As fontes históricas no ensinar, produzir e aprender história: apontamentos e reflexões

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AQUINO, Maurício de. As fontes históricas no ensinar, produzir e aprender história: apontamentos e reflexões. Revista Eletrônica História e-História. Brasil, 2014. http://historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=281 As fontes históricas no ensinar, produzir e aprender história: apontamentos e reflexões Maurício de Aquino 1. O ofício de historiador Marc Bloch consagrou a ideia da prática do historiador como sendo um ofício em seu célebre livro Apologia da história ou O ofício de historiador. Nesse texto inconcluso por conta do assassinato de Bloch, preso em um campo de concentração nazista o autor apresenta suas reflexões acerca dos elementos constituintes do trabalho do historiador: a concepção de história, o recorte do historiador, a lida com os documentos, o método crítico e a análise propriamente histórica. Bloch diz tratar-se de uma (sua) prestação de contas 1 de alguém envelhecido no ofício. Ofício que exige vocação e esforço intelectual 2 . Partindo das ideias de Marc Bloch e passando pelas interpretações de Charles Wright Mills, Carlo Ginzburg, Roger Chartier e René Rémond, considera-se a prática da história como um ofício pelas seguintes razões: a) a história é um conhecimento empírico, assentado no tratamento dos vestígios do passado, ou em termos técnicos, das fontes históricas; b) o trabalho do historiador é mais artesanal do que mecânico, seu trabalho se assemelha mais ao de um luthier que com os nós dos dedos avalia a madeira dos violinos; Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Licenciado em História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho. Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Assis). E-mail: [email protected] 1 Marc Bloch, Apologia da história ou O ofício de historiador, p. 42. 2 Ibidem, p. 44.

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As fontes históricas no ensinar, produzir e aprender história: apontamentos e reflexões

Maurício de Aquino 1. O ofício de historiador

Marc Bloch consagrou a ideia da prática do historiador como

sendo um ofício em seu célebre livro Apologia da história ou O ofício de

historiador. Nesse texto – inconcluso por conta do assassinato de Bloch, preso

em um campo de concentração nazista – o autor apresenta suas reflexões

acerca dos elementos constituintes do trabalho do historiador: a concepção de

história, o recorte do historiador, a lida com os documentos, o método crítico e

a análise propriamente histórica. Bloch diz tratar-se de uma (sua) prestação de

contas1 de alguém envelhecido no ofício. Ofício que exige vocação e esforço

intelectual2.

Partindo das ideias de Marc Bloch e passando pelas

interpretações de Charles Wright Mills, Carlo Ginzburg, Roger Chartier e René

Rémond, considera-se a prática da história como um ofício pelas seguintes

razões:

a) a história é um conhecimento empírico, assentado no

tratamento dos vestígios do passado, ou em termos técnicos, das fontes

históricas;

b) o trabalho do historiador é mais artesanal do que mecânico,

seu trabalho se assemelha mais ao de um luthier que com os nós dos dedos

avalia a madeira dos violinos;

Professor Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Licenciado em História pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho. Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/Assis). E-mail: [email protected] 1 Marc Bloch, Apologia da história ou O ofício de historiador, p. 42.

2 Ibidem, p. 44.

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c) o trabalho do historiador envolve também sua vida pessoal,

não é apenas uma profissão que se exerce algumas horas do dia, é um modo

de existir no mundo, de ver o mundo e de se posicionar nele. No ofício de

historiador há grande articulação e envolvimento entre atividades profissionais

e experiências pessoais.

Na contemporaneidade o ofício de historiador passou por

expressivas transformações em razão das profundas mudanças sociopolíticas,

econômicas e culturais que marcaram o século XX. O historiador Antônio Celso

Ferreira abordou essa questão em seu texto O historiador sem tempo.

