A "vinculação" do precedente judicial no âmbito da Administração Pública Federal

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS A VINCULAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL LEONARD ZIESEMER SCHMITZ FLORIANÓPOLIS 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

A VINCULAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL NO ÂMBITO DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

LEONARD ZIESEMER SCHMITZ

FLORIANÓPOLIS

2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

LEONARD ZIESEMER SCHMITZ

A VINCULAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL NO ÂMBITO DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Graduação em Direito na

Universidade Federal de Santa Catarina como

requisito para a obtenção de título de bacharel

em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Avelar Lamy

FLORIANÓPOLIS

2011

A meu pai, Neilor, mestre

e fonte de inspiração, no

Direito e na vida; a Carla

Walküria, mãe e amiga, e

a Konrad, irmão; família

que me dedicou tempo,

carinho, e amor.

No processo, o tempo é algo mais do que ouro: é Justiça.

“Eduardo Couture”

RESUMO

O presente estudo monográfico propõe-se a analisar a carga persuasiva dos

precedentes judiciais paradigmáticos frente à Administração Pública, ante a

necessidade de dar-se efetividade à celeridade processual, à segurança

jurídica, e à isonomia jurisdicional.

Dessa forma, são primeiramente analisados os mencionados princípios, e suas

funções constitucionais sobre o processo como um todo. Será ainda observada

a função do Supremo Tribunal Federal como uniformizador da jurisprudência, e

último intérprete do texto constitucional.

Em seguida, estuda-se o papel dos precedentes judiciais na cultura jurídica

brasileira, ressaltando as diferenças entre persuasão e vinculação.

Passa-se, então, à análise de uma série de institutos processuais criados nos

últimos anos, com o objetivo de dar mais respeito aos precedentes judiciais,

mormente aqueles dos tribunais superiores. Esses institutos prestam-se,

também, a dar efetividade aos princípios elencados ao início. Dá-se especial

ênfase à repercussão geral do recurso extraordinário, e suas consequências no

juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários.

Por fim, aplicam-se os elementos delineados ao longo do estudo à

Administração Pública, em especial na esfera Federal, reconhecendo ser ela a

grande responsável pela morosidade processual que se quer combater.

Conclui-se que a utilização de meios que garantam o respeito, por parte da

Administração Pública, dos precedentes judiciais do STF, é medida de grande

valia para a concretização de um Poder Judiciário mais célere e isonômico.

Palavras-Chave: Processo civil; Recurso extraordinário; Repercussão geral;

precedente judicial, vinculação; Administração Pública; segurança jurídica;

celeridade processual; causas repetitivas.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10

1. A INFLUÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL SOBRE O PROCESSO

.......................................................................................................................... 13

1.1 Princípios e Garantias Constitucionais Processuais................................... 13

1.1.1 Normas, Regras e Princípios................................................................... 13

1.1.2 Princípios e Direitos Fundamentais na CF/88......................................... 17

1.1.3 Princípio da Isonomia Jurisdicional..... ................................................... 20

1.1.4 Princípio da Segurança Jurídica............................................................. 21

1.1.5 Princípio da Razoável Duração do Processo......................................... 23

1.2 O Supremo Tribunal Federal e a Constituição........................................... 25

1.2.1 A Função Constitucional do STF............................................................ 25

1.2.2 A Função do Recurso Extraordinário....................................................... 27

2. A IMPORTÂNCIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NA CULTURA JURÍDICA BRASILEIRA.................................................................................................... 30

2.1 Algumas Questões Terminológicas............................................................ 30

2.1.1 Precedente, Jurisprudência e Súmula..................................................... 30

2.1.2 Força Vinculativa e Força Persuasiva.................................................... 32

2.1.3 Eficácia Erga Omnes, Efeito Vinculante e Tutela Coletiva..................... 36

2.2 Motivos e Porquês da Necessidade de Vinculação................................... 38

2.2.1 Vinculação e Independência Judicial...................................................... 43

2.2.2 Técnicas de aplicação dos precedentes: Distinguishing e Overruling....................................................................................................... 45

2.4 Fundamentos de Aproximação entre as famílias jurídicas da Civil Law e Common Law................................................................................................... 47

3. MECANISMOS PROCESSUAIS DE APLICAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL........................................................................................................ 51

3.1 Recentes Reformas do Código de Processo Civil.......... .......................... 51

3.2 Súmula Vinculante..................................................................................... 57

3.3 Repercussão Geral......................... ........................................................... 60

3.3.1 Origem e Natureza Jurídica..................................................................... 61

3.3.1.1 Influências de Direito Estrangeiro......................................................... 61

3.3.1.2 Origens no Direito Brasileiro: a Arguição de Relevância e a Transcendência Trabalhista.............................................................................. 65

3.3.2 A Repercussão Geral Propriamente Dita................................................. 67

3.3.3 Aspectos de Procedimento: o CPC e o RISTF........................................ 70

3.3.4 O Procedimento do Art. 543-B do CPC................................................... 74

3.3.5 Resultados da Repercussão Geral.......................................................... 77

4. O PRECEDENTE JUDICIAL E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA................ 80

4.1 Fundamentos de Valorização do Precedente pela Administração Pública 80

4.1.1 A Administração Pública como Principal Litigante no Brasil.................... 81

4.1.2 A Morosidade Processual e a Administração Pública............................. 83

4.2 Normas de Aplicação do Precedente à Administração Pública.................. 86

4.2.1 A Experiência Alemã................................................................................ 86

4.2.2 No Brasil: Legislação Regulamentadora da Atuação da Administração Pública Ante os Precedentes Judiciais............................................................. 88

4.2.3 A Portaria n. 294/2010 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional..... 92

5.CONCLUSÃO................................................................................................ 97

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 101

7. ANEXOS..................................................................................................... 108

10

INTRODUÇÃO

Em 08 de dezembro de 2004, foi promulgada a Emenda

Constitucional 45, que ficou conhecida como a “Reforma do Judiciário”. As

mudanças trazidas pela emenda prestaram-se a tentar remediar o caos em que

estava inserido o Poder Judiciário, desde a década de noventa, e

principalmente no início do século XXI. A morosidade na resolução dos

processos foi, ao longo desses anos, chamada de “a crise do Judiciário”. Vive-

se um Judiciário que, como comprova-se estatisticamente, serve quase que

exclusivamente a atender o interesse de uma dezena de clientes, cada qual

com milhões de processos.

A Administração Pública Federal, através da Caixa Econômica,

do INSS, da Fazenda Nacional, e da União propriamente dita, é responsável

por mais de setenta por cento dos processos existentes no País. Essa

constatação é fundamental para compreender quais os motivos da crise

judiciária, e como se pode trabalhar para curá-la.

A postura adotada pelo Judiciário frente ao cidadão

jurisdicionado é o que define se o sistema judiciário é, de fato, justo. Assim, a

demora na entrega da prestação jurisdicional, é importante notar, reflete de

forma direta na perda de credibilidade do Judiciário. Para o jurisdicionado, a

efetividade da Justiça não se mede somente pelo acerto nos julgamentos; o

rápido desenvolvimento processual é de extrema importância. Igualmente se

pode dizer da uniformidade, e da previsibilidade, com que os julgamentos são

proferidos. Não há sentido na manutenção de um sistema judiciário que, para

casos idênticos, decide de forma diferente; distribuição de Justiça, por

conseguinte, é sobretudo distribuição equânime de justiça.

Nesse contexto, desde a promulgação da Constituição Federal,

houve a edição de uma série de leis, com o objetivo de dar mais uniformidade

11

aos julgamentos, e emprestar mais celeridade ao processo. O mecanismo

adotado para tanto foi um elemento de aproximação do sistema jurídico

adotado no Brasil com a Common Law dos países anglo-saxões: a aplicação

dos precedentes judiciais advindos de tribunais hierarquicamente superiores.

Assim, notou-se uma onda de reformismo da legislação processual,

aumentando a carga persuasiva exercida pelos precedentes da jurisprudência,

mormente dos tribunais superiores.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as funções a

serem desempenhadas pelo Supremo Tribunal Federal, destacando que ele

serve à “guarda da constituição”. Quer-se com isso dizer que o STF é o

verdadeiro intérprete constitucional, devendo os demais tribunais respeitar o

que o Supremo diz em matéria constitucional. Isso, porquanto não signifique

que as decisões do STF são obrigatórias, evidencia a necessidade de que os

seus pronunciamentos devam ter forte carga persuasiva. É compreensão lógica

do sistema: não há motivos para se agir em confronto com a jurisprudência

dominante do STF, pois o caminho processual inevitavelmente conduzirá a

questão à apreciação do Supremo, que tornará a exercer sua posição no

ordenamento jurídico, reformando a decisão.

Dessa forma, vem crescendo a compreensão de que é

infrutífero, e contraproducente, litigar em juízo (ou em processos

administrativos) em desconformidade com decisões do STF. E essa noção faz

ainda mais sentido quando se trata da Administração Pública. De fato, ela

participa de um sem número de processos que tratam de causas repetitivas,

que tratam de questões idênticas, assoberba o Judiciário; questões cuja

decisão em um dos processos poderá ser aplicada a todos os outros,

diminuindo a sobrecarga e, consequentemente, dando celeridade à resolução

de demandas. Não obstante, é consabido que os órgãos de representação

judicial do poder público seguem a máxima regra do “contestar sempre,

recorrer sempre”. É nesse contexto que se realiza o presente estudo: para

delinear os motivos pelos quais se devem criar instrumentos que obriguem a

12

Administração Pública a aplicar os precedentes judiciais do STF, evitando

permanecer em litígio quando sabidamente não lhe assiste razão.

No primeiro capítulo, serão estudados os princípios

constitucionais aplicados ao processo, em especial a isonomia, a segurança

jurídica, e a celeridade processual. Será também observada a posição ocupada

pelos princípios e direitos fundamentais, no sistema da Constituição. Ademais,

será analisado o papel constitucional assumido pelo STF, de uniformizador da

jurisprudência do País.

Em seguida, far-se-á uma análise da importância dos

precedentes judiciais na cultura jurídica brasileira, evidenciando que, ao longo

dos anos, a carga de persuasão dos precedentes cresceu, a ponto de

aproximar-se da vinculação plena. Serão ainda apontados os elementos de

aproximação entre a civil Law e a common Law.

Passar-se-á, então, a elencar algumas principais reformas na

legislação processual brasileira, que visaram a conferir ao precedente judicial

uma maior importância. Dar-se-á maior ênfase ao instituto da repercussão

geral, requisito de admissibilidade do recurso extraordinário ao Supremo

Tribunal Federal, que resulta em julgamentos com carga persuasiva reforçada,

a serem respeitados enquanto precedentes.

Por fim, adentra-se no objeto central deste estudo, qual seja, a

postura da Administração Pública frente à existência de precedentes judiciais.

Ante o reconhecimento de alguns motivos determinantes – que fazem com que

a Administração Pública seja, de fato, responsável em grande parte pela crise

do Judiciário –, serão estudados instrumentos de que as procuradorias públicas

dispõem, para valerem-se de precedentes judiciais e deixar de litigar. Fazendo

isso, por conseguinte, darão efetividade aos princípios constitucionais

inicialmente expostos.

13

CAPÍTULO 1

A INFLUÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL SOBRE O PROCESSO

1.1 Princípios e Garantias Constitucionais Processuais

O primeiro e necessário objeto de análise deste estudo, para

possibilitar a compreensão dos institutos jurídicos que serão à frente

apresentados, é a Constituição Federal brasileira de 1988, em especial sua

estrutura normativa e principiológica. Com efeito, todo o raciocínio

desenvolvido nos capítulos subsequentes é fruto da correta interpretação das

intenções do legislador constituinte e da significância dos direitos

fundamentais.

1.1.1 Normas, Regras e Princípios

O texto constitucional contém normas que se dividem,

basicamente, em regras e princípios, diferentes em seu conteúdo, sua natureza

jurídica, sua abrangência e eficácia.

As regras, definidas por Hart como normas de incidência “tudo

ou nada”1 – ou seja, normas que ou são, ou não são, válidas por inteiro –

podem ser assim descritas:

(...) em se tratando de regras de direito, sempre que a sua previsão se verificar numa dada situação de fato concreta, valerá para essa situação exclusivamente a sua consequência jurídica, com o afastamento de quaisquer outras que dispuserem de maneira diversa. (...) Se, ao contrário, aqueles mesmo fatos constituírem hipótese de incidência de outras regras de direito, estas e não as primeiras é que regerão a espécie, também integralmente e com exclusividade.

2

1 All or nothing rules (HART, H.L.A., The concept of Law. New York: Oxford University Press,

1994, pp. 259) 2 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 24.

14

Muito ao contrário, os princípios são mandamentos de

otimização, que podem ser cumpridos em diferentes graus3 e que se prestam a

conferir coerência a um sistema jurídico,4 auxiliando os julgadores quando

estiverem diante de um conflito aparente de normas. Luis Virgílio Afonso da

Silva anota que “princípios seriam as normas mais fundamentais do sistema,

enquanto as regras costumam ser definidas como uma concretização desses

princípios e teriam, por isso, caráter mais instrumental e menos fundamental”.5

Também Gustavo Zagrebelsky, em excelente obra sobre a

crise do Estado Constitucional, ressalta que as regras são um comando de

comportamento para uma situação específica, enquanto princípios sejam

diretrizes, incidindo em circunstâncias indeterminadas.6 Por sua vez, a teoria

de Alexy distingue bem as espécies de norma:

O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios reside em que os princípios são normas ordenadoras de que algo se realize na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. (...) As regras, ao contrário, só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. (...) Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma ou é uma regra, ou é um princípio.

7

A distinção de Canotilho entre regras e princípios segundo

alguns critérios, por fim, é oportuna:

a) Grau de abstração: os princípios jurídicos são normas com um grau de abstração relativamente mais elevado do que o das regras de direito;

b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (e.g. do legislador ou do juiz), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta;

c) Caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no

3 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 86.

4 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 24.

5 AFONSO DA SILVA, Luis Virgílio. Princípios e regras. In Revista Latino-Americana de

Estudos Constitucionais, Belo Horizonte: Del Rey, jan/jun. 2003, p. 612. 6 ZAGREBELSKY, Gustavo. Il Diritto Mite. Torino: Einaudi, 1992, p. 11.

7 ALEXY, Robert, 2001, p. 86-87.

15

ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (e.g. os princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (e.e. o princípio do Estado de Direito);

d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são Standards juridicamente vinculantes, radicados nas exigtências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional

e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante

8 (grifou-se).

Em suma, a diferença básica entre esses tipos de norma

reside, segundo Karl Larenz, no fato de que os princípios são pontos de partida

para a formulação de regras9. Por isso mesmo é que Nelson Nery Jr., ao

analisar a doutrina de Josef Esser sobre princípios fundamentais, descreve que

estes possuem “força constitutiva ou um valor constitutivo em união com o

conjunto do reconhecido ordenamento”, e que “um princípio somente tem

aptidão para a formação de normas quando é acessível à argumentação

dogmatizada e especificamente jurídica, sob os pontos de vista da justiça e da

adequação”.10

Até por essa característica de estarem na base da produção

legislativa, orientando a atuação dos três poderes, não se admite em tese que

haja princípios naturalmente conflitantes, incoerentes dentro de um sistema

jurídico. Gilmar Mendes entende que os princípios “parece não se prestarem a

provocar conflitos, criando apenas momentâneos estados de tensão ou de mal-

estar hermenêutico, que o operador jurídico prima facie verifica serem

passageiros e plenamente superávies no curso do processo de aplicação do

Direito”.11 Pressupõe-se para isso, no entanto, que o corpo de princípios é bem

estruturado e bem compreendido.

8 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.

Coimbra: Almedina, 2003, p. 1035. 9 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: [s.n.], 1007, p. 272-274. Apud

MENDES, Gilmar. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27. 10

NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2010, p. 33. 11

MENDES, Gilmar, 2007, p. 26.

16

Parece claro que, para a boa estruturação de um sistema

jurídico que se pretenda coeso e apto à efetivação da justiça, os princípios

devam ter limitações e conviver harmonicamente. Do contrário, como afirma

Zagrebelsky:

Cada princípio e cada valor, se entendidos na pureza de seu conceito absoluto, terminariam por não admitir como possível a coexistência de outros conjuntamente. É o tema do conflito de valores, que nós queremos desvendar dando a vitória a todos, mesmo se sabemos da sua tendência de incompatibilidade. No tempo presente parece dominante a aspiração a algo conceitualmente impossível, mas altamente desejável na prática: não a prevalência de um só valor ou de um só princípio, mas a salvaguarda de muitos, simultaneamente.

12

Infere-se, portanto, que “uma interpretação sistemática implica,

necessariamente, uma hierarquização dos valores em pauta, sem que disto

resulte a exclusão de um valor constitucional em detrimento de outro”.13 Não

obstante, diante dessas aparentes antinomias entre a esfera de incidência de

princípios, sugere Alexy que o julgador realize uma ponderação, optando por

aquele que lhe pareça mais adequado às circunstância. Estabelece-se, assim,

uma chamada relação de precedência condicionada, que explicita os motivos

de prevalência de um princípio sobre outro, tudo visando à otimização da

justiça.14

Daí a concluir que os princípios fundamentais “constituem por

assim dizer a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais,

que àquelas podem ser directa ou indirectamente reconduzidas”.15 A função e

a “ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionar como

12

ZAGREBELSKY, Gustavo. Op. Cit., 1992, p. 13-14: Ciascun principio e ciascun valore, se intesi nella purezza di um loro concetto assoluto, si risolverebbero nell’impossibilità di ammetterne altri accanto. É il tema del conflitto dei valori, che noi vorremmo sciogliere dando la vittoria a tutti, anche se conosciamo la loro tendenziale inconciliabilità. Il tempo presente è quello in cui sembra dominante l’aspirazione a quanto è concettualmente impossibilie ma praticamente altamente desiderabile: non la prevalenza di un solo valore e di un solo principio, ma la salvaguardia di tanti, conteporaneamente [tradução livre]. 13

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 88. 14

ALEXY, Robert, 2001, p 88-92. 15

CANOTILHO, J.J. Gomes; Vital Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 66. Apud AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 94.

17

critério de interpretação e integração, pois são eles que dão coerência geral ao

sistema”.16

1.1.2 Princípios e Direitos Fundamentais na CF/88:

Definidos a função estrutural, e o conceito, dos princípios

fundamentais, é necessário situá-los no contexto brasileiro.

Direitos fundamentais, é importante definir, segundo Alexy,

podem ser entendidos como “todas aquelas posições jurídicas concertnentes

às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por

seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas

ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos

poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu

conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados”.17

A Constituição de 88, com efeito, deu grande ênfase aos

direitos fundamentais, inserindo-os de forma a nortear todo o resto do

ordenamento jurídico. Ingo Wolfgang Sarlet exalta a importância inclusive

topográfica dada aos direitos fundamentais, positivados logo no início da

Constituição18, o que confere “maior rigor lógico, na medida em que os direitos

fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda

a ordem constitucional e jurídica”.19

Isso significa, segundo o mesmo autor, que “pela primeira vez

na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida

16

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra editora, 1983, p. 199. Apud AFONSO DA SILVA, José, 2007, p. 96. 17

SARLET, Ingo Wolfgang, 2007, 91. 18

Os direitos e garantias elencados nos arts. 5º e seguintes, frise-se, não constituem um rol exaustivo. Ao longo da constituição, surgem mais direitos fundamentais e princípios inerentes a cada ramo jurídico abordado pelo texto constitucional. 19

SARLET, Ingo Wolfgang, 2007, p. 79.

18

relevância”.20 Igualmente, Paulo Bonavides reconhece o papel de destaque

finalmente concedido às normas fundamentais:

Daqui já se encaminha para o passo final da incursão teórica: a demonstração do reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.

21

É nessa perspectiva que devem ser analisados os princípios

dentro da Constituição Federal; José Afonso da Silva atenta para o fado de que

princípios, inclusive como constante do Título I do texto constitucional,

exprimem a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.22 Ademais, os

princípios e direitos fundamentais devem ser interpretados “não só sob um

ângulo individualista, isto é, com base no ponto de vista da pessoa individual e

sua posição perante o Estado, mas também sob o ponto de vista da sociedade,

da comunidade e da totalidade, já que se cuida de valores e fins que esta deve

respeitar e concretizar”.23

Ressalte-se ainda o disposto no §1º do art. 5º, da CF/8824,

constituindo o princípio da aplicabilidade e eficácia imediata dos direitos

fundamentais, que “diferencia – no sentido de uma juridicidade reforçada – esta

categoria específica das normas constitucionais, outorgando-lhes, de tal sorte

uma qualidade comum e distintiva”.25

Importante, ainda, destacar o fato que a aplicabilidade

imediata, em relação à Administração Pública, “pode ser compreendido como

um mandado de otimização de sua eficácia, pelo menos no sentido de impor

aos poderes públicos a aplicação imediata dos direitos fundamentais,

20

IDEM, p. 75. 21

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 259. 22

AFONSO DA SILVA, José, 2007, p. 91. 23

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. Apud SARLET, Ingo Wolfgang, 2007, p. 171. 24

Art. 5. § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 25

SARLET, Ingo Wolfgang, 2007, p. 87.

19

outorgando-lhes, nos termos desta aplicabilidade, a maior eficácia possível”.26

Quer dizer, os órgãos públicos devem, sim, submeter-se aos parâmetros e

valores constitucionais, de modo que “cada ato dos poderes públicos deve

tomar os direitos fundamentais como „baliza e referencial”.27

A conjuntura jurídica em que estamos inseridos, por

conseguinte, é valorizadora dos princípios e direitos fundamentais, como

integrantes do topo da pirâmide normativa. Dessas normas, decorre a

interpretação das demais. No que toca à aplicação de princípios ao processo,

tem-se que a CF/88 tratou de estabelecer o devido processo legal, constante

do art. 5º, LIV28, como a base fundamental para todos os outros princípios e

regras. Diz Nelson Nery Junior que “bastaria a norma constitucional haver

adotado o princípio do due process of Law” para que daí decorressem todas as

consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um

processo e a uma sentença justa”.29

O princípio do due process contém em si, de fato, a ideia de

uma justa condução procedimental, englobando todas as outras garantias

constitucionais do processo. Ada Pelegrini Grinover explica que “a cláusula

procedural due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a

parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais

amplo possível, isto é, de ter his Day in Court, na denominação genérica da

Suprema Corte dos Estados Unidos”.30

Cabe, no momento, estudar alguns dos princípios jurídicos

aplicados especificamente ao processo civil, que servirão de auxílio e norte

para a compreensão dos temas debatidos ao longo deste estudo.

26

SARLET, Ingo Wolfgang, 2007,, p. 389. 27

Idem, Ibidem. 28

Art. 5º. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 29

NERY JUNIOR, Nelson, 2010, p. 79. 30

GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: RT, 1973. Apud NERY JUNIOR, Nelson, 2010, p. 87.

