Anarquia: caos ou ordem?
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PAULO ROBERTO DE LUCCIA
ANARQUISMO: CAOS OU ORDEM?
Artigo apresentado àdisciplina deMetodologia daPesquisa I, do cursode Pós Graduação emSociologia no ano de2014, sob orientaçãoda Profa. Mirlene F.S. Wexel Severo e
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Resumo
Este artigo pretende fazer emergir o entendimento sobre
Anarquia: caos ou ordem? Se o Estado não existisse,
precisaria ser inventado? A dicotomia entre estado da
natureza e o contratualista, a questão fundamental, antes
mesmo da discussão de suas características e do seu tamanho,
é saber se ele, Estado, deve ou não existir. O espírito do
anarquismo e do anarquista, sua alma rebelde e singular, sua
visão de mundo e de convivência entre as pessoas e os povos.
Vivemos em um momento de crise de legitimidade do sistema
democrático e suas instituições. A discussão das relações
sociais e de dominação e até mesmo do sistema de governo se
acaloram. A discussão vai além do tamanho de Estado que
queremos, mas sim o tipo de Estado ou até mesmo se ele se faz
necessário. Estado mínimo não significa Estado minimizado
como querem os defensores do Estado máximo. Na verdade se a
discussão de ausência do Estado fosse tão improvável, não
estaríamos aqui a discutir seu aniquilamento, sem a intenção
de substituí-lo por outra coisa.
Palavras chaves: anarquia, caos, ordem, estado
Abstract
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This article aims to clear understanding of Anarchy: Chaos or
order? If the state did not exist, would need to be invented?
The dichotomy between nature and state of the agreement, a
key issue, even before the discussion of the size and
characteristics, if must be exist, or should not exist. The
spirit of anarchism and anarchist their rebellious and unique
soul, their worldview and relationships between people. We
live in a moment of legitimacy of the democratic system and
their crisis institutions. The discussion of social and
domination relations and even the steering system became
hard. The discussion goes beyond the size of state we want,
but the type of state or even if it is necessary. Minimal
state does not mean minimized state as advocates who wants
the state maximum. In fact the discussion of the absence of
the state were so unlikely, we would not be here to discuss
their annihilation, without intending to replace it with
something else.
Key words: anarchy, chaos, order, state
Introdução
Em suma, não sistematizo: peço o fim dos privilégios, a
abolição da escravatura, a igualdade de direitos, o
reino da Lei; Justiça, nada mais que Justiça; tal é o,
resumo do meu discurso; deixo a outros a tarefa de
“disciplinar o mundo”. (PROUDHON, 1840).
A liberdade do homem consiste tão somente nisso, de queele obedeça as leis da natureza as quais ele por sipróprio reconhece enquanto tais, e não porque elas
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foram impostas externamente sobre ele por qualquervontade exterior, humana ou divina, coletiva ouindividual. (BAKUNIN, 1882).
Esse é o lema e o tema do anarquismo, neste trabalho
discutiremos as alternativas de governo ou a ausência dele e
como a sociedade poderia conviver sem um poder central que
dita ordens e de forma coercitiva impõe normas a tudo e a
todos. O espírito do anarquismo e do anarquista, sua alma
rebelde e singular, sua visão de mundo e de convivência entre
as pessoas e os povos. Poucas filosofias sociais, doutrinas
ou movimentos sociais foram tão mal entendidos pela opinião
pública, bem como, raramente se verificou tantos motivos para
tal confusão. Proudhon, em 1840 afirmava “A anarquia é a ordem”.
Por que não a Anarquia? Caos ou Ordem? Essa será a pergunta
a ser respondida ao longo deste trabalho. Anarquia e Estado,
esta forma maniqueísta de viver em sociedade, nada mais atual
do que a discussão do tamanho ou da necessidade existencial
do Estado. Se o Estado não existisse, precisaria ser
inventado? A dicotomia entre estado da natureza e o
contratualista, a questão fundamental antes mesmo da
discussão do tamanho e de suas características, é saber se
ele deve ou não existir. Por que não ficamos com a Anarquia?
Anarquista é, por definição, aquele que não quer ser
oprimido, nem deseja ser opressor; é aquele que deseja
o máximo bem-estar, a máxima liberdade, o máximo
desenvolvimento possível para todos os seres humanos.
(ERRICO MALATESTA)
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Gênese
Podemos estabelecer a origem da Anarquia em um momento
bastante importante da historia e da luta de classes. Os
trabalhadores e pensadores, agrupados em torno de Bakunin1,
nas federações rebeldes da Internacional, lançaram a idéia da
anarquia, baseados nos escritos de Proudhon2, que desde 1848,
lutava contra o socialismo de Blanc3 e o comunismo
autoritário de Cabet4 e Leroux5. Estudaram também os
pensadores do século anterior que haviam esboçado suas
opiniões sobre as relações entre individuo e o estado.
Chegando a proclamar a liberdade absoluta do individuo e
agrupamento. Observando as sociedades atuais e os elementos
de progresso e de poder nessas sociedades e baseando-se em
épocas anteriores, onde iniciativas com outros nomes tais
como: cooperativismo, federalismo e mutualismo, que
representavam o mesmo ideal e filosofia anarquista, deram
inicio ao movimento anarquista.
