A Publicidade como texto multimodal: a imagem

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UNIVERSIDADE DO PORTO Mestrado em Ciências da Comunicação Variante de Estudos de Média e Jornalismo Laboratório de Semiótica da Comunicação A Publicidade como texto multimodal A A A A imagem imagem imagem imagem Cátia Vânia Ferreira da Costa 23 de junho de 2013 Resumo: A publicidade, como uma prática social persuasiva, coloca o produtor e anunciante numa situação de comunicação com o leitor e consumidor. O significado do texto não-verbal passa muitas vezes despercebido aos olhos de quem o vê. Neste estudo pretende-se avaliar a importância do texto não-verbal, no caso específico da imagem, no texto publicitário. Palavras-chave: publicidade; imagem; texto; semiótica; significação; comunicação.

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UNIVERSIDADE DO PORTO

Mestrado em Ciências da Comunicação Variante de Estudos de Média e Jornalismo Laboratório de Semiótica da Comunicação

A Publicidade como

texto multimodal

A A A A imagemimagemimagemimagem

Cátia Vânia Ferreira da Costa

23 de junho de 2013

Resumo: A publicidade, como uma prática social persuasiva, coloca o produtor e

anunciante numa situação de comunicação com o leitor e consumidor. O significado do

texto não-verbal passa muitas vezes despercebido aos olhos de quem o vê. Neste estudo

pretende-se avaliar a importância do texto não-verbal, no caso específico da imagem, no

texto publicitário.

Palavras-chave: publicidade; imagem; texto; semiótica; significação; comunicação.

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ÍndiceÍndiceÍndiceÍndice

Introdução ......................................................................................................................... 3

A Teoria Geral do Signo ................................................................................................... 4

Saussure e a Semiologia de modelo linguístico ........................................................... 4

Charles S. Peirce: fundador da Semiótica .................................................................... 5

Signos e Significação ................................................................................................... 7

A imagem como signo .................................................................................................. 9

A Publicidade ................................................................................................................. 11

A imagem na publicidade ........................................................................................... 12

O caso da Benetton ..................................................................................................... 14

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 18

Anexos ............................................................................................................................ 19

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Introdução

No âmbito da disciplina de Laboratório de Semiótica da Comunicação, orientada

pelo Professor Doutor António Machuco Rosa e inserida no Mestrado de Ciências da

Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto no ano letivo

2012/2013, pretende-se com este estudo avaliar a importância do texto não-verbal, no

caso específico da imagem, no texto publicitário.

Em primeiro lugar, o trabalho apresenta de forma resumida e sucinta uma Teoria

Geral do Signo, sob as diferentes perspetivas da Semiologia de Ferdinand de Saussure e

da Semiótica de Charles S. Peirce. De seguida, aborda-se a imagem, subcategoria do

ícone, segundo Peirce, como um signo.

É facto que, cada vez mais, a publicidade trabalha com imagens. Como o intuito

deste trabalho é mostrar a importância da imagem no texto publicitário, é introduzido,

nos pontos seguintes, o conceito de publicidade e algumas ideias de como a imagem é

crucial na passagem da mensagem publicitária ao leitor e consumidor.

Ficam assim expostos os princípios de uma retórica da imagem publicitária,

ideia inicialmente exposta por Roland Barthes. A ideia de que a publicidade é um texto

multimodal, onde está incluída a imagem, é também transmitida.

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A Teoria Geral do Signo

Saussure e a Semiologia de modelo linSaussure e a Semiologia de modelo linSaussure e a Semiologia de modelo linSaussure e a Semiologia de modelo linguísticoguísticoguísticoguístico

Semiótica e Semiologia são, muitas vezes, considerados sinónimos1 e acabam

por ser distinguidos através do seu uso, dependendo de âmbitos culturais e de tempos.

