Amor, sexo, paixão, ciúme
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CAPÍTULO 9
___________________________________
Amor, sexo, paixão, ciúme
Jaroslava Varella Valentova, Emma Otta e Vera Silvia Raad Bussab
Resumo. Este capítulo irá colocá-los em contato com teorias e pesquisas atuais sobre
temas centrais da natureza humana. Trataremos de: amor, paixão e sexo como fontes de
prazer e gratificação; ciúme e seus desencadeadores e funções; histórico e cenário atual
de pesquisa; contextualização teórica no campo da psicologia social; contextualização
teórica a partir da perspectiva evolucionista; questões conceituais e sugestões para
formulação de questões de investigação; questões metodológicas e sugestões para o
desenvolvimento de protocolos de pesquisa; problemas resultantes de extremos
observados em formas de ciúme patológico.
Amor romântico, sexo, paixão e ciúme são temas antigos, abordados em inúmeras
poesias, canções, histórias, mitos e lendas em todas as culturas, desde os primeiros
registros escritos 1,2, como ilustram os exemplos a seguir. O poema mais antigo de amor
em escrita cuneiforme é um texto sumeriano “A corte de Inanna e Dumuzi” datado em
quatro mil anos atrás3,4. No Cântico dos Cânticos do Antigo Testamento, há cantos de
amor “seu amor é mais maravilhoso que o vinho (...) o som do seu nome é perfume” 5.
O ciúme inspirou pintores, como o pintor expressionista norueguês Edvard Munch
(1863-1944) (Fig. 9.1). Ele retornou repetidamente ao tema durante a sua vida e o
representou em 11 versões. Os estudiosos da sua obra consideram que: “Munch
experimentava e se relacionava com seus próprios ciúmes através das e nas pinturas. Ele
perseguia nelas a coisa, sua cristalização e ao mesmo tempo sua interpretação e superação.
As pinturas eram, para Munch, uma forma de experimentar-se a si mesmo, de interpretar-
se junto com o mundo nas próprias telas, de ser através delas.”6.
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Inserir Figura 9.1 a,b,c aproximadamente aqui
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Otelo de Shakespeare é uma obra prima sobre a tragédia do ciúme em que Otelo
mata sua mulher, a jovem e bela Desdêmona, induzido pelo ressentido e manipulador
Iago a pensar que ela o havia traído com Cassio (Fig. 9.2). E se mata ao descobrir que ela
era de fato inocente. “Tende cuidado com o ciúme, meu senhor. É um mostro de olhos
verdes, que zomba da carne de que se alimenta”7.
1 William R. Jankowiak & Fischer, Edward F. A cross-cultural perspective on romantic love. Ethnology, v.
31, n. 2, p. 149-155, 1992. 2 Fisher, Helen. Anatomy of love: A natural history of mating, marriage, and why we stray, 2016. 3 Simone Aparecida Dupla, O hierogamos de Inanna e Dumuzi: sexualidade, religião e política na
Mesopotâmia. Revista de História (UFBA), v. 5, n. 1-2, p. 4-19, 2013. 4 Diane Wolkstein & Samuel Noah Kramer, Inanna, Queen of Heaven and Earth, 1983. 5 Aron, A., Fisher, H., Mashek, D. J., Strong, G., Li, H., & Brown, L. L. (2005). Reward, motivation, and
emotion systems associated with early-stage intense romantic love. Journal of Neurophysiology, 94, 327-
337. Tradução por Emma Otta de trecho à p. 327: “your love is more wonderful than wine . . .the sound of
your name is perfume.” 6 Paulo Roberto Arruda de Menezes, A pintura trágica de Edvard Munch: um ensaio sobre a pintura e as
marteladas de Nietzsche. Tempo Social, v. 5, n. 1-2, p. 67-111, 1993. Citação de trecho à p. 84. 7 Werner Gundersheimer, "The Green-Eyed Monster": Renaissance conceptions of jealousy. Proceedings
of the American Philosophical Society, v. 137, n. 3, p. 321-331, 1993. Tradução por Emma Otta de trecho
à p. 322: “Beware, my lord, of jealousy; It is the green-eyed monster which doth mock the meat it feeds on
...”
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Inserir Figura 9.2 aproximadamente aqui
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O poder do monstro de olhos verdes também aparece em Dom Casmurro de
Machado de Assis. Bento Santiago, o Dom Casmurro, suspeita da traição de sua mulher
Capitu e passa a ver no filho Ezequiel sinais de semelhança física com seu amigo Escobar,
até um ponto em que o contato com o filho se torna insuportável. Estas obras literárias
são fonte de inspiração e análise para psicólogos e críticos literários8,9.
Amor e sexo estão interligados e desempenham um papel importante na evolução
humana e de outras espécies – na sobrevivência, reprodução, e desenvolvimento
individual10,11. Motivações para união sexual e emocional estão entre as mais básicas e
fortes, assim como as motivações para alimentação e o sono. Relacionamentos sexuais e
amorosos são parte importante na vida da maioria das pessoas, e têm uma influência
enorme no seu bem-estar e qualidade da vida12. Indivíduos em relacionamentos
românticos exclusivos, que coabitavam ou namoravam, relataram maior bem-estar
subjetivo do que indivíduos que não tinham parceiros estáveis ou tinham múltiplos
parceiros13. Apesar da ser socialmente estigmatizados, os relacionamentos
consensualmente não monogâmicos (ex. poliamor ou relacionamentos abertos) são
frequentes e para algumas pessoas podem ser uma alternativa satisfatória de
relacionamentos14. Um estudo mostrou que a frequência de sexo afeta o bem-estar, mas
o efeito foi curvilinear (mais que uma vez por semana não aumentava mais o bem-estar)
e apareceu só em pessoas em relacionamentos estáveis15. A pesquisa psicológica sobre
amor e sexualidade é recente, e mesmo tratando-se de dimensões cruciais na vida da
maioria dos indivíduos, ainda é um campo relativamente pouco estudado.
8 Caldwell, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis: um estudo de Dom Casmurro, 2002. 9 Peres, Sávio Passafaro & Massimi, Marina. Representações do conceito de inconsciente na obra de
Machado de Assis. Memorandum: Memória e História em Psicologia, v. 7, out., p. 128-137, 2004. 10 Helen E. Fisher, Lust, attraction, and attachment in mammalian reproduction. Human Nature, v. 9, n. 1,
p. 23-52, 1998. 11 Pamela C. Regan, The Mating Game: A Primer on Love, Sex, and Marriage, 3rd ed., 2017. 12 Hendrick, Clyde & Hendrick, Susan S. Love. In Shane J. Lopez & Charles Richard Snyder (Eds.) The
Oxford Handbook of Positive Psychology, 2009. 13 Claire M. Kamp Dush & Paul R. Amato, Consequences of relationship status and quality for subjective
well-being. Journal of Social and Personal Relationships, v. 22, n. 5, p. 607-627, 2005. 14 Terri D. Conley, et al. A critical examination of popular assumptions about the benefits and outcomes of
monogamous relationships. Personality and Social Psychology Review, v. 17, n. 2, p. 124-141, 2013. 15 Amy Muise, Ulrich Schimmack & Emily A. Impett, Sexual frequency predicts greater well-being, but
more is not always better. Social Psychological and Personality Science, v. 7, n. 4, p. 295-302, 2016.
Neste capítulo trataremos dos estados motivacionais e emocionais complexos que
estão envolvidos no estabelecimento e manutenção de um relacionamento amoroso.
Começaremos apresentando três teorias influentes sobre amor na psicologia social16,17.
Em seguida, focalizaremos a divisão entre paixão e apego romântico e a associação entre
o sistema emocional e sexual. Finalizaremos tratando do ciúme, da percepção de uma
ameaça de perda de uma relação valorizada para um rival real ou imaginado e dos seus
componentes afetivos, cognitivos e comportamentais18,19.
