Post on 05-May-2023
As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho
EDILTON MEIRELES.
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de
Direito Processual Civil na Universidade
Federal da Bahia (UFBa). Professor de Direito na
Universidade Católica do Salvador (UCSal).
Membro do IBDP. Membro da Associacion
Iberoamericana de Derecho del Trabajo. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Social
Cesarino Júnior. Desembargador do Trabalho na
Bahia.
Resumo: Neste artigo tratamos das ações indenizatórias de
competência da Justiça do Trabalho a partir da sua definição
posta na Constituição Federal. Analisamos as controvérsias
decorrentes da integração do texto constitucional, apontando
nosso entendimento, especialmente em relação à competência para
as ações indenizatórias que não envolvam apenas o empregado e o
empregador.
Palavras-chaves: competência jurisdicional – indenização –
relação de trabalho – greve
Abstract: In this article we deal with the compensation claims
of competence of the Labour Court from its definition placed in
the Federal Constitution. We analyze the controversies arising
from the interpretation of the constitutional text, pointing
our understanding, especially in relation to competence for
compensation damages claims that do not involve only the
employee and employer.
Key words: jurisdiction - compensatory damages - employment
relationship - strike
SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Ações indenizatórias previstas no
inciso VI do art. 144 da CF. 2.1. Sucessores do empregado. 2.2.
Ações envolvendo terceiros não-sucessores. 2.3. Funeral e luto.
3. Responsabilidade civil na greve. 4. Conclusão. 5. Referência
bibliográfica
1. Introdução
A regra geral da competência da Justiça do Trabalho é a de
processamento de todas as ações decorrentes da relação de
trabalho, inclusive as indenizatórias. Aqui estamos tratando da
ação entre empregado e empregador.
Indo além da competência prevista no inciso I do art. 114 da CF,
com redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/04, o
reformador constitucional preceituou que à Justiça do Trabalho
cabe julgar “as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho” (inciso VI do
art. 114).
Outrossim, no inciso IX, abriu brecha para ampliação da
competência da Justiça do Trabalho pela via ordinária.
A respeito desses dois últimos dispositivos iremos tratar
abaixo. Deixamos de lado o primeiro, pois é incontroverso que
toda lide envolvendo empregado e empregador, inclusive a de
cunho indenizatório, é de competência da Justiça do Trabalho. A
controvérsia, no entanto, surge da interpretação dos demais
incisos acima referidos (VI e IX do art. 114 da CF). Daí porque
trataremos deles.
Complementando esse tema, no entanto, também cuidaremos de
analisar o disposto no inciso II do art. 114 da CF, no que se
refere às ações de indenização geradas a partir da greve.
2. Ações indenizatórias previstas no inciso VI do art. 144 da CF
Inicialmente, podemos pensar que o disposto no inciso VI do art.
144 da CF serviria muito mais para acabar com as controvérsias
quanto à competência para julgamento dos feitos em que se pede o
ressarcimento de danos morais e materiais do que propriamente a
inovar (ampliando a competência) em relação ao disposto no
inciso I do art. 114 da CF. Isso porque, quando se diz (no inciso
I, do art. 114 da CF) que a Justiça do Trabalho é competente para
“as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes
de direito público externo e da administração pública direta e
indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios" é óbvio que entre aquelas (ações) se inclui a que
busca o ressarcimento por danos morais e materiais fundados na
responsabilidade civil. Tratar-se-ia, pois, de litígio oriundo
da relação de emprego.
Contudo, é regra de interpretação que a lei não dispõe de
palavras inúteis. Além disso, seria por demais imaginar que o
reformador constitucional quis ser redundante, repetindo no
inciso VI o que já se extrai do inciso I do art. 114 da CF, apenas
para pacificar o dissenso jurisprudencial. A norma
constitucional, no entanto, não se presta a tanto.
Cumpre-nos, assim, buscar a verdadeira interpretação do
disposto no inciso VI do art. 144 da CF, afastando o entendimento
de que ele seria redundante em face do disposto no inciso I do
mesmo preceito.
Frise-se, porém, e de logo, que o dispositivo em comento não se
dirige apenas ao contrato de emprego, mas a todas as relações de
trabalho.