1 Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (em russo: Михаил АлександровичБакунин; Premukhimo, 30 de maio de 1814 — Berna, 1 de julho de 1876),também aportuguesado de Bakunine ou Bakúnine, foi um teórico políticorusso, um dos principais expoentes do anarquismo em meados do século XIX.(WIKIPÉDIA,2012)2 Pierre-Joseph Proudhon (Besançon, 15 de Janeiro de 1809 — Passy, 19 deJaneiro de 1865) foi um filósofo político e econômico francês, foi membrodo Parlamento Francês. É considerado um dos mais influentes teóricos eescritores do anarquismo, sendo também o primeiro a se auto-proclamaranarquista, até então um termo considerado pejorativo entre osrevolucionários. (WIKIPÉDIA,2012)3 Louis Blanc, de batismo Louis Jean Joseph Charles Blanc (Madrid, 29 deOutubro de 1811 — Cannes, 6 de Dezembro de 1882) foi um socialistafrancês. (WIKIPÉDIA,2010)4 Étienne Cabet (01 de janeiro de 1788 - 09 de novembro de 1856) foi umfilósofo francês e socialista utópico. (WIKIPÉDIA,2010)5 Pierre Leroux (Bercy, 7 de abril de 1798 - abril de 1871), foi umfilósofo e político francês. (WIKIPÉDIA,2010)
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Mas podemos atribuir a paternidade da anarquia a
Proudhon, autor da frase “O homem não é naturalmente bom, mas
naturalmente sociável, as instituições autoritárias é que desviam e atrofiam suas
inclinações para a cooperação”. Proudhon inicia um estudo sobre
propriedade e faz a célebre pergunta: O que é a propriedade?
Ele mesmo responde: É um roubo, publicado em 1840. Para ele a
única fonte legitima de propriedade é o trabalho. “Tudo que
uma pessoa produz é por direito dela e nada alem disso o é”. A partir desse
momento Proudhon nega a propriedade, por conseguinte a
autoridade e afirma que a verdadeira forma de governo é a
anarquia, simplificando, o desejo de Proudhon era: “O fim do
privilégio, a abolição da escravatura, a igualdade de direitos, o reino da lei.
Justiça, nada senão Justiça”.
Durante quase toda sua vida ele carregou esse titulo de
anarquista em total isolamento. Mesmo seus discípulos mais
próximos preferiam ser chamados de mutualistas. Somente na
década de 1870, depois do rompimento entre os seguidores de
Marx6 e Bakunin ocorrido durante a Primeira Internacional7,
que os seguidores de Bakunin, que na verdade eram discípulos
de Proudhon, começaram a intitular-se anarquistas. Mas à
sombra dessa frondosa árvore repousam outros ilustres homens,
6 Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de marçode 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrinacomunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador,teórico político e jornalista.(WIKIPEDIA,2011)7 A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), às vezes chamada dePrimeira Internacional, foi uma organização internacional que visava uniruma variedade de diferentes socialistas de esquerda, comunistas, e grupospolíticos e sindicais anarquistas, organizações que foram baseadas sobrea classe trabalhadora e da luta de classes. Foi fundada em 1864 em umareunião de obreiros realizada no Salão de São Martinho, em Londres. Oprimeiro congresso foi realizado em 1866, em Genebra.(WIKIPEDIA,2010)
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tal como Kropotkin, Tolstoi, Stirner8, Godwin, Thoreau9. Se a
Proudhon e Godwin10 devemos a criação da teoria anárquica,
Kropotkin foi o verdadeiro homem de ação, pois não baseou sua
doutrina em filosofias sociais, mas na massa anônima do povo.
“O anarquismo, declarou ele, surgiu entre o povo e só conseguirá preservar sua
vitalidade e sua força criativa enquanto continuar sendo um movimento popular”.
As primeiras reivindicações de camponeses na Inglaterra
e na Alemanha nada tinham de revolucionárias. As
manifestações públicas, na França principalmente, atacando a
autoridade e a propriedade de forma violenta, deram o tom de
caos que foi sinônimo de anarquia em seu inicio. Godwin nunca
se declarou anarquista, pois para ele anarquia preservava o
significado negativo do período da revolução francesa, sempre
que se referia a anarquismo era de forma negativa, pois
significava a desordem que resultava no colapso do governo
sem que fosse visível uma alternativa elaborada de justiça
política. Ao exigir a supressão dos Enragés11, aos quais
8 Max Stirner, pseudônimo de Johann Kaspar Schmidt, (Bayreuth, 25 deoutubro de 1806 — Berlim, 26 de junho de 1856) foi um escritor e filósofoalemão. Inclui-se entre os chamados jovens hegelianos e é consideradocomo um dos precursores do existencialismo e do anarquismoindividualista. (WIKIPÉDIA,2010)9 Henry David Thoreau (Concord, 12 de julho de 1817 — Concord, 6 de maiode 18621 ) foi um autor estadunidense, poeta, naturalista, ativista anti-impostos, crítico da ideia de desenvolvimento, pesquisador, historiador,filósofo, e transcendentalista. Thoreau é por vezes citado como umanarquista individualista. WIKIPEDIA, 2010)10 William Godwin (Cambridgeshire, 3 de março de 1756 — 7 de abril de1836) foi um jornalista inglês, filósofo político e novelista. Ele éconsiderado um dos primeiros expoentes do utilitarismo, e um dosprimeiros proponentes modernos do anarquismo. (WIKIPÉDIA, 2012).11 Quando da Revolução Francesa, os "Enragés" (literalmente"Enraivecidos", em português) eram um grupo de revolucionários radicaisque tiveram notadamente como chefe o padre constitucional Jacques Roux.(WIKIPÉDIA, 2012).
10
chamava de anarquistas, o girondino Brissot12 declarou, em
1793, ser "necessário definir essa anarquia" - e foi o que
fez: "Leis que não são cumpridas, autoridades menosprezadas e
sem força; crimes sem castigo, a propriedade atacada,
direitos individuais violados, moral do povo corrompida,
ausência de constituição, governo e justiça, tais são as
características do anarquismo".
Somente em 1840 com Proudhon, que foi o primeiro a se
declarar anarquista, é que o sentido social de anarquismo
tornou-se positivo. Proudhon em 1840 afirmava “A anarquia é a
ordem”.
