Strategic thinking; comparative study on rational thinking and creative thinking
Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia
Transcript of Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia
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Armando Marques Guedes é o
Presidente do Instituto Diplomático.
É também Professor Associado com
Agregação da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa,
onde tem as regências de Relações
Internacionais, Ciência Política,
Direitos Africanos, e Antropologia
Jurídica.
Nuno Canas Mendes é membro do
Conselho Superior do Instituto
Diplomático. É também Professor
Auxiliar do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da
Universidade Técnica de Lisboa. Tem
aí a regência da cadeira Mudança
Social e Economia na Região Ásia-
-Pacífico e lecciona a cadeira de
História da Colonização Moderna e da
Descolonização.
Neste volume são coligidos nove
artigos sobre vários aspectos dos
diversos tipos de nacionalismo que
se têm feito sentir em Timor-Leste.
A finalidade é a de ensaiar um pri-
meiro balanço da importância assu-
mida pelos sentimentos nacionais
em gestação, muitas vezes tão con-
testados, para a construção tanto de
uma comunidade política quanto de
um Estado em Timor.
3colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Armando Marques Guedes e Nuno Canas Mendes, eds.
Ensaios sobre nacionalismosem Timor-Leste
4 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Ficha técnica
Título
Ensaios sobre nacionalismos em Timor-Leste
Coordenação Editorial
IDI - MNE
Edição
Colecção Biblioteca Diplomática do MNE – Série A
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Portugal
Design Gráfico
Risco, S.A.
Paginação, Impressão e Acabamento
Europress, Lda.
Tiragem
1000 exemplares
Data
Dezembro de 2005
Depósito Legal
236657/05
ISBN
972-9245-45-2
5colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Índice
Prefácio 7
Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia
Armando Marques Guedes 11
The Portuguese Colonization and the Problem of East Timorese
Nationalism
Ivo Carneiro de Sousa 27
Timor dos Malai Sira?
Ivo Carneiro de Sousa 43
Wanders and Wonders: Musing over Nationalism and Identity in the
State of East Timor
Armando Marques Guedes 51
A complexidade estrutural do nacionalismo timorense
Armando Marques Guedes 79
A construção do nacionalismo timorense
Nuno Canas Mendes 105
Between tradition and modernity. East Timor’s rocky road towards
nationhood and democracy
Gudmund Jannisa 241
O papel das Nações Unidas na Construção de Estados – o caso
de Timor-Leste
Mónica Ferro 291
6 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A União da República de Timor: o atrófico movimento nacionalista
islâmico-malaio timorense, 1960-1975
Moisés Silva Fernandes 355
7colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Prefácio
É com o maior interesse que o Instituto Diplomático alberga nas suas
colecções um conjunto de estudos interligados relativos a um tema que nos
interessa a todos. Trabalhos esses que, assim o esperamos, irão fazer germinar
outros e lograrão fazer medrar de maneira crítica e construtiva um assunto que
nos parece central tanto para o futuro do jovem Estado timorense como para a
nossa compreensão das muitas dimensões dos tão complexos processos nisso
envolvidos. Temos a firme convicção de que nem a investigação sobre questões
timorenses, nem a edificação de Timor-Leste, podem prescindir de enquadra-
mentos amplos como aqueles que aqui se vêem gizados pelos autores dos textos
apresentados. Com esta publicação, tenta, assim, o Instituto Diplomático intervir
em duas frentes: na científica e na pragmática, tentando contribuir com achegas
que possam vir a ser úteis para um devir melhor nos dois planos.
A colectânea Ensaios sobre Nacionalismos em Timor-Leste, nasceu da neces-
sidade que sentimos de agregar num mesmo volume as poucas reflexões
externas que têm vindo a ser sistematizadas quanto à emergência e desenvolvi-
mento do fenómeno nacionalista em Timor-Leste. Longe de redundar num
mero gesto de coleccionista, trata-se de uma recolha pró-activa, por assim
dizer. Explica-a a utilidade, sempre óbvia, de tentativas de levar a cabo um
rastreio dos caminhos diversos e identificáveis que conduziram à formação de
um Estado. Justifica-o a complexidade e a relativa atipicidade do exemplo
timorense.
Ao erigir como ponto focal a sedimentação de sentimentos nacionalistas, a
iniciativa de avançar com a publicação deste livro procura assim, no fundo,
colmatar uma lacuna. A escassez de títulos dedicados a esta matéria é, com
efeito, confrangedora. Poucos são os trabalhos sobre o tema que podem verda-
deiramente aspirar a um estatuto de objectividade e isenção. Nesse sentido, a
colectânea agora apresentada poderá constituir – assim o esperamos – um
primeiro passo para tornear as insuficiências por tal geradas.
8 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A esperança é a de que, ao colocar lado a lado perspectivas muitas vezes
bastante diferentes umas das outras, elas possam vir a ser vistas como comple-
mentares; e que, em consequência, um novo patamar de inteligibilidade venha
a ser vislumbrado, com benefícios para todos. Com as suas fragilidades intrínse-
cas, perante uma enorme dependência estrutural face a uma vizinhança regional
nem sempre amistosa, com uma economia fraca e alguma indeterminação
material no que toca ao destino que vai ser dado aos proventos do petróleo, o
novo e exíguo país incorre no risco de entrar na lista dos failed states deste tão
turbulento início de século. Para as elites timorenses, nada disto é novidade.
Quaisquer que tenham sido as motivações para os sentimentos nacionais que
historicamente foram emergindo no território e fora dele, há hoje uma maior que
se lhes vem acrescentar: a importância de, em simultâneo, delinear uma linha de
horizonte e disponibilizar um cimento que, em conjunto, militem na direcção da
construção de uma entidade político-nacional minimamente coesa.
No seguimento tanto da justificação como da explicação que antes enunciá-
mos, o que principalmente nos moveu foi a urgência em delinear quadros de
análise que permitam melhor pensar os processos da gestação de Timor enquan-
to entidade. Considerar as questões a tanto associadas numa óptica meramente
política, ou económica, empobrece o debate: importa, em paralelo, sobretudo
em casos como o timorense, saber equacionar os vários movimentos sociais
emergentes ora como elementos de aglutinação, ora como reflexos de dissen-
sões, mas sempre enquanto ingredientes fundamentais num processo laborioso
de circunscrição de uma identidade (no quadro dos assaz sui generis processos
de gestação e sedimentação de formas de integração em Timor-Leste) face a um
Mundo em mudança. Com efeito, em casos como o timorense, a “questão nacio-
nal”, como a equação teria decerto sido apelidada há um século na Europa,
parece-nos essencial. E é só no quadro compósito destes múltiplos factores que,
do nosso ponto de vista, se pode perspectivar o desenrolo do futuro.
Os nove textos que reunimos têm locais de origem diversos. Cinco dos
artigos são novos, e três, o de Moisés Silva Fernandes, o de Gudmund Jannisa, e
o último dos de Armando Marques Guedes, absolutamente inéditos. Quatro
deles foram publicados em revistas estrangeiras, como os dois de Ivo Carneiro de
9colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Sousa e os primeiros dois de Armando Marques Guedes, designadamente um do
segundo destes investigadores numa publicação canadiana, e os três restantes
em Paris, na revista Lusotopie, num número especial de 2001 dedicado a Timor.
Outros dois ainda, embora reformulados e adaptados, decantam linhas de força
de partes de dissertações académicas em Relações Internacionais, respectiva-
mente os de Nuno Canas Mendes e Mónica Ferro, este último também inédito. A
ordem de apresentação dos textos é a de publicação e, quando este critério se
não pode aplicar, a data de redacção dos mesmos. A primeira nota de rodapé de
cada um dos artigos que associamos pormenoriza o seu contexto inicial de
publicação ou produção.
A publicação desta colectânea de textos surge como iniciativa inserida no
âmbito do projecto de investigação “Public and Private Portuguese Involvement
and Interests in Post-Colonial Southeast Asia” (POCTI/CPO/40089/2001), coordena-
do por Armando Marques Guedes, desenvolvido no quadro institucional do
Centro Português de Estudos do Sudeste Asiático, e financiado pela Fundação
para a Ciência e Tecnologia, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, cujo apoio o primeiro dos organizadores deste livro agradece.
Professor Doutor Armando Marques Guedes
Presidente do Instituto Diplomático
Professor Doutor Nuno Canas Mendes
Membro do Conselho Superior do Instituto Diplomático
11colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Thinking East Timor, Indonesia and Southeast AsiaArmando Marques Guedes*
1.
Timor is an ethnolinguistic cauldron but unfortunately it is not a melting pot.
Its population includes successive overlays of immigrants, the great majority of
whom are speakers of Malayo-Polynesian languages added onto pre-established
groupings of Melanesians who assimilated into them. In this, East Timor resembles
Indonesian West Timor. But also added to this mix are many Chinese, a few Arabic,
some Indian and some African traits as well as a few more Western ones mainly
among elites of an often mixed European (mainly Portuguese) ascendancy. In this
the population is distinguishable from their neighbours in Nusa Tenggara Timur.
Such a cauldron, naturally, is the result of a turbulent history. Many of the Indian
traits grew out of the ancient commercial emporia (the mysterious empires of
Srivijaya and Madjapahit) which, from the VIIth and XIIIth centuries onwards,
placed Timor and the rest of the archipelago within their sphere of action, albeit
marginally (particularly the later empire). From the XIIth century onwards, Arabic
merchants replaced them and thrust into insular Southeast Asia, moving west up
to and including what we now call Malaysia and east and north as far as Manila,
in what is nowadays the Philippines. The Africans mostly arrived as slaves or
conscript soldiers, with both groups brought into the territory by the Portuguese
colonisation (beginning at an unknown date somewhere between 1512 and 1520
when a small flotilla led by Fernando Serrão anchored off the island on a trip from
Malacca to the Mollucas). The Chinese component is more recent: it involves an
influx of people, today numbering many thousands, which established itself in
small surges. In this, Timor resembles by and large what we today identify as
Southeast Asia. A complex panorama.
* Faculty of Law, Universidade Nova de Lisboa. O artigo foi inicialmente publicado, em Paris, na
Lusotopie 2001: 315-327.
12 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
One fact may serve us as an opening: Timor Loro Sae is to be independent.
This may appear to be nothing but a simple, linear and rather non-problematic
assertion in all but the concrete materialisation of this independence to come.
The change in status of East Timor is a political and a historical event; something
we can (and indeed should) celebrate, a victory for Portuguese diplomacy (which
needs one badly), a step towards an international system more concerned with
people, justice and human rights and less tied to cold correlations of strength
between States tout court. And after so many years, so much suffering and so
many grievances, the independence of Timor will come, perhaps above all, as an
enormous source of relief1 to the East Timorese peoples themselves.
The material difficulties to be faced to achieve such a change in status
seamlessly are legion, and there is really no point in burdening the reader with
their enumeration. But hidden behind the more obvious concrete hardships lies
another stumbling block, and one with a perhaps even wider reach and a greater
number of implications. An abstract leg of the journey. A notional barrier. For
Timor to exist, we must first be able to imagine it2. And there are various
unavoidable prior conditions for East Timor to be thinkable of as a country, a unit,
or at least as a discrete entity. As we shall see, and whatever the good intentions
we might profess may be, this is not a self-evident achievement. It is more than
that. The problems raised at this level somehow repeat themselves when we
1 Although, as Lurdes Carneiro de Sousa very perceptively made me notice, that relief will very
probably be rather short-lived. The leaders who were abroad and for so many years shone in
international political fora will lose much of the protagonism they had; students with scholarships
in Indonesia or Portugal will see their situation worsen; the militias will return home only to find
themselves with a non too enviable status; and once the contingents of international workers of all
types who have been one of the principal sources of income for the local economy depart, the
population at large will have to face up to a crisis of potentially dramatic proportions for which it
most probably can not count on any Indonesian support.2 On the role of “imagining a community” in the historical progression of processes of national
construction, it is essential to read Benedict Anderson’s (1991) Imagined Communities. Reflections on
the origin and spread of nationalism, Verso, London. For more detail, it is useful to read Benedict
Anderson (1998), “Nationalism, identity and the logic of seriality”, in The Spectre of Comparisons.
Nationalism, Southeast Asia and the world.: 29-46, Verso, London, New York.
13colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
attempt the converse operation – that of casting East Timor as part and parcel of
the regional context into which it is inserted. And that, in turn, is intrinsically
interesting.
In order for us to postulate that Timor, the islands included with it, Ataúro,
of ethnographic fame and military infamy, for example, and the Oé Cussi enclave
(in other words, the elements which make up its territory) be included within the
“Indonesian region” or into a wider Southeast Asia, some prerequisites must be
fulfilled from the very outset. First of all, one has to be capable of establishing
what K. N. Chaudhuri3 (1990: 28), the famed British historian of the “Indic”, called
“a train of thought”. This is based on an identification-acknowledgement of both
similarities and differences between that which we conventionally call “Timor”
and that which, consequently, we take to be “the rest”. One has to intellectually
implement a model which somehow gives substance to the conviction we share
(and that therefore justifies it) that all such categories are, somehow, linked to
one another as members of the same set. In other words, there is a mental
operation which is previous to any identification we actually carry out.
In this short paper, it is not my intention to dwell on the genesis, the deep
causes or the mechanics of the layout and functioning of these necessary initial
conditions other than by the casual allusions I shall make so as to render my line
of argument more intelligible. My objective is limited to underlining the fact that
previous operations4 such as these surreptitiously introduce in-depth
indeterminations into what we circumscribe; and, therefore, into any comparisons
we may wish to make. Thus is the path opened for representations (no matter
3 K. N. Chaudhuri (1990), Asia before Europe. Economy and Civilisation of the Indian Ocean from
the rise of Islam to 1750, Cambridge University Press.4 Historical and sociological objects, in other words, are constituted according to given
perspectives, and these depend on categorial impensés over which we mount, or patch, the
conceptual constructions we elaborate. The entity “Southeast Asia” is no exception. I repeat that I
shall not go into further details here, at least in relation to this. I shall, however, try to develop an in-
-depth topic which I believe in one way or another subtends many of the issues treated in a large
number of the studies carried out on the matter: the circumscription of East Timor, its thinkability as
a discrete historical, cultural and political entity.
14 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
how diverse they may be among themselves) of those categories and relations
which lead us to radical redefinitions of those units we initially took to be
essential, once they are ranged, or integrated, into different systems of discourse
– and so, in such a manner, do they inexorably drive us to new circumscriptions
of their identification-distinction, which can be resolved into sometimes enormous
disparities between the sets we recognise.
Let us start by remarking that this general question is very à la page. As I
shall endeavour to argue in what follows, conceptualisations of Timor Loro Sae as
a “regional anomaly”, as an entity with distinctive peculiarities so marked that its
pure and simple integration into the region is not very convincing, already
underlie the representations of it construed by the large majority of Timorese
(the popular consultation carried out under the aegis of the United Nations can
profitably be regarded as a statistical-sociological gathering of data as to this
question), the Indonesians and even the international community itself (perhaps in
this last case for mere pragmatic reasons, for coldly calculated motives). But the
fact remains that, whether we like it or not, the circumscription of East Timor as
a discrete entity is an unavoidable political fact.
Far from solving anything, this creates a responsibility: that of understanding
how this was notionally carried out. It depends on us to try to achieve its rational
reconstruction. One of the purposes of this present brief introduction is precisely
that of giving substance, in politico-cultural terms and against the background of
the short draft I shall attempt to sketch of its historical progression, to the
position of comparative anomaly Timor assumes in the general regional context
in which it is placed, happily or unhappily, perhaps both happily and unhappily,
and whether we like or dislike it. And furthermore I shall try to suggest some of
the implications of this rather complex state of affairs.
2.
In generic terms, the problems I here raise are not of course new. On the
contrary, in one or another form they build on matters which have preoccupied
15colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
all those who endeavoured to carry out research on the region. Thus, for instance,
a question which has insistently been faced concerns what has been called “the
autonomy of Southeast Asian history5”, “the structure of Southeast Asian history6”,
“the integrity of Southeast Asian history7”, or “the structural identities of Southeast
Asian civilisations8”. The quandary which has been approached in one way or
another in all these studies has been that of determining how justified, or even
feasible, it is to treat Southeast Asia, from a comparative point of view, on a par
with China, India, or, more arguably, Islam. Ultimately, the plight is created by the
hypothesis that there is at some level a unity and a cohesion within it which
renders it possible for us to envisage it as a whole.
If confronted inside out, so to speak, the question is not so easily raised since
the ecological diversity of Southeast Asia (peninsulas, islands, seas, rivers,
mountains, the contrasts between coast and inland, highlands and lowlands),
the multiplicity of peoples and cultures, the variety of religions, the profusion of
languages and linguistic families, of economies and of political forms are all
factors which clearly distinguish the region from the adjacent ones (China and
India) that delimit it. But if looked at inwards from the outside, to retain the
metaphor I proposed, the distinctions are not that clear. And this is true from
many points of view.
No fixation of internal or external limits to the impressionistic image of
Southeast Asia which we may spontaneously come up with is by any means
obvious – as opposed to India and China, which are both entities which apparently
circumscribe regularities that are very marked at the deepest levels of social
structures, of shared worldviews, of the cosmologies and eschatologies with
which they orchestrate themselves and even in relation to dress, adornments
5 J. R. W. Smail (1961), “On the possibility of an autonomous history of modern Southeast Asia”,
Journal of Southeast Asian History 2 (2): 72-102.6 Harry Benda (1962), in a brilliant article entitled “The structure of South East Asian history”,
Journal of Southeast Asian History 4 (2): 159-168.7 D. G. E. Hall (1973), “The integrity of Southeast Asian history”, Journal of Southeast Asian
Studies 4 (2): 159-168.8 K. N. Chaudhuri (1990), op. cit..
16 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
and modes of subsistence. In the territory which separates them (and that we call
“Southeast Asia”), it is not so. Here there is not one “social space”; there are many
such. And when we try to identify the territory, when we attempt to circumscribe
it, we find that what we have actually isolated is in effect a multidimensional
variety of units and objects, expressed on a host of different simultaneous
planes.
Augmenting the resolution of our ethnographic images, it is perhaps worth
listing a few of the reasons for separation to emerge from that very complexity.
To highlight differences, I shall do no more than enumerate some of the more
obvious ones. A single political form does not pervade the region; many do. The
entire spectrum, or so it seems, is charted out: there are divine monarchies (from
Thailand to Bali to Cambodia) shoulder to shoulder with tribal, clan- and lineage-
-based organisations (mostly in the highlands of the region and a bit everywhere
in the south from Malaysia to the Philippines and on to Borneo, passing by
Eastern Indonesia), commercial coastal kingdoms and sultanates (around the
Straits of Malacca, but also all along the Indonesian insular arc), nomadic bands
of hunter-gatherers (everywhere but essentially in the most mountainous inte-
rior regions); there are semi-sedentary slash and burn agriculturalists (in the
highlands) side by side with farmers tilling enormous irrigation rice plains,
fishermen and pirates (in the famous Sulu Seas and beyond). And at yet another
level, we encounter Peoples’ Democracies (from Vietnam to Laos and Cambodia
in parallel with Burmese “Asian socialism”) on a par with the “tigers” of financial
capitalism (Malaysia and Singapore, yesterday Indonesia, tomorrow maybe
Vietnam).
Some of the existing States, today, in some cases, reduced to mere regions,
came out of British colonisation (Burma and Malaysia), others from French
tutelage (Vietnam, Laos and Cambodia), others still from Dutch (Indonesia),
Spanish (the Philippines), Portuguese (Malacca, Ternate, Tidore and Flores, among
others), Japanese (essentially, and in the context of the notorious Greater Asian
Co-Prosperity Sphere, the entire region), North American (the Philippines, the
sole formal colony in the history of the United States) and even, somehow,
Chinese or Soviet (the whole of the old French Indochina in the northeast) direct
17colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
or indirect control: a real microcosmos of the history of colonisation. One of the
local States, Thailand, is one of the very few states in the world which has never
actually been anybody’s colony. This was no doubt because of its geographical
position as a buffer zone between the French area of influence to the east and
the British one to the west.
Some of the groups hold Buddhist convictions (from Burma to Thailand to
Laos and Cambodia, Java and Bali); others are Muslim (Malaysia and, above all,
Indonesia, the most populous Islamic country in the world); there are those
belonging to Christian confessions (some, like the Philippines, are mainly Catholic
while others like Vietnam, Malaysia or Indonesia mix this with substantial numbers
of affiliates of various Protestant denominations) whilst many others are “animists”
(again, these are found everywhere but mostly inland, namely in Malaysia, the
Philippines and Borneo). In the large majority of cases, what we do actually
encounter are ecumenical mixtures of two or more of these religious affiliations,
with Burma, Laos, Cambodia, Bali and Java being of course paradigmatic examples
of precisely this.
It is certainly not worth my while to further insist that at various different
levels and on a diversity of planes the multidimensionality I alluded to earlier is
indeed omnipresent. Southeast Asia is like a mosaic. Rather than the comparatively
monotonous regularity patent in its great neighbouring blocs, diversity seems to
be, under various names, the general rule in this territory-enclave. But this is not,
however, an amorphous plurality: it is a diversity which, on the contrary, displays
some hints of a structural bipolarity.
In order to glimpse this, it is enough to look attentively at the region, but
from a distance, so to speak. Differences are above all detectable at a sociocultural
level. Some of the groups, such as the Malays, the Javanese, the Filipinos, the
Borneans or the Sumatrans, to name but a few, are distributed as though in a
sprinkled pattern in arcs along the southern continental region which is
immediately adjacent to its insular portion. They tend to crystallise the identity
they display in their cultural representations as a function of their places of
settlement and of their locales of origin, and they fervently claim to follow their
order of arrival at the place where they live in the tenuous social hierarchies they
18 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
establish among themselves. As if engaged in “sociological variations on a
theme”, these speakers of Malayo-Polynesian languages form groupings which
exhibit other distinctive traits: they include lunar as well as solar rhythms in the
conceptualisations they engender about space and they articulate relatively
undifferentiated social structures and kinship groupings with intense but rather
diffuse ritual practices.
Other somewhat more formalised groupings, however, such as the Thai, the
Khmer, or the Mon, who are speakers of North-Austronesian languages, are
nowadays distributed along a wide continental belt which cuts across the north
of the region from Burma to Vietnam, passing through Thailand, Laos and
Cambodia. Their members often prefer to construct their identities, in terms
somewhat akin to those of their Chinese and Indian neighbours, in less egalitarian
fashions around dead ancestors, in relation to whom they place and organise
themselves as descendants usually according to more linear kinship systems.
They live in territories which are quite separate from one another, and they tend
to order their life rhythms according to solar calendars, punctuated by moments
which tend to incorporate a ranking of sacred events around comparatively
formalised public rites.
This division into two great sociocultural families is indeed quite
unmistakable. This has led many scholars in the direction of models which
underline penetration influxes into the Southeast Asian enclave (let us call it
that) of, on the one hand, Sinic populations who, it is claimed, would have
progressed southwards over the mountain chains that reticulate its northern
frontiers; and, on the other hand, Malayo-Polynesian peoples whose entry
would have taken place along the many valleys and hydrographic basins of the
region. To these influxes one must add the establishment of groups of Indic
origins, coming in from both land and sea, and flows such as the Muslim,
European, North-American and Japanese, all of which along maritime routes.
All of this notwithstanding, these are not entirely unmixable ethnolinguistic
families since culturally there are strong mutual superimpositions which render
any attempts to trace clear or stable lines of demarcation among them
complicated.
19colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
From one point of view, it would definitely not be too abusive to characterise
the progressive intellectual build-up of the conceptual object Southeast Asia as
a succession of responses to the kind of questions this tremendous complexity
poses. Obviously, none of this remained unnoticed by the researchers, in the
large majority Dutch, French, British and American, who took an interest in this
enormous territory lying between China and India. And as could be expected,
alternative types of explanations have been put forward both in terms of the
patent comparative diversity and in relation to the bipolarity which is so visibly
and evidently impressed upon it.
Some of the specialists, namely G. Coedés9 from the École Française de
l’Extrême Orient, an expert on Indochina, saw this as the result of differentiated
processes and ones with variable efficacy in what was called the “Hindouisation”
of little known autochthonous populations. For others, in particular H. Otley
Beyer10, an American archaeologist specialising in the Philippines, the rationale
was to be found in an earlier chronological period and in a somewhat more
hybrid fashion. It would all be better thought of as a reflex of successive “waves”
of migrations which, in the long period following the last glacial period (the
Würm glaciation which ended some twenty thousand years ago), overlay the first
mobile settlements of Negrito pygmies (and, in the southeast, less itinerant
Melanesians) with sociocultural layers of, first, “Malay peoples” and then “more
advanced Indonesians” coming in from the north. Still others, following the trail
blazed by the great British regional historian, D. G. E. Hall11, preferred to substitute
those historicist vantage points, which were largely speculative anyway, with
more solid historical and sociological ones; they did this by simply setting forth
9 His main monograph, dated 1948 (although there is a reviewed 2nd edition dated 1968), was
entitled Les États Hindouisés d’Indochine et d’Indonésie (de Boccard, Paris).10 H. Otley Beyer (1979, original 1921), “The Philippines before Magellan”, in (ed.) M. Garcia,
Readings in Philippine prehistory: 8-35, Filipiniana Book Guild, Manila. See also his more monographic
article entitled “History of racial movements in the Pacific”, published in 1925 as Proceedings of the
Institute of Pacific Relations, from Honolulu.11 Author of the monumental A Short History of South East Asia, first published in 1955, and then
successively reviewed and enlarged in 1962 and 1968 (MacMillan, London).
20 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
the regularities which can be effectively perceived in a series of areas adjacent to
one another, thus delimiting what we take as being Southeast Asia. It was,
however, maybe as a side-effect of the Second World War, and in particular of the
political-military delimiting of combat zones between the Allies (mostly North-
-Americans in coalition with British and Australian troops, together with scores of
local “native troops”) and the Japanese invaders, that the war scenario Southeast
Asia, an entity with an essentially geographic design, crystallised in a consensual
manner; and it was then that this entity became common currency (at least from
the point of view of analysts) as a conceptual object deemed to have its own
structure and integrity.
Whatever our preferences might be as to the best way of fitting into one
another and “ranging” the many external dynamic elements which gave rise to
the pluralism which characterises the region we now call Southeast Asia, it would
nevertheless be a gross mistake to presume that those processes could wholly
take into account the realities in the terrain. And this for a simple reason: the
reception of these various layers was far from passive. Probative instances of this
abound and are easy to adduce. Notwithstanding the clearly “Sanscritic” style
and colouration which throughout the region display notions such as those of
soul, birth, reincarnation or even ideas of number or agriculture, it remains that
the way in which they are used in Southeast Asia is by no means reducible to the
original models. The Sinic layer too was deeply modulated: the Buddhism practised
in the region, for example, is easily distinguishable, if only given its sui generis
syncretic ecumenism, as much from its base matrix in South Asia as from the
versions implanted in China or Japan. And neither is Islam in Southeast Asia a
simple variant of any of the Middle Eastern or Central Asian orthodoxies, nor is
Westernisation, in its various European or North-American variants, readily
understandable as straightforward transpositions of any prototypical recipes. In
all these cases there is, as if underneath or behind those layers, a very discernible
southeastasianness (in a tide of concept creation) which it is difficult not to
recognise even on the most superficial of contacts.
21colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
3.
To reiterate: it is in this enormous region, so diverse and multidimensional
but at the same time (and paradoxically) so unitary, that Timor can be found. A
part of a larger island, East Timor lies right at the extremity of the long Indonesian
volcanic arc, on the edge of its southernmost and easternmost corner where
Southeast Asia is confined by the great islands of New Guinea and Australia.
Timor Loro Sae, as a large number of its inhabitants nowadays seem to prefer to
call it, is at one and the same time an integral part of Southeast Asia yet
distinguishable from it. Paradoxically, it is simultaneously a zone with obvious
affinities (ethnolinguistic, sociocultural, historic, geographical-ecological) with
the wider and partially adjacent region made up by the east of the archipelago
we conventionally call indonesian, and an entity clearly distinct from its
neighbours. From many points of view, East Timor is portrayable as a piece of a
wider puzzle. But nothing hinders our picturing it as an entity, the specifics of
which could make it preferable, and even easier, to allow for its association with
other eventual sets.
As we have had the opportunity of verifying, none of this is particularly
surprising, exceptional or even difficult to understand. In a region which exhibits
the complexity of Southeast Asia (a complexity, as I underlined, induced as much
by external pressures as by internal forces), this type of distinction, or anomaly,
as I called it, is far from uncommon. Quite the opposite. There are other cases (the
Philippines, Vietnam or Burma, for example) which, for one reason or another, or
by virtue of a combination of them, are in structurally equivalent situations of
relative eccentricity as pertains to the regional entities we may want to constitute.
Timor is by no means, at that level, anything but one of various examples in a set
which is somewhat diffuse as a result of its relative lack of a linear notional
cohesion.
I cannot but ascertain with vehemence that to put forward those ambivalent
characteristics of the nature itself of the entity we call Timor is much more than
expressing an abstract scientific curiosity or than enunciating assertions with
only a methodological reach. It is, so to speak, a practical question of handling.
22 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
It is not my intention when raising here in-depth issues of this kind to formulate
any obscure theoretical problems for the very simple reason that these questions,
to my mind, are in no way reducible to abstractions nor inconsequent in very
practical and concrete terms. The point is to underline that, as far as Timor is
concerned, there are structural characteristics I deem to be crucial for us to
equate if we really want to understand much of what has happened, much that
will certainly still happen and surely a great deal of what the future has in store
for us, and, above all, if we intend to act wisely upon its destinies.
Let us note, at any rate, that it has been precisely on the basis laid within the
framework of such an ambivalence that the regional and political indissociability
of East Timor has come to be advocated: it was (and unfortunately still is)
precisely that complexity which subtends the model and frame of the coordinates
upon which the assimilationist “anticolonial” Indonesian theses have been built
and elaborated. It was on that very “board” (and the rules of the game which it
defines, or at least circumscribes) that the notorious “integrationist” pretexts of
the militias were fabricated and that many drier academic discourses have been
construed12. The material effectiveness of these possible theses, their political
reach, for instance, needs no comments.
Happily, and like all ambivalences, this one too has two sides, two faces. By
virtue of the extant patent anomalies, it has also always been possible to argue,
with a great deal of elegance and all too often against the current13, that it is only
12 For instance, the very interesting article by Arend de Roever (1998), “The partition of Timor:
an historical background”, in (org.) Maria Johanna Schouten, A Ásia do Sudeste. História, cultura e
desenvolvimento: 45-56, Vega. Against a background of an assumed full sociocultural continuity
between East Timor and West Timor, de Roever deconstructs the (temporary) partition of Timor as
a conjunctural strategy of the Portuguese and the Dutch in the mid-XIXth century. Both powers were
then betting on the very profitable control of the sandalwood commerce and on simultaneously
maintaining a level of peaceful coexistence between themselves. For an excellent historical (but also
political) introduction, see Luís Filipe Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.13 Benedict Anderson (2000), “Imagining East Timor”, Cepesa Working Papers 2: 1-9. A short and
brilliant article in which Anderson fishes out from various speeches and declarations of Indonesian
authorities and media what he sees as a radical incapacity of the Indonesians themselves to conceive
of “East Timor” and “Indonesia” within a unified conceptual framework which could thereby anchor
23colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
with a lot of taxonomic juggling that Timor could be conceived as party to an
Indonesian set, and that this was exactly the barrier which effectively rendered
its permanent annexation unimaginable to the Indonesians themselves. It is easy
to verify the extent to which this conceptualisation, complementary as it is in
relation to the earlier one, has also produced non-trivial political (and other)
outcomes: as quickly as they emerged, any images of loss, or “amputation”,
resulting from the autonomy of East Timor submerged, or so it seems, in
Indonesian public opinion. I do not think the material inefficacy of ideas which
are not watertight requires great efforts at demonstration.
To recap, without repeating myself, I would like to say that, as is the case in
relation to that wider set today conventionally called Southeast Asia, the identity
of East Timor can be generated14 by means of two different types of conceptual
operation. In a descending order, we can try to “discover” East Timor within the
larger whole made up by Southeast Asia, somehow finding it, in those terms in
which it is identifiable, as one of its natural units. Or instead we can, in an
ascending order, “invent” East Timor by adding elements initially different from
one another and then integrating them into a unified structure on whatever
terms we may endeavour to achieve this in a more stable, and therefore more
convincing, manner. These twin processes are, ultimately, complementary. They
are indissociably paired up and, in all probability, that is how they will stay for a
very long time.
The first process (the descendent one, the one working inwards) was that
which, rightly or wrongly, I tried to carry out here. As to the second process, it
should be noticed that it is an ongoing construction effort, moving outwards,
nationalist representations which would be, from my point of view, in a stable equilibrium. I would
like to stress that to enounce conditions of thinkability (as I here attempt to do and as I believe B.
Anderson and K. N. Chaudhuri, from other perspectives, also did) does by no means spell a form of
idealism. On the contrary, and since all human actions can be characterised as accompanied and
enformed by conceptual representations which are precisely what gives them meaning, I think we
are following a more realistic and effective strategy than if we ignored this dimension.14 See K. N. Chaudhuri, op. cit.: 68, for a discussion of these two alternative modes of construction
of historical objects.
24 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
and one that has been attempted as a political project by many “Timorese” since
long before the referendum: a project which amounts to the sedimentation of a
people (the so-called “Maubere people”15) from a background of many dispersed,
and often antagonistic, identities. And it is a process that also involves the
naturalisation of this “people”16 as the population of a territory, itself in the throes
of a process of reification as a sovereign State: “Timor Loro Sae”. In other words,
a mechanism in which we try to achieve, in peace and in the internal descending
order what the Indonesians did not manage to do through violence, in the
external ascending order17.
The stubborn and courageous resistance of the Timorese populations lined
up the questions, bestowing on them a definite direction. Portuguese support,
after a long interval of vacillation and much toing and froing18, put them on the
15 For the evolution of this vocable and of its semantic field, see Fernando Sylvan (1995),
“Presente e futuro da palavra Maubere”, in (org.) Artur Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.16 For a detailed ethnographic and linguistic approach to this question, see Maria Olímpia
Lameiras-Campagnolo and Henri Campagnolo (1992), “Povos de Timor, povo de Timor: diversidade,
convergências”, Estudos Orientais 3: 259-266, Universidade Nova de Lisboa.17 An imminently political question. Benedict Anderson (2000), in a notable article on the
Timorese question in which he applied the theses earlier developed in his Imagined Communities,
faces up to precisely this point. According to Anderson, the main reason for the demise of the
Indonesian military project of annexation and integration of East Timor would be the outcome of the
Indonesian lack of capacity to conceive of Timor as an effective integral part of their country as they
imagine it. What I raise here bears obvious affinities to that. What I think is now essentially at stake
is to ascertain if the Timorese themselves will be capable of imagining an effective and viable
national identity. The drama is that the Timor so far imagined seems largely to have been imagined
by the Portuguese and by the Catholic Church, and then “transferred” to the Timorese, or at least to
some of the members of some of the Timorese elites. The “autochthonous imagination” seems to me
to spend itself largely in a mere esprit de corps produced lock, stock and barrel as an understandable
(and hopefully not too temporary) reaction to the unspeakable brutalities perpetrated during the
Indonesian invasion and occupation.18 For a critical approach to the successive phases in the activities of Portuguese diplomats in
relation to the occupation of Timor, see Ana Gomes (1995), “Timor-Leste e o imperativo de uma
política de direitos humanos”, Política Internacional 1 (10): 111-121. José Manuel Pureza, Álvaro
Vasconcelos and Carlos Gaspar have all published some brief notes on the recent evolution of this
diplomacy. The jusinternationalist background of many of the issues raised has been looked into in
a very detailed manner in a doctoral dissertation defended at the Harvard Law School by Paula
25colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
table. The international community, once the essential regional (the assent of
Australia) and global (the consent of the United States of America) backings were
finally assured, forced a solution.
What now aligns itself on the horizon is much more down to earth. Are the
internal tensions and cleavages which exist in Timor reconcilable? Will it be
possible to transform the cauldron into a real melting pot? Is the existing
endogenous diversity amenable to reduction? The lines of fracture visible between
networks of multiple clientelisms which are difficult to render compatible, among
diverse ethnolinguistic identities whose communication is not easy, between
enemy and long resentful political-ideological groupings, between ex-militias
and the rest of the population, between “active resistance fighters” and “passive
civilians”, between those who stayed and those who left, among generations,
between a State and a Church with competing hegemonic propensities – can
they be repaired? Can all these potential antagonisms actually be corrected?
And, if so, at what price?
The structural problem is not new, nor is it particularly Timorese or Southeast
Asian. At any rate, it is not easy to make any predictions as to future developments.
Up against a series of worrying recent happenings, some disquiet is surely justifiable.
Eric Hobsbawm reproduced, back in 199219, an extraordinary quip of Massimo
d’Azeglio, voiced right after the successful XIXth century Garibaldi-led unification of
what is today Italy: “We have made Italy. We must now make Italians.”
It worked, even if only after some serious accidents along a turbulent road.
Let us hope that in this case it will too.
Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption under self-determination
in the case of East Timor, published by the Fundação Oriente. See also, Paula Escarameia (2001),
Reflexões sobre Temas de Direito Internacional. Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, ISCSP, for
a collection of vivid discussions on related themes.19 This justly famous quotation, unearthed by Eric Hobsbawm, and which has made its way into
the context of contemporary studies on nationalism, was repeated by John Comaroff (1996: 176) in
a famous article on ethnicity and nationalist constructions with the title “Ethnicity, nationalism, and
the politics of difference in an Age of Revolution”, published in (eds.) E. Wilmsen and P. McAllister, The
Politics of Difference, The University of Chicago Press.
26 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
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Georges Coédes (1948, reviewed 2nd edition, 1968) was entitled Les États Hindouisés
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University of Chicago Press.
Paula Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption
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Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.
Luís Filipe Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.
27colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
When we speak about East Timor, what precisely are we talking about? Half an
island located on the easternmost tip of the Archipelago of the Lesser Sunda
Islands, near Australia and New Guinea, 19 000 km2 in area, a fifth of the size of
Portugal, with approximately 800,000 inhabitants. The territory’s process of
decolonisation was brutally interrupted in 1975 by a prolonged and violent colo-
nial occupation by Indonesia, which was definitively rejected and dissolved by the
referendum of August 1999. It was then followed by brutal violence, terminating
with the intervention of the United Nations, which came to administer the transition
process to independence, still undeclared but increasingly a reality with the recent
elections for the Constituent Assembly, clearly won by Fretilin. Unquestionably,
East Timor has became an important issue in political discourse, particularly in
Portugal. All expressions of solidarity, with their groups and influences, each with
their own motivations and causes, have revealed a growing interest in the East
Timorese problem. Consequently, the territory became the object of concern for
international politics and solidarities. However, research in social sciences has been
lacking. Scientific studies in the fields of history, sociology, anthropology or
economics are extremely rare, something which can be largely explained by the
difficulty in obtaining free access to the territory of East Timor during the period of
the Indonesian occupation, a situation which has yet to be overcome because of
the enormous difficulties in organising the reconstruction of a devastated and
disorganised territory, confronted with international aid which transports
economies, inflation and even social behaviours practically unknown to the local
populations. In many cases, the immediateness of political discourse or the rhetoric
The Portuguese Colonization and the Problem of EastTimorese NationalismIvo Carneiro de Sousa*
* University of Porto and Portuguese Center for the Study of Southeast Asia/Cepesa, Lisbon. O
artigo foi inicialmente publicado em Paris, na revista Lusotopie 2001: 83-194.
28 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
of solidarity has filled in for what has not been studied, and interpreted what is not
even known. From History to Economics, via the issues of development or nationa-
lism, causalities were put forward that insisted on the diversity of the Timorese,
their specific culture and history. Documents, sources, field work and research
work were not included in these discourses; but they founded, and sometimes
justified and manipulated, some of the memories which presently characterise
knowledge on East Timor. To start with, the issues of colonization and nationalism.
The territory was first identified by the Portuguese in 1512-13, but effective
European occupation of a small part of the territory only began after 1769, when
the «city of Dili», the capital of so-called «Portuguese Timor», was founded1. Until
then, the Timorese territory was visited mainly by Portuguese traders and
missionaries. The former sought the lucrative trade of sandalwood, while the
missionaries, predominantly Dominicans, were engaged in the mission of
evangelisation. Catholic preaching played an extremely active role during the 18th
Century, when many missionaries considered undesirable in Goa were received in
Timor. Evangelisation soon reached the Flores, Solor, Wetar and many of the other
small adjacent islands, where churches were built and parishes were established2.
Until the beginning of the 20th century, in spite of the coffee campaigns, almost
always carried out by small local proprietors, Timor was governed not only with
«African» ideas, but also with many Indian and Mozambican elements, the latter
constituting a significant quota of the colonial army3.
1 See, in this issue of Lusotopie, R.R. LOUREIRO, «Discutindo a formação da presença colonial
portuguesa em Timor» and A. de CASTRO, As Possessões portuguesas na Oceania, Lisbon, Imprensa
nacional, 1867; L. de OLIVEIRA, Timor na História de Portugal, 3 vols, Lisbon, Agência Geral do
Ultramar, 1953; R. M. LOUREIRO, (ed.), Onde Nasce o Sândalo. Os Portugueses em Timor nos séculos XVI
e XVII, Lisbon, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobri-
mentos Portugueses, 1995; I. Carneiro de SOUSA, Timor Leste desde muito antes dos Portugueses até
1769, Encontros de divulgação e debate em estudos sociais, 3, 1998 : 5-23.2 A. Pinto da FRANÇA, Portuguese Influence in Indonesia, Lisbon, Fundação Calouste Gulbenkian,
1975.3 W.G. CLARENCE-SMITH, «Fazendeiros e pequenos proprietários no território português de
Timor no século XIX e XX», Encontros de divulgação e debate em estudos sociais , 3, 1998 : 41-50; I.
Carneiro de SOUSA, Timor Leste … : 19-21.
29colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
The territory slowly became colonized from the 1860’s onwards but was
confronted with frequent resistance and local revolts. It was only around 1913-
-1914, during the Manufhai wars when the colonial power managed to mobilise
several allied Timorese kingdoms against the local resistance movements, that
colonial domination definitively spread throughout Eastern Timor4. However, the
colony was far away, serving rather to exile political opponents and rebels from
the Portuguese African colonies than as a territory of economic colonization.
Strangely, it was in fact during the brutal Japanese occupation that the invaders
edified roads and airports that today still structure a significant part of the
communications network. Only during the late 1950’s was it possible to identify
«serious» economic, administrative, social and cultural investments and, in the
twenty years following the liberation of Goa in 1961, these widened to include
investments in education and the first attempts at «industrialisation», parallel to
administrative reinforcement and the continuous influx of populations to the
urban centres.
A History Yet to Be Written
The history of East Timor is yet to be written. During the colonial period,
some general historiographic studies were edited, and the fourteen Portuguese
titles available were mainly produced by military and administrative officials,
while the pre-colonial history of the territory was never the object of any
scientific contribution. Such was the case that much of the current anthropological
and historical knowledge on East Timor was in fact only gathered between 1953
and 1975. António de Almeida was official responsible for this work. Born in
1900, a graduate of Medicine and post-graduate of the Escola de Medicina
Tropical (School of Tropical Medicine) and of the Instituto de Investigação Cien-
tífica Tropical (Institute of Tropical Scientific Research), António de Almeida
4 R. PÉLISSIER, Timor en guerre : le crocodile et les Portugais (1847-1913), Orgeval, Ed. Pélissier,
1996.
30 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
became one of the most powerful figures in Portuguese colonial research5. A
man of the Regime. During the 30’s and 40’s, he worked in Angola, and started
what he would come to designate Anthropo-biology, in a renowned research
work (although in many cases polemic) on the Bushmen. In 1953, he started his
studies on Timor, visiting and staying in Timor on several occasions. He discovered
prehistoric archaeological layers and developed the analysis of ethno-linguistic
divisions; he was involved in the production of films; he published dozens of
articles and even became a member of the National Assembly representing
Timor for two terms of office. In spite of his prolific work and knowledge of the
territory, the ideas with which he interpreted Timorese history and culture were
neither his own nor were they original. They were based on the work of a
renowned Brazilian author, Gilberto Freyre, especially on one of his best-known
books in Portugal O mundo que o português criou (“The world the Portuguese
created”), a best-seller during the 40’s and 50’s6. The book was ready to be
published in 1937, but was successively delayed. The book came to include a
preface dated 31st January 1940, by António Sérgio, a prominent figure of the
democratic opposition and eminent essayist and historiographer. His preface
gave a consensual dimension to Freyre’s book and contributed to its success,
precisely in the year when the «Grande Exposição do Mundo Português» («Great
Exhibition of the Portuguese World») was opened. However, the book’s great
attraction for its readers was its first paragraph: «Aspectos da influência da
mestiçagem sobre as relações sociais e de cultura entre portugueses e luso-descen-
dentes» («Aspects of the influence of race-mixing on the social and cultural
relationships between the Portuguese and Portuguese descendants»). In this
paragraph, the author defends the idea that Portugal, Brazil and the Portuguese
colonies constituted a unity of sentiment and culture, because Portuguese
colonization was special and different from any other: the Portuguese, explained
Freyre, «dominated the native populations, mixing with them and dearly loved
the coloured women » (p. 40). He further added, «in all places where this manner
of colonization dominated, the prejudice of race is practically insignificant and
5 A. ALMEIDA, O Oriente de expressão portuguesa, Lisbon, Fundação Oriente, 1994.
31colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
the mixing of races, a psychological, social and, one can even say, an active and
creative ethnic force…» (p. 43). The Brazilian sociologist concludes by stating
that the specificity of the Portuguese colonization promoted «the democratisation
of human societies through the mixing of races, interbreeding and miscegenation»
(p. 46). Gilberto Freyre designated these ideas by the term «Luso-tropicalismo»
(Luso = of Portuguese origin: Portuguese tropicality)7. In spite of the fact that
these ideas were used as ideological and political banners by the colonial
propaganda of the «Estado Novo» (the Portuguese dictatorship from 1932-1974),
this concept of «Lusotropicalismo» is today still one of the few interpretative
theories of Portuguese colonization and of the Portuguese-speaking spaces
throughout the world8.
However, the «Luso-tropicalismo» theory did not cause widespread
enthusiasm in academic and scientific circles9. Historians simply ignored it. The
importance of the works of Charles Boxer, Jaime Cortesão and those published
by Vitorino Magalhães Godinho from the early 1950’s onwards, developed the
interpretation of Portuguese expansion and colonization in their economic and
social dimensions, defining spaces, geographies and cultures. At the end of the
1940’s, Portuguese anthropology and sociology were still incipient domains, and
they were pursued in order to prompt the appearance of relevant scientific
works. It was for this reason that researchers from other scientific fields became
interested in that of «Lusotropicalismo» theory. Almerindo Lessa, for example,
6 G. FREYRE, O mundo que o português criou, Lisbon, Livros do Brasil, 1940.7 G. FREYRE: Aventura e Rotina, Lisbon, Livros do Brasil, 1953; Um brasileiro em Terras Portugue-
sas. Introdução a uma possível luso-tropicologia, Lisbon, Livros do Brasil, 1953; O Luso e o Trópico,
Lisbon, Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Mortedo Infante D.
Henrique, 1961.8 C. CASTELO, «O Modo português de estar no Mundo». O luso-tropicalismo e a ideologia colonial
portuguesa (1933-1961), Porto, Afrontamento, 1998; Y. LÉONARD, «Salazarisme et lusotropicalisme,
histoire d’une appropriation», in Lusotopie. Enjeux contemporains dans les espacs lusophones, 1997:211-
-226; A. MOREIRA & J.C. VENÂNCIO (eds), Luso-Tropicalismo. Uma Teoria Social em questão, Lisbon,
Vega, 2000.9 I. Carneiro de SOUSA, «O luso-tropicalismo e a historiografia Portuguesa: itinerários críticos
e temas de debate», in A. MOREIRA, & J.C. VENÂNCIO (eds), op. cit., Lisbon, Vega, 2000: 6681.
32 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
applied it to the Portuguese colonial presence in India, but it was the leader-
-geographer Orlando Ribeiro who, in his most important work, Originalidade da
Expansão Portuguesa («Originality of the Portuguese Expansion») most used and
dignified the theory of «Luso-tropicalismo»10. Nevertheless, the application of this
theory was rare, with the exception, naturally, of Brazil. In Angola, Mozambique,
Guinea and in the Atlantic islands colonized by the Portuguese, there are virtually
no social science studies based on the «Lusotropicalismo» theory. Curiously, one
exception is precisely Timor.
The idea of a benign, benevolent colonization, grounded on an almost
egalitarian and sentimental relationship with the local populations became
the official thesis of the Portuguese colonization of Timor. The attraction of
a Portuguese tropicalist theory of colonization of Timor became permanent in
the works of António de Almeida who, based on an assumed position of
ethnocentrism, understood the Portuguese presence in Timor as an enraptured
act of civilisation. To prove his ideas, he referred to the importance of the
mixing of races and, from the 1960’s, the access of the Timorese to secondary
school education and to administrative posts, as well as the opening of
opportunities for the Timorese to study in Portuguese universities. Although
Almeida’s research was responsible for the exaggerated identification of 31
ethno-linguistic groups in East Timor, his interpretations did not contemplate
cultural diversity and got lost inexalting «Luso-tropicalismo» and «Portuguese
civilisation»11.
10 O. da Cunha RIBEIRO, Originalidade da expansão portuguesa, Lisbon, Sociedade de geografia,
1956. [republished Lisbon, Edições João Sá da Costa, 1994].11 A. ALMEIDA, O Oriente de expressão portuguesa, Lisbon, Fundação Oriente, 1994; cf. M.E. de
Castro e ALMAEIDA, Estudo serológico dos grupos etnolinguísticos de Timor-Díli, Lisbon, Instituto de
investigação científica tropical, 1982.
33colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Lineage and Space, Kinship and Territoriality
History has not in any way focused on the singularity of East Timor12. The
singularity of the social, cultural, anthropological and symbolic aspects were not
contemplated in an understanding of Timorese reality. It is necessary to speak of
the cultures, societies and even the peoples of Timor. Between the 9th and the
13th centuries, these peoples established a «stable» model of society based on
lineage13. According to unilineal rules, parental organisation was strongly
patrilineal, represented by exogamous marriage, in general forbidding marriage
between direct relatives with consanguinity and between brothers and uncles
and nephews. The brides were chosen outside the suco (a group of villages), thus
creating relationships between two villages, the husband’s (Fetosá) village and
the wife’s (Umane). The men of the fetosá village could continue to marry women
from the umane village, but the opposite was forbidden. At the same time, norms
of social and familial circulation were established: the son of a liurai (a local king)
could only marry the daughter of another liurai or of a dato (local nobility).
Polygamy was common among these elitist sectors and was even encouraged by
the first wife who became the prime female figure within the domestic unit.
The system of inheritance was marked by the existence of corporate
descendants, exaggerating the stability of land use and property associated with
the relatively high population densities. It was a model of undivided inheritance,
in which the possessions were inherited by the next generation, to be
administered by the eldest man of the family, who was often an uncle brother of
the father and supported the whole family. When there was apartitioning of
inheritance, only the men of the family had rights, according to claims of
birthright and age. However, position status could only be inherited by men of
the noble lineages. This specialisation in terms of social stratification may explain
12 I. Carneiro de SOUSA, «Mercantilismo, Reformas e Sociedade em Timor no Século XVIII»,
Revista da Faculdade de Letras – série História (Porto), 1997.13 I. Carneiro de SOUSA, Timor Leste… op. cit. : 11-15.
34 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
the establishment of the social, cultural and symbolical predominance of a
parenthood system based on patrilineal lineage. Therefore, in Timorese society,
this rigid social stratification forced the groom’s family to pay a dowry to the
bride’s family in order to «release» her to live in a virilocal model. Husbands from
poor families who could not afford to pay the dowry would live in an uxorilocal
model, often in a position of social inferiority and marginal social status, thus
specialising the social distinction between «noblemen» and «nonnoblemen».
This social and symbolical transaction was usually designated in Tetum as barlaki
and constitutes an important example of Mauss’ idea of don or «gift», i.e., an idea
of social communication, alliance and domination through marriage and dowry,
as well as establishing forms of social contribution.
In any case, the normative ideal of virilocal residence was not always
accomplished, either because the dowry agreed upon during barlaki negotiation,
was not paid, or because the woman and her lineage possessed significant
property, which they wished to preserve within the same lineage. Consequently,
in the decisions made about post-matrimonial residence and the children’s
filiation to one or the other kinsmen, a strong tendency to ambivalence resulted
in relation to common social practices, leading to situations in which the same,
related ethnic groups could present both patrilineal and matrilineal tendencies
whenever the demographic pressure rose. There were, certainly, some important
social models, but their transgression was possible and tended to deepen social
mobility. Portuguese colonization naturally accelerated these processes of
mobility, through the introduction of new social groups, such as the topázios (or
«black Portuguese»), and also a diversity of social, cultural, religious and other
values. In any case, the institution of barlaki, with its imposition of social alliances
and negotiation, was clearly fundamental in the structuring of lineages and
territories. The barlaki was, in many cases, drawn-out, specialised and symbolically
complex. The dowry negotiations not only covered lands and animals, specially
buffalo, but also led to the display of pieces and instruments of prestige, from
traditional clothes (tais) to swords (surik) of great quality and refined workmanship.
Feasts and private reunions, accompanied by specific cultural practices, from
communal songs to feasting, marked the meetings between the members of the
35colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
same lineage and, afterwards, the other meeting-negotiation with the other
lineage. In many cases, the lineages of Timor individualised patrimonial domina-
tion, presenting alliances between territorial communities and independent
villages, or lineage alliances based on significant territorial units, water courses,
mountains, coastal areas, lands with an abundance of agricultural resources, or
communication axes. Lineage and appropriation of space, or in other words,
kinship and territoriality are fundamental factors in the traditional social
organisation of the peoples of Timor.
Colonial Recognition of Traditional Powers
Among the various principles of social organisation that the traditional
Timorese societies came to specialise, the main one is based on the primacy of
the descendants of the group which founded an agrarian establishment and first
occupied, cleared and worked the land, thus preserving an elevated status. The
chiefs are frequently those who can clearly trace the descendants of an ancestor
of a lineage or tribe, although the social hierarchy is, in some cases, open to
individual skill and manipulation through opulence, as is shown by the close
relationship between feasts and power. The social hierarchy may, of course, be
inherited or acquired. The dominant, founding lineages appropriate the secular
and religious positions; they have a word in community affairs, detain the right
to present food, intervene in the distribution of work and control the decisions
relative to land use in the territorial group. Their social power is expressed
through objects of prestige: ceramics, antique necklaces, megalithic monuments,
fine arms, and drums. Their prestige is also expressed through success in
agriculture and particularly through the accumulation of livestock, chiefly pigs,
and products that can be used in the common feasts. Powerful lineages tend to
reinforce their position through marriage with other neighbouring lineages,
which generally allows the «nobles» to be distinguished from other social groups
and to expand alliances of dominion. In this field, it is once again the dowry
which functions within the social organisation as a factor of social hierarchisation
and distinction, reinforcing the tendency to elitist endogamy and preventing
36 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
powerful lineages from increasing their power, whenever it obliges men incapable
of proceeding with its payment to reside uxorilocally.
One could think that in this manner a lineage would be able to reinforce and
structure its power indefinitely. Genealogical filiations are complex, subject to the
manipulation of oral genealogies, dependent on opulence and prestige, and
whenever a lineage chief shows a tendency to increase power in an «unpopular»
manner, revolts and conflicts break out with great frequency. A State could not
develop based on a traditional micro-scale, unless the emergent leaders came to
monopolise power and converted the network of economic, social and military
alliances into a centripetal structure around a charismatic power. This did not
happen in the Austronesian world before the period of Indianisation between the
5th-10th centuries and, in the case of Timor, we rarely find permanent indications
of territorial, supra-local states before the 18th-19th centuries, when the
construction of the State starts to constitute an investment continuously dominated
by Portuguese colonization, both through its captaincies, race-mixing or missionary
work, and also with alliances and vassalage of the traditional territorial powers14.
It is preferable, therefore, to emphasise, in the pre-colonial and traditional
history of Timor, the importance of patrimonial domination. The social groups
depend upon the permanent proprietors and the more general social separation
between nobles and commoners becomes more evident and is resumed in the
distinction of lineage. In this way, the liurai – ruler or territorial chief – represents the
reigning lineage, but also tends to appropriate important patrimonial domains. A
significant part of the agrarian patrimony also resides in the dato, the nobility that
ranks above the atan, constituted by workers and servants… The structuring of
political power is thus dispersed among the territorial chiefs (lurahan) and village
chiefs (leo) who are recruited in the superior lineages, frequently descendants of the
founders, and who supervise work and festivals. This power is further reinforced and
maintained thanks to the endogamy of the higher lineage, which tends to specialise
societies of «noblemen», workers and slaves, either captive or in debt. It is possible
that this hierarchisation and its tributary, almost feudal, support, was intensified by
14 A. de CASTRO, As possessões portuguezas na Oceania, Lisbon, Imprensa Nacional, 1987.
37colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Portuguese colonization, which sought to systematically convert the noble groups
and, in this way, guarantee colonial domination.
The traditional social world has been poorly studied. With one exception: a
Portuguese forestry engineer, poet and design teacher, enraptured with Timor
and its peoples, sought to understand the traditional Timorese societies. In two
fundamental works, Motivos Artísticos Timorenses e a sua integração15 («Timorese
Artistic Motifs and their Integration») and, especially, in Arquitectura Timorense16
(“TimoreseArchitecture”), Ruy Cinatti identified the diversity and complexity of
Timorese culture, investing it with proper dignity. Although not a professional
anthropologist, Cinatti greatly contributed towards the development of cultural
studies on Timor and introduced important indicators for future studies, which
were not, unfortunately, pursued owing to the political situation of the last two
decades. Significantly, despite working in Timor in the same periods, António de
Almeida and Ruy Cinatti did not cross paths. They were often polemical, though.
Almeida developed an anthropology which had the interests of colonization in
mind, while Cinatti focused on a cultural diversity which had not been configured
by any notions of Portuguese tropicality17.
The long history of Portuguese colonialism in Timor is based on the recognition
of traditional powers and on seeking unification, through cross and sword, of the
territory’s social culture of elitism. The Portuguese (indirectly) «ruled» with the
support and the configuration of traditional lineage powers within the societies
of Timor’s peoples. To govern Timor in the name of the Portuguese crown,
through the «governance» of the traditional Timorese powers themselves, thus
admitting the coexistence of a social, religious and juridical Portuguese system
with a consuetudinary culture of the traditional Timorese social world. However,
those who converted to Catholicism were forced to accept another juridical
system. In 1769, when the colonial administration was established in Dili, this
15 R. CINATTI, Motivos artísticos timorenses e a sua integração, Lisbon, Instituto de investigação
científica tropical, 1987.16 R. CINATTI, Arquitectura timorense, Lisbon, Instituto de investigação científica tropical, 1987.17 P. STILWELL, A Condição Humana em Ruy Cinatti, Lisbon, Presença, 1995.
38 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
system worked. It would work for a very long time. At the same time, almost
paradoxically, it would consolidate colonization and preserve a certain memory
and reality of the traditional world of the peoples of Timor. Because of this, at the
beginning of the 20th century, through the Decree of 17th July 1909, the Portuguese
central government continued to recognise, as it had almost always done since
the 1500’s, the juridical system of local kingdoms, in this case seventy-seven,
distributed throughout eleven boroughs. Even the designation of Lurahan
(kingdom) was accepted as corresponding to a borough district, governed by a
liurai with the patent of colonel; it was established that a suku («suco») was formed
by a group of villages (lissa), governed by a dato with the patent of major; and
finally, a leo was defined as a village that could be equivalent to a parish, governed
by a dato, with the rank of captain. The intention of these official regimental
efforts was to take advantage and configure traditional Timorese society, something
which was further achieved with the development of a group of mestizos with
increasing social and cultural weight. In all rigour, it was not a process of
miscegenation. It is well-known that the production of a Euro-Asiatic social group
was officially encouraged from the beginning of the 16th century and, despite
criticism from the Church, invaded both the so called State of India, and also that
shadow-empire that merchants, adventurers and soldiers developed far from the
official control of the Portuguese. It also became a power strategy for the local
oligarchies and patriciates who found force in mixing support and discrimination
in relation to the subaltern social groups. So it was in Timor.
Odd Colonial Army, Odd Catholic Church
The scientific literature available on the different European colonialisms
(predominantly dealing with African themes…) usually identify the European
armies and Churches as exclusive factors of colonization and colonial oppression.
This is not the case in Timor. «Paradoxically», the «Portuguese» army and the
Catholic Church also became factors of both local cultural identity and the
development of «national» claims. This situation has been well-documented since
39colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
the beginning of the 1960’s. Doing military service in Timor meant getting away
from the colonial war in Africa. However, military service implied two years, too
long for the sons of peasants from the rural villages or for the sons of the city
workers. Family-sons from the middle and upper-middle bourgeoisie of the urban
centres, frequently from powerful families, some opposing the regime and on the
verge of possible desertion, came to «Portuguese Timor» to do their military
service and enjoy the delights of a calm, peaceful tropical paradise, apparently
given up to the paternal Portuguese presence. Many brought their wives and,
sometimes, the whole family nucleus. They mobilised an important labour market,
mainly domestic, which socially animated the urban centres, especially Dili. The
armed forces bulletin, Revista do Comando Autonómo Provincial actually became
one of the first spaces to embrace pre-nationalist ideas. Some of its issues gave
voice to the Timorese who, based on ethnography or on curiosities, on localism or
on criticism, started to write the first texts with nationalist sentiment. Benefiting
from equipment, structures and resources, and often promoting the Timorese’
first employment, the army mobilised the territory both socially and culturally.
Even artistic caravans were created, animating many settlements and communities
throughout Timor, mainly with musical shows. Thus, the army contributed to the
development of sociability between groups and territories, from the recreational
to the political, as well as encouraging sports activities. Many «mestizos» enlisted
and served in the Portuguese army, before founding the national and
independentist parties in 1974-1975 founded and some of them are still the main
leaders of the Timorese political parties, from Fretilin to ASDT.
Apart from the army, there is also the Catholic Church18. At the end of the
Portuguese colonial period, Catholics represented less than a third of the population,
but today, a large majority (90 %) of Timorese are Catholic. The Church represented,
together with the armed resistance, the main institution of political and social
resistance and was a counterpoint to the attempts at cultural assimilation by
Indonesia. It is often forgotten that when Indonesia invaded the territory of
18 J.F. BOAVIDA, The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: a Culture in the Making,
Oxford, J.F.B., 1993 (M. Phil. Thesis presented to the University of Oxford).
40 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Portuguese Timor in December 1975, the Church was practically the only organised
institution. The colonial administration, army and government had all but
disappeared, while the Church was maintained with its equipment, personnel, areas
and buildings, saints and cults… It had cultivated continued relations with Portugal
and Macao, relations which persisted after the invasion. It also had a proper
discourse and language, marked by a sense of mission and pastoralism, which set
it apart from the Indonesian colonizing projects. A language that, apart from
Portuguese, continuously promoted Tetum as lingua franca and liturgical instrument.
From Nationalism to Nation?
Timorese nationalism is a process. It combines different contributions, from
the parties to the freedom fighters, from the Church to the local communities,
from the Diaspora to the discourses of the different solidarities, which many
times came to configure pluralist history and culture into simple identifying
ideas such as these reductive oppositions between Timorese Catholicism and
Indonesian «Islam» or the radical cultural identity of East-Timor confronted with
the cultures and populations of Eastern Indonesia marked by the same
anthropological structures and cultural productions. In these considerations, the
idea of nationalism prevails as an essence and not a process. What happens in
East-Timor is a long process of production of identifying structures. A process
that also includes the contribution of Portuguese colonization, which introduced
the currency or the fortress, the language and new religions that aided the
configuration of the local elite and thought. It is also a contribution of the things
which Portuguese colonization persecuted and repressed: political and partisan
parties, movements and organisations. The production of national identifying
structures also involves the resistance, the Diaspora, the regional and international
insertion of East-Timor, and is at the same time a political, social, cultural and
symbolic process. Symbols like the term East-Timor or, for example, the
personification of the political situation in the figure of Xanana Gusmão, concur
to create important, general, identifying ideals. At the same time, the recent
41colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
elections for the Constituent Assembly help us to understand the time and mode
in which long-term anthropological and sociological structures are associated
with the more «recent» nationalist resistance: more than programmes, progressive
economic or social ideas, it was the memory of the resistance and its figures and
combatants which guaranteed the expressive majority of votes obtained by the
Fretilin and the other two parties linked with the resistance, the ASDT (Associação
Social Democrata de Timor) and PD (Partido Democrático).
Relating again the present with the independentist movement of 1975,
poorly studied and less well understood19, we discover general and diffuse
nationalism, popular in nature and which mobilises the poor in the fields and the
cities, assuming an almost sacred dimension of liberation. Perhaps, for this
reason, even the leaders of the left-wing independentist parties continue to
assiduously attend local churches and their associations and confraternities, in
the same way as many, even those recently returned from long exile, are in many
cases obliged to marry again, complying with the barlakis and alliances that the
local communities and traditional families, normally extensive and communitarian,
demand be celebrated. Dysfunctions between modernity and tradition, field and
city or between a dominant rural economy and the invasion of a strange
«globalisation» brought by the thousands of United Nations and NGO officials,
are already contradictory social and cultural phenomena absolutely present in
Timorese society. For now, an idea of liberation, independence and national
construction attracts immense expectations and unites almost all political parties,
religious and civilian institutions. This unity is not, however, eternal and will be
fragmented when confronted with the enormous challenges of the reconstruction
of a devastated, extremely poor country, in which the abundance of resources,
from the oil of the Timor Sea to the agricultural generosity of the soils, do not
conveniently feed the populations, eradicate disease and organise a society.
Sanctified, almost blessed, Timorese society is increasingly more plural, in all
senses, from the sociological to the political, in spite of this temporary unity
dictated by a common resistance and a dominant desire for independence.
19 L. F. Ferreira TOMAS, O problema político de Timor, Braga, Editora Pax, 1975.
42 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
It is more difficult to discuss the problem of Timorese nationalism without
considering this process of resistance20, in which different factors intersect,
stretching from the representation of Portuguese colonialism to the armed
resistance, the incorporation of new political ideas and the generalised attachment
felt by rural populations in relation to the old forms of social ancestral structures
and of patriarchal power. In the strictest sense, it should be noted that the
difficulty is fundamentally ours, used as we are to associating the idea of
nationalism to a very European construction of nation-states, a consequence of
evident national ideals. This is not the moment to discuss the fragmentation of
these linear ideas in the very heart of Europe, but it is worth noting and
accepting that national constructions are essentially processes which mobilise
the most diverse weapons available, from the symbolic to the political, including
processes of resistance. The latter’s prolonged reproduction generates modalities
of active and aggregative nationalisms around crucial elements for the
construction of a nation: proper cultural identity (religious, traditional,
communitarian…) and national political mobilisation around a representation of
the idea of an Independent State, like the churches or guerrilla movements, the
highly disseminated confraternities of the «Sacred Family» or the generalised
belief in the charismatic paternal power of the great figures of the resistance,
alive or dead, which can liberate, shelter and feed a population seeking to edify
an independent national political community. It was precisely because of this
that Indonesian political dominion, quite apart from its illegal character invoked
in the international forums, was not able to integrate this community into
another complex national space, with different symbolic and political values.
It was also not able to multiply the security, shelter and economic satisfaction
with which the representation of a nation is transformed into a national State.
But a fundamental challenge persists: to know how to elevate a national identity
that preserves and promotes cultural diversity, assuming clearly that diversity, is
a factor of identity and national dignity.
20 P. CAREY & G. CARTER-BENTLEY, East Timor and the Crossroads: the Forging of a Nation,
London, Cassel, 1995.
43colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
«O homem sonha e a obra nasce». Parece agora incontornável reconhecer que
estes versos de Fernando Pessoa, recorrentemente convocados para celebrar
esse mítico «período de ouro» da história de Portugal que se continua a titular
«descobrimentos e expansão portuguesa», não se aplicam em definitivo ao
trabalho complicado da investigação das ciências sociais que incluem Timor-
-Leste nos seus horizontes de estudo. Talvez os versos possam funcionar ad
contrario, destacando uma obra que nasce e se concretiza muito longe do que se
projectara, entre generosidade científica e ingenuidade política. Quando pensa-
mos este dossier dedicado a Timor-Leste, sonhou-se excessivamente em criar
obra nova, concorrendo para debuxar uma nova maneira de mobilizar a investi-
gação em ciências sociais acerca do Timor oriental: associando estreitamente
investigações de vários cientistas europeus – portugueses, franceses, britânicos...