Os dois termos são ciências que, apesar de semelhantes, têm uma discrepância

terminológica, uma vez que ambas consideram o processo semiótico mas concebem o

signo de maneira diferente. Para Ferdinand de Saussure (1857-1913), pai da Semiologia,

esta ciência “estuda a vida dos sinais no seio, no interior da vida social. Deste modo,

entende-se que a Linguística seria responsável pelo estudo dos sinais linguísticos,

enquanto que a Semiologia englobaria a Linguística e estudaria todo o tipo de sinais, ou

seja, todos os fenómenos com significação”2.

“Pode, portanto, conceber-se uma ciência que estuda a vida dos sinais no seio da vida social, que formaria uma parte da psicologia geral; dar-lhe-emos o nome de ‘semiologia’. Será

ela a mostrar-nos no que consistem os signos, que leis o regem (…) A linguística não é mais do que uma parte desta ciência geral – as leis que revelará a semiologia serão aplicáveis à

linguística, e esta ficará assim ligada a um domínio bem definido no conjunto dos factos humanos.”

(Ferdinand de Saussure in Curso de Linguística Geral)

Quando Saussure inaugura a Linguística moderna e decide iniciar o estudo da

língua como um sistema semiológico, criou bases para se conseguir estudar e entender

outros sistemas semiológicos à luz da língua. Assim, sucintamente, a Semiologia estuda

os sinais e as regras que regem esses mesmos sinais, sendo que o objeto de estudo são

todos os sistemas de signos (organizados ou menos codificados). Já a Linguística é o

ramo da Semiologia que estuda o signo linguístico, percecionando, desta forma, as

línguas como sistemas de sinais (sistemas semiológicos). Na sua teoria, Saussure

discorre sobre seis pontos de abordagem semiológica de matriz linguística. São eles: a

língua/fala (langue/parole); a natureza do signo linguístico; o significado/valor; a

sincronia/diacronia; o sintagma/paradigma; a denotação/conotação. 1 A Carta Constitucional da Associação Internacional de Estudos Semióticos (1969) define que Semiótica e Semiologia são termos sinónimos. 2 in Curso de Linguística Geral.

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Roland Barthes (1984) retoma a definição de Saussure e acrescenta: “(…) a

semiologia tem pois como objeto de estudo todo o sistema de signos, qualquer que seja

a sua substância, quaisquer que sejam os seus limites: as imagens, os textos, os sons

melódicos, os objetos, etc. que constituem se não linguagens pelo menos sistemas de

significações. É certo que o desenvolvimento das comunicações de massa confere hoje

uma enorme atualidade a este imenso campo de significação.”3

Na teoria linguística de Saussure, o signo é considerado a unidade mínima de

primeira articulação, pois não deve ser dividido numa sucessão de unidades menores e

portadoras de sentido. Então, o signo é uma entidade bifacial composta por um conceito

e por uma imagem acústica, termos que mais tarde o autor substitui por significado e

significante. Significante é a parte material do signo, o som que o conforma; significado

é o conceito veiculado por essa parte material, o seu conteúdo, a sua imagem mental. À

união efetiva de um significante e de um significado dá-se o nome de significação.

Charles Charles Charles Charles S. S. S. S. Peirce: fundador da SemióticaPeirce: fundador da SemióticaPeirce: fundador da SemióticaPeirce: fundador da Semiótica

A Semiótica é a ciência geral dos signos e da semiose, criada por Charles S.

Peirce (1839-1914), que estuda os fenómenos culturais como se estes fossem sistemas

de signos, isto é, sistemas de significação. Para Peirce, semiótica é a “ciência

responsável pela criação de uma doutrina dos signos (…) doutrina que estudaria a

natureza e as variedades da semiose (ação, influência que envolve a cooperação de três

elementos – o singo, o objeto e o seu interpretante) (…) a semiótica estudaria os

processos de semiose” 4 , sendo que semiose é “o processo através do qual um

determinado sinal se relaciona com o objeto que representa”5. A Semiótica investiga

cientificamente um objeto – o signo –, objeto esse de natureza muito complexa, tanto na

sua origem como nas suas relações.