9.1 Cores do amor: Eros, Storge, Ludus
Um dos conceitos de amor foi sugerido por John Lee20, um psicólogo canadense,
que analisou fontes literárias e históricas, e realizou extensas entrevistas com indivíduos
sobre suas experiências de relacionamentos. Com base nesses dados, apresentou uma
tipologia do amor de três estilos (ou atitudes) amorosos primários e três estilos
secundários, seguindo a divisão básica da roda de cores (Fig. 9.3). Os estilos principais
são: (I) Eros – atração física, sensualidade, paixão, (II) Storge – amor familiar, amor
romântico que pode crescer de uma amizade e exige comprometimento, e (III) Ludus –
amor sem comprometimento, amor como diversão. Da combinação dos três tipos
primários surgem três estilos amorosos secundários: (1) Mania (amor possessivo,
dependente; é uma combinação de Eros e Ludus), (2) Pragma (amor prático, lógico,
calculado; combinação de Ludus e Storge), e (3) Ágape (amor puro, não obsessivo,
generoso; combinação de Eros e Storge). Lee se inspirou em termos de alguns autores da
Grécia antiga (usados mais tarde também pela filosofia Cristã), alguns dos quais (agape,
eros e storge) foram usados para descrever diferentes tipos de amor, com significados
distintos21. Lee não usou o termo filia cunhado por Aristoteles, para descrever um amor
16 Madeleine A. Fugère, Jennifer P. Leszczynski & Alita J Cousins, The Social Psychology of Attraction
and Romantic Relationships, p. 160-185, 2015. 17 Priscilla de Oliveira Martins Silva, Zeidi Araujo Trindade & Annor da Silva Junior. Teorias sobre o amor
no campo da Psicologia Social. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 33, n. 1, p. 16-31, 2013. 18 Donatella Marazziti & Domenico Canale, Hormonal changes when falling in love.
Psychoneuroendocrinology, v. 29, n. 7, p. 931-936, 2004. 19 Albina Rodrigues Torres, Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira & Rodrigo da Silva Dias, Jealousy as
a symptom of obsessive-Compulsive disorder. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 21, n. 3, p. 165-173,
1999. 20John Alan Lee, Colours of love: An exploration of the ways of loving, 1973. 21 Elton Moreira Quadros, Eros, Fília e Ágape: o amor do mundo grego à concepção cristã. Acta
Scientiarum. Human and Social Sciences, v. 33, n. 2, p. 165-171, 2011.
de amizade, talvez porque esse termo tenha sido adotado pela sexologia para designar
transtornos sexuais (parafilias).
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Inserir Figura 9.3 aproximadamente aqui
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Escalas de auto-relato foram desenvolvidas para avaliação desses estilos de amor
como a Escala de Hendrick, de 42 itens, em que o indivíduo avalia quanto cada item se
aplica a ele numa escala Lickert de cinco pontos, que vai de 1 (discordo fortemente) a 5
(concordo fortemente)22. Esta escala foi adaptada para o Brasil23.
Pesquisas empíricas vêm mostrando que os sentimentos de amor podem ser muito
diferentes e que estilos específicos de amor podem estar ligados com diferentes
dimensões de personalidade, comportamento e cultura. Por exemplo, indivíduos com
maior autoestima relatam mais frequentemente o estilo Eros, mas menos os estilos Mania,
Storge e Agape24. Em média, homens jovens tendem a relatar mais os estilos Lúdico e
Erótico, enquanto mulheres relatam mais os estilos Storge, Pragma e Mania25,26. Essas
diferenças podem diminuir com o aumento da idade. Em geral, menos Ludus e mais Eros,
Storge e Agape estão ligados com maior satisfação nos relacionamentos27,28,29, mas esse
resultado pode variar entre culturas e períodos históricos, evidenciando diferenças nos
sistemas de valores vigente. Por exemplo, uma pesquisa coordenada por Francisco
Esteves, do Centro para Pesquisa Psicológica e Intervenção Social, do Instituto
22 Clyde Hendrick & Susan Hendrick, A theory and method of love. Journal of Personality and Social
Psychology, v. 50, n. 2, p. 392, 1986. 23 Alexandro Andrade & Agnaldo Garcia, Atitudes e crenças sobre o amor: versão brasileira da Escala de
Estilos de Amor. Interpersona: An International Journal on Personal Relationships, v. 3, n. 1, p. 89-102,
2009. 24 Ian Mallandain & Martin F. Davies, The colours of love: Personality correlates of love styles. Personality
and Individual Differences, v. 17, n. 4, p. 557-560, 1994. 25 Clyde Hendrick et al. Do men and women love differently?. Journal of Social and Personal
Relationships, v. 1, n. 2, p. 177-195, 1984. 26 Clyde Hendrick & Susan Hendrick, Gender differences and similarities in sex and love. Personal
Relationships, v. 2, n. 1, p. 55-65, 1995. 27 Jill Inman-Amos, Susan S. Hendrick & Clyde Hendrick, Love attitudes: Similarities between parents and
between parents and children. Family Relations, v. 43, n. 4, p. 456-461, 1994. 28 Dawn M. Sokolski, & Susan S. Hendrick, Fostering marital satisfaction. Family Therapy, v. 26, n. 1, p.
39-49, 1999. 29 Clyde Hendrick & Susan Hendrick, Love and satisfaction. In Robert J. Sternberg & Mahzad Hojjat (Eds.)
Satisfaction in close relationships (pp. 56-78), 1997.
Universitário de Lisboa, mostrou que Storge estava positivamente correlacionado com
satisfação no relacionamento em uma amostra dos Estados Unidos e Portugal, enquanto
Eros e Mania correlacionaram-se positivamente com satisfação em uma amostra de
Moçambique30.
Neurocientistas também vêm se interessando pelo assunto e usando
simultaneamente em suas pesquisas medidas fisiológicas e escalas de auto-relato. O grupo
de Enzo Emanuele, da Universidade de Pavia, propõe que o sistema dopaminérgico de
recompensa e sua interação com o sistema serotonérgico estão envolvidos na tendência
para vivenciar diferentes estilos de amor31. Consideram que o estilo Eros estaria mais
diretamente ligado ao sistema de recompensa, enquanto Mania poderia estar associada
com ansiedade e transtornos obsessivo-compulsivos. Desta forma, acrescentam uma
dimensão biológica à vivência dos estilos amorosos além da dimensão individual, social
e cultural.
9.2 Triangulo do Amor: Intimidade, Paixão, Compromisso
Cerca de uma década depois da teoria das cores do amor de John Lee, o psicólogo
americano Robert Sternberg sugeriu outra divisão entre três componentes primários de
amor (Fig. 9.4): (1) Intimidade, que se refere ao sentimento de proximidade e confiança
mútua do par, (2) Paixão, que se refere à atração física do par e (3)
Compromisso/Decisão, que ser refere à vontade de manter o relacionamento de forma
duradoura32. Em combinação, estes componentes formam quatro subtipos de amor: Amor
romântico (combinação de Intimidade e Paixão), Companheirismo amoroso (combinação
de Intimidade e Compromisso), Amor fugaz (combinação de Paixão e Compromisso), e
Amor consumado que resulta da combinação de todas as três dimensões de amor. Por sua
vez, a Intimidade sozinha sem o aspecto de Paixão e Comprometimento se refere a Amor
de amizade; só Paixão sem Intimidade e Comprometimento dá origem a Amor
apaixonado; e só Comprometimento sem Intimidade e Paixão corresponde a Amor vazio.
30 Iolanda Costa Galinha et al. Adult attachment, love styles, relationship experiences and subjective well-
being: Cross-cultural and gender comparison between Americans, Portuguese, and Mozambicans. Social
Indicators Research, v. 119, n. 2, p. 823-852, 2014. 31 Enzo Emanuele et al. Genetic loading on human loving styles. Neuroendocrinology Letters, v. 28, n. 6,
p. 815-821, 2007. 32 Robert J. Sternberg, A triangular theory of love. Psychological Review, v. 93, n. 2, p. 119, 1986.
Desamor se refere à falta de todos os componentes de amor, o que é característico da
maioria de relacionamentos interpessoais não-românticos.
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Inserir Figura 9.4 aproximadamente aqui
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Com base na sua teoria triangular de amor, Sternberg criou uma escala de 45 itens,
avaliados segundo nove alternativas, de 1 (Não me descreve nada) a 9 (Me descreve
totalmente). Os leitores interessados encontrarão a versão brasileira da Escala Triangular
do Amor de Sternberg33.
Entre as pesquisas inspiradas pela teoria triangular de Sternberg destacamos um
estudo realizado na Holanda com 2.791 participantes, que investigou percepções de amor
ao longo do ciclo vida, dos 12 aos 88 anos34. Todos os componentes do amor tornaram-
se mais presentes ao longo da vida e compromisso tornou-se o principal componente da
noção de amor na idade adulta. Adolescentes, na faixa de 12-17 anos, relataram níveis
mais baixos de todos os componentes de amor em comparação com adultos jovens, na
faixa de 18-30 anos. Adultos com mais de 50 anos relataram níveis mais baixos de
intimidade e de paixão que adultos jovens (18-30 anos) e de meia idade (30-50 anos), mas
relataram níveis similares de compromisso. Não houve diferença entre homens e
mulheres nos níveis relatados de compromisso, mas os homens relataram níveis mais
altos de paixão que as mulheres em todas as faixas etárias e níveis mais baixos de
intimidade em algumas faixas etárias.
