A talha mais moderna. O percurso artístico de Manuel e Sebastião Abreu do Ó, em Évora

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OUTUBRO 2010 04 Boletim on line do Museu de Évora CENÁCULO http://museudevora.imc-ip.pt Os artigos são da responsabilidade dos autores e não expressam necessariamente a opinião do Museu de Évora. A utilização integral ou parcial dos textos do boletim deve ser sempre acompanhada pela citação do nome dos autores, título dos textos e a referência a esta publicação on-line . COORDENAÇÃO António Camões Gouveia DESIGN GRÁFICO E REVISÃO Celso Mangucci PERIODICIDADE semestral MUSEU DE ÉVORA Largo Conde de Vila Flor 7000-804 Évora TLF 266 702 604 E-mail: [email protected]

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OUTUBRO 2010

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ÍNDICEOS “MORGADOS” DO MUSEU DE ÉVORA. Joaquim Oliveira Caetano

A TALHA MAIS MODERNA. O PERCURSO ARTÍSTICO DE MANUEL E SEBASTIÃO ABREU DO Ó. Celso Mangucci

OS AzULEJOS DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO DE CÁSTRIS. Teresa Verão

SÃO MANçOS: DA LENDA à REALIDADE ARqUEOLÓGICA. Patrícia Maximino

celso Mangucci nasceu em 1962, e licen-ciou-se em Antropologia na Universidade de Campinas (São Paulo, Brasil). Técnico superior do Museu de Évora publicou diver-sos trabalhos sobre azulejaria portuguesa. Actualmente faz parte da equipa do projecto da Fundação Calouste Gulbenkian que pre-para a reedição da Azulejaria em Portugal no século XVIII, de João Miguel dos Santos Simões.

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A TALHA MAIS MODERNA. O PERCURSO ARTÍSTICO DE MANUEL E SEBASTIÃO ABREU DO Ó, EM ÉVORA

Celso Mangucci

Umas breves notas manuscritas atribuídas a Heliodoro da Cunha Rivara1, com a identificação da autoria de diversas obras de talha dourada setecentistas dos templos da cidade de Évora, foram, muito provavelmente, o princípio da fama póstuma dos mestres entalhadores Manuel Abreu do Ó e Sebastião Abreu do Ó. O texto, tão categórico quanto sintético, anota, depois de comentar o total desconhecimento sobre o trabalho de mestres dos séculos anteriores:

“No princípio, porém, do século XVIII, começou a figurar os irmãos Abreus, que estenderam sua actividade além do meado do mesmo século. São obras delles a talha da Cartuxa, a capella-mor do Convento dos Remédios, e a capella-mor do Convento das Freiras de São José, mas nesta as molduras dos painéis são de Luís João”.

A fama que passava a unir os dois artífices não era pequena, já que ficava assim atribuído o retábulo da capela-mor da igreja do Convento da Cartuxa de Évora, um dos maiores e mais imponentes retábulos de talha da época, cujo douramento foi patrocinado por D. João V, em 1729, e também o retábulo da capela-mor da igreja do Convento de Nossa Senhora dos Remédios, considerado por Robert Smith2 um dos melhores conjuntos de talha Rococó do país. Para além da importância das obras ficava por explicar um percurso estético verda-deiramente singular que, partindo do Barroco Nacional, se exprimia também na talha do Mosteiro de São José, para atingir o seu apogeu no vocabulário Rococó do Mosteiro de Nossa Senhora dos Remédios.

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1. Detalhe do coroamento exterior do vão da capela-mor da Sé de Évora, 1725-17�0.Foto da autor.

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Nos anos mais recentes, coube ao historia-dor Túlio Espanca chamar a atenção para a importância das obras de talha dourada conservadas nos templos do Alentejo, referenciando com frequência a mestria das obras dos Abreu do Ó. Muitas vezes, na ausência de dados seguros sobre a autoria das obras, Túlio Espanca preferiu reforçar a ideia de um conjunto de mestres enta-lhadores que, residentes em Évora, teriam dado um contributo importante para a arte da talha dourada. No caso, por exemplo, da talha dourada da Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora dos Remédios, a análise de Robert Smith e a atribuição de Túlio Espanca aos dois mestres, Manuel e Sebastião Abreu do Ó, acaba mesmo por sugerir a afirmação de uma “escola eborense” responsável pela expressão de um carácter regional da talha dourada� ou, numa interpretação mais esti-mulante, reforçam a ideia de continuidade e de transmissão de modelos entre as suces-sivas gerações de mestres entalhadores da cidade. Em ambos os casos, o conhecimento da forma do aprendizado e, também, a forma da experiência de novas propostas estéticas, são questões fundamentais para compreen-são do percurso dos mestres entalhadores que, frequentemente oriundos de Lisboa4, se fixam em Évora nos séculos XVII e XVIII.

Graça às contribuições do historiador Francisco Lameira, hoje sabemos que Manuel Abreu do Ó nasceu em Tavira, em 1698, tendo-se deslocado para Évora, já casado e com filhos, expressamente para colaborar nas obras da nova capela-mor da Sé Catedral5.

Da sua carreira precedente, conhecemos apenas a sua participação numa única obra realizada no Algarve, o retábulo da capela-mor e os dois das capelas colaterais da Igreja da Misericórdia de Tavira, realizados nos anos de 1722-2�. Apesar da correcção das proporções e do domínio do vocabulário ornamental, trata-se de exemplar comum da talha dourada do Barroco Nacional que pouco distingue o currículo do “insigne es-cultor” que os seus conterrâneos recordam na inquirição de 1757. Como peculiaridade do

seu percurso artístico, assinala-se também o facto de Manuel de Abreu do Ó ser um escul-tor versátil utilizando tanto a madeira como a pedra, tendo realizado ainda nos tempos de juventude algarvia, a pedra de armas do edifício da Câmara da Cidade6. Embora, em teoria, o exercício da profissão de escultor pressuponha o trabalho em diversos mate-riais, não são muito frequentes exemplos dessa versatilidade que, aliás, como vamos ver a seguir, se repetirá na formação de Sebastião Abreu do Ó.

Os anos de pedra e madeira na Sé de

Évora

Em artigo dedicado às obras da capela-mor da Sé de Évora, o historiador Artur Goulart de Melo Borges7 voltou a chamar a atenção para a importância da obra da Sé de Évora na formação artística de uma série de es-cultores e entalhadores, destacando Manuel Abreu do Ó, o seu filho Sebastião Abreu do Ó e também o mestre entalhador João Luís Botelho.

