PAULO FRANCISCO BISCHOF JUSTUS
A DESAGREGAÇÃO DOS FAXINAIS
A PARTIR DO RECONHECIMENTO DO ESTADO
Monografia apresentada para obtenção do diploma do curso de Especialização em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Paulo Costa
CURITIBA
2008
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 03
A SOCIOLOGIA DOS PROBLEMAS SOCIAIS ...................................................... 06
FAXINAIS ..................................................................................................................... 11
ORIGEM DOS FAXINAIS .............................................................................................. 13
RECONHECIMENTO ................................................................................................. 17
REIVINDICAÇÕES E CONFLITOS ......................................................................... 24
CONCLUSÃO ............................................................................................................... 29
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 31
ANEXO .......................................................................................................................... 34
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1.0 INTRODUÇÃO
O objetivo dessa monografia é explicar como a desagregação dos faxinais se tornou
um problema social. Isso acontece a partir da alteração da Lei do ICMS Ecológico (59/91).
A lei destina 5% do ICMS ecológico arrecadado no Estado às Áreas Especiais de Uso
Regulamentado (ARESUR). Tal mudança foi feita pelo Decreto Estadual nº 3.446/97 que
regulamentou o Faxinal como ARESUR, seguindo as mesmas diretrizes de utilização das
APAS (Áreas de Proteção Ambiental) e criando mecanismos de repasse de ICMs
Ecológico a estas comunidades. Esse foi o primeiro reconhecimento dos faxinais por parte
do governo e por isso foi considerado o ponto de partida do estudo.
Os faxinais são comunidades camponesas caracterizadas por um modo de produção
coletivo, que possuem áreas de criadouro comunitário. Um levantamento feito por
MARQUES (2005) constatou que todos os faxinais existentes no Paraná encontram-se em
processo de desagregação. “Atualmente, restam apenas 44 faxinais que ainda conservam
parte das origens e características, embora se estime que há mais de 10 anos existiam cerca
de 150” (Idem).
O levantamento, feito a pedido do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), também
verificou como estava o cumprimento da Lei do ICMS Ecológico nos faxinais. Na época, a
vasta maioria desconhecia a lei e não sabia da aplicação dos recursos. Além dos
questionários aplicados nas principais comunidades faxinalenses, o material incluiu
também entrevistas com os pesquisadores do tema. Este trabalho pretende utilizar tal base
de dados para mostrar a diferença de argumentação em torno dos faxinais entre o relatório
encomendado pelo IAP e o dossiê elaborado pela organização que representa os
faxinalenses, a Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses (APPF).
Pretende-se, portanto, estabelecer como a inclusão das áreas de faxinal em lei
estadual levou à percepção, tanto por parte do governo, quanto por parte dos próprios
povos faxinalenses, da desagregação dos faxinais como problema social. Para isso será
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adotada a abordagem da sociologia dos problemas sociais, próxima àquela proposta por
FUKS (2001), quando analisou os conflitos ambientais no Rio de Janeiro.
As informações mais recentes vêm no encalço de um outro reconhecimento dos
povos faxinalenses, dessa vez por parte do governo federal. Em 2005, os faxinalenses
foram incluídos na Comissão Nacional de Povos e Populações Tradicionais do Ministério
do Meio Ambiente. Dois anos mais tarde, com recursos do mesmo ministério Articulação
Puxirão dos Povos de Faxinais (APPF) publicou a Nova cartografia social dos povos e
comunidades tradicionais do Brasil. A própria organização dos camponeses surgiu como
resultado do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, organizado em 2005 pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário em parceria com ONGs que já trabalhavam com os faxinais.
Juntamente com o lançamento da cartografia, feito na Assembléia Legislativa do
Paraná, a APPF lançou o dossiê Conflitos sócio-ambientais e a violação dos direitos
humanos na floresta com araucárias, denunciando os principais problemas enfrentados
pelas comunidades faxinalenses. Problemas que estão, em última instância, relacionados a
um aspecto mais amplo da pressão que o agronegócio tem feito no meio rural e ao
conseqüente êxodo desse meio para o ambiente urbano.
Este trabalho pretende comparar os argumentos e definições do conflito. Para
tanto, as informações do dossiê APPF (elaborado em 2007) serão confrontados com os
coletados no levantamento de MARQUES (elaborado entre 2003 e 2004). A idéia é
mostrar a evolução do conceito de identidade faxinalense nesse período, que é justamente o
intervalo de tempo em que os faxinalenses se organizam na APPF e em que são
reconhecidos como comunidade tradicional.
O objetivo é observar se os reconhecimentos por parte do governo estadual e
federal resultaram no surgimento de um novo problema social. Um problema relacionado
aos dos conflitos dos faxinalenses identificados enquanto comunidade tradicional e o
agronegócio, identificado como seu principal algoz. Algo que antes não tinha visibilidade. Os atores situados no âmbito das instituições governamentais estão entre aqueles que assumem uma posição privilegiada nessa disputa. A visibilidade de seus pronunciamentos e o caráter singular do discurso público oficial — fortalecido por seu amparo em outras formulações estatais
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(por exemplo, leis) — asseguram a esses atores condições especiais de participação no debate público. (FUKS, 2001, p. 56) A última etapa do processo de reconhecimento da desagregação dos faxinais
enquanto problema social foi o projeto de lei com o objetivo de reconhecer os faxinalenses
e lhes conceder condições de se reproduzir socialmente. Tal projeto foi apresentado em
2007 na Assembléia Legislativa do Paraná. A aprovação da proposta resultou na lei
estadual 15.673 de 13 de novembro de 2007. Assim, ao cabo da apresentação do projeto,
pretende-se analisar também a lei, como um dos resultados das reivindicações sociais dos
faxinalenses. Algo já indicativo de uma mudança no modo de como eles encaram sua
situação.
A aprovação de uma lei específica para os faxinalenses também indica o quanto a
situação dos faxinalenses ainda pode se desenvolver, já que a partir da lei os aspectos
culturais, antes não observados pelas leis deverão ser incluídos na agenda. Algo a mais que
o decreto estadual nº 3.446/97 sobre o Faxinal, que apenas inclui o aspecto do criadouro
comunitário como meio de manter em pé a floresta com araucárias.
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2. A SOCIOLOGIA DOS PROBLEMAS SOCIAIS
A Sociologia surge dentro de um século de rápidas mudanças sociais atribuídas em
grande parte à Revolução Industrial. Enquanto, na Europa do século XIX, teóricos sociais
devotaram as atenções para as mudanças institucionais e a erosão da estrutura social, os
sociólogos americanos, sobretudo da Universidade de Chicago adicionaram uma
orientação intelectual derivada de um idealismo político. Nesse contexto, “‘os problemas
sociais’ eram geralmente entendidos como condições que interrompiam o curso pacífico da
vida (por exemplo, crime) ou produziam miséria humana óbvia (por exemplo, pobreza) e
que poderiam ser eliminados ou aliviados por meios de uma política social iluminada e
engenharia social efetiva.” (JENESS e MAUSS, 2000). Esses problemas estavam
associados às cidades em franca expansão e à chegada de imigrantes pobres que elas
atraíam.
Na metade do século XIX, no entanto, a crescente influência do positivismo e do
funcionalismo retirou da academia a instância normativa sobre os problemas sociais.
“Embora ainda reconhecendo certas condições sociais como problemáticas, muitos
sociólogos limitaram as suas responsabilidades à análise científica dos problemas e às suas
causas, deixando o ativismo meliorista para os políticos, assistentes sociais e partidários de
grupos de interesse.” (JENESS e MAUSS, 2000)
De acordo com JENESS e MAUSS (2000), o paradigma reinante ao longo da
história dos problemas sociais tem sido o objetivista (objectivist), também chamado de
paradigma tradicional (JENESS e MAUSS, 2000). Desse ponto de vista, os problemas
sociais são condições indesejáveis para qualquer observador treinado e objetivo e são, de
uma forma ou de outra, sensíveis à alteração. Não se questiona aqui de que forma esses
problemas sociais são definidos ou reconhecidos.
