A grande expansão geografica dos Tapajós

19
A GRANDE EXPANSÃO GEOGRÁFICA DOS TAPAJÓ Denise Pahl Schaan Anderson Márcio Amaral Lima Introdução Os tapajó, grupo indígena que vivia na foz do rio homônimo no século XVI, tem sido estudado por arqueólogos e outros cientistas desde o final do século XIX, mas ainda são muitas as perguntas em aberto sobre seu modo de vida, demografia, organização social e a extensão de sua ocupação no baixo Amazonas. Desde 2006 temos nos dedicado a estudar os vestígios dos tapajó, que aparecem na forma de grandes sítios arqueológicos de terra preta, contendo a típica cerâmica tapajônica, que na década de 1970 foi denominada de fase Santarém da Tradição Inciso Ponteada , um estilo cerâmico supostamente com origem na bacia do rio Orinoco, na Venezuela , e que é encontrado na região do baixo Amazonas banhada pelos rios Nhamundá, Trombetas e Tapajós. Nesse capítulo resumimos os resultados obtidos com nossas pesquisas nos municípios de Santarém e Belterra, apresentando algumas hipóteses sobre a rápida expansão geográfica dos tapajó às vésperas da conquista da Amazônia pelos europeus. As Fontes Históricas A potencialidade arqueológica da região abrangida pelo município de Santarém é conhecida da comunidade científica desde o século XIX, quando se intensificou o povoamento da cidade e os achados fortuitos de material arqueológico. A cidade de Santarém assenta-se sobre um sítio arqueológico que era habitado, até o século XVII, por grupos indígenas conhecido como “tapajó”, que deram o nome ao rio que banha a cidade. O primeiro europeu a ter com os tapajós parece ter sido o capitão Pedro Teixeira, que visitou a região em 1626. Mais tarde, em 1639, regressando de viagem a Quito, Pedro Teixeira novamente adentra o rio Tapajós, descrevendo os índios como guerreiros e ressaltando a quantidade de provisões: carnes do mato, aves, peixes, frutas e farinhas .

Transcript of A grande expansão geografica dos Tapajós

A GRANDE EXPANSÃO GEOGRÁFICA DOS TAPAJÓ

Denise Pahl Schaan

Anderson Márcio Amaral Lima

Introdução

Os tapajó, grupo indígena que vivia na foz do rio homônimo no século XVI, tem sido

estudado por arqueólogos e outros cientistas desde o final do século XIX, mas ainda

são muitas as perguntas em aberto sobre seu modo de vida, demografia, organização

social e a extensão de sua ocupação no baixo Amazonas.

Desde 2006 temos nos dedicado a estudar os vestígios dos tapajó, que aparecem na

forma de grandes sítios arqueológicos de terra preta, contendo a típica cerâmica

tapajônica, que na década de 1970 foi denominada de fase Santarém da Tradição

Inciso Ponteada , um estilo cerâmico supostamente com origem na bacia do rio

Orinoco, na Venezuela , e que é encontrado na região do baixo Amazonas banhada

pelos rios Nhamundá, Trombetas e Tapajós.

Nesse capítulo resumimos os resultados obtidos com nossas pesquisas nos municípios

de Santarém e Belterra, apresentando algumas hipóteses sobre a rápida expansão

geográfica dos tapajó às vésperas da conquista da Amazônia pelos europeus.

As Fontes Históricas

A potencialidade arqueológica da região abrangida pelo município de Santarém é

conhecida da comunidade científica desde o século XIX, quando se intensificou o

povoamento da cidade e os achados fortuitos de material arqueológico. A cidade de

Santarém assenta-se sobre um sítio arqueológico que era habitado, até o século XVII,

por grupos indígenas conhecido como “tapajó”, que deram o nome ao rio que banha a

cidade.

O primeiro europeu a ter com os tapajós parece ter sido o capitão Pedro Teixeira, que

visitou a região em 1626. Mais tarde, em 1639, regressando de viagem a Quito, Pedro

Teixeira novamente adentra o rio Tapajós, descrevendo os índios como guerreiros e

ressaltando a quantidade de provisões: carnes do mato, aves, peixes, frutas e farinhas .

Pela descrição que faz Berredo, os índios que visitou estariam aldeados em Alter do

Chão; a partir dessa primeira visita, os portugueses passaram a realizar um contato

mais freqüente com os indígenas .

Como parte da estratégia lusa de dominar os índios através da evangelização, em 1661

chega à aldeia dos tapajós o padre João Felipe Bettendorf, por ordem do Padre

Antônio Vieira, com a missão de fundar na foz do rio uma vila e um colégio da

Companhia de Jesus, para propagar a fé cristã. A Companhia de Jesus estabelece-se,

então, na região, a partir de 1668, construindo diversas missões .

