Roazzi, A. & Dias, M.G.B.B. (2001). Teoria das facetas e avaliação na pesquisa social transcultural:
Explorações no estudo do juízo moral. Em Conselho Regional de Psicologia – 13a Região PB/RN (Ed.) A
diversidade da avaliação psicológica: Considerações teóricas e práticas (pp. 157-190). João Pessoa: Idéia.
TEORIA DAS FACETAS E AVALIAÇÃO NA PESQUISA SOCIAL TRANSCULTURAL:
EXPLORAÇÕES NO ESTUDO DO JUÍZO MORAL
Antonio Roazzi & Maria da Graça B.B. Dias
Pós-Graduação em Psicologia1
Universidade Federal de Pernambuco
Introdução
A crise de confiança da pesquisa em psicologia social é um ponto que já tem sido objeto
de discussão e reflexão a partir dos anos '70 (Argyle, 1969; Armistead, 1974; Bruner, 1976;
Gergen, 1973; McGuire, 1973; Levine, 1974). Esta crise foi decorrente principalmente de uma
perda de confiança e desilusão em relação a uma abordagem que parecia demasiadamente
ligada ao laboratório e muito pouco às situações cotidianas nas quais os processos psicológicos
entram em ação. A psicologia em geral e a psicologia social em específico começam a ser
vistas como fenômeno social complexo e multifacetado, não sendo possível isolar suas
diferentes dimensões sem incorrer no perigo de reducionismos e imprecisões em seu estudo. A
questão que se propõe não se refere ao fato de considerar os processos psicológicos e suas
representações simplesmente como um reflexo complexo do mundo social externo, mas
considerar estes processos como socialmente organizados na mente do indivíduo, sendo
impossível a sua decomposição, até mesmo as mais simples. Contesta-se o excessivo
artificialismo de determinadas situações de laboratório (Israel & Tajfel, 1972), a partir das
quais a abordagem da psicologia social tinha recebido seus respaldes teóricos como também
tinha possibilitado a elaboração de modelos explicativos dos processos sócio-psicológicos. Esta
contestação não se limita a aspectos unicamente metodológicos mas considera as próprias bases
epistemológicas da investigação em psicologia social (Harré & Secord, 1972). Em uma
primeira fase, as possíveis alternativas propostas para sair desta crise, inicialmente, têm apelado
para investigações de tipo mais “naturalistas” e uma maior ênfase nos estágios descritivos e
pré-experimentais do processo científico.
Mais recentemente, a partir da constatação das desvantagens e limitações dos métodos e
procedimentos de análise estatística tradicionais e do desenvolvimento de programas
estatísticos mais sofisticados, uma outra alternativa tem sido proposta: o uso de análises
escalonares multidimensionais (MDS) (e.g., Canter & Monteiro, 1993; Doise, Clemence and
Lorenzi-Cioldi, 1993; Forgas, 1976; Purkhardt & Stockdale, 1993; Roazzi, 1999a e b; Roazzi &
Monteiro, 1995; Roazzi, Wilson & Federicci, no prelo). As análises MDS fornecem uma
representação geométrica ou espacial das relações entre um conjunto de estímulos, que torna
possível uma interpretação significativa das distâncias entre os estímulos e suas inter-relações.
A principal vantagem das análises MDS é possibilitar que o investigador quantifique e descreva
de forma precisa fenômenos psicológicos extremamente complexos que não poderiam ser
acessíveis através de métodos de análises tradicionais. As análises referidas permitem ao
1 Endereço para correspondência: Antonio Roazzi, Rua Francisco da Cunha, 654/801, Edf. Villa das Pedras, Boa
Viagem, 51020-041, Recife, Pernambuco, Brasil. Telefones: (0xx81) 3325.7742 e 2126.8272 (Universidade). Fax:
(0xx81) 3271.1843. E-Mail: [email protected]
2
pesquisador ter acesso às dimensões latentes que descrevem as relações entre um conjunto
representativo de objetos sociais ou psicológicos. O pressuposto central subjacente ao uso na
área psicológica de técnicas MDS é que as distâncias ou similaridades psicológicas (entre
julgamentos, conceitos, pessoas, construtos, traços, episódios sociais, estereótipos etc.) possam
ser representadas e analisadas em termos de distâncias euclidianas (Davidson, 1983; Kruskal &
Wish, 1978; Schiftmann, Reynolds & Young, 1981). Como afirma Jackson (1969), após termos
estabelecido um paralelo confiável entre distâncias psicológicas e euclidianas, “muitos temos
ganhados nas técnicas disponíveis para analisar e interpretar dados psicológicos. Podemos
abordar impunes áreas em relação as quais somos bastantes ignorantes, armados com métodos
de grande precisão e poder” (p. 228). De forma similar e contundentes, Forgas (1980) ressalta
que fornecendo uma representação sensitiva e multidimensional de fenômenos psicológicos
complexos, “as análises MDS podem ser um importante instrumento para descoberta e uma
alternativa excelente às metodologias qualitativas descritivas e jornalísticas atualmente
defendidas por alguns críticos. As poucas áreas de pesquisa nas quais as análises MDS têm sido
já aplicadas, como a percepção das pessoas, o comportamento político, o estudo da estrutura
social, os episódios sociais e o estudo do auto-conceito, têm afetado profundamente a pesquisa.
É neste sentido que os métodos MDS podem ser vistos como muito mais do que um outro
grupo de técnicas estatísticas. Realmente, elas constituem uma nova e emergente estratégia de
pesquisa em psicologia social” (p. 254).
A partir desta premissa, o objetivo deste capitulo é apresentar uso de análises MDS a
partir da 'Teoria das Facetas' (TF) – uma metodologia de pesquisa que visa integrar
planejamento e análise de dados através de análises MDS, e cujo objetivo primordial é facilitar
o conhecimento cumulativo e abrir novas perspectivas e possibilidades para o descobrimento de
novas leis em varias áreas de investigação. A TF tem sido inicialmente proposta por Louis
Guttman (1954, 1959), em decorrência de sua insatisfação com as acima citadas restrições da
Análise Fatorial (Guttman, 1992) e das escalas de avaliação como meios para selecionar itens
apropriados na construção de testes. Sua natureza multivariada e não-métrica evita as restrições
e imperfeições dos métodos tradicionais. Um recente desenvolvimento da teoria tem
contribuído para que ela seja aplicada em inúmeras outras áreas do conhecimento humano
(Borg, 1979, 1993; Canter, 1983a,b; Canter & Kenny, 1981; Dancer, 1990; Donald, 1985;
Feger & Von Hekher, 1993; Guttman, 1965; Levy, 1985, 1993). Enfim, a finalidade deste
trabalho é introduzir para reflexão os pressupostos da TF e uma exemplificação de sua
utilização na área de avaliação em uma investigação transcultural sobre o juízo moral.
