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POLÍTICA NACIONAL DE GESTÃO DE ÁGUAS: HÁ LUGAR PARA AS
CIDADES-REGIÃO?
Gisela A Pires do Rio PPGG/UFRJ, giselario@ufrj.br
Ana Paula Fracalanza Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental e Programa
de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política USP,
anafracalanza@terra.com.br
Nirvia Ravena NAEA/UFPA, niravena@uol.com.br
Roberto Luiz do Carmo NEPO/UNICAMP roberto@nepo.unicamp.br Resumo
O objetivo deste trabalho é suscitar questões sobre o papel das cidades-região na gestão de
águas no Brasil. Tomado como exemplo os dois aglomerados metropolitanos mais
representativos do país, Rio de Janeiro e São Paulo, argumenta-se que essas cidades-região
constituem atores incontornáveis no processo de gestão. Dentro dos limites deste trabalho, foi
realizada uma análise sucinta da posição desses aglomerados metropolitanos nas macro-regiões
hidrográficas. Dois resultados chamam a atenção: a relação de dependência dada pela
infraestrutura e a disputa pelo controle do fluxo entre metrópoles.
Palavras-chave: Brasil, gestão de águas, cidade-região; Rio de Janeiro, São Paulo.
Introdução
Para efeitos da implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos, o país
foi dividido em doze regiões hidrográficas. No Decreto que institui a Divisão
Hidrográfica Nacional, a região hidrográfica é definida como sendo “o espaço territorial
brasileiro compreendido por uma bacia, grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas
contíguas com características naturais, sociais e econômicas homogêneas ou similares,
com vistas a orientar o planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos” (CNRH,
Resolução N 32 15/10/2003). São elas: Amazônica, Tocantins/Araguaia, Nordeste
Ocidental, Parnaíba, Nordeste Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico
Sudeste, Paraná, Uruguai, Atlântico Sul e Paraguai.
Essas regiões representam o nível de maior agregação para unidades de
planejamento hídrico, definindo uma das malhas para essa política setorial. Duas
características se impõem de imediato: contigüidade espacial e homogeneidade.
Enquanto a primeira implica necessariamente na imposição de limites no nível do
território nacional, a segunda é definida a partir da consideração de aspectos naturais,
sociais e econômicos. Algumas vezes, no entanto, há certa superposição entre região e
bacia. Exemplo são as regiões hidrográficas do São Francisco, Parnaíba e Paraguai,
alimentando certa confusão no entendimento do escalonamento das malhas da política
de águas no país.
Uma das questões relacionadas a essa política diz respeito aos agentes que
podem ser representados nos respectivos comitês de bacia. Neste trabalho, compreende-
se que há novos agentes que disputam o controle de fluxos de água para abastecimento
urbano. Esses, embora não disponham de reconhecimento como membros efetivos de
comitês de bacia, constituem agentes de gestão de águas. Consideramos, desse ponto de
vista, as cidades-região como aqueles aglomerados com mais de 1 milhão de habitantes
que estão inseridas em processos globais (Klink, 2001) como novos agentes da gestão
de águas no país. No caso particular do Brasil, esses aglomerados muitas vezes se
confundem com regiões metropolitanas, sem, no entanto, constituírem a mesma unidade
espacial.
Uma segunda questão está relacionada ao conteúdo específico do conceito de
cidade-região. O fato, porém, de algumas regiões metropolitanas delimitadas pelos
estados possuírem população inferior àquele patamar1, nos conduz a preferir a
nomenclatura genérica de aglomerados metropolitanos e cidades-região para as
concentrações de população e atividades de elevado conteúdo de informação2. Mais do
que dinâmica metropolitana de per si, a cidade-região se constitui por sua inserção
produtiva em escala global. Nesse sentido, diversidade e densidade econômica, social e
cultural, representam condição para o dinamismo dessas novas entidades que, sem
assento nos comitês de bacia, são agentes efetivos na gestão de águas. Se o dinamismo
condicionado pela densidade e diversidade exerce atração para expandir o nível de
investimento nessas regiões, o contraponto quase imediato é o aumento da demanda por
água. Assim, o objetivo deste artigo é suscitar questões sobre o lugar das cidades-região
na gestão de águas, com foco exemplos do Rio de Janeiro e São Paulo.
