As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho

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As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho EDILTON MEIRELES. Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na Universidade Católica do Salvador (UCSal). Membro do IBDP. Membro da Associacion Iberoamericana de Derecho del Trabajo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior. Desembargador do Trabalho na Bahia. Resumo: Neste artigo tratamos das ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho a partir da sua definição posta na Constituição Federal. Analisamos as controvérsias decorrentes da integração do texto constitucional, apontando nosso entendimento, especialmente em relação à competência para as ações indenizatórias que não envolvam apenas o empregado e o empregador. Palavras-chaves: competência jurisdicional indenização relação de trabalho – greve Abstract: In this article we deal with the compensation claims of competence of the Labour Court from its definition placed in the Federal Constitution. We analyze the controversies arising

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As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho

EDILTON MEIRELES.

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de

Direito Processual Civil na Universidade

Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na

Universidade Católica do Salvador (UCSal).

Membro do IBDP. Membro da Associacion

Iberoamericana de Derecho del Trabajo. Membro

do Instituto Brasileiro de Direito Social

Cesarino Júnior. Desembargador do Trabalho na

Bahia.

Resumo: Neste artigo tratamos das ações indenizatórias de

competência da Justiça do Trabalho a partir da sua definição

posta na Constituição Federal. Analisamos as controvérsias

decorrentes da integração do texto constitucional, apontando

nosso entendimento, especialmente em relação à competência para

as ações indenizatórias que não envolvam apenas o empregado e o

empregador.

Palavras-chaves: competência jurisdicional – indenização –

relação de trabalho – greve

Abstract: In this article we deal with the compensation claims

of competence of the Labour Court from its definition placed in

the Federal Constitution. We analyze the controversies arising

from the interpretation of the constitutional text, pointing

our understanding, especially in relation to competence for

compensation damages claims that do not involve only the

employee and employer.

Key words: jurisdiction - compensatory damages - employment

relationship - strike

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Ações indenizatórias previstas no

inciso VI do art. 144 da CF. 2.1. Sucessores do empregado. 2.2.

Ações envolvendo terceiros não-sucessores. 2.3. Funeral e luto.

3. Responsabilidade civil na greve. 4. Conclusão. 5. Referência

bibliográfica

1. Introdução

A regra geral da competência da Justiça do Trabalho é a de

processamento de todas as ações decorrentes da relação de

trabalho, inclusive as indenizatórias. Aqui estamos tratando da

ação entre empregado e empregador.

Indo além da competência prevista no inciso I do art. 114 da CF,

com redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/04, o

reformador constitucional preceituou que à Justiça do Trabalho

cabe julgar “as ações de indenização por dano moral ou

patrimonial, decorrentes da relação de trabalho” (inciso VI do

art. 114).

Outrossim, no inciso IX, abriu brecha para ampliação da

competência da Justiça do Trabalho pela via ordinária.

A respeito desses dois últimos dispositivos iremos tratar

abaixo. Deixamos de lado o primeiro, pois é incontroverso que

toda lide envolvendo empregado e empregador, inclusive a de

cunho indenizatório, é de competência da Justiça do Trabalho. A

controvérsia, no entanto, surge da interpretação dos demais

incisos acima referidos (VI e IX do art. 114 da CF). Daí porque

trataremos deles.

Complementando esse tema, no entanto, também cuidaremos de

analisar o disposto no inciso II do art. 114 da CF, no que se

refere às ações de indenização geradas a partir da greve.

2. Ações indenizatórias previstas no inciso VI do art. 144 da CF

Inicialmente, podemos pensar que o disposto no inciso VI do art.

144 da CF serviria muito mais para acabar com as controvérsias

quanto à competência para julgamento dos feitos em que se pede o

ressarcimento de danos morais e materiais do que propriamente a

inovar (ampliando a competência) em relação ao disposto no

inciso I do art. 114 da CF. Isso porque, quando se diz (no inciso

I, do art. 114 da CF) que a Justiça do Trabalho é competente para

“as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes

de direito público externo e da administração pública direta e

indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios" é óbvio que entre aquelas (ações) se inclui a que

busca o ressarcimento por danos morais e materiais fundados na

responsabilidade civil. Tratar-se-ia, pois, de litígio oriundo

da relação de emprego.

