1
ALINE FERREIRA DA CUNHA
SANGUE LATINO: questões musicais e interpretativas comparadas na
performance de Ney Matogrosso em dois momentos
Monografia apresentada ao Curso de Graduação da
Escola Superior de Música da Faculdade
Cantareira, em cumprimento parcial às exigências
para obtenção do título de Bacharel em Música.
Orientador: Prof. Ms. Roberto Sussumo Anzai
São Paulo
Outubro/2013
2
SUMÁRIO
Introdução .....................................................................................................................6
Capítulo 1 - Contextualização do intérprete e épocas .................................................11
1.1 - Panorama da década de 1970 .....................................................................11
1.2 - Ney Matogrosso nos Secos & Molhados ...................................................20
1.3 - O vôo solo de Ney Matogrosso ..................................................................24
Capítulo 2 - Fundamentação teórica do estudo da Interpretação e Performance ........31
2.1 - O conceito de Interpretação .......................................................................31
2.2 - O conceito de Performance ........................................................................44
2.3 - Interpretação X Performance .....................................................................50
Capítulo 3 - A música ..................................................................................................54
3.1 - Sangue Latino ............................................................................................54
3.2 - O processo de análise de Sangue Latino ....................................................56
3.2.1 - Elementos musicais e cênicos de análise interpretativa .........................57
3.2.2 - A Análise ................................................................................................58
Considerações Finais ...................................................................................................81
Referências...................................................................................................................84
Anexos .........................................................................................................................88
3
LISTA DE TABELAS
TABELA I - Conceitos de Interpretação e Performance..............................................53
TABELA II - Parâmetros de análise interpretativa......................................................58
TABELA III - Categorias descritivas..........................................................................59
TABELA IV - Análise de parâmetros.........................................................................67
4
RESUMO
O presente trabalho pretende realizar uma análise e discussão de questões
musicais e interpretativas a partir da performance de Ney Matogrosso, da canção
Sangue Latino. Trata-se de uma análise comparativa de duas performances da mesma
música por ele realizadas em dois contextos históricos diferentes, o primeiro em 1973,
quando integrante do grupo Secos & Molhados, e o segundo no ano de 1999, quando
em carreira solo. Serão analisados elementos musicais e extra-musicais (cênico e
mímico-gestual) de interpretação, a partir de dois vídeos, de modo a identificar
padrões de semelhanças e diferenças entre as performances, buscando possíveis
respostas técnicas, estéticas e histórico-culturais para o entendimento das mesmas e
para o aprofundamento dos estudos de interpretação e performance no âmbito do
canto popular e da música popular brasileira.
Palavras-chave: Interpretação musical, Performance, Ney Matogrosso, Canto Popular,
Música Popular Brasileira.
5
ABSTRACT
This study intends to perform an analysis and discussion of musical and
interpretative issues from the performance of Ney Matogrosso, the song Sangue
Latino. This is a comparative analysis of two performances of the same song that he
performed in two different historical contexts, the first 1973, when he was a member
of Secos & Molhados, and second in 1999, in solo career. Will be analyzed some
musical and extra-musical interpretation's elements (scenics and gestural mime) from
two videos in other to identify patterns of similarities and differences between the
performances, seeking possible technical, aesthetic, historical and cultural answers for
understanding the same and for developing deeper studies of interpretation and
performance within the popular singing and Brazilian popular music.
Keywords: Musical Interpretation, Performance, Ney Matogrosso, Popular Singing,
Popular Brazilian Music.
6
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende realizar uma análise e discussão acerca de questões
musicais e interpretativas a partir da performance de Ney Matogrosso. A idéia é, a
partir de dois vídeos em momentos diferentes da carreira do intérprete (o primeiro
quando ele fazia parte do grupo Secos & Molhados, em 1973, e o segundo em carreira
solo, no ano de 1999), realizar uma análise de aspectos musicais e cênico-gestuais,
apontando semelhanças e diferenças interpretativas e de performance, levando-se em
consideração o mesmo intérprete em dois momentos históricos diferentes, abrindo
uma discussão acerca das diferenças interpretativo-musicais nestas duas
performances.
A idéia deste estudo surgiu primeiramente pelo interesse sobre a trajetória do
cantor Ney Matogrosso, que neste ano comemora 40 anos de carreira. Interesse este
intensificado por verificar com frequência que, em muitas das entrevistas e
reportagens feitas a respeito deste artista, uma pergunta se repetia: seria ele um
intérprete, um ator ou um bailarino que canta? Esta foi uma curiosidade inicial que
levou a um mergulho mais profundo na trajetória deste artista brasileiro.
Após verificação de 6 entrevistas a diferentes programas televisivos e uma
palestra sua dada ao SENAC São Paulo a respeito da Exposição Cápsula do Tempo -
Ney Matogrosso (2012), que divulgaria a seleção de figurinos feitos e usados por ele
ao longo de sua carreira (todos estes registrados em vídeos e localizados na internet),
7
logo foi possível encontrar argumentos de Ney Matogrosso que responderiam
inicialmente a esta pergunta: "Eu não sou dançarino, eu não tenho nenhuma técnica de
dança. Eu me larguei dançando de loucura. Eu disse, 'ah, eu vou ver como é que é o
dançar, reproduzir com meu corpo o som que eu tô ouvindo'." (MATOGROSSO,
24/abr/2013) Foi o seu comentário advindo da palestra dada ao SENAC. Noutra
situação, em entrevista para TV IG, ele comenta: "Eu sempre me coloquei nos palcos
cantando como ator." (MATOGROSSO, 24/abr/2013)
Estas duas frases ajudam na resposta para a pergunta mais acima feita, uma vez
que deixa claro que Ney não tinha uma formação em dança nem se propunha a ser
dançarino, e por outro lado evidencia que ele, enquanto cantor, aproveitava a sua
experiência do passado como ator para agregar elementos cênicos e gestuais a sua
pratica musical.
Mas ter simplesmente estas respostas era importante, porém só aumentou ainda
mais o interesse em não somente conhecer a trajetória do artista. Outros
questionamentos surgiram como problemas para a presente pesquisa: Quais
características poderiam ser reconhecidas nos vídeos que permitiriam identificar Ney
Matogrosso como intérprete? Seria possível identificar um perfil de intérprete a partir
destas características? Qual seria este perfil? Quais questões surgem como pertinentes
para chegar a uma conclusão sobre o seu perfil? Quais características musicais e
interpretativas de sua atuação enquanto intérprete da canção?
A partir deste interesse investigativo, buscou-se configurar o objeto de análise.
A canção Sangue Latino foi escolhida como ponto de partida por ter sido uma das
canções que mais cantou em sua carreira, além de Rosa de Hiroshima. Em seguida,
optou-se por trabalhar com vídeos, de execução da mesma música em dois momentos
8
distintos da trajetória de Ney, o primeiro de 1973, registro da primeira aparição em
cadeia nacional e em TV a cores pela TV Tupi, e o segundo, parte do registro em
DVD Ney Matogrosso Vivo, a partir do show Olhos de Farol, realizado e gravado no
Metropolitan Rio de Janeiro em 1999. A escolha dos vídeos se deve não somente pela
distância temporal entre as duas apresentações, que gerariam material para análise,
mas também pela possibilidade de abarcar elementos musicais e extra-musicais das
duas situações.
Uma vez selecionado o objeto de estudo, a metodologia pôde ser estabelecida.
Ela foi, então, configurada da seguinte forma: transcrição da melodia (a partir dos
vídeos), geração de tabela comparativa de categorias descritiva (a partir dos vídeos),
geração de parâmetros de análise interpretativa, identificação frase a frase de
parâmetros de análise interpretativa, análise comparativa de parâmetros interpretativos
frase a frase (a partir dos vídeos e transcrição da melodia) e relação analítica com os
conceitos teóricos de Interpretação e Performance referenciais do trabalho.
Algumas dificuldades surgiram neste processo referentes à busca de dados
biográficos de Ney Matogrosso a partir de livros. Por se tratar de um artista ainda
vivo, não havia livros com dados biográficos suficientes. Daí partiu-se para
verificação de entrevistas e palestras em vídeos, de modo a retirar informações do
próprio relato do intérprete.
Outras dificuldades que se apresentaram foram relativas à amplidão dos
conceitos de Interpretação e Performance, utilizados em diferentes áreas das artes.
Consequentemente, houve uma necessidade de fazer um recorte conceitual ao final,
tomando alguns autores como referencias para este trabalho, de modo a viabilizá-lo e
gerar questões pertinentes de serem discutidas ao final dentro da temática.
9
Os autores tomados para discussão sobre os dois conceitos referenciais, ao longo
do trabalho, foram SILVA, P. (1960), DANTAS (2005), LIMA (2006), WINTER &
SILVEIRA (2006), LABOISSIÈRE (2007), COHEN (2011), KUEHN (2012). No que
diz respeito à parte histórica, ainda foram consideradas as idéias de ZAN (2006),
BAHIANA (2006), COSTA & SERGL (2007), BORGES & NORDER (2008),
BAHIA (2009), SILVA, C. (2010), VARGAS (2010), MATOS (2011), além das
palavras advindas do próprio discurso de Ney Matogrosso a partir das 6 entrevistas em
vídeo e uma palestra dada ao SENAC São Paulo em 2012.
Por fim as conclusões que surgiram ao final da análise realizada permitiram as
seguintes resultado: todos os parâmetros se apresentaram diferentes entre as duas
versões, exceto o de forma. A hipótese de que não existem duas interpretações iguais
ainda que feitas pelo mesmo intérprete foi confirmada. Também a tese que a
interpretação está sujeita a questões históricas, políticas, ideológicas, culturais, bem
como perpassa pelas experiências particulares do intérprete é confirmada, assim como
todos estes aspectos direcionam as escolhas interpretativas dele. Confirma ainda que
Ney Matogrosso é um intérprete do texto e voltado ao espetáculo por agregar aspectos
extra-musicais, especialmente cênico (figurino, maquiagem, iluminação) e mímico-
gestual (expressão, movimentação de palco), bem como estabelece uma relação de
reciprocidade com o público. Estes aspectos também permitem identificá-lo como
performer e seu trabalho como performance, configurando os dois conceitos –
Interpretação e Performance – como complementares e ainda confirmadores da
relação multidisciplinar entre as artes e que existe no trabalho de interpretação.
Para melhor entendimento de todos estes pontos da pesquisa, o presente trabalho
foi dividido em quatro partes. O capítulo 1 é referente à contextualização do intérprete
10
e épocas, subdividido nos itens 1.1. Panorama da década de 1970, 1.2. Ney
Matogrosso nos Secos & Molhados, e 1.3. O vôo solo de Ney Matogrosso.
O capítulo 2 diz respeito à fundamentação teórica do estudo da Interpretação e
Performance, subdividido nos itens 2.1. O conceito de Interpretação, 2.2. O conceito
de Performance, e o 2.3. Interpretação e Performance.
O capítulo 3 trata da música e do processo de análise, sendo ele relacionado nos
seguintes itens: 3.1. Sangue Latino, 3.2. O processo de análise de Sangue Latino,
3.2.1. Elementos musicais e cênicos de análise interpretativa, e por fim 3.2.2. A
análise.
Como última parte, encontram-se as considerações finais discorrendo de forma
objetiva sobre as conclusões chegadas a partir da análise e fazendo o arremate final do
trabalho.
11
CAPÍTULO 1
CONTEXTUALIZAÇÃO DO INTÉRPRETE E ÉPOCAS
1.1 - Panorama da década de 1970
A década de 1970 foi considerada, por muitos autores, na história da música
popular brasileira, como um período de transição entre duas outras décadas marcadas
por manifestações musicais bastante distintas e também por momentos históricos que
propiciaram oportunidades e ferramental tecnológico diferenciados para,
consequentemente, viabilizar a produção musical artística nestes respectivos períodos.
Todavia, é possível identificar idiossincrasias em produções musicais e artísticas em
geral neste período que também tornam relevante seu estudo. Mas antes de enveredar
por suas particularidades, é importante discorrer um pouco sobre fatos antecessores e
que servem como ponto de partida para seu melhor entendimento.
Voltando um pouco no tempo, no que diz respeito ao ambiente e sócio-político e
cultural dos anos 1960, é possível reconhecer alguns acontecimentos importantes e
que exerceram influência no cenário brasileiro, bem como de outros países. Foi nesta
década que se deu a popularização do rock'n roll 1, destacando-se bandas britânicas
1 Estilo musical surgido nos EUA, sendo uma evolução do rhythm-and-blues, e prevaleceu no
final dos anos 50 e início dos anos 60, depois evoluindo para o conceito simplesmente nomeado rock.
Uso do canto acompanhado por instrumentos elétricos amplificados, geralmente com a presença de
guitarra elétrica, bateria, baixo elétrico, podendo ainda haver um teclado ou segunda guitarra. Tem um
12
como The Beatles, The Rolling Stones, The Who, entre outras. Época da música de
protesto2, tendo como representantes nomes como Bob Dylan, Joan Baez, Paul and
Mary, e muito popularizada no Brasil através dos festivais. Nos EUA, em 1969,
ocorreu o Festival de Woodstock, que reuniu uma série de artistas e bandas da época e
ficou como marco da união entre música rock e a filosofia hippie de paz e amor. E por
fim, também no âmbito cultural internacional, deu-se o desenvolvimento da
contracultura3, do movimento hippie
4 e da idéia de sociedade alternativa.
No Brasil, situa-se nesta década o início da ditadura militar. Matos comenta o
seguinte sobre o este processo:
No dia 31 de março de 1964, mas legitimado no dia 1 de abril,
ocorreu o grande golpe de Estado almejado pelos militares
influenciados pelo governo norte-americano e por uma fração da
população brasileira. [...].Com os militares no governo se inicia um
dos períodos mais obscuros da nossa história. Período que alcançaria
manifestações artísticas e a economia do país que influenciava
diretamente o cotidiano da classe desfavorecida da nação brasileira,
que será muitas vezes retratada na arte. (MATOS, 2011, p.3)
Isto significa dizer que, neste contexto de repressão generalizada, em que todos
os veículos de comunicação, toda a liberdade de expressão individual e/ou coletiva,
foi cerceada pela censura estabelecida, mais ainda intensificada a partir da instituição
do AI-55 no ano de 1968. Como consequência, "a arte toma o seu papel de condutora e
formadora de opiniões" (MATOS, 2011, p.3), ao passo que os censores do governo,
forte apelo rítmico, visando a dança, o extravasamento e com foco no público jovem. (GROVE, 1994
p.791) 2 Músicas com um apelo político e ideológico condizentes com o período histórico, no qual se
encontram inseridas. (PAIXÃO, 2012) 3 A contracultura iniciou-se com esse nome nos anos de 1960, nos Estados Unidos. Surgiu como
um novo estilo de mobilização e contestação social, diferente do dos partidos e práticas políticas de
esquerda tradicionais. A “contracultura” ganhou muita força, principalmente com os jovens;
surpreendia à crítica e ao próprio Sistema. (FIGUEIRA, 2011) 4 O movimento hippie nasceu nos EUA, nos anos 60, e tinha como lema " paz e amor". Partia de
uma proposta ética e de moral universal, propondo a superação de diferenças entre raças, cores, classes
sociais e culturas. Os hippies propunham uma nova maneira de agir e pensar, uma transformação da
mentalidade vigente a fim de engendrar um novo contexto social que poderia ser chamado neotribal.
(CIDREIRA, 2008) 5 Ato Institucional n°5.
13
atentos à toda e qualquer movimentação que os artistas desejassem fazer, tinham em
mente que todas elas, sem exceção, eram manifestações politizadas, cabendo-lhes,
assim, o poder de julgar o que era ou não contravenção, o que seria ou não veiculado.
A ditadura militar brasileira contava com o apoio dos EUA. No ambiente
internacional, era um período movido por duas grandes forças políticas antagônicas,
capitalismo versus socialismo, forças estas que eram polarizadas respectivamente
pelos EUA e pela URSS, encabeçando o que fora chamado de Guerra Fria6. E a
respeito do assunto, BORGES & NORDER (2008) comentam:
É importante lembrar a tensão internacional desta época. No cenário
político internacional acontecia a Guerra Fria. Estados Unidos da América
versus URSS, ou “mundo livre” versus comunismo. Os Estados Unidos na
intenção de conter o comunismo na América Latina, afirmava que a
democracia era incapaz de evitar a eclosão deste tipo de regime. Este foi o
álibi usado para justificar os golpes militares. (BORGES & NORDER,
2008, p.2)
Outra autora que também aborda em concordância tal temática é a Camila
Gonçalves SILVA (2010) e cita que:
Conforme Julio José Chiavenato (CHIAVENATO, 2004) no contexto
mundial, vivíamos o período da Guerra Fria, o chamado Mundo Bipolar
encabeçado pelos Estados Unidos (capitalismo) e pela extinta União
Soviética (socialismo) estabeleciam áreas de influência no intuito de
angariar cada vez mais aliados e poder. O Brasil, mais precisamente os
homens que permeavam poderes políticos e econômicos, e, principalmente
tinham interesses em estabelecer relações de comércio com o EUA,
impetraram sentimentos de oposição a ideologias socialistas ou comunistas.
(SILVA, C. 2010, p.6-7)
Sendo assim, o governo nacional militar colocou-se explicitamente numa
posição conservadora e voltada às políticas comerciais capitalistas propostas pelos
EUA, pois era de seu interesse fomentar o progresso nacional através do estímulo à
entrada de multinacionais no país trazendo novas tecnologias, incrementando as
6 Conflito repleto de disputas estratégicas nos âmbitos político, militar, ideológico, econômico,
tecnológico e social estabelecido entre EUA e União Soviética, no período compreendido entre final da
II Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991).
14
relações comerciais entre os dois países, bem como fomentando o mercado de
consumo local de modo a gerar uma idéia de progresso vinculada a uma suposta
sensação de bem estar, pela assimilação de valores ligados ao american way of life7.
Os palcos simplesmente deixaram de ser meros espaços de apresentação de
espetáculos teatrais e musicais para "se tornarem verdadeiros campos de batalhas, cujo
objetivo principal era abordar questões democráticas" (MATOS, 2011, p.4).
A TV assumiu, neste momento histórico, o papel que anteriormente fora do
rádio, ou seja, de veiculação da música popular. Por sua característica tecnológica
diferente do rádio, servia a TV não só como meio de transmissão, mas também
estimulou e permitiu a criação de novas linguagens e possibilidades estéticas, uma vez
que envolve, além do áudio, o aspecto visual, cênico. Sendo assim, os artistas
puderam explorar outras possibilidades de apresentação e expressão de suas obras em
cena.
O período entre 1965 e 1968, no Brasil, foi marcado pela realização dos
festivais promovidos pelas emissoras de TV em preto e branco, como acima citado, já
atuantes na época (Excelsior, Record e Globo), a exemplo do Festival de Música
Popular Brasileira (Record), do Festival Internacional da Canção (Globo) e do
Festival Nacional da Música Popular (Excelsior). Estes, segundo Herom Vargas,
"foram marcantes por terem sido palco de disputas (políticas, inclusive) e por
nortearem, em certa medida, a produção, o consumo, a linguagem e, de forma indireta,
os valores sobre a qualidade em torno da música popular" (VARGAS, 2010, p.1).
Além disso, conforme Matos (2011, p.6), estes festivais tiveram "um importante papel
7 Refere-se a um estilo americano de vida, um padrão nacionalista que inclui também a busca
pela liberdade e felicidade, direitos de todos os americanos de acordo com a Declaração de
Independência dos EUA. Um estilo de comportamento advindo do século XVIII e que até hoje exerce
influência sobre as nações capitalistas.