Métodos de investigação transculturais
Os interesses particulares, os comportamentos representativos, a maneira pessoal de
pensar e agir, não são universais na forma e no significado. Pelo contrário, eles são
culturalmente específicos. Cada cultura, cada tradição, possui seu próprio repertório
característico destas particularidades culturais específicas. Uma solução para este problema é
abordar o estudo da cultura como um todo, através da abordagem lingüística. Como resultado,
temos a abordagem êmica, um termo usado para descrever o sistema de referência das formas e
objetos que são utilizados em uma tradição cultural específica. Esta palavra foi primeiramente
cunhada e introduzida por Pike (1954, 1957, 1966) e depois elaborada por French (1963),
utilizando a terminologia utilizada em lingüistica que diferencia a fonêmica da fonética. 2
2 A partir da distinção lingüística entre fonêmica e fonética, Pike criou os termos 'êmico' e 'ético'. Para melhor
compreender a relação entre estes dois termos lingüisticos e os termos por analogia criados por Pike, e necessário
especificar o significado dos termos fonético e fonêmico na perspectiva lingüística. Como afirmado por Bacham
(1980) quando um lingüista tenta registrar de forma escrita uma língua estrangeira, ele encontra primeiramente uma
3
Na pesquisa social transcultural, a diferença entre construtos “éticos” (universais) e
construtos “êmicos” (culturais-específicos) tornou-se algo amplamente aceito entre os
pesquisadores (Roazzi, 1987a, b; 1996). De acordo com esta distinção que contrapõe o êmico
versus o ético, seriam possíveis dois tipos de abordagens na pesquisa transcultural. Na
abordagem ética, as culturas são comparadas a partir de critérios universais. Neste tipo de
abordagem, a estrutura é criada pelo próprio pesquisador. Por exemplo, um teste padronizado
formado por uma série de construtos éticos pode ser utilizado para medir fenômenos
psicológicos entre várias culturas. Como muitos pesquisadores têm argumentado a este
respeito, o problema implícito nesta abordagem é que escores equivalentes são encontrados só
muito raramente (e.g., Cole & Bruner, 1971; Poortinga, 1975; Triandis & Lambert, 1980). Por
outro lado, na perspectiva êmica, explora-se a inter-relação entre construtos êmicos no interior
de uma determinada cultura, no lugar de impor aprioristicamente construtos éticos. Na
abordagem êmica a estrutura inerente a uma cultura específica é descoberta pelo pesquisador.
De qualquer maneira, através da réplica de procedimentos êmicos entre diferentes culturas, é
possível elicitar estruturas que sejam universais.
Em sua discussão sobre a pesquisa transcultural, Hayashi (1988) ressalta que uma
comparação entre amostras de culturas completamente diferentes só pode indicar que existe
uma diferença, não sendo capaz de fornecer qualquer pista sobre a natureza da relação
indivíduos-cultura. A partir deste questionamento, Hayashi (1989; 1992) propõe a Análise das
Ligações Culturais (ALC - Cultural Link Analysis) para investigar similaridades e diferenças
nas estruturas cognitivas e formas de pensamento nas diferentes culturas. A noção de ALC
consiste em planejamentos de coleta de dados sistemáticos que compreendem as seguintes três
áreas: (a) uma ligação geográfica inerente à seleção do grupo cultural; (b) uma ligação
estrutural entre os itens do questionário inerentes às similaridades e diferenças nos padrões de
respostas ao interior e entre as culturas; (c) uma ligação temporal inerente à análise das séries
relativas ao tempo. A respeito da seleção da amostra, os diferentes grupos culturais são
selecionados fazendo a ligação de uma cultura com outra que compartilha algo e mesmo assim
são diferentes em relação a uma destas três dimensões: ambiente social, cultura e características
étnicas. Por exemplo, a partir do estilo de habitação dos italianos do sul da Itália: a casa dos
Italianos do sul, Italianos imigrantes no sul do Brasil, imigrantes não-Italianos do sul do Brasil,
imigrantes não-Italianos no Canadá, e as casas Canadenses. Em seguida, as amostras podem ser
comparadas de acordo com a ligação cultural e mudanças entre elas.
enorme variedade de sons, alguns dos quais sem significados, mas que se tornam importantes na relação posterior
com outros sons culturalmente importantes. Depois de uma confusão inicial sobre o valor de cada som particular,
ele provavelmente irá elaborar um relatório fonético de cada um, através do "Alfabeto Internacional Fonético"
(IPA). Após, passa para a fase de análise fonêmica. Esta fase envolve uma tentativa de simplificar o problema
focalizando um número limitado de sinais de maneira a detectar quais sons, mais do que outros nesta língua,
disparam tipos particulares de significados. Um claro exemplo e oferecido por Bacham (1978) sobre a língua
inglesa na qual "palavras que começam com o som ‘p’ possuem um pequeno sopro após o som ‘p’ conhecido como
aspiração, enquanto que palavras que possuem um ‘p no meio, não o possuem. O p na palavra ‘pin’ é aspirado e
escrito [P'], enquanto ‘p’ em ‘spin’ não o é e aparece no IPA como [P] " (p.307). Portanto o lingüista logo
descobrirá a partir desta comparação que, apesar da complexidade contextual, o problema da aspiração e não
aspiração não surte efeito no significado em sua essência do som. Portanto é possível registrar p em qualquer lugar
que este som é encontrado. Assim, o estudo do aspecto fonêmico implica no exame do som utilizado em uma
linguagem particular, enquanto o aspecto fonético visa as generalizações a partir dos estudos fonêmicos em uma
língua específica, tentando elaborar uma ciência universal que inclua todas as línguas. Por analogia, êmico se refere
somente a uma sociedade específica, enquanto ético concerne ao aspecto universal (se não completamente
universal, pelo menos operante em mais de uma sociedade). Em outra palavras, quando passamos de descrições
universais da linguagem, ou qualquer outro aspecto de cultura, para categorias culturais particulares, passamos de
um nível de descrição ético para um nível êmico, que ajuda na compreensão do sujeito sob estudo a partir do seu
próprio ponto de vista.
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Hayashi (1988) enfatiza a importância da comparação das estruturas na pesquisa
transcultural, visto que, apesar do conteúdo das respostas dos grupos culturais diferentes pode
variar em seu uso da língua, a estrutura das respostas pode ser universal. Como um estatístico
matemático, Hayashi desenvolveu suas próprias técnicas e procedimentos não-métricos
multidimensionais (MDS) para comparar estruturas de conhecimento e formas de pensamento.
Estas técnicas tem sido utilizadas com bastante sucesso em pesquisas da área de ciências
sociais no Japão (e.g., Hayashi, 1985).
As técnicas de análise de dados desenvolvidos por Hayashi são muito parecidas às
técnicas escalonares multidimensionais (MDS) desenvolvidas por Louis Guttman e disponíveis
na série de programas Guttman-Lingoes (Lingoes, 1965; 1973); programas estes todos
elaborados em decorrência de uma insatisfação com os métodos tradicionais de planejar e
analisar dados (Guttman, 1992) que resultou na Teoria das Facetas (TF), cuja natureza
multivariada e não-métrica possibilita evitar as restrições dos métodos tradicionais.
Teoria das Facetas como uma fundamentação metateórico da pesquisa
A experiência do indivíduo com o mundo que está em sua volta – e.g., crenças, desejos,
representações, etc., - é essencialmente um fenômeno complexo de natureza multivariada.
Entretanto, de acordo com a forma tradicional de fazer pesquisa, encontra-se uma forte tradição
de estudar este nível de experiência de maneira isolada e compartementalizada. Geralmente, os
métodos tradicionais convencionais concebem as variáveis como entidades discretas e se
utilizam de afirmações do tipo “a afeta b” (imagem mecanicista da “bola de bilhar”). Esta visão
deriva dos modelos mecânicos e biomédicos do começo do século, que vêem a realidade como
composta de entidades discretas passivas - como as bolas de bilhar - prontas para serem
afetadas por forças externas. Muita pesquisa e análises estatísticas têm sido planejadas e
elaboradas tendo como base este modelo.