Fundamentando-se nas ideias de Michel de Certeau sobre as relações entre o

ofício de historiador e o sistema de produção mais amplo, Antônio Celso

Ferreira descreve as alterações no ofício de historiador desde três grandes

aspectos: modos de produção; sujeitos e práticas; produtos, mercado e valor.

Em síntese, tem-se:

a) Modos de produção. Do século XIX para o século XX os

historiadores passaram da arte para a indústria cultural, do vínculo duradouro

ao contrato provisório, das horas vagas ao tempo exíguo, da erudição à

versatilidade.

b) Sujeitos e práticas. Do século XIX para o século XX os

historiadores passaram da elite à massa, da maturidade à juvenilidade, de

intelectuais à operadores de teorias e metodologias.

c) Produtos, mercado, valor. No último século os produtos dos

historiadores encaminharam-se da tese ao artigo, da raridade à profusão; do

público seleto ao mercado insólito; da mega à nano história.

Desses três conjuntos de aspectos pode-se afirmar que o ofício

de historiador se tornou mais ampliado, complexo e sofisticado ao longo do

último século. O ofício se modificou por dentro e por fora. Exigências e

demandas sociais e epistemológicas fizeram com que o trabalho do historiador

rompesse antigos limites, repensando sujeitos, espaços, abordagens,

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problemas, fontes e relações. Em tempos de crises políticas e identitárias a

história tornou-se uma vez mais matéria-prima discursiva para tribos, grupos,

povos e nações. Diante da chamada onda pós-moderna, do relativismo

filosófico, a história foi pressionada quanto aos seus resultados, para alguns

entrou em crise. Nesse momento, olhares voltados para a prática típica do

ofício de historiador salientaram a pedra angular de todo trabalho histórico: os

documentos, as evidências de uma época, as fontes históricas.

Em texto clássico, intitulado Não basta a história de identidade,

o saudoso e brilhante historiador Eric Hobsbawm escreveu a respeito dessa

ideológica tentativa de confundir realidade e ficção histórica, bem como acerca

da responsabilidade do historiador:

Insistir na supremacia da evidência e na importância central da distinção entre fato histórico verificável e ficção é apenas uma das maneiras de exercer a responsabilidade do historiador e, como a atual fabricação histórica não é o que era antigamente, talvez não seja a mais importante. Ler os desejos do presente no passado, ou, em termos técnicos, anacronismo, é a técnica mais comum e conveniente de criar uma história que satisfaça as necessidades do que Benedict Anderson chamou ‘comunidades imaginadas’ ou coletivos, que não são, de modo algum, apenas nacionais3.

Os historiadores em seu ofício assumem a responsabilidade de

avaliar e reconstruir as narrativas sobre as experiências humanas no tempo.

Hobsbawm aponta dois critérios centrais nesse trabalho: em termos empíricos,

as evidências; em termos interpretativos, a historicidade, isto é, uma

abordagem que evite o anacronismo. Por isso, assevera: “Se a história é uma

arte imaginativa, é uma arte que não inventa mas organiza objets trouvés

[objetos encontrados]”4.

3 Eric Hobsbawm, Sobre História, p. 288.

4 Ibidem, p. 287.

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2. As fontes históricas: condição do conhecimento histórico

Para Marc Bloch o núcleo do ofício de historiador consiste na

observação histórica. Contrariando o senso comum sobre a história, Bloch

demonstrou que o historiador também utiliza a observação na construção de

seu objeto. A história não é um conhecimento estritamente indireto. Observa-se

o tempo passado ao se observar os seus indícios e resquícios no presente.

Nas ruas preservadas de uma cidade do século XVIII experimentamos andar

por uma rua de então. A mesma experiência se repete ao visitarmos um

edifício. Tendo às mãos uma moeda do século XIX, podemos observá-la,

analisá-la, senti-la, pensar sobre os seus usos e trajetórias a partir de suas

marcas e coloração. Os historiadores observam o passado. Passado de

existência corroborada por seus vestígios e indícios.