15
de exteriorizar os sentimentos e indagações contidos pelo público, na maioria por
jovens", assim como “canalizavam parte da necessidade de agremiação, de debate
público, da insatisfação e vontade insofrida de participação da juventude”
(MENESES, 2002, p.29). Eram oportunidades que os artistas tinham para expressar
suas idéias frente à uma audiência diversificada, composta por pessoas dos diferentes
estratos socioeconômicos.
COSTA & SERGL (2007) ainda comentam que:
Todos os acontecimentos acima citados acabam por se refletir no setor
cultural. A exemplo do que ocorre entre os “guerrilheiros” e os
“diplomatas”, os artistas também se dividem, tomando posições
diferenciadas. Especificamente na música vemos bem clara essa divisão. De
um lado, tem-se aqueles que buscam um afrontamento direto ao regime,
questionando e criticando a realidade da sociedade. De outro, encontram-se
os que usam os recursos da linguagem para esconder suas mensagens de
modo subliminar nas canções. Os primeiros sendo ovacionados pelo
público e duramente reprimidos pela censura, os segundos, muitas vezes,
sendo reprimidos por ambas as partes. (COSTA & SERGL, 2007, p. 36)
Fruto destes festivais, grandes intérpretes e compositores da música brasileiras
ali destacaram-se pela primeira vez ou mesmo principiaram suas carreiras naqueles
palcos, a exemplo de Elis Regina, Vinícius de Moraes, Edu Lobo, Chico Buarque e
Geraldo Vandré, com suas canções de protestos, Nara Leão, entre outros. E não se
pode esquecer que, em 1967, surgiu o movimento da Tropicália8, liderado por Caetano
Veloso e Gilberto Gil, tendo ainda Os Mutantes, Torquato Neto e Tom Zé como
8 Movimento cultural brasileiro que surgiu sob a influência das correntes artísticas de vanguarda
e da cultura pop nacional e estrangeira (como o pop-rock e o concretismo); misturou manifestações
tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Tinha objetivos comportamentais, que
encontraram eco em boa parte da sociedade, sob o regime militar, no final da década de 1960. É reflexo
das transformações sociais, políticas e científicas que aconteceram no Brasil e no mundo. Representava
tudo o que existia de lacuna cultural e social, a retomada da linha evolutiva da música brasileira, o
protesto social, político, o retrato do país exótico, rico culturalmente, explorado e oprimido. E
“Tropicália” é a síntese de tudo isso, pois traz em sua essência a representatividade do país em todos
esses sentidos, com a junção das influências da cultura brasileira e da vanguarda seiscentista das artes
pop mundial. Abrangeu diversas manifestações artísticas além da música, como teatro, literatura,
poesia, cinema e artes plásticas. Não surgiu de forma organizada, e sim manifestações isoladas que por
comparações de artistas e inegáveis semelhanças se agruparam. (VIANA, 2007)
16
participantes. Movimento este que veio a influenciar a produção musical brasileira da
década de 1970.
Os últimos anos da década de 1960 apresentaram, no ambiente político
econômico, um "novo arranjo sistêmico das indústrias da cultura no final dos anos 60"
(ZAN, 2006, p.4). Esta nova configuração era consequência da expansão da indústria
cultural também a nível internacional e consolidação do mercado de bens simbólicos,
associada a uma:
política de modernização conservadora da economia brasileira adotada
pelo regime militar. Ampliaram-se os investimentos nacionais e
estrangeiros nas indústrias da cultura, estimuladas pela política
governamental relacionada com a estratégia de integração nacional,
levando a um novo arranjo sistêmico dos meios de massa. (ZAN, 2006,
p.5)
Neste momento, a indústria fonográfica também sofreu uma expansão, passando
a atrair novos investimentos e elevando expressivamente o registro audiofônico de
músicas. Por consequência, as funções ligadas a tal indústria ficaram cada vez mais
especializadas e provocando uma diminuição de defasagem tecnológica do que era
produzido no Brasil em relação à produção internacional, sendo isto um sinal
significativo do processo de globalização9.
A década de 1970, no âmbito internacional, foi marcada também pela crise do
petróleo que afetou significativamente a economia norte-americana e, no final da
década, também a brasileira. Na música, deu-se o desfecho do classic rock e
despontaram os movimentos da discoteca, com a dance music, na música popular, e o
9 Termo criado para se referir à intensificação das relações sociais em escala mundial e às
conexões entre as diferentes regiões do globo, através das quais os acontecimentos locais sofrem a
influência dos acontecimentos ocorridos à muitas milhas de distância e vice-versa. As ações humanas
estão encadeadas de tal forma que o que é feito neste exato momento repercute em espaços e tempos
distantes. Isto diz respeito às interconexões que se dão entre as dimensões global, local e cotidiana. A
globalização não é apenas um fenômeno de natureza econômica, mais também política, tecnológica e
cultural, além de social. Acima de tudo, tem sido influenciada pelo progresso nos sistemas de
comunicação, registrado a partir do final da década de 1960. (GIDDENS, 2000)
17
experimentalismo10
, na música erudita. A incorporação de instrumentos eruditos ao
rock, sob influência da psicodelia dos anos 1960, levou à gênese do rock
progressivo11
, destacando-se bandas como Pink Floyd, Yes, Genesis, Jethro Tull,
Gentle Giant, entre outros. Época também do Glam Rock12
de David Bowie, tendo
Marc Bolan e seu grupo e Elton John como ícones de tal estilo.
Outro estilo representativo de tal década é o hard rock, apresentando o Led
Zepellin, o Black Sabbath, o Deep Purple, Kiss e Aerosmith como bandas de destaque
neste cenário. Por fim o southern rock representado pelo Lynyrd Skynyrd e pelo
Allman Brothers, com sonoridade que associa country, blues e rock, gerando uma
música única.
No Brasil, a década de 70 iniciou-se a partir deste contexto e também foi
marcada pelo período mais ferrenho do governo militar brasileiro, principiado em
1964, especialmente a partir da instituição do AI-5 (1968), promovendo uma censura
mais acirrada, com perseguição de artistas, controle total dos meios de veiculação de
obras, opiniões e expressão artísticas (teatros, rádios, TVs, jornais, revistas). A música
talvez tenha sofrido maior impacto, dentre as outras artes, visto sua fácil difusão
10
O Experimentalismo foi uma característica importante nas artes no século XX, quando vários
movimentos novos surgiram, numa espécie de reação contínua ao que era considerado forma de
expressão decadente, tradicional ou fossilizada. Alguns exemplos deles foram: expressionismo,
futurismo, modernismo, surrealismo. 11
O Rock Progressivo representa uma radicalização do Rock Psicodélico. É derivado da
tendência do rock rumo à complexificação e experimentação da estrutura musical. Entretanto, ele se
aproxima muito mais de uma vanguarda estética do que de um movimento social como o movimento
hippie. Sendo assim, é uma radicalização no discurso dos aspectos utópicos e experimentais do discurso
psicodélico. (GATTO, 2011) 12
O visual e a gestualidade do Secos & Molhados assemelhavam-se ao glam rock ou glitter
rock, estilo que surgira no Reino Unido, na passagem dos anos 60 para os 70, e que representou ao
mesmo tempo ruptura e continuidade em relação ao rock progressivo e à contracultura. Seus
intérpretes, dentre os quais se destacavam Gary Glitter, Perry Farrell, Iggy Pop, Alice Cooper e David
Bowie, se apresentavam com cabelos longos, trajes escandalosos e maquiagem pesada, e com ênfase no
desempenho cênico. Recentemente, João Ricardo reconheceu que a opção pela estética glitter e pela
linguagem cênica e teatral fora uma necessidade, uma vez que não tinham formação musical suficiente
para produzir nos padrões do chamado “som progressivo” que estava na moda naquela época. Porém,
logo após o lançamento do primeiro disco, quando a crítica comparou o desempenho da banda ao de
Alice Cooper, por exemplo, reagia enfaticamente negando a influência. (ZAN, 2006, p.9)
18
através do rádio, TV e festivais, facilitando seu contato e assimilação por diferentes
classes sociais. Os "Anos de Chumbo", segundo Matos (2011, p.8), deram-se entre os
anos de 1969 e 1974, quando do governo do General Emílio Garrastazu Médici.
A consequência de tal acirramento da censura foi, nestes primeiros anos da
década de 1970, o comprometimento e quase extinção de uma cultura crítica no
Brasil. Neste sentido, COSTA & SERGL (2007) também comentam:
Assim, chegamos ao fim da década de 70 com um imenso empobrecimento
cultural. Percebe-se que os valores ainda são os mesmos dos anos 60. Os
artistas não podem expressar-se. Durante a ditadura, porém, os músicos
encontram nas canções de protesto o meio para defender seus direitos e
denunciar as mazelas de uma população que vive “confinada” por leis que a
impedem de defender seus ideais. Isso faz com que a produção musical seja
muito intensa, ao contrário do que ocorre em outros setores, como, por
exemplo, no teatro, que se vê obrigado a reproduzir peças antigas para não
ser censurado, usando as metáforas como principal arma, mesmo assim
ainda sofrendo grandes represálias. No cinema, alguns filmes são proibidos
de serem exibidos e só voltam a ser apresentados após a
“redemocratização” do Brasil. Literalmente, os artistas ficam fadados ao
silêncio. (COSTA & SERGL, 2007, p.38)
A indústria fonográfica teve a consolidação de seu novo arranjo e, em 1972, a
TV Globo implanta a tecnologia de transmissão em rede e em cores. Processos na
indústria cultural tornaram-se mais especializados, permitindo a superação de outros
mais artesanais e tornando este mercado no Brasil mais organizado, mais
profissionalizado, com novas perspectivas tecnológicas de produção musical e
permitindo também a elevação do consumo pelo mercado de massa.
Por fim, observamos que a década de 1970 concentrou o pior período da
ditadura, consequentemente, impactando nas manifestações culturais, uma vez que
artistas foram silenciados pela censura, bem como exilados em outros países, fazendo
com que a cultura do país se deparasse com um período de enfraquecimento da
contracultura. Os artistas que conseguiram ir em frente, e aqui nos restringimos ao
âmbito da música, para passar pela censura, realizavam verdadeiros malabarismos
19
linguísticos, através de metáforas, ou através de arranjos com instrumentos diferentes
e outros elementos musicais, para que suas verdadeiras mensagens não fossem
explicitamente percebidas e, assim, conseguir driblar os censores para terem suas
canções e apresentações liberadas para exibição e execução. Por consequência, ficava
cada vez mais difícil ter acesso a produções musicais politizadas , especialmente as de
protesto explícito, e o teatro passou a apresentar grandes clássicos para não ter suas
atividades encerradas. Um cenário de déficit cultural que começava a se configurar
aqui, mas que só tomaria corpo e se consolidaria na década de 1980.
E tudo isso acontecia em meio a uma inflação galopante, arrocho salarial,
proletarização da classe média, pauperização da renda em níveis assustadores e
violência (COSTA & SERGL, 2007). Os mesmos autores ainda comentam que:
Se no início da década vê-se a violência política, agora deparamos
com a violência econômica, que acaba por desencadear a violência
social, à qual nos “acostumamos” a assistir, refletida na sociedade
atual, como, por exemplo, desemprego, assaltos, roubos, crimes e
marginalização do menor. (COSTA & SERGL, 2007, p. 38)
20
1.2 - Ney Matogrosso e os Secos & Molhados
A banda Secos & Molhados foi criada em 1970 por João Ricardo, violão de 12
cordas e gaita, músico e compositor que criou o nome do grupo a partir da placa de
uma pequena loja localizada na cidade de Ubatuba, no litoral de São Paulo. Ele
reuniu, em 1971, Antônio Carlos "Pitoco", e Fred, na viola de 10 cordas e percussão.
Em julho deste mesmo ano, estes dois saíram em carreira solo e, logo em seguida,
João conheceu Gerson Conrad e Ney de Souza Pereira, futuro "Matogrosso",
ingressando estes oficialmente no grupo em novembro.
Segundo Ana Maria BAHIANA (2006), em seu livro Nada Será como Antes
(2006), João Ricardo, ao propor seu projeto do Secos & Molhados para Gerson
Conrad e Ney Matogrosso, apresentou propósitos muito claros que tinha em mente.
Estes objetivos acabaram por se tornar pilares da música e identidade do grupo,
conforme palavras abaixo da mesma autora:
Como música e como grupo, o Secos & Molhados calca-se em três
elementos básicos e saudavelmente inovadores, dentro do panorama
nacional: a bela e aguda voz de Ney Matogrosso [...], o espetáculo
altamente visual, com maquiagem e movimentação até mesmo sexualmente
ambíguo, e a inclusão de textos de poetas - Cassiano Ricardo, Manuel
Bandeira, Solano Trindade, Vinícius de Moraes - e letras de canções.
Nenhum desses elementos é gratuito. Estavam todos "pensados e
repensados" no espírito de João Ricardo. (BAHIANA, 2006, p.196)
Como se pode constatar, o marco de ingresso do Ney Matogrosso no grupo
Secos & Molhados foi o ano de 1971, quando sua amiga em comum com João, Luli,
integrante da dupla Luli & Lucinha, apresentou um ao outro, permitindo que o mentor
do grupo, que já se encontrava há algum tempo em busca de uma voz masculina
aguda para compor seu elenco da banda, identificasse mais do que uma bela voz para
assumir o vocal principal. Ele encontrara um intérprete de grande personalidade e que
21
muito teria a contribuir também com suas idéias acerca de aspectos cênicos e visuais a
fazerem parte de seus espetáculos.
Estes pontos eram quesitos previamente pensados por João Ricardo como
particularidades estéticas e que passaram a caracterizar o trabalho dos Secos &
Molhados: a junção de um apelo visual (figurino, postura em cena, máscaras e
maquiagem pesada), sensualidade, androginia, atitude provocativa, somada à voz
aguda de contratenor de Ney. Acredita-se ter sido o aspecto visual fator primordial
para o sucesso do grupo, com "o uso de uma certa androginia, casual na medida em
que não é bandeira, um argumento, mas um dos muitos lados de 'poder reinventar
tudo, a cara, as roupas', que João Ricardo coloca" (BAHIANA, 2006, p.196).
Sérgio Gaia BAHIA (2009), em Ney Matogrosso - o ator da canção (2009),
adaptação de sua tese de mestrado defendida na Universidade Federal da Paraíba no
ano de 2008, comenta que, "ao aparecer com o conjunto Secos & Molhados, em 1973,
Ney e seus parceiros representaram um choque para os padrões comportamentais (e
estéticos) da época." (BAHIA, 2009, p. 19). Isto porque o grupo se colocou com uma
postura politizada apartidária, ou seja, sem assumir propriamente um viés ideológico
partidário, mas assumindo um próprio, particular, atitudinal, comportamental.
Segundo o mesmo autor:
Essa postura - provocativa, desafiadora e desconcertada de ideologias
políticas - marcaria, segundo Queiroz, o Secos & Molhados como um
'grupo de conduta politizada , porém, não partidária.' Politizada porque
contestava, em cima do palco, tudo o que pudesse ser considerado como
exemplo de bons costumes [...] tudo contestava os padrões estabelecidos
ligados não apenas a comportamento de gênero sexual, mas aos próprios
limites da expressão humana como um todo. (BAHIA, 2009, p. 21)
Em 1973, gravam e lançam o primeiro disco Secos & Molhados. Também é
neste ano que fazem shows pelo país com recorde de público e sua primeira aparição
22
em cadeia nacional de TV causando frisson no grande público pela sua música,
performance e figurino.
Este impacto gerado no público de massa era o principal objetivo do João
Ricardo com o Secos & Molhados e que fora alcançado. A autora BAHIANA (2006)
explicita este foco do músico na seguinte passagem de seu livro:
O objetivo primordial é um só, claro, flagrante: chamar a atenção de uma
platéia altamente massificada, usar o insólito visual para chocar, alertar e,
como base nisso, descobrir: “porque ainda não descobriram Secos &
Molhados como pessoas específicas. É isso que eu quero, um mínimo de
consideração, que ninguém hoje tem mais com ninguém”. (BAHIANA,
2006, p.197)
Um outro aspecto importante a ser ressaltado diz respeito às características
composicionais e musicais do grupo. Costumeiramente, sua música é considerada uma
resposta brasileira ao Glam Rock. Mas de fato percebe-se que vai além disso, pois ela
não restringe-se a elementos do rock. O rock entra como um dos elementos de sua
base de componentes composicionais, em virtude de seus elementos libertários, a ver
com a proposta atitudinal do grupo, a partir do uso de instrumentos elétricos e de sua
base rítmica. Mas o Secos & Molhados parte para englobar outras linguagens musicais
de base latina, como é caso das influências portuguesas e flamencas também presentes
em algumas músicas. Uma música preocupada em ser simples no aspecto musical, de
fácil assimilação ao ouvinte, mas com textos que traziam mensagens de alerta
ideológico, cultural a partir de textos de poetas que se propunham a "dizer algo".
Como afirma a autora:
Utilizando do rock seus elementos libertários, suas possibilidades de uso de
uso da eletricidade, sua base rítmica, o Secos & Molhados consegue um
som predominantemente suave, que engloba todo tipo de linguagem
musical (seu maior sucesso, atualmente, é um vira português; no próximo
LP está projetado um flamenco). Ainda não é nada notável essa música: os
arranjos são bastante primários, a flexibilidade é pouca, a sonoridade,
simples e crua. Mas certamente existe uma semente e uma idéia nova
mediante isso, tanto mais animadoras quanto raras num meio que só tem
produzido ruído nem sempre muito criativo. (BAHIANA, 2006, p.198)
23
E segundo a autora, João Ricardo fazia questão de ressaltar que a música do
Secos & Molhados não tinha nada a ver com o grupo de Caetano, Gal e Gil para
demarcar ainda mais sua especificidade, sua identidade, sua particularidade musical,
textual, visual, enfim, estética (BAHIANA, 2006, p.198). Propunha uma música de
estética experimentalista, rompendo fronteiras entre música, teatro e literatura a partir
dos seus elementos-chaves constituintes: voz aguda de Ney, espetáculo visual, com
movimentação cênica, uso de maquiagem forte e marcante e a inclusão de textos
poéticos para compor seu alerta particular ideológico.
Em 1974, viajam para o México para lançamento no exterior do mesmo disco.
Neste ano, ao retornarem, voltam a estúdio e gravam seu segundo disco, também
denominado Secos & Molhados. Este se deu um pouco antes do término da formação
clássica, motivado por brigas internas entre os integrantes. Deu-se um período de
inatividade entre 1974 e 1977, em que os 3 membros seguiram carreira solo e João
Ricardo adquiriu direitos autorais sobre o nome do grupo, após algumas brigas
judiciais, permitindo-lhe ir em busca de novos músicos e gerar novas formações
postumamente. Sendo assim, em 1978, João reuniu Lili Rodrigues, Wander Taffo, Gel
Fernandes e João Ascenção para lançamento do terceiro disco do grupo Que Fim
Levaram Todas as Flores?
Em 1980, lançam o quarto álbum com os irmãos Lempé, César e Roberto. Já em
1987, surgiu a quinta formação do grupo, ingressando Totô Cotoxó e com ele em
1988 lançando o quinto disco, A Volta do Gato Preto. João Ricardo chega ainda a
lançar um álbum sozinho em 1999, Teatro?, e em 2011 uniu-se a Daniel Iasbeck
lançando no mesmo ano o Chato-boy e retomando os trabalhos dos Secos Molhados
até o presente momento.
