UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS A CRIAÇÃO DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COMO UM FENÔMENO DA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS A CRIAÇÃO DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COMO UM FENÔMENO DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA: O CASO DE ITAOCA SP SÃO CARLOS 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

A CRIAÇÃO DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COMO UM FENÔMENO DA

DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA: O CASO DE ITAOCA – SP

SÃO CARLOS

2002

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

A CRIAÇÃO DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COMO UM FENÔMENO DA

DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA: O CASO DE ITAOCA – SP

Vidal Dias da Mota Júnior

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências Sociais da Universidade Federal de São

Carlos/UFSCar, como parte dos requisitos para a

obtenção do Título de Mestre em Ciências Sociais, Área

de Concentração: Relações Sociais, Poder e Cultura.

Linha de Pesquisa: Instituições e Comportamento Político

Orientador: Prof. Dr. Eduardo Garuti Noronha

São Carlos

2002

3

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS................................................................................04

RESUMO....................................................................................................06

INTRODUÇÃO..........................................................................................07

CAPÍTULO I – O MUNICÍPIO NO FEDERALISMO BRASILEIRO

I - O federalismo e suas definições.............................................................18

II - O federalismo brasileiro...................................................................... 24

III - O município no federalismo brasileiro...............................................39

CAPÍTULO II - A DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E A CRIAÇÃO

DE MUNICÍPIOS

I - A onda descentralizadora da década de 1980/1990...............................51

II - A criação de municípios........................................................................54

CAPÍTULO III - A EMANCIPAÇÃO DE ITAOCA – SP

I - A criação de municípios no Estado de São Paulo..................................65

II - O Vale do Ribeira.................................................................................77

III - A emancipação de Itaoca....................................................................81

CAPÍTULO IV – A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS, A QUEM

INTERESSA?...........................................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................106

BIBLIOGRAFIA....................................................................................111

4

SUMÁRIO DAS TABELAS

Tabela 1 – Quantidade de Municípios no Brasil – 1940-2000...................09

Tabela 2 – Quantidade e Incremento de Município no Brasil (por Estados)

1988/97........................................................................................................12

Tabela 3 – Distribuição atual dos encargos por esfera de governo...........47

Tabela 4 – Estrutura Tributária..................................................................48

Tabela 5 – Lista de Transferência..............................................................49

Tabela 6 – Número de Municípios instalados após 1984, por classes de

tamanho da população, 1997......................................................................56

Tabela 7 – Receita Corrente Própria dos Municípios como porcentagem de

sua receita corrente total, por grupos de Municípios, 1996.......................57

Tabela 08 – Exigências à emancipação de Municípios..............................63

Tabela 09 – Criação de Municípios em São Paulo –

1532/1996....................................................................................................66

Tabela 10 – Número de Municípios Paulistas – 1945/1995.......................67

Tabela 11 – Classe dos municípios criados em São Paulo entre 1990/1994

por população..............................................................................................68

Tabela 12 – Municípios criados pela Lei Estadual n.º 6.645 de

09/01/1990...................................................................................................73

Tabela 13 – Municípios criados pela Lei Estadual n.º 7.664 de

30/12/1991...................................................................................................73

Tabela 14 – Municípios criados pela Lei Estadual n.º 8.550 de

30/12/1993...................................................................................................75

Tabela 15 – Municípios criados pela Lei Estadual n.º 9.330 de

27/12/1995...................................................................................................75

Tabela 16 – Vale do Ribeira – IDH – 1996................................................77

Tabela 17 – Resultado do Plebiscito para a emancipação de Itaoca.........92

Tabela 18 – Resultados da Eleição Municipal de 03/10/1992...................97

5

AGRADECIMENTOS

A realização de uma dissertação de mestrado é um trabalho solitário,

mas que envolve uma série de auxílios externos sem os quais a pesquisa

não poderia ser concluída. Por isso, gostaria de agradecer as pessoas e

instituições que contribuíram decisivamente à realização dessa dissertação.

Agradeço aos meus pais, Vidal e Maria de Lourdes que, durante toda

a minha vida eles têm sido fonte de estímulo, apoio afetivo, exemplo de

vida, confiança no meu trabalho e nos meus ideais e; as minhas irmãs,

Valéria e Maria Vidaline que vem acompanhando e apoiando a minha

trajetória.

Agradeço a Giane pelo carinho, atenção, apoio afetivo, paciência,

confiança e colaboração. A sua companhia foi imprescindível para a

realização deste trabalho.

Aos meus tios, Antonio Livino e Olinda, que me receberam de

braços abertos no momento decisivo deste trabalho. Sem o apoio e

estrutura oferecidos por esses, a dissertação não seria concluída a tempo.

Agradeço também ao meu primo Irineu que, “quebrou alguns galhos”

imprescindíveis; ao meu tio Sebastião Eupídio por importantes informações

sobre a emancipação de Itaoca. Aos meus amigos, Helton e Silvana, pelo

apoio.

Ao meu orientador Eduardo Garuti Noronha registro um profundo

agradecimento. Seus ensinamentos, comentários, sua honradez profissional

e acompanhamentos ao longo desses breves dois anos de mestrado foram (e

estão sendo) fundamentais em minha formação intelectual e realização

desta dissertação.

Meus colegas de turma do mestrado tiveram grande importância no

desenvolvimento de minhas idéias e de meu projeto. O amigo Edvaldo,

6

Davys, Roberval, Cleverson e Riberti, sempre contribuíram com opiniões

pertinentes e sugestões para o meu trabalho.

Agradeço as “secretárias da pós”, as simpáticas irmãs Ana e Claire,

pela atenção, carinho, amizade e empenho em nos atender e resolver os

nossos problemas burocráticos.

Aos professores do programa, agradeço pelo estímulo intelectual. Em

particular, agradeço aos professores Fernando Azevedo, Paul Freston e

Marcelo Vargas, cujos cursos na pós-graduação me deram instrumental

teórico necessário para a realização deste trabalho.

Ao departamento de Assistência Social da UFScar que me concedeu

alojamento no difícil período em que eu não tinha bolsa de pesquisa e, aos

antigos colegas do alojamento estudantil.

Agradeço em Itaoca a Cely Mota, o sr. José Lambert e o Sr. Antenor

Gonçalves; em Apiaí agradeço a Donizetti Borges e o Sr. Osvaldo

Mancebo pelas informações que ajudaram na compreensão da emancipação

de Itaoca. Agradeço o ex-deputado Luiz Francisco da Silva que contribuiu

para a compreensão do encaminhamento das emancipações.

Agradeço ainda a todas as instituições que tornaram possível a

realização deste trabalho. Sou grato a CAPES pela bolsa de pesquisa, sem

ela não haveria como realizar este trabalho; a Assembléia Legislativa do

Estado de São Paulo, especialmente, a secretaria da Comissão de Assuntos

Municipais que contribuíram com o fornecimento dos dados fundamentais

para minha pesquisa; a Prefeitura de São José do Rio Preto, pelo material

concedido e à CEPAM pelos dados fornecidos.

7

RESUMO

Esta dissertação propõe-se compreender a lógica política e o

funcionamento da criação de um pequeno município no interior do Estado

de São Paulo. A ênfase do estudo está pautada no aumento da criação de

municípios no pós-Constituição de 1988. Dados sobre o fenômeno da

proliferação de municípios mostram que a grande parte dos municípios

criados são pequenos, não possuem uma base de arrecadação própria,

dependem das transferências fiscais das outras esferas de governo para a

sua sustentação e, conseqüentemente, trazem desequilíbrios, notadamente,

ao federalismo fiscal. As emancipações foram um fenômeno nacional, mas

tiveram grande variação e dinâmica entre estados e regiões. Após a

democratização, o Estado de São Paulo teve um surto de emancipações e

seu funcionamento é ainda pouco conhecido.

Para compreender esse processo no território paulista, realizamos um

estudo de caso da emancipação do distrito de Itaoca, na região do Vale do

Ribeira. Emancipado de Apiaí em 1991, esse é um típico município

pequeno e sem bases de arrecadação fiscal.

Por meio do referencial teórico, que circunscreve o tema, e das

observações empíricas percebemos que a emancipação desse local esteve

atrelada a uma legislação permissiva que fez, por um lado, o despertar do

interesse da elite política regional para uma forma de atrair recursos

públicos para a região e, por outro lado, principalmente, o legislativo

estadual nos interesses de ampliar suas áreas de influência política.

Termos para indexação: federalismo, criação de municípios, poder local,

São Paulo.

8

INTRODUÇÃO

Itaoca, situado na região do Vale do Ribeira, interior do Estado de

São Paulo é um município com 3.403 habitantes numa área de 196 km²1.

Sua receita corrente total em 1997 era de R$ 2.119.361,00 e, desse

montante, apenas R$ 116.179,00 faziam parte de sua própria arrecadação,

ou seja, Itaoca, arrecadava apenas 5,48% de sua receita total.2 Além do fato

do município ter sido recém-criado (1991) dispor de pequena população,

pequeno território e baixa capacidade de arrecadação, ele chama a atenção

pelo pouco tempo de sua emancipação. Em 2001, Itaoca comemorou 10

anos de emancipação política.

O município está inserido num fenômeno conhecido como “explosão

municipal”3, ou seja, a criação de municípios que a partir de 1988 cresceu

intensamente no Brasil. Esse município fez parte da dinâmica paulista de

emancipações a qual, até agora, foi pouco estudada e não se sabe direito

como funcionou em São Paulo ou em outro estado brasileiro.

A criação de novos municípios vem redesenhando as fronteiras

internas do país e “ampliando” o nosso sistema federativo com o aumento

do número de entes subnacionais. As idéias de descentralização e

democratização que marcaram o Brasil em fins do período de exceção

explicam, em parte, a disseminação de idéias emancipacionistas.

Portanto, nos últimos quinze anos, intensificou-se o processo de

descentralização no Brasil, que proporcionou, por sua vez, o

1 Fonte : www.ibge.gov.br - Cidades@

2 Dados obtidos através da Fundação Seade: www.seade.gov.sp.br . Os dados sobre as finanças de Itaoca

estavam disponíveis até o ano de 1997. 3 A expressão “explosão municipal” é utilizada no estudo de Tomio (2000) – “Explosão Municipal”- a

Criação de municípios no contexto institucional democrático posterior à Constituição de 1988”, neste

trabalho autor procurou compreender a dinâmica e a variação estadual na criação de municípios.

9

remodelamento do Estado brasileiro e do sistema federativo do país. Uma

das características desse processo foi a descentralização política, ou seja, o

fortalecimento das instâncias subnacionais (Estados e Municípios) no que

diz respeito as decisões político- administrativas perante o governo federal.

Até 1988 a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de

Municípios estavam regulados pela Lei Federal – 01/67. A partir da nova

Constituição, os Estados passaram a ter autonomia sobre essa matéria por

meio da elaboração das Constituições Estaduais.

A lei federal de 1967 restringia a criação de municípios no país, pois,

estabelecia uma série de pré-requisitos para transformar uma localidade em

município, entre elas o mínimo de 10.000 eleitores e uma base de

arrecadação própria que garantisse a sua viabilidade fiscal.

Com a Constituição de 1988 a União passou a ter menor controle

sobre o assunto delegando essa responsabilidade para os governos

estaduais. Os Estados, por meio de suas Constituições, implementaram leis

estimuladoras a criação de novos municípios em seus territórios.

A partir daí, o Brasil vivenciou um grande aumento no número de

municípios criados em seu território, ora incentivados pelos aumentos de

repasses dos Fundos de Participação, ora incentivadas pelas Legislações

permissivas (Tomio, 2000). Totalizando, 1403 novas unidades municipais

foram criadas entre o período de 1984 a 2000 em um cenário de 5.561

municípios existentes atualmente no país.4

4 www.ibge.gov.br

10

TABELA 1 – Quantidade de Municípios no Brasil – 1940-2000

REGIÕES ANOS

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Norte 88 99 120 143 153 298 449

Nordeste 584 609 903 1.376 1.375 1.509 1.791

Sudeste 641 845 1.085 1.410 1.410 1.432 1.668

Sul 181 224 414 717 719 873 1.190

Centro-Oeste 80 112 244 306 317 379 463

TOTAL

(Brasil) 1.574 1.889 2.766 3.952 3.974 4.491 5.561

FONTE: IBGE e TSE. Adaptado de Tomio (2000)

A Tabela 1 – mostra que a criação de municípios sempre esteve

presente na história da federação brasileira. Nos últimos 60 anos os

números de municípios no território nacional praticamente quintuplicaram.

Os anos de 1940 foram aqueles nos quais mais se criaram municípios no

Brasil, porque a Constituição de 1946 foi uma instituição que facilitou e

estimulou a proliferação de governos locais no Brasil. Já no período da

ditadura militar houve um represamento do processo emancipacionista. A

União, por meio da Constituição de 1967, estabeleceu critérios mais

rigorosos para a criação de municípios, que na verdade eram quase

impossíveis de serem atingidos, como por exemplo, a capacidade de

arrecadação que garantisse a sobrevivência do local. A partir da década de

1980, com a abertura política, surge uma nova “explosão municipal”.

A especificidade desse fenômeno foi a sua capacidade de criar

pequenos municípios. Municípios com menos de 5.000 habitantes foram

aqueles que mais cresceram, correspondendo hoje a cerca de 1/4 do total de

municípios no Brasil e ½ dos municípios criados a partir de 1988. Esses

11

pequenos municípios arrecadam em média menos de 8,9% do total de sua

receita.5

Devido a essa característica da criação de municípios, em 14/12/1995

o governo federal apresentou ao Congresso Nacional uma emenda

alterando o art. 18 da Constituição, modificando assim os procedimentos

estabelecidos para esse processo. Em 1996, a criação de municípios passou

a ser restringida pela Emenda Constitucional de n.º 156 que estabeleceu

novas exigências para a emancipação distrital: a viabilidade municipal7 e a

consulta prévia, mediante plebiscito às populações dos municípios

envolvidos.

Durante os sete anos (1989-1996) em que os Estados legislaram sobre

a criação de novos municípios, as leis tiveram uma dinâmica estadual e

regional muito distinta. As regiões Nordeste e Sul foram aquelas que mais

criaram municípios nos períodos que compreendem 1984 a 1997. Todavia,

a criação de municípios foi um fenômeno visivelmente nacional, mais

localizado em algumas regiões. A região sul e a região norte são aquelas

que mais se destacaram no processo de emancipações. Tomio (2000),

atribui a criação de municípios nessas regiões a dois fatos: primeiro porque

elas se localizam em regiões fronteiriças8, e segundo por ocorreram de

5Para maiores informações conferir Gomes e Mac Dowell, 1997, pág. 6

6 Constituição Federal, Emenda Constitucional n.º 15 Artigo 18 4.º Parágrafo: “A criação, a

incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período

determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às

populações dos Municípios envolvidos, após a divulgação dos Estudos de viabilidade municipal,

apresentados e publicados na forma de lei”. 7 Conforme Noronha (1996), por viabilidade municipal entende-se por número de habitantes, receita

mínima, número mínimo de casas, de prédios para a instalação de repartições públicas, de postos de

saúde, de escolas públicas, etc. a constatação desses requisitos antecede a realização da consulta prévia

(plebiscito) à população mediante plebiscito. 8 O conceito de fronteira para Tomio (2001) não é a fronteira no sentido político, mas enquanto "fronteira

de colonização". Isto quer dizer que, nas regiões Norte e Centro Oeste, existem (ou existiram no passado

próximo) um processo de ocupação de territórios pouco povoados e deste processo obviamente surgiram

povoados que foram transformados em municípios. Algo semelhante ao que ocorreu em outras regiões

nos séculos anteriores. Mas não é um problema relevante para o autor, visto que seu modelo explicativo

fundamenta-se na determinação dos arranjos institucionais e da interação entre os atores políticos sobre o

processo emancipacionista.

12

forma independente das mudanças institucionais, que parecem ter um papel

preponderante nas emancipações das outras regiões brasileiras.

Além da variação regional no processo de criação de municípios,

houve uma diferença muito grande do fenômeno entre os estados da

federação brasileira. A Tabela 2 - mostra a quantidade e incrementos de

municípios nos estados do Brasil, no período entre 1988 e 1997.

13

TABELA 2 - Quantidade e Incremento de Municípios no Brasil (por

estados) - 1988/97

Estados Municípios Criados Incremento 1988/1997

1988 1997 Quantidade (%)

RS 244 467 253 104%

MG 722 853 131 18%

PI 116 221 105 91%

SC 199 293 94 47%

PR 311 399 88 28%

MA 132 217 85 64%

SP 572 645 73 13%

TO(*

) 79 139 60 76%

PA 87 143 56 64%

PB 171 223 52 30%

BA 367 415 48 13%

MT 82 126 44 54%

RO 18 52 34 189%

CE 152 184 32 21%

RJ 66 91 25 38%

ES 58 77 19 33%

PE 167 184 17 10%

RN 151 166 15 10%

MS 65 77 12 18%

AP 5 16 11 220%

AC 12 22 10 83%

RR 8 15 7 88%

AL 96 102 6 6%

AM 59 62 3 5%

SE 74 75 1 1%

GO(*

) 244 242 -2 -1%

TOTAL (Brasil) 4179 5507 1358 32%

FONTE: IBGE. (Tomio, 2000)

Uma característica verificável na criação de municípios foi a

similaridade no incremento das emancipações em estados com indicadores

sócio-econômicos absolutamente distintos: Rio Grande do Sul e Piauí

dobraram a quantidade de municípios. O Maranhão apresentou um alto

14

índice de emancipações; Santa Catarina, Rio de Janeiro ficaram acima da

média brasileira. Os estados com baixos índices também apresentaram a

mesma discrepância sócio-econômica; estão nesse grupo São Paulo e

Sergipe. Percebe-se por meio desses dados que o fenômeno da criação de

municípios não pode estar atrelado as características sócio-econômicas

como o PIB, o IDH, densidade demográfica ou a urbanização de estados e

regiões.

Os estudos para compreender o fenômeno de tais emancipações

possuem em geral um caráter normativo. Alguns argumentam que esse

processo é negativo, porque traz mais custos do que benefícios para o país.

São favoráveis a essa tese os “fiscalistas”. Eles criticam a emancipação de

distritos que nada arrecadam, e que, portanto não contribuem para o

orçamento da União dependendo exclusivamente dos repasses de fundos de

participação como o – FPM 9(Fundo de Participação Municipal). Entre os

que criticam esse processo, podemos destacar Gomes e MacDowell (1997,

2000), pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas

Aplicadas), instituição da administração pública federal.

Por outro lado, existem aqueles que defendem a criação de

municípios como um fator que possibilita o avanço da democracia no

Brasil, a melhor distribuição de recursos públicos pelo território nacional e

a possibilidade da população ser melhor atendida pelo poder público.

Foram e continuam defensores da criação de municípios alguns técnicos do

IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) localizado no

município do Rio de Janeiro, e da FPFL/CEPAM10

(Fundação Prefeito

9 O Fundo de Participação Municipal é a mais importante das transferências federais aos municípios.

Existe no país a pelo menos 50 anos e hoje é de vital importância para o município. Conforme Bremaeker

(1993:77), ele se constitui na principal fonte de recursos financeiros para mais da metade das

Administrações Municipais (52,8% delas). Para os pequenos municípios, com menos de 10.000

habitantes, este grau de dependência se faz sentir em 57,1% deles. 10

Dados preliminares mostram que agentes da Cepam participavam das reuniões dos Comitês Pró-

emancipação dos distritos paulistas. Esses agentes explicavam as vantagens e os benefícios de uma

emancipação. Na verdade foram agentes estimuladores do processo.

15

Faria Lima/ Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal) em

São Paulo que possuem publicações e prestação de serviços (assessoria,

assistência técnica, cursos, consultoria e publicações) destinados aos

governos municipais.11

Tomio (2000) procurou compreender como foram criados

municípios, analisando a dinâmica geral e a variação estadual.

Esse autor identificou os mecanismos político-institucionais que

influenciaram o processo emancipacionista. O autor identificou três tipos

distintos de instituições de influência no processo de criação de novos

municípios: as limitadoras (as constituições estaduais); as estimuladoras

(leis que ampliam a transferência de recursos fiscais como o FPM); e as

processuais (determinam a forma que o processo legislativo deve seguir

até a promulgação da lei de emancipação). Dentro destas instituições estão

inseridos um conjunto de atores e estratégias no processo de criação de

municípios, são eles: as lideranças políticas locais, os eleitores, os

deputados estaduais e o executivo estadual.

Para explicar o fato de terem sido criados muitos municípios de

forma e quantidade diferentes entre os estados e regiões, Tomio (2000:39)

atribui tais diferenças à “disponibilidade de localidades emancipáveis

(estoques), à correlação de forças entre o executivo e o legislativo estadual

e à ausência de mecanismos institucionais que favoreçam a autonomia do

legislativo, ou seja, somente o esgotamento da real capacidade

emancipacionista estadual ou a oposição de um executivo com coalizão

majoritária – solidamente apoiado ou com restrições processuais ao

clientelismo, diante da manutenção dos estímulos fiscais aos pequenos

municípios e das expectativas futuras dos deputados quanto a sua carreira

11

O IBAM possui uma publicação intitulada de “Revista de Administração Municipal”, voltada

especificamente para as prefeituras. A FPFL/CEPAM publica os “Cadernos da Cepam” voltado também

para a administração pública municipal. Essas publicações são instrumentos direcionados para assessorar

e informar os governos municipais.

16

política - foi capaz de interromper os surtos emancipacionistas nos

estados.”

Em relação aos demais Estados brasileiros, após a Constituição, o

Estado de São Paulo teve um processo de criação de municípios abaixo da

média nacional que foi de 32%, atingindo um crescimento em torno de

13%. Todavia, São Paulo possui a segunda malha municipal do país, com o

total de 645 municípios, ficando apenas atrás do estado de Minas que

possuí hoje 853 unidades municipais. Isso mostra que o Estado de São

Paulo passou por um processo de “explosão municipal” anterior a

Constituição de 1988 particularmente de 1946 a 1964. No regime de

exceção houve um estancamento das emancipações. O processo foi

retomado depois de 1988 e cessou em 1996.

A criação de municípios em São Paulo teve uma dinâmica interna

muito parecida com a dinâmica nacional, porque não pôde estar atrelada às

características sócio-econômicas de suas regiões por meio de indicadores

como PIB, IDH e outros. No Estado foram criados municípios nas regiões

mais ricas e de maior urbanização, como a Região de Araraquara

(Guatapará, Gavião Peixoto, Motuca, etc.); e na região mais pobre e com

menor densidade demográfica, a Região do Vale do Ribeira (Cajati, Ilha

Comprida, Barra do Chapéu, Itapirapuã Paulista e Itaoca).

A criação do município de Itaoca será tomada como um modelo

representativo para fins de análise do processo de criação de municípios no

Brasil e, especificamente, no Estado de São Paulo. O estudo de sua

emancipação demonstra características específicas no processo, observado

em São Paulo, visto que o local é de baixa densidade demográfica e

reduzida atividade econômica.

Para compreendermos a emancipação de Itaoca, que era um distrito

do município de Apiaí, levantamos as seguintes hipóteses: i) a criação do

município pode estar atrelada aos interesses das lideranças políticas locais

17

que procuravam maior quantidade de recursos públicos e representividade

política para a região; ii) a segunda hipótese diz respeito aos interesses

municipalistas do Governo Estadual (Quércia e Fleury) (1987-1994), do

PMDB, e dos outros governos seqüentes que tiveram como característica

de sua política o fortalecimento da influência do executivo no interior e iii)

ao legislativo estadual que via os projetos de emancipação de distritos

como oportunidade e espaço de fortalecimento institucional e meio de

garantir votos e influências no território paulista.

