ANÁLISE DO MATERIAL ARQUEOLÓGICO DO OBSERVATÓRIO ASTRONOMICO DO PARQUE DA LUZ

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UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA MAURÍCIO RODRIGUES DE RESENDE ANÁLISE DO MATERIAL ARQUEOLÓGICO DO OBSERVATÓRIO ASTRONOMICO DO PARQUE DA LUZ São Paulo 2013

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UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO - PROGRAMA DE

PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA

MAURÍCIO RODRIGUES DE RESENDE

ANÁLISE DO MATERIAL ARQUEOLÓGICO DO OBSERVATÓRIO ASTRONOMICO DO

PARQUE DA LUZ

São Paulo 2013

MAURÍCIO RODRIGUES DE RESENDE

ANÁLISE DO MATERIAL ARQUEOLÓGICO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO DO PARQUE DA LUZ

Monografia apresentada à Universidade de Santo Amaro para a obtenção do título de Especialista em Arqueologia, História e Sociedade, sob a orientação do Prof. Esp. Felipe Próspero.

São Paulo 2013

Trabalho dedicado à minha esposa, Simone Magaly Estevam Resende, pela paciência, força e compreensão.

AGRADECIMENTOS Ao Prof. Esp . Felipe Próspero, pelo acompanhamento, amizade e orientação deste trabalho.

Ao Prof. Dr. Vagner Carvalheiro Porto, por todos os conselhos, ajudas, incentivo e amizade.

Aos funcionários do Parque da Luz, especialmente Ivonete e Raimundo.

À Simone Magaly Estevam, por todo apoio.

RESUMO

O presente trabalho faz uma análise preliminar dos fragmentos achados no Observatório Astronômico do Parque da Luz, situado na cidade de São Paulo. O material previamente analisado encontra-se em poder da administração do parque. Os restos do observatório foram localizados e escavados no ano de 2000. Porém, no momento da escavação, fragmentos de garrafas, xícaras, copos e outros utensílios que estavam no sítio não foram analisados, focando-se apenas nos restos da estrutura do observatório. Os fragmentos encontrados foram separados, numerados, classificados e analisados. O principal objetivo desta análise é discernir as relações destes fragmentos, que em uma primeira impressão, são estranhos á natureza do monumento escavado, com o observatório do parque.

Palavras-chave: Parque da Luz, Observatório Astronômico, Arqueologia Histórica.

ABSTRACT

The present study is a preliminary analysis of the fragments found in the Astronomical Observatory from Parque da Luz, located in the city of São Paulo. The material previously analyzed is held by the park management. The remains of the observatory were located and excavated in 2000. However, at the time of excavation, fragments of bottles, cups, glasses and utensils that were in place were not analyzed, focusing only on the remains of the structure of the observatory. The fragments obtained were separated numbered sorted and analyzed. The main objective of this analysis is to discern the relationship of these fragments, which at a first impression, are foreign to the nature of the monument excavated, with the observatory park.

Keywords: Parque da Luz, Astronomical Observatory, Historical Archaeology.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Ordem régia

Figura 2 – Portão de ferro

Figura 3 – Pinacoteca de São Paulo

Figura 4 – Planta imperial da cidade de São Paulo (1810)

Figura 5 – Planta da cidade de São Paulo 1868

Figura 6 – Chafariz (séc. XIX)

Figura 7 – Chafariz (hoje)

Figura 8 – Estação da Luz 1865

Figura 9 – Estação da Luz 1880

Figura 10 – Estação da Luz hoje

Figura 11 – Observatório astronômico

Figura 12 – Lago Cruz de Malta (séc. XIX)

Figura 13 – Lago Cruz de Malta hoje

Figura 14 – Mapa de 1881

Figura 15 – Gruta (séc. XIX)

Figura 16 – Gruta hoje

Figura 17 – Passeio pelo parque

Figura 18 – Quermesse pró-abolicionista

Figura 19 – Antiga entrada do parque, pela Av. Tiradentes

Figura 20 – Novos traçados no parque feitos por Etzel

Figura 21 – Mini-zoológico

Figura 22 – Coreto em 1901

Figura 23 – Coreto hoje

Figura 24 – Casa do Administrador (1919)

Figura 25 – Casa do Administrador hoje

Figura 26 - Casa de Chá (1901)

Figura 27 - Casa de Chá (hoje)

Figura 28 – Inauguração da Herma Garibaldi

Figura 29 – Herma Garibaldi hoje

Figura 30 – Usuários com características elitizadas na Casa de Chá

Figura 31 – Aquário, provavelmente séc. XIX

Figura 32 – Aquário hoje

Figura 33 – Sítio arqueológico do observatório astronômico

Figura 34 – Área destinada para “pic-nic”. Acervo do autor, 2013

Figura 35 – Encanamento do século XIX. Fonte: Acervo do autor, 2008

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classificação geral

Tabela 2 – Descrição detalhada do material arqueológico

Tabela 3 – Material Vítreo

Tabela 4 – Louça

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Quantitativo dos Fragmentos

Gráfico 2 – Detalhamento do Material Vítreo

Gráfico 3 – Detalhamento das Louças

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 O BAIRRO DA LUZ

2 O PARQUE DA LUZ E O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO

3 O SÍTIO ARQUEOLÓGICO

4 DESCRIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

5 TRIAGEM

6 BREVE HISTÓRIA DO VIDRO

6.1 O vidro no Brasil

6.2 Análise do material vítreo

7 BREVE HISTÓRIA DA CERÂMICA

7.1 Faiança

7.2 Faiança fina

7.3 Porcelana

7.4 Análise da louça

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO

O Parque da Luz está situado no centro de São Paulo, próximo a

estação de trem Luz. Foi o primeiro parque da cidade, concebido através de

uma ordem régia em 1798, com o intuito de realizar estudos botânicos de

espécies que poderiam ser cultivadas e gerar lucro para a coroa portuguesa.

Nos limites do parque, existem vários monumentos que foram

construídos à partir do século XIX: uma gruta artificial, um aquário subterrâneo,

uma casa de chá, entre outros.

Porém, destes monumentos, nenhum despertou tanta atenção como o

Observatório Astronômico. Construído no século XIX, o monumento era uma

torre com cerca de 20 metros de altura, sendo a primeira edificação em São

Paulo com estas proporções.

Já em tempos atuais, a existência da torre só era conhecida por uma

foto e algumas citações em textos. Seus restos foram localizados

acidentalmente no ano 2000, durante um manejo de plantas, que resultou na

escavação arqueológica do local.

Contudo, durante a escavação, foram encontrados fragmentos de louças

e vidros, que foram armazenados junto à administração do parque, sem

receberem nenhuma espécie de estudo ou análise. O âmago deste trabalho

reside em uma análise preliminar destes fragmentos.

No primeiro capítulo, será abordada a origem do Bairro da Luz, desde

seus primórdios até seus dias atuais, para melhor entendimento e

contextualização do estudo apresentado. No segundo capítulo, será abordado

o histórico do parque, com ênfase ao observatório astronômico.

No terceiro capítulo, será descrita a escavação do sítio, realizada pela

arqueóloga Maryzilda Couto Campos. No quarto capítulo, será demonstrado

como foi o processo de catalogação e análise do material encontrado no sítio,

detalhando todos os fragmentos do estudo. No capítulo posterior, será feita

uma triagem do material a ser estudado.

Nos sexto e sétimo capítulos, serão abordados os materiais vítreos e

louças, respectivamente, que foram escolhidos no momento da triagem. Será

feito um breve histórico de cada um e uma análise que, apesar de preliminar,

rica em detalhes sobre o material passado pela triagem. No último capítulo, as

conclusões do estudo serão apresentadas.

1 – O BAIRRO DA LUZ

O Parque da Luz está situado no bairro da Luz, na zona central da

cidade de São Paulo, nas imediações das estações de trem Luz e Júlio

Prestes. O Bairro é um dos mais antigos de São Paulo:

“No início da formação de São Paulo, os locais mais povoados

aparecem geralmente dispostos nas proximidades de igrejas que se

formaram logo após a fundação da cidade, como a Igreja do Carmo, da

Sé, São Bento e a Ermida de Nossa Senhora da Luz, entre outras.

Neste momento, as casas eram muito simples, os caminhos eram

isolados e castigados pelas inundações, mas a massiva presença

eclesiástica já se faz notar, pois uma pequena igreja é mencionada na

carta de Anchieta para Manuel Paiva, em 15 de novembro de 1579” 1

No início, o local denominava-se Caminho do Guaré, devido à existência

de um córrego com o mesmo nome. A região era delimitada entre os rios

Anhangabaú e Tietê e seu caminho direcionava-se para o norte de São Paulo,

especificamente para fazendas existentes em São João de Atibaia (hoje,

cidade de Atibaia), Bragança (atual cidade de Bragança Paulista) e sul de

Minas Gerais, que através de carros de bois, comercializavam produtos com a

cidade paulistana.

No caminho do Guaré, existia um pouso para tropeiros, chamado

Rancho de Freitas, que se transformou em um ponto de comércio, além de

acomodar tropeiros, viajantes e servir como aguada e pasto para animais. O

Rancho de Freitas cresceu de acordo com o crescimento do bairro, assim

como possibilitou o surgimento de outros ranchos nas entradas de São Paulo 2.

Apesar de situado na zona central paulistana, a origem do bairro

remonta à outra localização. Em 1579, um carvoeiro denominado Domingos

Luís construiu uma ermida devotada à Nossa Senhora da Luz no bairro

Ireripiranga (atual Ipiranga), com uma estátua da santa em seu interior. Porém,

no ano de 1600, o carvoeiro transfere a ermida com a estátua para a região do

1 ARROYO, Leonardo. Igrejas de São Paulo. Liv. José Olympio, Rio de Janeiro, 1953, p. 23

2 TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. O Jardim da Luz. Prefeitura do Município de São

Paulo.S/E. 1967, p. 82, 85.

Guaré, em um local chamado Capela de Nossa Senhora da Luz do Guarepê,

onde tornou-se ponto de peregrinação para devotos e referência geográfica

para os que ali passavam. Com o tempo, aconteceram abreviações no nome

até o local ser chamado de Luz (AMBROGI, 1982).

Da ermida da Luz, originou-se o Recolhimento de Nossa Senhora da

Conceição da Luz em 1774 e desta edificação construiu-se o Mosteiro da Luz

em 1788 (SANTANA, 1937), onde hoje abriga o Museu de Arte Sacra de São

Paulo. Com uma maior movimentação no bairro, começam algumas melhorias,

com pontos de comércio espalhados pela região. Tais mercados deram origem

á uma área denominada Campos da Luz, onde hoje se situa a Avenida

Tiradentes. O Campo da Luz ligava-se ao centro de São Paulo por duas vias: a

primeira pelo Caminho da Luz (hoje, Rua Florêncio do Abreu) e também pela

Rua Alegre (atual Rua Brigadeiro Tobias).

No século XIX, ocorria no Estado de São Paulo o advento da economia

cafeeira. Sendo o bairro da Luz localizado na região central paulista (que

facilitava o escoamento para outras regiões), inicia-se a construção da ferrovia

(inaugurada em 1865) pela Companhia Inglesa.

A ferrovia mudou radicalmente o aspecto da região: começaram a surgir

em seus domínios instalações de depósito de mercadoria, imprimindo uma

fisionomia mais “operária” ao local. Da ferrovia, ocorreram mudanças que

acarretaram vários desdobramentos no bairro. Uma das principais foi a

chegada de imigrantes, oriundos de diversas partes do mundo (judeus, árabes,

italianos, alemães, espanhóis, portugueses, etc.).

A região necessitava então de uma demanda urbanística para atender

esta nova população, que representava um aquecimento na economia do

bairro. Obras de arruamento do local, calçamento das ruas, início de obras de

rodagem e aumento do número de lampiões são efetivados.

Contudo, um dos maiores problemas da região sempre foi o

abastecimento de água. Somente em 1872, sob a tutela do Governador de

Província João Teodoro, houve a canalização da região da Santa Ifigênia e

Consolação e saneamento das margens do Tamanduateí, com o intuito de

drená-las e de transformar as áreas que se assemelhavam a brejos em jardins

públicos.

No início do século XX, a região sofre consequências com o aumento

demográfico em São Paulo. O grande aumento da população degrada o bairro,

deixando-o com ares de periferia. Os investimentos do Estado, que foram

generosos no século XIX no advento da urbanização, agora se tornam

escassos. Devido à presença imigrante (principalmente italiana), lojas de

tecelagem e afins espalham-se pelo bairro, principalmente na Rua José

Paulino.

A degradação do bairro perdurou por todo o século XX. Vários projetos

de revitalização foram elaborados, porém nenhum deles apresentou resultados

satisfatórios. O último deles, datado de 2010 e denominado “Nova Luz”, tem

entre suas inúmeras demandas, solucionar o problema da “cracolândia”, região

entre o Parque da Luz e Estação Júlio Prestes que abriga um grande número

de usuários de drogas.

Mesmo com ares de degradação, o bairro tem um enorme potencial

cultural e turístico. Tomando como ponto de referência a entrada principal do

Parque da Luz (na Praça da Luz), na sua frente localizam-se a Estação da Luz

e o Museu da Língua Portuguesa. Dentro dos limites do próprio parque, está a

Pinacoteca do Estado.

A Sudoeste da entrada principal de parque, em frente á Estação da Luz,

estão localizados a Estação Júlio Prestes, a Sala São Paulo e o Memorial da

Resistência. A Nordeste, localiza-se o Museu de Arte Sacra de São Paulo. Ao

sul, está a GCM (Guarda Civil Metropolitana). A Leste, encontra-se a Rua São

Caetano (rua das noivas), à noroeste a Rua José Paulino e ao Sul, a Rua

Santa Ifigênia (de produtos eletrônicos).

2 – O PARQUE DA LUZ E O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO

O Parque da Luz nasceu como um horto botânico, na data de 19 de

dezembro de 1798, através de uma carta régia expedida por D. Rodrigo de

Souza Coutinho, Ministro e Secretário de Estado do Governo de Portugal,

conhecido como Conde de Linhares.

A principal intenção da coroa portuguesa com a construção do horto era

o estudo de espécies de plantas que pudessem ser rentáveis em solo paulista.

Ressalta-se que na mesma época, outros hortos surgiram no Brasil, como no

Pará e o Jardim Botânico no Rio de Janeiro. Escreveu então, o Conde de

Linhares (fig.1):

“Tendo o Governador e Capitão

General. Da Capitania do Pará formado

naquela cidade um Horto Botânico em

que já se acham as plantas que

constam do catálogo incluso e que é de

esperar que ele vá aumentando

gradualmente. Manda S.maj.

recomendar a V. S. que procure

estabelecer nessa Capitania, com a

menor despesa que se for possível, um

Jardim Botânico semelhante ao do

Pará, em que se cultivem todas as

plantas assim indígenas, como

exóticas, e em que particularmente se

cuide em propagar de semente, as

Árvores que dão Madeiras de

construção para depois semearem nas

Matas Reais. Deus Guarde a V. As.

Palácio de Queluz em 19 de dezembro

de 1798. Antonio Manoel de Mello

Castro”.