Esse dispositivo, entretanto, deve ser interpretado em conjunto
com os incisos I e IX do art. 114 da Constituição Federal para
evitar contradições, buscando, ao mesmo tempo, seu verdadeiro
sentido.
O inciso I do art. 114 da CF se refere às ações “oriundas das
relações de trabalho” . Já o inciso IX faz menção às
“controvérsias decorrentes das relações de trabalho”, enquanto
o inciso VI trata das ações indenizatórias “decorrentes da
relação de trabalho”.
Como leciona Reginaldo Melhado, comentando os incisos I e IX,
“oriundo tem o sentido de originário, natural... decorrente
significa aquilo que decorre, que se origina. Vale dizer: no
inciso I está a relação de trabalho antologicamente
considerada; ela própria em seu estado natural. O substrato é o
próprio trabalho. Já no inciso IX há menção à controvérsia
decorrente dela, numa relação mediata e indireta”1.
No inciso I se cuida dos litígios que encontram respaldo
imediato e direto na relação de trabalho, vinculada ao seu
núcleo essencial. Já o inciso IX trata dos litígios que decorrem
da relação de trabalho, só que de maneira indireta e mediata, por
reflexo e conexão. Ali diretamente vinculada às obrigações que
emergem da relação de trabalho; aqui, as obrigações surgidas
indiretamente da relação de trabalho.
Mas a pergunta que se faz é: quais seriam essas “outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho” não
abrangidas pelo inciso I do art. 114 da CF e que precisam, para
ser da competência da Justiça do Trabalho, de uma lei assim
preceituando (“na forma da lei”), conforme previsão do inciso
IX?
A resposta é simples, respondida pelas hipóteses já existentes.
Basta lembrar o litígio que decorre do cumprimento de normas
1 Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da
Justiça do Trabalho, p. 314.
coletivas envolvendo, por exemplo, o sindicato profissional e a
empresa-empregadora, na cobrança das receitas sindicais, cuja
competência é da Justiça do Trabalho (Lei n. 8.984/95)2 .
Neste exemplo (sindicato x empresa), não estamos diante de uma
relação de trabalho. Contudo, o pressuposto fático-jurídico que
dá origem ao conflito sindicato-empresa é uma relação de
trabalho (a relação de emprego). Em suma, não existisse uma
relação de emprego, na qual é gerada a receita sindical, não
haveria litígio entre sindicato e empresa. Logo, em última
análise, este litígio (sindicato-empresa) decorre de uma
relação de trabalho3 .
Cabe esclarecer, todavia, que em face do disposto no inciso III
do art. 114 da Constituição Federal, pode-se afirmar que a
competência da Justiça do Trabalho para tais conflitos agora tem
matriz no próprio texto constitucional.
Podemos, no entanto, concluir que o inciso I do art. 114 da CF
trata das ações oriundas das relações de trabalho, inclusive as
ações indenizatórias, fundadas em litígio direta e
imediatamente vinculado às obrigações dos sujeitos titulares,
2 “Art. 1º. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os
dissídios que tenham origem no cumprimento de convenções
coletivas de trabalho ou acordos coletivos de trabalho, mesmo
quando ocorram entre sindicatos ou entre sindicato de
trabalhadores e empregador”.
3 STF, RE 287.227-0, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de
02/03/2001.
ou que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de
trabalho).
Já o inciso IX cuida das ações decorrentes de litígio indireta e
mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo um
terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém
igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo de trabalho.
Neste caso, entretanto, será necessária uma lei dispondo sobre a
competência da Justiça do Trabalho.
Ocorre, porém, que o inciso VI do art. 114 da CF também se refere
às ações decorrentes das relações de trabalho. E, desde logo,
assegura a competência da Justiça do Trabalho para conhecer
dessas ações indenizatórias “decorrentes da relação de
trabalho”. Nesta hipótese, portanto, a competência tem matriz
constitucional, dispensando-se a edição de lei
infraconstitucional tratando dessa matéria.