É isso: a história se faz com documentos. O ofício do

historiador consiste na observação criteriosa dos testemunhos do passado.

Testemunhos muitas vezes reunidos em arquivos. O arquivo que é a condição

da história, nas palavras da psicóloga e historiadora Elisabeth Roudinesco,

visto que:

Para resumir, diremos que a obediência cega à positividade do arquivo, seu poder absoluto, leva tanto a uma impossibilidade da história quanto a uma recusa do arquivo. Em outros termos, o culto excessivo do arquivo resulta numa contabilidade (a história quantitativa) destituída de imaginação e que proíbe que possamos pensar a história como uma construção capaz de suprir a ausência de vestígios. Quanto à negação do arquivo, de seu peso interiorizado com memória subjetiva, ou como herança genealógica, ela corre o risco de conduzir a um delírio que reconstruiria o espelho do arquivo à maneira de um dogma5.

Arquivo que não é desinteressadamente constituído e

organizado, conforme já alertou Marc Bloch:

A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual misterioso decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que

5 Elisabeth Roudinesco, A análise e o arquivo, p. 09-10.

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não escapam de modo algum à análise, e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que a passagem da lembrança através das gerações6.

Os arquivos têm uma história. Os arquivos funcionam como

filtros sociais da memória histórica, da “passagem da lembrança através das

gerações”, ao negarem ou permitirem a guarda e o acesso aos testemunhos do

passado. Todavia, na prática de seu ofício os historiadores aprenderam a

constituir seus próprios arquivos: tudo pode ser grão para o moinho do

historiador. De fato, ao longo do século XX se ampliaram expressivamente as

noções de fontes históricas e de seus tratamentos metodológicos. O próprio

Marc Bloch já havia contestado os limites da concepção oficial de fonte

histórica em seu tempo ao afirmar: “o que entendemos efetivamente por

documentos senão um ‘vestígio’, quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos,

deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar?”7

Explorando essa definição de Bloch, o historiador Júlio

Aróstegui apresentou a seguinte formulação conceitual para fonte histórica:

Fonte histórica seria, em princípio, todo aquele material, instrumento ou ferramenta, símbolo ou discurso intelectual, que procede da criatividade humana, através do qual se pode inferir algo acerca de uma determinada situação social no tempo8.

Vale lembrar que a revolução da concepção de fonte histórica

consistiu em dois importantes movimentos: primeiro, a ampliação do que seria

considerado documento; segundo, a forma de tratar, de interpretar o

documento.

Se no século XIX muitos historiadores propunham um tipo de

fidelidade às fontes históricas como sinônimo de repeti-las, atualmente os

historiadores têm clara percepção de que as fontes históricas devem ser

analisadas desde um aparato teórico-metodológico. Cada testemunho do

passado (fonte histórica) traz as marcas ideológicas de seu ambiente de

6 Marc Bloch, Apologia da história ou O ofício de historiador, p. 83.

7 Ibidem, p. 73.

8 Júlio Aróstegui, A pesquisa histórica, p. 491.

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produção, de sua época, de suas relações de força. Sem um criterioso aparato

teórico-metodológico o historiador corre o sério risco de tornar-se um porta-voz

de personagens do passado, reproduzindo acriticamente suas visões de

mundo. Daí a necessidade do historiador conhecer a origem e os usos sociais

das fontes. Cotejá-las com fontes de outra origem social e de outro tipo,

entendendo que os documentos são evidências do passado e não vozes de

autoridade ou espelhos límpidos de outra época.