Figura 1 – Ordem Régia. Fonte: Departamento do Arquivo do Estado – Documentos Interessantes,Cartas Régias 1967:111

Apesar das diretrizes da carta régia, a construção do horto passou por

um grande período de abandono, sendo retomada só em 1808, no advento da

chegada da família real ao Brasil e mesmo assim, seguiu de maneira muito

lenta.

Um dos principais entraves era o abastecimento de água, pois não havia

encanamento em São Paulo na época e as precárias tecnologias de

transmissão hidráulica não eram suficientes para suprir a demanda do horto.

“Penosa e parca distribuição de água tiveram as aglomerações

urbanas até nossos dias, com o seu sistema de chafarizes e fontes

públicas alimentadas por filetes quase sempre contaminados, ou pelo

menos facilmente contamináveis, exposto como se achavam a todas

poluições. Distribuição domiciliar era coisa que não podia cogitar.

Precisavam os moradores recorrer aos poços do fundo dos quintais,

fornecedores do líquido, frequentemente carregados das mais

perigosas ameaças à vida humana”.3

Diante de todo investimento aplicado na construção do horto, o local

precisava ser reaproveitado de alguma maneira. Assim, o local só foi aberto em

8 de outubro de 1825 como “Jardim Botânico”, destinado ao usufruto público.

A abertura do jardim resultou em melhorias para São Paulo, sendo o

primeiro reduto de lazer da província e um dos pontos iniciais para o

desenvolvimento urbano da cidade. Tais melhorias trouxeram novos

moradores, consequentemente novas cartas de datas de terra concedidas para

novos moradores.

Em contrapartida, algumas destas cartas de datas referiam-se a terras

dentro do próprio Jardim Botânico. Assim sendo, posteriormente serão

negadas concessões de terras no Jardim Botânico, onde se proibiu a

concessão de datas de prédios particulares na praça que fica em frente ao

lugar destinado ao Jardim Botânico4.

3 TAUNAY, Afonso de Escragnolle. São Paulo nos Primeiros Anos 1554/1601 – São Paulo no

Século XVI. São Paulo. Editora Paz e Terra. 2003 4 Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo, 1824-1826, vol. XVIII

A demarcação do espaço físico do Jardim demonstra claramente esta

preocupação e sobretudo, a ação governamental em estabelecer limites,

decidindo o que era público e privado, impactando diretamente no cotidiano e

na mentalidade da população. Conforme a cidade crescia, o mesmo acontecia

com a demarcação.

Mas, se por um lado havia a preocupação na distinção do público e

privado, as autoridades negligenciavam a manutenção do jardim. Talvez pela

distância geográfica que separava metrópole e colônia, não era possível a

presença constante de portugueses no Brasil ou então talvez pelas dificuldades

oriundas de uma cidade ainda em desenvolvimento, o local se apresentava em

estado precário, conforme relato pelo Presidente da Província Dr. José Carlos

Pereira de Almeida Torres, em 1830:

“Estar o Jardim transformado em pasto de gado, visto que encontrou,

soltos, oito bois de carros e um cavalo, que soube dos trabalhadores

pertencerem a um jardineiro alemão, que ai não se achava quando

chegou o Dr. Almeida Torres, que foi informado de que o abuso datava

já de muito tempo, e que no lugar onde estavam os bois se

havia feito uma plantação de capim à custa da Fazenda Pública,

tendo encontrado em um rancho existente no mesmo Jardim e

pertencente á nação, três mulheres sem fazerem nada o observou

estarem trabalhando ou enchendo o tempo três estrangeiros, que

ganhavam cada um 420 réis por dia, e um escravo da nação, sem que

tivessem quem os inspecionassem e dirigisse” 5.

Contudo, os investimentos existiam, apesar de mínimos, como a

construção de um muro na frente do Jardim, o assentamento de um portão de

ferro com pilastras de cantaria, durante o governo de Miguel de Souza

Melo e Alvim (1841/1842). Mesmo assim, o Jardim era somente usado pela

população aos finais de semana, pois lampiões eram poucos e colocados em

longos intervalos, o que não oferecia grande segurança à noite.

O problema de abastecimento de água que ainda castigavam São Paulo

continuam a refletir no Jardim. Ainda em 1845, o Presidente-marechal Manoel

da Fonseca Lima e Silva diz em seu relatório à Assembleia Provincial:

5 MARTINS, Antonio Egydio. São Paulo Antigo. São Paulo. Secretaria de Esportes e Turismo.

S/D

“...que o antigo encanamento das águas do Tanque do Reúno para a

bacia da Pirâmide de Piques e dali para o Jardim Botânico é o

menos regular e bem feito que se observar em trabalhos desta

natureza, donde tem resultados os reiterados desmoronamentos dos

terrenos laterais e os frequentes extravios de águas. Convém,

pois, remediar este inconveniente por meio de um encanamento de

pedra, que, sendo coberto ao menos até a bacia da Pirâmide,

abastecerá o chafariz ali há pouco edificado”6

Em 1852, o Presidente da Província José Tomás Nabuco de Araújo

continua a investir no Jardim, considerando o “único recreio da população da

capital”, introduzindo um grande portão de ferro (fig. 2) e um aumento

considerável de sua flora.

Figura 2 – Portão de ferro – Fonte: São Paulo antigo e São Paulo moderno, 1554-1904.São Paulo: Vanorden,1905. Autor desconhecido.

6 Anaes da Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, 1844-1845. Arquivo do Estado de

São Paulo.

Porém, a mudança urbanística começa a despontar em São Paulo de

maneira mais explícita, iniciada em 1855 com o nivelamento do Largo da Sé e

Palácio (Pátio do Colégio) e um projeto de uma praça no fundo do quintal do

Governo, até as margens do Rio Tamanduateí, além da ampliação do Largo

São Bento. Contudo, nesta urbanização, o Jardim Público não foi incluído.

Em 1860, devido ao desenvolvimento do café em São Paulo, o inspetor

do jardim, Sr. Antonio Quartim, entregou à Companhia Inglesa 44 metros de

terreno de frente ao fundo de seu lote (decreto n. 1759, de 26/04/1856),

pertencente ao Jardim para a construção da estação e da estrada de ferro,

cumprindo ordens do governo e com protestos da população, que via parte de

sua área de lazer ser sacrificada em nome do “progresso” 7.

Com o processo de concessão de terras do Jardim para a Companhia

Inglesa, uma grande quantidade da flora foi derrubada. Dando continuidade a

sequência de perda de terreno, novas áreas do Jardim foram cedidas para a

construção do Liceu de Arte e Ofícios em 1873, atual Pinacoteca de São Paulo,

(fig. 3).

Figura 3 – Pinacoteca de São Paulo. Fonte: Acervo do autor, 2013

7 TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. O Jardim da Luz. Prefeitura do Município de São

Paulo.S/E. 1967

Alguns anos depois, já na era republicana, uma área totalizando 5.772

m2 foi cedida para a construção da Escola Modelo Prudente de Moraes,

inaugurada em 1895. Neste período, também ocorreu o alargamento da Rua

Prates, onde houve nova derrubada de árvores.

Essas concessões prejudicaram profundamente o Jardim, reduzindo seu

arvoredo, interferindo em sua simetria e ainda deixando ¼ de seu terreno sem

tratamento adequado, pois a verba para manter a parte cultivada já estava se

esgotando, conforme relato do Presidente da Província José Thomaz Nabuco:

“Cultivadas três quartas partes do terreno, não

sendo possível por falta de meios cultivar a outra

parte, a fim de se tornarem simétricas suas

disposições e que a quantia anualmente decretada

mal chega para pagar o salário do feitor e para a

manutenção e tratamento dos africanos”8.

O traçado do terreno, registrado em planta de 1810 (fig. 4, com o Parque

da luz em destaque), que se insinuava em algumas plantas como uma tentativa

de simetria, desaparece e nos remete a um desenho próximo do atual, que

parece ter se desenvolvido diretamente do que é registrado numa planta de

1868 (fig. 5, com o Parque da Luz em destaque).

8 Relatório do Presidente de Província, 1855, Arquivo do Estado de São Paulo

Figura 4 – "Planta da Imperial Cidade de S. Paulo" (1810), pelo Capitão de Eng. Rufino J. Felizardo e Costa, conforme cópia realizada em 1841. Fonte: São Paulo antigo plantas da cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954.

Figura 5 – Planta da Cidade de São Paulo 1868, por Carlos Frederico Rath. Fonte: São Paulo antigo plantas da cidade. São Paulo: Comissão o V Centenário da Cidade de São Paulo, 1954.

Apesar dos problemas enfrentados e da perda de seu espaço físico

perante o processo de urbanização paulista, o Jardim passa por um processo

de revitalização, em função da recepção aos visitantes da estrada de ferro,

ganhando um chafariz no centro da praça principal (fig. 6 e 7) e um gradil para

a proteção do tanque central, pelo Presidente João Jacinto de Mendonça

(1861/62):

“... a estação da estrada de ferro, que marcha para

a sua conclusão, colocada naquele

estabelecimento, chamará ali, dentro de pouco

tempo, uma grande concorrência de visitantes e a

rica e bela cidade de São Paulo deve oferecer a

seus hóspedes um passeio ameno, e não uma

caricatura de Jardim” 9

Figura 6 - Chafariz (séc. XIX) - Acervo do Parque da Luz – Autor desconhecido

9 . EGAS, Eugênio. Galeria dos Presidentes de São Paulo Vol 1. O Estado de São Paulo.1926

Figura 7- Chafariz (hoje) – Acervo do autor, 2013

Quanto à estação de trem, após sua inauguração em 1865, se

apresentava como uma edificação simples (fig. 8 e 9), longe da dimensão atual

(fig. 10).

Figura 8 – Est.da Luz 1865 – Fonte: http://www.gibanet.com/2013/01/13/memorias-de-sao-paulo-1/

Figura 9 – Est. Da Luz 1880 – Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/l/luz.htm

Figura 10 – Estação da Luz hoje – Acervo do autor, 2013

A estação mudou radicalmente a fisionomia do bairro, pois a partir do

momento de sua implantação, começaram a proliferar instalações de depósitos

de mercadoria por toda a região, imprimindo aos poucos um caráter

essencialmente operário no local, mudando paulatinamente a frequência das

pessoas na região. Henrique Raffard, filho do cônsul suíço no Brasil, em sua

passagem por São Paulo em 1890 descreve o entorno do parque da seguinte

maneira:

“Achava-se resolvida a abertura de uma rua

marginando o leito da ferrovia inglesa, com

sacrifício de um pequeno pedaço do Passeio

Público, a fim de prolongar a rua principal do Bom

Retiro até o Largo da Luz; As ruas da Estação;

Episcopal e outras vão ser igualmente

prolongadas, atravessando a várzea para facilitar

as comunicações com o districto do Brás. Ali vão

ser construídos os novos armazéns de ´San Paulo

Railway Co´, cuja instalação tratam de efetuar

rapidamente e provavelmente a Companhia São

Paulo e Rio de Janeiro se resolverá a idêntica

mudança, que é dispendiosa, para melhor

atender ás conveniências do público, achando-se

já organizada uma empresa de transporte para

todas as cargas recebidas ou remetidas pelas

mencionadas via férreas”10

A implantação da estrada férrea contrastou em muitos aspectos na

região da Luz. O mais visível, talvez, foi a chegada de imigrantes oriundos de

diversas partes do mundo, para tentar a sorte na metrópole que emergia. A

urbanização agora teria que atender os interesses dessa nova população, pois

representavam um considerável aquecimento na economia da região.

Assim, processo de urbanização intensifica-se. As obras das estradas e

da estação em acelerado andamento, o aumento do número de lampiões para

iluminação pública, o inicio das obras de estradas de rodagem, as reformas dos

calçamentos das ruas, entre outros inúmeros empreendimentos.

10

RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia. São Paulo. Academia Paulista de Letras, 1977

Porém, o problema do abastecimento de água ainda assombrava o

jardim. Quando o Sr. Cândido Borges Monteiro, o Barão de Itaúna, assume a

presidência da província, entre os anos de 1868 e 1869, providencia a

canalização da água para o local, diretamente do Tanque do Reúno (onde hoje

se encontra a Estação Anhangabaú do Metrô).

O encanamento é de baixa durabilidade, feito de papelão revestido de

asfalto. Adversários do presidente criticam a obra, classificando-a como

inteiramente de luxo e imprestável. Fora os encanamentos, foram

reconstruídas as paredes do principal lago do Jardim.

Em 1872, assumiu a presidência da província João Teodoro Xavier e

Matos, que começaria a remodelar São Paulo. João Teodoro priorizava a

organização do espaço público, tanto que criava incentivos para a elite cafeeira

construir suas residências na cidade. Sendo considerado o grande urbanizador

de São Paulo, João Teodoro aplicou grande parte dos recursos provinciais na

modernização e embelezamento da cidade, gastando para isso metade do

orçamento da província, que gerou a contestação de muitos:

“Na generalidade destas obras deram-se gastos

inevitáveis com desapropriações, aterros e

extensas escavações. É excusado apontar as

reformas e impulsos dados ao Jardim Botânico, o

abastecimento de água do Brás; compra de 1760

tubos para abastecimento igual nas freguesias de

Santa Ifigênia e Sé; a imensa arborização das

ruas e outros serviços de maior importância. Tudo

isso recebe sua justificação em considerações

econômicas, que tão afastadas parecem de suas

naturezas. A capital, engrandecida, circunda de

atrativos e gosos, chamará a si os grandes

proprietários e capitalistas da Província, que nela

formarão seus domicílios ou temporárias e

periódicas residências. O comércio lucrará,

ampliando seu consumo. As empresas se

fecundarão com recursos vastos e acumulados de

seus novos habitantes. As forças produtivas da

população, enfim, serão mais fecundamente

empregadas”.11

O mais famoso empreendimento de João Teodoro foi justamente no

Jardim Público: uma torre de vinte metros de altura, que tinha como funções

um observatório meteorológico e mirante, que é o objeto de estudo desta

dissertação.

A torre, que estava localizada na frente da Estação da Luz, era

conhecida como “Canudo do João Teodoro” (fig. 11), apelido colocado

jocosamente pela oposição, questionando a serventia do monumento. Foi a

primeira edificação na cidade nessas dimensões, atraindo a atenção de toda a

cidade de São Paulo, sendo construída pelo zelador do parque, Joaquim

Gaspar dos Santos Pereira, um criminalista da cidade de Mogi Mirim12

11

Relatório dos Anais da Assembléia Provincial, 1875 Arquivo do Estado de São Paulo., p. 414. 12

JORGE, Clóvis de Athayde. Luz: notícias e reflexões. São Paulo, SEC/PMSP, 1988

Figura 11 – Observatório astronômico. Fonte: DIAS, C. OHTAKE, R. Jardim da Luz: Um museu a céu aberto. Ed. Senac. São Paulo.2011

A obra era uma peça arquitetônica feita de tijolos, imitando um farol

marítimo, com escadas internas em caracol de ferro batido por quatro andares,

aonde se chegava proporcionando uma visão panorâmica da cidade. Em seu

parapeito, aves de grande porte como as suividaras, se acomodavam ao

anoitecer.

O motivo de seu fechamento em 1890 permanece uma incógnita. Alguns

relatos dizem que, com o passar dos anos, a torre apresentou uma

considerável inclinação, devido a não utilização de cimento ou similares entre

os tijolos, representando perigo aos frequentadores.