Pela perspectiva funcionalista, a sociedade é comparada a um organismo feito de
partes independentes (instituições). Esse organismo está sujeito a falhas, que, no entanto,
não impedem seu funcionamento. Essas anomalias são chamadas de disfunções.
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O foco funcionalista, notadamente relacionado à visão conservadora, foi também
adotado pela chamada teoria crítica — essa mais alinhada ao pensamento de esquerda.
Dessa perspectiva, os problemas sociais eram as características inevitáveis e endêmicas do
sistema capitalista. Os esforços para se lidar com os problemas dessa natureza seriam, em
tal contexto, meramente paliativos. As disfunções só seriam superadas com a derrocada do
sistema capitalista e o surgimento de uma sociedade livre de problemas. “Esta visão radical
compartilha com a sua contraparte funcionalista mais conservadora a premissa que os
problemas sociais podem, em princípio, serem objetivamente identificados, diagnosticados,
analisados e corrigidos.” (JENESS e MAUSS, 2000, p. 2.760).
O paradigma emergente, que, de acordo com JENESS e MAUSS, se contrapõe a
essas normas é o subjetivista (subjectivist). Em termos simples, ele sustenta que um
problema social se define pelo olhar do observador e não pela realidade objetiva. Certas
condições sociais podem ser reais, como o buraco na camada de ozônio, desastres naturais,
desigualdade social, mas para que elas sejam rotuladas de problemas exige-se um
julgamento valorativo que não é inerente à condição em si. “Há uma distinção entre a
condição social (real ou imaginada) e a sua aquisição de reputação como problema social
reconhecido.” (JENESS e MAUSS, 2000).
Nessa argumentação, os problemas sociais são mais bem reconhecidos como
projeções dos sentimentos e representações coletivas, em vez de serem vistos como
espelhos das condições objetivas. “Sentimentos e representações coletivas refletem
julgamentos emanando de interesses políticos, econômicos, culturais, morais, religiosos e
outros, de pessoas que supõe a existência de um problema.” (JENESS e MAUSS, 2000).
A analogia do sociólogo com o médico, largamente utilizada pelos funcionalistas,
é negada por essa perspectiva. Os subjetivistas argumentam que não há padrões científicos
na sociologia como há na medicina. Não há padrão de normalidade para a saúde de um
sistema social, como há um padrão médico para a saúde do corpo humano. O julgamento
que diz que uma condição social é indesejável ou problemática em qualquer sentido é
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totalmente relativo a variáveis culturais, geracionais, e muitas outras variáveis sociais,
(JENESS e MAUSS, 2000). Essa proposta de reformulação da sociologia dos problemas sociais envolve o deslocamento do foco da analisa das chamadas “condições objetivas” para o processo de reconhecimento subjetivo que conduz à sua definição como um problema social. Afinal, uma condição alegada não constitui um problema social enquanto não for enunciada publicamente como tal. Assim, por exemplo, um suposto crescimento do número de abortos não configura um problema social enquanto esta estatística não for veiculada por um grupo que a interprete como “crime contra a vida” ou, alternativamente, como uma conseqüência da miséria e da desinformação. (FUKS, 2001, p. 49)
Como evidência dessa variabilidade e relatividade na definição do termo
“problema social”, a abordagem subjetiva, também chamada de construcionista, faz duas
observações históricas. Compara condições sociais, outrora consideradas como sérios
problemas nos Estados Unidos, com a visão atual. Um exemplo dado por JENESS e
MAUSS, 2000 é o da bruxaria, que hoje se considera nunca ter existido de verdade e que,
mesmo assim, foi reconhecida como um grande problema social no século XVII em
Massachusetts e outros lugares. Um exemplo mais recente diz respeito à miscigenação, que
deu raiz a um poderoso movimento eugênico no começo do século passado. O
homossexualismo é outro tema que, junto com a prostituição, figurava na maioria das
revistas científicas de problemas sociais, sendo inclusive listado como uma desordem no
manual oficial de diagnóstico de psiquiatria, mas que hoje é considerado um estilo de vida
legítimo e é protegido por direitos civis. “Em nenhum desses exemplos houve qualquer
evidência de redução na incidência atual da condição, e então, a erosão nos seus status de
problemas sociais ‘reais’ pode ser atribuída somente a mudanças na percepção pública.”
(JENESS e MAUSS, 2000).
Outra observação importante a se fazer é que aparentemente não há relação
consistente entre os problemas sociais que estão em vias de extinção e diminuição e a
designação pública e oficial dessas condições sociais como problemas.
Por exemplo, o reconhecimento oficial e profissional de discriminação racial como um problema social nos Estados Unidos nó veio quando o regime Jim Crow estava em sua pior condição (antes da Segunda Guerra Mundial) mas apenas depois que muitos afro-americanos começaram a
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melhorar significativamente. Similarmente, é apenas depois dos anos 80 que os então chamados crimes de ódio (crimes motivados por um viés baseado na raça, religião, etnia, orientação sexual, gênero, etc.) entraram no discurso nacional apesar do fato de que esse tipo de violência intergrupal fosse tão velho quanto a humanidade. Na direção oposta, a guerra contra a pobreza dos anos 60 foi efetivamente retirada da agenda nacional de problemas sociais com nenhuma mudança na incidência real de pobreza. Similarmente, a guerra nacional contra as drogas foi oficialmente declarada depois de mais de uma década de declínio na incidência do uso de álcool e drogas, tanto por adultos quanto por jovens nos Estados Unidos. (JENESS e MAUSS, 2000).
Essa falta de correspondência entre condições sociais objetivas e o fluxo dos
problemas sociais significa, segundo JENESS e MAUSS, que os dois fenômenos podem
variar independentemente. Apesar da falta de correspondência no caso dos problemas em
declínio na sociedade, como o mencionado acima, a definição dos governos tem
importância quando se trata de um problema emergente. Da perspectiva subjetivista, o
estudo sociológico dos problemas sociais trata do processo pelo qual as supostas condições
vêm a ser definidas como problemas sociais pelo governo e povo. Nesta formulação, os
problemas sociais são reconceituados no termo do discurso, interações e práticas
institucionais pelas quais apenas algumas condições sociais são definidas e colocadas no
rol dos problemas sociais.
Os problemas sociais não se derivam das condições sociais. “Eles se originam nas
atividades de reivindicação (claims-making) de grupos interessados ou partidários que
tentam ganhar aceitação política por suas percepções de determinadas condições enquanto
‘problemas,’ já que essas percepções refletem a evolução da construção dos problemas
sociais” (Spector e Kitsuse, 1977 in JENESS e MAUSS, 2000). São essas atividades,
portanto, o foco do estudo da sociologia dos problemas sociais. Aquilo que Berger e
Luckman (1966) definiram como o estudo da construção social da realidade.
Essas reivindicações consistem em táticas de protesto de grupos de interesses e
incluem os boicotes, as manifestações, processos judiciais, bem como o uso estratégico de
termos, semântica, rótulos e outros recursos retóricos. Tudo com o objetivo de conquistar
apoio político e público para certas condições postas como problemas.
As reivindicações ocorrem em várias arenas. Elas podem ser de vários tamanhos,
como uma universidade, uma corporação ou uma assembléia. FUKS analisa a disputa
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sobre a compreensão pública dos assuntos e problemas socais, conflito presente no sistema
de arenas públicas, no qual “estão em curso, entre outros fenômenos, as reivindicações, as
atividades reivindicatórias de grupos, o trabalho da mídia, a criação de novas leis, os
conflitos processados pelos tribunais, e a definição de políticas públicas.” (2001, p. 47).