Vamos aqui retomar parte da documentação apresentada que, aliás, já tinha sido também estudada por Túlio Espanca8. Será como escultor em pedra e, especificamente, para a obra da Sé de Évora que Manuel Abreu do Ó se fixa em Évora, tornado muito pouco provável a sua participação no retábulo da capela-mor do Convento da Cartuxa9,

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2. Frederico Ludovice (desenho) Francisco Xavier Borges (talha). Capela de São Manços (ou das Relíquias), 17�6-17�8.Foto da autor.

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provavelmente executado entre os anos de 1705-1725. Os livros de despesa da obra da capela-mor conservados nos Arquivos da Sé de Évora10 confirmam que Manuel de Abreu do Ó se encontra entre os trabalhadores que lavram o mármore, quase ininterruptamente, durante uma década, seis dias por semana11, desde Janeiro de 1726 até Novembro de 17�7. Trabalha sob as ordens do mestre Manuel Gomes Negrão e tem como parceiros José de Oliveira e o escultor italiano João António Bellini de Pádua, recebendo 400 réis por dia. Como termo de comparação, certamente reflexo do reconhecimento de um estatuto profissional e também do tipo de trabalho executado, o escultor italiano, responsável pelos grupos escultóricos, recebe a quantia de 960 réis diários, enquanto José de Oliveira recebe 600 réis. Tudo indica que Manuel Abreu do Ó, destacando-se entre os simples lavrantes de mármore, vai ocupar um papel intermediário entre a escultura e a arquitec-tura, realizando os elementos decorativos como cornijas, molduras e capitéis12 para a capela-mor da Sé de Évora.

Como é costume na época, a aprendizagem faz-se pela execução de tarefas menores nas próprias oficinas e estaleiros das obras, e o seu filho1�, o jovem Sebastião Abreu do Ó, certamente com o patrocínio do pai, inicia-se como aprendiz14, nas obras da Sé de Évora, também como lavrante de mármore, em Dezembro de 17�1. Essa situação de apren-dizagem irá manter-se até Junho de 17�6, quando Sebastião de Abreu, diversificando o âmbito dessa sua primeira experiência profissional, passa a estar integrado na companhia dos entalhadores dirigida pelo mestre lisboeta Francisco Xavier Borges que trabalha no revestimento de talha dou-rada das capelas colaterais do Santíssimo Sacramento (ou do Santo Lenho) e das Relíquias (ou de São Manços).

A obra da nova capela-mor da Sé de Évora, de autoria de João Frederico Ludovice é naturalmente considerada um marco fundamental na definição das propostas arquitectónicas joaninas, constituindo um aporte primacial para as que se seguiriam

no Alentejo, informadas pelos novos valores do Barroco Tardo-Clássico e pela assunção de uma nova estética decorativa que anuncia o estilo Rococó

Ao analisar a obra do arquitecto Frederico Ludovice, é comum referir-se o carácter anti-decorativo da sua obra, provavelmente como forma de comparação com outras propostas arquitectónicas do período que utilizam a talha dourada e o azulejo como suporte para novas propostas de renovação da arquitectura pré-existente. Contrariando essa percepção generalizada, tudo indica que o arquitecto alemão desenhou um revestimento integral de talha dourada para as duas capelas colaterais, numa obra de grande qualidade formal, que tem passado despercebida face à importância do

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�. Manuel Abreu do Ó. Retábulo de Nossa Senhora do Rosário e armários relicá-rios, Convento do Salvador de Évora, 17�7. Foto do autor.

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projecto principal. O arquitecto germânico, procurando preservar uma unidade formal do espaço interior, revestiu as paredes e os tectos com painéis dourados. Os tramos do corpo das pequenas capelas são marcados por pilastras que, numa ordem sequencial, se transformam em colunas salomónicas para formar o retábulo. Esse, de forma rara na arquitectura portuguesa, mesmo em intervenções em que a encomenda do retábulo é contemporânea da construção do edifício, não é uma peça independente, mas sim define-se em continuidade do dis-curso arquitectónico do interior da capela. No entanto, as “dimensões infelizes” que resultaram da adaptação da capela-mor ao edifício medieval, repetem-se aqui, talvez com mais expressão que na capela-mor, na largura extremamente reduzida dos peque-nos retábulos.

Para a execução do revestimento das duas capelas, Francisco Xavier Borges dirige uma equipa numerosa, que chega a contar com 16 colaboradores, na qual desponta Francisco Xavier da Costa15 (também do Algarve), João

Baptista, Silvestre Correia, Brás de Freitas, José Fróis, António Bravo, Francisco Gomes, José Carvalho, João de Almeida, José Lopes, José Paixão, António Antunes, António de Freitas e Manuel do Nascimento.

Atestando o papel formador da oficina da Sé de Évora, entre os colaboradores em início de carreira encontram-se Sebastião Abreu do Ó e Luís João Botelho16, dois mestres que se vão revelar fundamentais na interpretação da talha Rococó no Alentejo. Nessa primeira obra em talha, realizada com a colabora-ção de muitos oficiais, alguns com larga experiência, o papel de Sebastião Abreu do Ó será, obviamente, secundário, recebendo apenas 200 réis por dia17, enquanto Luís João Botelho, já com alguma experiência e reconhecimento no meio eborense, recebe 400 réis, ainda assim quantia bastante inferior ao rendimento do mestre lisboeta Xavier Borges que, em 28 de Janeiro de 17�6, passa a auferir 800 réis diários “por ordem do Reverendo Cabido” da Sé de Évora18.

Se muitas das condições do projecto dificil-mente se repetirão em obras posteriores, é

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4. Manuel Abreu do Ó. Retábulo da capela-mor da Igreja do Senhor Jesus da Pobreza, 17�8. Foto do autor.

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inegável, para todos os intervenientes, uma experiência profundamente enriquecedora, seja ao nível da qualidade do desenho por-menorizado que se adivinha no carácter da composição, seja na informação do novo vocabulário ornamental que se abre ao estilo Rococó. As sugestões do trabalho ornamental em baixo relevo de frontões com volutas que terminam em concheados e pal-metas formando painéis decorativos foram aqui certamente tratadas pela primeira vez pelos mestres entalhadores de Évora e do Algarve e vão se constiutir uma das marcas fundamentais da talha dourada Rococó do Sul de Portugal.