O peso dos aglomerados metropolitanos na demanda por água
A argumentação para que as cidades-regiões constituam ator de gestão de
águas implica em mudança de escala de expressiva importância. A magnitude do
consumo urbano-metropolitano significa mais do que a soma do consumo dos
municípios, ainda que afirmar a responsabilidade de municípios na gestão de águas
(Carneiro et al, 2008) represente ponto relevante. Característica da cidade-região é a
conexão regional no plano da infraestrutura de serviços concedidos. É recomendável
1 São exemplos de regiões metropolitanas com população inferior a 1 milhão de habitantes: Vale do
Cuiabá (MT), Aracaju (SE), Londrina (PR), Campina Grande (PB), entre outras. 2 O significado do metropolitano seria questão a ser discutida em outro trabalho
lembrar que os sistemas e redes de serviços de água e esgoto, por exemplo, não
explicam, por si, a cidade-região. Eles constituem, entretanto, uma face da lógica de
aproximação de lugares fornecedores e consumidores.
Trabalhos que analisam a gestão ambiental como gestão do território (Cunha e
Coelho, 2005; Gusmão, 2009) apontam para a urgência em considerar a articulação
entre gestão ambiental e do território. A fim de ilustrar o peso relativo dos aglomerados
urbanos, podemos considerar os dois tipos de uso consuntivo – (uso consuntivo é aquele
cujo consumo não permite retorno da água ao corpo hídrico) que organizam a demanda
por água: irrigação e consumo urbano. Enquanto a irrigação representa 47% da retirada
de água no Brasil, o consumo urbano representa 26%, também no Brasil. Esses dois
usos têm participação relativa no volume total de água consumida no país de 69% e
10% respectivamente (ANA, 2011). A diferença entre irrigação e consumo urbano é
bastante significativa. Há, no entanto, uma coincidência, na escala regional, entre as
maiores demandas por irrigação e consumo urbano. A extensão de áreas irrigadas é da
ordem de 1,5 milhão de hectares na macro-região hidrográfica do Paraná, ou seja, quase
50 vezes a extensão da área irrigada na região Nordeste Ocidental. A comparação entre
os gráficos 1 e 2 indica aquela coincidência no nível das regiões hidrográficas.
Gráfico 1
De modo semelhante, o padrão concentrado na distribuição da população
residente em regiões metropolitanas e aglomerados urbanos com mais de 1 milhão de
habitante é bastante eloqüente quando considerada a distribuição da população por
região hidrográfica (Gráfico 2). Embora com expressivo nível de urbanização, três
regiões hidrográficas não apresentam aglomerados com mais de 1 milhão de habitantes:
Paranaíba, Uruguai e Paraguai. Nas regiões hidrográficas Paraná e Atlântico Sudeste
estão situadas importantes regiões metropolitanas (RM): Campinas, São Paulo, Baixada
Santista, Rio de Janeiro e Grande Vitória; juntas, representam população de cerca de 38
milhões de habitantes.
Gráfico 2
Tal concentração tem implicações diretas na oferta de serviços ligados à
infraestrutura de água e esgoto. Essa não é, evidentemente, característica exclusiva
desses serviços; contudo, os desdobramentos na estrutura regional e urbana já foram
apontados como questão de grande importância por vários autores (Silva, 2003;
Fracalanza, 2004; Carmo e Marques, 2007; Carmo e Hogan, 2006).
Assumindo o critério tamanho da população urbana como aquele que fornece
indicação suficiente para representar o peso relativo das cidades-região na gestão de
águas, vinte aglomerados metropolitanos apresentaram, em 2010, população superior a
1 milhão de habitantes (IBGE, 2011). O gráfico 3 permite observar o padrão
concentrado na distribuição dessa população. Duas metrópoles, São Paulo e Rio de
Janeiro, se diferenciam das demais áreas do país. As grandes concentrações à imagem
da megalópole conectada por diferentes tipos de rede de infraestrutura como descrita
nos anos sessenta por Jean Gottmann pode ser considerada, na escala de Brasil, aquela
cuja nodalidade é exercida pelo eixo metropolitano em forma de L que tem na linha
vertical as metrópoles de Campinas, São Paulo e Baixada Santista e, no eixo horizontal,
o Rio de Janeiro. O padrão de concentração, urbano e econômico, reflete-se igualmente
no padrão de concentração do consumo de água.