Contudo, é regra de interpretação que a lei não dispõe de

palavras inúteis. Além disso, seria por demais imaginar que o

reformador constitucional quis ser redundante, repetindo no

inciso VI o que já se extrai do inciso I do art. 114 da CF, apenas

para pacificar o dissenso jurisprudencial. A norma

constitucional, no entanto, não se presta a tanto.

Cumpre-nos, assim, buscar a verdadeira interpretação do

disposto no inciso VI do art. 144 da CF, afastando o entendimento

de que ele seria redundante em face do disposto no inciso I do

mesmo preceito.

Frise-se, porém, e de logo, que o dispositivo em comento não se

dirige apenas ao contrato de emprego, mas a todas as relações de

trabalho.

Esse dispositivo, entretanto, deve ser interpretado em conjunto

com os incisos I e IX do art. 114 da Constituição Federal para

evitar contradições, buscando, ao mesmo tempo, seu verdadeiro

sentido.

O inciso I do art. 114 da CF se refere às ações “oriundas das

relações de trabalho” . Já o inciso IX faz menção às

“controvérsias decorrentes das relações de trabalho”, enquanto

o inciso VI trata das ações indenizatórias “decorrentes da

relação de trabalho”.

Como leciona Reginaldo Melhado, comentando os incisos I e IX,

“oriundo tem o sentido de originário, natural... decorrente

significa aquilo que decorre, que se origina. Vale dizer: no

inciso I está a relação de trabalho antologicamente

considerada; ela própria em seu estado natural. O substrato é o

próprio trabalho. Já no inciso IX há menção à controvérsia

decorrente dela, numa relação mediata e indireta”1.

No inciso I se cuida dos litígios que encontram respaldo

imediato e direto na relação de trabalho, vinculada ao seu

núcleo essencial. Já o inciso IX trata dos litígios que decorrem

da relação de trabalho, só que de maneira indireta e mediata, por

reflexo e conexão. Ali diretamente vinculada às obrigações que

emergem da relação de trabalho; aqui, as obrigações surgidas

indiretamente da relação de trabalho.

Mas a pergunta que se faz é: quais seriam essas “outras

controvérsias decorrentes da relação de trabalho” não

abrangidas pelo inciso I do art. 114 da CF e que precisam, para

ser da competência da Justiça do Trabalho, de uma lei assim

preceituando (“na forma da lei”), conforme previsão do inciso

IX?

A resposta é simples, respondida pelas hipóteses já existentes.

Basta lembrar o litígio que decorre do cumprimento de normas

1 Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da

Justiça do Trabalho, p. 314.

coletivas envolvendo, por exemplo, o sindicato profissional e a

empresa-empregadora, na cobrança das receitas sindicais, cuja

competência é da Justiça do Trabalho (Lei n. 8.984/95)2 .

Neste exemplo (sindicato x empresa), não estamos diante de uma

relação de trabalho. Contudo, o pressuposto fático-jurídico que

dá origem ao conflito sindicato-empresa é uma relação de

trabalho (a relação de emprego). Em suma, não existisse uma

relação de emprego, na qual é gerada a receita sindical, não

haveria litígio entre sindicato e empresa. Logo, em última

análise, este litígio (sindicato-empresa) decorre de uma

relação de trabalho3 .

Cabe esclarecer, todavia, que em face do disposto no inciso III

do art. 114 da Constituição Federal, pode-se afirmar que a

competência da Justiça do Trabalho para tais conflitos agora tem

matriz no próprio texto constitucional.

Podemos, no entanto, concluir que o inciso I do art. 114 da CF

trata das ações oriundas das relações de trabalho, inclusive as

ações indenizatórias, fundadas em litígio direta e

imediatamente vinculado às obrigações dos sujeitos titulares,

2 “Art. 1º. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os

dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções

coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, mesmo

quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de

trabalhadores e empregador”.

3 STF, RE 287.227-0, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de

02/03/2001.

ou que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de

trabalho).

Já o inciso IX cuida das ações decorrentes de litígio indireta e

mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo um

terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém

igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo de trabalho.

Neste caso, entretanto, será necessária uma lei dispondo sobre a

competência da Justiça do Trabalho.