– às ainda mais novas investigações da muito jovem actividade científica desses
colegas timorenses que procuram, entre escolhos mil e incompreensões muitas,
erguer Universidades e instituições de investigação científica. Não foi o que se
deu. Muitos pedidos foram feitos. Promessas oferecidas. Prazos sucessivamente
incumpridos. Os títulos eram mais do que prometedores, os temas excitantes e
as problemáticas ofereciam-se com a renovada frescura desse anin hirin que
quase nos salva dos calores abrasadores das terras baixas de Timor. Este vento
refrescante misturado com uma suavíssima neblina não se verteu ainda em
páginas de investigação escritas e publicadas pelos jovens investigadores
timorenses, mas preferiu rumar – e bem –, misturada e intensamente, em direc-
ção ao processo de transição política, invadindo comícios, sessões de esclareci-
mento, discussões, votações. Alguns dos timorenses prometidamente convida-
dos a escrever para este «dossier» são agora deputados, um ou outro é mesmo
Timor dos Malai Sira?Ivo Carneiro de Sousa*
* Centro português de Estudos do Sudeste Asiático (Cepesa, Lisboa). O artigo foi publicado na
Lusotopie 2001: 135-140.
44 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ministro. Fizeram mais do que bem... Ganharam em participação cívica, empe-
nho político e participação democrática. Ganharam o direito a escolher e a
polemizar. Talvez este dossier sonhado entre amizades e exaltações perseguindo
a formidável voragem da transição política timorense tenha ficado menos rico,
mas não paradoxalmente mais pobre atendendo não apenas ao interesse dos
estudos e problemas publicados, como também às muitas discussões propostas.
Certamente, estes problemas e discussões publicados permitirão avisar precisa-
mente a crítica dessa jovem investigação científica timorense que, redescobrindo
o gosto inebriante de uma política «nova», procura também renovar as ciências
sociais que estudam essa metade de uma ilha que decidiu tornar-se definitiva-
mente independente...
«Estrangeiros eles»?
Malai sira – «estrangeiros eles» (literalmente), dirão provavelmente alguns
desses investigadores timorenses quando lerem estes artigos com essa descon-
fiada sabedoria de quem ouviu muitas promessas, participou em centenas de
«anteprojectos» disto e daquilo, acolhendo nestes últimos dois anos tantos
milhares de forasteiros balançando entre uma quase ingénua solidariedade
fraterna e o sentido de oportunidade em concretizar um negócio tão rápido
como lucrativo, dos cafés só frequentados por estrangeiros aos sacos de cimento
que custam duas e três vezes o seu preço em qualquer hipermercado de França.
De facto, para quem visita Timor-Leste agora as perplexidades são imensas e os
sonhos mil. As obras escassas. Um país de indiscutível rara beleza, misturando
das mais belas praias do mundo com verdadeiras estâncias de altitude desafian-
do os trechos mais espectaculares dos postais e calendários alpinos, cruza-se
com um mundo em que se escasseiam as oportunidades, os empregos, sobrando
a miséria. A desorganização administrativa é enorme, a confusão social intensa.
E, no entanto, os timorenses sabem maioritariamente ao que vão: votaram
esmagadoramente pela independência contra essa especial integração ofereci-
da pelo ex-Presidente Habibe da Indonésia em Agosto de 1999 e, apesar da
45colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
destruição inimaginável que queimou milhares de casas e ceifou muitas vidas,
votaram hoje de forma inequívoca pelo partido que representa a libertação e a
independência, a Fretilin, distribuindo ainda os votos restantes por outros pe-
quenos partidos em que se descobria a resistência estudantil da última década
ou mesmo vetustas figuras ligadas a essa independência gritada em 28 de
Novembro de 1975, na altura pouco reconhecida, mas agora definitivamente
retomada. Espanta, de forma quase incompreensível aos nossos olhos de obser-
vadores e investigadores quase sempre distantes, a força enormíssima dos luga-
res de memória de 1975. Não se repetiu qualquer tipo de guerra civil ou de
afrontamentos violentos intrapartidários, pelo contrário, as eleições para a
Assembleia Constituinte foram exemplares em participação, transparência e
tranquilidade. Mas espanta, de facto, muito mais o apego genuinamente popular
que se cultiva em direcção aos grandes heróis da resistência timorense: Nicolau
Lobato, Alex, Konis Santana... São lugares da memória tão importantes e venera-
dos nos pequenos e grandes espaços sociais de Timor como essas irritantes
estátuas portuguesas «d’aquém e d’além mar», celebrando sempre os mesmos
navegadores e descobridores que chegaram mais rápido do que outros euro-
peus a culturas e sociedades de milenares civilizações. Estas figuras transmutaram-
-se em estátuas verdadeiramente vivas e encheram comícios, sendo quase obri-
gatório em muitas aldeias e cidades receber festivamente alguns dos familiares
militantes destes resistentes caídos entre 1978 e 1998. E uma veneração cerzida
certamente por motivos políticos e nacionais, mas quase nos interrogamos se ela
não conseguiu de forma extraordinária transferir os velhos rituais sociais cele-
brando os poderes carismáticos desses antepassados fundadores das grandes
linhagens dos territórios sociais de Timor oriental, consagrados nesses ai tos em
pedra e madeira de pau ferro que marcavam montes e florestas, sacralizando
territórios e especializando tabus de demorada importância na hierarquização
social tradicional. Chega-nos à memória o peso enormíssimo da ancestralidade
e do patriarcalismo, quase apetecendo partir à descoberta da oposição a estas
simbolizações distintivas no processo de aparecimento de alguns partidos jo-
vens, como, por exemplo, esse interessante Partido Democrático que, reunindo
parte da antiga resistência estudantil agora vazada em boa parte dos professores
46 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
e da intelligentsia de Díli, conseguiu fundar-se nos finais de Junho para chegar
em Agosto ao segundo lugar das eleições, garantindo a eleição de sete deputa-
dos. Muito longe, porém, dos 57% da Fretilin valendo 55 deputados, todas as
vitórias distritais e algumas mais do que expressivas votações acima dos 80%,
como ocorreu no populoso distrito de Baucau, de onde agora saem camionetas
carregadas de arroz que já não se consegue vender aos restaurantes e
armazenistas de Díli, definitivamente integrados e obrigados às redes do comér-
cio internacional.
Bahasa e koronsongs
Se, no demorado e angustiante processo de compilar este dossier, resta
apenas um artigo de uma timorense, lido e discutido num seminário sobre
«Nation-building in East Timor», organizado em Junho, em Lisboa, pelo Centro
Português de Estudos do Sudeste Asiático e pela School of Oriental and African
Studies, não se adjectivem os trabalhos restantes apenas com esse desconfiado
malai sira. Quase todos os investigadores que assinam estes artigos reúnem uma
demorada e, tantas vezes, incompreendida experiência para pensar de forma
científica e independente o processo timorense, sendo também vários os que
mantém investigação no território, mais intermitente do que continuada, haja
em vista as dificuldades em convocar apoios e financiamentos que parece terem-
-se esgotado em ajudas de emergência indiscutivelmente importantes, mas
percebendo muito mal a urgente necessidade de se estudar rigorosamente um
território quase completamente desprovido dos indicadores sociais mínimos.
Que são, quando existem, dramáticos. Nas estruturas da mortalidade, elevadíssima
na sua componente neonatal e infantil, nas estatísticas das doenças e
morbilidades, nos parcos indicadores económicos ou na mancha numérica da
pobreza que abrange a esmagadora maioria da população. Contudo, apesar
desta pobreza que se apercebe em todo o lado, somos constantemente desa-
fiados a encontrar pedaços do Timor oriental que funcionam bem, como nesses
espaços em que a economia rural continua a produzir arroz com abundância,
47colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
recupera a produção do café e alimenta muitos bazares, como esse enorme
mercado de Díli onde é possível encontrar tudo, desde as hortaliças mais viçosas
aos «estimulantes» à base de noz de areca, passando pelo último grito em
matéria de altíssima fidelidade ou o último êxito dos grandes cantores populares
indonésios. Espanta esta economia local que continua a alimentar-se esmagado-
ramente de produtos manufacturados indonésios, funciona em rupias e, muitas
vezes, se fala no bahasa do país vizinho. Antigo ocupante? Odiado? O elemento
económico, social e cultural indonésio está presente por todo o lado. O indonésio
é falado por uma imensa maioria, como o tetum, aliás, alimentando as canções e
enchendo as cassetes e «compactos» dos novos rocks e koronsongs que se ouvem
nas muitas centenas de «táxis» e camionetas que asseguram com enorme rapi-
dez e eficiência um transporte público que se paga quase sempre com uma nota
de mil rupias. Este panorama social, económico e cultural talvez ajude a perceber
a necessidade de contrabalançar esta «dominação» através da agitação de sím-
bolos e lugares da memória claros, radicais na sua resistência e intransigentes
nos seus princípios de independência, agora, finalmente, já!
Frágil Portugal
Em contraste, admira a frágil presença de influências culturais portuguesas
duradouras. É verdade que a «verdadeira» colonização do Timor oriental é tardia,
posterior apenas às guerras de pacificação de Manufhai, em 1913-14. A colónia
era mais para exilar excitados e revoltosos, metropolitanos e africanos, do que
para desenvolver, pese embora alguns tímidos esforços a partir da década de
1960. É verdade que nos «novos» mapas australianos de Díli, raros e caros,
continua a surgir uma generosa toponímia portuguesa, incluindo essa Avenida
Salazar, marginal como convém, mal iluminada também, mas espaço de passeio
para muitos pares de namorados, sobretudo internacionais, com pouco tempo
para observar tão perto e tão longe a ilha de Ataúro, parte pequena do Timor
oriental que Pulo Cambing (ilha das cabras) se chama, ali mesmo em frente a baía
de Díli. Os resquícios de um passado nem especialmente interessante nem muito
48 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
menos «glorioso», aquilo que se designa (mal) por presença portuguesa é tão
residual como os cerca de 5% de timorenses que declararam «falar português»,
pessoas geralmente idosas, ex-funcionários coloniais e alguns (poucos) regressa-
dos da pequena «diáspora» portuguesa. Mais irritantemente ainda, existe uma
certa forma de pensar a cooperação portuguesa que domina alguns sectores dos
decisores políticos e académicos que navega águas tão estranhas como difíceis
de renovar. De facto, a partir da historiografia portuguesa dominante foi-se
erguendo a ideia de uma idade de ouro da História de Portugal que, apertada
entre o infante Navegador e as primeiras décadas do reinado de D. João III, teria
concretizado a especialização do «Ser» ou da «Alma» Portuguesa. Amarrada a
estes essencialismos, edificou-se a tópica de uma gesta premonitória que teria
dado «novo mundo ao mundo», avisando não apenas os caminhos da identidade
nacional portuguesa, mas também formas singulares de construir um império
que se pensava eternamente civilizador e mesmo redentor da ocidentalidade
católica. Estas ideias não abandonaram ainda hoje o fazer história da colonização
e do colonialismo (uma noção quase «maldita»...) portugueses, tanto em termos
gerais, como na sua expressão timorense. Os poucos títulos actualmente dispo-
níveis para esta parte oriental do mundo perseguem através da parcialidade das
fontes oficiais portuguesas as evidências ou «provas» daqueles essencialismos
indiscutidos, ignorando outras sociedades, outras culturas e a dimensão rigorosa
da expressão social e cultural da presença colonial portuguesa. No domínio do
Sudeste Asiático, a situação é ainda mais limitada, já que o peso das construções
ideológicas mescla-se com uma ignorância dos tempos e espaços das culturas
que organizaram longamente as sociedades locais, resistindo até aos inícios do
século XX às violentas ofensivas do colonialismo europeu, holandês pela Indonésia
e português na pequena parte leste de Timor. As limitações adensaram-se ainda
com a forma como a questão política timorense foi sendo representada em
Portugal nos últimos anos, especialmente entre 1996 e 1999.
Discurso político e informação mediática ergueram uma atraente dicotomia
em que a uma espécie de santificação dos timorenses se contrapunha uma
demonização de uma Indonésia largamente ignorada pela investigação científi-
ca portuguesa, dialéctica que ressuscitou em certos sectores políticos e intelec-
49colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
tuais, entre a catarse do colonialismo português e uma sincera solidariedade
para com o sofrimento do povo timorense, antigas ideias orbitando em torno da
especificidade da expansão colonial portuguesa, quase inacessível a uma inves-
tigação afastada dessas raízes singulares da identidade nacional forjada precisa-
mente nessa época de ouro dos «descobrimentos» e «expansão» portugueses...
A partir daqui, para alguns destes sectores que continuam a influenciar parte das
ciências sociais portuguesas, as nossas relações actuais com o mundo não-
-europeu teriam de obrigatoriamente convocar essa antiga pauta de leitura
generosamente criada por essa peculiar forma portuguesa de estar no mundo
que, mesmo depois dos processos de independência e edificação nacional,
continuaria a ser desejada no «íntimo» pelas populações e territórios colonizados
por Portugal que, da África a Timor, estariam irremediavelmente dominados pela
crise, pela fome e pela doença, o que não teria certamente acontecido se, dizem,
a descolonização tivesse sido diferente. Mas como?
Existe, pelo contrário, em muitos sectores da vida política e social de Timor-
-Leste uma evidente mitificação de Portugal, paralela, significativamente, à
mitificação que se foi destacando para ficar na sociedade portuguesa de hoje
acerca de Timor e da sua gente. Para muitos timorenses, Portugal é uma espécie
de longínquo salvador que irá sempre ajudar e proteger o velho crocodilo agora
independente, mas sempre pobre. Curiosamente, em vários meios populares e
em aldeias rurais esta ideia reproduz-se, mas muitas destas pessoas não sabem
sequer onde fica Portugal. Alguns, mais velhos, recordando talvez alguma lon-
gínqua aula de mestre-escola da «primária», ainda arriscam dizer que Portugal
parece que fica na África, à beira de Angola e Moçambique, havendo também
outros que asseguram estar Portugal firmemente integrado na Ásia. Finalmente,
alguém nos esclareceu definitivamente: Portugal fica no céu! Será isto um mito
ou uma «sina»?
51colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
1.
I want to begin with some rather trivial, and a few fairly general, remarks.
East Timor is a region which is geographically not too difficult to delimit.
Nevertheless it includes as an integral part of its territory a problematic (because
not immediately adjacent) piece of territory, an enclave, and a few islands, one of
them substantial in size. It is also a sort of ethnolinguistic cauldron, made up of
many different groups in various overlays. But it is unfortunately not quite a
melting pot. Moreover, East Timorese coastal and inland areas differ greatly one
from the other, both ecologically and sociologically, as do its urban centres and
rural regions. Politically and economically, the country is also far from
homogeneous. And this is not simply reducible to a slight regional matter of
differential development. The gap separating the elites and the general
population, in either political, economic, educational or in generic terms of
cultural orientation, is abyssal. Socially, all sorts of criss-crossing divisions and
loyalties, internal and external, cut right across any purported unity we may try
to portray as encompassing the whole.
A complex panorama, indeed. And one which, as a framework, is not really
conducive to obvious solutions, and most certainly not for the easy buildup of
clear-cut feelings of nationalism or national identity, which are the stated and
understandable desires of East Timorese political leaders. This should make us
pause, make us carefully ponder. Facile assumptions entail heavy risks in such
multilevel and multicentered situations.
Wanders and Wonders: Musing over Nationalism andIdentity in the State of East TimorArmando Marques Guedes*
* Faculty of Law, Universidade Nova de Lisboa. O artigo foi primeiro publicado no livro
Nationbuilding in East Timor: 1-20, Pearson Peacekeeping Center, Canadian Peackeeping.
52 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A plain fact may serve as an opening – the certitude that Timor Loro Sa’e is
soon to be independent. This may appear to be nothing but a simple, linear and
rather non-problematic assertion, in all but the concrete materialisation of this
independence to come. The change in the status of East Timor is a political and
a historical event. It is most definitely something we can (and indeed we should)
celebrate. It can be cast as a victory for Portuguese diplomacy (which needs one
badly), or even perhaps as a step towards an international system more concerned
with people, justice and human rights, and less tied to cold correlations of
strength between States tout court. After such a long time, so much suffering and
so many grievances, the independence of Timor will come, perhaps above all, as
an enormous source of relief to the East Timorese peoples themselves.
But will it really? Or rather, is that great relief going to last for very long? Will
it survive anxiety, to keep up the psychological imagery? This is unfortunately
where one of the very fundamental problems which forms the core of our
concern in this Conference panel actually starts. Allow me to be very blunt, as I
believe wishy-washiness would be silly and wishful thinking grossly irresponsible
at this stage in the formation of a new nation-State. By no means do I want to be
too pessimistic but the all too understandable relief many East Timorese felt last
year will very possibly1 be rather short-lived.
The reasons for my hesitation are numerous and quite straightforward, so I
will just go through some of them. The leaders who were abroad and for so many
years shone so brightly in international political fora, those very spokesmen who
were for the last couple of years at least so promptly received by world government
leaders, and whose words carried such weight and had such impact with much
of the international media, will as surely as rapidly lose much of the protagonism
they had. They will fade into oblivion, or so they shall feel. The unease will spread
across generations. Many of the children of the various Timorese elites, students
with scholarships in Indonesia or Portugal, will see their situation worsen. Others,
without such family connections but who stayed behind and suffered the brunt
of the occupation, will have their highly raised expectations severely frustrated,
1 As very perceptively Lurdes Carneiro de Sousa made me notice.
53colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
and will likely try to vent their understandable grievances right, left and centre.
Some (perhaps many) of the rank and file members of the militias, although very
probably not their thuggish leaders, will return home only to find themselves
with a non too enviable status. Church workers and guerrilla fighters are
predictably preparing to step forward and claim what they think is their due, and
there is not going to be much that can, or may, be shared around. And it is not
too difficult to foresee that increasingly hard times lie ahead in the next few
years. Once the contingents of international workers of all types (doctors and
nurses, engineers, technicians, geologists, architects, accountants, economists,
agronomists, and what have you), who have been one of the principal (albeit
separate and artificial) sources of income to the local economy depart, the
population at large will have to face up to a crisis of potentially dramatic
proportions. A crisis against which it most probably can not count on any
Indonesian support. Hardships lining up on the horizon are not merely economic
and political. It is unity itself which will be at risk. I shall come back to these
essential points later.
The material difficulties (by this I mean the political, economic and military
ones) to be faced to achieve such a change in status seamlessly will certainly be
numerous and there is really no point in burdening the reader any further with
their tedious enumeration. Let us be content with remarking that the general
questions such material constraints raise are very á la page in media and in
international circles. But they largely exceed the strictly ethnolinguistic and
political-military sovereignty terms into which they have tended to be cast2.
2 The first type have formed the hard core of political disputes with Indonesians.
Conceptualisations of Timor Loro Sa’e as a kind of “regional anomaly”, as an entity with distinctive
peculiarities so visibly marked that its pure and simple integration into the region is not very
convincing, are ones which already underlie the representations of it construed by the large majority
of the Timorese (the popular consultation carried out under the aegis of the United Nations can
profitably be regarded as a statistical-sociological gathering of data as to that question) as they do
those of the Indonesians, and even the international community itself (perhaps in this last case for
mere pragmatic reasons, for coldly calculated motives). The second type, the political-military and
economic difficulties, have received a great deal of academic as well as political attention.
54 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Elsewhere3, I have attempted to face some of the notional issues this entails
and their implications. In the present communication, my hope is to go a little
further. I would like to equate matters concerning some of the foreseeable
difficulties which, to my mind, are inextricably involved in thinking about the
construction of a stable, well founded, and productive “national identity” for the
coming State of Timor Loro Sa’e. The concern here will be with the identification
of some of the predictable obstacles which will be faced by efforts to achieve the
desirable construction of a national unity and identity in the coming country. More
modestly, I shall attempt to begin to home in on some of them.
One of my ex-students produced a fascinating study in 1996 on the image
of an independent Timor (then a distant utopian dream) entertained by newly
arrived Timorese refugees temporarily settled on the outskirts of Lisbon. He
found out that for many of them, mostly influential older adults, the “imagined
Timorese community” was closely patterned on Catholic Salesian notions of ideal
Christian communities; which is not really very surprising if we consider the
educational background of these people. I also talked to many Timorese “angry
young intellectuals”, many of them old personal friends, for whom the imagined
Timor resembled rather idealised early Soviet revolutionary communes, or perhaps
Cuban local neighbourhood networks. For many others, the dream is of a return
to a mythical past, a kind of Messianic hope or, as Michael Ignatieff would
probably call it, a curious “nationalist cargo cult”. Not a few profess a belief in the
rapid installation in Timor Loro Sa’e of a fully sovereign Western-style parliamentary
democracy, complete with checks and balances and a strict division of powers,
of course; a written constitution is actually being produced in Lisbon for that
purpose. And we can only surmise what the nationalist expectations are of an
upland Mambai who claims Ki Sa as his founding ancestor and who maintains a
deep devotion to a revered and very sacred ancient Portuguese flag4, lovingly
kept as part of his inherited ritual paraphernalia.
3 Armando Marques Guedes (2001), “Thinking East Timor, Indonesia, and Southeast Asia”, neste
mesmo volume.4 See Elizabeth Traube (1986): 51-66. Mostly.
55colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
I could go on endlessly. The point is that we would be hard put to find any
substantive agreement on what is a crucial matter as far as nation-building is
concerned. To my mind, those who think this irrelevant should think again. It is
difficult to over-stress the centrality of such disparate views of an imagined
national East Timorese identity. The task ahead for the new East Timor State is
cyclopic.
The papers that follow in this panel touch upon important subsets (or so I
envisage them) of this wider and more inclusive topic. I hope what is aired here
will serve as an introduction to the various themes we shall look into. In what I
will say, however, I am not going to be very ambitious. The purpose is strictly
academic. My intent is to be more indicative than anything else as to what I deem
to be the most important areas for scientific analyses of nationalism and identity
in the contemporary situation in which East Timor finds itself. The main focus
shall rest on mapping some of the difficulties I predict might be faced by the
upcoming East Timorese State in terms of identity, nationalism and their “liquid
joint product”, national identity. At the very least, I would like to sound an alert
against facile answers and dismissals.
Very briefly, I shall try to do this in three short successive steps. First, an
attempt is carried out to establish an operational delimitation of the subject of
Timorese identity. I shall then, as a second step, look briefly into the role of the
State in the construction and stabilisation of identities. Thirdly, I will touch upon
the links between war, violence, identities and the State, again in general and
merely indicative terms. These three steps, or so I trust, will allow me to draw a
useful roadmap for what I believe would be a handful of eventually interesting
case studies. I will therefore conclude with a list of the few modest suggestions
for future research that I shall be presenting as we go along.
2.
“Identity” is by no means a new concept. But in order to try to understand
either the plight of East Timor, or that of similar cases, notions like those of
56 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
“ethnicity” or “nationalism” have tended to be preferred time and again.
Indonesians, “integrationists”, “national” political leaders, and even the Portuguese,
have latched on to these terms. I do not want, by any means, to devalue them,
or their analytical usefulness. I am nevertheless of the opinion that the bewildering
variety of data, with regard to unity and diversity, the complex relations between
change and continuity, and the need to incorporate into our analyses such
stridently obvious empirical facts as local ambiguities, ambivalences and
contestations of sociopolitical meanings, makes it useful to use a somewhat
more inclusive concept such as that of identity (and its Statist version, national
identity) in our understanding of the East Timorese case. So I shall begin with a
few comments about these notions, and about the type of use to which I think
they can be put.
For what it is worth, I will follow Richard Jenkins5 fairly closely in his sociological
pinpointing of identity as a set of “relatively fixed and stable”, and therefore
“primary”, links between an individual and a particular category, or grouping, of
people. Jenkins lists among such links, which constitute what he called “primary
identities”, ties like those of gender, kinship and ethnic affiliation, My use of such
items of his model stems purely out of descriptive convenience. I nevertheless
want to stress at the very outset that I staunchly defend what students of ethnicity
and nationalism have called a “constructivist” position. I do not believe we should
look at those links as “natural”: they are sociocultural constructions.
In my opinion, identity always implies a perceived similarity, or level of
sameness, not a natural, or real, one (whatever that might mean). Identities are
always construed, fabricated. They are artefacts. And precisely because it is
socially and culturally construed, an identity may (and often does) vary greatly
over time, rather than being in any way fixed or immutable, as “primordialists”
would have it. Also, with most constructivists, I partake of an instrumentalist
streak. And so I believe there is always a pragmatic layer of motives for the
sociocultural identity constructions people carry out. It is easy to acknowledge
that the East Timorese situation anyway makes one lean strongly into that kind
5 Richard Jenkins (1996).
57colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
of general theoretical direction. As the Indonesians quickly found out,
primordialists have had (and still have) a hard time in East Timor.
Moreover, like many anthropologists, I share the mid-seventies Claude Lévi-
-Strauss’ conviction that it is preferable to deal with political-ethnical identifications
and “ethnic identity” as subsets6 of the more general study of politics and
ideology. So I always prefer to do that, rather than treat ethnicity (as in the
common Anglo-Saxon tradition) as a separate field of study. My reason for this is
simple: as has sometimes been stressed, the focus on ethnicity tends to hide
from view other important mechanisms for social affiliation and cultural
identification. This is so, quite obviously, in East Timor, notwithstanding traditional
colonial practice that tended to see the territory as a patchwork of discrete
ethnolinguistic groups with clearly distinct boundaries In this, Portuguese
colonialism, as indeed all other subsequent colonial administrations, often tended
to reproduce (and, as we shall see, help create) local reified representations
which gave almost exclusive attention to a mythical “primordial ethnic belonging”
that so many nationalist discourses have since then made their own. This has
certainly been a convenient “logistical” naturalisation; one that it was often
politically expedient to hold onto, irrespective of its lack of fit with empirical
sociological reality. But no more than that
Conversely, a focus on a more inclusive notion, like that of identity, allows us
to carry out a much more realistic assessment of both the chosen “ties that bind”
and the “us-them” distinctions actually used by people on the ground. At the
level of group identity, it appears useful to view ethnicity as merely one of the
various variable, changing, contestable and contested, principles of group
formation in operation, as is often the case in East Timor. This has obvious
6 Renato Rosaldo (1975) offered us an extraordinary analysis of the political and ideological
complexities of identity construction in a fairly typical (from that point of view, at least) Southeast
Asian group. When writing about the coordinates for a definition of “social identities” among Ilongot
headhunters in the Philippines, showing their “tactical” shifts in local and regional bertan affiliation
claims during dangerous encounters, Rosaldo also gave us an early ethnographic set of examples of
the pragmatic uses of such a political and ideological embeddedness of identity representation
systems.
58 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
implications as to the unity we then presume to exist in processes of identification.
For, of course, at the level of individuals too, identity is also clearly only conceivable
as a multilayered construction, and a “negotiated” affair at that. In reality, every
person holds a variety of ties (gender, kin, religious, political, ethnic, etc.) at any
time, some local some less so7, and their nature and mix change over time (and
space) according to conjunctural factors of all sorts. In much the same way, every
grouping maintains multi-tiered connections of parallel kinds with other
groupings doing much the same. A moving multidimensional puzzle, surely
much to primordialists chagrin.
If, as we shall see, this is true the world over, it is particularly so in Southeast
Asia, as many ethnographic studies have shown in the last few years, and most
prominently in places, like East Timor, which are in the throes of subjection to
relational stresses and tensions. A wider analytical scope seems, therefore, clearly
preferable in such cases. It sticks closer to the facts. It unveils otherwise hidden
overlaps and incongruencies. It allows us to discern its ever-changing nature.
To repeat in other words what was said earlier: too close a focus on ethnicity
as a criterion hides from view many of the political minutiae, as well as many of
the complexities of intra-group and of inter-group relations. In order to be able
to fully bring out these essential dimensions of (for instance) group conflict, it is
crucial that we take into account, in any group and at any one moment in time,
other existing bonds of loyalty and other principles of assignment of social roles.
In a nutshell, the uncritical use of the typically colonial and nationalist rhetorical
concept of ethnicity makes us run the risk of selectively simplifying social
processes and of overly generalising things in particular loaded directions.
7 For an exquisitely detailed series of analyses of the interplay of such local and non-local
dimensions of affiliations and loyalties with a bearing on the definitions of identity in stressful
contemporary local attrition war situations, see Max Bart (2000) on rural Bosnia-Herzegovina. For an
intense depiction of local suffering in situations somewhat similar to those in East Timor, see Carolyn
Nordstrom (1995) on local violence carried out by both Government soldiers and guerrilla fighters
in rural Mozambique. These two studies (and many others by these two authors) are excellent case-
-studies which, mutatis mutandis, could serve as good guides for research on East Timor. For a more
dispersed first approach to such issues in East Timor, see George J. Aditjondro (2000).
59colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
To my mind, it is in such a wide political and ideological context that
nationalism and national identity must too be understood. Ethnicity is but one of
their constitutive axes. If looked at from that manifold perspective, interesting
symbolic connections come to the fore. Here is one: although it is largely a
modern phenomenon, tightly connected to the modern State, nationalist discourse
habitually draws on local and traditional images, values and pre-existent symbolic
constructions to induce feelings of belonging by a patent recourse to locally
recognised binding “natural” ties. In Southeast Asia, these tend to be linked to
family, kinship, houses, places of origin, or religion, to name just a few. The strong
emotions normally associated with nationalism are characteristically instilled by
means of widely shared abstract collective representations. Representations which
put their tonic on metaphorical “blood relationships”, “siblingship”, “a common
ancestry”, or similar religious ties and affiliations.
Not surprisingly, in East Timor the nation often seems to be conceived as a
“participation in a common house”8, in which “brothers” (or “siblings”, or people
linked by more diffuse ties of “companionship”, in a common Southeast Asia pattern
for the recognition of interpersonal relationships) dwell, and that in turn circumscribes
a “sacred unit” in terms of which nationalist identification processes9 are cast. This
8 I wouldn’t want to pass up the opportunity to recommend, in relation to this topic, José
Manuel Sobral’s very interesting 1999 paper, although it does not focus on Timor. Basic bibliographic
references for the widespread metaphorical use of an enlarged concept of house in Southeast Asia
include the collection of essays in (ed.) C. McDonald (1987), and that in (eds.) J. Carsten and S. Hugh-
-Jones (1995); both follow up on an original insight of C. Lévi-Strauss. E. Traube (1986), in her
monograph on the East Timorese Mambai, shows the applicability of such models for at least a few
of the Timorese groups. My impression that this might be of use in understanding nationalist
constructions is thus not wholly unfounded guesswork; without necessarily disagreeing with it, I
would nevertheless stand clear of hypotheses such as T. Gibson’s (1995) evolutionary speculations
on the progression of “house societies” into other “pre-capitalist” forms, as I think they could be
misleading (useful as they may be, methodologically) while actually adding little to our understanding
of the sociological processes under study.9 Maurice Bloch (1981), in his analyses of the complexities of the kinship system of the Merina
of Madagascar, was one of the first to bring out the centrality of the use of local concepts such as
that of havana (“consubstantial companion” is the gloss Bloch suggests for this Merina term) in State
nationalist rhetoric.
60 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
appears to be rooted in many local traditions, which focus on precisely that type of
metaphorical link. The potential of appropriations of such symbolic connections by
State nationalist rhetoric (and by political parties) in East Timor would be an
interesting field of study. Here is a suggestion for an area of future in-depth research
themes.
3.
We may now turn to what is perhaps a less obvious linkage, that between
identity and the State. The point is simple: my basic aim is to stress the decisive
role played by the State in the formation, the stability, and the transformations
of political and other identities. Again, of course, keeping Timor in mind
throughout the exercise.
To begin with a few markers. Ernest Gellner10, in his classical study of
nationalism, has detailed some of the most important macro-mechanisms modern
States put to work so as to “homogenise” what were often initially very disparate
groupings of people: mechanisms such as the standardisation of a language, the
spread of an education system, the creation of a self-contained economic space,
etc. In a bolder and much more conceptualist leap (and with a specific focus on
Southeast Asia, and there on Indonesian materials) Benedict Anderson11
underlined the role played by “maps, censuses, and museums” as particularly
powerful mechanisms constitutive of national identities, by respectively
circumscribing territories and populations, and by giving them a historical depth.
They were colonial administrative devices that eventually turned against
colonialism. They did so, ultimately, by making “the nation” thinkable to the
subject peoples.
But as Anderson also showed, States do far more than that. He gave us
profuse and minute details of how Southeast Asian colonial States, by means of
10 Ernest Gellner (1983).11 Benedict Anderson (1991)., in his superb Imagined Communities.
61colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
their administrative technologies (to indulge in a Foucaultian concept), invent
new categories of people, create new identities, and then make them stick
and appear as natural and timeless ones. And States certainly have the means
to get their messages across to people. By leading us to invest our concep-
tualisations and our interests into those ready-made, basic categories, States
effectively reify them, making them as if part of reality. They lead their social
construction.
An apt summary of Anderson’s well know discussion of such creative State
power is perhaps this: so as to control physical space and populations, the
rationality embedded in modern bureaucratic States inevitably leads them to
useful simplifications. And they must do so because, against the background of
social identities which, as we saw, are by their very nature multilayered and
multiplex, the bureaucratic rationality of modern States’ mechanisms of control
abhors ambiguities. And therefore it inexorably leads to simplifying reductions:
it is what Ben Anderson called the endemic propensity for strategies of
“bureaucratic trompe l’oeil”. This is a heavy burden which will lie on the
metaphorical shoulders of the future State of Timor Loro Sa’e, or of the elites
which will come to control its operation; for this is a power they will have at hand,
as it were.
The connection of this creative State capacity with identity construction is
particularly instructive for an interesting corollary follows from this model of the
decisive power of States over identities. This is that the greater and more
pervasive the State power and the reach of its administrative tentacles, the more
fixed the created identities tolerated in it normally appear to tend to be. History,
past and contemporary, illustrates that very profusely. Katherine Verdery12, in her
wonderful short study of State formation, spelled out such a causal linkage
between States and identities most clearly when she wrote, with European States
in mind, that “the kind of self-consistent person who “has” an “identity” is a
product of a specific historical process: the process of modern nation-state
formation” (op. cit.: 37).
12 Katherine Verdery (1994). One of various excellent works.
62 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
So, let us look again at the East Timorese case. In East Timor, such processes
of reduction13, were started with the Portuguese colonial presence and the
Portuguese colonial State administration (in practice rather incipient, although
carefully designed). They became far more intense in the much shorter (but far
“thicker”) period of Indonesian occupation, and they were extended during
the ongoing “Protectorate” interlude under the aegis of the United Nations’
administration. And they will likely continue, over the remains of the colonial
States that preceded it, right through independence.
My prediction is that the “bureaucratic reduction” will tend to increase. This,
of course, will have internal effects. And also external ones: for it could put East
Timor on a “collision course” with world forces of all kinds, as this type of
reduction is severely challenged by the winds of a globalisation at the very heart
of which the Timorese, wittingly or unwittingly, find themselves as they finally
and earnestly begin their own building of their own State. Cosmopolitanism
mixes uneasily with such reductionist national identities, as post-colonial situations
a bit everywhere have abundantly shown us in the last few years. The new East
Timor State will most likely be caught between a pressure for reduction and
another for contraction. And as we know in the European Union, “neo-medievalist”
(as Hedley Bull14 called the conundrum) balancing acts of “multilayered
citizenships” are something modern State rationalities find organisationally and
ideologically rather difficult to process.
4.
Another set of points which I think are worth stressing has to do with the
manifold complex links between violence (war-linked or otherwise) on the one
13 Apparently, although not much is known about that, not only “modern” States achieved that
sort of identity “crystallisation”. For an interesting set of hypotheses on the role of incipient local
State formation processes in stabilising and reducing social identities through their monopoly of
traditional headhunting rites in the Kapang area of Southwest Timor (in West, not East, Timor), see
Andrew McWilliam (1996).14 Hedley Bull (1977): 254-255.
63colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
hand, and nationalism, identity and the formation of a State on the other. This is
a focus I am pleased to underline only to the extent that it corresponds to the
expressed content of one of the panels in this Conference.
It is not a novelty to affirm that war has often been the motor behind nation-
-building. In fact, this is actually a statement which borders on triviality.
Unfortunately, East Timor is not alone here. Just think of other Portuguese
ex-colonies, like Angola, Mozambique, or Guiné-Bissau. Even for those with a
short memory, or suffering from a severe ignorance of historical facts, cases like
those of the three Baltic republics, or of Croatia, Bosnia-Herzegovina or,
notwithstanding cautious international comments to the contrary, possibly soon
Kosovo, are very recent reminders of what has been a pattern for a very long
time. Many “nation-States” were fashioned, lock, stock and barrel, quite literally,
by violence.
That is, of course, not very surprising. It is also certainly no novelty to notice
that in many contemporary cases this has been rendered all but inevitable by the
staunch opposition faced by peoples betting on “self-determination”, a resistance
usually of course led by the sovereign interests of some of the other existing
States, as well as by anxiety for stability of an international system which,
understandably, often feels threatened by anything that “rocks a boat” which is
not too stable to start with. Now, success is by no means guaranteed by such a
linkage, as is evidenced by the observation that this has even been so in the case
of many failed States which came out of the colonial period, as well as by the
many examples of peoples who never actually succeeded in achieving even a
temporary “quasi-sovereignty”. But History insistently shows us that violence is
often the chosen means for irredentism of all sorts. What is perhaps not too
evident are the mechanisms in terms of which this engine of violence produces its
effects.
The crux of the matter is that war and violence manifestly seem to do
far more than render new political realities on the ground viable against external
opposition. They are operational at much more than the empirical, factual,
internal level of acquiring and maintaining control over a stretch of territory,
expelling dominant bureaucratic “alien” elites, or even doing away with entire
64 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
unwanted populations. They also act locally. As Ger Duijzings (2000: 33)15 wrote
in reference to “the politics of identity” in contemporary Kosovo, violence “also
helps to deconstruct and disentangle the legacies of shared life and common
existence in the minds of victims and perpetrators alike”, which so often morally
taint “dissent” as something akin to disloyalty or betrayal. Mutual violence
allows people to reshape all that into morally more palatable reactions of mutual
rejection and destruction. It (paradoxically) functions as an “ethical operator” of
sorts.
That is something which, I believe, could usefully be applied too in the case
of East Timor. In this terrible way, by means of often horrendous atrocities,
systematic violent acts allow people to “establish unambiguous identities and
[new] undivided loyalties”. The mechanism can be seen as a structural one, at
least as far as its consequences go. It builds walls. It turns tables. It makes the
unthinkable, more than thinkable, a matter of obligatory moral redress, which in
turn plays on the typical nationalist rhetoric. In East Timor, as in Kosovo, “by
constructing solid and impenetrable boundaries, violence creates purity out of
impurity” (ibid.).
Again, nothing of what is being said is new. Frederik Barth’s justly celebrated
theses16 about “ethnicity” and “boundary maintenance” in New Guinean and
Norwegian ethnography are unavoidably what come to mind, as do surely
Stanley Tambiah´s examples in his vivid depictions17 of brutal acts in secessionist
movements in Sri Lanka and as does Mary Douglas’ model, in Purity and Danger,
of the “anomalous” status of “matter out of place”. But perhaps more interestingly,
15 In the fascinating recent Ger Duijzings (2000), Religion and the Politics of Identity in Kosovo.16 A sufficient introduction to this well-known theoretical framework of the Norwegian
anthropologist is summarized in Frederik Barth (1996, original 1969), “Ethnic groups and boundaries”,
published in (ed.) J. Hutchinson & A. Smith, Ethnicity: 69-74, Oxford University Press.17 Brilliantly expounded in two successive analytical (and also very richly descriptive)
monographs, S. J. Tambiah (1986), Sri Lanka: ethnic fratricide and the dismantling of democracy, and S.
J. Tambiah (1996), Leveling Crowds: ethnonationalist conflicts and collective violence in south Asia.
While the first of these is a sort of longish “policy paper”, the second is a much heavier theoretical
work on crowd violence.
65colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
this pervasiveness of political violence suggests that it functions as a sort of van
Gennepian rite de passage, a ritualised18, tripartite and phased transition. War and
violence effectively operate by dissolving (shatter might be a better word for it)
old group relations and extant boundaries, while simultaneously helping to
create new ones. They alter many of the social and cultural statuses people held.
And they do so by reducing the complexity and multidimensionality of previous
identities to just one, for example the sought after “national identity”.
Moreover, they lay the groundwork for new solidarities and innovative
ideological constructions, as much as for new deep-seated hatreds and all too
often irreversible personal and ideological reshufflings. They shatter a world but
build another. Characteristically, this jump from a “preliminary phase” into a
“postliminary” one, from one societas to another, is achieved by means of a
communitas, a sort of conceptual no-man’s land in which symbolic inversions of
all kinds prevail. Quite often this assumes the shape of a violent interim (let me
call it that), which, as in many liminal phases of initiation rites the world over, is
permeated by blood, pain, chaos and destruction, general suffering, sacrificial
acts of often nameless brutality and gore, even personal martyrdom.
The performative efficacy of these processes, their illocutionary force, if you
will, is often consciously recognised and ideologically processed, as it were, by
the social actors involved themselves. In nationalist discourse, for example (and
Clifford Geertz’s classic study19 on the 19th century Balinese Negara, in what is
now Indonesia, clearly brought that out), war, violence and brutality are quite
often especially prized as strongly positive forces. They are construed by the
social actors themselves as privileged means pragmatically and programmatically
used in order to regenerate and “purify”, or “clean”, the thereby created “nation”,
as Nazi images of “social hygiene” and Serbian or Croatian ones of “ethnic
cleansing” so graphically display as portraits of horror.
18 For a wonderful, if rather surrealistic, interpretation of the global spread of such a transitional
role for ritualised public violence involving profuse blood and gore in the globalising world of today,
see Arjun Appadurai (1996: 139-157), in a chapter suggestively entitled “Life after primordialism”.19 Clifford Geertz (1980), Negara: the theatre State in nineteenth-century Bali.
66 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
To return to our starting point of identity politics, it seems clear that such
processes of violence are also forces which act decisively on both individual and
group notions of identity. And at these two levels too, the study of detailed East
Timorese cases would surely be instructive. Instructive, moreover, both in relation
to the links between violence and identity reconstruction among victims, and in
terms of this same connection for perpetrators. As has often been noted, war and
violence not rarely lead vulnerable individuals and weak and insecure minority
groups to dissimulation and identity transformations and even more creative20
identity inventions.
This should come as no surprise, particularly in cases in which identity
categories are less “fixed” and were less subjected to administrative “simpli-
fications”, since these are obviously cases in which identities tend to be most
flexible. In other words, and rather bluntly: in situations of extreme insecurity
(when, say, people want to avoid being hurt, killed or deported) those who are,
or feel themselves to be, in more marginal, peripheral positions in relation to
dominant powers, tend to make their identities fluid and readily changeable. In
some cases, this entails more or less complex strategies of dissimulation, deceit
and plain lying. In most cases, simple mimicry, political, religious or ethnic, does
the trick. They keep dependent, non-dominant, people alive. The pertinence of
this type of analytical framework to unveil and comprehend many of the events
in East Timor is surely obvious.
In order to go a bit further into this topic, allow me to zoom in on a
somewhat greater detail, using a greater ethnographic resolution as it were. As
could be expected, more often than not it is those with the more flexible
identities, those who display a less unitary and more ambiguous identity, who
are most likely to go for such radical solutions. For example, groups which are
politically or numerically marginal in relation to dominant power structures, such
20 An exemplary case of this is that detailed by G. Duijzings (op. cit.: 132-157) in a chapter
entitled “The making of Egyptians in Kosovo”. The tale refers to the sudden claims of a (Muslim)
historical identity by some Gypsy groups under threatening pressures in Kosovo; such a rapid
identity construction was complete with collections of traditional songs, dances, a crypto-history,
etc. Through the local media, a new “ethnic group” was thus born.
67colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
as remote rural minorities, frontier ones, and poor or disempowered people.
Religious conversions, ethnic realignments, assimilation and integration, political-
-ideological alliance shifts, or simply lying low and voicing loyalty to dominant
groups, are common survival moves. East Timor, unfortunately, should provide a
good test ground for these general considerations. “Nominal alignment with
those in power”, as an already cited Dutchman, Ger Duijzings (op. cit.: 36) nicely
called it, is widespread, and rapid changes in political allegiances (at least
outward ones) are only to be expected in such situations of gross21 power
inequalities.
A few general comments follow in an attempt to weave together a few of
the strands I have tried to delineate. In East Timor, as elsewhere, the type of
chronic fluidity and identity “indetermination” I have repeatedly alluded to, will
most likely remain until political, military, economic and legal conditions of
security and stability are established. Then, and only then, can a “nationalist
reduction” (if that is what is desired) be realised, or at least started. And then it
will have to counter centrifugal “multilayered citizenship” forces induced by
cosmopolitanism associated with globalisation; always risking, of course, thereby
dialectically giving rise a sort of “cultural fundamentalist” backlash.
To look into such slow processes of reduction and “crystallisation”, to ascertain
causal mechanisms for both the extant flexibility and for its progressive erasure
(if that is indeed what will happen), are surely fascinating themes, urgently to be
looked into during the next few years. More than about just the East Timor case,
these could be revealing studies as to the geographically much ampler ongoing
political processes which self-determination and globalisation are increasingly
laying on our table.
21 In a wonderful study of a village in contemporary Malaysia, James C. Scott wrote an entire
monograph about local strategies of resistance and the attendant reformulations of identities in
precisely this type of situation.
68 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
5.
Retaking in a wider context what I initially underlined: it is in the enormous
Southeast Asian region, so diverse and multidimensional but at the same time so
unitary, that Timor can be found, itself not too cohesive an entity. A part of a
larger island, East Timor lies right at the extremity of the long Indonesian volcanic
arc, at the edge of its southernmost and easternmost corner where Southeast
Asia is confined by the great islands of New Guinea and Australia. Timor Loro Sa’e,
as a large section of its inhabitants nowadays seem to prefer to call it, is at one
and the same time an integral part of Southeast Asia yet distinguishable from it.
Paradoxically, it is, simultaneously, a zone with obvious affinities with the wider
and partially adjacent region made up by the east of the archipelago we
conventionally call Indonesian, and an entity clearly distinct from its neighbours.
The extant affinities are ethnolinguistic, sociocultural, historic, geographical-
-ecological. From many points of view, East Timor is portrayable as a piece of a
wider puzzle, say, an Indonesian one. But nothing hinders our picturing it as an
entity, the specifics of which could make it preferable, and even easier, to allow
for its association with other eventual sets. Its internal diversity compounds the
matter, which means that, ultimately, there are in effect many a priori ways of
creating a viable type of “national identity” for East Timor, as recent History has
painfully shown us22.
This should make my next point clear. After what was indicated in relation to
the ongoing processes of identity and nationalism formation in East Timor, I
22 As I had the opportunity of stating in detail elsewhere (Armando Marques Guedes , 2001, op.
cit.) none of this is particularly surprising, exceptional, or even difficult to understand. In a region
which exhibits the complexity of Southeast Asia (a complexity, as I underlined, induced as much by
external pressures as by internal forces), this type of distinction (or anomaly, as I named it) is far from
uncommon. Quite the opposite. There are other cases (the Philippines, Vietnam, or Burma, for
example), which for one reason or another, or by virtue of a combination of them, are in structurally
equivalent situations of relative eccentricity as pertains to the regional entities we may want to
constitute. Cases in which, therefore, other types of national identity could be invented. Timor is by
no means, at that level, anything but one of various examples in a set (Southeast Asia) which is rather
diffuse as a result of its relative lack of a linear notional cohesion.
69colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
cannot but ascertain with vehemence that to put forward those ambivalent
characteristics of the nature itself of the entity we call Timor Loro Sa’e is much more
than expressing an abstract scientific curiosity. And certainly more than enouncing
assertions with only a methodological reach. It is, so to speak, a practical question
of handling. In any case, it is definitely not my intention here to formulate any
obscure theoretical problems. But only to try to understand and to learn. My point
is simply to underline that, as far as Timor is concerned, there are structural
dimensions and characteristics of it as an entity which I deem to be crucial for us
to equate if we really want to understand much that has happened, much that will
certainly still happen, and surely a great deal of what the future has in store for us.
And, above all, if we intend to act wisely upon its destinies, this is where the
learning comes in. We should note, at any rate, that it has been precisely on the
basis laid within the framework of such an ambivalence that the regional and
political indissociability of East Timor has come to be advocated. It was precisely
that complexity which subtends the model and frame of the coordinates upon
which the assimilationist, putatively “anticolonial”, Indonesian theses have built
and elaborated. And it unfortunately still is. It was on that very “board” (and the
rules of the game which it defines, or at least circumscribes), that the notorious
“integrationist” pretexts of the militias were fabricated and that many drier
academic discourses have been construed23. The material effectiveness of those
other possible theses (their political reach, for instance) dispenses with any
comments.
Happily, and like all ambivalences, this one too has two sides, two faces. So,
for example, by virtue of the extant patent anomalies it exhibits, it has also always
23 For instance, the very interesting article by Arend de Roever (1998), “The partition of Timor:
an historical background”, in (ed.) Maria Johanna Schouten, A Ásia do Sudeste. História, cultura e
desenvolvimento: 45-56, Vega. Against a background of an assumed full sociocultural continuity
between East Timor and West Timor, de Roever deconstructs the (temporary) partition of Timor as
a conjunctural strategy of the Portuguese and the Dutch in the mid-19th century; both powers were
then betting on the very profitable control of the sandalwood commerce and on simultaneously
maintaining a level of peaceful coexistence between themselves. For an excellent historical (but also
political) introduction see Luís F. Thomaz (1975), O problema político de Timor, Pax, Braga.
70 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
been possible to argue with a great deal of elegance and all too often against the
current24, that it is only with a lot of taxonomic juggling that Timor could be
conceived as party to Indonesia. And that this was exactly the barrier which
effectively rendered its permanent annexation unimaginable to the Indonesians
themselves. It is easy to verify the extent to which this conceptualisation,
complementary as it is in relation to the earlier one, has also produced non-trivial
political (and other) outcomes. As quickly as they had emerged, any images of
loss, or “amputation”, resulting from the autonomy of East Timor submerged (or so
it seems) in Indonesian public opinion. I do not think the material inefficacy of
ideas which are not watertight requires great efforts at demonstration.
To come back to the issue of East Timor’s growing sense of national identity.
Much as is the case everywhere in relation to that wider set today conventionally
called Southeast Asia, the identity of East Timor can be generated25 by means of
two different types of a conceptual operation. In a descending order, we can try
to “discover” East Timor within the larger whole made up by Southeast Asia,
somehow finding it as one of its natural units. Or instead we can, in an ascending
order, “invent” East Timor by adding elements initially different from one another,
and then integrating them into a unified structure. These twin processes are,
ultimately, complementary. They are indissociably paired up; and, in all probability,
that is how they will stay for a very long time.
24 Benedict Anderson (2000), “Imagining East Timor”, Cepesa Working Papers 2: 1-9. A short and
brilliant article, in which Anderson fishes out, from various speeches and declarations of Indonesian
authorities and media, what he sees as a radical incapacity of the Indonesians themselves to
conceive of “East Timor” and “Indonesia” within a unified conceptual framework which could thereby
anchor nationalist representations which would be, from my point of view, in a stable equilibrium.
I would like to stress that to enounce conditions of thinkability (as I here attempt to do and as I
believe B. Anderson and K. N. Chaudhuri, from other perspectives, also did) by no means spells a
form of idealism. On the contrary, and since all human actions can be characterised as accompanied
and enformed by conceptual representations which are precisely what gives them meaning, I think
we are following a more realistic and efficacious strategy than if we ignored this dimension.25 See K. N. Chaudhuri, (1990), Asia before Europe. Economy and Civilisation of the Indian Ocean
from the rise of Islam to 1750, Cambridge University Press: 68, for a discussion of these two alternative
modes of construction of historical objects.
71colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
The first process (the descendent one, the one working inwards) need not
concern us here. As to the second process, it should be noticed that it is an
ongoing construction effort, moving outwards, and one that has been attempted
as a political project by many of the “Timorese” since long before the referendum.
It is a project which amounts to the sedimentation of a people (perhaps the so-
-called “Maubere people”26) from a background of many dispersed, and often
antagonistic, identities. And it is a process which also involves the naturalisation
of this “people”27 as the population of a territory, itself in the throes of a process
of reification as a sovereign State: “Timor Loro Sa’e”. In other words, as a process
it embodies a mechanism in which we try to achieve, in peace and in the internal
descending order, that which the Indonesians did not manage to do through
violence in the external ascending order28. I earlier tried to adduce some of the
conditions under which this second process, the “ascending” one, could be
usefully equated. Will the twin processes prove to be compatible with each
other? Or will they be at odds?
Again, these are political and ideological questions and issues. So I now
want to try to formulate some overall considerations, at once more inclusive and
more speculative. Anderson taught us that, in order to exist, a national community
must first be imagined. What I raised earlier bears obvious affinities to that. What
I think is now essentially at stake is to ascertain if, and how, the Timorese
themselves will be capable of imagining an effective and viable national identity
for that emergent community. Or if, on the contrary, and as has happened before,
26 For the evolution of this vocable and of its semantic field, see Fernando Sylvan (1995),
“Presente e futuro da palavra Maubere”, in (org.) Artur Marcos, Timor Timorense: 181-187, Colibri.27 For a detailed ethnographic and linguistic approach to this question, see Maria Olímpia
Lameiras-Campagnolo and Henri Campagnolo (1992), “Povos de Timor, povo de Timor: diversidade,
convergências”, Estudos Orientais 3: 259-266, Universidade Nova de Lisboa.28 An imminently political question. Benedict Anderson (2000), in a notable article on the
Timorese question in which he applied the theses earlier developed in his Imagined Communities,
faces up to precisely this point. According to Anderson, the main reason for the demise of the
Indonesian military project of annexation and integration of East Timor would be the outcome of the
Indonesian lack of capacity to conceive of Timor as an effective integral part of their country as they
imagine it.
72 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
many alternative ones will be invented and will carry people down the slippery
slope of having to fight for the realisation of their alternative dreams.
The stakes are higher than ever, and tempers are now once again agitated
by the ever so dangerous and self-righteous “sacred mission” ethics of nationalist
imaginings, which carry inside them all the forces of “blood and belonging”. Part
of the drama is that the Timor so far best imagined seems largely to have been
invented (surely in the best of faith) by the Portuguese and by the Catholic Church;
and only then “transferred” to the Timorese, or at least to some of the members
of most of the Timorese elites. The “autochthonous imagination” seems to me to
spend itself largely in a mere esprit de corps produced from head to toe as an
understandable (and hopefully not too temporary) reaction to the unspeakable
brutalities perpetrated during the Indonesian invasion and occupation. But
these local imaginings will sooner or later start asserting themselves, with or
without the consent of the dominant elites. And most probably, if again we allow
History to guide us, they will do so quite quickly and effectively as elites try to
instrumentalise such longings to their own advantage.
Allow me to start by reframing what I have claimed so far in its widest socio-
-political global context. The stubborn and courageous resistance of the Timorese
populations lined up various questions, bestowing on the situation a definite
direction. Portuguese support, after a long interval of vacillation and much toing
and froing29, put them (as well as others of our own making) on the table. The
position of the Catholic Church, although with timings often out of phase with
those of everyone else and by means of distinct types of involvement, oscillated
29 For a critical approach to the successive phases in the activities of Portuguese diplomats in
relation to the occupation of Timor, see Ana Gomes (1995), “Timor-Leste e o imperativo de uma
política de direitos humanos”, Política Internacional 1 (10): 111-121. José Manuel Pureza, Álvaro
Vasconcelos and Carlos Gaspar, have all published some brief notes on the recent evolution of this
diplomacy. The jusinternationalist background of many of the issues raised has been looked into in
a very detailed manner in a doctoral dissertation defended at the Harvard Law School by Paula
Escarameia (1993), Formation of concepts in International Law. Subsumption under self-determination
in the case of East Timor, published by the Fundação Oriente; see also, Paula Escarameia (2001),
Reflexões sobre Temas de Direito Internacional. Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, ISCSP, for
a collection of vivid discussions on connected themes.
73colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
in what I think was not a qualitatively much different way. The international
community, once the essential regional backing (the assent of Australia) and
global blessing (the consent of the United States of America) and backing were
finally assured, forced a solution. So we arrived at where we are now.
What now aligns itself on the horizon is much more local and far more down
to earth. And it can most easily be formulated as a series of questions. Questions
that all, somehow, directly or indirectly, involve questions pertaining to the
construction a Timorese national identity. Allow me to list but a few. Are the
internal tensions and cleavages which exist in Timor reconcilable? Will it be
possible to transform the cauldron into a real melting pot? Is the existing
endogenous diversity amenable to reduction? The lines of fracture visible between
networks of multiple clientelisms (economic, political, local) which are difficult to
render compatible, among diverse ethnolinguistic units (no matter how diffuse
these may nowadays be) whose intercommunication is anyway not easy, among
enemy and long resentful political-ideological groupings (some of them old, but
many new), between ex-militiamen and the rest of the population, between
“active resistance fighters” and “passive civilians”, between those who stayed and
those who left, among generations, between a State and a Church with competing,
albeit understandable, hegemonic propensities – can all these potential
antagonisms actually be repaired, or at least somehow corrected or tamed? Will
an East Timorese national identity emerge out of all this? Is it “the Maubere
people”, or will the name be kept for a wholly new reality? And, if so, at what
price? And by what means?
Questions, preoccupations or problems such as these are not new, nor are
they specifically East Timorese or Southeast Asian. In many ways, I repeat, they
curiously resemble conjunctures present in the Balkans, namely in ex-Yugoslavia,
or in ex-Portuguese Africa; and, more precisely perhaps, I insist, in Kosovo where
(without wanting to put any emphasis on too close a match, which is obviously
not there) such apparent irreducibilities also make themselves felt. Although the
East Timorese issues clearly have some typical Southeast Asian specifics which
should clearly not be overlooked, all things considered, national identity-
-construction in East Timor is, hopefully, perhaps still a more malleable endeavour.
74 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
At any rate it is not easy to make any predictions as to future developments.
Not only because the situation is a fast-changing one, a moving target of sorts,
but also because it is up against a series of worrying recent happenings, some
disquiet is surely justifiable. Eric Hobsbawm reproduced, back in 199230, an
extraordinary quip of Massimo d’Azeglio, voiced right after the successful 19th
century Garibaldi-led unification of what is today Italy: “We have made Italy. We
must now make Italians”.
It eventually worked, even if only after some serious accidents along a
turbulent road. We can only hope that in this case it will too, and better.
30 This justly famous quotation, unearthed by Eric Hobsbawm, and which has made its way into
the context of contemporary studies on nationalism, was repeated by John Comaroff (1996: 176) in
a famous article on ethnicity and nationalist constructions with the title “Ethnicity, nationalism, and
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79colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
1.
Embora seja minha intenção que as coisas que aqui digo1 valham por si só,
a presente comunicação integra-se numa série. Uma sequência de considerações
ainda em construção, por assim dizer. Um conjunto encadeado de esforços para
lograr compreender algumas das dimensões conceptuais de um dos sistemas de
representações colectivas (aquelas que de maneira genérica nos habituámos a
apelidar de “nacionalistas”) que subjazem a emergência de um Estado timorense
que possa vir a revelar-se como sendo uma entidade politicamente2 viável.
Em Fevereiro de 2002 publiquei na Lusotopie, em Paris, um curto artigo em
que tentei equacionar as condições formais para a “pensabilidade” (como então
lhe chamei) de Timor-Leste enquanto entidade dotada de uma relativa autono-
mia. Comecei por aí pôr em evidência e escrutinar a circunstância, curiosa para
dizer o mínimo, de que tanto as alegações “integracionistas” pró-indonésias (as de
timorenses e as de indonésios) como as invocações “independentistas” clamadas
na ex-colónia portuguesa, tenham ido buscar (e tenham conseguido encontrar)
uma forte dose de fundamentação a nível das especificidades socioculturais leste-
A complexidade estrutural do nacionalismo timorenseArmando Marques Guedes*
* Faculdade de Direito, Universidade Nova de Lisboa. Uma comunicação apresentada no ISCSP,
na 1.ª Conferência Internacional sobre a Ásia do Sudeste, em Outubro de 2003.1 Agradeço a Nuno Canas Mendes pela leitura cuidada e pelas achegas pormenorizadas que
me deu no que toca à elaboração deste artigo.2 E apenas a esse nível político e, nele, tão-só enquanto condição interna de possibilidade; ou
seja, em termos da sua coerência enquanto ideia e da sua compatibilidade com outros sistemas de
ideias em cujo contexto é formulada. A exequibilidade política externa de Timor Leste é uma
questão largamente separada. Tal como o é, também, a capacidade económica de sobrevivência do
Estado e do projecto timorense. Como é óbvio, outras condições internas haverá, para além desta:
político-ideológicas, religiosas, administrativo-racionais, etc., que se conjugam enquanto outras
tantas condições de possibilidade de um state-building eficaz.
80 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
-timorenses. Atribuí então essa aparente incongruência à natureza fluida da
delimitação nocional externa de entidades tão vagas e difusas como a chamada
“Ásia do sudeste” ou a intitulada “Indonésia”, que ora permitem pensar Timor com
uma parte integrante desta última, ora nos deixam, com igual fundamento,
imaginá-lo como dela dissociado. Em Setembro de 2003 saiu, numa publicação do
Pearson Peacekeeping Center, no Canadá, um outro trabalho, no qual propus um
curto rasteio de alguns dos constrangimentos externos e internos que formatariam
as construções ideológicas nacionalistas no novo país; construções essas, defendi
então, que, a traço grosso, dão corpo e delimitam substâncias a essa autonomia
formal e virtual3. Sublinhei, nesse segundo passo, o papel que algumas noções
culturais enraizadas, a violência, e a cristalização pelo Estado de uma identidade
fixa, têm tido, sobretudo nos anos logo antes da independência, na configuração
das construções nacionalistas que têm aflorado entre os timorenses.
É um dos objectivos da presente comunicação dar uma achega suplementar
nesta mesma direcção. No intuito de tornar claro o meu objectivo no que se
segue, talvez convenha, porém, reformular por outras palavras o que acabei de
circunscrever. O que aqui irei tentar fazer é pouco mais do que um aprofun-
damento daquilo que tentei no último dos dois artigos que sobre o tema escrevi.
Enumerados os constrangimentos formais internos e externos que dariam corpo
a uma qualquer sua substância, urge agora continuar a configurá-la internamen-
3 Por forma a melhor contextualizar o que aqui me proponho dizer, vale a pena começar por
reiterar de maneira mais precisa aquilo que então escrevi. No meu primeiro artigo sobre o tema,
delineei um quadro ideacional em que uma noção como a de “Timor Leste” é construível. A linha de
raciocínio que segui partiu do geral para o particular. A pensabilidade formal de Timor enquanto
entidade nacional (e nocional), argumentei então, reduz-se a apenas uma mera virtualidade, uma
forma vazia, até que um conteúdo substantivo a torne actual. E os conteúdos que dão actualidade às
formas potenciais do nacionalismo em Timor, insisti no segundo artigo que depois redigi, são aqueles
que por um lado a “cultura” sudeste asiática dos timorenses “põe na mesa”, por assim dizer; por outro
lado, juntam-se-lhes aqueles outros que a progressão histórica particular da luta político-militar, a
violência e as exigências do Estado (sobretudo nos últimos anos) em que eles se viram envolvidos foi
alicerçando e foi, tijolo a tijolo, construindo. Nada de muito ousado, como se pode verificar. Antes um
esforço sustentado de ir dando substância e corpo a uma série de considerações relativas ao processo
empírico de construção local de uma imagem sociopoliticamente procedente de Timor.
81colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
te; ou seja, há que tentar pôr em evidência as diversas linhas de força tanto
formais como substanciais internas; linhas de força, estas, que impõem uma
composição e uma estruturação próprias a quaisquer substâncias de um minima-
mente convincente (no duplo sentido de intelectualmente coerente e de politica-
mente defensável) discurso nacionalista timorense.
A minha estratégia é simples: inclui dois salvos e alguma coloração dos
panos de fundo. Irei começar por uma delineação da genealogia de alguns dos
elementos constitutivos e dos enunciados de base, do nacionalismo timorense.
Por genealogia entendo aqui apenas uma seriação temporal de ideias e de
alinhamentos ideacionais nodais, importantes na progressão sequencial da mon-
tagem-gestação do nacionalismo. Passarei depois à sua arquitectura. Por isso
quero fazer alusão à textura dessas ideias e figuras e ao arranjo-edificação desses
nós que as entreligam4. Concluo com uma série de sugestões quanto ao
faseamento dos seus regimes de funcionamento, que vejo como estando parcial-
mente encadeados mas em parte sobrepostos uns nos outros.
4 Genealogia e arquitectura são, evidentemente, termos utilizados por Michel Foucault. Uso-os
porém aqui num sentido mais próximo do de Paul W. Kahn (1999: 91ss). Mas faço-o com algumas
diferenças. Segundo Kahn (ibid.), genealogy traces the history of the central concepts of [an] order;
enquanto, pelo seu lado, architecture looks at the structure of those concepts and their relationships to
each other. Concluiu o A. que together they take up the problem of the “historical a priori”, in its double
aspect of contingency and necessity – the historically contingent, conceptual conditions of our experience.
Conquanto concorde com esta conclusão, parecem-me excessivamente formalizadas as definições
que Kahn propõe para os conceitos operacionais de arquitectura e genealogia. Equacioná-los com
“história” e “estrutura”, como Kahn acaba por fazer, redunda numa substituição puramente
terminológica e gratuita, que acaba por enfermar de petições de princípio como, por exemplo,
insistir que o estudo da “história” levada a cabo pelo genealogista permite iluminar a história; e
salda-se por um retorno a uma forma de estruturalismo que supõe-advoga uma produção em última
instância bastante “mecânica” dos significados (meaning, na linguagem fenomenológica geertziana
de P. Kahn). Prefiro aqui uma abordagem menos formal e que abra caminho a uma pragmática.
82 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
2.
Muito indicativamente, tentarei traçar algumas das linhas de força dos
processos de sedimentação de ideias e ideais nacionalistas em Timor-Leste.
Começo pela genealogia. Farei apenas alusão a três séries de “formatações”: uma,
sociocultural, outra político-militar-administrativa, e uma última religiosa. Como é
óbvio, tais conformações só analiticamente são separáveis. Em boa verdade
interpenetram-se. Para além disso, o facto de irmos no que se segue tratar de
uma mera genealogia não é inconsequente; não está aqui em causa propor uma
qualquer história: a finalidade é antes a de sugerir agrupamentos, muitas vezes
bastante avulsos, de constrangimentos, que emergem em séries mais ou menos
ordenadas.
Primeiro, então, a série sociocultural. Muito sucintamente, quereria limitar-
-me a pôr em evidência alguns nexos de representações e de formas organizacionais.
Começando por um conjunto de asserções: os discursos nacionalistas ancoram
em Timor, por via de regra, em imagens locais e tradicionais, em valores e constru-
ções simbólicas pré-existentes, apesar de o formato em que se cristalizam ser o de
um fenómeno moderno, estreitamente ligado ao Estado: de outra maneira dificil-
mente seriam entendidos pelos actores sociais5. As formulações tendem a induzir
sentimentos de pertença através de recurso a laços locais fortemente
“naturalizados”: na Ásia do Sudeste tais laços estão por norma relacionados com
família, parentesco, co-residência, casas, localidade, local de origem6, ou identida-
de religiosa, para apenas nomear algumas das coordenadas habituais. As fortíssimas
5 Uma evidência abundantemente enunciada. Vale no entanto a pena a leitura, quanto a este
ponto, do artigo de José Manuel Sobral (1999) sobre a adequação e o “afeiçoamento” (o termo é
meu) socioculturais exigidos pelas formulações nacionalistas. Importa sublinhar que o objecto do
estudo de J. M. Sobral é a retórica do nacionalismo português e não a do timorense.6 Algumas das referências bibliográficas mais básicas quanto ao uso metafórico de um concei-
to alargado de “casa” e “espaço” (ou “território”) no sudeste asiático incluem inevitavelmente a
colecção de ensaios em (ed. C. MacDonald (1987) e aquela outra em J. Carsten e S. Hugh-Jones
(1995), ambas no seguimento de um insight de C. Lévi-Strauss. E. Traube (1986), na sua monografia
sobre os Mambai, para nos atermos a um exemplo apenas, demonstrou a aplicabilidade de modelos
destes para o caso de Timor Leste.
83colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
emoções induzidas pela oratória do nacionalismo são, entre os timorenses, carac-
teristicamente instigadas por alusão retórica a estas ligações interpessoais e
imagens colectivas partilhadas. Trata-se de representações cujo tónica está colo-
cada em ideias de uma “consanguinidade”, ou de uma “consubstância”, metafóri-
cas, em imagens de “fraternidade” ou de “companheirismo”, em invocações de
uma ascendência e de uma origem ou localização espacial comuns.
