A MANIFESTA ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO MEIO DE PROVA PARA A PROLAÇÃO...

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ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL THIAGO MARCIANO DE ANDRADE A MANIFESTA ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO MEIO DE PROVA PARA A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CURITIBA 2014

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ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

THIAGO MARCIANO DE ANDRADE

A MANIFESTA ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

COMO MEIO DE PROVA PARA A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

CURITIBA

2014

THIAGO MARCIANO DE ANDRADE

A MANIFESTA ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO MEIO DE PROVA PARA A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL

CONDENATÓRIA

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional, como requisito parcial à obtenção de título de Especialização em Direito e Processo Penal. Orientador: Prof. Flávio Antônio da Cruz.

CURITIBA

2014

Academia Brasileira de Direito Constitucional

Pós-Graduação 2014 OFÍCIO DE ANUÊNCIA PARA DEPÓSITO DE MONOGRAFIA

Aluno: THIAGO MARCIANO DE ANDRADE Orientador: FLÁVIO ANTÔNIO DA CRUZ Curso de Pós-Graduação: DIREITO E PROCESSO PENAL Título do Trabalho: A MANIFESTA ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO MEIO DE PROVA PARA A PROLAÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA Nota Final atribuída pelo Orientador: _____________ O orientador e o orientando abaixo assinados solicitam o depósito do Trabalho de Conclusão de Curso nos seguintes termos: 1) Após o depósito não poderá ser corrigida, alterada ou substituída a versão da Monografia depositada, sob qualquer hipótese. 2) Considera-se plágio, para fins de reprovação do aluno das Especializações da Academia Brasileira de Direito Constitucional, quando o trabalho incorrer nos seguintes vícios: I - quando, intencionalmente ou não, são usadas palavras ou idéias de outro autor, sem o devido crédito, bastando para caracterizar o plágio a presença de 15 (quinze) ou mais linhas nesta situação, contínuos ou não, no todo da Monografia; II – quando dá crédito ao autor, porém, intencionalmente ou não, utiliza-se de palavras exatamente iguais as dele, sem indicar a transcrição com o uso de aspas ou recuo de texto, bastando para caracterizar o plágio a presença de 15 (quinze) ou mais linhas nesta situação, contínuos ou não, no todo da Monografia. III – não será considerado crédito ao autor a mera denotação da sua referência ao final da Monografia, no capítulo destinado às referências bibliográficas, sendo necessária também a sua menção expressa quando da reprodução de suas idéias ou frases no trecho especifico da monografia, em rodapé; IV – no caso da presença de plágio, na forma dos incisos I ou II, em trechos correspondentes a menos de 15 (quinze) linhas, contínuos ou não, caberá apenas advertência ao aluno, sendo permitida a sua aprovação no tocante a este critério, ainda que sendo possibilitada a redução da nota. 3) O plágio é ilícito administrativo, de natureza civil, que deve ser caracterizado de forma objetiva, sendo irrelevante a verificação da boa-fé do aluno autor.

Curitiba, ____ de _______________ de ______

____________________________________ Assinatura do Orientador

____________________________________

Assinatura do Aluno

____________________________________ Anuência do Coordenador

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos os meus amigos e colegas que acompanharam a

minha jornada ao longo desta caminhada que chega à sua reta final.

Agradeço ainda ao meu orientador, Professor Flávio Antônio da Cruz, que muito me

auxiliou na elaboração da presente pesquisa, bem como a todos os professores que

compartilharam seus conhecimentos com a minha pessoa.

Agradeço também aos meus familiares e pessoas importantes de minha vida que

acompanharam todo o empenho e dedicação destinados a obtenção deste título de

Especialista em Direito e Processo Penal.

Por fim, agradeço à minha noiva, amiga e companheira, Jennifer Christine Prestes,

que de um modo sereno soube compreender a necessidade de dedicar várias horas

de estudo para a elaboração do trabalho.

A todos muito obrigado!

iv

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 01

2 DA PROVA EM MATÉRIA PENAL E A COMPLEXIDADE QUE LHE É INERENTE............................................................................................................ 04

2.1 A COMPLEXIDADE AB INITIO DA PRODUÇÃO DE PROVAS:

A INVESTIGAÇÃO................................................................................................ 04

2.2 DA PROVA EM MATÉRIA PENAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITO

E FINALIDADE...................................................................................................... 08

2.3 OBJETO, CLASSIFICAÇÃO, MEIOS DE PROVA E ESPÉCIES

PROBATÓRIAS..................................................................................................... 12

3 O INQUÉRITO POLICIAL NA ATUAL CONJUNTURA LEGAL....................... 20

3.1 INQUÉRITO POLICIAL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES...................... 20

3.2 VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL...................................... 26

3.3 FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL E O DESCOBRIMENTO DA

VERDADE............................................................................................................. 28

4 A BUSCA DA VERDADE SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL................. 30

4.1 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E APRECIAÇÃO DA PROVA NO

PROCESSO PENAL............................................................................................. 30

4.1.1 A figura dos “juízos de deus” e as ordálias.................................................. 31

4.1.2 A íntima convicção do juiz............................................................................ 32

4.1.3 O critério da prova legal............................................................................... 34

4.1.4 A persuasão racional – livre convencimento motivado do magistrado...... 36

5 A PROVA PENAL E AS DIRETRIZES DECORRENTES DA LEI Nº. 11.690/2008............................................................................................. 40

5.1 A FIGURA DO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL........... 40

5.1.1 Das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas em sede de

investigação preliminar......................................................................................... 43

5.2 ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO “CONTRADITÓRIO JUDICIAL”.............. 45

5.3 O INQUÉRITO POLICIAL COMO FUNDAMENTADOR DE SENTENÇA

PENAL CONDENATÓRIA.................................................................................... 48

5.4 A FALÁCIA DA BUSCA DA VERDADE BASEADA NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR........................................................................................................ 51

v

5.5 A PROBLEMÁTICA DA COLHEITA DE PROVAS NA FASE

INVESTIGATIVA E A SUA RATIFICAÇÃO EM JUÍZO......................................... 55

5.6 A ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO

FUNDAMENTO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA ANTE A

CONSTANTE VIOLAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS NA

INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR............................................................................ 59

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 68

vi

RESUMO

O processo penal consiste em instrumento voltado a permitir que a prática de condutas criminosas seja apurada, apreciada e julgada. Para tanto, utiliza-se de meios de prova capazes de formar a convicção do julgador, permitindo que este tome a decisão no caso concreto. Todavia, esta tarefa não é simples, eis que cabe ao julgador a análise completa da validade, legalidade e licitude das provas que lhes são apresentadas, para, somente então passar a valorá-las e prolatar o seu decisum. Antes desta fase, existe a investigação preliminar, dotada de particularidades específicas que a tornam um procedimento distinto, e, justamente por tais particularidades é que não raras vezes há uma série de irregularidades que tornam a referida peça procedimental carente de legalidade, e, mesmo assim, ainda são utilizadas como meio de prova capaz de ensejar a punição do agente apontado como criminoso. No intuito de salvaguardar os interesses dos Acusados, o legislador ordinário editou a Lei nº. 11.690/2008, a qual tutela a temática da apreciação da prova em matéria penal, em especial o contido no artigo 155 do Código de Processo Penal, o qual prevê que o juiz formará a sua convicção na livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. Porém, o que se observa no cotidiano é a adoção de provas repetíveis colhidas na fase de Inquérito Policial que servem como único fundamento do decreto condenatório em desfavor do Acusado. Tal fato contraria todo o regramento jurídico, razão pela qual, a pesquisa focará seu estudo na abordagem teórica e jurisprudencial acerca da busca da verdade no processo penal, pontuando os motivos que justificam e demandam a reanálise da interpretação do artigo 155 do Código de Processo Penal, como forma de assegurar a prevalência dos preceitos constitucionais. Palavras-chave: Direito Processual Penal. Provas. Investigação Preliminar. Busca

da Verdade. Critérios. Ilegalidade da Condenação Baseada na Investigação Preliminar.

1

1 INTRODUÇÃO

Quando ocorre a prática de uma infração penal, inicia-se uma corrida contra

o tempo para a apuração das circunstâncias que envolvem esta e o seu respectivo

autor, de modo a permitir ao Estado ou ao ofendido o exercício do chamado jus

puniendi, reprimindo a conduta ilícita perpetrada por determinada pessoa.

E nesta fase inicial que se busca elucidar as questões relacionadas à

infração penal, suas peculiaridades, sua vítima, possíveis testemunhas presenciais

do fato e seus autores é que ocorrem as investigações preliminares, as quais na

maioria das vezes acabam por formar as peças informativas do Inquérito Policial.

A legislação processual penal pátria disciplina a temática elencando uma

série de atos que devem ser observados pela Autoridade Policial quando toma

conhecimento da prática de uma infração, bem como aponta os requisitos e

formalidades essenciais aos atos procedimentais em questão, na busca de

assegurar que esta “corrida contra o tempo” da investigação não acabe por suprimir

ou desrespeitar direitos e garantias individuais do cidadão investigado.

Porém, mesmo com essa previsão expressa em legislação específica,

corriqueiramente o que se evidencia na prática é a constante e manifesta violação

das premissas legais e constitucionais quando se depara diante de um auto de

Inquérito Policial, onde inúmeros vícios formais ensejadores de nulidades absolutas

são encontrados, onde diversos casos de condutas ilegítimas e até mesmo ilícitas

perpetradas pelos agentes estatais são verificadas, colocando em xeque a

credibilidade deste instrumento investigativo.

Outro aspecto pertinente ao assunto acima levantado diz respeito ao fato de

que não raras vezes o investigado sequer tem conhecimento de que pesa contra si

um procedimento investigatório, fato este que, via de regra, dificulta a atuação de

defensor, ainda que somente para fins de acompanhamento do deslinde das

investigações. Não bastasse isso, nesta fase procedimental vige o sistema

inquisitório, no qual os princípios da ampla defesa e contraditório perdem força dada

a necessidade de apuração do fato delituoso, dificultando assim o exercício de

defesa por parte do investigado.

Deste modo, surge o questionamento técnico deste pesquisador no seguinte

sentido: se o Inquérito Policial é procedimento em que não se permite o exercício do

2

contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente assegurados a todos os

cidadãos, pode tal instrumento servir como prova idônea a fundamentar decisão

penal condenatória na hipótese de a versão inicialmente apresentada não se repetir

na fase da ação penal (contraditório judicial)?

Ainda que este questionamento pareça um tanto quanto vencido em

decorrência da entrada em vigor da Lei nº. 11.690, de 09 de junho de 2008, a qual

alterou inúmeros dispositivos do Código de Processo Penal pátrio, em especial no

que concerne à utilização da prova como fundamento para a prolação da sentença

penal, a prática, em especial da Advocacia Criminal vivencia um total desrespeito às

diretrizes impostas pela mencionada lei.

E diante de tal constatação que a pesquisa a ser desenvolvida nos próximos

capítulos será realizada, com o intuito específico de buscar uma resposta para tal

questionamento, propiciando, eventualmente uma mudança no posicionamento

teórico do pesquisador ou daqueles que detém o poder de decisão sobre as causas

criminais que lhes são submetidas ao crivo judicial.

É sabido que o processo penal serve como instrumento de garantia de

liberdade do cidadão acusado da prática criminal e não como um instrumento para

permitir a aplicação da sentença penal condenatória. E isso se deve ao fato de que,

é através do processo penal, seus procedimentos, nuances e formalidades que este

coloca à disposição dos cidadãos mecanismos jurídicos voltados a convencer o

julgador da sua versão sobre determinado fato delituoso que lhe é imputado, sendo

que a alteração de critérios para a produção, utilização e avaliação das provas em

matéria penal é de extrema relevância, pois intimamente ligada às garantias

constitucionais do cidadão, em especial a liberdade de locomoção.

Porém, em que pese a mudança da legislação pertinente à matéria de maior

relevância na esfera do processo penal – avaliação das provas -, o que se verifica

na prática é que nada mudou, ao menos no que concerne na visão daquele que atua

na condição de Advogado, o que demanda a realização de um estudo teórico-legal a

fim de buscar uma resposta para essa imutabilidade prática do assunto.

A mudança legislativa de maior destaque à época dizia respeito justamente

na redação do caput do artigo 155 do Código de Processo Penal, o qual prevê que o

juiz formará a sua convicção na livre apreciação da prova produzida em contraditório

judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos

3

informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não

repetíveis e antecipadas.

Porém, no cotidiano na Advocacia Criminal o que se evidencia em reiterados

casos é justamente o contrário, vale dizer, a adoção de depoimentos ou provas

repetíveis colhidas na fase de Inquérito Policial que servem como único fundamento

capaz de embasar o decreto condenatório em desfavor do Acusado/Cidadão,

contrariando dispositivo expresso do Código de Processo Penal, e, por conseguinte,

ferindo todo o regramento jurídico inerente à temática das provas penais.

Não bastassem tais argumentos, ainda há de ser destacado o fato de que o

Inquérito Policial, da forma que é conduzido pelas Delegacias de Polícia acaba,

também de forma reiterada, por “atropelar” direitos e garantias individuais do

cidadão/indiciado, e, por conseguinte, tornando a prova produzida em tal fase

procedimental, ilegítima por violar o texto de lei no que tange às formalidades do ato,

ou ainda em casos mais extremos a torna ilícita, dada a forma de obtenção de tais

provas.

E por estarem tais fatos intimamente ligados ao cotidiano prático da

Advocacia Criminal, bem como representarem manifesta afronta aos direitos e

garantias individuais do cidadão, o qual não perde esta qualidade pelo simples fato

de ser indiciado em determinado procedimento penal investigatório, é que o tema

em questão foi escolhido como norte para a elaboração da futura monografia.

Porém, dada a complexidade do assunto e os diversos tipos de provas que

podem ser produzidas na seara do processo penal pátrio, a pesquisa delimitar-se-á

a tratar dos depoimentos e testemunhos colhidos nesta fase, as filmagens,

gravações e fotografias apresentadas, bem como a respeito das provas

provenientes de medidas incidentais, como por exemplo, provenientes de busca e

apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilos bancário, fiscal, pois do

contrário a fuga do foco principal seria inevitável.

4

2 DA PROVA EM MATÉRIA PENAL E A COMPLEXIDADE QUE LHE É INERENTE

A complexidade pertinente ao tema da prova em matéria penal, abrange não

apenas a importância desta para a ação penal, pois é através das provas produzidas

que o rumo da vida de uma ou mais pessoas é definido, ou seja, dependendo da

eficiência da colheita de provas poderá determinado cidadão ser declarado culpado,

perdendo a sua liberdade de locomoção.

Se procedida uma análise da relevância da prova tendo por base este

enfoque, constata-se que a matéria deve ser analisada com cautela pelo julgador,

sob pena de torná-lo um algoz de inocentes, o que justifica o estudo do tema

pertinente às provas em matéria penal.

2.1 A COMPLEXIDADE AB INITIO DA PRODUÇÃO DE PROVAS: A

INVESTIGAÇÃO

Em sendo iniciada a “corrida contra o tempo” para apurar as circunstâncias

que envolvem determinada infração penal e a identificação de seu respectivo autor é

que se inicia a reconstituição dos fatos por meio da adoção do método dedutivo-

hipotético, em que diversos pontos são ligados entre si na busca de uma resposta à

sociedade, à vítima ou a quem quer que interesse.

O problema maior da investigação preliminar reside justamente no ponto de

partida. Como iniciar um procedimento investigativo, como se chegar aos possíveis

suspeitos, quais as linhas de análise a serem seguidas? São esses e tantos outros

questionamentos que surgem à Autoridade Policial1 quando esta é cientificada da

ocorrência de um delito.

Porém, como pode ocorrer esse início de investigação se aquele que é

responsável por tal ato não formar previamente em sua imaginação uma ordem

cronológica hipotética de acontecimentos. Tal situação baseada em hipóteses

1 Adota-se como padrão a expressão “Autoridade Policial” dada a particularidade que o Código de Processo Penal disciplina a temática pertinente ao Inquérito Policial e o responsável pela sua condução, em especial a regra do artigo 4º da referida legislação.

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iniciais pode ser falaciosa, e, consequentemente ensejar uma apuração de fatos

ineficaz, na qual não se chega a lugar algum.

Como não compete ao investigador a tarefa de julgar a ocorrência ou não de

um delito, deve procurar colher o máximo de provas e elementos de convicção

possíveis para permitir chegar a um nível de convicção capaz de fazer com que o

“quebra-cabeças” que foi montado no início desta apuração conte com o menor

número de peças faltantes.

Justamente por tal motivo a tarefa de investigar, independentemente da

natureza da infração penal a ser apurada, é complexa, eis que, é em conformidade

com o andamento da investigação que surgem as provas da materialidade e autoria

de um delito, propiciando assim que o órgão acusatório forme a sua opinio delicti e

ofereça denúncia em face do suposto autor do fato, iniciando a ação penal.

Sintetizando com maestria a questão pertinente à estrutura e funcionamento

da investigação prévia Alexandre Morais da Rosa aduz:

A partir da notícia de possível crime, o Estado precisa realizar a apuração preliminar com o fim de levantar elementos mínimos de materialidade e indícios de autoria. Do contrário, corre-se o risco de se iniciar a ação penal sem elementos mínimos. A função do IP é levantar elementos de materialidade e autoria da conduta criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas, perícias, documentos, etc.), justificando democraticamente a instauração da ação penal (CPP, art. 12), ou seja, para que o jogo processual possa ser iniciado a partir da autorização do Estado-Juiz (recebimento motivado da denúncia e/ou queixa-crime). Para instauração de ação penal é necessária a existência de justa causa (elementos de materialidade e autoria) a ser aferida por investigação e/ou documentos preliminares. De regra, realiza-se por Inquérito Policial (CPP, art. 4º, sgts.), o qual é procedimento administrativo, não jurisdicional, a cargo da Polícia Judiciária – Estadual ou Federal (art. 144, § 4º CR), submetido aos princípios da administração pública (legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, CR, art. 37)2.

Partindo dessa premissa, a fase do Inquérito Policial é de crucial relevância

para o deslinde da futura e eventual ação penal a ser instaurada, podendo definir as

chances de determinado investigado restar condenado ou absolvido ao término da

instrução da ação penal.

No entanto, não se pode deixar de olvidar a relevância da prova produzida

nesta fase procedimental, pois são com base nestes elementos que o órgão

acusatório formará a opinio delicti, dando o pontapé inicial na ação penal, por meio

2 ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2014. p. 104.

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do oferecimento da denúncia, a qual tem por base exatamente o Inquérito Policial e

as peças que lhe formam.

Ocorre que, infelizmente, sob o aspecto constitucional e estritamente legal, a

fase de investigação ou instrução preliminar, dada a urgência que demanda, dada a

necessidade de apuração dos fatos de forma breve e eficaz acaba deixando de lado

a observância de preceitos e formalidades legais que ensejam acabam por macular

todo o trabalho investigativo realizado pelo agente estatal, o que se deve a uma

série de fatores que abrangem desde a falta de infraestrutura aos elevados índices

de crimes praticados, inviabilizando assim a realização de uma investigação

preliminar precisa e eficiente, que realmente obedeça aos ditames legais e possa

servir como meio de prova capaz de mudar os rumos da futura ação penal.

Sobre a problemática atinente à investigação preliminar e a necessidade de

respeito às garantias individuais do investigado Marco Antonio de Barros ensina:

Excetuando-se os casos de infração de menor potencial ofensivo, antes de se produzir, perante o juízo penal competente, as provas que efetivamente possibilitarão o conhecimento da verdade, o fato delituoso e todas as circunstâncias que o cercam, são invariavelmente, submetidos à investigação. Em regra, predomina na investigação de um fato criminoso o caráter inquisitivo de sua apuração, isto é, a investigação é realizada sem a participação ativa do investigado. De acordo com o sistema processual adotado pelo nosso ordenamento jurídico, na fase inaugural da persecução penal são colhidos elementos de prova que compõem o inquérito policial. Pode-se dizer que este último é o instrumento rotineiro do qual se vale o representante do Ministério Público para oferecer a denúncia contra o investigado. Sua importância na obtenção de provas conta com o reconhecimento jurisprudencial, pois, uma vez arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, deferindo requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas. Incumbe à autoridade policial o dever de fornecer ao juiz as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências requisitadas pela autoridade judiciária ou pelo Ministério Público, além de cumprir os mandados de prisão expedidos por conta de decisões judiciais. [...] Em vista disso, recai sobre a Polícia o dever de investigar tudo que contribua para o desenvolvimento da verdade, ressalvado o respeito que deve guardar em relação aos direitos fundamentais do investigado. Assim, toda atividade investigativa deve ser desenvolvida em perfeita sintonia com os imperativos constitucionais destinados à preservação do status dignitatis da pessoa humana, mediante a realização de transparentes procedimentos garantistas a serem evidenciados no inquérito policial3.

