TRADUÇÃO E CIRCULAÇÃO DAS OBRAS DE ALEXANDER ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA GABRIEL DE ABREU MACHADO GASPAR “EM INGLÊS BRILHASTE, EM PORTUGUÊS AGORA BRILHAS”: TRADUÇÃO E CIRCULAÇÃO DAS OBRAS DE ALEXANDER POPE NO MUNDO LUSO-BRASILEIRO (1769-1819) NITERÓI 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

GABRIEL DE ABREU MACHADO GASPAR

“EM INGLÊS BRILHASTE, EM PORTUGUÊS AGORA BRILHAS”:

TRADUÇÃO E CIRCULAÇÃO DAS OBRAS DE ALEXANDER POPE NO MUNDO

LUSO-BRASILEIRO (1769-1819)

NITERÓI

2020

GABRIEL DE ABREU MACHADO GASPAR

“EM INGLÊS BRILHASTE, EM PORTUGUÊS AGORA BRILHAS”:

TRADUÇÃO E CIRCULAÇÃO DAS OBRAS DE ALEXANDER POPE NO MUNDO

LUSO-BRASILEIRO (1769-1819)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em História do Programa de Pós-

graduação em História da Universidade Federal

Fluminense.

ORIENTADOR:

Prof. Guilherme Pereira das Neves

NITERÓI

2020

Para Daniel, meu “pitombo”,

que chegou, assim, de repente e

transformou minha existência.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Paulo, Grace e Eloíde, que me impulsionaram durante toda a vida

e nunca permitiram que eu me desviasse de meus objetivos.

A Ana Paula, madrinha, preceptora intelectual e exemplo de que a luta, resistência

e retidão caminham juntos. Com Fabiano, seu marido e meu padrinho, constitui exemplo

constante de companheirismo e amor.

A Viviani, pelo apoio e paciência de sempre. Ao tentar enxergar o melhor de mim,

foi capaz de me transformar desde o momento que nossas trajetórias se uniram. Desta

união, nasceu Daniel, que bagunçou e reorganizou nossa vida novamente. De sua família,

passei a contar com Cristina, Toni, Gleice e “meus pequenos” Totonho e Cléo. Por tudo

isso, serei incapaz de agradecê-la o suficiente.

A Savanah por seu ouvido atento e disposição em ajudar. Agradeço também pela

ajuda na tabulação dos dados que originaram os gráficos e tabelas fundamentais para as

reflexões empreendidas nesta dissertação.

A Rodrigo e Leonardo pela lembrança constante dos desafios que envolvem o

convívio familiar e pela certeza da capacidade de superarmos todos eles. A Léo e Oneyda,

sua esposa, sou grato pela confiança de apadrinhar o amado Theo.

A Guilherme Pereira das Neves, orientador desde os idos de 2014, agradeço por

ter caminhado ao meu lado ao longo dos anos. Através de sua erudição, generosidade e

responsabilidade, ensinou-me os ofícios do historiador e do professor.

A Luciano Figueiredo, orientador da Bolsa de Iniciação Científica durante a

graduação, sou grato pelo aprendizado desta experiência e pela primeira leitura que fez

do projeto de pesquisa que originou este trabalho.

Às professoras Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves e Anita Correia Lima de

Almeida, agradeço pelas generosas observações quando do Exame de Qualificação e pelo

aceite em retornar para a banca de defesa.

Aos professores Rodrigo Bentes Nunes Monteiro (UFF), André de Melo Araújo

(UnB), Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (UERJ), Ana Carolina Delmas (UERJ),

Bruna Soalheiro (UERJ), Gladys Sabina Ribeiro (UFF), Beatriz Piva Momesso (UFF) e

Renato Franco (UFF), sou grato pelas discussões e leituras durante os cursos e disciplinas

realizadas no primeiro ano do mestrado. Cada um a sua maneira contribuiu com

sugestões, observações e reflexões sobre o tema deste trabalho.

A Yasmin Bragança, amiga e presença constante neste percurso, agradeço a

parceria e amizade que me deram força para seguir nos momentos de dúvida e aflição.

Sem você, certamente a vida teria tomado outros rumos.

A Hayanne Porto, companheira de sempre, por todas as conversas, desabafos e

cantorias. Sua leveza e bom humor serviram de desenfado quando tudo parecia mais

complicado.

A Pedro Henrique Carvalho, amigo e companheiro de orientação, sou grato pela

companhia e pela disposição em me ouvir durante as idas à universidade e nas nossas

duradouras discussões sobre os temas de pesquisa.

A Alan Dutra, amigo e parceiro de tantos projetos intelectuais ao longo desta

jornada, agradeço pela oportunidade e paciência em me escutar quando tudo parecia sem

sentido.

A Juceli Silva, sinônima de mãe em Niterói, por todos as conversas, conselhos e

broncas que me colocavam de volta no caminho quando me desviava dele.

A Arthur Fernandes, Beatriz Abreu e Lucas Machado, amigos desde os tempos de

escola, agradeço por todo carinho e afeto devotados ao longo da vida.

A Silvana Siqueira, tia que se tornou grande amiga, agradeço o apoio e ajuda

fundamental para a conclusão da graduação e do mestrado.

A Ana Cleide Camilo, que sempre cuidou de mim com carinho e zelo em Niterói.

A Luciana Barreto, que tive o prazer de reencontrar no último ano e passou a zelar

por mim em Campos.

Aos novos amigos e velhos companheiros da Revista Cantareira, Alan Dutra,

Aline Monteiro, Aimée Schneider, Maria Isabel Rauntenberg, Carolina Bezerra, Hevelly

Acruche, Juliana Magalhães, Mariana Virgolino, Matheus Fernandes, Matheus Basílio,

Nathália Fernandes, Naria Mota e Clarisse Pereira.

A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de

Janeiro (FAPERJ) pela Bolsa de Mestrado Nota 10, cujos recursos foram fundamentais

para a consecução deste trabalho.

Aos servidores e coordenadores do Programa de Pós-graduação em História da

Universidade Federal Fluminense (PPGH/UFF) pela prontidão e cordialidade com que

lidaram com todas as solicitações ao longo destes anos.

Finalmente, em tempos de injustos ataques, agradeço à Universidade Federal

Fluminense por ser símbolo do papel formador exercido pelas instituições públicas de

ensino superior deste país.

Os historiadores nos devem dizer como o rio abriu seu caminho,

em meio a quais obstáculos e dificuldades.

Franco Venturi

RESUMO

Ao longo da segunda metade do Setecentos, o mundo luso-brasileiro assistiu ao

surgimento de uma profusão de traduções para a língua portuguesa de livros provenientes

das mais diversas regiões. Dentre elas, encontravam-se diversas obras do poeta inglês

Alexander Pope (1688-1744). O objetivo do presente trabalho é de analisar estas

traduções a luz das contribuições metodológicas da história do livro e da história do

pensamento político. Para tanto, elegeu-se a tradução do Ensaio sobre a Crítica (1810)

feita por Fernando José de Portugal (1750-1817), principal ministro da Corte de D. João

na América. Assim, buscou-se situá-las em seu contexto de publicação, examinar as

estratégias de tradução escolhidas por D. Fernando e abordar a circulação da obra.

Palavras-chave: tradução; ilustração; Alexander Pope;

ABSTRACT

Throughout the second half of the 18th century, the Portuguese-Brazilian world witnessed

the emergence of a profusion of translations into Portuguese of books from different

regions. Among them, there were several books written by the English poet Alexander

Pope (1688-1744). The aim of the present dissertation is to analyze these translations in

the light of the methodological contributions of the history of the book and the history of

political thought. For this purpose, the translation of the Essay on Criticism (1810) by

Fernando José de Portugal (1750-1817), main minister of the Court of D. João in America,

was chosen. Thus, we sought to place them in their context of publication, examine the

translation strategies chosen by D. Fernando and address the circulation of the work.

Key-words: translation; enlightenment; Alexander Pope;

SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................... p. 14

Capítulo 1. Livros e Práticas de Leitura na Europa Moderna: a obra de

Alexander Pope ..............................................................................

p. 17

1.1. Leitura e agentes do livro: editores, impressores e livreiros .......................... p. 18

1.1.1. Uma revolução impressa? ................................................................... p. 26

1.1.2. Entre tipógrafos e livreiros: a produção dos livros ............................... p. 31

1.1.3. Os livreiros e a circulação das obras impressas .................................. p. 37

1.1.4. A posse do livro e as práticas da leitura ............................................... p. 39

1.2. Alexander Pope: poesia, traduções e livros na Inglaterra .............................. p. 46

1.2.1. A Inglaterra entre a Revolução Gloriosa e as Luzes ............................. p. 47

1.2.2. Da vida e da obra de Alexander Pope ..............................................

p. 55

Capítulo 2. Traduzindo as Luzes: a circulação de livros estrangeiros no

mundo luso-brasileiro da segunda metade do Setecentos ..........

p. 62

2.1. O Reformismo Ilustrado e o ambiente cultural setecentista ........................... p. 64

2.2. Tipografias, gentes do livro e o mercado livreiro português .......................... p. 79

2.3. Obras estrangeiras traduzidas em português ................................................. p. 87

2.4. Letrados em busca da tradução perfeita .........................................................

p. 103

Capítulo 3. Alexander Pope cruza o Atlântico: livros e tradução no Brasil

Joanino (1808-1819) .......................................................................

p. 119

3.1. O ambiente letrado do Brasil no tempo de D. João: imprensa, livros e

gazetas .................................................................................................................

p. 119

3.2. Entre o Real Serviço e as Letras: a trajetória de Fernando José de Portugal

(1752-1817) .........................................................................................................

p. 123

3.2.1. As leituras do Marquês .......................................................................... p. 126

3.3. A tradução do Ensaio sobre a Crítica (1810) de Alexander Pope ................. p. 133

3.3.1. A circulação das traduções de Alexander Pope no mundo luso-

brasileiro (1759-1819) ........................................................................

p. 134

3.3.2. Aspectos editoriais da obra: os paratextos e seus sentidos ..................... p. 141

3.3.3. A tradução de Fernando José de Portugal em perspectiva comparada:

permanências e alterações ...................................................................

p. 147

3.4. Circulação e difusão do Ensaio sobre a Crítica (1810) ................................. p. 155

Considerações Finais ......................................................................................... p. 161

Anexo. Obras de Alexander Pope traduzidas em Língua Portuguesa

(1759-1819) .........................................................................................................

p. 165

Fontes .................................................................................................................. p. 171

Referências Bibliográficas ................................................................................ p. 179

13

LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E FIGURAS

TABELA 1. Produção de livros impressos por meio século, 1454-1800 (em

milhares de livros) ................................................................................................

p. 24

GRÁFICO 1. A imprensa periódica em Portugal (1706-1815) .............................. p. 71

GRÁFICO 2. Livros nos catálogos das lojas e livrarias portuguesas (1777-1799)... p. 85

GRÁFICO 3. Obras traduzidas para a Língua Portuguesa (1750-1800) ................. p. 89

GRÁFICO 4. Temas das obras traduzidas para a Língua Portuguesa por década

(1750-1800) .........................................................................................................

p. 90

GRÁFICO 5. Assuntos das obras traduzidas para a Língua Portuguesa (1750-

1800) ....................................................................................................................

p. 92

GRÁFICO 6. Idiomas originais das obras traduzidas para a Língua Portuguesa

(1750-1800) .........................................................................................................

p. 98

GRÁFICO 7. Perfil socioprofissional dos tradutores identificados (por número de

obras) (1750-1800) ..............................................................................................

p. 100

GRÁFICO 8. Cidades de impressão das obras traduzidas para a Língua

Portuguesa (1750-1800) ......................................................................................

p. 102

GRÁFICO 9. Obras impressas na Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1822) p. 121

GRÁFICO 10. Temas das obras remetidas por Diogo Borel a Fernando José de

Portugal (1812 e 1813) .........................................................................................

p. 132

FIGURA 1. Frontispício do Ensaio sobre a Crítica (1810) ................................... p. 142

14

INTRODUÇÃO

Pope! Revives: Monumento egrégio,

Que mais de um Povo te adquirisse os cultos,

Acabou de erigir-te

de um sábio Conde o Gênio.

Inglês brilhaste, e Português agora

Brilhas nos trajos do Idioma Luso

Perdes-te? Não. É a mesma

Tua alma, e graça, e força.1

Assim escreveu em julho de 1812 o Frei João da Costa Faria em uma ode a

Fernando José de Portugal e Castro, ministro da Corte joanina, pelas traduções do Ensaio

sobre a Crítica (1810) e Ensaios Morais (1811) de Alexander Pope publicadas na

Impressão Régia do Rio de Janeiro. Célebre poeta inglês da virada do século XVII para

o XVIII, versões em língua portuguesa de seus poemas e odes circulavam no mundo luso-

brasileiro sob as formas manuscrita e impressa desde fins da década de 1750. Nesse

sentido, o tema desta dissertação é a recepção e circulação das obras de Pope no contexto

do Reformismo Ilustrado da segunda metade do Setecentos e da subsequente

transmigração da Corte para a América em princípio da centúria seguinte.

Diante da impossibilidade de esmiuçar adequadamente todas as traduções

publicadas no recorte cronológico deste trabalho, elegeu-se aquelas feitas por Fernando

José de Portugal, importante administrador colonial e principal componente do primeiro

ministério organizado por D. João no Rio de Janeiro. Inspirado na história do pensamento

político preconizada por Skinner e Pocock, partiu-se do pressuposto de que a correta

1 O Patriota, jornal litterario, politico, mercantil etc. do Rio de Janeiro, nº. 5, maio, 1813. p. 35.

15

compreensão de um texto político ou filosófico se relaciona não apenas com o

“significado do que foi dito, mas também a intenção que o autor em questão pode ter tido

ao dizer aquilo que disse”2.

Além de entender a questão da intencionalidade, é preciso saber também o que os

enunciadores estão a fazer no momento em que afirmam, escrevem ou publicam seus

escritos. Segundo Marcelo Jasmin, reconhecido estudioso do assunto, “disso resulta que

a correta compreensão de uma idéia ou teoria só poderia se dar pela sua apreensão no

interior do contexto em que foram produzidas. Resulta também”, continua ele, “que o

objeto de análise historiográfica é deslocado da ideia para o autor, do conteúdo abstrato

da doutrina para a ação ou performance concreta do ator num jogo de linguagem

historicamente dado”3. Em suma, como bem sintetizou J. G. A. Pocock,

Era necessário, Skinner dizia, saber o que o autor estava fazendo: o que

ele pretendia fazer (o significado para si) e o que ele tinha conseguido

fazer (o significado para os outros). O ato e seu resultado haviam

ocorrido em um contexto histórico, constituído em primeiro lugar pela

linguagem do discurso em que o autor escrevera e fora lido4.

Assim, o presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos. O primeiro

capítulo aborda questões relacionadas à produção e circulação do livro, considerando os

autores, tradutores, editores, tipógrafos e livreiros. Amparado na historiografia do tema,

na primeira parte do capítulo é desenvolvida uma discussão acerca do surgimento da

imprensa, sua difusão pelo continente europeu e o papel dos diversos atores sociais ao

longo do processo de edição e produção do livro. A segunda parte enfatiza a trajetória de

Alexander Pope (1688-1744), poeta inglês da Augustan Age, e o contexto de produção de

2 SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das ideias. In: ____. Visões da política: sobre

os métodos históricos. Algés: DIFEL, 2005. p. 113. 3 JASMIN, Marcelo Gantus. História dos conceitos e teoria política e social: referências preliminares.

Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol. 20, n. 57, 2005. p. 28, grifos no original. 4 POCOCK, J. G. A. Quentin Skinner: a história da política e a política da história. Topoi. Revista de

História. Rio de Janeiro, v. 13, n. 25, 2012. p. 197, grifos no original.

16

sua obra: a Inglaterra entre fins do século XVII e início do século XVIII, marcada pela

Revolução Gloriosa de 1688 e pela Ilustração.

O segundo capítulo discorre sobre a tradução de obras estrangeiras para a língua

portuguesa em meio ao reformismo ilustrado que caracterizou o mundo luso-brasileiro da

segunda metade do século XVIII. Primeiramente, discute-se, com base na historiografia,

as políticas reformistas dos reinados de D. José I (1750-1777), D. Maria I (1777-1799) e

a regência do príncipe D. João (1799-1815), bem como o mercado livreiro português da

época. Em seguida, apresenta-se um panorama geral das traduções para o português entre

1750 e 1800 a partir dos dados contidos na resenha cronológica de Antonio Augusto

Gonçalves Rodrigues5. Por fim, refletiu-se acerca dos usos e concepções da tradução nos

prefácios, cartas, jornais e dicionários escritos pelos letrados portugueses entre 1750 e

1820.

O terceiro capítulo da dissertação analisa a tradução do Ensaio sobre a Crítica

(1810) de Alexander Pope feita por Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817). Para

tanto, discutem-se o ambiente letrado do Brasil joanino, a trajetória administrativa do

tradutor e o modo como as obras foram traduzidas por ele. Finalmente, o capítulo trata da

circulação e tradução das obras de Alexander Pope no mundo luso-brasileiro, entre 1759,

quando foi realizada a primeira tradução, e 1819, ano de publicação da tradução do Ensaio

sobre o Homem pelo Barão de São Lourenço.

5 RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha cronológica

das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-1834. Lisboa:

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

17

CAPÍTULO 1

LIVROS E PRÁTICAS DE LEITURA NA EUROPA MODERNA:

A OBRA DE ALEXANDER POPE

Seu Gabinete! De que Autores está

fornecido? Milorde é curioso de livros, não

de Autores; ele vos leva em roda a mostrar-

vos a data de cada um nas costas: este

imprimi-os Aldo, aqueles encaderno-os Du

Suëil! Alguns, reparai, são de pergaminho;

e o resto tão bons para o que Sua Senhoria

sabe; mas são de pau. Debalde buscas aí

Locke ou Milton: estas estantes não admitem

livro algum moderno.

- Alexander Pope6

Os versos acima foram extraídos da quarta epístola dos Ensaios Morais, publicada

em 1731, por Alexander Pope. Neles, o poeta satirizava o hábito aristocrático de fazer

grandiosas coleções de livros, uma vez que seu acúmulo não se convertia em um hábito

de leitura para compreensão de seu conteúdo. Ademais, Pope criticava o falso gosto que

certos leitores nutriam pela impressão, encadernação e até mesmo pelo papel. A

importância era tamanha que muitos chegavam a guarnecer suas estantes com livros de

madeira! Nas palavras do poeta, “muitos gostam principalmente da elegância da

6 POPE, Alexander. Ensaios Moraes de Alexandre Pope em Quatro epístolas a diversas pessoas traduzidos

em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, e do Traductor. Rio de Janeiro:

Impressão Régia, 1811. p.175.

18

impressão, ou da encadernação; alguns levam isto a ponto de mandarem encher as

prateleiras muito altas de livro de pau pintados”7.

De fato, desde a invenção dos tipos móveis e subsequente difusão da imprensa,

uma enxurrada de livros inundou a Europa e depois o mundo inteiro. Antes de percorrer

rios e estradas a caminho de seus leitores, os livros passavam pelas mãos de diversos

agentes, como autores, editores, censores, impressores e livreiros. Nesse sentido, a

primeira parte deste capítulo dedica-se à compreensão do movimento de difusão da

imprensa pelo continente europeu e ao processo de edição, impressão e leitura de um livro

durante o período moderno. A segunda parte, por sua vez, aborda a trajetória de Alexander

Pope (1688-1744) e o contexto de produção de sua obra: a Inglaterra entre fins do século

XVII e início do século XVIII, marcada pela Revolução Gloriosa de 1688 e pela

Ilustração.

1.1 LEITURA E AGENTES DO LIVRO: EDITORES, IMPRESSORES E LIVREIROS

Entre 1436 e 1439, Johannes Gutenberg (c. 1400-1468), ourives originário da

Mogúncia, juntou-se a Hans Riffe, André Dritzehn e André Heilmann para trabalharem

em um empreendimento “novo” e “custoso” que envolvia livros. Entrementes, a morte de

Dritzehn fez com que seus herdeiros requisitassem sua parte na sociedade, proposta que

Gutenberg recusou. A contenda foi levada ao Conselho de Strasbourg, que decidiu a favor

do ourives8. Os documentos do famoso processo de Strasbourg de 1439 tornaram-se

fundamentais para os estudiosos da invenção da imprensa e dos tipos móveis. Segundo

7 POPE, Alexander. Ensaios Moraes de Alexandre Pope em Quatro epístolas a diversas pessoas traduzidos

em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, e do Traductor. Rio de Janeiro:

Impressão Régia, 1811. p. 174. Nota ao verso 133. 8 Cf. CHILDRESS, Diana. Johannes Gutenberg and the Printing Press. Minneapolis: Twenty-First Century

Books, 2008. p. 37-41.

19

Febvre & Martin, “ficamos sabendo por ele que os segredos de Gutenberg se

relacionavam a três objetos diferentes: o polimento das pedras, a fabricação de espelhos

(...) e uma ‘arte nova’ pela qual se utiliza uma prensa, ‘peças’ (...), formas de chumbo (...)

e, enfim ‘coisas relativas à ação de prensar’”9.

Por volta de outubro de 1448, Gutenberg retornou à Mogúncia, sua cidade natal,

e contraiu, em 1450, um empréstimo com Johann Fust (c. 1410-1466), um rico

comerciante, com o objetivo de financiar seu “trabalho dos livros”. Algum tempo depois,

associou-se também a Peter Schöffer (c. 1425-1503), possivelmente um calígrafo, copista

e antigo estudante da Universidade de Paris. A partir daí, as narrativas divergem e tornou-

se difícil descobrir o desenrolar dos acontecimentos em certa oficina da Mogúncia na

década de 145010. Seja como for, entre 1450 e 1455, algumas oficinas funcionavam nesta

região utilizando como instrumentos a prensa e, mais significativo ainda, os tipos móveis.

Durante este período, saíram dos prelos destas oficinas um número significativo de obras:

as Gramáticas de Donato; calendários; “cartas de indulgência” do Papa Nicolau V; a

famosa Bíblia de 42 linhas; a Bíblia de 36 linhas em três volumes in-fólio; o Saltério de

Mogúncia; o Missal de Constança; dentre outras11.

Os inventores da imprensa, contudo, não gozaram de sua exclusividade por muito

tempo. Em 1458, Carlos VII de França (1403-1461) enviou um certo Jenson, moleiro de

Tours, à Mogúncia para descobrir os planos de Gutenberg. Não obstante as tentativas de

espionagem, foram os próprios impressores germânicos os responsáveis por ensinarem à

Europa a arte da impressão. Os clérigos foram igualmente importantes para a expansão

9 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p.107. 10 Para uma imprecisa cronologia dos acontecimentos que redundaram na “invenção da imprensa”, ver:

CHILDRESS, Diana. Johannes Gutenberg and the Printing Press. Minneapolis: Twenty-First Century

Books, 2008. p. 138-141. 11 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 111-114.

20

da tipografia. Desde os últimos anos do século XV, religiosos católicos passaram a

encomendar a impressão de textos sagrados, obras de teologia, escritos da Antiguidade

Clássica e manuais de devoção popular. Em vista disso, as Bíblias foram os livros mais

célebres impressos na Mogúncia12.

Além da Igreja, outras instituições foram significativas na difusão da arte de

imprimir pelo continente. As universidades ofereciam um grupo de leitores e

consumidores de livros. Não por acaso, em 1470, Jean Heynlin (1430-1496), então prior

da Universidade de Sorbonne, convidou mestres tipógrafos germânicos para fundarem a

primeira oficina tipográfica de Paris. Mais tarde, na Alemanha, em fins do século XVI, a

criação da Universidade de Leiden provocou o nascimento de um dos mais famosos

centros tipográficos da Europa13.

Os mestres impressores não foram atraídos apenas pelo público religioso e

universitário. Os juristas, concentrados em cidades que sediavam tribunais e outras

instituições, converteram-se em importantes clientes de livreiros. Na França, cidades que

abrigavam um Parlamento ou Palácio de Justiça, como Paris, Rouen, Poitiers, atraíram e

sediaram incontáveis livreiros e tipografias. As cidades mercantis que estabeleciam

relações comerciais com diversas capitais europeias, reuniam negociantes, artesãos e,

também editores e livreiros14.

É surpreendente acompanhar o ritmo cronológico da expansão da imprensa. Se

entre 1455 e 1460, oficinas pouco conhecidas funcionavam na Mogúncia; na década de

1460, a imprensa se espalhou pela Alemanha e chegou à França e Itália. Em 1480,

12 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 259-264. 13 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p.267-268. 14 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 269-271.

21

conforme os dados de Febvre & Martin, cerca de dois decênios após os primeiros

impressos, prelos funcionavam em mais de cem cidades na Europa: “umas cinquenta na

Itália, cerca de trinta na Alemanha, cinco na Suíça, duas na Boêmia, nove na França, oito

na Holanda, cinco na Bélgica, oito na Espanha, uma na Polônia e quatro na Inglaterra”15.

Ao longo do século XVI, as novas técnicas continuaram a se difundir em ritmo

acelerado pela Europa. A Península Itálica, sobretudo a cidade de Veneza, emergiu como

o principal centro editorial da época, com cerca de quinhentas oficinas tipográficas,

capazes de imprimir dezoito milhões de cópias16. Conforme demonstra Brian Richardson,

Gabriel Giolito (1508-1578), um dos mais famosos editores e livreiros italianos do

Cinquecento, produziu e vendeu em suas livrarias situadas em Veneza, Bolonha, Ferrara

e Nápoles mais de oitocentos títulos, dentre eles a famosa edição de 1555 da obra de

Dante Alighieri publicada pela primeira vez sob o título A Divina Comédia17.

Além das cidades italianas, os prelos germânicos funcionavam em cerca de 140

cidades durante o século XVI. Os efeitos da Reforma Protestante começaram a ser

percebidos a partir de 1520. Em algumas cidades, como Leipzig por exemplo,

impressores de escritos reformadores foram perseguidos e se viram obrigados a migrarem

para outras regiões. Wittenberg, sede da igreja na qual Lutero pregou suas famosas 95

teses, tornou-se um centro editorial com inúmeras oficinas, que imprimiam traduções,

sermões, panfletos e escritos efêmeros relacionados à causa protestante18.

15 FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 273-274. 16 Cf. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2003. p. 147. 17 Cf. RICHARDSON, Brian. Print Culture in Renaissance Italy: The Editor and the Vernacular Text,

1470-1600. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 150-154. 18 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 278-279 e p. 283. Sobre a questão da difusão da Bíblia na Reforma

Protestante, ver: BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras,

1989. p. 246-257.

22

A imprensa permitiu que os publicitas luteranos alcançassem uma larga audiência

através da publicação de panfletos que criticavam Roma e o papado e divulgavam a

mensagem da fé renovada. Lutero converteu-se, por razões óbvias, no principal autor

destes impressos. Segundo estimativa de Mark Edwards Jr., cerca de 20% dos panfletos

impressos entre 1500 e 1530 foram escritos pelo reformador luterano. A demanda era

tamanha que em 1524 os impressores da cidade Leipzig, localizada nos domínios de um

príncipe católico, solicitaram ao Conselho da cidade autorização para imprimir e vender

impressos luteranos. Nesse sentido, foi a imprensa que tornou possível a persuasão e

conversão dos fiéis em maior escala a abraçarem o novo entendimento cristão da

Reforma19.

Em fins do século XVI, sobretudo a partir de 1570, a distribuição dos centros de

edição europeus foi novamente afetada por questões religiosas e políticas. A Reforma

promovida pelo Concílio de Trento (1545-1563) determinou a unificação e revisão dos

textos litúrgicos, renovando a “edição católica”. Grandes casas impressoras, financiadas

pela Igreja ou por monarcas católicos, obtiveram o monopólio de impressão destas obras.

Foi o caso, por exemplo, da célebre tipografia dos Plantin-Moretus, que publicou em

Antuérpia um grande volume de livros corrigidos que circularam por toda Europa e pela

América20.

Desde as primeiras décadas do século XVII, Amsterdã, na República Holandesa,

substituiu Veneza como principal centro e mercado livreiro da Europa. Entre 1675 e 1699,

mais de 270 livreiros e impressores atuaram na cidade. Dos prelos de tipografias da capital

holandesa saíam obras e escritos em diferentes idiomas, como holandês, latim, francês,

19 Cf. EDWARDS JR., Mark U. Printing, Propaganda, and Martin Luther. Berkeley: University of

California Press, 1994. p. 1-15. 20 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 285.

23

inglês, alemão, russo, dentre outros21. Tal era o volume de publicações em francês, por

exemplo, que “desde o final do século XVII, Amsterdam se torna, logo depois de Paris,

o segundo centro de edição francesa”22.

Enquanto a imprensa se difundia, o mundo se ampliava através da expansão

marítima e descoberta dos territórios americanos. Juan de Zumárraga (1468-1548),

primeiro bispo do México, solicitou a aprovação para instalação de fábricas de papel e

uma tipografia. Em 1539, o México recebeu sua primeira prensa e seu primeiro impressor,

Juan Pablo. Em 1584, um impressor italiano que havia trabalhado no México instalou-se

em um colégio em Lima a convite dos religiosos jesuítas que o administravam. Ao longo

do século XVII, outros tipógrafos também se estabeleceram nestas cidades. Nas Treze

Colônias inglesas, a primeira oficina tipográfica começou a funcionar em 1638 em torno

da Baía de Massachusetts, na Nova Inglaterra. Em ritmo lento, outras casas impressoras

foram instaladas em Boston (1674), Filadélfia (1685), Jamestown (1682) e Nova York

(1693)23.

Durante o século XVIII, a imprensa também floresceu na Inglaterra, a partir do

impacto da nova legislação da Revolução Gloriosa de 168824. Até 1730, os britânicos

importavam mais livros do que exportavam. Décadas depois, em 1777, Londres possuía

mais de 70 livreiros, mais do que qualquer outra cidade europeia do período25. A partir

da segunda metade do Setecentos, Londres assistiu a um boom de periódicos. Apenas em

21 Cf. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2003. p. 148. 22 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 288. 23 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 300-302. 24 Em 1695 foi revogado o Ato de Licenciamento, fato que inaugurou, segundo Roy Porter, um período de

relativa liberdade de imprensa. Cf. PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and the Creation of the Modern

World. London: Penguin Books: 2000. p. 94-95. 25 Cf. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2003. p. 150.

24

1782, por exemplo, o Post Office despachou mais de três milhões de cópias de jornais

londrinos pelo país. Dez anos depois, este volume dobrou e, em 1796, foram distribuídas

a partir de Londres mais de oito milhões de cópias impressas de periódicos26.

A crescente instalação de casas impressoras em cidades europeias e americanas

entre as últimas décadas do século XIV e o século XVIII levanta outra ordem de questões

relativas ao volume dos livros publicados. Buringh e Zanden empreenderam um estudo

com o objetivo de reconstituir o desenvolvimento do livro em termos quantitativos de

longo prazo. A partir de cálculos e estimativas com informações de edições e tiragem, os

autores apresentaram a produção de livros impressos a cada meio século:

TABELA 1

Produção de livros impressos por meio século, 1454-1800

(em milhares de livros)

Região 1445-

1500

1501-

1550

1551-

1600

1601-

1650

1651-

1700

1701-

1750

1751-

1800

Grã-

Bretanha 208 2,807 7,999 32,912 89,306 89,259 138,355

Irlanda 0 0 4 268 1,341 8,586 17,598

França 2,861 34,736 39,084 61,257 85,163 73,631 157,153

Bélgica 394 1,963 5,720 4,334 7,203 3,016 4,817

Países

Baixos 473 1,045 2,842 15,009 30,149 40,950 53,063

Alemanha 3,227 15,603 3,112 40,553 57,708 78,205 116,814

Suíça 400 3,312 5,786 1,988 1,656 1,277 4,615

Itália 4,532 16,719 41,641 35,067 43,293 37,930 75,500

Espanha 463 2,205 2,306 4,631 7,088 9,124 16,304

Suécia 6 34 49 2,080 3,756 6,654 21,305

Polônia 1 63 146 1,807 2,062 3,468 9,208

26 Cf. RAVEN, James. The Book Trades. In: RIVERS, Isabel (Ed.). Books and Their Readers in Eighteenth-

century England: New Essays. London, New York: Continuum, 2001. p. 24.

25

Outros a 22 530 718 1,000 2,310 2,974 14,067

Rússia 0 0 0 123 165 1,275 12,367

TOTALb 12,589 79,017 138,427 200,906 331,035 355,073 628,801

a Áustria, Hungria, Portugal, República Tcheca e Escandinávia. b Exceto a Rússia.

Fonte: BURINGH, Eltjo & ZANDEN, Jan Luiten van. Charting the “Rise of the West”: Manuscripts and

Printed Books in Europe, A Long-Term Perspective from the Sixth through Eighteenth Centuries. The

Journal of Economic History, Cambridge, vol. 69, no. 2, june 2009. p. 417.

A partir dos dados expostos na TABELA 1, constata-se o intenso crescimento da

produção de livros a partir da difusão da imprensa e dos tipos móveis. Buringh & Zanden

estimam que foram impressos, ao longo do Setecentos, cerca de um bilhão de livros. O

“ano de pico” da produção livreira do período foi 1790, quando mais de 20 milhões de

cópias saíram dos prelos europeus. Apesar de os manuscritos terem sobrevivido à

invenção da imprensa, como veremos a seguir, o número de incunábulos, impressos

produzidos durante a segunda metade do século XV, já era 150% maior que o volume de

manuscritos produzidos durante todo o Quatrocentos27.

De acordo com a interpretação de Buringh & Zanden, o consequente barateamento

dos livros após a difusão dos tipos móveis em meados do século XV explicaria este

aumento significativo na produção impressa. A diminuição do tempo de produção e a

utilização do papel, mais barato que outras matérias-primas como o velino, fez com os

custos de produção de um livro diminuísse cerca de dois-terços ou mais28. A queda nos

27 Cf. BURINGH, Eltjo & ZANDEN, Jan Luiten van. Charting the “Rise of the West”: Manuscripts and

Printed Books in Europe, A Long-Term Perspective from the Sixth through Eighteenth Centuries. The

Journal of Economic History, Cambridge, vol. 69, no. 2, june 2009. p. 417-419. 28 Cf. BURINGH, Eltjo & ZANDEN, Jan Luiten van. Charting the “Rise of the West”: Manuscripts and

Printed Books in Europe, A Long-Term Perspective from the Sixth through Eighteenth Centuries. The

Journal of Economic History, Cambridge, vol. 69, no. 2, june 2009. p. 440.

26

preços finais dos livros e de outros impressos efêmeros facilitou o acesso de leitores, o

que gerou a formação de um maior mercado capaz de consumir estes materiais29.

Ademais, os dados estimados comprovam as hipóteses de difusão da imprensa

apresentadas anteriormente. Durante o Renascimento, argumentam Buringh & Zanden, a

Itália emergiu como o mais importante centro de produção livreira. No século XVI, a

Reforma Protestante aumentou significativamente a impressão de livros em regiões da

Suíça e Alemanha. No início da centúria seguinte, o norte da Holanda tornou-se uma

importante área na geografia da imprensa. Entre 1650 e 1750, a Grã-Bretanha converteu-

se na mais importante área da impressão da Europa. Na segunda metade do século XVIII,

a França retomou a liderança devido à Ilustração30.

1.1.1. Uma revolução impressa?

Entre 1979 e 1983, Elizabeth Eisenstein publicou duas obras fundamentais para a

compreensão das transformações advindas do advento da imprensa: The Printing Press

as an Agent of Change (1979) e The Printing Revolution in Early Modern Europe

(1983)31. Nesta última, hoje clássica, a autora argumenta, como sugere o título, que a

invenção dos tipos móveis representou uma verdadeira revolução na cultura escrita32.

Primeiramente, Eisenstein ressalta o crescimento da produção dos livros durante o “salto

29 Cf. BURINGH, Eltjo & ZANDEN, Jan Luiten van. Charting the “Rise of the West”: Manuscripts and

Printed Books in Europe, A Long-Term Perspective from the Sixth through Eighteenth Centuries. The

Journal of Economic History, Cambridge, vol. 69, no. 2, june 2009. p. 432. 30 Cf. BURINGH, Eltjo & ZANDEN, Jan Luiten van. Charting the “Rise of the West”: Manuscripts and

Printed Books in Europe, A Long-Term Perspective from the Sixth through Eighteenth Centuries. The

Journal of Economic History, Cambridge, vol. 69, no. 2, june 2009. p. 422-423. 31 EISENSTEIN, Elizabeth L. The Printing Press as an Agent of Change: Communications and Cultural

Transformations in Early-Modern Europe. 2 v. Cambridge: Cambridge University Press, 1979.

EISENSTEIN, Elizabeth L. The Printing Revolution in Early Modern Europe. Cambridge: Cambridge

University Press, 1983. 32 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 17.

27

do manuscrito ao impresso”. Em termos de qualidade, os primeiros incunábulos

procuraram reproduzir fielmente um manuscrito. Se não havia grandes mudanças visíveis

nos primeiros impressos, os modos de produção se transformaram completamente. Além

das novas técnicas, como a fundição de tipos móveis e a prensagem manual dos livros,

surgiu um novo tipo de estrutura física: a loja ou a tipografia, capaz de agrupar os

trabalhadores capacitados para o trabalho e incentivar novas formas de trocas culturais

entre eles. As novas formas de colaboração entre os trabalhadores eram reguladas pelo

mestre-impressor, considerado por Eisenstein “como ponte entre vários universos”33.

Em seguida, a autora considera as mudanças comerciais. Nos primeiros anos após

o advento da imprensa, os livros impressos circularam no âmbito dos canais dos livros

manuscritos. Pouco tempo depois, os livreiros localizaram novos pontos de distribuição;

catálogos e folhetos de vendas circularam em diversas regiões; os próprios livros se

difundiram da Renânia a outros pontos do mundo. Em fins do século XV, Peter Schöffer

(c. 1425-1503), que havia sido sócio de Gutenberg, comandava uma eminente tipografia

na Mogúncia, com uma grande organização de vendas, que se estendia a Paris34.

Além das transformações no volume, na produção e da comercialização dos livros,

Eisenstein aborda a revolução ocorrida no interior da própria “cultura escrita”. Em

primeiro lugar, muda-se o próprio padrão de pensamento. Do tempo do glosador e do

comentarista, figuras características do período medieval, passou-se a uma “era de

intensas referências cruzadas entre um livro e outro”. O crescente acesso a um número

33 EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna. São

Paulo: Editora Ática, 1998. p. 36-37 e p. 40. 34 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 41.

28

maior de livros concedia aos letrados a possibilidade de consultar e comparar diferentes

textos35.

Em segundo lugar, inspirada nas considerações de George Sarton (1884-1956),

um dos criadores da história da ciência, Eisenstein enfatiza a questão da “padronização”

propiciada pela imprensa. Apesar das cópias dos incunábulos não serem precisamente

iguais e idênticas, “a cultura criada pela imprensa em suas origens foi suficientemente

uniforme, de modo que podemos medir sua diversidade”36. Além disso, continua a autora,

as cópias “eram uniformes o suficiente para que os estudiosos localizados em regiões

distintas pudessem corresponder-se a respeito de uma determinada citação, e assim

permitir que as mesmas emendas e erros fossem localizados por muitos olhos”37.

As decisões editoriais também contribuíram para reorganizar o modo de pensar

dos leitores em relação à “cultura escrita”. O uso de livros impressos para referência e a

constante impressão de catálogos e índices contribuíram para a difusão da ordem

alfabética38. A numeração das páginas, sinais de pontuação, divisão em seções, títulos e

índices auxiliaram na reorganização do modo de pensamento e da informação após o

advento da imprensa39.

Por fim, Eisenstein destaca a importância da “fixidez tipográfica” ofertada pela

imprensa. Os manuscritos, inclusive aqueles utilizados como guia de referência, não

permaneciam preservados sem adulterações levadas a cabo pelos copistas. Além disso,

35 EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna. São

Paulo: Editora Ática, 1998.Citação extraída da p. 59. 36 EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna. São

Paulo: Editora Ática, 1998. p. 23. 37 EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna. São

Paulo: Editora Ática, 1998. p. 68. 38 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 80-81. 39 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 89.

29

estes registros constantemente se desgastavam com o uso e com as condições do ambiente

em que estavam, como a umidade, os insetos e até mesmo o fogo. Com a imprensa, ao

contrário, a durabilidade do material tornou-se questão de segundo plano. A partir do uso

do papel, a preservação passou a estar assegurada pela enorme quantidade de impressos

produzida40.

Desde sua publicação, a tese de Elizabeth Eisenstein suscitou diversas críticas e

importantes reinterpretações41. Inicialmente, Roger Chartier sugere relativizar a oposição

entre “cultura impressa” e “cultura escribal” uma vez que “a impressão, pelo menos nos

quatro primeiros séculos de sua existência, não causou o desaparecimento nem da

comunicação manuscrita nem da publicação manuscrita”42. Ao contrário de

desaparecerem, os manuscritos tornaram-se objetos de novos usos, que também se

relacionavam com a imprensa. Os impressos, por diversas vezes, traziam espaços em

branco para a escrita em almanaques, formulários e contratos43.

Segundo Fernando Bouza, se o impresso se articulava durante a Época Moderna

à difusão e fixação, o manuscrito teve seus usos associados “à maior solenidade ou

privacidade do texto em questão, por um lado, ou com a necessidade de manter em aberto

a sua estrutura, por outro”44. Apesar de não permitirem uma ampla difusão, as cópias

manuscritas de um texto circulavam em circuitos específicos de copistas e leitores e

possuíam mobilidade e transmissão consideráveis45.

40 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 95. 41 Para além das perspectivas apresentadas a seguir, ver a crítica empreendida por Anthony Grafton acerca

dos dois volumes publicados originalmente em 1979. GRAFTON, Anthony. The Importance of Being

Printed. The Journal of Interdisciplinary History, Cambridge, Vol. 11, No. 2, outono, 1980. 42 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 105. 43 Cf. CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 105. 44 BOUZA, Fernando. Comunicação, conhecimento e memória na Espanha dos séculos XVI e XVII.

