EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA NAS EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA

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INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DE SÃO PAULO IPQ HCFMUSP ANDRÉA PEREIRA DIAS EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA NAS EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA SÃO PAULO SP 2014 ANDRÉA PEREIRA DIAS

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INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DE SÃO PAULO

IPQ HCFMUSP

ANDRÉA PEREIRA DIAS

EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA

NAS EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA

SÃO PAULO – SP

2014

ANDRÉA PEREIRA DIAS

EMOÇÕES EM PSICOTERAPIA: TERAPIA FOCADA NAS

EMOÇÕES E PSICOLOGIA POSITIVA

Trabalho de Conclusão do Curso de

Terapias Cognitivas do Instituto de

Psiquiatria de São Paulo como

requisito exigido para obtenção do

título de Especialista.

Orientador:

Prof. Ms. Rodrigo P. de A. Sampaio

SÃO PAULO – SP

2014

À minha mãe e à minha irmã, meus

primeiros e eternos amores.

AGRADECIMENTOS

Aos que me incentivaram, me apoiaram e sempre acreditaram em mim e

representam a prova viva da teoria do bem-estar em minha vida; minha fonte de

emoções positivas, de engajamento, de realização, de sentido, meus

relacionamentos positivos.

Minha família, meu irmão Alexandre, meu pai Omar, grandes suportes nessa

jornada. Minha irmã e grande amiga Adriana, mais que um suporte, minha

parceira em tantas histórias e minha mãe Maria Luiza, a fonte de amor

supremo e de vinculação segura, uma verdadeira coach emocional.

Meus amigos, em especial as amigas Ianda, Glaucia, Renata, Fabíola e

Nadia, por me escutarem, várias vezes, discorrer sobre minha paixão pelo

trabalho com as emoções e com o positivo no ser humano.

Ao Professor Cristiano Nabuco que me apresentou o Construtivismo de

Mahoney em 1994 e, também, o responsável por me apresentar a Terapia Focada

nas Emoções em 2013.

Ao meu Orientador Rodrigo Sampaio pelas trocas, orientações e suporte na

realização desse trabalho.

Aos colegas de curso, em especial a Vanessa e a Maria Claudia por todas

as trocas, momentos de estudo e escutas.

Aos meus clientes, que compartilham comigo suas narrativas, emoções e

sentimentos e aceitam o meu convite para caminhar pelo belo caminho das

emoções em psicoterapia.

No esforço para entender o comportamento

humano, muitos tentaram passar ao largo da

emoção, mas não tiveram êxito. O

comportamento e a mente, consciente ou não,

assim como o cérebro que os gera, recusam

revelar seus segredos, a menos que a emoção

(e os muitos fenômenos que se escondem sob

seu nome) seja inserida na equação e tenha sua

importância reconhecida.

António Damásio (2011, p. 140)

RESUMO

Os resultados dos estudos e pesquisas relacionados com os processos

emocionais nos seres humanos vêm ganhando destaque na contemporaneidade,

ocupando um importante espaço nas bases teóricas e intervenções de algumas

psicoterapias pós-modernas. Nesse contexto, destacam-se a Terapia Focada nas

Emoções e a Psicologia Positiva. Os objetivos desse trabalho consistem em

apresentar as duas abordagens destacadas, verificar o papel das emoções em suas

bases teóricas e nos respectivos processos de psicoterapia e analisar as duas

abordagens em relação à conceitualização das emoções e ao trabalho com as

emoções em suas intervenções. Para tanto, o método definido foi de pesquisa

bibliográfica, o que evidenciou a ausência de artigos e publicações nacionais

referentes às duas abordagens de psicoterapia em questão, de acordo com o

conteúdo necessário para o atingimento dos objetivos desse trabalho. Verificou-se

que a Terapia Focada nas Emoções e a Psicoterapia Positiva contam com bases

teóricas similares e com uma gama de pesquisas e validações das suas

intervenções por demonstrações empíricas e, mesmo com processos de trabalho

distintos, extrapolam um tratamento voltado para a eliminação ou minimização dos

sintomas de um transtorno mental ao incorporar uma visão de cura e ao propiciar o

florescimento do ser humano e uma postura responsável pelo próprio bem-estar,

como também, uma vida mais significativa. Além disso, se por um lado a Terapia

Focada nas Emoções apresenta um passo à frente em relação às pesquisas e

evidências do processo de mudança humana com a utilização da emoção, a

Psicologia Positiva, apresenta um passo à frente nos estudos e trabalhos com a

emoção voltados para uma atuação preventiva da Psicologia.

Palavras-chave: Emoção. Terapia Focada nas Emoções. Psicologia Positiva.

Psicoterapia Positiva.

ABSTRACT

The results of study and research related to emotional processes have been

gaining prominence in contemporary times, occupying an important position in the

theoretical bases and interventions of some postmodern psychotherapies. In this

context, Emotion-focused therapy and Positive Psychology have distinguished

themselves. The objectives of the present work are to introduce both of these

prominent approaches, to examine the role of emotions in their theoretical bases and

respective psychotherapeutic processes and to analyze them in relation to the

conceptualization of emotions and the work with emotions in their interventions.

Bibliographic research was the method selected for this purpose, which has shown

the lack of national articles and publications related to the psychotherapy approaches

in question, as far as the content needed for achieving the objectives of this work is

concerned. It has been verified that Emotion-focused therapy and Positive

Psychotherapy rely on similar theoretical grounds and on a range of research and

validation of their interventions through empirical demonstrations. Even though they

have distinct work processes, they extrapolate to a treatment aimed at the elimination

or minimization of mental disorders by incorporating a vision of cure, promoting

human flourishing and a responsible attitude towards one’s own well-being, as well

as a more meaningful life. Furthermore, if on the one hand Emotion-focused therapy

presents a further step in research and evidence related to human change by

working with emotions, Positive Psychology, on the other hand, offers a step ahead

in studies and practices with emotions focused on the preventive activities of

psychology.

Keywords: Emotion. Emotion-focused therapy. Positive Psychology. Positive

Psychotherapy.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Emoções humanas básicas ..................................................................... 16

Figura 2 – Visão da emoção pelas Terapias Construtivistas ..................................... 21

Figura 3 – Esquema emocional ................................................................................. 31

Figura 4 – Processo de geração da emoção ............................................................. 35

Figura 5 - Características essenciais e adicionais para o florescimento humano ..... 64

Figura 6 - Classificação Valores em Ação das Forças de caráter ............................. 67

Figura 7 - Visão geral do modelo da PPT com quatorze sessões ............................. 77

SUMÁRIO

1 Introdução................................................................................................... 10

2 Revisão bibliográfica .................................................................................. 13

2.1 Emoção ...................................................................................................... 13

2.1.1 Conceitos gerais ......................................................................................... 13

2.1.2 Emoções em psicoterapia ......................................................................... 19

2.2 Terapia Focada nas Emoções ................................................................... 23

2.2.1 Visão geral ................................................................................................. 23

2.2.2 Visão teórica .............................................................................................. 27

2.2.2.1 Teoria das emoções .................................................................................. 27

2.2.2.1.1 Tipos de emoção ........................................................................................ 29

2.2.2.1.2 Esquemas emocionais ............................................................................... 31

2.2.2.2 O modelo do construtivismo dialético de autofuncionamento: integração da

biologia e da cultura ................................................................................... 34

2.2.2.3 Regulação emocional ................................................................................ 37

2.2.2.4 Construção de narrativa e significado ........................................................ 38

2.2.2.5 Visão da disfunção ..................................................................................... 39

2.2.3 Intervenções e o processo de psicoterapia ................................................ 40

2.2.3.1 Princípios de tratamento ............................................................................. 41

2.2.3.1.1 Princípios de relacionamento ..................................................................... 41

2.2.3.1.2 Princípios de tarefas ................................................................................... 42

2.2.3.2 Habilidades do terapeuta ............................................................................ 42

2.2.3.2.1 Habilidades de percepção .......................................................................... 43

2.2.3.2.2 Habilidades de intervenção ........................................................................ 44

2.2.3.3 Formulação de caso ................................................................................... 54

2.2.4 Aplicabilidade e outras considerações ....................................................... 56

2.3 Psicologia Positiva ...................................................................................... 58

2.3.1 Visão geral .................................................................................................. 58

2.3.2 Visão teórica ............................................................................................... 60

2.3.2.1 A teoria do bem-estar ................................................................................. 61

2.3.2.2 Emoções positivas ...................................................................................... 64

2.3.2.3 Forças de caráter e virtudes ....................................................................... 66

2.3.3 Intervenções e o processo da psicoterapia ................................................ 69

2.3.3.1 A Psicoterapia Positiva ............................................................................... 71

2.3.3.1.1 Fundamentos teóricos da Psicoterapia Positiva ........................................ 73

2.3.3.1.2 O processo da Psicoterapia Positiva .......................................................... 76

2.3.3.2 Mecanismos de mudança na Psicoterapia Positiva .................................... 81

2.3.3.1.4 Aplicabilidade e outras considerações ....................................................... 82

3 Discussão .................................................................................................. 84

4 Considerações finais ................................................................................. 88

Referências ................................................................................................ 89

Anexo 1 - Condições necessárias de Carl Rogers ..................................... 92

10

1 Introdução

“Alguns dos mais excitantes progressos em nossa compreensão da

experiência humana têm ocorrido na área das emoções, da identidade e nas

complexidades do desenvolvimento humano.” (MAHONEY, 1998, p. 172).

Tal fala de Mahoney é altamente propícia no contexto atual em que a

emoção ou os processos emocionais (emoção, afeto e sentimentos) passam a ter

um destaque nos processos humanos de mudança, sendo suportada por pesquisas

em diferentes áreas de conhecimento, como: as Neurociências, a Biologia e a

Psicologia. O que representa uma evolução e mudança de paradigma, conforme a

pontuação de Mahoney (1991), que relembra que historicamente os processos

emocionais estavam associados com os mais básicos e primitivos aspectos animais

da natureza humana, além de serem vistos como um dos principais impedimentos

para a racionalidade e para a busca da verdade.

Na visão contemporânea, as emoções mostram o que é importante nas

diversas situações da vida, tendo um papel de guia orientador para as necessidades

ou desejos, como também, para o conhecimento de quais ações são mais

apropriadas nas diferentes situações da vida de uma pessoa. Em complemento, a

emoção identifica o que é significativo para o bem-estar e prepara a pessoa para

tomar uma ação adaptativa e provê um senso de plenitude unificadora, dessa

maneira, a emoção diz o que é importante para as pessoas. (ELLIOT et al., 2004).

Além disso, de acordo com Mahoney (1998, p. 174), “Os significados pessoais

raramente mudam sem o envolvimento emocional”, sendo assim, se reforça a

importância do trabalho com as emoções no processo de psicoterapia.

Dessa maneira, pode-se destacar a Terapia Focada nas Emoções e a

Psicologia Positiva, em que a emoção é um importante referencial em suas bases

teóricas e nas respectivas intervenções. A Terapia Focada nas Emoções é pouco

conhecida no Brasil, porém, em outros países, como Estados Unidos, Canadá,

Portugal, Itália e outros países europeus, é bem conhecida e conta com um vasto

conteúdo publicado, resultado das diferentes pesquisas realizadas, além de

validações por meio de demonstrações empíricas das suas intervenções/

tratamento. Já a Psicologia Positiva, apesar de ser uma abordagem lançada no final

11

da década de 1990, é mais conhecida no Brasil e conta com associações1,

publicações nacionais: artigos, teses de mestrado e doutorado, como também,

cursos de extensão e de formação, tal como em outros países da América Latina,

América do Norte, Europa, Austrália e Nova Zelândia. Assim, essas são as

abordagens que fazem parte do escopo desse trabalho.

Além do destaque para o estudo das emoções nos processos de mudança

humana no cenário atual, o meu interesse pelo trabalho com as emoções, como

também, pelo desenvolvimento de pessoas com base em seus pontos fortes e nos

aspectos positivos do ser humano e em uma atuação preventiva da psicologia, são

os pontos que justificam a realização desse trabalho. Alinhado a isso, a ausência de

bibliografia em português sobre a Terapia Focada nas Emoções2, como também, a

inexistência, observada em minha pesquisa, de trabalhos comparativos entre a

Terapia Focada nas Emoções e a psicoterapia ou atuação clínica da Psicologia

Positiva reforçam a relevância de tal estudo.

Sendo assim, os objetivos desse trabalho são: 1) apresentar a Terapia

Focada nas Emoções e a Psicologia Positiva; 2) verificar o papel das emoções em

suas bases teóricas e nos respectivos processos de psicoterapia e intervenções; 3)

analisar as duas abordagens em relação à conceitualização das emoções e ao

trabalho com as emoções em suas intervenções/ processo de psicoterapia.

Para tanto, o método definido foi o estudo de revisão da narrativa com

amostra de conveniência de material bibliográfico nacional e internacional acerca de:

teoria das emoções, tendo como principal referência trabalhos de neurociência e em

relação às emoções em psicoterapia, a visão da Psicoterapia Construtivista; Terapia

Focada nas Emoções e Psicologia Positiva: objetivos, base teórica, conceito de

emoção, intervenções e processo da psicoterapia. As etapas do método de trabalho

consistiram em: pesquisa bibliográfica; análise dos materiais levantados;

desenvolvimento do trabalho; realização de reuniões com orientador e conclusão do

trabalho.

1 APPAL: Associação de Psicologia Positiva da América Latina e ABP+: Associação brasileira de

Psicologia Positiva. 2 No momento da finalização desse trabalho no final de setembro de 2014, um dos livros de Leslie

Greenberg, em inglês, referidos nesse trabalho, teve sua versão em português editada pela editora Coisas de Ler de Portugal em parceria com a Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Construtivista. GREENBERG, L. Terapia Focada nas Emoções. Portugal, 2014.

12

Assim, após essa breve introdução, o presente trabalho está estruturado da

seguinte forma:

Revisão bibliográfica dividida em três partes: 1) visão geral das emoções:

conceitos gerais e emoções em psicoterapia, uma pincelada introdutória, tendo

como bases teóricas: a Psicologia Construtivista de Michael Mahoney e os estudos

de neurociência de António Damásio; 2) Terapia Focada nas Emoções: visão geral,

base teórica, intervenções e processo da psicoterapia e aplicabilidade e outras

considerações; 3) Psicologia Positiva: visão geral, base teórica, intervenções e

processo da Psicoterapia Positiva e aplicabilidade e outras considerações;

Discussão: análise das duas abordagens em relação à conceitualização da

emoção e utilização das emoções no processo de psicoterapia;

Considerações finais do trabalho.

13

2 Revisão bibliográfica

2.1 Emoção

2.1.1 Conceitos gerais

Apesar do destaque para o estudo e para a importância das emoções nos

processos psicológicos acontecer no final do século XX, citando alguns nomes como

Leslie Greenberg, Jeremy Safran, Barbara Fredrickson, Diana Foscha, Robert Elliot

e Laura Rice, o estudo das emoções não é algo recente, conforme relembrou

Mahoney (1991, 1998) sobre a existência de uma extensa literatura a respeito das

emoções produzida em tempos passados, a qual William James, no século XIX, fez

uma detalhada revisão.

Mahoney (1991, 1998), elucida sobre a existência de diversas evidências

relacionadas com o papel dos processos emocionais em todas as atividades de um

indivíduo e relembra que a atividade emocional no aspecto biológico apareceu junto

ao surgimento dos primeiros mamíferos (há mais de cento e sessenta e cinco

milhões de anos), em que uma nova organização cerebral surgiu como uma

amplificação do antigo tronco cerebral vertebrado, formando o sistema límbico, a

parte subcortical do cérebro relacionada com os padrões de comportamento

emocional e de aproximação e evitação. O sistema límbico dos mamíferos além de

propiciar a plasticidade comportamental, introduziu novos aspectos para o

relacionamento mente-corpo e organismo-ambiente, como por exemplo:

- Capacidade de aprendizado e memória;

- Monitoramento simultâneo e ajustes dos domínios internos (corporais)

e externos (comportamentais) pelo sistema neurológico;

- Capacidade de relacionamento emocional e vinculação (expressa por

meio dos cuidados do mamífero com a respectiva prole).

Mais ou menos cento e quinze milhões de anos depois, mais uma evolução

cerebral ocorre com o surgimento do neocórtex nos primatas. Apesar do neocórtex

funcionar de maneira parcialmente independente do sistema límbico, quando se fala

de emoção tal separação é enganosa, já que o processo de sentir não é uma

14

exclusividade do sistema límbico e o processo de conhecer não é exclusivamente do

neocórtex. (Mahoney, 1991, 1998).

Essa brevíssima explanação remete a importância do conhecimento de

aspectos cerebrais envolvidos nos processos emocionais para o trabalho com as

emoções em psicoterapia. De acordo com Mahoney (2006), um dos principais fatos

relacionados à mudança humana é que tal mudança é emocional e os sentimentos

não são apenas vestígios do legado animal. Emoções e sentimentos representam as

fundações e os filtros para grande parte da consciência humana e a corporificação e

a emotividade são os caminhos para o processamento mental "superior". E assim, o

mesmo autor, complementa afirmando que o pensamento, a atenção e as atividades

humanas estão incorporados em mares de emoções e a emotividade é uma

expressão essencial para a auto-organização e para o autofuncionamento.

Para Damásio (2004), a compreensão da biologia das emoções, além de

que o valor das diferentes emoções depende das circunstâncias atuais, oferece

novas oportunidades para a compreensão do comportamento humano e, também,

que os cérebros humanos continuam munidos com a estrutura biológica que leva os

indivíduos a reagir de maneira ancestral, ineficaz e inaceitável em certas

circunstâncias, por exemplo, quando se percebe em uma situação de perigo.

Em adição, o mesmo autor em 2011 destaca que o estudo da emoção

direciona para a questão da vida e valor, ou seja, requer menção a recompensa e a

punição, aos impulsos e a motivação e, necessariamente, aos sentimentos.

Mahoney (1991, 1998), também destaca a relação entre motivação e

emocionalidade que é levada em conta na abordagem construtivista em

contrapartida com as teorias sobre motivação que raramente elucidam sobre a

interdependência com o estudo das emoções.

Os programas de emoção incorporam todos os componentes do maquinário

da regulação da vida que foram surgindo na história da evolução, como a

percepção e a detecção de condições, a mensuração dos graus de

necessidade interna, o processo de incentivo com seus aspectos de

punição e recompensa, os mecanismos de predição. Os impulsos e as

motivações são constituintes mais simples da emoção. (DAMÁSIO, 2011, p.

144).

Dessa maneira, para Mahoney (1991, 1998), o crescente consenso em

relação à importância dos processos emocionais na experiência humana e no

desenvolvimento psicológico direciona para algumas questões básicas como: o que

15

são as emoções, qual a funcionalidade e como elas interagem com outros

fenômenos.

Em relação às emoções, Damásio (2011) conceitua que são programas de

ações complexos e em grande medida automatizados e engendrados pela evolução.

Tais ações são complementadas por um programa cognitivo que inclui ideias e

modos de pensar, mas o mundo das emoções é, sobretudo, feito de ações

executadas no corpo, desde expressões faciais e posturas, até mudanças nas

vísceras e no meio interno. Quando se fala em emoção é inevitável se remeter a

sentimentos, o que às vezes causa uma confusão, pois se pode encontrar na

literatura autores que não fazem distinção para ambos os fenômenos e aqueles que

os diferenciam, no entanto, consideram que são fenômenos altamente relacionados.

Damásio (2004, 2011) enfatiza a diferença entre tais fenômenos e descreve os

sentimentos emocionais como percepções compostas do que ocorre no corpo e na

mente quando uma emoção está em curso, ou seja, os sentimentos são compostos

por imagens de ações e não pelas ações em si. Assim, as emoções constituem

ações acompanhadas de ideias e determinados modos de pensar e os sentimentos

emocionais são as percepções da expressão do corpo durante o surgimento de uma

emoção. E, adiciona que esses sentimentos funcionam como marcadores

somáticos, isto é, quando conteúdos do self emergem no fluxo da mente de um

indivíduo, estimula o surgimento de um marcador que está relacionado com a

imagem mental que desencadeou esse respectivo marcador. “A emoção e as várias

reações com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto os

sentimentos estão alinhados com a mente.” (DAMÁSIO, 2004, p. 15).

Similarmente, para Bowlby (2002), os afetos, os sentimentos e as emoções

são etapas de avaliações intuitivas de um indivíduo sobre seus próprios estados e

desejos orgânicos para agir ou sobre a sucessão de condições ambientais em que

ele se encontra. Essas avaliações geralmente são vivenciadas como sentimentos,

ou seja, o processo de sentir de uma pessoa, que fornece um serviço de monitoria

que permite avaliar o desenvolvimento de seus próprios estados, desejos e

condições. Tais processos são frequentemente acompanhados de expressões

faciais distintas, posturas corporais e movimentos incipientes, que costumam

fornecer valiosas informações.

16

Complementando a conceitualização da natureza da emocionalidade

humana, Mahoney (1991, 1998 p. 179) selecionou, de diversas teorias da emoção,

os componentes fundamentais da emocionalidade que são comuns em cada uma

dessas teorias:

- Os processos biológicos, especialmente aqueles relacionados às funções

neuroquímicas e endócrinas;

- A expressão comunicativa, com ênfase no comportamento emocional;

- Os processos cognitivos, incluindo as operações básicas da atenção, da

percepção e da avaliação;

- A experiência subjetiva, enfatizando a fenomenologia dos sentimentos;

- Os componentes motivacionais que incluem a intenção, a direção e a

prontidão diferencial para as várias classes de atividade.