9.3 Apego romântico
O terceiro conceito sugere que o amor romântico copia o vínculo emocional
estabelecido na infância entre o bebê e os cuidadores, resultando em três tipos de amor
33 Vicente Cassepp-Borges & Maycoln L. M. Teodoro, Propriedades psicométricas da versão brasileira da
Escala Triangular do Amor de Sternberg. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 20, n. 3, p. 513-522, 2007. 34 Sindy R. Sumter & Patti M. Valkenburg & Jochen Peter. Perceptions of love across the lifespan:
Differences in passion, intimacy, and commitment. International Journal of Behavioral Development, v.
37, n. 5, p. 417-427, 2013.
adulto – apego seguro, apego inseguro ansioso e apego inseguro evitativo35. O psicólogo
inglês John Bowlby (1969)36 propôs que, durante o processo de evolução pelo mecanismo
de seleção natural, surgiu nos bebês um repertório de comportamentos que servem para
facilitar a proximidade aos cuidadores, o que é essencial para a sobrevivência. Em outras
palavras, o apego foi definido como um sistema que coordena a busca de proximidade
mútua entre o bebê e a mãe (ou outra pessoa próxima). Bowlby sugeriu que o vínculo
entre o cuidador e a criança na infância fornece uma base cognitiva e afetiva para os laços
emocionais na vida adulta.
O apego romântico foi sugerido como uma instanciação adulta do laço que
acontece entre o bebê e o cuidador durante a infância. Esse tipo de amor é conhecido
como amor confortável, amor companheiro ou apego romântico, e está conectado com
satisfação de relacionamento, bem-estar e auto-estima37,38. Os sentimentos seguros que
os indivíduos sentem na presença dos parceiros, os sentimentos de ansiedade despertados
pela separação e o desejo de estar juntos após da separação são características emocionais
típicas do sistema de apego. Debra Zeifman e Cindy Hazan propuseram que o apego é
um dos mecanismos psicológicos que evoluíram porque resolveram o problema
adaptativo de manter os pais juntos para cuidar dos filhos extremamente dependentes39,40.
Em geral, o sistema de apego serve para manter as pessoas unidas em relacionamentos
comprometidos.
Há instrumentos desenvolvidos a partir da perspectiva do amor como apego. Os
leitores interessados podem encontrar a versão brasileira do Inventário de Experiência em
Relações Próximas41. Este inventário avalia: (1) “ansiedade relacionada ao apego”, que
diz respeito à necessidade de proximidade física e emocional e à preocupação com
responsividade do(a) parceiro(a) e continuidade do relacionamento e (2) “evitação
relacionada ao apego”, que diz respeito a desconforto com a proximidade emocional e
35 Cindy Hazan & Phillip Shaver, Romantic love conceptualized as an attachment process. Journal of
Personality and Social Psychology, v. 52, n. 3, p. 511, 1987. 36 John Bowlby. Attachment and Loss: Attachment, 1969. 37 Bianca P. Acevedo & Arthur Aron, Does a long-term relationship kill romantic love?. Review of General
Psychology, v. 13, n. 1, 59-65, 2009. 38 Victor Kenji M. Shiramizu & Fívia de Araújo Lopes, A perspectiva evolucionista sobre relações
românticas. Psicologia USP, v. 24, n. 1, p. 55-76, 2013. 39 Debra Zeifman & Cindy Hazan, A process model of adult attachment formation. In Steve Duck (Ed.),
Handbook of personal relationships: Theory, research and interventions 2nd ed. (pp. 179-195), 1997. 40 Debra M. Zeifman, Attachment theory grows up: a developmental approach to pair bonds. Current
Opinion in Psychology, v. 25, February, p. 139-143, 2019. 41 Victor Kenji Medeiros Shiramizu, Jean Carlos Natividade & Fívia de Araújo Lopes. Validate evidences
of Experience in Close Relationships (ECR) Inventory to Brazil. Estudos de Psicologia (Natal), v. 18, n. 3,
p. 457-465, 2013.
preferência por distanciamento emocional. Usando esse instrumento foram encontradas
diferenças sexuais significativas, com mulheres apresentando escores mais altos que os
homens em “ansiedade” e homens apresentando escores mais altos que mulheres em
“evitação”42. Independentemente de gênero, indivíduos em relacionamentos sem
compromisso apresentaram escores mais altos de “ansiedade e “evitação” em comparação
com indivíduos em relacionamentos com compromisso.
9.4 Paixão e Apego romântico
Em 2011, James Graham fez uma meta-analise de 81 estudos usando diferentes
medidas de amor, com uma amostra de mais que 19 mil participantes43. A análise revelou
três dimensões básicas – Amor Geral definido por comprometimento e companheirismo,
Obsessão Romântica (Paixão, Mania) e Amizade Prática (Storge e Pragma). Outros
autores reduziram o modelo de estilos de amor a dois grandes tipos: Paixão e
Companheirismo44, Amar e Gostar45.
Paixão é um estado afetivo muito intenso, composto por dimensões cognitivas,
motivacionais e emocionais. Helen Fisher define a paixão como atração e tendência à
proximidade física com um indivíduo específico46. É um estado de intenso desejo de
união com o outro, um sentimento que é despertado especialmente no início de um
relacionamento romântico (Fig. 9.5). Além da grande diversidade de relacionamentos
possíveis, na maioria das culturas estudadas (147 de 166) ela relata que vários aspectos
do amor apaixonado, incluindo a preocupação intrusiva com o outro, estado alterado da
mente, altruísmo e idealização do parceiro, eram semelhantes47. Desejo por intimidade
física e sexualidade faziam parte da paixão, mas este estado afetivo era diferente da
motivação sexual geral. A motivação sexual é definida como um desejo por gratificação
sexual, sem grande diferenciação entre parceiros. A paixão, por sua vez, está focada em
42 Natividade, Jean Carlos & Shiramizu, Victor Kenji Medeiros. Uma medida de apego: versão brasileira
da Experiences in Close Relationship Scale-Reduzida (ECR-R-Brasil). Psicologia USP, v. 26, n. 3, p. 484-
494, 2015. 43 James M. Graham, Measuring love in romantic relationships: A meta-analysis. Journal of Social and
Personal Relationships, v. 28, n. 6, 748-771, 2011. 44 Ellen Berscheid & Elaine Hatfield, Interpersonal attraction, 2nd ed., 1978. 45 Rubin, Zick. Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, v. 16, n. 2,
265-273, 1970. 46 Op. cit. Nota 10. 47 William R. Jankowiak & Edward F. Fischer, A cross-cultural perspective on romantic love. Ethnology,
v. 31, n. 2 149-155, 1992.
um indivíduo específico, e é muito difícil se apaixonar por mais do que uma pessoa ao
mesmo tempo.
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Inserir Figura 9.5 aproximadamente aqui
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A paixão é característica especialmente do início de relacionamentos, mas pode
existir também em relacionamentos mais duradouros. Algumas díades de longo prazo
olhando para as fotos do(a) parceiro(a) mostram ativação das mesmas partes do cérebro
que díades em início de relacionamento, mas sem um componente específico de paixão –
sem a obsessão48. Comparando a reação a fotos do(a) parceiro(a) com a reação a outras
categorias de pessoas (conhecido muito familiar, amigo de longo-prazo ou uma pessoa
pouco familiar) de homens e mulheres casados em média há 20 anos, foram identificadas
reações específicas ao parceiro(a) em áreas ricas em dopamina no circuito cerebral de
recompensa (ex, área tegmental ventral) e em regiões implicadas em comportamento
materno (ex, cingulado anterior e cingulado posterior)49. Assim, a paixão pode perdurar
durante relacionamentos de longo prazo, e não tem que desaparecer necessariamente.
Talvez Oscar Wilde tenha errado ao dizer: “Deveríamos estar sempre apaixonados. É a
razão pela qual nunca deveríamos casar”50.