Daí, então, podemos concluir que:
a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho,
fundadas em litígio direta e imediatamente vinculado às
obrigações dos sujeitos titulares, ou que detém igual
qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de trabalho)
são da competência da Justiça do Trabalho por força do
disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;
b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e
mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo
um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou
que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo
de trabalho, também já é da competência da Justiça do
Trabalho por força do disposto no inciso VI da Constituição
Federal; e,
c) as demais ações (excluídas as indenizatórias),
decorrentes de litígio indireta e mediatamente vinculado à
relação de trabalho, envolvendo um terceiro e, pelo menos,
um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade
jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, na forma da
lei podem ser da competência da Justiça do Trabalho.
O inciso VI do art. 114 da CF, assim, respalda a competência da
Justiça do Trabalho para, por exemplo, a ação de um empregado em
face de outro empregado por ato praticado por este em
decorrência de uma relação de emprego. Imaginem a hipótese do
empregado assediado, que pode exigir do assediante, seu colega
de trabalho, uma indenização por danos morais e matérias.
Neste caso, o pressuposto fático para a ação de indenização será
a relação de trabalho mantida pelo assediado com seu empregador,
cujo preposto (o outro empregado – assediante), dolosamente,
concretizou os atos de assédio.
Não fosse o dispositivo em comento, o assediado que pretende
haver indenização, tão somente, do colega de trabalho, teria de
propor sua ação na Justiça Comum.
Todas essas ações acima citadas serão de competência da Justiça
do Trabalho por força do disposto no inciso I do art. 114 da CF,
já que oriundas da relação de trabalho.
Diversas são, no entanto, as situações da vida na qual surge a
possibilidade de atuarem na ação indenizatória proposta na
Justiça do Trabalho terceiros não-empregado ou empregador.
Algumas são mencionadas na jurisprudência e que serão objeto de
análise especifica adiante, servindo as mesmas de base para
todas as situações semelhantes.
2.1. Sucessores do empregado.
Já foi controvertido o entendimento relacionado à competência
da Justiça do Trabalho para as demandas indenizatórias
decorrentes de acidente de trabalho quando a vítima vem a
falecer e os seus sucessores demanda a reparação. Diga-se, a
reparação de dano próprio e não do falecido. Em relação à ação
proposta pelo espólio, para reparação de dano causado à vítima
(em vida ou post mortem), por certo sempre foi inquestionável a
competência da Justiça do Trabalho.
Em relação ao direito próprio do sucessor (dano moral; pensão,
etc), decorrente do acidente de trabalho, o debate relativo à
competência da Justiça do Trabalho já está pacificada em face do
entendimento do STF.
Entende a Corte Suprema que à Justiça do Trabalho compete
apreciar os feitos propostos pelos sucessores do falecido em
acidente de trabalho. Para tanto basta citar o CC 7545, Rel. Min.
Eros Grau.
O fundamento jurídico dessa posição seria justamente o inciso VI
do art. 114 da CF. Isso porque aqui se trata de uma demanda que
decorre da relação de trabalho. Em suma, em decorrência da
relação de emprego havido entre trabalhador e empregador um dano
foi gerado aos sucessores do empregado. Logo, esse dano decorre
da relação de trabalho, competindo à Justiça do Trabalho
conhecer da demanda respectiva, por força do disposto no inciso
VI do art. 114 da CF.
2.2. Ações envolvendo terceiros não-sucessores
Por lógica, então, também seria da competência da Justiça do
Trabalho as ações indenizatórias envolvendo terceiros,
sucessor ou não, quando se demanda a reparação de dano gerado na
relação de trabalho.
Podemos citar, por exemplo, o dano moral por ricochete, ou seja,
aquele refletido no terceiro não destinatário da ofensa moral.
I sso ocorre mesmo quando o ato tenha sido praticado diretamente
contra determinada pessoa, mas seus efeitos acabam por atingir,
por reflexo ou indiretamente, a integridade moral de terceiros.
Admite-se, pois, a existência de danos morais reflexos, ou seja,
ofensa a bem jurídico (moral) de terceiros envolvidos com o
sofrimento experimentado pelo principal prejudicado em razão do
evento danoso.
