Uma abordagem via gêneros textuais e a produção escrita em Inglês como língua estrangeira no...

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1 Nome do trabalho: Uma abordagem via gêneros textuais e a produção escrita em inglês como língua estrangeira, no Ensino Fundamental Autora: Maria Raquel de Andrade Bambirra Endereço eletrônico: [email protected] Instituição de origem: Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais – CEFET/MG

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Nome do trabalho: Uma abordagem via gêneros textuais e a produção escrita em inglês como língua estrangeira, no Ensino Fundamental Autora: Maria Raquel de Andrade Bambirra Endereço eletrônico: [email protected] Instituição de origem: Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais – CEFET/MG

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Uma abordagem via gêneros textuais e a produção escrita em inglês como língua

estrangeira, no Ensino Fundamental

RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar uma abordagem via gêneros textuais desenvolvida para o ensino da habilidade de produção escrita em inglês como língua estrangeira, para alunos de 8ª série do Ensino Fundamental. Ele está baseado em uma pesquisa de mestrado cuja contribuição principal está no uso desta abordagem como uma ferramenta metodológica para ajudar os alunos a perceberem os textos de uma forma contextualizada e significativa e melhorar a qualidade de sua produção escrita. Seu suporte está na teorização de Halliday (1989) acerca do contexto de cultura, notadamente as noções de campo, relação e modo, e na contribuição de Hasan (1989) ao contexto de situação, em especial a classificação da estrutura genérica dos textos via levantamento dos elementos obrigatórios, opcionais e recursivos dos mesmos. Estas categorias e elementos orientaram o desenvolvimento do componente instrucional e guiaram as análises textuais feitas. Estas análises provaram ser muito eficientes em ajudar os alunos a planejar e desenvolver seus textos, como também em conseguir subsídios para o fornecimento de feedback coerente, ao longo de todo o processo. Palavras-chave: gêneros textuais, contexto de cultura, contexto de situação, habilidade de produção escrita.

ABSTRACT

The objective of this article is to present a textual genre approach to the teaching of writing in English as a second language, to students of Ensino Fundamental. It is based on a research study whose main contribution is in the use of this approach as a tool to help students realize texts in a contextualized and meaningful way and improve their written production. Its theoretical support is in Halliday’s context of culture (1989), specifically in field, tenor and mode categories, as well as in Hasan’s context of situation (1989), in eliciting the generic structure of texts through their obligatory, optional, and recursive elements. These categories and elements oriented the development of the instructional component and guided the textual analyses made. These analyses proved to be very effective in helping students plan and develop their texts, and also in providing coherent feedback throughout the process. Key-words: textual genre, context of culture, context of situation, writing ability.

1 Introdução Este artigo fundamenta-se em uma pesquisa de mestrado, desenvolvida em 2004,

no programa de pós-graduação da UFMG, com subsídio da CAPES. A parte empírica da pesquisa estendeu-se por sete meses, em uma turma da oitava série do Ensino Fundamental, de um colégio de classe média alta de Belo Horizonte. O trabalho investigou a relevância de se explicitarem as características genéricas dos textos, como suporte para a produção textual dos alunos, visando à melhoria da qualidade dessa produção.

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Ao longo da pesquisa, os alunos foram convidados a elaborar cinco Produções, formalizadas em sete atividades de elaboração escrita. Os componentes instrucionais empregados foram desenvolvidos em função das categorias de Halliday (1989) para descrever o contexto de cultura dos textos e dos elementos da configuração contextual propostos por Hasan (1989), na descrição do contexto de situação. A abordagem usada foi a da escrita enquanto processo. Os registros dos alunos foram analisados de duas formas diferentes, em função do trabalho com os componentes instrucionais: focando somente o contexto de cultura, ou focando tanto o contexto de cultura quanto o contexto de situação.