A Semiótica Peirciana é considerada uma filosofia científica da linguagem. A

Fenomenologia (ciência que permeia a Semiótica de Peirce) é a descrição e análise das

experiências do Homem, em todos os momentos da vida. O fenómeno é tudo aquilo que

é percebido pelo Homem, seja real ou não. Para Peirce, o Homem significa tudo o que o

3 in Le bruissement de la langue. 4 in Semiotica. 5 idem.

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rodeia numa conceção triádica (primeiridade, secundidade, terceiridade) e é nestes

pilares que a sua teoria se baseia. A primeiridade corresponde ao acaso. É o fenómeno,

no seu estado puro, que se apresenta à consciência do Homem. Por sua vez, a

secundidade corresponde à ação e reação. É o conflito da consciência com o fenómeno,

procurando entendê-lo. Já a terceiridade corresponde à mediação. É a interpretação e a

generalização dos fenómenos. Para Peirce, existem três tipos de signos: ícone, índice e

símbolo6.

Ao contrário de Saussure, Peirce inclui o objeto na sua definição de signo e tem

deste uma conceção triádica7. O signo, como interpretante, é a ideia mental que surge na

cabeça do intérprete perante um objeto. Deste modo, o processo semiótico exige um

interpretante: os signos não são abstrações virtuais, existem no ato concreto de

significação. Peirce define-o como sendo o representante de alguma coisa que está em

vez dela, dando ênfase ao valor substitutivo do signo, mas evita a relação dos signos

linguísticos com a realidade. O objeto é a coisa com a qual o signo estabelece uma

relação referencial; enquanto que o interpretante é a ideia a que o signo dá origem na

mente do intérprete. É importante entender que o interpretante não é o intérprete – é

antes aquilo que assegura a validade do signo, mesmo na ausência do intérprete. Para

Peirce, o interpretante é aquilo que o signo produz na mente do intérprete. Portanto, um

signo é tudo o que leva outra coisa a referir-se a um objeto a que ele próprio se refere. O

interpretante torna-se, assim, um signo.

Perante esta perspetiva triádica do signo, o signo será algo que está no lugar de

uma coisa para alguém. A semiose é, portanto, a relação de cooperação entre as três

entidades, é um produto de significação que encaixa na função interpretativa. Esta

função interpretativa baseia-se naquilo a que Peirce chama de Abdução, isto é, um tipo

de raciocínio que se fundamenta em influências hipotéticas. Trata-se de um método de

formação de novas hipóteses explicativas. Para Fidalgo (1998)8, a semiose é ilimitada,

uma vez que, para estabelecer um significado, é necessário nomear primeiro um

significante que, por sua vez, pode ser interpretado por outro significante. O próprio

mundo faz parte do processo de semiose, pois a significação e a comunicação

circunscrevem as unidades culturais, por meio de reenvios contínuos. Deste modo, a

6 Ver subcapítulo “Signos e Significação”, página 7. 7 Figura 1 (Anexos, página 19). 8 in Semiótica: A Lógica da Comunicação.

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teoria do signo em Peirce permite integrar a pragmática como dimensão fundamental da

semiose, enquanto que Saussure ignora a participação da pragmática na interpretação,

uma vez que entende a significação como imanente ao sistema. Em Peirce, a situação

enunciativa é exterior à construção do sentido, não intervindo como fator de valor

semântico do enunciado. Tem, assim, uma conceção extrínseca de pragmatismo: as

significações são dadas pelo sistema. Então, para Peirce, a interpretação é a própria

constituição da significação no interior do processo – a constituição da significação e

dimensão pragmática da linguagem são inseparáveis.

Signos e SignifiSignos e SignifiSignos e SignifiSignos e Significaçãocaçãocaçãocação

“Uma cultura, ao definir os seus objetos, remete sempre para alguns códigos de reconhecimento que individualizaram traços pertinentes e caracterizantes do conteúdo.”

