Para Além da Reserva do Possível: A Expansão do Possível pela compreensão constitucionalmente...

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3 Para Além da Reserva do Possível: A Expansão do Possível pela compreensão constitucionalmente Adequada do Possível da Reserva Miguel Calmon Dantas 1 Sumário: 1 Temporalidade da Constituição: o dirigismo sobre a reserva orçamentária. 2 Revisitando a atividade tributária do Estado: leitura constitucionalmente adequada. 2.1 Noção de sistema e o sistema constitucional tributário. 2.2 Constitucionalismo, dirigismo constitucional e poder de tributar. 2.3 Noção constitucional de tributo e Direito Tributário. 3 O princípio da Solidariedade no Constitucionalismo Dirigente. 3.1 Natureza normativa do Princípio da Solidariedade: Solidariedade dirigente e dirigida. 3.2 Os Custos dos Direitos Fundamentais e o Neoliberalismo. 4 Conclusão. Referências Resumo: O presente estudo visa a comprovar a necessidade de ampliação da capacidade de atuação do Estado quanto às políticas públicas voltadas à efetividade dos direitos fundamentais mediante a expansão do possível propiciada pela redução das limitações que derivam da reserva do possível. Tal expansão decorre da solidariedade social, impositiva do exercício integral da competência tributária, da vinculação dos recursos arrecadados por tributos finalísticos para as finalidades que justificaram a exação, da inconstitucionalidade da DRU, e da execução orçamentária quanto às políticas sociais em se realizando a estimativa de receita. Palavras-chave: Constitucionalismo. Dirigismo. Direitos Fundamentais. Reserva do possível. Orçamento. Abstract: The purpose of this paper is to demonstrate the necessity of the expansion the performance of the State concerning public policies geared to the effectiveness of fundamental rights by expanding the possible favored by reducing the constraints arising from the cost of rights. This expansion stems from the social solidarity, which requires a) the full exercise of the power of taxation; b) the duty of funds raised by taxes for the purposes that justified it; c) the unconstitutionality of “DRU”, and d) the obligation to execute the budget by expending the funds raised on programs and social policies. Key-words: Constitutionalism. Fundamental Rights. Taxes. Effectiveness. 1 A TEMPORALIDADE DA CONSTITUIÇÃO: O DIRIGISMO SOBRE A RESERVA 1 Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor Adjunto da

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Para Além da Reserva do Possível: A Expansão do Possível pela compreensão

constitucionalmente Adequada do Possível da Reserva

Miguel Calmon Dantas1

Sumário: 1 Temporalidade da Constituição: o dirigismo sobre a reserva orçamentária. 2 Revisitando a atividade tributária do Estado: leitura constitucionalmente adequada. 2.1 Noção de sistema e o sistema constitucional tributário. 2.2 Constitucionalismo, dirigismo constitucional e poder de tributar. 2.3 Noção constitucional de tributo e Direito Tributário. 3 O princípio da Solidariedade no Constitucionalismo Dirigente. 3.1 Natureza normativa do Princípio da Solidariedade: Solidariedade dirigente e dirigida. 3.2 Os Custos dos Direitos Fundamentais e o Neoliberalismo. 4 Conclusão. Referências Resumo: O presente estudo visa a comprovar a necessidade de ampliação da capacidade de atuação do Estado quanto às políticas públicas voltadas à efetividade dos direitos fundamentais mediante a expansão do possível propiciada pela redução das limitações que derivam da reserva do possível. Tal expansão decorre da solidariedade social, impositiva do exercício integral da competência tributária, da vinculação dos recursos arrecadados por tributos finalísticos para as finalidades que justificaram a exação, da inconstitucionalidade da DRU, e da execução orçamentária quanto às políticas sociais em se realizando a estimativa de receita. Palavras-chave: Constitucionalismo. Dirigismo. Direitos Fundamentais. Reserva do possível. Orçamento. Abstract: The purpose of this paper is to demonstrate the necessity of the expansion the performance of the State concerning public policies geared to the effectiveness of fundamental rights by expanding the possible favored by reducing the constraints arising from the cost of rights. This expansion stems from the social solidarity, which requires a) the full exercise of the power of taxation; b) the duty of funds raised by taxes for the purposes that justified it; c) the unconstitutionality of “DRU”, and d) the obligation to execute the budget by expending the funds raised on programs and social policies. Key-words: Constitutionalism. Fundamental Rights. Taxes. Effectiveness.

1 A TEMPORALIDADE DA CONSTITUIÇÃO : O DIRIGISMO SOBRE A RESERVA

1 Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor Adjunto da

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ORÇAMENTÁRIA

Em 5 de outubro de 1988 vinha a lume a Constituição da República Federativa do

Brasil, marcada pela ansiedade de um novo presente e pela angústia do esquecimento de

uma memória aterrorizante. O futuro, tão próximo ou tão distante, também estava

abrigado no seu texto, mas ainda não demandava tanta preocupação.

A consolidação da democracia, a transição do papel para a realidade dos

princípios republicano e federativo, o respeito às liberdades e à efetividade dos direitos

sociais foram ansiosamente aguardados e desejados. A ditadura já ia tarde e o Estado

Democrático de Direito chegava mais tarde ainda. Tarde para o presente de exclusão, de

miséria e de pauperismo, mas sempre apto a projetar os objetivos compartilhados

solidariamente pela comunidade para um porvir que não poderia mais ficar ao livre

talante dos canhões e baionetas (LASSALLE, 1998, p. 36) e nem ao livre devir do

mercado e do poder econômico.

A Constituição brasileira transcende a sua dimensão de norma fundamental em

sentido jurídico-formal e reveste-se da condição de depositária das esperanças e utopias,

sendo fundamental também em sentido político, ético e comunitário. Daí se verifica que

em 1988 se promulgou um texto, mas que não se basta à existência de uma

Constituição. A Constituição se perfaz somente com o sentido que é construído

vivencial e culturalmente pelo povo e pelas instituições, como ressalta Peter Häberle

(2000, p. 35) ao considerar que a Constituição não se reduz ao seu texto, possuindo uma

vida propiciada pelo seu assento cultural na comunidade a que se refere, de modo que

“[...] los propios textos de la Constitución deban ser literalmente ‘cultivados’ para que

devengan auténtica Constitución”.

Em verdade, tem-se um processo de cultivo e de busca pela realização da

Constituição republicana, federativa, libertária e emancipatória; a Constituição empresta

a sua força normativa e sua pretensão de eficácia sobre os seus programas e para a

direção das políticas públicas, norteada pelas esperanças de transformação da realidade

social e política existente. Ao invés do governo dos homens e do governo das leis, tenta

se afirmar o governo das leis pelas pessoas humanas e para a sua dignidade, um governo

dos direitos fundamentais. Essa consolidação da materialidade ético-axiológica da

política e da ordem econômica, haja vista a extensão da eficácia dos programas e dos

direitos fundamentais, precisa de uma contínua ampliação da sua concretização fática,

Universidade Federal da Bahia e Coordenador do Curso de Direito e Professor Titular da Unifacs. Procurador do Estado da Bahia e Advogado.

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para que a Constituição não se distancie progressivamente do homem comum e do seu

dia-a-dia, resguardando-a contra o risco de erosão da consciência constitucional.

Para que a Constituição seja vivenciada, sentida e construída pela comunidade,

que é a sua intérprete (HÄBERLE, 1997), o tempo apresenta-se como uma sua

dimensão constitutiva ineliminável, embora seja o sentido social do tempo também

constituído pelo texto constitucional. Karl Loewenstein (1965, p. 158-159) pondera que

a existência de uma constituição requer tempo para que ela se integre na consciência da

nação, o que poderia ser expressado num sentido orientado pela reflexão hermenêutica

mediante o reconhecimento da necessidade de distanciamento histórico como condição

para que o novo texto seja realmente percebido como o novo, acarretando a angústia e o

estranhamento que propiciam a produção do sentido pela comunidade.

Para Gadamer (1999, p. 445), o tempo é o fundamento do acontecer, em que as

raízes da atualidade são fincadas, sendo a distância temporal “[...] uma possibilidade

positiva e produtiva do compreender. Não é um abismo devorador, mas está preenchido

pela continuidade da herança histórica e da tradição, a cuja luz nos é mostrado todo o

transmitido”.

E a dimensão temporal e o distanciamento histórico havido nesses vinte anos

possibilitam uma compreensão mais adequada, mais produtiva e mais comunitariamente

concertada das possibilidades dirigentes da Constituição Federal diante do contexto

social que matiza o entendimento dos programas e dos direitos fundamentais. A

experiência de sentido da Constituição abre os horizontes para as possibilidades de

construção de uma Constituição que permitam a sua efetiva operatividade sobre a

realidade social.

Disso não resulta, evidentemente, qualquer perspectiva metafísica que funde a

normatividade constitucional num decisionismo político-heróico que caiba ao Estado,

evitando qualquer perspectiva teórica que envolva metanarrativas emancipatórias

fundadas numa filosofia do sujeito, afastando a respectiva crítica de Canotilho (2006, p.

106-107).

A Constituição Federal não pode tudo; em verdade, ela, por si só, pode muito

pouco em não se ressaltando a sua constitutividade pela comunidade de que proveio e

que deve se compreender como auto-representada no texto constitucional. A partir dessa

perspectiva se explica a passagem de Löewenstein (1979, p. 229) em que considera a

possível indiferença do cidadão, do homem comum, para com a constituição, pois ela é

incapaz – por mais extensos que sejam os catálogos de direitos – de reduzir o abismo

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entre ricos e pobres, de “[...] traer ni comida, ni casa, ni ropo, ni educación, ni descanso,

es decir, las necesidades esenciales de la vida.”

Não obstante isso, essa percepção da falta de operatividade e de normatividade

própria à constituição é apenas decorrência da compreensão da sua dependência

daqueles que a erigiram e que devem lutar pela sua máxima realização. Como aponta

Pablo Lucas Verdú (2007, p. 131), “O processo criador do Direito implica a luta”. Essa

luta só pode se efetivar se houver a compreensão do novo em que se constitui a

Constituição de 1988 e se houver a percepção das possibilidades produtivas do novo no

âmbito do contexto social e político. Essa luta também é condicionada, como exposto,

pelo sentido de pertencimento social da comunidade à Constituição, que deve se

perceber como auto-representada, como bem pontua Peter Häberle (2000, p. 34) em

excerto abaixo transcrito, in verbis:

La Constitución no se limita solo a ser un conjunto de textos jurídicos o un mero compendio de reglas normativas, sino la expresión de un cierto grado de desarrollo cultural, un médio de auto-representación propia de todo un pueblo, espejo de su legado cultural y fundamento de sus esperanzas y deseos.

O próprio Verdú reconhece e exalta a dimensão cultural do Estado de Direito

(2007, p. 6), posto a serviço da realização das aspirações e valores comunitários. Assim,

tanto a Constituição Federal de 1988 deve importar para todos, como todos devem

importar para o seu texto e para a sua concretização culturalmente vivenciada e

construída, sendo essa relação recíproca imprescindível para afirmação da solidariedade

social e para a dignidade da pessoa humana.

A Constituição de 1988, como qualquer outro texto constitucional, não é mágica e

não deve propiciar ilusões, do que se depreende o relevo da atenção da Gadamer (1999,

p. 527-528) à experiência da existência como denotadora da finitude humana, conforme

excerto abaixo, in verbis:

Experiência é, pois, experiência da finitude humana. É experimentado, no autêntico sentido da palavra, aquele que é consciente desta limitação, aquele que sabe que não é senhor do tempo nem do futuro. O homem experimentado, propriamente, conhece os limites de toda previsão e a insegurança de todo plano. Nele consuma-se o valor da verdade da experiência. ................................................................................................................. A verdadeira experiência é aquele na qual o homem se torna consciente de sua finitude. Nela, o poder fazer e a autoconsciência de uma razão planificadora encontra seu limite. [...] toda expectativa e toda planificação dos seres finitos é, por sua vez, finita e limitada. A verdadeira experiência é assim experiência da própria historicidade.

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A Constituição Federal de 1988 é portadora de valores comunitários que fundam o

sentido de pertencimento dos membros da comunidade, consagrando os objetivos da

associação política constitutiva do Estado Democrático de Direito e, consequentemente,

as utopias jurídicas.

Aliás, se o tempo apresenta uma dimensão constitutiva da compreensão da

Constituição, enquanto processo de experiência social comunitária e culturalmente

vivido, e o próprio tempo, em seu sentido social, sofre a inflexão jurídico-normativa da

Constituição, há de se destacar que o passado, o presente e o futuro estão

constitucionalmente abrigados.

Com efeito, notadamente no que respeita ao contexto social brasileiro, a

Constituição Federal de 1988 provém da necessidade de redemocratização do Estado

brasileiro, de garantia das liberdades e de melhoria das condições existenciais e

materiais da imensa maioria da população.

Encontra-se com o desafio presente de realização republicana, democrática,

solidária e emancipatória dos objetivos constitucionais e dos direitos fundamentais e,

como tal, volta-se para o futuro, espelhando a atitude que Dworkin (1999, p. 492)

considera inerente ao direito: a atitude construtiva, decorrente da postura que deve

provir de todos de colocar “o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho

para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado”, sendo, em última

análise, uma atitude fraterna, que se poderia melhor entender como solidária, fundada

na união de todos numa comunidade, apesar da existência de interesses, projetos e

convicções particulares.

Dessarte, se a Constituição Federal de 1988 não pode trazer comida, casa,

alimento e outros bens essenciais, por si só, deve ter a sua normatividade processual e

comunitariamente desenvolvida e construída para dirigir o Estado e a comunidade para

a concretização possível, diante do que seja real e do necessário2, dos programas e das

utopias constitucionais, inerentes aos direitos fundamentais.

Toda a existência da comunidade abriga uma projeção de futuro e, como tal, tal

projeção tem de ser também constitucionalmente abrigada, como se dá, dentre outras

disposições, pelo art. 3° da Constituição Federal de 1988.

2 Acolhendo e adotando o possibilismo filosófico de Peter Häberle (2002, p. 63), cuja potencialidade produtiva é ressaltada pelo constitucionalista alemão.

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Assiste razão a François Ost (2005, p. 21) quando observa que memória, perdão,

promessa e questionamento são perspectivas distintas de uma mesma temporalidade

jurídica, cabendo identificá-las no texto constitucional.

No âmbito do presente estudo, tais considerações são imprescindíveis diante da

necessidade de acentuar que nesses mais de vinte anos de constitucionalismo

democrático e social, muitas vezes claudicante, outras, marcado pela tibieza, subsiste a

produtividade normativa dos direitos fundamentais e das utopias constitucionais,

exigindo uma postura de luta e uma atitude construtiva matizada ela reflexão

hermenêutica e pelo pensamento possibilista que ensejem a progressiva conversão do

papel para a realidade. A crítica que provém das utopias constitucionalmente abrigadas

e a projeção de futuro que encerram são próprias da dimensão temporal da vida

comunitária, haja vista que ninguém se associa politicamente para o livre devir ou para

o devir conduzido por uma lex mercatoria.

Para tanto, há de se acentuar a alteração da concepção existente com relação às

condições de realização dos direitos fundamentais e dos programas constitucionais,

usualmente dependentes da reserva legal e da reserva orçamentária (CANOTILHO,

2008, p. 266). Observe-se que não apenas os direitos sociais, mas também as liberdades

e os direitos fundamentais como um todo, além dos programas constitucionais, por

portarem, todos eles, dimensões de positividade da ação pública e da própria

comunidade3, como também do mercado, encontram-se limitados pela chamada reserva

do possível.