Acreditando no sucesso da abordagem em organizar o pensamento dos alunos e servir como ferramenta eficaz para a melhoria de sua produção escrita, busco apresentar neste artigo a análise de alguns registros, acompanhada de seu componente instrucional básico, uma vez que considero estar na condução metodológica e na avaliação textual a contribuição principal da pesquisa, ora em foco.

2 Justificativa

Analisando o ensino de inglês nos níveis Fundamental e Médio do Brasil atual, acredito que a baixa qualidade da produção escrita dos alunos é uma das questões que demanda atenção especial por parte dos pesquisadores. A dificuldade apresentada pelos alunos em elaborar textos coerentes e coesos, que atendam a seus objetivos comunicativos, é muito grande, e parece-me essencial que encontremos novas formas de intervir nesse processo. Penso que a habilidade de produção escrita em inglês não é devidamente trabalhada pelos professores em sala-de-aula, de uma maneira geral. Afirmo isso porque, se questionadas as partes envolvidas no ensino e aprendizagem da escrita, temos a seguinte situação1: tanto alunos quanto professores geralmente acham as atividades propostas monótonas e difíceis, e os professores, em função disso, tendem a negligenciá-las em suas práticas pedagógicas (Bambirra, 2004).

As novas tecnologias advindas da fibra ótica e dos satélites de última geração – especialmente a Internet e a TV a cabo – promoveram a instauração da comunicação globalizada e instantânea. As habilidades de ler e escrever são supervalorizadas, já que a necessidade premente de interação com textos e desenvolvimento de novas habilidades comunicativas interpessoais, para a conquista dos espaços e melhor trânsito nas esferas sócio-culturais, é real (Marcuschi, 2001). A inclusão digital é uma necessidade - a Internet inaugurou uma nova era nas interações. Nessa nova era, a palavra escrita é ferramenta de acesso e trânsito e, por isso, ganhou novos significados e usos, que nossos alunos precisam dominar (Marcuschi, 2004).

Ainda em função das mudanças que vêm se instalando no mundo, além de dominar a tecnologia da escrita, é muito importante que se saiba inglês, e isso é válido para os povos de quase todo lugar do mundo. Segundo Moita Lopes (2003: 54), “tendo em vista o papel que representa na construção da nova ordem mundial, a língua inglesa é um instrumento essencial para operar no novo capitalismo, inclusive para ter acesso a modos contemporâneos de produção de conhecimento”.

O ensino da habilidade de produção escrita em inglês não deveria prescindir de trabalhar a língua em sua perspectiva de veículo de construção do sentido nos textos. Não percebo uma preocupação em mostrar como as palavras são dispostas para produzir sentido. Não se discute com o aluno, por exemplo, qual o tipo de linguagem 1 Para detalhes, favor ver os resultados da comparação dos questionários iniciais e finais, de alunos e professora, da pesquisa em Bambirra (2004: 176-7).

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que melhor traduz o tipo de idéia que ele vai precisar representar. Não se mostra que uma opção lexical diferente, no contexto de qualquer texto, ou a implementação de uma outra dinâmica de pontuação, modificam o sentido de todo o enunciado, acrescentando ou retirando elementos semânticos como a ironia, a dúvida, o humor, a confusão, o preconceito, a parcialidade, etc. O conteúdo ideológico dos textos não é evidenciado, não se cogita repensar o posicionamento discursivo do autor, as circunstâncias que justificam e determinam a existência dos textos, não se questionam as limitações dos suportes que os veiculam, as condições econômico-sociais em que eles foram produzidos, nem o contexto de suas distribuições e consumo, como enfatizam Fairclough (1995), Wallace (2003) e Marcuschi (2004).

