Método Empírico de Prospecção de Pequenos Potenciais Hídricos
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MÉTODO EMPÍRICO DE PROSPECÇÃO DE PEQUENOS
POTENCIAIS HÍDRICOS Omar Campos Ferreira
1; Paulo Pereira Martins Junior
2; Vitor Vieira Vasconcelos
3 &
Leandro Arb d’Abreu Novaes 4
Resumo --- Considera-se a noção de autonomia energética de qualquer bacia hidrográfica como tema central do processo de desenvolvimento eco-sustentável. Com este propósito introduz-se um estudo do Vale do Paracatu, utilizando o método de Horton e Strahler e a correlação entre vazão e área de drenagem para avaliar os potenciais hídricos inferiores a 100 MW para a instalação de pequenas centrais hidroelétricas. O estudo baseia-se na noção de estágio evolutivo de uma bacia hidrográfica. Esse estágio pode ter chegado ao seu máximo de evolução possível para as condições tectônicas regionais, isto é, o estágio de máxima relação de soerguimento versus erosão / deposição, no qual o perfil da bacia atinge máxima estabilidade, considerados os fatores tectônicos e estruturais internos e entre os fatores da geodinâmica externa o fator climático. Os resultados são indicadores de um bom potencial para o Paracatu, no qual, por certo a excessiva dependência de importação de energia poderia ser superada. Abstract --- In this paper the notion of energetic autonomy is a central theme for a sustainable development within any watershed with the right conditions. With this purpose Horton and Strahler method is applied to the Paracatu Valley. It is a part of a more extended method for evaluating existing hydrologic potentials for small hydrologic power plants. The study focuses this specific method as a part of a simple method for a rapid evaluation of the total available potential bellow the limit of 100 MW. This is based on the notion of the actual evolutive stage of a watershed. This stage of evolution may have come to a possible maximum under the actual regional tectonic conditions, i.e., the stage of maximal relation of uplifting versus erosion/ deposition, within which the basin attains a maximum stability, given all the internal tectonic and structural factors and amidst the external geodynamic factors - the climatic factor. The results present a good indicator of hydrologic potentials for small power plants in Paracatu Valley, with which the exceeding dependence on the import of energy may be eventually surpassed.
Palavras-chave: Recursos Hídricos, Bacia Hidrográfica, Hidroeletricidade
1) Engenheiro civil, M.Sc. ciências e técnicas nucleares, correio-e: [email protected] 2) Geól., Dr.Sc.T., Prof. Adj. IV UFOP, Pesq. pleno CETEC, Av. José Cândido de Oliveira, 2000, 31170-000, Belo Horizonte, correio-e:
[email protected] 3) Tc. Informática, Tc. Meio Ambiente, Grad. Filosofia, Bols. BIC-CNPQ, CETEC, Av. José Cândido de Oliveira, 2000, 31170-000, Belo
Horizonte, correio-e: [email protected] 4) Grad. Geografia, especialista em sistema de informação geográfica. CETEC, Av. José Cândido de Oliveira, 2000, 31170-000, Belo
Horizonte, correio-e: [email protected]
1 - MÉTODO EMPÍRICO DE PROSPECÇÃO DE PEQUENOS POTENCIAIS HÍDRICOS
O aproveitamento de pequenos potenciais hídricos recebeu importante estímulo do Governo
Federal através do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia – PROINFA e pode vir
a abrir um novo ciclo de desenvolvimento do Sistema Elétrico Brasileiro, corrigindo alguns
inconvenientes da interligação das grandes bacias geradoras, como a elevada perda de energia e a
queda de tensão nos ramais de transmissão. É, pois oportuno desenvolver métodos expeditos de
avaliação do montante de potenciais abaixo do limite de 70 MW considerado no inventário
desenvolvido pelo consórcio CANAMBRA no início da expansão do sistema. O presente tema é
parte de projeto financiado pelo MCT / FINEP / Fundo Setorial CT-Hidro/2002 intitulado
“Conservação de Recurso Hídrico no âmbito da Gestão Ambiental e Agrícola de Bacia
Hidrográfica”.
Objetivo - O objetivo do presente trabalho é o de sugerir um método alternativo de baixo
custo para avaliações exploratórias de potenciais existentes nas principais bacias brasileiras, a serem
confirmados, se promissores, pelos meios convencionais. A base do método é o trabalho
desenvolvido por [Yang, (1971)] sobre a morfologia de bacias hidrográficas, acrescido da
correlação entre área de drenagem e vazão em uma corrente d’água.
