KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

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  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

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    Joseph Ki-Zerbo

    Para quando a

    Africa?

    ntrevista com Renê Holenstein

    Tradução

    de arlos

    Aboím

    de

    Brito

    Rio de Janewo

    2 9

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

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    Edição

    ristina Fcmmuies Warth

    Produção editonal

    Clmstiue Dicguez

    Femanda Barreto

    Silwa

    Rebello

    Preparação

    de ongmais

    Eueida Duarte

    Copynght© 2006

    _losepl1 K i ~ Z e r b o

    Revtsão

    Dioga Heunques

    Diagramação

    Ligm Barreto Go11çalws

    Projeto gráfico de

    mtolo

    e capa

    Femanda

    Barreto

    Foto

    de capa

    Acen•o

    pessoal de

    Josepll

    Ki-Zerbo C.E.D.A. 01

    BP

    606 Ouagadougou 01. BURKINA F

    ASSO.

    Todos

    os

    direitos reservados â Palias Editora e Distribuidora Ltda.

    E

    etada a repro·

    dução por qualquer meio

    mecâniCo, eletrômco, xerográfico etc., sem a permJSSão

    por escrito da editora, de parte ou totalidade do matenal escrito.

    A edição dessa obra

    fOI

    possiveJ graças ao

    apoto

    da Aliança dos Editores

    l n d e p e n ~

    dentes W \ V \ v . a l l i a n c e ~ e d i t e u r s . o r g J ,

    assocração

    cnada na

    França

    em

    2002.

    com

    o

    objetívo

    de agrupar profissiOnaiS

    do

    livro em vários paises. mdependentes dos

    grandes grupos, que se dispõem a promover acordos comerciais solidános entre St

    suscttando

    e

    desenvolvendo

    em

    particular,

    alguns

    processos

    de

    co-edição.

    E

    caso

    deste livro.

    que, tendo

    sido editado

    em

    língua francesa

    por

    editoras

    da

    Europa,

    Àfrica e Canadá, é agora editado na língua portuguesa, simultaneamente em Por

    tugal ([email protected]), Brasil (www.pallaseditora.com.br), Angola

    (chacaxmde@'ebonet.neu e

    G u m é ~ B i s s a l

    ([email protected]), sob a chancela

    de

    editoras

    nac10nms

    envolvidas

    no proJeto da Aliança

    dos

    Editores Independentes.

    KS7p

    Ki-Zcrbo,Jmcph.

    /l?

    P cd. Para

    quando

    a África?: entrevista

    com

    Rcné HoJenstem I

    1' rcimpr.

    joscph

    Ki-Zcrbo : traduçjo Carlos Ab01m de Brito. - Riode

    janeiro: Palias, 2009.

    06-30: 9.

    Traduçáo de:

    A qmm l A(riqm•

    : mtretieu mw Rt•né

    Hoknstem

    SfiK

    978-85-347-0399-4

    L Ki-Zcrbo ,joscph - Entrc'llstas. 2. H i ~ t o n a d o n . • s - Burkina

    Faso- Entrcvtstas. 3. Áfnca, Sub-Saara -l'olítica cconómu:a.

    4. Africa, Sub-Saara- História. 5. Afnca, Sub-Saara- Condições

    sociais. L Holcnstcin, Rcné. 11 Título.

    DD

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    AGRADECIMENTOS

    O utor agradece vivamente a René Holenstem sem quem

    esta obra talvez

    não

    tívesse nascido.

    Expnme igualmente sua gratidão

    á

    Senhora Camélia Gauts

    chi HoJenstem bem como a todas e todos os

    que

    contribuiram

    para a realização deste projeto com o seu mteresse e s suas

    sugestões: Lolc Barbedette jacqueline Ki-Zerbo. Lazare Ki-Zerbo

    Jean-Claude Naba Olivier Pavillon Françms

    de

    Ravígnan Pascal

    ThiOmbmn o Alam Ectouard Traore. lsabelle Zango

    Esta obra fO escrita a partir de entrevistas realizadas entre

    2000 e 2002 em Uagadugu G enebra Pádua e outros Iocats.

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    SUMÁRIO

    Introdução: A memória

    trampolim

    para o futuro

    Globalizadores e globalizados

    2

    Guerra e paz

    45

    DemocraCia e gove rno 61

    Ciência sem consciênCia é a ruina da alma e do corpo. 85

    Direitos do homem direitos das mulheres? 97

    Se nos dettamos estamo s mortos 113

    O desenvolvimento não é uma corrida olímpiCa 131

    A

    Áfnca:

    como

    renascer?.

    155

    Nota biOgráfica 163

    Bibliografia 171

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    L

    INTRODUÇÃO

    memória trampolim

    para

    o

    futuro

    No

    decurso destas entrevistas, gostaria que o senhor

    me

    falasse

    sabre as questões e os desafios que o

    século

    que começou representa

    para

    a África. Dirijo-me

    ao

    senhorporque é

    urn

    llistonador

    célebre

    e

    porque foi uma testetmmlw privilegiada de grande parte da lzistóna

    africana do sécuio passado. Além

    disso.

    sempre foz um

    personagem

    contemporâneo politicamente engajado que representou e defendeu

    os

    mteresses e

    os

    pontos

    de

    vista

    do

    continente africano

    em

    nu

    merosas conferênctas e em comissões mtemactonais

    de

    alto nível.

    Comprometeu-se

    como

    político

    de renome

    com o

    futuro

    do seu país

    pagando muitas vezes

    com

    o seu próprio

    corpo.

    Como historiador.

    através

    de

    seus

    livros

    e conferências. contribuiu

    para

    dar a conhecer

    a histón a mundial a partir de uma perspectiva africana. No decurso

    das

    nossas

    conversas.

    pedirei

    ao

    senhor que comente

    os

    aconteci

    mentos lnstóncos ahwis de um ponto

    de

    vista africano. Vemos llo1e

    a África mergulhada

    no

    caos. envolvida

    em

    conflitos étmcos embo

    ra essas imagens sejam encaradas como coisa nomzal. Quais são as

    grandes

    questões que

    se

    colocam Jw;e na Africa?

    Entre

    as

    grandes questões está

    em

    pnmeiro lugar a do

    Es-

    tado. O Estado mal consegue se formar e já é pressiOnado

    por

    mstitulções como o Banco MundiaL Elas

    ex gem

    que exista

    uma estrutura estatal cada vez menor. e a mfluênoa das em

    presas multinaciona1s Impõe-se cada vez mats. Serâ que a Ãfnca

    terá tempo de cnar um tipo de Estado semelhante ao europeu?

    Hoje

    os

    dingentes a fncanos fazem do Estado

    um

    Estado patn-

    momal ou étmco. que não eum verda deuo Estado que trans

    cenda os particulansmos pelo bem c omum. Que tipo de Estado

    acabará por satr dele?

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    12

    Nascido em 1923.

    no

    Sene

    tal, Chcik Anta Diop cnou

    1ma nova escola

    de

    estudos

    11stóncos

    c

    antropológtcos so

    nc a Africa

    e,

    em particular,

    ' Egito anugo em sua relação

    ·om a

    Africa negra. De 1981

    ttê sua morte, lcnonou

    na

    ·acuidade de Letras e Ciênc1as

    iumanas de

    Oacar (capital

    do

    .enegan. (N.E.l

    Joseph Ki Zerbo

    A segun,

    hei

    a questão da unidade e da fragmentação da

    África. Minha idéia, como você sabe, é que a Àfnca deve cons

    titUir-se através da mtegração, que

    não

    existe verdadeiramente

    hoje. E pelo seu ser que a África poderá rea lmen te vtr a tê

    la; mas

    ê

    preciso um ter autêntico, não um ter de esmola, de

    mendicidade. Trata-se do problema da id entidade e do papel a

    desempenhar

    no

    mundo. Sem identidade, somos um obJeto da

    lnstôna, um Instrumento utilizado pelos outros, um utensílio.

    E a tdentídade ê o papel assumído; é como numa peça de tea

    tro, em que cada

    um

    recebe

    um

    papel para desempenhar.

    Na identidade, a língua conta muito. O século que co

    meçou assistirá ã decadêncm das línguas afncanas? Sua lenta

    asfixia seria dramática, sena a descida aos mfemos para a iden

    tidade africana. Porque os africanos

    não

    podem contentar-se

    com elementos culturaiS que recebem do ex tenor. Somos fotJa

    dos, moldados, formados e transformados através dos objetos

    manufaturados

    que

    nos vêm dos países índustnalizados do

    Norte, com o que eles têm de carga culturaL Em contrapartida,

    enviamos para o Norte objetos

    que não

    têm

    qualquer men

    sagem cultural a dar aos nossos parcelfos. A troca cultural ê

    muito ma1s des1gual do que a troca dos bens matena1s. Tudo

    o que é valor agregado é vetor de cultura. Quando utilizamos

    esses bens, entramos na cultura daquele que os produziu. So-

    mos transformados pelo vestuáno europeu

    que

    usamos, pelo

    Clmento com o qual construimos as nossas casas, pelos comM

    putadores que recebemos. Tudo Isso nos molda, enquanto nós

    envmmos para os países do Norte algodão. café e cacau bruto.

    que não contêm valor agregado específico. Em outras palavras,

    estamos confinados a setores onde produzimos e ganhamos o

    menos possivel, e a nossa cultura tem poucas possibilidades

    de se difundir, de participar da cultura mundial.

    É

    por Isso que

    um dos grandes problemas da Àfnca

    e

    a luta pela troca cultural

    equltativa. Para tsso. enecess

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    14

    1

    Sobre este assunto, ver as

    obras de Herbert Marcuse.

    ; Nascido na Martlmca,

    em

    . 1913,

    Aimé Césmrc

    f o r m o u ~

    se na Escola Nonnal Supenor

    de

    Pans.

    Quando

    estudava na

    França,

    começou

    a escrever e

    fundou, jUnto com Senghor

    (ver nota 6l e outros, a rev1sta

    L Étudiant Nmr. Voltou

    ã

    Marti

    nlca

    como

    professor. Fm eleito

    prcfe o de Fort de France

    em

    1945 e

    deputado na

    Assem·

    bléia Nac10nal Francesa em

    1946. Em 1957,

    criou

    o

    Parti

    do Progressista Martíniquês,

    com a proposta de m d e p e n ~

    déncta por uma

    VIa

    comunista

    de mspnação pan-africantsta.

    Sua vasta obra mclm poesta,

    ensaiOS c

    peças

    teatrais.

    N.E.)

    Léopold·Sédar Senghor nas

    t.:eu

    em 1906, no Senegal.

    Li·

    cenctou-se em Letras em Pans,

    onde conheceu Aimé Césmre

    (ver nota

    5),

    com quem es

    tabeleceu os

    fundamentos

    da

    negritude. Tomou-se professor

    e,

    durante

    a Segunda Guerra

    Mundial, quando

    lutou

    no

    Ext rc1to francês, partiCipou da

    Frente Nactonal Umversitána.