Cultura, Revista de História e Teoria das Ideias, Lisboa, v. 19, segunda série, 2002. p. 135. 45 Cf. BOUZA, Fernando. Comunicação, conhecimento e memória na Espanha dos séculos XVI e XVII.

Cultura, Revista de História e Teoria das Ideias, Lisboa, v. 19, segunda série, 2002. p. 136.

30

A contínua produção de manuscritos e sua flexibilidade levanta, segundo Chartier,

questões relacionadas à alegada padronização propiciada pela imprensa sugerida por

Eisenstein. A existência de folhas corrigidas e não corrigidas em cópias da mesma edição;

a profusão de notas marginais adicionadas pelos leitores que tornavam única sua cópia; a

variedade de textos encadernados à maneira do leitor; indicam, para Chartier, que

o texto impresso era, portanto, aberto a mobilidade, flexibilidade e

variação, mesmo que apenas pelo fato de que, em uma época em que as

tiragens permaneciam limitadas (entre 1.000 e 1.750 exemplares por

volta de 1680, segundo alguém do ramo, o impressor Alonso Victor

Paredes), o sucesso, daí a reprodução, de uma obra supunha edições

múltiplas, que nunca eram idênticas46.

Ademais, é preciso ressaltar que, apesar do título da obra clássica de Lucien

Febvre e Henri-Jean Martin, L’apparition du livre (1958), que o livro não surgiu com a

impressão. Além das inovações propiciadas pelos tipos móveis, pela prensa e pelas

inovações textuais, o códice surgiu entre os séculos II e IV. Foi a concepção de livro

unitário que surgiu, segundo Chartier, com a invenção de Gutenberg entre os séculos XIV

e XV, que reunia um objeto material, a obra e o autor47. Apesar de ter herdado concepções

de estrutura básica do livro manuscrito, o livro impresso trazia modificações

significativas que impactaram a relação entre o leitor e o escrito impresso. É o caso, por

exemplo, da introdução de prefácios, posfácios, cartas ao leitor e comentários,

denominados paratextos editoriais por Gérard Genette48.

Em que pesem as importantes divergências acerca do papel da imprensa e as

mudanças advindas da invenção dos tipos móveis por Gutenberg, parece razoável supor

que a crescente oferta e difusão de livros impressos pela Europa ao longo da Época

Moderna causou um impacto significativo nas relações sociais, econômicas e culturais.

46 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 107. 47 Cf. CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 122-

123. 48 Cf. GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. p. 10.

31

A partir das considerações de Chartier e Bouza, ressaltam-se os diferentes usos dos

impressos e a nova utilização dos manuscritos. Como bem sintetizou Daniel Roche, “o

impresso não tem o mesmo papel para todos, e as formas mistas permanecem muito

numerosas, propícias à circulação entre o oral e o lido, o visual e a comunicação

multiplicada pela tipografia”49. A partir de agora, resta-nos compreender o intrincado

caminho percorrido pelo livro, desde sua produção, passando pela comercialização e pela

leitura quando chegava às mãos do leitor moderno.

1.1.2 Entre editores e tipógrafos: a produção dos livros

Ao caminhar por uma rua de Barcelona, o engenhoso fidalgo de La Mancha se

deparou com uma placa “Aqui se imprimem livros”, que anunciava a existência de uma

imprensa. Após entrar na casa, conta Cervantes, Dom Quixote acompanhou todo o

processo de impressão: “viu a tiragem numa parte, a emenda em outra, a composição

nesta, a revisão naquela; em suma, todo aquele mecanismo que nas grandes imprensas se

mostra”. Avistou ainda “uma caixa de tipos e perguntava que era aquilo que ali se fazia;

davam-lhe conta os tipógrafos, admirava-se e passava adiante” 50.

Partindo do pressuposto de que “autores não ‘escrevem’ livros” e de que “o texto

passa por muitas operações para tornar-se um livro”, é preciso investigar o modo como

os livros impressos eram produzidos na Época Moderna51. Além disso, como propôs

Donald McKenzie, o livro é “produto da agência [atuação] humana em contextos

altamente voláteis” e seus aspectos físicos contribuem para a construção do significado

49 ROCHE, Daniel. As práticas da escrita nas cidades francesas do século XVIII. In: CHARTIER, Roger

(Org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 191. 50 CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Edição Ilustrada por Gustavo Doré. 2 v. Rio de

Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2016. 51 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 260.

32

do texto pelo leitor52. Nesse sentido, “a forma material dos livros, os elementos não

verbais da anotação tipográfica dentro deles e a própria disposição do espaço têm uma

função expressiva na transmissão do significado”53.

Durante o Antigo Regime, o processo de publicação de uma obra esteve

diretamente relacionado à questão dos privilégios. Com o advento da imprensa, os

editores começaram a solicitar privilégios que lhes oferecessem o monopólio da

impressão e venda de suas obras por um certo tempo. Inicialmente, o autor cedia seu

manuscrito em troca de um determinado número de exemplares, que poderiam ser

vendidos por ele. Algum tempo depois, muitos autores passaram a vender a um impressor

ou livreiro seu manuscrito por dinheiro em espécie54. Na Inglaterra setecentista, por

exemplo, Samuel Johnson (1709-1784) recebeu 1.575 libras adiantadas pelo seu

Dicionário da Língua Inglesa (1755), David Hume (1711-1776) embolsou 1.400 libras

pelo terceiro volume da História da Grã-Bretanha (1759) e William Robertson (1721-

1793) recebeu um adiantamento de 3.400 libras pela História de Carlos V (1792)55.

Na França, o direito exclusivo de reproduzir um texto era uma concessão régia

administrada pela Direction de la Librairie e registrada na Communauté des Libraires et

des Imprimeurs de Paris. Ao conceder este privilégio, o rei não só autorizava a publicação

da obra, como aprovava seu conteúdo e a recomendava por intermédio dos censores56.

52 MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 2018. p. 15. 53 MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade

de São Paulo, 2018. p. 30. 54 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 251-254. 55 Cf. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2003. p. 150. 56 Cf. DARNTON, Robert. O Iluminismo como Negócio. História da Publicação da Enciclopédia, 1775-

1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 32.

33

Nesta imbricada relação entre privilégio e censura, frequentemente obras estrangeiras

eram proibidas para proteger o monopólio dos editores e impressores de Paris57.

Em Londres, o editor, na posse do manuscrito do autor, encaminhava o registro

da obra no Entry Book da Stationers’ Company, que desde 1557 recebera autonomia do

rei para tratar do setor dos livros. Os registros buscavam proteger o investimento do editor

e assegurar seus direitos sobre ele58. Contudo, segundo McKenzie, foram poucos os

títulos publicados no século XVII, por exemplo, registrados no livro da companhia. Isso

ocorria porque os editores não investiam no registro de obras efêmeras, como panfletos e

notícias. Portanto, apesar dos privilégios, textos circulavam também sem licença59.

É preciso salientar, contudo, que a existência do sistema de privilégios não

impediu que as obras protegidas fossem constantemente impressas por outros editores. A

partir de 1650, instala-se na rede internacional do livro europeu uma verdadeira guerra

comercial. Os impressores holandeses tornaram-se especialistas em contrafações de livros

impressos em Paris “graças à ausência de um regulamento internacional em matéria de

privilégio e de edição”60.

Depois que saiu da pena do autor, o manuscrito ainda sofria intervenções de

diversos atores, como os editores, impressores e revisores. Segundo Chartier, “decisões

referentes a aspectos materiais do texto eram, portanto, claramente atribuídas aos

57 Cf. ROCHE, Daniel. A censura e a indústria editorial. In: DARNTON, Robert & ROCHE, Daniel (Orgs.).

A Revolução Impressa: A Imprensa na França, 1775-1800. São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 1996. p. 26. 58 Cf. LIMA, Verônica Calsoni. “Impresso para ser vendido na Crown em Pope’s Head Alley”: Hanna

Allen, Livewell Chapman e a disseminação de panfletos radicais religiosos durante a Revolução Inglesa

(1646-1665). Dissertação (Mestrado em História) – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,

Universidade Federal de São Paulo, Guarulhos, 2016. p. 35-36. 59 Cf. MCKENZIE, Donald Francis. Printing and publishing 1557-1700: constraints on the London book

trades. In: BARNARD, John; MACKENZIE, Donald; BELL, Maureen (Eds.). The Cambridge History of

the Book in Britain, vol. 4. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 563-566. 60 FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 341.

34

múltiplos agentes envolvidos no processo de publicação”61. Na Espanha do Século de

Ouro, por exemplo, a pontuação era feita pelos compositores ou revisores. Os revisores

preparavam a cópia para a impressão e constantemente acrescentavam acentos, letras

maiúsculas e sinais de pontuação. Nesse sentido, os compositores e revisores intervinham

durante todo o processo de impressão, que incluía a preparação da cópia, leitura da prova,

correções no prelo, compilação de errata e até mesmo correções à mão em cada exemplar

impresso62.

Depois de alterada e revisada, a cópia manuscrita seguia para o processo de

impressão, que tinha lugar em uma tipografia ou casa impressora. As tipografias

modernas se dividiam em duas partes: la casse, onde os tipos eram compostos, e la presse,

onde as folhas eram impressas63. Na primeira, o compositor reunia os caracteres,

comumente chamados de tipos, em páginas e em grupos de páginas. A fôrma, formada

pelo conjunto de páginas de acordo com o tamanho do livro final, era utilizada na prensa

na fase seguinte da produção: a impressão. A técnica de composição manual acima

descrita apresentou pouca variação desde a difusão da invenção de Gutenberg. Os

instrumentos continuaram basicamente os mesmos: os tipos, que eram guardados nas

caixas e subdivididos nos caixotins, e o componedor, um pequeno recipiente alongado

onde são colocados os tipos que compõem uma linha. As linhas eram agrupadas em uma

pequena bandeja chamada galé, que organizava as páginas, posteriormente reunidas e

amarradas nas fôrmas64.

61 CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 163. 62 Cf. CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 163-

165. 63 Cf. DARNTON, Robert. O Iluminismo como Negócio. História da Publicação da Enciclopédia, 1775-

1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 176. 64 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 120.

35

Após a composição, as fôrmas seguiam para a impressão, cujo instrumental

fundamental era a prensa. O funcionamento era simples: a matriz, isto é, as páginas de

caracteres, era colocada sobre o mármore e recebia tinta. Depois, a folha era posta sobre

os caracteres e a prensa é posta em funcionamento. A folha de papel, comprimida pela

platina contra a matriz, recebia a impressão dos caracteres. Este sistema, com algumas

modificações, foi empregado nas diversas regiões da Europa desde a metade do século

XV ao século XVIII65. Neste período, conforme salientam Febvre & Martin,

a tradicional prensa de duas batidas sofreu apenas modificações de

detalhes; durante cerca de três séculos os tipógrafos de contentaram

com esse instrumento sólido no qual imprimiam com uma velocidade

que nos espanta: cada dia, os companheiros dos séculos XVI e do século

XVII, que trabalham de doze a dezesseis horas, deviam recolocar de

2500 a 3500 folhas (impressas de um só lado, é verdade); assim, eles

conseguiam tirar na prensa de duas batidas uma folha a cada vinte

segundos66.

O processo de impressão era gerido e organizado pelo mestre-impressor, que

podia ser um impressor ou um livreiro. Ao longo dos tempos modernos, muitos homens

exerciam tais funções simultaneamente. Ainda que muitos livreiros raramente editassem

livros, a maioria dos impressores possuíam uma loja de livros e cuidavam da

comercialização dos exemplares impressos em sua tipografia. Seja como for, o caso mais

comum, segundo Febvre & Martin, era o do pequeno impressor que possuía apenas um

ou dois prelos em sua casa. Durante o processo de impressão, ele contratava outros

tipógrafos, companheiros e aprendizes67.

Cabia ao mestre-impressor resolver uma questão importante em qualquer

empreendimento: o preço de custo. Prensas, caixas, galés e fontes, isto é, o material base

65 Cf. Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p.124-126. 66 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 130. 67 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 225-226.

36

da oficina, não representavam o maior obstáculo. O maior desafio se apresentava no

momento da edição de uma obra68. Em um livro, evidentemente, a matéria-prima era o

papel, que custava muito caro durante o período moderno e seu preço representava

aproximadamente o mesmo custo da impressão e da mão-de-obra. Não por acaso,

frequentemente, os impressores recorriam a atores externos para contraírem empréstimos

ou financiarem seus empreendimentos editoriais69.

Durante o “antigo regime tipográfico”, como o chamou Chartier, desde meados

do século XV ao início do século XIX, o texto principal de um livro era impresso

primeiro. As porções preliminares e finais de uma determina obra, como tabelas, índice,

erratas, saíam do prelo depois. O mesmo acontecia com os prefácios, dedicatórias e

prólogos, denominados paratextos por Gérard Genette70. Por isso, relações distintas

tinham lugar entre estes materiais preliminares de diferentes origens e funções. Segundo

Chartier, nos paratextos, encontramos ligação entre o autor e seus leitores e protetores,

no prólogo e na dedicatória; entre o monarca e o autor; entre os censores e ministros que

concediam o privilégio ao editor; dentre outras71.

O processo de edição, revisão e impressão de uma obra é fundamental para moldar

o sentido que os leitores constroem durante o ato da leitura72. Ainda que provavelmente

não se dessem conta disto, os leitores do período moderno concediam grande importância

à qualidade técnica de uma obra. “Antes de comprar um livro”, afirma Darnton, “os

leitores do Antigo Regime inspecionavam cuidadosamente a mercadoria, sentindo as

68 Cf. RAVEN, James. The Book Trades. In: RIVERS, Isabel (Ed.). Books and their Readers in Eighteenth-

century England: New Essays. London, New York: Continuum, 2001. p.11. 69 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 194-195, p. 197. 70 Cf. GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. p. 9-10. 71 Cf. CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 239-

240. 72 Cf. MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2018. p. 30.

37

páginas entre os dedos, olhando-os contra a luz, averiguando a forma dos caracteres, a

clareza da impressão, a largura das margens e a elegância visual da obra como um todo”73.

Resta descobrir como os livros eram comercializados, vendidos e chegavam às mãos dos

leitores.

1.1.3 Os Livreiros e a circulação das obras impressas

O termo “livreiro” possuía amplo significado entre os séculos XV e XVIII e

abarcava outras ocupações, como a de editor, impressor ou vendedor de livros74. Os

grandes livreiros-editores reuniam ao seu redor pequenos livreiros que se encarregavam

das redes comerciais que abasteciam o mercado livreiro em diversas regiões. É o caso,

por exemplo, da oficina de Plantin Moretus em Antuérpia. Fundada no século XVI, a

oficina obteve apoio de conselheiros de Filipe II (1527-1598) e recebeu o monopólio da

edição de boa parte dos livros litúrgicos tridentinos na Espanha e suas colônias. Neste

período, Plantin reuniu centenas de operários, depósitos e livreiros correspondentes em

diversas cidades da Europa, como Frankfurt, Paris, Lyon, Nuremberg, Veneza e Madrid75.

No caso do grande empreendimento da Enciclopédia in-quarto publicada entre

1777 e 1779 em Genebra e Neuchâtel, por exemplo, os editores vendiam assinaturas aos

livreiros, que então revendiam aos clientes. Mensagens ao público eram veiculadas pelos

editores, constantemente encerradas com a fórmula “Pode-se subscrever nos principais

73 DARNTON, Robert. O Iluminismo como Negócio. História da Publicação da Enciclopédia, 1775-1800.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 150. 74 Cf. RAVEN, James. The Book Trades. In: RIVERS, Isabel (Ed.). Books and their Readers in Eighteenth-

century England: New Essays. London, New York: Continuum, 2001. p. 14-15. 75 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 211-212. Para a circulação destes impressos nos impérios ibéricos,

ver: THOMAS, Werner; STOLS, Eddy; KANTOR, Iris; FURTADO, Júnia (Orgs.). Um Mundo Sobre

Papel. Livros, Gravuras e Impressos Flamengos nos Impérios Português e Espanhol. São Paulo: EdUSP,

2014.

38

livreiros de cada cidade”76. Os livreiros distribuíam também prospectos das obras em suas

lojas e publicavam anúncios em periódicos locais77.

Havia também o livreiro negociante, que atuava como editor, mas não como

impressor. Neste ofício, o livreiro escolhia os textos, negociava com os autores e escolhia

um tipógrafo ou casa impressora capaz de imprimir a obra. Além disso, atuava na venda

e na distribuição dos exemplares através de sua gama de correspondentes. Exemplo disso

é a trajetória de Laurent Anisson (1600-1672), importante editor de Lyon no século XVII,

que enviou um de seus filhos para realizar alianças e contratos de vendas e distribuição

de livros em várias regiões da Europa, como Basileia, Colônia, Frankfurt, Antuérpia,

Espanha e Itália78.

Desta forma, os livreiros frequentemente recorriam a agentes que percorriam

grandes e pequenas cidades em busca de clientes. Em posse de folhas de anúncios,

prospectos e cartazes com listas de obras, os agentes chegavam às cidades e vendiam os

livros que seriam entregues posteriormente. Desta forma, eles estabeleciam contatos

importantes para a venda de edições futuras79.

Em vista disso, a construção de uma rede comercial além das fronteiras de seu

país era fundamental para um livreiro bem-sucedido do Antigo Regime. Contudo, era

necessário que este dominasse um sistema de transporte dos livros. Neste período, os

custos do transporte eram elevados e os fardos de livros precisavam romper vários

76 DARNTON, Robert. O Iluminismo como Negócio. História da Publicação da Enciclopédia, 1775-1800.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 209. 77 DARNTON, Robert. O Iluminismo como Negócio. História da Publicação da Enciclopédia, 1775-1800.

São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 210. 78 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 227-229. 79 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 321.

39

entraves para chegarem ao seu destino80. Os expedidores cuidavam do transporte das

folhas em carretos, barcaças, navios e correio. Os livros, conta Robert Darnton, “eram

geralmente enviados em folhas soltas, de modo que o comprador podia encaderná-los de

acordo com seu gosto e seu bolso. Eles eram transportados em grandes fardos

embrulhados em bastante papel, e facilmente sofriam estragos com a chuva e o atrito das

cordas”81.

Quando os “fardos” chegavam em bom estado ao seu destino, era preciso realizar

o pagamento pelos livros ali contidos. Na falta de uma organização bancária consistente,

os livreiros recorriam às “trocas de livros por livros” e notas promissórias82. As “letras de

câmbio”, como eram chamadas as promissórias, integravam um sistema tradicional que

envolvia complicadas trocas financeiras entre vários livreiros83.

Assim, o mercado de livros estava repleto de atores que não correspondiam

unicamente às funções que hoje lhe são atribuídas. Não raro, os papéis de editores,

livreiros e impressores se confundiam. Antes de chegarem aos leitores, seus

consumidores finais, as folhas que compunham os livros passavam por muitas mãos desde

a escrita do manuscrito, a revisão, a composição, a impressão, a venda e o transporte.

1.1.4 A posse do livro e as práticas de leitura

Em 1768, veio à luz o tratado De la santé des gens de lettres escrito pelo médico

suíço Samuel Auguste Tissot (1728-1797). “Além de doenças nervosas, as letras

80 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 317-319. 81 Cf. DARNTON, Robert. O que é história dos livros? In: DARNTON, Robert. O Beijo de Lamourette:

mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 125-126. 82 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 319-320. 83 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. p. 320.

40

produzem uma infinidade de outros males”, escrevia o médico na obra que versava sobre

os perigos que a leitura trazia para a saúde, principalmente aos homens de letras. Segundo

Tissot, alguns livros podiam causar anemia, asma, problemas estomacais, cálculos renais

e até mesmo sífilis84. As palavras de Tissot ilustram uma das diversas concepções de

leitura que circulavam nas sociedades da Época Moderna desde a difusão da imprensa e

o consequente crescimento na produção livreira85. As práticas de leitura foram

significativamente alteradas desde a invenção de Gutenberg e, por isso, possuem uma

historicidade86.

Durante os tempos medievais, difundiu-se o hábito de ler coletivamente em voz

alta. Em algum momento entre os séculos IX e XI os monges dos scriptoria abandonaram

a cópia oralizada e, no século XIII, os universitários também aderiram à leitura em

silêncio. Foi apenas a partir do século XIV, com a invenção da imprensa, que a leitura

silenciosa se estendeu às camadas laicas da sociedade. Segundo Chartier, durante os

tempos modernos, a leitura oral e a silenciosa coexistiram e não devem, portanto, ser

reduzidas à dois grandes modelos opostos87.

Na maioria das cidades francesas do século XVIII, por exemplo, Daniel Roche

constata a “importância da leitura partilhada e no aparecimento das formas coletivas de

acesso”. Era corrente a leitura coletiva no âmbito de festejos de associações e confrarias

religiosas; o compartilhamento de cadernos técnicos e a troca de livros populares. A

população urbana francesa lia também nos cartazes, nas cartas pessoais e nos letreiros das

84 No original, lê-se “Outres les maledies de nerfs que cause l’étude en derangeant les nerfs, elle produit

une infinité d’autres maux”. TISSOT, Samuel Auguste David. De la santé des gens de lettres; par M. Tissot.

Lausana: Chez J. F. Bassompierre, 1768. p. 34-35. 85 Cf. CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014. p. 119. 86 Cf. EISENSTEIN, Elizabeth L. A Revolução da Cultura Impressa. Os primórdios da Europa Moderna.

São Paulo: Editora Ática, 1998. p. 50. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.).

A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 204. 87 Cf. CHARTIER, Roger. Do livro à leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São Paulo:

Estação Liberdade, 2011. p. 82.

41

ruas. Nos cestos dos ambulantes que perambulavam pelas vilas francesas, encontravam-

se não apenas livros, mas pasquins, livretos, canções e ocasionais escritos políticos88.

Ao analisar as representações da leitura nas artes plásticas, Chartier observa uma

contradição. Se por um lado, dominam quadros e estampas que representam o ato de ler

enquanto prática privada, por outro, circulam também representações que fazem dela um

ato coletivo e cerimonial. A pintura francesa setecentista privilegiou cenas da leitura

feminina e romanesca na intimidade. Outros pintores, por seu turno, retrataram cenas de

leitura em voz alta entre uma família ou membros de uma comunidade89. É o caso do

célebre quadro A Leitura da Bíblia (1755) de Jean-Baptiste Greuze (1725-1805), que hoje

repousa no Museu do Louvre. Greuze pinta a cena de um pai, sentado à mesa, que lia as

Sagradas Escrituras para seus filhos, que o ouviam atentamente90.

Entre os séculos XV e XVIII, a leitura ocorria em diferentes espaços. Muitas

vezes, acontecia durante um encontro popular ao redor do fogo, nomeado como veillée

na França e Spinnstube na Alemanha. Os pais liam para seus filhos e familiares em suas

salas, e os religiosos para seus fiéis nas igrejas. Na Inglaterra, durante o século XVIII,

proliferaram sociedade filosóficas, científicas e literárias, beef-houses (precursores dos

restaurantes), coffee-houses (casas de café) e public houses (tavernas) que se converteram

em espaço de sociabilidade, discussão e leitura entre os letrados da época91.

88 Cf. ROCHE, Daniel. As práticas da escrita nas cidades francesas do século XVIII. In: CHARTIER, Roger

(Org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 197-199. Citação extraída da p. 197. 89 Cf. CHARTIER, Roger. Do Livro à Leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São

Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 90-92. 90 GREUZE, Jean-Baptiste. La Lecture de la Bible. Pintura a óleo. Paris, Musée du Louvre, 1755.

Disponível em: https://www.louvre.fr/en/reading-bible-jean-baptiste-greuze. Acessado em 17/04/2019. 91 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 222. Sobre o processo de ampliação dos espaços públicos

de lazer e sociabilidade na Inglaterra, ver: SOARES, Luiz Carlos Soares. A Albion Revisitada. Ciência,

religião, ilustração e comercialização do lazer na Inglaterra do século XVIII. Rio de Janeiro: 7Letras,

2007. Em especial, o capítulo “Comercialização do lazer, ampliação dos espaços públicos de diversão e

novas formas de sociabilidade: uma outra dimensão da Ilustração inglesa”.

42

Segundo Chartier, o crescente volume de impressos e seu consequente

barateamento fez com que leitores europeus se familiarizassem com o livro enquanto

propriedade pessoal, o que fez crescer o número de possuidores de bibliotecas92. Apesar

da redução em seu preço, os livros não eram artigos baratos. Não por acaso, as bibliotecas

tornaram-se espaços de leitura por excelência. Segundo Peter Burke, as bibliotecas

Bodleian em Oxford, a Ambrosiana em Milão e a Agostiniana em Roma permitiam livre

acesso aos leitores desde o século XVII. Entre 80 e 100 leitores frequentavam a Biblioteca

Mazarina em Paris em 164893. Robert Darnton comenta o caso da Bibliotèque du Roi, em

Paris. Ainda que seus frequentadores, dentre eles um certo Denis Diderot, não pudessem

levar seus livros, eles gozavam de uma hospitalidade curiosa: o bibliotecário abria-lhes

as portas duas manhãs por semana e até oferecia uma refeição antes do fim do dia94.

Além da utilização de bibliotecas, muitos letrados associavam-se a clubes de

leitura, também chamados de cabinets littéraires ou Lesegesellschaften. P. J. Bernard, um

pequeno livreiro da região da Lorena, anunciava em 1779 seu clube literário, que chegou

a contar com duzentos frequentadores oriundos da gendarmerie local:

Ele gostaria que, mediante uma subscrição certa e invariável, os

senhores Gendarmes encontrassem em seu estabelecimento todos os

recursos literários que pudessem encontrar. Uma casa cômoda, grande,

bem iluminada e aquecida, que estará aberta todos os dias das nove

horas da manhã até o meio-dia e da uma hora da tarde até as dez da

noite, oferecendo desde agora aos amadores dois mil volumes que serão

aumentados em quatrocentos a cada ano95.

Uma hipótese importante acerca da leitura na Época Moderna refere-se à

“revolução da leitura”, ocorrida entre a segunda metade do século XVIII e a primeira

92 Cf. CHARTIER, Roger. As Práticas da Escrita. In: CHARTIER, Roger (Org.). História da Vida Privada,

vol. 3. Da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 132. 93 Cf. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2003. p. 160. 94 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 215. 95 DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 241.

43

metade do século XIX. Engelsing e Hall vislubram, na Alemanha e na Nova Inglaterra,

respectivamente, a passagem de uma leitura intensiva ou tradicional a uma outra,

denominada extensiva, caraterizada pelo contato com um amplo número de textos96. Até

meados do século XVIII, os leitores europeus se apropriavam repetidamente de um

número reduzido de livros, como a Bíblia, os almanaques e pequenas obras devocionais.

Entre 1750 e 1850, ao menos na Alemanha e na Nova Inglaterra, uma nova maneira de

ler surgiu. A nova prática consistia na leitura de variados textos individualmente,

sobretudo romances e jornais97.

Esta hipótese foi recorrentemente discutida no âmbito da historiografia das

práticas de leitura. A partir do estudo de um leitor de Rousseau (1712-1778), Robert

Darnton ressalta a permanência de uma “leitura refletida e repetida dos clássicos”. Além

de jornais e romances, “longe de abandonar a leitura intensiva, aplica-se a ela de todo o

coração”98. Roger Chartier questiona a validade do modelo de Engelsing e Hall para os

reinos católicos, nos quais a leitura da Bíblia pelos leigos, por exemplo, não era

estimulada. “Em terra católica, os clérigos são os intermediários obrigatórios entre a

Palavra divina e os fiéis, e nenhum livro tem aí uma importância existencial semelhante

96 ENGELSING, R. Der Bürger als Leser. Lesergeschichte in Deutschland, 1550-1800. Stuttgart, 1974.

HALL, D. Introduction: the Uses of Literacy in New England, 1660-1850. In: JOYCE, W.; HALL, D.;

BROWN E HENCH, R. (Orgs.). Printing and Society in Early America. Worcester: American Antiquarian

Society, 1983. Apud CHARTIER, Roger. Do Livro à Leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da

Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 85. 97 Cf. CHARTIER, Roger. Do Livro à Leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São

Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 85-86. DARNTON, Robert. A leitura rousseauista e um leitor “comum”

no século XVIII. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.

p. 167. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 2003. p. 161. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A

escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 216-217. 98 DARNTON, Robert. A leitura rousseauista e um leitor “comum” no século XVIII. In: CHARTIER, Roger

(Org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 168.

44

à da Bíblia entre os reformados”. Apesar disso, Chartier destaca a existência de leituras

intensivas fortes na França, principalmente de almanaques, notícias e folhetins99.

Após discutir brevemente as práticas, as representações e locais da leitura durante

a Época Moderna, é preciso refletir sobre o que Darnton chamou de seu “processo

interno”, isto é, o modo como os leitores compreendem e constroem o sentido das

palavras. A dificuldade das fontes é o primeiro empecilho para o historiador que se

aventura nessa seara. É necessário considerar as descrições contemporâneas da leitura em

livros, cartas, pinturas e gravuras100. Como sugere Goulemot, os relatos biográficos

podem revelar a forma como alguns leitores concebiam e empreendiam a leitura101.

Além disso, o historiador pode investigar os relatórios de censores, as práticas de

ensino da leitura nos colégios da época e até mesmo as notas escritas à margem pelos

leitores. Os anúncios e prospectos de livros em jornais e gazetas são úteis, uma vez que,

segundo Robert Darnton, “no século XVIII, os anunciantes presumiam que seus clientes

se preocupavam com a qualidade física dos livros. Tanto compradores quanto vendedores

compartilhavam do mesmo modo de um conhecimento tipográfico que atualmente está

quase extinto” 102.

A partir do uso de diversas dessas fontes, alguns historiadores foram capazes de

compor estudos micro analíticos acerca do modo como os leitores liam entre os séculos

XV e XVIII. Carlo Ginzburg seguiu os rastros de Domenico Scandella (1532-1599),

vulgo Menocchio, um moleiro friuliano queimado por ordens do Santo Ofício no século

99 Cf. CHARTIER, Roger. Do Livro à Leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São

Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 87. 100 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 221. 101 Cf. GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, Roger (Org.).

Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 107. 102 DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 225.

45

XVI. A partir da vasta documentação inquisitorial, o historiador italiano demonstrou a

leitura ativa e a interpretação que Menocchio dava aos textos que lia, formando uma

cosmogonia própria. Entre as perguntas dos inquisidores e as respostas do acusado,

Ginzburg deixou entrever um estrato profundo da cultura popular, combinado com

leituras de diversas obras, como evangelhos, breviários, crônicas e livros de viagem103.

Os aspectos materiais do livro impresso, como sugeriu Donald McKenzie,

impactavam a construção de sentido do leitor104. Roger Chartier, demonstra a validade

desta assertiva a partir do estudo da Bibliothèque Bleue. Desde fins do século XVI,

impressores de Troyes passaram a editar obras de diversos gêneros sob uma capa azul de

baixo preço: livros de devoção, romances, contos, obras de utilidade, dentre outros105. Os

editores intervinham nestes livros azuis, modificando sua apresentação a partir da

multiplicação dos capítulos, o aumento do número de parágrafos e a redução e

simplificação dos episódios narrados. Segundo Chartier, “a leitura implícita postulada

através de um tal trabalho é uma leitura capaz de apreender somente enunciados simples,

lineares, cerrados”106.

Por vezes, os próprios autores guiavam os leitores comuns em seus livros. É o

caso, por exemplo, de um certo Jean Ranson, comerciante de La Rochelle, e os livros de

Rousseau (1712-1778). Segundo Robert Darnton, nos prefácios de La Nouvelle Héloïse,

Rousseau orientava seus leitores a uma leitura ativa e criadora, que rompia com a

103 GINZURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela

Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Especialmente os capítulos “11. Opiniões...saíram da

minha própria cabeça”; “12. Os livros”; “13. Leitores da aldeia”; “14. Folhas impressas e ‘opiniões

fantásticas’” e “16. O templo das virgens”. 104 Cf. MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografia e Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2018. p. 30. 105 Cf. CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Editora Unesp,

2004. p. 261-264. 106 Cf. CHARTIER, Roger. Do Livro à Leitura. In: CHARTIER, Roger (Org.). Práticas da Leitura. São

Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 104.

46

literatura tradicional e influenciava diretamente o cotidiano e a vida familiar107. Não por

acaso, nas cartas trocadas entre Ranson e a Société Typographique de Neuchâtel entre

1774 e 1785, constata-se que aquele leu Rousseau e incorporou suas ideias na estrutura

de sua vida profissional e familiar, inclusive na educação de seus filhos. Outros leitores

enviaram cartas a Rousseau, que contavam suas reações diante da leitura, o que se

configurou como “a primeira onda gigantesca de correspondência de admiradores na

história da literatura”108.

Os exemplos apresentados ilustram a multiplicidade de diferentes práticas de

leituras e formas de apropriação, como propõe Roger Chartier, que tiveram lugar na

Europa ao longo da Época Moderna109. O livro impresso percorria um longo caminho

antes de chegar às mãos dos ávidos leitores, desde a pena do seu autor aos prelos dos

impressores e tipógrafos. Todo este processo influenciava, como demonstram as

contribuições de Robert Darnton e Donald McKenzie, o modo pelo qual os leitores

construíam o sentido e o significado do que liam em seus próprios universos mentais,

muito distantes do que conhecemos atualmente110.

1.2. ALEXANDER POPE: POESIA, TRADUÇÕES E LIVROS NA INGLATERRA

Consoante à metodologia da história do pensamento político preconizada por

Quentin Skinner, “o contexto social constitui o quadro de análise fundamental que nos

107 Cf. DARNTON, Robert. A leitura rousseauista e um leitor “comum” no século XVIII. In: CHARTIER,

Roger (Org.). Práticas da Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. p. 152, 156 e 166. 108 DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 205. 109 Cf. CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 5, n.11.

jan/abr, 1991. p. 177-180. 110 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 238. MCKENZIE, Donald Francis. Bibliografia e

Sociologia dos Textos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2018.

47

permite saber quais os significados que alguém poderia ter tentado comunicar” 111. Nesse

sentido, é preciso apresentar o contexto em que Alexander Pope escreveu sua imensa

obra: a Inglaterra entre fins do século XVII e o início do século XVIII.

1.2.1 A Inglaterra entre a Revolução Gloriosa e as Luzes

‘Tis well an Old Age is out,

And time to begin a New

- John Dryden112

Os versos acima, escritos por John Dryden (1631-1700) em 1700, compõem a

cena intitulada “The Second Masque” de uma de suas comédias satíricas. Nela, o poeta

inglês faz uso de duas alegorias clássicas: Janus, divindade romana das mudanças e

transições, e Chronos, personificação mitológica do tempo. O que o trecho nos revela,

fundamentalmente, é a percepção das transformações que tiveram lugar na Inglaterra

desde as últimas décadas do século XVII.

Diante do temor do monarca Jaime II (1633-1701), da dinastia Stuart, restaurar o

catolicismo e alterar a balança política, os partidos Whig e Tory, ainda que opostos, se

comprometeram a mudar o curso da história da inglesa com o objetivo de preservar suas

propriedades e privilégios enquanto elite política. Os partidos buscavam também proteger

suas posições de autoridade e influência no campo político e, temendo outra guerra civil,

como a desencadeada em 1640, não viram outra maneira senão pelo fortalecimento da

monarquia. Ao mesmo tempo, o Parlamento mostrava-se ansioso para resguardar seu

111 SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das ideias. In: _____. Visões da Política

sobre os Métodos Históricos. Algés: Difusão Editoiral, 2005. p. 124. 112 DRYDEN, John. Poetry, Prose and Plays selected by Douglas Grant. London: Hart-Davis, 1952.

48

poder constitucional ancestral. Os substitutos do monarca católico seriam sua filha Maria

(1662-1694) e seu marido, Guilherme de Orange (1650-1702), ambos protestantes. Após

longas discussões sobre as atribuições de Guilherme, se este seria regente, consorte ou

rei, a reunião parlamentar de 1689 decidiu, em uma tentativa de legitimação do novo

regime, que Jaime II havia abdicado de sua posição e Guilherme e Maria seriam os

herdeiros da Coroa113.

A historiografia aponta as diversas repercussões dos acontecimentos de 1688 e

1689 na história inglesa nas décadas seguintes. Lawrence Stone, em meio ao retorno da

narrativa, destacou a instabilidade ocasionada pelas duas revoluções na Inglaterra

seiscentista e procurou analisá-las de forma conectada. Se em 1640, o Direito Divino da

monarquia foi demolido quando o rei Carlos I (1600-1649) foi posto em julgamento; em

1688, os poderes régios foram enfraquecidos e o Parlamento se transformou na instituição

fundamental para o governo da nação. A partir de 1688, a sociedade inglesa fragmentou-

se entre dois grandes partidos: Whigs e Tories, que discordavam em matérias religiosas,

constitucionais, econômicas e militares114.

No âmbito do marxismo britânico, para Christopher Hill, “a Revolução de 1688

significou um momento crucial na história econômica, política e institucional” da

Inglaterra115. No campo econômico, este ano marcou o fim do antigo estilo de monopólio

comercial através das companhias de modelo exportador e o início da experiência do

113 Cf. DICKINSON, H. T. The Eighteenth-Century Debate on the ‘Glorious Revolution’. History. The

Journal of the Historical Association. Volume 61, Issue 201, February 1976. p. 29. 114 Cf. STONE, Lawrence. The Results of the English Revolutions of the Seventeenth Century. In:

POCOCK, J. G. A. (Ed.). Three British Revolutions. 1641, 1688, 1776. Princeton: Princeton University

Press, 1980. p. 23, p. 49-53. 115 HILL, Christopher. O Século das Revoluções, 1603-1714. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 281.

49

livre-comércio. Além disso, a década de 1690 se configurou como um período de

projeção, desenvolvimento e prosperidade industrial116.

No âmbito político, segundo Hill, a Revolução Gloriosa marcou a restauração do

poder à classe tradicional dominante, os nobres e os ricos comerciantes. A assinatura da

Bill of Rights (1689) pelo Parlamento representou um bem-sucedido acordo entre os dois

partidos políticos, os Whigs e os Tories. Além disso, significou também a garantia da

religião, das leis e das liberdades do reino, antes da escolha do novo monarca, questão

fundamental naquele contexto. Ainda que vaga, a declaração cerceou as pretensões régias

de suspensão de leis e de exercício de seu poder ilimitado. O parlamento também passou

a exercer seu controle através das finanças: verbas para fins específicos deviam ser

votadas individualmente117.

J. G. A. Pocock, historiador do pensamento político, defende que a Revolução de

1688 não emergiu das instabilidades oriundas da longa guerra civil que se estendeu

durante as quatro ou cinco décadas anteriores. Na verdade, aponta o autor, a condição

principal para os acontecimentos de 1688 foi a fragilidade da estrutura da Igreja

Anglicana, que pôs em xeque a monarquia e o governo das elites política e eclesiástica118.

Além disso, merece destaque a reorganização financeira e militar do Estado inglês após

1688, fundamental para consolidação de seu papel principal nas grandes guerras ocorridas

na Europa, como a Guerra da Liga de Augsburgo (1688-1697), e na própria presença do

velho continente na América.

116 Cf. HILL, Christopher. O Século das Revoluções, 1603-1714. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 281-

285. 117 Cf. HILL, Christopher. O Século das Revoluções, 1603-1714. São Paulo: Editora Unesp, 2012. p. 295-

298. 118 Cf. POCOCK, J. G. A. The significance of 1688: some reflections on Whig history. In: ____. The

Discovery of Islands. Essays on British History. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 115.

50

Esta reorganização foi composta pela instituição de um exército permanente e pela

criação de um sistema de crédito público capaz de mantê-lo119. A mudança apontada por

Pocock é ainda mais profunda do que parece. Trata-se da transição entre um Estado

caracterizado por longas guerras de religião para uma era marcada pela Razão de Estado

e, fundamentalmente, pela Ilustração. Em suas palavras,

a Inglaterra estava deixando o mundo da guerra civil e social e entrando

naquele da razão de estado europeia; estava passando de uma era das

Guerras de Religião e penetrava na da Ilustração, na qual os estados

eram capazes de controlar seus exércitos e suas tendências

fragmentadas relativas à guerra religiosa e civil. Isto representou o fim

das políticas hobbesianas; ou melhor, a vitória do Leviatã120.

A sociedade comercial, dinâmica, composta por novos grupos sociais, que

emergiu da Revolução Gloriosa demandava, segundo Paul Langford, um novo código de

condutas e de maneiras capaz de sua regulação121. Não por acaso, as repercussões da

Revolução Gloriosa fizeram-se sentir no âmbito moral e religioso. Segundo Lawrence

Stone, “houve, portanto, uma grande mudança na mentalidade à medida que as antigas

crenças erodiam lentamente; como resultado, na década de 1730, o clima político,

religioso e moral da Inglaterra era completamente diferente do que tinha sido em

1688”122. A principal transformação, aponta o historiador britânico, foi o

119 Cf. POCOCK, J. G. A. The significance of 1688: some reflections on Whig history. In: ____. The

Discovery of Islands. Essays on British History. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 123. 120 No original, lê-se: “England was leaving the world of civil and social war and entering that of European

reason of state; was passing out of the age of Wars of Religion and entering that of Enlightenment, in which

states were capable of controlling their armies and their own fissiparous tendencies towards religious and

civil war. It was the end of Hobbesian politics; or rather, it was the victory of Leviathan”. POCOCK, J. G.

A. The significance of 1688: some reflections on Whig history. In: ____. The Discovery of Islands. Essays

on British History. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 123. 121 Cf. LANGFORD, Paul. Eighteenth-Century Britain. A Very Short Introduction. Oxford: Oxford

University Press, 2000. p. 4. 122 No original, lê-se: “There was thus a major shift in mentalité as old beliefs slowly eroded, as a result of

which by the 1730s the political, religious, and moral climate of England was altogether different from

what it had been in 1688”. STONE, Lawrence. The Results of the English Revolutions of the Seventeenth

Century. In: POCOCK, J. G. A. (Ed.). Three British Revolutions. 1641, 1688, 1776. Princeton: Princeton

University Press, 1980. p. 72, grifos no original.

