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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MINNA GONDIM MARQUES RODRIGUES DE CONVERSA EM CONVERSA: O COTIDIANO EM UMA PESQUISA NARRATIVA COM AS PROFESSORAS NA ESCOLA Linha de Pesquisa: Estudos dos Cotidianos da Educação Popular NITERÓI/RJ 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

MINNA GONDIM MARQUES RODRIGUES

DE CONVERSA EM CONVERSA: O COTIDIANO EM UMA PESQUISA

NARRATIVA COM AS PROFESSORAS NA ESCOLA

Linha de Pesquisa: Estudos dos Cotidianos da Educação Popular

NITERÓI/RJ

2019

2

MINNA GONDIM MARQUES RODRIGUES

DE CONVERSA EM CONVERSA: O COTIDIANO EM UMA PESQUISA

NARRATIVA COM AS PROFESSORAS NA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da Universidade

Federal Fluminense como requisito para

obtenção do título de Mestre em

Educação.

Orientadora: Profª Drª. Carmen L. Vidal

Perez

NITERÓI/RJ

2019

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4

MINNA GONDIM MARQUES RODRIGUES

DE CONVERSA EM CONVERSA: O COTIDIANO EM UMA PESQUISA

NARRATIVA COM AS PROFESSORAS NA ESCOLA

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Educação da

Universidade Federal Fluminense

como requisito para obtenção do título

de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Estudos dos

Cotidianos das Classes Populares

BANCA EXAMINADORA

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

-------

Carmen Lúcia Vidal Perez (UFF)

Orientadora

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Maria Teresa Esteban (UFF)

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Andrea Serpa(UFF)

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Mairce da Silva Araujo (UERJ)

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Carmen Sanches Sampaio (UNIRIO)

NITERÓI/RJ

2019

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Às professoras da Escola Municipal

Professor Marcos Waldemar de Freitas

Reis que aceitaram conversar e

compartilhar seus saberes e não

saberes.

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AGRADECIMENTOS

À Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) que me acolheu

no Programa de Pós Graduação.

À minha orientadora Dra. Carmen Lucia Perez Vidal, por ter dedicado seu tempo e

compartilhado seu conhecimento durante a orientação da pesquisa. Pela confiança que

demonstrou no meu trabalho, pelo respeito à minha escrita e pela firmeza das suas

palavras.

À Banca Examinadora que gentilmente se dispôs a ler minha pesquisa, me avaliar e me

orientar. Vocês são exemplos!

Ao Luiz pela assistência técnica, pela paciência, pelas palavras de incentivo e por fazer

questão de estar comigo todo esse tempo.

Às minhas filhas por saberem pedir comida no ifood, por acreditarem na minha

capacidade e por me ensinarem que é preciso lutar por um mundo mais justo PARA

TODAS E TODOS.

Ao meu pai que me ensinou o amor pelos livros e a minha mãe que sempre me lembra

que existem outras coisas na vida.

Às amigas Georgine Tostes, Nívea Fernanda e Eveline Sourbeck por me fazerem

acreditar que a escola funcionava nas minhas ausências.

Às amigas que fiz no Mestrado e que me fizeram sentir confiante mesmo quando os

prazos estavam se esgotando: Patrícia, Beth, Mônica, Alessandra, Marcele e Sueli.

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“Metade da arte da narrativa está em evitar explicações.”

(W. BENJAMIN)

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RESUMO

A pesquisa surge de dentro da escola e vai se reconfigurando na busca por olhar

investigativo que procura desnaturalizar nossa leitura da experiência cotidiana. Desta

forma, provocadas pelas crianças que parecem não aprender, somos levadas nas

reuniões de planejamento a pensar e discutir sobre como aprendemos e como ensinamos

na escola, fazendo da prática um lugar de produção de conhecimentos. A pesquisa teve

a intenção de trazer o texto de algumas conversas com as professoras gravadas durante

as reuniões de 2017 e transcritas e que se constituem um exercício de ouvir o outro. O

segundo exercício consiste em retomar trechos da transcrição em novas conversas com

as professoras, e assim, a pesquisa vai sendo desenhada no sentido de pensar e discutir

coletivamente nossas práticas e nossas concepções a partir das nossas experiências.

Desta forma, a pesquisa segue no sentido de retomar alguns pontos da transcrição em

novas conversas com as professoras. Ao iniciar este movimento de (re)flexão sobre a

prática cotidiana transformamos as reuniões pedagógicas em um espaçotempo de

formação e de (re)flexão no sentido de nos dobrarmos sobre a nossa prática para

conhece-la e pensa-la. A partir das relações que os estudos com o cotidiano estabelecem

em seu processo de pesquisa propomos pensar a escola como lugar de formação de

alunos e professores e também de pesquisadores. O referencial da pesquisa com o

cotidiano se constitui como modo de pensar e modo de fazer desta investigação que

assume a narrativa como escritura capaz de compartilhar a experiência da prática

pedagógica. Assim, a pesquisa não tem a intenção de analisar ou explicar o que foi dito,

mas de pensar a relação entre as falas das professoras sobre seus alunos e a sua prática.

A narrativa faz circular a experiência ora reafirmando e ora deslocando sentidos. Desta

forma, a pesquisa narrativa traz a possibilidade de produção de um saber reflexivo e

contextualizado construído a partir das experiências escolares. Mais do que um gênero a

narrativa se mostra como única maneira de falar da complexidade do cotidiano em uma

pesquisa que investiga a própria prática e escreve acerca das experiências docentes.

Palavras-chave: conversa, narrativa, fracasso escolar.

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ABSTRACT

The research rises from within the school and is gradually reconfigured in the search for an

investigative view which tries to denaturalize our reading of the daily experience. Thus,

provoked by the children who seem not to learn, we are led, in the planning meetings, to think

and discuss about how we learn and how we teach at school, making the practice a place to

produce knowledge. The research intended to bring the text of some conversations with the

teachers recorded during the meetings in 2017 and later transcribed and which constitute an

exercise of listening to the other. The second exercise consists on resuming excerpts of the

transcription in new conversations with the teachers, and therefore the research is outlined in the

sense of thinking and discussing collectively our practices and our conceptions from our

experiences. As follows, the research goes on towards resuming some aspects of the

transcription in new conversations with the teachers. Once we initiate this movement of

reflection (“re-flexion”) about the daily practice, we transform the pedagogical meetings into a

spacetime of training and reflection (“re-flexion”) in the sense that we bend over our practice in

order to get to know it and think it over. From the relations that the studies establish with

everyday life in their process of research, we propose to think about school as a place of training

for students and teachers, as well as researchers. The research referential with everyday life is

constituted as the way of thinking and way of doing of this investigation which takes on the

narrative as writing capable of sharing the experience of the pedagogical practice. Therefore, the

research has no intention of analyzing or explaining what has been said, but to reflect upon the

teachers’ utterances about their students and their practice. The narrative makes experience goes

round, at times reassuring it and, at others dislodging senses. This way, the narrative research

brings out the possibility of producing the kind of knowledge that is reflexive and

contextualized constructed from school experience. More than a genre, the narrative shows up

as the only way of talking about the complexity of everyday life in a research which investigates

practice itself and writes about teacher experiences.

Key-words: conversation, narrative, school failure.

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Sumário Introdução ................................................................................................................................... 11

PARA INÍCIO DE CONVERSA ......................................................................................................... 12

Como surge a pesquisa ........................................................................................................... 13

Eu: a aluna ........................................................................................................................... 14

Eu: a professora ................................................................................................................... 21

Eu: a professora pesquisadora ............................................................................................ 25

Nós: no campo da pesquisa ................................................................................................ 28

O que pretende a pesquisa ..................................................................................................... 30

A conversa com o cotidiano .................................................................................................... 34

A conversa como modo de fazer de pesquisa ......................................................................... 35

A narrativa como modo de escrever a pesquisa ..................................................................... 39

O FIO DA CONVERSA ................................................................................................................... 41

Primeiras conversas ................................................................................................................ 43

Conversa com a Professora Amanda................................................................................... 43

Conversa com a Professora Fernanda ................................................................................. 47

Conversa com a Professora Elizabeth ................................................................................. 53

Conversa com a Professora Kátia ........................................................................................ 59

Conversa com a Professora Fábia ....................................................................................... 64

Conversa com as Professoras Alice e Helena ...................................................................... 70

Conversa com a Professora Débora .................................................................................... 83

Conversa com a Professora Daniela .................................................................................... 88

Conversa com as Professoras Letícia e Mirela .................................................................... 97

Esticando a conversa ............................................................................................................. 103

Conversa com as Professoras Elizabeth, Amanda e Fernanda .......................................... 104

Conversa com a Professora Amanda................................................................................. 113

Conversa com a Professora Keila ...................................................................................... 118

Conversa com a Professora Cecília .................................................................................... 121

Conversa com as Professoras Alice e Helena .................................................................... 129

Conversa com a Professora Luzia ...................................................................................... 139

Conversa com a Professora Mirela ................................................................................... 147

Conversa com a Professora Daniela .................................................................................. 150

Retomando a conversa ......................................................................................................... 163

Entre uma conversa e outra .................................................................................................. 174

O QUE FICA DA CONVERSA OU UMA CONVERSA QUE NUNCA ACABA ..................................... 177

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 180

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Introdução Essa é uma pesquisa conversa que misturou histórias e trouxe experiências

narradas na primeira pessoa. Uma conversa pesquisa que conta da escola nas falas das

professoras e que se constrói com seus praticantes.

Primeiro trago a história da escola de vidro e busco tecer o desenho do

tema: as crianças que não aprendem e o que falamos sobre elas. Depois com a minha

história na escola como aluna, como professora e como pesquisadora busco refazer o

caminho que me trouxe até aqui para que possamos pensar: O que faz de uma

professora uma professora-pesquisadora?

Então a conversa pesquisa começa. Liga o gravador. Espera aí. Desliga.

Agora pode ligar. Grava. Ouve. Transcreve. Parece simples. Só que não. Eu conhecia as

vozes, eu sabia exatamente do que estávamos falando e logo... eu não ouvia o que

falávamos. Mas eu só ouvia quando eu escrevia. A conversa acontecia quando o outro

não estava. Ou estava? Que coisa curiosa essa relação da oralidade com a escrita.

E eu escrevi. Cada palavra falada, lida, cantada, RIDA. Existe essa palavra?

E escrevi as palavras pensadas. Eu saía da escola e na minha cabeça eu continuava

conversando com as professoras. E acho que elas me ouviam porque no dia seguinte

falavam assim: andei pensando sobre o que conversamos e...

E quando pensávamos que estávamos entendendo o que era essa tal

dificuldade entre aspas ela virava outra coisa e apontava para o currículo, para a

avaliação, apontava os tempos e os espaços escolares.

As professoras perguntavam: vai gravar hoje? E o que você vai fazer com isso tudo que

a gente fala? Já escreveu o que eu falei? Quando vamos começar a ler o que você

escreveu?

E lemos. Lemos a nós mesmas e a nós outras e ouvimos a nós mesmas e a

nós outras e a escola ia experimentando. E eu voltava às transcrições. Eu já não sabia

mais se usava dois pontos, se abria aspas ou se apenas contava o que acontecia ali. Os

tempos de ouvir, transcrever, ler, conversar, escrever se misturam e se atravessam,

puxam fios para fora da reunião, fora da sala, pelo refeitório, pelo corredor, pelo

caminho.

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E o que era sempre assim às vezes era diferente. Da dificuldade entre aspas

dos alunos passamos a falar das nossas dificuldades sem aspas de conhecer como

pensam as crianças. Nossas dúvidas sobre o aprender foram mostrando que é possível

construir no coletivo outras formas de ensinar.

Não foi possível chegar ao final das transcrições. O tempo acabou. No ano

seguinte quem era do quinto veio para o primeiro e quem ensinava aos pequenos

escolheu estar com os grandes. Novas professoras, novos projetos de vida, de formação

acadêmica. Mudamos alguns horários, experimentamos espaços e a conversa continua.

A pesquisa mostra a conversa como modo de fazer, a narrativa como modo

de escrever, mostra o cotidiano como modo de pensar com, mostra que é preciso

estranhar para conhecer, que é preciso aprender enquanto ensina. A pesquisa mostra que

é preciso ser sensível para experimentar e que uma escola pode ser ao mesmo tempo

várias escolas.

PARA INÍCIO DE CONVERSA

Para começar esta pesquisaconversa eu queria contar um pedacinho de uma

história que li num livro de literatura infantil. Acredito como a professora Edwiges

Zaccur que “a literatura não resolve problemas, antes semeia questões.” (ZACCUR,

2003, p.87) Essa é uma história para crianças, mas que fala também com os adultos,

principalmente os adultos que falam sobre as crianças.

...eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito. Eu

nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes... Eu ia pra

escola todos os dias de manhã e, quando chegava, logo, logo, eu tinha

que me meter no vidro. É, no vidro! Cada menino ou menina tinha um

vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro

dependia da classe que a gente estudava. Se você estava no primeiro

ano ganhava um vidro de um tamanho. Se fosse do segundo ano seu

vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à

medida que você ia passando de ano. Se não passasse de ano, era um

horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado. Coubesse

ou não coubesse. Aliás, nunca ninguém se preocupou se a gente cabia

nos vidros. E pra falar a verdade, ninguém cabia direito. Mas, uma

vez...

(Texto “Escola de Vidro” de Ruth Rocha no livro Admirável Mundo

Louco)

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Começo contando essa história que não é minha, mas que poderia ser. A

história de uma escola de vidro. Minha tentativa é a de localizar no tempo e no espaço o

surgimento da questão que me move na pesquisa. Durante meu percurso acadêmico e

profissional custei a entender a relação que existia entre a história individual, de onde

começo este texto, as muitas histórias de crianças das classes populares que vão à escola

querendo aprender a ler e escrever e a história de suas professoras. A relação está na

pergunta: Por que a escola precisa dos vidros e o que significa caber ou não caber dentro

neles?

Na história, os vidros mantinham cada um no seu lugar, ou pelo menos,

tentavam manter. O final dessa história de crianças em vidros (que poderia ser a minha)

nos faz acreditar que pode ser diferente e que uma outra escola é possível. O caminhar

da pesquisa, no entanto, nos conta que não se trata de uma escola ou outra, com vidro

ou sem vidro, mas que o cotidiano e sua complexidade comporta muitas escolas dentro

de uma mesma escola a partir de práticas cotidianas que vão se construindo nas brechas

da rigidez pedagógica, do controle dos vidros, no pulo das tampas.

Muitos grandes não conseguem pensar as escolas sem vidro, precisam das

carteiras enfileiradas, dos exercícios preparatórios, das linhas pontilhadas. Não se

espantam com as crianças que não aprendem pois veem e pensam a escola de dentro

dos seus vidros, mas também não é assim o tempo todo.

Desta forma, a pesquisa pretende narrar práticas comuns e assim se

constituir como exercício de desconstrução disso que nos aparece como familiar, como

dado, como experiência imediata. Através das conversas provocar a desnaturalização

dos nossos saberes e a construção de outros conhecimentos a partir de procedimentos

cotidianos, um consumo astucioso que reemprega os produtos impostos por uma ordem

econômica dominante. (CERTEAU, 2014, p.39)

Como surge a pesquisa

Misturar histórias, trazer experiências ordinárias e assim fazer pesquisa é o

que vamos chamar aqui de uma prática desviacionista (CERTEAU, 2014, p.85), no

sentido em que, não apenas se diferencia, mas de muitas formas se opõe ao modelo

hegemônico de investigação científica e de escrita acadêmica. Escrevo na primeira

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pessoa sobre conversas que acontecem na escola onde trabalho todos os dias e com a

equipe de professores que dirijo.

A pesquisa surge de dentro da escola. Escola que ocupa diferentes

espaçotempos e pratica diferentes modos de pensar e fazer, pois, vai se reconfigurando

e redesenhando na busca por reinvenção ao mesmo tempo que também se mantém a

mesma produtora de injustiças de sempre. “Essas maneiras de fazer se constituem as mil

práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizados pelas técnicas da

produção cultural.” (CERTEAU, 2014, p.41) A pesquisa toma forma nas nossas falas e

gestos de professoras e se faz na escuta dos nossos próprios enunciados e enunciações.

Ela se constrói com seus participantes, os sujeitos praticantes como nos diria Certeau, e

instaura um olhar investigativo que procura desnaturalizar nossa leitura da experiência

cotidiana.

Nesse primeiro momento, conto a minha experiência com a escola.

Experiência que começa com a minha entrada como aluna em uma escola pública do

Estado do Rio de Janeiro no final da década de setenta, depois como professora na rede

municipal de Niterói e por fim como pesquisadora no Campo dos Estudos com o

Cotidiano do Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense.

Eu: a aluna

A minha história, ou a forma como hoje me lembro dela, é muito parecida

com a da escola de vidro, mas eu não sábia disso até que um dia virei professora e a

minha história se misturou com a de muitos alunos. Essa história misturada é, ao mesmo

tempo, minha e da escola, pois ao contar minha experiência conto de uma escola

localizada no tempo e no espaço. O tempo dessa escola é o final da década de setenta e

o espaço é o bairro da Tijuca no Rio de Janeiro.

A coisa mais estranha é sem dúvida a mobilidade dessa memória onde

os detalhes nunca são o que são: nem objetos, pois escapam enquanto

tais; nem fragmentos, pois oferecem também o conjunto que

esquecem; nem totalidades, pois não se bastam; nem estáveis, pois

cada lembrança os altera. (CERTEAU, 2014, p.52)

É preciso explicar que o que trago como memória neste momento talvez não

tenha acontecido exatamente assim. Essa memória se transforma com as experiências

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que vou vivendo e são elas, as experiências, que me permitem reviver os fatos dessa

maneira, logo, uma memória invenção, ficção e narrativa. O exercício é de rememorar

os fatos e os acontecimentos e isso é mais do que lembrá-los, pois a rememoração não

repete o vivido. Ela o reescreve, reinventa, revive.

Para além da memorização e da comemoração, a rememoração leva o

espírito à descoberta, ao desdobramento, a um trabalho de memória

que envolve não só uma elaboração do que se passou como também o

trabalho da imaginação e da singularidade nas narrativas do sujeito.

(PEREZ, 2017a, p.19)

Ao ser narrada a experiência transforma-se em história. A minha história é a

da menina que cabia dentro do vidro. Do que consigo me lembrar, nem sentia que

estava lá dentro. De dentro de mim eu me via dentro do vidro, e a maior parte do tempo

eu cabia direitinho, letra bonita, caderno limpinho, livro encapado, lápis apontado.

Levava merenda de casa, uniforme engomado, sapato engraxado, ia embora de carro.

Final de semana tinha passeio, cinema, teatro. Os presentes eram jogos, livros, bonecas.

Eu preferia os livros mesmo antes de aprender a ler. Meu pai também gostava dos

livros. Minha mãe preferia os jornais e encapava meus cadernos, bordava meus

guardanapos, me levava e buscava na escola, queria saber como tinha sido meu dia, o

que eu tinha aprendido.

Cursei a Educação Infantil em uma escola particular no bairro de Botafogo

no Rio de Janeiro. Me lembro do avental cor de vinho que usava por cima do uniforme,

das escadas e corredores com o chão emborrachado de bolinhas (antiderrapante) e dos

brinquedos de madeira na estante (baixa) da sala. Lembro do cheiro da massinha, da

tinta guache, da merenda na merendeira. Lembro da textura do caderno encapado com

plástico azul de bolinhas brancas, do lápis bem apontado, da borracha macia. Lembro da

brincadeira de ciranda no pátio da escola e de pintar uma pedra para fazer um peso de

papel de presente para o dia dos pais.

No ano de 1979 meus pais me transferiram para uma escola pública. Apesar

do discurso de que a escola era para todos era preciso algum tipo de conhecimento para

se conseguir uma matrícula numa escola daquelas. A escola pública ainda era para

alguns poucos, o que foi mudando mais tarde devido ao processo de democratização da

escola pública. O que não resolveu o problema.

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Meu uniforme agora era azul e branco. Não gostei da escola nova, como

nenhuma criança que não tem facilidade em fazer amigos também não gostaria. O

Instituto de Educação do Rio de Janeiro ocupava um quarteirão inteiro e o prédio do

Grupo Escolar (o prédio novo) era simplesmente enorme, com suas rampas, corredores

azuis e salas numeradas. Eu pedia à professora para ir ao banheiro e aproveitava para

dar uma volta, descia patinando aquela rampa e depois subia devagarzinho para ajudar o

tempo a passar.

Às vezes o tempo passava mais rápido e eu ficava o recreio todo na fila da

cantina porque não gostava do que serviam no refeitório. Havia outras filas, boas como

a do salto na cama elástica ou para pular na piscina e outras nem tanto, como a fila do

consultório médico para ver quem tinha cárie ou piolho. Era minha entrada na primeira

série do Ensino Primário.

Ainda sobre os vidros... Eu não percebia que alguns alunos iam ficando

apertados, sem jeito, outros afundados lá dentro dos vidros. Hoje sei que esse era um

problema antigo, que muitos deixavam de frequentar a escola e que muitos estudiosos e

pesquisadores se esforçaram para entender porque isso acontecia. O processo de

democratização, que parecia ter resolvido o problema das vagas, não garantia a

permanência. Alguns teóricos e pesquisadores buscavam justificativas e outros

acreditavam que era possível fazer diferente. De vidro em vidro, eu ia passando de ano.

Era só quando, vez ou outra, uma tampa dessa pulava que eu me lembrava

dos vidros e mesmo assim não entendia direito porque isso acontecia. Tudo aquilo me

parecia bem familiar e não me parecia tão complicado (na maioria das vezes, pelo

menos) sentar ali, ouvir o que a professora falava e depois escrever do jeito que ela

mandava. A matemática era sempre mais difícil e até hoje ainda é, mas se eu não

entendia o dever de casa minha mãe me ajudava depois da janta e no dia seguinte as

respostas estavam todas ali no caderno. A professora corrigia de caneta vermelha,

olhava e fazia cara de “muito bem”.

Minha letra era mesmo caprichada, diziam por isso que eu ia ser professora,

mas meus traços nem sempre eram muito seguros. Meu caderno de criança que aprende

a ler e escrever tinha marcas de borracha que mostravam as tentativas de fazer do jeito

certo. Não havia folhas com pontas amassadas, pois isso não era permitido. Nem

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desenhos livres, pois para isso havia outro caderno, apenas cópias, ditados, classifique,

complete, ordene e efetue.

Hoje sei que não era assim com todo mundo. Havia cadernos de todo jeito

apesar da capa azul de bolinha branca. E crianças de todo jeito também, apesar do

uniforme também azul e branco. As diferenças não pareciam ser importantes porque a

capa do caderno, o uniforme e a aula eram os mesmos para todo mundo. Essa era a

garantia de oportunidades para todos e quem não aprendia devia ser duro de cabeça1 ou

ter alguma deficiência.

O fato é que muitas crianças não aprendiam a ler e precisavam fazer de novo

o primeiro ano. Uma hipótese era a de que podiam não estar preparadas, pois muito se

discutia acerca da idade certa para serem apresentadas às letras. E ainda se discute.

Também havia muitos testes de inteligência, de aptidão ou de prontidão, fiz alguns

deles.

Eu aprendi a ler assim: quando eu não sabia eu fingia que lia e aí eu

aprendia. Vou explicar. Eu ainda não sabia ler, mas tinha decorado o texto que contava

de um barquinho de papel amarelo que balançava pra lá e pra cá na água azul que fazia

chuá, chuá. Como num jogo de adivinhar eu prestava atenção na repetição das palavras,

memorizava o ritmo, acompanhava com a ponta do dedo, lia as imagens que

acompanhavam a história. De tanto repetir o texto eu aprendi a relacionar a letra com o

som. Primeiro o som inicial de cada palavra: A de azul, B de barquinho. Depois as

palavras que terminavam com mesmo som, pois elas rimavam e rimar era uma

brincadeira bem divertida.2

A sala de aula da minha escola tinha, quase sempre, outras alunas mais

velhas sentadas em uma pequena arquibancada com cadernos de anotações. Quando elas

chegavam minha professora nos explicava que estavam ali para aprenderem a ser

professoras, que por isso deveríamos nos comportar ou elas não iam mais querer esse

trabalho e não existiriam mais professoras. Isso parecia ser uma grande

1 PATTO, M. H. S., 1996, p.41

2 O barquinho amarelo

Marcelo faz um barquinho./Marcelo faz um barquinho de papel./Marcelo diz:/- Olhe o meu barquinho!/Rosinha diz:/- Um barquinho amarelo. Que beleza!/Marcelo solta o barquinho./Marcelo solta o barquinho na água./Rosinha diz:/- Que beleza! A água azul.../O barquinho amarelo./O barquinho amarelo balança./O vento faz: u... u...u.../A água faz: chuá... chuá... chuá.../O barquinho balança:/Pra lá... pra cá.../Pra lá... pra cá...

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responsabilidade. Às vezes, as normalistas (era assim que eram chamadas as aprendizes

de professoras) é que davam aula. Elas liam histórias, preparavam cartazes coloridos,

davam aula em pequenos grupos, iam nas mesas tirar dúvidas e nos deixavam desenhar

quando acabávamos o dever.

Acredito que a presença das normalistas tenha influenciado na decisão de

muitas de nós em nos tornarmos professoras. Elas eram bonitas, divertidas e tinham

aquela estrela na gola da camisa. Em sua pesquisa sobre a reconstrução da identidade

pela escrita memorialística também no Instituto de Educação do Rio de Janeiro Vidal

(2011) narra sua experiência de aluna e a presença das normalistas em sua sala de aula.

Cada sala possuía uma pequena arquibancada, construída, em geral, ao

lado da porta de entrada e perpendicularmente ao quadro-negro. As

professoras ali se instalavam e, por duas horas aproximadamente,

olhavam as atividades da classe, para em seguida discutir, com a

professora de Didática da Escola Normal, o andamento da aula e as

escolhas metodológicas efetuadas pela professora primária. (VIDAL,

2011, p.150)

Eu era tão apaixonada pela minha escola que fiz o curso Normal para não

ter que estudar em outro lugar. Talvez, a lembrança das normalistas na minha sala

também tenha ajudado na escolha. Lembro de comprar o uniforme “completo” na Casa

Haddad na rua da escola. Lembro do sapato boneca, da saia de pregas, do ano de

escolaridade bordado na manga da camisa em algarismo romano. Também me lembro

de comprar o material escolar na Casa Mattos, escolher os lápis e cadernos e lembro de

quando mudei do prédio da escola primária (fundamental I) para o ginásio (fundamental

II) que ficava no prédio antigo, construído em 1927-1930 em estilo neocolonial, do

Instituto de Educação do Rio de Janeiro. Lembro das escadas, das sacadas, dos

corredores, do piso de sinteco das salas, do chafariz no centro do pátio interno, mas

ainda estava no andar de baixo.

Só quando passei para o Curso Normal3 (curioso esse nome) é que pude

“frequentar” o terceiro andar. E mais uma vez misturo minha história e faço minha a

narrativa de outra aluna: “Três andares, nós ficávamos no primeiro piso. Pouco a pouco,

íamos subindo até alcançar o terceiro, onde estavam as normalistas.” (VIDAL, 2011,

3 Segundo a Lei 5692/72: HEM – Habilitação Específica de 2º grau para o exercício do magistério em 1º

grau.

19

p.152) Estudei no Instituto de Educação do Rio de Janeiro por onze anos e a experiência

que me constituiu como aluna também me formou professora.

Sobre as experiências formativas vividas na escola Vidal nos diz:

Ainda que sempre reelaboradas, as marcas desses doze anos

vivenciados no interior de uma mesma instituição conformam parte do

meu repertório de experiências de subjetivação, efeitos de uma

escolarização longa e contínua, cujas injunções sobre a trajetória

pessoal e profissional são dificilmente deslindáveis. A memória

afetiva, sensória, traçada na convivência com a materialidade do

prédio, dos equipamentos e dos discursos didáticos e no convívio com

sujeitos da educação, constitui-se tal qual os saberes aprendidos, em

componente significativo do ser professora para mim. (2011, p.155)

A formação, entendida como processo finito e que ainda hoje insiste em

separar as disciplinas entre teóricas e práticas, foi se dando na experiência. E a mais

significativa delas foi o estágio supervisionado. Dentre as disciplinas e demais

atividades o estágio era o que parecia ser o único contato com a realidade. Nas palavras

Regina Leite Garcia: “a prática que confirmava a teoria. A prática que atualizava a

teoria. A prática que nos oferecia novas explicações teóricas. A prática que revelava a

teoria em movimento. A prática que, para nós, dava sentido a teoria.” (GARCIA, 2003,

p.14)

Assim, do estágio nas salas de aula da escola primária do IERJ fomos para o

estágio externo à instituição no CIEP4 Samuel Wainer. Era o ano de 1989 e o CIEP, que

havia sido inaugurado em 1986 no governo de Leonel Brizola, fazia parte do projeto do

antropólogo Darcy Ribeiro para a construção de uma política pública de educação. O

CIEP seguia o projeto arquitetônico com três espaços: o prédio de salas de aula e suas

rampas, a biblioteca e a quadra.

A realidade do CIEP era bem diferente da escola primária do IERJ. O tempo

agora parecia mais rápido e mais intenso, o espaço era mais amplo, as pessoas eram

muitas, os corredores movimentados. Não dava tempo de ficar na fila da cantina (nem

tinha cantina) então eu aprendi a comer em bandejas no refeitório.

O que era ensinado nas aulas do curso normal por vezes se desencontrava do

que era vivido no estágio, mas as conversas aconteciam no caminhar do IERJ para o

4 Centro Integrado de Educação Pública.

20

CIEP e depois na volta, também aconteciam na hora do almoço, no intervalo das aulas e

no transporte. Assim, nas conversas, íamos construindo um ser aluna, ser normalista,

ser professora. No último dia como alunas fugimos da sala de aula e pulamos de

uniforme e tudo do trampolim mais alto direto na piscina. Agora éramos professoras, o

que se confirmou com a formatura seus anéis e canudos.

Fazer o curso normal não me tornou professora: esta foi (e ainda) é

uma lenta aprendizagem, engendrada ao longo de minha trajetória em

momentos descontínuos, fragmentos de tempo e pedaços de

experiência que tecem singularmente meu devir professora. (PEREZ,

2003b, p.99)

Terminado o curso Normal trabalhei em outras áreas e continuei minha

formação em outros espaços. Fui aluna do Curso de Psicologia e lá ainda vi alguns

vidros. Havia também gaiolas onde ficavam os ratinhos que levavam o semestre inteiro

sendo ensinados a passar pela argola para ganhar uma gotinha de água. No final do

semestre, enquanto fazíamos as provas eles eram sacrificados. Triste fim. Muito tempo

depois fui aluna no curso de Pedagogia e os vidros estavam lá também, mas não havia

ratos. Talvez algumas gaiolas. Também fiz cursos de especialização que, muitas vezes,

convidavam a sair do vidro, pensar outras coisas, outros jeitos de ensinar e aprender.

O uso dos vidros parece se justificar pela existência de uma ideia do que é

ser criança e de como as crianças aprendem. Essa ideia defende que aprendem todos as

mesmas coisas, da mesma maneira e ao mesmo tempo. Um semestre para aprender a

passar pela argola. Essa maneira de pensar a escola existe a tanto tempo que todos se

acostumaram a pensar que essa é mesmo a única maneira de ser das coisas.

O vidro não impede a visão, mas distorce, muda as formas, pode ampliar até

tirar o foco ou afastar até perder de vista. Quem olha de dentro do vidro tem seu ponto

de vista reduzido devido a sua falta de mobilidade e quem está fora do vidro... bem...

ninguém está fora do vidro. A metáfora do vidro, como a da gaiola e as muitas outras

metáforas usadas para falar da escola, não dão conta da complexidade desse cotidiano,

mas nos permite um exercício interessante de olhar para fora e olhar para dentro.

Pensar a escola e como as crianças aprendem não é um exercício fácil. É

preciso estar disponível, capaz de ser afetado por uma realidade complexa de relações

que se estabelecem nesse cotidiano que pensamos conhecer, mas que precisa ser

estranhado. Neste sentido, esta pesquisa propõe espichar o corpo e olhar fora do vidro

21

outras possibilidades de escola dentro da escola que já conhecemos e que temos hoje,

quem sabe encontrar o espaço utópico de que nos fala Certeau (2014), onde se afirma

um possível. “Criam um espaço diferente, que coexiste com aquele de uma experiência

sem ilusões.” (2014, p.74).

Eu: a professora

Passei no primeiro concurso para o magistério em 1996 e comecei a

trabalhar em uma escola de ensino fundamental da rede pública de Niterói. De volta à

escola agora como professora e lá estavam as crianças se remexendo nos vidros,

teimando em fazer pular as tampas. Algumas professoras também. Algumas com o

mesmo caderno de plano do ano passado, outras tentando fazer diferente.

Eu não tinha um (caderno de) plano quando comecei a dar aulas. Cheguei

na escola com meu memorando de apresentação achando que as coisas se resolveriam

quando eu encontrasse as crianças. Não deu certo, não preciso dizer porquê. Era aquela

turma que ninguém quer e que a professora nova pega no meio do caminho porque a

outra professora entrou de licença.

Minha primeira turma era de alunos do terceiro ano no ensino fundamental,

quase todos do meu tamanho. Nos primeiros dias tudo o que eu havia ouvido falar sobre

eles se misturava com eles. No primeiro passeio com a turma achei que não ia ser capaz

de trazer todos de volta. Na noite anterior sonhei que saiam do ônibus correndo e nunca

mais voltavam. Não foi nada disso. Fizemos outros passeios, inventamos novas rimas e

encapamos juntos os cadernos. Foi um ano bem difícil, é verdade, mas de muito

aprendizado, para eles e para mim.

A escola não tinha cantina e a janta era servida no refeitório na hora do

recreio às três da tarde, então enquanto eu comia o sanduiche que levava de casa

prestava atenção nas conversas na sala de professores. Eram apenas quinze minutos para

comer, fazer xixi e aprender mais um pouco sobre ser professora. Tudo que eu havia

estudado precisava agora encontrar espaço e fazer sentido naquele lugar.

O prédio pintado de azul e branco e também com três andares era muito

diferente da minha escola. Construído em outra época, refletia outra concepção de

22

educação. Eu dava aula no terceiro andar onde ficavam as crianças mais velhas. O

banheiro ficava no primeiro andar e quase sempre eu tinha que pedir para outra criança

ir buscar quem estava demorando a voltar para a sala porque estava passeando pelos

corredores.

Nas conversas na sala de professores, talvez mais do que no curso normal,

aprendi sobre como escolher livros didáticos, selecionar exercícios, planejar o tempo,

corrigir cadernos, escrever no quadro e a fazer um caderno de plano. O caderno de

plano tem, quase sempre, a função de antecipar o que se pretende, qual o conteúdo a ser

trabalhado, seus objetivos (cuidado com os verbos no infinitivo dizem os livros sobre

planejamento), as estratégias, o material necessário, o tempo. Nos cursos de professores

eram muitas as aulas sobre planejamento.

O meu caderno de plano era bonito e com letra de professora, mas também

com muitos comentários pelas margens, exclamações, interrogações, bilhetes que eu

recebia e desenhos, vários desenhos. Como, muitas vezes, o que eu planejava não dava

certo (por diferentes motivos) comecei a usar o caderno de plano com a dupla função de

registrar não apenas o que deveria acontecer, mas também o que de fato acontecia. Isso

deveria evitar que eu cometesse o mesmo erro e assim eu ia eliminando as tarefas

longas demais, as que precisavam de material que eu não tinha à mão e principalmente

eu ia percebendo o que interessava e o que não adiantava insistir.

As anotações me faziam pensar que era preciso propor outras coisas,

repensar a duração das propostas e talvez fazer a rodinha em outro lugar. Ou ainda

pensar que era preciso insistir e que era uma questão de tempo para dar certo. A

anotação também me fazia pensar o planejamento do espaço que era sempre um

problema. Eu desenhava mapas da sala colocando o nome das crianças e onde deveriam

sentar, mas não adiantava separar as que conversavam porque elas iam nas outras mesas

colocar a conversa em dia. Até que um dia chegamos e as mesas estavam em grupos de

quatro carteiras. As crianças adoraram e eu percebi que eles ainda conversavam

bastante, mas pelo menos não precisavam levantar para ir na mesa do colega. Ficamos

em grupos até o final do ano e fizemos combinados de conversar baixinho. Só um olhar

atento consegue ver a ajuda do acaso. Aprendi.

23

Neste mesmo caderno eu também anotava sobre as crianças. Sempre tinha

aqueles que chamavam mais atenção. Então, para não esquecer de ninguém, eu seguia a

lista da chamada e observava duas ou três crianças por dia. Anotava quem participava

mais, quem chorava sempre, quem pedia toda hora para ir ao banheiro, quem já sabia ler

e escrever, quem tinha dificuldades e outras coisas.

Primeiro eu trabalhava em um único horário, depois com duas matrículas na

rede de Niterói e por algum tempo em três turnos, o que somava até 14 horas de escola

por dia. Turmas regulares, supletivos, aulas de informática, reforço, leitura, alunos com

necessidades especiais, educação infantil, fundamental, EJA. Sempre preferi as turmas

do primeiro ano, as chamadas classes de alfabetização desde os pequenos até os jovens

e adultos. Escolas diferentes, professores diferentes, mas realidades sempre muito

parecidas.

Eu tomava café, almoçava e jantava nos pratos azuis de plástico no

refeitório da escola e continuava a prestar atenção nas conversas na sala de professores,

mas nem tudo que eu ouvia eu conseguia concordar. Às vezes saia dali pensando se era

mesmo daquele jeito e se algumas coisas não poderiam ser diferentes. Fui virando

professora ouvindo essas conversas, que contavam sobre alunos que não aprendiam

porque eram muito pobres, com pais analfabetos, que não tinham livros, que não faziam

o dever de casa, que não iam ao cinema ou teatro. Muito se dizia para justificar o

fracasso daquelas crianças e até dos adultos que estavam muito cansados para aprender

qualquer coisa. Muitas pesquisas já haviam sido realizadas e muitos livros já haviam

sido escritos sobre isso e as vezes, parecia não haver mais nada de diferente que

pudesse ser feito.

A escola de vidro nos permite algumas reflexões, mas é apenas uma

metáfora dentre as muitas possíveis. Ela nos permite pensar as relações de poder, o

controle dos corpos, a normatização dos comportamentos, mas ela também tem seus

limites ao nos fazer desejar e acreditar na existência de uma escola sem vidros. A

pesquisa foi me mostrando que não se trata da lógica binária do isto ou aquilo, a luva ou

o anel. Não são nem mesmo posições opostas (com ou sem vidro, o mesmo ou o

diferente, a repetição ou a invenção). Entre uma escola e outra, outras possibilidades se

apresentam como uma rede. As escolas são infinitas e uma mesma escola pode ser, ao

mesmo tempo, muitas escolas.

24

Em vinte e poucos anos de magistério não passei por muitas escolas, mas

sempre aprendi enquanto ensinei. Trata-se como dizem Esteban e Zaccur (2002) da

relação dialógica e dialética entre a ação e reflexão. Segundo as autoras o professor

organiza sua ação a partir da relação entre teoria e prática ou como proposta por elas na

relação prática-teoria-prática, uma vez que “a prática é a finalidade da teoria”. (p.21)

Grávida da minha primeira menina eu cochilava no sofá da sala dos

professores depois da janta enquanto esperava os alunos do turno da noite. E logo a

conversa de professores recomeçava. Às vezes eu entrava na conversa, contava alguma

coisa que tinha acontecido na minha sala, ouvia as outras professoras. Assim, fui me

formando pelo caminho nas escolas, nas salas de professores, nas reuniões de

planejamento, nas caronas com outras professoras.

Fui me formando ouvindo as crianças nas salas de aula, no pátio e no

refeitório. As exigências iam se colocando na prática e eu ia buscando as respostas. “A

previsibilidade, a homogeneidade, a ordem, que caracterizam o processo formativo

entram em choque com a imprevisibilidade, a heterogeneidade e o caos que se fazem

presentes nas relações humanas.” (ESTEBAN e ZACCUR, 2002, p.19) Era a partir das

pequenas e complexas ações cotidianas que eu ia entendendo um pouco mais, ia

anotando no meu caderno de plano e ia aprendendo a ser professora. Porque a prática

que me apontava a necessidade da teoria também me puxava de volta para ela. E quando

eu voltava éramos já outra professora e outra prática.

Grávida da minha segunda menina eu trabalhava em três escolas e tinha três

turmas de alfabetização. As turmas de primeiro ano foram, sem dúvida, as que me

ensinaram mais. O processo de construção da leitura e da escrita me faz pensar sobre

como a criança constrói seu conhecimento sobre todas as coisas. Com eles eu podia

brincar de ler textos que sabíamos de cor, encontrar palavras que terminavam com o

mesmo som, usar letras dos nossos nomes para escrever nomes de outras coisas e

brincar de ciranda no pátio.

Como disse um amigo ao contar como resistiu o quanto pode em ser

professor: a vida me fez professor. A cada turma muitas histórias lidas, ouvidas,

inventadas, escritas e vividas.

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Histórias de professoras que habitam o cotidiano da escola. Histórias

que nos foram contadas, histórias que contamos nas salas de

professores, nas reuniões pedagógicas, no trajeto de casa, na parada de

ônibus, na carona no carro da colega. Histórias que não nos falam de

fatos, mas de acontecimentos, que não nos apresentam argumentos,

mas sentidos. (PEREZ, 2003a, p.100)

E o que fazemos com tudo isso? Lembrar, rememorar, narrar. O que

fazemos com essas histórias dentro da escola? O que sabemos sobre como nosso aluno

aprende? E os professores, como aprendem? O que são todas essas experiências? Vou

tentar contar. Porque a pesquisa narrativa é assim, acredita que a vida, como nos conta

Sampaio, “é vivida de forma narrativa, que o viver é um ininterrupto processo de

construir, reconstruir e interpretar histórias, então a pesquisa narrativa figura como uma

opção potente e coerente no que se refere ao pesquisar a experiência educativa”.

(SAMPAIO e RIBEIRO, 2016, p.139)

Eu: a professora pesquisadora

Minha entrada no campo da pesquisa é minha entrada no magistério. Olhar

em volta e tentar entender o que acontecia, ouvir as pessoas, aprender com a experiência

e estudar a teoria. Eu me matriculei em outro curso e alguém disse: “De novo? Mas no

sábado?” Depois, com o tempo se acostumaram. Também se acostumaram com os

livros na mesa de jantar e espalhados dentro do carro. E quando passei para a segunda

graduação pensaram que eu ia mudar de área, mas que nada. Eu andava atrás de

algumas respostas. E ainda ando.

Desde 2005, trabalho na mesma escola da rede municipal de Niterói e desde

2009 assumi o cargo de direção, primeiro como adjunta e depois como geral. A posição

não é fácil, pois exige o equilíbrio e o discernimento para ora decidir com o grupo e ora

decidir pelo grupo. Também não é fácil estar entre os mandos do órgão central e as

demandas do dia a dia da escola. Agora preciso entender de contabilidade,

administração, resoluções e pareceres, organização de cardápio e estoque de material,

pequenos e grandes reparos, informática, alguma coisa de legislação e enfermagem. Fui

aprendendo essas coisas também.

Almoço na escola (trocamos os pratos de plástico por pratos de vidro) e

corro para a aula no mestrado ou então, ligo para a escola no intervalo da orientação da

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pesquisa e peço para guardarem comida pra mim. Sim, eu olho o relógio de tempo em

tempo para checar se vou chegar na hora de abrir o turno e às vezes ando bem

devagarinho até o banheiro para sentir o tempo passando no corredor do último andar do

bloco D, onde fica o mestrado em Educação da UFF.

Assim, a pesquisa que foi se desenhando desde a minha entrada na sala de

aula como professora (e quem sabe como aluna) começa a tomar forma a partir das

conversas, dentro e fora das salas de professores, a partir de experiências e narrativas

que se misturam numa escrita pouco acadêmica. Não vou a escola fazer pesquisa, mas

faço pesquisa na escola porque meu cotidiano me provoca a pensar sobre minha prática

e nesse movimento convido minhas companheiras professoras que também pensam suas

práticas para conversar e fazer pesquisa.

Reconhecer a professora como capaz de teorizar sobre a sua prática é

para nós um princípio teórico-metodológico que alicerça nossa postura

política e que nos faz considerar a escola como um espaço de teoria

em movimento permanente de construção, desconstrução e

reconstrução. (GARCIA, 2015, p.17)

Convido as professoras para uma conversa sobre o que nos aflige na escola,

sobre por que alguns alunos não aprendem o que ensinamos. Nessa conversa de sala de

professores constrói-se um espaçotempo de formação de professores e de transformação

de nossas práticas. Convido também alguns teóricos e pesquisadores do campo com

suas narrativas. Às vezes fica difícil saber de quem é esse texto.

O saber da narrativa é transformado da experiência, advém dela, da

experiência que passa de pessoa para pessoa. Segundo Benjamin (1994), a narrativa é o

intercâmbio da experiência, narramos experiências. No entanto, as pessoas estão

perdendo, segundo o autor, a capacidade de narrar e por isso esta arte está em extinção.

É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São

cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente.

Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o

embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma

faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994, p.197-

198)

O que me pergunto é por que estariam as pessoas perdendo a capacidade de

narrar? As professoras contam o tempo todo sobre suas experiências com seus alunos.

Não serão narrativas? Segundo o autor, a perda da capacidade de narrar seria devido ao

27

empobrecimento da experiência. E o que vemos nas escolas senão um lugar de múltiplas

experiências e por isso mesmo habitado por narrativas? A escola se mostra como lugar

de viver as experiências, narrá-las e assim, ir aprendendo a ser professora pelo caminho.

A escola é o lugar onde as conversas acontecem. Assim, o meu campo de

pesquisa é o cotidiano da escola, que é também o meu cotidiano. Eu sou professora e eu

estou na pesquisa. É o homem ordinário que se torna narrador. (CERTEAU, 2014) Não

presto atenção na conversa na sala de professores. Nestes quinze minutos de recreio, na

hora do almoço corrido ou nas reuniões de planejamento, em cada espaçotempo do dia a

dia eu converso com elas, conto sobre coisas que acontecem pela escola e de coisas que

tenho lido nas aulas do mestrado. Não conto sobre elas, também me narro.

Assim, se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do

oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história

com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos

fatos que foram contados a seguir, a menos que prefiram atribuir essa

história a uma experiência autobiográfica. (...) Assim, seus vestígios

estão presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na

qualidade de quem viveu, seja na qualidade de quem as relata.

(BENJAMIN, 1994, p.205)

A pesquisa com o cotidiano assume a complexidade das relações, a história

das pessoas, a provisoriedade das respostas. Assim, começo a pesquisa sem saber

exatamente o que vai acontecer. É como uma conversa em que alguém diz: “falando

nisso...” e o assunto se transforma em outra coisa. A cada leitura proposta nas aulas do

mestrado eu respondia algumas questões e outras apareciam no lugar, mas o melhor era

aprender a fazer as perguntas. Às vezes a dica não estava no texto, mas na fala de uma

colega ou professora na conversa na hora do almoço. “Essas práticas colocam em jogo

uma ratio ‘popular’, uma maneira de pensar investida numa maneira de agir, uma arte

de combinar indissociável de uma maneira de utilizar. (CERTEAU, 2014, p.41)

Enquanto isso, as coisas vão acontecendo na escola. Chega professor,

transfere aluno, acaba a merenda, chega a verba, manda ofício, quebra a bomba d’água,

compra papel, precisa lápis de cor e mais brinquedos, perde a chave, quebra o cadeado,

concerta o aparelho de ar condicionado, faz curativo, manda chamar a mãe, corrige a

prova, faz relatório, preenche a ficha, entra em greve!

Isso é a complexidade do cotidiano, me diz a professora Carmen Perez e diz

ainda:

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Ao assumir teoricamente o cotidiano em sua complexidade,

procuramos através do exercício de um pensamento rizomático,

mapear os fluxos que atravessam as relações que se produzem entre

subjetividades e práticas, para captar nas dobras dessa cotidiano

movimentos de ruptura com discursos e práticas instituídas, cruzando

esses movimentos com as experiências de professoras e professores –

sujeitos e sínteses de múltiplas tensões, contradições e afirmações;

sujeitos circunstanciados por histórias pessoais e sociais

singularmente vividas: histórias que revelam percursos, que falam de

práticas concretas, constitutivas de subjetividades e de diferentes

formas de (vi)ver a educação. (PEREZ e MENDES, 2017b, p.179-

180)

Assim, assumo o risco da pesquisa com o cotidiano, da relação sujeito-

sujeito, assumo o risco da pesquisa narrativa como gênero e as conversas como modo de

fazer pesquisa5. Não pretendo apontar verdades, mas talvez, provocar algumas

transformações no cotidiano da escola ao buscar junto com as professoras outros

sentidos para antigas práticas.

Proponho com a pesquisa, em conversa com as professoras e a partir de suas

narrativas, problematizar o modelo cognitivo hegemônico que atravessa nossas falas e

nossas práticas e o conceito de fracasso escolar que, historicamente, assume a forma da

deficiência, da carência, da diferença e aparece disfarçado de “aluno com dificuldade”

como um discurso produzido por uma lógica também hegemônica e assim, refletir sobre

o cotidiano da escola na busca por suas inventividades. Porque acredito que mesmo

tendo sido sempre assim é possível para a escola ser diferente. Muitas escolas são

possíveis. É possível uma prática pedagógica inventiva. E é possível a formação que

acontece no espaçotempo da escola a partir da pesquisa narrativa.

Nós: no campo da pesquisa

A Escola Municipal Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis,

inaugurada em 2004 tem sete salas de aula que atendem, em dois turnos, catorze grupos

de referência (GR), ou turmas como se costuma dizer.

Cada grupo tem de 25 a 28 crianças dependendo da idade e das necessidades

educativas especiais de alguns alunos, totalizando cerca de trezentas e cinquenta

5 A opção de substituir a palavra metodologia por modo de fazer pesquisa se dá pela compreensão do

termo metodologia como algo já determinado a priori enquanto a expressão modo de fazer permite o entendimento de uma pesquisa que vai se construindo na relação com a escola e com seus praticantes.

29

crianças. Cada turma possui uma professora regente, aquela que é responsável pela

turma, pelo planejamento, diários e relatórios e, em alguns casos, possui também uma

professora de apoio. As professoras de apoio dividem com a professora regente o

trabalho nas turmas em que temos alunos com necessidades educativas especiais

(NEE). Elas também substituem professoras regentes, ajudam na coordenação, no

refeitório durante as refeições e no portão nos horários de entrada e saída.

Alguns alunos com necessidades educativas especiais também recebem

atendimento educacional especializado (AEE) por professoras na Sala de Recursos. O

projeto deveria acontecer no contraturno de cada criança ampliando o seu tempo de

permanência na escola. No entanto, em função de suas condições essas crianças não

conseguem permanecer muito tempo na escola e por isso permanecem por um único

turno e às vezes menos.

A coordenação de turno abre e fecha a escola, recebe e distribui materiais,

supervisiona os recreios, conversa com responsáveis, controla os horários e faz alguns

curativos, sempre com o olho no portão. Temos três merendeiras que recebem e

preparam os gêneros quase sempre de acordo com o cardápio e servem o desjejum, o

almoço e o lanche da tarde. Antes era servido também o jantar na hora da saída, mas por

ordem da Secretaria de Educação essa refeição deveria ser servida na hora do recreio, as

quinze horas. Não deu certo e as crianças do turno da tarde, desde então, entram mais

cedo para almoçar.

A equipe de limpeza possui apenas três funcionários que precisam limpar

várias vezes por dia espaços como o refeitório e os banheiros. Eles também ajudam

olhando o portão, ligando e desligando a bomba, cuidando do jardim, separando o

material reciclável. Estão sempre por ali e ajudam com as crianças no recreio e no

refeitório. No entanto, é preciso dizer que entre licenças e términos de contratos o

quadro de funcionários da escola dificilmente fica completo.

Sua localização é na Região Oceânica de Niterói. Próxima da Serra da

Tiririca e sua área de preservação ambiental, das praias de Itacoatiara e de Itaipu, da

Vila de Pescadores e do Museu de Arqueologia. Seu prédio construído em 2004, não

possui corredores ou escadas. E todas as salas estão voltadas para o pátio que fica no

30

centro da escola, com a exceção da sala de artes, a preferida de todos, que fica fora do

prédio, com muitas janelas e de onde se vê a serra.

As crianças aqui são umas levadas e outras quietas, umas pequenas e outras

grandes, umas passam rápido e outras ficam mais tempo. As famílias também são de

todo jeito, pais, mães, tios, avós, instituições de acolhimento. Os cadernos também são

diferentes, alguns gostam de capas azuis de bolinhas brancas, mas poucos usam o

uniforme até porque nem sempre tem uniforme para todo mundo. Tem criança que

brinca na hora do recreio e tem criança que prefere comer, tem quem vai embora de

carro, de ônibus, de bicicleta ou a pé com o irmão, às vezes, só um pouco mais velho.

E as professoras? Umas gostam das carteiras enfileiradas e outras preferem

as crianças em pequenos grupos. Umas contam que escolheram ser professoras, outras

se formaram de um jeito ou de outro, umas são recém-formadas outras formadas há

mais tempo, estas reclamam que querem se aposentar, mas buscam cursos de

especialização e compram livros sobre educação. É com todas elas que vamos

conversar.

O que pretende a pesquisa

A pesquisa surge com o objetivo de refletir sobre a concepção de fracasso

que se repete nas falas das professoras sobre as crianças “com dificuldades”. Utilizo

aqui as mesmas aspas que usamos como gestos (com as mãos) quando usamos essa

palavra e falamos dessas crianças. A expressão com dificuldade é utilizada para

categorizar um grupo de crianças que parece não aprender mesmo com todo o esforço

do grupo de professores e apesar do incômodo, parece não haver surpresa. Em nossas

escolas estamos acostumadas que um percentual, às vezes significativo, das crianças das

classes populares não aprenda a ler e escrever nos primeiros anos de escolaridade ou

mesmo não aprenda. Estamos familiarizados também com os quadros e porcentagens

apresentados pelas pesquisas. Este estar acostumada reflete um processo de

naturalização do fracasso, o da escola, o nosso e dos nossos alunos. Esse é o mal-

entendido do qual fala Patto, o de “acreditar que é natural o que, na verdade, é

socialmente determinado”. (1996, p.39)

31

De tanto ouvir falar de alunos que não aprendiam eu já conhecia também

algumas teorias que explicavam o não aprender: falta de interesse, falta de atenção,

fome, família que não liga, alguma necessidade especial não identificada. Uma conversa

antiga que se repetia nas reuniões de professores em discursos quase sempre

deterministas e reducionistas que atravessavam temas gerais sem que fossem pensados

mais de perto, com mais atenção. Como no texto Quem pensa abstratamente? de Hegel

ao qual cheguei através da professora Marisol e no qual o autor, de forma irônica e

satírica, nos fala sobre o pensar abstrato. O pensar abstrato da vendedora de ovos que

faz com que ela enumere os defeitos da mulher que diz que os ovos estão podres é o

mesmo pensamento abstrato que nos faz ver o não aprender no lugar da criança.

Vemos a letra feia, o caderno desorganizado, o uniforme sujo a família que não vem às

reuniões, mas não vemos a criança que está ali.

É como o senso comum que “reproduz-se espontaneamente no quotidiano

da vida (...) que aceita o que existe tal como existe” (SANTOS, 2010, p.90), ou ainda

como resultado de uma leitura do discurso científico (ou de uma racionalidade

cientifica) que observa fatos e estabelece relações de causalidade sem refletir acerca da

complexidade que os caracteriza. (SANTOS, 2010, p.35) Por exemplo, a constatação de

que as crianças das escolas públicas têm dificuldades para aprender é relacionada com

dimensões observáveis como a classe social e esta é imediatamente identificada como

causa. Em seu texto que discute a Amandae do paradigma dominante, Santos nos fala

da reflexão crítica que:

tem incidido tanto no problema ontológico da causalidade (quais as

características do nexo causal?; esse nexo existe na realidade?) como

no problema metodológico da causalidade (quais os critérios da

causalidade?; como reconhecer um nexo causal ou testar uma hipótese

causal?). (SANTOS, 2010, p.52)

Assim, os fatores familiares, sociais, políticos e econômicos são, há muito

tempo, apontados de forma ora isolada e ora conjunta como determinantes do que é

esperado do aluno da classe popular, da escola pública e de seus professores. Um

determinismo e um reducionismo que acabam sendo usados para justificar o fracasso

dos alunos.

O cotidiano escolar, no entanto, nos ensina que a interrelação que se

estabelece entre esses fatores é complexa no sentido proposto por Morin ao apontar a

32

necessidade de “desenvolver uma teoria, uma lógica, uma epistemologia da

complexidade que possa convir ao conhecimento do homem. Portanto, o que se busca

aqui é ao mesmo tempo a unidade da ciência e a teoria da mais alta complexidade

humana.” (MORIN, 2011, p.17)

Em uma linguagem cotidiana chamamos de complexo o que é difícil ou

mesmo impossível de explicar. É complexo o que não pode ser reduzido a uma palavra

ou a uma ideia simples. Tampouco pode ser reduzido ao conhecimento de suas partes ou

mesmo à ideia de completude que por sua vez, não é a totalidade e/ou a realidade, pelo

contrário, é sempre parte de um todo ainda mais complexo. Para o pensamento

complexo a realidade é movente e transitória, se constitui e se transforma a partir do

diálogo e das tensões entre os acontecimentos, ações, reações, retroações, interações e

acasos da vida cotidiana.

No decorrer das primeiras conversas (na escola e nas orientações individuais

e coletivas do projeto) o foco da pesquisa, atingido pelo movimento dessa rede de

interações, se desloca da questão especifica relativa ao fracasso e as narrativas assumem

o centro da atenção por revelarem múltiplas possibilidades de reflexão sobre a prática.

Desta forma, provocadas pelas crianças que parecem não aprender, somos levadas nas

reuniões a pensar e discutir sobre como aprendemos e como ensinamos na escola,

fazendo da prática um lugar de produção de conhecimentos. O que tem início como uma

preocupação pedagógica se amplia numa reflexão sobre o sentido político da educação e

se desdobra numa questão filosófica sobre o aprender e sobre como alunos e professores

aprendem, sobre o ensinar e o que nós professoras sabemos/pensamos sobre isso.

Esta a razão de nossa defesa da prática como locus de teoria em

movimento, reatando assim o que foi rompido no movimento histórico

em que foram separadas a teoria e a prática, quando a prática foi

desqualificada pelos que passaram a se autodenominar ‘cientistas’.

(GARCIA, 2003, p.12)

Através das conversas e de seu processo de transcrição, a pesquisa busca

identificar, nas brechas da rigidez pedagógica, imposta por uma lógica positivista que

tudo mede e tudo controla, as práticas desviacionistas que inventam outro tempo e

espaço, narrar o cotidiano da escola junto com os seus praticantes e enfim contar uma

história da escola, de dentro dela com suas crianças e suas professoras. Entendo, assim

33

como a professora Andrea Serpa, “que meu caminho na pesquisa exigiria a presença

viva e encarnada de muitos outros sujeitos.” (SERPA, 2018, p.104)

A pesquisa teve a intenção de trazer o texto de algumas conversas com as

professoras durante as reuniões de planejamento e de forma específica nas reuniões que

discutem a avaliação dos alunos. O que trago é a minha experiência da conversa, que

transformo em texto e ofereço ao leitor. Proponho ainda uma outra conversa com

autores que também pensam a escola, seu cotidiano e suas práticas.

As conversas, gravadas durante as reuniões de 2017 e transcritas se

constituem em um primeiro exercício de ouvir o outro e a mim mesma. O segundo

exercício consiste em retomar trechos da transcrição em novas conversas com as

professoras, e assim, a pesquisa vai sendo desenhada no sentido de pensar e discutir

coletivamente nossas práticas e nossas concepções a partir das nossas experiências. O

movimento de ouvir o outro e me ouvir, de ler o outro e ler a mim mesma ocupa o

espaçotempo da pesquisa e provoca reações e reflexões. O espaço da pesquisa traz “o

confronto de diferentes conhecimentos; da exposição de ideias, certezas/incertezas,

medos e ansiedades; confrontos/conflitos” que articula saberes e (re)constrói a prática

cotidiana. (PEREZ e SAMPAIO, 2015, p.51)

Tomo a palavra experiência no sentido empregado por Larrosa (2002) ciente

de que a palavra determina nosso pensamento, nos coloca diante de nós mesmos e do

mundo. O sentido da palavra experiência está, segundo o autor, naquilo que “nos passa,

o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se

passam muitas coisas, porém, quase nada nos acontece.” (LARROSA, 2002, p.21). No

decorrer das gravações e das transcrições muitas coisas me passam e muitas coisas me

tocam. Não posso mais apenas ouvir a conversa na sala dos professores. É preciso entre

um café e outro perguntar se apesar de ter sido assim podemos tentar pensar e fazer

outras coisas.

Desta forma, a pesquisa segue no sentido de retomar alguns pontos da

transcrição em novas conversas com as professoras. Ao iniciar este movimento de

(re)flexão sobre a prática cotidiana transformamos as reuniões pedagógicas em um

espaçotempo de formação e de (re)flexão no sentido de nos dobrarmos sobre a nossa

prática para conhece-la e pensa-la. A (trans)formação da prática, assim como nossa

34

(trans)formação em professores vai acontecendo pelo caminho e não pretende inventar,

mas reinventar a escola porque entende que ela é, ao mesmo tempo, muitas escolas.

A conversa com o cotidiano

Penso que a pesquisa com o cotidiano pode ser pensada na relação que

estabelece entre o sujeito e o objeto, entre o conhecimento e a verdade, e entre o tempo

e o espaço. Na perspectiva dos estudos com o cotidiano a relação sujeito-objeto é

substituída pela relação sujeito-sujeito, pois não há o sujeito que tece seu saber sobre o

objeto, mas o sujeito que na interação constrói seu saber com o outro. Pesquisa e vida

são inseparáveis e “se articulam numa perspectiva dialógica”. (PEREZ, 2003a, p.113)

As condições de temperatura e pressão não são controladas no cotidiano e

por isso quem pesquisa com o cotidiano está sujeito aos ventos. No máximo, você

consegue saber se vai chover, mas a intensidade da chuva você só conhece depois que

ela cai. O que quero dizer é que não há uma metodologia antes da pesquisa e que para

cada pesquisa é preciso construir uma. “De modo geral, uma metodologia de análise a

priori nega a possibilidade do fazer junto. Resulta em uma metodologia que antecede,

que pensa antes o que poderá acontecer. Possível, mas isso não passa de previsões,

como as do tempo.” (FERRAÇO, 2003, p.162)

O conhecimento construído na pesquisa com o cotidiano é, desta forma,

contextualizado e seu caráter de verdade comporta sua provisoriedade. Isso não deve

diminuir sua validade, uma vez que o conhecimento singular construído a partir da

pesquisa com cotidiano “são expressões singulares das interações humanas que

carregam as marcas da trama social na qual se constituem”. (ESTEBAN, 2003a, p.204)

O estudo do cotidiano e a pesquisa dessas expressões singulares tece uma rede de

saberes que nos faz pensar em relação aos processos mais amplos.

Em conversa com (o texto de) Najmanovich é possível refletir sobre a

necessidade de “renunciar à ideia de um método único que nos conduza sempre a

verdade, e que a garanta (...)”. Essa renúncia, no entanto, não significa abrir mão da

cientificidade, de seus “instrumentos ou dispositivos, técnicas e procedimentos”.

(NAJMANOVICH, 2003, p.34) Neste sentido, como sinalizado anteriormente, faço

nessa pesquisa a opção de usar modos ou maneiras de fazer pesquisa no lugar da noção

35

de metodologia. A pluralidade de modos de fazer pesquisa que vão sendo construídos

do decorrer da pesquisa se contrapõe à uma metodologia que se define pela

determinação de etapas a serem cumpridas.

Ainda sobre a relação entre conhecimento e verdade é preciso reafirmar o

que nos diz Boaventura de Souza Santos sobre a pretensão totalitária da racionalidade

científica “que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que não são

pautadas pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.”

(SANTOS, 2010, p.21)

Sobre o espaço e o tempo da pesquisa é preciso dizer que ele é real em sua

existência. São histórias vividas, lembradas e “inventadas” que se entrecruzam e se

reescrevem na narrativa. O espaçotempo da pesquisa com o cotidiano é preenchido por

experiências e narrativas e pelo movimento. Só há tempo e espaço se há movimento e

não há possibilidade de se pensar o movimento sem um espaço ocupado e sem uma

duração no tempo. O deslocamento pressupõe ambos e por isso escrevemos juntas as

palavras espaço e tempo. Espaçotempo que não se controla porque não se repete, porque

é único, singular, imprevisível. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos:

Em vez da eternidade a história; em vez do determinismo, a

imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a interpenetração, a

espontaneidade e a auto-organização; em vez da reversibilidade, a

irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a desordem; em vez

da necessidade, a criatividade e o acidente. (SANTOS, 2010, p.48)

A partir das relações que os estudos com o cotidiano estabelecem em seu

processo de pesquisa propomos pensar a escola como lugar de formação de alunos e

professores e também de pesquisadores. Desta forma, o referencial da pesquisa com o

cotidiano se constitui como modo de pensar e modo de fazer desta investigação que

assume a narrativa como escritura capaz de compartilhar a experiência da prática

pedagógica. A narrativa se mostra na pesquisa científica como “uma nova linguagem,

para um saber diferente.” (NAJMANOVICH, 2003, p.61)

A conversa como modo de fazer de pesquisa

Primeiro é preciso dizer porque conversas. O que há numa conversa de

professoras? Elas falam dos alunos nas reuniões, na hora do almoço e a maioria delas

36

fala de seus alunos até nos encontros de família. É fácil saber que alguém é professor

assim que começa a falar. Então o que há de especial nesta pesquisa? Pensar o que nós,

professores, falamos sobre nossos alunos e como isso nos permite conhecer de que

forma os assuntos se articulam na polifonia das conversas, mas mais do que isso nos

permite pensar a escolha das palavras que traduzem modos de agir. Escolha que

fazemos ao construir nossos enunciados, ao falar dos nossos alunos e de seu processo de

aprender.

Bakhtin (cuja obra fui apresentada pela professora Marisol numa disciplina

amorosa) dirá que se trata da categoria contrapalavra, afirmando “que sempre quando

falamos ou ouvimos, produzimos enunciados que respondem ao nosso interlocutor.

Enquanto ouvimos, também falamos. Ouvir e falar são momentos de uma mesma

atividade.” (GEGe, 2009, p.24) Essa é mesmo uma forma muito curiosa de se pensar,

pois tira o ouvinte da passividade que estamos acostumados a atribui-lo e divide sua

responsabilidade com o locutor. Porque ao falar não apenas dizemos sobre o que

pensamos, mas construímos sentidos para o que fazemos. “Troco signos alheios por

signos próprios. Desta forma, é que construo a compreensão. Compreensão ativa e

responsiva.” (GEGe, 2009, p.24) Desta forma, é possível afirmar ainda em conversa

com as ideias de Bakhtin que “todo discurso é respondível porque todo discurso é

dialógico e porque o sujeito responde por seus atos no mundo, porque ele é responsável

por eles.” (GEGe, 2009, p.42)

Entrar na conversa e fazer da pesquisa uma pesquisaconversa foi a maneira

encontrada para buscar os sentidos que nós, professoras, ora repetimos e ora

construímos sobre o aprender e o não aprender dos nossos alunos. Porque conversar é

responder ao outro e eu precisava enunciar algumas respostas. Então, proponho a

conversa como modo de fazer de pesquisa e a defino como um responder ao outro.

Assim, a pesquisa se constitui como “um exercício de conversar e pesquisar”

(SAMPAIO, RIBEIRO e SOUZA, 2018, p.33).

A conversa também pode ser definida pelo que não é. A conversa não é uma

entrevista porque não define a priori o que vai ser perguntado. Autores que estudam a

conversa como modo de fazer pesquisa ressaltam seu caráter imprevisível. Nas palavras

de Ferraço e Alves: “Ou seja, conversas são situações que insurgem nas redes de

relações que estabelecemos com as pessoas em nosso dia a dia, sujeitas às

37

indeterminações e aos acasos que fazem das nossas vidas uma permanente abertura

diante do imprevisto.” (2018, p.42) Pode ser ainda que não haja pergunta. E pode ser

que não haja resposta falada.