As primeiras obras da oficina na

cidade (1737-1740)

A participação, durante mais de uma década, nas obras da capela-mor da Sé de Évora constituiu um património importante para a angariação de futuras encomendas para Manuel Abreu do Ó. Como era previsível, a primeira fase da carreira de Sebastião re-aliza-se sob as ordens do pai, que contrata uma série de obras para os conventos e igrejas de Évora, num período de transição e de lenta afirmação da oficina. Em Setembro de 17�7, Manuel Abreu do Ó desenhou o pequeno, mas interessante, retábulo para o coro debaixo do Convento do Salvador. A configuração do retábulo, como era fre-quente nas negociações da época, mereceu algumas modificações quando da reunião para a redacção do contrato19:

“E Logo pelas muito reverendas religiosas, digo Mestre Abadessa e mais religiosas, foi dito em minha presença e das testemunhas ao deante nomeadas e assinadas, que elas estavam contratadas e ajustadas, como logo com efeito por este publico instrumento contratarão e ajustarão com o dito Manuel de Abreu do Ó, entalhador, para efeito de se lhe fazer um retábulo para a capela de Nossa Senhora do Rosário do coro debaixo do dito Convento, pela maneira e forma seguinte, a saber: que será o dito retábulo feito de

madeira de pau de pinho de flandres que não tenha cousa alguma de âmago ou nó, enta-lhado e coordenado conforme o risco que o mesmo Manuel de Abreu fez, e acrescentado somente as mísulas que vão em lugar de co-lunas com avantajado ornamento e obra…”

Soror Catarina de São José, abadessa do Convento, fazendo valer o seu poder enquan-to encomendadora, impõem a substituição das colunas por pilastras, uma opção que contribui para o carácter moderno da inter-venção. Por outro lado, como não poderia deixar de ser, no vocabulário ornamental nota-se a influência da talha da Sé de Évora, pontuada por rostos de querubins alados e pela utilização de volutas com concheados e palmetas. A resolução da parte superior do retábulo, com um arco sobrepujado por um frontão também faz parte do novo figurino proposto nas capelas colaterais da Sé de Évora.

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5 Manuel Abreu do Ó. Revestimento do tecto da tribuna da capela-mor do do Convento de Santa Clara de Évora, 17�8. Foto do autor.

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Os dois armários-relicários que ladeiam o retábulo de Nossa Senhora do Rosário, embora não mencionados no contrato, são também, muito provavelmente, obras da oficina dos Abreus do Ó, num conjunto profundamente inspirado pelas campanhas da Capela de São Manços da Sé de Évora. A presença do retábulo com a imagem do Cristo Crucificado, apoiado em imponentes colunas torsas, com uma dinâmica planta semi-circular, faz-nos pensar num propósi-to de uma certa hierarquização do discurso no qual se concede primazia ao retábulo do Senhor Jesus das Misericórdias, colocado no centro da parede testeira.

No ano seguinte, em 17�8, Manuel Abreu do Ó desenha o retábulo para a capela-mor20 da Igreja do Senhor Jesus da Pobreza, uma obra iniciada pelo cónego António Rosado Bravo e, na data, supervisionada pelo reverendo ma-gistral Tomé Chichorro da Gama Lobo, pelo mestre escola José Cardoso Gião, pelo cóne-go Manuel Guerreiro de Brito e pelo vigário geral António Alvarez, todos provavelmente do conhecimento profissional do mestre entalhador, do período da intervenção na Sé de Évora. A obra é descrita em pormenor no contrato:

“E logo pelos ditos muitos Reverendos Superiores foi dito perante mim tabelião e das testemunhas ao diante nomeadas e

assinadas no fim deste instrumento que eles estavam havidos e contratados com o dito Manuel de Abreu do Ó para efeito de lhe fazer uma obra de entalhado na capela-mor da Igreja do Senhor da Pobreza pela maneira seguinte a saber, retábulo no fundo, ou frente da capela, banqueta, e trono sobre ele ate o pé da cruz do Senhor; A grade para a vidraça do senhor em seu estrado de talha, e terá porta no meio. E no tecto o Espírito Santo em seu Globo, ou giro de raios e nuvens, e o mais como mostre o risco feito para o mes-mo retábulo. E no entalho do mesmo nicho do Senhor haverá uma porta de cada lado como mostra o sítio; e outrossim a ver ter de entalho os lados, e tecto que fica sobre as portas da sacristia, e sua correspondente, com se do risco feito em seu lugar. E assim mais vestir de entalho aquelas partes que se diz avesso ou costas do arco da mesma capela-mor cuja parte faz frente do retábu-los, e fazendo tudo na melhor perfeição de madeira de bordo limpa e perfeita.”

Localizada junto à porta da Mesquita, e com o início de construção quase uma década antes, o templo do Senhor Jesus da Pobreza reflecte tanto o gosto pelo classicismo, quanto um certo apego às formas racionais e geométricas da arquitectura seiscentista barroca. Entre Manuel Abreu do Ó e os su-perintendentes da obra há um evidente co-

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munhão de gosto e o retábulo da capela-mor repete as colunas salomónicas, com o pri-meiro terço estriado, das capelas colaterais da Sé de Évora, que há muito se tornaram “obrigatórias”. Embora entre a redacção do contrato e a execução tenham ocorrido algumas modificações, o revestimento das paredes laterais, do tecto e do intradorso do arco triunfal, reflectem o gosto pelos apainelados relevados que marca a obra dos Abreu do Ó nesse período.

Ainda na Igreja do Senhor Jesus da Pobreza, é também provável que o retábulo da capela de Nossa Senhora do Amparo tenha sido de-senhado por Manuel Abreu do Ó, revelando semelhanças estilísticas com a encomenda realizada para o Convento do Salvador.

No mesmo ano, Manuel Abreu do Ó com-promete-se com Dona Beatriz Teresa de Sequeira Castelo Branco, Abadessa do Convento de Santa Clara, na execução do re-vestimento da tribuna e do trono da capela-mor21, uma obra que viria a complementar o retábulo, provavelmente executado, nos últimos anos do século XVII, na sequência da campanha das pinturas da nave e dos tectos conduzida por António de Oliveira Bernardes. As dimensões monumentais da capela-mor maneirista proporcionaram ao mestre entalhador o ensejo para a contrução de um imponente trono eucarístico, com a casa da tribuna completamente revestida com cartelas com os emblemas da Paixão de Cristo.

A talha “francesa” dos retábulos Carmelitas de Évora (1749-1756)

A primeira referência a Sebastião Abreu como principal responsável da oficina repor-ta-se a 1747, quando assina o contrato com o convento de São Domingos, em Elvas, onde o mestre entalhador realizou uma série de co-lunas e capiteis para guarnecerem o interior do templo22.

