ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

38
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAM FACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTRO CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO Monografia apresentada como requisito indispensável para a para a obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil. Aluno: Felipe Veiga Schottz Orientador: Prof. RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO, 2014.

Transcript of ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAMFACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTROCENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD

ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELAINCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

Monografia apresentada como requisitoindispensável para a para a obtenção do títulode Especialista em Direito Processual Civil.

Aluno: Felipe Veiga Schottz

Orientador: Prof.

RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO, 2014.

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES – UCAMFACULDADE DE DIREITO CANDIDO MENDES – CENTROCENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD

FELIPE VEIGA SCHOTTZ

ASPECTOS RELEVANTES DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELAINCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

Monografia apresentada à Faculdade deDireito Candido Mendes – Centro comorequisito parcial para a obtenção do título deEspecialista em Direito Processual Civil.

Nota ( )

Professor _____________________________________Orientador

Professor _____________________________________

Professor _____________________________________

RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2014.

RESUMO

A efetivação dos direitos, no plano dos fatos, surge como uma das maiores dificuldades

enfrentadas pelo direito processual civil moderno. Nesse quadro, a técnica da antecipação dos

efeitos da tutela constitui-se em uma das maneiras de aliviar as tensões existentes entre os

direitos, de base constitucional, à efetividade e à segurança. Objetiva-se, nesta monografia,

caracterizar e discutir os principais aspectos, requisitos e pressupostos da antecipação da

tutela do pedido incontroverso, introduzida no art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil,

pela Lei n. 10.444/2002, além de sua natureza e relação com as demais hipóteses de tutela

antecipada.

Palavras-chave

Processo; antecipação; incontrovérsia; pedido.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................52 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.....................................................6

2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO.................................................................................................62.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA.................82.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO.........................................................................................92.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA....................................................102.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS......................112.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA...............13

3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO........................153.1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................153.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS.....................................................................15

3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único............................................153.2.2 Objeto de prova......................................................................................................183.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos..................................................................................................................203.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual.....................................................223.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor....................................................233.2.6 Revelia e não contestação.......................................................................................243.2.7 A incontrovérsia......................................................................................................27

3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis.............283.4 Natureza da decisão e precariedade da medida..............................................................293.5 Natureza jurídica e recurso da decisão...........................................................................32

4 CONCLUSÕES.....................................................................................................................37REFERÊNCIAS........................................................................................................................38

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar aspectos relevantes relacionados ao

instituto da antecipação de tutela em razão da incontrovérsia parcial do pedido, incluído no

ordenamento processual brasileiro pela Lei n. 10.444/2002 no parágrafo sexto do art. 273 do

Código de Processo Civil.

Na primeira parte, serão analisados os fundamentos – legais e de ordem fática –

que permitem a concessão da medida e sua inclusão na legislação pátria, tais como os efeitos

do tempo para a correta prestação jurisdicional, além das tensões provocadas pelos direitos à

efetividade e à segurança – características que determinaram a escolha do tema apresentado.

Para permitir melhor diferenciação com as demais tutelas de urgência – tanto as demais

hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela (tutela antecipada assecuratória e punitiva)

quanto as tutelas cautelares –, serão explorados seus respectivos requisitos e principais

características.

Já na segunda, serão estudados conceitos necessários à correta delimitação do

tema, como a cumulação de pedidos, espécies de defesa do réu, objeto de prova, além de

condições para se considerar um pedido como incontroverso. Outrossim, serão averiguadas a

natureza da decisão que antecipa os efeitos da tutela considerada e suas respectivas

consequências no âmbito recursal, bem como analisadas as principais correntes doutrinárias a

respeito. A metodologia empregada foi a documental, com todas as reflexões realizadas a

partir da análise de textos.

6

2 ASPECTOS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

2.1 JURISDIÇÃO E TEMPO

Uma das características do Estado moderno, no que se refere à questão da

administração da justiça, é o monopólio da jurisdição. A resolução de conflitos que surjam no

campo das relações interpessoais dá-se (ou se deve dar) a partir da apresentação do problema

a um corpo técnico organizado pelo Estado, que, atuando a pedido, resolverá a controvérsia

através da substituição da inteligência e vontade dos envolvidos. Não se admite, portanto,

salvo exceções previstas em lei1, a autotutela.

Assim, o Estado, tendo se arrogado no monopólio da utilização da força, deve

prestar a tutela mais ampla possível. A tutela estatal padrão define-se, por isso, como aquela

construída através de processo em que haja cognição exauriente e que assuma caráter de

definitividade (ou imutabilidade), uma vez que deve açambarcar todo o conflito instaurado e

solucioná-lo de forma perpétua, respeitando-se a segurança – um dos poucos valores a que

pode aspirar com integridade, dispondo dos meios necessários para realizá-lo – daqueles que

se submetem a sua autoridade.

Ocorre que um dos grandes problemas, no que se refere ao procedimento surgido

a partir de tais considerações, o procedimento ordinário, é justamente a espera necessária para

que haja a certificação do direito pleiteado, fato que nem sempre é possível ao autor, uma vez

que sua fruição lhe pode ser necessária desde logo, com o início da relação processual. Assim,

ocorrem situações no campo dos fatos que ensejam a concessão de tutela que, por suas

próprias características, deve se revestir do atributo da provisoriedade.

Nas palavras de Teori Zavascki2:

se o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão

própria, é seu dever fazer com que os indivíduos a ela submetidos

compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da demora da

atividade jurisdicional.

1 Uma das hipóteses é o desforço imediato, previsto no art. 1210, § 1º, do Código Civil: “O possuidor turbado,ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos dedefesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. Outra éa do penhor legal, cujo art. 1.470 do diploma civil assim estabelece: “Os credores, compreendidos no art.1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo nademora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem”.

2 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 28.

7

Insere-se a temática da antecipação da tutela na tentativa de se conciliar o direito à

prestação jurisdicional tempestiva com a necessidade de desenvolvimento dos debates entre

os litigantes. Tendo tal situação em vista, o tempo deve ser encarado como um ônus, a ser

repartido entre as partes para que a jurisdição possa ser exercida de maneira eficaz.

Dessarte, quanto mais longa for a marcha processual, maior será o benefício

gerado ao réu que não possui razão, àquele que efetivamente provocou ou provocará uma

lesão, e maior o dano provocado ao autor que tenha razão. Conforme o magistério de Luiz

Guilherme Marinoni3:

Mas, ainda que o autor possa ter, na execução, o bem que persegue, a

simples demora na sua obtenção é, por si só, fonte de dano. Trata-se do dano

que Andolina denomina de 'dano marginal em sentido estrito' ou de 'dano

marginal de indução processual'. O tempo do processo causa,

inevitavelmente, este dano. O dano que pode ser evitado através da tutela

cautelar, ao contrário, não depende apenas da demora do processo e, por isso

mesmo, não é peculiar a todo e qualquer processo.

Assim, tem-se que as regras processuais devem ser lidas e interpretadas de acordo

com os direitos fundamentais de cariz constitucional, notadamente o direito à duração

razoável do processo e à efetividade da jurisdição. Como solução, o processo, para garantir

isonomia ao trato dispensado às partes, deve distribuir o ônus do tempo da demanda a um ou

outro litigante de acordo com a probabilidade de sucesso que possa ser conferida aos

argumentos de cada um.

O mesmo autor sustenta a existência de um princípio de distribuição do ônus do

tempo no direito processual brasileiro4:

De modo que o conceito de título executivo extrajudicial e a consequente

separação entre a ação de execução e a eventual ação de conhecimento

(embargos do executado) constituem genuíno exemplo de distribuição de

ônus do tempo da justiça entre o detentor do título extrajudicial e o devedor.

É o que explica Scarselli: 'se a qualidade dos títulos executivos extrajudiciais

decorre do fato de que estes representam a prova dos fatos constitutivos,

então parece indiscutível que para o ordenamento jurídico esta prova é

pressuposto suficiente para a instauração da execução. Nestes termos, os

3 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.

4 Ibid., p. 114/115.

8

títulos executivos extrajudiciais – de cuja legitimidade ninguém nunca

duvidou – demonstram melhor do que qualquer outro instituto processual a

existência do princípio pelo qual o tempo do processo deve ser suportado

pela parte que tem necessidade da instrução da causa, porque evidenciam

que, em regra, o ordenamento supõe suficiente a prova dos fatos

constitutivos para antecipar a execução à sentença de cognição exauriente.

2.2 RISCOS À EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E TUTELA PROVISÓRIA

Nesse diapasão, as situações de risco à efetividade da prestação da tutela

definitiva podem ser resumidas em três espécies: (1) aquelas que colocam em risco a

certificação do direito material – nesse caso, a prova da existência do direito material

encontra-se ameaçada, seja em virtude do longo lapso temporal em que se deve desenrolar o

procedimento ordinário ou por algum outro motivo; (2) aquelas que colocam em risco a

execução do direito material pleiteado – há, nessa hipótese, a dissipação, por parte do

devedor, dos bens que possam assegurar a fruição do direito que porventura venha a ser

afirmado; e (3) perigo de dano decorrente da demora na fruição do próprio direito pleiteado5.