Gráfico 3
Rivalidades no controle dos fluxos de água
No que diz respeito à demanda por água, a cobertura das áreas urbanas é
elevada, com taxa de atendimento superior a 80%. Além da ubiqüidade de
abastecimento, variações na freqüência e na quantidade disponível são significativas nos
centros urbanos. Nas áreas metropolitanas, as estratégias de sobrevivência nos
interstícios da rede de abastecimento de água englobam desde a perfuração de poços em
condições precárias até o abastecimento por caminhões-pipa. Desigualdades no acesso
aos serviços em escala intra-urbana que se reproduzem também no abastecimento de
água.
Uma das questões de rivalidades pelo controle dos fluxos relaciona-se aos
sistemas de transposição. Esses sistemas são usados há muito tempo. Consistem em
intervenções técnicas cuja legitimidade sustenta-se na necessidade de controle do fluxo
de água com vistas à redução dos efeitos de enchentes, aumento da capacidade de
navegação fluvial, abastecimento urbano, ampliação da capacidade de produção
agrícola pela irrigação, ampliação da capacidade de geração de energia hidroelétrica,
etc. (Pires do Rio, 2006). No caso específico do Brasil, as duas maiores regiões
metropolitanas dependem de sistemas de transposição. Foram obras efetuadas nas
décadas de 1960 e 1970 que asseguram o abastecimento urbano das principais regiões
metropolitanas do país. No primeiro caso, o sistema Guandu, que atualmente abastece a
maior parte da RMRJ e no segundo, o sistema Cantareira que abastece a RMSP.
As manifestações de rivalidades entre forças que atuam no interior de um ou
mais territórios (Giblin, 2003; Lacoste, 2001) indicam que os espaços para a gestão da
água não podem ser circunscritos à bacia hidrográfica e a rede de dutos e conexões que
se interpõem à estabilidade de unidades naturais, permite o surgimento de rivalidades,
disputas, conflitos em situações submetidas à mesma condição regulatória (Pires do Rio,
2006) ou de cooperação em situações de discordância regulatória como o caso de
algumas bacias transfronteiriças.
No caso do estado de São Paulo, 22 unidades de gerenciamento de recursos
hídricos podem ser constituídas por bacias hidrográficas ou por agrupamento de bacias.
As duas UGRHIs: Piracicaba/Capivari/Jundiaí e Alto Tietê correspondem
aproximadamente às áreas de duas RM: Campinas e São Paulo. Um dos exemplos de
rivalidade e conflito entre regiões metropolitanas de uma mesma macro-região hídrica
foi descrito e analisado por Carmo e Hogan (2006). Campinas, mais recente formação
metropolitana do estado, opôs-se à RM de São Paulo quando da renovação da outorga
do Sistema Cantareira, cuja fonte de capitação depende da UGRHI
Piracicaba/Capivari/Jundiaí. Principal sistema de abastecimento da RMSP, viu-se
obrigado a estabelecer novos padrões para compartilhar o volume de água destinado à
RMC (Carmo e Hogon, 2006).
A Região Metropolitana da Baixada Santista constitui outro exemplo de
interação espacial no tocante ao abastecimento de água (Carmo e Marques, 2007). A
ligação com o planalto paulista, responsável pelo dinamismo urbano-industrial dessa
região, foi intensificada pela ampliação do pólo de Cubatão e, mais recentemente, por
investimentos no setor de turismo e petróleo e gás, exigindo níveis institucionais mais
amplos no que diz respeito à gestão de águas. Finalmente, a transposição das águas do
Paraíba do Sul para o rio Guandu (160 m3/s) para abastecimento da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro constitui mais um exemplo significativo de divergência
entre bacia hidrográfica e malha de gestão.
Rio de Janeiro: o silêncio da metrópole
As singularidades do processo de metropolização do Rio de Janeiro foram
descritas por Davidovich (2001) como constitutivas do fato urbano desde a origem da
cidade do Rio de Janeiro, a posição polarizada exercida pela cidade em detrimento de
sua hinterlândia, concentração de recursos e funções na cidade-sede, expansão das
atividades portuárias e financeiras, além da forte dependência de empreendimentos
federais e/ou de grandes empresas ligadas a setores mínero-metalúrgicos e de petróleo e
gás. São essas singularidades que atuam como condicionantes de reestruturação
produtiva em períodos posteriores.