A presença militar na região toma corpo somente no final do século XVII. Em 1694 o

governo imperial ordena a construção de fortificações em vários locais do baixo

Amazonas, visando estabelecer pontos de defesa contra o avanço francês que se

expandia a partir de Caiena . Uma dessas fortalezas foi construída na boca do rio, junto

à aldeia dos tapajós, por Manoel da Motta às suas próprias custas, tendo recebido em

troca o posto de governador por parte do rei. Segundo Mello Moraes, no início do

século XVIII ainda havia índios aldeados pela companhia de Jesus em diversas

localidades ao longo do rio Tapajós. Na localidade que é hoje Alter do Chão localizava-

se a aldeia de Borari, composta de índios que se deslocaram da aldeia tapajós para lá

em 1738, pois a aldeia estava muito grande e não havia terra suficiente para o cultivo.

A aldeia Cumaru, ou Arapiuns, localizava-se em Vila-Franca; a 8 léguas acima

localizava-se a aldeia dos Tupinambaranas (Aldeia de Santo Ignácio, Boim), fundada em

1737, com índios vindos do Amazonas .

Em 1743 a região é visitada pelo cientista francês La Condamine, que desceu o rio

Amazonas a partir do Peru, e estava interessado em conferir de perto as histórias que

ouvira rio acima sobre as “amazonas”, as famosas mulheres sem marido, e sobre as

misteriosas “pedras verdes” que, diziam, encontravam-se entre os índios tapajós . Tais

pedras, adornos feitos de rochas esverdeadas variantes da jadeíta, teriam poder de

cura, especialmente contra doenças como cólica nefrítica e epilepsia. Segundo o

viajante, os índios davam grande importância a tais pedras e não queriam delas se

desfazer, apesar de muitas já terem sido enviadas à Europa (op.cit.: 98).

Em 1754 cria-se oficialmente a vila de Santarém, que, no entanto, se tornará cidade

somente em 1848. Em 1773, os mundurucus, que vinham avançando em direção ao

rio Tapajós partindo da margem direita do rio Madeira, atacam a vila de maneira

violenta, e a partir daí passam a estabelecer suas aldeias na região . Esse deve ter sido

o golpe final nos tapajós, pois no começo do século XIX, os índios que moravam em

Santarém (também chamada Tapajós na língua geral), eram descendentes de vários

grupos distintos, e não guardavam nenhuma recordação dos habitantes que

habitavam a região na época da conquista . Da viagem feita por Wallace e Bates em

1848, tem-se a informação de que os índios mundurucus, que viviam então às margens

do rio Tapajós eram responsáveis por muitos dos produtos ali vendidos .

Em 1868, a cidade de Santarém já tinha 20 anos de existência, e contava com 1.761

habitantes, sendo, destes, 422 escravos . A cidade tinha ainda um importante papel

como entreposto comercial, para onde escoavam produtos produzidos por índios,

escravos e fazendeiros não muito longe dali. No lago grande, entre o igarapé Itacumini

e a enseada do Jacaré havia um pesqueiro real, (Levantamentos de sítios nesta área do

Lago Grande de Vila Franca, no inicio de 2011, localizou o sitio Pesqueira com grande

area de terra preta e cerâmica em superfície de estilo incisa e ponteada) que produzia

peixe salgado que era vendido em Belém (op.cit.). A maior presença indígena então

ficava por conta dos mundurucus.

Nenhum dos relatos históricos acima citados faz referência a sítios arqueológicos na

região, ou à cerâmica produzida pelos tapajós, e as únicas referências a sítios

arqueológicos dizem respeito às pinturas e gravuras rupestres na região de Monte

Alegre, visitada por Bates e Wallace em 1848. A ocupação indígena antiga na cidade de

Santarém, de fato, passou a chamar a atenção dos estudiosos algumas décadas mais

tarde, quando as construções aumentaram em número e os vestígios arqueológicos

passaram a ser encontrados em maior quantidade.

As Primeiras Pesquisas Arqueológicas na Região

A região de Santarém foi visitada várias vezes, entre 1922 a 1926, por Curt

Nimuendajú, indigenista associado ao Museu Goeldi e ao Museu de Gotemburgo, na

Suécia. Preocupado em mapear as culturas pré-colombianas e coletar artefatos

arqueológicos e etnográficos para museus europeus, nas cartas que escreve para

Carlos Estevão de Oliveira percebe-se seu enorme interesse pelas “pedras verdes”,

conferindo todas as informações que obtinha sobre sua ocorrência. Em 1923 vai a Vila

Franca atrás de uma dessas informações, mas não consegue encontrar nenhum

MarcioAmaral
Realce

muiraquitã. Em 1924 encontra uma dessas pedras em Oriximiná e no mesmo ano

adquire ídolos de pedra verde em Óbidos. Nimuendajú observou que a cidade de

Santarém estava construída sobre depósitos arqueológicos, ao identificar terra preta

contendo fragmentos de cerâmica, propondo que ali na cidade se encontraria o ponto

principal de difusão da cultura tapajó . Identificou 65 sítios arqueológicos na região

abrangida por Santarém, Vila Franca, Alter do Chão, rio Curuá-Una e a margem direita

do rio Amazonas .