Por outro lado, inovações mais recentes no direito brasileiro permitiram o

surgimento de tutelas visando à proteção contra embaraços injustificáveis à fruição do direito

pleiteado, aptas a serem igualmente antecipadas – são os casos de abuso do direito de defesa e

de incontrovérsia do pedido. A existência de tais tutelas visa à concreção, em âmbito

infraconstitucional, da regra encartada n art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República: “a

todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e

os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O que se observa, portanto, é que a tutela provisória poderá consistir em

providências de duas naturezas distintas: aquelas que antecipam a própria fruição do direito

inicialmente pleiteado, e aquelas que garantam a certificação do direito material discutido ou

a futura execução do direito que possa, ao final, ser afirmado. Desse modo, surge como um

pressuposto para a concessão de tais tutelas a existência de fato que coloque em risco o direito

pleiteado, a própria efetividade da jurisdição, ou cause embaraços à necessária celeridade

processual. Tutela provisória é, portanto, um termo guarda-chuva, utilizado para fazer

5 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 49.

9

referência tanto à tutela antecipada quanto à tutela cautelar.

As diferenças entre as espécies são as seguintes: a tutela antecipatória guarda

conteúdo similar ao da tutela definitiva, espraiando-se através do procedimento até que

sobrevenha essa última; a tutela cautelar, por outro lado, possui conteúdo diverso daquele

requerido para a tutela definitiva, sendo sua função assegurar a possibilidade de certificação

do direito ou sua posterior execução, caso certificado, durando apenas enquanto persistir o

estado de perigo.

A tutela provisória, seja antecipada ou cautelar, possui dois limites de natureza

temporal, que se relacionam a sua finalidade e a sua necessidade. Concretizado o fim a que se

destina a tutela definitiva, impõe-se o término da tutela provisória. Por sua vez, a tutela

provisória somente se justificará caso persistam as condições de fato que permitiram seu

deferimento inicial.

A tutela provisória reveste-se, ainda, do atributo da precariedade, uma vez que

possível de revogação ou modificação a qualquer tempo, desde que haja mudança no estado

de fato ou no estado de prova.

2.3 JURISDIÇÃO E COGNIÇÃO

Conforme aduzido por Kazuo Watanabe6:

Cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em

considerar, analisar, e valorar as alegações e as proas produzidas pelas

partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no

processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do

julgamento do objeto litigioso do processo.

A cognição, por sua vez, dá-se em dois planos: horizontal (extensão) e vertical

(profundidade). No primeiro deles, a cognição pode ser plena ou limitada, sendo todo o

conflito apreciado ou apenas parcela dele. Já no segundo, poderá ser exauriente ou sumária, a

depender da completude com que realizada. O processo em que a cognição tenha sido

realizada de maneira exauriente assumirá o caráter de definitivo e, após o prazo da ação

rescisória, imutável, seja em face de atos normativos superveniente ou mesmo com relação a

6 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. São Paulo: RT, 1987, p. 41 apud DIDIER JUNIOR,Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 311.

10

atos do próprio Poder Judiciário.

Por outro lado, a previsão de limitações a qualquer dos planos em que se

desenvolve a cognição, por sua vez, é possível, sem que se possa falar, no entanto, em

descumprimento a princípios constitucionais ou processuais. O art. 5º, LV, da Constituição da

República não se configura, assim, em uma espécie de “direito a procedimento ordinário” –

onde tais características se encontram dispostas em maior grau. A cognição realizada no

processo poderá ser, desse modo, limitada e exauriente (p. ex. procedimentos de embargos de

terceiro – art. 1054 do CPC –, desapropriação, ação monitória em que o réu não opõe

embargos – art. 1102-A do CPC)

Desse modo, a cognição, na tutela antecipada, é sumária, menos aprofundada

verticalmente que sua correspondente tutela definitiva, e dependente de futura existência, ao

menos potencial, dessa última. Não se deve, no entanto, confundir procedimento sumário,

apto a gerar tutela definitiva – pois fundada em cognição exauriente –, com a tutela

antecipada, necessariamente menos aprofundada que a concedida no processo principal e

inapta a gerar coisa julgada material. Cognição sumária é aquela formada quando há qualquer

tipo de constrangimento ao contraditório, em especial quando se limita a possibilidade de

produção da prova.

2.4 O DIREITO À EFETIVIDADE E À SEGURANÇA

Processualmente, o Estado deve garantir aos litigantes a possibilidade não só de

provocar sua atuação, mas, de igual modo, a de obter a melhor decisão possível, em prazo

adequado e com potencial de atuação no âmbito dos fatos – tal é o direito, de base

constitucional, à efetividade da jurisdição (ou, ainda, de acesso à justiça ou à ordem jurídica

justa). O direito à efetividade, sob o prisma processual, decorre da cláusula geral do devido

processo legal: os direitos deve ser, além de simplesmente reconhecidos, efetivados. Portanto,

processo devido é aquele efetivo7.

Por outro lado, garante-se, no art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República, que

ninguém será privado de seus bens e liberdade sem o devido processo legal e o respeito ao

contraditório e à ampla defesa.

7 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p. 73.

11

A colisão entre tais direitos, de índole constitucional, opera-se, no caso concreto,

com relativa regularidade, desencadeada, na maior parte das vezes, pelo decurso do tempo, e

deve ser harmonizada: a outorga de medidas de caráter provisório é uma maneira de assim

proceder8.

Assim, nas palavras de Teori Zavascki9:

o poder jurisdicional de decretar medidas provisórias cautelares ou

antecipatórias apresenta, simplesmente, o poder de formular regras de

solução para os fenômenos concretos de conflito entre direitos fundamentais

que formam o devido processo legal.

Desse modo, será legítima a tutela antecipada mesmo com relação aos casos em

que sua antecipação seja concedida na sentença sujeita a recurso com efeito suspensivo ou

reexame necessário, em virtude da ponderação realizada, em sede legislativa, que optou por

privilegiar o vetor efetividade em detrimento, nesse caso, da segurança jurídica.

2.5 ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ESPÉCIES, EXTENSÃO E EFEITOS

Atualmente, no direito brasileiro, as espécies de antecipação de tutela podem ser

elencadas da seguinte maneira: (1) antecipação assecuratória – funda-se no receio de dano

irreparável ou de difícil reparação, prevista no art. 273, I, do Código de Processo Civil; (2)

antecipação punitiva – com base no abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do

réu, com previsão no art. 273, II, do mesmo diploma; e (3) antecipação do pedido

incontroverso – aplicável quando parcela do pedido ou um deles se mostrar, de plano,

evidente, conforme o art. 273, § 6º, daquele estatuto.

Os pressupostos comuns para a concessão de tutela antecipada, no que se refere

aos itens (1) e (2) acima são: existência de prova inequívoca do direito afirmado e

verossimilhança das alegações. A definição de verossimilhança, para a doutrina, é

controversa: Teori Zavascki10 afirma que consistiria em grau de certeza maior que o da mera

probabilidade, próximo àquele da liminar em mandado de segurança.

Além dos dois pressupostos acima, exige-se ainda outro, este alternativo: que haja

8 Como técnica de resolução de conflitos de caráter constitucional, a antecipação de tutela deve observar asregras da necessidade, da menor restrição possível e da salvaguarda do núcleo essencial do direito.

9 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 70.10 Ibid., p. 79

12

receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao direito afirmado; ou a existência de abuso

de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório por parte do réu. O risco afirmado ao

direito deve ser grave, atual e concreto pra ensejar a concessão da medida. Abuso do direito

de defesa faz referência a atos praticados dentro do processo (v. nesse sentido, art. 14, III e IV,

do CPC), enquanto manifesto propósito protelatório diz respeito a atos praticados fora dele

(como ocultação de provas, não devolução dos autos etc.).

Os efeitos da tutela definitiva que podem ser antecipados são aqueles que

poderiam decorrer, ao menos potencialmente, do conteúdo da sentença de mérito, efeitos que

acarretem ou impeçam mudanças no plano dos fatos. A antecipação não serve, assim, para

tutelar efeitos meramente jurídico-formais.

Desse modo, é irrelevante a diferenciação normalmente feita entre ações

declaratórias, constitutivas ou condenatórias para se determinar em qual espécie de ação a

antecipação seria possível. O que se deve ter em mente são os efeitos práticos que a sentença

de mérito poderia gerar com relação à ação proposta, quais modificações no plano dos fatos

ela poderia gerar. São esses efeitos que poderão ser antecipados pela tutela.

O cumprimento da decisão de antecipação da tutela seguirá as normas previstas

para o cumprimento de prestação de fazer ou não fazer (art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC), de

prestação de entregar coisa (art. 461-A, § 3º, do CPC) e de pagar quantia (art. 475-O do CPC),

a depender da modalidade de obrigação. A execução da medida é de inteira responsabilidade

do requerente, que se obriga a reparar eventuais prejuízos causados (art. 475-O, I, do CPC).

No entanto, a vedação prevista no art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil não deve ser

considerada de maneira absoluta. Deve-se tutelar em juízo o direito que demonstre ser

verossímil em detrimento daquele implausível, sem prejuízo de que o magistrado imponha,

tanto quanto possível, o oferecimento de garantias reais ou fidejussórias que entender

necessárias.

A medida poderá ser implementada pelo juízo através da expedição de ordens e

mandados; frustrada, caberá a adoção do procedimento comum de execução provisória,

antecedida, caso necessário, de prévia liquidação da decisão. Na hipótese do art. 273, I, do

Código de Processo Civil, os meios de defesa previstos ao executado não terão, via de regra,

efeito suspensivo, em virtude da própria situação que ensejou a concessão da antecipação da

tutela. Tal decisão, que antecipa os efeitos da tutela, terá natureza interlocutória, constituindo

título executivo judicial.