Numa pesquisaconversa também não cabe devolutiva porque ela acontece

durante a pesquisa, é a própria pesquisa com suas observações, intervenções e

transformações, em um mesmo tempo. Não há um tempo determinado para pesquisar,

analisar, intervir e devolver. Há algo de incontrolável na pesquisaconversa. É como um

caminho de curvas e ladeiras que não sabemos onde vai dar.

Talvez o perigoso dessa viagem seja a incontrolabilidade que a

constitui. A oralidade, mais especificamente a conversa, leva quem

participa dela para lugares imprevisíveis. Desta forma, cria-se um

desvio de dois aspectos caros ao paradigma moderno/cartesiano/

positivista de pesquisa: o controle e a previsibilidade. Como, então,

fazer pesquisa conversando? (RIBEIRO, SOUZA e SAMPAIO, 2018,

p.171)

Então a pergunta é: Como fazer pesquisa conversando? Neste sentido, o

caminho apontado por pesquisadores segue na direção do pesquisar com e na

construção de um modo de fazer pesquisa que “vai sendo desenhada, experimentada ao

sabor e ao saber da pesquisa, ao longo de seu desenvolvimento e caminhar, então

estamos falando de uma metodologia da singularidade.” Uma metodologia irrepetível

porquê da ordem da experiência. (RIBEIRO, SOUZA e SAMPAIO, 2018, p.169-170)

Fora dos laboratórios onde os ratos aprendem a passar pela argola para

ganhar uma gota de água (talvez mesmo dentro deles) a experiência não se repete. Na

pesquisa que tem como modo de fazer a conversa somos sujeitos diante de sujeitos.

Todos únicos em sua existência.

Avançamos na questão, para alguns tão óbvia e para nós tão

complexa, da relação sujeito-objeto, ou, para nós, objeto que se faz

sujeito na relação, portanto, um sujeito que investiga outro sujeito e

que neste processo de investigação tem insights sobre o outro (sujeito

a ser pesquisado) e sobre si mesmo (sujeito pesquisador). (GARCIA,

2003, p.12)

Logo, não há um pesquisador e um pesquisado ou um sujeito e um objeto.

Há quem fala, quem ouve e há de quem se fala. Há também quem não fala e só ouve e

quem parece não ouvir nem ao outro nem a si mesmo. Há quem relativize colocando

aspas e há quem ao falar procure o outro e pergunte: “Entendeu?”, “Não é mesmo?” ou

“Sabe?” E há quem parece querer concluir o que não é possível concluir e diz: “Então,

38

assim...” Neste sentido não cabe uma análise estrutural das falas, não cabe o objetivismo

abstrato sobre o qual nos alerta os estudos de Bakhtin sobre o gênero do discurso, mas a

compreensão de que seu fluxo e sua incompletude produzem sentidos e leituras

possíveis pelas quais somos responsáveis.

As conversas que foram gravadas aconteceram durante as reuniões de

planejamento. Essas reuniões acontecem às quartas-feiras, no turno da manhã das dez às

doze horas e no turno da tarde das quinze e trinta às dezessete e trinta. Nestes dias as

crianças saem mais cedo para que as professoras participem do planejamento coletivo.

Nessas reuniões são apresentados os ofícios recebidos na semana e planejadas as

atividades coletivas previstas no cronograma, como por exemplo, os sábados letivos.

Também acontecem às quartas os Conselhos de Avaliação e Planejamento do Ciclo

(CAPCi), um a cada período letivo (trimestre). Parte da equipe participa das reuniões da

manhã e parte das reuniões da tarde, porém algumas participam nos dois horários pois

trabalham nos dois turnos.

Como nos anos anteriores iniciamos primeiro período de 2017 com a

avaliação inicial das crianças, quando o objetivo é o de realizar as primeiras

observações e as primeiras propostas. Após esse período de cerca um mês fazemos uma

reunião de discussão sobre o que foi observado por cada professora, incluindo os

professores de educação física, inglês, arte, professores articuladores e de apoio com o

objetivo de construir algumas propostas. É preciso dizer que sempre falamos das

crianças, mas as vezes nos perdemos na hora de fazer as propostas.

Eu fazia muitas anotações durante as reuniões e também algumas

interferências durante as falas das professoras sobre os alunos, mas no final das contas

as discussões eram sempre as mesmas o que me faz pensar se realmente estávamos

escutando o que falávamos. As anotações ficavam no meu caderno e no caderno de

registro da escola e as falas eram levadas pelo tempo. Já havia passado da hora de

remexer tudo isso. Então conversei com as professoras sobre a pesquisa e o objetivo de

pensar sobre o que discutimos na escola a respeito dos alunos e particularmente sobre os

alunos que dizemos que “não alcançaram os objetivos” ou aqueles que tem a dificuldade

entre aspas. Seria possível uma conversa sobre esse saber único de como ensinar e

aprender?

39

A prática da gravação não trouxe espanto uma vez que acontecia

eventualmente nos anos anteriores com diferentes propósitos, mas reconheço que pode

ter causado algum incomodo em alguns momentos. A cada vez eu perguntava de novo:

posso gravar? Em conversas que não foram gravadas algumas professoras falaram da

experiência e enquanto algumas diziam esquecer que estavam sendo gravadas no

terceiro minuto outras falaram da hesitação em interromper a fala de outra professora.

Desta forma, a gravação nem sempre trazia conversas com as professoras ou

entre as professoras, mas longas falas com algumas pequenas interrupções. De qualquer

forma, o exercício da transcrição foi revelando uma escola que a correria do dia a dia

não me permitia ver, ao mesmo tempo que trazia para mim e para o grupo muitas outras

questões. Ouvir as professoras e pedagogas tornou-se um exercício de conhecer o outro,

mas principalmente de ouvir-me. Descobri ser possível me ouvir no que diz o outro,

desentender e estranhar.

Assim, a pesquisa não tem a intenção de analisar ou explicar o que foi dito,

mas de pensar a relação que algumas falas das professoras sobre seus alunos tem sobre a

sua prática. Assim como Certeau em sua pesquisa não acreditamos nas “ilusões da

cientificidade através do número, dos quadros e porcentagens.” (CERTEAU, 2014,

p.16)

A narrativa faz circular a experiência ora reafirmando e ora deslocando

sentidos. Desta forma, a pesquisa narrativa traz a possibilidade de produção de um saber

reflexivo e contextualizado construído a partir das experiências escolares, num esforço

epistemológico do qual nos fala Sarmento e que “exige uma arte da narrativa

suficientemente plástica para reconstruir a densidade dos mundos de vida”.

(SARMENTO, 2003, p.93) As narrativas vão sendo compartilhadas nas conversas e

mostram a escola na perspectiva dos docentes. As narrativas das professoras compõem a

minha narrativa que se constitui num texto de muitas vozes, como talvez sejam todos os

textos mesmo os ditos científicos e acadêmicos.

A narrativa como modo de escrever a pesquisa

Neste sentido, Ribeiro e Sampaio (2016) nos apontam a pesquisa narrativa

como “uma opção epistemológico-metodológica desviante da maneira moderna de

40

relação com a produção de conhecimento” (p.140) Mais do que um gênero a narrativa

se mostra como única maneira possível, neste momento, de falar da complexidade do

cotidiano em uma pesquisa que investiga a própria prática e escreve acerca das

experiências docentes.

Para ajudar nessa tarefa chamo para a conversa alguns autores que também

pensam a escola ou que pensam outras coisas que ajudam a pensar a escola. As falas de

diferentes locutores tomam lugar na conversa que comporta ainda outro tempo e outro

espaço. Em um tempo sempre presente que se estende das reuniões para as transcrições

e se transforma em texto escrito. Depois é lido por quem falou e ouvido por todos.

Outro texto se constrói e outro tempo se faz presente.

Como Ricouer “Convoco um autor ou outro de acordo com a necessidade

do argumento, sem atentar para a época. Este me parece ser o direito de todo leitor

diante do qual todos os livros estão abertos ao mesmo tempo.” (RICOUER, 2007, p.19)

E em Certeau busco seu “elã otimista, uma generosidade da inteligência, e uma

confiança depositada no outro (...).” (CERTEAU, 2014, p.17)

Durante a presente pesquisa, as conversas com as professoras se constituem

como um dispositivo que além de narrar o cotidiano e as práticas escolares provoca

ainda a reflexão sobre as dificuldades encontradas e a possibilidade de construção de

saberes outros sobre a escola. A (re)invenção da escola se dá nos deslocamentos dos

saberes instituídos e esse deslocamento é, muitas vezes, provocado pelo movimento da

pesquisa narrativa.

En efecto, las escuelas están cargadas de historias y los docentes

muchas veces son a un mismo tempo sus narradores, los personajes

protagónicos de sus tramas y los autores de sus relatos. (...) Al contar

historias sobre sus propias prácticas pedagógicas, sobre los

aprendizajes de esos alumnos u alumnas, sobre las vicisitudes a las

que enfrentan en esa escuela, sobre las experiencias de enseñanza que

adoptan y los pensamientos que provocaron horas y horas de

experiencia escolar, los docentes hablan de sí mismos, de sus

trayectorias profesionales y de las formas en que comprenden y llevan

adelante su trabajo pedagógico. (SUAREZ, 2011, p.4)

A pesquisa narrativa se diferencia da descrição, pois propõe que os sujeitos

da pesquisa sejam também autores ao contarem sobre o cotidiano das salas de aula e

suas vivências com as crianças. Nas palavras de Certeau “o relato não exprime uma

prática. não se contenta em dizer um movimento. Ele o faz.” (CERTEAU, 2014, p.144)

41

Assim, a narrativa comporta, conforta e desconforta tanto o humano que narra quanto o

humano que se encontra na narrativa do outro. Não busca retratar a realidade em sua

verdade, pois as verdades são sempre muitas, sempre parciais e temporárias, mas

construir imagens, sons, toques, gostos e cheiros do cotidiano, leituras possíveis que

provocam outras compreensões sobre a prática pedagógica.

Em resposta à exigência de um texto acadêmico, neutro e objetivo faço a

opção de narrar acontecimentos humanos no lugar de descrever fatos, acreditando que

assim assumo o ponto de vista de participante (LUCAKS, 1968, p.48-49).

O contraste entre o participar e o observar não é casual. Pois deriva da

posição de princípio assumida pelo escritor em face da vida, em face

dos grandes problemas da sociedade, e não do mero emprego de um

diverso método de representar determinado conteúdo ou parte do

conteúdo. (LUCAKS, 1968, p.54)

A partir da prática narrativa como prática discursiva assumo o ponto de

vista de quem faz parte da equipe de professores e de quem precisa de respostas sobre o

aprender ou não aprender dos alunos. Na narrativa me transformo em aluna, professora,

professora-pesquisadora até que no lugar do eu surge um nós que reflete sobre a própria

prática e sabe que não é apenas uma questão pedagógica, mas uma postura diante da

vida.

Chamo a todos os que também se incomodam para essa conversa.

O FIO DA CONVERSA

Neste ponto trago trechos das conversas das professoras e proponho o

diálogo com algumas considerações que faço e com outros textos, de outros autores que

podem nos ajudar a pensar a escola como um espaço a ser (re)inventado em

movimentos cotidianos e percebo que a tarefa é mais difícil que parece. Entendo o

diálogo como proposto por Bakhtin, como “a interação de pelo menos duas

enunciações” em um movimento inconcluso, “uma realidade em constante formação”.

(GEGe, 2009, p.31)

42

Os cuidados a serem tomados são muitos para não fazer da fala das

professoras elementos comprobatórios dessa ou daquela teoria. Neste sentido, busco o

que aponta Sarmento:

Uma narrativa polifônica, plausível e reflexiva dos quotidianos

escolares é, finalmente, uma narrativa democrática porque se expõe à

controvérsia das interpretações e porque suspende o veredicto,

abrindo-se à disponibilidade do leitor para exercer sua ação prática

como intérprete e protagonista da ação educativa. (SARMENTO,

2003, p.109)

As transcrições dos áudios das reuniões estão organizadas em três blocos,

mas apenas os dois primeiros fazem parte da pesquisa. O terceiro bloco de gravações

não foi transcrito. Fiz a opção por realizar pessoalmente as transcrições por entender

que esse movimento de escuta e de escrita se constitui como a própria pesquisa.

Transcrever se mostrou muito mais do que transpor do oral para o escrito. Escritura e

oralidade não podem, segundo Certeau, nem mesmo serem considerados dois termos

opostos. (CERTEAU, 2014, p.203)

Mais do que os momentos de conversa, foram os momentos de escuta do

áudio e de escrita dos mesmos que me permitiram o encontro com as palavras das

professoras e com as minhas palavras. O que segue depois dos dois pontos são as falas

das professoras, mas a pontuação é minha. Às conversas se seguem as transcrições e

mais tarde a leitura de alguns trechos e novas conversas.

No primeiro bloco temos as reuniões ocorridas nos dias 12 e 19 de abril que

tinham como objetivo discutir as impressões iniciais das professoras sobre seus grupos.

Chamamos essas primeiras reuniões de Avaliação Inicial e vamos chamar as

transcrições de primeiras conversas. O segundo é composto pela transcrição das

reuniões dos dias 10/05 (manhã), 24/05 (manhã), 31/05 (manhã e tarde), 07/06 (tarde),

14/06 (tarde). Estas são reuniões que chamamos de Conselhos de Avaliação e

Planejamento do Ciclo ou CAPCIs e vamos chamar as transcrições de esticando a

conversa. O terceiro bloco (não incluso na pesquisa) reúne as gravações de algumas

reuniões do segundo semestre, também chamadas CAPCIs ocorridas nos dias 16/08

(manhã e tarde), 23/08 (manhã e tarde), 30/08 (tarde)6, 29/11 (tarde) e 13/12 (tarde). As

6 O intervalo do dia 30/08 ao dia 29/11 corresponde ao período em estive afastada da escola devido à

cirurgia de emergência e para tratamento médico.

43

reuniões dos dias 29/11 e 13/12 tem como objetivo a organização dos grupos de

referência do ano seguinte e são chamadas Conselhos de enturmação.

Primeiras conversas

Começamos com a reunião do turno da manhã do dia 12 de abril de 2017

quando, finalizado o período de avaliação inicial, também chamada diagnóstica,

realizamos a socialização das impressões de cada professora sobre a sua turma. Nesta

reunião estão presentes as professoras dos sete grupos de referência, as professoras de

apoio, arte, educação física e inglês, as duas pedagogas e as duas diretoras. O áudio

transcrito com as conversas com as professoras Amanda, Fernanda e Elizabeth tem 59

minutos e 6 segundos e apesar da transcrição ter sido realizada na integra, faço a opção

de retirar deste texto alguns pequenos trechos como dúvidas sobre a grafia de nomes

próprios, quantitativos de faltas e pequenas intervenções.

Conversa com a Professora Amanda

Começamos com a professora Amanda que nos fala do seu grupo de

crianças do primeiro ano. No ano de 2016, a professora tinha uma turma de quarto ano.

No ano seguinte quis ficar com os menores. Rotina, chamada, contagem, ajudante e

livro do dia. Trabalho com a identidade, reconhecimento corporal e o nome próprio.

Amanda apresenta o trabalho que está sendo realizado e o avalia positivamente.

A primeira entrada na conversa, feita pela pedagoga, se dá no sentido de

classificar as crianças e formar os grupos de acordo com o que já aprenderam

(principalmente sobre ler e escrever). Se reconhecem o alfabeto, se relacionam o

fonema e o grafema (som e letra), mas a tentativa de agrupá-las (de acordo com sua

hipótese de escrita) parece não funcionar. As crianças da turma da professora Amanda,

que ela diz a deixarem de cabelo em pé, levantam toda hora e não se deixam aprisionar

em categorias. Eles não são silábicos alfabéticos e também não são alfabéticos. Talvez

sejam uns silábicos alfabéticos melhorados, como insiste na classificação a pedagoga

que precisa anotar os nomes. Eles não cabem nos vidros pois tem a letra garranchuda,

mas a leitura é fluente.

44

Amanda conta que as vezes berra porque um implica, mas entende quando

eles não querem desenhar ou demoram a trazer o caderno. Por fim, Amanda é

perguntada pela “aluna NEE” e se surpreende por não ter falado da G, aluna surda, que

recebeu um implante, que adora cantar e que está aprendendo a ler e escrever. Muito

teríamos a conversar aqui no texto da pesquisa sobre a G, mas a discussão sobre a

inclusão e as necessidades educativas especiais poderia nos propor outros caminhos

para a pesquisa. No entanto, o processo de construção da leitura e da escrita de uma

aluna surda é um dispositivo interessante para nos fazer pensar na existência de outras

lógicas do ensinar e do aprender.

G desterritorializa o nosso saber de professora que ensina como se todos

aprendessem percorrendo o mesmo caminho. A conversa sobre a forma de pensar, se

expressar e aprender da G nos apresenta a possibilidade de outras lógicas no processo de

alfabetização de uma criança e nos faz refletir sobre outras formas de ensinar.

Amanda7: Turminha agitada, falante, todos muito levados, levantam toda hora, correm

na sala toda hora. Me deixam de cabelo em pé por isso que eu já assumi o cabelo em pé

logo de uma vez. (risos) Né? Então assim, o trabalho teve que ser iniciado mesmo a

partir das normas de convivência, né? Como é que a gente vai estabelecer este

combinado que tem de lembrar todo dia, toda hora. É por aí. Eu iniciei o trabalho com

aquela rotina, né. De quem veio, de chamada, de contagem... A gente agora tá fazendo

uma coisa de ajudante da turma, o ajudante da turma que faz a contagem, que faz a

chamada. Isso que tem que na classe de alfabetização mesmo. É... O ajudante da turma

também escolhe o livro que vai ser lido no dia. Ele vai lá mesa e faz a escolha de um

livro. Aí eu já aviso quem vai ser o ajudante no dia seguinte pra ele já tá pensando no

livrinho que eles querem que eu leia pra turma. Isso é diariamente, eu faço a leitura dos

livros pra eles. É... Eu comecei trabalhando com identidade, esquema corporal,

reconhecimento do nome, o reconhecimento do nome do colega é... enfim, esse

trabalho que eu comecei a fazer e faço até hoje. Tá dando muito certo e hoje a gente só

tem duas crianças que ainda não conseguem escrever o nome sem a ajuda do modelo.

Ana Maria8: Isso seria um grupo?

Amanda: Não. Eu já vou falar deles.

Ana Maria: Que aí eu já vou anotando aqui. Entendeu?

Amanda: Aí, o que que eu percebi através das atividades. Através das atividades o que

é que eu percebi sobre essas hipóteses da escrita? Tá assim: os pré silábicos, né,

aqueles que...

Ana Maria: Seria o grupo um?

Amanda: Grupo um vamos lá.

Ana Maria: Tá. Deixa eu botar aqui. (anotando)

Amanda: São A, essa que escreve o nome só com a ajuda do modelo ainda, a D, E, o

K e o V. Então eu tô tendo que fazer um trabalho a parte com eles. Porque estão bem

aquém da turma.

7 Professora regente da turma do primeiro ano GR1A.

8 Pedagoga

45

Ana Maria: Eles reconhecem o alfabeto?

Amanda: Não. Estão bem mesmo... Assim. Em relação a turma, eles estão bem aquém

da turma. Misturam as vogais. Fazem uma grande confusão. É... Os silábicos: (...)

então os pré silábicos são cinco crianças. Os silábicos: (...).

Ana Maria: Seis crianças. Não é isso?

Amanda: Não foram sete não? É. São seis. Os silábicos alfabéticos, que já atribuem

valor silábico... a letra... aquela... Escreve cabelo, bota só as vogais.9 Aí eu acho que a

maioria da turma. (...)

Amanda: C acho que tá doente. Ela não é de faltar. Já tá faltando o terceiro dia. Essa

semana ela não veio. E aqueles que já são silábicos alfabéticos.

Silvana10

: Ué não são esses?

Amanda: São silábicos alfabéticos indo já...

Silvana: Alfabéticos?

Amanda: Já estão na frente. Indo pro alfabético. Não sei se existe isso, mas...

Ana Maria: São uns silábicos alfabéticos melhorados.

Amanda: Eles não se identificam com o último grupo que eu falei, mas também não

posso dizer que são alfabéticos. (...). Eles já tem a leitura fluente, mas a escrita deles

ainda é desorganizada. Não seguem a pauta do caderno, tem uma letra bem

garranchuda, mas leem fluentes. Eles pegam, leem com todas as dificuldades assim, da

língua não tem dificuldade pra eles não, sabe?

Ana Maria: É aquele que tava contando a história?

Amanda: É. Você viu? Os dois né. (...)

Ana Maria: Lembro.

Amanda: (...) Mas é uma criança muito difícil. Muito difícil. Sabe, assim. Ele implica

com todo mundo, fala o tempo todo. Ele fala sozinho o tempo todo. O tempo todo. Ele

fala sozinho o tempo todo. O tempo todo ele faz bruuuu. Sabe? Assim... É muito

difícil. De vez em quando eu tenho que dar uns berros com ele pra ele parar. “Para, por

favor. Para porque você tá incomodando todo mundo.” Porque...

Beatriz11

: Ele acaba rápido, Amanda?

Amanda: Rápido. Eu tô tentando assim trabalhar com ele diferenciado porque as

aquelas atividades que eu dou pra turma toda, pra ele... pra ele não faz nem cócegas.

Entendeu? Ele já tá muito a frente, mas ele tem a questão da organização da escrita.

Não respeita a pauta do caderno, a letra dele é desse tamanho. E engraçado que assim...

o desenho dele não é bom. Sabe? O desenho dele não é bom. Ele não tem um desenho

assim... Não sei. Eu acho que ele não gosta. Ele não se interessa. Sempre que eu dou

desenho livre ele é aquele que não... não quer desenhar e quando tem alguma atividade

que envolve desenho ele faz logo pra acabar. Sabe? Aquela coisa rabiscada, aquela

coisa meia sem forma.

(...)

Amanda: O F também é silábico alfabético. Já lê muitas palavras.

Ana Maria: Grupo três?

Amanda: Já forma algumas frases. Dá pra entender bem o que ele escreve. (...)

Ana Maria: Mas o F é daquele grupo melhor?

Amanda: É do melhor.

Silvana: Quase alfabético.

Amanda: Isso. Quase alfabético.

Ana Maria: E a S também?

Amanda: Quase alfabético tá? E assim... é uma turma que completou essa questão do

material foi essa semana. (...) Não é? E todo dia a turma tem que emprestar lápis,

9 Neste ponto encontramos um equívoco em relação a classificação, uma vez que é na hipótese silábica

que as crianças utilizam uma letra, normalmente uma vogal, para representar a sílaba. 10

Pedagoga 11

Beatriz. Professora da Sala de Recursos para atendimento de crianças com necessidades educativas especiais.

46

borracha, apontador. Ninguém tem o material completo. Quase ninguém tem o material

completo. Sabe? Tem três com um caderno só. É assim. A maioria tem. Mas todo dia

um tá sem lápis, um tá sem borracha, um tá sem apontador. Tem que tá com esse

material sempre disponível. Porque todo dia eles precisam desse material. Nunca vem

de casa a turma inteira com material direitinho. Não é? Ao contrário da turma que eu

tinha ano passado que eu quase não tinha problemas com isso. Desde o início do ano

que eles chegaram com o material completo. Esse não. (...)

Ana Maria: E o seu aluno NEE?

Amanda: A G12

! Eu não falei dela não?

(...)

Amanda: Eu não falei da G não? Eu coloquei a G onde?

Beatriz: Pré silábico.

Silvana: Silábico alfabético.

Ana Maria: Eu botei no três. Gente não é. G não é.

Amanda: Silábico alfabética.

Beatriz: É. Silábico alfabético.

Ana Maria: Ela é? Nossa! Que bacana.

Beatriz: Muito esperta.

Amanda: Ela é espertíssima. Não tem problema com a aprendizagem.

Ana Maria: Interessante.

Amanda: Não tem problema com a aprendizagem. É muito interessante que todo

desenho que ela faz ela faz uma criança, um balãozinho e uma criança cantando.

Ana Maria: Viu, Marina?

Amanda: Ou ela faz notas musicais ou ela faz lá, lá, lá, lá, lá. E faz a outra com é...

assim... Como se tivesse o som saindo do ouvido. Sabe? É uma cantando e a outra

parece que recebendo o som. Porque ela é surda, né? Acho isso tão interessante. Todo

desenho. O desenho livre dela é esse. Um palco, uma criança cantando, um balãozinho

lá, lá, lá. E a outra recebendo.

Silvana: E a outra ouvindo.

Amanda: Aí eu falo: “Que legal! Você gosta de cantar?” “Gosto.” Ela tá aprendendo a

falar ainda.

Silvana: Você tem professora de apoio?

Amanda: Quem tá me dando uma força lá com ela é a Analu. Porque assim, ela não

tem problema de aprendizagem, mas ela precisa de uma atenção.

Silvana: De uma mediação, né?

Amanda: Se eu faço uma atividade com todo mundo eu tenho que ir lá falar com todo

mundo e depois falar com ela. “Vamos fazer assim.” Entendeu? Porque no geral ela se

perde. Ela não consegue perceber o que é que tem que fazer, o que precisa fazer, então

tem que dar um comando pra ela. Mas assim... não tem problema com a aprendizagem.

Esses dias ela foi minha ajudante e aí ela mesma, né ela escreveu meninas e meninos

no quadro e fez a contagem.

(...)

Beatriz: Ela quer! Aí quando você fala... e vai falando... Você vai falando e ela vai

prestando atenção. Ela repete a palavra. Quando ela não consegue falar ela fica

nervosa. Aí você diz: “Calma.”

Amanda: E é uma menina que interage muito bem.

Ana Maria: Ela tem muito estímulo familiar.

Amanda: Não tem problema de fazer amizade. As crianças receberam. No primeiro

dia eles falaram: “Por que ela fala assim, tia?” Expliquei pra eles. O aparelhinho,

mostrei.

Fernanda13

: Um dia ela tava inconformada ali na porta. Querendo falar que as crianças

estavam empurrando a porta. E eu não conhecia. Eu não sabia quem era e porque ela

12

Giovanna Lara aluna surda.

47

falava daquele jeitinho. Ela tava tentando falar comigo só que eu não tava conseguindo

entender. Ai pelo gesto, porque ela gesticula muito. Aí deu pra entender que ela tava

nervosa e preocupada porque eles estavam empurrando a porta. Aí eu entrei e falei:

“senta todo mundo que a tia Amanda tá chegando.” Aí ela fez assim: “Ufa!” Isso me

chamou atenção. Como quem diz assim: consegui.

Beatriz: É engraçado quando ela fala assim: “Meu Deus!”

Fernanda: Ela é cheia de expressão.

Amanda: Ela chegou falando muito palavrão. Eu falei: “Olha só aqui na escola não

pode. Nenhuma criança pode falar palavrão.” Foi difícil, mas agora ela tá ótima.

Ana Maria: Amanda, mais alguma coisa? No geral?

Beatriz: Deixa eu só falar de C.

Marina: Três minutos.

Amanda: Mas antes só pra... Um outro trabalho que a gente tá fazendo é o correio da

amizade. Aí eu ensinei eles a colocarem, né. Se identifica e identifica o colega. Eles tão

escrevendo muito o nome dos outros colegas. Aí eles colocam: “De” colocam o nome

deles e “Para” colocam o nome do colega. Toda quarta ou sexta feira eu sempre vejo se

tem cartinha dentro do correio. Aí eu falo: Fulano mandou pra Ciclano. Como é que

fala? Agradece o seu amigo. É uma coisa que eles tão gostando bastante.

Beatriz: Eu queria só falar do C. O C tinha ficado retido.

Ana Maria: Ele tá no grupo três.

Beatriz: Gente, ele teve um avanço. Vocês não têm noção. Eu e Amanda a gente tem

conversado muito da atenção. Ele não sabia cores, não sabia letras. Ele voltou assim

das férias... amadurecido. Fazendo coisas, assim. Eu tô impressionada com a evolução

rápida dele. É impressionante. Interessado. Muito interessado. Ficou muito bem ele

com a G. Como que os dois tão conseguindo se entender, um ajudando o outro. Eu

queria deixar registrado porque foi uma criança que a gente viu que a mãe teve muito

empenho. E ele também ele tem se empenhado muito, querendo aprender, buscando... é

só a diferença.

(...)

Conversa com a Professora Fernanda

A carta escrita pela professora Fernanda para os alunos e lida para as

professoras conta do processo de avaliação, do como ele foi realizado, mas também do

porque. Conta das dificuldades do processo avaliativo, mas conta também da sua

necessidade e importância. Conta dos momentos de reflexão da professora, mas também

da troca com seus pares. Assim como acontece com seus alunos que ora trabalham

sozinhos e ora trabalham em duplas ou pequenos grupos. Na carta a professora se

pergunta sobre o que as crianças sabem e também sobre que estão aprendendo. Fazer

essas perguntas nos ajuda a pensar a ação pedagógica.

Fernanda conta da sua preocupação, não com as dificuldades entre aspas

porque não as há, mas com o que poderia estar acontecendo com quem fecha e esconde

o caderno, diz que não quer fazer, com quem acabou de chegar, com quem brinca sem

13

Fernanda é a professora do segundo ano no turno da manhã e professora articuladora no turno da tarde.

48

trabalhar, porque entende que estão todos no processo de escrever suas histórias. E

como escrevem histórias! E sabem por que? Porque alimentam a imaginação ouvindo e

lendo histórias naquela sala cheia de livros e janelas grandes de onde se vê a serra, a

sala de leitura.

Tudo bem se eles se levantam toda hora e falam alto a maior parte do

tempo. Isso é mesmo coisa de quem está aprendendo. Aprendendo o aluno e aprendendo

a professora. É disso que fala a carta. Como teria sido interessante se eles tivessem

respondido...

Fernanda: Eu queria ler uma carta. Pode?

Ana Maria: Deve.

Fernanda: Antes eu queria pedir desculpa porque tem uns errinhos aqui porque na

hora que tava tentando fazer a correção do texto e tudo meu computador falhou e eu

fiquei desesperada ali na sala porque eu não consegui recuperar o arquivo, mas aí eu

consegui recuperar o arquivo anterior. Tem algumas falhas de concordância vocês me

perdoem depois eu vou tentar corrigir. Tô nervosa. Tira esse negócio daqui. (rindo

aponta para o celular que grava a reunião)

Marina: Eu não vou correr o risco de perder isso.

Silvana14

: Como assim?

Marina: Tô gravando.

Carta da Professora Fernanda

Recebi a tarefa de fazer uma avaliação diagnóstica inicial do desenvolvimento

escolar de vocês. Sabem o que isso significa? Quer dizer que eu deveria propor a

vocês várias atividades através das quais eu pudesse observar as respostas de cada

um de vocês, para assim perceber o que cada um consegue fazer sozinho, o que

precisa de ajuda para fazer e o que ainda não consegue fazer. Então. desde o início

das aulas é isso que tenho feito. Em todos os momentos das aulas é isso que tenho

feito. Em todos os momentos das aulas procurei fazer com que vocês realizassem os

exercícios ora em duplas (quando vocês sentavam do lado do amigo mais chegado

para ajudar), ora em grupos (quando eu arrumava as mesas e cadeiras em grupinhos

de quatro alunos e dizia onde cada iria sentar) e tinha hora que vocês faziam os

deveres sozinhos (quando eu deixava as cadeiras e mesas separadas, aí vocês

reclamavam mesmo, porque não podiam ficar juntos. Lembram?) E também tiveram

14

Pedagoga.

49

aqueles momentos em que eu chamava um ou outro na minha mesa e ficava um bom

tempo fazendo as tarefas juntos e perguntando: como se escreve? Ou que som é

esse? Ou ainda, lê pra mim esse pedacinho? Ou quando pedia: fala a resposta que

você escreveu pra mim. O que você quer escrever aqui? E assim eu ia observando

cada um. Sabe queridos alunos, a tarefa que recebi é algo muito importante de se

fazer. Porque eu consigo descobrir o que cada um está pensando, o que cada um

sabe fazer e o que ainda não consegue fazer, eu posso planejar minhas aulas e

preparar atividades (dever como vocês costumam dizer) que podem ajudá-los a

aprender cada vez mais. Não foi uma tarefa fácil, deu um trabalhão. Às vezes, eu

ficava confusa com as respostas de vocês e tinha que pensar outros exercícios para

vocês responderem para me ajudar a perceber bem o que vocês sabiam de cada

coisa que estudamos. Às vezes, preparava algo que achava muito legal e chegava na

hora da aula ficava uma coisa chataaaaaaa. E vocês reclamavam, e queriam brincar

ou conversar. Então, eu ia pra sala dos professores e pensava e conversava com as

outras professoras e mudava as atividades para que a aula ficasse mais legal.

Fizemos atividades bem bacanas: de leituras, de desenhos, de contagem, números,

cálculos (ou continhas), de caça palavras e escrita de frases. Ah teve também aqueles

dias que falamos e lemos sobre ciências: sobre o que gostamos e não gostamos,

sobre as diferenças, sobre a natureza e como ela é importante para nós, sobre o

nosso corpo... falamos até sobre os gongolos que vivem aparecendo na nossa sala.

Ah teve também, nosso Caderno de Histórias. Que está ficando muito legal. As

histórias de vocês estão ficando cada vez melhores e maiores, e divertidas de ler.

Quase esqueci do Diário do Estudante, que a gente faz toda segunda-feira e que é

bem bacana porque todos podem saber como é o dia de cada um de vocês. Nossa

quanta coisa já fizemos! Sabem, eu gostei muito de cumprir essa tarefa, foi muito

bom ver como vocês aprendem rápido. No início eu estava um pouco preocupada,

pois vi alguns de vocês muito distraídos, conversando muito, demorando para

terminar as atividades, alguns nem queriam me mostrar o que estavam fazendo, e

outros não queriam ler e nem falar suas ideias na sala. Mas, aos pouquinhos percebi

que vocês foram percebendo que na sala todos sabiam coisas diferentes para

compartilhar com os colegas, que podiam perguntar sempre que tinham dúvidas, que

podiam ajudar e pedir ajuda para os colegas e ainda, perceberam que cada aprende

de um jeito diferente. Mas não foram só vocês que aprenderam muitas coisas não, eu

também aprendi um monte de coisas sobre vocês. Vou contar só um pouquinho.

Muitos estão lendo bem e escrevendo com muita atenção, procurando corrigir as

palavras, como faz a A, a A C , a A K e o P (os tagarelas da turma), a Agatha (aliás

50

a A acabou de chegar na nossa turma, mas já conquistou a todos com seu jeitinho

meigo, não é mesmo?) a I, o Iv, o J V, a A, (que vivem se distraindo com as

conversas) M C, a M A (que precisa se esforçar para melhorar seu comportamento

em sala), a M F (que não para de conversar um minuto, nunca vi ter tanto assunto

assim pra falar), a G (que um dia vai parar de chorar quando entrar na escola) e a

L. Descobri também que alguns ainda estão começando a se sentir seguros com a

leitura e a escrita e procuram praticar sempre para ler e escrever bem como o A e o

G (que ainda precisam melhorar bastante o comportamento e medir as brincadeiras

com os colegas), a L B (que está cada dia mais empenhada em aprender e seu

comportamento mudou muito, parabéns!) a S (que me deixa louca com a mistura das

letras) a T e a Y (que nunca se separam e estão sempre ajudando uma a outra nos

exercícios). Descobri ainda. Que preciso ajudar mais o E, a El, a Ge, a L E e o A

porque eles já aprenderam muitas coisas, mas precisam de um tempinho a mais para

ler e escrever sozinhos, mas falta só um pouquinho mesmo para isso acontecer.

Imaginem, crianças, que legal que vai ser quando a nossa turminha estiver lendo e

escrevendo muito bem!!! Ah! Vou gostar de ouvir cada um lendo livros de

historinhas na roda de leitura. Ei, já ia esquecendo de dizer como vocês todos estão

muito bem em matemática! Conhecem todos os numerais e contam que é uma beleza.

E as continhas, então, estão arrasando na hora de somar e subtrair. Um espetáculo

mesmo! Mas ainda tem umas coisinhas pra gente melhorar, como o tom da voz

quando falar (acho que Deus esqueceu de fazer o botãozinho de regular o volume da

voz de alguns de vocês, e aí a voz fica muito, muito alta e fica uma confusão para eu

conseguir ouvir) e tem também a história de levantar toda hora, de ficar

conversando com o colega na hora errada, de interromper a professora falando

junto, e sabe o que precisa melhorar urgente, crianças? É essa história de brigar e

implicar com o colega. Isso não é nada legal, magoa os amigos e me deixa muito

triste. Ufa! Quantas coisas eu descobri cumprindo essa tarefa de avaliar vocês. Mas

vou confessar. Essa tarefa ainda não acabou não. vou continuar observando vocês

durante todo o ano, até o último dia de aula. Querem saber por que? Porque ainda

temos muitas coisas para aprender juntos e tenho certeza que vocês querem

melhorar a cada dia. E eu quero continuar aprendendo sobre vocês.

Um abraço para todos da sua professora,

Fernanda

51

Fernanda: Tô gelada!

Silvana: Oh Fernanda! Você vai dar isso pra gente? (se referindo ao texto que ela

tinha nas mãos)

Marina: Ela tá gelada!

Fernanda: Minha perna tá tremendo!

Ana Maria: Maravilhoso!

Silvana: Dá pra gente?

Fernanda: Não faz isso comigo de novo não!

Elizabeth: Vai chorar! Já sou eu? Você sabia que tava gravando por isso você

preparou isso.

Fernanda: Eu não sabia não. Fiquei nervosa quando ela falou assim: “Posso gravar?”

Eu falei: “Ai meu Deus, eu não vou conseguir!”

Ana Maria: Muito legal!

Fernanda: A mão tá tremendo!

Silvana: Pode?

Fernanda: Deixa eu corrigir as coisas..., mas pode ficar. No geral, assim... Falta

anotar ainda as crianças que ainda não tem autonomia, uma certa autonomia na

leitura, eles tão soletrando... Tão começando... (...).

Ana Maria: Espera aí. (anotando)

Fernanda: Eles não estão naquela fase pré silábica. Já escrevem a palavra

praticamente completa, trocam uma letra ou outra. Vão soletrando.

Silvana: Eles estão silábicos?

Fernanda: Não. Eles estão alfabéticos.

Ana Maria: Você não tem pré-silábicos.

Fernanda: Muito inseguros pra escrever então eles perguntam o tempo todo que é a

(...), que aliás tá um espetáculo. É aquela que brigava, sabe?

Ana Maria: É aquelazinha agitada?

Fernanda: (…)...

Ana Maria: Mas pré-silábico você não tem.

Fernanda: Não. Não.

Ana Maria: Todos leem?

Fernanda: Eu tenho... o que tá mais aquém da turma é o A. O A ele ainda não arrisca

escrever sozinho, mas ele sabe muita coisa. A questão do dele é o esconder o caderno

e dizer “não sei”. E ele é muito brincalhão, ele quer brincar o tempo todo. Ele é

encrenqueiro com a turma. Arruma muito problema.

Ana Maria: Eu lembro que a gente tem chamado muita a mãe dele. Ano passado.

Fernanda: É. A gente chamou. Muito problema com a turma. Até a própria turma tá

com uma dificuldade danada pra lidar com ele. Ele implica, ele briga, bota o dedo na

cara. Essas coisas assim, mas ele é o caso mais sério. O restante da turma tá indo

bem, tá direitinho. Os alunos novos que eu recebi também estão indo muito bem. Ele

é muito brincalhão. Tem umas questões de comportamento que é o Ar e o A e o G,

que a gente já chamou o responsável.

Ana Maria: E melhorou alguma coisa?

Fernanda: Tem que ficar brigando... é um desgaste porque tem que ficar brigando. O

tempo todo. O tempo todo. O tempo todo. E assim tem um novo desafio na sala que é

a MC, que tem um perfil completamente diferente da turma. Ela vem do Eulália15

e

ela tem aquela coisa de tá fazendo intriga, colocando um contra o outro, tem aquela

coisa de escuta aqui e fala ali. Sabe? Aí começou a divisão de “eu sou amiga de

fulano e não eu sou amiga de ciclano”. Ela começou a desencadear isso na sala.

Também uma questão de omitir as coisas, falar que não fez, falar que foi o outro.

Alguma... Um comportamento assim complicado. Inclusive a gente mandou bilhete e

ela arrancou a folha da agenda. Aí tive que criar estratégia, numerar a página da

agenda e mandar o bilhete novamente. Essas coisas assim. Então assim de

15

Escola Municipal Eulália Bragança.

52

comportamento o desafio tem sido o Ar, o A e a M C.

Ana Maria: De comportamento.

Fernanda: De aprendizado...

Ana Maria: Ar, A e M C?

Fernanda: (...). De aprendizado tem esse grupinho que tá nessa fase soletrando. Que

tem menos autonomia pra ler e escrever, mas tá indo bem. Eu acho que até o final do

ano...

Silvana: São esses três que você falou?

Fernanda: E o A que é o caso mais preocupante em relação a escrita porque ele se

recusa muito. Ele se recusa demais, demais.

Luzia16

: Ele não quis fazer nada.

Fernanda: É. Ele se recusa muito. Ele entrou num processo agora de esconder, de

fechar o caderno, de abaixar o caderno e “não quero fazer”, mas a gente tá

conversando lá pra mudar isso. E é isso.

Ana Maria: Muito bom.

Amanda: Esse caderno você conta a história e eles registram do jeitinho deles?

Fernanda: Não. Deixa eu explicar o que eu citei ali. Esse aqui é o caderno de

histórias que a gente tá montando desde o ano passado. Daí eu segui e é legal porque

assim, eles tavam no primeiro ano então e dá pra ver como eles estavam escrevendo e

agora no segundo ano. Aí tem histórias bem bacanas. Eu vejo bem assim... Alguns

começaram com frases...

Amanda: Ah! Eles... É livre?

Fernanda: É livre. Eu faço só o risco no caderno, é toda sexta-feira depois da sala de

leitura. E aí eu falei pra eles que a sala de leitura... A gente tava na sala de leitura e ai

eu falei pra eles que a sala de leitura é a hora de alimentar a imaginação. “Vocês vão

ter contato com os livros, vão ler as histórias pra alimentar. Quando chegar na sala

eles tem que criar a história deles com desenho deles. Aí eu só faço o risco no

caderno (divide o espaço do texto e do desenho), mando por a data, eles fazem o

desenho e criam a história. Aí todo mundo faz. Aí tem alguns que ainda estão na

frase, tem outros que... tem cada história! Olha só como tá esse texto! Com início,

meio e fim. Eu achei muito legal. É um texto muito simples, mas já tem início, meio e

fim. “Era uma vez duas meninas e um menino. A pequena estava procurando...

procurando o nome da festa e achou. Achou e falou...” Ah! “Estava procurando ovo

na festa. E achou o ovo. E falou: Eu achei o ovo. E ainda falou eu também. E a outra

falou eu também. E todas duas comeram o ovo e viveram felizes para sempre.” Então

assim... tem um começo, tem um meio é uma história meio confusa ainda. Essa aqui

ó... “Uma noite eu estava dormindo e de repente eu abri... eu encontrei... escutei um

barulho de tiro e aí eu levantei da cama, abri a porta e vi o coelho da páscoa, mas não

foi só isso não. Uma bala bateu na lápide do meu cachorro.” O cachorro tinha sido

enterrado no quintal. “Na lápide do meu cachorro e a bala voltou e...”

Silvana: Lápide? Que palavra!

Fernanda: “Eu fui lá e peguei o meu ovo.”

Ana Maria: Ela mora onde essa criança?

Fernanda: “E o coelho voltou para a casa dele e eu fui dormir.” Aí tem o desenho da

história. É porque o cachorro dele morreu no início do ano. E o pai enterrou no

quintal e botou uma plaquinha. Aí ele chama de lápide.

Alguém17

: Só faltava ser de mármore.

Fernanda: Tem muita história bacana. Aí eles fazem...

Silvana: Mas assim... a televisão passa isso também. E assim... não é só em

comunidade que a gente tá vendo bala perdida.

Amanda: Sim. É. Porque a gente sempre acha que... é a vivência da criança, né, mas

agora é a vivência de todo mundo né.

16

Professora regente da turma do primeiro ano GR1C. 17

Não foi possível identificar de quem era a voz.

53

Ana Maria: É. Não tem pra onde fugir.

Fernanda: Olha essa aqui. “O passeio com meu pai. Eu fui na cachoeira com o meu

pai. Meu pai me jogou de lá de cima da cachoeira. Tava muito gelada e depois

pulamos da pedra e depois nadamos muito. Saímos da água e fomos comer. Depois

que acabamos de comer descansamos e fomos para casa e fim.” Então assim eles tão

seguindo essa coisa do começo, meio e fim. Para trabalhar isso teve o Diário do

Estudante que tá rodando aí. Não sei onde tá. O Diário do Estudante é uma tarefa que

eles levam toda segunda-feira pra casa, eu sorteio um aluno que leva o diário pra casa

e ele tem que escrever ali o dia todo deles. De início alguns escreveram só o que

fizeram na escola. Aí eu lia, porque eu leio na turma. Tá faltando coisa. “Você

dormiu depois que foi pra escola? Depois que chegou da escola não fez mais nada?”

“Eu fiz.” “E por que não escreveu?” No final ali (aponta para o diário) tem um que é

bem completo. Ela escreveu exatamente. É o da I. Ela escreveu detalhadamente tudo

que ela fez. E aí isso ajuda na questão do início, meio e fim do texto. É uma tarefe

que eles fazem em casa. Alguns escolhem fazer sozinhos, outros pedem ajuda pro pai

e pra mãe. Não. É o da I. (se refere a um caderno) Mas ajuda bastante eles

perceberem que a história não pode parar assim de repente, mas que tem que ser

finalizado. E aí ela colocou... Esse aqui foi o dessa segunda da I. Ela colocou assim:

“Hoje eu acordei e me vesti e me calcei. Comi. Tomei meu café. Meu café da manhã.

Depois eu esperei a minha van. Eu brinquei na escola. Eu estudei. Muitas tarefas.

Depois eu voltei para casa. Eu comi meu almoço. Eu terminei de almoçar e bebi suco.

Suco de uva. Eu fui brincar de boneca e dormi a tarde inteira e acordei de noite.

Tomei lanche, escrevi no diário do estudante e jantei e botei meu pijama e dormi.”

Ela fez toooooda a sequência direitinho.

Silvana: Agora, os desenhos são tão caprichados!

Fernanda: Aí tem o Diário do Estudante e tem as outras produções.

Ana Maria: É o Diário do Estudante e o outro é?

Fernanda: O Caderno de Histórias. O diário do estudante eu faço na segunda, a

criança leva, traz e na outra segunda é outra criança. O caderno de história é toda

sexta-feira depois da sala de leitura.

Silvana: Que legal!

Fernanda: Aí tem um monte de coisas tem colagens para eles possam criar as

histórias a partir de desenhos.

Silvana: E dá sentido, né à ida à sala de leitura. Muito legal.

Fernanda: Aí tem com sequência de imagens, tem com ditado de frases (falou

baixinho) pra ver como que eles estão escrevendo, tem um monte de ditados. Aí é

isso.

(...)

Conversa com a Professora Elizabeth

Na terceira parte da reunião ouvimos a professora Elizabeth, professora do

terceiro ano, famosa por suas longas falas nos conselhos de avaliação. Os alunos da

professora Elizabeth sabem como ela é, que ela gosta de matemática, que escolhe os

lugares, que olha os cadernos. E ela já sabe como eles são, os que faltam muito, os que

usam uniforme, os que já foram retidos. Esse é o problema. Tudo aqui é familiar. Talvez

por isso a chegada dos alunos novos e mais fracos a tenha assustado no início. Quase

nada aqui sai do controle, mas o cotidiano da escola é imprevisível. O apoio estava

54

previsto, mas não chegou? O aluno escreve, mas não lê? Chamamos a mãe, mas ela não

veio na reunião?

A turma também tem três grupos. O grupo um que reconhece o alfabeto, o

grupo dois que é o silábico-alfabético e o grupo três que tá quase alfabético. Neste

momento, Ana Maria nos lembra que estamos criando novas categorias. Durante essa

tentativa de acomodar as crianças nos vidros somos surpreendidos pelo convite da

professora Fernanda para que Elizabeth vá a sua sala dar aula de matemática. Em

seguida completa a sugestão dizendo que enquanto isso vai à turma de Elizabeth para

trabalhar com eles a leitura e a escrita. Amanda se anima com a proposta e entra na

conversa se oferecendo para trazer alegria com um bolo que seria feito por eles.

A proposta abre uma brecha no padrão “minha sala”, “minha turma” como

modo de pensar dominante na escola. Certeau chama à essas práticas de procedimentos.

“As práticas cotidianas que estão na dependência de um grande conjunto, difícil de

delimitar e que, a título provisório, pode ser designado como o dos procedimentos.”

(CERTEAU, 2014, p.103) Neste sentido, Certeau define como táticas os:

procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às

circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma

em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a

organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um

golpe, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos

etc. (CERTEAU, 2014, p.96)

Esse movimento que desloca as professoras de suas turmas permite outras

experiências para alunos e professoras. E o troca-troca de professoras realmente

acontece, mas elas vão contar como foi isso depois.

(...)

Elizabeth: Olha só! A minha turma é uma turma muito falante, mas participa muito.

Então eu tô com ela desde o ano passado então as regras já foram estabelecidas.

Então eles já sabem como eu sou, o que eu gosto, o que eu não gosto e aí ficou muito

mais fácil. O que me aconteceu de dificuldade foram os alunos que eu recebi que

foram ampliados no ciclo, né. Que é o (...)

(...)

Elizabeth: É assim a princípio eu fiquei um pouco assustada por conta desses quatro.

Porque a minha turma, por mais que você não tenha uma turma homogênea, você já

tem... Aquele que precisa mais, aquele não precisa. Aí eu recebi a notícia que eu não

tinha apoio. A A não veio, não veio nesse início, e aí a questão do apoio não é só pra

A. Porque quando a A não vem eu tinha crianças que eu teria... Eu teria crianças pra

botar junto e ficar perto pra poder fazer o exercício e tudo mais, mas eu não tinha.

55

Ainda recebi esses alunos, que assim, que estavam no mesmo nível dos meus mais

fracos.

Ana Maria: E quais são esses mais fracos? Pra gente já poder botar...

Elizabeth: Os meus mais fracos que eu digo que é o grupo um é o R D e a J.

Ana Maria: Eles estão no reforço?

Elizabeth: Eu coloquei no reforço.

Keila18

: Tô pegando.

Ana Maria: Todos esses que ela falou?

Keila: Esses dois. (...).

Elizabeth: R e J. Então eu resolvi chamar os pais desses alunos. O M a mãe dele

queria falar comigo. Eu cheguei pra ela e falei o que tem que fazer: “Não. Ele tem

que aprender a se impor, que ele é um menino que as crianças fazem as coisas com

ele e ele diz: “Tia... oh tia...” Então ele tem que aprender a se é... defender dos outros.

Em termos de falar... de se expressar que não tá gostando das coisas. Chamei o pai do

M. Por conta do aprendizado e da questão do comportamento. Não quer nada com

nada. Chamei a mãe... o pai do L que assim... eu tive um dos maiores avanços. Foi o

L que a Amanda falou pra mim que ele só lia e não escrevia. E eu tenho aqui um

texto que eu produzi... que eles produziram dia dez. Anteontem. Que assim... é um

espetáculo pra quem não escrevia nada. Então eu conversei. Fui muito séria com eles.

Inclusive a Ana Maria tava presente. Falei exatamente. “Olha só. Eu preciso que ele

tenha compromisso. Eu preciso que ele tenha isso.” Ai conversei com ele como eu

conversei com os outros pais, mas o Luan é o que mais teve assim... do início... até

agora teve um avanço muito grande. Então eu tenho a atividade que ele fez aqui. Pra

quem não escrevia... Eu separei essa atividade. Separei também atividade da J e do R

que é o grupo um.

Ana Maria: Mas o L estava no grupo um.

Elizabeth: Não.

Silvana: O L é o da ampliação. Já saiu.

Elizabeth: O grupo um já reconhece o alfabeto. O L é aquele que foi ampliado no

ciclo.

Silvana: Você aproximou. Você viu que eles estão no nível próximo.

Elizabeth: Não. O que que acontece?

Silvana: O da ampliação e os seus mais fracos?

Elizabeth: Não. O que que aconteceu? A minha preocupação a princípio é que L

chegou aqui lendo, mas não escrevendo. Não escrevia nada. Então eu chamei o pai e

a partir daí eu falei: “Se você lê você escreve.” E aí comecei a pegar no pé dele.

Então eu percebi que a questão do L era preguiça mesmo de fazer. Então eu falei pra

eles: “Olha só! Quando eu pego no pé eu não solto até melhorar.”

Ana Maria: Então eu vou tirar o L do grupo um.

Elizabeth: Ou vai, ou vai. Aí o L resolveu. M não resolveu. O Mk assim assim, mas

o Mk não me dá trabalho, não me dá problemas assim em termos de comportamento.

Normal, mas a questão do Mk é fono, é a questão de autoestima. Ele não compreende

a letra cursiva quase nada, tá? O M também não. Ele escreve... ele lê com letra

bastão, mas na hora de... escreve com cursiva porque copia do quadro, mas não lê. Aí

fica complicado. Eu tenho que ficar no terceiro ano fazendo letra cursiva e letra

bastão?! Aí eu entreguei pra cada um, tá no meu armário e eles pegam, um quadro

que tem a letra cursiva, bastão, de máquina, de mão. Entendeu? Maiúsculo,

minúsculo. Aí eles pegam pra poder fazer essa relação.

Silvana: (vendo as atividades) Ah! São dois diferentes. Eu falei; “Gente, como ele

melhorou daqui pra cá!”

Elizabeth: O que que acontece? Eu fiz e eles tem aqui esse papelzinho pra eles

olharem as letras. Só que o M ele ignora o que eu falo com ele, mas o L ele já

compreende a letra, ele já transforma a letra cursiva na bastão e eu resolvi deixar ele

18

Keila é a professora articuladora responsável pelas aulas de reforço.

56

escrever com a bastão.

Ana Maria: Então o L não fica nesse grupo um?

Elizabeth: Contrariando a minha... Resolvi. Se o menino lê e escreve, pelo menos se

ele escreve com bastão direito deixa o menino escrever com letra bastão. (aplausos)

(...)

Elizabeth: (...) Voltando ao grupo um que só reconhece o alfabeto, tem J e o R que

não forma sílaba. Eles não leem. Nós temos o grupo dois.

Silvana: Eles fazem valor sonoro dos fonemas?

Elizabeth: Assim... Assim... as vezes. J não quer nada com nada. Falei com a mãe

dela a mãe dela colocou ela parece que numa explicadora, deu uma melhoradinha.

Mas R é aquela coisa do mundo de Bob.

Jorgine: Ele é o Bob.

Elizabeth: Vive com o pé machucado. Vive com o pé machucado. Vem com a roupa

toda largada. Aí eu mando bilhete. “Cadê o uniforme do R? Por que ele está sempre

com o pé machucado?” Aí a mãe manda dizer que ela sai muito cedo e ele fica com o

pai. Aí o pai arruma ele.

Jorgine: O pai arruma ele e deixa ele aqui antes das sete horas e vai embora.

Elizabeth: E deixa ele com o capacete, com o capacete dentro da mochila.

Keila: (...)

Elizabeth: Só que assim a sequência dele cronológica, a questão do início, meio e

fim da história que ele escreve lá do jeito dele é perfeita. Diferente de outros que são

alfabéticos e não tem ordem de nada. Aí vocês me digam: O que fazer? (risos) Bem,

nós temos o grupo dois que é o C que hoje ele tá... eu não contei, mas ele deve tá com

quase vinte faltas.

Ana Maria: Ele continua faltando, Elizabeth?

Elizabeth: Continua e eu pergunto pra ele.

Ana Maria: Mesmo depois daquilo tudo?

Silvana: Mesmo depois da reunião com o conselho?

Ana Maria: Olha, Jô. A Jô tava no dia. (da conversa com a mãe)

Silvana: Você tava no dia?

Jorgine: Eu tava.

Ana Maria: Ela chora. Ela faz um teatro.

Elizabeth: Eu perguntei pra ele: “Por que você faltou?” Ele falou: “Minha avó

morreu.” Eu falei: “Morreu quando?” “Ontem.” “E os outros dias?” Por que tá

faltando? “Por que?” “A porque quebrou não sei o que.” Ou “Minha mãe tava

doente.” E aí... você tem uma criança que poderia já estar alfabética... aí eu

coloquei...

Silvana: Mas como é que você classifica como sendo o grupo dois?

Elizabeth: O grupo dois eu coloquei como sendo silábico-alfabético, que é o C, o M

e o Mk que está aqui as atividades que eles fizeram. Estão aqui do dia dez. tem

outras, diferentes. Essa já tinha uma ordem de acontecimentos que eu dei na folhinha.

Eles tinham que escutar a história que eu contei e tinha que reescrever a história no

papel. (...) Aí o legal é que todos eles botaram assim: “A menina foi embora sem

olhar para trás.” e eu contei isso “sem olhar para trás”. Então a maioria botou “sem

olhar para trás”.

Ana Maria: Vida que segue.

Elizabeth: Mas assim... eu gosto porque eles estão escrevendo muito mais do que

escreviam.

Ana Maria: Elizabeth, A M é grupo um?

Elizabeth: Três. No grupo três tá G L que foi alfabetizado ano passado que ele tava

silábico alfabético agora ele tá alfabético, muito interessado.

Silvana: Não é que com tudo isso o Mk melhorou à beça.

Elizabeth: Nós temos a M também tá nesse grupo.

Silvana: Grupo três.

(...)

57

Ana Maria: Aí o grupo três é o grupo de...

Elizabeth: É o grupo que tá quase alfabético. Entendeu? Que ainda falta umas

coisinhas.

Ana Maria: A gente tá criando outras categorias.

Elizabeth: Eu não sei direito isso. Eu vou botando... A M você consegue entender o

que ela escreve. (...)

Amanda: Vocês não sabem como isso é um avanço.

(...)

Elizabeth: Então assim... a questão de ... trabalhei vários tipos de escrita, uma pedi

para botar na ordem e escrever, de acordo com a figura o outro eu pedi pra... eu li a

história como esse e pedi para eles escreverem. Tem também o ditado, tem também

coisas que foram feitas na época do carnaval. O que que tinha no carnaval. Eles

anotaram uma lista de coisas. É mais avaliação de escrita e de leitura. As leituras,

esses alunos do grupo um só as letras, o grupo dois, sílabas e o três...

Ana Maria: E o restante?

Elizabeth: Em questão de comportamento eu um tenho bem difícil, quando vem, C.

Eu tenho o J P. (...) E eu tenho M. Em matemática eu venho desde o ano passado

trabalhando a questão do calendário “Que dia é hoje? Que dia é amanhã? Que dia foi?

Qual a semana? Qual a data?” Essa coisa toda. (...) Fora isso esse calendário foi feito

desde janeiro, ele tem... Em janeiro, a princípio a gente fez junto pra que cada um

pudesse fazer e saber como faria. O combinado foi domingo em vermelho, aí eu

expliquei porque era vermelho e tudo mais. E o feriado eu pintava de vermelho o

quadradinho todo e domingo só contornava. No final a gente põe o número de dias do

mês, número de feriados, número de semanas, número de dias que choveu. “Quantos

dias choveu?” “Quantos dias fez sol?” Aí a gente ensina a montar aquelas tabelas que

as crianças têm que marcar. Nesse fevereiro eu já tô com essa tabela aqui, do um ao

trinta e um onde cada dia eles marcam um x. E os dias da semana. Embaixo eu

coloquei as faltas. Porque eles ficam assim: “Tia, eu faltei quantos dias?” Se ele falta

ele vem aqui e pinta de roxo porque roxo é uma cor triste. Ele faltou. (risos) A gente

inventa e vai.

Jorgine: Inventa e vai.

Ana Maria: (...).

Elizabeth: Aí eu cismei e falei assim, vou botar uma professora e calhou da turma da

Mônica com as maçãs. Ai em fevereiro eu já botei a Magali com as maçãs comidas,

aí vira P Emílio: “Tia, a Magali comeu as maçãs da professora.” Aí assim... foi bem

interessante. Aí aqui (mostrando o calendário de março) eu coloquei a questão da

mulher. A Mônica com o coelhinho que é a mulher brava, né. E ao final de cada mês

a gente faz essa contagem e confere pra ver se tá tudo certo, pra ver se todos

marcaram corretamente. E agora eles fazem sozinhos. Aí abril eu quis botar os

feriados, as datas comemorativas, a Páscoa. Aí eles ficaram: “Tia, então a Páscoa é

em abril.” Eles identificaram a questão do ovo que eu botei o desenho. Então todos

fazem até aqueles que não sabem ler esse calendário. Então pretendo entregar no final

de ano o calendário pronto até o último dia. Aí aqui nós temos também o horário.

Porque eles ficam: “Tia, hoje te aula de que?” Aí aqui eles já me olham. “Hoje tem

aula disso, disso e disso.” Aí vai mudar porque inglês vai pra segunda. Então eu vou

colar um papelzinho. Fora isso. A questão da escrita numérica é complicada. Eu quis

trabalhar também a ortografia e tudo mais. Eu já fiz isso com outro grupo e comecei a

fazer com eles. Nem sempre dá pra fazer tudo todo dia. Escrita da numeração, no

caso você trabalha a ordem numérica. Comecei trabalhando a tabela numérica, a

ordem e aqui eles tinham que escrever por extenso. Então eu vi alunos, assim...

puxando isso aqui (rolo com a escrita dos números por extenso) “Como é que escreve

sessenta mesmo?” Aí puxava aquilo tudo. “Ah! É assim.” Vai lá com o caderno. Aí

tem gente que puxava ele todo pra ver o tamanho que tava. O dia que eu não faço...

Amanda: Me deu uma vontade de fazer isso.

Elizabeth: O dia que eu não faço. Quer puxar? Puxa aí. Então nós temos cento e dois.

58

Foi o que eu consegui até agora.

Ana Maria: Que legal, Elizabeth.

Elizabeth: E aí são eles que escrevem, mas...

Amanda: Eles não querem ir além, não?

Elizabeth: Vão, mas eles lembram, mas não dá tempo de fazer. Então eu não faço

todo dia. Então o que eu pensei. Aí eles ficam assim: “Tia, como é que escreve essa

palavra mesmo?” Ou pergunta pra mim ou pergunta pro colega. Eu falei: “Aqui não

pode ter escrita errada.”

Silvana: (gargalhada)

Elizabeth: Então, o que que eu pensei? Esse agora... (olha a Amanda desenrolando a

lista de numerais)

Jorgine: A cara dela pra você.

Amanda: Eu só queria brincar de puxar. (depois de desenrolar todo o rolo de papel)

Elizabeth: Depois do feriado, é que eu tô precisando de um rolinho desse aí que eu

não tenho ainda. Pra que? Pra que eu possa fazer com número e material dourado ao

lado. Porque eles têm... alguns tem dificuldade com a questão do material dourado.

Eu fiz uma atividade aqui que eu... Keila tava aqui e viu um pouquinho. Eu tenho

vários materiais cortados aí comecei a botar os números aleatórios até cem. E ai eu

chamava cada um para representar com material dourado. “Tá errado! Tá errado!”

(imitando a voz das crianças) “Não. Espera!” Aí quando tava tudo pronto... E agora?

Tá certo ou tá errado? O que que eu preciso tirar? O que que eu preciso botar? É

dezena? É unidade?” E trabalhei o com o dinheiro, o sistema monetário com um

dinheirinho que eu guardei. Então assim... coisas que eu pretendo fazer. A questão

matemática eu trabalho muito mais, infelizmente ou felizmente eu fico mais animada

com a questão da matemática que do português. Vou melhorar.

Fernanda: Elizabeth, vai lá na minha sala dar aula de matemática.

Elizabeth: Oi?

Fernanda: Vai lá na minha sala dar aula de matemática?

Elizabeth: Tá. Eu vou.

Silvana: Por que que vocês não fazem um intercâmbio?

Jorgine: Por que não?

Fernanda: Eu vou pra sua sala faço a atividade de escrita e leitura. Você vai pra

minha e dá matemática.

Silvana: Eu acho ótimo.

Jorgine: Eu acho legal!

Fernanda: Sexta-feira você tem aula extra?

Elizabeth: Eu acho que tem sala de leitura.

Silvana: Eu tava pensando nisso.

Fernanda: Vamos fazer na sexta?

Elizabeth: Vamos.

Fernanda: Sexta feira então você dá aula de matemática da minha turma e eu dou

aula de português na sua.

Silvana: Vocês vão dividir o tempo?

Elizabeth: Sexta-feira é matemática e português.

Fernanda: Até a hora do recreio?

Elizabeth: Pode ser.

Jorgine: Legal!

Fernanda: Já começa sexta-feira? Não. Sexta-feira é feriado.

Amanda: Eu também quero! Uou!! Eu sou primeiro ciclo. Eu também quero.

(gargalhadas)

Elizabeth: Olha só eu posso fazer com você...

Fernanda: Olha só. É sério vamos começar.

Marina: Você sabe fazer o que? (pergunta para a Amanda)

Amanda: Eu sei fazer várias coisas. (risos) Faço um bolo com eles! Uma receita!

(animada) Comigo vai ser só alegria.

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Elizabeth: A questão de português com ele também é bem legal.

Silvana: Amanda, escolhe um outro dia.

Amanda: Faço uma recreação.

Elizabeth: Olha só! Eu posso fazer com você segunda-feira depois do recreio.

Silvana: Segunda depois do recreio e sexta depois do recreio com Fernanda.

Amanda: Aí vocês veem o que vocês querem de mim.

(...)

Elizabeth: Fora isso... Deixa eu só terminar. Fora isso. Eu copiei esse negócio do

caderno só que o meu é assim Caderno de Desenho e Produção Textual. Porque eles

são mais velhos, né. (risos) Então não vou colocar Caderno de Histórias. Não que não

seja a mesma coisa. E esse diário aí eu vou fazer também, sabe por que? É muito

legal. E eles melhoraram bastante, viu Amanda?19

Eu fiquei pasma.

Amanda: Gente, essa criança não escrevia.

(...)

Conversa com a Professora Kátia

A reunião do turno da tarde também começou com as turmas do primeiro

ciclo. No entanto, me atrapalhei com o celular e não gravei as falas das duas primeiras

professoras, Liliane e Luzia, ambas do primeiro ano. O áudio desta conversa possui 42

minutos e 55 segundos. A transcrição da reunião começa com a professora Kátia

(GR2B).

Kátia conta de suas crianças e diz que o Alexandre é mesmo um artista,

mas que tem muitas trocas, W precisa de organização e por isso precisa sentar perto

dela, Ml é muito inteligente e adora histórias e o M... bem o M... tem hora que aparenta

saber. É o contrário da I. A I tá... tá ali.

Falamos da I e que ainda não aprendeu a ler e escrever. Fico pensando no

trabalho que realizamos na escola e nas diversas tentativas de alfabetizar a I, nossas

práticas pedagógicas e nossos processos educativos. O trabalho pedagógico com

atividades específicas para o nível de conhecimento da I ainda é o mesmo trabalho

realizado pela escola apenas com outro nível de dificuldade. Trabalho regido pela

mesma lógica que reproduz as situações de leitura e escrita que só existem na escola.

Crianças como a I nos fazem pensar ser sobre a necessidade planejar e propor

experiências que vão além da transmissão do conhecimento.

Será que não fomos capazes de, no contexto escolar, produzir as

experiências necessárias ou significavas para que a I aprendesse a ler e escrever? E no

19

A Amanda era a professora do grupo no ano anterior.

60

contexto da cultura familiar? Falamos também da família da I e supomos que não deem

a ela o suporte necessário, lamentamos a ausência dessa família que não atende aos

chamados da escola. A mesma família do K que também não aprendeu a ler e escrever.

Nós não sabemos ensinar a I e o K.