51

desenvolvimento de uma nova escala de valores, em que a moral individual suplantava o

dogma religioso.

Também Roy Porter defende que as repercussões da Revolução Gloriosa

trouxeram uma revolução nas consciências. Após 1688, foram incorporados os principais

objetivos do pensamento ilustrado: a liberdade pessoal sob o habeas corpus, a norma da

lei, o poder do Parlamento e a tolerância religiosa. Apesar de argumentar que a Revolução

não foi uma “solução final” para o consenso político, Porter defende que as concepções

ilustradas não objetivavam subverter o sistema e sim mantê-lo. Caracterizada pelo seu

pragmatismo, a Ilustração inglesa expressou uma “nova mentalidade e novos valores

morais, novos cânones de gosto, estilos de sociabilidade e visões da natureza humana”123.

Ainda no âmbito moral, J. G. A. Pocock defende que entre 1688 e 1776, a questão

política central não era o direito de oposição ao governo, “mas se um regime fundado no

direito de nomeação de cargos públicos, ou ‘patronagem’, dívida pública e

profissionalização das forças armadas não corromperia tanto governantes quanto

governados”124. Por isso, a discussão sobre a corrupção da época transferiu-se para o

âmbito do paradigma da virtude e da afirmação de um novo ideal de cidadão, virtuoso em

relação ao bem público e independente de qualquer relação que pudesse torná-lo

corrupto125.

123 No original, lê-se “new mental and moral values, new canons of taste, styles of sociability and views of

human nature”. PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and Creation of the Modern World. London:

Penguin Books: 2000. p. 14. Para uma discussão historiográfica acerca das Luzes inglesas ver: SOARES,

Luiz Carlos Soares. A Albion Revisitada. Ciência, religião, ilustração e comercialização do lazer na

Inglaterra do século XVIII. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. Especialmente o capítulo “Novas perspectivas

para os estudos sobre a Ilustração inglesa”. GASPAR, Gabriel de Abreu Machado. A Luz que vem do

Norte: perspectivas historiográficas sobre a Ilustração Inglesa. Temporalidades – Revista de História, Belo

Horizonte, Edição 28, v. 11, n. 1, set./dez. 2018. 124 POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP: 2003. p. 96. 125 Cf. POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP: 2003. p. 96.

52

Neste novo contexto comercial que emergia, argumenta Pocock, os ideais de

virtude cívica e romana não eram compatíveis com o comércio. Por isso, “a virtude foi

redefinida (...) com a ajuda do conceito de ‘maneiras’”126. Como as novas relações

possuíam natureza social e não política, os indivíduos não desenvolviam “virtudes” e sim

“maneiras”. O objetivo do comércio, então, era o de refinar as paixões e polir as

maneiras127.

A ampliação dos espaços públicos de lazer e o surgimento de novas formas de

sociabilidade também marcaram os novos tempos, respondendo às demandas destes

novos grupos sociais em ascensão. Teatros, casas de café, tavernas, museus e galerias

converteram-se em espaços de excelência de discussão e pontos de encontro entre

políticos, filósofos e letrados da época. Joseph Addison (1672-1719), ensaísta britânico

fundador do periódico The Spectator (1711-1714), buscou unir o “homem do mundo” ao

“homem de letras”, ao retirar os eruditos de seus gabinetes universitários e trazer a

filosofia para os clubes e reuniões. Luiz Carlos Soares destaca também o papel das

sociedades filosóficas, científicas e literárias no âmbito do fenômeno de ampliação dos

espaços de sociabilidade e discussão128.

Outra ressonância cultural fundamental da Revolução Gloriosa foi a revogação

em 1695 do Ato de Licenciamento, que representou o fim da censura pré-publicação e a

inauguração de um período de relativa liberdade de imprensa. Conforme ressalta Porter,

“Esta excepcional liberdade de expressão desencadeou guerras impressas que

concederam às batalhas mentais suas energias duradouras, e que levaram os ativistas

126 POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP: 2003. p. 96. 127 Cf. POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: EDUSP: 2003. p. 97. 128 Cf. SOARES, Luiz Carlos Soares. A Albion Revisitada. Ciência, religião, ilustração e comercialização

do lazer na Inglaterra do século XVIII. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. p. 150-151.

53

esclarecidos a devorar seus próprios pais”129. Neste clima “de liberdade de expressão e

ausência de censura, desde o reinado de William III e Mary II”, segundo Luiz Carlos

Soares, “os editores de livros e periódicos puderam se lançar a sua atividade sem nenhum

temor ou receio, situação esta que contrastava com a dos países da Europa

Continental”130.

Na Inglaterra, jornais e periódicos proliferaram durante o século XVIII. Este boom

da imprensa, segundo Porter, foi responsável por trazer à tona uma nova intelligentsia,

separada dos religiosos anglicanos e diretamente vinculada ao público em geral através

dessa indústria de publicação. Os escritores, ligados ao público, passaram a se projetar

como os olhos, ouvidos e voz do povo inglês. A imprensa deste período exerceu um papel

primordial na formação da opinião pública britânica e compartilhava o ideal de educar e

instruir a sociedade131.

Um dos mais bem-sucedidos projetos editoriais das décadas após 1688 foi o The

Spectator, fundado em 1711 por Joseph Addison (1672-1719) e Richard Steele (1672-

1729)132. Segundo Maria Lúcia Pallares-Burke, o periódico diário não disfarçava seu

papel moralizador e “era o seu poder de corrigir modos de pensar e de agir viciosos,

faltosos ou inapropriados e de redirigi-los para os caminhos da razão e da civilidade”. O

129 No original, lê-se “this exceptional freedom of expression sparked print wars which gave the battles for

minds their enduring energies, and which led enlightened activists ultimately to devour their own parents”.

PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and Creation of the Modern World. London: Penguin Books: 2000.

p. 31-32. 130 SOARES, Luiz Carlos Soares. A Albion Revisitada. Ciência, religião, ilustração e comercialização do

lazer na Inglaterra do século XVIII. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. p. 151. 131 Cf. PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and Creation of the Modern World. London: Penguin Books:

2000. p. 94-95. 132 PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The Spectator. O Teatro das Luzes. Diálogo e imprensa no

século XVIII. São Paulo: HUCITEC, 1995. p. 15.

54

jornal de Addison e Steele alcançou um sucesso singular e, até o fim do século XVIII, já

havia sido traduzido para o alemão, holandês, italiano e francês133.

No âmbito literário, a Inglaterra assistiu à ascensão do romance enquanto gênero

textual, decorrente, segundo Ian Watt, de um novo clima de experiência social e moral do

século XVIII britânico134. O método narrativo do romance, o “realismo formal”, foi

profundamente impactado pela filosofia da época em que surgiu, principalmente pelas

ideias de Locke (1632-1704) e Hume (1711-1776). Watt relaciona o surgimento do

romance às alterações sensíveis no público leitor da Inglaterra setecentista. Apesar de

continuar restrita, a escala social do grupo de leitores do início do século XVIII passou a

ser mais ampla, englobando até comerciantes e donos de lojas. Sem dúvida, houve uma

importante alteração no centro de gravidade social, que colocava a classe média em

posição predominante entre os leitores ingleses. Este processo teve um efeito geral na

consolidação do romance, uma forma mais fácil de entretenimento literário135.

Impactados pela substituição do mecenas aristocrático pelo livreiro comercial e da

independência em relação à tradição crítica da Literatura, os romancistas deste período,

como Daniel Defoe (1660-1731) e Samuel Richardson (1689-1761), conseguiram

expressar com maior liberdade as necessidades deste novo público que se formava136.

Em suma, é possível concluir que os ecos da Revolução Gloriosa de 1688 são

fundamentais para a compreensão da história do século XVIII inglês. As transformações

políticas e econômicas deste período impactaram profundamente o mundo cultural. A

133 PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The Spectator. O Teatro das Luzes. Diálogo e imprensa no

século XVIII. São Paulo: HUCITEC, 1995. p. 19-20. Citação extraída da p. 17. 134 Cf. WATT, Ian. A Ascensão do Romance. Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo:

Companhia das Letras, 1990. 135 Cf. WATT, Ian. A Ascensão do Romance. Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo:

Companhia das Letras, 1990. p. 44-45. 136 Cf. WATT, Ian. A Ascensão do Romance. Estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo:

Companhia das Letras, 1990. p. 54.

55

ascensão das classes médias urbanas pôs em marcha o processo de comercialização da

cultura e ampliou o interesse pelas artes. A revogação do Ato de Licenciamento em 1695

retirou as amarras que prendiam a produção literária e inaugurou um período de relativa

liberdade editorial. Jornais e livros proliferaram e tornaram-se mais baratos durante todo

o século XVIII, e seus escritores, conforme apontou Roy Porter, se projetaram como os

olhos, ouvidos e, principalmente, a voz do povo inglês137.

Além disso, a Inglaterra Setecentista assistiu à emergência de uma nova

moralidade, distinta do ethos aristocrático e claramente marcada pelos ideais de polidez

e virtude, conforme destaca Jeremy Black138. Os letrados preocupavam-se com a perda

da virtude e da ordem social e questionavam os perigos do consumo exacerbado e dos

vícios da ganância139. A Ilustração Inglesa possuiu um caráter pragmático e pedagógico,

preocupado com a instrução e educação dos homens140. Foi neste contexto de mudanças

e transformações que Alexander Pope escreveu boa parte de sua obra.

1.2.2 Da vida e da obra de Alexander Pope

Alexander Pope nasceu na Inglaterra em 21 de maio de 1688, em meio à

Revolução Gloriosa, e é considerado um dos maiores poetas britânicos do século

XVIII141. Filho de um comerciante católico e de sua segunda esposa, foi, por isso,

137 Cf. PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and Creation of the Modern World. London: Penguin Books:

2000. 138 Cf. BLACK, Jeremy. A Subject for Taste: Culture in Eighteenth-century. Londres: Hambledon and

London, 2005. 139 Cf. LEÓN, Laila Luna Liano de. William Hogarth e o moderno objeto moral: educação, moral e gosto

na Inglaterra do século XVIII. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e

Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014. p. 28. 140 Cf. PORTER, Roy. Enlightenment: Britain and Creation of the Modern World. London: Penguin Books:

2000. PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The Spectator. O Teatro das Luzes. Diálogo e imprensa

no século XVIII. São Paulo: HUCITEC, 1995. 141 Para uma completa biografia de Alexander Pope, ver o clássico MACK, Maynard. Alexander Pope: A

Life. New Haven: Yale University Press, 1988.

56

proibido de frequentar escolas e universidades e teve de ser educado no âmbito doméstico

por padres e letrados142. Estes religiosos ensinaram ao jovem Pope conhecimentos de

língua grega, incluindo o alfabeto e um pouco de gramática. Quando completou 12 anos,

sua família mudou-se para a vila de Binfield e o futuro poeta recebeu aulas de francês e

italiano143.

Aos dezesseis anos, Pope mudou-se para Londres e publicou, em 1709, as

Pastorals. A poesia pastoral era um gênero longevo, cujas origens remontavam à

Antiguidade Clássica e suas primeiras cidades. Dois anos depois, em 1711, trouxe a luz

An Essay on Criticism, seu primeiro grande trabalho independente e publicado de forma

anônima. O Ensaio sobre a Crítica foi o primeiro esforço didático e satírico de Alexander

Pope no sentido de apontar os caminhos para uma crítica sólida e construtiva, baseada

nos ensinamentos de Horácio (65 a. C.-8 a. C.) e Nicolas Boileau (1636-1711)144.

Ainda em 1711, Pope publicou Messiah no Spectator e a primeira versão do

poema Rape of the Lock (A Violação da Madeixa), uma sátira à futilidade do mundo

inglês da época145. Nos anos seguintes, saem a luz Windsor Forest (1713), o Temple of

Fame (1715) e a famosa epístola Eloise to Abelard (1717), que apareceu na primeira

coleção de seus trabalhos. O período entre os anos de 1710 e 1717 foi de prolífica

142 Cf. JOHNSON, Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford

University Press, 2009. p. 347. A aprovação do primeiro Test Act (Lei do Teste, 1673) impôs testes

religiosos aos que buscavam patentes militares a marinha e exército, o que excluía protestantes dissidentes

e católicos. Em 1678, o segundo Teste Act exclui-os da vida parlamentar, ao exigir testes nas Casas do

Parlamento. Ao mesmo tempo, as duas grandes universidades de Cambridge e Oxford passaram a exigir

testes de seus professores e dissentes. Mesmo o Toleration Act (Lei de Tolerância, 1689) não garantiu total

tolerância completa aos Protestantes não-conformistas trinitários e aos Católicos Romanos, cujas proibições

foram mantidas. Cf. SOARES, Luiz Carlos. Ciência, religião e ilustração: as academias de ensino dos

Dissidentes Racionalistas inglesses no século XVIII. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 41, n.

21, p. 173-200, 2001. 143 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

11-12. 144 Cf. BAINES, Paul. The Complete Critical Guide to Alexander Pope. Londres: Routledge, 2000. p. 49. 145 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

xi-xii.

57

atividade editorial de Pope e refletiu uma época de transição na impressão de livros na

Inglaterra. Segundo Felicity Rosslyn, passava-se de um tempo marcado pelo mecenato da

Corte para aquele dos escritores que buscavam patrocínio entre as facções políticas do

reino146.

Ademais, Pope buscava conquistar seu próprio sustento através de suas obras e,

por isso, negociou firmemente com livreiros e autorizou constantemente a reimpressão

de suas obras. Não por acaso, em 1713, o poeta envolveu-se na tradução da Ilíada de

Homero, cujos volumes foram publicados entre 1715 e 1720147. A tradução inglesa mais

recente da Ilíada datava de 1660 e John Dryden (1631-1700), apesar de ter traduzido o

primeiro volume, não sobreviveu o suficiente para completar esta empresa. Por este

esforço tradutório, Pope recebeu 5 mil libras, o que permitiu que vivesse de modo

confortável pelo resto de sua vida148.

Em 1718, após a morte de seu pai, Alexander Pope mudou-se com sua mãe para

uma luxuosa residência em Twickenham, ao sudoeste de Londres. Ali o poeta podia

exercitar seu gosto pela arquitetura e jardinagem. Além disso, nesta residência Pope

recebeu seus amigos e hóspedes importantes. A casa em Twickenham figurou em vários

de seus poemas e imitações dos clássicos149.

Devido ao sucesso da tradução da Ilíada, com o auxílio de alguns colaboradores,

Pope iniciou seu trabalho de tradução da Odisséia de Homero. Os volumes publicados

entre os anos 1725 e 1726 traziam, segundo Vizioli, “textos belos e refinados, bem ao

146 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

28. 147 BARNARD, John (Ed.). Alexander Pope: The Critical Heritage. Londres: Taylor & Francis e-Library,

2005. p. 7. 148 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.28-

29. 149 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.77-

79.

58

gosto da época, mas que pouco têm em comum com a força primitiva dos versos de

Homero”150. Segundo Samuel Johnson, “esta é, certamente, a mais nobre versão do poeta

que o mundo já viu, e sua publicação deve, por isso, ser considerada um dos grandes

eventos nos anais do conhecimento”151.

Contudo, os críticos foram implacáveis e questionaram seu conhecimento da

língua grega e, principalmente, suas qualificações como digno tradutor de Homero152.

Anne Dacier (1645-1720), filóloga e tradutora francesa de Homero, criticou duramente a

tradução de Pope. “Reina ali, em toda parte”, apontava ela, “uma imaginação muito viva

e parece-me que este autor sucumbiu ao defeito que ele próprio critica, o de que a

imaginação muitas vezes se precipita, quando anda sozinha”153. Mesmo assim, as edições

de Homero garantiram o sucesso público e a independência financeira a Alexander Pope

e contribuíram para o refinamento de seu estilo, fortemente impactado por essa

experiência de tradução154.

A publicação de seus livros e seu trabalho tradutório fizeram com que Alexander

Pope circulasse com desenvoltura entre a sociedade inglesa, que variava desde os

membros de famílias da Catholic gentry aos poetas de seu tempo, como Joseph Addison

(1672-1719), Richard Steele (1672-1729), Jonathan Swift (1667-1745) e John Gay (1685-

150 VIZIOLI, Paulo. Alexander Pope: o Poeta da Razão. In: POPE, Alexander; VIZIOLI, Paulo (Ed.).

Poemas de Alexander Pope. Edição Bilíngue. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. p. 21. 151 No original, lê-se “It is certainly the noblest version of the poetry which the world has ever seen; and its

publication must therefore be considered as one of the great events in the annals of Learning”. JOHNSON,

Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford University Press,

2009. p. 365. 152 Cf. JOHNSON, Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford

University Press, 2009. p. 362. 153 DACIER, Anne Le Fevre. Reflexões sobre a primeira parte do prefácio do Sr. Pope à Ilíada de Homero.

Tradução de Claudia Borges de Faveri. Scientia Traductionis. Florianópolis, n.10, 2011. p. 50. 154 Cf. VIZIOLI, Paulo. Alexander Pope: o Poeta da Razão. In: POPE, Alexander; VIZIOLI, Paulo (Ed.).

Poemas de Alexander Pope. Edição Bilíngue. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. p. 21.

59

1732). Apesar de circular entre Whigs e Tories ao mesmo tempo, Pope nunca se filiou a

nenhum destes partidos155.

Em 1728, Alexander Pope demonstrou sua força satírica através da publicação de

Dunciad, um poema heroico-cômico que atacava os muitos inimigos literários do poeta.

Os livros se voltavam contra Lewis Theobald (1688-1744), qualificado como “asno”,

letrado que havia criticado duramente a edição das obras de William Shakespeare (1564-

1616) organizada por Pope em 1725156. Segundo Samuel Johnson, a obra chegou a ser

apresentada em 1729 aos monarcas ingleses pelo primeiro-ministro, Robert Walpole

(1676-1745)157. O poema foi constantemente alterado até 1742, sempre incorporando

novos desafetos e introduzindo polêmicas. Felicity Rosslyn conta que os ataques a Pope

eram tão corriqueiros que o poeta organizou seis grandes volumes que reuniam os

panfletos ofensivos para consultas e citações durante a escrita de suas sátiras158.

Em 1730, o poeta confidenciou a Joseph Spence (1699-1768), seu amigo, a ideia

de escrever quatro livros que abordassem as principais questões morais e éticas de seu

tempo:

Eu havia pensado em completar meu trabalho ético em quatro livros. O

primeiro, você sabe, é sobre a natureza do homem. O segundo teria sido

sobre o conhecimento e seus limites. Aqui teria entrado um Ensaio

sobre Educação, parte do qual eu inseri no Dunciad. O terceiro teria

tratado do governo, tanto eclesiástico e civil – e isto foi o principal

motivo de tê-lo interrompido. Eu não poderia dizer o que teria dito sem

provocar cada igreja na face da terra, e eu não tinha vontade de viver

sempre em água fervente. Esta parte entraria em meu Brutus, que já está

todo planejado, e até algumas das falas mais materiais escritas em prosa.

O quarto teria sido sobre moralidade, em oito ou nove de seus ramos

155 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

30-31. 156 Cf. VIZIOLI, Paulo. Alexander Pope: o Poeta da Razão. In: POPE, Alexander; VIZIOLI, Paulo (Ed.).

Poemas de Alexander Pope. Edição Bilíngue. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. p. 26-27. 157 Cf. JOHNSON, Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford

University Press, 2009. p. 383. 158 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

79.

60

principais, quatro dos quais teriam sido os dois extremos de cada uma

das virtudes cardeais159.

Não por acaso, entre os anos de 1733 e 1734, foi publicado o Essay on Man

composto por quatro epístolas para integrar o sistema de moral e ética acima descrito160.

Na Epístola I, Pope aborda a natureza e o estado do homem em relação ao universo,

buscando apresentar o lugar do ser humano na cadeia da criação enquanto um

microcosmo. Na segunda epístola, o poeta enfatiza o próprio indivíduo a partir do “amor

próprio” e da “razão” e argumenta que as paixões, manifestações deste “amor”, devem

ser reguladas pela “razão”. Na Epístola III, o autor relaciona homem e sociedade,

defendendo que a sociedade humana, quando organizada pela razão, encontra-se em

perfeita sintonia com a natureza. Por fim, na quarta epístola, Pope observa o homem em

relação à “felicidade”, que apenas pode ser alcançada através da virtude e da obediência

ao esquema universal e natural161.

A publicação do Ensaio sobre o Homem teve uma grande repercussão e originou

uma famosa crítica escrita por Jean-Pierre Crousaz (1663-1759). No Examen de l'essai

de M. Pope sur l'homme (1737), o teólogo e filósofo suíço argumentava que as posições

de Pope no Ensaio tinham como objetivo afastar o gênero humano da Revelação e da

Religião. O suíço atacava o esquema mental de Pope, que apresentava virtude e felicidade

159 No original, lê-se: “I had once thought of completing my ethic work in four books. The first, you know,

is on the nature of man. The second would have been on knowledge and its limits. Here would have come

in an Essay on Education, part of which I have inserted in the Dunciad. The third was to have treated of

government, both ecclesiastical and civil - and this was what chiefly stopped my going on. I could not have

said what I would have said without provoking every church on the face of the earth, and I did not care for

living always in boiling water. This part would come into my Brutus, which is all planned already, and even

some of the most material speeches writ in prose. The fourth would have been on morality, in eight or nine

of the most concerning branches of it, four of which would have been the two extremes to each of the

cardinal virtues”. Apud ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave

Macmillan, 1990. p. 98. 160 Cf. JOHNSON, Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford

University Press, 2009. p. 389. 161 Cf. VIZIOLI, Paulo. Alexander Pope: o Poeta da Razão. In: POPE, Alexander; VIZIOLI, Paulo (Ed.).

Poemas de Alexander Pope. Edição Bilíngue. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. p. 22-23.

61

como aspectos puramente racionais do Homem, como propôs Gottfried Wilhelm Leibniz

(1646-1716)162.

Em conjunto com o Essay on Man, Alexander Pope publica seus Moral Essays,

outra obra que integra o referido sistema de ética e moral almejado por ele. Os Ensaios

Morais são compostos por quatro epístolas publicadas entre 1731 e 1735: Epístola a

Cobham, “Do Conhecimento e Caracteres do Homem”; Epístola a uma Senhora, “Dos

Carcteres das Mulheres”; Epístola a Bathusrt, “Do Uso das Riquezas”; Epístola a

Burlington, “Do Uso das Riquezas”163.

Ainda na década de 1730, Pope editou sua correspondência privada (1735-1737),

publicou suas Imitations of Horace (1733-1738) e alguns volumes de Sátiras (1738). No

início dos anos 1740, foi publicada a última revisão do poema satírico Dunciad (1743).

Durante o processo de revisão de seus trabalhos para uma última publicação completa, o

poeta percebeu que sua saúde declinava. Como descreveu uma de suas amigas, Alexander

Pope faleceu em 30 de maio de 1744 enquanto dormia. Nesta noite encerrou-se a vida de

um dos maiores poetas ingleses do século XVIII164.

162 Cf. JOHNSON, Samuel; MULLAN, John (edit.). The Lives of the Poets: A Selection. Nova York: Oxford

University Press, 2009. p. 391-392. 163 Cf. POPE, Alexander. Ensaios Moraes de Alexandre Pope em Quatro epístolas a diversas pessoas

traduzidos em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, e do Traductor. Rio de

Janeiro: Impressão Régia, 1811. 164 Cf. ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p.

131-135, p. 143, p. 154-156.

62

CAPÍTULO 2

TRADUZINDO AS LUZES:

A CIRCULAÇÃO DE LIVROS ESTRANGEIROS NO MUNDO LUSO-BRASILEIRO

DA SEGUNDA METADE DO SETECENTOS

Nature and Nature’s Laws lay hid in Night.

God said, Let Newton Be! And all was Light.

- Alexander Pope165

O século XVIII constituiu um novo ambiente marcado pelas idéias ilustradas e

por grandes movimentos de pensamento que se manifestavam desde as últimas décadas

do século XVII. As novidades do pensamento político e filosófico do século XVII

determinaram uma crise, definida por Paul Hazard, como “crise de consciência

europeia”166, acompanhada de uma revisão crítica das ideias e instituições “no sentido de

uma renovação radical das estruturas da sociedade e do Estado”167. As instituições

passaram a estar sujeitas a uma revisão sistemática, cujo objetivo era determinar as leis

do bem estar e da ordem pública e eliminar os obstáculos para o desenvolvimento social.

A sociedade moderna, que emergia dessa crise do final do século XVII, desejava, de

forma consciente, maximizar os recursos e potenciais para o avanço e melhora dos meios

de vida168.

165 POPE, Alexander. Epitaph Intended for Sir Isaac Newton In Westminster-Abbey. In: POPE, Alexander;

ROGERS, Pat (org.). Alexander Pope. The Major Works. Including The Rape of The Lock and the Dunciad.

Nova York: Oxford University Press, 2008. p. 242. 166 HAZARD, Paul. A Crise da Consciência Europeia, 1680-1715. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015. 167 ASTUTI, Guido. O absolutismo esclarecido em Itália e o Estado de Polícia. In: HESPANHA, Antonio

Manuel (Org.). Poder e instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1984. p. 252. 168 RAEFF, Marc. The Well-Ordered Police State and the Development of Modernity in Seventeenth- and

Eighteenth-Century Europe: An Attempt at a Comparative Approach. The American Historical Review,

Washington, Vol. 80, n. 5, 1975. p. 1222.

63

Ao longo do Século das Luzes, os letrados discutiam e dialogavam sobre os mais

diversos temas sem recorrerem a uma “língua universal” ou franca que mediasse as

discussões. Ao contrário, conforme demonstram Lucien Febvre e Henri Martin, o Latim

havia perdido sua preeminência tanto na escrita em verso quanto em prosa169. Neste

contexto, as línguas vernáculas ascenderam como veículos de transmissão de textos e

ideias para os novos públicos que emergiam170. Nessas condições, a diversidade das

línguas faladas nas diferentes regiões do mundo tornava necessário o ato de traduzir171.

Ao longo do Século das Luzes, a filosofia de Voltaire e Rousseau; as belas letras de Pope

e Richardson; as obras de autores clássicos e medievais como Homero, Cícero e

Shakespeare se difundiram pelo continente europeu por meio da tradução172.

Segundo Fania Oz-Salzberger, o número de traduções cresceu substancialmente

em diversos estados europeus e atingiu seu pico nas três últimas décadas do século XVIII.

Paris, Londres e Leipzig estabeleceram-se como os grandes centros de tradução da

Europa. Outras cidades como Nápoles, Dublin, Edimburgo, Copenhagen, Estocolmo,

Berlim e São Petersburgo também produziram um número significativo de traduções

vernáculas173. O mundo luso-brasileiro não permaneceu alheio a este movimento e seu

mercado livreiro assistiu a uma profusão de traduções ao longo do Setecentos. Assim,

este capítulo abordará a recepção das Luzes através das traduções em meio ao reformismo

que caracterizou o mundo luso-brasileiro do período. Nesse sentido, serão apresentados

um panorama geral do mercado livreiro português e os fluxos e tendências gerais sobre a

169 Cf. FEBVRE, Lucien & MARTIN, Henri-Jean. O Aparecimento do Livro. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2017. 170 Cf. OZ-SALZBERGER, Fania. The Enlightenment in Translation: Regional and European Aspects.

European Review of History—Revue europe´enne d’Histoire, Vol. 13, No. 3, 2006. p. 387. 171 Cf. RICOEUR, Paul. Sobre a tradução. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 34. 172 Cf. OZ-SALZBERGER, Fania. The Enlightenment in Translation: Regional and European Aspects.

European Review of History—Revue europe´enne d’Histoire, Vol. 13, No. 3, 2006. p. 387. 173 Cf. OZ-SALZBERGER, Fania. The Enlightenment in Translation: Regional and European Aspects.

European Review of History—Revue europe´enne d’Histoire, Vol. 13, No. 3, 2006. p. 388-392.

64

tradução entre 1750 e 1800. Por fim, discutem-se os usos e concepções de tradução

presentes nos paratextos editoriais dos letrados e tradutores do período174.

2.1.O REFORMISMO ILUSTRADO E O AMBIENTE CULTURAL PORTUGUÊS SETECENTISTA

No mundo luso-brasileiro, a recepção, com tons próprios, das mudanças

propiciadas pelas Luzes tornou-se possível com a ascensão de Sebastião José de Carvalho

e Melo como principal ministro de D. José I, monarca português entre 1750 e 1777175.

Nascido em 1699, Carvalho e Melo pertencia “a uma geração de funcionários e

diplomatas de mente aberta, que haviam refletido muito sobre a organização do império

e sobre as técnicas mercantilistas”176. Não por acaso, foi indicado para o cargo por D.

Luís da Cunha (1662-1749), importante embaixador do reinado de D. João V (1689-

1750)177. Em seu Testamento Político, escrito na década de 1740, pouco antes da subida

de D. José ao trono, orientava “para a [secretaria] do Reino Sebastião José de Carvalho e

Melo, cujo génio paciente, especulativo e ainda que sem vício, um pouco difuso, se acorda

com o da nação”178.

Entre 1739 e 1743, Carvalho e Melo esteve em Londres e passou a investigar as

razões e técnicas da superioridade comercial e naval inglesa. Assente em suas leituras e

observações, ele vislumbrou a influência dos britânicos em seu país como a causa básica

174 Cf. GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. 175 Para uma discussão acerca da atribuição de Sebastião José de Carvalho e Melo e das funções dos

ministros e secretarias na segunda metade do século XVIII, ver: SUBTIL, José. Pombal e o Rei: valimento

ou governamentalização? Ler História, Lisboa, no. 60, 2011. 176 MAXWELL, Kenneth. Pombal e a nacionalização da economia luso-brasileira. In: MAXWELL,

Kenneth (Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

p. 89-90. 177 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 233. 178 CUNHA, Luís da. Testamento Político ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei

D. José I. antes do seu Governo ... Lisboa: Impressão Régia, 1820.

65

dos problemas portugueses e uma das principais razões para a bonança britânica179.

Ademais, sua atuação como embaixador em Viena entre 1745 e 1749 permitiu a

observação do início do processo de transformações e fortalecimento do absolutismo

ilustrado no Império Austríaco. Ao longo destas experiências diplomáticas, o futuro

Marquês de Pombal teve contato com correntes do mercantilismo inglês, do cameralismo

austríaco e do absolutismo francês180. O protagonismo de Carvalho e Melo na

reconstrução de Lisboa após o terremoto que assolou a cidade em novembro de 1755

abriu caminho para sua ascensão enquanto principal ministro de D. José I. Desde então,

passou a articular um amplo programa de reformas econômicas e políticas no Império

português181.

O bom governo das finanças e da fiscalidade constituía matéria de fundamental

importância no reformismo pombalino, o que se converteu no estabelecimento do Erário

Régio e do sistema de Juntas da Administração da Real Fazenda em 1761. Se antes os

rendimentos eram controlados pelas diversas repartições da administração, sobretudo as

Câmaras, e pelos tribunais e conselhos, a partir da lei de 22 de dezembro de 1761 o Erário

Régio passou a constituir o ponto central de arrecadação da Real Fazenda. No âmbito dos

domínios ultramarinos, sua estrutura era composta pelas Juntas da Fazenda, formadas

pelo Vice-rei, pelo Chanceler da Relação e demais provedores, procuradores e escrivães.

Segundo Miguel Dantas da Cruz, o estabelecimento do Erário Régio no âmbito das

179 Cf. MAXWELL, Kenneth. Pombal e a nacionalização da economia luso-brasileira. In: MAXWELL,

Kenneth (Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

p. 90-91 e 99. 180 Cf. CARDOSO, José Luís & CUNHA, Alexandre Mendes. Discurso econômico e política colonial no

Império Luso-brasileiro (1750-1808). Tempo, Niterói, v. 17, n. 31, 2011. p. 71-73. FALCON, Francisco

José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia Ilustrada. São Paulo: Editora Ática,

1993. p. 308-310. 181 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 384-386. MAXWELL, Kenneth. Pombal e a nacionalização

da economia luso-brasileira. In: MAXWELL, Kenneth (Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros:

Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 90-91 e 99.

66

reformas pombalinas “tratou-se de um claro sinal da natureza centralizadora da sua

política que não terá tido equivalente no quadro da reforma política e institucional”. Por

meio dele, “Pombal não só restringiu autonomias e jurisdições, como fez canalizar para

o Erário parte substancial da decisão política sobre matérias antes dispersas e, até certo

ponto, corporativamente defendidas”182.

Em relação aos domínios imperiais e, especialmente para a América Portuguesa,

as reformas, segundo José Luís Cardoso e Alexandre Mendes Cunha, evidenciaram “uma

preocupação clara com o fortalecimento e o controle nacional das riquezas oriundas do

comércio ultramarino, o que implicava a criação de novas instituições, bem como a

definição de estratégias específicas para a política colonial”183. Já em dezembro de 1750,

a coleta do quinto real sobre a produção aurífera foi reformada através da criação das

Casas de Fundição, onde todo o ouro seria fundido a partir de então. Em abril do ano

seguinte, foram criadas as Casas de Inspeção da Bahia, do Rio de Janeiro, de Pernambuco

e do Pará, com o objetivo de regular a produção e comercialização do açúcar e do tabaco,

importantes produtos coloniais184. Além disso, com o objetivo de maximizar e controlar

a produção no ultramar, foram criadas a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão

(1755) e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759)185.

Em termos administrativos, a sede do Governo Geral do Estado do Brasil foi

transferida de Salvador para o Rio de Janeiro (1763) e extinguiu-se o Estado do Grão-

Pará e Maranhão, que foi incorporado como capitania-geral ao Estado do Brasil (1772).

182 CRUZ, Miguel Dantas da. Pombal e o Império Atlântico: impactos políticos da criação do Erário Régio.

Tempo, Niterói, v. 20, 2014. p. 23. 183 CARDOSO, José Luís & CUNHA, Alexandre Mendes. Discurso econômico e política colonial no

Império Luso-brasileiro (1750-1808). Tempo, Niterói, v. 17, n. 31, 2011. p. 76-77. 184 Cf. MAXWELL, Kenneth. Pombal e a nacionalização da economia luso-brasileira. In: MAXWELL,

Kenneth (Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

p. 100-101. 185 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. Pombal e o Brasil. In: TENGARRINHA, José (Org.). História

de Portugal. Bauru: Edusc; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000. p. 157.

67

Após a instituição do Real Erário em 1761, foram organizadas Juntas de Fazenda em cada

uma das capitanias-gerais. Segundo Francisco Falcon, tais reformas tinham por objetivo

“fortalecer e afirmar o poder real, racionalizar o aparelho administrativo em busca de sua

maior eficiência, suprimir os abusos”, o que “pressupunha o respeito às hierarquias e uma

estrita obediência às ordens régias”186.

No âmbito cultural, merecem destaque as reformas pombalinas na área da

educação, iniciada com a expulsão dos padres jesuítas e o fechamento de seus colégios

em todo o império. Tratava-se do início da “intervenção secularizadora do Estado no

campo do ensino”, segundo Ana Cristina Araújo187. O Alvará de 28 de junho de 1759

decretava o fim dos colégios jesuíticos e instituía uma reforma nas aulas e estudos das

letras, chamadas de Estudos Menores. Nas Instruções para os professores das disciplinas,

anexas ao alvará, criava-se o posto de Diretor Geral dos Estudos e regulava-se a

contratação de professores régios de latim, grego, retórica e hebraico188. A implantação

das novas diretrizes para os estudos menores nos domínios ultramarinos inseriu-se,

segundo Anita Correia Lima de Almeida, em “um projeto mais geral da Coroa portuguesa

de ‘civilização’ de seus súditos em áreas extra-européias, baseado na tentativa de unificar

a formação de suas camadas letradas”189.

Ainda em 1759, foi instituída a Aula de Comércio, cujo objetivo era o de difundir

técnicas e conhecimentos necessários às atividades administrativas e mercantis entre

negociantes, comerciantes e funcionários. Em 1761, foi criado o Real Colégio dos Nobres

186 FALCON, Francisco José Calazans. Pombal e o Brasil. In: TENGARRINHA, José (Org.). História de

Portugal. Bauru: Edusc; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000. p. 161. 187 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 54. 188 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 432. 189 ALMEIDA, Anita Correia Lima de. Aulas régias no império colonial português: o global e o local. In:

LIMA, Ivana Stolze & CARMO, Laura do (Orgs.). História Social da Língua Nacional. Rio de Janeiro:

Casa de Rui Barbosa, 2008. p. 70.

68

para educar e disciplinar os jovens da aristocracia portuguesa. As atividades letivas

iniciaram-se em 1766, após a contratação de professores estrangeiros e a instalação de

modernos laboratórios e outros equipamentos de ensino. Segundo Cruz & Pereira, “esse

conjunto de ações e seus desdobramentos buscavam assegurar o estabelecimento do

ensino laico e do dirigismo régio nas questões educacionais na metrópole e na colônia”190.

As reformas pombalinas na educação tiveram seu ápice nas mudanças

empreendidas na Universidade de Coimbra. Em dezembro de 1770, com o objetivo de

reformular os estatutos da Universidade, criou-se a Junta de Providência Literária,

formada pelo Cardeal da Cunha (1715-1783), por D. Francisco de Lemos de Faria Pereira

Coutinho (1735-1822), então Reitor; D. Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas (1724-1814),

Presidente da Real Mesa Censória; José Seabra da Silva (1732-1813), dentre outros. Em

setembro do ano seguinte, foi determinada a suspensão dos estudos em Coimbra, para que

se reiniciassem posteriormente sob os novos estatutos191.

No dia 22 de setembro de 1772, os sinos de Coimbra badalaram em anúncio à

chegada de Sebastião José de Carvalho e Melo, feito Marquês de Pombal em 1770, e seu

extenso cortejo. Durante sua estada na cidade, o principal ministro de D. José havia

entregue os estatutos reformados da Universidade de Coimbra. As quatro antigas

faculdades – Teologia, Canônes, Leis e Medicina – foram reestruturadas e atualizadas.

Além disso, foram criadas as faculdades de Matemática e Filosofia, “responsáveis pela

mais notável das alterações nas antigas grades curriculares: a entrada do método científico

190 CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da & PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Contra o notório sistema

de ignorância artificial: a reforma pombalina da Universidade de Coimbra. In: SANTOS, Antonio Cesar de

Almeida (Org.). Ilustração, cultura escrita e práticas educativas. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2016. p.

15-16. 191 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 436-437.

69

experimental em redutos onde prevalecia o princípio de autoridade”192. Assim, segundo

Javier Fernandez Sebastián, a reforma da Universidade de Coimbra significou a

renovação dos estudos jurídicos e a adoção do método experimental nas ciências. Além

disso, a partir das reformas educacionais, incluindo a criação das Aulas do Comércio e

do Colégio dos Nobres, a Coroa converteu-se no principal agente educador do reino193.

As reformas educacionais, conforme salientou Francisco Falcon, estiveram

constantemente articuladas ao controle e à vigilância sobre a produção literária e

artística194. Na esteira das reformas promovidas em outros estados europeus setecentista,

surgiu a Real Mesa Censória em lei de 5 de abril de 1768, que apresentava a unificação

do aparato censório, a subordinação direta à Coroa e a manutenção da ofensiva aos

jesuítas. No período anterior, a censura no mundo luso-brasileiro estava, conforme Luiz

Carlos Villalta, associada à Contrarreforma e à Reforma Católica e era exercida pelo

Ordinário (ou Juízos Eclesiásticos), pela Inquisição e pelo Desembargo do Paço195.

O Regimento da Real Mesa Censória de 1768 preconizava as quinze condições de

obras a serem proibidas. Primeiramente, as escritas por ateus, protestantes e que negassem

a fé católica e a obediência ao Papa. Além disso, seriam proibidas obras que tratassem de

magia, feitiçaria ou que apoiassem a superstição e o fanatismo. Os livros filosóficos,

contrários à moral e costumes, as sátiras e as leituras políticas, que tratassem do “sistema

maquiavélico” e de críticas ao despotismo também seriam proibidas. O mesmo ocorreria

192 CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da & PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Contra o notório sistema

de ignorância artificial: a reforma pombalina da Universidade de Coimbra. In: SANTOS, Antonio Cesar de

Almeida (Org.). Ilustração, cultura escrita e práticas educativas. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2016. p.

19. 193 FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Península Ibérica. In: FERRONE, Vincenzo & ROCHE, Daniel

(Eds.). Diccionario Histórico de la Ilustración. Madrid: Alianza Editorial, 1998. p. 348. 194 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 441. 195 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 171-175.

70

com obras que utilizassem a Bíblia em orientação diversa da Igreja e misturassem os

dogmas da fé. Foram proscritos os livros de autoria dos “Pervertidos Filósofos destes

últimos tempos” e aquelas publicadas anonimamente na Holanda e Suíça sobre o

Sacerdócio e o Império196.

Em 24 de setembro de 1770, veio à luz o mais importante edital que se voltou

contra os Ilustrados e os pensadores e filósofos modernos, especialmente os expoentes do

deísmo, materialismo e ateísmo. Dentre os autores, constavam Pierre Bayle (1646-1706),

Thomas Hobbbes (1588-1679), Denis Diderot (1713-1784), Jean de La Fontaine (1621-

1695), Bernard Mandeville (1670-1733), François Fenélon (1751-1715), Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778), Baruch Espinosa (1632-1677), John Toland (1670-1722),

Voltaire (1684-1778), dentre outros. Outros editais e catálogos proibiram obras de

d’Alembert (1717-1783), Jacques Pierre Brissot (1754-1793), o conde de Buffon (1707-

1788), Cesare Beccaria (1738-1794), John Locke (1632-1704), Jean-François Marmontel

(1723-1799), Thomas Paine (1737-1809), William Robertson (1721-1793), Edward

Gibbon (1737-1794) e Samuel-Auguste Tissot (1728-1797)197. Apesar das proibições,

muitas dessas obras circularam em Portugal através da concessão de licenças para a

leitura, estudadas por Luiz Carlos Villalta, e, sobretudo, pelo comércio clandestino de

livros estrangeiros, que se instalou no mundo luso-brasileiro.

