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Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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sumário

Crianças com

necessidades especiais

na escola

O uso de recursos de tecnologia assistiva no atendimento educacional especializado: considerações sobre a sala de recursos multifuncionais e escolas especializadas. (The use of assistive technology resources within specialized educational support service: considerations about multifunctional resources classroom and special education schools.) Carolina Cristina Alves Lino, Adriana Garcia Gonçalves, Gerusa Ferreira Lourenço. (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP).

98-108

Revisão

Transtornos do Espectro do Autismo: revisão sistemática sobre instrumentos para rastreamento e diagnóstico disponíveis no Brasil. (Autism Spectrum Disorders: systematic review of screening and diagnosis instruments available in Brazil.) Vivian Renne Gerber Lederman, Renata de Lima Velloso, José Salomão Schwartzman. (Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP).

109-113

Reconhecimento do próprio nome: considerações bibliográficas sobre o tema. (Own name recognition: considera-tions on the subject.) Aline Moreira Lucena, Cynthia Ribeiro do Nascimento, Patrícia Reis Ferreira, Sirley Alves da Silva Carvalho, Walter Camargos Junior, Erika Maria Parlato-Oliveira. (Programa de Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, MG).

114-119

Originais

(Dis)fluência em crianças de quatro a seis anos: o que é normal? (Dis)fluency in children aged four to six years old: what is normal?.) Thaís da Silva Espíndola, Vanessa de Oliveira Martins-Reis, Letícia Corrêa Celeste. (Departamento de Fonoaudiolo-gia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, MG).

120-124

Terapia ocupacional e alunos com dificuldades de aprendizagem: análise de uma intervenção nos aspectos psicomo-

tores. (Occupational therapy and students with learning disabilities: analysis of an intervention in the psychomotor aspects.) Mirela de Oliveira Figueiredo, Maria Luisa Guillaumon Emmel, Mririam Bratfisch Villa. (Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, São Carlos, SP).

125-131

A fisioterapia na inclusão escolar de alunos com paralisia cerebral: uma discussão das falas de mães, professoras

e fisioterapeutas. (Physical therapy in school inclusion of students with cerebral palsy: a discussion on mothers, teachers and therapists speeches.) Elisangela dos Anjos Paula Vieira, Maria de Fátima Carvalho. (Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Guarulhos, SP).

132-139

Verificação do desempenho com utilização de telefone móvel em pessoas com distrofia muscular de Duchenne:

projeto-piloto. (Checking the performance with the use of mobile phone in people with Duchenne muscular dystrophy.) Camila Miliani Capelini, Thais Massetti, Lilian del Ciello de Menezes, Talita Dias da Silva, Silvia Regina Pinheiro Malheiros, Regiane Guarnieri, Alessandro Hervaldo Nicolai Ré, Carlos Bandeira de Mello Monteiro. (Grupo de Estudo e Pesquisa em Capacidades e Habilidades Motoras (GEPCHAM) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP).

140-145

Perfil de prematuros de muito baixo peso em um hospital privado no sul do Brasil. (Profile of very low weight preterm

newborns in a private hospital in Southern Brazil.) Sabrina Felin Nunes, Angela Regina Maciel Weinmann, Bianca Weber, Jeferson Leonel Filippi de Oliveira. (Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Santa Maria, RS).

146-151

Relato de caso

Influência do TheraTogs® no desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral. (Influence of Theratogs® on functional performance of children with cerebral palsy.) Raquel Ehlert, Eliane de Fátima Manfio, Regina de Oliveira Hei-drich, Rafael Goldani. (Programa de Pós-graduação em Inclusão Social e Acessibilidade da Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS).

152-156

temas sobre

desenvolvimento ISSN 0103-7749 - Periodicidade Trimestral

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CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NA ESCOLA Lino CCA, Gonçalves AG, Lourenço GF. O uso de recursos de tecnologia assistiva no Atendimento Educacional Especializado: considerações sobre a sala de recursos multifuncionais e escolas especializadas. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-11):98-108. Artigo recebido em 18/05/2015. Aceito para publicação em 24/07/2015.

o uso de recursos de tecnologia assistiva no atendimento educacional especializado: considerações sobre a sala de recursos multifuncionais e escolas especializadas carolina cristina alves lino1

adriana garcia gonçalves2

gerusa ferreira lourenço3

(1) Graduanda em Terapia Ocupacional na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP. (2) Pedagoga, Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP / Marília), Professora Adjunta III da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP. (3) Terapeuta Ocupacional, Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Professora Adjunta II da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP. Fonte de auxílio à pesquisa: Programa de Apoio ao Docente Recém-Doutor (PADRD) / Pró-Reitoria de Pesquisa (ProPq) / Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), SP. CORRESPONDÊNCIA

Carolina Cristina Alves Lino [email protected]

RESUMO O USO DE RECURSOS DE TECNOLOGIA ASSISTIVA NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS E ESCOLAS ESPECIALIZADAS: A pesquisa teve como objetivo identificar quais recursos de tecnologia assistiva estavam presentes nos serviços de Atendimento Educacional Especializado (AEE) (salas de recursos multifuncionais e instituições especializadas) de um município do interior paulista. Trata-se de estudo descritivo com dados quantitativos coletados em 20 locais. Os resultados indicam que diversos recursos de tecnologia assistiva estavam presentes nesses espaços, na rede regular e nas instituições especializadas, porém ainda há demandas por novos equipamentos. Os professores indicaram que não possuem domínio necessário sobre os recursos disponíveis e que isso influencia o pouco uso desses equipamentos na prática cotidiana. Verificou-se que há um esforço para que todos os espaços de AEE tenham esse tipo de tecnologia, porém reflexões são feitas sobre quais devem ser esses recursos e seus critérios de distribuição. Descritores: Educação especial, Inclusão escolar, Tecnologia assistiva. ABSTRACT THE USE OF ASSISTIVE TECHNOLOGY RESOURCES WITHIN SPECIALIZED EDUCATIONAL SUPPORT SERVICE: CONSIDERA-TIONS ABOUT MULTIFUNCTIONAL RESOURCES CLASSROOM AND SPECIAL EDUCATION SCHOOLS: The research’s objective was to identify which assistive technology resources are found in the Specialized Educational Support Services (multifunctional resources classrooms and special education schools) in a medium-sized city in the state of São Paulo. It is a descriptive study with quantitative data collected in twenty local schools. The results indicate that there are many assistive technology resources available in the schools, however there is still a demand for new equipment. The teachers indicated they don’t have the necessary knowledge about how to use the availa-ble resources, what influences the low use of these devices in their daily practice. It was possible to identify that efforts have been made to provide these kinds of technology for all the Specialized Educational Support Services, but considerations have to be made about which resources it should be and the distribution requirements. Keywords: Special education, School inclusion, Assistive technology.

Inicialmente estabelecida a partir do conceito de norma-

lidade / anormalidade, a Educação Especial era responsável por designar as formas de atendimentos clínico-terapêuti-cos, pautados nos testes psicométricos que definiram, por anos, as práticas escolares para alunos público-alvo da Educação Especial no Brasil. Desvinculada da garantia de acesso à educação comum e à escola regular a esse públi-

co, a Educação Especial se organizou perante as institui-ções especializadas, escolas e classes especiais, criadas a partir da lógica de evidenciar diversas compreensões, ter-minologias e modalidades para cada tipo de alunado em específico1.

Com o foco voltado para a inclusão escolar nas últimas décadas no país, uma nova direção foi se delineando, politi-

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camente, para a Educação Especial. O espaço do Atendi-mento Educacional Especializado (AEE) ganha foco, e nele a orientação e a disponibilização dos recursos para com-por o processo de ensino e aprendizagem das salas regu-lares. A Política Nacional de Educação Especial na Pers-pectiva da Educação Inclusiva1 se destaca pelo incentivo à integração das propostas pedagógicas entre a Educação Especial e o ensino regular, com a finalidade de atender às necessidades educacionais dos alunos tidos como público-alvo da Educação Especial, considerados aqueles com deficiências física, intelectual e sensoriais.

Assim, as "Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modali-dade Educação Especial"2 se apresentam com ênfase nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) como serviço central para o atendimento na escola comum, porém não excluem serviços como escolas especiais, professores itinerantes e colaboradores, enquanto rede. As SRM são espaços da escola regular onde se realiza o AEE, por meio de desenvolvimento de estratégias de aprendizagem cen-tradas em um novo fazer pedagógico que favoreça a cons-trução de conhecimentos pelos alunos, subsidiando-os para que desenvolvam o currículo e participem da vida escolar2.

De acordo com o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais3, dentre as atribuições do professor responsável pelo AEE está a organização e a identificação de recursos para acessibilidade, como, ainda, o acompanhamento dos recursos de tecnologia assistiva para o uso na escola. Assim, deve ser priorizado o uso da tecnologia assistiva para certas atividades, como as de vida diária, o estabelecimento da comunicação e a partici-pação efetiva em sala de aula, pois a criança pode se deparar com dificuldades e até com a privação das diver-sas experiências oferecidas às demais devido à sua con-dição física, intelectual e/ou sensorial4.

A tecnologia assistiva pode ser definida a partir do conceito instituído em 2007 pelo Comitê de Ajudas Técni-cas (CAT)5, que a indica como uma área de conhecimento interdisciplinar, composta desde os equipamentos em si até as estratégias utilizadas para o ganho funcional de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em suas atividades cotidianas.

Existem diversas classificações de tecnologia assistiva, porém este estudo teve seu foco voltado ao tipo a partir do seu uso, especificamente com relação àqueles possíveis de serem utilizados no ambiente escolar e disponíveis no mercado nacional. Lauand6 propõe as seguintes categori-as para aqueles voltados às escolas: dispositivos e aces-sórios computacionais especiais; mobilidade; elementos sensoriais; adaptações para atividades de vida diária; adaptações pedagógicas; elementos arquitetônicos; mobi-liário e equipamentos modificados; modificações e contro-les ambientais; e lazer / recreação / esportes.

A tecnologia assistiva possibilita reduzir a interferência das limitações advindas de alguns quadros de deficiência na realização de atividades funcionais de maneira inde-pendente, tendo como particularidade a ênfase que é dada na função, ou seja, na habilidade de realizar tarefas espe-cíficas em casa, na escola ou no ambiente educacional7. Tecnologia assistiva na escola tem como finalidade buscar possibilidades para o aluno realizar as tarefas que deseja ou precisa, encontrando um artifício para que ele possa fazer de outro jeito, e, nesse sentido, aumentar suas capacidades de atuação e comunicação a partir de suas habilidades, o que permite o envolvimento do aluno em atividades de escrita, leitura e atividades lúdicas com objetivos pedagógicos e estimula sua interação com as outras crianças e para o processo de aprendizagem, já que suas limitações não serão empecilhos para experi-mentar e construir novos conhecimentos dentro da sala de aula.

O “Manual de Orientação: programa de implantação de sala de recursos multifuncionais"8 apresenta os tipos de equipamentos e recursos que são designados e determi-nam as salas do Tipo I e Tipo II (Quadro 1).

Nessa direção, no AEE e nas SRM o aluno experimen-tará opções de equipamentos até encontrar o que melhor se ajuste à sua condição e necessidade; junto com o pro-fessor especializado aprenderá a utilizar o recurso, com o objetivo de usufruir ao máximo dessa tecnologia, e, após identificar o sucesso na utilização do recurso, o professor especializado deverá providenciar que esse recurso seja transferido para a sala de aula ou permaneça com o aluno, como um material pessoal9.

Com essa potencialidade, têm-se ampliado os estudos que investigam a presença dos recursos de tecnologia assistiva para o AEE10, e as evidências produzidas cami-nham no sentido de reforçar que, embora a tecnologia assistiva possa assumir um papel imprescindível na esco-larização de muitos estudantes, é preciso considerar a importância de uma prescrição cuidadosa do recurso e a necessidade de se acompanhar sua implementação, o que, em suma, requer uma equipe de profissionais capaci-tados para tais funções. Prevê-se, então, que os professo-res devam possuir conhecimentos e habilidades para to-mada de decisões a respeito dos processos de seleção, uso e avaliação desse uso11. E, como ponto de partida, que eles tenham acesso aos recursos e materiais neces-sários conforme a demanda de seus alunos. Nessa dire-ção, indica-se a necessidade de se identificarem os recur-sos presentes na rede, para melhor auxiliar esses profes-sores e proporcionar melhor qualidade de ensino para os alunos atendidos.

Conforme os documentos legais encontrados sobre as SRM acima citados, diversos são os recursos de tecnologia assistiva disponíveis para os serviços, como recursos com-

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Quadro 1. Composição das salas de recursos multifuncionais do Tipo I e do Tipo II11.

Materiais e equipamentos específicos

para deficiência visual Materiais didático-pedagógicos Equipamentos computacionais Mobiliários

Tipo I

Alfabeto Braille Bolas com guizo

Caderno com pauta ampliada Caixinha de números Calendário em Braille

Contos de Grimm Braille Globo terrestre adaptado

Lupa eletrônica Lupa manual

Prancheta para leitura Scanner com voz

Ábacos versáteis Alfabeto móvel

Bandinha rítmica Caixa tátil Dominó

Dominó com textura / tátil Dominós em Libras

Dominó associação de ideias Dominó de frases Esquema corporal Material dourado

Memória de numerais Memória tátil

Plano inclinado - suporte para leitura

Quebra-cabeça sobreposto (se-quência lógica) Sacolão criativo

Sólidos geométricos Software de comunicação alternati-

va e aumentativa Tapete de alfabeto encaixado Coleção de literatura Libras

Aparelho DVD Adaptador de campainha

Computador com gravador de CD e DVD

Fone de ouvido Impressora laser

Impressora multifuncional colorida Mouse

Acionador de pressão Caixa de som para computador

Mouse com entrada para acionador Mouse estático de esfera

Notebook Roteador wireless

Scanner Teclado com colmeia de acrílico

TV com legenda 29’ Webcam

Armário Cadeira giratória

Cadeira para mesa redonda Mesa para impressora

Mesa redonda Mesa para computador

Quadro melanínico

Tipo II

Calculadora sonora Guias de assinatura

Impressora Braille de pequeno porte Kit de desenho geométrico

Máquina de datilografia Braille Reglete de mesa e punções

Soroban

putacionais adaptados, softwares, jogos. No entanto, estu-dos como o de Manzini12,13 indicam que alguns desses recursos não chegam à prática do professor de Educação Especial por desconhecimento da gestão escolar sobre eles, ou também pelo despreparo do professor para utili-zá-los e reconhecê-los em todo o seu potencial14. O estu-do de Manzini13 teve como objetivo identificar a presença dos recursos em escola da região de Rondonópolis. A partir da aplicação de um instrumento denominado Ques-tionário TAE – Tecnologia Assistiva para Educação, 32 participantes (14 de SRM e 18 de sala comum) indicaram que os recursos de Tecnologia Assistiva estão chegando à escola e que mais de 50% desse grupo de professores de SRM conhecem os recursos apresentados no questio-nário. O grupo de professores da sala comum ainda des-conhece, na maioria, os recursos de Tecnologia Assistiva. Em relação ao domínio desses recursos, o grupo de pro-fessores da sala multifuncional está mais bem preparado para utilizar essa tecnologia.

Com esses resultados, o autor apresenta outros estu-dos que também utilizaram esse instrumento, como o de Verussa15, que teve como objetivo identificar em escolas municipais e estaduais de uma cidade no interior do Para-ná a presença de recursos de Tecnologia Assistiva para alunos com deficiência física, cegos ou com baixa visão e surdos ou com deficiência auditiva, e o conhecimento e o manuseio desses recursos por parte dos professores. Os resultados desse estudo demonstraram a necessidade de orientação e preparo para manusear os recursos de Tec-nologia Assistiva, devido ao pouco domínio em seu manu-

seio indicado pelos participantes, além de as escolas possuírem pouca disponibilidade de recursos de Tecnolo-gia Assistiva para o atendimento a alunos com deficiência física, visual ou aditiva, que também não possuem tais recursos. Por fim, Manzini13 conclui que, apesar de os recursos estarem cada vez mais presentes nos espaços do AEE, há ainda a necessidade de investimento para aquisição de outros equipamentos e também de treina-mento dos professores em relação ao uso mais efetivo dos recursos de Tecnologia Assistiva.

A partir dessas colocações, esta pesquisa teve como objetivo geral identificar quais recursos de tecnologia assistiva estão presentes nos serviços de AEE na rede de educação de um município do interior paulista. Os objeti-vos específicos foram localizar e caracterizar os serviços de AEE presentes nessa rede municipal de educação; caracterizar os recursos a partir das categorias propostas na literatura; e comparar os recursos do AEE ofertado na rede regular de ensino com o da Educação Especial.

MétodoMétodoMétodoMétodo

Este estudo descritivo, com levantamento de dados quantitativos16, foi realizado em 20 escolas de um municí-pio paulista de médio porte, sendo nove Escolas Munici-pais de Educação Básica (EMEB, identificadas como E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8 e E9), oito Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEI - C1, C2, C3, C4, C5, C6, C7 e C8) e três Escolas de Educação Especial / Ensino Es-

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pecializado (EEsp - A1, A2 e A3). Foi possível realizar a coleta de dados em todas as escolas da rede municipal de educação (escolas de Educação Infantil e Ensino Funda-mental) onde ocorria o serviço de AEE.

Dentre essas escolas, quanto ao AEE em SRM, ape-nas E3, E5 e C5 são salas do Tipo II (com ênfase nos recursos para atendimento aos alunos com deficiência visual). Quanto às escolas de Educação Especial, todas são consideradas serviços de AEE em suporte à rede municipal, com atendimento no contraturno de alunos matriculados em escolas regulares, sendo apenas A3 da rede privada.

Participaram do estudo os professores de Educação Especial responsáveis pelos serviços de AEE e/ou demais profissionais indicados pela gestão escolar que pudessem discorrer sobre os recursos de Tecnologia Assistiva exis-tentes, totalizando 20 participantes. A média do tempo de atuação desses professores em Educação Especial era de 13,4 anos (mediana de 14 anos). Quanto à idade, a média foi de 40,9 anos (mediana de 37,5 anos).

Para a realização da pesquisa foi utilizado o Questio-nário TAE II - Tecnologia Assistiva para Educação17. Esse instrumento é composto por 64 itens fechados, que indi-cam, por meio de fotos, recursos e equipamentos de Tec-nologia Assistiva previstos pelas políticas nacionais para compor os kits de materiais disponíveis para as SRM, tanto do Tipo I como do Tipo II, divididos em quatro sub-grupos: Materiais Didático-pedagógicos; Equipamentos; Mobiliários; Materiais e Equipamentos Específicos para Deficiência Visual. Os itens permitem identificar três cate-gorias de análise a partir da avaliação / percepção do próprio professor da sala: a disponibilidade do recurso na escola; o domínio de manuseio do professor sobre o recurso; e a frequência de uso do recurso.

Permite, ainda, que, ao final, o participante indique se a escola possui outros recursos além dos 64 previstos, e que indique também demandas de recursos e/ou equipa-mentos que não existem na sala e que poderiam ser utili-zados no dia a dia escolar. O instrumento também possibi-lita a coleta de informações sobre o participante, como a idade, tempo de atuação, quais alunos atende nas SRM, e, ainda, de que tipo de equipamento não existente na sala sente falta para sua prática.

A coleta de dados aconteceu no período de março a maio de 2014, sendo realizado o preenchimento do ques-tionário TAE II pelos professores e a observação in loco nos serviços de AEE. Em todas as escolas as participan-tes solicitaram a presença da pesquisadora no decorrer do preenchimento, de modo a sanar possíveis dúvidas, com exceção da CEMEI C4, onde o questionário TAE II foi entregue à participante e recolhido em um momento se-guinte por sua opção.

Os dados coletados foram tabulados em planilhas do programa Microsoft Excel, a partir dos seguintes critérios:

a) Para a categoria Disponibilidade, os itens permitiam que a participante assinalasse “sim” ou “não” para cada recurso presente no questionário. Assim, para a análise, foi atribuído um ponto para cada equipamento assinalado como presente no serviço e somada a pontuação total. Assim, todas as escolas que tivessem todos os recursos disponíveis teriam uma pontuação geral de 1.182, ou seja, a somatória de 527 do total das EMEB, 463 das CEMEI e 192 das EEsp. Destaca-se que, para as salas de recurso do Tipo II (E3, E5 e C5), o máximo de pontos por escola seria 64, assim como se esperava que essa pontuação fosse atingida pelas EEsp. Para o restante (SRMs do Tipo I), a pontuação máxima por escola seria de 57.

b) A categoria Domínio de Manuseio permitia que a participante classificasse de 0 a 4 cada um dos itens do questionário, em que zero (0) representava nenhum do-mínio e quatro (4) total domínio sobre o recurso / equipa-mento de Tecnologia Assistiva. É importante destacar que, para alguns recursos, o domínio de manuseio não se aplicava no instrumento (fones de ouvido, caixa de som para computador, TV com legenda 29', armário, cadeiras giratórias, cadeiras para mesa redonda, mesa para im-pressora, mesa redonda, mesas para computador, quadro melanínico branco, caderno com pauta ampliada e pran-cheta para leitura). Atribuindo-se o valor 4 para o total domínio e excluindo os 12 itens em que esse critério não se aplicava, nas salas do Tipo II, a participante somaria no máximo o total de 208 pontos, e nas do Tipo I, o total de 180 pontos. Para analisar essa categoria foi realizada a somatória, por recurso, dos números assinalados que representavam o grau do domínio do participante. Em seguida, esses dados foram organizados e analisados conforme o tipo de escola / serviço em Domínio E (para os dados entre as SRMs das EMEB), Domínio C (SRMs das CEMEI) e Domínio A (AEE nas Escolas Especiais).

c) A categoria Frequência de Uso permitia que o par-ticipante classificasse numa escala do tipo likert o quanto utilizava os recursos em sua prática cotidiana. Assim, poderia indicar entre Sempre, Quase sempre, Às vezes, Quase nunca e Nunca o uso de cada um dos recursos listados. Ressaltamos também que, para alguns recursos, a frequência de uso não se aplicava (armário, cadeiras giratórias, cadeiras para mesa redonda, mesa para im-pressora e mesas para computador). Para a análise dessa categoria, cada um dos valores indicados aos itens foi analisado separadamente, contabilizando-se o número de vezes em que o recurso recebia seus atributos.

Outra análise realizada quanto à frequência de uso foi sobre os valores extremos atribuídos (sempre e nunca) aos recursos, contabilizando-se quantas vezes esses valores apareceram. Em uma sala do Tipo II, a participante pode-

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ria repetir no máximo 59 vezes “sempre” ou “nunca”. Assim, o restante foi analisado comparativamente com esse valor.

Quanto aos outros recursos existentes nos serviços de AEE e aqueles que as participantes julgavam como sendo importantes, porém não contemplados no instrumento, todas as respostas foram categorizadas conforme Lauand6.

ResultadosResultadosResultadosResultados

Público-alvo atendido

Os dados de caracterização coletados pelo instrumen-to indicaram que, especificamente sobre o público-alvo atendido por cada um desses espaços, os serviços de SRM são responsáveis pelo atendimento a todos os alu-nos com deficiência, com transtornos globais do desen-volvimento e com altas habilidades / superdotação matri-

culados na rede, enquanto que as escolas especiais man-têm sua especificidade no atendimento aos alunos com deficiência intelectual, associada ou não a outra condição. No Quadro 2 está a distribuição do tipo de alunado indica-do por cada participante para o atendimento nos serviços, conforme as opções assinaladas no Questionário TAE II.

Disponibilidade dos recursos

Os resultados obtidos indicaram que, entre as EMEB, a pontuação foi de 314, nas CEMEI foi de 280, e nas EEsp foi de 112, totalizando 706 no geral. Isso indica que o conjun-to de locais investigados apresentou pouca disponibilidade dos recursos conforme previstos pela política atual, sendo que nenhuma das escolas investigadas apresentou todos os recursos previstos no instrumento. A Tabela 1 demons-tra os resultados em relação às escolas com maior e me-nor disponibilidade de recursos.

Quadro 2 Tipo de alunado atualmente atendido nas salas de recursos.

EMEB CEMEI EEsp

E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 A1 A2 A3

Deficiência Intelectual x x x x x x x x x x x x x x x x x x x

Cegueira

Baixa Visão x x x x

Surdez / DA x x x x x

Deficiência Física* x x x x x x x x x x x x x

Autismo x x x x x x x x x x

Altas Habilidades**

Surdocegueira

Deficiências Múltiplas x x x x

DA: Deficiência Auditiva. (*) Inclui Paralisia Cerebral. (**) Inclui Superdotação.

Tabela 1. Escolas com maior e menor disponibilidade de recursos.

Em relação aos quatro subgrupos de recursos do próprio instrumento, cada um teria uma média total atribuída se todos os recursos indicados estivessem presentes, con-forme a Tabela 2.

É importante destacar que, no subgrupo Materiais e Equipamentos Específicos para Deficiência Visual, dos 18

recursos indicados no questionário, sete são específicos para as SRM do Tipo II.

Uma observação importante a ser feita diz respeito à as-sociação entre o número de recursos encontrados e as características das salas. Como esperado, as salas do Tipo II, E3 e C5, apresentaram o maior número de recursos, ao contrário do constatado na escola E9, por exemplo, com poucos recursos frente às demais salas das EMEB.

Alguns dos recursos mencionados e previstos para es-tar nesses espaços de AEE não foram encontrados em nenhuma escola investigada, como o Adaptador de Cam-painha, TrackBall, Calendário em Braille, Guia de assinatu-ra, Kit de desenho geométrico Geoplano e Scanner com voz. Por outro lado, recursos como o Alfabeto móvel, Es-quema corporal, Mouse, Scanner, Armário e Mesas para computador foram encontrados em todas as escolas.

Maior disponibilidade Menor disponibilidade

TIPO II (= 64) TIPO I (= 57) TIPO I (= 57)

EMEB E3 (43) E6 (42) E9 (26)

CEMEI C5 (46) C6 (44) C3 (21)

EEsp A3 (42) A1 (32)

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Alguns recursos, apesar de presentes, não se encon-travam em condição de uso: Fones de Ouvido (E8), Im-pressora a laser e Impressora Braille (E6), Caixa de som (E3 e C8), Roteador Wireless (C7) e Scanner (E3 e E6). Isso indica que podem ter sido danificados com o uso, ou que ainda não estavam devidamente instalados, e, conse-quentemente, não poderiam ser utilizados.

Domínio de manuseio dos professores sobre os recursos

Os resultados quanto ao domínio do manuseio para o uso dos recursos indicavam a percepção de como cada uma das professoras participantes se sentia capacitada para utilizá-los em sua prática com os alunos. A Tabela 3 demonstra a pontuação total de cada participante.

Tabela 2. Média total de cada subgrupo e os resultados atingidos nas EMEB, CEMEI e EEsp.

Média Total

Média EMEB

Média CEMEI

Média EEsp

Materiais didático-pedagógicos 22 15,4 15,8 16,3 Equipamentos 17 9,6 9,2 10,6 Mobiliários 07 5,6 5,8 7

Materiais e equipamentos específicos para deficiência visual

Tipo 1 11 4,1 4,5 3,3

Tipo 2 18

Tabela 3. Pontuação do domínio de manuseio de cada participante.

EMEB CEMEI EEsp

Participantes E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 A1 A2 A3

Domínio de Manuseio 60 89 71 128 100 140 107 129 105 71 123 109 53 145 172 102 99 111 86 100

Ressalta-se que, em duas escolas, a categoria Domínio de Manuseio foi respondida somente para os recursos que foram assinalados no item "sim" na categoria Disponibili-dade. Foram as participantes da E3 e da C1, pois ambas justificaram que, se os recursos não existiam na sala, não havia como dar uma devolutiva quanto ao domínio sobre eles. Foi realizado um cálculo ponderado para a retirada dos demais itens sem prejudicar a interpretação dos dados.

Quanto ao Domínio Geral (resultado do domínio entre as EMEB, CEMEI e EEsp), o grupo de recursos que obte-ve a maior pontuação diz respeito aos Materiais Didático-pedagógicos com 76% do domínio máximo possível pelas participantes, contra 57% do subgrupo Equipamentos, e 33% do subgrupo Materiais e Equipamentos Específicos para Deficiência Visual. O recurso considerado como o mais conhecido por todos foi o Mouse, seguido do Alfabeto móvel e sílabas, Quebra-cabeças sobrepostos (sequência lógica), Tapete de alfabeto encaixado e Notebook, os quais obtiveram a mesma pontuação. Já o Scanner com voz foi o recurso que apresentou o domínio mais baixo, seguido dos Contos de Grimm em Braille.

Quanto à percepção de habilidade para usar os recur-sos dos professores em escolas de Educação Básica, Domínio E, a participante da E6 apresentou maior domí-

nio, contra a da E1, que obteve o menor domínio de ma-nuseio. O recurso com maior domínio foi o Mouse e o Alfabeto móvel e sílabas, que apresentaram a mesma pontuação. O Scanner com voz apareceu como o recurso com menor domínio.