Neste caso, entendemos, com respaldo no inciso VI do art. 144 da
CF, que a competência é da Justiça do Trabalho, pois se trata de
ação de indenização decorrente da relação de trabalho.
Decorrente porque tem sua causa numa relação de emprego.
E tal conclusão tem toda uma lógica de organização judiciária,
pois seria de todo descabido se ter que, diante do mesmo evento
danoso, duas sejam as “Justiças” competentes para apreciar as
ações indenizatórias.
Veja o exemplo da demanda do empregado contra o empregador para
ressarcimento de danos morais decorrentes de ofensa à honra.
Seria descabido se entender que essa demanda é da competência da
Justiça do Trabalho, mas já a ação proposta pelo cônjuge do
trabalhador que se sente lesada moralmente por reflexo (por
“ricochete”) seja da competência da Justiça Estadual.
Tal separação, inclusive, poderia conduzir a aplicação de
prazos prescricionais distintos: na Justiça do Trabalho a regra
constitucional (inciso XXIX do art. 7º); na Justiça Comum a
regra do Código Civil (§ 3º do art. 202 do CC); criando situações
violadoras do princípio da igualdade.
Parece-nos, inclusive, ser esta a tendência jurisprudencial no
STJ. Isso porque, esta Corte Superior, no CC 82.432, Rel. Min.
Ari Pargendler, entendeu que “a expressão ‘as ações de
indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da
relação de trabalho’, inscrita no art. 114, VI, da Constituição
Federal, não restringe a competência da Justiça do Trabalho às
ações ajuizadas pelo empregado contra o empregador, e vice-
versa. Se o acidente ocorreu no âmbito de uma relação de
trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o tomador dos
serviços responde pelos danos sofridos pelo prestador
terceirizado”.
Aqui, pois, já se tem uma demanda na qual o prestador de serviço –
não empregado – demanda o tomador de serviços (empresa não
empregadora). Na referida ação, o trabalhador demandou seu
empregador e o tomador dos serviços em face de acidente de
trabalho. Ou seja, é uma ação envolvendo um terceiro (tomador de
serviços) à relação de emprego.
É certo, porém, que o STJ, no CC 111.566, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, entendeu que seria da competência da Justiça
Estadual a demanda indenizatória para reparação de danos
decorrentes de acidente de trânsito, na qual foi atropelado um
trabalhador em serviço. No caso, a vítima demandou o motorista
atropelador, o proprietário do veículo e o empregador,
alegando, quanto a este, a responsabilidade decorrente de
acidente de trabalho.
O STJ, com base nos precedentes que definem a competência da
Justiça Federal (“se em uma das causas conexas não figura algum
dos entes federais previstos no art. 109, inciso I, da Carta
Constitucional, não pode ser prorrogada a competência da
Justiça Federal, vez que absolutamente incompetente para julgar
ação entre particulares”), no entanto, entendeu que “a
competência da Justiça do Trabalho é absoluta, não podendo ser
prorrogada por conexão se as matérias objeto das demandas
conexas não estiverem entre as hipóteses previstas no art. 114
da CF”. Logo, concluiu que à Justiça do Trabalho cabe apreciar a
demanda contra o empregador e à Justiça Estadual a demanda
contra o motorista e o proprietário do veículo.
Tal decisão é merecedora de crítica. Isso porque, em verdade, a
Justiça Federal tem competência mais restrita, pois limitada em
face de alguém (União, empresas públicas federais, etc). Ou
seja, tem competência em face dos interesses de determinadas
pessoas, salvo exceções previstas em lei, inclusive para causas
trabalhistas.
Já a Justiça do Trabalho tem sua competência, no caso das ações
indenizatórias, definida em face de um evento danoso (“por dano
moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho”).