Para além das reformas educacionais e censórias empreendidas durante o

Consulado Pombalino, as décadas de 1750 e 1760 representam, no plano cultural,

segundo Ana Cristina Araújo, “um ponto de viragem na recepção das diferentes correntes

196 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 180, p. 190-191. 197 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 180, p.212-214; p. 216.

71

de pensamento europeu”198. Na esteira de Franco Venturi, a autora chama a atenção para

a importância dos jornais, cartas e livros para o movimento das Luzes setecentistas. A

imprensa periódica portuguesa apresentava um importante crescimento desde 1740,

conforme demonstra o GRÁFICO 1, elaborado a partir dos dados de João Luís Lisboa. Os

periódicos surgidos na segunda metade do século XVIII “reflectem preocupações

estéticas, académicas, filosóficas, literárias e económicas ou mesmo religiosas”199.

GRÁFICO 1

A imprensa periódica em Portugal (1706-1815)200

FONTE: LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto

Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991.

p. 178.

A expansão do periodismo é afetada entre 1765 e 1777, após a suspensão da

Gazeta de Lisboa (1762) e da prisão de seu redator, o poeta Pedro António Correia Garção

198 ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 19. 199 ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 68. 200 É preciso ressaltar que a regência extraoficial do Príncipe D. João principiou em 1792. Em 10 de

fevereiro deste ano, foi publicada declaração em que o príncipe se encarregava do despacho em nome da

rainha D. Maria. Cf. PEDREIRA, Jorge & COSTA, Fernando Dores. D. João VI. Lisboa: Círculo de

Leitores, 2009. p. 66-67.

0 20 40 60 80 100

D. João (Regência: 1799-1815)

D. Maria I (1777-1799)

D. José I (1750-1777)

D. João V (1706-1750)

91

17

15

5

Número de Periódicos

72

(1724-1772)201. Ainda assim, no início do reinado de D. José, circulou o efêmero O

Anónimo (1752-1754), dirigido por Bento Morganti, inspirando no The Spectator (1711-

1712) de Richard Steele (1672-1729) e Joseph Addison (1672-1719). Na década seguinte,

veio à luz a Gazeta Literária (1761-1762), redigida por Francisco Bernardo de Lima. O

periódico apresentava preocupações próximas ao enciclopedismo francês e publicava

notícias e traduções de extratos de livros estrangeiros. A Gazeta Literária inaugurava

também o espaço de publicação de cartas de leitores, formando um espaço de opinião e

discutia ideias de importantes autores dos tempos modernos, como Voltaire (1694-1778),

Bayle (1647-1706), Hobbes (1588-1679), Pufendorf (1632-1694), dentre outros202.

Apesar de tudo, há grande controvérsia na historiografia a propósito do caráter

ilustrado das reformas engendradas por Sebastião José de Carvalho e Melo203.

Certamente, o poderoso ministro de D. José atuou em meio ao contexto reformista que

caracterizou outros estados europeus do Setecentos, sobretudo na Espanha e Áustria204.

A expulsão dos jesuítas (1759) por exemplo, representou, conforme salientou Francisco

Falcon, a “afirmação de uma autoridade real, civil, laica, sobre uma autoridade

eclesiástica que viera até então mantendo e ampliando sua influência e seu controle”205.

201 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de. Modalidades de Leitura das Luzes no Tempo de Pombal.

Separata da Revista de História, Centro de História da Universidade do Porto, Porto, Vol. X, 1990. p. 124-

125. 202 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. Sobre O Anónimo, ver p. 69-71. Sobre a Gazeta Literária, ver p. 71-77. 203 Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia

Ilustrada. São Paulo: Editora Ática, 1993. MAXWELL, Keneneth. Marquês de Pombal: Paradoxo do

Iluminismo. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal.

Temas e Problemas. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. NOVAIS, Fernando. O Marquês de Pombal, a

História e os Historiadores. Revista População e Sociedade, Porto, Cepese, no.16, Edições Afrontamento,

2008. 204 Cf. NOVAIS, Fernando. O Marquês de Pombal, a História e os Historiadores. Revista População e

Sociedade, Porto, Cepese, no.16, Edições Afrontamento, 2008. p. 33. 205 FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia Ilustrada.

São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 424. Sobre o regalismo, ver: SOUZA, Evergton Sales. Igreja e Estado

no Período Pombalino. Lusitania Sacra, Lisboa, no. 23, jan.-jun. 2011.

73

No âmbito cultural, se, por um lado, a Reforma da Universidade de Coimbra

permitiu a introdução de novidades da filosofia ilustrada, a criação da Real Mesa Censória

procurou estatizar a censura e implementar, sem muito sucesso, maior controle sobre a

atividade letrada206. Em suma, o reformismo levado a cabo no reinado de D. José I

caracterizou-se pelo esforço de centralização do poder régio em Portugal durante a

segunda metade do século XVIII. Tomando de empréstimo as palavras de Francisco

Falcon, durante o ministério pombalino, se claridades se propagaram, muitas

obscuridades persistiram207.

Em 24 de fevereiro de 1777, faleceu D. José I, o Reformador, e sua filha subiu ao

trono português como D. Maria I. A historiografia liberal portuguesa, segundo Fernando

Novais, tratou tal transição como a Viradeira, um período de retrocessos em que se

anulam o reformismo político, cultural e econômico inaugurado pelo Marquês de

Pombal208. Em que pesem as rupturas e as permanências no reinado mariano, questiona

Francisco Falcon:

E a “viradeira”? [...] E houve? Em que consistiu? Afora as vinditas

pessoais, afora um passageiro recrudescimento de religiosidade mais ou

menos beata em certos círculos cortesãos, onde está o desfazer da

‘obra’, ou seja, de todas as práticas da governação pombalina?209

Nesse sentido, o reinado mariano não representou uma ruptura radical com o período

pombalino. Segundo Luiz Carlos Villalta, homens da administração josefina se

mantiveram, como por exemplo Martinho de Melo e Castro (1716-1795), Ministro do

206 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 19-20. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as

Luzes: Reformas, Censura e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 502-503. 207 FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia Ilustrada.

São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 488. 208 Cf. NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).

São Paulo: Hucitec, 1979. p. 9-10. 209 FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política Econômica e Monarquia Ilustrada.

São Paulo: Editora Ática, 1993. p. 225.

74

Ultramar; Diogo Pina Manique (1733-1805), antigo colaborador que se tornou Intendente

Geral de Polícia; José Seabra da Silva (1732-1813), nomeado Ministro do Reino em 1788,

dentre outros210.

Durante o reinado de D. Maria I e subsequente regência do príncipe D. João, as

Luzes se difundiram, em tons próprios, no seio de uma elite letrada e intelectual211. Em

1779 foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, ensejada por D. João de

Bragança, 2º. Duque de Lafões (1719-1806) e pelo Abade Correia da Serva (1751-1826).

Entre os sócios fundadores, encontravam-se importantes letrados portugueses do período,

como Domingos Vandelli (1735-1816), Antonio Soares Barbosa (1734-1801), Pe.

Teodoro de Almeida (1722-1804), Pe. Antonio Pereira de Figueiredo (1725-1797), dentre

outros212. Difundidas no continente europeu ao longo dos tempos modernos, as academias

se tinham convertido em espaços importantes de sociabilidade para troca de informações

e discussão de ideias entre os letrados213. O discurso proferido por Correia da Serva na

sessão solene de abertura da Academia Real das Ciências de Lisboa, realizada a 4 de julho

de 1780, apresentava a atuação da instituição em diversas frentes:

Aqui uns descobrem manuscritos ... ali outros os traduzem, com gosto,

outros os publicam com elegância. Lá estarão aqueles observando os

minerais, as águas, as plantas, numa palavra, a natureza, quando da

outra parte estão outros tentando experiências, fazendo observações,

imaginando projetos: aqui se formam novos instrumentos, e máquinas,

ali se reformam, e aperfeiçoam as já conhecidas; acolá se verão outros

trabalhando com incansável aplicação nas matemáticas e no cálculo,

outros fazendo fáceis as doutrinas mais espinhosas, e difíceis,

semeando na mocidade o gosto, a crítica, o desejo de estudar e saber214.

210 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 142. 211 Cf. NEVES, Guilherme Pereira das. Do império luso-brasileiro ao império do Brasil (1789-1822). Ler

História, Lisboa, no. 27-28, 1995. 212 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 108, nota 34. 213 Cf. NEVES, Guilherme Pereira das. Academias. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário do Brasil

Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 14. 214 Discurso de fundação da Academia das Ciências de Lisboa citado em IRIA, Alberto. A fundação da

Academia das Ciências de Lisboa. In: História e desenvolvimento da ciência em Portugal. Lisboa:

75

O memorialismo desenvolvido e estimulado pela Academia Real das Ciências de

Lisboa procurou realizar um levantamento das condições naturais e econômicas do Reino

e dos domínios ultramarinos215. Em razão disso, ao longo dos anos, a Academia

desenvolveu uma intensa atividade editorial. Não por acaso, desde 1784, passou a contar

com uma tipografia, cujos prelos imprimiram importantes obras escritas por seus sócios

ou oriundas dos sucessivos concursos organizados pela Academia. A partir de 1788, teve

início uma série de publicações periódicas que marcaram o ambiente letrado e científico

português: as Efemérides Náuticas (1788), as Memórias Econômicas (1789), as

Memórias de Literatura (1792) e as Memórias da Academia Real das Ciências (1797)216.

No âmbito da imprensa periódica, entre o reinado mariano e a regência joanina,

floresceram no reino português mais de uma centena de periódicos, conforme apresentou

anteriormente o GRÁFICO 1. Dentre eles, destaca-se o Jornal Encyclopedico dedicado à

Rainha N. Senhora, e destinado para instrucção geral com a noticia dos novos

descobrimentos em todas as Sciencias e Artes (1779-1793). Dividido em oito seções

temáticas, a publicação abordava temas relacionadas à filosofia, medicina, história

natural, economia, literatura e política. Estavam entre seus colaboradores regulares:

Bento José de Sousa Farinha, sócio da Academia das Ciências de Lisboa e professor régio

de Filosofia; José da Costa e Sá, professor régio de gramática e latim; Antonio de

Almeida, cirurgião da Real Câmara; Francisco Luís Leal, professor régio de filosofia;

Joaquim Henriques de Paiva, médico e acadêmico. O Jornal Enciclopédico representou

Academia das Ciências de Lisboa, 1986, v. 2. Apud LAMBERT, Marina. Real Academia das Ciências de

Lisboa. O Arquivo Nacional e a História Luso-brasileira. Disponível em:

http://historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4015:co

mentario-real-academia-das-ciencias-de-lisboa&catid=91&Itemid=331. Acessado em 20/06/2019. 215 Cf. NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).

São Paulo: Hucitec, 1979. p. 224-225. 216 Cf. SILVA, José Alberto Teixeira Rabelo da. A Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1834):

ciências e hibridismo numa periferia europeia. Tese (Doutoramento em História e Filosofia das Ciências)

– Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015. p. 151 e p. 155, p. 173.

76

a difusão do enciclopedismo francês em Portugal, uma vez que partilhava da intenção

pedagógica de divulgação dos avanços científicos e filosóficos do Século das Luzes. Nele

encontram-se referenciados autores como Voltaire (1694-1778), Rousseau (1712-1778),

Diderot (1713-1784), D’Alembert (1717-1783), Condillac (1714-1780) e Adam Smith

(1723-1790)217.

Ao longo do Setecentos, o teatro recebeu atenção especial dentre as representações

artísticas. Na França, particularmente, segundo Franklin de Matos, letrados como Voltaire

e Diderot associaram o ideal pedagógico das luzes à dramaturgia218. Em Portugal, além

do já existente Teatro do Bairro Alto, o Antigo (1720), foram fundados, na segunda

metade do século XVIII, o Teatro da Rua dos Condes (1765) e o Teatro Salitre (1782)219.

Além destes, foi inaugurado, durante a regência de D. João, em 30 de junho de 1793, o

Teatro de São Carlos, sob os auspícios de Diogo Ignácio Pina Manique, então Intendente

Geral de Polícia220. O fenômeno de difusão de peças da dramaturgia estrangeira,

sobretudo italiana e francesa, foi acompanhado pela ampla circulação impressa, como

veremos adiante, de folhetos e libretos em verso ou em prosa221.

Um ímpeto reformista decididamente ilustrado ganhou fôlego com a ascensão de

Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812) à Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar

em 1796, cargo que ocupou até 1801, quando se viu indicado para a presidência do Real

Erário. Afilhado de batismo do Marquês de Pombal, foi educado por Miguel Franzini (c.

217 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 78-79, 83-84. 218 Cf. MATTOS, Franklin de. A querela do teatro no século XVIII: Voltaire, Diderot, Rousseau. O que

nos faz pensar, Rio de Janeiro, no. 25, 2009. p. 8-10. 219 Cf. LEVIN, Orna Messer. A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil. ArtCultura, Uberlândia, v. 15,

n. 27, jul.-dez. 2013. p. 182. 220 Cf. MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Política e Cultura no governo de D. João VI (1792-1821). Tese

(Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas,

Campinas, 2013. p. 96-98. 221 Cf. LEVIN, Orna Messer. A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil. ArtCultura, Uberlândia, v. 15,

n. 27, jul.-dez. 2013. p. 188-189.

77

1730-1810), tutor italiano do herdeiro de D. José I e, posteriormente, no Real Colégio dos

Nobres. Em 1773 matriculou-se no curso jurídico da Universidade de Coimbra

reformada, onde teve contato com as novidades da jurisprudência, da matemática e da

física newtoniana. Durante sua missão diplomática em Turim, entre 1779 e 1796, segundo

Nívia Pombo, Sousa Coutinho consolidou sua formação intelectual e passou a organizar

suas principais questões e propostas para o reino português, para onde retornaria ao ser

indicado para o importante ministério dos domínios ultramarinos222.

Imbuído de ideias ilustradas e de suas experiências no estrangeiro, Rodrigo de

Sousa Coutinho articulou um amplo programa de “luminosas reformas executadas por

homens inteligentes e capazes de formar sistemas bem-organizados, e cuja utilidade seja

por todos sentida e experimentada”223. O ministro concedeu especial atenção aos

domínios ultramarinos e sua proteção. Em sua famosa Memória sobre o melhoramento

dos domínios de Sua Majestade na América (1797/1798), justificava a importância

fundamental da conservação dos vastos domínios portugueses no continente224. Nas

palavras de Sousa Coutinho, “os domínios de Sua Magestade na Europa não formam

senão a capital e o centro das suas vastas possessões. Portugal reduzido a si só, seria

dentro de um breve período uma província de Espanha”, enquanto podia “figurar

conspícua e brilhantemente entre as primeiras potências da Europa”225. Para a

manutenção destes domínios, o Secretário chamava atenção para os cinco pontos que

precisavam ser observados:

222 Cf. POMBO, Nívia. Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. Pensamento e ação político-administrativa no

Império Português (1778-1812). São Paulo: Hucitec, 2015. p. 37-39, p. 129 223 MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro. In: MAXWELL, Kenneth

(Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 182. 224 Para a análise pioneira sobre a Memória, ver: NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na Crise

do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979. p. 233-239. 225 SILVA, Andrée Mansuy-Diniz (Org.). D. Rodrigo de Souza Coutinho. Textos políticos, económicos e

financeiros (1783-1811). Lisboa: Banco de Portugal, 1993. vol. 2, p. 48.

78

1º a segurança e defesa das mesmas capitanias; 2º princípios luminosos

de administração que segurem e afiancem o aumento das suas culturas

e comércios; 3º a imparcial distribuição da justiça, que é a primeira base

que segura a tranquilidade interior dos Estados; 4º o aumento e

prosperidade das rendas reais, que são evidentemente os primeiros e

essenciais meios da prosperidade e segurança das monarquias e dos

estados em geral; 5º um sistema militar terrestre e marítimo que evite

todo o susto de qualquer concussão interior ou exterior226.

Para a consecução de seus audaciosos planos, Sousa Coutinho mobilizou diversos

letrados luso-brasileiros com o objetivo de fornecerem informações práticas que

servissem para basear suas reformas. Homens como José Vieira Couto, José Teixeira da

Fonseca, João Manso Pereira, Joaquim Veloso Miranda, Manuel Ferreira da Câmara,

dentre outros, foram incumbidos de coletar e realizar investigação acerca das mais

variadas questões mineralógicas e metalúrgicas acerca dos recursos naturais da América

Portuguesa, como o sal, o cobre e o salitre. A esses naturalistas, letrados e membros da

administração que se reuniram em torno da figura de Rodrigo de Sousa Coutinho,

Kenneth Maxwell deu o nome de “geração de 1790”. Estes homens apresentaram

perspicácia e racionalidade na observação dos problemas coloniais227. Nesse sentido,

segundo Maria Odila da Silva Dias, tinha lugar uma estreita ligação entre as ideias

ilustradas e uma política da Coroa portuguesa que a colocava em prática228. Disso decorre

o caráter “pragmático” das Luzes portuguesas apontado por Sérgio Buarque de Holanda.

Em suas palavras, “nada mais significativo, ao contrário, do que a chusma de naturais do

Brasil que então se devotam afincadamente às ‘realidades práticas’ e às próprias ciências

aplicadas”229.

226 SILVA, Andrée Mansuy-Diniz (Org.). D. Rodrigo de Souza Coutinho. Textos políticos, económicos e

financeiros (1783-1811). Lisboa: Banco de Portugal, 1993. vol. 2, p. 51. 227 Cf. MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro. In: MAXWELL,

Kenneth (Org.). Chocolates, Piratas e outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

p. 184. 228 Cf. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Aspectos da Ilustração no Brasil. In: DIAS, Maria Odila Leite da

Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2009. p. 60. 229 Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Introdução. Obras econômicas de Joaquim José de Azeredo

Coutinho (1794-1804). São Paulo: Companhia Editoria Nacional, 1966. p. 14.

79

Assim se desenvolveu, no seio desta elite ilustrada, os planos de criação de um

império luso-brasileiro com o objetivo de manter a unidade política entre Portugal e

Brasil. A ideia nasceu, nas palavras de Guilherme Pereira das Neves, “de uma arguta

percepção, propiciada pelas Luzes, das novas condições políticas e mentais da segunda

metade do século XVIII, aguçada pela independência das treze colônias inglesas da

América, e posteriormente, pela Revolução Francesa”230. Segundo Maria de Lourdes

Viana Lyra, o reformismo ilustrado luso-brasileiro de fins do século XVIII “indicou com

precisão o novo sentido da unidade pretendida: uma unidade atlântica imperial baseada

numa pretensa relação de parceria recíproca para a defesa dos interesses comuns”231.

2.2. TIPOGRAFIAS, GENTES DO LIVRO E O MERCADO LIVREIRO PORTUGUÊS

O comércio de livraria em Espanha e

Portugal, tal como o de muitas cidades de

Itália, está quase todo nas mãos dos

franceses, todos eles saídos duma aldeia

situada num vale do Briançonnais, no

Delfinado232.

Assim descreveu Grasset, um dos principais livreiros de Lausanne, sobre a

situação dos negócios dos livros em Portugal em um memorial dirigido a Malesherbes

(1721-1794), diretor-geral da Livraria na França, em 1754. Na década seguinte, em 1763,

o livreiro Antoine Boudet escreveu, em carta enviada ao Monsieur de Bombarda:

“j’estime que le Portugal consomme ainsi de l’étranger en livres, soit em feuilles, soit

230 NEVES, Guilherme Pereira das. Como um fio de Ariadne no intrincado labirinto do mundo: a ideia do

império luso-brasileiro em Pernambuco (1800-1822). Ler História, Lisboa, no. 39, 2000. p. 56. 231 LYRA, Maria de Lourdes Viana. A Utopia do Poderoso Império. Portugal e Brasil: bastidores da

política (1798-1822). Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. p. 118. 232 BONNANT, Georges. Les libraires du Portugal au XVIIIe siècle vus à travers leurs relations d’affaires

avec leurs fournisseus de Genève, Lausanne et Neuchâtel. Arquivo de Bibliografia Portuguesa, Coimbra,

VI, nº. 23-24, 1960. p. 197-198 apud CAEIRO, Francisco da Gama. Livros e livreiros franceses em Lisboa,

nos fins de setecentos e no primeiro quartel do século XIX. Separata do Boletim da Biblioteca da

Universidade de Coimbra, Coimbra, v. 35, 1980.

80

reliés, pour 250 000 livres par an, les autres passant aux pays contrafacteurs de Suisse,

d’Avignon, et aux imprimeries d’Anvers et d’Italie”233. De fato, a partir dos estudos de

Georges Bonnant, Fernando Guedes e Francisco Caeiro, é possível constatar a

importância dos livreiros franceses para o mercado editorial da época e sua influência na

penetração de obras estrangeiras em Portugal234.

Os primeiros livreiros franceses emigraram para o reino luso nas décadas iniciais

do Setecentos. Foi através de Pedro Faure Legendron, já estabelecido em Lisboa desde

1727, que os primeiros Bertrands chegaram a Portugal. A partir de 1742, encontram-se

os primeiros anúncios de obras vendidas na loja de Pedro Faure e Bertrand, situada

próxima ao Largo do Loreto. Alguns anos depois, após o Terremoto de Lisboa, Bertrand,

já sozinho, anunciava a venda de obras em sua loja, próxima ao Senhor Jesus da Boa

Morte. Na década de 1770, seus filhos passaram a participar do negócio e, após sua morte

em 1779, a livraria passa a se chamar “Viúva Betrand & Filhos”235.

Em 1770, Francisco Rolland estabeleceu-se em Lisboa e passou a atuar como

livreiro, editor e impressor em sua loja, que se tornaria a célebre Typographia

Rollandiana. A partir do Livro de Contas de 1775, Francisco Caeiro estabeleceu o contato

entre Rolland e fornecedores estrangeiros de Paris, Lyon, Avignon, Leipzig e Gèneve,

233 Nota sobre “Situação da imprensa e da livraria em Portugal nos meados do século XVIII”. Arquivo de

Bibliografia Portuguesa, Coimbra, IV, no. 13-14, 1958 apud CAEIRO, Francisco da Gama. Livros e

livreiros franceses em Lisboa, nos fins de setecentos e no primeiro quartel do século XIX. Separata do

Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. 35, 1980. p. 146. 234 Cf. BONNANT, Georges. Les libraires du Portugal au XVIIIe siècle vus à travers leurs relations

d’affaires avec leurs fournisseus de Genève, Lausanne et Neuchâtel. Arquivo de Bibliografia Portuguesa,

Coimbra, VI, nº. 23-24, 1960. CAEIRO, Francisco da Gama. Livros e livreiros franceses em Lisboa, nos

fins de setecentos e no primeiro quartel do século XIX. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade

de Coimbra, Coimbra, v. 35, 1980. GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para

a sua história. Século XVIII-XIX. Lisboa: Editorial Verbo, 1987. 235 Cf. GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-

XIX. Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 24-26, p. 32-35.

81

pontos importantes do mercado livreiro europeu236. No prólogo de uma coleção de

provérbios publicada por sua tipografia em 1780, o livreiro francês revelava seu objetivo:

publicar livros “puros, e desabusados” para a “verdadeira instrução”. Ao longo dos anos,

dos prelos da Rollandiana saíram sistematicamente reedições de obras clássicas

portuguesas e traduções de obras francesas e inglesas237.

A partir da segunda metade do século XVIII, cresceu a concentração de livreiros

franceses em Portugal. Segundo Ângela Maria Barcelos da Gama, onze dos dezessete

livreiros franceses da época eram oriundos da mesma região, Briançon238. Ao acrescentar

nesta lista Francisco Rolland e seu sócio Semion, Francisco Caeiro sobe o número para

treze livreiros oriundos desta região do Delfinado. Nomes famosos para os estudiosos dos

livros em Portugal, como os Borel, Martin, Bertrand, Aillaud, Rey, Orcel, Semion,

Rolland, Guibert, dentre outros, figuram neste grupo239. Desde fins do século XVIII, os

livreiros franceses enviavam remessas de livros a particulares e negociantes que residiam

na América Portuguesa. Ao analisar os requerimentos de licença para despacho de livros

na Real Mesa Censória, Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves constatou menções às

famílias Reycend, Bertrand, Martin, Borel e Rolland em carregamentos de livros

destinados ao Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão, Pernambuco e Pará240.

236 Cf. CAEIRO, Francisco da Gama. Livros e livreiros franceses em Lisboa, nos fins de setecentos e no

primeiro quartel do século XIX. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra,

vol. 35, 1980. p. 149 e p. 152. 237 Cf. DENIPOTTI, Claudio. O livreiro que prefaciava (e os livros roubados): os prefácios de Francisco

Rolland e a circulação de livros no Império Português ao fim do século XVIII. História: Questões &

Debates, Curitiba, volume 65, n.1, jan./jun. 2017. p. 386-387. 238 Cf. GAMA, Ângela Maria do Monte Barcelos da. Livreiros, editores e impressores em Lisboa no século

XVIII. Arquivo de Bibliografia Portuguesa, Coimbra, XIII, 49-52, 1967. p. 8-81. 239 Cf. CAEIRO, Francisco da Gama. Livros e livreiros franceses em Lisboa, nos fins de setecentos e no

primeiro quartel do século XIX. Separata do Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra,

v. 35, 1980. p. 149-151. 240 Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Comércio de livros e censura de ideias: a actividade dos

livreiros franceses no Brasil e a vigilância da Mesa do Desembargo do Paço (1795-1822). Ler História,

Lisboa, n. 23, 1992. p. 61-62.

82

Paralelo aos livreiros franceses, existiam diversas outras lojas de livros, livrarias

e casas impressoras comandadas por portugueses. A partir dos anúncios de livros nos

periódicos publicados entre 1780 e 1820, João Luís Lisboa realizou um estudo da

distribuição geográfica das livrarias. Lisboa era “o centro da edição e da venda do

impresso”, onde residia a maior parte dos potenciais compradores e leitores. Além disso,

a capital portuguesa era um ponto fundamental de produção e distribuição do impresso

tanto no reino quanto nos domínios ultramarinos. Em Coimbra, a imprensa estava

subordinada às necessidades da Universidade, e a função da leitura se relacionava ao

estudo. A cidade do Porto se apresentava como o maior foco de distribuição de livros,

depois de Lisboa241.

Para além dos empreendimentos particulares, o mercado livreiro português da

segunda metade do século XVIII sofreu o impacto de iniciativas tipográficas da própria

Coroa e de seus ministros. Em dezembro de 1768 foi criada a Régia Oficina Tipográfica,

com a intenção de organizar uma oficina tipográfica para os órgãos administrativos,

colégios e universidades, além de uma escola de artes. Durante o reinado de D. José I, a

atividade da Impressão Régia, como ficou conhecida, esteve intrinsicamente ligada ao

plano cultural pombalino. Dos seus prelos saíram textos para o ensino; obras sobre as

questões religiosas, como o galicanismo e a expulsão dos jesuítas; textos oficiais; dentre

outros. Com a ascensão de D. Maria I, a Impressão Régia passou a dar maior importância

à divulgação de autores literários clássicos e às obras religiosas, como sermões, novenas

e livros de orações. Ressalte-se, contudo, que a maior parte das impressões nos prelos

régios eram oriundos de encomendas particulares (77,4%), nas quais predominavam as

241 Cf. LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional

de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. p. 46-47.

83

impressões de textos diversos, como programas, recibos, bilhetes, cartazes, editais, dentre

outros242.

Sob os auspícios ilustrados de Rodrigo de Sousa Coutinho, foi fundada em agosto

de 1799 a Casa Literária do Arco do Cego, cuja direção ficou a cargo do Frei José Mariano

da Conceição Veloso (1741-1811), um botânico e religioso franciscano nascido na

América. Segundo Diogo Ramada Curto, esta iniciativa “afigura exemplar na tradução

efectiva no projeto político de Sousa Coutinho, nos seus diversos sentidos” 243. Ao longo

de sua efêmera atividade, entre 1799 e 1801, foram publicadas obras que versavam sobre

o desenvolvimento da agricultura no Brasil, o comércio marítimo e técnicas náuticas, a

medicina, a história natural e as ciências naturais244. Nas palavras de Veloso, no prefácio

da célebre coleção O Fazendeiro do Brasil, ele fora incumbido de

ajuntar, e trasladar em Portuguez todas as Memorias Estrangeiras, que

fossem convenientes aos Estabelecimentos do Brasil, para o

melhoramento da sua economia rural, e das fabricas que della

dependem, pelas quaes ajudados, houvessem de sahir do atraso, e

atonia, em que actualmente estão, e se pusessem ao nível, com os das

Nações nossas vizinhas, e rivaes no mesmo Continente, assim na

quantidade, como na qualidade dos seus gêneros e produções245.

242 Cf. CANAVARRO, Pedro; GUEDES, Fernanda Maria Silva; RAMOS, Margarida Maria Ortigão;

CALADO, Maria Marques. Introdução. In: ____. (Orgs.). Imprensa Nacional: atividade de uma casa

impressora, vol. 1, 1968-1800. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1975. p. 32-35, p. 37-39. Para

uma visão geral acerca das encomendas e impressões na Impressão Régia, entre 1769 e 1800, ver os gráficos

apresentados nas p. 56-57 e 60-61. 243 CURTO, Diogo Ramada. D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a Casa Literária do Arco do Cego. In:

CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de; CURTO, Diogo Ramada (Orgs.). A Casa Literária do Arco do Cego

(1799-1801): Bicentenário. “Sem livros não há instrução”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,

Biblioteca Nacional, 1999. p. 48. 244 Cf. FARIA, Miguel F. Da Facilitação e da Ornamentação: A Imagem nas Edições do Arco do Cego. In:

CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de; CURTO, Diogo Ramada (Orgs.). A Casa Literária do Arco do Cego

(1799-1801): Bicentenário. “Sem livros não há instrução”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,

Biblioteca Nacional, 1999. p. 115-117. WEGNER, Robert. Livros do Arco do Cego no Brasil Colonial.

História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 11, suplemento 1, 2004. p. 132-135. 245 VELOSO, José Marino da Conceição. O Fazendeiro do Brazil... Lisboa: Régia Officina Typografica,

1798. Tomo I, Parte I, p. 1. Apud LEME, Margarida Ortigão Ramos Paes. Um Breve Itinerário Editorial:

Do Arco do Cego à Impressão Régia. In: CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de; CURTO, Diogo Ramada

(Orgs.). A Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801): Bicentenário. “Sem livros não há instrução”.

Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Biblioteca Nacional, 1999. p. 79.

84

A tipografia esteve envolvida na publicação de, pelo menos, 83 títulos, dos quais

45 eram traduções para o português. Nas palavras de Alessandra Harden, “essa proporção

explicita, sem deixar espaço para dúvida, a posição privilegiada que a atividade de

tradução tinha no projeto editorial representado pelo estabelecimento da casa”246. Este

estabelecimento representou, segundo Lia Wyler, um ponto de inflexão na história da

tradução portuguesa pois foi a primeira agência de tradução financiada pela Coroa247. Sob

a direção de Veloso recorreu-se, conforme salientou Miguel Faria, “a uma maciça tarefa

de traduções contabilizando-se mais traduções do que originais na globalidade do esforço

editorial da Casa Literária do Arco do Cego. As obras em francês, seguidas das inglesas,

seriam as mais utilizadas pelos tradutores do estabelecimento”248. Nas traduções

científicas, os prefácios e dedicatórias que as acompanhavam possuíram importância

fundamental, uma vez que eram dotados de uma estratégia retórica que permitia a

introdução de aspectos das Luzes na sociedade portuguesa de Antigo Regime249.

Além dos livros e tipografias, é preciso considerar quais livros circulavam na

sociedade portuguesa e eram vendidos nas lojas e livrarias, acessíveis, portanto, ao

público letrado. Fernando Guedes procedeu à análise de onze catálogos de livreiros

lisboetas entre 1777 e 1797 e das listas de impressão da Régia Oficina Tipográfica entre

os anos de 1798 e 1799:

246 HARDEN, Alessandra Ramos de Oliveira. Tradução no Arco do Cego: Revelações das Páginas de

Rosto. In: PATACA, Emerlinda & LUNA, Fernando José (Orgs.). Frei Veloso e a Tipografia do Arco do

Cego. São Paulo: Edusp, 2019. 247 Cf. WYLER, Lia. Línguas, poetas e bacharéis: uma crônica da tradução no Brasil. Rio de Janeiro:

Rocco, 2003. p. 74-76. 248 FARIA, Miguel F. Da Facilitação e da Ornamentação: A Imagem nas Edições do Arco do Cego. In:

CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de; CURTO, Diogo Ramada (Orgs.). A Casa Literária do Arco do Cego

(1799-1801): Bicentenário. “Sem livros não há instrução”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,

Biblioteca Nacional, 1999. p. 117. 249 Cf. HARDEN, Alessandra Ramos de Oliveira. Os tradutores da Casa do Arco do Cego e a ciência

iluminista: a conciliação pelas palavras. Trabalhos em Linguística Aplicada (UNICAMP), Campinas, v. 50,

2011. p. 317.

85

GRÁFICO 2

Livros nos catálogos das lojas e livrarias portuguesas (1777-1799)

FONTE: Elaborado a partir dos dados apresentados em GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em

Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-XIX. Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 84-85.

Primeiramente, impressiona o volume de obras presentes no catálogo de 1777 da

recém-criada Loja da Impressão Régia, composto por mais de três milhares de livros.

Nele, destacam-se os livros de “Teologia e Religião” (1) e a seção de “Filosofia e

Ciências” (2), composta por obras de filosofia, matemática, geometria, física, astronomia,

agricultura, comércio, medicina, dentre outras. Entre os autores destacam-se François

Fenélon (1751-1715), Buffon (1707-1788), Lineu (1707-1778), d’Alembert (1717-1783),

0

200

400

600

800

1000

1200

Núm

ero

de

Ob

ras

Livrarias e Anos dos Catálogos

1 - Teologia, Religião

2 -Direito, Economia

3- Filosofia e Ciências

4 - História, Bibliografias, Geografia

5 - Poesia, Teatro, Clássicos

6 - Linguística, História literária, gramática, Dicionários, Retórica

86

Francis Bacon (1561-1626), Alexander Pope (1688-1744), Leibniz (1646-1716), Denis

Diderot (1713-1784), Isaac Newton (1643-1727), Pierre Bayle (1646-1706), Aristóteles,

entre outros250. O catálogo de 1779 da livraria de João Batista Reycend é o segundo em

extensão. Após ampla seção de “Teologia e Religião” (1), seguem as de “Poesia, Teatro,

Clássicos” (5) e as de “Direito e Economia” (2). Os catálogos de 1791, 1792, 1793 e 1797

das casas Bertrand, Reycend e Borel apresentam uma estrutura “bastante idêntica entre

si, apresentando apenas a de Borel uma especialização em direito”251. Ao comparar o

catálogo oficial de livros de 1777 com os livreiros privados da cidade de Lisboa, Fernando

Guedes conclui que

os catálogos das livrarias privadas, editados ao longo do período,

formados tendo predominantemente em conta as predilecções dos

clientes – por outras palavras, oferecendo aquelas obras que o livreiro

sabia, ou previa, que tinham público assegurado, esses catálogos não

contrariam aquele ideal [oficial], nem o rejeitam: mitigam-no

fortemente no início do período e, com o correr dos anos, vão-se dele,

lentamente, aproximando252.

Por meio do levantamento, as referências de venda de livros nos anúncios dos

periódicos portugueses, especialmente a Gazeta de Lisboa, entre 1780 e 1820, João Luís

Lisboa oferece uma interessante perspectiva para matizar os tipos de livros acessíveis aos

leitores portugueses no período. As obras religiosas e as que versavam sobre História e

Geografia eram as de anúncio mais regular, apesar de não acompanharem completamente

o crescimento geral da leitura. É notável o crescimento dos livros de Belas-Letras e a

expansão das obras de Direito e Jurisprudência. Considerando o período compreendido

pelo estudo, a década de 1780 apresenta um crescimento das leituras científicas. No início

da década seguinte, as leituras científicas são afetadas, bem como obras religiosas e

250 GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-XIX.

Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 97. 251 GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-XIX.

Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 103-104. 252 GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-XIX.

Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 106.

87

históricas. Entre os últimos anos do século XVIII e o início da Guerra Peninsular,

difundiu-se mais amplamente o gosto pelas obras literárias, sobretudo as novelas e

romances. Ao longo dos conflitos napoleônicos, proliferam as leituras políticas, como

panfletos e periódicos253.

2.3.OBRAS ESTRANGEIRAS TRADUZIDAS EM PORTUGUÊS

Dentre os livros que circularam em Portugal na segunda metade do século XVIII,

as traduções possuíam uma importância singular. A despeito de suas temáticas, as obras

traduzidas permitiam o contato com a produção literária, científica, política ou religiosa

de letrados das mais diferentes regiões europeias254. Por isso, é fundamental a apreciação

quantitativa e qualitativa dos fluxos gerais das obras traduzidas para a língua portuguesa

entre os anos de 1750 e 1800. Os dados apresentados neste trabalho advêm da resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa intitulada A Tradução em

Portugal, publicada em 1992 e organizada por António Augusto Gonçalves Rodrigues255.

O organizador e sua equipe exploraram o acervo das mais diversas instituições,

notadamente a Biblioteca Nacional de Lisboa, e centenas de publicações, desde as

bibliografias clássicas, como as de Inocêncio Francisco da Silva e Rubens Borba de

Moraes, aos catálogos de bibliotecas particulares e universitárias. Tamanho esforço

253 Cf. LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional

de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. p. 76-78,

p. 82-83. 254 Para uma reflexão sobre a tradução na época moderna, ver a coletânea BURKE, Peter & PO-CHIA

HSIA, Ronnie (Orgs.). A tradução cultural nos primórdios da Europa Moderna. São Paulo: Editora

UNESP, 2009. 255 RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

88

resultou em uma ferramenta bibliográfica fundamental para os pesquisadores que, como

toda em seu gênero, possui limites e dificuldades256.

Em termos metodológicos, procedemos à organização de um banco de dados a

partir da bibliografia organizada por Gonçalves Rodrigues. Para cada obra publicada,

preenchemos os seguintes campos: “ano de publicação”, “autor”, “título da obra”,

“tipografia” e “tradutor”. Após o preenchimento das informações para obras publicadas

entre 1750 e 1800, recorte preliminar desta pesquisa, avançamos em algumas direções

importantes: a classificação temática, a investigação das línguas originais das obras

traduzidas, os lugares e cidades de publicação a partir da localização das tipografias

identificadas e, por fim, a árdua busca por informações acerca do perfil socioprofissional

dos tradutores conhecidos257.

A segunda fase da pesquisa, acima descrita, iniciou-se pela busca no Diccionario

Bibliographico Portuguez de Inocêncio Francisco da Silva e em seus suplementos

posteriores, disponíveis na Biblioteca Digital do Senado Federal do Brasil. Obras

contemporâneas, como as de Isabel Lousada, Gilda Verri e Alessandra Harden

forneceram informações importantes sobre as tipografias e os tradutores258. Além disso,

foram consultadas obras digitalizadas em plataformas digitais, como o Google Books e o

Archive.org. Na LusoDat, bases de dados sobre história da ciência, da medicina e da

256 Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 13-19. 257 Agradeço à Savanah Abreu cujo auxílio na tabulação e organização dos dados foi imprescindível para a

consecução dos objetivos propostos neste trabalho. 258 LOUSADA, Isabel. Para o estabelecimento de uma bibliografia britânica em português, 1554-1900.

Tese (Doutorado) – Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1998. VERRI, Gilda Maria Whitaker. Tinta

sobre Papel: livros em Pernambuco no século XVIII. Volume 2, 1769-1807, Catálogo. Recife: Editora

Universitária da UFPE, 2006. HARDEN, Alessandra Ramos de Oliveira. Brazilian Translators in Portugal

(1785-1808): Ambivalent Men of Science. 2 vol. Tese (Doutorado) – Dublin, University College Dublin,

2010.

89

técnica em Portugal e Brasil, do Renascimento até 1900, foram encontradas informações

sobre edições, tradutores e tipografias259.

O mundo luso-brasileiro do Setecentos assistiu ao surgimento de uma profusão de

publicações de obras estrangeiras em língua portuguesa. Como aponta António

Gonçalves Rodrigues, na primeira metade do século XVIII, já surgiram 442 traduções

publicadas em Portugal, frente a 266 do século anterior. Entre os anos de 1750 e 1800,

porém, publicou-se um total de 1337 traduções dos mais variados temas e autores. Em

uma análise geral, constatamos um vertiginoso crescimento das traduções na década de

1780. Frente às 177 traduções publicadas na década de 1770, saíram à luz entre 1780 e

1789, 447 obras traduzidas260. O GRÁFICO 3 apresenta o volume anual adquirido pelas

obras traduzidas para o português no período estudado:

GRÁFICO 3

Obras traduzidas para a Língua Portuguesa (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

259 LUSODAT. Bases de dados sobre história da ciência, da medicina e da técnica em Portugal e Brasil, do

Renascimento até 1900. Disponível em: http://www.ghtc.usp.br/lusodat.htm. Acessada em 20/01/2019. 260 Cf. RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Núm

ero

de

Ob

ras

Ano de Publicação

90

Uma forma diacrônica de abordar a questão é pensar os temas das traduções em

conexão com as décadas em que foram publicadas. Inspirado no trabalho de Lúcia Bastos

Pereira das Neves e Guilherme Pereira das Neves, procedeu-se a organização das áreas

temáticas apresentadas anteriormente nas cinco grandes categorias do Catálogo da

Biblioteca do Conde da Barca (1818): Teologia (orações, catecismos, obras de devoção,

etc.), Belas Letras (gramáticas, dicionários, obras em prosa, poesia, contos, novelas,

teatro, fábulas, etc.), Ciências e Artes (obras de filosofia, moral, economia, agricultura,

matemática, ciências, física, arquitetura, etc.), Jurisprudência (livros de direito) e

História (cronologias, viagens, memórias, relatos, geografia, etc.)261.