Enfim, de modo geral, os historiadores utilizam os seguintes

procedimentos e etapas elementares no trabalho com as fontes históricas:

1. Determinar o tipo de documento (escrito ou não escrito etc.) e atentar para as suas especificidades. 2. Definir a extensão da fonte histórica objeto de estudo (documento integral ou parcial, série etc.). 3. Identificar a época e as circunstâncias de produção do documento (arrolando acontecimentos que podem ter exercido influência na sua produção). 4. Identificar o autor ou autores (caso estes sejam conhecidos) e conhecer as circunstâncias pessoais que podem ter exercido influência na produção do documento. 5. Determinar a ideia geral contida no documento: decompô-lo em diferentes partes ou temas, buscando relações entre eles. 6. Relacionar essa ideia geral com as circunstâncias de produção do documento entendendo o documento no contexto de sua época (inclusive o significado de palavras e expressões empregadas). 7. Identificar e discutir os critérios possivelmente adotados por quem produziu o documento. 8. Explicitar as informações contidas no documento: verificar datas, acontecimentos, pessoas, lugares, afirmações etc. 9. Cruzar o documento com outras fontes históricas (cotejar informações, justapor documentos, relacionar textos e contextos, estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências). 10. Reconstruir textualmente determinada situação histórica através do (s) documento (s) analisado (s).

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3. As fontes históricas: condição do ensinar e aprender história

Se não há conhecimento histórico sem a lida com documentos,

também não pode haver um autêntico ensino de história sem atividades com

fontes históricas. O trabalho com documentos na sala de aula da educação

básica permite aos alunos e às alunas construir uma concepção mais complexa

e dinâmica da história. É partir da história crônica em direção à história

problema.

Nesse aspecto da importância de se conhecer as vicissitudes

do ofício de história para melhor entender intelectualmente o que é a história, já

ponderava Marc Bloch:

Todo livro de história digno desse nome deveria comportar um capítulo ou [, caso se prefira], inserida nos pontos de inflexão da exposição, uma série de parágrafos que se intitulariam algo como: ‘Como posso saber o que vou lhes dizer?’ Estou convencido de que, ao tomar conhecimento dessas confissões, inclusive os leitores que não são do ofício experimentariam um verdadeiro prazer intelectual. O espetáculo da busca, com seus sucessos e reveses, raramente entedia. É o tudo pronto que espalha o gelo e o tédio9.

Nesse sentido, no texto Sobre a norma e o óbvio: a sala de

aula como lugar de pesquisa, Paulo Knauss questiona a aula de história como

lugar de interiorização de norma e defende a necessidade de interrogar o que

se considera como obviedade superando o uso didático do documento como

ilustração pela postura de utilizar o documento como problema fazendo dos

temas rotineiros, óbvios, objeto de crítica histórica no confronto entre as

concepções que se têm destes temas e as informações dos documentos

históricos da época em estudo.

O trabalho didático com fontes históricas dispensaria, segundo

Paulo Knauss, o uso de livros didáticos, para ele instrumentos negativamente

normatizadores do saber, contribuindo para a autonomia do professor e dos

alunos na construção do conhecimento histórico. Além disso, para Knauss:

O trabalho com os documentos históricos desde cedo pode ser justamente uma fórmula para não adiarmos as tarefas que o mundo contemporâneo exige da escola – que o aluno compreenda a lógica dos meios de

9 Marc Bloch, Apologia da história ou O ofício de historiador, p. 83.

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comunicação, especialmente os de massa, para não ser agente passivo da manobra de informações, reconhecendo outras visões de mundo, desabsolutizando-as e demarcando a sua identidade de sujeito da própria existência10.

A historiadora Carla Beatriz Meinerz considera, por sua vez,

desde uma perspectiva da pedagogia construtivista, que a aprendizagem

significativa da história exige envolvimento do aluno no próprio processo de

aprendizagem. No caso da disciplina escolar de história esse envolvimento

passaria pelo trabalho com fontes históricas. Além de importante

encaminhamento pedagógico, Meinerz afirma ainda que a ausência de

atividades didáticas com documentos históricos na sala de aula contradiz a

própria natureza da ciência histórica. Segundo Meinerz:

Nessa perspectiva, conhecemos a história na medida em que interagimos com os vestígios ou com as diferentes interpretações sobre os mesmos. O ensino de história que não possibilite essa interação, ou que apresente uma única leitura dos fatos, parte de um pressuposto contrário ao da própria ciência histórica11.