Assim como o privilégio da força e da astúcia bate em
retirada ante o firme avanço da justiça, sendo
finalmente aniquilado para dar lugar à igualdade, assim
também a soberania da vontade cede lugar à soberania da
razão e deve[...]
Assim como o homem busca a justiça na igualdade, a
sociedade procura a ordem na anarquia. Anarquia - a
ausência de um senhor, de um soberano -, tal é a forma
de governo da qual nos aproximamos a cada dia que
passa. (PROUDHON, 1840)
O objetivo final, para o anarquista, é sempre a
transformação da sociedade, seu modo de agir no presente é
sempre de forma crítica a essa sociedade, mesmo que essa
12 Jacques-Pierre Brissot (Chartres, França, 15 de Janeiro de 1754 -Paris, 31 de Outubro de 1793) foi um político revolucionário francês echefe do partido político Gironda. (WIKIPÉDIA, 2012).
11
condenação tenha origem numa visão pessoal sobre a natureza
do homem; seu método é sempre de revolta social, seja ela
violenta ou não. Mas, mesmo entre aqueles que entendem o
anarquismo como uma doutrina político-social, a confusão
permanece: não raro o anarquismo é confundido ao niilismo13 e
ao terrorismo14 e a maioria dos dicionários apresenta pelo
menos duas definições de anarquista. A primeira o descreve
como um homem que acredita ser preciso que o governo seja
destruído, para que a liberdade possa ser construída. A outra
vê no anarquista um mero agente da desordem, que não oferece
alternativa a ordem que ajudou a destruir. Essa última
descrição é a mais aceita pela opinião pública. O estereótipo
do anarquista é o desordeiro, que ataca com paus e bombas os
pilares simbólicos da sociedade estabelecida. Na linguagem
popular, anarquia é sinônimo de caos.
Os anarquistas são particularmente responsáveis por esse mal-
entendido, pois vários deles preferiam realçar os aspectos
destrutivos da doutrina. A própria filosofia de abolir a
autoridade, deixa implícita a necessidade de eliminar grande
parte das principais instituições de uma típica sociedade
moderna, e o ponto forte de toda obra anarquista sempre foi a
crítica frontal a essas instituições. Entretanto, nenhum
filósofo anarquista pensou apenas em destruir. Proudhon usou
13 O termo origina-se da palavra latina nihil, que significa nada. " Umniilista é um homem que não se curva ante qualquer autoridade; nem aceitanenhum princípio sem exame, qualquer que seja o respeito que esseprincípio envolva". (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS)14 Terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica,1 através deataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou dapopulação governada, de modo a incutir medo, terror, e assim obterefeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas,incluindo, antes, o resto da população do território. (WIKIPEDIA,2010)
12
a frase Destruam et Aedificabo como lema dos ataques que dirigiu
contra a autocracia industrial na sua obra Contradições
Econômicas (1846). "Eu destruo e construo." E Michael Bakunin
acabou seu ensaio sobre a Reação na Alemanha com uma
invocação célebre: "Depositemos nossa confiança no eterno
espírito que destrói e aniquila apenas porque é a insondável
e infinitamente criativa origem da vida. A paixão por
destruir é também uma paixão criativa!"...
As revoluções sangrentas são freqüentemente
necessárias, graças à estupidez humana, e, no entanto,
jamais deixam de ser um erro, um erro monstruoso e um
grande desastre, não só para suas vítimas como para a
pureza e a perfeição das causas que se propõem
defender. (BAKUNIN,1870)
Grandes e importantes diferenças existiam entre os
anarquistas e os marxistas. Os marxistas desprezam o
primitivo, considerando-o um estágio já esgotado da evolução
social; para eles, tribos, camponeses, pequenos artesãos,
todos devem juntar-se à burguesia e à aristocracia no lixo da
historia. Os anarquistas, por outro lado, depositam grandes
esperanças no camponês. Ele vive próximo a terra, perto da
natureza sendo, portanto mais "anárquico" em suas reações. A
paixão anarquista a tudo que fosse natural, espontâneo e
individual coloca-o em oposição à estrutura organizacional da
moderna sociedade industrial e estadista, que os marxistas
encaram como sendo o inicio de sua própria utopia.
13
Isso fica demonstrado na proposta de reconstrução social. O
anarquista procura romper com tudo, voltar às raízes e basear
qualquer tipo de organização que se torne necessária, na
"questão da produção". A desconstrução da autoridade e do
Estado, a descentralização da responsabilidade, a
substituição dos governos e de outras organizações
semelhantes, por um federalismo que permitirá que o poder
retorne às unidades essenciais básicas da sociedade - esse é
o objetivo que todos os anarquistas sempre tentaram atingir,
cada um à sua maneira. Esse desejo implica necessariamente
numa política de simplificação. Mas estaríamos perdendo a
essência da filosofia anarquista se não levássemos em conta o
fato de que a ânsia de chegar à simplificação social não tem
origem no desejo de que a sociedade funcione de forma mais
eficiente, nem sequer no desejo de exterminar os órgãos
autoritários responsáveis pela destruição da liberdade
individual, mas, em grande parte, numa convicção moral sobre
as virtudes de uma vida mais simples.
Decepção bolchevista
Muito se discutiu e varias foram as reações,
principalmente do mundo ocidental capitalista, ao regime
soviético, dito comunista. A revolução bolchevista, que a
principio inspirou a todos os comunistas, sindicalistas,
14
operários, classe trabalhadora, etc, como redentora e
salvadora da opressão ao grande capital, mostrou-se, um
grande fiasco decepcionando os defensores da liberdade. Nada
mais distante de uma visão libertária do comunismo. Saiu
expulsa a antiga classe dominante, nobre e quase burguesa, e
em seu lugar assumiu outra classe dirigente. Goldman15
demonstra sua profunda desilusão, ao presenciar, impotente os
acontecimentos: “A acumulação das riquezas da antiga
burguesia nas mãos da nova burocracia soviética, as
provocações permanentes contra aqueles cujo único crime era
seu antigo status social, tudo isso foi o resultado da
‘expropriação dos expropriadores’”. (GOLDMAN, 1919).