De toda maneira, visando compreender este complexo fenômeno de natureza
multivariada de forma mais abrangente, sem incorrer no perigo de uma segmentação excessiva
de tipo reduzionista, são necessárias novas estratégias. Uma abordagem que tem se mostrado
particularmente útil para lidar com as dificuldades acima apontadas é a “Teoria das Facetas”
(TF). Esta teoria, mais do que uma teoria, é uma metateoria que pode ser utilizada para definir e
planejar o conteúdo de uma investigação e para formular teorias de maneira cumulativa. A
definição é fornecida pelo fato de especificar as “facetas” inerentes nas variáveis sendo
estudadas e as relações conceituais entre as facetas. Um componente conceitual de uma faceta
pode ser dividido em partes constitutivas mutuamente exclusivas denominadas “elementos”.
De acordo com esta abordagem teórica as variáveis não são concebidas como entidades
discretas, pelo contrário são vistas a priori como estritamente interrelacionadas entre si; de fato,
as variáveis só podem ser concebidas interligadas com toda uma complexa rede de outras
variáveis que pertencem ao mesmo domínio de investigação. A imagem assim é de um espaço
contínuo ou interações de campo. A TF implica também toda uma série de técnicas de análises
de dados para verificar hipóteses das relações especificadas entre a definição das variáveis e as
observações empíricas. As teorias podem portanto ser formuladas através da racionalização da
correspondência entre a definição e as observações.
Assim, a TF proporciona uma estrutura geral para uma definição precisa do universo de
observação que está diretamente relacionada com as especificações dos vários elementos dos
estudos empíricos (estímulo, sujeitos, respostas), e as teorias sobre a estrutura dessas
observações (Borg & Lingoes, 1987). De acordo com esta perspectiva teórica, o processo de
investigação é dividido em três componentes interrelacionados que compreendem: 1) o
estabelecimento de um sistema definidor dos aspectos e variáveis sendo estudadas (facetas); 2)
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a formulação das relações hipotetizadas entre este sistema definidor e a estrutura empírica das
observações; e, 3) o estabelecimento de uma base racional para estas hipóteses. Esta forma de
ver, conjuntamente, conceitualização e observações de campo, enfatiza a inter-relação entre
investigação empírica e construção teórica.
Uma exemplificação desta abordagem teórica será apresentada a seguir. Trata-se de
uma re-análise de uma investigação realizada recentemente sobre influências socioculturais no
desenvolvimento do juízo moral de criança à transgressores e vítimas de injustiça.(Roazzi, Dias
& Silva, no prelo). Inicialmente iremos descrever os estudos que justificaram esta investigação
e os principais resultados encontrados de acordo com uma abordagem convencional.
Abordagem convencional para o estudo do juízo moral
Estudando o desenvolvimento moral, logo nos deparamos com a idéia de uma
universalidade de princípios morais (Kohlberg, 1963; 1964), de uma progressão em estágios ou
mais precisamente fases (Piaget, 1932/1965; Kohlberg, 1964, 1976, 1985) e, especialmente,
com a idéia de que as fases mais amadurecidas da moralidade extrapolam a mera internalização
da moral da cultura - como pretendiam, por exemplo, Durkheim (1974 a, b), Freud (1914, 1915,
1929), behavioristas, antropólogos e outros. Neste sentido, todos os indivíduos passariam
sucessivamente por uma série de fases, independentemente do nível sócio-econômico e meio
cultural. Entretanto, existem evidências na literatura de pesquisas realizadas em crianças
ocidentais apontando a importância das influências sociais, culturais e educacionais no
desenvolvimento moral (e.g., Panier Bagat, 1977, 1982, 1985; Panier Bagat & Di Gemma,
1987; Panier Bagat & Manfredi, 1990), questionando não só a passagem de uma moral
heterônoma para uma moral autônoma, como também a hipótese piagetiana da existência de
invariantes culturais no domínio do desenvolvimento moral.
Parece, então, que fatores culturais podem afetar a seqüência dos juízos morais de
Piaget. Estes resultados implicam que a validade das conclusões, as quais Piaget têm chegado,
podem estar delimitadas no âmbito da cultura ocidental. Portanto, torna-se difícil uma simples
aceitação ou rejeição do postulado teórico piagetiano sobre a existência de invariantes culturais
no domínio do desenvolvimento do juízo moral.
Como esses resultados restringem a validade das conclusões de Piaget ao âmbito da
cultura ocidental, seria produtivo comparar-se resultados de pesquisas idênticas realizadas em
contextos sócio-culturais diferentes. Nesse sentido, o Brasil oferece um contexto interessante
para verificação desse paradigma, visto que possibilita a comparação de crianças com
experiências socioculturais e educacionais diferentes. De fato, pelo menos para a população de
nível sócio-econômico médio e alto, podemos considerar o Brasil um país moldado de acordo
com os parâmetros da cultura ocidental, usufruindo de bens de consumo materiais, culturais e
educacionais semelhantes aos encontrados no “primeiro mundo”. Para a população pobre e
marginalizada, o acesso aos bens de consumo, em seus diferentes níveis, é restrito. Além de
comparações interclasses, é possível confrontar esses resultados com estudos realizados em
outros países ocidentais.
Nesta direção, procuramos na literatura alguns estudos realizados no Brasil que
tivessem submetido à verificação o paradigma piagetiano de juízo moral, através da
comparação simultânea das variáveis de intencionalidade (intencional e acidental) e dano
(grande e pequeno) e, ao mesmo tempo, estivessem fundamentados em estudos realizados em
um outro país ocidental.
Nessa perspectiva, encontra-se o estudo de Alencar, Maciel, Fernandes e Patriota
(1984). Estes autores objetivaram, prioritariamente, replicar o estudo de Miller e MacCann
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(1979) sobre as reações de crianças a transgressores e vítimas de injustiças. Nestas duas
investigações requeria-se, por parte das crianças, a comparação simultânea de duas variáveis -
intencionalidade e dano - depois de ouvidas duas histórias: uma contendo um grande dano
causado por acidente e outra contendo um pequeno dano causado intencionalmente. Após
ouvidas as histórias, as crianças eram questionadas a respeito do grau de maldade do
transgressor, da punição a ser dada a ele e da recompensa a ser dada à vítima.
Miller e MacCann (1979) realizaram três experimentos em crianças canadenses (de 1ª a
6ª série) e encontraram que, não apenas o transgressor intencional era julgado com maior
severidade que o acidental, como também que, as crianças julgavam os atos intencionais mais
merecedores de punição que os acidentais. Encontrou-se, também, maior disposição das
crianças mais novas em considerar a vítima mais merecedora de recompensa que as mais
velhas. Além disso, diferenças significativas foram encontradas na compensação a ser dada às
vítimas de atos intencionais ou acidentais, tendo a vítima de atos acidentais menor
recomendação de recompensa que a vítima de atos intencionais.
As histórias envolvendo dano material eram julgadas com mais severidade que as
histórias envolvendo dano físico. Não obstante, as medidas de punição e de recompensa eram
bem menores quando o transgressor já tivera recebido alguma punição para seu ato, do que
quando não tivera recebido nenhuma punição. As crianças expressaram um maior desejo em
punir o transgressor do que de compensar a vítima, especialmente quando os danos causados à
vítima eram severos.