20

1.1.3 Princípio da Isonomia Jurisdicional

O art. 5º da constituição trata da igualdade tanto no caput

quanto no inciso I31, evidenciando a importância da constatação de que todos

devem ser tratados de forma equânime, perante a lei. Esse princípio, no

entanto, “tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da

lei”.32

Disso decorre o conceito de isonomia jurisdicional, ou seja,

“relativamente ao processo civil, verificamos que o princípio da igualdade

significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico”.33 Sobre o

tema, leciona Teresa Arruda Alvim Wambier:

De nada adiantaria um princípio constitucional, cujo destinatário é o legislador, se o Judiciário não tivesse de seguir idêntica orientação. O princípio da isonomia recomenda que não se decida diferentemente, em face de casos iguais. Só assim será proporcionada a plena aplicabilidade do princípio da legalidade, funcionando ambos engrenadamente.

34

No mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes:

O princípio da igualdade possui hoje uma dupla dimensão: „igualdade na lei‟ (no tratamento dado pela lei) e „igualdade na aplicação da lei‟ (os juízes devem decidir os litígios idênticos com consequências idênticas)”. [...] Em virtude desse último aspecto do princípio da igualdade, vem sendo construída a seguinte doutrina: um mesmo órgão jurisdicional não pode modificar arbitrariamente o sentido de suas decisões em casos substancialmente iguais; quando isso acontece, deve oferecer uma fundamentação suficiente e razoável.

35

A estrutura judiciária, portanto, não pode comportar decisões

díspares, sobre casos idênticos. É a efetivação dessa isonomia que confere

31

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; 32

AFONSO DA SILVA, José, 2007, p. 215. 33

NERY JUNIOR, Nelson, 2010, p. 99 34

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. São Paulo: RT, 2008, p. 220. 35

GOMES, Luiz Flávio. Súmulas Vinculantes e Independência Judicial, in Revista dos Tribunais, ano 86, vol. 739, São Paulo, 1997, p. 38-39.

21

inteireza, e coesão, ao Judiciário. É nesse ponto que Natacha Nascimento

Gomes Tostes leciona:

[...] É que, se dois casos idênticos recebem tratamento diverso, qual das decisões é justa, e qual é injusta? Onde se efetuou a distribuição da Justiça? Cremos, assim, que nenhuma das hipóteses pode se falar em verdadeira distribuição de Justiça, já que houve uma desestabilização da ordem Sujeitar o indivíduo, portanto, à „loteria das decisões judiciais‟ pode ser considerado um dos caminhos mais propícios para a desestruturação da ordem e para o não cumprimento dos preceitos insculpidos na Carta de 1988.

36

A manutenção da ordem jurídico-constitucional é, nesse

prisma, o que se busca com a isonomia jurisdicional. E “não se pode admitir

como isonômica a postura de um órgão do Estado que, diante de uma situação

concreta, chega a um determinado resultado e, diante de outra situação

concreta, em tudo semelhante à primeira, chega a solução distinta”.37

1.1.4 Princípio da Segurança Jurídica

Justamente tendo em vista a integridade do corpo legislativo,

decorre a necessidade também de proporcionar aos jurisdicionados,

verdadeiros destinatários da atividade judicial, um certo nível de certeza acerca

do posicionamento dos tribunais acerca de determinados temas. Essa certeza,

que pode ser resumida no princípio da segurança jurídica, consiste no

“conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento

antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos

à luz da liberdade reconhecida”.38

É que a pulverização de decisões judiciais, traduzindo entendimentos mais díspares, deixa em situação de perplexidade a população, mormente quando uma gama dessas decisões judiciais não reflete a chamada „consciência coletiva‟.

39

36

GOMES TOSTES, Natacha Nascimento. Uniformização de jurisprudência. In Revista de Processo, n. 104, out./dez. 2001, p.194. 37

DIDIER JUNIOR, Fredie, et. al. Curso de direito processual civil. Vol. 2, Salvador: JusPodivm, 2011, p. 396. 38

AFONSO DA SILVA, José, 2007, p. 433. 39

GOMES TOSTES, Natacha Nascimento, 2001, p. 194.

22

O princípio da segurança jurídica decorre da interpretação do

art. 5º, XXXVI, da CF/88,40 e quer incutir nos cidadãos a garantia de que o

Judiciário, ao julgar os mais variados casos, manter-se-á razoavelmente

coerente e uniforme, não havendo decisões repentinamente conflitantes; o

próprio comportamento do jurisdicionado é um reflexo, pode-se dizer, daquilo

que espera que seja o posicionamento dos juízes e tribunais, como analisa Luiz

Guilherme Marinoni:

Dentro dessa dimensão pública, é natural que as soluções dadas pelo Poder Judiciário às situações que lhe são postas para análise sejam levadas em consideração pelo indivíduo para moldar a sua conduta presente.

41

Nesse mesmo artigo, o autor destrincha o conceito de

segurança jurídica em dois elementos básicos, quais sejam, a previsibilidade e

a estabilidade. O Estado em seus atos, e mormente o Judiciário, portanto,

devem ter em mente a importância de estabilizar o entendimento dos julgados,

garantindo assim um nível de previsibilidade sobre como será o

comportamento judiciário.

Estendendo esse conceito, Celso Antonio Bandeira de Mello

entende que “não apenas o princípio da segurança jurídica, como visto, mas

também o princípio da lealdade e da boa-fé e da confiança legítima se oporiam

e do modo mais cabal possível a que uma mudança de orientação do Poder

Judiciário na matéria viesse a ter tão gravosos efeitos”.42

Concluindo, Fredie Didier Junior diz que “é possível extrair

desse princípio de segurança jurídica não apenas o dever de respeito aos

precedentes judiciais – e aos diversos efeitos que lhe são atribuídos pelo

ordenamento – como também o dever de o tribunal uniformizar a

40

Art. 5º. XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 41

MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. Disponível em <http://www.processoscoletivos.net/ve_artigo.asp?id=64>, acesso em 19/06/2011. 42

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Segurança jurídica e mudanças de jurisprudência. In Revista de Direito do Estado, n. 6, rio de Janeiro, 2007, p. 335.

23

jurisprudência, evitando a propagação de teses jurídicas díspares acerca de

situações de fato semelhantes”.43

1.1.5 Princípio da Razoável Duração do Processo

A Emenda Constitucional nº 45/2004 foi promulgada em meio a

um contexto onde uma série de fatores – de ordem não só jurídica, mas

também econômica, política e social – fazia o Brasil estar inserido no que

comumente ficou conhecido como “a crise do Judiciário”. A intenção final da

emenda, portanto, era o de tentar solucionar essa crise, tendo em vista

principalmente a necessidade de encurtar os longos trâmites processuais pelos

quais passavam os litigantes.44

É nesse sentido que foi acrescentado o inciso LXXVIII ao art.

5º, estipulando que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a

celeridade de sua tramitação”. Daí decorre a interpretação de outro princípio

constitucional, pois tem-se que o acesso à Justiça, e a concretização do já

mencionado due process of Law, só poderão ser respeitados se o processo –

judicial ou administrativo – tiver duração razoável, célere na medida do

possível.

Isso porque nem toda medida que vise tão somente à

celeridade é bem-vinda ao nosso ordenamento. Nelson Nery Junior ressalta

que “o que se deve buscar não é uma justiça fulminante, mas apenas uma

duração razoável do processo, respeitados os demais valores

constitucionais”.45 Para tanto, estabelece ele, de forma básica, porém

elucidativa, alguns critérios objetivos através dos quais deve ser aferida a

duração razoável do processo:

43

DIDIER JUNIOR, Fredie, et. al., 2011, p. 397-398 44

Vale lembrar do notório dizer de Rui Barbosa: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1999, p. 40). 45

NERY JUNIOR, Nelson. 2010, p. 323.

24

a) a natureza do processo e complexidade da causa; b) o comportamento das partes e de seus procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos para a aplicação de atos processuais que assegura efetivamente o direito ao contraditório e ampla defesa.

46

No que diz respeito à Administração Pública – que, por óbvio,

também deve seguir o princípio da celeridade –, tem-se que “essas previsões –

razoável duração do processo e celeridade processual -, em nosso entender,

já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração

do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à

Administração Pública (CF, art. 37, caput)”.47

Essa aderência, tanto do Judiciário quanto da Administração

Pública em geral, em garantir a efetividade de uma Justiça célere, decorre do

fato de que “quando a atividade jurisdicional [e, acrescente-se, administrativa]

não consegue garantir a satisfação jurídica dos litigantes dentro de um período

de tempo compatível com a complexidade do conflito envolvido, não há que se

falar em justiça social, haja vista já provavelmente ter ocorrido o perecimento

do direito ou mesmo ter tornado inútil seu exercício”.48

Compreende-se, dessa forma, que o Estado, seja através do

exercício da atividade jurisdicional, seja na atividade da Administração Pública,

deve respeitar, sobretudo, o devido processo legal. Como decorrência deste

princípio norteador, surge o dever de dar eficácia a outros princípios

fundamentais do processo, dentre eles, a isonomia no tratamento dos

cidadãos, a segurança e previsibilidade no comportamento estatal, e a duração

razoável dos processos judiciais e administrativos.

46

Idem, p. 320. 47

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94. 48

HOTE, Rejane Soares. A garantia da razoável duração do processo como direito fundamental do indivíduo. Revista da faculdade de direito de Campos, ano VIII, n. 10, jun. 2007. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/RejaneSoares.pdf>, acesso em 24/06/2011.

25

1.2 O Supremo Tribunal Federal e a Constituição

1.2.1 A Função Constitucional do STF

A organização judiciária estabelecida pela Constituição

claramente põe o Supremo Tribunal Federal em posição de destaque dentro da

pirâmide do ordenamento.49 Estando no topo da hierarquia dentre os órgãos do

Poder Judiciário, cabe a ele a última interpretação, a palavra final acerca de

questões constitucionais. É, com efeito, o verdadeiro guardião da Constituição.

Nesse prisma, a função do STF não é a de resolver um conflito

inter partes submetido a seu julgamento. Mais do que isso, o Supremo deve

desempenhar uma missão mais importante: a de zelar pelo cumprimento do

que dispõe o texto constitucional, oferecendo sua interpretação ao caso, mas

com vistas a que essa interpretação tenha validade para todas as futuras

demandas de igual teor, valendo como um mandamento, uma diretriz

interpretativa.

Sua atividade essencial, assim, transcende o mero interesse

das partes. E, segundo Enrico Tullio Liebman:

As tendências mais recentes na França, Itália e Alemanha indicam, com uniformidade realmente interessante, um desenvolvimento no sentido de caracterizar, de maneira cada vez mais pronunciada, a função específica destes tribunais supremos, de dar prevalência à tutela de um interesse geral do Estado sobre os interesses dos litigantes.

50

Também Canotilho explicita que “o tribunal constitucional,

mesmo primariamente limitado ao controlo jurídico-constitucional das normas

jurídicas, excluindo de seus juízos valorazões políticas ou apreciações de

mérito político [...], não se pode furtar à tarefa de guardião da Constituição,

49

Tanto por citá-lo em primeiro lugar dentre os órgãos do Poder Judiciário e conferindo-lhe ênfase quando elenca demais órgãos (art. 92, I, e §§ 1º e 2º; art. 96, II), quanto por arrolar suas atribuições antes de outros tribunais e órgãos fracionários da Justiça. 50

LIEBMAN, Enrico Tullio. Perscpesctivas do recurso extraordinário. In Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 85, jan./mar./ 1941, p. 605. Apud AZEM, Guilherme Beux Nassif. Repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 24.

26

apreciando a constitucionalidade política da política normativamente

incorporada em actos dos órgãos de soberania. Por outras palavras: o Tribunal

constitucional assume, ele próprio, uma dimensão normativo-constitutiva do

pluralismo plasmado na Constituição”.51

Essa atividade política nada mais é do que a tarefa de dar ao

texto constitucional a interpretação que deverá ser observada pelos órgãos

hierarquicamente inferiores, e pelo próprio STF; ao fazer isso, o Supremo não

só julga normas, mas também as cria, no exercício do que José Rogério Cruz e

Tucci chamaria de função nomofilácica,52 ou seja, o zelo pela aplicação

uniforme do direito objetivo.

A existência da corte suprema justifica-se, então, pela

necessidade de manutenção da ordem jurídico-constitucional, e não somente

pelo anseio dos jurisdicionados em ver resolvido uma determinada

controvérsia. Por isso mesmo, explica Luiz Guilherme Marinoni que “a simples

intenção de justiça quanto à decisão do caso jurídico concreto – e, com ela,

também o interesse das partes na causa, por si só não justifica a abertura de

uma terceira (e, eventualmente, quarta) instância judiciária”.53

Importante notar que também quanto aos direitos

fundamentais, o STF tem fundamental importância, pois “são os próprios

tribunais, de modo especial a Jurisdição Constitucional, por intermédio de seu

órgão máximo, que definem, para si mesmos e para os demais órgãos estatais,

o conteúdo e sentido correto dos direitos fundamentais”.54

Dessa forma, o STF atua mais como defensor do direito

objetivo, que como intermediador de conflitos. A nós, no momento, importa

estudar a função do Supremo quando do julgamento de Recursos

Extraordinários.

51

CANOTILHO, Joaquim José Gomes, 2003, p. 681. 52

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Art. 475-J e o STJ in Revista Jurídica Consulex, Brasília, n. 260, nov. 2007, p. 51. 53

MARINONI, Luiz Guilherme; Daniel MITIDIERO. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 2007, p. 17. 54

SARLET, Ingo Wolfgang, 2007, p. 397.

27

1.2.2 A Função do Recurso Extraordinário

As hipóteses de cabimento de recurso extraordinário ao

Supremo Tribunal Federal estão elencadas no art. 103, III, da CF/8855, com

redação atual dada pela EC 45/04. Trata-se de controle difuso de

constitucionalidade, porém que se presta a dar à questão submetida ao apreço

do tribunal a interpretação acerca do direito objetivo. Sobre o tema, a lição de

Humberto Theodoro Júnior:

Esse tipo de recurso nunca teve a função de proporcionar ao litigante inconformado com o resultado do processo uma terceira instância revisora da injustiça acaso cometida nas instâncias ordinárias. A missão que lhe é atribuída é de uma carga política maior, é a de propiciar à Corte Suprema meio de exercer seu encargo de guardião da Constituição, fazendo com que seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente aplicados. É a autoridade e supremacia da Constituição que toca ao STF realizar por via dos julgamentos dos recursos extraordinários.

56

Igualmente, Guilherme Azem, ao analisar voto do Min. Gilmar

Mendes, nota que “esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente

subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma

decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva”.57

Oportuno, nessa senda, o que diz Rodolfo de Camargo

Mancuso:

Assim como o STF não é simplesmente mais um Tribunal Superior, e sim a Corte Suprema, encarregada de manter o império e a unidade do direito constitucional, também o recurso extraordinário não configura mais uma possibilidade de impugnação, e sim o

55

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: II - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. 56

THEODORO JUNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei n. 11.418) e súmula vinculante no Supremo Tribunal Federal (Lei n. 11.417). in Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 18, mai./jun. 2007, p. 6. 57

Supremo Tribunal Federal. AI 685066 MC/BA, DJ 21 nov. 2007, p. 70. Apud AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 33.

28

remédio de cunho político constitucional que permite ao STF dar cumprimento à elevada missão de guarda da Constituição (CF, art. 102, caput – grifou-se).

58

Para finalizar, transcrevem-se as impressões do professor

Ovídio Baptista, que muito bem caracteriza o recurso extraordinário:

[...] não visa fazer justiça subjetiva, justiça às partes, a não ser indiretamente, tanto que não tem cabimento por motivo de sentença injusta; é certo que a parte, ao servir-se dele, quer ver reformada a decisão desfavorável, e nisto está o seu caráter eminentemente processual; e o Supremo Tribunal Federal, ao julgá-lo, exrerce função jurisdicional, mas com finalidade diversa dos outros órgãos jurisdicionais.

[...] o recurso extraordinário, ao contrário dos demais recursos ordinários, não tem por fim o exclusivo interesse do recorrente em obter a reforma da decisão impugnada em seu benefício pessoal mas, ao lado desse interesse privado, serve-se o ordenamento juurídico da iniciativa do recorrente para manter e preservar os princípios superiores de unidade e inteireza do sistema jurídico em vigor, evitando que interpretações divergentes e contraditórias sobre um mesmo preceito de lei federal acabem gerando a insegurança e a incerteza quanto à 3existência dos direitos consagrados e protegidos pela lei.

59

Da compreensão da razão de ser do recurso extraordinário,

então, surge a noção de que não se pode conferir às partes litigantes judiciais o

acesso irrestrito à corte Suprema. Até porque, sem um mecanismo de

filtragem, os tribunais superiores funcionariam como uma terceira instância,

distanciando-se da sua função,60 como já visto. É nesse sentido que, mais uma

vez, comenta Ovídio Baptista da Silva:

Para que as cortes cumprarm, nas circunstâncias atuais, sua função primordial, é indispensável que se lhes dê competência seletiva, permitindo-lhes escolher, dentre o número de processos que lhe são

58

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. São Paulo: RT, 2007, p. 153. 59

SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1987, p. 387-388. Apud LOR, Encarnación Alfonso. Súmula vinculante e repercussão geral. São Paulo: RT, 2009, p 51-52. 60

ARRUDA ALVIM, Eduardo. Recurso especial e recurso extraordinário. In NERY JUNIOR, Nelson; Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.) Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT, 2002, p. 139.

29

encaminhados, aqueles que, pelo grau de relevância para o sistema, mereçam sua apreciação.

61

Deve-se, também, elaborar critérios para afunilar o acesso aos

recorrentes extraordinários, por uma questão lógica, de permitir aos ministros

que dispendam o mínimo tempo necessário à apreciação de cada caso – ainda

mais quando o que está em jogo, além do interesse das partes, é a

observância dos ditames constitucionais:

Ninguém honesto e de bom senso pode afirmar que possa haver expectativa social, por mínima que possa ser, de que um ministro – por dotado que seja e reunindo todos os qualificativos para integrar um Tribunal culminante – profira milhares de votos no espaço de um ano. Pode-se dizer que é uma situação inusitada, e, em realidade, anômala. Essa situação configura um quadro banalizador da função esperada dos Tribunais de cúpula.

62

No terceiro capítulo deste estudo, serão pormenorizados os

mecanismos de filtro de admissibilidade do recurso extraordinário.

61

SILVA, Ovídio Baptista da. A função dos tribunais superiores. In MACHADO, Fabio Cardoso. A reforma do poder judiciário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 90. 62

ARRUDA ALVIM. O recurso extraordinário brasileiro e o instituto da repercussão geral. Disponível em <http://www.arrudaalvim.com.br/Site/visualizar-advogado.php?advogado=10&nome=jose-manoel-de-arruda-alvim-netto>, acesso em 20/06/2011.

30

CAPÍTULO 2

A IMPORTÂNCIA DO PRECEDENTE JUDICIAL NA CULTURA JURÍDICA

BRASILEIRA

2.1 Algumas questões terminológicas:

2.1.1 Precedente, Jurisprudência e Súmula

Antes mesmo de se discutir o papel exercido pelo precedente

judicial no quotidiano judiciário brasileiro, é importante definir do que se está

efetivamente tratando.

O termo jurisprudência, que muito frequentemente é usado de

forma equivocada, deve ser compreendido como uma “sucessão de acórdãos

consonantes, sobre um mesmo tema, prolatados de modo reiterado e

constante, por órgão jurisdicional colegiado, num mesmo foro ou Justiça”.63 Por

sua vez, ao “grupo de arestos que não exprimem a posição dominante nos

tribunais, é melhor que se atribua o conceito de precedentes, reservando-se o

termo jurisprudência para o conjunto de decisões uniformes e constantes”.64

Em suma, precedente é “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto,

cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de

casos análogos”.65

A questão central de que se quer falar neste capítulo é a força

vinculante, que pode, ou não, ser conferida à jurisprudência quando do

julgamento de casos análogos. Tem-se, então, que o efeito vinculante, do

ponto de vista da hermenêutica jurídica, é aquele que “restringe o universo

63

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: RT, 2010, p 47. 64

Idem, Ibidem. 65

DIDIER Junior, Fredie, et. al. Curso de direito processual civil, 2011, p. 385.

31

interpretativo aberto às partes e aos juízes, que ficam referenciados por aquela

interpretação superior e prévia”.66

Por sua vez, súmula quer significar, de forma básica, o sumário

ou o índice de algo. Juridicamente, pode ser entendido como um enunciado

extraído de entendimentos reiterados e consolidados por um tribunal acerca de

uma questão.67 São, em suma, uma exposição do posicionamento daquele

tribunal sobre a matéria, consistindo uma diretriz para os julgadores quando se

depararem com casos similares. De fato, podem não adotar a melhor tese

possível68, mas oferecem segurança e representam um norte ao julgador e ao

jurisdicionado.

Pode-se traçar, assim, uma linha crescente de consolidação

dos julgados, de forma que “um precedente, quando reiteradamente aplicado,

se transforma em jurisprudência, que, se predominar em um tribunal, pode dar

ensejo à edição de um enunciado na súmula da jurisprudência deste tribunal”.69

Cabe ressaltar ainda, como faz Rodolfo Camargo de Mancuso, acerca dos

problemas advindos dessas definições conceituais:

O trato científico do tema recomenda que se preserve a ideia nuclear da palavra “jurisprudência”, para que esta não se disperse para certas questõses paralelas, que na verdade constituem um posterius, como, por exemplo, saber qual seria o procedimento mais indicado para a “uniformização” ou para a formulação de “Súmulas”, “assentos”, ou “enunciados”; a extensão da “força vinculativa”; ou ainda, a imbricação do tema com a livre convicção do magistrado ou mesmo com a separação entre os Poderes. Estes questionamentos, sem embargo de sua altíssima relevância, não estão, propriamente, embutidos no núcleo ou na substância do conceito técnico-jurídico de “jurisprudência”, mas antes dizem respeito a indagações subjacentes ao tema.

70

Resta saber, uma vez definidos os contornos terminológicos

das expressões relevantes à matéria, se o precedente judicial apresenta força

66

CUNHA, Sério Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 134. 67

LOR, Encarnación Alfonso, 2009, p.17. 68

ROSAS, Roberto. Pontos e contrapontos da reforma do judiciário. In Revista dos Tribunais, ano 94, vol. 840, out. 2005. 69

DIDIER JUNIOR, Fredie, 2011, p. 401. 70

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 44.

32

vinculante, ou se tem mera força persuasiva. E, mais concretamente, cabe

concluir se ao precedente é conferida a importância necessária, dentro da

estrutura judiciária brasileira.

2.1.2 Força Vinculativa e Força Persuasiva

Muito se discute, e é grande a divergência doutrinária, acerca

da intensidade da carga persuasiva das decisões de tribunais superiores. Isso

porque vincular, diferentemente de persuadir, apresenta significado de

obrigatoriedade, de submissão necessária – como já dito neste capítulo,

significa também restringir. Há quem entenda, como o professor Humberto

Theodoro Júnior, que:

Quando, pois, se cogita de atribuir força vinculante também a julgados de tribunal, o que realmente se quer é atribuir-lhes autoridade para funcionar com força normativa igual à da lei, que a todos obriga e de cujo império não podem fugir os juízes, em suas decisões, a Administração, em seus atos e processos, e os particulares, em sua vida negocial.

71

No mesmo sentido, argumenta-se que:

A não vinculação dos julgamentos dos Tribunais inferiores aos enunciados da Súmula se fundamenta em um argumento que nos parece decisivo: nenhuma norma existe no Direito Positivo brasileiro que prescreva tal vinculação, ou, em outros termos, que institua a conduta oposta a essa obediência em pressuposto de uma sanção.