Fernanda já foi professora da I e diz que ela é mesmo assim, difícil de se

concentrar, mas Kátia diz que não é uma questão de concentração e se emociona ao

falar da angústia ao ver no rosto da Isabela que ela não está compreendendo, mas que

insiste em participar. Kátia também insiste porque acredita que ela vai conseguir.

Vamos voltar a falar da I depois.

Kátia: H é aquele aluno... assim... que faz tudo pra agradar a professora, né? (risos)

Acho ele um fofo. I G, que apesar de ser bem levado ele é extremamente inteligente.

Silvana: É aquele seu I?20

Kátia: O meu Isaac. É o meu I. I G. A Kt e o Kv. L, que veio da... (faz referência a

professora Fernanda)

Fernanda: A L é muito fofinha é uma gracinha. Foi de presente pra ela.

Kátia: Ela é ótima. Foi de presente. M R, também é muito boa, M, Mg, a N é boa, R

e Y. Esses assim são... são aqueles alunos assim que tem boa fluência na leitura, que

escrevem. Não escrevem cometendo trocas de fonemas assim como P pelo B.

Escrevem de maneira não aglutinada. Não tem essa... Eu listei aqui alguns alunos...

(...)

Kátia: Dos alunos assim... eu coloquei o nome (do grupo) de intermediários. Eu vejo

que estão no processo, que vão conseguir, estão melhorando cada vez mais. Porém,

assim... Não estão... Ainda precisam desenvolver melhor a questão das trocas. Ainda

escrevem fazendo muitas trocas de fonema, mas são assim são trocas de fonemas que

eu percebo que é natural do segundo ano também. O P pelo B o D pelo T. Às vezes

eles falam também assim. Então eu tô fazendo esse trabalho desenvolvendo mais isso

neles, que seria: o J P. O J P tem melhorado bastante.

Fernanda: Eu sou apaixonada por esse aluno.

Kátia: Oi?

Fernanda: Eu sou apaixonada por ele.

Kátia: É. Pois é. Ele é um artista. (risos) A. O A eu tô até avaliando eu acho que eu

tenho que ver mais essa questão da troca. Porque eu acho que ele tá trocando demais.

Eu acho que é o falar. A linguagem.

Silvana: Se você tiver achando que tá além. Aí a gente chama pra pedir uma

avaliação de fono.

Kátia: A P. O W ele não faz... eu não percebo trocas nele não. O W eu botei só aqui.

Porque o que acontece com o W é... Ele lê bem. Ele lê. Ele só precisa as vezes de

ajuda... ele sabe escrever, mas ele precisa de uma ajuda assim... ele parece...

20

A expressão “Seu I usada por Silvana se refere à uma situação narrada pela professora Kátia e que tento recontar. I é muito esperto e sempre encontra uma maneira de responder ao que lhe é solicitado pela professora. Certo dia se recusou a realizar as atividades dizendo que que não queria e que aquilo tudo era muito chato. Diante da recusa Kátia se aproximou dele e olhando nos olhos falou: Cadê o meu I? Eu quero o meu I de volta.” Não sei se no mesmo dia ou se no dia seguinte I trouxe o caderno até a mesa de Kátia e a tarefa estava feita. Dessa vez foi ele que olhou a professora nos olhos e disse: “Tia, seu I voltou!”

61

Silvana: Pra se concentrar.

Kátia: Mais pra transpor do quadro pro caderno também. Ele tem essa dificuldade

pra transpor. Ele precisa mais de uma organização. Então ele precisa sentar perto de

mim. Ele quer brincar o tempo todo. Mas também é um menino que... Nas duas

primeiras semanas eu fiquei meio desesperada com ele. Depois... Ele já tá assim...

Fernanda: A questão dele é mais comportamental que de aprendizagem.

Kátia: É mais comportamental mesmo. Eu nem achei o aprendizado dele assim... É

bom. Ele parece realmente que não está prestando atenção tá mexendo com qualquer

outra. Daqui a pouco (estala o dedo). Sobretudo em matemática. Que eu acho que ele

se achou ali em matemática. Eu falei M? Ah não! Esse segundo é o outro grupo, né?

O M eu ainda vou falar. É... E aqueles alunos são os mais assim... que eu preciso dar

mais atenção. Mas assim... a maioria deles a gente já chamou a mãe, só não

conseguimos falar com a I, mas a maioria teve encaminhamento. Já estão até fazendo

fono que é a M M. A M M ela é muito inteligente, mas ela tem essa dificuldade com

a escrita. Com a leitura e com escrita. Está melhorando, tem condições. A M M

aquela que faz as vezes o reforço.

Fernanda: Ah sim.

Kátia: Ela gosta muito de histórias, gosta muito de ler, mas...

Fernanda: Ela tem uma questãozinha na fala?

Kátia: Tem. A mãe já tá levando à fono já. Demorou, mas conseguiu. O M que a

gente também já conversou. Foi encaminhado também pra fono. O M tem ele... tem

horas que ele aparenta saber e tem horas que não. E o M, interessante. Assim... Ele

faz uma coisa que mais faz aqui na turma. Ele quando vai ler ele usa como suporte,

dele assim, vamos supor: lata, leite, aí ele vai fazer: la, le, li, lo, lu. Le... Ele usa esse

suporte do... da família silábica.

Ana Maria: Da família silábica.

Kátia: Eu usei muito essa questão. Eu apresentei, mas eu não fiquei... Porque eu

tenho a base fônica quando eu tô alfabetizando. Então eu não fico... Eu ensino o som,

o fonema. Tanto é que a I vai ler alguma coisa ela vai ler... que ela já apreendendo

essa questão dessa base. E ele usa esse suporte, ele usa esse suporte.

Silvana: Às vezes em casa.

Kátia: Uma questão quase matemática pra leitura. Como se fosse uma operação: la,

le, li, lo, lu.

Luzia: E não é. Cada um vai se pegar a estratégia do que se faz necessário pra si.

Porque ele de repente por ter essa dificuldade... O suporte é o que ele vai precisar

mesmo pra fazer a leitura.

Kátia: É aquela coisa, eu não questiono porque eu acho que a criança ela cria os seus

próprios suportes. Se ele conseguir aprender desse jeito, beleza. Eu não questiono

isso não, mas ele tá muito preso a isso, não tá conseguindo muito sair disso e com as

trocas, né? Faz muita troca de fonema. Então a gente já conseguiu encaminhar a MM,

o M, o I C. Ele lê, ele escreve de maneira aglutinada, mas consegue escrever. Porém,

o I G ele não consegue realmente manter a concentração, assim... ele se dispersa, ele

vai fazer outras atividades, o caderno dele ele não consegue se organizar. Ele não

consegue nenhuma atividade de... de quadro vamos supor, se eu tenho que transpor

alguma coisa pro quadro ele não consegue ainda fazer, mas tem capacidade de fazer.

Quando eu chamo a mãe ou então eu coloco no caderno: “o aluno não realizou a

tarefa” porque as vezes ele brinca muito. Eu coloco: “O aluno não realizou a tarefa.”

Ou “Não concluiu a tarefa de aula.” No dia seguinte ele até volta fazendo, mas... Ele

consegue fazer. É contrário da I. A I ela realmente ela faz o que nas possibilidades

dela. Mas o I C, o I C ele consegue fazer, mas ele tem que ficar em cima. Eu tenho

que ficar: “I C vamos!” O tempo todo. E ele fica extremamente irritado quando eu

cobro dele. Amarra a cara pra mim mesmo, mas a gente já conversou com a mãe

também. E a I....

Fernanda: O negócio dele é a concentração.

Luzia: O negócio dele é que ele não gosta.

62

Kátia: E a I. Só a I que tá me preocupando mais. A impressão que tenho é tá todo

mundo encaminhado menos a I. A I... A I tá... tá ali... Tá chamando atenção. Porque

eu não consigo. Tô deixando a I pra trás.

Silvana: Sabe o que a gente pode tentar também? Pra falar com a mãe ver se o

transporte entrega o bilhete. Tem como?

Kátia: Acho que ela não vai de transporte não. Acho que não. Alguém vem busca-la.

Ela é irmã do K.

Fernanda: Ela vai junto com aquela moça, da F e D B. Da família B.

Kátia: Ela é irmã do K mesmo. Que o pessoal perguntou esses dias.

(...)

Kátia: Acho que é. É um que vem com a camisa do fluminense? É ele. É irmão dela.

Você já chamou a mãe pra alguma coisa?

Daniela: Já.

Kátia: A mãe vem?

Marina: O K já estuda aqui há alguns anos e a gente só conseguiu que a mãe viesse

quando a gente teve aquela situação de invasão da escola.

Ana Maria: (...)

(...)

Ana Maria: É complicado ela. É a vizinha que interpreta tudo pra ela. Ela tem

problema, Marina. Sério mesmo.

Fernanda: Tá gravando aí eu não posso falar. É. Eu conheci ela na farmácia.

Ana Maria: Parece Dona Edileuza. Muito complicado de raciocínio, de

comunicação.

Kátia: Então. É o que eu temo pela I também.

Ana Maria: Ela é assim também?

Kátia: A questão do raciocínio. Hoje mesmo, me chamou muita atenção. A gente

desenvolvendo, conversando... e ela... você vê no rostinho da criança que a criança

não tá compreendendo o que você tá falando por mais que você esteja se esforçando.

Você vê uma frustração que ela não tá entendendo. Não é só questão de

concentração.

Silvana: Fernanda pega a I no reforço?

Fernanda: Quando dá ne?

Kátia: Eu tô assustada.

Fernanda: E é assim mesmo desde o ano passado. Ela é muito aérea, difícil de se

concentrar, realmente ela é, fez um barulho ela imediatamente tá olhando, mas além

disso tem uma questão dela entender o que você tá pedindo pra ela. Ela fica meio

assim... Ela pergunta várias vezes.

Kátia: Ela pergunta várias vezes a mesma coisa. Às vezes assim na hora da saída. Na

hora da saída, depois do jantar. Ela pergunta: professora, vai ter aula de inglês?” Ou

seja, a gente faz a nossa agenda onde eu vou listando. “Gente, agora é hora disso.”

Sabe, tem uma questão de horário pra tudo. No início do dia a gente já organiza, a

gente já estipula. Tanto é que meus alunos falam. “Professora, tem que flegar ali

porque a gente já fez essa atividade.” A gente põe um flagzinho. Eles vigiam o dia. E

sabe... Ela parece não ter desenvolvido essa sequência até temporal de entender, às

vezes, que a gente já jantou e que agora é arrumar o material, quem quiser pegar um

livro e ler. Ela pega o livro também, mas ai ela pega o livrinho. Não, ela pega o

livrinho. Ela mesma finge que tá lendo. Ela vai olhando ali as ilustrações e não tá

lendo. Ela vai olhando as ilustrações e vai inventando a história. Ou então um livro

que eu já tenha lido e ela de memória ela vai... mas...Eu não sei mais que estratégia.

Silvana: Mas pelo menos ela tem alguma...

Kátia: Ela gosta de vir pra escola, né? Mas é aquela questão.

Silvana: A Fernanda, de manhã, ela utilizou uma estratégia interessante que é aquele

diário que vai pra casa e a criança...

Fernanda: O diário do estudante.

Silvana: A criança, ela uma vez por semana, a professora sorteia um aluno que vai

63

contar como é que foi o seu dia. E a Fernanda vai a cada semana vai fazendo

intervenções. Não é, Fernanda?

Fernanda: É porque é assim... Foi uma ideia inicial da Luzia. Eles faziam no

primeiro ano. Aí eu achei melhor continuar, né e fazer melhor no segundo ano que

eles já não precisam tanto da ajuda dos pais. Aí eles começaram. Toda segunda feira

eles levam. E nas primeiras páginas vocês podem ver que eles começaram a escrever

duas ou três linhazinas só dizendo assim: “Fui pra escola, brinquei, almocei, acabou.”

Silvana: E não foi esse que você começou no ano passado?

Fernanda: Foi o caderno, o outro (se referindo ao caderno de história). Aí eu fui pra

aula... Na segunda-feira eu pego... Na terça feira eles trazem. Levam na segunda e

trazem na terça. Aí eu leio pra turma e mostro o desenho que a criança fez. Aí é

aquela hora: “Vamos ver o que o colega fez em casa.” “Vamos ver como foi o dia do

colega.” Quando eu comecei a ler... Aí eu comecei a ver que só tinha a partezinha da

escola. “Mas e o seu dia?” “Depois que você saiu da escola você dormiu até hoje?

Não fez mais nada?” “Não, tia, eu fiz. Eu brinquei.” Então por que você não escreveu

que você brincou?” Ai eu pergunto assim: “O que mais você fez?” “Ah eu vi

televisão com o meu irmão.” Aí eu comecei a falar: “Essas coisas têm que falar.

Escreve que vocês viram televisão. Se alguém foi na casa da vovó diz que foi na casa

da vovó. “É pra contar o seu dia todo.” Aí no final a última que tem aí, que foi a I

eles já foram aumentando. A I levou essa segunda feira e gente já vê que ela escreve

tudo, tudo que ela fez até a hora de dormir. Até escrevi no diário do estudante ela

botou. “Escrevi no diário do estudante, botei meu pijama e dormi.” E isso ajuda

muito quando eles vão produzir o texto. Eles fazem eu leio e vou fazendo as

intervenções. Ajuda quando eles vão escrever o texto essa coisa do início, meio e fim

da história. Porque eles fazem só o começo.

Kátia: Eu tenho feito muito com eles a construção do texto coletivo. Tenho feito

muito isso com eles agora.

Silvana: É legal também isso.

Kátia: Tenho feito muito isso com eles agora. Porque o que eu tava falando com eles.

Quando vocês vão contar uma história pra alguém vocês não contam uma história:

“Eu fiz isso.” Vamos supor: “Eu fui a praia.” “Depois eu fui na casa da minha mãe.”

“Depois eu fui dormir.” Aquela coisa da frase, né? “Gente, vamos desenvolver.” E tô

colocando, né? Essa coisa assim., até tem uns textos assim... Ontem a gente fez uma

produção eu quis desenvolver o texto assim pra uma coisa mais cômica que a menina

ia comer uma... uma goiaba. Na hora que ela ia comer saiu um bicho da goiaba. Eu

falei assim: “Gente, vamos pensar... o que o bicho da goiaba poderia ter falado pra

ela?” Eles ficaram pensando... (risos) Aí disseram: “Não me mate!” (risos) A gente

foi construindo, né. E ai saiu: “Por favor, não destrua a minha casa.” (risos) e aí a

gente trabalhando a questão do travessão. A pontuação. Gente... Então alguns já

aprenderam. “Professora tem que ler diferente porque tem ponto de exclamação aí.

Ela tá emocionada.” (risos) Aí tem que ler com emoção. Essa foi a primeira coisa que

eu peguei assim... E a I, por exemplo, eu vejo assim que ela tenta, na possibilidade

dela, ela tenta participar ali, ela não tá também não tá destacada e isolada. Ela tenta.

Fernanda: Será que ela conseguiria escrever o dia dela?

Kátia: Eu acho que a I não tem suporte em casa, nenhum. A percepção que eu tenho

é essa.

Silvana: Aí eu fico pensando... esses alunos...

Ana Maria: A menina precisa de ajuda.

Silvana: A gente precisa buscar estratégias pra que esse aluno tenha autonomia.

Fernanda: A parte do desenho.

Silvana: Aproveitar e elogiar o que ela fizer mesmo que sejam palavras soltas.

Kátia: Elogio terapia acontece! (risos)

Silvana: Porque quando não tem a família... quando a gente sabe que não vai vir.

Kátia: Não vem.

Silvana: Quando não tem a família. Falar pra eles que eles podem, que eles

64

conseguem. “Você não precisa da sua mãe.”

Kátia: Eu até bato muito na tecla da I porque eu acredito que ela vá conseguir. A

gente precisa ter sempre esperança, mas é uma menina que a gente vai precisar o

tempo todo criar o tempo todo estratégias pra ela.

(...)

Conversa com a Professora Fábia

Segundo a professora Fábia, no geral a turma é boa. A única dificuldade é a

autonomia. No geral é uma turma que consegue ler, mas que tem dificuldade com a

interpretação. Eles pegam um texto e conseguem ler, mas tem dificuldade de ter

autonomia para fazer o próprio dever. Fábia usa autonomia em oposição a dependência.

O que estamos chamando de autonomia? A capacidade de fazer o dever sozinho, de

entender o que é pra fazer, de dar conta? Todas essas são expressões que usamos para

nos referir ao que queremos que nossos alunos sejam capazes. Queremos que eles

saibam realizar as atividades que propomos, mas por que não nos propomos a fazer com

eles? Por que não propomos experiências no lugar de tarefas? Por que só os alunos que

fazem o dever sozinhos que estão no grupo dos que estão indo bem?

Desse jeito, quem ainda não sabe o que é para fazer e não pode fazer com

acaba não fazendo nada ou então fazendo bagunça. Fábia conta que muitos alunos não

fazem o dever. E aí ela fala: “Tô anotando o nome!” Se na escola é para fazer sozinho e

em casa? Em casa pode pedir ajuda? E se os pais não souberem ou não puderem ajudar?

Penso na relação que estabelecemos entre o fazer sozinho e o fazer com ajuda e o que

isso significa.

Por que a escola valoriza tanto o fazer com autonomia (aqui entendido como

fazer sozinho), mesmo sem saber exatamente o que isso significa, e desqualifica a ajuda,

a cooperação e o fazer com? Ainda é difícil para nós, professores, seja em função da

nossa formação seja em função da sociedade individualista na qual vivemos,

compreender a leitura e a escrita como um processo que se desenvolve na interação com

o outro, na relação com o mundo e no compartilhar de experiências. Por isso insistimos,

na maior parte do tempo, nas mesmas maneiras de ensinar e de pensar as crianças.

Em momentos como esse, durante as reuniões, eu ficava pensando porque o

grupo participava tão pouco e porque algumas falas pareciam não terem sido ouvidas,

mas foi quando a professora Jô provoca o grupo dizendo: “Porque a gente tem de pensar

65

sobre isso!” Ela estava chamando de isso o fato de as crianças realizarem a leitura e,

segundo a professora, não compreenderem o que leram.

Além de trazer a discussão do que é ler e atribuir sentido, Jô ainda faz outra

observação que provoca uma pequena fissura no discurso pedagógico que a escola

enuncia sem se ouvir: “Eu vou ler o texto e ficar perguntando quantos parágrafos tem?”

O grupo ouve, acompanha, mas só Daniela e Fernanda respondem. Daniela fala do

trabalho com literatura que está realizando com seu grupo, do livro que está lendo para

eles e de que forma eles começam a se envolver e a querer ler. Fernanda aproveita para

dizer que o trabalho de leitura não pode ser só da criança, mas que é preciso ler para e

ler com antes de querer que eles leiam sozinhos. No geral, é isso.

Fábia: Posso começar?

Marina: Pode.

Fábia: Pode? Eu peguei a turma, né. Uma turma boa, né. Assim.... No geral é uma

turma boa. A única dificuldade que eu encontrei assim... durante... até agora ainda tô

trabalhando isso com eles é a questão da autonomia... Porque quando eu comecei o

trabalho... assim... a questão de leitura e escrita, em geral, é uma turma que consegue

ler com fluência. Eles têm dificuldade ainda na interpretação. E assim o meu objetivo

pra trabalhar na turma seria esse. Fazer eles entenderem aquilo que eles estão lendo,

estão escrevendo. Porque ano passado eu tirei até como base isso a turma do ano

passado. Porque quando eu peguei. Eu trabalho com quarto ano e quinto ano a

gente... a gente recebe esses alunos que vem do terceiro ano com essa dificuldade às

vezes. Eles leem, eles leem fluente eles pegam um texto conseguem ler só que eles

têm dificuldade de ter autonomia até de fazer o próprio dever. O que acabou de falar.

A minha turma ainda tem criança que fala: “Ah tia, minha mãe não me ensina.” “Ah

tia, mas eu não faço.” Muitas crianças não fazem o dever. Eu tenho falado. Eu até

falo com eles: “Eu tô anotando o nome de vocês.” Eu anoto o nome de quem costuma

não fazer os deveres. Não faz o dever de casa. Aí eu venho conversando isso com

eles: “Vocês não precisam do papai e da mamãe pra fazer o dever.” Eu falo isso pra

eles. Eu tenho falado muito isso pro terceiro ano. “Gente, vocês não são mais os

bebezinhos do primeiro e segundo ano. Vocês já estão no terceiro. Vocês vão pro

quarto ano. Então vocês precisam ter essa autonomia. Além de fazer o dever de fazer

o exercício.” Então eu tô trabalhando. A minha dificuldade agora não é a questão da

leitura nem da escrita. Porque assim... eu dividi também. Fiz três grupos. Tem alguns

casos que a gente percebe que tem a dificuldade tanto na leitura quanto na escrita,

mas que eu acho que, eu acredito que são casos que precisam de ajuda tanto da

família quanto de outras pessoas, né. Alguns casos que a gente até já selecionou que é

o S, eu vou depois falar os nomes separados, que é o S, o J... o J G. O J G eu não vejo

que é um caso que ele não saiba. O J G sabe. Ele sabe assim... leitura. Essa semana

mesmo ele fez a atividade, ele escreveu tudo certinho. Aquela questão do reforço eu

fiz com todos os alunos. Eu peguei aluno por aluno fui fazendo com todos eles.

Leitura, escrita. Aí eu pedi pra ler um pequeno texto e me dizer o que eles

entenderam daquele texto. Fiz isso com todo mundo. Então assim... algumas coisas

ele tem dificuldade, mas assim JG não é o caso da escola que tem mais dificuldade de

leitura e de escrita. Eu tenho alunos lá que tem muito mais dificuldade que ele.

Jorgine: Fábia, você hoje tá com o quarto ano.

66

Fábia: Não. Terceiro ano.

Jorgine: Ano passado você ficou com o quarto ano aí você percebeu... que eles têm

dificuldade.

Fábia: Eles têm essa dificuldade.

Jorgine: Daniela hoje tá com o quarto ano. Eu tô fazendo esse tipo de pergunta pra

ver assim o que que a gente enquanto grupo pode fazer, porque essas crianças passam

pelas mãos de todas nós.

Fábia: Sim.

Jorgine: O que que a gente pode fazer? Que estratégia a gente pode usar pra que isso

não aconteça. Para que a criança leia um texto e consiga entender o que tá escrito ali.

Você tá percebendo isso com a sua turma também, Dani?

Daniela: Eu tô percebendo...

Jorgine: Porque a gente tem que parar pra pensar sobre isso. Por que que estratégias

eu vou usar pra que a criança leia o texto e interprete? Eu vou ler o texto e vou ficar

perguntando qual é o autor do texto?

Fábia: Quantos parágrafos tem o texto?

Jorgine: Você tá percebendo isso com a sua turma também, Dani?

Daniela: Eu já posso dizer que eles estão um pouquinho diferentes, já. Eu trabalho

com leitura diariamente. Eles estão muito envolvidos com a leitura.

Jorgine: Você trabalha com a leitura como, Daniela?

Daniela: Com contação de história. Todos os dias. E quando eu não conto porque não

dá. A gente faz a rotina e não dá, eu coloco no quadro as atividades e vou dando ok,

eles me pedem. Eles estão trazendo livros.

Jorgine: A gente entra na sala dela, ele tá sentada e as crianças estão todas sentadas

assim (olhando para a professora). Eu morro de vergonha porque as vezes eu entro

pra poder contar ou falar algo assim. Eu me desculpo.

Daniela: Eles se envolvem de uma tal forma. Eu não sei se vocês ouviram meus

gritos também, né. Porque eu viajo na história. Essa semana eu gritei. Eu contei a

história e eu viajei na história junto. E eu quero falar do K.

Luzia: Gente, tá na vez dela.

Daniela: Gente, não é o meu CAPCI. Desculpa, desculpa. Ela me perguntou. Eu tô

quietinha. Vocês viram que eu não estou falando nada. Falou da leitura eu quero

envolver K nisso. K ele tem uma baixa estima, tem muita dificuldade de

interpretação, mas a gente trabalhou o livro. Foram duzentas e setenta páginas. Já

terminamos o livro. Estamos no próximo livro.

Jorgine: Gente, duzentas e setenta páginas. Lendo um pouquinho todo dia.

Silvana: Qual o livro?

Daniela: Diário de aventuras da Elen. O máximo! Esse livro estimula eles nas

palavras. Eu trabalho com vocabulário. Sempre trabalhei com vocabulário em sala de

aula. A gente tem lá o cabidinho com o vocabulário. O K hoje eu fiquei super feliz

porque ele me surpreendeu. Porque ele é uma criança que não fica disperso. Ele tem

dificuldade de compreensão mesmo. E nesse diário a Elen ele falou de uma palavra.

Aí eu vou explicando. A gente trabalha com dicionário em sala de aula. E gente

estudou sobre palíndromos21

. Apareceu. São palavras que escritas ao contrário... elas

são as mesmas palavras. Exemplo: BOB. Se eu escrever do contrário fica BOB.

OVO. Então eu pedi pra eles pra que pensassem outras palavras. Assim... e outras

palavras. Kaique hoje... até então os primeiros alunos, os alunos nota dez chegaram

com palavras no dia seguinte. Hoje K chegou de forma tímida e falou: “Tia, eu

encontrei aquela palavra.” “Aquele negócio lá.” (risos) “Que negócio?” Aí depois que

caiu a ficha. “Que negócio?” Qual foi a palavra que ele falou, gente? Osso. Qual foi a

primeira palavra que ele citou que eu esqueci? Ah! DVD e osso. “Ah! Você tá

falando do palíndromo!” E ele: “É isso mesmo! É isso aí, tia!” Aí eu falei assim:

“Mas fala então palíndromo.” “Eu não consigo falar essa palavra.” Que é uma palavra

21

Palavra que pode ser lida da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda.

67

complicada, né. Aí eu falei com ele: “Mas vamos falar devagar. Palíndromo.” Ele

citou. E falei: “Vai treinando em casa.” Mas eu fiquei surpresa com ele. Eu perguntei:

“Mas quem te ajudou?” Aí a questão da ajuda. “Ninguém me ajudou.” “Mas como

que você conseguiu achar a palavra? Você pesquisou em casa?” “Não. Eu tava

assistindo um desenho...” Olha só que legal, né. “Eu tava assistindo um desenho e

surgiu essa palavra no desenho.” “E eu guardei.” Eu acho que anotou. Osso e DVD.

(...)

Daniela: Aí todo mundo bateu palma e ele sentiu aquele ego. Que ele tem muita

dificuldade, ele tem, mas em nenhum momento ele acha que não pode, que ele não

sabe. Tudo parte da compreensão, tudo parte da leitura. Por isso que eu falei que eles

já estão mudando. Eu usei o exemplo do K não só porque ele foi citado, mas porque

ele tem muita dificuldade. Você lê o texto e pra interpretar? Ele não sabe o que foi

lido. Agora isso já está mudando. Palavras, coisas simples, mas com a leitura diária e

eu tô muito feliz com ele.

Fernanda: Eu acho que com a pergunta da Jô o caminho é a leitura.

Daniela: Não tem como. É a leitura.

Fernanda: Primeiro o modelo que é a professora lendo pra eles, depois eles lendo,

conversando, compartilhando a leitura. Trazendo livros que eles gostam de casa. O

que que eles gostam o que que não gostam. Então assim... essa parte da leitura. A

gente vê essa coisa do quarto e quinto ano da interpretação que às vezes chama muito

a atenção da gente. Eu tenho essa sensação tá, vocês me corrijam se eu estiver errada,

que quando eles saem do primeiro ciclo essa coisa da leitura diária se perde um

pouco. Eles têm uma gama de exercício maior, um monte de livros, mais conteúdo e

a leitura fica mais presa na questão dos enunciados dos livros e as coisas que os livros

trazem. E a hora de ouvir histórias, de compartilhar a história, de pegar um livro e de

ler. Essa coisa de escolher um livro, todos os dias contar um pouquinho e deixar eles

com curiosidade pra ler o resto no dia seguinte. E eu acho que no segundo ciclo isso

se perde um pouco. Já no final do primeiro ciclo parece que isso se perde. O terceiro

ano é muito angustiante. A gente fica naquela angústia pra recuperar o que não

conseguiu ainda porque tá no final do primeiro ciclo.

Fábia: É isso aí. Eu tô nessa angústia.

Silvana: Mas a estratégia talvez seja...

Fábia: Eu mudei. No início quando eu percebi a questão mesmo da autonomia... no

início do ano eles eram muito dependentes de mim pra tudo. Eu às vezes falava:

“Vamos pegar a agenda.” O aluno vinha com a agenda e me entregava. Aí eu: “Não,

gente. Vamos todos pegar a nossa agenda pra gente fazer a agenda.” Então assim...

eles vinham e traziam. Eles tudo perguntam. Ainda tão assim. Melhorou muito. No

início eu achei que eu fosse avançar com essa questão de dar... de fazer trabalhos...

pra trabalhar essa questão de interpretação tanto na matemática, em tudo. Eu tô

trabalhando sempre buscando essa interpretação. Em todas as disciplinas, mas

quando eu vi que eu não tava conseguindo avançar. Porque a turma precisa de ter

autonomia! Eu primeiro preciso trabalhar a autonomia neles pra depois conseguir

trabalhar essa questão de interpretação, de leitura, de fazer... A turma é muito boa.

Eles gostam muito de ler. Essa questão de... de... de... de pegar livros pra ler eles

gostam. Aí eu até perguntei a Marina um dia se eu podia pegar livro lá. Toda sexta-

feira eu tô mandando livrinho então eles contam a história na segunda-feira sobre

aquela que eles leram no final de semana. Aí tem aluninho que fala assim: “Tia, eu

posso levar de novo?” Aí falo: “Calma. Vamos esperar todos os amigos levar. Depois

que todos os amigos levarem pode levar.” E é esse amigo que vai contar a história na

segunda-feira. Porque eu tenho alunos que querem sempre falar. Elas querem ler e

que sempre elas contarem as histórias. Aí eu: “Não. Agora é a vez do amigo. Vocês

podem escolher um livro e podem levar, mas quem vai contar na segunda-feira é o

fulaninho.” Aí eu tenho feito assim. Eu voltei um pouquinho no trabalho, na proposta

inicial quando eu peguei a turma de terceiro ano que eu tinha na cabeça de fazer isso

porque é uma questão do quarto ano mesmo. Eu assim... eu comecei um trabalho...

68

Eu não sei se foi uma turma também... Eu conversei até com Dani sobre essa questão

do quarto ano, que eu não sei se foi uma turma que ela teve vários professores. Não

foi alguma coisa assim?

(...)

Fábia: Eu não sei. Eu só sei que eu percebi isso muito no ano passado. Os alunos que

hoje são do quinto ano eu lembro que assim... até a Liliane que trabalhava comigo na

época, né. A Liliane falou assim: “Nossa, pra da manhã eles estão realmente...” Eu

não sei qual é o trabalho. Tentei fazer o possível porque eu cheguei já quase no

finalzinho, né, mas esse ano como eu fui pro terceiro a proposta inicial era essa.

Tentar mais do que tudo fazer essa leitura constante e o entendimento daquela leitura

que eles tão fazendo. Aí eu trouxe uma proposta também que foi de jogos toda sexta-

feira e assim, eu sempre inicio a aula com jogo. Aí eu trabalho... aí eu vou inventando

os jogos, vou fazendo, vou vendo na internet, vou trazendo pra eles. Alguns eu fiz,

outros eu faço aqui na hora. Na sexta-feira eu até peguei o material dourado e

trabalhei centena e dezena com eles. Foi muito bacana. Eu fiz em grupo e eu tenho

muito menino na sala. Então os meninos são muito competitivos. Eles querem... “Eu

ganhei, eu ganhei, eu ganhei!” tem isso. Aí às vezes eu deixo eles escolherem o grupo

e às vezes eu falo: “Não. Deixa a tia Fábia escolher agora.” Até pra poder trocar. Aí

eu fiz. Aí cada grupo tinha que responder, fazer a continha e dá em forma do material

dourado. Eles tinham que colocar pra mim o valor que deu com o material dourado.

Eles adoram. Eles: “Tia, já chegam sexta-feira: “Tia, vai ter jogo?” “Eu falei que não

ia ter jogo toda sexta-feira.” Eles: “Poxa, tia.” Aí eu fui e arrumei o material dourado

pra trabalhar com eles porque eu já ia trabalhar a centena e a dezena. Trabalhar no

material concreto, mas assim é uma turma boa só que eu tenho alguns alunos nessa

turma que precisam muito e ajuda. E às vezes eu até me sinto... eu sai daqui até é

triste porque às vezes eu sei nem como vou ajudá-los. É a questão do S, S V, que ele

é um aluno que a Kátia falou e eu lembrei, ele não retém muito, ele não consegue

gravar. A gente fala com ele, ensina a ele. Eu às vezes paro, ensino a ele como ele

tem que fazer. Ele faz um e aí ele fala: “Tia, eu não sei mais fazer.”. É introspectivo,

muito quieto, muito na dele. A mãe falou que tava levando ele na Pestalozi,

conseguiu, mas ela não veio na reunião que a gente marcou. Foi até naquele dia.

Então. Tem ele que é um caso. O JG é questão de regra. Ele desafia a gente o tempo

todo. Ele tem muita dificuldade em aceitar as regras. Ele e o S também. O S é mais a

questão de que ele é o maior da turma.

Luzia: Ele já deve tá com uns doze anos.

Fábia: É então. Ele tem a defasagem na idade. E aí tudo ele quer resolver na briga.

Foi até um que alguém aqui fora, foi ontem? Que deram uma advertência pra ele. Eu

nem tava sabendo. Depois que eu fiquei sabendo. Ele brigou na hora da entrada. Não?

S esse. Não é o V não. Ele é o maior.

(...)

Luzia: Na hora da escrita ele trocava as letras todas de lugar. Ele usava as letras

corretas, mas todas em posições totalmente diferentes. Muita dificuldade de organizar

também.

Fábia: Ele tem baixa estima também. Ele fala assim: “Tia, eu não sei.”

Luzia: E essa questão muito assim...

Fábia: Ele até responde. Ele quer questionar. Por exemplo se eu escolho uma criança

pra fazer alguma coisa. Ele: “Ah, mas por que você escolheu ele?” Sabe?

Luzia: Por fim, ele tava gostando que ele tava começando a compreender aquele

mundo que pra ele era muito novo com aquelas letras. Imagina! E bola que começa

com A e termina com B e tem um R no meio. Como que deve ser isso? Deve ser uma

angústia muito grande você não conseguir.

Fábia: Aí eu vou falar dos grupos agora por conta do horário. Eu coloquei assim os

que tem uma dificuldade mais acentuada. Os que tão em desenvolvimento que eu

acho assim que é normal até. É tranquilo. Eu tenho certeza que até o final do ano eles

vão tá superbem. E tem os alunos que são alunos assim... que tem autonomia, que

69

constantemente fazem as atividades que são passadas pra casa. Eu acredito que são os

alunos que tem acompanhamento dos pais nesse processo. Os que tem assim uma

dificuldade mais acentuada é Adriane, que a gente precisa...

Ana Maria: Eu lembro da Luzia.

Fábia: Luzia vai lembrando lá. E a gente tem que também tentar a mãe, né. Vê se a

mãe vem na escola, a gente já mandou o recado pra ela. O C que é aquele aluno que a

mãe nos procurou e ele realmente tem dificuldade com a fala. Ele tem... esse não era

seu. (se refere aos alunos que foram de Luzia no ano anterior). Ele veio da manhã.

Ele tem dificuldade com a fala. Ele troca os fonemas quando fala. Até as crianças no

outro dia... a turma... foi quem falou que tem uma turma... foi você que falou, bem

receptiva com o B. É o B que é seu? Eles são muito receptivos com o M. Por

exemplo, a T. Na turma, eles são amorosos um com o outro. A questão dessa briga

assim é mais com o S e alguns meninos assim. Você também que é bobagem. Não é

agressão.

Luzia: Mania de querer competir e de querer ser melhor.

Fábia: Aquela coisa de querer competir, de um querer ser melhor do que outro u

então por causa de bobeira. Nada assim. Aí tem a A, o C, que a gente... C B, isso C B,

D.

Luzia: O D é um bebezinho, né?

Fábia: É, né. Até a fala, né? É bem infantilizada a fala dele, do D. É... S V.

(...)

Fábia: Ele troca. Ele não retém informação por muito tempo. Vamos lá. Os que tão

em processo assim... questão de assim... é questão de tempo mesmo. Daqui a pouco

deslancha e eles vão conseguir alcançar os objetivos tranquilamente. É D. D

melhorou muito. D que ele tinha reforço no ano passado.

Luzia: Ele já é repetente.

Fábia: É. Ele é.

Luzia: Que bom porque D ele tem uma história. Ele repetiu a alfa, né? Não é aquele

D? Lembra do D?

Fernanda: O D da família da F. Do morro das Andorinhas.

Luzia: Ele faltava, faltava, faltava.

Fábia: G. G. E assim eu tenho também alguns alunos com dificuldade espacial. Uma

dificuldade espacial.

Luzia: Acho que questão dele que eu tava lendo uma vez. Ele que me fez ler na

internet e procurar alguma coisa dele. Tipo assim... ele participa, sabe das coisas. Ai

eu tava lendo sobre desortografia. É tudo sujo.

Fábia: Aquele aluno?

Luzia: É tudo muito sujo, enrolado.

Fábia: Amassa a folha.

Luzia: E tudo embolado. Mas assim se ele falar o que ele tava fazendo ali ele

consegue. Gente, ele pegou o caderno já tá sujo. É uma coisa assim, impressionante.

Fábia: G, que é um aluno novo. K S. K S...

Luzia: K S é bom.

Fábia: É bom. É bom. O K S é mais a organização também. K E.

Luzia: K E o que? Mas ele lê.

Fábia: Lê mas, assim... O problema de K E acho que mais assim... assim eu tô

classificando o desenvolvimento não é só a questão da dificuldade de aprendizagem é

a questão que eu tô falando aqui de autonomia. Por exemplo, K E nunca faz o dever

de casa. Eu vou conversar com ele: “K E, ...” Assim, eu acho que ele tem uma

preguiça... que ele sabe, a letra dele é linda, ele tem um capricho, ele faz cada

desenho lindo. Só que é assim: “K E, você sabe.” “Não sei não, tia.” “Você sabe sim.

Faz o dever.” “Ah tia, eu não sei.” “Você sabe. Eu vou esperar você terminar de fazer

o dever.” Entendeu? Assim. É maturidade. É questão também de maturidade.

Luzia: De tempo

Fábia: De tempo. É isso aí. Então eu classifiquei assim não só uma questão de

70

dificuldade na aprendizagem. O R.

Luzia: Mas ele é esforçado.

Fábia: Ele é muito esforçado. Ele tem dificuldade, mas ele é bem esforçado. S F eu

coloquei nesse porque ele melhorou muito. A única coisa dele é o comportamento. O

H, J G. (...) Acabou.

(...)

Silvana: No terceiro grupo?

Fábia: Sim. É o grupo que assim, o grupo que tá bem...

(...)

Conversa com as Professoras Alice e Helena

Na semana seguinte, dia 19/04/17 demos continuidade às conversas. Agora

com as professoras Alice e Helena, do quinto ano do turno da manhã em áudio de 56

minutos e 3 segundos. Durante o ano de 2017 experimentamos dividir as disciplinas

entre as professoras no lugar de ter uma professora para cada turma. Foram feitas duas

substituições de professoras logo no início do ano. Desta forma a professora Alice

dividiu as turmas com a professora Mirian (que entrou de licença prêmio) e depois com

a professora Helena (que entrou de licença maternidade) até a chegada da professora

Nelma.

Alice e Helena contam da experiência de dividir a regência nas turmas de

quinto ano. No lugar de uma professora para cada turma as duas professoras

desenvolveram o trabalho nas duas turmas. Alice trabalhou com Português, História e

Geografia e Helena trabalhou com Matemática e Ciências. A decisão de desenvolver o

trabalho dessa forma se deu após o conselho do final do ano de 2016 quando foram

apontadas algumas vantagens em dividir o trabalho, dentre elas a de facilitar o

planejamento das professoras devido ao menor número de disciplinas. A desvantagem é

justamente a de precisar trabalhar com disciplinas.

Na conversa a comparação das turmas em relação ao seu comportamento se

alterna com a tentativa de classificar as crianças nos três já conhecidos grupos. Uma

observação sobre o desconhecimento da turma em relação ao algoritmo da divisão é

emtendido como uma crítica ao trabalho do ano anterior e se soma à preocupação com a

preparação das crianças para o ano seguinte afinal o sexto ano não tem tanta folhinha.

De novo misturamos as falas sobre as turmas, misturamos os nomes das crianças e

misturamos os assuntos. Ana Maria parece desistir dos grupos, mas depois torna a

perguntar: “Esse grupo aí já acabou?” e “Então é melhor passar logo para esse grupo

mais fraco que aí a gente já anota no caderno”. Por fim lembramos que ainda temos a

71

terceira troca de professora neste grupo prevista para esse ano com a licença

maternidade da Helena. E aí a turma só acalma quando tem dever no quadro.

(...)

Helena: A 5A eu fiquei com ela menos tempo, né. Porque a gente teve o feriado, né.

Eu entrei no início desse mês. Dia quatro. Então teve feriado. É... O que eu percebo?

A 5A ela é muito falante. A gente não tem crianças muito grandes, muito velhas, não.

Até que a idade é... padrão. Assim... homogênea, mas tudo é um evento, tudo é um

evento. Caiu uma borracha é um evento. Tudo! Tudo! Então a gente tá tendo que...

tentando. Um trabalho assim de conversa, eu não digo nem que a gente tá perdendo

tempo, mas tá tentando conscientizá-los através da conversa. Outra coisa que eu

tenho observado nessa turma. Percebi que tem um grupo que tem muita dificuldade

na 5A.

Silvana: Quem é esse grupo?

Helena: Um grupão. O que que eu tô fazendo, Silvana. Eu tô focando assim, dando

uma priorizada na matemática por conta das operações fundamentais. Porque tudo

que você vai fazendo vai puxando. Eles precisam tá dominando isso. E eu percebi

que, por exemplo, a divisão pra alguns parece assim, uma novidade. Para alguns a

divisão tá parecendo uma novidade. Então eu tô tendo que retomar isso. Infelizmente

a tabuada que é um mal necessário. Eu tô procurando, hoje, por exemplo, eu procurei

fazer uma tabelinha com eles. Deixei fazer em dupla. Tô procurando quem tiver

também ideias de como trabalhar a tabuada de maneira dinâmica. Porque, gente, é um

mal necessário. E o que que acontece?

Silvana: Elizabeth.

Helena: Gente. É um mal necessário.

Elizabeth: Eu nem falei nada.

Helena: Elizabeth, eu falei assim (aponta para o grupo), mas é assim (aponta para a

Elizabeth). Você pega pra você. (risos) Porque... Gente, quando chega no sexto ano

os professores cobram. Assim: “mas não sabe a tabuada?” Entendeu? Porque isso

dificulta. Eles até já sabem o mecanismo de contar, mas isso na hora de fazer uma

operação... quando eles ficam... (conta nos dedos) se perde. Quando você volta para a

operação você já se perdeu. “Espera aí, o que eu tava fazendo?” Isso que eu tô

tentando conversar com eles. Eu tenho falado muito essa questão de eles estarem se

preparando para o sexto ano. Sabe? Tenho tentado colocar uma responsabilidade.

Deles perceberem que ano que vem... agora eles têm duas, mas vão ser nove. Então

assim... É muito quadro no sexto ano, não tem tanta folhinha.

Silvana: Isso.

Helena: E aí, o tempo é assim acabou, né. São dois tempos. “Pessoal, terminou?” “A

deixa eu terminar.” “Não.” E entrou outro professor. E a gente tá com crianças que

tão com o tempo muito diferente do grupo, né? (olha para a Alice)

Alice: Nossa!

Helena: Você quer que eu fale da 5A? As crianças que eu percebi que tão...

Silvana: Eu queria esse grupo um que você falou de muita dificuldade.

Helena: Assim que eu achei que não estão dominando plenamente as quatro

operações é o C, e o C V, são dois.

Alice: O H eu acho que foi transferido. A Evelin colocou um T.

Helena: C V. O C V tadinho é um amorzinho de criança, né. Coitado. Muita

dificuldade. E o tempo dele também é maior que o do grupo. É C H que você falou?

Alice: C H é o pequeninho lá da frente.

Helena: E, G. A G então é muita dificuldade, muita. G ela além da dificuldade ela é

muito dispersa. G fica muito dispersa. Um amor de criança também, mas muito

dispersa.

72

Jorgine: C H é o irmão de C V, lembra?

Elizabeth: Essa turma eu dei aula no terceiro ano. Deixa eu só eu dar um... A questão

é que quando eu introduzi essa questão da multiplicação com eles eu não cobrei a

princípio a tabuada por conta do mecanismo. Como é que funciona. Eles sabem o

mecanismo. O que você tem que cobrar agora é decorar mesmo. “Você vai decorar e

tal dia eu vou tomar a tabuada.”

Helena: Mas é por isso que eu tô tentando fazer uma coisa mais dinâmica.

Silvana: Pode fazer sabe o que? Jogo.

Helena: É, mas a minha ideia é essa.

Silvana: Você fez aquele bingo. Lembra? (fala com a Elizabeth)

Helena: Isso!

Elizabeth: Eu fiz o bingo da tabuada. Mas assim... é... Eles já sabem o mecanismo.

Helena: Sabem.

Elizabeth: Então a importância da rapidez na hora de saber a tabuada de cor é pra

fazer a conta. Porque até pegar o ritmo pra agilizar...

Helena: Exatamente, mas foi isso que eu falei. Isso gera... Ele até sabe, às vezes, o

mecanismo de fazer a conta.

Elizabeth: Como é que chega lá.

Helena: A operação.

Elizabeth: Mas eles têm que ter rapidez pra poder... É questão de decorar mesmo.

Helena: Então assim. É um mal necessário.

Elizabeth: Agora você pode fazer uma atividade de menino com menina.

Helena: É... não.... o que que acontece? Eu falei pra eles.

Elizabeth: Vê quem acerta.

Helena: Eu falei pra eles. Tô falando também da 5B porque a coisa mesmo que se

mistura.

Silvana: Espera aí, espera aí, espera aí. Esse grupo já acabou?

Helena: Não.

Alice: Quando eu for falar eu vou falar dos dois grupos. Eu não consigo...

Helena: K. Não. Não tem jeito. Quando você vê você já tá falando...

Elizabeth: K sempre teve dificuldade.

(...)

Helena: É. Muita dificuldade.

Elizabeth: Ele sempre teve dificuldade.

Helena: Disperso.

Elizabeth: G também sempre teve dificuldade. Agora C H você pode pedir porque

tem dificuldade, mas ele é muito responsável. Na minha época ele era muito

responsável com relação... se eu pedisse pra fazer ele fazia, mas assim... tem muita

dificuldade também. A G é muito dispersa.

Helena: M E. M E e Raiane.

Elizabeth: Não era da minha época, não.

Helena: R fica assim (cara de sono). Sabe aquela pessoa que parece que tá

eternamente com sono? Mas pra falar ela não tem sono. R tem muita dificuldade. R e

M E. R eu dei uma atividade, coisa básica. Resolver situações problema. Por que? Pra

trabalhar a interpretação. Então eu não botei a continha só botei a situação problema.

Ela não conseguiu acertar um. Um. Mas eu fiz coisa assim simples, coisa básica.

Assim muito... muito. Não tinha nem que ficar pensando muito. Muita... E assim...

nada. E assim as situações problema tinha a de adição, né... se ela errasse a de

divisão, né, que é mais elaborada e tal. Agora, gente ela não acertou nada.

(...)

Elizabeth: Ela sempre teve dificuldade. (...) Ela é muito assim... Não foi uma que

repetiu de ano? No terceiro? Foi.

Silvana: Acho que ela repetiu.

Elizabeth: Então assim... Ela sempre teve dificuldade. Daniela reclamava... Ela se

juntava muito com aquela V P.

73

Silvana: V P.

Elizabeth: (...)

Silvana: Mas olha só, se você quiser aproveitar e falar no lugar desse grupo da GR5A

e quiser falar logo do segundo grupo da GR5B você pode.

(...)

Helena: Posso cantar logo os alunos fracos da 5B, que aí você já emenda e já coloca

aí?

Silvana: Tá. Pode falar.

Helena: A, Am, E, G, Ludmila, M, N e V.

Silvana: (anotando) V. Lembro logo de Cecília.

Helena: Então. Essa turma eu já fiquei mais tempo com eles porque eu comecei com

eles na semana passada. Então eu já tive um tempo maior. Tem esse entrave, desse

tumulto, muita conversa. As meninas, além da conversa, elas têm uma euforia quando

M está na turma. Quando o M está gera uma euforia, uma alegria, mas é uma alegria

que não consegue assim... ser dosada. Não sei se você sabe né. É completamente

diferente. Elas conversam, mas quando ele está você vê que é um comportamento pra

chamar atenção. E aí, como teve essa situação com ele eu conversei com eles de

forma... assim... tentando mostrar pra eles que o M faz parte do grupo. Então o que a

gente precisa fazer? A gente precisa mostrar pro M, eu falei pro grupo: “Vocês

precisam mostrar pro M como que a gente funciona. Como que a gente vai se dar

bem. O que não dá o grupo imitar o M. Se o M joga uma bola e eu jogo também eu tô

fazendo a mesma coisa que M.”

Carla: Inclusive ele é um líder muito negativo na turma.

Helena: Mas assim... Se o M jogou uma bola pega e guarda a bolinha. A bolinha

machucou? “Arrancou pedaço?” “Tia, M jogou uma bolinha!” (voz de criança) Aí

joga também. Aí isso gera um tumulto. Você para e você perde tempo. Então nesses

dias que ele esteve ausente eu procurei conversar com eles dessa forma. Aí eu falei:

“Hoje eu fazer uma experiência com vocês. Eu vou fazer uma atividade simples.”

“Em dupla? Em grupo?” (imita a voz das crianças) “Em dupla.” Adoraram, né.

Porque o sonho deles é trabalhar sempre assim. Só que eles precisam saber trabalhar

assim. Aí o que eu fiz? Fiz essa tabelinha que eu vou trabalhar a tabuada. Uns sabem

mais outros menos. Ela é misturada. Não é toda em sequência. Então eles sentaram

assim. Foi muito tranquilo. Essa atividade foi muito tranquila. Agora, também foi no

início da aula, eles tavam chegando... Faltaram muitos hoje. Hoje é quarta-feira. Tem

toda uma situação que favorece aí. Também foi no início tem toda uma situação que

favorece aí, né. Então assim, juntei e falei: “Olha só. Presta atenção. Não quero que

arraste cadeira. É só juntar.” “Ah mais eu quero falar com...” (faz voz de criança)

“Olha só. Quem vai sair do lugar... primeiro a gente arruma depois a gente se desloca.

Começa a trocar. Sem problema.” Se começar a bater perninha e “vou fazer com

fulano.” (imitando voz de criança) “Não vai fazer. Vai fazer sozinho. Isso aqui não é

o primeiro ano. Aqui é quinto.” Foi supertranquilo. Eu falei: “Olha, vocês mostraram

pra mim que vocês tão conseguindo fazer em dupla. Então a gente fez uma coisa

simples e agora a gente pode fazer uma coisa maior. A gente trabalhou em dupla.

Então de repente um grupo maior.” Mas eu falei pra eles. Eu falei assim: “Observe

que hoje tá faltando um grupo. A gente precisa mostrar pro grupo que não está que a

gente consegue fazer. Então, se eles chegarem no outro momento tumultuando.

Vocês precisam dizer não. Não tumultua senão a tia vai separar a gente. Vocês têm

que mostrar como é que funciona. Não é vocês imitarem o que tá errado. Porque aí

vai todo mundo se dar mal. E aí a gente vai ficar só no quadro.” Porque o que tá

acontecendo é que eu tô percebendo a coisa só acalma quando eu vou pro quadro. É

uma coisa muito cuspe e giz.

Silvana: E aí fica mais difícil também de você acompanhar a diversidade de níveis na

sala.

Helena: Exatamente. Gente, é o que eu falei pra eles. Se eu dou uma folha e dura só

cinco minutos. O resto é só blá blá blá. Perde o sentido. Então assim, a gente

74

precisa... Vai ter momento que a gente vai precisar trocar, que a gente vai conversar,

também não são múmias, mas a gente precisa parar e ouvir e eles não conseguem.

Carla: Eles não conseguem. Eles têm uma dificuldade absurda de ouvir.

Helena: Pra eles pararem pra ouvir a gente precisa quase virar cambalhota. Então

assim agora como eu tô usando o microfone eu falei: “Gente, eu preciso falar baixo,

eu não preciso gritar. Vocês tão ouvindo. É desagradável. Não é possível que vocês

sintam prazer de alguém gritar com vocês. Eu não gosto que ninguém grite comigo.

Então eu também não gosto de fazer isso. Primeiro que eu acabo com a minha

garganta e é desagradável pra vocês. Então vamos tentar?” Então assim hoje a 5A foi

bem tranquila. A 5A não, a 5B. A 5A já tava mais falante, mas aqui as meninas com a

ausência de M na 5B elas tavam bem mais tranquilas, mas como houve essa situação

eu acho que gente vai conseguir mostrar pra eles que a gente precisa persuadir o M,

precisa... trazer o M para o nosso lado. Fazer com ele... melhore a turma e não que a

turma...

Carla: Piore com ele.

Helena: Entendeu?

Silvana: A gente precisa ajudar o M, não é?

Carla: Será que ele quer ajuda?

Helena: É. Eu não sei. Hoje ele tava bem, bem sem graça. Tava bem...

Silvana: É. Eu acho que assim a coisa do adolescente é mostrar que não quer ajuda e

quer ser irreverente. Grande sinal de que ele precisa de ajuda.

Carla: Também concordo.

Helena: E aí é o que eu tava falando pra Alice. “Alice, eu acho assim que ele tem...

ele não. Porque não é só ele. O adolescente tem essa coisa.” Se você, às vezes, chama

atenção na frente dos outros... ele quer mostrar... ele pode até não ser aquilo, mas ele

quer mostrar pros outros. “Olha como eu não obedeço ela.” Entendeu? Tipo assim.

Ele quer mostrar pro grupo então ele cresce. Entendeu? Então assim, da 5B da

semana passada pra essa semana melhorou muito a relação comigo. Entendeu?

Alice: Mas ele ficou ausente?

Helena: É.

Alice: A semana toda praticamente.

Silvana: Você quer aproveitar, Alice, e falar dos grupos que você acha que pode ter...

dificuldade?

Alice: Eu fiz assim... Pra você ter uma ideia. Eu vou falar junto. Você faz também

uma linha aí e bota o A de um lado e B do outro porque eu não vou conseguir fazer

de um e depois fazer de outro então bota uma linha aí no meio da 5A e 5B.

Silvana: Já tá posto.

Alice: Assim. São 27 alunos em cada turma. No A são mais são 12 meninas e 15

meninos. No B é ao contrário, são 15 meninas e 12 meninos, querendo ou não isso

acaba dando assim, uma turma onde tem mais menino, que é o A, acaba dando mais

aquela dispersada nessas situações assim.

Silvana: Na A são 15 meninos?

Alice: Quinze meninos e doze meninas e na B é ao contrário quinze meninas e dose

meninos. É... tem NEE em cada turma. No A é o L E, ele é infrequente. Hoje, e talvez

essa semana que vem que volte.

Helena: Eu não conheci ainda.

Alice: E o C ele falta bastante. Nós temos no 5A a C V que vocês já conhecem de

outros carnavais que também é faltosa. No B tem um infrequente então vai ligar ou

alguma coisa que o C E não apareceu mais, acho que já faz um mês.

Silvana: Na B?

Alice: B. É o Mc da B em processo de alfabetização.

Silvana: Mc?

Alice: Isso. Da B. De um modo geral as turmas são bem entrosadas, né. Eu acho que

eles têm um relacionamento muito bom e diferente da postura das crianças da outra

escola. O relacionamento não é tão bom. Não tem brigas assim... coisas exorbitantes.

75

Tem um relacionamento então, bom entre eles, só que são muito falantes. Eu acho

que as duas são muito falantes. Eles se dispersam com muita facilidade, com um

mosquitinho que tá passando com essas coisas todas como a Helena já falou. A

adaptação deles comigo eu achei que foi tranquila, foi boa aos poucos a gente foi se

conhecendo e compreendendo o cumprimento das regras e os benefícios que iam

trazendo pra gente. Eu achei que esse negócio da passagem de quatro professoras de

matemática isso prejudicou um pouco. Porque era Nelma, e de repente Mirian, depois

Keila e agora tá Helena. Então agora nessas duas semanas eu tô percebendo que

melhorou. Porque aquilo gerava ansiedade neles e em mim também. Porque

naturalmente já sou um ser ansioso. Acho que já deu pra perceber. Eu sou muito

organizada gosto das coisas assim e quando num... eu vou ficando ansiosa. O que que

precisa fazer pras coisas não saiam tanto assim. Eles me perguntavam muito:

“Quando a tia Nelma volta? Quando não sei que? Quando não sei que? E uma coisa

que você não isso responder isso vai trazendo uma certa...

Marina: A gente tem mais uma troca prevista. Pelo menos mais uma troca em

agosto.

Alice: Em agosto. Eu já falei pra eles que até agosto vai ser desse jeito. Então tá todo

mundo calmo, inclusive eu. E também a questão daquele início, né, que teve com a

professora de inglês. Aquele caso todo. Ontem mesmo eu já fiz uma conversa com as

crianças da 5B que tavam se achando, que foram eles que tiraram a professora de

inglês. Eu falei: Nada disso. Vocês não têm esse poder. Já expliquei que não é isso,

ela também queria. Expliquei tudinho pra baixar a bola. Porque vem Vânia, pra eles

não se acharem, não crescerem.

Vânia: Um menino do quarto ano me disse isso. “A professora de inglês foi embora

por causa dos meninos da outra sala. Eu falei: Não. não. É porque ela mora muito

longe.

Alice: Mas isso foi conversa nossa também, tá gente. Isso não foi só tirado da cabeça

deles não. Foi conversa. Às vezes eles pegam o que os professores falam e ouvem e

vão do jeito que eles entenderam. Conversa nossa de tá falando ali com eles. “Vocês

são culpados.” Ai ficou meio que coisa. Já expliquei pra eles que não foram eles os

culpados. Até parece.

Silvana: Muito bem.

Alice: Problemas comportamentais. Alunos... nas duas turmas tem esses alunos que

ainda não respeitam, tão começando a aprender. Toda hora querem levantar, toda

hora querem ir no banheiro, toda hora atrapalham, falam alto, conversam na sala. (...)

Silvana: Espera aí. J H... (anotando)

Alice: K, F, P, J e M. São os mais gritantes assim que eu percebi. Tem uns outros

também que atrapalham, mas não são tão... Na outra turma vai começar com... I. 5B

I, R, J P, V. O trio né. Por isso que eu boto elas sentadas separadas, viu Helena. Eu

não boto elas juntas não. L, J e M E é o trio ali que eu separo as três. Boto uma de

cada lado.

Helena: A L se dispersa muito.

Alice: Sim. Eu já percebi desde que ela... não veio em fevereiro, mas em março

quando ela chegou M E e J... eu opa! Aí já botei longe. Botei elas sentadas longe. E

eu botei entre aspas. Porque M querendo ou não, porque comigo ele meio que tem

outro tipo de relação, assim, desde o início. Ele já me causou o transtorno de um dia.

Eu sempre lembro a questão do celular que causou aquela confusão, mas eu não parti

pro embate com ele. Chamei a coordenadora e resolveu. Trouxe ele aqui pra fora.

Essas coisas todas, mas no fundo eu tava até aqui falando com Jô e com... Eu não sei

se ele se interessa por história. E quando eu tô falando, e contando... e ele já foi em

Minas Gerais e essas coisas todas. Ele acaba participando. Então ele não tem tanto

problema. Ele não faz os deveres, eu já percebi, mas vou ser sincera eu não vou ficar

me estressando quando ele não tá copiando do quadro. Ele tá ali quieto, tá quietinho.

Eu não fico partindo: “Copia o dever. Não fez o dever de casa?” Com os outros eu

vou cobrando, mas com ele eu faço bem esse... deixo quieto pra não...

76

Carla: Piorar?

Alice: Então com isso ele participa na parte oral quando a gente tá fazendo ali. Agora

questão de dificuldade, né, de cognição mesmo. Tanto na produção textual e

interpretação. Essas coisas todas. Tem também um bolo aí no meio que entra por

conta de preguiça também, dispersão. Aí tem na 5A J, vão entrar também K, E, J H

de novo nesse bolo, E, M E e G. Essa questão da lentidão deles de copiar. Eu falo

bastante também. “Gente, quinto ano, vocês não estão entendendo.”

Silvana: (...)

Alice: G. “Vocês têm que copiar bastante. Essas coisas todas. Sexto ano.” E da 5B V,

J P, R. Eu tinha colocado o nome de Ma, mas Ma me surpreendeu na avaliação. Ela

demora muito pra copiar, essas coisas todas, ela troca de canetinha, faz um monte de

confusão naquele caderno, mas na avaliação ela me surpreendeu. Ela foi uma das

melhores na interpretação, nas questões gramaticais. Então assim... tem o lado dela de

ter essa lentidão toda, mas tá atenta e respondeu bem na avaliação. Estratégias, né.

Aula tô usando muito vídeo, aquele vídeo dos quinhentos anos na aula de história,

mapas. Eles adoram ver quando pego os mapas. Já fiz dramatização de fábulas com

eles na aula de português e acaba sendo muito mais aula expositiva mesmo e

atividades individuais e em grupo que já deu certo de fazer com eles. Não tive

problema não. Coloquei destaques positivos também. No 5A destaques positivos: a

La, a I, Iv apesar da caligrafia dele que é péssima tem horas que nem dá pra entender

e C H. C H tem o lado dele nas outras partes, mas na parte de interpretação, de

história tudo ele participa muito, gosta muito, ele é um dos primeiros quando tem que

fazer uma interpretação. Ele encontra a resposta no texto. Não fica como os outros

perguntando “onde é que tá?” (voz de criança). Ele não. Ele lê e saca rapidinho. Tá lá

no primeiro parágrafo, não sei aonde. Ele (estala o dedo). E do 5B S, A e a M F. A M

F apesar de tá faltando muito e ela tem uma coisinha que eu baixei a bola dela porque

ela, né... se acha. Aí eu tive que dar assim porque ela tava meio que falando mal dos

outros eu tive que dar uma baixadinha de bola pra... “os outros são burros” “os outros

são não sei o que”... então eu tive que dar uma baixadinha de bola, mas ela é muito

esperta. É um destaque positivo. Eu queria perguntar aí pra vocês sobre essas

questões, sobre o uso do uniforme, isso é dúvida minha. Porque eu acho que os

quintos anos eles vêm muito sem uniforme as duas turmas.

(...)

Alice: Já no finalzinho algumas considerações. Essa questão da autocorreção que a

gente faz muito com eles. Eu fico nervosa porque eu gostaria de estar vendo os

cadernos. Eu consigo, já falei até com Silvana, que eu consigo ver muito mais os

cadernos do 5A do que do 5B porque na hora do meu planejamento interno, eu tô no

A. Então assim, na do PROERD eu consigo recolher os cadernos do A e olhar os

cadernos do A, dar aquele visto, né pra ver se tem alguma coisa assim, pra ver quem

fez e quem não fez essas coisas. No B eu não consigo fazer, não tem. Só mesmo

andando pela sala, mas não é a mesma forma, o mesmo tipo de olhar.

Marina: Aí vou dar uma sugestão, recolhe esses cadernos na turma que você não tem

o horário de planejamento e divide o horário do planejamento dessa turma.

Alice: Mas eu faço isso, mas eles não obedeceram àquela listinha de material e

muitos têm cadernos de dez matérias.

Elizabeth: É horrível.

Alice: Aí eles vão estar usando junto com matemática e ciências.

Elizabeth: Até na minha turma tem gente que trouxe caderno grande de dez matérias.

Alice: Eu já pensei em fazer isso, mas aí como é que Helena vai usar de matemática e

ciências?

Elizabeth: Eu mandei voltar.

Marina: Aí pergunta. Se conseguir conciliar, ótimo, senão...

Alice: Muitos trouxeram. Tem que frisar muito no ano que vem pra essas crianças pra

trazer cinco cadernos. Porque aquele caderno de dez matérias atrapalha muito.

Carla: Atrapalha muito. Além de ser extremamente pesado. Você não pode deixar

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nenhum em casa. Não pode deixar. Tem que trazer sempre e é pesadão.

Alice: E eles não souberam dividir, mesmo tentando. Tem criança que disse que já

acabou a parte de português e agora vai colocar lá. Vai fazer aquela bagunça.

(...)

Carla: Eu posso falar um negocinho?

Silvana: (...).

Carla: Bom... é... Eu tive... A gente teve semana passada...

Silvana: Você tá falando da 5B?

Carla: Da 5B. Semana passada houve um grande problema com o M da 5B. E o M,

volto a falar ele é um líder muito negativo e ele acaba sendo aplaudido pelos outros.

Ele acaba sendo... os outros acham em alguns momentos, lindo o que ele faz e imita.

E isso tá fazendo muita gente boa se perder. Muita gente que tem muita coisa pra

melhorar e o M ele prejudica realmente o bom desempenho da turma. A gente sabe

que tem o I, que ele tem... ele é levado pra caramba, mas você chega pro I ele pelo

menos tenta ficar mais calmo. O R ontem eu tava conversando com a Erica, parece

que tem que colocar uma camisa de força. Ele entra embaixo da mesa. Ele parece que

tem um negócio... que futuca mas é como mainha dizia “Esse menino tem um

negócio que futuca”, mainha falava isso. Assim, é uma criança que a gente consegue

falar com ele. “R, poxa.” E ele tenta sossegar. Agora o M, ele assim... tá achando que

a escola é a extensão da casa dele. Entendeu? E o que ele fez na semana passada

comigo. Não consegui dar aula na quadra. Fui dar aula na sala. “Eu vou pra sala com

vocês.” E ele pegou, botou os pés na mesa, pegou o celular e colocou. Aí eu fui lá,

tirei o celular dele. Ele veio pra cima de mim que parecia que ia me bater. Eu sai da

sala e pedi pra...

Alice: Foi pra mim. Eu entreguei pra Jô.

Carla: Pra Jô, é. Eu pedi pra alguma pessoa ficar na sala pra mim pra eu ir conversar

com Jô. Conversei com Jô. Jô também não conseguiu falar com ele em sala. Ele saiu

de sala e ficou fazendo o que ele queria fora da sala, sem o celular. Ou seja, nós não

demos conta de M. Nem eu, nem Jô, nem Alice, nem Helena. Então assim, é

realmente, um menino, uma criança não, um adolescente muito difícil de lidar. E eu

senti muita dificuldade de ajuda-lo. Foi o que eu coloquei no relatório para Silvana.

Muito difícil porque esse... a coisa na quadra ela se complica mais porque eles estão...

Jorgine: Soltos.

Carla: Soltos no espaço. É mais difícil. Quando você pede pra ouvir pra fazer a

atividade eles não conseguem se concentrar e acham que espaço está livre. E fica

aquele negócio um trepa na grade, outro se pendura na baliza, outro sai correndo vai

no banheiro sem me falar. E assim, eu fico meio... é difícil. Muito difícil dar aula pra

5B. Não tive dificuldades com a 5A. Não tenho problemas com a 5A. Tudo o que eu

planejei tá certinho o planejamento. O que planejei pra 5A tá certinho com a 5C da

tarde. Eu não consegui fazer nem um terço com a 5B. Não consegui.

Silvana: Eu acho que vai dando um retorno, né, da conversa com a mãe hoje, né

Marina.

Marina: A gente fez... O Matheus ele foi suspenso depois dessa situação da educação

física, pela carta regimento ele pode ser suspenso por dois dias. Foi o que a gente fez

e marcou com a mãe um retorno, ela não pode comparecer. A mãe dele também é

professora da rede. Na segunda feira nós tivemos uma outra situação com o M que eu

tentei conter e mais uma vez a gente não funcionou, não deu conta. Vou usar o

mesmo termo que você.

Silvana: O que que houve? Na segunda?

Alice: Você chegou a verificar ou não conseguiu ver?

Marina: O que?