Já o bloco denominado Domínio C (resultado do domí-nio somente das CEMEI), a participante que apresentou maior domínio foi a da C6, e o menor domínio, a da C4. O Sacolão criativo e a Impressora a laser apareceram com o maior domínio e com a mesma pontuação. Assim como nas EMEB, o Scanner com voz apareceu com o menor domínio.

Por fim, quanto ao Domínio A (resultado do domínio somente das EEsp), a participante da A1 apresentou maior domínio, e a participante da A2, o menor domínio de ma-nuseio. Nessa categoria, apresentaram maior domínio de manuseio os recursos Alfabeto móvel e sílabas, Caixa tátil, Dominó, Esquema corporal, Material dourado, Memória de numerais, Quebra-cabeças sobrepostos (sequência lógica), Sacolão criativo, Sólidos geométricos, Tapete de Alfabeto Encaixado, Aparelho DVD, Impressora a laser, Impressora multifuncional colorida e Mouse. Os recursos Adaptador de campainha, Alfabeto Braille, Calendário em Braille, Contos de Grimm em Braille, Globo terrestre adaptado, Máquinas de datilografia Braille, Regletes de mesa e punções e Scan-

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ner com voz apareceram como os que os participantes não têm nenhum domínio no seu manuseio.

Frequência de uso dos recursos pelos professores

Nessa categoria é importante destacar que, no questio-nário da EMEB E1, a frequência de uso não foi assinalada porque a sala não estava em uso no momento. O Quadro 3 indica os resultados de cada subgrupo quanto à fre-quência de uso, ressaltando os recursos que se destaca-ram por serem sempre ou nunca utilizados.

No entanto, nem todos os recursos indicados no Qua-dro 3 são considerados Tecnologia Assistiva. Utilizando como base a classificação de Lauand6, os recursos que cabem nas seguintes categorias são:

- Dispositivos e Acessórios Computacionais: mouse com entrada para acionador e teclado com colmeia de acrí-lico.

- Recreação / Esportes / Lazer: dominó de animais em língua de sinais, memória tátil, dominó tátil e dominó de frutas em língua de sinais.

Recursos de Elementos Sensoriais: lupas manuais e lupa eletrônica.

O Quadro 4 indica qual recurso se destacou em cada um dos cinco níveis de resposta quanto ao seu uso no dia a dia do serviço de AEE. É possível observar que o Tecla-do com colmeia de acrílico, um equipamento utilizado para atividades de leitura e escrita, quase nunca é usado nas escolas de Educação Básica (EMEB) E3, E4, E6 e E8. No entanto, exceto pela E6, as outras três escolas atendem alunos com deficiência física ou paralisia cerebral, público-alvo para esse tipo de equipamento. Assim, levanta-se a questão sobre o motivo do pouco uso desse equipamento, já que as participantes atuantes nessas escolas atribuíram domínio entre 3 e 4 para esse recurso, e espera-se que alunos de EMEB tenham acesso ao uso do computador para atividades de escrita.

Outro destaque é feito em relação às Lupas manuais, já que C5 e A2 atendem alunos com deficiência visual, e as professoras dessas escolas têm domínio 4 sobre o recurso, porém responderam que ele “Nunca” é utilizado.

Quadro 3. Frequência de uso por subgrupo.

Subgrupos Sempre Nunca

Materiais didático-pedagógicos Alfabeto móvel e sílabas

Memória de numerais

Sacolão criativo

Dominó de animais em língua de sinais

Memória tátil Dominó tátil

Dominó de frutas em língua de sinais

Equipamentos

Mouse Impressora laser

Computador com gravador de CD e leitor de DVD Caixa de som para computador

Mouse com entrada para acionador Scanner

Teclado com colmeia de acrílico

Mobiliários Mesa redonda Quadro melanínico branco

Materiais e equipamentos específicos para deficiência visual Bolas com guizo Lupas manuais Lupa eletrônica

Alfabeto Braille

Quadro 4. Frequência de uso: recursos destacados em cada categoria.

Frequência de uso Recurso EMEB CEMEI EEsp

Sempre Mouse E2, E3, E4, E5, E6, E7 e E9 C1, C2, C4, C6 e C7 A1, A2 e A3

Quase sempre Quebra-cabeça sobreposto (sequência lógica) E2, E5, E6 e E9 C2, C3, C5 e C6 A2

Às vezes Bandinha rítmica E2, E3, E4, E7 e E8 C1 e C5 A2

Quase Nunca Teclado com colmeia de acrílico E3, E4, E6 e E8 C6 e C7

Nunca Lupas manuais E4 e E7 C1, C4, C5, C6 e C8 A2

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

105

Quanto aos extremos “Sempre” e “Nunca”, as partici-pantes que mais os assinalaram foram C6, com 21 itens atribuídos como “Sempre” em uso, e a E7, com 14 itens como “Nunca”. Esses dados indicam que a maior parte dos recursos é utilizada constantemente pelas participan-tes nos serviços de AEE.

Como destaque, a SRM C6 é a que apresenta o maior número de recursos disponibilizados. Além disso, essa professora se destacou pelo domínio no uso dos equipa-mentos, o que colaborou para a alta frequência de uso dos recursos, com 21 recursos sempre utilizados.

Outros recursos presentes nas salas

O Quadro 5 apresenta quais são os outros recursos presentes nas salas e onde estavam presentes, classifi-cando-os a partir das categorias propostas por Lauand6. Identifica-se que, dentre as nove EMEB visitadas, em apenas quatro delas – E3, E4 e E7 – havia outros recursos de Tecnologia Assistiva além dos que estavam dispostos no questionário; dentre as oito CEMEI, seis delas – C2, C3, C4, C5, C7 e C8 – possuíam outros recursos; e dentre as EEsp, todas também apresentaram outros equipamen-tos, com destaque para os recursos de mobilidade.

Quadro 5. Outros recursos classificados a partir das categorias propostas por Lauand6.

Categorias Recursos EMEB CEMEI EEsp

Dispositivos e Acessórios Computacionais

Intellikeys USB Keyboard E3

Intellitools classroom suite E3

Boardmaker com speaking dynamically pro E3

Softwares Educativos E4 e E7

Softwares no geral C8

Scanner comum C8

CDs - coleção de histórias em libras C7

CDs / DVDs / Livros digitais em Libras C3

Plano inclinado para teclado A2

Mobilidade

Cadeira de Rodas (adulto) E4 C4 A3

Cadeiras Tilt A2

Mesa Ortostática A2

Estabilizador A2

Atividades da Vida Diária Cadeira de Banho A2

Adaptações Pedagógicas

Livros em Braille C8

Material didático em Libras C3

Pranchas de comunicação A1

Elementos Arquitetônicos Rampas A3

Mobiliário e Equipamento Modificado Cadeira Infantil adaptada C4

Recreação / Lazer / Esportes

Jogos em Libras C3

Brinquedos com contraste C5

Brailito C2

Essa diferença entre as escolas regulares e as especi-

alizadas pode ser justificada pela diferença no processo de aquisição dos recursos e também pelo tipo de atendimento prestado, vinculado diretamente à população atendida.

No entanto, 25 recursos mencionados pelos participan-tes não puderam ser classificados como recursos de Tec-nologia Assistiva, por exemplo, a cama elástica presente na C8 e na A2, a Bola Suíça na C2, C5 e A2, e os Jogos

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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Pedagógicos na E9, C4 e C8, e, portanto, não se enqua-dravam nas categorias utilizadas para o Quadro 5.

Demandas apresentadas pelos participantes

O participante, nessa categoria, tinha a possibilidade de listar quais recursos e/ou equipamentos ele sente falta

para o trabalho cotidiano na sala e poderia compor esses espaços. O Quadro 6 descreve esses recursos, conforme as categorias de Lauand6, incluindo os que não são con-templados como Tecnologia Assistiva para essa autora. Pode-se apontar que nenhum dos participantes das EEsp trouxeram demandas específicas, e que as demais apre-sentadas pelas outras participantes variavam conforme cada escola.

Quadro 6. Demandas de recursos classificados a partir das categorias propostas por Lauand6.

Categorias Recursos / Demandas EMEB CEMEI EEsp

Dispositivos e Acessórios Computacionais

Impressora colorida E6

Adaptadores diversos C8

Impressora C3

Softwares pedagógicos C8

Softwares (jogos) E9

Adaptações Pedagógicas

Ábaco C3

Caderno com pauta ampliada C8

Figuras imantadas E4

Quadro imantado E4

Mobiliário e Equipamento Modificado Mobílias adaptadas C8

Recreação / Lazer / Esportes Jogos sonoros C5

Não classificados como TA

Aparelho DVD C3

Internet (roteador wireless) C7

Instrutor surdo C3

Jogos pedagógicos C8

Quebra-cabeças E6

Motoca C2

Miniaturas (alimentos, animais, carros) C8

Brinquedos para crianças de 0 a 2 anos C6

Bonecas C2

Acessórios de médico (brinquedo) C2

Pratinhos / panelinhas (brinquedo) C2

Espaço físico (sala de aula) E5

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

107

Discussão Discussão Discussão Discussão

Como apresentado, a importância da presença de re-cursos de Tecnologia Assistiva na escola regular é funda-mentada no objetivo de proporcionar aos alunos público-alvo da Educação Especial ferramentas de acesso à esco-la e ao conteúdo ali presente, com vistas ao seu desenvol-vimento pleno e ativo.

A partir desse reconhecimento sustentado pela literatu-ra nacional e internacional, a Política de Educação Espe-cial na Perspectiva da Educação Inclusiva1 colocou como meta o incentivo para que o serviço de suporte à escola, denominado Atendimento Educacional Especializado (AEE), seja um espaço de referência para esse processo de implementação. Nessa direção, está prevista uma pro-posta de fornecimento de recursos e equipamentos e tam-bém de formação aos professores atuantes nessas salas3.

Especificamente sobre as SRM, estudos anteriores co-mo os de Manzini13 e Reganhan e Manzini18 já apontavam dificuldades para que os recursos previstos nos kits real-mente estivessem disponíveis aos professores atuantes, além das dificuldades inerentes ao processo de uso dos recursos14.

Os resultados do estudo realizado corroboram esse achado no sentido de que não foi localizada nenhuma SRM que estivesse, até o momento, com todos os recur-sos de Tecnologia Assistiva disponíveis. Diversos recursos não foram localizados em nenhum dos espaços de AEE do município, como o Adaptador de campainha, o TrackBall, o Calendário em Braille, o Guia de Assinatura e o Scanner com voz.

Algumas dificuldades dos serviços puderam ser identi-ficadas durante a pesquisa, como professores recém-contratados e que não tinham domínio em relação às SRM em que estavam inseridos; alguns espaços para que o AEE fosse realizado eram improvisados em outros espa-ços da escola, como dentro de uma sala que estivesse disponível no momento, ou até mesmo atrás de estantes dentro da biblioteca da escola, o que também acreditamos impactar a frequência e disponibilidade dos recursos de Tecnologia Assistiva.

Especificamente sobre as escolas de Educação Espe-cial, elas foram incluídas no estudo uma vez que também compõem a rede de suporte à escola regular no atendi-mento ao aluno da Educação Especial e comportam pre-sença importante no sistema educacional do município. Esses espaços têm buscado atualizar-se no sentido de prover recursos e equipamentos de Tecnologia Assistiva, o que foi confirmado pelos resultados encontrados.

A partir do estudo de Manzini13 é possível identificar que disponibilidade de recursos para alunos com deficiên-

cia visual prevista pela política se destaca tanto na sala comum como nas SRM, mesmo que as salas ainda este-jam em processo de constituição.

No entanto, a partir dos resultados aqui encontrados pode ser identificada a pouca disponibilidade de recursos para alunos com deficiência visual, assim como o pouco domínio no manuseio dos professores sobre esses recur-sos e, consequentemente, a baixa frequência de seu uso. Isso pode ser justificado devido à escassez dessa popula-ção de alunos na rede, já que, dentre as escolas investi-gadas, apenas quatro atendiam alunos com baixa visão e nenhuma indicou atender alunos cegos. Esse pouco aces-so aos serviços complementares, sendo que o município possui apenas três salas do Tipo II, aponta que, talvez, os espaços em suporte à rede de educação com as especifi-cidades para o atendimento às pessoas com deficiência visual estejam cumprindo um papel importante no acesso desse público aos recursos de Tecnologia Assistiva. Por exemplo, no município há um projeto denominado Espaço Braille19.

Ressalta-se que, segundo a política atual, os serviços de AEE em SRM ainda estão em fase de implantação até o final de 2014. Nessa direção, segundo o Manual de Orientação8, mobiliários e equipamentos de informática devem chegar às escolas em até 180 dias consecutivos de sua autorização, enquanto materiais didático-pedagógicos, recursos para deficiência visual e softwares de comunica-ção alternativa devem chegar às escolas em até 120 dias consecutivos a contar da sua autorização. Portanto, indica-se que alguns dos recursos que não estavam presentes nas salas podem ainda ser disponibilizados, completando os kits esperados para cada um dos espaços.

Sobre os dados relativos ao domínio dos recursos, é importante destacar que todos os professores assinalaram possuir segurança para o uso de alguns dos recursos, porém mesmo a participante que mais pontuou nessa categoria nos leva a refletir sobre o processo de formação dos professores para o uso desse tipo de equipamento. A literatura indica que a formação de professores para o processo de implementação de recursos de Tecnologia Assistiva na escola é um processo ainda incipiente no país12,20, e que não habilita os profissionais para se senti-rem preparados para esse uso. As consequências podem estar relacionadas com o pouco uso dos recursos, como encontrado no estudo.

Foi possível identificar que alguns recursos de Tecno-logia Assistiva nunca foram usados em algumas escolas, mesmo que atendam alunos que podem apresentar de-mandas para sua utilização, como o plano inclinado para leitura, o caderno com pauta ampliada, o teclado com colmeia de acrílico, e outros que se destacaram pela baixa frequência de uso (Quadro 3).

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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A baixa frequência no uso dos recursos traz a preocu-pação no sentido de se reconhecer se os recursos e todo o investimento realizado nacionalmente para equipar tais espaços estão cumprindo seu papel.

Sobre essa questão, estudos como o de Mendes e Lourenço14 e o de Pelosi e Nunes4 levantaram indícios de que realmente os recursos parecem ser subutilizados, tanto nos serviços de AEE das escolas regulares como nas de Educação Especial, não atendendo o principal objetivo que é permitir ao aluno público-alvo da Educação Especial autonomia e participação em seu processo edu-cacional.

Hipóteses podem ser levantadas, como:

- Será que os recursos que compõem os kits das SRM do Tipo I e do Tipo II realmente vão em direção às neces-sidades dos professores atuantes e também às suas for-mações?

- Caberia haver uma nova forma de escolha dos recur-sos a serem disponibilizados aos professores, conforme a população atendida?

Nessa direção, é possível destacar que diversos recur-sos ainda parecem ser necessários para o atendimento aos alunos, como mencionado pelas participantes, e que talvez fosse necessária uma redistribuição dos recursos.

Vale ressaltar que reconhecemos que nem todos os recursos investigados neste estudo e levantados pelo Questionário TAE II podem ser considerados recursos de Tecnologia Assistiva, conforme a definição adotada, os quais foram destacados ao longo da descrição dos resulta-dos. Porém, buscou-se, neste primeiro estudo-diagnóstico assumir a análise de mapeamento de todos os recursos previstos nos kits para as SRM em conjunto, e em momen-tos futuros de continuidade serão desmembradas discus-sões específicas sobre a caracterização dos itens.

Referências Referências Referências Referências

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2. Brasil / CNE / CEB. Resolução 4, de 2 de outubro de 2009: Institui as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, modalidade educação especial. 2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf.

3. Brasil / MEC. Documento Orientador do Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. 2012. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index. php?op tion=com_content&view=article&id=17430&Itemid=8.

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Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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Revisão Lederman VRG, Velloso RL, Schwartzman JS. Transtornos do Espectro do Autismo: revisão sistemática sobre instrumentos para rastreamento e diagnóstico disponíveis no Brasil. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):109-13. Artigo recebido em 22/05/2015. Aceito para publicação em 24/07/2015.

transtornos do espectro do autismo: revisão sistemática sobre instrumentos para rastreamento e diagnóstico disponíveis no brasil vivian renne gerber lederman1

renata de lima velloso2

josé salomão schwartzman3

(1) Mestre em Botânica, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desen-volvimento Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP. (2) Fonoaudióloga, Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento, Colaboradora do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP. (3) Doutor em Neurologia, Professor Titular do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP. Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP. CORRESPONDÊNCIA

Vivian Renne Gerber Lederman [email protected]

RESUMO

TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO: REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE INSTRUMENTOS PARA RASTREAMENTO E DIAGNÓSTICO DISPONÍVEIS NO BRASIL: Este é um artigo de revisão da produção científica brasileira sobre a tradução, adaptação cultural e validação de instrumentos para rastreamento e diagnóstico dos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). Identificaram-se todas as publicações de autores brasileiros no formato de artigos publicados durante o período de 2008 a 2014, a partir das bases de dados PubMed, SciELO e LILACS, fatores de impacto dos periódicos, a instituição a que os primeiros autores dos artigos são afili-ados, e o método utilizado para tradução. De acordo com os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados seis artigos. O le-vantamento revela os instrumentos para diagnóstico e rastreio de TEA disponíveis no Brasil. Descritores: Autismo, Diagnóstico, Rastreamento, Transtornos do Espectro do Autismo.

ABSTRACT AUTISM SPECTRUM DISORDERS: SYSTEMATIC REVIEW OF SCREENING AND DIAGNOSIS INSTRUMENTS AVAILABLE IN BRAZIL: This article is a review of the Brazilian scientific publication regarding the translation and validation of screening and diagno-sis instruments for ASD (Autism Spectrum Disorders). All the Brazilian authors’ articles published during 2008 up to 2014 were identi-fied, as well as the index base, impact factors of the journals, the first authors' affiliation, and the translation method. According to the inclusion and exclusion criteria of this review, six articles were selected. The review presents the screening and diagnosis instruments available in Brazil. Keywords: Autism, Diagnosis, Review, Screening, Autism Spectrum Disorders. O termo Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)¹ é

utilizado para se referir ao Autismo, Transtorno de Asper-ger e Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGD-SOE), e exclui outras síndromes e transtornos que, anteriormente, compunham o grupo Transtornos Globais do Desenvolvimento². Os TEA apre-sentam, necessariamente, prejuízos permanentes em duas categorias: comunicação social recíproca e padrões de comportamentos repetitivos e restritos, ambos presen-tes desde a infância¹. No Brasil, o diagnóstico é pautado pela CID-10³, que ainda mantém as categorias descritas no DSM-IV² e as agrupa em Transtornos Globais do De-senvolvimento (TGD). Conforme a CID-10³, o diagnóstico

de Autismo requer ao menos seis critérios comportamen-tais, um de cada um dos três itens, interação social, co-municação e padrões restritos de comportamento e inte-resses, sendo pelo menos dois de interação social, e um em cada um dos outros.

Rutter4 ressalta a ampliação do diagnóstico de Autismo que ocorreu nos últimos 40 anos. Essa mudança ocorreu não pela determinação de características sintomatológicas de um único distúrbio, mas pela introdução da ideia de um espectro.

Diante do quadro de heterogeneidade sintomática e da grande incidência na população, cada vez mais as pesqui-

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110

sas apontam para recursos diagnósticos que diferenciem as características das crianças que se enquadram no espectro do autismo. Uma compreensão completa do quadro autístico envolve quatro níveis de conhecimento: etiologia, estruturas e processos cerebrais, neuropsicolo-gia, sintomas e comportamento5.

O diagnóstico de TEA¹ ou TGD³ é eminentemente clí-nico, e se baseia em anamnese, avaliação direta, avalia-ção neuropsicológica, avaliação multidisciplinar e, eventu-almente, em exames complementares (pesquisa da sín-drome do X-frágil, por exemplo). Entre os instrumentos utilizados, destacam-se questionários de rastreamento com relato parental, escalas de observação, instrumentos de avaliação e varredura visual6,7.

Encontram-se na literatura internacional diversos ques-tionários e escalas para triagem ou rastreio de sinais su-gestivos de TEA, tais como a CARS (Childhood Autism Rating Scale)8, a ABC (Autism Behaviour Checklist)9, a ATA (Avaliação dos Traços Autísticos)10, os ASQ (Austism Screening Questionnaires)11 e a M-CHAT (Modified Chec-klist for Autism in Toddlers)12. Já para o diagnóstico, des-tacam-se a ADI-R (Autism Diagnostic Interview - Revi-sed)13 e o ADOS (Autism Diagnostic Observation Schedu-le)14, considerados como padrão-ouro devido ao seu ex-tenso detalhamento da caracterização comportamental e de desenvolvimento e à confiabilidade entre os aplicadores do instrumento15.

Esses instrumentos permitem estabelecer parâmetros mensuráveis que auxiliam o diagnóstico clínico16. No en-tanto, para que esses instrumentos possam ser utilizados no Brasil, é necessária adequada tradução, adaptação (com equivalências semântica, idiomática, experimental e conceitual) e validação. Além da fidedignidade desses instrumentos, que implica na sua consistência e na sua precisão, é necessária a sua validade, dentre outros fato-res. Segundo Urbina17, a validade é a questão mais fun-damental relativa aos escores de testes e seus usos, e depende das evidências que podemos reunir para corrobo-rar qualquer inferência feita a partir dos resultados dos testes. A validação seria o processo pelo qual as evidên-cias de validade são coletadas.

O objetivo geral deste estudo foi realizar uma revisão da produção científica brasileira sobre a tradução, adapta-ção cultural e validação de instrumentos para rastreamen-to e diagnóstico dos TEA. Os objetivos específicos foram: a) identificar todas as publicações de autores brasileiros no formato de artigos produzidos durante o período de 2008 a 2014; b) identificar as bases de indexação e os fatores de impacto dos periódicos em quie esses artigos foram publicados; c) identificar a instituição em que os primeiros autores dos artigos são afiliados.

MétodoMétodoMétodoMétodo

Para a seleção dos artigos, foram incluídos estudos de

tradução, adaptação cultural e validação de instrumentos de rastreio e diagnóstico de TEA publicados em Português e/ou Inglês, com ao menos um autor brasileiro, cujos lo-cais de coleta estivessem localizados no Brasil, e publica-dos entre os anos de 2008 e 2014. Teses e dissertações não foram aqui incluídas, por considerar-se que se encon-tram publicadas na forma de artigos.

Os fatores de exclusão foram: trabalhos de revisão teó-rica ou sistemática; teses, dissertações, monografias, livros e cartas aos editores; estudos de pesquisa básica que utilizaram modelos animais; estudos que utilizaram instrumentos anteriormente validados e traduzidos.

O levantamento bibliográfico dos artigos foi feito nas ba-ses de dados: National Library of Medicine and the National Institutes of Health (PUBMED), Scientific Eletronic Library Online (SciELO), e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Artigos indexados em mais de uma base de dados foram classificados de acordo com a seguinte ordem: PUBMED, SciELO e LILACS.

Para o levantamento bibliográfico foram utilizados os descritores de busca a seguir: Autismo, Transtornos de Espectro do Autismo, TGD, Diagnóstico, Diagnóstico pre-coce, Rastreamento, Instrumentos (em Português e em Inglês). Os termos Autismo ou TGD foram combinados com os demais termos. A classificação de indicador bibli-ométrico de fator de impacto utilizado foi o fornecido pelo Journal Citation Report (JCR) de 2012.

ResultadosResultadosResultadosResultados

Inicialmente foram selecionados 97 estudos potencial-

mente relevantes (Figura 1). Entretanto, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão acima mencionados, foram selecionados seis artigos para análise e discussão.

Os artigos selecionados se relacionam com a tradução, adaptação cultural e validação de questionários original-mente em Inglês (cinco artigos) e Espanhol (um artigo) para rastreio de sinais de TEA e diagnóstico. Os questio-nários traduzidos e validados foram: a M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers)18, a CARS (Childhood Autism Rating Scale)19, os ASQ (Austism Screening Ques-tionnaires)20 e a ADI-R (Autism Diagnostic Interview - Revi-sed)21. O instrumento ATA (Avaliação dos Traços Autísti-cos)22 se encontrava previamente traduzido23, e foi aqui relacionado por se tratar de adaptação cultural e valida-ção. O artigo de Di Matteo et al.24 trata de nova validação da CARS24, sobre a tradução, adaptação cultural e valida-ção feita por Pereira et al19.

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

111

Estudos potencialmente relevantes

selecionados (PUBMED, SCiELO

LILACS)

n = 97

- Estudos excluídos após revisão do resumo (n = 80)

- Não se refere ao tema (n = 19)

- Não se relaciona exclusivamente ao propósito (n = 51)

- Outro idioma além de Português ou Inglês (n = 1)

- Revisões, cartas a editores (n = 8)

- Estudos com modelos animais (n = 1)

Estudos relevantes recuperados para

obtenção de informação mais

detalhada

n = 17

Estudos excluídos após leitura integral

(n = 11)

- Foco na utilização de instrumentos já validados (n = 1)

- Comparação entre os vários instrumentos (n = 3)

- Instrumentos com outras finalidades que não rastrea-

mento ou diagnóstico (n = 7)

Estudos incluídos na revisão sobre

Instrumentos para Rastreio e Diag-

nóstico de TEA no Brasil

n = 6

Figura 1. Diagrama-prisma para revisão sistemática sobre tradução, adaptação cultural e validação de instrumentos para rastreio e diagnóstico de Transtornos do Espec-tro do Autismo.

As características de cada artigo, como autores, origem da Instituição e principal área de vínculo do primeiro autor, fatores de impacto das publicações, bem como o tamanho das amostras utilizadas se encontram na Tabela 1. No ano de 2008 foram publicados três artigos, dois em 2009 e um em 2013. Observa-se predominância de pesquisas realizadas por pesquisadores vincu-

lados às instituições da região Sudeste (50% do total), Estado de São Paulo. Duas pesquisas foram realizadas por pesquisadores da região Sul (Rio Gran-de do Sul), e uma pesquisa foi realizada na região Nordeste (Bahia).

Três artigos (50%) estavam indexa-dos no PUBMED, um no SciELO e dois no LILACS. Três das publicações (50%) possuíam Fator de Impacto de acordo com o Journal Citation Report (2012).

Dentre os artigos que utilizaram su-jeitos já diagnosticados com TEA como sujeitos de pesquisa, observou-se que cinco (83%) apontaram como critério diagnóstico o DSM-IV² ou DSM-IV-TR25. Um artigo18 avaliou o entendimento do instrumento por parte de pais de crian-ças em atendimento em ambulatório, e não constava de seu critério de inclusão o diagnóstico de TEA.

Todos os trabalhos que envolveram a tradução dos instrumentos apresenta-ram a metodologia de tradução, retro-tradução e adaptação cultural. Os estu-dos utilizaram amostra mínima de 40 indivíduos.

Tabela 1. Características principais dos artigos.

Ano Autor Fator

de Impacto

UF Amostra Critério

Diagnóstico Método Área

2008 Losapio et al.18 BA 40 Não se aplica¹ tradução, retrotradução e adaptação Psicologia

2008 Pereira et al.19 1,154 RS 60 DSM-IV tradução, retrotradução e adaptação Neurologia

2008 Assumpção Jr. et al.22

SP 93 DSM-IV-TR adaptação cultural² Psiquiatria

2009 Sato et al.20 1,856 SP 120 DSM-IV tradução, retro-tradução e adaptação Psiquiatria

2009 Di Matteo et al.24 SP 76 DSM-IV não se aplica³ Psicologia

2012 Becker et al.21 0,827 RS 41 DSM-IV tradução, retrotradução e adaptação Neurologia

¹ Aplicado a familiares de crianças atendidas em Ambulatório. 2 Instrumento previamente traduzido para o Português. ³ Instrumento previamente tradu-zido e adaptado culturalmente.

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

112

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

A presente revisão teve como objetivo identificar as

publicações brasileiras na forma de artigos que tratam da tradução, adaptação cultural e validação de instrumentos de rastreamento e diagnóstico de TEA.

Os estudos aqui revisados utilizaram, em geral, tama-nhos de amostras maiores do que o observado numa revisão anterior de publicações brasileiras, que compreen-dia os anos entre 2002 e 200926. Ao contrário dos 36,6% (amostragem até seis sujeitos) encontrados por esses autores, todos os estudos entre 2008 e 2013 utilizaram amostragem igual ou maior a 40 sujeitos, o que favorece os estudos de evidência de validade.

O levantamento revela a carência que existe no Brasil de tradução e validação de instrumentos para diagnóstico de TEA. A partir de 2008, cinco instrumentos para rastre-amento e diagnóstico de TEA foram traduzidos e valida-dos. Entre eles se encontram aqueles considerados pa-drão-ouro para diagnóstico, como ADI-R21, e alguns de reconhecida relevância para rastreio de sinais de TEA, como M-CHAT, ASQ e CARS18,27,28.