GRÁFICO 4

Temas das obras traduzidas para a Língua Portuguesa por década (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

261 Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das & NEVES, Guilherme Pereira das. A Biblioteca de

Francisco Agostinho Gomes: a permanência da Ilustração luso-brasileira entre Portugal e o Brasil. Revista

do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 425, 2004. p. 19. Para uma discussão

acerca da classificação da Biblioteca do Conde da Barca (1818), ver: FERRAZ, Márcia. A classificação

das ciências na biblioteca do Conde da Barca. Circumscribere: International Journal for the History of

Science, v. 19, p. 34-49, jun. 2017.

0

50

100

150

200

250

1750-1759 1760-1769 1770-1779 1780-1789 1790-1800

Núm

ero

de

Ob

ras

Décadas de Publicação

Teologia Belas Letras Ciências e Artes Jurisprudência História

91

A partir do GRÁFICO 3, constatam-se picos de impressão de traduções nos anos de

1791 (80 títulos), 1786 (63 títulos), 1783 (61 títulos), 1785 (61 títulos) e 1792 (58 títulos).

Uma hipótese possível parte do princípio de que o aumento das traduções nestas décadas

está diretamente relacionado ao crescimento da impressão das obras de Belas Letras, que

representaram cerca de 44,5% das traduções que saíram a luz entre 1780 e 1800. Há, sem

dúvida, uma importante mudança no padrão das práticas de leitura anteriores,

comprovado pelo GRÁFICO 4. O processo de crescimento de uma literatura leiga veio

acompanhado de uma queda nos livros de Teologia ao longo da década de 1790, se

comparada à anterior.

Esta transformação se insere, com certos limites característicos das sociedades do

período, no processo de “descristianização” apontado por François Furet e outros

historiadores franceses. A mudança no perfil de leitura propiciada pela emergência das

Luzes representou, salienta João Luís Lisboa, uma queda da leitura religiosa e de

humanidades e um crescimento na leitura de diversão262. Por fim, a partir da década de

1780, as obras de Ciências e Artes, notadamente as que versam sobre agricultura e

medicina, experimentaram um notável avanço. Os livros traduzidos de História e

Jurisprudência não apresentaram, ao longo da segunda metade do século XVIII,

mudanças significativas em termos de volume.

262 Cf. FURET, François (Dir.). Livre et societé dans la France du XVIIIe. Siécle. 2v. Paris/Haia, Mutton,

1965-1970 apud LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto

Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991.

p. 82.

92

GRÁFICO 5

Assuntos das obras traduzidas para a Língua Portuguesa (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

Para transpor a análise geral e refinar as temáticas das obras, foi preciso organizá-

las em assuntos e áreas temáticas específicas. As obras de Belas Letras, por exemplo,

foram divididas em Teatro, Literatura (Prosa), Literatura (Verso), Poética, Retórica e

Gramática. Semelhante se passou com Ciências e Artes, cujos títulos foram distribuídos

em Medicina, Ciências, Agricultura, Matemática, dentre outros. O resultado da

organização foi expresso no GRÁFICO 5.

Conforme análise do GRÁFICO 5, as obras religiosas e textos devocionais

constituíram 26,2% das traduções no período referido. Tal preeminência não é

surpreendente uma vez que, segundo Guilherme Pereira das Neves, um dos traços mais

significativos traços do mundo luso-brasileiro do período era justamente o

lugar central que nele ainda ocupava a religião enquanto forma de

conhecimento em relação ao mundo, ao contrário do que se passava e

outras regiões do Ocidente, nas quais a visão secularizada da natureza

e da sociedade, concebida sob a forma de uma ciência, ou de uma

filosofia, tendia a impor-se como o principal instrumento para regular

0

50

100

150

200

250

300

350

Núm

ero

de

ob

ras

Categorias

93

as atividades produtivas e as relações sociais, dando origem ao

liberalismo oitocentista263.

Contudo, é possível afirmar que a proporção de textos devocionais nos séculos anteriores

em Portugal era consideravelmente maior. Conforme o estudo comparativo de Alexander

Wilkinson sobre a tradução vernácula na época renascentista, em fins do século XVI,

cerca de 54% das traduções na Península Ibérica eram de obras religiosas264.

As obras religiosas compunham-se majoritariamente de livros de devoção,

sermões, missais e escritos de santos, papas e doutores da Igreja Católica, como São

Francisco de Sales, São Jerônimo, Santa Teresa, Clemente XIV, Bento XIV, Pio VI, Santo

Agostinho, entre outros. A Imitação de Cristo de Thomas Kempis (1380-1471) continuou

a gozar de sucesso em Portugal e foi editada seis vezes. Os famosos Catecismos de

Montpellier, de tendência jansenista, escritos a mando de Charles-Joachim Colbert (1667-

1738), bispo daquela diocese, foram publicados em onze edições durante o período, das

quais quatro saíram dos prelos da Régia Oficina Tipográfica. De Frei Luís de Granada

(1505-1588), imprimiram-se Guia de Pecadores (1764, 1784, 1794), Introdução do

symbolo da fé (1780 e 1782) e Regras da Vida Virtuosa (1779, 1785 e 1796). O frade

dominicano, segundo Célia Maia Borges, possuiu grande importância para o mundo

católico desde a publicação dos seus escritos, cuja influência perdurou até fins do século

XVIII265.

As obras teatrais, a segunda maior área temática, equivalem a 20% das obras

traduzidas em língua portuguesa na segunda metade do século XVIII. As peças teatrais

263 NEVES, Guilherme Pereira das Neves. Um mundo ainda encantado: religião e religiosidade na América

Portuguesa ao fim do período colonial. Oceanos. Lisboa, v. 42, 2000. p. 114. 264 Cf. WILKINSON, Alexander S. Vernacular translation in Renaissance France, Spain, Portugal and

Britain: a comparative survey. Renaissance Studies, vol. 29, no. 1, nov. 2015. p. 31. 265 Cf. BORGES, Célia Maia. A apropriação e a leitura das obras de Frei Luís de Granada na Europa

Católica – Séculos XVI e XVII. In: FLECK, Eliane Cristina Deckmann & DILLMANN, Mauro (Orgs.). O

universo letrado da Idade Moderna: escritoras e escritores portugueses e luso-brasileiros, séculos XVI-

XIX. São Leopoldo: Oikos, Editora Unisinos, 2019. p. 133.

94

que recebiam aplausos no Teatro do Bairro Alto (1720), no Teatro da Rua dos Condes

(1765) e no Teatro Salitre (1782), eram, muitas vezes, oriundas da França, da Espanha e,

sobretudo, da Itália. Conforme salienta Orna Messer Levin, “o teatro português sobrevivia

tributário dos modelos estrangeiros ou vinha sendo preterido pela voga da ópera italiana,

para a qual a gente fidalga voltava suas atenções, levando o governo a destinar-lhe apoio

financeiro em detrimento da produção nacional”266.

Além disso, o teatro foi fundamental para a afirmação cultural da burguesia

lisboeta, que resultou na criação em 1771 da Sociedade estabelecida para a subsistência

dos Theatros Públicos da Corte. Os estatutos publicados no ano de fundação da

Sociedade consideravam o

grande esplendor, e utilidade, que resulta a todas as Nações do

Estabelecimento dos Theatros Públicos, por serem estes, quando são

bem regulados, a Escola Pública, onde os Povos aprendem as Maximas

mais sans da Politica, da Moral, do Amor da Patria, do Valor, Zelo, e

Fidelidade, com que devem servir aos seus Soberanos; civilizando-se,

e desterrando insensivelmente alguns restos de barbaridade, que nelles

deixarão os infelizes séculos da ignorância267.

O alvará, que criava esta sociedade por ações, concedia à dramaturgia “uma função

institucional de educação, esclarecimento e instrumento da civilização”. Ao mesmo

tempo, o teatro converteu-se em importante espaço de diversão e sociabilidade da

aristocracia portuguesa268.

É notável a influência das óperas e dramas italianos, especialmente aquelas

escritas pelo abade Pietro Metastasio (1698-1782), autor de 28% das obras teatrais

publicadas no período, e do dramaturgo veneziano Carlo Goldoni (1707-1793). Além da

dramaturgia italiana, encontramos obras francesas como as de Molière (1622-1673) e

266 LEVIN, Orna Messer. A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil. ArtCultura, Uberlândia, v. 15, n.

27, jul.-dez. 2013. p. 182. 267 INSTITUIÇÃO da Sociedade estabelecida para a subsistencia dos theatros públicos da Corte. Lisboa:

Regia Typografia Silviana, 1771. p. 3. 268 ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 96.

95

Voltaire (1684-1778), e os dramas ingleses de Edward Young (1683-1765) e William

Congreve (1670-1729), dentre outros.

A terceira maior área temática reúne a literatura em prosa, como contos, novelas

e romances, que perfaz 10,5% das obras traduzidas. Merecem destaque as onze edições

com diferentes traduções da obra As Aventuras de Telêmaco, romance de François

Fenélon (1651-1715). O livro, que narra a viagem empreendida por Telêmaco, filho de

Ulisses, em busca de seu pai, possuía um caráter pedagógico e apresentava exemplos de

conduta moral. Segundo Márcia Abreu, a obra de Fenélon converteu-se em verdadeiro

best-seller no mundo luso-brasileiro e foi o livro mais remetido para o Rio de Janeiro,

entre 1769 e 1826269.

Igualmente oriundos da língua francesa, os contos morais de Jean-François

Marmontel (1723-1799) e de Baculard d’Arnaud (1718-1805) encontraram significativa

penetração em Portugal e em seus domínios. A obra Auto do Infante Dom Pedro, na qual

seu autor, o castelhano Gomes de Santo Estevão (1388-?), descreve as viagens

empreendidas por Dom Pedro de Portugal entre 1424 e 1428, recebeu doze impressões,

com traduções diferentes na segunda metade do século XVIII. Do inglês, foram

traduzidos os romances Pamella Andrews (1790) de Samuel Richardson (1689-1761) e

Vida e Aventuras de Robinson Crusoé (1785) de Daniel Defoe (1660-1731).

As traduções de obras literárias em verso constituem a quarta maior área temática

do período com 9,8% das traduções. Os autores da Antiguidade estavam entre os mais

traduzidos, sobretudo Horácio, Virgílio e Ovídio. A Epístola aos Pisões, mais conhecida

como Arte Poética, na qual Horácio Flacco discute a arte da poesia e do drama, foi

impressa sete vezes, desde a primeira tradução publicada pelo frade oratoriano Francisco

269 Cf. ABREU, Márcia. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: FAPESP, 2003.

p. 90-91.

96

José Freire, sob o pseudônimo de Cândido Lusitano, em 1758. Além desta, circularam

outras três traduções distintas, realizadas pelos letrados Miguel Antonio Ciera (1772),

Pedro José da Fonseca (1790) e Joaquim José da Costa e Sá (1794). A Eneida Portuguesa,

tradução do clássico de Virgílio realizada por João Franco Barreto (1600-1674) no século

XVII, recebeu duas novas edições no período (1762 e 1763).

Dos autores modernos, um dos mais traduzidos foi o suíço Salomon Gessner

(1730-1788). Obras de sua autoria, como Idílios e A Morte de Abel, representantes da

poesia pastoral que marcou o século XVIII, despertaram o interesse de Ricardo Raimundo

Nogueira, professor de direito na Universidade de Coimbra, e de outros tradutores como

José Anastácio da Cunha e os religiosos Antônio de Oliveira Valle e José Amaro da Silva,

e receberam dez impressões entre 1750 e 1800. O autor germânico gozava de certo

prestígio em Portugal. Segundo Ana Cristina Araújo, em 1761, Francisco Bernardo de

Lima , redator da Gazeta Literária, considerava o poema A morte de Abel “obra rara” e

“digna de atenção de todos os séculos”270.

Dentre as obras inglesas, merecem destaque as seis publicações das Noites Seletas,

escrita pelo poeta Edward Young (1683-1765), além do Paraíso Perdido (1789) de John

Milton (1608-1674) e dos poemas e odes de Alexander Pope (1688-1744). No âmbito das

obras francesas em verso, traduzidas para a língua portuguesa neste período, encontram-

se as Fábulas de Jean de La Fontaine (1621-1695), diversos textos de Louis Racine (1692-

1763) e o poema épico Henríada de Voltaire (1694-1778).

A quinta maior área temática reúne as traduções de obras médicas e científicas

relativas à saúde, doenças, tratamentos e remédios, que perfazem 6,8% das traduções para

a língua portuguesa. Uma das razões para tal, aponta Claudio DeNipoti, era a ideia de

270 ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 75.

97

utilidade, que permeava as justificativas oferecidas em prefácios e prólogos de tradutores

do período271. Nesse sentido, a medicina apresentava-se bem desenvolvida e cultivada

enquanto área de conhecimento no século XVIII. Símbolo do progresso científico

setecentista, a literatura médica foi utilizada em Portugal para o combate ao mundo dos

práticos, em que atuavam os “barbeiros”, “impostores” e “empíricos”272.

Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1829) foi um dos mais famosos

tradutores médicos do período273. O médico e professor de Farmácia da Universidade de

Coimbra foi responsável pela introdução no mundo luso-brasileiro do conhecimento

médico de Jacob Plenck (1738-1807), Samuel-August Tissot (1728-1797), William

Buchan (1729-1805), Melchior Adam Weikard (1742-1803), Samuel Foart Simmons

(1750-1813), Antoine- François de Fourcroy (1755-1809), John Brown (1735-1788),

dentre outros. No prefácio ao Aviso ao povo acerca da sua saúde, escrito pelo médico

Auguste Tissot (1728-1797), cuja versão em português foi publicada seis vezes entre

1750 e 1800, Henriques de Paiva escreveu:

O merecimento do Aviso ao povo de Mr. Tissot, cuja tradução ofereço

ao público, é tão conhecido, que julgo supérfluo demorar-me em o

mostrar, e ainda quanto houvesse alguém que duvidasse dele, bastava

para ficar convencido olhar não só para as repetidas edições, que em

pouco se fizeram desta Obra, e para as elegantes traduções feitas em

quase todas as línguas, mas sobretudo, para os sábios tradutores que Mr.

Tissot teve a sorte de ter274.

271 Cf. DENIPOTI, Claudio. Tradutores médicos e a ideia de tradução em Portugal em fins do século XVIII:

o caso dos livros de medicina. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, vol.24, n.4, 2017. p.

919-920. 272 Cf. LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional

de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. p. 120. 273 Cf. LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional

de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. p. 118. 274 PAIVA, Manuel Joaquim Henriques de. Prefação. Aviso ao povo a’cerca de sua saúde por Monsieur

Tissot, Doutor em Medicina, e Socio de muitas academias... Lisboa: Officina de Filippe da Silva e Azevedo,

1786. p. XXIX.

98

Além das principais áreas temáticas acima comentadas, foram traduzidas obras

que versavam sobre história (4,4%), filosofia (3,9%), ciências (3,2%), agricultura (2,1%),

matemática (1,8%), dentre outras.

GRÁFICO 6

Idiomas originais das obras traduzidas para a Língua Portuguesa (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

Em relação às línguas originais das obras traduzidas no período, constata-se, a

partir da análise dos elementos do GRÁFICO 6, a notável preeminência do francês em

40,4% das publicações. Este fato representa um ponto de inflexão na história da tradução

portuguesa. Segundo João Paulo Silvestre, “o mercado editorial português, nos séculos

XVI e XVII, não privilegiou a tradução para vernáculo de textos científicos, literários e

religiosos”, uma vez que um elevado número de livros era impresso em latim e

castelhano, mantendo, assim, as línguas da edição original. “O espaço das traduções do

francês”, continua ele, “é lentamente conquistado à medida que o século XVIII

0

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200

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Idiomas

99

avança”275. João Luís Lisboa salientou que, entre 1780 e 1820, “o francês seria (muito

provavelmente) a língua estrangeira mais lida ao longo de praticamente todo este

período”276.

Do italiano foram vertidas 16,7% das obras traduzidas na segunda metade do

século XVIII. Isso se deve, como demonstrado anteriormente, ao sucesso alcançado pelas

óperas, dramas e tragédias italianas em solo português. Infelizmente, não foi possível

identificar a procedência linguística de 14% das obras descritas por Gonçalves Rodrigues

em sua resenha cronológica. Cerca de 10% das obras traduzidas eram originadas do

Latim, principalmente obras religiosas como traduções da Vulgata latina e de escritos de

Santo Agostinho (354-430 d.C.). Há, também, versões em português dos autores antigos

Ovídio, Cícero, Quintiliano, Euclides e, sobretudo, Horácio. Ademais, foram traduzidas

obras escritas originalmente em inglês (8,6%), castelhano e espanhol (8,3%), grego (1%),

alemão (0,4%), holandês (0,7%) e persa (0,7%).

275 SILVESTRE, João Paulo. A tradução do discurso enciclopédico para a língua portuguesa: barreiras

linguísticas e culturais no início do século XVIII. In: MIGUEL, Maria Augusta et alii (Orgs.). Actas do I

Colóquio de Tradução e Cultura. Ponta Delgada: Universidade dos Açores, 2006. Para ambas as citações,

ver p. 247. 276 LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional de

Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. p. 68.

100

GRÁFICO 7

Perfil socioprofissional dos tradutores identificados (por número de obras) (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

O GRÁFICO 7 apresenta uma análise do perfil socioprofissional dos tradutores das

obras descritas na bibliografia de Gonçalves Rodrigues. Primeiramente, ressalte-se que

foram identificados e classificados os tradutores de apenas 34,6% das obras. O espectro

de tradutores identificados é, sem dúvida, pequeno se comparado ao universo de obras

traduzidas no período estudado. Isso se relaciona ao anonimato dos tradutores, que

marcou a maioria dos impressos vertidos em português. Em alguns casos, os tradutores,

talvez com o objetivo de escapar às malhas dos órgãos censores, preferiam se identificar

020406080

100120140160180

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Categorias

101

por expressões como “por um amante e zeloso da pátria”277, “por um devoto”278, “por um

teólogo português”279, “por um amigo da verdade”280, dentre muitas outras.

Dentre os identificados, o protagonismo recai sobre os tradutores religiosos, que

perfazem 36,4%. Em seguida, destacam-se a genérica categoria de letrados, que reúne

poetas, escritores e membros da Academia Real de Ciências de Lisboa, da Academia Real

de História, da Academia de Belas Artes Arcádia de Portugal, dentre outras. O terceiro

maior grupo é composto por médicos e cirurgiões e, o quarto, por professores régios e

lentes das universidades portuguesas.

A despeito dos limites impostos pelas fontes, podemos levantar algumas questões

sobre os tradutores lusos da segunda metade do século XVIII. Em primeiro lugar,

conforme demonstra Claudio DeNipoti, a partir da análise de prefácios, cartas e discursos

acrescentados nas traduções publicadas entre 1770 e 1810, os tradutores do período eram

movidos por uma ideia geral de utilidade, vinculada ao processo de instrução e de uma

educação moral voltada para o desenvolvimento da civilidade281.

Em segundo, a partir desta primeira constatação, constatamos que,

frequentemente, as temáticas dos textos traduzidos estavam relacionados ao perfil

socioprofissional dos tradutores. As ocorrências são inúmeras. À título de exemplo,

retome-se o caso do já citado Manuel Joaquim Henriques de Paiva, boticário e médico,

277 DIVERTIMENTOS militares, obra agradável e instructiva, utilíssima para todos os militares. Tradução

feita e acrescentada por hum amante e zeloso da Pátria. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa,

1762. 278 AGOSTINHO, Santo. Confissões... Traduzido na língua portuguesa por um devoto. Lisboa: Régia

Officina Typográfica, 1783. 279 JERÔNIMO, São. Epístolas Selectas... Traduzidas na língua vulgar por um theologo portuguez. Lisboa:

Officina de Francisco Luis Ameno, 1784. 280 DISSERTAÇÃO SOBRE O ESTADO RELIGIOSO. Em que se mostra qual he o seu espírito, qual a sua

origem, os seus progressos... Composta na língua Franceza Pelo Abbade de B.***, e pelo Abbade de B. B.

*** Traduzida na Portugueza Por Hum Amigo da Verdade. Lisboa: Off. Patr. de Francisco Luiz Ameno,

1786. 281 DENIPOTI, Cláudio. Em busca da tradução perfeita: os discursos dos tradutores e censores portugueses

na segunda metade do século XVIII. In: SANTOS, Antonio Cesar de Almeida (Org.). Ilustração, cultura

escrita e práticas culturais e educativas. Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2016. p. 93.

102

que traduziu obras médicas de Samuel-Auguste Tissot (1728-1797), Joseph Jacques de

Gardanne (1726-1786), William Buchan (1729-1805), Joseph Jacob Plenck (1738-1807),

dentre outros. Situação semelhante se passou com José Francisco Leal, lente de Matéria

Médica e de Instituições Cirúrgicas de Coimbra, que verteu em português textos escritos

pelo francês Antoine Baumé (1728-1804). Os professores e lentes constantemente

traduziam obras relacionadas ao seu ofício, como Antonio Lourenço Caminha, professor

de Retórica e Poética, que traduziu Lélio ou o diálogo sobre a Amizade (1785) de Cícero

e outras obras poéticas de Ovídio. Joaquim José da Costa e Sá, lente de Gramática e Latim

em Coimbra, trasladou ao português a Arte Poética (1794) de Horácio. O ator e

dramaturgo Antonio José da Silva foi o tradutor de diversas óperas e dramas italianos de

Metastasio (1698-1782).

GRÁFICO 8

Cidades de impressão das obras traduzidas para a língua portuguesa (1750-1800)

FONTE: RODRIGUES, Antonio Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992.

A propósito das cidades de impressão dos livros, apresentadas nos GRÁFICO 8, a

maioria das traduções para o português publicadas entre 1750 e 1800 foram impressas em

0100200300400500600700800900

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Cidades

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oficinas e tipografias localizadas em Lisboa (70,8%). Como apresentamos anteriormente,

a capital portuguesa concentrava um grande número de livreiros e tipografias, o que a

converteu no ponto central do comércio livreiro no mundo luso-brasileiro. As tipografias

de Porto e Coimbra imprimiram, respectivamente, 6,3% e 4,2%. Constata-se, ainda, uma

notável pulverização de impressões de traduções em português em outros centros de

produção livreira como Londres, Paris, Madrid e Nápoles.

2.4. LETRADOS EM BUSCA DA TRADUÇÃO PERFEITA

Nec verbum verbo curabis reddere fidus interpres282

- Horácio, Ars Poetica

Consoante à análise quantitativa das traduções, faz-se necessário refletir sobre o

conceito de tradução no mundo luso-brasileiro a partir de suas concepções e usos pelos

letrados entre 1750 e 1820. Com inspiração na História dos Conceitos preconizada por

Reinhart Koselleck, parte-se do pressuposto aqui que “os conceitos são tanto indicadores

como fatores na vida política e social”. Nesse sentido, é preciso refletir como os “seus

usos foram subsequentemente mantidos, alterados ou transformados”283. Para tanto, serão

utilizados discursos e prefácios a traduções da época; cartas, artigos e polêmicas da

imprensa periódica e as acepções dos vocabulários e dicionários.

No Setecentos português, as reflexões sobre o ato de traduzir presentes nos

prefácios e discursos de tradutores abordavam constantemente se as boas traduções eram

282 “E não cuidareis em traduzir palavra por palavra, fiel intérprete”. Tradução de John Milton e Dirceu

Villa em MILTON, John & VILLA, Dirceu (Orgs.). Os Escritos Clássicos Ingleses sobre a Tradução –

1615-1791. São Paulo: Humanitas, CAPES, 2012. p. 7. 283 KOSELLECK, Reinhart. Uma resposta aos comentários sobre o Geschichtliche Grundbegriffe. In:

JASMIN, Marcelo Gantus & JÚNIOR, João Feres (Orgs.). História dos Conceitos. Debates e perspectivas.

Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, Edições Loyola, IUPERJ, 2006. p. 100 e 101, respectivamente.

104

as que se fiavam no sentido e pensamento do autor ou aquelas que traduziam palavra por

palavra. No verbete “tradução” do Vocabulário Português e Latino (1712-1728), o padre

Raphael Bluteau (1638-1734) afirmava que “as boas traduções não se fazem palavra por

palavra mas por equivalências”. Para o termo “tradutor”, o padre também tratava da

questão da fidelidade ao original: “O Italiano chama ao Tradutor, Traidor, Traduttore,

Traditore, mas o Traductor fiel, não é traidor; a muitas nações dá em cada palavra provas

autênticas da sua fidelidade”284.

Em 1746, ao tratar das traduções latinas e de sua função na educação da mocidade

portuguesa, o padre Luís Antônio Verney (1713-1792), na Carta Terceira do Verdadeiro

Método de Estudar (1746), advogava por uma tradução ad sensum, que transladasse ao

português o sentido expresso pelo autor em sua língua original, e criticava o esforço

tradutório que se mantivesse preso ao sentido literal das palavras: “é muito mao emprego,

obrigar o estudante a traduzir Bulas, ou Constituisoens: e principalmente a traduzilas

palavra por palavra, como fazem estes mestres”. E completa que “Antes é muito mal feito,

obrigálos a traduzir assim: porque o tal Latim nam se deve traduzir ad verbum, mas ad

sensum”285.

Um dos mais célebres tradutores do período, o oratoriano Francisco José Freire

(1719-1773), sob o pseudônimo de Cândido Lusitano, publicou em 1758 uma tradução

portuguesa da Arte Poética de Horácio. No Discurso Preliminar do Tradutor, o padre

discutiu as obrigações de um tradutor:

Uns querem que seja um fiel copiador, não só das expressões, mas até

das mesmas palavras daquele, a quem traduz; outros dão mais

liberdade, dizendo que deve vestir com as galas da sua língua aquelas

284 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:

Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. Vol. 8, p. 234. 285 VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar, para ser útil à República e à Igreja:

proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal. Valença, Oficina de Antonio Belle, 1746. Vol. 1, p.

74-81 apud SILVA, Jorge Miguel Bastos da (Org.). O Discurso sobre a Tradução na Literatura

Portuguesa. Classicismo e Romantismo. Antologia. Porto: Edições Afrontamento, 2015.

105

expressões, elegâncias e formas particulares de dizer que na língua do

texto aparecem com adorno286.

Após recorrer a Horácio e Cícero para solucionar a questão, Lusitano reconheceu

que “a Tradução para ser boa, é preciso que conserve com a fidelidade possível todo o

caráter e índole do texto”. E complementa que “nós por fidelidade não entendemos o

traduzir literalmente, mas sim o exprimir (quando for possível) sentença por sentença e

figura por figura, não acrescentando coisa que não se lê no original, e não menos tirando,

ou mudando coisas que nele estejam”287.

Na “Dissertação do Traductor” à versão portuguesa da tragédia Athalia (1762) de

Jean Racine (1639-1699), Cândido Lusitano retoma a questão da tradução e critica os

“puritanos da língua”, que defendiam a tradução literal. Não por acaso, o tradutor

advogava por uma versão em versos brancos, ou seja, que apresentassem metrificação

mas não rimas. Lusitano, então, questiona:

E que homem de bons estudos em Poesia Dramatica naõ sabe, que a

rima (maldita lhe chama o Traductor Salvini) a cada passo está fazendo

violência à expressão da idéa do Poeta, que he impropriíssima no

dialogo, e que tira toda a força ao que he verdadeira harmonia?288

Custódio José de Oliveira na Prefação ao Tratado do Sublime (1771) de Longino

(213-273) faz uma crítica à ideia das traduções como imitações servis, “nas quais o

Tradutor não pode deixar a imaginação livre para de si mesma produzir alguma coisa”.

Ao contrário, em alguns casos era preciso, segundo Oliveira, limar algumas frases “para

286 LUSITANO, Cândido. Discurso Preliminar do Traductor. Arte Poetica de Q. Horácio Flacco, Traduzida

e illustrada em Portuguez por Candido Lusitano. Segunda edição, correcta, e emendada. Lisboa: Officina

Rollandiana, 1778. 287 LUSITANO, Cândido. Discurso Preliminar do Traductor. Arte Poetica de Q. Horácio Flacco, Traduzida

e illustrada em Portuguez por Candido Lusitano. Segunda edição, correcta, e emendada. Lisboa: Officina

Rollandiana, 1778. 288 LUSITANO, Cândido. Dissertaçaõ do Traductor. Athalia, Tragedia de Monsieur Racine, Traduzida,

illsutrada, e oferecida á Serenissima Senhora D. Marianna, infanta de Portugal, por Candido Lusitano.

Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1762. apud SILVA, Jorge Miguel Bastos da (Org.). O Discurso

sobre a Tradução na Literatura Portuguesa. Classicismo e Romantismo. Antologia. Porto: Edições

Afrontamento, 2015. p. 52-53.

106

assim conservar com a maior possibilidade na nossa língua a força, a energia, a majestade

e a harmonia que mais se pudesse assemelhar à do Autor original”. Por isso, o tradutor

confessava: “encontrei todavia em alguns lugares bastante dificuldade, sendo algumas

vezes preciso, para dar a conhecer a figura de que fala, faltar quase à fidelidade dos

vocábulos”289.

Na Prefação ao Novo Testamento de Jesus Cristo (1778), o padre Antonio Pereira

de Figueiredo (1725-1797), também se inspirando em Horácio, fez uma crítica às

traduções literais, qualificadas como servis290:

Todos os críticos profanos e sagrados concordam que o bom Tradutor

não se deve ligar servilmente às palavras do original; mas atender mais

ao sentido do que às palavras. Esta é a regra que nos deixou Horácio,

quando disse na sua Poética: Nec verbum verbo curabis reddere fidus

Interpres291.

O padre fez, também, referência à famosa carta Ad Pammachium de optimo genere

interpretandi escrita em 395 por São Jerônimo (347 d. C.-420 d. C.). Nesta epístola, uma

resposta às críticas à sua tradução de uma epístola papal da época, São Jerônimo defendia

a tradução do sentido e das ideias exceto no caso dos textos sagrados e confessa que,

desde a juventude, traduzia desta forma292. Inspirado neste escrito, Pereira de Figueiredo

advogava que “pode e deve muitas vezes o Tradutor sagrado em lugar da frase que vem

289 OLIVEIRA, Custódio José de. Prefação. Dionysio Longino Tratado do Sublime Traduzido da Lingua

Grega na Portuguesa por Custodio Jose de Oliveira. Lisboa: Regia Officina Typografia, 1771. apud

SABIO PINILLA, José Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre a

Tradução em Portugal. O proveito, o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições Colibri,

1998. p. 102-103. 290 Sobre a trajetória do Padre Antônio Pereira de Figueiredo, ver SOUZA, Evergton Sales. Antônio Pereira

de Figueiredo (1715-1797). Trajetória de um católico ilustrado. In: FLECK, Eliane Cristina Deckmann &

DILLMANN, Mauro (Orgs.). O universo letrado da Idade Moderna: escritoras e escritores portugueses e

luso-brasileiros, séculos XVI-XIX. São Leopoldo: Oikos, Editora Unisinos, 2019. 291 FIGUEIREDO, Antonio Pereira de Figueiredo. Prefação. O Novo Testamento de Jesu Christo, traduzido

em portuguez segundo a Vulgata ... por Antonio Pereira de Figueiredo, deputado ordinário da Real Meza

Censória. Tomo I. que compreende os evangelhos e S. Mattheus, e S. Marcos. Lisboa: Régia Officina

Tipográfica, 1778. p. XXII 292 Cf. FURLAN, Mauri. Brevíssima História da Teoria da Tradução no Ocidente - II. A Idade Média.

Cadernos de Tradução. Florianópolis, v. XII, 2005. p. 14.

107

no original, substituir outra, que seja própria da língua em que verte: sob pena de que se

assim não o fizer, ficará a Versão talvez escura, talvez indecente”293.

Os tradutores também criticavam aqueles que, presos às palavras, acabavam por

misturar expressões e frases da língua original com o português. Exemplo disso é a crítica

feita por Miguel do Couto Guerreiro (1720-1793) em sua versão das Heroides (1789) de

Ovídio:

Fugi, quanto me foi possível, do vício de alguns Tradutores, que

querendo por exemplo dar traduzido um Autor Latino, ou Francez, se

aferram de modo às palavras, e frases do Author, que misturando-as, e

confundindo com as nossas, inventam, sem saberem o que fazem, um

idioma Latino-Lusitano, ou Gálico-Lusitano, que faz quase tao

dificultosa de entender a Tradução como o original294.

Ao se debruçar sobre uma tradução, segundo Guerreiro, o leitor não buscava as palavras

e expressões que estão presentes na edição original. Para ele, “o que se espera na Tradução

é o conceito, que elas, palavras e frases, significam, expresso com energia e elegância”295.

Manoel Maria de Barbosa Du Bocage (1765-1805), célebre represente do arcadismo

português, ao traduzir o drama Eufemia ou o Triunfo da Religião (1793) do dramaturgo

francês François d’Arnaud (1718-1805), afirmava que procurou evitar os “Galicismos, de

que abunda grande parte das nossas traduções, e que nos enxovalham o fértil e majestoso

idioma, só indigente e inculto na opinião das pessoas que o estudaram mal”296.

293 FIGUEIREDO, Antonio Pereira de Figueiredo. Prefação. O Novo Testamento de Jesu Christo, traduzido

em portuguez segundo a Vulgata ... por Antonio Pereira de Figueiredo, deputado ordinário da Real Meza

Censória. Tomo I. que compreende os evangelhos e S. Mattheus, e S. Marcos. Lisboa: Régia Officina

Tipográfica, 1778. p. XXIV. 294 GUERREIRO, Miguel do Couto. Prefação. Cartas de Ovídio chamadas Heroides, Expurgadas de toda

obscenidade, e traduzidas em Rima vulgar... autor, e traductor Miguel do Couto Guerreiro. Tomo I.

Lisboa: Off. Patr. De Francisco Luiz Ameno, 1789. p. iii. 295 GUERREIRO, Miguel do Couto. Prefação. Cartas de Ovídio chamadas Heroides, Expurgadas de toda

obscenidade, e traduzidas em Rima vulgar... autor, e traductor Miguel do Couto Guerreiro. Tomo I.

Lisboa: Off. Patr. De Francisco Luiz Ameno, 1789. p. xii. 296 BOCAGE, Manuel Maria de Barbosa Du. Ao Leitor. Eufemia, ou o Triunfo da Religião: drama de Mr.

D’Arnaud, tradutor em versos portugueses por Manoel Maria de Barbosa Du Bocage. Lisboa: Off. de

Simão Thaddeo Ferreira, 1793.

108

Ao traduzir as Orações (1779) de Cícero (106 a.C.-43 a. C.), o oratoriano Antonio

Joaquim atacava um dos argumentos que poderiam vir a ser utilizados pelos que

defendiam o uso de vocábulos estrangeiros: a pobreza de vocábulos da Língua

Portuguesa. Segundo ele, o Padre Antonio Vieira quando precisou traduzir um excerto do

livro de Reis, encontrou três sinônimos para o verbo latino “infatuar”. Para Joaquim,

este caso não faz exemplo para os que com pouca lição, com pouco

conhecimento dos nossos Escritores e com pouco uso de escrever se

arrojam a adoptar quantos vocábulos querem, havendo muitos e

melhores na língua materna com que as coisas se podem explicar.

Donde se deve coligir que a pobreza não está na língua, mas em quem

tem pouco conhecimento dela297.

Outros tradutores, porém, defendiam a permanência de termos do Latim e do

Grego. É o caso do oratoriano Vicente Amado, sob o pseudônimo de Vicente Lisbonense,

na “Prefação do Traductor” às Instituições Oratórias (1777) de Quintiliano (35 d.C.-100

d.C.). Sua tradução seria utilizada, segundo ele, para o aprendizado da Retórica e do

Latim. Por isso, escreveu, “nos vemos obrigados a usar de palavras propriamente latinas,

por não termos outras de que em Português lhe correspondam bem. Isso mesmo acontecia

aos Latinos, se vertiam do Grego”298.

Não foram apenas nos prefácios e discursos de tradutores que as traduções literais

foram duramente criticadas. Em meio ao surgimento de inúmeros periódicos no mundo

luso-brasileiro entre os dois lados do Atlântico, a polêmica ganhou as páginas dos jornais.

No Correio Braziliense de agosto de 1810, Hipólito da Costa (1774-1823) publicou a

297 JOAQUIM, Pe. António. Orações Principaes de M. T. Cicero Traduzidas na língua vulgar, e

adicionadas com notas e analyses pelo P. Antonio Joaquim da Congregação do Oratório de Lisboa, em

beneficio da Mocidade Portugueza. Tomo Primeiro. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1779. apud

SABIO PINILLA, José Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre a

Tradução em Portugal. O proveito, o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições Colibri,

1998. p. 112-113. 298 LISBONENSE, Vicente. Prefação do Tradutor. Quinctiliano Da Instituição do Orador, Traduzido, e

ilustrado com a explicação das palavras Gregas, e algumas Notas por Vicente Lisbonense. Tom. I. Lisboa:

Regia Officina Typografica, 1777. apud SABIO PINILLA, José Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ,

María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre a Tradução em Portugal. O proveito, o ensino e a crítica.

Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições Colibri, 1998. p. 109.

109

versão portuguesa do Tratado de Comércio e Navegação assinado entre Portugal e

Inglaterra no mesmo ano. Em seu exame do tratado, o redator iniciava suas críticas pelo

fato de que “até na tradução portuguesa, vem primeiro o nome de S. M. Britânica”, o que,

segundo ele, seria natural na edição inglesa, mas “se no original, que fica nas mãos do

Governo português, vem primeiro o nome do Príncipe Regente, como supomos, é para

sentir que essa cópia não fosse publicada pelo Ministro português ao mesmo tempo”299.

Neste caso, o ato de traduzir possuía consequências políticas e econômicas.

Em seguida, Hipólito da Costa apontava para os equívocos na tradução de alguns

artigos que compunham o referido Tratado. No artigo inicial, que discorria sobre a

“descontinuação de certas proibições e direitos proibitivos”, o redator comenta que “estas

palavras parecem no português sinônimos, porque as proibições legais constituem o

direito proibitivo, e posto que esta tradução seja literal, com tudo não exprime com a

necessária clareza o sentido inglês, onde se acham dois termos de significação muito

diferente”300. Neste trecho, ele faz referência à distinção entre prohibitions (proibições

diretas) e proihibitory duties (proibições e imposições indiretas), que acaba por

desaparecer na tradução literal do Tratado.

Dois anos depois, em 1812, na seção “Literatura e Sciencias”, Hipólito voltou a

se deparar com a questão da tradução e expressa sua defesa pela tradução que prima pelo

sentido do autor301. Ao comentar a recente publicação da versão portuguesa da novela

francesa Atala (1810) de François-René de Chateaubriand (1768-1848), o redator do

299 Correio Braziliense, ed. 5, 1810. p. 189-190. 300 Correio Braziliense, ed. 5, 1810. p. 190. 301 Para além das questões retóricas e poéticas, outras razões moveram a defesa de Hipólito da Costa da

novela Atala. O redator do Correio Braziliense possuía conexões íntimas com o tradutor da obra proibida

pelo Santo Ofício em 1812, Filipe Ferreira de Araújo e Castro. Segundo Isabel Lustosa, foi disfarçado como

criado de Araújo e Castro que Hipólito conseguiu deixar Lisboa após a fuga da prisão. Para mais

informações, ver: LUSTOSA, Isabel. O jornalista que inventou o Brasil. Tempo, vida e pensamento de

Hipólito da Costa (1774-1823). Campinas: Editora UNICAMP, 2019. p. 57 e nota 30.

110

Correio Braziliense elogiava o tradutor anônimo pelo “bom discernimento do objeto” e

por “sua instrução nas belas expressões com que interpreta sempre o genuíno sentido do

autor”302. Além disso, Hipólito louvava a fidelidade da tradução e defendia que, em

muitos casos, a liberdade do tradutor é necessária:

Bem longe de censurarmos esta liberdade do Traductor, a julgamos

necessária em muitos casos, para adaptar à natureza da linguagem e aos

costumes da nação, as ideias originais; e preencher o designío do A.

[autor]. Principalmente em obras desta natureza, em que a forma das

expressões, não é da essência ao sentido, nem necessária ao sistema303.

Em março de 1813, O Patriota, periódico impresso no Rio de Janeiro, trouxe em

suas páginas um “Discurso sobre a Tradução” de autoria desconhecida304. Nele, o autor

afirmava que, por vezes, as frases de uma língua não podem ser traduzidas diretamente

para outra em razão da diversidade dos idiomas. É necessário, então, “substitui-las por

outras equivalentes, por exemplo huma methaphora por outra”. Afinal, “os gênios das

línguas, diferentes como os semblantes das naçoens, não sofrem sempre huma simples

substituição de palavras”. Além disso, ao tradutor, cabia conhecer propriamente o assunto

que estava traduzindo, uma vez que “cada arte, cada sciencia, e em geral cada objeto, tem

seus termos próprios”. Em suma, era necessário ainda, “perceber o sentido do A. [autor],

conhecer a energia da linguagem que elle emprega, e trasladar o seu pensamento; sem

detrimento da expressão, quanto o permitir a analogia das duas línguas”305.

Também do início do século XIX, Frei Fortunato de São Boa Ventura (1777-1844)

em seu “Prologo” à versão Quadro da Infame Conducta de Napoleão Bonaparte (1808)

de Peltier, afirmava que havia se empenhado mais “em trasladar para a nossa lingoagem

a força, e a verdade dos pensamentos, do que em seguir passo a passo a ordem gramatical

302 Correio Braziliense, ed. 9, 1812. p. 590. 303 Correio Braziliense, ed. 9, 1812. p. 594. 304 Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821). São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1978. p. 180-184. Agradeço a professora Lúcia Maria Bastos Pereira das

Neves pela indicação do “Discurso sobre a Tradução”. 305 O Patriota, jornal litterario, politico, mercantil etc. do Rio de Janeiro, nº. 3, março, 1813. p. 69-72

111

do Autor”. Além disso, o tradutor comentava sobre o contexto de sua publicação e

explicitamente sobre a intenção política de sua obra:

O fim, que eu tive n’esta empresa he bem conhecido; e se eu por este

modo excitar os ânimos, se os inflamar cada vez mais para que acelerem

a nossa total Restauração, direi francamente, que obtive a recompensa,

e o louvor que mais desejava, e que sempre desejarei; pois mais vale ter

créditos de bom Portuguez, que os de bom Traductor306.