Em relação à classificação de emoções, Mahoney (1991,1998) discorreu

sobre o consenso das emoções humanas mais básicas com base no trabalho de

diferentes teóricos, porém, tal consenso não pode ser considerado como universal,

uma vez que as idiossincrasias das experiências emocionais são influenciadas

culturalmente e expressas de maneira individual. De seu levantamento, destacou a

relação de três teóricos para ilustrar as emoções humanas básicas:

FIGURA 1 – Emoções humanas básicas

Teoria psicoevolutiva (Plutchik)

Teoria da expansão (Tomkins)

Teoria diferencial das emoções (Izard)

Medo Raiva Prazer Tristeza Aceitação Desgosto Antecipação Surpresa

Medo Raiva Prazer Angústia - Desgosto Interesse Surpresa Desprezo Vergonha

Medo Raiva Prazer Tristeza - Desgosto Interesse Surpresa Desprezo Vergonha /Timidez

Fonte: MAHONEY (1998, p. 180)

Para Damásio (2011), não é interessante o estabelecimento de um conjunto

completo de classificação das emoções humanas em função dos critérios para as

classificações tradicionais serem falhos e, assim, qualquer lista de emoções pode

ser criticada por não estar completa ou contar com emoções em excesso. Dessa

maneira, alinhado com a conceitualização da emoção como um programa de ações

complexo que pode incluir uma ou mais respostas reflexas que foi/ foram

17

desencadeada/ as por um objeto ou fenômeno identificável, isto é, um estímulo

emocionalmente competente, simplifica e denomina como emoções universais:

medo, raiva, tristeza, alegria, nojo e surpresa. Tal autor justifica que essas emoções

atendem aos critérios de programa de ações complexos e que são produzidas em

todas as culturas e fáceis de reconhecer, por exemplo, por meio das expressões

faciais do ser vivo. As emoções universais, também, foram classificadas por

Damásio (2004) como emoções primárias ou básicas e essas emoções estão

presentes inclusive em culturas que não possuem designação para elas e cita

Charles Darwin como o responsável pelo reconhecimento pioneiro da universalidade

das emoções em humanos e em animais.

Esse mesmo autor esclarece que a universalidade das expressões

emocionais revela o grau em que o programa de ação é automatizado e não

aprendido, bem como, que a emoção pode ser modulada em relação à intensidade

ou duração dos movimentos componentes: movimentos externos, mudanças

viscerais no coração, pulmões, intestino, pele e mudanças endócrinas. E,

complementa que a execução de uma mesma emoção pode variar nas diferentes

ocasiões da vida de uma pessoa, mas não o suficiente para torná-la irreconhecível

para si próprio ou para os outros.

Além das emoções universais, Damásio (2011, 2004) propõe mais dois

grupos de classificação, as emoções de fundo, tal como, o entusiasmo e o desânimo

e as emoções sociais: compaixão, embaraço, vergonha, culpa, desprezo, ciúme,

inveja, orgulho e admiração. Algumas das emoções constantes nesses grupos estão

representadas como emoções básicas nas três teorias da emoção listadas na

FIGURA 1 desse trabalho.

Em relação aos fatores desencadeantes das emoções, Damásio (2011)

pontua que as emoções ocorrem por imagens de objetos ou fenômenos que estão

acontecendo no momento ou por meio da recordação de eventos ocorridos no

passado. Assim, os sinais das imagens processadas tornam-se disponíveis a várias

regiões do cérebro, como: as relacionadas à linguagem, ao movimento e/ ou a áreas

que constituem o raciocínio e direcionam para uma série de respostas: palavras para

nomear um objeto, evocações de outras imagens que propiciam a relação ou a

conclusão de algo acerca de um objeto, entre outras respostas. Tais sinais de

imagens relacionadas com um determinado objeto também atingem regiões capazes

18

de provocar alguma reação emocional, como por exemplo, a amígdala ser

estimulada em situações de medo ou uma situação que causa compaixão atingir o

córtex pré-frontal. Em adição, as emoções de fundo podem ocorrer em função de

diferentes circunstâncias da vida, além de, em razão de estados internos como

doença ou cansaço. Essas emoções podem surgir por meio da reflexão de uma

situação passada ou situação que possa ocorrer. E, as emoções sociais são

geradas em situações sociais representando um papel importante no funcionamento

dos grupos sociais, são emoções mais recentes na trajetória da evolução humana

que podem ser aprendidas e reforçadas no decorrer do desenvolvimento de uma

pessoa.

As emoções e seus fenômenos subjacentes são tão essenciais para a manutenção da vida e para a subsequente maturação do indivíduo que se encontram confiavelmente prontas para uso já em fase inicial do desenvolvimento. (DAMÁSIO, 2011, p. 159).

Pode se entender da frase de Damásio que “manutenção da vida e

maturação do indivíduo” fazem parte da funcionalidade das emoções, em adição,

Mahoney (1991, 1998) mostra uma evolução na visão da funcionalidade das

emoções com base em estudos contemporâneos que ‘quebram’ estereótipos nem

tão antigos acerca das emoções: “Até recentemente, o estudo e a compreensão da

emocionalidade eram prejudicados por velhos estereótipos que consideravam o

afeto negativo – como um obstáculo e um perigo em termos de desenvolvimento

humano.” (MAHONEY, 1998, p. 182).

Alguns dos estereótipos em relação às emoções resumidos por Mahoney

(1991,1998) são:

a) As emoções fazem parte de domínios de funcionamento “inferiores” ou

“animalescos”, ou seja, não fazem parte das funções mentais

“superiores”;

b) As emoções motivam ou podem direcionar o indivíduo para agir

irracionalmente e de maneira potencialmente destrutiva;

c) As emoções “negativas” como a raiva, a ansiedade e a tristeza são

indesejáveis ou intoleráveis em função de serem perigosas;

d) Os padrões crônicos e agudos da emocionalidade intensa devem ser

eliminados, regulados ou controlados, mas também, em algumas

situações, compreendidos para se transcender tais padrões.

19

E, a visão contemporânea, conforme o compilado de Mahoney (1991,1998)

baseado no trabalho de diferentes teóricos da emoção, é representada por alguns

dos seguintes pontos:

a) Os processos emocionais estão envolvidos no processo de atenção e as

emoções “negativas” podem ter um papel poderoso no direcionamento

da atenção;

b) As emoções estão completamente envolvidas na percepção dos

indivíduos, como também, no aprendizado e na memória;

c) O desenvolvimento emocional e o desenvolvimento cognitivo estão

totalmente relacionados da infância até a morte de um indivíduo;

d) As emoções negativas podem sugerir um prejuízo no desempenho de

uma pessoa por estarem relacionadas com uma diminuição da

curiosidade;

e) Os processos emocionais, em razão dos seus fundamentos

neurofisiológicos e bioquímicos, estão relacionados aos fenômenos

psicológicos relevantes para a saúde e para o bem-estar do indivíduo

(padrões de estresse, atividade hormonal e sistema imunológico);

f) A expressão das emoções interfere nos relacionamentos interpessoais,

na vinculação e na comunicação.

2.1.2 Emoções em psicoterapia

Os processos emocionais como material de trabalho para a psicoterapia não

é algo recente, a grande questão está relacionada com a visão da emoção e como

ela é manejada nas diferentes abordagens. De acordo com Mahoney (1991, 1998), a

relevância da afetividade pode ser observada em diferentes contextos, desde a

questão da dor da angústia emocional e, consequentemente, a desorganização no

funcionamento do indivíduo, que representam umas das razões mais comuns para a

procura da psicoterapia, como também, nos processos humanos de mudança, por

meio de psicoterapia ou não, que tendem a ser estressantes e amplamente

emocionais.

20

Mahoney (1991, 1998) apresentou de maneira organizada como a

emocionalidade é trabalhada em psicoterapia em três diferentes métodos:

descarga, insight e controle, conforme explanação a seguir:

a) Terapias pela descarga ou catarse: o método da descarga ou catarse é

baseado no encorajamento do indivíduo para experienciar a emoção de

maneira intensa com o objetivo de dissipá-la. A catarse é utilizada nas

seguintes abordagens: Psicanálise, Reichiana, algumas Existencialistas,

Humanistas e Gestalt. A efetividade das técnicas de descarga tem sido

questionada por pesquisas sobre os processos de mudança em

psicoterapia, incluindo estudos relacionados à emoção;

b) Terapias de insight: o insight é outra maneira bastante utilizada para se

trabalhar às emoções intensas ou dolorosas. Geralmente, o insight está

associado com alguma forma de compreensão racional dos padrões

afetivos em questão. O insight foi combinado aos métodos ad-reativos e

catárticos por Freud e seus seguidores e é utilizado pelas abordagens:

Psicodinâmicas, Cognitivas, algumas terapias Comportamentais,

Existencialistas e Humanistas;

c) Terapias de controle e eliminação: o trabalho com as emoções nesse

método é baseado no controle absoluto. O objetivo geral é regular o

afeto indesejável em direção à restauração do equilíbrio e da

conveniência social. Os métodos de controle e eliminação são utilizados

por tratamentos médicos, psicocirurgia, biofeedback e algumas terapias

Comportamentais.

Não cabe nesse trabalho discutir sobre a eficácia desses três métodos,

como também, compará-los, mas sim, apresentar uma visão geral e diversa das

diferentes maneiras que a emoção é trabalhada em psicoterapia. Em relação às

abordagens construtivistas, Mahoney (1991, 1998) apresentou que as emoções são

consideradas processos poderosos e de conhecimento primitivo que integram a

organização do indivíduo ao longo de toda a sua vida. Ou seja, tais processos

emocionais podem estar relacionados com processos de desconforto e

desorganização, mas são entendidos como expressões naturais das realidades

atuais do indivíduo e elementos necessários e, frequentemente, facilitadores da

reorganização das suposições tácitas do indivíduo sobre ele mesmo e acerca do

21

mundo. Por meio de uma relação segura no contexto da terapia, o indivíduo é

encorajado a examinar a sua própria consciência e as suas reações aos seus

sentimentos, como também, ponderar os episódios de angústia, como elementos

necessários para o desabrochar do seu desenvolvimento individual.

O quadro abaixo resume a visão das Terapias Construtivistas em relação à

emoção, disfunção e ao plano de tratamento com a utilização das emoções.

FIGURA 2 – Visão da emoção pelas Terapias Construtivistas

Visão da emoção Disfunção Plano de tratamento

As emoções são processos primitivos e poderosos de conhecimento que refletem os padrões da organização e desorganização da experiência individual.

Os padrões disfuncionais ou dolorosos da experiência emocional refletem tentativas individuais imperfeitas para se adaptar e se desenvolver. A desorganização emocional reflete os estágios da reorganização sistêmica geral.

A ênfase está na experiência e na apropriada expressão das emoções, tal como na exploração do seu desenvolvimento, das funções (do passado e do presente) e possíveis papéis em desenvolvimento. De acordo com os limites e flexibilidade de cada indivíduo, os períodos de desorganização emocional podem gerar ou refletir oportunidades de mudança.

Fonte: MAHONEY (1991, p. 207, tradução nossa)

A Terapia Construtivista é alinhada com uma teoria voltada para a

funcionalidade, a organização e a evolução das emoções, ou seja, as emoções têm

um papel essencialmente positivo e precioso na vida das pessoas, em contrapartida

com abordagens que se baseiam em teorias voltadas para a disfuncionalidade,

desorganização e patologia, em que a expressão das emoções não é vista como um

processo adaptativo, mas muitas vezes disfuncional. Sendo assim, o alinhamento

teórico da psicoterapia (foco na funcionalidade ou disfuncionalidade), interfere

diretamente na conceitualização e no tratamento dos padrões da experiência

emocional. (MAHONEY, 1991, 1998).

Complementando, para o Construtivismo, as emoções têm papéis críticos na

direção da atenção, nas percepções, na organização da memória e motivam o

engajamento com o aprendizado que a vida exige dos indivíduos. Assim, as

emoções são entendidas como algo central na experiência humana. Sentir não é

ruim, perigoso ou não saudável, mas sim, não sentir ou brigar contra o que se sente

é extremamente ameaçador para a saúde e para o bem-estar. Dessa maneira, o

22

relacionamento dos indivíduos com os seus sentimentos é, geralmente, tão

importante quanto os sentimentos em si. (BUGENTAL apud MAHONEY, 2006).

23

2.2 Terapia Focada nas Emoções

2.2.1 Visão geral

A Terapia Focada nas Emoções - TFE (Emotion-focused therapy - EFT) é

uma abordagem de psicoterapia que foi desenvolvida por Leslie Greenberg

(psicólogo e pesquisador na York University em Toronto no Canadá) e seus colegas

na década de 1980 com base em estudos empíricos sobre o processo de mudança.

(GREENBERG, 2010). É uma abordagem de tratamento suportada empiricamente,

integrativa e vivencial, que pode ser definida como uma prática de terapia guiada

pelo conhecimento do papel da emoção na mudança humana. (GREENBERG,

2011). É um enfoque que, por meio de suas estratégias, propicia ao terapeuta e ao

cliente o conhecimento, a aceitação, o entendimento, a expressão, a utilização, a

regulação e a transformação da emoção, como também, uma correção da

experiência emocional. Os objetivos de tal abordagem são: o fortalecimento do self,

a regulação do afeto e a criação de um novo significado, o que inclui ajudar os

clientes a desenvolver a sua inteligência emocional (entende-se aqui por inteligência

emocional, a habilidade em identificar, acessar e usar as emoções), a fim de poder

lidar melhor com os seus problemas e viver em harmonia consigo e com os outros.

(ELLIOT et al., 2004).

A TFE é uma abordagem neohumanista em que os princípios humanistas

foram reformulados e renovados com base na teoria contemporânea da emoção, na

teoria da vinculação (ELLIOT, 2010), no construtivismo dialético, assim como, em

mais de vinte e cinco anos de pesquisa em psicoterapia (ELLIOT et al., 2004). É

salutar também falar das influências das teorias humanistas e fenomenológicas

(Terapia Centrada no Cliente, Gestalt Terapia e Logoterapia), das teorias cognitivas,

da neurociência afetiva, da psicodinâmica e da sistêmica familiar. (GREENBERG e

GOLDMAN, 2007). É uma terapia centrada no cliente, mas com uma postura

relacional orientada para o processo, com um terapeuta com um estilo exploratório

de respostas e guiado por uma estratégia de marcadores e tarefas, ou seja, é uma

psicoterapia processual vivencial que provê uma distinta perspectiva da emoção

como uma fonte de sentido, direção e crescimento. (ELLIOT et al., 2004).

“Consideramos a emoção como ponto crucial do processo de mudança dos clientes

e também como núcleo do que significa ser-se humano.“ (ELLIOT, 2010, p.1).

24

A TFE tem como premissa principal que as emoções são fundamentais para

a construção do self e são determinantes para a auto-organização dos indivíduos

(GREENBERG, 2004). No nível mais básico de funcionamento, as emoções

apresentam uma forma adaptativa para o processamento de informações e

direcionamento para ações, orientando as pessoas a respeito do ambiente em que

estão inseridas, além de serem atuantes na promoção do bem-estar da pessoa.

(GREENBERG, 2010). Sendo assim, o potencial adaptativo inato das emoções,

quando ativado, pode ajudar as pessoas a mudar os estados emocionais

problemáticos e as suas interações (GREENBERG, 2011), ademais, mostrar ao

indivíduo o que é importante em diversas situações da vida. Isto é, o potencial

adaptativo das emoções serve como um respeitável guia para as necessidades ou

desejos individuais e para orientar o conhecimento de quais ações são mais

apropriadas nas diferentes situações e interações da vida.

A visão de que os indivíduos têm uma natureza basicamente afetiva e as

emoções definem um modo básico de processamento (GREENBERG, 2011, 2002)

está alinhada com a teoria das emoções que baseia a TFE. Por exemplo, o medo

estimula um mecanismo de processamento que procura por perigo, a tristeza

informa sobre perdas ou sobre a raiva por ter sido violentado. Além disso, as

emoções fazem parte do primeiro sistema de comunicação das pessoas que

rapidamente sinaliza as intenções e os afetos nas relações interpessoais. Ao invés

de ‘Eu penso, então existo’, para a TFE faz mais sentido dizer ‘Eu sinto, por isso eu

sou’, pois primeiramente, o indivíduo sente antes do ato de pensar. (GREENBERG,

2011).

A TFE enxerga que as psicoterapias tradicionais deram excessiva ênfase na

compreensão da consciência e na mudança da cognição e do comportamento e,

com isso, negligenciaram o papel central e fundamental da mudança emocional no

processo de mudança humana. Porém, a TFE não nega a importância da criação de

significados e a mudança comportamental, mas enfatiza a importância do trabalho

com as emoções, ou seja, promover uma experiência visceral com a emoção no

processo terapêutico a fim de gerar uma mudança emocional, que por sua vez

favorecerá uma mudança humana. (GREENBERG, 2011). Complementando, Jon

Carlson e Matt Englar-Carlson pontuaram de forma interessante o processo de

mudança emocional na visão da TFE:

25

A TFE advoga que a mudança emocional é necessária para uma mudança

permanente e para o desenvolvimento dos clientes tal como para o bem-

estar. A TFE baseia-se no conhecimento em relação ao efeito da expressão

emocional e identifica o potencial adaptativo das emoções como cruciais

para criar uma mudança psicológica significativa. (CARLSON e ENGLAR-

CARLSON apud GREENBERG, 2011, p. 157, tradução nossa).

Mudar as emoções é um ponto central para o tratamento dos problemas

humanos, sendo assim, o trabalho com as emoções é um caminho crucial para a

mudança, contudo, isso não quer dizer que a TFE trabalha somente com o foco nas

emoções. A abordagem tem uma visão integrativa do ser humano e considera

questões motivacionais, cognição, comportamento e interações, uma vez que muitos

dos problemas humanos podem estar relacionados com questões biológicas,

emocionais, cognitivas, motivacionais, comportamentais, fisiológicas, sociais e

culturais, o que quer dizer que tais questões necessitam de atenção e não são

deixadas de lado na TFE. (GREENBERG, 2011).

Essa abordagem foi inovadora ao integrar perspectivas humanistas da

natureza humana, disfunção e desenvolvimento humano com a teoria

contemporânea da emoção e com uma posição filosófica que se refere ao

construtivismo dialético. (ELLIOT et al., 2004). Assim, a base teórica da TFE conta

com uma visão humanista e holística do ser humano e uma visão integrativa da

motivação e as diversas forças que guiam as experiências e os comportamentos.

Um importante aspecto da motivação é a regulação do afeto, uma vez que as

pessoas estão frequentemente buscando sentido para as suas emoções. Segundo

Greenberg (2011), a principal motivação para se viver é a busca por um sentido na

vida, e um sentido para a vida não é dado ao indivíduo, mas sim alcançado. Em

complemento, a teoria das emoções contempla os seguintes elementos: os

esquemas emocionais, os tipos de emoção ou respostas emocionais, a visão do

construtivismo dialético que inclui a integração da biologia e da cultura

(completamente alinhada com a visão integrativa da motivação descrita acima com a

busca por sentido), regulação emocional e a construção de narrativas e significado.

(GREENBERG, 2004, 2010, 2011; ELLIOT et al., 2004).

Outro ponto de destaque na TFE é a ênfase na importância da relação

terapêutica para o processo da psicoterapia. Em poucas palavras, é uma relação

empática, centrada no cliente, respeitosa, que flui de maneira sinérgica por meio de

uma postura de seguir e liderar o cliente. Nessa relação, o cliente é visto como o

26

‘expert’ em sua própria experiência e o responsável por construir os significados das

situações e questões da própria vida. E nesse cenário, o terapeuta também é um

líder ativo do processo da psicoterapia, o que não significa uma postura professoral,

conselheira, de controle ou de manipulação, tampouco, busca corrigir os problemas

do cliente ou fornecer conhecimento ou explicação a respeito de algum assunto ou

situação, mas sim, trabalha ativamente com e para o cliente para ajudá-lo a resolver

as questões levadas para a terapia. Essa relação é baseada na colaboração ativa

entre o cliente e o terapeuta. (ELLIOT et al., 2004). Tais premissas propiciam um

processo de tratamento em que a divisão das questões a serem trabalhadas, tal

como a formulação de caso, são realizadas em conjunto com o cliente, o que

promove uma responsabilização do cliente com o seu tratamento.

Para Greenberg (2011), o terapeuta TFE ajuda seus clientes a compreender

as complexidades dos seus relacionamentos de longo prazo, as suas origens

psicogênicas, a gerenciar os seus pensamentos, comportamentos e as suas

interações de uma maneira saudável. Os seguintes elementos são pontuados por

Greenberg (2011) como chave para o trabalho psicoterápico em TFE:

a) Relação empática;

b) Exploração diferenciada da experiência emocional do cliente e as origens e

dinâmicas dessas emoções;

c) Encorajamento do cliente para permitir e aceitar as informações que as

emoções fornecem ao invés de se utilizar de uma repetição catártica da

expressão emocional para se livrar da emoção;

d) Foco em processos interruptivos que interferem nos esforços do cliente para

acessar a emoção;

e) Acesso a novas emoções com o intuito de modificar emoções antigas;

f) Simbolização e reflexão a respeito da emoção a fim de criar uma nova

narrativa.

Assim, é fundamental para um terapeuta TFE ter conhecimento a respeito

das emoções, das dinâmicas da emoção e de como trabalhá-las (GREENBERG,

2011) e também do seu próprio esquema emocional (ELLIOT et al., 2004). Essas e

as demais habilidades do terapeuta TFE estão descritas mais adiante nesse

trabalho.

27

A TFE é aplicável na psicoterapia individual, de casal ou familiar e o trabalho

com as emoções tem sido integrado a abordagens psicodinâmicas e cognitivas.

Inicialmente, a abordagem para a terapia individual era chamada de Process

Experimental Psychotherapy (PE) e para casais de Emotionally Focused Therapy3.