Tanto a M-CHAT12,18 como os ASQ11,20 são instrumen-tos de rastreio ou triagem, de fácil aplicação, e envolvem entrevista com os pais ou cuidadores da criança. A M-CHAT18 pode ser aplicada a partir dos 18 meses de idade e é composta por 23 questões. Já os ASQ20 possuem 40 questões e podem ser aplicados a partir dos 4 anos de idade.

Embora a CARS8,19 seja também um instrumento de triagem, trata-se, além de um questionário para os pais, de uma escala de avaliação de comportamento e requer a observação da criança; o questionário possui 15 itens. A ATA10,22 fornece um perfil de conduta da criança, o que pressupõe também a observação da criança, e é um ins-trumento valioso para auxílio de diagnóstico. É composto por 23 subescalas distintas. Tanto a CARS19 como a ATA22 podem ser aplicadas a crianças a partir dos 2 anos de idade. Já a ADI-R13,21 é um instrumento de diagnóstico, composto por 111 itens, na forma de entrevista semiestru-turada; pode ser aplicado a pais de crianças maiores de 2 anos.

A tradução, adaptação cultural e validação de instru-mentos de rastreamento e diagnóstico de TEA são o pri-meiro passo para a implantação de políticas públicas para essa população. Com a disponibilização desses instru-mentos é possível efetuar estudos de prevalência, bem como estabelecer protocolos de avaliação junto à popula-ção, o que permite seu rastreamento precoce. Apesar da variabilidade dos sinais observados, admite-se que crian-ças com TEA geralmente mostram desenvolvimento atípi-co nos domínios de fala / linguagem, comunicação social

e/ou domínio sensoriomotor até os 2 anos de idade, o que favorece o uso de instrumentos de rastreamento para essa faixa etária27.

A identificação precoce dos sinais sugestivos de TEA permitiria às crianças o acesso a ações e programas de intervenção o quanto antes, e favoreceria o seu quadro geral e a planificação educacional, diminuindo a angústia familiar29,30; permitiria, ainda, implementar procedimentos para minimizar prejuízos e, consequentemente, em casos menos severos, impedir disfunções adaptativas significati-vas31.

Do ponto de vista da saúde pública, intervenções pre-coces em crianças com risco de TEA requerem uma identi-ficação válida e de custo-benefício conveniente32, o que pressupõe a disponibilidade de instrumentos como os que agora se encontram validados no Brasil.

Entretanto, a tradução e a validação de instrumentos de rastreamento e de diagnóstico de TEA precisam ser disponibilizadas para a saúde pública. Nota-se a carência de protocolos estabelecidos e divulgados entre os profissi-onais de saúde e educação, o que compromete o diagnós-tico precoce, intervenções precoces e mais efetivas, além do aconselhamento familiar. Muitas famílias ainda percor-rem diversos profissionais até obter o diagnóstico e enca-minhamento para centros de intervenções33, e poucos são os profissionais de saúde com treinamento para a aplica-ção de instrumentos para rastreio e diagnóstico34. Grupos de risco para TEA, como irmãos35 e prematuros de baixo peso36, tampouco parecem ser considerados pelos profis-sionais de saúde. Treinamento aprofundado e capacitação de pediatras acerca do desenvolvimento infantil e dos TEA seriam necessários37.

Instrumentos padronizados para diagnóstico e avalia-ção, como os apresentados nesta revisão, conferem não só maior objetividade aos estudos como permitem a com-paração dos estudos entre si38, uma vez que são de uso internacional. A adoção de instrumentos estruturados permi-te a padronização das avaliações e treinamentos no siste-ma público de saúde e de educação39. Durante a exclusão dos artigos desta revisão, observou-se que, em geral, os instrumentos traduzidos e validados são utilizados em estudos comparativos entre questionários, ou para avaliar o impacto das intervenções realizadas. Entretanto, há carência de divulgação e utilização desses instrumentos na saúde pública, de maneira a ampliar o rastreio e o di-agnóstico de TEA na população.

Este levantamento revela, portanto, quais os instru-mentos para diagnóstico e rastreio de TEA estão disponí-veis no Brasil. E, ainda, que atualmente o Brasil já conta com instrumentos padrão-ouro para diagnóstico (ADI-R), além de outros relevantes para rastreio e diagnóstico, como M-Chat, CARS, ASQ e ATA. É necessário, entretanto, o

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incentivo a estudos de prevalência e o estabelecimento de protocolos de diagnóstico precoce, bem como sua divulga-ção entre os profissionais de saúde e educação.

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Revisão Lucena AM, Nascimento CR, Ferreira PR, Carvalho SAS, Camargos Jr W, Parlato-Oliveira EM. Reconhecimento do próprio nome: considerações bibliográficas sobre o tema. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):114-9. Artigo recebido em 12/05/2015. Aceito para publicação em 03/07/2015.

reconhecimento do próprio nome: considerações bibliográficas sobre o tema aline moreira lucena1

cynthia ribeiro do nascimento2

patrícia reis ferreira1

sirley alves da silva carvalho3

walter camargos junior4

erika maria parlato-oliveira3

(1) Fonoaudióloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Hotizonte, MG. (2) Fonoaudióloga, Especialista em Neonatologia com ênfase em Fonoaudiologia pelo Centro de Estudos de Neonatologia do Hospital Sofia Feldman, Belo Horizonte, MG. (3) Fonoaudióloga, Professora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG. (4) Médico Psiquiatra, Mestre em Ciências da Saúde, atua na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, FHEMIG - Hospital Infantil João Paulo II, Belo Horizonte, MG. Programa da Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG.

CORRESPONDÊNCIA Aline Moreira Lucena [email protected]

RESUMO RECONHECIMENTO DO PRÓPRIO NOME: CONSIDERAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS SOBRE O TEMA: A habilidade de percepção do

próprio nome é considerada parâmetro para identificar características do processo de apropriação da linguagem e da audição. Pes-quisas sobre esse tema têm sido realizadas em vários países. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão narra-tiva da literatura nacional e internacional, a partir de livros e artigos sobre o tema, para disponibilizar aos fonoaudiólogos, profissionais da saúde e da educação informações relativas à habilidade de reconhecimento do próprio nome. Os resultados deste trabalho apon-taram escassez de estudos no Brasil acerca do tema para crianças nativas de Língua portuguesa brasileira. As pesquisas registradas na literatura internacional concluem que a idade apresentada pelas crianças para resposta ao próprio nome foi em média de 4 a 6 meses. Diversos métodos podem ser utilizados nos estudos de percepção da fala em crianças com menos de um ano. Dentre os pro-tocolos de desenvolvimento infantil utilizados no Brasil, sete apresentam pelo menos um tópico em investigação ao reconhecimento do próprio nome pela criança. Descritores: Desenvolvimento infantil, Percepção da fala, Audição, Linguagem, Cognição.

ABSTRACT OWN NAME RECOGNITION: CONSIDERATIONS ON THE SUBJECT: The ability to recognize the own name is considered a param-eter to identify characteristics of normal speech and hearing. Research on this topic has been conducted in several countries. In this context, the aim of this study was to conduct a narrative review of national and international literature, using books and articles on the subject, to make available to speech pathologists, health, and education professionals information about the ability to recognize the own name. The results of this study showed a shortage of studies on the subject in Brazil for children of native Brazilian Portuguese language. The research reported in the international literature concluded that age presented by children to respond to their names was on average 4-8 months. Several methods can be applied in studies on speech perception in children younger than one year old. Among the protocols for assessing child development used in Brazil, seven have at least one research topic about the recognition of the child's own name. Keywords: Child development, Speech perception, Hearing, Language, Cognition. Desde o século XX, estudiosos se dedicam a pesquisar

a aquisição da linguagem pelas crianças. Chomsky e Skinner, que abordaram o Inatismo e o Comportamento Verbal, são exemplos de importantes autores precursores do tema1-3.

Atualmente existem diversas vertentes de estudos so-bre o processo de aquisição dos sons da Língua, o que demonstra sua complexidade3. Contudo, ao longo dos anos,

as metodologias se aperfeiçoaram, tornando-se cada vez mais eficazes na identificação das etapas desse processo.

Dentre os cientistas que colaboraram com esses estu-dos, pode-se citar Peter Jusczyk, que enfoca o reconheci-mento do próprio nome como etapa importante da aquisi-ção de linguagem4. A importância que Jusczyk e outros autores conferem ao tema justifica este artigo, que se propõe a investigar, em uma revisão narrativa, os achados

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na literatura existente sobre o reconhecimento do nome por bebês nos primeiros meses de vida3-7.

Para tanto, de outubro de 2010 a março de 2015 foi re-alizado levantamento bibliográfico em artigos e livros. Buscou-se encontrar na literatura nacional e internacional registros que abordassem o tema do reconhecimento do próprio nome em bebês, sendo esse o principal objetivo deste trabalho. Foram investigados artigos publicados no período de 20 anos (1995 a 2015) e incluídos na revisão, de acordo com a análise qualitativa de cada um para abordagem ampla do tema proposto.

O levantamento bibliográfico foi realizado nos indexa-dores IBECs, Medline, Lilacs, Academic Search Premier (EBSCO), Cambrigde Journals Online, Highwire Press, Nature (NPG), Oxford Jornals, Scielo, Science (AAAS), ScienceDirect (Elsevier), SpringerLink (Metapress), Wiley Online Library, acessados por meio do Portal Capes, Bibli-oteca Virtual de Saúde e PubMed.

A busca nas bases de dados foi realizada a partir da combinação dos seguintes descritores: Desenvolvimento infantil, Percepção da fala, Audição, Linguagem infantil, Cognição e Nome. Considerou-se, para esta revisão, as produções científicas nas Línguas portuguesa, inglesa e espanhola, e que tiveram como sujeitos dos estudos crianças de 0 a 12 meses.

RevisãoRevisãoRevisãoRevisão narrativanarrativanarrativanarrativa

Há grande diversidade de proposições teóricas que tra-

tam do desenvolvimento infantil. Desse modo, serão discu-tidas a seguir algumas dessas concepções, com enfoque nas habilidades de linguagem e de audição.

O termo desenvolvimento infantil aborda o processo de crescimento e de maturação dos sistemas orgânico-funcio-nais de crianças, que interliga os domínios sensoriomotor, cognitivo-linguístico e socioemocional. Estudo sobre o contexto sociocultural mostra que o desenvolvimento in-fantil pode estar sujeito a fatores biológicos e psicossociais que afetam o desenvolvimento da criança, determinando alterações na estrutura e no funcionamento cerebral, além de mudanças comportamentais8.

No decorrer do desenvolvimento infantil, a aquisição de linguagem envolve o processo de formação da noção de sujeito, ou seja, do EU, que é constituído já no início da vida da criança a partir de um campo social pré-existente, como a história de um povo, de uma família, do desejo dos pais, e faz gerar a comunicação9,10. O processo de comu-nicação é complexo, operado por um codificador e um decodificador. A mensagem geralmente é nova, o decodi-ficador a recebe e, por meio do código, a interpreta11.

Para o ser humano, falante de língua oral, esse código chega pelas vias auditivas. Mehler e Dupoux6 lembram a importância do sistema auditivo que participa na elaboração de um mundo perceptivo coerente e ordenado. Para os autores, o som aparece como veículo privilegiado da lingua-gem articulada, pela qual se torna possível, ao homem, codificar e trocar informações, elaborar e transmitir, além de conhecimentos e pensamentos, toda uma cultura.6

Os bebês apresentam o sentido da audição muito evo-luído. Desde o nascimento eles são capazes não só de orientar-se a partir dos sons, mas de discriminar tons que diferem em volume e, assim, organizar os sons em melo-dias e vozes7.

A evolução do sistema auditivo é contínua e interligada ao desenvolvimento neuropsicomotor. Ao completar duas semanas de vida a criança apresenta mais reações motoras ao som da voz humana. Com quatro semanas ela é capaz de se acalmar com a presença de outros estímulos sonoros. Por volta dos quatro meses, o bebê move a cabeça na direção dos sons, ainda de maneira rudimentar, localizando a fonte sonora de forma indireta, por movimentação lateral da cabeça. Nessa mesma fase, ocorre a inibição das res-postas reflexas e o desenvolvimento da habilidade de dis-criminar a presença ou a ausência do som. O bebê também passa, a partir daí, a efetuar respostas corretas à procura do som. O período de localização indireta do som se estende até o sétimo mês, coincidindo com a habilidade de virar e de sustentar a cabeça12,13. A partir do sétimo mês até o nono mês de vida, a criança desenvolve a habilidade auditiva de localizar, diretamente para o lado e indiretamente para bai-xo, a fonte sonora. As habilidades de localização direta para o lado e para baixo; indireta para cima, direta para cima e direta para todos os ângulos ocorrem no décimo terceiro, décimo sexto e vigésimo primeiro meses, respectivamente. A importância do desenvolvimento de todas essas habilida-des se relaciona à manutenção, pela criança, de um contato estável com o ambiente e à associação dos sons com as fontes sonoras12,13.

Dessa forma, o desenvolvimento auditivo constitui uma das vias sensoriais centrais para a aquisição e para o desenvolvimento da linguagem, uma vez que é necessário que haja recepção dos sinais auditivos para a posterior emissão sonora, utilizando a fala. A ausência da associa-ção de sons fornece pistas acerca do processo perceptual do indivíduo. A criança com perda auditiva poderá apre-sentar alterações na linguagem em função da não integri-dade das habilidades cognitivas, tais como memória audi-tiva, localização e discriminação de sons12.

O reconhecimento do próprio nome é indicativo do pro-cesso de aquisição da linguagem da criança, pois fornece dados acerca da acuidade auditiva, dos fatores perceptu-ais fonéticos, fonológicos e prosódicos da linguagem e da relação da criança com seu entorno. Alguns estudos apon-

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tam para a preferência ao som do próprio nome4 em rela-ção a outras estruturas lexicais e para a importância da avaliação da percepção auditiva no que tange à memória, à fala e às habilidades auditivas14.

Pesquisas em diversos países se dedicam a obter maiores informações sobre o desenvolvimento da lingua-gem infantil. Gervain e Werker15 concluíram que bebês possuem maior capacidade que os adultos para identificar outras línguas com prosódias diferentes. Entretanto, o que eles identificam melhor é a língua materna. Bebês de 1 a 4 meses já conseguem reconhecer pseudopalavras pronun-ciadas com diferentes sílabas tônicas, segundo caracterís-ticas da língua nativa (traço melódico)16.

Para adquirir a linguagem, o bebê inicialmente não es-cuta palavras ou frases, isto é, não ouve apenas sinais linguísticos perfeitos nas condições ideais, mas sons difu-sos e abstratos. Mehler e Dupoux6 descrevem essa escuta do bebê como um sinal de fala muito complexo e opaco. Entre 1 e 4 meses o bebê está apto a discriminar vogais e consoantes de todas as línguas, e não só as de sua língua materna. Tal habilidade tende a diminuir por volta dos 6 meses, quando começa a se especializar nos sons da língua materna6,17.

Newman18,19 observou que crianças de 5 meses de idade podem perceber os próprios nomes quando a rela-ção sinal / ruído for de pelo menos 10 dB. Aos 9 meses, as crianças demonstraram pouca evolução quanto a essa capacidade. Aos 13 meses, contudo, os bebês apresenta-ram maior sucesso nas respostas, o que levou a autora a afirmar que, nessa idade, eles percebem o próprio nome com uma relação sinal-ruído de até 5 dB. Ela verificou, ainda, que aos 5 meses eles possuem capacidade de atender seletivamente a uma voz interessante, feminina, com estrutura prosódica melódica, próxima ao manhês∗, em meio a outras vozes concorrentes.

A mesma autora investigou o efeito, sobre os resulta-dos atingidos, do aumento do número de vozes de fundo no discurso quando um estímulo auditivo igual ao vocábulo é oferecido. Esses estímulos, utilizados por Newman18,19, podem ser chamados de “mascaramentos” e contribuíram para inibir a interferência de outros fatores nas respostas ao teste. Os resultados sugeriram que, mesmo quando a fala é mascarada, as crianças podem reconhecer as re-presentações de palavras que lhes são familiares. No entanto, Newman ressalta que o tipo de competição sono-ra interfere claramente nas respostas dos bebês. Quando ele trabalhou com a voz única de fundo, a tarefa de reco-nhecimento do próprio nome foi mais difícil do que quando o discurso concorrente eram múltiplas vozes18,19.

∗ O manhês é o modo como as mães ou cuidadores em todo o mundo tendem a se dirigir aos seus bebês, utilizando a voz num tom mais alto e entonação exagerada5.

É no início da vida que o conjunto dos fonemas, per-tencentes à língua materna da criança, vão sendo apreen-didos, e os fonemas que não fazem parte dessa língua são esquecidos. Dessa forma, grande parte das emissões vai sendo suprimida e ocorrem modificações na compreensão da língua, a partir da relação entre uma determinada pala-vra e os objetos que fazem parte da vida da criança. Essa relação, embora inicial, possibilita a aquisição dos primei-ros significados, uma vez que as palavras também repre-sentam estímulos sensorioperceptivos11,20,21.

É importante ressaltar ainda que, a partir do segundo semestre de vida, a criança já é capaz de discriminar se-quências de consoantes e de vogais, embora a produção de todos os sons ainda não seja possível. E, segundo Azcoaga20, entre os 12 e os 18 meses de vida tem início o período chamado de Primeiro Nível Linguístico, caracteri-zado pela presença de componentes silábicos, de gestos e de entonações. A função comunicativa é ampliada e a comunicação passa a exercer caráter social13,20.

Logo, existe um plano biológico que define etapas do desenvolvimento da criança durante o progresso de aqui-sição linguística. Esse plano tem início no momento em que o bebê apresenta padrões auditivos no reconhecimen-to de palavras, passa pela compreensão de significado referencial em que surgem sons vocais representando pessoas, coisas e ações e, enfim, inicia o balbucio, que são as primeiras formas de expressão oral até chegar àquele momento mágico em que o bebê pronuncia a pri-meira palavra, expressando exatamente o que deseja21.

A linguagem sonora apresentada pelo bebê pode ser dita como o protótipo da linguagem articulada humana. O grande objetivo da linguagem dos bebês é atingir resulta-dos no campo social, obtendo interlocutores interessados voltados para ele e que, portanto, buscariam junto ao bebê a compreensão de sua linguagem e tradução dos sinais sonoros para a sua língua materna22.

O que se verifica é que os estudos sobre o desenvol-vimento da linguagem infantil têm evoluído bastante quan-to à metodologia e linhas de debates. É possível citar pesquisadores do tema como Anne Christophe, Patrícia Kuhl, Jusczyk, Mandel e Pison, que apresentam, além de novas visões da aquisição de linguagem, metodologias inovadoras para quantificar a percepção da fala pelos bebês, como: tempo de sucção23, tempo de permanência do olhar16-18, quantidade e graus de deslocamento de cabeça24, e respostas captadas por eletrodos14.

Com referência ao reconhecimento do próprio nome por bebês, as principais pesquisas e respectivas metodo-logias adotadas estão expostas no Quadro 1, organizado por autores, ano de publicação, idade investigada do bebê e metodologia aplicada.

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Quadro 1. Pesquisas sobre o reconhecimento do próprio nome por bebês de 0 a 12 meses de idade.

Autores / Ano Idade investigada Metodologia aplicada

Mandel, Jusczyk, Pison (1995)4 4 e 5 meses Quantidade de busca à fonte sonora pelo movimento da cabeça da criança e tempo de fixação à fonte sonora. Realizaram treino (ensaio) comportamental previamente ao teste.

Jusczyk, Aslin (1995)25 6 e 7,5 meses

Tempo de permanência do olhar verificado a partir do movimento de virada de cabeça à fonte sonora preferencial. Estímulos sonoros: outro nome e próprio nome, pareados segundo a formação fonológica e duração da palavra.

Mandel-Emer (1997)26 6 e 7,5 meses Investigação do reconhecimento do próprio nome, comparado a outras palavras, dentro de um discurso.

Bortfeld, Morgan, Golinkoff, Rathbun (2005)27

6 meses

Quantidade de movimento de virar a cabeça do bebê e tempo de permanência do olhar à fonte sonora. Associaram o “próprio nome”, palavras familiares e outras palavras durante os estímulos sonoros. Doze ensaios no total.

Newman (2005)18 5 a 13 meses Contexto de ruído de fundo-mascaramento, sendo a relação sinal / ruído modificada de 0 a 10 dBs. Identifica a resposta dos bebês a partir do tempo de permanência do olhar.

Nadig et al. (2007)28 6 a 12 meses

Estudo prospectivo longitudinal, com crianças com risco para autismo. Verificaram-se quantas chamadas ao próprio nome foram necessárias para a criança reagir em resposta, sendo três vezes o número máximo de chamadas.

Newman RS (2009)19 5 e 8,5 meses

Apresentação dos próprios nomes dos bebês em três situações dife-rentes de competitividade sonora, variando o nível de sinal / ruído durante a exposição. Mediram as respostas a partir do tempo de atenção que os bebês mantinham para a fonte sonora do “próprio nome” em contrapartida a “outro nome”. Foi realizado ensaio das respostas com treino comportamental, utilizando painel com luzes associadas aos estímulos sonoros.

Parise, Friederici, Striano (2010)29

4 e 5 meses

Utilizados eletroencefalograma (EEG) e potencial evocado auditivo relacionado a eventos (Event-Related Potentials - ERP) para detectar as respostas das crianças durante apresentação de objetos, nomes comuns e não comuns aos bebês, observando as atividades cerebrais relacionadas às percepções fonêmicas e comparando-as a resultados com pesquisa de nome próprio.

Machado et al. (2011)30 4 e 5 meses

Tempo de permanência do olhar e quantidade de busca a partir do movimento de virada de cabeça à fonte sonora preferencial. Compa-ração entre as respostas dos bebês aos estímulos sonoros: próprio nome e outro nome, pareados segundo duração e componentes fonológicos.

Newman, Morini, Chatterjee (2013)31

8 meses

Tempo de permanência voltado à fonte sonora quando o próprio nome era evocado com outro estímulo sonoro competitivo para mascarar as evocações. Foram realizadas 15 repetições do nome (ou apelido) e outro nome, com pausas e repetições controladas. Os estímulos foram gravados por quatro diferentes locutoras.

Bouchon et al. (2014)32 5 meses

Virada de cabeça e tempo de permanência em atenção à fonte sonora preferencial. Estímulos sonoros: outro nome, próprio nome pronuncia-do corretamente e o próprio nome pronunciado de maneira incorreta, alterando forma de apresentação das consoantes e vogais de acordo com a letra inicial do nome. Pesquisa realizada com grupo-teste e grupo-controle.

Imafuku et al. (2014)33 6 meses

Exames de neuroimagens funcionais, multichannel fNIRS system e estudo das respostas das crianças durante a virada de cabeça à fonte preferencial ao escutarem o próprio nome sendo evocado pelas mães e por outras pessoas estranhas. Intensidade sonora da evocação controlada durante a gravação e emissão do áudio. Observação de respostas no córtex pré-frontal medial.

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

118

Vistos os estudos que abordam o reconhecimento do próprio nome nos bebês, verifica-se a importância desse item como critério diagnóstico do desenvolvimento normal ou não da criança. Embora na literatura existam relatos de utilização do teste do nome na detecção dos distúrbios de linguagem, autismo28-34 e no rastreio da surdez infantil30, o procedimento ainda não faz parte da prática clínica fre-

quente no Brasil, o que dificulta o melhor direcionamento a respeito dos estágios vencidos ou não pela criança no que diz respeito à linguagem e à audição.

No Quadro 2 são apresentadas avaliações infantis que investigam a linguagem do bebê e que incluem a verifica-ção do Reconhecimento do Próprio Nome.

Quadro 2. Instrumentos de avaliação de linguagem para bebês.

Nome do Teste Idade sugerida para

aplicação do teste

Verificação do item

“Reconhece o próprio nome” Autores

Roteiro de Avaliação Fonoaudiológica

0 a 36 meses

“Reconhece o nome” 7 a 9 meses

“Atende quando é chamado”

4 a 6 meses

Pereira, Funayama (2004)35

Teste de Triagem de Desenvolvimento Denver II (TTDD)

0 a 72 meses “Volta-se ao chamado”

4 a 8 meses Frankenburg, Dodds,

Archer (1990)36

Protocolo de Observação (Chiari)

0 a 72 meses “Responde ao próprio nome (apelido)”

0 a 1 ano Chiari et al. (1991)37

Protocolo Adaptado para Avaliação de Crianças

de 0 a 24 Meses 0 a 24 meses

“Reconhece o próprio nome” a partir dos 9 meses

Gordo et al. (1994)38

Modified Checklist for Autism in Toddlers - M-CHAT©

16 a 30 meses “Responde/ olha quando

o (a) chamam pelo nome?“ 16 a 30 meses

Robins, Fein, Barton (1999)39

Manual of Developmental Diagnosis Desde o nascimento “Responde ao som do nome?”

10 meses Knobloch, Stevens,

Malone (1980)40

Escala de Desenvolvimento do Comportamento da Criança Prematura

no Primeiro Ano de Vida – EDCP41

Até completar um ano de idade

“Vira-se quando chamada pelo nome?” Meninos: estabilização aos 6 meses

Meninas: inicia resposta entre 4/5 me-ses, estabiliza aos 8/9 meses

Pinto (2008)41

Com base no desenvolvimento auditivo e de linguagem descritos até o momento, é possível afirmar que uma cri-ança já consegue reconhecer o próprio nome a partir do primeiro semestre de vida. Dessa forma, torna-se viável e necessário que, na prática clínica, a criança seja avaliada também sob o aspecto de reconhecimento do próprio nome, o que poderá trazer pistas a respeito do desenvol-vimento da linguagem, da audição e da sua relação com o seu entorno.

Ao final deste levantamento bibliográfico sobre o Reco-nhecimento do Próprio Nome, pode-se concluir que, ao longo do desenvolvimento da linguagem infantil, o reconhe-cimento do próprio nome é um marco que deve ser mais

bem explorado durante as avaliações de linguagem das crianças.

Poucos estudos realizados no Brasil tratam das res-postas ao próprio nome apresentadas por bebês de Lín-gua portuguesa brasileira nativa. Isso limita os achados com pesquisas de percepção da fala já iniciadas em terri-tórios nacionais.

Segundo a maioria dos autores, como Mandel, Jus-czyk, Pisoni4 e Newman18, as habilidades de percepção do próprio nome têm início por volta dos 4 a 8 meses de ida-de. É de senso comum entre os estudiosos do tema que o reconhecimento do próprio nome permite à criança facilitar a construção de novos vocábulos e novos domínios4,16,18.

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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Original Espíndola TS, Martins-Reis VO, Celeste LC. (Dis)Fluência em crianças de quatro a seis anos: o que é normal? Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):120-4. Artigo recebido em 24/10/2014. Aceito para publicação em 04/03/2015.

(dis)fluência em crianças de quatro a seis anos: o que é normal? thaís da silva espíndola1

vanessa de oliveira martins-reis2

letícia corrêa celeste3

(1) Fonoaudióloga pela Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. (2) Doutora, Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. (3) Doutora, Professora Adjunta da Universidade de Brasília, DF. Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. (Fonte de auxílio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) CORRESPONDÊNCIA Vanessa de Oliveira Martins-Reis [email protected]

RESUMO

(DIS)FLUÊNCIA EM CRIANÇAS DE QUATRO A SEIS ANOS: O QUE É NORMAL?: O objetivo deste trabalho foi descrever o perfil da fluência da fala de crianças com desenvolvimento típico de fala e linguagem e discutir as principais diferenças entre os achados deste estudo e os descritos na literatura para crianças com gagueira. Participaram do estudo 60 crianças de 4 a 6 anos, sem altera-ção no desenvolvimento de fala e linguagem, sendo 30 crianças de escolas particulares e 30 de escolas públicas. Foram incluídas no estudo as crianças com desempenho normal em provas de vocabulário e fonologia. As crianças incluídas foram submetidas à avalia-ção do perfil da fluência de fala. Em relação à influência da idade no perfil da fluência não se observou diferença significativa, assim como não houve diferença entre as crianças de escolas públicas e as das escolas privadas. Quanto ao sexo, observou-se diferença significativa na medida de disfluência comum, com valores maiores para os meninos. As hipóteses testadas na pesquisa apontam que o perfil da fluência da fala de crianças não varia com a idade e com o tipo de escola (pública e privada). As rupturas da fala são comuns em crianças com desenvolvimento típico de fala e linguagem, porém sua frequência e fatores de risco para alterações, como a gagueira, devem ser considerados. Descritores: Linguagem, Fala, Gagueira, Criança.