Tal atitude não ajuda o aluno a perceber que todo texto visa cumprir uma função social e que é essa função social que norteia a maioria das escolhas do autor. Raramente os textos são trabalhados em sua perspectiva natural de intentos comunicativos. Como bem observou Baltar (2004), ao contrário disso, as atividades desenvolvidas em sala de aula tendem a fazer com que o aluno pense que eles não têm qualquer função. Geralmente, o aluno é convidado a escrever textos que não encerram qualquer objetivo comunicativo em si, é obrigado a fazer uso do conteúdo gramatical ensinado, que normalmente ele não estuda de forma contextualizada, e seu leitor é sempre seu professor. Para completar o quadro, o único motivo que o professor lhe apresenta para se interessar pelo que ele escreve é avaliar se ele aprendeu o conteúdo trabalhado em sala de aula. Acredito que uma mudança na forma como o professor propõe e conduz a atividade de produção escrita de seus alunos pode fazer toda a diferença com relação à problemática até aqui levantada.

Ticks (2005: 17-18) atrela a prática pedagógica, de uma maneira geral, às concepções de linguagem que o professor possui, advogando a favor “da construção de uma concepção de linguagem enquanto gênero, em sala de aula de línguas estrangeiras”. Percebo esse caminho como uma forma efetiva de contextualizar a produção escrita para o aluno. Quando da abordagem textual em sala de aula, é importante que o aluno perceba que os textos são materializados em gêneros textuais, de diversas formas. Para tanto, o aluno deve ter contato com vários exemplos de gêneros textuais, sobre um só assunto, para que ele possa comparar as formas e apreender os usos. Nessa comparação, além da função social que cada texto tem, quem é seu autor, e para que público o texto foi criado, devem ser explicitados sistematicamente os mecanismos de textualização de cada um deles, ou seja, apontadas as maneiras como os textos são construídos, como eles funcionam, como veiculam idéias, como imprimem coesão e coerência ao pensamento traduzido em palavras (Halliday, 1976, 1978, 1989 e 1994).

Na minha opinião, o aluno precisa dominar essas relações de forma consciente, para ser capaz de extrapolar o conhecimento adquirido e produzir seus próprios textos. A noção difusa e instintiva sobre a escrita não é mais suficiente para que uma pessoa interaja com eficiência no mundo moderno. Grabe & Kaplan (1996: 135), a respeito da função da escola frente à questão, teorizam que a ela cabe ensinar o aluno a integrar língua, conteúdo e contexto através da prática de escrita de textos pertencentes a gêneros que demandam essa integração.

Por ser igualmente importante no estudo do gênero em sala, dou ainda ênfase à exploração dos elementos semióticos que marcam os gêneros, como, por exemplo, o aspecto físico dos textos, sua forma de apresentação, o tamanho das letras, a disposição das palavras no papel, as gravuras, os números, as cores e as formas através das quais esses elementos são representados, na composição textual (Halliday & Hasan, 1989;

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Kress, 1994; Kress & Van Leewen, 1996; Dias, 1985; Moita Lopes, 2003; Heberle, 2004; Meurer, 2004). Tal atitude chama a atenção dos alunos para o caráter funcional dos textos, bem como explicita seu conteúdo ideológico imanente, devolvendo a eles sua característica primeira de oriundos das necessidades de comunicação das pessoas dentro do contexto sócio-histórico e cultural em que transitam.

Apesar de parecer uma opção óbvia e simples para o ensino da escrita de inglês como L2, uma exploração sistematizada dos elementos e das características dos gêneros textuais a serem trabalhados, para fins de contextualização e produção dos textos, raramente acontece. O trabalho com textos, que tem como ponto de partida e postura metodológica a opção pelo foco sobre as marcas genéricas apresentadas, traz necessariamente a produção de conhecimento, principalmente de estruturas gramaticais, como uma conseqüência do processo. Essa mudança de foco vai ao encontro da realidade objetiva do aluno e, por isso, lhe é significativa. Na medida em que são estudados os motivos pelos quais os textos são produzidos, a compreensão do processo da escrita fica facilitada. Isso viabiliza a transposição didática, por parte do professor, com apoio do material didático, e o conseqüente aprendizado, por parte do aluno, de diversas formas de traduzir sua intenção comunicativa, via expressão escrita.

