual ou condição da
ação; quando os fatos estejam em contradição com a defesa considerada em seu conjunto29.
No entanto, não será qualquer defesa do réu que poderá afastar a incontrovérsia da
matéria de fato, mas somente aquela defesa que não seja genérica, e se revista de seriedade.
As respostas meramente evasivas, portanto, não servem para tornar controversos os fatos
articulados pelo autor na inicial. Cabe lembrar que o dever das partes de expor os fatos em
29 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 110/111.
22
juízo de acordo com a verdade decorre de previsão legal nesse sentido (art. 14, I e 17, II,
ambos do CPC).
3.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual
Ao ser chamado ao processo para se defender, o réu pode encetar uma série de
atos, cada qual com consequências específicas no âmbito da relação processual deduzida em
juízo: pode suscitar questões relacionadas ao exercício do direito de ação; pode levantar
pontos atinentes a pressupostos processuais; ou pode apresentar defesa contra o mérito.
O réu pode, ao apresentar sua defesa, levantar questões (pontos controvertidos)
relacionadas à validade da relação processual, ao que se costuma dar o nome de exceção
processual, independentemente de seu conteúdo e possibilidade ou não de seu reconhecimento
de ofício pelo juízo. As exceções processuais, quanto aos efeitos que produzem, podem ser de
dois tipos: dilatórias e peremptórias.
São exceções dilatórias aquelas distendem o curso do processo, alongando-o, sem,
no entanto, por fim à relação processual – são exemplos: a exceção de suspeição, a de
impedimento e a de incompetência relativa. São peremptórias, por outro lado, aquelas que tem
a possibilidade de pôr fim ao processo, exemplificadas pelas exceções de coisa julgada e
litispendência.
A defesa direcionada ao mérito, por sua vez, pode se relacionar com ele de
maneira direta, quando o réu contesta a existência do próprio fato que dá causa e fundamento
ao pedido do autor contido na inicial (defesa direta de mérito), ou pode atacá-lo de forma
indireta, suscitando dúvidas quanto à existência de outros fatos que possam tornar ineficaz a
pretensão da parte adversa (defesa indireta de mérito). Nesse caso, o réu é – ou se julga ser –
titular de posição jurídica de direito subjetivo material oponível ao autor, que consiste na
existência de um fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor.
No sentido do quanto aqui aduzido, pode-se afirmar: fatos constitutivos são as
ocorrências que preenchem a hipótese de aplicação de determinados direitos; fatos
modificativos são aqueles que alteram a inicial constituição do direito (p. ex. o parcelamento
ou pagamento parcial da dívida, a compensação); fatos extintivos são aqueles que provocam a
23
cessação do direito ou relação jurídica já formados (p. ex. o pagamento integral da dívida30);
fatos impeditivos são aqueles que obstam a formação válida do direito ou impedem a
produção dos efeitos normais que lhe são próprios (p. ex. erro, dolo, coação, ausência de
capacidade civil). Conforme previsão do art. 333 do Código de Processo Civil, ao autor
compete provar a ocorrência dos fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao réu cabe
provar a ocorrência de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do autor.
Em todos os casos acima apresentados, o réu não apresenta qualquer objeção às
alegações do autor quanto à existência dos fatos constitutivos do seu direito, limitando-se a
afirmar, no entanto, a existência de outros fatos passíveis de provocar a extinção, modificação
ou impedimento do direito afirmado. Tais defesas são comumente chamadas de exceções
substanciais ou preliminares de mérito pela doutrina, já que se relacionam com ele de maneira
direta e, ainda, são decididas antes das questões substanciais propriamente ditas31.
Desse modo, tem-se que a incontrovérsia do fato constitutivo pode decorrer da
simples apresentação pelo réu dessa defesa indireta de mérito – quando reconhece, por
pressuposto lógico o fato constitutivo do direito do autor. A antecipação da tutela é possível,
portanto, quando, incontroverso o fato constitutivo do direito do autor, o réu apresenta defesa
indireta que requeira dilação instrutória e seja infundada, entendida como tal aquela que seja
incapaz de infirmar os argumentos trazidos pelo autor. Outrossim, cumpre salientar que o
pedido será incontroverso não apenas nas hipóteses de não contestação ou de reconhecimento
do pedido, mas também quando, contestado, não houver necessidade de instrução dilatória.