Concentração é, portanto, característica marcante da estrutura espacial do
estado do Rio de Janeiro. Sua região metropolitana abriga cerca de 80% da população
do estado. Tendência que vem se desenhando há cinqüenta anos. A concentração é
ainda mais relevante quando considerada a densidade demográfica: a densidade
demográfica na região metropolitana era, até o início do século XXI, cerca de vinte
vezes superior à do estado (Carneiro, 2001). Mesmo nesse período, muitos autores já
apontavam mudanças importantes em termos de dinâmica populacional. Considerando o
período entre 1940 e 2000, Carneiro (2001) indicou que o peso relativo do município
sede caiu em relação ao aumento da população dos municípios da Baixada Fluminense.
Ou seja, a taxa de crescimento da população era maior fora do município-sede da região
metropolitana. Essa tendência permaneceu durante o período 2000-2007. Enquanto a
população do município do Rio de Janeiro cresceu com taxas de 0,56% aa, municípios
da região metropolitana como Duque de Caxias (1,19% aa), Nova Iguaçu (1,38% aa),
Belford Roxo (1,45 % aa) cresceram a taxas acima da média do país (1,15% aa)3.
No que diz respeito aos serviços de urbanos, uma das características dos
sistemas de abastecimento de água da região metropolitana é a dependência do rio
Paraíba do Sul. Embora três sistemas interligados de água e um sistema independente
(Imunana –laranjal) assegurem o aprovisionamento, o sistema Guandu é a principal
fonte para o abastecimento da RMRJ.
3 Taxas aproximadas com base em dados censitário e Contagem da população. IBGE.
Parte do crescimento no entorno do núcleo metropolitano, é tributário de
grandes projetos. São investimentos que tendem a requalificar o aglomerado
metropolitano (Gusmão, 2009). Dentre eles, o Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (COMPERJ) que deve pressionar o sistema Imunana-laranjal. Por outro lado, a
demanda da RM do Rio de Janeiro prevista para 2015 será da ordem de 70,3 m3/s
(ANA, 2010), o que implicará na expansão da rede do sistema Guandu. Ou seja, desse
sistema dependem cerca de 90% da população metropolitana. Como já foi assinalado
por Pires do Rio (2008), em decorrência da transposição das águas do rio Paraíba do
Sul, a escala da gestão foi condicionada pela competência atribuída às duas empresas de
eletricidade e de saneamento (Light e CEDAE), com predomínio da companhia de
eletricidade no controle da afluência da água. A gestão, a cargo quase exclusivo dessas
companhias, apresenta impasses em termos de legitimidade da própria gestão. Que voz
assume a metrópole?
São Paulo: escassez de água e conflitos interbacias
A década de 1930 desponta com transformações no cenário econômico
brasileiro geradas a partir da crise de 1929. Neste cenário, a indústria representa papel
central, sendo diversificados os ramos de atividade industrial, ganhando importância o
setor de bens de produção (Araújo, 1992).
Mas é entre os anos de 1956 e 1962 que o processo de concentração industrial
no Estado de São Paulo foi acentuado. Neste período foi implementada a indústria
pesada de bens de produção no país, principalmente na região da Grande São Paulo,
através do Plano de Metas. A concentração industrial foi acompanhada de intensa
urbanização dos municípios de São Paulo e vizinhos, com crescimento da população
residente nestes municípios.
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) foi criada em 1973 e,
atualmente, é formada por 39 municípios.4 A RMSP tem área de 8.051 km
2 e população,
em 2010, de 19,6 milhões de habitantes5.
4 A Região Metropolitana de São Paulo é composta, hoje, pelos seguintes municípios: Arujá, Barueri,
Biritiba-Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de
Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapacerica da Serra, Itapevi,
Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus,
Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santo André, São Bernardo do
O território da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é banhado em sua
maior extensão pela Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, já que cerca de 70% da superfície
da RMSP estão situados nesta bacia, a qual abriga 99,55% da população da região
metropolitana. Dos 39 municípios da RMSP, 20 municípios estão completamente
inseridos na bacia, 14 possuem sua sede urbana totalmente inserida e 3 municípios
possuem parte de sua área rural na bacia (CAMPOS, 2007). Cabe destacar que, na Bacia
do Alto Tietê, o abastecimento doméstico consome cerca de 76% dos recursos hídricos,
enquanto as indústrias mais 20,5% da água doce disponível.
A Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (BHAT), cuja superfície é de 5.985km2 é
uma bacia de cabeceira, com baixa capacidade para reter as águas pluviais, em virtude
do solo pouco poroso, na qual se verificou um intenso processo de urbanização, desde
os anos 50. Estes fatores resultam em alguns problemas: dificuldade para recompor o
nível dos cursos de água e dos lençóis freáticos; enchentes em municípios a jusante do
município de São Paulo no período de chuvas; quadro crítico de degradação das águas
em virtude do despejo de efluentes domésticos e industriais sem o devido tratamento,
bem como da ocupação ambientalmente inadequada do território. Assim, a
disponibilidade hídrica por habitante por ano na Bacia do Alto Tietê é bastante baixa:
apenas 200m3/hab/ano, quando o índice crítico, segundo a Organização Mundial da
Saúde é de 1.500m3/hab/ano.
Portanto, a água encontra-se na Região Metropolitana de São Paulo escassa não
só em quantidade, devido às necessidades de usos, como também em qualidade, dada
sua degradação. De fato, cerca de 50% do abastecimento doméstico da Região
Metropolitana de São Paulo é proveniente do Sistema Cantareira, cuja água é oriunda
em sua maioria da Bacia Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, e cuja
construção iniciou-se em 1966, vem contribuindo desde 1974 com uma vazão de até 33
m3/s para abastecimento de cerca de 9 milhões de habitantes da Região Metropolitana
de São Paulo.
Sobre os conflitos pelo uso da água do Sistema Cantareira, que envolve as
bacias hidrográficas do Alto Tietè e do Piracicaba, Capivari e Jundiaí cabe apontar
modificações na concessão de direito de uso desses recursos hídricos. Em 1974, a
Campo, São Caetano do Sul, Santana do Parnaíba, São Lourenço da Serra, Suzano, Taboão da Serra,
Vargem Grande Paulista e São Paulo.
5 Segundo Censo do IBGE de 2010.
concessão foi autorizada à SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de
São Paulo) pelo Ministro de Estado das Minas e Energia. Em 6 de agosto de 2004,
quando se deu a renovação da concessão à SABESP, outorgada pelo Superintendente do
Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE, do Estado de São Paulo, o
documento de outorga havia sido discutido por representantes de órgãos, agências e
empresas governamentais, além de órgãos não governamentais e comitês e consórcios
envolvendo representantes de instituições públicas, privadas e usuários dos recursos,
tais como: SABESP, DAEE, Agência Nacional de Água – ANA, Prefeituras
Municipais, Ministério Público Federal, Procuradoria da República, Comitês de Bacias
Hidrográficas, Consórcio Intermunicipal de Bacias Hidrográficas, Organizações não
Governamentais. Neste caso, percebem-se alterações no cenário de gestão dos recursos
hídricos, quanto à participação de novos atores nos mecanismos de gestão destes
recursos.
O processo de renovação da outorga da água do Sistema Cantareira foi
considerado como apresentando “inegável sucesso das negociações” (Arce, 2005:20),
assim como “êxito extraordinário (...) tanto relativo à otimização do uso das águas
quanto com relação à mitigação dos conflitos entre os diversos usuários na bacia”
(Moretti e Gontijo Júnior, 2005:19).Porém, ao considerarmos que uma região
metropolitana escassa em água (RMSP) deve negociar sua água com outra Região
Metropolitana, a de Campinas, os conflitos não estão sendo mitigados, mas perpetuados
em novas roupagens e diferentes estratégias que mais uma vez expressam os interesses
predominantes de reprodução do capital. Quais são então os novos atores e como eles
podem se colocar no cenário?
Considerações Finais
O objetivo deste artigo foi suscitar questões sobre o lugar das cidades-região na
gestão de águas. Duas contribuições merecem ser destacadas. A primeira delas reside na
aproximação e comparação, ainda que de modo incipiente, das cidades-região. A
inserção nas macro-regiões hidrográficas indicou a posição do consumo urbano frente
às demandas de irrigação. A segunda está na consideração de escalas diferenciadas.
Nesse sentido, a escala metropolitana apresenta desafios significativos para a gestão de
águas. Espaço de governança em múltiplos níveis, a cidade-região assume expressão
como agente e ator fundamental da gestão de águas. Elas são parte do processo de
negociação do uso e da qualidade da água.
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