ABSTRACT (DIS)FLUENCY IN CHILDREN AGED FOUR TO SIX YEARS OLD: WHAT IS NORMAL?: The objective of this study was to describe the speech fluency of children with typical development of speech and language and discuss the main differences between the find-ings and what is described in the literature for children with stuttering. The study involved 60 children aged 4 to 6 years old, with no disorder in speech and language development, 30 from private schools and 30 from public schools. Children with normal performance on tests of vocabulary and phonology were included in the study. All included children were subjected to assessment of speech fluen-cy profile. Regarding the influence of age on fluency profile no statistically significant difference between age groups was found, and no difference was observed between public and private schools children. Regarding gender, there was a statistically significant differ-ence for common disfluency, with higher scores for boys. The hypotheses tested in this research indicated that the speech fluency profile do not vary with the age and the type of school (public and private). The speech disruptions are common in children with typical development of speech and language, but its frequency and risk factors for disorders, such as stuttering, should be considered. Keywords: Language, Speech, Stuttering, Child. Os distúrbios da comunicação são altamente prevalen-

tes na infância e podem comprometer o sucesso acadêmi-co e profissional dos indivíduos, o que justifica a importân-cia do diagnóstico e da intervenção precoce. Dessa forma, é fundamental que profissionais da saúde e da educação tenham conhecimentos suficientes para que possam orien-tar famílias, prestar esclarecimentos e encaminhar para profissionais especializados1,2. Nesse aspecto, os profissi-onais da educação ganham papel de destaque, já que

estudo mostra que os professores são um dos principais responsáveis pela detecção inicial dos distúrbios da co-municação, juntamente com médicos e familiares3.

Dentre os distúrbios da comunicação, destaca-se a ga-gueira que afeta diretamente a fluência da fala, causando interrupções no fluxo contínuo da produção de fala, devido a falhas na programação motora temporal, com sucessivas tentativas de retomada da fluência4. Tais rupturas podem

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vir acompanhadas de distorções faciais e corporais que refletem o esforço motor para falar. A gagueira pode ser classificada em idiopática (ou do desenvolvimento) ou adquirida (neurogênica e psicogênica)5, sendo o primeiro tipo o mais prevalente6. A gagueira do desenvolvimento pode ser definida como uma disfunção do sistema nervoso central de origem genética, sem dano cerebral aparente ou outra causa conhecida, que pode trazer importantes con-sequências sociais e psicológicas para a criança que ga-gueja7. Inicia na infância7,8, principalmente entre 2 e 5 anos de idade, período mais significativo de aquisição e desenvolvimento da fala e da linguagem em que as crian-ças estão passando pelas tentativas de aprender a falar.

De acordo com a Associação Brasileira de Gagueira, es-tima-se que existam cerca de 1.600.000 indivíduos que manifestam gagueira na população brasileira, e estimativas internacionais apontam para a distribuição em pré-escolares em torno de 2,4% e em escolares em torno de 1%.

Para o diagnóstico da gagueira, faz-se uma anamnese detalhada para levantamento do histórico familial para a desordem; período de surgimento; atitudes e reações da criança, dos familiares e sociais com relação aos momen-tos em que a criança apresenta rupturas na fala; histórico do desenvolvimento da comunicação e de intercorrências pré, peri e pós-natais; e componentes ambientais estres-santes9. Além disso, é necessária uma avaliação completa da fala e da linguagem, incluindo a avaliação da fluência.

A fluência pode ser definida como o fluxo contínuo e suave de produção da fala, que é produto da integração entre os processos auditivos, da linguagem, da fala e de fatores emocionais e de memória10. O fluxo de fala pode apresentar rupturas, também chamadas de disfluências, que são comuns a todos os falantes, não se restringindo às pessoas com gagueira11.

Para maior compreensão desse fenômeno é importan-te o entendimento da tipologia das disfluências. As dis-fluências podem ser subdivididas em disfluências comuns e gagas12. As disfluências comuns são encontradas em todos os falantes e implicam em incertezas e imprecisões linguísticas; já as disfluências gagas são sugestivas de um maior comprometimento do processamento de fala13,14.

No estudo de Juste e Andrade15, as maiores médias de ocorrência de disfluências comuns e gagas em indivíduos diagnosticados com distúrbios de fluência foram: hesita-ção, repetição de palavras, repetição de sílaba, bloqueio e prolongamento. Já a hesitação, o prolongamento e a pau-sa foram a tipologia de maior ocorrência em indivíduos fluentes.

Os resultados encontrados pelas autoras diferem dos estudos disponíveis relativos ao Inglês16 e ao Espanhol17, apontando variação linguística para a predominância de cada tipo de disfluência.

Para crianças em idade pré-escolar falantes de Portu-guês brasileiro, estudos mostram que o número médio de disfluências comuns é inferior a 20 e de disfluências gagas inferior a quatro em uma amostra de 200 sílabas fluen-tes14,18. Com relação às taxas de ruptura, estudos com falantes de Português apontam que a porcentagem de descontinuidade de fala é de até 10% e a de disfluências gagas de até 2%, independentemente da idade14,15,18-20.

Além do levantamento da tipologia e das taxas de rup-turas ou de disfluências, outro parâmetro fundamental na avaliação da fluência da fala é a velocidade de fala, medi-da em termos de palavras e sílabas por minuto e fonemas por segundo19. Tais medidas se correlacionam negativa-mente com a gravidade da gagueira tanto em adultos13 quanto em crianças21. A velocidade de fala de crianças tende a ser menor que a de adultos18,22, em média 84,62 palavras por minuto e 145,74 sílabas por minuto em crian-ças pré-escolares18.

A disfluência é um fenômeno comum na fase em que as crianças estão estruturando a linguagem23, período em que são denominadas as disfluências comuns da infân-cia24. Na gagueira do desenvolvimento há mais ocorrência de disfluências, além de dificuldades para emitir fonemas e sílabas e movimentos corporais associados23.

Para que os profissionais da educação possam fazer encaminhamentos adequados e orientar famílias e estu-dantes, é fundamental que conheçam as características normais da fluência de fala. Dessa forma, este estudo teve por objetivo descrever o perfil da fluência da fala de crian-ças sem alterações no desenvolvimento da fala e da lin-guagem. Além disso, objetivou verificar a influência da faixa etária, do sexo e do nível socioeducacional nas vari-áveis da fluência.

MétodoMétodoMétodoMétodo

Trata-se de estudo transversal descritivo, com seleção

da amostra por conveniência. Participaram do estudo 60 crianças com idades entre 4 anos e 6 anos e 11 meses, sendo 30 de escola pública e 30 de escola privada, parea-das por idade e sexo. Uma criança de escola particular foi excluída por não preencher os critérios de inclusão.

Os critérios de inclusão no estudo foram: a) Assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido; b) Desem-penho de linguagem esperado para a idade cronológica nos testes de Fonologia e Vocabulário do ABFW – Teste de Linguagem Infantil25; c) Ausência de histórico pessoal e/ou familiar de gagueira; d) Ausência de queixa de altera-ção neurológica, doença psiquiátrica e/ou dificuldades de comunicação por parte dos pais, educadores e professo-res; e) Não realização de atendimento fonoaudiológico e/ou psicológico anterior.

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Os procedimentos do estudo foram divididos em duas etapas. A primeira consistiu da aplicação das provas de Vocabulário e Fonologia do ABFW25 e aplicação de anam-nese para inclusão das crianças no estudo. As crianças incluídas foram submetidas à coleta de amostra de fala para levantamento do Perfil da Fluência da Fala. Para isso foi utilizada a metodologia proposta pela prova de Fluência do ABFW25. A amostra da fala de cada participante con-tendo no mínimo 200 sílabas fluentes foi obtida a partir da apresentação de uma figura. O discurso dos indivíduos só foi interrompido (com perguntas e comentários) nos casos em que foi necessário incentivar a produção de fala. As amostras de fala foram gravadas e filmadas para posterior transcrição e análise; foram transcritas na íntegra, consi-derando as sílabas fluentes e não fluentes. Em seguida, foi realizada a análise da amostra da fala e a caracterização da tipologia das disfluências, de acordo com a seguinte descrição:

• disfluências comuns: hesitações, interjeições, revisões, palavras não terminadas, repetições de palavra, repetições de segmentos e repetições de frases;

• disfluências gagas: repetições de sílabas, repetições de sons, prolongamentos, bloqueios, pausas e intrusões de sons ou segmentos.

A velocidade de fala em palavras e em sílabas por mi-nuto foi calculada por meio das medidas de tempo de fala, número de sílabas (200 sílabas) e número de palavras encontrados na amostra de fala das crianças. Um cronô-metro foi utilizado para determinar o tempo. A velocidade de fala em palavras por minuto foi obtida pelo cálculo do número total de palavras produzidas pela criança dividido pelo tempo de fala. A quantidade de sílabas por minuto foi obtida pelo cálculo do número total de sílabas (200) dividi-do pelo tempo de fala. Foi também realizada a análise da frequência de rupturas com a porcentagem de desconti-nuidade de fala, que mede a taxa de rupturas no discurso,

e a porcentagem de disfluências gagas, que mede a taxa de rupturas gagas.

Para análise estatística dos dados foram calculadas medidas descritivas (média, mediana e desvio-padrão [DP]). Como as variáveis não apresentam distribuição normal, foram utilizados os testes não paramétricos: Prova do qui-quadrado e Teste de Kruskal-Wallis. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).

ResultadosResultadosResultadosResultados

A Tabela 1 mostra a média geral de ocorrência das ti-pologias das disfluências (comuns e gagas) da fala, evi-denciando que as tipologias mais encontradas foram pro-longamento, repetição de palavra e hesitação. As tipologi-as com menor média foram repetição de frase, repetição de som, bloqueio e intrusão de sons ou segmento.

Em relação à influência da idade no perfil da fluência não se observou diferença significativa entre os grupos etários quanto às variáveis estudadas, embora tenha exis-tido tendência a maior quantidade de sílabas por minuto (p = 0,07) e, portanto, maior velocidade na fala nas crianças de 6 anos (Tabela 2).

Comparando os sexos, observou-se diferença significa-tiva na medida de disfluências comuns, em que os meni-nos apresentaram mais disfluências comuns que as meni-nas (Tabela 3).

As Tabelas 4 e 5 mostram o número de crianças que apresentou cada uma das disfluências, independentemen-te do número de disfluências apresentado por cada crian-ça. Independentemente da idade, a prevalência de crian-ças que apresentou repetição de segmento, repetição de palavra e hesitação foi maior. Além disso, observou-se aumento no número de crianças que apresentaram inter-jeição com o aumento da idade.

Tabela 1. Estatística descritiva das tipologias das disfluências de fala de crianças de 4 a 6 anos.

Tipologia das disfluências Média Mediana Desvio-padrão Hesitação 1,12 0 2,03

Interjeição 0,98 0 2,18 Revisão 0,86 1 1,11 Palavra não Terminada 0,24 0 0,59

Repetição de Palavra 1,85 1 3,11 Repetição de Segmento 0,47 0 0,77 Repetição de Frases 0,02 0 0,13

Repetição de Sílabas 0,54 0 1,15 Repetição de Sons 0,03 0 0,18 Prolongamento 3,56 3 3,31

Bloqueio 0,03 0 0,26 Pausa 0,19 0 0,73 Intrusão de sons ou segmentos 0,03 0 0,18

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Tabela 2. Efeito da idade no perfil da fluência. 4 anos 5 anos 6 anos valor

de p* Média Mediana DP Média Mediana DP Média Mediana DP

Total de disfluências comuns 7,37 6,00 6,72 4,00 3,00 2,96 5,65 4,00 5,29 0,11 Total de disfluências gagas 4,58 4,00 3,69 4,95 5,00 4,29 3,50 3,00 3,03 0,42

Palavras por minuto 72,91 72,12 12,81 75,65 81,21 12,95 79,44 82,30 17,75 0,24 Sílabas por minuto 128,90 125,70 26,94 117,44 122,40 23,83 134,54 142,90 33,42 0,07 Porcentagem de descontinuidade da fala 5,97 4,50 4,83 4,47 3,50 2,54 4,57 4,00 3,53 0,42

Porcentagem de disfluências gagas 2,29 2,00 1,85 2,47 2,50 2,14 1,75 1,50 1,52 0,42

Tabela 3. Efeito do sexo no perfil da fluência de crianças de 4 a 6 anos.

Sexo Total de

Disfluências Comuns

Total de

Disfluências gagas

Palavras por

minuto

Sílabas por

minuto

Descontinuidade

da fala (%)

Disfluências

gagas (%)

Feminino

Média 4,48 4,48 75,60 126,48 4,48 2,24

Mediana 4,00 4,00 76,50 126,30 4,00 2,00 DP 3,62 3,84 11,65 29,14 2,88 1,92

Masculino

Média 7,76 4,08 76,68 128,19 5,92 2,04

Mediana 5,50 3,00 77,64 131,10 4,50 1,50 DP 7,03 3,49 19,08 28,91 4,87 1,75

valor de p* 0,04 0,55 0,60 0,71 0,34 0,55

Tabela 4. Distribuição das frequências de crianças de 4 a 6 anos de acordo com cada tipo de disfluência comum.

Tipo de Rupturas 4 anos 5 anos 6 anos

f % f % F %

Hesitação 12 60,0 5 26,3 4 20,0 Interjeição 3 15,0 4 21,0 9 45,0 Revisão 11 55,0 9 47,4 10 50,0

Palavra não Terminada 3 15,0 1 5,3 6 30,0 Repetição de Palavra 15 75,0 13 68,4 8 40,0 Repetição de Segmento 12 60,0 3 15,8 4 20,0

Repetição de Frases 0 0 1 5,3 0 0

Tabela 5. Distribuição das frequências de crianças de 4 a 6 anos de acordo com cada tipo de disfluência gaga.

Tipo de Rupturas 4 anos 5 anos 6 anos

f % f % f %

Repetição de Sílabas 7 35,0 5 26,3 10 50,0 Repetição de Sons 0 0 2 10,5 0 0

Prolongamento 19 95,0 16 84,2 15 75,0 Bloqueio 0 0 1 5,3 0 0 Pausa 1 5,0 2 10,5 3 15,0

Intrusão de sons ou segmentos 1 5,0 1 5,3 0 0

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

Este estudo teve como objetivo descrever o perfil da fluência da fala de crianças sem alterações no desenvolvimento da fala e da linguagem, a partir das análises das disfluências e da velocidade de fala.

A partir da análise da velocidade de fala, frequência de rupturas e tipo-logia das rupturas não foi observada influência da idade, o que corrobora estudos anteriores18,26, apesar de existir variação na fluência no que se

refere à velocidade de fala ao longo da vida18. Tais resultados reforçam a ideia de que o padrão de rupturas de fala não sofre grande variabilidade ao longo da vida, indicando que a maturação do sistema neurolinguístico para a fluência se estabe-lece funcionalmente nos primeiros anos de vida18.

As tipologias das rupturas das crianças encontradas no estudo, independentemente da idade, foram prolongamento, repetição de palavra e hesitação, como evidenciam os estudos de Carlo e Watson17, em que o prolongamento foi a ruptura mais frequente, e os estudos de Juste e Andrade15, Ambro-se e Yairi16 e Oliveira et al.27, em que a hesitação foi a tipologia comum de maior ocorrência. O prolongamento é uma dis-fluência gaga que ocorreu no estudo; entre-tanto, apesar das disfluências gagas serem um parâmetro fundamental para diagnósti-co de gagueira, também são encontradas na fala de falantes fluentes15,18,20.

A distribuição das disfluências na fala das crianças mostra a diversidade linguísti-ca que a própria língua permite. Podemos dizer que as crianças deste estudo demos-tram preferência nos momentos de com-plexidade da língua por hesitações (pausas curtas), repetição de palavras e prolonga-mentos em vogais em final de palavras.

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No estudo de Chacon e Villega28, a hesitação na fala de crianças ocorreu em 45,9% das ocorrências, as repeti-ções em 37,9%, e o prolongamento em 2,7%.

Além da tipologia das disfluências diferenciar os falan-tes fluentes dos não fluentes, estudos mostram que tais grupos também se diferenciam quanto à frequência com que ocorrem as rupturas na fala, ou seja, crianças que gaguejam apresentam três vezes mais rupturas gagas do que as crianças fluentes, o que mostra dificuldade na or-ganização morfo-sintático-semântica15. Tais incertezas são naturais ao processo de desenvolvimento, afinal a criança hesita na escolha das palavras, repete ou prolonga os sons ou não os pronuncia corretamente até ter domínio das re-gras da língua e do ato motor da fala. Para que o diagnósti-co de gagueira seja concluído, as crianças precisam ter taxas de disfluências gagas maiores que o esperado para sua idade. Isso reforça a necessidade de profissionais da saúde e educação conhecerem o que é esperado, em ter-mos de fluência, para crianças em idade pré-escolar.

Em relação à variável sexo, foi possível observar que crianças do sexo masculino apresentaram mais disfluên-cias comuns do que o sexo oposto. Diferenças isoladas foram encontradas quanto ao total de disfluências gagas em crianças26 e adultos20, com maiores valores para o sexo masculino, porém não houve diferença nas outras variáveis estudadas. Esses resultados estão de acordo com outros estudos14,16,22 que não encontraram distinção entre os sexos nas variáveis pesquisadas.

Dessa forma, as hipóteses testadas na pesquisa apon-tam que o Perfil da Fluência da Fala de crianças não variou com a idade nem com o sexo. Com relação às disfluências gagas e à descontinuidade de fala, não houve variabilida-de: a taxa de ocorrência para disfluências gagas foi de no máximo 2%, e a de descontinuidade de fala foi de no má-ximo 5,9%. As disfluências mais frequentes na fala de crianças com desenvolvimento típico da linguagem e da fala são hesitação, repetição de palavras e prolongamentos. A distribuição das disfluências na fala das crianças mostra a diversidade linguística que a própria língua permite e que, diante das incertezas morfo-sintático-semânticas, as dis-fluências comuns tendem a aparecer, na tentativa de se ganhar mais tempo para o processamento da informação. O conhecimento dessas rupturas permitirá que profissio-nais da saúde e educação identifiquem melhor as crianças com distúrbios da fluência e com desenvolvimento normal.

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Original Figueiredo MO, Emmel MLG, Villa MB. Terapia ocupacional e alunos com dificuldades de aprendizagem: análise de uma interven-ção nos aspectos psicomotores. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):125-31. Artigo recebido em 01/06/2015. Aceito em 18/07/2015.

terapia ocupacional e alunos com dificuldades de aprendizagem: análise de uma intervenção nos aspectos psicomotores

mirela de oliveira figueiredo1

maria luisa guillaumon emmel2

miriam bratfisch villa3

(1) Doutora pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Professora Adjunta na Universi-dade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP. (2) Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Professora Titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP. (3) Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Psicóloga do Centro de Referência Especia-lizado de Assistência Social (CREAS) de Paulínia, SP. Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). CORRESPONDÊNCIA

Mirela de Oliveira Figueiredo [email protected]

RESUMO TERAPIA OCUPACIONAL E ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE DE UMA INTERVENÇÃO NOS ASPEC-TOS PSICOMOTORES: O presente estudo teve por objetivo elaborar e analisar o impacto de um programa de intervenção em aspectos psicomotores e no desempenho em leitura de alunos com dificuldades de aprendizagem. Este estudo adotou o desenho quase-experimental do tipo pré e pós-teste. Foram aplicados os instrumentos Escala de Desenvolvimento Motor e Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras a alunos com idades de 7 a 8 anos. A amostra foi composta por 31 alunos matriculados no Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal. A partir dos resultados foi elaborado um plano de intervenção que teve duração de quatro meses; os alunos foram avaliados antes e no término da intervenção. Os dados foram analisados com uso do Método JT. Os resultados indicam a ocorrência de mudanças confiáveis e clinicamente significativas na aprendizagem da leitura de 27 alunos e no esquema corpo-ral e orientação espacial de 24 alunos. Conclui-se que os resultados indicam a eficácia da intervenção no desenvolvimento e/ou aprimo-ramento de itens psicomotores em conjunto com um incremento no desempenho da leitura. Com isso, o estudo oferece elementos que subsidiam as intervenções dirigidas aos alunos com dificuldades de aprendizagem como também as práticas educacionais. Descritores: Dificuldades de aprendizagem, Desenvolvimento psicomotor, Terapia ocupacional. ABSTRACT OCCUPATIONAL THERAPY AND STUDENTS WITH LEARNING DISABILITIES: ANALYSIS OF AN INTERVENTION IN THE PSYCHO-MOTOR ASPECTS: This study aimed to develop and analyze the impact of an intervention program in psychomotor aspects and reading performance of students with learning difficulties. The Motor Development Scale and Words and Pseudowords Reading Competence Test were applied to students aged 7-8 years. The sample consisted of 31 students enrolled in elementary education at a municipal school network. From the results it was prepared an intervention plan that had duration of four months, and the students were evaluated before and at the end of the intervention. The data analysis was carried out using the JT method. The results indicate the occurrence of reliable and clinically significant changes in learning reading of 27 students and in body image and spatial orientation of 24 students. We conclude that the results indicate the effectiveness of intervention in the development and/or enhancement of psychomotor items together with an increase in reading performance. Thus, the study provides elements that support interventions for students with learning difficulties as well as educational practices. Keywords: Learning difficulties, Psychomotor development, Occupational therapy.

As dificuldades de aprendizagem podem ser naturais (ou de percurso) ou secundárias a outros quadros patológicos. As dificuldades de aprendizagem naturais ou de percurso constituem aquelas dificuldades vivenciadas pelos alunos em algum conteúdo didático ou em algum momento de sua vida escolar. Dentre as causas para essas dificuldades estariam os aspectos evolutivos, os problemas de adapta-ção com a metodologia da escola, a existência de conflitos

familiares, com colegas e professores, a falta de assiduida-de, entre outros1. As dificuldades de aprendizagem consti-tuem “fraturas” no processo de aprendizagem, o que en-volve necessariamente quatro níveis: o organismo, o cor-po, a inteligência e o desejo. A origem das dificuldades de aprendizagem estaria relacionada à estrutura individual da criança e à estrutura familiar e/ou escolar na qual se inse-re2.

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Apesar de cada caso ser único, algumas generalizações podem ser tecidas a respeito dos aspectos cognitivos, com-portamentais e emocionais dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Esses alunos apresentam características que podem tanto ser causa como consequência das dificul-dades de aprendizagem, sendo essas falhas na integração perceptiva, na memória, no pensamento, na linguagem, presença de impulsividade, desajeitamento e desatenção3.

Nesse sentido, os alunos com dificuldades de aprendi-zagem podem enfrentar dificuldades significativas em uma área ou em uma combinação de áreas do desempenho educacional4.

Há seis categorias de dificuldades de aprendizagem que já foram identificadas. A categoria auditivo-linguística trata de um problema de percepção / compreensão daquilo que é ouvido, o que faz com que o aluno tenha dificuldade na execução e/ou compreensão das instruções que lhe são dadas. A categoria visuoespacial envolve características diversas como inabilidade para compreender a cor, para discriminar figura-fundo e para visualizar orientações no espaço. Esses alunos apresentam frequentemente dificul-dades na leitura, como, por exemplo, na leitura das letras /b/ e /d/ e /p/ e /q/ (reversões). Na categoria motora, o aluno apresenta problemas de coordenação global e/ou fina, visí-veis em casa e/ou na escola, trazendo consequências para a escrita, uso do teclado e do mouse de computador. Na categoria organizacional o aluno tem dificuldades para loca-lização do início, meio e fim de uma tarefa e para resumir e organizar a informação, o que impede a realização dos trabalhos de casa, apresentações orais e outras demais tarefas escolares. A categoria acadêmica corresponde aos problemas na área da matemática e/ou na área da leitura. A categoria socioemocional constitui as falhas no cumprimen-to das regras sociais, como, por exemplo, esperar pela sua vez, e em interpretar expressões faciais, sendo muitas ve-zes incapaz de desempenhar tarefas esperadas para sua idade cronológica e mental5.

No Brasil, em todas as escolas e séries, há alunos com as dificuldades de aprendizagem já pontuadas e com pou-cos estímulos para o estudo, o que tende a acentuar suas dificuldades2. Por isso, faz-se urgente o surgimento de me-didas para preparação pedagógica das escolas e dos pro-fessores com a identificação das situações de risco, o su-primento das necessidades apresentadas, a implementação de programas de intervenção e suporte dentro do próprio ambiente escolar6.

A forma como se observam e se avaliam os alunos de-terminará o tipo de dificuldade e a elegibilidade para os serviços de Educação Especial. Para que os alunos tenham sucesso no processo de ensino-aprendizagem, as dificulda-des devem ser identificadas o mais precocemente possível por meio de avaliações especializadas que conduzam os casos para intervenções específicas7.

Levando em consideração que pode ser diminuído o im-pacto que as dificuldades de aprendizagem de percurso exercem sobre o desenvolvimento do indivíduo1,3, torna-se imprescindível a elaboração de programações educativas individualizadas que vão ao encontro das necessidades educacionais especiais (NEEs) desse alunado7. O National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD)4 pontua que esses alunos requerem instrução e apoio que se dife-renciam, seja em relação aos outros alunos regulares, seja entre os próprios alunos com dificuldades, para que, dessa forma, sejam atendidas suas necessidades específicas de aprendizagem. Muitos desses alunos precisarão de instru-ção especializada, acomodações e estratégias compensató-rias ao longo de suas vidas.

A intervenção terapêutica ocupacional na área da edu-cação tem proporcionado ações desse profissional voltadas para as questões do cotidiano escolar. A parceria e a reali-zação de trabalhos pelos terapeutas nas escolas têm sido solicitadas pelos profissionais da educação mediante a necessidade de se pensarem e se encontrarem práticas mais efetivas e que contemplem as atividades do cotidiano escolar e as relações que se estabelecem nesse dia a dia8.

O terapeuta ocupacional pode atuar diretamente com o aluno, realizando avaliações específicas, elaborando estra-tégias para minimizar as dificuldades e possibilitando o processo de ensino-aprendizagem. Além disso, pode contri-buir para a aquisição de conhecimento pelos educadores, coordenadores e equipe escolar fornecendo suporte itine-rante, realizando estudos de caso, ministrando cursos teóri-co-práticos, discutindo propostas para flexibilização curricu-lar e para o uso de recursos de tecnologias assistivas e/ou materiais adaptados9,10.

Com base nesses pressupostos, o presente estudo teve por objetivo elaborar e analisar o impacto de um programa de intervenção nos aspectos psicomotores de alunos com dificuldades de aprendizagem, matriculados no Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal.

MétodoMétodoMétodoMétodo

A pesquisa utilizou o desenho metodológico de estudo

quase-experimental do tipo pré e pós-teste11,12, e adotou uma abordagem quanti-qualitativa para a mensuração de indicadores observáveis do objeto de estudo e para a des-crição dos sujeitos investigados, considerando que vivem em determinada condição social e que possuem necessida-des singulares13,14.

Este estudo foi conduzido com 31 alunos com idades entre 7 e 8 anos, matriculados no Ensino Fundamental de uma escola municipal de uma cidade do interior do Estado de São Paulo.

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Para a composição dessa amostra, as professoras da escola indicaram 75 alunos que apresentavam dificuldades de aprendizagem. Esses alunos foram todos avaliados, e aqueles que apresentaram escores abaixo da média nos testes padronizados referentes ao desempenho na leitura e ao desenvolvimento psicomotor e que atendiam aos critérios de inclusão da amostra foram selecionados para a composição dos grupos de intervenção. Esses alunos também foram convidados pela investigadora para uma conversa individual, na qual se abordaram as dificuldades que eles apresentavam em sala de aula e os resultados que apresentaram no teste.

Como este estudo enfatiza o desempenho na leitura e aspectos psicomotores, os instrumentos adotados para a coleta de dados se voltaram para a avaliação dessas di-mensões.

O estágio de desenvolvimento da leitura do aluno e su-as estratégias de leitura foram avaliados com a aplicação do Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseu-dopalavras (TCLPP)15. Esse instrumento é composto por 70 figuras associadas a uma palavra ou pseudopalavra, que os alunos devem reconhecer se estão escritas corre-tamente e/ou se correspondem à figura. O TCLPP, por intermédio de uma tabela de classificação do desempenho por idade, para cada série escolar, determina pontuações para cada subteste, o que gera escores para cada tipo de palavra que, somados, constituirão o escore geral. Os resultados individuais convertidos graficamente podem ser utilizados na comparação do desempenho de um indivíduo para outro, indicando os alunos que não estão com as habilidades de leitura adequadas para sua idade15.

Com o objetivo de avaliar, analisar e estudar o desen-volvimento de crianças em diferentes etapas evolutivas, aplicou-se a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)16. Nessa bateria de testes, o desenvolvimento psicomotor é acompanhado segundo as aquisições adequadas para cada faixa etária de 2 a 11 anos; no presente estudo foram avaliados os itens motricidade fina, esquema corporal e organização espacial. A EDM determina pontuações para cada teste e prova motora que a compõem, de acordo com o desempenho exigido para a realização de cada tarefa. A partir do procedimento aritmético, definido pela EDM, para pontuar os resultados dos testes individuais, levanta-se o perfil motor de cada participante. Esses resultados individu-ais reproduzidos graficamente, quando comparados com a população normativa, indicam os sujeitos que não estão com o desenvolvimento motor adequado para sua idade16.