24
1.3 - O vôo solo de Ney Matogrosso
Ney de Souza Pereira é natural de Bela Vista, estado do Matogrosso do Sul, e
nascido em 1º de agosto de 1941. Desde a infância evidenciou seu forte afeto com as
artes e, em especial, com a música e as artes plásticas. Cresceu cantando, pintando,
interpretando, e envolvido numa intensa relação com a natureza desde pequeno,
experiências pessoais que posteriormente tornaram-se marcas em sua atuação
profissional como cantor.
Antes de ingressar nos Secos & Molhados em 1971, chegou a trabalhar num
laboratório de anatomia em Brasília, quando já havia deixado sua família
anteriormente para trás para ingressar na Aeronáutica, visando seguir seus próprios
passos. Sua busca desde cedo por independência tem forte ligação com seu vínculo
com seu pai, que desde o início deixara claro que não desejava ter filho artista em sua
família. Isto foi, ao longo de sua carreira, motivo de muitos conflitos entre Ney e seu
pai, mas ao mesmo tempo serviu-lhe de mola propulsora, sempre o impulsionando e
direcionando-o na busca profissional e pessoal.
Além desta experiência na Aeronáutica, Ney chegou a atuar com recreação
infantil, como ator no teatro e confeccionando artesanato para sua sobrevivência,
vindo este último aspecto posteriormente ser muito bem aproveitado nas confecções
de seus figurinos e indumentárias de seus personagens em cena.
Em 1966, foi para o Rio de Janeiro em busca do seu sonho, adotando neste
momento a filosofia hippie e vivendo da venda de seus artesanatos. Transitou também
por São Paulo neste período, onde pôde conhecer Luli com quem estabeleceu grande
amizade e parceria, e também através dela pôde conhecer João Ricardo. Este, como
25
foi visto mais detalhadamente no item 1.1, convidou Ney, em 1971, para ingressar no
grupo.
A estrondosa parceria com João Ricardo e Gerson Conrad deu-se até o ano de
1974, desfeita por questões de conflitos internos entre os membros de ordem
financeira e contratual.
A partir de 1974, Ney iniciou seu vôo solo no qual continua até o presente
momento. Construiu uma trajetória profissional e artística de mais de 40 anos, atuando
como cantor-intérprete, coreógrafo, diretor, iluminador e ator. Têm como fruto de
trabalho 34 discos, 10 DVDs, 22 espetáculos musicais e participação como ator em 3
filmes.
A trajetória de Ney Matogrosso, segundo Bahia, pode ser compreendida em 3
fases:
1) uma fase inicial que manteve a contestação de comportamento ligada a
uma sexualidade mais explícita e agressiva, radicalizando, em alguns
momentos, a utilização de recursos teatrais ; 2) uma segunda fase, a partir
de 1984, em que o artista começa a suavizar sua expressão provocadora e
chega (no show Pescador de pérolas, de 1987) a abandonar o apelo
explícito ao corpo, os adereços extravagantes e as pinturas faciais –
iniciando uma postura em que a música ganharia mais espaço em relação à
parte visual; e 3) uma última fase, marcada pela combinação dessas duas
posturas, incluindo, de um lado, shows de estéticas mais enxutas e
"comportadas" e, de outro, espetáculos provocadores e exuberantes.
(BAHIA, 2009, p.22-23)
O ano de 1984 foi tido, assim, como um marco na carreira de Ney, por ser
considerado um ponto de radical mudança em seu trabalho. Como BAHIA (2009)
acima afirmou, data o início da segunda fase de sua trajetória, com aspectos estéticos
bastante diferenciados em relação à primeira fase. Isto em virtude de uma tomada de
consciência de que todas as possibilidades já lhe eram permitidas, até mesmo por
conta de um contexto histórico já de fim de regime militar e início de democracia no
Brasil. Com isto, referente ao aspecto cênico de seu trabalho, VAZ (1992) comenta
26
que a carga sexual presente nas performances de Ney Matogrosso, a partir de 1984 foi
diminuindo e modificando a qualidade de sua entrega, deixando de ser física e
tornando-se melhor. Passou, assim, a estabelecer uma relação mais carinhosa com o
público, depois de perceber que tudo já lhe era permitido, inclusive o que antes seria
excesso em qualquer outro artista. Daí tornou-se uma grande brincadeira, e ele se
tornou um profissional da diversão. (BAHIA, 2009, p.25).
Entendeu que o elemento mais importante era a sua voz e não o seu corpo a
partir de Pescador de pérolas, em 1987, desaparecendo sua angústia referente à sua
constante necessidade de até então usar seu corpo como elemento principal de
expressão, como se pode ver no comentário de Ney, em entrevista feita pelo BAHIA
(2009) durante seu mestrado:
eu não preciso mostrar meu corpo a vida inteira, eu já entendi que eu posso
parar e cantar, sabe? Na hora que eu entendi que eu não dependia só do
meu corpo, lá quando eu fiz o Pescador de pérolas, essa angústia
desapareceu. Porque eu tinha essa suspeita: que meu corpo era um elemento
muito importante , talvez mais importante do que minha voz. No Pescador
de pérolas, eu entendi que o elemento mais importante era a minha voz. O
meu corpo era uma coisa que eu oferecia também, mas que o principal da
minha manifestação artística era minha voz. Eu entendi isso, e aí eu me
acalmei. (MATOGROSSO, 2009 apud BAHIA 2009, p. 25-26)
Sendo assim, tornou-se compreensível sua afirmativa que passou a ter como
objetivo de seu trabalho: "Eu proponho divertir as pessoas."
E o mesmo autor ainda coloca que:
Desse momento em diante, Ney iniciaria uma fase na sua carreira em que
tudo se tornaria possível: voltaria se quisesse à sua antiga abordagem e
postura de palco exuberantes, em que dança, gesto, apelo sensual do corpo,
fantasias e cenários deslumbravam o público, ou optaria por shows mais
"comportados", nos quais todos esses elementos poderiam ser postos de
lado para que a música sobressaísse. A livre alternância entre essas duas
abordagens – e a fusão de ambas, por vezes, em um mesmo espetáculo –
marcaria a carreira de Ney a partir dessa fase até seu momento atual.
(BAHIA, 2009, p. 26)
Ney Matogrosso afirma que a arte o tirou e o livrou da loucura. O palco lhe
possibilitou colocar tudo para fora, liberar tudo que vinha do seu inconsciente, num
tempo de grande violência por parte do governo. Tinha consciência que era agressivo
27
e temia sua agressividade desmedida. Colocou isso no palco. A arte o poupou da
loucura, que tanto temia.
Ademais, seu pai, em virtude do conflito explicito e declarado entre ambos,
serviu-lhe como figura facilitadora na construção de sua atitude transgressora por ter
sido extremamente repressor com ele na infância e juventude. Consequentemente, sua
atitude de liberdade e independência também passou a ser uma marca em seus
trabalhos e do seu discurso. Durante a palestra Preservando Memórias – Ney
Matogrosso, realizada pelo Centro Universitário SENAC São Paulo em agosto de
2012, e parte da divulgação da exposição Cápsula do Tempo, composta por acervo de
seus figurinos e acessórios utilizados em shows ao longo de sua carreira doado pelo
próprio intérprete, Ney comenta:
Eu não acreditei e nunca aceitei que eu devesse me submeter a governo, a
igrejas, a nada disso, eu sou um ser humano independente, dono do meu
nariz, maior de idade, vacinado, e com todo direito de experimentar tudo o
que me interessasse até para chegar a conclusão que não me interessava.
Então eu sempre transitei com esta liberdade no mundo e pretendo chegar
ao fim da vida transitando por aqui com liberdade. (MATOGROSSO,
27/abr/2013)
Suas performances, de um modo geral, transmitiam ousadia, sensualidade,
provocação e ainda traziam personagens andróginos. Além disso, é evidente seu gosto
por signos transgressores e por vezes adotava-os como títulos de discos, shows e
mesmo como referencial na construção de seus figurinos.
No que diz respeito a suas máscaras, parte constituinte dos seus figurino e
personagens, eram feitas com maquiagem e elementos da natureza. Eram uma forma
de proteger sua privacidade e despir-se de sua timidez, de sua identidade, deixando-a
fora do palco, assumindo seus personagens ao subir nele, e a partir deles, também se
apropriando de um poder e uma atitude extravazadora, expressiva e libertadora, como
28
se pode ver em seu comentário "eu descobri, quando pintei o rosto, que aquilo me
dava um poder sobre-humano", em entrevista ao GNT Fashion, em agosto de 2012.
Toda essa manifestação deu-se num tempo, como vimos anteriormente, de
ditadura militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1984. Durante esses anos, em
virtude de seu comportamento independente, extravazador e transgressor, recebeu por
muitas vezes recados do governo para que não se excedesse em suas apresentações, o
que terminava por gerar efeito contrário, já que Ney terminava assumindo ainda mais
sua atitude provocativa. Podemos verificar isto nas próprias palavras de Ney, que
disse: "nada podia, nada podia, recebia muito recado, que eu não me excedesse, que
eu estava me excedendo. E quanto mais me diziam pra eu não me exceder, aí é que eu
me excedia mesmo porque era isso, se tratava disso, eu não estava ali brincando”
(MATOGROSSO, 27/abr/2013).
Seu nome, durante dois anos, foi proibido de ser publicado no Jornal do Brasil,
sendo chamado de travesti, mesmo nunca tendo o sido. Sempre usou sua nudez como
arma, como agressão, para desacatar as autoridades e, na mesma palestra para o
SENAC São Paulo, em 2012, comentou que "não pegava em armas, [eu] não era um
guerrilheiro, mas [eu] tentava da minha maneira colocar naquele universo que era
restritíssimo um espírito livre, um ser humano com liberdade" (MATOGROSSO,
27/abr/2012).
Acreditou que a esquerda pudesse entender sua posição, mas foi rejeitado por
ambos os lados, como também afirmou no mesmo evento: "eu almejei que a esquerda
me compreendesse, me apoiasse, mas fui rejeitado pela esquerda tanto quanto pela
direita. Não entenderam ambos." (MATOGROSSO, 27/abr/2013). E entendeu que
tinha que ser sozinho nesta luta por liberdade e, independente disso, exigia seu direito
de ser quem era e expressar tudo o que passasse por sua cabeça, também afirmando na
29
mesma ocasião, ter sido "a primeira pessoa que se expôs publicamente, claramente
defendendo o direito de existir fosse da maneira que fosse." (MATOGROSSO,
27/abr/2013).
Ney Matogrosso acha que a música serve para dar certos recados e para
expandir a compreensão das pessoas. Mas não acredita que transforme uma realidade
política. A ditadura sim acreditava nisto, segundo o mesmo. As duas músicas que
mais cantou ao longo da carreira foram Rosa de Hiroshima e Sangue Latino, sendo
esta última aqui escolhida como parte do objeto de análise do presente estudo.
No que diz respeito à sua formação musical, Ney afirma ter sido o rádio a sua
base de influência, mesmo tendo estourado a partir de uma banda de rock. Também
durante a palestra para o SENAC São Paulo (2012) respondeu a um dos
entrevistadores com o seguinte comentário:
Eu surgi numa banda de rock, mas a minha formação musical foi o rádio
porque o rádio ocupava o espaço que a televisão ocupa hoje. Então, um país
de maravilhosos cantores e cantoras, cantores homens e mulheres,
maravilhosos, então é isso o que eu ouvia. Então em algum momento eu
tinha que colocar pra fora essa influência porque é uma influência muito
benéfica. E acho muito bom ser um elo nesse encadeado da música
brasileira. (MATOGROSSO, 27/abr/2013)
Esta afirmação permite o entendimento da vastidão do seu repertório musical e
também o fato de Ney não se repetir em seus shows e obras, associado ao desejo de
manter-se sempre motivado pelo seu trabalho. Ele afirma que, por não ser compositor,
mas sim intérprete, precisa se manter interessado pelo próprio trabalho, por isto opta
que cada um deles seja diferente do outro, de modo a manter-se sempre atento,
motivado e gostando do que faz, conforme seu relato durante colóquio para o SENAC
em 2012.
Um aspecto também importante a ser considerado a respeito do seu trabalho é
que, ao longo de sua carreira solo, todos os seus trabalhos são por ele minuciosamente
30
concebidos e acompanhados. Como ele mesmo afirma, tudo sempre é idéia sua. E é
por isso que diz ser uma pessoa muito difícil para lidar com empresários, produtores,
porque concebe o trabalho todo, em cada detalhe, do começo ao fim. E não permite
que ninguém opine. Sendo assim, sempre é o responsável por tudo, pensando seu
espetáculo como um todo, e assume isso. (BAHIANA, 2006, p. 203-204)
31
CAPÍTULO 2
Fundamentação teórica do estudo da Interpretação e Performance
2.1. O conceito de Interpretação:
No avançar do século XXI, é possível identificar uma variedade de definições
acerca do conceito de Interpretação. O fato é que ele sempre fez parte da história da
música, ainda que não se desejasse propriamente estudá-lo, nos seus primórdios.
Todavia, com o passar do tempo e com as mudanças históricas, ideológicas e
estéticas, seu interesse passou a ser crescente, tornando-se hoje motivo de grande
discussão e interesse no âmbito acadêmico musical.
SILVA, P. (1960), LIMA (2006) e LABOISSIÈRE (2007) conseguiram
identificar essa diversidade conceitual, permitindo reconhecer diferenças também na
importância e papel do intérprete ao longo da história.
Na antiguidade clássica, conforme SILVA, P. (1960), a tradição oral
configurava-se como meio de transmissão das obras, não existindo parâmetros de
registro musical, muito menos partituras. A música neste período era essencialmente
vocal, sendo o ato de executar integrado ao de fazer, de criar músicas. Por conta disso,
não havia uma distinção entre compositor, intérprete e ouvinte, já que a música fazia
parte do cotidiano, do convívio social e era canal de preservação do patrimônio
32
cultural e religioso dos povos. Neste sentido, LIMA (2006) reforça tal pensamento
com a seguinte passagem:
Observamos que a ausência da partitura na música antiga funde as figuras
do compositor, intérprete e ouvinte. A música aqui é criada e recriada no
momento da execução e o público participa dessa criação. Existe uma
tradição oral que serve de substrato comum sobre o qual a comunidade
constrói ou enriquece o seu próprio patrimônio. (LIMA, 2006, p.48)
No período que envolve a Idade Média (476 - 1400) e o Renascimento (1400 -
1600), ainda de acordo com SILVA, P. (1960), a tradição oral segue dando
continuidade na transmissão das obras e salvaguardando as tradições culturais e
religiosas dos povos. Mas aqui, ao final deste período, um fato importante ocorre.
Instrumentos musicais são introduzidos à música, porém eles realizando as mesmas
linhas melódicas vocais.
E o que isso pode sinalizar de tão significativo dentro do contexto da
Interpretação? Este fato indica que, no início, a música vocal norteou os caminhos da
realização da música instrumental, evidenciando, assim, a relevância do intérprete
desde o princípio dos tempos. Mesmo com o desenvolvimento dos primeiros
parâmetros de notação musical, até o século XVI, estes se prestavam ao registro de
altura e, muito parcamente, duração. Nada sinalizavam os compositores acerca de
aspectos interpretativos. Ficavam estes sob inteira responsabilidade dos intérpretes,
assim como a escolha de instrumentos que ocasionalmente viesse a substituir alguma
voz. Eles tomavam os registros musicais como ponto de partida das suas
interpretações, tendo liberdade para improvisar, modificando texto e melodia, e
realizar vozes com independência, sendo sua a responsabilidade do resultado musical
final alcançado. Confirmamos este pensamento com a seguinte passagem de SILVA,
P. (1960):
A notação musical, que ao pórtico do séc. XVI se achava bastante
desenvolvida à base do pentagrama, não traduzia qualquer informação do
compositor quanto à interpretação de sua obra. Nem indicação de
33
andamentos, nem de dinâmica, nem qualquer outro dado além da pura
representação dos valores sonoros sobre a pauta. Não havia também o
costume de se gravar simultaneamente todas as vozes numa mesma
partitura, de modo a permitir uma visão vertical e conjunta da obra. Nem
mesmo se difundira o uso da barra de compasso. Mais ainda, a
interpretação de cada uma das vozes era preparada separadamente, e muitas
vezes sob a livre orientação dos respectivos cantores, como se tratasse de
uma composição isolada. (SILVA, P. 1960, p.12)
O período Barroco (1600 - 1750), nesta breve linha do tempo aqui traçada, foi o
primeiro momento histórico com evidentes contribuições referentes aos aspectos
interpretativos. Isto porque se trata de um período de grande valorização do efeito
dramático, ou seja, os intérpretes tinham toda liberdade para modificar e executar a
partitura de modo a alcançar máxima densidade expressiva (SILVA, P. 1960). Com
isto, alterações rítmicas e melódicas eram livremente realizadas assim como grandes
quantidades de ornamentos eram aplicados às frases de modo a aumentar a
expressividade da linha melódica, especialmente no canto solo.
Neste momento, a figura do cantor assume grande importância. As realizações
musicais deveriam ser exageradas, passionais, intensas, grandiosas, rebuscadas, com
dinamismo, valorizando também o aspecto cênico, além do musical. Daí que os
compositores passaram a criar obras que pudessem ressaltar potencialidades
individuais dos intérpretes e, quando não atingidas, deveriam revisar suas peças,
realizando correções ou mesmo substituições de trechos de acordo com os desejos dos
mesmos. Fica, assim, evidente como os intérpretes atuavam como co-autores das
execuções das peças, tendo o solista o dever de improvisar, sendo a sua capacidade de
criação e fantasia um dos atrativos maiores que os ouvintes podiam achar no
executante, "para apresentar de uma forma sempre original a melodia apenas esboçada
pelo autor." (SILVA, P. 1960, p.46)
Um outro aspecto de suma importância deste tempo, segundo SILVA, P. (1960),
é que o barroco foi uma fase de grande espontaneidade de criação, em que o músico
34
vivia a música como linguagem natural no seu dia a dia e convívio familiar, na sua
pura e cotidiana realidade sonora. Significa dizer que a assimilação de conceitos e
aspectos da gramática musical perpassavam muito mais pela vivência, pela prática
musical, do que pela análise crítica e teórica de escritos musicais. Tratava-se de uma
música feita para o presente, parte da vida cotidiana e social, para ser realizada sem
intuito de ser repetida. Com isto, compositores eram obrigados a compor
massivamente sem objetivos de perpetuar sua obra. Daí também compreende-se esta
escrita musical sem detalhamentos no quesito expressivo e interpretativo, uma vez que
o registro serviria apenas como um suporte/referencial para a execução. Havia uma
necessidade constante de produção e atualização do repertório. Isto fazia emanar uma
consciência de que a música estava muito além das partituras, mas sim viva no dia a
dia e no fazer musical cotidiano das pessoas.
No que diz respeito à música instrumental de tal período, ela também foi
influenciada pela música vocal e recebeu dela as primeiras noções interpretativas,
compartilhando da mesma liberdade interpretativa, flexibilidade de tempo e ritmo,
bem como de ornamentação das melodias.
Em contraste a esta proposta, o Classicismo na música (1730 - 1820) trouxe um
novo referencial para a relação intérprete X compositor, iniciando uma diferenciação
de papéis e delegação de atribuições específicas a cada um deles. Ao intérprete cabia o
respeito às intenções escritas na partitura pelo compositor, sendo-lhe tolhido o direito
que até então tinha de incluir trechos melódicos, de realizar variações rítmicas e
melódicas, ou mesmo de inserir pequenos textos adicionais às melodias indicadas
pelos autores. Neste momento, compositores passam a exigir um rigor interpretativo
por parte dos cantores e instrumentistas, de modo que estes executem o que de fato
encontrassem registrado nas escrituras. Eram eles sujeitados a "inúmeros ensaios e
35
repetições, de forma que a execução final nada ficasse sujeito à álea da improvisação"
(SILVA, P. 1960, p.67).