No extremo oriental do arco insular indonésio, associam-se muitas vezes a
estas imagens, esquemas conceptuais e enunciados retóricos que subtendem
formas políticas assaz sui generis. Vale a pena salientar algumas delas. De um
ponto de vista organizacional, grupos e territórios estão inextricavelmente liga-
dos7. As formas de aliança matrimonial preferenciais são muitas vezes variações
sobre o tema do chamado “casamento de primos cruzados matrilaterais”, um
estrutura assimétrica de trocas que ordena hierarquicamente os grupos sociais
que por essa via e desse modo se interrelacionam entre si8. O patrilinearismo (aos
níveis dos traçados de linhas de descendência, de herança, e de sucessão no
provimento de “postos”) tende as ser marcado. As relações inter-grupais são
muitas vezes tensas e vêem-se não raramente pautadas por períodos de caça
recíproca às cabeças, uma actividade ritualizada e pontuada por pactos de paz
que reorganizam o espaço sociopolítico supragrupal9.
Não será assim surpresa verificar que, em Timor Leste, a “nação” parece ser
concebida como uma espécie de “participação numa casa”, na qual “irmãos mais
7 Quanto a aspectos do entrosamento entre linhagens e espaço e, em termos mais genéricos,
entre parentesco e territórios, ver I. C. de Sousa, 2001: 187-188. Também nisso, o caso timorense
reflecte ressonâncias bem mais gerais na Ásia do Sudeste.8 Um tipo de alianças matrimoniais primeiro estudado por C. Lévi-Strauss e depois por E. Leach
e R. Needham. Porventura o diacrítico nesta assimetria é o facto de que um agrupamento nunca
compensa, em termos de reciprocidade, aquele outro agrupamento que lhe dá qualquer coisa:
envolve antes pelo menos um terceiro grupo, criando assim uma comunidade de troca mais
alargada. S. Forman, no seu estudo sobre os Makasae (1980), mostrou a aplicabilidade de modelizações
deste tipo para Timor Leste; como, aliás, também o fez J. Guterres (2001). Ambos focaram a
“ideologia de troca” que estes arranjos matrimoniais produzem.9 Cf. J. Hoskins (1996), designadamente o artigo de A. McWilliam (op. cit.: 127-167) sobre a caça
às cabeças no sudoeste da ilha de Timor.
84 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
velhos e mais novos”, ou “companheiros” (de acordo com uma maneira difusa e
sui generis de conceber relações inter-pessoais que é comum no sudeste asiático,
que envolve ideias subjacentes de alguma reduplicação simbólica), “vivem jun-
tos”. Esta unidade, por sua vez circunscreve uma entidade sacralizada, em torno
da qual, em actos e processos rituais, se posicionam e articulam processos
intersubjectivos (mas cujo reconhecimento tende a ser muitíssimo consensual)
de identificação e pertença. Em muitas das várias tradições locais leste-timorenses,
a construção de laços sociais está centrada precisamente em conexões metafó-
ricas deste género.
Deixo para mais tarde ilações quanto aos modos em que estes traços
característicos se conjugam. No entanto, as implicações genéricas de tudo
isto são, creio, óbvias. O potencial de apropriação, pela retórica político-naciona-
lista dos movimentos, dos partidos e do Estado, destas ligações e destes
dispositivos, socioculturalmente tão bem implantados, não carece de demons-
tração.
Passemos agora à série político-militar-administrativa. Mais uma vez, aten-
do-nos tão-só a nexos e imagens. Começo pela administração local. As “auto-
ridades tradicionais” timorenses estão por via de regra organizadas segundo
hierarquias estreitas daquilo a que Ivo Carneiro de Sousa chamou uma patrimo-
nial domination, um arranjo que equaciona grupos com territórios. No topo
da pirâmide estão os liurai, chefes territoriais, em seguida os leo, os chefes
das “aldeias”; todos são dato (“chefes”). Este système à emboîtement hierár-
quico foi instrumentalizado pelos poderes coloniais. Com pouca mão-de-obra
para o exercício do poder colonial, de acordo com Carneiro de Sousa, the
Portuguese (indirectly) “ruled” with the configuration of traditional lineage
powers within the societies of Timor’s peoples10. E fizeram-no através de militares.
Tratou-se de uma tutela indirecta que não deixou de ter consequências. Por
um lado, articulou as chefaturas locais com uma estrutura bem mais ampla. E fê-
-lo de uma maneira que não podia deixar de alargar horizontes. Num famoso
Decreto, datado de 17 de Junho de 1909, a Coroa portuguesa decidiu sedimentar
10 I. Carneiro de Sousa, 2001: 190.
85colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
o seu controlo indirecto estabelecendo uma série de correspondências formais:
o Decreto traduziu lurahan como “reinos”, pô-los a par de “concelhos” e equiparou
os liurai como “coronéis”. Traduziu suku como “grupos de aldeias”, os sucos, e de
acordo com a tradição administrativa portuguesa entreviu-os como “distritos”,
equiparando os dato locais respectivos como “majores”. A um nível mais baixo,
enfim, chamou “aldeias” aos leo, viu-os enquanto “paróquias”, e atribuiu aos dato
menores que as chefiavam a patente honorífica de “capitães”. uma co-optação
bastante completa, para dizer um mínimo; e uma espécie de “anexação nocional”
que não podia senão desembocar na transmissão de ideias que subtendiam uma
integração política supralocal11. Porventura em ligação com o suplemento de
poder e legitimidade logrados por articulações deste tipo, muitos foram os
membros das elites tradicionais timorenses que ingressaram nas Forças Armadas
portuguesas.
Durante muitos anos, a administração militar colonial timorense esteve nas
mãos de oficiais provindos das colónias portuguesas de África, nomeadamente
de Moçambique; muitos dos soldados eram de origem africana. Os anos 60 do
século XX viram chegar a Timor uma nova leva: oficiais muitas vezes conotados
com a oposição (“gente do reviralho”, como então se dizia) foram colocados em
Timor, quantas vezes com as respectivas famílias; uma espécie de exílio soft. Foi
numa publicação militar portuguesa, a Revista do Comando Autónomo Provincial,
que os primeiros textos “proto-nacionalistas”, muitas vezes escritos por membros
das elites timorenses, começaram a aparecer. E não foi tudo. Numa versão avant
la lettre da “dinamização cultural” que no decénio seguinte (os anos 70, que tão
complicados se viriam a revelar) iria tornar-se em veículo de eleição, os militares
portugueses colocados em Timor empenharam-se em organizar e realizar por
11 Ou seja, uma integração política a um nível de inclusividade e com uma abragência até aí
inexistentes na ilha. Como escreveu I. C. de Sousa (2001, op. cit.: 189), in the case of East Timor, we
rarely find permanent indications of territorial, supra-local states before the 18th-19th centuries, when
the construction of the State starts to constitute an invex stment continuously dominated by portuguese
colonization, both through its capitaincies, race mixing or missionary work, and also with alliances and
vassalage of the traditional territorial powers.
86 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
toda a ilha “caravanas artísticas”, portadoras de “espectáculos musicais” itinerantes
e de profusos eventos desportivos12.
Ao mesmo tempo, a abertura de algumas vias de comunicação (as primeiras,
ainda que poucas, verdadeiras estradas só apareceram na ilha com a ocupação
japonesa, encetada em 1942) ia fazendo das várias regiões de Timor entidades
cada vez mais experienciadas como partes de um todo. Um novo idioma, o
português, tornou-se numa nova lingua franca para as elites. A escolaridade,
ainda que restrita a só alguns, redundou em novas perspectivas, muito mais
inclusivas. Os estudos antropológicos levados a cabo por António de Almeida, A.
A. Mendes Corrêa e Ruy Cinatti, ofereceram aos mais instruídos não só imagens
de fortes denominadores comuns entre os locais, mas até um vocabulário para os
articular e reificar13.
Com a ocupação japonesa, com o acordar da administração portuguesa
com as lutas anti-coloniais que, a partir dos anos 6014, abanaram os alicerces
do Império, mais tarde com a ocupação indonésia, as suas estradas e as suas
escolas, o processo de auto-identificação foi-se tornando mais profundo e
muitíssimo mais abrangente. O resultado não será surpreendente. Como nou-
tro contexto escreveu Benedict Anderson, com tudo isto aconteceu o inevi-
tável: “a profound sense of commonality emerged from the gaze of the colonial
12 Para estes processo ver, por todos, I. Carneiro de Sousa, 2001, op. cit.: 190ss. O A. insiste,
muito bem a meu ver, no papel das Forças Armadas portuguesas que, deste modo, created sociability
entre territórios e populações até então isolados uns dos outros, e muitas vezes inimigos cujos
relacionamentos eram por norma truculentos ou cautelosos.13 É de sublinhar que estes estudos e, num sentido forte, estes denominadores comuns e estas
imagens, começaram a sua cristalização em finais do século XIX e inícios do XX, e explodiram na
“cena pública” nos anos 30, no contexto da polémica físico-antropológica relativa à composição
étnica de Timor (ao redor da identificação-validação de crânios de timorenses depositados no
Museu da Universidade de Coimbra) em que contracenaram um académico, João G. Barros e Cunha,
e dois militares, os oficiais milicianos Pinto Correia e Leite de Magalhães.14 Com algum humor, I. C. de Sousa, 2001, ibid.: 184) referiu o facto de que only during the
late 1950’s was it possible to identify “serious” economic, administrative, social and cultural invest-
ments. Continuou este A., aludindo à circunstância de que só com a invasão de Goa, em1961, a
intervenção portuguesa em terras de Timor ter incluído a educação e aquilo a que chamou “indus-
trialization”.
87colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
state”15. No caso de Timor, melhor será dizer que emergiu do olhar e da acção-
-actuação dos sucessivos Estados coloniais. Um facto que a vitimização
indiscriminada às mãos de tropas de ocupação indonésias que insistiam em ver
os timorenses como “leste timorenses” apenas veio confirmar com selo de ouro,
por assim dizer.
Finalmente, viro-me para a série religiosa. Mais uma vez de maneira sucinta
e tão-somente indicativa. O papel da religião na progressiva cristalização daquilo
que viria a tornar-se numa “unidade nacional” em Timor não é surpresa para
ninguém. A Cristianização, efectivamente começada pelos Dominicanos a partir
do século XVIII, foi decerto crucial tanto para a criação de imagens de fraternidade
e de comunalidade, quanto para a “coagulação” concreta de uma cada vez mais
coesa comunidade supralocal.
Não cabe na economia deste artigo muito pormenor, mas os números falam
por si. Em 1975, eram estimados em 30% os Católicos timorenses. Em 2001, na
altura do Referendo, a percentagem tinha aumentado para 90%: uma óbvia
reacção identitária face a um poder indonésio, visto como de base islâmica, que
desde cedo assumiu uma postura ambígua em relação à religiosidade dos
timorenses. O Vaticano soube ser exímio no manuseamento da conjuntura: a
Igreja Católica insistiu, por um lado, no estabelecimento de uma tutela directa
sobre o Bispado (de início era apenas um) de Timor, torneando assim uma Igreja
indonésia enfeudada ao regime de Jacarta. Por outro lado, a eficácia da decisão
eclesiástica da instauração do tetum como língua litúrgica em todo o território (e
não do bahasa nem das muitíssimas línguas locais) dispensa comentários; para
além de, por fim, ser imprescindível referir a notável e corajosa postura agregadora
sempre assumida por D. Ximenes Belo e pelo grosso da hierarquia católica dentro
e fora de Timor. A famosa visita papal de João Paulo II à ilha, com todo o cuidado
que expressou em termos de comissões e omissões, simbólicas mas transparen-
tes, sublinhou o já óbvio.
15 Benedict Anderson, 2001, op. cit.: 238. De algum modo, neste frase está encapsulada a leitura
fascinante que Anderson levou a cabo, sobre a construção semiológica dos nacionalismos pelos
poderes coloniais.
88 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Para além desse impacto directo, a religião preencheu também indirecta-
mente funções a um nível bastante mais abstracto e nocional através, por
exemplo, de ligações e ressonâncias “cosmológicas”, chame-se-lhes isso. E,
ainda, a nível institucional mais avulso. Nestas conexões são de particular impor-
tância as imagens de sofrimento, de transição e de regeneração16 a que fiz já
referência. No plano institucional, há que dar o lugar e o papel devidos a
entidades como as Confradias da Sagrada Família, e à Ordem Salesiana, na
formatação de uma consciência nacional em Timor. Tal como, aliás, há que
reconhecer uma importante função integradora preenchida por comunidades
timorenses na Diáspora, nomeadamente as implantadas em Portugal e na Aus-
trália. Num trabalho escrito em meados dos anos 90, sob minha orientação
científica, um investigador chegou à conclusão, tão bem fundamentada como
notável, de que a imagem de um Timor independente acarinhada pelos jovens
timorenses instalados no Vale do Jamor e na “outra banda” (uma imagem então
meramente especulativa) se aproximava bastante dos ideais nutridos pelas for-
mulações “teológicas” dos Salesianos quanto às “comunidades cristãs primiti-
vas”17.
3.
Deixem-me largar agora a genealogia e passar à arquitectura. Começo por
embrenhar-me na textura (talvez melhor na arrumação interior) deste naciona-
16 No que diz respeito a transições, é útil a leitura de R. Ileto (1979), sobre a religiosidade
popular e os movimentos políticos nas Filipinas, e nomeadamente o papel aí preenchido pela
encenação pública de “dramas litúrgicos” pascais que davam “realidade” ao texto tagalog da Pasyon
Pilapil, disponibilizando, aos assistentes e leitores, imagens de destruição, transição e regeneração
por recurso à vida e morte de Jesus Cristo. Tornando assim pensável a mudança estrutural, o que
depressa foi utilizado por movimentos independentistas como o Katipunan. Para além deste, ver
ainda o notável estudo de C. Geertz (1980) sobre o reino oitocentista em Bali. Nos dois casos,
transições sudeste asiáticas e o papel metafórico preenchido pela maneira como são representadas
são peças centrais da análise.17 A. Marques Guedes, 2002: 3.
89colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
lismo em gestação. Insisti na introdução que, naquilo que diz respeito à delineação
e ao estudo do nacionalismo timorense contemporâneo (e no seguimento do
estabelecimento das suas condições histórico-geográfico-culturais de emergên-
cia), haveria que tentar pôr em evidência as diversas linhas de força, tanto as
formais como as substanciais, internas e externas que impõem à substância dele
uma composição e uma estruturação próprias. O que tentei começar a esquissar,
ou melhor, esboçar, no que até aqui disse quanto à seriação dos constrangimen-
tos que pus em evidência. Quereria agora rapidamente alinhavar tudo isso à
conjuntura académica dos estudos levados a cabo sobre temas afins. Posicioná-
-lo enquanto figura contra fundo de algum modo. É este o contexto, o “meio
ambiente”, em que me parece didacticamente preferível pôr o acento tónico no
que diz respeito ao que chamei a arquitectura das construções nacionalistas em
Timor. Uma vez isso feito, estaremos então preparados para melhor tentar entre-
ver e compreender as condições conceptuais que subtendem a experiência
nacionalista dos timorenses.
Como é que tem sido abordada a questão do nacionalismo timorense? Das
mais diversas maneiras. A delineação analítica desse objecto que é o nacionalis-
mo em Timor tem sido tentada de acordo com vários ângulos de entrada, por
assim dizer; ângulos esses, importa sublinhar, que não são de forma nenhuma
mutuamente exclusivos.
Um bom lugar para começar a fazê-lo é decerto a matriz sociocultural que,
sem embargo das variações locais, os timorenses partilham; não é por isso
surpreendente que muitos tenham sido os analistas que têm vindo a preferir tal
perspectivação. Fizeram-no Elizabeth Traube18, como aliás também Henri e Maria
Olímpia Lameiras Campagnolo19. Outro será sem dúvida a natureza histórica
concreta do processo de produção das formulações nacionalistas em Timor. Peter
Carey, em Oxford, Benedict Anderson, na Universidade de Cornell, John G. Taylor,
18 E. Traube (1986). A monografia de Traube debruça-se sobre a articulação entre as represen-
tações cosmológicas dos Mambai e as práticas rituais com elas ligadas e a sua vida social e política.19 H. e M. O. Lameiras Campagnolo (1992). Muitos outros têm sido os trabalhos publicados por
este casal relativamente a Timor.
90 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Helen Hill e Teresa Ferreras Morlanes, o sueco Gudmund Jannissa, e Ivo Carneiro
de Sousa, são disso exemplos notáveis20.
Como será evidente, pontos de partida diferentes redundam em diferentes
pontos de aplicação para quaisquer análises consistentes. No primeiro caso, o de
uma preferência por desvendar uma fundamentação sociocultural para as ex-
pressões nacionalistas em Timor, cumpre ao estudioso recolher indícios e traves-
-mestras no estudo comparativo sudeste asiático, extrapolando a partir daí. No
segundo, o de uma perspectivação histórico-política quanto aos processos de
construção do nacionalismo, pelo contrário, a busca dever-se-á centrar nas linhas
de força da progressão de um esprit de corps partilhado, porventura primeiro a
nível das elites de Timor, depois ao das populações em geral (a começar pelas
urbanas). No primeiro caso, o sociocultural, convém-nos focar a nossa atenção
num tema e nas suas variações regionais; e, a partir dessas, nas ainda mais
localizadas. Enquanto que no segundo caso, o histórico-político, o que está em
causa é antes o esmiuçar de linhas alternativas de progressão do corpus naciona-
lista e dos eventuais nexos causais e ressonâncias que nelas possamos detectar.
Preferir uma estratégia de descoberta à outra não é uma decisão fácil. Mas
trata-se de uma tarefa a que a maioria dos esforços dos analistas do fenómeno do
nacionalismo em Timor Leste se tem vindo a dedicar. Mantendo em mente as
dificuldades e ambiguidades nocionais envolvidas na distinção entre Timor e o
resto da “área cultural” em que Timor está localizado, é com efeito curiosa (e
compreensível) a constatação de que parecem ser essas as duas perspectivas
privilegiadas: a daqueles que consideram como adquirido que existe efectiva-
mente uma base sociocultural primordial de sustentação do nacionalismo
20 Alguns deles, como iremos verificar, designadamente B. Anderson e Ivo Carneiro de Sousa,
sem embargo de ambos reterem como quadro também a matriz sociocultural local. O trabalhos
destes autores são numerosos e suficientemente conhecidos para me ser escusado aqui citá-los um
a um. Não posso, no entanto deixar de fazer uma alusão especial aos dois estudos de B. Anderson
(1991, 2001), e ao de Ivo Carneiro de Sousa (2001), que referencio em pormenor na bibliografia final,
dada a sua qualidade e importância para o que aqui escrevi. Agradeço também novamente a Nuno
Canas Mendes, pelo acesso que me concedeu ao trabalho de doutoramento que tem em curso
quanto a um tema com algumas afinidades com este.
91colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
timorense; e a daqueles outros que o entrevêem, de maneira mais dinâmica, mas
também de forma linear, como um mero subproduto da progressão histórica
diferenciada e sui generis da vivência dos habitantes do antigo Timor português.
Não deixar espaço para a construção de fundações que permitam uma boa
implantação do edifício teórico dos oponentes é uma velha estratégia retórica.
Convirá decerto detalhar isto que acabei de notar. As inclinações dos estu-
diosos que, no que toca a Timor, sobre estas questões se têm vindo a debruçar
não são, com efeito e como indiquei, de maneira nenhuma unânimes. O ponto
que quero realçar é o de que as distinções, se por um lado resultam de diferenças
nas respectivas opções teóricas dos analistas, por outro lado reflectem predilec-
ções e finalidades alternativas. Cartografar em maior pormenor, com uma maior
resolução de imagens, por assim dizer, a distribuição das preferências exibidas é
instrutivo.
A “força motriz” das construções nacionalistas dos timorenses para alguns
terá raízes no essencial externas, para outros tê-las-á sobretudo internas. Em
termos cronológicos, para uns teria “origens” históricas profundas, segundo
outros tantos seria um produto recente. Há os que vêem na retórica nacional
articulada em Timor Leste pouco mais do que expressão instrumental de agen-
das político-ideológicas (esta é, decerto, a opinião de Henry Kissinger e, mais
perto no tempo, de Howard Wiarda21). Outros há que, em contraste acentuam,
como o fizeram José Mattoso22, Maria José Albarran de Carvalho23 ou Luís Filipe
Thomaz24, as dimensões muitíssimo mais “primordiais” e atemporais que isso,
21 Um professor norte-americano de Ciência Política e político republicano (H. Wiarda foi
Assessor de George Bush em finais dos anos 80 e inícios dos 90), autor de um magnífico Relatório
sobre Timor Leste, preparado em 2002, e resultado de uma curta estada em Timor em meados-finais
de 2001.22 Hoje residente em Timor, numa casa de retiro para religiosos. O artigo a que me refiro, J.
Mattoso (2001), sobre a identidade timorense, está referenciado na bibliografia.23 Idem, M. J. Albarran de Carvalho (2001), num curto e muitíssimo interessante estudo
essencialmente linguístico-semântico.24 L. F. Thomaz (1975). Este estudo fundador de Luís Filipe Thomaz merece leituras muito mais
atentas que aquelas que lhe têm sido dedicadas.
92 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
consubstanciadas em sentimentos de pertença ligados, nomeadamente, a uma
vivência histórica comum, e a memórias e esquecimentos partilhados.
No que toca à sua forma estrutural, chamemos-lhe assim, também parecem
variar as opiniões formuladas, parte dos autores considerando-a como sendo no
essencial político-ideológica, (resultando, por exemplo, da luta anti-colonial),
uma produção saída das lutas resistência (neste sentido apontam, por exemplo,
os já referidos Helen Hill25, Teresa Ferreras Morlanes26 e Gudmund Jannisa27);
enquanto outra parte parece entrever antes o nacionalismo em Timor como
político-religioso (sendo então habitual, como o fazem, ainda que de maneiras
diferentes, Apolinário Guterres28, João Frederico Boavida29 ou Luís Filipe Thomaz,
aludir ao papel da Igreja Católica, ou ao dos símbolos portugueses, como nas
alusões interessantíssimas de Ivo Carneiro de Sousa e de Elizabeth Traube), e
outra ainda político-militar (mais uma vez a resistência, mas desta feita com a
tónica posta na violência e no papel construtivista por ela preenchido – dos
massacres perpetrados pelos portugueses de 1955 à violência permanente que
caracterizou a ocupação indonésia desde 1975, à chacina Sta. Cruz em 1991, e às
indizíveis brutalidades cometidas no período pós-Referendo de 1999: casos dos
estudos de Peter Carey30, John G. Taylor31 e Arnold Kohen32).
Num sentido mais prospectivo, também as opiniões variam. Uns sustentam
que o nacionalismo timorense tem, pelo menos no essencial, bons pés para
25 H. M. Hill (1978). Uma tese politicamente engagée, com mais preocupações utópicas do que
empíricas. Em qualquer caso, um esforço notável.26 T. F. Morlanes (1992).27 G. Jannisa (1997).28 A. Guterres (1994). Um de vários trabalhos de um antropólogo timorense e ilustre membro
do clero daquele país.29 J. F. Boavida (1993), numa tese de MPhil, apresentada à Universidade de Oxford, sobre a
interpenetração (que o A. intitula “fusão”) entre religião e nacionalismo em Timor.30 Dos numerosos trabalhos de P. Carey, destaco sobretudo (eds.) P. Carey e G. Carter-Bentley
(1995).31 J. G. Taylor (1995).32 Ver, deste último, o artigo A: Kohen (2002) sobre o papel da violência anti-independentista
das milícias. É também útil a leitura de G. Aditjondro (2001) sobre os ninjas indonésios durante os
últimos anos da ocupação de Timor.
93colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
andar. Outros, previnem, pelo contrário, que esse “nacionalismo” tem pés de
barro e se irá esgotar em breve, uma vez que a independência e a construção do
Estado “batam no fundo”. Porventura o mais audível proponente da segunda
destas hipóteses, a “catastrofista”, será o norte-americano Howard Wiarda, para
quem o Estado timorense é excelente candidato para uma lista, que antevê seja
longa, de failed states que, teme, irão pejar o século XXI. A primeira, mais
optimista (alguns dirão mais romântica, ou lírica), tem defensores como Ivo
Carneiro de Sousa, António Barbedo de Magalhães e eu próprio; para além, é
claro, do apoio da larga maioria dos leste-timorenses. Infelizmente, só Osama Bin
Laden sabe adivinhar o futuro33.
Muitos ângulos de entrada como se vê, e muitas preferências. Poucas, muito
poucas, infelizmente, são porém aquelas que tentam uma maior inclusividade,
propondo uma modelização menos redutora. Raramente se ensaia, por outras
palavras, com base numa mais abrangente genealogia, desenhar a arquitectura
elaborada do sistema das construções nacionalistas dos timorenses. Vendo,
como tentei aqui e em esforços anteriores (e como penso que Ivo Carneiro de
Sousa o fez também), o nacionalismo em Timor como um objecto
multidimensionado e dotado de uma estrutura tão complexa como sui generis.
Um objecto dotado de volume e por isso não inscrito apenas num plano.
Com uma camada histórica “primordial”, sem sombra de dúvida, uma fundamen-
tação etnolinguística, e ainda com demãos religiosas não desprezáveis. Uma
camada essa em que se misturam (mas sem nela se confundir) ideologias
33 Excluo deste conjunto de matrizes etiológicas as muitas declarações políticas programáticas
puras e duras (tanto as de âmbito local como aquelas cuja base de sustentação é mais regional, ou
ainda aquelas outras de intencionalidade mais internacional e cosmopolita); como, aliás, excluo
aquelas outras, por mais soft que possam parecer, por via de regra veiculadas por Estados ou por
representantes de partidos políticos, por me parecer que essas não pretendem verdadeiramente
oferecer modelos com quaisquer reais pretensões analíticas, resumindo-se a óbvias instrumen-
talizações conjunturais, de resto por norma bastante lineares. Trata-se normalmente, a meu ver, de
meros enunciados tácticos: são declarações pragmáticas e/ou programáticas, que, ao privilegiar
alguns dos motivos que invocam e arrolam, e ao descurar outros, intentam pouco mais que
mobilizar vontades de audiências ou pouco esclarecidas ou, bem pelo contrário, empenhadas em
agendas muito claras.
94 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
linhagísticas, sucos e liurais, a instrumentalização da patrilineariedade tradicional
e da hierarquização política típica de regimes matrimoniais como o de casamen-
tos prescritivos de primos cruzados matrilaterais, por um lado; e, por outro, a
utilização de modelizações e esquemas conceptuais culturais profundos como as
ideias de “casa”, de “companheirismo”, ou as de transições sacrificiais a que aludi.
Mas mais: há que lograr elaborar um modelo analítico que, numa como
noutra destas dimensões que entre si se entrosam, inclua os ingredientes e o
fermento local produzido pela resistência anti-colonial, temperado pela ocupa-
ção japonesa, tonificado ad nauseum pela resistência à invasão-ocupação
indonésia. Mas há que fazê-lo, ademais, tomando também em boa linha de conta
o papel preenchido, nessas intrincadas construções nacionalistas, pela acção
catalizadora dos militares portugueses, pelo cimento directa e indirectamente
disponibilizado pela Igreja Católica, e pelas ideologias políticas, tanto as dos
ismos como as irredentistas.
E não só. Há que saber encarar tudo isto nos termos dinâmicos de um
processo, ainda em curso, de uma construção nacional em que todos nós pode-
mos sentir orgulho. Um processo em que agora temos um novo aliado, doravante
seguramente o maestro construtivista mais eficaz: o novo Estado timorense. Nós,
timorenses, nós portugueses, nós todos aqueles que achamos que só em liber-
dade vale a pena viver. Tendo porém sempre em mente que se trata de um
processo inacabado, um fluir de coisas cuja direcção de evolução (por muito que
o não queiramos) não é ainda nítida. Termino esta secção, como sempre o faço
quando aludo à construção nacional em Timor, com uma citação cautelosa de
Massimo d’Azeglio, endereçada no já longínquo século XIX a Garibaldi: “fizemos
a Itália. Temos agora que fazer italianos”34.
Para concluir, no que se segue irei virar-me para essa dimensão processual
todavia não acabada.
34 Esta estupenda citação, trazida à luz por Eric Hobsbawm, foi repetida no contexto de estudos
sobre nacionalismo por diversos autores.
95colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
4.
Num quarto e último ponto, muito telegraficamente, quereria arrumar, de
uma maneira agora mais encadeada e diacrónica, esse entrosamento complexo
de planos multidimensionais a que fiz alusão, e que apelidei, foucaultianamente,
de genealogia e de arquitectura. Propor uma periodização é a minha finalidade
no que se segue.
Não será decerto abusivo ordenar as construções nacionalistas timorenses
em termos do encadeamento de três fases35. Prefiro não as ver como períodos,
visto me parecer (se bem que haja que apurá-lo com maior precisão que aquela
que aqui me é possível) que se trata, não de blocos sucessivos, mas antes de
regimes de funcionamento parcialmente sobrepostos:
(i) uma primeira fase, de génese, por assim dizer, de um imaginário político
supralocal, supra“tribal”. Esta fase coincidiu com o período final (a última
cinquentena de anos) da colonização portuguesa e consistiu, ou redundou, na
constituição cartográfica, chame-se-lhe isso, de novos “domínios de soberania”.
Saldou-se na criação progressiva de um “espaço de pensabilidade” de uma
entidade socio-política chamada “Timor”. Essa entidade política foi sendo
“mobilada”: novas ideias e imagens se foram agregando num imaginário
político comum. Nesta fase inicial foram instrumentais a administração regio-
nal e as Forças Armadas portuguesas, como o foi a cristianização, lato sensu, ao
disponibilizar um forte denominador comum e uma visão universalizante e
agregadora. Foram dela “beneficiários” (ou “recipientes líquidos”, se se preferir)
as elites: mestiços, liurais, “assimilados” e grupos urbanos36.
35 Para uma comparação-contraposição com o faseamento proposto, também ele segundo um
formato tripartido, para a progressão do nacionalismo indonésio, é essencial a leitura do excelente
artigo de Romain Bertrand, 2001. Não será decerto difícil compatibilizar esta sucessão que aqui
sugiro com o a modelização de Benedict Anderson, 1991.36 Estes pontos podem e devem ser expandidos. No que diz respeito a esta primeira fase, seria
por exemplo de pôr em relevo a importância indirectamente assumida nestes processos pela
mobilização de timorenses para a produção do café (o famoso “café de Timor”, produzido pela SAPT,
que incluía nos seus circuitos pequenos produtores locais), em termos da (embora ténue) ligação ao
96 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
(ii) numa segunda fase, de fruição, que terá sido encetada formalmente com a
invasão de Goa em 1961, “posta a rolar” com o início da luta armada nas ex-
-colónias portuguesas de África logo a seguir, e que terá materialmente
entrado em “velocidade de cruzeiro” em resposta ao 25 de Abril de 1974,
verificou-se um salto rapidíssimo. Das elites para as populações urbanas e,
em raros casos, para agrupamentos ligados a territórios sob a égide de
“chefes tradicionais” “iniciados” na nova “cartografia política” e no viveiro de
imagens e ideias provindas da fase anterior, passou-se a um regime mais
“populista”. Os novos élans foram gizados por um Espírito do Tempo em que
tudo parecia possível. E parecia-o tanto num espaço político sudeste asiáti-
co em queda acelerada de dominós, como num espaço colonial português
em que brilhavam com uma luminescência sedutora percursos populistas,
na via de uma autodeterminação política que favorecia esse tipo de prolife-
rações de laços transversais de solidariedade e imagens de transição
miraculosas. Às elites e aos militares vieram primeiro adicionar-se, nesta
segunda fase, segmentos de população bastante mais amplos37. Em resulta-
do, emergiram noções totalizantes como a de “o povo Maubere”38. O fer-
mundo exterior que isso implicou através das teias do comércio internacional que se foram constru-
indo. Por outro lado, a definição das fronteiras com a Holanda só foi concluída no século XX (em
1916, cf. A. de Roever, 1998), já depois da revolta de Manufahi e das campanhas de “pacificação” de
Celestino da Silva e de Filomeno da Câmara (e da consequente divisão kaladis-firacos); foi na
sequência da governação de Celestino da Silva que, em 1896, a separação administrativa de Macau
foi finalmente consumada com o reconhecimento de um estatuto de Distrito Autónomo a Timor.
Estes e outros factos parecem ser elementos que conviria estudar e que contribuíram de maneira
porventura decisiva para aquilo a que chamei a constituição “cartográfica” de um “proto-nacionalis-
mo” em Timor, através da génese e progressiva sedimentação de um imaginário político supra-local.37 Quanto a esta segunda fase, há evidentemente que saber dar o devido relevo à organização
da resistência e à tomada de consciência, pelas elites, da necessidade de formar com rapidez
movimentos de “unidade nacional” (tais como a Convergência Timorense, o CNRM, ou o CNRT) que
seguramente podem ser tidos como óbvios sinais de uma maturação do nacionalismo que não
podem deixar de ser mencionados, até pelos meios de acção utilizados e objectivos programáticos
prosseguidos, ambos ingredientes que se vieram a revelar como marcadamente profícuos.38 Como se pode verificar, não assumo aqui qualquer posição relativamente à eventual
procedência política deste conceito, limitando-me a indicar quais considero serem as suas condições
97colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
mento nacionalista começou a enraizar medrar, para usar uma metáfora
mista39.
(iii) aumentando a complexidade arquitectónica, por assim dizer, uma terceira
fase veio largamente sobrepor-se a estas duas primeiras, sobretudo à última.
Tratou-se (e trata-se, pois julgo que esta fase está ainda em curso) de uma
fase de apropriação pelo Estado do processo de criação de “nação”. Ou, talvez
melhor, de apropriação pelos Estados, já que foram vários. Começou com a
administração e depois a escolarização portuguesa, foi delimitada (de ma-
neira ambígua, aliás, já que a as autoridades japonesas não distinguiam
inteiramente Timor-Leste do Timor Ocidental então holandês) pela Grande
Esfera de Co-Prosperidade Asiática, sob tutela imperial, durante o curto mas
doloroso período de ocupação pelo Japão; atingiu um limite no paroxismo
da ocupação indonésia, que em paralelo recusava distinções e invariavel-
mente identificava os timorenses como “timorenses”40; “naturalizou-se”, por
assim dizer, com a independência e a criação do novo Estado timorense, que
certamente irá embutir imagens identitárias fortes no seu sistema de ensino
e educação41. Mas fora-se cristalizando há muito com a “Campanha do Café”
de emergência. Para um rasteio interessante da sua criação e evolução etimológica, convém ler
Fernando Sylvan (1995). Nenhum estudo aturado da sua utilização política infelizmente existe.39 Para citar Benedict Anderson (2001:237), “a minha impressão é a de que em 1974-1975 um
verdadeiro nacionalismo leste-timorense era ralo [quite thin on the ground]: Talvez só uma pequena
percentagem da população conseguisse então imaginar ao futuro Estado-nação de Timor-Leste”
[tradução minha]. A invasão e a ocupação indonésias, segundo ele, vieram mudar tudo isso. Eu
acrescentaria que a Diáspora, a acção da Igreja e as representações que se tornaram correntes na
comunidade internacional (e que ecoaram alto e bom som em Timor) ajudaram a essa nova
circunscrição semiológica totalizante.40 Como escreveu com argúcia Benedict Anderson (2001: 238) nunca “Suharto e os seus
generais falaram na população [da ex-colónia portuguesa] como outra coisa senão “Leste Timorenses”,
apesar de haver pelo menos trinta grupos étnicos ou tribais na região”. O que redundou em mais do
que apenas criar uma imagem de identidade. Exprimiu-a. Como também notou B. Anderson (ibid..
234), “claramente, a grande dificuldade [dos indonésios] tem sido a de se convencerem a si próprios
de que os “Leste Timorenses” são “realmente” indonésios” [traduções minhas].41 Para a importância dos sistema estaduais de educação na formação e cristalização de ideais
nacionalistas ver, por todos, Ernest Gellner (1983). Gellner, aliás, lista como importantes nos proces-
98 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
e o já referido Decreto sobre a administração local indirecta de 17 de Junho
de 1909, com a Revista do Comando Autónomo Provincial, com as “caravanas
artísticas” e os espectáculos musicais fomentados pelos militares portugue-
ses e, de maneira não deprezável, por obras científicas de que nos fala, entre
outros, Johanna Schouten, que circunscreveram e sedimentaram “os
Timorenses” como uma entidade sociocultural relativamente discreta: por
exemplo, os trabalhos de António de Almeida, de António Augusto Mendes
Corrêa e de Ruy Cinatti, de algum modo à contre sens, note-se42.
Tudo isto foi matéria-prima conceptual, por assim dizer, para os timorenses.
Foi-o, porém, de maneira ambivalente: para uns, essa circunscrição-identificação
indicava uma direcção pelo menos potencialmente integracionista, que lhes
permitia retratar-se segundo modelos conceptuais de indigenização regional
algo nativista. Para outros, muito pelo contrário, as novas circunscrições-identi-
ficações emergentes realçavam sobretudo especificidades histórico-culturais
irredutíveis; e por isso apontavam antes para uma eventual autonomização
regional virada, mal as oportunidades disponibilizadas pelo 25 de Abril de 1974
o tornaram exequível, para um projecto de um futuro comum e distinto do dos
vizinhos.
Escolher foi certamente fácil43. A ocupação pelo Estado indonésio, numa
conjuntura como esta, e dada a natureza violenta e discriminatória que assumiu,
veio, paradoxalmente, acentuar as reacções anti-indigenização daqueles
timorenses que preferiam antes um projecto virado para o futuro e baseado nas
imagens e ideias acumuladas nas fases anteriores. E, num presente como aquele,
sos de “homogeneização” de agrupamentos muitas vezes inicialmente bastante diferentes uns dos
outros a estandartização linguística, a criação de um espaço económico self-contained, a montagem
de um sistema educacional, etc.; todos factores pertinentes (uns mais realizados, outros menos) no
caso de Timor Leste.42 Pelo menos, seguramente, no caso de António de Almeida, que I. C. de Sousa (2001: 185)
sucinta e precisamente definiu como a man of the Regime. Para uma visão de conjunto, ainda que
num trabalho redigido de outra perspectiva, ver J. Schouten (2001).43 Como o atestaram os extraordinários resultados do histórico referendo empreendido, sob a
égide das Nações Unidas, em condições absurdamente difíceis para os independentistas.
99colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
terrível, que a Indonésia lhes oferecia, tornou-se decerto cada dia mais difícil
tanto querer “nativizar” na direcção assimiladora imposta, como se tornou tam-
bém quase impensável não preferir uma alternativa de futuro, quanto mais não
fosse enquanto de algum modo (ainda que tão-só simbólico) uma espécie
performativa de fuga para a frente.
Mais ironicamente, os projectos de desenvolvimento e escolarização impos-
tos pelos novos senhores indonésios, vieram dar corpo e substância a esses
sentimentos e a essas noções profundas de “semelhanças-entre-nós” e de “dife-
renças-em-relação-a-eles”. Um contraste nocional a que a violência e a religião,
com a força notável que ambas têm como dispositivos de construção identitária,
ao lhe dar realce, visibilidade e coerência, depressa transmutaram numa
contraposição nacional que foi germinando. E um contraste que com o Referen-
do de 30 de Agosto de 1999 assentou arraiais.
Nos próximos anos, agora com um novo Estado, o Estado timorense, a
configuração interna dessa contraposição “nacionalista” irá seguramente consis-
tir em versões, decerto a par e passo contestadas44, de narrativas elaboradas em
redor de imagens centrais, hoje ainda “na linha de montagem”, por assim dizer;
ou, talvez melhor, “em formatação”. Dificilmente, aliás, poderia ser de outro
modo. Como escreveu Romain Bertrand45 há pouco tempo, em 2002, num estudo
notável sobre o nacionalismo indonésio, “o imaginário nacionalista [...] não se
reduz a um discurso parado. É, pelo contrário, um construto evolutivo, fruto da
amálgama instável de repertórios distintos de noções e de representações her-
dadas de “momentos-chave” da [sua] história política”.
Em Timor o processo está em curso, e encontra-se agora em velocidade de
cruzeiro. À volta dessas versões alternativas ir-se-ão decerto coagular agrupa-
mentos de timorenses, de acordo com agendas político-nacionais em competi-
ção. O futuro dirá quais. E será ao redor dessas narrativas, e das formas de fusão
44 Para uma listagem de algumas das linhas de clivagem sociopolítica potencial que poderão
subtender essa contestação e organizar essas versões de um nacionalismo timorense pós-indepen-
dência, ver A. Marques Guedes, 2002: 8-9 e 16-17.45 Romain Bertrand, 2002: 198 [tradução minha].
100 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
que elas consigam ir cristalizando (quando estas não se revelarem incompatíveis
entre si), que um programa nacionalista sincrético segregará seguramente o
formato material do novo Estado, que irá decerto exercer pressões fortes sobre
as características formais que a Constituição de 2002 lhe deu. Em artigos ante-
riores listei algumas das principais linhas de clivagem existentes no seio da
população do novo Estado: a sua interacção, pacífica ou truculenta, irá, nos
tempos que se avizinham, redefinir a composição dessa amálgama instável de
repertórios distintos uns dos outros.
É esta a herança do processo de construção nacionalista que o Estado
independente de Timor recebeu em legado. É esta a sua genealogia e é esta a sua
arquitectura. Julgo ser esta a sua linha instável de horizonte. Trata-se de mais de
que uma herança: trata-se da acumulação de um verdadeiro património,
amealhado num equilíbrio difícil. Oxalá que com ele se consiga “fabricar
timorenses”.
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105colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Este artigo nasce de uma curiosidade muito simples: como nasceu Timor Leste?
Se a pergunta é simples, é-o apenas na sua formulação. Procurar responder-lhe
com honestidade científica não deixa grandes margens: traçar a genealogia de
Timor-Leste, do nacionalismo que sustentou um projecto de Estado e de identi-
dade nacional é tarefa de grande complexidade, em que se verifica a sua
natureza processual, dinâmica, inacabada e multidimensional, ao mesmo tempo
que se observa que explicações monistas ou propensões hegemónicas de causa-
lidade tendem a ser insatisfatórias e parciais.
O texto que agora se dá à estampa corresponde a um interesse antigo que
agora se consubstancia numa tentativa de procurar descortinar a génese e
construção do nacionalismo timorense. Não sendo exequível encontrar uma
chave fixa que permita avaliar desta emergência que é um processo de sedimen-
tação histórica, de longa duração, poderá ser, no entanto, útil individualizar um
conjunto de dados em que ela se pode basear, o que se fará com base num
exercício, em torno dos eixos que a seguir se enumeram1:
a) factores e formas de mobilização colectiva: a elaboração de mitos e narra-
tivas políticas sobre Timor-Leste e a construção do discurso nacionalista; a
“casa sagrada” como matriz sacro-política originária, os antecedentes históri-
cos do nacionalismo formulado pelas elites, e a evolução do mesmo através
da verificação de formas de experiência de uma identidade colectiva entre os
“populares”, como a adesão à resistência e à guerrilha, os partidos políticos, a
Igreja Católica, a língua Tétum, a organização da juventude urbana, a diáspora,
a identificação com personagens individuais e a formação de estereótipos: a
oposição “kaladi/firakus”, o “povo maubere”;
A construção do nacionalismo timorenseNuno Canas Mendes*
* Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.1 Cf. O modelo proposto em SOBRAL, José Manuel – A formação das nações e o nacionalismo,
in Análise Social , vol. XXXVII, n.º 165, Inverno de 2003 (1093-1126).
106 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
b) difusão e inculcação de representações de um projecto nacional: o papel
da Resistência, sua evolução, o CNRM e o CNRT, a aproximação ao conceito de
sociedade civil e a actuação das ONG, a crucial herança formativa da adminis-
tração das Nações Unidas, os actos eleitorais – o referendo de autodetermina-
ção em 1999 e eleições para a Assembleia Constituinte e para a Presidência da
República, em 2001 e 2002, respectivamente). Trata-se de um processo em
curso, e de evolução incerta de fortalecimento do aparelho do Estado (pós-
-colonial) com uma ligação que se pretende cada vez mais directa com os
modos de vida e hábitos da população, do sistema educativo, dos meios de
comunicação, do desenvolvimento de uma política externa que garanta a
integração nos grandes espaços regionais, internacionais e transnacionais;
c) a pertença regional de Timor-Leste: análise da inserção regional de Timor-
-Leste, similitudes e particularidades, com incidência na integração regional
no espaço geopolítico da ASEAN e nas relações de vizinhança com a Indonésia
e a Austrália
Claro está que o tempo não permite tirar ilacções sobre a existência de uma
identidade nacional timorense estável ou real – no sentido em que possa ser
sentida como menos discursiva e como objectivo nacionalista – em Timor-Leste.
Tal dependerá em larga medida, de uma participação consciente dos timorenses
(a sociedade civil) na empresa que é um novo país e de uma construção equilibra-
da e funcional do Estado, com uma liderança eficaz, como expressão de um
processo de identificação supra-local ou supra-étnico capaz de gerar e mobilizar
um destino comum (que mais do que uma “comunidade imaginada”, seja
vivenciada), por forma a que o projecto, nacional e nacionalista, não possa ser
considerado como espúrio e que se não vislumbre mais um caso de independên-
cia mal sucedida (o fantasma do failed state), ou cenários mais catastrofistas das
antigas guerras de suco (mesmo que revestidas de uma aparência moderna, inter-
partidária ou outra). Com efeito, se o desafio da independência uniu, não se pode
deixar de assinalar que esta união pode desvanecer-se quando confrontada com
a numerosa lista de problemas que o país enfrenta, lançando dúvidas sobre a
coesão (ou melhor, sobre a falta dela) necessária para fortalecer a individualidade
que durante o período colonial se foi tão dolorosamente afirmando.
107colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A intenção deste texto é pois procurar os nexos genealógicos, que sincretica
e ecunemicamente, formam não uma amálgama mas uma estrutura interna da
construção identitária, que tem que ver com uma selecção de imagens-guia, de
repescagem de momentos fortes da história política e de formas intencionais de
mobilização de um colectivo que se desenrolam num processo faseado de
difusão e inculcação de um projecto nacional, como constituição cumulativa de
uma identidade nacional. Donde resulta que tal se entende como uma constru-
ção dinâmica, instrumental, com natureza processual, recorrendo a traços pri-
mordiais e a imagens com base nas quais desenvolve uma interlocução das
citadas linhas genealógicas.
1. O Estado da Questão
A um acréscimo muito significativo da atenção dada pelas Ciências Sociais
e pela Teoria das Relações Internacionais ao tema da identidade, e particular-
mente das identidades étnica, nacional ou estadual, registado a partir do início
da década de 90 do século passado, veio corresponder um interesse político e
académico de aplicação do tema ao caso de Timor-Leste, que gerou um conjunto
de reflexões sobre o mesmo e sobretudo veio dar origem a um registo discursivo
por parte dos actores mais directamente envolvidos no processo que fundamen-
tou toda uma praxis nacionalista e reforçou o argumento jurídico da autodeter-
minação. A uma vasta produção científica sobre o problema do nacionalismo das
últimas três décadas do século XX, sucedeu uma focagem (e um modismo) no
estudo da questão genérica da identidade e dos seus atributos, sendo, no entan-
to, de referir que entre os cultores das Ciências Sociais em Portugal, dos politólogos
aos antropólogos, não se verificou atracção significativa pelo tema.
No que diz respeito ao estudo da questão da natureza, evocação e discurso
da identidade timorense, o mínimo que se pode dizer é que se encontra ainda
em estado embrionário. Como escreveu José Mattoso, “até este momento, não
existem estudos suficientemente sólidos para poder definir os caracteres da identida-
de nacional de Timor-Leste. Podem-se, quando muito, mencionar umas tantas pistas
108 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
de investigação”2. Não se pode estar mais de acordo com esta afirmação, embora
seja de assinalar os contributos académicos que tentaram descortinar tais carac-
teres. É o que se faz de seguida.
Os primeiros textos que analisam a questão nesta óptica são de Benedict
Anderson, em dois artigos tão sintéticos quanto basilares: o primeiro intitulado
Imagining East Timor, de 1992, e o segundo Gravel in Jakarta’s Shoes, de 1995; em
ambos tentou explicar por que razão vinte anos passados sobre a ocupação do
território o regime de Suharto falhou a sua tentativa de integração e ajudou os
Timorenses a imaginarem-se a si próprios nessa qualidade. De referir igualmente
o parcial mas pioneiro estudo de Helen Mary Hill, intitulado Fretilin: the Origins,
Ideologies and Strategies of a National Movement in East Timor, 1978 (M.A.Thesis,
Monash University)3 e a tese de Teresa Farreras Morlanes, East Timorese Ethno-
-Nationalism, a Search for an Identity: Cultural and Political Self-Determination
(Ph.D. Thesis, Queensland University, 1991), ambas defendidas em universidades
australianas, e ainda o sugestivo The Crocodile’s Tears: East Timor in the Making,
1997, do sueco Gudmund Jannisa (Ph.D.Dissertation, Lund University), com
incursões nas teorias do nacionalismo propostas por Anderson e Anthony
D. Smith. Deste mesmo autor existe um interessante texto de 2002 intitulado
Towards a Civil Society: The long and ardous struggle of East Timor, onde se pers-
pectiva a evolução do nacionalismo timorense sob a óptica da formação de uma
sociedade civil.
Os trabalhos de Peter Carey são incontornáveis para a compreensão do
tema, destacando-se o volume por ele coordenado East Timor at the Crossroads:
the Forging of a Nation (Londres, 1995), que reúne um conjunto de artigos de
reputados especialistas sobre o nacionalismo timorense sob diferentes perspec-
tivas (entre os quais um de John G. Taylor sobre “The Emergence of a Nationalist
Movement in East Timor”), e o artigo East Timor: Third World Colonialism and the
2 MATTOSO, José – Sobre a identidade de Timor Loro Sae, in Camões, 14, Jul-Out. 2001 (6-13),
p. 6.3 Esta obra foi reeditada e reformulada pela autora, que lhe deu o título Stirrings of nationalism
in East Timor: Fretilin 1974-1978: the origins, ideologies and strategies of a nationalist movement,
Ortford, N.S.W.: Ortford Press, 2002.
109colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Struggle for National Identity, inserido na série Conflict Studies 293/294, do
Research Institute for the Study of Conflict and Terrorism (Outubro-Novembro
1996). Entre os académicos timorenses, assinale-se o trabalho de João Frederico
Boavida, com a tese sobre The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: A
Culture in the Making apresentada ao Linacre College (Universidade de Oxford),
em 1993.
A comunidade académica portuguesa começa a dar alguma atenção ao
tema. Historicamente, não se pode deixar de mencionar o incansável empenho
do Prof. Barbedo de Magalhães e o importantíssimo papel que teve pela criação
de um fórum privilegiado de discussão do universo de problemas da vasta
“questão de Timor”, nas célebres jornadas da Universidade do Porto. Porém, no
que diz respeito à problemática do nacionalismo e da identidade timorenses que
se pretende tratar, destaca-se Ivo Carneiro de Sousa, que expôs as suas reflexões
no notável artigo publicado na Lusotopie de 2001, intitulado “The Portuguese
Colonization and the Problem of East Timorese Nationalism” (publicado neste
volume), onde caracteriza o que sucede em Timor como um longo processo
cumulativo de produção de estruturas de identificação, com um contributo da
colonização portuguesa, da resistência, da diáspora e da inserção regional e
internacional de Timor-Leste.
Armando Marques Guedes tem igualmente investigado a questão do nacio-
nalismo timorense e da identidade na formação do Estado, em Wanders and
wonders: Musing over nationalism and identity in the State of East Timor (2001,
publicado neste volume), onde, recorrendo à ideia inspiradora de Benedict
Anderson sobre comunidades imaginadas, disserta sobre a amplitude e desafios
que a “imaginação autóctone” terá de enfrentar. Noutro artigo, publicado na
Lusotopie 2001, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia”, já havia
abordado o tema, e finalmente, em “A complexidade estrutural do Nacionalismo
Timorense” (2002) propõe-se traçar uma genealogia e uma arquitectura do mes-
mo. De referir ainda o artigo de Lurdes Silva-Carneiro de Sousa, “Descolonização,
separatismo e nacionalismo no Sudeste Asiático: os casos da Indonésia e de
Timor-Leste”, publicado em 2000, na mesma Lusotopie.
José Mattoso, autor de incontornáveis estudos sobre a identidade nacional
110 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
portuguesa, manifestou publicamente, em entrevistas e na organização de coló-
quios, as suas preocupações com a questão da identidade timorense, incitando
a que se faça mais investigação sobre os fundamentos da consciência colectiva
dos timorenses, tendo apresentado uma síntese do seu pensamento, que deno-
minou “Sobre a Identidade de Timor Loro Sa’e”, incluído no número supracitado
da revista Camões (2002).
2. Factores e formas de identidade e mobilização colectivas
Neste ponto serão identificadas e articuladas as manifestações – factores e
formas – de mobilização colectiva, como elementos pré-formativos de uma
identidade colectiva, os quais, pela sua natureza sócio-político, podem ser con-
siderados como fundamentos potencialmente originários da emergência de
uma identidade nacional. Assim, começar-se-á por focar a influência que a
existência de mitos comuns sobre origens e ascendências comuns, passando
depois para a fixação de outro tipo de narrativa, integrada num programa
nacionalista, que é o do discurso produzido por dois dos protagonistas políticos
deste processo sobre a problemática da identidade como fundamento da inde-
pendência de Timor-Leste. Posteriormente, é analisado o percurso histórico do
movimento nacionalista, enquanto veículo fundamental do projecto, analisando
os seus antecedentes e evolução com vista a avaliar os seus efeitos mobilizadores
sobre o colectivo timorense. Assim, a sequência dos assuntos tratados é, no que
toca aos antecedentes: as origens históricas do nacionalismo timorense; as
perturbações históricas (a guerra do Manufahi, a 2.ª Guerra Mundial, a subleva-
ção de Viqueque); a educação da elite; o contacto com os nacionalismos africa-
nos; a difusão dos meios de comunicação; a influência dos deportados; a influên-
cia dos militares; a formação dos partidos: origens, influências e perspectivas
sobre o nacionalismo e finalmente a receptividade local aos partidos: No que
concerne à evolução serão abordados a formação do movimento da Resistência
e a necessidade de criar uma “identidade positiva”; o papel da Igreja Católica; a
importância de uma língua nacional e os desafios da adopção da língua portu-
111colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
guesa; os movimentos de jovens: a 2.ª geração nacionalista; a frente externa da
Resistência: a diáspora timorense; a identificação com personagens individuais e
por último a formação de estereótipos: Kaladis/Firakus e “Povo Maubere”.
2.1. Os mitos fundadores
Neste ponto procurar-se-á chamar a atenção para a importância dos mitos
e dos símbolos veiculados pela tradição oral na génese de um imaginário colec-
tivo, designadamente no que às origens diz respeito, bem como na formulação
de um destino histórico. O fundo mítico timorense – kanoik, a palavra em Tétum
para lenda, mito, fábula4 – é extraordinariamente rico e indicia uma consciên-
cia de comunidade antiga. Está bastante vulgarizado o mito Tétum de origem
e ascendência comum encontrado na ilha: Timor deriva de um crocodilo
que trouxe no seu dorso o primeiro habitante antepassado de todos os timo-
renses.
Num sentido poético, o P.e Barros Duarte referia-se a uma alma timorense, no
jornal Seara, quinzenário da diocese de Dili, de 2 de Abril de 1958, evidenciando
que as características dos povos de Timor não tinham ainda “sido absorvidas por
uma evolução que se vem processando desde há quatro séculos em contacto
com o povo civilizador”5, conservando as suas línguas, os seus costumes e a sua
mitologia. Esta observação é clara quanto à ideia de uma identidade e de uma
tradição próprias aos vários povos de Timor, onde o P.e Duarte encontra uma
certa ideia de vivência colectiva, a formarem a referida alma timorense, com o
contacto com o povo civilizador como mínimo denominador comum. Acresce que
a expressão denuncia a consciência de um fundo mítico congregador de uma
existência histórica.
4 SANTOS, Eduardo dos – Kanoik: Mitos e Lendas de Timor. Lisboa: Serviços de Publicações da
Mocidade Portuguesa, 1967. Sobre o tema ver também CAMPOS, Correia de – Mitos e Contos do
Timor Português, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1967.5 Apud PEREIRA, Helena Ventura – Timorenses num Portugal em Mudança – Análise sociocultural
de um processo de exclusão social, Estudos Políticos e Sociais, Lisboa: ISCSP, 1994/95/96 (293-439), p. 326.
112 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Em sentido idêntico, Ezequiel Enes Pascoal, um missionário que desembar-
cou em Timor em 1932, assinala a existência daquilo a que chama uma cosmogonia
sui generis que configurava uma mitologia fundadora comum6. Note-se que
Ezequiel Pascoal chama a atenção para a existência de lendas sobre os fundadores
das dinastias autóctones, evidenciando que a mitologia documenta não só as
origens da terra mas também já as suas divisões políticas. A ficção timorense,
fixada nas narrativas e lendas de transmissão oral, constitui um elemento essen-
cial para o estudo das raízes do nacionalismo, sendo de sublinhar que os cinco
séculos de colonização originaram o que Pascoal chama de contos mestiços, por
conterem referências a elementos da cultura portuguesa. Este contacto permitiu
a formação de um tipo de identidade, por contraste com o estrangeiro – a
existência de malae é um reconhecimento do outro, tendo originado uma curiosa
associação do mito das origens referido com um mito de ligação entre timorenses
e portugueses, como explica António de Almeida: “(...) a ilha outra coisa não é do
que um gigantesco crocodilo7, emergido do oceano, no sentido leste-oeste. O jacaré é
um animal reverenciado por muitos Timorenses; chamam-lhe avô, manifestando a
sua veneração por meio de estilos ou práticas mágico-religiosas, que consistem em
sacrifícios de porcos e de outros animais domésticos, abstendo-se de molestá-lo,
mesmo quando ele consiga matar e deglutir algum patrício. Neste caso particular, o
repelente sáurio incarna o espírito de Deus justiceiro, sendo, por isso, a sentença aceite
resignada e respeitosamente. O réptil aparece frequentemente no folclore local””8.
É neste contacto cultural e nas adaptações que as culturas dos vários grupos
étnicos fazem da cultura portuguesa que Jannisa vê a formação de uma memória
partilhada (elemento central do conceito de etnia, conforme Anthony D. Smith),
no sentido em que é mais ou menos comum a todos os grupos e já não específico
da cultura oral de cada um dos grupos.
6 PASCOAL, Ezequiel Enes – A alma de Timor vista na sua fantasia. Braga: Barbosa & Xavier, 1967,
p. 23.7 Existem diversas versões da história da fundação de Timor e da sua relação com o crocodilo,
que não são aqui enunciadas.8 ALMEIDA, António de – Timor e alguns confrontos etnográficos. Separata do Boletim do
Instituto Vasco da Gama, n.º 80, Bastorá-Goa: 1961, p. 2.
113colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Mas para além da mestiçagem cultural, é muito importante sublinhar aqui a
existência de uma mitogénese dinâmica que denuncia as divisões políticas
desde remotas eras, facto que percorre toda a história da ilha. Patricia Thatcher
documenta a antiguidade dos mitos estabelecendo tais divisões, que ela encon-
trou em cinco grupos etno-linguísticos na parte ocidental e central de Timor-
-Leste (designadamente nos Kemak, Bunak, Tétum, Mambai e Tokodede). Embora
variem nos pormenores, o conteúdo dos mitos é sempre o mesmo: em tempos
remotos, um rei governava toda a ilha. O rei teve um filho e uma filha. A parte
oriental da ilha, mais fértil, deu-a à filha, a ocidental, mais extensa, deu-a ao filho.
Então ficou estabelecido que a condição para receberem e governarem as
respectivas partes seria que nunca interagissem9.
Esta similitude configura o tantas vezes evocado o dualismo social e histó-
rico que distinguia o elemento “original, autóctone” dos “invasores ancestrais” ou
o “povo da montanha” do “povo do mar” (da costa)10. Parece haver em todos os
grupos etno-linguísticos uma filosofia de vida em torno de “oposições comple-
mentares” em pares ordenados, em que a cosmologia e a tradição funcionavam
para conservar o equilíbrio sempre que ocorressem anomalias no interior ou de
fora para dentro do sistema11.
Tal diferença entre o intrínseco e o extrínseco e os contactos inter-étnicos
daí decorrentes, que por vezes originaram a celebração de complexas alianças
contra a unidade criada pelo colonizador mas também com ele, são indícios de
uma tessitura política, religiosa, social e cosmogónica variada e configurando
identidades diversas.
Quanto à influência do malae e da sua incorporação na tradição oral e na
cosmogonia timorense, os estudos até agora elaborados trazem esclarecimentos
9 Entrevista a Patricia Thatcher de JANNISA, Gudmund – The Crocodile’s Tears: East Timor in the
making, Lund: Lund University: Department of Sociology, 1997, p. 273.10 Na mesma linha GUNN, Geoffrey C. – Timor Loro Sae, 500 anos, Tradução de João Aguiar,
Macau: Livros do Oriente, 1999, p. 41, refere as conclusões de Lazarowitz sobre os Makassai (tese de
doutoramento de 1980), as quais apontavam para um equilíbrio sócio-político resultante de “oposi-
ções dualistas complementares e associações analógicas”.11 JANNISA, Gudmund – Towards a Civil Society: The long and ardous struggle of East Timor.
www.orient4orient.su.se/EastTimor/TowardsaCivilSociety.pdf. Consultado em 20.11.2002.
114 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
sobre alguns grupos e contribuem para provar a ideia de que o confronto com
o exterior terá reforçado o sentido da identidade e criado curiosas adaptações
fusões culturais, como no caso dos Mambai investigados por Elizabeth Traube,
que consideravam os portugueses seus irmãos mais novos.
Parece ser, portanto, da maior importância a incorporação das lendas e dos
mitos timorenses no corpo do projecto nacional, ainda que sejam, algumas delas,
historicamente mais representativas de determinados grupos etno-linguísticos12.
2.2. A noção de Casa e a assimilação à nação
Não é necessário demonstrar quão importante podem ser as pistas de
leitura da Antropologia Política e Social (em natural associação com a História),
para percorrer a diversidade e a complexidade do mundo timorense, no estudo
da génese de toda a questão. Com efeito, a organização social e simbólica
tradicional dos timorenses é uma das chaves para perceber Timor. A apreensão
da tessitura sócio-política é essencial para compreender o quadro em que se
inscrevem as estruturas identitárias que ela descreve e bem assim os fundamen-
tos etno-simbólicos e o desenvolvimento do nacionalismo.
Inspirador desta linha de pensamento que sublinha a importância de uma
matriz sacro-política originária foi o artigo de Shepard Forman intitulado “Descent,
alliance and exchange ideology among the Makasae of East Timor”, incluído na
antologia de James Fox, intitulada The Flow of Life: Essays on Eastern Indonesia
(1980), obra da maior importância porquanto identifica um conjunto de catego-
rias sociais dos vários povos da Indonésia oriental, tais como o significado
cosmológico de casa ou as particularidades e significado do fluxo (“the flow”) de
mulheres como elemento constitutivo do “fluxo da vida”13. Registe-se que em
Portugal a importância da questão já havia sido notada por Ruy Cinatti nos
12 SMITH, Anthony D. – A Identidade Nacional, Lisboa: Gradiva, 1997, p 61.13 FOX, James J., ed. – The Flow of Life: Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachussets:
Harvard University Press, 1980.
115colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
exaustivos levantamentos etnológicos por ele levados a cabo durante anos em
Timor. Também ele sublinha o “simbolismo cósmico do mundo expresso na aldeia
e na casa de habitação”14 que ele vê retomado na casa sagrada (uma lulik)15.
Há, no entanto, que realçar aqui a relação que se pode estabelecer entre os
estudos antropológicos e os estudos políticos, e tirar o devido proveito dos
pontos de intersecção entre uns e outros. É pois nesta postura, que se retomam
os já citados estudos de Cinatti, Forman, Traube na perspectiva do respectivo
contributo para o debate sobre o nacionalismo timorense não só pelo trabalho
de conceptualização em torno de unidades socio-político-culturais da maior
relevância como pela chamada de atenção para as múltiplas afinidades entre os
povos de Timor Leste e Timor Ocidental, e até com os povos do arquipélago de
Sunda (ou Indonésia Oriental). Deles sobressai o já citado conceito de casa,
núcleo da família-linhagem e dos seus elos de solidariedade, matriz identitária
essencial para os povos do sudeste asiático e, ao mesmo tempo, metáfora da
moderna nação (por assimilação com um modelo externo de organização social
e política que é necessário tornar inteligível a um maior número possível de
indivíduos). A pertinência do conceito é tanto maior quanto o facto de, com
frequência, se ter verificado que os discursos nacionalistas deitam mão à utiliza-
ção de estruturas, valores e ideias tradicionais como forma de “ilustrar” a doutrina
e os fins que sustenta, numa táctica de simplificação que a torne acessível à
grande maioria dos actores sociais16. Como refere Armando Marques Guedes, no
Sudeste Asiático, a construção deste nexo faz-se através de entidades como a
família, o parentesco, a co-residência, a casa, a localidade, o local de origem, as
precedências ou a identidade religiosa: “Trata-se de representações cuja tónica
está colocada em ideias de uma ‘consanguinidade’, ou de uma ‘consubstância’, me-
14 CINATTI, Ruy; ALMEIDA, Leopoldo de; MENDES, Sousa – Arquitectura Timorense. Lisboa:
Instituto de Investigação Científica Tropical, 1987, p. 38.15 Existem expressões equivalentes nas outras línguas. Assim, por exemplo, em Makassai, a
casa sagrada é a omafalu; em Bunak é deu phó.16 A este propósito, leia-se a sugestiva hipótese de SOBRAL, José Manuel – Da Casa à Nação:
Passado, Memória, Identidade, in Etnográfica, Revista do Centro de Estudos de Antropologia Social,vol.
III, n.º 1, 1999.
116 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
tafóricas, em imagens de ‘fraternidade’ ou de ‘companheirismo’, em invocações de
uma ascendência e de uma origem ou localização espacial comuns”17. A nação vista
como casa é uma unidade vivencial que “circunscreve uma unidade sacralizada,
em torno da qual, em actos e processos rituais, se posicionam e articulam processos
de identificação e pertença”18.
Ora a casa – a casa sagrada, como é designada em Timor – é um conceito
que, mais do que mera unidade familiar, simbólica e patrimonial, encerra uma
cosmovisão dúplice, que confere ao poder duas componentes que conformam o
que se pode designar de oposição complementar dualista: uma sagrada/ritual e a
outra secular/política, as quais se inserem numa lógica de pares ordenados.
Como explica Elizabeth Traube, está em causa um sistema social fundador que se
estruturou numa ideologia política diárquica ou dualista, em que os poderes se
complementam (entre a autoridade política, activa, e a autoridade ritual, passiva,
esta última legitimadora da primeira)19. As relações sociais, políticas e económi-
cas são articuladas por uma categorização binária absolutamente central para
uma compreensão de estatutos e de hierarquias.
O mundo, que a casa sagrada representa como unidade-base, é formado por
várias casas organizadas hierarquicamente, em torno de uma ideologia de trocas
assimétricas de indivíduos e de bens (casamentos/alianças), geradoras de rela-
ções tensas e de equilíbrios instáveis. A casa sagrada faz a ligação com os
antepassados, com o mundo dos espíritos invisíveis e tem um significado muito
importante como símbolo da continuidade das gerações e da fertilidade. A
entrada de Portugal no sistema faz-se também por via da aliança, originando
curiosos fenómenos de integração – como a que ocorreu entre os Mambai, que
17 GUEDES, Armando Marques – A complexidade estrutural do nacionalismo timorense (publica-
do neste volume). O conceito é comum a todo o território, bem como ao Sudeste Asiático em geral,
como demonstra Charles MacDonald, ed. – De la hutte au palais. Sociétés à “maison” en Asie du Sud-
-Est insulaire. Paris: Éditions du CNRS, 1987.18 GUEDES, A.M. – ibid.19 TRAUBE, Elizabeth – Mambai Perspectives on Colonialism and Decolonization, in CAREY,
Peter; CARTER BENTLEY, George – East Timor at the Crossroads: The Forging of a Nation, London:
Cassell, 1995 (42-55), p. 44.
117colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
designaram os portugueses de irmãos mais novos – na organização social e
política dos vários reinos.
A casa sagrada é pois uma síntese simbólica do cosmos, e em termos físicos
a sua arquitectura reflete-o. A sociedade organizada em linhagens, de organiza-
ção patrilinear, pratica o casamento exogâmico20, fora do universo do suco21,
estabelecendo através dele e do barlaque uma comunicação, a referida aliança –
espécie de pacto social e político – e eventualmente uma dominação sobre outro
grupo, com uma forte componente territorial (e, neste sentido, como escreve
Justino Guterres, as alianças “servem não só para estabelecer e fortalecer os laços de
família, mas também para cimentar as relações políticas e económicas”)22.