A paixão tem sido objeto de várias pesquisas neuropsicológicas para investigar
correlatos cerebrais desse estado afetivo tão forte. Alguns estudos de imageamento
cerebral mostraram que, quando homens e mulheres profundamente apaixonados pensam
em seus parceiros(as), as regiões do cérebro que estão associadas com recompensa são
ativadas, mas não ao pensar em um amigo51,52. Em outras palavras, a paixão ativa o
sistema de recompensa, que é constituído principalmente por vias dopaminérgicas, que
conectam o sistema límbico com outras regiões tais como a amígdala, o hipocampo e o
48 Op. cit. Nota 37. 49 Bianca P. Acevedo, Arthur Aron, Helen E. Fisher & Lucy L. Brown. Neural correlates of long-term
intense romantic love. Social Cognitive and Affective Neuroscience, v. 7, n. 2, p. 145-159, p. 2012. 50 Oscar Wilde, The Importance of being Earnest and other Plays, 2008/1893. Tradução por Jaroslava
Varella Valentova do trecho à p. 134: “One should always be in love. That is the reason one should never
marry.” 51 Op. cit. Nota 5. 52 Andreas Bartels & Semir Zeki, The neural basis of romantic love. Neuroreport, 11, n. 17, p. 3829-3834,
2000.
córtex frontal. A ativação desse sistema leva a estados afetivos positivos, como, por
exemplo, euforia, excesso de energia, mas também insônia, e faz o indivíduo desejar mais.
A paixão tem sido comparada aos efeitos de drogas que ativam sistemas de recompensa
e produzem adição, como por exemplo a cocaína53. Isso explicaria porque a paixão
também tem o seu lado negativo – sentimentos de ciúme, crimes de paixão, perseguição
e outros (veja abaixo).
Além de níveis aumentados de dopamina, indivíduos apaixonados apresentam
também alteração dos níveis de outros hormônios em comparação com pessoas não
apaixonadas. Por exemplo, eles(as) têm maior nível de cortisol, o hormônio de estresse
que está associado com reação de fuga ou luta, podendo indicar que o início do contato
romântico é estressante ou ativador54. Indivíduos recentemente apaixonados têm uma
maior concentração de Fator de Crescimento Neural (NGF) no plasma sanguíneo em
comparação com aqueles envolvidos em um relacionamento romântico por mais que 12
meses ou solteiros55. Essas moléculas, originalmente descritas como sendo os principais
reguladores da plasticidade sináptica e da sobrevivência neural, têm sido reconhecidas
também como mediadores de ansiedade e estresse. Imprevisibilidade e insegurança fazem
parte do início de um relacionamento potencial, o que pode causar estresse e excitação
geral do organismo. Tal estresse positivo parece ser importante para a formação de
contato social e apego, uma vez que sabidamente um nível moderado de estresse está
envolvido na promoção de laços sociais. O amor parece ser um fenômeno complexo e,
no que diz respeito ao estresse, uma experiência ambígua: no início, o amor pode ser
estressante, mas, potencialmente, serve para reduzir os níveis de estresse a longo prazo.
Por sua vez, como vimos acima, o amor de díades de longo prazo caracteriza-se
pela atividade cerebral específica do amor entre a mãe e bebê, conhecido como apego56.
O apego romântico é menos intenso do que a paixão, e combina sentimentos de
intimidade, compromisso e laço emocional profundo com outra pessoa. Constatou-se que
o apego romântico contribui mais para a satisfação de relacionamentos de curta ou longa
duração do que a paixão57. Em estudo realizado para investigar a interação entre a paixão
53 Michel Reynaud, Laurent Karila, Lisa Blecha & Amine Benyamina, Is love passion an addictive
disorder?. The American Journal of Drug and Alcohol Abuse, v. 36, n.5, p. 261-267, 2010. 54 Op. cit. Nota 18. 55 Emanuele, Enzo et al., Raised plasma nerve growth factor levels associated with early-stage romantic
love. Psychoneuroendocrinology, v. 31, n. 3, 288-294, 2006. 56 Op. cit. Nota 49. 57 Nancy Kropp Grote & Irene Hanson Frieze, The measurement of Friendship‐based Love in intimate
relationships. Personal Relationships, v. 1, n. 3, p. 275-300, 1994.
e o apego romântico, 17 indivíduos casados por 21 anos em média foram submetidos a
imagem por ressonância magnética funcional (fMRI), com a mesma metodologia usada
geralmente em estudos sobre amor apaixonado em novos relacionamentos58. Quando os
indivíduos viram imagens de seus cônjuges, eles(as) mostraram ativação das mesmas
regiões cerebrais que casais apaixonados em início de relacionamento: ativação de
centros cerebrais ligados com dopamina e sistema de recompensa, como por exemplo
globus pallidus. Mas, curiosamente, esta amostra de casais de longo prazo também
mostrou ativação de partes do cérebro ricas em ocitocina e vasopressina, que são regiões
ligadas a laços de longo prazo em humanos e em outras espécies. Então, de novo, a paixão
pode sobreviver por longo tempo durante os relacionamentos, mas o relacionamento
ganha uma outra dimensão de amor – o apego emocional. Assim, contrariando os mitos
frequentes, a paixão não tem que morrer com o tempo, mas o laço do casal pode se
fortalecer e adicionar dimensões mais profundas de sentimentos mútuos.
Os estudos que mapeiam a atividade cerebral ou hormonal não têm como objetivo
reduzir sentimentos tão intensos e complexos como paixão e amor a meras reações
químicas ou eletroquímicas. A identificação de correlatos específicos, neuronais,
hormonais ou comportamentais, ajuda a definir e a compreender melhor o que se chama
“amor”. Um melhor entendimento do amor pode esclarecer vários mitos e pode explicar
comportamentos muito esquisitos que indivíduos apaixonados ou vivendo um amor
profundo fazem e sentimentos que eles(as) têm.
Em geral, o amor romântico pode conter tanto paixão quanto apego romântico. O
amor apaixonado pode ser uma força que dirige a atenção para um parceiro particular,
especialmente nos estágios iniciais da formação do relacionamento, e o apego romântico
pode exercer um papel crucial em manter os indivíduos juntos por um tempo
relativamente longo. Em outras palavras, o amor é em grande parte responsável por unir
os parceiros no início e por mantê-los juntos ao longo do tempo59.
9.5 Amor e sexualidade
Intimidade física e sexualidade fazem parte de relacionamentos amorosos. Porém,
o amor pode existir com poucas ou sem relações sexuais entre os parceiros, e há relações
58 Op. cit. Nota 49. 59 Benjamin Le et al. Predicting nonmarital romantic relationship dissolution: A meta‐analytic synthesis.
Personal Relationships, v. 17, n. 3, p. 377-390, 2010.
sexuais sem envolvimento de laços emocionais. A motivação sexual definida como um
desejo por algumas formas de gratificação sexual está diretamente associada com
hormônios sexuais. Especialmente a testosterona parece aumentar a motivação masculina
de busca por parceiras sexuais, e competição com outros homens60. Por outro lado, tal
efeito de testosterona pode ter efeito negativo em relacionamentos de longo prazo, por
exemplo por causa de procura de relações sexuais fora do relacionamento. De fato, as
pesquisas têm mostrado que homens solteiros têm nível de testosterona maior do que
homens em relacionamentos estáveis61,62. Maior nível de testosterona também está
associado a uma menor probabilidade de relacionamentos estáveis ou casamento, bem
como diminuição na qualidade dos relacionamentos e ocorrência de divórcio63. Homens
que são pais tipicamente apresentam níveis mais baixos de testosterona em relação aos
que não são pais, e este padrão é especialmente forte para os homens que demonstram
comprometimento mais forte em relação às suas parceiras ou à paternidade de forma mais
geral64,65. Estas associações podem ser interpretadas como 1) efeito de status de
relacionamento/status paterno (isto é, as diferenças no status de relacionamento/status
paterno alteram níveis de testosterona) ou como 2) efeito hormonal (isto é, o nível mais
baixo de testosterona está associado com a maior probabilidade de entrar em
relacionamentos de longo prazo, ser pai, e com a menor probabilidade de divórcios).
Em geral, essa linha de pesquisa indica que testosterona elevada está associada
com motivação sexual e tentativas de formação de relacionamentos, enquanto que
testosterona mais baixa, tipicamente observada em relacionamentos de longo prazo, está
ligada a estabilidade de relacionamento e investimento na prole.