Por essa via, conclui-se que a propalada crise de financiamento do Estado Social

(CANOTILHO, 2008, p. 252-259), percebida com acuidade por James O’Connor

(1982), que pressupõe uma crise paradigmática e ideológica (STRECK, 2002, p. 67-72),

não atinge apenas os direitos sociais e a potencialidade dirigente da Constituição

Federal de 1988, referindo-se a todos os direitos fundamentais.

James O’Connor (1982, p. 10-11), utilizando-se de categorias marxistas, situa a

crise fiscal do Estado na feição antagônica e contraditória que lhe confere o capitalismo,

pois ao mesmo tempo em que tem o Poder Público de promover o aumento da

3 Conforme desenvolvimento doutrinário desenvolvido por Vergottini (2004, p. 231), Pablo Lucas Verdú (2000, p. 148-149), Cass Sunstein e Stephen Holmes (2000), todos os direitos fundamentais encerram, com alguma intensidade, uma dimensão positiva, a par da dimensão negativa, afastando a distinção entre direitos de defesa e direitos a prestações, posto que todos exigem determinadas abstenções e determinadas atuações do Poder Público. Também Canotilho (2008, p. 265) admite que, de certa forma, todos os direitos são positivos. Na doutrina pátria, Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2008, p. 265) reconhecem a ambivalência dos direitos fundamentais, admitindo, com matizações, a distinção entre direitos de defesa e direitos a prestações. Ainda sobre o tema, a análise procedida em estudo distinto (CALMON DANTAS, 2007, p. 405-407).

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acumulação, propiciando o aumento da mais-valia, incumbe-se de assegurar a

legitimação do sistema político-econômico propiciando condições de harmonia social.

AQUI

Nesse contexto, há de se reconhecer que os recursos públicos são finitos e

limitados, condicionando a ação pública relacionada à promoção e à realização dos

objetivos constitucionais e de efetividade dos direitos fundamentais, existindo,

efetivamente, uma reserva do possível4. Não se pode, entretanto, admitir a simplista e

superficial aceitação da reserva do possível como obstáculo intransponível para a

efetividade dos programas constitucionais e dos direitos fundamentais, pois importaria

reduzir o relevo ético-jurídico da sua fundamentação a um aspecto meramente

econômico.

Embora os direitos fundamentais demandem custos (SUSTEIN; HOLMES, 2000),

não podem ser reduzidos a cifras ou a meras opções de investimento pecuniário; ao

contrário, a maximização da eficácia dos direitos fundamentais, exigida pela

normatividade dirigente da Constituição Federal, impõe que o possível da reserva seja

ampliado, com a consequente mitigação da reserva do possível.

E nesses vinte anos de constitucionalismo dirigente brasileiro, o olvido e a falta da

percepção acerca da repercussão da eficácia dos direitos fundamentais e dos programas

constitucionais sobre a reserva do possível foi muito sentida, notadamente por implicar

num obstáculo à promoção das políticas públicas e sociais que sejam normativamente

dirigentes aos direitos sociais para além do mínimo vital, almejando o máximo

existencial.

A pretensão de eficácia (HESSE, 1991, p. 19) da Constituição Federal impõe que

não se reduzam as condições de realização dos direitos sociais à reserva orçamentária,

não podendo ser compreendida a sua efetividade apenas como uma questão econômica;

contudo, não se pode buscar a efetividade sem a reflexão acurada sobre o que permeia e

compõe a reserva orçamentária a fim de que o seu possível seja cada vez mais

expandido.

4 Afigura-se pertinente uma distinção entre reserva do possível e reserva orçamentária. Aquela seria referida às condições do contexto social e econômico presentemente existentes; essa teria relação com as limitações dos recursos públicos e as exigências de alocação orçamentária. A reserva do possível teria relação com a comunidade e a reserva orçamentária com o próprio Estado. Assim, uma majoração representativa do salário mínimo que o fizesse alcançar o valor necessário ao atendimento das suas destinações constitucionais não poderia ser suportado, de uma única vez, pela sociedade; já a reserva orçamentária condiciona a atuação do Poder Público que demande a alocação de recursos conforme o orçamento. A majoração do salário mínimo para atender às necessidades a que se refere o art. 7°, inciso IV, da Constituição Federal seria mediada pelo contexto social e econômico como um todo e a promoção da saúde e da educação consoante as demandas sociais limitma-se mais pela capacidade de ação estatal modulada pela escassez orçamentária.

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A reflexão do presente estudo foca-se, portanto, na necessidade de investigar mais

a fundo a compreensão constitucionalmente adequada e conformada da reserva do

possível, especialmente no âmbito da reserva orçamentária, com o desiderato de

potencializar e maximizar do possível. Se há escassez de recursos públicos, limitando a

ação pública e as políticas públicas, deve-se problematizar a questão a partir da

interação entre o dirigismo constitucional e a sua teoria, adequada às plagas brasileiras,

e à economia.

A prioritária efetividade dos direitos sociais, potencializada pelo dirigismo, traz

consigo o imperativo de que a escassez seja mitigada e de que os recursos, mesmo

escassos, sejam devidamente alocados tendo em vista essa prioridade, mais afinada com

os objetivos constitucionais e a feição republicana, emancipatória e solidária que deflui

do texto constitucional.

O possível da reserva, dessarte, pode e deve ser expandido, conforme uma

reflexão hermeneuticamente fundada e matiza por um pensamento possibilista voltado

não apenas ao dirigismo constitucional sobre as políticas públicas, mas, no que importa

ao presente estudo, ao dirigismo constitucional sobre a atividade tributária do Estado e

sobre o orçamento público.

A dimensão res publicana da Constituição Federal de 1988, com mais intenso

sentido material, propiciada pela distância temporal dos ares autoritários dos anos que a

antecederam, e a solidariedade social, abrigada como princípio e objetivo fundamental,

acarretam a impostergável consequência de não ser possível invocar puramente a

ausência de recursos orçamentários para eximir o Poder Público dos seus deveres

constitucionais provenientes dos direitos sociais e dos programas constitucionais; antes,

há de se potencializar a atividade tributária do Estado tanto no que respeita à

arrecadação, quanto no que tange à alocação e dispêndio da riqueza socialmente

produzida a fim de que seja objeto de redistribuição, que é uma das funções

legitimadoras do Estado Social.

Ora, a atividade tributária efetivada no âmbito do Estado Social brasileiro, cuja

Constituição possui um caráter dirigente, deve ser a expressão mais nítida da

solidariedade social. A solidariedade social é, assim, fundamento da atividade tributária

do Estado e, por sua vez, é dirigida aos programas constitucionais e aos direitos

fundamentais, dentre os quais gozam de prioridade, de acordo com a realidade social e

econômica brasileira, os direitos sociais.

A solidariedade não abriga somente um caráter dirigido, sendo também dirigente.

Se ao fundamentar e legitimar o tributo pela feição redistributiva da riqueza social

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própria ao Estado Social – dimensão constitutiva do Estado Democrático de Direito,

conforme o dirigismo constitucional pátrio – a solidariedade é dirigida, impõe-se que

seja dirigente no que respeita à alocação e ao dispêndio dos recursos arrecadados.

Afigura-se que apenas através dessa perspectiva em que se potencializa a eficácia

dos programas constitucionais e dos direitos sociais mediante a compreensão da

solidariedade como dirigida e dirigente é que se pode tornar o possível ainda mais

possível e a reserva ainda mais reservada; em outras palavras, se a comunidade participa

da construção de sentido a Constituição e se ela deve se perceber e se sentir auto-

representada no seu texto, projetando-se em suas utopias, deve arcar com tais

programas, direitos e projetos; em contrapartida, impõe-se que a atividade tributária do

Estado volte-se à realização precípua desses programas, direitos e projetos, justificando-

se sobremodo que a solidariedade repercuta efetivamente sobre a política orçamentária,

vinculando dirigentemente a alocação de recursos.

Pablo Lucas Verdú (2007, p. 104) expressa que o núcleo da política social do

Estado de Direito Social é a repartição dos benefícios sociais, exaltando a importância

do objetivo de redistribuição da riqueza produzida por remeter à justiça social. Para

tanto, ressalta acertadamente a função social do tributo, o que propicia a fundamentação

das possibilidades de contenção da dita reserva orçamentária, consistente no

condicionamento financeiro da capacidade de atuação do Estado.

O tributo, entendido como expressão da solidariedade social, permite a limitação

da reserva orçamentária ao justificar a imposição de determinados deveres fundamentais

ao Estado, concernentes ao exercício da competência tributária e à alocação dos

recursos arrecadados.

Talvez não seja essa compreensão da existência de deveres fundamentais

impostos ao Estado, quanto à cobrança da exação e à alocação dos recursos – derivados

da solidariedade dirigente –, como condição para a ampliação do possível da reserva

orçamentária e, consequentemente, para uma mais extensa ação estatal voltada aos

programas e aos direitos sociais, suficiente a solucionar a propalada crise de

financiamento do Estado Social; não se pode, entretanto, aceder às doutrinas que

fundamentam o neoliberalismo e, por essa via, desaparelhar o aparato de atuação social

e das políticas sociais do Poder Público diante do seu altíssimo e inestimável custo

social.

Sem a dimensão do Estado Social, componente do Estado Democrático de Direito,

em especial pela compostura constitucional do Estado brasileiro, haveria um substancial

aumento da exclusão social e os objetivos fundamentais não poderiam ser sequer

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minimante atingidos, não sendo possível o retrocesso social que habilite “[...] a face

sombria do Estado de direito. Ele deixa ‘ao Deus dará’ a condição daqueles que não

têm os meios de assegurar a existência pela propriedade” (CASTEL, 2005, p. 31).

Embora o neoliberalismo aponte, como observa David Havey (2007, p. 64-65),

que a redução da pobreza só seria possível através do livre mercado e do livre comércio,

sobreviria a grave consequência de propiciar, dentre outros efeitos, a dissolução dos

vínculos sociais (HAVEY, 2007, p. 68). Ademais, Joseph Stiglitz (2003, p. 12) já

assentou que os fundamentos intelectuais do Estado mínimo, numa economia de laissez-

faire já foram empiricamente infirmados pela própria trajetória da economia americana

e das políticas econômicas implementadas. Não cabe ao livre mercado a realização da

justiça social.

Desse modo, a crise de financiamento do Estado Social e um certo sarcasmo

proveniente do distanciamento entre a realidade e o texto constitucional – caracterizado

pelo riso da mulher trácia por Canotilho (2006, p. 104-105) – não podem ser

solucionados com as medidas sugeridas pelo neoliberalismo, não assistindo razão, nesse

particular e referido ao contexto social brasileiro, a Zygmunt Bauman (2005, p. 44-45),

que torna o direito e a lei como meios de exclusão e de refugo humano, criando o homo

saucer e desperdiçando vidas.

Como registra Peter Häberle (2004, p. 183), “[...] l’État de droit social est une

actualisation géniale du viex concept de l’État du droit pour le vingtième siècle”5, sendo

um elemento estrutural essencial ao Estado Constitucional que denota a evolução dos

seus estratos textuais, justificando-se a afirmação da dimensão social na construção do

Estado Democrático de Direito, principalmente em países como o Brasil, em que grassa

a exclusão social associada com uma intensa concentração de riqueza.

O que ora se sustenta não se prestaria apenas para os direitos sociais, ainda que

sejam eles os mais sentidos e exigidos pela comunidade brasileira, haja vista a

similitude entre as liberdades e os direitos sociais quanto à dependência da ação estatal,

quer para proteger e promover, quer para garantir e satisfazer a pretensão dos indivíduos

quanto aos bens jurídicos a que se referem.

Por conseguinte, o objetivo deste estudo consiste em demonstrar que, dentre os

obstáculos para a realização dos direitos fundamentais mediante a formulação,

desenvolvimento e execução de políticas públicas, a reserva orçamentária pode ser

progressivamente contida, dando azo, paralelamente, à ampliação da ação estatal.

5 Em tradução livre, “[...] o Estado de Direito Social é uma atualização genial do velho conceito de Estado de Direito para o século XX”.

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Com efeito, a partir de uma compreensão constitucionalmente adequada e

dirigente do princípio da solidariedade, identifica-se a existência de uma imposição

constitucional de redução ao mínimo da reserva orçamentária, ampliando e expandindo

o possível da reserva. Tal expansão se viabiliza pela materialização tanto do dever

fundamental de pagar o tributo, como pelos deveres fundamentais, consubstanciados em

imposições constitucionais concretas, do Poder Público de a) instituir e de cobrar o

tributo, conforme a capacidade contributiva, b) de alocar as receitas provenientes de

tributos finalísticos e com destinação constitucionalmente vinculada, e c) de

implementar a alocação de recursos destinados, ainda que não vinculados, à promoção

de ações estatais voltadas para a realização dos direitos fundamentais.

Pretende-se, com efeito, sustentar a possibilidade de ampliação e expansão do que

seja possível a partir da reserva orçamentária pela sua progressiva limitação como

condição para a efetividade dos direitos fundamentais e dos programas sociais a partir

do desenvolvimento de deveres fundamentais impositivos ao Estado, resultantes do

princípio da solidariedade; se a crise fiscal é um dos problemas que causam o aparente

débâcle do Estado Social, entende-se que a sua superação não pode ser propiciada com

o afastamento integral do modelo, amparado por políticas de cunho neoliberal, mas pela

reforma e readaptação do modelo, de acordo com as condições complexas da atualidade

e no marco do texto e do contexto constitucional pátrio.

Para tanto, torna-se necessário sustentar a possibilidade de controle de

constitucionalidade das leis orçamentárias, o que se justifica por deverem exprimir as

prioridades constitucionais voltadas para a justiça social, na forma do art. 170 da

Constituição Federal, tornando patente que há relevância da destinação do produto da

arrecadação também para o Direito Tributário.

Da sustentação dos aludidos deveres fundamentais, de instituir e cobrar tributos,

de alocação de recursos provenientes dos tributos finalísticos e de receita vinculada em

conformidade com as causas que colimaram a sua criação, e de implementação da

alocação orçamentária relativa aos direitos fundamentais, ainda que sem vinculação

constitucional, extrai-se a necessidade de que o Poder Público a) esgote a sua

competência tributária, como também se evidencia a b) inconstitucionalidade da

Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a c) possibilidade de controle

jurisdicional que importe na imposição de execução orçamentária de verbas destinadas à

implementação de ação estatal voltada para os direitos fundamentais e para os

programas constitucionais que tenham sido objeto de contingenciamento.

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A partir dessas três medidas, decorrentes do conteúdo material ora sustentado do

princípio da solidariedade social, promove-se a expansão do possível da reserva

orçamentária, limitando a reserva por uma redução constitucionalmente adequada6.

Sobreleva, também, a análise das mais recentes decisões do Supremo Tribunal

Federal quanto à matéria, como também a atuação do Tribunal de Contas da União,

denotando uma ação mais efetiva dos órgãos de controle quanto à limitação da liberdade

de conformação do legislador relativamente à destinação de recursos e à formulação do

orçamento.