72

Isso equivaleria a dizer que para que uma decisão seja, de

fato, vinculante, seria necessário ao sistema jurídico incorporá-la com força de

obrigatoriedade tão grande quanto àquela conferida ao texto legislativo. Não

obstante, se assim não o é de forma expressa, boa parte da doutrina enxerga

71

THEODORO JUNIOR, Humberto. Alguns reflexos da Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, sobre o Processo Civil. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, n. 47, jul. 2005, p. 89. 72

BOTALLO, Eduardo Domingos. A natureza normativa das Súmulas do STF, segundo concepções de direito e de norma em Kelsen, Ross, Hart e Miguel Reale. In Revista de Direito Público, n. 29, p. 21, APUD MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 87.

33

na atual conjuntura judiciária a existência de jurisprudência vinculativa,

equiparada à força de lei:

A realidade de decisões judiciais potencializadas (vinculantes) autoriza dizer que já existe uma nova fonte do direito. Decisões dotadas de tal carga são espontaneamente sucedâneas da produção legislativa, pois justamente vêm com generalidade e impessoalidade, dirigindo-se a casos futuros. Ingressam na realidade jurídica de forma concreta (conseqüência de um ou vários julgamentos), mas se estabilizam abstratamente.

(...)

Com essa feição e nesses estritos casos, passa a ser fonte do direito, como se lei fosse. Decisões dotadas de tal carga de potencialidade são, senão de forma convencional, espontaneamente símiles da produção legislativa.

73

Kelsen, inclusive, reconhecia que o tribunal de última instância

teria competência para criar uma norma de caráter abstrato e vinculante e,

dessa forma, estaria não só judicando, mas legislando.74 Também nesse

sentido, Ingo Wolfgang Sarlet crê que “tanto a declaração de

constitucionalidade com efeito vinculante, quanto a vinculação de decisões de

cunho manifestamente interpretativo (...) acabam por conferir caráter normativo

às decisões da jurisdição constitucional, transformando-o numa espécie de

legislador positivo”.75

Não se trata, no entanto, de opinião pacífica uníssona. A não

existência de norma que obrigue à vinculação do precedente traz

inevitavelmente a conclusão de parte da doutrina em sentido diametralmente

oposto. Veja-se:

No sistema jurídico brasileiro, à parte algumas exceções, as decisões judiciais não possuem força obrigatória (efeito vinculante) a não ser com relação às partes envolvidas no processo. Assim, um juiz pode recusar a interpretação dada à lei, em outro processo, por outro juiz ou tribunal, mesmo que se trate do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, é grande o prestígio das decisões dos tribunais, que costumam ser acompanhadas pelas instâncias inferiores, seja pela

73

PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência – da divergência à estabilização. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 10-11. 74

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: RT, 2011, p. 330-343. 75

SARLET, Ingo Wolfgang. Efeito vinculante e deforma do Judiciário, in Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, n. 2, 2002, p. 21.

34

sua natural autoridade – sobre tudo quando reiteradas – seja por que todas as decisões das instâncias inferiores são reformáveis, mediante recurso, pelas superiores.

76

Assim também Cruz e Tucci, explicitando a necessidade pelo

respeito às decisões de tribunais superiores, sem no entanto se referir a uma

obrigatoriedade, ou vinculação:

Ademais, cabe aos magistrados outorgar aos precedentes dos tribunais superiores, revestidos da marca de definitividade, o valor e a influência aptos a orientar os órgãos inferiores e não desrespeitar, sem justificação plausível, a função nomofilácica àqueles atribuída pela Constituição Federal. A despeito da inexistência de fundamento legal explícito para embasar tal raciocínio, dúvida não há de que decorre ele de nosso sistema jurídico que não pode conviver com tamanho desvio das decisões provindas das mais altas Cortes do país, justamente encarregadas pela Lei maior de desenvolver a tarefa de controle da constitucionalidade (STF) e da legalidade infraconstitucional (STJ).

77 (grifou-se)

A carga persuasiva do precedente, assim, seria um “indício de

uma solução racional e socialmente adequada”78, a qual ninguém está

obrigado necessariamente a seguir. Pode-se dizer o mesmo também sobre as

súmulas, que a priori representam tão somente carga persuasiva, como ensina

o professor Nelson Nery Junior:

(...) os demais órgãos jurisdicionais, inclusive os juízes que têm suas decisões revistas em grau de recurso pelo mesmo tribunal, não ficam vinculados à Súmula, podendo decidir de acordo com o seu livre convencimento motivado. Todos os tribunais jurisdicionais do País, inclusive o STF, podem formar a sua própria Súmula, sem caráter vinculante (grifo no original).

79

Ainda, a lição de Rodolfo Camargo de Mancuso, explicitando a

influência de julgados precedentes à atuação judiciária e, inclusive, ministerial:

Mesmo sem a conotação de ser vinculativa, a jurisprudência – mormente em suas formas superlativas – dominante ou sumulada –

76

CUNHA, Sério Sérvulo da, 1999, p. 19. 77

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2004, p. 277-278. 78

CRUZ E TUCCI, José Rogério, 2004, p. 13. 79

NERY Junior, Nelson; Rosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: RT, 2008, p. 765.

35

nunca deixou de exercer uma inegável força persuasiva dentre nós, ora atuando como convincente reforço de argumento, assim nas peças processuais oferecidas por advogados e Promotores de Justiça, como também na fundamentação das sentenças e acórdãos.

80

Mesmo assim, “não é raro que os tribunais de segunda

instância, principalmente estaduais, ignorem solenemente a jurisprudência dos

tribunais superiores”.81 De qualquer forma, é importante notar que,

principalmente entre os tribunais de mesma instância, a condescendência com

relação à divergência jurisprudencial foi sempre bastante acentuada, o que

denota uma resistência dos julgadores quanto a acatar a força persuasiva da

jurisprudência dominante.

Entretanto, a efetivação dos princípios constitucionais

elencados no primeiro capítulo, e uma compreensão sistêmica das funções dos

tribunais, tem feito diminuir a tolerância à divergência de julgados, pois:

Trata-se de grosseiro mal entendido, decorrente da falta de compreensão de que a decisão é o resultado de um sistema e não algo construído de forma individual e egoística por um sujeito que pode fazer valer a sua vontade sobre todos os que rodeiam, e, assim, sobre o próprio sistema de que faz parte. Imaginar que o juiz tem direito de julgar sem se submeter às suas próprias decisões e às dos tribunais superiores é não enxergar que o magistrado é uma peça no sistema de distribuição de justiça, e, mais do que isto, que este sistema serve ao povo.

82

Nesse contexto, percebe-se uma crescente “autoridade

(eficácia) que o legislador brasileiro vem emprestando ao precedente judicial”,83

conforme se verá no próximo capítulo, através das reformas de legislação

processual ocorridas principalmente nas duas últimas décadas.

80

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Súmula vinculante e a EC n. 45/2004, in Teresa Arruda Alvim Wambier et al (Coord), Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005, p. 688. 81

AZEVEDO, Marco Antonio Duarte. Súmula vinculante: o precedente como fonte de direito. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2009, pp. 148/149. 82

MARINONI, Luiz Guilherme. A Transformação do Civil Law e a Oportunidade de um Sistema Precedentalista para o Brasil. Porto Alegre: Revista Jurídica Porto Alegre, v. 57, n. 380, jun, 2009. p. 48. 83

DIDIER JUNIOR, Fredie, 2011, p. 390.

36

Ante a existência do impasse acerca da vinculação obrigatória,

ou não, do precedente, cabe discutir se é efetivamente desejável, à boa

funcionalidade do sistema judiciário, atribuir-se tal carga de persuasão às

decisões judiciais; e, se sim, em quais situações e mediante que tipo de

escrutínio se pode aplicar o precedente judicial a um caso idêntico.

2.1.3 Eficácia Erga Omnes, Efeito Vinculante e Tutela Coletiva

Cumpre também delinear a distinção, no âmbito processual,

entre um julgado de tribunal superior, cuja eficácia possa estender-se a todos

os jurisdicionados em situação idêntica, e um julgado cujo efeito possa vincular

outros julgados futuros, tendo em vista tratar-se de causas que versam sobre

matéria idêntica.

O artigo 102, §2º, da CF/8884, é prova de que o legislador

diferenciou os dois institutos. A eficácia contra todos é dirigida à coletividade, e

significa “do ponto de vista subjetivo, vinculação de todos (...), não só dos

interessados no processo (como acontece na coisa julgada) e não só dos

poderes públicos e órgãos da Administração”.85 Noutra banda, o efeito

vinculante obriga os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a observarem a

interpretação que o STF dê à Constituição. Evita-se assim o ajuizamento de

ações, mesmo que envolvendo outras partes, e dessa forma transcendendo o

interesse do caso individual.86

Ainda por essa distinção deve perpassar um outro conceito,

qual seja, o de coisa julgada coletiva. Isso porque, ao falar-se de efeitos de

84 Art. 102 § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 85

SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 209. 86

Idem, Ibidem.

37

uma decisão judicial que ultrapassem os limites inter partes, não se está

necessariamente fazendo uma referência a coletivização.

Na verdade, “coletivização seria a transformação de milhares

de ações individuais em poucas ações civis publicas (uma para cada réu ou

grupo de réus que pudesse se defender em conjunto, sem prejuízo)”.87 Do

contrário, cuida-se da molecularização de demandas que se encontravam,

anteriormente, atomizadas, nos termos utilizados pelo professor Kazuo

Watanabe88.

De fato, os instrumentos passíveis de fomentar a coisa julgada

coletiva, como a Ação Popular89, a Ação Civil Pública90, e os instrumentos

previstos pelo Código de Defesa do Consumidor91, dizem respeito a pedidos e

causa de pedir que vão além do interesse dos litigantes diretos de uma relação

processual. Isso são causas coletivas.

Já quando se quer atribuir efeito vinculante a um precedente,

está-se falando de causas individuais, porém tomadas coletivamente quanto ao

tema, uma vez que outras tantas causas idênticas (mesmo pedido e causa de

pedir, porém não mesmas partes), repetitivamente, são ajuizadas. A decisão

com efeito vinculante, diferente daquele erga omnes e do ultra partes coletivo,

87 ROSA, Renato Xavier Silveira da. Relação entre demandas e o incidente de coletivização. São Paulo, 2010. Disponível em <http://pt.scribd.com/doc/45802565/Relacao-entre-demandas-e-o-incidente-de-coletivizacao-uma-analise-do-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-em-face-dos-processos-coletivos>. Acesso em 06/06/2011, p. 02. 88 WATANABE, Kazuo. Os Procesos Coletivos nos Países de Civil Law e Common Law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 89

Prevista pelo art. 5º, LXXII, da CF/88, e regulamentada pela Lei n. 4.717/65, definida por Luísa Elisabeth Corrêa Furtado como “um remédio constitucional, através do qual qualquer cidadão se investe de legitimidade para exercer um poder potencialmente político, decorrente da soberania popular preconizada no art. 1º, parágrafo único” da Constituição – Ação popular, São Paulo: LTr, 1997, p. 49. 90

Regulada pela Lei n. 7.347/85, voltada à defesa do meio-ambiente, do consumidor, da ordem urbanística, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e da ordem econômica. Ao tutelar interesses eminentemente coletivos, gera decisões que poderão “estender seus efeitos à classe, categoria ou coletividade envolvida, se assim o recomendarem a natureza da matéria, o interesse público e a economia processual”. – MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 9ª Ed. São Paulo: RT, 2004, pp.232. 91

Cujo artigo 81 dispõe: “A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.” Os incisos que seguem o caput definem interesses coletivos entre difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, de acordo com a origem do vínculo entre a pluralidade de sujeitos envolvidos ou interessados na lide.

38

tem eficácia imediata tão somente para o caso individual. Ocorre que, através

de mecanismos processuais – que mais adiante serão esmiuçados e

explanados –, tal decisão pode (ou deve, conforme se verá) ser reproduzida

em seus termos, com mesmo fundamento, inclusive, quando forem julgados

casos idênticos.

Essa utilização de julgado anterior, com vistas a facilitar a

resolução de demandas individuais idênticas, é que representa a vinculação do

precedente judicial.

2.2 Motivos e Porquês da Necessidade de Vinculação

Alguns doutrinadores, como inclusive o ex-Ministro do STF

Evandro Lins e Silva92, defendem que “Parece lógico e óbvio que não apenas

as Súmulas, como as decisões do Supremo, em tema constitucional, têm efeito

vinculante. A Constituição é o que a Corte Suprema diz que ela é”.93 Não

obstante, é discutível, e à primeira vista não é exatamente lógico, que as

decisões de tribunais superiores tenham imediata força vinculante.

Nesse contexto, e com certa propriedade, José Carlos Barbosa

Moreira pergunta-se se “é realmente desejável que um órgão superior fixe o

entendimento a ser adotado de maneira uniforme pelos outros órgãos judiciais

na aplicação deste ou daquele texto legal”.94 Resta, então, encontrar o

fundamento jurídico que justifique a hierarquização das decisões judiciais.

92

SILVA, Evandro Lins e. A questão do efeito vinculante. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 25, n. 61, jul.-dez., 1995. Disponível em <http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/title/quest%C3%A3o-do-efeito-vinculante/id/52691872.html>, acesso em 04/06/2011. 93

O ex-Ministro Lins e Silva, em seu comentário, parafraseia o célebre pronunciamento do então Presidente da Suprema Corte Norteamericana Charles Evans Hughes: “We are under a Constitution, but the Constitution is what the judges say it is” [Nós vivemos sob uma constituição, mas a constituição é o que os juízes dizem que ela é] – BITTENCOURT, Lúcio, A interpretação como parte integrante do processo legislativo. Revista Forense, n. XCIV, fasc. 478, 1943, p. 9, apud MANCUSO, 2010, p. 51. 94

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos, in Revista Dialética de Direito Processual, n. 27, jun. 2005, p. 58.

39

De forma introdutória, a questão surge com a exposição dos

problemas decorrentes da divergência jurisprudencial:

A Lei é uma só (necessariamente vocacionada para comportar um só e único entendimento, no mesmo momento histórico, e nunca dois ou mais entendimentos simultaneamente válidos). Todavia, no plano dos fatos, decisões podem ser diferentes, porque os tribunais podem decidir diferentemente. É comum haver duas ou mais decisões, completamente diferentes, a respeito do mesmo (mesmíssimo!!) texto, aplicáveis a casos concretos idênticos. Isto gera insegurança nos jurisdicionados e descrédito do Poder Judiciário. É, portanto, inteiramente nefasto do ponto de vista jurídico

95 (grifou-se).

Essa garantia de segurança e confiabilidade ao jurisdicionado,

é o que estuda Rodolfo de Camargo Mancuso:

É nesse campo – da desejável e necessária certeza jurídica – que a jurisprudência, sobretudo a dominante e a sumulada, pode desempenhar relevantíssimo papel.

(...) a jurisprudência é a parte tangível do Direito, sua realização na ordem prática, operada pelo braço judiciário do Estado. Compreende-se, pois, a relevância que, gradativamente, vai ganhando a jurisprudência (e o seu corolário – a necessidade de sua uniformização), mesmo nos países de civil Law, como o nosso, onde o primado repousa na norma escrita.

96

Respondendo, dentro dessa análise, à dúvida de Barbosa

Moreira de se é, ou não, desejável uniformizar a jurisprudência, tem-se as

palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier:

O fato de o sistema “tolerar” decisões diferentes acerca de situações absolutamente idênticas não significa que este fenômeno seja desejável. O mesmo se há de dizer quanto à tolerância a respeito de entendimentos diferentes que se possam ter sobre o sentido de um texto legal. Sempre nos pareceu desejável, para os fins de se gerar dose mais elevada de previsibilidade, que certo texto texto de lei comporte um só entendimento, que se considere correto.

97

95

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Repercussão geral e súmula vinculante in Teresa Arruda Alvim Wambier et al (Coord), 2005, p. 383. 96

MANCUSO, 2010, p. 54. 97

WAMBIER, 2008, p. 220.

40

O primeiro motivo, portanto, para se aceitar a vinculação do

precedente judicial, é uma necessária efetivação do princípio da segurança

jurídica, já desenvolvida no primeiro capítulo deste trabalho.

Por óbvio, não é saudável ao sistema judiciário que um caso,

qualquer que seja, fique à completa mercê de um julgamento em

desconformidade com o que decidem, e vêm decidindo, os demais julgadores.

Não significa endurecer a atividade do juiz a ponto de impedir qualquer

digressão: trata-se meramente de proporcionar ao jurisdicionado, verdadeiro

destinatário da atividade judicial, um mínimo de confiabilidade e certeza acerca

de como vão se comportar os juízes, desembargadores, ministros, sobre um

determinado tema.

O precedente obrigatório, nesse contexto, tem função

integradora e complementadora da lei, desenhando-lhe contornos

interpretativos mais do que necessários, pois “sem conhecimento da norma e o

domínio de sua extensão, não se pode falar em eficácia da norma”.98

Nessa esteira, e decorrente da necessidade de uniformização,

surge a importância do princípio da isonomia, cujo conteúdo já foi esmiuçado

também no primeiro capítulo. Victor Nunes Leal, expoente entre a doutrina na

defesa da vinculação de precedentes, leciona que “os pleitos iguais, dentro de

um mesmo contexto social e histórico, não devem ter soluções diferentes. A

opinião leiga não compreende a contrariedade dos julgados, nem o comércio

jurídico a tolera, pelo seu natural anseio de segurança”.99 Destaque-se que os

conceitos de segurança e jurídica e isonomia aplicada ao processo, quando

analisados sob a ótica da vinculação de precedentes, tendem a se confundir,

embora não possuam o mesmo conteúdo.

98

DA SILVA, Antônio Álvares. As súmulas de efeito vinculante e a completude do ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 2004, p. 142. 99

LEAL, Victor Nunes. Atualidade do Supremo Tribunal Federal, in Revista de Direito Administrativo, v. 78, out.-dez. 1964, p. 458. Disponível em <http://www.institutovictornunesleal.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14&Itemid=19>, acesso em 04/06/2011.

41

É, de qualquer forma, inerente à estrutura do Poder Judiciário

entregar ao jurisdicionado um pronunciamento jurídico coerente, estável, de

forma equânime e isonômica para todas as partes. Nesse ponto pronuncia-se

com razão Marco Antônio Duarte de Azevedo:

“Não é razoável incluir no direito de acesso ao Judiciário o direito a obter um determinado provimento, ou o direito a que a lei seja interpretada como lhe apraz. O juiz da causa continuaria, mesmo que aprovada a vinculação sumular, apto a dizer quais as regras aplicáveis. Não poderia apenas adotar, se entender aplicável, a regra cuja interpretação está sumulada, outro entendimento quanto à extensão, conteúdo ou validade do preceito.

É o mesmo princípio da uniformização de jurisprudência. É função imanente do Poder Judiciário uniformizar a resposta que dá aos jurisdicionados. E contra isso nenhuma voz se levanta. Por que seria atentatório ao direito de ação saber que certa regra legal terá uma determinada interpretação, se já discutida e rediscutida a questão de direito?

100 (grifou-se).

À parte de tudo isso, mas pertinente também à construção

doutrinária de vinculação do precedente, encontra-se um fundamento bastante

simples, de ordem estrutural: não só por uma questão de efetividade de

princípios constitucionais, mas como respeito à própria estrutura do sistema

jurídico e judiciário erigido pela Constituição Federal, é que se deve atribuir aos

julgados paradigmáticos dos tribunais superiores, em especial do Supremo

Tribunal Federal, força persuasiva. Veja-se:

Se o STF detém o monopólio de dar a derradeira e definitiva avaliação sobre a constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, a lógica e o bom senso indicam que essa interpretação há de ser respeitada pelas demais instâncias judiciárias, porque de outro modo apenas se acumulariam os prejuízos: ao jurisdicionado, que debalde se insurgiria contra o entendimento do STF; a prestação jurisdicional, porque o processo teria sua duração inutilmente protraída; ao serviço judiciário, assoberbado de recursos e impugnações, desde logo fadadas ao insucesso, por esposarem entendimento diverso daquele assentado nesse Tribunal da federação.

101

É mera consequência da compreensão das funções de guarda

da Constituição do Supremo Tribunal Federal, e das competências a eles

100 AZEVEDO, Marco Antonio Duarte, 2009, pp 99-100. 101

MANCUSO, Rodolfo Camargo de, 2010, p. 309.

42

atribuídas, enquanto Corte Constitucional, frente à hierarquia judiciária

constituída em 1988102:

Em função da “objetivação” do controle difuso de constitucionalidade, pensamos que os precedentes oriundos do Pleno do Supremo Tribunal Federal, em matéria de controle difuso de constitucionalidade, ainda que não submetidos ao procedimento de consolidação em súmula vinculante, têm força vinculante em relação ao próprio STF e a todos os demais órgãos jurisdicionais do país.

103

As palavras de J.J. Calmon de Passos são esclarecedoras,

nessa senda:

“O fixado em termos genéricos, frise-se, em termos genéricos, pelos tribunais superiores obriga os tribunais e juízes inferiores, tanto quanto a lei. Falar-se em decisão de tribunal superior sem força vinculante é incidir-se em contradição manifesta. Seriam eles meros tribunais de apelação, uma cansativa via crucis imposta aos litigantes para nada, salvo o interesse particular do envolvido no caso concreto, muito nobre, porém muito pouco para justificar o investimento público que representam os tribunais superiores.

104

O mesmo autor, nesse brilhante artigo sobre súmula

vinculante, explica que nas decisões plenárias do STF a força vinculante “é

essencial e indescartável, sob pena de retirar-se dos tribunais superiores

justamente a função que os justifica (grifos no original)”. Segundo ele, essas

decisões assemelham-se às de função legislativa, pois são também uma

norma de caráter geral, abstrata, “só que de natureza interpretativa”. Assim

também:

Nem se sobrepõem à lei, nem restringem o poder de interpretar o direito e valorar os fatos atribuídos aos magistrados inferiores, em cada caso concreto, apenas firmam um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.

105

102

LOR, Encarnación Alfonso. 2009, p. 24. 103

DIDIER JUNIOR, Fredie, 2011, p. 394. 104

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 10, janeiro, 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>, acesso em: 04/06/2011. 105

Idem, Ibidem.

43

Decorre ainda dessa compreensão sistêmica, que “seria inútil à

parte sucumbente arguir perante eles [os Tribunais Superiores] tese dissonante

dos enunciados assentados, assim como, inutilmente, os Tribunais

locais/regionais prolatariam acórdãos divergentes de tal jurisprudência

sumulada nos órgãos de cúpula, já que tais recursos e tais decisões seriam,

respectivamente, rejeitados e reformadas”.106

2.2.1 Vinculação e Independência Judicial

Por toda a exposição de motivos, fundamentos, e bases que

dão suporte à doutrina de vinculação do precedente judicial, nota-se que esta

representa, em certa medida, uma limitação interpretativa aos juízes,

principalmente àqueles de primeira instância.

Nessa toada, poder-se-ia querer minar a aplicação dos

instrumentos de valorização do precedente, por pretenso desrespeito à

liberdade de que gozam os juízes, ao interpretarem dispositivos legais.