A hipótese que parece compreender melhor esse processo é a terceira

apresentada. Por meio dos dados obtidos constatou-se que todo o processo

emancipacionista paulista deu-se no parlamento estadual. Os deputados

tiveram grande poder de decisão sobre o tema chegando até mesmo a

derrubar vetos do executivo.

Para desvendarmos como e por que Itaoca, um município pequeno e

pobre, se emancipou tivemos como objetivo explicar como funcionou o

processo emancipatório, sobretudo, os interesses políticos nele envolvidos.

Assim, a proposta deste trabalho obedecerá a seguinte estrutura:

No capítulo I, procuramos desenhar o quadro teórico em que se

move a bibliografia nacional sobre federalismo, município e poder local. O

fenômeno da explosão municipal está inserido dentro das discussões sobre

o tipo de federalismo que possuímos e, portanto, neste capítulo

abordaremos as especificidades da nossa federação, destacando as diversas

correntes interpretativas sobre o tema do município e do poder local em sua

trajetória histórica-política federal.

No capítulo II, o escopo será demonstrar o processo de

descentralização que ocorreu no Brasil durante o período de abertura do

regime militar. A idéia de descentralização configurou como sinônimo de

democratização e, conseqüentemente, fortalecimento das unidades

subnacionais. Aconteceram duas formas de descentralização, a de recursos

18

e a política. A criação de municípios foi um dos fenômenos atribuídos pela

literatura específica como parte da segunda vertente descentralizadora e,

implica impactos diretos no arranjo federativo.

No capítulo III mostramos o processo da criação de municípios no

Estado de São Paulo e os resultados do estudo empírico sobre a

emancipação de Itaoca. Neste capítulo foi realizada a análise do caso de

Itaoca procurando mostrar como e por que o distrito de Apiaí se

emancipou. Para realizar este processo fizemos levantamentos de dados,

junto às diversas instituições públicas, e entrevistas com os diversos atores

envolvidos no processo.

Já o capítulo IV tem o intuito de articular os dados do terceiro

capítulo, com a bibliografia especializada sobre emancipações mostrando

que a emancipação do antigo distrito de Apiaí foi reflexo do fortalecimento

do legislativo estadual e do partido governista. Temos indícios de que a

concepção do ultrapresidencialismos estadual formulada por Abrucio

(1994, 1998) parece não ser aplicável no caso das emancipações.

Nas considerações finais procuramos amarrar a criação de um novo

município como algo que diz respeito às novas configurações que o sistema

federativo brasileiro vem sofrendo e muitas vezes tornando-se vítima de

desvios que, muitas vezes, impedem que tenhamos equilíbrio e cooperação

entre os entes federados.

19

CAPÍTULO I – O MUNICÍPIO NO FEDERALISMO BRASILEIRO

I – O Federalismo e as suas definições

Ao falarmos de criação de municípios, poder local e unidades

subnacionais no Brasil estamos, conseqüentemente, nos referindo direta ou

indiretamente ao modelo de estado adotado no país: o federalismo.

Formamos há mais de um século uma federação e, desde então, o estado

brasileiro se inspirou nesse modelo de organização política baseado, em

tese, na cooperação e autonomia das diversas esferas de governo.

Apesar dos solavancos de nosso federalismo, que em alguns

momentos praticamente inexistiu, hoje se tem a certeza que constituímos

uma federação. Todavia, cheio de desequilíbrios e distorções, mesmo assim

o Brasil está mais “federal” do que nunca. Autores como Aspásia Camargo

(2001) consideram a atual fase como a do Novo Federalismo, menos

patrimonialista e mais integrador.

Uma das novidades disso tudo é o fato de que o município brasileiro

é um ente da federação. Isso é um fato inédito em outras federações e

países do mundo. Portanto, o poder político no Brasil se divide em três

esferas distintas: a federal, a estadual e a municipal.

Isso tudo foi conseqüência do processo de democratização da década

de 1980. O ideal democratizante, muitas vezes, foi confundido com

descentralização. A Constituição de 1988 coroou esse movimento

descentralizando recursos e poder.

Nesse sentido houve o fortalecimento das unidades subnacionais e,

nesse processo esteve inserida a criação de novos municípios. Todavia, a

criação desses novos membros da federação ainda é pouco estudada,

principalmente no seu funcionamento político. Porém, percebemos que

20

esse fato tem trazido mudanças na configuração do poder político e nas

concepções tradicionais de federação.

Para compreendermos melhor esta mudança institucional do

município. Faremos uma breve reconstrução do que é e como se configurou

o federalismo na história do Brasil buscando ressaltar o papel do governo

local em sua consolidação.

Desde a sua consolidação enquanto República, o Federalismo foi a

forma de governo adotada no Brasil para a conciliação e integração de um

país marcado por enormes disparidades regionais.

Federalismo e democracia sempre estiveram conceitualmente

próximos, pois a idéia de federação acompanha a proposta de cooperação e

autonomia entre estados.

Celina Souza (1998), mostrou que federalismo, lato sensu, refere-se

aos laços constitutivos de um povo e de suas instituições, construídos

através de consentimento mútuo e voltados para objetivos específicos, sem,

contudo, significar a perda de identidades individuais.

Conforme Abrucio (1998), (citando King, 1982; Smith, 1985 e

Gagnon, 1993) “o federalismo é uma das soluções mais bem sucedidas

para equacionar democraticamente o conflito entre os níveis de governo

em países onde a existência de diversidade regional e/ou étnica soma-se ao

desejo de autogoverno por parte das unidades subnacionais”.

Para Elazar (1987:5) “em essência um arranjo federal é uma

parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexões internas

refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros, baseados

no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de

favorecer uma unidade especial entre eles”.

Percebe-se que as caracterizações do federalismo são a integração, a

cooperação e o respeito mútuo entre a divisão de poderes dentro de um

Estado.

21

Para Abrúcio, (1998:28): “além de democrático, o sistema federativo

bem sucedido será aquele que tornar mais republicana a esfera pública.

Os locais por excelência do aprendizado republicano são o poder local e o

nível estadual. É este o ponto fundamental que leva um arranjo federativo

ao sucesso, uma vez que tanto a classe política como os cidadãos têm seus

processos de socialização política realizados nos níveis subnacionais de

governo”.

O sistema federativo proporciona, em tese, um exercício do poder

político descentralizado mais próximo do cidadão, onde as unidades

subnacionais de governo são fortalecidas e se tornam contrapesos à atuação

de um Estado centralizador e opressivo.

Almeida (1995) define o federalismo como um sistema baseado na

distribuição territorial – constitucionalmente definida e assegurada – de

poder e autoridade entre instâncias de governo, de tal forma que os

governos nacionais e subnacionais são independentes em sua esfera própria

de ação. A autora ainda afirma que “o federalismo em sua forma original,

ou seja, a autonomia e cooperação dos governos subnacionais, bem como

na definição normativa, o federalismo se caracteriza pela não

centralização, isto é, pela difusão dos poderes de governo entre muitos

centros, nos quais a autoridade não resulta da delegação de um poder

central, mas é conferida por sufrágio popular”. (Almeida,1995:89)

Conforme Márcia Miranda Soares (1998) a organização federal

surgiu como um projeto de engenharia institucional que visava superar os

problemas colocados à formação do Estado Nacional Estadunidense a partir

da unificação das treze colônias inglesas.

O Federalista, coleção de ensaios escritos por Alexander Hamilton,

James Madison e John Jay, apareceu no Séc. XVIII erigindo os principais

alicerces teóricos do federalismo. A Constituição Norte Americana de 1787

foi, em grande parte, a institucionalização destes ensaios. Desta forma, a

22

organização federal é um sistema que responde aos problemas envolvidos

na formação de um estado nacional em determinado contexto (contexto de

heterogeneidade territoriais), ou promove a acomodação dos interesses

regionais dentro de um estado nacional já consolidado, como no caso

brasileiro.

Na definição clássica de federalismo, a organização territorial

designada como federação, consistiu em instituir um sistema de dupla

soberania política, com a distribuição do poder entre duas esferas

territoriais: o governo central (União) e as unidades constituintes (estados).

O que é interessante deste sistema é que essa engenharia institucional não

só promoveu a divisão do poder, como garantiu a autonomia das duas

esferas federais por meio de um mecanismo de checks and balances, no

qual as instituições políticas se limitavam uma às outras, propiciando o

equilíbrio federativo. (Márcia Soares, 1998).

As principais características do modelo clássico de federalismo

foram e ainda são conforme Márcia Soares (1998:140):

1) Divisão territorial do Estado em várias subunidades

2) Sistema bicameral: representação das subunidades federadas

junto ao governo federal através de uma segunda Câmara

Legislativa (Senado)

3) Poder Executivo, Legislativo e Judiciário presente nos dois níveis

federais.

4) Existência de uma corte Suprema de Justiça responsável pela

regulação dos conflitos federativos: cuja função primordial é

garantir a ordem federal.

5) Definição das competências (administrativas e fiscais) e

jurisdições das esferas federativas, com cada nível de governo

apresentando ao menos uma área de ação em que é autônomo.

23

6) Autonomia de cada ente federativo para constituir seus

governos.”

Aléxis de Tocqueville em sua obra clássica sobre a democracia

americana percebe o sistema federativo como algo novo na história política

mundial:

Essa constituição, que a primeira vista somos tentados a confundir

com as constituições federais que a precederam, apóia-se na

realidade em uma teoria inteiramente nova e que deve marcar como

que uma grande descoberta da ciência política dos nossos dias.12

"

(Tocqueville,1971:122)

Hoje, o federalismo se expandiu e temos vários Estados Nacionais

designados pela Ciência Política como sendo organizados na forma

federativa. São eles: Estados Unidos, Canadá, Austrália, Áustria, Suíça,

Alemanha, Argentina, Brasil, México, Venezuela, Iugoslávia, Bósnia,

Rússia, Índia, Nigéria, Paquistão e Malásia.

Soares (1998) chama a atenção para um importante detalhe,

mostrando que a experiência federativa no mundo é uma forma minoritária

de organização territorial do poder nos Estados Nacionais: mais ou menos

17 países no mundo são classificados como federações. Surge então uma

questão: o que explica a adoção do sistema federal nestes países? Soares

(1998) argumenta que o sistema federativo foi criado e posteriormente

adotado por diversos países tendo como objetivo prioritário dar solução

conciliatória a interesses territoriais antagônicos presentes na estrutura do

Estado Nacional.

O critério essencial no qual reside a atratividade que se pode

verificar historicamente no modelo federalista, está na possibilidade de

solução que ele oferece para um amplo problema histórico-político

relacionado ao conceito do moderno Estado Territorial, a saber, a

24

existência de forças políticas opostas de integração e desintegração num

determinado espaço geográfico. Do ponto de vista histórico, um

ordenamento estatal federalista sempre significa um equilíbrio num campo

de tensão entre forças centrífugas e centrípetas ou integrativas e

desintegrativas. 13

Conforme Soares (1998) é importante ressaltar que a maioria das

federações (EUA, Canadá e todo o bloco latino americano) se formou pela

unificação de colônias independentes e pela manutenção da unidade

colonial, sendo que o processo colonial tinha imprimido nas colônias as

bases para a federação: uma estrutura de poder, que apesar de centralizada

na metrópole, conferia ampla autonomia política às esferas territoriais que

formavam a unidade colonial.

Em nosso caso, é importante ressaltar que o federalismo brasileiro

não está pautado em um acordo pacífico e estável entre os estados

federados. Esse arranjo tem sido útil na acomodação dos interesses das

elites regionais. Por ser o Brasil um país com enorme disparidade social e

econômica entre as regiões, o federalismo é o arranjo que proporciona

maior acomodação das disputas internas.

Conforme Kerbauy (1999) e Souza (1998), o federalismo muitas

vezes é confundido com descentralização, apesar de não ser condição

necessária, nem suficiente para ele; e a descentralização se confunde com

regionalização. [...] O federalismo se constitui, portanto num mecanismo de

negociação política, capaz de acomodar diferenças regionais.

“A experiência brasileira corrobora visão de que o federalismo

como mecanismo de divisão territorial de poder é uma forma de acomodar

conflitos em vez de promover harmonia. [...] O federalismo é mais uma

ideologia, que se baseia mais em valores e interesses, do que apenas num

12

Aléxis de Tocqueville, A democracia na América, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia, p. 122

25

compromisso baseado em arranjos jurídicos e territoriais.” (Celina Souza,

1998:587).

O federalismo no século XX apresentou duas formas de

configuração. A primeira dela, diz respeito ao modelo dual no qual se

organizou a nação estadunidense que é fortemente ancorado na autonomia

e na força política das unidades federadas. Nesse modelo de federação a

regra é a competição entre os entes federados e o poder central possui

pouco poder de intervenção nos entes subnacionais, salvo em algumas

exceções14

.

O segundo modelo de federação foi aquele que a Alemanha

vivenciou no pós-guerra. Como maneira de promover o desenvolvimento

daquela nação européia criou-se lá o federalismo cooperativo. Os alemães

teceram um federalismo inteiramente original, baseado na cooperação e no

princípio de subsidiariedade, isto é, baseado nos princípios de integração e

interpenetração visando combater as disparidades internas e objetivando o

combate dos desequilíbrios políticos, sociais e econômicos do país.

Autores como Aspásia Camargo (2000) defendem a idéia de um

federalismo cooperativo no Brasil, ou seja, um federalismo fortemente

impregnado pelo compromisso da redução das diferenças espaciais e

sociais. Esse novo pacto federativo romperia com a tradição

patrimonialista, pautada no clientelismo da formação de nossa federação.

II – O Federalismo Brasileiro

A implantação de um sistema político que garantisse autonomia

política as unidades subnacionais nos remete a Independência do Brasil e

13

Michael Bothe, “Federalismo – Um conceito em transformação histórica” in Federalismo na Alemanha,

Fundação Konrad Adenauer, n.º 7, 1995, p. 5 14

Estamos nos referindo as intervenções da União por meio do New Deal promovido nos anos de 1930 e

nas recentes medidas antiterror tomadas a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001.

26

do período Imperial. Conforme Resende (1990) em torno do binômio

centralização-federação se nutre o grande debate nacional desde o

momento inicial da nação. “Desde a instalação da Assembléia Constituinte

de 1823 é recorrente o apelo à federação, nem sempre articulado com uma

proposta republicana, haja visto o esforço da maioria do Senado e da

maioria da Câmara dos Deputados em 1832 para fazer cair o parágrafo do

projeto da Câmara em que se diz: “O Governo do Império do Brasil será

uma Monarquia Federativa”. (Resende, 1990:28)

No Primeiro Reinado e na Regência, o Partido Liberal tinha, na

federação a linha de força de seu programa. A Confederação do Equador,

violentamente reprimida, inspirava-se no manifesto de Paes de Andrade:

“Cada estado terá seu respectivo centro, e cada um desses centros,

formando um anel da grande cadeia, nos tornará invencíveis”.

Após a abdicação de D. Pedro I, a perspectiva da descentralização

política reúne adeptos da Sociedade Federal na qual se assentava uma

minoria a favor da República. O Ato Adicional de 1834, modificando a

Constituição de 1824 estava marcado pelo caráter negociado da

descentralização, que ficava restrita à instauração de Assembléias

Legislativas Provinciais. O Ato não estabelecia a federação, mas um

regime que participava de ambos sistemas, centralizador e descentralizador.

Pode-se se dizer que este Ato continha o embrião da federação.

Conforme Bovo (1999:33) podemos expor a formação da Federação

brasileira da seguinte maneira:

“1)1889/1930 (Primeira República) marcado pela existência de um

federalismo oligárquico, com forte autonomia e poder dos Estados;

2) 1930/1945, no qual ocorreu a centralização do poder na esfera do

executivo, mas, simultaneamente, as oligarquias estaduais preservaram o

seu poder econômico;

27

3) 1945/1960, caracterizado pela realização de quatro eleições

presidenciais, fato raro na história republicana do país em um período de

20 anos. Foi um amadurecimento do Federalismo no Brasil, especialmente

no governo Kubitschek;

4) 1961-1964, período caracterizado pela elevada instabilidade

política que impediu qualquer avanço da ordem federativa;

5) 1964/1974, período marcado pela forte centralização das

decisões na esfera da União, o que retardou o aperfeiçoamento do

federalismo descentralizado;

6) 1974/1989, marca a transição para a abertura do regime político

e o início do processo de redemocratização do país, colocando na ordem

do dia questões como a reorganização da Federação e a reconstrução do

Estado”.

A formação do Federalismo no Brasil nos remete à “República da

Espada”, momento de consolidação e auto-afirmação Republicana. Esse

momento é marcado pela República oligárquica influenciada pelas

oligarquias rurais, pela política dos governadores, pelo coronelismo e pelo

voto de cabresto.

Conforme Abrucio (1998) e Souza (2000) a implantação do

federalismo na República Velha foi acompanhado de grandes distorções do

ideal federativo. Para Souza, o federalismo aqui implantado, foi um

federalismo “isolado”.

O federalismo que aqui surgiu tinha como objetivo atender as

demandas por autonomia e descentralização das oligarquias rurais que

estavam descontentes com o centralismo imperial e a sua base de

sustentação política.

“Somente com a primeira Constituição Republicana de 1891,

definidora da nova Ordem Republicana, foi adotada a estrutura federativa,

rompendo-se com a tradição do unitarismo imperial. Embora o principal

28

idealizador da implantação da estrutura federativa, Rui Barbosa, tivesse

em mente o modelo americano, as origens e a forma assumida pelo

federalismo brasileiro foram bem distintas. Ao contrário da experiência

americana, em que havia unidades territoriais autônomas antes do

surgimento da União, no Brasil como notara Rui Barbosa,“tivemos União

antes de ter Estados, tivemos o todo antes das partes”. E mais: o

federalismo brasileiro nasceu, em grande medida, do descontentamento

ante o centralismo imperial, ou seja, em prol da descentralização, o que

deu um sentido especial a palavra federalismo para o vocabulário político

brasileiro, que persiste até hoje. (Abrucio, 1998:32)

Muitos autores brasileiros dizem que em relação ao federalismo

norte-americano que se constituiu no sentido de cooperação e defesa

comum o federalismo brasileiro se formou ligado ao apego de autonomia.

Abrucio (1988) cita Torres, (1961: 153) que diz que:

“Federalismo entre nós quer dizer apego ao espírito de autonomia;

nos Estados Unidos, associação de estados para defesa comum”.

O federalismo implantado no Brasil era claramente hierárquico. No

aspecto fiscal, ficou evidente esse caráter da Federação Brasileira com a

preponderância dos Estados de Minas Gerais e de São Paulo. Mas era na

questão da autonomia política que todas as províncias sem exceção, se

uniram em prol do projeto federalista, porque só neste aspecto poderia

haver uma equalização dos benefícios a todas as unidades da federação.

Além de hierárquica, Celina Souza define a Federação daquele

momento como “isolada” no sentido de que havia poucos canais de

comunicação e ligação entre os níveis de governo. A federação nasceu sob

a égide da desigualdade.

Em suma, diz Abrucio (1998: 34-5), “a federação brasileira tem em

sua origem dois parâmetros básicos: uma hierarquia de importância dos

Estados dentro da federação, que determinará o predomínio de São Paulo

29

e Minas Gerais no plano nacional; e a garantia de que no âmbito interno

dos estados a elite local comandará por si só o processo político,

determinando autonomamente as regras do jogo eleitoral, sem a ameaça

das “derrubadas” impostas pelo governo imperial. A partir deste momento

histórico, as máquinas políticas estaduais serão peças fundamentais no

tabuleiro político do país.”

Abrucio (1998:40) “conclui que na primeira República o

federalismo no Brasil surgiu dissociado da República. O federalismo da

primeira República foi o reino das oligarquias, do patrimonialismo e da

ausência do povo no cenário político. Ou seja, anti-republicano por

excelência.”

Não podemos deixar de citar outra característica fundamental da

consolidação do federalismo no Brasil a República Velha. Percebemos que

o federalismo aconteceu como um mecanismo que atendeu aos interesses

das oligarquias estaduais por maior autonomia. Todavia, esta

independência adquirida pelo poder estadual, traduzida na eleição do

governador, foi a atual base do federalismo brasileiro. Por trás deste poder

da esfera estadual estava o controle sobre os votos, adquiridos através de

um compromisso com o poder local, ou melhor, com os chefes políticos

locais, os coronéis. Se no plano nacional vigorava o pacto da política dos

governadores, no nível estadual imperava o compromisso entre o Poder

público estadual e os coronéis. Nos dois tipos de relacionamento o elo mais

forte era o governador.

Os governadores eram aqueles que detinham o poder dentro do pacto

federativo brasileiro. Ele exercia o poder na esfera da União e sua

sustentação vinha basicamente do apoio dos poderes locais, que era o

membro mais frágil da federação onde o governador desenvolvia todo o seu

poder e influência.

30

Conforme Abrucio (1998:38), “o controle político que o

governador exercia sobre o poder local acontecia por três razões:

primeiro por que o poder federal ainda era muito frágil, pouco competia

com os estados no processo de conquista de apoio dos chefes políticos

locais. Segundo, a base legal da República Velha dava pouca autonomia

política e financeira para os municípios, o que redundava em dependência

política e econômica do poder local para com o governador”.

O coronelismo foi uma fase que marcou o poder local no Brasil

durante quase toda a história republicana. O município era a instância mais

frágil do pacto federativo e, portanto sujeita a dependência do governador.

Victor Nunes Leal (1997:64) descreve o coronelismo como “um

sistema de reciprocidade, em que de um lado, os chefes municipais e os

coronéis que conduzem os magotes de eleitores como quem toca tropa de

burros; de outro lado, a situação política dominante no Estado, que dispõe

do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que possui, em

suma, o cofre das graças e o poder das desgraças”.

O coronelismo que até os dias de hoje deixa resquícios em nosso

sistema político foi definido por Victor Nunes (1997) como resultado da

superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma

estrutura econômica e social inadequada. É uma manifestação de poder

privado que tem conseguido coexistir com um regime político de extensa

base representativa. O coronelismo era basicamente um compromisso, uma

troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a

decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de

terra.

Maria Isaura Pereira de Queirós (1985) nos mostrou que o sistema

coronelista entrou em declínio ainda na República Velha com a

urbanização, o crescimento demográfico e a industrialização. Além disso, a

criação de algumas instituições como a criação da polícia e do cargo de

31

prefeito.Vale ressaltar que o fim do coronelismo aconteceu nas regiões

mais ricas e industrializadas e que o desaparecimento do coronelismo não

se apresentou, pois, apenas progressivo, como também irregular.15

Com a decadência da oligarquia rural, com o aumento do processo de

industrialização e da organização da classe média, novos atores irão

disputar o poder político no Brasil e contestar a base oligárquica da política

dos governadores que se fundamentava no coronelismo, na corrupção, no

voto de cabresto e na forte influência de São Paulo e Minas no exercício do

poder central. O sistema político da República Velha, que era baseado em

expressões muito conhecidos como aquele que dizia: “aos amigos tudo e

aos inimigos a lei com todos os seus rigores”, começa a ser contestado pela

nova estrutura social que se formava no país. Nesse contexto, surge a

Revolução de Trinta que rompeu com vários elementos da República

Velha.