    Em 1945, fm eleito

    deputado

    pelo Senegal, em 1955, Secrc

    tánode Estado e, em

    1960.

    tor

    nou-se o pnme1ro ]Jresidente

    do Senegal, car go que ocupou

    atl>

    lqRo,

    quando 5e

    retirou

    da

    vida política, passando a viver

    na França, onde morreu em

    2001. (N.E.)

    Joseph KI Zerbo

    Não, e. aliás, a história africana era desconhecida. Fiz todos

    os meus estudos

    no

    âmbito francês,

    com

    manuais franceses.

    Não havia nada no programa que tratasse da Áfnca. Ainda

    pequenos, tínhamos de utilizar

    um

    livro

    de

    Históna francês

    que

    começ a assim: "Nossos antepassados, os gauleses .. " Asstm,

    no miCio da nossa formação. houve deformação. Repetimos

    maqumalmente o que quenam inculcar-nos. Mais tarde, na

    umversidade. fiz todos os meus estudos sem

    uma

    referência

    a

    históna

    da África, salvo de

    modo

    superfiCial.

    em

    relação á

    htstória européia, para assmalar o papel da Áfnca

    durante

    o

    tráfico dos negros, por exemplo. Posso citar-lhe

    amda

    os assun

    tos do

    doutoramento:

    "Florença no século XV", A Alemanha

    de Wetmar" .. Mas nada sobre a África Pouco a pouco, essa

    exclusão fot-me parecendo uma monstruosidade.

    Ao

    estudar a

    Idade Média européia e o período contemporâneo, tive vontade

    de conhecer a htstóna afncana. Começava a mteressar-me,

    preCisamente porque a sua ausência nos doía e nos deixava

    sequiosos. O desejo de exumã-la, de

    me

    envolver nela. nasceu

    dessa contradição.

    Optei pela Históna, inicialmente,

    porque

    meu pai teve

    uma

    VI

    da longa. Ele era um homem de Histôna.

    Era portador

    de uma

    parte da nossa históna local. dado que fora o pnmeuo cnstão

    do Alto

    Volta. e gostava de contar os aconteCimentos. Assim,

    fm preparado para o oficiO de htstonador por essa educação.

    Considero também que a Históna e "mestra de vida"

    (Histona

    magistra vitae). E

    uma disciplina formadora

    do

    espirito. porque

    nos ensma a racioCinar pela consciênCia,

    dentro

    da lógtea e

    além

    da

    ciência. Pouco a pouco, foqou-se em mim uma dupla

    atitude. Uma consistia em dizer: "quero regressar às mmhas

    raizes", o que eum movtmento capital para a constituição de

    uma personalidade madura e autêntica. A outra constatava os

    múltiplos elos que ligam este

    continente

    a todas as regiões do

    mundo, no tecido da história. Foi asstm que a mmha personali

    dade "situou-se por oposição",

    como

    dizem os filósofos. Consi

    dero que

    eum

    pnvilégto beneficiar-me de uma "personalidade

    multidimensiOnal"

    4

    Além disso, o que despertou meu mteresse pela

    htstóna

    afri

    cana fm o fato de os nossos colegas mats velhos na Sorbonne.

    como os poetas AimC Césaue-', Léopold-Sédar Seng hor

    6

    , Renê

    Para qu ndo a África?

    Depestré e outros,

    nos

    terem apresentado um olhar alternati

    vo sobre a África. um

    olhar

    sem complexos, que respondia ao

    desprezo com um desafio. Eles própnos tinham ficado trauma

    tizados

    com

    essa educação capenga, míope, que desprezava e

    ocultava os valores da cultura afncana, desde as línguas

    ate

    a

    CIVilização material; e responderam, juntamente

    com

    Alioune

    Diop

    8

    ,

    com uma

    "presença africana".

    uma

    mensagem de renas

    cimento.

    Nós, os historiadores africanos, realizam_os a

    ~ m ~ d a n ç a

    mdo

    ~ 4 ~ . mais

    _IOiige.

    A J i ~ ~ C ? - ~ · ~ ~ C e ~ s i d a d e

    de

    refundar. His

    tóna a p ~ ~ E ~ ~ ~ ~ ~ i ? ~ ~ ~ ~ ~ ~ O Sistema colonial prolonga

    va-se atê a esfera da mvestigação. Todas as pesqmsas em agro

    nomia, geografia e economia eram feitas em grandes mstitutos

    no estrangeuo. A pesqmsa era

    um

    dos mstrumentos da colom

    zação, a tal ponto

    que

    a mvestígação

    histónca

    tinha decidido

    que

    não

    havia htstória afncana e que os africanos colomzados

    ~ ~ m

    pura e stmplesmente

    condenados

    a endossar a htstó

    r l ã ' d o C ô l O ~ í ~ â - d ô f . ·pO por esta razão que nos dissemos que

    t ~ m o s

    de partir de

    nós

    própnos

    para chegar a

    nós

    própnos.

    Você sabe_ que procuramos novas fontes da h1stóna africana,

    ~ ~ ; m e n t e a tradição oraL Provei que a expressão

    11

    pré

    históna1'--efã ~ n - a d C ( i ~ ã d 3 . . N ã O V e , ~ ~ ~ q ~ _ : _ ~ ~ ~ ~ õ - à s ·

    p r ~ f f i e ; ; o s

    lmrnancis;que-inVe·ntaiam a posição ereta, a palavra._ a arte, a

    r e í i g l ã ó ~ O - f O g o , os

    p n f f i e i r õ S . U t e ~ ~ Í Ü o ? , ~ · p ~ ~ ~ ; ~ ~ ~

    ; ; : ; ~ ; t ; t s

    as p n m e l r a S . C U i t u r ~ ~ - . ~ ~ ~ ' : ~ ~ ~ :

    i ~ ~ r J ~ ~ < : t .

    - ~ ~ s - ~ ? n a Ninguêm

    me contradisse. Onde

    _ ~ ~ g g ç _ J J < I i a _ p _ u m a n p s _ há. ? - : _ : ; ~ ~ ~ a ,

    com ou sem escrita Você vê que havm cmsas a endireítar. De

    qUaiê}üCr··mocto. reConstruimos a Históna sobre bases que, em

    bora não

    sendo

    especificamente africanas. são essenCialmente

    africanas. Pode-se dizer

    que

    nôs. histonadores, fizemos um

    enorme esforço. Não digo

    que

    fizemos tudo, mas partimos da

    metodologra, da problemática, da heuristica da nossa discipli

    na

    para renovã-Ia, também a semço do

    continente

    afncano,

    mas em pnmeiro lugar a serviço da ciênCia, como gostava de

    repetir Cheik Anta Diop.

    Na Sorbonne, tancet-me de corpo e alma aos estudos, com

    paixão, aproveitando ao

    máxtmo

    a oportunidade

    muito

    rara.

    que nos

    era oferecida, de sermos discipulos de grandes mestres

    da ciênCia histónca e polítíca,

    como

    Pierre Renouvm, AndrC

    15

    7

    René Depestre nasceu em

    1926. no Haiti. Em 1945, so·

    mente com o curso secundâ

    no completo, publicou sua

    pnmeira coletânea de poemas

    e fundou o JOrnal La

    RuciJC

    um

    espaço para os

    mtcledu·

    ms haitianos que lutavam pela

    identidade

    naaonal.

    Apos

    uma msurre1ção fracassada em

    1946,

    fm

    exilado. Na França,

    estudou

    Letras e ligou-se ao

    -DlOVlllli IltO

    _ anticoloma-IIsta.

    Expulso em 1952, passou por

    vános

    paises (inclussvc Haiti,

    de

    onde foi novamente ex

    pulso), até fixar-se em Cuba,

    onde

    trabalhou no Mimsterto

    das Relações Extenores e no

    Conselho Naaonal da Cultu

    ra, além de

    fundar

    a editora

    Casa e las Américas Em 1978

    fo1

    trabalhar na UNESCO, em

    Pans. (N.E.l

    11

    Alíoune Diop (1910-1980)

    nasceu no Senegal e bachare

    lou-se em Filosofia

    na

    Umver

    sidade de Argel (capital da Ar·

    gélia). Após a Segunda Guerra

    Mundial, passou a trabalhar

    na admmtstração colomal. Em

    1947, fundou

    o jOrnal Presença

    Africana, que atuou como um

    pólo de concentraçâo df ..t?O·

    vtmento anticolomalista afri·

    ·

    CariO o-qu-ãiP-rõii-iOveU--o-Pri·

    meuo Congresso de A r t 1 s t a ~

    c Escritores Negros

    (1956)

    (

    cnou

    a Soc1edade de Cultura

    Africana, de que Alioune Díop

    fo1

    secretàno-gera ate sun

    morte. N.E.)

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    8/86

      6 joseph KI Zerbo

    Aymard, Femand Braude , Raymond Aron e outros. Durante

    esse período, vivi num mero

    onde

    a ideologia marxtsta preva

    leCia

    mtidamente. Os estudantes afncanos da época estavam

    mats menos marcados por essa ideotog1a. devido

    á

    Guerra

    Fna. Eram os "súditos co1omats".

    com uma

    superestrutura

    intelectual mcompatível

    com

    esta condição. O marxismo des

    mascarava as realidades camufladas e decodificava os discursos

    alienantes das justificativas. e também apresentava um volun

    tansmo

    capaz de fazer a htstôria,

    de

    transfor mar as soctedades

    e de caminhar para a cnação de um homem novo"; assim, ha

    vía Simultaneamente a luta concreta, a rejeição radical do status

    quo. Era

    o tipo de compromisso exigido pela nossa condição

    de africanos naquele

    momento.

    Ao mesmo tempo. ftu muito

    marcado por Ernmanuei Moumer,

    um

    filósofo cnstão, que re

    teve muitos elementos da tradição européia

    do

    espírito crítico

    e de luta para libertar a pessoa

    humana de

    todas as forças de

    opressão e obscurantismo. Ernmanuel Moumer sublinhava que

    o comb ate peta

    JUStiça não

    deve abafar a liberdade, mas a liber

    dade humana, longe de ser uma condição. era sempre

    uma

    li

    berdade sob condições.

    Obviamente. os comumstas afncanos se autoproclama

    vam "verdadeuos progressistas" e se recusavam a renunCiar â

    plataforma do "socta1ismo Científico". Para eles, nós. os cns

    ~ ~ r e s s t s t a s

    éramos suspeitos

    de c o m p l a c ê ; ~ ~ - ~ s

    ocidentais porque. considerando a Juta de ctasses como uma

    constatação htstónca, recusamo-nos a vê-la

    como

    uma opção

    teónca e uma estratégia mequivoca. Para nós, a revolução

    não

    consistia necessanamente

    numa

    fratura VIolenta. mas na

    transformação estrutural mscrita

    no

    tempo, preocupada com

    a ma10na dos despoJados, mas, simultaneamente. recusando

    transfenr para as

    mmonas

    os custos

    humanos

    mcompatívets

    com

    um

    minimo de direitos e recusando o reformtsmo ctim

    plice da vwlêncta estrutural do status quo. Os cnstãos afncanos

    demonstraram. na realidade, que eram tão naciOnalistas

    como

    quaisquer outros.