Alencar et al. (1984), ao realizarem uma réplica do estudo canadense, visavam,
principalmente, avaliar o grau de generalização dos resultados obtidos pelos autores Miller e
MacCann (1979) no experimento original com crianças de um contexto sociocultural diverso
do originalmente investigado. A investigação foi realizada com uma amostra de crianças de 1ª,
3ª e 5ª séries de uma escola pública localizada em uma área habitada por uma população de
status sócio-econômico médio do Distrito Federal. Foram observadas similaridades e
diferenças com o estudo original. Mais especificamente, coincidiram os resultados referentes às
medidas de maldade do transgressor e de punição merecida por este. Conforme o estudo
original, o transgressor da condição intencional foi julgado com uma severidade
significativamente mais alta que o da condição acidental. Além disso, como no estudo de Miller
e MacCann, o transgressor da condição intencional foi considerado, também, mais merecedor
de punição que o da condição acidental; não obstante, as crianças mais novas consideraram a
vítima mais merecedora de recompensa que as mais velhas. Entretanto, em relação ao nível de
compensação merecida pela vítima, diferentemente do estudo original, ocorreu um efeito de
idade e, sobretudo, não foram observadas diferenças significativas na recompensa a ser dada às
vítimas de atos acidentais ou intencionais.
Em linhas gerais, tanto os resultados de Alencar et al. como os de Miller e MacCann
indicam que, já a partir de sete anos de idade, as crianças são capazes de considerar a
intencionalidade do transgressor ao avaliarem o seu ato, em um período anterior àquele
apontado por Piaget. Alencar et al. interpretaram estes resultados como conseqüência do fato de
que, nas histórias apresentadas, a intencionalidade do ato era um fator muito saliente, condição
que teria levado as crianças mais novas a considerar a intencionalidade. Essa explicação é
bastante plausível, visto que outros estudos na literatura têm apontado que a saliência de um ato
moral intencional dificulta a possibilidade de detecção de diferenças em outras variáveis (por
exemplo, ao comparar-se o julgamento de atos de vandalismo em função da propriedade ser
pública ou privada; ver Roazzi, Monteiro & Loureiro, 1966).
Embora não tenham sido encontradas diferenças significativas entre os estudos de
Miller e MacCann e de Alencar et al. com relação ao julgamento do grau de maldade do
transgressor, nos dados referentes ao julgamento da compensação a ser dada à vítima, os dois
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estudos apresentam duas diferenças fundamentais. Em primeiro lugar, enquanto que no estudo
original de Miller e MacCann com uma amostra de crianças canadenses foram observadas
diferenças em função da idade, no estudo de Alencar et al. as crianças mais novas consideraram
a vítima como mais merecedora de recompensa que as mais velhas. Esta divergência de difícil
interpretação é agravada pelo fato de que, a tendência encontrada por Alencar et al. é
exatamente oposta à preconizada, mas não encontrada por Miller e MacCann (para esses
últimos autores, a responsividade da criança às necessidades de outras crianças deveria
aumentar com a idade). Assim, apesar dos dois estudos apresentarem diferenças, em função da
idade, no julgamento da compensação a ser dada à vítima, os dois estudos diferem quanto a
direção desta diferença. Em segundo lugar, não foram encontradas diferenças significativas na
compensação a ser atribuída às vítimas de atos intencionais ou acidentais no estudo de Alencar
et al., enquanto que, no estudo de Miller e MacCann, as crianças recomendaram uma
recompensa menor à vítima de atos acidentais do que à vítima de atos intencionais.
Como interpretar estas divergências relativas ao julgamento do nível de recompensa
recomendada à vítima? Uma das características que diferencia as amostras desses dois estudos
é o nível sócio-econômico das famílias de origem das crianças. Enquanto Alencar et al.
informam claramente que a amostra era formada por crianças de escola pública, Miller e
MacCann não informam o tipo de escola freqüentada pelas crianças. Além do mais, Alencar et
al., ao descreverem a amostra, informam que esta escola pública era “localizada em um setor
habitado por uma população de status sócio-econômico médio” (p.26). Mesmo com a falta de
informações precisas, é possível inferir que as crianças do estudo brasileiro pertenciam a
famílias de nível sócio-econômico baixo, enquanto as crianças do estudo canadense, a famílias
de nível sócio-econômico médio. Outros estudos na literatura têm mostrado a relação entre tipo
de escola freqüentada e nível sócio-econômico (e.g., Nunes-Carraher & Schliemann, 1982;
Roazzi, 1988). Assim, se as duas amostras de crianças que caracterizam esses dois estudos
diferem em termos de nível sócio-econômico das famílias de origem, justifica-se realizar uma
investigação que controle esta variável, já que essa é uma variável que, em outros estudos, tem
desempenhado um importante papel nos tipos de julgamentos apresentados (e.g, Haidt, Koller
& Dias, 1993). De fato, se o nível sócio-econômico dos sujeitos afeta o sistema de valores
(Tamayo & Tamayo, 1986; Tamayo, 1994), valores estes que, por sua vez, podem orientar
explícita ou implicitamente a conduta humana (Horrocks, 1976; Kluckholm, 1951; Rockeach,
1973; Smith, 1963; Williams, 1968), é de se esperar, também, que o nível sócio-econômico
afete, de alguma forma, o tipo de juízo moral e, mais especificamente, as reações aos
transgressores e vítimas de injustiça. Julga-se necessário esclarecer essa questão antes de
sugerir-se interpretações das divergências dos estudos colocados acima. Além do mais, uma
comparação entre tais estudos possibilitaria uma melhor compreensão da controvertida hipótese
piagetiana da existência de invariantes culturais na área do desenvolvimento moral. As duas
questões que se colocam são: as influências socioculturais e educacionais são capazes de
facilitar (apressar) ou dificultar (desacelerar) a passagem da moral heterônoma para a moral
autônoma? As influências socioculturais e educacionais são capazes de determinar sistemas
ético-cognitivos diferenciados, isto é, relações específicas entre compreensão e avaliação das
normas sociais?
Neste sentido, Roazzi, Dias e Silva (no prelo) propuseram-se a replicar o estudo de
Alencar et al. que, por sua vez, replicou um dos estudos de Miller e MacCann (1979), visando
investigar a reação de crianças recifenses a transgressores e vítimas de injustiças, controlando
não somente o tipo de série (1ª e 4ª), o tipo de dano3 (material e físico) e o tipo de ato
(intencional e acidental), mas também o tipo de escola freqüentada, supondo que essa reflete o
3 Variável não atendida por Miller e MacCann (1979) e Alencar et al (1984).
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nível sócio-econômico da família de origem. Visto que nenhuma diferença foi observada em
termos de maldade e punição do transgressor, apenas a primeira destas variáveis foi avaliada,
além de naturalmente, o nível de recompensa, já que, conforme os estudos citados
anteriormente, esta variável foi o que apresentou o maior número de discrepâncias.
No primeiro estudo se entrevistaram crianças de 1ª e 4ª série (N=12 em cada série) de
uma escola pública que, tendo então ouvido histórias contadas pelo experimentador, eram
convidadas a responder, voluntariamente, duas questões: uma sobre o grau de maldade do
transgressor e outra sobre a recompensa a ser dada à vítima. No segundo estudo, o material e o
procedimento foram idênticos ao primeiro, enquanto a amostra selecionou crianças da 1ª e 4ª
série de uma escola particular.
O tipo de escola freqüentada no Brasil, bem configura e/ou delimita o status familiar
sociocultural dos cursantes, justificando-nos tomar uma escola pública por representante do
NSE baixo e uma escola particular por representante do NSE médio. Por outro lado, as séries
em enfoque se fizeram distribuídas entre a 1ª e 4ª série, para fim de controle das idades das
crianças mais novas das mais velhas, que no âmbito da escola pública não se observa
demarcação tão definida como acontece na escola particular.
Observou-se que os atos de transgressão na condição intencional são julgados mais
severamente do que os atos na condição acidental. Também uma diferença mais marcante entre
crianças de 1ª e 4ª série na condição intencional do que na acidental. Em relação aos atos
intencionais, as crianças de 4ª série sempre julgam com maior severidade estes tipos de atos do
que as crianças de 1ª série.