Outros relatos contam que a torre era ponto de encontros escusos de

amantes, e houve uma figura da alta sociedade paulista flagrada em um destes

encontros. Lendas à parte, o fato é que com a lei n. 496, de 14 de novembro de

1900, a torre foi demolida e seus tijolos foram reaproveitados para a construção

de um muro na Rua dos Imigrantes (atual José Paulino), em paralelo com a

ferrovia. As ruínas da torre foram achadas no ano 2000, e estão expostas ao

público atualmente, em um sítio arqueológico, dentro dos limites do Parque.

Em sua gestão, João Teodoro mandou cultivar e arborizar o Jardim em

toda sua área, encomendou do Rio de Janeiro quatro esculturas representando

as estações do ano e mais duas representando duas figuras mitológicas,

Vênus e Adônis, para serem colocadas no Lago Cruz de Malta (fig. 12 e 13),

um dos principais pontos turísticos do Jardim.

Figura 12 – Lago Cruz de Malta. Fonte: DIAS, C. OHTAKE, R. Jardim da Luz: Um museu a céu

aberto.Ed. São Paulo. 2011

Figura 13 – Lago Cruz de Malta hoje. Acervo do autor, 2013

Este lago artificial que tem a forma de uma cruz, onde se encontram oito

esculturas de mármore branco lavrado, correspondendo na sua maioria a

divindades da mitologia greco-romana.

A Cruz de Malta foi o símbolo europeu do guerreiro cristão usado pelas

primeiras cruzadas nos anos de 1096/1099. No século XV, a Cruz de Malta

aparecia nas caravelas portuguesas que faziam viagens ultramarinas, visando

expansão territorial e difusão da fé católica.

A cruz apresentava-se na primeira bandeira brasileira e permaneceu até

1651. O desenho da cruz foi lembrado na construção do lago, homenageando

a influência das ordens eclesiásticas no Brasil.

O Jardim também ganha esse período uma nova iluminação, constituída

por 135 combustores a gás. Vale ressaltar que nesta mesma época se fez no

Jardim à primeira experiência de luz elétrica em 23 de outubro de 1883 em São

Paulo, conforme afirma Aureliano Leite na sua “História da Civilização

Paulista”. Mas a eletricidade só chegará efetivamente ao Jardim em 1933.

Talvez o maior empreendimento feito por João Teodoro fora o

investimento no problema do abastecimento de água, não só do Jardim, mas

da região central de São Paulo.

Assim, além de mandar canalizar toda a região da Santa Efigênia e

Consolação, João Teodoro trocou toda a canalização do Tanque do Reúno

para o Jardim, colocada pelo Barão de Itaúna (encanamento de papelão

revestido com asfalto, que já se encontrava em avançado estado de

deterioração), mandou canalizar toda a área interna do Jardim e promoveu o

saneamento das margens do Tamanduateí, na tentativa de drená-las e de

transformar os brejos existentes em jardins públicos. Logicamente, com a

cidade em expansão, era preciso investir mais em termos de abastecimento

Com a construção da Estação Cantareira em 1877, dava-se a idéia do

problema estar solucionado. Porém, a região ainda sofria com o abastecimento

e também pelo saneamento básico, visto que a cidade tinha a céu aberto vários

córregos e várzeas:

“O bairro do Bom Retiro – escrevem-nos:

Rogo a V. o obséquio de chamar a atenção do Dr.

Inspetor da Higiene Pública para o Bairro do Bom

Retiro. Diariamente, há nesse bairro casos de

doenças causadas pela água imprestável dos

poços existentes. Não será possível colocar

desde logo alguns chafarizes públicos, ligados à

rede da Companhia Cantareira, dando aos

habitantes a faculdade de tirar água potável?”13

.

No final do século XIX o Jardim teve sua área ampliada (em 15 de

novembro de 1881, pela lei n. 21, sancionada por Laurindo Abelardo Brito, e

em 28 de outubro de 1882, foi declarado por um ato oficial que um terreno

pertencente à Dona Maria Marcolina Monteiro de Barros, era necessário para o

aumento e regularização da área do Jardim), recuperando um pouco do tanto

que já perdera em momentos anteriores.

Nessa condição de ampliação, o Jardim perde sua forma pentagonal

para se tornar um trapézio (fig. 14, com o Parque da Luz em destaque). Um

portão novo é colocado, junto com um gradil de ferro de 166 metros. Agora, há

três portões no Jardim: o principal (Avenida Tiradentes), e os demais pela Rua

José Paulino e pela Rua Visconde de Congonhas do Campo. Ainda em 1881, o

então presidente Laurindo manda edificar uma gruta artificial no Jardim (fig. 15

e 16), nos moldes do paisagismo inglês.

13

Jornal Diário Popular, 30 de novembro de 1890

Figura 14 – Mapa de 1881. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo. São Paulo Antigo: Plantas da Cidade. São Paulo: Comissão do IV Centenário, 1954.

Figura 15 – Gruta (século XIX). Fonte: DIAS, C. OHTAKE, R. Jardim da Luz: Um museu a céu aberto. Ed. Senac. São Paulo.2011

Figura 16 – Gruta (hoje). Acervo do autor (2013)

Existem relatos formais (de antigos moradores do bairro,

descendentes de antigos frequentadores do Jardim e estudiosos sobre o local)

que no interior da gruta havia estátuas de anões, vestidos á maneira europeia,

com capotes e agasalhos.

O escritor Monteiro Lobato, em uma de suas visitas ao Jardim,

contemplou as estátuas e exprimiu grande pesar sobre elas, alegando que não

participavam do contexto brasileiro, tanto na cultura folclórica quanto em suas

vestimentas. A partir daí, inspirando-se em outros elementos do Jardim (como

bancos em forma de cogumelos, por exemplo), Lobato começou a escrever

seus contos sobre o Saci-Pererê.

Enfim, no final do século XIX, depois de um período de decadência, o

Jardim consagrou-se de vez como local de lazer dos paulistanos (fig. 17),

acompanhando a transformação urbana ocorrida na região. As melhorias,

contudo, não eram criteriosas, visando mais o impacto visual que a

funcionalidade. Não havia nenhuma análise prévia de cultivo, pois plantas eram

acumuladas sem nenhum critério, inclusive sendo colocadas algumas espécies

que esterilizavam o terreno.

Mesmo com algumas críticas, durante muitas décadas, o Jardim

representou o principal ponto de encontro da sociedade paulistana. Por causa

deste status, realizou-se em suas dependências a primeira quermesse em São

Paulo, ocorrida entre 1882 e 1884. Surgiram outras quermesses nos anos

seguintes, tendo maior destaque as quermesses pró-abolicionistas (fig. 18).

Figura 17 – Passeio pelo parque. Fonte: DIAS, C. OHTAKE, R. Jardim da Luz: Um museu a céu aberto. Ed. Senac. São Paulo.2011

Figura 18 – Quermesse pró-abolicionista. Fonte: Acervo do Parque da Luz. Data e autor desconhecidos

Em 1893, o Jardim passa a ser administrado pela prefeitura, ao invés do

estado. Sua entrada principal passa da Avenida Tiradentes (fig. 19) para a Rua

José Paulino. O primeiro prefeito de São Paulo, Antonio da Silva Prado (1899-

1910), nomeou o jardineiro Antonio Etzel como administrador do Jardim, cargo

que ocupou até sua morte, em 1930. Etzel introduziu um novo traçado com

uma rua circular contendo grandes gramados (fig. 20) e adornado com

jaqueiras. Grupos de árvores antigas foram reaproveitadas, formando alguns

bosques.

Figura 19 – Antiga entrada do parque, pela Av. Tiradentes. Fonte: A Casa do Administrador: Parque

Jardim da Luz. Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Edição comemorativa. 2007

Fig 20 – Novos traçados no parque feitos por Etzel. Fonte: Acervo do Parque da Luz. Data e autor desconhecidos

Antonio Etzel também limpou o Lago Cruz de Malta, a cascata e a ilha.

No Jardim, foi implantado também um mini-zoológico (fig. 21), sendo o primeiro

de São Paulo, onde foram construídos dois grandes cercados para veados de

raças distintas, um viveiro de macacos, um cercado para patos e aves exóticas,

pacas e cotias, jaulas para o lobo guará, para o urubu rei, para a águia e um

viveiro para passarinhos. Na verdade, alguns anos mais tarde, foi aprovado um

projeto (226, Assembléia Provincial de São Paulo, 06/03/1888) de transformar

o Jardim em um zoológico. Mas depois de alguns anos, o projeto não foi

efetivado.

Figura 21 – Mini-zoológico. Fonte: A Casa do Administrador: Parque Jardim da Luz. Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Edição comemorativa. 2007

Também foram construídos dois empreendimentos durante a

administração Antonio Etzel, em 1901: um coreto (fig. 22 e 23) e a Casa do

Administrador (fig. 24 e 25). O coreto, projetado por Maximiliam Hell (o mesmo

arquiteto que projetou a Praça da Sé), era utilizado para a exibição da Banda

da Polícia Militar. A Casa do Administrador , que era a morada da família Etzel,

foi restaurada e reinaugurada no ano de 2008. A edificação original foi

construída originalmente em 1867, onde foi construída a primeira casa que

serviria para os administradores. Anos mais tarde foi demolida e reconstruída,

sob a gestão de Antonio Etzel.

Figura 22 – Coreto em 1901. Fonte: DIAS, C. OHTAKE, R. Jardim da Luz: Um museu a céu

aberto. Ed. Senac.São Paulo.2011

Figura 23 – Coreto hoje. Fonte: Acervo do autor (2013)

Figura 24 – Casa do Administrador (1919). Fonte: A Casa do Administrador: Parque Jardim da Luz. Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Edição comemorativa. 2007

Figura 25 – Casa do Administrador hoje. Fonte: Acervo do autor (2013)

Eduardo Etzel, filho de Antonio, descrevia a Casa do Administrador da

seguinte forma:

“O porão alto de nossa casa, que dava para a rua

Ribeiro de Lima, estava dividido em duas partes.

Numa ficava o almoxarifado, onde se guardavam

as ferramentas novas e apetrechos de repartição.

No outro lado era o escritório, onde meu irmão

Arthur fazia as folhas de pagamento. No quintal de

nossa casa havia um barracão com parte para

depósito de madeira e outra para carpintaria”.14

Também em 1901 foi construída a Casa de Chá ou Ponto Chic (fig. 26 e

27), que tornou-se o ponto de encontro da elite paulista. Nesse local, os barões

do café encontravam-se para discutir negócios ou simplesmente divertir-se com

bailes, com as Bandas da Polícia Militar tocando no coreto. A Casa de Chá

teve concessão aberta para a Companhia Bavária, que administrava o local, e

colocava mesas externas onde eram servidos os chopps. Essa edificação

substituiu outro pavilhão, que tinha a finalidade de um “bar café”, construído em

1874.

14

ETZEL, Eduardo. O Verde da Cidade de São Paulo.Revista do Arquivo Municipal, São

Paulo,1982

Figura 26 - Casa de Chá (1901). Fonte: A Casa do Administrador: Parque Jardim da Luz. Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Edição comemorativa. 2007

Figura 27 - Casa de Chá (hoje). Fonte: Acervo do autor (2013)

Um outro ponto que marcou a história do Jardim foi a inauguração da

Herma Garibaldi (fig. 28 e 29) em 1910 por Olavo Bilac. Durante muitos anos, a

colônia italiana realizava uma enorme festa em homenagem ao monumento,

que retratava o revolucionário líder de diversas revoltas, dentre as quais a

Farroupilha. Esta herma também tem um valor especial por ser a primeira da

cidade de São Paulo. Outro grande destaque eram os passeios de automóveis

nos limites do Jardim, que tinham autorização para transitar pela alameda

circular.

Figura 28 – Inauguração da Herma Garibaldi. Fonte: A Casa do Administrador: Parque Jardim da Luz. Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente. Edição comemorativa. 2007

Figura 29 – Herma Garibaldi hoje. Fonte: Acervo do autor (2013)

Toda esta transformação arquitetônica ocorrida no Jardim não era um

fato isolado, mas sim diretamente ligada e inspirada nas transformações que

ocorriam na paulicéia.

O triângulo paulista teve seu início do século XIX, quando a capital tinha

sua delimitação por pontes, mas ainda não tinha a força ou os atributos

necessários para se firmar como tal centro comercial.

A urbanização, apesar de estar ocorrendo em diversos âmbitos, como o

encanamento das águas, implantação da luz elétrica pela cidade e a intensa

atividade ferroviária, se tornou realmente visível e palpável para toda a

população através da sua manifestação arquitetônica, diretamente inspirada na

Europa, mais especificamente pela França e Inglaterra.

A edificação existente na cidade era na sua maioria do estilo chalé, onde

adquiriu grande status e prestígio por todo o século XIX. Porém, esta nova

edificação começou a se alastrar de maneira intensa, e a inovação de alguns

mestres de obra (principalmente pelas modificações no estilo do telhado “duas

águas”) foi considerada pelos eruditos da arquitetura e aficionados pela arte

européia como uma atitude desregrada, causando grande incômodo às

autoridades.

Estas por sua vez, estabelecem em fevereiro de 1889, uma restrição à

construção de novos chalés no triângulo urbano, porém permitido apenas

no rural15. Dá-se então, uma ideia que a madeira, matéria prima para a

construção dos antigos chalés, remetia a um padrão interiorano, que acabou

sendo superado na cidade por um novo padrão arquitetônico, onde edifícios e

arranha-céus tinham como base as pedras, os tijolos e o cimento.

O período de ascensão do Jardim contrastou de diversas maneiras com

a população paulista (tanto elite quanto massa popular) e também com a

mentalidade da Belle Époque do século XIX. O Jardim passou a ser o cartão de

visitas da cidade, tanto para a massa popular, que chegava pela estrada férrea,

procurando por novas oportunidades diante o desenvolvimento econômico de

São Paulo, quanto para a elite, que começava a fixar sua residência na capital

paulista, deixando sua moradia no campo.

Dentro dos limites do Jardim, edificações como a Casa de Chá e o

Coreto atendiam diretamente uma demanda burguesa (fig 30), que ansiava por

lazer no novo centro econômico brasileiro. Eventos como os passeios de

automóveis dentro dos limites do Jardim reforçavam esta ideia, onde a elite

poderia aproveitar o principal ponto de lazer da cidade.

Por outro lado, principalmente no que se diz respeito a massa popular,

devemos dar uma nova luz no papel do Jardim. Se o local era usado pela

massa para a recreação, com seus lagos, coreto, edificações e outros atributos

que o Jardim proporcionava e proporciona até hoje, o espaço também

propiciava a manifestação popular em diversos âmbitos.

As quermesses abolicionistas que aconteciam no Jardim mostravam que

o lugar também era palco de reivindicações populares. O público entendia o

local como espaço público, e sendo assim, como espaço para suas

manifestações.

15

Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo: Museu Paulista da

USP,1993

A Herma Garibaldi também teve um importante papel, principalmente

junto à colônia italiana, em grande número da região. O imigrante italiano, um

estranho em terras brasileiras, tinha seu próprio espaço dentro do Jardim e

uma data para comemorar um evento correlacionado ao seu país, onde tinha a

possibilidade de confraternizar-se com indivíduos de sua própria pátria.

