Post on 24-Feb-2023
INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DE SÃO PAULO
IPQ HCFMUSP
ANDRÉA PEREIRA DIAS
EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA
NAS EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA
SÃO PAULO – SP
2014
ANDRÉA PEREIRA DIAS
EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA NAS
EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA
Trabalho de Conclusão do Curso de
Terapias Cognitivas do Instituto de
Psiquiatria de São Paulo como
requisito exigido para obtenção do
título de Especialista.
Orientador:
Prof. Ms. Rodrigo P. de A. Sampaio
SÃO PAULO – SP
2014
AGRADECIMENTOS
Aos que me incentivaram, me apoiaram e sempre acreditaram em mim e
representam a prova viva da teoria do bem-estar em minha vida; minha fonte de
emoções positivas, de engajamento, de realização, de sentido, meus
relacionamentos positivos.
Minha família, meu irmão Alexandre, meu pai Omar, grandes suportes nessa
jornada. Minha irmã e grande amiga Adriana, mais que um suporte, minha
parceira em tantas histórias e minha mãe Maria Luiza, a fonte de amor
supremo e de vinculação segura, uma verdadeira coach emocional.
Meus amigos, em especial as amigas Ianda, Glaucia, Renata, Fabíola e
Nadia, por me escutarem, várias vezes, discorrer sobre minha paixão pelo
trabalho com as emoções e com o positivo no ser humano.
Ao Professor Cristiano Nabuco que me apresentou o Construtivismo de
Mahoney em 1994 e, também, o responsável por me apresentar a Terapia Focada
nas Emoções em 2013.
Ao meu Orientador Rodrigo Sampaio pelas trocas, orientações e suporte na
realização desse trabalho.
Aos colegas de curso, em especial a Vanessa e a Maria Claudia por todas
as trocas, momentos de estudo e escutas.
Aos meus clientes, que compartilham comigo suas narrativas, emoções e
sentimentos e aceitam o meu convite para caminhar pelo belo caminho das
emoções em psicoterapia.
No esforço para entender o comportamento
humano, muitos tentaram passar ao largo da
emoção, mas não tiveram êxito. O
comportamento e a mente, consciente ou não,
assim como o cérebro que os gera, recusam
revelar seus segredos, a menos que a emoção
(e os muitos fenômenos que se escondem sob
seu nome) seja inserida na equação e tenha sua
importância reconhecida.
António Damásio (2011, p. 140)
RESUMO
Os resultados dos estudos e pesquisas relacionados com os processos
emocionais nos seres humanos vêm ganhando destaque na contemporaneidade,
ocupando um importante espaço nas bases teóricas e intervenções de algumas
psicoterapias pós-modernas. Nesse contexto, destacam-se a Terapia Focada nas
Emoções e a Psicologia Positiva. Os objetivos desse trabalho consistem em
apresentar as duas abordagens destacadas, verificar o papel das emoções em suas
bases teóricas e nos respectivos processos de psicoterapia e analisar as duas
abordagens em relação à conceitualização das emoções e ao trabalho com as
emoções em suas intervenções. Para tanto, o método definido foi de pesquisa
bibliográfica, o que evidenciou a ausência de artigos e publicações nacionais
referentes às duas abordagens de psicoterapia em questão, de acordo com o
conteúdo necessário para o atingimento dos objetivos desse trabalho. Verificou-se
que a Terapia Focada nas Emoções e a Psicoterapia Positiva contam com bases
teóricas similares e com uma gama de pesquisas e validações das suas
intervenções por demonstrações empíricas e, mesmo com processos de trabalho
distintos, extrapolam um tratamento voltado para a eliminação ou minimização dos
sintomas de um transtorno mental ao incorporar uma visão de cura e ao propiciar o
florescimento do ser humano e uma postura responsável pelo próprio bem-estar,
como também, uma vida mais significativa. Além disso, se por um lado a Terapia
Focada nas Emoções apresenta um passo à frente em relação às pesquisas e
evidências do processo de mudança humana com a utilização da emoção, a
Psicologia Positiva, apresenta um passo à frente nos estudos e trabalhos com a
emoção voltados para uma atuação preventiva da Psicologia.
Palavras-chave: Emoção. Terapia Focada nas Emoções. Psicologia Positiva.
Psicoterapia Positiva.
ABSTRACT
The results of study and research related to emotional processes have been
gaining prominence in contemporary times, occupying an important position in the
theoretical bases and interventions of some postmodern psychotherapies. In this
context, Emotion-focused therapy and Positive Psychology have distinguished
themselves. The objectives of the present work are to introduce both of these
prominent approaches, to examine the role of emotions in their theoretical bases and
respective psychotherapeutic processes and to analyze them in relation to the
conceptualization of emotions and the work with emotions in their interventions.
Bibliographic research was the method selected for this purpose, which has shown
the lack of national articles and publications related to the psychotherapy approaches
in question, as far as the content needed for achieving the objectives of this work is
concerned. It has been verified that Emotion-focused therapy and Positive
Psychotherapy rely on similar theoretical grounds and on a range of research and
validation of their interventions through empirical demonstrations. Even though they
have distinct work processes, they extrapolate to a treatment aimed at the elimination
or minimization of mental disorders by incorporating a vision of cure, promoting
human flourishing and a responsible attitude towards one’s own well-being, as well
as a more meaningful life. Furthermore, if on the one hand Emotion-focused therapy
presents a further step in research and evidence related to human change by
working with emotions, Positive Psychology, on the other hand, offers a step ahead
in studies and practices with emotions focused on the preventive activities of
psychology.
Keywords: Emotion. Emotion-focused therapy. Positive Psychology. Positive
Psychotherapy.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Emoções humanas básicas ..................................................................... 16
Figura 2 – Visão da emoção pelas Terapias Construtivistas ..................................... 21
Figura 3 – Esquema emocional ................................................................................. 31
Figura 4 – Processo de geração da emoção ............................................................. 35
Figura 5 - Características essenciais e adicionais para o florescimento humano ..... 64
Figura 6 - Classificação Valores em Ação das Forças de caráter ............................. 67
Figura 7 - Visão geral do modelo da PPT com quatorze sessões ............................. 77
SUMÁRIO
1 Introdução................................................................................................... 10
2 Revisão bibliográfica .................................................................................. 13
2.1 Emoção ...................................................................................................... 13
2.1.1 Conceitos gerais ......................................................................................... 13
2.1.2 Emoções em psicoterapia ......................................................................... 19
2.2 Terapia Focada nas Emoções ................................................................... 23
2.2.1 Visão geral ................................................................................................. 23
2.2.2 Visão teórica .............................................................................................. 27
2.2.2.1 Teoria das emoções .................................................................................. 27
2.2.2.1.1 Tipos de emoção ........................................................................................ 29
2.2.2.1.2 Esquemas emocionais ............................................................................... 31
2.2.2.2 O modelo do construtivismo dialético de autofuncionamento: integração da
biologia e da cultura ................................................................................... 34
2.2.2.3 Regulação emocional ................................................................................ 37
2.2.2.4 Construção de narrativa e significado ........................................................ 38
2.2.2.5 Visão da disfunção ..................................................................................... 39
2.2.3 Intervenções e o processo de psicoterapia ................................................ 40
2.2.3.1 Princípios de tratamento ............................................................................. 41
2.2.3.1.1 Princípios de relacionamento ..................................................................... 41
2.2.3.1.2 Princípios de tarefas ................................................................................... 42
2.2.3.2 Habilidades do terapeuta ............................................................................ 42
2.2.3.2.1 Habilidades de percepção .......................................................................... 43
2.2.3.2.2 Habilidades de intervenção ........................................................................ 44
2.2.3.3 Formulação de caso ................................................................................... 54
2.2.4 Aplicabilidade e outras considerações ....................................................... 56
2.3 Psicologia Positiva ...................................................................................... 58
2.3.1 Visão geral .................................................................................................. 58
2.3.2 Visão teórica ............................................................................................... 60
2.3.2.1 A teoria do bem-estar ................................................................................. 61
2.3.2.2 Emoções positivas ...................................................................................... 64
2.3.2.3 Forças de caráter e virtudes ....................................................................... 66
2.3.3 Intervenções e o processo da psicoterapia ................................................ 69
2.3.3.1 A Psicoterapia Positiva ............................................................................... 71
2.3.3.1.1 Fundamentos teóricos da Psicoterapia Positiva ........................................ 73
2.3.3.1.2 O processo da Psicoterapia Positiva .......................................................... 76
2.3.3.2 Mecanismos de mudança na Psicoterapia Positiva .................................... 81
2.3.3.1.4 Aplicabilidade e outras considerações ....................................................... 82
3 Discussão .................................................................................................. 84
4 Considerações finais ................................................................................. 88
Referências ................................................................................................ 89
Anexo 1 - Condições necessárias de Carl Rogers ..................................... 92
10
1 Introdução
“Alguns dos mais excitantes progressos em nossa compreensão da
experiência humana têm ocorrido na área das emoções, da identidade e nas
complexidades do desenvolvimento humano.” (MAHONEY, 1998, p. 172).
Tal fala de Mahoney é altamente propícia no contexto atual em que a
emoção ou os processos emocionais (emoção, afeto e sentimentos) passam a ter
um destaque nos processos humanos de mudança, sendo suportada por pesquisas
em diferentes áreas de conhecimento, como: as Neurociências, a Biologia e a
Psicologia. O que representa uma evolução e mudança de paradigma, conforme a
pontuação de Mahoney (1991), que relembra que historicamente os processos
emocionais estavam associados com os mais básicos e primitivos aspectos animais
da natureza humana, além de serem vistos como um dos principais impedimentos
para a racionalidade e para a busca da verdade.
Na visão contemporânea, as emoções mostram o que é importante nas
diversas situações da vida, tendo um papel de guia orientador para as necessidades
ou desejos, como também, para o conhecimento de quais ações são mais
apropriadas nas diferentes situações da vida de uma pessoa. Em complemento, a
emoção identifica o que é significativo para o bem-estar e prepara a pessoa para
tomar uma ação adaptativa e provê um senso de plenitude unificadora, dessa
maneira, a emoção diz o que é importante para as pessoas. (ELLIOT et al., 2004).
Além disso, de acordo com Mahoney (1998, p. 174), “Os significados pessoais
raramente mudam sem o envolvimento emocional”, sendo assim, se reforça a
importância do trabalho com as emoções no processo de psicoterapia.
Dessa maneira, pode-se destacar a Terapia Focada nas Emoções e a
Psicologia Positiva, em que a emoção é um importante referencial em suas bases
teóricas e nas respectivas intervenções. A Terapia Focada nas Emoções é pouco
conhecida no Brasil, porém, em outros países, como Estados Unidos, Canadá,
Portugal, Itália e outros países europeus, é bem conhecida e conta com um vasto
conteúdo publicado, resultado das diferentes pesquisas realizadas, além de
validações por meio de demonstrações empíricas das suas intervenções/
tratamento. Já a Psicologia Positiva, apesar de ser uma abordagem lançada no final
11
da década de 1990, é mais conhecida no Brasil e conta com associações1,
publicações nacionais: artigos, teses de mestrado e doutorado, como também,
cursos de extensão e de formação, tal como em outros países da América Latina,
América do Norte, Europa, Austrália e Nova Zelândia. Assim, essas são as
abordagens que fazem parte do escopo desse trabalho.
Além do destaque para o estudo das emoções nos processos de mudança
humana no cenário atual, o meu interesse pelo trabalho com as emoções, como
também, pelo desenvolvimento de pessoas com base em seus pontos fortes e nos
aspectos positivos do ser humano e em uma atuação preventiva da psicologia, são
os pontos que justificam a realização desse trabalho. Alinhado a isso, a ausência de
bibliografia em português sobre a Terapia Focada nas Emoções2, como também, a
inexistência, observada em minha pesquisa, de trabalhos comparativos entre a
Terapia Focada nas Emoções e a psicoterapia ou atuação clínica da Psicologia
Positiva reforçam a relevância de tal estudo.
Sendo assim, os objetivos desse trabalho são: 1) apresentar a Terapia
Focada nas Emoções e a Psicologia Positiva; 2) verificar o papel das emoções em
suas bases teóricas e nos respectivos processos de psicoterapia e intervenções; 3)
analisar as duas abordagens em relação à conceitualização das emoções e ao
trabalho com as emoções em suas intervenções/ processo de psicoterapia.
Para tanto, o método definido foi o estudo de revisão da narrativa com
amostra de conveniência de material bibliográfico nacional e internacional acerca de:
teoria das emoções, tendo como principal referência trabalhos de neurociência e em
relação às emoções em psicoterapia, a visão da Psicoterapia Construtivista; Terapia
Focada nas Emoções e Psicologia Positiva: objetivos, base teórica, conceito de
emoção, intervenções e processo da psicoterapia. As etapas do método de trabalho
consistiram em: pesquisa bibliográfica; análise dos materiais levantados;
desenvolvimento do trabalho; realização de reuniões com orientador e conclusão do
trabalho.
1 APPAL: Associação de Psicologia Positiva da América Latina e ABP+: Associação brasileira de
Psicologia Positiva. 2 No momento da finalização desse trabalho no final de setembro de 2014, um dos livros de Leslie
Greenberg, em inglês, referidos nesse trabalho, teve sua versão em português editada pela editora Coisas de Ler de Portugal em parceria com a Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Construtivista. GREENBERG, L. Terapia Focada nas Emoções. Portugal, 2014.
12
Assim, após essa breve introdução, o presente trabalho está estruturado da
seguinte forma:
Revisão bibliográfica dividida em três partes: 1) visão geral das emoções:
conceitos gerais e emoções em psicoterapia, uma pincelada introdutória, tendo
como bases teóricas: a Psicologia Construtivista de Michael Mahoney e os estudos
de neurociência de António Damásio; 2) Terapia Focada nas Emoções: visão geral,
base teórica, intervenções e processo da psicoterapia e aplicabilidade e outras
considerações; 3) Psicologia Positiva: visão geral, base teórica, intervenções e
processo da Psicoterapia Positiva e aplicabilidade e outras considerações;
Discussão: análise das duas abordagens em relação à conceitualização da
emoção e utilização das emoções no processo de psicoterapia;
Considerações finais do trabalho.
13
2 Revisão bibliográfica
2.1 Emoção
2.1.1 Conceitos gerais
Apesar do destaque para o estudo e para a importância das emoções nos
processos psicológicos acontecer no final do século XX, citando alguns nomes como
Leslie Greenberg, Jeremy Safran, Barbara Fredrickson, Diana Foscha, Robert Elliot
e Laura Rice, o estudo das emoções não é algo recente, conforme relembrou
Mahoney (1991, 1998) sobre a existência de uma extensa literatura a respeito das
emoções produzida em tempos passados, a qual William James, no século XIX, fez
uma detalhada revisão.
Mahoney (1991, 1998), elucida sobre a existência de diversas evidências
relacionadas com o papel dos processos emocionais em todas as atividades de um
indivíduo e relembra que a atividade emocional no aspecto biológico apareceu junto
ao surgimento dos primeiros mamíferos (há mais de cento e sessenta e cinco
milhões de anos), em que uma nova organização cerebral surgiu como uma
amplificação do antigo tronco cerebral vertebrado, formando o sistema límbico, a
parte subcortical do cérebro relacionada com os padrões de comportamento
emocional e de aproximação e evitação. O sistema límbico dos mamíferos além de
propiciar a plasticidade comportamental, introduziu novos aspectos para o
relacionamento mente-corpo e organismo-ambiente, como por exemplo:
- Capacidade de aprendizado e memória;
- Monitoramento simultâneo e ajustes dos domínios internos (corporais)
e externos (comportamentais) pelo sistema neurológico;
- Capacidade de relacionamento emocional e vinculação (expressa por
meio dos cuidados do mamífero com a respectiva prole).
Mais ou menos cento e quinze milhões de anos depois, mais uma evolução
cerebral ocorre com o surgimento do neocórtex nos primatas. Apesar do neocórtex
funcionar de maneira parcialmente independente do sistema límbico, quando se fala
de emoção tal separação é enganosa, já que o processo de sentir não é uma
14
exclusividade do sistema límbico e o processo de conhecer não é exclusivamente do
neocórtex. (Mahoney, 1991, 1998).
Essa brevíssima explanação remete a importância do conhecimento de
aspectos cerebrais envolvidos nos processos emocionais para o trabalho com as
emoções em psicoterapia. De acordo com Mahoney (2006), um dos principais fatos
relacionados à mudança humana é que tal mudança é emocional e os sentimentos
não são apenas vestígios do legado animal. Emoções e sentimentos representam as
fundações e os filtros para grande parte da consciência humana e a corporificação e
a emotividade são os caminhos para o processamento mental "superior". E assim, o
mesmo autor, complementa afirmando que o pensamento, a atenção e as atividades
humanas estão incorporados em mares de emoções e a emotividade é uma
expressão essencial para a auto-organização e para o autofuncionamento.
Para Damásio (2004), a compreensão da biologia das emoções, além de
que o valor das diferentes emoções depende das circunstâncias atuais, oferece
novas oportunidades para a compreensão do comportamento humano e, também,
que os cérebros humanos continuam munidos com a estrutura biológica que leva os
indivíduos a reagir de maneira ancestral, ineficaz e inaceitável em certas
circunstâncias, por exemplo, quando se percebe em uma situação de perigo.
Em adição, o mesmo autor em 2011 destaca que o estudo da emoção
direciona para a questão da vida e valor, ou seja, requer menção a recompensa e a
punição, aos impulsos e a motivação e, necessariamente, aos sentimentos.
Mahoney (1991, 1998), também destaca a relação entre motivação e
emocionalidade que é levada em conta na abordagem construtivista em
contrapartida com as teorias sobre motivação que raramente elucidam sobre a
interdependência com o estudo das emoções.
Os programas de emoção incorporam todos os componentes do maquinário
da regulação da vida que foram surgindo na história da evolução, como a
percepção e a detecção de condições, a mensuração dos graus de
necessidade interna, o processo de incentivo com seus aspectos de
punição e recompensa, os mecanismos de predição. Os impulsos e as
motivações são constituintes mais simples da emoção. (DAMÁSIO, 2011, p.
144).
Dessa maneira, para Mahoney (1991, 1998), o crescente consenso em
relação à importância dos processos emocionais na experiência humana e no
desenvolvimento psicológico direciona para algumas questões básicas como: o que
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são as emoções, qual a funcionalidade e como elas interagem com outros
fenômenos.
Em relação às emoções, Damásio (2011) conceitua que são programas de
ações complexos e em grande medida automatizados e engendrados pela evolução.
Tais ações são complementadas por um programa cognitivo que inclui ideias e
modos de pensar, mas o mundo das emoções é, sobretudo, feito de ações
executadas no corpo, desde expressões faciais e posturas, até mudanças nas
vísceras e no meio interno. Quando se fala em emoção é inevitável se remeter a
sentimentos, o que às vezes causa uma confusão, pois se pode encontrar na
literatura autores que não fazem distinção para ambos os fenômenos e aqueles que
os diferenciam, no entanto, consideram que são fenômenos altamente relacionados.
Damásio (2004, 2011) enfatiza a diferença entre tais fenômenos e descreve os
sentimentos emocionais como percepções compostas do que ocorre no corpo e na
mente quando uma emoção está em curso, ou seja, os sentimentos são compostos
por imagens de ações e não pelas ações em si. Assim, as emoções constituem
ações acompanhadas de ideias e determinados modos de pensar e os sentimentos
emocionais são as percepções da expressão do corpo durante o surgimento de uma
emoção. E, adiciona que esses sentimentos funcionam como marcadores
somáticos, isto é, quando conteúdos do self emergem no fluxo da mente de um
indivíduo, estimula o surgimento de um marcador que está relacionado com a
imagem mental que desencadeou esse respectivo marcador. “A emoção e as várias
reações com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto os
sentimentos estão alinhados com a mente.” (DAMÁSIO, 2004, p. 15).
Similarmente, para Bowlby (2002), os afetos, os sentimentos e as emoções
são etapas de avaliações intuitivas de um indivíduo sobre seus próprios estados e
desejos orgânicos para agir ou sobre a sucessão de condições ambientais em que
ele se encontra. Essas avaliações geralmente são vivenciadas como sentimentos,
ou seja, o processo de sentir de uma pessoa, que fornece um serviço de monitoria
que permite avaliar o desenvolvimento de seus próprios estados, desejos e
condições. Tais processos são frequentemente acompanhados de expressões
faciais distintas, posturas corporais e movimentos incipientes, que costumam
fornecer valiosas informações.
16
Complementando a conceitualização da natureza da emocionalidade
humana, Mahoney (1991, 1998 p. 179) selecionou, de diversas teorias da emoção,
os componentes fundamentais da emocionalidade que são comuns em cada uma
dessas teorias:
- Os processos biológicos, especialmente aqueles relacionados às funções
neuroquímicas e endócrinas;
- A expressão comunicativa, com ênfase no comportamento emocional;
- Os processos cognitivos, incluindo as operações básicas da atenção, da
percepção e da avaliação;
- A experiência subjetiva, enfatizando a fenomenologia dos sentimentos;
- Os componentes motivacionais que incluem a intenção, a direção e a
prontidão diferencial para as várias classes de atividade.