Nos primeiros meses as palavras de ordem eram: “todo
poder aos sovietes”, “terra aos camponeses”, “fábrica aos
operários”. Assim estas máximas foram colocadas em prática
pela população russa, pelos camponeses e operários, sem o
conhecimento das teorias marxistas, sob a forma de ação
direta. Isso atraiu os grandes nomes do socialismo, comunismo
e anarquismo ansiosos por uma nova ordem mundial. A ação
revolucionaria e popular ocorreu em curto espaço de tempo,
desde o inicio da ação revolucionaria até a tomada definitiva
do Kremelin. Findada a lua de mel, os bolchevistas passaram a
perseguir todos aqueles que não concordavam com o processo de
centralização política, a emergente ditadura do proletariado,
ou melhor, o partido único, foi se impondo de forma15 Emma Goldman (Kaunas, 27 de junho de 1869 — Toronto, 14 de maio de1940) foi uma anarquista lituana, conhecida por seu ativismo, seusescritos políticos e conferências que reuniam milhares de pessoas nosEstados Unidos. Teve um papel fundamental no desenvolvimento doanarquismo na América do Norte na primeira metade do século XX.(WIKIPEDIA,2010)
15
coercitiva, pelo medo e terror, transformando o sonho da
revolução comunista em pesadelo de um Estado autoritário.
Lênin desprezava de tal forma seus companheiros que não
cansava de jogar-lhes ao rosto. “Só os imbecis podem crer que
é possível instaurar agora o comunismo na Rússia”. (1919 apud
GOLDMAN, 1919, p.83).
Lenin toma o lugar dos Romanov16, o gabinete Imperial é
rebatizado de Conselho do Comissários do Povo, Trotski é
nomeado ministro da Guerra, um trabalhador torna-se
governador militar geral de Moscou e o exercito vermelho toma
o lugar do branco, essa é a concepção bolchevista de
revolução, pelo menos na prática. Existiu na Rússia
bolchevista um numero de classe social bem maior do que a do
período imperial, a burocracia soviética gozava de
privilégios especiais e de uma autoridade quase ilimitada
sobre as massas operárias e camponesas, sendo que, essa
burocracia, era comandada por uma classe ainda mais
privilegiada, a nova aristocracia soviética. “O senso de
justiça e de igualdade, o amor pela liberdade e pela
fraternidade humana, pilares de uma autentica regeneração da
sociedade, o Estado comunista os combateu a ponto de os
aniquilar”. (Ibid., p.85). Na Rússia a terra e os meios de
produção não foram socializados, mas sim nacionalizados. O
comunismo é necessariamente libertário, Anarquista. O terror
16 A Casa Romanov (em russo: Дом Рома́новых, transl. Dom Romanovykh), é umafamília nobre russa, tendo sido a segunda e última dinastia imperial eportanto, a família imperial que governou a Moscóvia e o Império Russopor oito gerações entre 1613 e 1762. Entre 1762 e 1917, a Rússia foigovernada por uma ramificação da Casa de Oldenburgo, que manteve osobrenome Romanov, hoje ainda utilizado por seus descendentes.(WIKIPEDIA,2010)
16
estadista foi mais forte na Rússia soviética do que em
qualquer lugar do mundo civilizado, porque Stalin teve que
vencer e submeter à escravidão mais de 100 milhões de
camponeses obstinados. O lema dos bolchevista transformou-se
para: “A defesa da Pátria é a lei suprema da vida, e aquele
que ergue a mão contra ela, que a trai, deve ser eliminado”
(Ibid., p.118). Os fins justificam os meios, nunca Maquiavel
foi tão preciso.
Estado
Vivemos em um momento de crise de legitimidade do
sistema democrático e suas instituições. A discussão das
relações sociais e de dominação e até mesmo do sistema de
governo se acaloram, a discussão vai além do tamanho de
Estado que queremos, mas sim o tipo de Estado ou até mesmo se
ele se faz necessário. Estado mínimo não significa Estado
minimizado como querem os defensores do Estado máximo. Na
verdade se a discussão de ausência do Estado fosse tão
improvável, não estaríamos aqui a discutir seu aniquilamento,
sem a intenção de substituí-lo por outra coisa. Numa projeção
da possibilidade de existir ou não Estado, teríamos o retorno
ao sistema naturalista hobbesiano17 ou estaríamos mais
17 Para Thomas Hobbes, o "estado de natureza" é qualquer situação em quenão há um governo que estabeleça a ordem. O fato de todos os sereshumanos serem iguais no seu egoísmo faz com que a ação de um só sejalimitada pela força do outro.(WIKIPEDIA, 2011)
17
próximo a Locke18? Para Locke, “não é toda convenção que põe
fim ao estado de natureza entre os homens, mas apenas aquela
pela qual todos se obrigam juntos e mutuamente a formar uma
comunidade única e constituir um único corpo político; quanto
às outras promessas e convenções, os homens podem fazê-las
entre eles sem sair do estado de natureza”. Somente depois de
analisarmos todos os aspectos do estado de natureza, todas as
possibilidades de arranjos e acordos voluntários entre as
pessoas, agindo dentro dos limites do direito de cada um, e
somente depois de analisarmos suas conseqüências, estaremos
em condições de avaliar o resultado e suas inconveniências
que deverão ser remediadas pelo Estado e avaliar também se o
remédio é pior do que a doença.