A cristalização da ideia de que o ato de traduzir, mais do que expressar a

literalidade das expressões, envolvia o sentido e o entendimento das palavras pode ser

encontrada na segunda edição do Dicionário da Língua Portuguesa (1813) de Antonio

de Morais Silva (1755-1824). No verbete “tradução” lê-se “versão de uma linguagem em

outra, transladação” e em “traduzir”, encontra-se “verter as palavras de uma língua

exprimindo em outra o seu sentido”.

Apesar das críticas, havia também tradutores que advogavam em favor de uma

concepção de tradução literal, que buscava trasladar os termos e expressões do original.

O poeta português Pedro Antonio Correia Garção (1724-1772), em dissertação

apresentada à academia Arcádia Lusitana em 1757, tratava da necessidade de imitação

dos antigos, gregos e latinos, para a formação de um bom poeta. Para aprender o modo

correto de se imitar, Garção recomendava os ensinamentos de Horácio, a fim de que se

tornem poetas e não tradutores, escravos das palavras307.

Nesse sentido, o poeta defendia que a famosa frase de Horácio, epígrafe deste

trabalho, não tratava de tradução e sim da imitação:

306 BOAVENTURA, Frei Fortunato de São. Prologo. Quadro da infame Conducta de Napoleão Bonaparte,

para com os diferentes soberanos a Europa desde a sua intrusão no governo francez, até junho de 1808...

Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1808. apud SILVA, Jorge Miguel Bastos da (Org.). O Discurso

sobre a Tradução na Literatura Portuguesa. Classicismo e Romantismo. Antologia. Porto: Edições

Afrontamento, 2015. p. 71-72. 307 GARÇÃO, Pedro António Correia. Dissertação Terceira sobre o Principal Proveito para Formar hum

Bom Poeta... apud SILVA, Jorge Miguel Bastos da (Org.). O Discurso sobre a Tradução na Literatura

Portuguesa. Classicismo e Romantismo. Antologia. Porto: Edições Afrontamento, 2015.

112

Esta epidemia, que talvez reinava no tempo de Horacio, lhe deu razão

para advertir aos Poetas dos vícios de que deviam fugir, quando

quisessem imitar, recomendando-lhes, que não traduzissem palavra por

palavra, como um fiel interprete (...) e não sei com que razão o Tradutor

português trabalha para mostrar que Horácio, nestas palavras, dá regras

para as traduções, julgo que a ninguém deixará de parecer óbvio e

natural o sentido do texto, tão livre de anfibologia308.

No “Prólogo” da versão portuguesa das Odes (1783) de Horácio, o professor régio

de Língua Latina, José Antonio da Mata, criticava os tradutores que interpretavam

“pomposamente”, acresciam versos que não se encontravam nos escritos originais do

autor e alteravam a ordem e organização dos versos e partes do texto. Traduções assim,

argumentava o professor, não poderiam ser consideradas fiéis. Por isso, “uma verdadeira

tradução é aquela que, palavra por palavra, vai expondo a sentença do seu Autor,

escrupulosa e religiosamente, como o nosso Horácio recomenda na Poética, quando disso

mesmo despersuade aos que são meros imitadores”309.

Antonio Lourenço Caminha (?-1831), professor de Retórica e Poética, no prólogo

à sua tradução do Lélio ou Diálogo sobre a Amizade de Cícero (1785), advogava por uma

certa liberdade do tradutor, inspirando-se em João Franco Barreto (1600-1674), escritor

português e tradutor da Eneida de Virgílio (1664):

De mim confesso [diz João Franco Barreto] que muitas vezes por querer

representar a mente de Virgílio, entendi perder o juízo; porque não há

duvida, que o que soa bem em huma língua, em outra talvez não caia

tão bem; que cada qual tem sua frase particular e modo de fazer

diferente das outras310.

308 GARÇÃO, Pedro António Correia. Dissertação Terceira sobre o Principal Proveito para Formar hum

Bom Poeta... apud SILVA, Jorge Miguel Bastos da (Org.). O Discurso sobre a Tradução na Literatura

Portuguesa. Classicismo e Romantismo. Antologia. Porto: Edições Afrontamento, 2015. 309 MATA, José Atónio da. Prólogo. Odes do Poeta Latino Q. Horacio Flacco Traduzidas literalmente a

Lingua Portugueza. Lisboa: Officina de Francisco Luiz Ameno, 1783. apud SABIO PINILLA, José

Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre a Tradução em Portugal.

O proveito, o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições Colibri, 1998. p. 133. 310 CAMINHA, Antonio Lourenço. Prologo. Lélio ou dialogo sobre a amizade dedicado a Tito Pomponio

Attico. Versão Portugueza, ... seu author Antonio Lourenço Caminha, Professor Régio de Rhetorica, e

Poetica. Lisboa: Oficina de Francisco Luiz Ameno, 1785.

113

Contudo, algumas linhas depois, Caminha asseverava que se esforçou para que sua versão

fosse “literal e não uma nova composição ou paráfrase” uma vez que “ser tradutor não é

ser compositor”311. Para ele, uma tradução “é um fiel espelho, que só copia o objeto tal

qual ele é em si próprio. Ou como finalmente uma pintura, que se copia de outro quadro”.

Na “Prefação” às Instituições Retóricas (1794) de Quintiliano, João Rosado de

Villalobos e Vasconcelos, professor régio de Retórica e Poética em Évora, afirmava ter

buscado exprimir o pensamento do autor e conservar “a força, a frase, a graça e todas as

delicadezas do texto”. Algumas frases depois, ressaltava que sua tradução não era

“parafrástica”; ao contrário, era “toda literal, por assim conservar melhor o Estilo Romano

e serve mais utilmente à Mocidade para se acostumar a conhecer o espírito de Quintiliano

e pensar como ele”312.

Os tradutores, imersos na tradição retórica da época e com o objetivo de

justificarem uma nova versão, utilizavam os prefácios e discursos para criticarem as

traduções anteriores da obra. É o caso de Jerônimo Soares Barbosa, professor de Retórica

e Poética da Universidade de Coimbra e sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa,

na Prefação às Instituições Oratórias (1788) de Quintiliano. Ao comentar a versão

anterior de Vicente Lisbonense (1777), Barbosa deixou entrever uma distinção entre a

“tradução literal” e “tradução servil”:

Contudo este meu entusiasmo não me cega sobre alguns defeitos desta

obra. Assim como a louvo por ser literal, clara e quase sempre fiel:

assim quereria que às vezes não passasse a ser servil, torcendo a frase

311 CAMINHA, Antonio Lourenço. Prologo. Lélio ou dialogo sobre a amizade dedicado a Tito Pomponio

Attico. Versão Portugueza, ... seu author Antonio Lourenço Caminha, Professor Régio de Rhetorica, e

Poetica. Lisboa: Oficina de Francisco Luiz Ameno, 1785. 312 VASCONCELOS, João Rosado de Vilalobos. Prefação. Os Tres Livros das Instituiiçoens Rhetoricas de

M. Fab. Quintiliano Accomodadas aos que se aplicaõ ao Estudo da Eloquéncia... Coimbra: Real Oficina

da Universidade, 1782. apud SABIO PINILLA, José Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela

(Orgs.). O Discurso sobre a Tradução em Portugal. O proveito, o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-

1818). Lisboa: Edições Colibri, 1998. p. 129-130.

114

portuguesa e fazendo-a menos corrente, para seguir passo a passo o seu

original313.

Quanto à sua própria tradução, Barbosa afirma que buscou traduzir fielmente a doutrina

de Quintiliano, não apenas em seu sentido, mas considerando suas palavras, “umas vezes

pesando-as e outras ainda contando-as”314. Além disso, reiterou que apenas diante da

necessidade de exprimir o sentido do autor é que o tradutor pode ignorar as figuras e

palavras do original. Em consonância com a perspectiva de Correia Garção, o professor

de Coimbra afirmava que os famosos versos de Horácio, “Nec verbum verbo curabis

reddere fidus interpres”, é destinado aos imitadores e não deve ser aplicada vulgarmente

aos tradutores315.

Fernando José de Portugal, Conde e Marquês de Aguiar, no Prefácio de sua

tradução do Ensaio sobre a Crítica (1810) de Alexander Pope, comentou as edições da

obra na França e nos Países Baixos e discutiu aspectos referentes ao próprio ofício de

tradução: “Muito se tem questionado sobre as traduções livres e literais, e qual o melhor

método de traduzir um poeta: se em verso, se em prosa”316. Ele, então, apresentou as

opiniões de letrados e tradutores famosos, como Charles Batteaux (1713-1780), francês

e tradutor de Epicuro, Aristóteles e Horário; Anne Dacier (1647-1720), tradutora de

Homero; o abade Desfontaines (1685-1745), autor da versão francesa de Virgílio;

Cândido Lusitano (1719-1773), português e tradutor de Horácio; dentre outros. Ao fim,

313 BARBOSA, Jerônimo Soares. Prefação. Instituições Oratórias de M. Fabio Quintiliano escolhidas dos

seus XII livros, traduzidas em linguagem ... por Jeronymo Soares Barboza, ... Segunda edição correcta e

emendada. Tomo Primeiro. Paris: Livraria Portuguesa de J. P. Aillaurd, 1836. p. VIII. 314 BARBOSA, Jerônimo Soares. Prefação. Instituições Oratórias de M. Fabio Quintiliano escolhidas dos

seus XII livros, traduzidas em linguagem ... por Jeronymo Soares Barboza, ... Segunda edição correcta e

emendada. Tomo Primeiro. Paris: Livraria Portuguesa de J. P. Aillaurd, 1836. p. XV. 315 Cf. BARBOSA, Jerônimo Soares. Prefação. Instituições Oratórias de M. Fabio Quintiliano escolhidas

dos seus XII livros, traduzidas em linguagem ... por Jeronymo Soares Barboza, ... Segunda edição correcta

e emendada. Tomo Primeiro. Paris: Livraria Portuguesa de J. P. Aillaurd, 1836. p. XV-XVI. 316 CASTRO, Fernando José de Portugal e. Prefação. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo

Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr.

Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. VIII.

115

ancorado na opinião do padre Noel-Étienne Sanadon (1676-1733), tradutor francês de

Horácio, D. Fernando afirmava que:

em ambas estas espécies de versões há inconvenientes, e das obrigações

de um tradutor se podem facilmente conhecer onde se encontrão

maiores. A essência da tradução consiste principalmente na fidelidade,

e na exacção; e neste ponto se podem comparar com a História317.

Deste modo, o tradutor português reconhecia que “só me pus fazer uma tradução fiel e

bastante literal, deste Ensaio, quanto permite o gênio da Língua”318.

Algumas décadas antes, Pedro José da Fonseca, tradutor da Arte Poética (1790)

de Horácio, buscou oferecer uma tradução útil aos estudantes de Retórica, que fosse “uma

tradução (quanto me foi possível) clara, fiel, inerente ao mesmo Texto e em linguagem

Portuguesa”. Para justificar sua versão em prosa, Fonseca também havia recorrido à obra

do francês Sanadon:

Porém, as duas razões, diz Sanadon, são mais sedutoras que sólidas. A

fidelidade essencial de um Tradutor (continua ele) consiste em se

revestir bem do génio e carácter do seu autor; em representar por inteiro

os seus pensamentos, sem omitir palavra alguma necessária ou

importante319.

“E não cuidareis em traduzir palavra por palavra, fiel intérprete”. Oriunda da Arte

Poética de Horácio, escrita em 18 a. C., a asserção esteve no centro das discussões sobre

a tradução no mundo luso-brasileiro na segunda metade do século XVIII e as primeiras

décadas do XIX, a exemplo do que se passou em outras regiões320. Para os tradutores que

buscavam defender uma tradução a partir do sentido e dotada de maior liberdade, a frase

317 CASTRO, Fernando José de Portugal e. Prefação. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo

Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr.

Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. VIII-IX. 318 CASTRO, Fernando José de Portugal e. Prefação. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo

Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr.

Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. X. 319 FONSECA, Pedro José da. Prólogo. Arte Poetica de Q. Horacio Flacco. Epistola aos Pisões, traduzida

em portuguez... Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1790. apud SABIO PINILLA, José Antonio;

FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre a Tradução em Portugal. O proveito,

o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições Colibri, 1998. p. 151. 320 Cf. GILLESPIE, Stuart. Translation. In: GRAFTON, Anthony; MOST, Glenn; SETTIS, Salvatore

(Eds.). The Classical Tradition. Cambridge: Harvard University Press, 2010. p. 948-949.

116

latina apontava para os perigos da tradução literal. Por outro lado, outros letrados

defendiam, seguindo uma corrente que remontava ao Renascimento italiano, que a

sentença horaciana havia sido alvo de interpretações equivocadas e que, na verdade, o

poeta romano se referia à imitação, e esta que não devia ser feita palavra por palavra321.

A tradução, neste caso, devia sr manter fiel às palavras e expressões do autor em sua obra

original.

A despeito destas discussões, os letrados luso-brasileiros precisaram aguardar até

1818 para uma teorização substancial sobre a tradução. Neste ano, Sebastião José Guedes

e Albuquerque publicou sua Arte de Traduzir de Latim para Portuguez reduzida a

Princípios (1818), considerada por Sabio Pinilla e Fernández Sánchez o “primeiro tratado

sobre tradução em Portugal”322. A obra, dividida em sete capítulos, abordava questões

teóricas e práticas sobre a tradução e apresentava regras e modelos para os jovens

estudantes de Latim.

No primeiro capítulo, intitulado “Da Tradução em Geral”, o autor distinguia

quatro tipos de tradução: a primeira, ao pé da letra, na qual “responde servilmente o

tradutor a cada expressão do autor por outra da sua Língua”; a segunda, a tradução

propriamente dita, isto é, “todo o pensamento do original cabalmente expresso em outra

língua”; a terceira, a paráfrase, “uma tradução que amplia e desenvolve os pensamentos

do original” e, por fim, a imitação, que consiste em “fazer seu um pensamento de um

321 Segundo Mauri Furlan, o Humanismo e o Renascimento representaram um ponto de inflexão na

concepção e nas práticas de tradução no ocidente. É deste período a De interpreatione recta (1420) de

Leonardo Bruni, que representa uma teorização madura do problema da tradução, tornada possível graças

ao “retorno aos clássicos gregos e pela tradução dos mesmos, pelo redescobrimento de princípios

pedagógicos antigos e pelo conhecimento do método filológico bizantino”. Cf. FURLAN, Mauri.

Brevíssima História da Teoria da Tradução no Ocidente - III. Final da Idade Média e o Renascimento.

Cadernos de Tradução. Florianópolis, v. XIII, 2005. p. 21. 322 SABIO PINILLA, José Antonio; FERNÁNDEZ SÁNCHEZ, María Manuela (Orgs.). O Discurso sobre

a Tradução em Portugal. O proveito, o ensino e a crítica. Antologia (c. 1429-1818). Lisboa: Edições

Colibri, 1998, p. 15.

117

autor pelo jeito novo”323. Não obstante, para o autor, a única que merecia ser praticada é

a tradução propriamente dita, uma vez que “só ela reproduz genuinamente os

pensamentos de um autor”324.

Assim, o termo “tradução” esteve dotado de múltiplos sentidos e significações,

que se articulavam à “fidelidade”, “imitação”, “literalidade”, “entendimento” ou ao

“pensamento” do autor. Através dos dicionários, prefácios, discursos e periódicos, o

mundo luso-brasileiro entre a segunda metade do século XVIII e as primeiras décadas do

XIX não assistiu ao surgimento de uma concepção homogênea de tradução. Os prefácios,

na esteira da tradição retórica corrente na época, revelam a permanência de elementos de

uma linguagem típica do Antigo Regime frente aos avanços da modernidade325.

* * *

Ao longo da Época Moderna, a publicação de livros inseria-se em redes de

privilégios características de uma sociedade de Antigo Regime. Segundo Robert Darnton,

o privilégio permeava todos os modos de produção cultural em fins do século XVIII,

enquanto o talento e qualidade dos escritos de nada valiam sem proteção. Ao cair nas

graças de um protetor, um letrado podia receber assento em uma academia, ter sua peça

encenada em um teatro da corte ou até mesmo receber algum ofício administrativo326. As

dedicatórias, por exemplo, valorizavam o letrado e afirmavam o merecimento de graças,

323 ALBUQUERQUE, Sebastião José Guedes e. Arte de Traduzir de Latim para Portuguez, reduzida a

princípios oferecida ao illustríssimo senhor D. Francisco de Sales e Lencastre, por Sebastião José Guedes

e Albuquerque. Lisboa: Impressão Regia, 1818. p. 8-10. 324 ALBUQUERQUE, Sebastião José Guedes e. Arte de Traduzir de Latim para Portuguez, reduzida a

princípios oferecida ao illustríssimo senhor D. Francisco de Sales e Lencastre, por Sebastião José Guedes

e Albuquerque. Lisboa: Impressão Regia, 1818. p. 11. 325 Sobre o peso da tradição retórica do mundo luso-brasileiro ver: CARVALHO, José Murilo de. História

intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi, Rio de Janeiro, vol.1 no.1 jan./dez. 2000. 326 Cf. DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 31-

32.

118

mercês ou algum tipo de patrocínio327. Além disso, é preciso ressaltar que, em alguns

casos, a remuneração de um tradutor não era distinta de um autor original. Segundo

Margarida Paes Leme, na Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801), “para os autores

e tradutores em geral, o pagamento consistia em 200 exemplares da respectiva obra, ou o

seu valor em dinheiro, se revendessem à Casa a ‘mercadoria’ recebida”328.

Ao mesmo tempo, os letrados luso-brasileiros esperavam, através da publicação

de suas traduções, intervir na sociedade e contribuir para o progresso e civilização do

reino. Seja por meio da tradução de obras morais e educativas ou de livros técnicos e

científicos, parece razoável supor que dentre seus objetivos estavam a felicidade, o

desenvolvimento e a preservação do bem-estar da nação em tempos atribulados, marcados

pela Independência das Treze Colônias Inglesas (1776) e pela Revolução Francesa (1789)

que sacudiu os pilares do Antigo Regime.

327 Cf. DELMAS, Ana Carolina Galante. “Do mais fiel e humilde vassalo”: uma análise das dedicatórias

impressas no Brasil Joanino. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. p. 235. 328 LEME, Margarida Ortigão Ramos Paes. Um Breve Itinerário Editorial: Do Arco do Cego à Impressão

Régia. In: CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de; CURTO, Diogo Ramada (Orgs.). A Casa Literária do

Arco do Cego (1799-1801): Bicentenário. “Sem livros não há instrução”. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa

da Moeda, Biblioteca Nacional, 1999. p. 82.

119

CAPÍTULO 3

ALEXANDER POPE CRUZA O ATLÂNTICO: POESIA E TRADUÇÃO NO BRASIL

JOANINO (1808-1819)

O presente capítulo analisa a tradução do Ensaio sobre a Crítica (1810) de

Alexander Pope feita por Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817).

Primeiramente, apresenta-se seu contexto de publicação: o ambiente cultural do Brasil de

D. João, especialmente a imprensa e o mercado livreiro, e a trajetória do tradutor.

Ademais, tratamos das outras traduções de Pope publicadas entre 1759 e 1819. Por fim,

discutimos de modo preliminar a circulação do Ensaio (1810) no mundo luso-brasileiro.

3.1. O AMBIENTE LETRADO DO BRASIL NO TEMPO DE D. JOÃO: IMPRENSA, LIVROS E

GAZETAS

A chegada da Corte ao Rio de Janeiro em março de 1808 elevou a então cidade

colonial à sede do Império Português. Este acontecimento sem precedentes principiou

uma época de importantes transformações nas esferas política, econômica e cultural. Foi

neste período que o Brasil viu florescer sua primeira tipografia em termos legais329. No

Decreto de 13 de maio de 1808 que criava a Impressão Régia, era o Príncipe Regente D.

329 Há notícias de algumas iniciativas de estabelecimento de oficinas tipográficas no Brasil Colonial.

Amparado em autores do início do século XX, Laurence Hallewell comenta que o primeiro prelo do Brasil

pode ter funcionado em Recife, na capitania de Pernambuco, entre 1703 e 1706 sob o governo de Francisco

de Castro Moraes. Mais conhecido é o processo de estabelecimento do lisboeta Antonio Isidoro da Fonseca,

cuja oficina funcionou no Rio de Janeiro entre 1747 e 1749. A iniciativa foi duramente reprimida pelo

Conselho Ultramarino e pela Inquisição. Cf. HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. São

Paulo: EdUSP, 2012. p. 84-85. BARROS, Jerônimo Duque Estrada de. Impressões de um tempo: a

tipografia de Antônio Isidoro da Fonseca no Rio de Janeiro (1747-1750). Dissertação (Mestrado em

História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. p.

14-18.

120

João “servido, que a casa, onde ellos se estabeleceram, sirva interinamente de Impressão

Regia, onde so imprimam exclusivamente toda a legislação e papeis diplomatícos, que

emanarem de qualquer Repartição do meu real serviço; e se possam imprimir todas, e

quaesquer outras obras”330. O príncipe concedia, ainda, sua subordinação a Rodrigo de

Sousa Coutinho, então Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra331.

Dos prelos da tipografia, além das legislações e papéis dos ministérios e

secretarias da administração joanina, saíram obras científicas, religiosas, morais e

periódicos332. Estes impressos gozavam de uma qualidade digna das famosas tipografias

europeias. Nas palavras de Rubens Borba de Moraes, “examinando esses livros, esses

folhetos de poucas páginas, ficamos admirados com a qualidade dos impressos. São

composições de uma sobriedade, de um bom gosto de fazer inveja aos nossos impressores

atuais”. Adiante, ao comentar as edições dos Ensaio sobre a Crítica (1810), Ensaios

Morais (1811), ambos de Pope, e os dois tomos da Memória da Vida Publica do Lord

Wellington (1815) de Silva Lisboa, Borba de Moraes afirma “A impressão é nítida e clara,

a distribuição do texto e das notas nas páginas, a proporção das margens, tudo é perfeito.

Não se faria melhor na Europa”333. O GRÁFICO 9 apresenta uma categorização destas

obras feita por Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves:

330 COLLECÇÃO das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. p. 20. 331 Sobre o papel de Rodrigo de Sousa Coutinho na criação da Impressão Régia do Rio de Janeiro, ver

reflexão de BRAGANÇA, Aníbal. A criação da impressão Régia no Rio de Janeiro: novos aportes. In:

BESSONE, Tânia; SANTOS, Gilda; ALVES; Ida; PINTO, Madalena Vaz; HUE, Sheila (Orgs.). D. João

VI e o oitocentismo. Rio de Janeiro: Contra Capa/Faperj, 2011. 332 Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das & GARCIA, Lúcia Maria Cruz. Impressão Régia. In:

VAINFAS, Ronaldo & NEVES, Lúcia Bastos Pereira das (Orgs.). Dicionário do Brasil Joanino, 1808-

1821. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. p. 218-222. 333 MORAES, Rubens Borba de. A Impressão Régia do Rio de Janeiro: origens e difusão. In: MORAES,

Rubens Borba de & CAMARGO, Ana Maria de Almeida (Orgs.). Bibliografia da Impressão Régia do Rio

de Janeiro. v. 1. São Paulo: Edusp; Kosmos, 1993. p. XVII.

121

GRÁFICO 9

Obras impressas na Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1822)

FONTE: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais. A cultura política da

Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Editora Revan/Faperj, 2003. p. 35

A Impressão Régia foi igualmente responsável pela impressão do primeiro

periódico da América Portuguesa: a Gazeta do Rio de Janeiro, cujo número inaugural

saiu em 10 de setembro de 1808. O periódico era administrado por uma Junta Diretora,

composta por José Bernardes de Castro, diretor da Impressão Régia e deputado das Mesas

de Inspeção do Rio e Bahia; Mariano José Pereira da Fonseca, futuro Marquês de Maricá,

e José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu. Na “Seção noticiosa”, a Gazeta

divulgava artigos de jornais europeus, cartas, informações burocráticas e mantinha o

público a par do cotidiano da Corte e das datas comemorativas e festivas. A prestação de

serviços tinha lugar na “Seção de anúncios”, acerca das mais diferentes facetas da cidade:

informações de entrada e saída de navios do porto, vendas de escravos e imóveis, leilões,

correio e oferta de livros e periódicos334.

334 Cf. MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Imprensa e poder na corte joanina: a Gazeta do Rio de Janeiro

(1808-1821). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008. p. 68-70.

4,20%

10,60%

33,10%

17,20%

2,90%

3,20%

28,90%

Jurisprudência Ciências e Artes Belas Letras História

Teologia Periódicos Documentos Oficiais

122

O comércio de livros, que já funcionava na capital desde o tempo dos vice-reis,

cresceu substancialmente com a instalação da Corte de D. João335. Segundo Lúcia Maria

Bastos Pereira das Neves, de duas livrarias descritas no Almanaque do Rio de Janeiro de

1799 passou-se para, no mínimo, dez livreiros em atuação, já em 1808. Entre os anúncios

encontrados nos periódicos da época, encontram-se os nomes de negociantes de livros

como Paulo Martin, João Roberto Bourgeois, Manuel Jorge da Silva, Francisco Luís

Saturnino Veiga, Manuel Jorge da Silva Porto, Manuel Mandillo e outros franceses que

já atuavam no mercado livreiro em Portugal336. Através destes livreiros, conforme

salienta Maria Beatriz Nizza da Silva, circulavam neste ambiente os livros publicados na

Corte pela Impressão Régia e aquelas obras importadas de Lisboa337.

Além da oferta, os leitores enfrentavam outros obstáculos para o acesso aos livros

e impressos: os mecanismos de censura. Se em um primeiro momento a função cabia à

Junta Diretora da Impressão Régia, não tardou para que a Mesa do Desembargo do Paço

reivindicasse para si a função de fiscalizar as obras que atentassem contra a religião, moral

e bons costumes do reino. Assim, nada mais se imprimia sem antes passar pelo exame

dos censores nomeados pelo rei. Entre 1808 e 1819, foram nomeados treze censores por

D. João. Dentre eles, estavam Frei Antônio d’Arrábida, Frei Antônio de Santa Úrsula

Rodovalho, João Manzoni, José da Silva Lisboa, Mariano José Pereira da Fonseca338.

335 Sobre o mercado livreiro antes da chegada da Corte, ver: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura

letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. Editora UNESP, 2013. p. 265 e seguintes. 336 Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Comércio de livros e censura de ideias: a actividade dos

livreiros franceses no Brasil e a vigilância da Mesa do Desembargo do Paço (1795-1822). Ler História,

Lisboa, n. 23, 1992. p. 62-65. 337 Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821. Revista de

História, São Paulo, v. 46, n. 94, 1973. p. 443. 338 Cf. NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Comércio de livros e censura de ideias: a actividade dos

livreiros franceses no Brasil e a vigilância da Mesa do Desembargo do Paço (1795-1822). Ler História,

Lisboa, n. 23, 1992. p. 68-69. Sobre a censura no período joanino ver também: ALGRANTI, Leila Mezan.

Censura e comércio de livros no período de permanência da corte portuguesa no Rio de Janeiro (1808-

1821). Revista Portuguesa de História, Coimbra, t. XXXIII, p. 631-663, 1999.

123

Ainda assim, o contrabando se mantinha, e as obras proscritas continuavam a encontrar

caminhos para burlar a vigilância censória e chegar a seus leitores339.

3.2. ENTRE O REAL SERVIÇO E AS LETRAS: A TRAJETÓRIA DE FERNANDO JOSÉ DE

PORTUGAL (1752-1817)

Fernando José de Portugal e Castro, terceiro filho do 3º Marquês de Valença e 9º

Conde do Vimioso, nasceu em Lisboa, em dezembro de 1752340. Em 1772, matriculou-

se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra reformada. Entre 1773 e 1777,

cursou e recebeu aprovação nas disciplinas para a obtenção do grau de Bacharel. Formou-

se em 15 de novembro de 1777 e em junho de 1778 alcançou o grau superior de

Licenciado341. De acordo com os Estatutos da Universidade, redigidos no contexto da

Reforma de 1772, ao longo dos cinco anos de duração do curso jurídico, além das aulas

de Direito Romano e Pátrio, o estudante deveria cursar

a Doutrina do Método do Estudo Jurídico; a História Literária; a

Bibliografia da Jurisprudência Civil, assim Romana, como Pátria; e as

Regras da Crítica, e da Hermenêutica Jurídica; das quais dependem a

sólida inteligência das Leis, e o conhecimento de as aplicar aos fatos

com a devida exatidão e acerto342.

Após de licenciar em Leis, D. Fernando seguiu carreira na magistratura no

Tribunal da Relação de Lisboa e na Casa de Suplicação. Em 1788, foi indicado para o

governo da capitania da Bahia, onde sucedeu Rodrigo José de Menezes (1750-1807),

considerado por Luís dos Santos Vilhena, professor régio de língua grega e cronista

339 Cf. HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: sua história. São Paulo: EdUSP, 2012. p. 103-106. 340 Cf. GOUVÊA, Maria de Fátima. Fernando José de Portugal. In: VAINFAS, Ronaldo (Dir.). Dicionário

do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 229-230. 341 Cf. ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Índice de Alunos da Universidade de Coimbra.

PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/P/007798. Fernando José de Portugal e Castro (D.). 342 ESTATUTOS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA DO ANNO DE 1772. Livro II dos Cursos Jurídicos

das Faculdades de Canones, e de Leis. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1773. Título II, Capítulo V,

Número 11, p. 285.

124

colonial, “mais empenhado e atento ao bom regime e ordem nos governos político, civil,

econômico e militar” que seu sucessor343. Além disso, o professor régio comentava que

D. Fernando não “tinha as precisas forças para disfarçar a natural brandura e afabilidade

de sua alma”344.

Em passagem por Salvador em 1797, Miguel Antônio de Melo, com destino a

Luanda, onde exerceria o posto de governador de Angola, qualifica D. Fernando como

“um bom servidor, isento, afável para com grandes e pequenos, mui pronto em ouvir e

despachar o que ante a ele requerem; mais piedoso que justiceiro, o que talvez o tenha

feito qualificar de frouxo”345. As considerações destes dois contemporâneos, Luís dos

Santos Vilhena e Miguel Antônio de Melo, acerca da frouxidão e inaptidão de D.

Fernando para o governo pareciam ter sido confirmadas quando, em agosto de 1798, se

descobriu em diversos pontos da cidade de Salvador pasquins sediciosos repletos de

palavras como povo, liberdade e que ordenavam ao “povo baiense” que realizasse uma

“memorável revolução”346.

Os acontecimentos sediciosos só foram relatados a Lisboa em extensa carta do

governador ao secretário Rodrigo de Sousa Coutinho, em outubro de 1798. Contudo, por

outras vias, D. Rodrigo já havia sido informado sobre a situação na Bahia, onde “as

pessoas principais desta cidade [...] se acham infectadas dos abomináveis princípios

franceses e com grande afeição à [...] Constituição francesa”. Pior, afirmava que a razão

343 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. v. 2. Salvador: Itapuã, 1969. p. 423. 344 VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. v. 2. Salvador: Itapuã, 1969. p. 424. 345 BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO (doravante, BNRJ). Manuscritos, I-31, 21, 34, docs.

1 e 2. Informaçam da Bahia de Todos os Santos (1797). Cópia oficial, precedida de um aviso original de d.

Rodrigo de Souza Coutinho de 26 de Setembro de 1798 dirigido a d. Fernando José de Portugal. Para a

identificação do manuscrito e atribuição a Miguel Antonio de Melo, ver: NEVES, Guilherme Pereira das.

Em busca de um ilustrado: Miguel Antônio de Melo (1766-1836). Convergência Lusíada, v. 24, p. 25-41,

2007. 346 Cf. MATTOSO, Kátia de Queirós. Presença francesa no Movimento Democrático Baiano de 1798.

Salvador: Itapuã, 1969. p. 144-159. JANCSÓ, István. Um problema historiográfico: o legado de D.

Fernando José de Portugal. Anais do IV Congresso de História da Bahia. vol. 1. Salvador: Instituto

Geográfico e Histórico da Bahia / Fundação Gregório de Mattos, 2001.

125

disso era a “frouxidão do governo e a corrupção da Relação”347. Em sua defesa, D.

Fernando argumentava que os pasquins sediciosos eram mal organizados e que, dada a

condição social dos presos, capacitava-se que não tinham participado nem “pessoas de

consideração, nem de entendimento, ou que tivessem conhecimento e luzes”348.

Apesar da atribulada administração, a atuação de Fernando José de Portugal à

frente do governo da Bahia parece ter agradado aos administradores reinóis, uma vez que,

em 1801, assumiu a posição de Vice-rei do Brasil com sede no Rio de Janeiro. No Ofício

em que o informa de sua nomeação, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então Secretário de

Marinha e Ultramar, confidenciava:

No meu particular tenho uma grande satisfação em ver o quanto Vossa

Excelência se tem feito recomendável na Real Presença pela inteireza,

retidão e prudência que tem caracterizado o seu atual Governo, e com

que continuará a fazer a Sua Alteza Real os mais importantes serviços

em novo lugar, a que se acha destinado349.

Durante seu vice-reinado redigiu suas observações ao “Regimento” dado a Roque

da Costa Barreto, datado de 23 de janeiro de 1677. Nelas, Fernando José de Portugal

apresentou suas críticas à administração colonial e diversas propostas para seu

melhoramento. Segundo Rodolfo Garcia, estes comentários transformaram o

“Regimento” de 1677 no “melhor código administrativo comentado que tivemos no

Brasil Colonial”350.

347 Ofício de Rodrigo de Sousa Coutinho a Fernando José de Portugal e Castro de 4 de Outubro de 1798.

Transcrito em SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e Memórias históricas e políticas da província da

Bahia. Bahia, Imprensa Official do Estado, 1932, v. 3. p. 95. 348 Ofício de Fernando José de Portugal e Castro a Rodrigo de Sousa Coutinho de 20 de Outubro de 1798.

Transcrito em SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e Memórias históricas e políticas da província da

Bahia. Bahia, Imprensa Official do Estado, 1932, v. 3. p. 120-125. 349 BNRJ. Manuscritos, I-31,30,101. Aviso de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, dirigido a D. Fernando José

de Portugal, comunicando que este foi nomeado vice-rei e capitão general de terra e mar do Estado do

Brasil, e Francisco da Cunha e Meneses para lhe suceder no governo da Bahia. Lisboa, 28/03/1800. 350 GARCIA, Rodolfo. O Regimento de Roque da Costa da Barreto e os comentários de D. Fernando José

de Portugal. In: _____. Ensaio sobre a História Política e Administrativa do Brasil (1500-1810). Rio de

Janeiro: J. Olympio; Brasília: INL, 2ª. Ed., 1975. p. 145.

126

Regressou a Lisboa em 1806, onde exerceu brevemente a Presidência do Conselho

Ultramarino e atuou no Conselho de Estado. Em virtude da vinda da Corte para o Brasil,

recebeu o título de Conde de Aguiar e ocupou a pasta do Reino e a presidência do Erário

Régio351. Ademais, atuou como ministro assistente ao despacho, cargo que, segundo

Oliveira Lima, “equivalia ao de primeiro-ministro, com precedência sobre os colegas e

conhecimento dos assuntos de todas as pastas”352. Em meio a uma conjuntura política

delicada, Fernando José de Portugal buscava, escreve Oliveira Lima, “desenfado na

literatura” e publicou na recém-instalada Impressão Régia no Rio de Janeiro suas

traduções do Ensaio sobre a Crítica (1810) e dos Ensaios Morais (1811) de Alexander

Pope353.

3.2.1. As leituras do Marquês

Depois de apresentada sua faceta de homem vinculado aos quadros da

administração régia nas duas margens do Atlântico, urge investigar alguns aspectos

relacionados às suas práticas de leitura e hábitos de consumo de livros e impressos. No

Fundo Marquês de Aguiar da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro repousam duas cartas

e duas faturas de livros enviadas pelo livreiro Diogo Borel a Fernando José de Portugal

entre 1812 e 1813, nos anos seguintes às publicações das traduções de Pope. Diogo Borel

era um livreiro e impressor francês, natural da região do Delfinado, que fixou residência

em Lisboa por volta de 1769, aos 14 anos. A exemplo de outros livreiros naturais da

mesma região, que atuavam em Portugal e reforçavam laços de solidariedade entre as

351 Cf. GUIMARÃES, Lúcia Paschoal. Fernando José de Portugal e Castro, conde de Aguiar. In: VAINFAS,

Ronaldo & NEVES, Lúcia Bastos Pereira das (Orgs.). Dicionário do Brasil Joanino, 1808-1821. Rio de

Janeiro: Objetiva, 2008. 352 LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006. p. 123. 353 LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006. p. 129.

127

famílias, facilitando o comércio de livros, casou-se com Maria Margarida, filha de

franceses, com quem teve um filho e quatro filhas354.

Em sua Loja localizada no número 14 da rua da Igreja de Nossa Senhora dos

Mártires de Lisboa, Borel vendia toda sorte de livros e impressos. A partir dos

“Catálogos” de 1789 e 1793 dos livros vendidos neste estabelecimento, é possível

observar a composição de parte de seu acervo. Em primeiro lugar, destacam-se as obras

de “Teologia e Religião”, seguidas pelas de “Filosofia e Ciências” e “Direito e

Economia”. Depois, apareciam os livros de “Poesia, Teatro e Clássicos” e de

“Linguística, História Literária, Gramática, Dicionários e Retórica”. Por fim, em menor

número, estavam as publicações de “História, Bibliografias e Geografia”355.

Em setembro de 1812, o livreiro mandou publicar no Jornal de Coimbra uma

“Lista dos Livros Impressos na Régia Officina Typographica da Corte do Rio de Janeiro;

e que se achão à venda em Lisboa, na Loja de Borel, Borel e Companhia, quasi defronte

da Igreja de N. S. dos Martyres Num. 14”. A lista trazia obras de Ciências e Artes, como

as traduções dos Elementos de Geometria (1809) de Legendre e dos Elementos d’Álgebra

(1811) de Euler. Além destas, anunciava memórias e ensaios sobre o comércio e a

agricultura, como as Observações sobre o Commercio Franco no Brasil (1808) de José

da Silva Lisboa, a Memória sobre as Salitreiras Naturaes de Monte Rorigo (1809) de

José Vieira Couto e a Dissertação sobre as Plantas do Brazil (1810) escrita por Manoel

Arruda da Câmara. Continha também obras sobre a situação de Portugal na década

anterior, como o Ensaio Historico, politico e filosófico do Estado de Portugal desde o

354 Cf. DOMINGOS, Manuela D. Livreiros de Setecentos. Lisboa: Biblioteca Nacional, 2000. p. 209-210.

Sobre a criação de redes de relação e de informações entre as famílias de livreiros, ver, dentre outros,

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. As Belas Letras na Livraria de Jean Baptiste Bompard (1824-

1828). História (São Paulo. Online), v. 32, p. 79-98, 2013. 355 Cf. GUEDES, Fernando. O Livro e a Leitura em Portugal. Subsídios para a sua história. Século XVIII-

XIX. Lisboa: Editorial Verbo, 1987. p. 84-85. Para uma comparação com outros livreiros privados e a loja

da Impressão Régia, consultar o Gráfico 2, na p. 85 da presente dissertação.

128

mez de novembro de 1807 ate o mez de junho de 1808 (1808) de autoria desconhecida e

os versos Vozes do Patriotismo, ou fala aos portugueses feita em janeiro de 1808 (1809)

escritos pelo padre José de Góes. Além das obras citadas, encontravam-se à venda outras

publicações da Impressão Régia, como sermões, orações, obras literárias e teatrais356.

Neste mesmo ano, em 30 de outubro de 1812, Diogo Borel escrevia uma carta de

Lisboa destinada ao Conde de Aguiar em que afirmava:

Logo que cheguei a esta cidade, cuidei na encomenda de Vossa

Excelência e aprontei em poucos dias todos os artigos que encontrei de

venda e mandei-os encaixotar sem demora, porque faria gosto e

empenho de lhes mandar pelo brigue Tety que se acha em carga e partiu

no princípio deste mês357.

Contudo, continuava o livreiro, “não pude conseguir o meu intento, por causa de Licença

do Desembargo do Paço que não alcancei a tempo e sem a qual não se podem embarcar

livros”. Entrementes, a Licença foi concedida e os livros foram embarcados no navio

Princeza Carlota do capitão Francisco de Paulo Roiz. A encomenda não estava completa

pois, justificava o negociante, “não me foi possível nesta ocasião descobrir as Cartas de

Vieira [...] e espero poder lhes mandar com a História d’América Inglesa d’Edwards e

alguns outros que me faltam para completar a encomenda de Vossa Excelência”. Ao que

parece, D. Fernando havia encomendado também o Dicionário de Morais e Silva, pois

Borel se comprometia a enviá-lo no início do ano seguinte, assim que estivesse pronto358.

Na “Factura dos Livros que remette ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar, Diogo Borel”

encontra-se a lista das treze obras enviadas de Lisboa ao Rio de Janeiro que custaram,

acrescidos os valores de frete e licença, 74$920 réis. Em primeiro lugar, aparece a “Bell’s

Colleção das Melhores Comedias e Tragedias inglesas”, provavelmente, os volumes em

356 Jornal de Coimbra, nº. IX, setembro de 1812. p. 214-217. 357 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,12. Diogo Borel. Carta ao Conde de Aguiar.

Lisboa, 30/10/1812. fl. 1. 358 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,12. Diogo Borel. Carta ao Conde de Aguiar.