A chegada dos portugueses e, muito especialmente, dos missionários veio
sobrepor à complexa lógica de organização social vigente, uma estruturação de
tipo feudal, classificando como reis os chefes nativos e reconhecendo,
inclusivamente, um imperador; ao mesmo tempo, o sistema de alianças prevale-
cente ampliou-se, incluindo o elemento português, de que constitui exemplo o
sistema mambai que o classificou de irmão mais novo, como demonstra Elizabeth
Traube. A formação do grupo mestiço dos poderosos Topasses não deixou de
incorporar a estrutura social e de parentesco vigente, formando novas casas que
se inseriram no circuito de trocas existente. O fenómeno, tendo chegado até aos
dias de hoje, dá à “identidade nacional” uma “tendência crioulizante”, com reflexos
obviamente linguísticos, mas religiosos, culturais, onomásticos, etc, que sugere a
comparação dos Topasses com os timorenses de hoje no multilinguismo: uns e
20 Cf. GUTERRES, Justino – Para uma antropologia do sistema de alianças em Timor: o caso dos
Makasae, in Lusotopie 2001 (173-181), p. 180.21 SOUSA, Ivo Carneiro de – “The Portugueze Colonization and the Problem of East Timorese
Nationalism”, in Lusotopie 2001, Paris: Karthala, 2001 (183-194), p. 187, explica o sistema: “As noivas
eram escolhidas fora do suco (grupo de aldeias), criando então relações entre duas aldeias, a do marido
(Fetosá) e a da mulher (Umane). O homem da aldeia fetosá podia continuar a casar com mulheres da
aldeia umane , mas o contrário era proíbido. Ao mesmo tempo, as normas da circulação social e familiar
estavam estabelecidas: o filho do liurai (o rei local) só podia casar com a filha de outro liurai ou de um
dato (da nobreza local). A poligamia era comum entre estes sectores da elite...” (tradução do autor).22 IDEM, ibid., p. 173.
118 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
outros falantes de uma língua local timorense (preferencialmente Tétum), bem
como de Português e Malaio (Bahasa indonésio)23.
Esta nova realidade, configurada por elementos externos, veio justapor-se à
noção de classe existente, que, como o considerou Ruy Cinatti, era um “sistema
mais íntimo e rígido que é índice iniludível das relações culturais mantidas com o
sudeste asiático”24.
De referir ainda que, em estreita associação com a noção de casa, as relações
de parentesco genealógico da aristocracia territorial tradicional (dos liurais e
respectivas dinastias) constituem um instrumento fundamental do estudo da
história de Timor que aponta para um sistema político e social de raízes profun-
das, com especial interesse no que toca às formulações do poder inter-étnico e
à aproximação luso-timorense. Anthony Smith também evoca este aspecto,
quando refere a nação vista como uma “superfamília” imaginária25. A estrutura do
parentesco está fortemente arreigada na sociedade timorense, o que se manifes-
ta nas mais variadas áreas, de que se citam, como exemplos, a que tem que ver
com a escolha do cônjuge ou com o culto dos mortos. Os lia’nin, contadores das
histórias tradicionais, desfiam as genealogias das linhagens, e a nobreza tradicio-
nal foi historicamente preservada, com os seus privilégios e prerrogativas (com
o apoio português). Dando continuidade a esta realidade, o partido Kota (Klibur
Oan Timor Asuwain, ou seja “filhos dos guerreiros das montanhas”), formado em
1974, e reformulado em 2000, vem reivindicar a defesa da tradição e da cultura
timorenses, pretendendo constituir uma associação de famílias de liurais.
A realidade estruturante aqui descrita foi sendo desgastada por décadas de
um afluxo crescente da população a Díli, com o consequente abandono das
aldeias natais, mas a maior devastação foi levada a efeito quer pela deslocalização
das populações durante a ocupação indonésia quer pelas milícias pró-
-integracionistas após o referendo de 30 de Agosto. Já no tempo da administra-
23 FOX, James J. – “Tracing the Path, Recounting the Past”, in FOX, James J.; SOARES, Dionísio
Babo – Out of Ashes: Destruction and Reconstruction, Adelaide: Crawford House, 2001, p. 26.24 CINATTI, Ruy; ALMEIDA, Leopoldo de; MENDES, Sousa – Ob.cit., p. 30.25 SMITH, Anthony D. – A identidade nacional, p. 25.
119colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
ção colonial portuguesa se haviam tomado medidas que contrariavam o hábito
dos Timorenses de construirem as suas habitações em locais mais ou menos
isolados, o que faziam para se defender do inimigo, fosse ele um incêndio, uma
epidemia ou uma autoridade. Com esta atitude, demonstravam o seu desrespei-
to pelas laços genealógicos que mantinham com os locais que escolhiam para
viver, e deste modo foram criadas comunidades aldeãs já sem a mesma lógica de
unidade genealógica preexistente.
O desrespeito hodierno pela casa sagrada esquece o seu simbolismo cultual
e político e a memória dos mortos, quebrando importantíssimos elos linhagísticos
e genealógicos e interrompendo de forma abrupta a linha da continuidade
histórica, com benefícios duvidosos até mesmo na perturbante lógica do pro-
gresso, criando descontinuidades que são acidentes irreparáveis. A aculturação
colonial e internacional gerou dinâmicas inevitáveis e irreversíveis26. É, em todo
o caso e apesar da erosão que sofreu, ainda inegável o valor simbólico da casa
enquanto matriz e a sua assimilação à nação, como casa comum de todos os
timorenses.
2.3. A natureza multidimensional do nacionalismo timorense
As origens, evolução e manifestações do nacionalismo podem ser vistos
através de vários ângulos de entrada, não apenas como construção histórica da
cultura mas também como determinante da história. É pois neste sentido dinâ-
mico, multifacetado e interdependente que se deve tentar compreender a sua
génese, tanto no que se refere à formulação como à aplicação. A história fornece
um fio condutor, evolutivo, que decorre de uma observação empírica dos factos,
26 Cf. CENTENO, Rui M.S.; SOUSA, Ivo Carneiro de – Uma Lulik Timur, Casa Sagrada do Oriente,
Catálogo da Exposição no Edifício da Alfândega do Porto (15 de Dezembro de 2001-27 de Janeiro de
2002), Porto: Reitoria da Universidade do Porto – Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
CEPESA, 2001., pp. 13-18. Sobre o assunto ver o texto fundamental de HOHE, Tanja – “The Clash of
Paradigms: International Administration and Local Political Legitimacy in East Timor”, in Contemporary
Southeast Asia, vol. 24, n.º 3, December 2002 (569-589).
120 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
permitindo inferir das constantes e linhas de força, recorrendo à expressão de
Borges de Macedo noutro contexto aplicada. Mas a utilidade deste exercício
ficaria comprometida se limitada a esta pauta histórica, sendo possível e desejá-
vel entrever o nacionalismo por uma via mais essencialista, cultural, mas também
por outras de importância crucial como a político-administrativa e religiosa,
identificando ainda as condicionantes externas do mesmo. Parece ser este o
posicionamento mais cordato e que, de algum modo, não tem sido a opção
prevalecente, porque a literatura existente acusa preferências e tónicas, optando
por preterir um ponto de vista ecunémico e globalizante sem o qual a
multidimensionalidade do nacionalismo se perde. Na realidade, o que parece ter
despertado os estudiosos da questão de Timor-Leste e em particular o seu
movimento nacionalista foi a surpresa de verificarem uma improvável resistência
ao aparentemente inabalável ocupante. Não sendo caso único, que resultava
daquilo a que se convencionou chamar de direito à autodeterminação, parecia
extraordinária a obstinação com que se opunham à integração e o modo como
o faziam, que impediam o exército indonésio de ter um controlo total da situa-
ção. Avançaram-se hipóteses várias, desde as que sustentavam as especiais
aptidões do território para a guerrilha, à reacção ao tratamento brutal que era
infligido pelos militares ou ainda o desejo destes ali manterem uma espécie de
campo de treino contra inssurreições, conservando aquele que já constituía uma
espécie de feudo institucional27. Todas elas de pendor imediatista, tendiam a
esquecer a importância da organização social, da história ou das características
do movimento nacionalista, em cuja análise John Taylor encontra a resposta.
Também esta postura parece redutora por sobrevalorizar a resistência como
corolário do nacionalismo.O próximo passo será pois considerar retrospectiva-
mente a evolução do nacionalismo timorense.
27 TAYLOR, John G. – The Emergence of a Nationalist Movement in East Timor, in CAREY; CARTER
BENTLEY – East Timor at the Crossroads: The Forging of a Nation, London: Cassell, 1995, p. 21.
121colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
2.3.1. Antecedentes: origens históricas do nacionalismo timorense
O projecto nacionalista de Timor tem sido apresentado como tardio e
tímido, com origem na pequena elite urbana de Díli, como o denotam as
principais formações partidárias timorenses e respectivos programas, nascidos
depois do 25 de Abril de 1974. Há, no entanto, que referir que a investigação de
Moisés Silva Fernandes veio trazer nova luz ao assunto, na medida em que
revelou a formação de dois movimentos de inspiração islâmica criados na década
de 60, que embora tenham falhado nos seus objectivos e eclipsados da história,
foram pioneiros28. A sobressaliência dos citados partidos – sobretudo da ASDT/
FRETILIN, UDT e APODETI – e de alguns dos seus líderes tendeu a apagar do
passado estes acontecimentos e portanto os “founding fathers” de Timor tende-
ram a valorizar o momento político da mudança de regime em Portugal em que
os seus projectos se definiram, independentemente de preconizarem opções
diversas, quer pelo futuro com ligação a Portugal, quer pela independência total,
quer ainda pela defesa da ideia da inviabilidade de Timor obviada pela integração
na Indonésia (e respectiva incorporação na própria doutrina nacionalista
indonésia).
Ao contrário do que sucedeu noutros territórios do império colonial portu-
guês onde existiam eficazes movimentos nacionalistas, o nacionalismo timorense
a sustentar a autodeterminação manifesta-se sobretudo em simultaneidade com
o propósito português de descolonizar Timor-Leste e desenvolve-se sobretudo
durante a resistência à Indonésia, uma antiga colónia e fundadora do Movimento
dos Não Alinhados, o que torna o caso timorense invulgar (como objecto de um
28 Não se pode deixar de mencionar factos que são manifestações nacionalistas. Com efeito,
logo após o incidente de Viqueque em 1959, formaram-se dois movimentos de inspiração islâmica
que pretendiam pôr termo ao statu quo colonial, designadamente a “República de Timor-Dili” e o
“Bureau de Libertação da Uni Republic Timor”, sendo que este último chegou a proclamar a União
da República de Timor, em 1961, sendo mais tarde integrado na APODETI. Sobre o assunto, ver o
artigo de Moisés Silva Fernandes publicado neste volume e ainda, do mesmo autor, “A Política da
Indonésia em relação ao Timor Português, 1960-1963: Um caso de irredentismo contido?”, in
Daxiyangguo, n.º 7, 1.º semestre 2005 (109-149).
122 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
colonialismo de um país que também ele havia sido colonizado). Como notou
Benedict Anderson, verificando que no processo as elites (com um elemento
mestiço importante) demonstraram dúvidas identitárias e pertenças divididas,
no período de 1974-75 o nacionalismo era tíbio pois só uma pequena percenta-
gem da população poderia verdadeiramente imaginar Timor-Leste como um
futuro Estado-nação29. Faltava, antes daquelas datas, um sentido de identidade
colectiva e nem sequer fermentara um nacionalismo entre as elites locais.
À parte o episódio sangrento da guerrilha de D. Boaventura no princípio do
século XX, fundador da dicotomia Kaladis/Firakus e de uma administração colo-
nial mais directa, bem como o levantamento de Viqueque (em que se revelaram
os adeptos da integração na Indonésia, mais tarde reunidos na APODETI), segui-
do das perturbações dos movimentos islâmico-malaios da década de 60, que
afectaram só muito ligeiramente a ordem, não se conhecem outras manifesta-
ções relevantes de contestação política à ordem colonial. Com efeito, não pare-
ciam estar reunidas as condições para que tal sucedesse de outra forma. Se por
um lado a integração ou formação da elite (mestiça em grande parte dos casos)
no funcionalismo público parece ter atenuado pulsões e influências
descolonizadoras, por outro lado, a situação periférica da ilha, a fraca difusão da
imprensa e de outros meios de comunicação, a reduzida escolarização, a manu-
tenção de boas relações diplomáticas com a Indonésia e o desinteresse estraté-
gico internacional durante a Guerra Fria pela ilha contribuíam igualmente para
este estado de coisas.
Não há dúvida de que o exercício de compreensão de uma “resistência
primária”, que precederam a génese do nacionalismo, pode ser de grande utili-
dade, desde que não sejam confundidos fenómenos de natureza diversa (revol-
tas contra liurais mais despóticos, questões tributárias, ou conflitos entre reinos,
por exemplo) e que não se forcem nexos de causalidade ou genealogias que não
existem. A menos que esteja em causa uma fundamentação do presente num
passado ficcionado. O que obviamente não retira o interesse a uma análise
aprofundada do impacto, amplitude, motivações e actores desses episódios de
29 ANDERSON, Benedict – “Imagining East Timor”, in Arena, 1992, p. 3.
123colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
contestação da presença colonial e dos traços que deixaram na memória histó-
rica oral dos povos de Timor.
Refira-se que, com excepção do ensaio de doutrina, de pendor historicista e
marxizante, de Abílio de Araújo30, como tentativa de detectar sinais de um proto-
nacionalismo, são esparsas as referências de outros nacionalistas, como Xanana
Gusmão ou Ramos-Horta, a movimentos organizados que pretendessem uma
alteração do statu quo. Não se desenvolveu de forma assinalável uma historiografia
que se poderia qualificar como nacionalista, nem sequer uma invenção da tradi-
ção que pudesse interpretar determinados factos históricos como inabaláveis
indícios de nacionalismo. Geoffrey Gunn chama a atenção para este facto na sua
obra de síntese Timor Lorosae: quinhentos anos.
Valerá a pena reter a tentativa de apropriação da sublevação de D. Boaventura
como sinal de proto-nacionalismo, sugerindo a incitação ou participação de
timorenses assimilados e urbanos (membros, alguns deles, ao que parece, da loja
maçónica Oceania em Díli, fundada pelo juiz-poeta Alberto Osório de Castro),
aparentados e em comunicação com os liurais, induzidos por europeus inimigos
do governador, na formação de um anticolonialismo a que o movimento viria dar
espaço de manifestação (e sintetizando tendências contrastantes, entre o regres-
so à tradição pré-colonial e o progressismo republicano)31. A instrumentalização
do acontecimento, como um ensaio, em larga escala, de luta de resistência,
obscurece naturalmente outras explicações históricas plausíveis (como a que faz
de D. Boaventura um agente do colonialismo holandês), mas traz uma sustenta-
ção adicional, rebuscada no passado, para a autodeterminação. Assim o enten-
deram homens como Araújo ou o próprio Ramos Horta. Para além do mais, a já
30 Para Abílio de Araújo, no opúsculo Timor-Leste: os loricos voltaram a cantara história timorense
dividia-se em duas grandes fases, a primeira, de 1642 a 1912 das guerras independentistas; a segunda,
de resistência passiva, marcada pelo aparecimento das colunas negras anti-portuguesas e pela
revolta de Viqueque, donde saíu o movimento de libertação nacional. Araújo vê a criação de grupos
de elite como um elemento essencial da ocupação portuguesa, através da corrupção das elites
tradicionais pela doação de privilégios às chefias e pela promoção de rivalidades entre timorenses.31 PÉLISSIER, René – Timor en guerre: le crocodile et les portugais (1847-1913), Orgeval: R. Pélissier,
1996., p. 254.
124 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
mencionada divisão kaladis/firakus, implantada nesta fase, para distinguir os
habitantes da parte ocidental dos da parte oriental de Timor-Leste, trouxe uma
consciência colectiva supra-local (ou uma comunidade imaginada) e a formação
de estereótipos associados, o que sem dúvida constituiu um passo para, pela
reunião das duas partes, nascer o conceito de “timorense”. Esta dimensão imagi-
nária supra-local, que a divisão induz ao estereotipar dois grupos de pertenças,
acrescenta à dimensão política outros aspectos a meu ver da maior importância
na constituição cartográfica de Timor-Leste:
1) a definição do território, ou seja, das fronteiras com o Timor holandês só é
concluída com a ratificação do tratado em 1916, depois da revolta de Manufahi
(e da divisão dela resultante supracitada). Um e outro aspecto dão solidez,
ainda que muito circunscrita, à noção de que existia um reconhecimento
externo de uma entidade designada como Timor português inscrita num
mundo exterior32. Ao mesmo tempo, é curioso que só depois das revoltas e da
consequente pacificação, se tenha definido este mesmo território, com um
traçado de fronteiras que, grosso modo, corresponde ao seu aspecto actual.
Independentemente dos trâmites seguidos no processo de negociação entre
os dois países, a definição das soberanias surge como um acto fundador da
maior relevância da entidade que viria a ser Timor-Leste.
2) a identificação do território do Timor português passa a ser, a partir de 1974
e da formação dos partidos e respectivos programas políticos e nacionalistas,
mas sobretudo com a afirmação da FRETILIN, Timor-Leste, um projecto de
Estado que, não tendo vingado, ficou conhecido por essa denominação
geográfica.
Parece, no entanto, artificial falar de uma consciência colectiva antes de
1974 – sendo seguro que com maior definição ela se vai manifestando durante
a colonização indonésia nas formas de reacção-resposta dos timorenses –, ainda
que a invasão nipónica tenha posto em evidência a coexistência de elementos
32 JANNISA – Towards a Civil Society..., p. 26, refere-se a esta percepção, que ele interpreta como
uma primeira e pouco partilhada “comunidade imaginada”, da elite local formada nas escolas
portuguesas.
125colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
contraditórios, coexistindo um esprit de corps de resistência ao invasor (em
colaboração com os portugueses ou os australianos) com o colaboracionismo
terrorista das “colunas negras”; quando muito, parte da elite teria essa consciên-
cia, até porque sabiam que, de fora, assim eram reconhecidos e denominados.
Em todo o caso, delineia-se neste momento com maior clareza uma relação nós-
-outros, fundamental para a identificação do que é próprio e do que é diferente,
inclusivamente nas atitudes xenófobas relativamente ao malai (estrangeiro).
Seguidamente, enumeram-se alguns dos prolegómenos ao nacionalismo
timorense: perturbações históricas; a educação da elite; contacto com os nacio-
nalismos africanos; difusão dos meios de comunicação; a influência dos deporta-
dos; a influência dos militares:
Perturbações históricas: De 1912 em diante, as perturbações de Viqueque
de 1959 e outras, como os pouco conhecidos grupos Amigos de Timor-Dili e
União da República de Timor, estudados por Moisés Fernandes, fundados no
princípio da década de 60 e de inspiração islâmico-malaia, compostos por
indivíduos não-nativos de Timor-Leste, são circunscritas geograficamente e so-
bretudo vistas como resultantes de influências externas. Põem em relevo as
clivagens naturalmente lesivas para a emergência de um nacionalismo capaz de
vingar e por este motivo são pouco referidas no registo discursivo. Com efeito, a
referência local tendia a prevalecer e apesar das tentativas de se lançar um
movimento de massas que captasse os camponeses, em 1975, não era seguro
que o ser timorense tivesse um significado real e que fosse mais importante do
que pertencer ao grupo makassai ou ser nativo de Bobonaro. A memória de
D. Boaventura ou da invasão nipónica eram referências úteis (sobretudo esta
última, pela criação de um inimigo comum), embora a avaliação do seu contributo
levantasse algumas dúvidas. Estava em causa conhecer os agentes hodiernos da
transformação e compreender as motivações dos protagonistas dos aconteci-
mentos posteriores a 25 de Abril de 1974, o que remetia para a questão das elites
(e das respectivas origens, influência, colaboracionismo, etc.).
Neste sentido, é importante ter em conta que a colonização portuguesa
teve um forte apoio das elites tradicionais, quer pela conversão quer por uma
126 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
cooptação de feição militar, não alterando as estruturas de poder existentes mas
integrando-se nelas; esta atitude sofreu uma alteração depois das “campanhas
de pacificação” e por isto a guerra do Manufahi é um marco histórico fundamen-
tal: definem-se fronteiras e reforça-se a dominação colonial, a partir de então
muito mais directa e envolvendo, por vezes, “arranjos” na elite local no caso de a
sua “fidelidade” não estar garantida, objectivo a que não era alheio o acesso ao
ensino dos filhos dos liurais com vista a uma integração na máquina burocrática
do Estado, de que eles eram uma corrente transmissora. Para além do mais, o
contributo de uma elite mestiça, formada por comerciantes, plantadores, fun-
cionários e descendentes de degredados e deportados políticos tinha uma
função crucial como agente de mudança (como outrora os Topasses), tendo
maior contacto com o mundo extra-timorense, e assumindo grande protagonismo
em todo o processo. Nesta perspectiva, as alterações à natureza das relações de
poder não podem ser desligadas desta compreensão do papel e evolução da
elite, sobretudo no período imediatamente anterior ao início do movimento da
descolonização orquestrado a partir de Lisboa.
A educação da elite: As reduzidas elites, nativas ou mestiças, em grande
parte educadas no Seminário jesuíta de Dare e depois estabelecidas em Díli, têm
um papel crucial no lançamento das bases programáticas de um nacionalismo
timorense, na posterior acção político-partidária e na resistência33. Embora os
padres da Companhia de Jesus não fossem revolucionários, afastavam-se do
padrão do sistema educativo colonial, pois os professores com alguma frequên-
cia tratavam de temas como a evolução política asiática, o desenvolvimento
económico, a identidade timorense. Deste modo, forneciam aos alunos quadros
de referência alargados, que lhes permitiram pensar o futuro de Timor fora da
lógica estritamente colonial. Muitos destes estudantes, que também frequenta-
33 HILL, Helen Mary – Fretilin: the origins, ideologies and strategies of a nationalist movement in
East Timor, MA Thesis (umpublished): Monash University, 1978, p. 69 – “Não havia nenhum movimento
em Timor-Leste antes de 1974 que pudesse ser chamado de nacionalista a não ser o reduzido grupo que
se reunia em Díli”.
127colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
ram o ensino laico liceal em Díli e que foram bolseiros em universidades portu-
guesas (39 em 1974, segundo Hill)34, certamente destinados a engrossar as
fileiras do funcionalismo público recrutado localmente, perceberem que o mun-
do exterior os classificava como timorenses, não como Makassai, Mambai ou
Galoli, nem sequer como kaladis ou firakus e transpuseram este reconhecimento
externo, de origem geográfica, para definirem e designarem a sua própria iden-
tidade. O afastamento da sua cultura de origem deu-lhes maior apetência pela
averiguação das origens e por uma reinvenção da identidade. Alguns destes
estudantes encontravam-se em Lisboa, na Casa de Timor, e mesmo em Díli, no
jardim em frente ao Palácio do Governador, reunia, informalmente, um grupo de
onde sairiam importantes líderes nacionalistas como Alkatiri ou Ramos Horta35.
Contacto com os nacionalismos africanos: Como contributo de inspira-
ção, destaquem-se os contactos estabelecidos com os movimentos nacionalistas
das províncias ultramarinas africanas (com quem contactaram alguns exilados
timorenses naquele continente, designadamente em Moçambique e na Guiné-
-Bissau, e também os estudantes em Lisboa), que trouxeram a noção de integração
no movimento anticolonial, bem como a formação ideológica. Neste plano, os
livros de Amílcar Cabral e de Eduardo Mondlane inspiraram o pensamento de
alguns dos líderes da FRETILIN, como José Ramos-Horta36. Alguns soldados
timorenses combateram em África e aí tomaram contacto com os movimentos
nacionalistas locais; este conhecimento haveria de dar frutos depois do 25 de
Abril de 1974, data a partir da qual os membros da elite que tinham ligações a
África estreitaram as relações com os países africanos de língua portuguesa,
sobretudo com Moçambique.
A difusão dos meios de comunicação: num breve apontamento histórico,
registe-se que a tipografia só terá chegado por volta de 1877, quando em Timor
34 HILL – Ob.cit., p. 8.35 IDEM, ibid., p. 64.36RAMOS-HORTA, José – Timor-Leste, Amanhã em Dili, prefácio de Noam Chomsky, 2.ª edição,
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998, p. 92.
128 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
se estabeleceu o vigário-geral P.e António Joaquim de Medeiros (mais tarde
bispo de Macau), que levou consigo ou encomendou uma pequena impres-
sora, donde saíu o opúsculo de Raphael das Dores, Como se adquire a fama ou a
história de um caluniado. Não há notícia de até 1900 terem sido impressos outros
folhetos ou livros, embora em 1899 tenha sido criada em Díli a Imprensa Nacio-
nal, que a partir de Janeiro do ano seguinte, como se viu, começou a produzir
o Boletim Oficial e os impressos necessários aos serviços administrativos do
território. No que à imprensa periódica diz respeito, o primeiro jornal publi-
cado em Timor só apareceu muito tardiamente, em 1938. Todo este défice de
imprensa foi, de alguma forma, suprido pelo recurso às oficinas gráficas de
Batávia. A simples ideia de print capitalism, avançada pela teoria de Benedict
Anderson, aparece assim como uma realidade no mínimo exótica pois: “(…),
nenhum livro ou folheto sobre esta terra de além-mar foi publicado antes de 1860
e desde então até ao fim do século menos de uma dezena (...). E até cerca de
1930, quando os estudos sobre Timor ganham maior alento, o panorama
não melhorou consideravelmente. Só melhoraria na sequência da ocupação japo-
nesa, tão trágica, mas que fez com que Timor finalmente deixasse de ser no
ultramar português a parcela eternamente esquecida: as monografias históricas e
científicas multiplicaram-se, a sua qualidade subiu ao mesmo ritmo (…)”37.
É pois nesta conjuntura de pós-guerra que a difusão dos meios de comu-
nicação ganha relevo, designadamente a rádio (em 1950, arrancaram as emis-
sões radiofónicas em Português, Tétum e Chinês, e em 1964 registou-se a exis-
tência de 1229 radio-receptores legalizados)38 e a publicação do jornal A Voz
de Timor, desde 1960, publicado sob os auspícios do governo da província,
seguido de A Província de Timor (publicado a partir de 1964 e destinado aos
elementos militares)39, não obstante serem visados pela Comissão de Censura.
As suas tiragens eram diminutas, não ultrapassando os 500 exemplares em
37 Cf. Timor do século XVI ao século XX, Biblioteca Nacional de Lisboa, Maio de 1980, p. 5.38 GONÇALVES, José Júlio – “A informação nas províncias do Oriente (Elementos para o seu
estudo)”, in AAVV – As Províncias do Oriente, vol. 2, Lisboa: ISCSPU, 1968 (227-363), p. 357.39IDEM, ibid., p. 351.
129colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
1960, razão por que Benedict Anderson se lhe refere como uma sombra de
imprensa40.
O jornal católico Seara, que escapava aos mecanismos censórios, viu a luz do
dia em 1948 e foi interrompido em 1973, tornando-se conhecido pela promoção
de debates sobre assuntos da realidade sócio-económica da época e dispunha
da colaboração de alguns timorenses que, em privado, começaram a pensar na
ideia de independência41. O periódico continha textos que eram não só o resul-
tado do testemunho pastoral dos missionários, como também uma valioso
repositório de informação antropológica (tratando temas como o casamento
tradicional, os problemas da habitação, a moralidade da violência ou os princí-
pios da educação, para citar alguns exemplos). Mas se este aspecto reforça a
importância histórica da Igreja, cujos fiéis eram também, naquela época, uma
minoria (cerca de 1/3 da população), o que ressalta é que não existia contestação
à ordem vigente digna de nota, nem nenhuma organização solidamente implan-
tada de pendor nacionalista (exceptuando alguns elementos com ligações à
Indonésia). A timidez da comunicação escrita e da radiodifusão, que continuou
durante a ocupação indonésia, foi, portanto, um factor limitativo de uma acção
mais eficaz.
A influência dos deportados: Registe-se que a presença de deportados
portugueses, exilados por divergências com o Estado Novo (quer na metrópole
quer nas outras colónias), desde os anos 30, terá trazido uma nota dissonante à
ordem vigente. Fernando Figueiredo precisa o ano de 1931 como o do início da
chegada dos primeiros, que haviam atentado contra o regime no fim da década
40 ANDERSON, Benedict – “Gravel in Jakarta’s Shoes”, in The Spectre of Comparisons, p. 132. Este
número é o que José Júlio Gonçalves apresenta para o ano de 1960, sendo de admitir que
posteriormente tenha vindo a aumentar. DUNN – Timor: a People Betrayed, Queensland: Jacaranda
Press, 1983, p. 39, avança, sem citar fontes, com tiragens que variavam entre os 4000 e os 7000
exemplares do jornal A Voz de Timor.41 IDEM, ibid. Como se sabe, alguns dos seus colaboradores tornar-se-iam célebres depois de
1974: Nicolau Lobato, Ramos-Horta, Xavier do Amaral, Manuel Carrascalão, Domingos de Oliveira,
Francisco Borja da Costa e Mari Alkatiri.
130 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
de 2042. Gunn, evocando vagamente uma fonte britânica não denominada,
refere-se à constituição do grupo, de cerca de uma centena de pessoas, em que
60% eram “democratas”, 30% comunistas e 10% criminosos de delito comum43. Se
a distância da metrópole não permitia a estes exilados exercerem uma actividade
subversiva tida como perigosa para a segurança do regime, as suas ideias
políticas foram tendo moderada divulgação entre os meios cultos, apesar de
terem sido criteriosamente distribuídos por várias partes da ilha. Durante a
ocupação japonesa, participarão na defesa de Timor num espírito de combate às
ideologias totalitárias do Eixo, que entendiam próximas do Salazarismo (caso de
Carlos Cal Brandão e do seu impressionante testemunho sobre o período), e de
colaboração com os australianos. Muitos casaram com mulheres timorenses e
constituíram família, acabando por exercer alguma influência local, como Ma-
nuel Carrascalão, futuro presidente da Câmara de Díli, ou do anarquista pai de
Ramos-Horta, João Horta, que desempenhou as funções de chefe-de-posto,
formando um grupo mestiço cooptado politicamente, que assumiria grande
importância no desenvolvimento do nacionalismo.
A influência dos militares: Outro importante foco do despertar do nacio-
nalismo foi, paradoxalmente, como notou Ivo Carneiro de Sousa, a presença dos
militares portugueses nas décadas de 60 e 70. Historicamente é de grande
significado e aplicada desde o tempo de Coelho Guerreiro, a já referida equipa-
ração dos graus da hierarquia militar portuguesa à organização de comando
local, promovendo a integração das chefias locais no exército português, uma
forma de cooptação habilmente conduzida. Mas o que terá tido maior importân-
cia numa génese nacionalista terá sido o papel que os militares desempenharam
em Timor durante o Estado Novo, particularmente nas duas últimas décadas da
sua vigência. Com efeito, cumprir o serviço militar em Timor por um período de
dois anos era a alternativa a combater em África, tendo-se verificado a afluência
42 FIGUEIREDO, Fernando – “Timor (1910-1955)”, in MARQUES, A.H. de Oliveira – História dos
Portugueses no Extremo Oriente, vol. 4., p. 556.43 GUNN – Timor Loro Sae, 500 anos, p. 233.
131colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
de muitos soldados portugueses. A sua vinda estimulou o mercado de trabalho,
sobretudo o doméstico, especialmente em Díli, mas mais importante do que isto
foi a publicação da Revista do Comando Autónomo Provincial. Este periódico
acolheu artigos de timorenses onde, a propósito de aspectos etnográficos e
culturais, de simples curiosidades sobre questões locais, produziram os primeiros
textos de pendor nacionalista. Os militares tinham os recursos para poderem
mobilizar cultural e socialmente os timorenses, tanto mais que lhes davam
emprego44.
Em trecho esclarecedor, Luís Cardoso assinala-o claramente: “E foi nessa
altura que chegaram da metrópole alguns jovens oficiais milicianos (...) A tropa
continuava a sua campanha de moralização das hostes sem guerra, acantonadas
em todas as partes do território e levando por diante tarefas relevantes na constru-
ção das escolas para jovens timorenses sem meios de estudar. Recrutavam então
valores dispersos pelos aquartelamentos, metropolitanos e nativos, cantadores ro-
mânticos e imitadores de bandidos, que abandonadas as espingardas, armados
de viola e microfone partiam numa caravana, denominada artística, parecida
com aquelas do farwest representadas nos livros de sete balas. Era certamente o
único momento em que se podiam ouvir canções de um tal Zeca Afonso – Grândola,
vila morena – cantadas por oficiais estudantes. De ousadia em ousadia, passaram
também a exibir filmes nos quartéis, para maiores de muitos anos, e que não
eram acessíveis através da sala de cinema do Sporting”45. Este extracto é elucidativo
da relevância da acção educativa e subversiva dos oficiais, fornecendo livros
proibidos, música de intervenção e cinema à reduzida elite escolarizada. E
esta acção seria muito mais intensa depois do 25 de Abril de 1974 e de procla-
mada a intenção genérica de descolonizar, tomando a forma, em 15 de Maio do
mesmo ano, de Comissão para a Autodeterminação de Timor, cuja função prin-
cipal era a “consciencialização dos portugueses de Timor” através do apoio às
associações cívicas e políticas num trabalho que era classificado de “pedagogia
44 SOUSA, I.C. de – Portuguese Colonization..., pp. 191-192.45 CARDOSO, Luís, – Crónica de uma travessia, a época de Ai-Dik-Funam, Lisboa: Publicações
D. Quixote, 1997, p. 88.
132 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
política”46. Verificou-se, assim, uma natural escalada na promoção, pelos militares
portugueses e agentes do MFA, dos métodos e discurso nacionalistas, importan-
do-os não só para a própria instituição militar (maioritariamente formada por
praças timorenses cujo recrutamento aumentara desde o início da década de 60,
ficando assim expostos às influências ideológicas transmitidas pelos militares
metropolitanos críticos do regime)47 como para os emergentes partidos políti-
cos, em especial para a FRETILIN. A conjuntura política na metrópole, associada
à retirada das tropas metropolitanas e ao ambiente de desrespeito pela autorida-
de viriam, no entanto, a ter resultados bastante perniciosos com alterações
profundas na ordem e na difusão de um sentimento de abandono num clima de
desinformação. De referir que uma parte da elite que haveria de fundar os
partidos políticos também integrou as forças armadas portuguesas delas rece-
bendo endoutrinação.
Uma outra área em que os militares desempenharam funções foi o ensino;
dada a escassez de professores, verificou-se, com alguma frequência, que oficiais
milicianos ou de carreira desempenhavam funções docentes no Liceu Dr. Francis-
co Machado, em Díli (o único do território) ou em zonas mais recônditas48;
sublinhe-se, porém, que está em causa sempre um número diminuto (15, no ano
lectivo de 1960-61, 36 em 1966-67, para um número de estudantes a rondar as
três-quatro centenas)49.
46 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS – Relatório da Comissão de Análise e Esclareci-
mento do Processo de Descolonização de Timor, Lisboa, 1981, pp. 29-30, apud LIMA, Fernando – Timor,
da Guerra do Pacífico à Desanexação, Macau: Instituto Internacional de Macau, 2002, p. 183.47 DUNN, James – Timor: A People Betrayed..., p. 8. O exército “indígena” seria, segundo Dunn,
formado por 3000 efectivos nas forças regulares e por 7000, com menor preparação, de 2.ª linha.48 THOMAZ, Luís Filipe – A língua portuguesa em Timor, in De Ceuta a Timor, Lisboa: Difel, 1994,
p. 646. Thomaz informa que, na década de 60, estas escolas militares chegaram a rondar as cem.49 PIRES, Paulo – A Imprensa em Timor antes do 25 de Abril, in Camões n.º 14 (135-145), p.139.
133colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
2.3.1.1. A formação dos partidos: origens, influências e perspectivassobre o nacionalismo
A mudança de regime em Lisboa, em 1974, veio rapidamente a alterar o
estado de coisas em Timor. O Programa do MFA anunciava a descolonização.
Começam a chegar da metrópole estudantes timorenses influenciados pela
propaganda da extrema esquerda, que contribuem para modificar o
conservadorismo dos funcionários, a quem o statu quo não desagradava, e
introduzem uma dinâmica revolucionária que a ala extremista dos militares do
MFA alimentará. A posterior formação dos partidos vem revelar três orientações
diversas quanto ao futuro. Como expressivamente escreveu Luís Cardoso, “o
tempo corria veloz de mais e a corrente secular soltou o nódulo e escorregou por uma
longa ribanceira. Todos queriam correr o mais depressa possível, mais do que o
tempo providenciava, para agarrar a época certa. De grupos diversos e adversos,
passaram a organizações contendoras. Como foi possível a árvore de Samoro ter
produzido três ramos tão antagónicos?”50.
O futuro de Timor é assim perspectivado em três vertentes essenciais: uma
integracionista, assumida, pela APODETI; outra conservadora, advogando a liga-
ção, ainda que temporária, a Portugal, e outra independentista, terceiro-mundista,
representada pela heterogénea FRETILIN.
Se a UDT afirmou o seu propósito de uma continuidade das relações com
Portugal na fórmula de uma autonomia progressiva (oscilando mais tarde entre a
via da independência51 ou da integração na Indonésia) e a APODETI via o futuro
de Timor no seio do grande império indonésio, a FRETILIN, que estabeleceu
ligações com os movimentos congéneres das ainda colónias portuguesas em
África (especialmente com a FRELIMO, em cujo modelo parece ter-se inspirado,
mas também com o MPLA e o PAIGC), opta pela independência imediata, con-
50 CARDOSO, Luís – Ob.cit., p. 88.51 Depois da resignação de Spínola, em Setembro de 1974, a UDT começa a conceber a
independência com um calendário que oscilou entre o longo e o curto-médio prazos. MOREIRA,
Adriano – O Drama de Timor, Relatório da O.N.U. sobre a Descolonização, Lisboa: Intervenção, 1977, p. 23.
134 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
siderando que o colonialismo português (e seus malefícios) foi o fermento
essencial da ideia de independência total. Neste aspecto do anticolonialismo
como fundamento da desejada independência é o programa do partido, publi-
cado em Dezembro de 1974, claríssimo: “os vários levantamentos e sublevações
registadas ao longo de cinco séculos de dominação colonial são provas irrefutáveis
de como o desejo de independência estava sempre ligado e bem patente no espírito
dos nossos antepassados”, embora se reconheça que “o sentido de independência
dos nossos antepassados era restrito aos seus reinos e às suas terras”52.
Com efeito, o anticolonialismo do discurso remete para outro assunto da
maior relevância: a análise do modelo ideológico “nacional” adoptado pelas
formações partidárias.
A FRETILIN em particular, mobilizou símbolos que importou da estratégia
maoista de libertação nacional e incorporou, como se mencionou, os
ensinamentos da praxis dos movimentos da África portuguesa (sobretudo da
FRELIMO). Esta incorporação das ideias do nacionalismo africano e dos respecti-
vos líderes (Mondlane, Neto e Cabral) constituía talvez uma das suas referências
mais sólidas (o que, como notou Jill Jolliffe a faz apropriar-se do slogan usado na
Guiné-Bissau, de que eram “os únicos representantes legítimos”). A assunção desta
via terceiro-mundista reflectia um não-alinhamento conseguido efectivamente
pela ausência conhecida de apoios à independência, à excepção da solidarieda-
de das antigas colónias portuguesas em África.
Enquanto frente, a sua indefinição ideológica, oscilando entre uma imprecisa
social-democracia (que a ASDT pretensamente preconizaria)53 e o extremismo
maoista dos estudantes timorenses recém-regressados de Lisboa54, só ficou
52 Timor-Leste: uma luta heróica. Documentos da FRETILIN e do governo da República Democrá-
tica de Timor-Leste. [s.l.], [s.n.], 1976.53 A evolução dos acontecimentos políticos (a atmosfera em Lisboa e as negociações para a
independência de Angola e de Moçambique) alterou o período de transição inicialmente proposto
pela ASDT (de três a oito anos), que foi reclamando maior celeridade na concessão da independência
e decidiu modificar a sua estrutura organizativa em 12.9.1974 formando a FRETILIN, com influência
do MFA local.54 WEATHERBEE, Donald E. – “The Indonesianization of East Timor”, in Contemporary Southeast
Asia, vol. 3, n.º 1 (June 1981), p. 18 .
135colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
assumidamente resolvida com a intervenção de Abílio Araújo e na assunção oficial
do marxismo-leninismo (1983-87)55, ocorrida depois da neutralização imposta
pelas forças armadas indonésias. Tal indefinição era resolvida pela adopção de um
certo estilo populista de actuação em que os apoiantes da FRETILIN se auto-
-classificavam como nacionalistas, designação suficientemente genérica e ambí-
gua, a coberto da qual se poderiam reunir várias tendências. Com efeito, sempre
houve segmentos marcados de heterogeneidade ideológica entre os seus apoiantes,
bem como variações de predomínio de facções, a que não será alheia uma vontade
a posteriori de atenuar o extremismo de uma delas, não obstante alguns dos
testemunhos da época (e mesmo os mais recentes) insistirem em que “perigo
comunista” era essencialmente resultado da manipulação indonésia56.
Apesar das referências ideológicas sincréticas contendo, repita-se, elementos
maoistas e marxistas, o argumento de extremismo, empolado mas não fantasiado
55 MAGALHÃES, A. Barbedo de – “Timor-Leste: tenacidade, abnegação e inteligência política”,
in Camões, 14, p. 36.56 Dionísio Babo SOARES argumenta que o partido tinha uma base proletária (a que o termo
Maubere dava expressão), o que, em sua opinião, não fazia dele um partido de ideologia marxista.
Reconhece, embora, que subsiste uma pergunta sobre a natureza do “comunismo” e da identificação
da FRETILIN com o Marxismo na década de 70, embora saliente os propósitos propagandísticos da
Indonésia em acentuar, num clima de Guerra Fria, o comunismo da FRETILIN para a desacreditar. Cf.
SOARES, Dionísio Babo – Political Developments Leading to the Referendum, in FOX, James J.;
SOARES, Dionísio Babo, eds. – Out of the Ashes..., (57-78), p. 60. James DUNN, o antigo cônsul
australiano em Díli (1962-1971) e tido como “esquerdista”, refere que a estrutura do partido tende a
dar a impressão de que é marxista, mas na realidade a organização reflecte a inspiração da FRELIMO
ou do PAIGC, mais do que motivos ideológicos, Cf. Timor, a People Betrayed, p. X, e mais à frente
rejeita que fosse radical ou doutrinária, concluindo que tinha uma base católica, socialista, da via
terceiro-mundista. Noutro quadrante político, Luís Filipe THOMAZ também salienta a ambiguidade
ideológica do partido (na influência da FRELIMO e do MPLA, nas tendências maoista e marxista-
leninista), concluindo que “oficialmente (...) sempre se afirmou como meramente nacionalista”,
sustentando um anti-colonialismo abstracto. Cf. THOMAZ, Luís Filipe Ferreira Reis – Timor: Autópsia
de uma Tragédia, pp. 38-40. Fernando LIMA salienta que as cúpulas do partido eram formadas por
“estudantes timorenses provenientes dos ambientes revolucionários de Lisboa” e que as suas “formas de
intervir, caracterizadas por enorme radicalismo de ideias e agressividade de comportamentos, transfor-
mou por completo as regras da luta política”, considerando que seguiriam a “via revolucionária para
alcançar a independência”. LIMA, Fernando – Ob.cit., pp. 206-207.
136 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
– a que se juntava a viragem à esquerda em Lisboa – foi previsivelmente aprovei-
tado pela propaganda indonésia para justificar a intervenção que consideravam
inevitável – lembre-se que naquele ano Saigão caira sob dominação do Vietname
comunista –, a qual vinha sendo meticulosamente preparada desde Outubro de
1974 pelo General Ali Murtopo (com auxílio de Murdani), a célebre Operação
Komodo. Esta campanha de desestabilização contribuiu, de resto largamente, para
o acicatar das querelas inter-partidárias e provavelmente sem ela não se teria
chegado ao ponto de eclosão de um conflito entre a UDT e a FRETILIN.
Com efeito, não foi difícil ao regime indonésio encontrar o pretexto para o que
consideravam ser um projecto que anteviam nado-morto e susceptível de atrair
ajudas indesejáveis. Nestas circunstâncias, que não poderiam deixar de convencer
o Ocidente, atacava-se o que poderia ser um incidente de imprevisíveis mas certa-
mente perigosas consequências no frágil princípio da unidade nacional do maior
Estado arquipelágico do mundo57. E a percepção da inviabilidade da independência
imediata era partilhada por alguns sectores da sociedade timorense, bem como
pelo próprio governo português (caso do Ministro da Coordenação Interterritorial,
Almeida Santos, ou mesmo do Presidente da República, Costa Gomes), o que se
adequava claramente aos pontos de vista indonésio e australiano.
A acção foi conduzida através de uma campanha de subversão e infiltração
política por diversos meios, entre os quais se contavam a espionagem, as emis-
sões de rádio (a partir de Kupang), a contra-informação...incluindo, como já foi
referido, o exacerbamento e a manipulação das rivalidades inter-partidárias que
conduziram ao golpe da UDT e consequentemente à guerra civil. Era necessário
criar uma motivação para intervir militarmente, o que começou a acontecer
desde meados de Setembro pela fronteira ocidental e teve o primeiro sinal
importante com o ataque a Balibó em Outubro, em que pereceram cinco jorna-
listas australianos. A retirada das autoridades portuguesas e a proclamação da
independência a 28 de Novembro deram o mote para a invasão58.
57 LIMA, Fernando – Ob.cit., p. 2158 Não é demais lembrar, neste quadro, o apoio dos EUA (incluindo armamento e o acesso dos
submarinos nucleares às aguas indonésias, com o atravessamento dos estreitos entre o Índico e o
137colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Refira-se que o já citado pendor extremista da FRETILIN já se vinha afirman-
do nos trabalhos de alfabetização e nas suas campanhas desenvolvimentistas,
bem como na sua recusa em participar no Encontro de Macau, em Junho de
1975, em que alegando não aceitarem negociar com a APODETI, se assumem
como os “únicos representantes” do povo, dispensando a consulta para definir o
estatuto político do território e afirmando o seu alinhamento com os movimen-
tos africanos; para além do mais, torna-se notório que encaravam o interlocutor
português com desconfiança e consideram urgentes as campanhas de
mentalização nas zonas rurais pelas brigadas revolucionárias (adiante evocadas
com mais pormenor). Esta posição viria, como se referiu, a dar força ao argumen-
to indonésio, brandido com uma intensidade cada vez maior à medida que os
acontecimentos se sucederam, até à criação de um Movimento Anti-Comunista,
formado pelas forças derrotadas na guerra civil pela FRETILIN – a UDT, a APODETI,
o KOTA e o PT –, que solicitam a intervenção indonésia através de uma declara-
ção, dita de Balibó, orquestrada pelos serviços secretos, com data de 30 de
Novembro de 197559.
Pacífico), o interesse pela exploração do petróleo (numa conjuntura de choque e na sequência da
dissolução da PERTAMINA, companhia estatal indonésia de produção e exportação daquela energia
fóssil), e a influência dos militares que nos não longínquos anos de 1965-66 tinham esmagado os
comunistas.59 Trata-se da Proclamação Conjunta da APODETI, UDT, KOTA e Partido Trabalhista, Balibó, 30 de
Novembro de 1975. De inspiração indonésia,o documento refere no ponto que “depois de terem
sido obrigados a separar-se do povo da Indonésia e dos fortes laços de sangue, identidade, cultura
étnica e moral que a ele os une pelo poder colonial português por mais de 400 anos, consideramos
que é chegado o momento do povo de Timor-Leste de estabelecer formalmente estes fortes laços
com a nação indonésia”. Com base nesta declaração, a Indonésia sustentou que a maioria desejava
a integração, tendo posteriormente reforçado a sua posição com uma Declaração da Assembleia
Regional Popular, Díli, 31 de Maio de 1976. De acordo com o governo indonésio, esta declaração teria
validado a anexação do território e cujos membros haviam sido seleccionados com base no princípio
um homem, um voto e empossados “em conformidade com a tradição e identidade do povo de
Timor-Leste”. A partir deste momento a posição indonésia relativamente a Timor assumiu três
princípios não negociáveis até 1998-99: em primeiro lugar, a maioria dos timorenses desejavam ser
reconhecidos como leais cidadãos indonésios; em segundo lugar, a integração da província tinha
sido validada por um acto legítimo de autodeterminação (o supracitado); em terceiro lugar, o
assunto estava encerrado e não tinha que ser reconsiderado.
138 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A partir deste momento, o discurso da libertação nacional constrói-se e
aprofunda-se sobretudo em relação à Indonésia, gorada que foi a tentativa de
internacionalizar o problema e de o levar às Nações Unidas com a proclamação
da República Democrática de Timor-Leste, instaurada perante a invasão iminen-
te. Mas durante o interlúdio de curtos meses, fora tentada a mobilização das
“massas”, através de sub-comités regionais que terão granjeado à FRETILIN uma
popularidade crescente (incluindo propostas reformistas nas áreas da agricultura
e na educação). Um dos aspectos mais curiosos desta sua acção em prol do
nacionalismo foi o lançamento da mencionada campanha de “alfabetização”, de
acordo com o método de Paulo Freire, em que se ensinou o Tétum com base na
ideia de que os estudantes estão melhor preparados para aprender outras
línguas se primeiro aprenderem a ler e a escrever na sua língua materna (embora
certos sectores vissem o Tétum como uma língua limitativa). Para tal lançou-se
um livro de leitura, Rai Timur Rai Ita Niang (cuja tradução é “Timor é o nosso país”),
que era ao mesmo tempo uma cartilha do ideário nacionalista60. A “timorização”
educativa promovia uma melhor compreensão da cultura como um dos funda-
mentos do nacionalismo. Noutro registo, o da política económica, sublinhe-se
ainda que o Comité Central do partido havia definido, em Setembro, o esboço de
uma política externa que definia como prioridades a integração na ASEAN, a
cooperação com o Pacífico-Sul, incluindo a Austrália, e o não-alinhamento.
Internamente, para além do lançamento de uma reforma agrária, advogava-se a
formação de uma rede de cooperativas que garantisse produtos básicos a preços
baixos e ofereciam-se garantias às empresas da comunidade chinesa.
Os fundadores da FRETILIN, originariamente oriundos do pequeno funcio-
nalismo e do grupo de estudantes do seminário de Dare, receberam mais tarde
outras “influências externas”, sobretudo da mencionada ala de estudantes uni-
versitários regressados da metrópole (com ligações conhecidas, alguns deles, ao
60 Segundo HILL, Helen Mary – Ob.cit., p. 134, as primeiras páginas do livro ensinavam que
“Timor é a nossa terra. Há muito tempo o colonialismo instalou-se na nossa terra porque os nossos
antepassados lutavam uns contra os outros. Todos os timorenses se vão unir para governar a sua terra”
(tradução do autor).
139colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Movimento Revolucionário Popular Português – MRPP) e dos movimentos africa-
nos (não evocando aqui outras ligações internacionais menos esclarecidas), que
assumiram então grande protagonismo.
Quanto à UDT, na sua moderação conservadora, o modelo nacional adopta-
do apresenta também algumas oscilações: da “autonomia progressiva” perfilhado
num universo lusotropicalista, com continuidade da ligação a Portugal passou a
advogar a autodeterminação incluindo a independência adquirida após a cons-
tituição de uma federação transitória; de uma solução de consenso pela aliança
com a FRETILIN passou, por receio do extremismo do parceiro de coligação e de
desconfiança dos oficiais do MFA, a ceder à hábil persuasão indonésia. Estas
modulações, assim como todos os acontecimentos posteriores à guerra civil,
fazem-na perder o protagonismo durante o período de formação da resistência,
acabando por fornecer um número significativo dos seus quadros à administra-
ção indonésia. O seu programa político reclamava princípios gerais de democra-
tização, redistribuição do rendimento, direitos humanos e ambicionava a
auto-determinação para o povo timorense orientada no sentido de uma federa-
ção com Portugal. A sua base de apoio – a elite administrativa, proprietários de
plantações, alguns liurais da zona de Ermera, Maubisse e Maubara – , apelava a
valores lulik, invocando a veneração pela bandeira, o que implicava os laços com
Portugal (admitindo uma independência a prazo, durante o qual estabeleceriam
uma espécie de federação transitória), e tentava atenuar o fosso entre as áreas
urbanas e rurais61.
Note-se, no entanto, que o perfil dos fundadores da UDT tem grandes
similitudes com o perfil de muitos dos homens da ASDT e da FRETILIN, excepto
talvez na composição etária (como observou James Dunn, o partido apesar da
sua base conservadora reunia um conjunto de “idealistas” cujas diferenças rela-
tivamente à FRETILIN eram mais de ênfase do que de substância)62. Com efeito,
à parte a diferença geracional, é na burguesia de escribas de que fala Luís Filipe
Thomaz, ou seja entre o funcionalismo, que se assiste ao fenómeno da formação
61 TAYLOR, John G. – Decolonization, Independence and Invasion, in AAVV – International Law
and the Question of East Timor, London: CIIR/IPJET, 1995 (21-49), p. 23.
140 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
dos partidos, uns e outros com percursos de vida muito idênticos: quase todos
de famílias de liurais, com estudos de formação jesuita na Soibada e no seminário
de Dare, fornecendo a massa de 81% de funcionários timorenses; alguns, for-
mando uma segunda fonte de liderança, filhos de deportados como os
Carrascalões. Ambos tinham apoio no poder tradicional pela fidelidade de al-
guns liurais.
A APODETI, pretextando o factor geopolítico, a imaturidade dos líderes e a
debilidade da estrutura económica, perfilha o nacionalismo indonésio ao enca-
rar a separação de Timor como um acidente histórico que era necessário corrigir:
defendiam a inviabilidade económica e política de um Timor português indepen-
dente; sustentavam o parentesco étnico e cultural dos povos de toda a ilha e
concluíam por uma “integração autónoma na República da Indonésia”63. Parado-
xalmente, o seu manifesto incluía um conjunto de direitos que se propunham
promover, incluindo os direitos humanos e a liberdade de expressão, e sublinha-
va a importância da Igreja Católica cuja doutrina havia consolidado as suas
“actividades sócio-políticas”64. Os seus fundadores tinham origens sociais e per-
cursos biográficos diversos, tendo em comum a sua colaboração com o serviço
de espionagem indonésio BAKIN, a quem forneciam informações; alguns tinham
uma reputação antiga de colaboracionistas, do tempo da invasão japonesa,
como Arnaldo dos Reis Araújo, destacado dirigente do partido e futuro governa-
dor de Timor-Leste. Gozando do apoio da comunidade muçulmana de Díli e da
população do reino de Guilherme Gonçalves, a APODETI recebeu financiamentos
indonésios logo após a sua formação e montou um sistema de emissão de rádio.
Um dos estrategos do partido, José Osório Soares, haveria de testemunhar a Bill
Nicol os fundamentos da posição do seu partido: “Somos pobres. Acabaríamos por
lutar uns contra os outros. Não precisamos de neocolonialismo, mas apenas de um
controlo por parte da Indonésia (...) Temos os mesmos costumes; só os nossos
62 DUNN, James – Ob.cit., pp. 60-61.63 HOADLEY, Stephan J.– The Future of Portuguese Timor: Dillemas and Opportunities, Singapore:
ISEAS, 1975, p. 8. DUNN, James – Ob.cit., p. 71.64 DUNN, James – Ob.cit., p. 71.
141colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
colonialismos foram diferentes. Somos um único país”65. Nesta perspectiva, é fácil
de compreender que a APODETI tenha sido um veículo da propaganda e das
acções subversivas da Indonésia.
Em suma, é de reconhecer que a plataforma comum nos programas dos
partidos não era muito alargada: a protecção dos direitos humanos e liberdades
básicas; a manutenção de um sistema económico baseado na livre iniciativa com
salvaguarda da justiça económica e social; evitar a discriminação contra a comu-
nidade chinesa e encorajar a participação dos timorenses no mundo dos negó-
cios; implantar um comércio externo, ajuda e investimento equilibrados; e com-
bater todas as formas de imperialismo e neocolonialismo. A coligação UDT-
-FRETILIN foi justamente o exemplo de que a lógica matemática do mínimo
denominador comum não colheu naquele período.
2.3.1.2. A receptividade local aos partidos
Não era, naquele contexto, fácil fazer uma estimativa do grau de apoio
popular aos cinco partidos então constituídos (número que inclui os acima
referidos, bem como o Kota e o Trabalhista). Perante a insuficiência de dados, era
mais fácil promover manipulações políticas, forjando apoios inexistentes e crian-
do equívocos geradores de instabilidade. Só a realização de eleições para os
conselhos locais, em 29 de Julho de 1975, numa fase já de claro afrontamento
entre a UDT e a FRETILIN, poderia ter permitido inferir quantitativamente quem
recolhia as preferências, não fosse ter ocorrido apenas no concelho de Lauten
com a vitória da FRETILIN, e ter tido a ajuda de “brigadas revolucionárias” para
esclarecer a população quanto às opções políticas a tomar.
É pois de grande importância esta questão da receptividade do povo de
Timor às propostas dos partidos políticos, nas suas diferentes formas. Com efeito,
é surpreendente que num ano e meio (entre Abril de 1974 e Dezembro de 1975)
uma população não politizada se tenha embrenhado em querelas partidárias e
65 NICOL, Bill – The Stillborn Nation. Melbourne: Visa, 1978, p. 58, apud DUNN – Ob.cit., p. 72.
142 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
envolvido numa guerra civil tão nefasta, o que em todo o caso pode ser enten-
dido à luz de uma relação ainda não muito estudada mas real entre as adesões
aos projectos políticos de concepção ocidental e as lealdades tradicionais (asso-
ciando velhas alianças de linhagens familiares e linhagens políticas). A título de
exemplo, registe-se que o Australian Council for Overseas Aid (ACFOA), na via-
gem que fez ao território em Outubro de 1975, depois da guerra civil, concluiu
que a situação era pacífica com excepções, que reputavam de localizadas
(Maubisse, Liquiçá, Ermera), em que curiosamente o grupo identificava a existên-
cia de lutas pré-modernas de ajustes de conta inter-étnicos ou inter-familiares66. É
justamente a transposição deste pré-modernismo para a luta nacionalista e a
continuidade das alianças e das divisões que interessaria averiguar para esclare-
cimento de um dos períodos mais importantes da história de Timor-Leste.
Em 10 de Junho de 1975, após o rompimento da coligação UDT-FRETILIN,
haviam-se formado as já referidas “brigadas revolucionárias”, constituídas por 10
a 60 pessoas (em grande parte estudantes do secundário, professores e enfer-
meiras, para além dos membros do Comité Central da FRETILIN) que se espalha-
ram pelas pequenas aldeias do interior para pôr em prática um programa de
alfabetização, de higiene alimentar, de diversificação da produção e de lança-
mento de cooperativas agrícolas67, mas também para formar milícias e conduzir
uma educação política que assegurasse a vitória da FRETILIN nas eleições para a
Assembleia Constituinte, previstas para Outubro de 197668. E parece terem sido
bem sucedidos na metodologia que lhes granjeou o apoio popular e a autorida-
de efectiva nos últimos três meses que antecederam a invasão indonésia. Os
militares portugueses participaram activamente nestas campanhas, como infor-
mava o Diário de Notícias, de 21 de Abril desse ano: “Iniciaram no interior de Timor
as brigadas de esclarecimento, constituídas por militares que no interior do território
promoveram sessões onde de forma partidária, são analisados os programas dos
66 Apud JANNISA – Towards a Civil Society...,p. 11.67 HILL, Helen Mary – Ob.cit., p. 159.68 ESCARAMEIA, Paula – Formation of Concepts in International Law: Subsumption under Self-
-Determination in the Case of East Timor, Lisboa: Fundação Oriente/Centro de Estudos Orientais, 1993,
p. 39.
143colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
partidos políticos locais”. Ramos-Horta também menciona esta iniciativa de refor-
ma dos serviços públicos e do ensino, assinalando que “a FRETILIN contribuiu mais
activamente no processo da reforma do ensino, tendo lançado a sua própria campa-
nha de alfabetização que não era senão parte inseparável da nossa estratégia de
mobilização política”69. O Prémio Nobel da Paz faz igualmente referência a um
programa de consciencialização política, através do qual, paralelamente, o MFA
difundiu o seu programa e a sua ideologia70.
A compreensão deste período-chave e desta campanha, na qual a UDT
praticamente não participa (bem como a APODETI, por razões óbvias), é funda-
mental para apreender a formação do sentimento anti-indonésio e do germen
do movimento da resistência, num cenário de propaganda ideológica que se
pretendeu inculcar numa população efectivamente pouco politizada mas her-
deira da tradição funu. E, naturalmente, apesar da eficácia maior ou menor da
campanha, não deixou de se verificar um choque entre o modelo ocidental dos
partidos e a vivência das populações, como mostrou Elizabeth Traube no seu
estudo sobre o povo Mambai que, embora se considerasse moralmente superior
ao colonizador, via com muita apreensão a “desconsideração” do modelo da
FRETILIN para com as autoridades tradicionais71.
2.3.2. Evolução: a formação do movimento de resistência e anecessidade de criar uma “identidade positiva”
Ao considerar a situação na actualidade, a evidência de que o contributo do
movimento da Resistência, interna e externa, é um factor estruturante do nacio-
nalismo timorense não nos impede igualmente de mencionar que o projecto
nacional foi impulsionado por uma elite que comandou eficazmente as compo-
nentes militar e civil desta mesma Resistência em parceria com a Igreja Católica.
69 RAMOS-HORTA – Ob.cit., p. 122.70 IDEM, ibid..71 CAREY, Peter,ed. – East Timor at the Crossroads, p. 5.
144 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Mas, de um ponto de vista menos restritivo, a elite conseguiu mobilizar um
conjunto de homens que integraram as Forças Armadas de Libertação de Timor-
-Leste (FALINTIL)72 e se dispuseram, a partir das montanhas, à subversão guerri-
lheira durante anos, e a elite conseguiu igualmente obter um consentimento da
população para prosseguir o seu objectivo, à custa de uma colaboração feita de
inúmeros sacrifícios e dissimulações. Neste sentido, a condução do processo – de
resto ainda mal conhecida – dispôs do apoio de um colectivo que se foi alargan-
do, contando, paralelamente, como se notou, com a acção da Igreja. Note-se que
pretendendo ser o braço armado do nacionalismo, a despartidarização das
FALINTIL teve a maior importância na criação de um espírito de convergência
que a partir da década de 80 se quis imprimir ao movimento.
No plano das relações internacionais, foi construída uma rede de interven-
ção, que actuou em várias frentes. Ao nível das organizações internacionais – da
ONU concretamente – a par da contenda protagonizada pela potência
administrante (com intensidade crescente), a frente externa da Resistência optou
por uma assinalável acção de lobbying a que a disponibilidade de certos sectores
da sociedade imprimiram um certo dinamismo; mas foram sobretudo o fim da
Guerra Fria, a divulgação das imagens de Sta. Cruz, a atribuição do Nobel da Paz
a Belo e Horta e finalmente a crise económica e de regime na Indonésia que
contribuiram para o desgaste e a ruptura do status quo, quer local quer global-
mente.
A personalização do processo na figura de Xanana, e o seu engrandecimen-
to como prisioneiro, deram uma ajuda à estratégia da Resistência, bem como o
alargamento da base de apoio pela participação da camada escolarizada e
receptiva a um nacionalismo expresso em formas de guerrilha urbana. A Resis-
72 As FALINTIL instituiram um sistema de funcionamento de trabalho em rede, formado pelos
“nureps” – núcleos de representantes – e as “celcom” – células de comunicação, que organizavam a
população para ajudar os guerrilheiros e para estabelecer um sistema de informação. Existiam ainda
três grupos dentro das FALINTIL: os que aderiram à guerrilha em 1975, os que se juntaram em 1983
depois do massacre de Kraras e os que entraram já na década de 90, com uma forte componente de
estudantes activistas. Agradeço a Aquilino Fraga Guterres, antigo guerrilheiro e actualmente depu-
tado pelo PD no parlamento timorense, os esclarecimentos relativos à orgânica das FALINTIL.
145colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
tência aumentou a sua margem de manobra, tanto no plano interno como no
externo, alcançando tal projecção que, à semelhança de outros movimentos
congéneres, se constituiu em actor não-estadual das relações internacionais, não
só pelo contributo que deu à negociação dos acordos de 5 de Maio como pela
sua participação na administração das Nações Unidas, quer no Conselho Consul-
tivo quer no primeiro executivo da UNTAET.
Naturalmente, a evolução foi feita de períodos de desânimo, de descrença,
de planos gorados, e de circunstâncias adversas, o que não impede de se
considerar a Resistência como um dos factores mais vivos de nutrição das
estruturas identitárias timorenses: através dela se consolidou a ideia de que era
possível uma consciência comum de adesão a um projecto nacional unificador
das diferenças. As dificuldades para imaginar uma comunidade (más estradas,
comunicações difíceis, ensino colonial, línguas diversas) foram em grande medi-
da ultrapassadas por um sentido de identidade que a Resistência imprimiu ao
combate contra um inimigo comum, tonificando um esprit de corps inexistente e
criando as bases para objectivos mais amplos.
A este propósito, não se pode deixar de considerar que a componente de
violência produz frequentemente mais e maiores efeitos, por reforçar a distinção
do outro (o inimigo), ultrapassando assim ambiguidades identitárias, criando
novas lealdades e funcionando como transição construtiva de novos grupos e de
novas fronteiras. A distinção entre o “nós” e os “outros” é acentuada durante o
conflito, sendo as guerras potenciais criadoras de coesão e de consenso para
uma identidade comum. Por esta razão, a multidimensionalidade das identida-
des pode ser reduzida, substituindo uma realidade por uma outra, transforman-
do as percepções do individual e do colectivo. Trata-se pois de um processo que
produz o que poderíamos designar de redução identitária na medida em que
contribui para uma maior consciência de um colectivo de objectivos concerta-
dos.
Em Timor-Leste, a Resistência evoluiu de uma fragmentação identitária para
a percepção da necessidade de promover o antagonismo mobilizador, após o
que concluiu pela insuficiência de tal sentimento, optando pela construção de
uma identidade positiva, de uma identidade real e não mero produto da reacção
146 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
à violência, que sustentasse a autodeterminação. Esta viragem teve uma
materialização institucional, com a ideia da formação de um movimento único,
supra-partidário, congregador das dissensões, orientação que naturalmente não
esteve isenta de contestação nem da formação contraproducente de facções,
geradoras de tensões. É neste âmbito que se entende a Convergência Naciona-
lista, o CNRM e o CNRT e bem assim, já depois do referendo de autodetermina-
ção, o Pacto de Unidade Nacional (Cf. infra).
Esta noção de empresa comum – se acaso suscita algumas dúvidas sobre a
capacidade do Estado enquanto sucedâneo da Resistência como entidade pro-
motora e dinamizadora de uma identidade nacional – enfrenta agora novos
desafios cuja resolução é de complexa hierarquização e resposta. Nesta redefinição
de rumo – de todos quantos participaram na Resistência e que se vêem obriga-
dos a reorientar o seu percurso de vida –, há um património acumulado que tem
incidências no presente e por este motivo a Constituição procurou reconhecer
este contributo no seu art.º 11, intitulado Valorização da Resistência: “1. A Repúbli-
ca Democrática de Timor-Leste reconhece e valoriza a resistência secular do povo
Maubere contra a dominação estrangeira e o contributo de todos os que lutaram
pela independência nacional; 2. O Estado reconhece e valoriza a participação da
Igreja no processo da libertação nacional de Timor-Leste; 3. O Estado assegura
protecção especial aos mutilados de guerra, órfãos e outros dependentes daqueles
que dedicaram as suas vidas à luta pela independência e soberania nacional e
protege todos os que participaram na resistência contra a ocupação estrangeira, nos
termos da lei; 4. A lei define os mecanismos para homenagear os heróis nacionais”.
A remissão para a lei, que permitirá definir quem são os heróis nacionais e
como serão protegidos todos aqueles que, de uma forma ou de outra, participa-
ram mais activamente na Resistência, se bem que deixe com contornos pouco
claros como será feita a tão recorrentemente citada valorização, indicia uma
preocupação na sociedade timorense não só sobre o papel que a resistência
desempenhou como – uma vez esgotado o seu objectivo principal se esgotou –
na utilização dos seus recursos, da sua força organizativa e da sua capacidade de
intervenção num trabalho de colaboração e integração no Estado (o que tam-
bém ficou consignado no n.º 8 do Pacto de Unidade Nacional).
147colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
2.3.2.1. O papel da Igreja Católica timorense
Não consitui nenhuma novidade que a religião católica foi um importantís-
simo pilar na resistência, impedindo a assimilação cultural pretendida pela
Indonésia. Está aqui em causa uma especificidade diferenciadora a que era
necessário deitar mão, fazendo contrastar o Catolicismo com uma região
maioritariamente islâmica como é o Sudeste Asiático e, simultaneamente, apro-
priar a língua e cultura do colonizador para a reforçar. Mas, para além da
importância simbólica e política deste contributo, é necessário sublinhar, igual-
mente, que no plano institucional e diplomático a Igreja Católica timorense
desempenhou, com mestria, o seu papel.
Só devido a uma acção tutelar foi possível aumentar tão extraordinariamen-
te o número de fiéis, que antes de 1974 eram cerca de 30% da população e agora
rondam os 90%73. Neste sentido é também de vincar a extrema importância da
estratégia de introdução do Tétum (que a FRETILIN adoptara como pretendida
língua nacional) como a língua da liturgia da Igreja Católica desde 1981, fazendo
uso da língua como instrumento de resistência civil, por afirmação de uma
desejada especificidade cultural e identitária, em paralelo com a referência
histórica do contacto e influência da cultura e língua portuguesas74. Pode dizer-
-se que foi a Igreja Católica, quer pelo papel na educação quer pela colaboração
e apoio ao movimento da Resistência, que também comunicava em língua
portuguesa, os responsáveis pela continuidade da influência da cultura portu-
guesa.
Noutro plano, a destruição empreendida eficazmente pela Indonésia deu
novo vigor à unidade moral do Catolicismo, uma vez que a Igreja foi a única
estrutura que restou quando governo e forças armadas coloniais retiraram em
1975, para além de que tornou o Tétum em língua de unidade, não afastando o
73 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement in East
Timor, 1975-97”, in LEITE, Pedro Pinto – The East Timor Problem..., p. 277.74 ESPERANÇA, J.P. – Política linguística em Timor-Leste. Alfabetos e tentativas de normalização
ortográfica do tétum. Lisboa: Associação Luso-Timorense de Informação e Cultura, 1997, p. 1.
148 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Português75. Mas não era só o apego à lusofonia, era também o respeito pelas
tradições animistas em torno do lulik. Como expressivamente escreve Peter
Carey, “a iconografia da Igreja católica, com os seus crucifixos, as suas virgens santas,
os seus nichos e estruturas de via dolorosa, servia de certa maneira como um
substituto para as variadas formas de veneração dos antepassados e do lulik, cada
vez mais difíceis de manter em Timor devido à sua potencial associação (aos olhos
dos indonésios) às reuniões da FRETILIN”76. Não era sentida nenhuma contradição
entre a acção da Igreja, o sistema de crenças local e o poder das autoridades
rituais. Houve como que uma apropriação bem sucedida do poder espiritual-
ritual tradicional, muito fragilizado pela destruição promovida pelo invasor,
numa lógica de substituição simbólica muito eficaz que acabou por ser adoptada
pelo nacionalismo.
A continuidade da instituição e da sua missão pastoral, apesar das perturba-
ções profundas da ordem, é um elemento de extrema importância; trata-se de
um ponto de referência essencial no apoio à população, pois não só dispõe de
uma organização que cobre todo o território como manteve um contacto contí-
nuo com Macau, Portugal e com organizações e movimentos católicos internacio-
nais e sobretudo com a Santa Sé. Como referiu expressamente o bispo D. Carlos
Ximenes Belo, a fé católica é como um símbolo de unidade que expressa o facto
de serem timorenses77.
Para além de ter sido o traço mais permanente da presença portuguesa em
Timor, a Igreja Católica assegurou a ligação do território e da sua população à
cultura letrada, uma vez que dominou largamente o sector da educação – o
ensino público é tardio, apesar da importância do liceu de Díli nos anos 60 e 70
do século XX. Mas a sua autonomia após a invasão indonésia permitiu a criação
de uma igreja nacional que se constituiu num dos protagonistas da Resistência.
A sua ligação com o exterior, designadamente com o Vaticano, dado não depen-
75 BOAVIDA, João Frederico – The fusion of Religion and Nationalism in East Timor: A Culture in the
Making. Oxford: Unpublished M.A. thesis, University of Oxford, Linacre College, 1993.76 CAREY, Peter – “Indonésia e Timor...”, p. 1072.77 Apud ARCHER, Robert – “Catholic Church in East Timor”, in CAREY, Peter; CARTER-BENTLEY,
George – Ob.cit., p. 127.
149colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
der das conferências episcopais nem indonésia nem portuguesa, teve também
um assinalável lugar na denúncia do problema interno. Refira-se que a Santa Sé,
dada a natureza delicada das suas relações com o maior país muçulmano do
mundo, com uma minoria católica importante, assumira oficialmente que não
reconhecia a anexação, considerando que o território se libertara de Portugal
mas ainda não se unira à Indonésia. Acresce que, sempre que apresentavam
credenciais ao Papa, os embaixadores indonésios recebiam uma mensagem que
chamava a atenção para a necessidade de ter em conta, em todas as circunstân-
cias, a identidade étnica, política e cultural do povo (1984), ou a identidade étnica,
religiosa e cultural do povo (1987)78.
As tomadas de posição públicas da igreja timorense, não obstante a espera-
da hostilidade indonésia e a necessidade de a gerir por forma a impedir maior
sofrimento humano (gerando por vezes críticas ferozes, com acusões de
colaboracionismo), têm assim um lugar especial em todo o processo histórico
desde 1975. O primeiro documento público onde manifesta a sua posição é a
Reflexão apresentada por ocasião da festa de Nossa Senhora, em Julho de 1981,
cuja elaboração se deve ao clero timorense, com a aprovação do Administrador
Apostólico, D. Martinho da Costa Lopes, que foi o primeiro timorense a ocupar tal
cargo após a resignação, em 1977, do Bispo de Díli, o português D. José Joaquim
Ribeiro. O documento é muito expressivo do sentimento de abandono e da
solidariedade devida ao povo. Depois da invasão, também os padres e as freiras
se haviam refugiado nas montanhas, partilhando a dureza da resistência, parti-
cipando de modo activo no nascente nacionalismo e percebendo a necessidade
de adaptação da Igreja aos anseios da população. É desse mesmo ano de 1981,
do mês de Outubro, a adopção do Tétum como língua da liturgia. Como sublinha
Peter Carey, a nova Igreja timorense começou por enfatizar a especificidade
cultural – sobretudo através da defesa da língua e da identidade do povo
78 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement”, p. 272
e TAYLOR, John G. – Indonesia’s Forgotten War: The Hidden History of East Timor. London: Zed Books,
1991, p. 154. Esta modificação – omitindo a identidade política – reflecte a transformação ocorrida
na hierarquia católica da Indonésia num sentido menos colaborante.
150 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
timorense –, mais tarde os direitos humanos e a justiça, e fê-lo reiteradamente
desde o início da década de 80 numa fusão, como lhe chama Boavida, da religião
(em coincidência com a etimologia da palavra) e do nacionalismo, dando ao
sofrimento envolvido um cunho redentor e ao transcendente um carácter pes-
soal mas também nacional.
Em Janeiro de 1985, uma nova Reflexão do recém nomeado administrador
apostólico, o salesiano D. Carlos Ximenes Belo, enuncia claramente o direito do
povo à autodeterminação e alerta as autoridades para o perigo de etnocídio, não
obstante ter sido forçado a repudiar a sua assinatura: “a tentativa de “indonesiar”
o povo timorense através de campanhas vigorosas de promoção Panca Sila, através
das escolas ou dos média, alienando o povo da sua mundividência, significa a morte
gradual da cultura timorense. E matar a cultura é matar o povo”79. Note-se que há
aqui uma sustentação evidente do argumento da especialidade da cultura
timorense e da denúncia da necessidade de combater os meios pelos quais a
administração da potência invasora pretendia erradicar essa mesma especialida-
de, até pelo contraste com o Islamismo dominante da força invasora e dos
transmigrantes. No ano anterior, Belo admitira, numa carta, que só poderia haver
uma solução política e diplomática, incluindo o respeito pelo direito à autodeter-
minação. Na carta pastoral de 1987, referiu-se às práticas continuadas de tortura
pelos militares indonésios.
Esta posição será reforçarado numa carta datada de 6 de Fevereiro de 1989,
dirigida ao secretário-geral da ONU, Pérez de Cuellar, apelando aos bons ofí-
cios da organização para a realização de um referendo e manifestando a sua
perturbação com a acção de destruição da cultura local (e consequente
javanização): “Como responsável pela Igreja Católica de Timor e como cidadão
timorense, venho por este meio pedir a Vossa Excelência que inicie um processo
genuíno e democrático de descolonização de Timor-Leste (...). O povo de Timor deve
ser ouvido sobre o seu futuro por meio de um plebiscito. Até ao momento ainda não
foi consultado. (...) É a Indonésia que diz que o povo de Timor-Leste escolheu a
79 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement”,
p. 272.
151colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
integração, mas o povo em si nunca o afirmou. Estamos a morrer como povo e
como nação”80.
A visita de João Paulo II, em 12 de Outubro de 1989, veio trazer uma nova
esperança. A construção de uma capela em Tacitolo, um campo nos arredores de
Díli onde haviam sido mortos centenas de timorenses, teve grande significado
simbólico (que igualmente se manifestou aquando da independência, por lá
terem decorrido as cerimónias públicas de proclamação da mesma). Mas os
problemas dentro da Igreja eram uma realidade incontornável, sobretudo pelas
divisões que se faziam sentir devido à existência de sacerdotes indonésios em
número crescente, que recusavam a autodeterminação, mas também pelo receio
de que Timor fosse incorporado na conferência episcopal do país invasor. A
proposta da partição da diocese de Díli, embora originária de Jacarta – com o
intuito de diminuir a influência do bispo Belo – acabou por resultar na decisão
positiva de nomear um timorense, D. Basílio do Nascimento, para a nova diocese
de Baucau, em 1995. Outro sinal positivo foi a visita do presidente do Conselho
Pontifício de Justiça e Paz, o Cardeal Etchegaray, ao território no ano seguinte,
que reiterou a urgência da resolução do problema por forma a satisfazer as
aspirações legítimas do povo timorense pelo reconhecimento da sua identidade
cultural e religiosa, tendo depois chefiado uma delegação que se deslocou a Oslo
para celebrar a atribuição do Prémio Nobel ao prelado e a Ramos-Horta81.
É pois crucial entender a capacidade institucional de mobilização, de orga-
nização e eficiência e de grande proximidade dos fiéis (incluindo a assistência às
mulheres e filhos, viúvas e orfãos dos guerrilheiros), manifestadas ao longo de
um quarto século, o que permitiu à Igreja timorense alcançar uma posição de
referência fundamental, a par com as instâncias políticas formadas (Resistência
militar e civil, CNRM, CNRT) e agora com o Estado, a ponto de se ter gerado um
cenário em que um e outro podem enveredar por uma lógica conflituante, quase
80 KOHEN, Arnold S. – Por Timor, biografia de D. Ximenes Belo, Lisboa: Editorial Notícias, 1999,
p. 158. Sublinhado meu.81 CAREY, Peter – “The Catholic Church, Religious Conflict and the Nationalist Movement...”,
p. 283.
152 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
alternativa, para não dizer concorrencial. O princípio da separação entre a Igreja
e o Estado, consagrado constitucionalmente, foi objecto de polémica e a Igreja
manifestou as suas reservas relativamente à sua adopção por não preservar a sua
posição privilegiada no seio da sociedade timorense. É, no entanto, prematuro
retirar ilacções do convívio entre Igreja e Estado; a seu tempo, se verá como serão
geridos os papéis de uma e de outro. Em todo o caso esta duplicidade sugere
uma transposição para a actualidade da velha divisão tradicional da sociedade
timorense, entre autoridade espiritual e poder político82. De referir ainda que a
adesão da maioria da população ao Catolicismo não exclui a existência de
movimentos indiciadores de um sincretismo religioso. É o caso do Movimento da
Sagrada Família, que tem foros de sociedade secreta, misturando uma profunda
devoção a Nossa Senhora com o animismo local e o messianismo.
A realização do referendo e das eleições e a própria independência introdu-
ziram uma necessidade de reflexão sobre o papel da Igreja num contexto político
novo. As fragilidades do Estado serão, de algum modo, compensadas pela inter-
venção estruturada de uma instituição há muito organizada. A Assembleia
Diocesana de Díli definiu um plano estratégico para um período dilatado, com
objectivos bastante amplos que, para além da acção social, educacional, sanitária
e espiritual que naturalmente pressupõe, evidencia algum receio de que os
novos tempos possam vir a diminuir a religiosidade dos timorenses, afastado o
factor resistência. Ximenes Belo manifestou por diversas vezes essa preocupa-
ção, embora o grande número de dificuldades que Timor enfrenta deixará à
Igreja uma missão suficientemente importante e aos timorenses a continuidade
da sua fé. A sua capacidade de organização, o seu trabalho em rede, as suas
escolas e hospitais, a sua estação de rádio (Kmanek) e jornal (Seara), são um
importante capital que a tornam numa instituição talvez já não dominante mas
crucial no seio de uma sociedade tão fragilizada e necessitada de apoio, tanto
mais que as suas posições críticas tornam-na, ainda que indirectamente, em
órgão de controlo do poder político.
82 FOX, James J. – “Tracing the Path, Recounting the Past”, in FOX, James J.; SOARES, Dionísio
Babo – Out of the Ashes: Destruction and Reconstruction, Adelaide: Crawford House, 2000 (1-29), p. 26.
153colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
2.3.2.2. A importância de uma língua nacional
A língua é um dos aspectos mais insistentemente focados na definição de
uma identidade nacional, designadamente na análise do respectivo contributo
(assim como da escrita) para a formação de ligações étnicas e de sentimentos
nacionais e muito particularmente na dinamização das línguas vernáculas ou até
dos revivalismos linguísticos e da formação de literaturas. Esta asserção, com
premissas válidas, distancia-se por vezes da realidade e por vezes reforça até a
fragilidade das dinâmicas identitárias83. A sua falibilidade como um dos susten-
táculos da nação, num mundo pleno de Estados pluri-linguísticos, é sobejamente
conhecida. E a dúvida tem uma oportunidade óbvia no caso de Timor, eviden-
ciando as dificuldades da estratégia da escolha política de uma língua nacional
e de uma língua oficial, como adiante haverá oportunidade de demonstrar. A
língua tem de ser compreendida e usada por todos os cidadãos de um Estado e
permitir a expressão de qualquer ideia e abstracção.
É assinalável a dificuldade de construir uma língua nacional, mesmo que o
cosmopolitismo intelectual dê apoio às nações emergentes, desprovidas de
meios intelectuais e materiais capazes de, sem ajuda, o fazer. Produzem-se, deste
modo, iniciativas de “assistência identitária”, que frequentemente a este nobre
propósito associam interesses geopolíticos e económicos. Também em Timor-
-Leste a língua foi entendida como crucial para o novo Estado, conformando,
assim, uma identificação através de um código entendível por todos. Com
efeito, a variedade linguística e dialectal – Babel Lorosae, assim lhe chamou Luís
Filipe Thomaz – é um dos aspectos mais visíveis da diversidade de Timor e dos
mais importantes a considerar como substrato histórico de um país que até aqui
viveu esta realidade plural, feita de uma tradição oral de contos e lendas. A
escrita, e com ela a fixação da norma, permaneceram realidades estranhas
aos timorenses, apesar das meritórias gramáticas e dicionários dos missionários,
cuja elaboração era indispensável para a prossecução do seu trabalho de
83 Cf. SILVA, Gregório Ferreira da – Language, an Index of National Identity, in Studies in
Languages and Cultures of East Timor, 1999, vol.2.
154 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
evangelização84. A maior parte da população não sabia falar e muito menos
escrever Português, o que só era acessível às reduzidas elites letradas. Luís Filipe
Thomaz comparou o uso da língua portuguesa em Timor com o uso do Latim na
Idade Média europeia: “língua clerical, administrativa e de cultura”85 que nunca
substituiu o Tétum (praça, híbrido de Português) como língua veicular
hegemónica, criadora de um espaço social mais vasto e de uma comunicação
inter-étnica86. Os estudos linguísticos, feitos por especialistas (não esquecendo
os estudos dos missionários), só tardiamente se realizaram (os primeiros nos
anos 40 do século XX), pelas equipas dos professores Mendes Corrêa e António
de Almeida. Este panorama ganhou naturalmente maior acuidade com o lança-
mento do nacionalismo e agora com a formação do Estado.
A questão linguística teve uma enorme influência das posições assumidas
pela Igreja Católica e pelo CNRT, não só pelo uso do Tétum como língua da
liturgia durante o período da resistência (língua do culto e língua de identidade),
como pela noção de que a individualidade timorense, no seu contexto geopolítico,
passava pelo recurso quer a uma língua nacional quer à língua do antigo coloni-
zador como factor de diferenciação e até de afirmação nas relações internacio-
nais, integrando a CPLP (argumento do CNRT). A decisão política foi da adopção
constitucional do Português e do Tétum como línguas oficiais (tendo o Tétum e
as outras línguas de Timor-Leste a classificação de línguas nacionais)87. Tal deci-
são suscita, porém, alguns problemas. Com efeito, o Tétum não está normalizado
e não é a primeira língua para muitos timorenses (que persistem no uso das
línguas das suas regiões de origem); o Português é uma língua pouco falada e o
seu ensino difícil. Em contrapartida, o Bahasa Indonésio é uma língua falada por
significativa percentagem de timorenses88 e utilizada durante anos no ensino,
84 THOMAZ, Luís Filipe – De Ceuta a Timor, p. 651.85 IDEM, ibid., p. 648.86 IDEM, ibid., p. 651.87 Constituição da República Democrática de Timor-Leste, art.º 13, n.º 2: “O tétum e o português
são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.88 As estatísticas indonésias indicam que o número de falantes do idioma aumentou de quase
ninguém em 1976 para 30% em 1980, perto de 50% em 1990 e 56% em 1998. PEDERSEN, Jon;
155colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
tendo formado as gerações mais novas e demograficamente com maior peso; as
relações de vizinhança com a Indonésia têm um peso acrescido na continuidade
do uso do Bahasa. Pela mesma razão, a proximidade da Austrália e o uso
generalizado do Inglês são realidades incontornáveis. Por tal motivo, a Constitui-
ção consagrou o Bahasa e o Inglês como línguas de trabalho.
Neste cenário, o factor língua reveste-se pois de uma complexidade acres-
cida, como comprovam os dados do Relatório de Desenvolvimento Humano do
PNUD de 2002: 82% da população fala Tétum, 42% sabe falar Bahasa Indonésia
e só 5% consegue comunicar em Português e 2% em Inglês. De um ponto de
vista estritamente pragmático, verifica-se que o uso das quatro línguas envolve
custos elevados (incluindo os da tradução dos documentos) e que se estima que
cerca de 2000 funcionários superiores da administração pública terão de receber
formação em Português, 400 em Tétum e 150 em Bahasa Indonésia. O treino do
Inglês é igualmente aconselhável, tanto mais que será o meio preferencial na
indústria internacional do petróleo. De entre os funcionários, destacam-se os
professores, trabalhadores da saúde e pessoal do sistema judiciário com eviden-
te necessidade de formação em línguas89.
Esta é assim uma questão de suma importância, que tem dividido as águas
políticas timorenses e que merece uma ponderação exigente. Por um lado, a
língua é “um lugar de memória, de resistência e de afirmação cultural”, e, para além
do mais, consolida as “raízes simbólicas da identidade nacional”, em que a relação
histórica com Portugal e com a sua língua tem grande relevo90. Acresce que o
Português tornou-se também língua de resistência, o veículo da comunicação
clandestina, sobretudo a partir do momento em que foi abolido nas escolas
públicas e privadas e proíbida a sua utilização na liturgia91. Por outro lado, o
ARNEBERG, Marie, eds. – Social and Economic Conditions in East Timor, International Conflict Resolution
Program School of International and Public Affairs: Columbia University/Fafo Institute of Aplied
Social Science, 1999, p. 92.89 PNUD – East Timor Human Development Report 2002, p. 3.90 STILWELL, Peter – Timor: Pensar a questão da língua, in AAVV – Timor: Um país para o século
XXI, p. 185.91 CAREY, Peter – “Indonésia e Timor: dois caminhos para a independência”, in Análise Social,
vol. XXXVI, n.º 161, 2002 (1061-1077), p. 1072.
156 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Tétum, como língua nacional, não deve ser minimizado, por ser, apesar de tudo,
elevada a percentagem de indivíduos que a falam, mesmo que como segunda
língua92. O próprio Xanana Gusmão, que escreve poesia em Português, reconhe-
ceu nem sempre ter dominado o Tétum e que os militantes da FRETILIN que em
1974-75 fizeram uma campanha de aprendizagem do Tétum pelo método de
Paulo Freire eram, maioritariamente, falantes de Português.
2.3.2.2.1. Um “conflito de gerações” na opção da língua
Optar pelo Português, longe de ser consensual, foi alvo de muitas críticas e
parece ser fracturante, sobretudo de um ponto de vista geracional. Com efeito,
as camadas etárias mais jovens, educadas em Bahasa, têm um fraco ou nulo
conhecimento do Português, ensinado às gerações anteriores. Os mais velhos
viveram sob duas colonizações que comparam e alguns reconhecem a identida-
de timorense como o resultado de um processo de incorporações várias, en-
quanto os mais novos – que permaneceram em Timor – só conheceram a
administração, a língua e o terror indonésios, não tendo, por esta razão, referên-
cias portuguesas assinaláveis (a não ser uma vaga memória que lhes foi transmi-
tida pelos pais). Os jovens da diáspora, por seu turno, maioritariamente instala-
dos na Austrália, sofreram a influência anglo-saxónica, não parecendo vislumbrar
vantagens no uso do Português. O mesmo sucede com aqueles que foram
educados em Bahasa Indonésia, quer em Timor quer na própria Indonésia.
Trata-se, portanto, de uma questão que descreve uma cisão geracional e
propensões diversas da elite (de formação portuguesa, do seminário e a de
formação indonésia ou australiana) saldada numa divergência de pontos de vista
sobre a política de língua, em que prevaleceu a escolha histórica e cultural.
92 António de Almeida, que conduziu a Missão Antropológica de Timor, tendo identificado um
total de 31 línguas, dialectos e subdialectos, considerou a existência de sete línguas – Baiqueno,
Bunaque, Fata Luco, Macoué, Mambai, Macassai e Tétum. Geoffrey Hull considera a existência de
dezasseis línguas. Luís Costa refere quinze.
157colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Ramos-Horta explica-o de forma bastante expressiva num plano de paz que
elaborou em 1992: “(…)Vejamos as razões por que advogo a utilização do portu-
guês. (…) A colonização portuguesa de cinco séculos, a religião católica e a língua
portuguesa garantem a Timor-Leste a sua especificidade – e o seu lugar privile-
giado na região. Sem o português e uma forte ligação com Portugal e outros países
lusófonos, Timor-Leste seria «invadido» pela «cultura» anglófona e seria relegado
para o lugar não muito honroso de um pequeno jardim australiano ou manter-se-ia
a predominância da língua indonésia e seria eternamente uma colónia cultural
javanesa. Perdendo os laços culturais com Portugal, Timor-Leste perderia não só
uma herança secular que o torna único na região, mas perderia igualmente uma
importante arma que o tornaria parceiro indispensável e ponte de ligação na região
e entre a região e outros continentes”93.
A decisão tomada implicará um enorme investimento na estrutura educativa
e a generalização do ensino do Português reveste-se de várias dificuldades,
como facilmente se observa. Não é fácil fazer prognósticos quanto ao êxito da
tarefa, sobretudo pelo confronto com as tendências hegemónicas da língua
inglesa. Em todo caso, é evidente que à questão geracional sobrepõe-se a
utilização da língua como arma na luta nacionalista, na linha do que escreveu Ian
Buruma no The Guardian, de 26 de Maio de 2001: “a língua de um velho império
pode ser útil para deter os avanços de outro”94.
2.3.2.3. Movimentos de jovens: a 2.ª geração nacionalista
Já se evocou a importância que a primeira geração nacionalista, oriunda da
elite local ou mestiça formada na Soibada ou em Dare ou ainda no liceu (bem
como, em muito reduzido número, na Universidade, na metrópole), deu um
contributo maior para a ultrapassagem na identidade etno-linguística pois pôde
93 IDEM, ibid. Sublinhados meus.94 BURUMA, Ian, http://globalarch…/articles.html?print=true&id=01052600153 (tradução do
autor).
158 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ter a noção de que o mundo exterior a via como timorenses e que o discurso
nacionalista poderia construir essa entidade abstracta, colectiva, que permitiria
o enunciado de “nós, os timorenses” configurando uma comunidade imaginada.
Mas esta era uma consciência confinada a uma minoria (muito reduzida face a
uma percentagem esmagadora de analfabetos), que quis introduzir uma ideia de
modernidade rompendo com os laços tradicionais da sociedade, trazendo para
a discussão política os valores do individualismo (e dos direitos humanos), do
racionalismo, da crença no progresso, que o nacionalismo corporizava. Tratou-se,
portanto, de uma dupla ruptura, que se pretendeu imprimir, não só com o
colonialismo como também com a gemeinschaft de Tönnies. A mobilização do
chamado povo maubere, apesar de iniciativas circunscritas no tempo e no espa-
ço, não atingiu os níveis sonhados por esta elite.
Só no início da década de 80, quando Xanana e as FALINTIL iniciaram uma
consulta à população (incluindo os velhos – katuas) sobre se deveriam continuar
a combater (tanto no plano político como no espiritual), se alarga a base da
participação e se altera o rumo da resistência. Era o início de uma reformulação
do discurso nacionalista, supra-partidário, tentando apagar querelas e antigas
guerras entre reinos, buscando legitimidade num plano mais alargado. Já não
estava somente em causa um determinado projecto político, mas as alterações
introduzidas nos equilíbrios sociais tradicionais que animaram a afirmação
identitária. É neste contexto, sobretudo a partir do cessar-fogo de 1983, que se
alarga uma cooperação mais alargada a várias áreas geográficas e com diferentes
níveis de resistência, justapondo a guerrilha nacionalista às filiações etno-lin-
guísticas ou às alianças familiares.
Não obstante estar em formação o embrião do que se pretende seja uma
sociedade civil interventiva e consciente do seu papel, continua a ser de subli-
nhar que, neste quarto de século, as gerações mais jovens (muitas vezes
agremiadas nas chamadas ONG, que timidamente deram os seus primeiros
passos) introduziram os elementos de mudança e foram seduzidas pela ideologia
da modernidade – o que não é de estranhar num território de pirâmide etária
larga na base e com uma esperança de vida média a atingir apenas a cinquentena.
Assim, o peso demográfico desta camada alargada da população sugere a
159colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
premência do equacionar de questões como a do papel que desempenharam na
construção, evolução e fases do nacionalismo timorense, bem como a da sua
participação política e da sua identificação com a liderança.
Com efeito, há uma nova geração que passou a contestar a ordem a partir
de meados da década de 80, uns por razões que não são necessariamente
ideológicas e outros que agiram com propósitos nacionalistas, o que natural-
mente resulta dos efeitos do colonialismo indonésio, designadamente da sua
formação escolar fornecida e dos aparentemente paradoxais efeitos da
endoutrinação nos princípios do Panca Sila. Este facto contribuiu, consequente-
mente, para o alargamento da base nacionalista, que se viu reforçada pelo apoio
de dinâmicos agentes que adoptaram novos e eficazes métodos para atingirem
o fim em mente. Era já um facto histórico o papel vital que os jovens haviam
desempenhado nos nacionalismos asiáticos e africanos, não constituindo Timor
relativamente a este aspecto uma excepção. A questão geracional já tivera
alguma visibilidade quando comparada a idade dos apoiantes da UDT e da
FRETILIN. Tal como aqueles, estes têm também uma actuação essencialmente
urbana, mas a partir de então complementando os braços da Resistência95. A sua
capacidade de organização, interna e externa (também através da diáspora), a
sua visibilidade, potencializada pela dimensão tecnológica do trabalho em rede,
tornaram-na uma das faces mais visíveis do problema de Timor-Leste, o que a
mediatização da era pós-massacre de Santa Cruz potenciou.
Note-se, no entanto, que este alargamento da base nacionalista pelo apoio
da juventude é, em larga medida, resultante da acção do Estado indonésio, na
sua política desenvolvimentista, educativa e repressiva, como notou Benedict
Anderson; e vincadamente urbana, num território onde há décadas o êxodo rural
está documentado e a macrocefalia da capital é, naturalmente à escala local,
muito notória. Tal como é tributário da Igreja Católica, pelo seu poder mobilizador,
95 O conflito de gerações é, como se viu, um aspecto de grande relevância no panorama político
timorense. A este propósito, ver ADITJONDRO, George J. – Self-Determination Under Globalisation:
Timor Loro Sa’e’s transformation from Jakarta’s colony to a global capitalist outpost, p. 12,
www.uset.org.au/resources/tl_pol-ec_transformations.html, consultado em 10.8.2000.
160 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
espiritual e também educativo. O que não impediu que algumas franjas da
sociedade não se revissem na eclosão deste fenómeno de contestação tendo
chegado, inclusivamente, a combatê-lo. É por isto que se deve lembrar que
também os jovens organizados em gangs designados de Ninjas, praticantes de
artes-marciais, espalhavam o terror e a destruição, formando camadas de exclu-
são socio-identitária potencialmente perigosas, que haveriam de fornecer mui-
tos efectivos às milícias pró-integracionistas, protagonistas dos trágicos aconte-
cimentos de 1999.
Retomando o problema da escolarização, sublinhe-se que, não obstante, a
Indonésia ter alargado a rede de escolas primárias a todo o país, só uma pequena
minoria atingia os níveis secundário e superior do ensino, facto que realça o
pendor elitista deste apoio, prenunciando, inclusivamente, o que Pareto viu
como a alternância e substituição das elites; esta que aqui se trata afastada da
matriz portuguesa, do seminário e do funcionalismo público, falante de Bahasa
ou Inglês. Apesar de, como se referiu, o número de escolas ter aumentado96 –
tendo como principais objectivos, insiste-se, o ensino na língua indonésia (que
demorou alguns anos a obter bons resultados) e a endoutrinação do Panca
Sila97 –, a qualidade do ensino era baixa; muitos pais, que não dispensavam os
filhos como força de trabalho, não os mandavam à escola invocando esta e outras
razões, como a distância, os custos elevados do material escolar, os conteúdos
curriculares “estrangeiros” ou tão somente não reconhecerem o valor da educa-
ção escolar para as raparigas. Cerca de 30% das crianças não eram sequer
96 Para se ter uma noção do aumento, registe-se que em 1978 existiam 47 escolas primárias
(com 10500 alunos) e 2 escolas secundárias (com 315 alunos); em 1999 o número de escolas
primárias cifrava-se em 788 escolas (com 167181 alunos) e 168 escolas secundárias (com 51160
alunos). Em 1985, quase todas as aldeias dispunham de uma escola primária. UNDP- East Timor
Human Development Report (2002), p. 48.97 ARENAS, Alberto – “Education and Nationalism in East Timor”, in Social Justice, vol. 25, n.º 2,
1998 (131-148), p. 140, transcreve o relato de um refugiado timorense onde se descreve o processo
de endoutrinação do Panca Sila enquanto ideologia do Estado: “Todas as segundas-feiras de manhã,
tínhamos de cantar “Minha pátria Indonésia” (...). Todos os dias cantávamos canções indonésias e
passávamos uma hora a aprender “Lições de Moral Panca Sila” [PMP – Pendidikan Moral Pancasila]. (...)
Era obrigatório aderir ao Pramuka [espécie de escuteiros indonésios]” (tradução do autor).
161colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
inscritas98. E à medida que se avançava no grau de ensino verificava-se um
afunilamento, especialmente notório na Universidade (fundada em 1986) com
um ratio de inscrições de 3,8% em 1999, que decresceu para 2,8% em 2001.
Durante o Setembro negro uma parte importante das infraestruturas do sector foi
destruída, o que aliado à necessidade de melhorar os padrões de qualidade,
tornaram muito complexa a tarefa de reerguer o sistema educativo.
Parece, no entanto, indiscutível o poder de mobilização e de projecção dos
jovens, que contou igualmente com a colaboração daqueles que se encontravam
na diáspora, como já foi referido. Formou-se o que se designou de intifada
timorense organizada em movimentos99, com origens diversas, em que alguns
jovens eram filiados na FRETILIN100 ou vinham do Externato de São José, a última
das escolas onde se falava Português, ou ainda dos seminários católicos ( e das
paróquias e escolas, sobretudo em Díli). Esta associação com a Igreja Católica foi
muito profícua no acentuar das percepções das diferenças sociais e culturais
entre ocupantes e ocupados (note-se que vêm, de algum modo, preencher o
vazio resultante da desarticulação entre a primeira geração nacionalista, em fase
da redefinição que haveria de conduzir à formação do CNRM, em 1987). Em 1989,
a curta visita do Papa trouxe a oportunidade de divulgar a “questão de Timor” nos
media internacionais. O desanuviamento da “abertura” traria uma nota de espe-
rança mas, ao mesmo tempo, novos problemas. Se por um lado a sensação
de total isolamento se atenuou, por outro lado, acentuou-se a repressão que
culminou no massacre de 12 de Novembro de 1991 e na prisão de Xanana,
seguida da formulação de um plano de limpeza étnica (Operasi Tuntas, i.e.,
“Acabem com eles”) e do aparecimento dos mortíferos gangs de Ninjas para o pôr
em prática.
98 UNDP- East Timor Human Development Report, p. 48.99 De que constituem exemplos a OJT – Organização da Juventude Timorense – surgida no seio
do movimento clandestino, em 1983, ou a RENETIL, adiante mencionada, responsável pela iniciativa
de várias manifestações100 Refira-se que no âmbito da FRETILIN se formaram, logo em 1975, duas organizações de
juventude: a União Nacional dos Estudantes Timorenses (UNETIM) e a Organização Popular da
Juventude Timorense (OPJT), esta última pretendendo abranger franjas mais alargadas.
162 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Em todo o caso, gerou-se um ambiente de maior unidade (que a transmissão
de imagens facilitou, inclusivamente entre as comunidades da diáspora) e os
mais novos não desarmaram. A atitude de desafio às autoridades militares, as
manifestações que promoviam (uma delas na origem de Sta. Cruz) tiveram um
preço elevado, mas nem por isso abalaram uma inquebrantável vontade de
resistir. Aqueles que estudavam na Indonésia101 tiveram um papel impulsionador
neste processo de dinamização de uma sociedade civil, como se verificou pela
criação de várias ONG na Indonésia com ligações aos sectores de oposição ao
regime: a RENETIL (Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste, fundada
em Bali, em 1988, por Fernando de Araújo, que viria a ser preso em 1991), talvez
a maior organização clandestina de estudantes; a FECLETIL (Frente Clandestina
Estudantil de Timor-Leste, mais tarde transformado em PST, Partido Socialista de
Timor) e a LEP (Liga dos Estudantes Patriotas). De destacar ainda a criação da
IMPETTU (“Ikatan Mahasiswa dan Pelajar Timor-Timur”, ou seja, Liga de Estudan-
tes Timorenses, que englobava o ensino superior e secundário), fundada, em
Jacarta, em 1984, assumindo o seu nacionalismo, que veio a ramificar as suas
actividades noutras cidades de Java, dedicando grande atenção à denúncia das
violações aos direitos humanos. João Câmara descreve pormenorizadamente a
actividade da Liga, destacando o seu papel na canalização de correspondência
para o exterior, recorrendo a pessoas que frequentemente estavam integradas
na administração pública, e no contacto com as ONG, sobretudo com o ACFOA102.
Muitos destes estudantes foram presos e alguns chegaram a pedir asilo político
à Holanda; tal não impediu, no entanto, que fossem desenvolvendo os seus
contactos com os media e com mais ONG. Em 1988, Xanana apelou à reorgani-
zação da Frente Clandestina na Indonésia, reunindo as várias organizações
estudantis que tentaram concatenar a sua colaboração na causa nacionalista,
101 A título ilustrativo, mencione-se que dados oficiais do governo indonésio indicavam que,
em 1989, 1500 timorenses receberam bolsas de estudo para estudarem em universidades na
Indonésia, ARENAS, Alberto – “Education and Nationalism in East Timor”, p. 139.102 CÂMARA, João Freitas da – IMPETU e o seu movimento de libertação na Indonésia (1982-
-1999), in Camões 14 (50-58). Ver também ADITJONDRO – Self-Determination under Globalisation,
pp. 13-15.
163colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
mas foi depois de Sta. Cruz que alcançaram maior notoriedade, sobretudo depois
da manifestação que promoveram junto do edifício da representação diplomáti-
ca da ONU, reunindo mais de uma centena de manifestantes que apresentaram
uma nota de protesto apelando à intervenção do Secretário-Geral para pôr
termo aos sistemáticos atropelos aos Direitos Humanos. Uma parte destes estu-
dantes (João Câmara, Fernando de Araújo, Virgílio Guterres e Agapito Cardoso)
foram presos, julgados e condenados, acusados de subversão e encerrados em
Cipinang (1992). Entretanto cresciam os pedidos de asilo político nas várias
embaixadas europeias e americana (com relevo para o episódio do aproveita-
mento da presença de Clinton na cimeira da APEC, em Bogor, 1994), facto que
contribuiu para uma maior divulgação, via informática, do problema timorense.
Em Timor, a actividade associativa não cessou, tendo surgido a OJECTIL
(Organização de Jovens e Estudantes Católicos de Timor-Leste, 1989), a OPJLATIL
(Organização Popular da Juventude Lorico Ass’wain Timor-Leste) e a HAK
Foundation (1997), organização secular de salvaguarda dos direitos humanos.
Em 1998, foi fundado o East Timor Student Solidarity Council (ou DSMPPTT, Dewan
Solidaritas Mahasiswa, Pelajar dan Pemuda Timor Timur), associado à Universida-
de de Timor-Leste, sob a liderança de Antero Benedito da Silva. É pois assinalável
este associativismo protagonizado pelas gerações mais novas e politizadas, que,
ademais, em 1999, participaram de forma notável na campanha do referendo,
percorrendo o território de lés-a-lés em campanha pela independência.
Foi Benedict Anderson quem primeiramente chamou a atenção para o
impacte modernizador da expansão do Estado indonésio, com os seus projectos
de desenvolvimento económico, e muito particularmente do reforço do sistema
de ensino, ou da construção de novas vias de comunicação, com fins militares, e
de como estas iniciativas permitiram o movimento rápido dos jovens e esbateram
as divisões tradicionais de tribos e de culturas (tal como acontecera nos anos 20
nas Índias Neerlandesas, com a expansão do holandês que permitiu ultrapassar
os limites de comunicação das múltiplas línguas locais). Anderson considera que
os guerrilheiros se aperceberam da importância que os jovens teriam na luta pela
independência e no seu contributo para o nacionalismo timorense, ao contrário
dos militares indonésios que não tiveram tal percepção ou, pelo menos, a
164 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
subvalorizaram. Isto apesar do fenómeno ser muito visível, pois já em 1991, o
Rev.do Paul Moore, bispo de Nova Iorque, temera uma versão à escala timorense
de Tiananmen103. Os receios do prelado, salvaguardadas as devidas proporções,
tinham todo o fundamento, como haveria de se tornar evidente em Sta. Cruz.
Veja-se ainda o impacte que a ocupação de parte da embaixada dos Estados
Unidos aquando de uma cimeira da APEC em Bogor (1994), aproveitando a
presença de Clinton para mostrar o dinamismo e a persistência do movimento de
resistência.
Involuntariamente, cometendo o mesmo erro dos colonizadores europeus,
a Indonésia acreditou na possibilidade de uma assimilação que os ingratos
timorenses não aceitaram.
2.3.2.4. A frente externa da resistência: a diáspora timorense
Forçados a sair da sua terra pela hostilidade do invasor, os Timorenses
tiveram de se refugiar em Portugal (incluindo Macau) e na Austrália, onde se
organizaram em comunidades que pugnaram pela defesa de valores de coesão
– a identidade do povo e a autodeterminação –, constituindo por assim dizer
uma frente externa do movimento de resistência. Até 1975, poucos eram os
timorenses que haviam saído da sua terra: só os estudantes em Lisboa e em
Macau e um pequeno conjunto de indivíduos que haviam emigrado para a
Austrália. Antes da invasão em Dezembro, vários membros da FRETILIN
foram enviados para o estrangeiro; entre Agosto e o fim de Setembro de 1975,
1647 timorenses partiram para Darwin, 672 dos quais eram de etnia chinesa.
Em 1976, 929 refugiados da UDT foram repatriados para Portugal e em 1978,
através do Special Humanitarian Programme do governo australiano que patro-
cinava a reunião de parentes no estrangeiro com os timorenses que residiam na
Austrália, foram acolhidos 1404 timorenses provenientes de Portugal e 3186
chineses saídos de Timor, entre 1981 e 1986. A este programa seguiu-se o Special
103 CAREY, Peter – East Timor at the Crossroads, p. 167.
165colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Assistance Plan, do início da década de 90, de auxílio ao repatriamento de
timorenses para a Austrália, sob os auspícios do qual, entre 1992 e 1993, 1400
indivíduos emigraram de Portugal para a Austrália, reunindo-se com as respec-
tivas famílias.
Alguns fizeram fugas mais arriscadas, de ilha em ilha do arquipélago
indonésio até conseguirem entrar clandestinamente num país vizinho, onde
procuravam obter documentação portuguesa ou de Taiwan (no caso de serem de
etnia chinesa), rumando depois para Portugal (de onde era mais fácil consegui-
rem entrada na Austrália). Em 1997, estimavam-se em cerca de 20000 o número
de timorenses da diáspora, 15000 na Austrália e os restantes em Portugal e em
Macau104. Jannisa observa que, não obstante o empenhamento político-diplo-
mático de Portugal, foram os exilados na Austrália (que reconhecera formalmen-
te a anexação) que alcançaram maior protagonismo na resistência, ao ponto de
aí se ter sediado o CNRM105. Terá sido também neste continente-ilha que se
formaram maior número de associações e de clubes recreativos e desportivos,
como forma de sobrevivência cultural. O desenraizamento face às sociedades de
acolhimento foi a razão por que sentiram necessidade de reforçar a coesão da
comunidade, quer através do culto católico (que não se diluiu, e continuou a
conviver com o animismo), quer da criação de associações culturais e de apoio
social, quer ainda dos rituais de festa, os coros, as danças, etc106.
Para além de Portugal e da Austrália há que registar Macau, local de passa-
gem de muitos jovens timorenses que ali frequentavam o seminário, antes de
1975, tornou-se quer um ponto de passagem quer de instalação de muitos
refugiados. As ex-colónias africanas de Portugal, entretanto, reunidas sob o
acrónimo de PALOP, sobretudo Moçambique mas também Angola, acolheram
igualmente timorenses, sobretudo da elite política, que, numa primeira fase ali
aprenderam as tácticas da guerrilhas e as vulgatas ideológicas terceiro-mundistas
104 JANNISA, Gudmund – The Crocodile’s Tears, p. 301.105 IDEM, ibid., p. 303106 Cf. TAVARES, Manuel Viegas – Bua Sei Saren Malus Dikin Loron Ida: A integração dos timorenses
na sociedade portuguesa. Lisboa: Instituto Piaget, s.d., e PEREIRA, Helena Ventura – Ob.cit..
166 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
e depois se estabeleceram profissionalmente. Por último, refira-se o grupo dos
timorenses instalados na Indonésia, sobretudo em Java, com particular relevo
para os estudantes universitários.
O papel destas comunidades na divulgação da situação política e humani-
tária de Timor deu, naturalmente, maior visibilidade à causa, mas, ao longo do
tempo, o envolvimento político-partidário foi decrescendo; estavam muito vivas
as memórias da guerra civil e postos em causa os benefícios reais de um tal
envolvimento, o que afectou a eficiência da Convergência Nacional criada em
1986. As dissidências e os pequenos grupos dentro dos partidos tinham também
a sua quota-parte de responsabilidade neste desinteresse. É neste contexto que
se insere a criação do CNRM em 1988 (e a neutralidade partidária que assumiriam
Xanana e depois Ramos Horta) e do aparecimento daquilo a que Justino Guterres
chamou “freelance fighters”107, i.e., indivíduos que perseguiam o objectivo da
independência de Timor mas se punham fora das quesílias partidárias, caracte-
rizados por serem geralmente jovens educados, politicamente activos e críticos
da acção dos mais velhos, a quem atribuiram a responsabilidade de terem
deixado o país envolver-se na guerra civil que deu o pretexto à invasão
indonésia108. Sentia-se uma necessidade de criar um corte com os erros do
passado, e de revitalizar o movimento com novas ideias e novas pessoas. For-
mando uma parte importante da frente externa da resistência, a sua integração
política no novo Estado é um dado incontornável, como demonstra a criação do
Partido Democrático (PD), cujos resultados eleitorais foram não só expressivos de
uma realidade demográfica incontornável que é a juventude da população
como, por outro lado, do que poderá ser o início de um fenómeno de substitui-
ção das elites (acentuando as influências indonésias e australianas).
Há pouco referiu-se que a diáspora timorense contribuiu para dar maior
visibilidade internacional ao problema de Timor: fê-lo tirando o devido partido
das potencialidades das comunicações, através das quais concertaram a uma
107 GUTERRES, Justino – Refugee Politics: Timorese in Exile, BA Thesis, 1992, apud JANNISA –
Ob.cit., p. 301.108 IDEM, ibid., pp. 68-72.
167colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
escala global todo um conjunto de acções que favoreceu o processo que condu-
ziu à consulta popular de 1999. Com efeito, a resistência teve na diáspora, e
muito concretamente nas respectivas elites, um importante braço que conse-
guiu, eficazmente, articular ONG, media, opinião pública e lobbies políticos e
diplomáticos. A “abertura” de Timor, a partir de 1989, permitiu igualmente o
aumento do contacto entre os que haviam permanecido e os exilados, através do
telefone ou mesmo de visitas. A reacção local foi em crescendo até ao massacre
de Sta. Cruz, cujas imagens tiveram entre os elementos da diáspora um profundo
impacto, promovendo neles um sentimento de unidade e de solidariedade
imediatos.
Ultrapassada a fase de luta, e concretizado o objectivo de formar o Estado,
surge a necessidade de criar uma continuidade em comunhão de destino e de
identidade que dará vida à nação. Aqui reside justamente um dos problemas
importantes de Timor: a dificuldade em atrair as elites da diáspora para Timor e
em integrar as que regressaram e sentem a oposição dos timorenses que ficaram
e resistiram intra-muros, perturbando a necessária comunhão de que fala Smith.
O momento de transição e a necessidade de compatibilizar os desafios da
modernidade com as práticas reiteradas da sociedade, vencendo o atavismo e
construindo objectivos integrados e duradouros, exigem grande serenidade e
inteligência. Com a evidente consciência de que sem elites devidamente quali-
ficadas – quadros técnicos e científicos – o êxito das metas definidas para a
funcionalidade do Estado ficará comprometido.
2.3.2.5. A identificação com personagens individuais
É um processo notório em Timor-Leste o da identificação colectiva com
personagens individuais, figuras da resistência, vivas ou mortas, dotadas de um
poder dilatado e simbólico, por vezes com feição paternal ou fraternal109, de
libertação e protecção. Os líderes nacionalistas alicerçam a sua legitimidade por
109 A figura de Xanana é vista, por vezes, como a do maun boot (“irmão mais velho”).
168 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
uma combinação de características comuns com características excepcionais,
induzindo e cultivando a identificação que fazem deles a síntese de um seme-
lhante e herói, símbolo de virtudes. São inúmeros os sinais deste reconhecimen-
to, em hábitos correntes ou em actos políticos, como patenteia a utilização de
fotografias do líder Xanana Gusmão estampadas nas camisolas dos mais jovens
(associando imagem, moda e vestuário), verdadeiro ícone da libertação à ima-
gem de um Che Guevara ou o culto a figuras da resistência, como Nicolau Lobato
ou Konis Santana. Ivo Carneiro de Sousa sugere que esta veneração possa ser
uma espécie de transferência dos “velhos rituais sociais celebrando os poderes
carismáticos desses antepassados fundadores das grandes linhagens dos territórios
sociais de Timor oriental” 110.
Nestas manifestações, a lógica linhagística e a concepção tradicional do
poder estão ainda muito enraízadas, acabando por ser apropriadas pela própria
linguagem do nacionalismo. A este propósito, veja-se o comentário muito curio-
so de D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, sobre as responsabilidades do
presidente Xanana Gusmão: “As pessoas estão habituadas a que o liurai (...)
resolva os problemas. O presidente da República é um liurai máximo. Será junto
dele que as pessoas vão cobrar, desconhecendo que ele não tem funções
executivas”111. No mesmo sentido, Manuel Tilman produz a identificação de
Xanana como um liurai: “Ele tem em si todas as características de um rei timorense
(...). O povo vê nele a estabilidade, a autoridade, um pai, um conselheiro, médico,
juiz”112. Consciente da simbologia, Xanana compareceu ao comício de encerra-
mento da campanha para a presidência da República, com as vestes tradicionais
de liurai. Nesta mesma linha de raciocínio, como salienta Jannisa, a duplicidade
tradicional da liderança timorense vinha de novo à superfície, sugerida na
imagem de um Gusmão no papel de chefe ritual, interno, e Ramos Horta no de
chefe político, externo113. Na mesma linha de raciocínio, as figuras de D. Carlos
110 SOUSA, Ivo Carneiro de – Timor dos Malai Sira?, Lusotopie 2001 (135-140), p. 136.111 Visão n.º 479, 9-15 Maio 2002. Sublinhado meu.112 www.terra.com.br/istoe/1704/internaci.../1704_nascimento_de_uma_nacao_02.ht, consul-
tado em 23.09.2002.113 JANNISA – The Crocodile’s Tears, p. 303.
169colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Ximenes Belo e D. Basílio do Nascimento gozam da autoridade espiritual-ritual
que a mesma transposição do mundo tradicional para o mundo moderno suge-
re, não esquecendo, naturalmente, do magistério de influência que a sua obra
conseguiu alcançar junto da cada vez mais alargada comunidade católica
timorense.
O percurso biográfico das personagens remete, para além do mais, para um
engrandecimento resultante de sentimentos como a abnegação, a tenacidade, o
espírito de sacrifício, o sofrimento. Assim se compreende que a prisão de Xanana
só tenha contribuído para consolidar a sua aura de herói ou que a destruição da
casa do bispo Belo no Setembro negro, e o perigo de vida que correu, tivessem
alcançado dimensão de transição regeneradora, que ademais gera a formação
de processos de identificação pessoal e simbólica cruciais para a formação e
consolidação nacionais.
2.3.2.6. A formação de estereótipos (Kaladis/Firakus e “Povo Maubere”)
A importância da formação de estereótipos nos processos de formação
nacional é assunto que, no caso de Timor-Leste, remete para duas formas de
identificação colectiva, supra-local e totalizante. Assim, um exemplo significativo
deste tipo de fenómeno foi a duplicidade criada entre Kaladis e Firakus, a qual
estabeleceria dois agrupamentos maiores das divisões etno-linguísticas existen-
tes: o distrito de Manatuto seria a linha de divisão entre uns e outros, os primeiros
ocupando o lado ocidental, os segundos do lado oriental. J.M. Saldanha e
Francisco Guterres classificam os Kaladis (representando quase o dobro da popu-
lação classificada como Firakus)114 como mais acomodados e menos determina-
dos e os Firakus como voluntariosos, menos tolerantes e gostando de correr
114 SALDANHA, João Mariano; GUTERRES, Francisco da Costa – Toward a Democratic East Timor:
Institutions and Institutional Building, East Timor Study Group, Working Paper: 02, p. 6. Em 1996, de
um total de população de 801.271 habitantes, os Kaladis estimavam-se em 400.445 e os Firakus
239.003 (representando o resto da população os 161.831 habitantes de Díli).
170 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
riscos, portanto, mais aguerridos na contestação ao domínio indonésio. As lín-
guas faladas por uns e por outros são diferentes, excepto em Viqueque (Firaco)
e Suai (Caladi), que partilham o Tétum Terik. As línguas mais importantes dos
Kaladis são o Mambai (maioritária), o Tokodede e o Baiqueno e as dos Firakus são
o Macassai, o Fataluco (maioritária) e o Naueti115. Baucau, a segunda cidade do
país e a mais importante para os Firakus, tem uma reputação conhecida de
combatividade e contestação. A agressividade guerreira, decorrente do valor
atribuído ao respeito, à amizade e à honra, que resultaria no funu (com feição
ritual), consabidamente aproveitado pelos estrangeiros (portugueses, japoneses
e indonésios), seria ainda hoje visível na oposição, por vezes violenta e sanguiná-
ria, entre os distritos de Loro mano (ocidentais) e de Lorosa’e (orientais). Os líderes
políticos também poderiam ser – perigosamente, sublinhe-se – catalogados por
origem, no sentido de vislumbrar, no maior dos determinismos, nos seus com-
portamentos as características estereotipadas de um e de outro grupo, de uma
e de outra área, e as oscilações entre a combatividade e a aceitação da ordem116.
É, no entanto, de acautelar ou mesmo de evitar explicações de pendor
primordialista para a violência étnica, que tendem a considerá-la como endémica,
inexorável, constantemente re-disperta, embora a existência da dicotomia tenha
desenvolvido, do ponto de vista discursivo, um sentimento de grupo, de perten-
ça regional, consequentemente supra-local, a qual constitui historicamente um
passo na construção identitária timorense.
115 SALDANHA; GUTERRES – art.cit., p. 7.116 Assim, por exemplo, entre os firakus, poder-se-ia apontar as combativas figuras de Xanana,
de Ximenes Belo, Taur Matan Ruak ou mesmo de Abílio Osório Soares (que sugeriu a autonomia e
sustentou que todos os chefes de distrito, bupati, fossem nativos e civis), e entre os kaladis, o
moderado Xavier do Amaral. Nesta mesma linha de raciocínio, a maioria dos membros das FALINTIL
seriam firakus e os membros das milícias, oriundos das zonas fronteiriças a ocidente, particularmen-
te de Bobonaro, seriam kaladis. OENARTO, Joseph – Can East Timor Survive Independence?, Discussion
Paper n.º 17/2000, North Australia Research Unit, Research School of Pacific and Asian Studies, The
Australian National University, 2000, www.anu.edu.au/naru/dp17.htm, consultado em 10.08.2000.
Sobre o assunto ver o escalarecedor artigo de SEIXAS, Paulo Castro – “Firaku e Kaladi: Etnicidades
prevalecentes nas imaginações unitárias em Timor-Leste”, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia,
vol. 45 (1-2), Porto: Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 2005 (149-188).
171colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Os estudiosos portugueses, bastante depois dos acontecimentos que se
julga estarem na origem desta classificação identitária (as guerras do Manufahi),
parecem não ter feito grande caso dela, o que poderá ser interpretado como
sinal da utilização nacionalista que dela se faz, numa recriação de uma realidade
histórica que até mesmo de um ponto de vista social pode ter ficado diluída ou
pelo menos imperceptível aos olhos atentos de um Artur Basílio de Sá e de um
Ruy Cinatti, o que não significa que tenha sido inventada (Alberto Osório de
Castro na Ilha Verde e Vermelha de Timor, teria já assinalado a necessidade de fixar
uma divisão mais primitiva dos timorenses) e que não estivesse presente na
vivência e inter-relações dos timorenses. Sá apresenta uma versão diferente da
dicotomia. Para este sacerdote, firaco é palavra derivada do Makassai para desig-
nar “certa população dispersa pelo interior, bravia e fugidia”, tendo no Mambai a
palavra keladi o mesmo significado pejorativo. Portanto, Sá não distingue no
sentido as duas palavras, o que poderá indiciar ter havido uma evolução semân-
tica das mesmas, construída historicamente em torno de dois estereótipos ou
imagens diferenciadas de uma mesma realidade, que não encontrou no Tétum.
Deste modo, não estaria em causa uma divisão da ilha entre oriente e ocidente,
mas a clivagem entre o interior quase inacessível e os centros urbanos, sobretu-
do no litoral, onde se teriam usado estas marcas identificadoras; no Tétum as
pessoas eram identificadas por proveniência geográfica117. Cinatti, também em
dissonância com a versão hoje apresentada, refere que os montanheses de
Maubisse se definiam como kaladis, e se caracterizavam por um “carácter inde-
pendente e belicoso”118.
Hodiernamente, a dicotomia aparece estampada em diversas obras e auto-
res (Jannisa, Gunn, Fox). Do ponto de vista histórico, é de registar um curioso
testemunho de um velho da zona de Aileu, entrevistado por Ospina e Hohe, que
assinala esta separação entre a parte oriental e a parte ocidental do então Timor
português e da união de forças aquando da guerra do Manufahi em 1911: “Esta
117 SÁ, Artur Basílio de – Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, vol. I, Estudos de Ciências
Políticas e Sociais, n. º 45, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1961, p. XXVI.118 CINATTI – Arquitectura Timorense, p. 79.
172 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
guerra não ocorreu só em Manufahi mas em todo o Timor. Os portugueses enviaram
homens por barco para falar a todos os liurais119. Nessa altura os liurais do ocidente
e do oriente estavam unidos”120.
A rebelião de D. Boaventura teria estado na base deste rudimentar esboço
identitário, que, como sugere Gudmund Jannisa, propõe a noção de dois grupos
organizados numa lógica que não só supera as divisões etno-linguísticas existentes
como indica uma expansão identitária em torno de duas referências supra-locais.
A recorrência desta imagética, fez-se sentir não só durante a 2.ª Guerra
Mundial, como já mais recentemente, em 1975, António Carvarino (um dos
estudantes reputados como radicais), a recusava por a ver como uma atitude de
carácter tribalista, que ademais espelharia a crença de que alguns grupos eram
superiores a outros121. Jannisa informa ainda que Patricia Thatcher, uma investi-
gadora australiana, lhe asseverou que, durante o período da invasão indonésia,
a divisão era sentida pelos timorenses, mesmo os do exílio122. James Fox também
o refere como uma realidade com importância cultural, considerando-a como
uma linha diferenciadora do potencial de desenvolvimento, embora reconhe-
cendo que a dicotomia pode gerar equívocos123.
Um segundo esteréotipo fundador – de mobilização nacionalista – foi o
recurso discursivo ao designado Povo Maubere, criando um sentimento de iden-
tificação e mobilização em torno de um percurso de sofrimento e violência.
Maubere foi assim um conceito instrumental do nacionalismo, mas começou por
ser utilizado pela FRETILIN, facto que, associado à conotação pejorativa originária,
o tornava menos congregador do que era desejável. Maubere é palavra de origem
119 Refere-se à ajuda das tropas enviadas de Moçambique para acorrer às forças em Timor,
insuficientes para fazer frente à revolta.120 OSPINA, Sofi; HOHE, Tanja – Traditional Power Structures and the Community Empowerment
and Local Governance Project, Final Report, presented to CEP/PMU, ETTA/UNTAET and the World Bank,
Díli, 9/06/2001, p. 39. Sublinhado meu.121 HILL, Helen Mary – The FRETILIN..., cit., p. 91.122 JANNISA – The Crocodile’s Tears., p. 287.123 FOX, James J. – Diversity and Differential Development in East Timor, in HILL, Hal; SALDANHA,
João M., ed. – East Timor: Development Challenges for the World’s Newest Nation, Singapore: ISEAS,
2001 (155-173), p. 158-159.
173colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Mambai, sujeita a interpretações várias e polémica entre os timorenses. Para
alguns foi vista como insulto pois embora seja um mero antropónimo masculino
da zona dos Kaladis, terra rica de café, parece ter sofrido uma evolução semântica
e passado a ter o significado de preguiçoso e indolente. Foi a FRETILIN quem a
adoptou, elegendo-a para caraterizar o povo timorense, no sentido de proletaria-
do e também de pobre e miserável, espécie de lumpen proletariat do mundo sub-
-desenvolvido, que acabou por ser estendida, como instrumento de mobilização
e símbolo nacionalista, a todo o povo como elemento de identificação, num
processo de síntese de identidades várias, dispersas e por vezes antagónicas.
Artur Basílio de Sá divulgou uma lenda sobre um lagarto chamado Mau-
-Berek, humilde ou insignificante por contraposição com o Lafaek, crocodilo
nobre e majestoso, antepassado mítico dos timorenses124. Segundo Esperança,
ao recorrer ao termo maubere como símbolo, a FRETILIN imitava o que fizera
Sukarno no PKI, adoptando o antropónimo marhaen, comum numa zona da ilha
de Java, para o desenvolvimento do marhainismo, ou seja, o comunismo do
pequeno proprietário. Ramos Horta teria reclamado para si a ideia de usar
maubere para atrair as gentes do interior para o seu partido: “A verdade é que a
FRETILIN conseguiu transformar a palavra maubere num poderoso símbolo de
identidade nacional, aceite por todo o povo de Timor-Leste, transbordando para
além das fronteiras de mambai (…). O nome está consagrado nacional e interna-
cionalmente”125. Esperança refere ainda que por a FRETILIN ser a única força com
alguma estrutura organizada no terreno aquando da invasão indonésia, aumen-
tou o uso do termo, embora tal não tenha sido pacífico. A UDT nunca o aceitou,
tal como os timorenses de outras zonas que o viam muito circunscrito à região
centro-oeste. Artur Marcos defende o uso da palavra, considerando que as
acepções pejorativas podem assumir significados diferentes, evoluindo semanti-
camente; tal seria o caso de “chicanos” ou de “poder negro”126.
124 SÁ, A. Basílio de – Textos em Teto…, pp. 34-41.125 RAMOS-HORTA, José – Timor-Leste: Amanhã em Dili, p. 98 (sublinhado meu).126 MARCOS, Artur – Timor Timorense. Com suas línguas, literaturas, lusofonia, Lisboa: Edições
Colibri, 1995, pp. 120-122.
174 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
É pois notório que a palavra que originou o conceito tem sido objecto de
estudo de um ponto de vista etimológico, mas que a sua utilização política foi
clara, quer nos efeitos de mobilização quer nos de clivagem. Há, em todo o caso,
um enriquecimento semântico observável em processos de qualificação de
objectivos nacionalistas que carece de uma análise atenta.
3. A difusão e inculcação de representações de um projecto de nação
De seguida serão analisados alguns dos elementos com base nos quais se
poderão perscrutar os meios de difusão e inculcação do projecto nacional
através da organização de um movimento de unidade nacional que procurou
sintetizar as dissensões e as clivagens que originaram a eclosão da guerra civil de
1975 e a frustração do primeiro impulso nacionalista. O percurso que a ele
conduziu e o formato que assumiu serão aqui caracterizados, dando especial
destaque à evolução estratégica do movimento nacionalista desde a organiza-
ção da Resistência até à formação do Conselho Nacional de Resistência Timorense,
com referência aos passos intermédios, aos avanços e retrocessos e muito espe-
cialmente a dois documentos fundadores da maior relevância quanto ao conteú-
do substantivo do projecto nacional definido: a Carta Magna das Liberdades,
Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste e o Pacto de Unidade Nacional.
Depois será focada a administração das Nações Unidas e a sua missão de nation-
-building, procedendo a um balanço do seu impacto formativo no projecto de
Estado e do seu contributo para a construção de uma identidade nacional.
Finalmente, são analisados alguns dos elementos que mais recentemente permi-
tem vislumbrar a criação de uma cultura colectiva pública, focalizada na impor-
tância de algumas das formas e instrumentos através dos quais se pode atingir
a difusão e a inculcação do mencionado projecto:
– em primeiro lugar, a fundação de um sistema educativo (descolonizado e
atento à prioridade de facer face ao analfabetismo maioritário);
– em segundo lugar, a formação de uma administração pública funcional e de
umas forças armadas e policiais capazes de garantir a segurança e a ordem;
175colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
– em terceiro lugar, a organização e participação cívica da chamada sociedade
civil, o que em Timor se manifesta, entre outras formas, através da entusiástica
adesão aos actos eleitorais empreendidos desde 1999 (incluindo uma chama-
da de atenção para as sondagens e relatórios entretanto realizados que
permitem aferir das expectativas quanto ao futuro do projecto de Estado-
-nação timorense);
– em quarto lugar, pela aposta na política externa como reforço dos constran-
gimentos do Estado numa lógica de compensação dos desequilíbrios domés-
ticos;
– em quinto lugar, pela necessidade de gerir habilmente os parcos recursos
económicos do território, com especial atenção para a controversa exploração
do petróleo – o eterno filão de esperança da viabilidade económica de Timor-
-Leste. De igual modo, e em estreita ligação com o ponto anterior, a coopera-
ção e a ajuda internacionais serão vectores essenciais do desenvolvimento,
sendo portanto da maior importância a sua captação e boa aplicação.
3.1. A frente nacionalista comum
Se o período de 1974-75 foi marcado pela agitação da formação dos novos
partidos e respectivos programas, pela definição de estratégias e pelos encon-
tros e reuniões que permitiram fazer germinar na população a ideia da fundação
de um Timor-Leste independente, foi a resistência organizada quem permitiu
consolidar um objectivo que se foi progressivamente adaptando às novas cir-
cunstâncias da conjuntura e aperfeiçoando o discurso nacionalista, por forma a
sustentar políticamente o projecto de Estado. Apostando na criação de símbolos
nacionais, no plano político (promovendo o papel da Resistência e dos seus
actores), cultural, linguístico, religioso, geográfico (pela identificação do territó-
rio designado de Timor-Leste ou Timor Lorosa’e com a pretendida nação
timorense), apostou-se numa diversificação das bases e do teatro das operações,
como explica Xanana Gusmão: “A resistência do nosso povo teve imensas facetas:
resistimos nas montanhas, nas cadeias, na clandestinidade, nas igrejas, nas escolas,
176 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
nos assaltos a missões diplomáticas. O povo quando dançava e cantava, reforçava as
tradições culturais, fortalecia a identidade nacional. A resistência fez sentir a sua
acção constante em todas as aldeias e cidades de Timor-Leste, e em inúmeras
cidades indonésias, com frequência operando no estômago do inimigo”127. Em suma,
“a luta do nosso povo envolveu assim a resistência armada, a luta clandestina, a luta
diplomática e a resistência individual de milhares e milhares de cidadãos anóni-
mos”128.
É, no entanto, de notar que o unanimismo que se criou em torno de uma
causa nacionalista, escamoteia as múltiplas divergências que a história foi impri-
mindo ao referido projecto. Quer os acontecimentos dramáticos de 74-75, quer
depois o período da invasão, não impediram que alguns encarassem o futuro de
Timor-Leste integrado na Indonésia, de uma forma politicamente consciente,
optando, inclusivamente, por integrar as estruturas políticas do invasor: as elites,
bem-entendido, ainda que uma parte colaborasse por razões de natureza táctica,
para conhecer o inimigo por dentro; quanto às hordas de funcionários públicos
convertidos ao Panca Sila defendiam a sua sobrevivência física, o que não
implicava necessariamente que deixassem de assistir a guerrilha.
Em todo o caso, e feita a ressalva, parece ser pacífico que a intrusão indonésia,
e antes disso o desfecho da guerra civil, abriram caminho para uma afirmação da
FRETILIN, que assumiria o protagonismo da luta de resistência que se desenvol-
veu, com períodos de maior ou menor intensidade, desde 1975, que de algum
modo lhe garantiu os resultados expressivos das primeiras eleições legislativas
de 30 de Agosto de 2001. Nos finais dos anos 70, a resistência parecia ter sido
aniquilada militarmente, mas logo em 1981 teve lugar uma reunião que criou o
Conselho Nacional de Resistência Revolucionária, que consagra a dominação de
uma FRETILIN marxista-leninista e a liderança de Xanana129. A título de exemplo,
127 GUSMÃO, Xanana – Intervenção de Xanana Gusmão, in CNRT – Resultados do I Congresso
Nacional, Díli 21-30 de Agosto de 2000, p. 58.128 IDEM, ibid., p. 59.129 CARRASCALÃO, Maria Ângela – Timor:os Anos da Resistência, prefácio de Adelino Gomes,
Lisboa: Mensagem, 2002, p. 121.
177colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Maria Ângela Carrascalão refere a formação marxista-leninista que, a partir de
1981, terá sido dada aos guerrilheiros das FALINTIL num Centro de Formação
Política, onde lhes eram ministradas aulas de História da Humanidade, Materia-
lismo Dialéctico, Materialismo Histórico, Materialismo Filosófico, Citações de
Mao, entre outras.