Em relação à compensação merecida pela vítima, as diferenças entre atos intencionais e
acidentais são menos marcantes. Além do mais, as crianças da 1ª série sempre julgam que a
vítima merece uma maior compensação do que as de 4ª série. Enfim, foi possível observarmos
médias mais altas na compensação da vítima na história envolvendo dano material do que dano
físico.
Assim, os resultados coincidem com os de Alencar et al. somente no que se refere às
diferenças entre os dois tipos de ato quando se mede a maldade do transgressor. Em relação a
esta última variável dependente, foi também a interação Série x Tipo de ato que aponta para
uma tendência em julgar com maior severidade atos intencionais na medida que a criança
torna-se mais adulta e a tendência oposta quando o ato é acidental. Esta interação não foi
observada tanto no estudo de Alencar et al. como no estudo de Miller e MacCann.
Considerando a variável dependente recompensa, observou-se uma diferença entre os dois tipos
de atos como também foi observado no estudo de Miller e MacCann.
Outra importante diferença com os dois estudos acima citados refere-se à diferença
encontrada entre os dois tipos de histórias. A história envolvendo um tipo de dano material foi
julgada como merecendo um tipo de recompensa maior do que a história envolvendo um tipo
de dano físico. Esta diferença não foi encontrada tanto no estudo de Alencar et al. como no
estudo de Miller e MacCann. Estes últimos autores encontraram uma diferença no mesmo
sentido ao ser julgado o nível de maldade do transgressor.
Apesar das diferenças observadas entre os resultados dos estudos de Miller e MacCann
e de Alencar et al. e as diferenças entre estes dois estudos com nossos resultados, em seu
conjunto todos estes resultados indicam de forma clara que crianças a partir de sete anos de
idade, são capazes de considerar a intenção do transgressor ao avaliar o seu ato. Além do mais,
estes estudos apontam, apesar de uma forma menos acentuada, que as crianças consideram a
intenção do transgressor, para recompensar a vítima do dano quando este foi perpetrado de
maneira acidental em comparação quando o mesmo foi intencional. Assim, é possível
afirmarmos que a reação da criança a uma vítima de uma injustiça é realmente afetada pela
natureza da ação que leva a um nível de sofrimento vivificado por parte da vítima.
9
Como foi visto, apesar das similaridades encontradas no Estudo 1 com os estudos de
Miller e MacCann e de Alencar et al., foram encontradas também uma série de diferenças. Uma
importante variável que caracteriza estes estudos é o NSE dos sujeitos, que no caso do Nordeste
do Brasil tem correspondência no tipo de escola atendido pelos alunos. Nesse sentido, postula-
se que o nível sócio-econômico das pessoas afeta o seu sistema de valores (Tamayo & Tamayo,
1986), que por sua vez, podem orientar explícita ou implicitamente sua conduta (Horrocks,
1976; Kluckholm, 1951; Rockeach, 1973; Smith, 1963; Williams, 1968). Desse modo, seria de
esperar que as classes sociais mais baixas enfatizassem os valores sócio-econômicos-culturais
mais prementes de seu cotidiano. As crianças investigadas por Roazzi, Dias e Silva (no prelo)
freqüentavam uma escola pública, cujos alunos eram oriundos de famílias de um NSE baixo.
No estudo de Alencar et al., as crianças freqüentavam também uma escola pública, mas
“localizada em um setor habitado por uma população de status sócio-econômico médio do
Distrito Federal”. Portanto, a amostra de Alencar et al. não pode ser equiparada com a do
estudo de Roazzi, Dias e Silva por causa da diferença do tipo de escola freqüentada. Por último,
presume-se que a amostra investigada por Miller e MacCann seja de uma escola pública no
Canadá (os autores não fornecem este tipo de informação). Inúmeros estudos na área cognitiva
têm mostrado que crianças atendidas em escolas públicas de países do primeiro mundo são
facilmente comparáveis com crianças atendidas em escolas particulares de países “em
desenvolvimento”, como é o caso do Brasil (e.g., Roazzi, 1988). Considerando as diferenças
entre as amostras acima apontadas, um segundo estudo foi realizado com uma amostra de
crianças de escola particular, cujos alunos são oriundos de famílias de NSE média.
Os resultados apontam que atos de transgressão na condição intencional são julgados
mais severamente do que atos na condição acidental. Observa-se também uma diferença mais
marcante entre crianças de 1ª e 4ª série na condição intencional do que na acidental. Em relação
aos atos intencionais, as crianças de 4ª série sempre julgam com maior severidade estes tipos de
atos do que as crianças de 1ª série.
Em relação à compensação merecida pela vítima, as diferenças entre os atos
intencionais são muito menos acentuadas. Além do mais, ao contrário das crianças de escola
particular, as crianças da 1ª série julgam que a vítima merece uma menor compensação do que
as de 4ª série à exceção da condição acidental com dano material.
Abordagem da Teoria das Facetas: Uma re-análise do estudo de Roazzi et al. (1999)
As análises dos dois estudos acima descritos foram realizadas através dos métodos
tradicionais convencionais. A seguir serão exploradas formas de análises alternativa capazes de
melhor compreender diferenças e similaridades entre grupos socioculturais a partir da TF. Visto
que a TF não concebe as variáveis como entidades discretas isoladas entre si, mas
principalmente interrelacionadas, o primeiro passo é estabelecer qual é a estrutura subjacente
aos dados. Em nosso estudo, mais especificamente, esta estrutura relacional se refere as
diferentes modalidades de histórias. O segundo passo é verificar como as variáveis
independentes estão relacionadas com esta estrutura (não as variáveis dependentes isoladas).
Este segundo passo é um avanço em relação ao uso de técnicas de análises MDS clássicas; de
fato estas têm sido questionadas por não serem capazes de lidar com sub-populações (Doise,
Clemence and Lorenzi-Cioldi, 1993). Visando responder a estas críticas o presente artigo
explora o uso de uma técnica recentemente desenvolvida Cohen e Amar (1993, 1999) – “a
técnica das variáveis externas como pontos” (para outras aplicações ver também Amar & Levy,
1995; Cohen 1995, Lyra, Roazzi & Cohen, 2001). As questões a serem colocadas são: Qual é a
10
estrutura conceitual do juízo moral da criança à transgressores e vítimas de injustiças? Existem
diferenças nesta estrutura em função da faixa etária e do nível sociocultural (tipo de escola
freqüentada)? Como quantificar as diferenças entre os vários níveis das variáveis (dependentes
e independentes) a partir desta estrutura relacional?