FUKS esclarece que não se trata de um processo regido pela cultura ou outras
instâncias abstratas como a sociedade e a opinião pública. “Emerge da disputa sediada em
espaços específicos, entre uma (virtual pluraridade de versões, embora as condições
diferenciadas de participação impliquem vantagens par acertos atores e o silêncio de
outros” (2001, p. 47).
Trata-se de um processo mais amplo de definição dos temas, por meio dos atores
políticos, hierarquização e condução do conflito de uma maneira geral. No âmbito da política, o estudo a respeito de definição de agenda é o que conduz a dinâmica do debate público ao centro da investigação. As duas questões básicas no estudo a respeito da definição de assuntos públicos e, mais especificamente, da definição de agenda são as seguintes: como surgem novos assuntos públicos e por que alguns (e não outros) ascendem às arenas públicas; e quais atores participam do processo de definição de assuntos públicos. (FUKS, 2001, p. 48) A ascensão de um assunto à agenda pública é o que propõe a abordagem subjetiva
da sociologia dos problemas sociais, proposta por Spector e Kitsuse, é o ponto a ser
investigado nos próximos capítulos. A forma como essa construção se processou no caso
dos faxinais será investigada no decorrer do estudo, mas antes é preciso conceituar os
faxinais.
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2.0 FAXINAIS
Os faxinais começaram a ser estudados em meados da década de 1980. Márcio DA
SILVA (2005) reconhece como o primeiro trabalho a tratar dos faxinais o texto “Da
aventura à esperança: a experiência autogestionária do uso comum da terra”, de Horácio
Martins de CARVALHO (1984). Outra pioneira foi Man Yu CHANG (1985) que fez a sua
tese de mestrado da UFRRJ sobre o tema, intitulada “Sistema Faxinal – Uma forma de
organização camponesa em desagregação no Centro-Sul do Paraná”.
Esses foram os primeiros trabalhos sobre o sistema camponês de produção, já com
mais de um século de história. Um modo de organização social que compreende o uso de
terras comuns, o chamado criadouro comunitário, onde se preserva a mata nativa,
especialmente com a finalidade da colheita da erva-mate. Esse sistema já correspondeu a
20% do território paranaense na primeira metade do século XIX, de acordo com DA
SILVA (2005).
Para que se compreenda melhor a desagregação por que esse sistema vem
passando, faz-se necessário definir o faxinal. Para Carvalho (apud DA SILVA, 2005) o
faxinal se referia, no fim do século XIX ao mato denso e cerrado com pinheiro e erva-
mate. Mas ainda assim havia nele capacidade para condições de pastagens naturais. “O
faxinal era preservado para práticas extrativistas da madeira e da erva, além de servir de
espaço para a criação extensiva de animais.” O autor também define o criadouro
comunitário como uma ...forma de organização consuetudinária que se estabelece entre proprietários da terra para sua utilização comunal, tendo em vista a criação de animais. A área de um criadouro comunitário é constituída por várias parcelas de terras de distintos proprietários, formando, umas ao lado das outras, um espaço contínuo (CARVALHO, apud DA SILVA, 2005). Souza (apud MARQUES, 2005) entende por criadouro comunitário um espaço
físico que tem por base uma relação social com finalidade de organização comunitária. “Já
o faxinal é um espaço físico natural existente no interior do criadouro, cuja delimitação é
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determinada pela presença de espécies vegetais de relevante interesse econômico, como
também pela disponibilidade de forrageiras nativas que atendiam a pecuária mantida no
sistema.”
Com freqüência os termos criadouro comunitário e faxinal se confundem. Chang
compreende o conceito de criadouro comunitário como parte do sistema faxinal. Este
compreende, além do criadouro comum, as áreas vizinhas destinadas ao cultivo de lavouras
para subsistência, cujo excedente é comercializado. O sistema faxinal apresenta três componentes básicos: produção animal e agrícola e o extrativismo da erva-mate. A produção animal se baseia na criação de animais domésticos para tração e consumo, com destaque às espécies eqüina, suína, bovina e avícola. A produção agrícola de subsistência para abastecimento familiar e comercialização da parcela excedente (policultura alimentar), destacando-se as culturas de milho, feijão e arroz. E por sua vez, o extrativismo da erva-mate, realizado em ervais nativos, conduzidos dentro do criadouro e explorados durante a entressafra das culturas, desempenhando papel de renda complementar” (Chang, apud MARQUES, 2005). O que foi posteriormente reforçado pelo Decreto Estadual nº 3.446 de 1997, no
parágrafo 1º, do art. 1º: ... entende-se por Sistema Faxinal: o sistema de produção camponês tradicional, característico da região Centro-Sul do Paraná, que tem como traço marcante o uso coletivo da terra para produção animal e a conservação ambiental. Fundamenta-se na integração de três componentes: a) produção animal coletiva, à solta, através dos criadouros comunitários; b) produção agrícola – policultura alimentar de subsistência para consumo e comercialização; c) extrativismo florestal de baixo impacto – manejo de erva-mate, araucária e outras espécies nativas. (PARANÁ, 2006).
A lei será estudada mais detalhadamente na seqüência deste trabalho, com o
objetivo de analisar sua aplicação e como serviu de instrumento reivindicatório por parte
dos faxinalenses. E instrumento de visibilidade social, que mais tarde vai corroborar para
um reconhecimento no nível do governo federal, como é o caso da menção do
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO: O sistema faxinal é um sistema agroflorestal de economia familiar, num ambiente de floresta nativa com araucária, bastante manipulado e no qual, animais domésticos são criados “a solta” em pastagens comunitárias (“criadouros coletivos” com eqüinos, suínos, caprinos e aves; raramente bovinos), sombreados com pelo menos algumas árvores nativas remanescentes. Nesses “criadouros coletivos” se concentrava a maior parte da coleta da erva-mate como fonte de renda
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complementar. Nas mesmas propriedades, as áreas “de plantar” (quase que exclusivamente com culturas de ciclo curto) são “privadas” e separadas dos criadouros coletivos, por valos e/ou cercas. O faxinal tradicional é “conservador” da biodiversidade local, pelo menos quando não ocorrer sobrecarga de animais domésticos nos criadouros coletivos. (2008) Uma definição diferente é apresentada pela ARTICULAÇÃO PUXIRÃO DOS
POVOS DOS FAXINAIS (2007, p. 7): Os Faxinalenses são grupos sociais que compõe territórios específicos da região Centro e Centro-Sul do Estado do Paraná. Sua organização est’baseada em normas próprias, acatadas de maneira consensual pelas relações sociais internas à comunidade, que controlam os recursos básicos essenciais através da combinação de uso comum e apropriação privada dos recursos naturais. Pela disposição e organização social, além da conservação ambiental que lhes é conseqüente, os faxinais são considerados uma forma de organização camponesa e gestão dos recursos naturais singular no sul do Brasil.
2.1 A ORIGEM DO SISTEMA FAXINAL
Na tentativa de explicar a origem dos faxinais, os pesquisadores trabalharam
basicamente em duas vertentes. A primeira, desenvolvida por Chang, procura utilizar
elementos da evolução capitalista dos meiors de produção. Para isso, a autora examina o
processo de organização do trabalho na produção agrícola dos faxinalenses.