SER GOVERNADO significa ser vigiado, inspecionado,
espionado, dirigido, legiferado, numerado, regulado,
recrutado, doutrinado, catequizado, controlado,
conferido, avaliado, aquilatado, censurado e comandado
por criaturas que não tem o direito, nem a sabedoria,
tampouco a virtude para tal. SER GOVERNADO significa
ter todas a suas atividades e transações observadas,
registradas, computadas, tributadas, timbradas,
medidas, numeradas, calculadas, licenciadas,
autorizadas, admoestadas, obstruídas, proibidas,
emendadas, corrigidas e punidas. Significa, a pretexto
da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser
coagido a contribuir, disciplinado, depenado,
18 John Locke (Wrington, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de1704) foi um filósofo inglês e ideólogo do liberalismo, sendo consideradoo principal representante do empirismo britânico e um dos principaisteóricos do contrato social. (WIKIPEDIA, 2011)
18
explorado, monopolizado, extorquido , oprimido , lesado
e roubado; depois , á menor resistência, a primeira
palavra de reclamação, ser reprimido, multado,
difamado, perseguido, cassado, maltratado, espancado,
desarmado, amarrado, estrangulado, aprisionado,
julgado, condenado, fuzilado, deportado, sacrificado,
vendido, e traído; e , para coroar tudo isso ser objeto
de escárnio, ridículo, zombaria, injuria e desonra.
Isso é governo; isso é justiça; isso é moralidade.
(PROUDHON, 1923, pp. 293-4).
Robert Nozick, em seu livro: Anarquia, Estado e Utopia19
faz uma brilhante defesa da necessidade da existência do
Estado, principalmente como agente de proteção. A linha de
raciocínio dele é de que os: “Poderes legítimos de agência de
proteção nada mais são do que a soma dos direitos individuais
que seus membros ou clientes transferem” [...] “Não surge
nenhum direito ou poder novo; cada um dos direitos da
associação pode ser decomposto, sem que sobre nada, nos
direitos individuais de que dispõe os diferentes cidadãos que
atuam sozinhos no estado de natureza”. (NOZICK, 2011). Na sua
análise ele afirma que o Estado surge no interior do estado
de natureza por meio da mão invisível, uma vez que todo
individuo que vive no estado de natureza já possui os
direitos que o estado possui. Porém ele mesmo chega a
conclusão de que:
19 NOZICK, Robert. Anarquia, estado e utopia. São Paulo: Martins, 2011.476 p. Tradução de Fernando Santos
19
O Estado mínimo é o estado mais amplo que se pode
justificar. Qualquer outro, mais amplo, constitui uma
violação dos direitos das pessoas [...]. Justificamos o
Estado mínimo, superando as objeções anarcoindividualistas, e
descobrimos que todas as principais alegações morais em
defesa de um Estado mais abrangente ou poderoso são
inadequadas. (NOZICK,2011)
Comuna de Paris
A história da França é repleta de lutas pela liberdade e
instalação da república, mas o episódio de 1848 teria
características singulares na historia francesa e mundial. A
esperança de transformações sociais, envolvendo as questões
dos operários e dos camponeses, foi a motivação deste
movimento. Todavia, a busca constante pela república como
único caminho para o sonho da igualdade social esbarrou no
projeto da burguesia, que se assumiu como classe dominante e
fez valer seu projeto conservador. Napoleão III20, um líder
carismático, com grande sensibilidade política, articulado e
sustentado pela presença do campesinato, na sua base
política, manteve-se no poder até 1870.
20 Carlos Luís Napoleão Bonaparte (em francês: Charles Louis NapoléonBonaparte) (Paris, 20 de abril de 1808 - Chislehurst, 9 de janeiro de1873), também chamado Luís Napoleão, foi o primeiro presidente - eleitopor sufrágio universal masculino em 10 de dezembro de 1848 com 74,33 %dos votos - e imperador de França, com o título de Napoleão III.(WIKIPEDIA,2010)
20
O Império foi aclamado de um extremo a outro do mundo
como o salvador da sociedade. Sob sua égide, a
sociedade burguesa, livre de preocupações políticas,
atingiu um desenvolvimento inesperado. Sua indústria e
seu comércio adquiriram proporções gigantescas; a
especulação financeira realizou orgias cosmopolitas; a
miséria das massas ressaltava sobre a ultrajante
ostentação de um luxo suntuoso, falso e vil. O poder
estatal, que aparentemente flutuava acima da sociedade,
era de fato o seu maior escândalo e o viveiro de todas
as suas corrupções (MARX, 1977, P.196).
A única forma encontrada por Luís Napoleão, para saída da
crise social que a França se encontrava foi a disputa externa
como instrumento político para vencer a disputa interna, este
foi um dos fatores que levaram a contenda de Napoleão III
contra Bismarck. A guerra franco-prussiana começou com a
derrota da Áustria para a Prússia. Bismarck partiu
efetivamente para a unificação da Prússia, onde criou a
Confederação Alemã do Norte, em 1867. Inicia-se a guerra
franco-prussiana e as tropas francesas mostraram-se
incompetentes no tabuleiro da guerra, com enorme quantidade
de soldados mobilizados, mas poucos equipamentos bélicos. Com
esse cenário, a guerra não se estendeu por muito tempo. Após
várias derrotas, chegou-se à batalha final, com grande índice
de mortalidade, o aprisionamento de 100 mil soldados
franceses e a prisão do imperador Napoleão III. Em dois de
setembro de 1870, a França foi derrotada e humilhada.
21
Na França, a repercussão da derrota e a prisão do
imperador geraram manifestações políticas, forçando o término
da monarquia e a formação de um governo provisório no dia 14
de setembro de 1870. Mesmo com a instalação da III República,
as lutas continuaram, lideradas pelos trabalhadores de Paris,
contra a burguesia e a sua aliança perversa com a monarquia.