É neste período que se iniciou a idéia de Interpretação vinculada à leitura e
execução fiel das indicações descritas na partitura original. Compositores foram
incentivados a citar com riqueza de detalhes todas as suas idéias também referentes à
interpretação, não mais deixando este aspecto e responsabilidade a critério do
intérprete. Este último passou a ser reconhecido pelo refinamento da sua execução, ou
seja, pela precisão que atingisse no executar da obra de acordo com as indicações do
autor. Consequentemente, o ato de executar música progressivamente distancia-se do
fazer (criar), exigindo, assim, um aprimoramento técnico-sonoro por parte do
intérprete de modo a responder às exigências de realização da obra. Por outro lado, o
objetivo da música deste tempo era o deleite por parte da realeza, e isto se refletia, na
música, pela exigência de uma fluidez interpretativa que não comprometesse a clareza
e o entendimento musical da obra, assim como a proposição de melodias simples,
cantabile, de fácil assimilação por parte do público.
A consequência do acirramento deste modelo foi proposta no período
Romântico (1815-1910), em que a escrita musical passou a ter um papel de
compulsividade dogmática. A prescrição em partitura de registros referentes a
aspectos interpretativos (andamento, dinâmica, expressão, articulação, ritmo,
instrumentação, etc.) é levada ao extremo da riqueza de detalhes. Compositores cada
vez menos confiam no talento dos intérpretes e diminuem a confiança no bom senso
dos mesmos.
Por outro lado, este é um momento histórico de grande valorização dos
sentimentos, sendo aqui inaugurada uma linguagem musical voltada à expressão das
36
emoções, do mundo interior do indivíduo. No que diz respeito a aspectos
interpretativos, era um tempo de expressão de múltiplos sentimentos e a partitura
deveria conter registros de contrastes, dinâmicas, articulações e expressão, bem como
uma preocupação com combinação de timbres que ampliasse este repertório
expressivo-musical, transmitindo idéias relacionadas à vida, a conflitos da alma, a
estados mentais, e provocasse uma diversidade sensório-perceptiva no ouvinte. Ainda
assim, era uma época em que compositores não mais se preocupavam em agradar uma
audiência, mas sim em construir uma obra com uma identidade própria, particular,
com um ideal, focado na busca da perfeição, de grande expressão e dramaticidade,
visando, por fim, a perpetuação desta na posteridade. E essa sua expressão particular
deveria ser transmitida pela interpretação.
Não se pode ignorar o fato de Wagner, em 1849, preocupar-se com a criação de
uma arte total, ou melhor, com integração de elementos extra-musicais e cênicos (luz,
imagens, cenário, figurino, gestual, confluindo a música ao teatro e às artes plásticas).
Uma arte que envolvesse todos os canais de comunicação de modo a sensibilizar o
público frente ao espetáculo de grande densidade dramática que presenciassem em
cena. Estava ele, deste modo, já naquele tempo, antecipando uma visão de espetáculo
multimidiático que viria a ser consagrada a partir do final do século XX, na pós-
modernidade.
A partir daí, adentra-se pelo século XX e encontrando uma realidade que, num
espaço de 100 anos, enfrentou duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-
1945), múltiplos conflitos locais e regionais em todos os continentes por disputas de
poder, dos mais diversos. Época de grandes avanços tecnológicos que permitiram
mudar a o cenário político local (crescente urbanização) e global (suplantação
progressiva de barreiras sócio-políticas, ideológicas e culturais). Uma época
37
caracterizada pela velocidade com que as informações, tecnologias e novos eventos
surgem, simultaneamente, de modo que se torna inviável ao indivíduo assimilar todos
os acontecimentos ao mesmo tempo. Como consequência, seu sentimento de angústia
é crescente por não dar conta de toda a realidade à sua volta, uma realidade de
múltiplas opções, multifacetada, onde tempo e espaços são continuamente deslocados
e relativizados, que aos seus sentidos esta chega cada vez mais fragmentada e parcial.
É chegada a era da Pós-Modernidade, a idade Contemporânea.
Armindo BIÃO (1996), em seu artigo Estética Performática e Cotidiano, cita
algumas características próprias da contemporaneidade: a multisensorialidade, o
diálogo entre amor x humor e entre tradição x novas tecnologias, ou seja, a presença
simultânea de padrões do velho e do novo, de grandes contrastes, numa tentativa
incessante de convívio harmônico. Comenta ainda sobre a banalização da vivência e
do convívio no mercado telemático, a interdisciplinaridade, que se dá em todos os
níveis, fronteiras entre conhecimentos, poderes e artes, ficando cada vez mais difícil
seu reconhecimento e definição.
Em termos interpretativos, a atualidade propõe uma idéia de que a partitura é
uma música em estado virtual, não sendo a obra em si (SILVA, P. 1960). A música é a
integração do som com componentes emocionais, e não meramente sinal. Isto
significa dizer que a reconstituição da música a partir desta mera tradução do que se
encontra indicado na partitura não permite alcançar a identidade absoluta da criação
original do autor nem mesmo as múltiplas possibilidades de interpretação, de leitura e
expressão que o intérprete poderia fornecer. Significa dizer que se o tempo nesta
realidade contemporânea é sujeito a relativizações, o substrato emocional de um
mesmo indivíduo também varia em função deste tempo e de suas realizações,
38
sofrendo também o influxo da mutabilidade imanente à existência, e, assim, não
podendo ele reproduzir por mais de uma vez um mesma interpretação exatamente
igual à inicialmente realizada, ainda que se trate da mesma obra, da mesma sala, do
mesmo roteiro musical e cênico. Pois nem o intérprete nem o público serão os
mesmos, ainda que fisicamente sim, frente à vivência de reciprocidade proposta pela
experiência musical entre os mesmos. Concluindo este pensamento, podemos citar a
seguinte passagem de LABOISSIÈRE (2007):
A música, caracterizada pela flexibilidade, pela instabilidade e pela
mutabilidade, é um 'território movediço' que coloca em
confrontamento uma infinidade de signos produzidos, que,
combinados entre si, têm o poder de agregar sentidos, de instaurar
devires ou, ainda, induzir idéias e emoções, bem como de limitar o
espaço em que é sugerida uma fidelidade 'absoluta' às idéias do
compositor. (LABOISSIÈRE, 2007, p.185)
Após este passeio pelos principais momentos da história, entrando em contato
com os diferentes olhares sobre a Interpretação e o papel do intérprete, é possível
partir para o reconhecimento dos conceitos que foram definidos e passaram a servir de
referencial técnico nas práticas interpretativas.
O Dicionário Grove de música (1994) define Interpretação como "aspecto da
música que resulta da diferença entre notação, que preserva um registro escrito da
música, e execução, que dá vida sempre renovada à experiência musical" (GROVE,
1994, p.460). Trata-se de uma definição que revela um espaço que reside além da
partitura e da música meramente executada, configurando-se este como espaço a ser
apropriado pelo intérprete para tornar viva e real a obra em sua completude.
Esta perspectiva vai de encontro ao pensamento de SILVA, P. (1960) quando o
mesmo pontua ter o intérprete o papel de ligação entre a obra e o ouvinte, permitindo
que a obra reviva, a cada interpretação sua, noutras épocas diferentes da de sua
criação, ele afirma:
39
Graças ao intérprete, a produção pode-se distanciar do seu criador no
espaço e tempo, embora sujeita sempre, a cada vez que se reproduz, aos
limites de duração previstos em si mesma. O intérprete é que assegura
portanto à obra permanente possibilidade de existência, que de outra forma
ela não alcançaria (SILVA, P. 1960, p. 3-4)
Também em concordância com este pensamento, LIMA (2006) afirma que a
Interpretação deve ser compreendida como uma mediação, uma tradução e expressão
de um pensamento, pressupondo, por parte do intérprete, a escolha de possibilidades
musicais contidas nos limites formais do texto musical. Sendo assim, o valor
expressivo da obra, seu estilo e concepção seriam revelados levando em conta a
diferença entre a notação (preservação do registro) e a execução, que transforma a
própria experiência musical numa experiência renovada (LIMA, 2006, p.12-13).
WINTER & SILVEIRA (2006), também de acordo com esta idéia, e partindo de
um raciocínio de UNES (1988), comentam ser o intérprete o responsável por tornar
possível ao leitor comum o acesso a uma determinada obra, que se encontra
codificada num sistema, cujas regras são desconhecidas para o leigo. Ele, pois, atua
como mediador entre música e ouvinte e como tradutor desta linguagem, traduzindo
signos gráficos em sonoros e signos idiomáticos desconhecidos em outros
reconhecíveis e compreensíveis. (UNES, 1988 apud WINTER & SILVEIRA, 2006,
p.65)
Mais recentemente, KUEHN (2012) reafirmou esta visão ao considerar que a
Interpretação corresponde à “tarefa de trazer à luz não apenas o que está escrito, mas
também (ou principalmente), o que está entre as indicações grafadas na partitura"
(KUEHN, 2012, p.10). Sendo assim, a partitura meramente serviria como roteiro,
como um "mapa" para se chegar a um "tesouro", à verdade da obra. Ela representa o
registro histórico da composição e não a obra em si, tendo o intérprete o trabalho de
buscar por trás dela um sentido a ser expresso.
40
Um outro aspecto, levantado por SILVA, P. (1960) a respeito do processo
interpretativo, diz respeito à reatualização da obra. Segundo este autor, isto acontece
perpassando pelas experiências, emoções, referenciais culturais e modo de ser do
tempo do intérprete. E desse modo, “cada verdadeiro intérprete enriquece a produção
artística com a sua contribuição original, comunicando-lhe um encanto sempre novo,
acomodando-a à contínua mutabilidade da vida." (SILVA, P. 1960, p.4).
Neste sentido, WINTER & SILVEIRA (2006) também alinham-se ao
pensamento de SILVA, P. (1960) ao afirmar, a partir das palavras de MAGALHÃES
(1992), que o intérprete realiza suas escolhas de repertório a partir das suas escolhas
pessoais e sócio-culturais tentando integrá-las num contínuo e por afinidades
musicais, texturais, técnicas ou estéticas, sejam elas diretas ou indiretas
(MAGALHÃES, 1992 apud WINTER & SILVEIRA, 2006, p.66-67). E como uma
importante contribuição acerca do papel do intérprete eles citam palavras de autores
como MARTINS (1992) e GERLING (1992), informando que ele deve ter
consciência de sua característica e papel de pesquisador, conhecimento e domínio da
técnica de seu instrumento, conhecimento mínimo em análise musical e de regras e
valores de interpretação musical, além de um ampliado repertório musical e em geral,
procurando estar sempre atento ao que acontece culturalmente à sua volta. “Dessa
forma, poderá, passo a passo, ampliar o conhecimento e experiência, ainda que de
forma empírica, sobre suas necessidades enquanto artista” (WINTER & SILVEIRA,
2006, p.68). Sendo assim, “não se pretende afirmar que não é possível uma boa
interpretação sem conhecimento teórico, mas apenas evidenciar que o conhecimento
teórico contribuirá para uma visão crítica e fundamentada do intérprete” (GERLING,
1992 apud WINTER & SILVEIRA, 2006, p.68).
41
SILVA, P. (1960) comenta que uma reconstituição realizada por um intérprete
nunca alcançará uma identidade absolutamente igual do original da obra. Isto porque,
além dos sinais de escrita musical serem insuficientes para traduzirem todas as
matizes de intenções do compositor, o substrato emocional de um mesmo indivíduo
varia em função do tempo. Consequentemente, realizações de um mesmo intérprete
sofrerão o influxo da mutabilidade inerente à existência (SILVA, P. 1960, p.5).
Significa dizer que, a depender das escolhas que o intérprete venha a realizar, de
acordo com os seus referenciais culturais, temporais, existenciais e emocionais, sem
esquecer das informações contidas em partitura, sua interpretação sofrerá variações
em seu resultado final. E WINTER & SILVEIRA (2006) reforçam tal idéia
sinalizando a importância do papel que o intérprete assume, ao afirmar que:
O intérprete apresenta um papel fundamental na transmissão dos elementos
contidos na obra para o receptor (ouvinte), possuindo a capacidade de
acrescentar ou mesmo modificar substancialmente a mensagem contida na
partitura. Para o ouvinte, essa subjetividade advinda do processo
interpretativo proporciona, a cada execução da mesma obra, sua recriação
como se fosse uma nova. (WINTER & SILVEIRA, 2006, p.66)
E isto irá de encontro ao conceito de Interpretação de LABOISSIÈRE (2007)
como atividade recriadora realizada pelo performer 13
e que não resulta no mesmo
efeito duas vezes. Ela também afirma não ser possível ocorrerem duas interpretações
iguais, ainda que realizadas por um mesmo intérprete e em momentos diferentes de
sua trajetória artística e vivencial, uma vez que sofrerão interferência de suas escolhas,
como já dito anteriormente. Este pensamento é semelhante à conclusão de
Guerchefeld, que atesta a inviabilidade de existência de duas interpretações idênticas,
nem mesmo se feitas pela mesma pessoa, ou ainda que esta pessoa seja o próprio
compositor (GUERGHFELD, 1995 apud WINTER & SILVEIRA, 2006, p.66).
13
Aqui entendido como sinônimo de intérprete.
42
Sendo assim, o compositor também entraria na categoria de intérprete, enquanto
executor de sua própria obra, mais um dentre os demais, já que a sua interpretação
também passaria por escolhas suas posteriores ao momento em que concebeu a obra,
não podendo, como afirma SILVA, P. (1960), servir a sua interpretação de arquétipo
modelar para outras interpretações de outros intérpretes (SILVA, P. 1960, p.6). A
música, pois, adquirirá autonomia após sua criação, podendo ser recriada de infinitas
formas frente à mesma partitura original, acolhendo as mais diversas sensibilidades e
adaptando-se ao máximo às transformações que sofra a emoção humana, renovando-
se continuamente através do tempo.
Lima destaca um ponto de extrema importância referente à necessidade da
interpretação. Ela sustenta que:
A música vive da interpretação. É o intérprete quem dá vida à partitura. Ele
é quem transmite e perpetua as intenções e desejos do compositor, da obra
enquanto tal e a sua própria sensibilidade. Portanto, para a música, a figura
do intérprete assume importância capital. Ele é o elemento intermediário
que dá vida à música, dá-lhe uma temporalidade concreta, e dá vida aos
símbolos expressos na partitura. (LIMA, 2006, p.60)
É o que LABOISSIÈRE (2007) propõe ao afirmar que a música só é música ao
ser concretizada em um fluxo temporal de uma interpretação, que se inicia bem antes
da performance 14
, "quando as idéias sonoras se fazem e se refazem em suas interfaces
com a notação, com a obra em si e com o performer, na geração do gesto sonoro.
Configura-se aí o ciclo obra-intérprete-ouvinte" (LABOISSIÈRE, 2007, p.21). Por
isso que se pode dizer que a Interpretação é resultado de um campo de forças atuando
na construção de um sentido e sustentado na sensibilidade do performer
(LABOISSIÈRE, 2007, p.22). Portanto, música e Interpretação são inseparáveis e
vivem sob uma relação dialética.
14
Aqui entendida como execução.
43
Esta autora defende que o intérprete exerce três papéis simultaneamente, o de
receptor, recriador e transmissor da obra artística, e que estes movimentos resultam da
relação que ele estabelece com o objeto ─ a música ─ e contexto, buscando captar a
pluralidade de sentidos possíveis que permeiam o objeto de interpretação. Ele não
somente lê ou escuta notas, frases, durações e intensidades, mas confere a esses
elementos uma energia expressiva, evidenciando um gesto musical que lhe é peculiar,
ou seja, mostra seu próprio caminho, deixando sua assinatura nessa identificação.
Como ressalva SILVA, P. (1960), cada bom intérprete deve ter um estilo claramente
definido, que lhe permita imprimir às suas execuções um cunho de alta personificação
(SILVA, P. 1960, p.95).
Interpretação, ainda segundo essa mesma autora, poderia ser entendidas a partir
de três diferentes ações: criação, execução e audição. Interpretação vista como criação
seria a tentativa de entender o imaginário do compositor, dando forma metafórica e
sentido à sua fantasia sonora, sensível e interna, codificada em partitura e marcada por
particularidades que podem revelar sinais de estilo ou mesmo de uma época
(LABOISSIÈRE, 2007, p.118).
Interpretação vista como execução perpassa pela atividade do intérprete de dar
sentido à leitura que realiza da obra, tomando os sinais escritos na partitura como
ponto de partida para a construção de um fluxo sonoro intermediado por um silêncio
significante, dando sentido pessoal aos indicativos formais, sugerindo idéias de
completude, apresentando, assim, a música como forma viva, única e original
(LABOISSIÈRE, 2007, p.124).
Por fim, Interpretação entendida como escuta de uma obra perpassa pela
vivência de um sentido expresso como sensação, provocado pelas relações entre
44
indivíduo e fluxo sonoro, evocando estados emotivos. Esta experiência permite a
recriação de emoções e perceptos existentes na música, como potência em estado
latente, e que viriam a formar o que se entende por incorporal, subjetivo na relação
homem-música, produzindo agregados sensíveis. Sendo assim:
Sem significado a priori, a música e intérprete se tornam um só corpo, um
estado de ser, um momento vivificado num instante irreversível. O
resultado desse processo interpretativo percebido como sentimento numa
leitura poética, ou numa leitura racionalista, é sempre induzido pela
capacidade que tem a música de suscitar diferentes tipos e intensidades de
sensação: o “sermúsica”. (LABOISSIÈRE, 2007, p.131)
Como desfecho deste raciocínio, é possível entender que a música nasce do
compositor, é mediada pelo intérprete e completada na escuta do ouvinte. Ou seja, o
ciclo de criação de uma composição musical se fecha apenas com a sua reprodução e a
música, assim, assume uma dupla existência, enquanto partitura (instância objetiva) e
enquanto acontecimento performático (instância objetiva + subjetiva).
Enfim, após consideração dos diferentes autores aqui tomados como referencial
teórico acerca do conceito de Interpretação, pode-se apontar um trecho de
LABOISSIÈRE (2007) como síntese das idéias expostas:
[...] a complexidade da interpretação musical vai da imagem abstrata da
leitura à realidade do som e encerra um amplo trabalho psicológico em que
entram o sentimento, a habilidade, o senso crítico resultando numa
expressão única; [...] ao interpretar determinada obra na sua singularidade,
o performer o faz filtrando-a pela sua própria sensibilidade, experiência,
cultura e pelo modo de ser do seu tempo, comunicando-lhe assim um
encanto sempre novo, ao mesmo tempo em que a acomoda à contínua
mutabilidade da vida. (LABOISSIÈRE, 2007, p.99)
2.2. O conceito de Performance:
A necessidade de discutir sobre este conceito no presente trabalho se deve à
diversidade de focos de entendimento. Alguns autores, como aqui será exposto,
partem da definição de Performance enquanto execução, realização de uma obra,
45
podendo assemelhar-se ao conceito de Interpretação. Todavia, este conceito, segundo
outros acadêmicos, envolve muito mais do que uma prática ou reprodução, mais sim
elementos extra-musicais que se mostram imprescindíveis na completude de
entendimento e de interpretação de uma obra musical.
Performance entendida como sinônimo de Interpretação diz respeito à execução
de uma obra após a integração das seguintes ações: leitura de seus registros (partitura),
decodificação de sinais gráficos em sons e escolhas de nuances expressivas a partir de
um contexto temporal, cultural, individual e emocional. O resultado desta síntese é a
proposição de uma performance única, original, reatualizadora e vivificante da peça
musical para o ouvinte. Este é o referencial proposto pela LABOISSIÈRE (2007),
reafirmado na idéia de que envolve o desenvolvimento da leitura, expressão e
realização do objeto artístico.