    Em

    reVIstas

    como Tam Tam por

    exemplo. to

    maram a dianteua no debate sobre a "descolomzação" e sobre

    um_ s?c;Jalismo democrático

    a d a p t a ~ ? ~ s

    r ~ ~ ~ 9 ~ ~ e s . m t ~ ~ ~ ~ s e s

    e valores da África.

    · -

    Para

    quando

    a África?

    Tradicwnalmente. a História ocupa se de questões reiativas ao pas-

    sado. Gostaria de convidá lo a

    preczsar

    a sua concepção

    da

    História.

    O desenrolar

    dos processos

    lustóricos é um produto do acaso ou os

    desenvolvimentos históncos estão submetidos a leis? Como llistona-

    dor.

    como o senhor apreende o futuro?

    A históna

    anda

    sobre

    dOis

    pés: o da liberdade e o da neces

    sidade. Se considerarmos a

    históna

    na sua duração e

    na

    sua

    totalidade, compreenderemos

    que

    há, stmultaneamente,

    con

    tinuidade e ruptura. Há períodos em que as mvenções se atro

    pelam: são as fases da ~ e c n a ~ E há

    momentos

    em

    que. porque as contradições

    não

    foram resolvidas, as rupturas

    se

    impõem: são as fases

    da

    necessidade.

    Na mmha

    compreen

    são da htstóna, os dois aspectos estão ligados. A liberdade re

    presenta a capacidade do ser

    humano

    para mventar, para se

    projetar para

    diante

    rumo a novas opções, adições, descober

    tas. E a necessidade representa as estruturas sooais, econômi

    cas e culturats que, pouco a pouco, vão se instalando,

    por

    vezes

    de forma subterrânea, até se Imporem, desembocando

    à

    luz do

    dia numa configuração nova. De uma certa

    maneua.

    a parte

    da necessidade da história escapa-nos. mas pode-se dizer que,

    mats cedo ou maiS tarde, ela h

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    9/86

    18 oseph

    KI Zerbo

    u sala do Jogo de

    Bola

    era a

    quadra de esportes do

    paláao

    de Versalhes, residênda ofi

    Cial do

    rei francês.

    Em

    maio

    de

    1789,

    Luis

    XVI

    convocou a

    Assembléia dos Estados Gerats

    {representantes

    da

    nobreza, do

    clero e da burguesia). Os repre

    sentantes da burguesia reru

    saram-se a seguu regras dis

    crtminatónas, e o

    re1

    mandou

    fechar a sala do palácio onde

    eles se reumam. No dia 20 de

    junho, tendo--se proclamado

    deputados e formado a

    As-

    sembléia NaCional, invadiram

    a sala do Jogo de Bola e jura

    ram não sair dali até que fosse

    promulgada a Constituição,

    sendo apoiados por alguns

    membros

    do

    clero e da nobre

    za. No dia 9 de julho, orgam

    zaram a Assembléia NacJOnai

    Constituinte que,

    na

    noite de

    4 de agosto, proclamou a ex

    tinção dos direitos feudais na

    França. A ún1ca exceçã o

    na

    eli

    mmação das antigas regras de

    desigualdade fot a escravidão

    dos negros nas colõmas, que

    permaneceu. (N.E.)

    via nele uma mspuação. urna visão e urna vontade política que

    puseram em marcha os JOvens universitános que éramos na

    época. Éo que eu chamo o pé da liberdade.

    Mas

    o presidente

    da

    Costa do Marfim. Houphouet-Bmgny,

    não

    quena a unidade

    africana nessa época.

    FOI

    o que ele expnmm ao afirmar que a

    Costa do Marfim não devia ser a vaca leíteua da Federação dos

    Estados da África OcidentaL No entanto, a necessidade impôs

    se a ele. Quando crmu mdústrias na Costa do Marfim, percebeu

    que era necessáno que outros países enVIassem trabalhadores

    para as pJantações

    ou

    para a construção

    dvil

    da Costa do Mar

    fim. Também necessitava dos países vizinhos como compra

    dores. Assim. foi o própno Houphouet-Boigny quem cnou o

    Conselho do acordo que agrupa

    os

    Estados da África Ocidental

    francófona.Eum caso muito prectso em que vemos que há. de

    tempos em tempos, grandes personalidades

    CUJa

    imagmação

    provoca saltos para diante. Mas. por vezes, fica-se sob o pé da

    necessidade subterrânea durante muito tempo, até o dia em

    que as pessoas dizem que é absolutamente necessãno mudar

    de

    direção.

    Qual

    é

    o lugar da revolução na sua concepção

    da

    Históna?

    revolução é o processo estrutural que, de forma

    mVIsível.

    faz as coisas avançarem até o

    momento

    em que a potencJalida

    de dessas estruturas é tal que torna-se absolutamente necessã

    no dar um saJto qualitativo. MenciOno mats uma vez o caso da

    unidade africana. Suponhamos que continuamos sem unidade

    durante mais cinqüenta anos e que os problemas se agravam,

    do ponto de vista das epidemtas. do analfabetismo, do empre

    go etc. Estou certo

    de que

    grupos cada vez

    maiS

    numerosos da

    SOCiedade CIVil dirãO um dia:

    "JSSO

    não é pOSSÍVel, basta,

    e eM

    mats ", e cnarão os Estados Gerai

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    10/86

    2 oseph

    i ~ Z e r b o

    mana correta, talvez esteíam reunidas as condições para desco

    bnr finalmente uma solução específica: para mstatar uma nova

    decoração. mventar um novo

    cenáno

    e fazer

    uma

    nova escolha

    de atores para uma nova peça, mats digna do ser humano.

    GLOB LIZ DORES

    E

    GLOB LIZ DOS

    O processo de globalização registrou, nos anos noventa. uma acele

    ração extraordinária. A economia m rede é ompresente. a aldeia

    planetána

    tomou- se proverbiaL Mas. ao mes mo tempo. desenvol

    ve-se a resistência contra o neoliberalismo. Nos países industrla

    lizados. mui tas pessoas consideram-se mms como vítimas do que

    como beneficiárias da giobalização. Aparentemente. os capitães da

    ecorwmia mundial estão cheios de compreensão reiativamente aos

    motivos d oposição. Alau Greenspan, presidente do Banco Central

    dos Estados Unidos. reconhece o recew legí timo que os alterglo

    balistas13 têm

    de perder,

    no nível local, o controle político

    do

    seu

    destino. Klaus Sclnvab. fundador do Fómm Econômico Mundial de

    Davos

    14

    • declara que os temores expressos nos mot•tmentos de pro

    testo são compreensíveis. Michel Camd essus. antigo diretor-geral do

    Fundo Monetário Intemacíonal FMI), pensa que a globalização.

    por aproximar os povos. pode ser um avanço para a unidade

    do

    mund o . Segundo ele, não se deve nem sacralizá-Ta. nem demomzá

    la, mas tentar lwmanizá- la em nom

    da

    dignidade da pessoa''. Qual

    é a sua apreciação da globalização? Do que se trata exatamente?

    Quazs são os desafios para os pafses africanos?

    Do ponto

    de

    VISta afncano, a globalização é o desenvolvi

    ~ ~ - ~ ~ } § ~ i ~ ~ i o

    si:tema

    c a p i t a l i ~ . a _

    ?.:_e _< _dução. Este atingm

    um patamar a partir do qual deve necessanamente adqumr di

    mensões

    planetánas

    ou desaparecer. Os conceitos de compe

    tittvidade e rentabilidade levam a uma espéCie de danvtmsmo

    15

    econômiCo. Resultado: só os ma1s aptos - tlle {ittest, como

    dizem os mgleses

    sobreviverão.

    Atraves da globalização. o

    13

    Chamado

    onginalmen

    "antlglobalismo". o altergl

    balismo surgtu como um m

    vtmento de reststenaa cont

    o mo delo económ CO neo

    beraL

    Aos

    poucos, incluiu n

    vas bandeiras fora

    do

    ãmbi

    econômico, como a presen

    ção de identidades cultur<

    e direitos humanos. Passe

    asstm, de uma contestação

    tra.ad denta l a um moVJmen

    mundial. voltado para a

    bm

    de modelos alternattvos de {

    senvolvimento.

    (N.E.)

    H O Fórum Económtco Mu

    dia

    World Econmmc Fonl

    WEF) é uma fundação cria

    em 1971.

    com

    sede em Ger

    bra (Suiça), cujos membros s

    escolhidos por sua postçãu •

    ramo de negócios

    ou

    no s

    pms

    de

    ongem, e pela dim{

    são global de suas att\idad

    Esses membros. as aproxm

    damente mil maiores emp

    sas do mundo, pagam m

    anuidade

    de

    S12.500; os p

    ceuos são cerca de 100 me:

    bras com direito de

    deas;

    que pagam uma anuidade

    S250.000. Sua reunião anu

    para a qual são convi.dac

    alguns írleres políticos, m

    lectuats e JOrnalistas, é

    re ·

    zada em Davos, na Sulça.

    WEF

    ê visto, por seus membr·

    como um lugar pnvilegta

    para o debate dos pr:inctp

    problemas económtcos do p

    neta, e, por seus críticos, cot

    um fórum empres.anal

    que as grandes corporaç<

    mternacmnats negoctam en

    r:

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    11/86

      Joseph KI Zerbo

    SI e _cnam mecamsmos para

    pressmnar os governos para

    que,

    aceitem seus planos de

    negoaos. (N.E.)

    15

    Charles Darwin (1809-1882)

    mêdico mglês, formulou

    teonada

    evolução das espéaes,

    que contranava totalmente o

    pensamento

    oentífico

    oficial

    da época, fundamentado na

    doutrina bíblica da cnação. ao

    afirmar que as es{lédes atual

    mente existentes resultam de

    um processo evolutivo, sendo

    que a direção da evolução

    é

    dada pela sobrevtvênda dos

    indivíduos maiS capazes de

    cada geração.

    Essa

    teona

    foi

    mdevidamente aplicada ao

    estudo das sooedades huma

    nas, dando uma base pseudo

    dentífica a idéia de que o topo

    da evolução humana consiste

    no indivíduo do gênero mas

    culino, branco, VJvendo num

    me1o urbano. No campo da

    economia, a idéia

    de

    luta pela

    sobrevJvênaa é usada para

    justificar a ação de empresas

    e conglomerados sobre outras

    empresas e a té paises. (N.E.)

    16

    Conferênoa Monetána e

    Financeua das Nações Unidas,

    realizada em Bretton Woods

    EUA),

    em 1944, a fim de fazer

    planos econõm1cos para o pós

    guerra. í foram {lfOJetados o

    Banco Intemadonal de Re

    construção e Desenvolvimen

    to

    BIRD)

    e o Fundo Monetáno

    intemaoonal FMI).

    N.E.)

    capitalismo sai do quadro puramente nacional para adotar di

    mensões planetánas.

    ou

    mesmo cósmicas. prop nedade bem

    localizada no

    tempo

    está prestes a voar

    em

    estilhaços,

    como

    resultado dos movimen tos de capitaís especulativos. econo

    mta baseada na oferta ímposta. se for prectso, pelo monopólio

    a mercados cativos, substitui a economia

    da demanda

    solven

    te, proposta por john M. Keynes para estimular as economias

    naciOnais e mundial. Tudo Isso produz, necessariamente,

    um

    quadro mundial extremamente fluido da distribUição do con

    trole econômtco,

    que não

    funciOna a favor dos consumid ores.