Apesar do governo provisório instalado, foi criado um vazio
político. Os movimentos políticos manifestaram-se
rapidamente: a população demonstrava insatisfação com as
condições impostas pela derrota. O governo de defesa nacional
fracassava na intenção de realizar um acordo com Bismarck e
as tropas prussianas estavam nos portões de Paris. Ocorreu
então, o levante de Lyon e, em Paris, os trabalhadores
exigiam armas para enfrentar o inimigo. Paris se revoltava
contra o governo de defesa nacional, que se rendeu no campo
de batalha em Metz. Sob lideranças blanquistas, os operários
e a guarda nacional formaram uma Comuna, tomaram o palácio
municipal, mas foram derrotados e expulsos pelas tropas do
governo de defesa nacional. Ainda em 1870, outra revolta em
Marselha também foi sufocada.
O ano de 1871 começou com o bombardeio de Paris pelos
prussianos que, no dia 18 de janeiro, ocuparam Versalhes e
proclamaram a criação do império alemão. No furor da luta,
permanecia um vazio político, com indefinições e
improvisações. As lutas de classe se avolumavam,
principalmente em Paris, deixando exposto a dualidade de
poder. O povo armava-se para combater as tropas prussianas
através da guarda nacional. Com o proletariado e a burguesia
22
planejando táticas e estratégias para tomar o poder,
configurava-se a dualidade de poder. Em Paris, a contra-
revolução tentava lançar os seus golpes. Thiers, então chefe
do governo em Versalhes, enviou tropas para recuperar as
armas que estavam com os trabalhadores, estes resistiram, e
na madrugada do dia 18 de março de 1871 derrotaram as forças
de Versalhes. Com a eclosão da revolta dos trabalhadores
diante da contra-revolução, começava a Comuna de Paris, e o
rastilho dessa forma de resistência espalhou-se pela cidade.
Nas eleições para o Conselho Geral da Comuna (26 de março)
são eleitos 72 delegados, revolucionários e militantes de
todos os matizes – 25 eram operários, sendo 13 filiados à
Internacional. Constituído o poder comunal, é proclamada a
Comuna em 28 de março. Com a Comuna no comando do autogoverno
dos trabalhadores, foram implantadas medidas que entraram
para a história da humanidade.
A Comuna inaugura a iniciativa social dos
trabalhadores, indica e decifra na pureza de suas
contradições o enigma, os caminhos e descaminhos do
processo da auto-emancipação do trabalho. Seu
significado é a convocação à revolução, seu exemplo, a
postura humana revolucionária. Foi “apenas um combate
de vanguarda” que não teve tempo para “desenvolver suas
idéias, nem suas legiões (...) mas que potente
vanguarda que, durante mais de dois meses, manteve na
expectativa as forças coligadas das classes
governantes; que imortais soldados os que, nos mortais
postos avançados, respondiam ao versalhês: Estamos aqui
pela Humanidade!” (LISSAGARAY, 1991).
23
As comissões de trabalho da Comuna se concentraram nas
questões da justiça, da segurança pública, finanças, educação
pública, medidas militares, saúde, trabalho e comércio,
serviços públicos e relações exteriores, tudo isso discutido
por uma comissão executiva. Esse papel executivo estava
inserido na função legislativa, e todos os mandatos eram
revogáveis - representando uma nova e histórica forma de ação
política. Esse processo de transição pode ser entendido como
um momento histórico que permite o entendimento das revoltas
democráticos, das lutas radicais, de guerra e revolução, da
possibilidade de existir sem o Estado da burguesia, da
constituição dos trabalhadores como classe dominante, da
socialização do poder político e da gestão coletiva da
produção.
Contudo, a Comuna cometeu erros na sua breve existência de 72
dias: não confiscou a propriedade dos meios de produção,
limitando-se ao controle social das fábricas (oficinas) que
os donos haviam abandonado na fuga de Paris; não marchou
sobre Versalhes, quando as tropas do governo de Thiers
encontravam-se desorganizadas; não confiscou o dinheiro do
banco de França, que estava financiando as ações contra-
revolucionárias do governo de Versalhes; não articulou os
interesses entre o campo e a cidade; não abriu os arquivos da
França, nos quais estavam as mais sórdidas estórias da
burguesia e da monarquia; não organizou e disciplinou as
ações de combate das tropas da Comuna- um poderoso
24
agrupamento de homens e mulheres que estavam com sede de luta
e motivados para transformar o mundo em que viviam.
Mas muitos batalhões estavam sem chefes desde 18 de
março; os guardas nacionais, sem quadros; os generais
improvisados, que assumiam a responsabilidade de
liderar quarenta mil homens, não tinham qualquer
conhecimento militar, nem jamais haviam conduzido um
batalhão ao combate. Não tomaram as providências mais
elementares, não reuniram nem artilharia, nem
carregamento de munição, nem ambulâncias, esqueceram de
fazer uma ordem do dia, deixaram os homens sem víveres
por várias horas numa bruma que lhes penetrava os
ossos. Cada federado seguiu o chefe que quis. Muitos
não tinham cartuchos, pois acreditavam, como diziam os
jornais, que se tratava de um simples passeio militar
(LISSAGARAY21, 1991, 143).
A revolução da Comuna de Paris lutava contra a exploração,
deixou claro que a política efetivada pelo Estado era um
instrumento de classe a serviço da propriedade privada; e por
ser uma Comuna operária, apresentou a possibilidade de
construção de um novo tecido social, a partir do trabalho.