Mas a experiência que vai redefinir o seu percurso artístico foi a participação na execução das empreitadas de talha dourada

para os conventos carmelitas de Évora. Nos retábulos para o Mosteiro de São José (Convento Novo) e para o Mosteiro de Nossa Senhora dos Remédios abre-se um segundo momento para a talha Rococó no Alentejo, superando pela primeira vez a experiência da Sé de Évora que até então norteava o labor da oficina. Esse novo período coincide com a fase de maturidade de Sebastião Abreu do Ó, ao mesmo tempo que lhe proporciona os contratos mais importantes e rendosos.

Segundo o documento revelado por Artur Goulart de Melo Borges21, o mestre João Luís Botelho foi o responsável pelo “risco” do retábulo, que por esses anos, provavel-mente realiza o retábulo da capela da Ordem Terceira na Igreja do Carmo, em Évora.

O desenho do retábulo da capela-mor do Convento Novo, ainda marcado por algumas

6 João Luís Botelho (desenho) e Sebastião Abreu do Ó (talha). Retábulo da capela-mor do Convento de São José, 1749. Foto do autor.

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7. João Luís Botelho (desenho) Sebastião Abreu do Ó (talha). Retábulo da capela de Nossa Senhora do Carmo. Convento Convento de São José, 175�. Foto do autor.

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propostas joaninas, apresenta colunas rectilíneas, uma opção original no percur-so de João Luís Botelho, e uma solução provavelmente influenciada pelo retábulo da capela-mor da Sé de Évora e ainda pelo magnífico retábulo da capela de São João da igreja jesuíta de São Roque, em Lisboa. Particularmente interessante são as ilhargas curvilíneas, demonstrando uma procura de soluções dinâmicas por parte de João Luís.

Serão os retábulos do Convento Novo, clara-mente marcados pelo desejo de modernidade dos carmelitas de Évora, o ponto de partida para uma série de obras em que o neoclacis-sismo romano se funde com o estilo Rococó, que os frades preferem denominar de “talha francesa”.

Tudo indica que João Luís foi também o autor do desenho os retábulos colaterais da igreja do Convento Novo, contratados em 175�, e que serão executados por Sebastião Abreu do Ó, com a planta “chanfrada” ou “sextavada”, em que as colunas que ladeiam a tribuna avançam em relação as da ilharga, numa solução já ensaiada no retábulo da ca-pela da Ordem Terceira na Igreja do Carmo.

Três anos depois, em 1756, será a vez dos carmelitas dos Remédios renovarem a ca-pela-mor, com o retábulo a ser executado, mais uma vez, por Sebastião do Ó.

No contrato há uma série de recomendações de carácter geral da obra, como a abertura do vão para dar profundidade ao trono ou a regularização do nível dos degraus em relação aos retábulos colaterais que dão conta de uma cuidadosa preparação posta pelos frades carmelitas na condução da empreitada.

Demonstrando a continuidade nas dire-ctivas que muitas vezes presidem as obras realizadas numa mesma ordem religiosa, o prior, Frei António de São José, faz questão de utilizar os retábulos do Convento Novo como modelo para a realização do retábulo da capela-mor dos Remédios. Segundo as cláusulas desse documento, Sebastião do Ó obrigava-se a:

“…fazer um sacrário à imitação do da cape-la-mor da Igreja do Convento Novo, no caso que o oratório da Senhora não fique sobre a banqueta; os nichos dos santos serão também à imitação dos que estão na mesma capela-mor do Convento Novo, e toda a obra será entalhada com talha francesa e mais nova que hoje se usa; e fará a banqueta do altar-mor de cumprimento tal que possa le-var quartelas entalhadas que ele dito mestre há de fazer; e as quartelas debaixo das colu-nas serão como as dos altares colaterais do Convento Novo, e melhor se puder ser…”24

Os cuidados descritivos do contrato se justi-ficam-se porque são acompanhados apenas

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8. Sebastião Abreu do Ó (talha). Retábulo da capela-mor do. Convento de Nossa Senhora dos Remédios, 1756. Foto do autor.

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por desenhos parcelares da planta, coluna e da arcaria:

“E será feita pella planta e culuna que esta/ assignada pello Prior do dito Convento, e também/ de fazer hum trono para a caza da trubuna que este e a arqueria da dita obra será feita pelo Risco/ também assignado pelo dito Prior”25

É justamente na planta do retábulo que se nota uma inovação em relação ao protó-tipo dos retábulos da Igreja do Carmo e do Convento Novo, com as colunas laterais da tribuna dispostas obliquamente, reforçando o sentido dramático da exposição da imagem do Cristo Crucificado, uma solução também adoptada pelo arquitecto André Soares, no retábulo da capela de Nossa Senhora do Rosário na Igreja de São Domingos de Viana do Castelo, em 1760.

Todo o conjunto, de dimensões imponentes, é justamente considerado a obra emblemática de Sebastião Abreu do Ó, e a melhor obra de talha dourada do período em Évora26.

Obras para o Alentejo (1757-1775)

Nos anos seguintes, Sebastião do Ó vai dar continuidade a esse modelo contratando as obras de entalhe para diversas igrejas e conventos do Alentejo. Em 1757, realiza as molduras e os púlpitos da nave da Igreja do Senhor do Bonfim e, em 1764, o retá-bulo da Igreja Paroquial de São Martinho, ambas em Portalegre27. No mesmo ano, contrata o Retábulo da capela-mor da Igreja do Convento de São João de Deus, em Montemor-o-Novo28 e, também, o retábulo para a capela de Nossa Senhora das Sete Dores, da Igreja do Convento de São Paulo, em Serpa29. Em 1775, Sebastião Abreu do Ó realizou o revestimento do arco da capela-mor da Igreja da Misericórdia de Beja, com figuras que sustentavam as armas reais�0, obra, ao que tudo indica, destruída em 198�, quando da intervenção da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais.

Entre todas essas intervenções destacam-se

as molduras da Igreja do Senhor do Bonfim de Portalegre, pela fluídez dos ornatos ro-caille, embora também aqui se deva notar a influência do trabalho de João Luís Botelho que, segundo a já citada informação de Cunha Rivara, teria sido o autor das molduras para as telas da nave do Convento Novo de Évora.

Deste período, é certamente o imponente retábulo actualmente instalado na Igreja da Colegiada de São Pedro, em Moura, prove-niente da Igreja Matriz.