13

Bem se vê, portanto, que o antigo princípio da nulla executio sine titulo, nos

tempos atuais, não pode mais ser tido como existente; não se constitui mais no pressuposto

lógico-jurídico para a instauração da execução - “abrir a via executiva a um direito não é uma

consequência de sua existência, mas uma simples opção pela sua realização prática”11.

Por fim, verifica-se que, a partir do advento da Lei n. 10.444/2002, a sentença

proferida em processo cujo pedido fundamenta-se no art. 461 do Código de Processo Civil

possui natureza executiva em sentido amplo, sendo cumprida no bojo do mesmo

procedimento.

2.6 ASPECTOS PROCESSUAIS GERAIS DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

A antecipação da tutela sujeita-se ao princípio dispositivo, dependo, portanto, de

expresso requerimento da parte interessada, entendida como aquela que postula a tutela

definitiva, não necessariamente o autor.

O juiz deverá abrir prazo para ouvir a parte contrária acerca do pedido de

antecipação antes de decidir a respeito, a não ser que a própria demora daí decorrente puder,

por si só, provocar dano direito alegado.

Exaurido o contraditório, esse é o momento em que se deve dar a tutela do direito;

adiar tal momento fere o princípio da duração razoável do processo. “O direito à duração

razoável exige que o julgamento do mérito e a tutela do direito ocorram quando o pedido se

torna maduro para definição (…)”12.

A decisão que deferir ou não o pedido de antecipação da tutela antes da sentença

poderá ser impugnada mediante agravo de instrumento, mesmo após a redação do art. 522 do

Código de Processo Civil conferida pela Lei 11.187/05. O recurso será dirigido ao relator, que

poderá, a requerimento do agravante e desde que relevante a fundamentação, suspender o

cumprimento da decisão agravada.

A decisão que aprecia pedido o pedido de antecipação da tutela constitui decisão

interlocutória, uma vez que seu conteúdo jamais poderá importar em extinção do processo,

11 MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2011, p.46.

12 Ibid., p. 49.

14

ainda que tenha sido proferida em conjunto com a sentença13. Por outro lado, concedidas a

tutela antecipada e a definitiva no mesmo ato, a doutrina majoritariamente entende que o

recurso adequado para impugnar tal decisão será a apelação, em virtude da regra da

unirrecorribilidade das decisões.

Do acórdão que defere ou indefere medida liminar não é possível recorrer às

instâncias extraordinárias (enunciado n. 735 da súmula do STF), uma vez que tal decisão é

ainda provisória, pendente de confirmação pelos juízos ordinários. Entretanto, tal afirmação

não pode ser tida como absoluta, já que a constitucionalidade do preceito normativo pode ser

atacada, bem como o deferimento ou o indeferimento da medida pode ter acontecido com

ofensa às normas legais que disciplinam a medida14.

As medidas provisórias podem, em geral, ser modificadas ou revogadas,

ocorrendo mudanças no estado dos fatos ou com o aprofundamento da cognição sobre o

direito pleiteado. Não será qualquer modificação da situação fática, no entanto, que poderá

justificar a revogação da antecipação da tutela já concedida, se o direito mantém-se

verossímil; tal hipótese deve ser tida como excepcional, ao contrário de eventuais alterações

no estado da prova, fundamentais para a manutenção da medida.

A posterior prolação de sentença contrária ao direito afirmado na concessão de

medida antecipatória provoca a revogação, imediata e ex tunc, de tal decisão (v. enunciado n.

405 da súmula do STF), mesmo que omissa a respeito. Ainda, na hipótese de superveniência

de sentença que julgue a causa, eventuais recursos ainda pendentes de julgamento, interpostos

contra decisão que deferiu ou indeferiu a medida antecipatória ficarão prejudicados.

A antecipação da tutela perante os tribunais pode ser obtida de três maneiras: por

pedido direto, mediante petição, nos casos de ações originárias (ação rescisória, mandado de

segurança etc.) ou quando os pressupostos surgirem estando a causa na segunda instância; por

recurso da decisão de primeiro grau; por pedido de antecipação da tutela recursal, processado

como incidente ou, em casos excepcionais, por ação direta (mandado de segurança contra ato

judicial, ação cautelar etc.).

13 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 128.14 Ibid., p. 134/135.

15

3 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PELA INCONTROVÉRSIA DO PEDIDO

3.1 INTRODUÇÃO

A possibilidade de concessão de tutela antecipada pelo juiz ao verificar a

incontrovérsia do pedido formulado na inicial foi inserida no ordenamento processual

brasileiro pela Lei n. 10.444/02, que acrescentou o parágrafo 6º ao art. 273 do Código de

Processo Civil, assim redigido: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um

ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Tal hipótese supõe o cúmulo de pedidos na mesma ação ou que o pedido, ainda

que único, possa ser cindido. Para Teori Zavascki15, enquanto as demais hipóteses de

antecipação da tutela tem por finalidade balancear aplicação dos princípios constitucionais de

segurança jurídica e da efetividade do processo, aquela contida no art. 273, § 6º se presta a

cumprir os princípios da efetividade e celeridade (art. 5º, LXXVIII, da CRFB).

Nesse sentido, a antecipação da tutela em virtude da evidência do fato constitutivo

constitui-se em técnica do procedimento comum que permite a distribuição isonômica do

tempo do processo, que deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa.

Não se limita, portanto, a situações específicas que privilegiam determinados atores

processuais – como sói acontecer com relação à execução de título extrajudiciais.

3.2 ALGUNS CONCEITOS NECESSÁRIOS

3.2.1 Cúmulo objetivo. Cisão quantitativa de pedido único

O autor pode cumular, em sua inicial, mais de um pedido dirigido ao órgão

julgador – e normalmente assim faz. A cumulação pode ser classificada em própria, dividindo-

se em simples e sucessiva e em imprópria, compreendo a cumulação subsidiária (ou eventual)

e a alternativa.

A cumulação própria de pedidos implica na possibilidade de acolhimento

simultâneo de todos eles. Em uma mesma ação, o autor formula diversos pedidos, que

15 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 109/110.

16

poderiam, cada um deles, consistir em ações diferentes, assim procedendo por razões de

economia (não há, portanto, necessidade de conexão entre os pedidos).

Há cumulação simples quando inexiste qualquer relação de precedência lógica

entre as pretensões deduzidas em juízo – os pedidos, considerados mutuamente, são

autônomos (A+B). Por outro lado, ocorre a cumulação sucessiva quando uma das pretensões

possui precedência lógica sobre a consideração a respeito da outra ou das demais – o segundo

pedido somente será apreciado se o primeiro for acolhido (se A, B).

Essa precedência lógica pode se apresentar de duas maneiras: como uma relação

de prejudicialidade (a rejeição do primeiro pedido implica na rejeição do segundo, ocorrendo

julgamento de mérito) ou como uma relação de preliminaridade (a rejeição do primeiro

pedido implica na impossibilidade de julgamento do segundo, não havendo julgamento de

mérito)16. Dispõe o art. 292 do Código de Processo Civil que pode haver a cumulação de

pedidos desde que: eles sejam compatíveis entre si; que o mesmo juízo seja competente para

conhecer deles; e que para todos os pedidos seja adequado o procedimento escolhido.

Por sua vez, a cumulação imprópria de pedidos consiste na formulação de

diversos pedidos ao mesmo tempo, conhecendo o autor, de antemão, da impossibilidade de

todos serem deferidos. Formula o autor diversos pedidos para que apenas um seja deferido, ou

havendo a improcedência de um ou alguns deles, os demais sejam apreciados, e possam ser

providos.

Com relação à cumulação subsidiária ou eventual, o autor estabelece uma ordem

de preferência no que se refere à apreciação de seus pedidos formulados na inicial: os pedidos

subsequentes somente serão analisados se os anteriores forem rejeitados. Condiciona-se o

atuar do magistrado à ordem apresentada, ainda que o réu reconheça a procedência de pedido

subsidiário. Deve-se salientar que a cumulação imprópria de pedidos incompatíveis não é

motivo, de plano, de inépcia da inicial, na forma do art. 295, parágrafo único, IV, do Código

de Processo Civil. Encontra fundamento legal no art. 289 do mesmo diploma.

Já no que tange à cumulação imprópria alternativa – que não se confunde com a

hipótese do art. 288 do Código de Processo Civil, pedido único fundado em obrigação

alternativa –, tem-se, nesse caso, a formulação, pelo autor, de mais de um pedido autônomo,

16 “São exemplos de cumulação sucessiva por prejudicialidade: a) a investigação de paternidade e alimentos; b)declaratória de inexistência de relação jurídica e repetição de indébito etc. É exemplo da cumulaçãosucessiva por pedido preliminar o formulado na ação rescisória: juízo de rescisão (iudicium rescindens) e ojuízo de rejulgamento (iudicium rescissorium)”.

17

para que apenas um deles seja concedido, sem, no entanto, expressar qualquer tipo de

preferência entre um deles. Exemplo seria a hipótese de consignação em pagamento efetuada

pelo devedor que desconhece o real credor e formula a demanda em face de mais de um réu

(art. 895 do CPC)17.

Por outro lado, a cumulação objetiva pode ocorrer não com relação à pluralidade

de pedidos formulados, mas pela multiplicidade de causas de pedir (remotas18) referentes a um

pedido único. Por exemplo: em ação de despejo, o autor poderá invocar, como violação do

dever do contrato de locação, a falta de pagamento dos valores acordados e o desvio da

destinação do imóvel19.