    Outrora, o capitalismo funcionava segundo

    uma

    palavra

    de

    or

    dem bem conhecida: 0 client e ê rei." HoJe, já quase não ex1ste

    esta referênCia; o sistema funciOna. quase exclusivamente, em

    função das trocas. Vendem-se e compram-se ações, e os atores

    deste jogo do dinheiro nas bolsas mternac10nais

    ganham

    dez

    ou

    vmte vezes

    ma1s. por

    dia, do que aqueles que mvestem o

    seu

    dinheuo

    na produção. Voltamos ao capitalismo mercantil,

    mas num sistema ainda mais

    desumano

    que o capitalismo do

    século XIX.

    Diante de um modelo econômico desta natureza,

    na

    au

    sêncta

    de

    uma verdadeira burguesia naciOnal. o capitalismo

    africano

    não tem

    qualquer chance. salvo como parte de

    um

    SiStema crmdo a partir do sêculo XVI e hoje domina do pela tria

    de Estados Unidos-Europa-pólo asiático. O capitalismo

    mun-

    dial está dotado de tecnotog1as de comumcação extremamente

    sofisticadas, que estão longe do contr ole dos africanos, mesmo

    parCialmente. O mercado da mformâtíca.

    no

    nível

    da

    produ

    ção, ê-nos quase estranho . economia mundial tornou-se

    uma

    economia

    de

    mte1igênc1a e de mformação; baseia-se cada vez

    menos nas maténa s-pnma s dos países do Sul. Já

    nem

    quer con

    sumu os

    produtos brutos que a África fOI obrigada a

    produzu

    e a extrau da sua terra durante o período colonial. VeJa-se, por

    exemplo. a substituição do cobre pelas fibras ópticas.

    que

    arrUI

    nou

    Zâmbia.

    As

    palavras de ordem exibidas por alguns parcei

    ros

    da

    Áfnca. segundo as quais a Áfnca

    não

    deveria perder

    o

    trem do terce1ro milênio", são estúpidas.

    É

    verdadeuamente o

    que se

    chama

    o ópiO do povo. para abusar das pessoas e lançà

    Jas

    numa corrida para a frente,

    quando

    se sabe que elas nunca

    Para quando a Ã.frica? 3

    conseguirão atingu a meta enquanto certas condições prévias

    não

    estiverem preenchidas.

    Com

    o fim da Guerra Fria, todo o planeta se tornou o ta

    buleuo

    de

    JOgo do capitalismo. É

    como uma

    espécie de arena,

    onde

    só se

    enfrentam

    gladiadores de pnme1ra categona. A Áfri

    ca tornou-se

    ainda

    mais vulnerável

    diante

    de um capitalismo

    deste gênero. Já

    nem

    sequer pode desempenhar o papel que

    os colomzadores franceses

    ou

    mgleses

    lhe

    atribuíram. Durante

    o período antenor, sob a capa das nações européias, podia-se

    ter

    esperança de avançar. Agora. o capitalismo desembaraçou

    se das escónas

    de

    tipo nacional. Os dirigentes africanos,

    que

    foram formados

    na

    escola das mstitUições de Bretton Woods

    16

    e

    que

    são impelidos a tornarem-se chefes d;Estâdo na

    Á f r i ~ â

    deiXaram

    de

    ter esta referência

    naoonal,

    quer colomal.

    quer

    neocolonial.

    Em__Q.u_t_r;:ts _ ~ l a v r a s _

    ~ ã _ o _ . _ ~ e globaliza .mocent emente. Pen

    so que dificilmente poderemos

    ter

    um lugar na globalização,

    porque fomos desestruturados e deixamos

    de contar como

    seres coletivos.

    Se

    você comparar o papel

    da

    África com o dos

    Estados Unidos, verá os dms pólos

    da

    situação

    na

    globalização:

    os gtobalizadores,

    que

    são os Estados Unidos, e os globalizados.

    que

    são os afrtcanos. Não sei de

    que

    lado você se situa:

    quanto

    a

    mim,

    eu sei

    que

    sou

    um

    globalizado. A África,

    como

    conti

    nente, situa-se mais nesta categoria, porque é uma questão de

    relação de forças. Ê a questão de saber se somos sujeitos da hiS :

    tóna,

    Se

    estainOS aqui para desempenhar

    um

    papel

    na

    peça de

    teatro. Na realidade.

    não hã

    peça onde só

    atores principais.

    Também deve haver figurantes, e nós. afriCanos, fomos clas

    sificados como figurantes, Isto

    é como

    utensílios e segundas

    figuras para

    pôr

    em destaque os papéis dos protagomstas.

    Como

    o

    senhor

    v li

    giobalização

    de um

    ponto de l lSta histónco

    O papel

    da

    África

    nunca

    mudou a partir do século

    XVI.

    é este o--nosso problema: Aígu-nSESt-;-d;s-nactOOãlS--ctesempe

    nham a· papel ·de· IOCoffiotiva e outros desempenham,

    á

    alguns séculos, o papel de vagões. Mesmo

    que

    a locomotiva

    aumentasse a sua velocidade,

    1sso nada

    mudana

    na

    pos1ção dos

    vagões:

    nunca

    se vtram vagões ultrapassando a locomotiva

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    12/86

    24

    11

    Termo cr1ado na Rússia

    cw -

    nsta, que designa uma elite

    intelectual constituída como

    classe SOCial. (N.E.)

    Joseph KI Zerbo

    Mas sabemos que são estruturalmente complementares, pelo

    menos enquanto os vagões aceitarem sua posição.

    A Áfnca evoluiu, com o todos os outros povos do mundo, de

    mane1ra progressiva, desde os pnmetros agrupamentos huma

    nos da Antígüidade egipcta até o século XVI, a raves das chefa

    turas, dos remos. dos ímpenos cada vez mats importantes, tsto

    apesar da dificuldade r e p r e s ~ n t a Q i l peio Saara. que ocupa _quase

    ---

    ---·

    : ' E : - ~ - ~ f . Ç Q _ d o . _ c _ Q P J D ~ D ~ ~

    - ~ ~

    ~ . l m d e ~ e n v o l V I m e n t ? ~ _ 9 t á -

    veí. ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ _ 9 _ p e l ç ? Cientistas e viajantes da época, tinha íntc:gra

    do a escrita com o saber e o poder da Civilização

    a u t ó c t o ~ ~ ~ ? S

    seculos XIII e XIV, a cidade de Tombuctu era mais escolarizada

    · qüe

    ã

    ~ I ~ r i ~ - d a s ~ Í d a d ~ ; - ; n ~ I o g a s na E u r ~ p - a . ~ ~ ? ~ ~ ~ ~ ~ d a

    ~ r a b e . - bem entendido, mas, por vezes.

    a_s

    línguas subsaarianas

    E t m ~ ~ l . - ~ ~ ~ . 1 - . ~ P r : s s a s na escrita árabe. Aí lecionavam cientis

    tas e professores do ensmo s upenor que eram tão estimados

    no

    mundo da tntellige11tsia

      7

    - tanto da Áfrtca quanto do mundo

    árabe e da Europa - que

    os

    discípulos atravessavam o Saara

    para ouvir

    os

    mestres de Tombuctu, Djenne e Gao.

    ~ ~

    _

    : : ; c ; u _ I ~

    ~ V I .

    começou a invasão

    vmda

    do extenor:

    uma

    g : ~ _ : : : J e i n i ~ l · u s s ã o ,

    c o ~

    as " g r a n d ~ s descobertas" da Áfnca ao

    -sul

    do

    Saara e da Aménca Latina. Essas descobertas í m p l i ~ ~ - ~ a m ,

    como você sabe, o tráfico dos negr_os. Depms do genocídio dos

    í n ~ i ~ ~

    na

    Aménca, o tráfico custou a vida de dezenas de .mt

    ~ - ~ - e ~ - ~ e africanos, que foram arrancados a este conti nente e ex

    pedidos, em condições atrozes, para além do ~ e ~ ~ _ 9 Atlântico.

    Nenhuma coletividade humana fOI ma1s inferiorizada do que

    os negros depOIS

    do

    século XV. Foram encomendados escravos

    negros aos milhões; utilizaram-se

    os

    negros como reprodutores

    de outros negros,

    em

    "coudelanas" constituídas para produ

    Zir novos negnnhos para o trabalho nas plantações. Quantas

    crianças africanas foram

    JOgadas

    dos navtos, ou abandonadas

    nos mercados de escravos. longe das mães que eram Jevadas,

    porque era preoso muito tempo para alimentei-las até que fos

    sem exploráveis? Os escravos eram comprados às toneladas.

    Amputava-se e esquartejava-se como carne bruta

    os

    rebeldes

    ditos "negros castanhos" Durante esse tempo. na Europa.

    os

    teólogos debatiam doutamente a questão de saber se os negros

    tinham

    aJma.

    F01

    uma pergunta

    que

    não se

    fez

    a propósito de

    outros grupos humanos. Tudo

    1sso

    é conhecido. mnguem pode

    Para qu ndo a Ãfrlca

    negá-lo. Mas como se pode o n s ~ g u i ~ _não.

    ~ ~ C Q ~ t i . e c e r

    que toda

    a espécie huffiaiiã. f Ó i i n f f - r ~ ~ ~ - ; z ~ d a , . h u m i l h a d a , c r u ~ Ú i c 3 c t a por

    esse tratamento? O tráfico dos negros foi o

    ponto

    de partida de

    uma desaceleração, um arrastamento. uma paragem da htstóna

    afncana. Não falo da história na Áfnca, mas de uma mversão,

    urna revuavoita da história africana.

    Se

    ignorarmos o que se

    passou com o tráfico dos negros, não compreenderemos n a ? ~

    SObre

    a África.

    A ê:Otõó.iiãção realizou uma segunda forma de economia

    global. Primeiro, através do tráfico dos negros e da escravatura,

    a África tinha contribuído para Impulsionar a Europa para a

    industnalização. A colonização fot muito mais curta do que o

    tráfico dos negros, mas

    fm

    mais determinante. O colomalismo

    substitUIU mteiramente o Sistema afncano. Fomos alienados,

    tsto

    e,

    substituídos por outros. mdusrve no nosso passado.

    Os

    colomzadores prepararam um assalto a nossa htstóna. O "pacto

    colomal"

    quena

    que os paises africanos produzissem apenas

    produtos em bruto, matérias-primas a envmr para o Norte, para

    a mdústr1a européia. A

    própna

    África

    foi

    apnswnada, dividida,

    esquarteJada, sendo-lhe imposto esse papel: fornecer maténas

    pnmas. Esse pacto coJomaJ dura até ho1e. Se a n a l ~ : J - ~ ~ - ~ ª :

    lança comerCial dos

    p a i s ~ ~ a ~ ~ a _ : : ? : : v e _ ~ . : _ r r : ~ ~ - - q ~ e _ § Q ~ ) - - ~ ~ S _ Q : ? : o

    OõVaiõr das suas exportações são matérias-primas. Para alguns

    deles;-é

    o

    Cobre; para OiifiOS é ~ d j á l i x i i ã : O

    ~ r ã ~ ~ ~

    o algodão.