(Umberto Eco in Tratado Geral de Semiótica)

Os signos estão em toda a parte e formam-se a partir da sociedade que os cria,

através de estruturas que empregam e de fontes que utilizam para os perceber. Os signos

produzem-se e consomem-se sempre num determinado contexto sociocultural, variando

consoante as sociedades (embora apresentem estruturas similares em muitos casos).

Existem outras similitudes estruturais: todas as sociedades têm tendência para criar

hierarquias, interpretar rituais, fazer jogos, adotar distintas formas de representação

simbólica.

Peirce estabeleceu uma tipologia baseada na relação que o signo estabelece com

o seu referente, objeto a que se refere ou denota. Assim, existem ícones, índices e

símbolos. Para isso, Peirce refere a existência de dois tipos de objetos: o objeto

dinâmico, que se refere àquilo que o signo reporta e denota (aquilo que o signo

substitui); e o objeto imediato, que se trata do modo como o signo representa ou evoca o

seu objeto dinâmico (a forma como o signo substitui o objeto dinâmico)9.

O símbolo é o signo que se refere ao objeto imediato que é representado pelo

objeto dinâmico através de uma lei. Entre objeto dinâmico e objeto imediato há uma

9 Figura 2 (Anexos, página 19).

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relação copulante, pois existem relações lógicas entre ambos (exemplos: símbolos

matemáticos; símbolos químicos). Considera-se que um signo é um símbolo quando

qualquer objeto é suscetível de autentificar qualquer coisa ou assinalar uma convenção.

Um símbolo será tudo aquilo que representa ou denota uma coisa por uma vaga

sugestão ou alguma relação convencional. Esta definição, apresentada por Peirce, diz

que o símbolo é um signo convencional e arbitrário (corresponde à definição que

Saussure dá de signo). Naturalmente que a visão de Saussure já é diferente, pois, para o

autor, o símbolo nunca é totalmente arbitrário, uma vez que existe uma ligação natural

entre significante e significado. A representação simbólica tem um caráter motivado

para Saussure. Neste sentido, esta visão aproxima-se do ícone de Peirce, sendo que o

ícone é o signo que denota o objeto em virtude de caracteres próprios de similaridade,

como veremos mais à frente.

O índice ou indício trata-se de um signo que se refere ao objeto denotado em

virtude de ser diretamente afetado por esse objeto, ou seja, tem alguma qualidade em

comum com o objeto, mas é modificado por este (exemplos: um olho negro indica um

murro; o fumo indicia fogo; um pronome demonstrativo refere-se a algo). Por último, o

ícone, que se reporta aos seus objetos por similaridade. Como o ícone é um signo que

representa o seu objeto por apresentar qualidades em comum com ele, a única

capacidade referencial que o ícone pode ter é a de representar algum grau de

similaridade com as qualidades de um objeto (exemplos: uma fotografia a cores; um

efeito sonoro; um aroma). Peirce classifica ainda o ícone em três tipos, que podem

existir em conjunto10.

Se quiséssemos definir os tipos de signo em Peirce com apenas uma palavra para

cada um, faríamos o seguinte: símbolo e lei; índice e mudança; ícone e similaridade.

10 Figura 3 (Anexos, página 20).

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A imagem A imagem A imagem A imagem como signocomo signocomo signocomo signo

“Um ícone é um signo que se refere ao objeto que denota apenas em virtude dos seus caracteres próprios, caracteres que ele igualmente possui quer um tal objeto realmente exista ou não (...)

Qualquer coisa, seja uma qualidade, um existente individual ou uma lei, é ícone de qualquer coisa, na medida em que for semelhante a essa coisa e utilizado como seu signo.”

(Charles Peirce in Semiotica)

A imagem é um campo de investigação particularmente rico para a semiótica.

