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VISÃO PANORÂMICA DO CONTEÚDO DA LEI DE RECUPERAÇÕES & DE FALÊNCIAS (LRF)
Professor Luiz Guerra 1
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS Antes de iniciarmos os comentários sobre os preceitos legais da Lei de Recuperações e
de Falências (LRF), cremos ser importante apresentar a visão panorâmica e sistematizada do cenário legal e a nova dinâmica introduzida no Direito Concursal Brasileiro. Após quase 60 anos, entrou em vigor, no dia 09 de junho de 2005, a Lei de Recuperações e de Falências, Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. A lei, embora atrasada, por conta dos 11 (onze) anos de tramitação desde a sua gestação no Ministério da Justiça até o início de sua vigência, chegou para trazer nova perspectiva no sistema concursal nacional e seu art. 200 revogou o desatualizado Decreto-‐Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 (antiga lei de falências e concordatas).
A Lei nº 11.101/2005, após longa negociação do Poder Executivo com o Congresso
Nacional, trouxe como ponto principal e de novidade no Direito Concursal Brasileiro, os institutos da recuperação judicial e da recuperação extrajudicial. 2 A lei eliminou a criticada concordata preventiva e a então combalida concordata suspensiva, cujas moratórias vigoraram, no Brasil, por muitos anos, sem obtenção dos resultados esperados ao tempo de sua inserção no ordenamento jurídico nacional.
1 CEO do GUERRA ADVOGADOS - ADVOCACIA EMPRESARIAL e GUERRA BUSINESS LAW. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais - Direito Comercial (UMSA). Mestre em Direito da Integração (UDELAR). Pós-Graduado em Direito Empresarial (CEUB). Pós-Graduado em Direito Processual Civil & Comercial (ICAT-UDF). Pós-Graduado em Metodologia do Ensino Jurídico (CESAPE). Advogado. Parecerista. Jurista. Consultor e Conselheiro Jurídico. Árbitro na Arbitragem do Direito Comercial & Empresarial. Conferencista em Congressos Internacionais. Palestrante em Seminários Nacionais. Articulista (Autor de mais de 300 artigos jurídicos, políticos e sociais publicados no Brasil e no exterior). Doutrinador (Autor de 61 Livros Jurídicos, sendo 6 (seis) publicados no exterior. Professor Titular de Direito Comercial & Empresarial na Faculdade de Direito do UNICEUB. Professor Convidado e Visitante de Institutos Científicos e Culturais e de Universidades Sul-Americanas e Europeias nas disciplinas de Direito Comercial & Empresarial, Direito Econômico & Concorrencial, Direito Contratual Civil & Comercial, Direito do Petróleo & Gás e Direito Processual Civil & Comercial. Diretor Jurídico do Centro Brasileiro de Mediação & Arbitragem. Membro de Bancas de Concursos Públicos para os Cargos de Juiz de Direito e de Notários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Embaixador Cultural da Rede Internacional de Advocacia. Presidente da Comissão de Direito Comercial do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Vice-Presidente da Comissão de Franquias Público-Privada do Instituto dos Advogados Brasileiros. Diretor da Revista Jurídica do Instituto dos Advogados do Distrito Federal. Diretor da Revista Guerra Jurídica do Guerra Advogados. Coordenador da Revista de Arbitragem da Ratio Juris (Peru). Membro da Academia Interamericana de Derecho Internacional y Comparado. Membro do Instituto Santa Fé Internacional. Membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro. Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Concursal. Membro do Instituto de Direito do Consumidor Português. Membro da Academia de Derecho Societário de Córdoba/Argentina. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (ex-Presidente). Membro do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro do Instituto Vitor Nunes Leal. Membro da Câmara Brasileira de Cultura. Titular de Prêmios Científicos e Comendas Culturais Nacionais e Internacionais. 2 GUERRA, Luiz. Revista Jurídica Consulex, edição de 15 de março de 2005. Brasília. Ano 9, nº 196, p. 7. Entrevista concedida pelo Professor Luiz Guerra ao referido periódico. Pergunta: O senhor está escrevendo um livro sobre a recuperação e a falência. Fale um pouco sobre ele. Resposta: Como eu disse na palestra que proferi no Instituto dos Advogados do Distrito Federal, o livro sob o título Falências & Recuperações de Empresas cuidará, ao longo de todo o seu desenvolvimento, de realizar comparações entre o instituto da falência à luz da lei anterior (Decreto-Lei nº 7.661, de 21.6.1945) e da atual (Lei nº 11.101, de 09.02.2005), e confrontará, quando a hipótese comportar, os institutos da extinta concordata preventiva e da recuperação judicial, abordando as novidades, elogiando os avanços e criticando os equívocos praticados pelo legislador.
A introdução do instituto da recuperação econômica no sistema jurídico nacional põe o Brasil em destaque e em linha com a legislação concursal vigente nos principais países europeus e sul-‐americanos. É verdade que a Lei de Recuperações e de Falências não é perfeita. É certo que não é a melhor, mas trouxe significativos avanços para o Direito Concursal Brasileiro.
Lamenta-‐se que a lei tenha deixado escapar, neste momento de recrudescimento do
comércio internacional, em tempos de formação de blocos regionais e de intensa integração econômica entre nações, os conceitos mitigados de território, soberania, globalização e mundialização de mercados transfronteiriços que permeiam o novel Direito Global, matriz do futuro instituto da falência internacional, 3 estando o tema na pauta da UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o estudo do Direito Comercial Internacional, ao lado da arbitragem internacional.4 A União Europeia vem ensaiando tentativa de legislação nesse sentido e, pioneiramente, no Cone Sul, a Argentina, através de sua Ley de Concursos y Quiebras, já sinaliza a viabilidade do instituto mediante o reconhecimento e a aplicação do princípio da reciprocidade.5
A tônica da Lei de Recuperações e de Falências é a mantença da atividade empresarial,
quando em crise econômico-‐financeira, preservando-‐se a empresa, fonte inesgotável de geração de riquezas, de geração de empregos, de geração de rendas e de geração de tributos, além de proteção dos interesses dos credores, fornecedores de serviços e produtos necessários ao desenvolvimento dos objetivos sociais.
O legislador brasileiro finalmente reconheceu a função social da empresa, embora tenha
omitido no art. 47, intencionalmente, por vergonha, que a atividade econômica também é fonte inesgotável de tributos, receita indispensável ao funcionamento do Estado e mantença dos gastos públicos. Como se sabe, o problema do Brasil não é a arrecadação. A arrecadação cresce anualmente e tende cada vez mais crescer a partir da evolução dos meios de combate à sonegação. O problema do Brasil é a praga da corrupção e a má gestão do dinheiro público! Certamente, por isso o legislador se calou, nesse particular!
A LRF reconheceu a função social da empresa no art. 47, em consonância com os arts.
170, caput, incisos II, III, IV, VII, VIII e IX e 173, § 1º, inciso I, da Constituição Federal 6 e, ainda, o art. 966 do Código Civil, 7 e arts. 116, § único, 154, caput e § 4º, da Lei das Sociedades por Ações.8
3 GUERRA, Luiz. Falência Internacional: juízo universal extranacional: matéria que merece tratamento legal. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 37-82. 4 OLIVEIRA, Pedro Alberto Costa Braga de. Arbitragem Internacional. Jornal Correio Brazilense, Caderno Direito & Justiça, edição de 27 de abril de 2009, p. 1. O expressivo aumento do investimento direto estrangeiro no Brasil desde meados da década de 90, a participação cada vez maior das empresas brasileiras no comércio internacional e, mais recentemente, o avanço dos investimentos brasileiros no exterior, concorreram para que a arbitragem internacional ganhasse cada vez mais importância em nosso país. Atualmente é grande o número de arbitragens perante as principais instituições arbitrais internacionais em que pelo menos uma das partes é brasileira. E quanto mais contratos transnacionais forem subscritos por partes brasileiras, maior será o número de arbitragens envolvendo partes domiciliadas no nosso país, já que virtualmente todos os contratos transnacionais contêm uma cláusula compromissória. Por melhor que seja a redação de um contrato, é inevitável que alguma controvérsia surja durante a sua vigência, podendo tal controvérsia, dependendo da magnitude, ensejar a instalação de uma arbitragem. (...). 5 ARGENTINA – Ley nº 24.522, de 20 de julio de 1995 – Régimen Legal de Concursos y Quiebras. 6 Constituição Federal: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – (...); II – propriedade privada; III – função social da propriedade;
O desenvolvimento da atividade empresarial é meio de equilíbrio e pacificação social.
Sem emprego e sem renda, o trabalhador morre de fome; sem produção, a economia do país para e o Estado não recolhe tributos; sem economia forte, a nação não se desenvolve; sem desenvolvimento, não há crescimento. Sem crescimento, não há geração de novas oportunidades, o que afugenta os empreendedores nacionais e os investidores internacionais.
O empreendedor (empresário ou sociedade empresária) no exercício regular da
empresa exerce fundamental papel na economia. É responsável direto pelo crescimento socioeconômico, na qualidade de investidor, segundo as condições ofertadas e as oportunidades criadas pelo Estado através de políticas de fomento à atividade empresarial e desoneração da produção.
É por isso que, corajosamente, após décadas, reconheceu-‐se, na Ciência Jurídica, sob o
amparo da engenharia econômica, a função social da empresa. O Brasil, seguindo os passos das principais economias do Planeta adotou, em 2002, a Teoria da Empresa, do Direito Italiano. A mencionada teoria inspirou todo o arcabouço do Direito de Empresa lançado no Código Civil, no Livro
IV – livre concorrência; V – (...); VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (...). Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º. A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição aos regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (...). 7 Código Civil: Art. 966. Considera-se empresário quem exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício de profissão constituir elemento de empresa. 8 BRASIL – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das sociedades por ações: (...). Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: (...). Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. (...). Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. (...). § 4º. O Conselho de Administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais.
II, Parte Especial, embora a inserção de parte de matéria mercantil no Código Civil, como se deu com a Teoria Geral dos Títulos de Crédito e o Direito de Empresa, mereça forte crítica, por conta do prejuízo causado ao Direito Comercial 9 e a sua internacionalização.10
Com o rompimento da inspiração francesa, da Teoria dos Atos de Comércio, no Código
Napoleônico – que influenciou todo o Direito Europeu, particularmente o Direito Português e, consequentemente o Brasil, em seu Código Comercial Imperial, de 1850, agora, em 2002, por opção legislativa, com a adoção da Teoria da Empresa, o legislador recuperatório não teve alternativa senão, mais tarde, isto é, após 3 (três) anos da incorporação no Código Civil, reconhecer a função social da empresa, sinalizando, assim, claramente, para a necessidade da preservação da atividade econômica desenvolvida pelo empresário ou pela sociedade empresária.
Ainda que tardiamente, o ordenamento jurídico nacional reconheceu o óbvio –
reconheceu que a empresa é geradora de riquezas, de empregos, de rendas e de tributos. A função social da empresa é tão absoluta que a partir do momento em que o empreendedor inicia a atividade empresarial, embora a sua origem seja privatista, ganha ela feição publicista, passando o empresário individual ou o sócio majoritário ou acionista controlador a co-‐responsável pelo equilíbrio social e pelo desenvolvimento do país, porquanto na qualidade de agentes econômicos contribuem diretamente para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) – representado pela soma de todas as riquezas produzidas.
As interpretações sistematizadas do Direito Empresarial e do Direito Econômico
sinalizam para o correto direcionamento do Estado brasileiro, com políticas fomentadoras à atividade empresarial, daí por que a Lei de Recuperações e de Falências, como política de governo, trouxe os institutos da recuperação judicial e extrajudicial visando o fortalecimento da economia nacional.
Nessa trilha, as duas outras principais economias da América do Sul, a chilena e a
argentina, saíram na frente e reformaram o seu sistema jurídico de insolvência. Posteriormente, o Peru também reformou o seu sistema concursal.
O Chile, em 1982, modificou o Código de Comercio. Os institutos equivalentes à
recuperação judicial e extrajudicial brasileiros são os Convenio Judicial Preventivo (Artículos 171 a 217) e os Acuerdos Extrajudiciales (Artículos 169 e 170), da Ley nº 18.175, de 28.10.1982, alterada pela Ley nº 20.073, de 29.11.2005.
Esclareça-‐se que o regime legal da insolvência, no Chile, está posto na Nueva Ley de
Quiebras – toda a matéria concursal está inserida no Libro IV – De las Quiebras, nel Código de Comercio. Referido diploma mercantil restou recentemente alterado, porém nele foram incorporadas todas as modificações surgidas pelo conjunto legislativo reformador constituído pelas leis, a saber:
9 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 17-30. 10 GUERRA, Luiz. Inserção de matéria mercantil no Código Civil de 2002: grave equívoco legislativo: tentativa de engessamento do Direito Comercial: prejuízo à internacionalização do Direito Empresarial. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 245-264.
► a) Ley nº 20.004, de 08.3.2005 – que modificou la Ley nº 18.175, en Materia de Fortalecimiento de la Transparencia en la Administración Privada de Las Quiebras, Fortalecimiento de la Labor de los Sindicos y de la Superintendencia de Quiebras; ► b) Ley nº 20.073, de 29.11.2005 – que modificou la Ley nº 18.175, en Materia de Convenios Concursales; c) Ley nº 20.080, de 24.11.2005 – que aclarou el Sentido de la Ley nº 18.175, de Quiebras.
Já na Argentina, os institutos correspondentes são Concurso Preventivo (Artículos 5º a
68) e Acuerdo Preventivo Extrajudicial (Artículos 69 a 76), de la Ley de Régimen Legal de Concursos y Quiebras – Ley nº 24.522, de 20.7.1995, alterada pela Ley nº 26.086, de 10.4.2006.
No Peru, os institutos similares são Procedimiento Concursal Ordinário y Plan de
Reestructuración Patrimonial (Artículos 23 a 31) y Procedimiento Concursal Preventino (Artículos 103 a 113), como previstos na Ley nº 27.809, de 12.4.2006, que alterou a Ley nº 27.146, de 26.7.2002.