    Quando, JUntamente com Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral'

    8

    e

    outros, nos batíamos pela independência africana. replicavam

    nos: "Vocês nem podem produzir urna agulha, como querem

    ser mdependentes?" Mas por que razão os nossos países não

    podiam produzir uma agulha? Porque. durante cem anos de

    colonização, tinham- nos r emetido para esse papel preCisO: não

    produzir

    nem

    sequer

    uma

    agulha. mas rnaténas-primas. Isto

    e, despojar todo o continente. No plano político,

    os

    africanos

    foram mobilizados para "lutas nobres" Não faia das guerras

    sujaS

    colomais onde

    se

    utilizavam uns contra

    os

    outros - no

    Vietnã, na Argélia, em Madagascar e em outros locais. Durante

    a Pnmeua e a Segunda Guerras Mundiais, os nossos umãos. as

    n O s S 3 i . i i D ; ' â ~ ; - ~ ; · ~ o s s o s pais p a r t i ~ 1 P a r ~ ~ - i ~ i a - c ? ~ t r ~ _ f _ ~ ã - ~

    ztsmo e o fascísrno. Contribuimos, como seres humanos, para

    defender os prmcípws sagrados da dignidade humana.

    25

    em

    Em

    1932,

    fm

    pariJeltJõ Verde,

    onde começou a trabalhar na

    imprensa Nac10nal. Estudou

    agronom1a em Lisboa, e em

    1952 passou a trabalhar nos

    Sernços Agrico as e Floresta1s

    da Gumé. ~ . . Q . . . . P i l i s _ e m

    1955, foi para Angola, ligando:

    se ao Movung_r)_t_q_{:Qp_u ar

    de

    L ~ ã o S l e ~ . Q g 9 J . l

    Mf:LA .

    Em

    1955,

    foi mado

    o Partido

    Africano· ~ I O º e p _ ~ ~ d _ ê l c t a · da

    Gulrtê

    . ~ C a b o

    Verde (PAIGQ

    n ã G ~ ê P ô ~ g U C i à : Em

    1960,

    o partido abriu uma delegação

    em Conacn, de onde Amíl·

    car Cabral passou a

    dingu

    a

    luta pela independência

    _ae

    'Bissau.

    Em

    1973, Cabral fm

    assassinado por um comando

    da Guiné Portuguesa, apoiado

    pelo governo de Conacri, que

    realizou

    uma

    operação para

    prender e eliminar os dirigen

    tes

    do PAIGC

    sediados nesse

    pais. Sobre Nkrumah, ver nota

    9. (N.E.l

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    13/86

      6 Joseph KI Zerbo

    Hoje, quando nos falam de globalízação, você pode com

    preender as hesitações dos africanos. Bem entendido. há afri

    canos de postção sooal mais elevada que vão morder essa tsca.

    Pelo seu nivel de vida ou por seu papel nas organizações mter

    nactonms

    ou nacmnats. fazem parte dos globalizadores, como

    seus parceuos. Mas a matona consciente. que já sofre os efeitos

    negativos, desconfia da tsca, porque não e a pnmerra vez que

    lhe

    falam de econorrua global. Os movimentos e mobilizações

    dos smdicatos contra as pnvatizações são significativos. Porque

    os

    ~ ç i q _ r ~ s ~ ~ ª - ~ - ~ f l que

    a lógica Implacável

    do

    lucro,

    émpresários privados, ê ; ; ; c t & ã - ~ a custa.

    Qums são os pontos

    comu1lS

    das três fases da globalização?

    elementos de continuidade, pelo menos no próprio

    principio da economta capitalista. espeCialmente o lucro. É a

    Idéia de manter o mercado livre e de fazer crer que todos se

    aproveitarão dele ao máximo e do melhor modo. Mas, com

    as

    novas

    tecnologtas da comunicação, estamos perante

    um

    mer

    cado novo, que deu uma nova forma ao capitalismo. O Estado

    nacronal é ultrapassado

    e

    mats do

    que

    nunca, estamos perante

    uma

    economia de oferta: produz-se em ~ a n t i d a d e , procuran-

     

    .,?o-se fabricar consumid?res. adaptá-los à _ p r ~ c ~ ç ª - º · Creio

    que

    este é o centro

    do

    sistema capitalista atual. E a África

     

    mais

    uma

    vez, neste domímo, está muito mal dotada.

    Desde as independênaas dos Estados africanos nunca se

    procedeu

    a tantas refonnas nos

    domàzíos

    político e sociai

    como

    durante a

    última década Apesar de tudo a maíor parte dos Estados africanos

    ao sul do Saara

    faz

    parte dos perdedores da globalização. Qual é a

    problema?

    Esse

    tercerro episódio da globalização e

    O

    estágiO supremo

    e último da domesticação. Evoquemo-lo rapidamente, come

    çando pelos aspectos ambtentais.

    Como

    você sabe, estamos em

    vias de despovoar

    os

    mares africanos. Os recursos pesqueuos

    são verdadeuamente saqueados. A desertificação avança, as

    flo

    restas troptcais e equatonais estão em processo de regressão. A

    Costa do Marfim perdeu dOis terços da sua floresta

    no

    decurso

    Para quando a África

    7

    do secuto XX. Como queremos não cammhar para o deserto?

    Outro aspecto

    da

    destrUição ambiental são o ~ _ ~ e s _ í d u ~ s _ t ~ ~ ~

    que as empresas do Norte transfenram para a África, por vezes

    com a cumplicidade dos nossos dingentes. Um chefe de Estado

    fOI

    acusado de ter concedido espaços do seu país para enterra r

    resíduos, cuja natureza e tox1cidade nem sequer eram conhe

    cidas.

    No plano econômico. as conseqüências são desastrosas.

    Ainda

    no

    tempo c o l ~ m a l , havia uma complementaridade de

    produtores. Uns estavam espeCializados na indústna, outros

    limitados à produção

    de

    maténas-primas. Mas essa produção

    de matérias-primas reduz-se cada vez mais porque temos cada

    vez menos necessidade de matérias-pnmas naturais. TodaVIa

    o Banco Mundial empurra os países africanos para a produção

    comerGaL Por quê? Porque a produção comerctal é paga em

    dólares que servem para reembolsar a dívida. Conseqüênoa:

    quarenta anos depots da mdependênc1a, não produztmos nem

    uma

    esferográfica. A nossa balança comercial sofre com tsto e

    os povos, além de enfr entarem a msegurança ambiental

    ( q u a n ~

    to â biOdiversidade), sofrem co; ta s e ~ : < : ? s a _ alimentar, que

    era menos grave no tempo colomal e pré-colomaL

    O Banco Mundial e o FMI pressiOnam os paises africanos a

    fazer pnvatizações baseadas no prmcípiO do lucro mdividual.

    A polítíca de pnvatizações alterou t otalmente o nosso ststema

    de saúde. Mendono o caso dos médicos do hospital pnnàpal de

    Uagadugu

    19

    • Enquanto o sistema era estatal, os médicos con

    sagravam todo o seu tempo aos doentes. O Estado dotava o

    orçamento

    soaal

    de

    meiOs

    financeiros sufictentes para cnar

    condições de trabalho que pudessem mteressar aos médicos.

    Mas. a partir do momento

    em

    que o Banco Mundial propôs

    ao governo a pnvatização

    do

    srstema de

    saUde

    era necessário

    tomá-lo rentável. O governo compnrmu os orçamentos da

    ~ ~ a ú d ~ -Por

    ~ ~ d ~ - ~

    do Banco MundiaL A pnvatízação consistiu

    em onentar-se para uma transferênoa dos hospítats públicos

    para a hospitalização pnvada, embora tivesse havido uma cor

    rida para constitUir clímcas.

    HoJe os

    médicos remetem pura e

    simplesmente os doentes para as suas própnas clímcas quando

    os consultam no hospitaL Mas as clímcas são totalmente ma

    cessiveis aos pobres, dado que os cuidados de saúde são muito

    19

    Capital de Burkina Fass1

    (N.E.l

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    14/86

      8 Joseph KI Zerbo

    =o Zona de transição entre o

    Saara c a região de clima equa

    tonal Umido ao sul do deserto.

    (1 -E.)

    mais caros nelas. Quando se entra num hospital, tud o

    e

    pago.

    aliás. tanto para entrar

    quanto

    para Sair. Uma vez termmados

    os tratamentos, quem não pagar

    não

    sat do hospitaL

    Em

    breve,

    a saúde será

    um

    bem reservado exclusivamente aos ncos: um

    bem privatizado.

    A pobreza nacional nos países

    do Sahef °

    é acompanhada

    por uma

    grande desigualdade na distribuíção dos rendimentos. Na maíona

    dos países. maJS de metade do rendimento nadonal está concen-

    trado

    nas

    mãos dos

    20

    maís ricos. enquanto os

    20

    maiS pobres

    dispõem apenas de cerca de

    5

    do rendimento nacional. Qual é

    a

    lógrc

    deste sistema? Quais são as conseqüêndas sociais desta

    situação?

    Na Europa, o capitalismo fm constr uído sobre a exploração.

    _ ~ ~ u r n u l ç ã o f o t · ~ ~ ~ t ~ · cios trabalhadores. a faVor de

    outras categonas sociais. a tal

    ponto que

    a Europa· se

    tornou

    um modelo umversal.

    A

    lógica do ststema.exige a acumulação

    do

    capital

    à

    custa de certos fatores

    de

    produção,

    e s p e c i a l m e n t ~

    os custos humanos.

    É aqUI

    que o

    c a p i t a l i s m ~ · g e r a l m e r t e

    se·

    . desdassifica: para promover

    um

    ser

    humano, é

    preciso esmagar

    do1s ou

    três. Os ocidentais querem

    que

    os países africanos fa-

    çam corno a Europa, mas no mtervalo de algumas décadas, não

    em

    alguns séculos

    como

    fot lá. A exploração. então, e muito

    mais dura, porque é

    compnmida num

    lapso

    de tempo

    mut

    to curto.

    É

    a corrida às taxas

    de

    crescimento. e

    não

    à promoção

    humana. O

    SIStema

    gera. por tanto, a pobreza. e desemboca

    na

    paupenzação. Não se deve considerar

    que

    a pobreza é a causa

    do

    subdesenvolVimento-

    ela

    eum produto

    do sistema atuaL

    Mas atua-se

    como

    se a pobreza fosse uma entidade metafísica

    que

    afeta, por mfelicidade, certos grupos da espécie

    humana,

    por razões que têm a ver só com eles. A pobreza é tratada a

    postenon

    sem levar em consideração as forças e estruturas do

    sistema. Habitualmente, essa contradição fundamental

    não

    e

    esclarecida.