Transcreva-se, por oportuna e esclarecedora, a opinião de J.J. Calmon de

Passos:

Talvez só porque, infelizmente, no Brasil pós-1988 se adquiriu a urticária do „autonomismo‟, e todo mundo é comandante e ninguém é soldado, todo mundo é malho e ninguém é bigorna, talvez por isso se tenha tornado tema passional o problema da súmula vinculante.

107

As palavras do mestre processualista são de certa forma

irrefutáveis: por óbvio que o juiz, ao analisar determinada questão jurídica, tem

a liberdade de esposar seu posicionamento pessoal, fundamentando-o. Porém,

“a independência do juiz para interpretar a lei deve ter limites num

106

MANCUSO, 2010, pp. 140-141. 107

PASSOS, José Joaquim Calmon de, 2002.

44

ordenamento jurídico que persiga a uniformização das decisões judiciais”108, e

ainda, “faz parte do sistema que os juízes e tribunais locais adaptem suas

sentenças e acórdãos aos precedentes dos tribunais superiores, ainda que

ressalvem o seu entendimento”.109 A desmedida e não criteriosa liberdade

judicial, portanto:

(...) tende a diminuir na medida que o Superior Tribunal de Justiça venha firmando posição em sentido contrário àquilo que pretendia o juiz decidir. Isto significa que, havendo reiteradas e freqüentes decisões do Superior Tribunal de Justiça [e, acrescente-se, do Supremo Tribunal Federal], ainda que em processos distintos, a respeito de determinados assuntos, conservar-se intacta a liberdade do juiz, como se nada houvesse, seria negar ao Superior Tribunal de Justiça sua função paradigmática e afrontar o princípio da economia processual, já que provavelmente em momento posterior a decisão de mérito a ser proferida naquele processo viria a conformar-se à posição então pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

110

A concepção sistêmica – frise-se à exaustão, única e

verdadeira abordagem do Processo que respeita e dá efetividade aos ditames

constitucionais –, por conseguinte, leva à inevitável conclusão de que se deve,

sim, caminhar em prol da maior valorização do precedente judicial,

especialmente aquele reiterado, sumulado, pacificado pelos tribunais

superiores. Caso assim não seja feito, “a pretexto de uma maior liberdade

funcional do juiz – ou, na linha contrária, para não afetar a sua independência –

, a possibilidade de uma decisão conflitante levaria a parte a discutir apenas “o

processo”, desesperadamente tentando levar a causa ao conhecimento nem

sempre fácil aos Tribunais Superiores”.111

A aplicação de precedentes paradigmáticos, e inclusive da

súmula vinculante, não prescinde da motivação judicial exigida pelo art. 93, IX,

108

PARGENDLER, Ari. Palestra proferida durante o Seminário Euro-Americano de Justiça Administrativa, em 01/03/2010. Disponível em <http://www.jf.jus.br/cjf/noticias-do-cjf/2010/marco/a-independencia-do-juiz-deve-ter-limites-afirma-o-ministro-ari-pargendler>, acesso em 06/06/2011. 109

Idem. 110

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2002, p. 79-80. 111

COSTA, Hélio Rubens Batista Ribeiro. A “súmula vinculante” e o processo civil brasileiro. in COSTA, Hélio Rubens Batista Ribeiro, et. al., Linhas mestras do processo civil: comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. São Paulo: Atlas, 2004, p. 3011.

45

da CF/88, pois o julgador “fundamentará tal aplicação: primeiro, buscando

esclarecer o seu próprio enunciado (= extensão e compreensão); segundo,

demonstrando que o objeto litigioso do processo enquadra-se na indigitada

súmula”.112 Por fim, vale colacionar a lição de Cândido Rangel Dinamarco,

sobre a inevitabilidade de os juízes compreenderem as limitações à liberdade

judicial:

Sou declarado defensor da grande liberdade interpretativa do juiz. Mas essa liberdade não pode ser absoluta, a ponto de ele julgar segundos seus sentimentos pessoais e não como canal de comunicação entre os valores da sociedade e o caso em que atua. O que está à base desse pensamento é a gregra da impessoalidade no exercício da jurisdição. Por outro lado, decisões conflitantes geram incertezas e inseguranças. Que os juízes inovem, sim. Mas é preciso que os próprios juízes, apreciando o que vem sendo decidido, parem para refletir e nesse momento de reflexão afastem interpretações que podem ser pessoais e passem a manifestar-se de modo institucionalizado. Daí a legitimidade dos meios pelos quais se busca a uniformização dos modos de decidir.

113

É de se concluir, portanto, que as causas que tenham mesmo

pedido e mesma causa de pedir, ante a necessidade de uniformização, tenham

também um mesmo desfecho no mundo jurídico, tolhendo-se, mesmo que de

maneira comedida, a independência judicial.

2.2.2 Técnicas de aplicação dos precedentes: Distinguishing e Overruling

O magistrado, quando se depara com um caso concreto,

precisa de critérios razoavelmente objetivos para estabelecer se um ou outro

precedente é aplicável, e se seu caso amolda-se ao julgado que pretende usar

como paradigma, tenha ele carga persuasiva ou vinculativa. Para esclarecer e

apresentar alguns elementos das técnicas de aplicação de precedente,

inicialmente, é preciso saber que “todo precedente é composto de duas partes

distintas: a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e b) a tese

112

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 368 113

DINAMARCO, Cândido Rangel. Decisões vinculantes. Revista de Processo, São Paulo, v. 25, n. 100, 2000, p. 182.

46

ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento

decisório”.114

A razão de decidir, portanto, é a tese jurídica ou a interpretação

da norma consagrada na decisão, de modo que “não se confunde com a

fundamentação, mas nela se encontra”.115 É esse elemento componente do

precedente judicial, o fundamento jurídico que embasa a decisão, que possui

carga de persuasão ou vinculação. Por isso, deve-se estudar a ratio decidendi

do precedente, para saber a extensão material de sua força vinculativa.

Feita essa introdução, tem-se que o precedente judicial poderá

ser aplicado quando suas razões de decidir sejam ajustadas à solução de um

determinado caso concreto. Caso haja distinção (distinguishing) no confronto

entre o caso analisado e a demanda anterior, no que toca a ratio decidendi,

pode o julgador seguir um desses caminhos:

i) dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing), caso em que julgará o processo livremente, sem vinculação ao precedente;

ii) ou estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative distinguishing).

116

Outra situação diversa de não aplicação de precendente é o

overruling, “técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante

e é substituído (overruled) por um outro precedente”,117 seja por ter ele

tornado-se obsoleto, por se mostrar incorreto em julgamento superveniente, ou

por se revelar inexeqüível na prática.118

Por fim, caso apenas seja limitado o âmbito de incidência do

precedente, em razão de uma lei superveniente, fala-se de overriding. Essas

114

CRUZ E TUCCI, José Rogério, 2004, p. 12. 115

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: RT, 2010, p. 221. 116

DIDIER JUNIOR, Fredie, 2011, p. 403. 117

Idem, p. 405. 118

SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, 266-284.

47

técnicas são “entendidos como soluções sistêmicas para evitar a petrificação

do direito, [e] fazem parte e complementam a idéia de uma doutrina

vinculante”,119 como bem atesta José Rogério Cruz e Tucci:

(...) a força vinculante do precedente não impede que uma determinada tese dominante, antes sedimentada, possa ser superada, passando-se a um novo processo de „normatização pretoriana‟.

120

Repisa-se, nesse ponto, a compreensão de que um maior

respeito, ou a atribuição de uma maior carga persuasiva, aos precedentes

judiciais, não implica necessariamente um engessamento do sistema. Pelo

contrário, sempre que for salutar ao dinamismo próprio do mundo jurídico,

recomenda-se que os julgadores utilizem-se das técnicas supramencionadas,

para justamente não aplicar precedentes, demonstrando suas razões de decidir

de forma diferente.

2.3 Fundamentos de Aproximação entre as famílias jurídicas da Civil Law

e Common Law

O sistema jurídico da Common Law, vigente nos Estados

Unidos e Grã Bretanha, tem na jurisprudência consolidada a fonte primária de

direito, sendo a lei e a doutrina fontes secundárias.121 O stare decisis em que

se baseia o sistema pode ser definido como “uma máxima que exprime a base

da doutrina do precedente, qual seja, que é necessário ser fiel a precedentes

anteriores quando os mesmos pontos surgem novamente em litígio”.122

Quer dizer, a base fundamental da sistemática dessa família

jurídica é, justamente, a utilização de precedentes judiciais para a resolução de

119

Idem, p. 303. 120

CRUZ E TUCCI, José Rogério, 2004, p. 180. 121

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O direito processual brasileiro e o efeito vinculante das decisões dos tribunais superiores. In Revista de Processo São Paulo: RT v.105, jan. 2002. p. 64. 122

“Stare decisis et non quieta movere” – “a maxim expressing the underlying basis of the doctrine of precedent, i.e. that it is necessary to abide by former precedents when the same points arise again in litigation” [tradução livre] (Oxford Dictionary of Law).

48

demandas similares. O fundamento da regra do stare decisis pode ser

resumido da seguinte forma:

Igualdade (equity) no sentido de que todos devem receber o mesmo tratamento do Poder Judiciário, de maneira que casos semelhantes recebam respostas jurídicas equivalentes. Previsibilidade (predictability) enquanto se espera que os juízes respeitem as regras e interpretações que já ficaram assentes, proporcionando maior segurança jurídica. Economia (economy) por ser um sistema mais eficiente, já que seguir um precedente seria mais simples do que criar um precedente, facilitando o trabalho dos magistrados. Respeito (respect) na medida em que são valorizadas a experiência e a sabedoria dos magistrados de gerações passadas e dos tribunais superiores.

123

Importantíssimo, a essa altura da análise, ressaltar que os

quatro pontos supramencionados são, de alguma forma, muito semelhantes

aos fundamentos que se quer estabelecer para a doutrina de vinculação de

precedentes na cultura jurídica brasileira. O que se nota, portanto, é uma certa

intersecção entre as características das duas famílias, que ocorre também ante

a percepção de incompletude que um só sistema pode apresentar. No direito

argentino, já se há percebido um fenômeno parecido, à medida que o

predomínio do direito escrito:

(...) está amenizado por dois desenvolvimentos relativamente recentes. Por um lado, multiplicou-se a ação legislativa em suas diversas manifestações (leis propriamente ditas, regulamentos administrativos) e, por outro lado, tem crescido a influência da jurisprudência como instrumento de determinação específica dos sentidos normativos gerais, e como fonte diferenciada do direito.

As visíveis vantagens da especificação jurisprudencial das significações legislativas levou ao surgimento de um pujante movimento de reforma legislativa com a finalidade de atribuir à jurisprudência um caráter obrigatório, utilizando diversas técnicas

123

JANSEN, Rodrigo. JANSEN, Rodrigo. A súmula vinculante como norma jurídica. Revista dos Tribunais, ano 94, vol. 838, ago. 2005, p. 49.

49

processuais. Reduz-se assim a incerteza associada ao caráter genérico dos textos legais.

124

Também no direito italiano se percebe um movimento

doutrinário nesse sentido de valorização do precedente, ante a “instalação de

um sistema judiciário baseato no precedente vinculante, análogo ao stare

decisis da common Law, ou se se prefere uma terminologia continenal,

correspondente ao sistema processual espanhol, que remete o recurso à [Corte

de] Cassação por violação da doctrina legal, ou seja por violação dos

precedentes do Tribunal Supremo”.125

Mostra-se saudável utilizar os conhecimentos de Direito

Comparado para aprimorar as técnicas processuais no âmbito interno; vive-se

uma “grande necessidade de tomar consciência das realidades circundantes,

representadas pelos institutos e conceitos dos sistemas processuais de outros

países, para buscar soluções adequadas aos problemas da nossa Justiça”.126

É, em última análise, uma compreensão de que o sistema da

Civil Law, analisado isoladamente, pode não ser suficiente em apresentar

soluções aos mais recentes elementos da chamada crise do Judiciário.

Empresta-se, assim, noções do direito anglo-saxão, tendo em vista sempre que

124 (...) “se ha visto amenizado por dos desarrollos relativamente recientes. Por um lado se ha multiplicado La acción legiferante em sus diversas manifestaciones (leyes propiamente dichas, reglamentos, regulaciones administrativas) y, por El outro, há creciso la influencia de La jurisprudência como instrumento de determinación específica de los sentidos normativos generales, y como fuente diferenciada Del derecho (...) Las visibles ventajas de La especificación jurisprudencial de lãs significaciones legislativas há llevado AL surgimiento de um pujante movimiento de reforma legislativa com La finalidad de atribuir a lajurisprudencia um cierro carácter obligatorio, utilizando diversas técnicas procesales. Se reduce, así, La incertidumbre asociada AL carácter genérico de los textos legislativos”. – CUETO RÚA, Julio. La ley em El mundo contemporâneo. Anuario de Filosofia Jurídica y Social, n. 6. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1986, p. 247 apud AZEVEDO, 2009, p. 26. 125

GALGANO, Francesco. L’efficacia vincolante del precedente di Cassazione, in Revista Contratto e Impresa, n. 3, 2000, p. 889. Texto original: (...) verso l‟istaurazione di un sistema giudiziario basato sul precedente vincolante, analogo allo stare decisis di common law, o se si preferisce un termine di raffronto continentale, corrispondente al sistema processuale spagnolo, ché ammete il ricorso per Cassazione per violazione della doctrina legal, ossia per violazione dei precedenti del Tribunal Supremo [tradução livre]. 126

DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil comparado. In Revista de Processo, São Paulo, 90, abr./jun. 1998, p. 46.

50

a doutrina do stare decisis “não exige obediência cega a decisões passadas.

Ela permite que os tribunais se beneficiem da sabedoria do passado, mas

rejeitem o que seja desarrazoado ou errôneo. Antes de mais nada, é

necessário que o tribunal determine se o princípio deduzido através do caso

anterior é aplicável. Em seguida, deve decidir em que extensão o princípio será

aplicado”.127

Será demonstrado no capítulo subseqüente, que ”os

precedentes judiciais constituem importante fonte de direito, mesmo no âmbito

dos sistemas jurídicos de tradição romanística (civil Law), com incidência muito

mais ampla do que normalmente se imagina”.128

127

RE, Edward Domenic. Stare decisis. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Revista de Processo, v. 19, n. 73. São Paulo: RT, 1994, p. 30. 128

CRUZ E TUCCI, José Rogério, 2004, p. 18.

51

CAPÍTULO 3

MECANISMOS PROCESSUAIS DE APLICAÇÃO DO PRECEDENTE

JUDICIAL

3.1 Recentes reformas do Código de Processo Civil

Historicamente, o tribunal que ocupa o topo do sistema

judiciário, como última instância recursal, desempenhou uma série de funções,

nem sempre lhe sendo reconhecido o caráter vinculador de suas decisões. No

entanto, alguns expoentes doutrinários desde sempre defenderam a

necessidade de estabilização do entendimento jurisprudencial.

No ponto, o ex-Ministro do STF, Victor Nunes Leal, sobre a

súmula oficial de jurisprudência dominante, de 1963 (ainda na vigência da

Constituição de 1946:

Firmar a jurisprudência, de modo rígido, não seria um bem, nem mesmo seria viável. A vida não pára, nem cessa a criação legislativa e doutrinária do Direito. Mas vai uma enorme diferença entre a mudança, que é freqüentemente necessária, e a anarquia jurisprudencial, que é descalabro e tormento. Razoável e possível é o meio termo, para que o Supremo Tribunal Federal possa cumprir seu mister de definir o Direito Federal, eliminando ou diminuindo os dissídios de jurisprudência.

129

Também nessa esteira, o anteprojeto de reforma do Código de

Processo Civil, de 1964, de lavra do professor Alfredo Buzaid, expunha capítulo

específico sobre uniformização de jurisprudência, de onde se nota a clara

intenção de dirimir a possibilidade de divergências jurisprudenciais. Os artigos

517 a 519, que não foram aprovados quando da promulgação do código, assim

dispuseram:

Art. 517. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação da norma jurídica.

129

LEAL, Victor Nunes. Atualidade do Supremo Tribunal Federal, in Revista Forense, v. 61, n. 208. Rio de Janeiro, 1964, p. 16. Apud AZEVEDO, Marco Antonio Duarte, 2009, p.

52

Parágrafo Único. Cada ministro emitirá seu voto em exposição fundamentada.

Art. 518. A decisão, tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros efetivos que integram o tribunal, será obrigatória, enquanto não modificada por outro acórdão proferido nos termos do artigo antecedente

Art. 519. O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará um assento. Quarenta e cinco (45) dias depois de oficialmente publicado, o assento terá fôrça de lei em todo o território nacional (grifou-se).

130

Veja-se que o intuito de Buzaid era criar uma estrutura

hierárquica entre os órgãos judiciários, de forma que os “assentos” proferidos

por tribunais superiores teriam força de lei – portanto, vinculativa – em todo o

território nacional.

Àquela época, a inspiração para o sistema de assentos foi

muito provavelmente o direito português, que previa a edição de

pronunciamentos sumulares semelhantes aos do vetado artigo 518:

No Direito recente de Portugal, os assentos foram definidos como enunciados de uniformização de jurisprudência emitida pelo Pleno dos Tribunais Superiores, imodificáveis e irrevogáveis pelo órgão emissor, embora pudessem sê-lo até o advento do Código Civil português de 1961 (art. 2º). Essa impossibilidade manteve-se inclusive com as modificações introduzidas naquele diploma em 1967. A reforma do processo civil de 1995, contudo, os extinguiu.

131

De certa forma, muito embora a intenção do anteprojeto fosse

justamente unificar a interpretação jurisprudencial, compreende-se os motivos

do veto a esses artigos. Fica evidente que, sendo possível editar assentos com

força de lei para qualquer divergência de interpretação,132 o judiciário perderia

um mínimo necessário de dinamismo, e restaria engessado, vítima do

entendimento dos tribunais superiores.

130

BUZAID, Alfredo. Anteprojeto de Código de Processo Civil, apresentado ao Ministro da Justiça, 1964 p. 99. Disponível em <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/177246/1/anteprojeto%20de%20codigo%20de%20processo%20civil.pdf, acesso em 04/06/2011>. 131

COSTA, Sílvio Nazarenol. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 23. 132

Pois a técnica de redação sugere, justamente, que não haveria exceções às possibilidades de edição de assentos, bastando para tanto haver, nos termos do artigo 517, o reconhecimento de “divergência”.

53

No entanto, o remanescente daquele capítulo permanece

vigente em nosso Código de Processo Civil, nos artigos 476 a 479, com

redação ligeiramente alterada, visando a retirar do incidente de uniformização

sua força vinculativa de Lei, e conferir a ele caráter persuasivo.133 Segundo

Cruz e Tucci, trata-se de mecanismo “cuja instauração não constitui faculdade,

mas sim, dever do juiz”.134

Com efeito, no corpo do Código de Processo Civil percebem-se

outros mecanismos cujo objetivo nítido é estabilizar o entendimento dos

tribunais superiores, e projetá-lo aos juízes, vinculando, portanto, o precedente,

em determinadas situações.

A lei n. 9.756/1998, por exemplo, modificou a redação do artigo

557 do CPC, e deu ao relator de recurso que já se encontra no tribunal a

faculdade de negar “seguimento a recurso manifestamente inadmissível,

improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência

dominante135 do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de

Tribunal Superior”.

133

Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando: I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência; II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas. Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo. Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão. Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada. Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal. Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência. Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante. 134

TUCCI, José Rogério Cruz e, 2004. p. 13. 135

“Por jurisprudência dominante deve-se ter a que resulta de posição pacífica, seja porque não há acórdãos divergentes, seja porque as eventuais divergências já tenham se pacificado no seio do STF” (THEODORO JUNIOR, Humberto, 2007, p. 10.

54

É medida que, conferindo ao precedente judicial sua

fundamental importância persuasiva, abrevia sobremaneira a duração de ações

cujo resultado inevitavelmente já se pode prever. Nesse sentido:

O processo não poderá aguardar julgamento de um recurso infundado, que deverá percorrer longo caminho procedimental, desde a entrada do recurso até a publicação de sua pauta para julgamento. Se verificar que o recurso não merece julgamento colegiado, porque ocorre alguma das hipóteses do art. 557 do CPC, o relator, ao recebê-lo, deverá julgá-lo individualmente, abreviando a atividade judicante do tribunal.

136

Ainda mais, além de o relator poder negar seguimento ao

recurso nas condições acima tratadas – deixando, portanto, de analisá-lo –,

pode também prestar tutela jurídica positiva, pois o §1º do artigo dispõe que

“Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com

jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal

Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

O julgamento antecipado de que trata o art. 557 é, no entanto,

facultativo, pois “seria cercear a defesa do recorrente negar-se a examinar sua

pretensão recursal, sob o fundamento de que é contrária à súmula (...). A

jurisprudência é dinâmica e, quando necessário, deve ser revista”.137 Estava-

se, naquele momento histórico, em meio a uma leva de mudanças legislativas

processuais em que não somente a valorização dos precedentes

jurisprudenciais, mas também a ampliação dos poderes judicantes do relator

são tendências do processo contemporâneo.138

Posteriormente, a lei n. 11.276/2006 alterou a redação do §1º

do art. 518 do CPC, para dispor que “O juiz não receberá o recurso de

apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior

Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. Mirina Cianci comenta a

136

CARVALHO, Fabiano. Poderes do relator nos recursos: art. 557 do CPC. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 48. 137

NERY JUNIOR, Nelson, 2010, p. 961. 138

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Moderno. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 1.102

55

mudança, julgando-a adequada à efetividade que se busca com a

uniformização de jurisprudência, e alerta:

Não tem caráter vinculativo, de modo que ao juiz será dado, não só em sua sentença, como no despacho de admissão, contrariar o entendimento sumulado, levando em conta convincentes argumentos da parte ou até o considerável equívoco que tenha resultado naquela consolidação, incapaz de contar com o apoio exegético nela instalado.

139

Ressalte-se primeiramente que o não recebimento da apelação

só é possível quando há contrariedade a súmula, e não a julgados de tribunais

superiores indistintamente.140 Sendo assim, garante-se a possibilidade de não

submissão do juiz ao entendimento daqueles tribunais, pois o julgador

monocrático pode, ao contrariar o §1º do art. 518, objetivar uma revisão

daquele precedente persuasivo, por não concordar com seus termos.

De qualquer maneira, esta reforma antecipa o momento de

observância do precedente judicial hierarquicamente superior para antes

mesmo do encaminhamento ao tribunal, visando ainda mais à garantia de

celeridade e efetividade, e valorizando a segurança jurídica.

A lei imediatamente subseqüente, n. 11.277/2006, incluiu no

CPC o artigo 285-A e parágrafos, com a seguinte redação:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5

(cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu

para responder ao recurso.

139

CIANCI, Mirna. O acesso à Justiça e as Reformas do CPC. Saraiva: São Paulo. 2009. p. 199. 140

Ao contrário do que prevê o art. 518 e seu §1º, onde inclusive a “jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior” já é motivo de convencimento suficiente para sobrestar o seguimento de recurso, ou para dar provimento sumário a ele.

56

Trata-se de incidente bastante controvertido, ante a ausência

de contornos técnicos, mas que possibilita ao magistrado encurtar todo o longo

caminho processual, em situações onde este se mostrar desnecessário. A

ocorrência de causas repetitivas, idênticas, que possa ensejar a edição de

mecanismos de celeridade como este, é tratada pela Ministra Ellen Gracie:

Alinho-me entre os que acreditam que a maior parte das questões trazidas ao foro, especialmente ao foro federal, são causas repetitivas, onde, embora diversas as partes e seus patronos, a lide jurídica é sempre a mesma. São causas que se contam aos milhares em todo o país e que dizem respeito a matérias exaustivamente discutidas e de há muito pacificadas pela jurisprudência.