Voltando à realidade brasileira, outro exemplo mais recente de política pública em favor
do empresariado e da economia nacional fora a aprovação da Lei Geral da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006). 11 O Estatuto Nacional do Microempresário e da Empresa de Pequeno Porte chegou ao mundo jurídico mercantil em atenção ao art. 170, inciso IX, da Constituição Federal, que indica efetivo tratamento diferenciado aos agentes econômicos de pequeno porte, garantindo-‐se, assim, sustentação ao art. 970, do Código Civil. 12
O mencionado estatuto emprestou tratamento diferenciado aos microempresários e aos
pequenos empresários em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias, dando-‐lhes acesso ao mercado, ao crédito, às novas tecnologias, ao associativismo e ao consórcio empresarial nas concorrências públicas para o fornecimento de produtos e serviços à Administração Pública, na tentativa de imprimir competitividade empresarial entre os agentes econômicos, inclusive com a desoneração da produção mediante a redução da carga tributária e o recolhimento de tributos através do sistema denominado SUPERSIMPLES (modalidade de regime jurídico tributário através do recolhimento, em documento único, de tributos e contribuições federais, estaduais e municipais).
Óbvio que a Lei de Recuperações e de Falências, isoladamente, não viabilizará o
crescimento econômico do Brasil. Porém, a adoção de políticas, ao lado da lei concursal, contribuirá para o crescimento da economia, desde que compreendido o seu correto espírito – de preservação da atividade empresarial – o que elevará o PIB nacional, além de constituir decisivo fator de chamada e de segurança para novos investimentos estrangeiros para o Brasil.
Sabe-‐se que a partir da Constituição Federal de 1988, nova ordem econômica foi
estabelecida para o Estado brasileiro. A atuação estatal, antes marcadamente intervencionista, passou a propulsora da atividade empresarial, daí a importância da Lei de Recuperações e de Falências ao inserir novos institutos visando à recuperação da empresa.
11 GUERRA, Luiz. Lei geral da microempresa e da empresa de pequeno porte: desoneração da produção: sistema SUPERSIMPLES (Sistema Único de Recolhimento de Tributos): acessos diferenciados ao mercado e ao crédito. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007. p. 19-36. 12 Código Civil: Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.
Em decorrência da nova ordem constitucional, políticas de abertura da economia e de mercado, ao lado da integração regional, foram e vêm sendo adotadas pelo Brasil, no ensejo da globalização econômica e mundialização de mercados e do comércio.
Os velhos conceitos de concorrência, de mercado e de clientela, antes restritos aos
territórios do bairro, da cidade, do Município e do Estado, no final do século passado e limiar deste ganharam elasticidade, passando tais definições à dimensão do comércio além-‐fronteiras.
A atividade empresarial ganhou novo perfil, com acirrada competitividade dos agentes
econômicos no mercado nacional e internacional. A abertura econômica, com o acesso de investidores estrangeiros foi e continuará sendo primordial para o crescimento do parque industrial nacional e o desenvolvimento tecnológico brasileiro. A pauta do comércio internacional é a exportação de produtos e a conquista de novos mercados e o intercâmbio de tecnologias.
Nessa trilha, a partir da década de 90 o Brasil começou a experimentar as privatizações,
os atos de reengenharia ou reestruturação societária de coligação de capitais, a exemplo da celebração de fusões, cisões e incorporações de companhias, da celebração de parcerias em sistemas de joint ventures e outros mecanismos de investimento conjunto, inclusive através de consórcios empresariais.
O Código Civil, em janeiro de 2003, também colaborou para a consolidação do fomento
da atividade econômica. O Direito de Empresa redesenhou os modelos societários, afirmando-‐se, assim, a importância dos conceitos de empresário, empresa e estabelecimento – formadores do tripé da teoria da empresa, além dos institutos mercantis conexos.
Espera-‐se que a Lei de Recuperações e de Falências, ao lado do Estatuto da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, possa fortalecer o desenvolvimento da empresa e contribuir para o crescimento econômico do Brasil. A preservação da empresa e a sua recuperação econômica deverão ser prestigiados, evitando-‐se, tanto quanto possível, a declaração da quebra.
A economia brasileira foi presenteada com a Lei de Recuperações e de Falências, com a
chegada dos institutos da recuperação judicial e extrajudicial, de modo a evitar, como dito acima, tanto possível, a falência, potencializando-‐se, dessa forma, o aumento do Produto Interno Bruto.
Nessa perspectiva, Josef Barat bem demonstra a importância da nova Lei de
Recuperações e de Falências na reestruturação da sociedade empresária em crise econômico-‐financeira.13
"Do ponto de vista econômico, a nova Lei se constituirá em fator importante de apoio a processos de renegociação com os credores, visando recompor as dívidas de uma empresa em dificuldades. Ajudará, também, a reposicionar esta empresa frente às novas possibilidades de aporte de capital, tornando credores e investidores mais suscetíveis em participar da sua reestruturação. A visão jurídica inovadora é a de que os credores possam formar maioria em torno de um plano de recuperação, cabendo a decretação da falência no caso de não ser aprovado ou não atingir as metas de recuperação. Assim, em lugar da atual concordata, são criadas as opções da recuperação extrajudicial e da recuperação judicial. No caso da recuperação extrajudicial, apenas os credores mais relevantes são chamados a renegociar seus créditos, de forma a permitir
13 BARAT, Josef. A reestruturação de empresas e a nova lei de falências. Revista Jurídica Consulex. Brasília: ano 9, nº 195, de 28.02.2005.
a reestruturação da empresa, sem comprometimento das características, prazos e valores dos créditos pertencentes aos demais credores. Já a recuperação judicial permitirá um processo mais formal, realizado sob o controle da Justiça. Os credores devem formar maioria em torno de um plano de recuperação. Uma vez aceita a recuperação judicial pela Justiça ficam suspensas por 180 dias as ações e execuções dos credores. Em função da nova Lei de Falência, que entre inúmeras inovações introduziu essa almejada possibilidade de reestruturação das empresas, ocorreu-‐me contribuir para o debate com a apresentação de uma experiência pioneira. Por determinação do Exmo. Senhor Doutor Juiz de Direito da 39ª Vara Cível da Comarca da Capital (São Paulo), fui designado, em 29.1.2001, perito para exame do Plano de Reestruturação e do pleito de venda de imóveis das concordatárias SHARP S/A e SHARP DO BRASIL S/A, nos processos registrados no Cartório do 39º Ofício Cível, sob os números 00.532617-‐6/18 (Plano de Reestruturação), 00.532617-‐6/19 (Venda de Imóveis I) e 00.532617-‐6/20 (Venda de Imóveis II). Dada a complexidade e extensão do trabalho realizado visando a elaboração de laudo técnico criterioso, houve necessidade de receber uma vasta gama de informações solicitadas às Concordatárias, para que se pudesse fazer uma análise aprofundada do complexo empresarial, do Plano de Reestruturação e da viabilidade da pretendida venda de imóveis, como forma de quitar os débitos com consumidores e empregados, sem prejuízo da reestruturação pretendida. Fornecidos os dados e informações, o processamento e análise dos mesmos exigiram trabalho muito abrangente de elaboração e teste de modelos econômicos para análise de dados e exame da consistência das informações. Além disso, um laudo técnico desta envergadura exigiu ampla pesquisa bibliográfica e detalhadas consultas de fontes por meio eletrônico. ANTECEDENTES – A SHARP DO BRASIL S/A era uma empresa tradicional no setor nacional de produtos eletroeletrônicos. Ela foi criada em 1972, como a unidade operacional da cooperação entre a SHARP S/A – empresa que detinha a exclusividade de distribuição dos produtos da empresa japonesa SHARP CORPORATION – e a própria SHARP CORPORATION, cuja finalidade era realizar a produção de eletroeletrônicos com tecnologia japonesa em território nacional. Inicialmente, a SHARP S/A detinha 83,71% das ações da SHARP DO BRASIL, enquanto a SHARP CORPORATION era detentora de 12,59%. Embora, na sua origem, só produzisse calculadoras, a linha de produtos da empresa expandiu-‐se rapidamente e com muito sucesso. Seus principais produtos passaram a ser televisores, sistemas de áudio, sistemas de vídeo e fornos de microondas. No início dos anos 90, a empresa encontrava-‐se entre as líderes de mercado no setor de eletroeletrônicos. No ano de 1992, suas vendas representaram, aproximadamente, os seguintes percentuais em relação aos totais do mercado nacional: 20% dos televisores, 37% dos sistemas de áudio, 36% dos sistemas de vídeo e 22% dos fornos de microondas. Em apenas quatro anos, entre 1992 e 1996, a demanda interna por aparelhos eletroeletrônicos cresceu substancialmente. Neste período, a evolução das vendas teve o seguinte comportamento: televisores, de aproximadamente 2 milhões de unidades para mais de 8 milhões; sistemas de áudio, de menos de 100 mil unidades para mais de 2,5 milhões; aparelhos de vídeo, de aproximadamente 500 mil unidades para mais de 2,5 milhões; fornos de microondas, de cerca de 300 mil unidades para 1,3 milhão. Esse impressionante crescimento do mercado nacional de produtos eletroeletrônicos induziu o setor, em geral, e a SHARP DO BRASIL S/A, em particular, a realizar projeções extremamente otimistas quanto ao crescimento futuro desse mercado e a ampliar a capacidade produtiva de modo significativo. O período foi marcado, também, pela necessidade de novos investimentos, visando aprimorar tecnologicamente os produtos nacionais. Isto, para que pudessem fazer frente à qualidade dos concorrentes importados, cada vez mais acessíveis, em virtude da abertura do mercado e do fortalecimento da moeda nacional. Diante desse cenário – e com a forte motivação do ambiente de estabilidade criado pelo Plano Real – a SHARP
DO BRASIL S /A emitiu, em 1997, através de um grupo de bancos de investimento, 120 milhões de dólares americanos em títulos vendidos no mercado internacional. Tal lançamento visou financiar um programa de renovação de sua linha de produção e a ampliação da capacidade produtiva, que teve início nesta ocasião. Todavia, o comportamento do setor de eletroeletrônicos não correspondeu às projeções feitas pela indústria e, como resultado, nos últimos anos da década de 90, a capacidade produtiva do setor encontrava-‐se dimensionada. A conseqüência foi uma queda significativa nos preços de venda desses produtos no Brasil e, ainda, a rápida deterioração da lucratividade do setor. Todas as empresas que nele operavam enfrentaram dificuldades, ainda mais acentuadas com a desvalorização do REAL em início de 1999. Esta mudança da política cambial implicou aumento nos custos de produção e solapou, ainda mais, os lucros da indústria de eletroeletrônicos. A SHARP DO BRASIL S /A que já havia sofrido um duro golpe com a decretação da concordata do Grupo Fenícia, com o qual estava exposta aproximadamente US$ 100 milhões, foi especialmente prejudicada com a desvalorização do REAL, em virtude de seu elevado passivo em moeda estrangeira. A situação da empresa passou a deteriorar-‐se continuamente até que, em março de 2000, ela entrou com pedido de Concordata, que foi aceito em agosto de 2000. Da data do pedido de Concordata a situação da empresa continuou a se deteriorar, especialmente em virtude da dificuldade de obtenção de crédito no mercado, dificuldade associada à sua situação de concordatária. A SHARP DO BRASIL S /A não vinha pagando seus funcionários pontualmente e deixou de honrar integralmente suas obrigações para com os funcionários demitidos. A produção reduziu-‐se a níveis muito baixos e a empresa encontrava-‐se atrasada nos fornecimentos aos consumidores do Sistema de Venda Direta. Para retornar sua produção, a empresa necessitava urgentemente de capital de giro. Porém, em virtude da situação de elevado risco em que se encontrava, teve grande dificuldade em atrair capital sob a forma, tanto de investimentos associados, quanto de empréstimos diretos. Com o alegado intuito de contornar esse problema, a empresa elaborou um Plano de Reestruturação que tinha como objetivo isolar suas atividades produtivas dos riscos inerentes à situação pré-‐falimentar em que se encontrava, viabilizando, com isto, a atração de capitais de terceiros. As Concordatárias, visando a implementação do Plano de Reestruturação da SHARP (PRS) solicitam expedição de Alvará autorizando-‐as, com relação às chamadas SHARPINHAS (empresas especializadas nos diversos produtos): (i) aumentar o capital social, ou alienar ações/cotas de emissão de cada uma dessas sociedades, mediante a subscrição, ou o pagamento do preço, por terceiros investidores, desde que remanesçam na titularidade da Sharp da Amazônia Ltda, em qualquer hipótese as ações/cotas que lhe assegurem a condição de acionista controladora das respectivas companhias; (ii) constituir, em favor de eventuais mutuantes, ou debenturistas, garantia real sobre as ações/cotas de emissão de cada uma delas. A PROPOSTA DE REESTRUTURAÇÃO – O processo de reestruturação começou a ser implantado com a constituição da SHARP DA AMAZÔNIA LTDA – empresa aberta com capital simbólico e sem patrimônio – cujas cotas estão distribuídas entre a SHARP S/A, com 99,9% das mesmas, e a SHARP DO BRASIL, com 0,01% das cotas. A SHARP DA AMAZÔNIA LTDA, por sua vez, fez constituir seis subsidiárias, conhecidas como SHARPINHAS, também elas com capital e patrimônio simbólicos, sendo que é previsto que cada uma se dedique a um ramo específico da indústria eletroeletrônica. A nova estrutura pretendia, por um lado, isolar as atividades produtivas do risco de falência da SHARP DO BRASIL S/A e da SHARP S/A e, por outro, dividir estrategicamente essas atividades de modo a facilitar o surgimento de novas parcerias, internas e externas, com conseqüente atração de capital. No que se refere à proteção das atividades produtivas contra o risco, haveria o remanejamento destas para as SHARPINHAS, subsidiárias da SHARP DA AMAZÔNIA LTDA. Uma condição imprescindível para que o Plano de Reestruturação da SHARP fosse bem-‐sucedido é que as SHARPINHAS tivessem acesso à