O termo Emotion-focused therapy (EFT) foi proposto por Leslie Greenberg por volta

de 2002 como um termo integrativo e mais abrangente a fim de englobar as

diferentes aplicações da psicoterapia (individual, casal e família) em que o foco

principal das suas intervenções esteja baseado no trabalho com as emoções.

(GREENBERG, 2011).

2.2.2 Visão teórica

2.2.2.1 Teoria das emoções

Para a TFE, a emoção é fundamentalmente adaptativa e provedora do modo

básico de processamento dos indivíduos, pois, automaticamente e rapidamente,

consegue avaliar as situações de acordo com a sua relevância para o bem-estar da

pessoa e, assim, produzir ações a fim de atender as suas necessidades.

(GREENBERG, 2011, 2002; ELLIOT et al., 2004). Dessa forma, as emoções servem

de guia para os diferentes aspectos da vida das pessoas e sinalizam os eventos que

afetam os mais importantes relacionamentos, as questões pessoais, além de ajudar

as pessoas a se conectarem, se sentirem energizadas, amadas e interessadas,

como também, frequentemente, propiciar o encontro dos indivíduos com as suas

respectivas essências. (GREENBERG, 2011).

Da mesma maneira que as emoções são adaptativas e servem como um

guia orientador para a ação, as emoções podem tornar-se problemáticas em função

de traumas do passado ou, simplesmente, porque as pessoas foram ensinadas a

ignorá-las ou desprezá-las. (ELLIOT et al., 2004). Algumas vezes, as emoções

podem levar a ações incompreensíveis e ao arrependimento, além de poderem ser

vagas ou nebulosas somente se tornando claras quando simbolizadas e

expressadas para outras pessoas. (GREENBERG, 2011).

3 Termo ainda adotado por Sue Johnson que é uma das fundadoras do Centro internacional de

excelência em Emotionally focused therapy http://www.iceeft.com/

28

O desconhecimento, a negação ou, até mesmo, a complexidade do sistema

emocional humano podem ocasionar em erros e disfunções. A falta de habilidade

para acessar as próprias emoções ou os aspectos da experiência emocional é uma

dificuldade comum e priva a pessoa de uma valiosa e adaptativa informação. Outra

dificuldade comum, é que uma resposta emocional desadaptativa pode estar

escondendo outras respostas emocionais, como por exemplo, a raiva esconder o

medo. Assim, pessoas que tem problemas com regulação da emoção podem ser

acometidas por fortes ou dolorosas emoções ou, até mesmo, não perceber ou

apresentar certo distanciamento das suas emoções. (ELLIOT et al., 2004).

A emoção é um fenômeno cerebral que é muito diferente do pensamento e

tem sua própria base neuroquímica e fisiológica. (GREENBERG, 2011). Segundo Le

Doux (1998), há dois diferentes caminhos para produzir emoção: via amígdala

cerebral 4, que é o caminho mais curto e rápido, que envia um sinal automático de

emergência ao cérebro e ao corpo e produz respostas instintivas ou intuitivas ou via

neocórtex cerebral, que é um caminho mais longo e vagaroso, por meio da produção

de emoções mediadas por pensamentos. Em algumas situações, tal como de perigo,

é primordial e adequado responder rapidamente, porém, há situações na vida de

uma pessoa que demandam uma reflexão acerca da emoção antes de se reagir, ou

seja, uma ação que foi resultante da integração entre a reação emocional e a

cognição. Para isso, o neocórtex é fundamental, pois é a parte do cérebro

responsável por propiciar ao indivíduo novas respostas emocionais, isto é, com

emoções aprendidas de acordo com a experiência de vida de cada indivíduo e que

faz parte das respectivas memórias emocionais em adição às respostas emocionais

herdadas, tal como, o medo do escuro. (GREENBERG, 2011, 2010).

As emoções dos clientes servem como um tipo de bússola na TFE, guiando

o cliente e o terapeuta ao que é mais importante para o cliente, sobre quais as

necessidades estão sendo atendidas e quais necessidades não são ou não foram

atendidas na vida do indivíduo. Um princípio chave da TFE é que as emoções

fornecem acesso às necessidades, desejos ou objetivos e às tendências de ações

respectivamente associadas. Assim, cada sentimento tem uma necessidade e cada

ativação de um esquema emocional provê um direcionamento para ação que deve

propiciar a satisfação da necessidade. Por exemplo, quando um cliente se percebe

4 A amígdala faz parte do sistema límbico que é uma parte do cérebro de todos os mamíferos.

29

triste, tal estado de sentimento leva a um tácito processamento que avaliou que algo

importante foi perdido e direciona para uma necessidade de conforto.

(GREENBERG, 2011). Dessa maneira, a emoção como foco da terapia propicia o

entendimento de como o indivíduo organiza as suas experiências por meio de

esquemas emocionais e como é o funcionamento do seu processo emocional.

(ELLIOT et al., 2004).

2.2.2.1.1 Tipos de emoção

Nem todas as emoções têm a mesma função e, na TFE, é fundamental que

o terapeuta saiba distinguir entre os quatro diferentes tipos de resposta emocional,

pois o conhecimento dos diferentes tipos de emoção propicia clareza das formas

adaptativas e não adaptativas da emoção e ajuda a orientar as intervenções no

processo da psicoterapia. (GREENBERG, 2011; ELLIOT et al., 2004).

Os quatro tipos de emoção, apresentados por Greenberg (2011), são: a)

primária adaptativa, b) primária desadaptativa, c) secundária desadaptativa e d)

instrumental. O funcionamento normal de uma emoção consiste num processamento

rápido das informações acerca das situações com o intuito de preparar a pessoa

para uma ação efetiva. Dessa maneira, a emoção primária adaptativa acaba sendo o

único tipo de emoção totalmente funcional e os outros três tipos são geralmente

disfuncionais.

a) Emoções primárias adaptativas: a resposta emocional é consistente com a

situação e ajuda a pessoa a tomar a ação mais apropriada. Como por

exemplo, a raiva frente a alguma possibilidade de violação com a própria

pessoa ou alguém de seu cuidado ou relacionamento íntimo (filhos, pais,

irmãos ou amigos), a atitude será voltada para que não ocorra ou que se

interrompa a possibilidade de violação ou a violação em si; o medo em

face de alguma situação de perigo e/ ou ameaça que prepara o indivíduo

para uma ação a fim de evitar ou reduzir o perigo; a vergonha que sinaliza

que a pessoa possa ter sido exposta ou ter agido de maneira não

apropriada e corre o risco de ser julgada ou rejeitada pelos outros,

motivando a pessoa a se corrigir.

30

b) Emoções primárias desadaptativas: também são reações diretas às

situações, porém, são respostas que não ajudam a pessoa e enfrentar

construtivamente a situação. Essas respostas emocionais estão

relacionadas com experiências anteriores ou histórias de aprendizado, que

na maioria das vezes foram experiências traumáticas. Por exemplo, uma

pessoa que aprendeu desde pequena que a proximidade com outra

pessoa era geralmente seguida de abuso físico ou sexual acaba

respondendo com raiva e rejeição, pois enxerga uma possível violação por

aqueles que buscam uma proximidade com ela.

c) Emoções secundárias desadaptativas: a reação desse tipo de emoção,

que pode ser chamada de “reação da reação”, ofusca e/ ou transforma a

emoção primária em uma emoção secundária, que são consideradas

desadaptativas, pois direcionam para ações que não são pertinentes para

a situação em questão. Por exemplo, um homem que se deparou com

uma situação de rejeição poderia se sentir triste ou com medo, mas tornar-

se irritado com a rejeição e com raiva (foco externo) ou bravo consigo

próprio por ter sentido medo (foco interno). Muitas das emoções

secundárias obscurecem ou tentam se defender contra uma dolorosa

emoção primária ou são reações emocionais das emoções primárias. As

emoções secundárias também podem ser respostas de racionalizações ou

pensamentos, isto é, a pessoa sentir-se ansiosa em função de uma

expectativa de rejeição, e neste ponto Greenberg (2011, p. 842, tradução

nossa) destaca que: “embora um pensamento possa produzir uma

emoção, nem toda emoção é produzida pelo pensamento”.

d) Emoções instrumentais: são as emoções ‘fingidas’ pelas pessoas a fim de

influenciar, controlar ou conseguir algo dos outros, ou seja, são de

natureza mais interpessoal e que não refletem, necessariamente, as

emoções sentidas no momento ou com a situação. A expressão das

emoções instrumentais pode ocorrer de maneira consciente ou por hábito

da pessoa, como também, pode ocorrer automaticamente ou sem

consciência da pessoa. Em ambos os casos, a emoção demonstrada é

independente da resposta emocional que seria originada pela situação.

Embora o processo de atuação possa induzir a alguma forma de

31

experiência emocional interna, não será consistente com a situação atual

do indivíduo. Por exemplo, uma pessoa que se mostra triste para obter

atenção de alguém ou um indivíduo que se mostra com uma cara de bravo

a fim de intimidar ou dominar outra pessoa.

2.2.2.1.2 Esquemas emocionais

Os esquemas emocionais são formados pelas memórias emocionais e pelas

organizações das experiências emocionais vividas e estão na base do sistema de

resposta emocional de uma pessoa adulta. São estruturas internas da memória

emocional que sintetizam os elementos do afeto, da motivação, da cognição e do

comportamento em organizações internas que são rapidamente ativadas por meio

de sinais relevantes. Ou seja, as experiências importantes que foram significativas

em função de terem ativado respostas emocionais são codificadas em esquemas de

memórias emocionais. Um esquema emocional representa como uma situação foi

interpretada e qual foi o efeito emocional no indivíduo. Por exemplo, a memória

emocional de cuidados recebidos ou abusos sofridos enquanto criança é codificada

em memórias processuais do que aconteceu e como o indivíduo se sentiu.

(GREENBERG, 2011).

O desenvolvimento dos esquemas emocionais pode ser entendido como

uma rede neural que representa a história de uma experiência vivida, conforme

ilustrado na figura (3) apresentada por Greenberg (2011) a respeito do medo que um

cliente tinha de falhar em função de ter falhado certa vez em relação à expectativa

de sua mãe.

FIGURA 3 – Esquema emocional

Fonte: GREENBERG (2011, p. 782)

32

Elliot et al. (2004), apresentaram que os esquemas emocionais são tanto a

base para o funcionamento normal de uma pessoa, como a fonte para as disfunções

humanas e organizaram a seguinte lista para explicar os esquemas emocionais:

a) Um esquema emocional é um processo em vez de uma coisa. Os processos

dos esquemas emocionais podem incluir componentes linguísticos, mas

geralmente são compostos por elementos não verbais (sensações no corpo,

imagens visuais e até mesmo cheiros), são ativos e também podem ser

orientados para a ação.

b) Os esquemas emocionais não estão diretamente disponíveis para a

consciência, mas podem ser acessados indiretamente por meio das

experiências relacionadas com a produção dos esquemas emocionais. Para

ser identificado é necessário, primeiramente, ativar experiências específicas

para assim, serem exploradas ou expressas antes de se refletir a respeito.

c) Os processos de esquemas emocionais são entendidos com base no

construtivismo dialético: os esquemas emocionais estão envolvidos em

complexos processos de auto-organização que se organizam com base na

emoção. Os esquemas emocionais não são estáticos e estão

constantemente sendo construídos e descontruídos, o que demanda uma

avaliação personalizada e flexível.

d) Os esquemas emocionais de uma pessoa podem ser ativados

separadamente ou simultaneamente. A auto-organização baseada em

esquemas emocionais funciona como se existissem “vozes” internas na

pessoa. É vital que o terapeuta reconheça e respeite a multiplicidade de

auto-organizações, pois são importantes fontes de desenvolvimento e

adaptação criativa.

e) Os processos de esquemas emocionais e as respectivas auto-organizações

podem ser visualizados como se fossem um composto de elementos

relacionados conjuntamente em uma rede, em que a ativação de um único

elemento pode se espalhar para outros componentes. Os elementos dos

esquemas emocionais podem ser definidos da seguinte maneira e estão na

ordem de como geralmente são ativados no processo de psicoterapia:

33

1) Elementos perceptivos conceituais: representam o ambiente passado ou

o ambiente atual da pessoa e inclui o conhecimento imediato da situação

atual e de memórias episódicas.

2) Elementos de expressão corporal: representam os processos de

esquemas emocionais por meio do corpo (enjoo, nó na garganta,

formigamentos nos braços ou nas pernas) ou expressão de emoções

(cara de medo, risada nervosa).

3) Elementos simbólicos conceituais: são elementos verbais ou

representações visuais do processo do esquema emocional produzido por

meio da reflexão autoconsciente das percepções situacionais e elementos

de expressão corporal. Geralmente, podem assumir uma forma de

declarações verbais: “eu poderia ter sido atacada a qualquer momento”,

mas, também, pode incluir qualidades metafóricas associadas ao

esquema emocional.

4) Elementos motivadores de comportamento: são ativados por processos

de esquemas emocionais e representados em forma de desejos

associados, necessidades, vontades, intenções (ser salvo de um ataque)

ou tendências para a ação (fugir do medo tentando ignorá-lo).

5) Processos nucleares do esquema emocional: organizam todos os

diferentes componentes em torno de uma emoção em particular e

costumam ser reconhecidos somente após uma autorreflexão dos outros

quatro primeiros elementos.

O processamento emocional normal envolve todos esses cinco elementos e

a disfuncionalidade ocorre quando o indivíduo negligencia um ou mais tipos de

elementos, ocasionando na não completude da experiência, ou seja, o bloqueio da

experiência emocional.

Sendo assim, os esquemas emocionais promovem organizações implícitas

da experiência com base nas respostas emocionais biologicamente fornecidas e

influenciadas pelo histórico da vivência emocional da pessoa. O sistema da memória

emocional é o catalizador central para a auto-organização e é responsável pela

geração de estados saudáveis, como: confiança, calma e segurança, como também,

34

de auto-organizações em casos disfuncionais, como: insegurança ansiosa, vergonha

baseada em sentimento de inutilidade, solidão e abandono. (GREENBERG, 2011).

2.2.2.2 O modelo do construtivismo dialético de autofuncionamento:

integração da biologia e da cultura

A anatomia do cérebro humano contempla dois importantes processos: a

habilidade de ter emoções e a habilidade de refletir sobre tais emoções e, assim, a

vida envolve duas avaliações principais: uma em que é realizada automaticamente

pelo sistema emocional humano, não consciente e sem linguagem e outra que

ocorre por meio de uma reflexão consciente acerca da resposta da primeira

avaliação. Basicamente, o que ocorre é uma avaliação a respeito das orientações

oriundas da primeira avaliação e se o indivíduo pode ou deve segui-las.

(GREENBERG, 2011).

O processo dialético trabalha por meio da base biológica que é o sistema

adaptativo emocional e da capacidade humana em simbolizar e dar significado para

as coisas/ situações, em prol da sobrevivência, manutenção e aprimoramento do

self. O organismo está sempre produzindo uma tendência direcional que é

alimentada por tudo o que se aprende, se experiencia e pelas interações do

indivíduo.

A figura 4 apresenta os elementos envolvidos na construção dialética do self.

Pode-se observar que a experiência consciente é alimentada por dois principais

elementos: um interno, de base biológica e de natureza afetiva, e outro externo, de

base linguística e de natureza cultural. Ambos estão em constante interação com os

outros e com o meio ambiente em um processo dialético de construção de

significado. O elemento afetivo provê os pilares para a auto-organização básica que

no decorrer do desenvolvimento da pessoa passa a incorporar as influências

culturais (que inclui a educação recebida), os aprendizados e as experiências e são

organizados por meio de esquemas baseados nas experiências emocionais dessas

situações. Tais esquemas emocionais se tornam os primeiros geradores de

experiência, que são sintetizadas em forma de auto-organização que podem resultar

em experiências conscientes. Quando uma experiência é simbolizada em palavras,

35

este processo dialético consciente forma uma história da experiência vivida pela

pessoa. (GREENBERG, 2011).

FIGURA 4 – Processo de geração da emoção

Fonte: GREENBERG (2011, p.878)

Constantemente, uma pessoa é organizada por um processamento tácito e

por uma síntese dialética de diversos esquemas emocionais em uma das muitas

possibilidades das auto-organizações, isto é: sentir-se confiante, inseguro, sem

valor, triste ou com vergonha e tais sentimentos podem mudar a qualquer momento.

Essa organização tácita promove “o sentimento do que acontece”, ou seja, uma

sensação corporal que pode ser chamada de intuição ou uma sensação/ emoção

visceral (gut feeling). A experiência consciente resulta quando esse sentimento

implícito é atendido e explicitamente simbolizado e o indivíduo é capaz de sentir o

caminho completo e criar um significado coerente para a sua experiência.

(GREENBERG, 2011).

Dessa maneira, o self, na visão da TFE, é um sistema dinâmico com

múltiplos processos e organizações que emergem da interação dialética de

diferentes elementos desses componentes. Assim, como na visão do construtivismo

dialético, o self representa uma síntese dos diferentes níveis e aspectos do

processamento mental que buscam coerência para explicar o conhecimento

humano. Alinhado a isso, é pertinente a frase de Greenberg (2011, p. 901, tradução

nossa): “As emoções nos movem, enquanto o sentido é para que vivemos”.

36

Em complemento, na visão do construtivismo dialético, as pessoas vivem um

constante processo de significar as suas emoções. Assim, uma integração ente

razão e emoção é atingida por meio de um processo circular constante de significar

as experiências, simbolizar as sensações corporais na consciência e articular em

linguagem, propiciando a construção de novas experiências. (GREENBERG, 2010).

Dessa maneira, a experiência corporal delimita e influência como o indivíduo

compreende as suas vivências, contudo, o que as pessoas fazem de suas

experiências também as tornam quem elas são. Além disso, ao refletir a respeito das

suas experiências, as pessoas conseguem dar um sentido narrativo ao que sentem,

como também, a maneira como elas “explicam” as suas experiências para o self e

para os outros, cria significado (s) para as suas narrativas. (GREENBERG, 2011).

Uma analogia útil para o entendimento da expressão corporal pode ser as

formas que são enxergadas nas nuvens. Ao se observar as formas das nuvens

pode-se ver a formação de um animal, de estruturas arquitetônicas, objetos

cotidianos ou, até mesmo, de um rosto. Assim, considerando que qualquer uma das

formas avistadas nas nuvens não se encontra de fato presente em tais estruturas,

mas são apenas formações impostas pelo observador, o sentimento corporal pode

formatar o que a pessoa se tornará. Assim, um terapeuta TFE deve perceber que o

animal ou a face não estão implícitos na nuvem, ou seja, o cliente apresenta uma

sensação corporal, mas os sentimentos vêm de uma organização e de uma

simbolização que combina com as situações. Os indivíduos foram biologicamente

programados com respostas afetivas inatas, contudo, também constroem e

desenvolvem o seu repertório afetivo de acordo com os contextos culturais e com as

suas experiências. Em adição, embora as dimensões biológicas e culturais possam

ocasionar um conflito, a TFE não enxerga tais processos como antagônicos, mas

como fluxos necessários para uma síntese dialética do gerenciamento da interação

de fatores internos e externos, biológicos e sociais e emocionais e racionais. Assim,

o indivíduo perceber os aspectos da sua experiência como parte de si mesmo é

crucial para o processo de mudança na TFE. (GREENBERG, 2011).

37

2.2.2.3 Regulação emocional

O desenvolvimento de habilidades para uma regulação emocional saudável

é parte importante do desenvolvimento emocional e a utilização de tais habilidades

faz parte da inteligência emocional. Ou seja, ser capaz de reconhecer as próprias

emoções, refletir sobre elas e, em função disso, agir ou adiar uma ação é a

quintessência humana. (GREENBERG, 2011). Em função disso, a regulação do

afeto é uma das principais tarefas do processo terapêutico, que envolve a habilidade

em tolerar, estar consciente, conseguir colocar em palavras o que se sente e usar a

emoção de maneira adaptativa para regular a própria angústia e atender às próprias

necessidades e objetivos. (GREENBERG, 2011; ELLIOT et al., 2004).

Elliot et al. (2004) destacaram o trabalho de vários pesquisadores5 que

reconheceram o impacto que as experiências de vinculação na primeira infância têm

na capacidade das pessoas em regular as suas emoções e o seu funcionamento

neurofisiológico. Para Greenberg (2002), a habilidade de regular as emoções deriva

em parte das experiências de vinculação na primeira infância, com os pais ou outros

cuidadores, em que os cuidadores podem ser grandes fontes de ensino da

inteligência emocional por meio de exemplos e orientações no dia a dia da criança.

Assim, se os pais são bons ‘coaches emocionais’, eles reconhecem as emoções dos

seus filhos como oportunidades para o contato, validam e empatizam com as suas

emoções e os ajudam a usar suas emoções como um guia para uma efetiva

expressão social e para o atingimento de seus objetivos.

Para a TFE, a regulação emocional é intrínseca à experiência da geração da

emoção e a maneira como se enxerga a regulação emocional tem implicação na

psicoterapia. Alinhado a isso, se entende que o sistema emocional é capaz de ser

transformado ou regulado por processos emocionais e pelo estilo de vinculação,

como também, que a regulação emocional está relacionada com a automanutenção

e com o aperfeiçoamento e não com o autocontrole do sistema emocional. Faz parte

da regulação emocional ter emoções nos níveis adaptativos, assim, é enfatizado a

aproximação e o acesso às emoções que foram anteriormente evitadas e a

5 Gross, 1999; Gross & Muñoz, 1995; Van der Kolk, 1995; Van der Kolk, Mc Farlane, & Weisath,

1996, apud Elliot et al., 2004, p. 539.