A última obra em Arraiolos

Segundo o mesmo autor�1, a talha do retá-bulo do altar-mor da igreja da Misericórdia de Arraiolos foi realizada por Sebastião do Ó,

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9. João Luís Botelho (desenho) Sebastião Abreu do Ó (talha). Peanha do Retábulo daRetábulo da capela-mor. Convento de São José, 1749

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mas o mestre entalhador, vítima da doença, te-la-ia deixado incompleta, tendo sido a cimalha concluída pelo mestre José Rosado, também de Évora�2. Nas notas de despesa da confraria apenas se documentam des-pesas com entalhadores e douradores, em 1782, talvez da conclusão do revestimento do arco triunfal. A obra foi ainda objecto de uma terceira intervenção, e o revestimento da tri-buna e o trono foram realizados por mestres de Arraiolos, a partir de um desenho forne-cido por um pintor de Lisboa��. As colunas realmente lembram as intervenções para os carmelitas de Évora, denunciando as preva-lentes neoclássicas que acompanharam as primeiras intervenções rocaille na obra de Sebastião do Ó.

Corroborando a hipótese de se tratar da úl-tima obra do mestre entalhador, as últimas referências documentais sobre o mestre entalhador são datadas de 1779, e dão-no como morador na cidade de Évora, na Rua da Malagaça�4.

Inovação e consenso na obra de Manuel e Sebastião do Ó

Com um número invulgarmente grande de obras identificadas com rigor�5, é particu-larmente interessante para a história da talha dourada em Portugal, a possibilidade de acompanhar a obra dos mestres en-talhadores, pai e filho, desde os anos de aprendizagem até às últimas obras, num longo percurso de praticamente seis déca-das. Nesse período, dos anos 20 aos anos 80 do século XVIII, assiste-se a uma evolução constante nas propostas estéticas, desde o que se convencionou denominar como estilo joanino, com o retorno ao clacissismo tardo-barroco, até ao início do neoclássico.

No caso de Sebastião do Ó, filho de um mes-tre escultor, na companhia de quem realizou as primeiras obras, também essa herança pode ser avaliada, quando da manutenção de uma linha de continuidade, ou quando se colocam novas propostas estéticas.

Ao contrário de outras artes decorativas,

como é, por exemplo, o caso do azulejo, onde os mestre oleiros e pintores se concentram em Lisboa, na talha dourada, com as oficinas obrigatoriamente situadas nas proximidades do seu raio de acção, as soluções regionais, pelo menos em teoria, deveriam ter um maior espaço para se desenvolver e afirmar.

A origem algarvia de Manuel do Ó e do seu filho Sebastião, de maneira nenhuma fazia prever a sua acção em Évora, cidade que, durante os séculos XVII e XVIII, acabou por fixar importantes mestres nascidos e forma-dos em Lisboa e que, tanto quanto sabemos, acabaram por não desenvolver uma linha de continuidade.

A qualidade da aprendizagem na obra da Sé de Évora, uma situação sem paralelo em nenhum outro período da história coeva, marcou também toda uma geração de mes-tres entalhadores do Alentejo e do Algarve, abrindo caminho para a assunção de novos valores pela talha dourada, ultrapassando o ciclo joanino que na cidade aparece de maneira quase exclusiva na obra do mestre entalhador lisboeta Manuel Nunes da Silva�5, autor do magnífico retábulo da capela da Ordem Terceira de São Francisco (1727-1728). Será também resultado da organização des-se grande estaleiro, com o peso da iniciativa

CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 | página 1�

10. João Luís Botelho (desenho) e Sebastião Abreu do Ó (talha). Painel decorativo da ilharga. RetábuloRetábulo da capela-mor do Convento Novo, 1749. Foto do autor

CELSO MANGUCCI A Talha mais Moderna. O percurso artístico de Manuel Abreu e Sebastião Abreu do Ó em Évora

régia, cooptando artífices oriundos de Itália, Lisboa, Alentejo e Algarve, uma poderosa forma de criar um consenso alargado entre encomendadores e artífices sobre as linhas de continuidade para as intervenções que se vão seguir não só em Évora, mas em todo o Alentejo e Algarve.

Como demonstram os contratos citados e os transcritos em anexo, essa obsessão pela modernidade e pelas novidades estéticas está longe de ser uma preocupação formalista dos historiadores ou, como algumas vezes é entendida, exterior ao carácter religioso dos retábulos e da decoração interior dos tem-plos. Segundo priores e abadessas, que não se eximem de opinar e sugerir modificações que consideram necessárias, é fundamental que a intervenção apresente um carácter de modernidade, matizada necessariamente por um consenso social em torno das pro-postas escolhidas.

É o consenso adquirido pelas opções estéti-cas da obra da capela-mor da Sé de Évora, construída sob patrocínio régio, que vai guiar o percurso de Manuel Abreu do Ó, criando uma obra necessariamente de continuidade formal.

A emancipação de Sebastião Abreu do Ó coincide, no tempo, com a colaboração de João Luís Botelho com os carmelitas de Évora que ensaiam um processo de afirma-ção da Ordem na cidade de Évora. João Luís aparece, assim, como uma figura tutelar que paira sobre a obra de Sebastião Abreu do Ó, e sobre o Rococó eborense, tendo sido o interlocutor escolhido pelos carmelitas para as várias propostas de retábulos que, a partir da sua experiência anterior, vão forjar um novo modelo. Essa proximidade entre os dois mestres e, também, esse carácter de supervisão está ainda patente no contrato, de 1754, para os castiçais de prata da Ordem Terceira de São Francisco, para os quais Sebastião Abreu do Ó forneceu ao ourives Francisco Xavier Nobre um desenho previa-mente “aprovado” por João Luís �6.

Não deixa de ser curioso que, após as obras do ciclo carmelita todo o percurso de

Sebastião do Ó se desenvolva fora de Évora, com excepção das portas e do guardavento executadas para o Convento do Espinheiro�7, em 1767.

A última obra do mestre entalhador na Misericórdia de Arraiolos, marcada pelas vi-cissitudes da doença, onde procura adaptar-se às novas tendências neoclássicas, pouco tem a acrescentar ao percurso grandioso de Sebastião Abreu do Ó.

CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 | página 14

11. João Luís Botelho (desenho) Sebastião Abreu do Ó (talha). Peanha do Retábulo daRetábulo da capela de Nossa Senhora do Carmo. Convento Convento de São José, 175�

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NOTAS

1 Biblioteca Pública de Évora, Fundo Rivara. Apontamentos sobre as obras de talha e enta-lhadores em Évora. Maço V e VI, n.º 19, pasta 14. Os apontamentos foram publicados por António Barata no opúsculo Noites de Évora, n.º 2, 1897, hoje, bastante raro.