Um fator, talvez dos mais preponderantes, seja o da manifestação

cultural existente até os dias atuais. Rodas de viola, jogos entre os

frequentadores, repentistas e outras diversas manifestações, colocam o Jardim

não só como um local de recreação ou como um lugar que atendia as

demandas elitizadas, mas sim um espaço onde a população manifestava e

manifesta seu aspecto cultural, em variados desdobramentos.

Figura 30 – Usuários com características elitizadas na Casa de Chá. Fonte: Acervo do Parque da Luz. Data e autor desconhecidos

Após o advento do início da urbanização na segunda metade do século

XIX, a região da Luz vai angariar consigo o status do pólo central e comercial

de São Paulo. Porém, este crescimento acelerado trouxe a “nova metrópole”

uma crescente onda de migrantes e imigrantes (principalmente, judeus e

italianos), deixando a região com um altíssimo índice demográfico.

A ironia é que a própria estrutura da Estação da Luz, um dos expoentes

máximos da urbanização paulista, contribuiu para a degradação do local. O

pátio para manobra dos trens e os trilhos rede ferroviária que delimitavam a

região tornavam-se um grande obstáculo para comerciantes de bairros

vizinhos, que tinham enormes dificuldades para escoar suas mercadorias para

a área central.

Com isso, grande parte destes comerciantes mudam-se para a região da

Luz. As conseqüências passam a ser óbvias: toda a estrutura urbanística

implantada no século anterior não fora suficiente para abranger esta nova

população.

O lixo acumulava-se nas ruas, o sistema de água (mesmo tendo como

fonte de abastecimento a Companhia Cantareira) não conseguia atender à toda

a população e o serviço de saneamento praticamente nulo são alguns dos

problemas apresentados na região. A região adquire um caráter de cidade

funcional, onde as velhas estruturas não são preservadas, simplesmente

suplantadas pelas mais novas. O espaço comercial então, toma o lugar do

residencial.

A elite econômica, que migrara para a região no século anterior, começa

a se mudar para outras regiões menos populosas, como o Jardim América,

Higienópolis e Av. Paulista, carregando consigo, os investimentos e interesses

econômicos do estado. Podemos até encarar tal fato como uma higienização

social.

A região da Luz, na parte baixa da cidade, era infestada de ruelas, onde

havia a miséria e pouca circulação de ar. Já a região da Paulista, por exemplo,

era considerado um local mais alto, onde circulava mais ar, dando um aspecto

mais “saudável” para a burguesia.

Nessa higienização, podemos entender um claro processo de inclusão e

exclusão social. A degradação que se assolou na região central refletiu

diretamente no parque, agora denominado Jardim da Luz.

O local que outrora fora o principal recanto da elite paulistana encontra-

se abandonado, tanto pelo seu “selecionado público burguês”, quanto pelos

investimentos do estado. Como esta mesma elite já não residia na região da

Luz, não interessava então ao estado investir no Jardim, uma vez que perdera

seu status do século anterior. Além de não residir na região da Luz, esta elite

começava a ter olhos para um novo tipo de entretenimento mais massificado,

onde o teatro e o cinema despertavam uma maior atenção do público.

A acelerada degradação do local deu vazão para o surgimento de uma

nova população com mendigos e marginais. O Jardim da Luz então, por ser

mal iluminado e possuir um grande número de árvores, permitia a essa

população marginalizada um local próprio para suas atividades, como assaltos

e mendicâncias.

O Jardim ganha rapidamente a fama de um local perigoso, afastando de

vez grande parte da população e quaisquer investimentos no local.

“Em redor do lago central, cruzavam-se os

operários e soldados com mulheres de toda a

casta, em que havia desde a menina das

vizinhanças acompanhada da família até as pretas

empregadas em casas burguesas, que depois do

trabalho vinham ali buscar amores. Outras negras

passeavam falando alto, mostrando aos homens o

rosto enfarinhado de pó de arroz. Os soldados que

paravam debaixo das árvores ou sentavam nos

bancos eram os veteranos freqüentadores do

jardim, que se contentavam em dirigir gracejos ás

mulheres. Os novatos, pouco antes saídos do

corpo da escola, preferiam armar algazarras pelo

caminho, dando encontrões nas “tias” à guisa de

divertimento. Algumas riam, outras zangavam-se,

revidando a ofensa com palavrões de bordel

gritados em voz aguda. Às quintas-feiras e

domingos, quando tocava a banda do poder

público, enchiam-se as alamedas com os

moradores dos bairros operários, letões, norte-

americanos, centro-americanos, platinos, que se

acotovelavam com raças indefiníveis, judeus de

Alsácia, Transilvânia, Posnânia, Galícia, Síria,

Palestina. Havia raças turbulentas, montanheses,

albaneses, montenegrinos, bessarábicos, persas.

Ali, o brasileiro nem sempre é maioria e o paulista

é raridade. Entre a gente de cor que passeava

havia muitos vindos de longe, pretos de Barbados,

mulatos perigosos de Cabo Verde, indus dos

grandes portos da Índia inglesa, africanos que

viajavam pelos mares nas carvoarias dos navios.

Os que tinham chegado por último, se misturavam

sem se mesclarem com estrangeiros aclimatados,

os de todas as províncias da Itália, Portugal e da

Espanha”. Relato de Yan de Almeida Prado,

antigo freqüentador, em 1928. 16

Muitos aspectos dos tempos áureos do Jardim são esquecidos ou

abandonados, pois não correspondem mais a uma imagem decadente que

apresentava naquele momento.

Em 1930, o prefeito José Pires do Rio ordena a transferência dos

animais pertencentes ao mini zoológico para o Parque da Água Branca e as

estufas de plantas existentes no Jardim para o viveiro Manequinho Lopes, no

Parque Ibirapuera, onde existe até hoje.

Ainda em sua gestão, foram retiradas as grades e os portões, dando

espaço para a atividade de traficantes, mendigos e prostitutas. Aliás, o

crescimento da prostituição no Jardim foi conseqüência direta do fechamento

dos bordéis da região, ordenada também pelo prefeito Pires do Rio.

Além de decadente, o Jardim torna-se um local perigoso para se

freqüentar. O Jardim então, fora vítima de seu próprio crescimento. A

urbanização trouxe o progresso à região. O preço a ser pago, porém, foi muito

alto. O governo que havia ajudado o local a florescer, com investimentos e

aprimoramentos, opta em abandonar o local, assumindo-o de volta somente na

década de 70, pela prefeitura de São Paulo.

16

DIMENSTEIN, Gilberto.SOUZA, Okky de. São Paulo 450 Anos Luz. Ed. de Cultura. São Paulo. 2003

Porém, à partir da década de 90, o parque passa por um processo de

revitalização, precedido pelo processo de tombamento nos anos 80. Em 2005,

durante um manejo de plantas no parque, foi encontrado um aquário

subterrâneo (fig. 31).

A falta de documentação deste monumento e problemas com

vazamentos e vedações sugerem que este aquário não chegou a funcionar.

Hoje o aquário está aberto para visitação pública (fig. 32).

Figura 31 – Aquário, provavelmente séc. XIX. Fonte: Acervo do Parque da Luz. Data e autor desconhecidos

Figura 32 – Aquário hoje. Fonte: Acervo do autor (2013)

Com a explosão demográfica da cidade iniciada ainda na primeira

metade do século XX, houve também a criação de um novo sistema de lazer

voltado para a nova população que não parava de crescer.

A elite encontrou novos meios para seu entretenimento, baseados em

uma cultura de massa que incluíam cinemas, teatros, salões de dança,

apresentações musicais entre outros.

Uma cultura que as classes mais pobres não poderiam compartilhar,

reforçando o papel do Jardim como opção de lazer para estas pessoas. A dita

classe alta paulista usufruiu do local apenas quando não tinha outra opção de

lazer, mas deixaram de frequentar o Jardim, assim que surgiram os

entretenimentos em massa.

Mesmo nos períodos mais críticos do Jardim, durante seu abandono nos

anos 30, a população mais pobre não abandonou o local. Nos dias de hoje,

essa mesma camada da população continua a frequentar o Parque.

Há diversas manifestações culturais, como rodas de viola caipira, feitas

pelos próprios frequentadores. Há também uma grande parte que

simplesmente opta por uma conversa agradável de amigos em um fim de tarde.

Existem também aqueles que simplesmente procuram os bosques para

sentar-se e ter uma leitura agradável ou simplesmente para contemplar a

natureza local, com suas árvores centenárias, seus lagos e espelhos d´água e

sua fauna.

Por outro lado, a elite raramente freqüenta o Parque. Geralmente, só

faz-se notar sua presença no momento de saída quando visitam a Pinacoteca e

talvez por um senso de curiosidade, apenas “passam” pelo Parque, deixando

de interagir com a sua história e natureza.

Apesar de ter passado por vários momentos de declínio e ascensão, o

Parque sempre cumpriu seu papel como espaço de lazer para aqueles que não

tem opção de entretenimento, independente de classe social, como aconteceu

em seu início.

Porém, a elite optou por outros meios de lazer, e em muitos momentos

não soube admirar e contemplar o que o local tem a oferecer. O fator mais

importante para a elite era um determinado status que o Parque oferecia, em

sua fase áurea.

Por outro lado, desde seus tempos mais remotos, as classes populares

da cidade “entenderam” para que o Parque servia, e mesmo em suas fases

mais obscuras, souberam aproveitar estes momentos.

3 – O SÍTIO ARQUEOLÓGICO

Apesar da prática e pensamento arqueológicos estarem presentes

durante séculos no mundo, no Brasil o afloramento da arqueologia se deu em

definitivo apenas no século XX. A conscientização do resgate de nosso

passado, através de fontes primárias, juntamente com a discussão do

patrimônio histórico, são “invenções” relativamente recentes em nosso país.

Dentro deste contexto, existe o Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN), que se responsabilizou em gerir e administrar

demandas referentes ao patrimônio nacional.

Nesta gestão, existem portarias que regulamentaram todo o processo

arqueológico, como desenvolvimento de pesquisas em campo, escavações,

arqueologia de contrato, etc., com a finalidade do resguardo de objetos que

possam tem valor histórico e cultural.

Um dos quesitos mais importantes destas portarias refere-se à

autorização dos procedimentos de escavação arqueológicapresente na Portaria

no7 de 01 de dezembro de 1988. Nos artigos 1º ao 6º, são normatizados os

critérios necessários á comunicação prévia, permissões e autorizações,

evidenciando a preocupação da instituição em estabelecer a desenvoltura

necessária para o início do processo arqueológico.

Outro fator colocado em evidência, dentro artigo 5o, é a padronização

dos relatórios enviados ao IPHAN, delimitando minuciosamente os critérios

estabelecidos para aceitação do projeto e continuidade do mesmo, tanto

quanto o envio de relatórios em períodos em que acontece o processo do

projeto arqueológico.

A arqueologia, apesar da preocupação do resgate histórico e cultural,

exerce uma ação destrutiva sobre o local trabalhado. Tal destruição pode gerar

inclusive impactos de diversas ordens, como por exemplo, o ambiental.

Desta maneira, a Portaria no 230, nos artigos 1º ao 4º, estabelece

critérios para minimizar este impacto. O primeiro critério associa-se com a

contextualização arqueológica e etnohistórica do empreendimento. Assim, é

possível verificar, através de uma visão mais ampla, qual seria a dimensão do

impacto do processo arqueológico em determinada área.

Avaliações de cartas ambientais temáticas, com dados geológicos,

geomorfológicos, hidrográficos, declividade e de vegetação ajudarão a

preservar a integridade do local.

Quanto ao processo de escavação do Parque da Luz, os vestígios do

observatório astronômico (fig. 33) foram encontrados no durante uma

escavação arqueológica no parque no ano 2000, coordenada pela arqueóloga

Maryzilda Couto Campos. Dentro dos limites do sítio, foram achados diversos

objetos, que não foram documentados e estão em poder da administração do

parque.

Figura 33 – Sítio arqueológico do observatório astronômico. Fonte: Acervo do autor, 2013

O sítio está circundado por um corrimão de ferro que delimita sua área.

Tal corrimão, porém, não apresenta uma proteção eficaz para o local.

Visitantes do parque e quaisquer transeuntes podem adentrar-se ao sítio, caso

não estejam sendo vigiados pela segurança do local. Fora a proteção pelo

corrimão, o sítio encontra-se mal conservado, sem nenhum cuidado ou

proteção.

A localização do sítio pelo GPS dá-se pela referência 23K 0333093 / TM

7396422. O diâmetro da circunferência do sítio mede 12,40 metros. Dentro do

parque, a referência mais próxima do sítio é a área foi destinada a eventos

conhecidos como “pic-nics” (fig. 34), com referência geográfica de 23K

0333068 / TM 7396422.

Figura 34 – Área destinada para “pic-nic”. Acervo do autor, 2013

Não foi possível o acesso ao relatório oficial da escavação do sítio, em

poder da SVMA – Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Porém, foi possível

obter acesso a um resumido relatório do trabalho de campo, que está em poder

da administração do parque.

No relatório do trabalho de campo da torre, é citado que o processo de

escavação arqueológica no parque iniciou-se em maio de 2000, após um

manejo de árvores no local. Ao retirarem uma palmeira de um lugar para ser

transportada a outro, tijolos apareceram grudados à sua raiz.

Durante a escavação, surgiu uma estrutura circular de tijolos, levando a

hipótese de ser a torre. Foi utilizada então metodologia geofísica “radar”, que

permite a visualização de estruturas e bolsões antrópicos antes da realização

dos cortes. Após a prospecção geofísica, foram realizados cortes longitudinais

da estrutura, confirmando que a estrutura era a torre do observatório

astronômico.

O projeto de escavação no Parque da Luz existe desde 1999, momento

em que se oficializou um convênio entre a Secretaria do Verde e Meio

Ambiente (SVMA) e o Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo

(DPHSP). O início do projeto de escavação foi impulsionado pelo achado dos

tijolos durante o manejo de árvores. A partir do achado da torre, outros projetos

arqueológicos tiveram início no parque, como por exemplo, a descoberta do

aquário subterrâneo. No próprio relatório, a arqueóloga cita que usou o

aparelho de radar para procurar “lixões” e estruturas antigas no parque.

Além os tijolos, foi encontrado um cano de papelão e betume, com

ligações metálicas em suas extremidades, datado entre 1868 e 1869 (fig. 35).

Este encanamento ficou exposto no sítio a céu aberto até desaparecer

(possivelmente, furtado) em 2008.