38

capacidade de tolerar, aceitar, validar e entendê-las como um método de otimização

da regulação emocional na terapia. (GREENBERG, 2011).

O processo de regulação emocional na TFE não inclui atividades voltadas

para a inundação emocional, evitação, eliminação, negação e entorpecimento das

emoções, pois são experiências que podem ser perigosas e até traumáticas, além

de poder promover uma desregulação emocional em forma de efeito rebote.

(GREENBERG, 2011).

2.2.2.4 Construção de narrativa e significado

A capacidade em construir narrativas, entender e integrar as mais

importantes histórias da própria vida, é chave para o desenvolvimento de uma

identidade adaptativa e para o estabelecimento de uma coerente e diferenciada

visão de self. A interpretação que a pessoa dá às suas experiências influência as

suas vivências e muda os papéis, muitas vezes incoerentes, de impotência e de

vitimização, para histórias mais coerentes e com resultados positivos, o que acaba

por promover uma atitude e uma visão saudável de si mesmo. Assim, uma

articulação mais coerente e emocionalmente diferenciada de si e dos outros é uma

forma de correção da experiência emocional, pois facilita um aumento da

autorreflexão e de novos resultados interpessoais, já que uma das fontes de

disfunção está calcada na maneira como as pessoas significam as suas

experiências e as narrativas acerca de si mesmas, dos outros e do mundo.

(GREENBERG, 2011).

Dessa forma, a presença de narrativas mais significativas e um sentido para

a vida pessoal são aspectos chave para uma vida saudável, ou seja, para o bem-

estar. Além disso, ter um sentido para a vida é uma maneira de enfrentamento

(coping) às questões existenciais da vida, como morte, perda, liberdade e

isolamento (GREENBERG, 2011).

2.2.2.5 Visão da disfunção

Na teoria da TFE, a disfunção não é algo decorrente de um único

mecanismo sozinho, mas sim, algo que pode surgir em função de diversas

possibilidades, tais como: a falta de consciência das emoções ou a evitação dos

39

estados internos; a desregulação emocional como uma má adaptação das respostas

baseadas no aprendizado traumático ou em déficits de desenvolvimento; a vergonha

representada como um mecanismo de proteção contra danos à autoestima; os

conflitos internos e os bloqueios para o desenvolvimento de significado.

(GREENBERG, 2011).

Dessa maneira, muitas das disfunções ocorrem devido à evasão, à

supressão ou por falta de consciência das emoções, como também, em função da

inabilidade em regular as próprias emoções. (ELLIOT et al., 2004; GREENBERG,

2011).

Alinhado com a premissa de que diferentes tipos de dificuldades emocionais

contribuem para muitas formas de disfunções, Greenberg (2011) organizou as

dificuldades no processamento emocional em quatro tipos principais, conforme

descrição a seguir:

a) Falta de conscientização da emoção: que é a inabilidade do indivíduo em

simbolizar a experiência corporal da emoção. A evitação ou a inabilidade em

nomear as próprias emoções e as experiências internas podem representar

uma das principais causas de ansiedade e depressão. Por outro lado, a

pessoa ao conseguir perceber o que sente, pode se reapoderar das suas

respostas emocionais primárias adaptativas e reprocessar as emoções

renunciadas ou dolorosas.

b) Respostas emocionais desadaptativas: são as respostas desenvolvidas por

uma série de razões, por exemplo, respostas biológicas ou relacionais. A

disfunção ocorre quando a pessoa apresenta uma má ou fraca auto-

organização e o funcionamento atual do processamento emocional é

regrado por respostas de situações do passado que não representam a

situação presente, por exemplo: o medo e a tristeza pelo abandono estão no

centro da organização do “eu fraco” e a vergonha é o centro da organização

do “eu mau”. A maneira disfuncional como a pessoa lida com esses

sentimentos, evitando e retraindo, agrava ainda mais o problema. Sintomas

como depressão e ansiedade podem ocorrer quando há uma combinação de

sentimentos de insegurança e de não ser amado ou sentir-se humilhado,

preso e impotente e a pessoa é incapaz de mobilizar respostas alternativas.

40

c) Desregulação emocional: a inabilidade em regular as próprias emoções

pode gerar, por um lado, pessoas oprimidas por uma forte e dolorosa

emoção e, por outro lado, pessoas entorpecidas e distanciadas das suas

emoções. A falta de regulação emocional pode ser apresentada, também, na

forma de excessivo controle das emoções, que pode levar a pessoa a se

engajar em ações impulsivas, seja por meio de exageros na comida, na

bebida, em compras ou com sexo.

d) Problemas na construção da narrativa e com o sentido existencial: estão

relacionados com as dificuldades ou com a incapacidade em construir

narrativas a respeito da própria experiência, entendê-las e integrá-las. As

narrativas traumáticas perpetuam a angústia e as narrativas incoerentes

apresentam um sinal de uma natureza caótica da auto-organização em que

as pessoas são incapazes de construir um senso estável do self. Problemas

existenciais, falta de sentido na vida e sensação de vazio apresentam uma

disfunção em resposta à falta de autenticidade e alienação da própria

experiência e da falta de sentido que emana da ansiedade existencial.

2.2.3 Intervenções e o processo de psicoterapia

O processo da terapia e as intervenções estão altamente relacionados,

como também, estão alinhados com a base teórica da TFE. O processo da terapia

que será explicado a seguir tem como principal referência o trabalho exposto por

Greenberg (2011) que contempla: os princípios de tratamento; as habilidades do

terapeuta: de percepção e de intervenção: princípios da mudança emocional, fases

do tratamento e marcadores e tarefas; e formulação de caso.

2.2.3.1 Princípios de tratamento

O tratamento da TFE conta com dois princípios gerais: princípios de

relacionamento e princípios de tarefas. Os princípios de relacionamento recebem

prioridade em relação aos princípios de tarefas, no entanto, no processo de

tratamento ambos estão interligados e alinhados com a máxima ‘following and

leading’ da abordagem, em que seguir o cliente é precedente a liderar, guiar ou

41

orientar, contudo, seguir e liderar o cliente estão combinados sinergicamente em

senso de fluxo.

2.2.3.1.1 Princípios de relacionamento

Os princípios de relacionamento estão diretamente ligados com as bases da

construção da Terapia Focada nas Emoções: valorização genuína, regulação do

afeto, relação empática que conta com um terapeuta totalmente presente, altamente

sintonizado e sensível às experiências do cliente. Dessa maneira, pontua-se como

parte dos princípios de relacionamento: a presença e a sintonia empática, as

condições necessárias de Rogers6 e a aliança terapêutica.

O terapeuta tem uma postura respeitosa, aberta e é coerente em sua

maneira de se comunicar com o cliente. Para a TFE, o relacionamento em si é visto

como curativo, justificado em função da empatia, da abertura e da aceitação do

terapeuta que promovem quebra de isolamento, validação e fortalecimento do self,

além da auto-organização. Assim, um relacionamento com tais bases propicia um

conforto interpessoal e o desenvolvimento da regulação emocional, como também,

ajuda os clientes a regular sua desorganização e as suas dores emocionais. Além

disso, esse tipo de relacionamento cria um ótimo ambiente terapêutico que contribui

para a regulação do afeto e para o cliente se sentir suficientemente seguro para se

engajar no processo de autoexploração e novos aprendizados e de criação de novos

significados.

O estabelecimento de uma aliança terapêutica voltada para a colaboração

com os objetivos e com as tarefas da terapia é fundamental, uma vez que a aliança

propicia uma experiência de trabalho em conjunto do terapeuta e do cliente para a

superação dos problemas do cliente. A aliança anda de mãos dadas com uma

postura empática, como por exemplo, uma atuação empática facilita a captação das

dores emocionais do cliente, como também, a obtenção de um acordo sobre as

tarefas e metas da terapia, com o cuidado dispendido do terapeuta para propiciar ao

cliente o entendimento das tarefas e metas.

6 Vide Anexo 1 – As condições necessárias de Rogers.

42

2.2.3.1.2 Princípios de tarefas

Os princípios de tarefas guiam os terapeutas no processo de ajuda para a

resolução das questões internas do cliente e problemas relacionados com as

emoções, por meio de um trabalho que considera os objetivos pessoais do cliente e

as tarefas das sessões. Faz parte dos princípios de tarefas: a promoção de um

processamento diferencial, a conclusão das tarefas, foco e autodesenvolvimento -

que inclui responsabilidade e empowerment.

As tarefas terapêuticas facilitam os diferentes tipos de processamento de

acordo com os diferentes estados e momentos (tempos) do cliente. Nesse processo,

os problemas ou estados apresentados pelo cliente nas sessões são marcadores

que servem de guia para a definição das intervenções mais adequadas a fim de

facilitar um trabalho produtivo com foco no problema apresentado.

As tarefas nas sessões de terapia são designadas para promover o acesso

às experiências do cliente, por meio da articulação de emoções primárias e de

necessidades, para atingir a aceitação e a transformação de emoções doloridas e

não resolvidas e para propiciar a explicação de sentimentos implícitos e os

respectivos significados. Ou seja, o trabalho da terapia não é voltado diretamente

para a obtenção de enfrentamento, de mudança e de correção, mas sim, é voltado

ao processo de permissão e aceitação da experiência emocional. A mudança ocorre

em resposta a um processo dinâmico de auto-organização, que é facilitado

primeiramente pela aceitação, mais do que em resposta aos esforços diretos para

provocar uma mudança ou o atingimento de um objetivo específico. Afinal, faz parte

de tais princípios de tarefa a visão de que os seres humanos são seres ativos e

contam com necessidades inatas para a exploração e para o domínio de seus

ambientes internos e externos.

2.2.3.2 Habilidades do terapeuta

As habilidades destacadas para um terapeuta da TFE são as habilidades de

percepção e as habilidades executivas ou de intervenção e o tratamento é guiado

por ambas as habilidades. De maneira geral, as habilidades de percepção são

43

necessárias para a identificação dos diferentes tipos de emoção e marcadores de

problemas e as habilidades executivas guiam as intervenções.

2.2.3.2.1 Habilidades de percepção

A avaliação do tipo de emoção é uma habilidade de percepção do terapeuta

e uma vez desenvolvida passa a fazer parte de maneira implícita e natural da

sintonia empática, como também, a habilidade para acessar as emoções dos

clientes. Uma avaliação acurada dos diferentes tipos de emoção é de extrema

importância, já que para cada tipo de emoção há uma intervenção pertinente.

Antes mesmo de avaliar o tipo de emoção, é fundamental ao terapeuta ter a

habilidade para perceber e avaliar a expressividade de emoção do cliente, ou seja,

se o cliente apresenta muita ou quase nada de expressão emocional. Esta deve ser

a primeira avaliação da emoção que o terapeuta realiza, a fim de direcionar para a

intervenção adequada com o intuito de acessar ou regular a emoção do cliente. O

terapeuta deve ter claro que na terapia todas as emoções emergem em um contexto

relacional e que uma emoção surge por influencia de um contexto relacional, tal

como pelas regras culturais do cliente relacionadas com a expressão emocional.

Complementando, a inabilidade em regular as emoções ou a tendência a uma

super-regulação representam uma construção interpessoal e um processo cultural e

não somente uma função ou característica da personalidade do cliente.

Para acessar e discriminar o tipo da emoção expressa pelo cliente

(adaptativa primária, primária desadaptativa, secundária ou instrumental), o

terapeuta lança mão de diferentes habilidades e informações. É importante destacar

que o terapeuta nunca acessa as emoções com base, unicamente, em seu quadro

próprio de referências, mas, também por meio da colaboração com o cliente para

codeterminar como a emoção está funcionando no momento do acesso para o

cliente. Dessa maneira, a sintonia empática é essencial e cabe reforçar que o

terapeuta deve se atentar às dicas não verbais do cliente, especificamente o tom da

voz, a face e os gestos, uma vez que todas essas expressões não verbais são

fontes de informação da natureza do que está sendo expressado internamente. Por

exemplo, por meio da observação da voz ou da face do cliente pode-se perceber se

44

a emoção é primária e sincera ou se é secundária e está ofuscando outros

sentimentos.

O terapeuta, também, deve estar atento às suas próprias respostas

emocionais em relação ao cliente, uma vez que tais reações podem fornecer dicas

interessantes para a avaliação da emoção do cliente. Por exemplo, as pessoas

geralmente sentem compaixão em função da dor primária e do sofrimento do outro e

tendem a sentir irritação com um choro secundário. Dessa maneira, se destaca a

habilidade do terapeuta em perceber as próprias reações emocionais em relação às

expressões e sentimentos apresentados pelo cliente por ser uma rica fonte de

informação do tipo de emoção que o cliente está sentindo.

Além disso, também é relevante ter a habilidade para conhecer os caminhos

típicos de resposta emocional dos clientes (padrões) e os tipos de respostas

emocionais de acordo com aspectos culturais. O conhecimento do contexto da

expressão emocional é mais relevante do que o conhecimento da emoção em si. A

expressão de uma emoção na sua vigésima vez é diferente da primeira expressão

da mesma emoção. Sendo assim, o resultado dessa expressão pode direcionar-se

para um processo tanto produtivo quanto adaptativo ou, então, produzir

desregulação mostrando assim se a emoção presente é uma emoção primária

adaptativa ou não.

2.2.3.2.2 Habilidades de intervenção

As habilidades de intervenção estão baseadas nos princípios e

conhecimentos que guiam as intervenções da TFE, que são: princípios de

intervenção com a emoção, conhecimento dos processos emocionais e dos

marcadores de problemas e das respectivas intervenções aplicáveis. O conjunto de

habilidades e conhecimentos, fundamentais para um terapeuta TFE, é descrito a

seguir com a seguinte divisão: a) estratégias gerais da TFE para trabalhar com a

emoção; b) princípios da mudança emocional; c) fases do tratamento; e d)

marcadores e tarefas.

a) Estratégias gerais da TFE para trabalhar com a emoção

Para a TFE, ao se trabalhar com a emoção há duas tarefas principais que

estão relacionadas com: ajudar as pessoas com pouca ou baixa expressão

45

emocional a acessarem e expressarem as suas emoções e ajudar as pessoas com

muita ou exagerada expressão de emoções a conterem a sua expressão emocional.

Para tanto, cabe destacar a exploração empática e a atividade de focalização que

fazem parte das estratégias gerais para o trabalho com as emoções.

A exploração empática é um modo fundamental de intervenção, sendo uma

marca registrada de um terapeuta TFE. A exploração empática vai além de

empatizar com cliente, é uma postura centrada na experiência do cliente que por

meio de uma atenção sensível, momento a momento, ao que é mais agudo na

narrativa verbal e não verbal do cliente, ajuda a capturar as experiências de uma

maneira mais rica.

A atividade de focalização (focusing 7) é geralmente utilizada quando não foi

possível ocorrer um aprofundamento da experiência passada por meio da

exploração empática, dessa maneira, o terapeuta aplica a atividade que também

direciona a atenção do cliente para o seu interior, a fim de provocar um

aprofundamento na experiência e percepção das sensações corporais.

Frequentemente, após a atividade de focalização interna se parte para outra

intervenção, como a técnica das duas cadeiras ou da cadeira vazia ou um trabalho

com imagens a fim de trazer a emoção vivamente para a consciência.

Há diferentes maneiras que o terapeuta pode lançar mão para ajudar aos

clientes acessarem seus sentimentos, como também, a desenvolver estratégias

adaptativas para ‘conter’ a expressividade exagerada das emoções:

- Encorajar o cliente para se atentar às sensações corporais que são sinais

das emoções;

- Direcionar o cliente para lembrar-se de episódios prévios com conteúdo

emocional ou situações que trouxeram sentimentos particulares;

- Usar dicas emocionais por meio de palavras comoventes ou comunicação

por imagens;

- Sugerir ao cliente atuar como se estive sentindo a emoção de episódios

anteriores, como por exemplo: falar com voz de raiva, chacoalhar o pulso ou

falar alto. Nessa atividade é importante ajudar o cliente a monitorar o nível

de ativação, a fim de manter um nível de segurança que permite que a

7 Para saber mais sobre Focusing, ler Eugene Gendlin – www.focusing.org

46

emoção apareça e prevenir que ele se desconecte da emoção/ dos seus

sentimentos, caso sinta que está perdendo o controle;

- Sugerir ao cliente que observe e simbolize os sentimentos que o oprimem

por meio da criação de um distanciamento seguro ao adotar uma atitude de

observador e descrever o medo como uma bola preta localizada no

estômago, por exemplo;

- Solicitar ao cliente realizar uma ‘lista de problemas’: o terapeuta oferece

suporte e compreensão e encoraja o cliente a procurar suporte externo e

entender o que pode ser útil para a regulação emocional por meio da

organização das emoções angustiantes;

- Realizar exercícios de respiração: indicado para o cliente que se sente

oprimido/ sobrecarregado na sessão, como também, em casos de muita

ativação emocional, o terapeuta pode regular a angústia do cliente sugerindo

exercícios de respiração;

- Ajudar o cliente a ter a consciência de quando pode ocorrer uma expressão

exagerada das emoções, não conter a expressão, mas, rapidamente, decidir

o que fazer quando a reação emocional está para surgir.

b) Princípios da mudança emocional

Na visão da TFE, o processo de mudança envolve ajudar as pessoas a

perceberem e a darem sentido (significarem) às suas emoções por meio dos

seguintes subprocessos: conscientização, expressão, regulação, reflexão,

transformação e experiência corretiva da emoção. Tais subprocessos são facilitados

pelo contexto seguro da terapia, que é proporcionado com base no relacionamento

com o terapeuta e na respectiva sintonia empática.

- Conscientização

A ampliação da consciência acerca da emoção é um objetivo fundamental

do tratamento na TFE, uma vez que, quando as pessoas sabem o que sentem, se

reconectam com as suas necessidades e se motivam para atendê-las.

Quando um indivíduo se torna consciente e simboliza as suas principais

experiências emocionais em palavras, promove um acesso às informações

adaptativas e às tendências de ação da respectiva emoção. É importante ressaltar

que a consciência emocional não consiste em pensar sobre os sentimentos, mas

47

sim, em sentir a emoção conscientemente. Neste processo é necessário sentir a

emoção que vem sendo negada, para assim, poder ocorrer uma mudança.

A conscientização de emoções problemáticas pode ser retratada em três

estágios:

1) Conscientização da emoção depois do evento, quando a pessoa reflete

sobre o que sentiu no passado que pode servir como base para aprender a

como responder melhor no futuro – também pode envolver o conhecimento

das situações gatilho para a resposta emocional;

2) Redução do tempo para perceber o sentimento de acordo com o estímulo

emocional;

3) Reconhecimento da emoção que está por surgir e antes de se ter uma

reação e poder transformá-la, ou seja, ao perceber o impulso da raiva ou

de desapontamento, não se deixar ser totalmente invadido por tal emoção.

- Expressão

A expressão das emoções, em terapia, envolve superar a evitação de

algumas experiências emocionais e ser capaz de expressar as emoções primárias

anteriormente negadas ou ofuscadas, ao invés de desafogar as emoções

secundárias. Em função da forte tendência humana em evitar experienciar e

expressar emoções dolorosas, os clientes necessitam ser encorajados a superar a

evitação e abordar as emoções dolorosas em sessões por meio da experiência

corporal que ocorre geralmente em pequenos passos. Para tanto, pode ser

necessário mudar algumas crenças explícitas, tais como: “sentir raiva é perigoso” ou

“homens não choram”.

O papel da ativação e da expressão das emoções e o grau para que sejam

úteis na terapia e na vida depende do estímulo que deflagra a expressão de tal

emoção, de quem a experiencia e a expressa, para quê e para quem, quando e sob

quais condições tal expressão se manifesta e em qual caminho a expressão

emocional é seguida por outras experiências de afeto e significado.

Na visão da TFE, as etapas de processamento emocional: aproximação,

ativação e tolerância da experiência emocional são necessárias, mas não são

suficientes para mudar as emoções primárias desadaptativas. O processamento

emocional ideal envolve a integração da cognição e do afeto em si e a

48

transformação do afeto, não bastando somente tolerá-lo. (GREENBERG, 2002). Isso

quer dizer que após o contato com a experiência da emoção primária desadaptativa,

como por exemplo: vergonha ou insegurança, o cliente necessita, inclusive, ser

orientado cognitivamente pra a experiência como uma informação, simbolizá-la em

consciência e explorá-la para, assim, refletir a respeito e poder fazer sentido para,

finalmente, poder transformá-la.

- Regulação

A regulação emocional envolve a capacidade de reconhecer as próprias

emoções, refletir sobre elas e, assim, agir ou adiar uma ação. Na terapia, um

importante aspecto da regulação consiste em saber quais as emoções devem ser

reguladas e como elas devem ser reguladas, o que acaba sendo um aspecto central

do tratamento. Dessa maneira, emoções que requerem uma regulação geralmente

são as secundárias, tais como: ‘desespero’ e ‘falta de esperança’ ou ansiedade em

relação às emoções primárias desadaptativas, como: ‘vergonha em se sentir

inferior’, ‘a ansiedade da insegurança básica’ e o ‘pânico’.

É fundamental para a regulação emocional, contar com um ambiente seguro,

calmo, tranquilo, validador e empático. As seguintes ações fazem parte do processo

de regulação da emoção na terapia: identificação das situações gatilho, evitação das

situações gatilho, identificação e nomeação das emoções, aceitação e tolerância das

emoções, aumento das emoções positivas, promoção de autoconforto, exercícios de

respiração e busca de distração.