(...)

É inútil e custoso manter a máquina judiciária ocupada com questões que já não oferecem relevo ou dificuldade. Mais que isso, tal atitude desvia atenção e recursos do Judiciário, os quais deveriam estar melhor aplicados nas questões que têm maior atualidade e demandam reflexão e atividade criativa por parte dos magistrados.

141

Segundo a redação do artigo, portanto, no caso de

indeferimento sumário da petição inicial, o prosseguimento da ação depende

da interposição de apelação pelo autor, momento no qual o magistrado poderá

retratar seu posicionamento – nos moldes de como acontece no juízo de

retração em sede de agravo de instrumento.

Fala-se, também aqui, de aplicação de força persuasiva dos

precedentes judiciais. Desta vez, não como na súmula impeditiva de recursos,

pois o que importa não é a súmula de tribunal superior, mas sim a ocorrência

de causas repetitivas, para as quais o tribunal tenha dado reiteradamente o

mesmo entendimento.

141

NORTHFLEET, Ellen Gracie. Ainda sobre o efeito vinculante, in Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, n. 16, jul.-set. 1996, p. 12 apud MORAES, Guilherme Pena de. Súmula vinculante no direito brasileiro. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº. 17, 2008. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>, acesso em 04/06/2011.

57

3.2 Súmula vinculante

O princípio da celeridade processual – que, como visto, foi

positivado no Art. 5º, LXXVIII da CF/88 através da EC 45/2004 – ganhou, com

a emenda, contornos palpáveis ante a criação de mecanismos de valorização

dos precedentes obrigatórios, culminando numa maior uniformização de

jurisprudência e diminuição da duração média dos processos. Fala-se da

repercussão geral – cujas especificidades serão tratadas em capítulo

específico – e da súmula vinculante.142 Segundo Rodolfo Camargo de

Mancuso, esta se define da seguinte maneira:

É a potencialização da eficácia das súmulas do STF, as quais, até a EC 45/2004 (CF, art. 103-A e parágrafos) tinham força tão só persuasiva perante os órgãos jurisdicionados brasileiros, além dos efeitos de dispensarem, perante o STF, “a referência a outros julgados no mesmo sentido” (RISTF, §4º. do art. 102). O efeito vinculante – que a nosso ver alcança os motivos determinantes – opera sobre a declaração do STF acerca da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas em, em matéria constitucional. Não se coloca, portanto, uma vera antinomia entre norma legal e súmula vinculante, na medida em que esta ultima decorre de uma avaliação estritamente jurídica acerca de reiteradas decisões envolvendo uma norma, de tal sorte a permitir a extração de um enunciado obrigatório a respeito da exegese assentada.

143

Importante notar, da redação do artigo 103-A e seus

parágrafos, que a vinculação inerente à súmula estende sua eficácia, além dos

órgãos judiciais, a toda a Administração Pública direta e indireta. Vale dizer, a

142

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso." 143

MANCUSO, 2010, p. 401.

58

obrigatoriedade de observância, pelo Poder Executivo, é o ponto fulcral do

efeito vinculante.144 Isso porque é, de fato, o objetivo de tal súmula,

proporcionar celeridade processual e solidificar a posição constitucional

ocupada pelo STF, que detém competência exclusiva para sua edição.

Tudo isso, diga-se, sem engessar o sistema judiciário; quem

assim crê, explica Rodrigo Jansen, “parte da premissa equivocada de que a

súmula seria um esquema interpretativo, uma „camisa-de-força‟ como se

costuma dizer e não uma norma jurídica geral e abstrata”.145 Com efeito, como

explica Encarnación Alfonso Lor:

O propósito da súmula vinculante não é o de cristalizar o Direito: pretende, tão somente, coibir as aventuras processuais em que o maior litigante costuma ser o Estado, que, além dos prazos em dobro e em quádruplo, usa e abusa dos recursos, em questões da mesma natureza, alongando processos em que certamente perderá por força de jurisprudência pacificada.

146

Tendo representado um avanço considerável, concreto, na

onda de reformas processuais de valorização do precedente, a súmula

vinculante é resultado desse gradual desenvolvimento de concepção

doutrinária a respeito da importância da vinculação do precedente. Assim

ensina o professor Eduardo de Avelar Lamy:

A valorização crescente dos precedentes indica a tendência de adoção da súmula vinculante. À medida que os tribunais e os relatores continuam a praticar o sistema até agora implantado, conforme a estrutura judiciária consitucional – especialmente pelas decisões monocráticas permitidas pelo art. 557 do CPC e o efeito vinculante existente nas ações de controle concentrado de constitucionalidade – o amadurecimento do sistema político-jurídico brasileiro indica esta direção.

147

Nesse norte, boa parte da doutrina defende o uso mais

frequente da súmula vinculante, mesmo ante as críticas de que tal mecanismo

144

SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton 2006, p. 209. 145

JANSEN, Rodrigo, 2005, p. 67-68. 146

LOR, Encarnación Alfonso, 2009, p. 132. 147

LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo: RT v.120, fev. 2005, p. 119.

59

seria uma afronta a garantias constitucionais processuais, desrespeitando o

devido processo legal e não garantindo acesso a justiça. Frise-se, em primeiro

lugar, que o argumento fundador da súmula vinculante é, justamente, dar maior

efetividade a princípios fundamentais do processo, como a isonomia:

A adoção da súmula vinculante e do instituto da repercussão geral têm uma importância que vai muito além do problema da sobrecarga do Supremo Tribunal Federal. Ambos asseguram um tratamento isonômico a todos os cidadãos, contribuindo para o fortalecimento e a credibilidade de todo o Poder Judiciário.

148

Já em 1996, o então Procurador-Geral da República, Geraldo

Brindeiro, defendia a “adoção do efeito vinculante das Súmulas dos Tribunais

Superiores (...) em respeito ao princípio constitucional da isonomia, pois é

inaceitável dar-se tratamento diferenciado, com base na mesma lei, a pessoas

em situações jurídicas idênticas”.149 Sabe-se também, nessa conjuntura, que

uma norma é justa não apenas por estar em conformidade com uma lei

superior, mas, sobretudo, por ser igualitária.150 Quanto à crítica de desrespeito

ao princípio do acesso à justiça, que a uma análise superficial pode fazer

sentido, colaciona-se a esclarecedora exposição de Rodrigo Jansen, que

aborda o tema da morosidade processual causada pela Administração Pública,

quando faz uso das instâncias do judiciário a seu favor:

A súmula vinculante pode contribuir para o acesso à justiça, tida a expressão na sua acepção mais ampla: a de acesso a uma ordem jurídica justa e não apenas de acesso ao Poder Judiciário. Nada mais injusto para os cidadãos do que, ao tentarem, por exemplo, haver um tributo indevidamente pago, terem de se submeter a todas as instâncias de julgamento, até o Supremo Tribunal Federal, para que vejam os seus direitos garantidos, principalmente quando a matéria já seja pacífica.

151

As funções da súmula vinculante, portanto, são uma mera

observância da função estrutural do STF, dentro do complexo judiciário

148

LOR, Encarnación Alfonso. Op. Cit., p. 71. 149

BRINDEIRO, Geraldo. Palestra proferida nas Faculdades Metropolitanas Unidas, em São Paulo, noticiada no jornal Tribuna do Direito, jun. 1996, p. 15, apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 137. 150

BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 14. 151

JANSEN, Rodrigo, 2005, p. 69-70.

60

constitucional; de forma simples, “quando há súmula, admitir o direito de o juiz

julgar diversamente do tribunal é, também, obrigar a parte que tem razão a

recorrer, o que significa, por si só, uma injustiça”.152

3.3 Repercussão Geral

Outra importante inovação processual trazida pela Emenda

Constitucional 45/2004 foi a inclusão do §3º do art. 102 da CF/88, estipulando

que “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão

geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim

de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo

pela manifestação de dois terços de seus membros.” A regulamentação de que

fala o parágrafo veio com a Lei n. 11.418/2006, que acrescenta no Código de

Processo Civil os artigos 543-A153 e 543-B154, e determina a maneira de

152

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: RT, 1997, p. 182. 153 Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1

o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2

o O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do

Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3

o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou

jurisprudência dominante do Tribunal. § 4

o Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos,

ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5

o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre

matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6

o O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros,

subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7

o A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no

Diário Oficial e valerá como acórdão.”

61

procedimento dos novos requisitos de admissibilidade ao recurso extraordinário

dirigido ao Supremo Tribunal Federal.

Isso tudo, num contexto amplamente denominado de crise do

Judiciário, motivo determinante da edição da emenda constitucional de 2004.

No início da vigência da CF/88, de 1988 a 1995, aproximadamente 68% dos

acórdãos do STF eram repetições de outros acórdãos, em matérias e hipóteses

idênticas.155

Trata-se de mudança profunda no acesso à Corte

Constitucional, cujas especificidades merecem estudo mais detalhado.

3.3.1 Origem e Natureza Jurídica

3.3.1.1 Influências de Direito Estrangeiro

O funil de admissibilidade recursal ao STF encontra suas

raízes em institutos similares, tanto do na common Law quanto nos países de

tradição estatutária,156 que passam por uma tendência de filtrar os recursos

que chegam à corte constitucional, numa busca pela “diminuição do acesso

154 “Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1

o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da

controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2

o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão

automaticamente não admitidos. § 3

o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados

pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4

o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos

do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5

o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos

Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.”

155 RAMOS, Saulo. Questões do efeito vinculante. In Revista dos Tribunais, São Paulo, ano

4, n. 16, jul./set.1996, p. 26. 156

Notam-se reformas processuais nesse sentido na Alemanha, Itália, Áustria e Espanha (FAVOREU, Louis. As cortes constitucionais. São Paulo: Landy, 2004, p. 38).

62

aos tribunais superiores pela via recursal” que impõe a “criação de requisitos

que dificultem o conhecimento de recursos” para “racionalizar a atividade

jurisdicional”.157

Mais diretamente ligado à nossa repercussão geral, está o

procedimento norteamericano do writ of certiorari, condição de admissibilidade

de apelos à suprema corte daquele país, descrita na Rule 10158 do regimento

interno do tribunal. O litigante deve indicar à Supreme Court quais os motivos

pelos quais seu caso merece ser apreciado; ao requerido do recurso é

oportunizado contrarrazoar a petição de certiorari, e os ministros analisam as

razões das partes. São necessários quatro votos, de um total de nove

componentes da corte, para garantir a admissibilidade do apelo.

A corte, ao conceder (grant, em inglês) certiorari, expede uma

ordem ao tribunal a quo para que este remeta os autos ao órgão superior, para

análise do recurso. As razões de ser desse filtro constitucional são, nas

palavras de Bernard Schwartz, são evitar que o tribunal fique assoberbado com

casos de pouca importância, e não despenda o tempo necessário à resolução

dos casos de reconhecida importância.159 Araken de Assis vai no mesmo

sentido, elucidando que o “mecanismo permite ao tribunal selecionar os casos

157

PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira de. A Lei 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário. Disponível em <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9470/a-lei-no-11-418-06-e-a-repercussao-geral-no-recurso-extraordinario>, acesso em 10/06/2011. 158

Rule 10. Considerations Governing Review on Writ of Certiorari Review on a writ of certiorari is not a matter of right, but of judicial discretion. A petition for a writ of certiorari will be granted only for compelling reasons. The following, although neither controlling nor fully measuring the Court's discretion, indicate the character of the reasons the Court considers: (a) a United States court of appeals has entered a decision in conflict with the decision of another United States court of appeals on the same important matter; has decided an important federal question in a way that conflicts with a decision by a state court of last resort; or has so far departed from the accepted and usual course of judicial proceedings, or sanctioned such a departure by a lower court, as to call for an exercise of this Court's supervisory power; (b) a state court of last resort has decided an important federal question in a way that conflicts with the decision of another state court of last resort or of a United States court of appeals; (c) a state court or a United States court of appeals has decided an important question of federal law that has not been, but should be, settled by this Court, or has decided an important federal question in a way that conflicts with relevant decisions of this Court. A petition for a writ of certiorari is rarely granted when the asserted error consists of erroneous factual findings or the misapplication of a properly stated rule of law. 159

SCHWARTZ, Bernard. Direito constitucional americano. Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 175-176. Apud AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 41.

63

de grande significação para a nação e, ao mesmo tempo, limita o número de

processos julgados pelo tribunal em cada ano judiciário”.160

Traço marcante desse instituto é a avaliação discricionária161

acerca da relevância da questão recorrida, que deriva do “reconhecimento

unânime de que a Corte não pode e não deve dedicar-se a assuntos

considerados menores, na escala nacional”.162 Essa discricionariedade do

julgamento da admissão recursal logrou sucesso em diminuir o número de

casos apreciados pela Suprema Corte:

Nos Estados Unidos, país com população superior à do Brasil e com alto grau de litigiosidade, cerca de 80% das demandas estancam no 1º grau e, portanto, apenas 20% sobem aos tribunais de Justiça. Enquanto a Suprema Corte Americana recebe cerca de cinco mil processos por ano e seleciona não mais que cem para julgar, o STF julga, em média, um número superior a cem mil processos por ano.

163

Também o sistema de admissibilidade alemão exerceu

influência sobre o brasileiro, através do recurso de revisão, de características

bastante similares ao nosso recurso extraordinário. “Especificamente, no

âmbito do processo civil, regulado pela ZPO,164 o § 543, item 2, primeira

oração, estabelece os requisitos de admissão obrigatória da revisão para o

tribunal de alçada que o deva conhecer: a) que a questão jurídica tenha um

significado fundamental; ou b) que favoreça ao aperfeiçoamento do direito ou

assegure a unificação da jurisprudência”.165

Analisando o instituto, Nelson Nery Junior indica a similitude

com o já descrito writ of certiorari:

Esse requisito existente no direito alemão é reconhecidamente de influência norte-americana, com apenas uma diferença: enquanto o

160

ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 696. 161

MACIEL, Adhemar Ferreira. Restrição à admissibilidade de recursos na Suprema Corte dos Estados Unidos e no Supremo Tribunal Federal do Brasil. In Revista CEJ, Brasília, n. 33, abr./jun. 2006, p. 31. 162

TAVARES, André Ramos. A repercussão geral no recurso extraordinário. In TAVARES, André Ramos et. al. Reforma do judiciário: analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 213. 163

Idem, Ibidem. 164

Zivilprozessordnung, o código de processo civil germânico. 165

AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 48.

64

órgão competente para reconhecer a causa improtant or meritorius é a Suprema Corte Americana, no direito alemão é o tribunal de segundo grau que se manifesta a respeito da „importância fundamental da causa‟, isto é, o próprio acórdão que será objeto de eventual recurso de revisão deve trazer em seu bojo a manifestação de que a questão se reveste de importância fundamental. Somente assim será a revisão cabível.

166

A solução alemã não parece, em princípio, a mais adequada a

criar um filtro criterioso de admissibilidade recursal. Isso porque, ao conferir ao

tribunal de segunda instância a competência para dizer se seus próprios

acórdãos têm relevância fundamental, pede-se basicamente que o julgador

decida de uma determinada maneira, fazendo a ressalva de que pode não ser

o melhor posicionamento frente à constituição. Seria ir de encontro ao objetivo

de unificação de jurisprudência.

Sobre a importância do mecanismo alemão no âmbito do

direito brasileiro, a lição de Barbosa Moreira já o aproximava da antiga

“arguição de relevância” – que mais adiante será pormenorizada – existente no

Brasil:

A reiterada alusão, em matéria de admissibilidade de recursos, à “significação fundamental” (grundsätzliche Bedetung) da questão de direito suscitada (alusão que já se via no antigo § 546 da ZPO, com referência à Revision), traz à lembrança do jurista brasileiro o requisito da “relevância da questão federal”, que em certa época adotou o STF para restringir o cabimento do recurso extraordinário em determinadas hipóteses (...). Na doutrina alemã, o conceito de “significação fundamental” foi traduzido, sinteticamente, dizendo-se que a questã o discutida, na aplicação concreta, devia ser suscetível de generalização a um número indeterminado de casos, e a decisão a seu respeito servir à unidade de ao desenvolvimento do direito. (...) a matéria precisa revestir interesse que transcenda nitidamente os lindes do caso concreto.

167

Já no continente sul-americano, pode-se fazer um paralelo

entre a repercussão geral e o artigo 280168 do Codigo Procesal Civil y

166

NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. São Paulo: RT, 2004, p. 103. 167

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão. In Revista do Processo, São Paulo, v. 111, jul./set. 2003, p. 111-112. 168

Art. 280. La Corte, según su sana discreción y con la sola invocación de esta norma podrá rechazar el recurso extraordinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las questiones resultaren insustanciales o carentes de transcendencia.

65

Comercial de La Nación argentino. Assim, “exige-se a projeção econômica,

social ou política, ou seja, afigura-se fundamental que, da apreciação do caso,

projetem-se reflexos que repercutam além dos estritos limites do feito. Para

rechaçar o recurso extraordinário, basta invocar a norma prevista no art. 280 do

CPCCN, dispensando-se qualquer outro fundamento”.169

Pequenas diferenças à parte, nota-se que “em todos esses

casos a mesma razão encontra-se presente: velar pela unidade do Direito

através do exame de casos significativos para a ótima realização dos fins do

Estado Constitucional, sem sobrecarregar o Supremo Tribunal com o exame de

casos sem relevância e transcendência”.170

3.3.1.2 Origens no Direito Brasileiro: a Arguição de Relevância e a

Transcendência Trabalhista

Não é nova a discussão, em terreno brasileiro, sobre o tema.

Já em 1965, o ministro Victor Nunes Leal lecionava que “qualquer tipo de

questão que chegue à Corte Suprema sofre um processo preliminar de triagem

e somente sobrevive naqueles casos em que a Corte considera

suficientemente importantes ou significativos (important or meritorius) para

justificar uma revisão.171

Pode-se dizer que a repercussão geral, como é regulamentada

hoje, encontra antecedente bastante similar na relevância da questão federal,

instituída pela Emenda Constitucional n. 7/1977, que alterou a redação do

169

PALACIO, Lino Enrique. Simplificación de los recursos extraordinários. In BERIZONCE, Roberto OMAR et. al. El papel de los tribunais superiores. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 296-298. Apud AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 46. 170

MARINONI, Luis Guilherme; Daniel Mitidiero, 2007, p. 20. 171

LEAL, Victor Nunes. Aspectos da reforma judiciária. In Revista de informação legislativa 7/15, Senado Federal. Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2007, p. 196.

66

parágrafo único do art. 119 da Constituição de 1967.172 Moreira Alves bem

descreve em quê constituía o mecanismo:

Ao julgar a argüição de relevância, o Supremo Tribunal Federal emite um julgamento em tese – o de que, em abstrato, a questão que lhe é exposta interessa à Federação –, e, como ocorre com referência a qualquer julgamento em tese, pratica um ato de natureza política, no exercício de sua missão constitucional de Tribunal da Federação.

Sua acolhida implica, apenas, o reconhecimento, em tese, de que a questão federal em que está envolvido o interesse do suscitante dela apresenta, em si mesma e independente deste, relevo suficiente para que se afaste a restrição preliminar ao cabimento do recurso extraordinário consubstanciada no óbice regimental existente.

173

O grande expoente doutrinário de defesa desse instituto foi

Victor Nunes Leal, que invocava o writ of certiorari norteamericano para

defender que as questões que chegassem ao STF deveriam passar por uma

triagem preliminar.174 Sustentava, com efeito, que “esta válvula, não somente

reduziria o serviço do Supremo Tribunal a proporções exeqüíveis, como daria

melhor teor doutrinário às suas decisões, em correspondência com sua posição

de Tribunal de cúpula”.175

Existem, de fato, diferenças entre esse instrumento, e a atual

repercussão geral, que nos permitem dizer não se tratar de um retorno do

mecanismo processual da arguição de relevância – não recepcionado pela

Constituição de 88.176 À primeira vista, destaca-se que a argüição de relevância

“visava a possibilitar o conhecimento deste ou daquele recurso extraordinário a

172

Art. 119. Parágrafo Único: As causas a que se refere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal. 173

MOREIRA ALVES, José Carlos. A missão constitucional do Supremo Tribunal Federal e a argüição de relevância de questão federal. In Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, São Paulo, v. 16, jan./dez., 1982, p. 47, apud AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 52. 174

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2007, p. 50 175

LEAL, Victor Nunes. O requisito da “relevância” para redução dos encargos do Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.ivnl.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14&Itemid=19>, acesso em 11/06/2011. 176

O transcurso da década de noventa sem a introdução de um mecanismo substitutivo à argüição de relevância gerou inclusive protestos pelo seu retorno, “para permitir à Suprema Corte o exercício do poder de selecionar, com prudente discrição, as causas suscetíveis de exame jurisdicional” (MELLO FILHO, José Celso de. Algumas reflexões sobre a questão judiciária. In Revista do Advogado, São Paulo, v. 24, n. 75, abr. 2004, p. 49).

67

priori incabível, funcionando como um instituto com característica central

inclusiva, [e] a repercussão geral visa a excluir do conhecimento do Supremo

Tribunal Federal controvérsias que assim não se caracterizem”.177

No entanto, em essência, ambos têm objetivos comuns:

a) Que o Supremo Tribunal Federal só se ocupe de causas de interesse geral, cuja decisão não se confine à esfera de direitos exclusivamente dos litigantes e possa ser útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas;

b) Zelar pelo direito objetivo – sua eficácia, sua inteireza e a uniformidade de sua interpretação – na medida em que os temas trazidos à discussão tenham relevância para a Nação.

178

Já sob a égide da Constituição de 1988, outro instituto que

muito se assemelha ao da repercussão geral é a chamada transcendência

trabalhista, constante do artigo 896-A, da Consolidação das Leis do

Trabalho.179 Trata-se basicamente de procedimento análogo, no âmbito da

Justiça especializada do Trabalho, onde o TST analisará se o recurso de

revista – equiparável ao recurso especial ao STJ – trata de matéria que cujos

reflexos do julgamento transcendam aqueles gerais, de natureza econômica,

política, social ou jurídica, como no comentário de Maria Cristina Mattioli:

O que impende considerar, e isto é importante, é que os valores que serão analisados pelo Tribunal Superior do Trabalho são, também, sintomas da magnitude de sua função, que não é apenas revisional, mas também política.

180

3.3.2 A Repercussão Geral Propriamente Dita

O §1º do art. 543-A, do CPC, define como merecedoras de

repercussão geral as “questões relevantes do ponto de vista econômico,

177

MARINONI, Luis Guilherme; Daniel Mitidiero, 2007, p. 31. Mais adiante neste trabalho será explicado o caráter exclusivo da repercussão geral. 178

LOR, Encarnación Alfonso, 2009, p. 43. 179

Art. 896-A: O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 180

MATTIOLI, Maria Cristina. Critério de transcendência no recurso de revista. In Revista LTr, São Paulo, v. 65, ago. 2001, p. 140.