Exprimindo as leis empíricas de [Horton, (1945)] para uma bacia ordenada pelo critério de
Strahler1 [Figura 2] tem-se:
ln Nu = A – B u (1)
ln Lu = C – D u (2)
ln Su = E – F u (3)
ln Adu = M – N u, (4)
ou:
Nu = e (A – B u) (5)
Lu = e (C – D u) (6)
Su = e (E – F u) (7)
Adu = e (M – N u) (8)
em que Nu é o número de correntes de ordem u, Lu é o percurso médio, Su a declividade média e
Adu a área de drenagem média. A Tabela 1 mostra, como exemplo, os valores dos parâmetros
morfológicos da Bacia do Rio Paracatu (Figura 1), obtidos de carta na escala 1:100.0002.
1 O ordenamento considera como de ordem 1 as correntes d´água que ainda não afluíram a outra; a corrente resultante do encontro de duas correntes de ordem 1 é de ordem 2, e assim por diante. Sub-bacia de ordem u é o conjunto de todas as correntes dessa ordem.
2 O levantamento dos parâmetros foi elaborado no Setor de Técnicas de Análise Ambiental do Centro Tecnológico de Minas Gerais – CETEC.
Figura 1 – Mapa detalhado dos cursos d’água do Vale do Paracatu disponível na escala de 1:100.000 (mapa em revisão, atualização para maior detalhamento) [Martins Jr. et al. (2004)].
Figura 2 – Trecho das sub-bacias de Entre Ribeiros e do Rio Escuro no Vale do Paracatu no qual se vê os cursos d’água classificados segundo diversas ordens, de acordo com o método de Strahler. As
ordens estão representadas a cores [Martins Jr. et al. (2004)]
Tabela 1 – Parâmetros morfológicos da Bacia do Paracatu.
Ordem Número de correntes -
Nu
Comprimento médio – Lu
(m)
Queda média Yu (m)
Declividade média Su
Área drenagem média - Adu
(km2) 1 5.439 2.518 66,9 0,0266 4,53
2 1.295 3.699 37,6 0,0102 6,59
3 285 9.425 55,8 0,0059 18,02
4 63 23.794 62,4 0,0026 44,57
5 17 63.176 66,5 0,00105 127,06
6 6 82.000 40,0 0,00049 181,83
7 1 363.000 53,0 0,00015 1270,00
A figura 3 mostra as relações de Horton-Strahler.
Bacia do Paracatu - Leis empíricas.
ln Adu= 0,914 u + 14,062
R2 = 0,9727
ln Lu = 0,8211 u + 6,7786
R2 = 0,9812
ln Nu = -1,4064 u + 9,9371
R2 = 0,9975
ln Su = -0,8333 u - 2,75
R2 = 0,9933-10,00
-5,00
0,00
5,00
10,00
15,00
1 2 3 4 5 6 7 8
Ordem
ln Nu, Lu, Su
0
5
10
15
20
25
Ln Adu m2
Figura 3 – Leis empíricas de Horton-Strahler. Na cor rosa Lu, em preto Adu, em azul escuro Nu e em vermelho Su. São as retas representativas das leis empíricas de Horton-Strahler.
Para calcular os potencias hídricos por sub-bacias é necessário exprimir as vazões em termos
dos parâmetros morfológicos e da afluência de água. Propõe-se correlacionar a vazão com a área de
drenagem que apresenta maior compatibilidade conceitual com a vazão. O levantamento das vazões
de longo termo fornece a relação linear2 entre vazão e área de drenagem [RURALMINAS, (1996)]
vista na figura 3.
Usando os dados acima, calcula-se o potencial na sub-bacia de ordem u como:
Pu = Nu (kAdu) (Su Lu). (9)
Na equação acima, o primeiro fator entre parênteses representa o produto da vazão mássica
(kg/s) pela aceleração da gravidade e o segundo representa a queda média por sub-bacia (m).
Usando a forma exponencial das leis empíricas:
Pu = k e (A+C+E+M) e-(B+D+F+N) u (10)
2A linearidade da relação entre vazão e área de drenagem foi verificada também para o Rio Doce.
Na expressão acima, o fator e (A+C+E+M) é independente da ordem u, podendo, portanto ser
incorporado à constante k:
Pu = k e-(B+D+F+N) u (11)
Vazões na Bacia do Rio Paracatu
y = 0,0107x + 6,2288
R2 = 0,9969
0
100
200
300
400
500
0 10000 20000 30000 40000 50000
Área de drenagem km2
Vazão média de longo período m3/s
T-15
Figura 4 – relação entre vazão e área de drenagem que permite constatar uma relação em forma matemática de lei na bacia do Paracatu.