Já uma outra linha de raciocínio entende a Performance como uma síntese entre
Interpretação e a execução, aqui entendida como prática musical, como debruçar
contínuo sobre a técnica aplicada. Conforme as palavras de LIMA, APRO &
CARVALHO (2006):
A performance musical [...] integra estes dois mundos, ela faz emergir a
função tecnicista dessa prática musical e a obra musical propriamente dita,
mas também, transmuta essa execução, por meio de processos
interpretativos do executante, com intuito de revelar relações e implicações
conceituais existentes no texto musical. (LIMA, APRO & CARVALHO,
2006, p.13)
Neste sentido, a Performance pode ser pensada como um processo de execução
que não abre mão nem de aspectos técnicos que envolvem a prática musical, nem de
processos interpretativos que complementam esta ação, atribuindo sentido a ela.
Consequentemente, assumiria ela uma abrangência cognitiva muito mais ampla e uma
ação mais interdisciplinar, integrando à sua análise e prática outras áreas do
conhecimento sob condições múltiplas. Sendo assim, a Performance teria um caráter
46
mais amplo e integrador, "é um fazer artístico que integra conhecimento racional e
intuitivo, tradição, emoção, sensibilidade, história, contemporaneidade e cultura do
executante" (LIMA, APRO & CARVALHO, 2006, p.15).
WINTER & SILVEIRA (2006) ampliam este raciocínio afirmando que:
[...] a leitura de uma partitura acontece através de processos integradores,
envolvendo a decodificação de símbolos musicais, a construção do
entendimento da obra (interpretação) e sua realização sonora (performance
ou execução). Na decodificação são relacionados os códigos musicais com
conhecimentos teóricos-musicais previamente adquiridos; na mediação, os
códigos decifrados são avaliados e transformados em sistemas
significantes; a realização é a própria execução, o ato em si. Esses
diferentes aspectos no ato de leitura de uma partitura musical estão
presentes de maneira complementar, onde uma atividade informa e é
informada pela outra. Além disso, o exercício crítico exercido durante e
após cada leitura permite a correlação dos símbolos grafados com o
significado musical e a realização sonora, possibilitando um processo de
reavaliação constante pelo intérprete. (WINTER & SILVEIRA, 2006, p.64) BIÃO (1996) acredita também que é a Performance quem quebra as fronteiras
entre as disciplinas e as linguagens, associando tradição e contemporaneidade,
trazendo consigo a idéia de citar, e não de rejeitar movimentos artísticos anteriores,
sendo um olhar descomprometido em relação a todos eles (movimentos artísticos),
utilizando suas linguagens de forma livre e integradora. Por este caráter
transdisciplinar, relativista e multissensorial é que a Performance aqui é entendida
como parte do mundo contemporâneo, da pós-modernidade.
Um ponto de vista que não pode ser aqui ignorado é o do autor Renato COHEN
(2011). Ele considera a Performance como uma expressão cênica em função do tempo
e do espaço, ou seja, algo precisa estar acontecendo naquele instante e num
determinado local. Neste sentido, estabelece ligação direta com o teatro, por este
caráter de "aqui-agora", fruto deste trinômio relacional ação x tempo x espaço. Neste
sentido, COHEN (2011) comenta que na Performance:
sempre algo estará sendo apresentado, ao vivo, para um determinado
público, com alguma 'coisa' significando (no sentido de signos); mesmo que
essa 'coisa' seja um objeto ou um animal [...]. Essa 'coisa' significando o
texto, que juntamente com o atuante (a 'coisa') e o público, constituiria a
47
relação triádica formulada como definidora de teatro. (COHEN, 2011,
p.56).
Historicamente, a Performance tem início no século XX, com origens
diretamente ligadas à live art 15
, sendo uma proposta artística característica dos anos
70 e 80 que seguiu a outra denominada happening16
, também descendente direta da
live art e predominante nos anos 60. Apresenta como "embriões" o movimento
Futurista17
, da década de 1910, a partir de suas seratas18
, o movimento Dadaísta19
, a
partir das "práticas experimentais" realizadas no Cabaret Voltaire (1916), e o
movimento Surrealista 20
(1917), todos eles no cenário Europeu. Com o advento do
nazismo, a escola de Bauhuas alemã, promotora de inúmeras experiências neste
campo, foi fechada e este eixo de novas idéias e produções artísticas seguiu para os
15
A live art é a arte ao vivo e também a arte viva. É uma forma de se ver arte em que se procura
uma aproximação direta com a vida, em que se estimula o espontâneo, o natural, em detrimento do
elaborado, do ensaiado. A live art é um movimento de ruptura que visa dessacralizar a arte, tirando-a de
sua função meramente estética, elitista. A idéia é de resgatar a característica de ritual da arte, tirando-a
de 'espaços mortos', como museus, galerias, teatros, e colocando-a numa posição 'viva', modificadora."
(COHEN, 2011, p.38) 16
A tradução literal de happening é acontecimento, ocorrência, evento. Aplica-se essa
designação a um espectro de manifestações que incluem várias mídias, como artes plásticas, teatro, art-
collage, música, dança, etc." (COHEN, 2011, p.43) 17
Movimento artístico e literário de vanguarda surgido na década de 20 do século XX que se
propunha a rejeitar padrões morais e ideologias anteriores. Seus participantes destacavam em suas
obras a velocidade do progresso e da tecnologia advindos nos finais do século XIX. Além disso, tinham
uma proposta de renovação da linguagem, de modo a inseri-la num programa social. A idéia era
praticar uma arte destituída de biografias, ou seja, não baseada em produções individuais, mas sim
coletivas, tendo o caráter manifesto as suas publicações, sendo seus textos assinados coletivamente.
(TONETO, 2007) 18
"onde se executam recitais poéticos, músicas e leitura de manifestos"(COHEN, 2011, p.41) 19
" Surge então em Zurique, em 1916, o movimento Dada, nome voluntariamente sem
significação, indicando sua tendência niilista. Sua intenção era evidenciar o desmoronamento da
sociedade e dos valores ocidentais através de manifestações fundadas sobre o desafio ao “bom gosto”,
sobre a gratuidade, a ironia e o escândalo. Os dadaístas atacam os próprios fundamentos da sociedade e
sobretudo a linguagem ─ enquanto agente de comunicação entre os indivíduos ─, e a lógica, que lhe
serve de base. A recusa da história, do passado e de qualquer pensamento anterior são fatores
necessários à instauração do caos generalizado sobre o qual deverá se construir um novo projeto
existencial onde o indivíduo criador encontrará seu lugar." (ARBEX, 1997, p.95) 20
"Em termos cênicos, o surrealismo vai seguir como tática e ideologia a estética do escândalo.
O ingrediente é o de lançar provocação contra as platéias. O surrealismo ataca de forma veemente o
realismo no teatro. Inovações cênicas são testadas, como a de se representar multidões numa só pessoa,
apresentar-se peças sem texto, ou personagens-cenário fantástico." (COHEN, 2011, p.42)
48
EUA, onde, em 1936, foi fundada, na Carolina do Norte, a Black Mountain Collage,
geradora de novos pensadores e artistas desta nova arte, na música destacando-se John
Cage e na dança Merce Cunninghan. Segundo COHEN (2011):
Cage tenta fundir os conceitos orientais para a música ocidental,
incorporando aos seus concertos silêncios, ruídos e os princípios zen da
não previsibilidade. Cunninghan propõe uma dança fora de compasso (não
segue a música que a orquestra) e não coreografante, abrindo, nessa
quebra, passos importantes para o movimento da dança moderna.
(COHEN, 2011, p.43).
Em essência, a Performance tem origem na busca de uma arte integrativa, uma
arte total, que escape as fronteiras entre disciplinas, e utilizando uma linguagem de
soma, sintetizando elementos da música, dança, poesia, vídeo, teatro de vanguarda,
ritual, um todo único. É o que COHEN (2011) expressa no seguinte trecho:
Na performance [...] utiliza-se uma fusão de linguagens (dança, teatro,
vídeo, etc.) só que não se compondo de uma forma harmônica, linear. O
processo de composição das linguagens se dá por justaposição,
colagem.[...] Cada elemento cênico do espetáculo tem um valor isolado e
um valor na obra total.[...] produzindo na integração uma leitura de maior
complexidade sígnica. (COHEN, 2011, p.51)
A Performance se trata de uma arte de intervenção, modificadora, muitas vezes
visando impactar a platéia, causando transformação no receptor/ouvinte. Não seria,
assim, uma arte de fruição em sua essência, nem mesmo com propósitos estéticos,
ainda que se utilize de recursos elaborados para aumentar o significado da mensagem.
WINTER & SILVEIRA (2006) comentam que a Performance, na música,
remete à presença física no palco, ao corpo e à voz, não apenas com relação a
determinadas técnicas de execução no instrumento e sim como mais um meio e modo
de interagir com o público espectador, estando seus elementos ativos sobretudo na
representação gestual do intérprete. Eles ainda trazem à luz, em seu artigo, algumas
idéias de CONE (1968). Dentre elas, e que aqui se mostra relevante, eles ressaltam
que a Performance deve ser encarada como "um evento teatral e dramático, com
começo, meio e fim. Como um evento 'dramático', a platéia é parte integrante do
49
recital/concerto, contribuindo positivamente ou negativamente para a qualidade da
performance" (CONE, 1968 apud WINTER & SILVEIRA, 2006, p.69).
Este posicionamento alinha-se ao pensamento defendido por DANTAS (2005),
que defende que este termo não diz respeito somente ao artista em ação, mas também
ao público em relação ao que ele escuta. Sendo assim, a Performance deveria ser
entendida como um jogo, em que participam tanto músicos como platéia, idéia esta
que remete-se também à conexão do termo Performance com a idéia de ritual,
defendida por BIÃO (1996).
Portanto, este conceito inclui a presença de elementos extra-musicais, mímico-
gestuais, que se propõem, mais do que expressar, a convencer. Apresenta um forte
apelo visual, por tratar-se de uma expressão cênica. Valoriza a destreza técnica com
espontaneidade, a corporalidade, e exterioração de conteúdos previamente elaborados
no seu processo de construção (Interpretação). Evidencia um forte caráter lúdico e
estabelece uma relação de reciprocidade entre performer e público.
Além disso, ela valoriza o instante presente na relação tempo/espaço real x
tempo/espaço ficcional, bem como o desenvolvimento de uma linguagem própria do
performer, necessitando ele ter a devida clareza do seu papel envolvido na relação
performer x personagem que se dá sobre o palco, uma vez que ele deverá explorar
muito mais o trabalho a partir da persona 21
do que de um personagem propriamente.
Enfim, trata-se de uma linguagem de menor rigor formal, de liberdade temática, de
21
"LUNARDELLI (2007, p. 34) postula que 'assim como a máscara de teatro conferia uma
identidade ao ator, a persona, nos estudos junguianos, pode ser considerada como o que confere uma
identidade social a uma pessoa, pois está relacionada ao modo pelo qual ela é perante a sociedade.' A
persona é, por conseguinte, 'a face pública', formada individualmente e adotada diante dos outros, o que
é decorrente, na maioria das vezes, das 'expectativas que a sociedade e a família lhes impõem'. Isso
'inclui os papéis sociais humanos, os símbolos e objetos característicos de uma profissão, o tipo de
roupa escolhida para usar e o estilo de expressão (verbal ou não-verbal), entre outros recursos.' Dessa
forma, a persona colabora para que o indivíduo possa conviver no dia-a-dia de uma sociedade."
(BURGO, 2010, p.1)
50
fusão de diferentes linguagens e, por assim dizer, uma manifestação artística
multidisciplinar.
2.3. Interpretação X Performance:
Até aqui foi abordado cada um desses conceitos separadamente, evidenciado-os
a partir do ponto de vista dos diferentes autores abordados neste trabalho até o
momento.
O que fica claro, inicialmente, nesta fundamentação teórica é a existência de
dois conceitos que propiciam múltiplas possibilidades de entendimento e de
referencial dentro da música e das outras artes, a depender do contexto sócio-histórico
em que o intérprete é destacado ao longo da história. Significa dizer, e isto foi um
consenso entre todos os autores, que a Interpretação mostra-se sujeita as intempéries
temporais, às mudanças sociais, políticas, ideológicas, culturais, bem como perpassa a
experiência emocional do intérprete, sem escapar aos desejos e circunstâncias do seu
tempo.
Um outro ponto de reflexão e que aqui também será tomado como referencial
teórico é o papel do intérprete de mediador, de ligação entre obra e ouvinte, ativo,
recriador e transmissor, permitindo que a obra reviva em outros momentos e épocas
(SILVA, P. 1960). Isto deve-se ao fato deste ter a habilidade de acionar a composição
de diferentes formas, partindo do princípio de que a música é uma potência de devir
latente e autônoma, de infinitas possibilidades de interpretações igualmente possíveis
frente à obra (LABOISSIÈRE, 2007).
Por estes dois pontos afirmados, também fica clara a impossibilidade de
ocorrência de duas interpretações iguais ainda que realizadas pelo mesmo intérprete e
51
em momentos diferentes de sua trajetória artística (GUERGHFELD, 1995 apud
WINTER & SILVEIRA, 2006) , ou mesmo realizada pelo próprio compositor, sendo
este último senão mais um dentre tantos intérpretes, e tão pouco sua própria
interpretação serviria de arquétipo modelar às demais (SILVA, P. 1960).
Consequentemente, a música de fato vive e necessita da Interpretação para sua
perpetuação no tempo e espaço, e a figura do intérprete assume sem dúvida alguma
importância capital neste processo, por dar vida à música, temporalidade concreta,
bem como vida aos símbolos expressos na partitura (LIMA, 2006).
O conceito de Performance foi considerado por alguns autores como semelhante
ao de Interpretação, referindo-se à execução de uma obra musical após leitura de seus
registros (partitura), decodificação de seus sinais gráficos, geração de significado e
escolha de nuances expressivas a partir de um contexto temporal, cultural e emocional
(LABOISSIÈRE, 2007). Neste raciocínio, a Interpretação se constituiria como
participante do processo de Performance, na integração de quesitos técnicos da prática
musical com os aspectos expressivos, estruturados numa manifestação artística que
chega até o público, a Performance. Sendo assim, esta também assume um caráter
multidisciplinar e integrador, arrolando numa expressão única o conhecimento
racional, intuitivo, tradição, emoção, sensibilidade, história, contemporaneidade e
cultura do executante (LIMA, APRO & CARVALHO, 2006).
Também se aproxima do conceito de Interpretação quando considerada uma arte
de intervenção e modificadora, ainda que com objetivos finais diferentes. Na
Interpretação, é evidente que a estética caminha ao seu lado de "mãos dadas" ao longo
da história, e por isto viabilizando-lhe uma vasta gama de possibilidades
interpretativas de uma mesma obra também. Na Performance, nem sempre o aspecto
52
estético se faz presente, ele não é o objetivo final, não sendo uma arte de fruição em
essência (COHEN, 2011).
Mas um outro aspecto de suma importância é ressaltado e tomado como
característica imprescindível na existência de uma Performance: referência à presença
física no palco, ao corpo e à voz, como ferramentas técnicas de execução bem como
meio de interação com o público. E por isto a performance deve sim ser encarada
também como um evento cênico teatral dramático, com começo, meio e fim. Significa
dizer que não diz respeito estritamente à ação em cena do artista, mas sim à relação
performer x público, aproximando-se, pois da idéia de jogo (DANTAS, 2005).
Deste modo, evidencia-se como mais adequado a este trabalho, enquanto
referencial teórico, a idéia de que Interpretação e Performance se tratam de conceitos
complementares, e não similares, de modo a abarcar aspectos musicais e extra-
musicais que envolvem uma manifestação artística e performática de uma obra
musical. Portanto. Serão os dois conceitos aqui considerados da seguinte forma:
53
TABELA I - Conceitos de Interpretação e Performance
INTERPRETAÇÃO PERFORMANCE Diz respeito ao aspecto da música
resultante da diferença entre notação e
execução, sujeito às intempéries
temporais, às mudanças sociais,
políticas, ideológicas, culturais, bem
como perpassa a experiência emocional
do intérprete e sem escapar aos desejos e
circunstâncias do seu tempo. O intérprete
assume papel de mediador, de ligação
entre obra e ouvinte, ativo, recriador e
transmissor, permitindo que a obra
reviva em outros momentos e épocas,
através da sua habilidade de acionar a
composição de diferentes formas,
partindo do princípio de que a música é
uma potência de devir latente e
autônoma, de infinitas possibilidades de
interpretações igualmente possíveis
frente à obra. Sendo assim, é inviável a
ocorrência de duas interpretações iguais
ainda que realizadas pelo mesmo
intérprete e em momentos diferentes de
sua trajetória artística, ou mesmo
realizada pelo próprio compositor, sendo
este último senão mais um dentre tantos
intérpretes, e tão pouco sua própria
interpretação serviria de arquétipo
modelar às demais. Portanto, a música de
fato vive e necessita da Interpretação
para sua perpetuação no tempo e espaço,
e a figura do intérprete assume sem
dúvida alguma importância capital neste
processo, por dar vida à música,
temporalidade concreta bem como vida
aos símbolos expressos na partitura.
Expressão musical e cênica, em função do
tempo e espaço, que inclui a presença de
elementos extra-musicais, mímico-
gestuais, que se propõem, mais do que
expressar, a convencer. Apresenta um forte
apelo visual, valoriza a destreza técnica
com espontaneidade, a corporalidade, e
exterioração de conteúdos previamente
elaborados no seu processo de construção.
Evidencia um forte caráter lúdico e
estabelece uma relação de reciprocidade
entre performer e público. Além disso, ela
valoriza o instante presente na relação
tempo/espaço real x tempo/espaço
ficcional, bem como o desenvolvimento de
uma linguagem própria do performer,
necessitando ele ter a devida clareza do
seu papel envolvido na relação performer
x personagem que se dá sobre o palco,
uma vez que ele deverá explorar muito
mais o trabalho a partir da persona do que
de um personagem propriamente. Enfim,
trata-se de uma linguagem de menor rigor
formal, de liberdade temática, de fusão de
diferentes linguagens e, por assim dizer,
uma manifestação artística
multidisciplinar.
54
CAPÍTULO 3
A Música
3.1. Sangue Latino:
Composição escrita por João Ricardo e Paulinho Mendonça, a canção Sangue
Latino foi lançada no primeiro álbum do grupo Secos & Molhados, de mesmo nome
(Secos & Molhados), em 1973. Ela e Rosa de Hiroshima foram as duas músicas mais
cantadas por Ney Matogrosso ao longo de sua carreira, segundo o próprio afirmou em
entrevista ao Programa GNT Fashion (2012). Por este motivo, foi selecionada como
parte do objeto do presente estudo.
A letra da canção apresenta conteúdo com questões existenciais e iconoclastas,
de quebra de paradigmas individuais e culturais. Remete-se à condição do indivíduo
latino-americano, a uma vida de dificuldades, de incertezas, muitas vezes solitário,
mas também de resistência e busca de liberdade. Uma letra que muito retrata a
condição humana daquele período histórico, na América Latina, envolta de ditaduras
militares, especialmente no Brasil, como descrito no capítulo 1, colocando o sujeito
numa condição de sofrimento, de instabilidade, e solidão, buscando diariamente sua
sobrevivência, diante da censura, prisão e morte de tantos conhecidos e parentes à sua
volta. Sendo assim, a letra passa a ter um papel de retratar a realidade do momento
55
histórico em que foi concebida, assumindo, assim uma postura de engajamento
político-social.