Visando avaliar a estrutura relacional latente entre as histórias em função do tipo de
dano e tipo de transgressão foi realizada uma análise multidimensional denominada Análise da
Estrutura de Similaridade ('Similarity Structure Analysis' SSA - Borg & Lingoes, 1987,
anteriormente denominada também de 'Smallest Space Analysis’ – Bayley, 1974; Bloombaum,
1970; Guttman, 1965; Shye, 1985), que faz parte da série de programas não-métricos 'Guttman-
Lingoes' que se fundamenta no trabalho de Louis Guttman (Lingoes, 1968; para maiores
detalhes ver Roazzi, 1995). Mais especificamente esta análise processa uma matriz de
correlação entre n variáveis através de representações gráficas destas variáveis como pontos em
um espaço Euclidiano chamados “menores espaços”. Pontos representando as variáveis são
projetados num espaço, de modo que quanto maior for a correlação entre duas variáveis, mais
próximas elas se localizarão no espaço da projeção e vice-versa (Guttman, 1965, Levy, 1994),
criando-se, assim 'regiões de contiguidade' ou 'regiões de descontinuidade' representando
espacialmente as correlações entre-itens. As hipóteses iniciais são assim transformadas em
hipóteses regionais, visto que se objetiva encontrar regiões de itens na configuração-SSA que
correspondem aos elementos das facetas consideradas. Se para uma faceta um conjunto de
regiões não é observado, então não existe evidência empírica por aquela faceta. É possível
assim descobrir a estrutura latente que emana dos dados através de uma representação espacial
facilmente compreensível ao ser indagada de forma visual. Isto é, constróe-se uma
representação geométrica dos dados, usualmente em um espaço Euclidiano, de
dimensionalidade mínima capaz de retratar de forma fiel a relação entre todas as relações das
variáveis investigadas. O que é importante no SSA é a divisão do espaço da projeção em
regiões. Como afirma Young (1987) “o elemento essencial de definição de todo método de
escalonamento multidimensional, é a representação espacial da estrutura de dados” (p.3). Os
procedimentos do SSA diferem de outros métodos clássicos de MDS pela forma de obtenção da
transformação monotônica. No lugar de usar a transformação do quadrado mínimo, o SSA
classifica as distâncias dentro da ordem especificada a partir dos próprios dados (Guttman
1965; Young 1987) não impondo ortogonalidade nos dados como ocorre na análise fatorial.
A “técnica das variáveis externas como pontos” foi utilizada para verificar a relação da
variável série (1a série e 4a série) com a estrutura das histórias. Esta técnica possibilita integrar
sub-populações nos mapas ou projeções MDS, i.e., possibilita localizar espacialmente variáveis
externas (as duas séries) como pontos na estrutura interna representada na projeção SSA que
permanece inalterada. Assim, no lugar de analisar diferentes mapas SSA, um por cada
subgrupo, é produzido um único mapa integrado representando ao mesmo tempo a estrutura das
histórias e os dois subgrupos (as duas séries escolares).
Em nossa re-análise dos dados da investigação de Roazzi et al., após produzir o mapa
SSA representando as correlações entre as várias histórias (variáveis conteúdos), os dois
subgrupos – 1a série e 4a série, eram introduzidas no mesmo mapa. Em outras palavras, após ter
produzido um mapa representando as correlações entre as variáveis conteúdos, duas variáveis
não-conteúdo (background) eram localizadas no mesmo mapa sem que fosse modificada a
localização das variáveis conteúdos originais. Esta independência é fundamental, visto que
teoricamente as variáveis populacionais de maneira alguma podem afetar a posição das
variáveis conteúdo.
Para gerar um único mapa integrado capaz de representar todos os dados (variáveis de
conteúdo e externas) foram criadas as duas variáveis “dummy” a partir da variável série da
criança. A variável série apresentava duas categorias, cada uma correspondendo a uma série – 1
11
para 1a série e 2 para 4a série. A partir desta única variável, construímos duas variáveis
dicotômicas denominadas variáveis “dummy”. Assim, a variável 1a série é uma cópia da
variável original série na qual a categoria 1 (1a série) permanece com a categoria 1 (sim) e a
categoria 2 (4a série) é modificada para 0 (não). De forma similar, a variável 4a série é uma
cópia da variável original série na qual a categoria 2 (1a série) é modificada para a categoria 1
(sim) e a categoria 1 (1a série) é modificada para 0 (não). A escolha desta direção (1 para “sim”
e 0 para “não”) é congruente com o juízo moral da criança. O princípio geral para ser utilizado
é que a variável externa precisa ser construída na mesma direção da variável interna de
conteúdo. De regra, “sim” na variável externa dummy corresponde com um alto valor na
variável de conteúdo. Assim, se as variáveis internas ou de conteúdo aumentam (de negativo
para positivo: maior maldade e maior recompensa), as variáveis externas precisam aumentar no
mesmo sentido.
Os coeficientes e coordenadas da Análise de Estrutura de Similaridade (SSA) das
quatro histórias considerando como variável externa série em função nível de maldade do
transgressor (maldade) e o nível de compensação merecida pela vítima (recompensa) estão
apresentados nas Tabelas 1 e 2 (alunos de escola pública e particular, respetivamente). Na
Tabela 3 encontram-se as resumidas as distâncias entre as Séries (1a e 4a série), Tipo de Dano
(Físico e Material) e Tipo de ato (Intencional e Acidental) computadas a partir da soma das
diferenças entre as Coordenadas 1 e 2 (última coluna da Tabela 1 e 2) em função do tipo de
Escola (Pública e Particular) e a Condição (Maldade e Recompensa). As projeções SSA
computadas a partir das coordenadas 1 e 2 das Tabelas 1 e 2 são apresentadas nas Figuras 1 e 2
para os alunos de escola pública e nas Figuras 3 e 4 para os alunos de escola particular.
12
Tabela 1. Coeficientes e coordenadas da Análise de Estrutura de Similaridade (SSA) das
quatro histórias considerando como variável externa a série dos alunos de escola pública (2: 1a
série vs. 4a série) em função nível de maldade do transgressor (maldade) e o nível de
compensação merecida pela vítima (recompensa)
Variáveis de Conteúdo e
Externas
Coeficiente de
uniformidade da
distribuição
Coeficiente
de alienação
Coordenada
1
Coordenada
2 C1 +C2
VD Maldade
Físico / Intencional 42 .00000 .00 65.89
Físico / Acidental 64 .00000 94.59 .00
Material / Intencional 56 .00000 100.00 98.52
Material / Acidental 75 .00000 33.87 19.86
Variável Externa
1a série 100 .00001 68.91 24.28
4a série 100 .00000 64.79 78.08
Diferenças
1a sér. - 4a sér. 4.12 57.92 62.04
Físico - Material 39.28 52.49 91.77
Intencional - Acidental 28.46 144.55 173.01
VD Recompensa
Físico / Intencional 44 .00000 23.13 .00
Físico / Acidental 62 .00000 43.55 91.84
Material / Intencional 38 .00000 100.00 13.00
Material / Acidental 35 .00000 .00 36.48
Variável Externa
1a série 100 .00001 61.92 32.57
4a série 100 .00000 41.86 47.95
Diferenças
1a sér. - 4a sér. 20.06 15.95 36.01
Físico - Material 33.32 42.36 75.68
Intencional - Acidental 79.58 115.32 194.49
13
Tabela 2. Coeficientes e coordenadas da Análise de Estrutura de Similaridade (SSA) das
quatro histórias considerando como variável externa a série dos alunos de escola particular (2:
1a série vs. 4a série) em função nível de maldade do transgressor (maldade) e o nível de
compensação merecida pela vítima (recompensa)
Variáveis de Conteúdo e
Externas
Coeficiente de
uniformidade da
distribuição
Coeficiente
de alienação
Coordenada
1
Coordenada
2 C1 +C2
VD Maldade
Físico / Intencional 44 .00000 99.86 22.86
Físico / Acidental 46 .00000 .00 .00
Material / Intencional 40 .00000 100.00 44.55
Material / Acidental 52 .00000 20.71 87.85
Variável Externa
1a série 100 .00000 33.35 40.62
4a série 100 .00000 54.31 28.97
Diferenças
1a sér. - 4a sér. 20.96 11.65 32.61
Físico - Material 20.85 109.54 130.39
Intencional - Acidental 179.15 20.44 199.59
VD Recompensa
Físico / Intencional 31 .00000 48.26 73.13
Físico / Acidental 35 .00000 .00 1.96
Material / Intencional 31 .00000 91.01 .00
Material / Acidental 38 .00000 100 35.36
Variável Externa
1a série 100 .00000 59.82 27.61
4a série 100 .00000 38.60 24.70
Diferenças
1a sér. - 4a sér. 21.22 2.91 24.13
Físico - Material 42.75 39.73 82.48
Intencional - Acidental 139.27 35.81 175.08
14
Tabela 3. Distâncias entre as Séries (1a e 4a série), Tipo de Dano (Físico e Material) e Tipo de
Ato (Intencional e Acidental) computadas a partir da soma das diferenças entre as Coordenadas
1 e 2 (última coluna da Tabela 1 e 2) em função do tipo de Escola (Pública e Particular) e a
Condição (Maldade e Recompensa).