Para se chegar ao desiderato, afigura-se imprescindível proceder a uma releitura

do sistema constitucional tributário exigida na oportunidade dos vinte anos da

Constituição Federal de 1988, ainda que sob a perspectiva e enfoque concernentes ao

presente estudo, seguida do aprofundamento do princípio da solidariedade, desnudando

o seu conteúdo material no âmbito de um constitucionalismo dirigente.

Com tais considerações, tornar-se-á possível adentrar na apreciação da reserva da

orçamentária, justificando as medidas que viabilizam a sua redução e,

conseqüentemente, permitam ao Estado uma maior capacidade de financiamento para a

formulação, implementação e execução das políticas públicas voltadas à proteção,

garantia, promoção e satisfação dos direitos fundamentais em geral, principalmente dos

direitos sociais, correspondendo à direção fundamental que resulta do

constitucionalismo brasileiro, consistente na consecução do máximo existencial.

Dessarte, se o poder de tributar já foi concebido como o poder de destruir, precisa

ser desenvolvido como a capacidade de construir uma sociedade livre, justa e solidária,

exigindo a redução da escassez orçamentária atinente aos programas relacionados aos

direitos fundamentais.

Nisso, precisamente, assenta-se o relevo do presente estudo no momento

paradigmático dos vinte aos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

especialmente em razão da sistemática insensibilidade legislativa às prioridades

constitucionais, que não podem se adaptar às prioridades e metas de governo, posto que

os direitos fundamentais não estão subordinados ao livre jogo das vias do processo

democrático.

6 Não integra ao presente estudo a abordagem da reforma fiscal que possibilite uma maior simplificação, coerência e aperfeiçoamento do sistema tributário, o que também contribuiria para a expansão do possível da reserva orçamentária.

15

2 REVISITANDO A ATIVIDADE TRIBUTÁRIA DO ESTADO: LEITURA

CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA

A relação entre a atividade tributária do Estado e os direitos

fundamentais é marcante para o constitucionalismo, haja vista que se pode considerar

ter sido o exercício arbitrário do poder de tributar, associado ao arbítrio na imposição do

jus puniendi, um dos fatores que influenciaram o surgimento do constitucionalismo,

destinado, antes de tudo, à contenção do poder e à preservação e garantia de direitos

necessários para a existência digna, ainda que tais direitos sejam pautados pela

historicidade.

Em razão do vínculo originário manifestado quando do surgimento do

constitucionalismo, reputa-se que a atividade tributária do Estado apresenta um caráter

invasivo e interventor, incidindo sobre a propriedade e sobre a liberdade, dois dos

direitos fundamentais basilares do sistema econômico capitalista, instaurado pelo

constitucionalismo moderno.

O Direito Tributário, então, influenciado pelas garantias constitucionais

restritivas da atividade tributária, passaria a abrigar uma dimensão libertária, fundando-

se na preservação da autonomia pessoal e na propriedade.

Nesse sentido, classicamente, são ressaltadas as limitações

constitucionais ao poder de tributar, como os princípios da estrita legalidade, da

anterioridade, da capacidade contributiva, do não-confisco, dentre outros, no que

respeita mais diretamente ao contexto constitucional brasileiro.

O tributo teria, então, a função de possibilitar a apropriação de parcela da

riqueza circundante na sociedade a fim de prover a arrecadação do Estado para mantê-

lo, sem qualquer concepção finalística ou emancipatória.

Evidencia-se, pois, que a relação existente entre constitucionalismo,

direitos fundamentais e tributação é precipuamente de defesa, ou seja, o

constitucionalismo é erigido, e com ele as garantias que limitam o poder de tributar,

invasor da atividade econômica, também em face do tributo, o que repercute para a

concepção que se têm do Direito Tributário e do sistema tributário, notadamente o

brasileiro, com minudente disciplina constitucional.

Tais concepções, se não de todo equivocada, revelam-se

substancialmente errôneas por serem incompletas, posto que, no âmbito de um

constitucionalismo dirigente que impõe a ação estatal voltada para o atendimento dos

16

objetivos fundamentais previstos pelo art. 3°, embasando-se nos princípios republicanos

fundamentais do art. 1°, a atividade tributária e o tributo não podem ser compreendidos

apenas como formas de intervenção estatal na liberdades e na propriedade, posto que,

em análise mais profunda, mesmo tais direitos fundamentais, de liberdade e de

propriedade, dependem dos tributos para serem adequadamente garantidos e protegidos

pelas instâncias institucionais do Estado.

O que não se apercebia, e cuja compreensão se impõe mediante uma

filtragem constitucional pautada pelo caráter dirigente da Constituição Federal,

maximizada pelo neoconstitucionalismo7 é que o tributo não mais representa uma

invasão ou uma intervenção nos direitos fundamentais, justificando-se justamente

porque é através do tributo que se pode obter uma implementação progressiva dos

direitos fundamentais, exigida no constitucionalismo dirigente.

E tal relação entre a tributação e os direitos fundamentais se dá

justamente porque é mediante a atividade tributária que o Estado viabiliza a existência

dos recursos necessários para o financiamento da ação estatal, de acordo com o

planejamento, a formulação e o desenvolvimento de políticas públicas que sejam

acordes com a realização máxima das condições de existência digna, abrangendo as

liberdades reais e não meramente formais.

A tributação, conseqüentemente, é a forma pela qual a comunidade

participa do financiamento da despesa e dos gastos públicos, que têm de se direcionar

para a consecução dos fins que legitimam política e juridicamente o Estado, fins esses

que são os abrigados pelo art. 3° da Constituição Federal e que consistem, basicamente,

na imposição de realização ótima e progressiva dos direitos fundamentais.

O tributo, então, no contexto do constitucionalismo dirigente e de um

Estado de Direito que mais se apresenta como um Estado de Direitos, encerra uma

relevante função social, sendo a expressão da solidariedade conducente à construção de

uma sociedade mediante a progressiva redução da pobreza e da marginalização social e

das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem-estar, sem discriminação, a

fim de torná-la livre e justa.

Nesse sentido, o tributo é funcionalizado à implementação de recursos

que venham a ser alocados, quando da formulação do orçamento público, e em

conformidade com o planejamento e a formulação das políticas públicas, na realização

7 Entende-se por neoconstitucionalismo, ou por constitucionalismo pós-positivista, a etapa contemporânea da ciência do direito constitucional, marcada pela defesa da normatividade dos princípios, concebidos como instância ética ou reserva material de justiça, que se assegura por um sistema de garantias em que

17

progressiva dos direitos fundamentais, notadamente daqueles que condicionam uma

existência digna e que mais diretamente se referem à consecução dos objetivos

fundamentais.

Em razão de tais aspectos, constata-se que o Estado Democrático de

Direito em que se funda a República Federativa do Brasil é, como dito, um Estado de

Direitos Fundamentais, mas, também, um Estado Fiscal, cuja justa fiscalidade deve ser

pautada e desenvolvida a partir das direções constitucionalmente impostas, todas

apontando para a proteção e implementação dos direitos fundamentais.

A compreensão que se vem de sustentar é de sobremaneira importância,

notadamente em se tratando do Brasil, posto que um dos problemas mais graves para a

realização dos direitos fundamentais, que incide, inclusive, sobre a justiciabilidade das

políticas públicas respeitantes aos direitos fundamentais, consiste na escassez de

recursos públicos, problema que se aprofunda na medida em que as necessidades são

cada vez mais complexas e progressivas.

Nesse ínterim, coloca-se a questão atinente à reserva do possível, ou à

reserva orçamentária do Estado, consistente nas limitações fático-econômico-financeiras

do Estado para a adoção de ações de conteúdo positivo que se destinem a proteger,

garantir, promover e satisfazer os direitos fundamentais. Questão que não se limita

aos tradicionalmente concebidos direitos positivos, que seriam os direitos sociais, pois,

em verdade, todos os direitos fundamentais demandam custos e, conseqüentemente,

devem ser financiados pela sociedade, justamente através do tributo.

Já que nenhum direito fundamental é uma dádiva, há de se ressaltar a

necessidade de que a sociedade suporte o seu financiamento, suporte esse que,

evidentemente, não pode ser excessivo a ponto de destruir a fonte de custeio das

necessidades públicas; ou seja, ainda que o poder de tributar, arbitrariamente exercido,

seja também o poder de destruir8, a tributação, no contexto de um Estado de Justiça

Fiscal, é a condição necessária e imprescindível para a redução da reserva do possível

que limita faticamente a realização dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, o constitucionalismo dirigente importa que se conceba o

tributo, a atividade tributária e o Direito Tributário como funcionalmente ligados à

implementação e realização dos direitos fundamentais e dos objetivos fundamentais

têm função primordial de guarda da força normativa constitucional as vias de instauração do controle de constitucionalidade. 8 Como sustentado pelo Chief John Marshall, lembrado por José Casalta Nabais (2007, p. 180).

18

pelo Estado na medida em que propiciam que a sociedade compartilhe o financiamento

da ação estatal.

A temporalidade da Constituição Federal relativa ao tempo futuro revela

consigo a existência de direção juridicamente conformada também no que respeita à

tributação, apontado para uma ampliação do possível da reserva para que haja uma

progressiva e processual atualização do futuro e, reciprocamente, futurização do

presente. A atualização do futuro leva a uma aproximação das condições de

concretização das utopias jurídicas abrigadas pelo texto constitucional, exigentes da

ampliação do possível da reserva pela contenção da reserva orçamentária. De outra

parte, a futurização do presente é relevante para que seja projetada a ação pública

destinada à consecução das utopias concretas, repercutindo, igualmente, sobre a

atividade tributária.

Logo, infere-se que a compreensão constitucionalmente adequada do

tributo, repercutindo para os demais âmbitos, denota a sua caracterização como

expressão mais lídima de solidariedade social na medida em que deve ser

funcionalizado para viabilizar a redistribuição da riqueza pelo financiamento da ação

estatal, materializada pelas leis orçamentárias, que devem exprimir a justiça social.

A Constituição Federal brasileira promove uma detida disciplina da

atividade tributária do Estado, consagrando desde os fundamentos axiológicos

consubstanciados nos princípios constitucionais afetos à tributação, usualmente

incorporados ao rol das limitações constitucionais ao poder de tributar, até regras mais

pormenorizadas, dando compostura ao sistema constitucional tributário.

Enquanto sistema, a ordem constitucional relativamente à atividade

tributária deve ser aberta aos outros subsistemas constitucionais, numa interação e

alimentação recíproca, especialmente com os que resultam da constituição econômica e

da constituição orçamentária, mantendo uma relação de unidade também exterior,

convergente em direção aos princípios e objetivos fundamentais.

A compostura necessária do sistema constitucional tributário, a partir do

caráter dirigente da Constituição Federal, não pode cingir-se à imposição de limites à

atividade tributária, vinculando-a também positivamente, seja pela eficácia positiva dos

princípios constitucionais em geral, seja em razão da eficácia objetiva, e também

positiva, dos direitos fundamentais.

A alteração da noção constitucional do tributo, que se impõe, repercute,

então e necessariamente, na conformação do sistema constitucional tributário,

agregando-se o caráter dirigente à peculiaridade de sua rigidez.

19

Não obstante isso, para que seja possível promover a devida

compreensão do sistema constitucional tributário a partir do novo horizonte de sentido

aberto pela Constituição Federal de 1988, colocando em suspensão os preconceitos e

trazendo à fala a potencialidade emancipatória do texto constitucional9, também no que

respeita à atividade tributária do Estado, rechaçando qualquer vetusta concepção de

poder de tributar, faz-se mister adentrar na noção de sistema.

Esclarecida tal noção, afastando-se qualquer vezo positivista ou

formalista, procede-se à negação da concepção originária do denominado ‘poder de

tributar’, fundado em suposto império estatal, de onde provêm as denominadas receitas

derivadas, de que é expressão o tributo, principal fonte de financiamento da ação estatal.

A partir de então, sustenta-se uma leitura dirigente do sistema

constitucional tributário, renovando a noção constitucional de tributo, informada e

enformada pelo dirigismo constitucional e pela principiologia, a fim de reestruturar o

sistema constitucional tributário com a percepção de sua necessária relação não apenas

com a defesa da liberdade e da propriedade em face da tributação arbitrária, mas pela

concatenação finalística e funcional com as ações destinadas a implementação dos

direitos fundamentais por propiciar o financiamento das políticas públicas.

Essa compreensão não se impõe senão pela irradiação da eficácia do

princípio da solidariedade, agregado ao sistema constitucional, com as imposições que

disso decorram e que, por sua vez, relaciona-se intimamente com os princípios

republicano e da dignidade da pessoa humana.

2.1 Noção de sistema e o sistema constitucional tributário

A qualidade de sistema é das mais caras noções em Direito, notadamente porque

pertence ao jurista a função de buscar uma ordenação sistemática nos elementos que são

objeto da ciência jurídica, posto que a produção legislativa de há muito já foi percebida

como sendo destituída de um natural caráter coeso, unitário, completo e coerente,

notadamente com a rejeição do vetusto mito do legislador racional, expressão mais pura

do dogmatismo, do legalismo e do formalismo que tanto prejudicaram o

desenvolvimento do direito como instrumento de transformação social, papel que lhe é

conferido nos Estados que possuem constituições dirigentes.

9 Nesse sentido, Gadamer (1999, p. 672) aponta que “[...] a linguagem não constitui o verdadeiro acontecer hermenêutico enquanto linguagem, enquanto gramática nem enquanto léxico, mas no vir à fala do que foi dito na tradição, que é ao mesmo tempo apropriação e interpretação.”

20

Segundo Canaris (1996, p. 9-13), após tecer considerações sobre a concepção de

sistema em sede filosófica, aponta a existência de uma concordância, expressada

também no campo jurídico, de que todo e qualquer sistema se apresenta integrado pelas

características de ordem e unidade, que mantém constante intercâmbio.

Entretanto, salienta Canaris (1996, p. 9-16) que não se pode conceber que o

Direito, em si mesmo, encerre tais características, que se impõem à atividade científica

no sentido de exigir que as construções da ciência jurídica tenham ordem e unidade, não

como axiomas ou postulados metodológicos, mas como imperativos éticos, ressaltando

que “[...] a ideia do sistema jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados valores

do Direito, nomeadamente do princípio da justiça e das suas concretizações no princípio

da igualdade e na tendência para a generalização”.

Assim, a concepção do Direito como sistema teria a função de propiciar uma

adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica (CANARIS, 1996, p. 23),

sistema esse que não é de lógico, não é conceitual, mas teleológico ou axiológico.

Ademais, os sistemas jurídicos – que se integram a um único sistema – são

abertos, tanto à realidade quanto internamente, com relação aos demais sistemas

jurídicos, o que se destaca no que respeita ao sistema constitucional pela abertura

linguística dos enunciados normativos de princípios e de regras, exigente de uma

concretização que denota a unidade fundamental da compreensão, interpretação e

aplicação (GADAMER, 1999, p. 459-460).

Adentrando, com tais postulados, na análise da compostura que respeita ao

sistema constitucional tributário, evidencia-se a necessidade de revisitá-lo a fim de

compatibilizar a sua estruturação e funcionalização ao caráter dirigente da Constituição

Federal de 1988.

Nesse sentido, Geraldo Ataliba (1968, p. 8), tratando da questão antes do advento

da Constituição Federal de 1988, considera o sistema constitucional tributário como

“conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas

fundamentais e gerais do direito tributário, vigentes em determinado país”, asserindo

que as normas constitucionais se ordenam em função de um princípio comum, que

consiste, justamente, na matéria tributária.