Nessa perspectiva, para a produção final de um texto adequado à finalidade social a que se destina, o aluno vivencia um processo de elaboração das etapas desse texto, pensa e repensa suas escolhas lingüísticas e retóricas, conta com a revisão dos colegas e do professor, pelo menos, e experimenta a oportunidade de construir socialmente, através da interação, seu texto final, materializado em um gênero textual, visto assim como produto (Motta-Roth, 2002; Dias, 2004).

O que considero ideal em termos de planejamento e desenvolvimento do ensino da produção escrita em inglês é que as atividades que envolvem produção escrita a serem desenvolvidas sejam constituídas basicamente da escrita de pequenos textos, exemplos de gêneros textuais cuidadosamente escolhidos, via trabalhos guiados através da desconstrução de um exemplo e a posterior construção textual livre. Tal desconstrução deve acontecer em função dos elementos genéricos que estruturam o texto escolhido, especialmente as categorias campo, relação e modo de Halliday (1989) e os elementos obrigatórios, opcionais e recursivos de Hasan (1989), valorizando os aspectos discursivos e contextuais do uso da língua e explorando os recursos não verbais empregados.

A abordagem via gêneros ora preceituada não considera os gêneros como estruturas-padrão de textos, mas sim como “ações semióticas caracterizadas por uma função social e por uma organização retórica mais ou menos típica, realizadas através da linguagem, em contextos de práticas sociais recorrentes” (Meurer, 2004).

O ensino via explicitação das marcas principais dos gêneros textuais estrutura o pensamento dos alunos, na medida em que oferece um referencial a ser seguido, na fase de planejamento de seu texto. O gênero está acima do texto, segundo a Lingüística Sistêmico-funcional, por fazer parte do arcabouço ideológico-cultural de dada comunidade. Sendo assim, pode ser ensinado e aprendido, via sistematização de suas principais características. Não se trata do estabelecimento de molduras para que o aluno insira nelas algumas idéias. Na verdade, a proposta é oferecer alguns marcos imprescindíveis à estruturação dos textos, para que o aluno norteie seu trabalho de criação sem se perder e, principalmente, sem incorrer na possibilidade de elaborar textos inadequados aos objetivos propostos.

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O gênero é cultural e coletivo, mas o registro é individual. Depois que o aluno adquire o domínio do gênero textual que viabiliza determinada função comunicativa, ele se sente mais seguro para ousar e produzir seus próprios registros. Só é livre para tomar suas próprias decisões quem conhece suas possibilidades.

O conceito de língua adotado, teorizado por Halliday (1978), percebe-a sob a perspectiva da Semiótica Social2. Sob tal ponto de vista, todas as formas lingüísticas são usadas de maneira mediada e não arbitrária, para a produção de sentido (Kress, 1996: 7). Em outras palavras, as escolhas lexicais, sintáticas e textuais, em função do contexto de situação em que ocorrem, são fortes elementos de configurações verbais de sentido, cristalizadas nos discursos oral e escrito (Martin, 2002). Tomando emprestadas as palavras de Kress e van Leeuween (1996: 8), describing a language is describing what

people do with words, or images, or music.

3 Pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa A opção natural para o desenvolvimento do trabalho foi o da investigação da abordagem da escrita enquanto um processo, à luz do sócio-interacionismo, sob a perspectiva das teorias acerca dos gêneros textuais, notadamente as formas desenvolvidas pela Escola de Sydney. Optei por eleger as contribuições de Halliday (1989, 1994) e Hasan (1989) para a Lingüística Textual como o marco teórico do trabalho, em especial sua proposição de análise das formações discursivas pela observação do aspecto funcional das trocas comunicativas, e das categorias sistêmicas e genéricas de estruturação potencial do significado no todo enunciativo.