Figura 35 – Encanamento do século XIX. Fonte: Acervo do autor, 2008

.Perto do cano de papelão, foi encontrada uma estrutura de duas fileiras

em tijolos, com base em lajotas, formando uma estreita canaleta. Tal canaleta

conduzia a água que vinha da Pirâmide do Piques (atual Largo do

Anhangabaú), conforme descrições abaixo:

“Ao assumir a presidência, o Barão de Itaúna,

Cândido Borges Monteiro, determinou medida

para a sua remodelação. De início, substituiu-se a

antiga canalização de água em valetas, por

encanamentos. Surpreendentemente iria

descobrir-se mais tarde que tais condutos de oito

polegadas eram de papelão betumado, advindo da

razão de tantos problemas com o abastecimento”

17

“O chafariz do Campo da Luz e o do Pique

derivavam-se do encanamento geral das águas do

tanque do Bexiga para o Jardim Público, serviço

esse inaugurado em 1868 e que não teve a

duração de um decênio, porquanto, já em 1876, os

dois chafarizes achavam-se desmantelados e o

leito di lago central do jardim, completamente

enxuto, servia de hangar ao aeronauta Ceballos. E

nem se deveria esperar maior durabilidade de

semelhante abastecimento, considerando que os

tubos nele empregados eram manufaturados de

papelão revestidos de asfalto e, embora tivessem

sido “tão bem assentados que não havia uma

junta onde a água saísse”, contudo o líquido,

segundo assevera o inspetor geral das obras

públicas em seu relatório entregue a 30 de janeiro

de 1869 ao Barão de Itaúna, então presidente da

Província, “rompia o chamado betume no espaço

médio entre o tubo e os cabeços de ferro, devido á

imperfeição e pouca vigilância emprgada na

oficina, estabelecida na antiga casa dos loucos”18

Outra estrutura de tijolos foi encontrada, em quatro fileiras de 1 metro de

comprimento, possivelmente um arrimo para a torre, no momento em que o

monumento começou a declinar. Nas áreas denominadas A1 e A2 (lado direito

e esquerdo, respectivamente), as primeiras camadas escavadas foram de 15 a

20 cm, onde foi encontrada uma moeda (que não estava presente na caixa

17

JORGE, Clóvis de Athayde. Luz: notícias e reflexões. São Paulo, SEC/PMSP, 1988 18

FREITAS, Affonso A. Tradições e reminiscências paulistanas. São Paulo. Gov. Do Estado. 1978

contendo os fragmentos), fragmentos de vidro e louças. Nas camadas

posteriores, foram encontrados apenas restos de tijolos, provavelmente da

queda da torre e que ao foram coletados.

Os objetos de metal que estão acondicionados na caixa de papelão na

administração do parque não estão no relatório. O relatório também não

apresentou quaisquer descrições detalhadas dos objetos encontrados.

A parte evidenciada da torre no início da escavação foi uma pequena

porção do círculo externo. A arqueóloga Marizylda utilizou um cordão plástico

como raio e determinou a localização total do círculo, que estava debaixo das

alamedas do parque. Desta maneira, prosseguiu a abertura no sentido do

interior da torre.

4 – DESCRIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

A natureza dos objetos achados nos limites do sítio apresenta pouca

diversidade: cacos de vidro e porcelana (restos de garrafas, frascos, faianças e

utilitários para refeições), ferramentas, adornos, azulejos, material

malacológico, pedaços de varvito ornamentados, objetos de metal, etc,

totalizando a soma de 82 artefatos. Os objetos estavam misturados e

acondicionados em uma caixa de papelão.

Antes de catalogar este material, foi preciso fazer uma lavagem em

todos os objetos, com exceção daqueles feitos de metal. Tais objetos se

encontram em estado avançado de ferrugem, devendo então evitar o contato

com umidade. Depois de lavados e secos, foi dada uma numeração aos

objetos. Tal numeração foi precedida com as letras “PQL”, iniciando no número

1 e finalizando no número 82 (exemplo: PQL1, PQL2...PQL82).

Após este procedimento, foi feita a separação dos objetos, deixando os

artefatos com alguma semelhança na mesma tipologia.

Os objetos foram classificados da seguinte maneira:

Louça (porcelana e faiança)

Vidro

Azulejo

Material construtivo

Objetos de metal

Outros (artefatos que não correspondem a nenhum dos itens

anteriores).

A seguir, na tabela “Classificação geral” (tabela 1), será mostrado um

panorama geral dos achados no sítio, onde serão delineadas as quantidades

de objetos achados, de acordo com a classificação acima, sem maiores

detalhes. Logo em seguida, na tabela “Descrição detalhada” (tabela 2), todos

os 82 objetos serão descritos individualmente, detalhando medidas, formas e

cores de cada um deles.