Lisboa, 30/10/1812. fl. 2.

129

8º da Bell's British theatre, consisting of the most esteemed English plays (1776-1778),

publicados em Londres. Em seguida, constam doze volumes em 12º das obras de

Shakespeare (1564-1616), sete volumes de Tácito (56 d.C.-120 d.C.) em francês e dois

volumes em 8º de “Code de Prises par le Beau”, possivelmente, a obra Nouveau code des

prises, ou Recueil des édits, déclarations, lettres patentes, arrêts, ordonnances,

réglemens & décisions sur la course & l'administration des prises, depuis 1400 jusqu'au

mois de mai 1789 de Sylvain Lebeau359.

Curiosamente, constam na mesma fatura, três edições distintas do Paraíso

Perdido (1667) de John Milton (1608-1674): Le Paradis Perdu, tradução em três volumes

em 4º feita por Jean Racine (1639-1699); Le Paradis Perdu, versão em dois volumes com

texto em inglês e francês escrita por M. Moneron; e a tradução portuguesa em dois

volumes de Paraíso Perdido (1789) feita pelo Padre José Amaro da Silva. Além disso,

D. Fenando havia encomendado um volume em 12º. intitulado “Fables de Gay”, ou seja,

Fábulas de John Gay (1685-1732)360.

Por fim, em língua portuguesa, foram enviados por Borel, dezesseis volumes em

4º dos Sermões do Padre Antonio Vieira (1608-1697) e, do mesmo autor, dois volumes

da História do Futuro. Além destes, constam três volumes em 4º da Collecção de Noticias

para a História e Geografia das Nações Ultramarinas (1812); os tomos VII e VIII das

Memorias de Litteratura Portugueza (1806) e os dois tomos das Dissertações

Chronologicas e Criticas sobre a Historia e Jurisprudência Ecclesiastica e Civil de

359 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 1. 360 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 1.

130

Portugal (1810) escritas por João Pedro Ribeiro (1758-1839), todos publicados pela

Academia Real das Sciencias de Lisboa361.

No ano seguinte, em 11 de setembro de 1813, Diogo Borel dava notícia do envio

de uma nova encomenda de livros para o Conde de Aguiar. Na Carta, o livreiro afirmava:

“Agora participo a Vossa Excelência que embarquei no navio Conde das Galveas outra

caixa que contém o resto de sua encomenda”. A demora, justificava Borel,

foi porque o Diccionario de Lingua Portugueza de Moraes estava quase

a concluir e esperava de dia em dia o dar a Luz para ter o gosto de lhe

remeter juntamente um exemplar, o que finalmente consegui e tomo a

liberdade de oferecer a Vossa Excelência362.

A carta veio acompanhada da “Factura de huma caixinha embarcada sobre o Navio Conde

das Galveas, que remette ao Ilmo. Exmo. Snr. Conde de Aguiar de Diogo Borel”363.

A fatura descreve a segunda encomenda de dez obras feitas por Fernando José de

Portugal e enviadas de Lisboa em setembro de 1813. Encabeçam a lista os dois volumes

do Diccionario da Lingua Portugueza (1813) de Antônio de Moraes Silva (1755-1824),

presente de fato do livreiro Borel ao Conde de Aguiar, uma vez que não foi cobrado na

fatura364. Em seguida, constam três volumes em 4º das Cartas do Padre Antonio Vieira,

o tomo IV das Memórias Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o

adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Industria em Portugal, e suas conquistas

(1812). Além destes, foram remetidos outros volumes das Dissertações Chronologicas e

Criticas sobre a Historia e Jurisprudência Ecclesiastica e Civil de Portugal (1810) de

361 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 1. 362 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,13. Diogo Borel. Carta ao Conde de Aguiar.

Lisboa, 11/09/1813. 363 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 3. 364 DICCIONARIO de Lingua Portugueza recopilado dos vocabulários impressos até agora, e nesta

segunda edição novamente emendado, e muito acrescentado, por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio

de Janeiro... 2 t. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813.

131

João Pedro Ribeiro (1758-1839) e da Collecção de Noticias para a História e Geografia

das Nações Ultramarinas (1812)365.

As cinco obras restantes foram escritas em língua inglesa e importadas de Londres

por Borel. Citados na carta de 30 de outubro de 1812, que acompanhava a primeira

remessa de livros, constam nesta fatura os três volumes em 8º de The History Civil and

Commercial, of the British Colonies in the West Indies (1798) escritos pelo historiador

inglês Bryan Edwards (1743-1800). Ademais, foram enviados dois volumes em 8º dos

The Works de Thomas Gray (1716-1771), doze volumes dos The Works (1809) de Samuel

Johnson (1709-1784) e três volumes dos Poetical Works (1784) de John Gay (1685-

1732). Consta, também, a nova edição inglesa de Paradise Lost (1802) de John Milton

(1608-1674) em dois volumes366.

A partir das cartas e das duas faturas de remessas de livros de Diogo Borel, é

possível tecer alguns comentários acerca dos temas sobre os quais recaíam os interesses

literários de Fernando José de Portugal. O GRÁFICO 10 expressa o percentual das obras

organizadas conforme os critérios do Catálogo da Biblioteca do Conde da Barca (1818):

365 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 3. 366 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q. remete

ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar. fl. 3.

132

GRÁFICO 10

Temas das obras remetidas por Diogo Borel a Fernando José de Portugal (1812 e 1813)

FONTE: BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,98. Diogo Borel. Facture dos Livros q.

remete ao Exmo. Snr. Conde de Aguiar.

As remessas de livros evidenciam o interesse de D. Fernando nas obras de Belas

Letras de língua inglesa, principalmente os versos dos poetas de fins do século XVII e do

XVIII, como por exemplo John Gay (1685-1732), Thomas Gray (1716-1771) e Samuel

Johnson (1709-1784). Curiosa é a presença de nada menos que quatro edições distintas

em inglês, francês e português do Paraíso Perdido de John Milton (1608-1674). É

possível que se trate de uma pesquisa preliminar de edições para fornecerem base para

um novo esforço tradutório após finalizar as edições do Ensaio sobre a Crítica (1810) e

dos Ensaios Morais (1811) de Alexander Pope em língua portuguesa. Não há, entretanto,

outras evidências que corroborem tal assertiva.

História, Jurisprudência e Ciências e Artes ocupavam a mesma posição entre os

livros remetidos. Nestas categorias, destacam-se as edições levadas a cabo pela Academia

Real de Sciencias de Lisboa, que demonstram um conhecimento atualizado por parte de

13,04%

56,52%

4,34%

13,04%

13,04%

Teologia Belas Letras Ciências e Artes Jurisprudência História

133

um importante ministro na Corte Joanina do que era discutido e impresso no outro lado

do Atlântico. Os escritos do Padre Antonio Vieira compõem as obras de Teologia

enviadas por Borel e não deixam de ser indício da permanência daquele lugar, apontado

por Guilherme Pereira das Neves anteriormente, que a religião ocupava nas mentes destes

homens e letrados imbuídos dos ideais das Luzes no mundo luso-brasileiro367. Ao mesmo

tempo, os volumes de Vieira relacionam-se também ao interesse literário de D. Fernando,

uma vez que, como demonstrado adiante, excertos do padre seiscentista foram

constantemente citados nos comentários feitos por ele na tradução do Ensaio sobre a

Crítica (1810) de Pope.

3.3. A TRADUÇÃO DO ENSAIO SOBRE A CRÍTICA (1810) DE ALEXANDER POPE

O Ensaio sobre a Crítica foi publicado originalmente em maio de 1711 na

Inglaterra e é considerado o primeiro grande trabalho independente de Alexander Pope368.

Em 1736, o poeta empreendeu um trabalho de revisão para a primeira publicação

completa de seus trabalhos e dividiu o poema em três seções, com subseções que

resumiam cada segmento do argumento369. A primeira parte aborda a relação entre a

crítica, o gosto e a necessidade de se estudar os antigos. A segunda seção expressa os

males que afastam o crítico do verdadeiro juízo, como a vaidade, a inveja e a parcialidade.

Por fim, o poeta expõe as regras que devem ser seguidas pelos críticos e apresenta os

“melhores críticos”, como Aristóteles, Horácio, Quintiliano, dentre outros370. Foi este o

poema traduzido por Fernando José de Portugal e Castro publicado na Impressão Régia

367 Cf. NEVES, Guilherme Pereira das Neves. Um mundo ainda encantado: religião e religiosidade na

América Portuguesa ao fim do período colonial. Oceanos. Lisboa, v. 42, 2000. p. 114. 368 ROSSLYN, Felicity. Alexander Pope: A Literary Life. Nova York: Palgrave Macmillan, 1990. p. xi-xii. 369 Cf. BAINES, Paul. The Complete Critical Guide to Alexander Pope. Londres: Routledge, 2000. p. 50. 370 Cf. “Summario Do que contem este Ensaio”. POPE, Alexander. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em

portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario

do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810.

134

do Rio de Janeiro em 1810. Contudo, não se tratou da primeira tradução de Pope

publicada no mundo luso-brasileiro. É preciso, em razão disso, investigar quais outras

obras do poeta inglês circularam em língua portuguesa durante este período de grandes

transformações.

3.3.1. A circulação das traduções de Alexander Pope no mundo luso-brasileiro

(1759-1819)

A primeira tradução de que se tem notícia de obra de Pope em língua portuguesa

é registrada por Diogo Barbosa Machado (1682-1772) em sua Bibliotheca Lusitana371. A

tradução manuscrita das Cartas Moraes de Pope, célebre poeta inglês foi feita por

Henrique Joseph de Carvalho e Moura em 1759372. Segundo Barbosa Machado, o

tradutor, nascido no ano de 1714 na cidade do Porto, dedicou seus estudos “à cultura das

letras humanas, e inteligência das línguas francesa, inglesa, e italiana, como também a

versificação da poesia vulgar”373.

No fim da década seguinte, em 1769, saiu à luz a primeira tradução impressa

conhecida do poeta inglês. A tradução do Ensaio sobre o Homem foi impressa, com

licença da Real Mesa Censória, em formato 12º na Oficina de Antônio Vicente da Silva

em Lisboa374. A versão foi levada a cabo por um certo Antônio Teixeira, cuja trajetória é

desconhecida, uma vez que, segundo Inocêncio Francisco da Silva, “inúteis têm sido

371 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de. Modalidades de Leitura das Luzes no Tempo de Pombal.

Separata da Revista de História, Centro de História da Universidade do Porto, Porto, Vol. X, 1990. p. 108. 372 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 108. 373 BIBLIOTHECA LUSITANA, Histórica, Crítica, e Chronologica, na qual se comprehende a notícia dos

Authores Portuguezes, e das Obras, que se compozerão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça

até o tempo presente por Diogo Barbosa Machado. Tomo IV. Lisboa: Na Oficina Patriarcal de Francisco

Luiz Ameno, 1759. p. 156-157. 374 ENSAIO sobre o Homem, poema filosófico de Alexandre Pope, traduzido do original inglez na Língua

Portugueza por A. Teixeira. Lisboa: Na Officina de Antonio Vicente da Silva, 1769.

135

todas as diligências para descobrir notícias de sua profissão, e mais circunstâncias

pessoais, sendo unicamente conhecida pela seguinte publicação feita em seu nome”375.

No breve prefácio introdutório, o tradutor elogia o gênio poético de Pope e enfatiza os

aspectos da religião católica presentes em sua obra. O poema traduzido, nas palavras de

Teixeira, compunha “um breve, mas não imperfeito sistema de Moral (são palavras suas)

[de Pope] no qual demonstra que tudo está bem, pois tudo é governado e regulado pela

Infinita Sabedoria do Altíssimo”376.

Em 1785, uma versão portuguesa da Carta de Heloaze a Abailardo, de Pope, foi

incluída na compilação Contos Moraes para entretenimento, e instrucção das pessoas

curiosas377. A obra de tradução desconhecida foi publicada na Oficina de Antônio

Alvarez Ribeiro na cidade do Porto em formato 8º378. Em 1791, a tradução de Ode de

Pope vertida em ligoagem, feita à felicidade da Vida integrou as Obras inéditas dos

nossos insignes poetas Pedro da Costa Perestrello e Francisco Galvão organizadas por

Antônio Lourenço Caminha, Professor de Retórica e Poética em Lisboa379. Além da

autoria e tradução de obras poéticas, Caminha se destacou pela publicação de muitos

volumes compilados de poesias de diferentes letrados portugueses. Segundo Inocêncio

Francisco da Silva, “Caminha deu à luz muitos volumes, de chamados inéditos, com que

375 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Primeiro. Lisboa: na Imprensa Nacional,

1858. p. 279. 376 Prefácio. ENSAIO sobre o Homem, poema filosófico de Alexandre Pope, traduzido do original inglez

na Língua Portugueza por A. Teixeira. Lisboa: Na Officina de Antonio Vicente da Silva, 1769. n. p. 377 CONTOS MORAES para entretenimento e instrucção das pessoas curiosas. Extrahidos dos melhores

Auctores, que tem tractado desta materia. Porto: Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, 1785. p. 239-265.

Cf. LOUSADA, Isabel. Para o estabelecimento de uma bibliografia britânica em português, 1554-1900.

Tese (Doutorado) – Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1998. nº. 71. 378 Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 183. 379 OBRAS INÉDITAS dos nossos insignes poetas Pedro da Costa Perestrello, coevo do grande Luis de

Camões, e Francisco Galvão, Estribeiro do Duque D. Theodozio, e do muitos Anonimos dos mais

esclarescidos Séculos da Língua Portugueza, ... por Antonio Lourenço Caminha. Tomo I. Lisboa: na

Officina de Antonio Gomes, 1791. p. 214-215.

136

adquiriu por vezes lucros consideráveis, pois fazia as suas edições por meio de subscrição,

e o preço das assinaturas era pelo comum de 1:200 réis por cada tomo de 8º pequeno”380.

Antônio Araújo de Azevedo (1754-1817), feito 1º Conde da Barca no século

seguinte, traduziu, afirma Gonçalves Rodrigues, O Outono ou Hylas e Egon. Terceira

Ecloga de Pope381. O poema foi publicado em um volume em 4º na cidade Hamburgo no

ano de 1799, em conjunto com outras odes de Thomas Gray (1716-1771) e John Dryden

(1631-1700). Segundo Inocêncio Francisco da Silva, o raríssimo volume foi editado por

D. José Maria de Sousa Mourão e Vasconcelos (1758-1825), o 5º Morgado de Matheus.

Os poemas, assevera o bibliófilo português, foram vertidos ao português com igual

número de versos e com as mesmas rimas dos textos originais382.

No alvorecer do século XIX, em 1801, foram realizadas outras traduções da

Epístola de Heloysa a Abaylard. A primeira circulou manuscrita e foi realizada por José

Anastácio da Cunha (1744-1787), célebre matemático e lente da Universidade de

Coimbra383. A segunda foi atribuída a José Nicolau de Massuelos Pinto (1770-1825) e

publicada em Londres na Oficina de Guilherme W. Lane384. Segundo Inocêncio Francisco

da Silva, foi a única “feita sobre o original inglês. As outras duas o foram sobre as

traduções, ou melhor, imitações francesas de Mercier e Colardeau”385. Os volumes em 4º,

380 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Primeiro. Lisboa: na Imprensa Nacional,

1858. p. 189. 381 Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 232. 382 Cf. SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Primeiro. Lisboa: na Imprensa Nacional,

1858. p. 88. 383 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Quinto. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1860.

p. 82. 384 EPISTOLA de Heloyza a Abaylard, composta no idioma inglez por Pope, e traslada em versos

portugueses por * * Mos. Londres: Na Officina de Guilherme Lane, Rua de Leadenhall, 1801. 385 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Quinto. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1860.

p. 82.

137

continua o bibliófilo, foram vendidos por elevados preços e circularam de modo

clandestino em Lisboa por muitos anos.

No ano seguinte, em 1802, o periódico As Variedades, nova publicação

litteraria..., publicado na Officina de Simão Thaddeo Ferreira em Lisboa, trouxe em suas

páginas dois poemas de Pope traduzidos ao português386. O primeiro veio a luz no número

XIX e intitulava-se Abuso das Riquezas, no original Of the Use of Riches (1731-1735),

uma das epístolas dos Ensaios Morais387. A segunda, As Lagrimas. Armania chora: hum

orgulhoso enfado anima o seu rosto..., foi publicada no número XX388. Esta última foi

publicada novamente, segundo Gonçalves Rodrigues, em 1805389.

Em 1809, saiu dos prelos da Impressão Régia de Lisboa a obra Collecção de

Poesias Ineditas dos Melhores Autores Portuguezes. Segundo “Prefácio do Editor”,

“compõe-se esta Coleção principalmente de Poesias inéditas, e isso mesmo deixa ver o

seu título. Coligiram-se, contudo, também algumas impressas, mas que já se tem feito

raras”390. Dentre os poemas, encontram-se duas odes de Pope traduzidas pela pena de José

Anastácio da Cunha. A primeira intitula-se A Solidão. Ode traduzida de Pope, no original,

Ode on Solitude (1708), e a segunda, Oração Universal. Ode traduzida de Pope, no

original, The Universal Prayer (1738)391. No mesmo ano, 1809, Hernani Cidade localiza

386 Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 253. 387 AS VARIEDADES, nova publicação litteraria... Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802.

Vol. IV, n.º XIX, p. 32-37. 388 AS VARIEDADES, nova publicação litteraria... Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1802.

Vol. IV, n.º XX, p. 102-103. 389 Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha

cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-

1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 267. 390 COLLECÇÃO de Poesias Ineditas dos Melhores Autores Portuguezes. Lisboa: Impressão Régia, 1809.

p. 3. 391 COLLECÇÃO de Poesias Ineditas dos Melhores Autores Portuguezes. Lisboa: Impressão Régia, 1809.

p. 122 e 123-125, respectivamente.

138

a publicação de outra edição da tradução da Epístola de Heloísa a Abelardo de Anastácio

da Cunha392.

José Anastácio da Cunha foi fundamental na recepção e divulgação dos

conhecimentos científicos renovados propiciados pelas Luzes. Após extensa carreira

militar e formação no âmbito dos Oratorianos de São Filipe Néri, tornou-se Lente de

Geometria da Universidade de Coimbra reformada em 1773 por convite do próprio

Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal393. Célebre matemático e autor

dos Principios Mathematicos (1787), Anastácio da Cunha caiu nas malhas da Inquisição

em 1778 e confessou a leitura de “livros libertinos” e a tradução de autores como Voltaire

(1694-1778) e Alexander Pope (1688-1744). Foi considerado culpado de “heresia”,

“apostasia”, “deísmo”, “tolerantismo” e “indiferantismo”394.

Em Londres, foi publicada no ano de 1812 a obra Poetica de Horatio e o Ensaio

sobre a Crítica, de Alexandre Pope395. O volume em 8º trazia na capa a inscrição “Por

huma portuguesa”, logo identificada como sendo traduzida por D. Leonor de Almeida

Portugal (1750-1839), a 4ª Marquesa de Alorna. Conhecida pela alcunha arcádica de

Alcipe, a Marquesa residia em Londres nesta época em um exílio forçado após a morte

de seu marido. Sua trajetória de vida moldou importantes aspectos de sua produção

poética. Após seus familiares terem sido imputados no Processo dos Távoras no reinado

josefino, D. Leonor foi enclausurada no Convento de Chelas, onde permaneceu até 1777.

Neste ano, casou-se com o Conde de Oyenhausen (1738-1793) e, três anos depois, migrou

392 Cf. CIDADE, Hernani. A Obra Poética do Dr. José Anastácio da Cunha. Coimbra: Imprensa da

Universidade, 1930. p. 112-115. Os versos foram reunidos sob o título “Fragmento da tradução da primeira

epístola de Heloísa a Abelardo, de Pope”. 393 Cf. CANTARINO, Nelson Mendes. Ousando Saber: José Anastácio da Cunha e as Luzes em Portugal

(1744-1787). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,

Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006. p. 24. 394 Cf. ARAÚJO, Ana Cristina. A Cultura das Luzes em Portugal. Temas e Problemas. Lisboa: Livros

Horizonte, 2003. p. 93-94. 395 POETICA de Horatio, e o Ensaio sobre a Critica, de Alexandre Pope. Em Portuguez. Dedicado a

preciosa Memoria d’el Rey, D. João IV. Por huma Portugueza. Londres: Na Officina de T. Harper, 1812.

139

com o marido para a corte Austríaca em missão diplomática. Durante as décadas

seguintes, Alcipe transitou por importantes centros europeus, como Madrid, Paris,

Marselha, entre outros396.

Em 1815, o Jornal de Coimbra, publicou em seu número XXXV a tradução O

Inverno, ou Daphne. Quarta Ecloga de Pope feita por José Maria Osório Cabral (1791-

1857)397. No ano anterior, 1814, o periódico havia publicado a versão em latim de

Messiah, a sacred epilogue (1712) feita por Guilherme Bermingham, professor de Grego

da Universidade de Coimbra398. Na carta que remeteu ao periódico junto à tradução,

Osório Cabral afirmava que buscava se distrair e exercitar os “bons modelos na língua

inglesa”. Além disso, comentava que, após ver sua tradução, “um Literato, que me-honra

com a sua amizade, se-moveu a traduzir a 3ª Ecloga do mesmo Autor, que oferecerei a

V.V., na certeza de que hão de apreciá-la como eu”399.

Não por acaso, o volume seguinte do Jornal de Coimbra, de número XXXVI de

1815, trazia a versão portuguesa de O Outono, ou Hylas, e Egon. Terceira Ecloga de

Pope400. Em outra carta, Osório Cabral esclarecia: “Remeto a V.V. a III. Ecloga de Pope,

em que lhes-falei, quando remeti a versão que fiz da IV. Ela foi traduzida por um Sábio,

que não me consente revelar o seu Nome”401. Inocêncio Francisco da Silva atribui a

tradução a José Pedro Quintella, formado em Leis em Coimbra e Desembargador da

Relação do Porto. Em suas palavras,

396 Cf. BORGES, Joana Junqueira. Marquesa de Alorna, tradutora de Horácio: Estudo e comentário da

Arte poética. Tese (Doutorado em Estudos Literários) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade

Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Araraquara, 2018. p. 41-49. ANASTÁCIO, Vanda. Nota de

investigação sobre a Marquesa de Alorna (1750-1839) e o Brasil. Navegações, v. 5, n. 1, jan./jun. 2012. p.

98. 397 Jornal de Coimbra, nº. XXXV, Parte II, 1815. p. 210-217. 398 Jornal de Coimbra, nº. XXVIII, Parte II, abril de 1814. p. 212-223. 399 Jornal de Coimbra, nº. XXXV, Parte II, 1815. p. 209. 400 Jornal de Coimbra, nº. XXXVI, Parte II, 1815. p.256-263. 401 Jornal de Coimbra, nº. XXXVI, Parte II, 1815. p. 255.

140

é sua a tradução em verso de uma Ecloga de Pope, que se publicou

anônima no Jornal de Coimbra, remetida para esse fim aos redatores

pelo falecido Dr. José Maria Osorio Cabral, a quem devo o

conhecimento desta circunstância, que por ele me foi certificada,

dizendo-me que conservava ainda em seu poder a versão autografa de

outra ecloga do mesmo poeta, feita pelo próprio Quintella, a qual não

chegara a publicar402.

Em 1817 foi impressa a reedição da tradução do Ensaio sobre o Homem feita por

Antônio Teixeira em 1769403. A nova edição, saída dos prelos da Typografia Rollandiana,

foi feita por Francisco Baptista de Oliveira Mesquita, o Mechas, “homem muito ligado

ao comércio do livro e a quem se deve também a criação de um gabinete de leitura na

capital”404. Neste mesmo ano e na mesma tipografia, foi reeditada a obra Contos Moraes

para entretenimento, e instrucção das pessoas curiosas (1785), que continha a Carta de

Heloize a Abailardo405.

Em 1819, foram publicadas duas traduções da Carta de Heloisa a Abaelardo em

Lisboa: a primeira, pela Impressão Régia de Lisboa e a segunda, pela Officina de Joaquim

Rodrigues d’Andrade406. Em Londres, neste mesmo ano, saíram à luz os três tomos do

Ensaio sobre o Homem traduzido por Francisco Bento Maria Targini (1756-1827)407.

Dedicados “ao Muito Alto e Muito Poderoso Senhor Rei Dom João, o Sexto”, os volumes

resultam de um grande esforço tradutório verso por verso empreendido pelo Barão de São

402 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio

Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Tomo Quinto. Lisboa: na Imprensa Nacional, 1860.

p. 91, grifos no original. 403 ENSAIO sobre o Homem, poema filosófico de Alexandre Pope. Traduzido do original por A. Teixeira.

Lisboa: Na Typografia Rollandiana, 1817. 404 ARAÚJO, Ana Cristina Bartolomeu de. Modalidades de Leitura das Luzes no Tempo de Pombal.

Separata da Revista de História, Centro de História da Universidade do Porto, Porto, Vol. X, 1990. p. 108,

nota de rodapé nº. 9. 405 CONTOS MORAES para entretenimento e instrucção das pessoas curiosas. Extrahidos dos melhores

Auctores, que tem tractado desta materia. Lisboa: Typografia Rollandiana, 1817. Cf. LOUSADA, Isabel.

Para o estabelecimento de uma bibliografia britânica em português, 1554-1900. Tese (Doutorado) –

Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1998. nº. 71. 406 CARTA de Heloisa a Abaelardo. Lisboa: Impressão Régia, 1819. CARTA de Heloísa a Abeilard. Lisboa:

Officina de Joaquim Rodrigues d’Andrade, 1819. Cf. RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A

Tradução em Portugal. Tentativa de resenha cronológica das traduções impressas em língua portuguesa

excluindo o Brasil. Volume Primeiro, 1495-1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. p. 331. 407 ENSAIO sobre o Homem de Alexandre Pope, traduzido verso por verso por Francisco Bento Maria

Targini, Barão de São Lourenço... 3 tomos. Londres: na Officina Typographica de C. Whittingham, 1819.

141

Lourenço408. No “Prólogo do Tradutor”, Targini afirmava que “o amor da pátria e a

estimação devida a Língua Portuguesa” o tinham levado a traduzir tal obra. Em suas

palavras, “o Autor [Alexander Pope] empregou nesta sua obra uma Metafísica superior

revestida das graças da Poesia: uma Moral, que toca os corações apresentando-lhes

quadros enérgicos onde o homem se vê, e aprende a seguir a estrada da Razão e da

Virtude”409.

3.3.2. Aspectos editoriais da obra: os paratextos e seus sentidos

A obra, que saiu a luz no Rio de Janeiro em 1810, foi considerada por Rubens

Borba de Moraes e Ana Maria Camargo, como “um dos mais belos livros publicados pela

Impressão Régia”410. Composta em papel encorpado de tipo Holanda, traz no frontispício

um retrato de Alexander Pope gravado a buril por Romão Eloy de Almeida. Segundo

Orlando da Costa Ferreira, “esse bem executado buril, gravado para o frontispício da

tradução portuguesa do Ensaio sobre a Crítica, é reinterpretação tirada do burilista-

retratista inglês Thomas Halloway (1748-1827)”. Além disso,

a folha de rosto gravada desse volume, publicado em 1810, bem como

a dos Ensaios Moraes do mesmo autor, saídos em 1811, praticamente

idênticas, pertencem igualmente a Almeida, trabalhando ele,

provavelmente, à vista de tipos do repertório da própria oficina,

principalmente sobre a caixa-alta de um itálico de ostensão de grande

corpo, cujo A tem a primeira haste curva e começada por uma

ampola411.

408 Para uma análise desta tradução, ver: SILVA, Jorge Miguel Bastos da. Milton e Pope em Portugal

(Séculos XVIII e XIX): As traduções de F. B. M. Targini e o contexto da crítica. Cadernos de Tradução,

Florianópolis, v. 1, n. 5, 2000. 409 ENSAIO sobre o Homem de Alexandre Pope, traduzido verso por verso por Francisco Bento Maria

Targini, Barão de São Lourenço... Tomo I. Londres: na Officina Typographica de C. Whittingham, 1819.

p. 6 e p. 4, respectivamente. 410 MORAES, Rubens Borba de & CAMARGO, Ana Maria de Almeida (Orgs.). Bibliografia da Impressão

Régia do Rio de Janeiro. v. 1. São Paulo: Edusp; Kosmos, 1993. p. 45. 411 FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e letra. Introdução à Bibliologia Brasileira. A Imagem

Gravada. São Paulo: EDUSP, 1994. p. 247-248.

142

FIGURA 1

Frontispício do Ensaio sobre a Crítica (1810)

FONTE: ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José

Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia,

1810. Exemplar da John Carter Brown Library. Digitalização disponível em:

https://archive.org/details/ensaiosobrecriti00pope?q=ensaios+sobre+a+cr%C3%ADtica+pope. Acesso em

15/08/2018.

A edição de 1810 era composta por: a “Prefação”, escrita pelo tradutor; o “Summario do

que contém este Ensaio”; o texto original e a versão traduzida em português; o

“Commentario de Warburton”, escritor inglês e amigo de Pope; a “Carta II. De Pope a J.

C. sobre a inteligência dos versos 396, e 397 deste Ensaio” e a “Carta III. Ao mesmo

sobre a inteligência do vers. 428”. As cartas supracitadas foram escritas pelo poeta

inglês a James Craggs (1686-1721) por ocasião das críticas feitas por John Dennis (1658-

1734) ao Essay on Criticism (1711). As epístolas foram recolhidas por Fernando José de

Portugal da edição das obras de Pope levada a cabo pelo reverendo William Lisle Bowles

143

(1762-1850) em 1806412. Nesse sentido, os prefácios, posfácios, cartas ao leitor e

comentários constituem os “paratextos” editoriais. Segundo Gerard Genette, o paratexto

é dotado de razoável força ilocutória, que permite que dê “a conhecer uma intenção ou

interpretação autoral e/ou editorial”413. Além disso, este gênero acaba por constituir

uma zona não apenas de transição, mas também de transação: lugar

privilegiado de uma pragmática e de uma estratégia, de uma ação sobre

o público, a serviço, bem ou mal compreendido e acabado de uma

melhor acolhida do texto de uma leitura mais pertinente414.

Um dos principais paratextos do Ensaio (1810) é, sem dúvida, a “Prefação” de

Fernando José de Portugal. No seu prefácio, o tradutor afirmava que após as traduções da

Ars Poetica de Horácio, da Poética de Aristóteles e da Arte Poética de Boileau, pensou

que seria tão bem hum serviço útil, e proveitoso verter em vulgar o

Ensaio sobre a Crítica de Alenxandre Pope, hum dos Poetas Inglezes

mais correctos, para os que desejão saber as regras, e preceitos de

escrever bem em verso, e julgar com acerto das composições poéticas,

as podessem mais facilmente apprender, lendo esta obra em nada

inferior aquellas em mesmo gênero415.

Depois disso, o tradutor passou a apresentar um breve histórico da obra, desde o ano de

sua publicação até sua própria divisão interna.

Outro aspecto importante ressaltado por D. Fernando foi a recepção do Ensaio

quando de sua publicação original. Sobre isso, ele comentou que “logo que este Ensaio

sahio á Luz, vários críticos o censurarao injustamente” e se referiu, por exemplo, a de

John Dennis (1658-1734). Apenas um mês após a publicação original do Ensaio, Dennis

escreveu Reflections Critical and Satyrical, upon a late Rhapsody, call’d, an Essay upon

412 Cf. THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in verse and prose. Containing the principal notes of Drs.

Warburton and Warton... by the Rev. William Lisle Bowles, A. M. Vol. VII. London: Printed of J. Johnson,

J. Nichols and Son ..., 1806. p. 252-262. 413 GENETTE, Gerard. Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. p. 17, grifos no original. 414 GENETTE, Gerard Paratextos editoriais. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. p. 10, grifo no original. 415 PORTUGAL, Fernando José de. Prefação. In: POPE, Alexander. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em

portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario

do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. I.

144

Criticism, em que atacava tanto a obra quanto o seu autor416. D. Fernando julgava as

críticas como “diferentes opusculos cheios de mordacidade, de jocosidade, e motejos,

querendo mostrar, que os preceitos erão falsos, ou triviaes”417. Ele também citou

comentários de Addison (1672-1719), Voltaire (1694-1778) e Samuel Johnson (1709-

1784) sobre a obra.

Após comentar sobre as versões francesas e alemãs do Ensaio, D. Fernando

apresentava as discussões da época sobre a tradução e afirmava que “muito se tem

questionado sobre as traduções livres, e literais; e qual o melhor methodo de traduzir um

Poeta, se em verso, se em proza”418. Em defesa das versões em prosa, D. Fernando citou:

Jean Bouhier (1673-1756), tradutor de Petrônio (27 d.C.-66 d.C.); o Abade Pierre

Desfontaines (1685-1745), tradutor de Virgílio (70 a.C.-19 a.C.); Charles Batteaux (1713-

1780), tradutor de Horácio (65 a.C.-8 a.C.) e Anne Dacier (1647-1720), tradutora de

Homero. Dentre os letrados que argumentavam que um poeta deve traduzir-se em verso,

constavam no Prefácio: o Abade Jacques Delille (1738-1813), tradutor de Virgílio e

Milton (1608-1674); o Abade Jean-François du Resnel, tradutor de Pope (1688-1744);

Cândido Lusitano (Francisco José Freire, 1719-1773) e Elpino Duriense (Antônio Ribeiro

dos Santos, 1745-1818), tradutores de Horácio. Ao fim, D. Fernando ponderava que

em ambas estas espécies de versões há inconvenientes, e das obrigações

de hum Traductor se podem facilmente conhecer onde se encontrão

maiores. A essência das traducções consiste principalmente na

fidelidade, e na exacção; e neste ponto se podem comparar com a

História419.

Para resolver a questão, Fernando José de Portugal recorreu à obra de Noel-Ettiene

Sanadon, padre e tradutor francês que viveu entre 1676 e 1733. Segundo D. Fernando, no

416 Cf. BAINES, Paul. The Complete Critical Guide to Alexander Pope. Londres: Routledge, 2000. p. 13. 417 PORTUGAL, op. cit., p. II. 418 PORTUGAL, op. cit., p. VIII. 419 PORTUGAL, op. cit., p. VIII-IX.

145

Prefácio à sua tradução de Horácio, o padre francês defendeu que “a tradução de hum

Poeta feita em prosa terá toda a perfeição, que póde ter, quanto á fidelidade”420. Deste

modo, o tradutor português reconheceu que não tinha por objetivo decidir “huma questão

tão agitada na literatura francesa” e que só se propôs a “fazer huma traduccção fiel, e

bastantemente litteral, deste Ensaio, quanto permite o gênio da Lingoa”421.

Ademais, D. Fernando abordou um importante tema presente em diversos

prefácios analisados ao longo da pesquisa que resultou no Capítulo 2 deste trabalho: a

utilidade das traduções. Em suas palavras, “não me demoro sobre a utilidade, que resulta

das traducções na Lingoa Materna; pois he bem manifesta, e muitos literatos de todas as

Nações se tem dado a este proveitozo trabalho”422. Como exemplo, o tradutor citou os

nomes de Annibale Caro (1507-1566), John Dryden (1631-1700), Jacques de Tourreil

(1656-1714), Nicolas Perrot d’Ablancourt (1606-1664) e os já citados Alexander Pope,

Anne Dacier e o Padre Sanadon. Da obra de Perrot d’Ablancourt, D. Fernando citou

“quando lhe perguntavão, porque queria antes ser Traductor do que Author, respondia,

que a maior parte dos livros não erão senão repetições dos antigos, e que para bem servir

a sua Patria era melhor traduzir bons livros, do que compor outros”423.

Por fim, D. Fernando tratava das diversas edições das obras de Pope e se refere à

edição de nove volumes feita por Joseph Warton (1722-1800) em 1797 e a de dez volumes

feita por William Lisle Bowles (1762-1850) em 1806424. Quanto à sua tradução, ele

afirma que

420 PORTUGAL, op. cit., p. IX. 421 PORTUGAL, op. cit., p. X. 422 PORTUGAL, op. cit., p. X-XI. 423 PORTUGAL, op. cit., p. XI. 424 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797. THE WORKS of

Alexander Pope, Esq. in verse and prose ... by the Rev. William Liles Bowles, A. M.... in ten volumes.

London: Printed of J. Johnson, J. Nichols and Son... 1806.

146

quanto ao Texto, que vai defronte da versão, segui quase sempre a

edicção de Warton; e traduzi as Notas, e ilustração, cortando, ou

omitindo algumas insignificantes, ou que não quadravão com os

princípios da nossa Religião425.

Ao afirmar que suprimiu e omitiu trechos insignificantes ou que não se enquadravam aos

princípios da fé católica portuguesa, D. Fernando admite ter feito alterações no texto

original e em sua tradução.

A análise atenta do prefácio acima apresentado gera algumas reflexões. Ao longo

de seu texto, Fernando José de Portugal apresentou diversas referências a escritores,

poetas e tradutores com o objetivo de conceder autoridade aos argumentos apresentados

em seu escrito. A maior parte dos autores citados por D. Fernando viveu na transição

entre os séculos XVII e XVIII. Nesta categoria, incluem-se o próprio Alexander Pope; a

tradutora francesa de Homero, Anne Dacier; o jesuíta que verteu Horácio para o francês,

Noël-Étienne Sanadon, dentre outros. Dentre os autores setecentistas, estavam o crítico

inglês Samuel Johnson; o tradutor francês de Epicuro e Aristóteles, Charles Batteaux; e

os portugueses Antônio Ribeiro dos Santos, sob o pseudônimo de Elpino Duriense, e

Francisco José Freire, sob a alcunha de Cândido Lusitano. Apenas três autores gregos e

latinos da Antiguidade foram citados: Aristóteles, Horácio e Longino.

Assim, evidencia-se a remissão constante a autores ingleses, franceses e

portugueses que versavam sobre a tradução e as questões que a envolviam, como a

imitação, a fidelidade, o verso e a prosa. Fernando José de Portugal apresentou domínio

de tal produção e o esforço de leitura de outras traduções com o objetivo possível de se

preparar para a execução de suas traduções de Alexander Pope em princípios do século

XIX. No fim de seu Prefácio, o tradutor anunciava “Se este trabalho merecer a aceitação,

425 PORTUGAL, op. cit., p. XII.

147

e acolhimento do publico, me animarei a publicar huma traducção das Epistolas Moraes

do mesmo Pope”426.

3.3.3. A tradução de Fernando José de Portugal em perspectiva comparada:

permanências e alterações

Conforme exposto anteriormente, a certa altura do seu prefácio, o tradutor

Fernando José de Portugal afirmou ter suprimido certos alguns trechos insignificantes ou

que não se enquadravam nos princípios da fé católica. Após uma leitura atenta,

percebemos que o excerto poderia não se referir, necessariamente, aos trechos do poema

e sim às notas explicativas presentes na edição. Para solucionar a questão e descobrir o

que foi omitido pelo tradutor, julgamos ser um esforço útil a comparação entre o texto

base e a tradução de 1810. O texto base, conforme o prefácio, foi a edição de nove

volumes organizada por Joseph Warton (1722-1800) e impressa em Londres no ano de

1797427.

O objetivo desta análise não é apontar “erros” nas traduções, tampouco emitir

algum juízo de valor sobre a tradução feita pelo Conde de Aguiar. Ao contrário, busca-

se, sobretudo, investigar algumas escolhas e estratégias tradutórias a partir das

semelhanças entre o texto de origem e a tradução. Conforme salientou John Milton,

uma tradução literária não é examinada do ponto de vista da precisão,

expressão ou brilho com os quais consegue refletir o original; em vez

disso, analisa-se o lugar que a tradução ocupa dentro do sistema da

língua para a qual foi traduzida (o sistema alvo). Uma tradução não é

analisada isoladamente, simplesmente em conexão com seu original,

mas é vista como parte de uma rede de relações que inclui todos os

426 PORTUGAL, op. cit., p. XIII. 427 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797.

148

aspectos da língua-alvo, e este papel pode ser ou central ou periférico

dentro do sistema-alvo428.

Com o objetivo de comprovar a hipótese das alterações nas notas e não no texto

original, procedemos a uma exaustiva comparação entre os versos ingleses da edição

original e aqueles da edição de 1810. Ao fim do processo, concluiu-se que D. Fernando

manteve fielmente o texto em língua inglesa em sua versão, o que não foi comprovado

para as notas. Ao longo das páginas da tradução, verificou-se que o tradutor omitiu

deliberadamente, no mínimo, doze notas que constavam na edição base. O que continham

essas notas? Por que foram omitidas?

As notas ou comentários posteriores, como é caso daqueles presentes nas edições

de Pope, possuem uma longa tradição na cultura escrita. Nas palavras de Anthony

Grafton, “a anotação de documentos – X escrevendo sobre Y – começou no mundo antigo

e se desenvolveu em toda cultura que possuísse um cânon formal, escrito”429. Os poemas

de Alexander Pope foram constantemente comentados por diferentes autores durante as

diferentes edições ao longo do século XVIII. Não por acaso, a edição de 1810 traz consigo

notas de, no mínimo, cinco diferentes penas, descritas a seguir. Os três primeiros

conjuntos de notas constam na versão base de 1797 e os dois últimos foram acrescentados

pelo tradutor em 1810:

a. Do próprio Alexander Pope (1688-1744), quando da escrita do poema (1711) e

das reedições em sua vida, identificadas como “P.”.

b. De William Warburton (1698-1779), letrado inglês e Bispo de Gloucester, autor

da edição dos Works de Pope de 1751430, identificadas como “W.”;

428 MILTON, John. Tradução: teoria e prática. São Paulo: Martins Editora, 2013. p. 208. 429 GRAFTON, Anthony. As origens trágicas da erudição: pequeno tratado sobre a nota de rodapé.

Campinas: Papirus Editora, 1998. p. 34-35. 430 THE WORKS of Alexander Pope Esq. In nine volumes, complete with his last corrections, additions,

and improvements. Published by Mr. Warburton with occasional notes. Londres: J. and P. Knapton..., 1751.