tecnologia da SHARP CORPORATION. Após reuniões com as diretorias da SHARP DO BRASIL S/A e da SHARP S/A, a SHARP CORPORATION concordou em firmar, com cada uma das SHARPINHAS, contrato de cooperação tecnológica, desde que o plano de reestruturação acima descrito fosse submetido ao crivo do Poder Judiciário nacional. Garantida a cooperação tecnológica entre as SHARPINHAS e a SHARP CORPORATION restaria, ainda, uma dificuldade. Todas as empresas de um Grupo respondiam solidariamente a algumas dívidas privilegiadas. Entre essas, encontravam-‐se as dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias e para com os consumidores que pagaram antecipadamente pelos produtos adquiridos. Neste sentido, adicionalmente, as Concordatárias solicitaram autorização para alienação de imóveis, pelos valores mínimos apontados por avaliações e limitados as utilizações dos recursos auferidos, para os seguintes fins: solver obrigações contraídas com os consumidores que aderiram à Venda Planejada Sharp, e solver obrigações trabalhistas e previdenciárias e obrigadas as Concordatárias a prestarem contas do uso desses recursos. O custo estimado dos imóveis era de R$ 32.999.544,09, mas os avaliadores dos mesmos consideram que, levando-‐se em conta as condições do mercado de imóveis na zona franca de Manaus, seria possível vendê-‐los a R$ 31.209.030,38. Já o valor necessário para solver (i) as obrigações contraídas com os consumidores que aderiram à Venda Planejada SHARP e as obrigações trabalhistas e (ii) previdenciárias, atingia o montante de R$ 34.361.899,08. A mudança na estrutura do Grupo SHARP fundamentava o Plano de Reestruturação (industrial, organizacional, econômico e financeiro), que previa a retomada e aumento da produção e capitalização por meio de aporte de recursos gerados. Isto tanto por alianças estratégicas quanto pela alienação de imóveis para liquidação das dívidas trabalhistas e previdenciárias, bem como da Venda Direta. A estratégia de criação das denominadas SHARPINHAS implicava criar as seis empresas subsidiárias no âmbito de um sistema abrangente de especializações e focos produtivos específicos. Com isto, tais empresas poderiam contar com os benefícios: do prestígio e reconhecimento público da marca SHARP, da transferência de tecnologia de ponta para seus produtos por parte da SHARP CORPORATION do Japão, de concentração de esforços em um único produto, da maior flexibilidade em explorar suas vantagens competitivas específicas, e do estabelecimento de alianças estratégicas com parceiros nacionais e do exterior. As possibilidades de formar parcerias para a produção de bens específicos e de terceirizar atividades tornar-‐se-‐iam mais concretas, pois aumentariam: o número de parceiros potenciais, e a possibilidade de atração de capital (interno e externo) para o financiamento dessas atividades produtivas. O sistema de especializações das SHARPINHAS, por seu turno, permitiria, também, reestruturar o processo produtivo, incorporando as mudanças relacionadas com a robotização, a simplificação e redução das linhas de montagens, o gerenciamento de estoques just-‐in-‐time, e a utilização de sistemas logísticos mais avançados para abastecimento e escoamento. CONCLUSÃO – Todas as mudanças propostas associadas ao Plano de Reestruturação contribuiriam para reduzir, de maneira bastante significativa, as necessidades de espaços e instalações fabris que hoje compõem o parque industrial das Concordatárias. Pode-‐se afirmar a título de conclusões, portanto: 1) O Plano de Reestruturação da SHARP teve uma concepção abrangente, integrada e pioneira sob muitos aspectos, sendo, ainda, consistente nas suas propostas e, portanto, com elevada probabilidade de que viabilizasse a recuperação econômico-‐financeira das concordatárias SHARP S/A e SHARP DO BRASIL S/A. 2) A viabilidade desse Plano, todavia, estava condicionada à quitação das dívidas trabalhistas e previdenciárias, assim como as dívidas com o sistema de Vendas Diretas. 3) Caso essa quitação não se realizasse, dificilmente conseguiria parceiros ou investidores para as SHARPINHAS, pois os riscos dos investimentos nessas empresas seriam ampliados de forma a desestimular potenciais parceiros ou investidores do País e do exterior. 4) A venda dos imóveis pleiteada pelas Concordatárias seria capaz de
levantar a quase totalidade dos recursos necessários ao pagamento dessas dívidas, o que não só protegeria as SHARPINHAS dos riscos na retomada da produção, como, também, preservaria os patrimônios intangíveis da marca e imagem SHARP e do acordo de transferência de tecnologia da SHARP CORPORATION. 5) Era preciso garantir, nesse sentido, que os recursos fossem empregados para o pagamento das dívidas mencionadas, assim como fossem providos pelas Concordatárias os valores complementares para quitar essas dívidas. 6) Pode-‐se afirmar, por fim, que os pleitos das Concordatárias, à época, possuíam consistência entre si, podendo ter sido entendidos como partes harmônicas de uma estratégia abrangente de recuperação do Grupo SHARP, por meio de um Plano de Reestruturação. Se a Lei de Falências já estivesse em vigor na época, provavelmente o Plano de Reestruturação da SHARP teria grande chance de vingar. Prevaleceu, porém, a visão estreita do processo de Concordata, não tendo sido possível manter o nível de emprego e preservar o patrimônio, inclusive o da marca SHARP."
A concordata – que foi concebida como mecanismo de pagamento de credores – jamais
serviu à recuperação econômica da empresa. Por isso é que restou prejudicada, esvaziada como meio de soerguimento da atividade empresarial, via moratória. Já a falência – que era o fim da linha para o empreendedor em crise econômico-‐financeira – não viabilizava o pedido de concordata suspensiva visando recuperação da empresa. Ambos os institutos: concordata preventiva e concordata suspensiva, de fato, mostraram-‐se incapazes de preservar a atividade empresarial. Dessa forma, em boa hora, desapareceram do cenário jurídico brasileiro, aliás, sem deixar saudade!
Agora, com Lei de Recuperações novas perspectivas surgem com os institutos da
recuperação judicial e extrajudicial, garantindo-‐se, assim, a recuperação da atividade econômica, desde que corretamente interpretada e aplicada pelos cientistas do Direito – orientados que deverão ser pela bússola, isto é, pelo art. 47 – que aponta os princípios norteadores da função social da empresa. O devedor, em crise, poderá manejar pedido de recuperação judicial mediante a apresentação de plano, contendo variados meios para o seu restabelecimento, ou, celebrar com os credores pacto de adesão, pedindo ao juiz a homologação do plano de recuperação extrajudicial, tudo visando evitar a falência. Outra opção é o plano obrigatório, no regime da recuperação extrajudicial, como previsto no art. 163 da mencionada lei.
A solução para o devedor em crise econômico-‐financeira é a recuperação judicial ou
extrajudicial. 14, 15, 16
14 GUERRA, Luiz. Lei de Recuperações e de Falências: a recuperação é a solução para a empresa em crise: inovações, avanços e retrocessos na nova lei: abordagem crítica. In __ Temas de Direito Empresarial. Brasília: LGE, 2007, p. 161-178. 15 HÁFEZ, Andréa. A legislação visa recuperar a empresa e não apenas o crédito. O juiz Carlos Henrique Abrão é um dos magistrados do Estado de São Paulo que efetivamente acredita no mercado e no seu uso como forma de viabilizar a recuperação de empresas na dificuldade. Sempre envolvido em debates a respeito da legislação sobre falências e recuperação empresarial, ele avalia que ainda há alguns equívocos na maneira de aplicar os dispositivos dessa norma. Talvez, a maior dificuldade seja a compreensão de que a mudança na legislação aconteceu para permitir a recuperação de empresas, e a preservação de suas riquezas, e não apenas a recuperação dos créditos devidos por elas. Para amadurecer esse debate, o juiz da 42ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo se juntou a outros juízes e operadores do Direito para criar o Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE). O objetivo da instituição recém-criada é disponibilizar, por meio de seu portal, a troca de informações não só entre magistrados, promotores e advogados que atuam nessa área, mas envolver também nesse ambiente, economistas, empresários, professores e outras instituições que queiram colaborar. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/investidor/jurídico>. Acesso em 10 de junho de 2008. 16 ABRÃO, Carlos Henrique. Espaço Jurídico Bovespa, edição de junho de 2008. São Paulo. Entrevista concedida pelo Juiz de Direito da 42ª Vara Cível de São Paulo, Dr. Carlos Henrique Abrão. Pergunta: A Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005) já resultou em um impacto positivo
Os meios para alcançar a recuperação são diversos, a exemplo de operações de cisão,
fusão, incorporação, venda ou transferência de ativos, cessão de quotas ou ações, emissão e oferta pública de valores mobiliários, negociação de certificados de créditos de carbono, constituição de fundos de investimento e participações, celebração de convenção ou acordo coletivo de trabalho com redução de jornada e salário.
Temos outros meios de recuperação, a saber:
► a) constituição de sociedade de propósito específico;
► b) constituição de sociedade formada por credores ou por empregados do devedor; ► c) celebração de contratos de arrendamento ou de trespasse e tantos outros ajustes visando à recuperação da empresa, o que possibilitará a mantença de empregos, o recolhimento de tributos e a geração e distribuição de riquezas.
Alguns segmentos da sociedade criticaram, ao tempo da tramitação da Lei de
Recuperações e de Falências, que se tratava de Lei dos Bancos (Lei dos Banqueiros), por conta dos supostos privilégios assegurados aos emprestadores de capital. Essa adjetivação é imprópria! 17 A Lei de Recuperações e de Falências rompeu, de fato, com os privilégios dados aos trabalhadores e à Fazenda Pública, no antigo regime jurídico da falência. Ninguém gosta de perder privilégios!
Espraiou-‐se no mercado, embora em tentativa frustrada, sem eco, que a Lei de
Recuperações e de Falências fora elaborada por banqueiros e para os banqueiros! No entanto, restou evidente que tal movimento não passou de mera manifestação contra a perda dos nefastos privilégios coloniais garantidos, injustificadamente, à Fazenda Pública e aos trabalhadores. A massa trabalhadora não sofreu prejuízo. Poucos são os trabalhadores que têm créditos a receber na falência com valores superiores a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos.
para o processo de desenvolvimento econômico do país? Resposta: Na minha análise, há uma dupla variante. A maioria de credores com créditos ínfimos, sempre que não conseguiam cobrá-los, requeria a falência de seus devedores. As somas eram pequenas, mas o simples requerimento da falência dava a entender que a empresa estava insolvente, e podia causar danos. Essa mentalidade mudou. Hoje temos índices que demonstram a queda do número de pedidos: houve uma redução de 45% no primeiro ano da entrada em vigor da legislação (em 2005), depois chega a 50% em 2006; 60% em 2007. Antes, no Fórum Central de São Paulo, havia o ingresso de 10 a 15 pedidos por dia; hoje esse número gira em torno de 3 a 4 entradas. Pergunta: O que essa redução significa? Resposta: Isso significa que a economia pode ter menos amarras, o empresário pode ter mais tranqüilidade para resolver os seus assuntos, com flexibilidade para negociar suas dívidas, inclusive depois do pedido de falência, pois pode pedir a recuperação. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/investidor/juridico>. Acesso em 10 de junho de 2008. 17 GUERRA, Luiz. Revista Jurídica Consulex, edição de 15 de março de 2005. Brasília. Ano 9, nº 196, p. 7-8. Entrevista concedida pelo Professor Luiz Guerra ao referido periódico. Pergunta: Professor, alguns consideram a nova lei de recuperação de empresas e falências como a Lei dos Bancos. O que há de verdade sobre isto? Resposta: Eu não afirmo isso. Não se pode dizer propriamente que a nova lei seja a Lei dos Bancos, porquanto ela alcança o empresário e a sociedade empresária na recuperação de qualquer atividade econômica. As instituições financeiras estão fora do alcance da lei nova e possuem legislação específica. Porém, é fato que os bancos realizaram ótimo trabalho no Congresso Nacional, na defesa dos seus interesses. As instituições financeiras estão em posição de prestígio na nova lei, cujos créditos, na classificação, estão em destaque, como sendo extraconcursais, como previstos nos arts. 67 e 84 da Lei nº 11.101/2005. Em outras palavras, significa dizer que os emprestadores de capital – que são os bancos –, na hipótese de convolação da recuperação judicial em falência, terão os créditos decorrentes dos contratos de mútuo em dinheiro precedência sobre os demais indicados no art. 83 da lei, isto é, precedência sobre os créditos trabalhistas, acidentários e tributários, o que lhes garante posição privilegiada.
A Lei de Recuperações e de Falências jamais poderá ser taxada como Lei dos Banqueiros! A LRF apresenta-‐se como típica lei de mercado, própria do sistema capitalista! Se, efetivamente, são os bancos quem emprestam capital ao empresário em dificuldade econômico-‐financeira, em crise, então, mais que razoável que o dador do empréstimo tenha a seu favor crédito privilegiado, na hipótese da convolação da recuperação judicial em falência, daí a classificação desse crédito como extraconcursal, ou seja, fora do concurso geral de credores. Quem gosta de emprestar dinheiro e não recebê-‐lo? É fácil socializar o capital alheio!
Atuaram legitimamente os bancos na defesa de seus interesses! Seus créditos estão em
destaque na classificação do art. 84, com preferência sobre os contidos no art. 83, porque são eles que emprestam ou emprestarão capital ao devedor, em crise, e, nessas condições, correrão risco, se convolada a recuperação em falência. Absolutamente razoável o privilégio conferido aos bancos, com a classificação de seus créditos como extraconcursais.
Interessante o destaque dado à Lei de Recuperações e de Falências como mecanismo de
redução e controle das taxas de juros praticadas no Brasil. A lei não foi concebida para baixar taxas de juros. No entanto, o Governo Federal, ao tempo em que trabalhava nos bastidores para a reeleição presidencial, anunciou, em rede nacional, em todas as mídias, que a aprovação da lei baixaria de imediato a taxa de juros. Isso é crime! Os fundamentos de teoria econômica indicam que a remuneração do capital está diretamente vinculada ao comprometimento do déficit público!