Ocorre, porém, que o inciso VI do art. 114 da CF também se refere

às ações decorrentes das relações de trabalho. E, desde logo,

assegura a competência da Justiça do Trabalho para conhecer

dessas ações indenizatórias “decorrentes da relação de

trabalho”. Nesta hipótese, portanto, a competência tem matriz

constitucional, dispensando-se a edição de lei

infraconstitucional tratando dessa matéria.

Daí, então, podemos concluir que:

a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho,

fundadas em litígio direta e imediatamente vinculado às

obrigações dos sujeitos titulares, ou que detém igual

qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de trabalho)

são da competência da Justiça do Trabalho por força do

disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;

b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e

mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo

um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou

que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo

de trabalho, também já é da competência da Justiça do

Trabalho por força do disposto no inciso VI da Constituição

Federal; e,

c) as demais ações (excluídas as indenizatórias),

decorrentes de litígio indireta e mediatamente vinculado à

relação de trabalho, envolvendo um terceiro e, pelo menos,

um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade

jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, na forma da

lei podem ser da competência da Justiça do Trabalho.

O inciso VI do art. 114 da CF, assim, respalda a competência da

Justiça do Trabalho para, por exemplo, a ação de um empregado em

face de outro empregado por ato praticado por este em

decorrência de uma relação de emprego. Imaginem a hipótese do

empregado assediado, que pode exigir do assediante, seu colega

de trabalho, uma indenização por danos morais e matérias.

Neste caso, o pressuposto fático para a ação de indenização será

a relação de trabalho mantida pelo assediado com seu empregador,

cujo preposto (o outro empregado – assediante), dolosamente,

concretizou os atos de assédio.

Não fosse o dispositivo em comento, o assediado que pretende

haver indenização, tão somente, do colega de trabalho, teria de

propor sua ação na Justiça Comum.

Todas essas ações acima citadas serão de competência da Justiça

do Trabalho por força do disposto no inciso I do art. 114 da CF,

já que oriundas da relação de trabalho.

Diversas são, no entanto, as situações da vida na qual surge a

possibilidade de atuarem na ação indenizatória proposta na

Justiça do Trabalho terceiros não-empregado ou empregador.

Algumas são mencionadas na jurisprudência e que serão objeto de

análise especifica adiante, servindo as mesmas de base para

todas as situações semelhantes.

2.1. Sucessores do empregado.

Já foi controvertido o entendimento relacionado à competência

da Justiça do Trabalho para as demandas indenizatórias

decorrentes de acidente de trabalho quando a vítima vem a

falecer e os seus sucessores demanda a reparação. Diga-se, a

reparação de dano próprio e não do falecido. Em relação à ação

proposta pelo espólio, para reparação de dano causado à vítima

(em vida ou post mortem), por certo sempre foi inquestionável a

competência da Justiça do Trabalho.

Em relação ao direito próprio do sucessor (dano moral; pensão,

etc), decorrente do acidente de trabalho, o debate relativo à

competência da Justiça do Trabalho já está pacificada em face do

entendimento do STF.

Entende a Corte Suprema que à Justiça do Trabalho compete

apreciar os feitos propostos pelos sucessores do falecido em

acidente de trabalho. Para tanto basta citar o CC 7545, Rel. Min.

Eros Grau.

O fundamento jurídico dessa posição seria justamente o inciso VI

do art. 114 da CF. Isso porque aqui se trata de uma demanda que

decorre da relação de trabalho. Em suma, em decorrência da

relação de emprego havido entre trabalhador e empregador um dano

foi gerado aos sucessores do empregado. Logo, esse dano decorre

da relação de trabalho, competindo à Justiça do Trabalho

conhecer da demanda respectiva, por força do disposto no inciso

VI do art. 114 da CF.

2.2. Ações envolvendo terceiros não-sucessores

Por lógica, então, também seria da competência da Justiça do

Trabalho as ações indenizatórias envolvendo terceiros,

sucessor ou não, quando se demanda a reparação de dano gerado na

relação de trabalho.

Podemos citar, por exemplo, o dano moral por ricochete, ou seja,

aquele refletido no terceiro não destinatário da ofensa moral.