Além disso, faz parte da regulação emocional ajudar o cliente a desenvolver

habilidades para se autoacalmar e para desenvolver a autocompaixão. Ou seja,

ajudar o cliente na aquisição de habilidades para se acolher e ser compassivo com

as próprias experiências emocionais dolorosas é uma importante etapa para a

tolerância e para o autoconforto. No passar do tempo, tais habilidades vão sendo

incorporadas pelo indivíduo e a regulação das emoções passa a ser automática e

implícita sem qualquer esforço deliberado.

- Reflexão

A reflexão a respeito das experiências emocionais que foram identificadas e

simbolizadas, ajuda no processo de definição do significado narrativo das

experiências do cliente e promove a assimilação das próprias narrativas em curso.

49

Além disso, o processo de reflexão emocional ajuda na criação de novos

significados e no desenvolvimento de novas narrativas que acabam por auxiliar no

entendimento da própria experiência.

A exploração das experiências emocionais e a respectiva reflexão em forma

de narrativas coerentes são, também, processos importantes para a mudança. A

reflexão promove um entendimento de como o self é psicologicamente construído e

constituído e a narrativa promove um processo de organização cognitiva, sendo

assim, o significado dos eventos individuais e as ações são determinados por um

particular enredo ou tema. A reflexão em forma de narrativa torna a experiência e as

memórias do cliente em uma história significativa e coerente, além de prover um

senso de identidade para o cliente.

- Transformação

O processo de transformação é uma das maneiras mais importante para se

lidar com as emoções desadaptativas, ou seja, transformar uma emoção

desadaptativa em uma emoção adaptativa.

Antes da promoção da transformação citada (emoção desadaptativa em

adaptativa) deve ocorrer uma total aceitação da emoção dolorosa antes de se tentar

mudar tal emoção. Ou seja, para que a transformação seja efetiva, é importante que

o cliente sinta completamente a emoção para poder perceber a respectiva

mensagem e assim, se abrir para a mudança por outra emoção. Tal ação requer

uma autoaceitação por parte do cliente e que está alinhada com uma forte premissa

que guia as intervenções de TFE que diz que se o indivíduo não se aceita como é,

ele não pode se fazer disponível para a transformação. Greenberg (2011, p.1437,

2002, p.1758, tradução nossa), pontua: “Não se pode deixar um local antes de se ter

chegado nele”. Em associação, o indivíduo necessita primeiramente sentir a emoção

para em seguida transformá-la e ser ‘curado’ dela. Dessa maneira, é reforçado que

mesmo aqueles aspectos que a pessoa quer mudar, primeiramente precisam ser

aceitos já que a autoaceitação precede a autotransformação.

O processo de mudança da emoção com emoção vai além das ideias de

catarse, finalização e liberação, exposição, extinção ou habituação, ou seja, a

emoção desadaptativa não é purgada, nem é simplesmente atenuada pela pessoa

que a sente, ao invés disso, usa-se outro sentimento para a transformação da

50

emoção desadaptativa. Embora as emoções secundárias desreguladas, como por

exemplo: o medo e a ansiedade em fobias ou pânico, possam ser superadas por

meio de técnicas de exposição, em muitas situações de emoções primárias

desadaptativas, como ‘vergonha dos sentimentos de inferioridade’ ou ‘tristeza do

abandono’, são melhor transformadas por meio do contato com outras emoções.

Na terapia, o medo do abandono desadaptativo, uma vez ativado no

presente, pode ser transformado em segurança por meio da ativação de mais

empowerment e do estabelecimento de fronteiras para a emoção da raiva adaptativa

que foi sentida no passado, mas não foi expressa ou, então, por meio da evocação

de sentimentos mais suaves de tristeza que estavam inacessíveis anteriormente

junto à necessidade de conforto e autocompaixão. Isso quer dizer que a raiva

desadaptativa pode ser desfeita por meio de tristeza adaptativa.

Assim, a mudança emocional duradoura de uma resposta emocional

desadaptativa ocorre pela geração de uma nova resposta emocional, ou seja, por

meio da geração de novas respostas para as situações passadas incorporando as

novas repostas na memória e não por meio de um processo de insight ou

entendimento. As memórias são reconsolidadas de um novo jeito a partir da

incorporação desses novos elementos, propiciando uma nova visão do passado.

- Correção da experiência emocional

A correção da experiência emocional ocorre por meio das novas

experiências vividas pelo cliente com outra pessoa, muitas vezes o terapeuta. As

experiências que propiciam conforto, desconfirmação de crenças patológicas ou que

ofereçam novas experiências de sucesso, podem corrigir padrões estabelecidos

anteriormente pelo cliente. Por exemplo, o cliente ter a sua raiva aceita pelo

terapeuta e não ser julgado por isso ou ser rejeitado pode levar a novas formas de

ser para o cliente. Ou seja, no contexto da terapia, o cliente pode expressar a sua

vulnerabilidade ou a sua raiva sem ser punido ou censurado pelo terapeuta. A

correção emocional ocorre predominantemente na relação terapêutica, mas não é

exclusiva desta relação e, assim, o terapeuta encoraja o cliente em relação à

vivência de experiências de sucesso fora da relação terapêutica.

É um objetivo da TFE que o cliente reexperiencie as emoções que não

conseguia lidar no passado, a fim de obter uma correção emocional que repara os

51

danos influenciados por experiências anteriores. A reexperiência de tais emoções

ocorre em função da ajuda propiciada pelas circunstâncias favoráveis da terapia.

Sendo assim, pode-se afirmar que uma experiência genuína entre o terapeuta e o

cliente é uma experiência de correção emocional.

c) Fases do tratamento

O tratamento da TFE é dividido em três grandes fases: 1) vinculação e

conscientização; 2) evocação e exploração e 3) geração de novas emoções e

criação de novos significados para as narrativas.

1) Fase de vinculação e de conscientização

A primeira fase do tratamento envolve quatro etapas:

- Escuta ativa e empatia, validação dos sentimentos do cliente e do senso

atual de self;

- Fornecimento de uma explicação a respeito do trabalho com a emoção;

- Promoção da consciência para a experiência interna;

- Estabelecimento de um foco colaborativo de trabalho.

2) Fase de evocação e exploração

A segunda fase do tratamento, também, é composta por quatro etapas:

- Estabelecimento de suporte para a experiência emocional;

- Evocação e ativação dos sentimentos problemáticos;

- Dissolução de interrupções da emoção;

- Ajuda ao cliente para acessar as emoções primárias ou os esquemas

desadaptativos centrais.

3) Fase de geração de novas emoções e criação de novos significados para as

narrativas

A terceira fase do tratamento é composta por três etapas:

- Geração de novas respostas emocionais a fim de transformar os

esquemas emocionais desadaptativos centrais;

- Promoção da reflexão para que o cliente possa significar ou ressignificar

as suas experiências/ narrativas;

- Validação dos novos sentimentos e suporte para um novo senso de self.

52

d) Marcadores e tarefas

Os marcadores servem para guiar as intervenções da TFE. Ou seja, os

marcadores propiciam informações relacionadas aos problemas dos clientes,

indicam o seu estado atual e o tipo de intervenção a ser usada, além de mostrar a

disponibilidade atual do cliente para trabalhar os respectivos problemas. Dessa

maneira, os terapeutas são treinados para identificar os marcadores dos diferentes

tipos de problemas de processamento emocional e nas formas específicas de

intervenção de acordo com o problema apresentado. Os principais marcadores e as

intervenções aplicáveis de TFE estão descritas abaixo:

- Expressão de reações problemáticas - perplexidade em relação às respostas

emocionais ou comportamentais em situações específicas:

Tal marcador é pertinente para a aplicação do processo sistemático de

desdobramento evocativo. Ou seja, a evocação da experiência vivida a fim de

promover uma reexperiência de tal situação e da respectiva reação que o individuo

apresentou na situação original, para assim, estabelecer as conexões entre a

situação, os pensamentos e as reações emocionais e, em seguida, chegar ao

significado implícito que faz sentido para a reação. A resolução envolve uma nova

visão de autofuncionamento.

- Senso de falta de clareza ou confusão e inabilidade em conseguir dar um

sentido claro para a própria experiência:

Para uma sensação de falta de clareza direciona-se para a aplicação da

focalização (focusing). O terapeuta guia o cliente para perceber os aspectos

corporificados da sua experiência com atenção, curiosidade e vontade para

experienciá-los e colocar em palavras as sensações sentidas no corpo. A resolução

envolve a mudança da sensação corporal e a criação de um novo significado para a

experiência.

- Conflito entre duas partes do self - oposição entre dois aspectos do self,

geralmente com um aspecto muito crítico ou opressor:

Para conflitos no self é aplicável o trabalho com as duas cadeiras, para que

as duas partes do self sejam colocadas em contato ao vivo. Os pensamentos, os

sentimentos e as necessidades de cada parte do self são explorados e comunicados

53

em um diálogo real a fim de atingir um abrandamento da voz crítica. A resolução

envolve uma integração entre os dois aspectos do self.

- Autointerrupções - uma das partes do self interrompe ou oprime a experiência

ou a expressão emocional, por exemplo, o indivíduo ‘corta’ o choro:

Para a autointerrupção, a tarefa aplicável é o trabalho com as duas cadeiras

que proporcionará que a parte do self que interrompe apareça para que o cliente se

torne consciente de como ocorrem as interrupções e, assim, ser guiado para

expressar as maneiras que ele realiza, seja por meio de atos físicos: ficando sem ar

ou sem palavras, metaforicamente (se enjaulando) ou verbalmente (se calando), não

sentindo, ficando quieto. A resolução envolve a expressão da experiência

previamente que foi bloqueada.

- Situações inacabadas (unfinished business) - envolve a sensação de algo não

resolvido com outra pessoa significativa para o cliente:

A intervenção aplicável para situações inacabadas é o trabalho com a

cadeira vazia, para que o cliente, por meio de um diálogo com a pessoa significativa

na cadeira vazia, ative a sua visão interna da outra pessoa e possa experienciar e

explorar as suas reações emocionais frente ao outro, para conseguir fazer sentido

do que foi explorado e experienciado. Por meio do trabalho da cadeira vazia, as

necessidades não atendidas são acessadas e pode-se alterar as visões do outro e

do próprio self. A resolução envolve entender o outro ou perdoá-lo.

- Vulnerabilidade, um sentimento de fragilidade, profundidade, de vergonha ou

de insegurança:

Marcadores de vulnerabilidade demandam a validação empática. Por meio

da sintonia empática, o terapeuta captura o conteúdo do que o cliente está sentindo

e percebe a vitalidade e espelha o ritmo e o tom da experiência, além de validar e

normalizar a experiência. A resolução envolve o fortalecimento do self.

Além dos seis marcadores descritos, faz parte da relação de marcadores e

tarefas da TFE:

Marcador Tarefa (intervenção)

- Trauma - Recontar a narrativa

- Ruptura de aliança - Reparação

- Autodesprezo - Compaixão

54

- Sofrimento emocional - Autoconforto

- Confusão - Limpeza do espaço

Marcadores de narrativas e tarefas que combina o trabalho da TFE com o

trabalho da Terapia Narrativa (ANGUS e GREENBERG, 2011):

- Histórias repetitivas – Promoção da reexperiência

- Histórias vazias – Conjectura empática a respeito de (desprovidas de emoção) sentimentos implícitos

- Histórias não contadas – Exploração empática

- Histórias ‘quebradas’ – Promoção da coerência

2.2.3.3 Formulação de caso

De acordo com Greenberg e Goldman (2007), uma forte relação terapêutica

necessita ser formada para o processo de formulação de caso ser seguido, pois o

processo empático é chave para que o cliente e o terapeuta negociem

constantemente os termos do trabalho, clarifiquem os problemas e os objetivos

imediatos, as tarefas, tal como, a responsabilidade compartilhada pelo tratamento.

A formulação de caso na TFE está baseada no processo diagnóstico, no

desenvolvimento de um foco, no identificador de marcadores e no desenvolvimento

de temas, ao invés de se basear em um diagnóstico da pessoa ou de uma síndrome

específica. Ou seja, é privilegiado o processo ao invés do conteúdo trazido pelo

cliente, em linha com a Psicoterapia Construtivista (MAHONEY, 2006) e o processo

diagnóstico é privilegiado sobre o diagnóstico da pessoa. (GREENBERG, 2011).

Na abordagem de processo diagnóstico, a formulação de caso é um

processo contínuo, sensível ao momento e ao contexto da sessão, uma vez que é

direcionada para a compreensão do indivíduo como um caso. O terapeuta deve

seguir o processo do cliente e identificar as suas dores principais, que servem como

bússolas para o tratamento, e os marcadores das questões emocionais atuais, ao

invés de desenvolver uma figura da personalidade dominante ou da dinâmica de

personalidade. (GREENBERG, 2011).

A formulação de caso é útil, pois facilita o desenvolvimento de um foco de

trabalho e ajuda a alinhar as tarefas terapêuticas com os objetivos do cliente, o que

auxilia no estabelecimento de uma produtiva aliança de trabalho. (GREENBERG,

55

2011). A identificação colaborativa dos assuntos principais e o estabelecimento do

foco temático são importantes aspectos para a formação da aliança terapêutica,

além de contribuir para que o cliente perceba a relevância das tarefas do tratamento.

As tarefas iniciais que o cliente necessita perceber como relevantes são: ‘revelação’,

‘exploração’ e ‘aprofundamento na experiência’, uma vez que o cliente se engaja

nessa proposta, inicia-se a exploração para o foco do trabalho. (GREENBERG e

GOLDMAN, 2007).

A formulação de caso e as intervenções são inseparáveis e estão presentes

durante todo o processo da terapia e acontecem constantemente e em diferentes

níveis. Toda formulação é testada e é confirmada com o cliente para verificação e

checagem de sentido para ele, sendo que, o que o cliente processa na sessão é o

guia final. (GREENBERG e GOLDMAN, 2007).

As etapas para o desenvolvimento da formulação de caso apresentadas por

Greenberg e Goldman (2007), são:

1) Identificação do problema do cliente;

2) Escuta e exploração da narrativa do cliente em relação ao problema

apresentado;

3) Observação e atenção ao estilo de processamento das emoções do cliente;

4) Levantamento de informações relacionadas ao estilo de vinculação e às

histórias de identidade do cliente e com os relacionamentos atuais e

preocupações;

5) Identificação e resposta dos aspectos dolorosos das experiências do cliente;

6) Identificação de marcadores e sugestão de tarefas apropriadas;

7) Focalização na temática emergente dos processos intrapessoal e interpessoal

e nas narrativas do cliente;

8) Atendimento ao processamento momento a momento do cliente para guiar as

intervenções com as respectivas tarefas pertinentes.

56

2.2.4 Aplicabilidade e outras considerações

A TFE é um tratamento baseado em evidências e com um grande número

de pesquisas, publicações etc. Segundo Greenberg (2011), a TFE é a abordagem

de psicoterapia que mais apresenta pesquisas relacionadas com o processo de

mudança humana.

A TFE é aplicável para uma série de transtornos mentais, desde transtornos

afetivos, como casos de depressão e ansiedade, a transtornos alimentares e

transtornos relacionados com os diferentes tipos de vícios e comportamento

impulsivo. Apesar da efetividade do tratamento da TFE, validada por meio de

demonstração empírica, para uma série de transtornos, Greenberg (2011) pontuou

algumas situações (ou estilos de cliente) em que existe a possibilidade de ocorrer

alguns obstáculos ou problemas na utilização da abordagem como linha inicial de

tratamento. Como por exemplo, pessoas que apresentam uma alta restrição

emocional ou com um nível muito elevado de controle, pois podem ter dificuldade

em acessar as próprias emoções e em se engajar nas vivências e role-plays;

indivíduos que querem soluções práticas e rápidas para os problemas ou

aconselhamento, podem achar o processo exploratório não palpável. Essas

situações podem dificultar a formação da aliança terapêutica que é um dos pilares

fundamentais da abordagem. Os clientes altamente frágeis, que apresentam um alto

nível de desregulação e engajamento em automutilação, também, podem não se

beneficiar inicialmente com o protocolo da TFE, fazendo-se necessário

primeiramente desenvolver um senso de segurança e a habilidade em regular as

próprias emoções, antes da adoção do protocolo padrão da TFE.

Apesar do fato da TFE contar com muitas pesquisas e trabalhos publicados,

Greenberg (2011) faz uma ressalva em relação à necessidade da realização de mais

pesquisas, como por exemplo, para obter evidências da efetividade da mudança de

emoção com emoção. Além disso, ele destaca a ideia que já tinha apresentado em

2002, quanto aos terapeutas TFE atuarem como coaches emocionais. Para tanto,

ele complementa que é necessário o desenvolvimento de treinamentos voltados

para um trabalho preventivo a fim de desenvolver habilidades de gestão emocional

nas pessoas, ou seja, habilidades para gerenciar as próprias emoções, para

identificar e conseguir discriminar as emoções, para diferenciar os seus sentimentos

57

dos sentimentos das outras pessoas, para tolerar as emoções e saber como utilizá-

las como fontes de informação.

Um passo crucial na aplicação do trabalho da TFE de forma mais

abrangente é por meio do desenvolvimento de programas preventivos para

crianças, adolescentes, jovens adultos, pais, professores e gestores, para

que possam aprender sobre as suas emoções e serem encorajados para a

prática de perceber as suas emoções, se tornarem mais compassivos

consigo próprios e com os outros e aprender a regular a emoção para

refletir e transformar as emoções. (GREENBERG, 2011 p. 2560, tradução

nossa).

58

2.3 Psicologia Positiva

2.3.1 Visão geral

Em 1.998, o psicólogo americano Martin Seligman, então presidente da APA

(American Psychological Association), publicou o artigo “Building human strenght:

Psychology´s forgotten mission”, com a sua visão em relação ao contexto histórico

da Psicologia e, consequentemente, a justificativa para o lançamento da Psicologia

Positiva. A seguir, alguns trechos compilados do respectivo artigo8:

Antes da Segunda Guerra Mundial, a psicologia tinha três missões: curar

as doenças mentais, tornar a vida das pessoas mais satisfatórias e

identificar e cultivar talentos superiores. Depois da Guerra dois eventos

mudaram a cara da Psicologia (nos EUA): a criação da “Administração para

os Veteranos de Guerra” e a instituição do “Instituto Nacional de Saúde

Mental”, sendo assim, os psicólogos focaram seu trabalho no

tratamento e pesquisa sobre as doenças mentais e passos enormes

foram dados em relação à compreensão e ao tratamento da doença mental.

[...]

Cinquenta anos depois, quero lembrar à nossa área de que ela se desviou.

A Psicologia Positiva não é apenas o estudo da fraqueza e do dano, mas

também o estudo da qualidade e da virtude. Tratar não significa apenas

consertar o que está com defeito, mas também cultivar o que temos de

melhor.

[...]

Descobrimos que há um conjunto de qualidades humanas que são os mais

prováveis parachoques contra a doença mental: coragem, otimismo,

habilidade interpessoal, ética no trabalho, esperança, honestidade e

perseverança.

Cinquenta anos de trabalho dentro de um modelo médico baseado no

defeito pessoal e no cérebro problemático deixaram as profissões da saúde

mental mal equipadas para realizar a prevenção eficaz. Precisamos de

pesquisas de grande porte sobre qualidades e virtudes humanas.

Precisamos de profissionais que reconheçam que grande parte do

melhor trabalho que realizam é amplificar essas qualidades, em lugar

de consertar os defeitos de seus pacientes. Precisamos de psicólogos

que trabalhem com famílias, escolas, comunidades religiosas e empresas

para enfatizar seu papel fundamental de potencializar as qualidades.

Assim, surge a Psicologia Positiva (PP) que é uma área da ciência que

estuda as emoções positivas, o caráter positivo (traços, virtudes, forças de caráter e

habilidades, como a inteligência e a capacidade atlética) e as instituições/

organizações que possam desenvolver as características positivas: governo,

empresas, família, escolas, religião, comunidades, ou seja, organizações que devem

8 apud SNYDER e LOPEZ, 2009, p. 18-19, grifo nosso.

59

agir como facilitadores do desenvolvimento e da utilização das emoções positivas e

das forças de caráter e as virtudes. (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).

Para Biswas-Diener (2011), a Psicologia Positiva é uma ciência aplicada que

estuda o florescimento humano e conta com uma série de intervenções

comportamentais a fim de aumentar o bem-estar subjetivo. Seligman et al. (2005),

destacaram que as pesquisas e os seus respectivos os resultados são destinados a

complementar e não a substituir o que já se sabe sobre o sofrimento, a fraqueza e

os transtornos humanos. Ou seja, o propósito é ter uma compreensão científica

mais completa e equilibrada da experiência humana, que inclui a compreensão do

sofrimento e da felicidade, bem como as suas interações, além de contar com

intervenções validadas cientificamente que aliviem o sofrimento e propiciem

felicidade. Um dos questionamentos principais que orienta os trabalhos da PP é “O

que há de certo com as pessoas?”, ampliando o questionamento que permeou os

estudos da Psicologia no século XX: “O que há de errado com as pessoas?”

(SNYDER e LOPEZ, 2009).

Os psicólogos positivos não inventaram a emoção positiva ou o bem-estar

ou o bom caráter, nem foram eles os primeiros a iniciar o estudo científico

de tais fenômenos. No entanto, a contribuição da Psicologia Positiva tem

sido campeã na investigação científica desses tópicos, mostrando

relevância e chamando a atenção de várias fundações e agências para o

financiamento de pesquisas, ajudando, assim, a levantar dinheiro para o

seu estudo e, possivelmente, fornecer uma estrutura conceitual abrangente.

(DUCKWORTH, STEEN E SELIGMAN, 2005, p. 633 – 634, tradução

nossa).

Mahoney (2002, p. 745, tradução nossa) expôs que: “embora o termo

Psicologia Positiva seja recente, tal abordagem compartilha um rico legado com os

estudos humanistas, da psicologia da saúde, do construtivismo e da espiritualidade”.