O outro enfoque dado ao tema é o da construção histórica do faxinal, tal como a
citada por LÖWEN SAHR (2005). Por essa perspectiva, as experiências do cotidiano e das
relações sociais são evidências de uma herança cultural na forma de ocupação da terra
implantada pelos jesuítas espanhóis da parte ocidental do Paraná, ou seja, das Reduções
Jesuíticas no século XVI. A experiência jesuítica se encerra em 1628, segundo a autora,
com a chegada dos bandeirantes ao Paraná, que expulsam os religiosos, fazendo-os
avançarem até a área do atual Estado do Rio Grande do Sul. Sobram nas terras paranaenses
apenas os índios Kaingang, que transitavam entre os campos e as áreas de florestas com
araucária.
No século XVII, com a descoberta do ouro e pedras preciosas em Minas Gerais, a
região passa a receber o movimento das tropas, destinado a servir o transporte
intercontinental. Surge também uma elite campeira, representada pelos grande
proprietários de terra (LÖWEN SAHR, 2005).
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Também nesta fase, os índios Kaingang são então gradativamente empurrados para as matas. Nelas sumiram também não poucos vaqueiros, escravos fugidos e aventureiros e talvez também nela se encontrassem o restante da população Guarani e familiares dos Bandeirantes. Assim, forma-se no século XVIII no Sul do Brasil uma população autóctone, os Caboclos, que desenvolve na floresta, quase sem referência na Historiografia, um outro tipo de sistema agropecuário, os Faxinais, paralelamente ao desenvolvimento das grandes propriedades dos Campos. A dualidade da paisagem natural transforma-se, desta forma, numa dualidade também na gênese de povoamento (LÖWEN SAHR, 2005, p. 90). É essa elite campeira, com vastas propriedades de terra, que posteriormente vai
contribuir na formação dos faxinais através da concessão do uso da terra aos camponeses,
com o objetivo de que eles trabalhassem durante alguns meses por ano na extração da erva-
mate. Nas terras desses grandes arrendatários eles soltariam as suas criações, notadamente
a suinocultura, e plantariam as colheitas anuais para subsistência. Os criadouros
comunitários seriam normalmente formados em locais que tivessem cursos d’água, para a
manutenção dos animais. (DA SILVA, 2005). Sua formação [dos faxinais] está associada a um quadro de condicionantes físico-naturais da região e a um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais que remonta de forma indireta aos tempos da atividade pecuária dos Campos Gerais no século XVIII, e mais diretamente à atividade ervateira na região das matas mistas no século XIX” (Chang apud DA SILVA, 2005). Essas pessoas que se instalavam nas terras estavam numa categoria diferente da
dos escravos, que trabalhavam predominantemente em latifúndios de criação de gado, e
dos minifundiários, trabalhadores autônomos que tinham acesso à terra e que comandavam
pequenas unidades orientadas para a produção de gêneros alimentícios. Os trabalhadores
que extraíam a erva-mate estavam na categoria dos agregados (DA SILVA, 2005, p. 35),
que era em geral destituída de qualquer recurso próprio. “Estas famílias pobres,
parcialmente independentes e agregadas às grandes fazendas, formavam suas moradas em
lugares convenientes e trabalhavam na terra por contratos verbais de foro ou parceria
agrícola, além dos eventuais serviços de jornada” (idem).
“A categoria dos agregados constituía o grosso dos trabalhadores na coleta da erva,
inclusive afluindo para regiões das matas mistas do Centro-Sul, estabelecendo-se nos
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ervais com sua economia de subsistência; constituindo comunidades rurais as quais mais
tarde dariam origem aos faxinais” (Chang apud DA SILVA, 2005, p. 35).
DA SILVA também menciona Carvalho (1984), que sintetiza a origem do sistema
faxinal na expansão das áreas de culturas anuais. A alternativa na época era a de cercar
estas áreas para evitar a presença dos animais, mas como elas cresceram o processo se
inverteu e acabou por se cercar as áreas de pastagem. “Desta forma o criadouro comum se
apóia em dois elementos básicos: separar as áreas de pastagem das de cultivo e a busca de
solução para economizar recursos materiais e humanos para a construção das cercas,
destacando que este foi o elemento econômico que induziu o uso comunal da terra.” (DA
SILVA, 2005, p. 36).
Outra explicação para a separação das áreas de lavoura, dada por DA SILVA, está
relacionada à baixa qualidade do solo dentro das planícies onde estavam os faxinais. Isso
acabou formando as roças de fundo de vale, onde o terreno era mais fértil, graças ao
acúmulo de material orgânico vindo do morro. (2005)
As correntes migratórias européias do fim do século XIX trouxeram novos
elementos para os faxinais. Imigrantes poloneses, italianos, ucranianos e alemães
adentraram ao interior do estado. Alguns deles se adaptaram ao sistema faxinal e à
atividade ervateira, que naquela época possuía grande importância econômica. Nesse
contexto, as organizações do tipo faxinal, ganharam forma e expressão, definindo a sua
conformação atual (DA SILVA, 2005, p. 36).
Os criadouros comunitários estão alicerçados em três pilares: a propriedade da
terra, a construção das cercas e a sua manutenção. De acordo com Carvalho (1984) citado
por DA SILVA (2005), esse tripé traz consigo um conjunto de normas e comportamentos
econômicos, sociais e políticos, denominados pelo autor como a “sociologia das cercas”.
“A construção e manutenção das cercas foram o elemento determinante de parte
substancial das relações de vizinhança (amizade, compadrio) que se estabeleceram entre os
moradores, dado que as próprias relações pessoais se estruturam juntamente com a
organização do criadouro”. (CARVALHO apud DA SILVA, 2005, p. 37).
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Nas últimas décadas os faxinais vêm passando por uma intensa desagregação
(tema que será abordado melhor no próximo capítulo). Como informa LÖWEN SAHR
(2005): Até a metade do século XX um quinto do território paranaense era composto pelos Faxinais. Estes se formaram nas áreas onde se encontravam as Matas com Araucárias. O levantamento mais abrangente realizado até o momento foi o de 1994, levado a efeito pela EMATER (Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural). Segundo este levantamento, em 1994 o número total de Faxinais no Paraná chegava a 121. Uma atualização recente efetuada pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná) demonstra que 44 destes ainda se mantêm (...). Estes 44 Faxinais agregam cerca de 3.000 famílias, com uma população de aproximadamente 16.000 habitantes.
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3.0 RECONHECIMENTO
Embora reconhecida como problema já por meios acadêmicos e técnicos, a
desagregação dos faxinais passou despercebida por um bom tempo. LÖWEN SAHR cita
Chang que já em 1988 desenvolveu um estudo em que constatava as formas pelas quais se
processava a dissolução dos faxinais. A pesquisadora dividiu em três fases o processo de
desagregação. A desagregação dos criadouros comuns ocorre em diferentes estágios (Chang, 1988b). Na primeira etapa, ocorre o confinamento das criações miúdas, mantendo o criadouro somente para criações graúdas. Na segunda, ocorre a piqueteação individual das propriedades, confinando parcialmente também a criação graúda, o que reduz a área comum para a criação graúda do restante das famílias. Na terceira etapa, ocorre a desagregação derradeira do criadouro, com a retirada das cercas que dividem a criação das lavouras. As desarticulações do Sistema Faxinal têm implicações econômicas, sociais, ambientais, políticas e culturais para os camponeses que vivem dentro da organização do tipo Faxinal, que deixam de ter a relação que antes tinham com a terra, e que referenciava também a sua concepção de mundo (Löwen Sahr; Iegelski, 2003). Esta questão não diz respeito somente às comunidades que vivem dentro da organização do Sistema Faxinal, mas também a todo o restante da sociedade, pois as implicações do desaparecimento deste Sistema são amplas, e abrangem questões e problemas, como a Reforma Agrária, a Política Ambiental e a conservação da Memória deste tipo de comunidade. (LÖWEN SAHR, 2005)
O reconhecimento por parte do Estado veio apenas em 1997, ainda que feito em
um decreto complementar, trouxe os faxinais para um outro patamar. Para receber os
recursos do ICMS ecológico, as prefeituras tiveram que cadastrar os faxinais presentes em
seus territórios como Área especial de Uso Regulamentado ARESUR. Dessa forma ela
poderia dispor dos recursos do ICMS Ecológico, instituídos pela Lei Complementar 59/91.