A Revolução de 30 deu início a uma nova fase do federalismo

brasileiro, com um perfil mais centralizador e onde Vargas reacomodou as

elites regionais num esquema de poder em que haveria outros personagens

envolvidos, particularmente os “tenentes”.

Conforme Souza (2000) em 1930 o Brasil inicia a construção da

sociedade urbano-industrial, na qual o Estado foi o ator central. Em 1934 é

promulgada a nova Constituição. Os governos subnacionais perderam parte

de seu poder financeiro.

Aspásia Camargo (2000) afirma que a âncora dessa transição foi a

reformulação do acordo oligárquico, vigente na República Velha, que teve

como principais atores e protagonistas as novas oligarquias dos estados,

mais abertas que as antecessoras. Esse foi o pacto político construído por

Vargas nos anos que precederam a implantação do Estado Novo (1937).

15

Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Coronelismo numa interpretação sociológica, História Geral da

Civilização Brasileira . Vol . III O Brasil Republicano 1. Estrutura e Poder e Economia (1889-1930).

32

Sobre o federalismo no Estado Novo, esse é um assunto controverso

para alguns autores. Vejamos os exemplos apresentados a seguir.

Abrucio (1998:44) afirma que, “no Estado-Novo foi abolido

completamente o federalismo. Em nenhum outro momento do século XX a

estrutura de governo tornou-se tão unitária como no Estado Novo. A

Constituição, por exemplo, aboliu a expressão Estados Unidos do Brasil, e

no seu primeiro artigo simplesmente disse “o Brasil é uma República”.”

Porém, para Aspásia Camargo (2001), do Estado Novo resultou uma

federação acorrentada que, na prática, funcionou como instrumento

institucional de acomodação na passagem do Velho Regionalismo para o

Novo Regionalismo domesticado; e como amortecedor da transição do

Brasil arcaico para o Brasil moderno. A linha de continuidade entre esses

dois pólos não foi construída pelos partidos políticos, nem pelas

instituições democráticas, através do voto. Quem garantiu tal continuidade

foi o federalismo, que passou rapidamente de cumplicidade com a

hegemonia oligárquica para a intimidade como o autoritarismo centralista.

Para Campelo de Souza (1976:41): “o Estado Novo foi de crescente

centralização burocrático-administrativa em que também foi criado o

sistema de interventorias, em que a carreira política dos interventores

dependia diretamente da indicação do Executivo Federal, tornando

possível ao governo central controlar a administração estadual e restringir

a ampla autonomia da “política dos governadores”, por outro lado, não é

menos verdadeiro que os novos chefes políticos provinham socialmente, na

sua maioria do próprio setor agrário, identificando-se em boa medida com

sua cultura e seus interesses políticos. Visto que o governo Vargas não

introduziu no campo transformações econômicas de monta, manteve-se a

federalização política da autoridade baseada na máquina coronelista.”

Difel , 1985.

33

Já Celina Souza (2000) mostrou que essa Constituição foi, ao mesmo

tempo, centralizadora do governo federal e localista porque transferiu

vários impostos estaduais para os municípios e por fazer com que os

estados passassem a transferir parte de seus impostos para os municípios.

O mecanismo de partilha dos impostos das unidades maiores da

federação para as menores foi a primeira tentativa de enfrentar a questão do

desequilíbrio fiscal entre níveis de governo. Os efeitos dessas medidas

foram limitados devido ao aumento desproporcional das competências

federais, à inflação e ao não pagamento de cotas federais às esferas

estaduais o que impediu que as medidas tomadas tivessem pouco efeito: o

aumento no número de municípios.

Com o aumento das transferências fiscais para as esferas

subnacionais ocorre um aumento no número de municípios instalados no

país.

O período seguinte ao Estado Novo compreende os anos de 1945-

1964. Conforme Weffort (1980) este pode ser considerado como o início da

democracia competitiva de massas no Brasil, isto é, as massas participaram

do jogo político.

O federalismo da Segunda República também voltou a ser preceito

político-constitucional, retornando as eleições para cargos executivos e

legislativos das unidades subnacionais, até mesmo para a esfera municipal.

A Constituição de 1946 inovou ao aumentar a autonomia política e

financeira dos municípios, tradicionalmente tolhida pelas Cartas

Constitucionais anteriores.

As relações entre as unidades da Federação se tornaram menos

desequilibradas comparadas com o quadro da Primeira República.

Aumentaram a multipolaridade do sistema, rompendo-se com a

bipolaridade característica da República Velha.

34

O quadro federativo da Segunda República toma, portanto, a

seguinte forma: os estados voltaram a ter autonomia, a Federação voltou a

ser multipolar e o Estado Nacional se fortaleceu em termos econômicos e

políticos.

Porém, a realidade coronelística, fortalecedora do Executivo,

estadual frente aos chefes locais, permaneceu em boa parte do país na

Segunda República, dada a continuidade da estrutura agrária arcaica em

diversas regiões.

O fato é que, com o aumento de núcleos regionais de poder na esfera

das relações intergovernamentais, houve o aumento dos pedidos por

recursos ao Governo Federal, sem que isso significasse um compromisso

federativo lastreado em contrapartidas dos estados. Assim, esse tipo de

relação federativa começou a atingir os alicerces do Estado

desenvolvimentista.

Em 1964 tivemos o período autoritário. Conforme Skidmore (1988)

podemos chamar esse período de situação autoritária, mais do que um

regime autoritário. Nesse momento a federação passou por profunda

transformação, que repercutiu sobre o papel dos três níveis de governo. Os

militares promulgaram uma Constituição em 1967 que promoveu uma

centralização de recursos públicos e de poder político sem precedentes no

Brasil. Porém, conforme Ames (1987) e Medeiros (1986), mesmo com

tamanha centralização os governos subnacionais continuaram a ter papel

importante na Federação, os governos subnacionais foram grandes

legitimadores do regime militar e formaram as coalizões necessárias para a

sua longa sobrevivência. No período militar, os recursos eram repassados

por fundos de participação, e os governos subnacionais, essencialmente os

municípios, tiveram uma melhora na participação dos recursos.

Para Abrucio (1998), o objetivo do governo militar era enfraquecer

as unidades estaduais da função de contrapeso do Poder Central, o que,

35

historicamente, foi a norma do federalismo brasileiro. Houve no regime

militar, a intensificação das relações financeiras entre a União e o

município que procurava trazer o poder local para a esfera de influência do

governo federal, retirando um dos maiores poderes do governo estadual,

qual seja o controle político e econômico da esfera municipal.

O regime militar pretendia romper a antiga dependência dos

municípios com o governo estadual, que era um dos principais pilares do

poder dos governadores. No seu lugar, procurava-se estabelecer uma

dependência do poder local com o Executivo Federal. Em suma, o

federalismo do regime militar foi chamado de federalismo cooperativo e

teve nos arranjos administrativos a sua base de sustentação. A cooperação

entre as esferas de governo significava na realidade a implementação de um

modelo piramidal de relacionamento federativo, em que a União

subordinava os estados e os municípios ao seu comando.

“Dessa maneira, o princípio reinante não era o da cooperação, mas

o da subordinação”. (Abrucio, 1998:71).

O regime militar, “inconscientemente”, fortaleceu o município. Ao

negociar diretamente com o poder local, procurando isolar o governo

estadual, o governo militar deu a essa instituição condições de

sobrevivência e importância política. A maioria dos municípios continuava

com eleições regulares e por meio delas surgiram movimentos e partidos de

oposição que se fortaleceram em fins do regime militar.

A partir da década de 1980 começa o período da abertura para a

democratização. O marco do processo de democratização acontece com as

eleições para governadores de estado em 1982. O ideal da democratização

trouxe consigo a bandeira da descentralização política, fiscal e

administrativa e da “restauração” do federalismo.

As demandas postas no processo de democratização receberam

tratamento especial na Constituição de 1988 e entre os grupos mais

36

influentes na sua elaboração eram aqueles liderados por prefeitos e

governadores demandando a descentralização financeira. A Constituição de

1988, em suma, aprovou medidas que causaram o fortalecimento dos

governos subnacionais, mas manteve a tradição de reter grande parte do

monopólio legislativo na esfera federal, limitando sobremodo a capacidade

das esferas subnacionais adotarem políticas próprias. (Souza, 2000).

Desde a Constituição de 1988, o Brasil passou a ser um dos países

mais descentralizados na distribuição de recursos tributários e de poder

político. (Souza 1992 e 1994). A Nova Carta definiu um novo arranjo para

o país, com uma significativa transferência de funções, poder decisório e

recursos do plano federal para os estados e municípios.

Com a Nova Constituição, Estados e Municípios conquistaram a

mais ampla autonomia política da história republicana. Somente a

Constituição de 1988 atribuiu uma autonomia plena aos municípios,

elevando-os de fato ao status de ente federativo.

Conforme Tomio (2000) esta situação é extremamente peculiar, não

sendo identificável em outros estados federados. Na maioria das federações

– ou, pelo menos, nos casos mais conhecidos – os municípios ou outros

níveis de poder local são divisões administrativas das unidades federadas,

que delegam, ou não, diferentes níveis de autonomia aos governos locais. A

estrutura federativa brasileira, por não ter paralelo em outros países,

transformou o país na única federação com três níveis políticos

constitucionalmente autônomos: a união, os estados – e distrito federal – e

os municípios.

Alguns autores vêem esse novo status do município com

desconfiança, pois, não acreditam que o nível local no Brasil esteja

preparado para ser um espaço para o exercício real da democracia e sim,

espaço de manobras e apropriação das elites políticas.

37

Para Aspásia Camargo (2001), em contraste com as experiências

alemã e norte-americana, o Brasil criou mais um ente governamental que é

o município. Para a autora a invenção se impulsionou positivamente a

descentralização e que doutrinariamente pode ter sido um equívoco, visto

que o município concorre hoje com a sociedade civil, cujas instâncias de

decisão – os conselhos municipais – são ainda frágeis, demasiadamente

politizadas e envolvidas com os interesses políticos imediatos.

Porém, autores como Souza (1998) defendem que a Nova

Constituição está tornando o Brasil mais federado. Esse processo de

federalização está ocorrendo graças à emergência de novos atores no

cenário político e pela existência de vários centros de poder soberanos que

competem entre si. Por outro lado, esse federalismo tem mostrado seus

limites devido às disparidades regionais e pelo enfraquecimento do governo

federal.

Não há dúvida de que o município ganha destaque na Constituição

que concede alguns avanços no sentido de maior autonomia municipal,

devido a maior equidade na distribuição de recursos tributários entre as três

esferas de poder, um certo incentivo ao planejamento econômico, através

da prerrogativa da elaboração da Lei Orgânica, da obrigatoriedade do Plano

Diretor para municípios com população acima de 20.000 habitantes e do

Orçamento Plurianual de Investimentos, além de incentivo a

descentralização de alguns serviços públicos, tais como: saúde, assistência

e educação. (Leão, 1996).

Abrucio (1998) mostra que a Nova Carta ao incorporar os municípios

à federação, não conseguiu eliminar o poder político dos estados

brasileiros, principalmente, dos economicamente mais fortes, constituindo-

se os municípios neste caso o elo mais frágil do pacto federativo. Os

municípios brasileiros são, em geral, marcados por expressivas

desigualdades econômicas, sociais, políticas e administrativas, dependentes

38

em grande parte de lideranças regionais díspares, freqüentemente

representadas pelos governadores.

Caracterizando-se como o “ponto fraco” do federalismo brasileiro, e

dependentes dos governadores, o município passou por um processo de

expansão, graças às emancipações que se intensificaram a partir da década

de 1980 e 1990.

A discussão sobre federalismo no Brasil vem sendo debatida em

outros aspectos. Um dos temas que vem chamando a atenção dos

pesquisadores da área, diz respeito aos desequilíbrios federativos,

intrínsecos ao sistema federal do Brasil.

A federação brasileira da perspectiva da representação política surge

como restritiva da demos. A representação desigual passa por um forte grau

de distorção, sendo a alocação desproporcional das cadeiras na Câmara dos

Deputados, entre regiões e estados, a mais importante. (Campello de Souza,

1976; Britto, 1965). Para Kerbauy (2000), isso tudo acarreta dois

problemas: no plano federal as distorções representativas constrangem a

democracia e impedem decisões políticas que atendam de forma igualitária

os interesses nacionais e, no plano municipal, a natureza das elites locais,

da burocracia e das dificuldades de implantação de novos arranjos

institucionais impedem uma participação popular mais efetiva nas decisões

do governo local e mantêm e reforçam em várias situações o clientelismo.

Nesse quadro do federalismo brasileiro percebemos que a

consolidação e a constituição da federação seguiu uma trajetória moldada

por pactos políticos e territoriais constituídos ao longo da história. Percebe-

se que as condições garantidoras de sucesso estiveram praticamente

ausentes e que hoje as que existem são, no mínimo insuficientes. Conforme

Abrucio (1998:30), “a combinação entre a autonomia dos governos

subnacionais e a interdependência entre os níveis de governo não tem sido

alcançada. Nossa federação é marcada por uma distribuição

39

desequilibrada de poder, cuja conseqüência mais deletéria encontra-se na

perversa relação estabelecida entre os interesses regionais e o interesse

nacional. Caciques regionais e presidentes imperiais talvez sejam filhos do

mesmo pai: o frágil contrato federativo brasileiro”.

Todavia, ressaltamos que neste novo século e novo milênio que estão

iniciando, nos dizeres de Aspásia Camargo (2001), concluímos que o

federalismo se incorporou ao metabolismo institucional do país e é parte

constitutiva de seu processo de integração nacional e de sua identidade

política.

Nesta breve reconstrução histórica do nosso sistema federativo,

buscou-se ressaltar, por meio de diversos autores, que a consolidação de

um pacto federativo no Brasil foi e ainda é permeado por grandes

desequilíbrios. A federação oscilou entre períodos de sístoles e diástoles em

que nas duas formas houve a ausência de soberania popular,

republicanismo, equilíbrio das forças políticas para a consolidação de um

estado nacional forte e somente nos últimos anos, ou seja, após a

Constituição de 1988 é que temos alguns avanços. A criação de municípios

e a sua nova configuração pós 1988 traz novas perspectivas de análise que

poderão demonstrar os equívocos e os eventuais acertos de nosso

federalismo.

Muitos estudiosos dizem que o município foi sempre um ator de

terceira categoria na história política do país. Entretanto, percebemos que

em nossa história política esse ente vem ganhando poder e destaque. Se

compararmos o município que tínhamos na República Velha, no Estado

Novo, na Terceira República, no Regime Militar e no contexto democrático

atual vemos que esta instituição vem ganhando cada vez mais importância.

Poucos estudos dedicam a esta instituição relevância nos modelos de estado

(federal, centralizado, unitário, etc) que foi adotado na consolidação das

formas de governos no Brasil.

40

No item a seguir faremos uma breve resgate histórico do município

no Brasil, com o objetivo de ressaltar as diversas configurações que o poder

local teve na história política do país para entendermos um pouco mais de

sua configuração atual: ente da federação.

III – O Município no Federalismo Brasileiro

Para alguns autores (Araújo, 1998. p. ex.), o município é a celula

mater da nação brasileira. Antes de vermos como eles foram e continuam a

ser criados acreditamos ser importante reconstruir de maneira breve a sua

configuração em nossa história.

Em boa parte de sua história, o governo local sempre foi muito

subordinado as esferas superiores de governo e, além de tudo, serviu de

sustentáculo para a esfera estadual e federal. Somente a partir de 1946 é

que a esfera municipal passou a ter maior visibilidade e importância

jurídico-político-institucional no arranjo federativo brasileiro. Todavia,

maior nível de autonomia só acontecerá na Quinta República.

No momento de consolidação do estado brasileiro, o período

imperial, houve um cerceamento da atuação das Câmaras Municipais, que

perderam funções políticas e financeiras, embora seu Presidente exercesse

funções executivas (sob protestos e denúncias de políticos e estadistas).

Inspirado na legislação napoleônica de 1804, o Império transformou as

Câmaras Municipais em "corporações meramente administrativas", pela

Lei Regulamentar de 1o de outubro de 1828.

Os Municípios passaram a ser tutelados, perdendo a função

judicante, que lhes dera prestígio e poder no período colonial. Pode-se dizer

que o Império congelou as instituições municipais, impedindo-lhes a

dinâmica e a ação e reduzindo-as ao imobilismo e à apatia.

41

Na República Velha, o município vai ser objeto de manipulação

ostensiva por parte das oligarquias estaduais, visto que o poder político se

concentra nas mãos dos velhos caciques, que dominavam, por gerações, a

política estadual, a ponto de a União ser débil diante deles, assim eram

débeis os municípios.16

Para se manterem no poder ou para continuarem a

ter o poder em suas mãos, governadores ou presidentes estaduais usavam

os municípios como massa de manobra para as eleições, evidentemente

manipuladas, mas que garantiam a permanência dos oligarcas e do status

quo.

Isto propiciou numerosas intervenções do estado em seus

municípios. O abuso e a arbitrariedade só foram estancados pela reforma

constitucional de 1926, ao conceder à União o direito de intervir nos

Estados para proteger a autonomia municipal, também reforçada graças aos

movimentos políticos dos anos 20, conhecidos como "tenentismo", que

levaram à Revolução de 30.

Entre as metas revolucionárias, estava a redução do poder do estado

e o fortalecimento da União e dos municípios, tirando-os dos excessos do

controle estadual.

No entanto, a autonomia municipal não se concretizou. Ao contrário,

chegou-se para uma centralização, com a dissolução de todos os órgãos

legislativos do País, incluindo-se as Câmaras Municipais.

Foram nomeados interventores para os governos estaduais e o chefe

do executivo passou a ser chamado prefeito, em todos os municípios.

Formula-se, na época, um interessante princípio de divisão do

trabalho governamental: A União cria a norma, o Estado adapta e o

Município executa.

16

Ver Vitor Nunes Leal, 1997, Maria Isaura Pereira de Queiroz, 1985 e Maria de Lourdes M. Janotti,

1985.

42

Os fatos políticos dos anos 1930-1934 pressionaram Getúlio Vargas

a convocar uma Assembléia Constituinte, cujos trabalhos culminaram na

Constituição de 16 de julho de 1934. Restabelecia-se a Federação, reduzia-

se a competência dos Estados, inclusive sobre a organização municipal,

cuja autonomia adquire nível de importância equivalente à da União e à dos

Estados, explícita e claramente definida no artigo 13. Institui-se, então, a

eletividade dos Prefeitos e dos Vereadores (podendo os primeiros ser

eleitos pelos segundos). São decretados determinados tributos, com

destinação de suas rendas e organizam-se os serviços públicos locais.

Podemos dizer que a Constituição de 1988 não é nenhuma novidade,

pois, em 1934 o município tem a mesma importância do que os outros

entes da federação. O município conseguiu naquele momento autonomia

política e a garantia de transferência de recursos e verbas. A atual

constituição não é totalmente original neste aspecto, ela apenas reafirma

algo que já havia acontecido décadas anteriores.

Para o IBAM, apesar de a Constituição de 1934 ser derrotada pela de

1937, instituindo, o Estado Novo, que se estendeu até 1945, os horizontes

que ela abriu para os Municípios não mais seriam esquecidos e

consolidariam a tendência de lhes ampliar o papel e garantir a autonomia,

tornando-a mais imune ao jogo político-eleitoral dos Estados e das

oligarquias regionais.

Em 1937, volta-se a um centralismo como nunca se viu na história

do Brasil. Assumindo caráter ditatorial, o governo do Estado Novo dissolve

as Câmaras Legislativas e os Estados passam a ser governados por

Interventores Federais, a quem cabia a escolha dos Prefeitos.

O período da República Populista contou com a presença de

nomeados municipalistas, como Aliomar Baleeiro, Otávio Mangabeira,

43

Nereu Ramos, Juracy Magalhães e Hermes Lima, entre outros, na

Constituinte de 1946, o Município ganhou raízes mais profundas no texto

legal. Podemos assim resumir a nova feição municipal em 1946:

é uma das três divisões político-administrativas do País, junto

com a União e os Estados;

seus Prefeitos e Vereadores serão eleitos pelo povo;

mantém, como privativos, cinco impostos;

podem cobrar taxas por serviços prestados e contribuições de

melhoria;

as intervenções municipais (extremamente livres, até então) só

podem ocorrer, agora, sob duas condições: atraso no pagamento de dívida

fundada ou de empréstimo garantido pelo Estado.

Não obstante suas novas prerrogativas, o Município sofre limitações,

como:

a restrição à eleição de Prefeitos (nas Capitais de Estado, com

exceções; nas estâncias hidrominerais, nos Municípios definidos por lei

federal como base ou porto militar de importância para a defesa nacional) -

que eram nomeados pelo Governador do Estado. Dezoito Municípios foram

considerados como de importância para a defesa externa (9 eram capitais

de Estado);

a nomeação, que retirava a plena autonomia do Município;

a não previsão de Câmaras de Vereadores nos Municípios de

Territórios;

a desigualdade de direitos entre os Municípios, em virtude das

restrições citadas.

44

Considerada uma das maiores obras políticas da Constituinte de 46, o

capítulo dos tributos partilhados, não obstante as polêmicas que causou,

envolvendo Municípios ricos, que não queriam ver suas cotas diminuídas,

acabou vitorioso, derrotando a idéia de uma distribuição proporcional à

contribuição de cada unidade da Federação.

Deste modo, na Carta de 1946, cada Município, exceto as capitais,

receberia 10% da arrecadação do Imposto de Renda (de competência

federal), o que propiciava uma redistribuição de receita, ou seja, favorecia

os Municípios mais pobres.

Estamos, pois, diante de um federalismo que, ao contrário do velho,

ampliava, consideravelmente, o campo e a intensidade das relações entre as

três esferas de governo.

No entanto, os velhos costumes começaram a voltar, no sentido de os

Estados ambicionarem as fontes de renda municipais, de que se podiam

servir, com maior ou menor desenvoltura. Para começar, somente Santa

Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo repassaram a seus municípios o

excesso da arrecadação dos impostos sobre as rendas municipais. Nenhum

outro o fez. Por seu lado, a União continuou a ser relapsa em pagar as cotas

do Imposto de Renda, sempre atrasadas e, não raro, dependendo de

influências políticas para serem liberadas. Conforme o IBAM, nem os

próprios municípios se esforçavam em utilizar todo o seu potencial na

arrecadação de tributos, o que beneficiaria a todos, especialmente os mais

ricos.

Com a falsa visão de que poderiam arrecadar mais recursos federais,

por conta das cotas do Imposto de Renda que a União restitui aos

municípios onde ele é arrecadado, de 1946 a 1964, brotaram municípios em

todos os Estados, em grandes proporções, evidenciando a falta de critério e,

como era de se esperar, o inverso dos benefícios esperados. Todos os

Estados o fizeram, mas há que se destacar o exemplo de São Paulo, Minas

45

Gerais, Bahia, Ceará e Paraná, em princípio. Rio de Janeiro, Espírito Santo

e Acre são mencionados como exceção (inicial) à febre da multiplicação. O

Estado do Amazonas, por exemplo, que tinha 44, em pouco tempo, passou

a ter 296 Municípios.

O País cresce, urbaniza-se, a população aumenta substancialmente,

exigem-se mais serviços públicos municipais, a sobrecarga é crescente

assim como crescente a falta de recursos, com a "pulverização" de unidades

municipais, sem a correspondente capacidade financeira, quer própria, quer

partilhada com a União e/ou Estados, que não tinham critérios e normas

para dividir as funções das três esferas administrativas.