A política econômica brasileira é fixada por metas de inflação. Controlamos a inflação
através do aumento ou redução de taxas de juros, conforme o consumo no mercado de varejo, para evitar a inflação por demanda. A Lei de Recuperações não tem e jamais terá esse objetivo!
Sobre a temática das taxas de juros e sua interdisciplinaridade com o Direito
Recuperatório temos posição bem definida, em tempos de mercado global. Se o legislador consagrou a função social da empresa, reconhecendo sua capacidade de geração de riquezas, de empregos e de tributos, necessário se faz, com urgência, implantar condições de sobrevivência da/para a atividade econômica.
Temos de implantar, com seriedade – aqui reside o grande problema brasileiro:
seriedade – política de fomento à atividade empresarial específica para o empresário em crise, em recuperação, com linha de crédito própria, com taxas de juros diferenciadas, com baixo custo financeiro, para que se possa verdadeiramente cumprir os princípios ou objetivos da função social da empresa, como preconizados no art. 47, da LRF.
Já afirmamos que a Lei de Recuperações necessita de aperfeiçoamento! Há que se
pensar, urgentemente, numa lei de sobrevivência para a empresa em crise, garantindo-‐se a manutenção dos empregos, a geração de riquezas e o recolhimento de tributos. Defendemos a criação de lei econômica para o devedor em recuperação. Não adianta, em sede de Direito Recuperatório, cuidarmos do pagamento dos credores, com tantas regras processuais, se, em verdade, não damos condições à recuperação do devedor. Indicar a função social da empresa, sem oferecer ao seu titular condições de sobrevivência é retórica legalista, sem qualquer efeito prático!
O empresário recolhe todos os encargos da atividade econômica, gera riquezas,
empregos e rendas, e, ainda, tributos durante longos anos. Todavia, por circunstâncias, entra em crise econômica. Na hora que ele necessita de crédito não tem! Qual a contrapartida? Não há! Por que não se criou ou se cria fundo de gestão, com base na própria arrecadação, para viabilizar política de crédito em prol do empresário em crise, de modo que ele possa utilizar os recursos do fundo, em reserva, mediante o pagamento de juros subsidiados, em condições mais favorecidas, visando realizar a função social da empresa?
Nessa perspectiva, as taxas de juros poderão ser diferenciadas a partir da análise da
situação específica de cada devedor, da viabilidade econômica do plano de recuperação, das garantias oferecidas, das potencialidades de negócios no mercado etc, sem riscos para o gestor do fundo, porque, na hipótese de convolação da recuperação em falência, o crédito seria ou será reconhecido como extraconcursal, com precedência sobre os demais previstos no art. 83, da Lei de Quebras.
A Lei de Recuperações trouxe benefícios a todos os agentes econômicos: trabalhadores,
fornecedores, credores, banqueiros e ao próprio Estado. Todos ganharam e ganharão com a nova lei. O maior beneficiado é o Brasil, que após conviver com legislação que não mais atendia à realidade econômica, incorporou o instituto da recuperação no seu ordenamento jurídico.
Com a recuperação resta evidente a necessidade de investimento de capital na atividade
econômica, daí por que os bancos e os fornecedores mereceram prestígio; os trabalhadores sofreram mitigação nos seus direitos e o Estado cedeu, ao permitir o rompimento da responsabilidade tributária, na sucessão, quando da venda de ativos, e ainda, na classificação dos créditos tributários e previdenciários em favor dos credores extraconcursais.
Muitas são as inovações contempladas na Lei de Recuperações e de Falências. Dentre
outras, destacamos:
► a) a introdução das recuperações judicial e extrajudicial da atividade econômica e o reconhecimento da função social da empresa; ► b) a indicação dos meios visando à recuperação, a exemplo da prática de atos de reengenharia societária de fusão, cisão, incorporação, transformação, constituição de sociedade com a participação de empregados e credores, constituição de sociedade de propósito específico e venda de ativos; ► c) a criação facultativa do Comitê de Credores, cuja instalação somente se justificará nas recuperações e falências de sociedades ou companhias de grande porte dada a fiscalização no cumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação e dos interesses dos credores, além dos custos para as reuniões, providências e remunerações dos seus membros, quando for o caso; ► d) a convocação da Assembleia Geral de Credores, cujas principais finalidades, na recuperação judicial, serão apreciar o plano de recuperação elaborado pelo devedor, quando, então, os credores poderão modificá-‐lo, aprová-‐lo ou rejeitá-‐lo e, ainda, autorizar, quando for o caso, o pedido de desistência da recuperação; na falência, a principal finalidade será apreciar e, autorizar, se for o caso, a realização do ativo de modo diverso das hipóteses contempladas na lei; ► e) a alteração na classificação de créditos trabalhistas e acidentários; ► f) o rompimento das responsabilidades tributária, trabalhista e previdenciária, sem reconhecimento de ocorrência de sucessão empresarial, na hipótese de alienação de ativos na recuperação ou na falência; ► g) otimização dos recursos e ativos na falência; e ► h) a verificação de créditos realizada pelo administrador judicial.
A Lei de Recuperações e de Falências alterou, ainda, o processamento do pedido de
falência, a exemplo de requisitos, condições, prazos para defesa e outras providências etc. Todavia, a legislação apresenta-‐se imperfeita e tem pontos negativos. A Lei de
Recuperações e de Falências tem a mesma feição do revogado Decreto-‐Lei nº 7.661/1945, ou seja, emprestou-‐se natureza material e processual, nesse particular excessivamente ritualística e procedimental, quando deveria se apresentar com conteúdo mais econômico, com soluções direcionadas para a recuperação e administração da falência. Defendemos a sua complementação com outras e novas leis paralelas, com a indicação de mecanismos econômicos de soerguimento da empresa, a exemplo:
► a) da constituição de fundo de empréstimo de recursos aos agentes econômicos em dificuldade, com linha de crédito especial e juros subsidiados, de modo a atender o princípio da função social da empresa; ► b) a constituição de fundo para administração e venda dos ativos arrecadados, atendendo-‐se o princípio da otimização dos recursos na administração da falência.
O processo falimentar apresenta-‐se como verdadeira equação matemática, típica de
primeiro grau, representada por A (ativo) – P (passivo) = R (resultado). Portanto, arrecadam-‐se bens e realiza-‐se o ativo para a solução do passivo, apurando-‐se o resultado, que poderá ser positivo ou negativo, a depender da força econômica da massa falida e do volume de créditos habilitados.
A Lei de Recuperações e de Falências deveria ter melhor conteúdo, com soluções e
alternativas econômicas, com menor carga processual. A matéria processual comercial deveria ser levada para o Código de Processo Comercial – que há muito deveria ter sido criado.
Não há justificativa para inserção de forte carga processual na Lei de Recuperações,
dando-‐lhe rosto de lei processual especial, com a introdução de condições, ritos e prazos diferenciados do Código de Processo Civil, confundindo-‐se a natureza de institutos processuais, a exemplo de prazos dilatórios, afirmados como peremptórios, sem qualquer critério científico, como ocorre em relação aos prazos de suspensão das ações e execuções em face do devedor e de apresentação do plano de recuperação judicial. Esses prazos são dilatórios, porém o legislador afirma-‐os peremptórios!
A indicação de recursos equivocados diante da natureza jurídica das decisões
processuais proferidas também é exemplo de grave erro. Historicamente, a Lei Falimentar sempre se apresentou dessa forma, com procedimento próprio, quase autônomo; aliás, essa é a tendência Ocidental no trato da questão. Contudo, a crítica aqui feita e realizada ao longo do corpo desta obra reside na ausência de critério científico do legislador e da contrariedade direta às regras contidas no Código de Processo Civil, gerando desnecessária insegurança ao intérprete. O argumento de que a Lei de Recuperações e de Falências é especial e, portanto, deve conter ritos próprios não mais se justifica, nesse particular, no início deste século. Temos de buscar celeridade e harmonização entre os diplomas legais, evitando-‐se, tanto possível, o excesso de casuísmos.
A burocracia documental exigida para instruir os pedidos de recuperação ou para cuidar
da administração da falência é ponto negativo na lei, sem contar os elevados custos para cumprir as exageradas providências, se o devedor está em crise econômico-‐financeira. Ademais, não existe celeridade processual, embora a lei, em tese, indique que os procedimentos se orientarão pelos princípios da celeridade e da economia processual. Tais princípios somente terão aplicabilidade
quando tivermos coragem política para realizar cirurgia, de corte profundo, nos Códigos de Processo Civil e Processo Penal.
Indicamos outros pontos negativos:
► a) a exclusão das sociedades de economia mista e empresas públicas do alcance da lei, com manifesta inconstitucionalidade do inciso I, do art. 2º (violação do inciso II, do § 1º, do art. 173 da Constituição Federal/1988); ► b) o não processamento dos pedidos de recuperação e de falência em juízos e tribunais especializados; ► c) o não processamento dos pedidos de recuperação e de falência do microempreendedor individual, da microempresa e da empresa de pequeno porte perante juízos especializados para esses agentes econômicos de menor porte; ► d) a homologação judicial do plano, na recuperação extrajudicial, situação que, mutatis mutandis, quase transforma a recuperação extrajudicial em judicial, desnecessariamente; a homologação do plano, na forma como posta na lei empresta feição judicial à recuperação extrajudicial; a recuperação extrajudicial deveria ser mero acordo de vontade entre as partes aderentes ao plano, cujos efeitos são gerados imediatamente a partir da declaração de vontades, sem necessidade de homologação judicial do plano; ► e) a potencialidade de imprimir rito ordinário na recuperação extrajudicial, com base em plano obrigatório previsto no art. 163, descaracterizando por completo o instituto; a concessão de recuperação extrajudicial com base no plano obrigatório é mais complexa que a própria recuperação judicial; ► f) a declaração de falência do sócio de responsabilidade ilimitada; antinomia legal – o sistema falimentar brasileiro está dirigido ao empresário individual e a sociedade empresária; a responsabilidade ilimitada decorre da natureza jurídica do regime jurídico societário ou da prática de atos irregulares em relação aos sócios com responsabilidade limitada, o que ensejará, nesta última hipótese, a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica; ► g) o conceito aberto de principal estabelecimento na fixação do juízo competente para conhecer do pedido e conceder a recuperação judicial, homologar o plano de recuperação extrajudicial ou decretar a falência; a realidade aponta várias possibilidades de definição do principal estabelecimento a partir do local da sede; do lugar de instalação da maior unidade produtiva ou de capacidade produtiva; do lugar do maior mercado de atuação e influência do empresário ou da sociedade empresária, com o maior número de clientes e fornecedores; do lugar do maior volume de negócios ou faturamento; do lugar onde a diretoria se reúne e ordinariamente delibera; ► h) a não indicação da fixação da competência para os estabelecimentos virtuais, por conta do recrudescimento do comércio eletrônico (e-‐commerce) que, atualmente, demanda grande volume de negócios, via rede mundial de computadores -‐internet; ► i) a não indicação da fixação da competência para os estabelecimentos em regime mobile office, inclusive com legislação já autorizadora de instalação e funcionamento desses novos tipos de estabelecimentos e escritórios;
► j) a excessiva ritualística ou instrumentalidade no processamento dos pedidos de recuperação; ► k) não se apresentar propriamente como lei econômica, de reorganização societária; ► l) a inaplicabilidade da lei às sociedades simples e às pessoas naturais, com a eliminação do precário instituto da insolvência civil; ► m) a não contemplação da falência internacional; ► n) o não reconhecimento do prazo de 180 (oitenta) dias de suspensão da prescrição, das ações e execuções, na recuperação judicial, como dilatório; ► o) o não reconhecimento do prazo de 60 (sessenta) dias para a entrega do plano, na recuperação judicial, como dilatório; ► p) a não ampliação dos legitimados ao pedido de recuperação judicial, permitindo-‐se ao credor a provocação do pedido de recuperação do devedor; ► q) a exigência de exercício da atividade econômica por mais de 2 (dois) anos para pleitear a recuperação, como se a crise econômico-‐financeira tivesse prazo certo para acontecer e somente ocorrer após 2 (dois) anos de desenvolvimento da atividade empresarial, dentre outros equívocos; ► r) a não concentração de todo o sistema concursal brasileiro numa única legislação, contemplando-‐se o regime comum e o regime especial, eliminando-‐se as legislações esparsas que cuidam da intervenção, liquidação e falência das sociedades empresárias contidas no inciso II, do art. 2º, da LRF, bem assim o rito da quantia certa contra devedor insolvente previsto no Código de Processo Civil; ► s) a não utilização dos meios alternativos de solução de controvérsia ou de conflitos, autorizando-‐se o processamento de pedidos de recuperação extrajudicial ou judicial ou de falência de microempreendedor, de microempresa e de empresa de pequeno porte perante as Câmaras de Arbitragem; 18, 19, 20
18 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Objeto do litígio da arbitragem. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº 700, 5 jun. 2005. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6840>. Acesso em 20 de janeiro de 2010. 19 NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Meios alternativos de resolução de conflitos. Jornal Correio Braziliense, Caderno Direito & Justiça, edição de 13 de abril de 2009, p. 1. O Banco Mundial (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD) aponta como um dos obstáculos ao crescimento do Brasil o funcionamento da Justiça: o Brasil tem a 30ª Justiça mais lenta do mundo. No ranking de duração do processo para a cobrança de uma dívida, o tempo exigido por nossos tribunais é de 380 dias; na Holanda o prazo é de 39 dias; na Nova Zelândia e Cingapura, 50; no Japão, 60; na Coréia do Sul, 75, e no Haiti, 76 dias. As razões dessa demora processual devem-se ao excessivo número de demandas, à insuficiência de magistrados, serventuários e estrutura física da Justiça, ao excesso de formalismo da legislação processual e aos vários recursos às instâncias de julgamentos superiores. Dessa forma, são necessárias soluções para minimizar o acúmulo de processos nos tribunais; reduzir os custos da demora do trâmite do processo; incrementar a participação da comunidade na resolução de conflitos; facilitar o acesso à Justiça; e fornecer à sociedade uma forma mais efetiva de resolução de disputas. Em certos casos, o processo judicial não é a melhor via para se pleitear a concretização de direitos. Nessa seara, surgem os meios alternativos de composição de conflitos ou de resolução de disputas, conhecidos como ADRs (Alternatives Dispute Resolutions), que são rápidos, pois podem eliminar um problema em poucas semanas ou, talvez, em apenas uma audiência de poucas horas; confidenciais, devido a seu caráter privado; informais, porque não seguem procedimentos formais rígidos; flexíveis, pois as soluções são
► t) não criação de instituto em substituição à concordata suspensiva, na falência.