Em relação à classificação de emoções, Mahoney (1991,1998) discorreu
sobre o consenso das emoções humanas mais básicas com base no trabalho de
diferentes teóricos, porém, tal consenso não pode ser considerado como universal,
uma vez que as idiossincrasias das experiências emocionais são influenciadas
culturalmente e expressas de maneira individual. De seu levantamento, destacou a
relação de três teóricos para ilustrar as emoções humanas básicas:
FIGURA 1 – Emoções humanas básicas
Teoria psicoevolutiva (Plutchik)
Teoria da expansão (Tomkins)
Teoria diferencial das emoções (Izard)
Medo Raiva Prazer Tristeza Aceitação Desgosto Antecipação Surpresa
Medo Raiva Prazer Angústia - Desgosto Interesse Surpresa Desprezo Vergonha
Medo Raiva Prazer Tristeza - Desgosto Interesse Surpresa Desprezo Vergonha /Timidez
Fonte: MAHONEY (1998, p. 180)
Para Damásio (2011), não é interessante o estabelecimento de um conjunto
completo de classificação das emoções humanas em função dos critérios para as
classificações tradicionais serem falhos e, assim, qualquer lista de emoções pode
ser criticada por não estar completa ou contar com emoções em excesso. Dessa
maneira, alinhado com a conceitualização da emoção como um programa de ações
complexo que pode incluir uma ou mais respostas reflexas que foi/ foram
17
desencadeada/ as por um objeto ou fenômeno identificável, isto é, um estímulo
emocionalmente competente, simplifica e denomina como emoções universais:
medo, raiva, tristeza, alegria, nojo e surpresa. Tal autor justifica que essas emoções
atendem aos critérios de programa de ações complexos e que são produzidas em
todas as culturas e fáceis de reconhecer, por exemplo, por meio das expressões
faciais do ser vivo. As emoções universais, também, foram classificadas por
Damásio (2004) como emoções primárias ou básicas e essas emoções estão
presentes inclusive em culturas que não possuem designação para elas e cita
Charles Darwin como o responsável pelo reconhecimento pioneiro da universalidade
das emoções em humanos e em animais.
Esse mesmo autor esclarece que a universalidade das expressões
emocionais revela o grau em que o programa de ação é automatizado e não
aprendido, bem como, que a emoção pode ser modulada em relação à intensidade
ou duração dos movimentos componentes: movimentos externos, mudanças
viscerais no coração, pulmões, intestino, pele e mudanças endócrinas. E,
complementa que a execução de uma mesma emoção pode variar nas diferentes
ocasiões da vida de uma pessoa, mas não o suficiente para torná-la irreconhecível
para si próprio ou para os outros.
Além das emoções universais, Damásio (2011, 2004) propõe mais dois
grupos de classificação, as emoções de fundo, tal como, o entusiasmo e o desânimo
e as emoções sociais: compaixão, embaraço, vergonha, culpa, desprezo, ciúme,
inveja, orgulho e admiração. Algumas das emoções constantes nesses grupos estão
representadas como emoções básicas nas três teorias da emoção listadas na
FIGURA 1 desse trabalho.
Em relação aos fatores desencadeantes das emoções, Damásio (2011)
pontua que as emoções ocorrem por imagens de objetos ou fenômenos que estão
acontecendo no momento ou por meio da recordação de eventos ocorridos no
passado. Assim, os sinais das imagens processadas tornam-se disponíveis a várias
regiões do cérebro, como: as relacionadas à linguagem, ao movimento e/ ou a áreas
que constituem o raciocínio e direcionam para uma série de respostas: palavras para
nomear um objeto, evocações de outras imagens que propiciam a relação ou a
conclusão de algo acerca de um objeto, entre outras respostas. Tais sinais de
imagens relacionadas com um determinado objeto também atingem regiões capazes
18
de provocar alguma reação emocional, como por exemplo, a amígdala ser
estimulada em situações de medo ou uma situação que causa compaixão atingir o
córtex pré-frontal. Em adição, as emoções de fundo podem ocorrer em função de
diferentes circunstâncias da vida, além de, em razão de estados internos como
doença ou cansaço. Essas emoções podem surgir por meio da reflexão de uma
situação passada ou situação que possa ocorrer. E, as emoções sociais são
geradas em situações sociais representando um papel importante no funcionamento
dos grupos sociais, são emoções mais recentes na trajetória da evolução humana
que podem ser aprendidas e reforçadas no decorrer do desenvolvimento de uma
pessoa.
As emoções e seus fenômenos subjacentes são tão essenciais para a manutenção da vida e para a subsequente maturação do indivíduo que se encontram confiavelmente prontas para uso já em fase inicial do desenvolvimento. (DAMÁSIO, 2011, p. 159).
Pode se entender da frase de Damásio que “manutenção da vida e
maturação do indivíduo” fazem parte da funcionalidade das emoções, em adição,
Mahoney (1991, 1998) mostra uma evolução na visão da funcionalidade das
emoções com base em estudos contemporâneos que ‘quebram’ estereótipos nem
tão antigos acerca das emoções: “Até recentemente, o estudo e a compreensão da
emocionalidade eram prejudicados por velhos estereótipos que consideravam o
afeto negativo – como um obstáculo e um perigo em termos de desenvolvimento
humano.” (MAHONEY, 1998, p. 182).
Alguns dos estereótipos em relação às emoções resumidos por Mahoney
(1991,1998) são:
a) As emoções fazem parte de domínios de funcionamento “inferiores” ou
“animalescos”, ou seja, não fazem parte das funções mentais
“superiores”;
b) As emoções motivam ou podem direcionar o indivíduo para agir
irracionalmente e de maneira potencialmente destrutiva;
c) As emoções “negativas” como a raiva, a ansiedade e a tristeza são
indesejáveis ou intoleráveis em função de serem perigosas;
d) Os padrões crônicos e agudos da emocionalidade intensa devem ser
eliminados, regulados ou controlados, mas também, em algumas
situações, compreendidos para se transcender tais padrões.
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E, a visão contemporânea, conforme o compilado de Mahoney (1991,1998)
baseado no trabalho de diferentes teóricos da emoção, é representada por alguns
dos seguintes pontos:
a) Os processos emocionais estão envolvidos no processo de atenção e as
emoções “negativas” podem ter um papel poderoso no direcionamento
da atenção;
b) As emoções estão completamente envolvidas na percepção dos
indivíduos, como também, no aprendizado e na memória;
c) O desenvolvimento emocional e o desenvolvimento cognitivo estão
totalmente relacionados da infância até a morte de um indivíduo;
d) As emoções negativas podem sugerir um prejuízo no desempenho de
uma pessoa por estarem relacionadas com uma diminuição da
curiosidade;
e) Os processos emocionais, em razão dos seus fundamentos
neurofisiológicos e bioquímicos, estão relacionados aos fenômenos
psicológicos relevantes para a saúde e para o bem-estar do indivíduo
(padrões de estresse, atividade hormonal e sistema imunológico);
f) A expressão das emoções interfere nos relacionamentos interpessoais,
na vinculação e na comunicação.
2.1.2 Emoções em psicoterapia
Os processos emocionais como material de trabalho para a psicoterapia não
é algo recente, a grande questão está relacionada com a visão da emoção e como
ela é manejada nas diferentes abordagens. De acordo com Mahoney (1991, 1998), a
relevância da afetividade pode ser observada em diferentes contextos, desde a
questão da dor da angústia emocional e, consequentemente, a desorganização no
funcionamento do indivíduo, que representam umas das razões mais comuns para a
procura da psicoterapia, como também, nos processos humanos de mudança, por
meio de psicoterapia ou não, que tendem a ser estressantes e amplamente
emocionais.
20
Mahoney (1991, 1998) apresentou de maneira organizada como a
emocionalidade é trabalhada em psicoterapia em três diferentes métodos:
descarga, insight e controle, conforme explanação a seguir:
a) Terapias pela descarga ou catarse: o método da descarga ou catarse é
baseado no encorajamento do indivíduo para experienciar a emoção de
maneira intensa com o objetivo de dissipá-la. A catarse é utilizada nas
seguintes abordagens: Psicanálise, Reichiana, algumas Existencialistas,
Humanistas e Gestalt. A efetividade das técnicas de descarga tem sido
questionada por pesquisas sobre os processos de mudança em
psicoterapia, incluindo estudos relacionados à emoção;
b) Terapias de insight: o insight é outra maneira bastante utilizada para se
trabalhar às emoções intensas ou dolorosas. Geralmente, o insight está
associado com alguma forma de compreensão racional dos padrões
afetivos em questão. O insight foi combinado aos métodos ad-reativos e
catárticos por Freud e seus seguidores e é utilizado pelas abordagens:
Psicodinâmicas, Cognitivas, algumas terapias Comportamentais,
Existencialistas e Humanistas;
c) Terapias de controle e eliminação: o trabalho com as emoções nesse
método é baseado no controle absoluto. O objetivo geral é regular o
afeto indesejável em direção à restauração do equilíbrio e da
conveniência social. Os métodos de controle e eliminação são utilizados
por tratamentos médicos, psicocirurgia, biofeedback e algumas terapias
Comportamentais.
Não cabe nesse trabalho discutir sobre a eficácia desses três métodos,
como também, compará-los, mas sim, apresentar uma visão geral e diversa das
diferentes maneiras que a emoção é trabalhada em psicoterapia. Em relação às
abordagens construtivistas, Mahoney (1991, 1998) apresentou que as emoções são
consideradas processos poderosos e de conhecimento primitivo que integram a
organização do indivíduo ao longo de toda a sua vida. Ou seja, tais processos
emocionais podem estar relacionados com processos de desconforto e
desorganização, mas são entendidos como expressões naturais das realidades
atuais do indivíduo e elementos necessários e, frequentemente, facilitadores da
reorganização das suposições tácitas do indivíduo sobre ele mesmo e acerca do
21
mundo. Por meio de uma relação segura no contexto da terapia, o indivíduo é
encorajado a examinar a sua própria consciência e as suas reações aos seus
sentimentos, como também, ponderar os episódios de angústia, como elementos
necessários para o desabrochar do seu desenvolvimento individual.
O quadro abaixo resume a visão das Terapias Construtivistas em relação à
emoção, disfunção e ao plano de tratamento com a utilização das emoções.
FIGURA 2 – Visão da emoção pelas Terapias Construtivistas
Visão da emoção Disfunção Plano de tratamento
As emoções são processos primitivos e poderosos de conhecimento que refletem os padrões da organização e desorganização da experiência individual.
Os padrões disfuncionais ou dolorosos da experiência emocional refletem tentativas individuais imperfeitas para se adaptar e se desenvolver. A desorganização emocional reflete os estágios da reorganização sistêmica geral.
A ênfase está na experiência e na apropriada expressão das emoções, tal como na exploração do seu desenvolvimento, das funções (do passado e do presente) e possíveis papéis em desenvolvimento. De acordo com os limites e flexibilidade de cada indivíduo, os períodos de desorganização emocional podem gerar ou refletir oportunidades de mudança.
Fonte: MAHONEY (1991, p. 207, tradução nossa)
A Terapia Construtivista é alinhada com uma teoria voltada para a
funcionalidade, a organização e a evolução das emoções, ou seja, as emoções têm
um papel essencialmente positivo e precioso na vida das pessoas, em contrapartida
com abordagens que se baseiam em teorias voltadas para a disfuncionalidade,
desorganização e patologia, em que a expressão das emoções não é vista como um
processo adaptativo, mas muitas vezes disfuncional. Sendo assim, o alinhamento
teórico da psicoterapia (foco na funcionalidade ou disfuncionalidade), interfere
diretamente na conceitualização e no tratamento dos padrões da experiência
emocional. (MAHONEY, 1991, 1998).
Complementando, para o Construtivismo, as emoções têm papéis críticos na
direção da atenção, nas percepções, na organização da memória e motivam o
engajamento com o aprendizado que a vida exige dos indivíduos. Assim, as
emoções são entendidas como algo central na experiência humana. Sentir não é
ruim, perigoso ou não saudável, mas sim, não sentir ou brigar contra o que se sente
é extremamente ameaçador para a saúde e para o bem-estar. Dessa maneira, o
22
relacionamento dos indivíduos com os seus sentimentos é, geralmente, tão
importante quanto os sentimentos em si. (BUGENTAL apud MAHONEY, 2006).
23
2.2 Terapia Focada nas Emoções
2.2.1 Visão geral
A Terapia Focada nas Emoções - TFE (Emotion-focused therapy - EFT) é
uma abordagem de psicoterapia que foi desenvolvida por Leslie Greenberg
(psicólogo e pesquisador na York University em Toronto no Canadá) e seus colegas
na década de 1980 com base em estudos empíricos sobre o processo de mudança.
(GREENBERG, 2010). É uma abordagem de tratamento suportada empiricamente,
integrativa e vivencial, que pode ser definida como uma prática de terapia guiada
pelo conhecimento do papel da emoção na mudança humana. (GREENBERG,
2011). É um enfoque que, por meio de suas estratégias, propicia ao terapeuta e ao
cliente o conhecimento, a aceitação, o entendimento, a expressão, a utilização, a
regulação e a transformação da emoção, como também, uma correção da
experiência emocional. Os objetivos de tal abordagem são: o fortalecimento do self,
a regulação do afeto e a criação de um novo significado, o que inclui ajudar os
clientes a desenvolver a sua inteligência emocional (entende-se aqui por inteligência
emocional, a habilidade em identificar, acessar e usar as emoções), a fim de poder
lidar melhor com os seus problemas e viver em harmonia consigo e com os outros.
(ELLIOT et al., 2004).
A TFE é uma abordagem neohumanista em que os princípios humanistas
foram reformulados e renovados com base na teoria contemporânea da emoção, na
teoria da vinculação (ELLIOT, 2010), no construtivismo dialético, assim como, em
mais de vinte e cinco anos de pesquisa em psicoterapia (ELLIOT et al., 2004). É
salutar também falar das influências das teorias humanistas e fenomenológicas
(Terapia Centrada no Cliente, Gestalt Terapia e Logoterapia), das teorias cognitivas,
da neurociência afetiva, da psicodinâmica e da sistêmica familiar. (GREENBERG e
GOLDMAN, 2007). É uma terapia centrada no cliente, mas com uma postura
relacional orientada para o processo, com um terapeuta com um estilo exploratório
de respostas e guiado por uma estratégia de marcadores e tarefas, ou seja, é uma
psicoterapia processual vivencial que provê uma distinta perspectiva da emoção
como uma fonte de sentido, direção e crescimento. (ELLIOT et al., 2004).
“Consideramos a emoção como ponto crucial do processo de mudança dos clientes
e também como núcleo do que significa ser-se humano.“ (ELLIOT, 2010, p.1).
24
A TFE tem como premissa principal que as emoções são fundamentais para
a construção do self e são determinantes para a auto-organização dos indivíduos
(GREENBERG, 2004). No nível mais básico de funcionamento, as emoções
apresentam uma forma adaptativa para o processamento de informações e
direcionamento para ações, orientando as pessoas a respeito do ambiente em que
estão inseridas, além de serem atuantes na promoção do bem-estar da pessoa.
(GREENBERG, 2010). Sendo assim, o potencial adaptativo inato das emoções,
quando ativado, pode ajudar as pessoas a mudar os estados emocionais
problemáticos e as suas interações (GREENBERG, 2011), ademais, mostrar ao
indivíduo o que é importante em diversas situações da vida. Isto é, o potencial
adaptativo das emoções serve como um respeitável guia para as necessidades ou
desejos individuais e para orientar o conhecimento de quais ações são mais
apropriadas nas diferentes situações e interações da vida.
A visão de que os indivíduos têm uma natureza basicamente afetiva e as
emoções definem um modo básico de processamento (GREENBERG, 2011, 2002)
está alinhada com a teoria das emoções que baseia a TFE. Por exemplo, o medo
estimula um mecanismo de processamento que procura por perigo, a tristeza
informa sobre perdas ou sobre a raiva por ter sido violentado. Além disso, as
emoções fazem parte do primeiro sistema de comunicação das pessoas que
rapidamente sinaliza as intenções e os afetos nas relações interpessoais. Ao invés
de ‘Eu penso, então existo’, para a TFE faz mais sentido dizer ‘Eu sinto, por isso eu
sou’, pois primeiramente, o indivíduo sente antes do ato de pensar. (GREENBERG,
2011).
A TFE enxerga que as psicoterapias tradicionais deram excessiva ênfase na
compreensão da consciência e na mudança da cognição e do comportamento e,
com isso, negligenciaram o papel central e fundamental da mudança emocional no
processo de mudança humana. Porém, a TFE não nega a importância da criação de
significados e a mudança comportamental, mas enfatiza a importância do trabalho
com as emoções, ou seja, promover uma experiência visceral com a emoção no
processo terapêutico a fim de gerar uma mudança emocional, que por sua vez
favorecerá uma mudança humana. (GREENBERG, 2011). Complementando, Jon
Carlson e Matt Englar-Carlson pontuaram de forma interessante o processo de
mudança emocional na visão da TFE:
25
A TFE advoga que a mudança emocional é necessária para uma mudança
permanente e para o desenvolvimento dos clientes tal como para o bem-
estar. A TFE baseia-se no conhecimento em relação ao efeito da expressão
emocional e identifica o potencial adaptativo das emoções como cruciais
para criar uma mudança psicológica significativa. (CARLSON e ENGLAR-
CARLSON apud GREENBERG, 2011, p. 157, tradução nossa).
Mudar as emoções é um ponto central para o tratamento dos problemas
humanos, sendo assim, o trabalho com as emoções é um caminho crucial para a
mudança, contudo, isso não quer dizer que a TFE trabalha somente com o foco nas
emoções. A abordagem tem uma visão integrativa do ser humano e considera
questões motivacionais, cognição, comportamento e interações, uma vez que muitos
dos problemas humanos podem estar relacionados com questões biológicas,
emocionais, cognitivas, motivacionais, comportamentais, fisiológicas, sociais e
culturais, o que quer dizer que tais questões necessitam de atenção e não são
deixadas de lado na TFE. (GREENBERG, 2011).
Essa abordagem foi inovadora ao integrar perspectivas humanistas da
natureza humana, disfunção e desenvolvimento humano com a teoria
contemporânea da emoção e com uma posição filosófica que se refere ao
construtivismo dialético. (ELLIOT et al., 2004). Assim, a base teórica da TFE conta
com uma visão humanista e holística do ser humano e uma visão integrativa da
motivação e as diversas forças que guiam as experiências e os comportamentos.
Um importante aspecto da motivação é a regulação do afeto, uma vez que as
pessoas estão frequentemente buscando sentido para as suas emoções. Segundo
Greenberg (2011), a principal motivação para se viver é a busca por um sentido na
vida, e um sentido para a vida não é dado ao indivíduo, mas sim alcançado. Em
complemento, a teoria das emoções contempla os seguintes elementos: os
esquemas emocionais, os tipos de emoção ou respostas emocionais, a visão do
construtivismo dialético que inclui a integração da biologia e da cultura
(completamente alinhada com a visão integrativa da motivação descrita acima com a
busca por sentido), regulação emocional e a construção de narrativas e significado.
(GREENBERG, 2004, 2010, 2011; ELLIOT et al., 2004).
Outro ponto de destaque na TFE é a ênfase na importância da relação
terapêutica para o processo da psicoterapia. Em poucas palavras, é uma relação
empática, centrada no cliente, respeitosa, que flui de maneira sinérgica por meio de
uma postura de seguir e liderar o cliente. Nessa relação, o cliente é visto como o
26
‘expert’ em sua própria experiência e o responsável por construir os significados das
situações e questões da própria vida. E nesse cenário, o terapeuta também é um
líder ativo do processo da psicoterapia, o que não significa uma postura professoral,
conselheira, de controle ou de manipulação, tampouco, busca corrigir os problemas
do cliente ou fornecer conhecimento ou explicação a respeito de algum assunto ou
situação, mas sim, trabalha ativamente com e para o cliente para ajudá-lo a resolver
as questões levadas para a terapia. Essa relação é baseada na colaboração ativa
entre o cliente e o terapeuta. (ELLIOT et al., 2004). Tais premissas propiciam um
processo de tratamento em que a divisão das questões a serem trabalhadas, tal
como a formulação de caso, são realizadas em conjunto com o cliente, o que
promove uma responsabilização do cliente com o seu tratamento.
Para Greenberg (2011), o terapeuta TFE ajuda seus clientes a compreender
as complexidades dos seus relacionamentos de longo prazo, as suas origens
psicogênicas, a gerenciar os seus pensamentos, comportamentos e as suas
interações de uma maneira saudável. Os seguintes elementos são pontuados por
Greenberg (2011) como chave para o trabalho psicoterápico em TFE:
a) Relação empática;
b) Exploração diferenciada da experiência emocional do cliente e as origens e
dinâmicas dessas emoções;
c) Encorajamento do cliente para permitir e aceitar as informações que as
emoções fornecem ao invés de se utilizar de uma repetição catártica da
expressão emocional para se livrar da emoção;
d) Foco em processos interruptivos que interferem nos esforços do cliente para
acessar a emoção;
e) Acesso a novas emoções com o intuito de modificar emoções antigas;
f) Simbolização e reflexão a respeito da emoção a fim de criar uma nova
narrativa.
Assim, é fundamental para um terapeuta TFE ter conhecimento a respeito
das emoções, das dinâmicas da emoção e de como trabalhá-las (GREENBERG,
2011) e também do seu próprio esquema emocional (ELLIOT et al., 2004). Essas e
as demais habilidades do terapeuta TFE estão descritas mais adiante nesse
trabalho.
27
A TFE é aplicável na psicoterapia individual, de casal ou familiar e o trabalho
com as emoções tem sido integrado a abordagens psicodinâmicas e cognitivas.
Inicialmente, a abordagem para a terapia individual era chamada de Process
Experimental Psychotherapy (PE) e para casais de Emotionally Focused Therapy3.
O termo Emotion-focused therapy (EFT) foi proposto por Leslie Greenberg por volta
de 2002 como um termo integrativo e mais abrangente a fim de englobar as
diferentes aplicações da psicoterapia (individual, casal e família) em que o foco
principal das suas intervenções esteja baseado no trabalho com as emoções.