Dentro da teoria de Halliday, duas circunstâncias têm impacto decisivo na existência e definição dos textos: o contexto de cultura e o contexto de situação. Como explica Santos (1998: 31), o contexto de cultura pode ser entendido como a estrutura geral que viabiliza as interações, adaptáveis às muitas manifestações que elas passam a assumir. Já o contexto de situação é dado pelo conjunto das escolhas retóricas e principalmente das escolhas lingüísticas feitas na composição de um texto. Baseado nos conceitos de contexto de situação e contexto de cultura de Malinovsky, e na descrição de Firth para contexto de situação3, Halliday (1989) definiu três elementos conceituais para a interpretação do contexto social de qualquer texto, ou seja, a circunstância em que acontece a negociação de significados entre os envolvidos na troca comunicativa. Esses três elementos definem as variações que encontramos nos registros, porque promovem a relação do texto com o seu contexto de situação. Transcrevendo Halliday (1989: 5), text can only be interpreted by reference to context.

Como teorizou Halliday (1989: 12), tais elementos são: campo (a natureza da atividade social explicitada pelo texto, os atos de seus interactantes e seus objetivos), relação (os papéis, as funções dos participantes na troca comunicacional específica e as distâncias sociais assumidas por eles) e modo (o canal do texto, sua forma, seja ele escrito ou falado)4.

2 Segundo Meurer (2004), a Semiótica Social refere-se à atividade de produção de significação em contextos sociais. Toda atividade de produção de significação é uma atividade semiótica, para o pesquisador. 3 Ver Neves (2001: 59) 4 Campo, relação e modo são os correspondentes para field, tenor e mode, respectivamente. Optei usar esta tradução dos termos cunhados por Halliday pelo fato de que eles são os mais freqüentemente encontrados na literatura pertinente, veiculada em português.

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De acordo com Santos (1998: 5-10), em todo texto, a categoria campo é realizada através da escolha dos processos verbais, da transitividade, da denominação, etc., e reflete as representações de mundo de quem o elabora. A categoria relação explicita o papel e o status de quem está participando da troca comunicativa e é realizada através dos significados interpessoais: o modo, a modalidade, as pessoas, etc., e reflete o engajamento e o envolvimento dos produtores dos textos. Por fim, a categoria modo é realizada através dos significados textuais: o tema (relação tema-rema), a informação, as relações de coesão e o meio através do qual o texto é veiculado (escrito ou oral).

Usei esses elementos propostos por Halliday para analisar o contexto de cultura das produções coletadas. Classifiquei os registros dos alunos em adequados e não adequados, em função da forma como eles caracterizaram esses três elementos.

A configuração contextual de Hasan, ou a estrutura genérica potencial dos textos, é o conjunto de valores que efetiva a co-existência desses três elementos de Halliday, descritos nos parágrafos imediatamente anteriores, dentro de qualquer texto. Segundo Martin e Rothery (1993: 137), os conceitos campo, relação e modo ajudam a explicitar as escolhas gramaticais feitas em determinado texto. O conjunto dessas escolhas explicita a gramática da língua, uma vez que são os elementos lingüísticos usados para garantir que dado texto cumpra a função social que motiva sua existência, segundo a concepção de Halliday (1994).

Hasan (1989), baseada em Halliday, define então três elementos textuais que se prestam à análise do contexto de situação de um texto. Mapeei e quantifiquei a presença desses três elementos nos registros dos alunos, para determinar a qualidade textual. São eles: os obrigatórios, os opcionais e os recursivos.

Os elementos obrigatórios são aqueles que nos dão a indicação apropriada de que a função social que o texto deseja alcançar está realizada. Eles definem a que gênero textual dado texto pertence. Na perspectiva de Bakhtin (2000: 302), a compreensão do outro só nos é possível porque intuímos os gêneros dos quais ele se apropria e co-criamos os textos em seu vir-a-ser discursivo. O que orienta tal intuição é a presença dos elementos obrigatórios de Hasan, uma vez que eles se tornam as pistas textuais nas quais nos apoiamos para checar as hipóteses, baseadas em conhecimento prévio, que levantamos, na busca pelo significado.