É bom dizer que a demora na tramitação da lei foi prejudicial ao sistema concursal. Após
11 (onze) anos de tramitação no Congresso Nacional a lei jamais pode ou poderá corresponder aos fiéis anseios sociais ao tempo de sua concepção. A Lei de Recuperações e de Falências, embora recentemente incorporada ao ordenamento jurídico, já dá sinais de potenciais e futuras alterações, em curto prazo, como se vê dos Projetos de Lei em curso no Parlamento, os quais serão indicados ao longo dos comentários.
Recentemente experimentamos a mesma situação com a chegada do Código Civil, em
2002. Grande parte da sociedade civil se viu frustrada quando se deparou com o texto aprovado, após 26 anos de tramitação no Congresso Nacional. Há em tramitação no Poder Legislativo projetos buscando a alteração de vários preceitos do novo Código, aliás, velho! O Código Civil, de 2002, já foi alterado algumas vezes. A técnica legislativa brasileira é tão ruim, que além da demora, quando a lei é aprovada, já está defasada. Pior, ainda, na maioria dos casos, a redação final da lei apresenta-‐se sem a devida revisão sistemática! Triste realidade!
No caso da Lei de Recuperações e de Falências não é diferente. No nascedouro da
reforma tinha-‐se a ideia de criar lei de reorganização da empresa, de natureza econômica. A Lei de Recuperações e de Falências, embora cuide da recuperação, não é legislação propriamente de reorganização econômica. Certamente, com o tempo, o mercado ao atestar à sua deficiência exigirá alterações, como ocorrera recentemente na Argentina e no Chile.
Porém, nesse momento, é fundamental dizer que a Lei de Recuperações e de Falências,
embora contendo vários equívocos, é de vanguarda, se comparada com o obsoleto Decreto-‐Lei nº 7.661/1945.
A Lei de Recuperações e de Falências contém imperfeições. Todavia, em linhas gerais,
encontra-‐se em sintonia com os sistemas jurídicos de quebra dos principais países europeus e sul-‐
específicas para cada caso concreto; e, em regra, são menos onerosos que o sistema judicial. (...). A última forma de ADR é a arbitragem, que consiste em um meio paraestatal de solução de conflitos em que uma ou mais pessoas recebem poderes decisórios de uma convenção privada, firmada pelas partes. Os árbitros podem ter ou não formação jurídica e o procedimento adotado na arbitragem deve ser escolhido pelas próprias partes. No Brasil, existe a necessidade de criação de órgãos especializados em cada uma dessas modalidades alternativas de solução de conflitos, que podem se instituídos com ou sem a atuação do Estado. E a atuação dos advogados em todas essas formas alternativas de solução de conflitos também é essencial. Não se trata de criação de reserva de mercado, já que os meios alternativos de resolução de conflitos são uma maneira eficiente e rápida, evitando-se, assim, mais demandas no Judiciário e a demora para a resolução dos conflitos. 20 OLIVEIRA, Pedro Alberto Costa Braga de. Solução extrajudicial de controvérsias. Jornal Correio Braziliense, Caderno Direito & Justiça, edição de 25 de agosto de 2008, p.3. Os Estados Unidos nos influenciam mais do que qualquer outro país. (...). Nos Estados Unidos, poucas disputas são resolvidas por meio do contencioso judicial. Segundo o professor Lawrence Friedman, no país mais litigioso do mundo o número de ações judiciais resolvidas por meios extrajudiciais ultrapassa 95% da totalidade das ações judiciais formalmente iniciadas (Lawrence Friedman, American Law in the Twentieth Century, New Haven, 2002, p. 277). Por meios extrajudiciais deve-se compreender a solução obtida por meio (i) da negociação direta entre as partes litigantes, (ii) da arbitragem – onde há uma decisão imposta às partes – ou, ainda (iii) da utilização de algum dos diversos mecanismos de ADR, tais como a mediação e conciliação. (...). É claro que esta cultura de solução extrajudicial de controvérsias não se aplica a qualquer caso nem serve para todos. Tampouco podemos implantá-la de uma hora para outra em nosso país. No entanto, muitos dos casos que abarrotam as Varas de Justiça e Tribunais de todo o país poderiam ser facilmente resolvidos por profissionais qualificados através da mediação ou conciliação, ou outro mecanismo qualquer de ADR. É necessário treinar nossos advogados, assim como nossos futuros bacharéis ainda nos anos escolares, ensinando-os a buscar a solução extrajudicial para satisfação de seus clientes.
americanos, o que autoriza afirmar que se apresenta relativamente atual, mormente em razão da incorporação do instituto da recuperação judicial – a grande novidade.
A recuperação judicial tem tratamento específico. O art. 47 é o norte da recuperação. A
recuperação, judicial ou extrajudicial, como já dito, visa superar a crise econômico-‐financeira. Em tese, os meios de recuperação indicados no art. 50 permitirão a preservação da empresa.
O Brasil, deitado eternamente em berço esplêndido, parece querer acordar do sonho
profundo! A Lei de Recuperações e de Falências ao reconhecer a função social da empresa permitiu que o empresário ou a sociedade empresária em crise econômico-‐financeira que exerça regularmente atividade econômica há mais de 2 (dois) anos possa pleitear a recuperação, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 48, incisos I a IV, e atendida à documentação indicada no art. 51.
O pedido de recuperação apresenta particularidades, ou seja, o processamento da
recuperação judicial é diferente da extrajudicial, esta com planos de adesão ou obrigatório, que, por sua vez, é diverso do pedido formulado por microempreendedor individual, microempresa e empresa de pequeno porte, com plano especial.
As microempresas e as empresas de pequeno porte poderão formular pedido de
recuperação mediante a apresentação de plano especial. A recuperação com base no plano especial somente abrangerá os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasses de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º, do art. 49, da LRF.
O plano especial contemplará o pagamento dos créditos em até 36 (trinta e seis) meses,
com valores monetariamente atualizados e acrescidos de juros de 12% (doze por cento) ao ano e o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da data da distribuição do pedido. Estabelecerá também a necessidade de autorização do Juízo da Recuperação, ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, quando for o caso, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
O pedido com base no plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição,
tampouco das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano. Significa dizer, em outras palavras, que credores não alcançados pelo plano poderão promover execuções e ações em desfavor do devedor, inclusive formular pedido de falência, o que se apresenta como verdadeira antinomia.
É impensável tal instituto, da forma como posto na Lei de Recuperações e de Falências,
do ponto de vista econômico ou sob o enfoque processual, eis que não gera segurança jurídica ao devedor e aos credores alcançados pelo plano diante do potencial risco de declaração de quebra. Ademais, o inciso III, do art. 48, é inconstitucional, eis que apresenta condições desfavoráveis ao microempreendedor individual, à microempresa e à empresa de pequeno porte, na obtenção da recuperação judicial, se comparadas com o inciso II, do mesmo artigo, que indica as condições para os demais agentes econômicos.
O legislador criou 2 (dois) dois modelos de recuperação: judicial e extrajudicial. No
judicial, todo o processamento do pedido opera-‐se exclusivamente perante o Poder Judiciário. No extrajudicial, o ato jurídico – que é a negociação direta do devedor com os seus credores e a celebração de acordo ou plano de recuperação – deveria limitar-‐se ao ambiente extrajudicial, nos limites físicos do estabelecimento, porque o acordo ou o plano de adesão firmado, por si só, gera efeitos, não havendo necessidade de homologação judicial. Trata-‐se, em verdade, de composição firmada entre as partes.
Esclareça-‐se que a recuperação extrajudicial alcança basicamente os credores
quirografários e os seus efeitos são diversos da recuperação judicial, como já dito.
Os arts. 163 e 164, da Lei de Recuperações e de Falências, autorizam o devedor a pedir a homologação do plano de recuperação em relação a todos os credores por ele abrangidos. Tal situação opera verdadeiro rito ordinário no processamento do pedido, o que descaracteriza a n a t u r e z a e x t r a j u d i c i a l d a r e c u p e r a ç ã o , t r a n s f o r m a n d o -‐ a e m j u d i c i a l .
A celeridade do processo, na prática, certamente ficará longe de materializar-‐se. Somos
otimistas, porém realistas. Não enxergamos grandes mudanças ou avanços na celeridade das demandas porque o modelo processual brasileiro, no Direito Processual Comercial, especialmente no Direito Concursal, ainda é imperial, essencialmente cartorial. O modelo é arcaico, formal e burocrático, distante de atender os anseios dos jurisdicionados. O mesmo ocorre no Direito Processual Civil.
As verdadeiras mudanças somente se operarão quando a sociedade, devidamente
organizada, representada por seus variados segmentos, exigir postura de coragem dos nossos parlamentares, com reformas estruturais visando à celeridade do processo, com a redução do número de recursos e dos prazos, além de alterações substanciais dos ritos, atos e outros procedimentos que estrangulam o processamento de qualquer pedido judicial.
Mais cedo ou mais tarde chegará o dia em que o processo será reconhecido, na prática
judiciária, como meio, jamais como fim; que a essência é o Direito Material e esse deverá prevalecer sempre sobre as fórmulas do Direito Processual. Nós, processualistas, devemos trabalhar urgentemente pela reformulação dos ritos e fórmulas processuais, sob pena de desgaste e desprestígio de nossa ciência. A sociedade não mais tolera a demora na prestação jurisdicional!
Importante dizer que muitas são as diferenças entre a recuperação e a concordata.
Não é possível aqui apontar cada uma delas. Contudo, a principal reside na essência dos institutos. A concordata preventiva não era instituto próprio para a recuperação da atividade econômica. Era favor legal típico de moratória que visava exclusivamente o pagamento dos credores, sem qualquer preocupação com o devedor. As estatísticas indicaram que o concordatário quase sempre teve a concordata rescindida, com a declaração da falência.
Na concordata, a preocupação principal sempre foi o credor e o crédito; o procedimento
era de moratória visando pagar, essencialmente, o crédito, e jamais recuperar a atividade econômica. Esse foi o modelo histórico e nunca houve preocupação com a preservação da empresa. O concordatário, quase sempre, foi incapaz de recuperar-‐se e diante da impossibilidade material era naturalmente empurrado para a falência; essa, como se sabe, é o fim da linha; é a treva; é literalmente a morte da atividade empresarial, com direito a choro, caixão, vela preta e missa de sétimo dia; é o túnel sem luz. Portanto, raras foram às concordatas exitosas.
A concordata preventiva da Encol, no passado recente, bem revela essa situação. A
Encol teve a falência decretada, por conta da rescisão da concordata preventiva. Indaga-‐se: de que serviu a falência? A quebra não resolveu o problema econômico de ninguém; ao contrário, os credores: trabalhadores, fornecedores, mutuários, banqueiros e o Estado nada ou quase nada receberam ou receberão. Todos perderam!
Certamente, à época, estivesse a Encol em recuperação judicial, com plano de
recuperação contemplando o pagamento de obrigações a curto, médio ou longo prazo, sob o firme controle do Comitê e da Assembleia Geral de Credores e sob a fiscalização do administrador judicial,
tudo seria diferente. Nesse particular, invocamos, também, o caso do Grupo Sharp, cujo depoimento do então perito contador, na concordata preventiva, transcrito nesta obra, bem indica quão importante é a recuperação econômica.
Com a introdução da recuperação no Direito Concursal Brasileiro o enfoque é outro; a
preocupação é a preservação e a mantença da empresa, dos empregos e da geração de riquezas e tributos. É por isso que podemos afirmar que existem diferenças substanciais entre os institutos da concordata e da recuperação, o que impossibilita, tecnicamente, realizar comparações.
Temos de buscar o aperfeiçoamento da Lei de Recuperações e de Falências. A lei merece
reparos, em curto espaço de tempo, para atender a realidade socioeconômica de nossa complexa sociedade. Como já dito, há Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional visando modificá-‐la. Apontamos, desde logo, dentre outras, algumas medidas importantes que poderão ser adotadas, em futuro breve, a saber:
► a) eliminar ou diminuir a carga processual contida na lei, aplicando-‐se preferencialmente, de forma exclusiva, os Códigos de Processo Civil e Penal, imprimindo-‐se uniformidade nos procedimentos; ► b) unificar os institutos concursais, contemplando o regime comum e o regime especial em legislação única, compreendendo: a insolvência, a intervenção, a liquidação extrajudicial, a administração temporária, a recuperação extrajudicial, a recuperação judicial e a falência; ► c) eliminar a insolvência civil como rito da execução de quantia certa contra devedor insolvente, no Livro II, no Processo de Execução, com a unificação de todo o sistema concursal, aplicando a Lei de Recuperações e de Falências às sociedades simples e às pessoas naturais; ► d) criar Juízos Especializados para o processamento dos pedidos de recuperação e de falência de microempreendedor individual, de microempresas e empresas de pequeno porte, além de pessoas naturais e sociedades simples; ► e) preparar adequadamente os Juízes de Direito das Varas de Recuperações e de Falências, exigindo-‐lhes melhor preparo profissional para enfrentar as demandas próprias do Juízo Universal da Falência e da Recuperação; 21 ► f) facilitar o preenchimento dos requisitos e condições para o processamento da recuperação judicial; ► g) diminuir a burocracia e a ritualística dos pedidos de recuperação e de falência; ► h) estimular e facilitar o processamento da recuperação extrajudicial mediante a criação de mecanismos de solução de controvérsia, fomentando-‐se e fortalecendo-‐se a arbitragem no âmbito das Juntas Comerciais, Federações e Associações de Comércio,
21 GUERRA, Luiz. Competência Exclusiva do Juiz de Direito Titular nos Processos de Insolvência: Críticas ao Descumprimento do Art. 92, I, do CPC, por parte das Corregedorias de Justiça e a Atuação Passiva dos Magistrados das Varas de Recuperações e de Falências. Brasília: Revista Guerra Jurídica – Revista Guerra de Direito Empresarial & Direito Processual Comercial, da Guerra Editora. Disponível em: <http://www.guerraeditora.com.br/revistaguerrajuridica>. Acesso em 20 de janeiro de 2010.