Tais pontos, ainda que levantados de forma breve, denotam a complexidade

da tarefa de investigação em matéria penal, investigação esta que consiste na

espécie do gênero da produção de provas, sobre as quais recaem os fundamentos 3 BARROS, Marco Antonio de. A Busca da Verdade no Processo Penal. 4 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.p.81-82.

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da sentença penal condenatória ou absolutória, conforme o caso concreto submetido

à apreciação do Poder Judiciário.

A fim de elucidar a noção teórica acerca da expressão investigação

preliminar, Aury Lopes Júnior assevera:

Tomando por base a definição legal dada pelo legislador, podemos afirmar que: No Brasil, a definição legal do inquérito policial não consta claramente em nenhum artigo do CPP, e, para ser obtida, devemos cotejar as definições dos arts. 4º e 6º do CPP, de modo que é a atividade desenvolvida pela Polícia Judicial com a finalidade de averiguar o delito e sua autoria. [...] Concluindo, a partir da análise de definições legais, podemos conceituar a investigação preliminar como o conjunto de atividades realizadas concatenadamente por órgãos do Estado; a partir de uma notícia-crime ou atividade de ofício; com caráter prévio e de natureza preparatória em relação ao processo penal; que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delitivo, com o fim de justificar o exercício da ação penal ou o arquivamento (não processo)4.

O que representa em outros termos, ser a investigação preliminar a linha

mestra de toda a eventual e futura ação penal, pois é com os rumos dados nesta

fase que será baseada a segunda fase do processo penal, na qual serão, ao menos

em tese, assegurados os direitos e garantias individuais do cidadão investigado.

E a pertinência da temática ganha reforço quando se verifica a

impossibilidade da repetição na instrução processual de determinadas provas

colhidas na investigação preliminar, fase em que o sistema inquisitivo prevalece,

afastando a vigência das premissas do contraditório e da ampla defesa, colocando

em dúvida se tais elementos probatórios irrepetíveis podem servir como prova para

ensejar a condenação de determinado acusado, e, por conseguinte, suprimir seu

direito à liberdade de locomoção.

Todavia, para ser possível a busca de uma resposta satisfatória e

convincente para tal indagação, dotada de imensa complexidade, se faz necessário

um prévio estudo a respeito da temática das provas na seara do direito processual

penal, o que se pretende realizar nos próximos tópicos do presente capítulo, por

meio da abordagem teórica e jurisprudencial da matéria.

4 LOPES JR. Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. 5 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 91-93.

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2.2 DA PROVA EM MATÉRIA PENAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, CONCEITO E

FINALIDADE

Ocorrendo uma infração penal, dá-se início à busca da verdade,

representada pela investigação preliminar, na qual os elementos probatórios iniciais

são colhidos no intuito de reproduzir aquela verdade fática criada na mente do

investigador que busca uma resposta para as circunstâncias que permeiam aquela

conduta criminosa a ser apurada pelo Estado.

Deste modo, o primeiro passo a ser dado, em qualquer investigação de

caráter criminal é a busca pela materialidade delitiva, ou em outros termos, a prova

da existência de determinado fato, independentemente de sua natureza. A partir da

presença da materialidade delitiva é que começa a segunda parcela da investigação,

na qual será realizada a busca pelo autor da infração a ser apurada5.

Todavia, há de se levar em conta o fato de que a realidade reproduzida nos

autos de Inquérito Policial, por meio da investigação e dos elementos probatórios

colhidos jamais será condizendo em sua totalidade com a realidade do mundo

naturalístico, eis que os detalhes, as nuances e minúcias deste último são

impossíveis de serem reproduzidas pelas partes envolvidas na investigação

preliminar ou na instrução da ação penal.

Ao tratar da prova em matéria penal, Guilherme de Souza Nucci, expõe:

O termo prova origina-se do latim – probatio-, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare-, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar. Entretanto, no plano jurídico, cuida-se, particularmente, da demonstração evidente da veracidade ou autenticidade de algo. Vincula-se, por obvio, à ação de provar, cujo objetivo é tornar claro e nítido ao juiz a realidade de um fato, de um acontecimento ou de um episódio6.

Dando ênfase à problemática da verdade e a real finalidade do processo, é

de salutar relevância a lição de Marco Antonio de Barros, para o qual:

Trazendo a questão da busca da verdade para a área do Direito, de pronto revela-se a sua indiscutível importância para a aplicação da lei. Sobretudo no campo do Direito Processual

5 NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 41. 6 Ib idem. p. 15.

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destaca-se o vínculo umbilical que liga a reconstituição histórica dos fatos ao dever estatal de responder com a prestação jurisdicional justa e adequada à prova dos autos. É mister descobrir a verdade para que a lei possa ser aplicada corretamente. E descobrir a verdade é oferecer conhecimentos capazes de convencer alguém (no caso o julgador) da existência ou inexistência de determinado fato, ou seja, uma relação de identidade, de adequação ou de acordo entre nosso pensamento e as coisas que constituem seu objeto (adaequatio mentis et rei). [...] Vale dizer, a finalidade principal do processo é a de produzir justiça. E para que a justiça seja efetivamente produzida é mister que o juiz se convença de que a verdade foi desvendada mediante a reconstituição formal dos fatos7.

Sendo assim, partindo-se da premissa que a verdade processual é que vai

definir os rumos de determinada ação penal, e a prova produzida durante a marcha

procedimental é que servirá para fundamentar a noção de verdade que se tem da

prática de uma infração penal, tem-se a regra basilar do processo, na qual a prova

representa a materialização da reprodução da verdade a ser submetida ao crivo do

julgador.

Sintetizando o retrospecto da noção de prova como premissa do processo

Luiz Francisco Torquato Avolio expõe:

Pode-se dizer que a prova é o elemento integrador da convicção do juiz com os fatos da causa, daí sua relevância no campo do direito processual. O processo constitui, em última análise, a cristalização do fenômeno sociológico da legitimidade, que se manifesta na “aceitação geral do poder pela população”. É natural, portanto, que toda a matéria relativa à prova guarde estreita ligação com o contexto político-sociológico onde o processo se situa. Originariamente, a prova era banhada em superstição. O Homem possuía uma visão muito limitada da vida social, e lidava com um conceito de delito ligado à ideia de ofensa a alguma divindade. Somente quando o Estado aparece consolidado, com seu imperium, é que a lei propriamente estabelece a prova. No sistema da prova legal, a lei deveria determinar concreta e pontualmente os fatos a serem provados, e de que modo, carecendo o juiz de liberdade para julgar, pois só lhe era dado aplicar um mero raciocínio lógico. Com a evolução da liberdade dos povos nos regimes políticos, este sistema tornou-se superado pelo da prova livre, que, a priori, se afigurava mais adequado às novas concepções filosóficas, apresentando, contudo, como assinala LOPES, dois inconvenientes. Quanto aos meios de prova, nem todos reputam-se lícitos: a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais deveriam servir de freio às exacerbações probatórias. Por outro lado, no que toca ao momento de valoração da prova, exige-se uma maior preparação em todos os níveis, exatamente para evitar que a liberdade erroneamente utilizada possa conduzir a uma tirania do Judiciário. A melhor opção, hoje, parece ser a liberdade probatória, delimitada pelas mencionadas diretrizes. O Estado, assim, deve restringir, limitar, proibir ou impedir a utilização de determinados meios de prova, ou o seu uso em relação a certos fatos. Tudo em prol de defesa dos valores sociais, dentre os quais avultam a liberdade e a intimidade8.

7 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 27-28. 8 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas. Interceptações Telefônicas, Ambientais e Gravações Clandestinas. 4 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 30-32.

10

Sob o prisma ligado estritamente à lição conceitual do termo “prova”

Fernando Capez ensina que:

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex. peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.Por outro lado, no que toca à finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa9.

Na mesma linha é a lição extraída dos ensinamentos de Hélio Tornaghi:

A palavra prova é usada em vários sentidos, todos correlacionados entre si. Ela designa, em primeiro lugar, a atividade probatória, isto é, o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos, etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador). Quando, por exemplo, se diz que a prova de alegação incumbe àquele a quem ela aproveita (art. 156) o que se quer indicar é que o beneficiário da alegação cabe o ônus de praticar os atos necessários para demonstrá-la10.

No que tange à conceituação de prova e finalidade da prova tem-se ainda a

lição de Eugênio Pacelli de Oliveira: “A prova judiciária tem por um objetivo

claramente definido a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a

maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos

fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é

das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade11”.

Corroborando com este entendimento, colhe-se a lição de José Carlos

Gonçalves Xavier de Aquino e de José Renato Nalini, para os quais:

Mister é, contudo, não se confundir o fim do processo com o fim da prova. “Aquele pretende aplicar a justiça pelos caminhos do direito. Em troca, provas os fatos é formar juízos verdadeiros sobre eles. A prova persegue, pois, como fim, a obtenção de um convencimento da realidade (...) a de um juízo dirigido à verdade. De sorte que a prova se apresenta assim como um instrumento, o mais importante, para a realização dos fins do processo, dos quais resulta igualmente inseparável”. Em visão singela, pode-se afirmar que a finalidade da prova é permitir a mais integral apreciação do fato criminoso e sua autoria. A plena apreciação dos fatos faz-se mediante a prova, elemento de convicção trazida ao processo pelas partes e até pelo juiz. Este não é

9 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 6 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001.p. 243. 10 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 9 ed. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 1995. p. 267. 11 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 327.

11

mais espectador inerte, mas tem a obrigação de pesquisar os fatos, produzindo provas além daquelas trazidas pelas partes12.

Por fim, recorre-se aos ensinamentos de Aury Lopes Júnior, para o qual, a

prova em matéria penal deve ser assim compreendida:

O processo penal é um instrumento de retrospecção, de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico. Como ritual, está destinado a instruir o julgador, a proporcionar o conhecimento do juiz por meio da reconstrução histórica de um fato. Nesse contexto, as provas são os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime). O tema probatório é sempre a afirmação de um fato (passado), não sendo as normas jurídicas, como regra, tema de prova (por força do princípio iuranovitcuria). Isso decorre do paradoxo temporal ínsito ao ritual jurídico: um juiz julgando no presente (hoje) um homem e seu fato ocorrido num passado distante (anteontem), com base na prova colhida num passado próximo (ontem) e projetando efeitos (pena) para o futuro (amanhã). Assim como o fato jamais será real, pois histórico, o homem que praticou o fato não é o mesmo que está em julgamento e, com certeza, não será o mesmo que cumprirá essa pena e, seu presente, no futuro, será um constante reviver o passado. O processo penal, inserido na complexidade do ritual judiciário, busca fazer uma reconstrução (aproximativa) de um fato passado. Através – essencialmente – das provas, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença. É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico (storyofthe case) narrado na peça acusatória. O processo penal e a prova nele admitida integram o que se poderia chamar de modos de construção de convencimento do julgador, que formará sua convicção e legitimará o poder contido na sentença13.

Em síntese, a prova é o eixo motriz de toda ação penal, pois são os

elementos de provas colhidos no curso da referida lide processual que permitirá ao

julgador tomar uma ou outra decisão, externando os fundamentos que o levaram a

decidir em determinado sentido, sendo, por conseguinte, a temática mais relevante

de todo o sistema jurídico vigente, pois é através desta que um dos direitos

fundamentais do cidadão acusado poderá ser cerceado. Fala-se aqui de sua

liberdade de locomoção, pois dependendo do que for produzido de provas contra

este, o mesmo poderá ter contra si a aplicação de uma sanção penal, o que reforça

a relevância dos meios de obtenção da prova penal, tema este a ser analisado no

próximo tópico da pesquisa.

12 AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de. NALINI, José Renato. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 223. 13 LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. 7 ed. Vol. 01. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 517-518.

12

2.3 OBJETO, CLASSIFICAÇÃO, MEIOS DE PROVA E ESPÉCIES PROBATÓRIAS

A temática pertinente às provas é de extrema relevância para o processo

penal, tanto é que a matéria em questão, quando analisada sob o enfoque teórico

ganha uma diversidade classificações, as quais passam a ser brevemente traçadas

no presente tópico da pesquisa em desenvolvimento.

Ao tratar do objeto da prova Marco Antonio de Barros assevera:

Tem a prova um objeto (thema probandum), que são os fatos da causa. Toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato e este ponto de fato é que constitui o objeto da prova. Na aguda concepção de Rogério Lauria Tucci, o objeto da prova consiste nos fatos cuja evidenciação se orne imprescindível, no processo, para o juiz convencer-se de sua veracidade. Como os fatos alegados constituem propriamente o objeto da prova, em primeiro lugar deve-se provar a veracidade da afirmação positivada a respeito da existência do fato ilícito e de sua autoria, conforme descrito na peça acusatória. [...] Do ponto de vista do objeto, diz-se que a prova é direta ou indireta. A primeira é aquela que tem por objeto imediato o fato que se quer provar, ou seja, consiste no próprio fato ou se refere ao próprio fato probando. Assim, por exemplo, se a pessoa que depõe em juízo, afirma ter visto o acusado, de arma em punho, ameaçando a vítima e subtraindo seus pertences, confirma-se a existência de uma prova direta do crime de roubo, visto que referir-se o depoimento sobre o próprio fato alegado pela acusação. Já, a prova indireta, é aquela que se demonstra capaz de sustentar a afirmação de um outro fato, que não se confunde com o fato probando, ou seja, a prova indireta é aquela que, por via do raciocínio lógico, possibilita chegar-se ao fato ou a um conjunto de fatos comprovados, porém acessórios e circunstanciais do fato típico objeto da ação penal. E esse raciocínio deve repousar serenamente nas regras da lógica e da experiência humana, que permitam coerentemente induzir e concluir pela existência do crime ou de sua autoria. Nesse sentido, os indícios constituem autênticas provas indiretas14.

Acerca do objeto da prova, também merece destaque a lição de José

Frederico Marques, para o qual:

O objeto da prova, ou thema probadum, é a coisa, fato, acontecimento ou circunstância que deva ser demonstrado no processo. Ou como se expressa FLORIAN: é “aquilo de que o juiz deve adquirir o necessário conhecimento para decidir sobre a questão submetida a seu julgamento [...] O objeto da prova pode considerar-se: a) como possibilidade abstrata de averiguação, isto é, como o que se pode provar em termos gerais (objeto da prova em abstrato); b) como possibilidade concreta de averiguação, ou seja, com aquilo que se prova, ou se deve ou pode provar em relação a um determinado processo (objeto da prova em concreto)15.

14 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 141-142. 15 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2 ed. Campinas: Millennium. 2000. p. 331.

13

Finalizando a abordagem a respeito do objeto da prova, há de ser observado

o ensinamento de Edilson Mougenot Bonfim:

O processo é uma atividade racional, voltada à assunção de um objetivo, que é a aplicação do direito para obter a pacificação dos conflitos de interesses que surjam na sociedade. Nesse contexto, também a prova se pauta por regras e princípios organizados segundo critérios lógicos. Em primeiro lugar, é certo que a atividade probatória – ou seja, a série de atos realizados com a finalidade de desvendar os fatos tais como tenham esses efetivamente ocorrido – deve restringir-se aos fatos pertinentes à lide. A assertiva, óbvia em sua essência, é de fundamental importância: apenas os fatos que constituem, sob a incidência do ordenamento jurídico, as relações jurídicas relevantes para a resolução da lide é que deverão ser provados (princípio da economia processual). Em geral, a extensão da situação fática que deve ser demonstrada depende da atuação das partes. A acusação, ao imputar determinada conduta ao acusado, descreve uma série de fatos que em tese justificariam eventual condenação. O acusado, por sua vez, alegará fatos em sua defesa que de alguma forma contrariem a pretensão punitiva. São as partes, portanto, que definem essencialmente os fatos que deverão ser objeto de prova, restando ao juiz, eventualmente, apenas complementar o rol de provas a produzir, utilizando-se de seu poder instrutório, o que determinará somente com a finalidade de fazer respeitar o princípio da verdade real. Mais do que isso, em consonância com os ensinamentos da moderna doutrina, é de ver que não são propriamente os fatos que devem ser confirmados por meio da prova, mas sim as afirmações feitas pelas partes, ou seja, suas alegações16.

No que concerne à classificação das provas, este assunto gera uma série de

divergências doutrinárias, justamente porque não são coincidentes os meios de

classificação adotados, razão pela qual somente serão apontadas as principais

classificações a fim de evitar a fuga do tema principal da pesquisa.

Em relação à classificação das provas José Carlos Gonçalves Xavier de

Aquino e de José Renato Nalini expõem:

Não é tranquila a doutrina quanto à classificação das provas. Atribui-se a primeira tentativa de classificar as provas a Aristóteles, aproveitadas pelos romanos. As provas foram divididas em naturais e artificiais. As naturais seriam as fundadas na evidência material: testemunhos, documentos, objetos vinculados à prática da infração. As artificiais seriam criações da lógica, integradas no mundo do raciocínio: indícios e presunções. As principais classificações, de acordo com Gustavo Rodriguez, são (a) provas e presunções (segundo a natureza); (b) diretas e indiretas (segundo a natureza); (c) perfeitas e imperfeitas (segundo o valor legal); (d) simples ou compostas (segundo a quantidade de sua autonomia); (e) acusatórias e absolutórias (segundo seu objeto); (f) originárias e derivadas (segundo a sua origem); (g) genéricas e específicas (segundo seu raio de ação); (h) formais e essenciais (segundo o sistema probatório); (i) positivas e negativas (segundo sua finalidade); (j) preconstituídas e causais (segundo a época); (k) pessoais ou reais (segundo a sua fonte); (l) sumárias e controvertidas (segundo seu debate); (m) principais, supletivas e concorrentes (segundo sua importância); (n) prova diabólica (segundo a sua tradição) e (o) prova traslada17.

16 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 366-367. 17 AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de. NALINI, José Renato. Op. Cit. p. 228-229.

14

Do mesmo modo, Edilson Mougenot Bonfim elenca a classificação das

provas, ao transcrever:

A prova é classificada de acordo com diversos critérios: I – Quanto ao objeto, pode ser direta ou indireta. A primeira demonstra o fato de forma imediata (ex.: o flagrante, a confissão, o corpo de delito); a segunda, ao contrário, afirma um fato do qual se infira, por dedução ou indução, a existência do fato que se busque provar (ex.: os indícios, presunções e suspeitas). II – Quanto ao sujeito ou causa, poderá ser real, se surgir de coisa ou objeto (ex.: aquela extraída dos vestígios deixados pelo crime); ou pessoal, quando emanar da manifestação consciente do ser humano (ex.: a testemunha que narra os fatos a que assistiu; o laudo assinado por dois peritos). III – Quanto à forma, são divididas em: testemunhal, documental e material. A prova testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal. Documental, ao contrário, é aquela feita por prova escrita ou gravada. Por fim, a prova material é a que consiste em qualquer materialidade que sirva de elemento para o convencimento do juiz sobre o fato probando. IV – Quanto ao valor ou efeito: plena (perfeita ou completa) é aquela apta a conduzir um estado de certeza no espírito do juiz. São exemplos de prova plena a documental, testemunhal, pericial, entre outras; não plena (imperfeita ou incompleta), caso não seja suficiente por is para comprovar a existência do fato, trazendo apenas uma probabilidade acerca de sua ocorrência. Temos como exemplo os indícios, a fundada suspeita, a prova exigida para o decreto de prisão preventiva18.

De fato a classificação a respeito das provas não é matéria unânime sob o

aspecto doutrinário, porém, de modo a tornar a pesquisa mais completa, o assunto

não poderia ser deixado de lado, ainda que a abordagem sobre este tenha sido feita

de forma sucinta.