3.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor
Confissão é o ato de admitir como verdadeiro fato ou conjunto de fatos
desfavorável à própria posição processual e favorável ao adversário – torna incontroverso o
fato, determinando a dispensa de produção de provas a respeito. A confissão somente pode ser
realizada pelo próprio réu ou por advogado com poderes especiais (v. art. 348 e art. 349,
ambos do CPC).
30 A doutrina costuma elencar a prescrição como exemplo de fato extintivo do direito do autor (v., nessesentido, ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270). Não parece ser o caso, no entanto, uma vez que aprescrição, como se sabe, tão somente encobre a eficácia da pretensão, não se relacionando diretamente como direito em si ou sua formação válida.
31 Ibid., p. 194.
24
O reconhecimento jurídico do pedido, por outro lado, envolve a admissão do
próprio pedido formulado pelo autor na inicial, e não meramente dos fatos alegados. O
reconhecimento do pedido é vinculante, tornando desnecessário ao juiz pronunciar-se a
respeito do direito alegado. O reconhecimento parcial dá ensejo à antecipação da tutela (v. AI
325.936-7, TJPR, 13.03.2006).
A não contestação e a confissão divergem do reconhecimento jurídico do pedido
no que se refere à possibilidade de recurso: o reconhecimento do pedido é impeditivo do
direito de recorrer. Somente pode haver reconhecimento do pedido ou confissão com relação a
direitos disponíveis. A parte deve ser capaz de dispor do direito em questão.
3.2.6 Revelia e não contestação
No que tange à revelia, o direito processual brasileiro caracteriza-a como a
contumácia do réu. Devendo-se fazer presente32, e citado para tanto, o réu deixa de praticar
um ato que o ordenamento considera importante para o regular desenvolvimento processual;
comina-se ao faltoso, assim, uma sanção.
A revelia produz diversos efeitos, alguns dos quais por vezes drásticos: os fatos
afirmados pelo autor são reputados verdadeiros (efeito material – confissão ficta decorrente
do art. 319 do CPC); decurso dos prazos independentemente de intimação, a partir da
publicação de cada ato (efeito processual – art. 322 do CPC); preclusão quanto à possibilidade
de alegar determinadas matérias de defesa (art. 303 c/c art. 301, § 4º, ambos do CPC);
possibilidade de julgamento antecipado da lide (art. 330, II, do CPC)33.
Conforme noticiado pela doutrina34, há situações, no entanto, em que a própria lei
retira da revelia a possibilidade de produzir a confissão ficta:
(…) a) quando a citação houver sido ficta (por edital ou por hora certa), pois
o curador especial haverá de promover a defesa do réu revel: art. 9º, II, c/c
art. 302, parágrafo único (…); b) quando terceiro houver ingressado no
32 A moldura fática que caracteriza a revelia varia, “conforme o tipo de procedimento: no procedimentoordinário é a falta de contestação (art. 319 do CPC); no procedimento sumário [e no sumaríssimo], é a faltade comparecimento à audiência (art. 277, § 2º, do CPC); no procedimento monitório é a falta de interposiçãode embargos, e acarreta o reconhecimento do pedido (art. 1.102-C do CPC)” (ALVIM, José EduardoCarreira. Op. cit., p. 255).
33 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 531.34 Ibid., p. 532.
25
processo como assistente do revel, hipótese em que será considerado seu
gestor de negócios (art. 52, parágrafo único, CPC brasileiro); c) se, havendo
pluralidade de réus, algum deles contestar a ação, não haverá revelia quanto
ao fato comum entre o litisconsorte revel e o atuante (não se aplica, aqui, o
princípio da autonomia dos co-litigantes) [art. 320, I, CPC]. (…) se o direito
material em discussão for da categoria dos indisponíveis: em verdade, é
melhor se entender como sendo direito sobre o qual a vontade das partes for
ineficaz para produzir efeito jurídico pela ação que se pretende obter (art.
351, CPC, art. 213, CC/2002; …); e) se a inicial não estiver acompanhada de
instrumento público que a lei considere da substância do ato. Há quem,
como Amaral Santos, também estenda a exceção aos casos em que a petição
inicial não se faz acompanhada de instrumento particular que a lei considere
da substância do ato (p. ex., arts. 541, 997, 1.334, § 1º, 1.417, todos do
CC/2002. Quem assim entende fundamenta a compreensão na exigência
legal de que a petição inicial deverá ser instruída com os documentos
indispensáveis à propositura da ação.