Alice: Aquela situação que a L disse que ele tava com uma coisa na mochila.

Marina: Não estava.

Jorgine: Não estava.

Marina: Não tinha nada na mochila. Aí na segunda-feira a gente teve uma situação...

78

essa situação de novo. Bota o tênis, calça o chinelo e guarda a bola e no final um

bate-boca meu com ele dentro da sala. De novo ele foi suspenso. Ontem ele não veio.

Hoje ele entrou com a mãe. E aí a gente fez essa conversa com a mãe. O histórico

dele é de expulsão de outras escolas.

Elizabeth: Meu Deus.

Marina: Então ele já... e isso parece ser o que ele quer.

Elizabeth: Quantos anos ele tem?

Silvana: Treze.

Marina: Ele tem treze anos.

Elizabeth: Então ele repetiu, né.

Marina: É. Então tem essa história de troca de escola, de ser convidado a se retirar. E

o que eu coloquei pra mãe é que não é o que a gente vai fazer. Se é isso que ele tá

imaginando, não é o que vai acontecer, mas que ele vai ser suspenso quando a

situação sair do controle. A mãe já teve com ele na psicóloga, a avalição que a

psicóloga fez foi que o comportamento dele era desse jeito em função de uma

dificuldade de leitura e de escrita. Então porque ele não tava conseguindo

acompanhar porque não sabia ler e escrever ele se comportava dessa maneira. O que

pra gente não confere porque ele sabe ler e escrever bem, né.

(...)

Marina: Então a gente sugeriu a mãe que retornasse a essa não necessariamente, mas

um retorno ao serviço de psicologia pra que pudesse fazer uma conversa com ele, né.

já que a gente em feito aqui. Ele já fez a conversa com várias pessoas diferentes aqui

na escola, mas a gente não tem alcançado muito resultado. E no final da conversa

com a mãe eu pedi que ele entrasse e aí, mais uma vez, a gente fez aquela conversa

padrão de que “você tá fazendo a escolha errada, vamos pensra em fazer a escolha

certa.” Apontei pra ele a questão da distorção de idade. E que cada vez que ele não

acompanha, que ele não realiza, que ele não participa o desdobramento que isso pode

ter. Ele na hora parece sensibilizado, mas a gente sabe que o efeito desse tipo de

conversa é muito reduzido, mas é o que a gente vai... é o que a gente tem, é o que a

gente vai tentar aí nos próximos dias. E eu acho que cada vez mais essas crianças, eu

digo essas porque a gente tem outra situação de tarde semelhante fazer a gente pensar

o que a gente propõe como aula e o que a gente faz.

Carla: A mãe. Qual foi a fala da mãe, Marina?

Marina: A mãe também tem essa dificuldade com ele em casa com ela.

Amanda: São três meninos, né?

Marina: São três meninos, um mais velho que ele e um mais novo.

Amanda: Eu conheço essa família.

Marina: A mãe é professora então tem uma fala muito próxima do que a gente

entende, do que a gente valoriza, mas tem uma dificuldade real de lidar com ele. E ela

coloca também uma questão financeira que de coisa de dois ou três anos pra cá a

família passou a enfrentar uma dificuldade financeira que antes não tinha. Então que

os meninos estão sendo privados de uma série de coisas que eles tavam habituados a

ter e que ela acha que isso também pode tá influenciando o comportamento do M.

Porque ele não aceita não ir a um passeio, não comprar uma mochila. Então isso

dificulta um pouco. Mas é uma família que tá em cima, que tá chamando atenção, que

bota de castigo, que... Enfim, é o que a mãe coloca. E que ele as vezes obedece, as

vezes não. Às vezes também grita com ela como grita aqui. Respeita mais ao pai do

que ela. Enfim, não sei. É a gente pensar mesmo.

Alice: É mais ou menos o que a gente fez com ele no passeio. No passeio a gente

colocou ele pra ajudar e fazer as coisas porque aí ele se sentiu útil e ficou bem. No

passeio ele não deu problema. No passeio eu tava no 5A e eu puxava ele pra ficar

comigo também no 5A pra não dar problema. A gente botou ele pra carregar o suco.

Jorgine: “Me ajuda aqui com esse engradado que você já tá grande.”

Silvana: E ele se sentiu valorizado.

Alice: Sim. Isso.

79

Silvana: Talvez seja uma estratégia. Que nem sempre vai funcionar.

Alice: Nem sempre vai funcionar. Depende do dia e da lua como é que ele vai tá.

Carla: E é uma pena porque é um menino inteligente, um rapaz bonito, forte. E ele

tem tudo pra...

Silvana: Essa turma você dividiu?

Marina: Esse é ponto que a gente precisa refletir, Carla. Porque, assim...

Silvana: O que que você observa, Antonio?

Antônio: Eu não tenho problema.

Silvana: Não? Ele participa das aulas?

Antônio: Meu único problema é o I, só. É o nome bíblico, acho que é o nome bíblico.

(risos)

Ana Maria: De bíblico ele não tem nada.

Antônio: Com Matheus eu não tenho problema.

Marina: Por isso não porque M também é. (risos)

Silvana: Mas ele participa das suas aulas?

Antônio: Ele participa.

Carla: Ele participa das aulas, também, da minha.

Antônio: A turma é agitada? É. É complicado você passar qualquer tipo de

informação. Depois do recreio é mais complicado ainda até porque a circulação...

você falou da dificuldade... a circulação de pessoas na quadra atrapalha muito. Então

é gente que passa pra informática, aí passa no meio da quadra, dá um bico dá bola, sai

correndo, xinga o outro, põe apelido. É difícil você para e concentrar todo mundo. É

muito complicado, mas isso não é de hoje. São todas as turmas. E assim... Aí passa

um pro banheiro, que implica com o outro, aí o outro sai correndo em volta da

quadra. Então é muito complicado, realmente assim. Dar aula nesse espaço, por mais

que você tenha dois espaços com gol, marcação e tudo mais é muito complicado. A

dinâmica antes do recreio que tem muito menos gente circulando ali na quadra ali

fora muito menor você consegue as vezes prender, depois do recreio é muita gente

circulando na quadra. Depois do recreio é muito complicado porque começa a

circular muita gente.

Carla: E eu dou aula pra 5B exatamente depois do recreio.

Antônio: Eu também pego. Eu pego a 5A depois do recreio, mas isso é com qualquer

turma. você pode pegar o colocar o primeiro ano lá. Que começa a circular. É o

primeiro ano que...

Carla: Mas o quinto é pior, Carlos.

Antônio: Não. Mas o que acontece daqui a pouco passa o primeiro ano onze horas

pra almoçar. A turma de Elizabeth passa onze horas pra almoçar onze horas da

manhã.

Elizabeth: Que isso? Tá falando que minha turma vai almoçar onze horas da manhã.

Vão pensar o que, que eu mando as crianças mais cedo. (risos)

Silvana: Elizabeth!

Antônio: Pelo menos tinha.

Elizabeth: Tá falando do meu serviço. (risos)

Antônio: Tinha uma turma que ia almoçar onze horas e depois ia pra artes. Começa a

circular uma turma...

Elizabeth: Era minha. Era ano passado.

Antônio: Tô falando de um modo geral. Começa a circular muita gente na quadra, aí

começa a vir pai. Vem não sei quem. Volta de artes... Aí passa. Gente, começa a

circular tanta gente que é complicado. Então assim, se você pegar a ferro e fogo a voz

vai pro espaço. A voz tá indo pro espaço. Vai chegando quinta... quarta, quinta.

Chega uma hora que você tem que começar: “Gente, o que que a gente vai fazer?”

Começa a administrar mais a atividade. Eu tento fazer isso, porque senão você não

aguenta. É humanamente impossível, é quase insalubre você dar aula num espaço

assim. Porque não tem... não há voz. Você não só trabalha ali. Trabalha em outros

lugares. Então assim... com o M...

80

Silvana: Você não tem microfone, não?

Antônio: Vai ficar berrando no microfone.

Carla: Eu usei microfone dois anos seguidos. Aquilo começou a me dar uma dor de

cabeça cada vez que eu terminava. Não sei se é por causa das ondas eletromagnéticas,

que eu acho que a emissão ali é muito maior, que é uma coisa eletrônica, que tá ali e

tá muito próxima do seu corpo. Eu não sei se eu tenho uma sensibilidade maior que

das outras pessoas. Pode ser que o problema seja da Carla.

Amanda: Eu não gosto daquilo. Eu odeio aquilo. Eu detesto.

Antônio: Eu não tenho. Voltando o caso do Ma, assim, eu não sei se é figura

masculina. Eu me dou bem com ele. Eu não tenho nenhum problema. Ele de vez em

quando ele tá aqui ele me chama de tio. Um moleque de treze anos me e chama de

tio. “Tio, não sei que.” Numa boa.

Silvana: De repente tem essa questão.

Antônio: No dia que teve um arranhão da J no peito dele. Ele veio revoltado. Ele

falou: “Tio, eu vou dar na cara dela.” Eu falei: “M, não faz isso. Olha o tamanho

dela.” Ele parou. A vontade dele era... porque a J tava provocando. Então quer dizer,

situações assim, eu não sei. Comigo ele não tem problema. Me afronta muito mais o

I. O I você tem vários problemas, você tira ele volta, tira volta. E não dá. Não tem

solução. Ele vem de deboche. Acho que Marina até na segunda... falou pra ele: “Olha

pra mim! Olha pra mim!” Não foi? Você olha pra ele e ele não olha. Ele não olha pra

você. Você dá uma chamada nele ele não olha pra você e debocha de você. Esse eu

acho muito pior. O M, você chama atenção dele, ele respeita. Eu umas duas vezes já

tirei ele da aula ele saiu, ficou revoltado, mas ficou sentado no banco.

Silvana: Isso é a figura masculina.

Amanda: Mas isso é a autoridade masculina. Menino é melhor com a autoridade

masculina.

Antônio: E o Isaquias fica pendurado na grade. Entra chuta. Perturbando chutando a

bola.

Silvana: Autoridade.

Antônio: Então. Assim, é bem complicado. A turma é agitada? É. A turma que tem

meu filho, R. (risos) Meu filho R e outros mais as meninas agitadas. Não sei se é a ou

B. São agitadas, mas já vem da Cecília agitadas, já vem de outros anos agitadas.

Marina: Acho que a Paula quer contar.

Carla: Não sei se... olha eu posso tá falando uma grande besteira. Me corrijam se eu

estiver falando. Por favor. Os três no mesmo lugar. I, R e M. Será que a gente não

pode pegar o M e botar na 5A?

Alice: Não. Porque a 5A já tem K, já tem P. A 5A gente!

Antônio: Já em P. Já tem outros. Aí entram outras questões.

Alice: Vai piorar. J H! Caraca! J H!

Silvana: Paula quer falar e depois eu queria ouvir a Érica.

Paula: Eu fico bastante tempo na 5B. Fico com C22

e quando C não está é hora de

planejamento. Então eu tô sempre na 5B. Assim, eu observei uma grande mudança na

5B depois que a Helena chegou. Até por causa da postura dela. Eu até cheguei a

comentar com algumas pessoas que professora maravilhosa. Eu vou pra sala de arte

quando a 5B está e já percebi também que não tem problema nenhum na sala de artes.

Eu vejo só... só o I que eu vejo as vezes tentando fazer uma graça, mas você sempre

tá dando uma cortada. É isso. Quando ela entrou eu falei pra ela: “Olha, você observa

que aqui nessa turma as meninas são piores do que os meninos.” Tirando o I porque...

Helena: Mas são três meninas. Não são todas.

Paula: Mas presta atenção. Aquele grupinho dali da frente também são danadas. Eu

não sei o nome daquela menininha. Na mesma direção que eu fico com o C, aquelas

meninas ali da frente.

(...)

22

Aluno NEE

81

Paula: Aquele grupinho ali também é danado. E então, o que eu observo? Como eu

fico lá atrás eu consigo ver tudo que tá acontecendo lá na frente. E vejo o que tá

acontecendo lá atrás porque eu tô sentada lá atrás. Então eu percebo uma coisa: que J

perturba E, que cutuca M por debaixo da mesa, que M que vai tentar revidar. Aí teve

um dia desse que eu pedi: “Helena, será que posso trocar.” Lembra que eu falei?

“Uma das meninas de lugar pra não ficar perto de M?” E falei: “M, vem pra cá que eu

quero ficar perto de você.” A aula dela correu tranquilamente. Por que? Porque elas

provocam primeiro. E aí ele quer aparecer.

Helena: Isso que eu falei.

Paula: E ele vai tentar mostrar a autoridade dele dentro da sala, mas ali elas são as

piores. Quando eu entro na sala, que eu fico, eu falo: “Olha só. Eu vou lá avisar Jô.”

Geralmente eu falo no ouvido de Jô. “Eu vou lá avisar a Jô que eu não quero mais

ficar nessa sala.” “Não, tia. Pelo amor de Deus, pelo amor de Deus. Fica aqui, tia.” Aí

vão que começam a dar uma melhorada. Agora o meu problema maior é o I, mas eu

já descobri uma grande coisa nele: que ele é muito inteligente e que ele é assim... a

inteligência dele é além da turma.

Marina: Vamos abrir um parêntese? A gente tá sinalizando aqui o comportamento e

a inteligência do M, o comportamento e a inteligência do I, e de tarde a gente tem o

comportamento e a inteligência do L G. Olha que coisa curiosa.

Paula: Ele é muito inteligente mesmo.

Marina: Eu acho que é ponto pra gente parar pra pensar. Pensar o trabalho que a

gente tá oferecendo pra essas crianças. Como é que eles estão... se isso que a gente tá

entendendo como o melhor pra turma toda... talvez não seja pra eles, né. Talvez pra

eles a gente precise pensar em alguma coisa diferente. E aí...

Silvana: (interrompe) Mas assim... tem as estratégias que já estão sendo tentadas.

Marina: Então. E a estratégia não funciona sempre. Não pode ser sempre a mesma.

Ela tem que se renovar. Porque o que funciona num dia não funciona no outro.

Silvana: (interrompe) Erica, como é que é o M na sua aula? Eu tô curiosa. (ri)

Érica: Não. É o que ela falou. O M a gente teve um confronto, uma vez, na primeira

aula que eu tive com ele, que eu tava falando com a turma, mas olhando pra ele. E ele

achou que eu tava falando com ele. E daí ele falou: “Por que você tá me olhando?”

Eu falei: “Não. Eu não tô te olhando. Eu tô falando...” Aí depois, quando acabou...

Acho que você tava... (se refere a Paula)

Paula: Não. Você me falou.

Érica: Quando acabou eu chamei ele pra conversar. Daí eu falei: “M, eu não tava

falando pra você.” Aí eu conversei. Aí eu percebi o seguinte: o M não adianta eu

tentar confrontar. Você só consegue discutir com ele, na amizade, no diálogo. Então

eu chego e daí ele chega e eu digo: “M, dá um tempinho pra eu explicar. Fica

quietinho aí pra eu explicar e depois você pode conversar ou ouvir sua música.”

Porque a gente tem um combinado que eles podem ouvir música na minha aula.

Então, eu não tenho problema com o M. I de vez em quando eu deixo ele um

pouquinho no recreio. Aí fica enchendo o saco. E eu falo: “Vai ficar aqui no recreio.”

Aí eu deixo ele dois ou três minutinhos, daí ele fica desesperado pra sair, mas

realmente eu não tenho problemas. Tive esse problema e a gente conversou e depois

ele falou da professora de inglês. “Tia, ela não gosta da gente.” Mas também não

acho que seja a autoridade masculina porque eu também não tenho problema com ele

não.

Alice: Eu também só tive um embate.

Silvana: Mas assim, essa história da autoridade masculina, as vezes uma mulher tem

uma postura de autoridade masculina.

Amanda: Eu falei isso porque a mãe falou que ele respeita mais o pai, né.

Érica: Mas tem gente que tem, né.

Paula: Ele tava com o celular na mão aí ele olhou pra Helena e a Helena falou

assim...

Silvana: Às vezes você é mulher e você possui essa autoridade.

82

Paula: Helena começou a falar várias coisas. “Eu não aceito que faça isso. Não aceito

aquilo, não aceito não sei o que que eu não acho legal isso, mas em momento nenhum

ela entrou no assunto do celular. Ele olhou pra ela e falou assim: “E celular? Posso

usar?” Ela: “Não acho legal por causa disso, isso e isso.” Mas não entrou em

confronto.

(...)

Marina: E aí a gente precisa pensar o que, de fato, a gente precisa proibir. Porque a

gente não tá lidando com um menino de sete ou oito anos. Então eu penso assim, o

cara tá de boné, o cara tá de boné fazendo? Participando? Discutindo a história, deixa

o cara de boné. Agora tá com fone de ouvido? Tá mexendo no celular? Vai tirar a

atenção? Aí é um outro ponto. A gente precisa se rever nisso também.

(...)

Beatriz: Eu quero só falar do C.

(...)

Beatriz: E o C... Deixa eu mostrar pra vocês. Olha só que gracinha. Olha o capricho

dele escrevendo. Olha essa letra. Então assim, uma evolução, sabe? Tá com muita

autonomia, tá agora escrevendo o nome da irmã. Então assim... coisas... Olha a

letrinha. Ele tem respondido muito bem, né Paula, você que fica com ele.

Alice: Ele tá todo feliz de ter passado cola...

Paula: Ele tava todo feliz.

Beatriz: Não, mas não foi de propósito. Ele foi abrir o tubo de cola.

Alice: Ele achou graça. Ele ficou tão feliz.

Beatriz: Eu tava com Br e Br tava colando. Eu falei: “C, pega a cola.” Ele foi abrir o

tubo de cola, só que ele apertou muito quando ele tirou a tampa aquilo voou. Só que

voou tudo no meu cabelo. Eu tentei tirar com o papel. Ele ria. Aquilo foi um

acontecimento. Aí eu fui lá lavei e voltei com o cabelo molhado.

Silvana: Foi a travessura que ele aprontou.

Beatriz: Não foi uma coisa que ele fizesse de propósito.

Silvana: Mas por que ele tá falando tanto? Sempre faltou?

Beatriz: Não. Assim. O que acontece. A mãe... a mãe agora com a gravidez, ela disse

que o bebê já tá encaixado, Então assim, ela não sabe até quando, já tá marcado o

parto pra maio, mas ela acha que não chega até maio, aí ontem ela foi fazer uma

sessão de fotos que faz na praia. E aí... lindas as fotos. E ele tá curtindo essa gravidez

assim muito e a família tá muito envolvida com isso. Mas ele faltou porque ele ficou

doente. Ele faltou uma semana. Ele tomou... ele e a mãe ficaram doentes. Depois ele

foi tomar a vacina da febre amarela também, mas foram faltas assim... não foram

faltas muito frequentes... no início também ele não veio alguns dias, que a gente fez

um esquema porque tava sem apoio, mas não é uma criança que falte muito não. Ele

falta nessas situações.

Jorgine: São justificadas.

Alice: E ele fica tranquilo dentro da sala.

Beatriz: Fica. Ele fica muito bem. Muito bem.

Alice: E o grupo também apoia muito ele.

Paula: O grupo é excelente. Eu até conversei com a Jô hoje sobre isso.

Alice: Eu não sei como vai ser LE.

Beatriz: Ah! Deixa eu falar pra vocês. O LE vai vir duas vezes na semana, vai sair

nove e quinze porque a mãe disse que ele ainda tá com muita sensibilidade ao

barulho. Então a gente achou melhor antes do recreio. Antes do recreio.

Marina: O momento dele é com Amanda. É com Beatriz.

Beatriz: É. Ele tá comigo nesses primeiros dias.

Marina: O tempo dele de sala de aula é mínimo.

Beatriz: Vai ser aos poucos. A gente, eu e Mariane vai fazer uma parceria. A gente tá

conversando pra ver como é que a gente vai fazer isso, até porque nos primeiros dias

a gente vai ver como é que ele vai ficar.

Silvana: Ele vai vir terça, quarta e sexta? Ele sai antes do recreio?

83

Beatriz: Terça, quarta e sexta. Nesse início aí a gente vai ter que tá sentindo porque...

Marina: Ele inclusive sai antes do recreio justamente por conta dessa movimentação

maior.

Helena: Esse é o menino que bate a cabeça?

Marina: É que ele teve uma troca de medicação que deixou ele muito agressivo. E

agressivo com ele mesmo. Então ele se machucava muito. Me parece que agora

estabilizou o quadro e ele vai começar a frequentar.

Beatriz: A única coisa que ainda desestabiliza ele em alguns momentos é o barulho.

É o excesso de barulho.

Helena: Ele é da 5A?

Beatriz: Ele é da 5A. Mas a gente vai tá vendo isso com calma. A mãe tá muito

ansiosa, mas a gente sentou hoje com ele pra dar uma acalmada. Enfim, mas é uma

criança ótima. Ele ano passado ele ficava superbem na sala de aula. Super bem.

Marina: Gente, eu sentindo que o povo tá...

Conversa com a Professora Débora

No mesmo dia à tarde (19/04/17) realizamos a reunião de planejamento

onde foram apresentadas a turma do terceiro ano da professora Débora, a turma do

quarto ano da professora Daniela Rosa e a turma do quinto ano das professoras Letícia e

Mirela.23

O áudio possui 1 hora, 12 minutos e 42 segundos.

Se está na escola é preciso fazer o dever. Tem coisas que a gente precisa dar

conta, mas o que é o dever e que coisas são essas? É a conversa que se repete, se

aproxima da questão, mas não a toca. Queremos que nosso aluno aprenda para fazer o

dever e que use a letra cursiva na linha do caderno, mas precisamos pensar também que

conhecimentos elegemos como relevantes e de que forma eles potencializam a vida das

crianças. Débora conta da E e do receio de que ela perca o interesse diante de tanta

dificuldade. Ela se esforça e tem vontade de aprender. Fica registrado no caderno que E

é parte do grupo de maior preocupação. Esse grupo tem mais dificuldade, parece não

dar conta, não escreve na linha, tem a letra muito grande. Isso pode ser um sinal. E a

equipe fica em silêncio. Silvana ratifica: “Isso é um sinal.”

Transcrevo o trecho e fico pensando: sinal de que? O que o não aprender

significa para a criança e para professora? Ambas se esforçam e se angustiam. Aí tem

alguma coisa ou não tem alguma coisa. Ou sobra ou falta. Penso que é preciso

conversar com o grupo sobre o currículo na perspectiva da experiência, amplo,

democrático, compreensivo e que desenvolva a autonomia da criança e também do

23

As professoras Letícia e Mirela tem sua carga horária reduzida por terem filhos com necessidades especiais e por isso dividem a regência da turma.

84

professor. Autonomia aqui compreendida como capacidade de fazer escolhas e realizar

ações.

Débora: A turma do terceiro GR3B é uma turma composta de vinte e cinco crianças.

É uma turma que eu tenho dezessete meninas. Tagarelas. Elas têm uma autoestima

assim. Elas querem... querem uma mandar nas outras. Sabe? São líderes. Não. Tem

vário líderes ali. Não tem uma líder só. E tenho oito meninos. Essa turma ela se

divide assim em três grupos. Assim... essas meninas por serem assim tagarelas, alas

são assim, elas são muito assim. Elas são comprometidas com as atividades. Elas

gostam de fazer o dever de casa. Elas têm os cadernos bonitinhos, organizadas, fazem

os deveres da aula, sabe? Então elas são muito comprometidas assim com o saber

mesmo. Elas querem aprender. Elas querem participar. E eu tenho oito meninos.

Desses oito, meninos eu tenho três que vieram... que ficaram retidos anos passado.

Então eles... eles têm uma baixa-estima assim... de achar que não são capazes, que

não vão conseguir. E eu tenho dentro desses três eu tenho um que além de ter essa

baixa-estima ele é uma criança que é desafiadora. Eu tô criando com eles uma rotina.

Sabe? Tá na escola? Precisa fazer o dever, precisa participar da aula. A gente tem...

nós temos um compromisso. Então nós temos coisas que a gente precisa dar conta. Só

que é aquela coisa. Fica desafiando e a gente tem que tá conversando, que é a questão

do P. Nós já conversamos até com a mãe dele, depois da reunião ele melhorou um

pouco, mas eu não sei até que ponto. Porque ele tem essa necessidade de beber água.

Aí, o que acontece. Eu fico pensando no problema dele, que ele é uma criança que ele

teve diabetes, aquela coisa toda, né. Então eu não sei se ele usa isso...

Silvana: Pra sair de sala.

Débora: “Eu tô ficando tonto.” Assim que ele fala.

(...)

Débora: Ele tá melhorando, sabe? Ele e o R. Ele no início era muito difícil.

Silvana: Os três são o P H, o R...

Débora: Não. É o P H, o R e o I. E eu tenho a Ra também. A Ra se deixar por conta

dela ela quer ficar desfilando o tempo inteiro. Toda hora ela quer fazer xixi, ela quer

beber água.

Silvana: A Ra ficou retida também?

Débora: É. Ela não quer nada. Ra. Ela ficou retida. Tipo assim tem dia que ela até

participa e faz as coisas, tem dia que você vê que ela tá escrevendo qualquer coisa.

Você: “Ra, olha só. Vamos pensar, minha filha. Você já ficou retida. A gente tá aqui

pra estudar, pra aprender juntos.” Aí começo a falar com ela da autoestima dela. Eu

falo: “Você é uma menina bonita, inteligente. Você é capaz.” Mas eu sinto que ela...

ela não tá fim. Ela não tem interesse. Os outros não. Conversando com o P você vê

que eles têm a vontade de conseguir, sabe? De fazer as coisinhas. O P ele até tem

feito. O caderninho dele tá bonitinho agora. Depois da reunião com a mãe.

Silvana: Ele tem caderno agora?

Débora: Nossa! Ele trouxe tudo! A agenda. Todo dia a mãe escreve.

Silvana: Que avanço!

Débora: Aí eu escrevo do comportamento dele.

Silvana: Não deixa faltar um dia.

Débora: Não. Nenhum dia.

Silvana: Não deixa brecha.

Débora: Não tem brecha. Aí ela assina lá embaixo. E ele tá trazendo as coisinhas

direitinho, cadernos, agenda. Tudo organizadinho. Tá?

Silvana: Que bom!

Débora: Ele melhorou muito, assim. E a preocupação maior, maior mesmo é a E.

Porque eles, não sei, se a gente conseguir ficar batendo na tecla. Sabe? Ficar lutando

85

com eles dizendo que eles são capazes e tá sempre junto eles vão conseguir. Agora a

E... eu sinto que o problema dela é muito maior, sabe? O comprometimento dela... ela

tem muita dificuldade. Ela não consegue assim o nome das letras ela não consegue

identificar. Números, letras. Ela tem muita dificuldade mesmo. E nós já fizemos

reunião com a mãe dela no ano passado. Fizemos uma. Fizemos duas, marcamos a

terceira e pedimos o encaminhamento, né? A mãe não deu retorno. Agora nós vamos

marcar de novo. Amanhã nós temos uma reunião com a mãe do R e a mãe do I, que a

mãe do P já melhorou a conversa com ela. Pra ver se a gente consegue o

encaminhamento pra E pra gente poder ajuda-la, né. Que o meu medo maior é que ela

perca...

Silvana: Ela foi retida?

Débora: Não. A E não. Que ela perca o interesse, sabe? Que ela não queira mais

saber. E ela tem interesse. Ela quer aprender. Você vê que ela se esforça. É uma

criança esforçada. Só que ela não está conseguindo. (pausa) É isso.

Silvana: Ela tá no grupo do reforço?

Débora: Ela tá no grupo do reforço.

Silvana: Vamos ver se amanhã a gente consegue mandar (o bilhete).

Débora: Porque ela precisa muito mesmo.

Silvana: Agora só pra eu me organizar.

Débora: Tá.

Silvana: Seu grupo de... grupo de maior preocupação?

Débora: É o I, a E...

(...)

Débora: O R. O P ele até lê. O P é aquela criança que se você pegar: “Vamos ler?”

Ele lê. E escreve também, com algumas, algumas faltas de alguns fonemas, mas ele

escreve. Ele agora ele tá até escrevendo. Tá até participando das aulas, depois da

conversa com a mãe.

Silvana: E a Ra.

Débora: E a Ra.

Silvana: I, E, P H, R e Ra. Faltou alguém?

Débora: Não.

Silvana: Esse um grupo?

Débora: É o grupo. É. Aí o L O depois da reunião com a mãe, o L O, ele melhorou.

Sabe? Ele começou agora a fazer as coisas, a copiar. Tá mais calmo. Tá participando

mais da aula. Tá sentando lá na frente. Como melhora, né. Depois de uma conversa.

Silvana: Que bom.

Débora: E os outros... O S ele tá com problema de... assim... ele até lê. Ela tá lendo e

tá escrevendo, mas ele tá com muita... a escrita dele... ele tá escrevendo com muita

dificuldade. Ele lê melhor do que ele escreve.

Jorgine: Mas qual é a dificuldade na hora de escrever?

Débora: Faltando letras. Assim... ele vai escrever... uma palavra... MENINO. Ele vai

botar o M e o NI, sabe? Parece que escreve com pressa, sem pensar. Aí o que eu

estou fazendo com ele? Tô botando ele pra ler o que ele escreveu. “E aí?” Ele: “E tá

faltando.” Ele descobre o que tá faltando. Eu não falo pra ele o que tá faltando. Ele

descobre o que tá faltando.

Jorgine: Na verdade ele não pensa no que tá escrito.

Débora: É a pressa.

Jorgine: E ele não consegue porque o pensamento dele é muito mais rápido.

Débora: É a pressa dele.

Jorgine: Ele é assim.

Débora: Mas ele tá muito agitado. Ele tá muito agitado esse ano.

Jorgine: Ele é agitado.

Débora: Mas ano passado ele deu uma melhora. Ele tava melhor ano passado.

Jorgine: Pra mim ele sempre foi assim. Ah o S sempre foi pilhado.

Débora: Ano passado ele não lia nada e nem escrevia nada. Hoje em dia o S lê. Sabe,

86

ele consegue ler. Ele deu uma melhora muito boa. O pai dele veio pra reunião.

Fizemos reunião com o pai dele. Ele tem muito respeito com o pai dele. Se você falar

que você ligar para o pai dele e fazer reunião com o pai dele. Eu já falei: “Olha só!

Você vai continuar assim? Vamos uma reunião com o seu pai.” Ele já tá... mas a

próxima reunião vai ser com o pai dele. Ele conseguiu ler. Ele identifica todas as

letras, faz relação sonora, só que ele está... ele está com muito... apavorado. Ele quer

fazer tudo com muita rapidez. Tipo assim pra acabar. Ele não tá com capricho nas

coisas dele esse ano.

Jorgine: Tem que ver se... (inaudível)

Débora: Como é que tá a relação, né. Ele tinha uma mãe que não era presente. Agora

ele fala na mãe, que vai pra casa da mãe, que a mãe dele vive na barraca. É o que ele

que fala, que a gente escuta ele falando. O ano passado quando nós fizemos uma

reunião com o pai dele, o pai dele disse que não, que o S morava com ele, que não

tinha contato com a mãe, mas agora ele está com contato com essa mãe. Aí eu não sei

como é que tá. Se tá morando com a mãe, se tá morando com o pai. Eu sei que ele

está... ele não está assim tendo uma rotina, você vê que ele não tem uma rotina. (Não)

tá trazendo o dever sem fazer. Ele trazia o dever todo feito. E ainda falava assim: “A

mulher do meu pai que me bota pra fazer as coisas.” Agora ele não fala mais da

mulher do pai dele. Não sei. (pausa) A gente precisa fazer uma reunião para saber o

que que tá acontecendo com ele. (pausa) É isso.

Silvana: Mas você coloca o LO e o S nesse grupo de preocupação também, né?

Débora: É também. Na verdade, são seis crianças nesse grupo. Os outros estão no

mesmo nível. Assim, eles escrevem...

Silvana: Sete.

Débora: Calma. E, Ra...

Silvana: O LO também, né. Ele melhorou, mas...

Débora: É. Porque o LO nós encaminhamos, lembra? Pra mãe, pra dar retorno pra

gente. A organização dele.

Silvana: I, E, P H, R, Ra, LO e o S.

Débora: É isso aí. Sete. Mas o S eu acho que só uma questão mesmo da gente

conversar com ele. Tá pra ver se ele se acalma.

Silvana: O S não é aquele que tinha...

Débora: Não. Distorção?

Jorgine: Quantos anos ele tem?

Débora: Oi?

Jorgine: Quantos anos ele tem?

Débora: O S fez oito. Não tem ainda não. Ainda é novo. Ele é novo.

Silvana: Mas essa agitação dele...

Débora: É. Ele tá muito agitado.

Silvana: Não deixa ele sistematizar. Ele tá no terceiro ano.

Débora: E já era pra ele tá... Por exemplo, a A C. Nós pegamos a A C não sabia o A

de A C o ano passado. Você pega a A C a A C lê tudo. Ela lê rápido. Ela lê. Ela tá

lendo muito bem tá escrevendo. Você vê que ela tá dando seguimento. Ela não

estacionou.

Jorgine: Ela é muito esforçada.

Débora: Ela é muito esforçada. Ele, o S ano passado ele queria aprender a ler. Ele se

esforçou o ano inteiro pra conseguir aprender a ler e ele conseguiu, só que esse ano...

Eu acho que é tipo assim, pra ele: “Ah, já sei ler. Eu não preciso aprender mais nada.”

Eu acho que ele tá pensando assim, sabe. “Já sei ler não preciso mais nada.” Mas aí

na escrita ele não tá escrevendo. Não tá conseguindo fazer texto. Ele não tá

conseguindo escrever texto.

Silvana: E matemática?

Débora: Matemática. Eles até que não ruins em matemática não. Assim, nós estamos

trabalhando bastante, nós temos muitos jogos, tô fazendo bingo com eles, noção de

quantidade. Eu tenho muito aquelas tampinhas na sala, palitos de picolé. Eles tão

87

sempre assim, brincando, sabe? Classificando, entre eles mesmos. Faço brincadeiras

assim com a turma: “Quantas meninas têm hoje? Quantos meninos têm hoje?

Quantos ficaram em casa? Quantos estão de maria-chiquinha? Quantos estão de

tênis?” Na aula de Carla, né. Porque tem que vir de tênis. “E aí? E hoje? Como é que

tá a turma pra aula de educação física?” Sempre tem uns três ou quatro de sandália,

né.

Silvana: Aí você...

Débora: A gente tá sempre classificando...

Silvana: Aí você relaciona isso. Eles são...

Débora: Fizemos o biscoitinho pro grupo, né. Pra Páscoa... de chocolate. Aí foi

muito legal que nós trabalhamos a divisão. Nós entramos na divisão. Quantos

biscoitos deu pra cada um. Quantos biscoitos nós fizemos ao todo? Porque foram

duas turmas, né. A minha e a da Fábia. Então deu pra fazer um número...

Silvana: E eles conseguem? E esses alunos eles conseguem sistematizar isso?

Débora: Não. Nem todos eles não.

Silvana: Esses sete não.

Débora: Tem criança ali que não consegue mesmo, de jeito nenhum, mas o S até que

ele faz conta. Consegue somar. P é esperto na conta. O P é esperto também na conta.

O R. Agora o I não. o I ele não, sabe? Ele tem assim... até a escrita no caderno dele...

Se você pegar ele tem uma letra muito grande, muito grande. Eu tava até pensando

em pedir um caderno de... nós vamos conversar com a mãe dele amanhã.

Silvana: Será que ela vem?

Débora: Ele não consegue escrever na linha, o I. Sabe? É uma letra enorme. Sabe?

Às vezes ele escreve uma palavra ele vai até o final. É alguma coisa.

Silvana: Isso é um sinal...

Débora: É isso aí. Ele tem alguma coisa. Alguma coisa ele tem ali. Eu já peguei, já

botei ele perto de mim. “Vamos escrever.” Ele não consegue o I. Se você pegar o

caderno dele você vai ver.

Silvana: O I... a gente.

Débora: Já fez reunião com a mãe?

Silvana: Ela veio há uns dois anos atrás, três anos atrás. Ele era da manhã. Ela não

vinha, faltava. Aí tinha umas questões de investigação, que ela trouxe alguns

retornos. E desde o ano passado que a gente chama e ela não veio nenhuma vez.

Débora: Pois é, mas ele tem essa questão da organização da escrita dele.

Silvana: A gente chamou várias vezes. Então a gente não sabe como é que tá essa

situação.

Débora: Então, amanhã... ela confirmou que vem amanhã. Amanhã nós temos a mãe

do Isaias e a mãe do Renan. As duas estão confirmadas.

Silvana: Outro grupo então, Débora.

Débora: Não. É só esse grupo mesmo. No outro eles estão bem. Estão escrevendo,

fazendo texto. A organização. Tá bonitinho sabe. Conseguem organizar o pensamento

deles, escreverem. Noção de espaço, parágrafo.

Silvana: Sistematizam o raciocínio lógico?

Débora: Sistematizam. Isso aí. Nós estamos sempre trabalhando. Isso é uma coisa

diária. Sabe? A gente tá sempre organizando alguma coisa. A gente tá sempre lendo.

Eu tô trabalhando bastante com eles o dicionário. Muito legal. Estão todos eles já

procurando.

Silvana: Já conseguem?

Débora: Já conseguem. Se surgir uma coisa nova: “Vamos procurar o significado.”

Silvana: Muito bom. Mais alguma coisa?

Débora: Não acho que é só isso.

(...)

88

Conversa com a Professora Daniela

A conversa continua com a professora Daniela (GR4C). Na turma agitada

da Daniela tem criança reclamando que tem uma porção de atividades, mas ela diz que

eles estão conseguindo e que estão dando conta, que gostam quando trabalho acontece

em pequenos grupos, o que tem acontecido com mais frequência. No início eles

passavam a maior parte do tempo em fileiras. Agora são seis grupos de trabalho. Antes

era ela quem escolhia, mas agora eles já podem escolher.

Sobre as trigêmeas é preciso dizer que a J, na verdade, é mais velha e que

está na turma com as irmãs porque foi retida quando estudava na outra escola. Quem

conhece sabe que ela sempre foi assim tímida, quase sempre calada e até um pouco

triste.

A turma também está dividida em grupos, mas são quatro: o primeiro é o de

quem está em processo de alfabetização. Sim. É uma turma de quarto ano. Os mesmos

de sempre. O segundo grupo tem dificuldade com a pontuação. O terceiro grupo

resolve, dá conta e o quarto grupo tem dificuldade na organização do tempo. E ainda

tem os alunos que se destacam nas atividades de interpretação. Daniela lê para a turma

livros escolhidos por eles, representa, interpreta e investe na literatura com projetos

discutidos com as crianças. São atividades articuladas a partir das leituras realizadas.

Ela diz que não há coincidência, mas experiência e que uma coisa vai puxando a outra.

Daniela chama essa relação de link.

(...)

Daniela: Vamos lá na minha turma. É uma turma muito agitada. Eu nem posso falar

muito porque eu também sou agitada, né? Então, de repente eu também agito eles.

São bem falantes, mas uma turma participativa. Eles gostam de participar, de fazer as

tarefas. É... a única coisa que eles fazem com muita dificuldade é tarefa de casa. Mas

agora tá melhorando. No início era mais. (...) E eles tavam reclamando que a gente

tava iniciando e em fevereiro eu já tava passando tarefa, mas eles tão indo...

Silvana: Tão conseguindo?

Daniela: Tão conseguindo. É... eu dividi a turma em seis grupos. Essa divisão é

diferente. A que eu vou falar aqui é diferente que faço em sala de aula com as

carteiras. Ano passado eu já tava pensando, eu lembro que eu tava falando com a

Fernanda até no PNAIC, não sei se ela lembra. Eu falei ai Jesus: “Eu já sei o que vou

fazer com essa turma. Vou dividir em grupos.” Eu vou fazer diferente. Porque eu

trabalho com grupos, mas assim esporadicamente, que eu trabalhava. Às vezes vocês

viam as turmas assim divididos em grupos, mas na maioria das vezes era assim. Essas

fileiras. Mas esse ano eu resolvi fazer diferente com essa turma. Até mesmo para

conhecê-los melhor, no início, aí eu definia alguns alunos pra cada grupo agora não,

89

eu deixo mais a vontade. Porque eu já conheço. É claro que tem aquela questão da

afinidade então eu tenho que intervir. É... eu separo, não separo mais que agora já

sabem principalmente as gêmeas, com a irmã, que é Ga, a J e a Gi. Elas mesmas

sozinhas: “Não a gente não pode sentar juntas não. Somos irmãs.” Separei porque

elas... eu percebi uma questão entre elas de uma comandando, que é a Ga. A Gi ela é

comandada sim mas ela ainda tem mais uma iniciativa. A J não. Nenhuma. Tanto que

eu pedi até pra chamar a mãe da J. Ela é muito passiva, as vezes eu me estranho, fico

assim preocupada com a J. Ela quase não tem reação. E quando tem reação é uma

reação um pouco agressiva.

Jorgine: A J é a mais velha?

Daniela: A J é a mais velha. É. Eu observei isso em relação às atividades que foram

chamando a atenção na hora de fazer. Ela dá conta de copiar. A Gi já não dá conta de

copiar. Ela dá conta de copiar, mas ela não faz nada em casa. Então todas as vezes

que eu chamava a atenção dela não só em casa mas em aula ela copiava e quando eu

olhava ela tava com o caderno guardado. “Porque você guardou o caderno?” Não

respondia. Insistia. Aí, de uma forma bem agressiva: “Ah! Eu guardei!” Aí eu

comecei a me assustar com ela. Porque é muito passiva e quando respondia,

respondia com muita agressividade. Por isso eu tô chamando o responsável. Essa

minha preocupação acabou me... assim... acabou me aproximando mais dela. Não é

que eu não me aproximava, como a turma é grande, né. Tem aqueles alunos mais

carinhosos aquela coisa toda, mas já me aproximei mais. Já troquei de lugar e

coloquei ela próximo da minha mesa, pra observá-la mais. E eu comecei a solicitá-la

pra fazer qualquer tipo de coisa dentro de sala de aula, que eles gostam muito. “Posso

apagar o quadro?”, “Posso entregar o material?”, “Posso não sei o que?” Aí eu

sempre peço a ela. E por ela ser assim muito passiva a irmã sempre vem na frente.

“Tia, eu vou fazer isso.” “Tia, eu vou fazer aquilo.” E eu comecei a solicitá-la. E ela

começou a fazer. E agora eu tô vendo mais o sorriso nela. Ela tá fazendo mais, assim,

tá respondendo de uma forma diferente. Não com tanta passividade, com mais

carinho, mais atenção, conversando. Por mais que ela não converse. Eu pergunto as

coisas a ela, ela fala assim... pouco. Só palavras. Não formula muito frases. Ai quem

vai responder é a irmã que quer responder por ela. É difícil. Sempre é a Ga. E a Gi

que era passiva também ela tá bem mais saída, tá bem mais falante. A Gi tá bem mais

falante, mais assim... é... como é que eu vou dizer... é... fugiu a palavra agora.

Silvana: Extrovertida?

Daniela: Não. Não era isso não. é porque a Ga, ela tem uma iniciativa, tá com mais

iniciativa. A Gi não tinha iniciativa. A Ga sempre teve iniciativa pras três. A J super

passiva e a Gi... passiva também. Agora a Gi não. Eu tô percebendo mais atividade...

mais iniciativa nela. Ela se propõe mais a fazer as coisas. Ela se interessa mais e quer

fazer ela até reclama de alguns alunos e chama atenção, coisa que Gi não fazia. E a J

já tá mais assim... sorridente. Ela tinha um ar muito triste. Isso me chamava muita

atenção. E quando falava com essa forma agressiva. Ela não tá mais agressiva e eu

percebi a mudança dela no dia do meu aniversário. Que eles prepararam aquela festa,

né? Toda.

Jorgine: Aquela, Silvana! Aquelas festas!

Silvana: A festa! É!

Jorgine: Nossa!

Daniela: Ela tava muito integrada.

Jorgine: A festa durou a tarde toda.

Daniela: A tarde toda. Foi uma surpresa atrás da outra.

Jorgine: Quatro bolos?

Daniela: Cinco bolos. Foram cinco bolos. A primeira parte foi.

Jorgine: Cinco bolos.

Silvana: Cinco, Dani?

Daniela: A primeira festa tinha quatro bolos. Fernanda tava no meio ajudando a

arrumar. Aí quando eu pensei que tinha acabado tudo, vamos organizar...

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Jorgine: E chama Daniela aqui fora.” “E enfia Daniela dentro armário.” (risos)

Daniela: Daqui há pouco me chamam.

Mirela: Depois ainda foram entregar bolo pelas salas.

Fernanda: Quando eles tavam organizando lá, uma criança me chamou atenção.

Acho que foi o G.

Daniela: Ah! O G. Sei.

Fernanda: Porque ele assim... tava organizando, né? Ele teve a ideia de espalhar os

bombons. A forma de arrumar. Onde colar.

Daniela: Ah! Foi dele é.

Fernanda: Onde colar as imagens e as letras. Como colocar o bolo e tal, não sei o

que. E ele ficou o tempo assim: “Não. Não faz assim não. Faz assim. Assim é

melhor.” Coordenando as crianças. Aí eu descobri agora há pouco tempo que a mãe

dele trabalha montando festa.

Daniela: Ah! Então tá explicado.

Mirela: Ele já tá craque.

Luzia: Eles são crianças né, que pelo que a gente vem vendo e ouvindo...

Daniela: É. Saber desse jeito.

Fernanda: “Poe aqui. Não. Vem pra cá.”

Silvana: Tem que contratar ele.

Daniela: Mas a J, ela ficou... ela se aproximou mais de mim. Porque nesse dia eles

fizeram tantas cartas. Eu cheguei sortear as cartas. Eu disse assim: “Vou dar uma de

Xuxa. Vamos jogar as cartas!” (risos) Aí joguei as cartas. E eu percebi que ela... eu

percebi que ela começou a fazer cartinhas e me entregar.

Silvana: Ahhh!

Daniela: Então ela já começou a mudar. Então essa aproximação foi maior a partir do

meu aniversário, que eu percebi isso. Ficou mais próxima fazendo cartinha, dá um

leve sorriso. Não sorri muito não. Dá um leve sorriso, coisa que ela não fazia. Então a

J eu tô percebendo a mudança, mas eu vou falar dos grupos. Essa preocupação com a

J que eu tive é por conta dessa agressividade do nada. A passividade muito passiva,

triste e de repente a agressividade. Tá melhorando, mas eu quero conversar com a

mãe que eu tô preocupada ainda.

Silvana: Engraçado a gente sempre fez essa observação.

Jorgine: Ela sempre foi assim.

Daniela: Ela sempre foi assim?

Jorgine: A gente já percebeu isso há muito tempo.

Daniela: Mas é uma tristeza, parece que ela carrega, ela na sala como se tivesse com

um fardo. É e permanece assim. E tá melhorando aos poucos. Hoje ela tava melhor.

Tava toda pintada de tinta que pintou na aula de artes e veio pra cá e também pintou.

Silvana: A gente nunca conseguiu separar as irmãs porque não tinha como separar

três gêmeas.

Daniela: E eu sempre achei estranho, que eu via anteriormente, né. Olhando assim,

agora na sala tá mais visível, é como ela é muito passiva. Porque ela é a mais velha,

mas não parece. Parece a mais nova. Ela se comporta como se fosse a mais nova. A

liderança toda é de Ga. E a Gi tá com mais iniciativa, com mais liderança, mas a J

não. Parece ser a mais novinha, parece ser a bebê. Não entendo. Ela é a mais velha e

se comporta como se fosse a bebezinho. Mas vamos para os grupos. O primeiro

grupo que eu coloquei é o grupo que tá em processo de alfabetização. Tem dois

alunos, que é o K P e o L P. Eles não leem.

Jorgine: Os mesmos de sempre.

Daniela: E o K P, ele tem uma baixo-estima que ele agora já tá se sentindo melhor

porque eu falei na sala, na quarta-feira passada em relação a leitura e de como ele tá

interagindo com a leitura e como ele tá estimulado com as propostas que eu fiz em

detrimento a leitura. Eu tava até falando com Luzia essa semana. Como é

interessante. A gente começa a ler uma coisa. Ela tava falando que ela já comentou

sobre isso. Ela tava falando. Eu lembro. Eu acho que foi no ano passado, que não há

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coincidência, né Luzia. Que são... Como foi que você falou? Ela falou no ônibus uma

coisa interessante e eu lembrei dessa fala dela. Porque quando eles começam a ler...

Luzia: Não há coincidência, há experiência, na verdade...

Daniela: A gente começa a ler...

Luzia: Uma coisa vai puxando a outra.

Daniela: Eu tava falando com ela quanta coisa vai aparecendo na leitura. No primeiro

livro, a gente tá no segundo livro, no primeiro livro apareciam várias coisas que a

gente tava estudando isso em sala de aula, em matemática, em português... E agora

nesse segundo livro, que foi até a L que trouxe, nós começamos a leitura e já

apareceu a questão do substantivo comum. Não o substantivo comum, mas tem uma

fala do narrador que ele fala que nada é comum, que os dias não são comuns, que eles

estão acostumados com: “Como foi o dia? Foi comum.” Ué, um dia não é igual ao

outro e a partir daí a gente já conseguiu fazer um link com o substantivo comum,

próprio...

Silvana: (risos)

Jorgine: A cara de Marina.

Daniela: Ah é. Ela tava falando disso, da tarde. A tarde aconteceu isso também.

Jorgine: Entendeu? Marina tá ali (cara de tentando entender).

Daniela: Mas foi outra coisa que a gente fez um link agora essa semana também, mas

agora esqueci qual foi a matéria que a gente tá vendo. Já esqueci, mas a gente

conseguiu fazer link também: “Gente! A gente tava estudando isso! Que legal!” A

gente trabalha sempre com matemática. Sempre pega alguma coisa de matemática

nesses livros. Nesse livro agora, esse último. Vou tentar buscar a lembrança porque

eu tô lendo também na outra escola... então... Deixa eu ver o que foi de matemática.

Foi sobre multiplicação, que a gente vai iniciar em multiplicação. Aí, no livro o

personagem falou... tem um momento que ele fala de viver mil dias. Foi isso não foi,

que eu falei no ônibus? Aí as crianças: “Nossa! Mil dias é muita coisa.” Eu falei

assim: “Não. Mil dias não é muita coisa não. Será que é muito? Vamos ver. Uma

pessoa que viveu um ano viveu quantos dias? Um ano tem quantos dias? Vamos

multiplicar isso. A quantidade de dias desse ano pra quantidade de dias que você

viveu, de anos que você viveu. Então são trezentos e sessenta e cinco dias vezes

quatro. Vai dar quanto quatro anos?” Aí eu passei uma proposta pra casa e alguns

trouxeram e outros ainda não deles multiplicarem pela idade deles pra saber quantos

dias eles já viveram. São coisas que vão surgindo na leitura que dá pra gente trabalhar

em sala de aula com os conteúdos. A partir daí já vou iniciar a multiplicação.

Jorgine: Já aconteceu várias vezes de eu entrar na sala de Daniela, e ela falou que a

turma é agitada porque ela é agitada e tal, mas já aconteceu de eu entrar pra contar as

crianças nos dias que eu tô na coordenação de turno quando ela tá fazendo a leitura e

eu até volto. Porque eles tão assim ó (cara de prestando atenção). Eles ficam

quietinhos, gente!

Daniela: E esses mais agitados também.

Jorgine: “Depois eu volto. Depois eu volto.” Como é que a leitura faz com que eles

se concentrem, né. Quer dizer olha só, isso é interpretação, gente. Isso é

interpretação. Tá fazendo com eles pensem sobre um assunto que tem na realidade,

tem no texto. E vai embora.

Daniela: É isso que eu quero falar desse grupo, desses dois que estão em processo de

alfabetização. O K P e o L P. K P tinha uma baixa estima porque ele não conseguia

interpretar as coisas, não conseguia entender, não conseguia ler e a partir desse livro

que foi o penúltimo... que foi o último, o primeiro, né. Já encerramos. O diário de

aventuras da Elen.

Jorgine: Quantas páginas?

Daniela: Cento e setenta páginas.

Jorgine: E já acabou?

Daniela: Já acabou. Já estamos no segundo livro que é: “Ei! Psiu! Tem alguém aí?” É

muito legal e parecido com o pequeno príncipe. Muito interessante. A gente tá lendo.

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Hoje não deu. Nem sempre dá pra fazer a leitura. Você não consegue fazer a leitura

todos os dias.

Jorgine: Esse é de quem?

Daniela: Esse é de L. L... nossa! É muito fofa. Ela chegou e falou assim: “Tia, meu

pai emprestou, mas com uma condição...” Ela faz umas carinhas. “...que eu leve todos

os dias pra casa.” Hoje ela esqueceu, coitadinha. “Leve todos os dias pra casa.” Aí eu

falei assim: “Então você não esqueça de colocar na bolsa.” “Não vai sair da minha

mochila.” Ela falou assim mesmo: “Não vai sair da minha mochila.” Então a gente tá

fazendo essa leitura agora. E aí o K P, eu observei nesse Diário da Elen como ele se

interessou! E o K P é uma criança muito agitada. Ele é assim, ele faz as coisas e às

vezes, diz: “Não, tia, eu não fiz nada não.” (risos de Jô) Então eu já conheço a peça. E

ele não se interessava no início porque ele não conseguia compreender, entender. E

esse livro despertou nele uma vontade, eu percebi, de aprender. Fala sobre futebol,

meninos. Então os meninos amaram. K toda hora tinha que mandar parar de falar

porque ele queria se intrometer: “Não. Eu sei. Porque a falta é por conta disso, isso e

isso.” Me irritava porque ele já sabe que na hora da leitura têm que fazer silêncio,

comentários depois e K toda hora quer comentar. Então porque falava sobre futebol

eles amavam. Amaram, né. E K P começou a gostar. E quando a gente fez, quando eu

fiz a proposta deles também pesquisarem em casa, verem uma palavra que pudesse

escrever do lado contrário e fosse a mesma palavra K P... palíndromo... achou.

(...)

Daniela: Marina, mostra que eu quero passar pra eles. E o K P chegou com essa

palavra e eu fiz aquela festa né. “Nossa! Vamos bater palma pro K P, gente!” Então,

aquele aluno que se sentia desvalorizado, que não conseguia ler, que não conseguia

interpretar, aquele aluno agitado, que todo mundo reclamando, que brigava e que não

sei.

Jorgine: Mas Erica, de artes, falou que K P...

Daniela: Tem mudado o comportamento.

Jorgine: ...Até na aula de artes está diferente.

Daniela: Ele tá mais concentrado.

Jorgine: Ela tá notando uma autoestima aí, brotando porque ele tá produzindo as

coisas na aula de artes, ele está.

Daniela: Aí no dia que o quinto ano ficou lá. Aquelas meninas do quinto ano... a V.

A V é irmã dele, né. Aí no dia que o quinto ano ficou lá, fiz a leitura, elas até olharam

assim. Porque eu faço a leitura e faço aquela coisa toda, né. Aí eu... Eles tipo riram

né. “A tia fazendo uma coisa dessas.” E as crianças rindo, né. Eles são bem infantis, e

elas olhando assim: “Nossa!” (risos) Aí eu relembrei a palavra, eu relembrei a palavra

(risos) e K P: “Tia, aquela palavra, o osso, não sei que.” “Isso mesmo! K P descobriu,

gente!” Aí ele olhou assim. Porque a irmã tava próxima, né. “O que K P descobriu.

Qual foi a outra palavra mesmo, K P? Que eu esqueci!” Ele disse: “Osso.” Esse

mesmo! Essa mesma palavra!” Então eu tô vendo nele uma vontade de aprender,

coisa que eu não via no início. Ele não queria fazer nada. O caderno... ele só tinha um

caderno. Aí eu pedi até um caderno na coordenação e separei um caderno pra ele. Tá

com uma letrinha dele tá melhor, ele tinha uma letra horrível, tá com uma letra

melhor, mais organizado e ele faz questão agora que eu veja. “Aqui, tia. Tá

bonitinho?” Ele nem ligava. K também tá no processo de alfabetização. L P. L P ele

tá... eu não sei se ele... ele acho que já era assim, ele é muito amoroso. L P. Sempre

foi assim? Ele é amoroso, né. Muito amoroso. E ele tem vontade... ele no início... a

timidez dele... ele ficava com vergonha por não saber. Agora a vergonha tá

diminuindo um pouco. Eu tô percebendo. E ele quer ajuda, ele tá querendo ajuda, ele

tá querendo que eu intervenha ali. E nós fizemos um grupo, foi até com a sugestão de

Luzia. Ela tava... foi sugestão de Luzia em relação a leitura de pegar palavras, de

textinhos... foi isso de textos? Eu tinha feito isso...

Luzia: Uma coisa pra ler todo dia.

Daniela: Dois anos atrás eu já tinha feito quem me deu a ideia foi Elizabeth. E agora

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Luzia falou sobre isso de pegar textos pequenos e trabalhar com eles. Aí eu voltei nas

minhas coisas que eu guardo sempre, né. Quem guarda tem. (risos) E encontrei esses

textos pequenos e consegui fazer um dia. Não consegui... É difícil, mas eu consegui

fazer um dia. Pelo menos um dia eu fiz. Eu quero retornar. De fazer a leitura com eles

com esse texto. Aí são historinhas em quadrinhos pequenas. Nessa leitura eu percebi

que o K P tá mais avançado que o L P.

Jorgine: São fichinhas, Dani?

Daniela: Não. São textos. É porque eu não trouxe. São tirinhas, são textos pequenos,

são vários tipos de gêneros e eu comecei com a história em quadrinhos.

Jorgine: Não. Eu tô perguntando porque se fosse estilo fichinha você podia deixar

ele levar.

Daniela: É. Eu posso deixar ele levar. Eles levavam antigamente.

Jorgine: Eles vão fazendo exercício e você vai tomando a leitura e...

Daniela: Eu tinha até uma tabela que eles pintavam. Eu lembro. Dois anos atrás. Eles

pintavam com a cor que eles escolhiam. E cada um levava. E tinha o título. O título

de cada texto. Eles iam lá pintavam e levavam pra casa. Aí eu fazia com o grupo

maior. Então eu vi nessa leitura que o L P ele tem uma grande dificuldade, como por

exemplo, sílabas assim, mais complicadas, a maioria eles não sabem, mas as mais

simples o L P também tem dificuldade. Ele as vezes não reconhece o P, ele não

reconhece... ele não reconhece o NH. Fato. Ele tem dificuldade pra ler as palavras

com NH. O K P já começa... já reconhece. Às vezes ele troca e tudo e esquece, mas

ele já leu algumas coisas com NH, com algumas sílabas mais complicadas.

Silvana: Mas o L P é mais... porque é um aluno que tem um problema de fono que

faz acompanhamento.

Daniela: O que que ele fez na leitura? Ele ficava a todo momento assim: “B com A

BA. M e A MA. P com A PA.” Ele não lia. Aí ele não lia a palavra toda. Porque vai

esperando assim: “B com A BA...”

Silvana: Ele fica muito preso na junção.

Daniela: “B com A BA. L e A LA. B com A BA. L e A LA.” Ele não lê bala. Não

faz. “Aí então como que fica a palavra?” O K P já faz. Ele já lê sem precisar assim

colocar as sílabas. Ler assim silabado. Dificuldade também, mas o L P é muito.

Silvana: Soletra?

Daniela: Soletra. O K P soletra, pouco mas soletra. A questão toda de K P depois que

leu: “O que você leu? O que que você... Qual o sentido aí? O que que significa?” Aí

já complicou. Ele leu. Viu ali o som.

Silvana: Mas quando você tá na sua leitura?

Daniela: Aí é diferente.

Silvana: Porque tem uma história.

Daniela: Aí ele consegue compreender melhor.

Silvana: Então ele consegue entender.

Daniela: Consegue. Agora com ele esse tipo de leitura que ele faz ainda é muito

pouco pra ele poder compreender. Agora a minha leitura com entonação...

Jorgine: É porque ele para, né. A leitura só tem sentido porque a gente tem...

Daniela: A gente vai direto.

Jorgine: Se você lê assim...

Silvana: Você tá trazendo um assunto que ele tá achando interessante. Então são

vários estímulos aí que...

(...)

Daniela: Então ele tem muita dificuldade. Ele copia letra... Aí tô trabalhando também

a letra. Mas ele é copista. Também.

Silvana: D N?

Daniela: É. D N. Ele lê, com dificuldade lê.

Jorgine: Ele copia...

Daniela: Ele copia e lê. Ele não tá nessa parte de alfabetização, mas ele tem

dificuldade pra interpretar. Ele copia e lê mas pra interpretação... É por isso que as

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faltas dele tá atrapalhando mais ainda. Porque aí a gente começa o trabalho... para.

Jorgine: Então tem que chamar o responsável dele.

Daniela: Também.

Silvana: Porque esse é assim. D N tem uma mãe que tem muito problema.

Daniela: Até então ele tava frequentando.

Silvana: Ela não consegue falar uma coisa com a outra. E aí o pai veio ano passado e

fez um acordo. Quem era a professora? Era a Keila.

Daniela: Keila. Não era a Keila? Ele era da turma de Keila. Só se ele foi de manhã.

Silvana: A mãe fez um acordo e ele começou a frequentar direitinho. Então ele teve...

acho que Fernanda pegou.

Daniela: É. Porque ele tava frequentando. Foi agora. Essa semana que ele começou a

faltar.

Silvana: Ele teve avanços...

Daniela: Acho que foi uma semana inteira.

Silvana: ...bastante significativos no ano passado. Aí agora você tá dizendo que ele tá

faltando.

Daniela: Tá faltando.

Silvana: Acho que a gente tem que chamar o pai.

Daniela: Ele é muito inseguro também. Porque muitas vezes ele falava que não sabia

e trazia pra minha mesa. Aí: “Vamos ler. O que é isso aí?” Aí ele conseguia ler. Ele

consegue ler, mas ele fala que não sabe ler, mas sabe. Ele tem muita insegurança.

Agora o outro grupo. Então é B e D N. O B ele... a dificuldade pra leitura é assim... a

parte da pontuação. Ele não lê com a pontuação, mas lê bem pausadamente porque

ele tem dificuldade em algumas palavras, mas lê. Terceiro grupo: dificuldade de

interpretação também, mas a diferença é que eles não têm autonomia pra resolver as

tarefas. Diferente do grupo que eu citei agora. Porque o B e o D eles resolvem mesmo

que esteja errado, mas não fica aquela coisa.

Jorgine: Resolvem, dão conta.

Daniela: Resolvem, dão conta. Copia tudo, é um dos primeiros. Agora esse que eu

vou citar, eles têm a dificuldade e não tem autonomia pra resolver as tarefas. É a Cm.

Ela engana. Porque: “Tá tudo certinho, professora. Fiz tudo.” Quando você vai olhar

tá tudo errado. (risos) A L, ela também resolve, mas tem que ficar um pouco em cima

dela. A M também. Faz como se soubesse. Como se soubesse, eu tô falando assim,

como se tivesse entendido ali o que tá pedindo. A E. São alunos que, aparentemente,

dá conta.

Jorgine: (...)

Daniela: É. Aparentemente dá conta. Faz todas as atividades.

Silvana: (...)

Daniela: (...) Você olha. Dá conta de tudo. A autonomia delas, é no sentido da

interpretação. Faz tudo. Uma das primeiras, mas você vê a grande dificuldade. S L

também faz a letra bonita e o caderno organizado. E S M. São alunos que você olha

assim, são excelentes alunos. Caderno sempre organizado. “Terminou de fazer as

tarefas?” “Terminei.” Quando você vai olhar as tarefas... “Ah Tia, me explica isso

aqui, então não entendi.” “Você não entendeu mesmo. Tá errado. Vamos lá. Vamos

de novo.” (risos) Quarto grupo: dificuldade na organização do tempo: produz muito

pouco, que é o D S, (...) Ele é... ele só escreve com letra bastão e demora muito

mesmo escrevendo. Ele não consegue, mesmo escrevendo com a cursiva. Eu deixo

ele escrever com a bastão, mesmo assim ele demora demais pra resolver. Ele é

calminho, todo educado, fala mansinho. O D S é um amor, mas tem essa dificuldade

de não ter autonomia. Não autonomia, mas tem... não produz muito. Durante aquele

tempo que nós estamos ali a atividade tá sempre incompleta. Porque tem dificuldade

pra poder copiar, dificuldade pra poder resolver. Resolver nem tanto, mais é copiar. O

F ele tem uma dificuldade na fala, que pelo menos... eu até chamei. Eu chamei o

responsável. Não sei se eu coloquei nessa lista, se eu não coloquei, eu tenho que

colocar. Ele interage muito, gosta de participar, mas ele fala bem... manso. Eu então

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que falo então rápido demais. (fala alto e rápido) Às vezes até pra ter paciência de

ouvi-lo é complicado porque ele fala muito devagar. “Tia... (pausa) é... eu quero...”

(fala devagar) Meu deus do céu. (risos) Aí eu: “Fala, F. Por favor, F.”

(...)

Jorgine: Eu tô tentando imaginar. Se ele é devagar....

Daniela: Imagina pra mim. A minha ansiedade porque as vezes eu falo rápido demais

e a criança querendo sair e outro batendo na porta, aí um entrando. “Fala! Porque eu

preciso agir. (risos) É uma coisa. E pra copiar é... aí ele olha pro lado.

(...)

Daniela: Produz pouco por conta disso. Escreve muito devagar. A Gi, mas agora tá

mais rápida a Gi. A Gi tá um show agora, tá interagindo, tá com uma iniciativa que

era só da Ga. Gente, J é mais devagar ainda, além de ser faltosa ela é muito dispersa.

Ela tá rabiscando a carteira toda aí eu peço pra apagar e falo: “Vou chamar a diretora

pra ver o que você tá fazendo.” (bate na mesa) Aí ela vai apagando assim. (faz o

gesto)

Jorgine: Chama a Marina, tá bom? (tom de brincadeira)

Daniela: As faltas... eu conversei com ela e ela falou que mora longe, que o pai não

mora mais aqui aí depois eu encontrei com o pai no ponto de ônibus e o pai veio falar

comigo. Eu falei que já tinha marcado uma reunião, né, mas ele comentou que não tá

morando mais e que é difícil pra vim trazê-la. Ela só está frequentando agora essas

semanas porque ele tá com um trabalho aqui próximo. Então pra ele vir pra trabalhar

aí fica mais fácil de trazê-la que é muito complicado. Lembrei a ele do bilhete, que

nós vamos conversar na escola, que é pra ele assinar. Não assinou ainda. Porque

depois, no dia seguinte, ela veio e eu pedi novamente o bilhete a ela, o papelzinho e

ele não tinha assinado. Ela é muito dispersa por nada. Ela fica olhando, aí começa a

desenhar. “J, cadê o exercício? Eu quero apagar o quadro.” Então é muito complicado

porque ela não produz. Vem sem fazer nada. Em relação a esses outros que eu falei D

S, F e Gi ela é a que menos produz porque eles depois dão conta ainda de pegar o

caderno emprestado e vão copiar. Eles até ficam na hora do recreio, eu observei.

Tanto o D S, o F e a Gi, as vezes eles não querem sair pro recreio por que eles sabem

que tem que dar conta. Eu não exijo isso em relação a ficar na hora do recreio, mas

eles querem. Aí: “Não. Vocês vão comer e vão voltar.” Mas a Gi não. A Gi, que

dizer, a J não. A J, essa que eu falei que ela começa e para, a mais velha. Ela tem

ficado alheia aos comandos que eu dou, às vezes, vira de costas. Eu tô falando com

ela, mas é a mesma coisa que nada. L em relação ao tempo também é devagar. M é

uma figura. M é o que mais viaja nas minhas leituras, mais do que eu. Porque ele fica

assim... (risos) Tem que filmar M ouvindo a leitura... Ele fica assim... “Mas tia, não

sei o que não sei o que.” E fica. Ele entra dentro da história junto comigo. Eu: “Perai,

M! Deixa que eu tô interpretando. Dá licença!” Mas ele viaja demais. M é uma

figura. Muito fofo, mas ele também é lento pra copiar. Dá conta também. Eu até

coloquei aqui: muito participativo nas atividades. Participa de tudo. Agora o próximo

grupo: destaque na interpretação. K. O que K tem de dificuldade de organizar o

caderno, da letra, que agora tá melhorando, ele se destaca na interpretação. Ele pega

as coisas assim na maior facilidade. Muito esperto. “Mas, tia, isso daí...” “Tá bom, K.