Através de dados arqueológicos, etnohistóricos e etnográficos, Nimuendajú compôs

um mapa de distribuição dos grupos indígenas brasileiros, que foi publicado pelo IBGE

em 1987. O mapa mostra a área de localização dos tapajós no século XVII, e a área de

ocupação mundurucu no século XIX (1864), próximo à foz do rio Cupari, que deságua

na margem direita do rio Tapajós. Percebe-se pelo mapa que os tupinambarana

vinham se deslocando da margem direita do rio Madeira até o rio Tapajós, onde são

identificados em 1762. No mesmo mapa, os Kayapó aparecem ocupando o interflúvio

a partir do alto curso dos rios Cupari e Curuá Una .

Estudos de Coleções

Dado o alto custo de pesquisas arqueológicas de campo, é comum que sociedades

antigas sejam estudadas a partir de seus vestígios materiais já coletados e guardados

em museus. Destes vestígios, o que mais tem sido usado para estudos estilísticos e

tecnológicos é a cerâmica. Foram realizados diversos estudos com material cerâmico

proveniente da região de Santarém, como veremos a seguir.

Helen Palmatary realizou estudos com coleções tapajônicas de museus americanos e

europeus, trabalho este publicado em 1939, e depois, vindo ao Brasil, expandiu seu

trabalho para incluir as coleções brasileiras, publicando novo estudo em 1960 . Seu

trabalho foi criticado pelos critérios pouco operacionais utilizados na classificação das

peças , e por sua abordagem, considerada às vezes, excessivamente difusionista . No

entanto, os livros reúnem belíssimas peças de cerâmica que inspiraram muitas

pesquisas posteriores e servem como guia para achados de objetos nos sítios

arqueológicos, dada a grande padronização dessa indústria cerâmica.

Contrastando com visões ingênuas e perspectivas difusionistas da maioria dos estudos

de coleções realizados na primeira metade do século XX com material amazônico, os

estudos de Frederico Barata realizados na metade do século passado destacam-se por

sua maturidade teórica, por sua abordagem cuidadosa de detalhes estilísticos e por

sua perspicácia no exame de hipóteses explicativas, o que lhe confere uma atualidade

sem paralelo. Frederico Barata analisou sua própria coleção, classificando as vasilhas

decoradas por semelhança estilística - como os vasos de gargalo e os vasos de

cariátides -, propondo denominações que foram adotadas pelos pesquisadores que o

sucederam. Além disso, identifica como recorrentes e importantes as estatuetas, os

apitos, os cachimbos e as rodelas de fuso. Propôs ainda entender as incisões como

veículos para ideias tão concretas quanto as representações mais realísticas de

animais, encontradas tão profusamente na cerâmica. Assim identificou a

representação de cobras e outros animais.

Barata percebeu que os cachimbos de cerâmica encontrados, com decorações

foliáceas e com feições humanas, de inspiração nitidamente européia, diferiam do

estilo indígena encontrado nos vasos de cariátides e de gargalo, assim como em outros

tantos objetos, assegurando que foram produzidos durante a época colonial pelos

índios aldeados nas missões . O estudioso escreveu diversos trabalhos não somente

sobre a cerâmica, mas também sobre os muiraquitãs, as lendárias pedras verdes dos

tapajós.

Guapindaia, estudando posteriormente a coleção de Frederico Barata, proveniente do

bairro Aldeia, em Santarém, afirma ter encontrado, “além da cerâmica considerada

tipicamente Tapajó, outros tipos (...). O primeiro trata-se de cerâmica não decorada; o

segundo é uma cerâmica decorada com marcas de esteiras; o terceiro é caracterizado

por uma cerâmica com decoração incisa geométrica, porém diferente das incisões

características da cerâmica Tapajó, e o último a cerâmica tipicamente Konduri” .

Outra arqueóloga que se dedicou ao estudo de uma coleção arqueológica foi Denise

Gomes, que em seu trabalho discute as diversas teorias sobre complexidade social na

Amazônia e contextualiza sua pesquisa no âmbito das descobertas arqueológicas mais

recentes para a área . Seu catálogo da coleção do MAE-USP teve o mérito de divulgar

essa coleção ainda pouco conhecida. Posteriormente dedicou-se a relacionar as

representações zoomorfas ao “perspectivismo ameríndio” de Viveiros de Castro,

propondo uma estética ameríndia que representaria uma cosmologia comum .

Nenhum dos estudos já citados, entretanto, realizou uma verdadeira análise

iconográfica dos objetos santarenos como Regina McDonald , que associa as

representações na cerâmica a um mito warao (grupo Caribe), abrindo a possibilidade

de indicar que os tapajó seriam Caribes.

Investigações Arqueológicas entre 1971 e 2006

O período de investigações arqueológicas que vamos explorar aqui rapidamente inicia

com o levantamento feito pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na

Bacia Amazônica – PRONAPABA a partir de 1971 e termina com investigações pontuais

por solicitação do IPHAN, e inclui os importantes estudos de Anna Roosevelt, cuja

passagem pelo baixo Amazonas revolucionou a arqueologia Amazônica em vários

sentidos.