I sso ocorre mesmo quando o ato tenha sido praticado diretamente

contra determinada pessoa, mas seus efeitos acabam por atingir,

por reflexo ou indiretamente, a integridade moral de terceiros.

Admite-se, pois, a existência de danos morais reflexos, ou seja,

ofensa a bem jurídico (moral) de terceiros envolvidos com o

sofrimento experimentado pelo principal prejudicado em razão do

evento danoso.

Neste caso, entendemos, com respaldo no inciso VI do art. 144 da

CF, que a competência é da Justiça do Trabalho, pois se trata de

ação de indenização decorrente da relação de trabalho.

Decorrente porque tem sua causa numa relação de emprego.

E tal conclusão tem toda uma lógica de organização judiciária,

pois seria de todo descabido se ter que, diante do mesmo evento

danoso, duas sejam as “Justiças” competentes para apreciar as

ações indenizatórias.

Veja o exemplo da demanda do empregado contra o empregador para

ressarcimento de danos morais decorrentes de ofensa à honra.

Seria descabido se entender que essa demanda é da competência da

Justiça do Trabalho, mas já a ação proposta pelo cônjuge do

trabalhador que se sente lesada moralmente por reflexo (por

“ricochete”) seja da competência da Justiça Estadual.

Tal separação, inclusive, poderia conduzir a aplicação de

prazos prescricionais distintos: na Justiça do Trabalho a regra

constitucional (inciso XXIX do art. 7º); na Justiça Comum a

regra do Código Civil (§ 3º do art. 202 do CC); criando situações

violadoras do princípio da igualdade.

Parece-nos, inclusive, ser esta a tendência jurisprudencial no

STJ. Isso porque, esta Corte Superior, no CC 82.432, Rel. Min.

Ari Pargendler, entendeu que “a expressão ‘as ações de

indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da

relação de trabalho’, inscrita no art. 114, VI, da Constituição

Federal, não restringe a competência da Justiça do Trabalho às

ações ajuizadas pelo empregado contra o empregador, e vice-

versa. Se o acidente ocorreu no âmbito de uma relação de

trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o tomador dos

serviços responde pelos danos sofridos pelo prestador

terceirizado”.

Aqui, pois, já se tem uma demanda na qual o prestador de serviço –

não empregado – demanda o tomador de serviços (empresa não

empregadora). Na referida ação, o trabalhador demandou seu

empregador e o tomador dos serviços em face de acidente de

trabalho. Ou seja, é uma ação envolvendo um terceiro (tomador de

serviços) à relação de emprego.

É certo, porém, que o STJ, no CC 111.566, Rel. Min. Paulo de Tarso

Sanseverino, entendeu que seria da competência da Justiça

Estadual a demanda indenizatória para reparação de danos

decorrentes de acidente de trânsito, na qual foi atropelado um

trabalhador em serviço. No caso, a vítima demandou o motorista

atropelador, o proprietário do veículo e o empregador,

alegando, quanto a este, a responsabilidade decorrente de

acidente de trabalho.

O STJ, com base nos precedentes que definem a competência da

Justiça Federal (“se em uma das causas conexas não figura algum

dos entes federais previstos no art. 109, inciso I, da Carta

Constitucional, não pode ser prorrogada a competência da

Justiça Federal, vez que absolutamente incompetente para julgar

ação entre particulares”), no entanto, entendeu que “a

competência da Justiça do Trabalho é absoluta, não podendo ser

prorrogada por conexão se as matérias objeto das demandas

conexas não estiverem entre as hipóteses previstas no art. 114

da CF”. Logo, concluiu que à Justiça do Trabalho cabe apreciar a

demanda contra o empregador e à Justiça Estadual a demanda

contra o motorista e o proprietário do veículo.

Tal decisão é merecedora de crítica. Isso porque, em verdade, a

Justiça Federal tem competência mais restrita, pois limitada em

face de alguém (União, empresas públicas federais, etc). Ou

seja, tem competência em face dos interesses de determinadas

pessoas, salvo exceções previstas em lei, inclusive para causas

trabalhistas.

Já a Justiça do Trabalho tem sua competência, no caso das ações

indenizatórias, definida em face de um evento danoso (“por dano

moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho”).