Fisher (1998, 2000)66 propõe que os comportamentos de acasalamento são
guiados por três sistemas distintos de emoção – luxúria, atração e apego – e que os
comportamentos relacionados a cada conjunto de emoções são governados por um
60 Op. cit. Nota 10 61 Terence C. Burnham et al. Men in committed, romantic relationships have lower testosterone. Hormones
and Behavior, v. 44, n. 2, p. 119-122, 2003. 62 Sari M. Van Anders & Neil V. Watson, Testosterone levels in women and men who are single, in long-
distance relationships, or same-city relationships. Hormones and Behavior, v. 51, n. 2, p. 286-291, 2007. 63 Alan Booth & James M. Dabbs Jr, Testosterone and men's marriages. Social Forces, v. 72, n. 2, p. 463-
477, 1993. 64 Grazyna Jasienska, Michal Jasienski & Peter T. Ellison, Testosterone levels correlate with the number of
children in human males, but the direction of the relationship depends on paternal education. Evolution and
Human Behavior, v. 33, n. 6, p. 665-671, 2012. 65 Kuzawa, Christopher W. et al. Fatherhood, pairbonding and testosterone in the Philippines. Hormones
and Behavior, v. 56, n. 4, p. 429-435, 2009. 66 Fisher, H. (2000). Lust, attraction, attachment: Biology and evolution of the three primary emotion
systems for mating, reproduction, and parenting. Journal of Sex Education and Therapy, 25, 96-104.
conjunto único de atividades neurais (Fisher et al., 2002)67. O sistema de luxúria motiva
os indivíduos a localizar oportunidades sexuais e está principalmente associado com
efeito de estrogênio e andrógenos no cérebro (isto é, a motivação sexual geral). O sistema
de atração direciona a atenção a indivíduos específicos, faz com que as pessoas anseiem
pela união emocional com esses indivíduos, e está associado a altos níveis de dopamina
e norepinefrina e baixos níveis de serotonina no cérebro (isto é, amor apaixonado). O
sistema de luxúria está mais associado com a dimensão específica de recompensa definida
como “gostar” (gostar de um rosto bonito, corpo bonito). A dimensão "querer" um
parceiro romântico está focada em uma pessoa específica e pode estar mais ligada ao
sistema de atração. Arthur Aron e colegas da Universidade Estadual de Nova Iorque
descobriram que a ativação cerebral para uma face atraente ("gostar") foi diferente da
ativação para o parceiro amado ("querer"): a primeira ativava a area tegmental ventral
esquerda, enquanto a segunda ativava a area tegmental ventral direita68. Os dois sistemas
parecem estar ligados com diferentes sistemas cerebrais, mas ambos estão ligados com o
sistema de recompensa e prazer. O terceiro sistema, sistema de apego, é caracterizado
pela manutenção de proximidade, sentimentos de conforto e segurança, e sentimentos de
dependência emocional e está associado com ocitocina e vasopressina69,70,71. Esses três
sistemas são independentes, mas interligados.
9.5 Exclusividade sexual e ciúme
Joel Wade e colegas da Universidade de Bucknell perguntaram para participantes
de pesquisa nos Estados Unidos como eles demostrariam amor para o seu parceiro/sua
parceira72. As respostas mais típicas incluíram exclusividade sexual do relacionamento –
casamento com o parceiro e fidelidade. A exclusividade sexual é incorporada em várias
67 Fisher, Helen E. et al. Defining the brain systems of lust, romantic attraction, and attachment. Archives
of Sexual Behavior, v. 31, n. 5, p. 413-419, 2002. 68 Op. cit. Nota 5. 69 Carter, C. Sue & Keverne, Eric B. The neurobiology of social affiliation and pair bonding. In Donald W.
Pfaff et al. (eds.) Hormones, Brain and Behavior, 3rd ed. (pp. 299-337). Academic Press, 2002. 70 Thomas R. Insel et al., Oxytocin, vasopressin, and the neuroendocrine basis of pair bond formation. In
Hans H. Zingg, Charles W. Bourque & Daniel G. Bichet (eds.) Vasopressin and oxytocin (pp. 215-224),
1998. 71 Thomas R. Insel, Implications for the neurobiology of love. In Stephen. G. Post, Lynn G. Underwood,
Jeffrey P. Schloss & William B. Hurlbut (eds.) Altruism and altruistic love: Science, philosophy, and
religion in dialogue (pp. 254-263), 2002. 72 T. Joel Wade, Gretchen Auer & Tanya M. Roth, What is love: Further investigation of love acts. Journal
of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology, v. 3, n. 4, p. 290, 2009.
regras culturais e evidências transculturais sugerem que a violação da exclusividade
sexual é a principal razão para separação ou divórcio dos parceiros73, bem como violência
doméstica e homicídio74.
Ameaça à exclusividade sexual e emocional pelo(a) rival é geralmente
acompanhada pelo sentimento conhecido como ciúme. O ciúme é um estado afetivo que
pode envolver várias emoções, como raiva, tristeza, possessividade ou humilhação, pode
aparecer em qualquer momento de relacionamento e por várias razões, e pode levar a
vários comportamentos. Martin Daly e Margo Wilson definem ciúme como “um estado
que é despertado por uma ameaça percebida a uma relação ou posição valorizada e motiva
comportamento para se contrapor à ameaça. O ciúme é 'sexual' se a relação valorizada é
sexual”75. A pintura Flerte e Ciúme de 1894 (Fig. 9.6) nos transmite esta definição por
meio de imagem.
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Inserir Figura 9.6 aproximadamente aqui
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O ciúme pode ser desencadeado pela ameaça real ou aparente de perda de
exclusividade sexual e/ou emocional do parceiro para um rival76,77. Mesmo que os ciúmes
sexual e emocional possam ser percebidos como misturados, pesquisas mostram que eles
ativam partes diferentes do cérebro, e representam dois tipos diferentes de resposta78,79.
73 Todd K. Shackelford, David M. Buss & Kevin Bennett, Forgiveness or breakup: Sex differences in
responses to a partner's infidelity. Cognition & Emotion, v. 16, n. 2, p. 299-307, 2002. 74 Margo I. Wilson & Martin Daly, Who kills whom in spouse killings? On the exceptional sex ratio of
spousal homicides in the United States. Criminology, v. 30, n. 2, p. 189-216, 1992. 75 Margo I. Wilson, Martin Daly & Suzanne J. Weghorst, Male sexual jealousy. Ethology and Sociobiology,
v. 3, n. 1, p. 11-27, 1982. Tradução por Jaroslava V. Valentova do trecho à p. 12: “For our purposes,
jealousy may best be defined as a state that is aroused by a perceived threat to a valued relationship or
position and motivates behavior aimed at countering the threat.” 76 David M. Buss, Sexual and emotional infidelity: Evolved gender differences in jealousy prove robust
and replicable. Perspectives on Psychological Science, v. 13, n. 2, p. 155-160, 2018. 77 Richard De Visser et al. Romantic jealousy: a test of social cognitive and evolutionary models in a
population-representative sample of adults. The Journal of Sex Research, p. 1-10, 2019. 78 Hidehiko Takahashi et al. Men and women show distinct brain activations during imagery of sexual and
emotional infidelity. NeuroImage, v. 32, n. 3, p. 1299-1307, 2006. 79 Amanda E. Guitar et al. Defining and distinguishing sexual and emotional infidelity. Current Psychology,
v. 36, n. 3, p. 434-446, 2017.
Várias pesquisas mostraram que, em média, mulheres relatam maior ciúme
emocional do que sexual, enquanto o contrário foi mostrado nos homens80,81. Em outras
palavras, mulheres, em média, relatam que sentiriam maior tristeza ou angústia com uma
infidelidade emocional do parceiro, enquanto homens relatam que sentiriam mais tristeza
ou angústia com infidelidade sexual da parceira. Existem diversas teorias a respeito do
que motiva as diferenças entre os gêneros em relação ao tipo de ciúme. David A. Frederick
e colega, da Universidade de Chapman, fizeram uma pesquisa com mais de 63 mil
participantes nos Estados Unidos, por meio de uma pesquisa online, em que as diferenças
entre gêneros se mantiveram apesar de variação em aspectos demográficos, histórico de
relacionamento e de infidelidade82. Especialmente homens heterossexuais relataram
maior ciúme sexual do que emocional, enquanto homens homossexuais e mulheres de
ambas as orientações sexuais relataram maior ciúme emocional do que sexual. Brooke
Scelza, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, investigou o nível de ciúme entre
os Himba, uma população nativa da Namíbia, e replicou as diferenças entre sexos, mas
encontrou que tanto homens quanto mulheres relataram com maior frequência ciúme
sexual do que em populações ocidentais83.