A respeito dos meios de prova, também é tema em que a doutrina

processual penal não é pacífica, eis que alguns doutrinadores tratam deste tema

como se fosse parte da classificação, enquanto outros tratam destes como se

fossem espécies, as quais serão tratadas no próximo tópico da pesquisa.

Antes de qualquer abordagem acerca dos meios de prova, importante

salientar que no Direito Processual Penal não ocorre a limitação dos meios de prova,

ou seja, impera a autonomia, onde não contém as restrições existentes nas leis civis

ou do direito privado, e isso se deve ao fato de o Direito Processual Penal tutelar o

interesse público e social de repressão ao crime, de modo que a investigação é

ampla, os meios investigatórios são dilatados, buscando sempre a verdade do fato e

da autoria do delito.

Meio de prova, na lição de Edílson Mougenot Bonfim vem a ser:

18 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso..., p. 372.

15

Meio de prova é todo fato, documento ou alegação que possa servir, direta ou indiretamente, à busca da verdade real dentro do processo. Em outras palavras, é o instrumento utilizado pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes. Não podemos confundir meio com sujeito ou com objeto de prova. A testemunha, por exemplo, é sujeito, e não meio de prova. Seu depoimento é que constitui meio de prova. O local averiguado é objeto de prova, enquanto sua inspeção é caracterizada como meio de prova. Meio é tudo o que sirva para alcançar uma finalidade, seja o instrumento utilizado, seja o caminho percorrido19.

Ao tratar dos meios de prova, Marco Antonio de Barros ensina:

Meio de prova pode ser todo fato, documento ou alegação que sirva, direta ou indiretamente, ao descobrimento da verdade. Com outros verbos, pode-se dizer que o meio de prova é todo instrumento que se destina a levar ao processo um elemento, uma informação a ser utilizada pelo juiz para formar a sua convicção acerca dos fatos alegados pelas partes. Apesar desse amplo significado, não se pode cometer o equívoco de pensar que podemos desfrutar de plena liberdade discricionária na escolha do meio de prova a ser produzido em juízo. [...] Evidentemente que nem todos os meios de prova existentes estão explicitados no Código de Processo Penal. O avanço científico e tecnológico das últimas décadas apresenta uma gama de instrumentos probatórios que certamente não poderiam ter sido previstos pelo legislador que editou o Código ainda vigente. [...] Nada obstante, segue o nosso anacrônico Código de Processo Penal mantendo os antigos preceitos a respeito de meios de prova, tidos como relevantes para o descobrimento da verdade, expondo-os na seguinte ordem seqüencial: a) do exame de corpo de delito e das perícias em geral; b) do interrogatório do acusado; c) da confissão; d) do ofendido; e) das testemunhas; f) do reconhecimento de pessoas ou coisas; g) da acareação; g) dos documentos; i) dos indícios; j) da busca e apreensão20.

Importante ainda destacar que a ideologia da busca pela verdade real tem

sofrido duras críticas, justamente porque, em sendo o processo penal instrumento

de apuração de determinado fato delituoso, baseado na reprodução de um fato

pretérito por meio das provas colhidas no curso da ação penal, impossível se falar

em verdade real, justamente pela complexidade inerente à referida reprodução dos

fatos, passando a surgir a verdade processual como nova premissa da doutrina

moderna.

Ainda há de ser ressaltado o fato de que o Brasil, na condição de Estado

Democrático de Direito, cuja Carta Magna prima pela observância de uma série de

garantias e direitos fundamentais do ser humano, tornam-se inadmissíveis as provas

consideradas como incompatíveis com os princípios pertinentes ao respeito do

exercício do direito de defesa e à dignidade humana, os meios cuja utilização se

opõe às normas reguladoras do direito, que regem a vida social da população.

19 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso..., Ibidem. p. 370. 20 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 228-229.

16

Como não há restrição na seara processual penal a respeito das espécies

de provas a serem admitidas como meio de demonstrar a ocorrência de uma

infração penal; com exceção às provas ilícitas e derivadas destas; o

desenvolvimento de um estudo a respeito das espécies probatórias elencadas no

Código de Processo Penal vigente permitiria ao pesquisador elaborar uma

monografia específica sobre o tema, o que não é o objetivo do presente trabalho.

Por esta razão os próximos delineamentos enfatizarão a respeito da

previsão legal das principais espécies, evitando assim maiores alongamentos sobre

a temática que consiste na maior parcela de páginas dos livros que tratam do

processo penal pátrio.

O Código de Processo Penal trata das espécies probatórias entre os artigos

155 e 250, onde elenca as espécies que são admitidas e materializadas pela

legislação processual vigente, a saber: exames de corpo de delito e perícias em

geral; interrogatório do acusado; a confissão do acusado; do ofendido; das

testemunhas; do reconhecimento de pessoas e coisas; da acareação; dos

documentos; da busca e apreensão.

No entanto, não são somente estas as espécies de provas que são

admitidas pela legislação vigente, eis que diversos os regramentos esparsos que

tratam do tema pertinente às provas, dentre os quais se destacam: interceptações

telefônicas materializadas pela Lei nº. 9.296/1996; quebra dos sigilos bancários e

fiscal, constante da Lei Complementar nº. 105/2001; entre outras modalidades, como

a prova constituída por meio de gravação ambiental.

A respeito da liberdade para a produção de provas, o que torna o rol das

espécies de prova não taxativo, Guilherme de Souza Nucci, expõe:

Em processo penal, são admitidas todas as provas obtidas por meios lícitos, devendo-se, entretanto, respeitar a restrição estabelecida quanto ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outros). Nesta hipótese deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo disso é a prova do estado de casado, que somente se faz pela apresentação da certidão do registro civil, de nada valendo outro meio probatório. Outras eventuais restrições fixadas na lei civil não valem no processo penal. Ilustrando a lei processual civil autoriza que o juiz indefira a produção de prova testemunhal, quando versar sobre fatos “já provados por documento ou confissão da parte” ou quando “só por documento ou por exame pericial puderem ser provados” (art. 400 CPC). Tal restrição não vige em processo penal, pois, não dizendo respeito ao estado das pessoas, pode a parte pretender ouvir testemunhas, ainda que seja para contrariar algo constante em qualquer tipo

17

de documento ou mesmo para confirmar ou afastar a credibilidade da confissão, cujo valor é relativo na esfera criminal21.

No mesmo sentido se dá a lição de Marco Antonio de Barros:

Durante a instrução do processo penal, o juiz e as partes são intensa e mutuamente questionados sobre a liberdade, legalidade e também sobre determinadas restrições que pairam sobre a admissibilidade da prova. No estudo da moderna teoria da prova sobressai o entrechoque entre o direito de produzir a prova com o obstáculo que representa a proibição da prova ilícita. [...] Relativamente aos meios de prova, ou aos meios probatórios, prevalece a aplicação, no processo penal brasileiro, do chamado princípio da liberdade de prova, que só encontra restrição quanto ao estado das pessoas, hipótese em que a prova só produz efeito válido se atendidas as disposições estabelecidas pela lei civil. [...] A contrario sensu, todos os demais meio de prova tendentes ao esclarecimento da verdade dos fatos, desde que isentos de exigências formais ditadas na lei civil, em tese, são plenamente aceitos22.

Corroborando com este posicionamento, Antonio Scarance Fernandes aduz:

“Importante expressão do direito à prova na atualidade é o “direito à prova

legitimamente obtida ou produzida. Pode a parte exigir do juiz que não permita o

ingresso ou a permanência dos autos de prova ilícita produzida pela parte contrária,

ou, de maneira mais ampla, que haja a “exclusão das provas inadmissíveis,

impertinentes ou irrelevantes”23”.

Diante da afirmação no sentido de que a liberdade da produção das provas

extrapola o rol constante do Código de Processo Penal, há de se observar a

presença de algumas restrições, conforme expõe Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] podemos afirmar que a tendência, hoje, é no sentido de se abolir a taxatividade, tendo-se, contudo, o cuidado de se vedar qualquer meio probatório que atente contra a moralidade ou violente o respeito à dignidade humana. [...] Por essas razões, não se admitem as provas conseguidas mediante tortura, como os interrogatórios fatigantes, exaustivos, mesmo porque obtidos com preterição da norma contida no art. 5º, III, da Lei Maior. Metem-se ao rol entre as provas não permitidas aquelas objeto de captação clandestina de conversações telefônicas (CF, art. 5º, XII), de microfones dissimulados para captar conversações íntimas, o diário, onde algumas pessoas registram, com indisfarçável nota de segredo, os acontecimentos mais importantes do seu dia-a-dia. Tais provas não podem ser permitidas porque violatórias da vida íntima da pessoa, e, como se sabe, a Constituição dá proteção à privacidade, como se constata pelo art. 5º, X e XII24.

21 NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 2 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 24-25. 22 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 168-169. 23 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 75. 24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 3 Vol. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 220-221.

18

Do mesmo modo, Guilherme de Souza Nucci assevera:

Restrições à prova: todas as provas que não contrariem o ordenamento jurídico podem ser produzidas no processo penal, salvo as que disserem respeito, por expressa vedação deste artigo, ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiação, cidadania, entre outros). Nesta hipótese, deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo disso é a prova do estado de casado, que somente se faz pela apresentação da certidão do registro civil, de nada valendo outro meio probatório. No mais, as restrições fixadas na lei civil não valem no processo penal. Ilustrando, podemos lembrar que a lei processual civil autoriza que o juiz indefira a produção de prova testemunhal, quando versar sobre fatos ‘já provados por documento ou confissão da parte’ ou quando ‘só por documento ou por exame pericial puderem ser provados’ (art. 400, CPC). Tal restrição não vige em processo penal, pois, não dizendo respeito ao estado das pessoas – única limitação admitida – pode a parte pretender ouvir testemunhas, ainda que seja para contrariar algo constante em algum tipo de documento ou mesmo para confirmar ou afastar a credibilidade da confissão, cujo valor é relativo na esfera criminal. De outra parte, como o magistrado não está atrelado ao laudo pericial (art. 182, CPP), também podem ser ouvidas testemunhas para derrotar a conclusão do perito25.

Importante salientar que não são apenas estas limitações que atingem a

liberdade na produção das provas, sendo que algumas vedações são de índole

procedimental, ou seja, é concedido às partes determinado prazo para a produção

de uma prova, decorrido este, sem que a parte a tenha produzido e acostado aos

autos de ação penal, não mais poderá produzi-la a destempo, ou seja, essa

limitação decorre do escoamento do prazo para sua produção.

Ainda existem situações em que a lei processual penal impede que

determinada prova seja produzida em certa fase procedimental, como é o caso dos

processos de crimes de competência do Tribunal do Júri, nos quais é vedado às

partes proceder a juntada de documentos na fase das alegações, ou então, a

vedação da leitura de determinada peça processual em plenário, caso esta ou o seu

conteúdo não tenham sido comunicado à parte contrária, com a antecedência

mínima de 03 dias, se relacionado com o fato objeto da ação penal.

Evidencia-se, segundo as assertivas acima, que a tarefa de restringir a

produção de determinada prova não é tarefa apenas do legislador ao editar as leis,

mas também recai ao Magistrado, o qual tem contato direto com o processo para o

qual proferirá uma decisão, a qual deverá estar concatenada com a maior

proximidade possível da realidade fática, tendo este ainda a tarefa de ponderar

acerca da validade das provas e a sua origem, sob pena de fundamentar a sua

25 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 347.

19

decisão em prova obtida por meios imorais, ou então que ferem a dignidade da

pessoa humana, ou em situação ainda mais grave, obtidas por meios ilícitos, o que

ensejaria um error in judicando não somente entre as partes envolvidas na relação

jurídica processual, mas também em relação à toda sociedade atingida

indiretamente pela insegurança jurídica.

E justamente neste método probatório que surge uma espécie de conjunto

de regras com a função garantidora dos direitos das partes, implicando assim a

limitação aos objetos da prova, aos meios pelos quais estas são introduzidas no

processo, e ainda capazes de estabelecer procedimentos adequados às operações

relacionadas à colheita das provas, o valor das provas colhidas, e ainda ponderá-las,

uma a uma, a fim de proceder da maneira adequada e compatível com o caso sub

judice.

Deste modo demonstrado está que ao Magistrado, no exercício de sua

função, compete a tarefa arda e que exige não apenas muito trabalho, mas também

um conhecimento técnico-jurídico, além do bom senso necessário para que analise

as provas em conjunto e separadamente, para, somente então dar o seu veredicto,

ou seja, fundamentar na sentença as razões do seu convencimento.

Além disso, verificou-se que as provas produzidas em Juízo, sejam elas

documentais, testemunhais, periciais devem passar por uma espécie de filtro, para

que, somente então, possam gerar seus efeitos, os quais são capazes de modificar

o convencimento do Magistrado no caso submetido a sua apreciação.

Realizadas estas ponderações preliminares a respeito da prova e as

principais peculiaridades ligadas ao tema principal da pesquisa, já é possível traçar

um estudo a respeito do Inquérito Policial, instituto este que também guarda íntima

relação com o assunto basilar do trabalho monográfico em desenvolvimento.

20

3 O INQUÉRITO POLICIAL NA ATUAL CONJUNTURA LEGAL

Impossível falar da viabilidade ou inviabilidade da utilização do inquérito

policial como meio de prova para a prolação de sentença penal condenatória sem

dedicar um capítulo específico para tratar da referida peça informativa, razão pela

qual nos próximos tópicos serão traçadas as principais peculiaridades deste, sem

perder o enfoque principal da pesquisa.

3.1 INQUÉRITO POLICIAL: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes de qualquer análise conceitual pertinente ao instituto jurídico em

estudo, é relevante traçar um breve esboço histórico acerca de tal procedimento

investigativo.

Deste modo, de início se recorre aos ensinamentos de José Carlos

Gonçalves Xavier de Aquino e de José Renato Nalini:

O vocábulo inquérito vem das vozes latinas quaeritare e significa andar sempre em busca. É um substantivo masculino que se traduz no ato ou efeito de inquirir procurar informações acerca de, indagar, investigar, fazer perguntas. Além disso, o inquérito se consubstancia naquele conjunto de atos e diligências por meio dos quais se apura alguma coisa. Na formação da palavra quer (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo querer) é o radical, sendo certo que recebe o prefixo in e o sufixo ito. O inquérito policial não foi contemplado pelas Ordenações Filipinas, nas quais não há distinção entre a polícia judiciária e preventiva. Nem o Código Penal do Império falava em inquérito, embora mencionasse os inspetores de quarteirão. Estes não tinham atribuição de elaborar investigatório policial. Assim, não havia inquérito ou qualquer coisa semelhante a esse nomen iuris. Ele surgiu com a Lei 2.033, de 1871, que o conceituava como redução a instrumento de diligências necessárias à elucidação do fato infracional e de sua autoria e cumplicidade. Conforme o contido no art. 42 do Decreto 4.824, de 1871, “o inquérito policial compreende todas as diligências necessárias para a verificação da existência do crime, com todas as suas circunstâncias, e para descobrimento de seus autores e cúmplices”26.

Ainda sob o enfoque histórico do inquérito policial na seara do direito

brasileiro, há de ser observado o apontamento formulado por Guilherme de Souza

Nucci: A denominação inquérito policial, no Brasil, surgiu com a edição da Lei nº. 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto-lei nº. 4.824, de 28 de novembro de 1871,

26 AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de. NALINI, José Renato. Op. Cit. p. 126-127.

21

encontrando-se no art. 42 daquela Lei a seguinte definição: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”. Passou a ser função da polícia judiciária a sua elaboração. Apesar de seu nome ter sido mencionado pela primeira vez na referida Lei 2.033/71, suas funções, que são da natureza do processo criminal, existem de longa data e tornaram-se especializadas com a aplicação efetiva do princípio da separação da polícia e da judicatura. Portanto, já havia no Código de Processo de 1832 alguns dispositivos sobre o procedimento informativo, mas não havia o nomen juris de inquérito policial27.

No mesmo sentido é o ensinamento de Ismar Estulano Garcia:

O Inquérito Policial, de forma embrionária, teve sua origem em Roma, com passagens pela Idade Média e referências na legislação portuguesa e, logicamente, com aplicação no Brasil. Mas, nos termos hoje conhecidos o Inquérito Policial é criação do Direito brasileiro. A primeira referência, de forma expressa, a Inquérito Policial encontramos no Decreto 4.824/1871 (art. 4º, § 9º), que regulamentou a Lei nº. 2.033, do mesmo ano. Todavia, mesmo sem haver tal denominação, o Inquérito foi introduzido pela Lei nº. 261, de 03 de dezembro de 184128.

A respeito de sua noção conceitual, há de ser observado o fato de que o

inquérito policial atualmente encontra respaldo no Título II do Livro I do Código de

Processo Penal, mais especificadamente entre os artigos 4º a 23.

No que concerne ao conceito de inquérito policial, Paulo Rangel assim

elucida a questão:

Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal. Nosso código não define de forma clara o que vem a ser inquérito policial nem o seu objeto, que é a investigação criminal, porém, valemo-nos aqui do conceito dado no Código de Processo Penal português, que é bem claro nesse sentido e perfeitamente aplicável ao direito brasileiro: O inquérito policial compreende conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (CPP Português – art. 262 – item I). A exposição de motivos do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito policial foi mantido como processo preliminar ou preparatório da ação penal. Assim, este conjunto de atos administrativos, visando à elucidação de um fato considerado, em tese, infração penal, precede a instauração da competente ação penal29.

27 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 148. 28 GARCIA, Ismar Estulano. Inquérito – Procedimento Policial. 7 ed. Goiânia. AB-Editora, 1998, p. 08-09. 29 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 19 ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. p. 70-71.

22

Para José Frederico Marques “O inquérito policial constitui o mais importante

dos procedimentos prévios que se destinam à preparação da ação penal. O

inquérito, como conjunto de atos procedimentais, é o instrumento formal da

investigação realizada pela Polícia Judiciária para instruir os órgãos da acusação30”.

No mesmo sentido é o ensinamento de Fernando da Costa Tourinho Filho:

“o inquérito policial é um procedimento administrativo persecutório, consistente num

conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa (“polícia judiciária”) para

a apuração da infração penal e de sua autoria, a fim de possibilitar que o titular da

ação penal possa ingressar em juízo31”.

Em outros termos, consiste o inquérito policial no instrumento de que se vale

o Estado, através da polícia judiciária, para dar início à persecução penal, por meio

do controle através do Ministério Público, conforme preceitua o inciso VII do artigo

129 da Constituição Federal vigente.

No que se refere à sua natureza jurídica, Aury Lopes Júnior, sintetiza duas

correntes que visam elucidar a temática:

A natureza jurídica da investigação preliminar será dada pela análise de sua função, estrutura e órgão encarregado. A natureza jurídica da instrução preliminar é complexa, pois nela são praticados atos de distinta natureza (administrativos, judiciais e até jurisdicionais). Por isso, ao classificá-la, levaremos em consideração a natureza jurídica dos atos predominantes. Isso porque, mesmo num procedimento claramente administrativo como o inquérito policial, também podem ser praticados atos jurisdicionais, mediante a intervenção do juiz, por exemplo: ao adotar uma medida restritiva de direitos fundamentais, como a prisão preventiva. [...] Procedimento administrativo pré-processual: Considera a investigação preliminar como uma fase antecedente, um procedimento prévio e preparatório do processo penal, sem que seja, em si, um processo penal. Será administrativo quando estiver a cargo de um órgão estatal que não pertença ao Poder Judiciário, isto é, um agente que não possua poder jurisdicional. Destarte, podemos classificar o inquérito policial como um processo administrativo pré-processual, pois é levado a cabo pela Polícia Judiciária, um órgão vinculado à Administração – Poder Executivo – e que, por isso, desenvolve tarefa de natureza administrativa. [...] Concluímos recordando que, para classificar a investigação preliminar como um procedimento administrativo pré-processual, levamos em conta a natureza jurídica dos atos predominantes, que, no caso do inquérito policial, são administrativos. Isso não exclui uma possível intervenção do órgão jurisdicional – ao autorizar uma medida restritiva – mas apenas constatamos que essa intervenção é contingente e limitada. Como regra, o inquérito policial pode ser instaurado, realizado e concluído sem a intervenção do juiz (ou do promotor). Procedimento judicial pré-processual: [...] Consideramos procedimento judicial pré-processual quando a investigação preliminar está a cargo de um órgão que pertence ao Poder Judiciário e dirige a investigação com base na potestas eu emana do fato de

30 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. II. 2 ed. Campinas: Millennium, 2000. p. 153. 31 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 1º Volume. 31 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 196.