Ainda sob a vigência da Constituição de 46, é de se registrar que

também o Supremo Tribunal Federal17

emitiu numerosíssimos acordos com

interpretação favorável aos Municípios, em questões de autonomia política,

administrativa e financeira, e isto porque os Estados ainda insistiam em

invadir a esfera municipal, autônoma, questionando matéria tributária, à ver

se tiravam do Município o tributo que era devido a este e não mais ao

Estado.

Não obstante a consolidada posição de importância que obtivera, o

município, a partir de 1964, não pôde gozar de seus direitos nem expandi-

los, desta vez por força da centralização federal, vista como caminho

necessário e indispensável para o desenvolvimento nacional.

Ficaram relegadas a segundo plano as conquistas duramente

alcançadas: posição político-administrativa reconhecida no cenário

nacional; apoio de forças do Congresso; simpatia do Supremo Tribunal

Federal, apoio do movimento municipalista (ABM – Associação Brasileira

de Municípios)18

, com figuras altamente representativas no cenário

nacional; amplo assessoramento do IBAM. Frustaram-se, assim, as

17

Conforme o IBAM o STF é o mais consistentemente municipalista dos Poderes da República. 18

A Associação Brasileira de Municípios (ABM) foi fundada em 1946 e desde então é uma das mais

atuantes instituições municipalistas do Brasil.

46

expectativas de um municipalismo com vida própria, como prometiam as

conquistas da Constituição de 1946.

O período autoritário implementou duas Constituições (1967-1969)

que mantiveram as conquistas municipais, que vinham da Carta de 1934:

unidade político-administrativa, juntamente com Estados e Municípios;

autonomia política, administrativa e financeira; inclusão da autonomia

municipal entre os princípios constitucionais da União e manutenção de

impostos partilhados.

A centralização de poderes na União, contudo, empalideceu tais

conquistas, atingindo, inclusive, os Estados. Regrediu-se ao sistema de

nomear Prefeitos para Capitais, estâncias hidrominerais e de Municípios

considerados de interesse da segurança nacional, incluindo-se os de

fronteira e outros, onde se instalavam indústrias críticas para a segurança,

para os "deuses da época". Deste modo, cerca de 180 Municípios perderam

prerrogativas, só restabelecidas pela Emenda Constitucional de junho de

1982. Neste período, impediu-se que 42% da população brasileira tivesse o

direito de escolher seus Prefeitos, por voto secreto e livre.

Com a Constituição de 1988 o município ganha o seu maior

papel de destaque. Nas Constituições anteriores, o município não era

expressamente mencionado como parte integrante da Federação, embora

fosse ponto pacífico, visto que a Federação brasileira compreendia,

também, os municípios.

Em tese, a autonomia do município significa que o Governo

Municipal não está subordinado a qualquer autoridade estadual ou federal

no desempenho de suas atribuições exclusivas e que as leis municipais,

sobre qualquer assunto de competência expressa e exclusiva do Município,

prevalecem sobre a estadual e a federal, inclusive sobre a Constituição

47

Estadual em caso de conflito, como tem sido da tradição brasileira, salvo

alguns curtos-circuitos institucionais ao longo da história.

Estão expostas nas tabelas (Tabelas 3, 4 e 5) a seguir, as

distribuições de encargos, estrutura tributária e a lista de transferência de

recursos estabelecida a partir da Constituição de 1988 entre os entes da

federação.

A nova constituição foi arrojada em estabelecer as responsabilidades

aos entes da federação e transferiu grande parte dos encargos sociais

(saúde, educação, assistência social, etc) para os municípios. Estes

passaram a ser os novos protagonistas do sistema de proteção social.

Todavia, a maioria dos municípios brasileiros não possuem autonomia de

gestão, ou seja, não possuem capacidade de governo devido,

principalmente, a baixa arrecadação. Isso tudo compromete o combate as

disparidades sócio-econômicas regionais e impedem que tenhamos maior

equilíbrio interno.

48

TABELA 3 - Distribuição atual dos encargos por esfera de governo

NÍVEL DE GOVERNO CATEGORIA E GASTO

FEDERAL - Defesa

- Relações Exteriores

- Comércio Internacional

- Emissão e controle da moeda e do

sistema bancário

- Uso de recursos hídricos

- Rodovias Federais

- Planejamento regional e dos

recursos naturais

- Correios e telegrafia

- Polícia federal (e em áreas de

fronteira);

- Regulamentação da banca, moeda,

relações trabalhistas, transporte

interestadual, desenvolvimento

urbano, minas e energia, seguro

desemprego, educação, imigração,

direitos civis e dos índios;

- Seguridade social

- Sistema estatístico nacional (IBGE)

FEDERAL E ESTADUAL (funções

concorrentes)

- Saúde

- Educação (superior, fundamental,

médio e profissionalizante);

- Cultura;

- Proteção dos Recursos Naturais e

do meio ambiente;

- Agricultura;

- Abastecimento;

- Habitação;

- Saneamento básico;

- Assistência Social;

- Polícia;

- Energia Hidroelétrica

MUNICIPAL - Transporte público urbano;

- Ensino pré-escolar e fundamental;

- Saúde preventiva;

- Uso do solo urbano;

- Conservação do patrimônio

histórico e cultural

Fonte: Fundap, 1995

49

TABELA 4 - Estrutura Tributária

Impostos Competências

Comércio Exterior

Imp. Importação

Imp. Exportação

União

União

Patrimônio e Renda

Imp. s/ propr. Territorial rural – ITR

Imp. s/ transmissão de bens imóveis – ITBI

- “Causa mortis” e doações

- intervivos

Imp. s/ renda e proventos – IR

- Adicional do IR

Imp, s/ propriedade territ. Urbana – IPTU

Imp. s/ grandes fortunas –IGF

Imp. s/ propriedade de veículos aut. IPVA

União

Estados

Municípios

União

Estados

Municípios

União

Estados

Produção e circulação de bens

- Imp. s/ produtos industrializados –

IPI

- Imp. s/ circ. de merc. e serv de

comunic. e transp. – ICMS

- Imp. s/ operações financeiras – IOF

- Imp. s/ serviços de qq natureza -

ISS

- Imp. s/ venda a varejo de

combustíveis - ISVVC

União

Estados

União

Municípios

Municípios

Fonte: Fundap, 1995.

50

TABELA 5 - Lista de Transferências

1- Da união para os Estados e DF

1. 21,5% da arrecadação somada do IR e do IPI para o fundo de

participação dos Estados (FPE).

2. 10% da arrecadação do IPI para o Fundo de Ressarcimento dos

Estados Exportadores (FPEX)

3. 66,66% da contribuição do Salário-Educacão

4. 30% do IOF-Ouro

5. 100% do Imp. de Renda Retido na Fonte (IRRF) pelo tesouro local

6. 20% dos tributos que sejam criados pela União.

2 – Da união para os municípios

1. 22,5% da arrecadação somada do IR e IPI para o Fundo de Participação

dos Municípios

2. 50% da arrecadação do ITR

3. 100% do Imposto de Renda Retido na Fonte ( IRRF) pelo tesouro local

4. 70% do IOF-Ouro

3 – Dos Estados para os municípios

1. 25% dos recursos FPEX recebidos pelos estados da União (equivalentes a

2,5% do IPI)

2. 25% da arrecadação do ICMS.

3. 50% do IPVA

4 – Outras receitas compartilhadas

1. Composição financeira pela extração de minerais; o produto da

arrecadação deve ser distribuído: 23% a estados e DF; 65% a municípios;

e 12% a Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.

2. Compensação financeira pela exploração de recursos hídricos; o produto

da arrecadação deve ser distribuído: 45% aos estados e DF; 45% aos

municípios; 8% ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica –

DNAEE; 2% à Secretaria da Ciência e Tecnologia.

3. Compensação financeira pela exportação de petróleo, xisto, betuminoso e

gás natural; o produto da arrecadação deve ser distribuído: 70% aos

estados produtores, 20% aos municípios produtores, 10% aos municípios

com instalações de desembarque.

Fonte: Fundap, 1995.

O município a partir de 1988 recebeu uma importância antes nunca

vivenciada. O poder político no Brasil se descentralizou. As unidades

subnacionais passaram a ter maior autonomia. Nesse processo ocorre o

processo de fragmentação municipal. Criaram-se centenas de novos

51

municípios. Teoricamente, novas unidades autônomas e independentes

passaram a atuar sobre o território nacional.

O município que, conforme Almeida & Carneiro (2001) foi

considerado o território onde se frustravam ou se pervertiam os projetos

democráticos, passou a ser o locus essencial da democratização. Esse

movimento foi vitorioso graças ao fortalecimento do municipalismo,

especificamente da Associação Brasileira de Municípios que, conforme os

autores, parece ter influenciado na Assembléia Nacional Constituinte.

O capítulo a seguir procurou explanar sobre o processo de

descentralização que ocorreu no Brasil a partir da década de 1980 em que a

criação de municípios esteve intimamente ligada. Além disso, procuramos

mostrar as explicações normativas e causais do processo da “explosão

municipal”.

52

CAPÍTULO II - A DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E A

CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS

I. A onda descentralizadora das décadas de 1980/1990

Conforme Afonso (1996), no Brasil, a descentralização veio com a

redemocratização, em meio ao aprofundamento da crise econômica. O fato

decisivo, e que torna singular a experiência brasileira, é que a

redemocratização ocorreu primeiro nos governos subnacionais, com a

eleição para governador e prefeitos no início dos anos 80, e somente em

1988 chegou ao núcleo central do Estado, com a Assembléia Nacional

Constituinte e, em 1989, com a eleição direta para presidente da República.

Dessa forma, ocorreu uma identificação entre a luta contra o

autoritarismo e a luta pela descentralização. A descentralização,

principalmente, das políticas públicas tem configurado um novo arranjo na

Federação Brasileira (Arretche, 1998).

Todavia, argumenta-se que a União ficou sem defensores durante a

elaboração da Constituição de 1988 devido ao fortalecimento dos

governadores estaduais (Abrucio, 1998) e a descentralização processou-se

de forma descoordenada, sem um projeto articulador.

Em suma, no Brasil, a descentralização não foi comandada pelo

governo federal, ao contrário, esse se opôs a ela o quanto pôde. Dessa

forma, não existiu um plano nacional para a descentralização e, mais do

que isso, o processo encontra-se inconcluso e eivado de conflitos.

(Afonso,1996)

O atual debate acerca do papel desempenhado pelos estados e

municípios após a Constituição de 1988 suscita três ordens de questões

53

referentes à relação da descentralização com a democracia, o

desenvolvimento, a eficiência e a equidade.

No que se refere à relação entre a descentralização e a democracia,

encontram-se dois pólos de opiniões: para alguns, a descentralização seria

um mecanismo de redistribuição do poder político que permeabilizaria o

Estado às pressões e à participação dos setores populares; para outros,

entretanto, a descentralização representaria uma estratégia de deslocamento

da alternativa popular para o plano local.

Quanto a relação entre a descentralização e desenvolvimento, a

polarização de posições é análoga. Para alguns, a descentralização seria o

instrumento por excelência para se alcançar o desenvolvimento em favor

das maiorias sociais, mediante a redistribuição espacial de recursos; para

outros, entretanto, a descentralização representaria o abandono de qualquer

pretensão de equilibrar o desenvolvimento entre regiões e no interior delas.

A descentralização seria, sob este ponto de vista, um dos eixos de uma

estratégia neoliberal de assignação de recursos, contrária, portanto, às

políticas redistributivas.

Para Melo (1996), passado mais de uma década de experiências

descentralizantes, esse processo passa a ser visto com mais cautela. Isso

está mudando em virtude da visibilidade que vem ganhando alguns “efeitos

perversos” a partir dos processos de descentralização. Hoje, a agenda

pública não é mais consensual sobre os efeitos da descentralização, oposto

ao que ocorria na Nova República. Além de tudo, o Governo Central,

transferiu as responsabilidades e o custo político da descentralização para

estados e municípios.

Para Arretche (1996), a eficiência da descentralização em relação a

ampliação da democracia e combate ao clientelismo, nos moldes em que

foi realizado no Brasil é contestável. Pois, para a autora, o caráter

democrático do processo decisório depende menos do âmbito no qual se

54

tomam decisões e mais da natureza das instituições delas encarregadas. Em

relação a redução do clientelismo supõe a construção de instituições que

garantam a capacidade de enforcement do governo e a capacidade de

controle dos cidadãos sobre as ações deste último.

A responsabilidade sobre a descentralização aos Estados refletiu

principalmente na elaboração das Constituições Estaduais. O marco desse

processo foi a capacidade e responsabilidade dos Estados legislarem sobre

a criação de novos municípios. Isso fez com que passássemos por um

processo de descentralização política. A legislação federal deixou de

intervir em determinados assuntos e interesses estaduais, possibilitando

maior autonomia e descentralização do poder de decisão sobre o território

nacional.

Os estudos sobre descentralização em sua maioria procuraram

compreender o novo arranjo das políticas públicas, dos efeitos perversos,

dos avanços em relação a democratização através da participação popular

dentro de nossa federação.

Compreendermos que esse processo de descentralização é um

pressuposto para que possamos compreender o atual estágio da

descentralização no país. Alguns autores afirmam que estamos partindo

para um processo de recentralização, pois, o ideal de descentralização

realizado no país foi descoordenado e danoso para o equilíbrio fiscal. A

criação de municípios e, notadamente, os pequenos, fazem parte desse

processo.

Para nós compreendermos como e por que foram criados novos

municípios representa parte da tentativa de compreensão dos limites,

equívocos, sucessos e fragilidades da descentralização no Brasil que foi por

muito tempo sinônimo de desenvolvimento e democracia.

55

II – A criação de municípios

Para alguns autores (Afonso, Melo, Rezende, 1996) um dos reflexos

da “descentralização descoordenada” foi a proliferação de pequenos

municípios pelo país que ampliou o desequilíbrio no plano fiscal e

tributário.

Concordamos com Shikida (1999), quando ele diz que a

emancipação de municípios em si, não possui qualquer aspecto positivo ou

negativo, a não ser que se discuta no contexto da forma de federalismo

existente no país. O fato, porém é que criar municípios pequenos e pobres

tem causado uma série de desequilíbrios fiscais.

Conforme Melo (1996), existem os efeitos perversos que se

expressam de várias formas. Em primeiro lugar pela proliferação de

municípios, pois a nova Constituição brasileira transferiu a

responsabilidade legal pela definição dos critérios de criação de novos

municípios - que até era prerrogativa federal – para o âmbito estadual.

Em seu artigo 18, inciso 4.º, a Constituição estabelece que as regras

para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios

serão objeto de lei estadual, e dependerão de consulta, mediante plebiscito,

às populações diretamente interessadas. Isso explica porque os estados

puderam variar no processo de criação de municípios, mas ainda não é

explicado como eles variam.

De fato, a heterogeneidade intra-regional, a globalização das

economias, a privatização, a desregulamentação dos mercados e a

descentralização extremada tendem, através de seus impactos muito

diferenciados sobre as regiões, a ampliar as forças fragmentadoras e

centrífugas no espaço nacional.

Afonso (1996:6) de forma genérica explica que o estímulo à

emancipação decorre:

56

- da possibilidade, facultada pela constituição de 1988, das

novas unidades federativas passarem a dispor dos recursos

dos fundos de participação(FPEM), repartindo-os com o

Estado ou município dos quais se separam;

- da opção pela solução fragmentadora e isolacionista. Ante a

dificuldade de enfrentar os problemas sociais colocados pela

prolongada crise econômica, marcada por uma inflação

renitente, pela crise financeira do Estado e pelas

transformações estruturais em curso, algumas localidades

mais ricas optam por seccionar-se para, com isto equacionar

seus problemas sem o fardo da complexidade da Nação ou

mesmo da região. A generalização de políticas de segregação

ativa, proibindo ou dificultando o acesso de imigrantes

pobres, ou sem as qualificações estipuladas, constitui uma

manifestação preocupante que aponta na mesma direção;

- da tentativa de alguns setores de ampliarem o seu espaço de

controle político eleitoral, através do redesenho das unidades

federativas e da conseqüente criação de novas máquinas

político-administrativas.”

Para nós, a explicação exposta sobre a criação de municípios no

Brasil é pertinente no que diz respeito ao primeiro e terceiro itens. O

primeiro diz respeito a garantia constitucional de maiores repasses para as

unidades subnacionais; o terceiro item afirma que os interesses de alguns

grupos de se fortalecerem politicamente através da aquisição de novas

unidades político-administrativas. Para esses estudiosos a proliferação de

municípios com estas características vem dificultando a divisão adequada

de competências, bem como a coordenação federativa.

Conforme Tomio (2000:9): “cerca de 74% dos municípios criados -

e instalados nas últimas duas décadas – têm menos de 10.000 habitantes.

57

Na região Sul, estes são mais de 90% do total. A emancipação municipal

recente é fundamentalmente, uma questão que envolve os micros e

pequenos municípios do interior.”

A Tabela 6 - mostra a predominância da criação de pequenos

municípios em todas as regiões do país. Pequenos municípios são aqueles

com menos de 20.000 habitantes, mas os que mais se destacaram em

emancipações foram aqueles cuja população atinge até 5.000 habitantes.

Tabela 6 - BRASIL E REGIÕES

Número de Municípios Instalados após 1984, por classes de tamanho da

população, 1997

Grupo de Municípios

(População)

Nordeste Norte Centro-Oeste Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 146 97 80 295 118 736

5.000 a 10.000 hab. 108 48 30 88 85 359

10.000 a 20.000 hab. 125 42 19 19 29 234

20.000 a 50.000 hab. 20 17 6 6 14 59

50.000 a 100.000 hab. 2 3 3 3 2 11

100.000 a 500.000 hab. 1 * * * 3 4

Total 402 207 138 405 251 1.403

Fonte: IBGE, 1997.

Os pequenos municípios são aqueles que possuem a menor

capacidade de arrecadação no Brasil. (Vide Tabela 7) Os municípios com

menos de 5.000 habitantes arrecadam na média nacional 8,9% de sua

receita total. Aqueles municípios até 10.000 habitantes arrecadam 10,1%.

Porém, é importante ressaltar que os municípios no Brasil em todos os

tamanhos possuem uma baixa capacidade de arrecadação. Somente aqueles

que possuem mais de 50.000 habitantes conseguem uma receita própria

acima de 20% de sua receita total.

58

Tabela 7 - BRASIL E REGIÕES

Receita Corrente Própria dos Municípios como porcentagem da sua Receita

Corrente Total, por Grupos de Municípios, 1996 (Em porcentagem)

Grupo de Municípios

(População)

Nordeste Norte Centro-Oeste Sul Sudeste Brasil

Até 5.000 hab. 2,9 4,4 7,5 9,9 10,1 8,9

5.000 a 10.000 hab. 4,0 3,4 7,8 12,9 12,6 10.1

10.000 a 20.000 hab. 4,0 4,2 9,7 16,3 17,7 12,3

20.000 a 50.000 hab. 5,8 9,1 15,4 23,1 23,0 17,5

50.000 a 100.000 hab. 10,6 15,0 19,4 27,1 30,8 25,3

100.000 a 500.000 hab. 21,3 18,8 25,0 37,7 36,3 34,2

500.000 a 1.000.000 hab. 28,1 * 47,7 * 41,4 38,1

Mais de 1.000.000 de hab. 43,6 32,3 43,4 52,5 60,2 55,9

Total 17,9 20,3 20,9 29,2 41,0 35,3

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional - STN e IBGE - Contagem da

População 1996.

Para Melo (1996), a multiplicação dos municípios no país deve

merecer reflexão sistemática por duas ordens de consideração: pelo

impacto fiscal causado pela multiplicação de estruturas administrativas e

instâncias político-institucionais (secretarias municipais, câmaras de

vereadores, etc.) no âmbito local sem a contrapartida de geração de

riquezas; e pela existência de um número extremamente elevado de

unidades subnacionais supostamente potencializaria as dificuldades de

coordenação federativa no país. Todavia, o autor afirma que o país possui

um número ainda reduzido de municípios per capita e de representantes no

legislativo local. Para este autor a crítica ao processo de criação de

municípios, tem algum fundamento no caso de emancipações de alguns

tipos de distritos: os muitos pobres e os de dimensão muito reduzida.”

A criação de municípios cresceu no momento de fortalecimento dos

governadores de Estado no cenário político brasileiro. Abrucio (1998)

chamou os governadores de “Barões da Federação” devido aos seus

poderes desempenhados, sobretudo, no período de redemocratização e pós-

59

Constituição de 1988. Os governadores constituíram-se como os atores

políticos mais fortes dentro da federação. A União e os municípios ficaram

a mercê de seus interesses. Surge aí o fenômeno chamado por Abrúcio de

ultrapresidencialismo estadual.

“Se o federalismo estadualista explica em grande medida o poderio

dos governadores no plano nacional, no âmbito interno dos estados a força

dos Executivos Estaduais resultou da formação de um sistema

ultrapresidencialista. A dinâmica ultrapresidencialista estadual tornava os

governadores fortíssimos perante a classe política local que normalmente

aderia e apoiava a classe política local, que normalmente aderia e apoiava

o governo estadual. Além disso, o ultrapresidencialismo garantia boa

margem de manobra para que as governadorias controlassem as bases

políticas dos lideres locais.” (Abrucio, 1998: 23-4)

Os estados no Brasil sempre tiveram considerável poder político,

embora nem sempre correspondente em recursos financeiros. Com a

democratização não foi mais possível represar o poder dos governadores,

principalmente dos que governam os estados economicamente mais fortes.

“Além do mais, a influência dos governadores sobre as bancadas dos seus

estados no Congresso Nacional pode, na maioria das vezes, ser maior do

que a dos partidos políticos aos quais eles pertencem”. (Souza, 1998:580).

Durante a década de oitenta e no início da década de noventa não foi

reconstruído o pacto de dominação no plano nacional, sendo a política feita

por intermédio de táticas defensivas e de jogos de competição não

cooperativa. Num cenário como este novamente a lógica regional de

atuação foi favorecida. (Abrucio:1998). Federalismo estadualista, no qual

os estados se fortaleceram sem, no entanto estabelecerem coalizões

hegemônicas de poder no plano nacional para reconstruir o Estado e o

sistema político.

60

Uma maneira para explicar a criação de municípios seria a

observação da história dos regimes políticos no Brasil, pois nos períodos

democráticos foram criados municípios e nos autoritários o processo foi

restrito. Para Tomio (2000), esses dados poderiam nos levar a fazer uma

associação direta entre regime político e criação de municípios. Ou seja,

períodos democráticos, como a República Populista (1945-64), a nova

República (anos 80) e o período atual, seriam caracterizados por uma

imensa descentralização política, institucional e fiscal que favoreciam a

maior intensidade de emancipações municipais. Já os períodos ditatoriais

como o Estado Novo (1930-45) e o Regime Militar (1964-85), devido as

suas características centralizadoras, inibiram a criação de um grande

número de municípios.

Tomio (2000) argumenta que este tipo de explicação é muito

genérica e limitada apesar de historicamente correta. Para o autor essa

explicação não apresenta os mecanismos políticos e institucionais

específicos que agiriam em cada regime político para a ocorrência histórica

das ondas ou surtos emancipacionistas. A criação de municípios no Brasil

foi diferente em estados e regiões, alterando o ritmo do processo. A

correlação política entre regime político e emancipações apresenta um

sentido fatalista – isto é, a manutenção das regras democráticas implicaria

numa contínua fragmentação das unidades locais - e é incapaz de explicar

a diversidade no ritmo emancipacionista entre os estados brasileiros.