Nada obstante a longa lista, para efeitos de antecipação da tutela, a doutrina
costuma apontar diferenças entre a não contestação e a revelia, entendida esta última, nos
moldes como aqui disposta, como o não comparecimento do réu em juízo, ou seu
comparecimento desassistido de advogado, quando necessário.
Nesta última hipótese (da revelia), a doutrina é relutante em admitir que o
mencionado ato-fato processual possa fundamentar a concessão da antecipação da tutela –
costuma-se afastar a possibilidade de seu deferimento sob argumentos de cunho social35:
Já a revelia pode decorrer não da vontade deliberada do réu, mas de sua
própria falta de compreensão acerca do processo e dos ônus que são por ele
impostos. Verifica-se que o réu, citado, deixa de comparecer a juízo, ou
comparecendo, deixa de se fazer representar por advogado. A revelia pode
trazer como pano de fundo toda uma questão social, a qual abrange desde a
dificuldade de uma pessoa de baixa renda compreender a obrigação de vir a
juízo até os obstáculos que lhe são impostos na contratação de um advogado.
A revelia, em um país pobre como o nosso, pode representar mais o
resultado de dificuldades práticas encontradas pelo réu do que uma omissão
deliberada ou um manifesto desinteresse pelo processo.
35 DÓRIA, Rogéria Dotti. A Tutela Antecipada em Relação à Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. rev. eatual. de acordo com a Lei 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.
26
A consequência processual da revelia é a possibilidade de julgamento
antecipado da lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil.
Contudo, a questão social que envolve o fenômeno da revelia tem levado a
doutrina e jurisprudência brasileiras a mitigar a sanção processual de tal
sorte que hoje não é mais possível afirmar que o réu revel será
necessariamente a parte vencida na demanda. (…)
Em igual sentido, afirma Luiz Guilherme Marinoni36:
(…) A lição de José Barbosa Moreira revela a razão de ser da interpretação
doutrinária e jurisprudencial: “Quem é esse réu que perdeu o prazo? Foi
voluntária a omissão? Se não foi, que lhe terá dado a causa: imperfeita
compreensão do chamamento ao juízo? Problema de saúde? Dificuldade em
conseguir os serviços de um advogado? Impossibilidade material de
remunerá-lo conforme o solicitado? Desconhecimento da existência de órgão
apto a prestá-los gratuitamente? Atuação ineficiente de tal órgão, ou do
advogado constituído – ou, ainda, de algum funcionário a quem a
contestação foi entregue e que deixou de encaminhá-la aos autos? Veja-se
que amplo leque de indagações se abre a partir daquele acontecimento de
aparente (mas enganosa) singeleza. Uma infinidade de aspectos da vida
social podem ser questionados com fundamento nele. Entrariam aí, a rigor,
temas como o de nível de instrução do povo, o da abundância ou escassez de
recursos financeiros, o da disponibilidade de serviços, o da formação
profissional, o das condições de trabalho nos órgãos judiciais, e assim por
diante”.
Não se admite que a revelia possa tornar os fatos não contestados
incontroversos porque não se toma em consideração, na análise desta
questão, uma defesa (ou uma posição) ativa em si considerada. Considera-se,
apenas, o não comparecimento (que, conforme visto, pode ter várias causas)
– e não a defesa (ou o comparecimento sem apresentação de defesa) –,
concluindo-se que não é razoável atribuir-se [sic] à revelia do réu a admissão
dos fatos afirmados pelo autor.
Embora relevantes os ensinamentos dos autores, tem-se que a não aplicação da
regra em questão deve ser precedida de análise, pelo magistrado, das circunstâncias de fato
36 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 147/148. A citação refere-se a MOREIRA, José Carlos Barbosa.Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo, cit., Revista Brasileira de DireitoProcessual, v. 56, p. 19/20.
27
que envolvem a causa37. Apenas na hipótese de se verificar que, realmente, o comando
normativo ali encerrado traria prejuízo desmedido ao réu, com a violação de preceitos
constitucionais – acesso à justiça, igualdade material e devido processo legal –, é que estaria o
juiz autorizado a não conferir aos fatos contidos na inicial a qualidade de incontroversos, com
os efeitos processuais daí decorrentes38.