23

pertencer ao Poder Judiciário. Nessa classificação colocamos, como dissemos anteriormente, os modelos de Itália e Portugal, entre outros que atribuem a investigação preliminar a um Ministério Público independente do Poder Executivo e constitucionalmente incluído no Judiciário. [...] A investigação preliminar tem a característica de ser um procedimento prévio ao processo penal, e, por isso mesmo, de natureza pré-processual e com função preparatória do processo ou do não processo. Além disso, em geral, os atos da instrução seguem o sistema inquisitório e revestem – predominantemente – a forma escrita e sigilosa, contrariando o sistema acusatório, a oralidade e a publicidade que devem predominar no processo penal. Também devemos considerar o limitado alcance do contraditório e do direito de defesa. Em definitivo, a natureza jurídica da investigação preliminar, quando levada a cabo por membros do Poder Judiciário (juízes ou promotores) será de procedimento judicial pré-processual32.

Para Edilson Mougenot Bonfim:

O inquérito policial é procedimento administrativo. Não é processo, porquanto não se constitui em relação trilateral, já que o investigado não é parte do procedimento. Desenvolve-se, pois, unilateralmente. Classificá-lo como procedimento administrativo, entretanto, não significa dizer que não sejam resguardados, no seu desenrolar, os direitos fundamentais do investigado. A autoridade policial, o magistrado e o Ministério Público, exercendo o controle externo da polícia, devem zelar para que a investigação seja conduzida de forma a evitar, o quanto possível, afrontas aos direitos e liberdades fundamentais de cada indivíduo33.

No entanto, importante destacar o fato de que o inquérito policial, na

conjuntura legal vigente no ordenamento jurídico pátrio conta com particularidades

que o tornam um procedimento distinto se comparado com a ação penal, eis que

naquele, algumas garantias constitucionais do cidadão não são asseguradas, em

especial o exercício da ampla defesa e do contraditório, condição esta inerente ao

sistema inquisitivo que domina esta fase “pré-processual” da investigação preliminar.

A respeito deste caráter inquisitivo do inquérito policial Edílson Mougenot

Bonfim assevera:

O inquérito policial, como se viu, é procedimento meramente informativo, destinado à investigação de um fato possivelmente criminoso e à identificação de seu autor, com vistas à obtenção de elementos suficientes para a propositura de uma ação pena. Por isso, não integrando o processo penal em sentido estrito, conforme pacífica jurisprudência do STF e STJ não está sujeito ao princípio do contraditório ou da ampla defesa. O suspeito ou indiciado, apresenta-se apenas como objetivo da atividade investigatória, resguardados, seus direitos e garantias individuais.

32 LOPES JR. Aury. Investigação..., p. 93-97. 33 BONFIM, Edílson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 27-28.

24

Ademais, o art. 5º LV da CF, que consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa, refere-se aos “litigantes” e aos “acusados em geral” não se podendo aplicá-los ao indiciado, uma vez que não há nessa fase investigativa acusação propriamente dita34.

De modo a elucidar essa característica inquisitorial, mister se faz tecer

algumas ponderações sucintas a respeito do sistema processual adotado pela

sistemática processual penal brasileira, qual seja, o sistema misto.

Aury Lopes Júnior assim expressa seu entendimento a respeito deste

sistema, ao dispor que:

Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório, o Estado seguia mantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia abandonar em mãos de particulares esse poder e a função de persecução. Logo, era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação continua como monopólio estatal, mas realizada através de um terceiro distinto do juiz. Aqui nasce o Ministério Público. Por isso existe um nexo entre o sistema inquisitivo e o Ministério Público, como aponta Carnelutti, pois essa necessidade de dividir a atividade estatal exige, naturalmente, duas partes. Quando não existem, devem ser fabricadas, e o Ministério Público é uma parte fabricada. Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz. Eis aqui outro erro histórico: a pretendida imparcialidade do MP. É lugar-comum na doutrina processual penal a classificação do “sistema misto” com a afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais. Ademais, a divisão do processo penal em duas fases (pré-processual e processual propriamente dita) possibilitaria o predomínio, em geral, de forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual, desenhando assim o caráter “misto” 35.

A ideia da criação de um sistema misto se deu em razão da necessidade de

dirimir as dificuldades ligadas a cada um dos sistemas – acusatório e inquisitório –

apontadas como falhas que acabavam por macular a integralidade de seus

objetivos. Cumpre ainda destacar que o próprio nome do sistema em análise denota

a ideia de “mistura” dos modelos até então existentes, conforme se extrai da lição de

Júlio Fabbrini Mirabete: “O sistema misto, ou sistema acusatório formal, é constituído

de uma instrução inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória) e

de um posterior juízo contraditório (de julgamento)36”.

34 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso..., p. 154-155. 35 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Vol. 01. 7 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. 2011, p. 68-69. 36 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 22.

25

A maioria dos doutrinadores processuais penais pátrios defende ser este o

sistema adotado pelo regramento brasileiro, conforme ressaltado por Guilherme de

Souza Nucci:

O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registre-se desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fossemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimento, recursos, provas, etc.) é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo). [...] Logo, não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP) resultou no hibridismo que temos hoje. Sem dúvida que se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição Federal imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório37.

Eugênio Pacelli de Oliveira defende seu posicionamento acerca do sistema

processual adotado no Brasil, aduzindo:

A doutrina brasileira costuma referir-se ao modelo brasileiro de sistema processual, no que se refere à definição da atuação do juiz criminal, como um sistema de natureza mista, isto é, com feições acusatórias e inquisitoriais. Alguns alegam que a existência do inquérito policial na fase pré-processual já seria, por si só, indicativa de um sistema misto; outros, com mais propriedade, apontam determinados poderes atribuídos aos juízes no CPP como a justificativa da conceituação antes mencionada38.

Assim, tendo por base o contido nas explanações acima apontadas, não há

como negar que as características do processo penal pátrio denotam a adoção do

referido sistema processual misto, o que se evidenciam pela divisão em duas fases

no procedimento realizado para a efetivação da persecução criminal, o que

certamente enseja em algumas características relevantes para o modo de atuação

do Magistrado na fase pré-processual.

Inúmeras outras peculiaridades do inquérito policial poderiam ser traçadas e

abordadas neste item da pesquisa, porém, certamente ensejaria a perda do foco

principal, razão pela qual será dada continuidade ao estudo, momento em que

passar-se-á à análise de outra questão polêmica, qual seja, o valor probatório do

inquérito policial.

37 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual..., p. 122. 38 OLIVEIRA, Eugênio Paccelli de. Curso de Processo Penal. 15 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 13.

26

3.2 VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

A diretriz principal de todo o trabalho recai justamente no valor probatório do

inquérito policial, eis que, não raras vezes o Magistrado ao proferir uma decisão

penal condenatória se utiliza de elementos de prova colhidos nessa fase pré-

processual, a qual não observa preceitos constitucionais e garantias do cidadão,

como fundamento de sua sentença ou acórdão.

E justamente de tal problemática é que surge todo o enfoque do trabalho em

desenvolvimento: Como é possível que as peças de inquérito policial, como

procedimento em que o exercício de defesa e do contraditório são suprimidos,

sirvam como instrumento capaz de fundamentar a prolação de uma sentença penal

condenatória?

A fim de buscar dar início à elucidação de tal indagação, é que serão

traçadas algumas ponderações a respeito do valor probatório do inquérito policial,

cujo estudo mais aprofundado ocorrerá nos próximos capítulos da monografia.

Ilustrando a discussão doutrinária a respeito do assunto em questão, Edílson

Mougenot Bonfim assevera:

A doutrina discute acaloradamente acerca da possibilidade de que elementos probatórios colhidos durante o inquérito policial sejam utilizados como fundamento para a condenação do réu, em juízo. Isto, principalmente em virtude do caráter inquisitivo desse procedimento preliminar, a que não se aplicam, em sua integralidade, as regras inerentes aos princípios do devido processo legal e do contraditório. Parte da doutrina admite o valor probante do inquérito policial (p. ex.: Magalhães Noronha), principalmente no que toca às provas periciais (expressivo número de autores), de difícil ou impossível repetição em juízo. Essas provas, segundo os argumentos dos autores que defendem sua aceitabilidade, estariam sujeitas a um contraditório diferido, uma vez que o réu, no curso do processo penal, terá oportunidade de examiná-las e impugná-las como se houvessem sido produzidas no curso do processo. [...] No entanto, a maior pare da doutrina tende a negar a possibilidade de uma condenação lastreada tão somente em provas obtidas durante a investigação policial. Admitem, quando muito, que essas provas tenham natureza indiciária, sejam começos de prova, vale dizer, dados informativos que não permitem lastrear um juízo de certeza no espírito do julgador, mas de probabilidade, sujeitando-se a posterior confirmação. Isso porque sua admissão como elemento de prova implicaria infringência ao princípio do contraditório, estatuído em sede constitucional39.

Reforçando o caráter meramente informativo do inquérito policial como

instrumento probatório Marco Antonio de Barros ensina: Realçado pelo mencionado caráter inquisitivo, atribui-se ao inquérito policial a condição de mera peça informativa. As provas nele colhidas, ainda que relevantes, têm apenas um valor

39 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso...,. p. 187-188.

27

relativo se comparadas com outras produzidas sob o crivo do contraditório. E essa condição meramente informativa é ditada pelo Código, ao consignar que “o juiz formará a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Todas as provas que a Polícia amealhar com o intuito de assegurar a preservação da verdade dêem ser posteriormente ratificadas em juízo. Prevalece a máxima no sentido de que a apreciação das provas feita pelo juiz será invalidade quando a fundamentação da decisão basear-se exclusivamente em elementos informativos colhidos durante a fase de investigação. [...] Isto significa que o valor atribuído às provas colhidas pela Polícia é apenas relativo, tanto que a maior parte das evidências deve ser reapresentada no curso do processo, e quando isto não se concretiza positivamente, ainda que verdadeira seja a prova indiciária, a dúvida que contra ela é lançada enfraquece o seu conteúdo, quando não retira a presunção de sua veracidade40.

Por ter uma obra específica a respeito da investigação preliminar no

processo penal pátrio, Aury Lopes Júnior, trata da temática com maestria,

reforçando o posicionamento de que as provas colhidas na instrução do inquérito

policial tão somente podem servir como instrumento para a formação da opinio

delicti, e, assim se manifesta:

Os atos de comprovação e averiguação do fato e da autoria, considerados genericamente atos de investigação ou de instrução preliminar, podem ser valoradas de distintas formas pelo sistema jurídico. O critério para a classificação tem por base a sentença, ou seja, se esses atos podem ser valorados e servir de base para a sentença ou não. No primeiro caso, os atos praticados na investigação preliminar têm plena eficácia probatória na fase processual, podendo servir de fundamento para a sentença. No segundo, os atos praticados na instrução preliminar esgotam sua eficácia probatória com a admissão da acusação, isto é, servem para justificar medidas cautelares e outras restrições adotadas no curso da fase pré-processual e para justificar o processo ou o não processo. Não podem ser valorados na sentença. Como se vê, a eficácia probatória mantém uma íntima relação com o objeto e o nível de cognição, de modo que, na instrução plenária, a sentença toma por base os elementos obtidos na fase pré-processual (pois a fase processual é mero controle formal). Por outro lado, na instrução preliminar sumária, a valoração esgota-se com a admissão da acusação41.

O que se observa é que as correntes doutrinárias que tratam da temática

são bem antagônicas, no sentido de que uma delas admite a utilização do inquérito

policial como instrumento probatório, e, por conseguinte, poderia servir como

fundamento de uma sentença penal condenatória, independentemente de haver a

supressão do direito ao contraditório nessa fase pré-processual.

Enquanto a outra corrente defende interesses pro reo, justamente por

defender que o inquérito policial somente pode servir como peça informativa para a

40 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 83. 41 LOPES JR. Aury. Investigação..., p. 206.

28

opinio delicti, encerrando-se neste momento a sua relevância para o processo penal,

vedando, por conseguinte, sua utilização como instrumento de prova para a prolação

de uma sentença penal.

As demais particularidades atinentes ao atual contexto pertinente à

valoração do inquérito policial como instrumento de prova nos moldes da legislação

específica que alterou a disciplina da matéria no processo penal – Lei 11.690 de

2008 – serão traçadas em capítulo específico.

3.3 FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL E O DESCOBRIMENTO DA

VERDADE

Que a principal finalidade do inquérito policial é a apuração do fato delituoso,

a sua autoria e materialidade delitiva, isso não se pode discutir, todavia, há

entendimentos de que a finalidade de tal peça informativa é servir como elemento

capaz de influir no grau de cognição do magistrado, e, por conseguinte, poderá

influir diretamente no resultado do julgamento de determinada ação penal, os quais

são alvo de críticas dada a nova sistemática de valoração das provas no processo

penal brasileiro.

No entanto, importante destacar que a sua finalidade, sob o enfoque teórico

é um tanto quanto diferenciado do contido na assertiva acima explanada. Fernando

da Costa Tourinho Filho assim se pronuncia:

Pela leitura de vários dispositivos do CPP, notadamente os arts. 4º e 12, há de se concluir que o inquérito visa a apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal é colher informações a respeito do fato criminoso. Para tanto, a Polícia Civil desenvolve laboriosa atividade, ouvindo testemunhas, tomando declarações da vítima, procedendo a exames periciais, nomeadamente os de corpo de delito, exames de instrumento do crime, determinando busca e apreensões, acareações, reconhecimentos, ouvindo o indiciado, colhendo informações sobre todas as circunstâncias que circunvolveram o fato tido como delituoso, buscando tudo, enfim, que possa influir no esclarecimento do fato. Apurar a autoria significa que a Autoridade Policial deve desenvolver a necessária atividade a descobrir, conhecer o verdadeiro autor do fato infringente da norma42.

42 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 111.

29

José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino e de José Renato Nalini abordam a

finalidade do inquérito policial do seguinte modo:

É mediante o inquérito policial que, em regra, se chegam a desvendar todas as infrações, possibilitando ao Ministério Público propor a ação penal, embora o promotor prescinda desse instrumento para exercer a função de dominus litis. [...] A finalidade do inquérito policial é a descoberta e identificação do autor do ato infracional, bem como fazer vir à tona a prova da materialidade delitiva. Somente mediante a identificação do agente poderá o Ministério Público promover a ação penal43.

Ismar Estulano Garcia em estudo acerca da finalidade do Inquérito Policial

aduz:

A principal finalidade do Inquérito Policial é servir de base para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público, nos crimes de ação pública, ou pelo particular, nos crimes de ação privada. O art. 41 do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou queixa contenha a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas, se for o caso. Somente uma investigação prévia (o Inquérito Policial) terá condições de levantar estes dados. Outra finalidade do Inquérito Policial, a ser levada em consideração, é fornecer elementos probatórios do Juiz, de maneira a permitir a decretação da prisão cautelar (preventiva). A prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, de que fala o art. 312 do Código de Processo Penal, somente será possível, via de regra, mediante Inquérito44.

O objetivo ou finalidade do inquérito policial se confunde com a sua própria

noção conceitual, eis que consiste em um procedimento persecutório formado por

um conjunto de diligências realizadas pela polícia investigativa para apuração da

infração penal e a sua respectiva autoria, a fim de permitir que a parte interessada

ajuíze a competente ação penal, pública ou privada.

Realizadas estas considerações a respeito da finalidade do inquérito policial

nos termos da legislação processual penal vigente, cabe a pesquisador dar

continuidade à elaboração da pesquisa, passando ao estudo da verdade como

precursora do processo penal e as questões ligadas à sua apuração.

43 AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de. NALINI, José Renato. Op. Cit. p. 127-128. 44 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 7 ed. rev. e aum. Goiânia: AB-Editora, 1998, p. 09.

30

4 A BUSCA DA VERDADE SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL

A busca da verdade na seara processual penal tem por finalidade precípua

não apenas esclarecer o fato criminoso alvo da apuração por meio da persecutio

criminis, mas também definir as consequências jurídicas que deverão ser impostas

ao infrator declarado como culpado na sentença penal condenatória, temática esta

de extrema complexidade não apenas pela sua finalidade, mas também pelos

critérios que devem ser adotados em cada caso concreto para determinar o

resultado de uma ação penal.

Justamente no intuito de esclarecer, sempre sob o enfoque teórico, como é

dotada de elevada complexidade a tarefa de julgar, é que o presente capítulo visa

discorrer a respeito dos critérios de avaliação e apreciação da prova que são

adotados pelo ordenamento processual penal pátrio e as derivações que podem

servir como norte para a tomada da decisão por parte do julgador.

4.1 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E APRECIAÇÃO DA PROVA NO PROCESSO

PENAL

A tarefa do Magistrado na seara processual penal não é apenas a de avaliar

as provas que são produzidas pelas partes na relação jurídica processual, mas

também deverá proceder ao juízo de admissibilidade destas, colhendo na sequência

àquelas a que deferir a produção, e, somente então é que procede a avaliação e

apreciação destas a fim de formar a sua convicção sobre determinado fato delituoso

objeto da ação penal respectiva.

De modo a elucidar a questão, o presente capítulo tratará dos principais

critérios de avaliação e apreciação da prova em matéria processual penal, os quais

foram criados ao longo da evolução da humanidade, seguindo relevante influência

por parte dos costumes, tradições, desenvolvimento cultural, econômico, político e

social dos povos.

Saliente-se que a análise da temática dar-se-á de forma concisa a fim de

evitar que a problemática levantada no início da pesquisa não perca o seu foco de

abordagem, a qual ocorrerá de forma mais pontual no último capítulo da monografia.

31

4.1.1 A figura dos “juízos de deus” e as ordálias

Por figurar no período mais remoto da evolução humana, os métodos dos

Juízos de Deus e as ordálias encontram-se dotados de uma série de questões

ligadas ao misticismo e também contavam com características ligadas ao período

bárbaro do Direito Penal e Processual Penal, o que remonta ao período de

escuridão destes ramos do Direito, manchados por sua irracionalidade, crueldade e

disparidade na relação jurídica processual.

O ônus probatório neste modelo arcaico recaia unicamente ao acusado, a

quem competia a improvável missão de comprovar a sua inocência, conforme

destaca Marco Antonio de Barros:

O primeiro sistema de valoração da prova selecionado neste comentário remonta à antiguidade, ou seja, à fase mística do sistema probatório antigo. Após a decadência do chamado Império Romano, no período em que foi suplantado em seus domínios pela invasão germânica, vigorava o Código Visigótico (652 d.C.). Mas, independente desse Direito escrito, o que de fato prevaleceu foi a aplicação do Direito consuetudinário visigodo. Era o tempo da “santidade do juramento”. Ao ser interrogado, o acusado prestava o juramento de dizer a verdade, sob pena de cometer perjúrio e ser castigado. A confissão tornava prescindível a produção de provas e, por conseguinte, a sentença condenatória era proferida logo em seguida. Somente se fosse negada a acusação é que as provas seriam produzidas, e estas ficavam sob o encargo exclusivo do acusado, que tinha o dever de demonstrar a improcedência da acusação. Como forma de reprimir os repetidos abusos cometidos contra a “santidade do juramento” criou-se o “duelo judiciário” ou “combate judiciário”, em que combatiam acusador e acusado (sistema geralmente reservado aos nobres). Fundava-se na crença de que Deus, sendo infinitamente justo, não permitiria que o acusado inocente fosse vencido, mas o abandonaria caso fosse culpado. O vencedor tinha sempre razão; o vencido, a culpa. Outro costume, próprio de muitas sociedades primitivas, consistia nos denominados “juízos de Deus”, que não deviam ser propriamente considerados como um meio de prova, mas como uma devolução a Deus da decisão sobre a controvérsia. Foi assim que surgiram as ordálias (do alemão, ordel: decisão), método que consistia em invocar-se o poder de Deus (autor das leis) para revelar o culpado e puni-lo. Daí porque os “Juízos de Deus” ou ordálias configuravam verdadeiros testes de sacrifícios aos quais eram submetidos os acusados em geral. Se saíssem vivos ou ilesos, por obra da intervenção divina, eram considerados inocentes45.