Tipo de escola Maldade Recompensa Diferença “Intra”:
Maldade – Recompensa
Série: 1a - 4a série
Escola Pública 62.04 36.01 26.03
Escola Particular 32.61 24.13 8.48
Diferença “Entre”:
Pública – Particular 29.43 11.08
Dano: Físico – Material
Escola Pública 91.77 75.68 16.09
Escola Particular 130.39 82.48 47.91
Diferença “Entre”:
Pública – Particular -38.62 -6.80
Ato: Intencional - Acidental
Escola Pública 173.01 194.49 -21.48
Escola Particular 199.59 175.08 24.51
Diferença “Entre”:
Pública – Particular -26.58 19.41
15
Figura 1. Alunos de escola pública:
Coordenada 1 versus 2 da análise bidimensional
Físico / Acidental
Material / Acidental
Físico / Intencional
Material / Intencional
*
*
*
*
@
@1a série
4a sérieIntencional
Acidental
(1a 4.08 vs. 4a 4.58)
(1a 3.75 vs. 4a 4.58)
(1a 1.75 vs. 4a 1.75)
(1a 2.00 vs. 4a 1.79)
(1a 3.91 vs. 4a 4.58)
(1a 2.25 vs. 4a 1.83)
Análise SSA das histórias (dano vs. ato) em função da série
(variável externa) considerando o nível de maldade do transgressor
16
Figura 2. Alunos de escola pública:
Coordenada 1 versus 2 da análise bidimensional
Físico / Acidental
Material / Acidental
Físico / Intencional
Material / Intencional
*
*
*
*
1a série
4a série
Intencional
Acidental
(1a 3.58 vs. 4a 3.25)
(1a 4.62 vs. 4a 3.91)
(1a 4.83 vs. 4a 4.16)
(1a 3.79 vs. 4a 3.50)
(1a 4.41 vs. 4a 3.66)
Análise SSA das histórias (dano vs. ato) em função da série
(variável externa) considerando o nível de compensação da vítima
@
@(1a 4.00 vs. 4a 3.75)
17
Figura 3. Alunos de escola particular:
Coordenada 1 versus 2 da análise bidimensional
Físico / Acidental
Material / Acidental
Físico / Intencional
Material / Intencional
*
*
*
*
@
@1a série
4a série
Acidental(1a 3.91 vs. 4a 4.50)
(1a 1.83 vs. 4a 1.91)
(1a 3.87 vs. 4a 4.62)
(1a 3.83 vs. 4a 4.75)
(1a 1.83 vs. 4a 2.00)
Análise SSA das histórias (dano vs. ato) em função da série
(variável externa) considerando o nível de maldade do transgressor
Intencional
Material
Físico
(1a 1.83 vs. 4a 1.95)
(1a 2.87 vs. 4a 3.20)
(1a 2.83 vs. 4a 3.37)
18
Figura 4. Alunos de escola particular:
Coordenada 1 versus 2 da análise bidimensional
Físico / Acidental
Material / Acidental
Físico / Intencional
Material / Intencional
*
**
*
1a série
4a série
Físico
Material
(1a 4.33 vs. 4a 4.00)
(1a 4.25 vs. 4a 4.41)
(1a 4.17 vs. 4a 4.66)
(1a 3.91 vs. 4a 4.41)
Análise SSA das histórias (dano vs. ato) em função da série
(variável externa) considerando o nível de compensação da vítima
@
@
(1a 4.04 vs. 4a 4.53)
(1a 4.29 vs. 4a 4.20)
19
Uma inspeção das diferentes projeções produzidas indicam haver diferenças estruturais
entre os alunos de escola pública e particular. As duas projeções dos alunos de escola pública
mostram uma partição axial da faceta tipo de ato tanto no juízo moral em termos do nível de
maldade do transgressor como no nível de recompensa merecida pela vítima. O tipo de partição
desta faceta indica ser um tipo de faceta ordenada simples, na qual são distintas as histórias
intencionais das histórias acidentais. Por outro lado, a faceta tipo de dano não pode ser
observada na configuração SSA.
Nos alunos de escola particular, a partição axial em função do tipo de ato é observada
somente para o juízo considerando o nível de maldade. Entre estes alunos observa-se também
uma partição axial em função do tipo de dano tanto para a projeção do juízo considerando o
nível de maldade como para a projeção considerando o nível de recompensa. Assim, enquanto a
dimensão tipo de ato que considera o nível intencionalidade do ato é uma dimensão saliente
para os alunos de escola pública independente do tipo de juízo, para os alunos de escola
particular esta dimensão desempenha um importante papel somente nos juízos quanto à
maldade do transgressor. Por outro lado, para os alunos de escola particular, a dimensão tipo de
dano é uma faceta que desempenha um importante papel (partição axial) tanto nos juízos em
termos de maldade como nos juízos em termos de recompensa.
A análise da variável externa série mostrou haver diferenças entre os dois grupos de
alunos. Na projeção considerando o nível de maldade do transgressor dos alunos de escola
pública observa-se que enquanto os alunos de 4a série se localizam próximo da região das
histórias intencionais, os alunos de 1a série se localizam próximos da região das histórias
acidentais. Observa-se que, se inspecionarmos as quatro projeções a distância entre a
localização das duas séries é a maior neste caso. Este tipo de configuração indica a existência
de um efeito interativo série tipo de ato. Se considerarmos as médias enquanto os alunos de 4a
série julgam com mais severidade os atos intencionais do que os alunos de 1a série, esta
diferença desaparece (para o dano material) ou se inverte (para o dano físico). Na projeção
considerando o nível de recompensa merecida pela vítima a localização das duas séries se
inverte. Enquanto a 1a série se localiza mais próxima da região com as histórias intencionais, a
4a série se localiza mais próxima da região com as histórias acidentais. Este tipo de localização
entre as duas séries indica que apesar dos alunos de 1a série julgarem sempre a vítima como
mais merecedora de uma recompensa do que os alunos de 4a série, esta diferença é muito mais
marcante no caso das histórias intencionais.
Na projeções relativas às crianças de escola particular as localizações das duas séries
são muito mais próximas entre si do que foi observado para os alunos de escola pública,
indicando desta forma uma similaridade muito mais acentuada entre os dois grupos etários. Na
projeção considerando o nível de maldade do transgressor, enquanto os alunos de 4a série se
localizam mais próximos da região caracterizada pelas histórias intencionais e com dano físico,
os alunos de 1a série se localizam mais próximos da região envolvendo as histórias com dano
material e ato acidental. Na projeção considerando o nível de recompensa da vítima enquanto
os alunos de 4a série se localizam mais próximos da região dano físico os alunos de 1a série se
localizam mais próximos da região dano material.