No que se refere à imagem, como já foi exposto, Peirce não a inclui na sua tipologia de

signos e subcategoriza-a na sua classificação dentro do ícone11. Assim sendo, segundo

Peirce, a imagem, na sua definição teórica, não corresponde a todo o tipo de ícone, que

é visual, mas corresponde à imagem visual que todos os autores debatem quando falam

de signo icónico. Para Floch (1985)12, “a semiótica (…) aborda a imagem como um

objeto com sentido; ela visa efetivamente constituir-se em teoria da significação e, para

isso, dedica-se a descrever as diferentes linguagens, verbais ou não verbais, que

manifestam esta significação”. Floch (1985)13 afirma ainda que “a semiótica considera

antes de tudo uma imagem como um enunciado (…) o seu interesse pelas formas, as

cores e a composição, esses ‘elementos não miméticos’ da imagem”. Deste modo, “a

imagem não é todo o ícone mas é um signo icónico, do mesmo modo que o diagrama ou

a metáfora” (JOLY, 1994). A imagem torna-se assim sinónimo de representação visual.

E, se a imagem é entendida como representação, então significa que a imagem é

também entendida como um signo. Roland Barthes (1964) questiona “Como é que o

sentido vem até às imagens?” 14 e “As mensagens visuais utilizam uma linguagem

específica?”15. Barthes considera que “se sim, qual é ela, porque unidades é constituída,

em que medida é ela diferente da linguagem verbal?”16.

Segundo Martine Joly (1994)17, “aquilo a que chamamos de ‘imagem’ é algo de

heterógeneo. O que quer dizer que ela reúne e coordena, no âmbito de um quadro (de

um limite) diferentes categorias de signos: ‘imagens’ no sentido teórico do termo

11 Figura 3 (Anexos, página 20). 12 in Imagem, Signos, Figuras – A Abordagem Semiótica da Imagem. 13 idem. 14 in Rhétorique de l’image. 15 idem. 16 ibidem. 17 in Introdução à Análise da Imagem.

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(signos icónicos, analógicos), mas também signos plásticos: cores, formas, composição

interna ou textura, e a maior parte do tempo também signos linguísticos, da linguagem

verbal.” A mesma autora acrescenta que “é a sua relação, a sua interação, que produz o

sentido que aprendemos mais ou menos conscientemente a decifrar e que uma

observação mais sistemática nos ajudará a compreender melhor”.

A imagem, na teoria semiótica de Charles S. Peirce, é considerada um ícone, ou

seja, é claramente entendida como um signo, como uma representação analógica. É

então necessário distinguir as imagens fabricadas das imagens manifestas. As primeiras

“imitam mais ou menos corretamente um modelo ou, no caso das imagens científicas de

síntese, propõem-no. A sua principal característica é então a de imitar com tanta

perfeição que elas se podem tornar ‘virtuais’ e dar ilusão da própria realidade (…) são

então análogos perfeitos do real. Ícones perfeitos” (JOLY, 1994). Por sua vez, as

imagens manifestas “assemelham-se frequentemente àquilo que representam” (idem).

Na opinião de Floch (1985), “a imagem parece-nos dever ser hoje o lugar privilegiado

de encontros e de trocas entre a semiótica, a estética, a antropologia e a história”.

“Quanto à semiótica visual, ela postula para todo o objeto semiótico, portanto para as semióticas visuais, o arbitrário da ‘semiosis’, quer dizer, da conjunção de um plano da expressão e dum

plano do conteúdo. A imagem é, pois, tão arbitrária como o enunciado linguístico”.

(FLOCH, 1985)

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A Publicidade

“(…) la publicidad consiste en divulgar, es decir, en publicar, poner algo al alance del público. Lo que queremos poner al alcance del público son noticias o anuncios, pero no de

cualquier tipo, sino de carácter comercial. Y, además, lo hacemos con el objetivo de atraer a compradores de nuestro producto, espectadores de nuestro acontecimiento o usuarios de nuestro

servicio.”