(GREENBERG, 2011).
2.2.2 Visão teórica
2.2.2.1 Teoria das emoções
Para a TFE, a emoção é fundamentalmente adaptativa e provedora do modo
básico de processamento dos indivíduos, pois, automaticamente e rapidamente,
consegue avaliar as situações de acordo com a sua relevância para o bem-estar da
pessoa e, assim, produzir ações a fim de atender as suas necessidades.
(GREENBERG, 2011, 2002; ELLIOT et al., 2004). Dessa forma, as emoções servem
de guia para os diferentes aspectos da vida das pessoas e sinalizam os eventos que
afetam os mais importantes relacionamentos, as questões pessoais, além de ajudar
as pessoas a se conectarem, se sentirem energizadas, amadas e interessadas,
como também, frequentemente, propiciar o encontro dos indivíduos com as suas
respectivas essências. (GREENBERG, 2011).
Da mesma maneira que as emoções são adaptativas e servem como um
guia orientador para a ação, as emoções podem tornar-se problemáticas em função
de traumas do passado ou, simplesmente, porque as pessoas foram ensinadas a
ignorá-las ou desprezá-las. (ELLIOT et al., 2004). Algumas vezes, as emoções
podem levar a ações incompreensíveis e ao arrependimento, além de poderem ser
vagas ou nebulosas somente se tornando claras quando simbolizadas e
expressadas para outras pessoas. (GREENBERG, 2011).
3 Termo ainda adotado por Sue Johnson que é uma das fundadoras do Centro internacional de
excelência em Emotionally focused therapy http://www.iceeft.com/
28
O desconhecimento, a negação ou, até mesmo, a complexidade do sistema
emocional humano podem ocasionar em erros e disfunções. A falta de habilidade
para acessar as próprias emoções ou os aspectos da experiência emocional é uma
dificuldade comum e priva a pessoa de uma valiosa e adaptativa informação. Outra
dificuldade comum, é que uma resposta emocional desadaptativa pode estar
escondendo outras respostas emocionais, como por exemplo, a raiva esconder o
medo. Assim, pessoas que tem problemas com regulação da emoção podem ser
acometidas por fortes ou dolorosas emoções ou, até mesmo, não perceber ou
apresentar certo distanciamento das suas emoções. (ELLIOT et al., 2004).
A emoção é um fenômeno cerebral que é muito diferente do pensamento e
tem sua própria base neuroquímica e fisiológica. (GREENBERG, 2011). Segundo Le
Doux (1998), há dois diferentes caminhos para produzir emoção: via amígdala
cerebral 4, que é o caminho mais curto e rápido, que envia um sinal automático de
emergência ao cérebro e ao corpo e produz respostas instintivas ou intuitivas ou via
neocórtex cerebral, que é um caminho mais longo e vagaroso, por meio da produção
de emoções mediadas por pensamentos. Em algumas situações, tal como de perigo,
é primordial e adequado responder rapidamente, porém, há situações na vida de
uma pessoa que demandam uma reflexão acerca da emoção antes de se reagir, ou
seja, uma ação que foi resultante da integração entre a reação emocional e a
cognição. Para isso, o neocórtex é fundamental, pois é a parte do cérebro
responsável por propiciar ao indivíduo novas respostas emocionais, isto é, com
emoções aprendidas de acordo com a experiência de vida de cada indivíduo e que
faz parte das respectivas memórias emocionais em adição às respostas emocionais
herdadas, tal como, o medo do escuro. (GREENBERG, 2011, 2010).
As emoções dos clientes servem como um tipo de bússola na TFE, guiando
o cliente e o terapeuta ao que é mais importante para o cliente, sobre quais as
necessidades estão sendo atendidas e quais necessidades não são ou não foram
atendidas na vida do indivíduo. Um princípio chave da TFE é que as emoções
fornecem acesso às necessidades, desejos ou objetivos e às tendências de ações
respectivamente associadas. Assim, cada sentimento tem uma necessidade e cada
ativação de um esquema emocional provê um direcionamento para ação que deve
propiciar a satisfação da necessidade. Por exemplo, quando um cliente se percebe
4 A amígdala faz parte do sistema límbico que é uma parte do cérebro de todos os mamíferos.
29
triste, tal estado de sentimento leva a um tácito processamento que avaliou que algo
importante foi perdido e direciona para uma necessidade de conforto.
(GREENBERG, 2011). Dessa maneira, a emoção como foco da terapia propicia o
entendimento de como o indivíduo organiza as suas experiências por meio de
esquemas emocionais e como é o funcionamento do seu processo emocional.
(ELLIOT et al., 2004).
2.2.2.1.1 Tipos de emoção
Nem todas as emoções têm a mesma função e, na TFE, é fundamental que
o terapeuta saiba distinguir entre os quatro diferentes tipos de resposta emocional,
pois o conhecimento dos diferentes tipos de emoção propicia clareza das formas
adaptativas e não adaptativas da emoção e ajuda a orientar as intervenções no
processo da psicoterapia. (GREENBERG, 2011; ELLIOT et al., 2004).
Os quatro tipos de emoção, apresentados por Greenberg (2011), são: a)
primária adaptativa, b) primária desadaptativa, c) secundária desadaptativa e d)
instrumental. O funcionamento normal de uma emoção consiste num processamento
rápido das informações acerca das situações com o intuito de preparar a pessoa
para uma ação efetiva. Dessa maneira, a emoção primária adaptativa acaba sendo o
único tipo de emoção totalmente funcional e os outros três tipos são geralmente
disfuncionais.
a) Emoções primárias adaptativas: a resposta emocional é consistente com a
situação e ajuda a pessoa a tomar a ação mais apropriada. Como por
exemplo, a raiva frente a alguma possibilidade de violação com a própria
pessoa ou alguém de seu cuidado ou relacionamento íntimo (filhos, pais,
irmãos ou amigos), a atitude será voltada para que não ocorra ou que se
interrompa a possibilidade de violação ou a violação em si; o medo em
face de alguma situação de perigo e/ ou ameaça que prepara o indivíduo
para uma ação a fim de evitar ou reduzir o perigo; a vergonha que sinaliza
que a pessoa possa ter sido exposta ou ter agido de maneira não
apropriada e corre o risco de ser julgada ou rejeitada pelos outros,
motivando a pessoa a se corrigir.
30
b) Emoções primárias desadaptativas: também são reações diretas às
situações, porém, são respostas que não ajudam a pessoa e enfrentar
construtivamente a situação. Essas respostas emocionais estão
relacionadas com experiências anteriores ou histórias de aprendizado, que
na maioria das vezes foram experiências traumáticas. Por exemplo, uma
pessoa que aprendeu desde pequena que a proximidade com outra
pessoa era geralmente seguida de abuso físico ou sexual acaba
respondendo com raiva e rejeição, pois enxerga uma possível violação por
aqueles que buscam uma proximidade com ela.
c) Emoções secundárias desadaptativas: a reação desse tipo de emoção,
que pode ser chamada de “reação da reação”, ofusca e/ ou transforma a
emoção primária em uma emoção secundária, que são consideradas
desadaptativas, pois direcionam para ações que não são pertinentes para
a situação em questão. Por exemplo, um homem que se deparou com
uma situação de rejeição poderia se sentir triste ou com medo, mas tornar-
se irritado com a rejeição e com raiva (foco externo) ou bravo consigo
próprio por ter sentido medo (foco interno). Muitas das emoções
secundárias obscurecem ou tentam se defender contra uma dolorosa
emoção primária ou são reações emocionais das emoções primárias. As
emoções secundárias também podem ser respostas de racionalizações ou
pensamentos, isto é, a pessoa sentir-se ansiosa em função de uma
expectativa de rejeição, e neste ponto Greenberg (2011, p. 842, tradução
nossa) destaca que: “embora um pensamento possa produzir uma
emoção, nem toda emoção é produzida pelo pensamento”.
d) Emoções instrumentais: são as emoções ‘fingidas’ pelas pessoas a fim de
influenciar, controlar ou conseguir algo dos outros, ou seja, são de
natureza mais interpessoal e que não refletem, necessariamente, as
emoções sentidas no momento ou com a situação. A expressão das
emoções instrumentais pode ocorrer de maneira consciente ou por hábito
da pessoa, como também, pode ocorrer automaticamente ou sem
consciência da pessoa. Em ambos os casos, a emoção demonstrada é
independente da resposta emocional que seria originada pela situação.
Embora o processo de atuação possa induzir a alguma forma de
31
experiência emocional interna, não será consistente com a situação atual
do indivíduo. Por exemplo, uma pessoa que se mostra triste para obter
atenção de alguém ou um indivíduo que se mostra com uma cara de bravo
a fim de intimidar ou dominar outra pessoa.
2.2.2.1.2 Esquemas emocionais
Os esquemas emocionais são formados pelas memórias emocionais e pelas
organizações das experiências emocionais vividas e estão na base do sistema de
resposta emocional de uma pessoa adulta. São estruturas internas da memória
emocional que sintetizam os elementos do afeto, da motivação, da cognição e do
comportamento em organizações internas que são rapidamente ativadas por meio
de sinais relevantes. Ou seja, as experiências importantes que foram significativas
em função de terem ativado respostas emocionais são codificadas em esquemas de
memórias emocionais. Um esquema emocional representa como uma situação foi
interpretada e qual foi o efeito emocional no indivíduo. Por exemplo, a memória
emocional de cuidados recebidos ou abusos sofridos enquanto criança é codificada
em memórias processuais do que aconteceu e como o indivíduo se sentiu.
(GREENBERG, 2011).
O desenvolvimento dos esquemas emocionais pode ser entendido como
uma rede neural que representa a história de uma experiência vivida, conforme
ilustrado na figura (3) apresentada por Greenberg (2011) a respeito do medo que um
cliente tinha de falhar em função de ter falhado certa vez em relação à expectativa
de sua mãe.
FIGURA 3 – Esquema emocional
Fonte: GREENBERG (2011, p. 782)
32
Elliot et al. (2004), apresentaram que os esquemas emocionais são tanto a
base para o funcionamento normal de uma pessoa, como a fonte para as disfunções
humanas e organizaram a seguinte lista para explicar os esquemas emocionais:
a) Um esquema emocional é um processo em vez de uma coisa. Os processos
dos esquemas emocionais podem incluir componentes linguísticos, mas
geralmente são compostos por elementos não verbais (sensações no corpo,
imagens visuais e até mesmo cheiros), são ativos e também podem ser
orientados para a ação.
b) Os esquemas emocionais não estão diretamente disponíveis para a
consciência, mas podem ser acessados indiretamente por meio das
experiências relacionadas com a produção dos esquemas emocionais. Para
ser identificado é necessário, primeiramente, ativar experiências específicas
para assim, serem exploradas ou expressas antes de se refletir a respeito.
c) Os processos de esquemas emocionais são entendidos com base no
construtivismo dialético: os esquemas emocionais estão envolvidos em
complexos processos de auto-organização que se organizam com base na
emoção. Os esquemas emocionais não são estáticos e estão
constantemente sendo construídos e descontruídos, o que demanda uma
avaliação personalizada e flexível.
d) Os esquemas emocionais de uma pessoa podem ser ativados
separadamente ou simultaneamente. A auto-organização baseada em
esquemas emocionais funciona como se existissem “vozes” internas na
pessoa. É vital que o terapeuta reconheça e respeite a multiplicidade de
auto-organizações, pois são importantes fontes de desenvolvimento e
adaptação criativa.
e) Os processos de esquemas emocionais e as respectivas auto-organizações
podem ser visualizados como se fossem um composto de elementos
relacionados conjuntamente em uma rede, em que a ativação de um único
elemento pode se espalhar para outros componentes. Os elementos dos
esquemas emocionais podem ser definidos da seguinte maneira e estão na
ordem de como geralmente são ativados no processo de psicoterapia:
33
1) Elementos perceptivos conceituais: representam o ambiente passado ou
o ambiente atual da pessoa e inclui o conhecimento imediato da situação
atual e de memórias episódicas.
2) Elementos de expressão corporal: representam os processos de
esquemas emocionais por meio do corpo (enjoo, nó na garganta,
formigamentos nos braços ou nas pernas) ou expressão de emoções
(cara de medo, risada nervosa).
3) Elementos simbólicos conceituais: são elementos verbais ou
representações visuais do processo do esquema emocional produzido por
meio da reflexão autoconsciente das percepções situacionais e elementos
de expressão corporal. Geralmente, podem assumir uma forma de
declarações verbais: “eu poderia ter sido atacada a qualquer momento”,
mas, também, pode incluir qualidades metafóricas associadas ao
esquema emocional.
4) Elementos motivadores de comportamento: são ativados por processos
de esquemas emocionais e representados em forma de desejos
associados, necessidades, vontades, intenções (ser salvo de um ataque)
ou tendências para a ação (fugir do medo tentando ignorá-lo).
5) Processos nucleares do esquema emocional: organizam todos os
diferentes componentes em torno de uma emoção em particular e
costumam ser reconhecidos somente após uma autorreflexão dos outros
quatro primeiros elementos.
O processamento emocional normal envolve todos esses cinco elementos e
a disfuncionalidade ocorre quando o indivíduo negligencia um ou mais tipos de
elementos, ocasionando na não completude da experiência, ou seja, o bloqueio da
experiência emocional.
Sendo assim, os esquemas emocionais promovem organizações implícitas
da experiência com base nas respostas emocionais biologicamente fornecidas e
influenciadas pelo histórico da vivência emocional da pessoa. O sistema da memória
emocional é o catalizador central para a auto-organização e é responsável pela
geração de estados saudáveis, como: confiança, calma e segurança, como também,
34
de auto-organizações em casos disfuncionais, como: insegurança ansiosa, vergonha
baseada em sentimento de inutilidade, solidão e abandono. (GREENBERG, 2011).
2.2.2.2 O modelo do construtivismo dialético de autofuncionamento:
integração da biologia e da cultura
A anatomia do cérebro humano contempla dois importantes processos: a
habilidade de ter emoções e a habilidade de refletir sobre tais emoções e, assim, a
vida envolve duas avaliações principais: uma em que é realizada automaticamente
pelo sistema emocional humano, não consciente e sem linguagem e outra que
ocorre por meio de uma reflexão consciente acerca da resposta da primeira
avaliação. Basicamente, o que ocorre é uma avaliação a respeito das orientações
oriundas da primeira avaliação e se o indivíduo pode ou deve segui-las.
(GREENBERG, 2011).
O processo dialético trabalha por meio da base biológica que é o sistema
adaptativo emocional e da capacidade humana em simbolizar e dar significado para
as coisas/ situações, em prol da sobrevivência, manutenção e aprimoramento do
self. O organismo está sempre produzindo uma tendência direcional que é
alimentada por tudo o que se aprende, se experiencia e pelas interações do
indivíduo.
A figura 4 apresenta os elementos envolvidos na construção dialética do self.
Pode-se observar que a experiência consciente é alimentada por dois principais
elementos: um interno, de base biológica e de natureza afetiva, e outro externo, de
base linguística e de natureza cultural. Ambos estão em constante interação com os
outros e com o meio ambiente em um processo dialético de construção de
significado. O elemento afetivo provê os pilares para a auto-organização básica que
no decorrer do desenvolvimento da pessoa passa a incorporar as influências
culturais (que inclui a educação recebida), os aprendizados e as experiências e são
organizados por meio de esquemas baseados nas experiências emocionais dessas
situações. Tais esquemas emocionais se tornam os primeiros geradores de
experiência, que são sintetizadas em forma de auto-organização que podem resultar
em experiências conscientes. Quando uma experiência é simbolizada em palavras,
35
este processo dialético consciente forma uma história da experiência vivida pela
pessoa. (GREENBERG, 2011).
FIGURA 4 – Processo de geração da emoção
Fonte: GREENBERG (2011, p.878)
Constantemente, uma pessoa é organizada por um processamento tácito e
por uma síntese dialética de diversos esquemas emocionais em uma das muitas
possibilidades das auto-organizações, isto é: sentir-se confiante, inseguro, sem
valor, triste ou com vergonha e tais sentimentos podem mudar a qualquer momento.
Essa organização tácita promove “o sentimento do que acontece”, ou seja, uma
sensação corporal que pode ser chamada de intuição ou uma sensação/ emoção
visceral (gut feeling). A experiência consciente resulta quando esse sentimento
implícito é atendido e explicitamente simbolizado e o indivíduo é capaz de sentir o
caminho completo e criar um significado coerente para a sua experiência.
(GREENBERG, 2011).
Dessa maneira, o self, na visão da TFE, é um sistema dinâmico com
múltiplos processos e organizações que emergem da interação dialética de
diferentes elementos desses componentes. Assim, como na visão do construtivismo
dialético, o self representa uma síntese dos diferentes níveis e aspectos do
processamento mental que buscam coerência para explicar o conhecimento
humano. Alinhado a isso, é pertinente a frase de Greenberg (2011, p. 901, tradução
nossa): “As emoções nos movem, enquanto o sentido é para que vivemos”.
36
Em complemento, na visão do construtivismo dialético, as pessoas vivem um
constante processo de significar as suas emoções. Assim, uma integração ente
razão e emoção é atingida por meio de um processo circular constante de significar
as experiências, simbolizar as sensações corporais na consciência e articular em
linguagem, propiciando a construção de novas experiências. (GREENBERG, 2010).
Dessa maneira, a experiência corporal delimita e influência como o indivíduo
compreende as suas vivências, contudo, o que as pessoas fazem de suas
experiências também as tornam quem elas são. Além disso, ao refletir a respeito das
suas experiências, as pessoas conseguem dar um sentido narrativo ao que sentem,
como também, a maneira como elas “explicam” as suas experiências para o self e
para os outros, cria significado (s) para as suas narrativas. (GREENBERG, 2011).
Uma analogia útil para o entendimento da expressão corporal pode ser as
formas que são enxergadas nas nuvens. Ao se observar as formas das nuvens
pode-se ver a formação de um animal, de estruturas arquitetônicas, objetos
cotidianos ou, até mesmo, de um rosto. Assim, considerando que qualquer uma das
formas avistadas nas nuvens não se encontra de fato presente em tais estruturas,
mas são apenas formações impostas pelo observador, o sentimento corporal pode
formatar o que a pessoa se tornará. Assim, um terapeuta TFE deve perceber que o
animal ou a face não estão implícitos na nuvem, ou seja, o cliente apresenta uma
sensação corporal, mas os sentimentos vêm de uma organização e de uma
simbolização que combina com as situações. Os indivíduos foram biologicamente
programados com respostas afetivas inatas, contudo, também constroem e
desenvolvem o seu repertório afetivo de acordo com os contextos culturais e com as
suas experiências. Em adição, embora as dimensões biológicas e culturais possam
ocasionar um conflito, a TFE não enxerga tais processos como antagônicos, mas
como fluxos necessários para uma síntese dialética do gerenciamento da interação
de fatores internos e externos, biológicos e sociais e emocionais e racionais. Assim,
o indivíduo perceber os aspectos da sua experiência como parte de si mesmo é
crucial para o processo de mudança na TFE. (GREENBERG, 2011).
37
2.2.2.3 Regulação emocional
O desenvolvimento de habilidades para uma regulação emocional saudável
é parte importante do desenvolvimento emocional e a utilização de tais habilidades
faz parte da inteligência emocional. Ou seja, ser capaz de reconhecer as próprias
emoções, refletir sobre elas e, em função disso, agir ou adiar uma ação é a
quintessência humana. (GREENBERG, 2011). Em função disso, a regulação do
afeto é uma das principais tarefas do processo terapêutico, que envolve a habilidade
em tolerar, estar consciente, conseguir colocar em palavras o que se sente e usar a
emoção de maneira adaptativa para regular a própria angústia e atender às próprias
necessidades e objetivos. (GREENBERG, 2011; ELLIOT et al., 2004).
Elliot et al. (2004) destacaram o trabalho de vários pesquisadores5 que
reconheceram o impacto que as experiências de vinculação na primeira infância têm
na capacidade das pessoas em regular as suas emoções e o seu funcionamento
neurofisiológico. Para Greenberg (2002), a habilidade de regular as emoções deriva
em parte das experiências de vinculação na primeira infância, com os pais ou outros
cuidadores, em que os cuidadores podem ser grandes fontes de ensino da
inteligência emocional por meio de exemplos e orientações no dia a dia da criança.
Assim, se os pais são bons ‘coaches emocionais’, eles reconhecem as emoções dos
seus filhos como oportunidades para o contato, validam e empatizam com as suas
emoções e os ajudam a usar suas emoções como um guia para uma efetiva
expressão social e para o atingimento de seus objetivos.
Para a TFE, a regulação emocional é intrínseca à experiência da geração da
emoção e a maneira como se enxerga a regulação emocional tem implicação na
psicoterapia. Alinhado a isso, se entende que o sistema emocional é capaz de ser
transformado ou regulado por processos emocionais e pelo estilo de vinculação,
como também, que a regulação emocional está relacionada com a automanutenção
e com o aperfeiçoamento e não com o autocontrole do sistema emocional. Faz parte
da regulação emocional ter emoções nos níveis adaptativos, assim, é enfatizado a
aproximação e o acesso às emoções que foram anteriormente evitadas e a
5 Gross, 1999; Gross & Muñoz, 1995; Van der Kolk, 1995; Van der Kolk, Mc Farlane, & Weisath,
1996, apud Elliot et al., 2004, p. 539.
38
capacidade de tolerar, aceitar, validar e entendê-las como um método de otimização
da regulação emocional na terapia. (GREENBERG, 2011).