Agora deixa os outros falarem também.” Só ele quer falar. O G é um aluno novo na

escola. Ele veio da escola particular. Eu sei porque a mãe dele... No primeiro dia veio

o pai e a mãe pra conversar comigo. A Fernanda até conhece, né. E um aluno

destaque em relação a material, só é muito tímido. A minha preocupação com a

timidez dele é ele não conseguir se envolver com o grupo, né, interagir, mas ele tá

interagindo bem. A mãe dele até falou que ele fala muito sobre a escola, que ele tá

amando a escola. E a mãe dele falou uma coisa muito legal, assim, pra gente que

falou que ele prefere essa escola que a outra escola que ele estudava, a escola

particular que ele estudou anos. Poucos meses que ele está aqui e ele prefere esta

escola, os amigos, ele prefere esses amigos daqui. E eu fiquei assim, né. Até a mãe

achou estranho, porque achando difícil ele enturmar. (...) Bom pra gente, né, ouvir

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isso. Então ele tá mais participativo, fala pouco, é muito inteligente o G. Assim, em

relação a interpretação, né. Mas ele não gosta muito de se expor. Diferente do K. O K

fala, ele não. Ele fez uma pesquisa, eu pedi pra eles pesquisarem, que nós estamos

estudando em ciências os planetas, aí entrou a NASA e eles pesquisaram sobre a

NASA. E ele deixou a pesquisa em casa. Ficou triste e no dia seguinte, mas fala

baixinho: “Professora, eu trouxe a pesquisa.” Mas como todo mundo apresentou eu

percebi que ele queria apresentar. Eu não forcei isso. Eu até pensei que ele deixou em

casa pra ele não se apresentar, pela timidez dele. Aí ele quis apresentar. Ele foi lá na

frente e apresentou. Devagar, lendo, lentamente com aquela calma.

Luzia: Aquilo que a gente precisa aprender, né.

Daniela: Que eu preciso aprender. Eu tento. Eu aprendi um pouco com o G, né.

Tenho tentado aprender. Aí ele vai lendo. Ele leu e foi uma pesquisa assim, linda.

Vocês precisam ver a organização que ele pesquisou. Ele colocou foto e tudo da

NASA. Destacou, então, uma coisa assim, brilhante, achei lindo. Então falei do G. A

L é uma princesa, a L é fofa demais. A L é muito inteligente. Ela tem umas críticas,

assim.

Marina: (...)

Daniela: (...) Ela parece com a mãe, que a mãe é muito inteligente. Sempre foi. Então

a L, ela que trouxe o livro. Ela tem umas sacadas, assim fora de série. Eu falei assim:

“Essa menina tem quantos anos?” As coisas que ela fala parece assim uma

adolescente. Ela faz umas conclusões assim, pra idade dela, além. Teve um dia que

ela chegou assim e falou... eu não lembro assim o que a gente tava falando, em

relação aos planetas. Ah! Da NASA, foi da pesquisa da NASA. A gente tava falando

da questão que não tem nada comprovado de vida em outros planetas, e não sei que,

que eles tão pesquisando. Aí ela: “Tia, então eles tão pesquisando pra gente poder ir

habitar lá os outros planetas porque eles tão destruindo aqui na Terra. Pra destruir os

outros planetas também, né.” A fala dela, a forma como ela falou, como ela usa as

palavras. Aí eu separei.

(comentário incompreensível)

Daniela: É isso mesmo. (risos) Tem umas sacadas assim.

Marina: No dia que a gente teve uma situação difícil com a T e depois eu entrei na

turma pra fazer uma conversa com eles, a minha dificuldade de dizer pra eles que...

ao mesmo tempo que a gente não podia cobrar da T, mas a gente também não podia

isentá-la da responsabilidade, quer dizer... reconhecer que o que ela fez tava errado,

mas entender que na situação que aconteceu era o que ela podia fazer. Essa

dificuldade de ao mesmo tempo... a L falou da irmã, que ela tem uma irmã especial,

né. E ela falou assim simples, né. “A minha irmã me bate. E isso não é certo, mas eu

entendo.” Quer dizer, com três frases ela resolveu o meu problema.

Daniela: Ela é assim.

Marina: Porque ao mesmo tempo que eu não queria desresponsabilizar a T pelo que

ela tinha feito eu não podia também dizer que não era errado. E ela foi sucinta e

perfeita.

Daniela: É assim que ela faz em sala. Eu fico assim impressionada. A La é uma aluna

que é bem maior do que eu, ela entra eu tenho que fazer assim (olha pra cima).

(...)

Daniela: Ela é muito tímida, quase não fala, a La. Eu percebo essa facilidade dela de

interpretação em relação as atividades propostas que ela resolve tudo de forma

correta, porque pra falar, não. Ela quase não se coloca. Eu tenho que perguntar e ela

fala. Até mesmo com os colegas ela fala pouco. É muito tímida, mas ela é bem

inteligente. Então terminei com ela esse grupo. Agora: alunos críticos. Aí entra a L, o

M também é muito crítico. O M tá naquele grupo de dificuldade de produção.

Silvana: Críticos chatos?

Daniela: Não. Eles não são chatos não. Eles percebem, eles fazem uma crítica

assim...

Silvana: Ah!

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Daniela: Eu não tô falando de criticar o outro não. De compreensão, de percepção.

Eles percebem...

Silvana: Ah! Crítica de... de ‘leitura crítica’.

Daniela: Isso, de leitura crítica. E o K também. Eu tenho esses três. A L, o M e o K.

Porque as vezes a gente coloca só aqueles com dificuldade eu quis coloca-los também

como destaque. Eu tô gostando muito dessa turma.

Silvana: (...)

Daniela: E M. O M aquele que viaja mais do eu na leitura.

Marina: Como se ela não gostasse de alguma turma.

Jorgine: É.

Daniela: É, né.

Jorgine: Ela é assim.

Daniela: É. Eu sou suspeita. Eu amos todos. É isso.

Silvana: Você esqueceu de algum aluno que queria destacar?

Daniela: Não. De destacar não. Posso deixar de falar de alguém.

Silvana: Tá bom. Vamos começar? Vocês têm quinze minutos. Começa e se não der

tempo continua. Mais alguma coisa, professora Daniela?

Daniela: Não.

Conversa com as Professoras Letícia e Mirela

As professoras Letícia e Mirela dividem o trabalho no grupo de referência

5C. A professora Mirela com as disciplinas de Matemática e Ciências e a professora

Letícia com as disciplinas de Português, História e Geografia. Aqui a divisão da turma

entre as duas professoras se deu devido a uma necessidade de complementar a carga

horária uma vez que as duas professoras têm a carga horária reduzida. A fragmentação

do currículo que já é característica da escola e que também pode ser observada na

divisão das turmas de quinto ano do turno da manhã se repete. Letícia segue o padrão de

dividir a turma em três grupos. O grupo que está no nível mais de quinto ano, o grupo

fake que engana que é bom e grupo fraquinho.

Aqui não temos alunos bons e é curioso que a tentativa de classificação que

enuncia critérios relativos à construção do conhecimento acaba recorrendo ao

comportamento para se justificar. Assim, os que escrevem bem são os que desenrolam,

mesmo quem tá acompanhando poderia estar melhor se se esforçasse, os fraquinhos são

os que estão envolvidos nas conversas sobre namoro, droga e violência. Essas coisas

que eles aprendem no Youtube. Os pais foram alertados pelas professoras na reunião,

mas Letícia acha que às vezes eles não tem muito juízo também.

Tem ainda aquela preocupação com os que copiam mais devagar afinal no

sexto ano não vai ter professor pra dizer qual é o caderno. Preciso dizer que não prestei

muita atenção no dia do conselho, mas no momento da transcrição fico pensando sobre

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o que valorizamos nas nossas salas de aula pois esse não é um pensamento singular.

Essa forma de pensar aprendizagem das crianças como capacidade de reproduzir

informações é muito forte nas escolas. Em contraposição a essa concepção é preciso

pensar que “a educação é um processo discursivo que se desenvolve na interação com as

experiências culturais das crianças das classes populares”. (PEREZ, 2015a, 252)

No finalzinho da conversa vem crescendo a ideia de buscar uma atividade a

partir do interesse das crianças. Quem sabe a confecção de um jornal onde eles

poderiam escrever sobre um assunto do interesse deles. A discussão sobre do jornal

acontece nos últimos minutos da reunião e apesar de apontar para outra forma de

conduzir o trabalho não se sustenta e não é retomada. A proposta, que não foi levada a

diante, apontava na direção da substituição da explicação e da cópia pela autoria e

criatividade como princípios outros de organização da prática.

A turma passou por algumas questões delicadas com alunos

emocionalmente instáveis, com histórias diferentes, contadas por eles em pequenos

fragmentos em conversas com algumas professoras. As histórias de muito sofrimento

mobilizaram a equipe pedagógica e apesar da colaboração das professoras das outras

turmas o trabalho pedagógico ficou realmente muito difícil. O clima na sala era de

constante tensão. Ambos de forma alternada (um menino e uma menina) apresentaram

recorrentes Amandaes de fúria onde ameaçaram os colegas, agrediram professores e se

colocaram em risco com tentativas de autoagressão e de fuga da escola. Em um desses

momentos foi preciso chamar a assistência do corpo de bombeiros que sugeriu a ida do

aluno para o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, o que não aconteceu no mesmo dia, mas

dias depois quando a criança agrediu a mãe.

Letícia: Quer começar? (pergunta para a Mirela)

Mirela: Não. Pode começar.

Letícia: Eu separei em três grupos. Porque eu coloquei assim... não tenho essa

facilidade de observação da Daniela não. É... eu poderia falar de cada um, mas assim,

pra arrumar eu tenho dificuldade, mas assim, eu coloquei os que são mais... é que eu

acho que tão no nível mais... realmente de quinto ano, né, que tem mais facilidade em

fazer as coisas. Eles atendem às propostas, é... escrevem bem, leem bem. Coloquei

um outro grupo mais ou menos, que é aquele grupo que acompanha mais, que não

tem aquela, eu falo que alguns aqui, as minhas filhas me ensinaram, a coisa aqui, são

fake, que parecem que são muito, muito bons mas na verdade eles vão assim,

tentando enrolar e tal, mas acompanham e assim conseguem atender também as

propostas de uma forma, assim, mais ou menos satisfatória. E tem o grupo muito

fraquinho, que é o grupo que a gente tem que ficar empurrando né. Eu não sei assim

99

porque a gente trabalha com disciplinas diferentes. Eu trabalho mais com a questão

da leitura e da escrita, da história também que tem muito a questão da interpretação,

pode ser que na matemática ela tenha uma visão diferente.

Mirela: A gente troca? Ou você fala tudo depois eu falo? Melhor?

Letícia: Pode ser. A gente não combinou isso.

Mirela: É. A gente nem combinou.

Letícia: E assim, os que me preocupam muito, né, pela questão de não acompanhar e

também de não estarem participando do processo. Não estarem participando

realmente do processo. Porque falta muito e também pelas questões dele...

Mirela: Depois eu falo... (fala baixinho)

Letícia: ...de não copiar, de não... Não consegue, né realizar as atividades. Ele

participa oralmente, mas ele fica muito fora, né, quando ele vem. L G que não tá

conseguindo nem ficar na sala e a T, né, que fica mais na sala dos outros que na nossa

sala. Desde daquela situação ela ficado normalmente nas outras salas. Aí eu pensei

esses que... esse grupo que eu falei primeiro, né: o Y, J G, N, M C, C e E e L que eu

considero...

Silvana: Espera aí. Devagar.

Letícia: Você quer anotar? Todos eles? (...). Acho que a Mirela colocou um

pouquinho diferente.

Mirela: É. Alguma coisa vai se distanciar, mas a gente vai conversar.

Letícia: Esses escrevem bem, qualquer atividade proposta eles desenrolam, né, são

mais assim, tem mais iniciativa, né. O outro grupo que eu acho mais complicadinho,

né, que é um grupo que caminha, mas que tem mais dificuldade tem o A, que ele

acompanha oralmente, ele participa apesar de se distrair um pouquinho. Eles tão

sempre envolvidos com alguma situação, de cartinha, de... a gente tem sempre que tá

tomando cartinhas. Eu não falei antes o que eu observo na turma, mas assim, eles são

muito assim... tão naquela fase que a gente fala de pré-adolescente, eles se acham

muito maduros, né, pra coisas que não são da adolescência, da infância, no caso. Eles

falam muita coisa é... promíscua, mesmo. Eles têm sempre umas atitudes, uns gestos

obscenos, né. Então assim, sempre naqueles trocadilhos de olhares com a V P, que

tem aquelas coisas de... aquelas insinuações dela, de caras e bocas. Aí tem o G, o W,

R. Tem uma garotada que fica muito envolvida com esses papos, né.

Mirela: De namoro...

Letícia: Papos de namoro, papo de droga. Eles falam muita coisa assim: “Você

fumou? Você cheirou? Você não sei que?” Uns comentários assim, meio esquisitos.

Mirela: Arma também.

Letícia: É, arma. Até no início da reunião de pais a gente comentou que eles tavam

fazendo armas, eles tavam pesquisando no youtube. Aí os pais que estavam presentes,

né, ouviram nossa recomendação, nosso alerta em relação a isso, que eles estavam

fazendo as arminhas. Eu falei: “Fiquem de olho nos vídeos que eles estão assistindo

porque pode ser uma coisinha boba do youtube mas pode ser que eles disseram que

aprenderam no youtube.” Eram fuzis, coisinhas que eles faziam de papel.

Mirela: Tudo arrumadinho.

Letícia: “A gente não sabe o site que eles entraram pra pesquisar essas coisas. Pode

ser alguma coisa criminosa. Vocês fiquem de olho no que que eles estão mexendo.”

Aí depois disso alguns melhoraram e não trouxeram mais, mas aí o que eu falei desse

grupinho, mas aí essas insinuações e essas brincadeiras. Outro dia eu entrei, o pai do

G tava ali fora numa rodinha e a garotada toda junta. Foi segunda feira. Eles

chegaram agitadíssimos aqui, falando muito, muito comentário, muita brincadeirinha.

Eu não sei, né. Nessa conversa ali. O pai parece que também não tem muito juízo,

sabe. Eu só sei que tinha a garotada ali.

(...)

Letícia: Ele veio na reunião, não veio, Mirela? Ele veio na reunião.

(...)

Letícia: Ele tá todo dia aí, mas parece que não em muito juízo.

100

Mirela: Ele vem todo dia. Ele veio na reunião de pais, a gente sinalizou pra ele. Ele:

“Pode deixar que nós vamos conversar com ele.” Desculpa.

Mirela: Toda a estrutura da T, que eles já chegavam dizendo: “Porque não pode

ficar. Ela em que ficar numa sala isolada.” Aí nós fizemos uma conversa. “Olha, não

é bem assim. Ela tem o direito dela garantido. E aí é preciso que vocês conversem

com os seus filhos. É preciso ter solidariedade.” Tudo mais. Fizemos o maior... bla,

bla, bla. Aí ele: “Não... com certeza, professoras. Eu vou falar com o meu filho. E

não sei o que.” E aí...

Letícia: Mas foram poucos.

Silvana: Deu resultado?

Mirela: Resultado, resultado não. Se a gente for entrar no mérito assim da turma

mesmo, eu vou esperar quando a Letícia terminar, eu acho que vai ficar mais

organizado pra falar.

Letícia: Ele principalmente é muito assim... Os comentários são assim e ele é muito...

você fala com ele e ele fica cheio de: “Hã, hã, hã.” Aí eu dou uma cortada, mas assim

o tempo a gente tem que ficar cortando e brigando porque eles são... eles querem

criar asas mesmo, querem ficar de ti ti ti de conversinha, querem pegar celular,

querem pegar cartinha, querem ficar naquelas conversas deles. É o tempo todo

brigando, o tempo todo chamando atenção e corrigindo e eles: “Ai deu fora! Ui! Deu

fora!” Eu não tô dando. Porque você fala uma coisa com um e o outro responde, o

outro se mete. Tem o tempo todo que ficar assim cobrando. É assim desagradável, né.

Mas aí assim, esse grupo que tá mais ou menos, esse G tá nesse grupo aí do mais ou

menos.

Silvana: Tá. G, P. (anotando)

Letícia: P. Sendo que o P ele é um menino que quando ele não tá envolvido com

alguma situação assim de indisciplina, que ele também é meio marrentinho, né. Tem

aquelas coisas de olha de cara feia, entendeu? Ele faz aqueles olhares assim pra gente

como quem diz: “Tá mexendo comigo a coisa vai ficar feia, né.” Aí eu: “Ó, não tenho

medo de cara feia, não tá.” Aí ele vai e dá uma segurada. É... só que o P, quando ele

não tá nessas situações ele...quando ele participa, ele participa mesmo. Você vê que

ele tá acompanhando que ele tem uns questionamentos bem críticos, ele... ele

consegue participar de uma forma que você vê que ele tem... um... assim ele pode ter

um desempenho bem melhor, né.

Mirela: O W também. Avalio da mesma forma.

Letícia: W também. Muito maduro W... muito amadurecido.

Silvana: W também tá nesse grupo?

Letícia: Tá nesse grupo. Eu coloquei nesse grupo porque não é aquele... por essa

questão do comportamento também, de falar muito, de se distrair muito com outras

coisas ele não consegue ter aquele... aquele comportamento, aquele desenvolvimento

mais adequado e acaba não... acaba se perdendo. Ele se perde nas atividades, embola

caderno essas coisas. Eles tão muito naquela fase de copiar de caneta. Então eles

ficam apagando o tempo todo, pedindo liquid paper, lambuza tudo, bota um

pedacinho de cada cor e fica trocando de caneta, aí eu deixo porque... eles têm que

começar a ter a organização deles senão no sexto ano eles vão se perder. Porque no

sexto não tem um professor pra ficar dizendo: “Copia aqui. O caderno é esse.” Eles

vão botar a matéria no quadro e... bom pelo menos eu não vi diferente ainda. É... F

tem um comportamento bom. A J também. Só que elas não são assim... muito

desenroladas não. Elas conseguem fazer as atividades, mas não tem aquela

desenvoltura. Elas ficam assim meio na média. L também nesse sentido, mas a L cola

muito na V P. Então o papo dela já é muito amadurecido, né. Eu não sei como que é a

história dela, mas ela anda muito sozinha. Pelo que eu soube ela mora em Inoã e ela

vem...

Mirela: E ela vem pra cá. Então é longe, né. Ela já está acostumada. Esses dias ela

tava queimada...

Jorgine: Ela é irmã do P.

101

Silvana: Que P? Ah!

Jorgine: O P...

Silvana: Ah. O P NEE.

Letícia: Ué? A L é irmã do P?

Jorgine: É. É irmã do P.

Mirela: É irmã do P.

Daniela: Ela vem sozinha então?

Mirela: Ela vem sozinha.

Silvana: O P só estudou aqui um ano.

Letícia: Ah! Eu não sabia disso não. Eu não liguei. Eu só ligava aquela pequenininha.

Eu não sabia que L era parente não. É... Aí é isso. Ela é muito madura e esses dias ela

tava com uma queimadura na perna disse que foi de moto.

Mirela: Uma queimadura de moto.

Letícia: Queimou andando de moto, assim. W eu já falei. O G e o M também. O M

ele se envolve muito nas brincadeiras dos meninos. Fica o tempo todo nesse grupinho

P, W, o G... é aquela panelinha de... de criar tumulto. Tem aqueles que são muito

devagar, né. Tão sempre aquém. O Q parece que vem dormindo, ele fica apático, ela

fica na dele o tempo todo. Ele não pergunta nada. Ele até copia, mas assim nada que

você manda fazer um texto ele fica... o tempo todo que a turma tá fazendo o texto ele

tá ainda na primeira linha e daquela primeira linha ele não sai.

Mirela: Às vezes nem termina.

Letícia: Não termina, não copia... copia mas assim copia muito devagar. É raro o dia

que ele consegue copiar tudo direito, fazer as atividades direito, né. A gente tem que

ficar ali puxando e empurrando. Y consegue fazer, mas é muito devagar também.

Também não tem aquela participação na aula, fica muito... às vezes pergunta, às

vezes você vê que ele tá enrolado. Quando você vai perguntar o que você leu tá

enrolado, mas ele não pede ajuda. Ele vai... fica assim parece que meio perdido

naquela lentidão dele. A, pelos textos que eu vejo dele ele escreve bem. É criativo,

mas ele na sala ele conversa o tempo todo.

Mirela: Com o Q.

Letícia: O tempo todo com o Q. Aí você que ele poderia tá melhor se não fosse essa

distração. Tá sempre distraído. Aí você manda ler: “Lê, A.” Aí ele começa a procurar,

a procurar a página pra ver onde é que tá e fica completamente fora.

Jorgine: A irmã dele foi minha aluna e foi a mesma coisa.

Letícia: Fora de órbita. É bonzinho, mas...

Jorgine: (...)

Letícia: Fala baixinho, né, e tal, mas conversa muito. V P que eu não sei o que é

aquilo, sinceramente...

Mirela: Que que é aquilo. Olha como ela fala. (risos)

Letícia: Eu então que tenho filhas na adolescência chego me segurar as vezes com a

V P. Aqueles rompantes dela, aquela coisa de joga o cabelo. Minha filha até

comentou no outro dia que ela veio, que assim as vezes eu viro pro quadro, mas eu

percebo que ela fica falando algumas coisas, né. “Posso ir no banheiro?” “Não.”

“Louca!” “Chata.” Ela tem essas coisas. Aí eu finjo que não tô ouvindo pra não dar

muita corda, né. Porque ela quer... ela gosta de chamar a atenção. Ela fica o tempo

todo se insinuando pros meninos, entendeu. Ela é muito complicada. (...) Ela parece

assim que já tá esperando você chamar atenção pra ela responder. “Eu não tô fazendo

nada. Eu não tô falando.” Então é o tempo todo assim. E assim, pra fazer a atividade

também é complicado. Porque ela copia, mas também não é. Qualquer texto que você

de pra fazer ela leva muito tempo. Naquela enrolação pra tentar copiar, pra tentar,

sabe? Ela não desenrola. R também não sei em que planeta está. Ele é agitado

demais, ele não para, ele se você manda... ele não consegue ficar sentado num lugar

só. Outro dia ele virou a cadeira de costas pra parede. Depois eu chamei atenção ele

virou. Aí você coloca num lugar e daqui a pouco ele tá no quadro. Ele empurra a

mesa encostada no quadro, ele vira de costas. É uma coisa assim... a desorganização

102

dele, a dificuldade que ele tem de ficar na sala, de se concentrar, de... de participar

das atividades, é muito disperso, muito disperso. Não consegue realizar as atividades

pela dispersão mesmo. O tempo todo discutindo com a gente, a gente fala pra se

organizar ele discute. Ele não consegue entender... parece que ele não consegue

entender que ele tá fora de órbita, entendeu. Parece que a culpa é sua de tá chamando

a atenção dele. Ele não se localiza, caderno desorganizado, não acha as coisas, aí

perde folha... Aí você tá: “Cadê o caderno?” “Eu não trouxe o caderno.” Aí não tem

lápis. Ele não tem nada, ele faz uma desordem geral com o material dele. Não tem...

Eu saber que ele tinha agenda no dia que a Marina chamou a atenção dele. Porque ele

sempre dizia que não tinha agenda. Não sei se era preguiça de pegar. Aí no dia que

Marina chamou a atenção dele e pediu a agenda ele pegou a agenda. Eu falei: “Ah!

Você tem agenda e você disse pra mim que não tinha.” É assim. (...)

(...)

Letícia: Os preocupantes que eu já falei, mas assim o que me deixa mais angustiada

na turma quando eu vi que era quinto ano eu vim cheia de gás porque eu já imagino

assim... inventar mil e uma coisas com o quinto ano. Eu sei que eles são... que no

quinto ano eles são mais maduros, né. E são... eles gostam de fazer as coisas, né.

Então eu pensei que fosse desenvolver muitas atividades, só que eles têm o hábito só

de copiar, então tudo que você propõe você não consegue realizar porque eles tão

desinteressados. É uma turma muito desinteressada, eles querem assim ou brincar ou

desenhar, ficar naquelas graças deles, mas quando você... aí você pensa em conversar

um assunto eles não sabem conversar. Eles ficam em conversas paralelas. Aí eu levo

na sala de leitura e qualquer... eu não descobri ainda nada que prendesse a atenção

deles.

Silvana: Sabe o que eu tô pensando? Você já buscou a vertente de trabalhar com

algum projeto? Tirar com eles algum tema de interesse?

Letícia: Pois é, como tem os grupos...

Silvana: E colocar e ir fazendo a interação desses diversos grupos e formar grupos de

pesquisa. Pra eles pesquisarem.

Letícia: Sim.

Silvana: Eles apresentarem.

Letícia: Quando eu dei um texto livre e cada um escreveu sobre uma coisa eu senti

que eles escreveram melhor. Aí eu pensei até, eu tava falando com a Mirela hoje, e eu

já tinha até desistido da questão do jornal porque eles não se organizam e tudo pra

eles... eles ficam assim: “Ah! Para de falar! Para de falar! Não vamos fazer isso não.

Vamos copiar. Passa logo o dever.” Porque eles querem copiar pra ficar no ti ti ti

deles. E a copia não tem que...

(...)

Letícia: Eu pensei no jornal por isso. Porque eles podem escrever sobre futebol.

Mirela: É. Moda as meninas.

Letícia: Moda. Eu pensei nisso. Dividir grupos pra cada um fazer... escrever sobre

um assunto ou pesquisar algum assunto.

Mirela: Charadas. É uma coisa assim, na verdade, eu não sei se tem tempo. Eu acho

que não, mas quinto ano é toda aquela, né... é uma turma já, ao meu ver, assim

diferenciada. Eles têm mais é... eles querem ser totalmente livres e querem... e tão

conhecendo tudo.

Silvana: Eles querem ser os mais velhos da escola....

Mirela: Isso! Isso! Mas em alguns momentos, a gente chama muito a atenção

daquela turma...

Letícia: É verdade.

Mirela: Tem uma questão da... de falta de disciplina grande, mas eu vejo assim que

eles são amorosos.

Letícia: São muito amorosos.

Mirela: E também...

Silvana: Talvez a gente consiga atingir a questão da disciplina com a motivação, o

103

interesse por alguma coisa que eles queiram realizar...

Mirela: Eu sou meio perturbada, assim, enfim, fico lá com as crianças, falo muito,

(risos) mas eu vejo que algumas contrapartidas eles começam assim... tão começando

a desabrochar, sabe. Muito lentamente, mas não é assim, totalmente perdido e quando

a gente vai olhando aos poucos o que que a gente pode tá tirando daquele grupo.

Logicamente que a gente vê grupos que sistematizam o raciocínio. Eu, por exemplo,

no meu caso de matemática e ciências, eu fiquei muito contente por eles quando... a

gente tava trabalhando os biomas até por conta do projeto e tudo mais. D chegou lá

com materiais reciclados. Preparou um barco, tudo pra falar da região, partindo deles.

Então eu comecei a sacar...

Silvana: Esse cartaz que vocês construíram...

Mirela: Então. E eles prepararam cartaz, colaram tudo folhinha de papel oficio, uma

do lado da outra, porque não tinham cartolina em casa. Botaram uma amarela, uma

laranja, criatividade. Assim o negócio ficou tão legal! Estão produzindo. Obviamente

que a gente tem questões assim pontuais de ordem prática sérias. A gente tem os

alunos com necessidades especiais que precisam e a gente reitera a todo momento. As

meninas. Marina tava lá no dia da mãe de L G e foi muito legal. A mãe falou assim:

“É muito difícil.” E a Marina falou assim: “Mãe, é difícil, mas é muito difícil pra

gente também.” Ela não se isentou, mas também não deixou a mãe... é muito difícil,

mas a gente tem que trabalhar e tudo mais. A gente tem a questão da T. Me deixa

assim triste. Hoje ela chegou lá babando, pedindo... Tristeza! Eu tô falando assim

agora já passou até do tempo vou parar de falar porque daqui a pouco, né. A gente

tem horário certo. Vou sair daqui correndo também.

Silvana: Semana que vem a gente acaba.

Mirela: Semana que vem. Fechou. Fechado. (risos) Eu vou ficar falando muito...

Esticando a conversa

As reuniões do dia vinte e seis de abril não foram gravadas devido a um

problema no aparelho celular que só foi percebido no final do dia. Desta forma, não

temos a gravação do GR4A da professora Selma e GR4B da professora Cecília do turno

da manhã. Assim como a continuação do GR5C com a fala da professora Mirela. As

reuniões do dia três de maio não foram gravadas pois foram discutidos pontos relativos

ao cronograma de atividades do segundo semestre.

No dia dez de maio retomamos os Conselhos de Avaliação e Planejamento

do Ciclo com as Professoras Amanda e Elizabeth. A professora Amanda diz, no entanto,

que em função do horário de planejamento não estar sendo garantido não foi possível

preparar o material do Conselho do seu grupo e então a professora Elizabeth fala sobre a

sua turma. O áudio possui 32 minutos e 12 segundos. No final da reunião a professora

Amanda e Fernanda falam sobre o trabalho realizado no reagrupamento proposto na

reunião do início do período.

104

Conversa com as Professoras Elizabeth, Amanda e Fernanda

Elizabeth começa a reunião falando dos responsáveis que foram chamados

por ela por diferentes motivos: faltas, dificuldades de aprendizagens, problemas de

comportamento e até por causa da roupa. Em seguida ela reclama da impossibilidade de

que a professora Keila24

fique com ela em sala para auxiliar alguns alunos. Apesar de

reconhecer a necessidade de atividades diferenciadas para algumas crianças (o que

também caberia discutir pois aqui a diferença se limita ao grau de dificuldade) a

professora Elizabeth entende que essa seria uma tarefa para uma professora de apoio ou

auxiliar que ofereceria um “reforço” para as crianças com maior dificuldade.

Diante da impossibilidade de um atendimento diferenciado com outra

professora “eles fazem exatamente o que os outros fazem”. Reconhecer que as crianças

possuem necessidades específicas em seu processo de construção do conhecimento

ainda não significa reconhecer que existem diferentes lógicas cognitivas e diferentes

modos de operar com o conhecimento escolar. Em outras palavras, as diferenças entre

as crianças são reconhecidas enquanto pontos distintos de um mesmo processo ainda

não sendo possível para a escola compreender a singularização do processo e o

reconhecimento das diferentes lógicas operatórias. Desta forma, a escola insiste na

hegemonia da leitura e escrita para fazer dever em detrimento da invenção, da autoria,

da criatividade e da conjugação de linguagens como caminho metodológico possível.

A experiência proposta na reunião anterior a partir do convite da Fernanda

(segundo ano) para que Elizabeth (terceiro ano) fosse na sua sala dar aula de matemática

foi apresentada e avaliada pelas professoras durante essa conversa. A aula com as

professoras trocadas e que também contou com a participação da Amanda (primeiro

ano) surge como outra possibilidade de ação educativa e de reflexão para a equipe a

partir das três diferentes propostas realizadas. O ponto negativo levantado foi a falta de

oportunidade para o planejamento que acabou acontecendo em conversas nos

corredores. Acredito que isso talvez possa ser, na verdade, um ponto positivo no sentido

de garantir o elemento surpresa e não uma ideia prévia das possíveis necessidades da

turma.

24

Keila é neste momento a professora articuladora responsável por substituir as professoras regentes em suas ausências, realizar as aulas no laboratório de informática e atender a pequenos grupos de alunos com conteúdos específicos.

105

Elizabeth começa contando de que forma realizou o trabalho na turma da

Fernanda (primeiro) e que selecionou os mesmos conteúdos da sua turma (segundo)

mudando apenas o grau de dificuldade. A opção de selecionar o mesmo conteúdo com

outro grau de dificuldade ainda é diferente de propor o mesmo conteúdo a partir de uma

lógica cognitiva diferente. Isso pode ser pensado no sentido de: no lugar de apresentar o

conceito matemático e seus modelos de aplicabilidade para em seguida solicitar que as

crianças o utilizem na solução de problemas inventados e semelhantes ao modelo

escolar propor que o problema seja tomado na forma como se apresenta na realidade e

buscar com as crianças a partir da experiência a construção desse conceito. “Assim, para

nós a palavra aprender é atravessada pelo sentido de tomar para si o conhecimento,

saboreando e semeando experiências coletivas de produção de sentidos para as nossas

aprendizagensensino25

”. (PEREZ, 2014, p.112)

Fernanda, que fez o trabalho na turma de Amanda, conta que escolheram o

tema da aula a partir de uma defasagem não da turma, mas da professora. Desta forma,

escolheram a partir do que a professora da turma não costuma priorizar em seu

planejamento. Fernanda trabalhou com a sua turma do segundo ano a reconstrução do

texto com listas de palavras. A partir da leitura da mesma história pela professora e de

uma provocação a turma do terceiro correspondeu com uma escrita criativa e autoral

que recontava a narrativa ouvida, porém fora do padrão de início, meio e fim, o que já

aponta uma proposta para o próximo encontro. Diante do desafio da reescrita da história

um dos alunos pergunta se poderia escrever sua opinião sobre o texto e desta forma

constrói sua escrita atribuindo a ela uma função.

Fernanda ressalta que o trabalho desenvolvido por outra professora

complementa o que vem sendo desenvolvido com o grupo e permite diferentes olhares

sobre o processo o que ajuda na hora da avaliação dos alunos e do trabalho. Silvana

aponta outra vantagem: a de contribuir para a formação da professora e Amanda fecha a

avaliação provocando o grupo a refletir que não se trata do trabalho com o meu aluno,

mas com os alunos da escola.

25

A grafia que une as palavras aprendizagem e ensino além da inversão de ordem de seu uso habitual tem como objetivo explicitar a compreensão deste processo em seu movimento e fluxo como proposto por PEREZ em seu texto “Cinco cabeças e um copo de café... (com)fabulações sobre a potência de uma educação menor”.

106

Na sua vez Amanda conta do trabalho realizado na turma da Elizabeth

(terceiro ano) e de que forma fez o caminho inverso propondo as crianças que

atribuíssem o sentido às palavras apresentadas. A proposta surge de um livro onde o

autor também faz esse exercício com as crianças. Amanda pergunta se a equipe quer

conhecer as produções, passa a ler o que as crianças escreveram e o grupo fica surpreso

diante do pensamento expresso em palavras e que toma forma em uma escrita cheia de

sentimentos. A experiência provoca nas crianças a reflexão sobre os conceitos de amor e

amizade, sobre o significado da palavra Brasil que pode ser ao mesmo tempo um país e

um time de futebol e sobre a curiosidade explicada de forma filosófica como “querer ver

o que tem do outro lado”.

Elizabeth: Eu falei que anotei algumas coisas assim por alto, que não necessitava de

muito trabalho. Vou falando o que anotei. Então eu falei esses três. Alunos faltosos:

C também, C G, A V que é NEE, A C e M... (...)

(...)

Elizabeth: Dos conteúdos. Eu não tive como... pegar direitinho. Não tive como

avaliar os alunos como a Amanda. Então não posso nem falar. Alunos que tiveram

reunião de pais nesse período. No caso, que eu chamei os pais: J T, o soBme é...

(...)

Silvana: J T, né. O pai veio? O responsável veio?

Elizabeth: A mãe. A mãe veio. J T que vieram, né. Mk. M.

(...)

Elizabeth: Então. Foi conversado. Com o pai do C. Eu soube pela Ana Maria. Com o

pai não. Com a mãe que foi chamada por conta do conselho tutelar. Não sei o que

aconteceu, o que foi falado, mas assim tem duas semanas que ele tá vindo todo dia,

ele e a irmã. Apesar de hoje faltou.

Silvana: E a mãe veio na reunião com o conselho tutelar?

Jorgine: Veio. Não veio, Marina?

Marina: Desculpa.

Elizabeth: C.

Jorgine: A mãe de C não veio na reunião do Conselho?

Silvana: Do conselho de faltas.

Marina: Veio. Não sei.

Jorgine: Veio sim, que ela chorou. Veio sim.

Elizabeth: Eu só sei que ele foi encaminhado.

Silvana: Então depois disso melhoraram as faltas.

Elizabeth: Não. É. Melhorou. É... eu tenho alunos com dificuldade de aprendizagem

como eu havia dito na avaliação diagnóstica. Eu só tô passando o que eu já tinha... Eu

já tinha anotado aqui da outra vez. É... pode falar?

Silvana: Pode.

Elizabeth: J, T, C, M, Mk G, a M e o R. R e J...

Silvana: (...)

Jorgine: É M.

Elizabeth: R e J... (...) Olha só. Como eu havia dito na avaliação diagnóstica. Então

essa questão da Keila não poder ficar, então assim, eu não tenho o que fazer com eles

e eles fazem exatamente o que os outros fazem. A mãe eu conversei com mãe que eu

iria mandar atividade diferenciada pra ela pra casa. Tem vezes que dá pra mandar,

107

tem vezes que não. Então a J brinca o tempo todo. O R, ele copia tudo. Muito

responsável e tudo, mas a J brinca mesmo... parece que a mãe colocou ela numa

professora de reforço. Não sei qual é também.

Keila: Acho que a filha da patroa da mãe.

Elizabeth: É. O R eu queria chamar, até mesmo pra falar sobre isso, mas a Ana

Maria não veio aí eu pude chamar.

Marina: A Ana Maria tá de licença porque a filha fez uma cirurgia, tá.

Elizabeth: Eu sei. Eu sei. Por isso mesmo, mas eu já anotei pro próximo período.

Silvana: Mas você quer que chame o responsável...

Elizabeth: Do R. A princípio R, T e M novamente porque é... É triste. Eu pensei que

o J era o pior. Nada é tão ruim que não possa piorar.

Silvana: R, T e M?

Elizabeth: M é o pior aluno que eu tenho hoje. Ele não quer nada. Ele nem reconhece

a letra cursiva. Não reconhece nem a cursiva nem faz a bastão. Então assim... é... e

ele brinca e bate nos outros e xinga e fala palavrão e não sei o que. Eu vou chamar o

pai de novo.

Paula: É o Loirinho?

Elizabeth: É. Eu vou perturbar aquele pai, ou ele endireita, ou ele endireita.

Paula: Ele fica no celular ouvindo funk o tempo todo.

Marina: Tira.

Elizabeth: Então assim... ou resolve ou então, meu filho. Eu falei pra ele, conversei

várias vezes com o M: “M, olha só você tem nove anos. Seu comportamento tá de

alfabetização ou menos.” J tá lá, difícil concentrar. J tá concentrado, ele vem por trás

e dá um susto em J. Aí J para de fazer o trabalho. Então assim, é muito complicado.

Então eu preciso falar. A T por conta de mudança sei lá problema que houve com os

pais eu tô notando ela assim diferente. E a questão de eu acho que ela tem algum

problema de visão porque ela assim vê muito pertinho. Então vou conversar com a

mãe dela sobre isso. Tá? E o mais... Assim... Eu... a gente fez o planejamento, eu fiz

sexta.

Silvana: O R por que é que você vai chamar?

Elizabeth: Eu vou chamar por aprendizagem e a questão mesmo eu já mandei bilhete

pra mãe de roupa, que ele anda muito largado a mãe dele até explicou...

Carla: Tem uma questão do R... a questão do...

Elizabeth: Eu posso até perguntar porque a mãe dele é bem baixinha.

Carla: É?

Elizabeth: A mãe dele é bem pequeninha.

Silvana: É por que?

Elizabeth: É porque ela disse que ele pode ter algum problema de crescimento.

Carla: Não. Porque, assim... a gente teria essa mesma questão com o P da tarde e eu

tinha desconfiado e falei com a mãe e ela diagnosticou mesmo a diabetes tipo um. Aí

de repente se a gente pudesse pedir pra mãe fazer o exame, né. Pra ver se tem.

Elizabeth: Mas a mãe dele é bem baixinha. O pai eu não conheço direito, mas a mãe.

Jorgine: Também não é alto não.

Elizabeth: Aí a questão é a seguinte eu fiz a atividade, né. Eu só achei... vou até

conversar com ela. Eu achei que foi um pouco cansativo. Não sei se foi o primeiro

dia. Principalmente no primeiro ano. Assim, você tem que merecer um troféu porque

eles não ouvem, assim essa é a impressão que eu tenho.

Silvana: Isso que você tá falando é do reagrupamento.

Elizabeth: De sexta. A gente não pode, a gente não pode planejar. Na sexta-feira eu

não sei se vai ter, mas assim eu dei o mesmo conteúdo só que com grau de

dificuldade diferente até mesmo porque ela falou... a Amanda tinha me dito. A

questão da contagem, de relacionar o algarismo, número, símbolo, à quantidade. Eu

fiz esse movimento e eu tenho algumas impressões, mas eu gostaria primeiro de falar

com ela pra ver se ela concorda comigo ou foi porque eu peguei a primeira vez. Na

Fernanda eu fiz uma atividade com o material dourado, questão dos jogos aquela

108

coisa da troca da unidade e dezena. Eles foram muito bem, eles fizeram muito bem.

Entenderam, fizeram, só que o tempo também é um pouco limitado tipo...

Silvana: Quantas vezes vocês conseguiram? Só uma? Ah! Não dá...

Fernanda: Porque tiveram alguns feriados no mês de abril na sexta-feira. Nós

combinamos de começar na primeira sexta-feira de maio. Foi a sexta-feira passada.

Aí nós fizemos. Vamos fazer...

Elizabeth: Não sei. Se der.

Fernanda: Nesta sexta se a gente conseguir se organizar pra fazer. E fomos

conversando pra fazer aquilo que cada professor foi dando uma dica daquilo que

tinha mais defasagem, no caso ou o que a professora trabalhava menos no meu caso.

Elizabeth: Na minha turma a Amanda trabalhou foi com a parte do dicionário e o

significado das palavras que eu não havia trabalhado o dicionário com eles ainda. Eu

tenho uma dificuldade de trabalhar com o dicionário, mas assim, ela começou. A

Fernanda começou com a parte de produção textual, aquela coisa de início, meio e

fim. Eles escrevem bastante.

Fernanda: Escrevem muito.

Elizabeth: Só que eles não têm essa coisa de...

Fernanda: Da coerência, da coisa do texto, trabalhar o pensamento, trabalhar a

pontuação.

Elizabeth: Eu sei que é uma coisa que você adquire. Eu achei que foi válido? Sim.

Até mesmo a questão do respeito com os professores. Claro que a gente avisa antes.

Os outros também por mais que os da Amanda sejam agitados, todo mundo falava aí.

Aí depois eles me encontraram: “Tia, você vai voltar quando? Eu gostei muito.”

Várias pessoas me encontraram: “Ah! Você vai quando pra lá?” Vai funcionar, mas a

gente precisa planejar. Sem planejamento...

Silvana: É isso aí.

Elizabeth: É dar tiro na água.

Silvana: O planejamento é tudo, gente.

Elizabeth: Não tem. Não tem. Se tiver uma continuidade, vamos formar três grupos

maravilhosos...

Fernanda: Porque é o complemento.

Elizabeth: É.

Fernanda: Eu não sou... eu não consigo dar o melhor em tudo lá na sala porque tem

coisas que eu tenho mais afinidade...

Elizabeth: Eu também.

Fernanda: ...tem outras que eu dou aula porque eu preciso dar, mas não é aquilo que

eu gosto. Quando a gente trabalha com aquilo que a gente gosta. Um complementa o

trabalho do outro e aí sem falar que são dois, três olhares na mesma turma. A minha

avaliação, a avalição da Amanda e a avaliação da Elizabeth sobre a minha turma.

Silvana: Quando a gente senta...

Fernanda: Então na hora de mandar um relatório ou de falar de aluno no conselho é

melhor.

Silvana: E é aquele momento que a gente fala um com outro, com colega pra ajudar a

gente na própria formação.

Amanda: É aquela coisa, o aluno é da escola, né. O aluno é nosso. Não é meu.

Silvana: Eu acho que todos ganhamos, alunos, professores, a escola. Eu acho que...

Elizabeth: Então o que teria que falar... se eu tivesse tempo falaria mais, mas...

Marina: Ah! Novidade que se ela tivesse tempo falava mais. (risos)

Elizabeth: Eu digo assim teria preparado mais sobre o conteúdo e tudo mais. O que

eu tinha aqui anotado desde o outro período, da outra reunião eu passei.

Silvana: Tá. Amanda e Fernanda querem falar do reagrupamento?

Amanda: Eu trabalhei na turma da Elizabeth. Eu tô trabalhando esse livro aqui com

eles: “O caso das estrelas: universo contado pelas crianças”. São algumas palavras

que o autor deu para as crianças, pra algumas crianças e as crianças deram o seu

significado pras palavras, depois ele trabalhou o significado real. O significado real?

109

O significado formal, não sei.

Elizabeth: De acordo com a situação.

Amanda: Aí eu comecei, eu dei quatro palavras a eles. Primeiro contei, peguei

algumas palavras, falei pra eles, que as crianças interpretaram. Aí eles olharam o

livro, eu falei do dicionário, falei da organização por ordem alfabética. Aí depois eu

dei, comecei com a letra A. A gente foi até a letra C. Aí a palavra que eu dei foi... é...

AMOR... AMOR, AMIZADE... É... AMOR. Eu separei aqui. É BRASIL, BRASIL

saiu cada coisa. BRASIL, BELEZA... ah não. Foi só até a letra B. Foi AMOR,

AMIZADE, BRASIL e BELEZA. Tinha mais uma que eu não tô lembrando. E

CURIOSIDADE. E CURIOSIDADE. Aí eu combinei com eles que toda vez que eu

entrar a gente vai trabalhar alguma coisa, mas no final eu vou dar uma palavra

seguindo a ordem alfabética. Eu vou dar uma palavra pra eles me darem o significado

que eles têm. Aí eu li pra eles no final, sorteei, coloquei tudo no saco, sorteava. “Eu

não vou falar o nome da criança. Vou falar só o significado.” Foi muito legal. Assim,

o esforço de alguns pra escrever. E eu encorajei, assim, não... O R ele chorou.

Quando eu entrei ele começou a chorar. “Tia, mas eu não sei escrever, eu não sei ler.”

Eu falei: “Calma, cara. Você não sabe nem o que que eu vou fazer.” É uma

insegurança.

Elizabeth: Ele tem essa coisa.

Amanda: Aí eu conversei com ele e ele escreveu. Botou no papel. Só tive que

chamar, pra poder entender alguma coisa que ele escreveu, mas saíram significados

superlegais, sabe. E na da Fernanda eu trabalhei o... contei a história da margarida

friorenta e a gente só fez a dramatização da história. Só que aí sugeri que a gente

trocasse. Invés da margarida a gente colocasse outra personagem como friorenta.

Então teve um grupo que escolheu o cachorro friorento, aí a margarida fica em outro

papel. Teve um grupo que escolheu a Ana Maria, que é a menina da história. A Ana

Maria que era friorenta, que tinha lá a carência de amor. Então foi muito legal. Todo

mundo quis dramatizar, todo mundo quis encenar. Aí quer dizer a proposta que eu ia

da próxima vez a gente produzir alguma coisa escrita em cima. Uma hora e meia, né.

Uma hora e meia de tempo. A Fernanda falou: “Viaja com a minha turma. Eles tão

precisando dar uma viajada.” Então...

Fernanda: Essa coisa de dramatizar, trabalhar com música, dá uma... assim... sabe,

outras opções, outras coisas. E aí a Amanda tem esse perfil bacana.

Amanda: Vocês querem que eu leia alguns significados aqui?

Silvana: Eu quero.

Jorgine: Eu queria falar que no dia que Amanda fez essa atividade com as crianças

ela chegou lá na sala, mas os olhos brilhavam tanto, assim, que falei: “Cara, você tem

que contar isso lá no planejamento!” Ela tava numa alegria, na mesma hora eu catei o

livro. O livro é muito interessante. E aí a gente vê como é que até a gente se oxigena

quando você muda de grupo. A oportunidade de estar com outras crianças e com

outro colega trocando depois sobre aquele aluno que você, né... que a gente... eu

tenho esse olhar, mas o outro tem um outro olhar e o outro tem um outro. “Ah! Eu

não tinha percebido isso que você tinha falado.” Olha, eu fiquei encantada com o

encantamento dela. Então, assim, experimentem porque assim é muito bacana a gente

vê que as vezes a gente não consegue cultivar com um grupo maior. A gente tem um

grupo muito bacana com um potencial e a gente pode trocar. É isso quando a

Fernanda, quando a gente fala disso. “Eu não tenho muita afinidade com a área de

matemática, e eu tenho uma colega que tá disposta a fazer um trabalho bacana com a

minha turma.” “Pô, que legal! Vem!” Sabe. Então eu queira contar que eu fiquei

assim, encantada com o encantamento da Amanda no dia que ela fez essa...

Amanda: São coisas assim: “Amor é uma coisa linda porque quando o amor é

verdadeiro.” “Amor é uma amizade muito grande que pega cada pedaço da amizade e

vai transformando em amor.”

Marina: Que isso! Que isso, gente! (risos) Pelo amor de Deus!

Silvana: São seus alunos, Elizabeth?

110

Amanda: G. “Amor pra mim é um sentimento muito forte que sentimos por alguém.”

“Amor é mulher e homem namorando para sempre.” (risos)

Carla: Adorei essa.

Elizabeth: Quem foi esse?

Marina: Visão tradicional, né.

Amanda: G.

Elizabeth: (...)

Marina: Pra sempre mais ou menos.

Amanda: “Amor é um sentimento que vem do coração e uma confiança dada.”

Sidiniea: Nossa!

Carla: Profundo.

Paula: Poeta.

Marina: Para com esse reagrupamento. (risos)

Fernanda: Sabe que tá criando cobra, né.

(...)

Amanda: “Amor é quando a gente ama essa pessoa e quando a gente gosta das

pessoas.” “Amor é um sentido...” Ele colocou um sentido, mas acho que ele quis

dizer sentimento. “Amor é um sentimento que você sente quando se apaixona por

uma pessoa.” “Amor pra mim é tudo.” “Amor é quando uma pessoa gosta da outra.”

“Amor é vida e família pra mim.” “Amor é quando uma pessoa gosta da outra.”

“Amor é muito lindo.” Amor é todo mundo.” “Amor é lindo e é bonito.” (risos) Aí,

deixa eu ver.

Jorgine: Cadê o da curiosidade, Amanda?

Amanda: “Amizade é uma coisa que se for profunda pode durar para sempre.” A C.

“Amizade é quando você encontra um amigo para você brincar.” É... espera aí...

“Amizade é tudo. Sem amizade o mundo estaria perdido.” “Amizade é quando

‘ozamigo’ ficam felizes.” “Amizade é uma confiança em uma nova pessoa.”

“Amizade é quando você é amigo da pessoa.” “Amizade...” “Amizade quando ela

acaba... Amizade é quando uma pessoa cai e a outra vira pra pessoa e fala: ‘Tudo bem

com você? Você se machucou? Tá tudo bem?’”

Marina: Muito bom, gente!

Silvana: Quem foi esse?

Amanda: Essa foi a G.

Elizabeth: A G é muito piadista.

Amanda: “Amizade é quando você gosta de uma pessoa como amigo.” “É quando

uma pessoa gosta muito da outra e chama de melhor amigo.” “Amizade é quando

você vai pra escola e chega uma criança e fala: ‘quer ser meu amigo?’ Aí você fala:

‘sim’. Isso é amizade. (risos)

Carla: Franco e direto.

Amanda: Amizade é quando uma pessoa divide a sua coisa para a outra.

Elizabeth: Deve ser um lanche, deve ser uma coisa assim: “Ah. Divide comigo o

lanche.”

Amanda: Sei lá. Tem muito mais aqui. Agora deixa eu ver aqui.

Elizabeth: Curiosidades?

Silvana: Curiosidades.

Marina: Todo mundo ‘corioso’ pra ver a curiosidade.

Amanda: “Curiosidade é quando você ganha um presente e você quer abrir pra saber

o que é.” (risos)

Jorgine: Olha.

Amanda: “Curiosidade é uma fofoca.” (gargalhadas)

Carla: Profundo.

Amanda: “Curiosidade é quando uma pessoa está mexendo no telefone e o outro

quer saber o que é” (risos) “Curiosidade é uma pessoa que quer saber tudo.”

“Curiosidade é quando você vai ganhar um brinquedo. Aí você fica curioso.”

“Curiosidade é quando uma pessoa tem um segredo e a outra pessoa quer descobrir e

111

fica curioso.”

Silvana: Olha!

Beatriz: Isso é verdade.

Amanda: “Curiosidade é quando você fica interessado em alguma coisa.”

Jorgine: Adorei esse.

Amanda: P E.

Elizabeth: Ele é ótimo. P E.

Amanda: “Curiosidade é querer saber o que outro tá fazendo.” M. M escrevendo

assim me emociona, gente. Essa menina até o ano passado não escrevia nada.

Elizabeth: E ela tá tão integrada com o grupo.

(...)

Fernanda: O pai e a mãe, os dois são analfabetos de fichar dedinhos.

Marina: Tá. Eu achei que fosse uma outra história.

Amanda: “Curiosidade é querer ver o que tem do outro lado.”

Elizabeth: Aliás quero falar de L que pra mim assim foi, o pai que eu chamei e foi

melhor. Teve uma mudança assim muito drástica. Você não reconhece o L que eu

entrei e depois. Antes do pai e depois que eu conversei com o pai.

Jorgine: Coisa boa, né, gente. Coisa boa.

Elizabeth: Tá excelente.

Jorgine: Aí eu acho que a gente precisava dar um retorno pra esse pai.

Elizabeth: Eu arrisco a dizer...

Marina: É. Precisa esse retorno.

Jorgine: Dizer: “Que bom que o senhor veio, que o senhor continue fazendo assim

porque o Luan tá muito bem. Obrigada pela parceira.” Alguma coisa assim.

Fernanda: Um bilhete?

Elizabeth: Eu arrisco a dizer que hoje se ele fosse para o quarto ano ele ia

acompanhar o grupo.

Jorgine: Olha isso!

Amanda: Brasil. “O Brasil é um lugar muito lindo.” “O Brasil é a melhor coisa do

mundo.” “O Brasil é um mundo lindo e bem maravilhoso pra nós.” “O Brasil é o país

que você ama.”

Elizabeth: Você. Ele não. (risos)

Amanda: M. “Brasil é querido.” “Brasil é o país que eu nasci e vivo até hoje.”

Marina: Até hoje. Tipo...

Amanda: “Brasil é quando todo fica feliz.”

Paula: Copa do Mundo.

Amanda: Tem muita gente que confunde o Brasil com um time de futebol.

Marina: Ah! Sim. A seleção.

Amanda: “Brasil é o nosso mundo.” “Brasil é o nosso mundo... É... Teve um aqui...

“Brasil é um país lindo que mora centenas de brasileiros.” (risos)

Marina: Que coincidência, né.

Amanda: “O Brasil é alegria pra mim.” L. “Brasil é a torcida que alegra o mundo.” E

foi isso, gente. “O Brasil tem muitas pessoas.” “O Brasil tem muitas pessoas que todo

mundo gosta.” Todo o mundo gosta. Aí foi isso. Só pérolas.

Marina: Muito bom.

Carla: Impressionante como que ela fala o S, né.

Amanda: Quem?

Carla: Impressionante como que você fala o S final. Carioca.

Elizabeth: E aí. A faz com que os alunos também se empolguem. É diferente de o

professor chegar... essa é letra C. Entendeu. Eu sinto isso. “Eu gostei muito das

professoras.”

Silvana: Motivação.

Elizabeth: “E gostei muito das professoras!” “Tia, vai ser qual dia de novo?” Eu

falei: “Ah! Não sei.”

Silvana: Sua turma gostou, Amanda?

112

Amanda: Gostaram. Eu cheguei: “E aí? Como é que foi?” “Foi muito legal!”

Silvana: E na sua Fernanda?

Beatriz: Eu cheguei na sala de Amanda e nem peguei G porque tava26

...

Silvana: E a sua Elizabeth? Sua turma gostou?

Beatriz: Elizabeth no meio daquelas pecinhas então!

Fernanda: Então... Dentro da proposta que a gente fez, eu e a Amanda, eu trabalhei...

eu tô trabalhando a questão da escrita com eles. E aí eu comecei com uma história, a

mesma história nas duas turmas que também quero contar essa mesma história da

minha turma, pra seguir a mesma proposta no primeiro, no segundo e no terceiro ano,

pra gente ver os resultados. E aí já fiz a proposta no primeiro e no segundo. A partir

da história a gente trabalhou com listas que era o que tem no jardim. E aí nós fizemos

o que tem no jardim. Eu contei a história no primeiro ano. Fiz toda a interpretação da

história com eles. Trabalhei a questão de autor, de capa, de folha de rosto, como a

gente identifica um livro. A questão daquela, no terceiro ano falei daquela a ficha que

tem a identificação do livro, que é após a folha de rosto. Pra que tem aquilo ali. Aí

trabalhei bastante os elementos do livro, contei a história pra eles, trabalhei com eles

a questão de interpretar a história oralmente. Depois pedi a escrita. No primeiro ano

foi uma escrita de listas, a lista do que encontramos no jardim. No terceiro ano eles

fizeram... eu pedi que eles... a proposta foi que eles escrevessem a partir da história,

mas que eles escrevessem, que eles ficassem livres pra escrever o gênero textual que

eles quisessem. Poderia ser uma narrativa, recontando a história de memória, poderia

ser um trecho da história, tentar recuperar um trecho da história com as suas próprias

palavras e podia dar a sua opinião sobre a história. O que eu queria naquele momento

era que eles escrevessem pra mim sem intervenção do colega, que cada um fizesse

sozinho pra que eu pudesse ter... conhecer a escrita deles. Aí eu falei: “Olha. Não

quero... não pede ajuda ao colega. Poe enquanto escreve sozinho, escreve o máximo

que você conseguir. Eu só quero que escreva. Escreva bastante.” E aí tanto no

primeiro quanto no segundo ano teve a parte da ilustração, que era a questão da

interpretação da história através da ilustração e de um lado a lista, no primeiro. No

terceiro ano teve o desenho da interpretação e a escrita deles. Aí o L me surpreendeu.

Porque o L veio pra mim e falou assim: “Eu posso escrever a minha opinião sobre o

livro?” “Pode. Você pode dar sua opinião sobre o livro.” E ele escreveu a opinião

dele sobre o livro. Tá lá no armário.

Silvana: O L é de Elizabeth?

Fernanda: E ele foi assim... Ele foi o primeiro a acabar. O primeiro a acabar. Ele

sentou no banco.

Elizabeth: Ele não escrevia uma palavra.

Fernanda: Ele se sentou sozinho. Ele não conversou com ninguém. Ele fez toda a

escrita dele e quando ele trouxe pra mim a opinião dele sobre o livro e depois ele foi

fazer a ilustração dele. L não fez uma bagunça, o L não conversou com ninguém.

Escreveu coisas assim... Uma ou outra troca de letras, mas muito pouco pra o que ele

escreveu. Claro que ele não escreveu, que a escrita dele foi diferenciada da turma. Ele

foi o único que quis escrever a opinião dele sobre o livro. Foi diferenciado porque foi

um texto de quatro linhas, mas tá claro, claríssima a opinião dele.

Marina: E ele gostou do livro?

Fernanda: Gostou. E a justificativa sobre o livro. Ah, gente. Eu tenho que pegar.

Silvana: Ele foi retido no terceiro ano?

Amanda: Foi.

Fernanda: O L foi.

Fernanda: E aí qual o objetivo da proposta?

Amanda: Ele e a M.

Fernanda: Eu quero fazer a mesma proposta com o segundo ano. Cada um com seu

nível de aprendizagem de escrita. No terceiro ano da Elizabeth eu quero trabalhar os

26

Beatriz está falando sobre levar Giovana para a sala de recursos.

113

gêneros com eles. E assim... E que tratam dessa questão da estruturação do texto,

coerência... Então dentro de cada gênero. Eu vou tentar fazer isso nas sextas-feiras,

que foi o que a Elizabeth me pediu. A questão da ortografia também no segundo ano.

Através da escrita deles ir fazendo a correção do que eles escrevem. E nas duas

turmas de segundo e terceiro trabalhar a questão da... de como eu consigo produzir

um texto bem escrito. A partir daquilo que eu já escrevi como que eu torno esse texto

que eu já escrevi um texto bem escrito. E aí eu vou trabalhar com o que eles já

escreveram, com o que eles já produziram. Vou levar pra sala o texto escrito, vamos

fazer essa correção juntos, vamos reescrever sem identificar o aluno e assim nós

trabalhando essa questão da escrita até chegar num texto bem escrito nas duas turmas.

E no primeiro ano a questão das palavras mesmo, da autonomia pra escrever, de

tentar fazer a escrita sozinho, de trabalhar suas hipóteses e aí a gente vai trabalhando.

Pensei em seguir com a questão da literatura nas duas turmas porque é a questão da

linguagem, mas eu vou pegar um negócio rapidinho no armário e já volto.

Silvana: Só faltam dez minutos.

Fernanda: Não vai dar tempo.

Silvana: Semana que vem você mostra. Vamos ver se aí a gente consegue.

Conversa com a Professora Amanda

Na reunião do dia 24/05/17 pela manhã, com o áudio de 57 minutos e 46 segundos,

foi a vez da professora Amanda do GR1A, da professora Keila que substituiu a professora

Selma (devido ao término do contrato) no GR4A e a professora Cecília do GR4B.

Mais uma vez a Amanda fala da energia do seu grupo, mas esclarece que

não se trata de querer uma turma comportadinha. Afinal, “criança é energia”. A

conversa segue no sentido de sinalizar para as pedagogas os responsáveis que já foram

ou que ainda precisam ser chamados. E em seguida falamos sobre as crianças Gabriela e

B27

e seus processos de “inclusão”. Novamente digo que muitas coisas poderiam ser

pensadas a partir da relação dessas crianças com suas professoras e seus pares.

Diferentes entre si e diferentes dos demais, ambos testam os limites de nossos

conhecimentos, de nossas familiaridades e de nossas formas de ensinar. São eles que

nos ensinam com seus modos de aprender “que a aprendizagem é fluxo, é algo que não

se pode controlar (mesmo com as estratégias de avaliação traçadas pela educação

maior)”. (PEREZ, 2014, P.121)

Diante do desafio colocado por B e G e por outras tantas crianças que

circulam entre os laudos e os diagnósticos, entre discursos médicos e pedagógicos, entre

as faltas e os excessos a escola e suas professoras vivem a experiência da

desterritorialização, da necessidade de um deslocamento na busca de outras formas de

ensinar. Mas, vamos lá, gente. Olha o tempo. Vamos lá.

27

B possui limitações motoras e de fala e desde 2016 utiliza a cadeira de rodas para se mover. Sua dificuldade em pronunciar as palavras torna difícil a comunicação.

114

Amanda: Eu não terminei as fichas, né. Por motivos óbvios, questão mesmo de

tempo de planejamento super reduzido e tentei me planejar pra essa semana, mas fui

atropelada minha coluna, mas assim, eu não tenho nada pra acrescentar, não. A turma

é agitada e falante e uma turma que eu tô tendo muita dificuldade de... assim...

colocar os nossos combinados em prática. Eles também são muito desatentos,

dispersos. Eu tento colocar uma dinâmica de quem acabar pegar um livrinho, mas o

movimento que eles fazem é sempre né... causa um grande tumulto. Eles têm muita

dificuldade de respeitar o outro, sabe? O momento do outro. Se um acaba a atividade

acha que pode levantar, correr, pular, brincar, né. Quem já teve lá na sala sabe como é

que é.

Elizabeth: Sei. É assim mesmo.

Amanda: É uma turma que exige, assim, da gente muita energia, né, trabalho

dinâmico, a gente tem que ficar o tempo todo ali atendendo individualmente.

Jorgine: Eles são extremamente barulhentos, meu Deus.

Amanda: Muito barulhentos. Eu tô ralando pra botar do meu jeito. Não que eu queira

uma turma comportadinha, porque não é o meu perfil.

Elizabeth: Eu quero.

Amanda: Não. Eu não. Eu acho que criança tem que... criança é energia, né. Mas

assim, eu tento colocar... um momento pra essas coisas. Tem hora que tem parar um

pouco, né. Tem hora que... Eles são muito agitados. Isso tá... tá me dando muito

trabalho, mas por outro lado eu sinto que... que eles recebem bem a proposta, são

muito espertos. Não tenho assim crianças que eu vejo com grandes problemas de

aprendizagem. Tem alguns que eu já... a gente já tá chamando, já tô pedindo reunião

que é a D, que a mãe já veio, o C, que eu vou pedir...

Ana Maria: Quer falar logo?

Amanda: Vamos lá. C, V.

Ana Maria: A gente já chamou o C duas vezes e eles não vieram.

Amanda: Não vieram. Falta demais. Falta muito. A V também tá faltando muito. A

V tem um problema mesmo social e familiar. A última que ela... o relato dela foi uma

coisa assim terrível, que ela viu o irmão ser preso, viu uma violência policial horrível.

Ela relatou pra mim assim com detalhes. Assim, uma coisa horrível.

Ana Maria: É só uma V que você tem?

Amanda: A outra é C V. A gente precisa conversar com a avó que vinha. Pra ver

porque essa menina, ela tá vendo coisas assim... que eu acho que não coisa pra

criança ver.

Silvana: Você falou C, V e falou mais um.

Amanda: A Daniela a gente já chamou e já conversou com a mãe.

(...)

Silvana: Depois se você quiser falar dos faltosos também.

Amanda: São esses, C e V. São os mais faltosos. Tem os outros que tiveram dez

faltas, mas foi bem... não foi seguida não. O C ele teve já quarenta e poucas faltas.

Silvana: Que isso!

Amanda: Uma parte delas justificada, mas já são quase trinta faltas sem justificativa.

E a V também falta toda semana. A . Toda semana. São os mais faltosos. E a A B eu

já pedi...

Ana Maria: A mãe veio buscar.

Amanda: Já pegou, né, pra vista. A gente sente que tem alguma coisa. Ela força

muito a vista pra olhar pro quadro e pro caderno. Aí já veio pegar então. A mãe

parece bem... cuidadosa.

Ana Maria: É. Ela é tranquila. Cuidadosa.

Amanda: Assim... muitos casos de piolho na minha turma. Mandei bilhetinho que a

escola providenciou. Muito piolho, a gente vê caminhando assim nas cabecinhas,

sabe. (risos)

115

Ana Maria: Mas tem mais alguém que você queira chamar, Amanda? Além desses?

Amanda: Não. Esses são os mais...

Ana Maria: Fono? Nada?

Amanda: Ah sim. Tem E.

Ana Maria: Como?

Amanda: E.

Ana Maria: Fono, né?

Amanda: É. E é isso. Trabalho mesmo já relatei na avaliação inicial. De escrita e

leitura diariamente, o ajudante do dia. Agora eu... a gente tá com o modelo de

calendário que todo dia o ajudante do dia vai e faz a contagem, anota no calendário a

quantidade de meninos e meninas, o total, de como tá o tempo. Eles estão gostando

muito de fazer isso. Aí eles vão acompanhando ali os dias da semana, os dias do mês

e gente trabalha essa sequência dos dias da semana. E é isso. O trabalho diário. Eles

agora estão levando o livrinho pra casa. Tem a bolsinha que vai pra casa com o livro

todo dia. Aí retorna com o livro, eles contam a história pra turma, falam como que foi

em casa, quem contou a história, quem gostou. Se a mamãe gostou da história, de

contar a história, se eles gostaram. Aí eles contam a história pra turma, né. Tá sendo

bem legal. Aí procuro fazer tudo na ordem alfabética pra eles mesmos já tem essa

coisa de: “Não. A A B foi ontem então hoje é o C.” Eles já estão com essa... já estão

espertos assim na ordem alfabética, pelos menos os nomes deles. “Se foi o B então

hoje é o C, né.” Eles me corrigem às vezes, né. Às vezes eu falo de propósito. “Ué!

Hoje não é o E?” “Não. Porque aqui. A letra C vem depois da letra B. Então o E não

é hoje.” Eles estão bem espertos na ordem alfabética com os nomes deles. Aí tá

assim. Tá bom? Não tenho nada a acrescentar, não. Eu preciso de uma ajudante.

(risos)

Ana Maria: E a G? Fala da G.