Em síntese, o que se observava é que a apuração do fato delituoso ficava

em segundo plano, em decorrência da adoção deste sistema de apuração de culpa

ou inocência baseado em misticismo e critérios que não guardavam qualquer

relação às circunstâncias inerentes ao fato criminoso que ensejou a instauração do

procedimento penal respectivo.

45 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 338-339.

32

Edílson Mougenot Bonfim, também aborda o tema ao expor:

Os ordálios ou juízos de Deus se baseavam na crença de que o ente divino intercedia no julgamento, demonstrando a inocência do acusado que conseguisse superar a prova imposta: exemplo, o acusado era submetido à prova do ferro em brasa; caso fosse inocente acreditava-se que não se produziria queimadura. Cabia ao julgador somente a constatação do resultado final. O julgamento, nesse caso, era, em geral, desvinculado da averiguação de quaisquer circunstâncias relativas aos fatos que constituíssem o delito imputado ao acusado46.

No entanto, ainda que primitivo e marcado por um período de inúmeras

injustiças, por estar intimamente ligados às figuras de divindades e baseadas nos

costumes da população à época, este método deplorável de investigação criminal,

que representou um retrocesso no período histórico da humanidade perdurou por

séculos em toda a Europa.

Justamente pelos motivos acima apontados é que o processo de eliminação

das ordálias e juízos de Deus se deu de maneira lenta, custando aos povos que

foram submetidos a este método de apuração criminal muitas sequelas, frutos da

dor, sofrimento e humilhações que eram recorrentes neste tipo de procedimento.

Todavia, com o passar do tempo, graças a influência do Cristianismo e do

Renascimento Cultural é que passou-se a reconhecer a importância da adoção de

um método correto de averiguação de elementos probatórios, tais como o

testemunho de pessoas que tivessem efetivamente presenciado o fato imputado ao

acusado.

Diante disso, o que se pode perceber foi o desuso das ordálias e juízos de

Deus, com a adoção de novos métodos de apreciação das provas, baseados no

intuito de esclarecer a verdade, a qual deveria ser a premissa básica para a

formulação do julgamento.

4.1.2 A íntima convicção do juiz

Em sendo as Ordálias e Juízos de Deus uma manifesta forma de

propagação de injustiças, o processo penal passou por uma considerável evolução,

46 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 387-388.

33

a fim de permitir que o caso submetido a julgamento fosse analisado pelo

Magistrado e não dependesse única e exclusivamente de um milagre ou intervenção

divina para que o resultado fosse prolatado.

A partir de tal premissa surgiu o sistema da íntima convicção do juiz, o qual é

assim elucidado por Marcos Antonio de Barros:

Destituída de racionalidade, a valoração da prova baseada em “juízos de Deus” ou em ordálias foi substituída pelo sistema de valoração da prova decorrente exclusivamente da íntima convicção do juiz, por isso também chamado de “livre convicção” ou de “certeza moral do juiz”. Em termos de avaliação do contexto probatório se privilegiava a absoluta liberdade do juiz. Desse modo, a admissibilidade, colheita e avaliação das provas ficavam submetidas ao seu exclusivo arbítrio. Não custa relembrar, que na Idade Média, a partir do final do século XIII e até o princípio do século XIX, o Direito canônico alcança grande projeção no continente Europeu. [...] Todavia, o Direito canônico não foi capaz de abolir as mazelas procedimentais do procedimento anterior. Ao contrário, notou-se o crescimento dos problemas. Especialmente no rigor do segredo que cercava a colheita das provas, na legitimação da violência corporal impingida com o fito de descobrir a verdade dos fatos e na ausência de defesa, elementos que propiciaram a propagação dessa metodologia pelo mundo afora. De fato, tal sistema processual, por motivos notórios, foi bem recepcionado por monarcas e tiranos. Esse quadro tenebroso, recheado de métodos desumanos, foi imposto aos acusados em geral durante séculos, sob o argumento de que era necessário tornar mais firme e positiva a repressão do Estado. Logo, nem é preciso explicitar com riqueza de detalhes a multiplicação reiterada do autoritarismo demonstrado nos julgamentos realizados por inúmeros magistrados47.

Vicente Greco Filho sintetiza a sistemática adotada pelo método em análise:

Segundo o sistema da livre apreciação ou da convicção íntima, tem o juiz ampla liberdade de decidir, convencendo-se da verdade dos fatos segundo critérios de valoração íntima, independentemente do que consta dos autos ou de uma fundamentação de seu convencimento. Decide por convicção íntima ou livre apreciação pura do Tribunal do Júri. Nem fundamentam os jurados as razões de seu convencimento, nem importa como formaram sua convicção48.

Do mesmo modo, Aury Lopes Júnior explica:

O princípio da íntima convicção surge como uma superação da prova tarifada ou tabelada. O juiz não precisa fundamentar sua decisão e, muito menos, obedecer critérios de avaliação das provas. Estabelece, aqui, um rompimento com os limites estabelecidos pelo sistema interior, caindo em outro extremo: o julgador está completamente livre para valorar a prova (íntima convicção, sem que sequer tenha de fundamentar sua decisão). Para sair do positivismo do sistema anterior, caiu-se no excesso de discricionariedade e liberdade de julgamento, em que o juiz decide sem demonstrar os argumentos e elementos que

47 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 340. 48 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 224.

34

amparam e legitimam a decisão. Evidentes os graves inconvenientes que traz esse sistema49.

Neste modelo de sistema de apreciação das provas, o legislador impõe ao

Magistrado toda a responsabilidade pela avaliação das provas, dando a ele a

liberdade de decidir de acordo, única e exclusivamente, com a sua consciência, não

havendo ao mesmo qualquer obrigatoriedade em fundamentar a sua decisão, daí o

porquê da denominação livre convicção íntima50.

Por óbvio que a não obrigatoriedade da fundamentação das decisões e a

possibilidade da adoção de total liberdade para decidir, com a permissão de utilizar-

se de elementos que não tenham sido trazidos aos autos e valorar as provas de

modo soberano, inexistindo qualquer ônus no sentido de motivar o seu

convencimento, é que o sistema em questão permitiu uma “epidemia” de

atrocidades, injustiças e arbitrariedades, o que motivou a adoção de novos sistemas

de apreciação da prova em matéria penal.

4.1.3 O critério da prova legal

Ainda que as inúmeras injustiças e atrocidades cometidas pelos julgamentos

proferidos com base nos Juízos de Deus, Ordálias e a Íntima Convicção do Juiz

tenham sido deixadas no passado em razão da evolução das sociedades, ainda era

possível presenciar uma série de acontecimentos que propiciavam a prolação de

decisões injustas.

Sobre o tema destaca Edílson Mougenot Bonfim:

A fim de evitar o autoritarismo dos juízes da época e a discrepância entre os julgamentos, surgiu o sistema da prova legal. Nesse sistema, o juiz não tinha qualquer liberdade na apreciação da prova, que era pré-valorada na própria lei. Assim, a legislação processual fixava uma hierarquia entre os meios de prova. Nesse contexto, a confissão, por exemplo, recebia maior valor, contando-se, ainda, numa escala puramente aritmética, o número de pessoas que se dispusessem a testemunhas contra ou a favor do acusado. O somatório final, única tarefa que cabia ao julgador, determinava a culpa do réu. Nesse sistema surgiu o brocado “tetis unus, testis nullus” pelo qual se exigia mais de um testemunho para que

49 LOPES JR. Aury. Direito..., p. 543. 50 RANGEL, Paulo. Op. Cit. p. 490.

35

houvesse validade legal. Ao juiz ou tribunal não era permitido levar em conta provas que não estivessem nos autos – “quod non est in actis non est in mundo”51.

Aury Lopes Júnior também dedica algumas linhas a respeito do tema:

No sistema legal de provas o legislador previa a priori, a partir da experiência coletiva acumulada, um sistema de valoração hierarquizada da prova (estabelecendo uma tarifa probatória ou tabela de valoração das provas). Era chamado de sistema legal de provas, exatamente porque o valor vinha previamente definido em lei, sem atentar às especificidades de cada caso. A confissão era considerada uma prova absoluta, uma só testemunha não tinha valor etc. Salta aos olhos os graves inconvenientes de tal sistema, na medida em que não permitia uma valoração da prova por parte do juiz, que se via limitado a aferir os critérios previamente definidos em lei, sem espaço para sua sensibilidade ou eleições de significados a partir da especificidade do caso. Na acertada síntese de Bacila, tabelar significa cercear a capacidade de o julgador fazer uma análise mais inteligente do caso concreto. É o medo da falha humana que fez com que este sistema falhasse como um todo52.

Importante também mencionar a lição de Marcos Antonio de Barros, o qual

dedica uma obra específica acerca da verdade no processo penal, e assim trata de

tal método de avaliação probatória:

Devido a tais inconvenientes, surgiu a necessidade de substituir a certeza moral do juiz por outro sistema avaliativo, o qual passou a ser denominado “da prova legal” (ou “da prova tarifada”), também conhecido por “certeza legal” ou ainda de “verdade legal”. Provavelmente foram os canonistas que formularam as primeiras noções dessa nova teoria e o fizeram movidos pela necessidade de se controlar o arbítrio do juiz da Idade Média. Entretanto, a formalização legislativa da teoria das provas legais surge em 1670, com o advento da Ordonnance sur La procédure criminelle (Luis XIV). Obrigou-se o julgador a avaliar as provas, porém, de forma restritiva, visto que deveria respeitar uma escala de valores hierarquizados pela própria Lei. Era a lei que previamente estabelecia quais as provas que serviriam de fonte para o convencimento do juiz. Segundo as regras desse sistema, para que o juiz pudesse condenar seria preciso antes reunir certas provas, previamente determinadas. Logo, os meios de prova aceitos na época (confissão, testemunha, documentos, etc.) passaram a ser classificados e hierarquizados. Consequentemente, uma vez colocado diante desse conjunto de provas, de valor antecipadamente estabelecido em lei, incumbia ao juiz necessariamente condenar, pouco importando, numa ou noutra hipótese, a sua convicção íntima. A investigação da verdade real, por iniciativa do juiz, restou efetivamente obstada. Apreciava-se o conjunto probatório segundo o valor previamente tarifado em lei, como acontecia, por exemplo, com a aplicação do brocado latino unus testis, nullus testis, inviabilizando a condenação do réu com base num único testemunho. Contudo, também nesse sistema, se atribuiu valor máximo à confissão do acusado (“rainha das provas”), tida como prova plena de sua culpabilidade, ainda que obtida sob tortura53.

51 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 389. 52 LOPES JR. Aury. Direito..., p. 517-518. 53 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 341.

36

Em resumo, pelo sistema da prova legal, cada prova tem o seu peso ou

valor previamente fixado pela lei de modo que, cabe ao juiz tão somente a tarefa de,

vinculado à dosimetria das provas apresentadas, computar o que foi apresentado,

proferindo a sua decisão, a qual, como se percebe, leva em conta apenas critérios

aritméticos, de nada valendo a convicção do Magistrado no caso em tela, o que

certamente motivou uma infinidade de decisões injustas, e, por conseguinte, fez com

que o método em questão também fosse refutado pelas modernas teorias

processuais.

4.1.4 A persuasão racional – livre convencimento motivado do magistrado

Por fim, após as diversas experiências negativas a respeito dos métodos de

apreciação e valoração das provas em matéria penal, surge a figura da “persuasão

racional”, também denominado de livre convencimento motivado do magistrado, o

qual é fruto da evolução das espécies anteriores e se coaduna com a atual

conjuntura constitucional e legal vigente nos ordenamentos jurídicos modernos.

Edílson Mougenot Bonfim trata deste modelo de apreciação de provas do

seguinte modo:

Nele o juiz formará livremente a sua convicção, apreciando o conjunto probatório e valorando racionalmente os elementos de prova independentemente de qualquer tarifação legal. Deve, no entanto, fundamentar as suas decisões, pautando-se nos elementos que foram carreados aos autos. É, conforme já mencionado, o sistema adotado no processo penal brasileiro (à exceção do Tribunal do Júri). Com efeito, a própria Constituição Federal dispõe que os julgamentos dos órgãos judiciários serão fundamentados, sob pena de nulidade (art. 93, IX), enquanto o Código de Processo Penal assegura ao juiz a liberdade na apreciação da prova produzida sob a égide do contraditório, sendo-lhe vedado apoiar-se exclusivamente na prova colhida na fase de investigação, ressalvadas as hipóteses de provas cautelares, provas irrepetíveis e provas antecipadas (art. 155, caput do CPP)54.

Do mesmo modo, Fernando da Costa Tourinho Filho aduz:

Sem o perigo do despotismo judicial que o sistema da íntima convicção ensejava e sem coarctar os movimentos do Juiz no sentido de investigar a verdade, como acontecia com os movimentos do Juiz no sentido de investigar a verdade, como acontecia com o sistema das provas legais, está o sistema da livre convicção ou do livre convencimento. De modo geral,

54 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. p. 390.

37

admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. Não se inclui nessas restrições o uso das máximas da experiência, produto do quad plerumque accidit – do que normalmente acontece. Se o juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias. O sistema entre nós chegou ao extremo de facultar ao Juiz, mesmo antes de ser iniciada a ação penal, ordenar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, consoante a regra contida no art. 156, I do CPP55.

Corroborando com este posicionamento, Vicente Greco Filho assevera:

“Desses dois sistemas evoluiu-se para o moderno sistema da persuasão racional

que, ao mesmo tempo em que mantém a liberdade de apreciação, vincula o

convencimento do juiz ao material probatório constante dos autos, obrigando,

também, o magistrado a fundamentar sua decisão de modo a se poder aferir o

desenvolvimento de seu raciocínio e as razões de seu convencimento56”.

Por ser o método adotado pelo sistema processual penal pátrio, por óbvio o

tema ganha maior ênfase dos doutrinadores pátrios, aumentando assim o número

de abordagem teórica acerca do mesmo. E, sobre o tema Eugênio Pacelli de

Oliveira ensina:

Por tal sistema, o juiz é livre na formação de seu convencimento, não estando comprometido por qualquer critério de valoração prévia da prova, podendo optar livremente por aquela que lhe parecer mais convincente. Um único testemunho, por exemplo, poderá ser levado em consideração pelo juiz, ainda em sentido contrário a dois ou mais testemunhos, desde que em consonância com outras provas. A liberdade quanto ao convencimento não dispensa, porém, a sua fundamentação, a sua explicitação. É dizer: embora livre para formar o seu convencimento, o juiz deverá declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional, para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas. Como se percebe, o livre convencimento motivado é regra de julgamento a ser utilizada por ocasião da decisão final, quando se fará a valoração de todo o material probatório levado aos autos57.

Encerrando a abordagem teórica acerca deste método, tem-se a lição de

Marco Antonio de Barros, a saber:

Chegamos assim ao contemporâneo sistema da persuasão racional (ou sistema do livre convencimento motivado), que se encontra devidamente escorado na nossa Carta

55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 14 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 576. 56 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. p. 224. 57 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso..., p. 340.

38

Republicana, a qual determina que os julgamentos dos órgãos judiciários devem ser fundamentados, sob pena de nulidade. Nessa esteira, segue a lei processual penal ao estabelecer que o juiz deve formar a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Note-se que a “livre apreciação” em tela, não significa que o convencimento a ser formado esteja isento de controle de normas jurídicas. Pelo sistema do livre convencimento motivado, o juiz realiza um exame crítico, racional e psicológico do conjunto probatório, sem descartar o emprego de leis científicas e regras de experiência comuns a todo homem, compondo, no entanto, um processo intelectivo que firma-se na avaliação das provas produzidas no processo e respeita os critérios traçados pelos princípios processuais e gerais de Direito, que dão substância ao moderno processo penal58.

O que se observa é que o surgimento de tal método de apreciação de

provas se deu como alternativa às injustiças que eram quase inerentes aos sistemas

anteriormente adotados, eis que a íntima convicção do magistrado cedia espaço

para o arbítrio do juiz, enquanto o sistema da prova legal restringia a dedução das

provas a uma tabela que poderia ensejar à contrariedade acerca da verdade dos

fatos.

Ainda que o sistema do livre convencimento motivado do Magistrado tenha

sido adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, há de ser observado que o mesmo,

apesar de se aproximar de um modelo ideal de apreciação da prova, pois permite

que as partes envolvidas na relação jurídica processual tenham acesso aos motivos

e à lógica que levou o julgador a proferir determinada decisão, não se pode deixar

de olvidar que a problemática pertinente às injustiças não se encerraram com a

adoção deste método.

No entanto, ao menos, em sendo expostas as razões que levaram o julgador

a proferir a decisão em determinado sentido, têm as partes, a oportunidade de

exercer o direito ao duplo grau de jurisdição, pontuando, nas razões de

inconformismo, quais os elementos probatórios deveriam ter sido avaliados de forma

distinta, propiciando assim, in thesi, maiores chances ao acusado de provar sua tese

defensiva.

Evidente também que o aspecto subjetivo do Magistrado que julgará o caso

concreto poderá influenciar no resultado de sua decisão, fato este que de certo

modo coloca em discussão a sua eficácia, pois, reforça a prevalência do brocado:

“em cada cabeça uma sentença”, tendo em vista que fatores de convicção ligados à

58 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 343.

39

personalidade e subjetividade do julgador podem efetivamente influenciar no

resultado do julgamento.

Encerradas estas análises acerca dos critérios de avaliação e apreciação de

provas no sistema processual penal, cabe ao pesquisador dar continuidade à

monografia, momento em que destinará o estudo ao seu tema principal, vale dizer, a

avaliação das provas e a investigação preliminar como manifesta ilegalidade na

formação da convicção do julgador e a prolação da sentença condenatória.

40

5 A PROVA PENAL E AS DIRETRIZES DECORRENTES DA LEI Nº. 11.690/2008

A alteração advinda da entrada em vigor da Lei nº. 11.690/2008 representou

considerável avanço legal na disciplina da apreciação das provas em matéria

processual penal, eis que passou a impedir que o Magistrado fundamente a sua

sentença única e exclusivamente com base nas peças produzidas na fase da

investigação preliminar, excetuando-se as provas antecipadas e não repetíveis.

Além disso, a referida alteração legislativa destinou artigos específicos a

respeito da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, materializando de

forma expressa na lei processual penal a premissa basilar já insculpida na seara

constitucional.

Todavia, para melhor compreensão da temática, as principais peculiaridades

atinentes ao assunto e que guardem relação com a indagação que motivou a

elaboração da pesquisa em desenvolvimento serão traçados separadamente.

5.1 A FIGURA DO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O artigo 155 do Código de Processo Penal passou por considerável

mudança com a entrada em vigor da Lei nº. 11.690/2008, conforme se extrai da

comparação entre o texto legal anterior e posterior à entrada em vigor do referido

diploma.

Redação antiga: “Art. 155 - No juízo penal, somente quanto ao estado das

pessoas, serão observadas as restrições à prova estabelecidas na lei civil”.

Redação nova: “Art.155 - O juiz formará sua convicção pela livre apreciação

da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão

exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as

provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único - Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas

as restrições estabelecidas na lei civil”.

Conforme se observa o Código de Processo Penal reforçou a adoção do

sistema da livre apreciação da prova como método para valoração das provas

produzidas no curso da ação penal, inclusive ressalvando a impossibilidade de o

41

Magistrado fundamentar a sua decisão exclusivamente nos elementos informativos

da investigação.

Tais mudanças contidas no texto legal são assim apontadas por Eugênio

Pacelli de Oliveira: “Nesse passo, bem-vinda a esclarecedora disposição contida na

recente Lei nº. 11.690/08, que impede o magistrado de fundamentar a condenação

em material colhido unicamente na fase de investigação, ressalvadas as provas

antecipadas e não repetíveis (as perícias técnicas). São esses os termos do novo

art. 155, CPP. [...]59”.