Um tipo de comportamento evocado por ciúme é a guarda do parceiro/da parceira,
que envolve monitoramento da sua rede social, removendo-o(a) da presença de potenciais
rivais, tentando monopolizar sua atenção, garantindo engajamento social, entre
outros84,85. Outro comportamento causado pelo ciúme é a competição com rivais,
envolvendo ataque físico, depreciação do(a) rival ou autopromoção86,87. O ciúme per se
não é um estado negativo, é uma parte do relacionamento que serve para manutenção e
proteção do relacionamento e como uma prevenção de deserção possível de um parceiro.
A partir da perspectiva evolucionista, “o ciúme não é um sinal de imaturidade e sim uma
80 Mons Bendixen, Leif Edward Ottesen Kennair & David M. Buss, Jealousy: Evidence of strong sex
differences using both forced choice and continuous measure paradigms. Personality and Individual
Differences, v. 86, p. 212-216, 2015. 81 Altay Alves Lino de Souza et al. Emotional and sexual jealousy as a function of sex and sexual orientation
in a Brazilian sample. Psychological Reports, v. 98, n. 2, p. 529-535, 2006. 82 David A. Frederick & Melissa R. Fales, Upset over sexual versus emotional infidelity among gay, lesbian,
bisexual, and heterosexual adults. Archives of Sexual Behavior, v. 45, n. 1, p. 175-191, 2016. 83 Brooke A. Scelza, Jealousy in a small-scale, natural fertility population: the roles of paternity, investment
and love in jealous response. Evolution and Human Behavior, v. 35, n. 2, p. 103-108, 2014. 84 David M. Buss, Human mate guarding. Neuroendocrinology Letters, v. 23, n. 4, p. 23-29, 2002. 85 Adelia de Miguel & David M. Buss, Mate retention tactics in Spain: Personality, sex differences, and
relationship status. Journal of Personality, v. 79, n. 3, p. 563-586, 2011. 86 Maryanne Fisher & Anthony Cox, Four strategies used during intrasexual competition for mates.
Personal Relationships, v. 18, n. 1, p. 20-38, 2011. 87 Guilherme S. Lopes et al. Mate retention inventory-short form (MRI-SF): Adaptation to the Brazilian
context. Personality and Individual Differences, v. 90, p. 36-40, 2016.
paixão muito importante que ajudou nossos ancestrais, e provavelmente continua a nos
ajudar hoje, a enfrentar um conjunto de ameaças reprodutivas reais”88. Porém, do ponto
de vista proximal, o ciúme é um estado afetivo perigoso, que pode levar a agressão e
violência, causando prejuízo a todas as pessoas envolvidas. Entender como ele funciona
e porque, e como evitar as consequências negativas dele é um dos desafios da pesquisa
psicológica. A partir da perspectiva clínica, um estudo recente realizado com uma amostra
brasileira relatou que indivíduos com ciúme patológico, que estavam buscando
tratamento, relataram mais o estilo de amor chamado mania e apego ansioso do que
indivíduos sem ciúme patológico89. Algumas pesquisas mostraram que o sistema de
apego pode diminuir a procura de parceiros(as) alternativos(as). Por exemplo, numa
pesquisa, os participantes foram convidados a selecionar a imagem de um indivíduo do
sexo oposto a partir de uma série de imagens que eles acharam mais atraente e, em
seguida, escrever um pequeno ensaio sobre (a) por que a pessoa na imagem era atraente
e (b) a maneira ideal do primeiro encontro com esta pessoa90. Os participantes foram,
depois, aleatoriamente divididos para escrever um ensaio sobre seu amor por seu parceiro
atual, seu desejo sexual por seu parceiro atual ou seu fluxo atual de consciência. Somente
os participantes induzidos a sentir amor por seus parceiros relataram menos pensamentos
sobre o parceiro alternativo atraente durante a tarefa subsequente. Isso significa que
sentimentos relativamente fortes de amor por um(a) parceiro(a) podem ajudar os
indivíduos a suprimir pensamentos e sentimentos para parceiros(as) alternativos(as)
atraentes.
Em uma outra pesquisa, os participantes viam uma série de fotografias de pessoas
do sexo oposto, que incluíam algumas fotos de indivíduos muito atraentes fisicamente91.
Os participantes controlaram a quantidade de tempo que passaram vendo cada foto com
um controle remoto e o tempo de exibição de cada foto foi registrado pelo
experimentador. Os indivíduos que relataram uma maior satisfação e compromisso com
seus(suas) parceiros(as) gastaram menos tempo vendo as fotos de pessoas atraentes. De
88 David M. Buss, The Dangerous Passion: Why Jealousy is as Necessary as Love and Sex, 2000. Tradução
por Emma Otta do trecho à p. 5: “Jealousy, according to this perspective, is not a sign of immaturity, but
rather a supremely important passion that helped our ancestors, and most likely continues to help us today,
to cope with a host of real reproductive threats.” 89 Andrea Lorena da et al. Costa, Pathological jealousy: Romantic relationship characteristics, emotional
and personality aspects, and social adjustment. Journal of Affective Disorders, v. 174, p. 38-44, 2015. 90 Gian C. Gonzaga et al., Love and the commitment problem in romantic relations and friendship. Journal
of Personality and Social Psychology, v. 81, n. 2, p. 247, 2001. 91 Rowland S. Miller, Inattentive and contented: Relationship commitment and attention to alternatives.
Journal of Personality and Social Psychology, v. 73, n. 4, p. 758, 1997.
fato, eles(as) passaram as fotos atraentes mais rápido do que as outras fotos.
Curiosamente, participantes que gastaram menos tempo visualizando as fotos atraentes
tiveram uma menor probabilidade de separação dois meses depois do experimento.
Em outras palavras, sentimentos de amor por um parceiro podem reduzir a
tentação de imaginar ou procurar parceiros(as) alternativos(as) atraentes. Mesmo assim,
o que torna o amor satisfatório é o amor mútuo, e amor não correspondido ou dissolução
do relacionamento podem ocorrer por várias outras razões além de ciúme ou infidelidade.
Separação ou sentimentos de amor não correspondido causam estresse, tristeza, ou até
raiva e levam a vários comportamentos em ambos os parceiros, o rejeitador e o rejeitado92.
9.7 Síndrome de Otelo
A literatura inspirou psicólogos e profissionais de áreas afins que se dedicam ao
estudo do sentimento de ciúme, desde as suas variantes normais até as variantes
patológicas, conhecidas como ciúme mórbido, ciúme patológico ou Síndrome de Otelo93.
Em vez de reagir a evidências concretas, em casos patológicos, o indivíduo interpreta
pistas aparentemente irrelevantes como evidência conclusiva de infidelidade e se recusa
a mudar sua interpretação diante de informações contraditórias. Ciúme é um estado
afetivo complexo que a maioria das pessoas vivencia em algum momento da vida94. É um
sentimento desagradável, que surge quando um indivíduo se dá conta que outro recebe
atenção ou vantagem que desejaria para si, percebendo uma ameaça à relação que tem
com uma pessoa amada. O afeto despertado pode consistir em tristeza, medo, raiva e
comportamentos de recuperação da atenção da pessoa amada, além de comportamentos
de agressão ao parceiro(a) ou à terceira parte95. É observado na infância na ausência de
motivação sexual, geralmente despertado por desigualdade percebida na distribuição de
atenção ou cuidado e, aparentemente, visando redireção da atenção ou cuidado de um
intruso, geralmente um irmão, para si mesmo. Em crianças pequenas, o comportamento
92 Roy F. Baumeister, Sara R. Wotman & Arlene M. Stillwell, Unrequited love: On heartbreak, anger, guilt,
scriptlessness, and humiliation. Journal of Personality and Social Psychology, v. 64, n. 3, p. 377, 1993. 93 John Todd & Kenneth Dewhurst, The Othello syndrome: a study in the psychopathology of sexual
jealousy. The Journal of Nervous and Mental Disease, v. 122, n. 4, p. 367-374, 1955. 94 Cipriani, Gabriele et al. Dangerous passion: Othello syndrome and dementia. Psychiatry and Clinical
Neurosciences, v. 66, n. 6, p. 467-473, 2012. 95 Sybil L. Hart & Maria Legerstee, Handbook of Jealousy: Theory, Research, and Multidisciplinary
Approaches, 2010.
se manifesta na forma de choro, chamar a figura principal de apego, bater nela ou no
intruso, com olhar fixo, franzir a testa, enrijecer o corpo, buscar proximidade e colocar-
se entre um intruso e a figura de apego. Ao longo do ciclo de vida, o afeto permanece,
mas interesses reprodutivos entram em ação a partir da adolescência e, neste contexto,
surge a principal fonte de ameaça. Exibições de atenção e afeto para um parceiro potencial
são os principais meios de induzir ciúme num parceiro96.