Em 1983, o guerrilheiro negoceia um cessar-fogo de seis meses com a
Indonésia e usa este tempo para viajar pelo território e auscultar a população,
tendo obtido o apoio dos katuas, bem como de uma grande maioria da popula-
ção. Daqui terá resultarado o embrião de uma desejada política de unidade
nacional, em que se reconhece o papel de todos os nacionalistas (incluindo o
emergente movimento de estudantes), e a ruptura, no ano seguinte, da linha
marxista-leninista da FRETILIN130. É portanto este o momento de consideração do
pluralismo político, do multipartidarismo e da superação ideológica, que tem
expressão na mensagem de 1984 sobre o sentido da unidade nacional. O texto
punha em confronto duas opções face ao futuro: a adesão à FRETILIN, um
movimento de libertação que congregaria “todos os nacionalistas sem discrimi-
nação com base na cor, sexo, idade, opção política, credo religioso ou condição
social” ou estabelecer uma “plataforma comum com outros movimentos nacio-
nalistas para a independência nacional”131. A viragem estratégica deu-se quando
se considerou que mais importante do que pertencer a um movimento ou a um
partido era a mobilização de todos os timorenses por um sentimento de identi-
dade nacional. O sectarismo e as consequentes atrocidades, sobretudo as que
haviam sido praticadas durante o período da guerra civil e no início da resistên-
cia, passaram a ser vistas como contraproducentes.
130 WALSH, Pat – From Opposition to Proposition: The National Council of Timorese Resistance
(CNRT) in Transition, 8 de Novembro de 1999, p. 2.131 NINER, Sarah – A Long Journey of Resistance: The Origins and Struggle of CNRT, in TANTER,
Richard et al., eds. – Bitter Flowers, Sweet Flowers: East Timor, Indonesia and World Community, Lanham:
Rowman & Littlefield Publishers, Inc., s.d. (15-29), p. 20
178 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
3.2. A “unidade nacional”, do CNRM ao CNRT
A década de 80, com a introdução da ideia de desenvolvimento
(pembangunan), e o governo de Mário Carrascalão trouxeram algum conforto
material e um ambiente de acalmia, que coexistia com o irredentismo guerrilhei-
ro. Depressa a ideia de desenvolvimento se revelou uma falácia, associada ao
esquema generalizado de corrupção dos militares, o que em conjugação com a
transmigrasi acentuou o descontentamento. A escolarização atingiu um número
crescente de crianças e jovens endoutrinados nos princípios do Panca Sila e
falantes de Bahasa, os quais, no entanto, não tardarão em criar e aderir a
associações com fins humanitários e nacionalistas. Foram criadas as condições
para que a base do nacionalismo timorense, alimentado pela Resistência e pela
Igreja Católica, se alargasse e se urbanizasse. A organização do nacionalismo foi
pois condicionada pela nova conjuntura local e também pela internacional já nos
finais dos anos 80 (fim do bipolarismo, invasão do Koweit), e a FRETILIN ela
própria procurou novo rumo político (com a natural evolução de referências
ideológicas dos seus líderes e com o término da assunção da exclusividade da
representação legítima do povo de Timor-Leste), de que derivaria a
institucionalização do movimento de unidade nacional, apartidário, formado em
1987 – Conselho Nacional de Resistência Maubere (CNRM)132, substituindo a ideia
de simples frente revolucionária pelo termo nacionalista “maubere”. Pouco antes
da criação deste organismo, em 1986, tinha sido criada uma Convergência
Nacionalista, por João Carrascalão e José Ramos-Horta, que parece não ter tido
grande aceitação. O propósito dos fundadores era a formação daquilo a que os
anglo-saxónicos chamam de “umbrella organisation”, que suplantasse as facções
e desse voz à resistência no exterior. Ao mesmo tempo, pretendiam adoptar uma
estratégia de reunião que abrangeria até os pró-integracionistas que entretanto
haviam aderido à Resistência, cuja estrutura tripartida (frente diplomática, movi-
132 A criação do CNRM partiu dos pressupostos de que a ocupação militar de Timor-Leste era
um problema supra-partidário, verdadeiramente nacional, e que a solução para o mesmo tinha de
ser encontrada na cena internacional, no plano diplomático, ao mesmo tempo que a frente armada
mobilizava o povo para continuar a resistir.
179colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
mento clandestino e braço militar) deveria ser aperfeiçoada133. Numa mesma
orientação congregadora, as FALINTIL deixaram de ser o braço armado da FRETILIN
em 1987 e, a pouco e pouco, reconheceu-se que só a adopção de uma atitude
acima das quesílias partidárias e que promovesse a participação alargada de
todos os nacionalistas (como os estudantes ou a UDT) poderiam dar esperança
à obtenção do objectivo da autodeterminação.
Numa reunião em Londres, nos finais de 1993, promovida por Francisco
Lopes da Cruz e Abílio de Araújo (assediado pela filha mais velha de Suharto,
Tutut, fundadora da associação de amizade Portugal-Indonésia) e com 18 parti-
cipantes favoráveis uns à independência, outros à integração, fôra lançada a ideia
de reconciliação. Dela se concluiu que Lopes da Cruz, o embaixador itinerante ao
serviço da Indonésia, iria interceder junto de Suharto para obter o regresso dos
exilados presentes, e Araújo solicitou ao ministro dos negócios estrangeiros de
Portugal uma peregrinação a Fátima dos timorenses pró-indonésios. A reunião
foi reprovada pela Comissão Coordenadora da Frente Diplomática, organismo da
Resistência, estando em causa uma tentativa de destruição da rede externa do
CNRM e Araújo foi expulso da FRETILIN134.
A aproximação pretendida entre os timorenses (o “diálogo intratimorense”)
caminhou no sentido da autodeterminação. Assim, o 1.º Encontro Intratimorense,
na Áustria, sob os auspícios da ONU, em 1995, foi pautado pela moderação de
objectivos: a defesa dos direitos humanos, a preservação da identidade cultural,
a participação de todos os timorenses no desenvolvimento do território, as
facilidades na circulação, a importância das negociações. A nota dominante foi a
133 SOARES, Dionísio Babo – Political Developments Leading to the Referendum, in FOX, James
J.; SOARES, D.Babo – Out of the Ashes..., (57-78), p. 61. Entre as realizações do CNRM, registe-se o
plano de paz de 1992, da autoria de Ramos-Horta, que incluía uma fase de dois anos de conversa-
ções, seguida de um período de cinco a dez anos de autonomia sob a supervisão das Nações Unidas,
que terminaria com a realização de um referendo em que a independência era uma das opções.134 Ver O Encontro de Londres entre os líderes timorenses, 14-16 Dezembro 1993, The London
Meeting between Timorese Leaders. Prefácio de Abílio de Araújo, [s.l.], [s.n], 1994 e CARRASCALÃO,
Maria Ângela – Ob.cit., p. 243. Naturalmente, os termos em que decorreram as conversações não
podiam agradar a muitos: discutia-se o futuro de Timor-Leste sem se debater a questão da realização
de um referendo ou sequer do estatuto futuro do território.
180 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
apresentação de declarações consensuais e sobretudo o apoio à resolução 37/30
(AG) de 23 de Novembro de 1982, que investia o secretário-geral da ONU na
missão de iniciar um processo de consultas a todas as partes interessadas e o
pedido ao Comité da Descolonização para continuar a acompanhar a situação de
Timor-Leste, reconhecendo Portugal como potência administrante (facto que
causou o desagrado da representação indonésia, formada por delegados
timorenses, tornando o 2.º Encontro, em Março de 1996, muito menos conclusi-
vo)135. O 3.º Encontro Intratimorense, também realizado na Áustria, em Outubro
de 1997, procurou-se concertar posições e obviar as divisões. Konis Santana, o
líder da guerrilha, deixou uma mensagem clara aos participantes do encontro:
que rejeitava o estatuto de autonomia, reafirmando o direito à autodetermina-
ção. Abandonava assim a tese que havia sugerido em carta ao governo portu-
guês, segundo a qual se poderia aplicar a Timor-Leste uma autonomia semelhan-
te àquela de que gozava Porto Rico enquanto Estado associado dos EUA. Delibe-
rou-se, por consenso, que se daria novo nome ao país – Timor Lorosae – e os
participantes manifestaram a sua preocupação com a escalada de violência que
se verificava, assentando na necessidade de “obtenção da paz definitiva”136. Apro-
varam ainda a criação de um Centro Cultural em Díli e defenderam a circula-
ção, em visita, dos timorenses do território e da diáspora. No ano seguinte,
novamente na Áustria, teve lugar o 4.º Encontro Intratimorense, reunindo parti-
cipantes independentistas e integracionistas. Nele foi discutido, sem se chegar a
consenso, um documento do CNRT que, persistindo na defesa da autodetermi-
nação, exige a libertação de Xanana Gusmão e propõe o envio para o território
de uma força internacional de manutenção de paz. Isto foi, obviamente, mal
recebido pelos integracionistas que invocaram o facto de a Indonésia só ter
autorizado a realização daqueles encontros, em 1994137, na condição de não ser
135 CAREY, Peter – East Timor: Third World Colonialism and the Struggle for National Identity, Conflict
Studies 293/294, Research Institut for the Study of Conflict and Terrorism, Oct-Nov. 1996, p. 22.136 CARRASCALÃO, M.A. – Ob.cit., p. 73.137 IDEM, ibid., p. 249. O primeiro Encontro teve lugar no País de Gales, em 1994, por iniciativa
de Abílio de Araújo, dele resultando um pedido para a libertação dos presos, a redução gradual dos
efectivos militares e a salvaguarda da herança cultural timorense.
181colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
discutido o estatuto do território. A discussão do documento revelou-se
inconclusiva138.
A visibilidade da Resistência era cada vez maior, sobretudo desde que Horta
e Belo receberam o Nobel, e a questão ia ganhando apoios, quer no seio das
Nações Unidas, onde a mudança do secretário-geral e o particular empenho de
Kofi Annan foram determinantes, bem como o caso Timor Gap no Tribunal
Internacional de Justiça. A capacidade de aceder noutros cenários importantes,
como a União Europeia, vinha sendo potenciada por Portugal desde que a ela
aderira; os lobbies norte-americanos estavam mais activos; o Japão mostrava-se
cada vez mais atento e as ONG cada vez mais militantes. E a crise económica e
financeira abanou fortemente os alicerces do regime de Suharto. Estavam a ser
criadas as condições para definir uma nova estratégia e foi o que sucedeu pouco
depois, quando em Abril de 1998, na 1.ª Convenção Nacional dos Timorenses na
Diáspora, o CNRM vem a ser designado de Conselho Nacional de Resistência
Timorense (CNRT) e define um conjunto de posições relativas aos direitos huma-
nos, aos costumes, à designada sociedade civil, à reconciliação, às relações
internacionais, à língua, à economia, à moeda, ao ambiente, ao Timor Gap, às
políticas de desenvolvimento, etc, algumas delas consignadas na Carta Magna
das Liberdades, Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste (aprovada no
congresso de 1998). A comissão política do novel CNRT foi ainda incumbida de
elaborar um plano estratégico de desenvolvimento (reunião do Algarve, Outu-
bro 1998), cujos primeiros resultados viriam a ser apresentados no ano seguinte,
em Melbourne (Abril de 1999), reunindo os contributos de vários especialistas e
académicos timorenses nas áreas da agricultura, economia, educação, ambiente,
administação pública e sistema político, saúde, infraestruturas, sistema judicial e
comunicação de massas139. Posteriormente, durante a organização do referendo
pela UNAMET e após o estabelecimento da UNTAET, o CNRT foi considerado o
parceiro natural destas duas missões conduzidas pelas Nações Unidas.
138 IDEM, ibid., p. 79.139 CNRT – National Council of Timorese Resistance, p. 3, www.labyrinth.net.au/~ftimor/cnrt.html,
consultado em 23.9.2002.
182 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A acção nacionalista evoluirá, num cenário em que a independência está
assegurada, para a elaboração de um Pacto de Unidade Nacional, no congresso de
Agosto de 2000, o qual se pautou igualmente pela emergência de um conflito
interno entre a liderança e os partidos políticos, com a FRETILIN e a UDT a
recusarem participar no Conselho Permanente do CNRT, tornando-o assim num
forum de pequenos partidos, enfraquecendo o seu papel aglutinador e minando
a sua continuidade. O Pacto é um documento essencial, de apelo ao empenhamento
dos partidos na manutenção e respeito da unidade nacional, à independência de
Timor-Leste, à integridade territorial, à adopção da supracitada Carta Magna, à
realização de eleições livres e justas140 (infra). No anúncio da realização deste
mesmo congresso, datado de 15 de Janeiro de 2000, a eloquência das palavras do
presidente do CNRT, Xanana Gusmão, realçam a importância do nacionalismo para
uma união do povo e da necessidade de materializar esta união política e simbo-
licamente: “É fundamental continuar a unir o Povo no mesmo espírito nacionalista,
para uma participação mais activa na construção da nova Nação, através da Consti-
tuição e dos Símbolos Nacionais, como a Bandeira Nacional, o Hino Nacional, Heróis e
Dias Nacionais”141. Já durante os trabalhos, o “desenvolvimento sociocultural” foi
um dos temas debatidos (pela Comissão III), considerando nos seus resultados que
a colonização portuguesa e a ocupação militar indonésia haviam tido “impactos
sociais” de que derivaram a “quase descaracterização e a fragilidade da sua identida-
de cultural”, afirmando por este motivo a necessidade de “formar uma sociedade
timorense com identidade cultural própria, baseada nos seus valores sociais e culturais
e ao mesmo tempo aberta aos valores duma sociedade moderna”. A esta preocupação
associam a necessidade de promover a educação e o ensino do Tétum, do Portu-
guês e de outras línguas de Timor142. Ao mesmo tempo, a ideia de reconciliação
140 WALSH, Pat – East Timor’s Political Parties and Groupings, Briefing Notes, Australian Council for
Overseas Aid, April 2001, p. 8.141 CNRT – Resultados do Congresso Nacional do CNRT de 21 a 30 de Agosto de 2000, pp. 4.142 IDEM, pp. 22-23. Em torno da construção nacional, tiveram igualmente relevo os temas da
reconciliação, do desenvolvimento económico, do investimento, do meio ambiente e recursos
naturais, da segurança e defesa nacionais e das relações internacionais e cooperação (Comissão III
e IV), bem como disposições sobre a democracia, o sistema de governo, a “sustentabilidade e
credibilidade”. Foram ainda incluídas duas resoluções sobre direitos humanos e direitos da mulher.
183colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
nacional surge como um dos aspectos cruciais igualmente definidos como objec-
tivo a alcançar por forma a atenuar as fracturas sociais existentes e a mitigar os
efeitos do drama humanitário que se gerou em 1999, designadamente do retorno
dos refugiados em Timor Ocidental. Refira-se ainda que as restantes comissões
tiveram a seu cargo uma definição ampla do modelo político, económico e
social a vigorar num Timor independente quer pela formulação do Pacto quer
ainda por medidas mais específicas relacionadas com a participação na UNTAET
e a timorização, a adopção de uma economia de mercado, a realização de elei-
ções livres, a escolha do sistema presidencial, a defesa do multipartidarismo
e da participação da sociedade civil, a consideração da premência das questões
de segurança e das relações internacionais, só para citar os temas essenciais
focados.
Um longo percurso teve, em suma, de ser percorrido para esta reformulação
no sentido da almejada unidade nacional, o que necessariamente implicou revi-
sões de estratégias e evolução do pensamento político e ideológico143.
143 GUSMÃO, Xanana – Xanana Gusmão, Lisboa: Edições Colibri, 1994, in www.geocities.com/
joseramelau/diasporatimorense/xananagusmao.htm, consultado em 02-08-02. A título de exemplo,
para ilustrar esta natural evolução, registe-se que Xanana Gusmão, num discurso datado de 7 de
Dezembro de 1987, lamentava o extremismo da FRETILIN e da sentença por ele ditada: “Estávamos,
na verdade, embalados com um fantasioso processo revolucionário já apelidado de «mauberismo». Esse
infantilismo político e impensado aventureirismo, que guiaram o Movimento desde 1974, não permitiram
margem alguma para desprezarmos, já na altura, todo o extremismo político que seria, dali em diante,
a nossa própria sentença”. Em sua opinião, os erros cometidos, em boa parte atribuídos à importação
dos modelos marxista e maoista, apanhara desprevenido um povo “incrivelmente subdesenvolvido”,
que à mercê de leituras enviesadas da realidade, fora lançado no abismo. A ideia de tornar a FRETILIN
num partido marxista-leninista só viria a ser abandonada em 1984, “cedendo de novo a capacidade de
conduzir o processo de libertação da Pátria à FRETILIN, como movimento nacionalista não necessaria-
mente comunista!”. É neste contexto que se situa o propósito de afastar as “gloriosíssimas FALINTIL”
para “fora do jogo político-partidário”, para assumirem uma neutralidade que não permitiria que fosse
instaurado um “regime de esquerda”.
184 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
3.3. A Carta Magna e o Pacto de Unidade Nacional
Os dois documentos em epígrafe assumem uma particular relevância na
formulação de um discurso de definição da identidade timorense, e de um
programa de acção política dela decorrente. A Carta Magna supracitada
consubstancia as decisões saídas da Convenção Nacional Timorense na Diáspora,
onde se reformulou o CNRM, designação tida ainda como parcial, e se criou o
CNRT. Definindo os princípios relativos às liberdades, direitos, deveres e garan-
tias do povo de Timor-Leste, o documento inclui um preâmbulo que, depois de
sustentar o direito à autodeterminação e ao fim da tragédia que constituíu a
invasão indonésia, avança com a afirmação da consciência da “herança histórica,
cultural, espiritual, religiosa e pela identidade cultural de cariz maioritariamente
judaico-cristão”. Este é um aspecto que merece alguma atenção: por um lado,
surge individualizada pela preposição e a identidade cultural de cariz maiorita-
riamente judaico-cristão, distinguindo-a assim das heranças múltiplas enuncia-
das e dando primado ao legado religioso e moral da Igreja Católica, como que a
reconhecer o papel fundamental que desempenhou na Resistência e não tanto
pela importância tradicional que detinha.
O Pacto de Unidade Nacional, por seu turno, aprovado que foi, como se
referiu, no 2.º Congresso do CNRT, realizado em Díli entre 21 e 30 de Agosto de
2000, é um compromisso assumido pelos delegados de “penhorados perante o
Povo de Timor-Leste que consentiu elevados sacrifícios para conquistar a Liberdade
e a Independência Nacional”, respeitarem os seguintes princípios:
“1. Obedecer aos princípios consagrados na Carta Magna aprovada na Convenção
Nacional Timorense realizada em 1998;
2. Respeitar os resultados da Consulta Popular de 30 de Agosto de 1999;
3. Obedecer à Constituição que democraticamente vier a ser aprovada pela
Assembleia Constituinte;
4. Empenhar-se, intransigentemente, na defesa da integridade territorial, no reforço
constante da Unidade Nacional e na permanente busca de soluções concretas
para a satisfação das crescentes necessidades materiais e espirituais do nosso
Povo;
185colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
5. Comprometer-se a praticar a democracia nos órgãos e estruturas partidárias aos
diversos níveis, submetendo-se, periodicamente, à vontade da maioria do Povo
expressa em eleições democráticas, livres e transparentes, sob a supervisão de
entidades independentes e credíveis;
6. Comprometer-se a agir no sentido de garantir a estabilidade do país, promover a
Unidade Nacional e praticar a política de tolerância e inclusão dos diversos
segmentos da sociedade, buscando sistematicamente amplos consensos e Plata-
formas de Unidade que incorporem os interesses da maioria, sem esquecer os
grupos minoritários da sociedade;
7. Comprometer-se a observar, no exercício dos direitos democráticos, um Código de
Conduta que incorpore regras de civismo e de convivência social que fortaleça a
dignidade nacional, no respeito pela diferença de opiniões e pelos adversários
políticos;
8. Comprometer-se a estabelecer as linhas gerais de um plano estratégico de desen-
volvimento económico e social, com ênfase nas acções de Reconstrução Nacional
e, em particular, o apoio solidário aos antigos combatentes e suas famílias, às
populações vulneráveis como as viúvas, os órfãos, os mutilados de guerra e os
quadros da Resistência”.
Trata-se de uma assunção de princípios que ocorre num momento histórico
ímpar – a garantia de que a independência é uma meta realizável – tornando-se
necessário, numa sociedade muito fracturada, pôr de parte quesílias partidárias,
divergências de interesses, para assentar numa plataforma comum que permi-
tisse a criação da necessária estabilidade para a emergência do país. Daí o
recurso, numa pretendida moldura democrática, a palavras como tolerância,
inclusão, consensos, civismo e convivência social, dignidade nacional a darem o
mote para o trabalho de reconstrução.
186 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
3.4. A administração das nações unidas
3.4.1. Antecedentes imediatos
A frágil situação económica, financeira e política da Indonésia em 1998, que
culminou na queda de Suharto, criou as condições para o lançamento do golpe
final que permitiria o exercício da autodeterminação conduzida pelas Nações
Unidas. Em Janeiro do ano seguinte, Habibie anunciou que, acaso Timor decidis-
se, em referendo, por uma separação a Indonésia aceitá-lo-ia. A Resistência, a
diplomacia portuguesa e o numeroso grupo de ONG envolvidas na questão
compreenderam a oportunidade do momento para pressionarem a Indonésia,
criando as condições para a assinatura, entre aquele país e Portugal, dos Acordos
de Nova Iorque de 5 de Maio de 1999, que permitiriam a escolha entre a
autonomia ou, recusando-a, a independência144. A ONU assumiria o importante
papel, político e administrativo, de preparar Timor-Leste para ser um Estado,
tarefa que se revelou da maior acuidade sobretudo depois da destruição em
massa levada a cabo pelas milícias pró-integracionistas antes, durante e depois
da divulgação dos resultados da chamada consulta popular, a qual suscitou, em
virtude do intervencionismo humanitário, uma operação de manutenção da paz
com carácter multinacional (com o consentimento da Indonésia)145. O faseamento
da intervenção é claro, pois determinou a formação de três missões com fins
diversos mas que, em todo o caso, tinham como fito o conceito de state-building
(incluindo o de nation-building, no pressuposto que deve servir de suporte à
formação do Estado)146.
144 Sobre os acordos de Maio, TELES, Patrícia Galvão – Autodeterminação em Timor-Leste: dos
Acordos de Nova Iorque à consulta popular de 30 de Agosto de 1999, in Documentação e Direito
Comparado, n.os 79-80, 1999 (379-454).145 Sobre a questão da intervenção humanitária ver BRITO, Nuno Filipe – Lidando seriamente
com as Nações Unidas. Kofi Annan e a intervenção humanitária, in Política Internacional, vol. 3, n.º 21,
Primavera-Verão 2000 (69-82).146 FERRO, Mónica – As Administrações Transitórias das Nações Unidas e a Construção do
Estado de Timor-Leste, in Revista Portuguesa de Instituições Internacionais e Comunitárias, n.º 4, 1.º
semestre, 2002 (197-232). Ver também da mesma autora o artigo publicado neste volume.
187colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
3.4.2. A actuação da UNAMET
A celebração dos acordos de 5 de Maio de 1999 permitiu a realização de
uma consulta popular aos timorenses para que estes expressassem a sua vonta-
de: ou se mantinham ligados à Indonésia com um estatuto de autonomia regio-
nal ou não, o que – como fora garantido por Habibie em Janeiro – significava
independência. Com base neste acordo foi constituída a United Nations Assistance
Mission to East Timor (UNAMET), cujo objectivo essencial era explicar aos
timorenses a natureza da sua escolha, bem como proceder ao recenseamento
para poder realizar o referendo. Foram criados duzentos centros de recensea-
mento e de voto e iniciou-se uma campanha de informação pública e política.
A UNAMET tinha à partida a sua actividade condicionado pelo facto de as
autoridades indonésias permanecerem in situ e pela degradação do ambiente de
segurança (caracterizado pela intimidação promovida pelas milícias junto da
população, com o assentimento dos militares, forças especiais da KOPASSUS e
polícias indonésios, e pela destabilização dos apoiantes da independência). Não
só este clima perturbou o trabalho da UNAMET como também a própria campa-
nha do CNRT ficou muito limitada, tendo provocado o adiamento por duas vezes
da data de realização da consulta. É, no entanto, de referir que se procurou o
caminho da reconciliação entre independentistas e integracionistas, com
intermediação dos bispos de Díli e Baucau, no final de Junho, no sentido de que
ambas as partes se declarassem vinculadas pelos resultados da votação147. No
seguimento desta tentativa, a UNAMET pretendeu obter acordo para a formação
147 MARTIN, Ian – A consulta popular e a Missão das Nações Unidas em Timor-Leste. Primeiras
reflexões, in Política Internacional, vol. 3, n.º 21, Primavera-Verão 2000 (17-28). Ver também, do
mesmo autor – Autodeterminação em Timor-Leste, as Nações Unidas, o Voto e a Intervenção Interna-
cional. Lisboa: Quetzal Editores, 2001. Ver também, para uma perspectiva portuguesa, a obra do
chefe da Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta em Timor-Leste, José Júlio
Pereira GOMES, intitulada O Referendo de 30 de Agosto de 1999 em Timor-Leste, O Preço da Liberdade,
prefácio de HORTA, José Ramos, Lisboa: Gradiva, 2001. A literatuta australiana dedicada ao assunto
é também vasta, destacando-se KINGSBURY, Damien – Guns and Ballot Boxes. East Timor’s Vote for
Independence, Clayton: Monash Asia Institute – Monash University, 2000.
188 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
de uma Comissão Consultiva Timorense, com representantes de ambas as fac-
ções e elementos independentes, seleccionados pelas Nações Unidas, não ten-
do, porém, conseguido alcançar um fim fundamental: o desarmamento. A
UNAMET desempenhou, de resto, funções de mediadora entre as Forças Arma-
das Indonésias (TNI) e as FALINTIL, bem como entre as FALINTIL e as milícias.
Apesar da campanha e da violência, da mobilização de milhares de milicianos,
atingindo alvos essencialmente civis, o trabalho da UNAMET – de explicação
sobre o conteúdo da proposta de autonomia e dos processos relativos ao
recenseamento e ao referendo – prosseguiu, facto para o qual terá contribuído
a internacionalização do assunto (o mundo e os media estavam muito atentos...),
bem como a atitude neutra das FALINTIL (que permanceram nos seus
acantonamentos, abstendo-se de intervir na convicção de que tal evitaria uma
escalada de violência e o pretexto para o ataque do inimigo ou mesmo o
bloqueio do processo). A adesão às urnas foi notável, tendo participado 98.6 dos
recenseados (de um total de 452.000 recenseados em que 438.000 se encontra-
vam em Timor)148. O resultado anunciado a 3 de Setembro, de que 78.5% dos
votantes preferia não continuar na Indonésia149, ocorreu já numa escalada de
violência de que resultou a morte de funcionários da missão, tornando-se claro
que a Indonésia não se mostrava capaz de cumprir os compromissos assumidos
a 5 de Maio. A aniquilação humana e material atingiu proporções inimagináveis
e no entanto, como observou Ian Martin, o chefe da missão, “o povo de Timor-
-Leste demonstrara no recenseamento a sua determinação de resistir à intimida-
ção”150. A verdade é que a intimidação, apesar da brutalidade, não parece ter
conseguido vergar uma vontade inquebrantável.
A acção destrutiva, conhecida por Operasi Sapu Jagaad (a lembrar a Komodo,
de 1975, deixando de ser um combate entre a UDT e a FRETILIN para ser uma luta
entre milícias e independentistas), para além de ter sido uma manifestação de
148 WIMHURST, David – A UNAMET, in AAVV – Timor, um país para o século XXI... (69-75), p. 73.149 Os resultados foram os seguintes: 344.880 rejeitaram a proposta da autonomia alargada e
94.388 (21,5%) aceitavam uma região administrativa especial de Timor-Leste.150 COTTON, James – “The Emergence of an Independent East Timor: National and Regional
Challenges”, in Contemporary Southeast Asia, vol. 22, n.º 1, Abril 2000 (1-22).
189colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
vingança, foi utilizada também como forma de demonstrar que as forças arma-
das detinham grande poder e para dissuadir eventuais avanços de outros
secessionismos no arquipélago indonésio. Estes eram aspectos ainda mais im-
portantes do que a própria independência de Timor-Leste: a campanha tinha
portanto este carácter de aviso, de alerta a outros movimentos que poderiam
esperar o mesmo ou pior acaso tentassem a desintegração da unidade indonésia,
e ao mesmo tempo mostrar a Habibie que, não obstante as medidas reformistas
em curso, não devia subestimar a importância dos militares. Tal significava que
Timor era apenas um dos aspectos do processo complexo e multidimensional da
transição indonésia, que ademais, se viu confrontada com crescentes pressões
internacionais que a criticavam pela incapacidade de fazer frente à onda de
violência verificada.
A subsequente intervenção da força de interposição multinacional designa-
da de INTERFET, cuja liderança foi assumida pela Austrália, pôs em causa o
equilíbrio regional e os métodos de funcionamento e regras da ASEAN. Como foi
referido, o contexto humanitário em que ocorreu trouxe-lhe um fundamento
acrescido, integrando o caso na linha interventiva que tem sido seguida a partir
do fim da Guerra Fria. A “operação estabilidade” daquela força militar garantiu a
retirada das tropas indonésias, após o que (em Outubro) as Nações Unidas foram
chamadas a exercer a administração civil do território e a Indonésia anulou o
decreto de anexação de Timor. Foi neste contexto que se constituiu a UNTAET,
cuja importância na edificação do Estado merece tratamento desenvolvido no
ponto seguinte.
3.4.3. As inovações do mandato da UNTAET
Pela Resolução 1272 (1999), de 25 de Outubro, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas criou a Administração Transitória das Nações Unidas para Timor-
-Leste (United Nations Transitional Administration in East Timor, comummente
designada pela sigla UNTAET). Tal resolução aprovada pelo Conselho de Segu-
rança evidencia um novo estilo de actuação daquela tão criticada organização
190 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
internacional. Com efeito, como observa Paula Escarameia, “as numerosas resolu-
ções sobre Timor durante o ano de 1999 revelam, não só uma capacidade de inter-
venção anteriormente inexistente, mas também um alargamento por áreas não
confinadas estritamente à segurança mundial, como sejam os campos sócio-
-económicos e jurídicos”151. O mandato em que foi instituída a UNTAET é, de facto,
de uma amplitude inédita (talvez só equiparada à do Kosovo), como se vê no
n.º 1 da referida Resolução, que especifica a responsabilidade geral pela adminis-
tração de Timor-Leste e terá poderes para exercer todas as funções legislativas e
executivas, incluindo a administração da justiça152.
Em tudo as suas atribuições se assemelham às de um governo no normal
exercício das suas funções:
a) garantir a segurança e manutenção da ordem em Timor-Leste;
b) instalar uma administração eficaz;
c) ajudar na criação de serviços civis e sociais;
d) coordenação e orientação do auxílio humanitário, bem como auxílio à recons-
trução e ao desenvolvimento;
e) apoiar a “construção de capacidades” para um governo próprio;
f ) contribuir para a criação das condições de um desenvolvimento sustentável.
De referir que o regulamento n.º 1999/1, sobre a autoridade da administra-
ção transitória em Timor-Leste especifica as atribuições do mandato definido
pela resolução: a UNTAET foi investida de toda a autoridade legislativa e execu-
tiva, bem como da administração da justiça, sendo exercida pelo administrador
transitório. O mesmo regulamento estabelece que o administrador transitório
deverá consultar os representantes do povo de Timor-Leste no processo de
tomada de decisão, o que só reforçava a noção do poder quase absoluto que lhe
estava confiado.
Para o cumprimento da sua missão a UNTAET foi estruturada em três pilares:
o governo e a administração pública; o auxílio humanitário; a reconstrução de
151 ESCARAMEIA, Paula – “Um mundo em mudança: Timor, a ONU e o Direito Internacional”, in
Reflexões sobre Temas de Direito Internacional, Lisboa: ISCSP, 2001 (67-85), p. 75.152 IDEM, ibid.
191colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
urgência153 e militar. Esta tarefa dá uma continuidade de âmbito muito mais
dilatado a operações que as Nações Unidas conduziram em países como
Moçambique, Namíbia e Cambodja, no caso vertente partindo de uma situação
em que não existiam instituições.
Também de sublinhar a importância que os actores não estaduais das
Relações Internacionais tiveram no processo: o movimento de libertação pro-
priamente dito, as organizações políticas, as organizações não-governamentais
e os indivíduos foram chamados a participar na nova administração, através
da formação do Conselho Consultivo Nacional (Regulamento n.º 2, de 2 de
Dezembro de 1999) para auxiliar a UNTAET no seu desempenho. Formado pelo
Administrador Transitório, três outros membros da UNTAET, e onze Timoren-
ses (sete dos quais do CNRT, três provenientes de outros grupos políticos existen-
tes aquando da realização da consulta popular e um da Igreja Católica)154, o
Conselho criou dois comités sectoriais para os assuntos económicos e para
a administração pública. Note-se, no entanto, que não tinha poder decisó-
rio, apenas fazia recomendações políticas, cabendo ao administrador, repre-
sentante do secretário-geral da ONU, Sérgio Vieira de Mello tomar as deci-
sões. Portanto, a sua intervenção era, basicamente, de assessoria a Vieira de
Mello155.
153 Uma missão conjunta de avaliação num relatório apresentado ao Banco Mundial em 1999,
assinalava que “Timor-Leste é diferente de outras situações pós-conflito num aspecto muito impor-
tante. Não existe uma necessidade aparente de pacificação entre segmentos da população com
diferenças étnicas, culturais ou religiosas. A necessidade – e esta é enorme devido à destruição
premeditada, meticulosa e massiva – é de reconstrução”, cf. THE WORLD BANK – Timor-Leste, Desafios
para uma Nação Nova, Maio de 2002, p. 5.154 Como assinala ESCARAMEIA, Paula – “Um mundo em mudança...”, p. 77, “foi notória a
importância que estes movimentos e organizações tiveram na conclusão dos Acordos de 5 de Maio e é,
assim, visível a importância jurídico-internacional que a sua acção tem na definição do estatuto interna-
cional de Timor e na sua efectiva concretização”.155 Reg. 1999/1, de 27 de Setembro: “toda a autoridade legislativa e executiva relativamente a
Timor-Leste, incluindo a administração do poder judicial, é cometida à UNTAET e exercida pelo Adminis-
trador Transitório”. Ver também Reg. 1999/2, de 27 de Setembro: art.º 1, 1.1. “É por este meio criado um
Conselho Consultivo Nacional (…) com o objectivo de assessorar o Administrador Transitório (…)”
(sublinhado meu).
192 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Em Abril de 2000, como haveria de comentar Vieira de Mello no congresso
do Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT), de Agosto desse ano,
chegou-se à conclusão de que o Conselho Consultivo Nacional era notoriamente
insuficiente como mecanismo de participação, por ser pouco representativo da
sociedade timorense. Iniciar-se-ia assim o caminho do que foi denominado
“timorização”, que se materializaria com a adopção do regulamento n.º 2000/24,
de 14 de Julho, o qual criou um Conselho Nacional em substituição do anterior
Conselho Consultivo Nacional, “composto por representantes das organizações
relevantes da sociedade civil timorense para actuar como um foro para todas as
matérias legislativas (…)”. Por este diploma foram ampliadas as capacidades de
participação no processo político, designadamente de iniciativa e emenda de
projectos de regulamentos, continuando a caber, no entanto, ao administrador
transitório, a aprovação dos mesmos. A composição do Conselho Nacional foi
alargada, passando a ter 33 (depois 36) membros todos eles timorenses156.
Embora não tivesse sido eleito, era considerado mais representativo e facilitador
da participação política.
Mas houve uma segunda decisão de maior impacte que correspondeu a
uma reformulação do modelo da UNTAET, com a criação da ETTA – East Timor
Transitory Administration (em 7.8.2000), formada por membros de um novo
governo de transição, que formou o primeiro executivo formado por quatro
timorenses do CNRT e quatro representantes da UNTAET. Enquanto ministros,
eram responsáveis pela formulação de políticas e pela recomendação de regula-
156 Reg. 2000/24, de 14 de Julho, art.º 3.º, 3.2. “Os trinta e três membros incluirão: sete (7)
representantes do Conselho Nacional de Resistência Timorense (doravante o CNRT); três (3) representan-
tes de grupos políticos independentes do CNRT; um (1) representante da Igreja Católica Romana em
Timor-Leste; um (1) representante das igrejas protestantes em Timor-Leste; um (1) representante da
comunidade muçulmana em Timor-Leste; um (1) representante das organizações de mulheres em Timor-
-Leste; um (1) representante das organizações estudantis e de jovens em Timor-Leste; um (1) representan-
te do Foro de Organizações Não-Governamentais Timorenses; um (1) representante das Associações
Profissionais; um (1) representante dos Agricultores; um (1) representante da comunidade empresarial;
um (1) representante das organizações de trabalhadores; um (1) representante de cada um dos 13
distritos de Timor-Leste”. Com esta iniciativa pretendeu-se alargar a participação do povo timorense
no processo de tomada de decisões.
193colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
mentos e directivas para consideração do Conselho Nacional (detendo Vieira de
Mello, como chefe do governo, toda a responsabilidade, de acordo com a
resolução 1272 do Conselho de Segurança). Em 21 de Fevereiro de 2001, o
Conselho recomendou a realização de eleições para uma Assembleia Constituin-
te de 88 membros em 30 de Agosto desse ano. Na sequência das eleições,
realizadas na data prevista, foi formado o segundo governo de transição, de
maioria FRETILIN, nomeado a 20 de Setembro. O novo gabinete, responsável pela
East Timor Public Administration (ETPA), era formado por 10 timorenses, em que
seis pertenciam à FRETILIN e os restantes eram independentes. As eleições
presidenciais, realizadas depois da conclusão da Constituição em Março de 2002,
deram a 14 de Abril de 2002 a vitória esperada a Xanana Gusmão e em 20 de
Maio nasceria o Estado.
3.4.4. O desempenho da UNTAET: resultados e críticas
As Nações Unidas estimaram que seriam necessários três anos para criar as
infraestruturas que tornariam Timor-Leste um Estado viável. Cumpriram o perío-
do transitório previsto, sendo embora discutíveis os termos a partir dos quais se
pode dizer se um Estado é viável ou não. O seu desempenho foi marcado por um
período inicial conturbado pela necessidade de fazer face à acção destrutiva das
milícias pró-indonésias, após o que foi criada a ETTA, como se viu, tendo em vista
a erecção de uma estrutura com carácter mais permanente e a garantia de
continuidade da actividade governativa após o termo do mandato da ONU no
território. Concluiu-se que a capacidade de adaptação era um elemento essen-
cial das administrações internacionais, frequentemente acusadas de inflexibili-
dade perante um receituário pré-estabelecido e práticas reiteradas.
Foi um tempo marcado por acesas polémicas, em que sobressaiu o pendor
demasiado internacionalista da equipa (muitos provenientes da UNMIK, o que
levou as vozes críticas a afirmar que Kosovo havia sido transposto para Timor-
-Leste) pouco conhecedora das especificidades timorenses, o que mais tarde
viria a ser corrigido com o recrutamento de pessoal local, o que não conseguiu
194 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
evitar a noção de que estava a ser criada uma duplicidade para alguns com
ressaibos discriminatórios157. As queixas de subalternização do CNRT – e a ineren-
te necessidade de promover um amplo e profundo processo de timorização –
suscitou equívocos e terá gerado desperdícios de energia. A legitimidade política
da UNTAET foi questionada pela população e o próprio CNRT, uma vez cumprido
o objectivo da libertação, caminhou até os seus dirigentes considerarem que,
tendo cumprido a sua missão de colaborar com a ETTA na transição, deveria
extinguir-se (Junho de 2001).
A actuação da UNTAET foi, com efeito, alvo de várias críticas, designadamente
de excesso de burocracia e lentidão, de ter construído uma administração
pouco eficiente e de ter integrado um número reduzido de timorenses. Ultrapas-
sado o difícil transe de 1999 e testada a operação de manutenção de paz,
desenhava-se o enigmático processo de experimentação de um ambicioso pro-
cesso de nation-building, aquilo a que James Traub, num artigo para a Foreign
Affairs de Julho-Agosto de 2000, chamava “inventar” Timor-Leste, perguntando:
“Será que nos locais onde a paz ou pelo menos a calma relativa tenham sido
conseguidas, poderão as Nações Unidas incentivar a estabilidade política, o desen-
volvimento económico e instituições democráticas fiáveis e responsáveis?”158 O ve-
lho dilema dos cépticos, em que se inscreviam questões como o défice de
conhecimento do terreno dos funcionários multinacionais e a inadequação de
certas medidas à realidade local suscitaram alguma crispação entre a população
timorense, a ponto de considerarem que se configurava um novo tipo de
colonialismo, ainda que benigno159.
157 SMITH, Anthony – East Timor: A nation reborn, http://www.inquirer.net/issues/sep2000/
sep03/features/fea_main.htm. Para uma visão crítica da actuação da UNTAET, CHOPRA, Jarat –The
UN’s Kingdom of East Timor, in Survival 42, London, Autumn 2000 (27-39) e GORJÃO, Paulo – The
Legacy and Lessons of the United States Transitional Administration in East Timor, in Contemporary
Southeast Asia, vol. 24, n.º 2, August 2002 (313-336). A versão portuguesa deste artigo, revista e
aprofundada, foi publicada com o título “O legado e as lições da Administração Transitória das
Nações Unidas em Timor Leste”, separata de Análise Social, vol. XXXVIII, n.º 169, Inverno de 2004.158 TRAUB, James – Inventing East Timor, in Foreign Affairs, vol. 79, n.º 4, July-August 2000 (74-
-89), p. 88 (tradução do autor).159 IDEM, ibid., p. 84.
195colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
À parte os excessos dos avaliadores compulsivos e a natural ansiedade da
população, é preciso ter em conta o quadro evolutivo da actuação da UNTAET para
traçar uma visão de conjunto mais satisfatória que permita com razoabilidade
concluir que teve, como quase tudo, aspectos positivos e negativos160. Mais do que
uma conclusão de senso comum é preciso definir critérios ou categorias de
avaliação, como as que propõe Paulo Gorjão: eficiência, transparência e legitimida-
de; ou considerar o modelo aplicado e proceder a um exercício comparativo com
o de outras iniciativas de nation-building empreendidas pelas Nações Unidas.
Os olhos estavam postos no desempenho. É evidente que havia um conjun-
to de questões de muito difícil resolução, onde o desempenho da UNTAET foi
muito delicado: a integração dos colaboracionistas, no espírito de reconciliação
nacional, e a repressão das milícias pró-indonésias eram (e continuam a ser)
assuntos muito prementes, sobretudo pelos contornos persistentes de ameaça à
segurança. O problema dos refugiados e todo o trabalho de assistência humani-
tária fez sobressair a inconveniência de a fronteira estar sob tensão, não devendo
ela constituir um muro a separar as duas metades da ilha. Em todo o caso e
apesar da incompletude da transferência das populações, a intervenção das
Nações Unidas numa e noutra área, aliás em estreita conexão, foi crucial e
indispensável. Refira-se que entre Outubro de 1999 e Outubro de 2001, regres-
saram aproximadamente mais de 190.000 timorenses161.
Mas outras questões foram sujeitas a apreciações menos positivas, como as
relacionadas com o regime da propriedade (e respectivas implicações, nomeada-
mente a dificuldade na atracção de investimento, inibindo a retoma económica)
e a administração da justiça (designadamente da carência de juizes, do julga-
mento dos crimes graves162 ou da aplicação da ideia conexa de reconciliação),
160 GORJÃO – art.cit., p. 313, em igual sentido escreve “a UNTAET não foi nem um surpreendente
sucesso nem um completo falhanço” (tradução do autor).161 UNTAET Press Office – Fact Sheet 10, Dezembro 2001.162 A própria UNTAET assumiu publicamente os resultados pouco satisfatórios no domínio da
justiça, designadamente na questão do julgamento dos crimes graves. Cf. UNTAET Press Office – Fact
Sheet 9, Justice and Serious Crimes, Fevereiro de 2002. Os julgamentos só tiveram início após a
independência.
196 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
potenciadoras de instabilidade social e política. O treino das forças militares e a
formação das Forças de Defesa de Timor-Leste ficou, em larga medida, depen-
dente da cooperação bilateral de Portugal e da Austrália. De referir igualmente,
que a criação de um corpo de polícia ficou afectada por uma capacidade de
intervenção e recursos limitados.
Com efeito, as inovações introduzidas pela gestão da UNTAET, se por um
lado reflectem os problemas funcionais das Nações Unidas, amplamente discu-
tidos, com a consequente insatisfação ou incompreensão de certos procedimen-
tos, por outro lado, tiveram uma amplitude administrativa inédita e deixavam
entrever, apesar de tudo, a flexibilidade necessária a uma transferência de pode-
res que se afigurava complexa. A resolução 1272 do Conselho de Segurança
investiu a UNTAET de todos os poderes num cenário de destruição e ademais
estava definido um fim último, o da independência, sem que no entanto se
tivesse traçado um caminho único para atingir este mesmo fim, assumindo um
idealismo indispensável num período em que tudo estava por fazer. José Manuel
Pureza também o reconhece quando afirma: “Timor pode ser assim perspectivado
como um ensaio, em pequena escala, do exercício destas novas funções da ONU que
combinam singularmente motivações pós-vestefalianas (a defesa universal dos di-
reitos humanos) com horizontes tipicamente vestefalianos (a construção de Estados-
-nação a partir de situações de caos administrativo e civil)”163. A formação do Estado
debate-se com a eterna questão do modelo de sistema político a adoptar e da
opção pela democracia como a base do funcionamento das instituições do
poder político central e local. A necessidade de articular o poder tradicional com
uma nova forma de poder, alheia aos seus costumes, veio recorrentemente à
colação no debate político e foi voz corrente apontar-se o presidencialismo
como o meio mais eficaz para fortalecer a unidade nacional164.
163 PUREZA, José Manuel – “Quem salvou Timor-Leste? Novas referências para o internacionalismo
solidário (2001?), www.ces.fe.uc.pt/publicacoes/oficina/164/164.pdf, consultado em 26.05.2003, p. 28.164 Mas não foi esta a solução adoptada, o que reflecte os resultados eleitorais de 31 de Agosto
de 2001, com a esmagadora vitória da FRETILIN. Com efeito, a Assembleia Constituinte elaborou um
texto constitucional de pendor semi-presidencialista, dotado de alguns mecanismos que degradam
a característica de garantia de que se deve revestir (caso do art.º 83, que admite a hipótese de, por
dificuldades de ordem técnica ou material, o parlamento nomear o chefe de Estado).
197colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Em todo o caso, pode aduzir-se que o esforço empreendido resultou numa
melhoria da segurança, na manutenção da ordem e do direito e no estabeleci-
mento de uma administração que suavizaram os efeitos da transição e que
permitiram a formação de uma assembleia constituinte, a elaboração de uma
Constituição e a eleição do presidente da República, o que obviamente não
exclui notas menos positivas. Também é de sublinhar a capacidade de adaptação
revelada e a correcção das lacunas; assim, a uma administração inteiramente
internacional na composição sucedeu outra, que acabou por acolher a participa-
ção dos timorenses.
No que toca ao contributo da UNTAET para a difusão de uma consciência
cívica potenciadora de um sentido de colectivo – e de um perfil para a constru-
ção de uma identidade nacional – é de ressaltar os seguintes aspectos165:
– a criação de um embrião da administração pública do Estado, com a adopção
do conceito de timorização da mesma, ou seja do recrutamento, selecção e
colocação de timorenses como funcionários públicos, e bem assim de os
preparar para assegurarem o funcionamento do serviço público, através do
reforço institucional e da formação (tendo para o efeito, sido criada, a Civil
Service Academy, cobrindo as áreas de governance, diplomacia, gestão, admi-
nistração local, recursos humanos, informática e línguas)166. A necessidade de
redimensionar o sector e de o tornar mais racional e transparente (libertando-
-o da herança do KKN) tornou-se num dos objectivos centrais;
– o estabelecimento de uma moldura de segurança interna e externa do terri-
tório através da presença das forças de manutenção da paz e da Civpol. Trata-
-se de uma das áreas mais sensíveis para a fundação da estabilidade política e
social, tendo-se verificado que apesar do auxílio na formação das forças
armadas e policiais do futuro Estado, estas não eram ainda autosuficientes,
razão por que se concluiu pela continuidade de uma missão das Nações
Unidas (a UNMISET) para garantir a paz e a ordem167;
165 UNTAET Press Office – Fact Sheet 1, Twenty Major Achievements, February 2002.166 UNTAET Press Office – Fact Sheet 13, Public Administration, February 2002.167 NEVES, Miguel Santos – The Security of East Timor in the Regional Context, Report. Lisboa:
Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, 2002, Cf. UNTAET Press Office – Fact Sheet 8, Law
198 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
– a realização de eleições livres, em ambiente pacífico, para a assembleia
constituinte (precedidas do recenseamento eleitoral de 737.811 pessoas e
das consultas constitucionais), de que resultou a formação de uma assem-
bleia constituinte e a nomeação de um segundo governo transitório (intei-
ramente formado por timorenses) e a eleição para a chefia de Estado. A
participação popular foi notável, da campanha até à votação, sendo de desta-
car a interessante iniciativa de proceder às referidas consultas constitucionais
(cujo processo e impacto será adiante abordado) no sentido de auscultar as
aspirações políticas e a comunidade de projecto dos 38.000 timorenses envol-
vidos;
– o estabelecimento de um programa nacional de educação cívica, que envol-
veu cerca de 100.000 timorenses e a formação de 5.500 líderes comunitários
(através do projecto CEP – Community Empowerment Project, promovido
pela UNTAET e pelo Banco Mundial). Refira-se que para alcançar este objectivo
a UNTAET recebeu a colaboração das ONG;
– a reabilitação básica das escolas (funcionando, de acordo com dados de
Fevereiro de 2002, 700 escolas primárias, 100 escolas de ensino secundário de
1.º grau, 40 escolas pré-primárias e 10 escolas técnicas) para um universo de
240.000 estudantes. Trata-se de uma área crucial num processo constitutivo
de um Estado e de uma identidade nacional e de um desafio extraordinário
porque começado praticamente a partir do zero: a destruição física das esco-
las e a falta de professores é um dos constrangimentos maiores, assim como,
na urgente necessidade de combater o analfabetismo e de prover a sociedade
timorense de técnicos e de quadros, aumentar a taxa de escolaridade e
melhorar a qualidade do ensino;
– a fundação de meios de comunicação de massas: a Rádio UNTAET (com
cobertura de todo o território, incluindo os campos de refugiados em Timor
Ocidental), a TVTL (com emissões muito limitadas, vistas apenas em Díli e em
Baucau, e segmentos de emissão de outras estações televisivas) e o boletim de
and Order, February 2002; Fact Sheet 17, East Timor Defence Force, February 2002 e Fact Sheet 18 –
Peacekeeping Force, February 2002.
199colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
informação mensal Tais Timor168, com uma circulação mensal de 50.000 exem-
plares, publicado em quatro línguas. Sublinhe-se que a comunicação foi uma
área sensível a que a UNTAET só deu maior atenção quando teve a percepção
de que os timorenses estavam pouco informados sobre a sua acção (e fre-
quentemente insatisfeitos e frustrados), tendo para o efeito criado um gabine-
te de imprensa que complementava o Gabinete de Comunicação e Informa-
ção Pública;
– a promoção de um maior envolvimento da sociedade na coisa pública, pela
generalização de expectativas elevadas e da crença na capacidade de existir
uma entidade supra-local, central – primeiro a UNTAET e depois o Estado
timorense –, com responsabilidade na condução dos problemas correntes.
Neste sentido é de destacar a criação de uma nova administração pública –
tendo a timorização por palavra de ordem –, e de serviços públicos básicos
(designadamente infraestruturas, saúde, educação e energia);
De referir ainda como nota positiva o trabalho desempenhado pelas institui-
ções especializadas das Nações Unidas e outros órgãos e programas internacio-
nais que, no terreno, prestaram um auxílio de monta, no sentido de promover o
desenvolvimento – casos do Banco Mundial ou do PNUD – ou ainda o auxílio
para a retorno dos refugiados pelo Alto Comissariado para os Refugiados ou da
Organização Internacional das Migrações.
Foi uma oportunidade até então nunca experimentada e irrepetível de
reunião de uma massa crítica e, se se considerar o âmbito alargado do mandato
e o tempo disponível os resultados foram bastante satisfatórios, com uma re-
construção de infraestruturas assinalável, o restabelecimento da ordem, a segu-
rança das fronteiras, e a criação de uma Constituição e de um governo. O
que naturalmente não impediu que se notasse que o seu termo viesse a denun-
ciar a incompletude da missão e a dos fins que tradicionalmente o Estado
persegue – segurança, justiça e bem-estar económico e social –, tornando
evidente a dependência relativamente ao exterior para garantir um nível mínimo
168 Para além deste periódico, os jornais de maior circulação eram o Suara Timor Lorosa’e e o
Timor Post.
200 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
do cumprimento de tais fins. É pois de reconhecer que não se está perante um
processo finito.
3.5. O nascimento do estado e da administração pública
Um novo Estado, fundado na sequência de um longo processo de resistên-
cia que alimentou um projecto nacional defendendo o direito à autodetermina-
ção e ainda de um período transitório dito de nation-building, conduzido pelas
Nações Unidas, com o contributo inestimável da comunidade internacional, feito
de esforços colectivos mas também individuais dos múltiplos actores das rela-
ções internacionais, começou a ser posto à prova a partir do dia da independên-
cia, 20 de Maio de 2002. Mas a importância do Estado não pode escamotear um
facto iniludível: a sua fundação recente não permite ainda retirar ilacções sobe-
jamente sólidas, com a sua actuação sujeita a avaliações que oscilam entre o
registo mais pessimista e uma atitude esperançosa.
Esta nova etapa representou o culminar de um conjunto de sonhos e
sentimentos contraditórios, em que, na sua fase final, depois da consulta popular
favorável à independência, uma administração internacional transitória dotada
de amplos poderes foi submetida a severas avaliações críticas, quer da parte dos
timorenses, quer de uma infinidade de outras vozes, dos mais variados quadrantes
e influências. Com efeito, o horizonte da independência gerou altas expectativas
quanto ao desempenho das Nações Unidas na perspectiva de que era necessário
conseguir alcançar o maior número de resultados. Mas havia chegado o tempo
para Timor-Leste trilhar um novo caminho, desta vez não com um poder tutelar
identificado, que se impunha de fora para dentro, sob a forma de uma domina-
ção político-militar, mas com um poder originado numa vontade de ter uma
existência própria e separada, idealizada e agora materializada na formação
de um Estado. E foi justamente o período de administração internacional – e
sobretudo as eleições para a assembleia constituinte – que terá permitido criar
junto da população uma maior percepção do significado da independência
política.
201colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Durante a transição, estavam, no fundo, a ser reunidas as condições para
uma reflexão sobre as expectativas quanto ao papel que o Estado deveria
desempenhar, à qual acrescia a averiguação sobre o modo como os timorenses
se comportariam face às exigências da construção de um novo país e aos
desafios da sua inserção no mundo da globalização. E agora estão a ser postas a
nu as dificuldades de um projecto em curso, sujeito às volatilidades conjunturais
mas também às forças profundas, tomando de empréstimo a expressão de Pierre
Renouvin, que fazem sobressair o carácter de processo, mutante e contingente,
mas ao mesmo tempo fundamental, para lançar as bases de um país que
enfrenta os maiores desafios, os quais lançam o debate sobre o sentido desse
Estado e das instituições, do sistema democrático, da reacção das elites à inde-
pendência, dos efeitos sociais da violência ou do fantasma das lutas fratricidas,
para citar apenas alguns exemplos. Depois de um percurso com um inimigo
externo localizado, que obviou – e ao mesmo tempo potenciou – divergências
de interesses existentes entre as elites, o nacionalismo criou uma unidade que
acabou por transferir a conflitualidade para o plano internacional.
Era, de resto, um dado incontornável entrar em linha de conta com os
constrangimentos a que, por comodidade se poderiam chamar de materiais, de
índole diversa (política, económica e de segurança), e neste sentido o Timor-
-Leste independente imaginado pelos timorenses pode vir a distanciar-se da
realidade, a ponto de poderem surgir tensões e crises. É por isto que é preciso
avaliar o papel do Estado na estabilização das identidades e dar-lhes uma
expressão nacional, no sentido em que seja possível encontrar uma adesão do
povo – e com ela uma cidadania – ao projecto de país que os seus representantes
e as instituições devem pôr em marcha, projecto este traduzível nas mais diver-
sas áreas (administração, educação, saúde, segurança e emprego, etc.). Mas
considerar apenas o aspecto material da questão é redutor, tanto mais que estão
em causa relações de causa-efeito que se jogam no plano político.
O Estado tem, pois, um papel sumamente importante na consolidação de
uma identidade nacional que legitime a continuidade da sua existência e acção,
que crie nexos por forma a aumentar a vontade de um destino comum. Por isto,
haverá que verificar se o Estado será efectivamente capaz de produzir e conduzir
202 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
uma identificação nacional acima de lealdades particulares e de uma multipli-
cidade de pertenças, disponibilizando recursos políticos e ideológicos para o
fazer. Será prudente equacionar a participação dos outros actores, por forma a
promover uma visão mais integrada sobre os mecanismos de formação identitária.
E ao mesmo tempo reconhecer que nada disto se faz em pouco tempo.
A fragilidade das instituições, aliada a um passado de violência, a cisões
sociais, geracionais e políticas – pela diversidade das influências na formação das
elites (portuguesa, colonial e pós-colonial, moçambicana, indonésia e australia-
na) – , à debilidade da economia, cobrem a empresa de uma onda de pessimismo
e da certeza de grande instabilidade política que pode pôr em causa os funda-
mentos do sistema político adoptado.
Durante o período do mandato internacional, durante o qual decorreram
dois actos eleitorais de que resultaram os órgãos de soberania e a Constituição
foram largamente debatidas as questões da educação (particularmente também
da cívica) e da informação como elementos da maior importância num maior
empenho do povo em construir um país: a nação tem de ser ensinada. Isto é
tanto mais verdade quanto se trata de um conceito, de uma abstracção que é
sentimento e consciência. Com frequência o sentido fixado é o da elite. Acresce
que, como sublinha Walker Connor, a formação de uma nação é, como se tem
insistido, um processo e não uma ocorrência, sendo complexo determinar a
partir de quando existe a nação. Não é demais notar que a sociedade timorense,
marcada pela pobreza de uma ruralidade dominante, por uma macrocefalia à
escala na cidade de Díli e pelo analfabetismo, só para citar alguns constrangi-
mentos, não dispõe de uma sociedade civil largamente mobilizada ou sequer de
uma classe média digna de tal designação, o que tansforma a tarefa da criação de
uma cultura colectiva pública num objectivo da maior importância. Acresce que
o Estado tem genericamente uma trindade de fins – segurança, justiça e bem-
-estar económico e social – que tem de procurar pôr em prática.
Depois do indispensável resultado da consulta popular em Agosto de 1999,
as eleições para a Assembleia Constituinte, em Agosto de 2001, e as eleições
presidenciais em Março de 2002, são sinais de vitalidade que permitem interpre-
tar os índices da participação política como uma vontade de construir um futuro
203colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
em comum. Outros estudos, resultantes de inquéritos e de sondagens, bem
como o primeiro relatório de desenvolvimento humano, realizado sob os auspícios
do PNUD, publicado em Abril de 2002, deixam alguns indícios mais preocupantes
quanto a esta consciência de prosseguir uma meta comum e de responder
cabalmente aos desafios que o plebiscito de todos os dias apresenta. A consciên-
cia dos problemas é, obviamente, generalizada e remete para a continuidade do
empenho internacional, como notou Kofi Annan no último relatório (de 23 de
Abril) que enviou ao Conselho de Segurança antes da independência. A
inexistência de uma administração pública a funcionar eficazmente, o desempre-
go, a carência de quadros, a saúde muito precária, a educação periclitante, a
frágil rede de comunicações, a insuficiência das infraestruturas, entre muitos
outros problemas, dificultam, e de algum modo comprometem, esta comunida-
de de destino. É uma evidência. O elemento volitivo talvez seja o mais valioso de
todo o processo, independentemente das maquinações nacionalistas ou da
tradição histórica, e que projecta o colectivo num presente-futuro não do que é
mas do que quer ser.
3.5.1. A criação de uma cultura colectiva pública: símbolos e sinais
Há pouco mencionámos a formação de estereótipos como um dos passos
importantes do processo, para, por fim, chegar à seguinte pergunta: o que é ser
timorense? Que qualidades e características têm de estar reunidas para se gerar
a identificação; como se identifica um timorense a si próprio: como mambai ou
makassai, como católico ou islâmico, ou ainda, numa lógica de definição por
contraste, como não indonésio ou como não português, ou tão-só como
timorense?169 E neste encadeamento, a designação malae (estrangeiro) definirá,
169 Cf. THATCHER, Patricia L. – The Timor-Born in Exile in Australia. Melbourne: M.A. Thesis,
Department of Anthropology and Sociology, 1992, pp. 208-209, apud JANNISA, G. – The Crocodile’s
Tears..., p. 294 e APPADURAI, Arjun – “The grounds of the nation-state”, in GOLDMANN, Kjell et al. –
Nationalism and Internationalism in the Post-Cold War Era, Londres: Routledge, 2000 (129-142), p. 131.
204 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
em si mesma, uma identidade comum por reacção à diferença ou por uma
consciência de comunhão, ou por ambas as razões? A título ilustrativo refira-se o
estudo que Patricia Thatcher conduziu entre a comunidade timorense na Austrá-
lia, em 1990-91, que lhe permitiu concluir que antes de 1974 a maior parte dos
timorenses viam-se como portugueses (caso dos mestiços), como chineses ou
como membros de um dos vários grupos etno-linguísticos (e aqui primeiramente
como membros da família e do clã). Todos conheciam a divisão entre Kaladis e
Firakus evocada anteriormente. A invasão indonésia e a consequente fuga para
Portugal ou para a Austrália produziu um sentimento de união e de solidariedade
que terá permitido a formação de uma “comunidade imaginada”. O que liga os
indivíduos ao grupo ou ao Estado, ao ponto de aceitar morrer por ele, é uma
realidade a que se sobrepõe a pertença local. Tem cabido, assim, ao Estado
fomentar um trabalho de propaganda nacionalista, fundamental para arreigar
uma escala hierárquica de pertenças: não apaga a regional, mas pode inculcar,
num plano superior, a nacional.
Em Timor, o Estado e as elites têm, portanto, a seu cargo a dificílima tarefa
de fundar uma identificação política numa sociedade com cisões acentuadas,
que poderá derivar da ideia de um passado histórico (com intensidades diversas
de comunhão de objectivos), que se depara com a inexistência de uma cultura
escrita desenvolvida e deriva da memória colectiva particular, que só muito
lentamente poderá ser modelada por forma a criar um sentimento de pertença
nacional. Esta tarefa de identificação faz-se por meio de rituais – próprios de um
Estado-teatro (Geertz) – que visam reforçar os laços de solidariedade, com vista
à construção de uma cultura colectiva pública170, que imprima dinamismo à
sociedade civil171, construa a cidadania, reforce o patriotismo e ultrapasse – não
170 SMITH, A.D. – A Identidade Nacional, p. 24.171 A este propósito atente-se em SALDANHA, João M.; SALLA, Michael M., eds. – East Timor
Facing the Future: Reconciliation, Institution Building, and Economic Reconstruction. Final Report
(Washington D.C. Worshop, organizado pelo East Timor Studies Group, American University, e
Uppsala University), 3-6 Agosto 2000. Os organizadores concluem que “o futuro da democracia em
Timor-Leste está sujeito à existência de uma sociedade civil dinâmica, compreendendo ONG, a imprensa,
a juventude e outras instituições relevantes. Actualmente, a sociedade civil em Timor-Leste está ainda
numa posição muito fraca e vulnerável” [sublinhado e tradução meus].
205colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
as suprimindo, pela sua real importância – as lógicas familiares, comunitárias
para instituir um sentimento de responsabilidade colectiva. Tal tarefa é ciclópica,
pode demorar décadas ou até séculos e tem de lidar com as pressões cosmopo-
litas do mundo globalizado, o que pode tornar a sua realização um exercício de
perícia política de contornos algo incertos e imprevistos. Não é, no entanto,
garantido que estes exercícios de ‘rituais’ premeditados produzam mecanica-
mente os efeitos esperados.
Torna-se, assim, necessário produzir um conjunto de sinais que provem a
existência recorrendo a uma lista de recursos experimentados e facilmente
assimilados, que a Europa transplantou para as suas colónias, quando lhes impôs
o seu modelo de organização política. Neste sentido, é de esperar que venha a
ser incrementada uma campanha de criação, recuperação e valorização de
símbolos de identificação nacional, através, por exemplo, da celebração de
feriados nacionais172, da evocação dos soldados e heróis da resistência mortos
em combate e das vítimas da invasão indonésia (numa lógica de martirização dos
fundadores da nação), da definição de conteúdos dos currículos escolares (e
designadamente da História) ou da formação dada no serviço militar, contri-
buindo para um reforço da cidadania.
Fundamental será a tarefa dos órgãos de socialização popular (e.g. sistema
público de educação e meios de comunicação), como lhes chama Anthony D.
Smith, para assegurar a referida cultura colectiva pública, o que, atendendo aos
conhecidos problemas do sector, demorará a implantar-se. Como corolário deste
processo, é habitual a preocupação com a noção de cidadania, o que é geralmen-
te feito pela criação do sistema educativo de massas, compulsivo, que padronize
e tente criar um sentimento de homogeneidade cultural, supra-étnico. Não
menos importante, embora ainda em estado que não se poderia actualmente
qualificar como menos do que embrionário, os media vão avançando timida-
172 Registe-se que em Timor-Leste foi adoptada a data de 28 de Novembro –evocativa da
independência da FRETILIN em 1975 – como dia nacional e não o dia 20 de Maio, data da
transferência de poderes da UNTAET para os órgãos de soberania timorenses eleitos democratica-
mente.
206 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
mente173, com destaque para a rádio que alcança já praticamente todo o país e
tem um número de ouvintes significativo.
Até agora, os sinais da existência de uma cultura colectiva pública são
previsivelmente fracos: a educação continua tributária do sistema indonésio
(sendo necessário “descolonizá-la”), a formação militar depende do exterior, os
media, como se viu, têm uma implantação modesta e os mártires da pátria, os
caídos e os de pé, têm apenas um monumento erguido na memória viva e
infelizmente recente da população. Assim, a preocupação com este problema
suscitou a reutilização de um neologismo muito curioso criado pelos nacionalis-
tas de 1975: a timorização, ou seja, um processo de reforço identitário, de defesa
e recuperação das especificidades, através do qual o Estado e a sociedade
timorense poderiam edificar as instituições, libertando-as de constrangimentos
impostos do exterior que tolheram a afirmação da especificidade timorense. Mas
este esforço veio de cima, e teve de lidar primeiro com a expulsão da autoridade
indonésia e depois com uma gradual participação no poder por transferência de
competências da administração transitória das Nações Unidas, processo que não
foi destituído de alguma polémica. A timorização terá consistido mais numa
entrega do poder aos timorenses (e à sua integração nas frustes estruturas da
administração pública) do que numa doutrina identitária coerente, mobilizadora
e criativa, de repto à construção nacional, tornando-se num bordão esvaziado de
conteúdo operacional.
É também no plano do simbólico que se alicerça a identidade. O que pode
remeter para a História, mas não forçosamente. Os símbolos são marcas vivas de
uma dada cultura, ainda que sejam herdados do passado, de um passado vivo.
Como escreveu, a este propósito, Anthony D. Smith, “através da utilização dos
símbolos – bandeiras, moeda, hinos, uniformes, monumentos e cerimónias – os
membros recordam a sua herança comum e as suas características culturais,
sentindo-se fortalecidos e exaltados pela sensação de identidade e pertença
comuns”174. A escolha de tais símbolos – tão integradores quanto possível –
173 SALDANHA; SALLA – Art.cit., p. 12.174 IDEM, ibid., p. 31.
207colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
foram sujeitos a uma avaliação por parte da população no período imediatamen-
te anterior à realização das eleições para a Assembleia Constituinte que ocorre-
ram nos finais de Agosto de 2001. A opção tomada quanto à bandeira e ao hino
recupera as escolhas da FRETILIN, numa lógica restauracionista e partidária175.
Quanto à moeda – outro dos símbolos da soberania – optou-se por uma solução
utilitária, mantendo o dólar americano.
No que diz respeito aos monumentos, está prevista a inauguração de um
monumento às vítimas do movimento de libertação, de projecto esquálido e
feitura australiana. Esta foi uma área em que os Indonésios investiram sem êxito:
veja-se o caso do Cristo-Rei de feições asiáticas, que nunca mobilizou peregrina-
ções em massa, ou do guerreiro timorense de uma praça em Díli, com uma
postura mais espasmódica do que heróica, ou ainda a versão em betão armada
da casa de Los Palos como modelo da arquitectura timorense. Quanto à repre-
sentação pictórica da pretendida nação timorense, de registar as pinturas murais
do estádio de Díli, que dão alguma cor à mensagem nacionalista; as divulgadas
telas de Xanana, pintadas na clausura de Cipinang, fixando uma paisagem
timorense (paisagem natural e humana que também quer registar em fotografia),
ou os tais (representando os treze distritos) que adornam a sala de sessões do
Parlamento.