Cumpre lembrar que, em qualquer hipótese, a revelia somente seria apta a gerar a
antecipação da tutela pela incontrovérsia do pedido em caso de cúmulo de pedidos – pelo
menos um pedido antecipável e outro sobre o qual não se opere o efeito material da sanção em
questão. De outro modo, o próprio julgamento da lide em si seria antecipado, em virtude da
regra contida no art. 330 do Código de Processo Civil.
3.2.7 A incontrovérsia
Considerando o quanto até aqui disposto, percebe-se que a incontrovérsia dos
fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em razão da incontrovérsia do
pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que comparece em juízo, de
algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da impugnação
especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito39, existindo outra parcela sobre a
qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um dos
pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão.
Como se observa, a incontrovérsia se dá com relação aos fatos trazidos pelo autor
na inicial. É sobre eles que há a necessidade de instrução probatória e, sendo tal necessidade
inexistente no caso concreto, em relação a todo o pedido ou parte dele, se abrirá ao
magistrado a possibilidade de julgar antecipadamente a lide (art. 330 do CPC) ou antecipar a
tutela com relação ao pedido ou parcela de pedido único que tenham se mostrado
37 Cumpre mencionar que DIDIER JUNIOR entende possível a antecipação parcial caso o efeito material darevelia se opere em relação a parte do pedido: Curso de Direito Processual Civil – volume 2. 6.ed., Ed.JusPodivm, 2011, p. 541.
38 Conforme salientado por STRECK, Lenio Luiz: “uma lei só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses:a) se for inconstitucional, b) se for possível uma interpretação conforme a Constituição, c) se for o caso denulidade parcial sem redução de texto, d) no caso de uma inconstitucionalidade parcial com redução detexto, e) se estiver em face de resolução de antinomias e f) no caso do confronto entre regra e princípio (comas ressalvas hermenêuticas no que tange ao pamprincipiologismo)” Porque tanto se descumpre a lei eninguém faz nada? Artigo disponível em: <www.conjur.com.br/2013-nov-14/senso-incomum-tanto-descumpre-lei-ninguem-faz-nada>. Acesso em 27 de janeiro de 2014.
39 Considerando as ressalvas acima dispostas.
28
incontroversos. Ao contrário do quanto sustentado por Fredie Didier Junior40, a incontrovérsia
em questão não traz relação com o objeto do processo, mas sim com os fatos apresentados ao
juízo. Ora, se controvérsia não paira sobre a matéria fática em tela, outra via não resta ao juízo
a não ser lhe conferir o correto enquadramento legal, julgando a lide, portanto.
3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis
O pedido ou os pedidos formulados pela parte poderão ser antecipados, conforme
acima salientado, sempre que sobre eles paire a incontrovérsia, seja por qualquer das razões já
formuladas. Por outro lado, ainda que exista controvérsia quanto aos fatos questão, poderá se
operar a antecipação, em caso de desnecessidade de dilação probatória. Assim, apresentando o
autor a prova de seu direito, não sendo ao réu possível infirmá-la, ainda que conteste
especificamente tais fatos, deverá o juiz reconhecer a comprovação do alegado, concedendo a
tutela requerida.
De acordo com Luiz Guilherme Marinoni41:
Significa dizer que o pedido é incontroverso não apenas nos casos de não
contestação e de reconhecimento de parte do pedido, mas também quando é
contestado e não existe necessidade de instrução dilatória em relação a ele.
Por exemplo: o autor cumula dois pedidos, postulando no primeiro que o réu
seja inibido a não mais usar determinada marca comercial e, no segundo, a
sua condenação ao pagamento de perdas e danos. Com a petição inicial, o
autor apresenta provas documentais do registro da marca em seu nome e de
que o réu está utilizando a marca em suas embalagens, mas necessita de
prova pericial para demonstrar o direito às perdas e danos. Na audiência
preliminar, por inexistir necessidade de outras provas em relação ao pedido
que objetiva a inibição, são fixados como controversos apenas os fatos
relativos ao pedido ressarcitório. De modo que o pedido de tutela inibitória
se torna incontroverso no curso do processo. A tutela inibitória, assim, pode
ser prestada com base no § 6º do art. 273.
40 “A incontrovérsia ora examinada não é aquela a que se refere o art. 334, III, CPC, que diz respeito apenasaos fatos e tem por efeito jurídico a dispensa da prova. Trata-se, aqui, de incontrovérsia quanto ao objeto doprocesso – consequências jurídicas desejadas pelo demandante; concluem os litigantes que, ao menos parte,aquilo que se pretende (pedido/mérito) tem fundamento e, por isso, deve ser acolhido”. (DIDIER JUNIOR,Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 540.)