Pensamentos intrusivos sobre infidelidade ocorrem em ambos os sexos, com
relato de predomínio masculino em alguns estudos97,98. A perspectiva evolucionista prevê
reações sexualmente dimórficas, com mulheres reagindo mais intensamente à
infidelidade emocional e homens reagindo predominantemente a infidelidade sexual99. O
desafio do investimento parental aumentado para as mulheres e o desafio da incerteza de
paternidade para os homens teriam exercido pressões seletivas que moldaram estas
diferenças. Pesquisas realizadas com base nesta perspectiva têm produzido evidências
empíricas consistentes com as previsões feitas100,101,102.
Pensamentos intrusivos de infidelidade do(a) parceiro(a) podem ganhar tal
prioridade e magnitude que chegam a ser considerados delirantes e patalógicos. Este é
um problema que não atinge exclusivamente indivíduos jovens. Num grupo de 208 idosos
com mais de 70 anos, portadores de demência, 18 (8.7%) apresentavam ciúme
patológico103. O problema era mais frequente em pacientes que apresentavam demência
com corpos de Lewy (26.3%) em comparação daqueles com Alzheimer (5.5%).
O ciúme parece ter características de uma emoção primária e pode ter
desempenhado um papel importante na história da evolução humana. Contudo, é um
fenômeno heterogêneo que pode assumir diferentes formas. Donatella Marazziti e
96 T. Joel Wade & Allison B. Weinstein, Jealousy induction: Which tactics are perceived as most effective?.
Journal of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology, v. 5, n. 4, p. 231, 2011. 97 Karin Gutiérrez-Lobos et al. Delusions in first-admitted patients: gender, themes and diagnoses.
Psychopathology, v. 34, n. 1, p. 1-7, 2001. 98 Diane Mullins, Morbid jealousy: the green-eyed monster. Irish Journal of Psychological Medicine, v.
27, n. 2, p. i-vii, 2010. 99 Jose C. Yong & Norman P. Li, The adaptive functions of jealousy. In Heather C. Lench (ed.) The
Function of Emotions (pp. 121-140), 2018. 100 Walum, Hasse et al. Sex differences in jealousy: a population-based twin study in Sweden. Twin
Research and Human Genetics, v. 16, n. 5, p. 941-947, 2013. 101 Op. cit. Nota 81. 102 Justin K. Mogilskiet al., Jealousy, consent, and compersion within monogamous and consensually non-
monogamous romantic relationships. Archives of Sexual Behavior, v. 48, n. 6, p. 1-18, 2019. 103 Mamoru Hashimoto, Shinichi Sakamoto & Manabu Ikeda, Clinical features of delusional jealousy in
elderly patients with dementia. The Journal of Clinical Psychiatry, v. 76, n. 6, p. 691-695, 2015.
colaboradores desenvolveram uma escala para avaliação de ciúme104, com perguntas tais
como as ilustradas abaixo e quatro alternativas de resposta:
• Você pensa, com preocupação, que outras pessoas podem atrair o(a) seu
parceiro(a) (cônjuge, companheiro (a), namorado(a)?
(0) não, nunca a (3) sempre.
• Estes pensamentos te ocupam (em média):
(0) menos de uma hora por dia a (3) mais de 8 horas por dia
• Esses pensamentos:
(0) não interferem em suas atividades diárias a (3) prejudicam
definitivamente suas atividades diárias.
Duas formas de ciúme patológico podem ser diferenciadas105,106,107: (1) uma forma
caracterizada por fortes falsas crenças de infidelidade do(a) parceiro(a) que resistem a
evidências em contrário e (2) outra caracterizada por ruminações de infidelidade
acompanhadas por checagem compulsiva do comportamento do parceiro, que contrariam
e perturbam o próprio indivíduo. As compulsões envolvem comportamentos repetitivos
de verificação (como perguntas, telefonemas, visitas-surpresa), que podem assumir
formas estranhas como examinar as fezes da namorada, em busca de restos de bilhetes
engolidos108. Recomendam-se intervenções psicoterápicas que: (1) favoreçam o exame
de explicações alternativas, considerando evidências confirmatórias e contrárias às
crenças irracionais, numa atmosfera empática de não julgamento109 e (2) promovam
treinamento de habilidades de regulação emocional, aceitação de emoções e incerteza,
exame de vieses cognitivos e decatastrofização da perda110. Batinic, Duisin e Barisic
104 Donatella Marazziti et al., Heterogeneity of the jealousy phenomenon in the general population: an
Italian study. CNS Spectrums, v. 15, n. 1, p. 19-24, 2010. 105 Borjanka Batinic, Dragana Duisin & Jasmina Barisic, Obsessive versus delusional jealousy. Psychiatria
Danubina, v. 25, n. 3, p. 334-339, 2013. 106 Michael Kingham & Harvey Gordon, Aspects of morbid jealousy. Advances in Psychiatric Treatment,
v. 10, n. 3, p. 207-215, 2004. 107 Donatella Marazziti et al., Normal and obsessional jealousy: a study of a population of young adults.
European Psychiatry, v. 18, n. 3, p. 106-111, 2003. 108 Albina Rodrigues Torres, Ana Teresa de Abreu Ramos-Cerqueira & Rodrigo da Silva Dias, O ciúme
enquanto sintoma do transtorno obsessivo-compulsivo. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 21, n. 3, p.
165-173, 1999. 109 Laura Smith et al. Cognitive Behavioural Therapy for Psychotic Symptoms: A Therapist ̓s Manual. Perth,
Australia: Centre for Clinical Interventions, 2003. 110 Leahy, Robert L. & Tirch, Dennis D. Cognitive behavioral therapy for jealousy. International Journal
of Cognitive Therapy, v. 1, n. 1, p. 18-32, 2008.
* https://www.proamiti.com.br/
(2013) recomendam intervenções farmacológicas com antipsicóticos, no primeiro caso, e
inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS), no segundo caso.
O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
(FMUSP) da USP oferece atendimento, por meio do grupo PRO-AMITI*, para pessoas
que percebam que seu ciúme prejudica o relacionamento amoroso de alguma forma,
sendo motivo de brigas ou discussões, com queixas e reclamações sobre o ciúme
excessivo do(a) parceiro(a).
9.8 Em Conclusão
Começamos o capítulo sobre amor, sexo, paixão e ciúme buscando inspiração na
literatura, com grandes obras como Otelo de Shakespeare e Dom Casmurro de Machado
de Assis. No âmbito da psicologia, apresentamos contextualizações teóricas no campo da
psicologia social e da perspectiva evolucionista, destacando o histórico e o cenário atual
de pesquisa. Do ponto de vista metodológico, apresentamos pesquisas usando medidas de
auto relato, comportamentais e neurofisiológicas. Apresentamos instrumentos validados
para o contexto brasileiro e em processo de validação. A dinâmica de relacionamentos
amorosos preocupa maioria de pessoas e mais pesquisas estão necessárias para elucidar
essa dimensão importante da vida. A partir do conhecimento apresentado convidamos os
estudantes a formular questões próprias de investigação, desenvolvendo seus próprios
protocolos de pesquisa. Aplicações para a prática clínica, baseadas em intervenções
psicoterápicas, foram discutidas a partir da análise do ciúme patológico.
Leituras adicionais sugeridas
Ana Maria Fernandez, Victor Shiramizu & Jaroslava Varella Valentova. Dinâmica e
qualidade de relacionamentos: manutenção e dissolução. In Maria Emilia.
Yamamoto & Jaroslava V. Valentova (eds.) Manual da Psicologia Evolucionista,
p. 364-384. Natal: EDUFRN, 2018.
Andrea Lorena da Costa. Contribuições para o Estudo do Ciúme Excessivo. FMUSP:
Dissertação de Mestrado, 2010.
Arthur Aron & Elaine N. Aron. Love and sexuality. In: Sexuality in Close Relationships,
p. 41-64. Psychology Press, 2014. Ver também o vídeo The Science of Love with
Arthur Aron
Eglacy Cristina Sophia. Desenvolvimento e Validação de um Instrumento para Avaliar o
Amor Patológico. FMUSP: Tese de Doutorado, 2014.