Logo, todos os conflitos indenizatórios decorrentes de um

evento danoso (acidente de trabalho, por exemplo) são da

competência da Justiça do Trabalho, pouco importando a natureza

jurídica da relação mantida eventualmente ou não pelos

envolvidos no evento. Aqui a competência (inciso VI do art. 114

da CF) – repito – se definiu em face do evento danoso (acidente do

trabalho, ofensa moral, etc) e não em face da eventual relação de

trabalho mantida entre ofendido e ofensor. E tanto é assim que a

competência para a Justiça do Trabalho decidir as lides entre

empregado e empregador em face de acidente do trabalho ou outro

dano qualquer está incluída na regra do inciso I do art. 114 da CF

(“ações oriundas das relações de trabalho”), enquanto o inciso

VI do art. 114 da CF trata das demais ações indenizatórias “por

dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho”,

como aquelas nas quais o trabalhador busca a responsabilidade

solidária de terceiros envolvidos no evento danoso e com quem

não mantém uma relação de emprego.

E foi nesta linha que o próprio STJ, decidiu pela competência da

Justiça do Trabalho, no CC 97.458, Rel. Min. Sidnei Beneti, para

apreciar ação de reparação de dano moral proposta por prestador

de serviços terceirizado contra uma cliente da tomadora de

serviços e a própria empresa tomadora. No caso, a reclamante

demandou “em decorrência de injúria qualificada por preconceito

racial praticada pela primeira ré, advogada e cliente da aludida

instituição financeira, nas dependências da agência bancária em

que a autora trabalhava, na condição de prestadora de serviços”.

Decidiu-se, então, que, verbis:

“1.- A expressão "as ações de indenização por dano

moral ou patrimonial, decorrentes da relação de

trabalho", inscrita no art. 114, VI, da

Constituição Federal, não restringe a competência

da Justiça do Trabalho às ações ajuizadas pelo

empregado contra o empregador, e vice-versa. Se o

acidente ocorreu no âmbito de uma relação de

trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o

tomador dos serviços responde pelos danos sofridos

pelo prestador terceirizado." (AgRg no CC

82.432/BA, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA

SEÇÃO, DJ 8.11.07)

2.- No caso dos autos, embora a pretendida

indenização por danos morais não decorra de ato

ilícito praticado por empregado da Caixa Econômica

Federal (empresa tomadora dos serviços), mas, por

cliente da aludida instituição bancária, releva

que no momento em que sofreu a ofensa, encontrava-

se a autora prestando serviços nas dependências de

uma de suas agências como trabalhadora

terceirizada, tendo a petição inicial ainda,

narrado circunstâncias típicas de relação

laborativa atribuídas à Caixa, contra quem também

foi movido o processo.

3.- Desse modo, a atração da competência da Justiça

trabalhista se justifica, pois, a despeito da

existência de duas relações subjacentes com

naturezas jurídicas distintas: a primeira com a

suposta ofensora (cliente da instituição

financeira); e a segunda estabelecida diretamente

com a CEF, enquanto tomadora dos serviços,

vislumbra-se conexão imediata [em face da]

alegação de causalidade do dano sofrido com a

prestação do serviço à aludida instituição

financeira, havendo necessidade de que, a partir da

análise da pretensão, tal como deduzida, se possa

decidir, inclusive, sobre a permanência ou não da

CEF no pólo passivo da demanda, avaliação que,

pelas particularidades do caso, será melhor

exercida pela Justiça do Trabalho e por ocasião de

prolação de sentença quando se examinam todas as

circunstâncias fático-probatórias do caso.

4.- Conflito de Competência conhecido, declarando-

se a competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de

São Carlos/SP”.

Neste caso, portanto, definiu-se pela competência da Justiça do

Trabalho para reparação de danos causados por um cliente do

tomador dos serviços (empresa) ao prestador de serviços

terceirizado (trabalhador). Aqui, inclusive, sequer o

empregador (empresa terceirizada) foi demandada.

E é neste mesmo caminho que se atribuiu a competência da Justiça

do Trabalho para a demanda de reparação de danos morais causados

por assédio sexual levado a cabo por familiar do empregador

doméstico (CC 110.924, Rela. Mina. Nancy Andrighi). Aqui se

decidiu que, verbis:

“AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO

SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. EMPREGADO

DOMÉSTICO.