68

político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses da causa”. É da

análise direta do texto legal que se extrai a fórmula: repercussão geral =

relevância + transcendência.181

Com efeito, a nova exigência de admissibilidade do recurso

extraordinário alinha duas facetas distintas. A primeira, relevância, divide-se em

econômica, política, social ou jurídica, cujos conceitos exatos cabe ao próprio

STF determinar, à medida que analisar, in concreto, a existência ou não de

repercussão geral caso a caso. A interpretação doutrinária, no entanto, num

esforço para dar contornos iniciais ao que diz a legislação processual, busca

exemplificar cada uma das espécies de relevância mencionada:

Repercussão geral jurídica: a definição da noção de um instituto básico do nosso direito, “de molde a que aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente”.

Repercussão geral política: quando “de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com Estados estrangeiros ou organismos internacionais”.

Repercussão geral social: quando se discutem problemas relacionados “à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do MP para a propositura de certas ações”.

Repercussão geral econômica: quando se discutissem, por exemplo, o sistema financeiro de habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais.

182

Por óbvio, não é necessário que uma questão constitucional183

seja relevante em mais dos critérios estipulados. Muito frequentemente, a

discussão economicamente relevante pode, também, sê-lo do ponto de vista

181

MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Danie, 2007, p. 33. 182

MEDINA, José Miguel Garcia, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2005, p. 103-104. 183

O termo questão constitucional deve ser entendido como a controvérsia jurídica em matéria constitucional que se submete ao julgamento do STF. Pode, portanto, ser compreendido como a contrariedade ou não a dispositivo da Constituição; a (in)constitucionalidade de tratado ou lei federal; a (in)validade de lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; e a (in)validade de lei local contestada em face de lei federal. São as alíneas a a d do art. 102, III, da CF/88, representando as possibilidades de interposição de recurso extraordinário.

69

jurídico, por exemplo; no entanto, a cumulação de critérios não é necessária

para a configuração da repercussão geral.184

Pode-se inferir que a relevância do ponto de vista econômico

existirá, por exemplo, quando houver literal ofensa ao art. 170 da constituição.

Politicamente, quando a questão tratar da soberania nacional frente a outros

países, ou quando se discutir a forma federativa do Estado. Do ponto de vista

social, quer-se crer que haverá relevância quando houver transgressão ao

Título VIII do texto constitucional (“Da Ordem Social”), e também quando a

questão envolver a tutela transindividual.185 Por fim, a relevância jurídica186 é a

controvérsia sobre institutos jurídicos propriamente ditos, como o conceito ou a

abrangência de um conceito de Direito.

Não obstante tudo isso, mesmo uma questão flagrantemente

relevante para o mundo jurídico, pode não ter a necessária transcendência

para ensejar o reconhecimento de repercussão geral. Esta pode ser definida da

seguinte maneira:

A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa.

187

Também Eduardo Talamini crê que o alcance numérico da

questão debatida (transcendência quantitativa), por si só, não configura a

transcendência, devendo ser levada em conta a profundidade do debate, e o

quão fundamental ele é para a ordem jurídico-constitucional (transcendência

184

PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. A repercussão geral das questões constitucionais no recurso extraordinário. In ASSIS, Araken de. et al. Direito civil e processo: estudos em homenagem ao professor Arruda Alvim. São Paulo: RT, 2008, p. 1493. 185

Seja ela de interesses difusos, coletivos, ou individuais homogêneos, presentes nos incisos I, II e III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor 186

Entendida como judídica strictu sensu, pois toda questão a que seja reconhecida repercussão geral tem, em sentido lato, relevância jurídica porquanto seja importante à boa interpretação do texto constitucional. 187

MARINONI, 2007, p. 37.

70

qualitativa).188 Ainda, a repercussão geral deve levar em conta “o fato de a

mesma questão poder se repetir em outras ações”.189

Importante destacar que também o instituto da repercussão

geral foi introduzido ao ordenamento para garantir a aplicação dos preceitos

fundamentais de isonomia e segurança jurídica, como bem elucida Bruno

Dantas, em excelente obra sobre o assunto:

Em última análise, o legislador reforçou, de modo apriorístico, a segurança jurídica, a igualdade perante a lei e a legalidade, como valores fundamentais e estruturantes do nosso Estado Democrático de Direito, e, portanto, dignos de tutela pela mais elevada Corte de Justiça do País, independentemente de qualquer outra espécie de repercussão na sociedade.

190

É necessário, ao identificar os limites de incidência de cada um

dos requisitos à concessão de repercussão geral a uma questão constitucional,

que se promova o “acesso adequado ao STF – e não o acesso quase universal

e ilimitado”191 a esse tribunal, cujas funções constitucionais já foram analisadas

no capítulo um.

3.3.3 Aspectos de Procedimento: o CPC e o RISTF

A demonstração de repercussão geral deve ser feita, pelo

requerente do recurso extraordinário, em preliminar, para apreciação exclusiva

do STF (Art. 543-A, §2º, do CPC). Isso significa que o Supremo, e só ele, tem

competência para determinar a existência ou não desse requisito de

admissibilidade, o que se compreende por motivos óbvios: se o STF é o

guardião e último interpretador da norma constitucional, nada mais justo seja

188

TALAMINI, Eduardo. Repercussão geral em recurso extraordinário: nota sobre sua regulamentação. In Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v. 54, set. 2007, p. 58. 189

MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. São Paulo: RT, 2009, p. 202. 190

DANTAS, Bruno. Repercussão geral. São Paulo: RT, 2008, p. 286. 191

AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 31.

71

ele a determinar quais, efetivamente, sejam as questões dignas de receber um

pronunciamento definitivo192 do tribunal constitucional.

O órgão julgador a quo, portanto, não se pronuncia acerca da

existência de repercussão geral. Porém, pode negar seguimento ao recurso

extraordinário por verificar a não existência de preliminar de demonstração do

requisito; se o requerente não se desincumbir do ônus de comprovar que seu

recurso trata de questão de repercussão geral, já na origem deve o recurso ser

obstado.

Assim, o recorrente deve destacar, preliminarmente,193 os

motivos pelos quais crê que seu pleito possui, para a ordem jurídico-

constitucional, relevância e transcendência, nos termos já expostos. Por uma

questão de objetivação do controle difuso de constitucionalidade, entretanto,

tem-se que a fundamentação utilizada para a demonstração de repercussão

geral não vincula o STF, que pode admitir o recurso baseado em “fundamento

constitucional daquele alvitrado pelo recorrente”.194

Uma vez que o recurso encontra-se no STF, cabe aos

ministros apreciar a preliminar arguida, sobre a qual recairá uma presunção

acerca de existência de repercussão geral.195 Isso porque o próprio art. 102,

§3º, da CF/88, prevê que o recurso somente será negado “pela manifestação

de dois terços de seus membros”; isto é, são necessários oito votos

desfavoráveis para que o recurso não seja admitido. O quorum qualificado tem

justa razão de ser:

192

Reforça-se a idéia de que o STF, no julgamento do recurso extraordinário em que foi reconhecida repercussão geral, julga a questão in abstrato, dando a final interpretação àquela controvérsia de matéria constitucional, e criando precedente judicial a ser aplicado pelos tribunais inferiores. 193

A lei exige que o recorrente assim o faça, de forma preliminar, porém muitas vezes a explicitação das questões de fato e de direito, por uma questão de ordenação lógica dos elementos da causa de pedir recursal, devam preceder o capítulo atinente à repercussão geral. “Sem tais dados, e principalmente da cabal individualização da questão constitucional, o tribunal encontrará dificuldades para apreciar a transcendência do recurso” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: RT, 2007, p. 728). 194

MARINONI, op. Cit., 2007, p. 42. 195

STRECK, Lênio Luiz. Comentários à reforma do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 134.

72

A recusa do recurso extraordinário, porque ausente a repercussão geral, pela elevada maioria de dois terços é saudável, porquanto procura que esteja subjacente a essa recusa um alto grau de certeza e de segurança, compensatórias – diga-se assim – da circunstância de a repercussão geral constituir-se num conceito vago, propiciando menor certeza e menos segurança. Esse quorum “prudencial” coincide substancialmente com os do direito alemão (§ 554 b, 2, hoje revogado) e norte-americano.

196

O relator do recurso, segundo o art. 323 do Regimento Interno

do STF, submeterá sua manifestação sobre a existência, ou não, de

repercussão geral, por meio eletrônico.197 Caso a Turma integrada pelo relator

decidir pela existência de repercussão geral, por no mínimo quatro votos, o

recurso sequer vai a plenário, conforme o §4º do art. 543-A, do CPC. É

acertada medida de agilidade no procedimento,198 pois quatro votos a favor já

impossibilitam o quorum de dois terços para a negativa de seguimento recursal.

Não sendo esse o caso, o recurso será submetido ao plenário

do STF, momento em que, pelo art. 324 do RISTF, os demais ministros

deverão encaminhar, em vinte dias, também por meio eletrônico, suas

manifestações acerca da questão. A ausência de repercussão, então, é que

deve ser atestada por maioria qualificada do plenário. Transcorrido o prazo,

“inexistindo tal manifestação, considera-se haver repercussão geral”.199

De acordo com art. 543-A, §5º, do CPC, e dos arts. 324, §2º, e

327, do RISTF, “a decisão do STF tem caráter absolutamente vinculante

quanto à inadmissibilidade do recurso em razão da ausência de repercussão

geral. Deverá o órgão a quo, portanto, ater-se ao que tiver deliberado o STF a

respeito”,200 devendo ser indeferidos liminarmente os futuros recursos versando

sobre matéria idêntica. Faz-se ressalva à “revisão de tese” que comportaria

196

ARRUDA ALVIM. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. et.al. Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005, p. 65. 197

A discussão acerca da utilização do plenário eletrônico, muito embora rica e muito pertinente ao tema, foge ao intuito deste estudo, motivo pelo qual não se estenderão comentários a respeito. 198

TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no Brasil pós-88: (dês)estruturando a justiça: comentários completos à EC 45/04. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 104. 199

MEDINA, 2009, p. 202. 200

MEDINA, 2009, p. 346.

73

hipótese de overruling, estudada no capítulo anterior; nesse caso, o tribunal

pode admitir o recurso para rever seu posicionamento sobre o tema. Sobre o

tema, Bruno Dantas:

Realmente, não faria sentido que o plenário do STF precisasse se reunir para analisar a presença ou ausência da repercussão geral todas as vezes que um RE chegasse à Corte. Além do contra-senso do ponto de vista pragmático, pois frustraria a esperada redução no número de recursos, interpretação assim reduziria a natureza paradigmática das decisões do STF.

201

Em alguns casos, optou o legislador por conferir presunção

direta, ou absoluta202 de existência da repercussão geral. O art. 543-A, §3º, por

exemplo, diz que “haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar

decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”. Segue-

se, dessa maneira, a coerência legislativa de encurtar o corolário

procedimental, em casos de confronto ao pacífico e assentado entendimento

dos tribunais superiores. Ou seja: mesmo sem a efetiva demonstração de

relevância e transcendência, deve o recurso ser admitido.

Oportuno mencionar, ainda sobre o procedimento, acerca da

possibilidade de participação de amicus curiae, definido pelo Oxford Dictionary

of Law como um “conselheiro que auxilia a corte defendendo interesses que

podem não ser representados adequadamente pelas partes (como o interesse

público) ou argumentando em favor de uma parte não representada em

juízo”.203

Mais ainda do que nos casos normais de intervenção do amigo

da corte, a situação em que o STF dará interpretação com força vinculativa ao

texto constitucional merece essa possibilidade, prevista no §6º do art. 543-A,

201

DANTAS, Bruno, 2008, p. 305 202

AZEM, Guilherme Beux Nassif, 2009, p. 79. 203

“Counsel Who assists the court by putting arguments in support of na interest that might not be adequately represented by the parties to the proceedings (such as the public interest) or by arguing on behalf of a party who is otherwise unrepresented” [tradução livre].

74

do CPC.204 Tanto porque não está em jogo somente o interesse individual,

atuando o amicus curiae “como colaborador do tribunal na apuração de valores

maiores que possam estar em jogo na interpretação da regra constitucional

envolvida no recurso”.205

3.3.4 O Procedimento do Art. 543-B do CPC

A reforma da Lei 11.418 contemplou rito procedimental

específico para quando se tratar de múltiplos recursos, dirigidos ao STF,

discutindo a mesma questão constitucional; é o art. 543-B206, do CPC. Nesse

caso, o próprio tribunal a quo, responsável pelo primeiro juízo de

admissibilidade acerca do recurso, selecionará um ou mais recursos que sejam

representativos da controvérsia,207 e os enviará ao Supremo para a segunda

etapa da admissibilidade, sobrestando-se os demais casos idênticos até o

204

§6º: O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 205 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (lei nº 11.418) e súmula vinculante do supremo tribunal federal (lei nº 11.417). Juris Síntese nº 70 – mar./abr de 2008. 206

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo § 1

o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da

controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2

o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão

automaticamente não admitidos. § 3

o Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados

pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4

o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos

do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5

o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos

Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. 207

Um informativo oficial do website do STF recomenda aos tribunais de origem: “Selecionam-se em torno de três recursos extraordinários representativos da controvérsia, com preliminar de repercussão geral e que preencham os demais requisitos para sua admissibilidade, os quais deverão ser remetidos ao STF, mantendo-se sobrestados todos os demais, inclusive os que forem interpostos a partir de então (§ 1º do art. 543-B do CPC)”. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=processamentoMultiplo>, acesso em 06/07/2011.

75

pronunciamento do STF – conforme o §1º do artigo 543-B. Igualmente, o art.

328 do RISTF determina que o Supremo poderá requerer aos tribunais de

origem que prestem informações acerca dos processos. A essa técnica de

filtragem do caso que representará os demais, chama-se amostragem.

Portanto, apenas os casos selecionados pelo tribunal de

origem, normalmente aqueles onde se encontram mais facilmente os

elementos delimitadores da questão constitucional discutida, é que sobem ao

STF. Em uma segunda fase de admissibilidade, pode haver uma nova filtragem

realizada pelo próprio Supremo, escolhendo para julgamento definitivo somente

os que entender verdadeiramente representativos da controvérsia.

Os casos múltiplos, ou suscetíveis de reproduzirem-se em

multiplicidade, são entendidos como “aqueles em que o que se discute

basicamente é uma mesma tese jurídica aplicada a uma mesma situação fática

inconteste ou, quando menos, que não desperta maiores dúvidas ou

indagações das partes e do próprio magistrado. Uma situação fática que não

aceita ou não apresenta peculiaridades”.208 Sendo assim, quando um caso

passa pelo filtro da amostragem, e é escolhido para julgamento através do art.

543-B, está-se cuidando de uma questão que, por óbvio, em muito ultrapassa o

interesse das partes.

A eficácia do julgamento, portanto, é reconhecidamente

transcendente, confirmando as razões de ser da repercussão geral. Nesse

sentido, o parágrafo único do art. 328, do RISTF, ordena que os casos que não

sejam escolhidos para julgamento sejam devolvidos aos tribunais de origem, e

sobrestados. Da mesma forma, caso negada a existência de repercussão

geral, os demais recursos de idêntico teor serão considerados não admitidos -

§2º, do art. 543-B. Percebe-se, então, que a intenção legislativa é a de fazer

com que os casos múltiplos tenham trâmite em conjunto, evitando decisões

conflitantes e trazendo celeridade ao procedimento.

208

BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil – vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2006, p.

76

Com o conceito do julgamento de um só recurso paradigma,

cujo julgamento valha para outros idênticos, reforça-se a ideia de que as

decisões do STF devem, sim, ter força persuasiva sobre os tribunais

hierarquicamente inferiores. Tanto o é, que o §3º do art. 543-B ordena que

“julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão

apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais,

que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se”. A recomendação do STF,

quando do julgamento de mérito do recurso repetitivo, desdobra-se em duas

hipóteses:

a) se o acórdão de origem estiver em conformidade com a decisão que vier a ser proferida, consideram-se prejudicados os recursos extraordinários, anteriores e posteriores (§3º do art. 543-B do CPC);

b) se o acórdão de origem contrariar a decisão do STF, encaminha-se o recurso extraordinário, anterior ou posterior, para retratação (§3º do art. 543-B do CPC).

209

Quer dizer, o tribunal a quo, embora não estritamente vinculado

à decisão do Supremo, fica relativamente adstrito à interpretação dada pela

corte constitucional. Isso porque o julgador de origem, caso não exerça juízo de

retratação – conformando-se com o que diz o STF –, deverá remeter ao

Supremo o caso para análise (conforme o §2º, do art. 328-A, do RISTF). De

qualquer uma das maneiras, portanto, a decisão final estará em conformidade

com o que entende a corte máxima.

Todo o procedimento de julgamento de recursos

extraordinários múltiplos, diga-se, é voltado para conferir maior proteção à

palavra do STF, valorizando sua autoridade na interpretação constitucional.

209

Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=processamentoMultiplo>, acesso em 06/07/2011.

77

3.3.5 Resultados da Repercussão Geral

O filtro de admissibilidade do controle difuso de

constitucionalidade, como já visto, foi introduzido pela EC 45/2004, com vistas

a objetivar a análise de questões constitucionais pelo STF, diminuindo o

número de casos que chegam à corte, e selecionando apenas os efetivamente

merecedores de apreço, tudo em nome da efetivação dos princípios

constitucionais elencados no primeiro capítulo deste estudo. Esses motivos

foram atestados pelo Diário do Senado Federal:

A repercussão geral, nesse caso, está evidenciada pela proteção à isonomia, à ordem e à segurança jurídica. Realmente, não pode ser boa para o sistema a coexistência de decisões diametralmente opostas sobre o mesmo tema e no mesmo momento histórico.

210

Nas palavras de Barbosa Moreira:

O que se pretende é evitar que o Supremo Tribunal Federal tenha de ocupar-se de questões de interesse visto como restrito à esfera jurídica das partes do processo, em ordem a poder reservar sua atenção e seu tempo para matérias de mais vasta dimensão, para grandes problemas cuja solução deva influir com maior intesidade na vida econômica, social, política [e, acrescente-se, jurídica] do país.

211

Sendo assim, a expectativa após a entrada em vigor da Lei n.

11.418/06, que regulamentou o instituto, foi grande em saber se os resultados

práticos mostrar-se-iam aqueles esperados. A primeira notícia de grande

veiculação a respeito foi do jornal O Estado de São Paulo, que atestou que

“graças à aplicação da cláusula da repercussão geral, entre os nove primeiros

meses de 2007 e o mesmo período de 2008, a Corte reduziu em cerca de 40%

o número de recursos distribuídos”.212

210

Diário do Senado Federal, de 15/02/2005. Disponível em <http://www.webthes.senado.gov.br/sil/plenario/senado/resenha/200602140000.rtf>, acesso em 14/06/2011. 211

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Emenda Constitucional 45/2004 e o processo. In Revista de Processo, São Paulo, v. 130, dez. 2005, p. 240. 212

Notícia publicada em 18/10/2008, disponível em <http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=4125>, acesso em 14/06/2011.

78

De forma mais completa, recentemente, o website do STF

atualizou a forma de apresentação dos dados estatísticos referentes à

repercussão geral.213 Nesse endereço podem ser analisados de precisa e

bastante clara os números da repercussão geral. Vê-se que o Supremo já

reconheceu a repercussão geral em 294 temas, negando a 112 temas a

admissibilidade de recurso. Podem ser colhidas ainda informações relativas a

cada ministro, ou a períodos específicos.

Em linha semelhante de coleta de dados, a Faculdade de

Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro publicou, em abril de

2011, o I Relatório Supremo em Números,214 extensa pesquisa que fez um

levantamento de processos deste a criação do STF. O relatório divide o

Supremo em três diferentes personas: a corte constitucional (quando exerce

controle concentrado de constitucionalidade), a corte ordinária (quando julga

processos de competência ordinária sua, como pedidos de extradição, por

exemplo) e a corte recursal (que nos interessa no presente estudo, quando o

STF julga recursos extraordinários e agravos de instrumento). Esta última

persona é responsável por 91,69% dos processos já analisados, nos últimos

vinte anos.

Ou seja: mais de noventa por cento da atividade

desempenhada pelo STF é julgando recursos, mormente os extraordinários. O

estudo mostra que em 2007, no ano de entrada em vigor da Lei 11.418, houve

um decréscimo de 13,58% nos recursos que foram admitidos na corte. Os anos

seguintes obtiveram crescimento negativo ainda maior, com 31,20% e 56,32%

em 2008 e 2009.

Tudo indica, portanto, que “a exigência da repercussão geral

para o conhecimento do recurso extraordinário representa mais um avanço em

213

Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>, acesso em 14/06/2011. 214

Disponível em <http://www.supremoemnumeros.com.br>, acesso em 07/07/2011.

79

direção à transformação do Supremo Tribunal Federal em uma verdadeira

Corte Constitucional”.215

215

LOR, Encarnación Alfonso, 2009, p. 46-47.

80

CAPÍTULO 4

O PRECEDENTE JUDICIAL E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.1 Fundamentos de Valorização do Precedente pela

Administração Pública

Nos capítulos precedentes, desenvolveu-se e estudou-se a

necessidade de elaboração de instrumentos que facilitem a aplicação dos

precedentes judiciais advindos, principalmente, do Supremo Tribunal Federal.

Isso pelo fato de que os julgadores, em processos judiciais ou administrativos,

e mormente aqueles cuja função é de judicar em primeira e inaugural instância,

estão principiológica e sistemicamente submetidos aos ditames do tribunal

superior.

A valorização de precedentes, como visto, aplica-se sem

distinção a todo e qualquer julgador. Os motivos disso, dentre outros, são a

efetivação dos princípios constitucionais da isonomia, da segurança jurídica, e

da celeridade processual. Ademais, frise-se que a compreensão de que a

estrutura judiciária brasileira, desenhada pela Constituição Federal, estabelece

justamente a posição de superior hierarquia do STF como fundamentante para

que suas decisões sejam aplicadas, e não contrariadas, por julgadores em

instâncias inferiores.

Não obstante, há uma série de fundamentos que levam a crer

ser preciso promover a Administração Pública Federal, enquanto destinatária

da atividade judicante, a um patamar diferenciado em relação aos demais

litigantes. Quer dizer, quando se pensa em editar mecanismos de aplicação de

precedentes judiciais, deve-se dar especial atenção àqueles instrumentos que

81

atinjam a Administração Pública, obrigando-a216 a respeitar as decisões de

tribunais superiores.

Assim, dá-se cumprimento à noção de que a vinculação dos

juízes, e mormente da Administração Pública, aos precedentes dos tribunais

superiores, é, “sem dúvida, a melhor proposta para acelerar a prestação

jurisdicional, evitando que juízes recalcitrantes continuem, por absoluta falta de

bom senso, a dar ensejo, com as suas sentenças, a recursos cujo desfecho é,

desde o início, identificável”.217

4.1.1 A Administração Pública como Principal Litigante no Brasil

É certo e consabido que o principal motivo da já mencionada

crise do Judiciário é a excessiva morosidade processual, e o elevado número

de recursos submetidos aos tribunais superiores do País. Sendo assim, a maior

parcela de culpa por esse entrave deve ser atribuída à Administração Pública

Federal, que há muito tempo é sem dúvida o litigante que mais faz uso do

Poder Judiciário, como afirma Nelson Nery Jr.:

As estatísticas disponíveis sobre os processos judiciais que tramitam ou tramitaram no foro brasileiro dão conta de que, por exemplo, mais de 60% dos feitos que tramitam no STF e STJ, os dois mais importantes tribunais do País, têm como protagonista o poder público, nas suas mais variadas formas, isto é, a administração direta (União Federal, Estados, distrito Federal e Municípios) e indireta (autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista).