O sistema constitucional tributário encontra-se, consequentemente, fincando na

Constituição Federal, não se podendo admitir, entretanto, como o faz Geraldo Ataliba,

que se constitua como um sistema parcial, adstrito à topografia constitucionalmente

expressa, afigurando-se muito mais pertinente a concepção de Humberto Ávila (2004, p.

22-24) que, em crítica assaz pertinente, obtempera ser reducionista situar o sistema

21

constitucional tributário apenas pela sua topografia constitucional através dos

dispositivos que expressamente regulam a matéria constitucional, o que acarreta –

embora se reconheça, como o próprio Ataliba faz, uma relação entre os sistemas

parciais e desses com o sistema total – uma perda das relações de implicação mútua e

recíproca entre os princípios e regras constitucionais.

Com efeito, considera Ávila que “O agrupamento externo das normas tributárias

na Constituição Brasileira conduz à presunção de que o sistema tributário ou está

somente regulado no capítulo do ‘Sistema Tributário Nacional’ ou não possui uma

profunda relação horizontal com a Constituição toda”.

Assim, mais adequada do que a concepção de que existem sistemas parciais e

totais, configurados abstratamente, arranjados em ordem e unidade, infere-se que há

uma superposição de sistemas constitucionais, de modo que o sistema constitucional

tributário é informado e enformado pela constituição como um todo, inclusive pelo

caráter dirigente que deflui do art. 3°.

Não se pode deixar, entretanto, de referir à concepção de sistema normativa de

Sacha Calmon, que abriga não apenas as normas, mas também por descrições

conceituais, atributivas e principiológicas, malgrado conferia à ciência jurídica caráter

meramente descritivo (COELHO, 2000, p. 72 e 94).

Ressalte-se, ainda, que a ordenação, na esteira do que sustentado por Canaris

(1996, p. 18-19), deve significar uma exigência de uma adequação axiológica dos

princípios e regras do sistema na resolução de um problema concreto, enquanto a

unidade, a par de ensejar a constatação de elemento agregador e ao qual se convergem

os demais – podendo consistir nos princípios e nos objetivos republicanos fundamentais

– caracteriza-se como expressão da isonomia na composição do sistema, sistema este

aberto à pluralidade de valores e interesses, que se submetem às relações de

coordenação e de restrição recíprocas.

Assim, há de se constatar que o sistema constitucional tributário brasileiro possui

duas características que o distinguem e exigem uma maior atenção do intérprete, sendo

uma que resulta da extensão disciplina constitucional sobre a atividade tributária,

conferindo-lhe rigidez (ATALIBA, 1968, p. 18); a outra características, mais funcional

do que estrutural, concerne ao caráter dirigente da Constituição Federal,

consubstanciada na existência de imposição de tarefas vinculantes ao Estado e

conformadoras da sociedade que importem na transformação da realidade para

concretização máxima de objetivos e fins axiologicamente relevantes e que se

consubstanciam como cláusulas de utopia (CANOTILHO, 1994).

22

Por conseguinte, se o caráter interventivo da tributação sobre a propriedade e

sobre as liberdades, sobre direitos fundamentais, justifica a analítica disciplina

constitucional, retirando a estruturação do sistema tributário da competência legislativa

ordinária, conferindo rigidez na preservação de tais valores, em proteção ao

contribuinte, não se pode ignorar que o dirigismo constitucional impõe, forte na

dimensão eficacial e positiva do princípio da solidariedade social, a existência de

imposições constitucionais ao legislador e à Administração Pública, como também aos

contribuintes em geral.

Nesse sentido, o dirigismo constitucional, estendendo-se na compreensão e

compostura do sistema constitucional tributária, impõe o desenvolvimento de uma

política tributária e, correlativamente, de uma política financeira que se integre ao

planejamento da ação estatal vinculado à formulação, implementação e execução de

políticas públicas que se dirijam à realização dos direitos fundamentais, em suas

múltiplas dimensões eficaciais.

Para tanto, o sistema constitucional tributário não pode ser entendido de forma

isolada e sem concatenação material com os demais sistemas abrigados pela

Constituição Federal, concebendo-o apenas como limitação negativa da atividade

tributária do Estado.

Revela-se imprescindível a compreensão de que o caráter dirigente importa na

instauração de um Estado Fiscal em que se reconheça a existência de deveres

fundamentais, expressos pelas imposições constitucionais concernentes aos objetivos

fundamentais e à realização dos direitos fundamentais, e que viabilizem a arrecadação

de recursos de forma solidária da sociedade, participando cooperativamente do

financiamento da ação estatal na consecução dos ditos objetivos.

Opera-se, pois, quanto ao sistema constitucional tributário o que Eros Roberto

Grau (2004, p. 80) identifica no âmbito da ordem econômica, ou da constituição

econômica, como se observa do excerto abaixo transcrito, in verbis:

Ademais, sendo o direito elemento constitutivo do modo de produção, a contemplação, nas novas Constituições, de um conjunto de normas compreensivo de uma ‘ordem econômica’ não é expressiva, como observei, senão de uma transformação que afeta todo o direito. Mas essa transformação se reproduz, no nível constitucional, primária e fundamentalmente em razão de as Constituições deixarem de ser estatutárias, transformando-se em diretivas.

O sistema constitucional tributário, então, deixa de ser apenas garantista

e protetivo, no sentido de limitar o arbítrio do poder de tributar em defesa dos direitos

23

fundamentais, e passa a ser funcionalmente vinculado à realização dos direitos

fundamentais, posto que os custos da concretização de tais direitos devem ser

viabilizados pela tributação.

Com efeito, o tributo, que já foi expressão de arbítrio, passando a ser

expressão de império e, depois, da legalidade, já no Estado de Direito, vem a se tornar a

expressão do compromisso social e comunitário, de matiz republicana, de realizar os

direitos fundamentais; logo, o sistema constitucional tributário, além de limitações

negativas, passa a conter diretrizes e imposições ao Estado e à sociedade que se

destinam a maximizar e otimizar a arrecadação, com a preservação da capacidade

contributiva e, consequentemente, reduzir os condicionamentos fáticos para a realização

dos direitos fundamentais, com a redução ao mínimo possível da chamada reserva do

possível ou escassez orçamentária.

E em tal sistema, o elemento de adequação interna, conferindo unidade

ao sistema, apresenta-se como sendo, inequivocamente, o princípio da solidariedade

social, residente no art. 3° da Constituição Federal, mas concretizado substantivamente

na relação existente entre o Estado, a atividade tributária e a sociedade, como será

adiante apurado.

Tais considerações permitem constatar que a compreensão do sistema

constitucional tributário exige uma readequação em face da novidade do dirigismo

constitucional instaurado a partir de 1988, novidade esta que, por ainda não ter sido

concebida como o novo, não despertou o estranhamento que propiciasse a atualização

teórica sobre a compostura do aludido sistema, com suas decorrências.

Identificada a nova fundação do sistema constitucional tributário, insta

explicitar que a instauração da ordem constitucional de 1988 afasta a possibilidade de

existência de um poder de tributar, da mesma forma que altera a noção do tributo, que, a

par de ser dogmaticamente a estabelecida pelo Código Tributário Nacional, encerra um

conteúdo constitucional de matiz axiológico que não pode ficar obnubilado.

O sistema constitucional tributário, tanto garantista como dirigente, não

abriga qualquer possibilidade de poder de tributar e também não admite uma noção de

tributo que não esteja revele a sua dimensão de vínculo de solidariedade social pelo

pertencimento à comunidade e comprometimento com a realização dos direitos

fundamentais, a exigir um aprofundamento no que respeita ao poder de tributar e ao

tributo.

2.2 Constitucionalismo, dirigismo constitucional e poder de tributar

24

Como já salientado, o constitucionalismo moderno surge como um processo

político, ideológico e jurídico, de buscar a racionalização do exercício de poder,

contendo-o, domesticando-o e limitando-o em defesa da pessoa humana, notadamente

diante das duas manifestações de maior arbítrio estatal duramente, quais sejam, o jus

puniendi e o poder de tributar.

Nesse sentido, pode-se apontar a primeira consagração de uma limitação ao poder

de tributar, associada ao constitucionalismo, na Magna Carta de 1215 do Rei João Sem

Terra, que consagrou o princípio da estrita legalidade, na forma do seu art. 12, abaixo

transcrito, in verbis:

12. No se impondrá en nuestro reino ningún auxilio ni impuesto por servicio de armas, sin el Consejo Común de nuestro reino, salvo para redimir nuestro cuerpo, hacer caballero al primogénito de nuestros hijos y cazar una vez la primogénita de nuestras hijas; y para estas cosas no se hará sino una contribuición razonable10. Lo mismo hará en materia de auxilios la ciudad de Londres. (VÉLEZ, YUSTAS, 1996, p. 586)

Seguiram o legado da experiência constitucional inglesa, ampliando-a, os Estados

Unidos, instaurador do constitucionalismo moderno, que teve como um dos marcos de

insatisfação popular, responsável por insuflar o movimento pela independência, a

resistência das ex-colônias a se submeterem às exorbitantes exações da Inglaterra sem

que houvesse aquiescência das assembleias respectivas.

Assim, o poder de tributar era decorrência das mais gravosas da soberania,

ressaltando Thomas Cooley (2004, p. 479) que não há nenhum atributo da soberania que

seja mais invasivo e que afete tão constantemente as relações da vida que não o poder

de tributar, destinando-se a arrecadar recursos para os fundos públicos. Assenta, ainda,

que nenhum governo pode existir sem a tributação e que os governos arbitrários que

exijam as exações de forma indevida e irregular relevam-se como despóticos.

O constitucionalismo, exprimindo, conforme concepção de Canotilho (s/d., 51-

52), uma teoria ou ideologia normativa da política, voltava-se, dentre outras funções, a

conter o arbítrio de arrecadação do Estado, erigindo-se em face do poder de tributar, tão

prejudicial à atividade econômica; de outra parte, com a instauração do liberalismo, com

a primazia do mercado e a instituição do Estado liberal, de intervenção sobre a ordem

econômica excepcional e pontual, em caráter tópico e subsidiário, a carga tributária

necessariamente seria reduzida, dando ensejo às condições propícias para a exploração

10 Certamente a previsão de razoabilidade da instituição de tributo se caracteriza como um dos antecedentes do princípio da proporcionalidade no âmbito tributário.

25

das atividades econômicas pelos que detinham outro poder – talvez mais grave, por

mais injusto e desigual, do que o poder de tributar –, o poder econômico.

Portanto, com a instituição do Estado de Direito, no constitucionalismo liberal, o

poder de tributar era entendido como decorrência da soberania e que precisava ser

contido para que não exaurisse a livre iniciativa e a propriedade, como bem registra

Sampaio Dória (1986, p. 2-5), em reedição do que ocorrido durante todo o período do

Estado Absolutista.11

Não obstante isso, a evolução do constitucionalismo, concomitantemente com o

desenvolvimento do contexto sócio-político e cultural, impôs uma alteração profunda na

compreensão do que consistiria no poder de tributar, de modo a negar-se, atualmente, a

sua existência, haja vista devidamente subjugado pelo direito constitucional,

transmutando-se de poder político em poder de direito, ou seja, em poder regrado pelo

direito e cuja justificação não reside senão no próprio direito, cumprindo que se supere a

concepção doutrinária que funda a tributação no império estatal.

Com efeito, não se pode considerar que exista poder de tributar, ao menos

segundo a feição do constitucionalismo brasileiro atual, porque a atividade impositiva

não deriva do império ou da soberania estatal, mas das competências constitucional e

democraticamente previstas.

A própria noção de competência já importa numa parcela de poder, delimitado e

regrado para se dirigir a determinadas finalidades e submeter-se a limites, pelo que a

noção de poder tributário se substitui pela de competência tributária, de caráter

republicano, democrático e libertário.

A atividade tributária se caracteriza como uma expressão de exercício do poder,

poder esse que, ao ser juridicamente regrado, passa a se constituir como uma

competência, que, conceitualmente, corresponde a uma delimitação de poder pelo

direito.

Contudo, tal compreensão ainda não releva plenamente a significação da

superação do poder de tributar pela atividade tributária12, desempenhada de maneira não

apenas limitada pelo sistema constitucional, mas dirigida pelo próprio sistema

constitucional; ou seja, o constitucionalismo não apenas coloca obstáculos e vedações à

tributação, mas confere-lhe funções positivas que devem ser observadas pelo Estado por

11 Também no Brasil são por demais conhecidos os movimentos se insurreição em que um dos elementos de insatisfação era a tributação, como a Inconfidência Mineira. 12 Em consonância com a concepção de Marco Aurélio Greco (2007, p. 60), assentado numa perspectiva procedimental do tributo, caracterizando a potestade tributária como atividade integralmente normatizada e normativa.

26

se relevarem como imposições constitucionais concretas, denotativas de deveres

fundamentais.

E tal se dá pela compostura dirigente da Constituição brasileira de 1988, diante da

qual todo o sistema constitucional, com os seus subsistemas, dentre os quais o tributário,

estão vinculados à realização ótimas dos objetivos fundamentais e da realização máxima

dos direitos fundamentais que, como já explicitado, são custosos.

Ora, com tais considerações não se está a olvidar que a tributação passou a

justificar-se pela necessidade de a comunidade contribuir para o sustento do Estado na

prestação de serviços públicos, fazendo face às necessidades sociais e viabilizando a

prestação de serviços públicos. Essa concepção, contudo, não permite aferir a “viragem”

efetuada pela instauração do constitucionalismo dirigente com o advento da

Constituição de 1988, como se pode bem identificar a partir de um trecho de Alexis de

Tocqueville (2001, p. 254), em que expõe o seu critério para verificar uma tributação

justa, indicando ser aquela em que, após ser paga a exação, “[...] o pobre conserva os

seus recursos e o rico, o supérfluo; ambos parecem satisfeitos com a sua sorte e

procuram cada dia melhorá-la ainda mais, de tal modo que os capitais nunca faltam à

indústria, e a indústria, por sua vez, nunca falta aos capitais.”

Com a devida ponderação de que os pobres a que se referia Tocqueville não são

os pobres assim considerados atualmente, um tal sistema tributário, que permita a

concentração de riqueza e não a redistribua, destinando-se apenas a financiar a

preservação do sistema econômico e a prestação de serviços públicos mais básicos, não

poderia ser, à luz do dirigismo constitucional pátrio, ser reputado como um sistema

tributário justo.

Nesse sentido, embora já se reconhecesse que a atividade tributária se justifica

pela necessidade de viabilizar os fundos públicos que permitam a manutenção do

Estado, o constitucionalismo contemporâneo, exaltando os direitos fundamentais, impõe

que se associe a tributação aos aludidos direitos, entendendo-a como meio da sociedade

compartilhar o provimento dos recursos necessários e imprescindíveis para a realização

libertária e emancipatória dos direitos fundamentais e, no caso brasileiro, ainda

includente e materialmente isonômica.

O que se ressalta, então, é a necessária concatenação que, com o

neoconstitucionalismo e, no caso brasileiro, por força do constitucionalismo dirigente, a

atividade tributária deve possuir para com os direitos fundamentais, na medida em que

viabiliza a participação responsável dos membros da comunidade no custeio da ação

estatal voltada à implementação deles e dos objetivos fundamentais.