A coleta de dados ocorreu em duas etapas: a primeira denominada pré-teste, com a aplicação dos instrumentos de avaliação. Em seguida a essas avaliações, realizou-se a fase de intervenção, com a elaboração e aplicação de um programa voltado a suprir as necessidades apontadas nos resultados da avaliação. Transcorridos quatro meses

de intervenção, os alunos foram reavaliados com os mes-mos instrumentos para verificação da ocorrência de mu-danças confiáveis e clinicamente relevantes, mensurando-se, assim, o impacto do programa.

O programa de intervenção teve a duração de quatro meses e foi composto por 16 atendimentos que ocorreram uma vez na semana. O grupo de 31 alunos foi dividido em cinco grupos de cinco alunos e um grupo de seis alunos que recebiam semanalmente os atendimentos. Essa divi-são dos participantes em pequenos grupos se justifica pela ideia de fornecer atendimento proximal às necessidades de cada aluno, o que se considera que ocorre de melhor maneira em grupos pequenos, mas, ao mesmo tempo, mantendo-se a relação grupal para simular aquela vivida em sala de aula.

Esse programa de intervenção foi composto pela leitu-ra do livro Travessuras do Amarelo17 e por atividades que estimulassem o desenvolvimento psicomotor e fossem conectadas à estória. A leitura do livro ocorreu de forma paulatina, um ou no máximo dois capítulos lidos por aten-dimento, com posterior realização das atividades mencio-nadas.

Como forma de realizar uma análise comparativa entre os escores pré e pós-intervenção, foram adotadas as con-cepções e os critérios formulados pelo Método JT18. Esse método realiza a análise de significância clínica e a análise de mudança confiável para grupos e/ou sujeitos únicos submetidos a uma intervenção terapêutica, aplicáveis a uma grande variedade de problemas clínicos19-23. Assim, o Método JT18 implica na realização de dois processos com-plementares, o cálculo do Índice de Mudança Confiável (IMC) e de Significância Clínica (SC). O IMC serve para determinar se as mudanças pré e pós-intervenção podem ser atribuídas à intervenção ou a erros de medida. Já a SC permite verificar se as mudanças atingidas ocorreram em uma extensão que as caracterize como clinicamente rele-vantes18,21,24,25. Ao aplicar essa métrica na amostra dos participantes de um programa de intervenção, pode-se determinar a porcentagem de indivíduos que melhoraram com a intervenção, mas que não se recuperaram, o per-centual de indivíduos que se recuperaram e o percentual de indivíduos que permaneceram inalterados ou que piora-ram durante o tratamento18, 26.

Resultados Resultados Resultados Resultados

Para análise do TCLPP15, seguindo as normas do Mé-

todo JT18, foi necessário dividir a amostra em dois grupos, um composto pelos alunos com 7 anos e outro com os alunos com 8 anos de idade. O grupo dos alunos com 7 anos foi composto por oito alunos. Os resultados obtidos na comparação entre a avaliação pré-teste e pós-teste do

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grupo dos alunos com 7 anos indicam que todos os oito alunos apresentaram mudança positiva confiável, ou seja, que a mudança está relacionada com a intervenção e não se deve a um erro de medida. Em relação à significância clínica apresentada pelos oito alunos, ou seja, se houve mudança de status clínico, seis alunos apresentaram mu-dança clinicamente significativa, deslocando-se da popula-ção disfuncional para a funcional, e dois alunos, que se apresentavam na pré-intervenção na população disfuncio-nal, permaneceram nessa população.

O grupo de alunos com 8 anos foi composto por 23 alu-nos. Os resultados obtidos na comparação entre a avaliação pré-teste e pós-teste apontam que os 23 alunos, que com-punham o grupo dos alunos com 8 anos, obtiveram mudan-ça positiva confiável que não se deveu a um erro de medi-da, mas estava sim relacionada com a intervenção. Em relação à significância clínica, ou seja, se houve mudança

de status clínico, 16 alunos apresentaram mudança clinica-mente significativa, deslocando-se da população disfuncio-nal para a funcional; seis alunos obtiveram alterações, mas, por se encontrarem na faixa de incerteza (ao redor da bisse-triz), não é possível afirmar nada sobre essas alterações, pois podem ser devidas a erros de medida; um aluno que se apresentava na pré-intervenção na faixa de incerteza, ape-sar de apresentar aumento do escore no pós-intervenção, o aumento não foi clinicamente significativo e se manteve na população disfuncional.

Como forma de sintetizar os resultados obtidos na apli-cação do TCLPP15 aos alunos de 7 anos e 8 anos de ida-de e de favorecer a visualização do número de alunos que obtiveram mudança confiável e alteração de status clínico na mensuração comparativa entre pré-teste e pós-teste, elaborou-se o Quadro 1.

Quadro 1. Distribuição do número de alunos segundo os resultados obtidos na análise comparativa entre pré-teste e pós-teste no TCLPP.

Aquisições

Mudança Confiável Significância Clínica

Ocorrência de Mudança Confiável

Ausência de Mudança Confiável

Faixa de Incerteza

Com Alteração de Status Clínico

Sem Alteração de Status Clínico

Faixa de Incerteza

TCLPP: alunos com 7 anos (n = 8) 8 0 0 6 2 0

TCLPP: alunos com 8 anos (n = 23) 23 0 0 16 6 1

Com a aplicação da EDM16 foi avaliado o estágio de de-senvolvimento psicomotor dos alunos, especificamente as aquisições: motricidade fina, esquema corporal e organiza-ção espacial. A análise da EDM16, seguindo as normas do Método JT18, foi realizada com a amostra total (31 alunos).

Em relação à motricidade fina, o resultado da análise en-tre a avaliação pré-teste e pós-teste aponta que 17 alunos apresentaram mudança positiva confiável, ou seja, mudança relacionada com a intervenção e que não se deve a um erro de medida. Contudo, 14 alunos não apresentaram mudan-ça. Em relação à significância clínica apresentada pelos 31 alunos, ou seja, se houve mudança de status clínico, dois alunos que, no pré-teste, ficaram na faixa de incerteza, apresentaram-se como já pertencentes à população funcio-nal antes mesmo da intervenção e, com o término do pro-grama, permaneceram nessa população; dois alunos apre-sentaram mudança clinicamente significativa, deslocando-se da população disfuncional para a funcional; 27 alunos obti-veram alterações, mas, por se encontrarem na faixa de incerteza (ao redor da bissetriz), não é possível afirmar nada sobre elas, pois podem ser devidas a erros de medida.

No item esquema corporal, o resultado obtido na com-paração entre a avaliação pré-teste e pós-teste indica que 27 alunos obtiveram mudança confiável, ou seja, que está

relacionada com a intervenção e não se deve a um erro de medida. Entretanto, quatro alunos permaneceram com ausência de mudança. Em relação à significância clínica, ou seja, se houve mudança de status clínico, um aluno que, no pré-teste 1, se deslocou da população disfuncional para a funcional, nessa análise comparativa manteve o deslocamento permanecendo na população funcional; seis alunos que se apresentavam no pré-teste 1 na faixa de incerteza, nessa análise comparativa obtiveram oscilações nos escores que indicam que se deslocaram da população disfuncional para a população funcional; 24 alunos obtive-ram alterações, mas, por se encontrarem na faixa de incer-teza (ao redor da bissetriz), não é possível afirmar nada sobre elas, pois podem ser devidas a erros de medida.

No item organização espacial, o resultado obtido na comparação entre a avaliação pré-teste e pós-teste indica que 24 alunos obtiveram mudança confiável no item orien-tação espacial, ou seja, que está relacionada com a inter-venção e não se deve a um erro de medida. Porém, sete alunos permaneceram com ausência de mudança. Em relação à significância clínica, ou seja, se houve mudança de status clínico, sete alunos que se apresentaram no pré-teste 1 e se deslocaram da população disfuncional para a funcional, nessa análise comparativa mantiveram o deslo-camento permanecendo na população funcional; quatro

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que se apresentavam no pré-teste 1 na faixa de incerteza, nessa análise comparativa obtiveram oscilações nos esco-res que indicam que se deslocaram da população disfun-cional para a população funcional; 20 alunos obtiveram alterações, mas, por se encontrarem na faixa de incerteza (ao redor da bissetriz), não é possível afirmar nada sobre elas, pois podem ser devidas a erros de medida.

Como forma de sintetizar os resultados obtidos na apli-cação da EDM16 e de favorecer a visualização do número de alunos que obtiveram mudança confiável e/ou alteração de status clínico na mensuração comparativa entre pré-teste e pós-teste, elaborou-se o Quadro 2.

Quadro 2. Distribuição do número de alunos segundo os resultados obtidos na análise comparativa entre pré-teste e pós-teste na EDM.

Aquisições

Mudança Confiável Significância Clínica

Ocorrência de Mudança Confiável

Ausência de Mudança Confiável

Faixa de Incerteza

Com Alteração de Status Clínico

Sem Alteração de Status Clínico

Faixa de Incerteza

Motor Fino 17 14 0 2 2 27

Esquema Corporal 27 4 0 6 0 25

Orientação Espacial 24 7 0 11 0 20

Discussão Discussão Discussão Discussão

Os resultados demonstraram que ocorreram mudanças

confiáveis e clinicamente significativas na aprendizagem da leitura e em itens do desenvolvimento psicomotor.

O esquema corporal e a organização espacial de 24 alunos passaram por uma mudança positiva confiável. Infere-se que a mudança desses aspectos psicomotores pode ter interferido de forma favorável no desempenho da leitura, na medida em que o desenvolvimento psicomotor influencia significativamente na aquisição das habilidades de aprendizagem cognitiva, como, por exemplo, a noção de corpo, de tempo e espaço é necessária no processo de aprendizagem escolar da leitura e da linguagem escrita27,28.

Da mesma forma, os alunos que não obtiveram mu-dança positiva confiável no desempenho da leitura foram aqueles que nos itens esquema corporal e organização espacial não obtiveram mudança positiva confiável.

A literatura tem mostrado que alunos com dificuldades de aprendizagem apresentam atrasos globais e/ou específi-cos no desenvolvimento psicomotor29-33. O atraso no es-quema corporal compromete as áreas de organização es-pacial e temporal que, por sua vez, trazem prejuízos tanto para a linguagem, para a leitura e escrita como para a arit-mética, pois são aquisições responsáveis pela competência de leitura-escrita (reconhecimento, elaboração e interpreta-ção de símbolos) e competência pré-numérica (noções de classificação, seriação e correspondência)30,34-36.

Com os resultados aqui demonstrados, possibilita-se o reconhecimento da ação da terapia ocupacional no espaço escolar provendo soluções para as necessidades dos alunos por meio da aplicação de instrumentos de avalia-

ção específicos e elaboração de um programa que atende às reais necessidades de cada aluno.

A realização de avaliações específicas aponta os índi-ces e indicadores de necessidades, como também quais necessidades desses alunos estão relacionadas às condi-ções para a aprendizagem. Dessa forma, se obtém um diagnóstico mais aprofundado sobre as dificuldades apre-sentadas37. Contudo, avaliações específicas requerem a atuação de profissionais especializados, e isso implica na análise e discussão das políticas educacionais versus as estruturas políticas, sociais e econômicas do país. A au-sência de uma equipe formada por especialistas de dife-rentes áreas atuando em parceria com os professores, coordenadores pedagógicos e diretores é um obstáculo para a concretização de práticas pedagógicas inclusivas38.

O terapeuta ocupacional também pode favorecer a po-tencialização da ação educativa dos professores, na medi-da em que os dados deste estudo indicam áreas em déficit dos alunos e as medidas de intervenção aplicadas que obtiveram sucesso. Assim, uma vez que haja um terapeuta ocupacional dentro da escola, o assessoramento das questões ocorrerá em tempo imediato. Além da realização das avaliações e da detecção das necessidades dos alu-nos no momento em que eles estivessem apresentando dificuldades de aprendizagem, os atendimentos ocorreriam em sequência, assim como as orientações aos professo-res e aos familiares. Sabe-se que os alunos da rede públi-ca que apresentam dificuldades de aprendizagem são encaminhados para os serviços públicos, ficando, muitas vezes, o atendimento perdido no espaço e no tempo em virtude da lentidão do sistema para sanar tal problema. Há também alunos que são avaliados inúmeras vezes sem, contudo, receberem os atendimentos necessários. Tal fato, do ponto de vista terapêutico, acaba por impactar de

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forma negativa o aluno, que tem a consciência da sua dificuldade, que é constantemente avaliado, mas que con-tinua sem aprender, convivendo com a reprovação e o fracasso escolar. Contudo, no Brasil, a prática profissional da terapia ocupacional na escola regular ainda está em reconhecimento9.

A pesquisa de Sant’ana38 apresenta dados que refe-rem que o apoio técnico fornecido pela presença de uma equipe que dê suporte aos professores se constituiu a principal necessidade apontada pelos professores, direto-res e agentes educacionais para a ocorrência de uma educação efetivamente inclusiva. Tais aspectos apontam para a necessidade de elaboração e concretização de políticas públicas e de programas multidisciplinares per-manentes dentro das escolas, considerando o terapeuta ocupacional como um profissional colaborador desse pro-cesso39,40.

A consolidação da atuação do terapeuta ocupacional na educação regular requer o estabelecimento de uma efetiva interface entre as áreas da Saúde e da Educa-ção41,42. O atual conceito de saúde supera os limites do enfoque orgânico, sendo que a análise do tema requer o alcance de dimensões mais amplas, considerando os fatores sociopolíticos, econômicos e educacionais. A saú-de pressupõe condições, decisões e ações que possam garanti-la e que não estão necessariamente no plano da medicalização, mas, principalmente, nas dimensões soci-ais, culturais, espirituais e educacionais que envolvem os indivíduos e a comunidade em que habitam43.

Com base nos resultados aqui apresentados, acredita-se ser importante o investimento na atuação de terapeutas ocupacionais na área da educação e dentro do ambiente escolar. Essa premissa corrobora Cardoso e Matsukura40, na medida em que os terapeutas ocupacionais já se en-contram envolvidos com a preparação das escolas e dos professores e identificam suas ações como fator contribu-inte importante nesse aspecto.

Os resultados deste estudo demonstraram mudanças confiáveis e clinicamente significativas no desempenho da leitura na maior parte da amostra dos alunos com dificul-dades de aprendizagem, a partir da intervenção oferecida. Em relação aos aspectos psicomotores, esquema corporal e organização espacial, grande parte da amostra também obteve mudanças confiáveis e clinicamente significativas. Os resultados indicaram que cada capítulo do livro e as atividades elaboradas permitiram o desenvolvimento e/ou aprimoramento de itens psicomotores em conjunto com um incremento no desempenho da leitura.

Destaca-se a necessidade de ampliação e integração de ações entre as políticas públicas para o atendimento eficaz das demandas dos alunos com dificuldades de aprendizagem, dentre essas as diretamente relacionadas

às necessidades para a aprendizagem como, também, à atenção às famílias desses alunos. Para isso, faz-se ne-cessário que a própria política de inclusão educacional rompa com a tendência a se destinar somente ao alunado com deficiências e passe a considerar que outras altera-ções no desenvolvimento também integram o cotidiano de crianças que frequentam a escola e não são consideradas no universo da “necessidade educativa especial”, dentre elas as crianças com dificuldades de aprendizagem.

Em virtude de a intervenção ter sido idealizada e reali-zada por terapeutas ocupacionais, este estudo demonstra uma das possibilidades de atuação desse profissional na área da educação e dentro do ambiente escolar. Os tera-peutas ocupacionais atendem às necessidades de inter-venção de alunos com dificuldades de aprendizagem, na medida em que são habilitados para realizar avaliações e para elaborar programas de intervenção que respondam às necessidades de aprimoramento nos componentes de desempenho. Nesse sentido, a terapia ocupacional com-põe a gama de áreas específicas que são necessárias ao atendimento das questões escolares, como a intervenção específica aos alunos com dificuldades de aprendizagem e o preparo dos professores quanto à identificação das difi-culdades e às estratégias educacionais a serem adotadas para esses alunos.

Importante ressaltar que o estudo, por envolver profes-sores e alunos de uma única escola, apresenta limitações. A instituição estudada foi uma escola pública da periferia de um município de médio porte do Estado de São Paulo, o que também circunscreve os resultados, que devem ser considerados sob essas perspectivas. Com isso, sugere-se a continuidade de investigações sobre essa temática, na medida em que este estudo trata de uma questão que representa uma enorme massa dos alunos excluídos sem apresentar deficiências físicas, sensoriais e/ou mentais, mas que possuem iguais direitos de acesso e permanên-cia na educação, tanto quanto o alunado com as deficiên-cias acima citadas, e requerem respostas educativas às suas necessidades. As questões da família e da relação família e escola também se apresentam como pertinentes para as pesquisas futuras.

Para finalizar, este trabalho mostrou o potencial cola-borativo do terapeuta ocupacional na área da educação e no ambiente escolar, evidenciando a necessidade de sua expansão por meio da aplicação de novos estudos e pro-gramas, a fim de explorar, reconhecer e justificar os co-nhecimentos e a forma de atuação da terapia ocupacional na efetivação da inclusão escolar no Brasil.

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Original Vieira EAP, Carvalho MF. A fisioterapia na inclusão escolar de alunos com paralisia cerebral: uma discussão das falas de mães, professoras e fisioterapeutas. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):132-9. Artigo recebido em 14/02/2014. Aceito para publicação em 20/02/2015.

a fisioterapia na inclusão escolar de alunos com paralisia cerebral: uma discussão das falas de mães, professoras e fisioterapeutas elisangela dos anjos paula vieira1 maria de fátima carvalho2

(1) Fisioterapeuta, Mestre em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência pela Uni-versidade Federal de São Paulo, SP. (2) Psicóloga, com Pós-doutorado na Universidade de São Paulo, Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo, Campus Guarulhos, SP. Universidade Federal de São Paulo, Campus Guarulhos, SP. CORRESPONDÊNCIA

Elisangela dos Anjos Paula Vieira [email protected]

RESUMO

A FISIOTERAPIA NA INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM PARALISIA CEREBRAL: UMA DISCUSSÃO DAS FALAS DE MÃES, PROFESSORAS E FISIOTERAPEUTAS: Este artigo apresenta aspectos da relação entre fisioterapia e educação no que concerne ao atendimento fisioterapêutico e inclusão escolar de crianças com paralisia cerebral (encefalopatia crônica não evolutiva da infância). A partir da análise de falas de mães, professoras e fisioterapeutas sobre a participação da fisioterapia no processo de inclusão escolar dessas crianças, discute como essa relação é percebida, os limites e as possibilidades apontados sobre a participa-ção da fisioterapia nesse processo. Toma como aporte dessa discussão as ideias da psicologia histórico-cultural que enfatiza o papel dos processos de educação no desenvolvimento de pessoas com deficiência, afirmando que a sua compreensão deve ultrapassar a abordagem dos aspectos orgânicos e explorar os aspectos sociais, históricos e culturais constitutivos das formas de expressão do su-jeito. O artigo ressalta a importância da compreensão dos modos como os adultos implicados nos processos de inclusão escolar des-sas crianças significam a fisioterapia, relacionando-a ao desenvolvimento das crianças e às suas possibilidades de participação na escola, e aponta para a necessidade de atenção e superação dos modos como a relação entre a fisioterapia e a educação ganha forma no processo de inclusão escolar. Descritores: Fisioterapia, Educação, Paralisia cerebral.

ABSTRACT

PHYSICAL THERAPY IN SCHOOL INCLUSION OF STUDENTS WITH CEREBRAL PALSY: A DISCUSSION ON MOTHERS, TEACHERS AND THERAPISTS’ SPEECHES: This article presents results of a survey that discusses aspects of the relationship be-tween the physical therapy and the education with regard to the physical therapy and school enrollment of children with cerebral palsy (chronic encephalopathy). From the analysis of mothers, teachers and therapists’ speeches on the participation of physical therapy in school inclusion of these children, discusses how this relationship is perceived, the limits and possibilities mentioned on the participa-tion of physical therapy in this process. It takes as support for this discussion the ideas of cultural-historical psychology, which empha-sizes the role of educational processes in the development of people with disabilities, stating that this understanding must go beyond the approach of the organic aspects and explore the social, historical and cultural forms of constitutive expression of the subject. The article emphasizes the importance of understanding the ways in which adults involved in the processes of school inclusion of these children mean physical therapy regarding to children's development and their ability to participate in the school, pointing to the need for attention and overcoming the ways in which physical therapy and education relationship takes shape in the process of school in-clusion. Keywords: Physical therapy, Education, Cerebral palsy. Mediante o avanço político e legislativo relacionado à

implantação da inclusão escolar de alunos com deficiência e a mudança no cenário de atendimento fisioterapêutico, que passa da ênfase clínica, hospitalar, para uma aborda-gem de atenção básica à saúde, de prevenção e promo-ção, verifica-se o renovo da fisioterapia e do profissional fisioterapeuta, bem como dos professores e demais profis-

sionais envolvidos nesse processo, no sentido de reorien-tar seus saberes e métodos às condições emergentes das novas demandas sociais.

Dentre essas novas demandas sociais, atentamos pa-ra o campo escolar, mais especificamente para o movi-mento pela educação inclusiva. A presença de crianças

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com deficiência nas instituições regulares de ensino, um direito que já estava previsto no Brasil desde 1961 pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei 4.024/61,1 suscita problemas relativos à necessidade de adequação da escola para o atendimento às especificida-des dos alunos, assim como transformações sociais que envolvem as ações políticas, metodológicas, conceituais e valorativas necessárias para que o projeto de inclusão escolar se realize envolvendo a articulação entre campos da ação social, saúde e educação.

O reconhecimento da legitimidade desse movimento social, atentando-se para suas possibilidades de participa-ção e contribuição, exige a reflexão sobre possíveis formas de relação com o campo da educação escolar, visto que as crianças passam a apresentar novas demandas relaciona-das à condição de aluno, o que suscita a explicitação de alguns aspectos relativos aos modos como, na atualidade, a fisioterapia atua e é concebida nesse processo pelas famí-lias, pelos educadores e pelos próprios fisioterapeutas.

Nesse cenário de demandas sociais que articulam dife-rentes campos de saber, destaca-se a relação entre a fisio-terapia e a educação; no papel desempenhado pelo aten-dimento fisioterapêutico no desenvolvimento de crianças com Paralisia Cerebral (PC), compreendendo a ação fisiote-rapêutica como parte das condições de inclusão escolar, de aprendizagem e de desenvolvimento dessas crianças, surge a indagação sobre como a fisioterapia participa desse pro-cesso, como sua ação é significada pelos sujeitos envolvi-dos no processo de escolarização dessas crianças.

Alguns trabalhos2-4 que abordam o tema inclusão es-colar de crianças com deficiências apontam que compete à fisioterapia intervir e auxiliar no processo de inclusão por meio de ações como educação em saúde (aos funcioná-rios, pais e alunos); eliminação de barreiras arquitetônicas e melhora da acessibilidade; adaptações de material e mobiliário; e habilitação, dentro de metas realistas, dos movimentos e posturas favoráveis à realização das tarefas escolares da criança com deficiência.

Tendo como fundamento teórico uma perspectiva da psicologia histórico-cultural, em que há a ideia de desen-volvimento humano como processo de síntese entre as dimensões biológica e social, ou seja, “nós nos tornamos nós mesmos através dos outros”5, destacamos os modos de internalização (apropriação) das práticas fisioterapêuti-cas e educacionais, relacionadas aos modos como, falan-do e pensando, nos apropriamos dos significados sociais de nossas ações.

Uma vez que “na esfera da sua própria privacidade, os seres humanos retêm a função da interação social [...]”6, compreendemos que, na existência de transtornos ou deficiências, as relações sociais desempenham papel central, restringindo ou ampliando as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento. As relações sociais não apenas circundam os corpos dos indivíduos, mas os inves-

tem de sentidos, ritmos e formas que se expressam em suas ações.

Considerando que a PC acomete cerca de 2,5 em ca-da 1.000 partos de nascidos vivos7-9 e que seu prognóstico está atrelado ao tipo de paralisia cerebral, ao grau de desenvolvimento motor, à presença ou ausência de refle-xos primitivos, alterações cognitivas, deficiência sensorial e adequação social e emocional8, entendemos que as ações da fisioterapia não incidem apenas sobre os corpos físicos ou deficientes, mas sobre pessoas vinculadas às relações sociais.

Rosenbaum10 afirma que a PC se manifesta em defi-ciências, limitações nas atividades e restrições na partici-pação ou envolvimento nas diversas atividades de vida diária, e a define como “um grupo de desordens perma-nentes do desenvolvimento, do movimento e da postura, resultando em limitação da atividade, atribuídas a um distúrbio não progressivo ocorrido no desenvolvimento fetal ou no cérebro infantil”10.

O destaque dado aos fatores sociais no processo de desenvolvimento de pessoas com deficiências pela Classi-ficação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde11, pela Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência12, pela Nova Lei Nacional e pela Educação Especial na Perspectiva da Inclusão13, leva-nos a ressaltar as contribuições da Psicologia histórico-cultural, das ideias de Vygotsky14 sobre o desenvolvimento e a educação de pessoas com deficiência. Ou seja, nos faz refletir sobre o papel desempenhado pela história e pela cultura no de-senvolvimento humano, compreendido como processo social, em que o sujeito, pela mediação da linguagem e do outro, internaliza as formas culturais de ação15-17.

Segundo Vygotsky5,6,14 e alguns estudiosos de sua obra, a análise da criança com deficiência não se resume aos aspectos orgânicos, uma vez que o sujeito não se reduz ao déficit: “é na vida social da criança e no caráter social do seu comportamento que ela encontra material para a formação das funções internas”6 .

As disfunções motoras afetam todos os aspectos da vida do indivíduo, limitam suas experiências e, portanto, suas possibilidades de aprender, alterando a forma como as demais pessoas se relacionam com ele e a forma como ele percebe a si mesmo e o mundo que o rodeia. As dife-renças individuais, que devem ser consideradas, dificultam qualquer generalização em termos de expectativas de desenvolvimento dessas crianças.

A educação de crianças com PC teve como lugar as instituições especiais de ensino ou escolas vinculadas às instituições de reabilitação, que objetivavam o seu atendi-mento em saúde e se destacava a presença da fisioterapia como condição de habilitação, reabilitação e produção de ferramentas de acessibilidade. E, nesses contextos edu-cacionais, as ações da fisioterapia e da educação estavam próximas em termos de espaço físico e de tempo de reali-

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zação do trabalho, mas com poucas possibilidades de diálogos sobre a criança entre ambas as áreas.

Segundo Cosmo18, na metade do século XX, com o chamado paradigma da integração, que apontava a difi-culdade na oferta de serviços educacionais às pessoas com deficiência mental, auditiva e visual, o que resultava na dificuldade de inseri-las e integrá-las ao convívio social, somado a documentos importantes, tais como “Educação para Todos” e a “Declaração de Salamanca”, percebemos o fortalecimento do movimento pela educação inclusiva, definida pelo Ministério da Educação e Secretaria de Edu-cação Especial1 como “ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. A educação inclusiva fun-damenta-se na concepção dos direitos humanos, conjuga-dos por igualdades e diferenças como valores indissociá-veis, a partir de um princípio de equidade”1.

Como resultado desse movimento, evidenciou-se o crescimento da quantidade de alunos com necessidades educacionais especiais exercendo o direito de serem matri-culados nas instituições regulares de ensino. Porém, o acesso à escola não basta, não é o suficiente para desen-cadear o desenvolvimento que essas crianças podem ter, como também não é garantia de que a educação, compre-endida como “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social”19, efetivamente ocorra. Fazem-se necessárias, nesse proces-so, adequações e transformações sociais que envolvam atitudes políticas, metodológicas, conceituais e valorativas para que a inclusão escolar e educacional se concretize20,21.

Abordando as condições de realização da inclusão escolar e destacando os modos de participação dos sujei-tos nessas práticas, Carvalho22 ressalta, como um dos fatores preponderantes, a necessidade de explicitação, compreensão e transformação das formas como são con-cebidos os alunos e como nos posicionamos frente às suas especificidades na apropriação do discurso inclusivo. Para a autora, o processo de inclusão escolar não está separado da dinâmica social que o origina. A política de inclusão escolar, em sua concretização, reflete e reproduz os problemas de ordem cultural, econômica, política e pedagógica, envolvendo, dessa forma, também as ideias, os modos como as deficiências e os sujeitos com deficiên-cias, e a própria inclusão, são socialmente compreendidos.