218

Já em 1998, o então presidente da Associação dos

Magistrados Brasileiros, Cláudio Baldino Maciel, informou estatisticamente que,

dos 205.770 recursos extraordinários e agravos ajuizados e recebidos no STF

naquele ano, “25,8% (52.036) foram ajuizados pela União Federal, 19,85%

216

Não necessariamente atribuindo força vinculativa, mas ao menos emprestando um caráter de maior persuasão aos precedentes judiciais superiores. 217

CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional. in Revista de Processo, v. 21, n. 84. São Paulo: RT, 1996, 218

NERY JR., Nelson, 2010, p. 324.

82

(40.864), pelo INSS, 9,43% (19.405), pelo Estado de São Paulo, 4,84% (9.974)

pela Caixa Econômica Federal, e 2,52% pelo Banco do Brasil”. E arremata,

concluindo que “hoje, o maior responsável pelo comprometimento da

prestação jurisdicional da mais alta Corte do país é a União Federal”

(grifou-se).219

Esses dados, é importante constatar, praticamente não

mudaram ao longo dos anos. Em março de 2011, o Departamento de

Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça publicou detalhada lista

dos cem maiores litigantes do Poder Judiciário220. Dessa minuciosa análise da

atual situação judiciária brasileira, é interessante notar que o poder público

figura, em termos semelhantes aos de uma década atrás, no topo da lista.

O Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS (22,33%), a

Caixa Econômica Federal – CEF (8,5%), a Fazenda Nacional (7,45%), e a

União (6,97%), nessa ordem, lideram a lista de maiores litigantes, consideradas

conjuntamente as Justiça Federal, a Justiça do Trabalho e as Justiças

Estaduais; o Setor Público Federal, ao todo, é responsável por 38% das ações.

No âmbito da Justiça Federal, exclusivamente, a situação é ainda mais gritante:

o Setor Público Federal é parte em 77% das ações.

O I Relatório Supremo em Números também fez levantamento

estatístico dos maiores usuários da Justiça, chegando à conclusão que “O

grande usuário da persona recursal do STF é o governo. Quanto a isso, não há

a menor dúvida. Analisamos todas as partes do Supremo Recursal que,

somados os últimos 21 anos, alcançaram mais de 1.000 processos cada.

Encontramos 85 partes que concentram mais de 75% dos processos do

STF”.221 Complementa a informação com dados muito parecidos ao da

pesquisa realizada pelo CNJ, tendo a CEF no topo da lista (18,87% dos

219

MACIEL, Cláudio Baldino. Súmula administrativa da Adcocacia-Geral da União: por que o Poder Executivo não a utiliza? Apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 292. 220

Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf>, acesso em 06/07/2011. 221

I Relatório Supremo em Números: o múltiplo supremo, p. 66.

83

processos), seguida da União (16,48%),222 do INSS (14,87%) e do Estado de

São Paulo (4,26%).

O fato de o INSS, a CEF e a Fazenda Nacional encabeçarem a

lista leva, ainda, a outra constatação: o excessivo número de casos submetidos

ao Poder Judiciário é, em sua esmagadora maioria, de ordem previdenciária e

tributária. Quer dizer, trata-se de um sem número de casos de teor idêntico ou

muito semelhante, encaixando-se no conceito de multiplicidade estudado no

capítulo anterior.

Assim, tem-se a primeira justificativa de se dispensar uma

maior atenção aos precedentes judiciais, quando o poder público for litigante.

Como visto nos capítulos anteriores, o respeito ao precedente acaba por

conferir mais isonomia, segurança, e celeridade processual. Nada mais lógico,

portanto, que se faça o mesmo, e de forma mais incisiva, com o maior litigante

do País. Mormente, ressalte-se, quando se está falando de casos notoriamente

repetitivos, de relevância jurídica e que atingem uma coletividade numerosa,

entre contribuintes previdenciários e tributários, dentre outros.

4.1.2 A Morosidade Processual e a Administração Pública

Não obstante o alto número de processos em que o poder

público, mormente o federal, é litigante, adiciona-se a isso uma circunstância

que aumenta ainda mais a necessidade de dinamizar tais casos: o fato de que,

em muitas oportunidades, a Administração Pública223 é também a causadora

da demora nos julgamentos. Muitas vezes, com efeito, faz uso da já burocrática

tramitação, a seu favor, pois “tem interessado ao poder público valer-se da

222

Este relatório, diferentemente do apresentado pelo CNJ, aglomerou a Fazenda Nacional e a Advocacia-Geral da União na pessoa da União; isso explica a ligeira discrepância nos números. 223

Através, principalmente, da Procuradoria da Fazenda Nacional e da Advocacia-Geral da União, mas também pelas procuradorias jurídicas dos órgãos da administração pública indireta.

84

morosidade do Poder Judiciário para adiar o cumprimento de seus deveres

constitucionais perante os administrados e cidadãos”.224 Nesse sentido:

De fato, mormente em assuntos propícios à repetição de teses (matéria tributária, acidentária, de servidores públicos, previdenciária, planos governamentais, contratos de massa), sói ocorrer de os Tribunais Superiores já terem assentado seu entendimento, tornando inútil o dispêncio de tempo e trabalho no oferecimento de recurso no qual se sustente entendimento diverso (grifou-se).

225

Até quando, portanto, o STF já decidiu de forma pacífica

acerca de uma questão, tem sido notório que a advocacia pública não leva em

consideração a força persuasiva do precedente judicial. Como já notou o ex

Ministro do STJ, José Augusto Delgado:

Os fatos estão a demonstrar, de modo inequívoco, que mais de 80% das questões apresentadas ao foro, e resistidas pela Administração Pública, são decisões maturadas e meditadas. Observa-se que a resistência adotada pela Administração Pública tem sentido único de procrastinar a solução do feito, ou melhor, resolver problema de caixa, criando apenas entraves à entrega jurisdicional à qual o cidadão tem direito.

226

À primeira vista, anote-se, é de se estranhar esse mal uso do

Judiciário pelo próprio poder público. A Administração Pública, seja na edição

de atos administrativos, seja na sua atuação judicial, deve sempre respeitar os

princípios constitucionais a ela atinentes; a simples observância da legalidade,

moralidade administrativa, e eficiência, já seria o suficiente para impedir que

essa procrastinação desnecessária assolasse o judiciário. Assim:

Nada obstante existam os comandos constitucionais, e.g.¸da CF 5º e 37, o poder público não vem desempenhando a contento suas funções e amiúde deixa de respeitar e aplicar os princípios da legalidade, impessoalidade (imparcialidade), isonomia, devido processo legal substancial (administrativo), eficiência, dos quais são corolários a boa-fé objetiva, a proibição de venire contra factum proprium e a confiança, que lhe impõem, por exemplo, o reconhecimento ex officio da prescrição que aproveita ao

224

NERY JR, Nelson, 2010, p. 324. 225

MANCUSO, Rodolfo de Camargo, 2010, p. 141. 226

DELGADO, José Augusto. Súmula vinculante e a administração pública. BDJur, Brasília, 2008. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/16164>, acesso em 06/07/2011.

85

administrado, o reconhecimento de ofício de conseqüências que a lei estabelece para o mau funcionamento da máquina administrativa, o reconhecimento ex officio de direito incontestável do administrado ou de vantagens do servidor já pacificadas na jurisprudência dos tribunais superiores, às vezes até sumuladas, entre outros casos.

227

Isso tem, de fato, ocorrido com certa frequência. O ministro da

Justiça, José Eduardo Cardozo, em recente entrevista, confessou que “Como

advogado público de formação, eu sei, quantas vezes, arrastamos processos

indefinidamente, com a perspectiva do interesse secundário do Estado, que

parece se transformar em primário. Ou seja, não permitir que situações sejam

consolidadas numa administração presente para que a bola de neve seja

rolada para administrações futuras”.228 É nesse sentido que deve ser

compreendido que é estéril, e até inútil, que o poder público permaneça em

litígio, quando se tratar de questões sobre as quais já repousa entendimento

pacífico, e reiterado, dos tribunais superiores. Além de desrespeito aos

princípios e normas constitucionais processuais, é também demonstração

inequívoca de uma má prestação do serviço público, ferindo a moralidade

administrativa.

A tendência, por outro lado, é que mesmo os órgãos públicos

tomem consciência da necessidade de desafogar o Judiciário. A Caixa

Econômica Federal, indicada no topo da lista dos maiores litigantes no País,

entabulou acordo com o STF para desistir de recorrer dos casos em que a

matéria esteja pacificada pelo tribunal. Diz o representante do setor jurídico da

CEF: “Invertendo a lógica da administração pública, que é recorrer sempre, a

partir de agora, o advogado da Caixa, para recorrer ao STF, vai precisar de

autorização superior e demonstrar que efetivamente estamos tratando de uma

matéria relevante e com perspectiva de apreciação positiva no STF”.229 A

227

NERY JR., Nelson, 2010, p. 324-325. 228

Estado é o maior responsável pelos recursos no STF, notícia publicada no website Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2011-mar-22/estado-quem-ocupa-tempo-supremo-materia-recursal>, acesso em 07/07/2011. 229

Caixa faz acordo com STF e desiste dos processos de baixo valor, notícia publicada pelo CNJ, disponível em <http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=ultimas&dtlh=173728&iABA=Not%EDcias&exp=>, acesso em 07/07/2011.

86

medida, sem dúvida salutar à administração judiciária brasileira, é um indício

de que a Administração Pública está ciente da sua parcela de culpa pela

morosidade dos processos.

Oportuno, nesse ponto, é a conclusão de Nelson Nery Jr:

A real efetividade do direito fundamental da CF 5º LXXVIII [a celeridade processual], pois, não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes, mas principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo e da mudança de mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem e fazerem cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os particulares têm de submeter ao Poder Judiciário por falha do poder público no exercício principalmente da função administrativa.

230

É sobremaneira significativa, e relevante, a atuação da

Administração Pública, para o administrado. Sendo assim, e ante os motivos

supra expostos, ao longo dos últimos anos têm-se notado reformas legislativas

– mormente em normas internas dos órgãos administrativos – que denotam,

justamente, a intenção de fazer com que o poder público dê maior respeito aos

precedentes judiciais.

4.2 Normas de Aplicação do Precedente à Administração Pública

4.2.1 A Experiência Alemã

Como já foi visto, a doutrina constitucional alemã exerceu certa

influência entre nós, ao estabelecer um mecanismo de filtro de acesso à corte

constitucional, relegando ao tribunal superior a missão de cuidar apenas dos

casos de maior importância. As decisões, portanto, tanto do tribunal alemão

quando do brasileiro – e, também assim, nos Estados Unidos, na Argentina, e

em outros países –, possuem uma inegável força persuasiva, que adstringe a

atuação dos tribunais inferiores aos pronunciamentos da corte superior.

230

NERY JR., Nelson, 2010, p. 325.

87

No que diz respeito à obediência da Administração Pública, ao

precedente judicial, também no direito alemão são encontrados elementos que

influenciaram o pensamento jurídico brasileiro, como elucida Sérgio Sérvulo da

Cunha:

A lei de 12-3-1951 dispõe em seu art. 31: “1. As decisões do Tribunal Constitucional Federal vinculam os órgãos constituídos da União e dos Estados, assim como todos os tribunais e órgãos da Administração. 2. Nos casos do art. n. 6, incisos 6, 11, 12 e 14, a decisão do Tribunal Constitucional Federal tem força de lei (...)

A essas quatro hipóteses, a lei de 21-12-1970 acrescentou menção à do art. n. 13, inciso 8a. As cinco hipóteses referem-se a compatibilidade ou incompatibilidade, com a Constituição, de normas federais ou estaduais, a compatibilidade ou incompatibilidade de normas estaduais com normas federais; a pertinência ou não, ao Direito federal, de regra do Direito das gentes; e a divergência na interpretação da Constituição.

231

Pode-se traçar, com facilidade, um paralelo entre as hipóteses

supra descritas e as situações de cabimento do recurso extraordinário ao STF.

Nesse sentido, o autor analisa o artigo alemão e diferencia efeito vinculante de

força de lei, principalmente quanto aos destinatários:

O efeito vinculante do art. 31.1 – à diferença da força de lei – não se dirige a todos, mas apenas ao poder público. Quando o inciso 1 fala de efeito vinculante, não pode referir-se ao conteúdo da coisa julgada material, porque os destinatários do efeito vinculante ultrapassam os interessados na lide; (...)

A força de lei significa, sob o ponto de vista subjetivo, vinculação de todos, não só dos interessados no processo (como acontece na coisa julgada) e não só dos poderes públicos e órgãos da Administração (como acontece no efeito vinculante do art. 31.1).

232

O que faz a legislação germânica, no caso acima, é diferenciar

normas cuja eficácia atinge a todos, e aquelas que se direcionam tão somente

à Administração Pública. Essa distinção, por pioneira, é importante na

compreensão dos motivos que levam à edição de normas processuais, no

direito brasileiro, com vistas exclusivas à atuação da Administração Pública em

juízo.

231

CUNHA,- Sério Sérvulo da, 1999, p. 8-9 232

Idem, ibidem

88

4.2.2 No Brasil: Legislação Regulamentadora da Atuação da Administração

Pública Ante os Precedentes Judiciais

É, de certa forma, recente o histórico de normas no direito

Pátrio, que pretendem obstar a atuação da Administração Pública – em

processos judiciais e administrativos – quando há precedente judicial com força

persuasiva a ser respeitado. Muito embora a Fazenda Pública ainda figure

como litigante em causas em que reconhecidamente não lhe assiste razão, as

mudanças mais palpáveis nesse cenário tiveram início apor a promulgação da

CF/88.233 Sendo o Poder Executivo o grande responsável pelo aumento de

casos, sobretudo aqueles repetitivos, submetidos ao Judiciário, há que se

reconhecer sua tentativa em minorar essa situação:

Deve-se registrar, no entanto, que o Executivo, despertado dessa sua má contribuição no aumento da litigiosidade e no emperramento da máquina judiciária, notadamente na área da Justiça Federal, vem tomando ultimamente, e de forma louvável, reconheça-se, embora ainda tímida, algumas iniciativas no sentido de valorizar as decisões judiciais e diminuir a sua presença em juízo.

234

Assim, a Lei Complementar n. 73, de 1993, que institui a Lei

Orgânica da Advocacia Geral da União, estipula em seus arts. 4 e 43:

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:

VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente;

XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais;

Art. 43. A Súmula da Advocacia-Geral da União tem caráter obrigatório quanto a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º

235 e 17

236 desta lei complementar.

233

Momento em que, como já estudado nos capítulos anteriores, positivou-se e compreendeu-se a curial importância dos princípios fundamentais do processo, como garantia ao cidadão litigante. 234

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A súmula e sua evolução no Brasil. Disponível em <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15739-15740-1-PB.pdf>, acesso em 26/06/2011. 235

Órgãos componentes da Advocacia Geral da União. 236

Órgãos jurídicos das autarquias e fundações públicas.

89

As atribuições do inciso VI foram regulamentadas pela Lei

9.469/97, que estipula que “O Advogado-Geral da União poderá dispensar a

inscrição de crédito, autorizar o não ajuizamento de ações e a não-

interposição de recursos, assim como o requerimento de extinção das ações

em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais (art. 1º-A)”,

estendendo essa faculdade aos “dirigentes máximos das empresas públicas

federais (art. 1º-B)”. Quer-se, assim, estabelecer critérios para que a própria

Administração Pública reconheça a desnecessidade de prosseguir com um

litígio manifestamente infundado.

A mesma lei diz, sobre os enunciados de Súmula

Administrativa da AGU:

Art. 4º Não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII, e 43, da Lei Complementar nº 73, de 1993), o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores (grifou-se).

Por sua vez, o art. 2, parágrafo único, do Ato Regimental da

AGU n. 2, de 1997, define jurisprudência iterativa dos Tribunais como sendo:

As decisões judiciais do Tribunal Pleno ou de ambas as Turmas do Supremo ; Tribunal Federal, ou dos Órgãos Especiais ou das Seções Especializadas dos Tribunais Superiores, em suas respectivas áreas de competência, que consagram entendimento repetitivo, unânime ou majoritário,dos seus membros, acerca da interpretação da Constituição ou da lei federal, em matérias de interesse da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

Dessa maneira, o legislador deixa a cargo do Advogado-Geral

da União, dirigente administrativo do órgão, a tarefa de estabelecer casos em

que os demais advogados da união deixarão de contestar ou recorrer,

desistirão de ações em curso, ou se absterão de propor ações, relativas a

temas já decididos, reiteradamente, pelo STF. São ações cujo resultado final se

90

pode, inevitavelmente, prever. Nessa esteira, vale mencionar, a título

exemplificativo, os enunciados n. 10, de 19/04/2002237, e 18, de 19/06/2002.238

Veja-se, ainda o enunciado n. 11, de 19/04/2002, que estipula

que “A faculdade, prevista no art. 557 do CPC, de se negar seguimento,

monocraticamente, a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,

prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do

respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou dos Tribunais Superiores,

alcança também a remessa necessária” (grifou-se).

Essa espécie de enunciado, para o Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira, significa “um esforço do Executivo em contribuir para

minorar o alarmante fenômeno do excessivo número de processos nos

Tribunais, por ele causado ou estimulado”.239

Outros exemplos dessa diminuição da atuação litigante da

Administração Pública são encontrados ao longo da década de noventa, e

início dos anos dois mil. A Portaria n. 2.054/95, do Ministério da Previdência e

Assistência Social, determina que o INSS desista “de todos os recursos

pendentes em quaisquer instâncias, juízos ou tribunais do País, em que se

esteja discutindo exclusivamente matéria de direito relativa à interpretação dos

§§ 5º e 6º do art. 201 da Constituição" (art. 1º). Mais interessante é analisar a

breve, porém muito esclarecedora exposição de motivos que levou à edição

dessa norma administrativa:

Considerando o elevado número de processos pendentes nas diversas instâncias e Juízos do País; Considerando que grande número desses processos versa sobre matéria pacificada no Supremo Tribunal Federal, pelo seu plenário ou por ambas as turmas;

Considerando que o Supremo Tribunal Federal já decidiu de modo firme e unânime acerca da interpretação a ser dada aos §§ 5º' e 6º do art. 201 da Constituição;

237

"Não está sujeita a recurso a decisão judicial que entender incabível a remessa necessária nos embargos à execução de título judicial opostos pela Fazenda Pública, ressalvadas aquelas que julgarem a liquidação por arbitramento ou artigo, nas execuções de sentenças ilíquidas." 238

"Da decisão judicial que determinar a concessão de Certidão Negativa de Débito (CND), em face da inexistência de crédito tributário constituído, não se interporá recurso." 239

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Op. Cit.

91

Considerando que é contraproducente tanto do ponto de vista do INSS como dos órgãos da justiça a pendência de causas e recursos cujo desfecho seja perfeitamente previsível;

Considerando que de todo modo é muito conveniente ao interesse público que as instâncias inferiores decidam de conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; e

Considerando, ainda, que a administração pública deve, em matéria constitucional, seguir a interpretação dada à Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, quando esta interpretação já se tenha firmado como definitiva naquela Corte (grifou-se).

A mesma ideia é contida no Decreto 1.601/95, cujo artigo

primeiro dispensa a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de “interpor os

recursos cabíveis quando a decisão versar, no mérito, exclusivamente sobre os

temas indicados no Anexo deste Decreto, desde que inexista qualquer outro

fundamento relevante”.240 É prova definitiva de que os órgãos da Administração

Pública passaram a tomar consciência de seu poder-dever, enquanto inseridos

no sistema político, e submissos aos ditames jurídico-constitucionais

brasileiros.

De maneira mais específica, a regulamentação minuciosa do

procedimento a ser adotado pela Administração Pública, em face ao

precedente judicial persuasivo, é o conteúdo do Decreto n. 2.346/97, pautada

basicamente no seu artigo 1º: “As decisões do Supremo Tribunal Federal que

fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional

deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal

direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto”.

O art. 2º reitera a possibilidade de edição de súmulas pela

AGU, e o art 3º complementa que “à vista das súmulas de que trata o artigo

anterior, o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações

ou a interposição de recursos judiciais”. E, de forma mais significativa ao objeto

aqui estudado, os artigos 4º e 5º:

240

O anexo do Decreto contém uma lista de questões de ordem tributária, relativas às quais o STF já editou súmula, ou firmou posicionamento pacífico a respeito.

92

Art. 5º Nas causas em que a representação da União competir à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, havendo manifestação jurisprudencial reiterada e uniforme e decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em suas respectivas áreas de competência, fica o Procurador-Geral da Fazenda Nacional autorizado a declarar, mediante parecer fundamentado, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda, as matérias em relação às quais é de ser dispensada a apresentação de recursos.

Art. 6º O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS poderá ser autorizado pelo Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, ouvida a Consultoria Jurídica, a desistir ou abster-se de propor ações e recursos em demandas judiciais sempre que a ação versar matéria sobre a qual haja declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal - STF, súmula ou jurisprudência consolidada do STF ou dos tribunais superiores (grifou-se).

Ante o corpo de legislação apresentado, tem-se que a

subordinação do poder público ao ordenamento envolve dois aspectos,

compreendendo o “dever a) de prover as condições de existência e efetividade

do ordenamento; e b) de não transgredir o ordenamento”.241

4.2.3 A Portaria n. 294/2010 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Em 23 de /março de 2010, a Procuradoria-Geral da Fazenda

Nacional editou o Parecer n. 492/2010, cujo objetivo foi “definir a postura a ser

adotada pelas unidades da PGFN diante de decisões judiciais, desfavoráveis à

Fazenda Nacional, proferidas em consonância com jurisprudência oriunda do

Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ)”.242

Trata-se de um estudo que pretende instruir a própria PGFN, para que assuma

a posição mais adequada, frente a precedentes judiciais dos tribunais

superiores. O parecer inicia por reconhecer a carga meramente persuasiva, e

não vinculativa, dos precedentes jurisprudenciais, dentro do sistema da Civil

Law, porém constata que:

241

CUNHA, Sério Sérvulo da, 1999, p. 154. 242

PGFN, Parecer n. 492/2010, disponível em <http://www3.pgfn.fazenda.gov.br/legislacao-e-normas/Pareceres%20e%20Notas/2010>, acesso em 11/07/2011, p. 2.

93

Apesar disso, tem-se verificado, especialmente nos últimos anos, a paulatina e crescente introdução, no sistema processual civil brasileiro, de mecanismos destinados a, a um só tempo, conferir mais racionalidade e celeridade à entrega da prestação jurisdicional e promover a unidade da interpretação do direito, especialmente mediante o substancial incremento da força persuasiva dos precedentes judiciais oriundos dos Tribunais Superiores.

243

Nessa senda, reconhece-se que os tribunais superiores não

vinham desempenhando sua função de uniformizar a interpretação do direito

objetivo, mas que com a introdução do julgamento por amostragem do art. 543-

B, do CPC, “a força persuasiva dos precedentes judiciais oriundos do STJ/STF

chegou a um nível bastante elevado, abaixo, apenas, da força – no caso,

vinculante - de que os mesmos se revestem quando resultam em Súmulas

Vinculantes”.244 Essa força persuasiva diferenciada, ressalte-se, é justificativa

suficiente para que se confira às decisões do STF, em especial àquelas

julgadas através do art. 543-B245, um caráter de precedentes qualificados.