Logo, todos os conflitos indenizatórios decorrentes de um
evento danoso (acidente de trabalho, por exemplo) são da
competência da Justiça do Trabalho, pouco importando a natureza
jurídica da relação mantida eventualmente ou não pelos
envolvidos no evento. Aqui a competência (inciso VI do art. 114
da CF) – repito – se definiu em face do evento danoso (acidente do
trabalho, ofensa moral, etc) e não em face da eventual relação de
trabalho mantida entre ofendido e ofensor. E tanto é assim que a
competência para a Justiça do Trabalho decidir as lides entre
empregado e empregador em face de acidente do trabalho ou outro
dano qualquer está incluída na regra do inciso I do art. 114 da CF
(“ações oriundas das relações de trabalho”), enquanto o inciso
VI do art. 114 da CF trata das demais ações indenizatórias “por
dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho”,
como aquelas nas quais o trabalhador busca a responsabilidade
solidária de terceiros envolvidos no evento danoso e com quem
não mantém uma relação de emprego.
E foi nesta linha que o próprio STJ, decidiu pela competência da
Justiça do Trabalho, no CC 97.458, Rel. Min. Sidnei Beneti, para
apreciar ação de reparação de dano moral proposta por prestador
de serviços terceirizado contra uma cliente da tomadora de
serviços e a própria empresa tomadora. No caso, a reclamante
demandou “em decorrência de injúria qualificada por preconceito
racial praticada pela primeira ré, advogada e cliente da aludida
instituição financeira, nas dependências da agência bancária em
que a autora trabalhava, na condição de prestadora de serviços”.
Decidiu-se, então, que, verbis:
“1.- A expressão "as ações de indenização por dano
moral ou patrimonial, decorrentes da relação de
trabalho", inscrita no art. 114, VI, da
Constituição Federal, não restringe a competência
da Justiça do Trabalho às ações ajuizadas pelo
empregado contra o empregador, e vice-versa. Se o
acidente ocorreu no âmbito de uma relação de
trabalho, só a Justiça do Trabalho pode decidir se o
tomador dos serviços responde pelos danos sofridos
pelo prestador terceirizado." (AgRg no CC
82.432/BA, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA
SEÇÃO, DJ 8.11.07)
2.- No caso dos autos, embora a pretendida
indenização por danos morais não decorra de ato
ilícito praticado por empregado da Caixa Econômica
Federal (empresa tomadora dos serviços), mas, por
cliente da aludida instituição bancária, releva
que no momento em que sofreu a ofensa, encontrava-
se a autora prestando serviços nas dependências de
uma de suas agências como trabalhadora
terceirizada, tendo a petição inicial ainda,
narrado circunstâncias típicas de relação
laborativa atribuídas à Caixa, contra quem também
foi movido o processo.
3.- Desse modo, a atração da competência da Justiça
trabalhista se justifica, pois, a despeito da
existência de duas relações subjacentes com
naturezas jurídicas distintas: a primeira com a
suposta ofensora (cliente da instituição
financeira); e a segunda estabelecida diretamente
com a CEF, enquanto tomadora dos serviços,
vislumbra-se conexão imediata [em face da]
alegação de causalidade do dano sofrido com a
prestação do serviço à aludida instituição
financeira, havendo necessidade de que, a partir da
análise da pretensão, tal como deduzida, se possa
decidir, inclusive, sobre a permanência ou não da
CEF no pólo passivo da demanda, avaliação que,
pelas particularidades do caso, será melhor
exercida pela Justiça do Trabalho e por ocasião de
prolação de sentença quando se examinam todas as
circunstâncias fático-probatórias do caso.
4.- Conflito de Competência conhecido, declarando-
se a competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de
São Carlos/SP”.
Neste caso, portanto, definiu-se pela competência da Justiça do
Trabalho para reparação de danos causados por um cliente do
tomador dos serviços (empresa) ao prestador de serviços
terceirizado (trabalhador). Aqui, inclusive, sequer o
empregador (empresa terceirizada) foi demandada.
E é neste mesmo caminho que se atribuiu a competência da Justiça
do Trabalho para a demanda de reparação de danos morais causados
por assédio sexual levado a cabo por familiar do empregador
doméstico (CC 110.924, Rela. Mina. Nancy Andrighi). Aqui se
decidiu que, verbis:
“AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO
SEXUAL EM AMBIENTE DE TRABALHO. EMPREGADO
DOMÉSTICO.
1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar
ações de compensação por danos morais decorrentes
de assédio sexual praticado contra empregado
doméstico em seu ambiente de trabalho, ainda que
por parte de familiar que nesse não residia, mas que
praticou o dano somente porque a ele livre acesso
possuía.