Indústria e Serviço, deixando exclusivamente para o Poder Judiciário a solução dos conflitos não dirimidos extrajudicialmente; e ► i) complementar as disposições contidas na lei mediante a indicação de soluções e alternativas econômicas visando recuperação da atividade empresarial, a exemplo de implantação de política de crédito, com linha específica, e criação de fundo gestor para concessão de recursos ao devedor empresário em crise, com baixo custo financeiro.
A questão da especialização de juízos e tribunais, como forma de garantir qualidade na
prestação jurisdicional, nas demandas mercantis, 22 é antiga e remonta ainda ao Código de França, de 1807, quando se discutia o privilégio da classe dos comerciantes.
A discussão da especialização perdurou por toda a Europa, ainda ao tempo da unificação
das obrigações civis e mercantis. 23 Todavia, não temos receio de oferecer posição sobre o assunto. Em Ciência Jurídica, como em todas as demais, o objeto tende a ser cada vez mais específico e complexo, sendo, pois, impossível conhecer e dominar todo o conhecimento científico. Portanto, a especialização no Direito Empresarial, especialmente no Direito Concursal se impõe como forma de celeridade na prestação jurisdicional e na qualidade das decisões judiciais.
Dentro dessa perspectiva há de se louvar a iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, com a criação de Turma Especializada em Direito Falimentar e Direito Recuperatório, o que garante prestação jurisdicional de qualidade, com celeridade, diminuindo, inclusive, consideravelmente o número de recursos contra as decisões proferidas.
Nessa linha de pensamento forçoso é reconhecer a necessidade de criação de Juízos e
Tribunais Especializados. O Juiz da Vara Comum, da Vara Cível – cuida basicamente das questões da vida cotidiana, a exemplo de contratos de locação, execução de títulos, questionamentos sobre posse e propriedade e ações de responsabilidade civil. Esse magistrado não tem a experiência e a vivência das questões mercantis de maior complexidade, no mundo empresarial.
Não há como exigir decisão célere e de qualidade nas questões mercantis versando
sobre:
► a) mercado de capitais (valores mobiliários e bolsa de valores), mercado financeiro (títulos, fundos, aplicações, recuperações de crédito, operações de asseguramento ou securitização de créditos etc);
22 Espaço Jurídico Bovespa: VARAS EMPRESARIAIS REDUZEM AS CHANCES DE DECISÕES SEREM REFORMADAS. De acordo com a pesquisa realizada com base em acórdãos da Justiça Estadual do Rio de Janeiro, 21% das decisões provenientes de varas empresariais foram modificadas em segundo grau, contra um percentual de 37,5% de mudança em decisões sobre matérias referentes ao Direito Societário dadas por juízes sem especialização. O Estado transformou suas Varas de Falências e Concordatas em Empresariais, com a ampliação de competência, há cinco anos. Disponível em: <http://www.bovespa/espacojuridico>. Acesso em 10 de fevereiro de 2007. 23 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 17-30.
► b) societário (incorporação, transformação, fusão e cisão, contratos de trespasse, arrendamento, disputas entre sócios sobre controle acionário, acordo de acionistas, dissolução de sociedades etc); ► c) de contratos mercantis diferenciados (franquia empresarial, leasing de aeronaves, factoring, afretamento de navios, transferência de tecnologia, marcas e patentes etc); e ► d) administração de crise econômico-‐financeira (recuperação judicial, recuperação extrajudicial, falência, intervenção e liquidação de sociedades), se o juiz não foi e não está preparado para conhecer e decidir questões diferenciadas e especializadas.
O assunto merece reflexão das autoridades judiciárias, com a criação, urgente, de Varas
Empresariais e Tribunais dotados de magistrados preparados e especializados para enfrentar as complexas questões de Direito Comercial e Direito Empresarial e seus sub-‐ramos. A feliz iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foi acompanhada pelos Tribunais dos Estados de Minas Gerais e Goiás, com a criação de Varas Empresariais, copiando o bem sucedido modelo norte-‐americano da Corte de Justiça de Delaware, que se especializou, por definição de seus próprios juízes, nas causas mercantis e empresariais.24
24 Espaço Jurídico Bovespa: JURISDIÇÃO ESPECIALIZADA PODE INTERFERIR NA ESCOLHA DO LOCAL DA SEDE DA EMPRESA. O impacto da existência de varas empresariais apenas em alguns dos Estados pode ainda não ser tão relevante, mas já há sinalização de que as empresas estão mais atentas a este fator: quando possível, muitas elegem como foro, para as potenciais discussões futuras, a Justiça do Rio de Janeiro, pois têm mais segurança nos magistrados que atuam nesse tipo de juízo, existente desde 2001. Em São Paulo, a expectativa é de que haja alguma definição sobre o assunto no segundo semestre desse ano. É necessário cuidado no momento de avaliar se as ações propostas pelas empresas podem ter prosseguimento nas Varas Especializadas. A observação é feita pela juíza Márcia Cunha, titular da 2ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ela, são várias as situações em que companhias e estabelecimentos buscam soluções para seus conflitos nesses juízos, mesmo quando as suas sedes estão em outros estados. (...). Já foram criadas Varas Empresariais em Minas Gerais e em Goiás, no entanto, a maior preocupação é com o Estado de São Paulo, que concentra mais empresas e volume de negócios. A Justiça Estadual paulista está atenta. No final de 2006, foi instaurado um procedimento na Comissão de Organização Judiciária para verificar as condições a respeito de instalação de Varas Empresariais no Estado de São Paulo e checar o que será possível fazer. Foram expedidos ofícios para as maiores cidades, a fim de levantar o volume de processos relacionados as matérias empresariais, afirma o desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). (...). Há uma percepção de que no Rio de Janeiro existe mais segurança jurídica nas Varas Empresariais. Segundo dados de um estudo realizado pelo pesquisador em Direito e Economia, Ivan Ribeiro, com base em acórdãos do período entre 2004 e 2006, há uma redução de 15% na probabilidade da ocorrência de reforma em segundo grau das decisões proferidas por outras varas cíveis da capital, quando a discussão se refere a temas do Direito Empresarial. Para o desembargador do TJSP, a especialização é uma tendência, não só em São Paulo, mas em todos os Estados. A criação de Varas Empresariais permite um ambiente jurídico mais seguro, com magistrados mais focados, resultados mais afinados e a possibilidade de julgamentos em prazos menores, afirma Toledo. É preciso, porém, cuidado para que sejam certificados quais os melhores locais para a instalação dessas Varas Especializadas. As Varas Empresariais, de acordo com o desembargador, possivelmente irão incluir a análise de conflitos envolvendo as seguintes matérias: falências e recuperação judicial de empresas (hoje já há varas específicas para essa matéria na Justiça Paulista), declaração de insolvência e execuções contra devedores insolventes, ações coletivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, processos relacionados ao Direito Societário, à Propriedade Industrial e Nome Comercial, causas nas quais a Bovespa seja parte ou interessada, e questões sobre matéria de Direito Marítimo. Esses temas são objeto de pesquisa que está em realização pela Comissão de Organização Judiciária. (...). First move faz diferença e atrai novos negócios. Nos Estados Unidos, há o reconhecimento da Corte de Delaware como um foro especializado em Direito Empresarial. No entanto, esse posto não foi alcançado a partir de uma determinação oficial, que tenha estabelecido a chancelaria como corte especializada. Esse status foi construído a partir de decisões dadas pelos juízes do local, que foram se especializando. A conseqüência: muitas empresas passaram a constituir sedes em Delaware e a realizar seus negócios nesse Estado. Para impedir novas fugas, outros Estados constituíram Cortes Especializadas em Direito Empresarial. (...). Disponível em <http://www.bovespa.com.br/investidor/juridico>. Acesso em 07 de julho de 2008.
Somos favoráveis a criação de Juízos e Tribunais Especializados visando imprimir celeridade no processamento dos pedidos de recuperação e de falência e respectivos recursos. Ao menos a criação de Turmas ou Câmaras, a exemplo do que já ocorre, hoje, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais.
A Lei de Recuperações e de Falências contém duas manifestas inconstitucionalidades, a
saber:
► a) no inciso I, do art. 2º, ao excluir do seu alcance as sociedades de economia mista e as empresas públicas (inciso II, do § 1º, do art. 173, da CF/88); ► b) no inciso III, do art. 48, ao exigir das microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) prazo maior do que o previsto para os agentes econômicos comuns.
No primeiro caso, o legislador não tem justificativa para excluir tais entes do alcance da
lei porque as sociedades de economia mista e as empresas públicas têm sujeição ao regime jurídico de Direito Privado quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, como aponta o art. 173, § 1º, inciso II, da CF/88.
Com efeito, tais empresas não podem ser excluídas, por força do princípio da eficiência
da Administração Pública, estatuído no art. 37, caput, da Constituição Federal, que aponta: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). Logo, é flagrante a inconstitucionalidade contida no inciso I, do art. 2º, da Lei de Recuperações e de Falências, esperando-‐se, assim, que as entidades legitimadas promovam a competente Ação Direta de Inconstitucionalidade em prol do prestígio do princípio constitucional da eficiência da Administração Pública, zelando-‐se pelo dinheiro e interesse públicos no desempenho da atividade econômica.
Também verificamos que a exclusão de outros entes públicos e privados, a exemplo de
bancos, seguradoras e sociedades de previdência complementar, do alcance da lei, não reside em critérios científicos. O simples fato de existir lei específica para tais segmentos econômicos não impede que a Lei de Recuperações e de Falências contemple a recuperação e a quebra de tais agentes econômicos. Como já exposto, é hora de banir os casuísmos e concentrar todos os institutos numa única lei, uniformizando-‐se o Direito Concursal Brasileiro.
Na segunda hipótese, o legislador ao exigir prazo maior das microempresas e empresas
de pequeno porte, como requisito objetivo para o pedido de recuperação, na comparação com os demais agentes econômicos, violou diretamente o tratamento diferenciado, porém mais favorável garantido às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), como autorizado pelo art. 170, inciso IX, e art. 179, da Constituição Federal: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. E mais: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-‐las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
De constitucionalidade duvidosa apresenta-‐se o art. 40, da Lei de Recuperações e de
Falências, ao tratar da Assembleia Geral de Credores, quando afirma: Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos efeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da
assembleia-‐geral de credores em razão de pendência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação de créditos. Injustificável tal proibição!
Essa determinação, sem justificativa jurídica, ofende princípios elementares previstos na
Carta Federal, no art. 5º, inciso XXXIV, que aponta: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; e inciso XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Esclareça-‐se, de logo, que a proibição contida no art. 40, da LRF, não visou resguardar a ordem pública, tampouco quaisquer dos valores próprios do instituto da suspensão de segurança, sendo certo que as partes envolvidas em eventuais litígios são ou serão empresários ou sociedades empresárias, entes típicos do Direito Privado.
O art. 40, da LRF, inibe a aplicação do art. 273, do Código de Processo Civil – que cuida da
antecipação da tutela.25 A redação do art. 40 também impede a incidência dos arts. 796, 798 e 888, do CPC -‐ que trata das medidas cautelares e do poder geral de cautela. 26
Vamos cuidar, neste livro, dos institutos da recuperação e da falência, comentando
todos os artigos, individualmente considerados. Paralelamente, quando a hipótese comportar e a matéria exigir, procederemos aos comentários necessários comparando os atuais preceitos legais com àqueles previstos na legislação revogada, no (Decreto-‐Lei nº 7.661/1945, de modo a emprestar relativo estudo comparativo.
Esta obra não tem por objetivo estudar os institutos apontados mediante comparação
de posições doutrinárias, de ilustres e doutos falencistas. Não é nosso propósito repetir o que já está consolidado em doutrina anterior. A finalidade deste ensaio é ousar na interpretação dos preceitos, na visão solitária do autor, na livre perspectiva do professor em sala de aula, livre-‐pensador, embora c o m p r o m i s s a d o c o m a C i ê n c i a J u r í d i c a .
Sabemos que estamos à mercê das severas críticas. Porém, acreditamos que elas
ajudarão a construir, no futuro, obra de melhor porte, com substância e perfeição. Não teremos receio de reconstruir pensamentos equivocados, quando do amadurecimento das ideias e das renovadas interpretações que ainda virão através da jurisprudência. Vamos tomar de exemplo o grande comercialista italiano, Cesare Vivante, que, após defender a unificação das obrigações civis e mercantis durante quase meio século, reconheceu, publicamente, o seu equívoco, em 1919. 27
25 Código de Processo Civil: Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. 26 Código de Processo Civil: Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente. Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. 27 GUERRA, Luiz. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos: comentários à teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos no Código Civil: atributos dos títulos de crédito: títulos ao portador: títulos à ordem: títulos nominativos: penhor de direitos e títulos de crédito: outros institutos conexos: prescrição cambiária: interrupção da prescrição: cessão de créditos: assunção de dívidas. Brasília: LGE, 2007. p. 25.
A Lei de Recuperações e de Falências é muito jovem. Não houve tempo suficiente para o amadurecimento das ideias acerca dos novos institutos e dos temas abordados. Registre-‐se que até o momento do fechamento desta obra, tomamos conhecimento de poucos pedidos de recuperação judicial, de repercussão nacional, salvo os casos aqui indicados: Varig, no Fórum do Rio de Janeiro; Vasp, Parmalat e Bra, no Fórum de São Paulo; e Avestruz Master, no Fórum de Goiânia. As recuperações da Avestruz Master e da Vasp foram convoladas em falência.