41 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 183.
29
Bem se vê, nessa toada, que a antecipação da tutela por incontrovérsia do pedido
ou dos pedidos não possui os mesmos requisitos daquela fundada no receio de dano
irreparável ou em virtude do abuso de defesa (e apresentados aqui nos itens 2.2 e 2.5). Para
que se configure a hipótese fática do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, basta que se
configure a incontrovérsia, nos moldes aqui apresentados.
Ultrapassadas tais questões, cumpre, no atual momento, delinear quais desses
pedidos são antecipáveis. Em caso de litisconsórcio próprio simples, todos os pedidos são, em
regra, antecipáveis, pois autônomos uns em relação aos demais. Na hipótese de litisconsórcio
próprio sucessivo, igualmente será possível a concessão da medida. Em caso de pedido
alternativo (art. 288 do CPC), no entanto, não bastará a incontrovérsia quanto ao pedido, mas
que ela recaia, de igual modo, sobre o incidente de escolha e sobre a prestação escolhida.
Com relação à cumulação imprópria subsidiária ou eventual, em princípio, apenas
o pedido principal será antecipável. Não há limitação, no direito brasileiro, para a antecipação
do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, com relação aos diversos tipos de obrigação:
entrega de dinheiro, de coisa (fungível ou infungível, móvel ou imóvel), fazer ou não-fazer.
Todas podem, observados requisitos pertinentes, ser concedidas em sede de antecipação.
Ainda com relação aos pedidos, Luiz Guilherme Marinoni entende possível
também o adiantamento das despesas processuais (custas, honorários de perito etc.), quando
for incontroverso que pelo menos um ou alguns dos pedidos formulados são devidos ao autor
da ação.
3.4 Natureza da decisão e precariedade da medida
Segundo Teori Zavascki, o legislador expressamente optou por outorgar apenas a
antecipação da eficácia social da sentença de mérito, assim como nas demais hipóteses de
antecipação, e não a eficácia jurídico-formal. Não haveria de se falar, portanto, na existência
de sentença parcial de mérito no ordenamento brasileiro42. Assim, a medida poderia ser
revogada a qualquer tempo, pois teria caráter provisório até a sobrevinda do final julgamento
do processo43.
42 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 213.43 Ibid., p. 114.
30
Também Athos Gusmão Carneiro mantém o mesmo posicionamento44. Veja-se:
Melhor portanto, a nosso sentir, manter o antigo e prestigiado princípio da
unidade da sentença, cujo rompimento demandaria norma induvidosa.
O legislador não avançou tanto quanto desejariam vários estudiosos; todavia,
entendemos que a melhor solução, pelo menos na aguarda de novidades
legislativas (que pessoalmente não creio oportunas), será manter sob o
caráter de antecipação propriamente dita a AT das parcelas ou pedidos não
contestados, portanto sem a formação de coisa julgada, subsistindo a
possibilidade de sua alteração ou revogação na pendência da demanda. A
decisão interlocutória será confirmada, ou não, na sentença a ser prolatada
após o contraditório pleno.
Com a devida vênia aos ilustres processualistas, tal entendimento não parece ser o
que melhor soluciona a problemática envolvida.
Com efeito, conforme anteriormente afirmado, a cognição realizada em sede de
antecipação da tutela em virtude da incontrovérsia da demanda é exauriente – seja em razão
da própria ausência de controvérsia dos fatos ou pedidos manejados pelo autor na inicial, seja
por conta da desnecessidade de dilação probatória – e, assim, apta a gerar coisa julgada
material. Ora, se o exame judicial da matéria é o mais profundo possível, segundo o
ordenamento processual, não parece haver motivos sérios para se sustentar a possibilidade de
revogação da medida ao final do processo.
Assim caminha a doutrina de Fredie Didier Junior.45:
Avança-se um pouco mais em relação à tutela antecipada, pois, muito
embora seja decisão anterior à sentença, não se trata de tutela fundada em
cognição sumária ou em razão de verossimilhança. Há cognição exauriente e
juízo de certeza, e 'tendo em vista que a tutela não se funda em um juízo de
probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade'. Cuida-se de
uma decisão interlocutória apta à coisa julgada material e que, por isso
mesmo, pode ser executada definitivamente.