1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar

ações de compensação por danos morais decorrentes

de assédio sexual praticado contra empregado

doméstico em seu ambiente de trabalho, ainda que

por parte de familiar que nesse não residia, mas que

praticou o dano somente porque a ele livre acesso

possuía.

2. Na configuração do assédio, o ambiente de

trabalho e a superioridade hierárquica exercem

papel central, pois são fatores que desarmam a

vítima, reduzindo suas possibilidades de reação.

3. Nas relações domésticas de trabalho há

hierarquia e subordinação não apenas entre a pessoa

que anota a Carteira de Trabalho e Previdência

Social e o empregado doméstico, mas também na

relação desse com os demais integrantes do núcleo

familiar.

4. Conflito conhecido para o fim de declarar a

competência do JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ -

SP, juízo suscitante”.

Observem que, neste caso, o dano sequer foi causado por familiar

que residia na casa na qual a trabalhadora doméstica prestava

serviços. Ou seja, sequer se pode alegar que, neste caso, o

assediante era integrante do núcleo familiar empregador, de

modo a equipará-lo à figura do empregador (na relação doméstica,

todos os familiares residente no mesmo local são empregadores).

Nos fundamentos da decisão, inclusive, foi considerado que “na

hipótese dos autos todo o episódio ocorreu no ambiente de

trabalho da autora e foi somente em razão da relação de emprego

havida entre a requerente e a filha do suposto ofensor que aquela

se encontrava presente no local do acontecimento”.

Aqui, portanto, tem-se a hipótese de ação de indenização por

danos gerados no seio de uma relação de emprego, causada por um

terceiro, que praticou o ato lesivo somente porque tinha livre

acesso ao ambiente de trabalho.

Seguindo essa lógica, portanto, se o trabalhador sofrer um dano

no ambiente de trabalho, quando presta serviço ao empregador,

ainda que causado por terceiro que teve acesso ao local da

prestação de serviços, a competência seria da Justiça do

Trabalho. É a hipótese, mencionada acima da cliente que ofendeu

moralmente a trabalhadora quando esta estava prestando serviços

à entidade tomadora dos serviços (STJ, CC 97.458).

É bem verdade, no entanto, que o próprio STJ,

contraditoriamente, decidiu, no CC 110.974, Rel. Min. Paulo de

Tarso Sanseverino, que falece competência à Justiça do Trabalho

para processar demanda de reparação de danos causados por um

colega de trabalho a outro, ainda que o evento tenha ocorrido no

local de trabalho.

Aqui se decidiu, verbis:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL

E TRABALHISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

AJUIZADA EM FACE DE COLEGA DE TRABALHO. ILÍCITO

CIVIL EXTRACONTRATUAL. ART. 114, VI, DA CF.

INAPLICABILIDADE.

1. Se o ilícito em que fundamentada a

responsabilidade por danos morais ocorre entre

meros colegas de trabalho, é ele - ainda que

praticado no ambiente de trabalho - civil e

extracontratual, sendo de competência da Justiça

Estadual a apreciação da respectiva ação. 2.

Inaplicabilidade ao caso do art. 114, VI, da

Constituição da República. CONFLITO DE COMPETÊNCIA

JULGADO PROCEDENTE PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA

DO JUÍZO ESTADUAL COMUM”.

Esta decisão é flagrantemente contraditória com aquela posta no

CC n. 97.458. Neste último, decidiu que o dano causado por uma

cliente da tomadora de serviço a uma trabalhadora no ambiente de

trabalho gerava a competência da Justiça do Trabalho. Já no CC n.

110.974, decidiu-se que a lesão provocada por um colega de

trabalho no ambiente de trabalho não atrai a competência da

Justiça do Trabalho. Qual a razão das decisões conflitantes?

Ora, se é da Justiça do Trabalho a competência quando a lesão é

causada por um terceiro-cliente, por muito mais razões seria

para a situação na qual a lesão é gerada pelo terceiro-colega de

trabalho. E essa competência mais se justifica quando se tem que

o empregador responde pelos atos de seus prepostos. E, vale

destacar, na referida ação a autora alegou que as ofensas

lançadas estavam diretamente relacionadas à prestação de

serviços4.