Isso, segundo o parecer, por conta de um excepcional grau de

legitimidade emprestado pelo procedimento do art. 543-B, que atingiu um “nível

de definitividade e certeza diferenciado, quando comparado àquele

ostentado pelos precedentes oriundos de julgamentos, ainda que do

STF/STJ, não submetidos à nova sistemática” (grifos no original).246 Assim,

o estudo elucida que os precedentes judiciais em sede de recursos repetitivos,

ou representativos de controvérsia, mesmo que não possuam ainda eficácia

vinculante, revestem-se de uma obrigatoriedade reforçada em relação aos

demais precedentes judiciais. Ou seja, continuar litigando, mesmo em face de

decisões proferidas em consonância com precedente judicial do STF, nesses

casos, mostra-se pouco útil, e inclusive uma afronta ao interesse público. É ao

tomar consciência disso, que se sugere:

Assim, admitindo-se, como aqui se admite, que a resolução da questão ora sob análise deva advir de uma opção de política institucional, a ser tomada pela PGFN, propõe-se, desde logo, que

243

Idem, p. 3. 244

Idem, p. 4. 245

Tratados no capítulo anterior, em mais detalhes. 246

PGFN, Parecer n. 492/2010, p. 6.

94

essa opção caminhe no sentido de não mais se apresentar recurso, quer ordinários (p.ex. apelação e agravo de instrumento), quer extraordinários (RE e RESP), contra as decisões judiciais, desfavoráveis à Fazenda Nacional, que se mostrarem consentâneas com precedente judicial formado sob a nova sistemática de julgamento prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC (grifos no original).

247

Veja-se que os motivos da conclusão do parecer são, dentre

outros, a noção de que não haveria sequer interesse, por parte da PGFN, em

insistir em litígios de tal sorte:

a Administração Pública (aí se incluindo, por óbvio, a PGFN) ostenta a condição de uma das maiores litigantes do país, reconhecidamente responsável por uma parcela significativa do número de demandas repetitivas que abarrotam o Poder Judiciário, percebe-se que essa atitude cooperativa, de sua parte, assume papel realmente decisivo na consecução dessas finalidades e, conseqüentemente, na obtenção da efetividade do novel instituto; sem essa atitude cooperativa, parece questionável, inclusive, se será viável, na prática, que o novo instituto realmente atinja as suas finalidades.

248

Sendo assim, a PGFN editou a Portaria n. 294/2010, que é

atualmente a norma interna responsável por instruir os procuradores da

fazenda a respeito das situações em que podem249 abster-se de litigar. Tratam-

se de hipóteses em que há súmula administrativa da AGU (art. 1º, II), parecer

da PGFN (art. 1º, III), ou súmula vinculante (art. 1º, IV), a respeito, por

exemplo. No entanto, de forma mais inovadora, e pertinente a este estudo, está

o art. 1º, V, que estabelece:

Art. 1º Os Procuradores da Fazenda Nacional ficam autorizados a não apresentar contestação, a não interpor recursos, bem como a desistir dos já interpostos, nas seguintes situações:

(...)

V – quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão já definida, pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, em sede de

247

Idem, p. 11. 248

Idem, p. 14. 249

Aos procuradores é facultado deixar de apresentar recursos e contestações. A regra, portanto, continua sendo a de recorrer sempre, sendo possibilitado, em hipóteses excepcionais, aos procuradores que deixem de litigar.

95

julgamento realizado na forma dos arts. 543-B e 543-C do CPC, respectivamente.

250

Veja-se que a PGFN, em seu Parecer n. 206/2009, já

recomendava “desonerar os órgãos do Poder Judiciário e da representação

judicial da União, no caso a PGFN, de julgar e atuar em casos nos quais

sabidamente o resultado será favorável ao sujeito passivo”.251 É importante

concluir, sobre o mencionado art. 1º, V, da portaria n. 294/2010, que sua

interpretação sistêmica leva a crer que deva ser aplicado já em sede de

processo administrativo, não somente quando uma demanda judicial foi

proposta. Em esclarecedor artigo sobre o tema, ensina Flávio Ayres dos Santos

Pereira:

A quase vinculação (carga persuasiva) dos julgados do STF, mediante o rito da repercussão geral, tacitamente decorre de mera lógica: se a Fazenda Federal (por seu órgão jurídico: PFN) não contestará (a petição inicial) ou recorrerá (da decisão judicial), de que adianta a própria Fazenda (por seu órgão administrativo: RFB, no caso), não reconhecer o direito creditório, se comprovado o pagamento indevido ou a maior?

(...)

Ao nosso ver, a administração tributária não seguir, em regra, o entendimento uniformizado pelo STF (e abraçado pela PGFN) atenta contra a eficiência (CF, art. 37, caput), bem como possivelmente poderá acarretar prejuízo ao Rerário pela falta de economicidade, em vista da sucumbência processual.

252

Quer dizer, para dar plena efetividade aos motivos expostos no

Parecer n. 492/2010, é recomendável estender-se também ao procedimento

administrativo tributário a noção de que os procuradores estão aconselhados a

não litigar, quando em dissonância com precedentes judiciais do STF julgados

mediante o art. 543-B, do CPC. Assim também, o Parecer n. 489/2007, da

PGFN, diz não haver sentido que apenas judicialmente a Administração

250

PGFN, Portaria n. 294/2010, disponível em <http://www3.pgfn.fazenda.gov.br/legislacao-e-normas/normas-internas-1/portarias/2010-1/2010>, acesso em 11/07/2011. 251

PGFN, Parecer n. 206/2009, disponível em <http://www.pgfn.fazenda.gov.br/legislacao-e-normas/atos-declaratorios-arquivos/2009/parecer_206_2009.pdf>, acesso em 11/07/2011, p. 3. 252

PEREIRA, Flávio Ayres dos Santos. A força persuasiva dos precedentes jurisprudenciais e os efeitos sobre o fisco federal da Portaria PGFN n. 294/2010. Artigo cedido pelo próprio autor, p. 13.

96

Pública esteja obrigada a respeitar os precedentes dos tribunais superiores,

pois “do contrário, o sistema estaria impondo ao administrado a provocação do

Judiciário quando, de antemão, já se sabe que o órgão de representação

judicial da Administração não poderá opor resistência”,253 e, ainda, “se é

possível resolver a lide administrativamente, deve-se evitar a sobrecarga

da via judicial”.254

Tem-se, por conseguinte, que nos últimos anos a

Administração Pública tem realizado esforços no sentido de adequar-se aos

ditames constitucionais aqui trabalhados no primeiro capítulo. Com a inovação

trazida pelo art. 1º, V, da Portaria n. 294/2010, objetiva-se concretizar as

razões de ser do instituto da repercussão geral, em uma clara demonstração

de que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compreende, de forma

definitiva, a função uniformizadora do STF. Mais do que isso, trata-se de

inovação processual que dá concreta efetividade aos princípios constitucionais

da isonomia jurisdicional, da segurança jurídica, e da celeridade processual,

todos corolários do devido processo legal.

253

PGFN, Parecer n. 489/2007, disponível em <http://www3.pgfn.fazenda.gov.br/legislacao-e-normas/Pareceres%20e%20Notas/anteriores-a-2009/2007>, acesso em 11/07/2011, p. 5. 254

Idem, ibidem.

97

CONCLUSÃO

A ideia central do presente estudo, que é a relação entre os

precedentes judiciais e a Administração Pública Federal, foi abordada de

maneiras diferentes em cada capítulo. Buscou-se, com efeito, demonstrar que

a utilização de técnicas de aplicação de precedentes é salutar e recomendável,

tendo em vista a crise judiciária na qual o País está inserido.

No primeiro capítulo, quis-se expor a influência exercida pela

norma constitucional sobre o processo, seja judicial ou administrativo. A ideia

central do capítulo foi estabelecer a posição ocupada pelos princípios, dentro

da sistemática constitucional, detalhando alguns dos que são pertinentes à

concretização do princípio processual maior, o devido processo legal.

A isonomia jurisdicional, em primeiro lugar, é a garantia de que

processos idênticos (ou seja, que possuam ao menos mesmo pedido, e mesma

causa de pedir) tenham, no mundo jurídico, o mesmo desfecho. Ou seja: para

situações iguais, não se pode admitir julgamentos díspares; esperam-se

resultados iguais. A segurança jurídica, por sua vez, diz respeito à

previsibilidade da atuação judicial, dando aos jurisdicionados uma certa

confiança no resultado esperado para uma determinada situação submetida à

Juízo. Relaciona-se intimamente com a isonomia, pois apenas com decisões

isonômicas pode-se estabelecer a segurança de que um caso será julgado de

acordo com o esperado. Por fim, a razoável duração do processo, ou a

celeridade processual, é princípio relativamente novo, mas de extrema

importância. Em meio ao caos e à crise do Judiciário, a positivação de um

princípio cujo objetivo é garantir menos morosidade no julgamento das ações

evidencia a crescente preocupação política e legislativa sobre o assunto.

Os princípios elencados, em resumo, demonstram uma

necessidade que atualmente se mostra, de certa forma, urgente: a de

uniformizar o entendimento dos tribunais. Nesse ponto, fala-se ainda no

98

primeiro capítulo sobre a função do Supremo Tribunal Federal, de dar ao texto

constitucional a última e derradeira interpretação. Os entendimentos do STF,

portanto, devem servir como uniformizadores do direito objetivo, persuadindo

os tribunais inferiores.

O segundo capítulo trata, de forma mais específica, sobre a

vinculação dos precedentes dos tribunais superiores, e dos motivos que

justificam essa vinculação. Guarda estreita relação com o primeiro capítulo,

pois as conclusões a que se chega são que, em última análise, a vinculação de

precedentes decorre justamente da efetivação dos princípios constitucionais da

isonomia, da segurança jurídica, e da celeridade processual. Também, a

compreensão estrutural do aparelho judiciário, e da função que deve

desempenhar o STF, são motivos determinantes para se concluir ser salutar a

edição de medidas que vinculem os tribunais inferiores ao entendimento

daquele tribunal superior.

Fala-se, ainda nesse capítulo, sobre as técnicas a serem

utilizadas para a aplicação dos precedentes, a fim de não engessar a atuação

dos juízes singulares, escravos do que diz o STF. Assim, para garantir o

dinamismo que é próprio da atividade jurisdicional, fala-se de overruling,

distinguishing e overriding, como hipóteses de não aplicação do precedente,

garantindo opiniões contrárias ao que decidiu o tribunal superior.

De forma mais prática, então, entra-se no terceiro capítulo para

elencar alguns dispositivos processuais que visam à aplicação dos precedentes

judiciais. Uma onda de reformas processuais, com início na década de

noventa, e concretização em 2004, com a edição da Emenda Constitucional n.

45, deixou mais claro no âmbito processual a ideia de que nem sempre pode o

juiz monocrático atuar livremente, sem respeitar uma certa uniformização do

Direito.

Especificamente, trata-se da súmula vinculante, e da

repercussão geral – ambos fruto da EC 45/04. Essa última, requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário, serve como filtro para que somente

99

as questões constitucionais de reconhecida importância cheguem à análise da

corte constitucional. Diz-se que têm repercussão geral a questão que

apresentar transcendência e relevância, o que evidencia ainda mais a função

do STF como uniformizador da ordem jurídica, mais que mero intermediador de

conflitos inter partes.

Finalmente, o quarto capítulo trata do tema central deste

estudo: a posição da Administração Pública quando confrontada com situações

de vinculação do precedente judicial. Quer-se demonstrar que há razões, não

só jurídicas como políticas e até sociais, para que se dê atenção especial à

participação da Administração Pública em juízo.

A primeira constatação que se faz é que o poder público é o

maior litigante do País – demonstra-se isso com estatísticas e relatórios que

deixam claro que o Judiciário, em especial na esfera Federal, tem em mais de

70% dos casos o poder público como parte processual. Isso, por si só, já

justifica a necessidade de vincular precedentes judiciais, para evitar a

sobrecarga dos tribunais. Mas se não bastasse, constata-se também que a

cultura das procuradorias públicas é a de recorrer e contestar

indiscriminadamente, mesmo quando sabe não ter razão. É, assim,

imprescindível que se criem mecanismos para que os representantes jurídicos

dos entes públicos deixem de litigar, no sentido de não onerar ainda mais o já

conturbado poder Judiciário, por aplicar eles mesmos o precedente judicial ao

caso concreto.

Chega-se, enfim, ao Parecer n. 492/2010, da Procuradoria

Geral da Fazenda Nacional, que aconselha os procuradores a não

contestarem, ou recorrerem, quando a questão já estiver pacificada por decisão

do STF, através do instituto da repercussão geral. As razões disso são muito

semelhantes à linha de raciocínio aqui exposta: a necessidade de

uniformização jurisprudencial através da efetivação dos princípios

constitucionais aplicados ao processo.

100

Mesmo assim, e malgrado tudo o que foi estudado, não é ainda

muito palpável o avanço, no sentido de a Administração Pública respeitar mais

os precedentes judiciais:

A jurisprudência do Judiciário formada é simplesmente ignorada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), maior litigante da Justiça brasileira. A constatação dos Juizados Especiais Federais das cinco regiões do Brasil vai além: a autarquia chega a manter demandas judiciais sobre questões já pacificadas até pelo Supremo Tribunal Federal.

255

O que se conclui, assim, é que “Apenas com a mudança da

cultura jurídica o sistema pode funcionar”.256 Aliás, é da mudança da cultura

jurídica nacional que dependem os bons resultados com a adoção da

sistemática de vinculação do precedente, especialmente quando se trata da

Administração Pública Federal. Isso, diga-se por derradeiro, para atender à

frase que serve de epígrafe a este estudo,257 escrita há mais de sessenta anos,

mas que hoje, mais do que nunca, mostra-se atual.

255

Agências do INSS não obedecem jurisprudência do STF, notícia publicada no website Consultor Jurídico. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2011-jul-15/agencias-inss-nao-seguem-jurisprudencia-supremo>, acesso em 17/07/2011. 256

AZEVEDO, Marco Antonio Duarte, 2010, p. 148 257

“en el procedimento el tiempo es algo más que oro: es justicia” (COUTURE, Eduardo J., Proyecto de Codigo de Procedimento Civil, apud NERY Junior, Nelson, 2010, p. 320).

101

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108

<ANEXO 1> – Portaria PGFN 294, de março de 2010

109

PORTARIA PGFN Nº 294, de março de 2010.

Dispõe sobre as Notas-

justificativas, no âmbito da Procuradoria-

Geral da Fazenda Nacional.

A PROCURADORA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, no uso

das atribuições que lhe conferem o caput e incisos XIII e XVII do art. 72 do Regimento

Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, aprovado pela Portaria nº.

257, de 23 de junho de 2009, do Ministro de Estado da Fazenda, RESOLVE que:

Art. 1º Os Procuradores da Fazenda Nacional ficam autorizados a não apresentar

contestação, a não interpor recursos, bem como a desistir dos já interpostos, nas

seguintes situações: (Redação dada pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

I - quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão elencada no art. 18 da Lei

nº 10.522, de 19 de julho de 2002, ou sobre a qual exista Ato Declaratório de Dispensa,

elaborado na forma do inc. II do art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002;

II - quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão sobre a qual exista

Súmula ou Parecer do Advogado-Geral da União - AGU, ou Súmula do Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais aprovada pelo Ministro de Estado da Fazenda, que

concluam no mesmo sentido do pleito do particular; (Redação dada pela Portaria PGFN

nº. 716, de julho de 2010)

III – quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão jurídica sobre a qual

exista Parecer aprovado pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou por Procurador-

Geral Adjunto da Fazenda Nacional, elaborado nos termos, respectivamente, dos arts.

72 e 73 do Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado

110

pela Portaria nº 257, de 2009, e este Parecer conclua no mesmo sentido do pleito do

particular;

IV – quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão sobre a qual exista

Súmula Vinculante ou que tenha sido definida pelo Supremo Tribunal Federal - STF em

decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade;

V – quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão já definida, pelo STF ou

pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, em sede de julgamento realizado na forma dos

arts. 543-B e 543-C do CPC, respectivamente.

Parágrafo único - Os Procuradores da Fazenda Nacional deverão apresentar

contestação e recursos sempre que, apesar de configurada a hipótese prevista no inciso

V deste artigo, houver orientação expressa nesse sentido por parte da Coordenação-

Geral de Representação Judicial da Fazenda Nacional - CRJ ou da Coordenação de

Atuação Judicial perante o Supremo Tribunal Federal - CASTF.

Art. 2º Além das hipóteses previstas no art. 1º desta Portaria, os Procuradores da

Fazenda Nacional ficam autorizados a não apresentar recursos, bem como a desistir dos

já interpostos, nas seguintes situações: (Redação dada pela Portaria PGFN nº. 716, de

julho de 2010)

I - quando o acórdão ou a decisão monocrática, proferida por

Tribunal Regional Federal, pelo STJ ou pelo STF, tratar de questão jurídica, de índole

material ou processual, já definida pelos referidos Tribunais Superiores, em

jurisprudência reiterada e pacífica;

II - nos processos em curso perante os Tribunais Superiores, quando esgotadas

as vias recursais.

§1º Para os fins a que se destina o inciso I do presente artigo, consideram-se

como questões definidas em “jurisprudência reiterada e pacífica” pelo STF ou pelo STJ

apenas aquelas assim indicadas em lista elaborada e divulgada, respectivamente, pela

CASTF e pela CRJ, que será atualizada periodicamente, podendo sempre os

111

Procuradores-Regionais da Fazenda Nacional auxiliar na sua atualização, encaminhando

a essas duas Coordenações sugestões de novos temas a serem incluídos na referida lista.

§2º Na hipótese prevista no inciso I do presente artigo, a dispensa de recorrer

contra decisão monocrática proferida por Relator de Tribunal Regional Federal, do STJ

ou do STF se restringe àquelas situações em que a jurisprudência reiterada e pacífica

dos Tribunais Superiores, na qual se baseou a referida decisão monocrática, também for

adotada pela Turma do Tribunal a que pertence o Relator.

Art. 3º Excepcionalmente, os Procuradores-Regionais da Fazenda Nacional

poderão, dentro do seu respectivo âmbito de atuação, autorizar a não apresentação de

recursos contra as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais em outras

hipóteses além daquelas previstas nos arts. 1º, 2º e 4º da presente Portaria, quando a sua

interposição possa, de alguma forma, resultar em prejuízos aos interesses da Fazenda

Nacional.

§1º Os Procuradores-Regionais da Fazenda Nacional poderão delegar a

atribuição de que trata o caput deste artigo aos respectivos Procuradores-Chefes da

Defesa.

§2º Sempre que se utilizarem da faculdade prevista no caput ou no §1º deste

artigo, os Procuradores-Regionais da Fazenda Nacional ou Procuradores-Chefes da

Defesa, respectivamente, deverão dar ciência de tal fato à CRJ.

Art. 3°-A Além das hipóteses previstas nos arts. 1º, 2º e 3º da presente Portaria,

os Procuradores da Fazenda Nacional ficam autorizados a não apresentar recursos

contra decisões, de qualquer instância, proferidas em sentido desfavorável à Fazenda

Nacional, quando: (Incluído pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

I – o recurso não puder ser interposto por lhe faltar requisito de admissibilidade;

(Incluído pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

II – peculiaridades do direito material discutido no caso concreto indicarem a

total inviabilidade do recurso, desde que não se trate da hipótese prevista no art. 2º, inc.

I desta Portaria. (Incluído pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

112

Art. 4º A não apresentação de contestação, bem como a não interposição de

recursos, pelos Procuradores da Fazenda Nacional, deverá ser sempre justificada por

meio de Nota-justificativa.

§1º As Notas-justificativas serão subscritas, unicamente, pelo Procurador da

Fazenda Nacional que atua no caso, prescindindo da aprovação da respectiva chefia,

salvo nas hipóteses previstas nos artigos 3º, caput e §1º e 3º-A, inc. II da presente

Portaria, em que as mesmas deverão ser subscritas, também, pelo Procurador-Regional

da Fazenda Nacional, pelo Procurador-Chefe da Defesa ou pela chefia imediata,

respectivamente. (Redação dada pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

§2º Quando assim reputarem necessário, os Procuradores-Regionais da Fazenda

Nacional poderão estabelecer, em seu respectivo âmbito de atuação, a necessidade de

aprovação das Notas-justificativas pela chefia do Procurador que as subscreveu,

podendo, ainda, avocar tal atribuição, em quaisquer hipóteses.

Art. 5º Quando a não apresentação de recurso se der em razão de defeito

processual verificado em recurso antes interposto, reconhecido por decisão judicial, a

correspondente Nota-justificativa deverá ser encaminhada, pela respectiva chefia, para a

unidade do Procurador que elaborou a peça defeituosa, com cópia desta e da decisão

proferida, para ciência.

Parágrafo único – Na hipótese prevista no caput, quando o Procurador da

Fazenda Nacional que elaborou a Nota-Justificativa entender cabível o ajuizamento de

ação rescisória, deverá providenciar a remessa, à unidade da PGFN competente para

tanto, de cópia dos autos do processo, ou, conforme o caso, do processo virtual, em que

proferida a decisão de inadmissão do recurso defeituoso, obedecidos os termos e a

forma previstos na Portaria nº. 1050, de 1º de novembro de 2006.

Art. 6º Quando submetidas à aprovação da chefia, as Notas-justificativas

deverão ser entregues até três dias úteis antes do vencimento do prazo, tendo em vista a

possibilidade de sua não aprovação.

113

Parágrafo único. Tratando-se de Notas que não serão submetidas à aprovação da

chefia, a sua entrega ao setor competente para arquivamento, pelo Procurador que as

elaborou, deverá ocorrer até o vencimento do prazo processual.

Art. 7º A veracidade da narrativa contida na Nota-Justificativa será de

responsabilidade exclusiva do Procurador da Fazenda Nacional que a elaborou,

inclusive naquelas hipóteses em que a mesma também for subscrita pelo Procurador-

Regional da Fazenda Nacional, pelo Procurador-Chefe da Defesa ou pela chefia

imediata. (Redação dada pela Portaria PGFN nº. 716, de julho de 2010)

Art. 8º As Coordenações-Gerais de atuação da PGFN perante os Tribunais

Superiores, bem como as Procuradorias-Regionais da Fazenda Nacional deverão

disciplinar, dentro do seu âmbito de atuação, a forma das Notas-Justificativas de que

trata a presente Portaria, de modo a definir um padrão sucinto e objetivo, apto a conferir

celeridade e eficiência ao instrumento.

Art. 9º As disposições contidas na presente Portaria se aplicam, no que couber, à

atuação da PGFN perante todas as instâncias dos Juizados Especiais Federais, da Justiça

do Trabalho e da Justiça Eleitoral.

Art. 10 A CRJ e a CASTF divulgarão as listas previstas no §1º do art. 2º da

presente Portaria no prazo de 60 dias, a contar da publicação desta.

Art. 11 Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.

ADRIANA QUEIROZ DE CARVALHO

Procuradora-Geral da Fazenda Nacional