Supomos que os modos de significação da ação fisio-terapêutica, de sua compreensão e valoração, (re)cons-truídos nas ações de fazer e receber essa ação, são con-dição dos limites e das possibilidades de sua efetivação. Ou seja, os modos como fisioterapeutas, professores e famílias compreendem e valorizam a ação da fisioterapia junto a essas crianças em processo de inclusão escolar são constitutivos de sua realização. E esses modos, que são diversos, relacionam-se de forma definidora dos limi-

tes e das possibilidades da relação entre a fisioterapia e a escola quando o que se objetiva é o desenvolvimento social e escolar das crianças com PC.

Além da explicitação e da compreensão das proposi-ções sobre as contribuições da fisioterapia à educação em prol do movimento inclusivo2-4,23, que nos permitem falar do impacto da inclusão escolar sobre esses alunos e, consequentemente, dos seus efeitos sobre o atendimento fisioterapêutico, permanece a necessidade de reflexão sobre como esses campos interagem, como se afetam nas ações que concretizam suas relações e de que modo a relação definida como trabalho conjunto, integração entre campos e interdisciplinaridade é efetivamente entendida e vivida por fisioterapeutas e professores, pela fisioterapia (clínica) e pela educação (escola).

MétodoMétodoMétodoMétodo

As mães, professoras e fisioterapeutas entrevistadas

estão ligadas a três crianças, denominadas Valter, Ander-son e Davi, delimitando uma amostra de 12 sujeitos. Val-ter, Anderson e Davi têm o diagnóstico médico de encefa-lopatia crônica não evolutiva da infância, com seus diferen-tes comprometimentos musculares e cognitivos.

Valter tem 6 anos, mora com seus pais e um irmão mais velho. A PC se apresenta em Valter com maior com-prometimento dos membros inferiores (paraparesia), e ele faz fisioterapia desde o berçário. Atualmente, na escola, faz uso de uma cadeira de rodas que já aprendeu a deslo-car sozinho. Valter frequentou escola de Educação Infantil durante todo o ano de 2010, ingressando no primeiro ano em 2011. Essa escola pertence à Secretaria Municipal de Educação / Diretoria Regional de Educação de Santo Amaro. Uma vez por semana, em horário oposto ao da escola regular, ele participa do trabalho oferecido por outra escola da rede em uma sala de educação especial.

Anderson tem 8 anos, mora com os pais e o irmão mais velho. Em Anderson, a PC se manifesta com maior comprometimento em membros inferiores, sendo o mem-bro superior esquerdo também comprometido. Ele come-çou a utilizar a cadeira de rodas aos 3 anos e, hoje, domi-na os movimentos da cadeira. Faz fisioterapia na institui-ção há seis anos. Foi para a creche com 2 anos e 8 meses por opção da própria mãe, que afirma que “lugar de crian-ça é na escola”. Ao completar 5 anos, foi transferido para a escola de Educação Infantil. Em 2010, Anderson havia terminado o segundo ano do Ensino Fundamental nessa escola municipal, pertencente à Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria Municipal de Educação / Superin-tendência Municipal de Educação / Coordenadoria de Educação, São Mateus.

Davi tem 6 anos, é filho único e mora com seus pais. Davi ingressou na escola sob orientação da psicopedago-ga da instituição, aos 5 anos, sendo matriculado no se-

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gundo estágio da Educação Infantil. Aos 6 anos comple-tos, em 2011, ingressou no primeiro ano do Ensino Fun-damental na mesma escola municipal, localizada em Fran-cisco Morato. A PC em Davi se manifesta com o comprome-timento do hemicorpo esquerdo e movimentos involuntários de cabeça. Davi faz fisioterapia desde os 6 meses e atual-mente se locomove com o uso de muletas canadenses.

Essas crianças eram atendidas em uma instituição de caráter filantrópico, localizada na zona sul da cidade de São Paulo, que integra um centro de reabilitação e desenvolve atividades de assistência médica, terapêutica e de educação.

As crianças, suas mães e fisioterapeutas foram acom-panhadas durante o atendimento fisioterapêutico, nessa instituição. As professoras foram entrevistadas nas esco-las frequentadas pelas crianças. A aplicação de entrevis-tas semiestruturadas às fisioterapeutas e às mães foi rea-lizada de outubro de 2010 a janeiro de 2011. As entrevis-tas com as professoras, todas da rede pública municipal de ensino de São Paulo, foram realizadas nas escolas em que lecionam, durante o mês de janeiro de 2011.

Optamos por entrevistar as mães devido ao tipo de dados que queríamos coletar, que remetessem às possí-veis formas de significação dessa ação no processo de inclusão escolar. Embora as crianças também signifiquem essa prática, queríamos informações que remetessem às possibilidades de relação entre a fisioterapia e a escola e ao valor do desenvolvimento das crianças nesse processo. Quanto às fisioterapeutas, buscávamos mais que uma descrição ou apreciação subjetiva da prática fisioterapêuti-ca, ou seja, a possibilidade de reflexão sobre seu papel e seu valor, o que entendíamos que essas profissionais podiam oferecer.

As histórias das crianças poderiam ser expandidas, mas o que delas consideramos importante ressaltar é como, nas falas de mães e professoras, surgem modos de relacionar e de significar as ações da fisioterapia e da escola para o desenvolvimento das crianças.

Realizamos as entrevistas mediante roteiro de entre-vista semiestruturada. Utilizamos um gravador de voz Panasonic modelo RR-US511. Essas entrevistas foram arquivadas em áudio e transcritas na íntegra. Szymanski24

define a entrevista como um instrumento de pesquisa e, ao mesmo tempo, como um procedimento que se caracteriza como uma situação de trocas intersubjetivas, que se dá “num intercâmbio contínuo entre significados e o sistema de crenças e valores, perpassados pelas emoções e sen-timentos dos protagonistas” e, ainda, “um momento mar-cado por um encontro interpessoal, onde a subjetividade dos protagonistas deve ser levada em consideração”24. Dessa forma, para além da coleta das respostas, as entre-vistas se constituíram em momentos de conversa e co-nhecimento dos entrevistados, dos trabalhos de fisiotera-pia e educação escolar e das crianças, a partir do depoi-mento dessas adultas.

Como procedimento metodológico, as entrevistas per-mitiram o acesso aos modos como profissionais e mães relacionam a fisioterapia à inclusão escolar das crianças, e à sua educação na escola; aos modos como compreendem e valoram a ação desse campo e, dessa forma, nossa refle-xão sobre o que é predominante nas vozes que vêm desses diferentes lugares sociais de participação no processo de inclusão e desenvolvimento das crianças.

Ao tomarmos as falas de mães, fisioterapeutas e pro-fessoras como objeto de discussão, compreendemos que a “fala” de cada uma constitui uma réplica, uma repetição do diálogo social; que cada fala só pode ser compreendida e explicada se considerarmos cada falante como alguém situado em um contexto social, histórico e cultural, com um repertório linguístico também ideológico. Assim, das falas sobre o tema procuramos ressaltar o que é comum, o que é discordância, os pontos de convergência e divergência entre essas vozes, entre elas e o discurso de educação inclusiva, entre elas e o discurso fisioterapêutico, acadê-mico, sobre o tema.

ResultadosResultadosResultadosResultados

Destacamos do contexto da pesquisa alguns trechos

sobre o que dizem fisioterapeutas, professoras e mães das crianças sobre: a inclusão escolar; a participação da crian-ça nas atividades escolares e fisioterapêuticas; a ação da fisioterapia junto a essas crianças e à escola; sobre a relação fisioterapia (saúde) – escola (educação).

Sobre a inclusão escolar: A mãe de Anderson faz re-ferência ao processo de inclusão escolar: “Apesar de que pelas pedagogas ele estaria estudando aqui. (...) Aqui é escola especial... Mas só que eu como mãe eu optei pela escola regular (...) Às vezes sempre tem alguma criticazi-nha, né? Não vou dizer que não tenha um preconceitinho, às vezes tem. (...) Então, só que se acontecia algo na escola que ele não gosta, ele fala: mãe, você pode me tirar daquela escola?”.

Essa mesma mãe nos esclarece: “Ah! Porque eu acho que lugar de criança é na escola. (...) No começo eu colo-quei ele na creche pra ele... conviver com as outras crian-ças... Entendeu?... Pra ver como é que ele se adaptava com as outras crianças... até aí foi ótimo (...) que até aí não fazia nada... só brincava e pintava... aí depois é que passou pra primeira série... aí sim começou... a dificuldade”.

A mãe de Davi diz: “Ah, a parte dele foi mais aceitável do que a minha (...) eu deixava ele, só que eu não me desligava totalmente. (...) Eles, a escola... é, aceitaram bem (...) tanto que a professora falou que eles vão manter a mesma classe dele pra não ter aquela rejeição... tipo eles tiveram aquela preocupação, né? (...) De... tipo as-sim... em termos de ensinamento e tudo... pra ele não ter uma rejeição”.

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A professora de Valter afirma: “Ai, olha. Eu acho que a escola não está preparada (...) pra receber estas crianças (...) eu acho que o... o básico é falta de conhecimento”. Essa professora continua: “Eu não vejo a necessidade de um aluno... com a paralisia cerebral ficar quatro horas... eu acho que deveria ter um trabalho aí... de uma estimulação maior fora (...) de estar pegando esta criança e estar le-vando num outro lugar mais vezes por semana (...) Eu acho assim a parte de socialização é importante? É”.

A fala da professora de Davi: “Olha... Uma coisa é a gente... é o que vem no papel. Outra coisa... é o dia a dia... (...) É, eu penso... que contradiz um pouquinho. Não é nem bem se contradiz, é que... quando você lê assim no papel, parece que é mais suave. Não é tão pesado, não. Acho que é isso mesmo que acontece... é uma coisa as-sim... hã... o que tá no papel, e a prática, né? É, é... acho que é esta a diferença, mesmo. Que, que é comum... Mas que a gente sente muito.”

Sobre a participação da criança nas atividades es-colares e fisioterapêuticas: Nesse sentido, temos a fala da fisioterapeuta que atende Valter: “Durante as atividades da fisio (...) Aí vai depender do... do comprometimento seja cognitivo... do comprometimento motor desta criança”.

Para a fisioterapeuta de Anderson: “Tem criança que se envolve, tem criança que não se envolve tanto”.

A fisioterapeuta que atende Davi conta: “Eu gosto de atividades mais funcionais, né?... Que deem à criança a... a sensação de estar fazendo uma coisa parecida com qualquer outra criança da idade dela. (...) O Davi, por exemplo, adora jogar futebol... só que ele não fica em pé sozinho. Então a gente dá um jeitinho de fazer... de segu-rar... e de colocá-lo num aparelho”.

A professora do Valter relata: “Socialização eu acho que ele teve... um avanço. Porque tinham crianças que... se relacionavam com ele. A aprendizagem... a aprendiza-gem em si... aprendizagem mesmo eu acho que... acredito que ele... de paralisia cerebral... me falta o conhecimento pra eu avaliar (...) não sei... ele começou com rabiscos e terminou com rabiscos (...) O que eu percebi foi o desen-volvimento motor dele”.

A professora do Anderson diz: “no caso do Anderson socialmente eu acho que foi muito bom pra ele... Mesmo é... na aprendizagem ele teve uma evolução muito boa. Até porque ele tem o cognitivo preservado, né? Ele só tem a dificuldade motora”.

A mãe de Valter fala sobre a participação do filho e das outras crianças em atividades na escola: “Eu acho excelen-te, porque as crianças têm que... ter as crianças especiais hoje como qualquer uma outra sem preconceito como se fosse tocar e quebrar e não é assim (...) brinca normal, têm suas limitações, mas tem que respeitar o espaço deles, não sair empurrando... não sair criticando como antigamente havia muito preconceito: Ah vai uma pessoa lá na cadeira.

Hoje já não tem isso... hoje já tem um aprendizado melhor, tem um carinho, tem um cuidado, as crianças já têm um amor... O Valter mesmo quando chega na sala todo mun-do para, todo mundo beija, todo mundo abraça”.

Sobre a participação de Anderson nas atividades que se estendem da sala de aula aos outros contextos de interações sociais, segundo sua mãe: “A professora falou que ele participa de tudo que ele pedir pra participar. Ele fala: Pronto, terminei minha tarefa. Posso pegar o gibi? (...) Ele chega em casa mais... acho que mais socializado com todo mundo”. Sobre a participação dele em atividades junto com outras crianças, diz: “Eu acho bom. Eu acho ótimo. Aprende alguma coisa com as outras crianças (...) Ele convida os meninos da escola pra vir na minha casa jogar videogame: Mãe, posso trazer meu amigo pra jogar vídeo game? Posso ir na casa do meu amigo?... Entendeu? Se ele não tivesse na escola isso não aconteceria, né?”.

A mãe de Davi fala: “Aí, eles, é... contava estória. Tan-to que ele teve um interesse melhor. (...) Teve uma partici-pação ótima pra ele. Ele pegou mais interesse pra livro de estória, que ele não tinha”.

Sobre a ação da fisioterapia junto a essas crianças e à escola: Segundo a fisioterapeuta que atende Anderson: “(...) sempre a gente tenta adaptar... pra tentar trabalhar um pouco esta questão da criança... de interagir... pra tentar transferir de repente pra escola, né?... Até mesmo com estes pais pra estar auxiliando também em casa pra este processo, né? Se eles estão na escola... pra trazer as prin-cipais queixas que a professora tem... ou esta mãe tem... pra gente tentar trabalhar em terapia isto... as queixas. (...) Indiretamente, como eu falei, a gente prepara a criança pra mais independência... Aí eu já acho que já está influencian-do alguma coisa na vida dela, né? Inclusive na escola”.

A fisioterapeuta de Valter diz: “(...) muito desta ques-tão do aprendizado cognitivo desta criança que ela tem... que ela adquire na escola... vai estar ajudando no proces-so, ééé... motor dela, né?”.

A fisioterapeuta de Anderson afirma: “Eu acho que to-da educação que é dada pra uma criança influencia a fisio, a fono, a TO. Tanto na educação na escola quanto na educação em casa, eu acho que nada é separado. (...) E acho que não fica fora a escola”.

Para a fisioterapeuta de Davi: “(...) o ano que ele vai pra escola tudo muda na terapia... ele compreende melhor o que a gente pede... não faz mais tanto escândalo... sabe dividir as coisas, brinca com as outras crianças. Isso só tem melhoras porque foca a atenção mais pra nós, a gente consegue ir... Né?... Pelo lado mais certo da coisa... com a criança mais atenta, com a criança mais... menos egoísta, menos no mundinho dela. É muito bom!”.

Sobre a relação fisioterapia (saúde) – escola (edu-cação): “É, eu gostaria mesmo que tivesse esta relação. (...) Nós temos bastantes casos de inclusão que eu gosta-

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ria que tivesse esta relação (...) isso nós não temos, né? Esta... esta relação mesmo com a saúde. Relação de parceria mesmo que eu acho que ainda falta estabelecer. Isso não quer dizer o profissional da saúde entrar na esco-la e ficar o tempo todo dentro da escola. Mas a gente ter esta comunicação (...)” (Professora de Davi).

A mãe do Anderson diz sobre como se dá a interação entre as áreas da saúde e educação: “Eu acho que mais ou menos. Não muito...”.

A mãe de Davi afirma: “Já a escola, ela tem mais, mais interesse. Tipo assim... pra escola poder trabalhar, né?”.

A fisioterapeuta que atende Valter, em seu discurso, afirma: “Com certeza acho que é... é necessário essa... interação entre tanto profissionais da saúde quanto da educação (...) pra auxiliar no melhor desempenho dessa criança (...) então, os profissionais fisioterapeutas... de estar avaliando a parte motora desta criança ... estar orien-tando estes profissionais (...) acho que esta interação é importante (...) Mas eu ainda... eu acho que ainda não tem um planejamento tão direto assim, tão específico. A gente começa a trabalhar com isto... Mas não acho que tenha tanto uma interação da equipe toda”.

Temos o dizer da fisioterapeuta de Davi: “Que esta in-teração realmente não existe. Na escola, mesmo as crian-ças que estudam na escola normal, mas tem algum tipo de deficiência, elas não têm uma supervisão, ou cuidado de alguma profissional da saúde”.

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

A partir da relação com essas crianças, as fisiotera-

peutas de Anderson e de Davi, ao falar sobre a inclusão escolar, ressaltam as possibilidades e os limites de sua atuação, e apontam para uma atuação indireta no proces-so de inclusão escolar, enfatizando a ideia de que cabe à fisioterapia preparar a criança para a escola, “(...) Indire-tamente, como eu falei, a gente prepara a criança para mais independência... Aí eu já acho que está influenciando alguma coisa na vida dela, né? Inclusive na escola (...)”. As professoras se colocam positivamente frente ao direito da criança à educação e ao seu acesso à escola, mas destacam suas dificuldades de atuação, referindo-se ao fato de a escola não estar preparada, seja por estrutura física, falta de auxiliares para os cuidados com a criança e falta de conhecimento, como referido na fala da professora de Valter: “Olha, eu acho que a escola não está prepara-da... pra receber estas crianças. Eu acho que o ... o básico é falta de conhecimento (...)”.

Fisioterapeutas e professores falam, principalmente, de seus limites de atuação ou limites da escola. A escola não está preparada para lidar com essa situação, segundo a fala das professoras, e as fisioterapeutas entrevistadas relatam que o seu acesso à escola inclusiva é restrito,

embora atribuam a elas mesmas o papel de preparar a criança para a escola. Entendemos que os modos da pro-fessora e da fisioterapeuta significarem a inclusão escolar estão relacionados, entre outras coisas, aos seus modos de pensar sobre a criança, de conceber seus limites e possibilidades de ação. Falam-nos de uma criança com dificuldades tão grandes que justificam o não saber e o não poder das terapeutas e educadoras, de alguém cujo processo de escolarização suscita preparação, exige algo específico interno e externo (à escola). Professoras e fisioterapeutas estão certas no que se refere às necessi-dades especiais que podem ser suscitadas pelas caracte-rísticas da PC e à necessidade de respondê-las, mas parecem deixar que as especificidades relativas a esse tipo de deficiência sobrepujem as crianças, impeçam o seu olhar sobre esses alunos e pacientes, visto não falarem sobre o que as crianças fazem, podem, se interessam, sobre como o processo de inclusão é vivido pelas crianças, consideradas as limitações de recursos pessoais (de pro-fessoras e crianças – como referidas pelas fisioterapeutas) e estruturais da escola (como referidas pelas professoras).

A mãe de Valter relata: “(...) Então, tem um material pedagógico voltado para o aprendizado deles. A professo-ra tenta aplicar aquele conteúdo... aquela programação... pra ver se encaixa junto com o Valter... tanto para o Valter quanto pro restante da sala. Tem dado resultado (...)”. As demais mães entrevistadas nos falam sobre possibilidades de ação em construção, falam de melhoras e conquistas das crianças, ao mesmo tempo em que nos falam, tam-bém, em preconceitos, críticas, rejeição e dificuldades que seus filhos vivenciam na escola, nesse processo. Para as mães, quem vai à escola é a criança e, embora a deficiên-cia desempenhe papel crucial em seu processo de inclu-são, é das crianças em sua relação com professoras e outras crianças que elas nos falam.

As professoras, fisioterapeutas e as mães, referindo-se à participação da criança nas atividades escolares e fisioterapêuticas, afirmaram que elas se envolvem e parti-cipam de formas distintas, de acordo com suas diferenças. As fisioterapeutas enfatizam o diagnóstico e o prognóstico da PC. Essa ênfase pode ser entendida como uma valori-zação da dimensão orgânica que algumas vezes leva a uma menor consideração da própria criança. As falas das professoras também trazem as marcas do diagnóstico sobre a PC, o que entendemos que influencia na constru-ção de estigmas e limites de ensino.

Dentre as falas transcritas, citamos o que afirma a pro-fessora de Valter: “Socialização eu acho que ele teve... um avanço. Porque tinham crianças que se relacionavam com ele (...) aprendizagem mesmo eu acho que... acredito que ele... de paralisia cerebral... me falta conhecimento pra eu avaliar”.

As falas de fisioterapeutas e professores indicam dife-rentes suposições sobre o desenvolvimento humano na existência da PC, e de como organizam os modos de

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compreender e explicar a participação da criança: associ-ando o limite motor ao limite cognitivo e/ou os aspectos motor, psíquico e social a fatores independentes e que não se relacionam, o que representa uma leitura equivocada se considerarmos que todos esses fatores condicionam o desenvolvimento.

Segundo as considerações das mães sobre a ação da fisioterapia junto a essas crianças e seus desdobramentos na inclusão escolar, seus filhos são capazes de atingir e ultrapassar as metas objetivadas pelos fisioterapeutas. As mães apontam para a dimensão social, da ação da fisiote-rapia e da educação, afirmando que faz parte do cotidiano da criança e tem que envolver a conversa, o diálogo, o carinho, a compreensão. No entendimento das mães, a ação motora não pode ser separada da questão emocio-nal, como mencionado na fala da mãe de Anderson: “(...) ela faz alongamento, troca a marcha... conversa... Eu acho que também não é só fazer a terapia... conversar também é uma terapia”.

Para as fisioterapeutas entrevistadas, as atenções da fisioterapia se voltam para o desenvolvimento sensorial e motor, tomados como prioridade para o aprendizado e para o desenvolvimento escolar. Como que reiterando essas posições, as professoras entrevistadas também enfatizam que as questões do corpo físico e seu funcio-namento são os elementos de atenção fisioterapêutica, em detrimento da consideração dos aspectos cognitivos, afeti-vos, culturais e sociais. A professora de Valter enfatiza nossa discussão: “O Davi, aqui na escola, ele queria parti-cipar mais... no parque: Quero jogar bola, quero brincar. Então, tudo isto é a dinâmica da fisioterapia. Esta dinâmica da fisioterapia, ele chegava aqui todo motivado, né?”. Vemos, no entanto, que a atuação fisioterapêutica sobre o corpo reflete no aspecto emocional da criança.

As falas das professoras, fisioterapeutas e mães enfa-tizam a dimensão interdisciplinar da relação fisioterapia (saúde) e escola (educação). As falas das mães ora apon-tam para o ideal interdisciplinar, para o que afirmam que deveria ser, ora falam da realidade que encontram no atendimento recebido por seus filhos, em que essa relação entre a fisioterapia e a escola existe de maneira precária, pouco eficiente.

Nas falas das professoras ouvidas, saúde e educação são áreas que não interagem. O contato entre a escola e o atendimento fisioterapêutico dessas crianças é, conforme os relatos das entrevistadas, quase inexistente. As falas das profissionais da educação convergem no sentido de uma posição pró-relação, algumas delas afirmam que deve-ria haver uma relação mais estreita entre a escola e o aten-dimento fisioterapêutico e, a partir dessa relação, poderia advir a melhora do atendimento escolar às crianças.

As fisioterapeutas concordam com essa posição e apontam para a necessidade de maior interação entre as áreas da saúde e da educação, e constatam que, na reali-

dade, a relação se resume às ações de orientação advin-das do profissional fisioterapeuta para a escola e professo-ras, como exemplificada na fala da fisioterapeuta de Val-ter: “Com certeza, acho que é... é necessária essa... inte-ração entre tantos profissionais (...) da saúde quanto da educação. Mas eu ainda... eu acho que ainda não tem um planejamento tão direto assim... tão específico. A gente começa a trabalhar com isto... Mas não acho que tenha tanto uma interação da equipe toda”.

A ideia de relação interdisciplinar, ou entre campos, que emerge das falas das entrevistadas, é a ideia de tra-balhos paralelos que podem dar contribuições pontuais um ao outro. Não surge nas falas das professoras e fisiotera-peutas a suposição de uma ação conjunta, de um trabalho que afete não apenas as crianças, mas também todos os envolvidos, fisioterapeutas (fisioterapia) e professoras (escola e educação). Essa expectativa é intuída pelas mães, ao criticarem a falta dessa relação, pois elas veem no efetivo encontro entre essas profissionais os ganhos para a criança e para a família.

A constatação da falta de relação entre a escola e a fi-sioterapia, do apoio mútuo, por parte das professoras não pressupõe a ação reflexiva que pode advir dessa interação. Ao contrário, professoras (e fisioterapeutas) permanecem vinculadas à ideia de que a saúde tem algo a dizer sobre essa criança, talvez por concebê-la, ainda, como um corpo doente; por essa criança, ainda, não ser significada pelas professoras como aluna, capaz de aprender. As falas das professoras não consideram que, da relação mais frequente e estreita que algumas demandam estabelecer com a fisio-terapia, possam advir também mudanças e melhoras do atendimento fisioterapêutico dirigido às crianças.

Permanece a necessidade de problematizar as ações fisioterapêuticas centradas nos aspectos orgânicos da defi-ciência ou ao caráter reabilitativo do corpo, perdendo a dimensão social de construção do que tomamos como sin-toma, assim como a contraditória expectativa escolar de uma ajuda externa para explicar, prevenir ou resolver – com uma intervenção física – os problemas que a criança pode enfrentar nas relações de ensino e aprendizagem, como criança, em sua integridade física e psíquica. Como se, nessas relações, o corpo estivesse desprovido de sua histó-ria, cultura e afetos. Essas posições se confirmam com base em princípios de deficiência, PC, desenvolvimento humano e relação entre disciplinas que precisam ser superados.

As falas reproduzem os estudos sobre o tema, preva-lecendo uma abordagem em que a relação entre a fisiote-rapia e a educação é unilateral, compreendendo-se que a escola necessita de orientação, é beneficiada e recebe, enquanto a fisioterapia oferece e age. A análise crítica desses modos de conceber as crianças, o processo de sua inclusão, e o papel da fisioterapia em seu desenvolvi-mento e nesse processo, considerando-se as diferentes vozes, interesses, objetivos reais e, sobretudo, a própria criança com PC, é uma condição, ainda que inicial, de

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contribuirmos de fato para a inclusão social das crianças, e para a inclusão escolar em seu contexto.

Essa pesquisa permite uma reflexão sobre as condi-ções sociais que envolvem a relação da fisioterapia com a criança e sua educação, permitindo a análise de aspectos relativos à formação do profissional fisioterapeuta, centra-do historicamente em uma atuação clínica, de caráter reabilitativo. Entendemos que é possível contribuir de forma mais efetiva se considerarmos que os pacientes que atendemos, em outro contexto, são alunos, filhos, sujeitos com os mais diferenciados papéis que o meio social lhes atribui.

A reflexão sobre a ação da fisioterapia ultrapassa a discussão dos seus limites e formas, envolve a considera-ção além dos aspectos motores, aparatos e dispositivos tecnológicos, adequação de mobiliários e acessibilidade, dentre outros recursos. Pensar nos fundamentos dessa ação, conhecer as significações e valores que lhe são atribuídos, refletir sobre como a ação fisioterapêutica pode colaborar na construção de práticas mais promissoras que envolvam, além da consideração do direito das crianças com PC aos serviços fisioterapêuticos e à educação, o desenvolvimento e a constituição de sujeitos interativos.

Constatamos nas diversas vozes a necessidade de ar-ticulação coordenada das ações e conhecimentos fisiote-rapêuticos e pedagógicos que poderiam ser legitimados a partir da intensificação do diálogo entre as áreas, bem como por planejamento constante entre conhecimentos e práticas compartilhadas por fisioterapeutas e professores, entre a saúde e a educação, ciências aqui postas em questão como campos de conhecimentos e ao mesmo tempo ferramentas, meios de atingir metas como as envol-vidas no projeto político de inclusão escolar de crianças com PC.

Da perspectiva da fisioterapia, entendemos que a ação sobre a criança é uma ação sobre todo o seu desen-volvimento, que com a fisioterapia contribuímos para que esse processo não apenas físico, mas também social, se efetive. Nossa ação pode transformar as demandas soci-ais que a ele se relacionam, redimensionar suas possibili-dades (sociais) de resposta.

Isso é um dado importante quando pensamos na ação da fisioterapia junto às crianças com PC em processo de inclusão escolar, pois envolve a compreensão de que a nossa ação é prática social direta e indiretamente dirigida ao processo de inclusão social dessas crianças.

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verificação do desempenho com utilização de telefone móvel em pessoas com distrofia muscular de duchenne: projeto-piloto

camila miliani capelini1

thais massetti2

lilian del ciello de menezes1

talita dias da silva3

silvia regina pinheiro malheiros4

regiane guarnieri5

alessandro hervaldo nicolai ré6

carlos bandeira de mello monteiro6

(1) Fisioterapeuta, Mestranda em Ciências da Reabilitação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP.