O levantamento do PRONAPABA foi coordenado por Ulpiano Bezerra de Menezes,

centrando-se nos municípios de Santarém e Prainha, localizando 25 sítios

arqueológicos . Assim como aqueles identificados por Nimuendajú, esses sítios

localizam-se em área de limite entre várzea e terra firme, próximos a lagoas e parecem

ter sido contemporâneos, havendo estradas que os ligavam . Em 1973, o geógrafo

Nigel Smith identificou um sítio de terra preta com cerca de 2 hectares na rodovia

Cuiabá-Santarém, na intersecção com o igarapé Moju, a cerca de 125km ao sul de

Santarém .

Em 1987 Anna Roosevelt realiza levantamento arqueológico na área do porto de

Santarém, delimitando uma área onde encontrou vestígios arqueológicos e terra preta

arqueológica. Além disso, pesquisa o sítio da Taperinha, o sambaqui fluvial que havia

sido estudado também por Hartt no final do século XIX. O trabalho realizado no sítio

Taperinha ficou famoso por ter possibilitado a descoberta da cerâmica mais antiga das

Américas, com idade entre 7 e 8 mil anos . Na Taperinha Roosevelt encontrou

evidência de ocupação por populações que viviam da coleta de recursos aquáticos e

que depois foram substituídas por populações horticultores, mostrando continuidade

de ocupação até o século X. Em 1991, Roosevelt pesquisa em Monte Alegre,

estabelecendo a contemporaneidade entre a ocupação amazônica e o paleoíndio

americano .

Em 1999, a 2ª superintendência regional do Iphan em Belém recebe denúncias de que

havia sido encontrado material arqueológico no porto de Santarém devido às obras de

modernização, solicitando ao Museu Goeldi que envie um arqueólogo ao local para

averiguar a situação. Vera Guapindaia prospecta então áreas não contempladas pelo

levantamento de Roosevelt, concluindo, em seu relatório: “Levantamento

Arqueológico no Porto de Santarém”, que parte do sítio delimitado anteriormente por

Roosevelt estava sendo arrendado pela Companhia das Docas do Pará para a Cargill,

recomendando a realização de salvamento arqueológico (Proc. Iphan nº

1492.000150/2000-08), que não ocorre imediatamente. Em 2000, Anna Roosevelt

encaminha ao Iphan pedido de autorização para dar sequencia a seu projeto Baixo

Amazonas investigando o sítio Porto. Roosevelt e Márcio Amaral verificam que o sítio

vem sendo destruído pelas atividades portuárias, sendo usado como depósito de lixo

industrial e suas áreas ociosas ocupadas por campos de futebol e pátio de treinamento

de uma autoescola, fazendo várias denúncias ao IPHAN a partir de 2002.

Nessa época Denise Gomes começa seus estudos na comunidade Parauá, localizada a

cerca de 120km ao sul de Santarém, à margem esquerda do rio Tapajós, com o

objetivo de verificar a extensão da ocupação relacionada à sociedade dos tapajó e

melhor entender como áreas periféricas se relacionavam àquela sociedade . De

maneira contrária às suas expectativas, Gomes identificou, nos nove dos 10 sítios

pesquisados em uma área de 40km², cerâmica associada com a Tradição Borda Incisa

(definida por Meggers e Evans 1961), tendo os mesmos sítios sido datados entre 3.800

e 1.000 anos AP, representando ocupações horticultoras que estendem-se até o início

da ocupação Santarém e com ela convivem por curto período de tempo .

Posteriormente, Gomes investiga áreas no centro urbano de Santarém, a pedido do

IPHAN, tendo em vista as várias denúncias de irregularidades vindas de Santarém. Com

o apoio do IPHAN ela registra 58 locais com vestígios arqueológicos no contexto

urbano (em terrenos vazios e quintais de casas), delimitando e chamando essa área de

sítio Aldeia, que se estende por uma faixa de 1,7km por 0,4km de largura paralela ao

rio Tapajós, sobrepondo-se aos bairros Aldeia e Centro.

Em 2006, ano em que iniciamos nossas pesquisas na região, os estudos eram pontuais

e o único levantamento regional tinha sido aquele empreendido por Nimuendajú.

Apesar do grande potencial arqueológico da área, poucos dados arqueológicos podiam

ser usados para inferir sobre a ocupação humana daquela parte do baixo Amazonas, e

as tentativas de síntese se apoiavam nos relatos etnohistóricos e no estudo da

cerâmica .