O cúmulo objetivo inicial ocorrerá, ainda, em virtude da apreciação judicial dos

chamados “pedidos” implícitos: casos em que o pedido principal inclui outras parcelas por

força legal, como os juros legais, a correção monetária (art. 293 do CPC), a condenação nos

custos do processo e honorários de sucumbência (art. 20 do CPC).

Observa-se, na esteira do quanto até aqui disposto, que o mérito pode ser dividido

em capítulos, na forma como apresentada, havendo o cúmulo de pedidos na inicial. A sentença

deverá necessariamente apreciar cada um desses pedidos, permitindo o surgimento de

diversas unidades autônomas de julgamento.

Ocorre que um pedido, ainda que único, também pode ensejar esse fracionamento,

hipótese que ocorrerá quando se trate de pedido relativo a coisas suscetíveis de contagem,

medição, pesagem ou qualquer outra maneira de quantificação. Assim, a incontrovérsia que

permite a antecipação da tutela, além de poder se estabelecer com relação a um dos pedidos

formulados, pode se dar também em virtude da ausência de controvérsia quanto à parcela de

pedido único.

Na doutrina de Cândido Rangel Dinamarco20:

É decomponível o objeto do processo, em primeiro lugar, quando o é o bem

da vida, ou o conjunto de bens da vida sobre os quais incide a pretensão

deduzida pelo demandante. Isso se dá sempre que, física e juridicamente,

17 O exemplo é de DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 449.18 Apesar da existência de controvérsias, o vocábulo vem aqui grafado fazendo referência aos fatos geradores

da pretensão, em oposição aos fundamentos jurídicos da demanda, entendida aqui como a causa de pedirpróxima.

19 O exemplo é de SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Sentenças Parciais no Processo Civil – consequências noâmbito recursal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 78.

20 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p.71/73.

18

seja possível atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que ele

pretende e pede, como nos pleitos relacionados com coisas suscetíveis de

serem dimensionadas em peso, extensão ou quantidade ou, em geral, em

unidades possíveis de serem separadas. Decompõe-se idealmente o objeto do

processo, mediante uma abstração mental que permite ver, no pedido posto

em juízo, tantas partes quantas sejam necessárias para dimensionar a tutela

de modo adequado e atribuir ao autor somente uma parte daquilo que ele

postula. O objeto do processo, simples nesse caso (e não composto), é

tratado como se fora uma reunião de duas ou diversas pretensões, cada uma

delas incidente sobre uma das partes que resultam dessa decomposição. Essa

abstração mental conduz, em seu resultado prático, a tratar as parcelas

ideológicas da pretensão deduzida como se foram pretensões autônomas

desde sua formulação, dando-se a cada uma delas a solução que o juiz

entender correta perante o direito material e os fatos confirmados pela prova.

Chega-se, dessa forma, à procedência parcial da demanda, com a mesma

facilidade que se teria se esta fosse composta de pedidos fragmentários

deduzidos em cúmulo.

A situação mais palpável, nesse quadro, é a das demandas que têm por objeto

uma quantidade de bens fungíveis – e particularmente o dinheiro – os quais

são, por natureza, suscetíveis de serem quantificados pelo número de

unidades. (…)

A decomponibilidade do objeto do processo apresenta-se também quando o

bem da vida postulado, embora único, for divisível. O conceito de

divisibilidade é o que está no Código Civil, a saber: “bens divisíveis são os

que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição

considerável de valor ou prejuízo do uso a que se destinam”.

Bem se vê, portanto, que a incontrovérsia pode recair sobre os fatos que

fundamentam um (ou mais) dos pedidos formulados, sobre uma das causas que fundamenta

um (ou mais) dos pedidos formulados ou, ainda, sobre parte cindível de pedido único.

3.2.2 Objeto de prova

O objeto da prova (thema probandum) no processo civil são os fatos que dão

19

suporte à alegação das partes, deduzidas em juízo, as do autor, em sua peça inicial, e as do

réu, durante a contestação. Conforme notícia doutrinária, fato, para o processo civil, exprime

tudo o que não é direito21.

Embora passível de severas críticas22 (que não serão aqui consideradas por não

constituírem o escopo do trabalho), a doutrina brasileira tradicional, apoiada em Liebmann e

Carnelutti, estabelece que a função da prova seria, primordialmente, formar a convicção do

juiz acerca dos fatos da causa, estabelecendo-o como seu destinatário direto e principal, ao

que caberia às partes o lugar de destinatários indiretos da atividade probatória.

Assim é que o objeto de prova são os fatos que servem de fundamento à ação e à

defesa, aqueles sobre os quais se apoia a lide. Ocorre, no entanto, que não são todos os fatos

alegados pelo autor ou pela defesa que deverão, necessariamente, serem provados23. Desse

modo, devem ser provados, em juízo, os fatos que sejam controvertidos, aqueles relevantes

para o solucionamento da lide e, ainda, os determinados.

Fatos controvertidos são aqueles que, afirmados por uma das partes como

verdadeiros, foram negados pela parte contrária. São aqueles a respeito dos quais instaurou-se

controvérsia. Fatos relevantes, ou ainda influentes, são os que, justamente, possuam

pertinência com o deslinde das questões postas em juízo; devem possuir algum tipo de relação

ou conexão com a lide. Por fim, fatos determinados são aqueles que se revestem de atributos

que lhes permitam diferenciar de outras situações assemelhadas24.

Desse modo, não há necessidade de se comprovar os fatos incontroversos (art.

334, III, do CPC), sobre os quais não paira qualquer controvérsia, seja em razão da confissão

ou não contestação da parte contrária (art. 334, II, do CPC), e, ainda, os fatos evidentes e os

impertinentes à causa. Igualmente não será necessário provar os fatos impossíveis – categoria

na qual se incluem os inverossímeis e os inacreditáveis – os possíveis de prova impossível (a

impossibilidade pode advir por força de lei, caso das presunções de direito e por direito, pela

natureza do fato, em razão de vedação legal de meio de prova – art. 401 do CPC –, ou quando

condições do caso concreto impedirem a utilização de meio de prova – art. 420, pár. ún., III,

do CPC). Desnecessária é a prova, ainda, no que tange aos fatos indeterminados e aos

notórios (art. 334, I, do CPC), aqueles que são do conhecimento de todos ou imensa maioria

21 ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 260.22 V., nesse sentido, LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo – primeiros estudos. 11. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2012.23 ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270.24 Ibid., p. 270/271.

20

dos habitantes de determinada região25.

3.2.3 O ônus da impugnação especificada. Fatos que necessitam de prova ainda que incontroversos

O ônus probatório é o encargo que pesa em cada uma das partes de provar aqueles

fatos que constituam o fato do direito que cada uma delas alega possuir, em juízo. Satisfazê-lo

é interesse do próprio onerado, na medida em que apenas assim o resultado do processo

poderá lhe ser favorável. A existência de regras processuais voltadas à determinação de quais

fatos cabem a cada sujeito processual comprovar, além de autorizar a distribuição desse ônus

segundo critérios racionais, permite ao julgador resolver impasses quando a prova se mostrar

ausente ou insuficiente, funcionando, portanto, como regra de julgamento.

Conforme previsão do art. 302 do Código de Processo Civil, os fatos aduzidos

pelo autor serão considerados verdadeiros, caso não sejam impugnados especificamente pelo

réu, salvo: se inadmissível a confissão (art. 351 do CPC e art. 213 do CC/2002); se a inicial

estiver desacompanhada de instrumento considerado da substância do ato (art. 366 e art. 320

do CPC; p. ex. a certidão do registro imobiliário, o testamento); ou se a peça de defesa, em

sua totalidade, for incompatível com a veracidade dos fatos apresentados (incompatibilidade

lógica entre o que foi arguido pelo demandado e o que não foi contestado). A regra aí

encartada impede, portanto, a utilização, pelo réu, de contestação genérica aos fatos trazidos

pelo autor em sua demanda. Ao autor compete, portanto, formular sua demanda de maneira

clara e determinada26, enquanto o réu deve impugná-la, querendo, de maneira pormenorizada.

Assim, a inobservância da norma deve acarretar a presunção de veracidade dos

fatos articulados pelo autor na inicial27. Se incidente sobre todos os fatos, no entanto, deve

provocar o julgamento antecipado do mérito. A não contestação específica dos fatos

constitutivos narrados pelo autor implica, nessa esteira, a realização imediata do direito em

questão, não existindo razão para a postecipação da tutela.

Conforme aduzido por Luiz Guilherme Marinoni28:

25 Ibid., p. 272/273.26 “Demanda obscura é inepta e o pedido genérico é apenas excepcionalmente admitido” (DIDIER JUNIOR,

Fredie. Op. cit., p. 513).27 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 140.28 Ibid., p. 164.

21

O art. 302 do Código de Processo Civil, ao dispensar o fato não contestado

de prova, impede que o juiz forme convicção própria a seu respeito. A não

contestação não fornece ao juiz elemento para a formação da sua convicção

sobre o fato não contestado. A não contestação apenas reduz a massa dos

fatos controversos, impedindo que o fato não contestado seja objeto de prova

e de questionamento judicial.

Há, no entanto, certos atores processuais que estão dispensados da observância da

regra da impugnação especificada dos fatos articulados na inicial, conforme disposto no

parágrafo único do art. 302 do Código de Processo Civil. O encargo não se aplica à defesa

representada por advogado dativo, por curador especial ou por membro do Ministério Público.