4 Consta do relatório do acórdão que a autora alegou que “a partir

do instante em que a mesma [ré] passou a dirigir à autora

acusações no sentido de que a mesma estaria desviando recursos

da empresa (Ama), verbas estas, advindas de clientes e

convênios, e o pior, a autora neste momento veio a saber que a ré

já a vinha difamando há tempos...”.

Entendemos, pois, que compete à Justiça do Trabalho julgar todas

as ações de indenização decorrentes da relação de trabalho,

ainda que envolvendo terceiros.

E entre os terceiros, pode-se elencar qualquer outro empregado

da empresa que venha a ser lesado pelos atos do trabalhador-

colega. Neste caso, a ação de indenização corre perante a

Justiça do Trabalho, pois o litígio decorre da relação de

emprego, ainda que a demanda se dirija exclusivamente contra o

empregado (empregado x empregado).

Também se inclui nesta categoria de terceiros as demais pessoas

que causam ou sofrem danos em decorrência de uma relação de

trabalho. É a hipótese do cliente que causa dano ou sofre dano.

Vejamos agora a hipótese do cliente que sofre dano por ato do

empregado da empresa. Neste caso, o ofendido pode demandar

somente o causador da lesão (empregado), somente o responsável

pelo ato de terceiro (empregador, com base no inciso III do art.

932 do CC) ou ambos, já que os mesmos respondem solidariamente.

Se o cliente optar por acionar, na Justiça Comum, apenas a

empresa, com fundamento no inciso III do art. 932 do CC, o

empregador poderá demandar regressivamente o empregado para ser

ressarcido pelos danos que vier a arcar. Tal pode ocorrer,

inclusive, através da denunciação à lide.

Esta ação de garantia (e de regresso), porém, por ter natureza

trabalhista (lide entre empregado e empregador) deverá ser

apreciada pela Justiça do Trabalho. Aqui, então, aplica-se o

mesmo entendimento revelado pelo STJ, no CC n. 97.458, diante da

“ conexão imediata [em face da] alegação de causalidade do dano

sofrido”. Daí porque a competência da Justiça do Trabalho.

O mesmo se diga para os casos de reparação de danos materiais por

ricochete.

Além das situações postas acima, existem aquelas nas quais uma

pessoa sofre dano por ricochete ao ser obrigado a arcar com uma

prestação em decorrência de atos de terceiros.

Um exemplo esclarece essa situação: imaginem a hipótese na qual

um trabalhador sofre uma lesão fora do ambiente do trabalho

causada por um terceiro e passa a gozar de benefício

previdenciário, ausentando-se do trabalho. Neste caso, a

empresa é obrigada a arcar com o salário do empregado durante os

quinze primeiros dias de afastamento do empregado (§ 2º do art.

43 e § 3º do art. 59 da Lei n. 8.213/91).

Neste caso, então, ainda que a vítima tenha sido diretamente o

empregado, é certo que, por ato de um terceiro, a empresa deve

arcar com uma prestação (pagamento dos salários), sem qualquer

contraprestação por parte do trabalhador (prestação de

serviços). Sofre, então, a empresa um “dano por ricochete”.

A demanda indenizatória, neste caso, então, seguindo-se as

orientações acima, seria, então, uma típica demanda decorrente

da relação de trabalho (inciso VI do art. 114).

2.3. Funeral e luto

A indenização com as despesas de funeral nem sempre são arcadas

pelo patrimônio deixado pelo falecido. Também é certo que no

luto é um terceiro, que não a vítima da ofensa, que sofre o dano.

Em ambos os casos, portanto, cabe a esse terceiro demandar o

ofensor para reparação de direito próprio. Não se trata,

portanto, de dano causado ao falecido.

Considerando as lições acima, entendemos, assim, que, também

com fundamento no inciso VI do art. 114 da CF, compete à Justiça

do Trabalho apreciar as demandas judiciais de reparação dos

respectivos danos.

3. Responsabilidade civil na greve

O inciso II do art. 114 da CF também assegura à Justiça do

Trabalho a competência para as ações que envolvam o exercício do

direito de greve (“II- as ações que envolvam exercício do

direito de greve”).