Para Gomes e Mac Dowell (1997), se descentralizar implica criar

mais e mais municípios, e se a maior parte dos novos municípios produz

mais custos que benefícios para o federalismo fiscal, bem pode ocorrer que

a descentralização, em seu conjunto, traga mais prejuízos do que lucros. Os

autores procuraram mostrar que a maioria dos pequenos municípios criados

61

não possuem viabilidade fiscal. Para os autores o custo da existência

daquelas prefeituras são maiores do que seus eventuais benefícios.

Os autores acima têm três argumentos, de base fiscal contrários a

criação de novos municípios, principalmente dos pequenos: i) eles

aumentam os valores absolutos e relativo de transferência de receitas

tributárias originadas nos municípios grandes para os municípios pequenos,

com o provável efeito líquido de desestimular a atividade produtiva

realizada nos grandes municípios, sem estimulá-la nos pequenos;

ii)beneficiaram a pequena parte da população brasileira que vive nos

pequenos municípios (que necessariamente não são os mais pobres) ao

destinarem mais recursos para as respectivas prefeituras, e prejudicaram a

maior parte da mesma população, que habita os outros municípios, cujos

recursos se tornaram mais escassos; iii) aumentaram os recursos utilizados

no pagamento de despesas com o Legislativo, ao mesmo tempo em que

reduziram, em termos relativos, o montante de recursos que o setor público

(União, Estados e Municípios) tinham disponíveis para aplicar em

programas sociais e em investimento.

Para um defensor das emancipações, Bremaeker (1991), as

emancipações municipais responderiam a uma lógica extremamente

racional. A criação de municípios seria uma espécie de resposta funcional a

evolução política social e demográfica, que reequilibraria as relações de

poder local pela fragmentação de municípios muito extensos ou pela

emancipação, das comunidades que tivessem adquirido uma maioridade

política, social e econômica.

Nas argumentações contrárias e favoráveis a emancipação

percebemos que existem disparidades nos argumentos desses grupos. Os

estudiosos contrários ao processo de criação de municípios possuem um

62

estudo muito aprofundado e dados confiáveis mostrando que o processo é

inviável. Já aqueles que são favoráveis apresentam um argumento

“ingênuo” e frágil para justificar as emancipações. Aqueles que defendem a

criação de municípios apresentam apenas ideais positivos da

descentralização como a maior possibilidade de desenvolvimento local,

maior participação popular, distribuição de recursos. Acreditamos que falta

quantificar melhor as informações e mostrar as experiências bem sucedidas

dos pequenos municípios criados como, por exemplo, aqueles da região do

município de Feliz no estado do Rio Grande do Sul onde os distritos

emancipados vem desempenhando um ótimo resultado no ponto de vista

econômico, político e social.19

A legislação complementar estadual, editada após 1988, diversificou

as exigências à criação de municípios. (Ver Tabela 9) Alguns estados

criaram critérios “excêntricos”, mas é possível identificar cinco tipos

principais de limites às emancipações: 1) a população ou o eleitorado

mínimo exigido, 2) o tempo de existência dos distritos emancipados, 3) o

percentual de receita fiscal do distrito em relação à arrecadação estadual,

4) a distância da sede do município de origem, 5) a quantidade de

edificações urbanas.

Dos 26 estados que compõem a nossa federação, apenas dois criaram

restrições a criação de novas unidades municipais. Em 1997, o Estado do

Espírito Santo estabeleceu a proibição da divisão de municípios com duas

emancipações nos últimos 50 anos. Pernambuco, em 1997 estabeleceu que

a criação de novos municípios seriam proibidas de 1996 a 1999. Todavia,

essas proibições se tornaram inócuas, pois, as Constituições Estaduais são

subordinadas a Constituição Federal que já havia estabelecido critérios

rigorosos sobre o assunto pela emenda Constitucional de n.º 15.

19

Ver Klering, Luis Roque. Experiências recentes em municípios brasileiros: os novos municípios e as

63

Os demais 24 estados brasileiros, não criaram restrições a

emancipação de novos municípios e aguardam a Lei Complementar Federal

para que possam novamente regulamentar o processo.

A legislação do Estado de São Paulo foi uma das mais permissivas a

criação de novos municípios, porém em porcentagem São Paulo ficou

abaixo da média nacional em emancipações. Este é um dos desafios que

nos propomos explicar no próximo capítulo.

conquistas da autonomia. Ed. da UFRS, 1998;

64

TABELA 8 - Exigências à Emancipação de Municípios

UF N.º Lei

Complementar

População/

Eleitorado(*)

Antigüidade

Do Distrito

Receita/

UF

Distância da

Origem

Edificações

Urbanas

Uniã

o LC 01/67 10.000(**) 5/1.000 200

RS 9070-9089/90 1.800 150

SC 01/89 5.000 5 anos 1/1.000 150

29-33/90, 34/91 1.528 5 anos 150

37-42/91,135/95 5.000 5 anos 5 Km 200

PR 56/91 5.000 100

SP 651/90 1.000 2 anos 3 Km

RJ 59-61/90 6.393 5/1.000 400

MG 19/91 3.000 1,5 (menor) 1,3 Km 400

24/92 2.000 1,5 (menor) 400

37-39/95 2.000 400

ES 13/91 8.600 2,5/1.000 200

87/96, 100/97 Proibida a divisão de municípios com duas emancipações nos últimos 50 anos

AL 01/90 7.000 3/1.000 200

06/91 7.000 2/1.000

11/92 5.500 1/1.000

PB 01/90 2.000 120

24/96 5.000 300

PE 01/90 10.000 300

14/96 10.000 5 Km 600

15/96 Proibida emancipações até 1999

MA 10/91, 15/92 Desconhecida as exigências legais

17/93 1.000 200

CE 11659/89 5.000 150

01/91 10.213 5 anos 10/1.000 400

SE 01/90 6.000 3/1.000 300

PI 06/91 4.000 100

BA 01/89 12.541 200

02/90 8.000

RN 102/92 2.558

TO 01/89 2.000 3/1.000 50

05-06/92 1.200 0,003 % 50

09/95 3.000 0,005 % 5 Km

PA 01/90 5.000 200

27/95 10.000

RR 02/92 2.471 100

RO 31/89 6.155 150

AM 07/91 965

AC 23/89 2.088 5/1.000 5 Km 120

35/91 1.500 2/1.000 50

AP 01/92 948

GO 02/90 3.000 1/1.000 200

04/90 2.000 0,66/1.000 6 Km 133

MS 58/91 9.635 5/1.000 10 Km 200

62/91 5.781 3/1.000

MT 01/90,08-09/91 3.040 200

23/92 4.000 200

FONTE: Legislação Complementar Federal e Estadual, IBGE (Contagem 96, Censo 91). (*) Só quatro estados utilizam o eleitorado como principal critério à emancipação (RS, SP, MG e

MA). (**) Menos para os estados com menos de 2 milhões de hab., quando prevalecia 0,5% da

população. Segundo os dados do “Censo de 1991”, a população municipal mínima para essas

UF seria: AC (2.088 hab.), AP (1.446 hab.), MS (8.901 hab.), RO (5.663 hab.), RR (1.087 hab.), SE

(7.459 hab.) e TO (4.599 hab.). Tomio (2000)

65

As emancipações foram restringidas em 1996, porém, isso não quer

dizer que o processo se extinguiu, pois somente no ano de 2000 o Estado

do Rio Grande do Sul criou mais 30 novos municípios20

.

Segundo Abrucio (1998), a multiplicação de municípios seria o

produto de dois fatores: um genérico, a existência de um “modelo

hosbbesiano e predatório” na federação brasileira, o que estimularia as

emancipações municipais enquanto uma competição não cooperativa pelos

recursos fiscais; e outro específico, onde alguns governadores atuariam

favoravelmente pela criação de municípios para ampliar seu poder e

controle – “ultrapresidencial” sobre as bases políticas locais.

As explicações sobre a explosão municipal ficaram atreladas as

explicações genéricas: ou atribuem o fenômeno a um modelo hobbesiano

de nossa federação (todos contra todos, para retirar maior quantidades de

recursos da União), ou ao arranjo institucional de cada estado através de

sua Constituição, ou aos interesses dos governadores em ampliara seu

poder e controle sobre bases locais.

O fato é que ninguém explicitou os atores, mudanças legais,

interesses locais e estratégias políticas envolvidos em uma emancipação.

As explicações tiveram avanços na explicação sobre a dinâmica da variação

interestadual por meio do trabalho de Tomio (2000).

O capítulo a seguir procurará mostrar como foi o processo de

criação de municípios no Estado de São Paulo por meio do caso da

emancipação de Itaoca.

20

Dados obtidos através dos portais: www.municipionline.com.br e www.estadao.com.br. O Estado do

Rio Grande do sul criou 253 novos municípios nos últimos 13 anos, maior índice entre os Estados nesse

período. Em 1987 o estado possuía 244 municípios, em 2000 esse número saltou para 497, ganhando mais

cidades do que em toda a sua história.

66

CAPÍTULO III – CRIAÇÃO DE PEQUENOS MUNICÍPIOS: O

CASO DE ITAOCA-SP

I – A criação de municípios no Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo possui uma área de 248.600 km² e uma

população de aproximadamente 37 milhões de habitantes, o que o torna o

mais populoso do país. Mais da metade de sua população encontra-se na

região metropolitana da capital. Do ponto de vista político, São Paulo teve

grande influência nos idos da Primeira República e hoje o estado se destaca

no cenário nacional, sobretudo, pelo seu potencial econômico.21

É em São

Paulo que se concentram cerca de 48% do total do PIB brasileiro. O estado

está organizado em 17 regiões: algumas são metropolitanas e a maior parte

administrativa22

, no qual estão inseridos os seus municípios.

Dentro de São Paulo nasceu uma das mais antigas instituições

políticas do Brasil, o município. Desde a colônia (Fundação de São Vicente

em 1532) essa instituição existe no Brasil e vem se fortalecendo. São Paulo

possui hoje 645 municípios23

, ficando atrás apenas do estado de Minas

Gerais que possui um total de 853 municípios. O aumento da malha

municipal em São Paulo passou a ocorrer com maior intensidade na

Terceira República24

(1945-1964) e na Quinta República (inaugurada em

1985) em que a Constituição de 1988 consagrou o arranjo político

democrático contemporâneo.

21

Dados obtidos no IBGE: www.ibge.gov.br 22

São as 17 regiões metropolitanas e administrativas de São Paulo: RM –São Paulo, RM – Baixada

Santista, RM-Campinas, Registro, São José dos Campos, Sorocaba, Campinas, Ribeirão Preto, Bauru,

São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente, Marília, Central (Araraquara e São Carlos),

Barretos e Franca. Fonte: IGC (Instituto Geográfico e Cartográfico), 2001; 23

Dados obtidos na Fundação SEADE: www.seade.gov.br 24

As terminologias Terceira República, Quinta República foram inspiradas da obra de Rogério Schimitt

Partidos Políticos no Brasil, JZE, 2000.

67

De 1965 a 1990, só um município foi criado no Estado de São

Paulo.25

Em contraposição a essa inércia ou apatia (ou obstrução)

emancipacionista de quase três décadas, no período de 1990 a 1995, 73

novos municípios paulistas foram criados.

A criação de municípios fez parte da história da organização

territorial e política do Estado de São Paulo. (vide a Tabela 9) Numa

quantificação cronológica dos últimos 50 anos, de 1945 a 1995, o quadro

que se tem em relação ao número de municípios paulistas é o que pode ser

observado a seguir: (Tabela 10)

TABELA 9 : Criação de municípios em São Paulo 1532/1996

Períodos Municípios Criados Total no Estado

1532/1821 Colônia e

Reino Unido

33 33

1832/1889 – Regencial

e II Reinado

90 123

1890/1937 – Governo

Republicano

139 262

1938/1981 – Governo

Provisório e

Republicano

310 572

1988/1996 – Governo

Republicano

73 645

Fonte: Araújo (1988:32)

25

Entre 1965 e 1990 foi criado no Estado de São Paulo – Vargem Grande Paulista, em 1981,

desmembrado do de Cotia, ocorrendo a instalação em 1983. Nesse período dois municípios voltaram a ser

distritos – Vargem e Brás-Cubas em 1970 por serem considerados inviáveis. O primeiro pertencia a

Bragança Paulista e o segundo o de Mogi das Cruzes.

68

TABELA 10: Número de Municípios Paulistas – 1945-1995

Ano Quantidade de Municípios

1945 305 municípios

1949 369 municípios

1954 435 municípios

1959 505 municípios

1964 573 municípios

1970 571 municípios

1982 572 municípios

1990 582 municípios

1992 625 municípios

1994 636 municípios

1995 645 municípios

Fonte: Mota Júnior (2001)

De 1945 a 1964, são mais 268 novos municípios, dividindo o

território paulista. De 1990 a 1995, criaram-se mais 73 novos governos

locais. Percebe-se que, a priori, os períodos democráticos influenciaram a

criação de novos governos locais. Todavia, não podemos simplesmente

associar os períodos de abertura ou exceção como maneira de explicar as

emancipações, pois esta resultaria em uma explicação fatalista.

No Estado de São Paulo, o processo de regulamentação da criação de

municípios foi aprovado por meio da Lei de N.º 651/90, de autoria do

deputado estadual Edinho Araújo (PMDB), em 31 de julho de 1990 pelo

então governador do Estado, Orestes Quércia (PMDB)26

.

Esta lei impulsionou a criação de novos municípios no Estado, que

hoje conta com 645 prefeituras.27

A criação de municípios em São Paulo a partir de 1990 teve uma

dinâmica interna muito parecida com a dinâmica nacional, porque não pode

ser relacionada com os indicadores sócio-econômicos de suas regiões tais

26

Célia Melhem,1996 in Política de Botinas Amarelas, traça o perfil da política adotada pela ascensão do

“quercismo”, do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia (1988-1991) que teve como uma das

principais características de sua política o municipalismo. “A força que vem do interior”. 27

Dados obtidos no portal: www.municipionline.com.br

69

como PIB, IDH e outros. No Estado foram criados municípios nas suas 14

distintas regiões administrativas, desde as mais ricas e de maior

urbanização, como as regiões de Araraquara, Ribeirão Preto, RMC (Região

Metropolitana de Campinas), RMSP (Região Metropolitana de São Paulo):

Guatapará, Gavião Peixoto, Motuca, Hortolândia e outros; e até nas regiões

mais pobres e com menor densidade demográfica, como a de Sorocaba e

Registro: Cajati, Ilha Comprida, Barra do Chapéu, Itapirapuã Paulista,

Itaoca e outros.

Todavia, em relação a população dos novos 73 novos municípios

criados no Estado de São Paulo temos o seguinte quadro:

TABELA 11 - Classes de Municípios criados entre 1990/1994 por

população

Classes de População Quantidade de Municípios

Até de 2.000 habitantes 14

De 2.000 a 4.000 habitantes 28

De 4.001 a 6.000 habitantes 7

De 6001 a 8.000 habitantes 6

De 8001 a 10.000 habitantes 3

Acima de 10.000 habitantes 6

Fonte: Callegari (1994) e Mota Júnior (2001)

A criação de municípios em São Paulo a partir de 1990 caracteriza-se

pela emancipação de pequenos distritos, ou seja, mais de 90% dos

municípios criados possuem menos de 10.000 habitantes. O Estado de São

Paulo acabou criando mais pequenos municípios que o padrão nacional no

qual os municípios com esse perfil populacional representaram 57% do

total das emancipações. A grande maioria desses municípios, criados em

São Paulo não possui base de arrecadação. No caso de Itaoca, esse

70

município arrecadava apenas 5,48% do total de sua receita. Diante deste

panorama surge uma importante indagação: Como e por que esses

municípios foram criados?

Talvez, uma das formas de compreendermos a criação desses novos

municípios pequenos e pobres possa ser explicada pela via dos interesses

políticos-partidários. Célia Melhem (1998), procurou desvendar a

configuração da gestão quercista e da trajetória do PMDB enquanto

governo no contexto paulista. A autora identificou no governo Quércia a

prática de fortalecer e priorizar as demandas do interior. As bases eleitorais

do PMDB em fins da década de 1990 e começo dessa se sustentavam nas

regiões interioranas e, principalmente, nos municípios médios e pequenos.

A partir disso, construímos uma das hipóteses para este trabalho. Os

projetos e as leis sobre as emancipações municipais ocorreram em um

período em que o governo do Estado de São Paulo tinha como ação política

o fortalecimento de suas bases eleitorais municipais no interior do Estado.

Nesse contexto está inserida a criação do município de Itaoca-SP, cuja

emancipação aconteceu em 1991, através do plebiscito ratificado pela

população, por meio de aprovação da Assembléia Legislativa e

promulgação da Lei Estadual de n.º 7664,de 30-12-1991 e pelo executivo

estadual. Por meio dos dados obtidos percebemos que a aprovação da Lei

Estadual de 1991 em que esteve inserida a emancipação do distrito de

Itaoca teve apoio suprapartidário, mas a maior parte do trabalho e

articulação à emancipação foi realizada pelo PMDB.

A Lei Complementar 651/90 foi promulgada no último ano da gestão

de Orestes Quércia (PMDB) como governador do Estado de São Paulo, no

dia 31 de julho de 1990. Esta lei foi o marco institucional que estabeleceu

as “regras do jogo” para a criação de municípios no Estado de São Paulo.

Conforme Edinho Araújo (1998), autor da Lei Complementar, todas a

lideranças partidárias com assento na Assembléia Legislativa: PMDB, PT,

71

PSDB, PFL... contribuíram para que esse projeto da lei complementar fosse

urgentemente votado em plenário. E, continua o ex-deputado, para que isso

ocorresse foi fundamental a mobilização popular que, liderada pela Frente

Distrital Paulista de Emancipação, conseguiu despertar o interesse e o

desempenho de todos os deputados em favor da causa.

A partir da Lei Complementar 651/90 foram criadas quatro leis

estaduais que criaram novos municípios no Estado de São Paulo. São Paulo

criou municípios no período de 1990 até 1995.

As exigências para emancipações municipais no Estado de São Paulo,

por meio da lei Complementar N.o 651 de 31 de julho de 1990, promulgada

por Orestes Quércia, estabelecia os seguintes critérios para criar novos

municípios:

“Capítulo I

Da criação

Artigo 1.º -A criação de município far-se-á por lei estadual, precedida

de consulta plebiscitária.

Parágrafo 1.º - O processo de criação de Município terá início

mediante representação assinada, no mínimo, por cem eleitores

domiciliados na área que se deseja emancipar, encaminhada a um

deputado estadual ou diretamente à mesa de Assembléia Legislativa.

Parágrafo 2.º - A criação de município e suas alterações territoriais só

poderão ser feitas anualmente.

Parágrafo 3.º - A consulta plebiscitária, realizada na área a ser

emancipada, só poderá ser considerada favorável se obtiver a maioria dos

votos válidos, tendo votado a maioria absoluta dos eleitores.

Parágrafo 4.º - A solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral para

proceder à realização do plebiscito será feita pelo presidente da

Assembléia, após sua aprovação pelo plenário da Assembléia Legislativa.

72

Artigo 2.º - Previamente ao plebiscito mencionado no artigo anterior,

são condições indispensáveis e cumulativas para a criação de município:

I – ser distrito há mais de (2) dois anos;

II – possuir em sua área territorial, no mínimo 1000 eleitores;

III – ter centro urbano constituído;

IV – apresentar solução de continuidade de três quilômetros, no

mínimo, entre o seu perímetro urbano, definido pelo componente órgão

técnico do Estado e Município de origem, excetuando-se os Distritos

integrantes de regiões metropolitanas ou aglomerados urbanos;

V – não interromper a continuidade territorial do município de origem,

bem como preservar a continuidade e a unidade histórico-cultural do

ambiente urbano, ouvido o competente órgão técnico do Estado.

Parágrafo 1.º - Não será permitida a criação de Município, desde que

esta medida importe, para o município ou Municípios de origem, na perda

das condições exigidas neste artigo.”

Com a Lei Estadual n.º 7.664, de 30-12-1991, promulgada pelo sucessor

de Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho, foi criado o município de

Itaoca. Nesse período foram criados 43 novos municípios em todo o estado

sendo a maioria composta por municípios com menos de 10.000 habitantes.

O processo emancipatório em São Paulo contou com um grande

militante. Estamos nos referindo a Edinho Araújo, atual prefeito de São

José do Rio Preto, interior de São Paulo, pelo PPS. Edinho foi deputado

estadual pelo PMDB de 1983- 1994 e deputado federal de 1994 a 1998.

Sua trajetória política é caracterizada pelo municipalismo e pela defesa da

criação de municípios. Em seu livro “O novo município novo” (1998), o

parlamentar descreve as suas peripécias políticas em defesa das

emancipações. O argumento dele é que a criação de municípios é uma das

73

melhores formas de promover o desenvolvimento do interior e atender os

anseios da população pelo poder público.

“... era natural que defendêssemos a criação de novos municípios,

por entender que a descentralização do poder é fator de desenvolvimento,

que aproxima o cidadão das decisões que lhe dizem respeito e propicia

uma administração mais transparente, eficaz e voltada aos interesses

locais”. (Araújo, 1998:43)

Edinho foi relator do Capítulo “Dos Municípios” da Constituição do

Estado de São Paulo no período entre 1988/89 em que foi defensor da

autonomia municipal e da criação de novos municípios. Na constituinte

paulista ele abraçou a causa emancipacionista. A partir daí o parlamentar

priorizou sua permanência como membro da Comissão de Assuntos

Municipais (CAM), para qual foi eleito em 2 biênios consecutivos (como

suplente em 1991/92 e efetivo em 1993/94, por ser esta o principal órgão

da Assembléia Legislativa responsável pela apreciação de todos os

processos relativos à alteração do quadro territorial do Estado, além das

demais questões de interesse municipal.

Além disso, o deputado foi presidente da Comissão de Constituição e

Justiça, nos mesmos biênios (1991/92 e 1993/94) em que, conforme o atual

prefeito, pode agilizar a apreciação dos projetos de lei referentes à matéria,

pois era naquele órgão técnico que se examinavam a constitucionalidade e

legalidade do projeto apresentado.