Na Tabela 4 encontram-se descritas as histórias com o tipo de faceta que as
caracterizam. Na Figura 5 encontram-se resumidas as partições por cada tipo de juízo e tipo de
alunos. Estas diferentes partições por cada grupo de alunos e respectiva localização das séries
refletem diferentes maneiras de conceitualizar o juízo moral a transgressores e vítimas de
injustiça.
Estabelecida a relação estrutural entre as variáveis internas de conteúdo e a localização
espacial das variáveis externas é interessante analisar mais detalhadamente as distâncias “intra”
(Condição Maldade e Recompensa) e, sobretudo, “entre” (Escola Pública e Particular)
20
computadas na Tabela 3. Uma inspeção das distâncias das variáveis de conteúdo indica, antes
de tudo, a existência de uma maior diferenciação entre ato intencional e acidental (media
185.54) do que entre dano físico e material (média 95.08). Observa-se também que os alunos de
escola particular diferenciam mais as dimensões Dano e Ato do que os alunos de escola pública
na condição Maldade (as diferenças são 38.62 e 26.58, respetivamente). Na condição
Recompensa esta relação tende a se inverter na dimensão Ato (19.41). Na dimensão Dano a
diferença é pequena (6.80). Ao se considerar a variável externa Série observa-se uma maior
diferenciação entre as séries nos alunos de escola pública sobretudo na condição Maldade
(Pública 62.04, Particular 32.61, diferença 29.43). Ao analisar a diferença “intra” entre as duas
condições Maldade e Recompensa observa-se a maior e a menor diferença para os alunos de
escola particular: a maior entre os dois tipos de Danos (47.91) e a menor entre as duas Séries
(8.48).
Tabela 4. Descrição das histórias de acordo com as facetas: Tipo de Dano e Tipo de Ato
História Tipo de Dano Tipo de ato
1 Físico Intencional
2 = Acidental
3 Material Intencional
4 = Acidental
Figura 5. Partições das quatro projeções por cada tipo de escola
Maldade Recompensa
Escola pública
1
4a série
Intencional
1a série
3
2
4
Acidental
1
4a série
Intencional1a série
2
3
4
Acidental
Escola particular
21
14a série
Intencional
1a série
2
3
4
Acidental
Material
Físico
1
4a série
1a série
2 3
4
Material
Físico
Discussão e Conclusão O principal objetivo deste artigo foi explorar diferentes formas de conceitualizar o juízo
moral de alunos de escola pública e particular a transgressores e vítimas de injustiça, tendo
como suporte teórico a TF. A análise das projeções indicou existir diferenças e similaridades na
maneira de conceitualizar este tipo de juízo moral em função da idade e do nível sócio-
econômico.
Para os alunos de escola pública a faceta tipo de ato – intencional versus acidental –
caracteriza de maneira mais evidente a forma de conceitualização do juízo moral. Isto pode ser
observado tanto considerando o juízo relativo ao nível de maldade do transgressor como
considerando o juízo relativo ao nível de compensação da vítima. Para os alunos de escola
particular, as duas facetas são contempladas na forma de conceitualizar as histórias.
Considerando o nível de maldade do transgressor as duas facetas – tipo de ato e tipo de dano –
são dimensões conceitualmente importantes. Por outro lado ao se considerar o nível
recompensa da vítima, somente o tipo de dano torna-se uma dimensão saliente refletindo a
peculiaridade de conceitualização por parte deste tipo de aluno.
Enfim, a abordagem da TF para investigar o juízo moral tem se demonstrado útil para
explorar a forma de conceitualização operada por diferentes grupos sócio-culturais. Entretanto,
sugerimos que em futuras investigações as facetas a serem consideradas no momento da
elaboração das histórias sejam mais cuidadosamente estabelecidas. É muito provável que outros
fatores possam estar envolvidos no momento que o sujeito emita um juízo moral. A literatura
recente nesta área apresenta fortes indícios nesta direção (Grueneich, 1982; Leon, 1980). Ou
seja, no lugar de haver só dois fatores (intenções e conseqüências), é necessário considerar a
influência de uma série múltipla de outros fatores/dimensões, tais como: "(1) se as
conseqüências são positivas ou negativas, (2) a extensão ou grau das conseqüências, (3) se o
objeto da conseqüência é um objeto inanimado, animal ou pessoa, (4) se o efeito da ação foi
físico ou psicológico, (5) se as conseqüências eram intencionais ou aconteceram acidentalmente
ou através de uma falta de cuidado, (6) se a pessoa foi provocada, forçada ou pressionada ou se
as conseqüências foram voluntárias ou premeditadas, (7) se a atividade específica fazia parte de
uma plano geral de ser útil, malvado e egoísta, ou simplesmente não fazia parte de nenhum
plano" (Rest, 1983).
22
Estas considerações mostram que as simples tarefas elaboradas por Piaget cinco
décadas atrás têm se tornado mais complicadas nesta última década. Está claro que existem
muito mais fatores a serem considerados na compreensão do raciocínio moral do que
simplesmente intenções e conseqüências. Resolvidos estes problemas, um desafio para a
pesquisa futura será providenciar um quadro mais preciso de como a influência dos pais, a
interação entre crianças e o próprio raciocínio da criança interage na determinação do curso do
desenvolvimento moral. Neste sentido, tendo como base a TF, a elaboração de “sentenças
estruturadoras” mais sofisticadas4 contemplando as dimensões acima apontadas irão possibilitar
uma melhor compreensão não somente das diferentes formas de conceitualização dos princípios
morais como também das similaridades e dis-similaridades que caracterizam diferentes grupos
socioculturais.
Enfim, as análises MDS utilizadas ao interior da TF são métodos que se encontram em
contínua evolução e sofisticação, possibilitando explorar aspectos que seriam difíceis de serem
investigados até poucos anos atrás. A “Técnica das Variáveis Externas como Pontos” e a
“Análise das Ligações Culturais” são recentes exemplos deste desenvolvimento. Esperamos
que este capítulo tenha sido útil não somente em apontar as múltiplas vantagens a partir do uso
de análises MDS, como também em indicar as novas perspectivas de avaliação na pesquisa
social transcultural disponíveis através destas técnicas.
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4 Uma maneira formal para definir o universo das informações de uma forma que ajude a perceber a relação entre
os dados é a 'sentença estruturadora' (SE). A SE é 'um meio para resumir uma determinada área de pesquisa de
maneira precisa através da especificação de suas facetas e conectando-as semanticamente, utilizando uma
linguagem comum (Shye, 1978). Possibilita a conceitualização de um estudo e seu planejamento operacional.
Permite, através de nível elevado de formalização (em relação à prática convencional existente), comparações entre
estudos e o avanço cumulativo do conhecimento científico. Na prática funciona como um modelo (template) a partir
do qual é possível gerar uma série de itens. Por exemplo, na construção de um questionário, os elementos que
formam uma faceta são combinados e representados como 'structuples' (combinação de elementos para as
diferentes facetas) a partir das quais as questões que formam o questionário podem ser geradas de maneira
metódicas. Uma SE formada por duas facetas - A e B - cada uma contendo 3 elementos irá gerar 9 'structuples
(3x3). Estas serão: a1b1, a1b2, a1b3, a2b1, a2b2, a2b3, a3b1, a3b2, a3b3. Assim, todo esse sistema de facetas e de
suas inter-relações, organizado a partir de uma "sentença estruturadora", constitui não apenas numa clara afirmação
da hipótese inicial da pesquisa, como também uma estrutura que ajuda a construir os instrumentos para a coleta de
dados empíricos. O sistema definidor pode ser gerado pelo conhecimento geral do universo estudado, adquirido
previamente através de observação e entrevistas, ou através de análises de estudos anteriores.
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