Sangue Latino
(J. Ricardo e P. Mendonça)
Jurei mentiras e sigo sozinho
Assumo os pecados uh! uh! uh! uh!
Os ventos do norte
Não movem moinhos
E o que me resta é só um gemido
Minha vida, meus mortos meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino uh! uh! uh! uh!
Minh'alma cativa
Rompi tratados
Traí os ritos
Quebrei a lança lancei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa
É não estar vencido
Minha vida, meus mortos
Meus caminhos tortos
Meu Sangue Latino
Minh'alma cativa
Dentre os seus versos, podemos destacar como sinalizadores de tal mensagem e
contexto de um caminhar solitário, de perdas de entes, mas também de luta, de sua
resiliência, de sua capacidade de resistir às provações e de busca de libertação, o verso
6 "minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos", os versos 9 e 10 "rompi tratados,
traí os ritos", bem como a terceira estrofe da letra:
56
Quebrei a lança lancei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa
É não estar vencido
(RICARDO & MENDONÇA, 1973)
No que diz respeito aos aspectos musicais, Sangue Latino apresenta, nesta sua
primeira versão de 1973, uma instrumentação composta de contrabaixo, bateria, 2
violões, 1 viola caipira, 1 pandeirola, ganzá e voz solo do Ney Matogrosso. Seu
andamento segue variando entre 67 e 68 BPM, na tonalidade de D, estruturada numa
forma simples de acordo com o gráfico abaixo:
Estas partes da forma configuram-se a partir de sequência de 2 acordes, I (D) e
IV (G) nos primeiros 2 ou 4 versos e mais a V7 (A7) e IV (G) nas finalizações de
estrofes para retornar a tônica (D). Ou seja, estabelece-se um giro cadencial que se
repete o tempo todo e que se modifica apenas para respeitar a métrica do texto.
3.2 - O processo de análise de Sangue Latino
Para a realização do processo de análise decidiu-se partir da seleção e
comparação de 2 vídeos com a performance de Ney Matogrosso sobre a mesma
música. No caso, a música escolhida para este estudo como objeto de análise foi
Sangue Latino. O primeiro vídeo trata-se de registro de performance do intérprete em
1973, quando ainda integrante do grupo Secos & Molhados , transmitido pela TV
Tupi. O segundo registro é parte do show Olhos de Farol, realizado no Rio de Janeiro,
quando Ney Matogrosso já se encontrava em carreira solo, como vimos no capítulo 1.
[ A / A' / A / A'' ]
57
Este show foi registrado no DVD Ney Matogrosso Vivo, no ano de 1999, estreado no
Metropolitan do Rio de Janeiro.
Pretendeu-se, pois, a partir de tais vídeos, realizar uma análise de aspectos
musicais e cênico-gestuais, apontando semelhanças e diferenças interpretativas e de
performance, levando-se em consideração o mesmo intérprete em dois momentos
históricos diferentes, abrindo uma discussão acerca das diferenças interpretativo-
musicais nestas duas performances.
Ainda como parte da metodologia, foi também utilizado o método da transcrição
da melodia (vide partitura anexo).
3.2.1 Elementos musicais e cênicos de análise interpretativa:
A partir da transcrição melódica, foi formatada uma tabela comparativa,
contendo cinco categorias descritivas:
Instrumentação;
Características Musicais;
Características do Texto;
Características de Interpretação Musical;
Característica de Interpretação Cênica
Estas categorias da tabela, juntamente com a transcrição da melodia x
comparativo entre as duas versões, permitiram o reconhecimento dos seguintes
parâmetros de análise:
58
TABELA II - PARÂMETROS DE ANÁLISE INTERPRETATIVA
1 Andamento
Indicação da velocidade em que uma peça musical deve ser
executada. O compositor pode especificar o andamento em termos
de unidades métricas por unidade de tempo, o que pode ser aferido
por um metrônomo; antes da invenção deste, utilizava-se como
referência um pêndulo, a pulsação cardíaca ou outros meios.
2 Dinâmica Aspecto de expressão musical resultante de variação na intensidade
sonora.
3 Expressão Capacidade de exprimir emoções através da música e do mímico-
gestual.
4 Contrastes Diferenciações abruptas ou sutis, musicais ou cênico-gestuais,
realizadas no decorrer da peça musical.
5 Gradações Variações de aspectos musicais ou cênicos-gestuais ocorridas ao
longo da execução musical.
6 Instrumentação Descrição de instrumentos participantes, suas combinações e papéis
desempenhados num arranjo de uma peça musical.
7 Forma Estrutura formal, divisão da música e em frases e partes.
8 Parâmetros de
Voz Timbre, projeção, inflexões interpretativas.
9 Parâmetros
Cênicos
Movimentação cênica, figurino, maquiagem, iluminação, cenário,
mímico-gestual.
Estas ferramentas metodológicas e parâmetros de análise permitiram identificar
questões interpretativo-musicais referentes às duas versões da música e que mais
abaixo serão analisadas e debatidas.
3.2.2 A Análise:
O processo de análise iniciou com a construção da tabela comparativa citada no
item 3.2.1. Esta tabela foi feita a partir da transcrição da melodia e a partir dos vídeos
aqui tidos como objetos de análise, buscando identificar características descritivas de
instrumentação, características musicais, de texto, de interpretação musical e de
interpretação cênica. A idéia, neste primeiro momento e nesta primeira sessão
audiovisual, era reconhecer as características de cada performance (1973 e 1999)
59
realizadas por Ney Matogrosso. Estas características foram listadas conforme a tabela
abaixo:
TABELA III - CATEGORIAS DESCRITIVAS
VERSÃO 1973 VERSÃO 1999
INSTRUMENTAÇÃO
Baixo,bateria, 2 violões, 1
viola, 1 pandeirola, ganzá,
voz solo.
Contrabaixo elétrico,bateria,
violão com cordas de aço,
teclado, saxofone soprano,
percussão, voz solo.
CARACTERÍSTICAS
MUSICAIS
Música em D e compasso
4/4, com andamento
variando entre 67 e 68
BPM ao longo dela, de
forma simples II A I A' I
A I A'' II ,sendo cada
parte com sequência de 2
acordes, I e IV nos
primeiros 2 ou 4 versos e
mais a V e IV nas
finalizações de estrofes
para retornar a tônica. Ou
seja, com giro cadencial
que se repete o tempo
todo e que se modifica
apenas para respeitar a
métrica do texto.
Mesma tonalidade (D) e
compasso (4/4), iniciando em
andamento moderado variando
entre 60 e 61 BPM durante solo
de baixo e dueto baixo X
saxofone, estabilizando em 63
BPM somente com entrada do
conjunto completo até final da
música. Música mantém
mesma forma simples do
original II A I A' I A I A'' II ,
cada parte estruturada com
sequência de 2 acordes, I e IV
nos primeiros 2 ou 4 versos e
mais a V e IV nas finalizações
de estrofes para retornar a
tônica. Ou seja, com giro
cadencial que se repete o tempo
todo e que se modifica apenas
para respeitar a métrica do
texto.
CARACTERÍSTICAS
DO TEXTO
Conteúdo da letra, trata de
questões existenciais e
iconoclastas, de quebra de
paradigmas individuais e
culturais.
A letra não sofre alterações de
texto nem prosódica.
60
CARACTERÍSTICAS
DE
INTERPRETAÇÃO
MUSICAL
Introdução instrumental
iniciada pelo contrabaixo
elétrico realizando
fraseado que se repete ao
longo da música
(mudando apenas em
função dos acordes)
acompanhado de bateria,
pandeirola, ganzá e, a
partir do compasso 10,
entrada dos 2 violões
realizando cama
harmônica. Voz de Ney ,
em geral, realiza frases
em legato, sem stacattos,
acompanhando
movimentação
arrendondada e
sensualizada do corpo,
com uso de crescendos e
diminuendos pelo cantor a
cada frases para enfatizar
ações /atitudes de cada
verso, bem como o
próprio ângulo melódico.
Viola entra após "os
ventos do norte não
movem moinhos" (0:40)
realizando contracantos
em solo a partir daí. De
modo geral, a dinâmica da
música fica restrita à
interpretação vocal do
Ney. A banda fica num
contínuo sonoro em mf ,
do início ao fim sem
alterações de dinâmica
nem de andamento.
Arranjo inicia com introdução
solo de contrabaixo elétrico.
Em sequência ingressa o violão
de aço e o teclado e logo em
seguida o saxofone entra
executando uma frase em
uníssono com o contrabaixo,
sinalizando desfecho da
introdução para entrada da voz
solo do Ney Matogrosso. Ele
inicia realizando as frases
sutilmente à frente da banda,
alinhando com o andamento da
banda somente entrada da
bateria. Saxofone permanece
em segundo plano e ao final
das estrofes executa a mesma
frase também dando sentido de
desfecho e novo início.
Percussão realiza, neste
primeiro momento,
intervenções iniciais suaves ,
em pianíssimo, ficando bem em
segundo plano. Bateria ingressa
após A', sendo a primeira frase
por ela executada, a mesma
realizada pelo cantor, como que
em "uníssono", enfatizando
melodia e texto "rompi
tratados, traí os ritos". A partir
daí, o saxofone também passa a
realizar frases maiores, numa
tessitura mais média e aguda se
fazendo mais presente, assim
como a percussão passa a
manter execussão constante,
cadenciada e numa dinâmica
em mezzo-forte a forte. Baixo
elétrico mantém ostinato
durante toda a música, da
introdução ao final e, em
contraponto à voz aguda de
contratenor do Ney
Matogrosso, ele se sobressai
sobre os outros instrumentos do
grupo durante toda a execução,
mesmo em alguns momentos
também dialongando com o
safoxone, ainda permanece em
destaque. Uso de crescendos e
diminuendos pelo cantor nas
frases para enfatizar ações
/atitudes de cada verso e ângulo
melódico.
61
O segundo passo realizado foi a identificação, frase a frase da música, dos
parâmetros de análise interpretativa (TABELA II), a partir de uma segunda sessão
audiovisual dos vídeos, utilizando para isto também a partitura da transcrição
melódica com letra. A seguir será possível visualizar cada uma das frases com
comentários analíticos acerca dos parâmetros:
CARACTERÍSTICAS
DE
INTERPRETAÇÃO
CÊNICA
Movimentação corporal
marcada sobre o 1° tempo
dos 12 compassos de
introdução. Figurino
composto de calça em
tecido marrom escuro ,
com tiras de couro
sobrepostas esvoaçantes,
usa o tronco nu, com
colares e braceletes feitos
de elementos naturais,
penas de águia na cabeça,
remetendo-se a uma
temática animalesca,
finalizada com pintura do
rosto configurando
máscara tribal, com uso
de maquiagem forte e
chamativa, em todo o
rosto, reforçando ainda
mais sua personagem
naturalista, ou mesmo
indígena, de sangue
latino. Movimentação
cênica larga, exagerada,
com movimentos
sensuais, provocativos,
tanto corporais como
faciais, de modo a dar
maior expressividade à
música e ao texto.
Interpretação cênica mais
contida. Ney posiciona-se no
centro do palco e ali permanece
do início ao final da música,
sendo que suas variações
expressivas se dão através do
olhar, gestual da face, braços e
variações vocais. Figurino
composto de calça em tecido
branco franjado, tronco nu, pés
descalços, anéis prateados, um
capacete de silicone cravejado
com pequenas pedras brilhantes
cobrindo toda a cabeça e
maquiagem apenas nos olhos ,
sombra e delineador, para
reforçar a expressão.
62
Introdução instrumental iniciada com movimentação cênica de Ney Matogrosso
marcada sobre os primeiros tempos de cada compasso, acompanhando o baixo
contínuo feito pelo contrabaixo elétrico. Passos marcados, bem definidos, retos,
firmes; tronco nu, em contraste, flexível, com movimentos largos, maleáveis,
redondos, provocativos.
1973
1999
Introdução instrumental iniciada com solo de contrabaixo elétrico enquanto Ney
coloca-se no meio do palco estático, abraçando com a mão esquerda seu tronco nu
e com a outra segurando a frente o microfone. Ali permanece estático com olhar de
expressão firme direcionado ao público.
1973
Voz em mf realizada a tempo, junto com a banda, utilizando vibrato na extensão
final da frase. Corpo também em movimentos maleáveis, redondos, exagerados,
numa atitude sensual e provocativa, acompanhando a frase, ficando estático somente
no prolongamento do fim de frase "[...] sozinho----------------------".
1999 Voz ingressa em p sutilmente à frente da banda, quanto ao andamento, mas sem
perdê-lo. Corpo permanece estático, contido, e olhar também permanece fixo e
expressivo, direcionado à platéia.
1973
Voz parte do mf e realiza crescendo em "pecados" e diminuendo para finalizar a
frase com um melisma descendente (compassos 19 e 20). Permanece a tempo com a
banda e com movimentação corporal sensual e provocativa acompanhando
expressividade da voz.
1999
Voz parte do p e realiza cresc. em "pecados" e decresc. para finalizar a frase com
mesmo melisma descendente (compassos 19 e 20). Permanece sutilmente à frente
da banda, quanto ao andamento,também sem perdê-lo. Corpo permanece estático,
contido, e olhar também, fixo e expressivo,voltado ao público.
63
1973
Voz realiza frase com grande ligadura expressiva, permanece em mf e realiza
decresc. para finalizar a frase prolongando a última sílaba de "moinho"(c. 23 e 24).
Movimentação corporal exagerada, sensual e provocativa continua acompanhando
expressividade da voz.
1999
Voz realiza frase colocando tenuto nas sílabas de "os ventos do norte" (c. 21 e 22),
acentuando o "não mo-", finalizando a frase sem extensão da última sílaba de
"moinhos" (c.23 e 24), demarcando e elevando expressividade do texto. Permanece
estático, deixando como foco expressivo seu rosto, voz e olhar, voltado ao público.
1973
Voz permanece em f e realiza diminuendo para finalizar a frase prolongando a
última sílaba de "gemido"(c. 27 e 28). Realização da frase novamente em legato. Em
"só um gemido" (c.26 e 27), realiza texto com voz lânguida, suavizada, sensual, num
p subito , em contraste evidente com a voz plena de "E o que me resta é" (c.25 e 26).
Movimentação corporal exagerada, sensual e provocativa continua acompanhando
expressividade da voz.
1999
Voz realiza frase acentuando "res-" (c.26), também finalizando a frase sem extensão
da última sílaba de "gemido" (c.27e 28), demarcando e elevando expressividade do
texto. Permanece ainda estático, ainda com foco expressivo no seu rosto, voz e
olhar, voltado ao público.
1973
Voz novamente realiza em legato a frase, em voz plena de peito, permanecendo em f
e diminuendo ao finalizar a frase prolongando a última sílaba de "tortos"(c. 31 e 32).
Movimentação corporal exagerada, sensual e provocativa continua acompanhando
expressividade da voz. Movimentação corporal exagerada, sensual e provocativa
continua acompanhando expressividade da voz.
1999
Voz realiza frase acentuando "mor- " (c.30) e "ca-" (c.30), também finalizando a
frase sem extensão da última sílaba de "tortos" (c.31e 32), demarcando e elevando
expressividade do texto. Permanece ainda estático, ainda com foco expressivo no
seu rosto, voz e olhar, voltado ao público.
64
1973
Voz novamente realiza em legato a frase, em voz plena de peito, permanecendo em
mf e diminuendo ao finalizar a frase prolongando a última sílaba de "latino"(c. 34 a
36) com melisma descendente. Movimentação corporal exagerada, sensual e
provocativa continua acompanhando expressividade da voz.
1999
Voz realiza frase em mf também em voz de peito, também finalizando a frase com
extensão da última sílaba de "latino" (c.34 a 36) e melisma descendente. Em "latino"
(c.33 e 34), ainda estático no centro do palco, abre o braço assumindo, deixando seu
corpo numa postura mais expansiva frente ao público ampliando seu foco expressivo
além do seu rosto, voz e olhar (c. 33 a 36).
1973
Voz novamente realiza em legato a frase, em voz plena de peito, em mf ,
prolongando a última sílaba de "cativa"(c. 38 a 40). Movimentação corporal bastante
exagerada, sensual e provocativa permanecem acompanhando a voz e reforçando o
texto com expressividade.
1999
Voz parte de um mf e realiza um crescendo ao extender a última sílaba de "cativa"
(c.37 a 40). Demarca força e eleva expressividade do texto.Permanece ainda estático
no centro do palco, com foco expressivo já ampliado além do seu rosto, voz e olhar,
voltado ao público.
1973
Voz novamente realiza frase em legato,em voz plena de peito, em mf ao final
decrescendo até um p prolongando a última sílaba de "ritos" (c. 43 a 44).
Movimentação corporal bastante exagerada, sensual e provocativa permanecem
acompanhando a voz e reforçando o texto com expressividade.
1999
Voz parte de um f marcado e diminuendo a um mf, sem extender o final da frase.
Continua demarcando força e eleva expressividade do texto com sua voz e expressão
facial, permanecendo ainda estático no centro do palco, e olhar voltado ao público.
65
1973
Voz realiza frase em legato,em voz plena de peito, partindo do p , crescendo do
início da frase até "lança" (c.46), diminuendo de "lancei" (c. 46) até o final,
prolongando a última sílaba de "espaço" (c. 47 e 48). Movimentação corporal
bastante exagerada, sensual e provocativa permanece acompanhando a voz e
reforçando o texto com expressividade.
1999
Voz parte de um mf marcado, acentuando as sílabas das notas mais agudas da frase
"lan" (c. 46), "cei"(c.46), sem extender o final da frase, permanecendo a idéia de
força expressa através da entonação vocal. Complementa tal expressividade do texto
com sua expressão facial, permanecendo ainda estático no centro do palco, e olhar
voltado ao público.
1973
Voz realiza frase em legato,em voz plena de peito, partindo do p, crescendo do
início da frase até "desabafo" (c.50), diminuendo a partir daí até o final,
prolongando a última sílaba de "espaço" (c. 51 e 52). Movimentação corporal
bastante exagerada, sensual e provocativa permanece acompanhando a voz e
reforçando o texto com expressividade.
1999
Voz parte de um mf legato a f, em voz plena de peito, sem extender o final da frase,
com uma leve falha em "desabafo" (c.50) enfatizando o significado da palavra
através da entonação vocal. Complementa tal expressividade do texto com sua
expressão facial e corporal, permanecendo ainda no centro do palco, focado no
público.
1973
Voz realiza frase de modo marcado, em voz plena de peito, partindo do f e
diminuendo a partir de "vencido" (c.54 a 56). Seu gesto facial reforça a mensagem
da frase, transmitindo expressão de força e uma postura de desdém.
1999
Voz parte de um mf legato, em voz plena de peito, sem extender o final da frase,
enfatizando o significado da frase através da postura corporal, expandida, ombros
abertos elevados, cabeça elevada transmitindo expressão de força, segurança.
66
1973
Voz novamente realiza em legato a frase,em voz plena de peito, permanecendo em
mf e diminuendo ao finalizar a frase prolongando a última sílaba de "tortos"(c. 59 e
60). Movimentação corporal exagerada, sensual e provocativa continua
acompanhando expressividade da voz.
1999 Voz realiza frase em legato e acentua "mor- " (c.58) e "ca-" (c.58), também
finalizando a frase sem extensão da última sílaba de "tortos" (c.59 e 60), demarcando
e elevando expressividade do texto. Permanece ainda estático, ainda com foco
expressivo no seu rosto, voz e olhar, voltado ao público.