Nossas Pesquisas a partir de 2006

Em 2006 realizamos um levantamento do potencial arqueológico ao longo da BR-163

entre Santarém e Rurópolis (217 km de extensão), elaborando um diagnóstico

arqueológico a pedido do Centran-IME (Centro de Excelência em Engenharia de

Transportes-Instituto Militar de Engenharia). Constatou-se a existência de 16 sítios

arqueológicos e cinco ocorrências isoladas de cerâmica arqueológica. Quase todos os

sítios arqueológicos identificados na área de planalto, a curtas distâncias da BR-163

estavam parcialmente destruídos por atividades antrópicas e quase todos eles possuem

cerâmica que os filiam à fase Santarém da Tradição Inciso-Ponteada. Apesar do

levantamento realizado por Curt Nimuendajú, nos anos de 1920, que identificou

diversos sítios de terra preta afastados da cidade de Santarém, os pesquisadores

tendem a considerar que essa cultura se limita à cidade de Santarém e suas

imediações. Entretanto, a pesquisa mostrou que se estende até cerca do km 72, por

uma faixa que vai do lado esquerdo da rodovia até a margem do rio. A esse estudo

seguiram-se outros, como uma coleta de superfície realizada em uma área de plantio,

na localidade de Tabocal (Sítio da Zinha, km 23 da BR-163), município de Santarém, por

solicitação do IPHAN. Trata-se de uma área de terra preta arqueológica (TPA) de cerca

de 2 hectares e meio, onde coletamos abundantes fragmentos de cerâmica tapajônica

e objetos líticos, como uma rodela de fuso feita de uma rocha vermelha, com incisões

muito finas e bem executadas.

Cerâmica coletada no Sítio da Zinha

Em setembro de 2008, realizamos uma vistoria solicitada pelo DNIT e IPHAN na BR-163

onde as obra de asfaltamento, a cargo do 8º. BEC, estavam acontecendo sem que se

cumprisse a Portaria 230/2002 do IPHAN, que prevê a necessidade de estudos

arqueológicos prévios à instalação de empreendimentos desse tipo. Durante a rápida

vistoria realizada (Schaan, 2008), constatou-se a destruição parcial dos sítios

arqueológicos Moju (aquele registrado por Nigel Smith em 1973) e a destruição de

outro sítio de terra preta na Fazenda Mutum. Posteriormente realizamos o salvamento

de ambos os sítios, mas havia pouco material remanescente.

A partir dos dados gerados pelo diagnóstico realizado em 2006, sentimos a

necessidade de aprofundar as pesquisas na região, independentemente dos estudos

relacionados à rodovia. Foi assim que iniciamos contato com o pesquisador Per

Stenborg, do Museu Mundial das Culturas, em Gotemburgo, Suécia, que havia

organizado a publicação de um livro com os resultados das pesquisas de Nimuendajú

na região na década de 1920.

Nimuendajú identificou 48 sítios durante os meses de abril, julho e agosto de 1923, na

região de Alter do Chão/ Arapixuna, na margem sul do lago grande de Vila Franca e na

margem direita do Amazonas, entre esse lago e Arapixuna (Nimuendajú, 2004). Um

único sítio estava localizado em área alagada, na ilha do Taperebá (lago Grande),

enquanto todos os outros em áreas elevadas, no platô ou serras. Todos são sítios de

terra preta, conectados por estradas. Junto ao rio ele identificou apenas duas terras

pretas: Alter do Chão e Aldeia (Bairro Aldeia, na cidade de Santarém). Ele assinalou

que, além de Aldeia, Lavras, situado no planalto, seria outro sítio com muita cerâmica

decorada.

Per Stenborg, então, propôs um projeto em conjunto para inicialmente relocalizarmos

os sítios de Nimuendajú. Ele utilizou os velhos mapas, escaneando-os e plotando-os

sobre mapas recentes, para auxiliar na localização. Em novembro de 2008 o

pesquisador esteve em Santarém e durante 10 dias percorremos o planalto ao sul de

Santarém em busca dos sítios de Nimuendajú. Foram fundamentais nesse processo as

entrevistas com a população local, pois muitos locais, depois de passados 85 anos,

conservavam a mesma denominação. Conseguimos em um curto espaço de tempo

localizar 25 dos sítios 48 sítios de Nimuendajú. Em 2010 retomamos a prospecção,

identificando 60 novos sítios. A pesquisa regional tomou impulso graças a convênio

realizado entre a UFPA e o DNIT para a realização de programas de arqueologia nas

rodovias BR-163: Cuiabá-Santarém e BR-230: Transamazônica. A partir desse convênio

foi possível intensificar as prospecções no planalto e nas margens do Tapajós, e

escavar alguns sítios, como Cedro, localizado a 30Km de Santarém, onde foram

identificadas feições arqueológicas como sepultamento em urnas, um poço escavado,

que abastecia de água a aldeia, um piso de casa, um bolsão ritual, e muita cerâmica de

estilo inciso ponteada, como a encontrada em Santarém e outros sítios no planalto.

O levantamento regional contabilizou 111 sítios de diversos tamanhos e

profundidades, espalhados por uma região de cerca de 115 mil hectares. Atualmente

desenvolvemos, junto com Per Stenborg, um projeto visando aprofundar o estudo

desses sítios e sua inserção na paisagem .