A partir da Lei Complementar 651/90 elaborada pelo deputado

Edinho Araújo (então, PMDB) foram promulgadas as seguintes Leis

estaduais e os respectivos municípios que deram ao Estado de São Paulo

uma nova dimensão político-territorial:

74

Tabela 12 - Lei Estadual n.º 6.645, de 09-01-1990

Município Novo Município de Origem Região Administrativa

Borebi Lençóis Paulista Bauru

Dirce Reis São Francisco São José do Rio Preto

Embaúba Cajobi Barretos

Espírito Santo Do

Turvo

Santa Cruz do Rio

Pardo

Marília

Euclides da Cunha

Paulista

Teodoro Sampaio Presidente Prudente

Guatapará Ribeirão Preto Ribeirão Preto

Iaras Águas de Santa Bárbara Sorocaba

Motuca Araraquara Central (Araraquara e

São Carlos)

Rosana Teodoro Sampaio Presidente Prudente

Tarumã Assis Marília

-instalados em 1o. de janeiro de 1993. Fonte: Cepam/Mota Júnior-2001

Tabela 13 - Lei Estadual n.º 7.664, de 30-12-1991:

Município

Novo

Município de Origem Região

Administrativa

Alambari Itapetininga Sorocaba

Alumínio Mairinque Sorocaba

Araçariguama São Roque Sorocaba

Arapeí Bananal São José dos

Campos

Aspásia Urânia São José do Rio

Preto

Barra do

Chapéu

Apiaí Sorocaba

Bertioga Santos RM-Baixada

Santista

Bom Sucesso

de Itararé

Itararé Sorocaba

Cajati Jacupiranga Registro

Campina do

Monte Alegre

Angatuba Sorocaba

Canitar Chavantes Marília

Elisiário Catanduva São José do Rio

Preto

Emilianópolis Presidente Bernardes Presidente

Prudente

Engenheiro Artur Nogueira RM –

75

Coelho Campinas

Estiva Gerbi Mogi Guaçu Campinas

Holambra ArturNogueira/Cosmópolis/Jaguariúna/Sto.Antonio

da Posse

RM-Campinas

Hortolândia Sumaré RM-Campinas

Ilha

Comprida

Cananéia/Iguape Registro

Ilha Solteira Pereira Barreto Araçatuba

Itaoca Apiaí Sorocaba

Itapirapuã

Paulista

Ribeira Sorocaba

Lourdes Turiúba São José do Rio

Preto

Marapoama Itajobi São José do Rio

Preto

Mesópolis Paranapuã São José do Rio

Preto

Nova

Campina

Itapeva Sorocaba

Nova Canaã

Paulista

Três Fronteiras São José do Rio

Preto

Novais Tabapuã São José do Rio

Preto

Parisi Votuporanga São José do Rio

Preto

Pedrinhas

Paulista

Cruzália Marília

Pontalinda Jales São José do Rio

Preto

Potim Guaratinguetá São José dos

Campos

Ribeirão

Grande

Capão Bonito Sorocaba

Saltinho Piracicaba Campinas

Santo

Antonio de

Aracanguá

Araçatuba Araçatuba

São João de

Iracema

General Salgado Araçatuba

São Lourenço

da Serra

Itapecerica da Serra RM-São Paulo

Suzanápolis Pereira Barreto Araçatuba

76

Taquarivaí Itapeva Sorocaba

Torre de

Pedra

Porangaba Sorocaba

Tuiuti Bragança Paulista Campinas

Ubarana José Bonifácio São José do Rio

Preto

Vargem Bragança Paulista Campinas

Zacarias Planalto São José do Rio

Preto

-instalados em 1o. de janeiro de 1993 - Fonte: Cepam/Mota Júnior-2001

Tabela 14 - Lei Estadual n.º 8.550, de 30-12-1993:

Município Novo Município de Origem Região Administrativa

Arco Íris Tupã Marília

Brejo Alegre Coroados Araçatuba

Canas Lorena São José dos Campos

Ipiguá São José do Rio Preto São José do Rio Preto

Pracinha Lucélia Presidente Prudente

Pratânia São Manuel Sorocaba

Quadra Tatuí Sorocaba

Santa Cruz da

Esperança

Cajuru Ribeirão Preto

Santa Salete Urânia São José do Rio Preto

Taquaral Pitangueiras Ribeirão Preto

Vitória Brasil Jales São José do Rio Preto

- instalados em 1.º de janeiro de 1993. Fonte: Cepam/Mota Júnior-2001

Tabela 15 - Lei Estadual n.º 9330, de 27-12-1995

Município Novo Município de Origem Região Administrativa

Fernão Gália Marília

Gavião Peixoto Araraquara Central (Araraquara e

São Carlos)

Jumirim Tietê Sorocaba

Nantes Iepê

Nova Castilho General Salgado Araçatuba

Ouroeste Guarani d’Oeste São José do Rio Preto

Paulistânia Agudos Bauru

Ribeirão dos Índios Santo Anastácio Presidente Prudente

Trabiju Boa Esperança do Sul Central (Araraquara e

São Carlos)

- instalados em 1.º de janeiro de 1997. Fonte: Cepam/Mota Júnior- 2001

77

Através dos dados expostos acima, pode-se perceber a dinâmica

geográfica da criação de municípios no Estado de São Paulo. Todas as

regiões paulistas criaram municípios no período entre 1990-1995, com

exceção da região de Franca.28

A região de São José do Rio Preto, a região do Edinho Araújo, nesse

período criou 17 novos municípios. Seguiu-se a região de Sorocaba em

segundo lugar no estado, criando 16 novos municípios. Essas se destacam

das demais áreas do Estado de São Paulo, pois, em terceiro lugar nas

emancipações, vem a região de Araçatuba e Marília com 6 novos distritos

emancipados. Na regional de Presidente Prudente surgiram 5 novos

municípios. Na região de Campinas 4 novos. Em São José dos Campos,

Região Central (São Carlos e Araraquara) Ribeirão Preto e RM-Campinas,

foram criados 3 novos municípios. Nas regiões de Bauru e Registro

aconteceram 2 novas emancipações. Nas áreas de Barretos, RM-Baixada

Santista e RM-São Paulo, apenas 1 novo município foi criado.

Nosso objeto de pesquisa situa-se em uma região que teve o 2.º

maior surto de novos municípios. Itaoca faz parte dos 16 novos municípios

criados entre 1990 a 1995 na região de Sorocaba.

Itaoca, antigo distrito de Apiaí, região de governo de Itapeva e região

administrativa de Sorocaba, nasceu na década de 1990. Por sua

biodiversidade história, cultura e indicadores sociais29

esse município faz

parte do complexo regional do Vale do Ribeira. Todavia, esse complexo da

biodiversidade não se constitui em uma única região administrativa ou de

governo do Estado de São Paulo. Essa região se encontra fragmentada do

ponto de vista político, pois, o litoral sul e baixada fazem parte da região

28

A região de Franca mostra-se como enigmática nesse processo. Até o momento não encontramos

nenhuma informação que auxilie na explicação desse caso. 29

O Censo/2000/ IBGE mostrou que Itaoca apresenta uma das mais elevadas taxas de analfabetismo do

Estado de São Paulo, 17,5% da população com mais de 10 anos. Fonte: Estadão, 21 de dezembro de 2001.

78

administrativa e de governo de Registro, o Alto Vale faz parte, portanto da

região de governo de Itapeva e administrativa de Sorocaba.30

Todavia, neste trabalho, no aspecto físico, cultural, histórico e

enquanto configuração sócio-econômica Itaoca tem muito mais semelhança

com o Vale do Ribeira do que com Sorocaba, isto é, no aspecto cultural,

ambiental e social, Itaoca faz parte do Vale do Ribeira, mas politicamente

depende e é alvo direto das políticas regionais de Sorocaba e da região de

governo de Itapeva.

II - o Vale do Ribeira

A região do Vale é considerada a mais pobre do estado em relação ao

PIB e ao PIB per capita e ao IDH do estado de São Paulo.31

(Vide Tabela

16)

A região possui 23 municípios em uma área de 17.264 km² que

formam o Alto Vale do Ribeira e a Baixada do Ribeira que, não estão

integrados em uma única região administrativa e de governo. A população

regional está estimada em 329.285 habitantes.32

Tabela 16 – Vale do Ribeira – IDH – 1996

N.º Município IDH No Vale No Estado

1 Apiaí 0,7055 6.º 500

2 Barra do Chapéu 0,5692 22o. 622

3 Barra do Turvo 0,5476 23o. 623

4 Cajati 0,6838 10o. 554

5 Cananéia 0,6758 14º. 568

6 Eldorado 0,6674 15º. 577

30

Em 1989 foi criado o CODIVAR (Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira),

através da participação das prefeituras, que além de buscar a promoção sócio-econômica da região tinha

como um dos objetivos tornar o Vale do Ribeira uma única região administrativa para que as políticas

para a região fossem mais eficazes. Essa idéia continua a ser discutida e foi um dos temas do Fórum de

Desenvolvimento do Vale do Ribeira. 31

A publicação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH - 2000) dos municípios paulistas apontou a

região do Vale do Ribeira como sendo a menos desenvolvida do Estado de São Paulo. Comparado com

outros países – onde o Canadá ostentava o 1.º lugar com um índice de 0,960 – o Vale (0,713) aparece

entre Indonésia (0,679) e África do Sul (0,717), no 41.º lugar. Se comparada ao Estados da federação –

onde o melhor colocado é o Rio Grande do Sul com 0,869 – a região fica entre Pará (0,703) e Sergipe

(0,731), na 17a. posição. Entre as regiões administrativas do Estado de São Paulo é a última colocada.

32 IBGE;1996

79

7 Iguape 0,7225 4º. 460

8 Ilha Comprida 0,6790 13o. 565

9 Iporanga 0,5913 20o. 617

10 Itaoca 0,6403 17o. 601

11 Itapirapuã Paulista 0,5769 21o. 621

12 Itariri 0,6437 16o. 598

13 Jacupiranga 0,7392 2o. 410

14 Juquiá 0,7187 5o. 472

15 Juquitiba 0,6987 8o. 513

16 Miracatu 0,6820 11o. 559

17 Pariquera-Açú 0,6950 9o. 527

18 Pedro de Toledo 0,6385 18o. 603

19 Registro 0,8358 1o. 177

20 Ribeira 0,6337 19o. 604

21 São Lourenço da

Serra

0,7237 3o. 457

22 Sete Barras 07009 7.º 509

23 Tapiraí 0,6810 12o. 563

Fonte: Codivar/2000

O Vale do Ribeira ficou fora dos principais ciclos históricos de

desenvolvimento (café, cana-de-açúcar, industrialização, etc). É também a

região paulista com menor densidade demográfica com 18,9 habitantes por

km². Configura-se como a menos urbanizada do Estado de São Paulo, a

urbanização no Vale era de 64,8%.33

É uma região que foi palco dos principais momentos da formação

histórica do Brasil. A história do Vale, no período colonial, inicia-se com

os embates entre Portugal e Espanha, a respeito do Tratado de Tordesilhas,

assinado em 7 de junho de 1494. Por esse acordo, a atual região do Vale, de

Iguape para o Sul, era parte integrante do domínio espanhol. A partir da

primeira expedição portuguesa para ocupar a Capitania de São Vicente, o

Vale passou a constituir-se no gesto pioneiro de contestação efetiva ao

Tratado de Tordesilhas, marcando o início do expansionismo territorial

português no Brasil. Em 1531, Martim Afonso de Souza, donatário da

Capitania de São Vicente, chegou à foz do Ribeira de Iguape.

80

Em meados do século XVI, foi criado Iguape, objetivando consolidar

a colonização e facilitar o acesso ao interior, para a exploração mineral que

se iniciava. As primeiras jazidas de ouro foram encontradas em princípios

do Século XVII nos leitos e cabeceiras dos rios, intensificando a ocupação

da região.

No século XVIII, rio acima, na região denominada hoje de Alto

Vale, surgiu o povoado de Apiaí em decorrência do ouro encontrado na

região e do fluxo de mercadorias que vinham do Sul para a cidade de

Sorocaba, com destino final às minerações de Minas Gerais.

O ciclo do ouro não trouxe prosperidade para a região, pois não foi

suficiente nem em quantidade nem em duração da atividade para assegurar

a estabilidade dos povoamentos.

No século XIX, a região teve o “ciclo do arroz” (1836-1874) que

garantiu um novo desenvolvimento econômico. Com o surgimento de

novos pólos produtores e declínio da mão de obra escrava a região toda

entra em declínio e estagnação econômica.

A partir de 1920 verificou-se um novo ciclo de desenvolvimento

econômico na região com a imigração japonesa, introduzindo a cultura de

chá e a bananicultura em moldes comerciais. Em Apiaí, a partir da década

de 1970, houve a intensificação da produção do tomate, pimentão,

abobrinha e pêssego.

A ocupação agrícola do Vale do Ribeira, por meio do chá, da banana,

do tomate, pela implantação da BR – 116 e da estrada de Ferro Apiaí-

Itapeva constituíram-se os elementos definidores da integração regional ao

mercado nacional.

33

NEPAM/UNICAMP, Desenvolvimento sustentável no Vale do Ribeira (SP): conservação ambiental e

melhoria das condições de vida da população, 1996;

81

Nos dias atuais, pode se dividir o Vale do Ribeira a partir das

situações diferenciadas com relação à integração maior ou menor à

economia de mercado:

A área da Baixada, até o município de Eldorado, encontra-se

plenamente integrada, via a teicultura, a bananicultura e a

indústria da pesca;

Os municípios de Iporanga, Barra do Turvo e Adrianópolis

(PR) possuem maior situação de isolamento, porém

apresentam grande potencial turístico, por seu patrimônio

natural, e concentram reservas minerais.

O município de Apiaí, na mesma região de Itaoca, apresenta

uma situação única na região, pois combina uma agricultura

intensiva horticultura e pecuária com uma relativa

industrialização baseada no beneficiamento dos recursos

naturais locais, principalmente, o calcário.

Em suma, o Vale do Ribeira sempre desempenhou um papel

periférico no processo de desenvolvimento paulista e paranaense e as

tentativas de incorporação a ele no último século nunca proporcionaram um

desenvolvimento comparável ao de outras áreas desses Estados.

Itaoca foi parte fundamental da consolidação do povoado de Apiaí no

século XVIII. Localizado as margens do Rio Ribeira era o caminho e porto

natural para o escoamento do ouro e de mercadorias entre Apiaí e Iguape

no período colonial. Hoje, o município constitui o conjunto dos municípios

do interior do Vale do Ribeira, da sub-região denominada de Alto Vale do

Ribeira.

82

III – A emancipação de Itaoca

Percebemos que, Itaoca emancipou-se de Apiaí num momento em

que o Estado de São Paulo passava por um processo de incentivo à

fragmentação de seus municípios com a Lei Complementar n.º 651/90.

Essa lei complementar causou um grande debate até ser plenamente

elaborada. Um dos pontos mais discutidos da lei dizia respeito às condições

básicas para que os municípios que fossem criados tivessem condições

sócio-econômicas de se auto-sustentarem e se desenvolverem com

autonomia.

Os argumentos favoráveis à criação de municípios no estado de São

Paulo estiveram pautados na questão do desenvolvimento econômico e no

avanço da democracia. O Deputado Edinho Araújo, autor da lei

complementar afirmava que : “No caso do nosso Estado – a criação de

novos municípios foi historicamente, fator de desenvolvimento de regiões

distantes da capital”. 34

Continua o parlamentar: “No ano passado pela

primeira vez o PIB do interior foi maior que o da Capital o que demonstra

o alto potencial dos municípios pequenos e médios.”

“A aprovação da Lei Complementar é uma grande conquista que

favorece a descentralização política e administrativa, possibilitando ao

cidadão estar mais próximo das decisões que lhe dizem respeito.”

Defendia o deputado Antonio Carlos Mendonça (Toninho da Pamonha –

então, PFL).

Após a aprovação da Lei Complementar, mais de uma centena de

pedidos de novos municípios foram formulados. Em Apiaí35

, o principal

município do Alto Vale do Ribeira, seus três distritos tentaram a

34

A VOZ DO ALTO RIBEIRA –Lei sobre criação de municípios, 25 de agosto de 1990. 35

Apiaí emancipou-se em 1771, no período colonial. Constituiu-se o 19.º município criado na província

de São Paulo. Hoje, Apiaí possui cerca de 27.000 habitantes e sua economia está baseada na agropecuária

e na indústria mineradora.

83

emancipação na década de 1990. Os distritos de Araçaíba, Barra do Chapéu

e Itaoca entraram com projetos emancipacionistas na Assembléia

Legislativa.

Em 19 de maio de 1991 foram realizadas as consultas plebiscitárias.

Em dois, houve voto favorável à emancipação, Itaoca e Barra do Chapéu. A

partir daí, a ALESP e o Governador do Estado Luiz Antonio Fleury Filho

criaram dois novos municípios a partir de distritos de Apiaí: Barra do

Chapéu e Itaoca.

Antes de sua emancipação, Itaoca era um pequeno distrito do

município de Apiaí – SP. Distante do centro da cidade de Apiaí cerca de 24

km, Itaoca sempre possuiu uma baixa densidade demográfica; em toda a

sua história não encontramos registros de que o local tenha superado o

número de 5.000 habitantes. A sua economia sempre esteve essencialmente

ligada ao setor primário: pequena agricultura, pecuária leiteira, de corte, e

mineração. Até os anos de 1960 o distrito possuía uma economia baseada,

basicamente, nos sistemas de “roças”, ou seja, pequenos produtores que

derrubavam e queimavam as florestas para o plantio de feijão, milho e

arroz, etc. Essa agricultura era exercida com a ausência dos moldes da

agricultura comercial que crescia no interior do Estado de São Paulo. Com

o desgaste do solo e a baixa produtividade essa atividade econômica entrou

em decadência. Naquele momento chegaram alguns especuladores

imobiliários à região que incentivaram a vinda de uma leva de migrantes do

sul de Minas Gerais e Vale do Paraíba que introduziram a pecuária

extensiva. A pecuária leiteira e de corte, apesar de baixa a sua

produtividade, competitividade participação no mercado regional, passou a

ser e continua até os dias atuais como a principal atividade econômica

(estagnada) do local.36

36

A introdução da pecuária extensiva na região é, talvez, um dos fatores responsáveis pela estagnação do

município. Essa atividade ocupa a maior parte do território de Itaoca, concentra-se nas mãos de poucos, é

84

O distrito, a partir dos anos de 1970, contava com outra importante

atividade econômica: a mineração. O grupo Camargo Corrêa Cimentos

possui no local uma grande mineração de calcário, fornecedora de matéria

prima para a fábrica de Cimentos localizada em Apiaí.

A emancipação do distrito de Itaoca do município de Apiaí foi algo

novo para a região. Dentro do distrito nunca houve movimentos ou idéias

emancipacionistas anteriores a 1990. Conforme Cely Mota37

(então

PMDB), a idéia de emancipação foi algo novo, não passava pela cabeça de

nenhum “itaoquense” esse tipo de coisa. Cely atribuiu a idéia da

emancipação ao prefeito de Apiaí, naquela época, o Sr. Donizetti Borges

Barbosa38

(PTB). Conforme Cely, o prefeito Donizetti deve ter escolhido

pessoas da confiança dele as quais ele tinha intenção de ajudar

politicamente. Essas pessoas de confiança do prefeito (principalmente

vereadores e lideranças locais) de Itaoca ou Barra do Chapéu se articularam

e formaram comissões para divulgar a possibilidade e o projeto de

emancipação. “...E foi assim que aconteceu, de cima para baixo”. (Cely)

José do Carmo Lambert (PMDB)39

, tradicional pecuarista de Itaoca,

era presidente da Câmara Municipal de Apiaí em 1991. Seu Zé Mineiro, ou

Zé Lambert como é conhecido na região, era da base da gestão de Donizetti

e foi um dos responsáveis pelo sucesso da eleição de Donizetti nas eleições

municipais em 1988. A secção eleitoral do distrito de Itaoca foi responsável

pela eleição de Donizetti, graças ao prestígio do seu candidato a vereador,

Seu Zé, junto a comunidade.

poupadora de mão-de-obra e vêm causando grandes impactos ambientais como desmatamento,

queimadas, erosão, assoreamento de rios, destruição de mananciais e, além de tudo, expulsa a população

do campo intensificando o êxodo rural. Conforme o Censo/2000, Itaoca teve um decréscimo de 2,17% de

sua população comparado com a contagem da população de 1996. 37

Professora do Ensino Fundamental da Rede Estadual Paulista de Ensino e Vice-prefeita da primeira

gestão de Itaoca (1993-1996). 38

Advogado, ligado as camadas médias da região. Prefeito de Apiaí de 1989 a 1992 pelo PTB e 1997-

2000 pelo PMDB. Hoje é assessor da CODEAGRO em São Paulo e filiado ao PSDB; 39

O Sr. José do Carmo Lambert, conhecido popularmente como Zé Mineiro é um fazendeiro natural da

região Sul de Minas Gerais (Cambuí) que comprou terras em Itaoca na década de 1960 para a prática da

85

Além de seu Zé, Itaoca possuía mais dois vereadores na Câmara

Municipal: Antenor Gonçalves de Camargo - PL e Jaime Silva - PMDB. O

primeiro era comerciante e empresário e o segundo comerciante e

fazendeiro.

Com nossas investigações na ALESP (Assembléia Legislativa do

Estado de São Paulo) descobrimos que Itaoca se emancipou graças ao

incentivo de agentes externos. Por meio do projeto de resolução

percebemos que a iniciativa de emancipar o local foi do então Deputado

Estadual Luiz Francisco da Silva – 1987-1990 (então, PMDB - Sorocaba).

O deputado atuava na região e divulgou o projeto a Lei Complementar

651/90 na Câmara Municipal de Apiaí e fez despertar o interesse dos

representantes de Itaoca. Por outro lado, não identificamos a participação

do deputado Edinho Araújo no caso de Itaoca. Porém, o deputado

encaminhou projetos de emancipação na região de Sorocaba como foi o

caso de Bom Sucesso de Itararé e Taquarivaí.

O engenheiro e deputado Luiz Francisco da Silva envolveu-se em

quase todos os projetos de emancipação da região administrativa de

Sorocaba no período de 1987-1991. O deputado afirma que defendia a

emancipação como modo de promover o progresso na região. Ele

argumenta que uma das formas dos municípios da região do Alto Vale

atingir maiores patamares de desenvolvimento seria pela emancipação. O

deputado era vice-líder do governo na Assembléia e possuía influência no

Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo que, conforme

ele, facilitava o encaminhamento dos projetos. Apesar de ser o principal

encaminhador de projetos de emancipação da região, Luiz Francisco não

foi reconhecido por isso, não sendo mais eleito para nenhum cargo público

pecuária. Nunca foi envolvido em política eleitoral na região até 1988. Devido às benfeitorias e favores

prestados junto a comunidade em que vive despontou como liderança local.

86

desde então. Na eleição para deputado estadual de 1990 e 1994 sua votação

em Itaoca, por exemplo, foi menor que na eleição de 1986.40

Mas o que levou Luiz Francisco a encaminhar projetos de

emancipação como o de Itaoca foi a organização e a estrutura do partido.

“Conhecia amigos do partido. Foi a estrutura do partido”, respondeu o

ex-deputado indagado de como teve conhecimento do distrito de Itaoca.

Luiz Francisco teve uma forma específica de atuar naquela região.