1973
Voz novamente realiza em legato a frase,em voz plena de peito, permanecendo em
mf e diminuendo ao finalizar a frase prolongando a última sílaba de "latino"(c. 62 a
64) com melisma descendente. Movimentação corporal exagerada, sensual e
provocativa continua acompanhando expressividade da voz, ainda que esteja parado
no centro do palco.
1999
Voz realiza frase em mf, também finalizando a frase com extensão da última sílaba
de "latino" (c.62 a 64) e melisma descendente. Em "latino" (c.62 e 63), ainda
estático no centro do palco, abre o braço assumindo, deixando seu corpo numa
postura mais expansiva frente ao público ampliando seu foco expressivo além do seu
rosto, voz e olhar (c. 62 a 64).
1973
Voz novamente realiza em legato a frase, em voz plena de peito, em mf,
prolongando a última sílaba de "cativa"(c. 66 a 69), permanecendo em f. Postura
corporal exagerada, sensual e provocativa permanecem acompanhando a voz e
reforçando o texto com expressividade até o desfecho final da música.
1999
Voz parte de um mf e realiza um crescendo ao extender a última sílaba de "cativa"
(c.66 a 69). Extende este final de frase, por ser também o final da música e realiza
um fade out afastando o microfone aos poucos da sua boca até um ppp. Volta à sua
postura inicial no centro do palco, estático e com foco expressivo no seu rosto, voz e
olhar, voltado ao público, recolhendo suas mãos e deixando-as frente ao corpo.
67
A partir dos dados descritivos das duas interpretações vistos na TABELA III e
da análise frase a frase x transcrição melódica acima exposta e baseada nos
parâmetros citados na TABELA II, identificamos, em linhas gerais, os seguintes
pontos entre as duas performances de Ney Matogrosso:
TABELA IV - ANÁLISE DE PARÂMETROS
PARÂMETROS PERFORMANCE 1973 x PERFORMANCE 1999
1 Andamento Diferentes
2 Dinâmica Diferentes
3 Expressão Diferentes
4 Contrastes Diferentes:Musicais e Cênicos
5 Gradações Diferentes:Musicais e Cênicas
6 Instrumentação Diferentes
7 Forma Iguais
8 Parâmetros de Voz Diferentes
9 Parâmetros Cênicos Diferentes
Para melhor entendimento de como estes parâmetros variam entre uma
performance e outra e mesmo dentro da mesma interpretação, será feito aqui uma
explanação também frase a frase para melhor compreensão e para manter o
alinhamento à metodologia empregada.
Já na introdução (compasso 1 a 12), é possível reconhecer alguns contrastes
referente à instrumentação, ao andamento e à movimentação cênica. Conforme a
tabela III, a formação instrumental da versão de 1973 é mais simplificada e evidente
como a banda se comporta como "cama" harmônica para a voz solo de Ney
Matogrosso. Já na versão de 1999, a instrumentação, além de maior, ao longo do
arranjo evidencia uma forte preocupação estética e expressiva, com a entrada
paulatina dos instrumentos, assim como com as mudanças timbrísticas que acontecem.
No que diz respeito à movimentação cênica, na versão de 1973 Ney Matogrosso
68
realiza uma movimentação cênica e gestual bem definida e também sensual, flexível e
provocativa, contrastando com a postura mais estática na versão de 1999 de Ney. Isto
porque nesta segunda, ele foca a sua expressividade cênica nos aspectos mímico
gestuais (expressões faciais, de braço, sem grandes movimentações cênicas), de modo
a gerar um maior foco na relação expressão cênica x expressividade textual. Não se
pode ignorar que maquiagem e figurino também são diferentes. Em 1973, há evidente
uso de elementos naturais, como tiras de couro, pena de água e uso de maquiagem
como uma máscara tribal, em contraste ao figurino em branco de 1999 e com uso de
recursos artificiais, como o capacete de silicone cravejado de pequenas pedras
brilhantes, anéis metálicos prateados, e uma maquiagem bem mais discreta, somente
reforçando expressividade do olhar. A única coisa em comum neste quesito entre as
duas versões é o tronco nu.
Na primeira frase da música (compasso 13 ao 16), há uma diferença entre as
dinâmicas vocais realizadas por Ney Matogrosso, essencialmente a versão 1973 em
mf x a versão 1999 em p . Outra diferença evidente é referente ao andamento. Na
primeira versão (1973), Ney realiza a tempo, enquanto que na segunda (1999) ele se
coloca sutilmente à frente do andamento do conjunto, mas sem perdê-lo de vista. O
contraste referente aos aspectos cênicos permanecem sob mesma ótica movimentação
(1973) x estático (1999).
Na segunda frase (compasso 17 ao 20), relativo à dinâmica, o arco de fraseado
se deu de modo semelhante entre as duas versões. A diferença de realização vocal
referente ao andamento também permaneceu, assim como as diferenças de expressão
cênica.
A terceira frase (compasso 21 ao 24) apresenta uma diferença de dinâmica e
expressão também na performance vocal de Ney. Na primeira versão, ele realiza um
69
arco de fraseado em legato, de um mf e ao final diminuendo, contrastando com a
realização da segunda versão, em que ele realiza tenuto nas sílabas de "os ventos do
norte" (compassos 21 e 22) e acentuando o "não movem" (compasso 22) para elevar a
expressividade do texto. Diferenças cênico-gestuais permanecem contrastantes até o
final da música entre as duas performances.
Na quarta frase (compassos 25 a 28), há um evidente contraste referente a
timbre na versão de 1973 de modo a destacar a expressividade do texto.
Consequentemente, isto também ocorre entre as versões, já que na versão de 1999 a
voz de peito permanece sem oscilações, a não ser de dinâmica. Enfim, dinâmica e
expressão nesta passagem são bem distintas, ainda que com objetivos semelhantes, de
aumentar a expressividade do texto.
A quinta frase (compasso 29 a 32) volta a apresentar uma diferença entre arco
de fraseado em legato na versão de 1973 x uma expressão mais marcada ao longo da
frase na versão de 1999.
Na sexta (compasso 33 a 36) e na sétima (compasso 37 a 40) frases, há uma
semelhança de timbre vocal, uma realização em voz plena de peito nas duas versões e
ainda uma dinâmica executada de modo igual, indo do mf ao diminuendo. Os únicos
aspectos diferenciadores neste trecho dizem respeito à instrumentação, dinâmica das
bandas e aos aspectos cênico-gestuais do intérprete.
Na oitava frase (compasso 41 a 44) novamente retorna a diferença entre arco de
fraseado em legato na versão de 1973 x uma expressão mais marcada ao longo da
frase na versão de 1999.
A nona frase (compasso 45 a 48) evidencia um contraste de dinâmica entre as
versões, especialmente referente às bandas. A primeira versão apresenta, como foi
70
dito anteriormente, um conjunto com uma atitude musical de fundo, realizando a
"cama" harmônica para a voz solo de Ney, e sem realizar variações de dinâmica,
deixando estas para o intérprete também. Já na segunda versão, não só o interprete
realiza variações dinâmica, como também a banda, seja pela gradativa entrada dos
instrumentos até chegar ao tutti (que é o caso deste trecho), seja pelas mudanças
timbrísticas progressivas, seja pelas variações em volume de massa sonora produzida
pelo conjunto x intérprete. Enfim, é evidente que existe uma preocupação estética
também no nível da banda, da construção do arranjo, e não somente na interpretação
do Ney Matogrosso, formando um elo entre eles, e passando a expressividade do texto
por esta relação intérprete + banda.
Aqui na décima frase (compassos 49 a 52) surgem contrastes de inflexões entre
as realizações vocais de Ney, além das dinâmicas, nas duas performances. Na
primeira, a voz produz um timbre de sonoridade mais sensual, partindo de um p,
crescendo em legato, em contraste com a segunda versão, onde o intérprete parte de
mf, em voz plena de peito, realizando uma leve falha na palavra "desabafo"
(compasso 50), de modo a enfatizar com este efeito a expressividade do texto. Ou
seja, mais uma situação em que o autor, utilizando-se de diferentes recursos, gera
resultados diferentes, ainda que com o mesmo objetivo de ampliar a expressividade
textual.
Na décima primeira frase (compassos 53 a 56), ocorre também uma semelhança
de timbre de voz entre as versões. Dá-se uma diferenciação na dinâmica e
instrumentação entre voz x banda entre as duas performances, sendo evidente uma
maior massa sonora, por conta do tutti já em andamento desde a frase 9 e a realização
do saxofone numa região mais aguda, além da diversidade timbrística também em
virtude da presença de todos os instrumentos executando coisas diferentes ao mesmo
71
tempo, nesta segunda versão, sendo bem evidente a diferença de resultado expressivo
final neste âmbito intérprete x conjunto.
A décima segunda frase (compassos 57 a 60) novamente apresenta a diferença
entre arco de fraseado em legato na versão de 1973 x uma expressão mais marcada ao
longo da frase na versão de 1999, realizada com timbres semelhantes de voz plena de
peito de Ney.
Por fim, na décima terceira (compasso 61 a 64) e na décima quarta (compasso
65 a 69) frases, os timbres vocais das performances são semelhantes, sendo uma
realização em voz plena de peito nas duas versões e ainda uma dinâmica executada de
modo igual, indo do mf ao diminuendo. Os únicos aspectos diferenciadores neste
trecho dizem respeito à instrumentação, dinâmica das bandas e aos aspectos cênico-
gestuais do intérprete.
Após esta investigação frase a frase do que aconteceu ao longo da música nos
dois vídeos, referente aos parâmetros aqui selecionados, faz-se mister também
estabelecer uma relação analítica com os conceitos teóricos de Interpretação e
Performance tomados como referenciais para o presente trabalho.
No que diz respeito ao conceito de Interpretação (TABELA I), é fato e
afirmativo que Ney Matogrosso permitiu que a mesma obra, no caso a música Sangue
Latino, ganhasse vida em dois momentos históricos bastantes distintos, com o
distanciamento cronológico de 26 anos. Conseguiu ele acionar a mesma música, neste
caso, de duas formas diferentes, através de recursos técnicos musicais, cênico-gestuais
e expressivos diversos, conseguindo aproveitar e incluir tecnologias disponíveis nos
respectivos períodos históricos. A primeira versão foi feita em 1973, quando Ney
Matogrosso fazia parte do grupo Secos & Molhados, aproveitando o espaço dado pela
72
TV Tupi para transmissão do vídeo aqui analisado. Era uma época em que a televisão
vinha se destacando no Brasil, enquanto mídia de comunicação de massa, provocando
forte impacto na cultura e mudanças comportamentais desde a década de 1960. Nada é
melhor para atingir rapidamente um grande público simultaneamente e ainda agregar
reconhecimento não só popular, mas também da crítica, senão ser transmitido, em
cadeia nacional, em emissora de TV de grande destaque na ocasião.
Já a segunda versão, realizada em 1999, se coloca num ambiente histórico e
midiático diferente e ampliado. Ney já se encontrava em carreira solo desde 1974 e,
com isto, com total liberdade criativa tanto no nível da interpretação como da direção
dos seus shows. O presente vídeo trata de uma performance em palco, num teatro,
parte do DVD Ney Matogrosso Vivo, gravado no ano de 1999, durante show Olhos de
Farol. Tinha por objetivo também seu registro em DVD, ou seja, aqui o registro
audiovisual não é apenas para informar ou mostrar o que estava acontecendo no
contexto cultural da época. Era um registro para geração de outro canal de
acesso/produto para o grande público adquirir, de modo a viver ou reprisar a
experiência da interpretação do Ney, num outro contexto que não o do teatro.
Daí que o resultado final da relação música-intérprete-público, parte integrante
do conceito de Interpretação, se estabelece de modos diferentes também nestes dois
contextos, a partir dos dois vídeos aqui em questão, se considerado o espectador dos
mesmos naqueles momentos históricos. No caso do primeiro vídeo, tratava-se de uma
experiência única, mediada pela televisão, que não se repetiria. No segundo, a
experiência poderia ser desfrutada pelo espectador ao vivo no teatro ou repetida n
vezes que desejasse tê-la, mediada também pela TV, se adquirisse o DVD de registro
do show.
73
Fica evidente também como as duas interpretações, ainda que realizadas pelo
mesmo intérprete, são distintas, corroborando com a idéia de que "interpretar é sempre
gerar um novo" (LABOISSIÈRE, 2007) e de que "não há duas interpretações iguais
de uma mesma obra" (WINTER & SILVEIRA, 2006). Demonstram sujeição às
características temporais, sociais, política, ideológicas, culturais, bem como
perpassando por momentos diferentes da carreira e da experiência emocional do Ney
Matogrosso, também consoante com o pensamento de LABOISSIÈRE (2007). O
primeiro vídeo trata-se da primeira aparição do Secos & Molhado em cadeia nacional,
conforme apontado no capítulo I, sendo Ney Matogrosso integrante do grupo criado
por João Ricardo. No que diz respeito ao espectro de atuação do intérprete e escolhas
a serem realizadas por ele, esta realidade já sinaliza algo relevante. Uma vez que
havia um líder gerador do grupo, assim como outros participantes, Ney Matogrosso
poderia contribuir com idéias interpretativas e performáticas, todavia necessitando de
aprovação dos outros integrantes também para a execução das mesmas. Isto, a
princípio, poderia significar limites para sua atuação interpretativa. Entretanto,
conforme BAHIANA (2006) sinalizou, o grupo e, em especial seu líder João Ricardo,
tinham objetivos muito claros para que o Secos & Molhados se apresentasse ao
grande público como inovador no cenário nacional: o uso da bela e aguda voz de Ney
Matogrosso, o espetáculo altamente visual, com maquiagem e movimentação, até
mesmo sexualmente ambíguo, e a inclusão de textos de poetas. Todos estes elementos
estavam pensados e repensados pelo líder do grupo. Sendo assim, Ney Matogrosso,
neste contexto, encontrou grande espaço para expressão de suas idéias interpretativas,
como o uso de elementos naturais para construção de figurino, uso de forte
maquiagem e grande movimentação cênica e mímico-gestual, além de uma proposital
74
execução vocal com expressividade sensual, lânguida, provocativa, revelada pelas
variações timbrísticas e de inflexão, conforme constatado no primeiro vídeo e
registrado nos comentários da partitura transcrita (item 3.2.2).
Referente aos aspectos culturais da época, Ney Matogrosso, naquele momento
de 1973, deparava-se com um ambiente fervilhante e de grande liberdade criativa,
consequência das idéias propostas pelo movimento hippie da década de 1960, uma
grande produção musical gerada, no Brasil, na Era dos Festivais (1965 - 1968), e
ainda a influência direta do movimento da Tropicália, no que diz uso de figurinos
extravagantes. No cenário internacional ainda, deparou-se com a produção do Glam
Rock de David Bowie, Elton John, entre outros, contribuindo diretamente também
com questões estéticas e interpretativas, pelo valor e destaque dado a uma
performance que chocasse o público, uso de maquiagem pesada, figurinos também
escandalosos e um foco no desempenho cênico.
O cenário político era o da década de 1970, período mais acirrado da ditadura
militar no Brasil. O governo impôs uma forte censura à produção dos artistas, que
precisaram utilizar-se de muitos artifícios linguísticos, metáforas, cênicos e mesmo
arranjo de instrumentos que permitissem driblar esta censura e ainda transmitir as
mensagens que pretendiam com suas obras sem serem percebidos. Daí que canções de
cunho político explícito ficavam inviáveis de serem lançadas. Neste sentido, o Secos
& Molhados optou por uma música simples, com melodias cantáveis (conforme
partitura transcrita comentada ─ item 3.2.2 ─ e registro nos respectivos vídeos
analisados), e que o público pudesse facilmente interagir com elas. Além destes
aspectos, somava-se a figura do intérprete ─ Ney Matogrosso ─ que afirma , ao
participar da palestra Preservando Memórias - Ney Matogrosso, realizada pelo
SENAC - São Paulo (2012), não desejar assumir nenhum aspecto de gênero nas suas
75
performances ─ ser homem ou mulher ─ no início da sua carreira, mas sim, como
afirma, que "pudesse ser qualquer coisa do imaginário das pessoas, homem, mulher,
bicho, inseto, índio, gafanhoto"(MATOGROSSO, 27/abr/2013). O trecho a seguir da
mesma entrevista ilustra ainda mais as escolhas interpretativas dele e do grupo:
Porque a primeira vez que nós aparecemos na televisão, as crianças todas se
ligaram. E não vão me dizer que era homossexualismo, porque não era nada
disso. As crianças não viam isso, as crianças viam exatamente aquele ser
livre, sabe, que era um inseto, que era uma barata, que era um gafanhoto,
que era uma pessoa, um homem, uma mulher, mas não era e não tinha essa
sexualidade, sabe, não era isso [...]. Eu não queria que ninguém virasse
nada, eu nunca quis que ninguém virasse nada. Cada um vire o que bem
entender. (MATOGROSSO, 27/abr/2013) E foi assim que o Secos & Molhados conseguiu suplantar a censura e fúria do
governo militar, pelo fato de mulheres, crianças, público de todas as idades gostarem
do que apresentavam, da proposta musical e cênica simples, mas de grande impacto,
que realizavam. E o governo não pôde ignorar este fato, nem censurar, uma vez que
não havia transmissão direta de qualquer mensagem que fosse transgressora às
normas por ele impostas.
De fato, diretamente não havia mensagens inadequadas, censuráveis, como foi
dito. Mas não se pode esquecer que se tratava de uma estratégia para fazer aquela
música acontecer. O que estava por trás desta música, especialmente na performance
vista no vídeo de 1973 transmitido pela TV Tupi, era uma atitude do intérprete de
promover e exercitar em cena sua liberdade de expressão, num ambiente sócio-
político que não permitia expressão própria das pessoas. Colocava em cena, tanto
através da seu canto como do seu gestual e figurino, atitudes que transmitiam
irreverência, sátira, contemporaneidade, sensualidade, provocação e inovação, atitudes
também valorizadas por outros movimentos e gêneros musicais, como já sinalizados, a
Tropicália, o Glam Rock, mas também em movimentos estéticos antecessores e que
demonstram exercer influências, inclusive, como já visto, no conceito de
76
Performance: o Dadaísmo, o Surrealismo, e a Live Art. Evidencia, assim, conexão
com as circunstâncias e expressões do seu tempo.
Mas a inovação também perpassava a formação instrumental. Conforme visto
na TABELA III, a instrumentação era composta tanto de instrumentos acústicos,
como o violão, a viola, o ganzá, a pandeirola, a bateria e a voz, como também de
instrumentos elétricos, no caso o contrabaixo, bem como o uso de microfone para
amplificar o canto de Ney. Significa dizer que se dava nesta peça, analisada neste
vídeo, a inclusão de elementos tecnológicos que também ali naquele período histórico
estavam sendo difundidos por gêneros musicais populares, em especial o rock. Além
disso, a própria tecnologia de difusão da performance via TV em cadeia nacional e a
cores trata-se de uso de uma tecnologia audiovisual em destaque também naquele
período para atingir o grande público.
Já o segundo vídeo faz parte de uma realidade 27 anos à frente, parte do DVD
Ney Matogrosso Vivo gravado no ano de 1999 durante show Olhos de Farol, no Rio
de Janeiro. Tem uma importância histórica por encontrar-se localizado temporalmente
numa nova transição de século, entre o XIX e o XX. É integrante da última década do
segundo milênio, marcada pela globalização, pela consolidação da democracia no
Brasil, bem como grandes avanços na tecnologia, especialmente no âmbito da
tecnologia da informação, multiplicando-se drasticamente os canais de comunicação
com o desenvolvimento dos sistemas operacionais de computadores, com o advento
da telefonia celular e da internet, especialmente. No âmbito cultural, é uma época de
forte propagação da cultura pop e diversificação de gêneros musicais, tanto com o
surgimento de novos gêneros, como com a emergência de diversos estilos
consequentes de tantos outros gêneros já existentes (ex: grunge, hip-hop, rock metal,
rock industrial, rock experimental, punk rock, glam metal, new metal, house music,
77
country, reggae, etc.). Esta diversificação de produção musical muito revela aspectos
da globalização, com a suplantação de barreiras culturais e a propagação em nível
mundial de valores, símbolos e características das mais diversas culturas.