Justifica-se a possibilidade ao advogado dativo (art. 5º, parágrafos 3º e 4º, da Lei

n. 1.060/1950) e ao curador especial em virtude da posição peculiar que ocupam no processo

– geralmente, devem defender o representado sem possuírem maiores vínculos com ele; no

mais das vezes sequer possuem acesso imediato àquele que devem defender em juízo.

Quanto ao Ministério Público, após a Constituição da República de 1988, pode-se

cogitar apenas da hipótese em que o Parquet aja como representante de réu incapaz, em

demanda relativa a algum de seus direitos indisponíveis. Em suas demais atuações, o órgão do

Ministério Público deverá observar a regra encartada no caput do art. 302 do Código de

Processo Civil. Frise-se, ainda, que o defensor público deve igualmente observar o preceito,

apenas vendo-se dele livre apenas quando atuar na condição de advogado dativo ou curador

especial, que é uma de suas funções institucionais, conforme disposto no art. 4º, XVI, da Lei

Complementar n. 80/1994.

Por outro lado, há certas hipóteses em que, mesmo sendo o pedido incontroverso,

não será possível a antecipação da tutela: sendo o pedido manifestamente descabido; no caso

de colusão entre as partes; com relação a demandas em que se discutam direitos indisponíveis;

caso o réu alegue defesa relativa a inexistência de pressuposto processual ou condição da

ação; quando os fatos estejam em contradição com a defesa considerada em seu conjunto29.

No entanto, não será qualquer defesa do réu que poderá afastar a incontrovérsia da

matéria de fato, mas somente aquela defesa que não seja genérica, e se revista de seriedade.

As respostas meramente evasivas, portanto, não servem para tornar controversos os fatos

articulados pelo autor na inicial. Cabe lembrar que o dever das partes de expor os fatos em

29 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 110/111.

22

juízo de acordo com a verdade decorre de previsão legal nesse sentido (art. 14, I e 17, II,

ambos do CPC).

3.2.4 Defesa: direta e indireta de mérito e processual

Ao ser chamado ao processo para se defender, o réu pode encetar uma série de

atos, cada qual com consequências específicas no âmbito da relação processual deduzida em

juízo: pode suscitar questões relacionadas ao exercício do direito de ação; pode levantar

pontos atinentes a pressupostos processuais; ou pode apresentar defesa contra o mérito.

O réu pode, ao apresentar sua defesa, levantar questões (pontos controvertidos)

relacionadas à validade da relação processual, ao que se costuma dar o nome de exceção

processual, independentemente de seu conteúdo e possibilidade ou não de seu reconhecimento

de ofício pelo juízo. As exceções processuais, quanto aos efeitos que produzem, podem ser de

dois tipos: dilatórias e peremptórias.

São exceções dilatórias aquelas distendem o curso do processo, alongando-o, sem,

no entanto, por fim à relação processual – são exemplos: a exceção de suspeição, a de

impedimento e a de incompetência relativa. São peremptórias, por outro lado, aquelas que tem

a possibilidade de pôr fim ao processo, exemplificadas pelas exceções de coisa julgada e

litispendência.

A defesa direcionada ao mérito, por sua vez, pode se relacionar com ele de

maneira direta, quando o réu contesta a existência do próprio fato que dá causa e fundamento

ao pedido do autor contido na inicial (defesa direta de mérito), ou pode atacá-lo de forma

indireta, suscitando dúvidas quanto à existência de outros fatos que possam tornar ineficaz a

pretensão da parte adversa (defesa indireta de mérito). Nesse caso, o réu é – ou se julga ser –

titular de posição jurídica de direito subjetivo material oponível ao autor, que consiste na

existência de um fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor.

No sentido do quanto aqui aduzido, pode-se afirmar: fatos constitutivos são as

ocorrências que preenchem a hipótese de aplicação de determinados direitos; fatos

modificativos são aqueles que alteram a inicial constituição do direito (p. ex. o parcelamento

ou pagamento parcial da dívida, a compensação); fatos extintivos são aqueles que provocam a

23

cessação do direito ou relação jurídica já formados (p. ex. o pagamento integral da dívida30);

fatos impeditivos são aqueles que obstam a formação válida do direito ou impedem a

produção dos efeitos normais que lhe são próprios (p. ex. erro, dolo, coação, ausência de

capacidade civil). Conforme previsão do art. 333 do Código de Processo Civil, ao autor

compete provar a ocorrência dos fatos constitutivos do seu direito, enquanto ao réu cabe

provar a ocorrência de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do autor.

Em todos os casos acima apresentados, o réu não apresenta qualquer objeção às

alegações do autor quanto à existência dos fatos constitutivos do seu direito, limitando-se a

afirmar, no entanto, a existência de outros fatos passíveis de provocar a extinção, modificação

ou impedimento do direito afirmado. Tais defesas são comumente chamadas de exceções

substanciais ou preliminares de mérito pela doutrina, já que se relacionam com ele de maneira

direta e, ainda, são decididas antes das questões substanciais propriamente ditas31.

Desse modo, tem-se que a incontrovérsia do fato constitutivo pode decorrer da

simples apresentação pelo réu dessa defesa indireta de mérito – quando reconhece, por

pressuposto lógico o fato constitutivo do direito do autor. A antecipação da tutela é possível,

portanto, quando, incontroverso o fato constitutivo do direito do autor, o réu apresenta defesa

indireta que requeira dilação instrutória e seja infundada, entendida como tal aquela que seja

incapaz de infirmar os argumentos trazidos pelo autor. Outrossim, cumpre salientar que o

pedido será incontroverso não apenas nas hipóteses de não contestação ou de reconhecimento

do pedido, mas também quando, contestado, não houver necessidade de instrução dilatória.

3.2.5 Confissão e reconhecimento do pedido do autor

Confissão é o ato de admitir como verdadeiro fato ou conjunto de fatos

desfavorável à própria posição processual e favorável ao adversário – torna incontroverso o

fato, determinando a dispensa de produção de provas a respeito. A confissão somente pode ser

realizada pelo próprio réu ou por advogado com poderes especiais (v. art. 348 e art. 349,

ambos do CPC).

30 A doutrina costuma elencar a prescrição como exemplo de fato extintivo do direito do autor (v., nessesentido, ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. cit., p. 270). Não parece ser o caso, no entanto, uma vez que aprescrição, como se sabe, tão somente encobre a eficácia da pretensão, não se relacionando diretamente como direito em si ou sua formação válida.

31 Ibid., p. 194.

24

O reconhecimento jurídico do pedido, por outro lado, envolve a admissão do

próprio pedido formulado pelo autor na inicial, e não meramente dos fatos alegados. O

reconhecimento do pedido é vinculante, tornando desnecessário ao juiz pronunciar-se a

respeito do direito alegado. O reconhecimento parcial dá ensejo à antecipação da tutela (v. AI

325.936-7, TJPR, 13.03.2006).

A não contestação e a confissão divergem do reconhecimento jurídico do pedido

no que se refere à possibilidade de recurso: o reconhecimento do pedido é impeditivo do

direito de recorrer. Somente pode haver reconhecimento do pedido ou confissão com relação a

direitos disponíveis. A parte deve ser capaz de dispor do direito em questão.

3.2.6 Revelia e não contestação

No que tange à revelia, o direito processual brasileiro caracteriza-a como a

contumácia do réu. Devendo-se fazer presente32, e citado para tanto, o réu deixa de praticar

um ato que o ordenamento considera importante para o regular desenvolvimento processual;

comina-se ao faltoso, assim, uma sanção.

A revelia produz diversos efeitos, alguns dos quais por vezes drásticos: os fatos

afirmados pelo autor são reputados verdadeiros (efeito material – confissão ficta decorrente

do art. 319 do CPC); decurso dos prazos independentemente de intimação, a partir da

publicação de cada ato (efeito processual – art. 322 do CPC); preclusão quanto à possibilidade

de alegar determinadas matérias de defesa (art. 303 c/c art. 301, § 4º, ambos do CPC);

possibilidade de julgamento antecipado da lide (art. 330, II, do CPC)33.

Conforme noticiado pela doutrina34, há situações, no entanto, em que a própria lei

retira da revelia a possibilidade de produzir a confissão ficta:

(…) a) quando a citação houver sido ficta (por edital ou por hora certa), pois

o curador especial haverá de promover a defesa do réu revel: art. 9º, II, c/c

art. 302, parágrafo único (…); b) quando terceiro houver ingressado no

32 A moldura fática que caracteriza a revelia varia, “conforme o tipo de procedimento: no procedimentoordinário é a falta de contestação (art. 319 do CPC); no procedimento sumário [e no sumaríssimo], é a faltade comparecimento à audiência (art. 277, § 2º, do CPC); no procedimento monitório é a falta de interposiçãode embargos, e acarreta o reconhecimento do pedido (art. 1.102-C do CPC)” (ALVIM, José EduardoCarreira. Op. cit., p. 255).

33 DIDIER JUNIOR, Fredie. Op. cit., p. 531.34 Ibid., p. 532.

25

processo como assistente do revel, hipótese em que será considerado seu

gestor de negócios (art. 52, parágrafo único, CPC brasileiro); c) se, havendo

pluralidade de réus, algum deles contestar a ação, não haverá revelia quanto

ao fato comum entre o litisconsorte revel e o atuante (não se aplica, aqui, o

princípio da autonomia dos co-litigantes) [art. 320, I, CPC]. (…) se o direito

material em discussão for da categoria dos indisponíveis: em verdade, é

melhor se entender como sendo direito sobre o qual a vontade das partes for

ineficaz para produzir efeito jurídico pela ação que se pretende obter (art.