Mapa dos sítios arqueológicos com locais mencionados no texto

O Sítio Porto de Santarém

Em 2007 iniciamos as pesquisas no sítio PA-ST-42: Porto de Santarém através de

parceria com a Dra. Anna Roosevelt. A partir de 2010, o NEPA-Núcleo de Pesquisas e

Estudos em Arqueologia da UFPA assumiu a pesquisa por inteiro. O sítio está localizado

na área portuária pertencente à Companhia Docas do Pará e na área adjacente da

Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA.

Acreditamos que o sítio do bairro Aldeia, juntamente com o Porto, guardam os

vestígios da antiga ocupação tapajó na área. Pelas dimensões desse sítio e pela cultura

material encontrada, essa seria a “capital” da província dos Tapajós descrita nos

relatos dos séculos XVI e XVII.

Em 2007 as pesquisas foram realizadas no âmbito de um projeto de Expedição

Científica, com recursos da Fundação Fullbright. Foi então escavada a área 10-1, de

interesse de Anna Roosevelt, que havia já investigado esta mesma secção do sítio

anteriormente. Nesse local foram encontrados remanescentes de artefatos ligados a

festividades, depósitos de atividades de produção de artefatos especiais, além de

remanescentes humanos de cremação. Além disso, em depósitos em profundidades

que variavam entre 75 e 125 cm, Roosevelt definiu uma série de camadas culturais

distintas abaixo dos depósitos da cultura Santarém, propondo a existência ali de uma

cultura formativa.

Em 2009 estabeleceu-se um convênio entre a Companhia Docas do Pará, Cargill

Agrícola S/A e Universidade Federal do Pará, com intermediação da Fundação de

Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa - Fadesp. O convênio previu um cronograma

para ser executado em três anos e meio, ao final dos quais apenas uma área, a 10-5,

seria mantida como área de preservação, sendo feitas liberações anuais de áreas para

a CDP na medida do andamento dos trabalhos.

Áreas do Sítio Porto

Em 2009 foi realizado salvamento arqueológico em três áreas do porto: área 4A, área

4B e área 1 Sul. Todas as áreas haviam já sido impactadas por terraplenagem,

colocação de aterro e decapamento ocasional para manutenção de campos de futebol.

Na área 4A, como resultado das escavações foram encontrados um aterro moderno,

restos de casa e estradas modernas, duas plataformas cerimoniais arqueológicas e seis

tesos domésticos arqueológicos. Foi encontrado um sepultamento em vaso, o que é

raro na fase Santarém. Na área 4B foram encontradas estruturas de piso, bolsões

rituais e material cultural abundante na camada de terra preta arqueológica.

Em 2010 e 2011 foram escavadas as áreas 2, 2A e 1 Sul, as duas primeiras já muito

impactadas pelos campos de futebol. Na área 2 foram identificadas vasilhas enterradas

onde foram encontrados fragmentos muito pequenos de ossos. Na área 2A foram

identificados bolsões rituais contendo abundante cerâmica decorada e um pingente do

tipo muiraquitã. Na área 1Sul foram encontrados muitos artefatos líticos, incluindo

abrasadores, indicando ser aquela uma área de produção de material lítico.

Escavação de dois bolsões, primeiros 20cm

As escavações comprovaram a riqueza dos depósitos culturais do sítio Porto, que,

apesar dos grandes impactos que vem sofrendo ainda é uma das áreas mais bem

preservadas na cidade de Santarém para o estudo da ocupação pré-histórica na região.

Padrão de Ocupação nas Margens do Rio Tapajós

O número de sítios registrados próximos e a ao longo da margem direita do Tapajós no

trecho compreendido entre a ponta Muretá (Santarém) e São Domingos (Belterra),

contabiliza 17 sítios, alguns com mais de 30 ha (como Iruçanga e Pindobal). São sítios

estrategicamente posicionados às proximidades de igarapés, lagos perenes e/ou

sazonais que nos períodos de cheia, com o movimento migratório dos cardumes,

funcionam como berçários naturais para a reprodução de peixes e quelônios. Assim,

serviam como fontes estratégicas de obtenção de alimentos no período pré-colonial;

atualmente esses locais são manejados por populações ribeirinhas para obtenção de

quantidade significativa de proteína animal.

Os sítios investigados apresentam camada arqueológica formada por TPA de

consistência arenosa com 50 cm de espessura em média e cerâmica composta por

assadores com impressão por cestaria, tigelas, pratos, vasos globulares, modelados,

incisões finas, ponteados, incisos, acanalados, engobados de vermelho,alaranjado e/ou

amarelo. Do ponto de vista estilístico, a cerâmica está relacionada à Tradição Inciso-

Ponteada, com similaridades a montante e a jusante no vale do Tapajós e nas áreas do

Nhamundá-Trombetas.

Cerâmica do sítio Iruçanga

Alguns sítios arenosos próximos à margem do Tapajós estão bem preservados, outros

erodidos e/ou sedimentados pela ação das chuvas. Por exemplo: o Sítio Iruçanga tem

partes em que a sedimentação, com cerca e 1m, selou a camada original de TPA. No

sítio Murarema, grande parte da camada erodiu por décadas de exposição a céu

aberto, carpina e varreduras para limpeza de folhas. Já o sítio Caxambu parece estar

mais bem preservado por vegetação de savaninha e campos naturais.