O processo de regulação emocional na TFE não inclui atividades voltadas
para a inundação emocional, evitação, eliminação, negação e entorpecimento das
emoções, pois são experiências que podem ser perigosas e até traumáticas, além
de poder promover uma desregulação emocional em forma de efeito rebote.
(GREENBERG, 2011).
2.2.2.4 Construção de narrativa e significado
A capacidade em construir narrativas, entender e integrar as mais
importantes histórias da própria vida, é chave para o desenvolvimento de uma
identidade adaptativa e para o estabelecimento de uma coerente e diferenciada
visão de self. A interpretação que a pessoa dá às suas experiências influência as
suas vivências e muda os papéis, muitas vezes incoerentes, de impotência e de
vitimização, para histórias mais coerentes e com resultados positivos, o que acaba
por promover uma atitude e uma visão saudável de si mesmo. Assim, uma
articulação mais coerente e emocionalmente diferenciada de si e dos outros é uma
forma de correção da experiência emocional, pois facilita um aumento da
autorreflexão e de novos resultados interpessoais, já que uma das fontes de
disfunção está calcada na maneira como as pessoas significam as suas
experiências e as narrativas acerca de si mesmas, dos outros e do mundo.
(GREENBERG, 2011).
Dessa forma, a presença de narrativas mais significativas e um sentido para
a vida pessoal são aspectos chave para uma vida saudável, ou seja, para o bem-
estar. Além disso, ter um sentido para a vida é uma maneira de enfrentamento
(coping) às questões existenciais da vida, como morte, perda, liberdade e
isolamento (GREENBERG, 2011).
2.2.2.5 Visão da disfunção
Na teoria da TFE, a disfunção não é algo decorrente de um único
mecanismo sozinho, mas sim, algo que pode surgir em função de diversas
possibilidades, tais como: a falta de consciência das emoções ou a evitação dos
39
estados internos; a desregulação emocional como uma má adaptação das respostas
baseadas no aprendizado traumático ou em déficits de desenvolvimento; a vergonha
representada como um mecanismo de proteção contra danos à autoestima; os
conflitos internos e os bloqueios para o desenvolvimento de significado.
(GREENBERG, 2011).
Dessa maneira, muitas das disfunções ocorrem devido à evasão, à
supressão ou por falta de consciência das emoções, como também, em função da
inabilidade em regular as próprias emoções. (ELLIOT et al., 2004; GREENBERG,
2011).
Alinhado com a premissa de que diferentes tipos de dificuldades emocionais
contribuem para muitas formas de disfunções, Greenberg (2011) organizou as
dificuldades no processamento emocional em quatro tipos principais, conforme
descrição a seguir:
a) Falta de conscientização da emoção: que é a inabilidade do indivíduo em
simbolizar a experiência corporal da emoção. A evitação ou a inabilidade em
nomear as próprias emoções e as experiências internas podem representar
uma das principais causas de ansiedade e depressão. Por outro lado, a
pessoa ao conseguir perceber o que sente, pode se reapoderar das suas
respostas emocionais primárias adaptativas e reprocessar as emoções
renunciadas ou dolorosas.
b) Respostas emocionais desadaptativas: são as respostas desenvolvidas por
uma série de razões, por exemplo, respostas biológicas ou relacionais. A
disfunção ocorre quando a pessoa apresenta uma má ou fraca auto-
organização e o funcionamento atual do processamento emocional é
regrado por respostas de situações do passado que não representam a
situação presente, por exemplo: o medo e a tristeza pelo abandono estão no
centro da organização do “eu fraco” e a vergonha é o centro da organização
do “eu mau”. A maneira disfuncional como a pessoa lida com esses
sentimentos, evitando e retraindo, agrava ainda mais o problema. Sintomas
como depressão e ansiedade podem ocorrer quando há uma combinação de
sentimentos de insegurança e de não ser amado ou sentir-se humilhado,
preso e impotente e a pessoa é incapaz de mobilizar respostas alternativas.
40
c) Desregulação emocional: a inabilidade em regular as próprias emoções
pode gerar, por um lado, pessoas oprimidas por uma forte e dolorosa
emoção e, por outro lado, pessoas entorpecidas e distanciadas das suas
emoções. A falta de regulação emocional pode ser apresentada, também, na
forma de excessivo controle das emoções, que pode levar a pessoa a se
engajar em ações impulsivas, seja por meio de exageros na comida, na
bebida, em compras ou com sexo.
d) Problemas na construção da narrativa e com o sentido existencial: estão
relacionados com as dificuldades ou com a incapacidade em construir
narrativas a respeito da própria experiência, entendê-las e integrá-las. As
narrativas traumáticas perpetuam a angústia e as narrativas incoerentes
apresentam um sinal de uma natureza caótica da auto-organização em que
as pessoas são incapazes de construir um senso estável do self. Problemas
existenciais, falta de sentido na vida e sensação de vazio apresentam uma
disfunção em resposta à falta de autenticidade e alienação da própria
experiência e da falta de sentido que emana da ansiedade existencial.
2.2.3 Intervenções e o processo de psicoterapia
O processo da terapia e as intervenções estão altamente relacionados,
como também, estão alinhados com a base teórica da TFE. O processo da terapia
que será explicado a seguir tem como principal referência o trabalho exposto por
Greenberg (2011) que contempla: os princípios de tratamento; as habilidades do
terapeuta: de percepção e de intervenção: princípios da mudança emocional, fases
do tratamento e marcadores e tarefas; e formulação de caso.
2.2.3.1 Princípios de tratamento
O tratamento da TFE conta com dois princípios gerais: princípios de
relacionamento e princípios de tarefas. Os princípios de relacionamento recebem
prioridade em relação aos princípios de tarefas, no entanto, no processo de
tratamento ambos estão interligados e alinhados com a máxima ‘following and
leading’ da abordagem, em que seguir o cliente é precedente a liderar, guiar ou
41
orientar, contudo, seguir e liderar o cliente estão combinados sinergicamente em
senso de fluxo.
2.2.3.1.1 Princípios de relacionamento
Os princípios de relacionamento estão diretamente ligados com as bases da
construção da Terapia Focada nas Emoções: valorização genuína, regulação do
afeto, relação empática que conta com um terapeuta totalmente presente, altamente
sintonizado e sensível às experiências do cliente. Dessa maneira, pontua-se como
parte dos princípios de relacionamento: a presença e a sintonia empática, as
condições necessárias de Rogers6 e a aliança terapêutica.
O terapeuta tem uma postura respeitosa, aberta e é coerente em sua
maneira de se comunicar com o cliente. Para a TFE, o relacionamento em si é visto
como curativo, justificado em função da empatia, da abertura e da aceitação do
terapeuta que promovem quebra de isolamento, validação e fortalecimento do self,
além da auto-organização. Assim, um relacionamento com tais bases propicia um
conforto interpessoal e o desenvolvimento da regulação emocional, como também,
ajuda os clientes a regular sua desorganização e as suas dores emocionais. Além
disso, esse tipo de relacionamento cria um ótimo ambiente terapêutico que contribui
para a regulação do afeto e para o cliente se sentir suficientemente seguro para se
engajar no processo de autoexploração e novos aprendizados e de criação de novos
significados.
O estabelecimento de uma aliança terapêutica voltada para a colaboração
com os objetivos e com as tarefas da terapia é fundamental, uma vez que a aliança
propicia uma experiência de trabalho em conjunto do terapeuta e do cliente para a
superação dos problemas do cliente. A aliança anda de mãos dadas com uma
postura empática, como por exemplo, uma atuação empática facilita a captação das
dores emocionais do cliente, como também, a obtenção de um acordo sobre as
tarefas e metas da terapia, com o cuidado dispendido do terapeuta para propiciar ao
cliente o entendimento das tarefas e metas.
6 Vide Anexo 1 – As condições necessárias de Rogers.
42
2.2.3.1.2 Princípios de tarefas
Os princípios de tarefas guiam os terapeutas no processo de ajuda para a
resolução das questões internas do cliente e problemas relacionados com as
emoções, por meio de um trabalho que considera os objetivos pessoais do cliente e
as tarefas das sessões. Faz parte dos princípios de tarefas: a promoção de um
processamento diferencial, a conclusão das tarefas, foco e autodesenvolvimento -
que inclui responsabilidade e empowerment.
As tarefas terapêuticas facilitam os diferentes tipos de processamento de
acordo com os diferentes estados e momentos (tempos) do cliente. Nesse processo,
os problemas ou estados apresentados pelo cliente nas sessões são marcadores
que servem de guia para a definição das intervenções mais adequadas a fim de
facilitar um trabalho produtivo com foco no problema apresentado.
As tarefas nas sessões de terapia são designadas para promover o acesso
às experiências do cliente, por meio da articulação de emoções primárias e de
necessidades, para atingir a aceitação e a transformação de emoções doloridas e
não resolvidas e para propiciar a explicação de sentimentos implícitos e os
respectivos significados. Ou seja, o trabalho da terapia não é voltado diretamente
para a obtenção de enfrentamento, de mudança e de correção, mas sim, é voltado
ao processo de permissão e aceitação da experiência emocional. A mudança ocorre
em resposta a um processo dinâmico de auto-organização, que é facilitado
primeiramente pela aceitação, mais do que em resposta aos esforços diretos para
provocar uma mudança ou o atingimento de um objetivo específico. Afinal, faz parte
de tais princípios de tarefa a visão de que os seres humanos são seres ativos e
contam com necessidades inatas para a exploração e para o domínio de seus
ambientes internos e externos.
2.2.3.2 Habilidades do terapeuta
As habilidades destacadas para um terapeuta da TFE são as habilidades de
percepção e as habilidades executivas ou de intervenção e o tratamento é guiado
por ambas as habilidades. De maneira geral, as habilidades de percepção são
43
necessárias para a identificação dos diferentes tipos de emoção e marcadores de
problemas e as habilidades executivas guiam as intervenções.
2.2.3.2.1 Habilidades de percepção
A avaliação do tipo de emoção é uma habilidade de percepção do terapeuta
e uma vez desenvolvida passa a fazer parte de maneira implícita e natural da
sintonia empática, como também, a habilidade para acessar as emoções dos
clientes. Uma avaliação acurada dos diferentes tipos de emoção é de extrema
importância, já que para cada tipo de emoção há uma intervenção pertinente.
Antes mesmo de avaliar o tipo de emoção, é fundamental ao terapeuta ter a
habilidade para perceber e avaliar a expressividade de emoção do cliente, ou seja,
se o cliente apresenta muita ou quase nada de expressão emocional. Esta deve ser
a primeira avaliação da emoção que o terapeuta realiza, a fim de direcionar para a
intervenção adequada com o intuito de acessar ou regular a emoção do cliente. O
terapeuta deve ter claro que na terapia todas as emoções emergem em um contexto
relacional e que uma emoção surge por influencia de um contexto relacional, tal
como pelas regras culturais do cliente relacionadas com a expressão emocional.
Complementando, a inabilidade em regular as emoções ou a tendência a uma
super-regulação representam uma construção interpessoal e um processo cultural e
não somente uma função ou característica da personalidade do cliente.
Para acessar e discriminar o tipo da emoção expressa pelo cliente
(adaptativa primária, primária desadaptativa, secundária ou instrumental), o
terapeuta lança mão de diferentes habilidades e informações. É importante destacar
que o terapeuta nunca acessa as emoções com base, unicamente, em seu quadro
próprio de referências, mas, também por meio da colaboração com o cliente para
codeterminar como a emoção está funcionando no momento do acesso para o
cliente. Dessa maneira, a sintonia empática é essencial e cabe reforçar que o
terapeuta deve se atentar às dicas não verbais do cliente, especificamente o tom da
voz, a face e os gestos, uma vez que todas essas expressões não verbais são
fontes de informação da natureza do que está sendo expressado internamente. Por
exemplo, por meio da observação da voz ou da face do cliente pode-se perceber se
44
a emoção é primária e sincera ou se é secundária e está ofuscando outros
sentimentos.
O terapeuta, também, deve estar atento às suas próprias respostas
emocionais em relação ao cliente, uma vez que tais reações podem fornecer dicas
interessantes para a avaliação da emoção do cliente. Por exemplo, as pessoas
geralmente sentem compaixão em função da dor primária e do sofrimento do outro e
tendem a sentir irritação com um choro secundário. Dessa maneira, se destaca a
habilidade do terapeuta em perceber as próprias reações emocionais em relação às
expressões e sentimentos apresentados pelo cliente por ser uma rica fonte de
informação do tipo de emoção que o cliente está sentindo.
Além disso, também é relevante ter a habilidade para conhecer os caminhos
típicos de resposta emocional dos clientes (padrões) e os tipos de respostas
emocionais de acordo com aspectos culturais. O conhecimento do contexto da
expressão emocional é mais relevante do que o conhecimento da emoção em si. A
expressão de uma emoção na sua vigésima vez é diferente da primeira expressão
da mesma emoção. Sendo assim, o resultado dessa expressão pode direcionar-se
para um processo tanto produtivo quanto adaptativo ou, então, produzir
desregulação mostrando assim se a emoção presente é uma emoção primária
adaptativa ou não.
2.2.3.2.2 Habilidades de intervenção
As habilidades de intervenção estão baseadas nos princípios e
conhecimentos que guiam as intervenções da TFE, que são: princípios de
intervenção com a emoção, conhecimento dos processos emocionais e dos
marcadores de problemas e das respectivas intervenções aplicáveis. O conjunto de
habilidades e conhecimentos, fundamentais para um terapeuta TFE, é descrito a
seguir com a seguinte divisão: a) estratégias gerais da TFE para trabalhar com a
emoção; b) princípios da mudança emocional; c) fases do tratamento; e d)
marcadores e tarefas.
a) Estratégias gerais da TFE para trabalhar com a emoção
Para a TFE, ao se trabalhar com a emoção há duas tarefas principais que
estão relacionadas com: ajudar as pessoas com pouca ou baixa expressão
45
emocional a acessarem e expressarem as suas emoções e ajudar as pessoas com
muita ou exagerada expressão de emoções a conterem a sua expressão emocional.
Para tanto, cabe destacar a exploração empática e a atividade de focalização que
fazem parte das estratégias gerais para o trabalho com as emoções.
A exploração empática é um modo fundamental de intervenção, sendo uma
marca registrada de um terapeuta TFE. A exploração empática vai além de
empatizar com cliente, é uma postura centrada na experiência do cliente que por
meio de uma atenção sensível, momento a momento, ao que é mais agudo na
narrativa verbal e não verbal do cliente, ajuda a capturar as experiências de uma
maneira mais rica.
A atividade de focalização (focusing 7) é geralmente utilizada quando não foi
possível ocorrer um aprofundamento da experiência passada por meio da
exploração empática, dessa maneira, o terapeuta aplica a atividade que também
direciona a atenção do cliente para o seu interior, a fim de provocar um
aprofundamento na experiência e percepção das sensações corporais.
Frequentemente, após a atividade de focalização interna se parte para outra
intervenção, como a técnica das duas cadeiras ou da cadeira vazia ou um trabalho
com imagens a fim de trazer a emoção vivamente para a consciência.
Há diferentes maneiras que o terapeuta pode lançar mão para ajudar aos
clientes acessarem seus sentimentos, como também, a desenvolver estratégias
adaptativas para ‘conter’ a expressividade exagerada das emoções:
- Encorajar o cliente para se atentar às sensações corporais que são sinais
das emoções;
- Direcionar o cliente para lembrar-se de episódios prévios com conteúdo
emocional ou situações que trouxeram sentimentos particulares;
- Usar dicas emocionais por meio de palavras comoventes ou comunicação
por imagens;
- Sugerir ao cliente atuar como se estive sentindo a emoção de episódios
anteriores, como por exemplo: falar com voz de raiva, chacoalhar o pulso ou
falar alto. Nessa atividade é importante ajudar o cliente a monitorar o nível
de ativação, a fim de manter um nível de segurança que permite que a
7 Para saber mais sobre Focusing, ler Eugene Gendlin – www.focusing.org
46
emoção apareça e prevenir que ele se desconecte da emoção/ dos seus
sentimentos, caso sinta que está perdendo o controle;
- Sugerir ao cliente que observe e simbolize os sentimentos que o oprimem
por meio da criação de um distanciamento seguro ao adotar uma atitude de
observador e descrever o medo como uma bola preta localizada no
estômago, por exemplo;
- Solicitar ao cliente realizar uma ‘lista de problemas’: o terapeuta oferece
suporte e compreensão e encoraja o cliente a procurar suporte externo e
entender o que pode ser útil para a regulação emocional por meio da
organização das emoções angustiantes;
- Realizar exercícios de respiração: indicado para o cliente que se sente
oprimido/ sobrecarregado na sessão, como também, em casos de muita
ativação emocional, o terapeuta pode regular a angústia do cliente sugerindo
exercícios de respiração;
- Ajudar o cliente a ter a consciência de quando pode ocorrer uma expressão
exagerada das emoções, não conter a expressão, mas, rapidamente, decidir
o que fazer quando a reação emocional está para surgir.
b) Princípios da mudança emocional
Na visão da TFE, o processo de mudança envolve ajudar as pessoas a
perceberem e a darem sentido (significarem) às suas emoções por meio dos
seguintes subprocessos: conscientização, expressão, regulação, reflexão,
transformação e experiência corretiva da emoção. Tais subprocessos são facilitados
pelo contexto seguro da terapia, que é proporcionado com base no relacionamento
com o terapeuta e na respectiva sintonia empática.
- Conscientização
A ampliação da consciência acerca da emoção é um objetivo fundamental
do tratamento na TFE, uma vez que, quando as pessoas sabem o que sentem, se
reconectam com as suas necessidades e se motivam para atendê-las.
Quando um indivíduo se torna consciente e simboliza as suas principais
experiências emocionais em palavras, promove um acesso às informações
adaptativas e às tendências de ação da respectiva emoção. É importante ressaltar
que a consciência emocional não consiste em pensar sobre os sentimentos, mas
47
sim, em sentir a emoção conscientemente. Neste processo é necessário sentir a
emoção que vem sendo negada, para assim, poder ocorrer uma mudança.
A conscientização de emoções problemáticas pode ser retratada em três
estágios:
1) Conscientização da emoção depois do evento, quando a pessoa reflete
sobre o que sentiu no passado que pode servir como base para aprender a
como responder melhor no futuro – também pode envolver o conhecimento
das situações gatilho para a resposta emocional;
2) Redução do tempo para perceber o sentimento de acordo com o estímulo
emocional;
3) Reconhecimento da emoção que está por surgir e antes de se ter uma
reação e poder transformá-la, ou seja, ao perceber o impulso da raiva ou
de desapontamento, não se deixar ser totalmente invadido por tal emoção.
- Expressão
A expressão das emoções, em terapia, envolve superar a evitação de
algumas experiências emocionais e ser capaz de expressar as emoções primárias
anteriormente negadas ou ofuscadas, ao invés de desafogar as emoções
secundárias. Em função da forte tendência humana em evitar experienciar e
expressar emoções dolorosas, os clientes necessitam ser encorajados a superar a
evitação e abordar as emoções dolorosas em sessões por meio da experiência
corporal que ocorre geralmente em pequenos passos. Para tanto, pode ser
necessário mudar algumas crenças explícitas, tais como: “sentir raiva é perigoso” ou
“homens não choram”.
O papel da ativação e da expressão das emoções e o grau para que sejam
úteis na terapia e na vida depende do estímulo que deflagra a expressão de tal
emoção, de quem a experiencia e a expressa, para quê e para quem, quando e sob
quais condições tal expressão se manifesta e em qual caminho a expressão
emocional é seguida por outras experiências de afeto e significado.
Na visão da TFE, as etapas de processamento emocional: aproximação,
ativação e tolerância da experiência emocional são necessárias, mas não são
suficientes para mudar as emoções primárias desadaptativas. O processamento
emocional ideal envolve a integração da cognição e do afeto em si e a
48
transformação do afeto, não bastando somente tolerá-lo. (GREENBERG, 2002). Isso
quer dizer que após o contato com a experiência da emoção primária desadaptativa,
como por exemplo: vergonha ou insegurança, o cliente necessita, inclusive, ser
orientado cognitivamente pra a experiência como uma informação, simbolizá-la em
consciência e explorá-la para, assim, refletir a respeito e poder fazer sentido para,
finalmente, poder transformá-la.
- Regulação
A regulação emocional envolve a capacidade de reconhecer as próprias
emoções, refletir sobre elas e, assim, agir ou adiar uma ação. Na terapia, um
importante aspecto da regulação consiste em saber quais as emoções devem ser
reguladas e como elas devem ser reguladas, o que acaba sendo um aspecto central
do tratamento. Dessa maneira, emoções que requerem uma regulação geralmente
são as secundárias, tais como: ‘desespero’ e ‘falta de esperança’ ou ansiedade em
relação às emoções primárias desadaptativas, como: ‘vergonha em se sentir
inferior’, ‘a ansiedade da insegurança básica’ e o ‘pânico’.
É fundamental para a regulação emocional, contar com um ambiente seguro,
calmo, tranquilo, validador e empático. As seguintes ações fazem parte do processo
de regulação da emoção na terapia: identificação das situações gatilho, evitação das
situações gatilho, identificação e nomeação das emoções, aceitação e tolerância das
emoções, aumento das emoções positivas, promoção de autoconforto, exercícios de
respiração e busca de distração.
Além disso, faz parte da regulação emocional ajudar o cliente a desenvolver
habilidades para se autoacalmar e para desenvolver a autocompaixão. Ou seja,
ajudar o cliente na aquisição de habilidades para se acolher e ser compassivo com
as próprias experiências emocionais dolorosas é uma importante etapa para a
tolerância e para o autoconforto. No passar do tempo, tais habilidades vão sendo
incorporadas pelo indivíduo e a regulação das emoções passa a ser automática e
implícita sem qualquer esforço deliberado.