351, CPC, art. 213, CC/2002; …); e) se a inicial não estiver acompanhada de

instrumento público que a lei considere da substância do ato. Há quem,

como Amaral Santos, também estenda a exceção aos casos em que a petição

inicial não se faz acompanhada de instrumento particular que a lei considere

da substância do ato (p. ex., arts. 541, 997, 1.334, § 1º, 1.417, todos do

CC/2002. Quem assim entende fundamenta a compreensão na exigência

legal de que a petição inicial deverá ser instruída com os documentos

indispensáveis à propositura da ação.

Nada obstante a longa lista, para efeitos de antecipação da tutela, a doutrina

costuma apontar diferenças entre a não contestação e a revelia, entendida esta última, nos

moldes como aqui disposta, como o não comparecimento do réu em juízo, ou seu

comparecimento desassistido de advogado, quando necessário.

Nesta última hipótese (da revelia), a doutrina é relutante em admitir que o

mencionado ato-fato processual possa fundamentar a concessão da antecipação da tutela –

costuma-se afastar a possibilidade de seu deferimento sob argumentos de cunho social35:

Já a revelia pode decorrer não da vontade deliberada do réu, mas de sua

própria falta de compreensão acerca do processo e dos ônus que são por ele

impostos. Verifica-se que o réu, citado, deixa de comparecer a juízo, ou

comparecendo, deixa de se fazer representar por advogado. A revelia pode

trazer como pano de fundo toda uma questão social, a qual abrange desde a

dificuldade de uma pessoa de baixa renda compreender a obrigação de vir a

juízo até os obstáculos que lhe são impostos na contratação de um advogado.

A revelia, em um país pobre como o nosso, pode representar mais o

resultado de dificuldades práticas encontradas pelo réu do que uma omissão

deliberada ou um manifesto desinteresse pelo processo.

35 DÓRIA, Rogéria Dotti. A Tutela Antecipada em Relação à Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed. rev. eatual. de acordo com a Lei 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.

26

A consequência processual da revelia é a possibilidade de julgamento

antecipado da lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil.

Contudo, a questão social que envolve o fenômeno da revelia tem levado a

doutrina e jurisprudência brasileiras a mitigar a sanção processual de tal

sorte que hoje não é mais possível afirmar que o réu revel será

necessariamente a parte vencida na demanda. (…)

Em igual sentido, afirma Luiz Guilherme Marinoni36:

(…) A lição de José Barbosa Moreira revela a razão de ser da interpretação

doutrinária e jurisprudencial: “Quem é esse réu que perdeu o prazo? Foi

voluntária a omissão? Se não foi, que lhe terá dado a causa: imperfeita

compreensão do chamamento ao juízo? Problema de saúde? Dificuldade em

conseguir os serviços de um advogado? Impossibilidade material de

remunerá-lo conforme o solicitado? Desconhecimento da existência de órgão

apto a prestá-los gratuitamente? Atuação ineficiente de tal órgão, ou do

advogado constituído – ou, ainda, de algum funcionário a quem a

contestação foi entregue e que deixou de encaminhá-la aos autos? Veja-se

que amplo leque de indagações se abre a partir daquele acontecimento de

aparente (mas enganosa) singeleza. Uma infinidade de aspectos da vida

social podem ser questionados com fundamento nele. Entrariam aí, a rigor,

temas como o de nível de instrução do povo, o da abundância ou escassez de

recursos financeiros, o da disponibilidade de serviços, o da formação

profissional, o das condições de trabalho nos órgãos judiciais, e assim por

diante”.

Não se admite que a revelia possa tornar os fatos não contestados

incontroversos porque não se toma em consideração, na análise desta

questão, uma defesa (ou uma posição) ativa em si considerada. Considera-se,

apenas, o não comparecimento (que, conforme visto, pode ter várias causas)

– e não a defesa (ou o comparecimento sem apresentação de defesa) –,

concluindo-se que não é razoável atribuir-se [sic] à revelia do réu a admissão

dos fatos afirmados pelo autor.

Embora relevantes os ensinamentos dos autores, tem-se que a não aplicação da

regra em questão deve ser precedida de análise, pelo magistrado, das circunstâncias de fato

36 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 147/148. A citação refere-se a MOREIRA, José Carlos Barbosa.Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo, cit., Revista Brasileira de DireitoProcessual, v. 56, p. 19/20.

27

que envolvem a causa37. Apenas na hipótese de se verificar que, realmente, o comando

normativo ali encerrado traria prejuízo desmedido ao réu, com a violação de preceitos

constitucionais – acesso à justiça, igualdade material e devido processo legal –, é que estaria o

juiz autorizado a não conferir aos fatos contidos na inicial a qualidade de incontroversos, com

os efeitos processuais daí decorrentes38.

Cumpre lembrar que, em qualquer hipótese, a revelia somente seria apta a gerar a

antecipação da tutela pela incontrovérsia do pedido em caso de cúmulo de pedidos – pelo

menos um pedido antecipável e outro sobre o qual não se opere o efeito material da sanção em

questão. De outro modo, o próprio julgamento da lide em si seria antecipado, em virtude da

regra contida no art. 330 do Código de Processo Civil.

3.2.7 A incontrovérsia

Considerando o quanto até aqui disposto, percebe-se que a incontrovérsia dos

fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em razão da incontrovérsia do

pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que comparece em juízo, de

algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da impugnação

especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito39, existindo outra parcela sobre a

qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um dos

pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão.

Como se observa, a incontrovérsia se dá com relação aos fatos trazidos pelo autor

na inicial. É sobre eles que há a necessidade de instrução probatória e, sendo tal necessidade

inexistente no caso concreto, em relação a todo o pedido ou parte dele, se abrirá ao

magistrado a possibilidade de julgar antecipadamente a lide (art. 330 do CPC) ou antecipar a

tutela com relação ao pedido ou parcela de pedido único que tenham se mostrado

37 Cumpre mencionar que DIDIER JUNIOR entende possível a antecipação parcial caso o efeito material darevelia se opere em relação a parte do pedido: Curso de Direito Processual Civil – volume 2. 6.ed., Ed.JusPodivm, 2011, p. 541.

38 Conforme salientado por STRECK, Lenio Luiz: “uma lei só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses:a) se for inconstitucional, b) se for possível uma interpretação conforme a Constituição, c) se for o caso denulidade parcial sem redução de texto, d) no caso de uma inconstitucionalidade parcial com redução detexto, e) se estiver em face de resolução de antinomias e f) no caso do confronto entre regra e princípio (comas ressalvas hermenêuticas no que tange ao pamprincipiologismo)” Porque tanto se descumpre a lei eninguém faz nada? Artigo disponível em: <www.conjur.com.br/2013-nov-14/senso-incomum-tanto-descumpre-lei-ninguem-faz-nada>. Acesso em 27 de janeiro de 2014.

39 Considerando as ressalvas acima dispostas.

28

incontroversos. Ao contrário do quanto sustentado por Fredie Didier Junior40, a incontrovérsia

em questão não traz relação com o objeto do processo, mas sim com os fatos apresentados ao

juízo. Ora, se controvérsia não paira sobre a matéria fática em tela, outra via não resta ao juízo

a não ser lhe conferir o correto enquadramento legal, julgando a lide, portanto.

3.3 Antecipação por incontrovérsia do pedido. Requisitos e pedidos antecipáveis

O pedido ou os pedidos formulados pela parte poderão ser antecipados, conforme

acima salientado, sempre que sobre eles paire a incontrovérsia, seja por qualquer das razões já

formuladas. Por outro lado, ainda que exista controvérsia quanto aos fatos questão, poderá se

operar a antecipação, em caso de desnecessidade de dilação probatória. Assim, apresentando o

autor a prova de seu direito, não sendo ao réu possível infirmá-la, ainda que conteste

especificamente tais fatos, deverá o juiz reconhecer a comprovação do alegado, concedendo a

tutela requerida.

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni41:

Significa dizer que o pedido é incontroverso não apenas nos casos de não

contestação e de reconhecimento de parte do pedido, mas também quando é

contestado e não existe necessidade de instrução dilatória em relação a ele.

Por exemplo: o autor cumula dois pedidos, postulando no primeiro que o réu

seja inibido a não mais usar determinada marca comercial e, no segundo, a

sua condenação ao pagamento de perdas e danos. Com a petição inicial, o

autor apresenta provas documentais do registro da marca em seu nome e de

que o réu está utilizando a marca em suas embalagens, mas necessita de

prova pericial para demonstrar o direito às perdas e danos. Na audiência

preliminar, por inexistir necessidade de outras provas em relação ao pedido

que objetiva a inibição, são fixados como controversos apenas os fatos

relativos ao pedido ressarcitório. De modo que o pedido de tutela inibitória

se torna incontroverso no curso do processo. A tutela inibitória, assim, pode

ser prestada com base no § 6º do art. 273.

40 “A incontrovérsia ora examinada não é aquela a que se refere o art. 334, III, CPC, que diz respeito apenasaos fatos e tem por efeito jurídico a dispensa da prova. Trata-se, aqui, de incontrovérsia quanto ao objeto doprocesso – consequências jurídicas desejadas pelo demandante; concluem os litigantes que, ao menos parte,aquilo que se pretende (pedido/mérito) tem fundamento e, por isso, deve ser acolhido”. (DIDIER JUNIOR,Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p. 540.)

41 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 183.