Pois, em Apiaí, por exemplo, “eu me preocupava muito com o problema

dos agricultores e, principalmente dos tomateiros, com o problema de

estradas. Ali eu visitava Araçaíba, Itaoca, Barra do Chapéu, eu não me

restringia a visita à prefeitura, ao prefeito ou à Câmara da Cidade. Eu

agia como um vereador da cidade. Eu pegava um vereador muito

conhecido lá que era o Cláudio41

e ele me levava aos sítios, propriedades

rurais e nos distritos em uma atuação que eu procurei fecundar no meu

mandato ... Eu propus um debate que fosse realizado lá em Apiaí na

Câmara Municipal. Minha atuação foi intensa, tive muitas dificuldades na

política... Por meio dos contatos amiúdes com a população dali eu

planejava o meu trabalho. Indo a todos os municípios. Para ter uma idéia,

nos quatro anos eu rodei em toda a região. Cerca de 330 mil km. Isso

equivale a sete vezes a volta no globo terrestre. Quantas vezes eu saía da

ALESP às sete horas da noite e ia chegar para dormir num hotel em Apiaí

a meia noite e acordava as sete para encontrar com o vereador de Apiaí, o

Cláudio, e dali percorria todos os distritos, todas as estradas e os

proprietários rurais. Dali eu propunha para o governo do estado a solução

de muitos problemas...42

40

O deputado atribui o seu fracasso nas urnas devido ao seu afastamento da sede de Sorocaba em que

surgiam novos importantes atores políticos, pois, a região externa a Sorocaba possuí menos habitantes

que a região de Governo de Sorocaba. Isso pode ser uma explicação razoável, pois, em 1995, conforme a

SEADE, a região de Governo de Sorocaba possuía mais de 1 milhão de habitantes enquanto que as

demais regiões de governo que compõem essa região administrativa possuem uma população equivalente. 41

Vereador produtor rural de Apiaí na gestão 1988/1992 pelo PMDB. 42

Depoimento de entrevista realizada em 17/12/2001 em Sorocaba/SP

87

Para o ex-deputado o fato de Itaoca pertencer a mesma região

administrativa de Sorocaba facilitou o seu empenho àquele distrito. Os

deputados de Sorocaba eram muito procurados pelas lideranças regionais.

“Eles me procuravam. Cada vez procuravam mais. Cada vez eu tinha que

ir mais. Naquela época Sorocaba era absoluta em termos de centro

regional. O próprio Hospital Regional de Sorocaba. A divisão regional de

Ensino. Os vereadores e prefeitos quando queriam ter audiência com o

governador nos procuravam.”

Mas, o que desperta-nos a atenção é quando o deputado afirma que a

emancipação do distrito de Itaoca não foi um processo endógeno por busca

de autonomia. Conforme o ex-deputado, “Itaoca através dos seus líderes

não pensavam nisso. Se pensavam, estavam um pouco distantes de

encaminhar um plano daquilo que era um sonho. E conhecendo bem a

região eu comparava muito o ramal da Raposo, da Sorocabana, com o

ramal da Anhanguera e do Vale do Paraíba. É com muita clareza que as

cidades ao longo da Anhanguera e ao longo da Dutra estavam pelo menos

em muitos aspectos 30 anos avançados em relação a nós no que tange ao

atendimento a educação e a saúde. Então eu entendia que a alavancagem

para o progresso não seria apenas com medidas paliativas dando pequeno

apoio para o agricultor, levando apenas um pequeno hospital como nós

levamos para Ribeirão Branco. Pensava na alavancagem para um futuro

progressista, uma atenção específica seria transformar aqueles distritos

em municípios. E isso foi o que fizemos. Então, em todos os setores,

criando um município haveria a escolha de um prefeito, o distrito ou

aquela região em Apiaí era pródiga disso. Enquanto aqui em Sorocaba eu

ando 10km para cada lado e estou em outro município. Lá a região era

muito extensa e poderia passar por uma formulação político administrativa

e foi nesse intuito de atendimento social, de reverter aquele quadro

dramático que eu “sentia na carne”(sic). Então nós propusemos Itaoca,

88

Bom Sucesso, Barra do Chapéu, Araçaíba, Itapirapuã Paulista. Eu fui lá e

procurei o Jaime Silva o vereador e visitei a propriedade do Seu Zé

Mineiro.43

. Foi em 1990. [...] lá ele me mostrou, estava bem pertinho do

Estado do Paraná da propriedade dele ele me mostrou uma serra azulada,

que já era outro estado. Eu estava nos confins do Estado, que raramente

chegava alguma autoridade. Acho que o único deputado que chegou

naquela região, naquela oportunidade fui eu e, propusemos essa

emancipação”.

Outro fator favorável na opinião do sr. Luiz Francisoco naquele

momento era o clima de incentivo as emancipações na ALESP. Para ele,

“Quase todos os deputados apresentaram o mais ou menos um outro

(projeto de emancipação). E a gente cuidava junto aos membros da

comissão dos municípios, junto a maioria da assembléia para que não

houvesse truncamento. Houve por exemplo uma pressão na cidade de

Jacupiranga para que não fosse emancipada Cajati. Os vereadores, do

distrito de Cajati, procuraram os companheiros deles. Os vereadores de

Jacupiranga procuraram um deputado de outro partido que era PFL que

não apoiasse a emancipação de Cajati.” Mas isso conforme o deputado

eram casos isolados: “ele veio falar comigo e respeitou minha posição e

ele não colocou obstáculo, então a gente conversava na Assembléia e não

se tratava de um problema partidário, ou de uma questão de governo. Era

uma questão de liberdade para o município, de emancipação para o

município. Então houve um consenso muito bom na Assembléia de maneira

que os Deputados, não atrapalhavam a proposição de um outro deputado.

Havia um consenso muito forte em não segurar. Então correu tudo bem.

Tanto que é verdade que eu propus em 1990 mais ou menos assim”. Havia

43

O deputado ficou impressionado com a fazenda do Seu Zé e com coisas que ele acreditava que não

veria mais como carros de boi, fabricação artesanal de doces, queijos, etc...

89

na ALESP, um clima de cavalheirismo entre os parlamentares em garantia

de influência e poder em suas bases eleitorais.

Todavia, o ex-parlamentar afirmou que a emancipação foi algo fácil,

sem resistências. “Eu confesso que para surpresa minha não houve

nenhum impedimentos. Os prefeitos muitas vezes nos subestimaram,

achavam que a gente não conseguira encontrar o caminho, por que muitos

em alguns municípios, já tinham lutado. Tinham encontrado aliados fortes

e não tinham conseguido. Foi uma hora propícia. Estava tudo represado,

quando abriu, nós pegamos uma assembléia voltada para isso. Não houve

grandes obstáculos. Os que eventualmente poderiam resistir não o fizeram.

Não se planejaram para montar resistência, pois não acreditavam em

nosso trabalho. Quando perceberam já havia saído. O ex-prefeito de

Sorocaba, o atual deputado Pannunzio44

, foi contra a emancipação de um

distrito da cidade, o Éden transformando-o em bairro e tirando o título de

distrito... Além de que, eu tenho um aliado muito grande no IGC (Instituto

Geográfico e Cartográfico). Quando havia problema de divisa ele me

ajudava. Ele era de Sorocaba e falava Luiz ‘tá com problema lá em Cajati

eu vou fazer para você. O nome dele era “Zanella”. Para não ter problema

judicial e de demanda, para não dar prejuízo para todos nós, ele

contornava e falava com muita simplicidade. “Vou fazer uma química,

dado ele ser sorocabano ele nos ajudava.”

Nesse aspecto é importante ressaltar que conforme o ex-deputado as

únicas resistências ou barreiras eram as descrenças e os olhares

desconfiados dos executivos municipais. Para o antigo parlamentar, os

prefeitos mostravam-se apáticos às emancipações por acharem que a

emancipação seria mais um engodo de deputados oportunistas. Essa era a

reação comum em muitos municípios, pois no período de execeção todos

os projetos emancipacionistas no território paulista foram frustrados. A

90

possibilidade de criar novos municípios era vista com muita cautela,

principalmente pelos prefeitos mais céticos ou desinformados.

Seu Zé Mineiro aderiu a iniciativa de emancipar Itaoca. Como ele

estava na presidência do legislativo de Apiaí, quando soube da lei que

possibilitava a emancipação convidou o seu genro Emílio Carlos Martins

Filho (Carlinhos), que era assessor de seu gabinete, para montar a comissão

pró-emancipação em Itaoca. Conforme depoimentos coletados, esse foi um

fator crucial para o sucesso da emancipação de Itaoca. Como presidente da

Câmara de Apiaí, Seu Zé tinha tudo ao seu alcance. Conforme Seu Zé,

naquele momento, ele correu de um lugar para outro em São Paulo e, em

todos os locais aonde ele ia, “ele era muito bem recebido” por ser

Presidente de uma Câmara Municipal, isso possibilitou a melhor tramitação

do projeto de emancipar Itaoca na Assembléia Legislativa do Estado de São

Paulo.

Até mesmo para o ex-prefeito de Apiaí, Donizetti Borges Barbosa, o

fato de Seu Zé ser o presidente da Câmara poderia ter auxiliado na questão

das informações e da organização do processo emancipatório. Conforme o

ex-prefeito, Itaoca tornou-se um centro de informações sobre emancipação.

“Naquele momento, 1991, pessoas de municípios vizinhos iam para Itaoca

para tirar informações, para se informar com o que estava acontecendo, o

pessoal de Nova Campina (Itapeva), de Bom Sucesso (Itararé), de

Itapirapuã Paulista (Ribeira) estiveram lá buscando informações.”

Fundamental no processo de emancipação de Itaoca foi a montagem

da comissão pró-emancipação que divulgou o projeto e os seus benefícios

para a população.

Conforme Cely, a montagem desses grupos foi algo de “cartas

marcadas”. As pessoas convidadas para a Comissão45

eram pessoas que já

44

Antonio Carlos Pannunzio, ex-prefeito de Sorocaba e Deputado Federal pelo PSDB, 1998-2002. 45

A comissão pró-emancipação de Itaoca era formada pelos seguintes cidadãos do então distrito:

91

tinham participado da política de Apiaí, pelo menos, como candidatos a

vereador.

“Os principais atores da comissão pró-emancipação atuaram de

forma isolada, não acontecendo um trabalho em equipe como se fosse uma

associação lutando por alguma coisa.” (Cely). Foi o Carlinhos que era

genro do Seu Zé, quem movimentava e fazia todo o trabalho.

Para o Sr. Sebastião Ferro (membro da comissão pró-emancipação de

Itaoca), a formação da comissão correspondeu a seguinte forma: “primeiro

foi escolhido um presidente do grupo, pois tinha que ter uma pessoa líder.

Como o vereador Zé Mineiro naquele tempo era presidente da Câmara de

Apiaí não podia exercer, ele reuniu todo o pessoal com o Carlinhos e,

escolheu-se um representante para cada bairro. Esse representante levaria

o nome da Comissão para o seu bairro pela pró-emancipação de Itaoca

atuando até futuramente na campanha política de Itaoca. Assim depois da

comissão reunida, foi eleito um presidente da Comissão.”

Para o antigo membro da comissão pró-emancipação, a partir da

constituição desse grupo emancipacionista foi articulada a criação do

diretório do PMDB em Itaoca. Carlinhos, o presidente da Comissão, foi

eleito o presidente do Diretório do distrito. Desde então, a antiga comissão

transformou-se no vitorioso grupo político organizado que se preparou para

disputar as eleições municipais em 1992 com a insígnia do partido

- Presidente: Emílio Carlos Martins (Carlinhos) – Genro e assessor do Seu Zé;

- Vice-Presidente: Aluízio Ribas de Andrade (operário)

- Secretário: Alcino Martins – Comerciante e candidato a vereador nas eleições de 1988;

- 2o. Secretário: Cláudio do Cartório – Tabelião e candidato a vereador nas eleições de 1988;

- Tesoureiro: Benvindo de Lima (Comerciante)

- Consultor Jurídico: Dr. Cirineu Nunes Bueno (Advogado)

- Asistente de Consultor Jurídico: Alceu Carlos Lopes

Representantes dos Bairros:

Bairros:

- Lageado : Tuca (operário)

- Quilombo Cangume: Chico Monteiro (Líder Comunitário e candidato a vereador em 1988)

- Caraças: Pedrinho (fazendeiro e candidato a vereador em 1988)

- Pavão: Zé Mário (comerciante e candidato a velador em 1988)

- Rio Claro: Pedro Taubaté (agricultor e candidato a vereador em 1988)

- Gurutuba: Sebastião Dantas (comerciante e candidato a vereador em 1988)

92

governista. “Naquele tempo era o governo Quércia/Fleury e eu até votei

nos dois mandatos que votei em São Paulo no PMDB. E praticamente o

pessoal todo que estava na comissão, achou melhor. É a comissão que ia

dar emancipação para Itaoca e a própria comissão achou melhor dar

apoio para o PMDB. Sair o diretório e fazer um candidato do PMDB.”

(Sebastião Ferro)

Conforme o Seu Zé, após a montagem da comissão, foi feito o

projeto de emancipação e então encaminharam para a Assembléia

Legislativa.

“Para fazer o plebiscito nós precisávamos de 100 títulos de

eleitores. Daí eu corri atrás. Eu com o Benvindo e o Carlinhos. Nesse dia

quando foi de tarde, nós já estávamos com 430 títulos na mão. Pegávamos

o título e tirávamos xérox e levava. Levamos 430 títulos para emancipar

Itaoca. A lei exigia 100 títulos e por volta de 200 casas. Itaoca tinha 207

casas só da sede, só dali de Itaoca”. (Depoimento de Seu Zé em

20/04/2001)

O principal ato da comissão pró-emancipação foi procurar (ou foram

procurados por) um deputado estadual, que mostrasse interesse pelo local.

O deputado foi Luiz Francisco da Silva (PMDB) de Sorocaba.46

O ofício subscrito pelo deputado, solicitando providências, no

sentido de formalização do processo visando a emancipação do distrito de

Itaoca pertencente ao município de Apiaí com sua conseqüente elevação à

condição de município foi protocolado e analisado pela Comissão de

Assuntos Municipais e, depois de atendidas as condições precípuas a que se

referia a legislação resultou no Projeto de Resolução n.º 40. Este projeto

- Guarda Mão: Sebastião Ferro (líder comunitário e candidato a vereador em 1988) 46

Ao deputado Luiz Francisco da Silva foram entregues um abaixo-assinado, contendo 417

assinaturas; a certidão do Cartório Eleitoral de Apiaí e 10a. Zona Eleitoral, dando conta da existência de

2.038 eleitores no distrito de Itaoca; declaração do IBGE, quanto o aspecto populacional, limites e

confrontações, além do Decreto Municipal da Prefeitura Municipal de Apiaí, elevando o povoado à

categoria de distrito.

93

dispunha sobre a solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral para a

realização do plebiscito, permitindo que a população de Itaoca fosse às

urnas para votar a sua emancipação. A Resolução n.º 40 foi votada

favoravelmente, em Sessão Extraordinária da Assembléia Legislativa do

Estado, em regime de tramitação ordinária no dia 14 de dezembro de 1990,

conforme publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo. O plebiscito

foi marcado para o dia 19/05/1991. (Vide Tabela 17)

TABELA 17 - Resultado do Plebiscito para emancipação de Itaoca –

19/05/1991

Total de Eleitores: 2.010

Total de Votantes 1442

Resultados:

Votos SIM 1267

Votos NÃO 107

Votos BRANCOS 27

Votos NULOS 41

Fonte: Justiça Eleitoral/ Secção Apiaí/SP

Cely destacou também a importância do Deputado Arnaldo Jardim

(na época, membro do PMDB) na criação do novo município. Conforme

ela, o deputado mantinha contatos com as comissões e lideranças do

PMDB de Apiaí e com o Carlinhos. Outro parlamentar citado foi o então

deputado Milton Monte (na época membro do PMDB), que também

manteve contato e apoio ao Carlinhos.

Arnaldo Jardim era o parlamentar mais influente na região do Vale

do Ribeira. Foi o mais votado na região em todas as eleições que o

deputado disputou para o parlamento. Foi líder do governo na Assembléia,

durante o governo de Fleury, e apoiou a emancipação de Itaoca. Para ele, a

94

emancipação era uma das maneiras de promover o desenvolvimento

daquela região.47

Para seu Zé, outro apoio parlamentar fundamental para a

emancipação de Itaoca foi concedido pelo Deputado Estadual Toninho da

Pamonha (Antonio Carlos Mendonça) – (então, PFL), que era presidente da

Comissão Assuntos Municipais (CAM) da Assembléia Legislativa.

A emancipação de Itaoca, pelo que desvendamos, contou com

pequena resistência por parte do executivo de Apiaí. Para Sebastião Ferro,

“o prefeito de Apiaí dava apoio, mas era aquele apoio entre aspas. Pra nós

dizia que dava apoio, mas virava as costas, não né!!! (sic) Mostrando

obstáculos que iriam ocorrer, como leis, querendo que os vereadores

aprovassem leis, mas até então o Zé Mineiro era o presidente da Câmara e

uma pessoa bem reconhecida politicamente na época ele conseguiu que os

vereadores ficassem do lado dele. Os vereadores da Câmara de Apiaí

ficaram do lado do Zé Mineiro e da emancipação de Itaoca. Seria menos

trabalho para os vereadores de Apiaí que não queriam mais problemas

com Itaoca, mas de outro lado o prefeito não aceitaria por causa da verba

que iria ser gasta em Apiaí. Itaoca se emancipando seria gasto somente em

Itaoca. Contudo isso muitas coisas teriam que se desmembrar da prefeitura

de Apiaí. Que seriam heranças do município de Itaoca. Emancipadas ou

não emancipadas Itaoca teria parte nos recursos investidos, como por

exemplo, equipamentos como máquinas, caminhões, móveis. Então o

prefeito já tinha consciência que tinham vários investimentos que eram

considerados de Itaoca. Sem falar na renda do calcário que tinha em

Itaoca que era tudo Apiaí que recebia. Então tudo isso a gente levantou

que a Jazida seria a grande parte da arrecadação do município de Itaoca.

A jazida da Camargo Correa Cimentos que Apiaí recebia e ninguém e nem

a estrada era conservada.”

47

Entrevista realizada em 12/12/2001.

95

Mas, Donizetti Borges Barbosa (ex-prefeito de Apiaí – naquela

época membro do PTB), se considerava um entusiasta com a criação de

novos municípios na região. Ele afirmou que esteve presente em várias

reuniões e comícios da comissão pró-emancipação do distrito de Itaoca. O

prefeito de Apiaí explanava sobre os benefícios que poderiam vir com a

emancipação. Ele procurava convencer a todos quão importante e

necessário era se emancipar, ser independente e poder comandar seus

próprios destinos nos mais diversificados campos da atuação administrativa

pública. O chefe do executivo de Apiaí mostrava para Itaoca que com sua

emancipação, esta teria uma arrecadação suficiente para melhor assistir

seus problemas locais, tais como saúde, saneamento, educação, agricultura,

pecuária, transporte, etc.

Donizetti argumentava que Apiaí era o quarto município no Estado

de São Paulo em extensão territorial e possuía uma diversidade muito

grande entre os seus distritos. O ex-prefeito nos deu o exemplo de Itaoca

que, enquanto distrito, possuía características diferentes de Apiaí, tanto

fisicamente quanto culturalmente. Para ele, Itaoca possuía uma identidade

mais definida, que contrastava com a sede. “Então na minha avaliação

Itaoca era um distrito que tinha maior contraste com a sede. Eu sentia que

isso prejudicava a administração e fazia com que Itaoca não recebesse os

recursos proporcionais a sua economia, as possibilidades do que ela

gerava de riqueza ao município de Apiaí. [...] Itaoca foi pioneira na região

no processo de emancipação e eu sempre achei isso muito importante, pois

eu sentia a necessidade de que acontecesse isso, não por que Apiaí

quisesse ficar livre do distrito de Itaoca, pelo contrário, até politicamente

se eu fosse egoísta eu pensaria o contrário, pois eu ganhei a eleição em

Itaoca, na verdade, Itaoca sair de Apiaí, se eu fosse pensar só em mim,

96

teria um enorme prejuízo, mas não foi essa a minha posição, eu analisei

todo o contexto e discuti isso com as lideranças e a população local.”48

Uma questão que chama a atenção a esse processo foi esse apoio de

Apiaí à emancipação de Itaoca. A priori, Apiaí perdia território, população

e receita com a emancipação de seus distritos. Mas conforme Donizetti,

“Apiaí perdia em um primeiro momento, mas o município teria como

compensar isso de outras maneiras beneficiara os seus distritos, esses

emancipados, para o contexto da região seria bom, seria positivo ter mais

municípios, você teria mais força política. Hoje temos asfalto e melhorias

na saúde, educação telefonia, sem emancipações talvez isso não existisse.

Houve um ganho nesta micro-região, nesta sub-região do Vale do Ribeira.

Eu acho que todos ganharam com isso, inclusive Apiaí. O fato da

emancipação ter acontecido, não prejudicou Apiaí, pelo contrário, acho

que politicamente nós ganhamos em representação. Além disso, a região

ganhou mais com isso porque passou a concentrar e receber mais

recursos. Com a emancipação destes novos distritos a região está

arrecadando mais. Por isso eu falo que a região ganhou com isso, porque

com a participação dos novos municípios houve um aumento de receita,

então isso trouxe benefícios para a região.”

Cely e Donizetti afirmaram que estiveram presentes nos encontros e

reuniões da comissão pró-emancipação, técnicos da Fundação Prefeito

Faria Lima a FPFL/CEPAM, que esclareciam dúvidas das lideranças e

população sobre a instalação do novo município.49

Mas, um dos fatores que provavelmente possibilitaram a

emancipação de Itaoca foi a utilização da máquina político-administrativa

de Apiaí. Essa utilização se deu, sobretudo, por meio do uso da estrutura

48

Entrevista realizada em 21/04/2001 49

Infelizmente, não foi possível identificar os técnicos dessa instituição governamental que por lá

atuaram, devido as constantes mudanças de quadros técnicos daquela instituição.

97

física e financeira do município, proporcionada pelo cargo ocupado pelo

Seu Zé. Todos os gastos com escritório e combustível realizados pela

comissão pró-emancipação foram bancados pela Câmara de Apiaí.

Cely Mota e Seu Zé atribuem o apoio da prefeitura de Apiaí à

emancipação de Itaoca concebida no intuito de se livrar um pouco da

despesa. Para Seu Zé, “acho que deram graças a Deus (pela

emancipação). O município era muito grande. O prefeito não agüentava.

Já pensou quantos quilômetros de estrada a prefeitura tinha para cuidar?”

É importante ressaltar que dentro de Itaoca havia alguns indivíduos

contrários à emancipação, o que não ocorria na sede de Apiaí.

Identificamos dois indivíduos do cenário político de Itaoca, os quais, que

num primeiro momento foram contrários a esse processo: o fazendeiro

Antonio Carlos Trannim e Antenor Gonçalves de Camargo, empresário,

comerciante e vereador em Apiaí na legislação 1989-1992. O primeiro era

descrente quanto à possibilidade da emancipação de Itaoca e o segundo

estava em ascensão política e econômica em Apiaí, o que implicava em seu

pouco interesse na emancipação do distrito. Antenor afirmava que com a

emancipação iria aumentar a carga tributária e a população iria sofrer com

isso. Depois de aprovada a emancipação de Itaoca esses indivíduos

passaram a ser entusiastas do processo. Antonio Carlos50

foi candidato a

prefeito e Antenor foi candidato (eleito) a vereador.

Depois de aprovada a emancipação de Itaoca pela Assembléia

Legislativa e pelo governo do Estado em 31/12/1991; iniciou-se o período

de montagem das coligações e campanhas para concorrer à prefeitura.

A partir de 19 de maio de 1992, Itaoca entrou em uma acirrada

disputa política. Montaram-se partidos e coligações. Iniciaram-se brigas,

50

Antonio Carlos Trannim (atualmente PSDB) foi prefeito de Itaoca na segunda gestão da história do

município de 1997 a 2000 e foi reeleito em 2000 para o seu segundo mandato até 2004.

98

conflitos, assassinatos, perseguições e uma agitação jamais vista no antigo

distrito.