- Reflexão
A reflexão a respeito das experiências emocionais que foram identificadas e
simbolizadas, ajuda no processo de definição do significado narrativo das
experiências do cliente e promove a assimilação das próprias narrativas em curso.
49
Além disso, o processo de reflexão emocional ajuda na criação de novos
significados e no desenvolvimento de novas narrativas que acabam por auxiliar no
entendimento da própria experiência.
A exploração das experiências emocionais e a respectiva reflexão em forma
de narrativas coerentes são, também, processos importantes para a mudança. A
reflexão promove um entendimento de como o self é psicologicamente construído e
constituído e a narrativa promove um processo de organização cognitiva, sendo
assim, o significado dos eventos individuais e as ações são determinados por um
particular enredo ou tema. A reflexão em forma de narrativa torna a experiência e as
memórias do cliente em uma história significativa e coerente, além de prover um
senso de identidade para o cliente.
- Transformação
O processo de transformação é uma das maneiras mais importante para se
lidar com as emoções desadaptativas, ou seja, transformar uma emoção
desadaptativa em uma emoção adaptativa.
Antes da promoção da transformação citada (emoção desadaptativa em
adaptativa) deve ocorrer uma total aceitação da emoção dolorosa antes de se tentar
mudar tal emoção. Ou seja, para que a transformação seja efetiva, é importante que
o cliente sinta completamente a emoção para poder perceber a respectiva
mensagem e assim, se abrir para a mudança por outra emoção. Tal ação requer
uma autoaceitação por parte do cliente e que está alinhada com uma forte premissa
que guia as intervenções de TFE que diz que se o indivíduo não se aceita como é,
ele não pode se fazer disponível para a transformação. Greenberg (2011, p.1437,
2002, p.1758, tradução nossa), pontua: “Não se pode deixar um local antes de se ter
chegado nele”. Em associação, o indivíduo necessita primeiramente sentir a emoção
para em seguida transformá-la e ser ‘curado’ dela. Dessa maneira, é reforçado que
mesmo aqueles aspectos que a pessoa quer mudar, primeiramente precisam ser
aceitos já que a autoaceitação precede a autotransformação.
O processo de mudança da emoção com emoção vai além das ideias de
catarse, finalização e liberação, exposição, extinção ou habituação, ou seja, a
emoção desadaptativa não é purgada, nem é simplesmente atenuada pela pessoa
que a sente, ao invés disso, usa-se outro sentimento para a transformação da
50
emoção desadaptativa. Embora as emoções secundárias desreguladas, como por
exemplo: o medo e a ansiedade em fobias ou pânico, possam ser superadas por
meio de técnicas de exposição, em muitas situações de emoções primárias
desadaptativas, como ‘vergonha dos sentimentos de inferioridade’ ou ‘tristeza do
abandono’, são melhor transformadas por meio do contato com outras emoções.
Na terapia, o medo do abandono desadaptativo, uma vez ativado no
presente, pode ser transformado em segurança por meio da ativação de mais
empowerment e do estabelecimento de fronteiras para a emoção da raiva adaptativa
que foi sentida no passado, mas não foi expressa ou, então, por meio da evocação
de sentimentos mais suaves de tristeza que estavam inacessíveis anteriormente
junto à necessidade de conforto e autocompaixão. Isso quer dizer que a raiva
desadaptativa pode ser desfeita por meio de tristeza adaptativa.
Assim, a mudança emocional duradoura de uma resposta emocional
desadaptativa ocorre pela geração de uma nova resposta emocional, ou seja, por
meio da geração de novas respostas para as situações passadas incorporando as
novas repostas na memória e não por meio de um processo de insight ou
entendimento. As memórias são reconsolidadas de um novo jeito a partir da
incorporação desses novos elementos, propiciando uma nova visão do passado.
- Correção da experiência emocional
A correção da experiência emocional ocorre por meio das novas
experiências vividas pelo cliente com outra pessoa, muitas vezes o terapeuta. As
experiências que propiciam conforto, desconfirmação de crenças patológicas ou que
ofereçam novas experiências de sucesso, podem corrigir padrões estabelecidos
anteriormente pelo cliente. Por exemplo, o cliente ter a sua raiva aceita pelo
terapeuta e não ser julgado por isso ou ser rejeitado pode levar a novas formas de
ser para o cliente. Ou seja, no contexto da terapia, o cliente pode expressar a sua
vulnerabilidade ou a sua raiva sem ser punido ou censurado pelo terapeuta. A
correção emocional ocorre predominantemente na relação terapêutica, mas não é
exclusiva desta relação e, assim, o terapeuta encoraja o cliente em relação à
vivência de experiências de sucesso fora da relação terapêutica.
É um objetivo da TFE que o cliente reexperiencie as emoções que não
conseguia lidar no passado, a fim de obter uma correção emocional que repara os
51
danos influenciados por experiências anteriores. A reexperiência de tais emoções
ocorre em função da ajuda propiciada pelas circunstâncias favoráveis da terapia.
Sendo assim, pode-se afirmar que uma experiência genuína entre o terapeuta e o
cliente é uma experiência de correção emocional.
c) Fases do tratamento
O tratamento da TFE é dividido em três grandes fases: 1) vinculação e
conscientização; 2) evocação e exploração e 3) geração de novas emoções e
criação de novos significados para as narrativas.
1) Fase de vinculação e de conscientização
A primeira fase do tratamento envolve quatro etapas:
- Escuta ativa e empatia, validação dos sentimentos do cliente e do senso
atual de self;
- Fornecimento de uma explicação a respeito do trabalho com a emoção;
- Promoção da consciência para a experiência interna;
- Estabelecimento de um foco colaborativo de trabalho.
2) Fase de evocação e exploração
A segunda fase do tratamento, também, é composta por quatro etapas:
- Estabelecimento de suporte para a experiência emocional;
- Evocação e ativação dos sentimentos problemáticos;
- Dissolução de interrupções da emoção;
- Ajuda ao cliente para acessar as emoções primárias ou os esquemas
desadaptativos centrais.
3) Fase de geração de novas emoções e criação de novos significados para as
narrativas
A terceira fase do tratamento é composta por três etapas:
- Geração de novas respostas emocionais a fim de transformar os
esquemas emocionais desadaptativos centrais;
- Promoção da reflexão para que o cliente possa significar ou ressignificar
as suas experiências/ narrativas;
- Validação dos novos sentimentos e suporte para um novo senso de self.
52
d) Marcadores e tarefas
Os marcadores servem para guiar as intervenções da TFE. Ou seja, os
marcadores propiciam informações relacionadas aos problemas dos clientes,
indicam o seu estado atual e o tipo de intervenção a ser usada, além de mostrar a
disponibilidade atual do cliente para trabalhar os respectivos problemas. Dessa
maneira, os terapeutas são treinados para identificar os marcadores dos diferentes
tipos de problemas de processamento emocional e nas formas específicas de
intervenção de acordo com o problema apresentado. Os principais marcadores e as
intervenções aplicáveis de TFE estão descritas abaixo:
- Expressão de reações problemáticas - perplexidade em relação às respostas
emocionais ou comportamentais em situações específicas:
Tal marcador é pertinente para a aplicação do processo sistemático de
desdobramento evocativo. Ou seja, a evocação da experiência vivida a fim de
promover uma reexperiência de tal situação e da respectiva reação que o individuo
apresentou na situação original, para assim, estabelecer as conexões entre a
situação, os pensamentos e as reações emocionais e, em seguida, chegar ao
significado implícito que faz sentido para a reação. A resolução envolve uma nova
visão de autofuncionamento.
- Senso de falta de clareza ou confusão e inabilidade em conseguir dar um
sentido claro para a própria experiência:
Para uma sensação de falta de clareza direciona-se para a aplicação da
focalização (focusing). O terapeuta guia o cliente para perceber os aspectos
corporificados da sua experiência com atenção, curiosidade e vontade para
experienciá-los e colocar em palavras as sensações sentidas no corpo. A resolução
envolve a mudança da sensação corporal e a criação de um novo significado para a
experiência.
- Conflito entre duas partes do self - oposição entre dois aspectos do self,
geralmente com um aspecto muito crítico ou opressor:
Para conflitos no self é aplicável o trabalho com as duas cadeiras, para que
as duas partes do self sejam colocadas em contato ao vivo. Os pensamentos, os
sentimentos e as necessidades de cada parte do self são explorados e comunicados
53
em um diálogo real a fim de atingir um abrandamento da voz crítica. A resolução
envolve uma integração entre os dois aspectos do self.
- Autointerrupções - uma das partes do self interrompe ou oprime a experiência
ou a expressão emocional, por exemplo, o indivíduo ‘corta’ o choro:
Para a autointerrupção, a tarefa aplicável é o trabalho com as duas cadeiras
que proporcionará que a parte do self que interrompe apareça para que o cliente se
torne consciente de como ocorrem as interrupções e, assim, ser guiado para
expressar as maneiras que ele realiza, seja por meio de atos físicos: ficando sem ar
ou sem palavras, metaforicamente (se enjaulando) ou verbalmente (se calando), não
sentindo, ficando quieto. A resolução envolve a expressão da experiência
previamente que foi bloqueada.
- Situações inacabadas (unfinished business) - envolve a sensação de algo não
resolvido com outra pessoa significativa para o cliente:
A intervenção aplicável para situações inacabadas é o trabalho com a
cadeira vazia, para que o cliente, por meio de um diálogo com a pessoa significativa
na cadeira vazia, ative a sua visão interna da outra pessoa e possa experienciar e
explorar as suas reações emocionais frente ao outro, para conseguir fazer sentido
do que foi explorado e experienciado. Por meio do trabalho da cadeira vazia, as
necessidades não atendidas são acessadas e pode-se alterar as visões do outro e
do próprio self. A resolução envolve entender o outro ou perdoá-lo.
- Vulnerabilidade, um sentimento de fragilidade, profundidade, de vergonha ou
de insegurança:
Marcadores de vulnerabilidade demandam a validação empática. Por meio
da sintonia empática, o terapeuta captura o conteúdo do que o cliente está sentindo
e percebe a vitalidade e espelha o ritmo e o tom da experiência, além de validar e
normalizar a experiência. A resolução envolve o fortalecimento do self.
Além dos seis marcadores descritos, faz parte da relação de marcadores e
tarefas da TFE:
Marcador Tarefa (intervenção)
- Trauma - Recontar a narrativa
- Ruptura de aliança - Reparação
- Autodesprezo - Compaixão
54
- Sofrimento emocional - Autoconforto
- Confusão - Limpeza do espaço
Marcadores de narrativas e tarefas que combina o trabalho da TFE com o
trabalho da Terapia Narrativa (ANGUS e GREENBERG, 2011):
- Histórias repetitivas – Promoção da reexperiência
- Histórias vazias – Conjectura empática a respeito de (desprovidas de emoção) sentimentos implícitos
- Histórias não contadas – Exploração empática
- Histórias ‘quebradas’ – Promoção da coerência
2.2.3.3 Formulação de caso
De acordo com Greenberg e Goldman (2007), uma forte relação terapêutica
necessita ser formada para o processo de formulação de caso ser seguido, pois o
processo empático é chave para que o cliente e o terapeuta negociem
constantemente os termos do trabalho, clarifiquem os problemas e os objetivos
imediatos, as tarefas, tal como, a responsabilidade compartilhada pelo tratamento.
A formulação de caso na TFE está baseada no processo diagnóstico, no
desenvolvimento de um foco, no identificador de marcadores e no desenvolvimento
de temas, ao invés de se basear em um diagnóstico da pessoa ou de uma síndrome
específica. Ou seja, é privilegiado o processo ao invés do conteúdo trazido pelo
cliente, em linha com a Psicoterapia Construtivista (MAHONEY, 2006) e o processo
diagnóstico é privilegiado sobre o diagnóstico da pessoa. (GREENBERG, 2011).
Na abordagem de processo diagnóstico, a formulação de caso é um
processo contínuo, sensível ao momento e ao contexto da sessão, uma vez que é
direcionada para a compreensão do indivíduo como um caso. O terapeuta deve
seguir o processo do cliente e identificar as suas dores principais, que servem como
bússolas para o tratamento, e os marcadores das questões emocionais atuais, ao
invés de desenvolver uma figura da personalidade dominante ou da dinâmica de
personalidade. (GREENBERG, 2011).
A formulação de caso é útil, pois facilita o desenvolvimento de um foco de
trabalho e ajuda a alinhar as tarefas terapêuticas com os objetivos do cliente, o que
auxilia no estabelecimento de uma produtiva aliança de trabalho. (GREENBERG,
55
2011). A identificação colaborativa dos assuntos principais e o estabelecimento do
foco temático são importantes aspectos para a formação da aliança terapêutica,
além de contribuir para que o cliente perceba a relevância das tarefas do tratamento.
As tarefas iniciais que o cliente necessita perceber como relevantes são: ‘revelação’,
‘exploração’ e ‘aprofundamento na experiência’, uma vez que o cliente se engaja
nessa proposta, inicia-se a exploração para o foco do trabalho. (GREENBERG e
GOLDMAN, 2007).
A formulação de caso e as intervenções são inseparáveis e estão presentes
durante todo o processo da terapia e acontecem constantemente e em diferentes
níveis. Toda formulação é testada e é confirmada com o cliente para verificação e
checagem de sentido para ele, sendo que, o que o cliente processa na sessão é o
guia final. (GREENBERG e GOLDMAN, 2007).
As etapas para o desenvolvimento da formulação de caso apresentadas por
Greenberg e Goldman (2007), são:
1) Identificação do problema do cliente;
2) Escuta e exploração da narrativa do cliente em relação ao problema
apresentado;
3) Observação e atenção ao estilo de processamento das emoções do cliente;
4) Levantamento de informações relacionadas ao estilo de vinculação e às
histórias de identidade do cliente e com os relacionamentos atuais e
preocupações;
5) Identificação e resposta dos aspectos dolorosos das experiências do cliente;
6) Identificação de marcadores e sugestão de tarefas apropriadas;
7) Focalização na temática emergente dos processos intrapessoal e interpessoal
e nas narrativas do cliente;
8) Atendimento ao processamento momento a momento do cliente para guiar as
intervenções com as respectivas tarefas pertinentes.
56
2.2.4 Aplicabilidade e outras considerações
A TFE é um tratamento baseado em evidências e com um grande número
de pesquisas, publicações etc. Segundo Greenberg (2011), a TFE é a abordagem
de psicoterapia que mais apresenta pesquisas relacionadas com o processo de
mudança humana.
A TFE é aplicável para uma série de transtornos mentais, desde transtornos
afetivos, como casos de depressão e ansiedade, a transtornos alimentares e
transtornos relacionados com os diferentes tipos de vícios e comportamento
impulsivo. Apesar da efetividade do tratamento da TFE, validada por meio de
demonstração empírica, para uma série de transtornos, Greenberg (2011) pontuou
algumas situações (ou estilos de cliente) em que existe a possibilidade de ocorrer
alguns obstáculos ou problemas na utilização da abordagem como linha inicial de
tratamento. Como por exemplo, pessoas que apresentam uma alta restrição
emocional ou com um nível muito elevado de controle, pois podem ter dificuldade
em acessar as próprias emoções e em se engajar nas vivências e role-plays;
indivíduos que querem soluções práticas e rápidas para os problemas ou
aconselhamento, podem achar o processo exploratório não palpável. Essas
situações podem dificultar a formação da aliança terapêutica que é um dos pilares
fundamentais da abordagem. Os clientes altamente frágeis, que apresentam um alto
nível de desregulação e engajamento em automutilação, também, podem não se
beneficiar inicialmente com o protocolo da TFE, fazendo-se necessário
primeiramente desenvolver um senso de segurança e a habilidade em regular as
próprias emoções, antes da adoção do protocolo padrão da TFE.
Apesar do fato da TFE contar com muitas pesquisas e trabalhos publicados,
Greenberg (2011) faz uma ressalva em relação à necessidade da realização de mais
pesquisas, como por exemplo, para obter evidências da efetividade da mudança de
emoção com emoção. Além disso, ele destaca a ideia que já tinha apresentado em
2002, quanto aos terapeutas TFE atuarem como coaches emocionais. Para tanto,
ele complementa que é necessário o desenvolvimento de treinamentos voltados
para um trabalho preventivo a fim de desenvolver habilidades de gestão emocional
nas pessoas, ou seja, habilidades para gerenciar as próprias emoções, para
identificar e conseguir discriminar as emoções, para diferenciar os seus sentimentos
57
dos sentimentos das outras pessoas, para tolerar as emoções e saber como utilizá-
las como fontes de informação.
Um passo crucial na aplicação do trabalho da TFE de forma mais
abrangente é por meio do desenvolvimento de programas preventivos para
crianças, adolescentes, jovens adultos, pais, professores e gestores, para
que possam aprender sobre as suas emoções e serem encorajados para a
prática de perceber as suas emoções, se tornarem mais compassivos
consigo próprios e com os outros e aprender a regular a emoção para
refletir e transformar as emoções. (GREENBERG, 2011 p. 2560, tradução
nossa).
58
2.3 Psicologia Positiva
2.3.1 Visão geral
Em 1.998, o psicólogo americano Martin Seligman, então presidente da APA
(American Psychological Association), publicou o artigo “Building human strenght:
Psychology´s forgotten mission”, com a sua visão em relação ao contexto histórico
da Psicologia e, consequentemente, a justificativa para o lançamento da Psicologia
Positiva. A seguir, alguns trechos compilados do respectivo artigo8:
Antes da Segunda Guerra Mundial, a psicologia tinha três missões: curar
as doenças mentais, tornar a vida das pessoas mais satisfatórias e
identificar e cultivar talentos superiores. Depois da Guerra dois eventos
mudaram a cara da Psicologia (nos EUA): a criação da “Administração para
os Veteranos de Guerra” e a instituição do “Instituto Nacional de Saúde
Mental”, sendo assim, os psicólogos focaram seu trabalho no
tratamento e pesquisa sobre as doenças mentais e passos enormes
foram dados em relação à compreensão e ao tratamento da doença mental.
[...]
Cinquenta anos depois, quero lembrar à nossa área de que ela se desviou.
A Psicologia Positiva não é apenas o estudo da fraqueza e do dano, mas
também o estudo da qualidade e da virtude. Tratar não significa apenas
consertar o que está com defeito, mas também cultivar o que temos de
melhor.
[...]
Descobrimos que há um conjunto de qualidades humanas que são os mais
prováveis parachoques contra a doença mental: coragem, otimismo,
habilidade interpessoal, ética no trabalho, esperança, honestidade e
perseverança.
Cinquenta anos de trabalho dentro de um modelo médico baseado no
defeito pessoal e no cérebro problemático deixaram as profissões da saúde
mental mal equipadas para realizar a prevenção eficaz. Precisamos de
pesquisas de grande porte sobre qualidades e virtudes humanas.
Precisamos de profissionais que reconheçam que grande parte do
melhor trabalho que realizam é amplificar essas qualidades, em lugar
de consertar os defeitos de seus pacientes. Precisamos de psicólogos
que trabalhem com famílias, escolas, comunidades religiosas e empresas
para enfatizar seu papel fundamental de potencializar as qualidades.
Assim, surge a Psicologia Positiva (PP) que é uma área da ciência que
estuda as emoções positivas, o caráter positivo (traços, virtudes, forças de caráter e
habilidades, como a inteligência e a capacidade atlética) e as instituições/
organizações que possam desenvolver as características positivas: governo,
empresas, família, escolas, religião, comunidades, ou seja, organizações que devem
8 apud SNYDER e LOPEZ, 2009, p. 18-19, grifo nosso.
59
agir como facilitadores do desenvolvimento e da utilização das emoções positivas e
das forças de caráter e as virtudes. (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).
Para Biswas-Diener (2011), a Psicologia Positiva é uma ciência aplicada que
estuda o florescimento humano e conta com uma série de intervenções
comportamentais a fim de aumentar o bem-estar subjetivo. Seligman et al. (2005),
destacaram que as pesquisas e os seus respectivos os resultados são destinados a
complementar e não a substituir o que já se sabe sobre o sofrimento, a fraqueza e
os transtornos humanos. Ou seja, o propósito é ter uma compreensão científica
mais completa e equilibrada da experiência humana, que inclui a compreensão do
sofrimento e da felicidade, bem como as suas interações, além de contar com
intervenções validadas cientificamente que aliviem o sofrimento e propiciem
felicidade. Um dos questionamentos principais que orienta os trabalhos da PP é “O
que há de certo com as pessoas?”, ampliando o questionamento que permeou os
estudos da Psicologia no século XX: “O que há de errado com as pessoas?”
(SNYDER e LOPEZ, 2009).
Os psicólogos positivos não inventaram a emoção positiva ou o bem-estar
ou o bom caráter, nem foram eles os primeiros a iniciar o estudo científico
de tais fenômenos. No entanto, a contribuição da Psicologia Positiva tem
sido campeã na investigação científica desses tópicos, mostrando
relevância e chamando a atenção de várias fundações e agências para o
financiamento de pesquisas, ajudando, assim, a levantar dinheiro para o
seu estudo e, possivelmente, fornecer uma estrutura conceitual abrangente.
(DUCKWORTH, STEEN E SELIGMAN, 2005, p. 633 – 634, tradução
nossa).
Mahoney (2002, p. 745, tradução nossa) expôs que: “embora o termo
Psicologia Positiva seja recente, tal abordagem compartilha um rico legado com os
estudos humanistas, da psicologia da saúde, do construtivismo e da espiritualidade”.