Através dessa lei, 5% dos recursos do ICMS eram divididos entre as áreas de mananciais e
as áreas de conservação ambiental.
Art.4º. A repartição de cinco por cento (5%) do ICMS a que alude o artigo 2º da Lei Estadual nº 9491, de 21 de dezembro de 1990, será feita da seguinte maneira: - cinqüenta por cento (50%) para municípios com mananciais de abastecimento. - cinqüenta por cento (50%) para municípios com unidades de conservação ambiental. (PARANÁ, 1991).
18
O que o Decreto Estadual 3.446/97 fez, na prática, foi acrescentar os faxinais como
áreas de conservação ambiental, por meio da classificação deles como ARESUR. Essas
áreas seriam tratadas da mesma forma que as Áreas de Preservação Ambiental (APAs),
para efeito da Lei do ICMS ecológico. Conforme se observa nos parágrafos 2º. e 3º., do 1º.
Artigo: § 2º - A ARESUR, na perspectiva do desenvolvimento do Sistema Faxinal, observará as disposições legais aplicáveis as Áreas de Proteção Ambiental - APAs, no que couber. § 3º - O Secretário do Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos definirá, através de ato administrativo apropriado, as ARESUR, caso a caso, por faxinal, contendo no mínimo: denominação, superfície e limites geográficos, diretrizes para conservação ambiental e instrumentos de apoio como: diagnóstico, justificativas, mapa e memorial descritivo. (PARANÁ, 1997) A finalidade do Decreto, conforme mencionado no artigo 1º. é “criar condições
para a melhoria da qualidade de vida das comunidades residentes e a manutenção do seu
patrimônio cultural, conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação
ambiental, incluindo a proteção da Araucaria angustifolia (pinheiro-do-paraná).”
(PARANÁ, 1997). Percebe-se aqui que os elementos culturais da população faxinalense
ficam vagamente definidos. Mais tarde, o reconhecimento dos faxinais como uma das
comunidades tradicionais do Brasil vai fornecer aos faxinalenses o reconhecimento cultural
que precisam.
Para os faxinais registrados se define uma avaliação anual, e um tratamento
diferenciado, que leva em conta “variáveis: como densidade populacional, qualidade de
vida das populações residentes, organização e participação comunitária e nível de
comprometimento e empenho dos municípios para o desempenho social e econômico dos
mesmos.” (PARANÁ, 1997). Ficava a critério dos municípios manifestar interesse para o
registro dos faxinais no recebimento de recursos. Sobre esse assunto diz o parágrafo 3º. do
2º. artigo. § 3º - Tanto a criação, quanto o benefício financeiro passível de ser creditado, de acordo com o previsto na Lei Complementar Estadual nº 59/91, poderão ser feitos a partir de manifestação de interesse do município, devendo para tal além da solicitação, apresentar proposta negociada com as comunidades, das ações a serem desenvolvidas, a partir, dentre outras, das variáveis a serem avaliadas anualmente, conforme previsão contida no § 1º, deste artigo. (PARANÁ, 1997).
19
Por fim, o Decreto instituía que a Secretaria de Agricultura, do Abastecimento e da
Cultura desenvolveriam programas específicos para os faxinalenses, embora não as
especificassem, da mesma forma que não especificaram a maneira como os recursos
seriam aplicados pelas prefeituras.
O decreto foi fruto de árduas negociações entre as organizações que já trabalhavam
com os faxinalenses e o poder público, como atesta LÖWEN SAHR (2005, p. 44-45). “Em
1997, após uma série de discussões e mobilizações, foi conquistado o reconhecimento
formal da existência do modo de produção autosustentável do Sistema Faxinal. Através do
Decreto Estadual n. 3.446/1997, o Governo do Paraná reconheceu a existência do Sistema
Faxinal, e criou as Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), para categorizá-los
e incluí-los no Sistema Estadual de Unidades de Conservação (PARANÁ, 1997).”
Apesar desse reconhecimento, o governo não definiu importantes questões, que
mais tarde seriam o cerne de novos conflitos políticos, como a destinação dos recursos. O
decreto não garante que os recursos devam ser aplicados nos faxinais. Isso causou
distorções apresentadas por MARQUES (2005) em seu Relatório Preliminar sobre os
faxinais.
O Decreto serviu para acrescentar mais uma arena técnica na discussão, até então
dominada por trabalhos acadêmicos. Embora o IAP e a Secretaria de Agricultura e
Abastecimento (SEAB) tenham feito também pesquisas sobre os faxinais. O que o Decreto
fez foi determinar uma finalidade para os trabalhos conduzidos com os faxinais pela área
técnica do governo. O que não contribuiu, ainda para a colocação do assunto na arena
pública de discussão.
FUKS destaca que as arenas técnicas, como IAP e SEAB, no caso, têm menos
peso que as arenas públicas. Há, portanto, diferenças de dimensão e formato entre as
arenas. Cada uma tem capacidade para alocar assuntos e atores diferentes. “Algumas delas
organizam-se a partir de procedimentos e regras que excluem o acesso mais amplo do
público, como, em geral, é o caso dos setores da administração pública encarregados de
20
lidar com políticas públicas que envolvem, predominantemente, o saber técnico e
interessam apenas a uma comunidade específica.” (FUKS, 2001, p. 51).
Essas arenas têm a propriedade de se fecharem em si mesmas e permanecerem
ocultas à visão do público. Mesmo que essas arenas consigam chamar a atenção do
público, elas podem passar pelo chamado “ciclo de atenção a um assunto público” (Downs
apud FUKS, 2001), um curto período de tempo em que o tema entra na agenda pública. “O
ciclo termina quando o assunto sai do centro da atenção pública, embora, em grande
medida, permaneça não resolvido.” (idem). Esse fenômeno pode ter ocorrido com os
faxinais, devido ao caráter técnico do decreto 3.446/97 e também à destinação vaga dos
recursos do ICMS ecológico, que não precisavam retornar obrigatoriamente aos faxinais.
Outro fator que contribui para a pouca repercussão do assunto e a lenta evolução
dos faxinais é a pequena comunidade que ele envolve. Embora inserido dentro de dois
grandes problemas sociais reconhecidos, como o êxodo rural e a conservação ambiental,
ambos mencionados nos relatório de MARQUES (2005), o faxinal, por ser um sistema
muito específico e isolado geograficamente dos grandes centros, tem pouca visibilidade. Defina um assunto de forma abrangente — “defesa nacional” é sempre um bom exemplo ‘’ e você estará ampliando o direito à participação a todas as visões (...) Defina um assunto de forma restrita — o “míssil MX” em vez de “defesa nacional” — e você, da mesma forma, restringirá a amplitude e o número de grupos interessados e legítimos no debate (Bosso apud FUKS, 2001, p. 53). Portanto, por mais que tenha sido fruto de negociações já de algumas forças que se
alinhavam em favor dos faxinais, o decreto não trouxe a discussão à arena pública. Deixou,
antes, o assunto dentro de uma arena técnica. Como efeito positivo para a visibilidade
pública, o decreto deixou o Relatório preliminar sobre o sistema faxinal no Estado do
Paraná (MARQUES, 2005), como seu fruto. O trabalho foi feito a pedido do IAP e teve,
como objetivo geral: “Aprofundar o conhecimento sobre a situação atual das áreas de
faxinais e do sistema faxinal no Estado do Paraná, através da contratação de consultoria
técnica, visando propor programas, projetos e ações do poder público que garantam o
alcance dos objetivos previstos no Decreto Estadual nº 3.446/97” (MARQUES, 2005, p. 6).