Em igual diapasão, Sidney Pereira de Souza Junior46:
Referido dispositivo [art. 273, § 6º, do CPC] permite o julgamento
44 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 47.45 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p.
534. A citação do autor refere-se a MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, JulgamentoAntecipado da Lide e Execução Imediata da Sentença. 2. ed., 1998, p. 104.
46 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 104/107.
31
antecipado de parte incontroversa da demanda, e, embora, se encontre dentre
uma das hipóteses de antecipação de tutela, portanto, provisória e sujeita à
revisão, para autorizada doutrina, se trata de um julgamento antecipado,
parcial e definitivo da lide.
(…) Tudo isso leva a crer que a decisão concedida com base em parcela
incontroversa da demanda não é pautada em um juízo provável, nem
tampouco provisório, mas sim fundada em juízo definitivo, restando apta,
destarte, à formação de coisa julgada material.
A antecipação em virtude da incontrovérsia do pedido, assim, não guarda as
mesmas características das demais tutelas provisórias, conforme estabelecido acima no item
2.2, não compartilhando os atributos da necessidade, finalidade ou precariedade. A tutela
antecipada, nesse caso, repise-se, funda-se em cognição exauriente que recai sobre parcela do
mérito, possuindo aptidão para a formação de coisa julgada material, uma vez que o pedido
em questão não necessita da produção de outras provas. Trata-se, portanto, de espécie de
julgamento conforme o estado do processo, encontrando-se sua previsão no art. 273 de
maneira equivocada do ponto de vista topográfico, conforme já aduzido no item 3.347:
A mais importante observação que se deve fazer sobre o § 6º do art. 273 diz
respeito à sua natureza jurídica: não se trata de tutela antecipada, mas, sim,
de resolução parcial da lide (mérito). A topografia do instituto está
equivocada.
Não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução
judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar
imune com a coisa julgada material. E, por ser definitiva, desgarra-se da
parte da demanda que resta a ser julgada, tornando-se decisão absolutamente
autônoma: o magistrado não precisa confirmá-la em decisão futura, que
somente poderá examinar o que ainda não tiver sido apreciado.
Esta decisão futura (possivelmente uma sentença) sequer precisa ser de
mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do
mérito e, nem por isso, a resolução parcial estaria prejudicada,
necessariamente.
Deve-se asseverar, portanto, que o perigo de irreversibilidade da medida não
poderá constituir óbice a essa modalidade de antecipação, uma vez que não paira controvérsia
47 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p.537.
32
sobre o ponto. A efetivação da medida seguirá os artigos 461, 461-A e 475-O, a depender da
prestação requerida (obrigação de fazer, não fazer e pagar quantia), precedida de liquidação,
caso necessário. A decisão interlocutória que deferir a medida servirá como título executivo.
No dizer de Marinoni48:
A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do
contraditório de forma antecipada, não permitindo a postecipação da
discussão do direito e da produção de provas em relação a ele.
Por outro lado, o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil também se aplica
na antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não-fazer fundadas na incontrovérsia do
pedido. Assim, delimitada a incontrovérsia do objeto processual, ou ainda a desnecessidade de
dilação probatória, os pedidos fundamentados na aplicação do dispositivo em questão poderão
ser antecipados atendidos os mesmos requisitos.
3.5 Natureza jurídica e recurso da decisão
Vê-se, em razão do quanto até aqui aduzido, que o art. 273, § 6º, do Código de
Processo Civil permite que se antecipe a tutela caso parcela do pedido, um dos pedidos, ou,
ainda, uma das causas de pedir se tornem incontroversos no curso da demanda, operando com
isso a cisão do julgamento de mérito, servindo para demonstrar a separação do princípio da
unidade e unicidade do julgamento no direito processual brasileiro.
A esta interpretação chegou Rogéria Dotti Doria49:
Mas, ainda que não seja possível esse julgamento antecipado parcial, o
conteúdo da decisão que antecipa a tutela (nos casos específicos de
incontrovérsia) não poderá ser alterado pelo juiz ao proferir sentença. Isto
porque essa parte do pedido já se encontra pronta para o julgamento final, o
qual somente não ocorreu em respeito à regra da unicidade da decisão. Não
há sentido, portanto, em permitir ao magistrado que, uma vez concedida a
tutela antecipada com base na incontrovérsia, altere o conteúdo dessa mesma
decisão. Nos casos de incontrovérsia, não haverá nenhum fato ou
circunstância nova entre a concessão da tutela e a sentença final. Não serão
produzidas novas provas, nem será possível qualquer nova alegação do réu.