Guilherme de Souza Nucci, em obra específica sobre o tema, assim leciona:

Adotou-se o sistema da persuasão racional, lastreado no disposto no pelos arts. 93, IX da Constituição Federal e 155, caput do Código de Processo Penal. Portanto, o magistrado pode formar a sua convicção (certeza de que a verdade encontra-se em determinados fatos) livremente, ponderando as provas que bem entender, atribuindo-lhes o valor subjetivamente merecido, salvo aquelas que compuserem o universo das provas tarifadas (como laudos periciais para a comprovação da materialidade de certos crimes), cuja valoração é pré-estabelecida pela lei, e estruturando seu raciocínio do modo como achar conveniente. Chegará à conclusão de que o acusado merece ser absolvido ou condenado e, neste último caso, sua persuasão indicará qual a punição justa. A livre apreciação da prova não significa a formação de uma livre convicção. A análise e ponderação do conjunto probatório são desprendidos de freios e limites subjetivamente impostos, mas a convicção do julgador deve basear-se nas provas coletadas. Em suma, liberdade possui o juiz para examinar e atribuir valores às provas, mas está atrelado a elas no tocante à construção do seu convencimento em relação ao deslinde da causa. E, justamente por isso, espera-se do magistrado a indispensável fundamentação de sua decisão, expondo as razões pelas quais chegou ao veredicto absolutório ou condenatório, como regra60.

Acerca da pertinência de tal disposição expressada no artigo 155 do Código

de Processo Penal, é obvio que não se pode negar a importância dos autos de

inquérito policial no que tange à sua natureza de investigação preliminar, pois o

mesmo se destina, conforme destacado anteriormente tão somente a servir de

elemento inicial de convicção ao titular da Ação Penal, a fim de que este possa

intentá-la perante o Juízo competente.

Encerrada essa etapa da formação da opinio delicti as peças que compõe os

autos de inquérito policial, frutos de toda a investigação preliminar, não mais

merecem compor o caderno processual que forma a ação penal, justamente porque

nesta fase do procedimento vige o sistema inquisitivo de produção e colheita de

59 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso..., p. 340. 60 NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 2 ed. rev. atual. eampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.p.15.

42

provas, o qual acaba, de certo modo, não observando estritamente as regras

insculpidas na Constituição Federal, em especial no que tange à ampla defesa e ao

contraditório.

Sobre a relevância da temática apontada, merece atenção a lição de Aury

Lopes Júnior, a saber:

O artigo inicia bem, quando diz que a decisão deve ter por base a “prova produzida em contraditório”, o que nos remete para a correta definição de que “prova” é aquilo produzido em juízo, na fase processual. [...] Quando o art. 155 afirma que o juiz não pode fundamentar sua decisão “exclusivamente” com base no inquérito policial, está mantendo aberta a possibilidade (absurda) de os juízes seguirem utilizando o Inquérito Policial, desde que, também invoquem algum elemento probatório do processo61.

Reforçando essa assertiva, Paulo Rangel assim se pronuncia:

O art. 155 ressalta que o juiz não poderá fundamentar sua decisão, exclusivamente, nos elementos informativos colhidos na investigação. Pode acontecer de o intérprete açodado entender que a palavra exclusivamente significa dizer que o juiz pode sopesar as provas do inquérito desde que em cotejo com as demais provas do processo. Nada mais equivocado. A palavra exclusivamente significa dizer que o juiz não deve levar em consideração, em sua sentença, as informações contidas no inquérito policial, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Não servem para cotejá-las com as do processo. Prova de inquérito é para que o MP possa dar o pontapé inicial, oferecendo denúncia62.

É justamente sob o aspecto atinente à expressão exclusivamente que

inúmeras discussões doutrinárias são firmadas, justamente porque conforme a

corrente que o Magistrado se posicione poderá influir no resultado da ação penal

submetida ao seu crivo, justamente em razão do entendimento no sentido de que as

provas colhidas no inquérito policial podem ser sopesadas e ter valor probatório

capaz de complementar as provas colhidas na instrução processual.

Finalizando a abordagem a respeito da relevância do artigo 155 do Código

de Processo Penal com a redação dada pela Lei nº. 11.690/2008 Antonio Scarance

Fernandes, defendendo o caráter complementar do inquérito policial, assim

assevera:

A Lei nº. 11.690/2008 alterou o art. 155 do CPP para fixar que apenas a prova produzida em contraditório judicial pode servir para a convicção do juiz. Assim, não constitui prova o que é produzido durante a fase investigatória.

61 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. Vol. 01. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, p. 297-298. 62 RANGEL, Paulo. Op. Cit. p. 497.

43

Todavia, como antes salientado, em algumas hipóteses, os elementos informativos do inquérito policial podem alicerçar o convencimento do juiz, desde que submetidos ao contraditório diferido. Por isso, no citado artigo, foi esclarecido que a limitação da convicção ao contraditório judicial, não significa supressão à análise do juiz de todos os elementos obtidos na investigação. O que, conforme consta do dispositivo, não se admite, é fundar-se a sentença exclusivamente nesses elementos. Por outro lado, não se pode extrair do art. 155 a viabilidade de juiz escorar o seu julgamento em quaisquer elementos informativos, com o simples argumento de que não são os únicos por ele utilizados. Isso feriria o princípio constitucional do contraditório. Está na ressalva da parte final do artigo a indicação das situações em que o juiz poderá, não exclusivamente, elementos informativos da investigação quando constituírem provas cautelares, não repetíveis e antecipadas63.

O que se percebe de tais explanações é que a real intenção do legislador

ordinário foi a de consagrar o que a jurisprudência já defendia há décadas, e,

justamente com o intuito de prevenir que condenações criminais baseiem-se única e

exclusivamente em peças informativas e provas produzidas em uma fase pré-

processual onde preceitos constitucionais não são estritamente observados é que o

mesmo editou o artigo 155 do Código de Processo Penal.

5.1.1 Das provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas em sede de investigação

preliminar

Com o fito meramente elucidativo, de modo a tornar a pesquisa mais

completa, no presente subitem serão conceituadas as provas repetíveis e

irrepetíveis em sede de investigação preliminar.

Paulo Rangel assim conceitua estas modalidades de prova elencadas no

artigo 155 do Código de Processo Penal:

Provas cautelares são aquelas informadas pelo binômio: periculum in mora e fumus boni iuris, autorizando sua adoção com o escopo de assegurar o curso do inquérito a fim de que possa o MP oferecer denúncia. Exemplos: busca e apreensão; interceptação telefônica; medidas assecuratórias (art. 125 do CPP). Provas não repetíveis são aquelas que se renovam em juízo, tais como: exame pericial, exceto o complementar; auto de exame cadavérico; exame de corpo de delito. São provas realizadas apenas na fase de inquérito. Nesse caso poderá o juiz fundar sua decisão nessas provas. Por último, provas antecipadas, que são aquelas realizadas na fase do inquérito visando a preservar o objeto da prova que seria colhido no curso do processo, mas que diante de um

63 FERNANDES, Antonio Scarance. Op. Cit. p. 65.

44

fato urgente pode prejudicar sua colheita, pois quando da instauração do processo poderá não mais existir64.

Ao elencar os motivos que justificam a adoção de provas tidas como

irrepetíveis na seara da investigação preliminar Eugênio Pacelli e Douglas Fischer

expõem:

Como vimos, há determinados meios de prova que, em razão de sua natureza, não se põem indefinidamente ao alcance do conhecimento humano. Uma conversa entre pessoas, por exemplo, esgota-se instantaneamente, não sendo possível reproduzi-la posteriormente, ressalvada a possibilidade do testemunho quanto ao seu conteúdo. Mesmo nesse caso, porém, o testemunho não terá a mesma força de convencimento que a captação ambiental da interlocução. Também uma lesão corpora, por exemplo, poderá sucumbir no tempo, com a cura, sem deixar vestígios que permitam conhecê-la em maior extensão. Por isso, há provas cuja produção é acautelatória e irrepetível, no sentido de exigir a constatação do fato com a maior rapidez possível, diante da impossibilidade de sua captação ou reprodução posterior. Para esse meio de prova (interceptações telefônicas, violabilidade de domicílio, perícias, etc.) o contraditório e a ampla defesa são diferidos (adiados) para a fase de instrução propriamente dita65

Antonio Scarance Fernandes trata do tema do seguinte modo:

São apresentados conceitos amplos de cautelaridade em relação às atividades de investigação, atribuindo-se esta natureza a todos os atos cercados pelo perigo da perda da fonte de prova a ser obtida. Para Romeu Pires de Campos Barros, como antes salientado, serão cautelares as medidas adotas em relação aos fatos transeuntes, porque neles há perigo de dispersão dos elementos probatórios. Nesses casos, o contraditório é diferido ou postergado, podendo as partes contestar ou discutir o valor probatório dos atos efetivados. Provas antecipadas são aquelas produzidas com observância do contraditório e com participação do juiz em incidente próprio, antes do momento reservado à instrução processual, como sucede com a inquirição de uma testemunha muito idosa ou acometida de doença grave, ante o risco de seu falecimento. Ingressa, com o art. 155, do CPP, no ordenamento jurídico brasileiro a expressão “provas não repetíveis”. A irrepetibilidade de um elemento informativo, permitindo a sua utilização como prova, sujeita a contraditório diferido, pode ser de duas espécies: uma irrepetibilidade natural e uma irrepetibilidade resultante de fato posterior. São naturalmente irrepetíveis atividades de interceptação telefônica, de busca e apreensão. Por serem também atividades cautelares, destinadas a apreender fatos transeuntes, já estão abrangidos pelo dispositivo. Outro ato irrepetível, por natureza, é o reconhecimento pessoal, quando positivo, pois não se pode reconhecer novamente o antes reconhecido. Nem sempre será urgente, e, por isso, cautelar. Quando isso ocorrer, na sua efetivação deve ser permitida a participação do Ministério Público e do advogado do suspeito ou de advogado nomeado66.

64 RANGEL, Paulo. Op. Cit. p. 497. 65 PACELLI, Eugênio. FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 320. 66 FERNANDES, Antonio Scarance. Op. Cit. p. 65-66.

45

Em linhas gerais, são consideradas provas cautelares aquelas dotadas de

natureza urgente, merecedoras de produção imediata, sob pena de perda irreparável

e ausência da possibilidade de sua realização em outra fase procedimental. Já as

provas não repetíveis são aquelas que necessitam de imediata realização em razão

da natureza do objeto e o seu grau de perecimento, como por exemplo, o laudo

necroscópico. Por fim, as provas antecipadas são àquelas em que é possibilitada a

alguma das partes a sua produção, cuja colheita comumente ocorreria no curso da

instrução do processo, tendo como exemplo clássico a oitiva de testemunha enferma

ou idosa.

5.2 ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO “CONTRADITÓRIO JUDICIAL”

Além da problemática pertinente à expressão “exclusivamente”, o artigo 155

do Código de Processo Penal ensejou a criação de discussões doutrinárias e

jurisprudenciais a respeito da abrangência da expressão “contraditório judicial”, a

qual, se analisada sob o enfoque meramente literal, excluiria por completo a

possibilidade de o Magistrado fundamentar sua decisão em qualquer meio de prova

proveniente da investigação preliminar.

Segundo o que se apurou no decorrer da pesquisa, em sendo o inquérito

policial ou a investigação preliminar uma fase pré-processual, na qual não há a

plena vigência dos preceitos da ampla defesa e do contraditório em decorrência do

seu caráter inquisitivo, bem como por ser este peça meramente informativa

prescindível à formação da opinio delicti, a jurisdicionalidade não está presente entre

as suas características, de modo que, em decorrência de tal fato, a expressão

contraditório judicial exclui a possibilidade de sua adoção como elemento probatório,

ressalvadas as hipóteses contidas na parte final do artigo 155 do Código de

Processo Penal.

Deste modo, tendo por base tal argumentação, por óbvio que a expressão

“contraditório judicial”, exclui a possibilidade da utilização de elementos de prova

produzidos em sede de Inquérito Policial, justamente por não ser a referida peça

processual jurisdicionalizada, bem como por não permitir a produção de provas sob

o crivo do contraditório, conforme destaca Júlio Fabbrini Mirabete:

46

Não é o inquérito “processo”, mas procedimento administrativo informativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o “inquérito policial” (arts. 4º a 23) da “instrução criminal” (arts. 394 a 405). Por essa razão, não se aplicam ao Inquérito Policial os princípios processuais já mencionados, nem mesmo o do contraditório67.

Elucidando de uma vez por todas a temática pertinente à carência de valor

probatório do Inquérito Policial, Aury Lopes Júnior leciona:

Outro aspecto que reforça nosso entendimento é a natureza instrumental da investigação preliminar. Serve ela para – provisionalmente – reconstruir o fato e individualizar a conduta dos possíveis autores, permitindo assim o exercício e a admissão da ação penal. No plano probatório, o valor exaure-se com a admissão da denúncia. Servirá sim para indicar os elementos que permitam produzir a prova em juízo, isto é, para a articulação dos meios de prova. Uma testemunha ouvida no inquérito e que aportou informações úteis será articulada como meio de prova e, com a oitiva em Juízo, produz uma prova. Em efeito, o inquérito filtra e aporta as fontes de informação úteis. Sua importância está em dizer quem deve ser ouvido, e não o que foi declarado. A declaração válida é a que se produz em juízo, e não a contida no inquérito. Em síntese, o CPP não atribui nenhuma presunção de veracidade aos atos do IP. Todo o contrário, atendendo a sua natureza jurídica e estrutura, esses atos praticados para justificar o recebimento ou não da acusação. É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação. Na sentença, só podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal, com plena observância de todas as garantias68.

Analisando o texto legal inserido pela nova redação do artigo 155 do Código

de Processo Penal, José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino e de José Renato

Nalini explicam:

A nova redação deita sobre o princípio da livre apreciação da prova, dada pela Lei nº. 11.690/2008, deixou claro que o que antes era facultativo, hoje tornou-se defeso, isto é, outrora o agente do Poder Judiciário podia prolatar sentença condenatória baseada tão somente nos elementos de convicção coligidos no investigatório policial, hoje não, porquanto o novo dispositivo explicita que o consectário da livre apreciação da prova poderá ser aplicado apenas quando esta for produzida sob as luzes de holofote no contraditório judicial, impossibilitando que o magistrado possa fundamentar sua prestação jurisdicional “exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”, abstração feita “às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”, nesse passo, forçoso convir que o que era passível de reforma passou a ser, por força de violação à norma cogente, nulo69.

Ainda, apesar de não existirem controvérsias a respeito do fato de que a

preservação do sistema acusatório não inviabiliza a adoção de medidas destinadas

a garantir o êxito ou evitar frustração dos processos de conhecimento condenatório, 67 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op. Cit. p. 60. 68 LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional. Vol. 01. 7 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 291. 69 AQUINO, José Carlos Gonçalves Xavier de. NALINI, José Renato. Op. Cit. p. 228.

47

a respeito destas devem ser observados os princípios do contraditório, da ampla

defesa e do devido processo legal, característicos de um processo de partes e

insculpidos como garantias individuais no artigo 5º, inciso LIV e LV da Constituição

Federal.

Importante frisar o posicionamento de Jorge de Figueiredo Dias, para o qual

compreende a defesa do Acusado uma categoria aberta “à qual devem ser

imputados todos os concretos direitos de que o arguido dispõe, de co-determinar ou

conformar a decisão final do processo70”, ou seja, colocando-se na condição de

sujeito de direitos, deveres, ônus e faculdade no processo penal.

Vê-se, nas palavras de Geraldo Prado, que a marca característica da defesa

no processo criminal está exatamente “em participar do procedimento, perseguindo

a tutela de um interesse que necessita ser oposto daquele a princípio consignado à

acusação, sob pena de o processo converter-se em instrumento de manipulação

política de pessoas e situações71”.

Deste modo, não se mostra possível a adoção, quando da prolação da

sentença, de elementos produzidos no bojo do Inquérito Policial, vez que, a única

verdade admissível é a verdade processual, produzida no âmago da estrutura

dialética do processo penal, e ainda com a plena observância das garantias

individuais do cidadão, em especial o contraditório e a ampla defesa.

Portanto, são as peças que formam os autos de inquérito policial

(excetuando-se as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas), desnecessárias ao

deslinde final da causa, mostrando-se cabível a sua exclusão física dos autos, vez

que os atos neles constantes carecem das garantias mínimas para que sirvam mais

além do juízo provisional e de verossimilhança necessários para decidir sobre a

admissibilidade (ou não) da acusação nos termos do artigo 12 do Código de

Processo Penal.

70 DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal in. Jornadas e Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 1992, p. 28. 71 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 41.

48

5.3 O INQUÉRITO POLICIAL COMO FUNDAMENTADOR DE SENTENÇA PENAL

CONDENATÓRIA

Se adotado o posicionamento baseado na intenção do legislador, bem como

no sentido literal da expressão “contraditório judicial”, a problemática pertinente à

expressão “exclusivamente” e à adoção dos elementos probatórios coligidos na fase

da investigação preliminar ou inquérito policial restaria solucionada.

E tal afirmação se baseia justamente por não ser o Inquérito Policial ou as

peças de investigação preliminar jurisdicionalizadas desde sua origem, devendo

servir meramente como peças informativas necessárias para a formação da opinio

delicti, não podendo influenciar no resultado final da demanda criminal a ser julgada

após toda a instrução do feito.

Excetuando-se as provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas, todos os

demais elementos probatórios, em especial, os depoimentos colhidos nesta fase

pré-processual deveriam ser desconsiderados, mesmo que em caráter de

complementaridade, justamente pela manifesta violação aos preceitos do

contraditório e da ampla defesa, sem adentrar no mérito das inúmeras

inobservâncias de formalidades inerentes aos atos realizados nesta fase

procedimental.

Não raras vezes é durante a investigação criminal que toda a produção de

provas resta maculada por inobservância das formalidades inerentes aos atos

procedimentais, à legalidade na colheita e produção de provas, bem como à prática

de condutas delituosas por parte dos agentes estatais na busca da obtenção de

depoimentos ou confissões extrajudiciais (leiam-se torturas, ameaças verbais,

físicas, entre outras condutas corriqueiramente levantadas pelos indiciados ou

acusados e reiteradamente ignoradas pelo Poder Judiciário e órgãos de

fiscalização), fatos estes que violam a garantia insculpida no artigo 5º, inciso LVI da

Constituição Federal e materializada no caput do artigo 157 do Código de Processo

Penal.

Acerca de tal problemática, de forma brilhante e ilustrativa Alexandre Morais

da Rosa assevera: Em relação à validade dos elementos colhidos no Inquérito Policial, diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa, da

49

Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o contraditório será diferido, a saber: no decorrer da instrução processual os jogadores poderão impugnar os laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero ato de investigação, sem que o indiciado tenha participado da produção das informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz. A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5º e o inciso IX do art. 93 da nossa Constituição, bem como o art. 8º do CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação72.

No mesmo sentido se dá a lição de Aury Lopes Júnior a respeito do inquérito

policial e a sua valoração probatória:

Considerando que a principal garantia que temos é a da jurisdição e, como consectário lógico dela, a de ser julgado com base na prova produzida dentro do processo, com todas as garantias do due process of Law, é muito importante distinguir os atos (verdadeiramente) de prova, daqueles meros atos de investigação (produzidos na fase pré-processual). Assim, são atos de prova aqueles que: 1 – Estão dirigidos a convencer o juiz de uma afirmação; 2 – Estão a serviço do processo e integram o processo penal. 3 – Dirigem-se a formar a convicção do juiz para o julgamento final – tutela de segurança; 4 – Servem à sentença; 5 – Exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação; 6 – São praticados ante o juiz que julgará o processo. Substancialmente distintos, os atos de investigação (realizados na investigação preliminar): 1 – Não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese; 2 – Estão a serviço da investigação preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos; 3 – Servem para formar um juízo de probabilidade e não a convicção do juiz para o julgamento; 4 – Não exigem estrita observância da publicidade, contradição e imediação, pois podem ser restringidas; 5 – Servem para a formação da opinio delicti do acusador; 6 – Não estão destinados à sentença, mas a demonstrar a probabilidade do fumus comissi delicti para justificar o processo (recebimento da ação penal) ou o não-processo (arquivamento). 7 – Também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisional; 8 – Podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária. Partindo dessa distinção, conclui-se facilmente que o inquérito policial somente gera atos de investigação e, como tais, de limitado valor probatório. Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo, muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo. Somente são considerados atos de prova e, portanto, aptos a fundamentarem a sentença, aqueles praticados dentro do processo, à luz da garantia da jurisdição e demais regras do devido processo legal73.