(M.ª Ángeles González Lobo in Curso de Publicidad)

A publicidade, enquanto prática social persuasiva, é um texto multimodal (Kress

e van Leeuwen, 1996), uma combinação de gestos, falas, cores, cheiros e posturas, uma

vez que acorda diferentes códigos semióticos. Integrada num sistema de objetos, a

publicidade é também um objeto cultural e de consumo. Segundo Joan Costa (cit in

VERÍSSIMO, 2001)18, “a publicidade nasce com a passagem de uma economia de

precariedade para uma economia de produção resultante da revolução industrial e da

energia artificial”. Veríssimo (2001) atesta que a publicidade surge como um resultado

da industrialização, da livre concorrência e estandardização, e da concentração urbana

de trabalhadores, que se tornaram consumidores também.

A publicidade utiliza textos verbais (escritos ou falados) e não-verbais (imagem,

som, cheiro, textura), que se conjugam, e tem por objetivo promover a venda de

produtos ou serviços (publicidade comercial) e/ou divulgar ideias (publicidade não

comercial/de cariz institucional). O texto publicitário deve conferir ao anúncio

publicitário uma sensação de persuasão e de sedução, de modo a atrair o consumidor,

mas estas sensações nem sempre são automaticamente compreendidas. O texto icónico

ou imagem deve captar o olhar do consumidor pelo estímulo visual (cor, recorte,

elementos que a compõem, arranjo gráfico, diferentes tipos de caracteres…). Assim, o

texto publicitário é constituído pelo texto icónico (não-verbal), pelo texto linguístico

(verbal), pelo símbolo da marca ou instituição (brand), e pelo slogan. Deste modo, um

anúncio bem elaborado deve corresponder aos seguintes pontos: captar a Atenção,

despertar o Interesse, provocar o Desejo, permitir a Memorização do produto ou da

marca, levar à Ação (aquisição do produto ou serviço) – AIDMA.

18 in A Publicidade da Benetton – um discurso sobre o real.

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Mas a publicidade ilustra muito mais do que um produto ou um serviço. A

publicidade mostra consensos simbólicos da sociedade, quebrando-os, por vezes.

Umberto Eco dizia que a publicidade vendia o produto e o modo de vida que o sustenta,

o consumismo. A imagem publicitária é devedora de uma mitologia comum, a sua

eficácia dependerá do reconhecimento que receber. Segundo Eco, os objetos têm duas

funções, uma de uso e outra de signo. A primeira função é a da utilidade do objeto, um

telemóvel é um meio de comunicação, um livro é um instrumento de lazer. A segunda

função é a de signo, é a função do uso que se faz dos uso do objeto. É uma função de

natureza simbólica, um telemóvel e um livro são signo de um status social, de uma

proposta de lifestyle. Por exemplo, hoje em dia, a Benetton19 não vende apenas peças de

vestuário, vende modos de ver a vida, vende proposta de ação, vende uma identificação

com um mundo representado na sua publicidade. Este modo de fazer publicidade está

estruturado pela retórica da imagem.

As noções de enunciação e de espaço de enunciação são também importantes,

uma vez que, o que encontramos no discurso publicitário é uma relação entre

interlocutores. No caso da publicidade, podemos dizer que um dos interlocutores é mais

ativo, e os restantes menos ativos. Temos então um enunciador, o publicitário, que se

dirige a um enunciatário, o público consumidor, através de um dado enunciado, a

mensagem publicitária. Este último obriga a uma série de seleções de repertório, tanto

na sua produção como na sua leitura. No entanto, o significado interpretado pode ficar

aquém ou além do texto. Esta dinâmica obriga, no caso da publicidade, à criação de

leitores ou consumidores modelo: são os públicos-alvo.

A imagem A imagem A imagem A imagem na publicidadena publicidadena publicidadena publicidade

“Se a imagem contém signos, estamos certos de que em publicidade esses signos são totais, formados tendo em vista a melhor leitura: a imagem publicitária é franca ou pelo menos

enfática.”