21
Dentro do relatório estavam entrevistas que buscam medir o tamanho dos faxinais
e quais deles mantinham as características originais, de um faxinal. Para tanto, analisou-se
quais ainda mantinham o criadouro comunitário vivo. Os questionários foram submetidos a
moradores e representantes de entidades de classe, como sindicatos e associações, além do
poder público, ONGs e pesquisadores que trabalharam com o tema. Eles trataram de
averiguar a aplicação do Decreto 3.466/97 em 13 dos 44 faxinais que ainda tinham
criadouro comunitário.
O estudo chega a algumas conclusões sérias a respeito da sustentabilidade
econômica dos faxinais. Percebe-se que em muitos lugares o sistema não oferece
condições econômicas para seus habitantes e os moradores mais jovens acabam tendo que
sair do campo. Isso enquadra a desagregação dos faxinais dentro de outro problema social
mais amplo, o do êxodo rural. “O nº de famílias, em alguns faxinais, também diminuiu,
demonstrando o êxodo rural que ainda ocorre nestas áreas e comunidades (ex.: Tijuco
Preto, de 604 para 400; Papanduva de Baixo, de 200 para 130; etc.);” (MARQUES, 2005,
p.188).
Entre outros problemas menores, mas que também apontam nessa mesma direção,
está o crescente número de faxinalenses que se tornam fumicultores, para melhorar a
renda. A lavoura de fumo é considerada como altamente nociva ao meio ambiente e à
saúde das pesssoas devido à grande quantidade de veneno utilizada, mas representa renda
garantida para os produtores, já que as fumageiras garantem a compra da produção e
fornecem todos os insumos. Isso demonstra, por um lado, a falta de opções de alternativas de explorações que gerem melhor retorno financeiro aos agricultores familiares e, por outro lado, a dependência atual destes agricultores à praticamente uma única fonte de renda. Esta situação é agravada pelo fato do fumo ser uma cultura não alimentícia, demandadora de grandes quantidades de lenha, poluidora do ambiente (alto índice de uso de agrotóxicos) e degradadora da saúde humana (problemas no trabalho nas estufas, etc.); (MARQUES, 2005, p. 187)
Além disso, ele observa que a maioria das atividades tradicionais, que antes davam
sustentabilidade econômica ao faxinal, como a colheita da erva-mate e a venda de criações
22
já não são mais significativas. A primeira porque o envelhecimento das árvores (que não
conseguem se reproduzir no faxinal devido à criação solta que come os brotos). A segunda
graças à adoção de normas sanitárias mais rígidas, o que deixa o porco criado livre no
criadouro comunitário (e por isso mais sujeito a doenças) com pouco mercado disponível.
(MARQUES, 2005, p. 187).
Um dado interessante é a percepção do aumento do individualismo nos faxinais. Houve um decréscimo muito forte no "nível de organização e no espírito de coletividade", na maioria dos faxinais, pois não ocorrem mais atividades comunitárias como os mutirões (que faziam parte da cultura dos faxinais), contribuindo decisivamente para a desagregação do sistema. Mesmo naqueles faxinais onde existem Associações comunitárias, percebe-se que estas estão funcionando mais para atender objetivos específicos e, geralmente, só para determinados grupos de famílias; (MARQUES, 2005, p. 187)
Assim, fica composto o cenário da desagregação: forte pressão econômica sobre os
faxinalenses, desgaste ambiental, e, por fim, a perda dos costumes e valores tradicionais.
Tal desagregação é provocada principalmente pela superação da forma tradicional de
produção por uma mais moderna e tecnificada, mais racional, dentro da lógica da
acumulação capitalista. “A característica principal dos Sistemas Faxinais, que é o uso
coletivo do meio de produção terra, vai contra a ótica da racionalidade capitalista onde o
privado é tido como pressuposto inviolável e inquestionável. Para Chang (1988, p 107), ‘é
devido a este antagonismo que o avanço das forças capitalistas no campo tem significado
um constante deslocamento do espaço produtivo ocupado pelos faxinais’”. (DA SILVA,
2005).
Outra conclusão que o estudo chegou foi que os recursos do ICMS ecológico
repassados aos municípios não estão sendo aplicados nos faxinais que os originam. “Estas
Prefeituras não estão discutindo diretrizes e nem um plano de metas com as comunidades,
como o Decreto orienta, para a correta e planejada aplicação dos recursos”. (MARQUES,
2005, 187-188).
As entrevistas com os pesquisadores mostraram que há uma crescente importância
dos faxinais no meio acadêmico. Algo que motivou a criação da Rede Faxinal de Pesquisa,
23
em 2005, simultaneamente ao surgimento da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses
(APPF). Elas estiveram incluídas entre algumas das reações e buscas de alternativas que se
provocaram nos últimos anos, no intuito de revitalizar os faxinais. Conforme descreve o
Manual Agroflorestal para a Mata Atlântica, do MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO: Foram criadas uma organização dos faxinalenses (a Articulação Puxirão) e duas redes de apoio ao renascimento dos faxinais: a Rede Faxinal de Pesquisa (reunindo diversas instituições de pesquisa) e a Rede Faxinal Ampliada. No intuito de aumentar a renda familiar dos faxinalenses, diversas medidas são contempladas: aumentar a quantidade de erva-mate nos faxinais mediante plantios de adensamento com mudas de qualidade, capacitação dos ervateiros visando aumentar a qualidade das práticas de manejo, diversificar as fontes locais de renda familiar (cultivo e comercialização de plantas medicinais, colheita e comercialização de sementes, produção e comercialização de frutas de espécies fruteiras nativas, produção e comercialização de plantas ornamentais; apicultura/meliponicultura, manejo e comercialização de espécies madeireiras nativas dotadas de forte capacidade de regeneração natural; turismo apoiado na beleza das paisagens e valor histórico-rural que caracterizam algumas regiões de maior concentração de faxinais). (2008).
A APPF organizou em 2007 um dossiê, no qual apresentou as principais
reivindicações dos faxinalenses e elencou os principais conflitos envolvendo os faxinais.
24
4.0 REIVINDICAÇÕES E CONFLITOS
Para entender quem participa no processo de definição de um problema público,
FUKS (2001) parte do conceito de conflito político, de Schattneider: O conflito político não é como um debate intercolegial (entre alunos de faculdade), no qual os oponentes concordam, de antemão, na definição dos assuntos. De fato, a definição das alternativas é o instrumento supremo de poder; os adversários raramente concordam na defini;cão dos assuntos, porque essa definição envolve poder. Aquele que define o assunto da política comanda o país;porque a definição das alternativas implica a escolha dos conflitos e a seleção de conflitos aloca poder. (Schattschneider, apud FUKS, 2001, p. 54). De acordo ainda com Schattneider, o conflito político possui dois atributos
básicos: é contagioso e depende, do controle do nível de participação pública.
“Considerando que a entrada em cena de novos atores é o meio mais eficaz para se alterar
a correlação de forças original, e, conseqüentemente, o desfecho do conflito, interessa ao
ator em desvantagem vencer a apatia da maioria dos cidadãos e estimular a mobilização do
público em torno do conflito por meio de uma nova definição do assunto em pauta.”