Quanto à coloração do solo, é de uma tonalidade cinza, o que parece ser próprio da

composição contida na camada, onde o teor de matéria orgânica não é tão elevado;

por outro lado, o padrão cerâmico neste sítio difere da cerâmica Santarém em sua

maioria. Esses sítios estão localizados a salvo das cheias do Tapajós, em bancos com

elevação média de 1 a 3 metros, e o processo erosivo vem ocorrendo na margem da

praia, onde a vegetação foi removida.

Padrão de Ocupação no Planalto

Com o andamento das pesquisas, a cada novo levantamento de campo na região de

planalto observa-se que o adensamento de sítios arqueológicos aumenta, reforçando a

ideia de aldeias muito próximas umas das outras, ligadas por caminhos alguns ainda

identificáveis (como no sítio Curucuruí). O padrão cerâmico encontrado nos sítios

arqueológicos investigados inclui um modo polícromo ainda não datado e estudado.

Aparentemente, há semelhanças com material recolhido em pesquisas realizadas nas

áreas Nhamundá-Trombetas e Juruti e denominadas de cerâmica Pocó, que

forneceram datações que as remetem a mais de 2 mil anos antes do presente .

Possivelmente a cerâmica encontrada no sítio Andirobal, registrada ao sul de

Santarém, pertenceria à mesma linha temporal.

As áreas de planalto ao sul de Santarém foram desde sempre excelentes fontes de

recursos para populações de caçadores-coletores no período arcaico; no entanto nos

parece que o sedentarismo nestas áreas toma impulso próximo no advento da era

Cristã, com aprimoramento de técnicas agrícolas e manejo de recursos aquáticos que

proporcionou aumento populacional junto às margens dos rios Amazonas e Tapajós.

Sugerimos um padrão de ocupação hipotético para essas áreas composto por três

estágios distintos, tendo como início ocupações em áreas próximas às bordas do

planalto ao sul de Santarém, geralmente com uma fonte de água na base das serras,

seguida pela instalação de aldeias nas imediações de vales secos e profundos que

acumulavam água em alguns pontos e que o com o desenvolvimento de técnicas de

engenharia tiveram suas áreas manejadas com obras de terraplenagem, com abertura

de poços em suas bases, tornando-os perenes no período de verão; e o terceiro

estágio seria a ocupação de áreas planas sem disponibilidade de recursos hídricos nas

imediações e a construção de poços associados às aldeias para suprir a carência de

água no período de verão. Esse terceiro e último estágio estaria em curso no período

colonial e pode ter sido incrementado pela presença portuguesa junto às margens, que

com suas incursões belicosas denominadas “Tropas de Resgate” e busca de “Drogas do

Sertão”, que teriam causado o recuo e fuga de populações indígenas para áreas de

terra firme afastadas das margens muito assediadas.

Essas hipóteses parecem ser confirmadas pela cronologia dos sítios. As datações

obtidas colocam a ocupação tapajônica da cidade de Santarém entre AD 900 e 1600. Já

no planalto, os sítios Cedro, Amapá e Fé em Deus foram datados entre AD 1400 e

1670.

Evidências seguras da ocupação destes sítios por populações estáveis e sedentárias são

atestadas pela presença associada de obras de terraplenagem de grande porte na

figura de inúmeros poços para armazenamento de água, alguns de grandes

proporções, com mais de 100 metros de diâmetro e grande profundidade, com

capacidade de armazenamento de milhares de litros d’água - Sítios da Zinha, São

Martinho, Genipapo, etc -, o que implicaria em organização e planejamento para a sua

execução. Além de poços foram registras outras obras de terraplenagem como as

estruturas de terra artificiais no sítio Amapá 1, com tesos medindo aproximadas de 1

metro de altura, 13 m de largura e 45m de comprimento, associados a um poço com

aproximadamente 30 metros de comprimento.

Diferentemente do bioma às margens do Tapajós, de vegetação baixa e solos

arenosos, o planalto apresenta solos argilosos (latossolo amarelo), floresta alta e

poucos cursos d’água. Neste ambiente instalaram-se no período pré-colonial uma série

de aldeias de tamanho que variam de 2 ha a mais que 40 ha (Sítio Dona Gita e Sítio

Amapá 1, respectivamente), com camada arqueológica com média de 50 cm de

espessura. Estes sítios apresentam grande quantidade de implementos líticos

utilizados provavelmente nas práticas agrícolas indígenas, como lâminas, cavadores,

abrasadores plano e material cultural relacionado à cultura Santarém; vasos de

gargalo, vasos de cariátides, vasos globulares de estilo Santarém, estatuetas de base

unipedal e semilunar, vasos polícromo de estilo Santarém. Além do registro da

presença de cerâmica policroma antiga em um sítio e a recorrência da clássica

cerâmica de estilo Santarém, as escavações revelaram um modo cerâmico pintado que

guarda semelhanças com o estilo globular registrado por Hilbert nas áreas Nhamundá-