(Roland Barthes in Retórica da Imagem)

19 Ver subcapítulo “O caso da Benetton”, página 14.

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Roland Barthes foi um dos primeiros autores a explorar a imagem na

publicidade como terreno de estudo, logo nos anos 60. A imagem publicitária é sempre

claramente intencional, uma vez que é função da mensagem publicitária ser entendida

pelo maior número de leitores/consumidores. Jacques Durand20, retoma o trabalho de

Roland Barthes e elabora um inventário das figuras de retórica clássicas, afirmando que

encontrou “na imagem publicitária, não algumas, mas todas as figuras clássicas da

retórica”.

É facto que, cada vez mais, a publicidade trabalha com imagens, elementos

estruturais do discurso publicitário, que lhe confere uma retórica da imagem. E é claro

também que o poder das imagens advém da sua imediatez e da sua espontaneidade. Se

as estratégias que circulam entre os elementos verbais ainda passam despercebidas pelos

leitores/consumidores, é provável que ainda mais discretos sejam os elementos de

persuasão que estão imbricados nos elementos não-verbais, mais especificamente, nas

imagens. Isso porque o ser humano é alfabetizado para ler textos escritos, e

posteriormente, interpretá-los, mas em relação aos textos não-verbais não existe a

exigência de alfabetizado, acreditando-se que a interpretação desses deva ocorrer de

forma natural, sem interpretações e sem questionamentos. Dessa forma, é uma

transformação nos termos da valorização dos elementos e textos visuais, a partir da

definição de uma estrutura de análise crítica, que autores, como por exemplo, Kress e

van Leeuwen (1996) e Dondis (1980), propõem por meio da análise de textos

publicitários multimodais.

Assim como se aprende a ler e a produzir textos verbais, possuindo uma

gramática específica para tais processos, também é preciso aprender a ler os textos não-

verbais, determinando algumas regras e estruturas formais para formulá-los e interpretá-

los. Quando se escreve um texto, são escolhidos os termos mais adequados e a ordem

em que eles devem aparecer, produzindo determinado significado para leitores

específicos. O mesmo processo ocorre na formulação de um texto não-verbal, no

entanto, na maioria das vezes, o porquê de escolher determinados elementos, cores e

formas não é analisado. Partindo da conceção de que cada elemento que constitui uma

imagem possui um significado em si, e que juntos produzem o significado que se

pretende transmitir, é preciso compreender que saturações de cores, planos e inclinações

20 in Rhétorique et image publicitaire.

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não são selecionados em vão. Os elementos não-verbais estão tão presentes nos textos

quanto os verbais e representam diferentes significações que, muitas vezes, os leitores

são incapazes de interpretar. Posto isto, a proposta de uma gramática do visual de Kress

e van Leeuwen (1996) surge como um instrumento para a análise de textos visuais, que

pode ser útil tanto para a prática, ou seja, para a construção desses textos, quanto para a

análise crítica, numa verificação dos significados que estão amarrados aos elementos

visuais e que devem ser interpretados. A gramática do design visual de Kress e van

Leeuwen (1996) foi criada com base nas metafunções da linguagem apresentadas na

gramática sistémico-funcional proposta por Halliday (1989 e 1994)21.

O caso da BenettonO caso da BenettonO caso da BenettonO caso da Benetton

“a interpretação das imagens deve ser diferente da interpretação das palavras, porque os aspetos sintáticos, prescritivos e verídicos da gramática verbal não se aplicam às imagens”.

(WORTH, 1990)22

Os anúncios publicitárias da famosa marca italiana de vestuário Benetton

(United Colors of Benetton) é dos melhores exemplos que se pode dar para mostrar a

força que a imagem tem na passagem da mensagem publicitária e de como é possível

fazer o público parar para pensar nos problemas sociais. A Benetton recorre apenas a

imagem e slogan nos seus anúncios publicitários, utilizando assim uma linguagem

global que pode ser compreendida em qualquer parte do mundo, acima dos poderes

governamentais, religiosos e culturais (VERÍSSIMO, 2001), uma vez que “qualquer

imagem, pictórica ou fotográfica, revela certas convenções sociais e ideológicas”. A

publicidade da Benetton apresenta um discurso de rutura com a generalidade das marcas,

uma vez que junta dois objetivos − comercial e institucional − e apresenta discursos

publicitários de acordo com as notícias lançadas pela imprensa. O resultado é uma

consonância absoluta entre os dois discursos.