Dessa maneira, A PP pode ser entendida como um movimento que aprimorou e

ampliou os estudos e teorias de diversos estudiosos das áreas das ciências por

meio de trabalhos científicos focados nos aspectos saudáveis do ser humano e no

seu potencial de desenvolvimento. (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000). Em

relação aos estudos humanistas, a PP se alimentou e buscou aperfeiçoar os

trabalhos de alguns psicólogos humanistas como, Carl Rogers, Abraham Maslow,

Henry Murray, Gordon Allport e Rollo May que antes do surgimento da Psicologia

60

Positiva buscavam responder questões como (DUCKWORTH, STEEN E

SELIGMAN, 2005):

- O que é a boa vida?

- Quando as pessoas estão no seu melhor?

- Como podemos incentivar o nosso desenvolvimento pessoal e dos outros?

- O que significa ser autêntico?

- Como os terapeutas podem ajudar a construir a responsabilidade pessoal?

Há também outras importantes referências para a PP, como os trabalhos da

psicóloga austríaca Marie Jahoda9 em relação aos componentes da saúde mental

(aceitação de si mesmo, desenvolvimento, autonomia, percepção acurada da

realidade e domínio sobre o ambiental) e ao bem-estar (algo de direito de todos os

indivíduos) (SELIGMAN, DUCKWORTH e STEEN, 2005) e, também, do psiquiatra

austríaco Viktor Frankl10, que em 1963 pontuou que o primeiro propulsor do ser

humano não é o prazer, mas sim a busca de sentido na vida. (RASHID e

SELIGMAN, 2013).

A Psicologia Positiva objetiva aprimorar a qualidade de vida das pessoas e

prevenir o surgimento de transtornos mentais e patologias e promover instâncias

que ajudem no desenvolvimento de competências que propiciem o florescimento nas

pessoas. Para Fredrickson (2001), as atuais contribuições da PP mostram que as

potencialidades humanas têm um papel extremamente relevante na prevenção da

doença, não apenas na dimensão física, mas também na psicológica,

nomeadamente no que diz respeito aos grandes distúrbios emocionais.

2.3.2 Visão teórica

Inicialmente, a teoria apresentada por Seligman como tema da Psicologia

Positiva foi a teoria da felicidade (felicidade autêntica), composta por três fatores:

‘emoções positivas’ (prazeres, entusiasmo, êxtase, conforto e sensações

relacionadas, ou seja, o que faz parte do caminho para uma vida agradável);

‘engajamento’ (envolvimento e entrega às atividades e relações, ou seja, ter uma

9 Leitura sugerida: JAHODA, Marie - Current Concepts of Positive Mental Health, New York: Basic

Books, 1958. 10

Leitura sugerida: FRANKL, Viktor E. - Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Tradução de Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. Porto Alegre: Sulina, 1987.

61

vida engajada) e ‘sentido’ (sentido e significado, ter um propósito de vida, pertencer

a algo maior do que o próprio self). Uma década depois, com a evolução dos

estudos da PP, sua base teórica passa a ser a teoria do bem-estar (SELIGMAN,

2011) composta por cinco elementos: a) emoções positivas, b) engajamento, c)

relacionamentos positivos, d) sentido e, e) realização, que formam em inglês o

acrônimo PERMA – Positive Emotions, Engagement, Relationships, Meaning e

Accomplishment.

Os elementos do bem-estar são eles próprios coisas diferentes; não são

meras autoavaliações de pensamentos e sentimentos de emoção positiva,

do quanto se é engajado e de quanto sentido se tem na vida, como na

teoria original da felicidade autêntica. Portanto, o construto do bem-estar, e

não a entidade de satisfação com a vida, é o tema focal da Psicologia

Positiva. (SELIGMAN, 2011, p.410).

2.3.2.1 A teoria do bem-estar

De acordo com a explanação de Seligman (2011) cada elemento da teoria

do bem-estar conta com três propriedades:

1) Contribuição para o bem-estar;

2) A busca pelo elemento é baseada em seus componentes e não apenas para

a obtenção de algum dos outros elementos;

3) Independência na definição e mensuração em relação aos outros elementos.

E, cada elemento conta com aspectos que podem ser avaliados

subjetivamente pelo relato da pessoa ou com aspectos que podem ser mensurados

objetivamente. A seguir, breve explanação dos cinco elementos da teoria do bem-

estar:

a) Emoções positivas

O elemento ‘emoções positivas’ ou da vida agradável, num sentido mais

amplo, está associado ao hedonismo filosófico moderno que amplia a

conceitualização do hedonismo grego de prazer como um meio de felicidade e

satisfação com a vida. Na teoria do bem-estar, a felicidade e a satisfação com a

vida, como medidas subjetivas, são fatores que fazem parte da vida agradável, ao

contrário do exposto na teoria da felicidade autêntica em que eram consideradas o

objetivo de toda a teoria. “Como o elemento hedônico ou aprazível, a emoção

62

positiva abrange todas as variáveis subjetivas do bem-estar: prazer, êxtase,

conforto, afeição e outras afins”. (SELIGMAN, 2011, p. 432).

b) Engajamento

O elemento ‘engajamento’ ou vida engajada, de uma forma mais ampla, tal

como o elemento das ‘emoções positivas’, é avaliado subjetivamente e está

relacionado com a busca de engajamento e envolvimento com a vida, com os

relacionamentos, com o trabalho e com o lazer.

A noção de engajamento é fortemente influenciada pelo conceito de FLOW

(fluxo) de Csikszentmihalyi11, que é conceitualizado como o estado psicológico que o

indivíduo atinge quando está altamente concentrado, focado e envolvido em alguma

atividade desafiante que exige habilidades que o indivíduo possui, o tempo passa

despercebido e, muitas vezes, com a sensação de que não há separação entre

indivíduo e atividade (ambos se tornam uma coisa só), ou seja, tudo flui

harmoniosamente. (RASHID e SELIGMAN, 2013).

c) Relacionamentos positivos

O elemento ‘relacionamentos positivos’ contribui para o bem-estar e pode

ser mensurado de maneira independente dos outros elementos. Tal elemento não

deixa de ser uma forma de engajamento, propicia emoções positivas, pode ser fonte

de sentido e de realização, além de ser uma importante forma de suporte social e

apoio para o enfrentamento de situações difíceis na vida.

“Bem poucas coisas positivas são solitárias. [...] As outras pessoas são o

melhor antídoto para os momentos ruins da vida e a fórmula mais confiável para os

bons momentos”. (CHRISTOPHER PETERSON, apud SELIGMAN, 2011, p. 495).

d) Sentido

O elemento ‘sentido’ ou vida significativa, em sua forma mais ampla, envolve

a busca por sentido na vida, ou seja, o uso das forças pessoais para pertencer e

servir a algo maior do que si próprio e está relacionada com a teoria de Viktor Frankl.

As pessoas que buscam atividades que as conectam com um objetivo maior,

atingem uma vida significativa (RASHID e SELIGMAN, 2013). Uma vida significativa

pode ser atingida por diferentes caminhos: relacionamentos interpessoais, busca por

11

Leitura sugerida: CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: The psychology of optimal experience. New York: Harpers, 1990.

63

inovações artísticas, intelectuais ou científicas, contemplação filosófica ou religiosa,

ativismo social ou ambiental, carreiras experienciadas como chamados ou o ato de

seguir a própria vocação, como também, buscas solitárias por meio da

espiritualidade ou da meditação. (STILLMAN e BAUEISTEN, 2009 apud RASHID e

SELIGMAN, 2013).

Uma vida com significado e propósito vai além de ter metas e objetivos e

pode ser um fator protetor para diversos incômodos emocionais e psicológicos. A

psicoterapia pode ser uma das maneiras para auxiliar os indivíduos a identificar e

definir significado, sentido e propósitos na vida.

Complementando, Seligman, Rashid e Parks (2006, p. 777, tradução nossa),

sugerem que: “a falta de sentido na vida não é somente um sintoma, mas uma

causa de depressão, assim, intervenções que promovam sentido na vida do cliente

pode aliviar a depressão”.

e) Realização

A ‘realização’ ou vida realizada, de maneira mais ampla, é o elemento da

teoria do bem-estar que representa a busca por si própria, independente da

promoção ou não de emoção positiva, de sentido ou de relacionamentos positivos.

As pessoas que levam uma vida realizadora estão frequentemente

absorvidas no que fazem, muitas vezes buscam o prazer avidamente e

sentem emoção positiva (embora evanescente) quando ganham, e vencem

a serviço de algo maior. (SELIGMAN, 2011, p. 479)

O elemento ‘vida realizada’ também enfatiza uma das características da

Psicologia Positiva que é ser descritiva em de vez de ser prescritiva, ou seja, é uma

abordagem que descreve o que efetivamente as pessoas fazem para obter o bem-

estar, contudo, não prescreve o que se deve fazer.

A teoria do bem-estar suporta o objetivo da PP que é avaliar e produzir o

florescimento humano. E, o florescer para a Psicologia Positiva está em linha com a

visão de florescimento apresentada por Felicia Huppert e Timothy So da

Universidade de Cambridge (apud SELIGMAN, 2011), que ilustra que um indivíduo

para florescer deve ter todas as “características essenciais” e três das

“características adicionais” apresentadas a seguir:

64

FIGURA 5 - Características essenciais e adicionais para o florescimento humano

Características essenciais Características adicionais

Emoções positivas

Engajamento e interesse

Sentido e propósito

Autoestima

Otimismo

Resiliência

Vitalidade

Autodeterminação

Relacionamentos positivos

Fonte: SELIGMAN (2011, p. 616)

2.3.2.2 Emoções positivas

Barbara Fredrickson, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), é uma

das referências mundiais no estudo das emoções positivas. Um dos seus principais

trabalhos: “Teoria das emoções positivas: potencializar e construir”

(FREDRICKSON, 2001), destaca que a capacidade dos indivíduos em experienciar

emoções positivas pode ser uma força fundamental e central para o estudo do

florescer humano que vai ao encontro da missão da Psicologia Positiva que é

entender e promover os fatores que propiciam aos indivíduos, comunidades e

sociedades a florescer (SELIGMAN e CSIKSZENTMIHALYI, 2000).

As emoções positivas servem como marcadores de florescimento ou de

bem-estar. Para Fredrickson (2001), quando as pessoas experienciam, em

momentos de suas vidas, emoções positivas, tais como: alegria, interesse,

satisfação, amor, não são atormentadas por emoções negativas, tais como:

ansiedade, tristeza, raiva e desespero. Apesar da distinção e até mesmo oposição,

em alguns casos, entre as emoções positivas e negativas, elas assumem um papel

de complementaridade na vida dos indivíduos, enquanto algumas emoções

negativas direcionam para um comportamento focado em situações que se exige

uma rápida ação para a proteção da vida, tal como lutar ou fugir, as emoções

positivas propiciam uma ampliação do repertório de pensamentos e ações que

levam o indivíduo a explorar, brincar, apreciar e interagir. (FREDRICKSON, 2001).

Uma vez que toda emoção tem um componente sensorial, de sentimento, de

raciocínio e de ação, é entendido que os sentimentos positivos e negativos induzem

a diferentes modos de pensar e agir, enquanto os sentimentos positivos direcionam,

por exemplo, para a criatividade, a generosidade, a gratidão, a tolerância e a

abertura para novas experiências e relações, os sentimentos negativos direcionam

65

para a concentração no que está errado e necessita ser eliminado (SELIGMAN,

2002).

O componente de sentimento de todas as emoções negativas é a aversão,

traduzida por desgosto, medo, repulsa, ódio e outros sentimentos parecidos.

Estes, como as imagens, os sons e os cheiros, penetram na consciência e

dela tomam conta. Ao agir como um alarme sensorial que avisa sobre a

possibilidade de um jogo em que, para uma das partes ganhar, a outra tem

necessariamente que perder, os sentimentos negativos mobilizam o

indivíduo a descobrir e eliminar o que está errado. O tipo de raciocínio que

essas emoções necessariamente provocam é direcionado e rigoroso,

fazendo com que o assaltado concentre a atenção na arma, e não no corte

de cabelo do assaltante. Tudo isso termina em uma ação rápida e decisiva:

luta, fuga ou proteção. (SELIGMAN, 2002, p.676).

Para Seligman (2011), a emoção positiva é muito mais do que uma

sensação agradável, é um sinal evidente de crescimento que consequentemente

gera um acúmulo de capital psicológico. Mesmo sendo provisórias, as emoções

positivas têm um papel essencial no processo de desenvolvimento das pessoas,

propiciando mais flexibilidade, criatividade e eficiência (RASHID e SELIGMAN,

2013). E por outro lado, o desenvolvimento e a presença de emoções positivas na

vida das pessoas são fatores chave para o enfrentamento de problemas e situações

difíceis da vida. Diversas pesquisas investigaram tal afirmação, como por exemplo,

Fredrickson e Joiner (2000 - apud FREDRICKSON, 2001) constataram que pessoas

que experimentam emoções positivas apresentam um estilo de enfrentamento que

conseguem considerar os diferentes ângulos da situação ao se manterem com a

mente aberta e darem um passo atrás do problema. E, Folkman e Moskowitz (2000

– apud FREDRICKSON, 2001), identificaram três tipos de enfrentamento vinculados

à existência e a manutenção de emoções positivas durante situações de estresse

crônico: reavaliação positiva, ação dirigida e focada ao problema e a infusão em

eventos comuns com uma significação positiva, em indivíduos que apresentam um

escopo ampliado de atenção e reflexão das situações problemáticas. Dessa

maneira, faz todo sentido a colocação de Seligman (2002, p. 93): ”As emoções

positivas de confiança e esperança, por exemplo, não nos são mais úteis quando a

vida é fácil, mas quando ela é difícil”.

Para a Psicologia Positiva, as emoções positivas podem estar ligadas ao

passado, ao presente ou ao futuro. Assim, as emoções positivas relacionadas ao

passado contemplam: satisfação, contentamento, realização, orgulho e

66

serenidade, em relação ao presente contemplam: alegria, êxtase, calma,

entusiasmo, animação e prazer e em relação ao futuro contemplam: otimismo,

esperança, fé e confiança. (SELIGMAN, 2002, grifo nosso).

É importante salientar que a visão e a utilização das emoções positivas nos

trabalho da PP não estão baseadas no estilo de “pensar positivo”, para tanto,

Seligman (2002) enfatiza que uma emoção positiva desconectada do exercício do

caráter pode levar ao vazio, à inverdade, à depressão e à medida que os anos

passam, pode levar à corrosão de toda a realização que foi buscada até o último dia

de vida da pessoa. Assim, para ele, o sentimento positivo gerado pelo exercício das

forças e virtudes e não por soluções rápidas é um sentimento autêntico.

2.3.2.3 Forças de caráter e virtudes

Em 1.999, Neal Mayerson12 direcionou a Martin Seligman o seguinte

questionamento “Podemos ter a esperança de que a Psicologia Positiva será capaz

de ajudar as pessoas a desenvolver seu elevado potencial?”. A partir daí, Seligman

e Peterson13 e diversos outros profissionais iniciaram um longo trabalho de pesquisa

a fim de identificar virtudes e forças de caráter que fazem a boa vida possível, para,

assim, definir um “manual das sanidades” (Character Strengths and Virtues: a

handbook and classification) em oposição ao DMS (Diagnostic and Statistical

Manual of Mental Disorders). (PETERSON e SELIGMAN, 2004).

Para tanto, Peterson, Seligman e os demais pesquisadores estudaram de

filósofos gregos a livros sagrados das culturas ocidentais e orientais, tais como:

Aristóteles, Platão, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, a Bíblia, o Talmude,

Confúcio, Buda, Lao Tze, Bushido (código dos samurais), Alcorão e catálogo de

virtudes. Como resultado, vinte e quatro forças (de caráter) foram selecionadas e

organizadas em seis grupos de virtudes alinhados com os seguintes critérios

(SELIGMAN e RASHID, 2013; PETERSON e SELIGMAN, 2004, SELIGMAN, 2002):

- Ser valorizada por quase todas as culturas;

- Contribuir de diferentes maneiras para a boa vida do indivíduo e para a vida

de outros;

12

Membro da Fundação Mayerson que criou o Values in Action (VIA) Institute – Instituto Valores em Ação. apud PETERSON e SELIGMAN, 2004, p.v, tradução nossa. 13

Christopher Peterson (1950 – 2012) - Psicólogo e Professor da Universidade de Michigan.

67

- Ser valorizada pelo valor moral do que é certo, mesmo na ausência de

benefícios pessoais;

- A demonstração da força por uma pessoa não diminui as demais pessoas;

- Manifestar-se constantemente ou em fases por meio dos comportamentos,

atitudes, pensamentos e sentimentos de um indivíduo.

A relação compilada das vinte e quadro forças organizadas nos grupos das

seis virtudes pode ser consulta no quadro a seguir:

FIGURA 6 - Classificação Valores em Ação das Forças de caráter Sabedoria e Conhecimento – Qualidades cognitivas que implicam aquisição e uso do conhecimento. Criatividade: Pensar em formas novas e produtivas de conceituar e fazer as coisas

Curiosidade: Interessar-se pela experiência em andamento por si só

Abertura: Refletir sobre as coisas e as examinar a partir de todos os ângulos

Amor por aprender: Dominar novas habilidades, tópicos e corpos de conhecimento

Perspectiva: Ser capaz de dar conselhos sábios aos outros

Coragem – Qualidades emocionais que envolvem o exercício da vontade de atingir objetivos diante de oposição, externa e interna. Bravura: Não recuar diante de ameaças, dificuldades, sofrimento

Persistência: Terminar o que se começou; persistir em um curso de ação apesar dos

obstáculos

Integridade: Falar a verdade, mas mais amplamente, apresentar-se de forma genuína

Vitalidade: Encarar a vida com entusiasmo e energia; não fazer coisa alguma com pouco

entusiasmo

Humanidade – Qualidades interpessoais que envolvem tomar conta e fazer amizades com outras pessoas. Amor: Valorizar relacionamentos íntimos com outros, especialmente aqueles nos quais há

solidariedade e cuidado mútuo; ser próximo das pessoas

Gentileza: Fazer favores e boas ações para os outros; ajuda-los, cuidar deles

Inteligência social (inteligência emocional, inteligência pessoal): estar ciente dos próprios

sentimentos e motivações, bem como dos outros

Justiça – Qualidades cívicas que estão por trás de uma vida saudável em comunidade. Cidadania: Trabalhar bem como membro de um grupo ou equipe; ser leal ao grupo Imparcialidade: Tratar todas as pessoas segundo as mesmas noções de imparcialidade e

justiça Liderança: Estimular um grupo do qual se é membro para fazer as coisas

Temperança – Qualidades que protegem contra excessos. Perdão e compaixão: Perdoar os que erraram; aceitar as falhas dos outros Humildade/ Modéstia: Deixar que as suas realizações falem por si Prudência: Ser cuidadoso em relação às próprias escolhas, não correr riscos indevidos Autorregulação: Regular o que se sente e faz; ser disciplinado

Transcendência – Qualidades que forjam conexões com o universo mais amplo e dão sentido. Apreciação da beleza e excelência: Observar e apreciar a beleza, a excelência e o

desempenho habilidoso em vários domínios da vida Gratidão: Estar ciente e agradecido pelas coisas boas que acontecem Esperança: Esperar o melhor no futuro e trabalhar para atingi-lo Humor: Gostar de rir e fazer brincadeiras; levar sorrisos às outras pessoas Espiritualidade: Ter crenças coerentes em relação ao propósito e sentido maiores do

universo Fonte: PETERSON e SELIGMAN (2004), apud SNYDER e LOPEZ (2009, p. 66)

68

Seligman (2002) destacou que algumas forças pessoais permeiam toda a

vida e as ações dos indivíduos, enquanto que outras podem ser momentâneas ou

fásicas, como também, que algumas forças são típicas da personalidade de um

indivíduo e outras não. Os elementos que podem ser fásicos são: perseverança,

perspectiva, justiça e coragem, pois uma única ação no decorrer da vida de um

indivíduo que reflita alguma dessas características pode ser suficiente para

demonstrar a aplicabilidade e/ ou capacidade de usar a respectiva força. Além disso,

todas as pessoas possuem várias forças pessoais que podem e devem ser

exercitadas diariamente nos relacionamentos interpessoais, no trabalho, nos

momentos de diversão e lazer, na criação dos filhos, entre outras situações. Além

disso, um ou mais dos seguintes critérios deve ser aplicável quando no exercício e

utilização de das forças (SELIGMAN, 2002):

- Senso de participação e autenticidade;

- Sensação de entusiasmo (principalmente no início);

- Rápida curva de aprendizagem (em especial se for a primeira vez de

utilização da força);

- Contínua aprendizagem de novas maneiras de colocar a respectiva força em

prática;

- Vontade de encontrar meios para usar determinada força;

- Sentimento de inevitabilidade;

- Fortalecimento em vez de exaustão;

- Criação e busca de realização de projetos pessoais que girem em torno de

determinada força;

- Alegria, animação, entusiasmo e, até mesmo, êxtase.

É importante pontuar que as forças de caráter são distintas de talentos e

habilidades. As forças apresentam aspectos morais, enquanto os talentos e as

habilidades não (RASHID e SELIGMAN, 2013). No entanto, da mesma maneira que

indivíduos podem aprender, desenvolver e aperfeiçoar habilidades, também é

possível desenvolver, aprender e aperfeiçoar as forças de caráter. E assim, afirma

Seligman (2002, p.102): ”Os melhores terapeutas não curam simplesmente os

sintomas; eles ajudam a construir forças e virtudes”.