Substituindo os parâmetros B, D, F e M pelos valores numéricos extraídos das equações de
ajuste, mostradas no figura 3, obtém-se:
Pu = Ke-(-1,4064+ 0,8211 - 0,8333+ 0,9140) u = K e0,5046 u (12)
Esta última equação permite calcular a razão entre os potenciais de duas sub-bacias de
quaisquer ordens. Por exemplo, entre duas bacias de ordens consecutivas:
Pu+1/ Pu = e0,5048(u+1) / e0,5048u = e0,5048 = 1,66. (13)
Partindo do potencial da bacia principal, que geralmente é inventariada, pode-se calcular os
potenciais das demais sub-bacias, como mostra a Tabela 2.
Quadro 1 – Distribuição do potencial hídrico da Bacia do Paracatu.
Ordem Potencial - MW Número de cursos Potencial/curso
7 420* 1 420
6 254 6 42
5 153 17 9,0
4 92 63 1,5
3 56 285 0,19
2 34 1295 0,026
1 21 5439 0,004
Total 1.030 - -
*fonte - [RURALMINAS, (1996)]
2 - PLANEJAMENTO de BACIAS HIDROGRÁFICAS
“O enfoque do planejamento de Bacias Hidrográficas se mostra potencialmente bastante
eficaz na gestão ambiental de territórios, visto que aquelas podem ser pesquisadas como sistemas
naturalmente delimitados, onde há trocas de matéria, energia e bio-informação bem definidas tais
como: - escoamento superficial na saída da sub-bacia, energia de origem hídrica, precipitação
pluvial, incidência de energia solar, erosão, migração de animais e de seres humanos, balança
comercial, etc.. Outra vantagem da gestão de Bacias Hidrográficas é que ela permite o trabalho em
múltiplas escalas, desde os grandes rios nacionais que atravessam diversos Estados e deságuam no
oceano, até bacias de pequenos riachos dentro de uma propriedade rural. Essas diferenças de escala
permitem que as bacias hidrográficas sejam usadas desde o ordenamento territorial em grandes
planos setoriais governamentais, até o planejamento das atividades de produtores rurais em suas
propriedades particulares. Isto é válido para os potenciais hidroelétricos em várias potências.
“Ao estudar comparativamente as bacias hidrográficas, percebe-se que cada uma possui
características e dinâmicas ambientais e hídricas diferentes. Estas características vão influenciar
diretamente as atividades humanas nessas bacias hidrográficas, selando inclusive a viabilidade de
determinados empreendimentos. É esse o caso da disponibilidade de minerais pela indústria
extrativista, da aptidão de solos para cada tipo de cultivar, da disponibilidade de água para produção
de energia elétrica, da disponibilidade de água para irrigação, do relevo e solos adequados para
tratores e equipamentos agrícolas, etc.
“As características ambientais vão definir a maneira como a população vai sobreviver dentro
da bacia hidrográfica, determinando de maneira indireta, mas crucial, a sua cultura e modo de vida.
Exemplos extremos são as populações de uma bacia do semi-árido, outra da bacia amazônica e
outra de uma região de fronteira agrícola, cada uma delas com sua população singular. Enfim, dessa
maneira as bacias hidrográficas precisam ser encaradas do ponto de vista ecológico, energético,
econômico e social, já que essas quatro esferas interferem entre si e são reciprocamente interligadas
e limitantes” [Martins et al. (2005)].
3 - AUTONOMIA e GESTÃO de BACIAS HIDROGRÁFICAS
“Muito tem se discutido sobre a defesa da autonomia e sustentabilidade dos povos, sobre
como se mostra estratégico para um povo conseguir suprir suas próprias necessidades, diminuindo
assim sua dependência e eventual exploração por um poder externo. Um povo com autonomia
alimentar, energética, hídrica e econômica se encontra protegido contra crises e reveses que atinjam
a região, ou mesmo alguma expressiva parte do mundo, já que as necessidades da população podem
continuar a ser supridas com bases locais. Do ponto de vista ético e moral, também deve ser
considerada como essa autonomia regional é importante para defender a dignidade de um povo,
podendo sobreviver sem ser submisso a algum outro grupo externo, mantendo assim seu modo de
vida, seus valores, sua cultura, seus saberes tradicionais, sem esquecer também o direito a uma vida
segura e qualitativamente boa. Ressalva-se que a autonomia de um povo não significa o seu
isolamento do restante da sociedade nacional e também global, mas sim que consiga levar adiante
seu projeto de desenvolvimento ecológico-econômico, de uma maneira madura, em que sua
interação com os demais povos e mesmo com outras populações do mesmo País, se dê como uma
cooperação entre iguais, e não na forma de dominado-dominador.