2. Na configuração do assédio, o ambiente de
trabalho e a superioridade hierárquica exercem
papel central, pois são fatores que desarmam a
vítima, reduzindo suas possibilidades de reação.
3. Nas relações domésticas de trabalho há
hierarquia e subordinação não apenas entre a pessoa
que anota a Carteira de Trabalho e Previdência
Social e o empregado doméstico, mas também na
relação desse com os demais integrantes do núcleo
familiar.
4. Conflito conhecido para o fim de declarar a
competência do JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ -
SP, juízo suscitante”.
Observem que, neste caso, o dano sequer foi causado por familiar
que residia na casa na qual a trabalhadora doméstica prestava
serviços. Ou seja, sequer se pode alegar que, neste caso, o
assediante era integrante do núcleo familiar empregador, de
modo a equipará-lo à figura do empregador (na relação doméstica,
todos os familiares residente no mesmo local são empregadores).
Nos fundamentos da decisão, inclusive, foi considerado que “na
hipótese dos autos todo o episódio ocorreu no ambiente de
trabalho da autora e foi somente em razão da relação de emprego
havida entre a requerente e a filha do suposto ofensor que aquela
se encontrava presente no local do acontecimento”.
Aqui, portanto, tem-se a hipótese de ação de indenização por
danos gerados no seio de uma relação de emprego, causada por um
terceiro, que praticou o ato lesivo somente porque tinha livre
acesso ao ambiente de trabalho.
Seguindo essa lógica, portanto, se o trabalhador sofrer um dano
no ambiente de trabalho, quando presta serviço ao empregador,
ainda que causado por terceiro que teve acesso ao local da
prestação de serviços, a competência seria da Justiça do
Trabalho. É a hipótese, mencionada acima da cliente que ofendeu
moralmente a trabalhadora quando esta estava prestando serviços
à entidade tomadora dos serviços (STJ, CC 97.458).
É bem verdade, no entanto, que o próprio STJ,
contraditoriamente, decidiu, no CC 110.974, Rel. Min. Paulo de
Tarso Sanseverino, que falece competência à Justiça do Trabalho
para processar demanda de reparação de danos causados por um
colega de trabalho a outro, ainda que o evento tenha ocorrido no
local de trabalho.
Aqui se decidiu, verbis:
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL
E TRABALHISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
AJUIZADA EM FACE DE COLEGA DE TRABALHO. ILÍCITO
CIVIL EXTRACONTRATUAL. ART. 114, VI, DA CF.
INAPLICABILIDADE.
1. Se o ilícito em que fundamentada a
responsabilidade por danos morais ocorre entre
meros colegas de trabalho, é ele - ainda que
praticado no ambiente de trabalho - civil e
extracontratual, sendo de competência da Justiça
Estadual a apreciação da respectiva ação. 2.
Inaplicabilidade ao caso do art. 114, VI, da
Constituição da República. CONFLITO DE COMPETÊNCIA
JULGADO PROCEDENTE PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA
DO JUÍZO ESTADUAL COMUM”.
Esta decisão é flagrantemente contraditória com aquela posta no
CC n. 97.458. Neste último, decidiu que o dano causado por uma
cliente da tomadora de serviço a uma trabalhadora no ambiente de
trabalho gerava a competência da Justiça do Trabalho. Já no CC n.
110.974, decidiu-se que a lesão provocada por um colega de
trabalho no ambiente de trabalho não atrai a competência da
Justiça do Trabalho. Qual a razão das decisões conflitantes?
Ora, se é da Justiça do Trabalho a competência quando a lesão é
causada por um terceiro-cliente, por muito mais razões seria
para a situação na qual a lesão é gerada pelo terceiro-colega de
trabalho. E essa competência mais se justifica quando se tem que
o empregador responde pelos atos de seus prepostos. E, vale
destacar, na referida ação a autora alegou que as ofensas
lançadas estavam diretamente relacionadas à prestação de
serviços4.