149

c. De Joseph Warton (1722-1800), letrado inglês, organizador da edição de 1797 e

autor do Essay on the Genius and Writings of Pope (volume 1: 1756; volume 2:

1782), identificadas como “WARTON”;

d. De Jean-François Du Bellay du Resnel (1692-1761), abade francês e tradutor da

versão do Essai sur la Critique de 1730431, identificadas como “ABBADE RESNEL”;

e. De Fernando José de Portugal (1752-1817), tradutor da versão portuguesa do

Ensaio sobre a Crítica de 1810, identificadas como “DO TRADUCTOR”.

Dentre as notas suprimidas, merece destaque uma que se refere ao verso 35, “Há

quem julgue ainda peior do que elle escreve”432. A nota completa de Warton é uma citação

do tomo VII das Questions sur l'Encyclopédie (ca. 1770) escrito por Voltaire:

‘Le plus grand malheur (says Voltaire) d’un homme des lettres, n’est

peut-être pas d’être objet de la jalousie de ses confreres, la victime de

la cabale, le mepris de puissans du monde, c’est d’être jugé par des sots.

L’homme de lettres, (si on lui fait Injustice), est sans secours; il

resemble au poissons volantes; s’il s’éleve um peu, les oiseaux le

devorent; s’il se plonge, le poissons le manget. Tout homme public paye

tribut à la malignité; mais il est payé en deniers & en honneurs’

Questions sur L’Encycl. 7 T. 323433.

As razões da supressão do trecho se relacionam diretamente aos critérios da censura que

vigoravam no mundo luso-brasileiro de então. Desde o Regimento da Real Mesa Censória

de 1768, os livros escritos pelos “Pervertidos Filósofos destes últimos tempos” estavam

proibidos no reino434. Neste mesmo ano, o padre Antônio Pereira de Figueiredo (1725-

1797) escrevia um parecer sobre a recente edição das obras completas de Voltaire

(Amsterdã, 1764), considerado “péssimo, ainda quando parece bom; ele difunde o

431 ESSAI sur la Critique, poème traduit de l’anglois de M. Pope, avec un discours et des remarques. Paris:

Chez Teodore Le Gras..., 1730. 432 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 13. 433 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797. Vol. 1, p. 181. 434 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 190.

150

veneno, ainda quando faz orações a Deus; ele inspira insensivelmente um desprezo de

tudo o que é Religião e piedade”435.

Em outro trecho, ao tratar da parcialidade dos críticos aos antigos e modernos,

entre os versos 440 e 445 do Ensaio, Pope escrevia:

Algum dia esta zelosa Ilha se inundou de Theologos Escolasticos; quem

sabia mais Sentenças tinha mais profunda lição: a Fé, o Evangelho, tudo

lhes parecia sujeito a disputa, e nenhum deles tinha bastante senso para

se poder convencer. Agora descanção em Paz os Scotistas, e Thomistas

entre teas de aranha, com quem se aparentão436.

Em relação ao último trecho do excerto, acerca dos Escotistas e Tomistas, D. Fernando

julgou por bem suprimir a nota de Warburton que tratava da heresia do Monotelismo, a

propósito da natureza divina e humana de Jesus Cristo. Na nota, o bispo citava um trecho

do volume 4 do Dictionnaire historique et critique de Pierre Bayle (1647-1706) que

tratava do 6º. Concílio Geral ocorrido em Constantinopla em 680 d. C., quando as ideias

monotelistas foram consideradas heréticas437. Novamente, a citação esbarrou na censura

e, por isso, deve ter sido suprimida. Afinal, Bayle, assim como Voltaire, figurava entre os

autores proibidos no edital de 24 de setembro de 1770 da Real Mesa Censória. Apesar

disso, conforme demonstra Luiz Carlos Villalta, nas últimas décadas do século XVIII,

foram concedidas frequentemente licenças para a leitura e/ou posse do Dicionário de

Bayle a leitores luso-brasileiros438.

435 apud DENIPOTI, Cláudio. Censura e mercê – os pedidos de leitura e posse de livros proibidos em

Portugal no século XVIII. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, jul./dez.

2011. p. 142. 436 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 91

e 93. 437 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797. Vol. 1, p. 448. A edição

consultada da obra de Bayle foi THE DICTIONARY Historical and Critical of Mr. Peter Bayle. The Second

Edition... Volume The Fourth. Londres: Pritend for D. Midwinter, ... 1737. p. 350. 438 Cf. VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-brasileiro sob as Luzes: Reformas, Censura

e Contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015. p. 289-295.

151

Nem todas as omissões tinham motivos importantes e a maioria se enquadrava na

aparente insignificância apregoada pelo tradutor em seu prefácio. É o caso, por exemplo,

da Nota ao verso 161, que afirmava “Their means their own”, e da Nota ao verso 403,

que dizia “And improper word of enlightens”439. No início da Parte III do poema, a partir

do verso 560, o tradutor omitiu uma nota de Warburton que fazia um breve resumo dos

assuntos que seriam abordados adiante440. Tratou-se, evidentemente, de uma escolha

editorial pois, como descrevemos anteriormente, a edição de 1810 trazia um “Summario

do que contém este Ensaio”.

Além das supressões, Fernando José de Portugal fez acréscimos importantes que

contribuíram, por um lado, para tornar sua edição mais completa e, por outro, para a

recepção da obra no mundo luso-brasileiro. Primeiramente, destaca-se a adição dos

comentários do abade francês Jean-François Du Bellay du Resnel (1692-1761), tradutor

da versão francesa do Essai sur la Critique de 1730. Ao verso 536, que citava um

“Monarcha indolente”, por exemplo, o tradutor acresceu uma nota em que Resnel

afirmava “O Author fala aqui de Carlos II, cujo caracter he assás conhecido. O visconde

de Rochester dizia, que elle nunca tinha dito nada máo, nem feito nada bom”441. Algumas

páginas depois, em relação aos versos 691 e 692, “Hum segundo diluvio destruio a

Sciencia, e os Frades acabarão o que os Godos principiarão”, o Abade Resnel comentava:

Nestes séculos de ignorância os Frades são os únicos, que mostrarão

gosto, e amor pelas Bellas Letras. Pede pois o reconhecimento, que os

louvemos pelo trabalho, e applicação, com que nos transmittirão os

celebres Authores da Antiguidade; e a justiça, que atribuamos à

439 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797. Vol. 1, p. 202 e p. 228. 440 THE WORKS of Alexander Pope, Esq. in Nine Volumes, complete. With Notes and Illustrations by

Joseph Warton, D. D. and others. London: Printed for B. Law, J. Johnson... 1797. Vol. 1, p. 448. A edição

consultada da obra de Bayle foi THE DICTIONARY Historical and Critical of Mr. Peter Bayle. The Second

Edition... Volume The Fourth. Londres: Pritend for D. Midwinter, ... 1737. p. 244. 441 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p.

105.

152

desgraça dos tempos, em que vivião, tudo o que he barbaro, e grosseiro

nos seus escritos442.

Logo depois, entre os versos 693 e 695, ao tratar dos críticos, Pope cita Erasmo

de Roterdã (1466-1536): “Finalmente Erasmo aquelle grande nome injuriado (gloria e

vergonha do Sacerdocio) suspendeo a furiosa torrente de hum século bárbaro”. Sobre este

trecho, o tradutor francês afirmava

O Abbade Marsolier, traductor de algumas obras d'Erasmo, empregou

a sua eloquencia em justificallo em huma Apologia engenhosa, e bem

escrita. O P. de Tournemine, Jesuita, a refutou solidamente pelas

mesmas Cartas d'Erasmo. Esta refutação appareceo em França, e

tornou-se a imprimir em Hollanda. Hum Agostinho Descalço deo

também ao publico huma ampla critica da Apologia d'Erasmo. Bossuet

na sua Historia das Variações depois de o ter representado como

suspeito em materia de Fé, deixa com tudo a sua memoria ao juizo de

Deos. Senão he permittido louvallo como Theologo, não podemos ao

menos negar-lhe a gloria de ter contribuido muito para a restauração das

Letras.

As notas escritas por D. Fernando, em sua maioria, apresentam exemplos de

letrados e poetas lusos. Ao comentar o verso 48 de Pope, “Deveis conhecer-vos a vós

mesmos”, o tradutor cita versos da Carta 10 do poeta Diogo Bernardes (1530-1605) e da

Carta 13 do escritor Antônio Ferreira (1528-1569)443. Ferreira é novamente citado no

comentário ao verso 213 e Bernandes reaparece na nota ao verso 322. Mais adiante, o

Conde de Aguiar se utiliza de um Sermão do Padre Antônio Vieira (1608-1697) para

comentar os versos 60 e 61: “Huma única sciencia he bastante para um só Genio; tão

vasta he a arte, tão curto o entendimento humano”. No trecho, questiona Vieira: “[...]

como se hão de juntar em hum só homem, ou se hão de confundir nelle tantos officios?

442 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p.

130. 443 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 15-

16.

153

Se hum mestre com carta de examinação dá má conduta de hum officio mecânico, hum

homem [...] como há de dar boa conta de tantos officios políticos?”444.

A certa altura do poema, Pope preconiza nos versos 333 e 334, que “as mesmas

regras se devem observar com as palavras, que com as modas: tão extravagante he serem

muito novas, como muito antigas”. Sobre isso, Fernando José de Portugal escreveu um

extenso comentário sobre a Língua Portuguesa. Em suas palavras, esta é “assás

abundante, e copiosa de termos, e frases, e só poderão negar esta verdade os que se

descuidam de ler os nossos autores clássicos”. Ainda assim, foi preciso criar palavras em

alguns casos, como os de Luís de Camões (1524-1580) e de Gabriel Pereira de Castro

(1571-1632). Ao mesmo tempo, segundo o tradutor, Pope critica o uso de palavras muito

antigas, fato recorrente nas obras de João de Barros (1496-1570), Gabriel Soares de Souza

(1540-1591) e Padre Antônio Vieira (1608-1697)445.

Entre os versos 394 e 401, Pope aborda a parcialidade e predileção dos críticos

pelos escritores antigos ou modernos:

Huns desprezão os escritores estrangeiros, outros os nossos: huns

prezão sómente os Antigos, outros os Modernos. Assim cada hum

attribue o Engenho, como a Fé, a huma pequena seita, e todas as mais

condena. Com baixeza elles intentão limitar o dom do Ceo, e pertendem

que o Sol só brilhe em huma única parte, quando não sublima

meramente os talentos do Sul, mas tão bem amadurece os espiritos nos

climas frios do Norte446.

No comentário, D. Fernando afirmou que “Pope, sendo censurado nestes dois versos, se

justifica da errada inteligência, que alguns lhe derão, em huma das Cartas a J. C. [James

444 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 19-

20. 445 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 73-

75. A citação deste parágrafo encontra-se na p. 73. 446 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 87.

154

Craggs], a qual vai traduzida no fim desta Obra”447. Na carta citada, datada de 18 de junho

de 1711, o poeta inglês escreveu “A comparação tão censurada no meu Ensaio [...]

manifestamente acaba nesta segunda regra, onde está hum ponto final/ e o que se segue

(com baixe elles intentão etc.) diz respeito somente ao Engenho, designado por este favor

do Ceo, e por este Sol”. Por isso, continuava ele, “a mesma comparação, se se ler duas

vezes, os convencerá de que a censura de condenar o resto não recahe de fórma alguma

sobre a nossa Igreja, a não quererem chamar a nossa Igreja huma pequena seita”448.

Apenas algumas páginas depois, os versos 425 e 429 trazem a seguinte reflexão:

He assim que o Vulgo erra por causa da Imitação, como muitas vezes

os Sabios por serem singulares. Desprezão tanto o povo, que ainda que

a multidão por acaso acerte, elles de proposito errão. São como os

Schimasticos, que se apartão dos Fieis sinceros, e se condenão poder

terem sobejo engenho.

Especialmente sobre o excerto “Fieis sinceros”, D. Fernando comentou novamente:

“Pope mostra a errada intelligencia, que alguns derão a estes versos, em huma das suas

Cartas a J. C. [James Craggs], que vai traduzida no fim desta Obra”449. De fato, na dita

Carta III de 19 de julho de 1711, Pope argumentava que “Qualquer homem de hum juízo

mediano imaginaria, que o Author manifestamente se declara contra aqueles scismaticos,

que abandonarão a verdadeira Fé, por desprezarem o entendimento de alguns Crentes” e

concluía que “Sempre me achareis hum verdadeiro Troyano na minha fé, e amizade, e em

ambas persistirei até a morte”450. Assim, a partir destes comentários, conclui-se que, ao

acrescentar as Cartas II e III a James Craggs, D. Fernando objetivava, de certa forma,

447 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 87. 448 CARTA II. De Pope a J. C. sobre a inteligência dos versos 396, e 397 desde Ensaio. In: ENSAIO sobre

a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e

outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. grifos no original. 449 ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton,

do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. 90. 450 CARTA III. Ao mesmo sobre a intelligencia do vers. 428. ENSAIO sobre a crítica. Traduzido em

portuguez pelo Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario

do Dr. Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. grifos no original.

155

conter possíveis críticas e censuras através da publicação das justificativas do próprio

poeta.

3.4. CIRCULAÇÃO E DIFUSÃO DO ENSAIO SOBRE A CRÍTICA (1810)

Refletir sobre a circulação e difusão de uma determinada obra no Antigo Regime

impõe aos historiadores do livro e da leitura uma série de desafios de natureza, sobretudo,

documental. Uma das saídas, apontou Robert Darnton, para a questão encontra-se na

investigação dos anúncios, prospectos e catálogos das obras disponíveis para a venda que

os livreiros e negociantes faziam circular em jornais e gazetas451. No mundo português,

João Luís Lisboa investigou os livros disponíveis aos leitores a partir das referências de

vendas de livros nos anúncios dos periódicos, especialmente a Gazeta de Lisboa, entre

1780 e 1820452. Para o Rio de Janeiro nos tempos de D. João, uma inspiração pode ser

encontrada nos trabalhos seminais de Maria Beatriz Nizza da Silva e Lúcia Maria Bastos

Pereira das Neves, que se debruçaram sobre os “Avisos” da Gazeta do Rio de Janeiro453.

Assim, esse foi o caminho escolhido nesta pesquisa para esquadrinhar os

caminhos percorridos pelas traduções do Ensaio sobre a Crítica (1810) e dos Ensaios

Morais (1811) de Pope feitas por Fernando José de Portugal. Em agosto de 1811, no ano

seguinte à publicação da Impressão Régia do Rio de Janeiro, a Gazeta de Lisboa noticiava

451 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 225. 452 Cf. LISBOA, João Luís. Ciência e Política: Ler nos finais do Antigo Regime. Lisboa: Instituto Nacional

de Investigação Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1991. 453 Cf., dentre outros, SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821.

Revista de História, São Paulo, v. 46, n. 94, 1973. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Gazeta do Rio de

Janeiro (1808-1822): Cultura e Sociedade. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. NEVES, Lúcia Maria Bastos

Pereira das. Comércio de livros e censura de ideias: a actividade dos livreiros franceses no Brasil e a

vigilância da Mesa do Desembargo do Paço (1795-1822). Ler História, Lisboa, n. 23, 1992. Além deste

último ver também: NEVES, Lúcia Bastos Pereira das & BESSONE, Tânia Maria. Bookselleres in Rio de

Janeiro. The Book Trade and circulation of Ideas from 1808 to 1831. In: SILVA, Ana Cláudia Suriani da

& VASCONCELOS, Sandra Guardini (Orgs.). Books and Periodicals in Brazil 1768-1930. A Transatlantic

Perspective. Oxford: Legenda, 2014.

156

que “Na loja de livros de Paulo Martin e filhos, defronte do chafariz do Loreto Nº 6,

achão-se de venda as seguintes obras impressas no Rio de Janeiro: [...] Ensaio sobre a

Crítica, de Pope, traduzido pelo Conde de Aguiar, em 8º”454.

No ano seguinte, a edição de fevereiro de 1812 do Jornal de Coimbra comentava,

como de praxe, as “Publicações Portuguezas no presente mez de Fevereiro”. Sobre a

tradução do Ensaio sobre a Crítica, o redator afirmava:

Não temos visto huma traducção mais fiel, nem mais exacta; a Critica

de Pope, que he semelhante à Poetica de Horacio, e de Boileau, e do

mesmo grao de merecimento, he mui difícil de se traduzir exatamente.

As Obras didacticas, posto que escritas em verso, são talvez melhor

trasladas em prosa, como vemos no presente exemplo, em que se acha

na pureza do idioma Portuguez toda a força, e elegância do Poeta

Inglez455.

A edição de setembro de 1812 do periódico trazia uma “Lista dos Livros Impressos na

Régia Officina Typographica da Corte do Rio de Janeiro; e que se achão à venda em

Lisboa, na Loja de Borel, Borel e Companhia, quasi defronte da Igreja de N. S. dos

Martyres Num. 14”. Em meio a diversas obras, constava na lista do livreiro Borel os

“Ensaios Moraes de Alexandre Pope, em quatro Epistolas a diversas pessoas, traduzidas

em Portuguez pelo Conde de Aguiar, com as notas de José Warton, e do Traductor”456.

Além da Loja de Borel & Borel, exemplares das traduções de Pope do Conde de

Aguiar podiam ser encontradas na Loja de Paulo Martin & Filhos. No Jornal de Coimbra

de novembro de 1812, o livreiro fez publicar um anúncio com obras impressas no Rio de

Janeiro e dentre elas figurava o “Ensaio sobre a Crítica de Alexandre Pope, traduzido em

Portuguez pelo Exmo. Conde de Aguiar, com notas do Traductor, e o texto Inglez ao lado,

1810. Em 8º 1:600 rs.”457. No mesmo ano, Martin imprimiu na Oficina tipográfica da

454 Gazeta de Lisboa, nº. 206, sexta-feira, 30 de agosto de 1811. grifos no original. 455 Jornal de Coimbra, nº. II, fevereiro de 1812. p. 68-69. 456 Jornal de Coimbra, nº. IX, setembro de 1812. p. 214-216. 457 Jornal de Coimbra, nº. IX, novembro de 1812. p. 379.

157

Viúva Neves & Filhos, em Lisboa, o Catálogo das Obras Impressas no Rio de Janeiro, e

que se achão de venda em Lisboa, na Loja de Paulo Martin e Filhos n. 6 defronte do

Chafariz do Loreto. Nele constava na primeira página o “Ensaio sobre a Crítica de Alex.

Pope, traduzido em Portuguez pelo Excelentíssimo Conde de Aguiar, com notas do

traductor, e o texto Inglez ao lado, 1810 em 8º”458.

Como é facilmente presumido, as traduções de D. Fernando também circularam

no Rio de Janeiro, onde foram publicadas. Na seção de “Avisos”, a Gazeta do Rio de

Janeiro de 11 de maio de 1812 informava terem saído à luz

Ensaios Moraes de Alexander Pope, em Quatro Epístolas a diversas

Pessoas, traduzidos em Portuguez pelo Conde de Aguiar, com as Notas

de José Warton, e do Traductor. Esta obra em nada inferior à do Ensaio

sobre a Crítica, ainda mais correcta na edicção, alias elegantíssima, em

papel bastardo, em 8º grande, se vende da loja de Paulo Martin Filho

(onde pelo mesmo preço se vende o Ensaio sobre a Crítica) em

Brochura a 2560 réis, encadernada 3200. E pelo mesmo preço, nas lojas

de Manoel Jorge da Silva na rua do Rozario, e na de José Antonio da

Silva na rua Direita459.

Este anúncio oferece informações importantes acerca da circulação da obra.

Primeiramente, exemplares dos Ensaios de Pope encontravam-se à venda em, no mínimo,

lojas de três livreiros distintos: Paulo Martin Filho, na Rua da Quitanda; Manuel Jorge da

Silva, na Rua do Rosário e José Antônio da Silva, na Rua Direita, próximo à Igreja dos

Terceiros do Carmo460. Além disso, o anúncio evidencia a permanência da preocupação

do público leitor, apontada por Robert Darnton, com a qualidade física das obras461. Por

isso, o redator do anúncio julgava necessário ressaltar a elegância da edição, a qualidade

do papel e o tamanho dos volumes.

458 CATÁLOGO das obras impressas no Rio de Janeiro, que se achão de venda em Lisboa, na loja de Paulo

Martin e Filhos n. 6 defronte do chafariz do Loreto. Lisboa: na Nova Officina da Viuva Neves & Filhos,

1812. 459 Gazeta do Rio de Janeiro, nº. 39, quarta-feira, 11 de maio de 1812. Grifos no original. 460 Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822): Cultura e Sociedade. Rio

de Janeiro: EdUERJ, 2007. p. 186. 461 Cf. DARNTON, Robert. História da Leitura. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2011. p. 225.

158

Além do Rio de Janeiro, exemplares das traduções encontravam-se à venda em

Salvador. Em setembro de 1817, o periódico Idade D’Ouro do Brazil informava que na

Loja da Gazeta, situada à Rua de Santa Bárbara, vendia-se o “Ensaio sobre a Crítica de

Alexandre Pope traduzido em Portuguez pelo Conde de Aguiar; com as notas de José

Warton, do traductor, e de outros; e o commentario do Dr. Warburton, em 4º br. 2000”462.

O mesmo anúncio foi repetido em dezembro do mesmo ano463. Manuel Antônio da Silva

Serva, proprietário da Tipografia onde se imprimia o periódico baiano, também estava

envolvido com o comércio de livros, em constante conexão com aqueles impressos no

Rio de Janeiro464. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, em 1811, após a publicação dos

Ensaios, Silva Serva esteve na capital para vender livros e fez imprimir na Impressão

Régia um catálogo para divulgar obras que trouxera465. É provável que o livreiro tenha

adquirido os exemplares do Ensaio sobre a Crítica (1810) durante este período de

permanência no Rio de Janeiro.

A notícia da publicação do Ensaio sobre a Crítica (1810) não escapou a Hipólito

da Costa (1774-1823), notável jornalista português que residia em Londres. Na seção

“Literatura e Sciencias” do Correio Braziliense de 1812, no âmbito das “Publicaçoens

Portuguezas”, o redator noticiava “Publicou-se no Rio-de-Janeiro – Ensaio sobre a

Crítica de Alexandre Pope; traduzido em Portuguez pelo Conde de Aguiar”. Prometia

ainda dar “a estas obras a consideração que merecem, logo que se nos proporcionar a

occasião”466. Ao que parece, a ocasião pode ter se apresentado ao jornalista, uma vez que

462 Idade D’Ouro do Brazil, nº. 76, sexta-feira, 26 de setembro de 1817. 463 Idade D’Ouro do Brazil, nº. 101, terça-feira, 23 de dezembro de 1817. 464 Para um exame mais detido da produção e comércio de livros na Tiporafia de Silva Serva, ver: SILVA,

Maria Beatriz Nizza da. A Primeira Gazeta da Bahia: Idade D’Ouro do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix,

1978. p. 119-122. Ver também MAGALHÃES, Pablo Antonio Iglesias. As servinas em Portugal: a rede

comercial intercontinental de livros impressos na Bahia colonial. Topoi, vol. 17, n. 32, jan./jun. 2016. 465 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Livro e sociedade no Rio de Janeiro: 1808-1821. Revista de História,

São Paulo, v. 46, n. 94, 1973. p. 450. 466 Correio Braziliense, vol. VIII, 1812. p. 295, grifos no original.

159

na carta de 30 de outubro de 1812 ao Conde de Aguiar, comentada anteriormente, o

livreiro Diogo Borel escrevia: “Já remeti para Londres alguns Ensaios Moraes de Pope

mas ainda não tenho resposta”467.

Apesar de curto, o excerto epistolar permite inferirmos que em algum momento

entre 1811, ano de publicação dos Ensaios, e 1812, Fernando José de Portugal

comunicou-se com Diogo Borel por correspondência, e pediu que este último enviasse a

Londres exemplares da obra. Esta seria, em nosso entendimento, uma das possíveis razões

para o livreiro achar necessário comunicar D. Fernando da remessa. Ora, parece razoável

supor, então, a existência de uma intenção por parte do tradutor em divulgar seu trabalho

em outra área geográfica para além do mundo luso-brasileiro. Não por acaso, foi

escolhido Londres, onde Borel possuía conexões comerciais, uma vez que foi capaz de

remeter a D. Fernando diversos exemplares de obras inglesas em 1812 e 1813.

A escolha de Londres como destino destes exemplares integrava uma estratégia

que se vinculava, primeiramente, a busca de prestígio e reconhecimento enquanto tradutor

por parte do Conde de Aguiar. Afinal, foi neste local que se tornaram célebres os poemas

e obras de Alexander Pope. Em um segundo plano, trata-se de um potencial mercado

consumidor de traduções em língua portuguesa, uma vez que a cidade reunia à época um

numeroso grupo de indivíduos luso-brasileiros, composto por agentes monárquicos,

negociantes, jornalistas, dentre outros468. Nesse sentido, é esclarecedora a menção feita à

tradução de D. Fernando em julho de 1813 na seção “Literatura Portugueza” do periódico

O Investigador Portuguez. Ao comentar uma versão latina da obra, o redator chamava a

467 BNRJ, Manuscritos, Fundo Marquês de Aguiar, I-4,17,12. Diogo Borel. Carta ao Conde de Aguiar.

Lisboa, 30/10/1812. fl. 2. 468 Cf. MUNARO, Luís Francisco. O jornalismo luso-brasileiro em Londres (1808-1822). Tese (Doutorado

em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.

p. 93-100.

160

atenção para a existência das duas versões em vernáculo do Ensaio sobre a Crítica de

Pope feitas por D. Fernando e pela Marquesa de Alorna:

O Ensaio sobre a Critica do illustre poeta Inglez, he huma daquellas

obras que pela seu elegancia, e correcçaõ fazem honra ao espirito

humano. Traduzila em huma lingoa viva, he de facto prezentear huma

naçaõ com hum grande mimo; e isto fizeraõ Dom Fernando de Portugal,

e huma Portugueza, rezidente em Inglaterra. A nação lho deve

agradecer469.

Finalmente, os anúncios dos periódicos analisados permitem considerar a difusão

de exemplares tanto do Ensaio sobre a Crítica (1810) quanto dos Ensaios Morais (1811)

em, no mínimo, cinco diferentes cidades: Rio de Janeiro, Salvador, Lisboa, Coimbra e

Londres. A circulação atlântica destas mercadorias, livros e periódicos, envolveram redes

de diversos atores como livreiros, negociantes, capitães de navios, funcionários das

Alfândegas e censores. No caso das traduções de Alexander Pope, no mínimo, cinco

livreiros estiveram envolvidos em sua circulação: Paulo Martin e seus filhos; Diogo

Borel; Manoel Jorge da Silva; José Antônio da Silva e Manuel Antônio da Silva Serva.

Os dois primeiros, Borel e Martin, eram os que articulavam, certamente, a maior rede de

solidariedade nos negócios, que permitia, por um lado, o acesso a determinados livros e,

por outro, a possibilidade de venda em mais de uma localidade. No caso de Martin, as

obras eram oferecidas em Lisboa e no Rio de Janeiro e, no caso de Borel, em Lisboa e

Londres.

469O Investigador Portuguez em Inglaterra ou Jornal Literario, Politico, etc., julho de 1813. p. 87.

161

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A little learning is a dangerous thing..

- Alexander Pope470

Desde a célebre invenção de Gutenberg em meados do século XIV em uma

pequena tipografia na Mogúncia, livros e impressos passaram a circular de forma

abundante pela Europa e, algum tempo depois, pelo mundo. A expansão do mercado

livreiro ocorreu em ritmo sem precedentes. Autores, editores, impressores, negociantes,

censores e muitos outros agentes envolveram-se na produção e circulação dos livros.

Simples objetos, os livros carregam ideias, sensações, percepções e conteúdos por vezes

considerados perigosos, revolucionários e, sem dúvida, transformadores, tanto do

contexto em que eram publicados quanto dos leitores, que construíam significados e

pensamentos no momento de sua leitura.

Durante a Época Moderna, a multiplicidade das línguas vernáculas e idiomas

converteu-se em importante obstáculo ao acesso às obras publicadas em outras regiões.

O Latim, antes língua franca das discussões filosóficas, científicas e teológicas, havia

perdido seu espaço em favor das línguas vulgares. Por isso, tornou-se imperativo o ato de

traduzir. Em sintonia com o movimento, o século das Luzes em Portugal também assistiu

às obras traduzidas atingir um volume jamais visto anteriormente. Estes livros abordavam

470 POPE, Alexander. An Essay on Criticism. In: POPE, Alexander; ROGERS, Pat (org.). Alexander Pope.

The Major Works. Including The Rape of The Lock and the Dunciad. Nova York: Oxford University Press,

2008. p. 24, verso 215.

162

diversos assuntos que passavam pela religião, medicina e agricultura até obras de Belas

Letras, como romances, poemas e dramas.

Complexo e por vezes considerado ofício secundário, o esforço tradutório foi

constantemente alvo de reflexão pelos próprios tradutores. As escolhas de palavras e

termos, as supressões de linhas e versos, o acréscimo de títulos e divisões e as mudanças

nas estruturas do texto original converteram-se em temas amplamente discutidos nas

diversas regiões da Europa e, também, no mundo luso-brasileiro. Os prefácios, cartas,

prólogos e discursos analisados revelaram que os tradutores portugueses se moviam em

dois sentidos.

Num primeiro plano, caracterizavam-se enquanto letrados típicos do Antigo

Regime. Imersos na tradição retórica da época, incluíam dedicatórias a príncipes e nobres

com o objetivo de receberem alguma mercê de distinção ou alcançarem algum ofício de

Letras. Ao mesmo tempo, em um segundo plano, os mesmos letrados pareciam ser

movidos por necessidades materiais inerentes a qualquer um que vivesse na época. Ao

fim e ao cabo, a remuneração de um tradutor, como exposto, nem sempre era tão distinta

daquela de um autor de obra original. De fato, como demonstrou Claudio Denipoti, os

tradutores eram movidos por uma ideia de utilidade. Simultaneamente, percebeu-se aqui

a presença marcante de um ideal pedagógico típico das Luzes de instruir e educar os seus

leitores471.

Nesse sentido, as traduções foram as responsáveis pelo acesso tímido e limitado

às obras de ilustrados ingleses e, em menor proporção, franceses. Não obstante, o Antigo

Regime ainda encontrava raízes profundas nas mentes dos letrados de fins do Setecentos.

Os tradutores do período não ousaram traduzir e publicar obras que fossem contrárias às

471 Cf. DENIPOTI, Claudio. Tradutores médicos e a ideia de tradução em Portugal em fins do século XVIII:

o caso dos livros de medicina. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, vol.24, n.4, 2017.

163

instituições basilares da sociedade portuguesa, como a própria monarquia e a Igreja.

Cientes da necessidade de mudanças para se adaptarem aos novos tempos após a

Independência das Treze Colônias e da Revolução Francesa, homens como Rodrigo de

Sousa Coutinho e o próprio Fernando José de Portugal não vislumbravam outro caminho

senão a manutenção, através de reformas, das amarras que os impediam de ingressar

propriamente na modernidade.

Assim, não surpreende o Conde de Aguiar ter escolhido um poeta como Alexander

Pope em vista de sua predileção, demonstrada pelas compras de livros a Diogo Borel em

1812 e 1813, por poetas ingleses que viveram na transição entre os séculos XVII e XVIII.

Afinal, foram eles os grandes expoentes das Luzes inglesas, movidos por um ideal de

instruir e educar a sociedade, que não precisaram lutar pela liberdade religiosa, pelo fim

da censura e tampouco contra a monarquia. Em vista disso, conforme salientou Roy

Porter, os ilustrados ingleses não se converteram em “revolucionários” e “radicais” pois

não objetivavam subverter a ordem, mas, antes de tudo, mantê-la. Não deixavam de ser,

portanto, filósofos pragmáticos que se preocupavam com uma filosofia da experiência, a

arte do bem viver e a busca pela felicidade472.

É nesta aproximação entre os ideais das Luzes inglesas e luso-brasileiras, com

certos limites, que reside a explicação para a ampla circulação de diferentes versões de

traduções de obras Pope desde a segunda metade do século XVIII. Este aspecto encontrou

sua expressão máxima nas traduções do Ensaio sobre a Crítica (1810) e Ensaios Morais

(1811) feitas por Fernando José de Portugal, um dos mais importantes ministros da Corte

joanina. Por meio delas, o Conde de Aguiar se mostrou preocupado com as discussões

literárias e morais do contexto em que vivia e buscou nele intervir, utilizando a obra de

472 Cf. PORTER, Roy. The Enlightenment in England. In: PORTER, Roy & TEICH, Mikulás (orgs). The

Enlightenment in National Context. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. p. 4-9.

164

um poeta ilustrado inglês. Apesar disso, como letrado característico de Antigo Regime,

alterou certos trechos e acrescentou outros para que sua obra em nada contrariasse os

princípios da ordem estabelecida. Em suas palavras, além dos ofícios de governador e de

vice-rei, “para melhor bem servir sua Pátria era melhor traduzir bons livros”473.

473 CASTRO, Fernando José de Portugal e. Prefação. Ensaio sobre a crítica. Traduzido em portuguez pelo

Conde de Aguiar. Com as Notas de José Warton, do Traductor, e outros; e o Commentario do Dr.

Warburton. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1810. p. XI.

165

ANEXO

OBRAS DE ALEXANDER POPE TRADUZIDAS EM LÍNGUA PORTUGUESA (1759-1819)

ANO TÍTULO TRADUTOR LOCAL TIPOGRAFIA EDIÇÃO FORMATO ORIGINAL REFERÊNCIA

I. LOUSADA474

REFERÊNCIA

A. GONÇALVES475

REFERÊNCIA

INOCÊNCIO476

1759

CARTAS Moraes do

Pope celebre poeta

inglez

Henrique

Joseph de

Carvalho e

Moura

Porto

(provavel

mente).

Manuscrito 1ª. Manuscrito

Moral Essays, in

four epistles to

several persons,

1731-1735.

X X X

1769

ENSAIO sobre o

homem, poema

filosofico de

Alexandre Pope,

traduzido do original

inglez na lingua

portugueza. Por A.

Teixeira.

António

Teixeira (17---

?)

Lisboa Off. Antonio

Vicente da Silva 1ª. 12º

An Essay on

Man. Address’d

to a Friend,

London, 1732-

34.

53 X

DBP, I,

1559), p.

279

474 LOUSADA, Isabel. Para o estabelecimento de uma bibliografia britânica em português, 1554-1900. Tese (Doutorado) – Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1998. 475 RODRIGUES, António Augusto Gonçalves. A Tradução em Portugal. Tentativa de resenha cronológica das traduções impressas em língua portuguesa excluindo o Brasil.

Volume Primeiro, 1495-1834. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992. 476 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, estudos de Innocencio Francisco da Silva applicaveis a Portugal e ao Brasil. Lisboa: na Imprensa

Nacional, 1858-1862.

166

1785

CARTA de Heloaze a

Abailardo. Tirado de

Pópe. Trad. em port.

? Porto Off. Antonio

Alvarez Ribeiro 1ª. 8

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

71 TP, I, 1534), p.

183.). X

1791

ODE de Pope vertida

em lingoagem, feita á

felicidade da Vida.

? Lisboa Off. Antonio

Gomes 1ª. ?

Ode on solitude,

c.1708. 109

(TP, I, 1842), p.

207.) X

1799

O OUTONO ou Hylas

e Egon. Terceira

Ecloga de Pope.

Vertida em

Portuguez. Trad. por

Antonio de Araújo de

Azevedo.

António de

Araújo de

Azevedo,

Conde da

Barca (1754-

1817)

? ? 1ª. ?

Autumn. The

third Pastoral,

or Hylas and

Aegon, to Mr.

Wycherley, 1704.

142 (TP, I, 2168), p.

232.). X

1801 EPISTOLA de

Heloisa a Abailard …

José Anastacio

da Cunha

(1744-1787)

1ª. 4º.

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

159 X

(DBP, V,

4453), p.

82.)

1801

EPISTOLA de

Heloysa a Abaylard,

composta no idioma

inglez por Pope e

trasladada em versos

portuguezes por **

Mºs.

José Nicolau

de Massuelos

Pinto (1770-

1825)

Londres

Off. de

Guilherme [W.]

Lane

1ª. X

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

160 (TP, I, 2329), p.

246.)

(DBP, V,

4453), p.

82.)

1802 ABUSO das riquezas Lisboa

Off. de Simão

Thaddeo

Ferreira

1ª.

“Of the Use of

Riches” (III-IV

Epistle), in

Moral Essays,

1731-5.

171 (TP, I, 2429), p.

253.).

167

1802

AS LAGRIMAS.

[Armania chora: hum

orgulhoso enfado

anima o seu rosto...].

Tradução de um

poema de Pope em

prosa.

? Lisboa

Off. de Simão

Thaddeo

Ferreira

1ª. X

Não foi

encontrada

correspondência.

172 (TP, I, 2430), p.

253.).

1805

LAGRIMAS de

Armania. Extrahida

do inglez. Pope.

? Lisboa ? 2ª. X

Não foi

encontrada

correspondência.

189 (TP, I, 2626), p.

267.).

1809

EPISTOLA de

Heloisa a Abelardo,

de Pope [Fragmento

da traducção da

primeira ].

Trad. por José

Anastacio da

Cunha (1744-

1787)

Lisboa Impressão Regia 1ª. X

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

210 X

1809 ORAÇÃO Universal.

Ode trad. de Pope.

Trad. por José

Anastacio da

Cunha (1744-

1787)]

Lisboa

Imp. Regia

(Vol. I, 123-

125)

1ª. X The Universal

Prayer, 1738. 213

(TP, I, 2853), p.

283.).

1809 A SOLIDÃO. Ode

trad. de Pope

Trad. por José

Anastacio da

Cunha (1744-

1787)]

Lisboa Imp. Regia

(Vol. I, 122) 1ª. X

Ode on Solitude,

c. 1708. 214

(TP, I, 2854), p.

283.).

168

1810

ENSAIO sobre a

critica de Alexandre

Pope. Trad. em port.

pelo Conde de Aguiar.

Com as notas de José

Warton, do

Traductor, e de

outros; e o

Commentario do Dr.

Warburton.

Fernando José

de Portugal,

Conde de

Aguiar (1752-

1817)

Rio de

Janeiro Imp. Regia, 1ª. 8º

An Essay on

Criticism, 1709,

publ., 1711.

228 X

(DBP, II,

118), p.

274.)

1811

ENSAIOS moraes de

Alexandre Pope, em

quatro epistolas a

diversas pessoas,

traduzidos em

portuguez pelo Conde

de Aguiar. Com as

notas de José Warton,

e do traductor.

Fernando José

de Portugal,

Conde de

Aguiar (1752-

1817)

Rio de

Janeiro Imp. Regia, 1ª. 8º

Moral Essays, in

four epistles to

several persons,

1731-1735.

236 X

(DBP, II,

119), p.

274.)

1812

ENSAIO sobre a

critica por A.

[Alexandre] Pope. Por

huma Portugueza.

Ingl. e port.

Marquesa de

Alorna (1750-

1839)]

Londres Off. de T.

Harper 1ª. 8º

An Essay on

Criticism, 1709,

publ., 1711.

251 X (DBP, V,

53), p. 178.)

1815

O INVERNO, ou

Daphne, Quarta

Ecloga de Pope. Á

Memoria de Mrs.

Tempest. [Ingl. e

port.].

Vertida em

Portuguez por

José Maria

Osorio Cabral

(1791- 1857)

Lisboa Imp. Regia 1ª. X

Winter, the

Fourth Pastoral,

or Daphne (to

the memory of

Mrs. Tempest),

1704.

270 TP, I, 3178, P.

306

DBP, V,

4226, P. 46

169

1815

O OUTONO ou

Hylas, e Egon.

Terceira Ecloga de

Pope. A Mr.

Wycherley. [Ingl. e

port.]

Trad. por José

Pedro

Quintella

Lisboa Imp. Regia 1ª.

Autumn. The

third Pastoral,

or Hylas and

Aegon, to Mr.

Wycherley, 1704.

271 (TP, I, 3179), p.

306.)

(DBP, V,

pág. 91.).

1817

ENSAIO sobre o

homem, poema

filosofico de

Alexandre Pope,

traduzido do original

inglez na lingua

portugueza. Por A.

Teixeira.

[António

Teixeira (17---

?)

Lisboa

Of. Francisco

Baptista de

Oliveira

Mesquita (o

‘Mechas’),

2ª 8º

An Essay on

Man. Address’d

to a Friend,

London, 1732-

34.

53 TP, I, 3324, P.

315

(DBP, I,

1559), p.

279.

1817

Carta de Heloize a

Abailardo, In Contos

moraes para

entretimento [sic], e

instrucçaõ das pessoas

curiosas. Extrahidos

dos melhores

Auctores, que tem

tractado desta

materia.

? Lisboa Typ.

Rollandiana 2ª 8º

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

71 (TP, I, 3279), p.

313.). X

1819 CARTA de Heloisa a

Abaelardo.

José Anastácio

da Cunha Lisboa Imp. Regia 1ª. 8º

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

292 (TP, I, 3555), p.

331.) X

1819 CARTA de Heloisa a

Abeilard ? Lisboa,

Off. Joaquim

rodrigues

d'Andrade

1ª. 8º

“Eloisa to

Abelard” in The

Works of Mr.

Alexander Pope,

Dublin, 1717.

293 (TP, I, 3554), p.

331.)

170

1819

ENSAIO sobre o

homem de Alexandre

Pope, traduzido verso

por verso por

Francisco Bento

Maria Targini, Barão

de São Lourenço […]

dado a luz por huma

sociedade litteraria da

Graõ-Bretanha.

Francisco

Bento Maria

Targini, Barão

de S.

Lourenço

(1756-1827)

Londres, Off. Typ. de C.

Whittingham 1ª.

4º (3

volumes)

An Essay on

Man. Address’d

to a Friend,

London, 1732-

34.

294 (TP, I, 3556), p.

331.),

(DBP, II,

597), p.

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