Helen E. Fisher. Por que Amamos: a Natureza e a Química do Amor Romântico, 2ª ed.
Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008/2006. Ver
também Ted Talk Helen Fisher estuda o cérebro amando.
Questões e Temas para Discussão
1. Por que a obra Otelo de Shakespeare deu nome à Síndrome de Otelo?
2. Em que consiste a Teoria das Cores do Amor de John Alan Lee?
3. Em que consiste a Teoria Triangular do Amor de Robert Sternberg?
4. Em que consiste a Teoria do Apego aplicada ao amor romântico de Cindy
Hazan e Philip Shaver?
5. Discuta a afirmação de Oscar Wilde “Deveríamos estar sempre
apaixonados. É a razão pela qual nunca deveríamos casar”.
6. Quais são as previsões para os ciúmes sexual e emocional feitas a partir da
perspectiva evolucionista?
7. Ciúme pode ser considerado uma categoria unitária ou deveria ser
considerado um fenômeno heterogêneo? E por que?
8. O ciúme pode tornar-se patológico?
9. Discuta a seguinte afirmação de Vladimir Safatle “talvez sejamos
obrigados a concluir que não é possível para nós nos afastar do que
tenderíamos a chamar de ‘paixões tristes’, pois não há paixão que, em
vários momentos, não nos entristeça. Não há afetos que não nos contraiam,
não há vida que não se deixe paralisar, que precise se paralisar por certo
tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua
velocidade. Mais, ainda. Não há vida que não se sirva da doença para se
desconstituir e reconstruir”. (Folha de São Paulo, 23.06.17)
Questões e Temas para Pesquisa
Resgate histórico: Exemplo de trabalhos realizados111
• Ciúme no relacionamento amoroso: uma pesquisa de atitudes
• Critérios de seleção do parceiro amoroso
• O compromisso de namoro e a percepção de ´atratividade´ física
• As características do(a) namorado(a) ideal
• O namoro atraves dos tempos
• Idealização amorosa: as semelhanças e diferenças entre homens e mulheres
• Sentimentos predominantes em gêmeos após o término de relações românticas
111 Patricia Izar et al., Ciúme no relacionamento amoroso: uma pesquisa de atitudes. Anais da 25ª Reunião
Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, p. 380, 1995; Sonia Regina Pereira Piola Luque et al.,
Critérios de seleção do parceiro amoroso: atitudes próprias e expectativas quanto às atitudes do outro sexo.
Anais da 45ª Reunião Anual da SBPC, p. 901, 1993; Ilan Fernando Wainrober Segre et al. O compromisso
de namoro e a percepção de ´atratividade´ física. Anais da 45ª Reunião Anual da SBPC, p. 902, 1993;
Andrea Aparecida Ianni et al., As características do(a) namorado(a) ideal. Anais da 44ª Reunião Anual da
SBPC, p. 876, 1992; Marcelo Afonso Ribeiro et al., O namoro através dos tempos. 42ª Reunião Anual da
SBPC, v. 42, p. 420-421, 1990; Ariel Schicchi Zilberman et al., Idealização amorosa: as semelhanças e
diferenças entre homens e mulheres. Mini-Congresso de Motivação & Emoção, IPUSP, 2015; Mariana
Amoedo Seuaciuc et al., Sentimentos predominantes em gêmeos após o término de relações românticas.
Mini-Congresso de Motivação & Emoção, IPUSP, 2017.
Sugestão de nova pesquisa: Orientações de Apego Romântico e Ciúme no
Paradigma de Agravamento de Resposta
Propõe-se, a seguir, a realização de uma pesquisa sobre ciúme em função de
orientações de apego romântico, usando o Paradigma de Agravamento de Resposta
(PAR). Esta proposta foi inspirada numa pesquisa feita por Chloe Huelsnitz e equipe da
Universidade de Minnesota112. Estamos usando aqui a seguinte definição de ciúme: “um
conjunto de pensamentos, emoções e ações gerado pela percepção de uma atração
romântica real ou potencial entre o(a) parceiro(a) e um rival (talvez imaginário)”113.
Raiva é uma emoção que pode surgir neste contexto, junto com pensamentos e/ou ações
de retaliação, voltados ao rival e talvez também ao parceiro, buscando acabar com a
situação. Medo e tristeza são outras emoções que podem surgir, junto com pensamentos
e/ou ações voltadas à reparação da relação e de enfrentamento da possibilidade de perda
da relação.
Objetivo:
Examinar os padrões de reação de ciúme e emoções associadas (raiva, tristeza,
medo) em função do aumento de ameaça representada por um(a) rival potencial, com
especial interesse em relação aos estilos de apego ansioso e evitativo na sua reação ao
estágio inicial e mais ambíguo do PAR.
Método:
A amostra será composta por participantes que estejam envolvidos numa relação
romântica. Eles responderão a ECR-R-Brasil, um questionário que se refere a
experiências em relacionamentos íntimos114 e que avalia, especificamente, “ansiedade
relacionada ao apego” (por ex, Eu preciso de muitas garantias de que sou amado por meu
parceiro) e “evitação relacionada ao apego” (por ex, Geralmente, tento evitar muita
proximidade afetiva com meu parceiro). Cada item é respondido numa escala de 0
(discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). Em seguida, cada participante será
exposto aos estágios do Paradigma de Agravamento de Resposta (PAR) e deverá avaliar,
112 Chloe O. Huelsnitz et al., Attachment and jealousy: Understanding the dynamic experience of jealousy
using the response escalation paradigm. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 44, n. 12, p. 1664-
1680, 2018. 113 Gregory L. White & Paul E. Mullen, Jealousy: Theory, Research, and Clinical Strategies. Guilford
Press, 1989. Tradução por Emma Otta de trecho à p. 9: “Jealousy is a complex of thoughts, emotions, and
actions that follows loss of or threat to self-esteem and/or the existence or quality of the romantic
relationship when the perceived loss or threat is generated by the perception of a real or potential romantic
attraction between one’s partner and a (perhaps imaginary) rival.” 114 Op. cit. Nota 42. O questionário encontra-se na p. 494 do artigo de Jean C. Natividade e Vitor Shiramizu.
para cada um deles, ciúme, raiva, tristeza e apreensão/medo usando uma régua que vai de
0 (= nada) a 100 (= extremamente). Também deverá dizer se irá interferir ou não. Os
estágios são:
1. Você e [seu parceiro / sua parceira] estão em uma festa grande. Há muitas pessoas
lá e todo mundo está se divertindo. Você se afasta [do seu parceiro / da sua
parceira] para ir até o bar e tentar pegar uma bebida. Enquanto você espera, vê
que [uma mulher / um homem] atraente se aproxima [do seu parceiro / da sua
parceira] e começa a conversar com [ele / ela].
2. Enquanto você continua esperando a sua bebida, vê que [seu parceiro / sua
parceira] ainda está conversando com [a mulher / o homem] atraente. Ambos
parecem estar gostando da conversa e estão rindo juntos.
3. Logo você descobre que [a mulher / o homem] está claramente flertando com [seu
parceiro / sua parceira. [Ela / Ela] coloca a mão [dela / dele] no ombro [do seu
parceiro / da sua parceira] e se inclina para frente. [Seu parceiro / Sua parceira]
não [a / o] afasta ou parece desconfortável.
4. Enquanto [seu parceiro e a mulher / sua parceira e o homem] atraente continuam
conversando, [ela / ele] fica ainda mais perto de [seu parceiro / sua parceira],
olhando profundamente nos seus olhos e acariciando o lado e o rosto [dele / dela].
Você vê [a mulher / o homem] atraente começar a beijar [seu parceiro /
sua parceira].
Resultados esperados:
Esperamos diferenças nas reações dos participantes em situações de ameaça
potencial ao relacionamento, em função das suas orientações de apego. Indivíduos muito
ansiosos irão apresentar maior ciúme que indivíduos pouco ansiosos em situação de baixa
ameaça (por ex, Estágio 1 do PAR) e maior intensificação deste sentimento com o
agravamento da ameaça ao longo dos cinco estágios do PAR. Supomos que irão interferir
mais cedo e apresentar mais tristeza e preocupação. Esperamos que indivíduos muito
evitativos irão apresentar mais raiva e mais comportamento destrutivo focalizado no
parceiro.