Tabela 1 – Classificação geral

Legendas: L = Louça MC = Material construtivo

V = Vidro M = Objetos de metal

A = Azulejo Outros = Não se encaixam nas descrições anteriores

Tabela 2 – Descrição detalhada do material arqueológico

PQL1 OBJETO MALACOLÓGICO ARREDONDADO, DE

COR BRANCA, MEDINDO 4,7 DE BASE POR 1,8

DE ALTURA

PQL2 PEDAÇO DE VIDRO BRANCO,

PROVAVEMENTE FUNDO DE UM FRASCO, DE

FORMA OVAL, MEDINDO 7,5 DE BASE POR

4,9 DE ALTURA

PQL3 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA, COM

FAIXAS AZUIS, MEDINDO 3,9 DE BASE POR 4

CM DE ALTURA

PQL4 PEDAÇO DE PORCELANA LEVEMENTE

ARREDONDADO, MEDINDO 3,4 DE BASE POR

1,6 DE ALTURA

PQL5 PEDAÇO DE PORCELANA ARREDONDADO,

DEFININDO A PARTE INFERIOR,

(POSSIVELMENTE UMA XÍCARA OU PIREX) DE

COR BRANCA, MEDINDO 5 CM DE LARGURA,

4,4 DE ALTURA E 0,3 DE ESPESSURA

PQL6 PEDAÇO TRIANGULAR DE LOUÇA BRANCA,

MEDINDO 4,8 DE BASE POR 3,8 DE

COMPRIMENTO

PQL7 PEDAÇO DE PORCELANA LEVEMENTE

ARREDONDADO, MEDINDO 5,4 DE BASE POR

1,9 DE ALTURA

PQL8 PEDAÇO DE PORCELANA, DEFININDO A BASE

INFERIOR COMO SENDO O FUNDO DE UM

PRATO OU TRAVESSA, MEDINDO 2,8 DE BASE

POR 1,7 DE ALTURA

PQL9 PORCELANA BRANCA, DE FORMA

TRIANGULAR, POSSIVELMENTE UM

RECEPIENTE COMO UMA XÍCARA. BASE

3,4CM POR 3,7 CM DE ALTURA

PQL10 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA,

DECORADO COM ONDULAÇÕES, MEDINDO

3,1 DE BASE POR 3,8 DE ALTURA

PQL11 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA COM

FRISOS, MEDINDO 2,4 DE BASE E 2,7 DE

ALTURA

PQL12 PEDAÇO DE FAIANÇA, COM PINTURAS AZUIS

DE PLANTAS, LEVEMENTE ARREDONDADO

DEFININDO A PARTE INFERIOR (ONDE

OBSERVA-SE A BASE DE UM OBJETO COMO

UMA XÍCARA, PIREX OU PRATO), MEDINDO

6,1 DE BASE E 3,7 DE ALTURA

PQL13 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA, MEDINDO

1,6 CM DE BASE E 0,9 DE ALTURA

PQL14 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA, PINTADA

EM PEQUENAS FIGURAS DE COR ROSA,

MEDINDO 3,3 CM DE BASE POR 0,3 DE

ALTURA

PQL15 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA,

DEFININDO A PARTE INFERIOR COMO SENDO

A BASE DE UMA XÍCARA OU PIREX, MEDINDO

4,3 CM DE BASE POR 2,2 DE ALTURA

PQL16 PEDAÇO CILINDRICO DE MADEIRA, MEDINDO

7,4 DE COMPRIMENTO POR 3 CM DE ALTURA

PQL17 PEDAÇO DE AZULEJO, COM COLORAÇÃO

AZUL, MEDINDO 8 CM DE BASE POR 3,1 CM

DE ALTURA

PQL18 PEDAÇO DE OBJETO DESCONHECIDO,

ARREDONDADO, ARENOSO E

ORNAMENTADO COM SULCOS NA SUA

SUPERFÍCIE, MEDINDO 3,5 DE BASE POR 2 CM

DE ALTURA

PQL19 PEDAÇO DE FAIANÇA, COM DESENHOS

ORNAMENTADOS EM AZUL, MEDINDO 2,9

CM POR 1,4 DE ALTURA

PQL20 PEDAÇO DE FAIANÇA, COM DESENHOS DE

PLANTAS EM AZUL, MEDINDO 2,8 DE BASE E

3,8 DE COMPRIMENTO

PQL21 PEDAÇO DE FAIANÇA LEVEMENTE

ARREDONDADA, MEDINDO 2,1 DE BASE POR

1,6 DE ALTURA

PQL22 PEDAÇO DE FAIANÇA, MEDINDO 1,8 DE BASE

POR 1 CM DE ALTURA

PQL23 PEDAÇO DE PORCELANA, COM PINTURAS EM

ALTO RELEVO, MEDINDO 2,2 DE BASE POR

1,7 DE ALTURA

PQL24 PEDAÇO DE PORCELANA COM DETALHES

DESENHADOS E A INSCRIÇÃO “PATENT”,

MEDINDO 1,3 DE BASE E 2,1 CM DE

COMPRIMENTO

PQL25 PEDAÇO DE PORCELANA, PINTADO COM

FAIXAS AZUL E PRETA, MEDINDO 1,1 DE

BASE POR 1,4 DE ALTURA

PQL26 PEDAÇO DE FAIANÇA, COM CORES AZUL E

BRANCA, COM BASE DE 1,3 CM E ALTURA DE

0,7CM

PQL27 PEDAÇO DE FAIANÇA LEVEMENTE

ARREDONDADO, MEDIDO 2,9 DE BASE E 2,4

DE ALTURA

PQL28 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA,COM

DETALHES DE PINTURA EM PRETO, MEDINDO

1,7 DE BASE POR 2 DE ALTURA

PQL29 PEDAÇO DE FAIANÇA COM ESPESSURA DE 0,8

CM, E PINTURAS ORNAMENTADAS DE TOM

AZUL, MEDINDO 6,1 DE BASE POR 4,2 DE

ALTURA

PQL30 OBJETO MALACOLÓGICO, COM CAMADAS

SOBREPOSTAS, 5,7 DE COMPRIMENTO POR

3,9 DE BASE

PQL31 PEDAÇO DE FAIANÇA, COM DESENHOS EM

AZUL, MEDINDO 2,6 DE BASE POR 2 CM DE

ALTURA

PQL32 PEDAÇO DE FAIANÇA AZUL, ORNAMENTADA

COM DESENHOS AZUIS, MEDINDO 3,6 DE

LARGURA POR 2,1 DE ALTURA

PQL33 PEDAÇO TRIANGULAR DE PORCELANA

BRANCA, MEDINDO 1,7 DE BASE POR 1,5 DE

ALTURA

PQL34 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA, COM

PARTE EXTERNA DECORADA E LEVE

COLORAÇÃO VERDE, MEDINDO 2,1 CM DE

BASE E 2,2 DE ALTURA

PQL35 PARTE DA ASA DE UMA XÍCARA EM

PORCELANA BRANCA, MEDINDO 0,4 DE

LARGURA POR 2CM DE ALTURA

PQL36 PEDAÇO TRANSPARENTE DE VIDRO,

POSSUINDO A LETRA “E” EM RELEVO,

MEDINDO 4,2 DE BASE POR 1,4 DE ALTURA

PQL37 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE,

PROVAVELMENTE FUNDO DE UMA GARRAFA,

MEDINDO 3,2 DE BASE POR 1 CM DE ALTURA

PQL38 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE,

LEVEMENTE ONDULADO, MEDINDO 2,7 DE

BASE POR 5,1 DE ALTURA

PQL39 PEDAÇO DE AZULEJO, DECORADO COM

ASCORES AZUL, BRANCO E MARROM,

MEDINDO 2,4 DE BASE POR 6,5 DE

COMPRIMENTO

PQL40 PEDAÇO DE VIDRO VERDE CLARO,

POSSIVELMENTE O “PESCOÇO” DE UMA

GARRAFA, MEDINDO 2,8 DE LAGURA E 6,4 DE

ALTURA

PQL41 PEDAÇO DE AZULEJO DECORADO, COM

FIGURAS GEOMÉTRICAS EM FORMA DE

LOSANGOLOS E TRAÇOS NÃO DEFINIDOS,

NAS CORES AZUL BRANCO E TONALIDADES

DE MARROM, MEDINDO 5,2 DE BASE E 3,2 DE

ALTURA

PQL42 OBJETO MALACOLÓGICO, COM VÁRIAS

CAMADAS SOBREPOSTAS (SIMILAR A ROCHAS

SEDIMENTARES) E PEQUENOS FUROS,

MEDINDO 4,2 DE COMPRIMENTO E 3CM DE

LARGURA

PQL43 ORNAMENTO DE PLÁSTICO, MEDINDO 7.1

CM DE BASE POR 2,4 DE ALTURA

PQL44 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE,

PROVALVEMENTE FUNDO DE UMA XÍCARA

OU COPO, COM ESPESSURA DE 0,5 CM, BASE

DE 4,5 CM E ALTURA DE 2,6 CM

PQL45 BASE TRANSPARENTE DE VIDRO DE UMA

TAÇA, MEDINDO ÁREA DE 3,1 CM POR 1,3 DE

ALTURA

PQL46 PEDAÇO DA BORDA DE PORCELANA, COM

VARIAÇÕES NA TONALIDADE VERDE,

MEDINDO 1,90 CM DE BASE E 0,7 CM DE

ALTURA

PQL47 PEDAÇO DE PORCELANA PINTADO EM

VÁRIAS CORES EM UMA DAS FACES,

MEDINDO 1,6 DE BASE POR 1,6 DE ALTURA

PQL48 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA,

ARREDONDADO EM UMA DAS

EXTREMIDADES, MEDINDO 2 CM DE BASE

POR 2,66 DE ALTURA

PQL49 PEDAÇO DE PORCELANA DE COR

ACINZENTADA, COM PEQUENAS ESFERAS

BRANCAS EM RELEVO, MEDINDO 1,8 DE BASE

POR 0,9 CM DE ALTURA

PQL50 PEDAÇO DE AZULEJO, SEM COLORAÇÃO

DEFINIDA, MEDINDO 2,9 DE BASE POR 4,2 DE

ALTURA

PQL51 PEDAÇO DE FAIANÇA, MEDINDO 2 CM DE

COMPRIMENTO E 1,3 DE ALTURA

PQL52 PEDAÇO DE FAIANÇA, MEDINDO 1,2 CM DE

BASE POR 1,1 DE ALTURA

PQL53 PEDAÇO DE FAIANÇA,MEDINDO 0,8 DE BASE

E 0,9 DE ALTURA

PQL54 PEDAÇO DE PORCELANA BRANCA, PINTADA

EM PEQUENAS FIGURAS EM ROSA, MEDINDO

0.8 DE BASE POR 1,7 DE ALTURA

PQL55 PEDAÇO DE OBJETO CALCIFICADO,

CONTENDO PEQUENOS SULCOS

DECORATIVOS, MEDINDO 1,2 DE

COMPRIMENTO POR O,7 DE LARGURA

PQL56 PEDAÇO DE PORCELANA, DE FORMA

CILÍNDRICA E POSSUINDO UMA BASE RETA,

MEDINDO 1,3 DE BASE POR 1,4 DE ALTURA

PQL57 PEDAÇO DE VARVITO, DECORADO COM

FAIXAS PRETAS, MEDINDO 8,1 DE BASE POR

3,3 DE ALTURA

PQL58 PEDAÇO DE VARVITO, DECORADO COM

FAIXAS PRETAS, MEDINDO 6,5 DE BASE POR

4,5 DE ALTURA

PQL59 PEDAÇO DE VIDRO MARROM ESCURO,

MEDINDO 5,6 CM DE BASE POR 3,2 DE

ALTURA

PQL60 PEDAÇO DE VIDRO VERDE ESCURO,

PROVAVELMENTE FUNDO DE GARRAFA,

MEDINDO 4,2 CM DE BASE POR 1,2 DE

ALTURA

PQL61 FERRAMENTA DENOMINADA CHAVE

INGLESA, TOTALMENTE ENFERRUJADA COM

18,4 CM DE BASE E 6,1 DE ALTURA

PQL62 PEDAÇO DE VIDRO ESCURO, PERTENCENTE

AO FUNDO DE UMA GARRAFA, MEDINDO 6,8

CM DE BASE POR 5 CM DE ALTURA

PQL63 PEDAÇO DE FERRO ORNAMENTA-

DO,POSSIVELMENTE UM ADORNO DE

ALGUMA CONSTRUÇÃO, TOTALMENTE

ENFERRUJADO, MEDINDO 23,5 DE BASE POR

15,1 DE LARGURA

PQL64 PEDAÇO DE VIDRO COM COLORAÇÃO

MARROM OPACA, MEDINDO 2,4 CM DE BASE

POR 2 CM DE ALTURA

PQL65 PEDAÇO DE VIDRO VERDE CLARO, COM

OSCILAÇÕES ONDULAS NA SUA SUPERFÍCIE,

MEDINDO 7 CM DE COMPRIMENTO POR 2,3

DE ALTURA

PQL66 PEDAÇO DE VIDRO COM COLORAÇÃO VERDE

CLARA, PROVAVELMENTE O “PESCOÇO” DA

GARRAFA, MEDINDO 3,4 DE LARGURA E 3,1

DE COMPRIMENTO

PQL67 PEDAÇO DE VIDRO VERDE CLARO, COM

ESPESSURA DE 0,3 MM, BASE DE 4 CM E

ALTURA DE 1,3 CM

PQL68 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE, COM

ORNAMENTAÇÕES ONDULADAS EM RELEVO,

MEDINDO 3,4 DE BASE E 1 CM DE ALTURA

PQL69 PEDAÇO SIMILAR A UMA PEQUENA LÂMINA

DE METAL, COM ALGUNS PONTOS DE

OXIDAÇÃO, SEM FORMATO DEFINIDO,

MEDINDO 3,6 DE BASE POR 3.2 DE ALTURA

PQL70 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE,

CORRESPONDENTE A UMA ASA DE XÍCARA,

MEDINDO 2,2 DE BASE POR 2,5 DE ALTURA

PQL71 PEDAÇO DE AZULEJO, PINTADO NA COR

MARRON, MEDINDO 2,1 DE BASE E 1,6 DE

ALTURA

PQL72 PEDAÇO DE VIDRO TRANSPARENTE,

ORNAMENTADO COM SULCOS NA SUA

SUPERFÍCIE, MEDINDO DE BASE 3 CM POR 2,3

DE ALTURA

PQL73 PEDAÇO DE VIDRO VERDE CLARO, MEDINDO

2,2 DE BASE POR 1,1 DE ALTURA

PQL74 PEDAÇO DE VIDRO, COM COLORAÇÃO VERDE

CLARA, MEDINDO 2 CM DE ALTURA POR 0,8

DE LARGURA

PQL75 PEDAÇO DE VIDRO AZUL, COM FORMA

ONDULADA, MEDINDO 2,6 DE BASE E 0,8 CM

DE ALTURA

PQL76 PEDAÇO DE VIDRO COM COLORAÇÃO VERDE,

POOSIVELMENTE DE GARRAFA, COM BASE DE

1,6 POR ALTURA DE 1,4 CM

PQL77 HASTE DE METAL DOBRADA, TOTALMENTE

ENFERRUJADA, MEDINDO 27,7 DE BASE E

6,5DE ALTURA

PQL78 FERROLHO DE METAL, TOTALMENTE

ENFERRUJADO, MEDINDO 18 CM DE

COMPRIMENTO E 2,1 DE LARGURA

PQL79 OBJETO REDONDO VAZADO DE METAL,

TOTALMENTE ENFERRUJADO. MEDINDO 4,5

DE DIÂMETRO (ÁREA EXTERNA) E 0,7 CM DE

DIÂMETRO (CÍRCULO INTERNO)

PQL80 PEDAÇO DE METAL ARREDONDADO, COM

MARCAS CUNHADAS NAS BORDAS E COM

BASE INFERIOR DE 4,8 CM E ALTURA DE 5,4

CM

PQL81 PEDAÇO DE FERRO TOTALMENTE ENFERRUJADO E DE FORMA ARQUEADA, MEDINDO 11,4 CM DE BASE E 3,1 DE ALTURA

PQL82 PEDAÇO DE METAL SEM FORMA DEFENIDA,

TOTALMENTE ENFERRUJADO MEDINDO 9,1

CM DE LARGURA POR 1,6 CM DE ALTURA

A seguir, serão exibidas as fotos dos objetos encontrados no sítio arqueológico:

PQL1

PQL2

PQL3

PQL4

PQL5

PQL6

PQL7

PQL8

PQL9

PQL10

PQL11

PQL12

PQL13

PQL14

PQL15

PQL16

PQL17

PQL18

PQL19

PQL20

PQL21

PQL22

PQL23

PQL24

PQL25

PQL26

PQL27

PQL28

PQL29

PQL30

PQL31

PQL32

PQL33

PQL34

PQL35

PQL36

PQL37

PQL38

PQL39

PQL40

PQL41

PQL42

PQL43

PQL44

PQL45

PQL46

PQL47

PQL48

PQL49

PQL50

PQL51

PQL52

PQL53

PQL54

PQL55

PQL56

PQL57

PQL58

PQL59

PQL60

PQL61

PQL62

PQL63

PQL64

PQL65

PQL66

PQL67

PQL68

PQL69

PQL70

PQL71

PQL72

PQL73

PQL74

PQL75

PQL76

PQL77

PQL78

PQL79

PQL80

PQL81

PQL82

5 – TRIAGEM

A triagem dos objetos priorizou a incidência quantitativa do material

estudado, direcionando-se então, para o material vítreo e para as louças. A

escolha se deu pelos seguintes motivos:

Louças e vidros estão em maior número, demonstrando maior incidência

no local. Dentro do universo de oitenta e dois objetos, as louças (trinta e

oito fragmentos) representam 46,34% do total e o material vítreo (vinte e

um fragmentos), representam 25,60%, conforme demonstra gráfico a

seguir (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Quantitativo dos Fragmentos

Os artefatos selecionados para análise são totalmente estranhos ao

objeto de estudo, merecendo uma investigação aprofundada. Entende-

se que o restante do material, que fora descartado pela triagem, podem

em sua maioria serem explicados com o contexto do observatório. Os

restos de azulejos, por exemplo, podem ter pertencido ao próprio

monumento. Os fragmentos de metal (ferramentas, ferrolhos, etc)

poderiam estar acondicionados dentro do observatório ou ter algum

propósito de manutenção para o observatório. Outros fragmentos (como

o adorno de plástico, por exemplo) não pertencem à mesma época da

torre e foram descartados posteriormente no local.

Quantitativo dos Fragmentos

Louça = 38 fragmentos

Vidro = 21 fragmentos

Azulejo = 5 fragmentos

Material Construtivo = 3fragmentos

Metal = 9 fragmentos

Após a triagem, separou-se os fragmentos que compunham os itens de

vidro e os de louça. Dentro do item vítreo, observou-se a seguinte separação

(Gráfico 2):

oito fragmentos são restos de garrafas;

cinco fragmentos pertencem á xícaras, copos ou taças;

um fragmento é pertencente a um objeto de vidro branco;

sete fragmentos têm origem desconhecida.

Gráfico 2 – Detalhamento do Material Vítreo

Dentro do item louças, foi possível observar a seguinte separação (Gráfico

3):

vinte e sete fragmentos são restos de porcelanas

onze fragmentos são restos de faiança.

Gráfico 3 – Detalhamento das Louças

Detalhamento do Material Vítreo

Garrafas = 8 fragmentos

Xícaras, copos e taças = 5fragmentos

Vidro Branco = 1fragmento

Origem Desconhecida =7 fragmentos

Detalhamento das Louças

Porcelanas = 27fragmentos

Faiança = 11 fragmentos

A seguir, a separação escolhida pela triagem será demonstrada na

tabela de material vítreo (tabela 3) e na tabela de louças (tabela 4):

TABELA 3 – MATERIAL VÍTREO

TABELA 4 – LOUÇA

Percebe-se então uma variação bastante limitada dos artefatos achados

no sítio arqueológico. No material vítreo, apesar de existirem onze fragmentos

pertencentes a objetos desconhecidos, dez dos fragmentos têm sua origem

conhecida. Os outros onze não se diferem demasiadamente dos objetos

conhecidos, mas como se encontram bastante fragmentados, não é possível

estabelecer sua origem de maneira precisa. O único objeto que pode ser

considerado de origem desconhecida é o artefato PQL2, de vidro branco.

Quanto às louças, a variação limitada se sucede. O material coletado

refere-se apenas àqueles usados em hábitos alimentares. Outros objetos que

também são feitos de louça, mas com natureza diferente de hábitos

alimentares (como pias, fusíveis, etc.) não foram encontrados.

Podemos concluir então que a ação do descarte dentro do espaço do

sítio arqueológico tinha determinada particularidade. O local não era destinado

para descarte de quaisquer objetos, mas sim de objetos específicos,

possivelmente oriundos de alguma atividade que acontecia nos limites do

parque.

A seguir, seguem dois capítulos, cada um com uma breve história sobre

o vidro e a louça, respectivamente.

6 – BREVE HISTÓRIA DO VIDRO

O nascimento do material vítreo pode se dar por duas maneiras: pela

ação da natureza ou pela fabricação do homem. No primeiro caso, onde os

materiais vítreos se denominam vidros naturais (obsidiana ou rocha vítrea),

eles são formados a partir do resfriamento do magma (material vulcânico).

Já pela ação do homem, a fabricação vítrea remonta à idade antiga, há

pelo menos 5.000 anos atrás. Há registros que nesta época, fenícios

manuseavam e comercializavam o produto. Em 100 a.C., romanos

manufaturavam o vidro pela técnica do sopro em moldes, trazendo lucro e

prestígio para os vidreiros.

Novos métodos para a manufatura de vidro surgiram (como por

exemplo, o sopro de uma esfera e rotação em forno, que possibilitou a feitura

do vidro plano, entre 500 e 600 d.C.). Mas foi na ilha de Murano, na Itália, que

a fabricação vítrea ganhou notoriedade. Adotando técnicas orientais, os

vidreiros de Murano se especializaram em trabalhar a produção artística do

vidro, possibilitando o surgimento do cristal.

A produção vítrea era feita com o sopro humano (ou sopro humano

livre), sem nenhuma espécie de molde. Uma cana era utilizada como suporte,

onde o vidreiro fazia movimentos de sopro e de rotação para conseguir a forma

desejada. Já entre os séculos XVIII-XX, o vidro era produzido com moldes e

pontéis (objetos de madeira, ferro ou mesmo de vidro que serviam para

modelar determinadas partes de um objeto vítreo). Objetos de ferro permitiam

inscrições nos objetos de vidro.

Na Idade Média, a França destacou-se na manufatura vítrea.

Responsável pelo envidraçamento do Palácio de Versalhes, a Compagnie de

St. Gobain era famosa por sua habilidade. A notoriedade francesa era tanta

que em 1773, a fábrica inglesa British Cast Plate Glass Company, contava com

a habilidade dos franceses.

A disputa pela supremacia da produção vítrea entre ingleses e franceses

perpetuou até o século XIX, beirando a Revolução Industrial:

A associação de Robert Lucas Chance com Georges Bontemps da

França era necessária para que Bontemps persuadisse artesãos

franceses relutantes a divulgar seu conhecimento da fabricação com

cilindro soprado em 1832. Sem esse conhecimento, o contrato para o

Palácio de Cristal e, talvez, mesmo a direção da tecnologia podiam ter

seguido outros caminhos. A concorrência para o desenho e construção

do Palácio de Cristal em 1850 teve Chance concorrendo com Paxton

pelo uso da folha soprada; Horeau com um fornecedor francês e James

Hartley de Sunderland concorrendo com chapa moldada a um preço só

ligeiramente mais alto do que a folha de Chance. Apesar da dimensão

do contrato (aproximadamente 100.000 m2 de vidro), os concorrentes

eram firmas pequenas e ofereciam diferentes produtos19

.

Com o tempo, a técnica refinada dos vidreiros espalhou-se por toda a

Europa. Em 1820, a indústria vítrea recebeu características diferenciadas,

iniciando em uma etapa artesanal até chegar a um estágio de automação e de

produção de escala industrial, adequando-se ao contexto europeu,

principalmente ao que acontecia na Inglaterra e Alemanha20.

A produção vítrea então se escancara para o mundo da Revolução

Industrial. Desta maneira, novos elementos foram incorporados na composição

vítrea, resultando em fatores como a mudança de coloração do produto. Tendo

uma composição entre 60 e 80% de sílica, quanto maior a pureza da areia,

maior a transparência no produto final. Impurezas como o ferro, por exemplo,

proporcionam colorações diferenciadas.

Porém, o âmago da feitura vítrea continua o mesmo, segundo Zanettini

(1999):

A fusão do vidro ocorre aos 1400/ 1600°C aproximadamente (o

maquinário moderno opera em 1550°C). Após a fusão dos

ingredientes, a massa é submetida ao resfriamento e quando chega

aos 900°C adquire uma condição maleável, permitindo sua

19 O VIDRO. Disponível em: <http://www.usp.br/fau/deptecnologia/docs/bancovidros/hi

stvidro.htm>. Acesso em: 31 maio. 2013

20 ZANETTINI, P.E.; BAVA DE CAMARGO, P.F.Cacos e mais cacos de vidro; o que fazer com eles? (parte 1),

São Paulo: Zanettini Arqueologia, 1999.

manipulação. A partir desse momento, artesãos munidos de seus

instrumentos próprios (ponteios, tesouras, grampos, garras e moldes)

aliam sensibilidade e técnica, dando forma às mais inusitadas peças e

utensílios para o dia-a-dia há pelo menos 7 mil anos.

Na segunda metade do século XIX, aparecem novas tecnologias: surge

o snap-case (ou garra de fixação), que substitui o pontel antigo, são adotados

reforços em garrafas, especialmente em volta do gargalo e são desenvolvidas

técnicas que eliminam marcas nos vidros, causadas pelo contato da massa do

vidro quente com moldes frios.

Já no final do século XIX, o processo produtivo se modifica,

denominando-se semi-automação, onde componentes diversos foram

articulados, produzindo máquinas que aumentam a produção. Mas a mão de

obra especializada ainda é necessária, ao contrário do que acontece com

tantos outros segmentos da Revolução Industrial. O know-how da produção

vítrea ainda se faz preponderante neste momento.

Porém, a produção automática de vidros começa a ganhar espaço.