Amanda: G espertíssima. Hoje ela leu palavras.

Jorgine: Ah! Que graça!

Amanda: Muito esperta, muito atenta.

Silvana: G é a do problema do...

Amanda: É.

Silvana: E ele não veio.28

Amanda: Eu combinei com a turma. Nada de fazer gestinho. Porque as crianças

acabam entrando na dela.

Ana Maria: Vamos parar com esse negócio de gestinhos.

Beatriz: Ela é esperta, né.

Amanda: Eu falei: “Não. Fala que ela tá escutando.” Então eles estão fazendo isso

com ela. “G, chama o meu nome. Meu nome é C.”

Beatriz: Mas assim, vamos explicar assim... a gente fez uma reunião com a mãe. E a

gente pediu porque a mãe criou, pra poder se comunicar com a G, que a G era...

Ana Maria: Antes do aparelho, né.

Beatriz: Antes do aparelho. Antes dos três anos ela não tinha... ela não ouvia porque

ela não tinha o implante coclear e ela tem uma surdez profunda bilateral. Então pra se

comunicar com a filha ela e a filha criaram um canal de comunicação alternativa por

gestos. Só que...

Amanda: Que não é libras.

Beatriz: Não é libras não é nada. É um canal delas, só que ela foi protecisada,

começou a ouvir começou a falar. E usar esse canal alternativo. Então tá uma mistura.

E aí, G como é muito esperta quando tá difícil pra ela entender ela começa a querer

falar com gestos. Porque aí a gente conversou com a mãe. A gente contou isso pra

ela. Nós combinamos com ela de ficarmos mais atentas a isso pra que ela possa,

realmente, desenvolver essa potencialidade.

28

Silvana está se referindo ao pedagogo da equipe de Educação Especial que deveria ter comparecido na escola para orientar as professoras e conversar com a responsável pela criança.

116

Jorgine: É. Ali fora a gente chama... Ela não... sabe?

Beatriz: Mas o que acontece? Ela tá com um aparelho só. A mãe falou que já chegou

o outro. Agora tem que levar pra calibrar, colocar. Então a gente acredita que com os

dois... no início vai ser difícil pra ela se adaptar novamente, né, a entrada dos sons. E

aí a gente tem que ter um pouco mais de paciência, mas...

Ana Maria: E ela tá alfabética, né, Amanda?

Beatriz: Tá. Escreve.

Jorgine: Que gracinha.

Amanda: Já tá fazendo a transição da letra bastão pra cursiva. Ela fica nos modelos...

Ana Maria: E a família é ótima.

Amanda: Aí, às vezes, ela me pede ajuda com a letra que ela não consiga achar. Eu

vou lá mostro, o modelo ela mesma faz a transição. Ela procura no modelo e faz a

transição da bastão pra cursiva. É muito esperta.

Beatriz: E assim...

Amanda: E eu não atendo mais o: “Uou!” Porque ele me chamava assim: (bate na

mesa mostrando como a G faz) Não atendo mais isso. (risos) Aí ela tá aprendendo a

me chamar de tia. “Tia!” Aí eu olho. “Hã!”

Beatriz: Tenta fazer isso também.

Amanda: Quando ela me chama de tia eu olho.

Beatriz: Porque ela sabe.

Jorgine: É difícil não atender, né, Amanda. Porque a criança...

Amanda: No início eu atendia, mas agora. Agora é tia numa boa. Agora é Tia

Amanda. Amanda. Amanda, é difícil pra quem... né.

Beatriz: Mas ela se esforça, né.

Amanda: Ela se esforça.

Beatriz: E assim... eu tô acompanhando o K uma vez por semana junto com a G. Isso

tá sendo muito legal porque o K tá querendo ajudar a G e a G ajudar o K. Porque o K

tem uma dificuldade nessa questão do aprendizado e ela é muito mais esperta, mas na

hora da fala ela tem alguma dificuldade. Gente, é muito interessante os dois juntos.

Tá funcionando muito bem.

Érica: Oh Amanda, deixa eu te perguntar uma coisa... desculpa. (interrompeu outra

fala) O B e a G. O B, na última aula que ele foi comigo, ele não parava de rir. Eu

explicando e ele tipo assim...

Beatriz: Ele escuta normal. A gente anota o nome...já chamou a mãe.

Érica: Não, eu não sei. Eu tô perguntando. Porque a gente as vezes com NEE,

quando ele tá sozinho, pelo menos eu, por exemplo a G quando foi pra minha aula eu

não sabia nem que ela não escutava. Então assim... quando eu comecei a ver, gente.

Eu pensei: “Essa menina tem alguma coisa errada.”

Marina: A gente devia ter pensado nisso.

Érica: Então, assim... eu às vezes não sei. Porque eu não sei até que ponto isso

porque eu chamo atenção.

Beatriz: Não, mas é normal.

Érica: Do B, eu tive que chamar a atenção dele várias vezes.

Helena: É estranho mesmo porque ele chora aí ele dá gargalhada, chora, dá

gargalhada.

Érica: Mas ele não parece que tá chorando não.

Helena: Tem umas três semanas que ele tá assim.

Beatriz: Não, mas ele tá...

Érica: Por isso que eu tô perguntando. Porque eu falei: “Gente, será que tô dando

esporro na criança.”

Beatriz: Essa coisa de B pode chamar atenção. Tem horas que ele faz pra chamar

atenção.

Érica: Eu falo: “B, o que tá acontecendo?”

Beatriz: Uma vez eu até tive que levar B pra Jô chamar a atenção dele. E levei a

agenda e ele ficou superfeliz porque Jô anotou na agenda.

117

Jorgine: É assim. É a Jô. Né, Helena. Jô. Chama Jô.

Beatriz: Porque Jô chegou lá na sala e deu uma bronca.

Érica: Eu não entendi como choro.

Beatriz: Não, mas...

Helena: Se ele chorar você vai saber.

Érica: Eu falei: “B, eu não te entendendo. Você nunca fez isso.”

Beatriz: Hein, Marina. Mas assim, porque Jô foi lá na sala e chamou a atenção e

falou que quem desrespeitasse que era pra levar. Aí ele começou, mas eu acho que ele

fez aquilo mesmo de teste.

Érica: De teste, assim.

Beatriz: Aí eu falei: “Olha só. Jô, dá pra você...” a felicidade pra ele de ter a anotação

foi uma coisa assim.

Érica: Por isso que eu tô falando porque eu não sei se tem alguma coisa aí.

Helena: Eu acho que é alguma coisa neurológica.

Beatriz: Não. Agora eu tô achando.

Érica: Não. Não tema nada. Do nada. Eu explicando e ele rindo. Eu: “Hã?”

Jorgine: Às vezes não tem pra gente, né.

Beatriz: Mas olha só...

Jorgine: A gente não sabe o que tá por detrás dos bastidores.

Beatriz: Ele tá passando por umas situações em casa. Então assim toda vez que ele tá

com essas alterações emocionais, ele dá uma... mas a gente não sabe. Então a gente

chamou a mãe pra terça que vem. Aí ela vai vir pra gente conversar e falar disso.

Porque a A V quando apresenta esses quadros assim é um quadro neurológico. A mãe

até levou pro neuro ontem. A A V tá medicada e tudo, mas assim, o B é a primeira

vez que a gente tá vendo ele fazer isso. Do nada.

Érica: Nunca tinha visto.

Beatriz: E com Cecília ele tá fazendo pior. Ele tá rindo e chorando.

Érica: Chorando não.

Beatriz: Mas não tanta, tanta frequência quanto agora.

Ana Maria: É verdade. Eu me lembro.

Beatriz: Mas aí tinha um caso.

Ana Maria: Tinha.

Amanda: Não. Até esse riso também.

Silvana: Eu hoje também na aula de educação física eu achei o B estranho, diferente.

Helena: Mas ele tá diferente.

Antônio: Ele jogou mais que das outras vezes.

Beatriz: Ele tava feliz, jogando basquete.

Silvana: É, mas a postura dele... achei ele meio... não sei... diferente.

Érica: Também tô achando ele diferente.

Mariana: O dia então... o dia que ele veio sem óculos foi muito estranho. Ele não

queria nem se comunicar sem óculos. Eu falei: “B, mas é só olho. Você escuta sem

óculos.” É muito complicado sem óculos. Ele tá escutando o que eu tô falando, mas

ele não quis fazer nada.

Fernanda: Ela falando com ele e ele nem...

Helena: Parecia que tava dando ausência.

Beatriz: Tem dias que ele fica assim mesmo. Mas aí terça-feira a gente vai conversar.

A gente vai saber o que tá acontecendo.

Silvana: Podemos ir para outra turma? Quem vai agora? Keila?

(...)

Silvana: Vamos lá, gente. Olha o tempo. Vamos lá.

118

Conversa com a Professora Keila

A professora Keila, que até então era a professora articuladora do primeiro

turno, assume a regência da turma com a saída da professora Selma devido ao final do

seu contrato. Durante o ano de 2017 foram várias situações de substituição de

professores em diferentes turmas.

A fala da professora Keila nos aponta questões importantes para pensarmos

a prática educativa acerca da leitura. Busco na pesquisa de Perez sobre as práticas de

ensino da escrita dispositivos para pensar também as práticas de ensino da leitura.

Na escola, a escrita é uma erudição exigida e não ensinada. Temos

observado em nossas investigações com as crianças, que as

possibilidades de apropriação da escrita (e do conhecimento)

aumentam quando a colaboração se traduz num dispositivo da ação

educativa. Só se apropria da escrita quem escreve, portanto é preciso

que as crianças escrevam para aprenderem a escrever. (PEREZ e

ALVES, 2009, P.114)

Da mesma forma a leitura pode ser afirmada como competência exigida,

porém não ensinada pela escola. A criança precisa saber ler para aprender e quando não

aprende é porque não domina a leitura, não compreende o que lê, não tem fluência.

Pode até gostar de ler, mas não entende. Então é preciso ensinar a ler e é preciso que as

crianças leiam para aprender a ler. Não decodifiquem ou juntem sílabas, mas que

atribuam sentido ao que leem. Por fim, é preciso que leiam textos que foram escritos

para serem lidos e não textos escritos para ensinar a ler.

A questão acerca da aprendizagem da leitura e da escrita é recorrente nas

conversas como pode ser percebido a partir da leitura das transcrições. No entanto, o

fluxo da conversa não permite pausa e também não é possível ouvir de novo como na

gravação. E a conversa faz uma curva, muda de assunto e o tempo acaba.

Keila: Então. Pouco tempo ali, mas eu vou falar da observação que eu fiz. Eu acho

que o grupo ele é muito inteirado. Sabe? Assim eles têm boa relação entre eles, com o

professor também. Assim, eles me receberam bem. É claro assim que fica naquela

fase de testar o que eu preciso fazer, se eu preciso fazer a atividade, se eu não preciso,

mas assim eu acho que isso agora já tá resolvido, né. Eles estão sempre dispostos a

fazerem as coisas. Eu acho assim que é um grupinho bom, com um potencial. Não

vejo crianças ali com grandes dificuldades de aprendizagem, não vejo. Assim, é

normal para o grupo, para a faixa etária. Eu achei que eles têm dificuldade assim, de

entender. Foi até uns textos que a gente tava trabalhando em ciências e me chamou

atenção porque a questão do vocabulário. Coisas que pra gente é fácil, é óbvio, né

119

não é pra eles. Então eu comecei a notar isso. Foi até uma frase que assim: “O calor

da Terra provém do Sol.” Quer dizer, provém, e assim, dificuldade de entender. Até a

questão ali é, não precisa nem saber o significado de provém, dá pra você fazer um

link ali, mas não conseguem.

Silvana: É, mas as vezes é difícil nessa idade.

Keila: Então... Exatamente.

Silvana: Porque não é uma palavra de uso corrente.

Keila: O vocabulário. Exatamente.

Silvana: Então é natural que eles não...

Keila: Então isso assim eu tenho notado e aí a gente tá trabalhando cada partezinha

do texto mesmo, cada parágrafo. Que tá falando sobre aquilo. Tá usando o dicionário,

né.

Jorgine: Como é que é o nome daquele menino que você levou lá dentro pra gente

conversar com ele?

Ana Maria: D.

Jorgine: Não. Não. um aluno novo. Um grandão.

Keila: C.

Jorgine: É C.

Keila: Espera aí. Deixa eu falar porque eu tenho dois.

Jorgine: Que enrolava o pano na cabeça?

Keila: É o C.

Jorgine: Ontem eu fiquei lá um pouquinho. Adorei. (rindo) Fiquei lá ontem um

pouco. E assim, só pra reiterar o que Keila tá falando. A turma é muito boa, mas esse

menino, no dia que ele foi lá dentro, Keila, que você pediu ele pra conversar comigo,

ele tem dificuldade e ele falou... Eu falei pra ele: “Você tem entendido as coisas que

estão sendo feitas?” E ele falou: “Não.” E aí ontem eu percebi isso bem de perto.

Porque enquanto a gente fazia a autocorreção ele não ia. Ele. Não sei, assim, o resto.

Porque eu fiquei lá uns quarenta minutos, uma hora.

Keila: Esses casos particulares eu vou falar. O C, como caso particular, a L e o E,

mas no geral...

Jorgine: A turma é boa.

Keila: No geralzão a turma ela é boa. Eles respondem bem. Então, o C tem essa

questão mesmo. Inclusive até de fazer, ele não tá fazendo. Agora tem uma outra

questão ali que é uma inquietação muito grande, que ele passa grande parte do tempo

implicando com todo mundo. E assim, já fiz... já troquei ele de lugar, sempre troco e

sempre tem uma reclamação, uma reclamação dele. Gosta de fazer desenhos e fica

nisso. Ele é uma criança que... é uma criança nova né, Jô?

Jorgine: É.

Keila: Mas já deu pra observar isso, que ele não tá participando não.

Silvana: Mas assim, talvez não esteja participando...

Jorgine: Porque não sabe.

Silvana: Porque ele está muito distante do nível da turma. Já pensou sobre isso?

Keila: Pelo que já vi não tá tão distante não. Já vi coisas que ele escreveu.

Silvana: Já viu a leitura dele?

Keila: Já. Ele lê direitinho. Lê direitinho. Aliás ele gosta até de ler.

Jorgine: Sério?

Keila: Ele pede pra ler. Com dificuldade ali mais compromisso de fazer, sabe? Ele

Lê.

Silvana: Ele lê, interpreta, escreve com coerência?

Keila: É. Não tá muito assim fora do nível da turma, não.

Silvana: E matemática?

Ana Maria: O problema dele é mais a participação? É isso?

Keila: A participação, o interesse. Ele tá no mundo dele, lá. Criando essas questões

em sala de aula, tá sempre em assunto que não é o da sala. Sabe? Sempre levando

outros assuntos, outros babados lá. Então... Eu tenho trabalhado isso com eles. A

120

gente estuda os textos por parte, eles escrevem o que entenderam daquilo, né, pra tá

passando, pra usar as próprias palavras. E a questão do vocabulário que a gente já

começou a usar o dicionário pra tá destrinchando isso. Eu também vou pegar essa

semana um espaçozinho pra tá lendo alguma coisa pra eles. Eu já até separei “O

menino maluquinho” e “O menino marronzinho’ pra gente ler, quer dizer, eu vou ler

e eles vão depois escrever, contar, do jeito deles pra ver se dá uma melhorada nisso

aí. A questão da leitura também, eu acho que precisa de mais fluência. Já tenho feito

também. Já tenho passado leitura pra casa e assim a gente tá fazendo isso. Lê, estuda

o texto, fala, fala da ideia central o que vem a ser, o que tá querendo falar aquilo.

Ana Maria: E a L e o E?

Keila: Então, o caso da L é uma timidez exagerada, ela não se relaciona com as

crianças da sala, ela sempre procura sentar perto de mim, fica lá no cantinho. Ela não

tá participando da aula de educação física.

Antônio: Nunca participou.

Ana Maria: Essa é aquela?

Keila: Não faz.

Silvana: Ah! Essa é umazinha que hoje eu passei com a outrazinha.

Antônio: De óculos.

Silvana: Aí eu perguntei: “Por que que vocês não estão fazendo educação física?”

Antônio: Ela não faz nada.

Silvana: Uma falou: “Eu tô cansada.” E a outra: “Eu não gosto.”

Ana Maria: É aquela mesma, Jô?

Jorgine: É.

Antônio: É aquela de sempre.

Keila: Ela ficou na sala hoje comigo.

Jorgine: Como eu tenho ficado ali na quarta-feira ela vem e me pede um jogo ou

alguma coisa assim.

Keila: Ela nem quis sair. Ela saiu e voltou. Uma que tava de shortinho assim e

blusinha rosa?

Antônio: A animação delas é contagiante.

Silvana: Tava as duas sentadinhas, assim.

Jorgine: É uma... lourinha.

Keila: Ela foi muito rápido e voltou e quis ficar lá sala. Arrumou os livrinhos na

estante. Ela é muito tímida, né.

Antônio: Dor de cabeça. Tá sempre assim.

Keila: Sente um frio. Tá sempre com muito frio. Pode tá aquele calorão que tava aí

no verão e ela tava com o casaco.

Ana Maria: Pra se esconder.

Keila: Sempre com o casaco.

Silvana: Mas ela acompanha a turma?

Keila: Acompanha.

Silvana: É mesmo chamar pra conversar com a mãe sobre a socialização dela.

Keila: É. O E é um aluno... ele é silábico, ele tá escrevendo só com vogais. Não

acompanha.

Silvana: E?

Keila: É. (...) É o mais crítico ali. O J V. Tem uma leitura muito silabada. Tá

sempre... Tá sempre colando em alguém pra fazer as atividades. I também, mas I não

sabe...

Ana Maria: J V? É esse?

Elizabeth: J V ele lê? Ele já aprendeu a ler?

Keila: Não, ele lê. Mas ele é uma leitura muito silabada.

Ana Maria: É aquele que era seu, Elizabeth?

Silvana: Mas ele interpreta?

Elizabeth: Esses dias veio ele e um outrozinho acho que era I. Veio pra cá, mas ele

não conseguiu fazer a atividade não.

121

Keila: É. Não faz. O J V é muita preguiça. Ele até assim, se você ajudar ele faz. Ele

tem uma leitura silabada, muito silabada. Isso atrapalha a vida dele, mas você

ajudando ele faz.

Ana Maria: Ele faltava né, Elizabeth?

Elizabeth: “Vem cá esse menino não vem não?” “Choveu muito.” Eu falei:

“Senhora, já não chove há um mês.” “Ah! Mas quando chove lá enche.”

Keila: Tá com vinte e cinco faltas.

Silvana: Quem?

Keila: O I tá com vinte e cinco faltas.

Silvana: Então você vai falar dos faltosos logo?

Keila: Posso falar. Olha, tem um aqui que eu não conheço, que eu não vi até hoje. A.

Ana Maria: A falta muito.

Jorgine: A. Sumiu de novo.

Keila: Ele tá com quarenta e sete faltas.

Jorgine: Meu Deus do céu.

Keila: Tem J também com vinte e quatro faltas.

(...)

Silvana: Mais alguma coisa, Keila?

Keila: Não. É só isso. Da turma o C é o que tem que chamar. Essa questão dele.

Acho que chamar o responsável pra ver o que que tá acontecendo.

Ana Maria: Eu vou chamar esses daqui. C, L, I, J V.

(...)

Keila: E tem A.

Marina: Ele tem bolsa família? Ele tem bolsa família?

Jorgine: Ele já estudou a tarde aqui, Evelim?

Ana Maria: Ele tem família?

Jorgine: Porque de repente colocar ele à tarde, né.

Marina: (falando com a Jô) Viu isso eu perguntei se ele tem bolse família...

Ana Maria: A mãe dele fica na praça, mas quando chama pra reunião...

Keila: Teve um a tarde também que faltava, dessa família.

Marina: Vamos pro conselho, gente.

Ana Maria: Mas naquela vez que a conselheira teve aqui a gente falou do caso dele.

Ela levou...

Keila: O filho da E. O filho da E?

Ana Maria: Não. Não. O caso dele tá mais que no conselho tutelar. Mais do que o

limite.

Marina: Pois é.

Silvana: (falando com a Cecília) E agora?

Conversa com a Professora Cecília

Cecília diz que vai precisar respirar “porque são muitos problemas”. A avaliação

diagnóstica já havia apontado os alunos com as chamadas “dificuldades de aprendizagem”. Já

conversamos sobre a N, que “avança e retrocede” de uma forma que não entendemos, sobre o V

H que está de novo sem o remédio e sobre o B que está sem professor de apoio. A discussão

busca identificar os alunos da turma que teriam o direito de serem auxiliados pela professora de

apoio por serem alunos com necessidades educativas especiais, mas esse critério é cada vez

mais de dependência para as atividades de vida diária do que pedagógico. A impossibilidade da

professora de dedicar à essas crianças uma atenção individualizada leva à proposta de

redistribuição desses alunos entre os dois grupos. A discussão é difícil porque as questões de

122

comportamento mais vez se misturam com as questões de aprendizagem e a falta da professora

de apoio é apontada como razão da impossibilidade de avanço do trabalho.

Assim, circulamos entre os mesmos discursos: um conhecimento da N que vai e

volta, a medicação do V H como solução para o comportamento difícil, e o professor de apoio

como solução para as dificuldades do B. Enquanto isso pensamos em mudar as crianças de

turma para dividir o trabalho entre as duas professoras. Falar qualquer coisa além disso é difícil,

precisa respirar fundo mesmo.

A relação com a família também se coloca, pois, alguns pais não atendem ao

chamado da escola e fica difícil conhecer um pouco mais sobre as crianças e até fazer alguns

encaminhamentos ao posto de saúde solicitando avaliações e exames. Sem o objetivo de realizar

julgamentos a relação da escola com a família, às vezes, é difícil e por vezes compreendida

como escola x família.

Cecília: Vou respirar, porque são muitos problemas. Então, a GR4B é uma turma um

pouquinho complicada de lidar, tem uma galera muito boa que acompanha bem, mas

tem uma galerinha assim com questões de comportamento, as questões dos alunos

com dificuldades que eu já relatei na avaliação diagnóstica. E aí, assim, não mudou

muita coisa, né. Eu continuo trabalhando... vou falar um pouco desses alunos que tem

dificuldade. Com N, pelo uma ou duas atividades por dia eu consigo fazer com ela.

Eu não consigo prender ela totalmente em atividades de sete e meia ao meio dia, mas

pelo menos duas atividades eu consigo fazer diferenciada, né. Eu tenho um livrinho

de alfabetização que eu trabalho só com ela, que é essezinho aqui, mas é aquilo. A N

ela avança e retrocede de uma forma que eu não entendo. Tem dia que eu faço um

ditado com ela e ela vai razoavelmente bem com ajuda. E tem dia que eu faço e não

sai lé com cré. Então, assim, eu não entendo muito bem o que acontece com a N. O

nome dela ela esquece. Todo dia a gente trabalha e todo dia ele esquece a ordem das

letras.

Elizabeth: Uma vez, só um detalhe, uma vez.... ih... era esse povo que é do quinto

ano, eu pedi... eles estavam escrevendo com giz na quadra, ela pegou e escreveu o

nome dela todo. Eu tirei até uma foto, mas eu apaguei, gente, essa foto. Depois ela no

outro dia já não sabia mais.

Cecília: E assim, ela tá muito motivada. Hoje ela pediu pra fazer continha. Eu passei

continha pra ela.

Paula: Que gracinha.

Cecília: Aí ela foi no dedinho fazendo continha. Porque a turma tava fazendo

matemática então ela queria tá inserida naquilo. Aí eu passei continhas pra ela, bem

simplezinha. Ela foi fazendo no dedinho, com ajuda. “Tá vendo como você sabe tudo,

N?” E aquilo pra ela é sensacional. Ela acha que ela sabe tudo mesmo. Então, assim,

é um trabalho de autoestima, é um trabalho de incentivo, de por ânimo nela, de

mostrar que ela é capaz, mas tem algo que vai além do que a gente possa fazer. Eu

acredito que tem algum comprometimento ali que ela não retém. Eu acho que ela não

retém. Não é nem que ela vai e volta. Eu acho que ela não retém. Aquilo que tá, sabe?

Que ela tá...

Beatriz: Cecília, só proa complementar o que você tá falando, hein, Ana Maria, a N

veio falar pra mim e pra Cecília que ela tava... que ela foi ao médico de cabeça, que

ela fez o eletro, que ela fala daquele jeito dela e ela disse agora que ela vai entrar na

123

máquina. E olha só o que ela falou...

Cecília: E olha só o que ela falou. Ela falou assim: “Tia, agora eu vou aprender a ler.

Sabe por que? Eu fiz um exame ‘eletrocefaograma’ que aí bota um negócio aqui na

cabeça...” (risos)

Marina: Fala o nome do exame.

Cecília: “ ‘Eletrocefaograma’ aí eu vou tomar um remedinho, que esse remédio vai

me fazer ler, tia.”

Beatriz: Então, assim, quando ela falou isso pra mim...

Ana Maria: A criança ouve isso desde quando? Mas assim, achei interessante porque

houve um movimento aí da família.

Beatriz: Porque a gente tá (sinal de muito tempo) Até no Conselho e no Ministério

Público Realmente o déficit cognitivo da N... hoje ela escreve... agora né... ela sai da

sala... Eu pego a N ela acabou de escrever o nome todo, chega na sala de recursos ela

não consegue mais. Então a retenção dela é por pouco tempo, mas tá motivada

mesmo.

Cecília: Tá motivada, fala, conversa, contou do aniversário de quinze anos. Ela não

sabe quando é, ela não sabe qual idade ela tem. A gente tá trabalhando essas coisas,

vou trabalhar o calendário com ela diariamente pra ela se nortear porque ela tá

totalmente perdida. Ela não sabe que dia é hoje. Ela não sabe o dia da semana. Eu

vou começar a trabalhar isso com ela.

Ana Maria: Mas a comunicação dela tá boa?

Cecília: Tá. Tá ótima. Conversa, fala sobre tudo. Coisas assim, ela cismou com a

palavra maior. Aí tudo que ela fala assim: “Tia, vai ter o meu o aniversário aí vai ter

bolo. Vai ser um bolo maior. Aí vai ter assim cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Cinco

andares. Maior. O bolo vai ter o andar maior, tia. Aí eu vou ganhar um celular que vai

ser um celular maior.” Ela cismou com isso.

Elizabeth: Ah eu quero um desse também.

Cecília: Fala. Ela fala desse aniversário de quinze anos que ela não sabe nem quando

é. Aí você fala: “N, você tem quantos anos?” “Ah, eu vou fazer doze.” Aí ela não

sabe quando é que ela vai fazer.

Beatriz: Ela já tem doze e vai fazer treze.

Cecília: Aí ela fica perguntando pros outros: “Quantos anos eu tenho mesmo?”

Ana Maria: Já parou de implicar?

Beatriz: Eu acho que a turma também, é uma turma que acolheu mais. É uma turma

que deu uma acolhida assim...

Cecília: E ai deles que se meterem com aluno com alguma necessidade especial

porque eu falo mesmo. Eu converso muito com eles, não tem que rir de ninguém.

Ninguém é melhor que ninguém, ninguém é pior que ninguém. Eles têm dificuldade

então eles nem se atrevem.

Beatriz: E eles se ajudam né.

Cecília: Ajudam.

Beatriz: B hoje tava falando. Ela passou atividade de tabuada aí eu fiquei ajudando

um pouquinho depois eu me retirei e fiquei mais com N pra ele ficar um pouco

sozinho porque ele consegue. Aí a do lado ficava olhando. “Olha, B, não é assim não.

Vamos contar.”

Ana Maria: Eles ajudam.

Beatriz: Tão bonitinho assim a solidariedade da turma.

Mariana: Ela fez outro dia ela, essa menina que sentou do lado pegou escreveu umas

letrinhas aí recortou e montou um joguinho pra ele.

Beatriz: Mas eles estão se virando ali.

Cecília: Bem legal. Então, assim, com a N eu faço isso. O B é um pouco mais

complicado porque quando eu tô sozinha, não é sempre que a Mariane pode ficar

comigo ou a Paula e às vezes eu fico sozinha mesmo. Então assim, quando eu tô

sozinha é mais difícil porque eu preciso pegar o computador, eu preciso sentar do

lado dele, eu preciso ditar algumas letras, preciso criar uma atividade diferente.

124

Então, assim, quando eu tô sozinha com o B eu tenho tentado trabalhar com coisas

mais lúdicas, com tampinhas, esses dias eu trabalhei retas aí eu dei aí eu peguei uns

canudos e dei pra ele, botei N também pra fazer. Porque se torna mais complicado

fazer algo mais sistemático quando eu tô sozinha. P H é o que eu mais tenho

dificuldade de alcançar. Por que o que que acontece? Ele sabe as coisas. A gente já

viu que quando alguém senta do lado, quando a gente dá uma atenção individual ele

sabe fazer. Só que os pensamentos dele... Ele se perde naquilo e ele não se concentra

e ele tem dia que não produz nada. Se alguém não sentar do lado dele. Mesmo se ele

tá sentado comigo e se eu não ficar: “Vamos, P H, me responde.” E olhando pra ele,

ele não vai. E brinca com o trocinho e levanta o dedo pra falar coisa que não tem

nada a ver.

Ana Maria: A mãe pediu reunião com a fono só que esta sexta agora você não tá

então só pra outra, tá? Vou marcar pra outra, tá?

Cecília: Assim, é uma fala que não condiz com a idade dele. É sempre falando do

bolinho da avó. Sempre uma coisa que não tem nada a ver com nada. Cachorro... E

além desses três alunos que são os alunos que tem algum tipo de necessidade tem o

B. Deixa eu falar de F. F melhorou muito depois da conversa com a mãe e da

conversa com a psicóloga. Ele passou a fazer as atividades, ele tá fazendo aula de

reforço e isso tá ajudando muito. F tá muito mais interessado. Não tá mais dormindo.

Tá até um pouquinho agitado. Tem que ver a dosagem do remédio, mas assim, tá bem

melhor porque ele tava completamente apático. Ele tava dormindo, ele tava chorando,

ele não queria fazer dever. Então agora ele tá dando uma equilibrada. V H. Tenho

tido problemas com o V H por conta... eu acredito que ele... tem dia que ele tá sem

medicação. Ele chega pra mim e já fala isso: “Tia, preciso te falar um negócio. Você

não fica chateada comigo, mas é que o meu pai não tá pagando a pensão então não tô

tendo como tomar o remédio.” Então assim, ele tem dia que tá muito nervoso, muito

agitado, quando eu viro ele tá atrás de mim. Eu não posso andar que ele tá atrás de

mim andando. Ele anda pela sala o tempo todo. Ele quer ficar no raio da porta o

tempo todo. Então, assim, é um trabalho muito cansativo com o V H. Ele... ele

responde e rebate tudo que você fala. Se eu tô ensinando uma coisa: “Mas por que?

Por que isso? Mas por que que tem que ser assim?” Então é um trabalho assim, muito

cansativo com o V H. Ele tem estado agressivo com os amigos também. Não tá

fazendo as tarefas. Então, assim, é... suado com o V H. Então a gente precisa

conversar com a mãe dele. A gente chamou eu acho que umas seis vezes já. Tá

marcado pra semana que vem e vamos ver se dessa vez a mãe aparece porque é

complicado.

Ana Maria: Mas ele fica mais calmo quando ela tá pra vir aqui.

Cecília: Quando ela tá pra vir ele acalma, ele fica doce. Ele me abraça o tempo todo.

Ana Maria: Cadê o remédio?

Cecília: Exatamente. Então, assim, essa semana tem uns dois dias que ele tá muito,

muito doce. Ele vem, me abraça e fala: “Tia, me abraça? Tia, não sei o que lá. Posso

ficar do seu lado?” Tá calmo, assim, sereno. Diferente de como ele tava nos outros

dias muito agitado. Então tem essa característica do V H. O restante da turma

participa. Tá apresentando uma certa dificuldade em matemática porque eu entrei em

multiplicação e aí começa a surgir a dificuldade maior mesmo. É normal. Tenho

trabalhado a leitura com eles diariamente, com qualquer tipo de texto. Texto de

ciências, história, geografia, português, na matemática. Qualquer coisa que a gente tá

lendo e eles leem coletivamente. Eu peço pra ler alto. A gente fez também um

trabalho na sala de leitura que eu coloco eles em pé na cadeira e peço pra eles

fazerem uma leitura teatral. Eles escolhem um livro, pra trabalhar essa coisa de abrir

o diafragma de ler alto, de desinibir, porque alguns são muito tímidos e inseguros

nessa leitura. Você vê que eles sabem ler, mas eles ficam numa insegurança muito

grande. Todos leem nessa turma com a exceção da N que também lê de uma forma

um pouco mais insegura, silabando e o B também que tá nesse processo. Então eu tô

fazendo isso de leitura e em matemática a gente tem feito alguns jogos, gincana.

125

Assim, é uma coisa também que eu não consigo fazer sempre. Eles pedem muito, mas

eu não consigo fazer sempre. Com as outras turmas eu conseguia, mas eles são muito

agitados.

Ana Maria: E D? D lê?

Cecília: D lê. D acompanha. D é maravilhoso em matemática. Ele me surpreende em

matemática.

Elizabeth: Sempre foi maravilhoso.

Cecília: Maravilhoso. Só que os problemas que eu tenho com o D são com relação a

comportamento. Ele dependendo do dia ele quer te desafiar, dependendo do dia ele

quer debater, ele quer discutir. Então tem dia que ele tá quietinho na dele e faz o

dever. E assim, depois do dia das mães ele voltou muito diferente. Eu até comentei

isso com você. (falando com Ana Maria)

Ana Maria: Uhum.

Cecília: Ele falou pra mim que ele ficou muito chateado porque ele não tinha pra

quem dar o presente do dia das mães. Porque a tia parece que tá com o irmão. E ele

falou que a mãe tava presa. E todo mundo contando suas histórias de dia das mães. E

ele ficou muito triste. Depois desse dia das mães eu percebi que ele descompensou,

sabe? Ele ficou diferente. A gente percebe quando a criança muda. Então ele ficou

muito diferente e sempre no final da aula eu coloco ele perto de mim. “Vamos

conversar um pouquinho, D.” E ele andou me contando algumas coisas. Ele gosta

muito de conversar comigo e tem conversado comigo sobre a vida dele lá fora um

pouquinho. E esses dias eu até perguntei: “D, mas você não tá fazendo nada de errado

na rua não, né? Como é que tá as suas amizades?” Ele: “Tia, não vou entrar por esse

caminho não e tal. A única coisa que eu ainda faço é que eu ofereço meu celular

quando eles pedem e eles me dão vinte reais.” Então, assim, a sensação que eu tenho

é que ele vive nesse mundo e que ele tá a qualquer momento prestes a fazer alguma

coisa errada, né. E assim, tento conversar muito com ele. Ele gosta muito de

conversar comigo. Ele se abre comigo em relação a essas coisas. Quando eu falo

sobre a importância de estudar ele sempre diz... me rebate e fala assim: “Tem outros

caminhos.” Ele fala alto isso pra todo mundo ouvir. “Tem outros caminhos. Não

precisa estudar.” Eu esses dias eu fui muito dura com ele diante de todo mundo. Eu

reconheço que eu fui dura. Eu falei assim pra ele: “D, tem realmente outros

caminhos, mas você sabe o final deles ou é a morte ou é a cadeia.” Aí ele parou...

Elizabeth: Ah, mas ele tem que ouvir, gente.

Cecília: Ele parou... e fez assim: “É.” Então, assim, depois disso ele não me

respondeu mais isso. Porque sempre que eu falava da importância de estudar com a

turma ele fala isso.

Ana Maria: Ele sabe disso.

Cecília: Que tem outros caminhos, que tem outros caminhos. Assim, é uma criança

que a gente tem que ter um olhar diferenciado.

Elizabeth: O irmão, às vezes, ele me conta muita coisa. Ele contava pra Carol e conta

pra mim. Agora... ele fala que ele mora com a tia. E a preocupação também com dia

das mães que eu fiz um cartão, ele foi no cartão dele e escreveu: “Mãe, volta logo que

eu tô com muita saudade.”

Jorgine: Ai meu Deus.

Elizabeth: O Gabriel29

as vezes também tá muito nervoso. Eu tento levar ele.

Separar ele daquele pessoal, mas é mais ou menos isso aí mesmo.

Cecília: É complicado. Então a minha dificuldade de trabalhar com essa turma é que

tem dia que eu não tenho uma professora de apoio pra me ajudar. Porque quando tem

a Mariana e a Paula me ajudam muito porque elas colocam os três e tentam, nem que

seja em momentos diferentes, fazer alguma coisa com os três e aí que consigo focar

no Victor Hugo, no Felipe e nos outros casos que também são tensos na turma. Essa

coisa do B tá sem apoio é complicado por N questões. (todos falam)

29

Irmão do Davi.

126

Ana Maria: É um absurdo a turma dela não ter apoio.

Paula: No dia que Mariane tá em sala e eu tô sem C, tô sem ninguém aí eu vou:

“Cecília, eu fico aqui junto com Mariana.” Porque mesmo uma só não dá conta.

Marina: Gente, mas aí eu vou ter que discordar. Porque a gente tem outras situações

sérias sem apoio e aí eu acho que duas numa sala só, por mais que o trabalho seja

difícil a gente precisa distribuir melhor então. Minha opinião.

Paula: Eu faço no dia que não tem criança, não tem nada. Aí eu vou e eu entro lá, eu

pego a N e ajudo o P H enquanto ela tá com o B. Porque tem hora que realmente é

complicado. É muito complicado trabalhar com os três.

Marina: Queria ouvir o grupo em relação a isso. Duas numa mesma.

Cecília: Isso só aconteceu duas vezes. Na verdade, aconteceu duas vezes, mas foi em

dias que...

Ana Maria: Mas pro ano que vem não deixar que eles fiquem juntos.

Marina: Eu tô falando duas professoras.

Ana Maria: Sim, Marine, mas ano que vem não deixar os dois casos na mesma sala.

Marina: A sim.

Ana Maria: Ninguém vai dar conta.

Marina: Mas teve um propósito pra gente fazer isso.

Silvana: Por que que a gente não pode...

Ana Maria: Mas não ia dar conta.

Fernanda: Eu acho que a gente já errou duas vezes com isso. Não é a primeira vez

que a gente erra com essa situação de tentar juntar pra apoio. Se eu me lembro, duas

não, mais de duas.

Ana Maria: E pelo visto mesmo que tenha o apoio...

Fernanda: Porque a gente nunca consegue. No final a gente avalia e vê que não dá

certo. Não adianta. A gente fica naquela angústia de tentar garantir o direito do aluno

de ter o professor de apoio.

Marina: Não foi nem a tentativa de garantir o direito ali foi a tentativa de driblar o

direito porque a N não teria.

Fernanda: Sim. O que que acontece... O aluno tem muita dificuldade, precisa, mas

pela fundação ele não tem direito. Aí o aluno que tem direito a gente pega esse outro

e tenta botar junto pra fazer alguma coisa. Só que a gente já viu que isso não dá certo.

Ana Maria: A J sempre ficava com um autista.

Fernanda: Não adianta. Aí ela não tinha direito e a gente botava ela com outro.

Silvana: E ela ia ficando alijada do processo.

Ana Maria: Porque o outro consome muito.

Silvana: É lógico.

Fernanda: Não adianta. Eu acho que assim, a gente precisa...

Silvana: Cada um com a sua especificidade.

Fernanda: ...enquanto grupo pensar nisso melhor na hora dos conselhos por que

assim, a gente já viu que isso não funciona.

Marina: Então é a gente assumir que esse outro não vai ter apoio.

Fernanda: Pois é. Porque não dá certo do mesmo jeito. E cria outras situações.

Ana Maria: E acaba não vindo o apoio do mesmo jeito.

Marina: É uma alternativa. Agora é assumir também.

Silvana: (interrompe) Eu acho que é tentar pressionar...

Fernanda: Só pra fechar. Eu acho que talvez, talvez os critérios sejam... a gente

possa estabelecer outras... pensar de outras formas, tipo assim, a questão da junção os

trabalhos são diferentes a gente tem visto isso. É... se ele ficar em outra turma com

menos crianças com dificuldades talvez, talvez a gente consiga ainda que ele faça

uma tarefa diferente. Porque assim, uma coisa é você com dois fazer uma tarefa

diferente, uma coisa é você com quatro ou cinco. É complicado porque as questões

são muito diferentes.

Silvana: Eu acho que tá sendo desumano pra professora.

Fernanda: A gente não tá lidando com proximidades. Eu acho assim que a gente

127

pensa até, na hora que tá avaliando no conselho: “Poxa, mas a questão é próxima

desse. Vamos juntar pra tentar fazer um trabalho.” Não consegue.

Ana Maria: Mesmo que vá o apoio não vai dar conta.

Fernanda: Não é próximo. A gente olhando pensa que é próximo, mas não é.

Paula: Não é.

Marina: Vamos voltar com a N então.

Fernanda: Não. Eu tô falando isso pra gente pensar nos conselhos. É uma questão

pra gente pensar.

Silvana: Eu acho que a gente podia começar já. Na minha opinião.

Ana Maria: Já? Mudar já?

Fernanda: Porque não tá funcionando.

Ana Maria: E ela vai pra que turma?

Silvana: Ué! Pra de Keila.

Keila: De Selma.

Cecília: Mas o P H tem direito?

Marina: Não.

Beatriz: O P H não é nem NEE. N ainda tem, a gente tá aguardando esse laudo

definitivo porque ela tem um parecer da Educação Especial para a sala de recursos.

Não pra apoio.

Cecília: Porque assim a minha preocupação... e que tudo que tem conseguido...

Paula: Isso que eu ia falar.

Cecília: E ela tá bem. Eu já comecei um trabalho com ela. Não sei.

Fernanda: Quando eu falei eu não tô falando do caso específico da N. Voltar ou não

voltar. Não é.

Marina: Não. Eu entendi.

Fernanda: O final do ano. Quando a gente decidir e fizer o conselho, pensar melhor

nisso.

Alice: Tem que decidir porque anos que vem se a forma se manter os quintos anos

com duas professoras aí vai ter uma outra rotina pra se pensar.

Silvana: Vinte e oito em cada turma.

Cecília: V H se enfiou na outra turma. Ele se enfiou lá. Você acredita nisso? Ele se

enfiou lá e assistiu aula lá. Eu tive que buscar. Eu tinha dado falto no diário.

Jorgine: Você tava Keila? Nesse dia você tava lá?

Cecília: Foi Selma lá.

Elizabeth: Quem que foi pra lá?

Cecília: V H.

Elizabeth: O que que ele foi fazer lá?

Silvana: Podia ir o P H ou outro, o V H.

Jorgine: Porque se ele tem um laudo...

Silvana: Gente, olha só...

Jorgine: Eu tô pensando... se ele tem vontade de estar com o outro grupo de repente

funciona.

Silvana: Assim, ou o V H ou P H.

Jorgine: V H. Ele foi pra lá.

Cecília: Eu acho que o P H.

Beatriz: Pela agitação daqui.

Cecília: Pela agitação é o V H.

Jorgine: A questão maior é a afetividade dele com o outro grupo. Não foi você que

mandou ele ir pra lá. Ele foi e ele não queria sair. Então pode ser que dê certo, se ele

quer ficar junto com os outros. (todos falam)

Fernanda: Ele ficou bem?

Cecília: “Eu tava lá na frente fazendo o dever quietinho. Me deixa lá, professora.”

(todas falam ao mesmo tempo)

Silvana: Olha só estou sugerindo que o V H...

Jorgine: Experimenta. É só porque ela me contou isso, porque a gente já teve isso

128

com aquele menino da tarde e que funcionou superbem. A gente já teve a experiência

de dar certo com o A. O A depois que mudou de grupo a gente não teve mais

nenhuma questão com ele. Era a questão da idade e tinha outras... é um caso diferente

mais pode ser que dê certo. Se ele quer.

Cecília: E tô apegada já. Eu não tenho condições de dizer quem vai e quem fica.

Marina: Nem argumentei porque eu já conheço a pessoa.

Paula: Acho que o problema vai continuar na sala.

Marina: Nem me dei ao trabalho.

Silvana: Não. Olha só, Cecília. Precisa ser mais racional nestas horas.

Jorgine: Ana Maria, eu tô só.

Marina: Mas essas considerações são importantes.

Paula: Sabe o que eu penso? Olhando de fora, né. Passo poucas vezes na turma. O

problema vai continuar porque o V H não tem problema de aprendizagem.

Jorgine: Mas ele agita o grupo.

Paula: Mas ele agita. Não é sempre.

Jorgine: Ah tá.

Cecília: Hoje ele tava bem.

Jorgine: Então retiro o que eu disse.

Paula: O problema vai continuar porque o problema maior é a N, B e P H. Entendeu?

Beatriz: É a briga pelo apoio.

(...)

Jorgine: Eu fico pensando que se fosse bom pra ele, se ele gosta. (todas falam ao

mesmo tempo)

Silvana: Toda vez que eu tô aqui eu vejo Cecília desesperada.

Paula: Marcelinho, né.

Cecília: Ah sim. Em termos de comportamento se o V H sair, claro, que daria uma

aliviada.

Beatriz: Mas o emocional dele.

Jorgine: Tem que pensar nele também, gente. A questão da afetividade, no

aprendizado em tudo.

Cecília: E pela questão da aprendizagem se fosse, óbvio, que sendo um aluno que

tendo dificuldade e lá não tem tanto aluno com dificuldade ele poderia ter uma

atenção individualizada. A N ficando eu continuaria o trabalho que eu já comecei.

Ana Maria: Mexer com a N não é uma boa ideia agora.

Beatriz: N e B são até acompanhados juntos na sala de recursos. Os dois...

Cecília: Dá pra trabalhar juntos.

Beatriz: Dá pra você ficar, mas o P H até na questão de aprendizado ele vai. O

problema dele é a concentração e ali o professor que tá com a turma mais...

homogênea, né.

Silvana: Fica mais organizada.

Beatriz: Pra dar uma atençãozinha pra ele ali. Porque realmente o professor...

Ana Maria: Teria que fazer um trabalho diário com ele também.

Beatriz: Sim, mas ele acompanha o conteúdo. Ele na conta de multiplicação, gente.

Tabuada ele acerta tudo, agora... o problema dele é ele conseguir se concentrar

naquilo. Porque ele vai falar do minecraft, do nã nã nã, do cachorrinho.

Cecília: Eu acho que lendo pra ele, falando, explicando.

Silvana: Coloca ele do lado da sua mesa.

Cecília: Ele não tem autonomia. Ele não tem.

Beatriz: Você precisa ver o raciocínio desse menino.

Cecília: O pensamento dele é muito louco.

Beatriz: É rápido. Ele te explica o que ele pensou.

Cecília: Eu acho que o pensamento dele é tão louco que ele não se organiza. Só que

ele não consegue se organizar sozinho.

Silvana: Então a gente pode sugerir a ida do P H pra 4A. Seria uma forma de...

Cecília: E o V H?

129

Silvana: Pode ir dois?

Jorgine: Não sei. Evelim.

Ana Maria: Os dois?

Evelim: Pode não.

Silvana: Keila vai ficar com vinte e oito?

Keila: Aqui eu tenho vinte e nove na lista.

(...) Keila: Vinte e sete.

Evelim: Vinte e sete. Pode um só.

Silvana: Então só o P H.

Evelim: Cecília tem vinte e seis.

Silvana: Eu acho que a gente tem que pensar além de tudo o que que vai ser melhor

pro aluno. Então assim, talvez seja realmente o P H que tá numa turma mais tranquila

onde tem condição de ter uma orientação mais direcionada pra ele numa turma que

não desgaste tanto. Agora a gente fundamenta isso. Cecília.

Ana Maria: Muitos.

Silvana: Cecília, fundamenta essa decisão do conselho em ata, colocando o motivo

pelo qual... os motivos pelos quais a gente tá fazendo.

Ana Maria: Ela tá com cinco, né.

Cecília: Seis.

Silvana: E assim, focando nessa oportunidade também do aluno de receber uma

atenção.

Cecília: Então só ele que vai?

Ana Maria: Só pode um.

Cecília: A gente vai ter que conversar.

Beatriz: A mãe já vem semana que vem.

Marina: Deixa pra fazer depois que conversar com a mãe.

Beatriz: E aí conversa com a mãe e conversa com ele.

(...)

Beatriz: E a gente tem que ter uma conversa com ele também.

Cecília: Aí os faltosos. Faltosos acima de dez. B com treze, J G, que é um aluno

maravilhoso...

Beatriz: Esse falta demais.

(...)

Conversa com as Professoras Alice e Helena

Na reunião do dia 24/05/17 no turno da tarde não foi realizada a gravação da

fala da professora Kátia sobre o grupo 2B, apenas o registro no caderno. Segue a

reunião, com o áudio de 34 minutos e 6 segundos do dia 31/05/17 com a fala das

professoras Alice e Helena sobre os grupos 5A e 5B.

A conversa com Alice e Helena sobre as turmas do quinto ano nos traz

basicamente “observações negativas”. Em meia hora falamos de alunos com

dificuldades (segundo elas um grupão) e que demoram para copiar. Até tem quem

queira melhorar, mas logo se envolve nas brincadeiras bobas. Quem acaba primeiro

perturba o colega. O grupo tem dificuldades de comportamento além das dificuldades

130

de aprendizagem. É um grupo desinteressado e com eles não se pode trabalhar com

muita informação. Produzir um texto é um tormento, fizeram a prova porque era de

marcar X, mas pelo menos não ficam pedindo lápis e borracha.

Entro na conversa para sugerir que pensemos sobre a produção de texto.

Meu objetivo é que ao provocar a reflexão sobre as formas de estar com as crianças,

produzir algum deslocamento de sentido sobre essa prática, que tipo de propostas

realizamos e em momento nosso aluno escreve. A discussão não segue, faz a curva.

Para a Alice esse é o desespero dos professores do sexto ano e Helena ratifica que eles

não têm tempo para esses detalhes. E aí começa um discurso de culpabilização dos

professores dos anos iniciais, pois a preocupação da Alice é ter que fazer isso tudo no

quinto.

Insisto. “O que a gente faz com isso? O que a gente faz enquanto escola?

Você vê o que o grupo tem questões com a escrita e o que você faz?” Ninguém

responde. Alice insiste que muitos não alcançaram os objetivos do trimestre, sugere

deixar a discussão para uma próxima reunião. Amanda diz que se não alcançaram os

objetivos Alice poderia retê-los, mas que não o faz. E ironiza: “Por algum motivo a

gente empurra o problema pra frente.”

Insisto. Precisamos deslocar a discussão sobre o que o aluno não sabe e

refletir sobre o que priorizamos e o que propomos. Pergunto o que a gente faz, se

pensamos junto com eles para que serve a escrita (sem ser para fazer o dever) e o que

fazemos depois com o que eles escrevem. Como é difícil se fazer ouvir nessa conversa.

Outra curva. Passamos para o 5B que responde errado, mas pelo menos está tentando.

Desisto e sugiro pensar sobre isso no próximo semestre.

Depois da conversa praticamente encerrada Analu (professora de apoio que

não havia falado até o momento) conta, com detalhes, uma experiência que teve em

outra escola e conclui assim: “De repente, se você desse uma aula mais dinâmica, né?

Porque aula só no quadro eles não têm muito interesse.” A Alice parece não entender ou

mesmo não aceitar a crítica e passa a diante a responsabilidade das aulas dinâmicas para

as professoras dos grupos dos anos iniciais. A conversa se transforma em um grande

falatório que continua no refeitório na hora no almoço depois que a reunião acaba.

131

Alice: Bom, GR5A, então. É uma turma muito agitada. Né? (olha para a outra

professora da turma) Não muito diferente das demais que foram ditas. Eu considero

até uma turma meio imatura. São muito novos, assim, no sentido de correr atrás, eles

não querem muito. São falantes, eles não... no convívio assim, com uns e com os

outros, é muito difícil. Quando você tá chamando atenção de um, o outro fala e o

outro retruca, o outro fala junto e causa aquele transtorno na turma. Como a Helena

fala, né? Cai uma folhinha já é um evento e todo mundo se dispersa.

Marina: Não vale cochichar.

Helena: Eu tava falando assim, hoje na 5A eu tava pensando... é porque a gente

sempre troca.

Alice: Agente troca muito.

Helena: Todo dia que eu saio da 5A eu tenho uma observação negativa. Eu falo:

“Gente não é possível. Eu só saio daqui com uma observação negativa.”

Alice: Isso desgasta a gente.

Helena: É muito desgastante a 5A. E ao mesmo tempo eu observo que os professores

das especializadas tem uma, eu não sei, uma relação... e conseguem trabalhar de uma

forma mais tranquila na 5A que na 5B.

Alice: Eles têm um olhar diferente do nosso.

Helena: Eu não sei. O olhar é diferente. Não sei se é porque é uma coisa

diferenciada... eu não sei, mas a 5A, pra mim, assim, essa infantilidade, essa coisa

de... essa coisa bobinha.

Alice: É preguiça.

Helena: Isso me irrita, mas isso me irrita que eu fico assim. Eu preciso fazer um

trabalho psicológico. E isso me irrita muito. Entendeu? Porque eu prefiro o aluno que

é levado tipo o M. Que você sabe. (bum) Acabou. Não, mas a 5A é aquela coisa que

não acaba. Aquela coisa enjoativa.

Alice: É uma coisa que eles brincam, brincam, brincam e na hora de ter aquele

feedback com a gente... Aquelas perguntas que a gente faz pra ver se eles estão

desenvolvendo ou não estão, não tem aquele retorno. Você vê que tá naquela

mesmice.

Helena: Não sei se você percebeu isso, mas quando ela fez a dobradura... eu percebi

porque assim... eu fui lá e eu fiz. No trabalho manual... até que eles foram bem. Eu

tava tensa. Porque eu fiz lá e depois eu ia fazer na 5A. Aí eu falei no trabalho dos

projetos: “Meu deus, como é vai ser trabalhar com essas crianças, fazer trabalho em

grupo, em duplas, vai ser uma experiência. Eu falei pra eles que ia ser uma

experiência” Até que foi bem. Só que, gente, vamos ser sinceros, nosso sistema, ele

pede registro. Ele pede registro então não adianta a gente ficar só no lúdico. Eu tenho

que partir para o registro. E quando você parte para o registro... eu não sei se é uma

fuga, porque a maioria tem uma dificuldade... então tipo... aí acho que começa a

brincadeira meio que para fugir daquilo ali. Porque o grupo que tem dificuldade é

muito grande.

Alice: Sim.

Helena: Entendeu? Então assim... vai, continua, fala.

Alice: É assim, sobre essa questão, né da dificuldade assim na parte da linguagem...

tem muitos ali que ainda né, até tava conversando extraclasse na sala dos professores.

E as meninas tavam me contando como é foi o processo de alfabetização dessas

crianças... que muitos foram até mais tarde que eles se alfabetizaram. Então tem um

grupo muito grande aqui... de aluno que precisam de cuidado, intervenção. C V que

foi e voltou da escola, C V que tem a questão das faltas, E também tem muitas

dificuldades, G que demora a copiar aquelas coisas todas, J H que não presta atenção,

né... em nada pra querer fazer, J também demora muito, Ka também fica viajando nos

pensamentos amorosos dela, K que fica aquela questão toda que tem já dificuldade

de... de não vai. Ele brinca tudo e não vai. Tem L A também né que tem essa

dificuldade. L G, M E, P S, P.

Ana Maria: A turma inteira?

132

Alice: Então assim, é um grupo muito grande que você pega. Eu não trouxe. Tirei

aqui bolsa.

Helena: Eu tava falando com ela: Alice vamos parar.

Alice: O ditado que eu fiz com eles. Eu falei: “Gente! Eles tão quase no pré-silábico

ou silábico, sei lá!”

Helena: Ó quem eu acho que tá assim bem. Que tem uma... que tem um interesse em

superar as dificuldades...

Alice: Que tem uma troca.

Helena: Y, I...

Alice: V.

Helena: Mas por exemplo, A eu acho ele um ótimo aluno.

Alice: A também.

Helena: Mas ele se envolve numas brincadeiras bobas.

Alice: C H.

Helena: Ele se prejudica e prejudica os outros. Só que ele...

Elizabeth: A sempre foi assim.

Helena: Mas olha só ele é capaz de conseguir sozinho os outros não. Entendeu? Ele

pega rápido.

Elizabeth: Ele tem essa característica.

Helena: Mas ele se deixar ele brinca da hora que entra até a hora que sai.

Alice: É diferente de C H que também tem essa característica, mas C H de tanto eu

conversar com ele e chamar atenção na hora de... ele acabou primeiro. “Não vai agora

perturbar os seus colegas.” Ele consegue ficar ali no cantinho dele, diferente do A

que não tem essa questão toda, que vai mesmo e fica atrapalhando, no caso, os outros

ali, o E, o L e os outros que precisam de apoio ficam sendo atrapalhados com isso.

Helena: Eu acho assim, um caso gritante ali é K. De dificuldade e de comportamento.

Ana Maria: Mas ele é mesmo.

Helena: K é um caso assim, são as duas coisas. É tanto de comportamento quanto de

aprendizagem. O interesse dele é zero, zero. “Tô nem aí. Aliás o que é que tô fazendo

aqui?”

Alice: Mais ou menos assim. “Caderno? Hã? Caderno? O que é que você falando?”

Até na atividade manual que eu percebi que eles foram um pouco melhor, o trabalho

dele foi o caos sujo, amassado, caia no chão, ele andou pela sala. Aí a dupla dele, eu

acho que era J. Até o J pedia a ele. “Poxa tia, aqui K.” O J puxando ele, tentando

fazer com que ele se entrosasse. Ele... Sabe? Assim, fora do contexto. K é fora do

contexto.

Ana Maria: Depois você pega a pasta dele quando você tiver um tempo e dá uma

olhada que aí vocês vão entender a história dele.

Helena: É.

Ana Maria: É uma história difícil. Pega e dá uma olhadinha. Nos atendimentos com

a mãe, as reuniões...

Helena: Enfim, então essa é a questão da 5A. É ser um grupo...

Alice: É um grupo desinteressado.

Helena: Um grupo maior dentro daquela turma que tá vendo que tem dificuldade e

não tá nem aí. Graças a Deus que M E e Ra tiveram problema que eu não sei qual é e

também não me interessa, mas elas se separaram. Aí Ra veio falar comigo: “Tia, você

viu que eu me separei dela, né.” Claro que eu percebi. Assim que eu cheguei na sala.

Porque assim, a M E ela não tá nem aí e ainda puxa assunto com a Ra. A Ra ela fica

assim do começo ao final da aula. Aí fica conversando com M E, ou seja, Ra não

acompanha, M E também não. Aí as duas perdem. Entendeu? Na 5B.

Ana Maria: Nessa não.

Alice: Eles leem e têm dificuldade na interpretação. Eles têm muita dificuldade de ler

o texto e o que é ali pra responder.

Helena: Matemática o grande entrave tem sido a divisão. Mas assim, eu já tô

trabalhando com eles. Eu fiz o bingo da tabuada que a gente já tinha até conversado.

133

Eu achei que foi legal. Acho até que funcionou, mas você vê...

Marina: A dificuldade deles na matemática é em realizar a conta ou é em identificar

qual é a conta que precisa ser feita?

Helena: Em realizar a conta. Sabe por que? Eu já percebi o seguinte, eles têm a

noção da divisão. Eles têm essa noção. Eles já têm essa noção. Então isso...

Marina: Então é o algoritmo.

Helena: É. O algoritmo. Exatamente.

Marina: Mas se você tiver uma situação que eles precisem identificar qual é a

conta...

Helena: Eu percebo que sim. Se for uma coisa assim. Não pode ser nada com muita

informação, não.

Marina: Eles identificam que é uma divisão, mas executar...

Helena: Mas assim, eu tô trabalhando essa questão com situações bem simples. Nada

com muita informação não. Não pode ser nada muito... que só vai perceber no final o

que você precisa não. Tem que ser uma coisa bem tranquila. Aí eles vão. Então

assim, eu falei assim, espera aí, é melhor eles conseguirem uma coisa tranquila,

simples agora do que tentar jogar uma coisa pra eles de quinto ano mesmo e eles não

conseguirem. Mesmo porque frustra, né. A autoestima vai lá pra baixo. Não consigo

nunca. Vou começar com situações bem tranquilas, bem simples pra eles

conseguirem alcançar.

Vânia: Talvez seja por isso. Porque eu dou as coisas bem simples pra eles. Acho que

é por isso que eles produzem bastante. Vocês notaram que tem um cartaz lá? Das

profissões? Na 5B eu não consegui fazer. A turma é agitada e mesmo na agitação eles

produzem. Você viu, né. Como é que foi que eles fizeram, recortaram e tal, mas o

problema aqui é que eles não têm muito hábito. Sei lá. Não sei se isso aí já é de casa,

né. Você pede pra eles trazerem uma coisa eles não trazem. Eu tive que pedir duas

vezes pra eles trazerem, dei um tempo, dei um prazo, não trouxeram.

Marina: Trazerem o que?

Vânia: Figuras de profissão. Aí como eu sei que eles não têm revistas em casa, nunca

tem nada, eu falei: “Vocês podem desenhar. Podem fazer a profissão que vocês

quiserem.” “Ah! Eu quero fazer um jogador de futebol!”

Marina: Então. Assim, a gente precisa conhecer com quem a gente tá lidando.

Porque se a gente sabe que eles, não é não tem nada, mas se a gente que eles têm

dificuldade de ter material impresso, de revistas, jornal e tudo mais...

Vânia: Não. Então. Por isso que eu pedi pra desenhar.

Marina: A gente tem aqui. Dá uma atividade que posa ser feita aqui.

Vânia: Não, mas aí no dia...

Alice: Eu emprestei as revistas pra ela.

Helena: Mas eu posso falar uma coisa que eu falei com eles? Que eu observei? Pelo

menos comigo eles não fazem. Eles não pedem nem borracha nem lápis. Gente, que

coisa boa. Porque ao longo dos meus anos...

Alice: O 5A?

Helena: É uma coisa impressionante. “Me empresta um lápis?”, “Me empresta um

lápis?” “Me empresta um lápis?”

Alice: Eles pedem. Eu já emprestei.

Helena: Mas é um ou outro. Mas é um ou outro. Gente, eu já tive turma que

praticamente a turma toda pedia material.

Alice: Não é um grupo muito grande não, mas tem. É um grupo específico que não

traz.

Ana Maria: Érica, depois da Vânia.

Vânia: Mas, assim, independente de saber se eles têm ou não em casa alguma coisa

pra trazer. É uma proposta que fiz pra 5B e só tô dando uma comparada, entendeu?

Assim. Porque as vezes dizem assim: “Tia, você passa dever de casa?” “Passo.” “Ih,

mas eu não vou saber fazer. Minha mãe não sabe inglês e não sei o que.” Aí eu passo

uma coisinha pra eles fazerem em casa. “Você ensina pra sua mãe. Fala como é que

134

é.” Pra dar um incentivo porque é uma vez só por semana e eles acabam esquecendo.

E assim... É hábito, né. É uma questão de hábito que eu tô tentando criar neles. Essa

questão de puxar a responsabilidade deles. Se você não tem, faz um desenho, traz um

desenhozinho pra mim. Em outras turmas eu já consegui isso, mas fora isso eu prefiro

a 5A. Eu acho a turma boa. Apesar de tudo isso. Concordo com elas.

Ana Maria: Vamos ouvir agora os outros professores que também lidam com eles. A

5A primeiro.

Érica: Eu gosto de trabalhar com a 5A.

Ana Maria: Gosta ou não gosta?

Érica: Gosto. Eu não tenho assim. É claro... As mesmas questões que estão falando

do P, do K, fazer trabalho, eu fico muito em cima da questão de limpeza, mas eles

fazem. Eu tô achando o K e o P bem melhores esse ano que do ano passado. A

diferença pra mim da 5A e da 5B é que Matheus da 5B, apesar de ele não me dar

muito trabalho, né, ele... a presença dele me incomoda. Não é pessoal, com a pessoa

dele, ele mesmo eu não tenho problema nenhum com ele, mas é que o desinteresse...

Alice: As atitudes.

Érica: Até que a atitude dele também não, né Paula. Ele é desinteressado demais.

Alice: A atitude dele de colocar aquele fone no ouvido.

Érica: Ah! Isso aí eu já abstraí, já, mas tipo assim. Eu peço pra ele tirar na hora da

explicação até por uma questão dos outros, né, mas ele assim se... o total desinteresse

dele é o que eu te falei. Eles serem agitados não me incomoda tanto quanto o

desinteresse. Você não consegue atingir. Nada o que você faz atinge e é o que

acontece com o M. Botei até aqui (na ata) que a turma é ótima. Porém, com alunos

agitados.

Helena: Mas é o que eu te falei. Por isso que eu tô começando a achar que... tanto é

que eu já fiz a atividade, por exemplo, o bingo de matemática, eu fiz a atividade do

projeto. E eu percebi que... Então eu não sei, mas tô começando a pensar que chega

na hora do registro, tipo assim: “Uhm, não sei.” Se eu não sei eu tenho que arrumar

um jeito de fugir disso então eles começam a brincar. Entendeu? Então, assim, eu já

tô percebendo que eu vou ter que voltar pra essa questão mais de concreto mesmo.

Alice: Até porque, por exemplo, a produção textual... Nossa! Quando é pra... você

traz lá... pra fazer a produção textual é um tormento aquilo. É acabar com...

desestrutura tudo, porque não vai. E os textos... a construção de textos, quando

fazem, é aquela coisa que vai, vai, vai, vai. Não tem parágrafo, não tem ponto, não

tem letra maiúscula, não tem nada. Então eu tô tendo que... né. Ver essa parte toda.

Porque tá chegando... eles estão assim... Eles escrevem aí, aí, aí. Aí é virgula. Quando

fazem. E a maioria não quer escrever, sei lá, dez ou quinze linhas. Eles... não sei. É

isso que a Helena tá falando.

Ana Maria: E a prova do SAEN? Eles fizeram bem a prova do SAEN?

Alice: Sim, mas essa prova era só de marcar xiszinho.

Ana Maria: Mas eles fizeram?

Alice: Fizeram sim, mas na hora do texto...

Marina: Essa coisa da produção de texto, eu acho que a gente podia pensar isso

assim em termos de escola, né. Como é que a gente escola pensa essa produção de

texto do início, ali quando eles estão na construção da escrita, o que que a gente

chama de produção nesse momento...

Alice: E na redação...

Marina: E como é que a gente vem desenvolvendo até o quinto ano. Não sei, talvez...

Alice: E isso é uma coisa, gente, sabe qual é a minha preocupação? Porque eu

trabalho em colégio e a Helena também, você já trabalhou. A gente já trabalhou com

o fundamental dois. Quando chega lá no fundamental dois é um desespero. O

desespero dos professores de língua portuguesa é isso. Eles chegam lá e eles não

sabem fazer uma redação porque eles não sabem o que que é começo, meio e fim e

vai aquele texto sem parágrafo, sem pontuação. É um desespero e no quinto ano é,

minimamente, o que eles têm que saber, né.

135

Helena: Eles alegam o seguinte, que eles vão não tem tempo de fazer esse trabalho

mais detalhado.

Alice: E ter que fazer isso tudo no quinto ano, gente. É complicado. Deixar essa

questão da acentuação, da pontuação, deixar tudo pro quinto ano, pô... sobrecarrega

porque tem outras coisas ali pra serem trabalhadas aí fica complicado.

Beatriz: Olha só... Eu não sei o que acontece. Eu tô aqui desde 2013. E eu vi assim,

muitos relatos de professores aqui nas reuniões sobre essas questões do terceiro ano,

quarto ano. E a própria Mirian, que não tá mais aqui, ela trabalhava muito essa

questão da ortografia. Ela trouxe várias vezes essa questão pro conselho. Nessa

preocupação dela, a própria Elizabeth, Cecília. Então assim, eu sempre vi essas

pessoas que ficavam nas séries finais com essa preocupação. Mas eu sinto isso

também com as crianças que eu pego, porque se você for perguntar, ou até que não

seja NEE, se você for a data pra elas parece que passou uma borracha. Crianças de

quinto ano não sabe nem escrever o nome. Então assim, eu não sei o que que tá

acontecendo. Mas não é uma questão que não está sendo trabalhado.

Alice: É uma questão social e cultural, do momento.