29

Bem se vê, nessa toada, que a antecipação da tutela por incontrovérsia do pedido

ou dos pedidos não possui os mesmos requisitos daquela fundada no receio de dano

irreparável ou em virtude do abuso de defesa (e apresentados aqui nos itens 2.2 e 2.5). Para

que se configure a hipótese fática do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, basta que se

configure a incontrovérsia, nos moldes aqui apresentados.

Ultrapassadas tais questões, cumpre, no atual momento, delinear quais desses

pedidos são antecipáveis. Em caso de litisconsórcio próprio simples, todos os pedidos são, em

regra, antecipáveis, pois autônomos uns em relação aos demais. Na hipótese de litisconsórcio

próprio sucessivo, igualmente será possível a concessão da medida. Em caso de pedido

alternativo (art. 288 do CPC), no entanto, não bastará a incontrovérsia quanto ao pedido, mas

que ela recaia, de igual modo, sobre o incidente de escolha e sobre a prestação escolhida.

Com relação à cumulação imprópria subsidiária ou eventual, em princípio, apenas

o pedido principal será antecipável. Não há limitação, no direito brasileiro, para a antecipação

do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil, com relação aos diversos tipos de obrigação:

entrega de dinheiro, de coisa (fungível ou infungível, móvel ou imóvel), fazer ou não-fazer.

Todas podem, observados requisitos pertinentes, ser concedidas em sede de antecipação.

Ainda com relação aos pedidos, Luiz Guilherme Marinoni entende possível

também o adiantamento das despesas processuais (custas, honorários de perito etc.), quando

for incontroverso que pelo menos um ou alguns dos pedidos formulados são devidos ao autor

da ação.

3.4 Natureza da decisão e precariedade da medida

Segundo Teori Zavascki, o legislador expressamente optou por outorgar apenas a

antecipação da eficácia social da sentença de mérito, assim como nas demais hipóteses de

antecipação, e não a eficácia jurídico-formal. Não haveria de se falar, portanto, na existência

de sentença parcial de mérito no ordenamento brasileiro42. Assim, a medida poderia ser

revogada a qualquer tempo, pois teria caráter provisório até a sobrevinda do final julgamento

do processo43.

42 ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 213.43 Ibid., p. 114.

30

Também Athos Gusmão Carneiro mantém o mesmo posicionamento44. Veja-se:

Melhor portanto, a nosso sentir, manter o antigo e prestigiado princípio da

unidade da sentença, cujo rompimento demandaria norma induvidosa.

O legislador não avançou tanto quanto desejariam vários estudiosos; todavia,

entendemos que a melhor solução, pelo menos na aguarda de novidades

legislativas (que pessoalmente não creio oportunas), será manter sob o

caráter de antecipação propriamente dita a AT das parcelas ou pedidos não

contestados, portanto sem a formação de coisa julgada, subsistindo a

possibilidade de sua alteração ou revogação na pendência da demanda. A

decisão interlocutória será confirmada, ou não, na sentença a ser prolatada

após o contraditório pleno.

Com a devida vênia aos ilustres processualistas, tal entendimento não parece ser o

que melhor soluciona a problemática envolvida.

Com efeito, conforme anteriormente afirmado, a cognição realizada em sede de

antecipação da tutela em virtude da incontrovérsia da demanda é exauriente – seja em razão

da própria ausência de controvérsia dos fatos ou pedidos manejados pelo autor na inicial, seja

por conta da desnecessidade de dilação probatória – e, assim, apta a gerar coisa julgada

material. Ora, se o exame judicial da matéria é o mais profundo possível, segundo o

ordenamento processual, não parece haver motivos sérios para se sustentar a possibilidade de

revogação da medida ao final do processo.

Assim caminha a doutrina de Fredie Didier Junior.45:

Avança-se um pouco mais em relação à tutela antecipada, pois, muito

embora seja decisão anterior à sentença, não se trata de tutela fundada em

cognição sumária ou em razão de verossimilhança. Há cognição exauriente e

juízo de certeza, e 'tendo em vista que a tutela não se funda em um juízo de

probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade'. Cuida-se de

uma decisão interlocutória apta à coisa julgada material e que, por isso

mesmo, pode ser executada definitivamente.

Em igual diapasão, Sidney Pereira de Souza Junior46:

Referido dispositivo [art. 273, § 6º, do CPC] permite o julgamento

44 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 47.45 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p.

534. A citação do autor refere-se a MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Antecipatória, JulgamentoAntecipado da Lide e Execução Imediata da Sentença. 2. ed., 1998, p. 104.

46 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 104/107.

31

antecipado de parte incontroversa da demanda, e, embora, se encontre dentre

uma das hipóteses de antecipação de tutela, portanto, provisória e sujeita à

revisão, para autorizada doutrina, se trata de um julgamento antecipado,

parcial e definitivo da lide.

(…) Tudo isso leva a crer que a decisão concedida com base em parcela

incontroversa da demanda não é pautada em um juízo provável, nem

tampouco provisório, mas sim fundada em juízo definitivo, restando apta,

destarte, à formação de coisa julgada material.

A antecipação em virtude da incontrovérsia do pedido, assim, não guarda as

mesmas características das demais tutelas provisórias, conforme estabelecido acima no item

2.2, não compartilhando os atributos da necessidade, finalidade ou precariedade. A tutela

antecipada, nesse caso, repise-se, funda-se em cognição exauriente que recai sobre parcela do

mérito, possuindo aptidão para a formação de coisa julgada material, uma vez que o pedido

em questão não necessita da produção de outras provas. Trata-se, portanto, de espécie de

julgamento conforme o estado do processo, encontrando-se sua previsão no art. 273 de

maneira equivocada do ponto de vista topográfico, conforme já aduzido no item 3.347:

A mais importante observação que se deve fazer sobre o § 6º do art. 273 diz

respeito à sua natureza jurídica: não se trata de tutela antecipada, mas, sim,

de resolução parcial da lide (mérito). A topografia do instituto está

equivocada.

Não é antecipação dos efeitos da tutela, mas emissão da própria solução

judicial definitiva, fundada em cognição exauriente e apta, inclusive, a ficar

imune com a coisa julgada material. E, por ser definitiva, desgarra-se da

parte da demanda que resta a ser julgada, tornando-se decisão absolutamente

autônoma: o magistrado não precisa confirmá-la em decisão futura, que

somente poderá examinar o que ainda não tiver sido apreciado.

Esta decisão futura (possivelmente uma sentença) sequer precisa ser de

mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do

mérito e, nem por isso, a resolução parcial estaria prejudicada,

necessariamente.

Deve-se asseverar, portanto, que o perigo de irreversibilidade da medida não

poderá constituir óbice a essa modalidade de antecipação, uma vez que não paira controvérsia

47 DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de Direito Processual Civil – volume 2, 6.ed., Ed. JusPodivm, 2011, p.537.

32

sobre o ponto. A efetivação da medida seguirá os artigos 461, 461-A e 475-O, a depender da

prestação requerida (obrigação de fazer, não fazer e pagar quantia), precedida de liquidação,

caso necessário. A decisão interlocutória que deferir a medida servirá como título executivo.

No dizer de Marinoni48:

A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do

contraditório de forma antecipada, não permitindo a postecipação da

discussão do direito e da produção de provas em relação a ele.

Por outro lado, o § 3º do art. 461 do Código de Processo Civil também se aplica

na antecipação de tutela das obrigações de fazer ou não-fazer fundadas na incontrovérsia do

pedido. Assim, delimitada a incontrovérsia do objeto processual, ou ainda a desnecessidade de

dilação probatória, os pedidos fundamentados na aplicação do dispositivo em questão poderão

ser antecipados atendidos os mesmos requisitos.

3.5 Natureza jurídica e recurso da decisão

Vê-se, em razão do quanto até aqui aduzido, que o art. 273, § 6º, do Código de

Processo Civil permite que se antecipe a tutela caso parcela do pedido, um dos pedidos, ou,

ainda, uma das causas de pedir se tornem incontroversos no curso da demanda, operando com

isso a cisão do julgamento de mérito, servindo para demonstrar a separação do princípio da

unidade e unicidade do julgamento no direito processual brasileiro.

A esta interpretação chegou Rogéria Dotti Doria49:

Mas, ainda que não seja possível esse julgamento antecipado parcial, o

conteúdo da decisão que antecipa a tutela (nos casos específicos de

incontrovérsia) não poderá ser alterado pelo juiz ao proferir sentença. Isto

porque essa parte do pedido já se encontra pronta para o julgamento final, o

qual somente não ocorreu em respeito à regra da unicidade da decisão. Não

há sentido, portanto, em permitir ao magistrado que, uma vez concedida a

tutela antecipada com base na incontrovérsia, altere o conteúdo dessa mesma

decisão. Nos casos de incontrovérsia, não haverá nenhum fato ou

circunstância nova entre a concessão da tutela e a sentença final. Não serão

produzidas novas provas, nem será possível qualquer nova alegação do réu.

48 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 189.49 DÓRIA, Rogéria Dotti. Op. cit., p. 118.

33

Não haverá, portanto, fundamento para se admitir uma decisão diversa

daquela já proferida.

Embora se pudesse sustentar que se trataria tal decisão de autêntica sentença

parcial, com base na nova redação do art. 162, §1º, do Código de Processo Civil 50, não parece

ser esse o entendimento que melhor equaciona a questão. Nesse sentido, a sentença precisa ser

compreendida, com a alteração legislativa, como o ato judicial que encerra o procedimento na

fase de conhecimento ou de execução e em primeira instância, e cujo conteúdo é uma das

matérias ventiladas no art. 267 ou no art. 269, ambos do diploma processual51.