As eleições de 3 de outubro de 1992 contaram com três candidatos

ao executivo. Eram a candidatura do PMDB com Seu Zé candidato a

prefeito e a Cely Mota como vice; os candidatos do PSD – Antonio Carlos

Trannim e Aluízio Ribas de Andrade como vice; a outra candidatura era do

PRN – com Manoel Barbosa (o Velhinho) – prefeito e Francisco Dias da

Rosa (Chicão) – vice.

A campanha que possuiu maior organização e infra-estrutura em sua

propaganda foi a do PMDB. Seu Zé contou com apoio do governo do

Estado Luiz Antonio Fleury Filho que gravou para a campanha do Seu Zé a

seguinte frase: “O Zé Mineiro eu conheço é a pessoa certa para

administrar Itaoca”.

Tabela 18 - Resultados da eleição de 03/10/1992

Candidatos a Prefeito Partido Votos

Manuel Barbosa da Costa PRN 217

Antonio Carlos Trannim PSD 837

José do Carmo Lambert (Zé

Mineiro)

PMDB 841

Fonte: Justiça Eleitoral/Secção Apiaí-SP

Por uma pequena margem, 4 votos de diferença, (Vide Tabela 18) o

PMDB do seu Zé saiu vencedor nas eleições municipais de Itaoca. Seu Zé,

o presidente da Câmara de Apiaí, tornou-se a partir de 1993 o primeiro

prefeito do recém-criado município.

A vitória do Seu Zé, pelo PMDB, aconteceu no mesmo momento em

que esse partido tornou-se o maior do Brasil. Nas eleições municipais de

1992 o PMDB elegeu 1.633 prefeitos em todo o país, consolidando, em

termos absolutos, sua liderança política.

99

Conforme o jornal da região, “A Voz Do Alto Ribeira” edição de 09

de janeiro de 1993, o PMDB numa campanha histórica sob a presidência de

Orestes Quércia, conseguiu ser o partido mais votado em dez estados

brasileiros e, somente no Estado de São Paulo, elegeu nada menos de que

300 prefeitos, batendo de longe o segundo partido, o PDS, que conseguiu

eleger seus candidatos em 75 municípios paulistas. O PFL elegeu 73 e o

PSDB ganhou em 57 municípios.

A Folha de São Paulo, do dia 17 de novembro de 1992, em seu

caderno Eleições 92, trouxe a seguinte manchete: “Social-Democracia

predomina nas Capitais; PMDB elege 1633 prefeitos. PSDB, PT, PSB,

PPS e PDT iriam comandar 16 capitais; 940 prefeituras foram vencidas

pelo PFL”.

Orestes Quércia e seus correligionários obtiveram êxito em sua

política de prestígio ao município como sua norma de conduta. Itaoca

surgiu sobre a égide desse partido e configurou-se como mais um dos

governos conquistados pela sigla do movimento peemedebista. Em abril de

1992, o PMDB, promoveu em Brasília o Encontro das Cidades-Pólo, onde

foi discutida a estratégia eleitoral do Partido. Com uma campanha

organizada o PMDB tornou-se naquele momento o maior partido do Brasil.

Itaoca, o recém-criado município, nasceu sob a influência dessa

organização partidária.

A criação do novo município, portanto, teve a influência

inquestionável de alguns fatores políticos: a atuação e fortalecimento do

PMDB, o consenso do legislativo e a onda descentralizadora que ainda

possuía força e legitimidade nas diferentes concepções ideológicas das

organizações.

Entretanto, passados 10 anos, a emancipação do distrito não

significou desenvolvimento econômico ou social do local. Itaoca vem

apresentando os piores indicadores sociais do Estado de São Paulo.

100

Conforme o Censo/2000, a taxa de analfabetismo entre os chefes de família

é a maior do estado. Estudos de Márcio Pochman51

cruzando dados do

IBGE relativos aos censos demográficos de 1991 e 2000 produziu um

documento sobre a evolução da desigualdade de rendimentos no Estado de

São Paulo, tomando por base os ganhos dos chefes de domicílios. Nesse

trabalho verificou-se que a região Administrativa de Sorocaba congrega 5

dos dez municípios do estado onde o rendimento é menor: Itaoca é o

primeiro deles (R$ 298,31) seguido por Barra do Chapéu (R$ 305,27),

Itapirapuã Paulista (R$ 328,94), Ribeirão Branco (R$ 330,52) e Ribeira

(R$344,56). Todos esses municípios formam a região do Alto Vale do

Ribeira em que, os três primeiros foram criados em 1991. Fica claro que,

no caso de Itaoca e outros municípios da região só a emancipação política

não vem conseguindo promover melhores índices de desenvolvimento, ou

mesmo, promover a reversão dos indicadores de pobreza.

51

Estudo realizado pela Secretaria do Desenvolvimento Social, Trabalho e Solidariedade do Município de

São Paulo (SDTS). Cresce a pobreza junto ao Ribeira, jornal Cruzeiro do Sul, Sorocaba, 11/02/2002.

101

CAPÍTULO IV – A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS, A QUEM

INTERESSA?

Este capítulo buscará desvendar como e porque um distrito pobre e

pequeno como Itaoca tornou-se município. A partir das informações

apresentadas no capítulo anterior podemos confirmar algumas das

hipóteses levantadas no início deste trabalho para explicarmos o nosso

problema de pesquisa.

A emancipação de Itaoca, à primeira vista, parece atender aos

anseios da elite regional em conseguir maiores benefícios para o local, leia-

se recursos e verbas públicas. Porém, o fenômeno da criação de municípios

está inserido no processo de democratização e descentralização de fins da

década de 1980 em que os entes subnacionais tornaram-se os atores

políticos mais fortes, representados pelas figuras dos governadores de

estado e prefeitos.

Itaoca foi um distrito que se encaixou adequadamente nos requisitos

exigidos pela lei estadual 651/90. Estava localizado a mais de 3 km da área

urbana de Apiaí. Possuía mais de cem edificações e um pequeno centro

urbano constituído. Tinha mais de mil eleitores. Enfim, Itaoca estava apto a

se tornar um município, era então um “estoque” em potencial e tinha tudo

para se emancipar; bastava um incentivo às lideranças e o convencimento

da população sobre as vantagens da emancipação político administrativa.

Percebemos que essa tarefa não foi difícil, visto que a população do distrito

sempre se sentiu desamparada pelo governo do Município de Apiaí, mas

que nunca demonstrou pensar em emancipação.

O distrito era (e continua até hoje) muito carente de investimentos

públicos e privados, principalmente os de infra-estrutura como obras,

comunicação e saúde. A proposta de emancipação tornava-se a saída para o

progresso.

102

É imprescindível e interessante ressaltar que Itaoca nunca almejara

isso antes de 1990. A idéia de emancipação configurou-se como uma

externalidade ao cotidiano e aos anseios dos cidadãos daquele distrito. Veio

a ser uma oportunidade de recursos e verbas. Esse era o maior trunfo, maior

vantagem e a maior característica do projeto emancipador.

Então, Itaoca veio a ser mais um caso da nova onda emancipacionista

no Estado de São Paulo. Isso aconteceu graças à atuação de Deputados

como o Luiz Francisco que tinha um trabalho estreito entre o Legislativo

Paulista e os Legislativos Municipais do sudoeste paulista. Pois, foi por

este político estadual que a região de Apiaí, por meio de sua Câmara

Municipal, teve conhecimento da oportunidade que se desabrochara aos

sofríveis distritos.

O poder legislativo que conforme estudos do Cedec (1998) e

Andrade (1998) tem sido manipulado e cooptado pelo executivo pelas CFG

(Coalizões Fisiológicas de Governo) tanto na esfera estadual como, muitas

vezes, na municipal. Todavia, a criação de municípios se apresenta para

nós como um meio de autonomia do legislativo perante o poder executivo.

Pelos dados demonstrados percebemos que a criação de municípios no

Estado de São Paulo ocorreu graças à dedicação do legislativo

A lei estadual foi elaborada por um deputado estadual, o

municipalista Edinho Araújo, e todo o processo de emancipação de um

distrito veio a ser decisão exclusiva do legislativo do estado. Havia na

Assembléia Legislativa, naquele período, um consenso para não barrar a

criação de novos governos municipais. Como bem demonstrou o ex-

deputado Luiz Francisco, havia um “cavalheirismo” entre os parlamentares

das mais diversas legendas. A proposição de criar municípios ao mesmo

tempo em que se tornava uma política municipalista, característica básica

do quercismo, por outro lado se configurava como espaço de poder e

autonomia parlamentar.

103

Os projetos de emancipação do Estado de São Paulo sofreram pouca

oposição parlamentar. Foi um processo consensual entre partidos das mais

distintas linhagens ideológicas. Os deputados que eram contrários

argumentavam que a lei de 1990 facilitou demais a emancipação sem exigir

a comprovação da viabilidade econômica dos distritos para se auto-

sustentar.52

Conforme Araújo (1998), a votação do Projeto de Lei n.º 1049/91

que deu origem a Lei n.º 7664 de 30 de dezembro de 1991 no qual Itaoca e

mais 43 distritos conseguiram sua emancipação no Estado de São Paulo foi

um marco, em que as discussões foram mais acentuadas. Os favoráveis a

emancipação argumentavam que a lei deveria ser cumprida e que a vontade

popular por meio dos plebiscitos era soberana. Em nome da bancada do

PMDB, o deputado Edinho Araújo - PMDB encaminhou a votação em

bloco. Naquele momento o governador do Estado Luiz Antonio Fleury –

(então PMDB) vetou alguns municípios alegando a falta de viabilidade

econômica53

. Porém a Assembléia Legislativa estava fortalecida sobre o

tema e derrubou o veto do governador.

A demonstração de força da ALESP foi verificada quando 51

deputados votaram pela derrubada do veto do executivo e apenas 6

parlamentares votaram pela sua manutenção. Isso nos mostra claramente o

fortalecimento do legislativo. O veto do governador poderia também

representar uma atitude política de mostrar moralidade nas emancipações

perante a opinião pública e a esfera federal. Mas, para o legislativo as

emancipações eram consensuais.

52

Edinho Araújo cita como uns dos deputados que possuía uma postura crítica e minuciosa em relação as

emancipações o parlamentar José Bernardo Ortiz (então, PSDB), gestão 1991-1995; 53

O então governador Luiz Antonio Fleury- PMDB (1990-1994) vetou a emancipação dos distritos de

São Lourenço da Serra, Zacarias, Itapirapuã Paulista, Mesópolis, Nova Campina, Ilha Comprida, Lourdes

e Torre de Pedra. O argumento do executivo era de que estes se emancipados, não teriam capacidade de

auto -sustentação econômica, nem infra-estrutura para prestar serviços básicos à população.

104

A partir de 1991, com os 43 novos municípios, o Estado de São

Paulo passou a contar com 625 municípios. Itaoca estava aí nesse novo

bloco.

Desse processo podemos perceber algumas coisas. Entre elas

destacamos a atuação do legislativo. Vimos que suas decisões foram

determinantes para o êxito das emancipações daquele período. Porém,

acreditamos que não seja correto afirmar que o legislativo tenha criado uma

total autonomia decisória. Acreditamos que as suas atitudes naquele

momento representavam um reflexo da cultura política instalada no país,

principalmente pela configuração que teve partidos como o MDB-PMDB

durante o período de exceção e da transição para a democratização. A

criação de municípios poderia não ser mais prioridade do executivo, mas o

legislativo poderia aderir essa iniciativa para ampliar o seu poder.

Célia Melhem (1998), afirma que o PMDB paulista teve uma

estratégia considerada pragmática político-eleitoral-administrativa. No

Estado de São Paulo, o partido foi influenciado pelo quercismo. Orestes

Quércia fez carreira com a legenda do partido e tornou-se o político mais

poderoso do interior do estado. Uma das formas de fortalecimento do

PMDB e do poder de Orestes Quércia foi a sua influência sobre os

municípios do interior, principalmente os pequenos.

Por isso, podemos pensar que a criação de municípios no Estado de

São Paulo, incluindo o nosso caso, não está descolado também dos

interesses partidários. Quércia foi vice-governador de São Paulo de 1982 a

1986 e governador de 1987 a 1990. Nesse período seu partido foi o mais

forte do país. O PMDB conduziu o governo de transição com José Sarney e

foi um dos principais formuladores da Constituição de 1988. Com a criação

de municípios sendo responsabilidade de cada estado, a maioria deles optou

por criarem leis que estimulassem o processo. Em São Paulo não foi

105

diferente, o legislativo paulista promulgou e o executivo aprovou a lei mais

estimuladora e permissiva que até então existiu no território paulista.

Mas a quem atendia essa lei? Aos distritos impedidos de se

“desenvolverem” pelo município mãe? Às lideranças locais ávidas por

recursos, verbas e poder político? Ao legislativo estadual com intuito de

aumentar a influência nas regiões do estado, criar novas áreas de influência

eleitoral e maior autonomia perante o executivo? Acreditamos que a maior

parte desses interesses explicam apenas partes e não a totalidade de

emancipações como a de Itaoca.

Sobre as emancipações em São Paulo em 1992, temos bons indícios

de que elas não fazem parte daquilo que Abrucio (1998) definiu de

ultrapresidencialismo estadual. Para o autor os poderes dos executivos

estaduais ficaram fora de controle no pós-Constituinte em relação aos

demais poderes. Os governadores, ou “Barões da Federação” subordinaram

a esfera federal a seus interesses e, bem como o município como área de

sua influência direta, sendo base de sua política de interferência direta e

reduto eleitoral. Entretanto, em nosso caso , percebe-se que o executivo é

contestado pelo parlamento. A derrubada do veto de um governador pode

representar que o ultrapoder do governador também possuía limitações e

que em algumas esferas de decisões ele não detinha total autoridade e

controle.

Neste caso tendemos a dizer que a criação de municípios e, a criação

de Itaoca está inserida em um repentino e imprevisto fortalecimento do

legislativo. A criação de municípios representava para os deputados a

possibilidade de ampliarem suas áreas de influência, a expansão de sua

legenda partidária, aumento de recursos e verbas dentro do seu estado sem

ônus para o seu governo, visto que o Fundo de Participação Municipal é

uma responsabilidade da União e assegurada pela Constituição. Além

disso, a criação de municípios propiciava a proliferação de máquinas

106

políticas-administrativas e ampliariam o poder e influência dos

parlamentares dentro do Estado.

A atuação de parlamentares do PMDB influenciadas pelo quercismo

foi um dos prováveis responsáveis da criação de Itaoca. Com a “Lei

Edinho”, o relator da ALESP, o Deputado Edinho Araújo, o Líder do

Governo Deputado Arnaldo Jardim, o vice-líder Deputado Luiz Francisco

da Silva e outros governistas fizeram que o projeto de emancipação de

Itaoca fosse coroado de êxito.

Por meio dos dados levantados, todas as evidências nos levam a crer

que a criação de Itaoca deu-se graças aos interesses de parlamentares do

PMDB e dos seus aliados.

107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A emancipação de um município pequeno, pobre e com baixíssima

capacidade de arrecadação própria foi representativa do fenômeno que

aconteceu no Estado de São Paulo, sobretudo, em relação ao tamanho da

população. Dos 73 novos municípios criados no Estado mais de 90% deles

possuíam o perfil de menos de 10.000 habitantes Ora, e por que foram

criados?

Em primeiro lugar, a criação dessas novas unidades de governo

atendia ao anseio pragmático político-eleitoral e administrativo, sobretudo,

do legislativo estadual, bem como aos anseios das elites políticas locais e

regionais.

A elite regional buscava mais recursos, verbas e representatividade,

pois a região do Vale do Ribeira sempre foi considerada abandonada pelo

poder público. A criação de novos municípios seria a garantia imediata de

mais verbas e a possibilidade de se fortalecer politicamente. Esse

sentimento era muito forte no início da década de 1990, pois naquele

momento estava sendo criado um Consórcio Intermunicipal de

Desenvolvimento que se denominou Codivar (Consórcio Intermunicipal de

Desenvolvimento do Vale do Ribeira), que hoje se configura como uma das

principais agências de fomento ao desenvolvimento da região54

.

A criação de municípios nos mostra que esse foi um jogo em que

todas os atores das esferas subnacionais saíram ganhando. Em primeiro

lugar os deputados estaduais. Não foi o caso do ex-deputado Luiz

Francisco, mas outros como Edinho Araújo, Arnaldo Jardim e Toninho da

Pamonha atuam até os dias atuais. Em segundo lugar, acreditamos que o

governo estadual que, mesmo vetando alguns casos, não fez maiores

54

Donizetti Barbosa, foi presidente desta instituição no período de 1997-1998, no mesmo momento em

que ele era prefeito da cidade de Apiaí (Gestão 1997-2000).

108

obstruções e não teve perdas ou prejuízos com o processo, pois seu partido

político cresceu ainda mais com novas unidades locais de governo e, por

meio das eleições municipais de 1992.55

Em terceiro lugar, os novos

políticos locais. Esses de coadjuvantes do município-mãe passaram a ter

um novo território para atuarem com garantia de recursos e maior

autonomia o que os possibilitou tornarem-se atores principais das decisões

políticas do novo município.

Em quarto lugar o município-mãe, que pareceria perder com o

processo de perda de território, pode fortalecer-se, inclusive

financeiramente. Apiaí possui um centro urbano dinâmico, que possui

comércio varejista e atacadista e tornou-se pólo para os municípios criados

como centro de decisão e de prestação de serviços. O desmembramento

significou a desoneração da prefeitura-mãe de uma série de

responsabilidades, principalmente aquelas relativas às obras de infra-

estrutura como a manutenção de estradas. Além disso, a criação de novas

prefeituras possibilitou maior dinamismo à estagnação econômica em que

se encontra a região.

Entretanto, a esfera que passou a ser provedora responsável desse

processo é em maior parte, o governo federal que repassa os recursos para

os municípios por meio do FPM. Os repasses federais e os convênios

firmados com programas das outras esferas de governo formam as

principais bases de arrecadação de Itaoca.

A criação de um município como Itaoca representou uma alternativa

para o desenvolvimento das regiões “esquecidas” pelo poder público. A

esfera federal considera inadequada a criação de municípios sem condições

55

Ressaltamos que o veto do governador, em 1991, merece explicação mais detalhada. Não foi possível

conseguirmos argumentos ou informações confiáveis que possam explicar a atitude do governador Fleury

, que foi derrubada pelo parlamento. Parece-nos que o veto foi uma atitude política, em uma primeira

instância, para dar um tom de moralização nas emancipações paulistas. E, além de tudo a transferência de

toda a responsabilidade da criação de municípios ao Legislativo.

109

de arrecadação; todavia, temos uma carência de políticas consistentes que

visem reparar as desigualdades regionais, o atraso econômico e a pobreza

em que se encontram milhões de km² do território nacional. A criação de

municípios representou, portanto, não somente uma configuração negativa,

mas uma alternativa pragmática-imediatista de locais-regionais carentes de

atuação por parte do Estado, tanto no âmbito federal quanto no estadual.

O modelo de federalismo que se constituiu no Brasil é considerado

pouco cooperativo, o que propiciou a competição estadual por maiores

recursos em seus territórios, haja vista, a guerra fiscal. Nesse contexto a

criação de novos municípios representava a maior quantidade de recursos

distribuídos em cada estado.

Alguns autores (Aspásia Camargo, p. ex.) afirmam que uma das

maiores responsáveis pela ausência de sucesso nesse fenômeno foi a

extrema politização do poder local. A falta de continuidade de projetos e o

interesse eleitoreiro imediatista vêm, também, tornando os pequenos

municípios inviáveis e insustentáveis.

Isso foi um dos reflexos da forma como atuou o executivo e

legislativo estadual no período democrático. Baseado nos princípios do

Municipalismo, movimento forte dos prefeitos no período da

democratização, parlamentares e governadores estimularam a criação de

novos municípios com a justificativa de promover o desenvolvimento e a

democratização. Os partidos governistas aproveitaram essa oportunidade

para fortalecerem suas bases e áreas de influência.

Itaoca, provavelmente não teria se emancipado até hoje se não

houvesse os interesses exógenos por parte dos estímulos do partido

governista no começo da década de 1990. Aliada a carência de serviços

públicos básicos à população do antigo distrito, a emancipação de Itaoca

representou a força do legislativo e da base partidária governista em

ampliar suas influências e bases eleitoreiras.

110

O Brasil inovou ao conceder o status de ente federado ao município.

Mesmo assim, o município vive hoje sérias dificuldades. A maneira na qual

estados como São Paulo permitiram a sua proliferação de forma

desordenada, todo o seu status jurídico-constitucional passou a ser

ameaçado pelo imediatismo político e pelas implicações econômicas.

Estudos mostram que os pequenos municípios geram mais custos do que

benefícios para o país. Isso vem causando o hobbesianismo municipal e o

distanciamento da cooperação como forma de combater as disparidades

deste país desigual.

Mas, se formos ver a criação de municípios apenas pelo foco

fiscalista teremos uma visão muito limitada de todo esse processo. Para

nós, a emancipação de um distrito representou também a possibilidade

imediata de desenvolvimento local. Não é justo que uma localidade seja

impedida de procurar sua autonomia devido a leis muito genéricas que não

atendam as diferenças existentes entre as diversas regiões do Brasil.

O Brasil com sua imensa extensão territorial e, conseqüentemente,

municípios muitos grandes, não possui capacidade de gestão e atenção a

todos as suas demandas sociais, econômicas e políticas de seu território.

Para isso é necessário romper a dicotomia que alguns técnicos nos

apresentam: criar município é algo ruim, pois, gera mais custos que

benefícios; ou aquela que afirma que as emancipações possibilitam a

ampliação da democracia e desenvolvimento do país.

Aqueles que se mostram críticos ao processo não levam em conta o

tamanho do país e as especificidades regionais. Interpretando dessa forma o

Brasil deveria evitar a criação de municípios, principalmente, os pequenos

e tentar um processo de recentralização, o que implicaria fazer com que

municípios criados sem condições de sobrevivência voltassem a ser

distritos. Essa seria uma política cômoda, pois desoneraria o compromisso

dos governos de formularem políticas de articulação e de desenvolvimento

111

dos municípios carentes. Aos defensores do processo, que vêem as

emancipações como forma de desenvolvimento e democratização, esses

parecem não levar em conta a nossa cultura cívica e as fragilidades de

nossas instituições políticas, somente a emancipação não basta para que

haja a realização dos ideais democráticos. É necessário maior integração,

cooperação e dinamismo entre todas as esferas de governos.

Um dos fatores que nos pareceu ser importante para o êxito da

emancipação de Itaoca foi a questão territorial. Por isso, precisamos de

novas formas de compreender a dimensão da organização territorial no

processo de criação de municípios. Itaoca configurava-se como um estoque

em potencial devido a sua distância e carência de atenção por parte do

município-mãe. Portanto, para os políticos locais a criação do município

estava além dos ideais de democratização ou desenvolvimento econômico e

sim, da melhor prestação de serviços e recursos públicos com a instalação

de equipamentos sociais e estruturais básicos. Esse nos parece ser um dos

fatores importantes para pensarmos as emancipações, visto que, municípios

muito grandes no Brasil, geralmente, não possuem capacidade de gerir seus

territórios de maneira adequada.

Esperamos que a discussão sobre a criação de municípios, ou

mesmo, a criação de novas formas de governo local no Brasil, não seja

interrompida e reduzida a alguns consensos normativos, pois se isto

fizermos, esta seria uma das maneiras de articularmos e criarmos um

federalismo que compreenda as diferenças regionais e o combate de nossas

desigualdades e desequilíbrios.

112

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