Os elementos opcionais, por sua vez, como o próprio nome indica, podem ocorrer, mas não necessariamente. Eles não ocorrem aleatoriamente, mas sim em função de alguma circunstância introduzida por uma configuração contextual que não corresponde à principal, ou seja, àquela que sustenta o texto. Sua simples ocorrência, mesmo que previsível, não é suficiente para servir de critério na definição de um gênero textual.

Finalmente, os elementos recursivos são aqueles que repetem informação ao longo do texto. Podem ocorrer a todo momento, pois introduzem qualidade ou estado às coisas, basicamente. 4 As análises dos registros elaborados pelos alunos

Para explicitar a maneira como essas análises foram feitas, contextualizo e discuto a seguir dois exemplos de registros considerados adequados (Produções 2 e 5) e um considerado inadequado (Produção 2).

Na Produção 2, os alunos foram convidados a escrever um pequeno texto de aconselhamento, dando uma dica a um e-pal a respeito de um lugar interessante para se

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conhecer no Brasil, justificando o conselho. O registro da Figura 01 apresenta um exemplo de adequação genérica. As categorias campo, relação e modo aparecem indicadas pelas setas e letras, mostrando como esse aluno caracterizou cada uma delas. Através do uso do modal should, ele veiculou o aconselhamento. Imprimiu uma relação não íntima, porém próxima, própria de adolescentes em interações via Internet, como era o caso. Quanto ao modo, vemos que o texto foi composto no subjuntivo, porém sua última frase está no futuro simples. Isto mostra que o aluno utilizou-se de um recurso comum nas interações orais (recurso de meio fônico) para legitimar o aconselhamento formalizado em meio gráfico. Em outras palavras, a proximidade da linguagem oral, determinada pela correta instauração do interlocutor pelo aluno (categoria relação), foi o recurso usado para delimitar o modo escrito de seu registro (via contraste) e, ao mesmo tempo, dar um fechamento enfático ao seu texto, garantindo o cumprimento da função social.

Figura 01 – Produção 2 – Exemplo de registro adequado Fonte: Bambirra, 2004, p.

Em cumprimento à mesma tarefa (Produção 2) indicada acima, temos um outro exemplo (Figura 02), que traz uma inadequação genérica. Neste caso, o aluno não elaborou um aconselhamento (categoria campo), ou seja, seu texto não cumpre a função social que justifica a sua existência. O texto está organizado em forma de esquema. A categoria da relação também foi comprometida na medida em que tal estruturação textual imprimiu um caráter de impessoalidade, suprimindo a figura do interlocutor.

A Produção 5 constituiu-se na elaboração de uma propaganda a ser veiculada em jornais ou revistas. A limitação do suporte foi necessária, pelo fato de que a propaganda é um gênero multimidiático por excelência. Para viabilizar a análise desta Produção, estabeleci uma dinâmica de comparação de exemplares autênticos, retirados de revistas e jornais de grande circulação nos Estados Unidos, e pedi que os alunos elegessem, segundo sua percepção, os cinco elementos obrigatórios de uma propaganda veiculada por um desses dois meios, alguns opcionais e outros recursivos. Obviamente, para que os alunos pudessem desempenhar a tarefa de maneira eficiente, eles foram incentivados a discutir a construção textual das propagandas em função das escolhas léxico-gramaticais mais comuns e da utilização de recursos verbais e não-verbais na significação no todo.

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Figura 02 – Produção 2 – Exemplo de registro inadequado Fonte: Bambirra, 2004, p.

Foram eleitos cinco elementos obrigatórios e vários opcionais e recursivos.

Esses elementos foram listados no quadro negro, à medida que os alunos iam desenvolvendo a tarefa, e posteriormente entregues a eles por escrito, para que norteassem a sua elaboração textual. Os trabalhos com essa Produção aconteceram ao longo de duas semanas propositadamente, para que os alunos pudessem socializar suas idéias com parentes, amigos e colegas. Ela foi analisada de forma mais completa que as anteriores, pois as categorias campo, relação e modo foram conjugadas aos elementos obrigatórios, opcionais e recursivos.