27

Essa interação funcional e finalística entre tributação e direitos e objetivos

fundamentais, propiciada pelo que – unindo o constitucionalismo dirigente com o

neoconstitucionalismo – se pode vir a chamar de dirigismo neoconstitucional, malgrado

da maior importância, tem sido pouco explorada e analisada por ser a dimensão de

responsabilidade, de deveres e de custos a face oculta dos direitos fundamentais, como

bem assinalado por José Casalta Nabais (2007, p. 166).

Em corroboração ao que se vem de afirmar, Marco Aurélio Greco (2005, p. 177),

analisando a tributação no novo contexto constitucional, afirma que a tributação

consistia apenas num poder juridicizado pela constituição, segundo a concepção clássica

de Estado de Direito; contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a

juridicização do poder passou a ser funcionalizada, legitimando-se apenas enquanto

funcionalmente justificado, voltando-se à “[...] busca da construção da sociedade livre,

justa e solidária”, transformando-se o sistema constitucional tributário de uma disciplina

do “não-fazer” para uma que impõe o “dever-fazer”, concluindo como se verifica do

excerto abaixo, in verbis:

Com isto, a tributação deixa de ser mero instrumento de geração de recursos para o Estado, para se transformar em instrumento que – embora tenha este objetivo mediato – deve estar em sintonia com os demais objetivos constitucioanis que, por serem fundamentais, definem o padrão a ser atendido. ....................................................................................................... Assim, na ponderação de valores constitucionais, o peso do valor ‘arrecadação’ (por estar circunscrito ao âmbito tributário) é menor do que o peso do valor ‘solidariedade social’ (por ser um objetivo fundamental)”.

Logo, o constitucionalismo dirigente brasileiro impõe uma remodelação do

sistema constitucional tributário, como explicitado, e uma transmutação do poder de

tributar, deixando de residir no império estatal ou na necessidade de prover a mantença

do Estado para se justificar como expressão do dever de solidariedade social.

A tributação deixa de ser mecanismo de opressão para tornar-se compromisso

comunitário compartilhado para a promoção, pelo financiamento da ação estatal, dos

direitos fundamentais e dos objetivos primordiais da Constituição.

Esse compromisso, em verdade, caracteriza-se como um dever fundamental

resultante do princípio da solidariedade, compondo a noção que Nabais (2007, p. 189-

191) chama de cidadania fiscal e que, por sua vez, advém da devida compreensão do

princípio republicano.

28

Ora, é através da atividade tributária que o povo sustenta o que é seu, assegura a

res publica que, enquanto coisa pública, exige a participação solidária e cooperativa de

todos que a ela se referem, de que são titulares e a que pertencem, reciprocamente.

O sentido republicano reforça a eficácia jurídica do princípio da solidariedade,

conferindo-se uma força dirigente mais intensa no sentido de não apenas justificar e

fundar o dever de pagar impostos, mas também deveres outros, oponíveis ao Estado, e

que são de alocar recursos conforme as destinações constitucionais, e de executar as

alocações de recursos orçamentárias direcionadas às finalidades constitucionalmente

impositivas, operando uma forçosa redução da reserva do possível.

Por assim dizer, o outrora arbitrário e nefasto poder de tributar converte-se, nos

quadrantes do dirigismo neoconstitucional, num feixe de competências que se justificam

na solidariedade e no princípio republicano13, transformando-se de dever de prover a

mantença do Estado em dever de propiciar o financiamento da ação estatal e das

políticas públicas vinculadas à realização dos objetivos e dos direitos fundamentais.

Por conseguinte, se o constitucionalismo domesticou o poder de tributar, o

constitucionalismo dirigente o extinguiu, trazendo em seu lugar a noção de atividade

tributária como observância das imposições constitucionais oriundas imediatamente da

solidariedade social, vinculando-se ao financiamento dos custos de promoção, proteção,

garantia e satisfação dos direitos fundamentais, atinentes aos objetivos republicanos.

Posto isto, infere-se que, se o constitucionalismo dirigente, potencializado pelo

neoconstitucionalismo, promoveu uma “viragem” funcional e axiológica na

compreensão do sistema constitucional tributário, repercutindo para a transformação do

poder de tributar em atividade tributária justificada pelo compartilhamento comunitário

do custeio da ação estatal e das políticas públicas de realização dos direitos

fundamentais, notadamente daqueles com feição social e redistributiva, tal “viragem”

também se estende ao tributo, cujo conceito dogmático, formulado a partir do art. 3° do

Código Tributário Nacional, não denotar a sua representatividade no plano

constitucional.

2.3 Noção constitucional de tributo e Direito Tributário

As considerações acima delineadas indicam que o conceito dogmático de tributo,

previsto no art. 3° do Código Tributário Nacional, apresenta-se como insuficiente para a

caracterização do seu caráter funcional, não denotando o relevo de que se reveste para a

29

reabilitação de um Estado Social que se destine a viabilizar a realização de políticas

públicas destinadas à implementação dos objetivos assentados no art. 3° da Constituição

Federal.

Não obstante isso, a doutrina costuma assentar a sua conceituação nos elementos

normativos previstos no Código Tributário Nacional, como se vislumbra do

entendimento abalizado de Paulo de Barros Carvalho (1999, p. 15-16), ao sustentar que

‘tributo’ é uma expressão plurívoca, com ao menos seis sentidos que podem ser

extraídos dos textos legais, quais sejam, a) como quantia em dinheiro, b) como

prestação objeto de dever jurídico, c) como direito subjetivo, d) ou remetendo à relação

tributária, e) ou ainda como norma jurídica, f) e como norma, fato e relação jurídica.

Registra que o primeiro sentido, embora o mais comum, é também utilizado pela

legislação tributária, exemplificando com o art. 166 do Código Tributário Nacional. O

tributo representa a mais nítida decorrência da solidariedade social, posto que,

viabilizando a apropriação estatal de parcela da riqueza produzida resultantes de signos

presuntivos de riqueza, propicia a receita derivada que, nos quadrantes contemporâneos,

é a responsável pelo financiamento da ação estatal.

Após a análise de tais sentidos, Paulo de Barros Carvalho (1999, p. 19-20) se

concentra na concepção do tributo como norma, afirmando que corresponde a toda a

fenomenologia da incidência tributária, tecendo uma pormenorizada dissecação do

conceito legal de tributo e, em consonância com as suas premissas teóricas.

Também Geraldo Ataliba (1998, p. 31-33) esquadrinha a definição legal do art. 3°

do Código Tributário Nacional, advertindo, porém, que o conceito de tributo é

constitucional e, como tal, não pode a lei alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo.

Já Marco Aurélio Greco (2007, p. 56-57), após expor a evolução conceitual do

tributo, deixando de exprimir uma coerção patrimonial pela qual o Estado se apropriava

da riqueza para atender às necessidades públicas, tornou-se uma relação jurídica,

evoluindo a ponto de ser considerado como obrigação e, finalmente, como norma,

concepção essa que, segundo o autor, ensejou a inserção de uma visão procedimental e

dinâmica do Direito Tributário, pela qual “[...] não se estuda mais o tributo em si,

estaticamente desligado de seus antecedentes e consequentes, mas procura-se

compreendê-lo como um momento de aplicação da norma tributária”, permitindo a

explicação de vários problemas que não eram adequadamente resolvidos pela vetusta

concepção de tributo.

13 Nesse passo, cumpre colacionar excerto de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 91), para quem “A vocação da República é a comunidade. A cidade é pública. A sua Constituição, República. O seu governo,

30

Ora, afigura-se que, efetivamente, a conceituação do art. 3° do Código Tributário

Nacional não mais condiz com a noção constitucional de tributo14, permeada pelas

modificações progressivas tanto à noção de sistema constitucional tributária quanto de

atividade tributária, acima indicadas, com repercussão inexorável em sua conceituação.

O tributo afigura-se um dever fundamental fundado na solidariedade e, como tal,

impositivo da participação comum de todos para o financiamento não do Estado ou dos

serviços públicos, mas das políticas e da ação estatal voltada aos objetivos e aos direitos

fundamentais.

Tal noção sobreleva o aspecto finalístico e, como tal, funcional do tributo, posto a

sua justificação, que se legitima apenas humanisticamente, viabilizando as condições

financeiras para a implementação máxima dos direitos sociais.

Como o sistema econômico capitalista já revelou a sua incapacidade para

viabilizar o crescimento ético da economia, tendo em vista que os agentes atuam

baseados no seu auto-interesse que, ao contrário do que pressupunha Adam Smith, não

conduz necessariamente ao bem-estar de todos, a ação estatal só pode se destinar para a

redistribuição de parcela da riqueza nacional pelo custeio promovido mediante a

arrecadação da promoção, garantia, proteção e satisfação dos direitos fundamentais.

Tal aspecto já fora percebido por René Savatier (2006, p. 349), que em obra

notável, buscando associar os valores contábeis do Estado aos valores humanos, aos

quais aqueles devem servir, assinala que o crescimento econômico não é o meio de

satisfazer ao máximo as necessidades humanas, cabendo ao Estado a coordenação da

satisfação geral das necessidades com o auxílio dos valores contábeis que o crescimento

econômico propicia.

Assim sendo, não se pode pensar e refletir sobre a efetivação dos direitos

fundamentais, a força normativa do dirigismo constitucional, a realização máxima das

cláusulas de utopia constitucional sem que se preste a atenção no tributo, elemento

substancial num Estado Democrático de Direito que, por extrair dele a sua mais

importante fonte de financiamento, configura-se, igualmente, como Estado Fiscal.

A concepção dogmática do tributo como sendo toda prestação pecuniária

compulsória, instituída em lei e que não seja sanção de ato ilícito, cobrada mediante

atividade administrativa plenamente vinculada, obscurece a dimensão funcional e a

justificação teleológica do tributo.

res publica. 14 Para Ataliba (1998, p. 36-37) o conceito de tributo é lógico-jurídico, variável ao sabor do ordenamento jurídico, não havendo características inerentes ao tributo.

31

Esse aspecto é sentido não apenas no Brasil, mas também na Itália, como informa

Cláudio Sacchetto (2005, p. 22-23) ao asseverar que o advento da Constituição

republicana na Itália imprimiu uma alteração na relação do Estado, enquanto autoridade,

e cidadão, enquanto sujeito passivo da obrigação tributária, repercutindo na mudança da

noção de tributo.

Prossegue o autor italiano refutando as teses que conferem ao tributo um caráter

bilateral e contraprestacional, reputando que “O tributo caracteriza-se, ao invés, pela sua

aptidão a determinar o concurso às despesas públicas”.

A noção constitucional do tributo, acima indicada, como vínculo de solidariedade

impositivo do compartilhamento do financiamento e custeio das ações e políticas

destinadas aos direitos fundamentais, alberga em si mesma o aspecto da destinação dos

recursos, do gasto público, matéria usualmente conferida à seara do Direito Financeiro.

A despeito de tal circunstância, como já suscitado, o constitucionalismo dirigente

tem o condão de viabilizar a renovação de fetiches e conhecimentos reproduzidos

acriticamente; ademais, há uma interação e interdependência inequívoca entre o Direito

Financeiro e o Direito Tributário, sem impedir que exista, inclusive, uma zona de

interseção entre ambos, cuja diferenciação se dá pela abordagem e objetivos

diferenciados.

A noção constitucional de tributo, fundada na solidariedade e abrangente da

destinação da arrecadação, repercute, consequentemente, sobre o Direito Tributário

enquanto ramo da Ciência Jurídica, integrando ao seu marco de investigação a questão

atinente ao gasto público, contrariamente ao entendimento firmado por Paulo de Barros

Carvalho (2000, p. 15-17) e em consonância com as observações de Marco Aurélio

Greco (2007, p. 58-59), notadamente ao sustentar que as contribuições são espécies

tributárias que infirmam o art. 4° do Código Tributário Nacional porque se legitimam a

partir do critério de validação finalístico.

Por conseguinte, a noção constitucional do tributo remete a uma recomposição

dos marcos do Direito Tributário, tornando-se, a par de ainda se adequar, parcialmente e

com ressalvas, ao art. 3°, a ser entendido como dever fundamental, resultante do vínculo

de solidariedade pelo pertencimento a determinada comunidade, acrescido do relevo da

destinação para o financiamento das medidas de realização dos direitos fundamentais; a

partir daí, os laços entre Direito Tributário e Direito Financeiro se fortalecem,

estabelecendo-se até mesmo uma zona de interação e interseção entre ambos,

consubstanciada no gasto público.

32

Dessarte, revisitado o sistema constitucional tributário, com os desenvolvimentos

oriundos do dirigismo neoconstitucional, faz-se mister adentrar na temática do princípio

da solidariedade, com a apreciação de sua natureza, potencialidade normativa e eficácia

jurídica.

.

3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NO CONSTITUCIONALISMO DIRIGENTE

Malgrado a importância que se atribui no presente estudo ao princípio da

solidariedade, não se vislumbra que a doutrina tenha uma constante preocupação em

situá-lo e explorá-lo quanto procede a uma análise dos princípios constitucionais que

incidem sobre a atividade tributária do Estado.

A guisa de ilustração, Victor Uckmar (1999), ao se dedicar sobre o que reputa

como princípios comuns de Direito Constitucional Tributário, debruça-se sobre os

princípios da legalidade, da igualdade e da competência. Hugo de Brito Machado (2001)

dedica-se à legalidade, à isonomia, à capacidade contributiva, ao princípio da

anterioridade e da vedação de confisco, bem como ao da liberdade de tráfego, tratando,

ao final, de princípios como o da não surpresa, e os da seletividade e não

cumulatividade, além da progressividade.

José Manuel Galego Peragón (2003), igualmente, trata dos princípios da

capacidade econômica, da igualdade, da progressividade, do não confisco e da

generalidade, embora quanto a esse último aborde aspectos que se assemelham

parcialmente ao conteúdo material do princípio da solidariedade ao sustentar o dever de

contribuir para os gastos públicos por toda a coletividade apenas pela circunstância do

indivíduo pertencer e ela.

Também Carraza (2003) não se dedica especificamente ao princípio da

solidariedade, malgrado aborde o princípio republicano, que se relaciona intimamente

com a noção constitucional de solidariedade no contexto constitucional brasileiro.

Não obstante isso, pode-se identificar, mais recentemente, uma preocupação

doutrinária com a temática da solidariedade, tanto aqui (GRECO, 2005), como alhures

(NABAIS, 2007), como também investigações que exorbitam o âmbito da tributação,

mas que promovem a necessária correlação aqui sustentada (MARTÍN, 2006).

O mais interessante, como ressalta José Casalta Nabais (2007, p. 142-143), é que a

solidariedade vem partilhando das constituições contemporâneas justamente porque ela

não tem um domínio de incidência específico, difundindo-se por todos os âmbitos da

vida comunitária e da existência e funcionalidade estatal, de modo que “[...] está, pois,

na ordem do dia um pouco por toda a parte”.

33

Com efeito, o surgimento da noção de solidariedade como princípio jurídico e a

sua constitucionalização não são coetâneos ao advento do constitucionalismo moderno,

sendo um “[...] principio constitucional definitorio y fundante de este

constitucionalismo del Estado social” (NABAIS, 2007, p. 45).