    No decurso da sua hJstóna, o capitalismo produziu muitas

    mvenções e Impeliu os povos para novas realizações. Mas, ao

    mesmo tempo, sempre produz1u a pobreza. No tempo pré-co

    lama , e mesmo d urant e a colomzação. as soCJedades afncanas

    - - ~ ~

    i

    I

    I

    I

    I

    Para quando a África 9

    eram marcadas por um certo equilíbno dos rendimentos, do

    nivel de vida e

    do poder de

    compra dos diferentes segmentos

    da

    população. Isso devta-se, em grande parte_, à industnaliza

    ção

    defiaente,

    estando 90% da população voltada

    à

    agncultu

    ra, com equipamentos

    pouco

    diferencíados entre as unidades

    de exploração. A mawna dos agncultores

    ou

    chefes de família

    não dispunha

    de

    um número

    de trabalhadores

    supenor

    ao dos

    seus pares, a ponto de este ser

    um

    fator diferenCial decisivo: o

    trabalho assalariado quase

    não

    existia. Nessa época,

    quando

    eram organizadas JOrnadas de trabalho coletivo, falava-se de

    um

    "convite

    11

    de uma

    família ou

    de

    urna aldeia para VIr ajudar

    no trabalho do campo. Esse trabalho não era remunerado: era

    uma economia

    de donativos e contra-donativos,

    de

    prestígio e

    de

    partilha.

    A partir das mdependênCias, esses fatores IniCiaiS foram

    cada vez mais alterados.

    Ho1e há

    a possibilidade de alugar

    ou pagar mão-de-obra,

    de

    ser proprietáno de terrenos ou de

    mvestir no setor terciáno, nos centros urbanos. Tudo isso

    cnou uma

    nova categona de trabalhadores

    que não

    eXIStia

    na

    África tradiciOnaL Construiram-se fortunas com a aJuda dessa

    mercantilização progressiva e da gestão corrupta

    o u

    mesmo

    mafiosa- dos bens do Estado. Essas acumulações de fortunas

    marcam a

    entrada

    do século

    XXI na

    África. Chega-se mesmo a

    dizer que não se pode ennquecer um país sem empobrecer cer

    tos grupos sociaiS.

    É

    a doutnna

    do

    capitalismo danv1msta. A lei

    da selva pretende

    que

    aqueles

    que

    sobrevivem, conseguem-no

    porque devoram os outros. Isso faz parte do

    que

    se

    chama

    "os

    custos

    humanos do

    crescimento. Mas aqm,

    contranamente á

    burguesia ocidental imCial. praticam ente

    não

    se correm riscos.

    O Estado é pnvatizado no nível patnmomaJ e,

    em

    vez de acu

    mular, na África, transferem-se os bens para os bancos-refúgiOs

    do

    Norte e para os paraisos fiscais.

    Os resultados dessa política de paupenzação são terríveis.

    Burkma Fasso continua a ser

    um

    dos paises maiS pobres

    do

    mundo,

    embora o seu governo aplique as diretnzes do Banco

    Mundial e do FMI. O

    rendimento

    per capita

    na

    Áfnca,

    como

    você sabe, e

    cmqüenta

    vezes

    mfenor

    ao

    rendimento

    de

    um

    suiço francês

    ou

    canadense. A esperança de vida dimmulll

    drasticamente

    em

    muitos paises africanos, fixando-se em

    VJ nte

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    15/86

     

    3 Joseph K ·Zerbo

    e cinco anos menos do que nos paises mdustrializados.

    Em

    outras palavras. um afncano médio viVe

    uma

    geração menos

    do que um europeu. Há mats contrastes agudos da mesma am

    plitude

    no mtenor

    dos própnos países afncanos. de tal

    modo

    que

    se

    cna

    uma distância explostva entre os pobres e os milio

    nános. Os que sofrem mais com esta sítuação são as mulheres

    e os JOVens, que funciOnam

    como

    fusivets

    no

    ststema: quando

    há um

    agravamento, são eles que mats sofrem. Citei

    uma

    vez as

    palavras de

    uma

    jovem prostituta

    de

    Uagadugu.

    que um

    JOrna

    lista entreVIstou

    no local de trabalho com

    outras amigas.

    "Você

    não

    tem

    medo

    de contrair a AIDS?", perguntou ele. Uma dessas

    garotas de 14 anos respondeu: "Eu prefiro morrer de

    AIDS

    a

    morrer de fome." Éesta a verdadeira situação

    da

    miséna. A mt

    séna

    ê a anulação da escolha. E hoJe,

    na ÁfriCa,

    as pessoas têm

    cada vez menos escolha.

    A adaptação das estmturas econômicas e socims dos países pobres

    ás exigências

    do

    mercado mundial é desde há alguns anos. a re-

    ceita padrão

    do

    FMI e

    do

    Banco Mundial. Seu pais, Burkina Fasso,

    é wn caso-tipo para a história passada e [Jresente

    do

    programa

    de

    mustamento estmturai. Após dez mws

    de

    terapia neoliberal

    em

    dose

    cavalar, que balanço o senhor faz?

    Quando falamos de aJuStamento estrutura , devemos fazer

    as segumtes perguntas: aJustar o quê? Para quem?

    As

    verdadei

    ras estruturas que decidem nosso futuro não

    dependem do

    fato

    de

    o nosso orçamento ter um desequiiíbno

    de

    alguns pontos.

    Mas dependem, por exemplo, dos preços das maténas-prímas.

    Obngam-nos, como acabei de dizer. a produzir algodão para

    ganhar

    dólares. No

    entanto

    o problema é que,

    ao

    longo

    da

    ca

    deia produtiva

    do

    algodão, os cucuitos de produção, distribUI

    ção e fixação dos preços nos escapam. Ninguém fala

    em

    mexer

    na estrutura que fixa o preço do algodão,

    do

    cacau

    ou do

    café:

    essa

    ê

    mtoc

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    16/86

    3 Joseph K ~ Z e r b o

    I Temendo que o

    e m p o r e c i ~

    mento p ó s ~ g u e r r a dos paises

    europeus favorecesse o cres·

    amento do comunismo, os

    EUA realizaram um programa

    de a1uda financetra para a

    reconstrução da Europa, que

    mobilíz.ou

    12

    bilhões

    de

    dóla·

    res entre 1948 e 1952. {N.E.

    abrir todo o mundo ao anommato do capitalismo globaL Essa

    perspectiva é contrána

    â

    do capitalismo de hoje. que aspira a

    quebrar todos os particulansmos a fim de abrir o mundo aos

    fluxos de capitais. sem barreiras nem zonas protegidas. Assun,

    os africanos não podem aparecer com um projeto integrado e

    autônomo de produção.

    Enquanto a reparação se tomou

    um

    prmcípw aceito para as vítimas

    do holocausto europeu da Segunda Guerra Mundial. n nhum prin

    cípio deste gênero foi adotado no que diz respeito desestabilização

    sustentada e deliberada de que o continente africano foi vítima no

    decurso dos iíltimos quinhentos anos, particulamzente através da

    institwção da escravatura e do tráfico dos negros. Por que razão se

    deven a

    prever este princípio para a África subsaanána?

    De fato. falou-se freqüentemente de um Plano Marshan:n

    para a Áfnca. a fim de desenvolver a economia afncana e res-

    tabelecer os povos afncanos nos seus direitos. Tudo o que

    se

    passou desde o século XVI merecena bem um pequeno Plano

    Marshall, mas tsso nunca foi realizado. Todavm.

    quando

    falo

    de reparações. não tenho como alvo sobretudo o aspecto e c o ~

    nômico, o aspecto. dina, dos '

    1

    direitos de créditos especiaís

    O que eu peço não

    é

    tanto o reconheCimento do erro que

    fOI

    cometido contra os negros corno negros. mas o erro cometido

    contra a espécie humana através dos negros. Não ereto que haJa

    grupos humanos que tenham sido mats mfenonzados do que

    os negros. No dia em que se reconhecer tsso, seremos mtegra

    dos na espécie humana. Não basta dizer Simplesmente: Sim,

    são negros, fomos muito severos com eles, batemos demais

    nesses pobres negros, temos de pedir desculpas .. A reparação

    de que fato comporta várlas etapas. É prectso conhecer e

    r e c o ~

    nhecer o que

    se

    passou, assumtr a responsabilidade

    que

    se teve

    no que se passou e levar em conta o fato de que nós própnos,

    os negros, temos uma responsabilidade neste assunto.

    Que peusa o senhor sobre o problema da dh,ida?

    Sou daqueles que pensam que é necessáno anular a dívida.

    A campanha mternac10nal para a anulação da dívida

    é

    válida,

    pelo menos a curto prazo. Entre tanto, ela não ê válida a longo

    Para

    quando

    a Àfrlca

    33

    prazo. porque

    não

    se dinge à causa do subdesenvolvimento,

    mas a um efeito do sistema. E enquanto este mesmo sistema

    exiStir, a dívida renascerá das dnzas. Basta ver a balança comerM

    ciaJ

    dos paises

    africanos-

    que é negativa- para compreender

    ISSO

    A dívida estã estrutura lmente incluída no pacto colomal,

    em que uns têm todo o valor agregado dos produtos e os outros

    não têm quase nada. A dívida

    é

    o filho natural deste tipo de

    estrutura

    e

    pior amda, deste gênero de sistema.

    Entre os pontos litigiosos no centro do debate sobre a globalização

    encontram-se os conceitos de "mercado" e #Estado". Para aqueles

    que o senhor chama de "globalizadores", o mercado é sinônimo

    de modemidade e d{ lnocrada. Mas para os alterglobalistas. mais

    mercado significa a desmontagem do Estado e uma concorrência

    mdividual.

    Serú

    isso

    realmente

    tiío mau?

    Penso que o que está em jogo

    é

    o projeto africano endógeno

    ong:maL Arrastar toda a África para o mercado. sem prepara

    ção,

    e

    querer a abolição da avilização e

    da

    cultura africanas.

    É

    um

    suicídio planejado,

    CUJO

    programa está no computador

    do mercado. Nós, africanos. não conhecemos o principiO do

    tudo

    é mercado , talvez porque o mercado, tal como está em

    vtgor desde o século XVII na Europa, era limitado na África.

    ExiStiam cucuitos comerciais, mas os povos v1vmm

    numa

    base

    em que muitas coisas estavam situadas fora do mercado. para

    garantir o mímmo a toda a gente. A água. por exemplo, não

    era vendida ao preço

    do

    mercado. AconteceuMme muitas vezes,

    no

    mato de Burkina Fasso, quando tinha uma avana no carro,

    que urna garota se aproximasse

    de

    m1m para

    me

    oferecer água.

    Ninguém lhe tinha pedido a água, mas este é

    um

    direito para

    aqueles que vêm de longe, ao ponto de um ditado dizer: O

    estrangeuo

    e

    a água.

    Sinceramente, o ser humano haveria de se ammalizar se

    colocasse tudo no mercado. Outro ditado. que mostra bem este

    humanismo africano, iz que o velho é melhor do que o seu

    preço . Não se diz vaJe mais do que o seu preço porque, pre

    Cisamente, o velho não está sujeito ao valor venat do mercado.

    Se

    disséssemos mats do que o seu preço , isso equivalena a

    dizer que podia ser comprado, mesmo a um bom preço. A vida

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    17/86

      4 oseph K ~ Z e r b o

    é sagrada: é por Isso que, tal como a satide e o trabalho, não

    podemos colocávla no mercado. Também se diz:

    0

    dinheiro

    é bom, mas o homem é melhor, porque responde quando o

    chamam."