É possível estabelecer algumas conexões entre a performance do segundo vídeo
e este contexto acima retratado. Primeiro, como já foi dito, pelo uso do registro do
show em DVD, utilizando-se de recurso tecnológico audiovisual já disponível neste
momento, como mais um canal de comunicação e que também permite repetição da
experiência música-intérprete-público, todavia numa ótica diferente, do espectador
desfrutar quantas vezes desejasse, também mediada pela TV, caso obtivesse este
registro do show. Num segundo plano, verificou-se no vídeo, conforme a TABELA
III, uma instrumentação constituída também por instrumentos acústicos e elétricos,
mas em maior proporção, se comparado ao primeiro vídeo, assim como distribuídos
ao longo da execução da música de modo diferente, também em relação ao outro. É
evidente a presença de maior número de instrumentos elétricos ou amplificados por
amplificadores ou mesmo via microfones, a exemplo do contrabaixo, bateria, violão
com cordas de aço e teclado. A voz e o saxofone soprano também se apresentam
amplificados por microfones bem como a percussão, configurando uma formação
amplificada de forma artificial/elétrica por completo. É esta uma prática musical com
alto uso de recursos tecnológicos, também em voga neste período histórico.
Outro ponto de destaque diz respeito ao figurino de Ney Matogrosso neste
segundo vídeo. Ele utiliza materiais sintéticos, sendo o de maior destaque o seu
capacete de silicone cravejado de pequenas pedras brilhantes. Isto também é uma
praxe advinda da cultura pop e propagada para as diversas artes, e que coloca-se em
78
contraste com o figurino do primeiro vídeo, valorizando recursos naturais de
composição.
Referindo-se ainda ao aspecto visual, existe uma significativa diferença entre a
maquiagem de Ney neste vídeo de 1999 e o de 1973. No primeiro, todo o seu rosto é
pintado, como uma máscara tribal, assim como dos outros integrantes do grupo,
também fazendo alusão a elementos parte da natureza, como o índio. Já o segundo,
propõe uma maquiagem bem mais discreta e que demarca a expressividade dos olhos.
Esta diferença encontra respaldo nas próprias palavras de Ney na palestra feita no
SENAC São Paulo (2012). Comenta ele nesta ocasião que no início, em virtude do
contexto da ditadura, sentia necessidade de assumir uma postura mais agressiva, pois
sua maior arma de luta contra o sistema era a sua atitude de espírito livre em suas
performances. Mas com o passar do tempo, isso foi mudando, não só por conta das
transformações do contexto, mas também por próprias mudanças enquanto pessoa e
intérprete. No início, o uso da máscara com forte maquiagem era uma forma de
assumir um "poder sobre-humano", de encarar o sistema e o público, proteger sua
privacidade e despir-se de sua timidez, deixando sua identidade fora do palco por
completo. Daí que depois de 1984, passou a entender não ser mais necessária uma
postura explicitamente agressiva, radical e contestadora, como presente no primeiro
vídeo, porque o contexto mudara e ele também já era um outro Ney Matogrosso. A
partir daí, passou a estabelecer uma relação mais acessível com o público, mais
carinhosa, e percebeu que não mais necessitava de máscaras para constituir seus
personagens arquetípicos. Daí que a performance do segundo vídeo, segundo BAHIA
(2009), faz parte da terceira fase da carreira do intérprete, quando o mesmo integra
posturas mais leves e comportadas com espetáculos mais provocadores e exuberantes.
79
Quanto ao conceito de performance, é evidente que os dois vídeos apresentam
expressões musicais associadas a elementos extra-musicais, mímico-gestuais, numa
proposta de, mais do que expressar, convencer, conforme pensamento de KUEHN
(2012). Todavia estas expressões se dão de modos diferentes. Como abordamos mais
acima, a performance de Ney da música Sangue Latino, em 1973, evidencia uma
grande carga de agressividade, de irreverência e provocação perpassando tanto a voz,
como o figurino, a sua movimentação em cena, como o seu mímico-gestual. Suas
expressões faciais, sua dança, sua máscara tribal com maquiagem forte, seu figurino
com elementos naturais, e sua movimentação de palco constituem esta performance
mais provocadora. Já a do segundo vídeo de 1999, composta por sua atitude mais
estática em palco, um gestual mais suave, uma atitude de força, mais que parece
incluir um aspecto reflexivo, além de um figurino de cor neutra (branca) e uma
maquiagem que apenas reforça a expressividade do olhar, contando ainda com uma
iluminação em azul que promove um ambiente também contemplativo, introspectivo,
intimista, ou seja, próximo da platéia.
Ambas também evidenciam forte apelo visual por conta de todos estes
ingredientes cênico-gestuais já sinalizados, mas sem esquecer da destreza técnica que
Ney revela enquanto cantor, no desempenhar musical da linha melódica nos dois
diferentes vídeos, e enquanto intérprete, na proposição musical e cênica de expressões
diferentes para a mesma peça, mas com grande espontaneidade. É o que constatamos
na sua afirmação "eu nunca fiz pensando em nada. [...] Eu ia tirando do meu
inconsciente uma imagem para colocar no momento necessário [...]. Isso tudo é
intuitivo, isso tudo eu nem penso" (MATOGROSSO, 27/abr/2013). E sempre se
80
propôs a não repetir suas interpretações como afirma na seguinte passagem da palestra
dada ao SENAC São Paulo (2012):
Como eu não sou compositor, eu sou intérprete, então eu quero assim, para
me manter interessado pelo meu trabalho, eu quero que cada um seja
diferente do outro, porque isso me mantém sempre atento, sempre gostando
de fazer [...]. O recurso é esse, é cada um ser diferente um do outro, é eu
não estar repetindo nada, eu não achar nunca nenhuma fórmula. Não tem
fórmula. Cada um é a fórmula para aquele momento.(MATOGROSSO,
27/abr/2013)
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dois vídeos selecionados como objetos para o presente estudo propiciaram
uma análise de elementos relacionados à interpretação e performance que incluem
aspectos musicais e extra-musicais, especialmente o cênico, o mímico-gestual.
No que diz respeito aos aspectos musicais, foi possível observar uma música de
simples estrutura harmônica (I - IV / V - IV - I), com uma forma que respeita a
estrutura do texto e melodia também simplificada de fácil entendimento, realização e
assimilação para o público. Estes aspectos são respeitados nas duas versões,
diferenciando-se os vídeos quanto à instrumentação, dinâmica (realização feita pela
voz e pelas bandas), andamento e expressão. Os parâmetros de contraste e gradação
também diferenciaram-se nas duas, tanto nos aspectos musicais, quanto nos cênicos.
Referente aos aspectos cênicos e mímico-gestuais, ambas as performances
valorizaram o aspecto visual como parte integrante da Interpretação. As duas
apresentaram figurino, maquiagem e gestual em cena, porém constituídos de modos
distintos, como analisados no item 3.2.2, ficando aqui como síntese de entendimento
entre as duas que a primeira, segundo BAHIA (2009), relaciona-se com a primeira
fase da carreira de Ney Matogrosso, pela sua atitude mais agressiva, radical e
provocativa, enquanto que a segunda relaciona-se com a terceira fase, integradora, de
convívio simultâneo de posturas "comportadas" e exuberantes. O que a segunda
82
agregou a mais foi o cenário e a iluminação como parte do espetáculo, já que o
primeiro vídeo foi feito parte de programa transmitido pela TV Tupi, não havendo
esta preocupação como parte integrante de um espetáculo, apenas de divulgação do
trabalho.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é que a análise realizada permitiu
identificar características nos dois vídeos que estabelecem direta relação com os
conceitos de Interpretação e Performance aqui tomados como referencial. Foi possível
identificar o quanto cada uma delas estava sujeita a questões temporais, políticas,
culturais e mesmo experiências próprias do intérprete. Estes aspectos exerciam
influência nas decisões de Ney nos respectivos momentos das performances para a
construção de suas interpretações e para que as mesmas se diferenciassem.
O seu papel de mediador fica mais claro quando entendemos o quanto suas
escolhas interpretativas viabilizaram uma relação entre obra e ouvinte próxima,
recíproca, e de alta aceitação por parte do público, nos dois momentos históricos.
Ney Matogrosso pôde recriar a música Sangue Latino em dois momentos
históricos distintos, acionando a mesma obra de modo musical e cênico diferentes,
fazendo-a reviver, reatualizá-la no tempo e espaço, evidenciando uma linguagem
interpretativa bastante própria, voltada ao espetáculo e terminou exercendo forte
influência na música popular brasileira, conforme VARGAS (2010). Isto porque
evidencia um perfil de intérprete do texto em suas performances voltadas ao
espetáculo, pela inclusão de elementos cênicos (maquiagem, figurino, iluminação,
cenário, mímico-gestual, movimentação cênica) além dos elementos musicais como
parte de suas interpretações, de modo a elevar a expressividade e dramaticidade do
texto e da música. Estes aspectos confirmam a relação multidisciplinar que perpassa o
83
seu trabalho de interpretação, por ele estabelecer entre as artes (música, teatro e artes
plásticas) uma mútua influência e participação no seu trabalho de performer.
Ademais, este aspecto de recriação da música incluindo contribuições
particulares do intérprete é algo que claramente define o seu estilo interpretativo,
segundo SILVA, P. (1960), e o mesmo ainda afirma ser tal aspecto herança direta dos
princípios interpretativos vigentes no período Barroco, como visto no capítulo I
(espontaneidade, criatividade, improvisação, alta personalização). Um outro elemento
que o mesmo identifica de conexão entre música popular e barroca é a vivência
prática musical como parte do dia a dia do músico e intérprete, e isto se conecta ao
presente trabalho pelo fato da partitura ter acontecido posterior à criação da música,
neste caso, a partir dos vídeos analisados, servindo como uma ferramenta
complementar no processo de análise.
Por fim, é válido ressaltar a importância capital que este intérprete assume na
música popular brasileira, bem como frente ao estudo da Interpretação e Performance,
no que diz respeito à perpetuação do repertório, à sua atuação como cantor do texto e
na geração de uma linguagem interpretativa musical voltada ao espetáculo.
84
REFERÊNCIAS
ARBEX, M. "A visualidade na poesia: os precursores do Concretismo."in: Revista de
Letras, v. 19, n. 1/2. Fortaleza: UFC,1997, p. 92-97. Disponível em:
<http://www.revistadeletras.ufc.br/rl19Art14.pdf>. Acesso em 09/set/2013.
BAHIA, S. Ney Matogrosso: o ator da canção. 1a ed. Rio de Janeiro: Editora
Multifoco, 2009.
BAHIANA, A. M. Nada será como antes: MPB anos 70 - 30 anos depois. 1a ed. Rio
de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006.
BIÃO, A. "Estética performática e cotidiano". In: TEIXEIRA, J.G.L.C. (org.)
Performáticos, performance e sociedade, cap. 3. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1996.
BORGES, A. C. & NORDER, L. A. C. "Tortura e violência por motivos políticos no
regime militar no Brasil". In: 7° SEMINÁRIO DE PESQUISA EM CIÊNCIAS
HUMANAS. Londrina: Eduel, 2008.
BORÉM, F. "Metodologias de pesquisa em performance musical no Brasil:
tendências, alternativas e relatos de experiências". In: RAY, S. (org.) Performance
musical e suas interfaces, cap. 1. Goiânia: Editora Vieira, 2006.
BURGO, V. H. "O arquétipo persona e a preservação da face na conversação ". In: IX
ENCONTRO DO CELSUL. Palhoça: UNISUL, 2010, p.1-13. Disponível em:
<http://www.celsul.org.br/Encontros/09/artigos/Vanessa%20Burgo.pdf>. Acesso em
09/set/2013.
CIDREIRA, R. P."A moda nos anos 60/70 (comportamento, aparência e estilo)." In:
Revista Recôncavos, v.2, n.1. Cachoeira: UFRB, 2008, p.35-44. Disponível em: <
http://ufrb.edu.br/reconcavos/edicoes/n02/pdf/Renata.pdf >. Acesso em 09/set/2013.
COELHO, C. N P."Tropicália: cultura e política nos anos 60". In: Revista Tempo
Social. v.1, n. 2. São Paulo: USP, 1989, P.159-166. Disponível em:
<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_tr
opicalia.pdf>. Acesso em: 09/set/2013.
85
COHEN, R. Performance: como linguagem. 3a ed. São Paulo: Editora Perspectiva,
2011.
COSTA, C. G. & SERGL, M. J. "A música na ditadura militar brasileira-Análise da
sociedade pela obra de Chico Buarque de Holanda". Iniciação Científica, v. 1, n. 1,
2007, p. 35-40. Disponível em: < ftp://ftp.usjt.br/pub/revistaic/pag35_edi01.pdf>.
Acesso em 07/mai/2013.
DANTAS, D. F."A dança invisível: sugestões para tratar da performance nos meios
auditivos". In: XXVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO - V ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA
INTERCOM. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação, 2005.
EXPOSIÇÃO Cápsula do tempo: identidade e ruptura no vestir de Ney Matogrosso.
São Paulo: Senac SP, 2012. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=kGqsaKLOlXo>. Acesso em 27/abr/2013.
ENTREVISTA exclusiva com Ney Matogrosso. São Paulo: TV IG, 2011. Disponível
em < http://www.youtube.com/watch?v=2c3IxIUpj-M>. Acesso em 27/abr/2013.
FIGUEIRA, B. S. "Raul Seixas em Krig-ha, bandolo! Uma prática discursiva de
contracultura." In: I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LETRAS E LINGUÍSTICA,
n.17. Uberlândia, 2011, p.137-155. Disponível em:
<http://www2.catalao.ufg.br/uploads/files/38/11.pdf>. Acesso em 09/set/2013.
GATTO, V. D. M. Rock Progressivo e Punk Rock: uma análise sociológica da
mudança na vanguarda estética do campo do Rock. Dissertação(mestrado). Brasília:
Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia,
2011.
GIDDENS, A. Mundo na era da globalização. Lisboa: Presença, 2000, p.19-31.
KUEHN, F. M. C. "Interpretação – reprodução musical – teoria da performance". In:
Per Musi, n.26. Belo Horizonte, 2012, p.7-20.
LABOISSIÈRE, M. Interpretação musical: a dimensão recriadora. 1a ed. São Paulo:
Editora Annablume, 2007.
LIMA, S. A. Performance & interpretação musical: uma prática interdisciplinar. /
Sônia Albano Lima (org). 1a ed. São Paulo: Musa Editora, 2006.
LIMA, S. A. "Performance: investigação hermenêutica nos processos de interpretação
musical". In:RAY, S. (org.) Performance musical e suas interfaces, cap. 4. Goiânia:
Editora Vieira, 2006.
86
MATOGROSSO, N. - Em construção, Sangue latino. São Paulo, Canal Brasil. 2012.
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=17hfiW88jMA>. Acesso em
27/abr/2013.
________________. completa 40 anos de carreira. São Paulo, 2012. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=vdNnD6YDL7s>. Acesso em 27/abr/2013.
________________. "O Ney está nu - parte 1". In: GNT Fashion. São Paulo, Canal
GNT. 2012. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=oc4To2Z-tWo>.
Acesso em 27/abr/2013.
________________. "O Ney está nu - parte 2". In: GNT Fashion. São Paulo, Canal
GNT. 2012. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=oc4To2Z-tWo>.
Acesso em 27/abr/2013.
________________. Gabi quase proibida - entrevista: parte 1. São Paulo, SBT. 2013.
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=aZuc3JpyvGw>. Acesso em
27/abr/2013.
________________. Gabi quase proibida - entrevista: parte 2. São Paulo, SBT. 2013.
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=HPyQ5miVV2Y>. Acesso em
27/abr/2013.
________________. Gabi quase proibida - entrevista: parte 3. São Paulo, SBT. 2013.
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=nUImXEbGN4w>. Acesso em
27/abr/2013.
________________. "Sangue Latino". In: DVD Ney Matogrosso - Vivo. Rio de
Janeiro: Universal Music, 1999. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=RnbYHUfJhLQ>. Acesso em 24/abr/2013.
MATOS, A. A. F. "Ditadura, MPB e sociedade: a música de resistência em Chico
Buarque de Holanda". In: Página de debates, n.17. Campo Grande. 2011. Disponível
em: < http://linguisticaelinguagem.cepad.net.br/EDICOES/17/17.htm >. Acesso em
07/mai/2013.
PAIXÃO, L. A."Valente em lugar tenente: o movimento da música de protesto." In:
Revista Urutágua - acadêmica multidisciplinar, n.27. Maringá: UEM, 2012, p.112-
124. Disponível em:<
http://eduem.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/view/17142/10070 >. Acesso
em 09/set/2013.
PALESTRA Preservando Memórias. São Paulo: Senac SP, 2012. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=IrI96JUc4lI>. Acesso em 27/abr/2013.
SADIE, S. & LATHAM, A. (ed.). Dicionário Grove de música: edição concisa. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
87
SECOS & MOLHADOS. Sangue Latino. Rio de Janeiro: TV Tupi. 1973. Disponível
em: < http://www.youtube.com/watch?v=-
zLicyzaH5A&list=FL14eWrBmI1TBU8pzFtFcysg>. Acesso em 24/abr/2013.
SILVA, C. G. "Censura, repressão e silêncio: a memória da imprensa escrita de
Montes Claros durante o governo militar (1964-1985)". In: Revista Ágora, n.11.
Vitória, 2010, p.1-17.
SILVA, P. Da interpretação musical. 1a Porto Alegre: Editora Globo. 1960.
TONETO, D. J. M. "Entre a poesia e a crítica: algumas considerações sobre futurismo
russo e Roman Jakobson". In: Cadernos de semiótica aplicada. v.5 , n.1. Araraquara:
UNESP, 2007. Disponível em:<
http://seer.fclar.unesp.br/index.php/casa/article/view/559>. Acesso em 09/set/2013.
VARGAS, H. "SECOS & MOLHADOS: experimentalismo, mídia e performance".
In: XVIII ENCONTRO DA COMPÓS - PUCRJ. Rio de Janeiro: Associação Nacional
dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2010.
VIANA, N. Tropicalismo: a ambivalência de um movimento artístico. 1a ed. Rio de
Janeiro: Editora Corifeu, 2007. Disponível em: <
http://pt.scribd.com/doc/52133883/Tropicalismo-A-Ambivalencia-de-um-Movimento-
Artistico>. Acesso em 09/set/2013.
VILARINO, R. "História, música e memória". In: Lutas sociais. v. 13/14, n. 1°
semestre. São Paulo, 2005, p. 90-103.
WINTER, L. L. & SILVEIRA, F. J. "Interpretação e execução: reflexões sobre a
prática musical". In: Per Musi, n.13. Belo Horizonte, 2006, p.63-71
ZAN, J. R. "Secos & Molhados: o novo sentido da encenação da canção". In: 7º
CONGRESSO DA SEÇÃO LATINO-AMERICANA DA INTERNATIONAL
ASSOCIATION FOR STUDY OF POPULAR MUSIC (IASPM-AL), La Habana,
2006. Atas.
88
ANEXO
PARTITURA - Sangue Latino (J. Ricardo e P. Mendonça)........................................89
Top Related