As análises das medidas efetivadas pela Comuna, em sua
breve e bela existência, confirmam a capacidade
emancipatória, a inovadoras atribuições executivas e
legislativas (sem a tradicional separação burguesa dos21 Hippolyte Prosper Olivier Lissagaray, nascido 24 de Novembro de 1838 emToulouse e morreu 25 de Janeiro de 1901 , em Paris. Ele é mais conhecidopor sua investigação sobre a história da Comuna de 1871 , evento em queparticipou. Assim, recolhe testemunhos de cada sobrevivente no exílio emLondres e na Suíça.(WIKIPEDIA, 2011)
25
poderes) e a possibilidade de revogação dos mandatos, a
qualquer momento, a partir do interesse daqueles que
elegeram. Os juízes eram eleitos para os tribunais civis. A
ordem pública foi mantida sem abalos, pois, a partir da fuga
do governo provisório para Versalhes, Paris transformou-se
numa cidade muito segura, com a ordem pública mantida pelo
povo em armas. Como o crime do individuo contra o indivíduo é
um produto da ordem burguesa, a fuga para Versalhes
contribuiu para que Paris tivesse um índice mínimo de
delitos. As comissões da Comuna desenvolveram práticas
importantes no campo da democracia direta e se tornaram o
poder executivo central da Comuna, tomando medidas
inovadoras, como a reorganização da produção em oficinas
coletivas. Somaram-se a essas medidas, as resoluções da AIT
(aprovadas no Congresso de Genebra) sobre a separação do
Estado da Igreja e da transformação do ensino confessional em
ensino laico e gratuito. Todos os seus membros e
funcionários eram eleitos por sufrágio universal, com
mandatos revogáveis a qualquer tempo e seus salários
equivalentes aos dos operários. A Comuna deixou a lição de
que é possível um poder de transição, representado pelos
trabalhadores, desmontar o aparato burguês e socializar o
poder político. Como primeiro passo para a transição, o
governo operário é uma democracia de ação direta, tendendo a
ser socialista, como diria Marx. A Comuna conseguiu se
atualizar com a revolução russa, afirmaria Lênin. Isso foi
realçado por Trotski (2002): “Por fim, tínhamos por trás de
nós a heróica Comuna de Paris, de cuja queda havíamos tirado
26
a dedução de que aos revolucionários compete prever os
acontecimentos e preparar-se para eles”.
A humanidade não seria mais a mesma após estes 72 dias,
nem para o trabalho nem para o capital. Os erros e os
acertos vividos pela Comuna e pelas revoluções sociais
do século XX não desqualificam a luta revolucionária
pela emancipação do trabalho, pela emancipação humana.
Diferentemente das revoluções burguesas, que se
acomodam com os resultados obtidos, as revoluções
proletárias são obrigadas a fazer sua “autocrítica
constante, voltar ao que parecia estar resolvido”, para
poder zombar “impiedosamente das hesitações, fraquezas
e misérias de suas primeiras tentativas (...) até que
finalmente se crie uma situação que impossibilite
qualquer retrocesso” (MARX, 1979).
Todo o heroísmo e energia dos comunardos não consegue conter
a repressão e a fúria do exército Versalhes, que se
transforma em verdadeiro pelotão de fuzilamento de 30 mil
homens, mulheres e crianças que ousaram violar o monopólio da
burguesia, dos “superiores naturais”. A repressão prossegue
em Paris durante todo o mês de julho. Em agosto se iniciam os
Conselhos de Guerra e em novembro instauram-se as execuções
“legais” no Campo de Sartory e Marselhe: são 36.309
condenados, 93 penas de morte, 251 condenações a trabalhos
forçados, 1.169 deportações em fortificações, 3.417
deportações simples (Argélia, Nova Caledônia), 1.247
reclusões, 3.113 penas de prisão. Assim entre Março e Maio de
27
1871, 72 dias, o mundo conheceu a sua experiência mais Sui
Generis.
Conclusão
A elaboração deste artigo nos proporcionou grande
satisfação. Poucas, filosofias sociais, doutrinas ou
movimentos sociais foram tão mal entendidos pela opinião
pública, bem como, raramente se verificou tantos motivos para
tal confusão. Afinal Anarquia, que começou como sinônimo de
caos e depois foi corrigida para uma filosofia social,
embutida nas manifestações das lutas de classes, continua até
hoje despertando mal entendido, ou por desconhecimento, ou
por influência da burguesia que deseja mantê-la longe dos
holofotes e com isso mantendo-a como sinônimo de desordem.
Anarquia é Caos ou Ordem?
No inicio a anarquia apresentou-se como sinônimo de negação.
Negação do Estado, da acumulação de capital, de toda espécie
de autoridade. Negação das formas estabelecidas de sociedade
concebidas na injustiça, no egoísmo e na opressão. Foi nessa
luta, se posicionando contra a autoridade, concebida e
inserida dentro da Internacional, foi gerado o partido
anarquista, como partido revolucionário único. Fica evidente
que espíritos tão distintos quanto Godwin, Proudhon e Bakunin
não podiam limitar-se somente a negação.
28
A afirmação, a concepção de uma sociedade livre sem
autoridade, a conquista do bem estar social, material, moral
e intelectual era o contraponto à negação.
Foi Proudhon, o primeiro a utilizar o termo anarquia de
maneira positiva, desfazendo a idéia de que anarquia seria
sinônimo de caos. Os teóricos libertários, Godwin,Nozick e
Proudhon os que mais contribuíram para construir a concepção
de violência que representa o Estado, como agente de
proteção. "Aquele que puser as mãos sobre mim, para me
governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu
inimigo!"(PROUDHON, 1849). A institucionalização da
propriedade privada como agente principal da sociedade
capitalista, origem da desordem social. A burguesia defende a
propriedade através do Estado, provocando, com isso, um
enorme abismo social, origem de toda manifestação e protesto.