Dessa maneira, A PP pode ser entendida como um movimento que aprimorou e
ampliou os estudos e teorias de diversos estudiosos das áreas das ciências por
meio de trabalhos científicos focados nos aspectos saudáveis do ser humano e no
seu potencial de desenvolvimento. (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000). Em
relação aos estudos humanistas, a PP se alimentou e buscou aperfeiçoar os
trabalhos de alguns psicólogos humanistas como, Carl Rogers, Abraham Maslow,
Henry Murray, Gordon Allport e Rollo May que antes do surgimento da Psicologia
60
Positiva buscavam responder questões como (DUCKWORTH, STEEN E
SELIGMAN, 2005):
- O que é a boa vida?
- Quando as pessoas estão no seu melhor?
- Como podemos incentivar o nosso desenvolvimento pessoal e dos outros?
- O que significa ser autêntico?
- Como os terapeutas podem ajudar a construir a responsabilidade pessoal?
Há também outras importantes referências para a PP, como os trabalhos da
psicóloga austríaca Marie Jahoda9 em relação aos componentes da saúde mental
(aceitação de si mesmo, desenvolvimento, autonomia, percepção acurada da
realidade e domínio sobre o ambiental) e ao bem-estar (algo de direito de todos os
indivíduos) (SELIGMAN, DUCKWORTH e STEEN, 2005) e, também, do psiquiatra
austríaco Viktor Frankl10, que em 1963 pontuou que o primeiro propulsor do ser
humano não é o prazer, mas sim a busca de sentido na vida. (RASHID e
SELIGMAN, 2013).
A Psicologia Positiva objetiva aprimorar a qualidade de vida das pessoas e
prevenir o surgimento de transtornos mentais e patologias e promover instâncias
que ajudem no desenvolvimento de competências que propiciem o florescimento nas
pessoas. Para Fredrickson (2001), as atuais contribuições da PP mostram que as
potencialidades humanas têm um papel extremamente relevante na prevenção da
doença, não apenas na dimensão física, mas também na psicológica,
nomeadamente no que diz respeito aos grandes distúrbios emocionais.
2.3.2 Visão teórica
Inicialmente, a teoria apresentada por Seligman como tema da Psicologia
Positiva foi a teoria da felicidade (felicidade autêntica), composta por três fatores:
‘emoções positivas’ (prazeres, entusiasmo, êxtase, conforto e sensações
relacionadas, ou seja, o que faz parte do caminho para uma vida agradável);
‘engajamento’ (envolvimento e entrega às atividades e relações, ou seja, ter uma
9 Leitura sugerida: JAHODA, Marie - Current Concepts of Positive Mental Health, New York: Basic
Books, 1958. 10
Leitura sugerida: FRANKL, Viktor E. - Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Tradução de Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. Porto Alegre: Sulina, 1987.
61
vida engajada) e ‘sentido’ (sentido e significado, ter um propósito de vida, pertencer
a algo maior do que o próprio self). Uma década depois, com a evolução dos
estudos da PP, sua base teórica passa a ser a teoria do bem-estar (SELIGMAN,
2011) composta por cinco elementos: a) emoções positivas, b) engajamento, c)
relacionamentos positivos, d) sentido e, e) realização, que formam em inglês o
acrônimo PERMA – Positive Emotions, Engagement, Relationships, Meaning e
Accomplishment.
Os elementos do bem-estar são eles próprios coisas diferentes; não são
meras autoavaliações de pensamentos e sentimentos de emoção positiva,
do quanto se é engajado e de quanto sentido se tem na vida, como na
teoria original da felicidade autêntica. Portanto, o construto do bem-estar, e
não a entidade de satisfação com a vida, é o tema focal da Psicologia
Positiva. (SELIGMAN, 2011, p.410).
2.3.2.1 A teoria do bem-estar
De acordo com a explanação de Seligman (2011) cada elemento da teoria
do bem-estar conta com três propriedades:
1) Contribuição para o bem-estar;
2) A busca pelo elemento é baseada em seus componentes e não apenas para
a obtenção de algum dos outros elementos;
3) Independência na definição e mensuração em relação aos outros elementos.
E, cada elemento conta com aspectos que podem ser avaliados
subjetivamente pelo relato da pessoa ou com aspectos que podem ser mensurados
objetivamente. A seguir, breve explanação dos cinco elementos da teoria do bem-
estar:
a) Emoções positivas
O elemento ‘emoções positivas’ ou da vida agradável, num sentido mais
amplo, está associado ao hedonismo filosófico moderno que amplia a
conceitualização do hedonismo grego de prazer como um meio de felicidade e
satisfação com a vida. Na teoria do bem-estar, a felicidade e a satisfação com a
vida, como medidas subjetivas, são fatores que fazem parte da vida agradável, ao
contrário do exposto na teoria da felicidade autêntica em que eram consideradas o
objetivo de toda a teoria. “Como o elemento hedônico ou aprazível, a emoção
62
positiva abrange todas as variáveis subjetivas do bem-estar: prazer, êxtase,
conforto, afeição e outras afins”. (SELIGMAN, 2011, p. 432).
b) Engajamento
O elemento ‘engajamento’ ou vida engajada, de uma forma mais ampla, tal
como o elemento das ‘emoções positivas’, é avaliado subjetivamente e está
relacionado com a busca de engajamento e envolvimento com a vida, com os
relacionamentos, com o trabalho e com o lazer.
A noção de engajamento é fortemente influenciada pelo conceito de FLOW
(fluxo) de Csikszentmihalyi11, que é conceitualizado como o estado psicológico que o
indivíduo atinge quando está altamente concentrado, focado e envolvido em alguma
atividade desafiante que exige habilidades que o indivíduo possui, o tempo passa
despercebido e, muitas vezes, com a sensação de que não há separação entre
indivíduo e atividade (ambos se tornam uma coisa só), ou seja, tudo flui
harmoniosamente. (RASHID e SELIGMAN, 2013).
c) Relacionamentos positivos
O elemento ‘relacionamentos positivos’ contribui para o bem-estar e pode
ser mensurado de maneira independente dos outros elementos. Tal elemento não
deixa de ser uma forma de engajamento, propicia emoções positivas, pode ser fonte
de sentido e de realização, além de ser uma importante forma de suporte social e
apoio para o enfrentamento de situações difíceis na vida.
“Bem poucas coisas positivas são solitárias. [...] As outras pessoas são o
melhor antídoto para os momentos ruins da vida e a fórmula mais confiável para os
bons momentos”. (CHRISTOPHER PETERSON, apud SELIGMAN, 2011, p. 495).
d) Sentido
O elemento ‘sentido’ ou vida significativa, em sua forma mais ampla, envolve
a busca por sentido na vida, ou seja, o uso das forças pessoais para pertencer e
servir a algo maior do que si próprio e está relacionada com a teoria de Viktor Frankl.
As pessoas que buscam atividades que as conectam com um objetivo maior,
atingem uma vida significativa (RASHID e SELIGMAN, 2013). Uma vida significativa
pode ser atingida por diferentes caminhos: relacionamentos interpessoais, busca por
11
Leitura sugerida: CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: The psychology of optimal experience. New York: Harpers, 1990.
63
inovações artísticas, intelectuais ou científicas, contemplação filosófica ou religiosa,
ativismo social ou ambiental, carreiras experienciadas como chamados ou o ato de
seguir a própria vocação, como também, buscas solitárias por meio da
espiritualidade ou da meditação. (STILLMAN e BAUEISTEN, 2009 apud RASHID e
SELIGMAN, 2013).
Uma vida com significado e propósito vai além de ter metas e objetivos e
pode ser um fator protetor para diversos incômodos emocionais e psicológicos. A
psicoterapia pode ser uma das maneiras para auxiliar os indivíduos a identificar e
definir significado, sentido e propósitos na vida.
Complementando, Seligman, Rashid e Parks (2006, p. 777, tradução nossa),
sugerem que: “a falta de sentido na vida não é somente um sintoma, mas uma
causa de depressão, assim, intervenções que promovam sentido na vida do cliente
pode aliviar a depressão”.
e) Realização
A ‘realização’ ou vida realizada, de maneira mais ampla, é o elemento da
teoria do bem-estar que representa a busca por si própria, independente da
promoção ou não de emoção positiva, de sentido ou de relacionamentos positivos.
As pessoas que levam uma vida realizadora estão frequentemente
absorvidas no que fazem, muitas vezes buscam o prazer avidamente e
sentem emoção positiva (embora evanescente) quando ganham, e vencem
a serviço de algo maior. (SELIGMAN, 2011, p. 479)
O elemento ‘vida realizada’ também enfatiza uma das características da
Psicologia Positiva que é ser descritiva em de vez de ser prescritiva, ou seja, é uma
abordagem que descreve o que efetivamente as pessoas fazem para obter o bem-
estar, contudo, não prescreve o que se deve fazer.
A teoria do bem-estar suporta o objetivo da PP que é avaliar e produzir o
florescimento humano. E, o florescer para a Psicologia Positiva está em linha com a
visão de florescimento apresentada por Felicia Huppert e Timothy So da
Universidade de Cambridge (apud SELIGMAN, 2011), que ilustra que um indivíduo
para florescer deve ter todas as “características essenciais” e três das
“características adicionais” apresentadas a seguir:
64
FIGURA 5 - Características essenciais e adicionais para o florescimento humano
Características essenciais Características adicionais
Emoções positivas
Engajamento e interesse
Sentido e propósito
Autoestima
Otimismo
Resiliência
Vitalidade
Autodeterminação
Relacionamentos positivos
Fonte: SELIGMAN (2011, p. 616)
2.3.2.2 Emoções positivas
Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), é uma
das referências mundiais no estudo das emoções positivas. Um dos seus principais
trabalhos: “Teoria das emoções positivas: potencializar e construir”
(FREDRICKSON, 2001), destaca que a capacidade dos indivíduos em experienciar
emoções positivas pode ser uma força fundamental e central para o estudo do
florescer humano que vai ao encontro da missão da Psicologia Positiva que é
entender e promover os fatores que propiciam aos indivíduos, comunidades e
sociedades a florescer (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).
As emoções positivas servem como marcadores de florescimento ou de
bem-estar. Para Fredrickson (2001), quando as pessoas experienciam, em
momentos de suas vidas, emoções positivas, tais como: alegria, interesse,
satisfação, amor, não são atormentadas por emoções negativas, tais como:
ansiedade, tristeza, raiva e desespero. Apesar da distinção e até mesmo oposição,
em alguns casos, entre as emoções positivas e negativas, elas assumem um papel
de complementaridade na vida dos indivíduos, enquanto algumas emoções
negativas direcionam para um comportamento focado em situações que se exige
uma rápida ação para a proteção da vida, tal como lutar ou fugir, as emoções
positivas propiciam uma ampliação do repertório de pensamentos e ações que
levam o indivíduo a explorar, brincar, apreciar e interagir. (FREDRICKSON, 2001).
Uma vez que toda emoção tem um componente sensorial, de sentimento, de
raciocínio e de ação, é entendido que os sentimentos positivos e negativos induzem
a diferentes modos de pensar e agir, enquanto os sentimentos positivos direcionam,
por exemplo, para a criatividade, a generosidade, a gratidão, a tolerância e a
abertura para novas experiências e relações, os sentimentos negativos direcionam
65
para a concentração no que está errado e necessita ser eliminado (SELIGMAN,
2002).
O componente de sentimento de todas as emoções negativas é a aversão,
traduzida por desgosto, medo, repulsa, ódio e outros sentimentos parecidos.
Estes, como as imagens, os sons e os cheiros, penetram na consciência e
dela tomam conta. Ao agir como um alarme sensorial que avisa sobre a
possibilidade de um jogo em que, para uma das partes ganhar, a outra tem
necessariamente que perder, os sentimentos negativos mobilizam o
indivíduo a descobrir e eliminar o que está errado. O tipo de raciocínio que
essas emoções necessariamente provocam é direcionado e rigoroso,
fazendo com que o assaltado concentre a atenção na arma, e não no corte
de cabelo do assaltante. Tudo isso termina em uma ação rápida e decisiva:
luta, fuga ou proteção. (SELIGMAN, 2002, p.676).
Para Seligman (2011), a emoção positiva é muito mais do que uma
sensação agradável, é um sinal evidente de crescimento que consequentemente
gera um acúmulo de capital psicológico. Mesmo sendo provisórias, as emoções
positivas têm um papel essencial no processo de desenvolvimento das pessoas,
propiciando mais flexibilidade, criatividade e eficiência (RASHID e SELIGMAN,
2013). E por outro lado, o desenvolvimento e a presença de emoções positivas na
vida das pessoas são fatores chave para o enfrentamento de problemas e situações
difíceis da vida. Diversas pesquisas investigaram tal afirmação, como por exemplo,
Fredrickson e Joiner (2000 - apud FREDRICKSON, 2001) constataram que pessoas
que experimentam emoções positivas apresentam um estilo de enfrentamento que
conseguem considerar os diferentes ângulos da situação ao se manterem com a
mente aberta e darem um passo atrás do problema. E, Folkman e Moskowitz (2000
– apud FREDRICKSON, 2001), identificaram três tipos de enfrentamento vinculados
à existência e a manutenção de emoções positivas durante situações de estresse
crônico: reavaliação positiva, ação dirigida e focada ao problema e a infusão em
eventos comuns com uma significação positiva, em indivíduos que apresentam um
escopo ampliado de atenção e reflexão das situações problemáticas. Dessa
maneira, faz todo sentido a colocação de Seligman (2002, p. 93): ”As emoções
positivas de confiança e esperança, por exemplo, não nos são mais úteis quando a
vida é fácil, mas quando ela é difícil”.
Para a Psicologia Positiva, as emoções positivas podem estar ligadas ao
passado, ao presente ou ao futuro. Assim, as emoções positivas relacionadas ao
passado contemplam: satisfação, contentamento, realização, orgulho e
66
serenidade, em relação ao presente contemplam: alegria, êxtase, calma,
entusiasmo, animação e prazer e em relação ao futuro contemplam: otimismo,
esperança, fé e confiança. (SELIGMAN, 2002, grifo nosso).
É importante salientar que a visão e a utilização das emoções positivas nos
trabalho da PP não estão baseadas no estilo de “pensar positivo”, para tanto,
Seligman (2002) enfatiza que uma emoção positiva desconectada do exercício do
caráter pode levar ao vazio, à inverdade, à depressão e à medida que os anos
passam, pode levar à corrosão de toda a realização que foi buscada até o último dia
de vida da pessoa. Assim, para ele, o sentimento positivo gerado pelo exercício das
forças e virtudes e não por soluções rápidas é um sentimento autêntico.
2.3.2.3 Forças de caráter e virtudes
Em 1.999, Neal Mayerson12 direcionou a Martin Seligman o seguinte
questionamento “Podemos ter a esperança de que a Psicologia Positiva será capaz
de ajudar as pessoas a desenvolver seu elevado potencial?”. A partir daí, Seligman
e Peterson13 e diversos outros profissionais iniciaram um longo trabalho de pesquisa
a fim de identificar virtudes e forças de caráter que fazem a boa vida possível, para,
assim, definir um “manual das sanidades” (Character Strengths and Virtues: a
handbook and classification) em oposição ao DMS (Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders). (PETERSON e SELIGMAN, 2004).
Para tanto, Peterson, Seligman e os demais pesquisadores estudaram de
filósofos gregos a livros sagrados das culturas ocidentais e orientais, tais como:
Aristóteles, Platão, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, a Bíblia, o Talmude,
Confúcio, Buda, Lao Tze, Bushido (código dos samurais), Alcorão e catálogo de
virtudes. Como resultado, vinte e quatro forças (de caráter) foram selecionadas e
organizadas em seis grupos de virtudes alinhados com os seguintes critérios
(SELIGMAN e RASHID, 2013; PETERSON e SELIGMAN, 2004, SELIGMAN, 2002):
- Ser valorizada por quase todas as culturas;
- Contribuir de diferentes maneiras para a boa vida do indivíduo e para a vida
de outros;
12
Membro da Fundação Mayerson que criou o Values in Action (VIA) Institute – Instituto Valores em Ação. apud PETERSON e SELIGMAN, 2004, p.v, tradução nossa. 13
Christopher Peterson (1950 – 2012) - Psicólogo e Professor da Universidade de Michigan.
67
- Ser valorizada pelo valor moral do que é certo, mesmo na ausência de
benefícios pessoais;
- A demonstração da força por uma pessoa não diminui as demais pessoas;
- Manifestar-se constantemente ou em fases por meio dos comportamentos,
atitudes, pensamentos e sentimentos de um indivíduo.
A relação compilada das vinte e quadro forças organizadas nos grupos das
seis virtudes pode ser consulta no quadro a seguir:
FIGURA 6 - Classificação Valores em Ação das Forças de caráter Sabedoria e Conhecimento – Qualidades cognitivas que implicam aquisição e uso do conhecimento. Criatividade: Pensar em formas novas e produtivas de conceituar e fazer as coisas
Curiosidade: Interessar-se pela experiência em andamento por si só
Abertura: Refletir sobre as coisas e as examinar a partir de todos os ângulos
Amor por aprender: Dominar novas habilidades, tópicos e corpos de conhecimento
Perspectiva: Ser capaz de dar conselhos sábios aos outros
Coragem – Qualidades emocionais que envolvem o exercício da vontade de atingir objetivos diante de oposição, externa e interna. Bravura: Não recuar diante de ameaças, dificuldades, sofrimento
Persistência: Terminar o que se começou; persistir em um curso de ação apesar dos
obstáculos
Integridade: Falar a verdade, mas mais amplamente, apresentar-se de forma genuína
Vitalidade: Encarar a vida com entusiasmo e energia; não fazer coisa alguma com pouco
entusiasmo
Humanidade – Qualidades interpessoais que envolvem tomar conta e fazer amizades com outras pessoas. Amor: Valorizar relacionamentos íntimos com outros, especialmente aqueles nos quais há
solidariedade e cuidado mútuo; ser próximo das pessoas
Gentileza: Fazer favores e boas ações para os outros; ajuda-los, cuidar deles
Inteligência social (inteligência emocional, inteligência pessoal): estar ciente dos próprios
sentimentos e motivações, bem como dos outros
Justiça – Qualidades cívicas que estão por trás de uma vida saudável em comunidade. Cidadania: Trabalhar bem como membro de um grupo ou equipe; ser leal ao grupo Imparcialidade: Tratar todas as pessoas segundo as mesmas noções de imparcialidade e
justiça Liderança: Estimular um grupo do qual se é membro para fazer as coisas
Temperança – Qualidades que protegem contra excessos. Perdão e compaixão: Perdoar os que erraram; aceitar as falhas dos outros Humildade/ Modéstia: Deixar que as suas realizações falem por si Prudência: Ser cuidadoso em relação às próprias escolhas, não correr riscos indevidos Autorregulação: Regular o que se sente e faz; ser disciplinado
Transcendência – Qualidades que forjam conexões com o universo mais amplo e dão sentido. Apreciação da beleza e excelência: Observar e apreciar a beleza, a excelência e o
desempenho habilidoso em vários domínios da vida Gratidão: Estar ciente e agradecido pelas coisas boas que acontecem Esperança: Esperar o melhor no futuro e trabalhar para atingi-lo Humor: Gostar de rir e fazer brincadeiras; levar sorrisos às outras pessoas Espiritualidade: Ter crenças coerentes em relação ao propósito e sentido maiores do
universo Fonte: PETERSON e SELIGMAN (2004), apud SNYDER e LOPEZ (2009, p. 66)
68
Seligman (2002) destacou que algumas forças pessoais permeiam toda a
vida e as ações dos indivíduos, enquanto que outras podem ser momentâneas ou
fásicas, como também, que algumas forças são típicas da personalidade de um
indivíduo e outras não. Os elementos que podem ser fásicos são: perseverança,
perspectiva, justiça e coragem, pois uma única ação no decorrer da vida de um
indivíduo que reflita alguma dessas características pode ser suficiente para
demonstrar a aplicabilidade e/ ou capacidade de usar a respectiva força. Além disso,
todas as pessoas possuem várias forças pessoais que podem e devem ser
exercitadas diariamente nos relacionamentos interpessoais, no trabalho, nos
momentos de diversão e lazer, na criação dos filhos, entre outras situações. Além
disso, um ou mais dos seguintes critérios deve ser aplicável quando no exercício e
utilização de das forças (SELIGMAN, 2002):
- Senso de participação e autenticidade;
- Sensação de entusiasmo (principalmente no início);
- Rápida curva de aprendizagem (em especial se for a primeira vez de
utilização da força);
- Contínua aprendizagem de novas maneiras de colocar a respectiva força em
prática;
- Vontade de encontrar meios para usar determinada força;
- Sentimento de inevitabilidade;
- Fortalecimento em vez de exaustão;
- Criação e busca de realização de projetos pessoais que girem em torno de
determinada força;
- Alegria, animação, entusiasmo e, até mesmo, êxtase.
É importante pontuar que as forças de caráter são distintas de talentos e
habilidades. As forças apresentam aspectos morais, enquanto os talentos e as
habilidades não (RASHID e SELIGMAN, 2013). No entanto, da mesma maneira que
indivíduos podem aprender, desenvolver e aperfeiçoar habilidades, também é
possível desenvolver, aprender e aperfeiçoar as forças de caráter. E assim, afirma
Seligman (2002, p.102): ”Os melhores terapeutas não curam simplesmente os
sintomas; eles ajudam a construir forças e virtudes”.
As vinte quatro forças pessoais sustentam todos os cinco elementos da
teoria do bem-estar, uma vez que a utilização de tais forças propicia mais emoção
69
positiva, mais sentido, melhores relacionamentos, além de realização, em
contrapartida com a teoria da felicidade em que as vinte quatro forças eram o
suporte para o engajamento. (SELIGMAN, 2011).