2 Robert SMITH, 1962, pp. 81-28.

3 Veja-se ESPANCA, 1950 e 1966, BORGES, 1987: 1�8-1�8, SALTEIRO, 1989: �24 e BORGES e UCHA, 2005: 292.

4 É esse o caso de Francisco Machado (act. 1684-

170�) e de Manuel Nunes da Silva (act. 1721-17�6),

para citarmos apenas dois casos de mestres

lisboetas activos em Évora, nos finais do século

XVII e primeiras décadas do século XVIII.

5 Veja-se LAMEIRA, 2000: 197-198 e 247-248.

6 Nos Arquivos Notariais de Évora regista-se a

inquirição realizada em Tavira, em 1757, para con-

firmar a identidade dos pais de Manuel de Abreu

do Ó, filho do padre Gaspar da Costa Carvalho e

Maria de Abreu Torina. Veja-se LAMEIRA, 2000:

197-198 e 247-248 e BORGES, 2005: 169-176.

7 BORGES, 2005.

8 ESPANCA, 1951.

9 Veja-se o estudo do historiador Francisco

LAMEIRA (1999: 27) que prefere atribuir, seguindo

Cunha Rivara e Túlio Espanca, a autoria do referi-

do retábulo ao mestre Manuel Abreu do Ó.

10 Túlio Espanca divulgou pela primeira vez os

nomes dos artífices envolvidos nas obras da Sé

de Évora (ESPANCA, 1951 e ESPANCA 1966: vol.

I, pp. �1-�4).

11 Os livros com o registo semanas de trabalho

iniciam-se apenas em 16 de Setembro de 1724,

data em que, uma vez terminadas as demolições,

e também já avançados os trabalhos de extração

das rochas nas pedreiras de Montes Claros, esta-

vam reunidas as condições para a construção da

capela-mor em Évora. Manuel de Abreu aparece

registado pela primeira vez na semana que ter-

mina em 12 de Janeiro de 1726 (Arquivo da Sé de

Évora. Livro de Despeza das obras da capela-mor

da Sé de Évora (páginas não numeradas) CEC 16

VII). Há um interregno de mais de um ano entre 6

de Outubro de 17�1 e 16 de Maio de 17��, e a última

féria regista-se na semana que termina em 9 de

Novembro de 17�7. (Arquivo da Sé de Évora. Livro

de Despeza das obras da capela-mor da Sé de

Évora (páginas não numeradas) CEC 16 IX).

12 As férias, simples documentos da contabili-

dade da obra, não descrevem o tipo de trabalho

realizado e apenas traduzem, no valor pago, um

estatuto que condiz com a especialidade do tra-

balho desempenhado. Todavia, em 22 de Junho

de 17�7, Manuel Abreu do Ó realiza os capitéis

para as colunas das capelas colaterais, trabalho

pago na forma de empreitada, por não estarem

inseridos na contabilidade das obras da capela-

mor. “Despendi com Manuel Abreu, entalhador,

de três capitéis das columnas das capellas cola-

terais que fez de empreitada, assim o desbaste

como a limpeza, a preço de 6.400 réis cada hum,

importa 19$200 réis.”

13 Como já notado por Francisco LAMEIRA

(1999:28), os dados disponíveis apontam para uma

diferença geracional entre os dois mestres, que a

situação de aprendizagem formal nas obras da Sé

de Évora vem mais uma vez confirmar.

14 Arquivo da Sé de Évora. Livro de Despeza das

obras da capela-mor da Sé de Évora (páginas não

numeradas) CEC 16 VIII. Féria da semana que

termina em 8 de Dezembro de 17�1. Sebastião de

CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 | página 15

12. Frederico Ludovice (desenho) Francisco Xavier Borges (talha). Armário relicário da Capela de São Manços (ou das Relíquias), 17�6-17�8.Foto da autor.

CELSO MANGUCCI A Talha mais Moderna. O percurso artístico de Manuel Abreu e Sebastião Abreu do Ó em Évora

Abreu, aprendiz, recebe 60 réis por dia.

15 Sobre a obra do algarvio Francisco Xavier,

pai de Manuel Francisco Xavier, também mestre

entalhador, com importante actividade no período

Rococó na região veja-se Francisco LAMEIRA

(2000: 250). Em 174�, Francisco Xavier já estava de

volta ao Algarve data em que celebrou o contrato

para realizar o retábulo da Irmandade das Almas

na Igreja Matriz de Portimão.

16 Luís João está presente, pela primeira vez,

nas listas de pagamento, em 21 de Abril de 17�6

[Arquivo da Sé de Évora. Livro de Despeza das

obras da capela-mor da Sé de Évora (páginas não

numeradas). CEC 16 IX]. Entre as obras atribuídas

em Évora contam-se o retábulo da capela da

Ordem Terceira na Igreja do Carmo (ESPANCA,

1966, I, 49) e a talha das molduras das pinturas

da nave da Igreja de São José (Convento Novo)

(ESPANCA, 1950:129). Para o conjunto da sua

obra identificada veja-se o citado artigo de Artur

Goulart de Melo BORGES (2005, pp. 162-164).

17 Arquivo da Sé de Évora. Livro de Despeza das

obras da capela-mor da Sé de Évora (páginas

não numeradas). CEC 16 IX. Féria da semana que

termina em 16 de Junho de 17�6. Para sermos

exactos, no início da campanha Sebastião de

Abreu recebe apenas 100 réis por dia, tendo sido

“acrescentado no jornal por ordem do reverendo

Cabbido” em 9 de Junho de 17�6 (idem).

18 Arquivo da Sé de Évora. Livro de Despeza das

obras da capela-mor da Sé de Évora (páginas

não numeradas). CEC 16 IX. Féria da semana que

termina em 22 de Junho de 17�7.

19 Veja-se a transcrição do documento em anexo.

(Doc. 1)

20 Veja-se a transcrição do documento em anexo.

(Doc. 2)

21 Obra identificada por Artur Goulart de Melo

BORGES, 2005: p. 158.

22 VALLECILLO TEODORO, 1996: 126 e BORGES e

UCHA, 2005: p. 289.

23 BORGES, 2005: 160-161 e também BORGES e

UCHA, 2005: p. 289.

24 BORGES, 2005. Veja-se o contrato transcrito

em anexo. (Doc. �)

25 Idem.

26 Veja-se SMITH, 1962,. ESPANCA, 1950 e 1966,

BORGES, 1987: 1�8-1�8, SALTEIRO, 1989: �24 e

BORGES e UCHA, 2005.