48 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 189.49 DÓRIA, Rogéria Dotti. Op. cit., p. 118.
33
Não haverá, portanto, fundamento para se admitir uma decisão diversa
daquela já proferida.
Embora se pudesse sustentar que se trataria tal decisão de autêntica sentença
parcial, com base na nova redação do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil 50, não parece
ser esse o entendimento que melhor equaciona a questão. Nesse sentido, a sentença precisa ser
compreendida, com a alteração legislativa, como o ato judicial que encerra o procedimento na
fase de conhecimento ou de execução e em primeira instância, e cujo conteúdo é uma das
matérias ventiladas no art. 267 ou no art. 269, ambos do diploma processual51.
A decisão que concede a tutela antecipatória da parte incontroversa possui, nesse
sentido, natureza de interlocutória, uma vez que não encerra a fase de conhecimento, embora
trate do mérito. Deve ser assim para que se permita a interposição do recurso de agravo de
instrumento, já que os autos precisam permanecer em primeiro grau para o prosseguimento do
procedimento. Do mesmo modo, a título de exemplo, as decisões que indeferem parcialmente
a petição inicial (art. 267, I, CPC), reconhecem a decadência de um dos pedidos cumulados
(art. 269, IV, CPC), ou excluem um litisconsorte por ilegitimidade (art. 267, VI), implicam em
uma das situações previstas no art. 162, §1, do Código de Processo Civil e constituem em
interlocutórias, impugnadas por agravo.
Está-se plenamente ciente do caráter instrumental e consequencialista do
argumento acima formulado para a justificativa da caracterização da decisão em tela como
interlocutória. No entanto, à míngua de alterações legislativas que permitam melhor
balanceamento do problema, e visando manter um mínimo de harmonia com relação ao
sistema recursal, a posição externada parece ser a mais razoável.
Frise-se, por outro lado, a existência de posicionamento doutrinário segundo o
qual a antecipação de tutela em virtude do art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil
consistiria em verdadeira hipótese de sentença parcial52:
Pensamos que, após a alteração do art. 162, § 1º, do CPC, a natureza da
sentença deva ser aferida estritamente a partir de seu conteúdo, ou seja, se a
decisão tratar de uma das situações previstas no art. 267 e 269, do CPC, será
sentença. Dessa forma, a sentença não poderá ter sua natureza desnaturada
ou comprometida, passando a ser tratada como decisão interlocutória, pelo
50 “Sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.51 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p.
560.52 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 120/121.
34
não encerramento da fase cognitiva em primeiro grau de jurisdição.
Se só admitíssemos a decisão com natureza jurídica de sentença quando
houvesse o encerramento da fase de conhecimento, estaríamos afastando a
possibilidade de haver sentenças parciais no processo, o que não nos parece
seja a melhor solução, já que, no afã de colmatar uma lacuna na sistemática
recursal, negaríamos os pronunciamentos parciais e definitivos.
E assim sendo, o jurisdicionado seria o maior prejudicado, já que, sem o
reconhecimento da sentença parcial, não teria, desde logo, uma decisão de
cognição exauriente e definitiva, apta à formação da coisa julgada, restando
violado, ademais, o preceito constitucional de duração razoável do processo
(CF, art. 5º, LXXVIII).
Alguns aspectos recursais do agravo de instrumento interposto contra a decisão
que antecipa a tutela devem ser apresentados. Conforme doutrina de Sidney Pereira de Souza
Junior, em respeito ao princípio da isonomia, o recurso em tal modalidade deve conter alguns
dos atributos normalmente conferidos apenas à apelação, uma vez que ataca decisão cuja
matéria é, normalmente, ventilada ao final da respectiva fase processual53.
Ao contrário da apelação, o agravo de instrumento, mesmo que interposto contra
decisão que antecipe a tutela nos moldes como aqui discutido, não será dotado de efeito
suspensivo – a eficácia dessa decisão será imediata, portanto, ao contrário da sentença sujeita
a apelação no duplo efeito, em que o ato processual judicial é praticado sob condição
suspensiva. O relator do recurso, caso convencido da existência de perigo da irreversibilidade
da medida, poderá atribuir ao agravo efeito suspensivo. Ressalve-se, entretanto, que mesmo a
concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto não terá o condão de provocar a
suspensão do trâmite do processo em primeira instância.