A recuperação judicial da Varig, de fato, dada a sua repercussão nacional e
internacional, transformou-‐se em caso emblemático, apresentando-‐se como o primeiro grande teste à aplicação dos princípios contidos na nova lei. O deferimento do processamento e a concessão da recuperação ocorreram no Juízo da 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, sob os cuidados do digno Juiz de Direito, Dr. Luiz Roberto Ayoub, que, de forma espetacular, registre-‐se, emprestou e tem emprestado belíssima interpretação e correta aplicação da Lei de Recuperações, dando firme contribuição para a efetivação do instituto da recuperação judicial.
Também merecem destaques as recuperações judiciais da Parlamat e a falência da Vasp,
ambas em curso na Justiça de São Paulo, sob a condução do ilustre magistrado, Dr. Alexandre Alves Lazzarini, Juiz de Direito do Poder Judiciário do Estado de São Paulo, que vem realizando excelente trabalho na interpretação e aplicação da nova lei. Esses casos têm merecido especial acompanhamento. 28, 29
28 Jornal Estado de São Paulo: COM A IMINÊNCIA DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA VASP PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, O EMPRESÁRIO WAGNER CANHEDO, DONO DA COMPANHIA AÉREA, ENTROU COM PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA OUTRAS EMPRESAS DE SUA PROPRIEDADE: a Fazenda Agropecuária Vale do Araguaia, a Transportadora WADEL e a VIPLAN, empresa de ônibus urbano de Brasília. Os pedidos de recuperação judicial chegaram ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal nos dias 13 e 14 deste mês (agosto/2008). Na segunda-feira, o tribunal concedeu prazo de 10 dias para que as empresas apresentem toda a documentação exigida pela Lei de Recuperação Judicial, como demonstrações contábeis e relação de credores. Nos processos abertos com o pedido de recuperação, os ativos da Fazenda Vale do Araguaia estão estimados em R$ 40,6 milhões; os da VIPLAN foram estimados em R$ 28,3 milhões e os da WADEL, em R$ 11,8 milhões. O interventor judicial da VASP, Roberto de Castro, que representa Canhedo, explica que a intenção do empresário é proteger os três negócios de contaminação com o processo da Vasp. Pelo que ele (Canhedo) me explicou, o pedido de recuperação deve-se ao fato de que as companhias estão perdendo receita por conseqüência do processo da Vasp. As empresas estão enfrentando problemas financeiros, de falta de crédito. Além disso, diz Castro, os bens e receitas das três empresas são alvos de constantes pedidos de penhora por parte de advogados trabalhistas de credores da VASP. Ainda não houve nenhuma execução, mas os pedidos são constantes. Para os trabalhadores, os pedidos de recuperação judicial das três empresas de Canhedo representam mais uma manobra do proprietário da Vasp para impedir uma possibilidade, que não está afastada, de decretação da falência de todo o grupo econômico, afirma a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. A possibilidade de falência da VASP surgiu com a decisão dos próprios credores da companhia. Em assembléia no dia 17 de julho, os credores votaram a favor da convolação da recuperação judicial em falência. Quando e como essa convolação será feita dependerá do entendimento do juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações de Empresas, Alexandre Lazzarini. Neste momento, o juiz está ouvindo a manifestação das partes envolvidas. Mas o juiz já expediu ordem à Polícia Federal impedindo Canhedo de deixar o País. O juiz também requereu a relação atualizada dos bens da empresa. Quando entrou em recuperação judicial, a VASP possuía 450 imóveis, avaliados em R$ 200 milhões. O Tribunal determinou ainda a devolução, para a Infraero, de todas as áreas da Vasp nos aeroportos. Na segunda-feira, porém, Lazzarini acolheu pedido da empresa e determinou que a Infraero encontre uma área para acomodar o patrimônio que estava nos hangares, como aviões, máquinas, motores e peças. O dano que o patrimônio estava sofrendo era muito grande, diz Castro, que atribui o fracasso da recuperação judicial à ordem de devolução das áreas da Infraero. Ficou mais difícil atrair investidores. Disponível em: <http//www.ultimosegundo.ig.com.br/economia>. Acesso em 10 de setembro 2008. 29 Jornal Estado de São Paulo: O JUIZ ALEXANDRE LAZZARINI, DA 1ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS DE SÃO PAULO, DECRETOU A FALÊNCIA DA VASP. Em sua decisão, datada da última quinta-feira (04.09.2008) e divulgada ontem (08.09.2008), Lazzarini afirma que a VASP não teve condição de implementar seu plano de recuperação judicial. O juiz Lazzarini determinou a venda de todos os bens da companhia para pagar credores e não descartou a possibilidade de decretar a prisão preventiva dos controladores, para
A propósito, tomando-‐se o caso Varig, de repercussão nacional e internacional, como
teste de aplicação da lei, Paulo Penalva comenta a sua experiência à frente da recuperação judicial daquela companhia aérea. 30
salvaguardar os interesses das partes envolvidas, verificando indício de crime previsto na Lei de Recuperação Judicial. Segundo fontes ligadas ao processo, os indícios criminais tratam de gestão temerária. Desde julho, os controladores já estão impedidos de deixar o País. O juiz também convocou uma audiência com o controlador da VASP, Wagner Canhedo, sua mulher Izaura e o filho César para o dia 15 de outubro. Os outros dois filhos do casal, Rodolpho e Wagner Filho, foram convocados para o dia 14 de outubro. Nos dois casos, estarão presentes o administrador judicial da VASP, Alexandre Tarja, e o Ministério Público. Em um breve relato que acompanha a decisão, o juiz demonstra ter esgotado sua paciência com a atitude dos controladores e também de credores públicos ao longo dos últimos três anos. A recuperação judicial se arrasta sem qualquer solução, sempre com expectativa de decisões judiciais milionárias ou investidores também milionários, escreveu o juiz em julho, ao negar um pedido do controlador para adiar a assembléia de credores de 17 de julho, quando foi votada, e aprovada, a falência. Lazzarini fez duras críticas à atuação da INFRAERO, do Banco do Brasil, do INSS e do fundo de pensão AEROS. Para investigar a atuação dos dois últimos, o juiz convocou o Ministério Público Federal. O juiz quer saber por que o INSS, que obteve o direito de penhorar quase 30 aviões para pagar dívidas previdenciárias, não o fez. Três anos depois, os aviões, que, apesar de velhos, tinham algum valor, praticamente viraram sucatas. Já o fundo de pensão AEROS é criticado por ter se sujeitado à recuperação judicial e depois ter entrado na Justiça para ser excluído. Segundo o juiz, a administração do AEROS, sob intervenção há mais de 10 anos, mostra desgovernança. Com uma dívida de R$ 4,5 bilhões, segundo credores - ou R$ 2,5 bilhões, segundo os controladores –, a Vasp parou de voar em janeiro de 2005, deixando 4 mil trabalhadores na rua, com salários atrasados. Se e quando os trabalhadores receberão seus créditos ainda é uma incógnita. (...). Dentre os ativos com liquidez, a Vasp possui 450 imóveis, avaliados, há três anos, em R$ 200 milhões. A empresa possui ainda 27 aviões velhos, além de máquinas e ferramentas de manutenção. Mas as críticas de Lazzarini aos credores públicos e ao fundo AEROS deram alguma esperança aos trabalhadores, que vêem aí uma margem para que esses credores, por terem de alguma forma negligenciado o processo, percam suas prioridades. O INSS deixou os aviões virarem pó. Não é justo que eles agora queiram pegar o dinheiro dos imóveis, diz a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Graziella Baggio. A esperança dos trabalhadores é que a União espere a conclusão da ação de indenização bilionária que vem sendo movida pela VASP, mas que não tem previsão de ser concluída. Com a falência, os 350 funcionários da empresa, a maior parte da área de manutenção, foram dispensados. Na assembléia em que se decidiu pela falência, a favor estavam a Infraero, o fundo de pensão AEROS e alguns advogados trabalhistas independentes. Ainda não conseguimos estimar o tempo que levará para os trabalhadores receberem seus créditos em caso de falência, avalia Graziella. Para ela, uma eventual decretação de falência de todo o Grupo Canhedo pode não interessar aos credores da VASP. Uma falência ampla deixaria os trabalhadores da VIPLAN e das outras empresas desamparados. Além disso, você aumenta o patrimônio da massa falida, mas também aumenta o número de credores. Para ela, a falta de credibilidade de Canhedo atrapalhou a recuperação judicial. A VASP tinha muito mais bens do que a Varig. Chegou a ter 30% dos slots em Congonhas. Mas nenhum credor acumulou confiança ao longo do processo. Disponível em: <http//www.ultimosegundo.ig.com.br/economia>. Acesso em 10 de dezembro de 2006. 30 SANTOS, Paulo Penalva. Caso Varig: Paulo Penalva conta a experiência. Jornal do Commercio, 29 de março de 2006, p. B-6. Nova lei muda o perfil das empresas e dos advogados. O novo sistema de reorganização de empresas, utilizado pela primeira vez no Brasil pela Varig, com a entrada em vigor da Nova Lei de Falências e de Recuperações de Empresas, difere dos modelos até então existentes no Direito brasileiro, não apenas por sua finalidade de evitar o desaparecimento de empresas viáveis, mas também por representar uma modificação substancial no papel dos advogados e, principalmente, dos magistrados. Essa é a opinião do advogado responsável pela recuperação da empresa aérea, Paulo Penalva Santos. Segundo Paulo Penalva, a Lei 11.101/05, aprovada no ano passado pelo Senado, após 11 anos de tramitação, criou um relacionamento mais amigável entre credores e devedores, o que era expressamente proibido na lei anterior de 1945. Esse novo sistema permite que o devedor proponha a seus credores nova forma de pagamento, ou seja, qualquer forma lícita de negociação da ação de bens e pagamento, abatimento, alongamento da dívida, desconto, tudo isso é possível, embora tenha que ser aprovado pelas três classes de credores: empregados, credores com garantia real e os demais credores, explicou. O advogado afirma que o caso Varig foi um teste extraordinário para a lei, já que não havia precedentes sobre critérios que deveriam ser utilizados para salvar a empresa. Ele destaca ainda a complexidade do caso, já que havia a necessidade de a empresa negociar com organismos internacionais, como o IATA – para que não perdesse concessões de rotas – e com a Corte de Nova Iorque, para que as aeronaves não fossem arrestadas. Eram cerca de 2 mil, 3 mil credores no mundo todo. O advogado destaca ainda que o processo de recuperação da VARIG funcionou como um verdadeiro laboratório, dando um papel menos burocrático aos juízes, uma atuação mais ágil para o Tribunal de Justiça e o Ministério Público, além de criar uma nova linha de atuação para os advogados trabalhistas, porque nesse caso será necessário um acordo coletivo de trabalho, o que antes só envolvia os advogados de concordata. As leis brasileiras, até hoje, foram marcadas pelo que o professor Fábio Konder Comparato denominou de dualismo pendular. As normas falimentares tinham sempre a
Por conta de sua dimensão, repercussão e importância para o assentamento das novas
ideias é que coligimos e inserimos nessa obra matérias jornalísticas sobre a crise econômico-‐financeira da referida companhia aérea, na tentativa de enriquecer o livro e quebrar a monotonia dos comentários. Inserimos, ainda, o plano de recuperação e algumas decisões visando, assim, emprestar riqueza ao trabalho, com os comentários realizados ao longo da obra.
Vale registrar a atuação do Dr. Luiz Roberto Ayoub, Juiz Titular da 8ª Vara Empresarial
do Rio de Janeiro, responsável pelo deferimento do processamento da recuperação judicial da Varig. O Dr. Ayoub entrou para a história do novel Direito Concursal Brasileiro, como sendo o primeiro juiz a deferir o processamento de recuperação judicial a companhia de grande porte. O referido magistrado sofreu toda a sorte de críticas ao tempo do deferimento do processamento da recuperação judicial da Varig. 31, 32 O Dr. Ayoub, com ousadia, determinação e disciplina, no isolamento da difícil missão de julgar, teve serenidade para interpretar o complexo instituto da recuperação judicial, com irreparável aplicação dos princípios previstos no art. 47, da LRF. Contando com a colaboração de sua equipe e o apoio da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
característica marcante de ora destacar a proteção dos interesses dos credores, ora os interesses do devedor, de acordo com a situação econômica e a política adotada pelo Governo. Essa nova forma de reorganização, que, segundo Paulo Penalva, foi aprimorada ao longo da negociação da Varig beneficia a negociação das empresas em dificuldades porque permite que se compre uma parcela de ativos sem levar junto as responsabilidades trabalhistas e tributárias. A VARIGLOG adquiriu o direito de vôo das rotas nacionais, as autorizações de vôos internacionais, as áreas arrendadas da INFRAERO em aeroportos, sem que as responsabilidades trabalhistas e tributárias fossem transferidas para a nova empresa. Apesar da dificuldade do caso e de considerar que, por várias vezes, a empresa quase teve que pedir falência, Paulo Penalva acredita na recuperação da Varig e que ela vai superar os problemas que vem enfrentando após o leilão, realizado no último dia 20. Houve muita resistência dos sindicados e dos credores, mas no último leilão a aceitação foi de 100%, porque foi posto com profunda transparência que, se não fosse aprovado, a empresa teria que decretar falência, disse. De acordo com o advogado, a falência no caso da Varig seria um total desastre já que seriam perdidas todas as autorizações de vôo, rotas, as áreas de concessão da INFRAERO e principalmente a marca. Poder Judiciário do Rio mostrou como aplicar a Lei. O Poder Judiciário do Rio de Janeiro foi um exemplo de como essa lei deve ser aplicada, além disso é muito importante destacar o trabalho magnífico do juiz Luiz Roberto Ayoub na aplicação desse novo sistema, que tem servido de exemplo para outros casos nos demais estados do Brasil, afirmou. Paulo Penalva destacou ainda o trabalho do administrador judicial, que foi a Deloitte, que inclusive criou um software próprio para registrar o quorum nas assembléias. As dificuldades do caso Varig e suas peculiaridades acabaram virando uma aula especial que está fazendo parte do curso de pós-graduação de Direito Falimentar da Fundação Getúlio Vargas, onde o advogado leciona. É um laboratório que poucas pessoas tiveram oportunidade de fazer, destaca. 31 Jornal Correio Braziliense: Caderno de Economia, edição de 12 de julho de 2006, p. 10. ÚNICA PROPOSTA FEITA PARA COMPRA DA VARIG PREVÊ USO DE CRÉDITO TRABALHISTA DOS FUNCIONÁRIOS COMO PARTE DO PAGAMENTO. Sindicato Nacional dos Aeronautas diz que empregados não foram consultados. 32 Jornal Correio Braziliense: Caderno de Economia, edição de 13 de junho de 2006, p. 10. JUIZ IMPÕE CONDIÇÕES PARA APROVAR VENDA DA VARIG à TGV E TRANSFERE A DECISÃO PARA AMANHÃ. Compradores terão que comprovar capacidade financeira e a efetiva liberação de créditos trabalhistas pelos funcionários. Juiz entre admiradores e críticos. A polêmica tem sido uma constante no caso Varig. Mas nada se compara à controvertida atuação do juiz responsável pela recuperação da companhia. Com 13 anos de magistratura, Luiz Roberto Ayoub teve no caso Varig sua chance de alçar-se ao estrelato jurídico. Com decisões tão questionáveis quanto às próprias finanças da companhia em questão, o juiz conquistou admiradores e ferozes críticos dentro e fora do processo. Não é à toa que ganhou a alcunha de anjo da guarda da aérea. Às vezes, ele próprio assume que se tornou um protetor da empresa, da qual notoriamente é usuário. Há poucos dias, declarou que possuía 130 mil milhas no programa Smiles. Apesar disso, Ayoub se diz absolutamente imparcial na análise do caso. Não é o que muitos pensam. Com decisões conturbadas como a emissão de uma liminar proibindo a BR Distribuidora de cobrar antecipadamente o fornecimento de combustível à devedora Varig – o juiz tem se tornado conhecido por não levar em conta o outro lado da crise: os credores. Empresas públicas, privadas e parte dos trabalhadores reclamam desse desmensurado apoio à manutenção da Varig como está, tendo levado muito tempo para tomar medidas que, de fato, poderiam ter recuperado a companhia.