72 ROSA, Alexandre Morais da. Op. Cit. p. 120-121. 73 LOPES JR. Aury. Direito..., p. 528-529.

50

Importante destacar as decisões emanadas pelas Cortes Brasileiras e

constantes da obra de Guilherme de Souza Nucci:

Os meios de prova adequados vinculam-se às garantias constitucionais do processo, e com esta referência teórica é que se produz o livre convencimento. Em um Estado Democrático de Direito, cujo postulado máximo reside na dignidade da pessoa humana, todas as provas obtidas hão de ser imperiosamente submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa, o que não ocorreu na hipótese dos autos. (TJRJ - Apelação – 2008.050.07331-RJ, 7ª C. Crim. Rel. Siro Darlan de Oliveira, 17.02.2009). Insuficiente a prova para demonstrar a autoria, mantém-se a absolvição. As informações do inquérito policial, não confirmadas em Juízo, são despidas de legitimidade processual para fundamentar a condenação. Às razões do MP, perderia valor a ação repressiva do Estado caso o Juiz não viesse a dispor de meios de prova adequados para a busca da verdade real – afastam-se do devido processo legal e do princípio da judicialização da prova. Os meios de prova adequados vinculam-se às garantias constitucionais do processo, e com esta referência teórica é que se produz o livre convencimento. Num Estado Democrático de Direito, cujo postulado máximo reside na dignidade da pessoa humana, todas as provas obtidas hão de ser imperiosamente submetidas ao crivo do contraditório e da ampla defesa (Juiz Geraldo Prado). Além de insuficiente a prova da autoria, o tipo (art. 1º, I, a, Lei nº. 9.455/97) não se encontra perfeitamente delineado. A criminalização da tortura é resultado de uma histórica luta política contra o terror produzido pelo Estado e seus agentes. Na hipótese, inexiste a relação de subordinação e de poder – hierarquicamente institucionalizada – entre os réus e as vítimas, tratando-se de disputa de facções criminosas sobre a exploração do tráfico de entorpecentes. E não parece demonstrado o elemento típico intenso sofrimento físico e mental. Recurso desprovido. (TJRJ – Apelação 2007.050.00038-RJ, 5ª C. Crim. Rel. Sérgio de Souza Verani, 24.01.2008)74.

A prática judiciária brasileira remonta à reiterada utilização do Inquérito

Policial ou de elementos da investigação preliminar como elementos probatórios

capazes de fundamentar uma decisão penal condenatória, o que além de ferir uma

infinidade de preceitos constitucionais, ainda causa uma série de prejuízos ao

indiciado / acusado, justamente por, comumente, não contar com o apoio jurídico de

um defensor público ou constituído na fase de investigação.

Àqueles que atuam na seara da advocacia criminal não raras vezes são

surpreendidos com decisões judiciais condenatórias fundadas quase que

exclusivamente em elementos probatórios colhidos na fase pré-processual da

investigação preliminar. Quando o depoimento prestado na fase judicial não é

suficiente para convencer o Magistrado, este automaticamente recorre aos

apontamentos formulados no Inquérito Policial para fatalmente condenar o acusado

74 NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 59.

51

com base em procedimento cujo contraditório e ampla defesa não são adotados, ou

seja, neste aspecto, há ferimento à igualdade processual, tornando manifestamente

ilegal a decisão prolatada, cuja análise pormenorizada ocorrerá no item final do

capítulo em questão.

Ora, conforme se apurou anteriormente, a finalidade do inquérito policial é a

investigação de um fato criminoso em sua materialidade e sua autoria, visando

fornecer elementos para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, e, em

razão de sua natureza jurídica de instrução criminal extrajudicial não

jurisdicionalizada não deve servir como elemento probatório capaz de ensejar a

condenação criminal em face de um acusado.

5.4 A FALÁCIA DA BUSCA DA VERDADE BASEADA NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR

Não pretende o pesquisador definir algo que as diversas ciências sociais

tentaram ao longo dos séculos e até a presente data não lograram êxito em

conceituá-la de forma precisa e definitiva. É exatamente sobre a verdade que o

presente tópico visa tratar, mas não aquela verdade meramente ligada ao sentido

afirmativo da ocorrência de determinado evento no mundo, mas sim da verdade

como uma das funções do processo penal, com ênfase específica na investigação

preliminar.

Sob o enfoque etimológico Marco Antonio de Barros, em obra específica

sobre a busca da verdade no processo penal assim se pronuncia:

Verdade, do latim, veritate, tem o sentido de exatidão, realidade, conformidade com o real. Se atribui ao teólogo da Igreja Católica, conhecido como Santo Agostinho, a seguinte definição: verum est id quod est – a verdade é o que é. A verdade na sua definição comum, é a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade. O intelecto é a inteligência, o entendimento, a razão, o conhecimento intelectual. A realidade é o ser. Na correspondência entre o intelecto e o ser firma-se a adequação de ideias constitutivas do objeto (adaequatio intellectus et rei). Assim sendo, a verdade exige só a adequação (adaequatio) ao objeto formal considerado em cada caso. [...] Vislumbrando a definição de verdade que mais se aproxima do enfoque jurídico, é possível deparar-se com aquela que, analisando-a do ponto de vista da atividade jurisdicional, classifique-a em “verdade de fato” e “verdade de direito”. A primeira consolida-se quando o juízo de valor que o julgador forma acerca de certo caso, ou acontecimento, está inteiramente conforme com as provas existentes a seu respeito. A segunda (verdade de direito) se verifica ao tempo da aplicação da lei ao caso concreto, isto é, quando o juiz

52

declara a regra que dá o verdadeiro sentido ao fato, em conformidade com o pensamento que apreende do legislador. Menciona-se ainda, na doutrina, a chamada “verdade histórica”, sendo definida como aquela que se procura obter com o propósito de assegurar a realidade de certos acontecimentos, de certos fatos realizados no tempo e no espaço75.

No entanto, há de ser observado que a verdade, sob o enfoque jurídico, em

especial no que tange ao processo penal, no qual a busca desta se dá por meio da

reprodução de fatos pretéritos, com base em elementos probatórios capazes de

demonstrar a efetiva ocorrência de determinado fato juridicamente relevante, nem

sempre guarda estreita relação com o que ocorrera quando do cometimento do

delito.

E tal dificuldade se baseia justamente na colheita de provas, em especial as

testemunhais, pois são nos testemunhos que os valores e questões de caráter

subjetivo podem influenciar no modo de descrição daquilo que é apresentado como

sendo verdadeiro, propiciando assim que um único fato tenha diversas

interpretações, variando em conformidade com a posição de cada parte que detenha

conhecimento do fato a ser apurado por meio do processo penal.

Tal assertiva não representa afirmar que a finalidade do processo penal é

descobrir a verdade a respeito da ocorrência de determinado delito. Ao contrário, a

busca da verdade no processo penal serve como atividade meio para que o Estado

possa exercer o jus puniendi de forma efetiva, eficaz e acima de tudo justa, punindo

somente aquele que tenha perpetrado a infração penal.

É claro que a reprodução sistêmica de fatos por meio da colheita de provas

comandada pela marcha procedimental da ação penal nem sempre assegura que a

verdade seja descoberta em sua plenitude, sendo que se fosse exigido ao

Magistrado somente julgar na hipótese de ter se convencido da apuração plena da

verdade a respeito de determinado fato, certamente haveria um reduzidíssimo

número de julgados nas Cortes Pátrias.

Acerca de tal dificuldade, Aury Lopes Júnior pondera:

Em suma, a verdade real é impossível de ser obtida. Não só porque a verdade é excessiva, senão porque constitui um gravíssimo erro falar em “real” quando estamos diante de um fato passado, histórico. É absurdo de equiparar o real ao imaginário. O real só existe no

75 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 22-25.

53

presente. O crime é um fato passado, reconstruído no presente, logo, no campo da memória, do imaginário. A única coisa que ele não possui, é um dado de realidade76.

A única hipótese imaginável em que se pode cogitar a verdade esclarecida

em sua plenitude seria no caso de confissão espontânea e detalhada do infrator ao

órgão jurisdicional competente para conhecer e julgar a respectiva ação penal, pois,

nos demais casos, impossível se chegar à certeza de que a verdade foi alcançada

em sua plenitude por meio das provas colhidas na instrução processual.

E é justamente sob este prisma que surge a discussão a respeito das figuras

da “verdade real” e “verdade processual”, as quais são assim abordadas por Aury

Lopes Júnior:

Historicamente, está demonstrado empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma “verdade mais material e consistente” e com menos limites na atividade de busca, produziu uma “verdade” de menor qualidade e com pior trato para o imputado. Esse processo, que não conhecia a ideia de limites – admitindo inclusive a tortura -, levou mais gente a confessar não só delitos não cometidos, mas também alguns impossíveis de ser realizados. O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos) e com a figura do juiz-autor (inquisidor). [...] Assim, no processo penal, só se legitimaria a verdade formal ou processual. Trata-se de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes. Relevante é a distinção entre a “verdade” construída no processo e fixada pelo juiz na sentença e a verdade científica. A primeira tem o juiz como investigador exclusivo, ao passo que as demais, não77.

Complementando esta explanação Paulo Rangel aduz:

Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória. [...] A descoberta da verdade processual do fato praticado, através da instrução probatória, passa a ser, assim, uma espécie de reconstituição simulada do fato, permitindo ao juiz, no momento da sentença, aplicar a lei penal ao caso concreto, extraindo a regra jurídica que lhe é própria. É como se o fato fosse praticado naquele momento perante o juiz aplicador da norma. Portanto, não obstante chamarmos de verdade processual, nem sempre ela condiz com a realidade fática ocorrida78.

76 LOPES JR. Aury. Direito..., p. 553. 77 Ibidem. p. 550-551. 78 RANGEL, Paulo. Op. Cit. p. 07-08.

54

E a busca pela verdade real, apesar de ser rechaçada pela doutrina

moderna, ainda deixou uma herança negativa ao processo penal pátrio, conforme

elucida Eugênio Pacelli de Oliveira:

O chamado princípio da verdade real rendeu (e ainda rende) inúmeros frutos aos aplicadores do Código de Processo Penal, geralmente sob o argumento da relevância dos interesses tratados no processo penal. A gravidade das questões penais seria suficiente para permitir uma busca mais ampla e mais intensa da verdade, ao contrário do que ocorreria, por exemplo, em relação ao processo civil. Não iremos muito longe. A busca da verdade real em tempos ainda recentes, comandou a instalação de práticas probatórias as mais diversas, ainda que sem previsão legal, autorizadas que estariam pela nobreza de seus propósitos: a verdade. Talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal79.

A falácia da justificativa da busca da verdade por meio da investigação

preliminar se reforça quando nesta fase procedimental as garantias constitucionais

do contraditório e da ampla defesa são suprimidas sob o argumento do interesse

das investigações e a necessidade de sigilo para permitir o melhor deslinde na

colheita de provas.

Tal ponto se mostra questionável, justamente porque se a verdade histórica

ou fática não conta com a certeza de sua exatidão quando do trâmite da ação penal,

onde direitos e garantias individuais são assegurados (ao menos em tese), como

pode em sede de investigação preliminar, na qual tais garantias são suprimidas se

falar em busca da apuração da verdade?

Não há como se falar em verdade quando se tem instrumentos de

investigação que “reconstituem” os fatos criminosos praticados no passado, por

meio de afirmativas colhidas dos testemunhos e depoimentos prestados perante a

Autoridade Policial, as quais são apenas mais uma peça no procedimento sistêmico

de reprodução de fatos delituosos ocorridos em momento anterior.

79 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso..., p. 332-333.

55

5.5 A PROBLEMÁTICA DA COLHEITA DE PROVAS NA FASE INVESTIGATIVA E A

SUA RATIFICAÇÃO EM JUÍZO

Em que pese a perda da força da vigência do princípio da verdade real nos

tempos mais recentes do Processo Penal pátrio, a cultura inquisitorial advinda da

longa adoção deste preceito como regra geral ensejou a criação de um subterfúgio

para a utilização das peças informativas que formaram a investigação preliminar

para além da formação da opinio delicti.

Com a ideologia de que o processo penal tinha como finalidade a busca da

verdade, criou-se forte jurisprudência no sentido de que o Inquérito Policial poderia

servir como instrumento probatório complementar às provas colhidas na instrução

processual, ou seja, transcendiam a sua finalidade de servir de base para a

formação da opinio delicti para servir como meio de prova capaz de fundamentar a

sentença penal condenatória, e, por conseguinte, suprimir uma das garantias mais

importantes do cidadão: leia-se, a sua liberdade de locomoção.

Tal questão se reforça se realizada uma análise a respeito daqueles que

defendem que a expressão “contraditório judicial” contida no artigo 155, caput do

Código de Processo Penal deve ser compreendida com a ressalva constante da

expressão “não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos

informativos colhidos na investigação”.

Para os defensores de tal posicionamento, as peças da investigação

preliminar podem servir como complemento ao convencimento do Magistrado se

este não tiver convicto da ocorrência do fato delituoso com base nas provas colhidas

sob a égide do contraditório e da ampla defesa em instrução processual penal.

Porém, o referido dispositivo dispõe que a formação da convicção do

magistrado deve se dar com as provas produzidas em contraditório judicial. Sob esta

premissa, as peças da investigação preliminar são produzidas antes do início do

contraditório judicial, e, por conseguinte, não deveria, em nenhuma hipótese servir

como instrumento probatório na fase da instrução processual.

Ora, com o devido respeito, mas ao longo de vários anos de estudo na

Graduação e diversas leituras e pesquisas acadêmicas a respeito do tema,

constatou-se que o Estado Democrático de Direito defende a prevalência do

56

princípio in dubio pro reo, segundo o qual, na dúvida, deve o juiz decidir pela

absolvição do acusado.

No entanto, se o Magistrado está em dúvida, a cultura inquisitorial do Código

de Processo Penal permite a este, além de formular perguntas ao Acusado e às

testemunhas, também recorrer às peças provenientes da investigação preliminar

para formar a sua convicção; convicção esta que, na maioria das vezes, quando há

a complementação com o Inquérito Policial, automaticamente enseja a condenação

do Acusado.

Inadmissível pensar serem as peças da investigação preliminar, na qual

garantias constitucionais são suprimidas, dada a natureza do procedimento pré-

processual, podem servir como complemento probatório para a condenação do

Acusado, justamente porque quando o Magistrado recorre a tal instrumento, é

porque a sua convicção não atingiu o grau de certeza necessário para a prolação da

sentença penal condenatória com base nas provas produzidas sob o crivo do

contraditório judicial.

Ou seja, nesta hipótese, está em dúvida, e, ao invés de absolver o réu,

fazendo prevalecer o preceito do in dubio pro reo, recorre ao Inquérito Policial a fim

de buscar a resposta que lhe faltava para sua convicção punitiva se exaurir.

Exemplo claro de tal atrocidade é encontrado nos seguintes julgados:

“HABEAS CORPUS. PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE JUDICIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVER-SE O CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. O WRIT NÃO PODE SER UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. I - Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes. II - A análise da suficiência ou não dos elementos de prova para a condenação é questão que exige revolvimento do conjunto fático- probatório da causa, providência incabível na via do habeas corpus. III - O habeas corpus, em que pese configurar remédio constitucional de largo espectro, não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. IV - Ordem denegada". (HC 104669, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-221 DIVULG 17-11-2010 PUBLIC 18-11-2010 EMENT VOL-02433-01 PP- 00079 LEXSTF v. 32, n. 384, 2010, p. 451-462) Grifos Nossos

“A alteração Legislativa do art. 155 do Código de Processo Penal, introduzida pela Lei n. 11.690/08, surgiu com o intuito de vedar a adoção, exclusivamente de provas indiciárias,

57

nas decisões, ou seja, não há a proibição por completo de utilização de provas produzidas durante o Inquérito Policial. A vedação refere-se a sua utilização de forma exclusiva. Existe sim, agora, uma previsão taxativa acerca da imperatividade de se fundamentar a decisão também em lastros probatórios obtidos em juízo, assegurando maior aplicação dos Princípios Constitucionais norteadores do Processo Penal". (TJPR. 4ª Câmara Criminal. Apelação Criminal nº 596.577-7. Rel. Miguel Pessoa. Julg. 29.10.2009) Grifos Nossos

“APELAÇÃO CRIME - DELITO DE ESTELIONATO (ART. 171, ‘CAPUT’, CP) - PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DO INQUÉIRTO POLICIAL DO CADERNO PROCESSUAL OU DE SUA INUTILIZAÇÃO - NÃO ACOLHIMENTO - POSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO DOS ELEMENTOS INFORMATIVOS DO INQUÉRITO POLICIAL EM CONJUNTO COM AS PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO, CONFORME EXEGESE DO ART. 155 DA LEI ADJETIVA PENAL - ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA POR INDEFERIMENTO DO ROL DE TESTEMUNHAS - VÍCIO INEXISTENTE - APRESENTAÇÃO EXTEMPOÂNEA DAS TESTEMUNHAS - ALEGAÇÃO DE NULIDADE SOB O ARGUMENTO DE QUE FOI SUPRIMIDA DO ACUSADO A OPORTUNIDADE DE ESCOLHER PROCURADOR DE SUA CONFIANÇA, DIANTE DA INESPERADA NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO - NÃO OCORRÊNCIA - INÉRCIA DA DEFESA PARA CONSTITUIR NOVO PROCURADOR APÓS REGULAR INTIMAÇÃO - ALEGAÇÃO DE QUE AS PROVAS SÃO INSUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DO CRIME, SUA AUTORIA E CONFIGURAÇÃO DO TIPO PENAL - NÃO ACOLHIMENTO - MATERIALIDADE, AUTORIA E TIPICIDADE DA CONDUTA DEMONSTRADAS PELO CONJUNTO PROBATÓRIO COLIGIDO NOS AUTOS - IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA REPRIMENDA PENAL - PENA-BASE JÁ FIXADA NO MÍNIMO LEGAL, SEM ACRÉSCIMO NAS FASES SUBSEQUENTES - PREJUDICADO O PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PARA ABERTO - REGIME JÁ APLICADO NA SENTENÇA - INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. 1. "Embora esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento consolidado no sentido de considerar inadmissível a prolação do édito condenatório exclusivamente com base em elementos de informação colhidos durante o inquérito policial, tal situação não se verifica na hipótese, já que as instâncias ordinárias apoiaram-se também em elementos de prova colhidos no âmbito do devido processo legal." (STJ. 5ª Turma. HC 156526 / SP. Rel. Jorge Mussi.Julg. 03.05.2011) 2. "Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, não constitui cerceamento de defesa o indeferimento da oitiva de testemunhas não arroladas na defesa prévia, em razão da ocorrência da preclusão consumativa." (STJ - HC 139332 / DF, rel. Min. LAURITA VAZ, julg, 14/04/2011) 3. Após a regular intimação o recorrente constituiu procurador, o desconstituiu e ficou inerte, motivo pelo qual o magistrado lhe nomeou defensor dativo, não havendo interrupção entre a regular intimação e a inércia da defesa.4. Não há dúvida de que o recorrente se passava por advogado e atuava utilizando dados de causídico regularmente inscrito nos quadros da OAB, obtendo, com isso, vantagem financeira ilícita em prejuízo alheio, tendo em vista que (a) o recibo de supostos honorários fornecido à vítima continha dados pessoais do recorrente, (b) a petição ajuizada supostamente pelo advogado contém e-mail com nome do apelante, (c) a vítima e o advogado lesado lhe imputaram o crime a partir de versão convergente, (d) testemunha confirma que réu se identificava como advogado, e ainda, (e) a defesa não desconstituiu as provas produzidas pela acusação.5. O prazo prescricional, definido a partir da pena concretizada na sentença, não transcorreu entre as causas interruptivas, logo, não há extinção da punibilidade”. (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 1015500-9 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Marques Cury - Unânime - - J. 22.08.2013) Grifos Nossos

58

Defendem os referidos julgados a ideia da complementaridade da

investigação preliminar como meio de prova capaz de fundamentar decisão penal

condenatória, sob o argumento de que, conforme se depreende da redação do artigo

155, caput do Código de Processo Penal, que a norma é clara no sentido de que a

decisão condenatória não pode se lastrear de forma exclusiva nos elementos de

provas colhidos somente na fase investigatória, não impedindo, no entanto, que os

mesmos sejam norteadores do convencimento do julgador quando corroborados

pelas provas produzidas no curso da instrução criminal, ou seja, quando observado

e respeitado o contraditório.