Zanettini (1999) demonstra como passa a ser o processo:

“Primeiramente, a massa vítrea é despejada no

molde do gargalo e do parison, sendo a partir daí

moldada, ou pela pressão do ar, ou pela sucção,

ou pela pressão de êmbolo (press blow), dando

forma final ao gargalo e ao parison. O parison tem

a função de distribuir a massa para que ela

comece a apresentar sua forma final: no caso de

uma garrafa, o parison alonga a massa dando-lhe

formato levemente cilíndrico; Depois, ainda com o

molde do gargalo fixo no mesmo, o molde do

parison é removido; E por último, o molde final

junta-se ao molde do gargalo em torno do parison

e então a garrafa é soprada, pela pressão do ar,

até atingir seu formato definitivo. É a partir do

molde final que são aplicadas as inscrições e

elementos decorativos/ estilísticos que dão

identidades exigidas por um novo contexto de

mercado a cada vasilhame/ conteúdo”.

As máquinas Owens realizavam o processo descrito acima. Percebemos

então, que muitas demandas que antes necessitavam da mão de obra

especializada, agora foram substituídas pela ação do maquinário. Menos

pessoas para manuseá-las e para executar a manutenção, significava menos

capital gasto pelo empresário e consequentemente, maior lucro.

Porém, as máquinas Owen tinham um custo elevado. A solução para

muitos empresários foi a automação das máquinas anteriores, as chamadas

semi-automáticas. Mas a superação tecnológica também ultrapassou as

máquinas Owen com o tempo. Máquinas denominadas feeders dominaram o

mercado e tornaram-se supremas até os anos 90.

Um dos grandes problemas da automação da indústria vidreira não foi

só a problemática da mão de obra especializada, que sofreu com a grande

desvalorização do seu fazer. A indústria de massa, que atende a grandes

demandas, não priorizava a heterogeneidade. Altas demandas resultaram em

produtos uniformes, iguais, sem grandes variações de cores, tamanhos ou

formas. Desta maneira, ainda persistia uma pequena produção com tecnologia

manual, que atendia a demanda de clientes mais exigentes, que procuravam

um diferencial e uma qualidade ausentes na produção massificada.

6.1 – O vidro no Brasil

O primeiro contato do brasileiro com o vidro foi justamente nas relações

de escambo iniciais estabelecidas entre portugueses e índios. Ávidos pelas

riquezas naturais brasileiras, os portugueses ofereciam vários produtos (entre

os quais, miçangas de vidro) aos indígenas e conseguiam executar trocas por

produtos tirados de nossas matas.

Após se firmarem em solo brasileiro, o domínio português sobre sua

colônia intimidava quaisquer tentativas de industrialização, por menor que

fosse. Somente com a chegada dos holandeses, liderados por Maurício de

Nassau em 1637, a indústria vítrea nasce em nosso país. Especificamente em

Olinda e Recife, artesãos manufaturavam alguns utensílios como copos e

também vidros para serem colocados em janelas. Em 1654, os holandeses são

expulsos pelos portugueses e a indústria vítrea encerra sua produção, entrando

em um hiato de quase 100 anos.

Somente na época aurífera em Minas Gerais, em 1752, a colônia volta a

ter contato com o vidro. Neste ano, chegam vidros vindos do exterior para

serem colocados em uma catedral mineira. Quatro anos depois, novos vidros

chegam para a construção do Palácio dos Governadores. Com uma maior

frequência do uso do vidro em Minas Gerais, nasce uma corporação de

vidreiros no local.

Mesmo assim, nesta época o vidro não é destinado para quaisquer

castas sociais. Somente a elite tinha acesso ao produto. Com o status de

capital brasileira em 1763, a cidade do Rio de Janeiro deteve este acesso.

Para a cultura vítrea se firmar e se popularizar no Brasil, deveria haver

uma mudança nas relações políticas entre colônia e metrópole, já que existia

um pacto colonial que inibia iniciativas mais ousadas. Tal fato se deu com a

chegada da Família Real ao Brasil em 1808. O Brasil ainda não tinha sua

produção vítrea, mas a abertura dos portos permitiu a chegada de manufaturas

vítreas européias, oriundas da Inglaterra, França, Bélgica e Áustria.

As importações brasileiras aconteciam devido a Portugal não ter tradição

na indústria vítrea. Mas no final do século XVIII, a Real Fábrica de Vidros da

Marinha Grande, em Portugal, consegue seu merecido destaque. E no Brasil,

surge a indústria vítrea de Francisco Inácio de Siqueira Nobre (1810, Bahia),

semelhante a fabrica portuguesa, fechando em 1825, por dificuldades

financeiras.

Mesmo com o fim da indústria de Siqueira Nobre, surgem pequenos

focos de produção vítrea no Brasil, liderados por portugueses que tinham os

saberes e a formação dos vidreiros da Real Fábrica da Marinha Grande. A

imigração italiana, que já se fazia presente no século XIX, engrossou estas

fileiras produtivas. Em 1861, acontece no Rio de Janeiro, a 1ª. Exposição

Nacional de Produtos Naturais e Indústrias. Nela, produtos vítreos brasileiros

marcam sua presença, apesar de não terem as mesmas técnicas e tecnologias

da Europa.

Após a Proclamação da Independência brasileira em 1822, a indústria

brasileira começa a dar os seus primeiros passos, porém lentos e curtos. As

importações europeias, sobretudo as provindas da Inglaterra, abafavam as

tentativas de industrialização. Somente em 1822, às vésperas da Proclamação

da República, surge um expoente na indústria vítrea brasileira: a Fábrica

Esberard, no Rio de Janeiro, produtora de vidros de embalagens e vidros

planos. A fábrica produzia vidros de altíssima qualidade, a ponto de serem

comparados aos franceses. A instituição contava com cerca de 500

funcionários.

Alguns anos mais tarde, em 1895, surge em São Paulo, a Cia. Vidraria

Santa Marina, fundada pela associação de dois grandes empresários da região

(Antônio da Silva Prado e Elias Fausto Pacheco Jordão), contando com 600

funcionários. A Cia chegou a fabricar em menos de dez anos, um milhão de

garrafas e dois mil m2 de vidro plano por mês.

Nota-se então que o desenvolvimento do setor industrial brasileiro

ocorria, mesmo que em menor proporção, paralelamente ao café. No final do

século XIX e começo do século XX, a indústria brasileira priorizava somente os

produtos considerados como “bens não duráveis”. O país ainda não tinha

know-how ou mão de obra especializada para empreender-se em uma

produção de tecnologia requintada. Neste contexto, a fabricação vítrea foi

preponderante dentro de seu tempo e espaço, apresentando-se como uma

alternativa para a produção agropecuária vigente no país.

Ainda no início do século XX, mais precisamente em 1912, surge a

fábrica Nadir Figueiredo, também em São Paulo. Inicialmente, a empresa era

uma pequena oficina de consertos e venda de máquinas de escrever e

materiais elétricos, passando no ano seguinte a produzir artigos de iluminação

e aparelhos elétricos. Porém, após a Segunda Guerra Mundial, a empresa traz

da Europa avançadas tecnologias de produção vítrea, popularizando o vidro

para todas as camadas da sociedade.

Voltando até o ano de 1917, outra fábrica desponta, mas no Rio de

Janeiro: a CISPER - Cia. Industrial São Paulo e Rio. A Cisper deu a

característica da automação à industrial brasileira, usando máquinas

avançadas. No ano seguinte, ficou conhecida pela parceria com a Cervejaria

Brahma, onde se iniciou uma grande demanda de garrafas de vidro.

A produção vítrea brasileira passou por diversas fases, cada qual com

suas características. Segundo Zanettini (1999), podemos estabelecer três

períodos diferenciados na produção de vidros no Brasil.

O primeiro, circunscrito entre o início do

século XIX até 1890/1900; caracterizado

pelas iniciativas pioneiras, a descoberta de

jazidas de areias livres de metais pesados,

a importação e especialização de mão-de-

obra e produção exclusivamente manual.

O segundo, de 1890/1900 até 1940/50;

quando se destaca a consolidação da

indústria vidreira através da criação de

grandes fábricas tais como a Santa

Marina, a CISPER e a Nadir Figueiredo.

Caracteriza-se esse período também pela

importação de tecnologia de ponta e a

distribuição maciça de produtos através da

navegação de cabotagem, da rede

ferroviária em franca expansão e da rede

rodoviária em criação.

E o terceiro, de 1950 até o presente, por

nós vivenciado, correspondendo à fase de

consolidação da produção vidreira na

forma de oligopólios mundiais, como a

Saint Gobain (FRA) e a Corning (EUA),

sendo a produção dessas empresas

altamente automatizada, atendendo

somente às grandes encomendas,

contando com amplo sistema de

distribuição.

6.2 – Análise do material vítreo

Conforme abordado anteriormente, foram coletados 21 espécies de

material vítreo no Parque da Luz. Segue abaixo uma breve análise deste

material:

O primeiro deles, denominado PQL2, é fabricado em vidro leitoso

branco. Não há registros de fabricação vítrea com esta característica no

Brasil durante o século XIX. O vidro branco era usado como recipiente

de perfumes, unguentos ou óleos. É possível que seja material

importado ou então remanescente do século XX, sendo colocado no

local após a demolição do observatório.

O fragmento hialino PQL36 (material transparente) consiste em um

fragmento de garrafa, devido à curvatura apresentada e a espessura do

ítem. Apresenta uma inscrição“letra E”, não fornecendo maiores

informações.

O fragmento hialino PQL37 é um fragmento de base de frasco,

apresentando o contorno cilíndrico e a espessura média característicos

de uma garrafa

O fragmento hialino PQL38 tem como característica principal ondulação

própria de uma garrafa

O fragmento PQL40 tem coloração verde-oliva claro e é parte de um

“pescoço” de uma garrafa.

O fragmento hialino PQL44 é é um fragmento de base de taça.

O fragmento hialino PQL45 é um fragmento de base de taça, fabricada

em molde.

O fragmento PQL59 tem dimensões planas, de coloração marrom-

escura e origem indefinida.

O fragmento PQL60 é o fragmento de base de garrafa, apresentando

coloração verde-escura.

Assim como o item anterior, o fragmento PQL62 é o fragmento de base

de garrafa, com coloração verde escura.

O fragmento PQL64 tem dimensões planas, cor marrom-escura, de

origem indefinida, similar ao PQL59.

O fragmento PQL65 tem superfície regular com ondulações, cor verde

água-marinha. Sua origem é indefinida.

O fragmento PQL66 é a parte de um pescoço de garrafa, de coloração

verde-oliva.

O fragmento PQL67 pertence a uma garrafa (por apresentar espessura

equivalente aos fragmentos de garrafas apresentados), com coloração

verde-oliva.

O fragmento hialino PQL68 tem superfície irregular com ondulações e

origem desconhecida.

O fragmento hialino PQL70 é a asa de uma xícara.

O fragmento hialino PQL72 é um fragmento de copo, apresentando

ondulações.

O fragmento PQL73 tem superfície plana, com coloração aqua, de

origem indefinida.

O fragmento PQL74 tem coloração azul-colbato, fina espessura e leve

circunferência, pertencendo a um copo, xícara ou taça.

O fragmento PQL75 tem coloração azul-clara, superfície irregular e de

origem indefinida.

O fragmento PQL76 tem coloração verde-clara, superfície irregular, de

origem indefinida.

7 – BREVE HISTÓRIA DA CERÂMICA

A origem da cerâmica nos remonta ao tempo neolítico. Entre 26.000 a.C

e 5.000 a.C., os nossos ancestrais passam a ser sedentários, priorizando o

cultivo da agricultura e o estabelecimento de um abrigo fixo. Era necessária

então a criação ou invenção de suportes para colocarem água e os alimentos

colhidos.

A matéria prima para a produção era composta de a argila, por ser um

material plástico, de fácil modelagem. Depois de seca, era necessário o retiro

da umidade (para manuseá-la, a argila era misturada com água) através de

altíssimas temperaturas, produzindo então suportes duráveis. A palavra

cerâmica vem do grego, onde “kéramos” significa “argila queimada”.

Existem registros arqueológicos de peças de cerâmica no Japão, há pelo

menos 8.000 anos atrás. Apesar de não haver um consenso entre arqueólogos

sobre o assunto, é provável que a cultura cerâmica se espalhou nos milênios

seguintes para a Ásia (especialmente para a China), Europa e Egito, onde

existem fragmentos de cerca de 5.000 anos atrás.

A classificação da cerâmica é bem diversa. Muitas das terminologias

usadas podem não ir de encontro a esta dissertação. Segundo ZANETTINI

(1986):

“Existem inúmeras classificações e terminologias,

de caráter regional, nacional e internacional. A

grande maioria não provém das análises e

interesses da arqueologia. Podem todavia servir

aos objetivos do arqueólogo. Os ceramógrafos

dividem por exemplo as louças em decorativas e

utilitárias com base na presença e ausência de

decorações nas peças. As mesmas podem ser

diferenciadas em anônimas ou históricas. Estas

contêm em sua decoração a presença de brasões,

escudos, monogramas, e filiam-se desse modo a

um determinado personagem. Anônimas são

aquelas em que não é possível determinar o

possuidor da peça. É comum encontrarmos em

anúncios de leilões a denominação louça da Cia.

Das Índias. Esta denominação remete-nos grosso

modo à porcelana chinesa produzida para

exportação. Fala-se também em louças

bragantinas: correspondem por sua vez aos

serviços da família real portuguesa e imperial

brasileira”

Existe uma classificação, sugerida por PILEGGI (1958), onde: 1-

produtos porosos (absorventes), incluem louças de barro, terracota, produtos

de olaria, fiança, faiança fina e algumas refratárias e 2 - produtos não porosos,

incluem louças vitrificadas (azulejos) e/ou grês cerâmico e porcelana.

Adaptando para esta dissertação, mediante aos materiais coletados e

escolhidos para análise, serão explanadas da seguinte forma:

Produtos porosos: faiança, faiança fina

Produtos não porosos: porcelana

Da classificação utilizada nesta dissertação, cabe uma breve explanação

sobre cada um dos itens:

7.1 – Faiança

A origem da faiança perde-se no tempo e não existe um consenso sobre

seus primórdios. O nome propriamente dito faiança se relaciona a Itália, na

cidade de Faenza, onde no século XV, houve produção deste material. Sua

nomenclatura varia de acordo com a região: em Portugal, chama-se faiança; na

Holanda, Delft; na Inglaterra, Delft Ware; na Espanha, maiólica

(ZANETINNI,1986). Mas as suas técnicas de feitura remetem a um passado

bem mais remoto, incluindo persas e aos povos árabes, para depois chegarem

a Europa.

Segundo PILEGGI (1958), podemos definir a faiança como “objetos

feitos em argila, de grande plasticidade, cozidos á temperatura reduzida,

porosos e resistentes. Estes são recobertos de esmalte opaco à base de

compostos de chumbo e estanho tornando-se mais duros e sonorosos”.

No Brasil, a faiança portuguesa predominou no período colonial, até final

do século XIX, apesar de haver produção própria no país. Os produtos

apresentavam qualidade inferior (principalmente no esmalte) em relação às

faianças estrangeiras e eram denominadas meias-faianças. Uma das principais

características da faiança são seus desenhos azulados, feitos geralmente

sobre um fundo branco. O desenho clássico da faiança apresenta

ornamentação com figuras de pombos azuis.