Corresponderia, então, ao momento de efetivação constitucional do terceiro termo

do lema revolucionário francês – liberté, égalité e fraternité –, diferenciando-se da

noção que José Casalta Nabais identifica como sendo solidariedade dos antigos, em que

expressa a virtude indispensável das relações de grupo, tornando-se um princípio de

organização jurídica e política cuja relação com os direitos fundamentais é ressaltada

com felicidade por Gregório Peces-Barba Martinez (1999, p. 180), em excerto abaixo

transcrito, in verbis:

A diferencia de los demás valores que fundamentan directamente derechos, la solidariedad fundamenta indirectamente derechos, es decir, lo hace por el intermedio de deberes. De una reflexión desde comportamientos solidarios se deduce la existencia de deberes positivos que corresponden directamente a los poderes publicos o que éste atribuye a terceiros, personas físicas o jurídicas. Estos deberes positivos tienen como correlativos a derechos que podemos, así, fundar en el principio de solidariedad [...]

Adiante, prossegue Peces-Barba (1999, p. 282), salientando que a compreensão

adequada do princípio da solidariedade impõe uma séria de deveres positivos ao Estado

de remover obstáculos e promover condições de acesso e realização dos direitos

fundamentais.

Assim, o princípio da solidariedade não se reduz à inspiração apenas e tão-

somente dos direitos fundamentais de terceira dimensão, os coletivos e os difusos, tendo

um conteúdo jurídico que embasa a noção de comprometimento comunitário, apenas

pelo fato natural de pertencimento à determinada comunidade, impositivo do vínculo

jurídico de partilhar e participar de fins e interesses de todos sem o desejo de

contraprestação ou benefício específico em caráter de retribuição ou contraprestação.

Evidencia-se, pois, que a solidariedade apresenta a sua feição mais nítida

justamente pela correlação que dela se estabelece entre alguns deveres fundamentais e

os direitos fundamentais, a partir da dimensão de que todos os direitos fundamentais

demandam custos e de que os objetivos fundamentais do Estado são realizados à medida

que se concretizam e efetivam os direitos fundamentais, a cuja responsabilidade deve

ser chamada toda a sociedade e que, o que interessa ao presente estudo, notadamente a

34

partir do dever fundamental de contribuir ao financiamento dos gastos públicos

provendo a receita derivada.

Tal dever fundamental, todavia, não se justifica por si só ou desvinculado e

desapegado à sua justificação axiológica, posto que não há solidariedade para nada sem

qualquer ação teleologicamente orientada. Não se é solidário sem destinação. A

solidariedade está sempre fundada na promoção de algo, de um estado de coisas ou de

uma situação que é comunitariamente valiosa e imperiosa.

A solidariedade é relacional e conduz a um vínculo de pertencimento

(SACCHETTO, 2005, p. 14-15), remetendo a um comprometimento não egoístico para

com o outro que, por sua vez, reflete-se no comprometimento para consigo próprio.

Assim, a solidariedade é compromisso comunitário e promoção conjunta de um

objetivo.

Nesse sentido, consegue-se vislumbrar a relação inextrincável e incindível entre a

solidariedade, a tributação e os direitos fundamentais, haja vista que a tributação

exprime a via de participação no financiamento comunitário para a consecução dos

objetivos fundamentais, que se condensam e concretizam particularmente nos direitos

fundamentais.

E tais objetivos consubstanciam, no constitucionalismo dirigente, cláusulas de

utopias vinculantes e obrigatórias para o Poder Público, pelo que os deveres

fundamentais que se dirigem da solidariedade para a comunidade repercutem na

imposição de deveres também fundamentais ao Estado, ainda que não derivem direta e

imediatamente dos direitos fundamentais ou de um direito fundamental específico.

É pela tributação que a comunidade partilhará o projeto de construção de si

própria de forma justa, livre e solidária, cabendo ao Estado, entretanto, envidar os

esforços e ações que sejam finalisticamente leais, compatíveis e pertinentes ao esforço

de arrecadação propiciado pelo gravame, pelo que a solidariedade se reveste como

justificação difusa de toda a atividade tributária porque voltada ao financiamento

comum da promoção, proteção, garantia e satisfação dos direitos fundamentais, através

do que se empreende a realização dos objetivos fundamentais.

Percebendo tal aspecto, pode-se desenvolver com Sacchetto (2005, p. 26) a

perspectiva de que, contemporaneamente, um dos postulados do da exigência tributária

é justamente não se apresentar apenas como um caráter meramente fiscal de prover

fundos ao Estado que sejam ordenados e alocados livremente segundo a liberdade de

conformação do legislador democraticamente eleito, pois se afigura como um

instrumento de promoção de fins extrafiscais da ordem econômica e social. Assim, “Se

35

o Estado exige os tributos em razão de um dever de solidariedade, isto significa

igualmente que a função de exigência tributária não é meramente fiscal”.15

Em Estados como o brasileiro, de capitalismo periférico com alto grau de

exclusão social e concentração de riqueza, a justa medida da tributação é questão prévia

a ser aferida em todo e qualquer planejamento para formulação de políticas públicas,

pois não se pode estruturar a ação pública sem os meios e recursos financeiros que lhe

deem respaldo.

Nesse contexto, a dimensão participativa e finalística da solidariedade social,

impositiva de deveres fundamentais instrumentais para a realização compartilhada e

comunitariamente custeada dos direitos fundamentais é potencializada pelo dirigismo

neoconstitucional, além de imperativo ético decorrente das péssimas condições sociais

existentes do Brasil, afigurando-se como uma resistência às políticas de retração social

defendias pelo liberalismo em virtude da afirmada crise de financiamento do Estado

Social.

Diante disso, pode-se identificar, como conteúdo jurídico fundamental do

princípio da solidariedade, no que interessa ao presente estudo, de um dever

fundamental imposto ao Estado de redução da reserva do possível, ou seja, de mitigação

da escassez de recursos orçamentários que sejam atrelados à satisfação dos direitos

fundamentais.

Tal dever, como será explicitado, resulta de pelo menos quatro outros deveres

fundamentais, quais sejam, o dever fundamental de pagar tributos, o dever fundamental

de exercício integral da competência tributária, o dever fundamental de alocação de

receita conforme a destinação constitucional, bem como o dever fundamental de

execução de receita orçamentária destinada às áreas concernentes aos direitos

fundamentais, caracterizando-se tais deveres como imposições constitucionais concretas

por força do dirigismo constitucional, de caráter vinculante e limitador da chamada

liberdade de conformação.

Cumpre, então, procede-se a uma análise do conteúdo jurídico do princípio da

solidariedade, o que se procederá para, depois, destacar a sua função de resistência e

trincheira às políticas de retração social de cunho neoliberal.

3.1 Natureza normativa do Princípio da Solidariedade: Solidariedade dirigente e

dirigida

15 E nisso independentemente do tributo ser um mecanismo de intervenção indireta do Estado sobre a atividade econômica por indução, estimulando ou desestimulando condutas desejadas ou indesejadas.

36

O neoconstitucionalismo se caracteriza por afirmar a natureza normativa dos

princípios constitucionais, recuperando a dimensão ética do Direito, relegada a último

plano pelo positivismo jurídico, e conferindo-lhes a primazia hierárquica própria das

normas constitucionais, assegurada e garantida pela jurisdição constitucional.

A força normativa dos princípios decorre da supremacia da ordem constitucional,

emprestando-lhes um conteúdo jurídico impositivo não apenas de deveres de abstenção,

mas, sobretudo, de deveres positivos, cuja potencialidade transformadora da realidade

social é patente no âmbito de uma constituição dirigente.

A solidariedade figura na Constituição Federal como objetivo fundamental,

consagrado pelo art. 3°, inciso I; tal objetivo reveste-se, também e igualmente, da

condição de princípio constitucional impositivo, de fora parte a condição dos objetivos

fundamentais terem a estrutura jurídica principiológica, afigurando-se como mandados

de otimização, como bem delineado por Robert Alexy (2001, p. 86) em lição abaixo

colacionada, in verbis:

El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan algo que sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas.

A caracterização dos princípios como mandados de otimização também é

ressaltada por Canotilho (2002, p. 1.239), abaixo transcrito, in verbis:

Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica.

O princípio da solidariedade, então, apresentando-se também como objetivo

fundamental, vincula os Poderes Públicos à sua realização ótima, impondo o dever de

promover os bens a que se refere na maior medida do que seja jurídica e faticamente

possível.

Como já assinalado, a solidariedade, no âmbito do constitucionalismo brasileiro,

está atrelada à realização comunitária dos objetivos fundamentais pela garantia,

proteção, promoção e satisfação dos direitos fundamentais, cujos custos das respectivas

37

ações estatais e políticas públicas são repartido segundo a capacidade contributiva pela

via da tributação.

E justamente na dimensão das limitações fáticas à realização dos princípios

constitucionais, no caso, da solidariedade, é que incide a reserva do possível ou, mais

especificamente, a escassez orçamentária, significando a escassez de recursos

financeiros do Estado para prover a satisfação de determinada medida ou de um estado

ou situação exigidas para a realização dos objetivos fundamentais.

Não obstante isso, o reconhecimento da existência de limitações à atuação estatal

pertinente ao atendimento de imposições constitucionais que resultem de princípios,

objetivos ou dos direitos fundamentais não afasta o caráter normativo e vinculante,

exigindo, também, por força da solidariedade, que o Poder Público implemente medidas

que sejam suficientes à ampliação das possibilidades de atuação estatal pela redução ao

mínimo da escassez orçamentária diante da finitude dos recursos em cotejo com a

progressividade das necessidades sociais.

Assim, impõe-se que seja promovida, de forma vinculante e por força da

solidariedade dirigida aos direitos fundamentais e dirigente do exercício das

competências tributárias e da alocação dos recursos públicos, a progressiva ampliação

do possível da reserva, potencialização a ação pública voltada às políticas públicas.

Ora, se o caráter dirigente da Constituição Federal aponta para sua configuração

como “[...] plano, em que a realidade se assume como tarefa tendente à transformação

do mundo ambiente que limita os cidadãos” (CANOTILHO, 1994, p. 169), disso se

dessume que a eficácia jurídica do princípio da solidariedade remete à existência de

deveres fundamentais que, por sua vez, incidam como imposições constitucionais

positivas, limitando a liberdade de conformação legislativa quanto à alocação de

recursos financeiros, e tanto pela necessidade de maximização do êxito solidário

consubstanciado na realização dos direitos fundamentais.

Pode-se até mesmo afirmar que todos os direitos fundamentais comportam

dimensão dirigente, posto que, como apontado não há nenhum direito para cuja

realização, em suas múltiplas dimensões eficaciais, não se demande recursos públicos,

não se restringindo tal perspectiva aos direitos sociais, econômicos e culturais, como

outrora admitido (CANOTILHO, 1994, p. 365).

Canotilho16 assinala amplamente a vinculação do legislador aos direitos

16 Não se desconhece a querela sobre a suposta deserdação de Canotilho à teoria da constituição dirigente, com o que não se concorda, como pode ser vislumbrado nos esclarecimentos prestados pelo próprio Canotilho sobre o estágio de seu pensamento acerca da questão em comento em Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ( 2003). Ademais, pode-se consultar as referências mencionadas ao final do presente

38

fundamentais, embora restrinja a questão da reserva do possível apenas aos direitos de

segunda dimensão, reputando as liberdades como sendo direitos negativos

(CANOTILHO, 1994, p. 364-366).

De qualquer forma, a solidariedade, no âmbito de um dirigismo neoconstitucional,

com a potencialização da força normativa dos princípios e objetivos constitucionais,

assinalando o compromisso comunitário de financiamento à ação estatal concernente à

realização responsável e compartida dos direitos fundamentais e dos objetivos

constitucionais, torna possível o reconhecimento de um dever fundamental instrumental

para a consecução de tais tarefas, consistente na redução ao mínimo da reserva

orçamentária do Estado, conduzindo à instituição de um Estado de Justiça Fiscal, de que

decorrem outros deveres fundamentais.

Tais deveres, no que importa ao presente estudo, resultantes do dever fundamental

de redução da reserva do possível e, consequentemente, da ampliação do possível no

âmbito da ação estatal mediante por políticas públicas voltadas à realização dos direitos

fundamentais, vão integrar o conteúdo material do princípio da solidariedade,

introduzindo a aporia constitucional identificada por Canotilho entre a máxima “[...]

desejabilidade constitucional de direitos econômicos, sociais e culturais” e a

dependência de seu desenvolvimento pelo legislador, subordinando-se a “[...]

efectividade constitucional à proclamada reserva do possível.”

Essa aporia não significa que se deve abandonar ao legislador democrático a

alocação livre dos recursos, posto que, como salientando, a tributação não é mais uma

atividade destinada apenas a prover recursos ao Estado, mas a prover recursos que, por

força da solidariedade dirigente, tenham uma destinação constitucional conforme os

objetivos republicanos.

Essa redução ao mínimo da reserva orçamentária revela-se ainda mais premente

após esses vinte anos da nova ordem constitucional brasileira, trazendo consigo o tempo

de expansão do possível.

Desse modo, não se pode refletir sobre a efetividade dos direitos fundamentais e

sobre a promoção de políticas públicas a eles relacionadas sem que seja acentuada uma

necessária modificação atinente à atividade tributária e à atividade financeira do Estado,

balizada e dirigida pela solidariedade, enquanto expressão da própria vivência

comunitária de um texto constitucional ansiosamente esperado. O tempo da expansão do

possível para que seja o máximo possível potencializada a ação estatal; para tanto, não

são nem a atividade tributária e muito menos a financeira sujeitas apenas ao juízo de

estudo.

39

liberdade de conformação do legislador.

Nesse sentido, destaca-se a “[...] deverosidade da actividade legiferante e o

carácter funcional do exercício do poder legislativo” no que respeita à atividade

tributária e à atividade financeira, denotando a interação do sistema constitucional

tributário com a constituição orçamentária17 e com a constituição econômica.

O princípio da solidariedade, então, apresenta um conteúdo material de que se

extrai vários deveres fundamentais, limitando-se o presente estudo aos já assinalados

deveres fundamentais de pagar tributo, mas, principalmente, a) de integral exercício da

competência tributária, b) de alocação conforme a destinação constitucional da receita e

c) de vinculação da execução consoante a alocação orçamentária voltada aos direitos

fundamentais. Todos esses deveres fundamentais, por sua vez, derivam do dever

fundamental de redução da reserva orçamentária do Estado, constituindo-se numa

imposição constitucional que vincula objetivamente o Estado por força do caráter

dirigente, na medida em que a transformação da realidade só pode se operar se

amparada em recursos.

Eros Grau (2004, p. 200), a partir do caráter dirigente da Constituição de 1988,

acentua que merece interpretação dinâmica, propiciando a transformação da sociedade,

cuja consecução se condiciona ao reconhecimento de que reside no art. 3° a

fundamentação constitucional para a exigência de direito à realização de políticas

públicas, que “[...] hão de importar o fornecimento de prestações positivas à sociedade”.

Logo, a solidariedade comporta, no plano do constitucionalismo dirigente, uma

feição também dirigente, mas igualmente dirigida. Dirigente porque dela se extraem os

aludidos deveres fundamentais; dirigida pela inextrincável concatenação existencial,

axiológica e teleológica com a realização dos fins e objetivos republicanos e

concretização dos direitos sociais.