As vinte quatro forças pessoais sustentam todos os cinco elementos da

teoria do bem-estar, uma vez que a utilização de tais forças propicia mais emoção

69

positiva, mais sentido, melhores relacionamentos, além de realização, em

contrapartida com a teoria da felicidade em que as vinte quatro forças eram o

suporte para o engajamento. (SELIGMAN, 2011).

O mapa individual das forças de caráter pode ser usado em trabalhos em

diferentes atividade e contextos: psicoterapia, coaching, educacional e

organizacional. O VIA Institute (www.viacharacter.org) disponibiliza os seguintes

questionários em diversas línguas:

- Values in Action Inventory of Strengths (VIA-IS)

- Values in Action Rising to the Occasion Inventory (VIA-RTO)

- Values in Action Inventory of Strengths for Youth (VIA-Youth)

2.3.3 Intervenções e o processo da psicoterapia

As intervenções positivas apresentaram um progresso na última década por

meio de estudos e pesquisas empíricas e do alinhamento com o rápido crescimento

da Psicologia Positiva a partir de 2000 com a publicação do artigo: “Positive

Psychology: An Introduction” de Seligman e Csikszentmihaly. Uma das premissas de

uma intervenção positiva é propiciar o aumento de sentimentos, da cognição ou de

comportamentos positivos e, por outro lado, não é foco das intervenções positivas,

amenizar a patologia ou corrigir pensamentos negativos ou padrões desadaptativos

de comportamentos (SIN E LYUBOMIRSKY, 2009). Ou seja, uma intervenção

positiva consiste em identificar, desenvolver e aplicar as respectivas forças pessoais

e não dedicar demasiado esforço à correção das fraquezas e no que não está

funcionando na vida do indivíduo.

Alguns exemplos de intervenções positivas validadas por meio de

demonstração empírica são: Contagem de bênçãos, Prática da gentileza, Definição

de objetivos pessoais, Gratidão e Uso das forças pessoais, (BOILER et al., 2013),

essas intervenções foram desenvolvidas com base na teoria da PP. Em adição, há

diversas intervenções voltadas para o aprimoramento do bem-estar e que são

incluídas nos processos de psicoterapia da PP, como: mindfulness, loving kind

meditation e outras formas de meditação, terapia do perdão, intervenção para

autocompaixão – técnica das duas cadeiras da Gestalt entre outras (RYE et al.,

2013).

70

De acordo com Seligman (2011), a PP veio com o propósito de ser uma

nova abordagem de cura, com a proposta de não ser apenas um tratamento

cosmético, ou seja, as intervenções positivas são essenciais para propiciar uma

psicoterapia que vai além do alívio cosmético dos sintomas e propicia a cura. O

mesmo autor também enfatiza que a psicoterapia e os remédios como estão sendo

utilizados são insuficientes para um processo de cura e de florescimento, uma vez

que o foco de tratamento é ‘livrar’ o indivíduo do sofrimento, da miséria e dos

sintomas negativos, o que não necessariamente promove bem-estar ou propicia

uma vida feliz, mesmo quando são completamente bem sucedidos. Sendo assim,

remover as condições que muitas vezes são debilitantes na vida de um indivíduo,

não é o mesmo que desenvolver condições propícias para a vida. Com tais

constatações, de maneira alguma se prega que a minimização do sofrimento não é

importante, mas para uma pessoa florescer, além da minimização do sofrimento é

essencial ter e contar com um repertório de emoção positiva, sentido, realização e

relacionamentos positivos.

Dessa forma, as práticas e os exercícios que promovem os elementos da

teoria do bem-estar são particularmente diferentes das práticas que minimizam o

sofrimento. Tais práticas estão alinhadas com uma necessidade que os indivíduos

frequentemente direcionam aos psicoterapeutas: ‘eu somente quero ser feliz’, e

assim, se acredita que as pessoas com problemas psicológicos desejam mais

alegria, satisfação, entusiasmo e coragem em suas vidas, além de simplesmente,

menos tristeza, medo, raiva ou tédio. (RASHID e SELIGMAN, 2013). Em adição,

Seligman (2011) destaca que a Psicoterapia Positiva é composta por um conjunto de

técnicas que são mais eficazmente utilizadas se associadas aos princípios

terapêuticos básicos de acolhimento, empatia, confiança, sinceridade e

relacionamento profissional, ou seja, os mesmos princípios básicos de outras

psicoterapias.

Para Rashid e Seligman (2013), o foco nas potencialidades e forças de

caráter é um dos diferenciais da Psicologia Positiva e tal foco está altamente

relacionado com as intervenções e com o processo da psicoterapia. O conhecimento

das forças de cada indivíduo (mapa das forças de caráter) é fundamental para uma

melhor compreensão dos caminhos, atividades e situações que o cliente possa ser

bom, saudável, eficiente e competente, em contrapartida com a atuação da

71

psicologia tradicional, baseada nos sintomas e nas respectivas severidades,

direcionada para entender o estresse, a tristeza, a raiva e a ansiedade de cada

cliente. Sendo assim, da mesma maneira que a psicologia entende que indivíduos

que experienciam emoções negativas, como: raiva, hostilidade, vingança ou que

apresentem traços narcisistas estão mais propensos a desenvolver uma série de

problemas psicológicos, os indivíduos que experienciam gratidão, perdão,

humildade, amor e bondade são mais propensos a reportar que são mais felizes e

mais satisfeitos com a vida. Dessa maneira, conhecer as forças do cliente, além dos

sintomas apresentados, é crucial para uma prática clínica mais equilibrada e

holística, ou seja, é fundamental entender que a “psicoterapia é muito mais que a

cultivação do bem-estar e é mais do que o alívio da angústia” (RASHID e

SELIGMAN, 2013, p. 470, tradução nossa). Assim, tais autores, também,

argumentam que a psicoterapia é um dos mais importantes processos para

desenvolver as forças de caráter, em função de:

- O aprimoramento das forças produz crescimento e mais bem-estar,

enquanto a correção de fraquezas é apenas uma maneira de remediação;

- A reparação ou a correção das fraquezas não, necessariamente, faz as

pessoas mais fortes ou mais felizes;

- O uso das forças amplia a autoeficácia e a confiança de maneira que o

trabalho focado nas fraquezas não permite;

- As forças oferecem caminhos para o indivíduo ser bondoso, gentil, bem-

humorado, diligente, curioso, criativo e agradecido;

- As forças, essencialmente, vêm de ser bom e não de se sentir bem e são

construídas por meio de ações realistas.

Nas palavras de Seligman (2002, p.340):

O bem-estar que a utilização das forças pessoais produz tem sua base na

autenticidade. Mas assim como o bem-estar precisa se ancorar em forças e

virtudes estas devem estar ancoradas em algo maior. E assim como a vida

boa está além da vida agradável, a vida significativa está além da vida boa.

2.3.3.1 A Psicoterapia Positiva

O processo de psicoterapia da Psicologia Positiva escolhido para ser

ilustrado nesse trabalho é o da Psicoterapia Positiva (PPT – Positive

Psychotherapy), que foi desenvolvida e sua validade demonstrada empiricamente

72

pelo psicólogo Tayyab Rashid com Martin Seligman. A PPT foi apresentada em

2006 por Seligman, Rashid e Parks como um esforço da Psicologia Positiva para

ampliar o escopo da psicoterapia tradicional. (SELIGMAN, RASHID e PARKS, 2006).

A Psicoterapia Positiva é baseada em três principais premissas conforme

detalhamento de Rashid e Seligman (2013):

1) A felicidade, tal como a psicopatologia, não é algo que reside dentro da

pessoa, mas sim é gerada por meio de sua interação com o ambiente. Tal como

outras psicoterapias humanistas, a PPT acredita que a psicopatologia resulta

quando as capacidades inatas dos indivíduos para crescer ou para se sentirem

realizados e felizes são frustradas por questões socioculturais. Assim, a psicoterapia

oferece uma opção viável para reestabelecer as tendências de crescimento do

cliente que foram prejudicadas em função de suas interações. Complementando,

Rashid (2008 ?, p.1, tradução nossa) afirma que: “os clientes desejam crescimento,

completude e felicidade ao invés de somente evitar a miséria, as preocupações e a

ansiedade”.

2) As emoções positivas e as forças de caráter pessoal são tão autênticas e

reais quanto os sintomas e os distúrbios. Os recursos positivos (emoções e forças)

não são, simplesmente, resultantes da ausência de traços negativos. Quando uma

psicoterapia trabalha ativamente para restaurar e nutrir, por exemplo, coragem,

gentileza, humildade, perseverança e inteligência social e emocional, a vida do

cliente se torna completa, em contrapartida, uma psicoterapia que, principalmente,

foca na diminuição ou na melhora dos sintomas, o cliente passa a viver menos

miseravelmente. A incorporação da visão das forças de caráter, além da visão dos

sintomas, expande as opções terapêuticas para os clientes e para os

psicoterapeutas.

3) Uma relação terapêutica efetiva pode ser formada por meio da discussão

e da manifestação dos recursos positivos e não somente por meio de uma longa

análise das fraquezas e deficiências. (RASHID, 2008?). Uma abordagem de

psicoterapia que foca em analisar e explorar somente os problemas do cliente, além

da visão distorcida da psicoterapia propiciada pelas mídias populares, pode levar os

clientes a acreditar que a psicoterapia é exclusivamente voltada para falar sobre

problemas, ventilar as emoções reprimidas e recuperar uma autoestima abalada ou

perdida. Isso não quer dizer que falar ou discutir a respeito dos problemas, traumas

73

de infância, insatisfações e necessidades não atendidas, não seja relevante, mas

tais discussões não podem ser condição sine qua non para a relação terapêutica.

2.3.3.1.1 Fundamentos teóricos da Psicoterapia Positiva

A PPT foi baseada nas teorias da felicidade e do bem-estar propostas por

Seligman (2002; 2011), descritas anteriormente nesse trabalho. A visão geral dos

fundamentos teóricos da PPT resumido por Rashid e Seligman (2013) está

apresentada a seguir.

Vida prazerosa

A dimensão da vida prazerosa está relacionada com as teorias hedonistas

de felicidade e consiste na experiência e na vivência de emoções positivas em

relação ao passado: satisfação, contentamento, completude e serenidade, em

relação ao futuro: esperança, otimismo, fé, confiança e em relação ao presente:

alegria, prazer, entusiasmo. As emoções positivas, como as emoções negativas,

tendem a ser provisórias, contudo, as emoções positivas desenvolvem resiliência e

são essenciais para a flexibilidade e para a criatividade de um indivíduo.

Faz parte do processo da psicoterapia, identificar e vivenciar as emoções

positivas, como também, que o cliente aprenda novas habilidades para ampliar e

intensificar a duração dessas emoções (SELIGMAN, RASHID e PARKS, 2006).

Como por exemplo:

- A presença de pouca apreciação dos acontecimentos positivos do passado e

de ênfase excessiva aos acontecimentos negativos da própria vida pode

resultar no enfraquecimento da serenidade, do contentamento e da

satisfação. (SELIGMAN, 2002). Assim, são utilizados exercícios de perdão e

gratidão a fim de propiciar memórias positivas. A gratidão aumenta a

apreciação dos eventos positivos vividos e o perdão ajuda a reescrever a

história passada. (LYUBOMIRSKY, SHELDON e SCHKADE, 2005;

SELIGMAN, 2002).

- Um indivíduo com depressão, além da anedonia, apresenta descrença no

futuro e falta de esperança, assim, são aplicáveis as intervenções baseadas

no trabalho do otimismo, uma vez que são fortemente utilizadas no

tratamento da depressão (SELIGMAN, 2002, 2005).

74

- Uma das maneiras de promover a experiência de emoções positivas no

presente é por meio de uma atitude mindfulness (atenção plena), que pode

ser trabalhada por meio de meditação e exercícios de concentração, como

também, com exercícios voltados para se aprender a aproveitar e ‘saborear’

o momento, tal como desfrutar tranquilamente de uma atividade que se

costuma fazer correndo, por exemplo: se alimentar. (SELIGMAN, RASHID e

PARKS, 2006).

Uma vida sem a presença de emoções positivas e de prazeres pode ser

causa, tal como sintoma de psicopatologia, assim, promover a vida agradável pode

ser um dos objetivos da psicoterapia. (RASHID e SELIGMAN, 2013).

Vida engajada

Para Seligman, Rashid e Parks, (2006), a depressão está correlacionada

com a falta de engajamento nas principais áreas da vida e a falta de engajamento

pode causar depressão. McCormick et al. (2005), pontuaram que as características:

anedonia, apatia, tédio, multitarefa e inquietação, que estão presentes em muitos

distúrbios psicológicos, nada mais são que manifestações de falta de atenção, o que

dificulta ou impossibilita o atingimento de um estado de flow. Como afirmam Rashid

e Seligman (2013, 478, tradução nossa): “O engajamento pode ser um importante

antídoto contra o tédio, a ansiedade e a depressão”.

Uma vida engajada, com relacionamentos positivos e saudáveis, trabalho e

lazer, por exemplo, são fundamentais para uma vida agradável e para o bem-estar.

Dessa maneira, reforçar, aumentar ou até mesmo ajudar as pessoas a criar

engajamentos em suas vidas faz parte do trabalho da PPT. Uma das maneiras para

aumentar o engajamento, proposto por Seligman (2002), consiste na identificação

dos talentos e das forças pessoais do cliente e das situações e oportunidades

propicias para a utilização das forças pessoais de maneira consciente e autêntica.

As situações podem estar relacionadas com atividades esportivas, profissionais,

espirituais, sociais, relacionamentos afetivos, lazer, hobbies entre outras a serem

identificadas de acordo com o perfil e ambiente em que o cliente está inserido.

Vida significativa

As pessoas que buscam atividades que as conectam com um objetivo maior,

atingem uma vida significativa. E, uma vida significativa pode ser atingida por

75

diferentes caminhos: relacionamentos interpessoais, busca por inovações artísticas,

intelectuais ou científicas, contemplação filosófica ou religiosa, ativismo social ou

ambiental, carreiras experienciadas como chamados e buscas solitárias por meio da

espiritualidade ou da meditação (STILLMAN e BAUEISTEN, 2009 apud RASHID e

SELIGMAN, 2013).

Ter um sentido e propósito na vida vai além de ter metas e objetivos e pode

ser um importante fator protetor para diversos incômodos emocionais e psicológicos.

A psicoterapia pode ser uma das maneiras para auxiliar os indivíduos a identificar e

definir significados, sentido e propósitos na vida. Em adição, Rashid e Seligman

(2013, p.478, tradução nossa) afirmam que: “significado e propósito podem motivar

os clientes psicologicamente angustiados a definir objetivos e buscar atingi-los, [...],

além disso, clientes cujas vidas estejam imbuídas com sentido são mais propensos

a persistirem frente às dificuldades”.

Relacionamentos positivos

Conforme explicado na teoria do bem-estar, os relacionamentos positivos

são importantes em função de que poucas das coisas que são positivas são

solitárias.

A psicoterapia tradicional com foco nas deficiências, acaba subestimando a

forte influência do contexto dos relacionamentos interpessoais dos clientes. Os

relacionamentos interpessoais representam uma fonte essencial para suporte social

ou como afirmam Rashid e Seligman (2013, p.478, tradução nossa): “As outras

pessoas são o melhor antídoto contra o desânimo diante dos desafios da vida”.

Dessa maneira, a PPT, considera o ambiente em que o indivíduo está

inserido, tal como a qualidade das relações interpessoais do cliente no seu processo

psicoterápico.

Realização

A dimensão “realização” também é levada em consideração na PPT. Leva-

se em consideração que as pessoas voltadas para ‘realização’ são absorvidas e

comprometidas com as suas buscas e utilizam de emoções positivas em tal

processo, principalmente no momento em que atingem a realização. Na esfera do

bem-estar, as pessoas utilizam-se de emoções positivas para ‘saborear’ e celebrar

as suas realizações.

76

Vida plena

Uma vida plena implica em ter prazer, engajamento, sentido na vida,

realizações e relacionamentos positivos de acordo com o exposto na teoria do bem-

estar. Rashid e Seligman (2013) ressaltam que esses elementos não são exclusivos

ou exaustivos, mas por outro lado, uma vida vazia (sem prazer, sem engajamento,

sem sentido, sem realizações e sem relacionamentos positivos), principalmente em

relação com a falta ou problemas de engajamento e sentido, resulta em problemas

psicológicos. Sendo assim, esses problemas, quando existentes, fazem parte do

processo de trabalho da Psicoterapia Positiva.

2.3.3.1.2 O processo da Psicoterapia Positiva

Rashid (2008 ?, p.2, tradução nossa) expõe que apesar do positivo no nome

da abordagem, o foco da PPT não é exclusivo nos aspectos positivos da experiência

humana: “Seria ingênuo e utópico conceber a vida sem experiências negativas”.

O processo da PPT aqui exposto foi baseado no modelo apresentado por

Rashid e Seligman (2013). O foco inicial do tratamento é a formação da relação e do

vínculo terapêutico, ou seja, o terapeuta deve focar em construir uma boa relação

terapêutica por meio de uma postura de atenção plena voltada para escutar as

preocupações do cliente e para o encorajamento do cliente a fim de narrar uma

história real de sua vida, com destaque para uma situação de sucesso ou que ele

entenda como uma situação em que apareceu o seu melhor lado ou uma

experiência de enfrentamento de uma situação desafiadora. Os aspectos da

Psicologia Positiva (positividade de sua teoria) são apresentados no início do

processo e acaba fazendo parte naturalmente da narrativa por todo o processo da

terapia.

Rashid e Seligman (2013) apresentaram um modelo da PPT para o

tratamento da depressão em quatorze semanas, ilustrado a seguir.

77

FIGURA 7 - Visão geral do modelo da PPT com quatorze sessões S

es

o

Tópico e tarefa de casa

(TC)

Descrição

1 Orientações sobre a

Psicoterapia Positiva

Confidencialidade e os seus limites; regras, papéis e responsabilidades

são discutidos; também é ressaltada a importância de concluir as

tarefas de casa.

Os problemas apresentados são discutidos no contexto de falta de

recursos positivos, como as emoções positivas, engajamento,

relacionamentos positivos, sentido e significados na vida, realizações e

forças de caráter.

TC: Introdução positiva Escrever uma página (cerca de 300 palavras) com uma "introdução

positiva" a respeito de uma história concreta em que o cliente

apresentou o seu melhor ou uma situação que ele considere de

sucesso em sua vida.

2 Forças de caráter

Avaliação dos pontos

fortes

O cliente identifica seus pontos fortes (de acordo com as forças de

caráter), incluindo os ilustrados na sua introdução positiva; as forças de

caráter são discutidas, como também, engajamento, fluxo (flow) e os

benefícios das emoções positivas.

Preenchimento do inventário das forças de caráter, online, com 72 itens;

de duas outras pessoas significativas (um membro da família e um

amigo), identificação dos seus pontos fortes com base no mapa das

forças de caráter - também conhecido como mapa individual de forças

ou assinatura das forças de caráter. (opcional)

TC: Jornal de bênçãos O cliente deve iniciar um diário para registro de três coisas boas a cada

noite. No início das próximas sessões há a apresentação da visão

semanal do jornal diário e a identificação dos benefícios, padrões e

desafios relacionados.

3 Assinatura de forças

(parte do mapa individual

das forças de caráter)

A assinatura das forças é identificada integrando várias perspectivas.

Cliente e terapeuta discutem metas específicas, que devem ser

mensuráveis e realizáveis, voltadas para problemas específicos do

cliente ou para cultivar mais engajamento.

TC: Plano de ação da

assinatura de forças

Completar a relação de objetivos com o respectivo plano de ação da

assinatura de forças.

4 Memórias boas vs.

Memórias ruins

O papel das memórias ruins e amargas é discutido em termos de como

elas perpetuam o sofrimento psicológico.

Discussão de estratégias para a reavaliação cognitiva positiva para

reescrever e resignificar lembranças ruins e amargas e dos benefícios

78

das boas lembranças ou memórias.

TC: Escrevendo sobre

memórias

Escrever sobre memórias ruins e os sentimentos de raiva e amargura e

seu impacto na perpetuação do sofrimento emocional.

5 Perdão O perdão é explorado como uma opção potencial para transformar os

sentimentos de raiva e amargura, relacionados com uma situação

específica, em neutralidade ou, até mesmo, em emoções positivas.

TC: Carta do perdão Escrever uma carta para alguém que o machucou/ magoou, falar sobre

a situação, as emoções relacionadas e comprometer-se a perdoar o

transgressor. Não necessariamente a carta será entregue para a outra

pessoa, mas pode ser entregue e lida pelo cliente, se ele desejar.

6 Gratidão Discussão de gratidão como uma postura de agradecimento perene. Os

papéis das memórias boas e das más são discutidos novamente com

ênfase na gratidão.

HW: Carta de gratidão e

visita

Escrever e entregar, pessoalmente, uma carta de agradecimento para

alguém que fez algo significativo para ele, mas que ele não agradeceu

adequadamente.

7 Sessão de feedback

(metade do processo)

Acompanhamento (follow-up) do plano de ação da assinatura de forças,

as atribuições do perdão e da gratidão.

Discussão do progresso terapêutico e de necessidade de realização de

mudanças em tal processo/ plano da terapia.

8 Satisficing vs.

maximização

Discussão de conceitos de satisficing (se contentar com o bom e

suficiente) e maximização.

TC: Satisficing Identificar as áreas e planejar onde pode se beneficiar da visão/ postura

“satisficing”.

9 Esperança, otimismo e

Crescimento pós-

traumático

Discussão detalhada sobre otimismo e esperança. Ajudar o cliente a

refletir sobre momentos em que aspectos/ questões importantes foram

perdidas, mas outras oportunidades foram abertas. Exploração do

crescimento potencial pós-trauma.