O mapa individual das forças de caráter pode ser usado em trabalhos em
diferentes atividade e contextos: psicoterapia, coaching, educacional e
organizacional. O VIA Institute (www.viacharacter.org) disponibiliza os seguintes
questionários em diversas línguas:
- Values in Action Inventory of Strengths (VIA-IS)
- Values in Action Rising to the Occasion Inventory (VIA-RTO)
- Values in Action Inventory of Strengths for Youth (VIA-Youth)
2.3.3 Intervenções e o processo da psicoterapia
As intervenções positivas apresentaram um progresso na última década por
meio de estudos e pesquisas empíricas e do alinhamento com o rápido crescimento
da Psicologia Positiva a partir de 2000 com a publicação do artigo: “Positive
Psychology: An Introduction” de Seligman e Csikszentmihaly. Uma das premissas de
uma intervenção positiva é propiciar o aumento de sentimentos, da cognição ou de
comportamentos positivos e, por outro lado, não é foco das intervenções positivas,
amenizar a patologia ou corrigir pensamentos negativos ou padrões desadaptativos
de comportamentos (SIN E LYUBOMIRSKY, 2009). Ou seja, uma intervenção
positiva consiste em identificar, desenvolver e aplicar as respectivas forças pessoais
e não dedicar demasiado esforço à correção das fraquezas e no que não está
funcionando na vida do indivíduo.
Alguns exemplos de intervenções positivas validadas por meio de
demonstração empírica são: Contagem de bênçãos, Prática da gentileza, Definição
de objetivos pessoais, Gratidão e Uso das forças pessoais, (BOILER et al., 2013),
essas intervenções foram desenvolvidas com base na teoria da PP. Em adição, há
diversas intervenções voltadas para o aprimoramento do bem-estar e que são
incluídas nos processos de psicoterapia da PP, como: mindfulness, loving kind
meditation e outras formas de meditação, terapia do perdão, intervenção para
autocompaixão – técnica das duas cadeiras da Gestalt entre outras (RYE et al.,
2013).
70
De acordo com Seligman (2011), a PP veio com o propósito de ser uma
nova abordagem de cura, com a proposta de não ser apenas um tratamento
cosmético, ou seja, as intervenções positivas são essenciais para propiciar uma
psicoterapia que vai além do alívio cosmético dos sintomas e propicia a cura. O
mesmo autor também enfatiza que a psicoterapia e os remédios como estão sendo
utilizados são insuficientes para um processo de cura e de florescimento, uma vez
que o foco de tratamento é ‘livrar’ o indivíduo do sofrimento, da miséria e dos
sintomas negativos, o que não necessariamente promove bem-estar ou propicia
uma vida feliz, mesmo quando são completamente bem sucedidos. Sendo assim,
remover as condições que muitas vezes são debilitantes na vida de um indivíduo,
não é o mesmo que desenvolver condições propícias para a vida. Com tais
constatações, de maneira alguma se prega que a minimização do sofrimento não é
importante, mas para uma pessoa florescer, além da minimização do sofrimento é
essencial ter e contar com um repertório de emoção positiva, sentido, realização e
relacionamentos positivos.
Dessa forma, as práticas e os exercícios que promovem os elementos da
teoria do bem-estar são particularmente diferentes das práticas que minimizam o
sofrimento. Tais práticas estão alinhadas com uma necessidade que os indivíduos
frequentemente direcionam aos psicoterapeutas: ‘eu somente quero ser feliz’, e
assim, se acredita que as pessoas com problemas psicológicos desejam mais
alegria, satisfação, entusiasmo e coragem em suas vidas, além de simplesmente,
menos tristeza, medo, raiva ou tédio. (RASHID e SELIGMAN, 2013). Em adição,
Seligman (2011) destaca que a Psicoterapia Positiva é composta por um conjunto de
técnicas que são mais eficazmente utilizadas se associadas aos princípios
terapêuticos básicos de acolhimento, empatia, confiança, sinceridade e
relacionamento profissional, ou seja, os mesmos princípios básicos de outras
psicoterapias.
Para Rashid e Seligman (2013), o foco nas potencialidades e forças de
caráter é um dos diferenciais da Psicologia Positiva e tal foco está altamente
relacionado com as intervenções e com o processo da psicoterapia. O conhecimento
das forças de cada indivíduo (mapa das forças de caráter) é fundamental para uma
melhor compreensão dos caminhos, atividades e situações que o cliente possa ser
bom, saudável, eficiente e competente, em contrapartida com a atuação da
71
psicologia tradicional, baseada nos sintomas e nas respectivas severidades,
direcionada para entender o estresse, a tristeza, a raiva e a ansiedade de cada
cliente. Sendo assim, da mesma maneira que a psicologia entende que indivíduos
que experienciam emoções negativas, como: raiva, hostilidade, vingança ou que
apresentem traços narcisistas estão mais propensos a desenvolver uma série de
problemas psicológicos, os indivíduos que experienciam gratidão, perdão,
humildade, amor e bondade são mais propensos a reportar que são mais felizes e
mais satisfeitos com a vida. Dessa maneira, conhecer as forças do cliente, além dos
sintomas apresentados, é crucial para uma prática clínica mais equilibrada e
holística, ou seja, é fundamental entender que a “psicoterapia é muito mais que a
cultivação do bem-estar e é mais do que o alívio da angústia” (RASHID e
SELIGMAN, 2013, p. 470, tradução nossa). Assim, tais autores, também,
argumentam que a psicoterapia é um dos mais importantes processos para
desenvolver as forças de caráter, em função de:
- O aprimoramento das forças produz crescimento e mais bem-estar,
enquanto a correção de fraquezas é apenas uma maneira de remediação;
- A reparação ou a correção das fraquezas não, necessariamente, faz as
pessoas mais fortes ou mais felizes;
- O uso das forças amplia a autoeficácia e a confiança de maneira que o
trabalho focado nas fraquezas não permite;
- As forças oferecem caminhos para o indivíduo ser bondoso, gentil, bem-
humorado, diligente, curioso, criativo e agradecido;
- As forças, essencialmente, vêm de ser bom e não de se sentir bem e são
construídas por meio de ações realistas.
Nas palavras de Seligman (2002, p.340):
O bem-estar que a utilização das forças pessoais produz tem sua base na
autenticidade. Mas assim como o bem-estar precisa se ancorar em forças e
virtudes estas devem estar ancoradas em algo maior. E assim como a vida
boa está além da vida agradável, a vida significativa está além da vida boa.
2.3.3.1 A Psicoterapia Positiva
O processo de psicoterapia da Psicologia Positiva escolhido para ser
ilustrado nesse trabalho é o da Psicoterapia Positiva (PPT – Positive
Psychotherapy), que foi desenvolvida e sua validade demonstrada empiricamente
72
pelo psicólogo Tayyab Rashid com Martin Seligman. A PPT foi apresentada em
2006 por Seligman, Rashid e Parks como um esforço da Psicologia Positiva para
ampliar o escopo da psicoterapia tradicional. (SELIGMAN, RASHID e PARKS, 2006).
A Psicoterapia Positiva é baseada em três principais premissas conforme
detalhamento de Rashid e Seligman (2013):
1) A felicidade, tal como a psicopatologia, não é algo que reside dentro da
pessoa, mas sim é gerada por meio de sua interação com o ambiente. Tal como
outras psicoterapias humanistas, a PPT acredita que a psicopatologia resulta
quando as capacidades inatas dos indivíduos para crescer ou para se sentirem
realizados e felizes são frustradas por questões socioculturais. Assim, a psicoterapia
oferece uma opção viável para reestabelecer as tendências de crescimento do
cliente que foram prejudicadas em função de suas interações. Complementando,
Rashid (2008 ?, p.1, tradução nossa) afirma que: “os clientes desejam crescimento,
completude e felicidade ao invés de somente evitar a miséria, as preocupações e a
ansiedade”.
2) As emoções positivas e as forças de caráter pessoal são tão autênticas e
reais quanto os sintomas e os distúrbios. Os recursos positivos (emoções e forças)
não são, simplesmente, resultantes da ausência de traços negativos. Quando uma
psicoterapia trabalha ativamente para restaurar e nutrir, por exemplo, coragem,
gentileza, humildade, perseverança e inteligência social e emocional, a vida do
cliente se torna completa, em contrapartida, uma psicoterapia que, principalmente,
foca na diminuição ou na melhora dos sintomas, o cliente passa a viver menos
miseravelmente. A incorporação da visão das forças de caráter, além da visão dos
sintomas, expande as opções terapêuticas para os clientes e para os
psicoterapeutas.
3) Uma relação terapêutica efetiva pode ser formada por meio da discussão
e da manifestação dos recursos positivos e não somente por meio de uma longa
análise das fraquezas e deficiências. (RASHID, 2008?). Uma abordagem de
psicoterapia que foca em analisar e explorar somente os problemas do cliente, além
da visão distorcida da psicoterapia propiciada pelas mídias populares, pode levar os
clientes a acreditar que a psicoterapia é exclusivamente voltada para falar sobre
problemas, ventilar as emoções reprimidas e recuperar uma autoestima abalada ou
perdida. Isso não quer dizer que falar ou discutir a respeito dos problemas, traumas
73
de infância, insatisfações e necessidades não atendidas, não seja relevante, mas
tais discussões não podem ser condição sine qua non para a relação terapêutica.
2.3.3.1.1 Fundamentos teóricos da Psicoterapia Positiva
A PPT foi baseada nas teorias da felicidade e do bem-estar propostas por
Seligman (2002; 2011), descritas anteriormente nesse trabalho. A visão geral dos
fundamentos teóricos da PPT resumido por Rashid e Seligman (2013) está
apresentada a seguir.
Vida prazerosa
A dimensão da vida prazerosa está relacionada com as teorias hedonistas
de felicidade e consiste na experiência e na vivência de emoções positivas em
relação ao passado: satisfação, contentamento, completude e serenidade, em
relação ao futuro: esperança, otimismo, fé, confiança e em relação ao presente:
alegria, prazer, entusiasmo. As emoções positivas, como as emoções negativas,
tendem a ser provisórias, contudo, as emoções positivas desenvolvem resiliência e
são essenciais para a flexibilidade e para a criatividade de um indivíduo.
Faz parte do processo da psicoterapia, identificar e vivenciar as emoções
positivas, como também, que o cliente aprenda novas habilidades para ampliar e
intensificar a duração dessas emoções (SELIGMAN, RASHID e PARKS, 2006).
Como por exemplo:
- A presença de pouca apreciação dos acontecimentos positivos do passado e
de ênfase excessiva aos acontecimentos negativos da própria vida pode
resultar no enfraquecimento da serenidade, do contentamento e da
satisfação. (SELIGMAN, 2002). Assim, são utilizados exercícios de perdão e
gratidão a fim de propiciar memórias positivas. A gratidão aumenta a
apreciação dos eventos positivos vividos e o perdão ajuda a reescrever a
história passada. (LYUBOMIRSKY, SHELDON e SCHKADE, 2005;
SELIGMAN, 2002).
- Um indivíduo com depressão, além da anedonia, apresenta descrença no
futuro e falta de esperança, assim, são aplicáveis as intervenções baseadas
no trabalho do otimismo, uma vez que são fortemente utilizadas no
tratamento da depressão (SELIGMAN, 2002, 2005).
74
- Uma das maneiras de promover a experiência de emoções positivas no
presente é por meio de uma atitude mindfulness (atenção plena), que pode
ser trabalhada por meio de meditação e exercícios de concentração, como
também, com exercícios voltados para se aprender a aproveitar e ‘saborear’
o momento, tal como desfrutar tranquilamente de uma atividade que se
costuma fazer correndo, por exemplo: se alimentar. (SELIGMAN, RASHID e
PARKS, 2006).
Uma vida sem a presença de emoções positivas e de prazeres pode ser
causa, tal como sintoma de psicopatologia, assim, promover a vida agradável pode
ser um dos objetivos da psicoterapia. (RASHID e SELIGMAN, 2013).
Vida engajada
Para Seligman, Rashid e Parks, (2006), a depressão está correlacionada
com a falta de engajamento nas principais áreas da vida e a falta de engajamento
pode causar depressão. McCormick et al. (2005), pontuaram que as características:
anedonia, apatia, tédio, multitarefa e inquietação, que estão presentes em muitos
distúrbios psicológicos, nada mais são que manifestações de falta de atenção, o que
dificulta ou impossibilita o atingimento de um estado de flow. Como afirmam Rashid
e Seligman (2013, 478, tradução nossa): “O engajamento pode ser um importante
antídoto contra o tédio, a ansiedade e a depressão”.
Uma vida engajada, com relacionamentos positivos e saudáveis, trabalho e
lazer, por exemplo, são fundamentais para uma vida agradável e para o bem-estar.
Dessa maneira, reforçar, aumentar ou até mesmo ajudar as pessoas a criar
engajamentos em suas vidas faz parte do trabalho da PPT. Uma das maneiras para
aumentar o engajamento, proposto por Seligman (2002), consiste na identificação
dos talentos e das forças pessoais do cliente e das situações e oportunidades
propicias para a utilização das forças pessoais de maneira consciente e autêntica.
As situações podem estar relacionadas com atividades esportivas, profissionais,
espirituais, sociais, relacionamentos afetivos, lazer, hobbies entre outras a serem
identificadas de acordo com o perfil e ambiente em que o cliente está inserido.
Vida significativa
As pessoas que buscam atividades que as conectam com um objetivo maior,
atingem uma vida significativa. E, uma vida significativa pode ser atingida por
75
diferentes caminhos: relacionamentos interpessoais, busca por inovações artísticas,
intelectuais ou científicas, contemplação filosófica ou religiosa, ativismo social ou
ambiental, carreiras experienciadas como chamados e buscas solitárias por meio da
espiritualidade ou da meditação (STILLMAN e BAUEISTEN, 2009 apud RASHID e
SELIGMAN, 2013).
Ter um sentido e propósito na vida vai além de ter metas e objetivos e pode
ser um importante fator protetor para diversos incômodos emocionais e psicológicos.
A psicoterapia pode ser uma das maneiras para auxiliar os indivíduos a identificar e
definir significados, sentido e propósitos na vida. Em adição, Rashid e Seligman
(2013, p.478, tradução nossa) afirmam que: “significado e propósito podem motivar
os clientes psicologicamente angustiados a definir objetivos e buscar atingi-los, [...],
além disso, clientes cujas vidas estejam imbuídas com sentido são mais propensos
a persistirem frente às dificuldades”.
Relacionamentos positivos
Conforme explicado na teoria do bem-estar, os relacionamentos positivos
são importantes em função de que poucas das coisas que são positivas são
solitárias.
A psicoterapia tradicional com foco nas deficiências, acaba subestimando a
forte influência do contexto dos relacionamentos interpessoais dos clientes. Os
relacionamentos interpessoais representam uma fonte essencial para suporte social
ou como afirmam Rashid e Seligman (2013, p.478, tradução nossa): “As outras
pessoas são o melhor antídoto contra o desânimo diante dos desafios da vida”.
Dessa maneira, a PPT, considera o ambiente em que o indivíduo está
inserido, tal como a qualidade das relações interpessoais do cliente no seu processo
psicoterápico.
Realização
A dimensão “realização” também é levada em consideração na PPT. Leva-
se em consideração que as pessoas voltadas para ‘realização’ são absorvidas e
comprometidas com as suas buscas e utilizam de emoções positivas em tal
processo, principalmente no momento em que atingem a realização. Na esfera do
bem-estar, as pessoas utilizam-se de emoções positivas para ‘saborear’ e celebrar
as suas realizações.
76
Vida plena
Uma vida plena implica em ter prazer, engajamento, sentido na vida,
realizações e relacionamentos positivos de acordo com o exposto na teoria do bem-
estar. Rashid e Seligman (2013) ressaltam que esses elementos não são exclusivos
ou exaustivos, mas por outro lado, uma vida vazia (sem prazer, sem engajamento,
sem sentido, sem realizações e sem relacionamentos positivos), principalmente em
relação com a falta ou problemas de engajamento e sentido, resulta em problemas
psicológicos. Sendo assim, esses problemas, quando existentes, fazem parte do
processo de trabalho da Psicoterapia Positiva.
2.3.3.1.2 O processo da Psicoterapia Positiva
Rashid (2008 ?, p.2, tradução nossa) expõe que apesar do positivo no nome
da abordagem, o foco da PPT não é exclusivo nos aspectos positivos da experiência
humana: “Seria ingênuo e utópico conceber a vida sem experiências negativas”.
O processo da PPT aqui exposto foi baseado no modelo apresentado por
Rashid e Seligman (2013). O foco inicial do tratamento é a formação da relação e do
vínculo terapêutico, ou seja, o terapeuta deve focar em construir uma boa relação
terapêutica por meio de uma postura de atenção plena voltada para escutar as
preocupações do cliente e para o encorajamento do cliente a fim de narrar uma
história real de sua vida, com destaque para uma situação de sucesso ou que ele
entenda como uma situação em que apareceu o seu melhor lado ou uma
experiência de enfrentamento de uma situação desafiadora. Os aspectos da
Psicologia Positiva (positividade de sua teoria) são apresentados no início do
processo e acaba fazendo parte naturalmente da narrativa por todo o processo da
terapia.
Rashid e Seligman (2013) apresentaram um modelo da PPT para o
tratamento da depressão em quatorze semanas, ilustrado a seguir.
77
FIGURA 7 - Visão geral do modelo da PPT com quatorze sessões S
es
sã
o
Tópico e tarefa de casa
(TC)
Descrição
1 Orientações sobre a
Psicoterapia Positiva
Confidencialidade e os seus limites; regras, papéis e responsabilidades
são discutidos; também é ressaltada a importância de concluir as
tarefas de casa.
Os problemas apresentados são discutidos no contexto de falta de
recursos positivos, como as emoções positivas, engajamento,
relacionamentos positivos, sentido e significados na vida, realizações e
forças de caráter.
TC: Introdução positiva Escrever uma página (cerca de 300 palavras) com uma "introdução
positiva" a respeito de uma história concreta em que o cliente
apresentou o seu melhor ou uma situação que ele considere de
sucesso em sua vida.
2 Forças de caráter
Avaliação dos pontos
fortes
O cliente identifica seus pontos fortes (de acordo com as forças de
caráter), incluindo os ilustrados na sua introdução positiva; as forças de
caráter são discutidas, como também, engajamento, fluxo (flow) e os
benefícios das emoções positivas.
Preenchimento do inventário das forças de caráter, online, com 72 itens;
de duas outras pessoas significativas (um membro da família e um
amigo), identificação dos seus pontos fortes com base no mapa das
forças de caráter - também conhecido como mapa individual de forças
ou assinatura das forças de caráter. (opcional)
TC: Jornal de bênçãos O cliente deve iniciar um diário para registro de três coisas boas a cada
noite. No início das próximas sessões há a apresentação da visão
semanal do jornal diário e a identificação dos benefícios, padrões e
desafios relacionados.
3 Assinatura de forças
(parte do mapa individual
das forças de caráter)
A assinatura das forças é identificada integrando várias perspectivas.
Cliente e terapeuta discutem metas específicas, que devem ser
mensuráveis e realizáveis, voltadas para problemas específicos do
cliente ou para cultivar mais engajamento.
TC: Plano de ação da
assinatura de forças
Completar a relação de objetivos com o respectivo plano de ação da
assinatura de forças.
4 Memórias boas vs.
Memórias ruins
O papel das memórias ruins e amargas é discutido em termos de como
elas perpetuam o sofrimento psicológico.
Discussão de estratégias para a reavaliação cognitiva positiva para
reescrever e resignificar lembranças ruins e amargas e dos benefícios
78
das boas lembranças ou memórias.
TC: Escrevendo sobre
memórias
Escrever sobre memórias ruins e os sentimentos de raiva e amargura e
seu impacto na perpetuação do sofrimento emocional.
5 Perdão O perdão é explorado como uma opção potencial para transformar os
sentimentos de raiva e amargura, relacionados com uma situação
específica, em neutralidade ou, até mesmo, em emoções positivas.
TC: Carta do perdão Escrever uma carta para alguém que o machucou/ magoou, falar sobre
a situação, as emoções relacionadas e comprometer-se a perdoar o
transgressor. Não necessariamente a carta será entregue para a outra
pessoa, mas pode ser entregue e lida pelo cliente, se ele desejar.
6 Gratidão Discussão de gratidão como uma postura de agradecimento perene. Os
papéis das memórias boas e das más são discutidos novamente com
ênfase na gratidão.
HW: Carta de gratidão e
visita
Escrever e entregar, pessoalmente, uma carta de agradecimento para
alguém que fez algo significativo para ele, mas que ele não agradeceu
adequadamente.
7 Sessão de feedback
(metade do processo)
Acompanhamento (follow-up) do plano de ação da assinatura de forças,
as atribuições do perdão e da gratidão.
Discussão do progresso terapêutico e de necessidade de realização de
mudanças em tal processo/ plano da terapia.
8 Satisficing vs.
maximização
Discussão de conceitos de satisficing (se contentar com o bom e
suficiente) e maximização.
TC: Satisficing Identificar as áreas e planejar onde pode se beneficiar da visão/ postura
“satisficing”.
9 Esperança, otimismo e
Crescimento pós-
traumático
Discussão detalhada sobre otimismo e esperança. Ajudar o cliente a
refletir sobre momentos em que aspectos/ questões importantes foram
perdidas, mas outras oportunidades foram abertas. Exploração do
crescimento potencial pós-trauma.