Beatriz: É muito... se você for perguntar a B, B não sabe.

Alice: E não é uma coisa pontual da Marcos Waldemar.

Beatriz: Não é da escola. Eu acho que é uma coisa mais ampla.

Marina: O que eu penso dessa questão da produção textual e nesse momento, assim,

desvinculado da questão da ortografia a gente precisa poder refletir sobre isso

fazendo esse caminho do primeiro ao quinto. Porque talvez a gente esteja focando

questões isoladas e cada um tentando de um jeito. Talvez se a gente parar pra pensar

nisso enquanto... enquanto uma coisa sequencial. Não é que no primeiro ano tem que

ensinar isso e o segundo ano tem que ensinar isso, mas assim, o que ele é capaz de

fazer com seis anos, que uso ele faz da escrita, em que situação ele usa, de que

maneira a gente pensa isso no conjunto. Talvez a gente esteja com o pensamento de

que, assim, a é construção, é construção, é construção e aí chega no quinto bom, e

agora?

Alice: Eu me para e penso assim, é minimamente o que que é frase? Então assim, eles

escrevem um texto, mas e aí? Não tem um ponto em lugar nenhum? Nem no final

tem.

Marina: O que que a gente faz com isso?

Alice: Mas assim, o pensamento, uma frase, parará pá. Eu hoje comi uma maçã

ponto. Ela estava muito gostosa ponto. Não tem. É uma coisa que vai assim direto.

Aí...

Marina: Aí a gente faz o que com isso?

Alice: E pra ficar com vinte e sete crianças.

Marina: Constatado isso o que que a gente faz?

Alice: Com vinte e cinco.

Marina: Não é o que que a gente só ali não. O que que a gente faz enquanto escola?

Você faz a leitura do texto de um aluno. Você vê que tem questões a serem

trabalhadas, o que você faz com os vinte e oito? Com vinte e cinco, com o tempo

pequeno. A gente tem que pensar junto essas estratégias.

Alice: É um ponto pra gente pensar um, debate, uma discussão nos próximos...

Ana Maria: O trabalho tá planejado para trabalhar no primeiro ciclo.

Marina: Não é que não tenha que fazer.

Ana Maria: Isso aí já vem trabalhado desde o primeiro ciclo.

Cecília: Pelo menos eu quando eu trabalhei com o terceiro ano eu trabalhei essa

estrutura de texto.

Marina: Porque que é uma preocupação de todos nós a gente tem certeza que é.

Ana Maria: Desde o primeiro ciclo.

Marina: É um assunto recorrente nos conselhos, nos momentos de discussão da

avaliação. A gente vê que é um assunto recorrente.

Amanda: Eu acho também que a gente acaba dando muito mais atenção ao aluno que

136

não alcançou certas coisas do que aqueles que alcançaram.

Alice: Mas o problema é que são muitos que não alcançaram.

Helena: Mas sabe o que acontece?...

Amanda: A gente acaba dando...

Alice: A minha preocupação são esses muitos que eu vou mandar lá pra frente e eles

vão sofrer lá frente.

Amanda: Então não tem que mandar. Pode reter, não pode?

Helena: Mas sabe o que acontece, que as vezes foge ao nosso...

Amanda: Não é o momento de reter? No quinto ano e no terceiro?

Alice: Não é bem assim não.

Helena: Mas eu só acho assim... Eu acho que... Não. Eu acho que... Eu sou a favor

sim de reter.

Ana Maria: Ele podia ter ficado no terceiro e não ficou também.

Alice: É. Já que é pra consolidar no terceiro.

Amanda: Por algum motivo a gente empurra o problema pra frente.

Marina: Eles estão com essa distorção já porque foram retidos no terceiro ano.

Helena: Eu sei, mas olha só eu acho que assim voltando nessa questão do escrever tal

que a gente tá discutindo. A grande questão, gente é que eles não leem.

Alice: A leitura faz falta.

Helena: Não existe texto onde não tem letra. São poucas casas, se você for visitar,

são poucas casas que você vai ver um jornal, vai ver uma revista, alguma coisa que

tenha leitura.

Beatriz: O B é assim, mas olha a realidade social, econômica e cultural.

Helena: Entendeu? Essa é a questão. Então, assim...

Beatriz: As crianças nem conversam com os pais.

Helena: Essa é a questão. Então, o pouco que eles têm é aqui com a gente.

Alice: É aqui. Só aqui.

Helena: Então assim, essa questão de reter eu acho assim são coisas que tem que

botar na balança. Porque tem aluno que se for reter ele vai estragar outra turma.

Verdade seja dita. Tá. Porque ele não quer. Ele tá dizendo: “Eu não quero. Eu não

quero. Eu quero zoar. Eu tô vindo aqui porque sou obrigado. Porque eu quero zoar.

Porque eu quero perturbar. Eu quero te infernizar.” Entendeu? E aí você pensa: “Ah!

Coitado, não sabe nada.” Aí retém. Aí ele já tá grande numa turma de pequeno que

acabou de chegar no quinto ano, que veio do quarto. Entendeu? Aí tumultua a outra

turma.

Marina: A experiência que a gente tem tido e que eu tenho sinalizado já tem um

tempo, com esses alunos que a gente faz essa distorção de idade é que em algum

momento eles se descolam do que tá acontecendo. Aquilo deixa de ter qualquer

sentido. E aí o que foi uma intenção de dar a ele mais tempo e consolidar alguma

aprendizagem perde o objetivo.

Helena: Perde o objetivo.

Marina: Perde o objetivo porque ele se desvincula daquilo. O que ele tá vivendo é

outra coisa que não isso daqui.

Amanda: Por outro lado ele vai pra um sexto ano que ele não vai ter a atenção que

ele tem.

Marina: Não vai.

Amanda: Não vai ter o olhar do professor do fundamental aqui, né. Não vai.

Helena: Não vai. E assim, eu tava falando.

Ana Maria: Aqui o trabalho foi feito desde o primeiro ano. Desde o primeiro ano.

Porque vocês fazem um trabalho desde o primeiro ano. É o que a Beatriz falou e

mesmo assim traz dificuldade.

Marina: Eu acho que a gente tem que pensar o como. Como que a gente tá fazendo.

Porque a gente tá fazendo. Existe um esforço sobre-humano em relação a isso.

Ana Maria: Sobre-humano mesmo.

Marina: Mas talvez pensar como que a gente tá fazendo.

137

Ana Maria: Porque não tá atingindo.

Marina: Não tá atingindo. Não tá atingindo não só porque a gente pode tá fazendo

errado ou na possibilidade de... mas porque tem um contexto social muito diferente.

Vânia: Esse é o problema. Porque só nós...

Marina: Mas isso não pode ser o único ponto. Entendeu? ... a gente não pode pensar

isso: “Ah! Eles não leem e não escrevem fora daqui então a escrita não faz sentido

pra eles ponto.” A gente não pode constatar isso e ponto.

Ana Maria: A gente constata isso todos os anos, Marina.

Marina: Eu acho que a gente tem que fazer o seguinte: dado isso então o que que a

gente faz. Eu acho que a primeira coisa é mostrar qual é a função da escrita. Se lá

fora eles não tão vendo função pra escrita a gente tem que mostrar. A gente usa a

escrita pra que? Aí então faz sentido usar a escrita nessa situação? Então vamos lá

fazer a escrita. A questão é assim, no tempo que a gente tem o que que a gente tá

priorizando? Porque aí a gente fica na questão separa a sílaba, classifica, acha a sílaba

tônica, acentua e na na na.

Helena: Isso é luxo. Não. Assim, eu digo...

Marina: É necessário, mas numa situação dessa o que você prioriza? Por que se eu

insisto nesse ponto a questão da função da escrita vai embora. De fato, eles vão zoar.

Eu ia. Mentira. Eu não ia porque eu sempre fui medrosa e obediente. Então eu acho

que a gente precisa pensar, em algum momento, no conjunto, o que que a gente

entende como construção da escrita, que tipo de mediação a gente faz, se a gente lê o

que eles escrevem. A gente lê o que eles escrevem? A gente faz uma produção

textual. Quando isso volta pra gente, a gente faz o que? A gente lê? A gente corrige?

A gente tem que marcar? Como é que a gente corrige? Como é que a gente faz essa

devolutiva? Porque assim, aí o cara não usou parágrafo, aí eu leio o texto dele e falo

assim: “Olha só. Na próxima vez você faz o parágrafo.”

(...)

Ana Maria: Vamos falar um pouquinho da 5B.

Alice: Essa devolutiva. Essa devolutiva do 5A realmente é mais complicado em

relação a tempo até porque tem o desgaste até eles ficarem comportados, menos

agitados. Eu não tô conseguindo fazer esse retorno. É um desgaste. A gente sai da

turma, volta entra na turma eles não param não sossegam, até você acalmar todo

mundo pra começar a falar e etc. e tal. Tá complicado. O 5B a gente fala semana que

vem?

Marina: Eu acho que a gente pode falar agora.

Helena: O 5B não tem muita coisa pra acrescentar não, gente.

Alice: Não tem não. A gente meio que foi falando junto.

Ana Maria: Fala só de uma forma geral.

Alice: O que acontece numa turma acontece na outra também. Só que no B é uma

coisa. Pra mim é mais tranquilo porque eles me dão um retorno. Parece que eu não

estou falando com pedrinhas que estão sentadas ali. São crianças que vão realmente e

eles fazem. No outro dia eu passei um vídeo lá da aula de história. Eles conseguem

fazer um link: “E tia, é aquilo que você falou e a gente tá a gente tá assistindo.” Eles

conseguem fazer um link maior e conseguem produzir até textos quando a gente faz

em história. “Vamos criar uma manchete porque D. João está voltando. Se você fosse

um repórter e tivesse que criar uma manchete porque D. João voltou lá pra Portugal.”

Eles vão. Tem um grupo maior que vai, que faz as coisas em relação...

Helena: Se você tá fazendo uma correção... Eu fiz a mesma correção numa turma e

na outra. Na 5B eu escutava alguém falando junto comigo. Entendeu? Auto-correção

é isso.

Alice: Eles respondem.

Helena: Tentar. Tá errado, mas tá tentando. Eu vou falando junto com ela. Você

sente uma...

Alice: Interesse.

Helena: Eles são intensos, eles são bagunceiros, se você deixa um minuto eles fazem

138

uma arruaça e não sei o que, mas você observa que num dado momento você

consegue despertar o interesse neles. Eu não sei. Eu não se é o grupo. Eu acho que as

peças que compõe aquele grupo. Eu não sei.

Marina: Diante disso eu acho que a gente fechou então a 5A e a 5B?

Helena: Sim.

Ana Maria: Porque já foi falando junto, né.

Marina: A gente precisa de alguns encaminhamentos, assim. Propostas.

Alice: Sim.

Marina: Então. Em função dessa diferença de perfil das duas turmas eu acho que a

gente pode pensar aí um reagrupamento. Talvez dar uma mexida em alguns

momentos, trazer alunos da 5A pra 5B, da 5B pra 5A. Misturar pra ver se a gente

ganha com isso ou se não ganha.

Helena: Eu só queria colocar uma observação em relação ao grupo que se envolve

com Matheus. Que são meninas e M. Porque tem os meninos que seguem M, mas a

euforia das meninas continua a mesma.

Marina: E ninguém tá aguentando isso.

Alice: L, M E, J.

Helena: L é o caso mais grave daquela sala não sei se você concorda.

Alice: Sim.

Helena: L é o caso mais grave que tem ali.

Ana Maria: L, M Ed e...

Alice: J.

Helena: Essa semana eu tava entrando na escola e a L...

Alice: Mas na outra turma tem Kr e J.

Helena: L estava correndo, saindo da escola correndo com cara de choro. Eu falei:

“O que que aconteceu?” “Tão querendo me bater.” Tinha uns meninos querendo bater

nela. Por que? Ela vai pra cima dos meninos querendo bater. E os meninos ficam

botando apelido nela. Então, assim, o caso de L tá muito grave. Eu tô preocupada

com o que pode acontecer.

Ana Maria: J e L a gente precisa chamar o responsável urgente. J então tá faltando.

Helena: L de cabelo enroladinho.

Marina: Só retomando, eu acho que a gente pode pensar nessa questão do

reagrupamento. Talvez pro segundo semestre porque a gente já tá em reta final pro

recesso. E pensar nessa questão da produção textual aí como um todo da escola se a

gente não pode numa próxima... num próximo planejamento trazer algumas

produções de alunos e aí a gente pensar assim, na proposta em si. Talvez o foco não

seja nem na produção, no que que o aluno foi capaz de fazer naquele momento, mas

no que que a gente propôs, qual era o nosso objetivo ao propor aquilo, como que a

gente conduziu? Enfim, pra pensar essa questão da metodologia mesmo. Porque às

vezes eu faço de um jeito e o outro faz de outro e aí vai. Tanto na proposta quanto na

questão do retorno pra eles.

Alice: E também alguma uma atividade, algumas ideias que vocês tenham de

estruturação de texto, alguma coisa de parágrafo, frase, não sei o que. Se vocês

puderem trazer.

Marina: A Fernanda já trouxe. Quando ela trouxe aquelas coisas do caderno, né. Do

caderno do estudante e tal e daqueles registros. Ali a gente tá vendo a produção

textual como é que tá sendo trabalhado. Eu acho que se você puder trazer de novo.

Alice: Mas a minha preocupação não é tanto em relação a produção do texto não. É a

estruturação do texto.

Marina: Então. Mas a gente pensa assim que tipo de proposta a gente tá fazendo?

Em termos de estruturação, como que a gente coloca isso pra eles.

Alice: De parágrafo, ponto.

Analu: Tem uma aula bem dinâmica que uma vez eu peguei uma turma já no meio

do ano com todas as dificuldades possíveis e impossíveis e era uma turma de terceiro

ano. Sendo que terceiro ano numa escola particular é cobrada, né. Então o que foi que

139

eu fiz? Eu fiz uma atividade que eu tentei... que é uma atividade que você faz

praticamente no chão. Como é que eles faziam? Eles formavam as palavras, depois

que eles formavam palavras eles passavam pra segunda etapa e eu fazia os sinais de

pontuação em folas coloridas, cartolinas e eu recortei. Tudo pequenininho. De forma

que eles conseguissem compreender quais eram os sinais de pontuação e de que

forma. Aí eu pegava as figuras e as palavras e aí eu ia formando pequenos textos.

Quando eu via que eles já dominavam esses textos aí eu formando textos maiores. E

depois eu passei pra um cartaz. Nesse cartaz eles viram a possibilidade de aumentar

esse texto sinalizando os sinais de pontuação. A vírgula, que são as coisas básicas, né.

Depois eles foram ampliando. Já passando pro caderno. Se de repente você fizer uma

aula dinâmica, né.

Alice: Mas aí que tá. Essas aulas dinâmicas tinham que vir desde o terceiro ano.

Amanda: Mas é. Mas acontece muito.

Alice: Tá chegando lá no quinto ano só... é um grupo grande.

(Todos falam ao mesmo tempo. Parecem não concordar)

Analu: Porque aula só no quadro eles não tem muito interesse.

Elizabeth: Deixa ei só... deixa eu só comentar. A gente tem um trabalho do cão pra

ensinar esse povo aqui a usar o caderno, a usar o livro, o que pode e o que não pode

fazer...

Alice: Gente, o que eu tô falando vocês tão levando pro pessoal. Não é isso.

Elizabeth: E ai...

Alice: Não é isso, gente.

Elizabeth: Mas você ensina o que é quantidade, relacionar número à quantidade.

Toda estruturação de ordem, classe. Tudo é ensinado do primeiro ao terceiro ano.

Alice: Eu sei Elizabeth, mas não é isso não.

Elizabeth: Aí você quer falar. No quinto ano sabendo usando caderno e tudo mais.

Não. Eu falo assim. Não estou me defendendo. Eu estou dizendo que do primeiro ao

terceiro ano é a base, a estruturação de praticamente o conteúdo todo de matemática e

português que é, assim, é muita coisa.

Alice: Até porque nós não somos super-heroínas, a família tá faltando e não sei o que.

Eu não tô levando pro pessoal, gente.

(todas falando)

Helena: Vocês têm uma questão, vocês no primeiro ciclo, que é uma defasagem lá da

educação infantil. Parece que é uma coisa boba, mas não é. Coisas que eram pra ter

sido trabalhadas na educação infantil e que não foram.

Ana Maria: E que talvez foram trabalhadas sim, mas a criança não alcançou.

Elizabeth: Escrever bilhete em cada caderno. Isso aí dá trabalho, gente. É muita

coisa. E você tem que preparar o povo pro quinto ano?

Alice: No quinto ano a gente também tem que trabalhar um monte de coisas, gente. A

minha preocupação é essa.

(todas falando ao mesmo tempo)

Marina: Então pra próxima quarta a gente traz a proposta de produção de texto.

(Entre muitas outras vozes. As pessoas vão se levantando e saindo.)

Elizabeth: Eu não tô defendendo a turma eu tô defendendo o primeiro ciclo.

Analu: Funcionou muito. Eles queriam participar.

Alice: Menina, não leva pro pessoal.

Elizabeth: Não tô levando pro pessoal. A questão são tantas questões.

Conversa com a Professora Luzia

No dia 31/05/17 no turno da tarde foi a vez da professora Luzia. Ela sempre

inventa moda nos conselhos. O áudio tem apenas 25 minutos e 28 segundos pois

termina o tempo da reunião e ela precisa terminar na próxima semana. Luzia intercala a

140

leitura do texto escrito por ela para a reunião (transcrito em itálico) com comentários.

Não foi realizada a gravação das falas das professoras Liliane do primeiro ano, Kátia do

segundo ano e Débora do terceiro ano.

Luzia traz música para o conselho, distribui adesivos coloridos com

mensagens de incentivo para as professoras, lamenta o momento político que nos tira as

forças (sem saber que o pior ainda estava por vir) e conta que agora já conhece o

Fernando, mas que tem que conhecer de novo no dia seguinte. E quando tudo falha ela

toca flauta. Em sua pesquisa, Certeau nos fala dos:

terrenos onde podem rastrear as modalidades específicas de práticas

enunciativas, manipulações de espaços impostos, táticas relativas a

situações particulares, abre-se a possibilidade de analisar o imenso

campo de uma ‘arte de fazer’ diferente dos modelos que reinam (em

princípio) de cima para baixo da cultura habilitada (...) (CERTEAU,

2014, p.81)

Interrompo para aproximar o celular que faz a gravação. Vamos começar de

novo. Porque além dessas questões sistemáticas (faltou dizer: que a escola valoriza

tanto) tem músicas e brincadeiras. O projeto de leitura está em fase de teste e quem

ainda não lê leva o livro assim mesmo, lê com o responsável, olha as figuras e depois

conta como foi. Também em processo inicial tem a caixa da imaginação que tem livros,

brinquedos, coisas que a gente vai juntando e até música. E aí faz prova ou não faz

prova? Faz um exercício avaliativo já que é isso que a escola quer. O que importa são os

projetos onde as crianças podem demonstrar o desenvolvimento do seu raciocínio.

Então chegamos aos grupos. Sim. Aqui também temos três grupos distintos.

Luzia conta que classificou as crianças, mas nos lembra que ainda estamos estudando

isso aí e que é difícil falar assim com os pais. No primeiro grupo sete alunos pré-

silábicos. Dentre eles o F, criança com NEE. Luzia ressalta sua participação em algumas

atividades. No texto (ata) que Luzia escreve e nos apresenta também estão narradas as

peripécias de algumas crianças. O grupo se diverte com os causos (e não casos)

contados pela professora, mas Ana Maria nos alerta sobre o tempo. Ficamos com a

música, os adesivos coloridos, as narrativas sobre as respostas criativas das crianças e os

aplausos. Saímos conversando pelo caminho e a fala sobre os outros grupos fica para a

próxima semana.

(...)

Luzia: Eu queria compartilhar porque assim a gente tá vivendo um momento muito

difícil, difícil na política. A gente tá cheio de desânimo, mas mesmo assim eu tô

141

tentando trazer um pouquinho de música pra gente poder se libertar.

Silvana: Só você, Luzia!

Luzia: No outro dia o F fez... foi ontem mesmo... eu chamei você né. (Falou comigo)

pra ver o F. Porque o F tava super agitado. Aí depois eu fiquei sabendo disso tudo. Aí

o que que eu fiz na sala: “Gente, vamos tocar um pouquinho de flauta pra poder

acalmar.”

Jorgine: Tocar um pouquinho de flauta. Pow. (gesto batendo com a flauta).

Luzia: Eu toquei pras crianças. Porque assim, ele tava muito agitado na sala. Aí

começa a bater muito forte na mesa. E aí tava difícil, por isso que eu falei: “Vai

passear um pouquinho.” Quando ele tá passeando lá fora, já sabe que o negócio tá

pegando. Aí eu vou botar aqui uma musiquinha.

Silvana: Ela vem equipada, né.

Música: A tem que ser

Ah, tem que ser

Tem que ser hoje que eu vim

Que eu vim com tudo que tem

Que tem a ver com você

Você nem sabe que sim

Que simplesmente é assim

Assim que vejo você

Você de frente pra mim

Eu me arrepio

Grito, pulo, assovio

Gesticulo e rodopio

E vou girando

Até cair no meio-fio Olho pra você, sorrio

Mas você não dá um pio

Na verdade eu fiz de tudo

Cê não viu, não viu, não viu

Tá provado que não viu

Eu dei um grito e um rodopio

Mas você se distraiu É que eu tô achando

Que tem mais do que isso

Você deve estar vivendo

Um momento difícil

Momento que não quer compromisso

É isso!

Como que eu não me toquei muito antes

Daqui há pouco cê terá seus momentos sadios

Querendo de volta os meus rodopios

Ah, tem que ser

Tem que ser hoje que eu vim

Que eu vim com tudo que tem

Que tem a ver com você

Você nem sabe que sim

Que simplesmente é assim

Assim que vejo você

Você de frente pra mim

Eu me arrepio

Grito, pulo, assobio

Gesticulo e rodopio

E vou girando

Até cair no meio-fio Olho pra você, sorrio

142

Dessa vez você me viu

Tá na cara

Pois você também sorriu

Me viu, me viu

Pois você também sorriu

Agora vou contar pra todos

Vou espalhar pelo brasil!

Me viu, me viu

Pois você também sorriu

Agora vou contar pra todos

Vou espalhar pelo brasil!

Ah, tem que ser

Tem que ser hoje que eu vim

Que eu vim com tudo que tem

Que tem a ver com você

Você nem sabe que sim

Que simplesmente é assim

Assim que vejo você

Você de frente pra mim

Eu me arrepio

Grito, pulo, assobio

Gesticulo e rodopio

E vou girando

Até cair no meio-fio

Olho pra você, sorrio

Dessa vez você me viu

Tá na cara

Pois você também sorriu

Me viu, me viu

Pois você também sorriu

Agora vou contar pra todos

Vou espalhar pelo brasil!

me viu, me viu

Pois você também sorriu

Agora vou contar pra todos

Vou espalhar pelo brasil!

Fernanda: Legal!

Luzia: Agora peguei. Agora eu já sei como é que é o F. Aí no outro dia já não dá

certo. Cada dia a gente tem que ir vendo e superando as nossas próprias limitações,

porque também são as nossas limitações não saber lidar com algumas coisas, né. E aí

queria compartilhar também com vocês uma coisa que dá muito certo lá na sala, né,

que é essas figurinhas. Gente eu comprei um livrinho de figurinhas que vem mil e

quinhentas figurinhas. É figurinha pra mais de metro. E eles adoram.

Jorgine: Quem quiser: Multicenter.

Luzia: Bota no caderninho deles. Aí faz o maior sucesso. Ana Maria.

Jorgine: Quando eu tava em sala de aula tinha que comprar aquelas figurinhas todas

na banca que não tinha mil e quinhentos.

Fernanda: Luzia, se você não preparou um pra mim... você não sai daqui hoje.

Luzia: Esse negócio de nome... eu não sei se vai dar certo.

Fernanda: Você não vai sair daqui hoje. Você se prepara. Se não fez, faz um

correndo, troca a etiqueta.

Jorgine: Que coisa mais fofa, meu Deus do céu.

143

Marina: Gente, é de coruja.

Luzia: Silvana. Cada um é um. Você não fica falando o seu não.

Sidinéia: Que lindo, gente! De Corujinha.

Luzia: Daniela.

Marina: O meu também é coruja, olha.

Daniela: Daniela, você é minha amiga.

Silvana: Deixa eu ver de Dani.

Fernanda: Deixa eu ver, Dani. Cadê?

Silvana: Luzia, você não existe.

Luzia: Débora.

Marina: Deixa eu ver se vou querer o seu.

Luzia: Olha só. Começou. Fábia.

Silvana: Gente, o reconhecimento é uma grande motivação.

Débora: Olha que bonitinho.

Luzia: Mirela. Fernanda.

Fernanda: Ainda bem porque eu já estava nervosa.

Silvana: Fernanda, você ganhou!

Marina: Ela já estava nervosa.

Luzia: Analu tem ser dos docinhos por causa do Felipe.

Alguém: Você nem sabia que eu vinha.

Fernanda: Essa daí, minha filha, é preparada.

Silvana: Gente, eu adorei isso.

Fernanda: Eu também adorei.

Luzia: Se a gente adora imagina as crianças que é uma festa lá na sala.

Daniela: Onde você comprou, Luzia?

Luzia: No Multicenter. É um livrinho que tem lá. Quando eu te encontrei lá. Lembra?

Marina: Que aliás, vai se encontrar no shopping assim.

Silvana: Que shopping?

Marina: No Multicenter.

Fernanda: Love book.

Daniela: Ah! Na feira.

Fernanda: Love book. Porque tem uma feirinha de livros ali.

Luzia: Aí, assim pra ter um momento mais light. Porque a gente tá vivendo vários

momentos difíceis. Aí eu vou ler mesmo aqui e comentar porque ela também precisa

conhecer a turma.

Silvana: Ótimo.

Luzia: E assim, F. Fernando, F. Todo mundo já sabe. Não vou ficar batendo toda

hora nessa tecla. A gente amanhã vai ter uma reunião, né. Aí durante esses primeiros

meses observamos que apesar de alguns casos específicos de descompromisso com

as atividades escolares um bom grupo de alunos bem como seus respectivos

responsáveis...

Marina: (Interrompi para aproximar o celular) Posso?

Luzia: ...responsáveis demonstram interesse e responsabilidade com as propostas

apresentadas.

Jorgine: Começa de novo, Luzia, que ela tá gravando.

Luzia: Ah tá. Durante esses primeiros meses observamos que apesar de alguns casos

específicos de descompromisso com as atividades escolares, um bom grupo de alunos

bem como seus respectivos responsáveis demonstram interesse e responsabilidade

com as propostas apresentadas, seja na execução de tarefas de cunho sistemático,

leitura do alfabeto, escrita do nome completo, o cabeçário escolar, valor sonoro das

letras B, C e D, leitura e escrita de numerais e suas respectivas quantidades e

palavras variadas em material impresso, na participação de projetos e músicas.

Porque além dessas questões todas sistemáticas, tudo planejado ali direitinho tem

também as questões dos projetos com músicas e tal que aí a gente trabalhou o projeto

identidade, a gente fez tudinho, até na época que a gente tava começando o trabalho.

144

A gente trabalhou com o nome, a questão do corpo pintamos o pezinho das crianças

pra fazer o muralzinho, né. Foi um momento bem legal. O projeto cada gota que foi o

projeto de março que a gente trabalhou só com o tema da água e já vai aproveitar ele

e linkar com o projeto de Itaipu, né. É... e o projeto as profissões que foi o projeto de

abril pra poder chegar em maio e a gente já tá falando nas profissões. Falar um

pouquinho do... da importância do trabalho de cada setor porque cada setor é

importante e a gente dando ênfase no pessoal que apoia limpando pra eles ajudarem

cada vez que termina a atividade e limpar tudo direitinho. E esse negócio me dá um

nervoso. Nas brincadeiras e nos projetos permanentes. Então assim...

Marina: Vocês vão acabar de acostumando.

Luzia: A gente brinca assim com os... Eu achei melhor me organizar assim um

projetinho por mês que aí a gente tem como fazer um conteúdo que esteja todo... né...

encaixadinho e o projeto permanente que são aqueles que a gente vai trabalhar o ano

todo. As letras do alfabeto, as vogais, o som, né. Aí os projetos permanentes é Cada

letra um som; que são as letras do alfabeto apresentadas a partir de cantores

brasileiros, mas no começo não era de cantores brasileiros então tem um Bethoven no

meio porque a gente começo a falar sobre o Bethoven aí seria a Carmen Miranda, ai a

gente traz a musiquinha da Carmem Miranda. D a gente falou do Dominguinhos que

é a música da água que vem nesse livro aqui. Gente, esse livro aqui foi um achado.

Muito lindo.

Silvana: Mostra pra gente.

Luzia: Vocês que de ouvir as coisinhas que tem aqui. Aí a gente trabalhou com

Dominguinhos, né, que tem a música da água. E agora vai trabalhar com

Gonzaguinha. E aí cada letra do alfabeto é um cantor brasileiro, mas entra o

Bethoven também. Aí cada letra um conto também.

Marina: Projeto Músicos Brasileiros e Bethoven.

Luzia: E Bethoven. É... Cada Letra um Conto. Para cada letra apresentada é levado

para a sala de aula uma história diferente. Aí porque essa questão da história?

Porque a gente sabe que o contexto na alfabetização é muito importante, mas aí eu

peguei a letra e peguei o livro com a letra pra que, pra fixar pro aluno que tem

dificuldade. “Que livro é esse? É do CAbelo.” Entendeu? O C do CAbelo doido.

(risos) Então a gente tipo assim, a gente tem o contexto ali todo, o livro. A história do

início ao fim e tem o CAbelo. (risos) Senão fica difícil.

Jorgine: Ela é demais, gente. (Risos)

Luzia: Para cada letra apresentada é levada para a sala uma história diferente,

procurando fixar o valor sonoro da letra para os alunos em fase inicial de

alfabetização. E promoção da habilidade de relacionar os conceitos e conteúdos

para os alunos em estágio mais avançados. Aí tem o projeto cirandinha que na

verdade é só uma introdução. O projeto Cirandinha é assim: eles levam pra casa uma

sacola que eles fizeram a capinha e levam pra casa o livrinho toda sexta-feira e aí

trazem na segunda-feira, comentam um pouco daquele livro. Só que a gente tá na fase

inicial que é a fase de teste pra ver se eles vão devolver mesmo. Então eles levam a

fichinha que eu boto com um grampinho, com o clip no caderno e eles levam e eles

tão trazendo por enquanto. Tão trazendo e se eles passarem do teste a gente manda os

livrinhos. Aí... em fase inicial os alunos levam um pequeno texto impresso para ser

lido junto ao responsável. Aí é interessante porque as vezes: “Ah. Ainda não sabe ler

ainda.”, mas é querer buscar essa prática de leitura com os pais fazendo com os pais

até que eles possam fazer sozinhos. Aí a Caixa da Imaginação que a gente tem na sala

que tem um monte de coisas que tem lá. Aí a gente pode tirar várias coisas, objetos de

lá e perceber qual é o valor sonoro de cada figura, no caso, ou também contação de

história. Eles pegam inventam uma historinha. Tá bem no processo inicial ainda. Aí

caixa com objetos variados onde é promovido o trabalho com música que convidam

a dramatização e produção textual. Aí a gente tem várias coisinhas de mágica. Sabe

essas coisas que a gente vai juntando de tanto que trabalha, trabalha, trabalha. Aí

agora tem um acervo de coisas e eu coloquei tudo na caixa. Aí a gente vai e canta...

145

quando tem a música. A música do cachorro desse livro, gente, é um sucesso. Eu

conheci um cão. Eles cantam. E agora lá na sala tem um cãozinho.

Marina: Fez um trabalho com ele.

Luzia: É. Foi. Aí deixa eu ver onde que eu tô. Ou mesmo nas avaliações. Aí as

avaliações eles acontecem em três momentos. Aí que eu fiquei meia com medo

porque teve várias discussões. Quando eu vim... que eu já tava com material pronto aí

veio aquela discussão da FME. Se faz prova, se não faz prova. Aí eu escolhi fazer

assim tem o portfólio que é onde a gente vê realmente o desenvolvimento da criança.

E tem também uma provinha mais convencional. Por que? Pra poder também eles

estarem: “Aí. É isso que vocês querem. Toma.” Entendeu, assim, tipo... eles estarem

com a prática de fazer isso também, mas o que eu avalio mais é o portfólio. Aí tem

até aqui o portfólio aqui bonitinho, direitinho. É... Que além de acontecerem

diariamente sobre o olhar crítico do professor mediante o desenvolvimento do aluno

sob vários aspectos ocorre em outros dois momentos sistemáticos através de uma

avaliação convencional que é um exercício avaliativo e uma avaliação qualitativa

que é a escrita espontânea estimulada a partir dos temas trabalhados nos projetos

mensais onde os alunos tem a oportunidade de demonstrar o desenvolvimento do seu

raciocínio na construção da leitura. Aí a gente trabalha aquele tema do projetinho da

sala de aula aí no final a gente uma escrita espontânea que é legal porque aí a gente

tem o grupo semântico daquele projeto. Foi a água. Aí vai falar sobre o que foi a

água, né, ou então o dia do trabalho. Aí eles foram e escreveram aqui. O primeiro que

é da identidade que no caso, eu sempre faço aqueles que eu acho legalzinho. Aí eles

foram aqui. O primeiro eles escreveram carro KO. No caso do R. Aí aqui quando foi

no dá água eles já estavam escrevendo mais. Ele tentando escrever nascente. Aí NAI

botou o S e o T. Nascente. Aí aqui é o córrego. Botou só o O, o R e o U. Córrego. Aí

eles foram fazendo. E aqui ele já apresenta mais letras, né. Carteiro. Tem o K tem o T

sem E o I e o RO, que aí eles estão escrevendo.

Marina: Essa coisa da nascente, né a gente pensa que palavra esquisita pra

alfabetizar uma criança... nascente, mas na sala de aula... Ela não contou, mas na sala

de aula ela fez o percurso dentro da sala, o percurso da água. Então tinha dentro da

sala a...

Jorgine: A nascente.

Marina: O córrego e tal e na na na. Aí pra variar F foge da sala. Volto eu com F pra

sala cato uma cadeira e sento. Tô vendo as crianças assim (cochichando) e rindo. A

gente tava sentado bem na nascente. (gargalhada) Eu e F. A gente não sabia que tava

sentado bem na nascente. E as crianças faziam assim (cochichando). (Risos)

Luzia: Aí tem a nascente, tem a montanha e até chegar à praia eles vão escrevendo.

Muito bonitinho. Aí... Dentro deste contexto temo o grupo formado por vinte e

quatro alunos em três grupos distintos. O primeiro grupo é formado por sete alunos

que encontram-se em nível pré-silábico. Eu botei aqui que a gente ainda tá estudando

isso daí. É sempre questão de estudo esses níveis, né. E aí que é difícil a gente falar

com os pais também essa linguagem. Por que a gente ainda tá tentando entender

imagina os pais. Aí às vezes a gente fala assim: “Não. Tá errando isso aqui.” Errando,

né, que no caso, assim, é o processo, mas pra eles é a linguagem que a gente ainda

consegue chegar, mas aos pouquinhos a gente vai chegando. É... O primeiro grupo é

formado por sete alunos que encontram-se em nível pré-silábico, utilizando qualquer

letra pra representar a palavra D, G, L, M, F que é NEE e escreve... F que escreve e

reconhece o nome alguns numerais e letras e aumentou seu tempo de permanência

em sala de aula. Eh!!!

Silvana: Aí Analu.

Luzia: O que eu achei interessante no outro dia foi que eu botei uma atividadezinha

que era de numerais até o cinco só. Aí botei em cima da mesa dele. A mesa dele que

ele vai perambulando pela sala. E uma coisa que é bom colocar. Assim, ótimo porque

é uma integração legal, mas também é uma questão que às vezes prejudica no sentido

assim... É o tempo todo andando pela sala, fazendo barulho. E a gente ali, né.

146

Mediando aquilo tudo. Aí ele foi... eu botei uma folhinha assim... sei lá, vai que ele

faz. Não é que ele pegou e fez o número. Eu não tô mais com essa atividade aqui. Ele

fez o número bonitinho. Um, dois, três. Claro que não é esse o objetivo pra ele.

Porque o objetivo pra ele é mais saber a quantidade mesmo. “Quanto que é um?” E

ele pegar um, dois e não apenas fazer o numeral, mas também foi um avanço legal

que ele mostrou. Aí tem o C...

Analu: Sabe como é que ele consegue? Quando você coloca lá o um e coloca a peça

aí ele vai. Ele consegue fazer assim, mas se você só pedir pra ele contar e colocar a

quantidade do lado ele não vai fazer. É como se ele não tivesse compreendendo que

você quer que ele coloque essa quantidade aqui.

Luzia: Tem que ser tudo no concreto. Aí tem o C que na época que eu fiz o relatório

ele não falava o nome completo e não reconhecia o valor sonoro das vogais. Ao final

do período começa a fazer uso destas na escrita das palavras. Que aí foi uma

musiquinha... gente, tem um cara que o nome dele é... acho que é Estevan Marques

que ele faz um sucesso porque a música dele é muito legal e tem uma coisa ritmada.

Se eu pudesse fazer o curso dele. (fala pertinho do gravador) “Se eu pudesse fazer o

curso dele eu ia fazer porque é mil reais. Professor não tem mil reais pra fazer um

curso.” Mas aí... (risos) mas aí... É protesto. É protesto. Vai que vai pra qualquer

lugar.

Analu: Vai pra qualquer lugar. Olha!

Luzia: Fora Temer também sempre vale a pena. Fora Temer também sempre vale.

Silvana: Mas devia ter, não é. Formação para professor.

Jorgine: Já teve, gente.

Analu: Pode fazer o seguinte: manda uma pessoa e depois ela vem e se encarrega de

fazer pra todo mundo. Que tal?

Luzia: Aí não, mas assim, esse cara específico.

Silvana: Ela quer esse.

Luzia: Eu quero esse. O Estevan Marques. Ele mandou quatro musiquinhas, na

verdade gratuita só pra você ficar com mais vontade, mas gente, é um sucesso total.

A música das vogais foi a que eu peguei C.

Jorgine: As crianças gostam.

Luzia: Porque na verdade ensina porque faz o A, faz o E, faz tudo com o corpo. O O

o U. Aí depois na segunda fase faz com um amigo, mas por enquanto a gente ainda tá

na primeira fase. Aí ele faz com o corpo ele pegou bem. Aí tá começando a falar. O G

mesmo com o telhadinho troca a sequência das letras na escrita do nome e não

compreende conceitos abstratos. Se você falar uma coisa muito abstrata pra ele, ele

se perde. Aí eu botei: “Algumas peripécias”. Eu falei pra ele porque ele tem uma letra

muito grande e eu falei pra ele: “G, que letra é essa?” A letra enorme! Toda preta,

toda suja. “G, que letra é essa?” E ele disse todo feliz: “Letra D, tia!” Porque ele

sabia ler. (gargalhadas) aí eu: “Ah, parabéns.” “Letra D, tia.” Porque tipo assim ele

não entende a intensão. “Que letra é essa?” “Cara, tô chamando a atenção.” “Letra D,

tia.” (risos)

Ana Maria: Todo orgulhoso!

Jorgine: Depois conta pra Marina. (eu não estava na sala)

Luzia: Aí eu mandei... Mas é uma coisa que também vem de casa porque eu mandei

um deverzinho que era assim pra ler o textinho que a gente trabalhou, trabalhou na

sala... falou, brincou... Ai era: lia o textinho e copiava o textinho que era “A galinha

do vizinho, bota ovo amarelinho, bota um, bota dois...” aí tá. Aí eu falei assim:

“Copie o versinho da Galinha.” Aí veio o dever de casa: “O versinho da galinha, o

versinho da galinha, o versinho da galinha.” (gargalhadas) Eu acho que foi dez ou

oito linhas com o versinho da galinha.

(entrei na sala)

Jorgine: Marina. Você não ouviu isso.

Luzia: Eu tava falando que isso também é uma coisa que... a interpretação do

abstrato também vem de casa. Porque eu mandei um deverzinho que a gente

147

trabalhou tudo direitinho na sala de aula e era pra copiar o versinho da galinha. Aí

veio o dever de casa feito: O versinho da galinha, o versinho da galinha, o versinho

da galinha. (gargalhadas) Aí eu: “Ai, meu Deus.” Complicado, né. Aí...

Marina: Quando você pedir as coisas, você pede direito.

Luzia: Ah. Mas todo mundo compreendeu. (risos) Aí daqui a pouco tava G, catuca de

lá, catuca de lá, pegou uma etiqueta. “Aqui tia, acho que isso aqui é essas letras aí que

você fica dando.” (gargalhadas) Tipo assim: “Esse mundo seu, né.”

Marina: Eu vou ter que trocar o celular por uma filmadora, gente. A gravação não

vai dar conta disso.

Luzia: Escrita espontânea para G, esse que tem essa dificuldade. Espremendo igual

Kátia lá, espremendo. Vamos lá escrever professora. PRO, PRO. (risos) Aquela coisa.

Aí saiu o O, saiu o R. “Isso! O. Bota aí o O! Bota aí o O!” Botou. “Mas eu não tô

entendendo nada.” Tipo assim: “Você que tá escrevendo isso aí por você.”

Silvana: Luzia.

Ana Maria: Você tem que fazer em duas partes.

Luzia: Eu ainda tô só na primeira folha.

Marina: Meu Deus do céu.

Luzia: Agora só a última de G que eu achei bonitinho, que aí ele tem essa coisa de

não ter autonomia, mas aí a gente tem lá na sala uma máquina de calcular. Máquina

de calcular que na verdade é uma garrafinha pet. Bota as tampinhas por um lada de

um buraquinho com rolinho de papel higiênico e do outro e faz a continha, né.

Ana Maria: Que legal!

Luzia: Mas aquilo encantou tanto a eles e eu falei assim: “Se vocês quiserem, isso é

facinho, dá pra fazer em casa.” Porque eu não queria fazer aquele monte de garrafa

pet. Aí, no outro dia ele veio, gente. Tão bonitinho, com todas as dificuldades, mas

ele veio com a mochila. “Tia, tia, olha o que eu fiz. Eu fiz sozinho, eu fiz sozinho.”

Aí tinha a máquina calcular dentro da mochila dele. (risos) Muito bonitinho, muito

fofinho.

Analu: No dia reunião ele tinha dito assim: “Minha avó não me ajudou, tia.”

Luzia: É. Foi.

Analu: Ele pediu pra avó confeccionar junto com ele.

Luzia: Não, mas olha só, ele ter conseguido fazer, mesmo que alguém tenha sido

com ajuda, porque deve ter sido, porque tem que cortar, né, mas como é que foi

porque no versinho da galinha foi aquela interpretação, né. Isso tudo é do mesmo, da

etiqueta. É tudo dessa criança. Aí, meu Deus, como é que conseguiu?

Conversa com a Professora Mirela

Na reunião do dia 7/06/17 de manhã trabalhamos no registro da ata e a tarde

foi a vez das professoras Mirela e Letícia realizarem o conselho de avaliação e

planejamento do ciclo. Não é possível dizer o tempo de duração do áudio pois foi

perdido após a transcrição.

Mirela retoma a fala anterior sobre o grupo de quinto ano que começou com

a professora Letícia e aponta algumas questões que estão sendo discutidas entre os

alunos como violência, sexualidade, bulling e atrapalhando a aula. Coisas de

adolescentes sobre as quais a gente não sabe conversar e se limita a pedir que os pais

fiquem de olho ou escolhe um texto para ser lido sobre o assunto. A gente não manja

148

nada disso. Talvez a gente precise mesmo é reaprender a olhar, a ouvir, a sentir e a estar

com as crianças. Sair do lugar.

E falamos do L G, que implica com as crianças e implica os professores,

que grita e cala, entra e sai, bate e abraça. O sofrimento dele é muito e a conversa com o

L G é difícil, tensa, quase sempre triste. Ouvir é difícil. E é difícil também escrever. A

tela do computador ou a folhado caderno fica em branco e os pensamentos

perambulando. Escrevo, risco, apago, reescrevo e salvo outra versão. Às vezes, a escrita

toma uma direção contrária e é preciso fazer o caminho de volta, encontrar o ponto de

desvio e fazer outro caminho.

Ana Maria: Tá muito...

Mirela: Não. Assim...

Ana Maria: Tá além, tá de acordo?

Mirela: A gente consegue...

Ana Maria: Vocês conseguem trabalhar?

Mirela: Por exemplo Ciências. A ficha tá pedindo pra que a gente trabalhe lá...

trabalhasse lá... é o sistema solar. Aí fiz o Sistema Solar com eles. Foi bacana. A

aluna de Kátia tava lá e ela ficava assim: “Mercúrio, Júpiter.” Muito engraçado o que

aquela menina diz. Aí eu falei: “Você volta aqui então.” “Tia, planetas rochosos,

planetas gasosos.” Muito figura! Eu morri de rir, né. Porque você sabe né que às

vezes eu brigo muito, muito, muito, mas tem hora que eu não consegui que eu caí na

gargalhada. Então lê aqui pra tia: “Júpiter, Mercúrio”. Montamos... aí assim... Aí a

Kátia quando eu encontrei com ela hoje ela veio me mostrar os livrinhos. Então

assim... A gente consegue os temas trabalhados, os tópicos.

Ana Maria: Ciências, história, geografia vocês conseguem?

Mirela: Matemática também. A gente tá apresentando, Ana Maria. A gente não deixa

de apresentar os conteúdos. Eu tô dizendo assim, a gente pode não tá conseguindo na

totalidade, mas a gente tá chegando ali. Eu acho que esse é o caminho mesmo.

Letícia: E é cansativo. Entendeu? A gente ficar trazendo a todo tempo e todo

conselho. A conversinha é que atrapalha. São os assuntos deles mesmos, coisas de

adolescentes mesmo. Aí eles falaram... Eu falei alguma gíria brincando com eles e

eles falaram: Ah! Até que enfim você falou uma palavra de adolescente. Eu falei: eu

manjo muito de palavras de adolescente só que vocês não são adolescentes. Daniel

falou comigo. Aí eu falei assim: “Só que nem todo mundo aqui é adolescente.” Aí

eles falaram: “Não. A gente é pré-adolescente.” Aí fiquei brincando, né. “Não existe

esse negócio de pré-adolescente, não. A maioria aqui tem quantos anos?” Aí eu... um

falou que tinha dez. E eu disse: “Não, dez anos não é adolescente não. Ainda é

criança.” Mas eles estão muito nessa coisa assim. São os maiores, né. Aqueles

papinhos de namoro, de muito cochicho. Sempre a Vitória, o W, o G.

Kátia: O que é essa história que eles tão falando de como é que faz ponta? Eu não sei

se foi. Foi na turma deles.

Mirela: A gente colocou... Ana, eu tô olhando aqui no celular só pra sinalizar. Mas o

resumão é esse. É... o que acontece ali na turma... acho que dos alunos a gente já

passou. Já finalizou, né? É uma turma que tem uma questão de indisciplina, mas ela

faz um balanço com a outra questão. Assim, eles não são de todo... eles têm assim

uma questão de... assim.

Ana Maria: Eles participam.

Mirela: Abraçam... Tem uma questão assim. De todo modo, eu acho que por ser

assim já pré-adolescente tem essas questões que Letícia falou realmente... de namoro.

149

“Tia, eu acho aquela ali bonitinha.” Eles falam isso, eles querem e eu acho que é até

natural. Ah! Eu tô sofrendo bulling. Eles falam. E eu acho isso bacana. Eu até pensei:

Ah! Vamos tentar ver uma palestra pra essas crianças. Sei lá. Dar uma... Dar um

retorno pra eles. “Vocês tão sofrendo?” Vocês sabem o que bulling? Letícia trabalhou

um texto, não é? Eles me mostraram o texto.

Letícia: É. Eu trabalhei um texto e queria até colocar isso em algum lugar.

Mirela: É que falaram do cabelo da F que era um cabelo pra cima, sei lá. Aí eu falei:

“Ih, gente e o meu cabelo então? Que é ruim pra caramba! Ih! Tô cheia de caspa!” Eu

falei: “Só não pode ter piolho, né? Eu disse: “Fui tentar fazer uma progressiva não

deu certo.” Tipo assim. Mas eles têm umas questões que são importantes e que a

gente não pode... a questão do namoro, a questão da baleia azul. Uma desenhou uma

baleia azul no braço. E veio pra escola com aquela baleia azul. Eu falei: você sabe o

que é isso? A gente na reunião pediu para que os pais olhassem.

Ana Maria: Pediram?

Mirela: Pedimos. “Olha! O que tá nas mídias que é importante o que que não é. Tem

um perigo aí. Fiquem atentos.” Até na primeira reunião, isso lá no início, dois de

fevereiro, sei lá, março. Letícia tinha pego uma arminha toda arrumadinha. Eles

tavam olhando no Youtube como é que produziam isso e trouxeram pra escola. Então

assim... A gente falou pros pais, orientamos, pedimos e tudo mais. E caminha nessa

dualidade aí. Poderíamos avançar mais, mas a indisciplina pega um pouco. De todo

modo acho que a gente tá conseguindo seguir o barco. Tem dificuldade? Muitas, mas

a gente tá seguindo. E tem os dias que aparece uma coisa assim que é pra aliviar a

alma, sei lá o que. Pra dar uma regada! Porque quando a gente tá muito murcha

aparece alguém lá.

Ana Maria: Agora... o L G não fica na sala.

Mirela: Não fica.

Fernanda: Aí gente. Tá difícil.

Mirela: E o que a gente faz?

Fernanda: O que a gente negocia com ele no dia seguinte ele já não quer a parte... a

parte de atividade da negociação. Ele quer só o que ele quer. E aí fica complicado.

Rosa: Eu acho assim que o L G... que com o L G uma coisa importante é que a gente

tem de sustentar o que se diz. A Jô saiu e disse que ele ia ficar, ou ele ia pra sala ou

ele ia ficar sentado na quadra. Então. Ela falou. Acabou. Não pode fazer diferente

daquilo que foi dito, né?

Jorgine: Porque ele não pode ficar brincando... Olha só. A questão do L G é a

seguinte, ele junto com os pequenos, ele machuca os pequenos.

Letícia: É verdade. Ele machuca.

Jorgine: Então a gente tem que tá no recreio dos pequenos, alguém viu... É aquilo

que a gente tava falando de manhã, né, que a N é aluna de todo mundo e que tá

surtindo um efeito bacana porque todo mundo. Então assim... viu o L G no recreio

dos pequenos... ele não pode. Todas as vezes que ele está com os pequenos... eu não

sei se ele não tem noção. Ele machuca mesmo, ele aperta, ele joga, ele... Entende?

Então eu falei com ele: “Ou você vai pra sala... Com os pequenos eu não quero

você.” Mas é até pra protege-lo porque se ele machuca uma criança dessas seriamente

vai ficar ruim pra gente e pra ele. Então assim...

Mirela: É uma realidade muito difícil.

Ana Maria: Ele não atende.

Rosa: A gente precisa que a mãe venha e que a gente tenha um procedimento com ela

porque ele tem que ter um acompanhamento. E não é um acompanhamento só de um

apoio não. Ele precisa de um acompanhamento fora da escola. Porque olha só tem

dias que ele tá deprimido, tem dias que ele fala coisas.

Fernanda: Tem mesmo.

Rosa: Não é? Ele fala coisas. Ele fala da baixa estima dele. Tem dias que ele tá mais

impulsivo, pra não dizer agressivo, mas ele tá mais impulsivo. Coisas acontecem e

ele tá mais... a válvula de escape é a escola, então... Ele precisa de uma interferência a

150

nível de alguém pra dar um fio condutor pra ele. Ele não tá fazendo acompanhamento

nenhum. Neurologista, pediatra, nada.

Marina: O psicólogo deu alta a ele.

Jorgine: O psicólogo deu alta.

Mirela: Eu até gostaria de falar. Eu conversei com as meninas antes, né. Primeiro eu

me reportei às meninas. Na semana passada eu fiquei muito chocada. Eu sai na hora

do meu recreio e eu falei: “Jô eu preciso sentar aqui e falar com você o que

aconteceu.” A gente... eu entendo que também eles são alunos de todos porque... eu

vou citar T, não vou citar ele, mas ela fica com Marcinha, fica com Fernanda.

Fernanda tem dado socorro geral. Passa lá.

(...)

Mirela: Aí na sexta feira ele tava lá. Ele sentou no meu colo, me abraçou. Eu falei

senta aqui. Ficou dez ou quinze minutos, no máximo meia hora, não foi isso? Por aí.

Jorgine: Depois ele ficou lá dentro... ficou comigo.

Mirela: Jô sentou, falou, e ó assim.

Jorgine: Sexta feira eu tenho segurado ele o máximo que eu posso lá dentro. Não é

verdade? Até três e meia pelo menos pra não juntar ele muito com T. Pra não dar

um...

Mirela: Pra não dar um tilti geral.

Jorgine: Ele conversa comigo. Mas até três e meia é muito tempo.

Mirela: Na sexta feira ele entrou na sala...

Ana Maria: Mas é muito difícil, gente!

Mirela: Muito difícil e imagina com uma turma toda que a gente já verbalizou a

dificuldade da indisciplina, e ele ficar na sala.

Ana Maria: E vai fazendo assim até chegar no ponto.

Mirela: Cai no chão. Ele rola no chão assim ó. Pega os pés das crianças, prende o pé

assim e fica. Do nada ele pega o caderno do colega e joga. Como que você controla?

Ana Maria: É muito difícil.

Mirela: É muito difícil, mas pra além dessa dificuldade toda. Ele sentou no meu colo

eu abracei ele e fiquei. Daniela chegou e encontrou a gente lá sentado, abraçado. Eu

parei. Deixei os outros lá com exercício. Deixei os meninos. Parei. Sentou L G de um

lado e T de outro. Fiquei com os dois ali na minha mesa. Um aqui e o outro ali.

Falando com eles na sexta feira antes dele sair. Porque depois Jô ficou com ele.

Depois eu fui até lá e falei. Desfiou um rosário. “Eu sou um bosta. A minha mãe

disse que eu sou uma fábrica de bosta, que ela deveria ter terminado comigo...”

Fernanda você passou na hora. O moço da pintura escutou tudo. “Eu sou uma fábrica

de bosta. A minha mãe chega em casa e isso aqui ó...” Ele me mostrou (o braço). “A

minha mãe que fez. Um machucado.” Isso ele que me arranhou com raiva. Eu falei:

“L G você tem certeza meu filho? Você tá falando a verdade pra tia? Você tem

certeza?” E eu fiquei indagando assim. Será que é invenção? Será? Você não pode

pensar assim. “Eu não sirvo pra nada. Eu não sirvo pra nada. Eu quero morrer. Eu

quero quebrar o meu pescoço, eu quero prender uma corda sei lá o que. Quero me

suicidar.” Tudo assim. Desse nível pra lá, gente. Eu sentada e aí eu falei... do nada ele

começou a chorar. Eu tô ficando... também eu vou chorar.

Conversa com a Professora Daniela

No dia 14/06 à tarde estavam previstas as falas das professoras Fábia e

Daniela. A gravação da fala da professora Fábia não aconteceu. Em seguida a fala da

professora Daniela, em áudio de 35 minutos e 44 segundos, que fecha o semestre e o

151

segundo bloco de transcrições. Durante parte da reunião a aluna T permaneceu na sala

pois o responsável pelo seu transporte ainda não havia chegado.

A conversa com a Daniela é a última transcrição da pesquisa. Voltamos a

falar da produção textual das crianças e das nossas preocupações com a ortografia, os

parágrafos e as dificuldades de compreensão. Daniela tem lido para eles. Não os livros

feitos para ensinar a ler, mas os livros feitos para serem lidos. A leitura em voz alta

realizada pela Daniela incentiva a participação das crianças que ainda iniciam o

processo de leitura e incita as crianças do grupo a buscarem por outras leituras. É por

isso uma prática inclusiva.

Na sala também tem uma caixa de livros, mas ela não empresta para

levarem para casa pois eles se perdem. A leitura é, então, feita na sala no horário

combinado ou nos intervalos entre as atividades. Ainda assim, alguns tem extrema

dificuldade na leitura ou mesmo não leem. Por isso foi preciso voltar à leitura de

palavras frases. Eles reconhecem as letras, mas não fazem a relação. Outras crianças da

mesma família também demoraram a ler e escrever, outras professoras tentaram ensiná-

los e também chamamos os responsáveis, fizemos encaminhamentos para especialistas e

aulas de reforço. Com tudo isso estão melhorando queremos que façam direito, mas

insistem em fazer esquerdo, como a aluna Vitória.

Ainda tem o projeto sobre astronomia que pretende levar a todos em uma

viagem a Lua ou quem sabe Marte. Para isso será preciso ler mais e buscar mais

informações. Professoras que tiverem livros para ajudar na pesquisa poderão embarcar.

Mesmo os alunos mais tímidos encontram lugar no projeto. E os pais também. Todos

estão muito envolvidos e logo teremos uma exposição. Ou será uma expedição? Que tal

irmos ao museu de astronomia que fica no Rio? Ou mesmo em Niterói? Se ficar difícil

sair da escola a turma viaja assistindo um filme e visitam as outras turmas para contar

sobre o que estão estudando.

O grupo de professoras fica muito animado com o trabalho da Daniela, mas

logo voltamos a falar das dificuldades de leitura e escrita. os textos precisam ser simples

ou algumas crianças não compreendem, outros só copiam e alguns só querem mesmo é

terminar logo.

152

Daniela: Mas a parte da produção textual é meio complicada. Aí o trabalho de leitura

que eu tô fazendo é pra até mesmo pra proporcionar melhor a escrita. Além da

viagem também que tem tudo a ver comigo...

Ana Maria: Dificuldade ortográfica ou de compreensão?

Daniela: Não. De compreensão também, não é só ortográfica não. Eles têm

dificuldade de colocar no papel, de... A gente trabalhou... iniciou fazendo um trabalho

com o parágrafo.

(...)

Daniela: Eu percebi no início que eles não tinham essa noção de parágrafo. Quando

começar o parágrafo. O que é um parágrafo. Trabalhei com música na sala de aula.

Fiz uma musiquinha pra eles entenderem. E a partir daí eu tô muito com leitura. E o

que eu observei nessa leitura que eles tão assim, lendo muito. Além dessas leituras

que eu faço eles estão lendo individualmente. Então eles chegam pra mim, a gente

tem uma caixa de leitura e eles falam: “Tia, o livro tal? Cadê o livro? Eu tava lendo.

Eu tava no finalzinho.” Eu peguei o livro que era O Pequeno Príncipe. Na época eu

levei pra casa pra minha irmã trabalhar com o meu livro. E... aí a aluna falou que tava

lendo o Pequeno Príncipe, que tava no finalzinho. E aí reclamou comigo porque eu

levei o livro pra casa. E agora a mesma coisa com o livro que eu emprestei à Mirela.

A aluna chegou pra mim e falou: “Tia, cadê o livro tal?” Esse livro já foi lido em sala

de aula. Foi o primeiro livro. O Diário da Elen. E eles tão relendo, quer dizer. Não só

na questão...

Ana Maria: O livro é pequeno? É médio?

Daniela: Não. O livro é enorme. Tem cento e poucas páginas, a gente só lê livro

assim. Esse último livro... Esse atual livro, que é o terceiro livro. O livro O Pequeno

Príncipe que estamos lendo tem cento e vinte páginas. Esse é menor.

T: Hã! (espanto)

Daniela: Esse é menor. Hã. Por que? Você tava lendo lá. Junto. Você tava

participando da leitura. E eu percebi que isso motivou eles a lerem sozinhos. Eles não

querem somente a minha participação na leitura. Eles tão lendo sozinhos.

Individualmente. Eu tô gostando muito.

Ana Maria: Você empresta pra eles lerem em casa?

Daniela: Não. Eu não empresto não. Fica na só escola. Esses livros como são? São

livros meus que eu trouxe. E são livros também dos alunos, que eu pergunto se eles

têm algum livro pra doar. Eu já conversei com os pais na reunião de pais. Eles doam

só pra ficar durante esse ano ou eles doam mesmo pra ficar aqui na escola. Aí a gente

a nossa caixinha de leitura. São esses livros. Eu não empresto não. Por que? Porque

eu já fiz isso ano passado e eu perdi um livro assim. Então agora eu não empresto

mais pra levar pra casa. Só em sala de aula. É... Eu vou falar dos alunos, antes de

falar de um projeto que a gente tá fazendo, que eu quero a participação, a ajuda de

algumas... das professoras. Eu até perguntei... Eu tô perguntando assim

individualmente quem tem livro sobre astronomia, mas eu vou falar dos alunos. Vou

falar... começar com os alunos que tem extrema dificuldade em leitura. Não estão

lendo.

T: Lá em casa tem vários livros na biblioteca. Quer que eu traga?

Daniela: Não. Você não pode trazer ou livros sem a permissão do responsável de lá.

T: Mas eu sempre trago um livro pra ler na van.

Daniela: Traz? E eles deixam? Então depois a gente conversa sobre isso. (falando

com a T)

Daniela: Então aluno que tá com muita dificuldade.

Ana Maria: Extrema dificuldade, mas lê?

Daniela: Extrema dificuldade. Não.

Ana Maria: Não lê?

Daniela: Soletrando. Eu tô fazendo um trabalho com eles. Até mostrei à Fernanda o

trabalho que eu fiz específico com eles, mas no trabalho o que acontece?

Ana Maria: Mas mesmo soletrando eles entendem o que tá lendo?

153

Daniela: Mas mesma quando soletra...

Fernanda: Depois que você souber os nomes você vai saber.

Daniela: Quando soletra, quando soletra eles entendem palavras, mas não conseguem

entender o texto em si.

Fernanda: Não conseguem.

Daniela: Então o que que eu tô fazendo? Eu voltei a fazer um trabalho só com

palavras, depois frases pra gente começar com textos. Eles participam da leitura?

Participam de que forma? Prestando atenção. Eles participam depois comentando a

leitura que eles estão entendendo a leitura que eu estou fazendo, mas eles,

individualmente não. não conseguem.

Tayla: Quem não tá entendendo?

Daniela: Quando eu consigo eu separo esses dois alunos pra fazer um trabalho

específico com eles, mas é esporadicamente.

Ana Maria: Em sala de aula é complicado.

(...) Daniela: É. Aí nesse trabalho que eu fiz o que eu observei é que o L P tá com mais

dificuldade do que o K P. O L P é muito assim... ele tem muito medo. E no trabalho o

que eu observava é que ele constantemente ele achava que tava errado. Ele tava

pegando a letra certa e ele achava que tava errado. E a organização, sem organização

nenhuma. Muita sujeira no trabalho e ele colava e descolava, uma indecisão fora de

série. E o K P não. Ele é mais seguro. Eu acho também...

Ana Maria: Ele tá faltando o K P? De manhã ele faltava tanto!

Daniela: Não. Não tá faltando não. Ele vem. Tem bastante presença. Não é faltoso

não, nem o L P. São alunos assim, frequentes. São alunos frequentes.

Letícia: De repente era ruim de acordar, né.

Tayla: (fala baixinho)

Daniela: Eles têm dificuldades nas sílabas simples. Pra você ter uma noção.

Ana Maria: Mas ele reconhece as letras todas?

Daniela: Reconhecem as letras. A dificuldade é no fonema, na parte de grafar estes

fonemas. Então eles não conseguem...

Fernanda: Fazer a relação.

Daniela: Reconhecer e não conseguem...

Fernanda: Fazer a relação.

Ana Maria: Mas eles reconhecem a letra. De grafar estes fonemas. Então eles não

conseguem reconhecer. Não conseguem...

Fernanda: Fazer essa relação.

Daniela: Eles não reconhecem. Se eu falo a sílaba BA é mais fácil, mas se eu falo

uma sílaba exemplo, MA.

Ana Maria: Pra ele escrever?

Daniela: Pra ele escrever. O K P já consegue fazer essa relação, ele consegue

identificar a grafia do fonema e faz... ele monta. O L P...

Ana Maria: Nada, mas tem um histórico de família assim dele.

Daniela: Muito difícil. Muito difícil.

Kátia: É o Lucas que é irmão da E?

Ana Maria: Essa família P é complicada.

Mirela: Lembra de L P que era do segundo ano? Alice? Eu peguei ele o final do ano.

Fernanda: Eu conheço ele desde o primeiro.

Mirela: Ele não conseguia nada. Nada com nada. Ele não conseguia. Eu tenho a ata

dele lá que eu vou pegar.

Kátia: A família. Assim, da infância, eu digo em casa mesmo.

(...)

(todos falam ao mesmo tempo)

Ana Maria: Eles foram encaminhados pra algum lugar? Sabe dizer?

Fernanda: Eu acho que sim.

Mirela: Ah. Ele já deve ter sido.

154

Fernanda: O L P, gente. Torno a dizer. O L P é distúrbio não é dificuldade.

Daniela: Foi eu conversei com a mãe dele. Nó chamamos.

Fernanda: Não é dificuldade.

Daniela: Não. Ele vai fazer o atendimento segundo a mãe. Tava com dificuldade

porque tava com problema de saúde e por isso que ela não veio na escola.

Fernanda: O L P é distúrbio de aprendizagem.

Daniela: Ela começou o tratamento e parou por conta disso. Isso segundo a mãe.

Fernanda: Tem que investigar e descobrir qual distúrbio.

(...)

Fernanda: Porque já são quatro anos.

Mirela: Quatro anos.

Fernanda: É igual D.

Mirela: Ele não reconhecia. Você colocava: “O que vem antes e o que vem depois.”

Daniela: Ela ficou de retornar.

Fernanda: Pior.

Ana Maria: Mas a Silvana já tinha feito o encaminhamento.

Fernanda: O L P...

Daniela: Fez o encaminhamento. Fez o encaminhamento. Aí ela viu no histórico dele

que ele tinha começado um trabalho...

Fernanda: Ele fez o reforço com Teresa.

Daniela: Aí ela viu no histórico dele que ele tinha começado um trabalho. Feito não

sei se foi no Getulinho, eu não lembro, mas já tinha começado um trabalho de fono,

mas parou e a mãe atestou que parou por conta das dificuldades que ela teve de

saúde, de problemas sérios de saúde não pode continuar levando, aí Silvana falou pra

reforçar porque ele precisa desse tratamento, que ele ficou de...

Fernanda: Ana.

Ana Maria: A criança as vezes não consegue...

Fernanda: Até a Teresa. Lembra de Teresa?

Ana Maria: Lembro.

Fernanda: Teresa pegou L P pra dar reforço. (...)

Ana Maria: K P também. Ela pegou K P e pegou L P.

Fernanda: Ninguém. Ninguém consegue. O Lucas é um caso de distúrbio mesmo.

Não é dificuldade.

Daniela: E você a ansiedade dele. Dá assim... Você fica... É de cortar o coração

porque ele quer ler.

(...)

Daniela: E o Kaique. São esses dois de extrema dificuldade. Eu tô preocupada, mas

ao mesmo tempo...

Ana Maria: E você conseguiu o milagre de falar com a mãe dele.

Daniela: E eu não estava no dia. Eu não estava no dia. Foi no dia da paralização. (...)

Kátia: Se você conseguir falar com a família de K P aproveita e fala de I.

Daniela: Ela veio. A mãe do K P. Veio, mas eu não estava foi o dia da paralisação.

Eu tava fazendo paralisação, mas ela conversou. Silvana conversou comigo. Falou

que ela veio.

Ana Maria: Podia ter aproveitado e falado com ela da I.

Daniela: Se soubesse, né.

Kátia: Porque a mãe dela passou a perna. Ele veio na reunião. Eu nem acreditei. Aí

quando ela... Eu falei assim: “Eu queria falar muito da I com a senhora. Só que a

senhora já tá com criança, não tem como a senhora marcar uma reunião na

secretaria.” Ela: “Tem. É ali na secretaria, né.” Eu: “É.” Menina...

Ana Maria: Mas ela tem problema de compreensão também.

Kátia: Eu fiquei toda feliz. Fui lá.

Ana Maria: A mãe do K P tem.

Kátia: Cadê que ela marcou?

Ana Maria: Não vai ajudar muito, entendeu? A mãe não vai ajudar muito não. É

155

mais pra dar ciência mesmo. Pra tá conversando.