27 LAMEIRA, 1999:29; BORGES, 2005 e BORGES e

UCHA, 2005: p. 289.

28 FALCÃO, 1990: � e LAMEIRA, 1999:29.

29 BORGES 2005, BORGES e UCHA, 2005: p. 289.

30 Veja-se ainda as observações de Túlio

ESPANCA, 1975, I: 12.

31 RIVARA, 1979: 1�5. Veja-se também BORGES

e UCHA, 2005: p. 289.

32 Idem, ibidem.

33 CARVALHO, 2007: II, 151

34 ESPANCA. 1950: 128

35 FALCÃO, 1990: �, VALLECILLO TEODORO, 1996:

126, LAMEIRA, 1999: 29; BORGES, 2005: 157-162.

36 LAMEIRA, 2002.

37 BORGES, 2005: 1�8-1�8

CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 | página 16

CELSO MANGUCCI A Talha mais Moderna. O percurso artístico de Manuel Abreu e Sebastião Abreu do Ó em Évora

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1�. Frederico Ludovice (desenho) Francisco Xavier Borges (talha). Sé de Évora, Capela do Santíssimo Sacramento, 17�6-17�8.Foto da autor.

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DOCUMENTOS

doc. 1. Ade. cartórios notariais. Livro 1150. fls. 19v.º - 20 v.º. extracto.

[fl. 19 v.º] Contrato que fazem a Muito Reverenda Madre Abadessa e de/mais religiosas do Convento do

Salvador com Manuel de Abreu do Ó, entalhador desta cidade.

Em nome de Deos, ámen. Saybam quantos este instromento de contrato/ ajuste e obrigação virem

que no anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de/ mil setecentos e trinta e sete anos,

aos dois dias do mês de Septembro do dito anno, nes/ta cidade de Évora, em a grade e locutório do

Muito Religioso Convento de Nossa Senhora/ digo do Salvador desta cidade, aonde eu, Tabeliam, ao

diante nomeado, fuy, estando ahy/ presentes das grades a dentro a Muito Reverenda Abadessa e mais

religiosas discretas do dito convento e bem assim sendo mais presentes, da grade afora, Manuel Abreu

do Ó, entalhador/ e morador na Rua da Mouraria desta cidade, pessoas conhecidas de mim tabelião que

certifico se/rem as próprias aqui contheudas e declaradas. E Logo pellas muito reverendas religiosas/

digo Mestre Abadessa e mais religiosas foy dito em minha presença e das testemunhas ao de/ante

nomeadas e assignadas, que ellas estavão contratadas e ajustadas, como logo/ com effeito por este

publico instromento de contratarão e ajustarão com o dito Manoel de Abreu do Ó, entalhador, para

effeito de se lhe fazer um retábulo para a cappela de Nossa Senhora do Rosário do coro debaixo do dito

Convento, pela maneira e forma seguinte/ a saber que será o dito retabollo feito de madeira de pau de

pinho de flandres que não tenha/ cousa alguma de âmago ou nó, entalhado, e coordenado conforme

o risco que o mes/mo Manoel de Abreu fez, e acrescentado somente as misulas que vão em lugar de

CENÁCULO Boletim on line do Museu de Évora | n.º 4 | Outubro 2010 | página 18

CELSO MANGUCCI A Talha mais Moderna. O percurso artístico de Manuel Abreu e Sebastião Abreu do Ó em Évora

colunas com avantajado ornamento e obra; principiando a dita obra por hum altar e continuando com

sua banqueta, nixo, simalha, e remate na forma do risco que/ fica rubricado por mim tabeliam para que

este em nenhum tempo de possa diminuir, nem/ trocar. E será a dita obra de altura desde o chão athé,

digo desde o pavimento do chão athe o tetto do dito convento que serão vinte e dous palmos pouco mais,

ou menos, e a largura, em seus últimos termos, doze palmos e meyo.

E depois das dita obra toda estar feita, e acabada, a assentará elle dito Manoel de Abreu do Ó a sua

custa, como também será a sua custa toda/ a ferrage que for necessária para se assentar, e ficar com

toda a segurança, a qual obra depois de feita, assentada, e acabada será por dois mestres peritos para

a declararem se esta bem assentada, conforme o risco, e somente serão ellas ditas reverendas Mestre

Abadessa e mais religiosas/ obrigadas a mandarem por o sitio corrente, e expedito para se assentar o

dito retabollo, e

[fl. 20] E pello dito Manuel de Abreu do Ó foi dito que elle tomava e aceitava este/ instromento e que elle

e em virtude do mesmo se obrigava a fazer as ditas Reverendas Madres Abadessas e mais religiosas do

dito convento o dito retabollo na forma/ que declarado fica com todas as clausullas e condiçõens para

as obrigações atrás ditas/ e ao diante declaradas na forma do risco e appontamento do dito retabollo

que fica/ em poder delle, dito Manoel de Abreu do Ó, rubricado por mim tabelião. E se obrigava a dar

a dita obra finda, acabada, e assente sem lhe faltar cousa alguma athe o ultimo dia do mês de Janeiro

do anno próximo vindouro de mil setecentos e trinta e outo sob pena de que passado o dito dia, e não

estando assente a dita obra como atrás fica dito, de per/der elle dito Manoel de Abreu doze mil e

duzentos reis que se lhe tiravão do último pagamento do preço desta dita Obra, a qual se obrigava a

fazê-la pello preço e quantia de outenta mil réis pagos em três pagas […]

doc. 2. Ade. cartórios notariais. Livro 1150, fls. 65v.º-66. extracto

[fl. 65 v.º] Contrato que fazem o Superintendente das obras do Senhor da Pobreza com Manuel de Abreu

do Ó, entalhador.