A decisão que concede a tutela antecipatória da parte incontroversa possui, nesse

sentido, natureza de interlocutória, uma vez que não encerra a fase de conhecimento, embora

trate do mérito. Deve ser assim para que se permita a interposição do recurso de agravo de

instrumento, já que os autos precisam permanecer em primeiro grau para o prosseguimento do

procedimento. Do mesmo modo, a título de exemplo, as decisões que indeferem parcialmente

a petição inicial (art. 267, I, CPC), reconhecem a decadência de um dos pedidos cumulados

(art. 269, IV, CPC), ou excluem um litisconsorte por ilegitimidade (art. 267, VI), implicam em

uma das situações previstas no art. 162, §1, do Código de Processo Civil e constituem em

interlocutórias, impugnadas por agravo.

Está-se plenamente ciente do caráter instrumental e consequencialista do

argumento acima formulado para a justificativa da caracterização da decisão em tela como

interlocutória. No entanto, à míngua de alterações legislativas que permitam melhor

balanceamento do problema, e visando manter um mínimo de harmonia com relação ao

sistema recursal, a posição externada parece ser a mais razoável.

Frise-se, por outro lado, a existência de posicionamento doutrinário segundo o

qual a antecipação de tutela em virtude do art. 273, § 6º, do Código de Processo Civil

consistiria em verdadeira hipótese de sentença parcial52:

Pensamos que, após a alteração do art. 162, § 1º, do CPC, a natureza da

sentença deva ser aferida estritamente a partir de seu conteúdo, ou seja, se a

decisão tratar de uma das situações previstas no art. 267 e 269, do CPC, será

sentença. Dessa forma, a sentença não poderá ter sua natureza desnaturada

ou comprometida, passando a ser tratada como decisão interlocutória, pelo

50 “Sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.51 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Ed. JusPodivm, 2011, p.

560.52 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 120/121.

34

não encerramento da fase cognitiva em primeiro grau de jurisdição.

Se só admitíssemos a decisão com natureza jurídica de sentença quando

houvesse o encerramento da fase de conhecimento, estaríamos afastando a

possibilidade de haver sentenças parciais no processo, o que não nos parece

seja a melhor solução, já que, no afã de colmatar uma lacuna na sistemática

recursal, negaríamos os pronunciamentos parciais e definitivos.

E assim sendo, o jurisdicionado seria o maior prejudicado, já que, sem o

reconhecimento da sentença parcial, não teria, desde logo, uma decisão de

cognição exauriente e definitiva, apta à formação da coisa julgada, restando

violado, ademais, o preceito constitucional de duração razoável do processo

(CF, art. 5º, LXXVIII).

Alguns aspectos recursais do agravo de instrumento interposto contra a decisão

que antecipa a tutela devem ser apresentados. Conforme doutrina de Sidney Pereira de Souza

Junior, em respeito ao princípio da isonomia, o recurso em tal modalidade deve conter alguns

dos atributos normalmente conferidos apenas à apelação, uma vez que ataca decisão cuja

matéria é, normalmente, ventilada ao final da respectiva fase processual53.

Ao contrário da apelação, o agravo de instrumento, mesmo que interposto contra

decisão que antecipe a tutela nos moldes como aqui discutido, não será dotado de efeito

suspensivo – a eficácia dessa decisão será imediata, portanto, ao contrário da sentença sujeita

a apelação no duplo efeito, em que o ato processual judicial é praticado sob condição

suspensiva. O relator do recurso, caso convencido da existência de perigo da irreversibilidade

da medida, poderá atribuir ao agravo efeito suspensivo. Ressalve-se, entretanto, que mesmo a

concessão de efeito suspensivo ao recurso interposto não terá o condão de provocar a

suspensão do trâmite do processo em primeira instância.

Diferentemente da disciplina do agravo, no entanto, ao recurso que atacar a

decisão que conceder a modalidade de tutela antecipada ora ventilada poderá ser designado

revisor (art. 551 do CPC), desde que o recorrente exponha seus motivos para tanto. Da mesma

maneira, será possível a sustentação oral do recurso (art. 553 do CPC), caso, igualmente, o

agravante apresente requerimento. Com o mesmo fundamento, também devem ser admitidos

embargos infringentes contra o acórdão não unânime que reformar, em grau de agravo de

instrumento, a decisão que julgar a parcela incontroversa da demanda (art. 530 do CPC). Luiz

53 Ibid., fls. 146/154.

35

Guilherme Marinoni esposa idêntico entendimento54.

Outrossim, viável será a interposição de agravo interno contra qualquer decisão

monocrática do relator, a despeito do respectivo conteúdo, não se devendo aplicar o art. 527,

parágrafo, único, do Código de Processo Civil à espécie55.

Por outro lado, e apesar da literalidade do art. 485 do Código de Processo Civil56,

cabível será, ainda, a ação rescisória, em virtude do conteúdo da decisão que antecipa a tutela

em razão da incontrovérsia. Apesar de se admitir aqui a possibilidade de fracionamento do

julgamento de mérito, deve-se atentar, entretanto, para o precedente emanado do Superior

Tribunal de Justiça acerca da contagem do prazo para a ação e o momento da formação da

coisa julgada material (REsp 404.777):

A coisa julgada material é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão

que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo,

pois, a lide. Sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em

fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade de seu

trânsito em julgado parcial. Consoante o disposto no art. 495 do Código de

Processo Civil, o direito de propor ação rescisória se extingue após o decurso

de dois anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida na

causa.

Barbosa Moreira teceu críticas ao julgado que merecem ser reproduzidas aqui57:

Pelas razões acima expostas, e sem embargo da autoridade do Superior

Tribunal de Justiça, continuamos a pensar: a) ao longo de um mesmo

processo, podem suceder-se duas ou mais resoluções de mérito, proferidas

por órgãos distintos, em momentos igualmente distintos; b) todas as decisões

transitam em julgado ao se tornarem imutáveis e são aptas a produzir coisa

julgada material, não restrita ao âmbito do feito em que emitidas; c) se em

relação a mais de uma delas se configurar motivo legalmente previsto de

rescindibilidade, para cada qual será proponível uma rescisória

individualizada; d) o prazo de decadência terá de ser computado caso a caso,

a partir do trânsito em julgado de cada decisão.

54 MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 221/222.55 SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira. Op. cit., p. 161/162.56 “Art. 485 – A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)”.57 Sentença objetivamente complexa, trânsito em julgado e rescindibilidade. In Revista do Advogado 88,

nov/2006, São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, p. 97 apud SOUZA JUNIOR, SidneyPereira. Op. cit., p. 195.

36

Por fim, a execução que recaia sobre a parte incontroversa da demanda é

definitiva, uma vez que a decisão da qual se origina é apta a produzir coisa julgada material.

Caso haja a interposição de agravo de instrumento pela parte contrária, a execução será

provisória, desde que concedido efeito suspensivo ao recurso pelo relator.

37

4 CONCLUSÕES

Considerando todo o quanto até aqui afirmado, algumas conclusões podem ser

traçadas: a incontrovérsia dos fatos alegados na inicial, para fins de antecipação da tutela em

razão da incontrovérsia do pedido, pode advir: (1) da não contestação, por parte do réu que

comparece em juízo, de algum ou alguns dos fatos apresentados (descumprimento do ônus da

impugnação especificada); (2) da revelia em relação a parte do mérito, existindo outra parcela

sobre a qual não se produza a confissão ficta; (3) do reconhecimento da procedência de um

dos pedidos; (4) do reconhecimento parcial de pedido único cindível; e (5) ainda da confissão.

Encontra fundamento nos direitos constitucionais à duração razoável do processo e à

efetividade.

De acordo com a proposta inicialmente traçada, a antecipação da tutela em razão

da incontrovérsia do pedido não parece se constituir em modalidade de tutela provisória – em

que pesem os entendimentos em sentido contrário de parte da doutrina –, uma vez que não

guarda aqueles atributos delineados no item 2.2 retro (precariedade, necessidade e finalidade).

Tal modalidade de antecipação guarda relações mais íntimas, portanto, com o instituto do

julgamento antecipado do mérito, previsto na legislação processual civil no art. 330.

Isso porque se trata de decisão interlocutória fundada em cognição exauriente,

apta à formação de coisa julgada material. Sendo assim, desafia o recurso de agravo, na

modalidade de instrumento, com as peculiaridades acima dispostas, além de ser possível a

propositura de ação rescisória a respeito.

38

REFERÊNCIAS

ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria Geral do Processo. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação da Tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil – volume 1. 13. ed. Editora

JusPodivm, 2011.

DIDIER JUNIOR, Fredie, BRAGA, Paula Sarna e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito

Processual Civil – volume 2. 6. ed. Editora JusPodivm, 2011.

DIDIER JUNIOR, Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de Direito Processual

Civil – volume 3. 9. ed. Editora JusPodivm, 2011.

DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2013.

DÓRIA, Rogéria Dotti. A Tutela Antecipada em Relação à Parte Incontroversa da Demanda.

2. ed. rev. e atual. de acordo com a lei 10.444/2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 11. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de Defesa e Parte Incontroversa da Demanda. 2. ed.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

___________. Antecipação da Tutela. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

___________. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. 1. ed. 2. t. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1994.

MITIEDERO, Daniel. Antecipação de Tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

SOUZA JUNIOR, Sidney Pereira de. Sentenças Parciais no Processo Civil – consequências

no âmbito recursal. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 17. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2013.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.