A relevância pedagógica e propriamente historiográfica do uso

criterioso das fontes históricas na sala de aula não deve, entretanto, eclipsar as

especificidades de tal atividade. Diferentemente dos pesquisadores voltados

para a reconstrução de um período histórico, os professores usam os

documentos históricos como materiais didáticos. Circe Maria Fernandes

Bittencourt, uma das mais importantes especialistas em ensino de história,

considera a respeito que:

O professor traça objetivos que não visam à produção de um texto historiográfico inédito ou a uma interpretação renovada de antigos acontecimentos, com o uso de novas fontes. As fontes históricas em sala de aula são utilizadas diferentemente. Os jovens e as crianças estão “aprendendo História” e não dominam o contexto histórico em que o documento foi produzido, o que exige sempre a atenção ao momento propício de introduzi-lo como

10

Paulo Knauss, Sobre a norma e o óbvio, p. 44. 11

Carla Beatriz Meinerz, História Viva, p. 34.

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material didático e à escolha dos tipos adequados ao nível e às condições de escolarização dos alunos12.

De fato, não é objetivo da disciplina de história na educação

básica a transformação das crianças e dos jovens em “pequenos

historiadores”. Com efeito, não devem ser negligenciadas as diferenças e

especificidades da utilização das fontes históricas nos institutos de pesquisa e

nas escolas básicas. Todavia, a construção de uma concepção crítica de

história depende, em alguma medida, da lida com os testemunhos do passado.

Nas palavras da historiadora e educadora portuguesa Maria Cândida Proença:

Embora não seja uma novidade, o ensino de História pela utilização de documentos ainda, por vezes, se processa de forma inadequada devido a dificuldades experimentadas pelos professores no comentário de textos e documentos com os alunos. Como é evidente não existem “receitas” ou um modelo único par ao comentário de textos históricos, já que um mesmo documento pode ser comentado de várias maneiras; o importante é fazer-se um estudo exaustivo do mesmo e evitar utilizar documentos apenas como ilustração das afirmações do professor13.

Do uso elementar, como ilustração, ao uso crítico, como

problema, o documento histórico é peça-mestra das aulas de história ao

oportunizar a construção de uma concepção científica da história, ao

desenvolver capacidades analíticas de diferentes fontes expressas em diversas

linguagens, ao confrontar discursos, ao interrogar e problematizar temas

históricos. Enfim, o trabalho com fontes históricas permite a construção da

capacidade de pensar historicamente o que pressupõe mais do que o acúmulo

de informações sobre fatos e datas ao exigir também a habilidade de avaliar

criticamente as fontes de informação historiográfica e as interpretações

ideológicas que são realizadas acerca dessas mesmas fontes e dos

acontecimentos e processos históricos.

12

Circe Bittencourt, Ensino de História, p. 329. 13

Maria Cândida Proença, Didáctica da História, p. 126.

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4. Tipologia documental14

14

Ibidem, p. 127.

DOCUMENTOS ESCRITOS

Documentos Pontuais

Documentos Seriais

Objetivos = fontes jurídicas e administrativas

Subjetivos = fontes literárias [correspondências, memórias, romances, autobiografias].

Objetivos = documentos administrativos repetitivos [listas nominais, registros paroquiais, fontes fiscais, inquirições gerais].

Subjetivos = réus confessos, testamentos, livros, imprensa.

DOCUMENTOS NÃO ESCRITOS

Iconográficos

Orais

Sonoros

Materiais diversos

Pinturas

Gravuras

Fotografias

Filmes

Cartazes etc.

Construções

Paisagens

“Artefatos”: utensílios, mobiliário, armas, moedas etc.

Testemunhos diretos

Registros musicais, registros de discursos, de conversas etc.

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