4 Consta do relatório do acórdão que a autora alegou que “a partir
do instante em que a mesma [ré] passou a dirigir à autora
acusações no sentido de que a mesma estaria desviando recursos
da empresa (Ama), verbas estas, advindas de clientes e
convênios, e o pior, a autora neste momento veio a saber que a ré
já a vinha difamando há tempos...”.
Entendemos, pois, que compete à Justiça do Trabalho julgar todas
as ações de indenização decorrentes da relação de trabalho,
ainda que envolvendo terceiros.
E entre os terceiros, pode-se elencar qualquer outro empregado
da empresa que venha a ser lesado pelos atos do trabalhador-
colega. Neste caso, a ação de indenização corre perante a
Justiça do Trabalho, pois o litígio decorre da relação de
emprego, ainda que a demanda se dirija exclusivamente contra o
empregado (empregado x empregado).
Também se inclui nesta categoria de terceiros as demais pessoas
que causam ou sofrem danos em decorrência de uma relação de
trabalho. É a hipótese do cliente que causa dano ou sofre dano.
Vejamos agora a hipótese do cliente que sofre dano por ato do
empregado da empresa. Neste caso, o ofendido pode demandar
somente o causador da lesão (empregado), somente o responsável
pelo ato de terceiro (empregador, com base no inciso III do art.
932 do CC) ou ambos, já que os mesmos respondem solidariamente.
Se o cliente optar por acionar, na Justiça Comum, apenas a
empresa, com fundamento no inciso III do art. 932 do CC, o
empregador poderá demandar regressivamente o empregado para ser
ressarcido pelos danos que vier a arcar. Tal pode ocorrer,
inclusive, através da denunciação à lide.
Esta ação de garantia (e de regresso), porém, por ter natureza
trabalhista (lide entre empregado e empregador) deverá ser
apreciada pela Justiça do Trabalho. Aqui, então, aplica-se o
mesmo entendimento revelado pelo STJ, no CC n. 97.458, diante da
“ conexão imediata [em face da] alegação de causalidade do dano
sofrido”. Daí porque a competência da Justiça do Trabalho.
O mesmo se diga para os casos de reparação de danos materiais por
ricochete.
Além das situações postas acima, existem aquelas nas quais uma
pessoa sofre dano por ricochete ao ser obrigado a arcar com uma
prestação em decorrência de atos de terceiros.
Um exemplo esclarece essa situação: imaginem a hipótese na qual
um trabalhador sofre uma lesão fora do ambiente do trabalho
causada por um terceiro e passa a gozar de benefício
previdenciário, ausentando-se do trabalho. Neste caso, a
empresa é obrigada a arcar com o salário do empregado durante os
quinze primeiros dias de afastamento do empregado (§ 2º do art.
43 e § 3º do art. 59 da Lei n. 8.213/91).
Neste caso, então, ainda que a vítima tenha sido diretamente o
empregado, é certo que, por ato de um terceiro, a empresa deve
arcar com uma prestação (pagamento dos salários), sem qualquer
contraprestação por parte do trabalhador (prestação de
serviços). Sofre, então, a empresa um “dano por ricochete”.
A demanda indenizatória, neste caso, então, seguindo-se as
orientações acima, seria, então, uma típica demanda decorrente
da relação de trabalho (inciso VI do art. 114).
2.3. Funeral e luto
A indenização com as despesas de funeral nem sempre são arcadas
pelo patrimônio deixado pelo falecido. Também é certo que no
luto é um terceiro, que não a vítima da ofensa, que sofre o dano.
Em ambos os casos, portanto, cabe a esse terceiro demandar o
ofensor para reparação de direito próprio. Não se trata,
portanto, de dano causado ao falecido.
Considerando as lições acima, entendemos, assim, que, também
com fundamento no inciso VI do art. 114 da CF, compete à Justiça
do Trabalho apreciar as demandas judiciais de reparação dos
respectivos danos.
3. Responsabilidade civil na greve
O inciso II do art. 114 da CF também assegura à Justiça do
Trabalho a competência para as ações que envolvam o exercício do
direito de greve (“II- as ações que envolvam exercício do
direito de greve”).
As ações podem ser coletivas (conforme referência expressa do §
3º do art. 114 da CF) ou individuais.