(FUKS, 2001, p. 54)
No caso dos faxinais, esse processo se desdobra numa crescente redefinição dos
problemas públicos, principalmente a partir da do decreto nº 3.446/97. A adequação dos
faxinais como Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR) garantiu aos
faxinalenses um instrumento legal para a manutenção de seu sistema, leia-se criadouro
comunitário. A partir desse instrumento, os faxinais que foram registrados como ARESUR
(19 dos 45 existentes, de acordo com a APPF) puderam impedir, por exemplo, o
desmembramento do criadouro comunitário, quando usado para fins distintos da
conservação ambiental e cultural.
Uma nova oportunidade foi criada quando o governo federal instituiu a Comissão
Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, pelo Decreto de
Federal 10.408/04. Um ano após a publicação do Decreto, os faxinais foram incluídos na
Comissão Nacional das comunidades tradicionais. A caracterização dos faxinalenses como
população tradicional foi feita com base nos estudos de Löwen Sahr (GOMES, 2006).
25
• A associação da pecuária, da agricultura e do extrativismo em um sistema singular; • A partilha do chão com as terras de criar sendo de uso comum; • A prática de uma agricultura de subsistência com instrumentos tradicionais; • A forte convivência e integração com o meio ambiente através da conservação da biodiversidade e de culturas de extrativismo; • A existência de uma história e uma cultura própria; • A preservação e o respeito as suas tradições e aos seus costumes; • Apresentam uma vida comunitária, solidária e de união; (GOMES, 2006) Em 2005 também são criadas a Rede Faxinal e a Articulação Puxirão dos Povos de
Faxinais, como resultado do 1º Encontro dos Povos dos Faxinais, que ocorreu entre os dias
5 e 6 de agosto daquele ano. Esse foi o primeiro encontro a reunir povos de diferentes
faxinais do Estado. Foi a partir das denúncias surgidas no encontro que a organização dos
faxinalenses depois publicou o dossiê dos Conflitos Sócio-ambientais e violação dos
direitos humanos na floresta com araucária.
No Decreto Federal nº 10.884/06, que alterou a denominação, competência e
composição da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades
Tradicionais, a Rede Faxinal já consta como uma das 15 organizações da Sociedade Civil a
comporem a comissão, ao lado de organizações quilombolas e de caiçaras.
Percebe-se, nitidamente, como novos atores são colocados na disputa do poder. Os
faxinalenses passam a se considerar como um povo em resistência a um processo maior, do
avanço do agronegócio. Esse avanço os atinge principalmente em duas frontes, através dos
grandes proprietários de terra, que provocam o “confinamento humano”, ao comprarem as
áreas dos faxinalenses e aumentar a concentração de famílias dentro do faxinal, e a
fumicultura, que produz efeitos “ilusórios e mascarados”, contribuindo para o
afrouxamento dos laços de solidariedade dentro do faxinal. (ARTICULAÇÃO PUXIRÃO
DOS POVOS DE FAXINAIS, 2007). A partir dessa nova relação de forças, eles redefinem
o problema da desagregação. Tal argumentação aduz a uma nova inepretação da “crise do uso comum”, em oposição ao tão propagado discurso evolucionista, que prescreve o fim inevitável dos faxinais. Contrariando este “quase senso comum” os faxinalenses emergem, denunciando que as causas de sua crise, não se referem a seu modo de vida, mas sobretudo ao avanço e disputa contra o modelo dominante de propriedade e produção no campo. Se posicionando (sic) na defesa de seu território, os
26
faxinalenses são o último obstáculo, nas regiões onde existem, ao processo de devastação ambiental e a homogeinização cultural provocadas pelo agronegócio. Assumem, portanto, de maneira solitária, a condição sujeitos de uma ação ambiental dada como “perdida” pelo Estado, denunciando a fragilidade dos recursos naturais”. (Idem, p. 19)
O “senso comum” criticado pela APPF traz interpretações semelhantes ao trabalho
de DA SILVA (2005), que encara a desagregação dessas comunidades como algo
inevitável, quando analisada do aspecto econômico. Sob essa perspectiva, os faxinais são
vistos como pouco eficientes e com baixa competitividade produtiva. O autor menciona a
importância dos projetos de seqüestro de carbono, como meio para impulsionar o
desenvolvimento sustentável (que já ocorre no seio dos faxinais). Para que os faxinais
continuem existindo, DA SILVA propõe uma solução econômica, baseada no
desenvolvimento sustentável, naquilo que chama de sistema “ecosilvipastoril”, baseado na
produção do pinhão. Este novo arranjo reconhece o sistema faxinal, sobretudo o criadouro comum, como uma forma de organização produtiva que deve buscar, além da sustentabilidade social e ambiental, a sustentabilidade econômica, mas que possui como característica particular, a coletivização do uso da terra para a produção animal a solta, característica essa que deve ser conservada como uma herança cultural dos agricultores faxinalenses. (2005, p. 1-2) Apoiados nas definições do Decreto Federal nº 6.040/07, que define a política
nacional de desenvolvimentos sustentável das comunidades e povos tradicionais, os
faxinalenses passam a exigir mais do que simplesmente a sustentabilidade econômica e a
manutenção dos seus territórios atuais. Exigem o retorno aos territórios que já foram deles,
tradicionalmente. O Decreto entende como comunidades e povos tradicionais “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias
de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (BRASIL,
2008). O mesmo documento define como territórios tradicionais “os espaços necessários a
reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles
utilizados de forma permanente ou temporária” (Idem).
27
A modalidade solicitada pelos faxinalenses corresponde a uma nova conduta na operacionalização da reforma agrária pela burocracia do Estado, relacionada ao retorno às terras tradicionalmente ocupadas por estas comunidades, como condição para sua existência coletiva, isto é, seu modo próprio de “criar, de fazer e de viver”, que garante a reprodução física, social e cultural de seus membros. Tal patrimônio material e imaterial autodefinido coletivamente na identidade étnica faxinalense e na forma de um território específico exige do Estado, inicialmente o seu reconhecimento jurídico-formal, além de ações de proteção por parte do Poder Público, e sobretudo, da criação de dispositivos legais que possibilitem a conservação e retorno aos seus territórios tradicionais, hoje “ameaçados” e “invadidos” pelo agronegócio. (ARTICULAÇÃO PUXIRÃO DOS POVOS FAXINALENSES, 2007, p. 10)
Os conflitos sobre o acesso e uso dos recursos hídricos e agroflorestais também
são itens constantes do dossiê, como o desmatamento de nascentes, contaminação e
colocação de fechos, caracterizados pela colocação de cercas no interior dos criadouros por
novos proprietários de terras, denominados “neo-rurais” pelos faxinalenses, ou seja, novos
moradores que, desconhecedores das práticas comunitárias, cercam partes do território com
a finalidade de isolar a área para uso privado, ato que geralmente é acompanhado pelo
desmate e posterior plantio de pinus ou erva-mate, ou ainda plantação de milho e soja. “O
dossiê denuncia a fragilidade dos recursos naturais – água, pastagens, ervas, produtos
madeiráveis e terra – frente à contaminação de fontes de água, derivação de venenos e
plantio de florestas homogêneas de pinus sobre nascentes.” (ROCHA, 2007, p. 210).
A dimensão atual do conflito, no entanto, pode ser observada pela denúncia sobre
a violência física cometida contra as lideranças faxinalenses e seus bens. No dossiê estão
registradas agressões como “lesão corporal, tentativa de homicídio, incêndios criminosos,
danos à criação, roubo de criação, pistolagem e homicídios, além de envenenamento de
fontes, fechos e outros.” (ROCHA, 2007, p. 210).