“Quanto ao aspecto da sustentabilidade, é necessário planejar e agir para garantir esses
direitos não apenas para a geração presente, mas também para as que estão por vir, o que implica
também em não esgotar os recursos naturais e as potencialidades dos ecossistemas, bem como em
aproveitar inteligentemente todos os potenciais energéticos no interesse regional de autonomia de
produção de energia.
“Pode-se perfeitamente estender metas de autonomia de um País para todas as bacias
hidrográficas com conseqüentes modos de gestão dessas bacias hidrográficas. Dado que há uma
singularidade tanto do sistema natural quanto do humano dentro das bacias hidrográficas, torna-se
útil utilizá-las como unidades estratégicas de desenvolvimento sustentável. Do ponto de vista da
economia física, elas serão então consideradas como unidades naturais e humanas de produção.
Temos como viável, na prática, o planejamento administrativo, visando a autonomia das bacias de
segunda ordem no Brasil, isto é, a partir do rio maior que define a primeira ordem como
determinado pela Secretaria Nacional de Recursos Hídricos. Este é o sentido de se ter iniciado o
estudo detalhado de todos os potenciais hídricos para PCHs no Vale do Paracatu. Falta ainda
localizar geologicamente os locais mais apropriados, inclusive para micro-usinas” [Martins et al.
(2005)].
4 - CONCLUSÕES
O potencial hídrico total da Bacia do Paracatu é cerca de 2,5 vezes maior do que o da bacia
principal de ordem 7, o próprio Rio Paracatu, e cerca de 1,5 vezes a soma dos potenciais das bacias
de ordens 7 e 6 (as que tenham sido inventariadas). Se esta conclusão puder ser aplicada a todas as
bacias brasileiras, o potencial total seria de 1,5 x 260GW = 390GW. O aproveitamento dessa
capacidade geradora é limitado pelos usos concorrentes da água, pela legislação ambiental e pelo
custo de geração, que tende a variar no sentido inverso ao da potência, estimando-se como limite
superior 70% do total, ou seja, 273 GW.
Atualmente o PROINFA estimula o aproveitamento de usinas de até 30 MW (Pequenas
Centrais Hidroelétricas – PCH), estando a ELETROBRÁS obrigada a adquirir a energia gerada
nessas usinas pelo prazo de 20 anos a preço privilegiado. Na Bacia do Paracatu o potencial para
pequenas centrais corresponderia às sub-bacias de ordens 4 e 5, totalizando 245 MW.
Uma conclusão que está na base das pesquisas desenvolvidas nesse projeto CT-Hidro /2002 é
a premissa de que as bacias hidrográficas do porte como a bacia do Paracatu devem se tornar
autônomas energeticamente, permitindo o melhor aproveitamento hídrico dos cursos d’água,
eventuais controles de cheias, melhores formas de conservação de solos e da água no próprio
sentido de uma longa duração de barragens e dos potenciais energéticos que podem durar séculos, a
diminuição eventual dos custos da energia, menores linhas de transporte de energia por ser
principalmente para o interior da bacia, quando provier de PCHs, diminuindo assim as perdas e
liberando energia das grandes geradoras para os centros de altos consumos. Este conjunto de
quesitos justificam um projeto de autonomia energética para o Vale do Paracatu, que é afinal uma
grande bacia que favorece alta produtividade agrícola em projetos intensivo por toda a região.
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, O. C.; MARTINS Jr., P,P; MOREIRA, C. V. R – Aplicação da Termodinâmica para a Avaliação do Equilíbrio de Redes Fluviais, CETEC, 2002.
HORTON, R. E (1945) “Erosional development of streams and their drainage basins”, Bull. Geol. Soc. Amer.
MARTINS Jr., P.P., MARQUES, A.F.S.e M., MOURA, L.C., WERNECK, C., NOVAES, (2004) L.A.d’A. Informações Cartográficas Padrão do Projeto CRHA. Belo Horizonte e Ouro Preto: Fundação CETEC e UFOP-EM-DEGEO. Nota Técnica NT-CRHA 05/2004.
MARTINS Jr., P.P., Vasconcelos, V.V., IUNES, M. A. de O. (2005) - Desenvolvimento Eco-sustentável. Belo Horizonte: Fundação CETEC. Nota Técnica NT-CRHA 36 / 2005.
RURALMINAS (1996) “Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paracatu” – MMA, SRH, SEAPA-MG, SEMAD, IGAM.
YANG, T. C (1971) “Potential Energy and Stream Morphology”– Water Resources Research.