Observe-se que o aludido dever de redução e gestão da reserva orçamentária é

fluido, posto que os fundos públicos apresentam um caráter finito, o que não se dá com

as necessidades humanas, virtualmente ilimitadas, cujo atendimento integra as tarefas

do Estado moderno, observando Savatier (2006, p. 433) que cada uma das destinações

ou finalidades em que for aplicada parcela da massa de recursos públicos, seja na defesa

nacional, seja na saúde, seja na educação, diminuirá a massa de valores disponíveis para

os outros serviços e tarefas também assumidos pelo Estado. Embora Savatier ressalte,

àquela época, nos idos de 1969, que a decisão orçamentária caberia ao soberano,

17 Sobre a noção de constituição orçamentária, embora sem adesão à concepção meramente processual esboçada, as considerações de Ricardo Lobo Torres (2000, p. 1-6).

40

ponderando a importância relativa das funções estatais, registra com extrema

pertinência a análise funcional do orçamento, que “[...] deve permitir ao Estado o

respeito da ordem de importância dos diversos valores humanos a que tem por missão

servir”.

Em verdade, a divergência reside apenas no relevo dado à decisão do governo

quanto à ponderação dos recursos em função das várias atuações que são demandadas

do Estado, posto que as prioridades residem no pré-compromisso materializado nos

objetivos e nos direitos fundamentais, vinculantes positivamente, o que não ocorria e

nem poderia ocorrer no contexto constitucional francês.

Ficando o que se vem de sustentar, o conteúdo material do princípio da

solidariedade remete, compreendido a partir do dirigismo neoconstitucional, remete à

existência de um dever de redução da reserva orçamentária, do que resultam deveres

para a comunidade e para o Estado.

Para a comunidade, materializa-se o dever fundamental de pagar os tributos, ou de

contribuir ao sustento dos gastos públicos18, expressão do pertencimento republicano e

do comprometimento com o custeio da ação estatal voltada para os objetivos

fundamentais e para a concretização dos direitos fundamentais.

Ressalte-se que tal dever não importa, de qualquer forma, permissividade quanto

ao excesso da atividade tributária tendo em vista que se insere no âmbito de um Estado

de Justiça Fiscal, devedor da estrita observância da capacidade contributiva, do não

confisco, da legalidade, dentre outros.

Impõe, também, ao Estado que promova uma reformulação da política tributária

de modo a otimizar a arrecadação sem que importe no aumento global da pressão fiscal

e, da mesma forma, sem reprimir a produção e sem gravar substancialmente as classes

de menor poder aquisitivo.

Tais aspectos, contudo, fogem ao marco dessa investigação, não podendo, todavia,

deixar de ser mencionados para aprofundamento devido em outra oportunidade.

Outro dever fundamental consiste na imposição concreta de que o Estado exerça a

competência tributária, fazendo com que o âmbito de possível incidência do tributo

constitucionalmente demarcado seja abrigado pela regra-matriz de incidência tributária,

na medida da proporcionalidade e da razoabilidade.

Num Estado com estrutura federal tal imposição torna-se ainda mais relevante,

pois os entes federais de menor expressão territorial não podem se manter apenas às

custas de recursos provenientes de repasse ou transferências de outros entes, devendo

41

prover a sua própria arrecadação.

José Casalta Nabais (2007, p. 192) considera que esse dever deflui da cidadania

fiscal que, embora comporte uma dimensão passiva do contribuinte com relação ao

Estado, transmuda-se reflexamente numa posição ativa de exigir que todos sejam

destinatários dever fundamental de pagar tributos, participando do financiamento da

ação estatal na medida da capacidade contributiva.

Assim, cada contribuinte teria um dever e um direito, sendo aquele o dever de

contribuir para o financiamento do estado, e esse o direito de exigir que os demais

membros também o façam, sustentando a legitimidade do contribuinte para impugnar

atos de dispensa ou de renúncia de receita.

Não obstante isso, infere-se que tal direito de exigir a extensão da tributação aos

membros da comunidade conforme a capacidade contributiva se reconduz ao princípio

da solidariedade, em que se funda a cidadania fiscal; afigura-se, nesse passo, que não há

um direito fundamental de se exigir o exercício da atividade tributária do Estado no

sentido de impor que aumente as vias de arrecadação, parecendo mais conforme ao

sistema constitucional assinalar a sua caracterização impositiva como resultado de um

dever fundamental, cujo regime jurídico não discrepa daquele inerente aos direitos

fundamentais (NABAIS, 2007, p. 173-175).

Nesse sentido, a ausência de exercício da competência tributária,

constitucionalmente prevista, pode consubstanciar uma inconstitucionalidade por

omissão, insusceptível de ser questionada pela via difusa, haja vista não se relacionar,

segundo a concepção exposta, a direito fundamental; não se identifica, diversamente,

qualquer óbice quanto ao controle a ser promovido por ação direta de

inconstitucionalidade por omissão ou por arguição de descumprimento de preceito

fundamental, ainda que se possa discutir a questão da eficácia prática do provimento

jurisdicional decisório. Haveria, entretanto, uma análise acerca dos reflexos que

poderiam advir da criação da exação ou da ampliação de sua incidência.

O conteúdo material da solidariedade também é informado pelos deveres de

alocação de recursos conforme a destinação constitucional e de execução orçamentária

das verbas destinadas aos direitos fundamentais.

Quanto ao primeiro, é cediço que alguns tributos tem a sua espécie tributária

indicada pela estruturação teleológica a uma dada finalidade constitucionalmente

assentada; assim são as contribuições especiais, compostas pelas contribuições sociais,

corporativas e interventivas, e os empréstimos compulsórios.

18 Para qualquer aprofundamento, José Casalta Nabais (2004) e Cristina Pauner Chulvi (2001).

42

Marco Aurélio Greco (2000, p. 118-120) bem explica a adoção dessa forma

diferenciada de previsão da competência tributária, que não se caracteriza pela

delimitação do suporte material que poderá ser colhido no antecedente da regra-matriz

de incidência tributária.

Considera que alguns tributos seguem o modelo constitucional de validação

causal, com a previsão constitucional da delimitação do aspecto material do antecedente

da regra-matriz de incidência tributária, enquanto outros são constitucionalmente

associados ao desempenho de uma dada finalidade ou à alocação para uma destinação

constitucionalmente assinalada

Ou seja, segundo Greco a validação condicional funda-se no ‘por quê’ e não no

‘para que’, que fundamenta a validação finalista.

Se na validação condicional se pode afirmar sobrelevar a proteção da realidade, na

validação finalista destaca-se a transformação da realidade pela promoção de uma nova

realidade a partir da assinalação de objetivos e finalidades.

No caso da validação finalista, não há uma descrição de fatos passados, mas uma

referência ao futuro, a um estado de fato que se pretende construir e para o qual se

justifica determinada atividade normativa.

Em corroboração ao que se vem de afirmar, cumpre colacionar a doutrina de

Greco, in verbis:

Há, a meu ver, na própria Constituição Federal, a consagração de dois modelos básicos de validação de normas instituidoras de exações pecuniárias compulsórias: a) o modelo condicional, de caráter eminentemente ‘causalista’ no sentido de que a exigência só será validamente exigida se (daí a condição) atrelada a um determinado evento que, não se verificando, invalida a exação e, se esta correu antecipadamente, os valores recebidos devem ser devolvidos por não terem fundamento de validade; e b) o modelo finalístico, de caráter eminentemente ‘modificador’, no sentido de que justifica-se pela vinculação à busca de uma finalidade ou objetivo. Neste segundo caso, cria-se a exigência para obter certo resultado.

Por conseguinte, já que a destinação constitucional qualifica e identifica

determinadas espécies tributárias, tal circunstância é reforçada pela vinculação positiva

da solidariedade, determinante da aplicação dos recursos instituídos para finalidade

específica, restringindo-se qualquer liberdades de conformação do legislador

orçamentário quanto a eventual tredestinação.

43

Além disso, nada impede que a própria Constituição Federal preveja a vinculação

do produto da arrecadação de tributos não finalístico e não vinculados, caso em que, da

mesma forma, incide o dever fundamental de alocação dos recursos conforme a

destinação constitucional concretizadora dos direitos fundamentais.

Finalmente, há ainda o dever fundamental de execução orçamentária dos recursos

alocados no orçamento – ainda que não qualificados pela destinação constitucional – a

políticas e programas concernentes à promoção, à proteção, à garantia e à satisfação

dos direitos fundamentais, na medida em que, como já esposado, são eles próprios que

justificam a solidez da expressão participativa e comunitária do financiamento da ação

estatal, com prioridade sobre os demais gastos, não podendo ser objeto de

contingenciamento.

Ora, uma vez previstas as despesas relacionadas às políticas e aos programas

relacionados com as várias dimensões de exigências que defluem dos direitos

fundamentais, notadamente dos direitos sociais, a realização da receita estimada torna

obrigatória a execução orçamentária respectiva, salvo se sobrevier algum fato relevante

e imprevisto que exija um contingenciamento dos recursos orçamentários, como algum

cataclisma natural, o que raramente ocorre, principalmente em plagas brasileiras.

O atendimento pelo Estado desses três deveres fundamentais que lhe são impostos

pela feição dirigente e dirigida do princípio da solidariedade, como ora sustentado,

representaria uma ação estatal vinculada ao dever de redução da reserva do possível,

ensejando a adoção de políticas e ações mais intensas e que busquem maior efetividade

na concretização dos direitos fundamentais. Esse dever de redução da reserva do

possível denota que os próximos anos da Constituição Federal importarão numa

progressiva ampliação do possível da reserva, limitando o caráter limitativo da ação

estatal que provém da escassez orçamentária no âmbito da formulação e execução de

políticas públicas.

Não obstante isso, verifica-se no Brasil a existência de obstáculos institucionais

pelos quais o Estado vem se furtando à estrita observância desses deveres fundamentais,

contribuindo deliberadamente para a majoração da escassez de recursos afetados aos

objetivos e direitos fundamentais.

Assim, muitos dos entes da Federação, inclusive a União, não esgotaram a

competência tributária; há anos vem sendo mantida, por sucessivas prorrogações

mediante emendas constitucionais, a Desvinculação de Receitas da União (DRU),

liberando cerca de 20% das verbas com destinação constitucional vinculada para livre

alocação pelo legislador orçamentário; ademais, não se concebe que o orçamento, ainda

44

no que se referia à alocação de receita para determinada ação ou política pública

relacionada a direitos fundamentais, seja impositivo, adotando o Poder Público a prática

de, realizada a receita prevista e alocada para determinado programa ou política,

contingência-la, dando aos recursos outra destinação.

Tais expedientes afiguram-se incompatíveis com o dever constitucional de

redução da reserva do possível e consequente ampliação do possível da reserva, que se

constitui como limitação fática à realização dos direitos fundamentais e dos objetivos

republicanos, sujeitando-se às vias de controle institucional e, principalmente, à acerba

crítica doutrinária, que vem sendo empreendida com precedência por Fernando Facury

Scaff.19

Quanto ao dever de esgotar a competência tributária, destaca-se o art. 11 da Lei de

Responsabilidade Fiscal, que veda a transferência voluntária de recursos se não for

exaurida a competência tributária; entretanto, quando a competência integra-se ao

âmbito da União, evidentemente não há qualquer outra sanção senão a

inconstitucionalidade por omissão, que poderia ser considerada quanto à inércia do

Poder Legislativo em instituir o imposto sobre grandes fortunas (IGF).

Já quanto à Desvinculação de Receitas da União, vislumbra-se, igualmente, a sua

inconstitucionalidade, sendo tal expediente objeto de censura pelo Tribunal de Contas

da União desde o Relatório e Pareceres de Prestação de Contas referentes aos exercícios

de 2002, sem qualquer repercussão prática até o momento, consignando que o déficit da

seguridade social estaria coberto se não houvesse a tredestinação dos recursos

arrecadados com a finalidade específica de financiá-la20.

O dever fundamental em questão impõe o reconhecimento da

inconstitucionalidade da Desvinculação de Receitas da União (DRU), prevista pelo art.

76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e recentemente estendida por

mais quatro anos. Dos vinte anos da Constituição Federal, boa parte deles foi

acompanhada pela Desvinculação de Receitas da União, o que não mais se admite, pois

encerra um juízo de prioridade de governo que não pode subjugar as prioridades

constitucionais que necessitam de tais recursos.

A inconstitucionalidade da Desvinculação de Receitas da União revela-se patente

a partir da contrariedade ao art. 60, §4°, inciso IV, da Constituição Federal, pois a sua

instituição tem-se mostrado – e as suas prorrogações têm agravado – muito associada

19 Em todos esses textos, com progressivas contribuições. Fernando Facury Scaff e Antônio Maués (2004), Fernando Facury Scaff (2006, 115-131) e Fernando Facury Scaff (2007, p. 1-35). 20 Registre-se que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n° 50, que se destina a alterar o art. 76 do ADCT para prorrogara DRU até o ano de 2011.

45

com a redução da capacidade de ação do Estado pela redução da possibilidade de

financiamento das políticas sociais. Nesse passo, evidencia-se que a sua instituição e as

prorrogações importam em aprovação de emendas que tendem a obstar a plena

efetividade dos direitos fundamentais por um juízo político que subverte a ordem

constitucional e encerra uma tendência de restrição aos direitos fundamentais que, no

plano da realidade constitucional, equivale a medidas de progressiva e tendencial

abolição.

Finalmente, há de se destacar a necessidade de que o orçamento seja impositivo

no que se refere aos valores arrecadados e alocados para os programas e projetos

sociais, não podendo ser objeto de contingenciamento e nem de destinação para outras

finalidades, sob pena de ofensa ao dever de redução da reserva do possível.

Diante disso, cumpre salientar que o dever de redução da reserva do possível

serve a todos os direitos, eis que todos demandam custos, ainda que se deva considerar a

prioridade na formulação de políticas públicas para a redistribuição da riqueza e de

renda em razão do grave estágio de exclusão social existente no Brasil.

Apenas a partir dessa compreensão é que se tornará possível – embora a reserva

orçamentária não prejudique a garantia do mínimo vital e não seja obstáculo

intransponível para a progressiva efetivação dos direitos fundamentais – a ampliação da

capacidade de financiamento da ação estatal voltada às políticas públicas de efetivação

dos direitos fundamentais, exigidas pelas dimensões de promoção, proteção, garantia e

satisfação, que defluem do conteúdo normativo dos direitos fundamentais em geral.

E essa ampliação da capacidade de financiamento é ainda mais exigida na

oportunidade dos vinte anos da Constituição Federal diante da necessidade de que as

utopias mais sejam mais aproximadas da realidade pela vivência comunitária das

possibilidades de concretização e realização no âmbito do possível, do real e do

necessário (HÄBERLE, 2002, p. 64).

Por conseguinte, o tempo de expansão do possível implica a existência de uma

dimensão temporal na Constituição brasileira que repercute sobre a reversa do possível

a partir das dimensões dirigida e dirigente da solidariedade social, enquanto princípio e

objetivo republicano constitutivo do pacto comunitário.

Para tanto, faz-se mister asseverar a caracterização dos direitos fundamentais

como custosos, rejeitando a aplicação do ideário neoliberal que propugna austeridade

fiscal e retração da proteção social, posto que prejudicaria, também, as liberdades.

46

O tempo possível da expansão torna ultrapassado, e mesmo temporalmente

desfocado, o neoliberalismo e suas propostas que tolhem ainda mais a capacidade de

ação estatal, não sendo questão que possa ficar ao sabor da lex mercatoria.

3.2 Os Custos dos Direitos Fundamentais e o Neoliberalismo

Como já indicado, a ciência jurídica abriga alguns fetiches, notadamente pelo

caráter reprodutivo e não produtivo do seu conhecimento, que encontra,

lamentavelmente, um eco ressonante pela forma como se dá o ensino jurídico atual.