Figura 3 – Produção 5 – Exemplo de registro adequado Fonte: Bambirra, 2004, p.

A Figura 03 traz um exemplo de registro que apresentou os cinco elementos

obrigatórios escolhidos. Analisando as categorias campo, relação e modo, temos que o texto está estruturado na linguagem multimodal e concisa, própria da propaganda, usando recursos verbais e não verbais, e que ele cumpre a função social de anunciar um produto. Ao estabelecer o problema, o aluno também seleciona o público alvo. Eleito o público e estabelecido o produto, o aluno entra no terreno da relação e define o nível de proximidade que ele acha conveniente estabelecer com esse público (elemento de credibilidade), para garantir as categorias campo e modo. A adequação entre o problema e a solução bem como a inclusão da informação para contato estruturam a categoria modo.

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Nessa análise, fica claro como as categorias de Halliday e os elementos de Hasan estão intimamente interligados na tessitura textual. Por este motivo, a explicitação e a sistematização das características dos gêneros constitui-se em uma ferramenta metodológica poderosa para capacitar o aluno a desenvolver uma escrita crítica cada vez mais eficiente, e para nos fornecer os subsídios necessários à elaboração de feedback mais significativo e construtivo, que seja realmente capaz de orientar nosso aluno ao longo do processamento da escrita. 5 Considerações finais

Precisamos investir esforços no sentido de mudar a cultura da escola no que se refere ao trabalho com a habilidade de produção escrita. Esta não pode ser uma limitação para as pessoas. A meu ver, é função da escola fazer com que as pessoas dominem a habilidade de escrita, tanto em L1 quanto em L2, para que ela se transforme em mais um instrumento de expressão e de libertação.

Retomo o pensamento de Moita Lopes (2003), no que se refere à responsabilidade social dos professores de inglês do Brasil de hoje, para com ele concordar no sentido de que podemos construir uma prática profissional que conduza à formação de uma sociedade mais justa, em que as oportunidades aconteçam para muitos. Segundo o autor (2003: 53-4), tanto os alunos economicamente privilegiados quanto os alunos pobres e marginalizados precisam lidar na escola com práticas discursivas situadas, para que a realidade lhes seja mais significativa.

Cabe a nós, professores, colaborarmos para que nossos alunos adquiram o letramento crítico5, ou seja, para que eles saibam “ler” o mundo em que vivem, e não sejam vítimas eternas do que, mesmo sem perceber, lêem nas entrelinhas. Essa leitura posicionada do mundo é possível através da consciência crítica da linguagem e do discurso, uma vez que, como ensina Freire (2003: 79), a leitura e a escrita das palavras passa pela leitura do mundo, e o acesso a ela acontece somente via educação lingüística, como colocou Moita Lopes (2003: 47).

Como demonstrado, a abordagem via gêneros, apresentada neste artigo, tem um papel muito importante nas fases de geração de idéias e planejamento textual. Em minha pesquisa, evidencia-se que o uso dessa abordagem aumenta a motivação e o sucesso dos alunos em elaborar textos coerentes e coesos, que atendam à função social que lhes justifica a existência. Tais resultados são indícios fortes de que essas duas fases do processo de produção escrita são momentos cruciais para os alunos, de uma maneira geral. Sendo assim, advogo o emprego dessa abordagem, porque ela parece ser uma opção bastante interessante para o desenvolvimento dos trabalhos com a habilidade de produção escrita em inglês, enquanto L2, na escola.

6 Referências Bibliográficas BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso: problemática e definição. In: Estética da criação verbal. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 279-287.

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5 Moita Lopes emprega o termo letramento crítico nesse artigo (2003), com base no pensamento de Fairclough (1999) e de Wallace (2003).

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