Stirner fez entender o conceito de individual, coletivo,
egoísmo e socialismo, tão presente nas ideologias anarquistas
e marxistas. Pudemos também perceber a diferença que existe
entre o comunismo, marxismo, anarquia e socialismo. A teoria
da desconstrução e construção de uma sociedade melhor, base
de toda filosofia anarquista.
Grandes nomes que deram a vida por um ideal, na
tentativa de restabelecer uma vida simples sem os fetiches do
capitalismo que já se projetava com força. Bakunin, homem de
ação. Kropotikin, o príncipe dos anarquistas, grande teórico
e ativista do movimento anarquista, abriu mão de sua riqueza
e posição social pela causa do povo. Malatesta22e Emma
22 Errico Malatesta (Santa Maria Capua Vetere, 14 de dezembro de 1853 —Roma, 22 de julho de 1932) foi um teórico e ativista anarquista italiano.
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Goldman figuras das mais importantes com suas participações
em defesa do que acreditavam, dedicaram suas vidas pela
causa. Tolstoi o grande criador da anarquia pacifista,
inspirou Gandhi em sua luta pela libertação do povo Hindu,
revolução com pouco ou quase nenhum derramamento de sangue.
Tolstoi faz uma magnífica distinção entre a violência do
estado e das manifestações populares: “A violência de um governo é
totalmente perversa, porque deliberada e operando pela deturpação da razão, e
a violência do povo enfurecido, apenas parcialmente errada, pois tem origem na
ignorância”. (TOLSTOI,1857)
Este artigo mostrou também que a revolução bolchevista
nada teve de comunista, foi, e assim já se sabia desde então,
uma tomada de poder pela força criando uma ditadura como
outra qualquer, com alguns se aproveitando sobre muitos.
Tantas guerras, tantas vidas foram eliminadas, torturaram em
nome da defesa do mundo livre, contra o comunismo que
sabidamente era uma ditadura e que acabaria como todas as
outras, era só esperar pelo fim. Ficou claro a prepotência de
Marx, tanto pela expulsão dos anarquistas na primeira
Internacional Socialista, como na concepção da teoria
marxista. Ficou o exemplo, belo e breve, da Comuna de Paris,
demonstrando que o povo, tem sim, condições de autogerir-se,
sem a necessidade de um estado autoritário. Uma demonstração
de que em 72 dias foi possível fazer mais do que em 200 anos
de república, podemos perceber até hoje seu legado. Os vários
anarquismos: anarco comunismo, anarco sindicalismo, comunismo
libertário, anarco individualismo, anarco pacifismo, anarco
naturismo, anarco feminismo, municipalismo libertário, anarco(WIKIPEDIA,2010)
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punks, etc., demonstram as dificuldades que as varias
divisões intestinais do anarquismo, tiveram e continuam tendo
na elaboração de uma ação conjunta com mais poder de mudança,
motivada pelo excesso de individualismo e singularidade,
característica principal do anarquismo.
Fica como legado pessoal e intelectual, deste artigo, a
percepção de que aqueles que se consideram marxistas são, na
maioria das vezes, anarquistas com todas as suas
propriedades.
Anarquista é, por definição, aquele que não querser oprimido, nem deseja ser opressor; é aquele quedeseja o máximo bem-estar, a máxima liberdade, omáximo desenvolvimento possível para todos os sereshumanos. (ERRICO MALATESTA, 1872)
Referências:
GOLDMAN, Emma. O individuo e o estado, e outros ensaios.São Paulo: Hedra, 2011. 144 p. (Estudos libertários).Tradução de Plínio Augusto Coêlho MALATESTA, Errico.Anarquismo e anarquia. São Paulo: Faisca, 2009. 11 p.
KROPOTKIN. O principio anarquista e outros ensaios. SãoPaulo: Hedra, 2012. 142 p. (Estudos libertários).Tradução de Plínio Augusto Coêlho.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partidocomunista. Porto Alegre: L±, 2010. 144 p. Tradução SuelyTomazini Barros Cassal.
NOZICK, Robert. Anarquia, estado e utopia. São Paulo:Martins, 2011. 476 p. Tradução de Fernando Santos
PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a Propriedade. SãoPaulo: Hedra, 2013. Disponível em:<http://brasil.indymedia.org/media/2007/07/387423.pdf>.Acesso em: 18 set. 2013.
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STINER, Max. O único e a propriedade. São Paulo:Martins, 2009. 479 p. (Coleção dialética). Tradução JoãoBarreto
WOODCOCK, George. História das idéias e movimentosanarquistas. Porto Alegre: L&PM Editores, 2007. 272 p.(Coleção L&PM; Pocket). Tradução de Júlia Tettamanzy.
HOMENAGEM
Madiba
Paulo De Luccia
Madiba nasceu na África branca, preto.
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Viu seu povo ser humilhado. Explorado.
Um povo sem direito a ser, ter e escolher. Mudo.
Tentou, pegou em armas. Lutou pela liberdade. Insurreto.
Foi preso. Terrorista. Caçado e desterrado.
Incomunicável. Visitado a cada ano.
Foi-lhe oferecido o céu em troca do seu não agir. Do seu
silêncio.
Não aceitou! E seus companheiros e seu povo?
Vinte sete anos após, voltou. Ofereceu sua vida pelo seu
ideal, viveu.
Largou as armas e usou a voz. A verdade da revolta triunfou.
Eleito, não retaliou. Juntou, harmonizou, mostrou a justiça
da convivência. Uma nova era se iniciou.
As potências brancas e imperialistas enfrentou. Resistiu ao
ataque e a cooptação, não se rendeu.
Já velho se tornou de líder, lenda. Lenda viva da
resistência. Não se corrompeu nem foi corrompido, não se
entregou-- só a seu ideal. Libertou.
Exemplo de vida e de líder. Nada quis para si, que não fosse
para todos. Venceu.
Viva Madiba, feito Nelson. Banzo.