Fernanda: O que?

Kátia: A mãe da I? Ela é nova.

Fernanda: Ela tem... Eu descobri sem querer que quem ajuda ela a fazer algumas

coisas é uma outra pessoa.

Ana Maria: Uma outra vizinha.

Kátia: É uma moça.

Fernanda: É a vizinha. Ele teve que comprar remédio. Eu tava na farmácia e tava

ouvindo ela falar. Quem foi comprar os remédios, pra ler a receita, pedir os

remédios...

Ana Maria: Quando ela veio na escola uma vez, ele veio com essa vizinha.

Daniela: Ela veio novamente com uma de uma pessoa. Ela veio acompanhada

novamente de uma pessoa.

Fernanda: Ela não entende.

Ana Maria: Ela não entende não.

Daniela: Parece que é a pessoa que toma conta das crianças. Foi isso que a Sid falou.

Kátia: Alguma coisa estranha. A impressão que eu tenho é que a I é o mesmo jeito. O

mesmo jeitinho. É uma dificuldade.

Ana Maria: Porque a criança aprende convivendo.

Kátia: Mas é muita dificuldade de compreensão.

Daniela: Kaique eu tô achando que ele tá melhorando bastante.

Ana Maria: É porque também ele tá maiorzinho, né.

Fábia: K P?

Daniela: Ele tá melhorando bastante. Tanto que nessa atividade que eu fiz

individualmente com os dois quem sobressaiu mais foi K P. Ele conseguiu identificar

várias consoantes, os fonemas. Em contrapartida...

Fernanda: Mas olha só. Eles são irmãos só por parte de pai.

Ana Maria: E o comportamento do K P? Como é que tá?

Daniela: Ele é um aluno bem agitado, bem levadinho, mas ele eu consigo manter na

linha. Eu chamo atenção dele. Parece que ele aprontou. Eu chamei a atenção dele,

mas ele não tem... É um aluno que não... que não é abusado.

Letícia: Ele é irmão de V P?

Mirela: Ela fala isso com a boca bem grande.

Ana Maria: Quem falou isso?

Mirela: V P, a irmã dele, que dá aula no quinto ano.

(na verdade a V P é aluna do quinto ano)

Ana Maria: Nossa!

Mirela: Dá um trabalho sem medida. (risos)

Fernanda: Eu preciso falar alguma coisa?

(todas falando ao mesmo tempo)

Letícia: É a mãe que veio a reunião ou a outra? V P, só Jesus na causa.

(...)

Mirela: É irmã dele a V P. A V P, ela foi adotada por aquela moça que veio na

reunião, coitada. Que a gente não tinha mais onde enfiar a cara. “Que ela só faz

besteira.” Eu olhei pra Fábia porque eu não aguentei.

Daniela: Gente.

Ana Maria: Aí veio uma pessoa e adotou.

Mirela: Adotou. Você não tava aí no dia que... Ah, não. Quem foi que recebeu? Que

atendeu a mãe? Jô?

Fernanda: Foi Jô e Evelim

Mirela: Que arrumou confusão no banheiro e na aula de informática

Fábia: Que mãe é essa que acha que ela é uma santa?

Mirela: Não. Não acha não.

Letícia: Mas essa mãe...

Ana Maria: Mas a mãe veio de manhã ou veio de tarde? Uma de cabelo enroladinho

156

a criança? Mas o cabelo dela é cacheadinho.

Mirela: Ela passa um batom vermelho e sai por aí.

Letícia: “V.” “Meu nome.” Sem noção.

Mirela: “Tá fazendo direito?” “Não, tô fazendo esquerdo.” Assim que ela fala. “Tá

fazendo direito?” “Não, tô fazendo esquerdo.” “Tô em pé, tô sentada.” Assim.

Letícia: Olha só, mas o garoto é irmão dela, mas não é daquela mãe não, né?

Analu: Se é do mesmo pai, se não é...

Ana Maria: E aí, Daniela?

Daniela: Em relação ao K P, eu já falei ele tem essa dificuldade, mas ele participa

muito das aulas. Em relação da oralidade.

Ana Maria: Mas ele melhorou muito? Por que ele não era assim não.

Daniela: Melhorou. Pelo que eu ouvi vocês falando. Ele participa. Ele tá entendendo

as coisas. A dificuldade dele é passar pro papel agora, que eu tô observando. É... O L

P que tem essa dificuldade, ao mesmo tempo, ele tá muito animado. Eu percebo.

Ana Maria: Tadinho, tão bonzinho.

Daniela: Ele chegou pra mim e falou: “Tia, eu tô lendo esse livro.” Mostrou o livro

(ri). Claro que a gente sabe que não tá lendo.

Mirela: Ele tá confiante.

Daniela: Mas ele tá confiante. Isso bom. Eu tô feliz por isso. Ele tá se sentindo

valorizado. Tá conseguindo ler. Eu falei: “Isso mesmo.” A gente lê também a

linguagem não verbal, gente. A linguagem não verbal. A gente lê também.

Fernanda: Gente, o L P ele tem uma coisa que a gente percebe há muito tempo. Ele

não admite que ele não sabe. Ele camufla o não saber dele.

Daniela: Mas sabe que ele fala comigo? Ele fala: “Tia...” Não. Sabe o que ele tá

fazendo comigo. Sabe o que ele tá fazendo? Fernanda. Ele tá fazendo. Ele chega na

atividade: “Tia, eu e o K P, a gente não sabe.” Ele tá fazendo isso. Ele tem essa

noção. “Porque a gente não sabe. Como é que a gente vai fazer? Eu posso sentar

junto?” Você vê que ele tá animado. Ele fala. Eu faço o trabalho com os dois e é

nítido que eles não sabem. E ele tá falando isso. Todas as aulas quando tem uma

atividade. Eles fazem atividade. Eles fazem todas as atividades, né. E ele chega pra

mim e ele fala. “Tia.” Ele fala até baixinho. “Tia, e eu e o K P? A gente não sabe.

Como que a gente vai fazer?”

Ana Maria: E agora?

Daniela: “E agora?” “Fulano de tal pode ajudar? G. Pode sentar junto do G?” Ele tá

fazendo isso. Ele tem essa noção que não sabe, que ele tá pedindo ajuda. A todo

momento ele pede ajuda.

Ana Maria: Ele quer aprender.

Daniela: Ele quer. Ele tem vontade. Você vê que ele tá animado.

Ana Maria: Mas eu acho que assim, só a Daniela não dá conta, gente.

Daniela: Não dá. Claro que não. Porque eu não consigo, gente. Não tem como.

Ana Maria: Você faz uma atividade num dia, mas você faz todo dia uma atividade

com eles?

Daniela: Eu não consigo. Nós conversamos até com a mãe. Nós conversamos até

com a mãe, eu e Silvana, em relação de mandar uma tarefa pra casa todos os dias.

Tarefas assim, mas não dá.

Ana Maria: Porque são quatro horas.

Daniela: Tá sendo inviável. Tá sendo inviável. Não tem como. Não tem como.

Ana Maria: Eu acredito.

Fernanda: Ele é um caso pro reforço. Ele é distorção.

Daniela: E são atividades que não é pra fazer sozinho. Eles precisam de alguém

intermediando, ajudando.

Ana Maria: Mas vocês acham que eles vão mandar alguém pra fazer o reforço?

Fernanda: Eu acho que vão. Vão mandar no segundo semestre pra dizer que...

Mirela: Ah. Mas depois vai...

Ana Maria: Mas é pouco tempo.

157

Fernanda: (falando baixinho) Pra dizer que mandou.

Daniela: Eles estão muito animados. Deixa eu falar do projeto. Aí depois eu falo dos

outros alunos. Já estão muito animados com o projeto de ciências. Começou com uma

aula de ciências que a gente tava estudando sobre os planetas. Nós fizemos os

planetas de bolinha de papel e a partir daí a gente começou a ler um livro também, o

segundo livro, falando sobre o menino que veio de outro planeta. E a partir daí

surgiu a ideia da gente preparar. Já que... como eu fia ano passado. Eu até lembrei:

“Vocês lembram da minha turma do ano passado, que fez uma exposição? A gente

pode fazer uma exposição também. Vamos fazer a exposição sobre o espaço?” E a

partir daí começou a surgir várias coisas porque eu dentro da sala de aula começo a

inventar. Vem na minha cabeça. Daqui a pouco surge mais coisas ainda. Viajo. Aí eu

percebi nesse projeto o quanto o Lucas, ele tá animado. Porque ele se juntou com

outro aluno que mora próximo e eles prepararam o foguete e trouxeram. O meu

foguete tá em sala de aula. O foguete tá em sala de aula. Super animado. Então ele foi

pra casa do amigo de noite e mãe também ajudou. A mãe do L P e a mãe do G. E eles

foram até na sala de Luzia pra apresentar o foguete e ficaram tão animados que

querem colocar o foguete lá fora. E se sentiram valorizados porque explicaram pras

criancinhas pequenininhas.

Luzia: Explicaram direitinho.

Letícia: Se tivesse um lugar pra gente soltar o foguete. Aquele que eu te falei que tem

lá em casa.

Daniela: O que você falou? Desculpa que eu não...

Letícia: Da OBA. Eu tenho um foguete lá em casa, mas ele tem que ter um lugar

livre, tipo uma praia, ou um campo que não tenha risco como um canto de rua de

repente.

Daniela: O que que você falou?

Letícia: Eu sempre falo da OBA e que tem dois foguetes lá em casa. Se ele estiver

com a bombinha legal ele pega mais de cem metros.

Daniela: A gente vai achar um lugar.

Ana Maria: Você tá arrumando ideia.

Letícia: Imagina um dia de lançamento de foguete.

Daniela: Não. Vai ficar ótimo! Vamos soltar esse foguete. (risos)

Fernanda: Mirela.

Daniela: Agora vamos soltar esse foguete! Gente, eles tão muito animados.

Letícia: De pet.

Daniela: É claro. De pet.

Letícia: Esse canto de rua aqui tem lugar?

Daniela: A gente arranja um lugar. Depois a gente conversa com a Marina.

Letícia: Tem que ser um lugar que não tenha risco.

Ana Maria: Então, mas é de garrafa pet.

Daniela: É garrafa pet.

Letícia: Mas ele vai brincando mais de cinquenta metros.

Daniela: Eles tão muito empolgados. Eles tão indo pra Lua, pra Marte. A partir daí

pra trabalhar também a parte de produção textual eu peço pra eles sempre pesquisar.

Então a gente tem várias coisas pra falar sobre a exposição, mas como que a gente vai

começar. A gente precisa de um embasamento teórico. Aí eu expliquei pra eles que a

gente precisa ler mais, não só com o livro e com a aula de ciências. A gente precisa

de mais informações... É por isso que tô pedindo também a ajuda de vocês se tiverem

algo sobre astronomia, mapa, livro, pra ajudar.

Ana Maria: Tem aquele seriado. Cosmos. É legal.

Daniela: Ah! Nós trouxemos um filme. Até a mãe... eu conversei com os

responsáveis pra pedir ajuda deles também e um aluno, gente, que é muito tímido,

que o nome dele é D. É... ele que não falava direito em sala de aula. Muito quietinho.

Ele veio pra mim e comentou. Porque eu falei com eles: “Agora vocês respiram

espaço. Vocês respiram o universo. A gente tá falando sobre isso. Então vocês vão

158

pesquisar sobre isso. Eu quero que vocês em casa, viu algum programa de televisão,

parou ali e anota.” E eles estão fazendo isso. Uma aluna minha, a L. Ela fez uma

anotação: “Tia, eu estava em casa vendo um programa de televisão e eu peguei o que

tinha pela frente e eu anotei.” Ela pegou o hidrocor e começou a anotar. Então eu tô

vendo a empolgação da turma em relação a isso. E de alunos também que não

demonstrava muito interesse como o D, que não se expressava muito.

Ana Maria: Mas quando você trabalha com esse projeto, você trabalha ciências.

Daniela: Trabalho tudo. Dá pra trabalhar tudo, tudo, tudo. Dá pra trabalhar tudo.

Ana Maria: Língua Portuguesa?

Daniela: Tudo. Tudo. Eu tô aproveitando a parte da produção textual pra eles

escreverem. Eles fazem pesquisa. Eu tô percebendo na pesquisa que eles não colocam

somente a cópia do que eles estão lendo ali. Pelo menos essas pesquisas de casa. Eles

estão incorporando, então, por exemplo, tem o aí. Então eu já sei que foi deles.

Ana Maria: Não é cópia.

Daniela: Não é cópia. E eles... porque eu sempre peço essas pesquisas, mas assim,

não como nota. “Ah. Vamos fazer pesquisa pra ganhar nota.” Não. Vamos fazer

pesquisa. Vamos lá. E começo a valorizar: “Nossa! Fulano trouxe a pesquisa! Que

legal! Vamos bater palma!” Então todos eles estão trazendo a pesquisa estão trazendo

alguma informação sobre o que viram. E o Davi que eu tava falando. O D é uma

criança muito tímida. Ele chegou pra mim e falou: “Tia, eu assisti um filme que tem a

ver com o que a gente vai fazer. É Perdido em Marte.” Aí eu comecei a valorizar isso.

“Nossa, que bom!” “Gente, vocês ouviram o que o D... D, fala pra turma.” Ele não

gosta muito de falar, mas ele falou. E teve a proposta de procurar na internet, mas o

filme é de 2015. Eu não consegui baixar na internet. Conversando na reunião de pais,

a mãe conseguiu o filme, a gente trouxe só que infelizmente a gente não deu pra

assistir porque ficou ruim, né. Ela quer até trazer a televisão. Depois eu vou até

conversar, mas isso é legal porque eles estão mesmo vivendo isso, essa questão desse

projeto. Eles tão vivendo sobre isso. Viram o filme...

Ana Maria: O legal é que você consegue fazer com que outras disciplinas entrem.

Daniela: A gente vê matemática e a gente vê... Então vamos contar. Quantas estrelas?

Quantas luas tem cada planeta? Então a gente já fez a contagem. Dá pra inserir tudo.

E tudo surgiu a partir de um livro e da aula de ciências. E a gente tá lendo mais coisa

sobre isso. Então por isso que a gente tá lendo agora O Pequeno Príncipe.

Ana Maria: Você já tem data pra exposição?

Daniela: Eles estão ansiosos, mas a gente precisa de material. A gente precisa

produzir as coisas.

Ana Maria: Mas vai ser este semestre?

Daniela: Vai ser lá pra outubro.

Ana Maria: Caraca, Daniela.

Daniela: Pelo que eu tô vendo. Porque a gente precisa conhecer mais. Eles

precisam...

Luzia: Tem que demorar.

Daniela: Eles precisam conhecer mais. Não adianta expor uma coisa e falar sobre o

que? Simples não dá. Então a partir daí a gente tá vendo o primeiro astronauta

brasileiro. Tá vendo muita coisa. Sobre a viajem que vai ter pra Lua. Tem uma

brasileira que já foi, já... participou da seleção e tá indo pros cem. Aí vai pra Marte.

Pra Lua não. Pra Marte só pra isso sem volta. Eles: “Tia, eu queria ir pra Marte.”

Ana Maria: Que isso, gente!

Daniela: É verdade. Ela vai pra Marte.

Fábia: Tem que fazer a entrevista.

Luzia: Até a Daniela quer ir pra Marte.

Daniela: Até a madrugada eu fico agora na televisão quando eu tô vendo. Surge

alguma coisa. Eu vi uma reportagem.

Fernanda: Vão fazer uma expedição.

Daniela: Eu tenho até o nome dela. Qual o nome dela? É... Eles querem colonizar

159

Marte. Então tem um grupo seleto. Então eles estão fazendo uma seleção pra ir pra

Marte com passagem só de ida e ela tá nesse meio de não sei quantos milhões de

pessoas ela foi selecionada pra participar.

Ana Maria: Nossa!

Daniela: Vai participar de outra seleção. Vai ficar dez anos. Tem dez anos pra poder

participar desse treinamento. Eu tô indo. Gente, eu tô junto com eles. Eu tô fazendo

isso com eles. E a partir daí...

Fernanda: Vocês já sabem da missão Galatea? Quem já sabe da missão Galatea?

Daniela: Ah! É! Tem a missão Galatea também. Já descobriu?

Fernanda: Descobri hoje.

Daniela: A Missão brasileira. Descobriu?

Mirela: Aprendiu? Aprendiu, Daniela?

Daniela: É uma missão que...

Fernanda: Uma sonda

Daniela: Uma sonda brasileira. A primeira sonda pra Lua que o Brasil vai enviar.

Fernanda: Vai ser lançada por um...

Daniela: Em 2021.

Fernanda: Por um foguete indiano.

Ana Maria: Sonda como assim, gente? Sonda mesmo?

Daniela: É pra levar bactérias pra Lua.

Fernanda: É um nano... nano satélite que vai pra lá.

Kátia: Qual o objetivo disso? (gargalhadas)

Fernanda: É...

Daniela: Pesquisa. Aí que é interessante.

Luzia: Olha a cara da Kátia.

Fernanda: Explorar as possibilidades de vida e... a exposição de... por exemplo, a

possibilidade de exposição da pele humana a raios cósmicos.

Luzia: Fernanda já aprofundou.

Fernanda: Colônia de bactérias...

Luzia: Mas isso foi eles que te falaram?

Fernanda: Pesquisei.

Mirela: Aprendeu tudinho no filme. (risos)

Luzia: Tarefa de casa, né, Fernanda?

Analu: Depois dos alunos pesquisarem é fácil, né.

Daniela: Então eu jogo a proposta pra eles também e falo algumas coisas.

Fábia: O filme é que muito legal.

Fernanda: Mas a história passa em 2020.

Fábia: É interessante que você aprende.

Daniela: Interessante o que a gente tá vendo porque as vezes a gente vê a astronomia

como uma coisa assim... Que sentido? Qual o objetivo?

Ana Maria: A criança...

Daniela: Tem vários. O Brasil ele não...

Ana Maria: Aqui tem? Observatório?

Luzia: Tinha no Rio.

Daniela: Eu queria leva-los muito.

Ana Maria: No Rio é muito longe.

Letícia: Tem em São Cristovão também. Não o Museu de Astronomia em São

Cristovão?

Daniela: Eu queria muito leva-los.

Letícia: A Casa da Descoberta não tem essas coisas não?

Fernanda: Isso que eu ia falar. A UFF começou...

Daniela: Eu queria levar no Planetário. Gente, isso seria o máximo!

Ana Maria: Mas é muito chão, gente. Não dá pra levar não.

Daniela: Ah, mas eu queria. Eu já levei uma turma pra lá. Eles precisam. Eles

querem.

160

Letícia: Tem o museu de astronomia em São Cristovão.

Ana Maria: Mas é longe, Letícia. Pra ir pro Rio.

Letícia: Mas São Cristovão tá ali na descida da ponte.

Mirela: Aqui em Niterói não sei se tem.

Ana Maria: Mas ir pro Rio é muito assim... entendeu? Muito longe.

Daniela: E eles tão observando que a astronomia...

Ana Maria: Tem que ser em Niterói.

Daniela: Não é só a questão da gente visualizar os astros, mas tem a ver com a nossa

relação, né. Não só no sentido de origem, mas no sentido atual que pode ajudar a

gente. Então pesquisas, fotografias, pesquisas, desenvolvimento de várias pesquisas

que afeta o nosso modo de vida. Então assim, não é coisa só de observar a Lua e de

viajar. Coisa de maluco. Não é coisa de maluco é coisa que tem a ver com a gente

biologicamente.

Ana Maria: A água na Lua.

Daniela: Isso. Comportamento. Então essa sonda tem esse objetivo também. Esse

objetivo biológico. Eles perguntaram: “Ah. Tia, mas qual a intensão disso?” Vocês

vão pesquisar. “Por que levar bactérias lá pra Lua?”

Letícia: Igual a Kátia.

Kátia: Não. Então.

Daniela: Tem um objetivo. A gente tá vendo a astronomia dentro desse sentido.

Kátia: Que tem um objetivo eu sei. Eu queria saber qual era.

Fábia: Pra que, né.

Fernanda: Na verdade é a exploração de possibilidades de vida.

Kátia: Que tem um objetivo eu sei, mas...

Fernanda: Mas aí eles estão vendo outras coisas.

Kátia: Exatamente.

Fábia: Mas o filme é muito legal pra eles.

Daniela: Mas a questão toda do filme é que ficou ruim a imagem então só deu pra

ouvir.

Fábia: Ah. Que pena.

Daniela: Eu vou tentar colocar novamente.

Fábia: É muito bacana. Perdido em Marte.

Daniela: Eu tenho o filme. Só que o filme não tá pegando aqui no Datashow.

Fábia: Ele é grande. É um filme grande, mas assim...

Daniela: Não tá pegando aqui no Datashow. O filme tá bom, dá pra ver na televisão e

dá pra ver no notebook, mas no datashow daqui que não tá pegando. Só o som. Aí a

mãe até deu a uma ideia de trazer a televisão dela.

Jorgine: Acho que não, gente.

Daniela: Muito interessante. Perdido em Marte.

Jorgine: Qual o filme?

Fernanda: Perdido em Marte. E a gente já pensou, bolou uma pra exposição. Uma

peça. Gente, eu fiquei encantada ontem com uma aluna.

Ana Maria: Eles tão super animados.

Daniela: Eu sou a animação em pessoa pra isso, né. Com a aluna J. A J eu sempre

lembro no CAPCI falando em relação a ela, das irmãs, do sentido dela ficar muito a

parte. Ela não se comunica direito. Eu conversei com a mãe, chamei a mãe por conta

disso também. Uma grande dificuldade pra poder falar com ela. Pra poder entender.

Porque ele fica a parte e muitas vezes ela se mostrava muito agressiva comigo

quando eu exigia alguma coisa. Muito agressiva. A mãe falou que em casa também é

assim. Então voltando... Ela também tá inserida nisso. Porque ontem quando eu falei:

“Ih! A gente pode produzir uma peça a partir daí.” Ela: “Tia.” Bem baixinho. “Tia, eu

tenho um nome pra peça.” Eu falei: “O que, J? Vamos ouvir a J! A J quer falar.” Aí a

J: “Pode ser: Ei Psiu tem alguém aí? Perdido em Marte”. Porque ela juntou. Ela

juntou os dois livros. Ela fez essa conexão. Porque nós lemos esses dois livros. Ei

psiu tem alguém aí? Dois livros não. Um livro e o filme Perdido em Marte. Então pra

161

uma aluna que não participava em nada, tava sempre a parte.

Ana Maria: Ela tá pensando, né.

Daniela: Pensando e ela quis falar porque ela tem muita vergonha. É diferente das

irmãs que falam bastante e ela participou ela se sentiu feliz. Ela tá participando. Ela tá

inserida nisso tudo e eu tô gostando principalmente por conta disso. Eu tô percebendo

que tá também trazendo outras coisas, tem outro objetivo também desse trabalho,

desse projeto. E eles estão muito animados. Eles querem apresentar o projeto. Eles

querem...

Ana Maria: Mas só em agosto.

Daniela: Lá pra agosto ou pra outubro. Eles querem expor o foguete que eles fizeram

e a gente tem mais coisa pra produzir. E a Érica também vai ajudar.

Ana Maria: Trabalha com esses meninos as palavrinhas desse projeto.

Daniela: É. A gente tá fazendo isso. Aproveitando tudo.

Luzia: Eu tava falando que ela foi lá sala e a gente tava trabalhando a letra F. Aí as

crianças apresentaram o FOguete. É o foguete, né gente. Aquilo ocupa a sala quase

toda. Achei bonitinho que eles foram falando e explicando tudo que eles fizeram e aí

tinha duas assim...

Daniela: E Lucas tava no meio. Explicou.

Luzia: Duas estavam na frente e falou assim: “E olha lá dá pra gente fazer. É só

pegar um papelão, pegar folha de caderno.” Porque eles forraram com folha de papel.

“É folha de caderno e não sei o que...” Toda empolgadas.

(risos)

Analu: Mas de uma certa forma ele já estão fazendo a exposição. Porque só fato de

você conduzir pra outra sala pra apresentar. Já é uma etapa do projeto.

Luzia: E foram sozinhos.

Daniela: Já é uma etapa, né.

Luzia: “Tia, pode apresentar hoje? Tia, pode apresentar hoje?”

Ana Maria: Tem várias músicas que falam sobre esse tema.

Daniela: Tem uma aluna até que levou lá pra sala falou sobre isso, sobre uma música

que fala sobre o tema. A gente vai ver também pra cantar. Então a gente tá cheia de

ideias, mas é colocar no papel essas ideias e pra gente colocar no papel e concretizar

precisa trabalhar mais. A gente precisa ter mais informações. É por isso que eles

estão pesquisando. Estão muito animados. Aí eu vou falar agora dos alunos assim que

tem também dificuldades na interpretação que eu coloquei aqui. Cadê? A L, é M, S L,

S M, D N, C. C ela produz, mas assim tudo errado. Ela faz a atividade e é primeira a

terminar, mas quando você vai olhar o caderno dela ela não entendeu nada. Então

você novamente que intervir, apagar, começar de novo. Vamos pensar. Então C é

muito complicada no sentido da atividade. Ela faz sozinha, mas ele faz errado. Ela

não consegue interpretar ali. Ela quer fazer.

Ana Maria: Muito errado?

Daniela: Muito, muito erro. Uma coisa assim sem lógica.

Fernanda: Se você pergunta: “Pra qual não sei o que...” Ela responde sempre sim ou

não.

Daniela: É assim mesmo.

Fernanda: Não é assim?

Daniela: É. Sem lógica.

Fernanda: Eu fiz uma tarefa com eles há um tempo atrás que a pergunta era: “Qual

não sei o que e porque.” Aí alguém respondeu. Ela falou assim: “É só colocar sim ou

não.” Eu falei: “Não!” A pergunta não é se sim ou se não. A pergunta é qual.

Ana Maria: Mas se for pra ler outras coisas, ela entende? Se for pra ler um texto.

Ela entende? Um texto simples.

Daniela: Um texto simples ela vai entender, simples ela consegue entender. Pequeno.

Mas um texto grande... É ela que tá lendo bastante, ela tá pegando livro e lendo.

Fernanda: Ela lê bem. A questão dela...

Daniela: É a interpretação.

162

Fernanda: É a interpretação.

Daniela: Ela não consegue interpretar, tá com dificuldade de interpretar. Muita

dificuldade. Eu vejo pelas tarefas. Coisa sem sentido nenhum. Não sei se é pressa

também.

Ana Maria: Falta de atenção.

Daniela: Falta de atenção também, mas são coisas gritantes.

Ana Maria: Tem criança que quer acabar logo.

Daniela: Que eu fiquei assustada. (...)

Fernanda: Eu vi isso no quinto ano também. Alguns escreviam qualquer coisa só pra

dizer que fez.

Ana Maria: Pra acabar primeiro.

Daniela: Ela lê bem a questão dela eu vejo pelas tarefas.

Ana Maria: Tem criança que quer terminar logo.

Mirela: O que eles têm muito é cópia... é ser copista. O que precisa processar,

desmembrar pra ter uma resposta...

Fernanda: “Tia onde tá essa resposta? Tá aqui?”

Mirela: “Tá aqui?”

Daniela: Eles querem a resposta pronta.

Mirela: “Pode copiar até aqui? Até aqui tá bom?”

Fernanda: “Eu posso copiar até aqui?”

Ana Maria: “É daqui até aqui?”

Fernanda: É isso que eles querem.

Mirela: Muitos.

Daniela: E assim: “O que é pra fazer aqui?” “Leia.” “Mas o que que eu tenho que

fazer aqui?” “Leia. O enunciado tá mostrando ali. Você vai ler e vai entender.”

Fábia: Pouca autonomia, né.

Daniela: Muito pouca. “Ah. Tia, eu li e não entendi.” “Lê novamente.”

Mirela: Assim mesmo.

Daniela: Não. Tem que ler novamente.

Ana Maria: Não dá a resposta.

Fernanda: Não.

Ana Maria: Não pode dar a resposta.

Daniela: Não. E eles querem muito que você fale o que que é pra fazer. Eles não

querem ler. Copia e não quer ler.

Mirela: Se você não falar eles vão copiar igualzinho.

Daniela: Mas são as exceções que eu tô citando agora. Aí eu vou colocar alunos...

(...)

Daniela: K P tá nesse grupo também.

Ana Maria: Mas o K P ainda tá, né.

Daniela: Ele tá inserido também. A C, M também.

Ana Maria: Você falou da Lr?

Daniela: Lr? Lr tá melhorando, mas eu vou deixar ainda neste grupo, mas tá

melhorando.

Ana Maria: Agora, você já deu ciência aos responsáveis? Como eles estão? Todos

eles?

Daniela: Eu conversei na reunião de pais.

Ana Maria: Todos esses daqui vieram?

Daniela: Não. Não vieram. Então aqueles que eu pude conversar, que estavam

presentes. Deixa eu ver. A mãe de K P não estava. Eu queria conversar com ela, ela

veio, mas ela não estava presente. Ela veio, mas eu não estava presente. Ela

conversou com a Silvana. A Silvana deve ter passado pra ela. A mãe de C não veio,

mas a mãe de C veio na outra reunião de pais e sempre conversa comigo. Eu

conversei com ela ali e ela tá ciente disso. D eu preciso. Eu até coloquei aqui pra falar

o nome das pessoas que eu preciso pra chamar.

Ana Maria: É pra poder dar uma ciência.

163

Daniela: Eu só falar agora dos alunos destaque. O G, L, Lr. Lr é enorme. Ela entrou

na sala eu pensei que fosse do sexto ano.

Ana Maria: Nossa!

Daniela: Ela é bem grande. Comprida. Quieta, não fala nada, mansinha, quase não

fala. Muito tímida. K.

Ana Maria: K.

Daniela: Mas K o caso dele é assim... é do sentido do oral. Porque na produção a

letra dele... organização, caderno horrível, todo desorganizado, faz tudo ao contrário,

é uma letra que nossa eu tenho que pedir pra apagar três vezes. Agora tá melhorando.

Mas eu coloquei destaque assim porque ele pega as coisas e saca com entendimento.

Ana Maria: O caderno é difícil, mas é bem escrita a ideia?

Daniela: É mais a questão da ideia mesmo. Com facilidade ele pega as coisas com

rapidez, mas é a questão da produção de... a produção não, da organização do

caderno, da letra é...

Ana Maria: Zero.

Daniela: Zero. Deixa eu ver se tem mais algum aqui. Lavínia eu também posso

colocar como destaque. A V eu coloquei porque ela é muito organizada, faz com

capricho.

Ana Maria: Ela se destaca nisso.

Daniela: Destaca. Agora os alunos que eu quero conversar com os responsáveis. D

muita falta. Extremamente faltosos.

Ana Maria: É mesmo é?

Daniela: Acho que no ano passado ele já era assim. Eu falei com ele que se continuar

assim não tem como passar de ano não. Ele veio. Ele ficou uns cinco dias seguidos.

Cinco não. Quatro. Aí no quinto ele veio.

Ana Maria: Se ele é criança como é que ele se manda pra escola? É complicado.

Daniela: É complicado. M. Quero também conversar com o responsável. Ele é bom

aluno, mas as vezes ele tem uns comportamentos, umas coisas assim que eu preciso

conversar com o responsável. A V que já chamei da outra vez lá do abrigo e até agora

ninguém veio. Eu preciso saber mais sobre ela.

Ana Maria: Uhum.

Daniela: F. A questão dele na fala. Eu quero conversar com o responsável também.

Além de ter a fala muito lenta tem algumas dificuldades em algumas pronúncias. É...

Então são esses.

Ana Maria: Tem casos que só vai descobrir o problema quando a escola chama,

sabia?

Daniela: D... só depois né.

Ana Maria: Por isso que é bom chamar.

Daniela: São esses. D. Falta. O caderno dele já pedi. Aquele caderno de matéria não

dá, não tem como eu corrigir... então é difícil eu corrigir o caderno daquele garoto

porque ele leva o caderno, não deixa aqui. Eu já conversei com ele pra falar com o

responsável, mas não consigo falar com o responsável. Não vem nas reuniões porque

já tivemos duas já e ele não apareceu. Eu acho que eu até já chamei individualmente.

Depois tem que ver. A V eu já chamei também e o F agora. São esses alunos.

(...)

Retomando a conversa

Então a pesquisa fez o caminho de trazer a transcrição das reuniões de volta

para as professoras. Como os textos eram muito longos foi preciso selecionar alguns

trechos. Outra tarefa difícil. Eu cortava e tornava a incluir. A exclusão de um pequeno

164

comentário atribuía novo sentido ao trecho, mas era preciso selecionar o que era mais

importante. Importante pra quem? Importante em que contexto? O imponderável da

pesquisa se fazia presente, pois ao excluir um trecho se elege outro e nesse movimento

se mostra e se oculta. Essa etapa da pesquisa exigiu a atenção e o cuidado de que nos

fala Esteban:

É preciso cuidado para preencher os silêncios, para completar as

faltas, para traduzir os atos, para recortar as expressões dos sujeitos,

para selecionar os dados que serão usados e os que serão

abandonados, para não silenciar aqueles com quem pretendemos

dialogar e cujo conhecimentos pretendemos identificar explicitar.

(ESTEBAN, 2003b, p.138)

Nesta etapa surgem as questões éticas da pesquisa, as autorias, os nomes

próprios, as relações de poder, os compromissos. A conversa acontece no final do

primeiro semestre de 2018. Algumas professoras não estão mais na escola e outras

chegaram para compor a equipe. E a conversa recomeça com o grupo sentado em

círculo como é costume, mas sempre atrás das mesas. Digo ao grupo que estou com

trechos das conversas e proponho fazermos a leitura, entrego os trechos para as

professoras e alguém sugere lermos em voz alta. Desta vez não trago a transcrição das

conversas que se deram a partir da leitura dos trechos. Faço a tentativa de contar como

aconteceu.

O primeiro trecho lido foi a fala da professora Helena na reunião do dia 19

de abril. O trecho foi lido pela professora Cecília que diz se lembrar exatamente do

momento em que aquilo aconteceu. Cecília dá ao texto a entonação e o gesto de Helena

e o grupo parece se divertir com uma expressão comumente utilizada por ela: “Nessa

turma tudo é um evento.” A professora Helena, diz: “sou eu mesma”, no entanto, ouve

com atenção e se mostra pensativa. No final da leitura ela diz: “Eu não faria isso de

novo. Não diria dessa forma.” A leitura do trecho transcrito coloca a professora em

interação com seu próprio enunciado, fazendo com que seja possível uma outra escuta

capaz de identificar um pensar diferente.

Em texto que discute o processo de formação da professora alfabetizadora

as professoras pesquisadoras Carmen Perez e Carmen Sanches Sampaio ao falarem

sobre sua experiencia de pesquisa em Angra dos Reis apontam a contradição como

característica do processo de aprendizagem das crianças. Aqui a contradição se faz

presente no processo de (trans)formar-se em professora. “A lógica dialética entende que

165

a contradição é o motor do pensamento e que a realidade somente existe porque é

contraditória.” (PEREZ e SAMPAIO, 2015, p.69)

O trecho transcrito também fala de um grande número de alunos com

dificuldade e da necessidade de trabalhar as operações matemáticas com o grupo em

função do que é esperado pelos professores do sexto ano e da dinâmica que se impõe

nesta etapa do ensino fundamental. “Os professores do sexto ano cobram.” Insiste a

professora Helena através da fala da professora Cecília. Também me chama atenção a

entonação que Cecília dá ao ler o trecho que fala do aluno C a quem Helena chama de

amorzinho e em seguida de coitado. Na mesma fala tem a Gabriela da qual se diz que

também tem muita dificuldade e além disso é muito dispersa, mas é um amorzinho. O

grupo ri.

Em determinado ponto a Cecília interrompe a leitura e pergunta: “Quem se

mete? Quem?” E o grupo responde: “Elizabeth.” A professora Elizabeth sempre tem

uma observação em relação às crianças que foram suas alunas. E reforça o discurso

sobre os alunos em questão dizendo que sempre tiveram dificuldade.

Em determinado ponto a professora Helena pergunta se pode interromper a

leitura e diz que hoje pode perceber como faria diferente. Ela fala da sua chegada no

grupo de professores, vindo de outra escola, da forma como falamos sobre as crianças e

da experiência de dividir a turma com outra professora. Quando ela insiste que hoje

faria diferente a professora Jorgine (que chamamos de Jô) pergunta o que ela faria

diferente e ela diz que não seria tão espontânea, que foi muito informal.

Neste momento pergunto o que mais chamou a atenção do grupo e Mirian30

também conta da sua forma de falar sobre as crianças, que também era muito informal

(que falava sem pensar) e que foi se tornando mais “erudita” (o grupo ri). Neste

momento, pergunto sobre o que pensam sobre o conteúdo do que estamos

falandouvindo, independente da forma como está sendo dita. Elizabeth volta a falar dos

alunos com dificuldade e como “melhoraram em relação a eles mesmos” e continua

dizendo que respeita a opinião de todo mundo, mas que “precisa defende-los até o final”

30

A professora Mirian se aposentou no ano de 2017 quando estava com as turmas de quinto ano junto com a professora Alice. No ano de 2018 a professora retorna à escola como professora do projeto de reforço escolar da FME em regime especial de trabalho (RET).

166

reafirmar a melhora dessas crianças até chegarem no quinto ano. E completa dizendo

que sabe disso porque “pegou eles lá no início”.

Fico pensando: melhora de que? Porque quem melhora é porque não tava

bem. Por que não estavam bem? Mas não falo nada. Prefiro perguntar quem lê o

próximo trecho ou se o grupo ainda quer falar mais alguma coisa. Passamos para a

leitura do trecho da fala da professora Fernanda (aquela em que ela lê uma carta que

escreveu para seus alunos) feita pela professora Analu. Pulamos a leitura da carta e

seguimos ouvindo o trecho em se conversa sobre as hipóteses de escrita das crianças.

No texto lido Silvana pergunta se estão silábicos para que a informação seja registrada.

A preocupação de classificação das crianças de acordo com suas hipóteses de escrita,

como podemos perceber, atravessa todas as reuniões.

Neste trecho transcrito, Fernanda, que não estava presente na reunião, divide

suas dificuldades entre questões de comportamento e de aprendizagem. E fala do A, que

ele quer brincar o tempo todo e de como tem que ficar brigando o tempo todo. O grupo

ri quando Analu repete várias vezes a expressão “o tempo todo”. No trecho transcrito

Fernanda conta ainda que ele esconde o caderno e se recusa a realizar as tarefas, mas

que tem insistido com muita conversa e que ele vai avançar. No final da leitura o grupo

fica em silêncio e eu pergunto: “E aí?”, mas a conversa parece parada. Elizabeth diz que

não pode falar porque não conhece o A.

Eu insisto enfatizando que sempre falamos do comportamento das crianças,

mas que também precisamos pensar o que que a gente faz porque cada turma tem pelo

menos um A e a gente fica discutindo as mesmas coisas, sempre pensando

individualmente as crianças que fecham o caderno, que dizem que não vão fazer, que

brigam com os colegas e outras coisas. E quando a gente vai discutir a outra turma a

gente fala tudo de novo.

Também é preciso dizer que a professora Fernanda, apesar de trabalhar nos

dois turnos, não participa das reuniões do turno manhã pois como coordenadora precisa

compensar as horas que faz a mais nos demais dias da semana. Por isso não estava

presente.

Diante do silencio do grupo sugiro a leitura de outro trecho. Dessa vez quem

lê é a professora Keila. Chamo atenção grupo de que esse que essa transcrição tem

167

quase trinta folhas e que os recortes feitos a deixaram com uma folha. Pedi que o grupo

considerasse que muito se perde fazendo esse tipo de recorte, mas que eu havia feito

algumas escolhas. Usando a expressão de Daniela: “É só um link!”

Daniela fala da necessidade de definir os lugares e da dificuldade de lidar

com as três irmãs na mesma turma onde uma que se omite e a outra responde pelas três.

Conta que percebeu uma transformação e aproximação com a sua festa de aniversário

organizada pelas crianças. Imediatamente após a leitura Keila reafirma as características

das irmãs. “São exatamente assim.” E Elizabeth confirma: “Sempre foram desse jeito.”

A discussão do grupo segue no sentido de ter ou não gêmeos na mesma sala e que a

escola só possui um grupo de quinto ano no turno da manhã.

Proponho que deixemos de lado por um momento a descrição de cada uma

das irmãs e pensemos na relação que Daniela estabelece com a J e que permite sua

aproximação. As professoras Alice e Elizabeth (ambas no primeiro ano em 2018), falam

sobre a importância dessa relação afetiva com as crianças do primeiro ano. No entanto,

nos casos a aproximação é apontada como uma maneira de manter a situação sobre

controle. “Eu tento várias coisas, mas a aproximação dá mais certo que as outras

coisas.” Diz Elizabeth. “Tem dias que você tem vontade de repelir... É melhor não

porque eu sou a adulta. É melhor atrair pra ficar perto de você que aí você tem o

controle (...) mas é melhor você trazer pra si.” Diz a professora Alice.

Da questão da aproximação afetiva como nos conta a professora Daniela no

trecho lido passamos pela tentativa de controle das professoras do primeiro e ouvimos a

professora Mirian31

que diferencia em relação ao trabalho da professora Daniela o

domínio de turma atingido através da autoridade e a liderança construída através do

respeito e do diálogo que a professora tem com eles. O grupo ressalta que o

comportamento da turma não é em relação a professora, mas um posicionamento de

respeito com todos os profissionais da escola. E o espanto: “Ela fala baixinho!”

Numa brincadeira que mostra o posicionamento da professora em relação

aos seus alunos Jô fala da dificuldade em encontrar Daniela no meio dos alunos dado

que são todos do mesmo tamanho e ela nunca está na mesa dela. “Está sempre por perto

deles. Ela tá sempre misturada.” Mirian fala da expectativa negativa que teve quando

31

Projeto de reforço escolar.

168

soube que iria pegar o grupo do reforço e de que forma isso não se concretizou pois

Daniela havia feito com o grupo uma conversa onde discutiu com eles a possibilidade

estar num grupo menor e tirar as dúvidas que estavam atrapalhando.

Jô marca a diferença quando diz: “Quando esse grupo foi pro reforço ela não

mandou pro reforço. Ela sentou com eles e ela explicou o porquê do reforço.” Jô

também fala do trabalho de Daniela e de outras professoras e da importância de

conversar com o aluno sobre as coisas que vão acontecendo e que ainda vão acontecer.

Isso muda a forma de lidar com o aluno e mais do que com o aluno é uma forma de

lidar com o outro.

A Daniela também não estava nesta reunião pois é professora do turno da

tarde. A reunião segue com a leitura feita pela Francisca (professora assistente do

programa Mais Alfabetização do Governo Federal). Francisca faz a leitura do trecho da

professora Débora onde muitas coisas haviam me chamado a atenção e eu tinha vontade

de conversar sobre elas com o grupo (como sobre a maneira de ver as meninas com o

caderno bonitinho, a dever de casa feito, o bom comportamento e sala de aula, já os

meninos...), no entanto, decidi deixar que fizessem a leitura e produzissem algum

recorte, comentando algum trecho que sobressaísse na leitura. A professora Débora não

está mais na escola pois era contratada da prefeitura de Niterói e foi convocada para

assumir a matrícula no concurso da prefeitura de São Gonçalo. Não pode participar da

conversa.

Por fim, chamo atenção do grupo para algumas coisas que direcionam

minha escuta: quando a professora fala “a gente tem coisas pra dar conta”, por ser uma

fala que se repete nos demais trechos; sobre a marcação que fazemos com a expressão:

“esse já foi retido” e também quando falamos: “agora ele até faz as coisas”. O que é

fazer as coisas? Mas o que de fato me chama atenção e preocupa bastante é o trecho que

afirmava que a aluna tinha muita dificuldade mesmo, tinha alguma coisa ao que a

pedagoga responde que “isso é um sinal” e que “alguma coisa ela tem aí”. É preciso

dizer que a conversa transcrita não terminava aí, mas que esse corte tem o objetivo de

fazer pensar. Sem titubear a professora Elizabeth me responde: “Ué? Um problema. Se

não é dela é da família.”

169

De certa forma, estamos falando de uma criança que apresenta um grande

número de faltas, assim como o irmão e que isso atrapalha bastante. Porém não fizemos

nenhuma reflexão sobre o nosso próprio trabalho, sobre o que propomos a ela quando

ela vem, sobre as tentativas de fazê-la participar, sobre as conversas com a mãe. Segue

uma pequena transcrição do trecho da discussão:

Marina: Ou é ela, ou é a família ou é a gente, ou é a escola... ou, ou, ou.

Elizabeth: Mas ela não vem. Falando no caso da S. Se ela não vem... como que ela

aprende se ela não vem?

Alice: Hoje a gente tava conversando sobre isso porque eu também tenho criança

assim. E a gente falou: “O que será que ela tem que ela não consegue?”

Elizabeth: No caso dela é porque ela não vem. Porque eu não acredito que ela não

aprenda. Mas se ela não vem pra escola é igual ao A. Se ele não vem pra escola

nunca... ele chega aqui e isso é uma festa pra ele. Não tem essa continuidade. Para o

aprendizado no caminho e depois pra retomar é difícil. Ele esquece. É o que acontece

com ela. Nesse caso.

Alice: Eu tenho uma criança que falta, mas que eu não vou reter ela por falta porque

ela tem condições. Aí é diferente.

Amanda: Minha angústia é que a gente sabe que tem algo, mas a gente nunca

consegue dar conta. (...) A criança continua um desafio pra nós.

Marina: Olha o dar conta aí.

Antes da leitura do quarto trecho, da professora Amanda e lido por ela

mesma, Amanda traz a experiência da outra escola e de como se sente ao assistir os

professores do terceiro e quarto ciclos (sexto ao nono ano do Ensino Fundamental) ao

falarem dos nossos alunos. Nossos não por terem passado pela escola pesquisada, mas

por serem crianças advindas da primeira etapa do ensino fundamental de escolas

públicas como a nossa. “Eles são os burros. O que vai ser dessas crianças nesse modelo

de escola que a gente tem?” E ainda complementa a sua fala com uma análise dos

professores dos ciclos subsequentes e que também já foi alvo de nossas discussões. “A

visão que nossos colegas têm de nós, professoras dos primeiros anos, é a de que nós não

ensinamos. Isso acaba comigo. Eu fico apavorada. Porque é assim né. Escola que

exclui.”

A conversa (porque agora parece uma conversa) segue no sentido de apontar

falas que desqualificam o aluno: a fala do próprio aluno narrada pela professora Liliane,

a fala da família, narrada pela professora Amanda, a fala dos colegas da mesma turma

narrada pela professora Elizabeth e eu também falo:

170

Marina: Aí... Aí eu vou dizer uma coisa que... a gente chama também. Chama de

uma outra maneira, mas a gente chama também. A gente chama também quando diz

assim: “Ah essa família... Essa família é difícil.” A gente faz isso. A gente faz isso.

“Ah, o irmão foi meu aluno ano passado... essa família...” Entende? Então não é só a

família que faz, não.

O grupo fica um tempo em silêncio e em seguida Amanda concorda que a

criança traz esse sentimento e que ele é reforçado pela família e pela escola. É o

processo de naturalização do qual se fala.

Ainda na reunião da manhã, foi a vez da conversa com a professora

Amanda. Lido por ela mesma apesar da entrega ter sido de forma aleatória. Logo que

começa a leitura ela ressalta a diferença entre o falar e o escrever. “Jamais escreveria

dessa forma.” A escrita de fato permitiria uma reflexão maior. O grupo mais uma vez

parece se divertir com a entonação da Amanda lendo sua própria fala e se lembra do

momento da conversa e da discussão gerada pela tentativa de classificar as crianças de

acordo com os níveis de escrita. Ela faz a leitura exatamente com a mesma entonação do

áudio, as mesmas ênfases e as mesmas pausas.

Em sua fala Amanda resiste em classificar algumas crianças como

alfabéticas, pois afirma que ainda precisam avançar em alguns pontos. É quando Ana

Maria, pedagoga, propõe a categoria silábico alfabéticos melhorados e parece resolver a

questão. Ao relembrarmos a discussão nos damos conta de como o tema da classificação

dos alunos de acordo com as hipóteses de escrita é retomado em diversos momentos no

que parecem ser tentativas de apropriação desse conhecimento. No final da reunião faço

um agradecimento ao grupo por terem aceito esse desafio junto comigo e de se

mostrarem disponíveis para essa conversa. O grupo reage e reclama que algumas

professoras não leram e outras não tiveram seus textos lidos e que precisamos continuar

na próxima semana.

Na mesma quarta à tarde lemos o trecho da professora Kátia. Assim como o

da Amanda, o trecho foi lido pela própria professora. Talvez pelas características da fala

da própria professora ou talvez pelo recorte produzido por mim na transcrição a leitura

tinha muitas pausas o que dificultou a compreensão. No trecho lido a professora falava

do processo de alfabetização e das trocas de fonemas próprias dessa etapa. Também é

retomada a questão do comportamento e da aprendizagem.

171

Em um determinado momento da leitura a professora se surpreende com

algo que ela havia dito. Agora é ela que faz a pausa e repete a leitura do trecho: “A

impressão que eu tenho é que tá todo mundo caminhando, menos a I. A I tá ali. Tá

chamando atenção. Tô deixando a I para trás.” A professora se surpreende com a leitura

que acaba de fazer. volta a ler o mesmo trecho tentando encontrar a entonação e fala do

sentimento de afirmar estar deixando a criança para trás. “Me assustou quando eu li que

deixei a I pra trás.”

Mirela fala dos três pontinhos que eu coloquei no final e que com certeza a

fala foi muito maior que isso porque a nossa angústia e sempre grande. Kátia, que

também estava na reunião da manhã, falou da diferença em discutir questões de

comportamento e a nossa dificuldade quando a questão é a aprendizagem. “Eu pude

lembrar do sentimento com a leitura. E assim... não sei mais.” O grupo discute a

expectativa que o professor cria em relação ao aluno. “Eu sinto que a criança sofre com

isso, mas a gente que é professor também sofre.”, diz a Kátia. “Parece que a gente sabe

tudo, mas a gente não sabe. Eu tenho situações na minha sala que eu penso: eu não sei o

que é pra fazer. Eu não sei. Quando eu li eu senti angústia.” Queria que vocês pudessem

ouvir o silêncio que se fez naquele momento.

Mirela se oferece para ler o trecho seguinte. O trecho é da professora Fábia.

A professora diz que no geral a turma até que boa, mas que muitos não fazem o dever

de casa e aí ela anota os nomes. Me chama atenção a quantidade de vezes que ela fala

de autonomia. A forma que ela emprega a palavra me faz pensar que ela entende a

autonomia como a capacidade de ler e compreender o que para realizar na tarefa. A

Fábia não está mais no grupo de professores da escola, mas essa forma de pensar não é

só dela. No trecho a professora Jô questiona a Fábia sobre o que ela faz com isso, ao

mesmo tempo que traz a questão para o coletivo implicando o grupo na conversa. E

insiste: “A gente enquanto grupo precisa pensar o que fazer com isso. Vai ficar

perguntando quem é o autor?”

A professora Luzia nos fala da sua experiência com o seu grupo. E como

acha interessante quando a criança que apesar de fazer a leitura do texto não se mostra

capaz de atribuir sentido ao que leu e parece não compreender, enquanto outra criança

que muitas vezes, não domina o processo de decodificação consegue fazer inúmeras

172

relações a partir do texto quando ele é lido pela professora. “É muito interessante isso.

Ele veio com o texto todo na cabeça.”

O que fica como reflexão para mim e que divido com o grupo é o retorno

das questões discutidas. “A gente não avança. (...) No final do próximo trimestre a gente

discute a mesma coisa a partir de uma outra criança.” Daniela lembra o livro Cidades

Invisíveis de Ítalo Calvino (lido com a turma) e de que forma, em uma das cidades, eles

viviam sempre as mesmas situações. Mirela sinaliza que pensamos sempre na mesma

lógica, mas que as vezes uma fala traz uma mudança ou uma outra lógica.

O trecho da professora Débora também foi relido, agora pela professora

Daniela, e no final onde diz: “Isso é um sinal. Aí tem alguma coisa.” Aí eu fiz a

pergunta: “Sinal de que?”

Jô: Essa alguma coisa é a angústia que Kátia falou, eu acho. A gente fica angustiada

porque a gente não sabe o que fazer.

Mirela: Esse tem alguma coisa...

Jô: Você percebe a angustia porque ela repete: “alguma coisa, alguma coisa”.

Marina: Quando a pedagoga diz assim: “Isso é sinal. Aí tem alguma coisa. A gente

já sabe e tá apontando o que que é. Aí tem uma dificuldade. A gente só não tá

nomeando. Aí tem uma dificuldade, aí tem um distúrbio, aí tem uma falta... a gente já

tá apontando.

Fernanda: Eu acho quando a gente fala assim aí tem alguma coisa é pensando o

seguinte... tem alguma coisa que é uma dificuldade (risos) é uma coisa que a gente

não consegue identificar. Tá além do que a gente consegue observar. (...) Eu olho e

não sei.”

Daniela: A gente não sabe nomear também.

Jô: A angústia é não saber o que fazer. A gente dizer diante de uma criança que não

consegue aprender o que a gente quer, o que a gente entende como importante e dizer

que a gente não sabe o que fazer é dolorido demais pra gente. (...)

Lucia32

: Vai ficar ruim de escrever isso aí com vocês falando tudo junto.

Marina: Obrigada, Lucia.

Luzia começa a leitura do trecho seguinte, mas resolve voltar a falar da

coisa que falta. “Às vezes a gente não dá conta de fazer o diferencial, mas a gente sabe

que pra ter essa outra coisa a gente também tem que agir de uma outra forma, fazer uma

outra coisa.

Apreciar a autoria que se desenha nos trabalhos, compreender a leitura

de mundo que perpassa as produções, analisar sinalizações do

processo vivido na apropriação da escrita é aprender a ler avessos e

32

Professora do quarto ano que chega para compor a equipe de professoras em 2018.

173

acumular subsídios para uma intervenção mais produtiva. (ZACCUR,

2003, p.106)

Lucia: Gente, chega de coisa.

E o grupo começa tudo de novo, voltamos a falar da coisa que falta e da

angústia e do não dar conta. De repente o grupo se lembra que a conversa está sendo

gravada e Fernanda pergunta: Você tá gravando isso?” e eu respondo: “Tô. Se eu vou

conseguir escrever é outra história, mas tô gravando.” E Jô completa: O que que você

vai fazer com essa coisa eu não sei. (risos)

Luzia faz a leitura do trecho da professora Amanda. Quando fala do cabelo

em pé o grupo descobre de quem se trata. O grupo gargalha com a parte dos silábicos

alfabéticos melhorados. Alguém diz que nunca mais vai tentar classificar as crianças. E

eu questiono pra que serve a classificação se não vamos além disso. Penso ser

interessante pensar a construção das hipóteses pelas crianças, mas que esse é outro

ponto que se repete nas falas e não apresenta muito avanço no sentido de construir as

propostas. Constatamos haver um movimento do grupo de professoras e da equipe

pedagógica de formar os grupos, nomear e registrar. O grupo conclui que precisa pensar

um outro modelo para o conselho que seja mais compartilhar, que traga sugestões, como

se fosse uma conversa.

Luzia: Às vezes também as coisas não acontecem aqui. Eu converso muito com

Rosa.

Fernanda segue a fala de Luzia dizendo que essas trocas também acontecem

em outros espaços e o grupo começa a enumerar todas as formas de compartilhar que

acontecem na escola e que não estão sendo lembradas. Jô lembra das sugestões que iam

sendo registradas no papel pardo conforme ia acontecendo o conselho e Mirela diz que

percebe um movimento mesmo que pequeno de trocas como quando cada um começou

a trazer os materiais que usava na sua sala, os cadernos das crianças e sugeriu que essas

ações fossem incorporadas ao conselho.

174

Mirela: A gente já está minimamente mudando a lógica do conselho.

Luzia: Às vezes não é numa reunião padronizada, mas é numa conversa.

Voltamos ao trecho da fala de Helena sobre as turmas de quinto ano, mas

todas nós já estávamos muito cansadas pra continuar a discussão. Fim de dia é assim.

Procuro agradecer ao grupo a oportunidade e colocar a possibilidade, caso o grupo

concorde, de continuar a discussão. Afirmo que foi um exercício muito interessante de

ouvir o outro e a mim mesma principalmente quando as coisas davam errado ou não

saiam como eu planejava. Brinco que agora vamos sempre ficar desconfiados de que o

gravador do celular esteja ligado e por isso vamos concluir as frases para que não seja

preciso usar os três pontinhos. Por fim falo necessidade que venho aprendendo de

sermos cuidadosos não apenas com nossas falas, mas com nossa escuta. E que tenhamos

mais conversas.

Entre uma conversa e outra

Entre uma conversa e outra, dentro e fora das reuniões de planejamento, no

horário do recreio ou do almoço, eu ia repensando a escola, a minha relação com as

professoras e com as crianças. As conversas gravadas aconteciam nas reuniões de

planejamento, mas outras conversas aconteciam também no refeitório, na sala das

professoras, nas salas de aula, nos corredores e nas caronas e iam nos transformando.

A minha escuta também foi se tornando mais atenta e esse movimento

também foi feito pela equipe a partir da experiência de leitura dos trechos transcritos,

nos risos e nos estranhamentos. Enquanto isso a minha escrita buscava uma forma

respeitosa de narrar o outro.

A discussão, que dá início à pesquisa, sobre o fracasso de algumas crianças

também ia, aos poucos, se transformando. Tomava a forma de uma questão

epistemológica onde íamos nos dando conta de que existem outras formas de aprender e

outras coisas para ensinar na escola.

Sobre o dar conta fomos começando (mas só começando) a entender que

esse objetivo não será alcançado, mas que mesmo assim precisamos trabalhar nesta

direção. Esse é o nosso compromisso com as crianças das classes populares. Sim. É

175

contraditório e complexo. Nossas crianças não serão formadas, moldadas, acabadas e

não precisamos tampouco fazê-las melhorar. Só precisamos ser e conhecer com elas.

No final de 2017 foi realizado o último conselho com a avaliação dos

professores sobre os problemas encontrados e também alguns encaminhamentos, mas as

últimas gravações não foram transcritas pois não havia mais tempo.

As professoras também escolheram as turmas com as quais gostariam de

trabalhar no ano seguinte. Amanda e Alice vieram do primeiro para o quinto ano e do

quinto para o primeiro. Em 2018 o projeto de leitura da Daniela encontrou parceria na

proposta de trabalho “Travessia palavra imagem” do Laboratório de Mídias da UFRJ e

em 2019 ela passou para o mestrado. Depois da saída da Letícia em 2918 Mirela levou a

diante a proposta do jornal que teve uma tarde de lançamento. Em 2019 ela passou em

novo concurso e agora passará mais tempo na escola. Helena, Débora e Ana Maria

precisaram sair. E Fábia também. Perdemos Mariana (estagiária) em um acidente de

moto. Chegaram Lucia, Luciene e Mariane (pedagoga). Luzia segue com seu grupo no

segundo e terceiro anos. Keila agora é professora articuladora e Fernanda, como eu,

Liliane e Jô ficamos o dia inteiro na escola.

Algumas coisas foram acontecendo. O modelo dos conselhos de avaliação e

planejamento do ciclo foi sendo modificado com as sugestões trazidas nas conversas e o

grupo se tornando mais participativo. É fato que ainda precisamos aprender a direcionar

o olhar para quem fala e muitas vezes assumir uma posição responsiva e responsável.

O material pedagógico produzido para e com as crianças foi sendo trazido e

compartilhado nas reuniões. As avaliações passaram a ser discutidas em suas diferentes

formas e as professoras que ainda não o faziam passaram a ler para seus alunos. O

horário de planejamento de 2018 e 2019 possibilita o planejamento conjunto de

professoras do mesmo ciclo. A pesquisa não dizia o que ou como fazer, mas o grupo ia

conversando e experimentando.

A ata onde é feito o registro dos pontos discutidos foi tomando outro

formato e as fichas avaliativas impostas pela FME foram questionadas a partir de um

olhar sobre a criança que foi sendo possível. Pensar a criança e sua infância também nos

permite um outro registro de seu desenvolvimento.

176

Em resposta ao caderno de histórias que Fernanda fez com a sua turma em

2017 o grupo de professoras também resolveu fazer um caderno coletivo de registro das

suas leituras. O caderno vai cada quarta para a casa de uma professora que escreve sobre

um livro que leu e apresenta para o grupo na quarta seguinte. Essa experiência foi muito

interessante e em 2019 se transformou em um caderno para o registro de filmes. A

produção coletiva nos aproxima umas das outras e traz o sentimento de pertencimento.

Outras coisas ainda precisam acontecer como o investimento da escola nos

encontros com as famílias. A proposta dos Fóruns de Pais pensada para 2018 como

construção de um movimento coletivo da escola e das famílias acabou não acontecendo

e as reuniões individuais entre responsáveis e equipe prevaleceram. Não avançamos no

objetivo de conhecer o contexto familiar das crianças no lugar de identificá-lo como

causa do seu fracasso ou das suas dificuldades.

A escola também foi se transformando, um pouquinho de cada vez, com

idas e vindas. Nossa sociedade, e a escola faz parte dela, ainda preza pelo controle dos

comportamentos e dos pensamentos. Diferente da escola da história, nós não quebramos

os vidros. Já experimentamos alguns caminhos e o coletivo parece ser o mais

interessante.

Compreender, como na fala da Amanda, que os alunos não são meus ou

seus, mas da escola. E como na fala da Fernanda de que é preciso trabalhar junto.

Respirar fundo junto a Cecília e dizer pra Kátia que não é só ela que não sabe. Planejar

no coletivo de professores é, sem dúvida, um passo importante, mas fazer acontecer no

coletivo é um grande desafio para os grandes. O próximo passo talvez seja o de deixar

de planejar para e poder planejar com as crianças. Escutá-las e ter com elas a

experiência do conhecer.

Se esse texto pudesse ser ouvido, se em algum momento alguém tivesse que

transcrevê-lo, seria preciso pensar em uma maneira de registrar minha fala embargada.

Foi difícil entrar nessa conversa de sala dos professores, mas é preciso transformá-la em

narrativa para que ela seja lida por outros olhos, pronunciada por outras vozes e para

que lhe sejam atribuídos outros sentidos. Um texto onde: “ele (o leitor) insinua as

astúcias do prazer e de uma reapropriação do texto outro: aí vai caçar, a metáfora, a

combinatória, esta produção é igualmente uma ‘invenção’ de memória.” (CERTEAU,

2014, p.48)

177

O texto não é mais meu. Talvez nunca tenha sido. Com certeza teve muitos

autores. Não. Na verdade, teve muitas autoras. Amandas, Fernandas, Elizabethes,

Kátias, Fábias, Alices, Cecílias, Beatrizes, Rosas, Paulas, Helenas, Analus, Marcias,

Danielas, Letícias, Marinas, Mirelas, Mirians, Keilas, Lilianes, Vânias, Éricas, Luzias,

Lúcias, Carlas, Déboras, Nelmas, Anas, Keilas, Silvanas, Antônios e Jôs.

O QUE FICA DA CONVERSA OU UMA CONVERSA QUE NUNCA ACABA

Para quase terminar esta pesquisaconversa, uma vez que já contei o final da

história, eu gostaria de retomar alguns pontos na tentativa de diminuir algumas lacunas.

Então... a pesquisa começa com a história das crianças nos vidros. A literatura tem essa

propriedade de falar da gente sem falar da gente. Fracassa quem não cabe nos vidros ou

fracassa quem se acostuma com eles?

O objetivo de discutir o fracasso escolar das crianças me colocou alguns

desafios. O primeiro foi o de fazer isso em forma de conversas. No início eu só ouvia

falas que enumeravam dificuldades e repetiam sentenças de quem sempre foi assim. O

segundo desafio foi o de ouvir a conversa e fazer parte dela no momento em que a

conversa acontecia. O ouvido acostumado não apenas à aquelas vozes, mas com tudo o

que estava sendo falado não ouvia porque já sabia. Talvez por isso eu tenha começado a

ouvir quando eu comecei a transcrever. O terceiro desafio consistiu em correr o risco de

ao definir o objeto, delimitando seus limites e não me dar conta de que ele era

produzido neste mesmo movimento. Sobre os métodos de análise que isolam e

armazenam para em seguida abordar sua forma ou seu conteúdo, Certeau aponta para a

definição do objeto e a fabricação dos fenômenos. Segundo o autor:

O inconveniente do método, condição de seu sucesso, é extrair os

documentos de seu contexto histórico e eliminar as operações de seus

locutores em circunstâncias particulares de tempo, de lugar e de

competição. É necessário que se apaguem as práticas linguísticas

cotidianas (e o espaço de suas táticas), para que as práticas científicas

sejam exercidas em seu campo próprio. (CERTEAU, 2014, p.76)

A pesquisa toma justamente o caminho inverso e busca garantir o discurso

direto dos locutores em seu contexto histórico. Neste sentido, não foram realizadas

entrevistas ou questionários, mas a produção de áudios que foram posteriormente

178

transcritos. Em outras palavras, segundo Certeau a escolha do método constrói o objeto

e o discurso não pode ser separado da circunstância.

Transcrever foi uma etapa importante. Foram mais de dez horas de áudios

gravados que foram se transformando em texto escrito. Tarefa que foi atravessando a

pesquisa em conversa, escrita e de novo conversa. “Na perspectiva pela qual estamos

olhando aqui, isto se traduz pelo fato de a oralidade ser indefinidamente uma

exterioridade sem a qual a escritura não funcionaria. A voz faz escrever.” (CERTEAU,

2014, p.232) Dúvidas se era ou não para corrigir, recortar, pontuar. Sem falar na

impossibilidade de transcrever os risos e silêncios, as vozes ora animadas e ora cansadas

de uma jornada de professoras que contava sempre com mais de um turno.

E sobre o que conversávamos? Sobre um mundo de coisas. E nesse mundo

de coisas eu buscava as falas sobre as dificuldades. Contei quantas vezes eu escrevi a

palavra nas transcrições, mas não cabe quantificar o que não é possível somar. A cada

criança, a cada professora, a cada reunião, em cada conversa a palavra dizia outra coisa,

o conceito se desfazia e se fazia outra coisa. Para uma mesma palavra muitos sentidos.

Era preciso, na pesquisa, aprender a desconstruir.

A cada trecho transcrito eu pensava nossas maneiras de pensar e fazer na

escola e pensava nossas maneiras de pensar e fazer na academia. Algumas falas se

repetiam nas conversas e nos livros, outras discordavam. A tudo isso se somava um

cotidiano urgente com suas questões pedagógicas, políticas e sociais que exigiam

respostas, que chamavam os sujeitos em suas responsabilidades.

As conversas continuavam e iam me mostrando de que forma a escola em

suas professoras pensa o ser criança e o ser professor. O exercício que se coloca é o de

ser capaz de colocar em questão o nosso modo de conhecer e perceber que o coletivo

das reuniões se constitui como espaço de (trans)formação das professoras, das práticas e

da escola. Entendemos nas conversas que a autonomia pedagógica que nos faz quebrar

os vidros é construída no coletivo. Coletivo de professoras, coletivo de crianças e

coletivo de professoras com suas crianças.

É verdade que vez ou outra a tampa de um vidro pulava e a lógica do

sempre foi assim era questionada. A pesquisa que tinha como objetivo refletir sobre as

falas transcritas se insere no campo do cotidiano quando chama para a conversa as

professoras. Elas aceitaram serem gravadas, mas nem sempre. Às vezes pediam para

179

ligar o gravador, mas nem todas. E nem sempre lembravam quando estavam sendo

gravadas. Elas também queriam ler o que foi transcrito e conversar de novo sobre o que

foi dito. Nesse sentido, a pesquisa se faz com elas em um modo de fazer que não é

metodologia justamente porque é um modo possível de fazer. Nesta pesquisa com o

cotidiano com uma linguagem talvez pouco acadêmica (ou numa academia ainda pouco

cotidiana) enquanto ouvimos e falamos vamos fazendo e escrevendo a pesquisa em uma

narrativa que traz enunciados e faz uso ora do discurso direto e ora do indireto. Porque

dizer que alguém falou pode ser diferente de abrir aspas para alguém falar.

180

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