Discordando parcialmente deste entendimento Marco Antonio de Barros

leciona:

Realçado pelo mencionado caráter inquisitivo, atribui-se ao inquérito policial a condição de mera peça informativa. As provas nele colhidas, ainda que relevantes, têm apenas um valor relativo se comparadas com outras produzidas sob o crime do contraditório. E essa condição meramente informativa é ditada pelo Código, ao consignar que: “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. [...] Logo, para o fortalecimento, ratificação e eventual convalidação das provas colhidas sob o crivo do contraditório, pode o juiz estabelecer o seu convencimento apoiando-se, também, nos elementos colhidos durante o inquérito. Porém, essa faculdade exige muita cautela em sua aplicação, de tal modo que não pode se tornar rotineira ou vir a ser exercida de forma abusiva pelo juiz, a ponto de tornar inócua a aplicação da mencionada regra geral80.

O que se percebe do contido nos julgados recentes a respeito da matéria é

justamente a chancela da utilização das peças da investigação preliminar como

complemento à prova produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa,

permitindo assim a fundamentação de decisões condenatórias com base nas

referidas peças, as quais, não se pode deixar de lembrar, a figura do Acusado é um

mero objeto da investigação, não figurando como sujeito, o que acarreta a sua

mínima participação e o cerceamento do seu direito de defesa, o que reforça a

ilegalidade de tal fundamentação, o que será analisado no próximo tópico da

pesquisa.

80 BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 83-84.

59

5.6 A ILEGALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL COMO

FUNDAMENTO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA ANTE A CONSTANTE

VIOLAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS NA INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR

A interpretação das legislações é que permite ao Direito como um todo ser

esta ciência tão complexa, e, por conseguinte, propicia que as Cortes Julgadoras

adotem posicionamentos jurisprudenciais distintos, bem como aos doutrinadores

realizarem embates teóricos nos mais variados sentidos a respeito de determinado

assunto.

Pois bem, diante dessa possibilidade de adoção de interpretações distintas a

respeito de um mesmo assunto, é permitido ao pesquisador adotar o

posicionamento contrário à utilização do inquérito policial ou das peças da

investigação preliminar como fundamentadores da sentença penal condenatória,

ainda que de forma complementar, justamente por defender a manifesta ilegalidade

desta prática usual pelo Judiciário brasileiro.

Inadmissível ser o Inquérito Policial meio de prova, ainda que complementar,

capaz de formar a convicção do Magistrado, eis que, a sistemática penal e

processual penal do Direito brasileiro baseia-se na adoção da interpretação in

bonam partem, a qual representa que a lei deve sempre ser interpretada em favor do

Acusado, ou seja, compreendida do modo mais benéfico aos Indiciados ou

Acusados.

Corroborando com este preceito, ainda vige o princípio do in dubio pro reo,

anteriormente mencionado, de modo que, partindo destas premissas, cabe ao

pesquisador novamente transcrever o artigo 155 caput do Código de Processo

Penal, o qual dispõe: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova

produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão

exclusivamente nos elementos informativas colhidos na investigação, ressalvadas as

provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Se analisado o dispositivo em questão, tem-se a disposição expressa de que

o juiz formará a sua convicção a respeito do fato delituoso com base na prova

produzida em contraditório judicial. Pois bem, da lógica processual que rege todos

os procedimentos de natureza criminal, é sabido que a investigação preliminar

60

precede a ação penal, ou seja, o contraditório judicial se inicia a partir do momento

em que a denúncia formulada pelo órgão acusatório é recebida e o Magistrado

determina a citação do Acusado.

Sendo assim, as provas colhidas a partir deste ponto (recebimento da

exordial acusatória), excetuando-se as provas cautelares, não repetíveis e

antecipadas, são produzidas em contraditório judicial, de modo que, partindo de uma

lógica simples, é óbvio que o inquérito policial é instaurado antes do início da fase do

contraditório judicial.

Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que a natureza jurídica do

inquérito policial ou das peças da investigação preliminar situa estes como sendo

procedimento administrativo pré-processual, justamente por suas características

específicas, bem como pela supressão do contraditório e da ampla defesa nesta

fase procedimental, servindo apenas como instrumento necessário para a formação

da opinio delicti, o que denota a inviabilidade da adoção destas após esta fase

procedimental.

Além disso, ainda conta com uma presunção de veracidade, proveniente do

idealismo inquisitivo que domina a investigação preliminar, o que, por conseguinte

macula toda e qualquer prova repetível que seja produzida nesta fase, inviabilizando

a sua utilização como meio de prova na instrução processual.

Sobre esta ilógica e desmedida presunção de veracidade que permeia as

investigações preliminares, em especial o inquérito policial, Aury Lopes Júnior, com

maestria destaca o seu entendimento, criticando de forma ferrenha que estas

tenham qualquer valor probatório para a sentença penal:

Alguma doutrina aponta que os atos do inquérito policial valem até prova em contrário, estabelecendo essa presunção de veracidade não prevista em lei. O art. 12 do CPP estabelece que o IP acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Qual o fundamento de tal disposição? Não é atribuir valor probatório aos atos do IP, muito pelo contrário. Por servir de base para a ação penal, ele deverá acompanhá-la para permitir o juízo de pré-admissibilidade da acusação. Nada mais do que isso. Servirá para que o juiz decida pelo processo ou não processo, pois na fase processual será formada a prova sobre a qual será proferida a sentença. Considerável doutrina e jurisprudência acabaram por criar, a nosso juízo, equivocadamente, uma falsa presunção: a de que os atos de investigação valem até prova em contrário. Essa presunção de veracidade gera efeitos contrários à própria natureza e razão de existir do IP, fulminando seu caráter instrumental e sumário. Também leva a que sejam admitidos no processo atos praticados em um procedimento de natureza administrativa, sigiloso, não contraditório e sem exercício de defesa. Na prática, essa presunção de veracidade dificilmente pode ser derrubada e parece haver sido criada em outro mundo, muito distinto

61

da nossa realidade, em que as denúncias, coação, tortura, maus tratos, enfim, toda espécie de prepotência policial, são constantemente no sentido exposto. Inclusive, entendemos que qualquer juiz com um mínimo de bom senso desconsideraria totalmente a confissão realizada na polícia, principalmente quando o sujeito passivo estava submetido ao regime de prisão cautelar. A coação é patente e inegável, autorizando inclusive a presumir-se81.

Esta assertiva acima levanta outra questão que pode ser apontada como

ilegalidade na utilização do Inquérito Policial como meio de prova capaz de ensejar a

prolação de sentença penal condenatória, a saber, as constantes práticas de

coação, intimidação, tortura e tantos outros problemas que cercam a atividade

policial no país. É inegável que a prática do Inquérito Policial, justamente por basear-

se em procedimento inquisitivo, remeta às diversas práticas cruéis e bárbaras da

época da Inquisição.

Se questionar a qualquer cidadão que não tenha formação jurídica, é

possível que seja obtida a resposta de que o receio de ser preso ou responder a um

processo criminal não esteja ligado à punição propriamente dita, mas sim, está

ligada às práticas de tortura que são quase inerentes às Delegacias e Batalhões de

Polícia, o que coloca em xeque a validade do Inquérito Policial como meio de prova,

ainda que de caráter complementar, eis que, não raras vezes as provas repetíveis

colhidas nesta fase estão eivadas do veneno da ilicitude em sua colheita.

No entanto, esta realidade é ignorada, considerável parcela dos fiscais da lei

representados pelos integrantes do Ministério Público e dos aplicadores da lei

representados pelos Magistrados creem, quase que cegamente, nesta presunção de

veracidade do conteúdo da investigação preliminar, tratando as notícias de tortura,

agressões físicas ou morais, como mera estratégia de Defesa.

Estratégia esta que não se confirma justamente pelo fato de que o Estado,

em boa parte dos casos denunciados e até mesmo não denunciados, não permite

que seja provada a ocorrência de atos por parte dos agentes estatais. Ou seja, sob

este aspecto, a venda que cobre os olhos da figura que representa a Deusa da

Justiça também cobre os olhos daqueles que deveriam combater esta prática

corriqueira e quase inerente aos atos de investigação preliminar.

81 LOPES JR. Aury. Investigação..., p. 301-302.

62

Elucidando tal situação, novamente recorre-se às lições de Aury Lopes

Júnior, o qual com a coragem expõe estes problemas que norteiam o processo

penal pátrio:

Com a reforma de 2008, que renovou o art. 155 do Código de Processo Penal, grave problema se instalou. Por um lado, vedou a possibilidade de o juiz formar o seu convencimento exclusivamente nos autos do inquérito policial, como de fato tem assentado o STJ. O problema se encontra no termo exclusivamente. Esse dispositivo tem servido para alimentar uma prática já antiga de cotejar os elementos do inquérito policial com os demais elementos coligidos durante a instrução criminal, o que tem como resultado uma prática inquisitorial degenerada, na qual o contraditório judicializado apenas reforça a persecução penal alheia às garantias fundamentais do sujeito e permitindo as mais graves violações a direitos humanos e fundamentais. Nesse sentido, parece-nos que a alteração do CPP de 2008 apenas serviu como processo de legitimação daquela prática deteriorada e autoritário, ao contrário de coibi-la82.

O inquérito policial serve como instrumento capaz de fundamentar a

admissão ou não da acusação, o que já foi afirmado diversas vezes, não podendo

servir como meio de prova, eis que são apenas atos de investigação, inviabilizando,

em decorrência de tal particularidade, a justificação de um juízo condenatório em

suas peças, pois a sua função restringe-se à fase pré-processual, podendo servir

como base acerca da liberdade e disponibilidade dos bens do Indiciado, mas jamais

como prova para a condenação do mesmo.

Outro aspecto relevante diz respeito ao fato de que o inquérito policial

somente pode gerar atos de investigação, praticados em uma estrutura inquisitiva

dotada de limitação do contraditório, os quais ocorrem sem a intervenção de um

órgão judicial, eis que realizados por autoridade administrativa, sendo inoportuno

contar com valor probatório para a sentença.

Além disso, o contraditório passa longe do inquérito policial, carecendo o

inquérito policial das garantias mínimas para que os seus atos possam ser utilizados

como meios de prova, o que reforça a tese do pesquisador de que há sim manifesta

ilegalidade na adoção das provas colhidas nesta fase procedimental como

fundamento para a prolação de decisum condenatório.

Em sendo o Inquérito Policial peça informativa, pré-processual, preparatória

para a formação do opinio delicti, deveria, por consequência lógica à sua função e

natureza, ser desentranhada dos autos de ação penal, justamente para evitar que a

82 Ibidem. p. 302-304.

63

convicção do juiz seja contaminada com um pré-julgamento baseado

exclusivamente nas informações já constantes do inquérito policial.

Sobre o tema, Aury Lopes Júnior, apontando a falência da disposição

contida no artigo 155 do Código de Processo Penal assevera:

Ora, isso é simbólico e fadado ao fracasso, pois não evita a contaminação consciente ou inconsciente do julgador. Os elementos do inquérito continuam dentro do processo e a vedação apenas fará com que os juízes lancem mão de um exercício de retórica, para condenar com base no inquérito, sem dizê-lo de forma clara. Ademais, o problema continua intocável no júri, pois lá os leigos não fundamentam. Logo, não há “fundamento”. Eles julgam “de capa a capa” e por íntima e (in)fundada convicção. Por isso, se realmente houver empenho em resolver o problema, não há outra saída senão a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo. Em síntese, a regra geral é que os atos da investigação preliminar sejam, como tais, considerados meros atos de investigação, com uma limitada eficácia probatória, pois a produção da prova deve estar reservada para a fase processual. É a função endoprocedimental dos atos do inquérito, no sentido de que sua eficácia é interna à fase, para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso. Para evitar a contaminação, o ideal é adotar o sistema de eliminação do processo dos atos de investigação, excetuando-se as provas técnicas e as irrepetíveis, produzidas no respectivo incidente probatório83.

Outro aspecto de extrema relevância diz respeito à inadmissibilidade das

provas obtidas de forma ilícita, estendendo-se também às ilegítimas e às ilícitas por

derivação, conforme garantia constitucionalmente assegurada no inciso LVI do artigo

5º da Carta Magna e materializada no artigo 157 do Código de Processo Penal.

Pois bem, com base em uma simplória conceituação, em sendo apontada

como ilícita a prova que viola norma material, como é o caso da interceptação

telefônica ilegal, e prova ilegítima aquela que viola norma processual, como exemplo

a regra do artigo 210 do Código de Processo Penal, verifica-se mais um forte

fundamento capaz de reforçar o entendimento de ser inadmissível a adoção do

inquérito policial como meio de prova capaz de fundamentar, ainda que de forma

complementar, a prolação da sentença condenatória em desfavor de um acusado.

Não se pode deixar de olvidar que é no Inquérito Policial e a sua instrução

não raras vezes desastrosa, em razão da busca incessante de um autor para a

prática criminosa, dada a necessidade de dar uma resposta à sociedade, que

inúmeras atrocidades procedimentais são realizadas e chanceladas pelos órgãos

jurisdicionais, configurando assim a fundamentação de sentença condenatória com

83 Ibidem. p. 333.

64

provas que violam leis processuais, portanto, ilegítimas, e, por conseguinte,

inadmissíveis por força de determinação constitucional.

Novamente Aury Lopes Júnior trata do tema, pertinente à ilegitimidade das

provas produzidas em sede do inquérito policial, retratando a triste realidade, do

seguinte modo:

Não é correto o afastamento do controle de legalidade a ser exercido em sede jurisdicional, porque tal postura consagraria um absurdo insustentável: que os atos de investigação preliminar possuiriam uma presunção de regularidade jure et te júri, característica que nem mesmo aqueles jurisdicionais gozariam. Se os atos jurisdicionais – mais relevantes do que aqueles da investigação – são suscetíveis de controle de legalidade, como afastar a incidência da fiscalização de sua validade justamente naqueles atos mais precários, mais informais? Sobre estes é que justamente penderia uma dúvida ou presunção ontológica de suscetibilidade ou tendência à ilegalidade. Autorizar que o juiz decida com base em inquérito policial – a exemplo do art. 155 do CPP – e imunizar esse ato contra qualquer declaração de invalidade é blindá-lo contra o exame de legalidade. Assim, o magistrado utilizaria os autos da investigação em sua sentença como elemento de convicção, mas paralelamente o acusado não poderia alegar sua invalidade. Destarte, teríamos o paradoxo de erigir os atos praticados no inquérito policial em atos jurídicos indefectíveis por natureza, resguardados de toda declaração de ilegalidade, uma espécie de estabilidade e imutabilidade jurídicas que nem mesmo a coisa julgada gozaria. A absurdidade aumenta ao passo que é justamente nesses atos – sempre distantes do controle acerca de sua regularidade – que se daria o condão de uma aquisição de elementos de convicção par excellence84.

Todavia, infelizmente essa regra praticamente restou solidificada na

jurisprudência dos mais diversos tribunais pátrios, justamente porque, com a

mudança legislativa que atingiu o artigo 155 do Código de Processo Penal, e a

adoção da expressão exclusivamente, fez com que a fundamentação baseada na

prova judicial cotejada e complementada pelos elementos indiciários colhidos na

investigação preliminar se tornasse rotina nos julgamentos das ações penais.

Tal questão reforça a possibilidade de o Magistrado formar a sua convicção

por meio da análise dos elementos do Inquérito Policial ou da investigação

preliminar, e, fundamentar a sua decisão penal condenatória com outros elementos

constantes da fase do contraditório judicial, pois assim não estaria exclusivamente

baseado nos elementos do inquérito policial para prolatar sua decisão.

Infelizmente, a prática acima mencionada é a mais comezinha e usual

encontrada no processo penal brasileiro, sendo reiterados os casos de condenações

baseadas em provas colhidas no inquérito policial, ou seja, deixou esta peça de ter a

84 Ibidem. p. 343-344.

65

sua função pré-processual para a formação da opinio delicti para servir como

chancela ou exaurimento do exercício do jus puniendi, ainda que em contrariedade

às disposições constitucionais asseguradas a todos os cidadãos. Cabe aos

Advogados, em defesa da sociedade civil buscar com que essa prática repudiável

seja abolida, por meio do questionamento da legalidade dos atos de inquérito policial

e a estrita observância da regra do artigo 155 do Código de Processo Penal, com a

aplicação da interpretação em benefício dos Acusados em geral.

66

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Encerrada a fase de pesquisa, argumentação teórica e jurisprudencial,

chegou o momento destinado ao autor do trabalho monográfico tecer algumas

considerações de cunho pessoal a respeito de todo o tema proposto a fim de

elucidar a problemática levantada inicialmente.

Inicialmente, cumpre destacar que o inquérito policial, ou a investigação

preliminar, tem o condão meramente informativo para a formação da opinio delicti

por parte do órgão acusatório, ou seja, se exauri a partir do momento em que o

Magistrado decide pelo processo ou não processo, não podendo este, em razão de

sua própria natureza jurídica servir como meio de prova, excetuado os casos das

provas cautelares, antecipadas e não repetíveis.

Outro aspecto relevante concerne nas manifestas e quase onipresentes

qualidades de ilicitude ou ilegitimidade das provas produzidas na fase inquisitorial,

não apenas em razão de se tratar de procedimento onde o contraditório é tido como

meramente acessório, mas em decorrência da prática usual da investigação no país

ser dotada de condutas de intimidação, coerção, agressões físicas, torturas, bem

como pelo vertente atropelamento das formalidades inerentes aos atos

investigatórios.

Deste modo, em sendo formalidade garantia processual, a sua violação

acarreta a ilegitimidade da prova produzida com essa mácula, e, por consequência

imediata, torna-se inadmissível para fundamentar uma sentença penal condenatória.

Ademais, não podem as investigações preliminares servirem como meio de

prova, eis que a interpretação restritiva da expressão contraditório judicial, por si só,

é capaz de excluir tal possibilidade, eis que o inquérito é peça meramente de cunho

administrativo, não judicializado, e, por consequência imediata, não se encontra

abrangido pelo manto da expressão “contraditório judicial”.

No mesmo sentido se dá a análise da expressão “produzida” em

contraditório judicial. Ora, é sabido que o contraditório judicial se inicia no momento

em que há a citação válida do Acusado, ou seja, as provas produzidas a partir deste

momento é que são abarcadas pelo contraditório judicial. O inquérito policial

acompanha a denúncia, conforme dispõe o artigo 12 do Código de Processo Penal,

ou seja, é produzido logo após a ocorrência do fato delituoso, o que,

67

cronologicamente, ocorre muito antes do início do contraditório judicial, de modo que

não pode ter valor probatório capaz de ensejar o decreto condenatório.

Outro ponto crucial a ser levantado é justamente o caráter complementar do

inquérito policial como meio de prova. Ora, se o Magistrado não formou a sua

convicção com as provas produzidas no contraditório judicial, significa que o mesmo

está em dúvida ou não tem a certeza necessária para a prolação da sentença penal

condenatória. E, assim sendo, a premissa basilar do sistema penal e processual

penal pátrio se dá no sentido de que, se há dúvida, absolve-se o réu, e não se

recorre ao inquérito policial para sanar tais dúvidas. Afinal, mais vale um culpado

inocentado por falta de provas, do que um inocente condenado com base em provas

colhidas em sistema inquisitório falho.

Por fim, merece ser observado o fato de que a prática usual das

investigações preliminares é marcada pelo atropelo e inobservância das

formalidades e disposições legais e constitucionais, fruto do sistema inquisitivo que

domina esta fase procedimental, de modo que como poderia uma sentença penal

condenatória ter por fundamento elementos probatórios eivados de tais falhas?

Não existe qualquer permissivo legal que permita tal sistemática, ainda que

estas provas sejam usadas em caráter complementar, o que se presencia nestes

casos é a chancela, por parte do Poder Judiciário, das atrocidades cometidas na

investigação preliminar, em desfavor da maior garantia constitucional dos cidadãos,

leia-se, a sua liberdade de locomoção.

68

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