7.2 – Faiança Fina

Oriunda da Inglaterra e também chamada de louça inglesa, a faiança

fina foi criada no século XVII e largamente consumida pelo mundo no advento

da Revolução Industrial, no século XIX.

Eram produtos de baixo custo e feitos com uma demanda de larga

escala, não apresentando a qualidade da faiança propriamente dita. O modelo

capitalista da indústria de faiança fina foi difundido no Brasil

Segundo ZANETTINI (1986), “os produtos em faiança fina apresentam

pasta dura e opaca, branca, infusível ao fogo de porcelana e com um vidrado

de chumbo. Sua pasta é produto de vários ingredientes, conforme a fábrica que

os aplica; é compactada e de forma geral esbranquiçada, dispensando o

engobo”.

7.3 – Porcelana

Os primórdios da porcelana remontam ao oriente, especificamente á

China. A origem é remota e não há um entendimento sobre uma exatidão de

seu início; apesar das peças mais antigas pertencerem ao século VI d.C., sua

provável origem se deu 4.000 a.C.

Muitas vezes, a porcelana é ornamentada com pinturas, desenhos e tem

variações de formato e tamanho. Outra característica é que tem a coloração

branca e é impermeável. A porcelana recebe um processo de vitrificação e

apresenta uma sonoridade quase metálica.

Existem duas divisões da porcelana: massa dura e massa mole. A

primeira é composta por caulim, péntusé (material feldspático), alabrasto e

quartzo. Segundo ZANETTINI (1986), a cerâmica de massa dura foi descoberta

na China no período T´ang (906 a 618 a.C.) e produzido na Europa somente no

século XVIII, na Alemanha. O processo de fabricação da louça de massa dura,

conforme argumenta Maria Augusta Rebouças:

Todas as substâncias (caulim, péntusé, alabrasto

e quartzo|) devem ser pulverizadas e misturadas

com água para formar uma papa densa e leitosa

que, ao ser levada ao forno e submetida à

temperaturas que oscilam entre 1.250 °C e 1.350

°C, transforma-se em uma massa vítrea, dura,

densa, branca , impermeável e translúcida que

ressoa ao ser tocada; ou seja, naquilo que

conhecemos como porcelana21

Já a massa mole, teve sua origem em 1575, em Florença, Itália. Sua

composição básica, segundo Maria Augusta Rebouças, é “pós de vidro,

alabastro, cal, mármore, esteatita e outros tipos de argilas locais que

determinam e diferenciam os vários centros produtores. Porém, estes

elementos sempre se fundem a uma temperatura máxima de 1.100o C e a

impermeabilização da peça é feita por uma camada de vernizes de chumbo

que nunca se misturam com a massa”. Além de possuir uma coloração

levemente amarelada, a porcelana de massa mole possui maior índice de

material feldspático que a porcelana dura. No Brasil, porém, predomina a

porcelana de massa dura.

7.4 – Análise da louça

Conforme abordado anteriormente, foram coletadas 38 espécies de

louça no Parque da Luz, divididos em 27 restos do tipo porcelana e 11 restos

do tipo faiança. Resíduos do material denominado faiança fina não foram

21 PORCELANA 21 – MARIA AUGUSTA REBOUÇAS. Disponível em <http://www.porcelana21.com/historiaporcelana.php>. Acesso

em 04.jun.2013

encontrados, somente da faiança propriamente dita. Segue abaixo uma breve

análise destes materiais.

Porém, vale uma ressalva: no presente estudo, por se tratar de uma

análise preliminar, os fragmentos utilizados nesta seção serão denominados

como louças, para assim abranger uma maior variedade de produções.

O fragmento PQL3, é um pedaço diminuto de porcelana, com a

superfície levemente arredondada e duas pequenas faixas azuis.

A pintura branca apresenta rachaduras.

O fragmento PQL4 apresenta superfície levemente arredondada

sem nenhum ornamento, prevalecendo a cor branca.

O fragmento PQL5 é provavelmente a base de uma xícara. Não

apresenta desenhos ornamentados, prevalecendo a cor branca

O fragmento PQL6 é um pedaço triangular, com uma pequena

base em uma de suas extremidades. Também não apresenta

desenhos ornamentados, prevalecendo a cor branca

O fragmento PQL7 apresenta superfície arredondada sem

nenhum ornamento, prevalecendo a cor branca.

O fragmento PQL8 é provavelmente a base de um pires. Não

apresenta desenhos ornamentados, prevalecendo a cor branca

O fragmento PQL9 é triangular, muito similar ao PQL6, não

possuindo, no entanto, base em nenhuma extremidade. Não

apresenta desenhos ornamentados, prevalecendo a cor branca

O fragmento PQL10 tem forma e plano irregular, apresentando

como ornamentação pequenos sulcos na sua superfície.

Prevalece a cor branca no artefato.

O fragmento PQL11 é muito similar ao PQL10, diferenciando-se

apenas em sua forma.

O fragmento PQL12 não tem forma definida, possuindo superfície

arredondada, com desenhos florais. As ilustrações apresentam-se

borradas, com definições de má qualidade.

O fragmento PQL13 é bem diminuto, tem a superfície plana e

apresenta a pintura totalmente rachada, prevalecendo a cor

branca.

O fragmento PQL14 tem a forma triangular, tem um leve

arredondamento, sugerindo ser resto de um prato ou pires e é

ornamentado com desenhos geométricos abstratos, de tonalidade

vermelha clara.

O fragmento PQL15, similar ao PQL5, é provavelmente a base de

uma xícara, prevalecendo a cor branca, sem ornamentações

O fragmento PQL19, também sem forma definida, tem uma

cobertura vítrea, sua forma corresponde a uma borda de uma

faiança e tem ornamentação abstrata.

O fragmento PQL20 tem forma semelhante a um triângulo,

superfície arredondada e ilustrações borradas, com definições de

má qualidade.

O fragmento PQL21 não tem forma definida, possui leve

arredondamento e suas diminutas dimensões não permitem

fornecer maiores dados sobre sua ornamentação.

O fragmento PQL22 também possui diminutas dimensões,

apresenta superfície plana e assim como o material anterior,

possui diminutas dimensões. Pode-se perceber duas faixas azuis,

com uma branca ao meio em sua ornamentação.

O fragmento PQL23 tem a superfície plana, sem forma definida

ou quaisquer ornamentações, prevalecendo a cor branca

O fragmento PQL24 é plano, tem a superfície branca com parte

de um desenho em preto (devido as dimensões diminutas do

pedaço de porcelana, não é possível identificar a ilustração). Na

sua superfície estão alguns dizeres, sendo possível somente

verificar a palavra “patent”.

O fragmento PQL25 tem um leve arredondamento, que sugere

ser a borda de um pires ou prato. Está ornamentado com três

faixas: uma faixa azul mais larga entre duas faixas pretas

menores.

O fragmento PQL26 é plano, sem arredondamentos e apresenta a

coloração branca com rachaduras. É possível observar uma faixa

azul em sua borda.

O fragmento PQL27 não possui forma definida, tem uma camada

vítrea em sua superfície, possui leve ondulação e desenhos

abstratos em sua borda.

O fragmento PQL28 é levemente arredondado, de maneira que

não é possível sugerir a forma original do objeto. O objeto

apresenta desenhos ornamentados em preto. Devido as

dimensões diminutas do pedaço de porcelana, não é possível

identificar a ilustração.

O fragmento PQL29 tem a superfície totalmente arredondada,

porém sem forma definida, possui uma camada vítrea e

ornamentação abstrata.

O fragmento PQL31 tem a forma de um trapézio isósceles,

superfície plana e ornamentação abstrata, com diferentes

tonalidades de azul.

O fragmento PQL32 não tem forma definida, superfície plana e

devido as diminutas dimensões do objeto, não é possível discernir

a natureza da ilustração (pode-se perceber apenas um muro de

tijolos e um arco entre duas colunas). Nota-se, porém, que os

desenhos são complexos, com várias formas e tonalidades de

cor.

O fragmento PQL33 tem forma triangular, leve arredondamento,

sem nenhuma ornamentação, prevalecendo a cor branca. O

objeto é bem similar ao material PQL9.

O fragmento PQL34 não tem cor ou forma definida, apresenta um

leve arredondamento em sua superfície. Em uma das bordas,

porém, é possível distinguir uma leve tonalidade de azul, com um

desenho ondulado esbranquiçado.

O fragmento PQL35 é uma asa de xícara, de cor branca.

O fragmento PQL46 não tem forma definida, possui um leve

arredondamento em sua superfície e apresenta uma coloração

cromática esverdeada.

O fragmento PQL47 também não tem forma definida, apresenta

um leve arredondamento em sua superfície e está ornamentado

com desenhos em várias cores (é possível distinguir algumas

tonalidades de verde, marrom e vermelho). Devido as dimensões

diminutas do pedaço de porcelana, não é possível identificar a

ilustração.

O fragmento PQL48 não tem forma definida, mas possui um

considerável arredondamento em sua superfície. Forma-se uma

borda em uma das extremidades, mas não é possível distinguir a

natureza do objeto.

O fragmento PQL49 tem forma triangular, superfície levemente

arredondada, coloração marrom, ornamentada com pequenas

esferas brancas e alto relevo.

O fragmento PQL51 não apresenta forma definida, possui leve

arredondamento e sua ornamentação está borrada, não sendo

possível discernir quaisquer características da ilustração.

O fragmento PQL52 apresenta as mesmas características do

objeto anterior, o PQL51

O fragmento PQL53 tem dimensões diminutas, sem forma

definida, possuindo superfície plana. Tem como ornamentação

uma pequena faixa branca, entre duas azuis.

O fragmento PQL54 não tem forma definida, possuindo a

superfície levemente arredondada. Suas ilustrações abstratas e

suas tonalidades de vermelho são similares ao objeto PQL14.

O fragmento PQL56 pertence provavelmente a uma xícara, de

uma parte próxima da asa do objeto. Não possui ornamento ou

formas definidas.

8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme abordamos em capítulos anteriores, a maior parte do material

encontrado no sítio arqueológico do Observatório Astronômico do Parque da

Luz é estranha àquele local. O Observatório tinha como principal característica

a função de mirante, para que os transeuntes do parque tivessem uma visão

panorâmica da cidade.

O interior da torre tinha uma escada em caracol para se chegar ao topo,

sendo que não comportava espaço interno para outras atividades. Já o espaço

externo, no envoltório da torre, conforme pode se ver na figura 11, tinha um

pequeno elevado onde se alicerçava o observatório. Nota-se que não havia

nenhum espaço que serviria para descarte de material.

O que pode ser concluído de forma preliminar é que o material

descartado no observatório foi posterior á demolição da torre. Enquanto

monumento “vivo” no local, o observatório não tinha espaço para quaisquer

atividades, a não ser a serventia como mirante. E nos arredores da torre, é

improvável que o lugar tenha sido caracterizado por área de descarte.

Primeiramente, pela ornamentação do local. Remetendo-se novamente á figura

11, nota-se o quanto o espaço do entorno era zelado, com arborizações e

árvores circundando a torre. Sendo a torre um dos principais pontos turísticos

do parque, não seria provável que junto ao monumento houvesse um local

contendo restos.

Já que o material arqueológico encontrado foi possivelmente descartado

no local após a demolição da torre, deve-se então discernir os motivos pelos

quais os fragmentos escolhidos na triagem (louças e vidros) estão presentes

nesta área.

O material vítreo totalizou em 21 fragmentos. Conforme visto

anteriormente, sua classificação se resumiu da seguinte forma:

oito fragmentos são restos de garrafas;

cinco fragmentos pertencem á xícaras, copos ou taças;

um fragmentosé pertencente a um objeto de vidro branco;

sete fragmentos têm origem desconhecida.

Do material vítreo analisado então, 38.09% são fragmentos de garrafas,

23.80% são fragmentos de xícaras, copos ou taças, 4.77% é o fragmento de

vidro branco e 33.34% são de origem desconhecida. Destaca-se então que

61.89% do material vítreo achado no sítio eram objetos que tinham relações

com hábitos alimentares.

O material denominado louça totalizou 38 fragmentos. Conforme visto

anteriormente, sua classificação se resumiu da seguinte forma:

vinte e sete fragmentos são restos de porcelanas

onze fragmentos são restos de faiança.

Dos fragmentos de louça analisada, 71.05% são porcelanas e 28.95%

são faianças. As faianças geralmente estão relacionadas a pratos, vasilhas e

outros recipientes alimentares. Quanto ás porcelanas, porém, é necessário

aprofundar-se nesta análise. Das porcelanas analisadas, pode-se esclarecer as

origens de alguns objetos:

PQL5 (fragmento da base de uma xícara)

PQL8 (fragmento de base de um pires)

PQL 14 (fragmento de prato ou pires)

PQL15 (fragmento de uma xícara)

PQL25 (fragmento de borda de um pires ou prato)

PQL35 (fragmento de asa de xícara)

PQL56 (fragmento de xícara)

Em relação ao item louças, os sete fragmentos de porcelanas descritos

acima representam 18.42% do total. Em relação á todas porcelanas, elas

representam 25.92%.

Não é possível afirmar de forma segura a origem das porcelanas

restantes. Porém, a possibilidade de estarem relacionadas a recipientes

alimentícios é bem provável. Curvaturas presentes em grande parte das

porcelanas e espessuras correspondentes a pratos, xícaras, pires e demais

utensílios sugerem este argumento, mas não se apresentam como prova cabal.

Do material colhido e passado pela triagem (vidro e porcelana), as

unidades totalizaram em 59. Deste resultado, o total entre louças e vidros que

de alguma maneira relacionam-se com hábitos alimentares, totaliza-se 19

unidades (32.2%).

Os fragmentos em destaque eram considerados simples, sem grandes

ilustrações ou ornamentações. Em sua grande maioria, eram objetos próprios

para finalidades relacionadas a refeições (como pratos, xícaras e, até certo

ponto, garrafas) e não objetos para armazenar alimentos (como travessas, por

exemplo).

Diante a natureza dos objetos em destaque, sua relação com hábitos

alimentares e o período posterior á derrubada da torre, cabe uma

contextualização com um local dentro dos limites do parque: a área destinada

para eventos denominados “pic-nics”.

Tal área era próxima do local onde estivera a torre (pelo GPS, o

observatório está localizado á 23K 0333093 / TM 7396422 e a área de pic-nic

está localizada à 23K 0333068 / TM 7396422). Como no início do século XX a

torre já havia sido demolida, a área que abrigava o monumento não tinha mais

a representatividade de outrora.

Desta maneira, conclui-se que, sendo próxima do local de pic-nics, a

área da torre era um local propício para descarte de louças ou vidros que

porventura se quebrassem durante o evento. O fato de não haver talheres

(produtos que supostamente, apresentam maior durabilidade e não se quebram

facilmente) corrobora esta ideia. Os artefatos encontrados então, não tiveram

nenhuma relação com a torre no século XIX, enquanto ela estava edificada nos

limites do parque. Mas após ser demolida, a área da torre teve uma

ressignificação, assumindo características de um local de descarte,

relacionando-se de outra maneira com a população frequente do parque.

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