Jorge Veríssimo (2001) apoia-se nos estudos de Panofsky sobre a análise

iconológica da imagem23. Então, segundo Erwin Panofsky (1995)24, o significado das

21 Figura 4 (Anexos, página 20). 22 WORTH, Sol, cit. Por Jacques Aumont, op. cit., Paris, 1990, pp.192-194.

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imagens é avaliado a três níveis: o conteúdo temático natural ou primário, ao nível da

pré-iconografia; o conteúdo secundário ou convencional, cujo estudo se baseia no

sentido restrito da iconografia; e, por último, o significado intrínseco ou conteúdo, ou

seja, a iconografia no seu sentido lato.

23 in A Publicidade da Benetton – um discurso sobre o real, pp. 52-54. 24 PANOFSKY, Erwin, Estudos de Iconologia, Editorial Estampa, Lisboa, 1995, pp. 19-28.

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Conclusão

“Queiramo-lo ou não, as palavras e as imagens estão ligadas, interagem, completam-se, iluminam-se com uma energia vivificante. Longe de se excluírem, as palavras e as imagens

alimentam-se e exaltam-se mutuamente. Correndo o risco de parecer paradoxal, poderíamos dizer que quanto mais trabalharmos sobre as imagens mais amamos as palavras”.

(JOLY, 1994)

É de fundamental importância a análise de textos multimodais, com o propósito

de verificar os sentidos produzidos por cada um dos códigos. O elemento verbal é,

normalmente, priorizado em análises discursivas, que acabam por subestimar as

estratégias de persuasão que constituem a estrutura visual. É, portanto, essa a grande

contribuição da gramática do design do visual de Kress e van Leeuwen (1996): fornecer

a teoria que possibilite tanto a análise quanto a produção de textos multimodais, com

ênfase nas estruturas visuais. A aplicação desta teoria a textos publicitários, ou

mediáticos em geral, como por exemplo, os textos jornalísticos, deve servir para a

perceção de que as imagens não são produzidas com elementos aleatórios. “Há qualquer

coisa na imagem que não está presente nela própria. Esta coisa subentendida é a palavra.

Implicitamente comparamos a imagem à linguagem verbal e particularmente à palavra

(…) Na realidade, aquilo a que nós chamamos imagem (ou mesmo signo icónico) é um

texto visual” (JOLY, 1994).

Assim, as estruturas visuais devem ser lidas da mesma maneira como são lidas

as estruturas verbais, buscando uma interpretação dos sentidos que circulam por ambas.

Roland Barthes (1964)25 disse: “não existe imagem puramente denotada que se contente

em representar desinteressadamente uma realidade gratuita: pelo contrário, toda a

imagem veicula numerosas conotações provenientes do mecanismo de certos códigos.”

A alfabetização visual torna-se premente numa época em que os textos

multimodais predominam e exigem esse aperfeiçoamento, tanto para a produção quanto

para a interpretação de tais textos. É possível dizer que não há um modo de

representação verbal ou visual mais apropriado para cada tipo de anúncio, seja ele de

25 in Essais critiques.

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marca ou de produto. O que há são modos de representação adequados para o que se

quer dizer sobre determinado produto ou marca (brand). Para concluir, e a propósito das

campanhas da Benetton e da força das suas imagens, Luciano Benetton afirmou: “não

creio que estas campanhas vendam mais camisolas, mas, mais que um produto, vendem

uma imagem”26.

26 in Jornal Público, 25/02/92.

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Referências Bibliográficas

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Anexos

Figura 1Figura 1Figura 1Figura 1

Figura 2Figura 2Figura 2Figura 2

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