Trombetas. As cerâmicas de estilo globular parecem ter influenciado as cerâmicas da

fase Aldeia no centro de Santarém, pois vasos globulares carregam nas bases dos vasos

clara influência deste estilo, além de grafismos e incisões, presentes em vasos

clássicos da Tradição Inciso-Ponteada. Este fato parece indicar que ocorreram

processos de aprimoramento, empréstimos e evolução na indústria cerâmica regional,

ao contrário de substituições abruptas. Um ponto singular na cerâmica de estilo

globular na área Santarém é que os apliques modelados nas bordas dos vasos são

fixados pela técnica de ranhuras, uma coisa própria da cerâmica Santarém.

Outra questão observada diz respeito à segurança na localização de algumas aldeias,

que foram instaladas na base de vales secos (Tabocal), sem campo de visão de quem

chega ou quem sai. Isso nos parece mais um indicativo de estabilidade política na área

Santarém no período pré-colonial. Outro fato corrobora a permanência de populações

indígenas em sítios arqueológicos no planalto ao sul de Santarém no período histórico,

como o relato do encontro, por colonos, em praticamente todos os sítios investigados,

de cachimbos cerâmicos angulares com decoração barroca que, segundo Frederico

Barata, está relacionado ao período da conquista, via ordens religiosas.

Conclusões

Os estudos que temos realizado em Santarém e Belterra tem mostrado que, apesar da

grande dispersão do estilo cerâmico tapajônico, em alguns sítios às margens de rios

tem sido encontrada cerâmica semelhante à konduri, indicando que essa grande

região onde se encontra a cerâmica inciso ponteada precisa ser estudada em uma

perspectiva regional.

A dispersão de características estilísticas e tecnológicas bastante semelhantes por uma

área tão extensa coloca algumas questões. Que tipo de relações tinham esses povos

entre si? Eles compartilhavam apenas algumas características culturais através de

difusão e trocas, ou estavam integrados em um mesmo sistema sociopolítico? . Não há

no momento dados suficientes para responder a essas perguntas. Para nosso estudo,

entretanto, é necessário estudar a dispersão regional da fase Santarém e buscar

entender que tipo de economia política está relacionada com a distribuição espacial da

cultura material e as formas de ocupação da paisagem.

Esse estudo reveste-se de importância por resgatar a história dos tapajó tão

dramaticamente afetada pela conquista europeia do continente, além de contribuir

para o conhecimento sobre a história dos sistemas socioculturais indígenas das

Américas de modo geral. Essa pesquisa, no entanto, corre contra o tempo. Os sítios

arqueológicos existentes no platô de Belterra tendem a desaparecer em poucos anos

graças à mecanização da lavoura. Já os sítios de terra preta localizados próximos de

Santarém estão sendo destruídos pela comercialização da terra fértil para canteiros e

gramados. Sabe-se que os solos de terra preta contêm vestígios arqueológicos;

portanto a retirada indiscriminada da terra preta têm ocasionado a destruição dos

sítios a uma velocidade alarmante. O uso atual da terra precisa ser compatibilizado

com a preservação do patrimônio arqueológico, nesse caso a única fonte de

informações sobre a sociedade tapajônica.

No momento da conquista, as sociedades indígenas amazônicas estavam em franca

expansão, ocupando vastos territórios e manejando as paisagens de forma a sustentar

povos que cresciam demograficamente. Os tapajó, cujo domínio tinha como centro a

área em que se encontra hoje a cidade de Santarém, é considerada uma das mais

complexas organizações regionais amazônicas, composta por várias vilas que

obedeceriam a uma chefia regional. De acordo com informações de viajantes dos

séculos XVI e XVII, essa chefia regional tinha o poder de cobrar tributos que eram

usados para sustentar uma elite administrativa, assim como funções especializadas,

guerras, festas e rituais comunitários .

Sabe-se muito pouco a respeito das relações entre essas sociedades centralizadas e

sua periferia, ou seja, comunidades que localizavam-se longe dos grandes aglomerados

populacionais, principalmente na terra firme, ao longo de rios menores e interflúvios.

Entendemos nossa pesquisa como uma oportunidade para contribuir com o

conhecimento das mudanças importantes em organização social que ocorreram na

várzea amazônica às vésperas da chegada dos europeus, ao documentar processos de

expansão geográfica em direção às áreas de interflúvio, que constituem-se na periferia

dos grandes sistemas regionais, descritos pelos espanhóis como “províncias”, ou

“reinos”. Nos próximos anos, estaremos escavando diversos sítios no platô, assim

como dando continuidade às pesquisas na área do Porto. Acreditamos que a

combinação dos estudos regionais com investigações pormenorizadas em sítios mais

bem preservados poderá responder às questões que hoje se colocam para a

arqueologia da região.

Bibliografia