    No ststema africano, a propnedade sempre fm mímma. A

    produção ficou confinada, duran te muito mais tempo. no nivel

    familiar, clâmco - num contexto em que

    não

    havia escassez

    de terras.

    Asstm,

    a corrida

    á

    propnedade, nas relações

    de

    pro

    dução, não fo1 um dos grandes motores do processo de desen

    volvímento econômico

    na

    África. Além disso, nesse sistema,

    foram tomadas precauções para evitar que alguns se apoderas

    sem do capital terra. No modelo

    de

    base dessa orgamzação, a

    comunidade e os indivíduos tinham direitos sobre a terra. Ha

    via proprietános emmentes, no meadamente a família, a aldeia

    ou a coletiVidade da chefatura tradicional. E a propriedade real

    era, de fato. um usufruto. Não era uma propnedade à romana,

    usus

    fructr.lS

    abLISllS

    isto

    é,

    o uso, o fruto e a propnedade atn

    buída a uma única pessoa até ao abuso.

    Posso ilustrar esta relação com a propnedade

    dando um

    exemplo muíto pessoal. Meu pa1 era o proprietáno usufru

    tuáno dos nossos campos. A grande família tinha um grande

    campo, e cada membro da família tinha um pequeno campo

    no espaço pertencente à grande família. Minha mãe, por exem

    plo. ttnha um campo de amendoins e também alguns lotes em

    volta da casa, para a horticultura. com uma policultura muito

    característica de legumes e frutas. Recordo-me de que, quando

    entrava na horta tratada peta

    mmha

    mãe, ficava radiante: era

    fresco, úmido e repleto de COisas boas para comer O grande

    campo tinha o nome de

    wu ulé

    (em língua san), o que sigm

    fi:ca o grande campo, o bem público, isto

    e,

    o campo destinado

    à

    coletividade.

    Aliás.

    a mesma palavra designa tambem o Esta

    do e todo o seu dom mo.

    O sistema af ncano tradicwnal visava limitar os desperdícios

    e evitar o açambarcamento da propnedade por alguns poucos.

    garantíndo a cada mdivíduo a possibilidade de dispor de um

    lote de terra, a fim de aplicar suas próprias capacidades pro

    dutivas. Havta a idéia de que não se devta colocar a terra no

    mercado detxando-a à mercê dos mais fortes. mas também a

    de que não se devta detxar a terra à dispOSição do Estado. Nem

    r

    Para quando a África

    5

    o privado-pnvado. nem o Estado, era esse o lema. No ststema u

    Não hâ alternativa.

    (N.EJ

    afncano tradiaonal podia haver setores reservados. Por exem-

    plo. nas minas de ouro do 1mpéno de Mali, as pepitas de ouro

    cabiam ao rei, e o pó de ouro, aos ganmpeuos. O sistema estava

    orgamzado de tal manetra que era assegurado um

    mlmmo

    a

    todos. Ao mesmo tempo. eVitava-se que

    os

    detentores de poder

    monopolizassem a propnedade, o que

    Iria

    pre1udicar a ma ona

    da

    população. Asstm. os mossts, a etnta ma1oritána de Burkina

    Fasso, continuam a ter seu sistema característico de separação

    de poder entre o

    n b

    o chefe polít ico- e o

    teng-soba,

    o

    propnetário da terra. A idéia subtacente a isto é evitar que uma

    única pessoa

    tenha

    ao mesmo

    tempo

    o poder

    da

    propnedade e

    o poder político, o po der sobre o ter e o poder sobre a força.

    Não digo que se deva regressar pura e stmpiesrnente às

    práticas anteríores á colomzação. Mas podem-se preservar

    algumas idéias fundamentais. Resta saber se elas poderão

    prevalecer

    num

    ambiente que está inteiramente entregue á

    privatização globalista. No meu livro Compagnons du solei ,

    citei

    um

    texto hebraico mtitulado

    A

    terra, propnedade e pro

    pnetána ". Afinal, ea terra que é propnetána do homem Desde

    a Antigüidade grega e romana, colocou-se um acento muito

    pronunciado

    na

    propnedade e na pnvatização da propnedade.

    Em contrapartida, no sistema afncano, a propnedade privada

    foi

    "desmtoxiCada" antes de ser entregue ao con sumo.

    Se a África aínda apresenta algum mteresse para o Ocidente. é de

    vido a sua demografia. No plano econômico. o continente ao sul do

    Saara está fora do fogo: 1% do PIB mundial, 1% dos investimentos

    estrangeiros diretos,

    1.5%

    do comércio mtemacíoual. Tendo em vis

    ta este

    fraco

    peso econômico da África. o senhor vê

    uma

    altematíva

    a globalização? Os países africanos poderão JOgar a carta do regwv

    nalismo diante da globalização dos mercados?

    Diante da globalização. somos tentados a utilizar as pa

    lavras de Margaret Thatcher, quando diz1a: TINA -

    tl1ere

    zs

    11

    altemative."

    22

    É verdadeiramente o pensamento único, o

    McDonald's tini co,

    os

    trens úmcos, o preservativo úmco .. Mas

    1sso não significa que não se possa agtr.

    De

    qualquer modo, sou

    daqueles que pensam que não se pode fazer nada sozmho. Na

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    18/86

    36

    Ahmed

    Sékou

    Tourt: (1922-

    1984) fot militante smdicalista

    na antiga Gumé Francesa e,

    depois, secretáno-geral

    do

    Par

    tido Democrático Gumecnse.

    Em 1957, tomou-se prefeito

    de

    Conacn,

    deputado c vtcc

    presidentc do Conselho. Tra

    balhou pelo não

    no

    referendo

    de

    1958,

    que indilgava sobre a

    adesão das colômas francesas

    á

    comunidade franco-africana.

    Nesse ano, Gumé-Conacri tor

    nou-se mdepcndente. Sékou

    TourC fm eleito seu pnme1ro

    presidente em

    1959.

    cargo

    em que permaneceu até sua

    morte, ligada mietalmente aos

    paises soaalistas e, maiS tarde,

    aos islâmicos. (N.E.)

    ••

    Ver nota 9

    N.E)

    B

    Thomas

    Sankara nasceu em

    1949, no

    antigo Alto Volta,

    e segmu carrctra militar. Em

    1976, passou a fazer parte de

    uma

    orgamzação secreta de 10·

    vens militares,

    denominada

    Grupo dos Ofktats

    Comums

    tas,

    a

    que

    também

    pertenaa

    Blatse Compaore (ver nota

    49).

    Sankara tomou-se Secre

    t.áno de Estado de informação

    em

    1982,

    mas

    renunaou

    ao

    cargo no ano segumtc. Após

    o golpe de

    1982, fot

    nomea

    do

    pnmeuo-ministro, mas

    fot

    logo demitido. Em 1983, após

    um golpe orgamzado por

    Blatse Compaoré, tomou-se

    presidente, trocando o nome

    do pais

    para

    Burkina Fasso.

    Governou com

    uma onenta

    ção soctalísta e antiimpenalis

    ta,

    lutando contra

    a corrupção

    e

    promovendo

    a educação,

    a

    agncultura

    e os direitos da

    mulher. Seu programa revo

    luctonáno provocou forte

    oposição por parte das lide

    ranças tradiaonais. Sankara

    fm deposto

    c

    assassmado em

    1987.

    {N.E.l

    Joseph KI Zerbo

    Àfnca, cada vez

    que

    se tentou fazer uma reforma miCronaclO

    nal de um sistema. houve um fracasso. Todas as tentativas ml

    cronacionais de libertação da

    Áfnca-

    Sékou Tourén na Guinê.

    Kwame Nkrumah

    24

    em Gana. Thomas Sankara

    25

    em Burkina

    Fas so fracassaram, em grande parte, por que foram solitárias

    e não solidánas. Penso que se devena colocar como postulado

    a fórmula segumte: a libertação da Áfnca será pan-africana. ou

    não

    serã.

    A regiOnalização

    está feita em alguns setores. Trata-se

    de realizar um verdadeuo quadro

    p n ~ f r i c n o de

    diVIsão

    do

    trabalho, em função das vantagens comparativas mtemas à

    própria África. Depots disso, poderemos voltar-nos para a com

    petição mundial. Não ereto que os globalizadores estejam mm

    to mteressados na regiOnalização. Pergunto-me se não estarão

    mats mteressados

    em

    manter os SIStemas

    miaonacwnats,

    o r g ~

    ntzando um espaço pan-afncano a seu bel-prazer, de acordo

    com os seus mteresses e os seus valores. Talvez o modelo libe

    ral

    dos

    globalizadores consista

    em

    delXar funcionar os sessen

    ta Estados africanos. que mantêm as suas insigmas, pompas e

    mãqumas formats. a fim de deixarem,

    no

    plano econômiCO, o

    campo aberto às multinaclOnats. Na mmha opmião.

    os

    globali

    zadores falam de globalização. com a alta roda dos quadros da

    pseudoburguesta africana. para mascarar a necessidade de uma

    verdadeira regionalização africana.

    Asstm. somos obngaaos a const atar que a perspectiva regiO-

    nal é radicalmente reJeitada pelas mstituições financeuas mter

    naclOnats. Seu ObJetivo ê mcluu todo o mundo

    no mesmo

    es-

    quema, dizendo que não convem Imagmar outr a cmsa, porque

    e

    o fim da hiStóna" 0 aspecto maiS horroroso da globaliza

    Ção é quererem descer a cortina sobre a htstórla humana. Agem

    como se o homem não pudesse mventar nada

    de

    diferente,

    num

    momento em

    que este SIStema está

    aumentando

    o núme

    ro

    de excluidos. Ora, é exatamente o mverso: este ststema não

    ê legítimo.

    Como

    remediar Isto, num

    mundo

    em que o poder

    do dinheuo, o poder do saber e o poder militar estão concen

    trados nas mãos da mesma mmona por todo o

    mundo?

    Ou se

    e

    cúmplice, ou

    epreCISO

    ser adversáno, ou mesmo Immtgo. De

    qualquer modo,

    quem

    não entrar no JOgo será excluído. Ou

    então, ser

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    19/86

      8

    Joseph KI Zerbo

    assim, a burguesia afncana não mveste no setor produtivo.

    mas no setor visível, tangivel e passageuo. Terceiro, porque

    não há acumulação local, uma vez que os fundos acumulados

    são transferidos para os paraisos fiscais no estrangeuo. Por con

    segumte, apostar numa política de oferta atraves do ennque

    ctmento de

    uma

    classe de poderosos, na Àfrica, é apostar um

    pouco no vazto.

    Em

    contrapartida, a política que conta com

    a demanda solvente,

    que

    consiste

    em

    aumentar

    ao

    máximo o

    poder de compra

    da

    massa

    da

    população, é mais promissora.

    O obletivo do desenvolvimento é dar a todos o mínimo ne

    cessário para que as pessoas não morram

    de

    fome e

    não

    caiam

    na mm ria. tomando-se assim inúteis para

    si

    própnas e para a

    coletividade.