Além das denúncias, a APPF tem atuado em outros foros, como o judicial,
representando os faxinalenses em questões relativas ao uso da terra. Em 30 de maio de
2006 a organização entrou com ação contra uma madeireira que pretendia cercar uma área
de sua propriedade dentro do Faxinal Lajeado dos Mellos, no município de Rebouças. Em
julho de 2006 a juíza da Comarca de Rebouças concedeu liminar favorável aos
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faxinalenses impedindo a madeireira de cercar o faxinal (ARTICULAÇÃO PUXIRÃO
DOS POVOS FAXINALENSES, 2006).
Em 3 de julho 2007 a bancada do PT, liderada pelo deputado Pedro Ivo,
apresentou um projeto de lei para o reconhecimento formal dos faxinais pelo Estado. Em
13 de novembro do mesmo ano o projeto foi aprovado e deu origem à lei estadual nº
15.673. A lei atendeu a mais uma das reivindicações na pauta da APPF. Pelo texto, incluiu-
se o conceito de “identidade faxinalense”, aos já reconhecidos aspectos ambientais e modo
de produção do criadouro comunitário. Art. 2º. A identidade faxinalense é o critério para determinar os povos tradicionais que integram essa territorialidade específica. Parágrafo único. Entende-se por identidade faxinalense a manifestação consciente de grupos sociais pela sua condição de existência, caracterizada pelo seu modo de viver, que se dá pelo uso comum das terras tradicionalmente ocupadas, conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental, segundo suas praticas sociais tradicionais, visando a manutenção de sua reprodução física, social e cultural. (Lei , 2007). A aprovação da lei representa a entrada da APPF no conflito político e abre o
caminho para novos litígios. São demonstrações de como um novo ator chega à disputa
política, conforme definido por Schattschneider (apud FUKS, 2001).
29
5.0 CONCLUSÃO
A evolução da desagregação dos faxinais demonstra como o processo de definição
dos problemas sociais é realmente contínuo, conforme definiram Spector e Kitsuse (apud
FUKS, 2001). Desde a sua percepção acadêmica, na década de 1980, passando pela
formação da Rede Faxinais e APPF, em 2005, até a aprovação da lei nº 15.673 em 2007, a
desagregação deixou de ser um problema de sustentabilidade econômica dos faxinais para
se transformar num conflito de um modo tradicional de organização contra o agronegócio.
Passou a se perceber a singularidade do sistema faxinal, sua importância cultural e
identificação com o Estado do Paraná. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul os Faxinais já há muito tempo pertencem ao passado. Isto se deve, sobretudo, a influência cultural de colonos imigrantes (alemães, italianos, poloneses, entre outros) do século XIX e também a guerra civil que foi conduzida contra os caboclos entre os anos 1912-1916 (Questão do Contestado). No estado mais setentrional do Sul, ou seja, no Paraná, existe ainda hoje cerca de 50 Faxinais remanescentes na região da Mata com Araucária, embora estes também se encontrem sob constante e crescente ameaça. Desta forma, os Faxinais merecem mais atenção, pois representam uma forma bastante antiga de uso da terra (se não a mais antiga) do Brasil Colonial. Eles podem ser considerados testemunhos de uma identidade socioeconômica, que não deriva da elite dos grandes proprietários. (LOWËN SAHR, 2005, p. 90) A partir do primeiro reconhecimento por parte do Decreto Estadual nº 3.446/97,
observa-se uma maior preocupação da perspectiva de conservação ambiental que os
faxinais ofereciam. O enquadramento como Área Regulamentada de Uso Específico
(ARESUR) protegia o criadouro comunitário, entendido pelo Decreto como elemento que
definia os faxinais.
O reconhecimento federal e o enquadramento dentro das Comunidades
Tradicionais, em 2005, possibilitou à então recém-criada Articulação Puxirão dos Povos
Faxinalenses (APPF) mais reivindicações. A APPF passou a exigir uma lei específica para
os faxinalenses, e condições para a retomada dos territórios que já foram faxinais, para que
os faxinalenses pudessem se reproduzir socialmente.
Embora outros fatores também devam ser levados em conta, como a conjuntura
política favorável, o aspecto econômico e o trabalho das organizações não-governamentais
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junto aos faxinais, pode-se perceber que o reconhecimento por parte do governo contribuiu
para a evolução na definição da desagregação dos faxinais. A aprovação da lei nº 15.673
mostra que os problemas dos faxinais superaram as arenas técnicas, acadêmicas e regionais
em que se enquadravam, e subiram à arena pública. Eles certamente responderam à
dinâmica explicada por FUKS, e fomentaram novas demandas sociais. A criação ou reestruturação de instituições públicas, a elaboração de leis e a alocação de recursos públicos em certas atividades são exemplos da eficácia da ação governamental na definição de assuntos públicos, em geral, e de problemas sociais, em particular. Freqüentemente, a criação de novos órgãos estatais antecede a atenção pública em relação a certos assuntos, sendo, inclusive, responsável pelo fomento de novas demandas sociais. Ou seja, a existência de agências governamentais dedicadas à solução de um determinado problema social incentiva a formulação e o encaminhamento de demandas sociais difusas em termos adequados ao perfil do problema tal como ele foi definido institucionalmente. (FUCKS, 2001, p. 50) A aprovação da lei específica deve abrir mais espaço na arena pública para os
faxinalenses. A inclusão de um termo em lei representa muito das pressões sociais em cima
de um assunto e favorece também definições e atitudes a respeito dos problemas sociais
(Spector e Kitsuse in FUKS, pg. 83).
31
6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARTICULAÇÃO PUXIRÃO DOS POVOS FAXINALENSES. Conflitos sócio-
ambientais e violação dos direitos humanos na floresta com araucária. Irati, 2007.
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706
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32
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33
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Sul, v. 8, nº. 1. UFPR, 2007. p. 209-212.
34
7.0 ANEXO
Lei nº 15.673
Data 13 de novembro de 2007.
Súmula: Dispõe que o Estado do Paraná reconhece os Faxinais e
sua territorialidade, conforme especifica.
A Assembléia Legislativa do Estado do Paraná
decretou e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º O Estado do Paraná reconhece os Faxinais e sua territorialidade
específica, peculiar do estado do Paraná, que tem como traço marcante o uso comum
da terra para produção animal e a conservação dos recursos naturais.
Fundamenta-se na integração de características próprias, tais como:
a) produção animal à solta, em terras de uso comum;
b) produção agrícola de base familiar, policultura alimentar de subsistência,
para consumo e comercialização;
c) extrativismo florestal de baixo impacto aliado à conservação da
biodiversidade;
d) cultura própria, laços de solidariedade comunitária e preservação de suas
tradições e práticas sociais.
Art. 2º A identidade faxinalense é o critério para determinar os povos
tradicionais que integram essa territorialidade específica.
35
Parágrafo Único. Entende-se por identidade faxinalense a manifestação
consciente de grupos sociais pela sua condição de existência, caracterizada pelo seu
modo de viver, que se dá pelo uso comum das terras tradicionalmente ocupadas,
conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental, segundo
suas práticas sociais tradicionais, visando a manutenção de sua reprodução física,
social e cultural.
Art. 3º Será reconhecida a identidade faxinalense pela autodefinição,
mediante Declaração de Auto-reconhecimento Faxinalense, que será atestado pelo
órgão estadual que trata de assuntos fundiários, sendo outorgado Certidão de Auto-
reconhecimento.
Parágrafo Único. O órgão estadual responsável deverá comunicar o
reconhecimento da identidade faxinalense à Comissão Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, criada por Decreto Federal em
27 de dezembro de 2004, alterado pelo Decreto de 13 de julho de 2006.
Art. 4º As práticas sociais tradicionais e acordos comunitários produzidos
pelos grupos faxinalenses deverão ser preservados como patrimônio cultural imaterial
do Estado, sendo, para isso, adotadas todas as medidas que se fizerem necessárias.
Art. 5º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
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