De fixar ainda, seguindo uma tendência adoptada em numerosos países, a
escolha de um animal para representar a nação: o crocodilo, avô de Timor
segundo a tradição mitológica (fazendo lembrar o próprio recorte da ilha a
cabeça de um sáureo).
Há alguns sinais relativamente recentes – em festividades e cerimónias
públicas – de criação de símbolos e valores partilhados e nacionais, que têm um
significado variável e um efeito difuso, de que se apresentam vários exemplos: o
apodo loro-sae a caracterizar Timor como país do sol nascente remete para a
tradição mitológica e é claramente um factor de distinção pela atribuição de um
novo nome ao território, notoriamente uma tentativa de abandonar a designa-
175 Ver art.os 14 e 15 da Constituição da República Democrática de Timor-Leste, sobre símbolos
nacionais e bandeira nacional.
208 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ção geográfica de leste176; as danças guerreiras loro-sae e os cantares foram
objecto de divulgação externa e usadas não só como manifestação artística mas
também como modo de expressão de um sentimento timorense; a participação
de atletas nas Olímpiadas de Sydney, no ano 2000 (o desporto é, nos nossos dias,
um dos elementos mais dinâmicos da identidade nacional); as cerimónias da
independência, que uniram mitologia, folclore (danças, cantares e trajes tradi-
cionais), bandeiras e hinos à proclamação oficial da independência, à qual
acorreram igualmente, como convidados, os representantes dos vários actores
das relações internacionais envolvidos no processo.
Estas são manifestações que parecem denotar a consciência de uma expe-
riência partilhada e de uma solidariedade mais ampla que as tradicionais (a
família, a aldeia, o suco), que introduzem mecanismos de identificação colectiva
de amplitude ainda precisa. A este propósito, é de evocar a proposta de Francisco
Bethencourt sobre o que chama estados de comunhão, onde destaca dois pólos
de efeverscência colectiva que assumem, do meu ponto de vista, grande relevo
no caso de Timor: o medo e a festa177. A insegurança e a instabilidade ali vividas
propiciaram a formação de um cimento aglutinador; do mesmo modo, as festas
rituais realizadas em todo o território e nas comunidades da diáspora parecem
exercer igualmente uma função de sedimentação da comunidade.
3.5.2. A criação de um sistema educativo
Ao longo deste trabalho já foi evocado o papel que o ensino teve na
formação das elites e no alargamento das bases nacionalistas. Em momentos
diferentes e sobretudo com intensidades diversas, as colonizações portuguesa e
176 A opção do CNRT por Timor Lorosae para nome do país foi preterida pela recuperação da
versão de 1975 de República Democrática de Timor-Leste, enquanto no plano internacional se optou
pela designação de Timor-Leste (escolhida pela FRETILIN e consagrada pelo uso nos fora internacio-
nais desde 1974).177 BETHENCOURT, Francisco – La sociogénesis del sentimiento nacional, in Manuscrits, n.º 8,
Enero 1990, pp. 18-19.
209colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
indonésia contribuiram para a génese de um sentimento nacionalista em Timor-
-Leste. Como se viu, a escolarização que a colonização portuguesa proporcionou
deve muito à acção missionária (sobretudo aos seminários da Soibada e de
Same) e só tardiamente se foi implantando o ensino laico, alcançando camadas
diminutas da população (os filhos dos liurais, assimilados e mestiços). Por este
motivo, uma larga maioria da população era analfabeta. O ensino indonésio teve
uma implantação muito mais dilatada (até porque era obrigatório)178, tendo a
população escolar aumentado muito significativamente, bem como o número
de escolas e dos ciclos de estudos, tendo inclusivamente sido criada uma univer-
sidade. Entre 1976 e 1998, a taxa de matrículas nas escolas primárias aumentou
mais de 11 vezes, no ciclo preparatório mais de 100 vezes e no ensino secundário
cerca de 228 vezes. São números extraordinários, provavelmente inflacionados,
mas que partem de uma base muito baixa, sendo notória a diferença entre os
meios rurais e urbanos e baixas as taxas de conclusão dos estudos, sobretudo
para os mais pobres e para as raparigas179.
Um e outro sistemas educativos fizeram aprender as respectivas línguas e
culturas. Um e outro instilando ideologias de Estado. Uma e outra dando opor-
tunidade a que alguns estudantes recebessem bolsas para frequentarem univer-
sidades nas respectivas metrópoles, o que, em ambos os casos, e em proporções
diferentes, propiciou nos jovens a ideia de que a independência era um objectivo
incontornável. Desde 1975 que era, de resto, notória a preocupação com esta
área, tendo-se iniciado logo naquele ano campanhas de alfabetização (de ini-
ciativa da FRETILIN) seguindo o método de Paulo Freire e divulgando uma
cartilha em língua Tétum, logo a seguir interrompidas pela invasão. A lacuna foi,
desde então, suprida, do lado timorense, pela acção da Igreja Católica.
178 Em 1998, a taxa de inscrição no ensino primário era de 90,1%. WORLD BANK – East Timor –
TP – Fundamental School Quality Project. Project Information Documentation, Díli, 2001, p. 131. Os
graus de ensino estruturavam-se do seguinte modo: 2 anos de pré-primária, 6 anos de primária
(depois dos 7 anos), 3 anos de ciclo preparatório e 3 anos de educação secundária ou técnico-
-profissional, e finalmente 2 anos de educação politécnica ou 3-4 anos de educação universitária. Cf.
WORLD BANK – Timor-Leste: Desafios para uma Nação Nova, p. 61.179 WORLD BANK – Timor-Leste: Desafios para uma Nação Nova, p. 61.
210 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Mas o que verdadeiramente conta no momento de fundação do Estado é a
criação de um novo sistema educativo, pós-colonial, que para além de ter a
missão de preparar as novas gerações para a construção de um país com um
índice de desenvolvimento humano dos mais baixos do planeta, de maioria
analfabeta (57%, dados de 2002, com uma enorme assimetria entre as zonas
rurais e as urbanas, e entre homens e mulheres), desprovido de quadros e de
técnicos, tem também de fazer face a toda uma herança de destruição de
infraestruturas e de carências materiais e humanas muito constrangedoras. O
ciclo histórico iniciado após a consulta popular impôs a necessidade de
redimensionar, de suprir a falta e melhorar a qualidade dos professores, de
reconstruir as escolas e de reformular os currículos. É a este novo ciclo iniciado
em 1999, que importa dar atenção e que corresponde, grosso modo, aos trinta e
dois meses de mandato da UNTAET e ao período que decorre a partir da data da
independência, para tentar entrever não só o planeamento em curso, como as
formas através das quais se pretende passar uma ideia de “identidade nacional”.
Dados de 2001/2 indicam que 73% das crianças entre os 7 e os 12 anos
frequentavam o ensino primário; 25% dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos
frequentavam o primeiro ciclo do ensino secundário e 17% dos adolescentes
entre os 16 e os 18 anos frequentavam o segundo ciclo do ensino secundário.
Não se verificou grande desigualdade entre os sexos, mas entre os adultos com
mais de 30 anos, o número de mulheres analfabetas é superior no dobro ao de
homens180. O número de estudantes que frequentam o ensino superior é diminu-
to, com apenas 3,9% dos adultos. Este panorama é agravado pelo facto de uma
parte substancial dos edifícios das escolas ter sido destruído e de uma significa-
tiva parte dos professores (sobretudo do ensino secundário), de nacionalidade
indonésia, ter regressado ao seu país de origem.
Em termos educativos, durante a vigência da UNTAET foram alcançados
alguns resultados importantes: no final de Janeiro de 2000, apesar da destruição
das infraestuturas, 40000 crianças e 1000 professores já haviam regressado ao
180 MILLO, Yiftach; BARNETT, John – Educational Development in East Timor, p. 2. Dados retirados
do relatório do PNUD do desenvolvimento humano de 2002.
211colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
ensino primário. Foi justamente a necessidade de reconstruir as escolas que
orientou a preocupação central da administração transitória, em colaboração
com o Banco Mundial e com o CNRT. O CNRT havia desde 1999 formulado o seu
pensamento estratégico para o sector, considerando-o vital para a transforma-
ção da sociedade e da economia timorenses e como tal apelando a uma modi-
ficação dos métodos de ensino e uma modernização do currículo. Previsivelmen-
te, um dos pontos em foco era o desenvolvimento de uma identidade nacional
baseada nos valores culturais timorenses, mas também nos direitos humanos,
universais181. Mas a acção das milícias deixou pouca margem de manobra e a
emergência passou a ser a nota dominante, tendo depois a UNTAET (pela sua
Divisão de Educação), com a ajuda dos doadores, tomado conta do processo.
De salientar que a administração evitou a reforma de assuntos sensíveis, envol-
vendo os conceitos ou as ideias de identidade timorense, nação, valores culturais
ou moral religiosa182, e acabou mesmo por, de acordo com o CNRT, conservar o
currículo indonésio e o seu sistema educativo. As dificuldades de concerta-
ção que decorriam de entendimentos diferentes sobre a gestão do problema
resultaram numa excessiva centralização e num défice reformista. Aos problemas
do passado acrescentaram-se os desafios do presente: se por um lado, as práticas
de ensino herdadas do período indonésio, baseadas na repetição e na obediên-
cia, de conteúdos discutíveis e qualidade improvável, estavam ainda muito
arreigadas, por outro lado, questões como a reabilitação das escolas, o recruta-
mento dos professores ou a língua usada – sendo o Português pouco conhecido
e o Tétum um idioma prevalentemente oral, os recursos para normalizar a
respectiva utilização serão previsivelmente elevados – não têm resolução ime-
diata.
Em todo o caso, a UNTAET alcançou resultados numericamente importantes:
no início do ano lectivo, em Outubro de 2001, estavam inscritos 240.000 estudan-
tes no ensino primário e secundário, para 6000 professores, 700 escolas primá-
rias, 100 escolas do primeiro ciclo do ensino secundário, 10 escolas técnicas, 1
181 IDEM, ibid., p. 9.182 IDEM, ibid., p. 10.
212 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
milhão de manuais183. A Universidade Nacional de Timor-Leste (reaberta, em
condições de grande precaridade, em Novembro de 2000) contava, naquele
mesmo ano, 5000 alunos, tendo as suas licenciaturas um défice nas áreas das
engenharias, do direito ou da medicina – de que o país tanto carece – e os
professores um débil nível de qualificação. De referir ainda que se assistiu a uma
proliferação do ensino superior privado (de modelo indonésio), eventual factor
de potenciação da instabilidade social e do desemprego, sendo desejável, por-
tanto, que se dê primazia à universalização do ensino primário, à formação
profissional e de professores e se avance com cautela no secundário e superior184.
O ensino técnico constitui igualmente uma área de crucial importância dada a
escassez de know-how nesta área.
A dependência dos doadores e a percentagem do orçamento público que
lhe é dedicada são variáveis de reflexão importantes num sector seguramente
prioritário na consolidação identitária. E subsistem os problemas acima evocados
– infraestruturas, financiamento, pessoal, língua das aulas e dos manuais, conteú-
dos, igualdade de acesso ao sexo feminino –, constrangimentos materiais e
humanos não dispiciendos que exigem o maior cuidado. As opções a tomar têm
de ponderar o equilíbrio entre a necessidade de quadros e o desemprego.
3.5.3. A importância das forças de segurança
Numa sociedade marcada por décadas de violência reiterada e por uma
textura tradicional guerreira, alimentada pelo funu, e ainda para mais tendo nas
FALINTIL um dos pilares importantes do nacionalismo, é obvia a importância das
Forças Armadas, como garante da segurança e da defesa, e bem assim do
cumprimento da lei e do respeito pela autoridade legitimada por sufrágio. Trata-
-se, com efeito, de cumprir um dos fins primordiais do Estado fundado, a braços
183 UNTAET Press Office – Fact Sheet 15, Education, February 2002.184 Cf. JONES, Gavin W. – Education and Health, in HILL, Hal; SALDANHA, João M. – Ob.cit., (256-
-271), pp. 261-262.
213colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
com a forma de garantir tal fim, sem o qual não tem sentido qualquer plano
estratégico de desenvolvimento tendo como fito a justiça e o bem-estar econó-
mico e social. É de resto a preocupação fundamental dos timorenses, como
demonstram algumas sondagens e inquéritos realizados a propósito das suas
aspirações e projectos (cf. infra 3.6.).
A formação das Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL, aprovadas em 2000,
tendo como fulcro os ex-soldados das FALINTIL), com menos de 1000 homens, e
da Polícia, com pouco mais de 1300 efectivos, é insuficiente e como tal exigiu a
permanência do envolvimento das Nações Unidas e das forças de manutenção
da paz após a independência (quer na componente militar quer na componente
da polícia civil, designada de CivPol)185. O recrutamento e o treino destas forças,
tarefa em que Portugal e a Austrália tiveram um relevante papel, alcançou
resultados tímidos e não impediu alguns distúrbios relacionados com a acção
das milícias e como as alterações à ordem pública que se registaram em Díli no
final de 2002.
Não se pode, evidentemente, dissociar deste cenário a vulnerabilidade e a
dependência – da ajuda externa, da conjuntura internacional, das predisposi-
ções regionais, das relações de vizinhança, dos desempenhos económicos, da
estabilidade social, da integração de excluídos – incluindo ex-milícias –, do
emprego, da “good governance”, de uma actuação efectiva das FDTL, da
credibilidade da polícia civil, etc.. O papel das elites, e da sua convivência, na
condução do processo político será determinante, tanto no plano interno como
no externo, sendo de destacar, relativamente ao primeiro dos planos que as
práticas reiteradas de violência constituem um sinal preocupante de dependên-
cia do apoio da UNMISET186 – com um mandato limitado, mas uma crucial
185 UNTAET Press Office – Fact Sheet 8, Law and Order, Fevereiro de 2002 e Fact Sheet 17, East
Timor Defence Force, Fevereiro de 2002.186 UNMISET é a sigla para United Nations Mission of Support in East Timor, estabelecida por
resolução 1410 (2002), de 17 de Maio, do Conselho de Segurança, para um período inicial de 12
meses a começar em 20 de Maio de 2002 (prorrogado por mais três anos). O mandato que lhe foi
atribuído tinha o seguinte conteúdo: prestar assistência às estruturas administrativas fundamentais
para a viabilidade e estabilidade política de Timor-Leste; contribuir para um reforço do direito e da
214 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
importância, sobretudo do ponto de vista da segurança – e da impreparação das
forças timorenses em se bastarem a si próprias no cumprimento das suas funções
essenciais. A sua missão e formação – incluindo claramente a inculcação de um
modelo de cidadania – afiguram-se como um pilar da coesão do Estado e dos
mecanismos públicos e colectivos de identificação que permitirão conservar
uma vontade de prosseguir um destino comum. Os constrangimentos evocados
e a permanência do auxílio externo, tornam prematura e desaconselhável a
emissão de um juízo crítico sobre o futuro e os seus imponderáveis desígnios.
3.5.4. O sognificado do referendo de 1999 e das eleições para aassembleia constituinte (2001) e do presidente da república(2002)
A realização do referendo de 30 de Agosto de 1999 e das eleições para a
Assembleia Constituinte dois anos mais tarde, indiciaram um interesse evidente
dos timorenses na edificação de um Estado que consagrasse a sua vontade de se
libertarem da subjugação indonésia e de serem independentes. As percentagens
de participação numa e noutra votações foram sempre muito elevadas: na
primeira atingiu os 98.6% e na segunda os 91.3%187. Em 14 de Abril de 2002, nas
eleições para a presidência da República a participação atingiu os 86%. Estes
resultados, se por um lado atestam uma participação massiva com níveis
inigualáveis e constituem um pre-requisito formal da génese do Estado, por
outro lado não são suficientemente conclusivas quanto a um envolvimento
reiterado nessa mesma tarefa, de que o sufrágio constitui apenas um dos meios
segurança pública e auxiliar o desenvolvimento das forças policiais; contribuir para a manutenção da
segurança externa e interna em Timor-Leste. O Conselho de Segurança incumbiu igualmente a
UNMISET de efectivar os três programas do plano de implementação do mandato definido no
relatório do Secretário-Geral (S/2002/432), de 17 de Abril de 2002, a saber: estabilidade, democracia
e justiça; segurança pública e reforço da lei; segurança externa e controlo de fronteiras.187 SOUSA, Lurdes Silva-Carneiro de – Some Facts and Comments on East Timor 2001 Constituent
Assembly Election, Lisboa: CEPESA, 2001.
215colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
legitimador. A liberdade conquistada requer um processo de participação cons-
tante na vida pública, por forma a aferir da comunhão que é a identidade
nacional. O teste eleitoral não é nem suficiente nem único e há, naturalmente,
muitas liberdades para conquistar.
Em todo o caso, podem retirar-se algumas ilacções seguras dos actos eleito-
rais, particularmente, no que diz respeito ao referendo de 1999, a consciência de
uma individualidade histórica e cultural “e desejava, por isso, ter em suas próprias
mãos o seu destino”, conferindo a necessária legitimidade à autodeterminação
que confirmava uma vontade interior da população188. A leitura dos actos que
permitem aferir da identificação do povo com o conteúdo do conceito (e senti-
mento) de identidade nacional está, no momento da transição pós-referendo e
da proclamação da independência, naturalmente sujeita a algumas dúvidas. O
nível de exigência é agora outro e mais elevado: os objectivos nacionalistas têm
que dar lugar a objectivos nacionais e alcançá-lo é um processo longo, necessa-
riamente moroso e recheado de percalços.
Neste sentido, é de reforçar que a participação política de uma larga maioria
da população nos actos eleitorais não permite aferir da solidez da adesão
daquela ao projecto nacional, embora, obviamente, seja um marco muito positi-
vo neste sentido. A classe política tem dado sinais de falta de sentido de corpo e
as suas dissensões, com origens diversas, geram um défice de credibilidade, que
atinge a confiança nas instituições.
Analisando mais de perto as eleições para a Assembleia Constituinte, verifi-
ca-se que os resultados deram a esmagadora maioria à FRETILIN – com 57,37%
dos votos, de 208 531 timorenses e 55 lugares no parlamento –, partido que
proclamara a independência em 1975 e incarnara a luta nacionalista e a resistên-
cia, intimamente associado à figura de Xanana Gusmão (apesar de se ter assumi-
do apartidário), o grande líder popular a quem os eleitores aderiam entusiastica-
mente. Deste modo, o resultado verificado tem uma componente histórica e
pessoal evidente189, assumindo uma postura que remete para a proclamação
188 TOMÁS, Luís Filipe – “Timor Loro Sae: uma perspectiva histórica”, in AAVV – Ob.cit., p. 25.189 IDEM, ibid., p. 31.
216 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
unilateral da República Democrática de Timor-Leste em 1975, facto que, asso-
ciado a outros símbolos nacionais recuperados, foi consagrado constitucional-
mente (configurando uma restauração, confirmada na proclamação da indepen-
dência, a 20 de Maio de 2002), assim como a resistência elevada à condição de
mito fundador. A hegemonia parlamentar do partido vencedor, bem como a
recuperação de símbolos que alguns consideram fracturantes (e que a lógica de
inclusão não altera), têm deixado alguns sectores políticos apreensivos com o
bom funcionamento das instituições democráticas neste cenário de uma FRETILIN
dominante.
A estes factores, como refere Lurdes Carneiro de Sousa, junta-se a noção da
“família FRETILIN”, isto é, as formações partidárias que lhe estão ligadas quer
como origem quer como derivação: a ASDT e o PD. Considerar esta realidade
como uma única aproxima os resultados dos 75%, facto que ganha novo fôlego
visto que o PD – formado por jovens que entenderam a necessidade de renovar
a FRETILIN e criar um espaço político próprio – foi o segundo partido mais votado
(e a ASDT o quarto, com 7.8%). Neste sentido familiar, o multipartidarismo
timorense parece ser uma ficção, sobretudo se a mesma visão agrupar o terceiro
partido mais votado – o PSD – à histórica UDT, reunindo dois dos irmãos
Carrascalão, Mário e João, que recolheram apenas 10.5% das intenções de voto.
No entanto, esta visão “familiar” tende a esbater-se pelo facto do 2.º e do 3.º
partidos mais votados procurarem demarcar-se dos partidos tradicionais, FRETILIN
e UDT, não só pelo facto de serem “dissidências”, como pela prática parlamentar,
designadamente na votação da Constituição (como se verá adiante). Outro aspec-
to interessante a ter em conta é o esforço de aggiornamento dos partidos existen-
tes em 1975, que a par dos mais recentes, apresentam programas e ideologias
bastante próximos: o partido Kota, por exemplo, o sétimo mais votado (7735
votos, 2.13% do eleitorado, 2 deputados), apesar de continuar a sua linha de
defesa do poder dos liurais, afasta a proposta de implantar o regime monárquico,
sustenta o multipartidarismo, políticas económicas desenvolvimentistas para
erradicação da pobreza e o uso do Português, Bahasa Indonésia e Inglês nas
escolas. Já em 1975 o partido não gozava de implantação forte e o cenário parece
não se ter alterado significativamente, apesar das oscilações regionais.
217colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Já a variação regional do apoio à FRETILIN mostra que foi na parte leste que
obteve os melhores resultados (Baucau com 81,98%, Viqueque com 74,95% e
Lautem com 62.76% dos votos), o que reflectirá o facto de ter sido nesta zona, na
parte mais oriental de Timor-Leste, que a Resistência se manteve mais activa.
Parece haver pois uma consciência histórica, associada ao factor pessoal, a
influenciar os resultados da votação. Neste sentido, é inteiramente oportuno
assinalar que as estruturas antropológicas e sociológicas de longa duração se
inscrevem na resistência de feição “moderna”, fazendo sobressair a importância
da memória sobre programas ou retórica política – assim, a FRETILIN e os seus
homens surgiam como o rosto da resistência190.
Os resultados permitiram assim que o processo de elaboração da Constitui-
ção fosse dominado pela maioria hegemónica da FRETILIN, não ficando
constrangida a considerar os pontos de vista e opiniões dos outros partidos, com
prejuízo claro para o chamado “debate democrático”. Neste sentido foi a FRETILIN
quem configurou a distribuição dos poderes pelas instituições e determinou a
opção pelo sistema semi-presidencialista, em que o poder executivo está nas
mãos do chefe do governo e o presidente da República tem poderes limitados.
A 22 de Março de 2002 a proposta do texto constitucional foi aprovada por 72
dos 88 deputados (da FRETILIN, da ASDT, do KOTA, do PDC, da UDC, do PL; do
PNT, do PPT e do PST); 14, do PD, PSD e um da UDT votaram contra; João
Carrascalão absteve-se e Aliança Araújo, do PNT, esteve ausente191. Este resultado
tornou a retumbante vitória de Xanana nas eleições de 14 de Abril numa derrota
da preferência do chefe de Estado em formar um governo de unidade nacional
em que o poder fosse partilhado com os pequenos partidos num processo que
facilitasse a ideia de reconciliação192. Prevaleceu a tese da inclusão, defendida
pela FRETILIN.
Embora essencialmente simbólicas as atribuições do presidente, o art.º 86
da Constituição autoriza-o a dissolver o parlamento e o governo em caso de
190 SOUSA, Ivo Carneiro de – Portuguese Colonization..., cit., p. 193.191 UNTAET Daily Briefing, 22 March 2002.192 “Mr. Gusmão Next Fight”, in Japan Times, 23 April 2001, apud GORJÃO, Paulo – “The Legacy
and Lessons...”, p. 323.
218 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
estarem reunidas determinadas condições. Em todo o caso, o seu poder é
reduzido, investido a maior parte do poder executivo no primeiro-ministro, no
conselho de ministros e no parlamento, o que reflecte a vontade do partido
maioritário. A lei fundamental chega mesmo a consagrar, no art.º 83, o que se
pode considerar um sistema quase parlamentar ao admitir a possibilidade de o
parlamento eleger o Presidente da República, por “dificuldades de ordem técnica
ou material”. Deste modo, parece não ter sido aprovada uma constituição-garan-
tia e, não obstante algumas das inovações que introduz, denuncia circunstan-
cialismos dos quais o mais evidente e recorrentemente evocado é a sua proximi-
dade excessiva ao modelo constitucional português, criado para uma realidade
muito diversa.
A forma como o processo foi conduzido (associado a uma alegada divergên-
cia de opiniões entre Gusmão e Alkatiri), suscitou a crítica de que a UNTAET
deveria ter tido um papel mais interventivo nos trabalhos da Assembleia Cons-
tituinte, em que o predomínio do partido maioritário em coligação com a ASDT
permitiu que a Constituição pudesse ser aprovada sem a consideração dos
pontos de vista dos outros partidos e que o equilíbrio institucional lhe fosse
favorável. Daí a exclusão do sistema presidencialista e a opção por um semi-
-presidencialismo mitigado. Note-se que a Assembleia Constituinte se tornou em
parlamento nacional de forma automática, com a independência, sem que se
tivessem realizado eleições legislativas, facto que foi atribuído à falta de recursos
para o fazer193.
Os dois anos e meio da administração transitória das Nações Unidas e a
avaliação do cumprimento do mandato que lhe foi atribuído permitiram que a
população fizesse os seus juízos, tendo-se verificado que, apesar de denuncia-
rem um elevado grau de politização próprio de momentos de transição, os
193 O processo de elaboração da Constituição não foi naturalmente consensual: foi sugerido
que a lei fundamental deveria ter sido elaborada por uma comissão independente e depois
ratificada num referendo ou, caso não houvesse tempo até à independência, poderia ser adoptada
provisoriamente uma constituição interina. Deste modo, teria sido evitada a transformação da
assembleia constituinte em parlamento nacional sem a realização de eleições. GORJÃO – art.cit.,
p. 326.
219colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
timorenses começam a evidenciar, entre o elenco de prioridades que estabele-
cem para a sua vida, que a participação política constitui uma preocupação
apesar de tudo menor. Está agora verdadeiramente em causa o teste à “imagina-
ção” dos timorenses sobre si mesmos, procurando um rumo entre as suas matri-
zes originárias e as matrizes trazidas do exterior, algumas delas incorporadas. Os
anseios manifestados apontam para uma necessidade de orientação que o
poder, seja ele espiritual seja ele político, deve fornecer; as dúvidas maiores estão
exactamente no poder político, na sua configuração e nos seus efeitos, nas suas
dimensões interna e externa.
Está, portanto, a ser testada a capacidade de o colectivo dos timorenses
poder ter, pelo menos a percepção de que é possível identificarem-se com o
projecto de Estado-Nação em curso. Ou não. Tal implica não só uma regeneração
da sua identidade de confronto, reactiva e moldável, como a confiança nas
instituições e na tutela dos seus líderes, cujo desempenho será posto à prova
para cumprir os objectivos do Estado definidos no art.º 7 da Constituição194. Para
que tal suceda é preciso equacionar e tentar encontrar soluções ou, pelo menos,
paliativos para um sem número de problemas (clivagens políticas, geográficas,
geracionais; divisionismo etno-linguístico; “redução burocrática”, clientelismos
económicos e políticos, corrupção; integração dos guerrilheiros, das milícias, dos
refugiados e dos exilados, num espírito de “reconciliação”195; pobreza e desem-
194 Art.º 7.º: “O Estado tem como objectivos fundamentais: a) defender e garantir a soberania
do país; garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos
princípios do Estado de direito democrático; c) defender e garantir a democracia política e a
participação popular na resolução dos problemas nacionais; d) garantir o desenvolvimento da
economia, do progresso da ciência e da técnica; e) promover a edificação de uma sociedade de
justiça social, criando o bem estar material e espiritual dos cidadãos; f ) proteger o meio ambiente
e preservar os recursos naturais; g) afirmar e valorizar a personalidade e o património cultural do
povo timorense; h) promover o estabelecimento e o desenvolvimento de relações de amizade e
cooperação entre todos os povos e Estados; i) promover o desenvolvimento harmonioso e integrado
dos sectores e regiões e a justa repartição do produto nacional; j) promover a elevação do estatuto
da mulher na sociedade”.195 Para o efeito foi constituída, em Janeiro de 2002, a Comissão de Recepção, Verdade e
Reconciliação. Note-se que no âmbito da Comissão cabem todos os crimes e abusos cometidos
220 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
prego; infraestruturas; segurança externa e interna; dministração local, justiça e
saúde minimamente funcionais). Estes problemas são determinantes quando se
considera o problema do futuro do Estado, constituindo enormes desafios,
porquanto resultam em cisões mais ou menos profundas, para o processo de
construção e estabilização da identidade nacional. As notícias têm vindo a
provar, desde a data da independência, que os receios têm razão de ser e que é
necessária uma vigilância muito eficaz para prevenir a instabilidade.
3.5.5. As relações internacionais de Timor-Leste
A internacionalização da questão de Timor e a atenção de que tem sido
objecto no seio dos Estados, das organizações internacionais, das organizações
não governamentais ou da opinião pública internacional, merece uma cuidada
ponderação como componente fundamental no reforço do projecto timorense
e, consequentemente, da sua identidade. Eis um caso evidente de como a
política internacional, seguindo modulações geoestratégicas, pressão dos media
e de alguns lobbies ou avaliações tributárias da realpolitik contribuiram para que
o desenrolar dos acontecimentos desenbocasse na independência, sem que com
este juízo se esteja a esquecer todo o esforço do povo e todos os anos de
resistência.
Como se viu, Timor-Leste constitui um caso deveras estimulante para a
Teoria das Relações Internacionais, por ser um exemplo flagrante das oscilações
na cooperação entre os Estados, da maior ou menor eficiência das organizações
internacionais, da importância crescente das organizações não-governamentais
na sua lógica de colmatar as lacunas do sistema interestadual, do papel que o
indivíduo e a sociedade civil têm crescentemente assumido na promoção de
entre 1974 e 1999, incluindo os perpetrados durante a guerra civil. Tendo por modelo a África do Sul,
a Comissão começou o seu trabalho embora se receie que os seus propósitos não sejam efectiva-
mente atingidos. Sobre o assunto ver GORJÃO, Paulo – “The East Timorese Commission for Reception,
Truth and Reconciliation: Chronicle of a Foretold Failure?”, in Civil Wars, vol. 4, n.º 2, Summer 2001.
221colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
mudanças fundamentais. Houve já oportunidade de tratar alguns destes assun-
tos, para compreender os efeitos que tiveram na génese do nacionalismo
timorense e na definição dos projectos de nação e de Estado que ora se querem
erguer.
As debilidades políticas e económicas de Timor, a sua dependência do
exterior, sobretudo no que toca à ajuda dos doadores (cuja fadiga, naturalmente,
se teme, tanto mais que as outras crises entretanto surgidas suscitam um interes-
se acrescido, distraindo-os deste caso), bem como o seu posicionamento
geopolítico e geoestratégico, exigem uma definição muito cuidada da sua polí-
tica externa e o auxílio de uma diplomacia eficaz. A existência de Timor-Leste
depende, em larga medida, como já dependeu no tempo da Resistência (o
interlocutor pré-estadual), de uma actuação do Estado nas relações internacio-
nais que garanta a estabilidade e o bem-estar internos.
A consolidação de um Timor-Leste independente será, em larga medida, o
resultado de uma justa e equilibrada articulação entre uma administração efi-
ciente e uma gestão eficaz dos recursos económicos da ilha (cuja estratégia foi
definida no Plano de Desenvolvimento Nacional, de Maio de 2002), bem como de
uma manutenção durável da ajuda externa e uma estabilização das condições
políticas e sociais, o que a não suceder poderá comprometer irremediavelmente
o futuro. Não está naturalmente em causa apenas a vontade própria, mas esta é
um importantíssimo factor de ponderação num país muito dependente do
exterior. É por este conjunto de condições que a habilidade da actuação de
Timor-Leste nas relações internacionais – através de uma política externa realista
e atenta às prioridades – se afigura como um instrumento essencial para o êxito
do Estado e de uma interacção positiva com os actores das relações internacio-
nais196.
196 A consciência da importância deste factor parece estar estampada na redacção das conclu-
sões do I Congresso do CNRT, nos trabalhos da IV Comissão sobre relações internacionais, onde se
recomenda “desenvolver uma diplomacia dinâmica e profissional para assegurar o desenvolvimento
económico, a promoção da nossa identidade cultural, histórica, política e defender a segurança e o bem-
-estar do Povo e a defesa da soberania de Timor Lorosae e dos nossos interesses nacionais”, Cf. CNRT –
Resultados do I Congresso, 2000, p. 31.
222 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Neste sentido, a relação da identidade nacional com a política externa é
importante na medida em que o Estado pode manipular e ser manipulado pela
dinâmica da identidade nacional na elaboração da sua política externa. Que
significado tem dinâmica da identidade nacional? Para Bloom é o fenómeno que
resulta de uma identificação geral com a nação que gera uma tendência
comportamental entre os indivíduos que fazem esta identificação e que defen-
dem e sustentam uma identidade nacional partilhada. Teoricamente parece
simples, mas a observação de casos que o ilustrem não é linear e muito menos
o é em neófitos, em que a nação é um projecto e a política externa é antes de
mais um instrumento para a construção do Estado.
A integração em organizações regionais ou internacionais, de qualquer tipo,
pode encorajar os Estados e as sociedades a imaginarem-se como parte de uma
região ou mesmo de um todo mundial, sendo, neste sentido, lugares de forma-
ção identitária. A necessária estabilização da mesma dependerá de um aprovei-
tamento racional das oportunidades procuradas e postas à disposição (evitando,
preferencialmente, hipotecar totalmente o futuro à dependência da ajuda exter-
na, a qual é obviamente crucial neste momento de arranque e reconstrução). O
exercício que permite equacionar benefícios e custos e as decisões consentâneas
com as avaliações já são, em si mesmas, práticas muito positivas na consolidação
de objectivos e prioridades do Estado. Trata-se, assim, de tentar ver a política
externa como um factor de coesão, embora a relação entre uma coisa e outra não
seja muito linear, tais são as variáveis em jogo.
3.5.5.1. As linhas de força da política externa timorense
Os pilares estratégicos das relações externas de Timor serão, num plano
regional e bilateral, os países do bloco ASEAN, bem como a Austrália e a Nova
Zelândia, Portugal e os países de língua portuguesa (CPLP) e num plano mais
amplo, os EUA e a União Europeia. A Indonésia será obviamente um parceiro
preferencial, dentro do espírito de reconciliação no plano externo, afigurando-se
a normalização das relações como uma urgência. Timor não poderá ignorar os
223colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
dois maiores países do Extremo Oriente, a China e o Japão, ambos doadores e
este último a este respeito o mais importante em termos reais197.
Não menos importante será a abertura de missões diplomáticas em países-
-chave (Nova Iorque e Washington, Lisboa, Jacarta, Camberra, Kuala Lumpur,
Pequim, Tóquio, Bruxelas), bem como a integração do novo Estado nas organiza-
ções internacionais198. A necessidade estratégica de aproximação a vários tabu-
leiros políticos por forma a aumentar a sua margem de acção nas relações
internacionais, evitando concomitantemente tendências hegemónicas, e a per-
tença ao mundo dos países de língua portuguesa é um importante factor político
e diplomático que justificou a adesão à CPLP199.
197 O apoio do Japão a Timor insere-se na sua tendência para promover um maior envolvimento
político-diplomático na política internacional. Ver GORJÃO, Paulo – “O Japão e Timor Leste”, in Nação
e Defesa, n.º 103, Outono-Inverno de 2002 (157-180). O Japão, para além de ser o maior investidor
no Sudeste Asiático, é também o maior doador de Timor-Leste, tendo canalizado cerca de 230
milhões de dólares entre 1999 e 2002. Acresce que o Japão pode fornecer assistência técnica. A
República Popular da China, por seu turno, contribuiu com ajuda ao desenvolvimento no montante
de uma dezena de milhões de dólares, e em Julho de 2000 foi assinado um acordo de cooperação
económica e técnica entre os dois países fornecendo equipamento agrícola e de pescas.198 Timor-Leste aderiu à ONU, a 27.9.2002, e ao Movimento dos Não-Alinhados, a 24.2.2003,
bem como ao FMI, Banco Mundial e Banco Asiático de Desenvolvimento. Em 31 de Julho de 2002,
Timor tornou-se o mais recente dos membros da CPLP (por ocasião da IV Conferência de Chefes de
Estado e de Governo), na sequência do pedido de adesão a 22 de Maio do mesmo ano. Em 16 de
Maio de 2003 aderiu ao Acordo de Cotonou, integrando o grupo dos países ACP.199 Resultados do I Congresso Nacional – Anexo I, Documento do CNRT, Dili, 21-31 de Agosto
de 2000. É de recordar que a aproximação à CPLP era um propósito assumido pelo CNRT e que a
Carta Magna de Liberdades, Direitos, Deveres e Garantias do Povo de Timor-Leste, aprovada em Peniche,
em Abril de 1998, já havia trazido para discussão um projecto constitucional para Timor onde se
manifesta a intenção de estabelecer e aprofundar relações com os outros países de língua oficial
portuguesa, embora sem esquecer a sua pertença à região Ásia-Pacífico: “Como país de língua oficial
portuguesa, Timor-Leste privilegiará as relações com todos os países em África, América Latina e Europa
que partilham a mesma língua e contribuirá para o reforço da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa – CPLP – e para a construção do relacionamento desta Comunidade com as Comunidades
dos países da Ásia e do Pacífico”. Foi a opção que vingou e que, não obstante a polémica, foi
consagrada na Constituição e formalizada a adesão logo após a independência. Não obstante as
dissensões, a participação no espaço lusófono constitui uma plataforma de crucial importância.
224 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Em todo o caso, dadas as limitadas capacidades administrativas e financei-
ras, é natural que se proceda com alguma contenção e selectividade nas priori-
dades e nos tempos de adesão a organizações e a acordos internacionais. Quer
a negociação quer a participação nuns e noutros requer treino e especialização,
a formulação de estratégias, a experiência de reuniões e consultas, o investimen-
to de recursos em viagens, tempo, representação e administração.
4. A identidade regional de Timor-Leste
Como escreveu Marcel Merle, as relações servem como referência para a
identificação dos grupos nacionais. Às pertenças nacionais justapõem-se as
pertenças regionais e globais. Importa apurar como se contextualiza a identida-
de e o nacionalismo timorense no seu espaço geopolítico regional – o Sudeste
Asiático. Com efeito, esta pertença é um dado incontornável historicamente, a
que a colonização indonésia veio, paradoxalmente, dar novo vigor (sobretudo
através do sistema educativo e da difusão do bahasa indonésio) e que tem a
maior importância para a integração política e económica de Timor-Leste quer
no plano regional quer no plano internacional.
Neste ponto será descrito o quadro regional em que se inscreve Timor-Leste:
em primeiro lugar serão caracterizados os nacionalismos indonésio e filipino e
seguidamente comparados ao caso timorense; posteriormente analisar-se-á o
processo de integração regional definido pela ASEAN e a sua relevância para
Timor-Leste e finalmente serão tratadas as relações políticas e diplomáticas do
novo país com os seus vizinhos mais próximos e mais importantes: a Indonésia
e a Austrália.
Muito se tem discutido uma identidade asiática e uma sua expressão: o
asiatismo. Assunto polémico porquanto muitos a consideram inexistente e ape-
nas uma construção retórica a dar expressão à resistência ao inimigo: inicialmen-
te usado contra o colonizador europeu, o asiatismo sofreu uma alteração de
sentido, embora o seu fim instrumental se tenha mantido, agora na versão pós-
-Guerra Fria dos valores asiáticos: o crescimento económico assente num suposto
225colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
modelo original, de excepção, e cheio de potencial como forma de combater a
supremacia do mundo ocidental nas relações económicas internacionais200, mas
ao mesmo tempo um factor de estruturação das identidades nacionais, de
estratégia de frente-comum e de legitimação de regimes políticos –
maioritariamente autoritários –, enfim de uma identidade política regional mais
para consumo interno (sobrepesando os deveres e as obrigações para com o
colectivo, o Estado, a ordem ou a família, aos quais ficam subordinados os
direitos políticos). Justamente a necessidade de criar um esprit de corps no
Sudeste Asiático, simplisticamente designado de identidade asiática, mito relati-
vo de reacção mas também de gestação própria, indicia a necessidade de
recorrer a uma lógica de referência maior que unisse os fragmentos, as micro-
-identidades, as variações discursivas e interpretativas dos valores asiáticos.
Com a descolonização e a afirmação do não-alinhamento reclamou-se uma
actuação diferenciada nas relações internacionais, persistindo no entanto algu-
mas tensões entre Estados da região, de que a mais relevante terá sido a
Konfrontasi (1963-65) entre a Indonésia e a Malásia. Depois, a integração regional
foi uma das vias tenteadas, reforçando, paradoxalmente, a construção nacional e
correspondendo menos a uma resposta à globalização. É neste sentido, que a
formulação da política externa do futuro Estado de Timor passa pela integração
regional. O facto de, depois da independência, ter prevalecido a orientação que
visava a integração na ASEAN não significará, necessariamente uma deriva no
sentido do autoritarismo prevalecente no contexto regional (embora Timor-
-Leste não disponha de uma cultura democrática arreigada, o que não impede
que se admita um alinhamento nesse sentido).
200 MENDES, Nuno Canas – Desafios do mundo chinês, separata de Estudos sobre a China II,
Lisboa: ISCSP, 2000. Neste artigo, exponho sucintamente o que penso sobre o Asiatismo e os “valores
asiáticos”, como doutrina que fundamenta o triunfo asiático. Trata-se de um discurso identitário
elaborado para explicar o crescimento pelos valores tidos como específicos daquele continente,
como o trabalho árduo, a auto-disciplina, a poupança, o primado da família e da comunidade sobre
o indivíduo. Com origem nos líderes de Singapura e da Malásia, Lee e Mahatir respectivamente, a
questão tem suscitado ampla polémica e forçosa revisão pelos efeitos da crise económica e
financeira de 1997. Sobre o assunto existe ampla bibliografia.
226 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Quanto ao espaço dos valores asiáticos, que obviamente teria sido outro se
tivesse sido escolhida a opção da autonomia alargada, fica marcado pela ruptura
que o caso timorense introduziu na arquitectura regional, assente em frágeis
consensos que quiseram apoiar-se numa tessitura doutrinária fluida e moldável.
Com efeito, rompeu-se o equilíbrio instável a que os referidos valores conferiam
uma solidez aparente nos pressupostos essenciais da integridade territorial e da
não-ingerência assumidos pelos Estados da região. Mas não era só a coerência
institucional da região que estava em causa: também e sobretudo os fundamen-
tos nacionalistas da Indonésia, assentes na doutrina do Panca Sila, eram forte-
mente abalados, deixando para trás uma estratégia de integração que passou
por uma asianização de Timor – não só pela dominação política e militar, como
pela transmigração e o ensino – e um reconhecimento da situação pelos países
vizinhos, até – e sobretudo – da Austrália.
Acresce que o percurso de repressão, e da promoção da identidade política
em boa parte através do exterior, é dominado pelo discurso da autodetermina-
ção, num modelo que começa por ter mais afinidades com África (não esquecen-
do a influência que o movimento moçambicano de libertação exerceu em parte
dos líderes políticos da FRETILIN), e numa defesa de valores de matriz ocidental,
como o combate pelos direitos humanos. Tal era uma reacção esperada: por um
lado, a cultura do colonizador inculcada nas elites tinha origem na Europa, por
outro lado, não se esperavam apoios asiáticos e muito menos uma fundamenta-
ção doutrinária com base em valores ditos asiáticos. A este propósito Gunn
comenta: “é notável que a elite da Fretilin não se tenha sentido atraída pelos mode-
los asiáticos, apesar da propaganda indonésia relacionando a Fretilin com a Chi-
na”201. Na realidade, a via chinesa foi tentada, ainda que sem grande expressão,
o que conforta a ideia da fragilidade dos elos asiáticos de Timor-Leste. Não
significa isto, porém, que nalguns sectores da sociedade timorense não vingasse
a lógica da asianização, desde logo com a criação da APODETI, e mesmo na
FRETILIN com a opção pela via asiática de homens como Abílio Araújo, que se
ligaram aos integracionistas.
201 GUNN, Geoffrey – “Língua e Cultura...”, in Camões, 14, cit., p. 22.
227colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A asianização foi contestada ao longo dos vinte e cinco anos de ocupação e
deixou um legado: o repúdio da imposição foi alimentado pela violência mas
também pela influência dos valores asiáticos, que a educação, o Bahasa Indonésio
e o Panca Sila foram criando nos timorenses, sobretudo nas novas gerações. Este
repúdio foi expresso na votação pela independência e, indirectamente, no man-
dato internacional que atribuiu uma chefia australiana à INTERFET, com prejuízo
claro para o prestígio da ASEAN e dos valores que defende. Do mesmo modo, na
lógica internacionalista do protectorado das Nações Unidas, não houve adesão
aos referidos valores, tal como se tendeu a pôr de parte o elemento tradicional,
visto como perturbador da construção do Estado. A existência independente de
Timor-Leste demonstrará se há ou não lugar para o legado legal, institucional e
educacional indonésio e se a asianização se imporá entre a complexa
multiplicidade das pertenças do país.
Em todo o caso, a formação de uma identidade regional afigura-se como
uma das vertentes importantes da existência de Timor-Leste, que, para actuar
com maior eficiência no mundo global, necessita criar (e redescobrir) pertenças
com a zona onde geografica e geopoliticamente se integra, e com a qual tem
afinidades étnicas, linguísticas e culturais, que a história atenuou ou afastou.
A região do Sudeste Asiático é marcada pela diversidade geográfica, huma-
na, civilizacional, política e de níveis de desenvolvimento o que dificulta enorme-
mente a definição de uma plataforma que permita, com razoabilidade, avançar
a ideia de identidade comum. O que anima esta representação é uma vontade
pragmática de construir tal identidade. É certo que é possível encontrar alguns
traços partilhados pela generalidade dos países daquela região, designadamente
a água-vector de comunicação, o arroz, a presença de comunidades da diáspora
chinesa e sobretudo a existência de um “antagonismo mobilizador” provocado
pela agressão externa e causador de atitudes de reacção e de resistência202.
Com efeito, a diversidade étnica e cultural e o risco de segurança daí
adveniente foram ultrapassados pela existência de comunidades imaginadas,
202 ROCHER, Sophie Boisseau du; BODIN, Véronique; DOUMENGE, Jean-Pierre, éds. – Regards sur
l’Asie orientale. Paris: Centre des Hautes Etudes sur l’Afrique et l’Asie Modernes, 1999, pp. 8-17.
228 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
propostas por Benedict Anderson na Indonésia mas existentes noutros Estados
do Sudeste Asiático do período pós-colonial. Não foi apenas a contestação à
ordem europeia que mobilizou os espíritos, mas a necessidade de encontrar um
equilíbrio regional que consolidasse as soberanias e adoptando uma abordagem
colectiva, conformista e paternalista da sociedade civil, que permitiu justificar a
luta contra a oposição política e manter a disciplina social203.
A presença colonial e militar dos europeus e dos americanos durante os
séculos XIX e XX suscitou a emergência de uma consciência política tributária do
comunismo e do nacionalismo, lançando o debate sobre a preservação da
tradição ou a ocidentalização, embora daqui não tenha resultado nenhum tipo
de organização colectiva. Foi, paradoxalmente, o Panasiatismo japonês, no seu
expansionismo anti-europeu que, durante a ocupação da Segunda Guerra Mun-
dial, deu força ao sentimento de orgulho ferido dos povos asiáticos e à convicção
de que poderiam libertar-se do jugo colonial, contribuindo, ao mesmo tempo, a
ocupação japonesa, cuja brutalidade atingiu níveis imagináveis, para acentuar tal
sentimento. O leit-motiv das independências será a aposta num projecto nacio-
nal em torno da organização e da técnica – onde a superioridade do colonizador
era incontestável – para o exercício de um poder político e económico autóno-
mos204. Nesta linha de raciocínio é de admitir que o nacionalismo no Sudeste
Asiático foi reactivo e criativo, construtivo e destrutivo, embora seja notório que
as ideologias oficiais adoptadas (panca sila indonésio, look East malaio, vulgata
confucionista em Singapura) funcionarão sem um capital de ideias políticas
próprias e originárias. A este propósito, François Godement comenta que a
herança das instituições coloniais, a justificação da segurança nacional, a econo-
mia do desenvolvimento promovida pelos mentores americanos e o culto da
harmonia, da cooperação e do consenso formarão a cultura política dos países
do Sudeste Asiático, apesar de serem transfusões, forçosamente estranhas à
203 GODEMENT, François – Dragon de feu, Dragon de papier: L’Asie a-t-elle un avenir? Paris:
Flammarion, 1998, p. 203.204 MENDES, Nuno Canas – Segurança e Desenvolvimento Económico na Região Ásia-Pacífico.
Lisboa: ISCSP, 1997, p. 65. O caso da Indonésia não difere grandemente desta matriz, sobretudo após
a instauração da Nova Ordem de Suharto.
229colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
respectiva cultura, derivando mais tarde na rotulagem conhecida por valores
asiáticos.
Mais tarde, a Conferência de Bandung e, já na década de 60, a constituição
da ASEAN virão a dar novo alento à construção de uma identidade asiática. Mas
será a afirmação económica dos países do Sudeste Asiático a trazer um discurso
artificial e aparentemente unificador em torno da especificidade de um modelo
de crescimento fundado no “Asean Way”, que encobria práticas de favoritismo,
nepotismo e corrupção pouco saudáveis.O nacionalismo asiático, embora com
raízes no século XIX, ganhou novo fôlego após a vaga de independências do pós-
-guerra, pela crença renovada numa nova esfera de co-prosperidade económica,
lançada antes da guerra pela propaganda nipónica205. Vale a pena lembrar aqui
o contributo analítico do antropólogo norte-americano Clifford Geertz sobre os
vários casos de formação de Estados asiáticos, e a fundamentação do nacionalis-
mo por eles evidenciado em duas razões principais: o desejo dos povos de serem
reconhecidos como actores responsáveis, dispondo de uma identidade, e a
preocupação de construir um Estado moderno dinâmico e apostado no progres-
so206. Encontra-se, portanto, uma duplicidade de objectivos: um que gera a busca
da identidade e o reconhecimento da mesma e outro com uma natureza eminen-
temente prática, de procura de um padrão de vida mais elevado, de uma ordem
política mais efectiva, de uma maior justiça social e de uma participação activa
na cena política mundial207.
Em todo o caso, Geertz acusa o seu pessimismo antropológico ao identificar
duas componentes complementares e concorrentes – uma étnica e outra cívica
– no nacionalismo dos Estados pós-coloniais. A dimensão étnica é considerada
como um compromisso às lealdades primordiais que dão aos indivíduos uma
205 ROCHER, Sophie Boisseau du, et al., eds. – Regards sur l’Asie orientale, p. 12.206 GEERTZ, Clifford – “The integrative revolution: primordial sentiments and civil politics in the
new states”, in GEERTZ, Clifford (ed.) – Old Societies and New States: The Quest for Modernity in Asia and
Africa. New York: Free Press, 1963, p. 108. Apud CAMROUX, David – Des nations imaginées à la région
rêvée, in CAMROUX, David; DOMENACH, Jean-Luc – L’Asie retrouvée. Paris: Éditions du Seuil, 1997, p. 59.207 Ver também GEERTZ – The Interpretation of Cultures, London: Fontana, 1973, apud SMITH,
Anthony – Nationalism and Modernism…, p. 151.
230 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
identidade distinta; em contrapartida, a cívica é vista como um desejo claro de
exercício da cidadania. E daqui podem resultar – e resultam, com muita frequên-
cia – dilemas que resultam do choque entre os limites étnicos e do Estado,
originando-se conflitos com carácter endémico. A ideia de Geertz sobre a res-
ponsabilidade e sobre a crença no progresso como objectivo nacional, embora
tipificada num modelo geral, parece adequar-se à realidade presente, não só
pelo contributo da administração internacional do território como pelas orienta-
ções que os líderes políticos timorenses parecem querer tomar num futuro pós-
-independência.
Embora o impacte das várias colonizações sobre as sociedades locais tenha
variado, a experiência comum de terem sido dominadas por poderes exteriores
e o contacto com instituições e ideias do Ocidente, sobretudo com a ideia de
capitalismo e de nacionalismo, haveria de criar uma vontade de progresso
tecnológico e o exercício da autodeterminação, fundada na contestação e numa
identidade definida politicamente, enformada pela resistência que plasmava a
unidade de um passado diferenciado e por vezes conflituoso208. No caso verten-
te, a ideia de progresso só indirectamente contribuiu parao fortalecer do nacio-
nalismo, na medida em que foi subscrito pela Indonésia (como só muito remota
e tardiamente o fora por Portugal), com uma sobreposição das dinâmicas globais
que também tiveram um papel crucial. Deste modo, o exercício da autodetermi-
nação parece ter nascido da exclusiva vontade política de um povo, manifestada
no referendo de 30 de Agosto de 1999. E, logicamente, também de uma conjun-
tura internacional favorável e de uma rede mais alargada de adjuvantes: a crise
política e económica na Indonésia, a resposta da ONU, as manifestações da
opinião pública internacional, o interesse norte-americano, etc.
208 SIMONE, Vera; FERARU, Anne Thompson – The Asian Pacific: Political and Economic Development
in a Global Context. New York: Longman, 1995, p. 3.
231colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Conclusões
A autodeterminação e a formação do Estado de Timor-Leste trouxeram para
discussão o problema mundial, de evidente actualidade, da identidade como
fundamento existencial da soberania e de um projecto de Estado-nação. Está
aqui em causa um processo volitivo de redução ou síntese de identidades étnicas
plurais a uma identidade una de um povo, de uma identidade de reacção a uma
identidade positiva, de identidades culturais a uma identidade nacional, que só
pode ser compreendido numa textura histórica e na multiplicidade de actores e
forças que nele participaram devidamente contextualizados num movimento
nacionalista.
Considerar a autodeterminação de Timor-Leste como um test-case das rela-
ções internacionais dá um contributo essencial para compreender a emergência
histórica do país, desde os primeiros e baldados intentos de independência de
1975, obra de uma primeira geração nacionalista, apressadamente fabricada na
eminência de um fim de império, como todo o período subsequente da domina-
ção indonésia, até à realização da consulta popular, em 1999, e à administração
das Nações Unidas. À genérica lógica da Guerra Fria e aos interesses regionais
específicos que impuseram a segunda experiência colonial, sucedeu, como mar-
co decisivo, o ocaso da Guerra Fria e perturbações regionais de efeitos globais (a
crise asiática e as perturbações na Indonésia) que permitiram cumprir a autode-
terminação que o Direito Internacional reconhecera ao povo de Timor-Leste. De
permeio, o denodo de uma Resistência organizada, a argumentação das organi-
zações internacionais e da ONU em particular, o empenho diplomático portu-
guês, uma rede activa de solidariedade. Mas foi também um test-case para os
actores das relações internacionais (Estados, organizações internacionais, orga-
nizações não-governamentais, opinião pública internacional, indivíduos, novas
formas de administração e de cooperação internacionais, efeitos da globalização,
trabalho em rede, etc.), para além de que evidencia uma convivência de
paradigmas da Teoria das Relações Internacionais, em que é possível observar a
convivência de matrizes interpretativas racionalistas (neorealistas, liberais,
globalistas) e refletivistas (construtivismo).
232 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Na genealogia de Timor-Leste, aqui esboçada, sobre raízes territoriais e
culturais, saliente-se que se constituiu a partir de um território remotamente
originado numa província dos Belos, na parte oriental da ilha, e bem assim de
referências culturais estruturantes, designadamente, de uma ideologia de alian-
ças assimétricas organizadas em torno dos princípios fundador da casa sagrada
e de uma lógica de alianças e oposições complementares dualistas (poder
espiritual/poder político, à cabeça), metaforicamente assimilados à nação, como
casa comum, integradora e bipolar, o que, conjuntamente, com a existência de
mitos fundadores põe a tónica na mobilização colectiva de que o movimento
nacionalista (nas suas raízes e manifestações) é um corolário, pelas dinâmicas de
adesão criadas e pela tentativa de reduzir a diversidade das identidades de
Timor-Leste a uma só, definida positivamente e não por contraste. Como corolários
são também a Igreja Católica, a única instituição permanente e congregadora, ou
a eleição da língua-franca – o Tétum – para língua nacional, a par com a decisão
de oficializar o Português como estratégia de diferenciação, ou a juventude
urbana, escolarizada no Panca Sila, organizada em associações cívicas de contes-
tação ao status quo, e ainda a diáspora, frente avançada na luta pela causa. Todo
este esforço foi criando, de forma concatenada, uma consciência colectiva que
aos poucos terá esbatido identificações primárias, de filiação etno-linguística, e
formado uma textura histórica que, auxiliada pela redução burocrática colonial,
permitiu que os povos de Timor se singularizassem. Figuras tutelares – desde logo
Xanana e o bispo Belo, e tantos outros – e estereótipos, como “povo maubere”,
contribuem iniludivelmente para uma comunhão progressiva que desagua na-
quilo a que chamei a difusão e inculcação das representações de um projecto de
nação.
É nesta linha, que se destacou a unificação da Resistência, cujos percurso é
percorrido desde a criação do CNRM até ao Pacto de Unidade Nacional; a adminis-
tração das Nações Unidas, a formação do Estado e o seu papel criativo e prospectivo
de uma cultura colectiva pública; o funcionamento de uma administração pública
e de forças armadas, a promoção de um sistema educativo; a aposta numa política
externa que assegure a sua integração mundial e a gestão dos recursos económicos
e da ajuda internacional.
233colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Por último, uma incursão pela identidade regional que Timor-Leste tem de
potencializar, olhando para os exemplos dos países do Sudeste Asiático e da
Oceania com quem tem ligações históricas e nacionalistas, a Indonésia e a
Austrália, e meditando seguidamente na lógica da participação em processos de
integração regional como meio de retirar benefícios da globalização, com refe-
rência particular à ASEAN.
Foi o aspecto construtivo, insisto, que se pretendeu demonstrar – e com ele
trazer nova luz ao estudo do tema –, concluindo que a identidade – e depois dela
o Estado, o nacionalismo e a identidade nacional – é um ponto de partida, uma
plataforma construída e reconstruída, a partir da qual o homem cria e recria os
seus sonhos. Daí que, neste esforço de inovar sobre a questão, se tenha tentado
avançar algumas pistas de investigação sobre os eixos para a edificação de uma
identidade nacional que justamente dê sentido à existência do novo Estado,
concluindo que, mais do que perguntar se existe ou foi inventada, ela é uma
realidade evolutiva e processual, que se desenvolve historicamente e da qual
existem factos e indicadores que permitem considerar estarem criadas condi-
ções para que ela se vá afirmando gradualmente, do mesmo modo que também
existem vários constrangimentos que fazem entrever dificuldades várias. O tem-
po dará as respostas e, obviamente, não há garantias de êxito. Como se tem
observado, o interesse dos Timorenses no destino do país não esconde a priori-
dade que dão ao básico: segurança, emprego e saúde, não sendo possível retirar
ilacções seguras sobre a sua identificação com o Estado.
Como em tantos outros casos o segredo estará na coabitação das pertenças
plurais. Não há alquimia que valha para encontrar a fórmula, mas tão-só a
vontade, interna e externa, de que a empresa e o sentimento se vão alimentando
e que se aposte numa formação cívica que potencie uma cidadania consciente.
E a circularidade, acima mencionada, impõe que se retome parte da formulação
da hipótese deste trabalho: tudo continuará a depender de uma multiplicidade
de actores, poderes e redes entrecruzados, internos e externos, que agem, constroem
e discursam sobre a identidade como princípio fundador de uma existência separa-
da, de um projecto de Estado-nação e de uma identidade nacional. Uma atribuição
de significado que resultou da acção e da interacção de um conjunto de dinâmi-
234 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
cas e de interesses e que se materializou num Estado, cuja legitimação política se
fundou e funda num processo de identificação, num reconhecimento de afinida-
des e de diferenças. Se não existisse esta identificação – e os governos de Timor-
-Leste têm de estar atentos a este facto, esforçando-se por manter condições
mínimas de segurança, justiça e bem-estar económico e social – o projecto ficaria
ferido de ilegitimidade e abortaria. Que tal não venha a suceder é o meu voto
mais forte.
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241colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Introduction
After being asked to write a paper about East Timorese nationalism, my
immediate reaction was to think that it is something that I have already done.
Twice. On second thought, I realised that doing so would provide me with an
opportunity to elaborate on the subject of democracy in relation to the question
of nation. In my opinion, a discussion about one of these issues would be –
particularly at this point in East Timor’s history – a somewhat shallow project
without a discussion of the other. Behind these two concepts (and intertwined
with them) lie the concepts of ‘autonomous individuals’ and ‘civil society’, both of
which, as we will see below, are foreign to the traditional world of pre-modern
East Timor. And with ‘autonomous individuals’ I refer herein to both men and
women.
Nationalism has two basic forms, one based on kinship and blood, the other
on the abstract concept of citizenship. Likewise, democracy – in the liberal sense
– builds on trust that extends to the more or less abstract areas beyond one’s
own immediate neighbourhood, primary group of family, close friends and other
“non-abstract” members of society. In both cases it boils down to trust between
autonomous individuals, and trust [is born] in civil society. This paper thus deals
with the interconnectedness of nationalism, democracy and civil society both on
a generalized, abstract, level and in the specific, concrete case of East Timor.
The paper will be structured along the following lines: I will first outline the
abovementioned theoretical concepts, adding for good measure a discussion
Between tradition and modernity.East Timor’s rocky road towards nationhood and democracyGudmund Jannisa*
* Universidade de Lund, Suécia.
242 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
about the tension between traditional and modern modes of society, or what
sociologists usually refer to as Gemeinschaft and Gesellschaft. This will be followed
by a decidedly selective historical exposé of East Timor from 1642 to recent
history. In the end I will try to tie loose ends together, as best I can. Keith Richards
of the Rolling Stones once said (re his own songwriting) that ‘amateurs borrow,
professionals steal’. If he is correct, this paper is indeed a professional piece of
work. Most of the content herein is blatantly stolen, reworked and rearranged,
from parts of my own The Crocodile’s Tears (1997) as well as from a shorter piece
I wrote on the occasion of East Timor’s independence on May 20, 2002 (Jannisa
2003). By combining these my aim is to overcome some of the shortcomings in
both, not least the shallowness alluded to above. A series of articles by Tanja
Hohé (2002) made me see more clearly the possibility for such a theft, and a
series of discussions with Patsy Thatcher eradicated the last vestiges of my moral
scruples for doing so.1 Any resulting flaws can only be blamed on myself.
Nationalism, civil society and democracy. Some brief outlines.
Only fifteen years ago, men knowing the Far East, still denied that the
Chinese qualified as a nation, they held them to be only a “race”.
Yet today... the same observers would judge differently’.2
Before 1974 people did not identify themselves as East Timorese. Rather,
people classified themselves according to their ethno-linguistic group;
for example, people tended to see themselves as Chinese, Portuguese,
Portuguese Timorese or by their ethno-linguistic group, i.e. Mambai,
Tetum, Makassae etc.3
1 And then, during the final stages of completing this, I read Hello Missus, by Lynne Minion
(published by HarperCollins, 2005). Ms Minion’s hilarious and moving (and surely provocative to
many), account of East Timor post-1999 made me wish I had never set out on this academic, and
decidedly less entertainning, endeavour, but it was too late then.2 H.H. Gerth and C. Wright Mills, C. (eds), From Max Weber: Essays in Sociology. London and
Boston: Routledge and Kegan Paul Ltd. 1974, p. 174.3 Patricia Thatcher, The Timor-Born in Exile in Australia. Melbourne: M.A. Thesis, Department of
Anthropology and Sociology, Monash University, 1992, p. 2.
243colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Writing in the second decade of the twentieth century, Max Weber took the
example of China to demonstrate that within a short span of time a people may
qualify to be a nation through specific actions, as an ‘attainment’4. I will try to
demonstrate below that this also applies very much so to East Timor.
My basic presuppositions are two. The first is that there exists in East
Timor a sense of an ‘imagined community’ in Benedict Anderson’s formula-
tion; the other is that nationalist sentiments are not given once and for all by
a higher deity. Nations do not have a destiny, received from above that sets
them apart from other nations; people create their own destinies by acting
together.
As stated above, one basically finds in the literature two main concepts of
nation, leading to two major formulations of nationalism, as well a number of
variations on these main themes. The two concepts are the revolutionary-
-democratic and the nationalist.5 The most important intellectual source for the
revolutionary-democratic concept are French Enlightenment thinkers such as
Rousseau and the examples of the American and the French Revolutions. The
basic source for the nationalist approach is Germany of the late eighteenth
to mid-nineteenth centuries, where Herder developed the theory of the folk-soul
or the folk-spirit Volksgeist. He was not partial to the Germans, though, as for
him each nationality was a manifestation of the divine.6 According to Herder,
language was the most natural basis of socio-political association, as it created
a Volk, a people. Johann Gottlieb Fichte expanded ominously on the concept
of Volk. During the last phase of the Napoleon Wars he wrote that the Germans
were an Urvolk, the Chosen People of Nature, who had an obligation to
teach other peoples their own natural civilisation. This justified any degree
of ruthlessness by the new, developing nation-state in its pursuit of self-
4 Gerth and C. Wright Mills, op. cit., p. 174.5 There are other words used for the same phenomena; Hans Kohn (1965) distinguishes
between ‘Western’ and ‘Eastern’ nationalisms, while Anthony Smith (1987) chooses to call them
‘territorial’ and ‘ethnic’.6 Hans Kohn, Nationalism. Its Meaning and History. New York: Van Nostrand Reinhold Company,
1965, p. 31.
244 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
-determination and self-preservation.7 Fichte was followed as professor of
Philosophy in Berlin by Friedrich Hegel, whose metaphysics revolved around
what he called the ‘world-spirit’, an irresistible dynamic force which embodied
the march of progress from lower to higher forms. Napoleon Bonaparte embodied
this world-spirit on behalf of France. When he fell, the spirit settled, according to
Hegel, in Germany.
Both of the above concepts are based on the equation state = nation =
people.8 The departure point is the word people. In the nationalist concept a pre-
-state community exists that is distinguishable from foreigners. In the
revolutionary-democratic concept the people of the nation are ‘the body of
citizens whose collective sovereignty constitute(s) them a state which (is) their
political expression’.9
Max Weber advanced the idea that some seemingly obvious ingredients in
the make-up of a nation were actually of secondary importance. (1) A common
language is not enough, as its linkage to nation is of varying intensity. (2)
Religious creed may be linked with national solidarity, but not necessarily.10 (3)
National affiliation need not be based upon common blood, for the sentiment of
ethnic solidarity does not by itself make a nation.11
7 Paul Johnson, The Birth of the Modern World Society 1815-1830. London: Phoenix, 1992,
p. 811.8 Eric Hobsbawm, Nations and Nationalism since 1789. Cambridge: Cambridge University Press,
1991, p. 22.9 Hobsbawm, op. cit., p. 19.10 That there is a basic affinity between national and religious imaginings can be sensed if one
goes back to Émile Durkheim’s The Elementary Forms of the Religious Life. If ‘religion’ in Durkheim’s
book is substituted with‘nationalism’, the work would be a complementary and valid contribution to
the contemporary discourse on nationalism. To Durkheim, religion is ‘something eminently social …
(its) representations are collectiv representations which express collective realities … The category
of time … is an abstract and impersonal frame which surrounds, not only our individual existence,
but that of all mankind. It is like an endless chart, where all duration is spread out before the mind,
and upon which all possible events can be located in relation to all fixed and determined guide lines.
It is not my time that is thus arranged, it is time in general, such as it is objectively thought of by
everybody in a single civilisation’. Emile Durkheim, The Elementary Forms of the Religious Life. London:
George Allen & Unwin. 1971, p. 10.
245colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
What then, according to Weber, forms a nation? It is the cultural elements
presented above, of which a common language is foremost, which together
represent the basis for the formation of national sentiment. More important still,
though, is a common political destiny (my italics).12
Ernest Renan wrote his famous study on nation, Qu’est-ce’qu úne Nation?
(What is a Nation?), in 1882 as a reaction to the German annexation of French
Alsace-Lorraine in 1871. The Germans based their claim on Alsace-Lorraine on
historical rights and ethnic solidarity.’These provinces are ours by the right of the
sword’, the German historian Treitschke wrote, ‘and we will rule them in virtue of
a higher right, in virtue of the right of the German nation to prevent the
permanent estrangement from the German Empire of her lost children. We
desire, even against their will, to restore them to themselves’.13 As a response to
this annexation Ernest Renan defined the liberal concept of nationality.