Quanto às ações individuais (em contraposição aos dissídios
coletivos), não há qualquer restrição. Isto é, seja ela qual for
(indenizatória ou não), deverá ser proposta na Justiça do
Trabalho, qualquer que seja a pessoa envolvida, desde que haja
conexão com o exercício do direito de greve.
A interpretação, aqui, também não pode ser restritiva, já que se
busca dar efetividade à tutela jurisdicional, enquanto dever do
Estado. E quando se confere a um órgão especializado a
competência jurisdicional, é certo que se tem em maior relevo o
valor justiça, pois, quanto mais especializado for o órgão
competente para processar e julgar a causa, mais provável é a
efetivação da Justiça (justa e tempestiva).
Cabe observar, portanto, que as ações que decorrem do exercício
do direito de greve nem sempre envolvem somente os empregados e
os empregadores. Cabe lembrar, inclusive, que, por mandamento
constitucional, o direito de greve é assegurado a todos os
trabalhadores e não, só aos empregados (art. 9º da CF). Assim,
por exemplo, os médicos credenciados a um plano de saúde podem
fazer greve, recusando-se a prestar os serviços contratados.
Aliás, numa interpretação lógica, poder-se-ia afirmar que os
litígios que decorrem do exercício do direito de greve já se
encontram embutidas na competência referida no inciso I do art.
114 da CF (ações que decorrem das relações de trabalho) quando
apenas envolvem os trabalhadores e os tomadores de serviços.
O dispositivo em comento, no entanto, foi mais longe. Ele atrai
para a Justiça do Trabalho todos os litígios que decorrem do
exercício do direito de greve, ainda que envolvam terceiros.
Assim, por exemplo, poderá o tomador dos serviços, prejudicado
com a greve, ou qualquer outro interessado, propor a ação
reparatória, decorrente de dano gerador pelo movimento
paredista abusivo, em face dos responsáveis respectivos. Esta
lide, por sua vez, poderá ser entre o tomador dos serviços e
sindicato, entre aquele e os grevistas (lide empregatícia),
entre o tomador e sindicalistas responsáveis pela greve, entre o
usuário do serviço paralisado (e prejudicado) e o sindicato e/ou
grevistas e/ou empresas, etc5 .
Tudo na Justiça do Trabalho. Isso porque, em tais hipóteses,
estar-se-á diante de uma ação que envolve o exercício do direito
de greve. Em suma, nela há de se decidir se o movimento
paredista, por exemplo, foi ou não abusivo. Se não abusiva a
greve, por exemplo, o usuário dos serviços paralisados não terá
direito a qualquer indenização em face dos danos sofridos em
decorrência da greve (já que os grevistas estariam a exercer
legitimamente o direito de greve). Se o contrário – sendo a greve
abusiva – o usuário, v. g., poderá pleitear uma indenização.
4. Conclusão
Do todo exposto acima, podemos resumir, em síntese:
a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho,
fundadas em litígio direta e imediatamente vinculado às
obrigações dos sujeitos titulares, ou que detém igual
qualidade jurídica, do respectivo vínculo (de trabalho)
são da competência da Justiça do Trabalho por força do
disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;
b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e
mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo5 Neste sentido, Reginaldo Melhado, ob. cit., p. 333.
um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou
que detém igual qualidade jurídica, do respectivo vínculo
de trabalho, também é da competência da Justiça do Trabalho
por força do disposto no inciso VI da Constituição Federal;
c) as ações, inclusive as indenizatórias, que decorram do
exercício do direito de greve, envolvendo qualquer pessoa,
também são de competência da Justiça do Trabalho por força
do disposto no inciso II da Constituição Federal; e,
d) as ações, salvo as indenizatórias, decorrentes de litígio
indireta e mediatamente vinculado à relação de trabalho,
envolvendo um terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos
titulares, ou que detém igual qualidade jurídica, do
respectivo vínculo de trabalho, na forma da lei podem ser
da competência da Justiça do Trabalho;
5. Referência bibliográfica
MELHADO, Reginaldo. Da dicotomia ao conceito aberto: as novas
competências da Justiça do Trabalho, p. 314, In: COUTINHO,
Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Nova competência da
Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.