TC: Uma porta se fecha
e uma porta se abre
Escrever sobre situações da própria vida em que três portas se
fecharam e perguntar quais portas se abriram.
10 Comunicação positiva Discussão sobre comunicação “ativa-construtiva”, uma técnica de
comunicação positiva.
TC: Prática de resposta
ativa-construtiva
Automonitoração de oportunidades para resposta ativa-construtiva.
11 Assinatura de forças de Discussão da importância do reconhecimento e associação das forças
79
outros significativos de caráter dos membros da família.
TC: Árvore de forças da
família
Solicitar para alguns membros da família o preenchimento do inventário
de forças online para em seguida poder elaborar a árvore de forças da
família. Sugere-se que o cliente discuta com um membro da família a
respeito da árvore de forças da família.
12 Savoring Discussão sobre Savoring (‘saborear’/ ‘curtir’) e respectivas técnicas e
estratégias.
TC: Plano com
atividades para savoring
Planejar atividades para ‘saborear’ utilizando técnicas específicas.
13 Altruísmo Discussão dos benefícios terapêuticos ao ajudar os outros.
TC: Presente com o
tempo próprio
Planejar para dar como presente para alguém parte do seu tempo
ligado com a utilização de algumas das forças da sua assinatura.
14 Vida plena Discussão da vida plena como uma integração de emoções positivas,
engajamento, relacionamentos positivos, sentido e realização, e, dos
ganhos terapêuticos e experiências, como também de maneiras para
sustentar as mudanças positivas.
Fonte: RASHID e SELIGMAN, 2013, p. 480-481, tradução nossa
Apesar do modelo apresentado para ilustrar a PPT contar com quatorze
sessões e com uma ordem de aplicação das atividades, Rashid e Seligman (2013)
esclarecem que no processo da PPT os exercícios e tarefas são customizados de
acordo com as necessidades clínicas imediatas do cliente, como por exemplo:
conflito em relacionamentos interpessoais, separações ou questões relacionadas
com a carreira ou trabalho do cliente, como também, o plano de trabalho e a
duração da terapia variam de acordo com as circunstâncias de cada cliente.
Cabe salientar outras considerações importantes da PPT, como o
aparecimento de emoções negativas durante o processo, associação do trabalho
das forças de caráter com as queixas do cliente, comprometimento com o processo
terapêutico e relação terapêutica.
Rashid (2008?) pontua não ser incomum alguns exercícios da PPT gerarem
emoções negativas ou desconfortáveis, sendo assim, cabe ao terapeuta perceber
tais emoções e ser empático com elas. Em complemento, Rashid e Seligman (2013)
ilustraram que a PPT não nega a existência das emoções negativas ou encoraja os
clientes a enxergarem o mundo por meio de óculos cor de rosa, mas sim, encoraja
80
os clientes a explorar os efeitos das experiências negativas e das suas emoções
negativas e buscar encontrar as possibilidades de positividade ou de força em suas
experiências difíceis ou traumáticas. Assim, o cliente pode aprender a perceber as
experiências negativas com uma visão mais positiva e reformular essas experiências
de maneira mais útil para si.
O trabalho com o mapa das forças de caráter do cliente deve ser relacionado
com as queixas apresentadas, por exemplo, para um cliente que apresente
ansiedade e reclama de não se sentir vivo, de não conseguir ter entusiasmo em
suas atividades, é indicado sugerir o desenvolvimento de ‘entusiasmo’ por meio do
engajamento em experiências e atividades propícias. Além disso, os clientes são
encorajados a desenvolver uma inteligência prática por meio de uma cuidadosa
análise de qual força é relevante para o problema atual, como também, se há algum
conflito com o seu mapa de forças para, assim, aprender a usar as forças a seu
favor nas atividades do dia a dia e em suas relações. Os clientes são auxiliados para
contextualizar o uso das forças e automonitorar esse processo a fim de aprender
como e quando calibrar ou realocar os seus recursos mentais e físicos, para que
possam atingir um estado saudável e otimizado por meio da utilização das forças.
(RASHID e SELIGMAN, 2013).
As intervenções e os exercícios utilizados pela PPT ajudam os clientes a se
sentirem responsáveis pelo seu processo e por suas escolhas em oposição a uma
postura de vitimização encontrada como padrão em alguns clientes, padrão que
costuma ser gerado pelas emoções negativas e memórias negativas. Além disso, é
propiciado ao cliente a criação de um espaço entre ele e as suas memórias
negativas com o objetivo de ampliar a perspectiva ou a visão em relação à situação.
(RASHID e SELIGMAN, 2013).
A relação e o vínculo terapêutico também são bastante enfatizados na PPT,
e, como já ilustrados nesse trabalho, considerados fatores chave para o sucesso da
psicoterapia. Rashid e Seligman (2013) destacam que o ambiente promovido pela
PPT - um contexto que promove a proximidade, a compreensão, a autenticidade, a
colaboração e a boa vontade - está alinhado com uma postura do terapeuta que
escuta de maneira plena e interessada e está voltado para a facilitação da
expressão afetiva. Tal ambiente ajuda o cliente a explorar e refletir sobre as suas
experiências desconfortáveis de uma maneira que direciona para resultados
81
positivos. Além disso, esses autores acreditam que o trabalho do terapeuta baseado
no conhecimento de onde e como olhar para as forças do cliente e como alinhar as
respectivas forças com os aspectos da personalidade, objetivos, valores, recursos,
ambiente e as circunstâncias da vida do cliente, possibilita uma relação terapêutica
mais igualitária do que as relações baseadas na orientação para o negativo ou para
os déficits.
2.3.3.2 Mecanismos de mudança na Psicoterapia Positiva
Rashid e Seligman (2013) listaram diversos mecanismos de mudança da
Psicoterapia Positiva, são eles:
1) A PPT amplia a perspectiva do cliente para que ele possa perceber e
realizar atividades que gerem emoções positivas. Embora as emoções
positivas sejam de natureza efêmera, elas propiciam sentido, expandem
repertórios de comportamento, ajudam na geração de novas ideias e
facilitam a reinterpretação de memórias amargas. Tal ampliação ocorre em
níveis cognitivos, afetivos e comportamentais e está diretamente relacionada
com o papel das emoções positivas para a PPT, ou seja, elas não
representam somente indicativos de alegria ou felicidade, mas sim, de
maneira mais importante geram mudanças cognitivas, comportamentais e
afetivas.
2) Aumento da flexibilidade refletida nos comportamentos, na cognição e no
afeto do indivíduo ao se trabalhar a reavaliação positiva dos problemas
causados por emoções e memórias negativas, por exemplo.
3) Desenvolvimento da respectiva assinatura de forças por meio de exercícios
vivenciais e do desenvolvimento de habilidades. Os exercícios da PPT não
são como as atividades hedonistas que geram um prazer rápido e efêmero,
pois apresentam longa duração, ou seja, um efeito mais duradouro
resultante de reflexões e interpretações que nem sempre são fáceis. Já no
início da terapia os clientes são orientados na direção de que a felicidade
não acontece simplesmente, mas é algo que necessita ser feita acontecer.
4) Atendimento empático às preocupações dos clientes que os ensina
ativamente a serem funcionais apesar de seus sintomas depressivos. A
82
identificação sistemática das suas forças permite ao indivíduo pensar mais
profundamente sobre as suas reais qualidades positivas. Assim, o
pensamento de maneira realista sobre suas forças e qualidades positivas
propicia um reforço para a autoconfiança e prepara o cliente para lidar de
maneira mais efetiva com os seus problemas.
5) A reeducação da atenção é um mecanismo global da mudança na PPT.
Muitos clientes se apresentam para a psicoterapia com uma elevada
tendência natural para o negativo, que direciona para um exagerado foco e
retomada dos aspectos negativos das suas experiências. Dessa maneira,
muitos exercícios objetivam reeducar a atenção, a memória e as
expectativas para uma base positiva e de esperança, em oposição ao
padrão negativo e catastrófico.
O processo de mudança ocorre por meio das intervenções pertinentes,
sendo indispensável a relação terapêutica empática, de aceitação e interesse
genuíno pelo cliente e suas questões. E, para Rashid e Seligman (2013), a postura
inicial do terapeuta e o foco inicial nos aspectos positivos do cliente e não em suas
fraquezas, facilita a criação de um forte vínculo terapêutico que terá relação direta
no processo de mudança e sucesso da terapia.
2.3.3.1.4 Aplicabilidade e outras considerações
De acordo com Rashid e Seligman (2013) a PPT, tal como a Psicologia
Positiva, não é prescritiva, mas sim uma abordagem descritiva baseada em
evidências científicas acerca dos benefícios gerados quando o indivíduo se atenta
para os aspectos positivos da sua experiência. A partir dessa visão,
responsabilidade e livre-arbítrio são ideias essenciais na PPT.
Os mesmos autores enfatizam que a PPT não é uma panaceia, sendo
assim, não é aplicável para todos os clientes e para todas as situações. Algumas
situações e circunstâncias da vida de um indivíduo podem não ser beneficiadas
inicialmente pela PPT, como por exemplo, se a problemática relacionada demanda
um tratamento específico, ou seja, situações de trauma tendem a se beneficiar
incialmente de uma abordagem de tratamento de stress pós-traumático do que com
a da PPT num primeiro momento.
83
Por outro lado, indivíduos com depressão e quadros ansiosos são bastante
beneficiados com a abordagem da PPT, porém, não é necessário ter algum
problema psicológico para ser um cliente da PPT. Ou seja, a PPT é aplicável,
inclusive, para indivíduos que não apresentam quadros psicologicamente
problemáticos, mas que necessitam de ajuda para aprimorar o seu bem-estar. Além
da terapia individual de adulto, a PPT também tem sido adotada em terapia de
grupos, de casal, familiar e para crianças e adolescentes (RASHID e SELIGMAN,
2013).
Além do tratamento clínico, os exercícios utilizados na PPT têm sido usados
em atividades não clínicas, como coaching de vida e de carreira, educação e em
organizações (SELIGMAN, 2011). “Em função de a PPT propiciar o alívio do
sofrimento e desenvolver o bem-estar, oferece um tremendo potencial para expandir
os horizontes da psicoterapia.” (RASHID e SELIGMAN, 2013, p. 487, tradução
nossa).
Tal como a Psicologia Positiva, a Psicoterapia Positiva conta com uma série
de estudos voltados para a validação, por meio de demonstração empírica, da
efetividade de suas intervenções. Contudo, apesar das evidências e validações para
as intervenções da PPT, Seligman (2011) pontuou que a Psicoterapia Positiva está
apenas nos estágios iniciais de prática e aplicação e os resultados são preliminares,
precisando ser replicados. Os resultados com a PPT têm sido interessantes e
efetivos, no entanto, Rashid e Seligman (2013) destacam a necessidade de
realização de mais pesquisas para avaliar a efetividade da PPT nos variados
transtornos mentais, como também, para poder comparar com os tratamentos
tradicionais focados em sintomas.
84
3 Discussão
Alinhado com o terceiro objetivo desse trabalho, esse capítulo discorre sobre
a análise em relação à conceituação da emoção na TFE e na PP e ao trabalho com
as emoções em psicoterapia por ambas as abordagens apesentadas.
Pode-se afirmar que a conceitualização e a visão da emoção nas duas
abordagens, mesmo ao utilizar termos distintos, apresentam similaridades, em
função de utilizarem de fontes em comum, como por exemplo, os trabalhos das
neurociências (com destaque para a neurociência afetiva), do construtivismo e de
trabalhos de filosofia e das teorias humanistas.
A TFE tem como premissa que as emoções são fundamentais para a
construção do self e são determinantes para a auto-organização dos indivíduos.
(GREENBERG, 2004). No nível mais básico de funcionamento, as emoções
apresentam uma forma adaptativa para o processamento de informações e
direcionamento para ações, orientando as pessoas a respeito do ambiente em que
estão inseridas, além de serem atuantes na promoção do bem-estar da própria
pessoa. (GREENBERG, 2010). Percebe-se um entendimento parecido, de acordo
com a pontuação de Seligman (2002) em relação à visão de que toda emoção tem
um componente sensorial, de sentimento, de raciocínio e de ação, dessa maneira,
os sentimentos positivos e negativos induzem a diferentes modos de pensar e agir,
enquanto os sentimentos positivos direcionam, por exemplo, para a criatividade, a
generosidade, a gratidão, a tolerância e a abertura para novas experiências e
relações, os sentimentos negativos direcionam para a concentração no que está
errado e necessita ser eliminado, porém, complemento que muitas vezes, tal
direcionamento no que está errado e precisa ser eliminado, pode ser uma atitude de
proteção e segurança para o ser humano.
O estudo das emoções positivas é um dos pilares da PP e a ampliação do
repertório das emoções positivas na vida de um indivíduo é um dos objetivos da
Psicoterapia Positiva. As emoções positivas, além de ser um dos elementos para o
florescimento humano e para o bem-estar do indivíduo, é um importante instrumento
de enfrentamento (colping) para situações adversas na vida de uma pessoa. Como
disse Seligman: (2002, p. 93): ”As emoções positivas de confiança e esperança, por
exemplo, não nos são mais úteis quando a vida é fácil, mas quando ela é difícil”. Ou,
85
seja, as emoções positivas não somente estão relacionadas com uma vida
agradável, como também são elementos para a força pessoal, sendo assim, saber
identificá-las e utilizá-las faz parte do trabalho de regulação emocional da TFE.
Em complemento, a TFE, também, visa propiciar um aumento do repertório
das emoções positivas, uma vez que os objetivos da abordagem, segundo Elliot et
al. (2004) envolvem o fortalecimento do self, a regulação do afeto, a criação de um
novo significado, ou seja, ajudar os clientes a desenvolver a sua inteligência
emocional. Aqui, relembro a explanação de Greenberg (2011) referente ao potencial
adaptativo das emoções, isto é, servir de guia para os diferentes aspectos da vida
de uma pessoa e sinalizar os eventos que afetam os mais importantes
relacionamentos, as questões pessoais, além de ajudar as pessoas a se
conectarem, se sentirem energizadas, amadas e interessadas e, frequentemente,
propiciar o encontro dos indivíduos com as suas respectivas essências. Em adição,
cabe a pontuação de Seligman (2011), que diz que a emoção positiva é muito mais
do que uma sensação agradável e um sinal evidente de crescimento que
consequentemente gera um acúmulo de capital psicológico.
Adicionalmente, apesar do foco na emoção e da perspectiva da emoção
como uma fonte de sentido, direção e crescimento da TFE, (ELIOTT et al., 2004), tal
abordagem não se limita a olhar somente para as emoções e os respectivos
processos emocionais dos clientes, como também, se alimentar exclusivamente da
teoria das emoções. Dessa maneira, cabe destacar os alinhamentos teóricos da
TFE, como o construtivismo dialético (a integração da biologia e da cultura) e a
construção de narrativa e significado, o que baseia uma visão integrativa do ser
humano. Ou seja, a TFE considera as questões motivacionais, a cognição, os
comportamentos e as interações, uma vez que muitos dos problemas humanos
podem estar relacionados com questões biológicas, emocionais, cognitivas,
motivacionais, comportamentais, fisiológicas, sociais e culturais. (Greenberg, 2011),
o que interfere diretamente nas intervenções e no processo da psicoterapia. Tal
visão e base teórica, também apresentam pontos em comum com a base teórica da
Psicologia Positiva, com destaque para os elementos da teoria do bem-estar:
emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, sentido e realização,
além do estudo e trabalho com as virtudes e forças de caráter, que também são
base para as intervenções e para o processo da Psicoterapia Positiva. Além disso,
86
cabe complementar que a PPT também entende que o trabalho com as emoções
deve estar relacionado e resultar em aperfeiçoamentos do indivíduo nos níveis
cognitivos, afetivos e comportamentais. (Rashid e Seligman, 2013).
Em relação à disfuncionalidade, a TFE apresenta uma visão de que muitas
das disfunções podem ocorrem quando o indivíduo suprime ou não apresenta
consciência das suas emoções ou apresenta uma inabilidade em regular as próprias
emoções. (ELLIOT et al., 2004; GREENBERG, 2011), de maneira complementar, a
PP apresenta a visão de que uma vida sem a presença de emoções positivas, de
prazeres e sem engajamento pode ser a causa, como também, sintomas de
psicopatologia.
Apesar das similaridades na visão e na função das emoções na TFE e na
PP, o manejo das emoções no processo da psicoterapia acontece de maneira
diferente, como se pode perceber no subitem ‘intervenções e processo da
psicoterapia’ das respectivas abordagens do presente trabalho. Por exemplo, na
TFE há um trabalho do terapeuta em identificar o nível de expressividade da emoção
do cliente e o tipo de resposta emocional a fim de ter clareza da adaptabilidade ou
desadaptabilidade da emoção identificada, além da identificação dos esquemas
emocionais. Na TFE, as emoções dos clientes servem como uma bússola, que além
de guiar o cliente e o terapeuta ao que é mais importante para o cliente, suas
necessidades atendidas e as não atendidas (Greenberg, 2011), são marcadores
fundamentais para as intervenções e tarefas no processo da psicoterapia. Por outro
lado, alguns exercícios podem até serem similares, como por exemplo, ambas as
abordagens utilizam a técnica da cadeira vazia da Gestalt, porém, na PPT não há o
trabalho de mudar uma emoção com outra emoção da maneira como é realizado na
TFE, até porque na base teórica da PP não há a classificação dos tipos de emoção
(adaptativa, desadaptativa e instrumental) como na TFE.
Para finalizar, é pertinente destacar a importância da relação terapêutica
enfatizada pelas duas abordagens. A maneira como ambas enxergam e trabalham
com a emoção, requerem do terapeuta um conhecimento dos próprios esquemas
emocionais e a adoção da regulação emocional para a TFE e na PPT a utilização
das emoções positivas conectadas com as forças de caráter, já que tais
conhecimentos e vivências são fontes facilitadoras para uma postura autêntica e
genuína por parte do terapeuta junto ao seu cliente. Para a TFE, o relacionamento
87
em si é visto como curativo justificado em função da empatia, da abertura e da
aceitação do terapeuta que promovem quebra de isolamento, validação e
fortalecimento do self, além da auto-organização (Greenberg, 2011). Similarmente,
para a PPT, a postura de atenção plena e interessada do terapeuta facilita a
expressão afetiva e incrementa com um diferencial que é o olhar para o positivo e
para as forças, além de olhar e buscar o que deu certo na vida do cliente, como
facilitadores para a expressão emocional no processo da terapia.
88
4 Considerações finais
Tanto a Terapia Focada nas Emoções, quanto a Psicologia Positiva estão
alinhadas com a teoria da terapia construtivista voltada para a funcionalidade,
organização e evolução das emoções, isto é, para ambas, as emoções têm um
papel essencialmente positivo e precioso na vida das pessoas.
Com bases teóricas similares, mas com um processo de trabalho
diferenciado, a TFE e a PPT extrapolam um tratamento voltado para a eliminação ou
minimização dos sintomas de um transtorno mental, incorporando uma visão de cura
e objetivando um florescimento do indivíduo, uma postura responsável pelo próprio
bem-estar, inteligência emocional e uma vida mais significativa.
As principais referências, utilizadas nesse trabalho, Leslie Greenberg para a
TFE e Martin Seligman e Tayyab Rashid para a PPT, enfatizam a necessidade de
mais estudos e validações por meio de demonstrações empíricas das intervenções
das respectivas abordagens. Como se pode perceber nas pesquisas realizadas nas
referências bibliográficas para esse trabalho, se por um lado a TFE apresenta um
passo à frente em relação às pesquisas e validações por demonstrações empíricas
do processo de mudança humana com a utilização da emoção, a PP apresenta um
destaque nos estudos voltados para uma atuação preventiva de transtornos mentais
e nas potencialidades e forças e virtudes do ser humano, até mesmo por ter uma
proposta e estar inserida e ser explorada em instituições que podem facilitar o
trabalho preventivo com as emoções, como escolas, organizações públicas e
privadas, dentre outras.
Seria interessante, uma maior divulgação da Terapia Focada nas Emoções
no Brasil e a condução de estudos e pesquisas no cenário nacional, como também,
mais estudos da atuação clínica da Psicologia Positiva.
89
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92
ANEXO 1 - Condições necessárias de Carl Rogers
As seis condições necessárias para a mudança terapêutica estabelecidas
por Rogers são:
1. Contato psicológico de terapeuta e cliente: deve existir uma relação entre o
cliente e o terapeuta e deve ser percebida como importante por ambos;
2. Cliente em incongruência: incongruência do cliente em relação com a sua
experiência e a sua conscientização;
3. Congruência do terapeuta ou autenticidade: o terapeuta é congruente com a
relação terapêutica, e está profundamente envolvido no processo terapêutico,
não está atuando e pode contar suas próprias experiências (autorevelação),
para facilitar o relacionamento;
4. Consideração positiva incondicional: o terapeuta aceita o cliente de maneira
incondicional, sem julgamento, desaprovação ou aprovação. Isso facilita o
aumento da autoestima do cliente e, também, pode tornar-se consciente de
experiências em que a sua visão de autoestima foi distorcida pelos outros;
5. Compreensão empática: o terapeuta experiencia uma compreensão empática
do quadro de referência interna do cliente e compartilha tal experiência com o
cliente;
6. Percepção do cliente: o cliente deve perceber, pelo menos um grau mínimo, a
consideração positiva incondicional e a compreensão empática do terapeuta.
As condições 3, 4 e 5 são conhecidas como os como as ‘condições
fundamentais’.
Fonte: PROCHASKA, J.O e NORCROSS, J.C. Systems of Psychotherapy: A trans-theoretical
analysis. New York: Thompson Books/Cole, 2007, p. 142-143, tradução nossa.