Em nome de Deus ámen; Saybam quantos este instromento de contrato e/ obrigaçam virem que no

anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil/ setecentos e treinta e oito/ aos vinte e

quatro de Janeiro do dito anno nesta cidade de Evora na Santa Sé desta cidade onde eu Tabeliam ao

deante/ neomado fuy estando ahy presentes o muito Reverendo Magistral Thome Chichorro da Gama

Lobo, e o muito Reverendo Mestre Escola Joseph Cardoso Giam, e o muito Reverendo Cónego Manuel

Guerreiro de Brito e o muito Reverendo Vigário geral António Alvarez que a/ este negocio estiveram

como supperintendentes das obras do Senhor da Pobresa, e/ bem assim estando mais presente Manuel

de Abreu do Ó, mestre entalha/dor, morador na Rua da Mouraria desta cidade pessoas conhecidas

de mim tabeliam que certe/fico serem as próprias aqui contheudas e declaradas; E logo pellos ditos

Muitos Reverendos Superiores foi dito perante mim tabeliam e das testemunhas ao deante noemadas/

e assignadas no fim deste instromento que elles estavam havidos e contratados/

[Fl. 66] E contratados com o dito Manuel de Abreu do Ó para effeito de lhe fazer humma obra de

entalhado na cappela-mor da Igreja do Senhor da Pobresa/ pella maneyra seguinte a saber, Retabollo

no fundo, ou frente da capela, banqueta, e trono sobre elle athe o pé da cruz do Senhor; A grade para a

vidraça do senhor em seu estrato de talha, e terá porta no meyo. E no teto o Espírito Santo em seu Globo,

ou giro de rayos e nuvens, e o mais como mostre o risco feyto para o mesmo retabollo. E no entalho do

mesmo nicho do/ senhor haverá huma porta de cada lado como mostra o sítio; e outrossim a ver ter

de entalho os lados, e tetto que fica sobre as portas da sanchristia, e sua correspondente, com se do

risco feito sem eu lugar. E assim mais vestir de entalho aquellas partes que se diz avesso ou costas do

arco da mês/ma capella-mor cuja parte faz frente do retabollos, e fazendo tudo na melhor perfeiçam

de madeira de bordo limpa e perfeita. Os quais riscos ficam rubricados/ por mim tabeliam para todo o

tempo constar são os mesmos que conthem esse instromento cuja obra será vista e cotejada depois de

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CELSO MANGUCCI A Talha mais Moderna. O percurso artístico de Manuel Abreu e Sebastião Abreu do Ó em Évora

assente para se ver se esta na forma dos mesmos riscos, tudo em preço de duzentos mil réis que elle

dito Manuel/ Abreu do Ó receberá da mão do Reverendo Padre Manuel digo António Alvares cappelão

do recolhimento da Piedade e Thesoureiro do senhor da Pobreza em três pagamentos […]

doc. 3. Arquivo distrital de Évora cartórios notariais de Évora. Livro 1117, fls. 32-33 v.º. extracto.

Contrato que fazem os Reverendos Padres/ e mais religiosos de Nossa Senhora dos Remédios com

Sebastião de Abreu do Ó

Em nome de Deus, Ámen. Saibam quantos este/ instromento de contrato virem que no anno do nas-

cimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e cinquenta e seis, aos 25 dias do mês de

Setembro, na cidade de Évora extramuros della,/ no convento de Nossa Senhora dos Remédios aonde

eu/ tabeliam fui, estando junto em comunidade o reverendo Padre Prior/ e mais Reverendos Padres

abaixo assinados e bem/ assim estando mais presente Sebastiam de Abreu do Hó/ entalhador e morador

nesta cidade, na Rua de Avis, pessoas/ reconhecidas de mim tabeliam que certifico serem os próprios/

E logo pello Reverendo Prior e mais religiosos foi dito a mim tabeliam/ perante as testemunhas no fim

assignadas que elles estavam com/tratados e ajustados com o dito Sebastiam de Abreu do Ó/ para

efeito de o mesmo lhe fazer hum retabollo e caza da tribuna tudo emtalhado para a capella mor/ do

dito convento e por preço de seiscentos mil réis e deste recebeu logo ao assignar desta duzentos mil

reis/ e no fim do mês de Novembro que vem deste mesmo anno (………….. ) obrigar-nos a dar-lhe cento

e cinquenta mil reis, e outra tanta quantia de cento e cinquenta mil réis mo meado do mês de Fevereiro

que vem de setecentos e cinquenta e sete e os cem mil reis que faltam para com/pletar os seiscentos

mil nos obrigamos a lhos satisfazer no fim da obra estar acabada e assentada./ E será elle dito meste

obrigado a comprir as obrigações seguintes. Há de ser a obra feita de pinho de flandres/ sem mago ou

curração [sic] alguma, e toda a peça que levar tem obrigação de fazer outra a sua custa que esta hé

a principal condição da obra. E será feita pella planta e culuna que esta/ assignada pello Prior do dito

Convento, e também/ de fazer hum trono para a caza da trubuna que este/

[fl. �2 v.º] este e a arqueria da dita obra será feita pelo Risco/ também assignado pelo dito Prior; e de

fazer os pe/destais de madeira com zimalhas e almofadas como se costuma; e porá no lado do altar

hu/ma porta com se tem ajustado para serventia/ da caza da trebuna, e de fazer na mesma caza da/

trebuna toda entalhada, advertindo que a talha/ que fizer no tecto há de ser na mesma madeira ou peça

e não suporte; e de mandar romper a parede para no vão della se fazer a dita caza/ da trebuna; e de

fazer escada para subir ao trono;/ e de rebachar os degraus do altar mor, e pucha/dos fora no nível

dos altares culaterais que/ hão de ser só dois degraus que elle dito mestre entalhador terá obrigação

de pagar aos pedreiros dos jornais e todos os aviamentos necessários de cal, pedra, tejo [sic] e areia

sem ficar contas delles aos Religiosos; e fará também o dito mestre hum oratório seis/tadado [sic] para

nelle se culucar Nossa Senhora dos Re/médios, e sem entalhado ou respaldo do dito orató/rio, o qual

se há de por onde o Reverendo Prior detre/minar, e de fazer hum sacrário à imitação/ do da cappela

mor da Igreja do Convento Novo no/ cazo que o oratório da Senhora não fique sobre/ a banqueta; os

nixos dos santos serão também à imitação dos que estão na mesma capella mor/ do Convento Novo,

e toda a obra será entalhada com/ talha franceça e mais nova que hoje se usa; e fa/rá a banqueta do

altar mor de cumprimento tal/ que poça levar quartellas entalhadas que elle dito mestre há de fazer; e

as quartellas deba/cho das colunas serão como as dos altares culateraes do Convento Novo, e milhor

se puder ser; e também fará mais o cachão do Altar-mor com/ a madeira que tem o velho, no cazo que

esteja capaz, e com mais tábuas que do Retabullo velho/ se tiraram que elles Religiosos lhe darão para

o dito efeito; e será mais obrigado a dar a obra acabada no fim do/ mês de dezembro que vem do dito

anno de mil setecentos e cinquenta e sete

[fl. ��] para nella se fazer a função das Endoenças. E cazo que faltem alguam couzas para seu compri-

mento com o se poça fazer nella a função dita das Endoenças…