    Insistirei mats uma vez no fato de que a dimensão microna

    cíonal não é adequada ao desenvolvimento e ao crescimento.

    Não se pode fazer

    uma

    acumulação sufiCiente, mesmo pnvada,

    em pequenos paises. Só numa grande escala é possível cobrar

    os rmpostos necessãnos sobre os rendimentos que permitam,

    por sua vez, desenvolver uma política sociaL A nqueza naciO

    nal tomou-se. pots, uma realidade volátil.

    Ho1e

    o dinheuo já

    não se acumula

    no

    íocai onde

    fox

    ganho.

    não é como

    no

    século XIX europeu, quando o ststema financeiro estava con

    centrado num mesmo pais.

    Para conduu este assunto, penso que. em pnmetro lugar. é

    necessãno assegurar o

    mínimo

    ãs populações, especmlmente às

    matonas pobres: em segun do lugar, preparar a mtegração afri

    cana dos Sistemas de produção, que estão na base da acumula

    ção financeira necessána para desenvolver o aparelho pr oduti

    vo e proporciOnar as possibilidades de lucro. Em terceiro lugar,

    e preCISO defender o papel do Estado. evidente que

    não

    se

    pode constnnr

    uma

    soCiedade com base

    no

    pnncipio

    do tudo

    pnvado". Não será necessáno um árbitro. mas sim um guardião

    do bem comum que tente Impedir que a pequena mmoria de

    ncos devore

    mteuamente

    a maiona

    da

    população.

    s

    migrações constituem

    um

    dos fenômenos mmS marcantes da

    globalizaçüo. No passado. a mobilidade fm um fator essennal de

    adaptaçüo das populações da África Ocidental às mudanças

    do

    seu

    ambíente.

    HoJe

    essa fluidez do C011/ll1Ito regional tende a reduzir-se

    Para qu ndo a África

    devido. sobretudo à cn·se econômica nos países maís n·cas da região.

    Qual foi do ponto de vista histón·co. a relação dos africanos com o

    espaço natural?

    Na África tradicional, como em todo o mundo, o espaço é

    um elemento capital. O espaço africano atrasou a história afrt

    cana. Era um espaço sempre disponível, para onde as pessoas

    recuavam

    em

    busca de refúgio. Por causa da grande di mensão

    do continente_, durante

    muito tempo as

    pessoas puderam

    dispor do espaço como quenam. Evidentemente, abusaram,

    embora o

    ordenamento

    do territóno africano

    não tenha

    obe

    deddo

    a uma regulamentação tão restritiva e rigorosa como

    no

    Ocidente. Convém

    não

    perder de VIsta que a propriedade fun

    diána não era regulada pelo direito de tipo latino; a disponibi

    lidade permanente do solo, em usufruto, facilitou a mstalação

    dos grupos humanos . Mas o

    habitat

    africano sempre

    fm

    móvel.

    com mcessantes partidas e chegadas. E preaso partir daqui

    para compreender o caráter absurdo das fronteiras transpos

    tas da Europa para a Áfnca - fronteiras rigidas, geométricas,

    artificiaiS e

    por

    vezes Imagmánas. A contradição fundamentai

    entre o metabolismo

    básiCo

    dos povos. por um lado, e os Im

    pedimentos, as barreíras. as proibições que lhes são levantados

    pela admmistração de diferentes países.

    por

    outro. explica em

    parte o subdesenvolVImento africano.

    Qums foram as conseqüêncws. a longo prazo da disponibilidade

    do espaço?

    A Áfnca foi uma terra de migração, de deslocamentos -

    cessantes através de todos os obstáculos. Só Deus sabe que há,

    neste continent e, obstáculos mal colocados, como o Saara, que

    divide a África num

    mau

    sítio. O fato de o Saara separar o con

    tinente em dois grandes subespaços foi um começo terrível,

    mas nunca 1mpediu os movimentos da população através desse

    deserto.

    Essa

    capacidade de partir sempre para outro lado é uma

    das leis ma1s Importantes da evolução dos estabelecimentos

    humanos na ÁfrJCa Mas

    xsso

    também trouxe mconvenientes

    muito pesados: durante séculos, não havia vantagem em fazer

    construções sólidas, porque as pessoas vtam-se sempre obn-

    39

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    20/86

    40

    l l

    No

    fma

    do século XIX, a

    França dominava os atuaJs

    Marrocos, Argêlia, Mauritânia ,

    Senegal, Gãmbia, Mali, Gume,

    Costa do Marfim, Burkina

    Fasso, Bemm, Nígcr, parte do

    Chade, República Centro-Afri

    cana, Canga. Gabão, Djibuti

    e Madagascar; Inglaterra, os

    atuais Serra

    Leoa,

    Gana, Nigê

    na, partes da Libia,

    do

    Chade e

    da Somália, Egito, Sudão, Qu

    ênia, Uganda, Malaui, Zãmbia,

    Botsuana e África do Sul; Por

    tugal, os atuais Guinê Bissau,

    Cabo Verde, São Tomé e Prín

    Cipe,

    Angola e Moçambique:

    Alemanha, os atuais Toga. Ca

    marões, Tanzãnta e Namíbia;

    Itália, os atuats Eritréia, norte

    da

    Líbia e oeste

    da

    Somália;

    Espanha, o sul de Marrocos e

    a Gumé Equatonal;

    BélgiCa,

    o

    atual Zaue. Eram Independen

    tes somente a atual Etiôpia, a

    Ubéna, o Transvaal (incorpo

    rado

    à

    África do Sul) e Orange

    (atual LesotoJ. (N.E.l

    Joseph KI Zerbo

    gadas a partir para

    outro

    lugar. Os deslocamentos freqüentes

    tmpediram que as mstitutções se fixassem e fossem favoráveis

    ao

    desenvolvimento da escrita.

    O senhor podena explicitar a relação entre as migrações e a escrita?

    A densidade da

    (Jopulação

    é uma condição

    para

    as inovações?

    A escrita, como a geornetna do Antigo Egito. provém da

    fixação da população. Enquanto as pessoas estiveram

    no

    Saara,

    mnguem

    se preocupou em anotar o

    que

    quer

    que

    fosse; havia

    espaço em profusão. Mas a partir do momento em que a de

    sertificação começou, as pessoas enfiaram-se no vale do Nilo.

    A densidade aumentou e tornou-se necessána a organização,

    para se saber quem estava mstaiado e em que sítio. A demar

    cação levou a idéia da computação,

    da

    escrita e do desenho,

    utilizados para preservar as marcas da propnedade.

    O srstema p n : ~ c o l o m a l assentava fundamentalmente na

    liberdade de deslocamento. A quase opacidade das fronteiras

    é um fenômeno relativamente recente. que começou com a

    colonização. Àssmalernos, de passagem, que, na realidade, os

    colonos de que nos querxamos exploraram menos as fronteiras

    do

    que

    o fazem os dingentes afncanos atuais. No quadro da

    Áfnca Ocidental francesa. num espaço Imenso de oito paises

    atuars. as pessoas podiam destacar-se como quenam. Os mem

    bros de uma mesma etma não estavam separados, a não ser que

    estivessem em territórios depend entes de d01s países europeus

    diferentesz

     

    _ Os

    haussãs do Níger e da Nigena, por exemplo.

    foram divididos em dors blocos.

    Quars são os lados positivos e negativos das

    migrações?

    Extstem aspectos econômiCos e políticos, e ambos dificul

    tam senamente o desenvolvimento e o desabrochar afncanos

    hoje.

    No

    plano econômiCO. dou-lhe o exemplo dos rnrgrantes

    mossis de Burkina Fasso. A liberdade de mstalação em diferen

    tes partes do pais levou as pessoas do planalto mossr a ocupar

    as porções do terrítório nacional me nos densam ente povoadas.

    Por vezes, mfelizmente, essa dispersão dos rnossrs fez-se uregu

    larrnente; as pessoas m s t a l a r a r n ~ s e com mentalidades. não de

    Para qu ndo a África

    bons pats de família, mas de gente de passagem. Ou se1a, uma

    mentalidade de coleta, e não de acumulação e salvaguarda. No

    plano político.

    não

    houve, da parte dos dingentes africanos,

    em nenhum pais, urna estratégia de ordenamento do territóno

    em função da ocupação das terras pela população. Isso facili

    tou os conflitos mterétmcos ou mter-soctats. As frontenas são

    bombas-relógiO. no sentido em que há conflitos em perspecti

    va.

    Os

    desequilíbnos demográficos deven am ser compensados

    e regulados. mas, em geral. rgnora-se em que bases tsso deverá

    ser feíto. Também não

    vontade de explicar às pessoas em

    que direção se deve caminhar.

    Quando se fala da política migratória há um paradoxo: déficit em

    migração nos países ricos. excesso de mígrantes nos países pobres. O

    que o senlzor pensa das políticas sobre migração na

    Europa?

    Na sua

    opmião o que leva

    as

    pessoas a

    migrar?

    São atraídas

    peJa

    n queza

    do

    Norte?

    Os paises do Sul não

    lhes

    oferecem perspectivas?

    Os países do Norte fecharam-se

    em

    fortaiezas com torres

    de vrgia, linhas de frontena semeadas de seterras. A maiona

    dos paises dá pnoridade ao direito do solo , e alguns outros

    recorrem aos direitos de sant,rue , para rmpedir que as pes

    soas do extenor venham invadi-tos .

    É

    a defesa do nível de

    vida. a recusa

    de

    partilhar e a re1e1ção

    de um mundo

    pluraL

    Mas, ao mesmo tempo. os paises do Norte recorrem ás pessoas

    do Sul

    por

    causa do

    envelheomento

    da sua população. Têm

    necessidade de quadros e de técmcos de alta qualidade. Se a

    redução da natalidade seg uu o seu curso atual, e os países ditos

    desenvolvidos mantiverem essa política de reteição dos outros,

    cammha rão para o despovoamento. Todas essas interferências

    levam-me a pensar que a polítíca

    da

    repulsa dos condenados

    da terra não poderá continuar eternamente.

    As

    pessoas

    não

    partem

    de

    casa

    de

    boa vontade.

    Se

    o fazem,

    é porque são ma1s rejeitadas no seu pais do que atraídas pelo

    Norte. O excesso de m1grantes nos paises pobres deve-se as

    guerras e â pobreza. como na região dos Grandes Lagos

    30

    neste

    momento

    O superpovoamento relativo desses países vem do

    fato de que o equipamento técmco e mtelectual não

    e

    ufiCien

    te para absorver toda a população.

    41

    ;u

    Região da África Central qu e

    abrange partes

    deU

    ganda, Quê

    nia, Zaire, Tanzãma, Zâmbia,

    Ruanda e Buru ndi. (N.E.)

  • 8/17/2019 KI-ZERBO,Joseph - Para Quando a Africa

    21/86

    4

    Joseph KI Zerbo

    Como se podem regular as tensões reiacronadas com as mzgrações

    Que política

    de integração

    das popul ções

    estrangeiras

    será preciso

    desenvolver

    Como diminuir os preconceitos e dificuld des

    ligados

    ás

    diferenças

    culturazs e religiosas

    No que diz respeito as migrações no SuL a pnmetra ta

    refa é a