Dentre esses fetiches, há uma “verdade” repetida de forma acrítica e que

corresponde a uma visão liberal dos direitos fundamentais que, de tão óbvia, gozava do

respaldo da inação doutrinária ao do “sistema dos fundamentos óbvios”, como

classicamente acentuado por Alfredo Augusto Becker (1998, p. 11-13).

Uma das grandes contribuições, e mais recentes21, para a ruptura desse mito veio

do constitucionalismo americano no já referido estudo realizado por Cass Sunstein e

Stephen Holmes (2000) que, procedendo a uma análise das liberdades e dos direitos

econômicos e sociais, inclusive com um quadro que relaciona os direitos e os seus

custos, apontam que todos os direitos são positivos (HOLMES, SUNSTEIN, 2000, p.

233-234) e, como tal, demandam custos para a sua realização e garantia.

Com efeito, constatam que a diferenciação entre liberdades como direitos

negativos e direitos sociais, econômicos e culturais como direitos positivos, apesar de

familiar e corrente, não é auto-evidente, não estando explícita na Constituição

americana e não sendo perceptivelmente decorrente da vontade dos fundadores do

constitucionalismo norte-americano; assim, tal distinção seria uma grosseira

simplificação, que não se justifica, sustentando, consequentemente, que todos

demandam custos porque, mesmo as liberdades e a propriedade exigem um sistema de

monitoramento e proteção.

Como já apontado em outra oportunidade (CALMON DANTAS, 2007, p. 405-

407), Alexy e Canotilho também consideram que os direitos fundamentais comportam,

todos eles, prestações positivas, sejam materiais, sejam normativas.

Sustenta Alexy que os direitos à prestação se dividiriam em direitos de proteção e

direitos de organização e procedimento, abrangendo, também prestações em dinheiro e

bens, que se poderia considerar como direitos à satisfação de necessidades.

21 Haja vista a indicada precedência no trato da questão de Vergottini (2004, p. 231) e de Pablo Lucas Verdú (2000, p. 148-149).

47

Os direitos à prestação consistiriam de forma impositiva numa atuação do Poder

Público que poderia ser não apenas material e concreta, mas também normativa.

Não obstante isso, afigura-se mais pertinente o entendimento de que todos os

direitos fundamentais têm uma dupla dimensão eficacial, defluindo uma eficácia

negativa e outra positiva; a eficácia negativa abrangeria os deveres de respeito e

preservação da autonomia privada, que demandam condutas omissivas; já a eficácia

positiva seria composta pelos deveres de proteção, garantia, promoção e satisfação.

Ainda que não se possa afirmar que tais deveres integram todos os direitos

fundamentais, ao que parece não há direito fundamental que não albergue pelo menos

uma dessas dimensões eficaciais positivas, pelo que se evidencia que demandam

recursos tanto os direitos sociais quanto às liberdades.

Tal compreensão conduz à constatação de que a maior ou menor implementação

de políticas e programas sociais, em cotejo com a promoção das liberdades, da

propriedade e outros direitos de primeira dimensão, resulta mais de opções político-

ideológicas do que da estrutura normativa de determinado direito, evidenciando-se que

todos os direitos são custosos, como salienta com percuciência José Casalta Nabais

(2007, p. 176), em excerto abaixo transcrito, in verbis:

[...] os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí decorre que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos.

Considera, assim, que todos os direitos têm custos públicos e não apenas os

direitos sociais, ressaltando que os custos das liberdades e dos direitos clássicos tendem

a não ser destacados, usualmente ficando na sombra, concluindo inexistirem direitos

gratuitos.

No mesmo sentido, Fernando Facury Scaff (2007, p. 11-12), referindo-se à obra

de Holmes e Cass Sunstein, salienta que não existem direitos que independam de custos,

estendendo-se até aos direitos e liberdades de 1ª dimensão, eis que “[...] a manutenção

do aparelho judiciário e do sistema de segurança pública, dentre outros considerados

pela doutrina norte-americana como necessários para a implementação dos civil rights,

possuem um alto preço e precisam ser financiados através de um sistema tributário forte

e ágil”, pelo que não seriam apenas os direitos de 2ª e 3ª dimensão condicionados à

disponibilização de verbas para sua realização.

48

Em posição similar à manifestada por Nabais relativamente ao estado tributário

puro, considera impertinente a defesa de alguns ao sustentarem que os custos dos

direitos deveriam ser remunerados pelos que se utilizam dos serviços públicos,

invocando a resposta dada por Barquero Estevan que, forte no princípio da

solidariedade, afasta tal possibilidade.

A percepção do caráter positivo de todos os direitos fundamentais é de grande

relevância para a preservação do constitucionalismo dirigente e do Estado Social, ainda

que se admita a necessidade de algumas reformulações em sua estruturação orgânico-

funcional.

Ora, a crítica neoliberal ao Estado Social, dentre vários aspectos, aproveita-se da

sua crise fiscal, imputando-a como consequência das prestações sociais destinadas à

redistribuição de renda e à promoção das condições mínimas de existência digna,

intervindo na atividade econômica para promover o crescimento ético da economia, ou

seja, o desenvolvimento.

Avelãs Nunes (2003, p. 17-24) expressa o ideário neoliberal de reforma do Estado

Social e retorno à auto-regulação do mercado, diante da afirma – pelo neoliberalismo –

decadência do Estado Social, à moda de Milton Friedman e Fredrick Hayek, consagrado

pelo Consenso de Washington e empregada efusivamente pelos governos Reagan e

Tatcher.

Assim, o neoliberalismo investe contra os sindicatos, as prestações de proteção ao

trabalho e da seguridade social, como também a alta carga tributária, reconhecendo que

o neoliberalismo rejeita a legitimidade de políticas de redistribuição, excluindo da

responsabilidade estatal a promoção da justiça social.

Eros Grau (2004, p. 40-41), acertadamente, considera que “[...] a apologia

ideológica do mercado é produzida em função exclusivamente do interesse do

investidor, que é o de baixar os custos que oneram a empresa (os salários, os tributos e

as cargas sociais)”.

Nesse sentido, ainda segundo Grau, para o neoliberalismo a crise das economias

de mercado ocorrida a partir dos anos setenta adveio do progressivo gravame sobre as

margens de lucro empresarial e, concomitantemente, do processo inflacionário de

vertiginosa manifestação, só podendo ser corrigida com a preservação de um Estado

contra os sindicatos e pela austeridade fiscal, mas frágil no âmbito das prestações

sociais e intervenções econômicas, com rígida disciplina orçamentária, limitação dos

investimentos e das prestações sociais, e retorno à taxa natural de desemprego para

restabelecimento do exército de reserva e mitigação do poder dos sindicatos. Ademais,

49

alterações na estrutura da tributação que diminuíssem a carga incidente sobre a

atividade produtiva viria a estimulá-la, visando a superar o estágio de estagflação.

Nesse passo, cumpre atentar para a exposição de Dworkin (2006, p. 90-92) acerca

da política norte-americana de corte de tributos e de direcionamento dos recursos

orçamentários para o exército, financiando a sua manutenção o Iraque, diante das

demandas da população americana, notadamente em virtude do furacão Katrina.

Observa, ainda, que no primeiro governo o Presidente Bush impôs uma drástica redução

na tributação, que se tornou ainda mais grave porque ocorrida durante uma dispendiosa

ação militar. Nos últimos dez anos, considerando-se dados apurados em 2005, o

Congresso reduziu U$1,8 trilhões, o que favoreceu aos americanos mais ricos. Registra

que nesse ano Bush propôs uma redução ainda mais intensa, além de propor uma

redução periódica e constante. Em contrapartida, Dworkin ressalta que o furacão

Katrina, que devastou Nova Orleans, chocou os americanos diante da demora e da

ineficiência do governo, sugerindo uma falta de respeito quanto aos pobres que residiam

nas áreas afetadas, normalmente negros, cujas vidas tinham sido arruinadas.

Dworkin conclui, com base em dados estatísticos, que os cortes de Bush apenas

aumentaram a distância entre ricos e pobres, pouco contribuindo para o crescimento dos

postos de emprego, ficando claro que não cabe ao mercado, percebendo que batalha

política acerca da tributação não é precipuamente apenas uma questão da previsão

econômica, do que parece discordar na medida em que “Taxes are de principal

mecanism through which government plays this redistributive role.”

Da mesma forma, Perry Anderson (2003, p. 9-22) registra que o êxito do

neoliberalismo é muito mais ideológico do que social ou econômico, indicando que se

fundava numa premissa de que não havia alternativas à crise do Estado Social senão o

retorno ao Estado mínimo com as questões sociais ficando relegadas ao mercado.

Ora, como já delineado, não se pode admitir a compatibilidade de políticas

neoliberais com o dirigismo neoconstitucional, de modo a se rechaçar a austeridade

fiscal, a contenção de investimentos sociais, o contingenciamento de recursos

orçamentários e a prioridade para o alcance de superávit primário e para o pagamento

dos serviços da dívida, posto que tais “prioridades” de governo não se adequam às

prioridades constitucionais, não podendo razões de governo derrogar ou eximir os

agentes públicos do mais estrito e obsequioso respeito e cumprimento da Constituição

Federal.

Nesse passo, a compreensão constitucionalmente adequada e temporalmente

situada da Constituição da República Federativa do Brasil importa no reconhecimento

50

dos deveres fundamentais indicados, que conduzem, com base no princípio da

solidariedade, à expansão do possível da reserva mediante uma impositiva redução do

âmbito da reserva do possível.

4. CONCLUSÃO

A proximidade de 5 de outubro de 1988 e a perspectiva do avançar para além

desse marco temporal leva a se reconhecer que já é passada a hora de ter-se presente a

perspectiva de que o passado constitucional traz uma experiência inestimável para a

construção vivencial e comunitária do sentido e das potencialidades das normas

constitucionais, no que se inserem os direitos fundamentais e a consequente necessidade

de que as utopias e os programas constitucionais em derredor dos mesmos, notadamente

os que levam à transformação da realidade social, seja tomados a sério e realizados

otimamente.

Os direitos fundamentais integram o coração do constitucionalismo, que se erigiu

em contenção ao arbítrio e em proteção à pessoa humana. No curso de sua evolução,

tornou-se contínuo o movimento de adaptação do constitucionalismo às necessidades e

percalços sociais, e em razão de suas próprias insuficiências, evoluindo paralelamente

com a expansão dos direitos fundamentais até que se chegou ao Estado Social.

Com o desenvolvimento do constitucionalismo, também se operou a contenção do

poder de tributar que, com as constituições atuais, notadamente a brasileira, passou a se

constituir como uma atividade regrada pelo direito constitucional e fundada na

solidariedade, ou seja, no compromisso comunitário de prover e participar do

financiamento da ação estatal, que só se justifica pelo retorno que propicia na

promoção, garantia, proteção e satisfação dos direitos sociais e na consecução dos

objetivos republicanos.

Assim, há a necessidade de instaurar uma nova compreensão não apenas do

tributo, mas também da atividade tributária do Estado brasileiro, com as demandas e

exigências que lhe são formuladas pela realidade social e pelas necessidades

comunitárias, em razão da inflexão normativa propiciada pelo caráter dirigente da

Constituição Federal, associado à potencialização que decorre do

neoconstitucionalismo.

Diante disso, há de se reconhecer que a Constituição Federal comporta uma

temporalidade que induz à necessidade da expansão do possível, entendida como uma

ampliação da capacidade de ação estatal quanto às políticas públicas voltadas aos

51

direitos fundamentais. Nesse sentido, a temporalidade constitucional revela que da

solidariedade, como objetivo ou como princípio, resulta o dever fundamental do Estado

de reduzir o âmbito da reserva do possível, limitação fática para a implementação

progressiva pelo Estado dos direitos fundamentais, e que se refere a todos os direitos

fundamentais, posto não serem dádivas nem divinas e nem naturais.

Ora, os direitos fundamentais, dentre outras razões, sofrem crises de efetividade

motivadas, ao menos, por quatro principais razões, quais sejam a) falta de vontade

política; b) prioridades de governo desconformes com as prioridades constitucionais; c)

ineficiência da atuação administrativa; c) impossibilidade resultante da escassez de

recursos e da impossibilidade de estender a arrecadação.

A possibilidade de ampliação e expansão do que seja possível a partir da reserva

orçamentária pela sua progressiva limitação como condição para a efetividade dos

direitos fundamentais e dos programas sociais a partir do desenvolvimento de deveres

fundamentais assinalados ao Estado, resultantes do princípio da solidariedade, dirige-se

a superar o problema da escassez de recursos, ficando demonstrado que o Poder Público

tem, inclusive, nesses vinte anos, mais contribuído para a escassez orçamentária e a

limitada efetividade dos direitos fundamentais do que ampliado a capacidade de ação e

de implementação de políticas públicas orientadas a sua efetividade.

O objeto do presente estudo foi justamente estabelecer as condições para, a partir

do princípio constitucional da solidariedade social, por uma compreensão orientada no

contexto de uma Constituição dirigente, afirmar a existência do aludido dever

fundamental de redução da reserva do possível e, portanto, de expansão das condições

de implementação dos direitos – o tempo da expansão do possível da reserva,

ansiosamente demandado e exigido pela vivência constitucional comunitária, traz

consigo essa imposição.

Desse dever fundamental, fundado numa solidariedade dirigente e dirigida,

decorrem três deveres fundamentais, de integral exercício da competência tributária, de

alocação de recursos conforme as destinações constitucionais que ensejam a sua

instituição e de execução orçamentária das receitas alocadas em favor de políticas e

programas relacionados aos direitos sociais, que podem, se observados, propiciar a

redução da escassez de recursos para a efetivação dos direitos sociais, sendo apontados

expedientes adotados pelo Poder Público quanto aos três deveres aludidos que denotam

o descumprimento sistemático.

Com efeito, a prioridade do governo conferida à austeridade fiscal, à retração do

investimento e ao pagamento dos serviços da dívida, que justificam uma maior

52

flexibilidade orçamentária resultante da Desvinculação de Receitas da União, como

também do contingenciamento da execução orçamentária de programas e políticas

relativas aos direitos fundamentais, não se revela compatível com a ordem

constitucional, como também a inconstitucionalidade por omissão em virtude da

ausência de esgotamento da competência tributária, como se dá, no plano federal, pela

não instituição do imposto sobre grandes fortunas.

Em regra, tais expedientes vêm ao encontro do ideário neoliberal, de todo

incompatível com o sistema constitucional pátrio, fundado no dirigismo

neoconstitucional e na solidariedade, indicando que os objetivos do governo não podem

preponderar sobre os objetivos republicanos e sobre os direitos fundamentais.

Por conseguinte, impõe-se a refutação de que a reserva do possível seja o limite de

concretização dos direitos fundamentais, posto que, ela própria, pode ser reduzida se

adotadas condutas e ações conformes os aludidos direitos fundamentais, em estrita

lealdade para com o compromisso comunitário de financiamento de uma sociedade mais

igualitária, democrática e inclusiva.

Se a Constituição Federal não pode tudo, por si só, a construção de sentido do seu

texto, comunitariamente vivido e experimentado nesses vinte anos, impõe que se

reconheça a necessidade de que o possível da reserva seja ampliado, e que tal ampliação

deve se dar através dos deveres fundamentais assinalados a partir da dimensão dirigente

da solidariedade social.

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