As ações podem ser coletivas (conforme referência expressa do §

3º do art. 114 da CF) ou individuais.

Quanto às ações individuais (em contraposição aos dissídios

coletivos), não há qualquer restrição. Isto é, seja ela qual for

(indenizatória ou não), deverá ser proposta na Justiça do

Trabalho, qualquer que seja a pessoa envolvida, desde que haja

conexão com o exercício do direito de greve.

A interpretação, aqui, também não pode ser restritiva, já que se

busca dar efetividade à tutela jurisdicional, enquanto dever do

Estado. E quando se confere a um órgão especializado a

competência jurisdicional, é certo que se tem em maior relevo o

valor justiça, pois, quanto mais especializado for o órgão

competente para processar e julgar a causa, mais provável é a

efetivação da Justiça (justa e tempestiva).

Cabe observar, portanto, que as ações que decorrem do exercício

do direito de greve nem sempre envolvem somente os empregados e

os empregadores. Cabe lembrar, inclusive, que, por mandamento

constitucional, o direito de greve é assegurado a todos os

trabalhadores e não, só aos empregados (art. 9º da CF). Assim,

por exemplo, os médicos credenciados a um plano de saúde podem

fazer greve, recusando-se a prestar os serviços contratados.

Aliás, numa interpretação lógica, poder-se-ia afirmar que os

litígios que decorrem do exercício do direito de greve já se

encontram embutidas na competência referida no inciso I do art.

114 da CF (ações que decorrem das relações de trabalho) quando

apenas envolvem os trabalhadores e os tomadores de serviços.

O dispositivo em comento, no entanto, foi mais longe. Ele atrai

para a Justiça do Trabalho todos os litígios que decorrem do

exercício do direito de greve, ainda que envolvam terceiros.

Assim, por exemplo, poderá o tomador dos serviços, prejudicado

com a greve, ou qualquer outro interessado, propor a ação

reparatória, decorrente de dano gerador pelo movimento

paredista abusivo, em face dos responsáveis respectivos. Esta

lide, por sua vez, poderá ser entre o tomador dos serviços e

sindicato, entre aquele e os grevistas (lide empregatícia),

entre o tomador e sindicalistas responsáveis pela greve, entre o

usuário do serviço paralisado (e prejudicado) e o sindicato e/ou

grevistas e/ou empresas, etc5 .

Tudo na Justiça do Trabalho. Isso porque, em tais hipóteses,

estar-se-á diante de uma ação que envolve o exercício do direito

de greve. Em suma, nela há de se decidir se o movimento

paredista, por exemplo, foi ou não abusivo. Se não abusiva a

greve, por exemplo, o usuário dos serviços paralisados não terá

direito a qualquer indenização em face dos danos sofridos em

decorrência da greve (já que os grevistas estariam a exercer

legitimamente o direito de greve). Se o contrário – sendo a greve

abusiva – o usuário, v. g., poderá pleitear uma indenização.

4. Conclusão

Do todo exposto acima, podemos resumir, em síntese:

a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho,

fundadas em litígio direta e imediatamente vinculado às

obrigações dos sujeitos titulares, ou que detém igual

qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de trabalho)

são da competência da Justiça do Trabalho por força do

disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;

b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e

mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo5 Neste sentido, Reginaldo Melhado, ob. cit., p. 333.

um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou

que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo

de trabalho, também é da competência da Justiça do Trabalho

por força do disposto no inciso VI da Constituição Federal;

c) as ações, inclusive as indenizatórias, que decorram do

exercício do direito de greve, envolvendo qualquer pessoa,

também são de competência da Justiça do Trabalho por força

do disposto no inciso II da Constituição Federal; e,

d) as ações, salvo as indenizatórias, decorrentes de litígio

indireta e mediatamente vinculado à relação de trabalho,

envolvendo um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos

titulares, ou que detém igual qualidade jurídica, do

respectivo vínculo de trabalho, na forma da lei podem ser

da competência da Justiça do Trabalho;

5. Referência bibliográfica

MELHADO, Reginaldo. Da dicotomia ao conceito aberto: as novas

competências da Justiça do Trabalho, p. 314, In: COUTINHO,

Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Nova competência da

Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.