Janeiro, o nobre magistrado muito bem se desincumbiu da missão 33 e enfrentou, no primeiro momento, o desafio de interpretar e aplicar a nova lei, com toda a complexidade que ela apresenta, inclusive sem o auxílio da doutrina e da jurisprudência, conseguindo superar as adversidades.
33 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: Pedido de Recuperação Judicial da Varig S/A: Autos nº 2005.001.072887-7. O pedido foi distribuído em 17 de junho de 2005 ao Juízo da 1ª Vara Empresarial. Posteriormente os autos foram remetidos ao Juízo da 8ª Vara Empresarial: VARIGLOG fica com a VARIG. Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em 20 de julho de 2006. Após 13 meses de intensas negociações e procedimentos jurídicos, a Justiça do Rio concluiu hoje (dia 20 de julho) mais uma etapa do processo de recuperação judicial da Viação Aérea Rio Grandense (VARIG), com a realização do segundo leilão da companhia aérea, que foi vendida por US$ 24 milhões à VARIGLOG, que tem agora uma série de obrigações contratuais a cumprir. O preço mínimo pago pela arrematante foi de US$ 20 milhões. A empresa, única a participar do leilão, já tinha se comprometido a investir este valor até o dia da alienação judicial para que a Varig continuasse a operar. A Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Processamento de Dados foi desqualificada porque não fez o depósito no valor de US$ 24 milhões com 24 horas de antecedência. A VARIGLOG fez aporte no valor de US$ 20 milhões para a VARIG e, caso a ex-subsidiária não vencesse o leilão, seria ressarcida em US$ 24 milhões, referente ao valor já depositado acrescido de 20% de multa. No leilão anterior, em que os Trabalhadores do Grupo Varig (TGV) arremataram a empresa, o preço mínimo para venda era de US$ 700 milhões para as rotas domésticas e US$ 860 milhões para as nacionais e internacionais. O próximo passo, segundo o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial, será o depósito de US$ 75 milhões, em 48 horas, a fim de concretizar a arrematação e a compra da Nova VARIG, ainda que, no mesmo prazo, a operação não seja autorizada pela Agência Nacional de Aviação (ANAC). Também como parte do pagamento aos credores, a VARIGLOG emitirá duas debêntures com valor de face de R$ 50 milhões, cada uma, e validade de dez anos. Caso as debêntures sejam pagas à vista, o valor de cada uma delas cai para R$ 41.481.000,00. Ayoub comentou também que o vencedor deverá entregar ao juízo todos os documentos do leilão, bem como a garantia bancária para que sejam juntados aos autos de recuperação judicial. Com a realização do leilão, está encerrada a fase mais crucial do trabalho da Justiça. A inspiração do legislador foi manter a unidade produtiva. A decisão judicial que reconheceu a ilegitimidade dos votos da GE foi a responsável pela continuidade do processo, entregando ao mercado a decisão sobre o futuro das empresas em recuperação. A lei alcançou sua finalidade, na medida em que respeitou a vontade da maioria dos credores após ampla discussão com as empresas devedoras. Mas a ação judicial não pára aí. Será mantida a fiscalização das empresas que continuam na recuperação. O conjunto de bens e direitos foi, portanto, valorizado, porquanto o ativo em recuperação difere daquele em eventual falência, considerando o resultado da depreciação que da liquidação causaria, assinalou. Além dele, mais dois juízes trabalharam com excepcional empenho no caso VARIG: Paulo Roberto Fragoso e Márcia Cunha. Para eles, a parceria com o Ministério Público, coordenada pelo Promotor Gustavo Lunz, foi também fundamental para o sucesso do processo, que já tem cerca de 19 mil páginas. O primeiro leilão ocorreu em 8 de junho, mas foi considerado deserto pelo juiz Ayoub porque a NV Participações – que representava a Associação dos Trabalhadores do Grupo VARIG (TGV) – não apresentou as garantias necessárias exigidas no edital. O consórcio não depositou os US$ 75 milhões referentes à primeira parcela do pagamento do acordo, de um total de R$ 1,010 bilhão. Ultrapassado o prazo conferido ao vencedor do leilão, uma nova proposta foi então apresentada pela VARIGLOG, com promessa de investimentos que chegam ao patamar de US$ 485 milhões, considerando não só o preço mínimo, mas também assumindo obrigações, tais quais, as milhas e passagens emitidas, dentre outras. A assembléia dos credores foi marcada para o dia 17, e o leilão, para o dia 19 de julho. Durante a assembléia, a GE Capital votou contra as alterações no plano de recuperação da companhia aérea, sem legitimidade para fazê-lo, pois já havia cedido seus créditos a terceiros. Os votos contrários à aprovação da alteração do plano representavam 5,9% dos créditos de todas as classes e 1% do total dos credores. Ayoub, porém, determinou a nulidade dos votos e remarcou o leilão para o dia seguinte, 20 de julho.Caso emblemático: A Ação de Recuperação Judicial do Grupo VARIG teve início em 17 de junho de 2005, portanto, quatro meses depois da promulgação da Lei 11.101/05 – mais conhecida como Lei de Recuperação Judicial. O processo Varig é complexo e difere dos demais porque, além de ser um caso emblemático, chegou junto com um novo instrumento legal, promulgado em fevereiro do ano passado. Por ser novo, é lógico que nós juízes e o MP tivemos momentos de dúvidas e de dificuldades, com discussão de numerosas horas apenas em cima de um único inciso, para que pudesse ser aplicado de forma correta, disse o juiz Ayoub. Além das novidades em relação ao rito processual, o juiz lembrou que também houve a necessidade de dar explicações ao público em geral e não apenas falar no processo, em razão do elevado interesse nacional que envolve a questão. Fizemos em respeito à sociedade, comentou. Ele, os dois juízes e o promotor público que trabalham no caso Varig acham, porém, que os prazos processuais atuais devem ser flexibilizados, pois existem inúmeras exigências que precisam ser cumpridas de forma mais rápida e sem muita burocracia. Como exemplo, eles citaram os prazos de publicação de editais no Diário Oficial do Poder Judiciário do Estado e as convocações de assembléias. A lei é boa, mas isto apenas não basta. Tem que ser interpretada e aplicada também no sentido social, para aí sim, ser considerada justa enfatizou o promotor Gustavo Lunz. Outro assunto por eles discutido foi a blindagem trabalhista e tributária, que, segundo o promotor público Gustavo Lunz, não foi pensada para livrar o devedor, mas para diminuir o chamado custo Brasil. A VARIG é credora de 4,6 milhões de dólares, em valores não corrigidos. A solução mercadológica é a que perseguimos para que continue operando. E, depois, o mercado
Assim também será a nossa árdua tarefa. Sem a pretensão de esgotar o estudo, a obra,
fruto da interpretação isolada do autor e sob o risco da exegese precipitada, mesmo porque somos obrigados a reconhecer que a lei merecerá, ao longo de sua maturação, variada interpretação doutrinária ou jurisprudencial, poderemos certamente cometer equívocos.
Iremos, com humildade, interpretar a LRF e com coragem enfrentaremos as críticas, com
a preocupação de rever, sempre que necessário, em posteriores edições, posicionamentos anteriormente adotados. O leitor muito ajudará com os seus comentários e observações.
Finalmente, embora haja discordância, de nossa parte, quanto à estruturação temática
adotada pela Lei de Recuperações e de Falências, infelizmente, iremos acompanhá-‐la para facilitar a compreensão e o desenvolvimento do estudo.
Para melhor disposição didática, primeiro, transcreveremos o preceito legal, em
destaque. Após, realizaremos os comentários necessários, dispondo o pensamento em parágrafos numerados, de modo a tentar facilitar a localização do leitor durante o estudo. Essa estrutura se repetirá ao longo da obra.
Espera-‐se que a nova lei mereça atenção necessária por parte dos cientistas, desejando
que as inovações, mais que incorporadas ao ordenamento jurídico, sejam, de fato, aplicadas, com serenidade e maturidade, de modo que possamos ter efetivada a recuperação da atividade econômica, realizando-‐se, de verdade, a principal finalidade da lei: a função social da empresa.
Devemos prestigiar a recuperação econômica. A traumática experiência das
concordatas, como previstas no revogado Decreto-‐Lei nº 7.661/1945, há de ser lembrada, sempre, de modo a evitar, tanto possível, a declaração da falência.
negociará débitos e créditos até para ser evitado um precatório monstruoso. Isto terá que ser um dia encarado, ressaltou o promotor. Apoio nos momentos difíceis: O juiz Luiz Ayoub lembrou, juntamente com seus colegas, que existiram alguns momentos muito difíceis durante todo o processo. O primeiro deles aconteceu na hora da escolha do Administrador Judicial, pois deveria ser alguém que reunisse várias qualidades, já que o caso era de uma empresa que lidava com mais de cem mil empregos e com um passivo alto. Teria que ser polivalente, com credibilidade e conhecimento técnico, embora a lei fosse nova. Foi difícil, mas escolhemos a Deloitte que mostrou conhecer bem os caminhos de uma empresa do tamanho da VARIG, lembra a juíza Márcia Cunha, Titular da 2ª Vara Empresarial do Rio. Outro momento que teve o total apoio do presidente do TJ do Rio, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, foi a ida da magistrada à Corte de Nova Iorque, para falar com o juiz Robert Drain sobre o pedido de retomada das aeronaves da empresa naquele país, fato inédito. O trabalho da Justiça fluminense hoje é reconhecido internacionalmente graças a essa iniciativa pioneira. Outro ponto crucial da ação foi o afastamento do acionista controlador, a Fundação Rubem Berta, que tentou agir, segundo o juiz Ayoub, de maneira indevida. A Fundação pretendia a desistência da recuperação judicial para passar a recuperação extrajudicial, mesmo após usar do privilégio legal dos seis meses de moratória. Achamos que ela estava querendo tomar atitudes contrárias aos interesses da Varig, e resolvemos, então, afastá-la do processo, suspendendo os seus poderes políticos e administrativos, acolhendo a intervenção do MP, disse o juiz. Os juízes que tratam da recuperação judicial da Varig comentaram ainda que, em março deste ano, ficaram bastante preocupados e desanimados quando a empresa passou a ter sérios problemas de caixa. Foi aí, acentuaram, que o Tribunal de Justiça do Rio designou uma audiência de conciliação com a Petrobras, onde acordaram o fornecimento dos combustíveis com garantias de vendas de passagens feitas com créditos de cartões que a companhia tinha a receber. Relembraram o apoio dado pelo presidente Cavalieri, que abriu espaço em sua agenda e os acompanhou aos gabinetes ministeriais em Brasília, para encontros com o vice-presidente da República, ministros da Defesa e da Fazenda e outras autoridades, em busca de soluções para as empresas, considerando diversas questões sociais do caso. Estamos convencidos de que o caso Varig por sua complexidade, trouxe uma experiência ímpar a todos nós, juízes e promotores, e à Lei de Recuperação Judicial. Com certeza, vai criar jurisprudência. Quanto aos desacertos ocorridos no curso do processo, só o futuro poderá demonstrar a correção ou não dos atos praticados. O STJ irá definir se seguimos o rumo certo, finalizou o juiz Luiz Roberto Ayoub.
Por fim, queremos registrar que essa pequena obra não tem a pretensão de ensinar nada, a ninguém! Ela reflete apenas o pensamento isolado do autor, criado a partir dos laboratórios: a) solitário – em seu gabinete, no escritório de consultoria e advocacia; b) participativo – em sala de aula, no magistério universitário, nos cursos de graduação e pós-‐graduação. A obra não está dirigida aos doutos, mas aos aprendizes, como nós, aqueles que devem permanentemente desbastar a pedra bruta na busca do conhecimento do Direito Comercial, especialmente do Direito Concursal Brasileiro.