(2) Fisioterapeuta, Mestre em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP. (3) Fisioterapeuta, Doutoranda em Medicina na Universidade Federal de São Paulo (UNI-FESP), São Paulo, SP. (4) Fisioterapeuta, Doutoranda na Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), São Paulo, SP. (5) Comunicadora Social, Integrante do Departamento de Escrita Científica da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), São Paulo, SP. (6) Professor Doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), São Paulo, SP. Grupo de Estudo e Pesquisa em Capacidades e Habilidades Motoras (GEPCHAM) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), SP. Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM), São Paulo, SP. CORRESPONDÊNCIA

Camila Miliani Capelini [email protected]

RESUMO

VERIFICAÇÃO DO DESEMPENHO COM UTILIZAÇÃO DE TELEFONE MÓVEL EM PESSOAS COM DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE: PROJETO-PILOTO: O objetivo deste estudo foi verificar a melhora de desempenho funcional com a utilização de tele-fone móvel (smartphone) durante a realização de uma tarefa de labirinto virtual em pessoas com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD). Foram avaliados 20 adolescentes e adultos jovens, dez deles com diagnóstico de DMD e dez com desenvolvimento típico (DT), que formaram o grupo-controle, pareados por idade e sexo. Para verificar a melhora funcional foi utilizado o jogo Marble Maze Classic®, no qual os participantes devem completar o percurso de um labirinto virtual no menor tempo possível. Para análise dos da-dos, utilizou-se como medida de desempenho o tempo em segundos para percorrer o labirinto em cada uma das tentativas. Os dados foram avaliados considerando-se a melhora de desempenho nas fases de aquisição, retenção e transferência. Verificou-se que a prá-tica do jogo de labirinto no celular possibilitou melhora no desempenho durante a aquisição no grupo DMD, que se manteve nas fases de retenção e transferência. No entanto, em todas as fases do experimento, o grupo com DMD apresentou pior desempenho quando comparado com o grupo com DT. As pessoas com DMD apresentaram melhora funcional em tarefa motora com utilização do celular. Dessa forma, a utilização de telefones móveis deve ser considerada instrumento com potencial para promover aquisição de novas habilidades e seu uso deve ser estimulado e investigado como ferramenta de tecnologia assistiva na DMD. Descritores: Distrofia Muscular de Duchenne, Habilidades motoras, Fisioterapia, Terapia de exposição à realidade virtual.

ABSTRACT

CHECKING THE PERFORMANCE WITH THE USE OF MOBILE PHONE IN PEOPLE WITH DUCHENNE MUSCULAR DYSTRO-PHY: A PILOT PROJECT: The study here reported aimed to verify the improvement of functional performance by utilizing the mobile telephone (smartphone) in a virtual maze task in people with Duchenne Muscular Dystrophy (DMD). 20 adolescents and young adults (10 with DMD and 10 with typical development matched for age and sex) were evaluated. The game Marble Maze Classic®, in which participants should complete the course of a virtual maze in the shortest time possible, was used to check the functional improvement. For data analysis, the performance measure was the time in seconds to run through the maze in each of the attempts. Data were evaluated considering the performance improvement in the stages of acquisition, retention and transfer. It was found that the practice of the maze game cell provide an improvement in performance during the acquisition in DMD patients, that remained in the phases of retention and transfer. However, in all phases of the experiment, the DMD group showed a worse performance when compared to the group with normal development. The patients with DMD showed functional improvement in motor task with the use of mobile device. Thus, the use of mobile phones should be considered as a potential tool to promote the acquisition of new skills and their use should be encouraged and investigated as an assistive technology tool in DMD. Keywords: Duchenne Muscular Dystrophy, Motor skills, Physical therapy, Cellular phone, Virtual reality exposure therapy.

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A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é uma doen-ça genética hereditária, resultante da mutação do gene Xp21, que gera o enfraquecimento progressivo e irreversí-vel da musculatura esquelética, respiratória e cardíaca, devido à ausência da proteína distrofina na membrana da fibra muscular1,2. Sua incidência é de aproximadamente um em 3.500 meninos nascidos vivos3.

Um dos primeiros sintomas da doença é a dificuldade na deambulação devida à fraqueza simétrica dos múscu-los dos membros inferiores. Há progressão lenta, ao longo do tempo, com o acometimento dos membros superiores e músculos respiratórios4. Pessoas com DMD apresentam um quadro de limitação e incapacidade física grave que leva à necessidade do uso de cadeira de rodas e assistên-cia na realização de atividades simples do dia a dia5.

Para permitir que a pessoa com DMD adquira maior funcionalidade em tarefas diárias, é importante a existên-cia de estudos que investiguem as intervenções terapêuti-cas e sua eficácia na reabilitação e que levem em conside-ração as necessidades e especificidades da progressão da doença.

Nos dias atuais, verifica-se a existência de várias pes-quisas sobre distrofia muscular, mais especificamente sobre treinamento físico6, tratamentos terapêuticos7, tratamentos farmacológicos8-10, funções motoras grossas e incapacida-des funcionais na mobilidade, no autocuidado e na função social11,12. No entanto, há carência de estudos sobre a utili-zação de novos equipamentos tecnológicos que ampliem as possibilidades de tratamento para pessoas com DMD.

A partir dos avanços tecnológicos, ampliam-se as pos-sibilidades de intervenção na área da saúde e da reabilita-ção de pessoas com doenças incapacitantes. Interfaces computacionais que permitam uma interação segura, agradável e funcional para pessoas com deficiência são cada vez mais estudadas, e sua utilização é cada vez mais valorizada em terapias e pesquisas13.

Considerando a utilização de tecnologia, pessoas com DMD apresentam habilidades funcionais suficientes das mãos para o uso de teclados ou mouses, visto que ombros e cotovelos são os segmentos que apresentam maior incapacidade14.

Burgstahler et al.15 apresentam dados interessantes sobre o uso de tecnologia assistiva para pessoas com deficiências motoras. Os autores citam alguns equipamentos utilizados no cotidiano dessas pessoas e, além de compu-tadores e suas interfaces, um dispositivo moderno e que deve ser mais utilizado é o telefone móvel. Esse dispositi-vo, que permite toque na tela, oferece maior funcionalida-de ao indivíduo com distrofia muscular. Telefones móveis, assim como computadores, possuem a capacidade de maximizar a independência, a produtividade e a participa-ção das pessoas com deficiências físicas em programas

acadêmicos, empregos, atividades recreacionais, entre outras tarefas15. Devido ao tamanho, praticidade de trans-porte, agilidade no uso e utilização de estruturas corporais distais, o telefone móvel pode viabilizar mais função para pessoas com DMD do que qualquer outro dispositivo que propicie interação computacional.

Os smartphones, telefones móveis com acesso à inter-net e aplicativos, provavelmente constituirão a próxima modernidade funcional para deficientes, não apenas pela funcionalidade motora, mas também pela praticidade de comunicação entre paciente e equipe de reabilitação. A comunicação imediata entre paciente e equipe de reabili-tação por meio dos novos aplicativos de saúde estão re-formulando a assistência ao paciente e possibilitando, em tempo real, a colaboração e a comunicação entre os pro-fissionais16.

Considerando o uso do celular em projetos de pesqui-sa, Jones et al.17 avaliaram a utilização de telefone móvel na saúde mental, como forma de estabelecer contato mais frequente entre o terapeuta e o paciente em terapia cogni-tivo-comportamental. Kirwan et al.18 verificaram a utilização de aplicativos para monitorar a prática de atividades físi-cas, e Wackel et al.19 observaram a eficácia de aplicativos para monitorar a frequência cardíaca na detecção do apa-recimento de taquicardia durante o exercício. No entanto, não foram encontrados estudos que utilizem o telefone móvel como instrumento de intervenção para pessoas com deficiências físicas como a DMD.

Devido à possibilidade de utilizar o telefone móvel como instrumento de intervenção e de acompanhamento em programas de reabilitação, este trabalho teve como objetivo verificar a função motora de pessoas com DMD ao realizar um protocolo de aprendizagem motora por meio de uma tarefa de labirinto em um telefone móvel. O conhecimento da melhora de desempenho em tarefa funcional utilizando telefone móvel em pessoas com DMD pode contribuir significativamente para a organização adequada e efetiva de programas de intervenção para essa população.

MétodoMétodoMétodoMétodo

Para a realização deste estudo, desenvolvido na Asso-

ciação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM), foram avaliados 20 adolescentes e adultos jovens, com idades entre 10 e 24 anos. Dez constituíram o Grupo Experimen-tal com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), todos do sexo masculino; e dez fizeram parte do grupo-controle, constituído por pessoas com desenvolvimento típico (DT), sem alterações da postura e movimento, pareados por idade e sexo com o grupo experimental.

Foram consideradas elegíveis as pessoas com diag-nóstico de DMD confirmado por método molecular e/ou por

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expressão proteica do músculo esquelético. Os critérios de exclusão foram a presença de deformidades articulares que pudessem impedir os movimentos necessários para a realização da tarefa e a não compreensão da tarefa.

O quadro clínico funcional para caracterização dos par-ticipantes com DMD foi avaliado por meio das escalas de Vignos20, da escala Egen Klassifikation (EK)21, e também da Motor Function Measure (MFM)22. A caracterização dos sujeitos segue na Tabela 1.

Tabela 1. Caracterização da amostra (médias e desvios-padrão).

Variáveis DT DMD

Idade (anos) 17,3 ± 4,1 17,3 ± 4,1

MFM-total (%) - 49,6 ± 27,8

MFM-D3 (%) - 78,1 ± 15,4

EK - 9,3 ± 6,6 Vignos - 5,7 ± 3,1

DT: grupo com desenvolvimento típico; DMD: grupo com Distrofia Muscular de Duchenne; MFM-total: pontuação total na Motor Function Measure; MFM-D3: pontuação no terceiro domínio da Motor Function Measure; EK = Egen Klassifikation.

Para a coleta dos dados foi utilizado o jogo para telefo-ne móvel denominado Marble Maze Classic®, e o aparelho utilizado foi um smartphone marca Nokia®, modelo Nokia 500. O jogo consistia em conduzir uma bola virtual por um percurso pré-determinado de labirinto, com a meta de alcançar um alvo final no menor tempo possível. Simulan-do uma mesa de madeira com paredes que delimitam o trajeto do labirinto, a bola virtual percorre o caminho do labirinto por meio de movimentos realizados com a mão que segura o telefone móvel (Figura 1).

O tempo utilizado para mover a bola virtual pelo trajeto do labirinto até a sua chegada ao ponto final foi cronome-trado e exibido ao jogador e avaliador no final de cada tentativa. Antes de iniciar a tarefa, foi explicado verbalmen-te o funcionamento do jogo, juntamente com uma demons-tração feita pelo examinador.

Para verificar a melhora de desempenho foi utilizado um protocolo de aprendizagem motora em que os partici-pantes executaram 30 tentativas da tarefa na fase de aquisição com a mão dominante. Após a fase de aquisi-ção, houve um descanso de cinco minutos em que o parti-cipante não teve contato com a tarefa. Em seguida, foram realizadas cinco tentativas na fase de retenção, com o mesmo labirinto da aquisição. Para a fase de transferên-cia, foram realizadas cinco tentativas, sendo utilizado um labirinto com o desenho do trajeto totalmente oposto (in-vertido horizontal e verticalmente) ao da aquisição.

Figura 1. Labirintos customizados utilizados para as fases de aquisição, retenção e transferência.

Os dados foram analisados a partir da média de blocos de cinco tentativas para todas as fases do estudo: aquisição (A1-A6), retenção (R) e transferência (T). As variáveis dependentes foram submetidas à ANOVA com fator 2 (grupos: DMD e DT) por 2 (blocos) e medidas repetidas no fator blocos. Para o fator blocos, foram realizadas comparações separadas para aquisição (primeiro bloco da aquisição A1 versus último bloco A6), retenção (A6 versus bloco R e transferência (R versus bloco T). Todos os resultados foram representados por médias. As comparações post-hoc foram realizadas com o teste de Tukey-HSD.

ResultadosResultadosResultadosResultados

Aquisição

Na Tabela 2 são apresentados os resultados das análises estatísticas. Efeitos significativos foram encontrados para Blocos, além de interação entre Blocos e Grupos. A análise post-hoc mostrou melhora do tempo de movimento do primeiro para o último bloco apenas no grupo DMD (M = 9,3s para M = 7,1s, respectivamente), enquanto no grupo DT essa melhora não foi significativa (M = 4,9s para M = 4,1s, respectivamente). Também foram encontrados efeitos para Grupos, em que o grupo DMD apresentou tempo de movimento maior (M = 8,2s) do que o grupo DT (M = 4,5s) (Figura 2).

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Tabela 2. Dados estatísticos referentes às análises nas fases de aquisição, retenção e transferência.

Variáveis

Efeito principal: Blocos

Efeito principal: Grupos

Interação: Blocos x Grupos

(gl) F-ratio valor de p ŋ2 (df) F-ratio valor de p ŋ

2 (df) F-ratio valor de p ŋ2

Aquisição (Bloco A1 versus A6)

(1,17) 24,5 <,001 ,59 (1,17) 11,6 ,003 ,41 (1,17) 5,59 ,030 ,25

Retenção (Bloco A6 versus R)

- - - (1,17) 13,1 ,002 ,44 - - -

Transferência (Bloco R versus T)

- - - (1,17) 31,6 <,001 ,64 - - -

Gl: graus de liberdade; A1: primeiro bloco da fase de aquisição; A6: último bloco da fase de aquisição; R: bloco do teste de retenção; T: bloco do teste de transferência. Testes estatísticos utilizados: ANOVA para medidas repetidas e post-hoc de Tukey-HSD (p < 0,05).

Figura 2. Representação dos blocos de tentativas nos grupos (média e erro-padrão).

A1–A6: blocos da fase de aquisição; R: bloco da fase de retenção; T: bloco da fase de transferência; DMD: grupo com Distrofia Muscular de Duchenne; DT: grupo com

desenvolvimento típico.

Retenção

A comparação entre o bloco final da aquisição e o da retenção não revelaram efeitos ou interações significativos para Blocos. Em outras palavras, para ambos os grupos, o padrão de movimento no bloco final de aquisição e de retenção foram similares (DMD: 7,1s e 7,1s; DT: 4,1s e 4,1s, respectivamente), indicando que a aprendizagem no grupo DMD foi consolidada (Tabela 2). E ainda, o tempo de movimento do grupo DMD foi maior (M = 7,1s) do que o do grupo DT (M = 4,1s) (Figura 2).

Transferência

Assim como na fase de retenção, na transferência não houve efeitos ou interações significativos para Blocos. Ou

seja, o tempo de movimento do bloco de retenção foi similar ao do bloco de transferência para ambos os grupos (DMD: 7,1s e 6,8s; DT: 4,1s e 4,1s, respectivamente), confirmando que a aprendizagem no grupo DMD foi consolidada (Tabela 2). O efeito para Grupos se manteve presente: o grupo DMD continuou apresentando tempo de movimento maior (M = 6,9s) do que o grupo DT (M = 4,1s) (Figura 2).

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

A utilização de tecnologia para auxiliar na funcionalida-de de pessoas com deficiência é uma área promissora para pesquisa e investimentos em reabilitação. Neste estudo, procurou-se verificar a melhora de desempenho de

A1 A2 A3 A4 A5 A6 R T0123456789

1011

Tem

po

(seg

undo

s)

DMDDT

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pessoas com DMD em uma tarefa realizada em um telefo-ne celular, atualmente um recurso tecnológico muito pre-sente e amplamente utilizado em diferentes classes soci-ais, faixas etárias e que deve ser considerado para facilitar a funcionalidade na DMD.

Para verificar a melhora funcional, utilizou-se uma tare-fa de labirinto que permite avaliar diversos aspectos neu-ropsicológicos de planejamento, execução, organização espacial e memória implícita, e que envolve a operaciona-lização da intenção de movimentar-se para alcançar um objetivo, e o planejamento com efetivação motora. A tarefa consistiu da realização de um caminho, no menor tempo possível, em um labirinto com uma entrada, uma saída e um único caminho a ser percorrido. Além da melhora de desempenho nas fases de aquisição e de retenção, pode-se verificar a estabilização da habilidade motora, indicada pela capacidade de manter o desempenho após uma mu-dança do labirinto na transferência. A manutenção de desempenho em um labirinto diferente direciona para a formação de estratégias cognitivas e de um programa de ação23.

Os resultados demonstraram que, na fase de aquisi-ção, o grupo DMD mostrou melhora significativa no tempo de movimento entre o desempenho inicial (bloco A1) e final (bloco A6), enquanto no grupo DT essa melhora não foi significativa. No entanto, houve um efeito presente entre os grupos, ou seja, o grupo DMD apresentou tempo de movimento maior do que o grupo DT.

A prática ou experiência da tarefa motora é parte es-sencial do processo de aperfeiçoamento do ato motor direcionado a um objetivo, e a melhora relativamente per-manente da capacidade do indivíduo em desempenhar uma habilidade motora demonstra o aprendizado da tare-fa. Verificou-se que o grupo com DMD melhorou o desem-penho com aumento da consistência e da fluência no mo-vimento, diminuição do erro de execução e redução no tempo total de movimento para a realização da tarefa24. No entanto, essa melhora não foi observada no grupo com DT; provavelmente a tarefa era fácil para o grupo com DT, que iniciou a tarefa com valores de tempo de movimento bastante baixos e não necessitou de adaptação para atin-gir o máximo do potencial.

Nakafuji e Tsuji25 avaliaram 18 indivíduos com DMD e 28 controles em um estudo que avaliou aprendizagem motora e transferência bilateral de aprendizagem, e con-cluíram que pacientes com DMD e os saudáveis têm pa-drões de aprendizagem basicamente semelhantes. No entanto, o pior desempenho dos pacientes com DMD está associado ao comprometimento funcional do movimento, e não à deterioração do processo perceptivo-motor.

Para verificar se a aprendizagem ocorreu com solidez, mais do que comparar o desempenho na fase inicial em

relação à fase final de aquisição, é necessário recorrer ao desempenho em testes de aprendizagem, isto é, de reten-ção e/ou de transferência24. Para avaliar o grau de perma-nência do que foi adquirido após um período sem prática, foi comparado o tempo de movimento do final da fase de aquisição com o tempo da fase de retenção. Foi observa-do em todos os grupos que não houve diferença entre os blocos final da aquisição (A6) e da retenção (R), indicando que o desempenho se manteve estável após um período sem prática, ou seja, a aprendizagem no grupo com DMD foi consolidada. E, como esperado, o tempo de movimento do grupo DMD foi maior do que o do grupo com o DT.

Já os testes de transferência avaliam a capacidade de adequação de um comportamento motor praticado em um contexto diferente, mediante alteração na tarefa motora26. Neste estudo, observou-se que o tempo de movimento do bloco de retenção foi similar ao do bloco de transferência para ambos os grupos, confirmando que o desempenho não piorou com a modificação da tarefa motora. Também se manteve o efeito para grupos, em que o grupo DMD continuou apresentando tempo de movimento maior do que o grupo DT.

Esses resultados, desde a melhora do desempenho entre o início e o final da aquisição, e a manutenção do desempenho nas fases de retenção e transferência, ob-servados no grupo com DMD constituem fortes indicativos de que o processo de adaptação da tarefa com aprendiza-gem motora ocorreu nas pessoas com DMD. A aprendiza-gem, apesar de não poder ser observada diretamente, é inferida, entre outros, pela observação da melhora, do aumento da consistência e da relativa permanência do desempenho. Esses dados corroboram os resultados encontrados por Nakafuji e Tsuji25 que, além de verifica-rem diferenças entre o grupo com DT e DMD, concluíram que o pior desempenho dos pacientes com DMD está associado ao comprometimento funcional do movimento.

Com a progressão da doença e o aumento das limita-ções físicas, o uso de recursos computadorizados para a interação e realização de atividades em diferentes ambien-tes é aumentado, devendo-se observar as frequentes necessidades de ajustes ou substituições desses dispositi-vos utilizados27 por outros instrumentos modernos, como o celular móvel15.

A tecnologia é uma ferramenta valiosa que melhorou e continuará a melhorar a vida e as oportunidades funcionais das pessoas com deficiência crônica e condições incapaci-tantes28. Computadores e também os telefones móveis aumentam a independência, a produtividade e a participa-ção de pessoas com deficiência no ambiente acadêmico, no emprego, na recreação e em outras atividades15.

Considerando as dificuldades motoras em distrofia muscular, o conhecimento acerca das abordagens de

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intervenção e a comprovação científica de sua influência sobre a aprendizagem motora é fundamental para a práti-ca clínica e o surgimento de novas ideias de pesquisa. Neste trabalho, procurou-se investigar a melhora de de-sempenho em tarefa de celular por meio da ocorrência de aprendizagem motora em pessoas com DMD, e observou-se que a prática de tarefas motoras pode levar à melhora de desempenho, e novos instrumentos de avaliação e intervenção podem ser explorados em pesquisas utilizan-do os avanços tecnológicos e a tecnologia assistiva para propiciar melhora da funcionalidade.

Pode-se concluir que a prática do jogo de labirinto no celular promoveu melhora no desempenho durante a aqui-sição no grupo com DMD, que se manteve nas fases de retenção e de transferência, e que o grupo com DMD apresentou pior desempenho em todas as fases da tarefa quando comparado ao grupo com DT. O celular é um instrumento com potencial para promover aquisição de novas habilidades, e seu uso pode ser explorado vista sua facilidade de acesso, necessitando ser incluído em novas pesquisas para confirmar sua aplicabilidade.

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Agradecemos à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo apoio financeiro para a realização do trabalho.

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Original Nunes SF, Weinmann ARM, Weber B, Oliveira JLF. Perfil de prematuros de muito baixo peso em um hospital privado no sul do Brasil. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):146-51. Artigo recebido em 28/11/2014. Aceito para publicação em 21/06/2015.

perfil de prematuros de muito baixo peso em um hospital privado no sul do brasil sabrina felin nunes1

angela regina maciel weinmann2

bianca weber3

jeferson leonel filippi de oliveira3

(1) Fisioterapeuta, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS. (2) Doutora, Professora Orientadora Associada do Departamento de Pediatria e Puericultura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS. (3) Médicos Neonatologistas, Plantonistas da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo, Santa Maria, RS. Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS. CORRESPONDÊNCIA

Sabrina Felin Nunes [email protected]

RESUMO

PERFIL DE PREMATUROS DE MUITO BAIXO PESO EM UM HOSPITAL PRIVADO NO SUL DO BRASIL: O objetivo deste estudo foi descrever as características demográficas, principais diagnósticos, práticas alimentares e evolução clínica dos recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso (RNPTMBP) internados em uma Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais no Sul do Brasil. Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, com coleta de dados das fichas da Rede Gaúcha de Neonatologia dos RNPTMBP internados na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo, de 2009-2012. Foram incluídos prematu-ros de MBP ao nascer (≤1.499 gramas). As variáveis estudadas: tipo de parto, sexo, peso, idade gestacional (IG) ao nascer e alta, Apgar no 1º e 5º minuto, suporte respiratório, doença da membrana hialina (DMH), persistência do canal arterial, enterocolite necro-sante, hipertensão intracraniana, retinopatia da prematuridade, pneumotórax, sepse precoce e tardia, displasia broncopulmonar (DBP), idade de início de alimentação enteral e obtenção da alimentação enteral plena, leite materno (LM) na internação e tipo de alimentação na alta. Os resultados mostraram quase totalidade de nascimentos por parto cesáreo, prevalência de IG entre 34-36 se-manas. Ventilação mecânica e/ou CPAP foram utilizados em mais de 70% dos bebês. Houve maior ocorrência de DMH (p = 0,048); a frequência de DBP aos 28 dias foi de 44,4%-53,3% e na 36ª semana de 22,7%-37%. Início da alimentação enteral variou de 2,9-5,2 dias (p = 0,002). Mais de 70% dos RNPTMBP receberam LM na internação; a dieta mista predominou na alta. A mortalidade variou de 13,33% a a25,93%. Descritores: Recém-nascido pré-termo, Baixo peso ao nascer, Perfil epidemiológico.

ABSTRACT

PROFILE OF VERY LOW WEIGHT PRETERM NEWBORNS IN A PRIVATE HOSPITAL IN SOUTHERN BRAZIL: The aim of this study was to describe the demographic characteristics, principal diagnosis, feeding practices and clinical outcomes of very low weight newborns in a Neonatal Intensive Care Unit in South of Brazil. This is a retrospective and descriptive study that collected data from the Rede Gaúcha de Neonatologia regarding very low weight newborns admitted at the Neonatal Intensive Care Unit of Hospital Astrogil-do Azevedo, during the period from 2009 to 2012. Variables studied were: type of delivery, sex, birth weight, gestational age at birth, Apgar scores at 1 and 5 minute, respiratory support, hyaline membrane disease (HMD), patent ductus arteriosus, necrotizing entero-colitis, intracranial hypertension, retinopathy of prematurity, pneumothorax, early and late sepsis, bronchopulmonary dysplasia (BPD), age at initiation of enteral feeding and reach full enteral feeding, breast milk (BM) on admission and type of feeding at discharge. The results showed almost all births from cesarean delivery, and prevalence of GA between 34-36 weeks. Mechanical ventilation and/or CPAP were used by more than 70% of babies. There was higher incidence of DMH (p = 0.048); the frequency of BPD at 28 days was 44.4% to 53.3%, and after 36 weeks, 22.7% to 37%. Enteral feeding ranged from 2.9 to 5.2 days (p = 0.002). Over 70% of premature infants on admission received BM, predominating the mixed diet at discharge. Mortality ranged from 13.33% to 25.93%. Keywords: Newborn preterm, Low birth weight, Epidemiological profile. Os contínuos avanços em terapia intensiva neonatal

têm contribuído para o aumento da sobrevida de recém-nascidos pré-termo (RNPT), com peso e idade gestacional ao nascer cada vez menores. Associado a esse fato, sur-giu a preocupação acerca da qualidade de vida dessas

crianças, seu crescimento e desenvolvimento neuropsico-motor, especialmente dos nascidos com muito baixo peso (MBP) (<1.500 gramas), que estão sujeitos a inúmeros problemas e intervenções, permanecendo internados por longo período de tempo1,2.

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Nesse sentido, o conhecimento dos dados epidemioló-gicos de uma unidade de saúde se reveste de grande relevância, pois permite a tomada de decisões estratégicas que visam ao aperfeiçoamento da qualidade da atenção prestada. A aquisição de tecnologias, o treinamento de recursos humanos, a reavaliação dos processos de atenção e a adaptação estrutural podem ser planejados, visando a adequar a unidade às características demográficas e de morbidade da população que recebe. Ainda nesse contex-to, o conhecimento das características da população inter-nada, as condições clínicas e as circunstâncias em que as mortes ocorrem permitem, além da previsão de recursos e treinamento da equipe, estabelecer comparações com outras unidades, sejam elas regionais ou estrangeiras, de caráter público ou privado, e até mesmo com a própria unidade, de modo prospectivo, sempre na busca contínua de melhor qualidade na atenção.

MétodoMétodoMétodoMétodo

O objetivo deste estudo foi descrever as características demográficas, principais diagnósticos, práticas alimentares e evolução clínica dos recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso (RNPTMBP), internados na Unidade de Trata-mento Intensivo Neonatal (UTIN) do Hospital de Caridade Astrogildo Azevedo (HCAA), na região central do Estado do Rio Grande do Sul.

Trata-se de estudo retrospectivo, descritivo, realizado a partir da coleta de informações, nas fichas da Rede Gaúcha de Neonatologia (RGN), dos RNPTMBP, internados entre 2009 e 2012, na UTIN do HCAA, na cidade de Santa Ma-ria, Rio Grande do Sul.

A UTIN do HCAA atende recém-nascidos de alto e médio risco oriundos de hospitais de convênios, particula-res e filantrópicos da cidade de Santa Maria e região cen-tral do Estado do Rio Grande do Sul. Possui dez leitos, entre alto risco, cuidados intermediários e isolamento. A unidade é equipada com dois ventiladores Inter 3 (Inter-med) e quatro Sechrist, incubadoras de servo-controle de temperatura e umidade (Fanem Vision 2186). Conta com uma equipe formada por 12 médicos plantonistas (seis neonatologistas), sendo um coordenador médico, dois diaristas rotineiros e um plantonista, e por cinco enfermei-ras e 29 técnicas de enfermagem, na proporção de um para cada dois leitos.

No período referido, foram internados 118 RNPTMBP, ou seja, com peso inferior a 1.500 gramas, dos quais dois necessitaram ser excluídos do estudo por suas fichas estarem incompletas.

As variáveis estudadas incluíram: tipo de parto, sexo, peso, idade gestacional (IG) ao nascer e na alta, Apgar no 1º e 5º minutos de vida, necessidade de suporte respirató-

rio (ventilação mecânica e/ou CPAP nasal); condições / doenças ocorridas na internação: doença da membrana hialina (DMH), persistência do canal arterial (PCA), ente-rocolite necrosante (ECN), hipertensão intracraniana (HIC), retinopatia da prematuridade (ROP), pneumotórax (PNTX), sepse precoce e tardia, displasia broncopulmonar (DBP), idade de início de alimentação enteral e de obten-ção da alimentação enteral plena, uso de leite materno na internação e tipo de alimentação na alta (leite materno exclusivo, fórmula láctea ou mista).