TC: Uma porta se fecha

e uma porta se abre

Escrever sobre situações da própria vida em que três portas se

fecharam e perguntar quais portas se abriram.

10 Comunicação positiva Discussão sobre comunicação “ativa-construtiva”, uma técnica de

comunicação positiva.

TC: Prática de resposta

ativa-construtiva

Automonitoração de oportunidades para resposta ativa-construtiva.

11 Assinatura de forças de Discussão da importância do reconhecimento e associação das forças

79

outros significativos de caráter dos membros da família.

TC: Árvore de forças da

família

Solicitar para alguns membros da família o preenchimento do inventário

de forças online para em seguida poder elaborar a árvore de forças da

família. Sugere-se que o cliente discuta com um membro da família a

respeito da árvore de forças da família.

12 Savoring Discussão sobre Savoring (‘saborear’/ ‘curtir’) e respectivas técnicas e

estratégias.

TC: Plano com

atividades para savoring

Planejar atividades para ‘saborear’ utilizando técnicas específicas.

13 Altruísmo Discussão dos benefícios terapêuticos ao ajudar os outros.

TC: Presente com o

tempo próprio

Planejar para dar como presente para alguém parte do seu tempo

ligado com a utilização de algumas das forças da sua assinatura.

14 Vida plena Discussão da vida plena como uma integração de emoções positivas,

engajamento, relacionamentos positivos, sentido e realização, e, dos

ganhos terapêuticos e experiências, como também de maneiras para

sustentar as mudanças positivas.

Fonte: RASHID e SELIGMAN, 2013, p. 480-481, tradução nossa

Apesar do modelo apresentado para ilustrar a PPT contar com quatorze

sessões e com uma ordem de aplicação das atividades, Rashid e Seligman (2013)

esclarecem que no processo da PPT os exercícios e tarefas são customizados de

acordo com as necessidades clínicas imediatas do cliente, como por exemplo:

conflito em relacionamentos interpessoais, separações ou questões relacionadas

com a carreira ou trabalho do cliente, como também, o plano de trabalho e a

duração da terapia variam de acordo com as circunstâncias de cada cliente.

Cabe salientar outras considerações importantes da PPT, como o

aparecimento de emoções negativas durante o processo, associação do trabalho

das forças de caráter com as queixas do cliente, comprometimento com o processo

terapêutico e relação terapêutica.

Rashid (2008?) pontua não ser incomum alguns exercícios da PPT gerarem

emoções negativas ou desconfortáveis, sendo assim, cabe ao terapeuta perceber

tais emoções e ser empático com elas. Em complemento, Rashid e Seligman (2013)

ilustraram que a PPT não nega a existência das emoções negativas ou encoraja os

clientes a enxergarem o mundo por meio de óculos cor de rosa, mas sim, encoraja

80

os clientes a explorar os efeitos das experiências negativas e das suas emoções

negativas e buscar encontrar as possibilidades de positividade ou de força em suas

experiências difíceis ou traumáticas. Assim, o cliente pode aprender a perceber as

experiências negativas com uma visão mais positiva e reformular essas experiências

de maneira mais útil para si.

O trabalho com o mapa das forças de caráter do cliente deve ser relacionado

com as queixas apresentadas, por exemplo, para um cliente que apresente

ansiedade e reclama de não se sentir vivo, de não conseguir ter entusiasmo em

suas atividades, é indicado sugerir o desenvolvimento de ‘entusiasmo’ por meio do

engajamento em experiências e atividades propícias. Além disso, os clientes são

encorajados a desenvolver uma inteligência prática por meio de uma cuidadosa

análise de qual força é relevante para o problema atual, como também, se há algum

conflito com o seu mapa de forças para, assim, aprender a usar as forças a seu

favor nas atividades do dia a dia e em suas relações. Os clientes são auxiliados para

contextualizar o uso das forças e automonitorar esse processo a fim de aprender

como e quando calibrar ou realocar os seus recursos mentais e físicos, para que

possam atingir um estado saudável e otimizado por meio da utilização das forças.

(RASHID e SELIGMAN, 2013).

As intervenções e os exercícios utilizados pela PPT ajudam os clientes a se

sentirem responsáveis pelo seu processo e por suas escolhas em oposição a uma

postura de vitimização encontrada como padrão em alguns clientes, padrão que

costuma ser gerado pelas emoções negativas e memórias negativas. Além disso, é

propiciado ao cliente a criação de um espaço entre ele e as suas memórias

negativas com o objetivo de ampliar a perspectiva ou a visão em relação à situação.

(RASHID e SELIGMAN, 2013).

A relação e o vínculo terapêutico também são bastante enfatizados na PPT,

e, como já ilustrados nesse trabalho, considerados fatores chave para o sucesso da

psicoterapia. Rashid e Seligman (2013) destacam que o ambiente promovido pela

PPT - um contexto que promove a proximidade, a compreensão, a autenticidade, a

colaboração e a boa vontade - está alinhado com uma postura do terapeuta que

escuta de maneira plena e interessada e está voltado para a facilitação da

expressão afetiva. Tal ambiente ajuda o cliente a explorar e refletir sobre as suas

experiências desconfortáveis de uma maneira que direciona para resultados

81

positivos. Além disso, esses autores acreditam que o trabalho do terapeuta baseado

no conhecimento de onde e como olhar para as forças do cliente e como alinhar as

respectivas forças com os aspectos da personalidade, objetivos, valores, recursos,

ambiente e as circunstâncias da vida do cliente, possibilita uma relação terapêutica

mais igualitária do que as relações baseadas na orientação para o negativo ou para

os déficits.

2.3.3.2 Mecanismos de mudança na Psicoterapia Positiva

Rashid e Seligman (2013) listaram diversos mecanismos de mudança da

Psicoterapia Positiva, são eles:

1) A PPT amplia a perspectiva do cliente para que ele possa perceber e

realizar atividades que gerem emoções positivas. Embora as emoções

positivas sejam de natureza efêmera, elas propiciam sentido, expandem

repertórios de comportamento, ajudam na geração de novas ideias e

facilitam a reinterpretação de memórias amargas. Tal ampliação ocorre em

níveis cognitivos, afetivos e comportamentais e está diretamente relacionada

com o papel das emoções positivas para a PPT, ou seja, elas não

representam somente indicativos de alegria ou felicidade, mas sim, de

maneira mais importante geram mudanças cognitivas, comportamentais e

afetivas.

2) Aumento da flexibilidade refletida nos comportamentos, na cognição e no

afeto do indivíduo ao se trabalhar a reavaliação positiva dos problemas

causados por emoções e memórias negativas, por exemplo.

3) Desenvolvimento da respectiva assinatura de forças por meio de exercícios

vivenciais e do desenvolvimento de habilidades. Os exercícios da PPT não

são como as atividades hedonistas que geram um prazer rápido e efêmero,

pois apresentam longa duração, ou seja, um efeito mais duradouro

resultante de reflexões e interpretações que nem sempre são fáceis. Já no

início da terapia os clientes são orientados na direção de que a felicidade

não acontece simplesmente, mas é algo que necessita ser feita acontecer.

4) Atendimento empático às preocupações dos clientes que os ensina

ativamente a serem funcionais apesar de seus sintomas depressivos. A

82

identificação sistemática das suas forças permite ao indivíduo pensar mais

profundamente sobre as suas reais qualidades positivas. Assim, o

pensamento de maneira realista sobre suas forças e qualidades positivas

propicia um reforço para a autoconfiança e prepara o cliente para lidar de

maneira mais efetiva com os seus problemas.

5) A reeducação da atenção é um mecanismo global da mudança na PPT.

Muitos clientes se apresentam para a psicoterapia com uma elevada

tendência natural para o negativo, que direciona para um exagerado foco e

retomada dos aspectos negativos das suas experiências. Dessa maneira,

muitos exercícios objetivam reeducar a atenção, a memória e as

expectativas para uma base positiva e de esperança, em oposição ao

padrão negativo e catastrófico.

O processo de mudança ocorre por meio das intervenções pertinentes,

sendo indispensável a relação terapêutica empática, de aceitação e interesse

genuíno pelo cliente e suas questões. E, para Rashid e Seligman (2013), a postura

inicial do terapeuta e o foco inicial nos aspectos positivos do cliente e não em suas

fraquezas, facilita a criação de um forte vínculo terapêutico que terá relação direta

no processo de mudança e sucesso da terapia.

2.3.3.1.4 Aplicabilidade e outras considerações

De acordo com Rashid e Seligman (2013) a PPT, tal como a Psicologia

Positiva, não é prescritiva, mas sim uma abordagem descritiva baseada em

evidências científicas acerca dos benefícios gerados quando o indivíduo se atenta

para os aspectos positivos da sua experiência. A partir dessa visão,

responsabilidade e livre-arbítrio são ideias essenciais na PPT.

Os mesmos autores enfatizam que a PPT não é uma panaceia, sendo

assim, não é aplicável para todos os clientes e para todas as situações. Algumas

situações e circunstâncias da vida de um indivíduo podem não ser beneficiadas

inicialmente pela PPT, como por exemplo, se a problemática relacionada demanda

um tratamento específico, ou seja, situações de trauma tendem a se beneficiar

incialmente de uma abordagem de tratamento de stress pós-traumático do que com

a da PPT num primeiro momento.

83

Por outro lado, indivíduos com depressão e quadros ansiosos são bastante

beneficiados com a abordagem da PPT, porém, não é necessário ter algum

problema psicológico para ser um cliente da PPT. Ou seja, a PPT é aplicável,

inclusive, para indivíduos que não apresentam quadros psicologicamente

problemáticos, mas que necessitam de ajuda para aprimorar o seu bem-estar. Além

da terapia individual de adulto, a PPT também tem sido adotada em terapia de

grupos, de casal, familiar e para crianças e adolescentes (RASHID e SELIGMAN,

2013).

Além do tratamento clínico, os exercícios utilizados na PPT têm sido usados

em atividades não clínicas, como coaching de vida e de carreira, educação e em

organizações (SELIGMAN, 2011). “Em função de a PPT propiciar o alívio do

sofrimento e desenvolver o bem-estar, oferece um tremendo potencial para expandir

os horizontes da psicoterapia.” (RASHID e SELIGMAN, 2013, p. 487, tradução

nossa).

Tal como a Psicologia Positiva, a Psicoterapia Positiva conta com uma série

de estudos voltados para a validação, por meio de demonstração empírica, da

efetividade de suas intervenções. Contudo, apesar das evidências e validações para

as intervenções da PPT, Seligman (2011) pontuou que a Psicoterapia Positiva está

apenas nos estágios iniciais de prática e aplicação e os resultados são preliminares,

precisando ser replicados. Os resultados com a PPT têm sido interessantes e

efetivos, no entanto, Rashid e Seligman (2013) destacam a necessidade de

realização de mais pesquisas para avaliar a efetividade da PPT nos variados

transtornos mentais, como também, para poder comparar com os tratamentos

tradicionais focados em sintomas.

84

3 Discussão

Alinhado com o terceiro objetivo desse trabalho, esse capítulo discorre sobre

a análise em relação à conceituação da emoção na TFE e na PP e ao trabalho com

as emoções em psicoterapia por ambas as abordagens apesentadas.

Pode-se afirmar que a conceitualização e a visão da emoção nas duas

abordagens, mesmo ao utilizar termos distintos, apresentam similaridades, em

função de utilizarem de fontes em comum, como por exemplo, os trabalhos das

neurociências (com destaque para a neurociência afetiva), do construtivismo e de

trabalhos de filosofia e das teorias humanistas.

A TFE tem como premissa que as emoções são fundamentais para a

construção do self e são determinantes para a auto-organização dos indivíduos.

(GREENBERG, 2004). No nível mais básico de funcionamento, as emoções

apresentam uma forma adaptativa para o processamento de informações e

direcionamento para ações, orientando as pessoas a respeito do ambiente em que

estão inseridas, além de serem atuantes na promoção do bem-estar da própria

pessoa. (GREENBERG, 2010). Percebe-se um entendimento parecido, de acordo

com a pontuação de Seligman (2002) em relação à visão de que toda emoção tem

um componente sensorial, de sentimento, de raciocínio e de ação, dessa maneira,

os sentimentos positivos e negativos induzem a diferentes modos de pensar e agir,

enquanto os sentimentos positivos direcionam, por exemplo, para a criatividade, a

generosidade, a gratidão, a tolerância e a abertura para novas experiências e

relações, os sentimentos negativos direcionam para a concentração no que está

errado e necessita ser eliminado, porém, complemento que muitas vezes, tal

direcionamento no que está errado e precisa ser eliminado, pode ser uma atitude de

proteção e segurança para o ser humano.

O estudo das emoções positivas é um dos pilares da PP e a ampliação do

repertório das emoções positivas na vida de um indivíduo é um dos objetivos da

Psicoterapia Positiva. As emoções positivas, além de ser um dos elementos para o

florescimento humano e para o bem-estar do indivíduo, é um importante instrumento

de enfrentamento (colping) para situações adversas na vida de uma pessoa. Como

disse Seligman: (2002, p. 93): ”As emoções positivas de confiança e esperança, por

exemplo, não nos são mais úteis quando a vida é fácil, mas quando ela é difícil”. Ou,

85

seja, as emoções positivas não somente estão relacionadas com uma vida

agradável, como também são elementos para a força pessoal, sendo assim, saber

identificá-las e utilizá-las faz parte do trabalho de regulação emocional da TFE.

Em complemento, a TFE, também, visa propiciar um aumento do repertório

das emoções positivas, uma vez que os objetivos da abordagem, segundo Elliot et

al. (2004) envolvem o fortalecimento do self, a regulação do afeto, a criação de um

novo significado, ou seja, ajudar os clientes a desenvolver a sua inteligência

emocional. Aqui, relembro a explanação de Greenberg (2011) referente ao potencial

adaptativo das emoções, isto é, servir de guia para os diferentes aspectos da vida

de uma pessoa e sinalizar os eventos que afetam os mais importantes

relacionamentos, as questões pessoais, além de ajudar as pessoas a se

conectarem, se sentirem energizadas, amadas e interessadas e, frequentemente,

propiciar o encontro dos indivíduos com as suas respectivas essências. Em adição,

cabe a pontuação de Seligman (2011), que diz que a emoção positiva é muito mais

do que uma sensação agradável e um sinal evidente de crescimento que

consequentemente gera um acúmulo de capital psicológico.

Adicionalmente, apesar do foco na emoção e da perspectiva da emoção

como uma fonte de sentido, direção e crescimento da TFE, (ELIOTT et al., 2004), tal

abordagem não se limita a olhar somente para as emoções e os respectivos

processos emocionais dos clientes, como também, se alimentar exclusivamente da

teoria das emoções. Dessa maneira, cabe destacar os alinhamentos teóricos da

TFE, como o construtivismo dialético (a integração da biologia e da cultura) e a

construção de narrativa e significado, o que baseia uma visão integrativa do ser

humano. Ou seja, a TFE considera as questões motivacionais, a cognição, os

comportamentos e as interações, uma vez que muitos dos problemas humanos

podem estar relacionados com questões biológicas, emocionais, cognitivas,

motivacionais, comportamentais, fisiológicas, sociais e culturais. (Greenberg, 2011),

o que interfere diretamente nas intervenções e no processo da psicoterapia. Tal

visão e base teórica, também apresentam pontos em comum com a base teórica da

Psicologia Positiva, com destaque para os elementos da teoria do bem-estar:

emoções positivas, engajamento, relacionamentos positivos, sentido e realização,

além do estudo e trabalho com as virtudes e forças de caráter, que também são

base para as intervenções e para o processo da Psicoterapia Positiva. Além disso,

86

cabe complementar que a PPT também entende que o trabalho com as emoções

deve estar relacionado e resultar em aperfeiçoamentos do indivíduo nos níveis

cognitivos, afetivos e comportamentais. (Rashid e Seligman, 2013).

Em relação à disfuncionalidade, a TFE apresenta uma visão de que muitas

das disfunções podem ocorrem quando o indivíduo suprime ou não apresenta

consciência das suas emoções ou apresenta uma inabilidade em regular as próprias

emoções. (ELLIOT et al., 2004; GREENBERG, 2011), de maneira complementar, a

PP apresenta a visão de que uma vida sem a presença de emoções positivas, de

prazeres e sem engajamento pode ser a causa, como também, sintomas de

psicopatologia.

Apesar das similaridades na visão e na função das emoções na TFE e na

PP, o manejo das emoções no processo da psicoterapia acontece de maneira

diferente, como se pode perceber no subitem ‘intervenções e processo da

psicoterapia’ das respectivas abordagens do presente trabalho. Por exemplo, na

TFE há um trabalho do terapeuta em identificar o nível de expressividade da emoção

do cliente e o tipo de resposta emocional a fim de ter clareza da adaptabilidade ou

desadaptabilidade da emoção identificada, além da identificação dos esquemas

emocionais. Na TFE, as emoções dos clientes servem como uma bússola, que além

de guiar o cliente e o terapeuta ao que é mais importante para o cliente, suas

necessidades atendidas e as não atendidas (Greenberg, 2011), são marcadores

fundamentais para as intervenções e tarefas no processo da psicoterapia. Por outro

lado, alguns exercícios podem até serem similares, como por exemplo, ambas as

abordagens utilizam a técnica da cadeira vazia da Gestalt, porém, na PPT não há o

trabalho de mudar uma emoção com outra emoção da maneira como é realizado na

TFE, até porque na base teórica da PP não há a classificação dos tipos de emoção

(adaptativa, desadaptativa e instrumental) como na TFE.

Para finalizar, é pertinente destacar a importância da relação terapêutica

enfatizada pelas duas abordagens. A maneira como ambas enxergam e trabalham

com a emoção, requerem do terapeuta um conhecimento dos próprios esquemas

emocionais e a adoção da regulação emocional para a TFE e na PPT a utilização

das emoções positivas conectadas com as forças de caráter, já que tais

conhecimentos e vivências são fontes facilitadoras para uma postura autêntica e

genuína por parte do terapeuta junto ao seu cliente. Para a TFE, o relacionamento

87

em si é visto como curativo justificado em função da empatia, da abertura e da

aceitação do terapeuta que promovem quebra de isolamento, validação e

fortalecimento do self, além da auto-organização (Greenberg, 2011). Similarmente,

para a PPT, a postura de atenção plena e interessada do terapeuta facilita a

expressão afetiva e incrementa com um diferencial que é o olhar para o positivo e

para as forças, além de olhar e buscar o que deu certo na vida do cliente, como

facilitadores para a expressão emocional no processo da terapia.

88

4 Considerações finais

Tanto a Terapia Focada nas Emoções, quanto a Psicologia Positiva estão

alinhadas com a teoria da terapia construtivista voltada para a funcionalidade,

organização e evolução das emoções, isto é, para ambas, as emoções têm um

papel essencialmente positivo e precioso na vida das pessoas.

Com bases teóricas similares, mas com um processo de trabalho

diferenciado, a TFE e a PPT extrapolam um tratamento voltado para a eliminação ou

minimização dos sintomas de um transtorno mental, incorporando uma visão de cura

e objetivando um florescimento do indivíduo, uma postura responsável pelo próprio

bem-estar, inteligência emocional e uma vida mais significativa.

As principais referências, utilizadas nesse trabalho, Leslie Greenberg para a

TFE e Martin Seligman e Tayyab Rashid para a PPT, enfatizam a necessidade de

mais estudos e validações por meio de demonstrações empíricas das intervenções

das respectivas abordagens. Como se pode perceber nas pesquisas realizadas nas

referências bibliográficas para esse trabalho, se por um lado a TFE apresenta um

passo à frente em relação às pesquisas e validações por demonstrações empíricas

do processo de mudança humana com a utilização da emoção, a PP apresenta um

destaque nos estudos voltados para uma atuação preventiva de transtornos mentais

e nas potencialidades e forças e virtudes do ser humano, até mesmo por ter uma

proposta e estar inserida e ser explorada em instituições que podem facilitar o

trabalho preventivo com as emoções, como escolas, organizações públicas e

privadas, dentre outras.

Seria interessante, uma maior divulgação da Terapia Focada nas Emoções

no Brasil e a condução de estudos e pesquisas no cenário nacional, como também,

mais estudos da atuação clínica da Psicologia Positiva.

89

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92

ANEXO 1 - Condições necessárias de Carl Rogers

As seis condições necessárias para a mudança terapêutica estabelecidas

por Rogers são:

1. Contato psicológico de terapeuta e cliente: deve existir uma relação entre o

cliente e o terapeuta e deve ser percebida como importante por ambos;

2. Cliente em incongruência: incongruência do cliente em relação com a sua

experiência e a sua conscientização;

3. Congruência do terapeuta ou autenticidade: o terapeuta é congruente com a

relação terapêutica, e está profundamente envolvido no processo terapêutico,

não está atuando e pode contar suas próprias experiências (autorevelação),

para facilitar o relacionamento;

4. Consideração positiva incondicional: o terapeuta aceita o cliente de maneira

incondicional, sem julgamento, desaprovação ou aprovação. Isso facilita o

aumento da autoestima do cliente e, também, pode tornar-se consciente de

experiências em que a sua visão de autoestima foi distorcida pelos outros;

5. Compreensão empática: o terapeuta experiencia uma compreensão empática

do quadro de referência interna do cliente e compartilha tal experiência com o

cliente;

6. Percepção do cliente: o cliente deve perceber, pelo menos um grau mínimo, a

consideração positiva incondicional e a compreensão empática do terapeuta.

As condições 3, 4 e 5 são conhecidas como os como as ‘condições

fundamentais’.

Fonte: PROCHASKA, J.O e NORCROSS, J.C. Systems of Psychotherapy: A trans-theoretical

analysis. New York: Thompson Books/Cole, 2007, p. 142-143, tradução nossa.