Diferentemente da disciplina do agravo, no entanto, ao recurso que atacar a
decisão que conceder a modalidade de tutela antecipada ora ventilada poderá ser designado
revisor (art. 551 do CPC), desde que o recorrente exponha seus motivos para tanto. Da mesma
maneira, será possível a sustentação oral do recurso (art. 553 do CPC), caso, igualmente, o
agravante apresente requerimento. Com o mesmo fundamento, também devem ser admitidos
embargos infringentes contra o acórdão não unânime que reformar, em grau de agravo de
instrumento, a decisão que julgar a parcela incontroversa da demanda (art. 530 do CPC). Luiz
53 Ibid., fls. 146/154.
35
Guilherme Marinoni esposa idêntico entendimento54.
Outrossim, viável será a interposição de agravo interno contra qualquer decisão
monocrática do relator, a despeito do respectivo conteúdo, não se devendo aplicar o art. 527,
parágrafo, único, do Código de Processo Civil à espécie55.
Por outro lado, e apesar da literalidade do art. 485 do Código de Processo Civil56,
cabível será, ainda, a ação rescisória, em virtude do conteúdo da decisão que antecipa a tutela
em razão da incontrovérsia. Apesar de se admitir aqui a possibilidade de fracionamento do
julgamento de mérito, deve-se atentar, entretanto, para o precedente emanado do Superior
Tribunal de Justiça acerca da contagem do prazo para a ação e o momento da formação da
coisa julgada material (REsp 404.777):
A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão
que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo,
pois, a lide. Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em
fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade de seu
trânsito em julgado parcial. Consoante o disposto no art. 495 do Código de
Processo Civil, o direito de propor ação rescisória se extingue após o decurso
de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na
causa.
Barbosa Moreira teceu críticas ao julgado que merecem ser reproduzidas aqui57:
Pelas razões acima expostas, e sem embargo da autoridade do Superior
Tribunal de Justiça, continuamos a pensar: a) ao longo de um mesmo
processo, podem suceder-se duas ou mais resoluções de mérito, proferidas
por órgãos distintos, em momentos igualmente distintos; b) todas as decisões
transitam em julgado ao se tornarem imutáveis e são aptas a produzir coisa
julgada material, não restrita ao âmbito do feito em que emitidas; c) se em
relação a mais de uma delas se configurar motivo legalmente previsto de
rescindibilidade, para cada qual será proponível uma rescisória
individualizada; d) o prazo de decadência terá de ser computado caso a caso,
a partir do trânsito em julgado de cada decisão.
54 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 221/222.55 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 161/162.56 “Art. 485 – A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)”.57 Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade. In Revista do Advogado 88,
nov/2006, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, p. 97 apud SOUZA JUNIOR, SidneyPereira. Op. cit., p. 195.
36
Por fim, a execução que recaia sobre a parte incontroversa da demanda é
definitiva, uma vez que a decisão da qual se origina é apta a produzir coisa julgada material.
Caso haja a interposição de agravo de instrumento pela parte contrária, a execução será
provisória, desde que concedido efeito suspensivo ao recurso pelo relator.
37
4 CONCLUSÕES
Considerando todo o quanto até aqui afirmado, algumas conclusões podem ser
traçadas: a incontrovérsia dos fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em
razão da incontrovérsia do pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que
comparece em juízo, de algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da
impugnação especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito, existindo outra parcela
sobre a qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um
dos pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão.
Encontra fundamento nos direitos constitucionais à duração razoável do processo e à
efetividade.
De acordo com a proposta inicialmente traçada, a antecipação da tutela em razão
da incontrovérsia do pedido não parece se constituir em modalidade de tutela provisória – em
que pesem os entendimentos em sentido contrário de parte da doutrina –, uma vez que não
guarda aqueles atributos delineados no item 2.2 retro (precariedade, necessidade e finalidade).
Tal modalidade de antecipação guarda relações mais íntimas, portanto, com o instituto do
julgamento antecipado do mérito, previsto na legislação processual civil no art. 330.
Isso porque se trata de decisão interlocutória fundada em cognição exauriente,
apta à formação de coisa julgada material. Sendo assim, desafia o recurso de agravo, na
modalidade de instrumento, com as peculiaridades acima dispostas, além de ser possível a
propositura de ação rescisória a respeito.
38
REFERÊNCIAS
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2006
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