O estudo foi aprovado pela Direção Técnica do HCAA e autorizado pela Rede Gaúcha de Neonatologia, tendo os pesquisadores se comprometido em relação à confidencia-lidade das informações obtidas.

Os dados coletados foram analisados por meio do pro-grama STATA versão 10.0, utilizando-se estatística descri-tiva. As variáveis contínuas foram comparadas a partir de análise de variância [ANOVA], e as categóricas pela Prova do Qui-quadrado de Pearson. Foi considerado como signi-ficativo valor de p < 0,05.

ResultadosResultadosResultadosResultados

A Tabela 1 apresenta as características relativas ao

nascimento, de acordo com o período (ano) avaliado. A grande maioria dos nascimentos ocorreu por parto cesáreo (frequência mínima de 86,4%, em 2009, e máxima de 96,3%, em 2010), sem predomínio em relação ao sexo. Em relação à IG ao nascimento, predominou, em todos os anos, a faixa de 34-36 semanas, seguida pela faixa de 30-33 semanas. Abaixo de 30 semanas, houve dois nasci-mentos em 2010 (7,4%) e três (8,1%) em 2012. Em rela-ção ao peso ao nascimento, a maioria se situou na faixa entre 1.000 e 1.499 gramas. Abaixo de 1.000 gramas, o menor percentual (30%) ocorreu em 2011 e o maior (48,1%) em 2010.

Quanto à vitalidade ao nascer, índices de Apgar entre 7 e 10 foram observados em 55% a 69% no 1º minuto e entre 83,8% e 92,6% no 5º minuto, segundo o ano anali-sado.

Houve necessidade de ventilação mecânica e/ou CPAP nasal para a maioria dos recém-nascidos avaliados (míni-mo de 66,7% e máximo de 76,7% das crianças, em 2010 e 2011, respectivamente), sem diferença significativa entre os anos avaliados.

A Tabela 2 se refere à frequência das principais condi-ções / doenças nos RNPTMBP, segundo o ano de avalia-ção. Dentre as doenças estudadas, a DMH foi a prevalente no grupo estudado, com maior ocorrência no ano de 2011 (96,7% das crianças) (p = 0,048). Observou-se também aumento na ocorrência ou no diagnóstico da PCA, de 2009

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para 2011 (28,6% e 56,7%, respectivamente). Já a ECN teve prevalência reduzida de 22,2%, em 2009, para 8,1% em 2012. As demais condições / doenças avaliadas, como HIC, ROP, PNTX, sepse precoce e tardia e DBP não mos-traram redução no período estudado.

A respeito das questões alimentares (Tabela 3), obser-vou-se que a idade de início da alimentação enteral (em dias de vida), apesar da indicação de início precoce, au-mentou progressivamente ao longo do período estudado

(p = 0,002). A obtenção da alimentação enteral plena ocor-reu, em geral, ao final do primeiro mês de vida (variou, em média, entre 27,7±15,4 e 29,7±16,5 dias de vida). Quanto ao tipo de leite utilizado, durante a internação neonatal, entre 72,2% e 77,3% das crianças (conforme o ano) usa-ram leite humano; no entanto, apenas uma criança, no ano de 2009, teve alta com aleitamento materno exclusivo. A alimentação mista (leite humano + fórmula láctea) prevale-ceu em todos os anos no momento da alta (61,9% a 70,4%).

Tabela 1. Características do nascimento e do RNPTMBP estudados, segundo o ano avaliado.

Tabela 2. Frequência das principais condições / doenças nos RNPTMBP, segundo o ano de avaliação.

Variáveis

ANO

2009 2010 2011 2012

n % n % n % n % valor de p

Tipo de parto Vaginal 3 13,6 1 3,7 3 10 4 10,8 Cesáreo 19 86,4 26 96,3 27 90 33 89,2 0,6

Sexo Masculino 11 50 15 55,6 16 53,3 15 41,7

Feminino 11 50 12 44,4 14 46,7 21 58,3 0,7

IG ao nasci-mento

34-36 semanas 13 59 16 59,2 17 56,7 20 54

30-33 semanas 9 40,9 9 33,3 13 43,3 14 37,8

<30 semanas 0 0 2 7,4 0 0 3 8,1 0,6

Peso ao nascer < 1.000 g 9 40,9 13 48,1 9 30 14 37,9 1.000 g - 1.499 g 13 59,1 14 51,8 21 70 23 62,2 0,6

Apgar 1º minuto 0-3 4 20 2 7,4 4 13,8 5 13,5

4-6 5 22 9 33,3 5 17,2 8 21,6 7-10 11 55 16 59,3 20 69 24 64,9 0,7

Apgar 5º min 0-3 0 0 1 3,7 0 0 1 2,7

4-6 2 10 1 3,7 3 10,3 5 13,5 7-10 18 90 25 92,6 26 89,7 31 83,8 0,8

Suporte Uso de ventilação mecânica 14 63,6 18 66,7 19 63,3 28 75,7 0,7 respiratório Uso de CPAP 16 72,7 18 66,7 23 76,7 28 75,7 0,8

Variáveis

ANO

2009 2010 2011 2012

n % n % n % n % valor

de p DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA 18 81,8 26 96,3 29 96,7 29 78,4 0,048 PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL 6 28,6 11 40,7 17 56,7 15 40,5 0,239

ENTEROCOLITE NECROZANTE 4 18,2 6 22,2 5 16,7 3 8,1 0,453 HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6 27,3 8 29,6 5 16,7 7 18,9 0,586 RETINOPATIA DA PREMATURIDADE 7 31,8 6 22,2 3 10 11 29,7 0,192

PNEUMOTÓRAX 1 4,5 0 0 4 13,3 4 10,8 0,224 SEPSE - Precoce 11 50 21 77,8 21 70 19 51,3 0,079

- Tardia 15 68,2 18 66,7 24 80 20 54 0,168 DISPLASIA BRONCOPULMONAR O2 28 dias 11 50 12 44,4 16 53,3 18 48,6 0,901

O2 36º sem 5 22,7 10 37 10 33,3 12 32,4 0,930

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Tabela 3. Idade de início da alimentação enteral e obtenção da alimentação enteral plena (médias + desvios-padrão), uso de leite humano durante internação e alimentação na alta hospitalar (frequências percentuais) nos RNPTMBP, segundo o ano avaliado.

As taxas de mortalidade, de acordo com o ano estuda-do, estão ilustradas na Figura 1. A maior taxa foi observa-da em 2010 (25,93%), seguida de 2009 (18,18%), 2012 (18,92%) e 2011 (13,33%).

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

As Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal de-

sempenham hoje um papel essencial para a sobrevida de RNPTMBP, de modo que conhecer o perfil da unidade em que se trabalha é de fundamental importância para qualifi-car o atendimento ao recém-nascido.

Estar ciente das características da população interna-da, das condições clínicas prevalentes e das circunstân-cias em que as mortes ocorrem permite, além de prever recursos, treinar pessoas para o melhor cuidado intensivo, seja evitando as mortes ou minorando o sofrimento dos

pacientes3.

Na Unidade de Tratamento Intensiva Neonatal avalia-da, a grande maioria dos RNPTMBP nasceu de parto cesáreo, com idade gestacional entre 34 e 36 semanas e peso entre 1.000 e 1.499 gramas. No entanto, um percen-tual importante dos recém-nascidos teve peso menor do que 1.000 gramas, inclusive com tendência a aumento no ano de 2012 (48,1% dos RNPTMBP avaliados).

Em estudo semelhante sobre o perfil epidemiológico de uma UTIN em um Hospital-Escola, os autores encontraram 70% dos nascimentos por parto cesáreo, com percentual de 26,6% de RNPT com peso entre 1.000 e 1.499 gra-mas4. Estudo semelhante, porém em hospital com atendi-mento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), encontrou maior prevalência de partos vaginais, 58,8%, idade gestacional de nascimento de 30,07 ± 3,27 semanas e peso de nascimento de 1.082,92 ± 275,73 gramas5.

Figura 1. Taxas de mortalidade conforme o ano avaliado.

18,18

25,93

13,33

18,92

0

5

10

15

20

25

30

2009 (n = 22) 2010 (n = 27) 2011 (n = 30) 2012 (n = 37)

Variáveis

ANO

2009 2010 2011 2012 valor de p

n n n n

Início alimentação enteral (dias de vida) 22 2,9 ± 2,9 23 4,0 ± 4,4 28 4,4 ± 2,7 31 5,2 ± 3,7 0,002

Alimentação enteral plena (dias vida) 21 29,2 ± 21,5 20 27,7 ± 15,4 26 29,7 ± 16,5 30 27,9 ± 16,4 0,0118

Uso de leite materno (%) 22 77,3 27 74,1 30 76,7 36 72,2 0,97

Alimentação alta (%) 21 27 30 36 0,45

Leite materno exclusivo 4,8 0 0 0

Fórmula láctea 14,3 3,7 16,7 19,4

Mista 61,9 70,4 70,0 63,9

Não se aplica 19,0 25,9 13,3 16,7

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A escolha das mães pelo parto vaginal pode estar rela-cionada com menor dor e sofrimento, menor tempo de recuperação e mais rapidez no procedimento. Iorra et al.6 realizaram pesquisa com 400 puérperas em um hospital Universitário, em que 291 optaram pelo parto vaginal. Acreditam que as expectativas da mulher quanto à via de parto é uma consequência das informações prestadas a ela e são interpretadas de acordo com a história de vida de cada uma.

A alta prevalência de parto cesáreo no presente estudo pode estar ligada a inúmeras questões, entre elas a condi-ção socioeconômica e cultural da população assistida no hospital, ao tipo de informações prestadas à mulher, entre outros. Estudo que comparou os aspectos relacionados à escolha do tipo de parto, em maternidade pública e priva-da, observou que 79,1% das gestantes da maternidade pública preferiam parto vaginal, enquanto na privada 32,6% escolheram o parto cesáreo (p < 0,0001). Nas duas maternidades, o principal motivo alegado para a preferên-cia pelo parto vaginal foi a recuperação mais rápida; para as mulheres que preferiram o parto cesáreo, o motivo mais frequente foi o medo de sentir dor7.

O Apgar verificado no 1º e 5º minutos de vida dos RNPT esteve entre 7 e 10, o que indica que foram boas as condições ao nascimento dos RNPTMBP incluídos no presente estudo. Resultado divergente, com piora na vita-lidade ao nascer, tanto no 1º como no 5º minuto de vida, foi observado por Granzotto et al.4 em estudo que avaliou um interstício de dois anos, 2009-2010, na cidade de Pelo-tas, RS4.

A ventilação mecânica (VM) representou um grande avanço na terapêutica e sobrevida de pacientes críticos, principalmente dos recém-nascidos prematuros8,9.

No presente estudo, a necessidade de ventilação me-cânica invasiva e CPAP nasal se mostrou crescente de 2009 a 2012 (63,6%, 75,7%, 72,7% e 75,7%, respectiva-mente). Piccoli et al.5 constataram uso da VM em 61,7% dos prematuros, com tempo médio de 13,34 dias. Obser-varam também associação significativa (p < 0,01) com tempo prolongado de internação e com menor peso ao nascimento.

Sabe-se que a ocorrência de morbidades e complica-ções é inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso ao nascer, estando relacionada, ainda, com uso prolongado de ventilação pulmonar mecânica e com maior sobrevida dos RNPTMBP9,10.

Na Unidade Neonatal avaliada neste estudo, doença da membrana hialina foi a doença mais frequente, inclusi-ve com aumento no último ano avaliado (p < 0,048). Esse foi um resultado esperado, uma vez que a incidência de DMH é inversamente proporcional à idade IG e ao peso ao nascimento. A literatura refere que a doença ocorre em

cerca de 60% a 80% dos RNPT com menos de 28 sema-nas de IG e de 15% a 30% nos nascidos entre 32 e 36 semanas11.

Da mesma forma, a DBP, patologia pulmonar crônica, de etiologia multifatorial, caracterizada pela dependência de oxigênio além de 28 dias, tem sua incidência inversa-mente proporcional à IG ao nascimento. Na unidade neo-natal avaliada neste estudo, levando em conta que predo-minou IG ao nascimento na faixa de 34-36 semanas, po-de-se dizer que a incidência de DBP foi bastante alta (em torno de 50%).

Em estudo realizado com 1.825 RNPTMBP pertencen-tes a 16 centros neonatais (rede NEOCOSUR), a incidên-cia de DBP foi de 24,4%. Nesse estudo, foram fatores de risco ao desenvolvimento de DBP: o peso e a IG ao nas-cimento, o sexo feminino, o uso de ventilação mecânica, a ocorrência de escape aéreo (pneumotórax e/ou enfisema intersticial), a PCA, a ECN e a sepse tardia12.

Incidência elevada de DBP, semelhante à encontrado no presente estudo, foi referida por Gonzaga et al.9, que a justificaram pelo fato de haverem excluído da análise os RNPTMBP que não necessitaram de ventilação mecânica e também pelo critério de diagnóstico utilizado (dependên-cia de oxigênio além do 28º dia de vida)9.

Não foi possível, neste estudo, observar comportamento de redução de frequência em relação à ocorrência de ECN, HIC, PNTX, ROP e sepse ao longo dos anos avaliados.

Estudo realizado em um hospital de referência para RNMBP encontrou que a infecção hospitalar, por exemplo, ocorreu em 86% dos nascidos prematuros de MBP, e que estava relacionada com menor peso de nascimento13. No presente estudo, observou-se que tanto a sepse precoce como a tardia variaram de acordo com o ano, mas em 2012 houve diminuição nos casos, especialmente de sepse tardia, sinalizando, talvez, que os cuidados com essas crianças possam estar melhorando.

Em relação à alimentação, observou-se, no presente estudo, atraso na introdução da alimentação enteral com o passar dos anos (p = 0,002), o que é o oposto do reco-mendado na atualidade, pois o início precoce da alimenta-ção enteral, especialmente quando se utiliza leite humano, minimiza prejuízos ao estado nutricional do RNPT, estimu-la o desenvolvimento do trato gastrointestinal e reduz o aparecimento de ECN, entre outros14,15.

No que se refere ao leite humano, leite da mãe foi utili-zado em mais de 70% dos RNPTMBP avaliados. No en-tanto, no momento da alta, a grande maioria estava com alimentação mista (leite materno e fórmula láctea). Alimen-tar um RNPT com leite da própria mãe proporciona benefí-cios que estão relacionados à melhora da imunidade, digestão e absorção de nutrientes16.

Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111).

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Estudo realizado com 203 RNPTMBP, com o objetivo de verificar as práticas alimentares, referiu ser o tempo médio para o início da alimentação enteral de 6,5 dias, e para atingir a dieta enteral plena de 18,9 dias. Na alta, 61,6% das crianças estavam recebendo alimentação mis-ta, 26,1%, fórmula láctea e 12,3% estavam em aleitamento materno exclusivo17.

Resultado semelhante ao do presente estudo foi ob-servado em 35 RNPTMB avaliados durante a internação, no momento da alta hospitalar e aos seis meses de ida-de18. A idade média de início da alimentação enteral foi de 5,3 dias, e na alta 74,2% estavam em aleitamento misto. Aos 6 meses de idade, o índice de aleitamento materno encontrado foi de 30,7% e apenas 3,8% das crianças estavam em aleitamento materno exclusivo18.

Sabe-se que o leite materno é considerado o alimento ideal, protegendo o RNPTMBP especialmente contra in-fecções durante sua internação19. Proporciona, ainda, efeitos benéficos relacionados à digestão e absorção de nutrientes, função gastrintestinal, desenvolvimento neuro-lógico e aspectos psicológicos do vínculo mãe e filho20.

No presente estudo, a taxa de mortalidade variou de 13,33% a 25,93% nos anos estudados. Outra pesquisa encontrou 49,4 óbitos a cada mil nascidos vivos, e relacio-nou os óbitos, principalmente, ao peso ao nascimento menor que 1.500 gramas, idade gestacional menor que 36 semanas, Apgar no 5º minuto menor que 3, gestações múltiplas, e ao fato de a mãe ter realizado menos de três consultas pré-natais21.

Os achados deste estudo reforçam a importância de se conhecerem os dados epidemiológicos da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal em que se atua. Na unidade avaliada, algumas práticas e rotinas deverão ser revistas, a fim de que se possa reduzir a ocorrência de algumas morbidades como, por exemplo, a DBP, bem como incen-tivar as práticas que venham a contribuir para maior incen-tivo ao aleitamento materno.

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Relato de Caso Ehlert R, Manfio EF, Heidrich RO, Goldani R. Influência do TheraTogs® no desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral. Temas sobre Desenvolvimento 2015; 20(110-111):152-6. Artigo recebido em 06/05/2015. Aceito para publicação em 27/07/2015.

influência do theratogs® no desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral raquel ehlert1

eliane fátima manfio2

regina de oliveira heidrich3

rafael goldani4

(1) Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade pela Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. (2) Doutora em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Professora da Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. (3) Pós-doutora pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL), Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professora da Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. (4) Mestre em Neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. CORRESPONDÊNCIA

Raquel Ehlert [email protected]

RESUMO

INFLUÊNCIA DO THERATOGS® NO DESEMPENHO FUNCIONAL DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: A utilização de órteses dinâmicas flexíveis tem sido sugerida para melhorar a capacidade de estabilizar a postura, corrigir e ou prevenir deformida-des e melhorar a funcionalidade. Entretanto, estudos têm apontado que dificuldades nas tarefas de toalete, desconforto e o calor pro-vocado por esse tipo de órtese dificultam a adesão e adaptação. O objetivo deste estudo foi avaliar a influência da utilização do The-raTogs® no desempenho funcional de crianças com paralisia cerebral do tipo diplegia espástica. Trata-se de estudo de caso de três crianças com Paralisia Cerebral do tipo diplegia (grau II no GMFCS). O instrumento de coleta de dados utilizados neste estudo foi o Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade – PEDI, para avaliar a funcionalidade sem e com o TheraTogs®. Os resultados revelaram que apenas uma criança obteve ganhos funcionais no domínio mobilidade do PEDI, e todas as crianças tiveram maiores dificuldades no domínio de autocuidado do PEDI quando em uso da órtese. Verificaram-se dificuldades práticas relacionadas ao uso do TheraTogs®, que comprometeram a adesão e a tolerância à sua utilização. Alguns desses problemas poderiam ser evitados por meio de melhorias no design, incluindo cuidados extras em áreas de pressão e aberturas mais convenientes para acesso ao banheiro.

Descritores: Paralisia cerebral, Diplegia espástica, Órtese. ABSTRACT

INFLUENCE OF THERATOGS® ON FUNCTIONAL PERFORMANCE OF CHILDREN WITH CEREBRAL PALSY: The use of flexible dynamic orthosis has been suggested to improve the ability to stabilize the posture, correct and/or prevent deformities, and improve functionality. However, studies have pointed out that difficulties in toileting, discomfort and heat caused by this type of orthesis difficult the adherence and adaptation. The aim of this study was to evaluate the influence of TheraTogs® on functional performance of chil-dren with Spastic Diplegia Cerebral Palsy. This is a case study of three children with Spastic Diplegia Cerebral Palsy (GMFCS level II). The data collection instrument used in this study was the Pediatric Evaluation of Disability Inventory – PEDI to evaluate functionality with and without Theratogs®. The results of this study revealed that only one child obtained functional gains in the mobility domain of the PEDI and all children had greater difficulties in the self-care domain of the PEDI, when using the orthosis. There was a series of practical difficulties related to the use of TheraTogs® that implicated adhesion and tolerance to its use. Some of these problems could be avoided through improvements in the design, including extra care in areas of pressure and providing more opening for convenient access to the bathroom. Keywords: Cerebral palsy, Spastic diplegia, Orthosis.

A utilização de vestuários ortopédicos dinâmicos flexí-

veis tem sido sugerida para melhorar a capacidade de esta-bilizar a postura, corrigir e/ou prevenir deformidades, melho-rar a funcionalidade e possibilitar ao usuário padrão funcio-nal mais adequado1-6.

Entretanto, estudos têm apontado que fatores como a falta de praticidade, dificuldades nas tarefas de toalete, desconforto e o calor provocado por esse tipo de órtese

dificultam a adesão e a adaptação à sua utilização1-5. Os vestuários ortopédicos são comercializados e utilizados no Brasil, porém estudos que adotem como amostra a popula-ção brasileira ainda são raros.

Assim, acredita-se que evidências científicas a respeito desses vestuários são de extrema importância para a toma-da de decisões na prática em saúde7.

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Nesse sentido, este estudo visa contribuir para reforçar os escopos científicos sobre o tema, buscando responder o seguinte objetivo: avaliar a influência da utilização do Thera-Togs® no desempenho funcional de crianças com pa-ralisia cerebral do tipo diplegia espástica.

Relato doRelato doRelato doRelato dossss casocasocasocasossss

Participaram deste estudo três crianças com paralisia

cerebral do tipo diplegia espástica e classificação grau II no GMFCS (Gross Motor Function Classification System)8. Na Tabela 1 estão apresentados os dados antropométri-cos das crianças deste estudo.

As crianças deveriam utilizar o sistema Full Body do TheraTogs®, composto por colete e shorts, com strappins padronizados para facilitação da extensão do tronco, para reduzir a protração de ombros, estimular a propriocepção do abdômen inferior, e facilitar a rotação externa e exten-são do quadril (Figuras 1 a 3), durante o período de oito semanas, de oito a dez horas por dia, sempre enquanto estivessem acordadas. As crianças que participaram deste estudo passaram por um período de adaptação de uma semana, que consistiu na utilização gradual da órtese, inici-ando por períodos de uma ou duas horas de utilização nos dois primeiros dias e duas a quatro horas nos demais dias (conforme tolerância). Os responsáveis foram treinados e orientados para a colocação da órtese e marcações foram realizadas na órtese para padronizar a colocação. Nas Figu-ras 1 a 3 estão ilustrada posturas de criança sem e com o Theratogs®, nas vistas anterior, posterior e lateral esquerda.

O Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI)9 foi aplicado para avaliar a funcionalidade das crianças antes do período experimental (sem o Thera-Togs®) e depois do período experimental ou imediatamen-te após a interrupção da utilização (com o TheraTogs®).

Apenas a Criança 1 concluiu o período experimental de oito semanas. A Criança 2 relatou grande desconforto, o que levou a responsável a pedir a interrupção da utilização da órtese após três dias de uso (período experimental). A

Criança 3 interrompeu o período experimental após 24 dias, porque relatou calor excessivo e apresentou lesões na pele e vermelhidão no abdômen e nos membros inferiores.

Na Tabela 2 estão apresentados os escores compos-tos do PEDI, na avaliação (sem a órtese) e na reavaliação (com a órtese) das Crianças 1, 2 e 3.

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussão

Ao se traçar o comparativo do desempenho funcional,

observou-se que, com a órtese, apenas a Criança 1 apre-sentou ganhos funcionais na escala avaliativa do PEDI. Essas aquisições foram observadas na área de mobilida-de, nos dois domínios avaliados (habilidades funcionais e assistência do cuidador), o que representou melhora da criança no deslocamento em ambiente externo, semelhan-te aos resultados de Flanagan et al.3.

Em contrapartida, ao se analisar o domínio de assis-tência do cuidador, observou-se que todas as crianças apresentaram prejuízos na independência funcional na área de autocuidado com a utilização da órtese. Destaca-se que nos itens vestir parte superior do corpo, vestir parte inferior do corpo e utilizar o banheiro foi unânime o aumen-to da dependência do cuidador para a realização das tare-fas, o que está de acordo com os estudos de Flanagan et al.3 e Rennie et al.1.

Ainda, a Criança 1 e a Criança 2 apresentaram redu-ção da independência (necessidade de maior auxílio do cuidador) no controle urinário com a órtese. Esse dado possivelmente se relaciona com a falta de praticidade na retirada do dispositivo, o que exige das crianças maior controle miccional1.

Embora os escores contínuos das crianças, no domínio habilidades funcionais (autocuidado), não tenham indicado prejuízos, observa-se que o escore bruto da Criança 1 e da Criança 3, na área de autocuidado, reduziu quando estavam com a órtese, indicando incapacidade na realiza-ção independente das tarefas de toalete, como lidar com roupas antes e depois de utilizar o banheiro.

Tabela 1. Dados antropométricos.

Sujeitos Idade (anos / meses) Massa Corporal (Kg) Estatura (m) IMC Peso (Kg/m²)

Criança 1 11/0 33,05 1,29 19,86

Criança 2 7/3 36 1,30 21,30

Criança 3 11/4 46,80 1,36 25,30

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A B

Figura 1. Vista anterior sem (A) e com (B) TheraTogs®.

A B

Figura 2. Vista posterior sem (A) e com (B) TheraTogs®.

A B

Figura 3. Vista lateral esquerda sem (A) e com (B) TheraTogs®.

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Tabela 2. Escores compostos do PEDI.

Área Sujeito Avaliação (sem órtese) Reavaliação (com órtese)

Escore Bruto Escore Contínuo Erro-padrão Escore Bruto Escore Contínuo Erro-padrão

Habilidades funcionais

Autocuidado

Criança 1 73 -------- -------- 72 -------- --------

Criança 2 51 64,68 2,22 51 64,68 2,22

Criança 3 71 -------- -------- 70 100,00 11,25

Mobilidade

Criança 1 51 59,24 2,40 55 63,94 2,66

Criança 2 34 45,26 1,95 34 45,26 1,95

Criança 3 41 50,37 2,05 41 50,37 2,05

Função Social

Criança 1 63 100,00 10,13 63 100,00 10,13

Criança 2 59 81,90 3,46 59 81,90 3,46

Criança 3 58 79,85 3,17 58 79,85 3,17

Habilidades funcionais

Autocuidado

Criança 1 45 -------- -------- 27 69,98 3,39

Criança 2 22 65,14 3,38 20 58,68 3,72

Criança 3 28 70,98 3,42 22 65,14 3,38

Mobilidade

Criança 1 32 81,30 6,57 34 92,32 13,86

Criança 2 24 67,08 3,35 24 67,08 3,35

Criança 3 24 64,31 3,67 24 64,31 3,67

Função Social

Criança 1 24 89,02 9,91 24 89,02 9,91

Criança 2 24 89,02 9,91 24 89,02 9,91

Criança 3 21 74,82 5,91 21 74,82 5,91

Legenda: -------- = pontuação superior ao escore contínuo 100 da tabela de referência para o item, indicando desempenho superior na área avaliada.

Nicholson et al.2, que avaliaram a utilização de uma vestimenta ortótica de Lycra em 12 crianças com paralisia cerebral, destacam que seis crianças apresentaram ga-nhos com a órtese em pelo menos uma escala de escores do domínio assistência do cuidador do PEDI, duas crian-ças mostraram perdas na independência, sem qualquer relação com o tipo de comprometimento motor, mas sim devido a problemas relacionados à falta de praticidade da órtese (dificuldades de remover a peça para ir ao banhei-ro), e quatro não apresentaram qualquer alteração.

O fato de apenas a Criança 1 ter apresentado melho-ras funcionais detectadas pelo PEDI pode estar relaciona-do ao tempo de utilização da órtese que, no caso da Cri-ança 1, foi de oito semanas. Outro fator que pode ter influ-enciado os resultados foi que os valores do Índice de Mas-

sa Corpórea (IMC) da Criança 2 e da Criança 3 (Tabela 1) estavam acima do ponto de corte para obesidade e sobre-peso, de acordo com o sexo e com a idade10. O IMC da Criança 1 estava abaixo do ponto de corte para sobrepeso e obesidade. Nesse sentido, dores musculoesqueléticas e articulares, desconfortos nos membros inferiores e, ainda, maior gasto energético em função do excesso de massa corporal afetam a manutenção de posturas e a marcha11.

Por fim, os resultados deste estudo mostraram uma sé-rie de dificuldades práticas relacionadas ao uso do Thera-Togs®, que diminuíram a independência das crianças e comprometeram a adesão e a tolerância à utilização desse recurso. Alguns desses problemas poderiam ser evitados por meio de melhorias no design, incluindo cuidados ex-tras em áreas de pressão e aberturas mais convenientes

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para acesso ao banheiro. Considerar os aspectos subjeti-vos e de significação atribuídos à utilização da órtese é um aspecto importante na busca da solução de problemas relacionados à adesão e à viabilidade na utilização.

As limitações deste estudo se relacionam ao número reduzido de sujeitos investigados e, portanto, sugerimos novas investigações, com uma amostra maior. O tempo ideal de utilização da órtese (horas de utilização diária e utilização longitudinal) precisa ser investigado, tendo em vista que a literatura não aborda esses aspectos com base em evidências. O desenvolvimento de tecnologias assisti-vas que superem os problemas com praticidade, descon-forto e calor também deve ser pesquisado, sobretudo a título de desenvolvimento de produtos nacionais com adaptações às condições climáticas e às características da população, bem como com custo acessível à população.

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