Renan warns his readers not to confuse race with nation, and not to ascribe
their sovereignty to ethnographic or linguistic groups. If the people wish to form
a nation, this communal will is stronger than ethnic or linguistic differences, as
the cases of Switzerland and the USA demonstrate. Common interests form a
strong unifying tie between people, but Renan doubts that a bond of common
interests is enough to form a nation – ‘a (customs union) is not a fatherland’.14
Geography, or “natural” borders, has played its part in the formation of nations,
but no more so than race does it constitute a foundation for a nation.
Renan’s view is that a nation is a living soul, a spiritual principle. It is based
on two circumstances, one with a foundation in the past, and one which is based
on an ever repeating now, the present. The former is the common vestige of a
rich heritage of memories, the latter the consent of the present population to live
together, to share the heritage of the past and carry it onwards. To have suffered,
11 Gerth and Wright Mills, op. cit., p. 173.12 Gerth and Wright Mills, op. cit., p. 176.13 Kohn, op. cit., p. 61.14 Ernest Renan, ‘What is a Nation?’. In The Poetry of the Celtic Races and Other Studies by Ernest
Renan. London: Walter Scott, 1886, p. 79. The French and Dutch overwhelming ‘No’ to a European
constitution recently shows that this quote from Renan is still highly relevant.
246 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
rejoiced (Renan sees suffering as a stronger bond than joy), and shared hopes
together is worth more than common custom zones, or boundaries based on
strategic considerations.15
A nation is then a great solidarity, constituted by the sentiment of the
sacrifices that its citizens have made, and of those that they feel prepared
to make once more.
It implies a past; but it is summed up in the present by a tangible fact
– consent, the clearly expressed desire to live a common life. A nation’s
existence is... a daily plebiscite, as the individual’s existence is a perpetual
affirmation of life.16
Benedict Anderson has defined the nation as ‘an imagined community’. The
nation is imagined because the members of even the smallest nation will never
know most of their fellow-members, meet them, or even hear of them, yet in the
minds of each lives the image of their communion. Anderson suggests that
nationalist imagining has a strong affinity with religious imaginings because of
its concern with death and immortality.
To Benedict Anderson, a precise analogue of a nation is ‘a sociological
organism moving calendrically through homogenous empty time’.17 This is clearly
similar to Durkheim’s words in note 2 above. Durkheim was addressing mankind’s
earliest efforts to arrange production/reproduction within a social framework,
and the creation of an all-encompassing cosmology that is born out of a social
experience. In doing so, he brought these basics from their smallest denominator,
the parent/offspring unit, into the level of larger social units, such as clans or
tribes. Beyond that, I argue, mankind must kiss good-bye to collective realities
which are ‘real’, as opposed to imagined. This is, as I see it, where Benedict
Anderson takes over from Durkheim, although I would argue that there is a
missing link between the two, something which will be soon considered.
15 Renan, op. cit., pp. 80-81.16 Renan, op. cit., p. 81.17 Benedict Anderson, Imagined Communities. London & New York: Verso, 1991, p. 26.
247colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A common political destiny (for instance the colonial experience) imposed
upon the inhabitants of an administrative unit leads to the possibility of the
population conceiving of themselves as an imagined community. Anderson
refers to the anthropologist Victor Turner, who has written about journeys between
times, statuses, and places as meaning-creating experiences. Anderson argues
that to the ‘pilgrims’ of colonial areas, the young bilingual intelligentsia, the
journeys to the centre, in this case the centre of the administrative unit, resulted
in their conception of a national meaning to that same administrative
organisation.18 The imagined communities created in the minds of these young
people could then be passed on to the masses.
It seems to me that the concept of imagined community bridges the gap
between subjective and objective factors, between the cultural and the political/
economic determinants. In my view, however, this concept has a certain
shortcoming – I see it as ‘open-ended’, with one missing link to the past (alluded
to above) and one to the future. It does not take into account the pervasiveness
of ethnicity, and it does not account for the fact that some ‘imagined communities’
struggle for self-determination and independence while others do not.
Anthony Smith offers, in my view, a way out of this dilemma. He stresses the
importance of ethnic roots in the formation of nations, and emphasises the need
for an analysis that will bring out the differences and similarities between
modern national units and the collective cultural units and sentiments of previous
eras, those that he terms ethnies or ethnic communities.19
While the identifying mark of an ethnie is a collective name, Smith sees a
‘core’ of ethnicity in a ‘quartet of myths, memories, values and symbols’. In this
quartet a common myth of descent is the key element. Smith is not necessarily
talking about actual descent but of ‘a sense of imputed ancestry and origins’.20
This sense of common ancestry implies that a population belongs together and
shares the same feelings and tastes.
18 Anderson, op. cit., p. 114.19 Anthony Smith, The Ethnic Origins of Nations. Oxford & New York: Basil Blackwell, 1987, p. 13.20 Smith, op. cit., p. 24.
248 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
There is also a sense of solidarity imbued in the concept of ethnie. An ethnie
is not just a category of population with a common name, descent myths, history,
culture and territorial association. It is also a community with a definite sense of
identity and solidarity (Smith 1987:29). To qualify as an ethnic community or
ethnie there must emerge a strong sense of belonging and an active solidarity
which in times of stress and danger can override class and factional or regional
divisions within the community.21
The first three factors above – a common myth of descent, shared memories
and a shared culture – provide, in my view, a necessary background to Benedict
Anderson’s concept of ‘imagined communities’, while the fourth factor seems to
be the missing link between the ethnies of Anthony Smith or Durkheim’s
Elementary forms... and Benedict Anderson’s concept. Smith’s active solidarity,
which ‘in times of stress and danger’ takes precedence over other loyalties is, in
my view, the factor that, at one point in history, forces the coloniser to install the
administrative precautions which form the framework for the imagined
community to evolve. These, in turn, eventually lead this imagined community to
carry out a struggle for self-determination. At the first of these two points, we
find what Terence Ranger calls ‘primary resistance movements’, the pre-nationalist
movements of opposition to conditions in particular localities. These, as Helen
Hill points out, help to shape the environment in which later nationalist politics
develop.22 At the second of the two points, a modern nationalist movement that
has evolved inside the colonial borders aims to bring the imagined community
out of the visions of individuals and into the realm of world politics in order to
achieve self-determination.
So we have two different nationalisms. On deals mainly with kinship and
blood-relations, and the other mainly with visions that are based not on traditions
but created out of a common political destiny. It is my argument that both
nationalism of the liberal-democratic kind and liberal democracy itself stem from
21 Smith, op. cit., p. 30.22 Helen Hill, Hill, FRETILIN: The Origins, Ideologies, and Strategies of a Nationalist Movement
in East Timor. Melbourne: Unpublished M.A. Thesis, Politics Department, Monash University, 1978,
pp. 52-53.
249colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
these ‘visions of individuals’. But these visions don’t just pop up out of nowhere,
they are born out of an embryonic civil society.
What then is civil society? Definitions abound, but I choose the one used by
Arsenio Bano, Executive Director of the East Timor NGO Forum: “Civil society
organisations are organisations that are formed in society, separate from the
government and private sectors. They are involved with social issues that are the
concern of all members of the society. Civil society is composed of community
organisations that are distinct from the government apparatus”.23
Robert Putnam has studied how different regions of Italy, twenty years after
the establishment of regional government, adapted to the new situation. The
central question posed by Putnam was: What are the conditions for creating
strong, responsive, effective representative institutions?24 Putnam adds that “the
answers … are of importance well beyond the borders of Italy, as scholars and
policymakers and ordinary citizens in countries around the world – industrial,
post-industrial, and pre-industrial – seek to discover how representative
institutions can work effectively”.25 He summarizes his basic finding thus:
Social context and history profoundly condition the effectiveness of
institutions.
Where the regional soil is fertile, the regions draw sustenance from
regional traditions, but where the soil is poor, the new institutions are
stunted. Effective and responsive institutions depend, in the language
of civic humanism, on republican virtues and practices.
… Democratic government is strengthened, not weakened, when it
faces a vigorous civil society.26
23 Arsenio Bano, ´The Role of Civil Society Organisations in Sustainable Development In East
Timor.‘ In Russell Anderson and Carolyn Deutsch (eds) Sustainable Development and the Environment in
East Timor: Proceedings of the Conference on Sustainable Development in East Timor. Dili: 2001, p. 112.24 Robert Putnam, Making Democracy Work. Civic Traditions in Modern Italy. Princeton, New
Jersey: Princeton University Press, 1994, p. 6.25 Putnam, op. cit. pp. 6-7.26 Putnam, op. cit., p. 182.
250 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Putnam traces the differences in levels of success in the implementation of
regional democracy to processes that are least ten centuries old. In the northern
regions of Italy, Putnam describes how “horizontal civic bonds have undergirded
levels of economic and institutional performance generally much higher than in
the South, where social and political relations have been vertically structured.”27
The horizontal bonds of the North have manifested themselves in “tower societies,
guilds, mutual aid societies, cooperatives, unions, and even soccer clubs and
literary societies,” while in the South “... mutual distrust and defection, vertical
dependencies and exploitation, isolation and disorder, criminality and
backwardness have reinforced one another in… interminable vicious circles…”28
Most fundamental to the civic community is the social ability to collaborate
for shared interests. As Putnam shows, this collaboration goes back ten centuries
in certain areas in Italy; still it can be described as a break away from traditional
modes of solidarity in favour of a more modern form of trust. The notion of
different forms of trust in pre-modern and modern societies is discussed by
Anthony Giddens in his Consequences of Modernity (1992). What Giddens calls ´an
environment of trust‘ in pre-modern society builds upon, 1) kinship relations for
stabilizing social ties, 2) the local community, providing a familiar milieu, 3)
religious cosmologies, providing a providential interpretation of life and of nature,
and, 3) tradition as a means of connecting present and future.29 The influence of
tradition means that this society is past-oriented. In modern society Giddens sees
the environment of trust as based upon 1) personal relationships of friendship or
sexual intimacy as means of stabilizing social ties, 2) abstract systems as a means
of stabilising relations, and 3) future-oriented, counter-factual thought as a mode
of connecting past and present.
This division of pre-modern and modern societies is the sociological heritage
from the 19th century German sociologist Ferdinand Tonnies‘ categories of
Gemeinschaft and Gesllschaft (1887). Gemeinschaft is seen as a social organization
27 Putnam, op. cit., p. 181.28 Putnam, op. cit., p. 182.29 Anthony Giddens, The Consequences of Modernity. Padstow, Cornwall: T.J. Press, 1992, p. 150.
251colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
in which people are bound closely together by kinship and tradition, while
Gesellschaft is a type of social organization in which people have weak social ties
and considerable self-interest. In Gemeinschaft people are friendly towards their
friends (i.e. family, clan, village) and hostile against their enemies (more or less
everyone else), while in Gesellschaft man is an abstract entity and, as such, has
friends or enemies only in relation to the goals towards which he aspires.
However, this character of Gesellschaft society also makes it possible for the
individual to share abstract ideas and to create supra-clan solidarities with
individuals that he has never seen and will never meet personally. This impersonal
social organization will thus make it possible for any given individual to trust
other individuals, if he feels that they share the same abstract values to which he
adheres. In Gemeinschaft distrust is a matter of fact and even crucial to survival
outside one’s own village. This is what the Swedish Sociologist Johan Asplund
(1991) calls “the curse of Gemeinschaft”, the dichotomy of friendship among “us”
on the local level and hostility against others or “they”.
Democracy, “that conscious and collective human control under the law”, in
the words of Benjamin Barber,30 is the last theoretical building-block of this
paper. I turn to Anthony Gibson for a working definition of the term:
Democracy is a system involving effective competition between political
parties for positions of power. In a democracy, there are regular and fair
elections, in which all members of the population may take part. These
rights of democratic participation go along with civil liberties – freedom
of expression and discussion, together with the freedom to form and
join political groups or associations.31
Add to this Alexis de Tocqueville, who saw democracy not only as a political
system, but also, and more importantly, as social relations characterised by
30 Benjamin Barber, Jihad vs. McWorld. How Globalism and Tribalism are Re- Shaping the World.
New York: Ballantine Books, 1996, p. 5.31 Anthony Giddens, Runaway World. How Globalisation is Reshaping Our World. London: Profile
Books Ltd, 2002, pp. 68-69.
252 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
equality. He considered democracy as impossible to implement if the living
conditions of the people were not at least somewhat equal.
Traditional Timorese society
Before the arrival of the Portuguese, Timor was divided into a number of
kingdoms, rai. Each of these were made up of princedoms, sukus. The people
rarely lived in larger settlements than three to twelve houses, called knua (more
correctly translated into house-cluster than village). Each family (in the sense of
extended family) in the suco belonged to a sacred house, uma lulik,32 according
to their traditional status and background.33
The Timorese traditionally distinguish between spiritual authority and
political power. The liurais (kings, or chiefs) had an almost absolute power in
worldly matters, but their appointment depended on spiritual leaders. The basis
for an ancestral agreement on a leader is that he originates from a “royal” family
with political authority. A well-defined system of marriages connects uma luliks
with each other, providing each house with wife-giver houses and wife-taker
houses; what James Fox called “the flow of life”.34
32 Tanja Hohé, ‘The Clash of Paradigms: International Administration and Local Political
Legitimacy in East Timor´. In Contemporary Southeast Asia, Vol. 24, No. 3, Singapore: Institute of
Southeast Asian Studies, 2002, p. 571.33 As for a common myth of descent, Jules Verne wrote of the Timorese reverence for ancestral
crocodiles in his Twenty Thousand Leagues Under the Sea. More recently, Clifford Morris has recorded
a myth which tells of a child sav8ng the life of a crocodile, who subsequently carries the child on his
back to the middle of the sea. When the crocodile eventually feels that its days are numbered, it says
to the child “I will change into a land where you and your descendants will live off my fat, as payment
for your kindness to me”. ‘Because of this, the wise old men tell us that Timor, with the head in
Lautem and the tail in Kupang is as slender as a crocodile’s head and tail.’ Clifford Morris, Timor:
Legends and Poems from the Land of the Sleeping Crocodile. Victoria, Australia: H.C. Morris, 1984, pp.
91-95.34 James Fox (ed.), The Flow of Life. Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachusetts, and
London, England: Harvard University Press, 1980.
253colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
The various ethno-linguistic groups of Timor based their philosophies of life
around complementary oppositions, or binary pairs, to such a degree that
anthropologist Toby Fred Lazarowitz has written about ‘a pervasiveness of dyadic
structures in all areas of Timorese social life.’35 The most prominent contrasts were
between human beings and ancestral ghosts and between men and women36.
Each binary pair not only contrasted with its opposite, but complemented it as
well. Cosmology and tradition functioned to maintain equilibrium when anomalies
from within the system or from the outside, such as for instance death or war,
disrupted the balance between the binary pairs.37 According to Stephen Ranck,
traditional Timorese society revolved around two main activities, agriculture and
warfare, especially headhunting. The losing side in the war was forced into
ceremonial submission.38
The first foreign settlers on Timor
Beginning circa 1515 the Portuguese visited Timor in search of the islands’
valuable sandalwood, first from Macassar and later from nearby Flores, but they
didn’t initially establish any settlements, deterred by the inhabitants’ reputation
as fierce warriors and headhunters. In 1642, though, Captain-Major Francisco
Fernandes landed on Timor, with ninety musketeers and three Dominican priests.
They marched to Wehale, the site of the major local kingdom, which they burned.
35 Lazarowitz, Toby Fred Lazarowitz, The Makassai: Complementary Dualism in Timor. New York:
Unpublished PhD thesis, Department of Anthopology, State University of New York at Stony Brook,
1980.36 Traditional Timorese society was markedly hierarchical, and on every level of society, males
were superior to women. David Hicks, Eastern Timorese Society. Unpublished PhD thesis, University
of London, 1971, p. 99.37 David Hicks, Tetum Ghosts and Kin. Fieldwork in an Indonesian Community. Palo Alto California:
Mayfield Publishing, 1976, p. 19.38 Stephen Ranck, Recent Rural-Urban Migration to Dili, Portuguese Timor: A Focus on the Use of
Households, Kinship, and Social Networks by Timorese Migrants. Macquarie University, Australia:
Unpublished M.A. thesis, Department of Geography, School of Earth Sciences, 1977, p. 28.
254 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
James Fox considers this swift exploit to be “the single most decisive event in the
history of Timor.”39 The news of the destruction of Wehale spread quickly,
precipitating the ceremonial submission by kings of other realms. Fernandes
then established a foothold at Lifau, in what is now the enclave Oecusse, and
through power games and marital alliances established links between his men
and local liurais. These links allowed the intruders to exploit the sandalwood of
Timor and prevented the local people from rebelling against them.40
Nominally Fernandes and his men were Portuguese, but for all practical
reasons they were not. Locally they were called Topasses, or Larantuqueiros.
Largely sandalwood traders based in the settlement Larantuka on the island of
Flores, they were a mixed race population that stemmed from their long isolation
from Portugal (which was occupied by Spain between 1580 and 1640).
By taking over senior positions in the exchange system of tribute and
services between clans and villages, the Topasses reinforced the system of
kinship exchange for the purpose of their own political control. Rather than
leading to structural changes, foreign influence resulted in the maintenance of
basic aspects of Timorese society, as its indigenous economic, cultural, and social
systems were reproduced. Once established, the co-presence of external control
and indigenous structural reproduction continued throughout the following
centuries.41
Only in 1702 did the Portuguese send a Governor from Goa to rule the
motley crew of Topasses, and this initially did not even achieve limited success.42
The Portuguese took over the garrison in Lifau, but were almost incessantly
besieged by Topasses and Timorese. In 1769 the Governor decided to move the
39 James Fox, ´The Great Lord Rests at the Centre. The Paradox of Powerlessness in European-
Timorese Relations.‘ In Canberra Anthropology, Vol. 5, No. 2. Canberra: The Australian National
University, 1982, p. 22.40 Abilio Araújo, Timorese Elites. Canberra: Jill Jolliffe and Bob Reece, 1975, p. 2.41 John Taylor, ´The Emergence of a Nationalist Movement in East Timor‘. In Peter Carey &
Bentley Carter (eds) East Timor at the Crossroads. The Forging of A Nation. Honolulu: University of
Hawai’i Press, 1995, pp. 28-29.42 C. R. Boxer, The Topasses of Timor. Amsterdam: Mededeling No. LXXIII, Afdelning Volkenkunde
No. 24. Kononklijke Vereeniging Indisch Instituut, 1947, p. 9.
255colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
garrison to Dili, some 200 kilometres to the east. It is thus only from this date that
we can speak of a distinctly Portuguese colonialism in East Timor.
An administrative unity
In Oecusse both Topasses and Timorese resisted the Portuguese presence. In
Dili the Portuguese were not troubled by the Topasses, but their presence was at
times bitterly opposed by the Timorese, resulting in many rebellions.
During the second half of the 19th century Portugal tried to improve its
economy through more systematic exploitation of its colonies. For Timor this
resulted in an expansion of cultivation of goods, especially coffee, for export.
Forced labour was used to develop the infrastructure, cultivate crops, and extend
the trading system.
This required tighter political control than previously, but the attempt to
extend Portuguese authority encountered a barrier, thus described by the
Governor of Timor Affonso Castro in 1882:
Marital exchange is our government’s major enemy because it produces …
an infinity of kin relations which comprises leagues of reaction against the
orders of the governors and the dominion of our laws. There has not been
a single rebellion against the Portuguese flag which is not based in the
alliances which result from marital exchange.43
Marital exchange and the kinship system, which had been maintained
throughout the years more or less by the Topasses, were now seen as the most
important barriers to the extension of Portugal’s administrative framework.
Portuguese policies at the end of the 19th century thus had two objectives; to
undermine the indigenous kinship system, and to create a basis for the systematic
exploitation of its colony.44
43 Taylor, op. cit., p. 34.44 Taylor, op. cit., p. 30.
256 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
One way to do so was the imposition of an imposto de capitacão (head tax),
meaning that every Timorese male between the age of eighteen and sixty had to
produce agricultural products for the market or engage in wage labour.45 The
basic system was that local military commanders ordered chiefs to supply, on
payment, a given number of labourers to private employers. The system was
introduced slowly at first, but as time went by the normal period of labour was
increased while payment to the chiefs was drastically reduced.46 The result of this
change in policy was a major rebellion.
This rebellion, the biggest of all against Portuguese domination of East
Timor, was led by the liurai Dom Boaventura in 1911-12. It was only quelled after
reinforcements from Macau and Mozambique had been called in. It is thus only
from circa 1915 that the territory was considered pacified, with a Portuguese
administration also in the interior. This is also the period when, according to
Macassae (a Timorese ethno-linguistic group) oral tradition, the usage of the
terms Kaladi and Firaku first appeared. The Timorese forces under Dom Boaventura
had consisted of a coalition of several ethno-linguistic groups, all of whom were
later to be conjointly called Kaladi, while the opposing coalition were labelled
together as Firaku.47 There was a colonial-imposed logic behind this. The western
part of East Timor – areas close to Dili itself and Ermera, the region which
attracted the early coffee growers – were the first to be pacified by the colonial
troops. Farther to the east, Portuguese influence was far weaker. This led to a
situation where the people in the west of the territory were more hostile to the
European intruders than those living further east. The Portuguese were able to
exploit this situation as well as the age-old animosity between Timorese groups,
by rallying support of the ‘easterners’ to quench uprisings by the ‘westerners’.48
Among the Timorese evolved over time a stereotyped and popular distinction
between talkative easterners, Firaku, and more taciturn Westerners, Kaladi.
45 Hill, op. cit., p. 11.46 Gervase Clarence-Smith, ‘Planters and Smallholders in Portuguese Timor in the Nineteenth
and Twentieth Centuries.’ In Indonesia Circle, No. 57, pp.15-30. London, 1992, p. 24.47 Interview with Justino Guterres, Canberra 1995, in Jannisa 1997:286.48 Ranck, op. cit., p. 186.
257colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
After the quelling of the Boaventura uprising the Portuguese authorities’
initial tactic for controlling the Timorese people was to dismantle the powerful
kingdoms and divide them into sucos under the control of chefes de suco appointed
by the Portuguese.49 Portuguese Timor was then split into ten districts – later
thirteen – each ruled by a Portuguese administrator.
Every chefe de suco was responsible for supervising the villages within his
realm, the villages headed by Timorese chiefs. The chiefs were elected by villagers,
but their appointment had to be ratified by administration officials.50At the
summit of the administrative hierarchy was the Governor in Dili, who mediated
between Timor and the government in Lisbon (through Macau or Goa).
The kings who were released from their formal power and were not appointed
as sub-district chiefs became unofficial powers in their kingdoms. The official
power was handed over in an adequate way to the new village chiefs, but on the
informal level, the powers of the kings remained and the people still adhered to
them.51 Consequently, two political systems now existed. One was sanctioned
through coercion and the use of force, the other underpinned by a powerful set
of cultural traditions.52 Hence, the new administrative system was integrated into
the local system of representation. Under Portuguese rule, then, ritual life
remained strong, as it was perceived to be the “inside” of society and had nothing
to do with “outside” political issues.53
David Hicks has described how as late as the 1960s/early 1970s the indigenous
culture and the European culture only met at the level of suco. Above this level
the structure of districts and posts was too remote from anything touching the
daily lives of villagers, while below it, at the level of the village, traditional
principles fashioned the political organization.54
49 Hicks 1976, op. cit., p. 8.50 Hicks, op. cit., pp. 6-7.51 Hohé, op. cit., p. 574.52 Taylor, op. cit., p. 32.53 Hohé, op. cit., p. 575.54 David Hicks, Kinship and Religion in Eastern Indonesia. Gothenburg: Acta Universitatis. 1992,
p. 13.
258 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
I do not, however, want to give the impression that the Portuguese presence
was not felt at all below the administrative level. Alongside providing the upper
level of the administrative framework, the Portugest also left a cultural vestige
that consisted of vastly more than indigenous stereotypes (Kaladi/Firaku) within
that administrative unity. Elizabeth Traube, who conducted anthropological
research in East Timor from October 1972 through November 1974, sees East
Timorese cultures as being:
...in significant respects, the product of their historical interaction with
Portuguese colonial policies...
Over the past three centuries Portuguese administrative and economic
policies have interacted with and influenced the indigenous cultures of
East Timor, generating a distinctive situation which contrasts markedly
even with that on the western half of the island.55
Traube has described how Portuguese colonial rule has been the object of
mythological representations among the Mambai, the largest ethno-linguitic
group in East Timor. According to this myth, the Portuguese are the younger
brothers of the Timorese. They were born on Timor, but vanished, taking with
them the insignia of sovereignty, the flag. Their elder brothers remained in Timor
and performed their appointed ritual functions, but the jural order of society
foundered. Seeing this, the Timorese travelled across the sea to Portugal and
asked their younger brothers to bring back the flag to its homeland. When the
Portuguese agreed to do so, it inaugurated a new regime in which the Portuguese
took their place as the defenders of jural order while the Timorese retained their
ancient ritual function of maintaining cosmological balance.56
Likewise, Ranck (1977) points out that the fact that some of the ethno-
-linguistic groups incorporated the Portuguese flag as part of their lulik heritage
does not necessarily have a pro-Portuguese meaning, but it indicates that the
55 Traube, Elizabeth Traube (1979): ‘Statement Delivered to the Fourth Committee of the United
Nations General Assembly.’ In Cultural Survival Newsletter, Vol. 3. Cambridge, Mass., 1979, p. 9.56 Traube, op. cit., p. 8.
259colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
centuries-long Portuguese presence on Timor made itself felt on deeper levels
than those of the administration of the territory, the crushing of native rebellions,
or the imposition of forced labour.
Portuguese colonisation eventually resulted in the development of three
distinct ethnic societies apart from the ruling Portuguese – native Timorese
society, Mestizo and educated Timorese society, and a small Chinese society.
These societies had little effective social interaction between them.57 The Chinese
(the bulk of whom began to arrive during the 1920s) ran the small trading
stations throughout the island and dominated business ownership.58
A new era begins
From its humble beginnings – circa half a dozen buildings around a natural
harbour in the mid-19th century – Dili had grown to about 5,000 permanent
residents immediately prior to WWII. During the war the city was occupied by
the Japanese and subsequently levelled to the ground by allied bombs.59 Many
of the inhabitants returned to their home villages, but the reconstruction
after the war opened new opportunities in Dili. It was a slow process, but in the
mid-1960s a few kilometres of roads were paved, municipal buildings were
erected and port facilities were improved. Jobseekers migrated into Dili together
with an increasing number of students (Ranck 1977). A number of Timorese
(including most of the later-to-become-politicians) studied at the Jesuit-run
57 Thatcher, op. cit, p. 47.58 Women were at the bottom of all these societies. According to OMT (Organizacao de Mulher
Timor, the Organisation of Timorese Women) women’s lives were passive and submissive. There were
always socio economic and cultural norms which minimised their active participation in almost all
aspects of life (OMT 1998.)59 The Japanese occupation was very brutal, and the East Timorese supported a small number
of Australian commandos sent to Timor to tie down the Japanese in a guerrilla war. When the
Australians were forced to leave, the Japanese took out revenge on the Timorese. These events still
form the background for East Timorese/Australian relationships.
260 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
seminary at Dare outside Dili, and some Timorese even went to Portugal to study
at university level.
The migrants into Dili came from all regions of the territory, but residential
segregation on ethnic lines was not evident among the Timorese in Dili. Stephen
Ranck (1977) estimated that in the mid 1970s almost half of the married migrants
had spouses from different backgrounds than themselves.
But that was in Dili. After WWII, as well as before, the lives of the great
majority of the Timorese were led in virtual isolation from all other groups, partly
due to geographical and cultural factors within Timor, but also because it was the
policy of the Portuguese colonial administration to keep Timor free from outside
influences. In this regard the Portuguese were not altogether successful, as in
1959 the arrival of a handful of Indonesian refugees from the Permesta rebellion
in Sulawesi led to an uprising against the colonial power. The rebellion was
instigated by outsiders, but the underlying cause was the appalling conditions
faced by the corvée labour in this specific area. Some see the 1959 rebellion as
a watershed in East Timor´s history. It forced the Portuguese not only to introduce
the secret police, PIDE, but also to give more attention to the social and economic
conditions of the Timorese. It also laid the foundations for what was to become
APODETI (see below), as families involved in this rebellion were among those
which later supported the party that favoured integration with Indonesia.60
Another effect was that the very small number of scholarships to study in
Portugal increased, so that by 1974 there were thirty-nine students from Timor
studying at universities there.61 In Portugal they met students who were involved
in the anti-colonial struggle in Africa, and some began to see their own identities
and their own relations with the colonial power in a new light.
60 Justino Guterres, Refugee Politics: Timorese in Exile. Melbourne: unpublished BA thesis,
Victoria University of Technology, 1992, p. 7.61 Hill, op. Cit., p. 47-48.
261colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
The end of Portuguese colonialism
It is within the setting described above that the embryos of nationalism and
modern politics were born among immigrants in Dili from villages across Timor.
Many of the young men who formed the nucleus of what was to become political
parties were born in the late 1940´s and belonged to the Mestizo population.62
Some were Timorese, and most had passed through tertiary school at Soibada,
the first stop between the home villages and Dili. Most of them were first
generation immigrants to Dili, coming from a variety of regions and ethno-
-linguistic groups. The soil was ready, but the seeds came from Portugal.
As mentioned above, some of the students in Portugal had in the late 1960s
come in contact with African liberation movements. “From that moment on we
were no longer isolated. We could understand the just struggle of the peoples for
national independence, for we had assimilated the thinking of the great
revolutionary leaders,” said Leonel Sales de Andrade to Helen Hill in 1974.63 Many
of the Timorese students in Portugal met and conversed at the so called Casa de
Timorense in Lisbon. The ideas trickled back to Dili and eventually resulted in the
establishment of an informal group which met in the park outside the Governor´s
office in Dili, in full view of passers-by so as not to attract the suspicion of the
PIDE.
On April 25, 1974 the old regime in Lisbon was toppled in the so called
Carnation Revolution, and within a matter of weeks three political parties were
formed in Timor—the conservative UDT, the Social Democratic ASDT (which
changed its name the following September to FRETILIN), and APODETI, which
favoured integration with Indonesia.
The founders of ASDT/FRETILIN were very conscious of the need to counteract
the regional rivalries encouraged by the Portuguese policies of “divide and rule”
and perceived the diversity of languages spoken in East Timor as a major
62 Slowly there had developed a local Mestizo elite; by 1974 twelve of the thirteen District
administrators were Mestizo Timorese; only one was European. Thatcher op. cit., p. 50.63 Hill, op. cit., p. 64.
262 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
obstacle to be overcome.64They themselves came from linguistically diverse
areas and some of them could only communicate with each other in Portuguese.65
This led to considerable debate over the policy of a national language.
Considerations of national unity prevailed over those of promoting Timorese
culture and it was decided to adopt Portuguese as the national language.
FRETILIN and UDT agreed to join forces in a coalition in early 1975, largely as
a result of the aggressive Operasi Komodo, the Indonesian political/intelligence/
military campaign to turn Portuguese Timor into an Indonesian province. From
the date of this agreement, 21 January 1975, the territory was referred to as
Timor Leste in Portuguese, or Timor Lora Sae in Tetun. UDT had up until then used
the name Timor Dili.
Led to believe that Timor could only be spared an Indonesian invasion by
the crushing of FRETILIN, UDT unleashed a brief but brutal civil war on 19 August
1975. It lasted four weeks and ended with the total defeat of the UDT forces. By
mid-September most of the territory was under FRETILIN control. The Portuguese
administration withdrew to the small island of Ataúro during the fighting, and
FRETILIN was left alone to take care of the territory.
In the early months of 1975 FRETILIN launched an anti-illiteracy campaign in
several villages, inspired by the ideas of Brazilian educator Paulo Freire. They did
not use Portuguese in this campaign, but Tetun. This was based on the findings
of educational research that students are better prepared to learn other languages
if they have first learned to read and write in their mother tongue. The FRETILIN
reading book, Rai Timur Rai Ita Niang (Timor Is Our Country), also served as an
introduction to Timorese nationalist ideas. The first few pages inform the reader
64 There was, and still is, a great number of languages and dialects in east Timor, with relatively
few speakers of each. Some sources claim the active existence of about a dozen languages, others
mention up to thirty-one, drawing different lines between dialects and languages. The total area in
which each language or dialect is spoken is very restricted, with the exception of Tetun, of which
various forms are spoken throughout East Timor. Cliff Morris, A Traveller’s Dictionary in Tetun-English
and English-Tetun. From the Land of the Sleeping Crocodile. Frankston, Australia: Baba Dook Books,
1996, pp. 4-6.65 Hill, op. cit., p. 91.
263colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
that “Timor is our land. A long time ago Colonialism came to our land because our
ancestors were fighting each other. All Timorese will unite together to govern
their own land”.66 The problem they faced in the interior of the island was that the
people there did not think of themselves as Timorese, but rather as belonging to
a particular linguistic group, and treated people from other linguistic groups as
foreigners.67 In their political endeavours, FRETILIN (naturally enough) connected
to local traditions in deeper ways than both Topasses and Portuguese. As John
Taylor writes:
… FRETILIN moved increasingly into the regions. Building up regional
power by working with existing political alliances based on kinship, and
taking concepts and ideas prevalent in traditional society as the bases
for the development of its programmes, FRETILIN emerged as a natio-
nalist movement with extensive popular support and an effective
decentralized political structure.68
Facing an imminent Indonesian invasion, FRETILIN unilaterally proclaimed
the Republic of East Timor on November 28, 1975. Two days later this was
followed by the so called Balibò Declaration, in which UDT and other leaders
requested the integration of East Timor into Indonesia. Later, the signatories
would claim that they had signed under Indonesian duress. There was a futile
attempt by FRETILIN to internationalise the conflict. On 4 December, three
66 Hill, op. cit., p. 130-134.67 Another idea, hitherto foreign not only to traditional Timorese society, but to all levels and
all ethnicities in Timor, including the Portuguese elite, was to include women in political/social
activities. The traditional role of women was questioned by many, notably by Rosa Muki Bonaparte,
one of the returning students from Portugal. She was instrumental in the establishment of the
Organizacão Popular da Mulher Timor, OPMT (Popular Organisation of Timorese Women). OPMT set
up crèches to care for the children whose parents hadbeen killed during the civil war. OPMT also
organised “women clubs” for practical – weaving, sewing of clothes – as well as ideological reasons,
i.e. to “organize the more active and conscious women and to awaken those who are passive and
submissive under the exploitation under which they suffer.” Hill, op. cit., p. 192.68 Taylor, op. cit. p. 36.
264 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ministers – Mari Alkatiri, José Ramos Horta, and Rógerio Lobato – were sent to
take the East Timor issue to the outside world, including various embassies in
Canberra and ultimately to the UN. At the same time both Australia and Portugal
– the only two countries, apart from
Indonesia, with any awareness at all of East Timor – suffered from political
turmoil. The British installed Governor-General had sacked Australian Prime
Minister Gough Whitlam, and Portugal was on the verge of a civil war. East
Timor’s fate was sealed when Suarto received the green light to intervene
militarily from U.S. President Gerald Ford and his Secretary of State, Henry
Kissinger in a meeting on Bali on December 5, 1975.
Resistance
At dawn on December 7, 1975, Indonesian armed forces launched a full-
-scale invasion of East Timor. In the streets of Dili people were indiscriminately
killed. The FRETILIN armed forces, FALINTIL, retreated into the mountains.
In May 1976 Indonesia formally annexed the territory by the means of a
rigged “referendum”. East Timor, as Timor Timur, thus became Indonesia´s unwilling
27th province. This integration of an occupied territory into Indonesia was never
accepted by the UN, as was the case with a similar procedure in West Papua in
1969.
So there was now a situation where FRETILIN had withdrawn into the
mountains, and brought with them a large part of the population.69 During late
1976/early 1977, the resistance movement’s national framework was weakened
as Indonesian forces took control of strategically located villages. Even so, FALINTIL
managed to maintain strong regional centres, based on pre-existing political
alliances, despite the weakening of links between them.70
69 The UDT supporters who had escaped to West Timor were by October repatriated to
Portugal, along with some Portuguese military personnel. This marked the end (more or less) of
Portugal´s – and UDT´s – involvement in the ‘East Timor question‘ for the next ten years.70 Taylor, op. cit., p. 37.
265colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
While FALINTIL´s resistance to the invasion was initially quite successful; it was
crushed during the period 1978-81,71 after the Indonesian side acquired military
aid, including aircraft, from the UK, USA and France. FRETILIN President Nicolau
Lobato was killed on December 31, 1978. By the end of the 1970s almost all
FRETILIN leaders were dead, most of the FALINTIL soldiers had been killed or had
given themselves up (often with the same result), almost all military equipment
was lost, and links between resistance groups as well as those with the outside
world were severed.72 Add to this suspicion and division between the few on the
outside, and it is easy to perceive that this was the low point in the history of East
Timor´s resistance. Only diplomatic intervention of FRETILIN´s African friends in the
former Portuguese colonies slowly made the leaders overcome their differences
and work out a new strategy to support those who had survived inside.73
Isolated groups of survivors somehow managed to get in touch with one
another; they gathered what was left of their forces and then consulted the
population about whether they should give up the struggle. Xanana Gusmão, the
leader of this group, has told of the welcome he received as he marched through
the countryside with fifty surviving soldiers. The old people embraced him, crying,
and said, “Son, continue the struggle, never surrender, you are our only hope”.74
71 During this first phase of the war, many women were victims of imprisonment, physical
torture and rape, often leading to unwanted pregnancies. Nocturnal intimidation, forced prostitution
and other forms of systematic violence took away women´s dignity. People who took refuge in the
mountains under the control of FRETILIN had a more stable situation. They were organised in the
bases de apoio (support bases) to raise political awareness and implement fundamental human
rights. Timorese women, through the Organizacao Popular de Mulher Timor (OPMT), managed to take
part efficiently in the struggle. A revolution was needed in order to transform the time-worn
structures inherited from the dying colonial system to lead the women in the struggle for their
emancipation. OMT (Organizacao de Mulher Timor), A Chronology of East Timorese Women’s Lives.
Sydney: FRETILIN External Affairs, 1998.72 Barbedo de Magalhães, The East Timor Issue and the Symposia of Oporto University. Oporto
University, 1995, p. 33.73 Denis Freney, A Map of Days. Life on the Left. Port Melbourne: William Heinemann, 1991,
p. 373.74 Sarah Niner (ed.), To Resist is to Win! The Autobiography of Xanana Gusmão. Richmond,
Victoria: Aurora Books, 2000, p. 65.
266 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
The remnants of the resistance regrouped at the eastern end of the island
and Xanana Gusmão now emerged as commander of FALINTIL. In March 1981
the First National Conference for the Reorganisation of the Country took place.
The conference resulted in a total overhaul of organisational and political
structures. FALINTIL units would now be mobile and the clandestine organisation
inside the strategic camps and in population centres supported the armed
resistance.75
At the top level, the resistance was now to be led by Concelho Revolucionaria
Resistance Nacional, the National Council of Revolutionary Resistance (CRRN),
and at the lowest level were the Nurep (Nucleos de Resistencia Popular, “nuclei of
popular resistance”), established to maintain links between the resistance
movement in the bush and the clandestine network. The organization of these
nurep groups often based on kinship ties.76
Against all odds, the resistance movement strengthened its position so
much that formal negotiations between FRETILIN and the Indonesian military
took place. On March 20, 1983 Xanana Gusmão and his Indonesian counterpart,
Colonel Purwanto, met for the first time. The talks eventually resulted in a
ceasefire which lasted for six months. This was a great chance for the Indonesian
side to put an end to the politically embarrassing and humanely tragic ´East
Timor question’. Instead, Purwanto was side-stepped by General Benny Murdani,
who on August 17, 1983 launched a violent military campaign against FALINTIL.
The population of the village of Kraras was massacred in September 1983,
marking one of the great tragedies in East Timor´s history.77
Still, the cease-fire made it possible for FALINTIL to establish closer links
between the different areas of Timor, as well as to build up a well-functioning
system of communication between villages, towns and the resistance in the
bush. This showed that the resistance had now to some extent through their
deeds overcome old traditional rivalries. In local perceptions the clandestine
75 Niner, op. cit., p. 68.76 Taylor, op. cit., p. 37.77 Magalhães, op. cit., pp. 34-35.
267colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
powers were not classified as traditional political authorities, but they were
trusted because of their character. As Tanja Hohé writes, “this trust (my italics) is
very different from the belief that a specific person has to hold the political chair
in order to avoid sanctions from the ancestors”.78
Administration during the Indonesian occupation
It was not only the resistance that was reorganised. With the Indonesian
occupation, the Portuguese administrative structure was adjusted somewhat to
the Indonesian system. The main difference was the introduction of elections for
the position of the village chief, i.e. an official abandonment of determining
positions by descent. Still, in many cases, a candidate from the “correct House”
was elected. Superficially the elections were democratic, but for all practical
reasons local structures prevailed according to tradition.79
Pembangunan
Had the Indonesian authorities accepted the peace-plan laid out by FALINTIL
in 1983 and concentrated their efforts on development (pembangunan in Bahasa)
events might have turned out differently. The Indonesian authorities often pointed
out that the territory showed more development under the few years of
Indonesian administration than during the whole period of colonialism. Large
sums of money poured into East Timor from Jakarta. Indonesian rule certainly
meant substantial improvements to East Timor´s infrastructure and educational
system, with numerous new schools, health centres and development projects.
However, most development money was spent on supporting administrative
infrastructure and in particular facilities that provided a service to the Indonesian
78 Hohé, op. cit., p. 588.79 Hohé, op. cit., p. 575-576.
268 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
armed forces. Commercial development was directed to monopolies and
businesses owned by key military and government individuals. Very little
development resources were allocated to the East Timorese, and then only to
senior East Timorese officials.80 A study undertaken in 1990 by a Gadjah Mada
University team found that
the sources of alienation in East Timor, which are currently fuelling both
the student-led resistance movement … and widespread popular
support for the remaining FRETILIN guerrillas, are traceable to two main
sources – military conflict and the exclusion of East Timorese from
meaningful political and economic participation in the development of
their territory.81
Thus, besides the military oppression, the Indonesian development policies
in East Timor failed to address the key concerns of the East Timorese themselves.
Those most deeply affected were the youth.82 Large numbers of educated East
Timorese job seekers were unable to be absorbed into a work force dominated
by migrants from Java and other Indonesian islands.
Resistance among the population
The appointment in early 1983 of Carlos Felipe Ximenes Belo as replacement
for the rather troublesome (for the Indonesian authorities) Martinho da Costa
Lopes as Apostolic Administrator was supposed to be (in the eyes of the same
80 Lansell Taudevin, East Timor. Too Little Too Late. Sydney: Duffy & Snellgrove, 1999, pp. 91-92.81 Peter Carey & Bentley Carter (eds), East Timor at the Crossroads. The Forging of A Nation.
Honolulu: University of Hawai’i Press, 1995, p. 12.82 And the women. Many Timorese women had taken active part in the resistance and had
become more aware and more emancipated during their years in the mountains. Many of those were
subseqently sent to prison; many were raped; some were kept in the military headquarters as “sex
suppliers” to the Indonesian forces, others were forced to become prostitutes because of their
desperate economic conditions as widows and or as orphans. OMT, op. cit.
269colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Indonesian authorities), a way to gain more control of the increasingly popular
Catholic Church. The massive conversion to Catholicism after 1975, from 27.8
percent of the population in 1973 to 81.4 percent in 1989,83 needs some
explanation, since the dominant religion of the invading forces is Islam. In the
climate of oppression, the Church, according to João Boavida, functioned as “the
last repository of Timorese identity.”84 According to Indonesian law, every citizen
has to adhere to one of the book-religions. In 1975 a majority of East Timorese
were still animists. Converting to Catholicism functioned as “a reinforcement of
the social and cultural difference between the occupier and the occupied.”85
Boavida notes that from 1986 onwards, the East Timorese were united in a
way that they had never hitherto been. A major reason behind this, besides all
the factors related above, was that Xanana had announced his resignation as a
member of the central committee of FRETILIN.86 The year 1986 also saw the so
called Convergence, in which representatives of UDT and FRETILIN in Lisbon
officially declared their future co-operation towards their common goal, self-
-determination for East Timor. In Timor itself, Xanana Gusmão in 1987 resigned
from FRETILIN and declared (together with the exiled José Ramos Horta) the
creation of CNRM (Conselho Nacional de Resistance Nacional, National Council of
Maubere Resistance)87 as a politically non-aligned umbrella organisation for the
liberation struggle. FALINTIL ceased to be FRETILIN´s armed wing and became
the Armed Forces of the CNRM.
Apparently the Oxford-based João Boavida saw more clearly what was
happening in East Timor than did the Indonesian authorities in Dili. On 1 January
83 George Aditjondro, East Timor. An Indonesian Intellectual Speaks Out. Melblurne: ACFOA,
Development Dossier No. 33, 1994, p. 35.84 João Boavida, The Christianisation of the Unholy East Timorese-Indonesian War. Unpublished
paper. Department of Anthropology, University of Oxford, 1992, p. 2.85 Boavida, op. Cit., p. 2.86 Boavida, op. cit., p. 3.87 CNRM in 1998 restyled itself as CNRT (Conselho Nacional da Resistencia Timorense, National
Council of Timorese Resistance). Mission accomplished, i. e. the liberation of East Timor, CNRT was
formally dissolved on June 9, 2001. http://geocities.com/etngoforum/nngo.xls
270 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
1989 the Indonesian government declared that East Timor, after having been
more or less sealed off from the outside world since 1975, was now an ´open‘
province, on a footing with other provinces.
In February 1989 Bishop Belo wrote a number of letters to foreign dignitaries,
including the Secretary-General of the United Nations and the Pope, denouncing
human rights abuses in East Timor and requesting a UN-supervised referendum.
Public demonstrations organized by RENETIL (Resistencia Nacional de Estudents
Timor-Leste, the National Resistance Organisation of East Timorese Students)
became common during 1989, often planned to coincide with the arrival of
foreign journalists. Apart from demonstrations, another way of showing their
dissatisfaction with the situation in East Timor was to seek asylum at various
embassies in Jakarta, leading to an endlessly embarrassing situation for the
Indonesian authorities, as well as growing attention in the world at large.
It all began when the Pope made a six-hour visit to East Timor in October
1989 and conducted an open air mass in Dili, where young demonstrators made
the ´East Timor question‘ visible to foreign media for the first time. That the
demonstrators were well organised and enjoyed massive support from the
population at large was made clear when Robert Domm, on behalf of the
Australian Broadcasting Corporation, interviewed the increasingly legendary
Xanana Gusmão in the bush in September 1990. Numerous people were involved
in the operation to smuggle Domm from Dili to Xanana´s camp. “There were
people everywhere, monitoring our movements at every stage, organising and
scouting ahead to ensure that we got to the army´s base camp and returned
safely,” Domm wrote.88 Domm´s successful meeting with Xanana clearly indicated
a sophisticated underground network supported by the vast majority of the
Timorese people. The activities of the resistance led not only to the attention of
the outside world, but also to heightened repression. It was the tense situation
created by this increased repression which formed the backdrop to the tragic
Santa Cruz massacre.
88 ACFOA, East Timor. Keeping the Flame of Freedom Alive. Canberra: ACFOA, Development
Dossier No. 29, 1991, p. 9.
271colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
On November 12, 1991 Indonesian troops opened fire and killed a great
number of civilians during a demonstration (actually a procession in honour of a
murdered young man) in Dili. The massacre was witnessed by a number of
foreigners, and filmed by British cameraman Max Stahl. The killings were shown
on television around the globe shortly thereafter to a shocked international
community. Media-wise this was certainly a turning point, from now on the East
Timor question was no longer an ´invisible‘ question. Condemning statements
were made by a number of foreign ministers of the European Union as well from
Japan and the USA. Jakarta acted promply to pre-empt some of the criticism; two
commanders were sacked and Suharto expressed condolences to the families of
those who were killed. Jakarta also appointed a new commander of the East
Timor military district. This move was not, however, designed to create a more
relaxed atmosphere in Dili; the new commander declared promptly that if
something similar to the November 12 event was to happen again, the number
of victims would be higher.89
On November 20, 1992 Xanana Gusmão was finally captured, tried in court
and sent to Cipinang jail in Jakarta, where he was sentenced to twenty years.
Jakarta got rid of a symbolic ‘Robin Hood’ figure, but at the same time gained a
symbolic ´Mandela.`
During the rest of the 1990s it became increasingly clear that East Timor was
indeed the ´pebble in the shoe‘ of Indonesian foreign policy of which the
Indonesian Foreign Minister Ali Alatas once spoke. It seemed, however, that as
long as the Suharto administration was in charge in Jakarta, the situation was a
deadlock. This deadlock came to an end after the devastating Asian economic
crisis in 1997, which led to cries for reformasi (reforms) all over Indonesia. Suharto
was forced to resign in disgrace on May 20, 1998. This opened the way for a more
flexible approach to the problem of East Timor. B.J. Habibie, Indonesia´s new
President, was to go down in history as the man who sat the wheels rolling
towards a political solution to the ´pebble in the shoe dilemma‘. In a tripartite
agreement between Indonesia, Portugal and the UN on May 5, 1999 it was
89 Jannisa, op. cit., p. 259.
272 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
formally agreed that a referendum to determine the future status of East Timor
would be run by the UN later in the year, and on June 11 the UN Security Council
formally established UNAMET to organize the referendum. On August 30, 1999
approximately 98% of all registered voters went to the polls. Of these 78.5%
voted for independence, prompting a rampage of killings by Indonesia-supported
militia groups. Killings, rape and arson erupted throughout East Timor, leading
not only to personal suffering and a great number of deaths, but also to the
destruction of almost all East Timorese infrastructure. At least 250,000 East
Timorese were also forced to flee across the border to West Timor.
The violence of the militias clearly showed the need for an international
force to restore order. Under pressure from APEC (Asia-Pacific Economic Co-
-operation, whose leaders were holding a summit in Auckland), Habibie agreed
to the deployment of a UN-sanctioned multinational force, INTERFET. In late
September 1999 the UN forces quickly chased the militias across the border to
West Timor, leaving behind them a territory laid to waste.
The administrative system had been utterly destroyed. To redress the
situation, the UN therefore mandated a transitional administration (UNTAET,
United Nations Transitional Administration in East Timor) to temporarily administer
territory.90
Transitional administration
The UNTAET administration, as the Portuguese and Indonesian administra-
tions before, was based on a central authority at the national level. A Transitional
Cabinet was created in July 2000, with four East Timorese members and four
UNTAET representatives. As before, there were also thirteen district administra-
tions. UNTAET added to this system international District Field Officers (DFO) as
coordinators with the sub-district level and with the village chiefs. At the same
time, a parallel structure was established by the CNRT, based on the existing
90 Hohé, op. cit., p. 579.
273colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
clandestine structure. Many of the sub-district chiefs or village chiefs of the
transitional period were thus not elected democratically but appointed by
FALINTIL, the CNRT, and village elders.91
The idea behind the DFO was that eventually a Timorese would take over
this position as the government representative of the sub-district. People were
encouraged to submit their curriculum vitae to the central Civil Service and
Public Employment Service (CISPE), where a combination of international staff
and Timorese would select the person with the best qualifications. The main
criteria were education and working experience. From an international
perspective, these qualities were seen as most appropriate for “administrative”
tasks, while in local perceptions this position had to be ritually legitimized.92
The official candidates were young, and not chosen with regard to their
origin. For the local population this was in contradiction with the paradigmatic
principles of seniority and leadership. A young person would only be acceptable
if he was the last available person from a specific family carrying “political power”.
Apart from this, in some places the new sub-district heads originated from other
sub-districts/districts. This was also difficult to accept; even more so if the person
was not of the “right” descent.93
In contrast to the employment of sub-district chiefs, the Transitional
Administration were not involved in the choice of village chiefs. During the
period of reconstruction they played a crucial role as the link between the
activities of the local population, the Transitional Administration and the non-
-governmental organizations (NGOs). They were continuously consulted by
international and national actors. In contrast to the newly elected sub-district co-
-ordinators, the local population never questioned their authority.94
In June 2001 the umbrella organisation CNRT dissolved itself in order to
create a political arena for the Constituent Assembly elections that were to be
91 Hohé, op. cit., p. 579-580.92 Hohé, op. cit., p. 581.93 Hohé, op. Cit., pp. 581-582.94 Hohé, op. cit., p. 582.
274 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
held less than three months later. This caused a lot of confusion, especially at the
village level, where the CNRT-appointed village chiefs lost their “legal” basis of
power. The CNRT dissolution, thus opened the door for the appearance of
traditional local factions, or factions that had emerged during the resistance
fights along traditional structural lines.95
Meanwhile in civil society…
While the UNTAET attempted to restore the territory, civil society
organizations played an active role in these efforts. Emerging from the resistance
and clandestine movement, the number of national NGOs skyrocketed. As of
September 2001, 197 were registered with the NGO Forum, a body acting as a
coordination instrument for both national and international NGOs.
A number of these NGOs were actively involved in the formation of the new,
emerging East Timorese society. They sat on the National Council, a consultative
body which preceded the Constituent Assembly (see below), they were involved
in the information campaign prior to the election of the Constituent Assembly,
and they were later members of the National Planning Commission, following
the Constituent Assembly elections.
NGOs also entered into partnerships with the transitional administration in
the execution of projects administered by the World Bank and other donors. They
manufactured, assembled and distributed school furniture and repaired water
systems. Community agreements were established with villagers and civil society
groups which gave them the means to become actors in the rehabilitation of
their schools, irrigation systems and roads.96
95 Hohé, op. cit., 583.96 Natacha Meden, ´From Resistance to Nation Building: The Changing Role of Civil Society in
East Timor‘. In Development Outreach, Winter 2002. World Bank Institute. http://www1.worldbank.org/
devoutreach/
275colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Election and independence
On August 30, 2001 East Timor held an election for a Constituent Assembly.
Sixteen political parties registered for the campaign. While five of these parties
were formed in 1974-75, the eleven others had for the most part become
established in 2000 or even 2001. In the end, FRETILIN won 55 of the 88 seats,
short of the two-thirds majority required to ratify the Constitution without the
support of other parties.
In January 2002 the Constituent Assembly produced a Draft Constitution,
consisting of 151 articles, of which 35,000 copies were distributed to various civil
groups for review. The Constitution was finally adopted, after a number of
amendments, in March 2002. The Constitution located executive power in the
Prime Minister and Cabinet, and not in the presidency, reflecting FRETILIN’s
calculation that Xanana Gusmão would win a presidential election.97 Portuguese
and Tetun were designated the two official languages, but the constitution also
recognises English and Bahasa Indonesia as “working languages”. Another
milestone in East Timor’s process towards independence was reached on April
14, 2002, when Xanana Gusmão was elected President for a five-year period,
winning 82.7% of the votes.
The Constituent Assembly transformed itself into a National Parliament on
May 20, 2002 and a new government was sworn in. East Timor was formally
declared an independent nation one day after, on May 21, 2002.
Tying things up
With that, let us go back and cast an analytical look at the last half millennium
of East Timor’s history. When Francisco Fernandes established the first permanent
foreign presence on Timor island, its native society could certainly be described
97 Dennis Shoesmith, ´Timor Leste. Divided. Leadership in a Semi-Presidential System‘. In Asian
Survey, 43:2, pp. 231-252. Berkeley: University of California Press, 2003, p. 244.
276 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
with the sociological term Gemeinschaft; i.e. it was a pre-modern society
characterised by warm, friendly social relations and a high level of co-operative
spirit within the group. As indicated earlier, this was also a society in which head-
-hunting was not considered bad manners. In Gemeinschaft you unquestionably
love and trust your family, your next door neighbours, your clan, but you distrust,
hate and/or fear others who occupy the ´foreign‘ realms beyond the limited
confines of your clan and your village.
Tradition and collectivity meant all; the questioning individual, i.e. the
archetypal, rational modern man, had no place here, indeed could not even have
existed here. Neither, consequently, could civil society as we know it, since this
presupposes, if Patrik Stålgren is right, autonomous individuals. The Timorese
were certainly not autonomous individuals when the foreign settlers arrived, but
this doesn´t mean that they lacked the ability to react collectively to changing
circumstances. Historian Terence Ranger has argued that, in relation to Africa, it
is difficult to understand the character of modern nationalist movements without
studying the ´primary resistance‘ movements which preceded them, that is to
say the pre-nationalist movements of opposition to conditions in particular
localities. The memories of suppression have a lasting impact in the areas in
which the primary resistance took place.98 In the case of East Timor, the rebellions
against the Portuguese presence were numerous, with the two most important,
in the sense of creating Ranger´s “memories of lasting impact,” the Dom
Boaventura-led rebellion in 1910-1912 and the 1959 uprising against the appalling
conditions under the local Portuguese administration.
The Boaventura war united for the first time a number of different ethno-
linguistic groups to act towards a common goal. It also united another group of
East Timorese peoples who were enrolled by the Portuguese to put down the
rebellion. The war had a twofold outcome; it made it possible for the Portuguese
to establish an administration all over the territory, and also led to the Timorese
distinction between the two categories of Kaladi and Firaku, westerners and
easterners, with certain stereotypes attached to them. The very moment in
98 Hill, op. cit., p. 52-53.
277colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
history that the population began to see themselves as either Kaladi or Firaku
was also the moment that they first had the possibility to see themselves as
Timorese,99 even though most did not as late as 1974/75 as I noted above. The
identification as either Kaladi or Firaku excluded Timorese peoples to the west of
the border with Dutch West Timor; this bipartite division is strictly an East
Timorese affair.
George Aditjondro has pointed out a misconception that often colours the
literature about East Timor. With authors who were sympathetic to the
independence struggle there has been a tendency to over-estimate the
uniqueness of the East Timorese cultures, which are claimed to be completely
different from Indonesian cultures, with Javanese culture often taken to be the
most representative.100 In the classic The Flow of Life, James Fox identifies of a
number of concepts employed by the various peoples of eastern Indonesia,
including the cosmological significance of the house and how the flow of
women is seen as constituting the flow of life. Indeed it is the ubiquity of this
concept throughout the area which provided the name for Fox’ book.101
Still, there is clearly also a collective ethnic element that is not dramatically
different from other areas in eastern Indonesia involved in the formation of East
Timorese nationalism. Portuguese colonialism – which influenced East Timorese
cultures to a certain extent, as described by Elizabeth Traube and Stephen Ranck
above – was initially geographically limited to the area under the sway of the
local kingdom Wehale, while today’s West Timor was dominated by the Atoni
kingdom.102 Observations of an ethnic heritage, however, only leads us a part of
99 Ronald Daus has described a situation where the population of the neighbouring island of
Flores, consisting of seven different ethno-linguistic groups, saw the territory as made up of a
number of isolated spots, while most of the languages were even lacking a word for the whole
island. Ronald Daus, (1989): Portuguese Eurasian Communities in Southeast Asia. Singapore: Local
History and Memoirs, No.7, Institute of Southeast Asian Studies, 1989, p. 47.100 George Aditjondro, East Timor. An Indonesian Intellectual Speaks Out. Melbourne: ACFOA,
Development Dossier No. 33, 1996, p. 25.101 James Fox (ed.), The Flow of Life. Essays on Eastern Indonesia. Cambridge, Massachusetts, and
London, England: Harvard University Press, 1980.102 Jannisa, op. cit., p. 50.
278 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
the way to understanding East Timor’s nationalism, and the same goes for the
widespread use of the two concepts Kaladi and Firaku.103
I argue that the Kaladi/Firaku division was a way of mentally arranging a
colonial/historical reality that fit in with ‘the pervasiveness of the dyadic structures
in all areas of Timorese social life.’ Even so, with the creation of Kaladi and Firaku
we still have not arrived at an ethnie in the sense which Anthony Smith employs
the word. One missing element is solidarity, which at this point exists within the
two groupings but not between them. It took another foreign intruder to create
the conditions that would eventually result in the end of hostile feelings between
the indigenous population in Portuguese Timor as symbolised by the terms
Kaladi and Firaku.
Through what Benedict Anderson calls journeys to the centre,104 a small
number of native elite and Mestizo youth made their ´pilgrimages‘ to centres of
learning in the administrative centres, such as the school at Soibada and the
Jesuit-run Seminary at Dare. From the mid-twentieth century a few even went to
Portugal to study at universities. At all these places they met their fellow ´bilingual
intellectuals,´ as Anderson calls these young men (almost invariably they were
men) who gathered from near and afar to learn to become good colonial citizens.
The irony was that at least some of them became citizens of quite a different
creed. They learned, for one thing, that the outside world saw them as ´East
Timorese‘, not as Macassai, not as Galoli, not as Mambai, and not even as Kaladi
or Firaku, and they learned to apply the same view towards themselves. The
difference, vis-à-vis the view of the colonial system, was that they were unhappy
about their position as second-class citizens within somebody else´s empire, and
that they decided to do something about it. An ´imagined community‘ was born;
the somewhat abstract concepts Kaladi and Firaku began to meld together as
two parts of one greater, and decidely abstract, entity ´we East Timorese.‘ The
103 According to Patsy Thatcher (personal communication in May 1995, and then again in May
2005!), East Timorese – even in exile – when they meet introduce themselves first with their surname,
secondly as Kaladi or Firaku, and thirdly through their Uma Lulik, the House alluded to in this text.104 Benedict Anderson, Imagined Communities. London, New York: Verso, 1991.
279colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
common effort in assisting the Australian soldiers in their guerrilla war against
the Japanese and the common suffering under the Japanese, an enemy which
was infinitely more oppressive than the Portuguese, further strengthened a
sense of unity and solidarity that reached over the boundaries of old stereotypes
and even older solidarities based on kinship and exchange.
The post-war period in East Timor saw the first inklings of an ‘imagined
community’ à la Benedict Anderson when (still unconfirmed) rumours of a
burgeoning independence movement first began to circulate in the early 1960s.
These followed an uprising in 1959 that forced the Portuguese to install in Timor
the PIDE, the hitherto absent secret police, as well to introduce schooling for
children other than those of local nobilities. The final years of Portuguese
domination in Timor is an almost too clear textbook case of Benedict Anderson’s
theories, in that we find here its main ingredients in neat order; the administrative
unit within which a sense of a common political destiny (independence following
the end of Portuguese colonialism) has evolved, and journeys to the centre (Dare,
Dili, Macau, Lisbon) which enhanced the awareness of the oppressiveness of the
system, often through contacts with other ‘bilingual intellectuals’ from Portugal’s
African colonies.
Thus, in 1974 there existed in Dili the embryo of ´modern man‘ and modern
East Timorese society, a break-away from the Gemeinschaft of traditional society
one might say. A small group of young people had entered into a new way of
thinking that was characterised by rationality and individualism, non-tradition-
alism and binds with other individuals that were different from the old particularistic
binds with ethno-linguistic groups or family alliances. As already mentioned, civil
society presupposes autonomous individuals, i.e. modern men (and women), so
once we have modern men in Dili can we also expect to find civil society? The
answer is yes, or at least the embryo of civil society; a number of the autonomous
individuals that Stålgren did not find in Lukume. However, I have also described
above how the FRETILIN cadres and the local populations acted a ‘clash of
paradigms’ (I borrow the term from Tanja Hohé, more of her usage of it below)
during the ‘conscientializing’ campaigns in 1974/75. It’s clear that the “East
Timorese people” simply did not see themselves as such, which the FRETILIN
280 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
activists certainly did. Beginning with the January 1975 coalition between UDT
and FRETILIN, however, there existed what Anthony Smith called the identifying
mark of an ethnie, i.e. a collective name. From then on the elite at least saw
themselves as belonging to East Timor, or Timor Leste, or Timor Loro Sae,
depending on the language in usage.
I will put forth the idea here that the ´modern‘ and ´traditional´ levels of East
Timorese society did not really conjoin in real terms until the early 1980s, when
the Xanana-led FALINTIL first asked the population whether they should conti-
nue fighting and then subsequently changed the direction of the resistance
struggle away from the level of military logic towards a struggle that actively
involved all strata of society. When the katuas, the elders, along with the great
majority of the population, decided in 1981 to support Xanana and FALINTIL,
they were simultaneously subscribing to the abstract idea of East Timor, an
imagined community in Benedict Anderson´s words. By then, traditional social
relations hade been disrupted by the war and the occupation, and local culture
was disintegrating.105 Fighting back was one way of reaffirming the East Timorese
identity against the invaders; joining the Catholic Church was another.
The (largely symbolic) military struggle and the wholly symbolic religious
struggle combined forces that drew upon clearly established cooperation between
all levels of East Timorese society.106 This cooperation was deepened and stabilized
during the cease-fire in 1983, which made it possible to connect various
geographic areas and different levels of the resistance with one another. This
period was, I argue, when East Timorese civil society developed beyond the
embryonic level!
By the second half of the 1980s the effects of the involvement of practically
the whole population in the struggle for self-determination and the dramatically
increased number of people who decided to join the Catholic Church were
clearly visible. As mentioned earlier, the Timorese distinguish between spiritual
105 Boavida, op. cit., p. 4.106 This combination also fitted in nicely with the traditional division between spiritual authority
and political power.
281colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
authority and political power. Political power was clearly in the hands of the
Indonesians, but spiritual authority was now equally clearly vested in the Catholic
Church. This authority now provided the basis for the development of a common
purpose and a cohesive civil society.107
A young generation of East Timorese Catholics became more and more
prominent in the struggle, as witnessed by the demonstrations during the
Pope´s visit to Dili in 1989 and, above all, particularly in the eyes of the outside
world, during the tragic event called The Santa Cruz massacre on November 12,
1991. This occurred in spite of the developments that the province Timor Timur
underwent during the Indonesian occupation. There is, however, an ironic logic
of colonialism. The means by which the oppressor tries to win ´the hearts and
minds‘ of the oppressed also make the oppressed aware of being a creature
essentially different from the oppressor. Paradoxically, consciousness of being
East Timorese spread rapidly after the early 1980s precisely because of the state´s
expansion through new schools and development projects.108 One consequence
of this expansion was that young Timorese gained access to yet another language,
Bahasa Indonesia, thereby increasing their abilities to communicate with other
Timorese as well the outside world. Benedict Anderson notes that for young
Indonesian intellectuals at the turn of the century, the Dutch language “performed
the absolutely essential function of getting natives out of the prison of local
ethnic languges.”109 In East Timor, Bahasa had a similar function. While Anderson
concedes that Indonesian is not the language of internal solidarity among the
East Timorese, he stresses that it is one of the important languages in providing
access to modern life.110
107 James J. Fox, ‘Tracing the Path, Recounting the Past: Historical Perspectives on Timor.´ In
James J. Fox & Dionisio Babo Soares (eds), Out of the Ashes. Destruction and Reconstruction of East
Timor. Adelaide: Crawford House Publishing, 2000, p. 26.108 Benedict Anderson, ´Imagining East Timor.‘ In Arena Magazine, No 17, January/February
1994. Fitsroy, Australia: Arena Printing and Publishing Pty Ltd., 1994, p. 35.109 Anderson, op. cit.110 Again the women – as under the Portuguese administration and in traditional society – were
mostly kept outside of whatever positive developments took place. Although women now to some
282 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
The resistance from the early 1980s onward was not (exclusively) based on
ethno-linguistic affiliations or family alliances, it had nothing to do with business,
and it was certainly not state-organized. With these negations I want to make
clear that by this point resistance was, as it had been during a large part of the
1980s, based on civil society. What Anthony Giddens calls “an environment of
trust”, with personal relations based not on common blood but on abstract ideas
about a common goal, was now clearly in evidence. Patsy Thatcher has described
the horrified reactions, both in Timor and in Australia, in the early 1990s when
the East Timorese realized that young Timorese (the Ninja gangs) were deliberately
seeking out and harming other Timorese. “If we can´t trust each other, who can
we trust” was a phrase she heard many times during this period.111 This reaction
to a breach of trust between East Timorese with various ethnic backgrounds
indicates how far the development towards modern, abstract Gesellschaft relations
between ´autonomous individuals` had reached by this point. It was now taken
for granted that, unlike in traditional society, total strangers from different areas
of East Timor should be able to work together for a common goal in total trust of
each other.112
In other words, Anthony Smith’s ‘active solidarity in times of stress and
danger’ had taken precedence over other loyalties. Active solidarity is in my
opinion the factor which, at one point in history, forces colonisers to install the
degree had access to education, their level of participations was considerably lower than that of
men, and also lower than women in other parts of Indonesia. Almost two-thirds of women of child-
-bearing age had no schooling in the last decade of Indonesian rule, compared to 39.6% in Irian Jaya
and 15.2% in Indonesia in general. For those East Timorese women who attended school, the
median duration of attendance was less than a year. Only 54.7% of the women of Timor Timur were
able to speak Bahasa Indonesia. Miranda Sissons, From One Day to Another: Violations of Women´s
Reproductive and Sexual Rights in East Timor. Fitzroy, Victoria: The East Timor Human Rights Centre
Incorporated, 1997, p. 8.111 Thatcher, op. cit., p. 211.112 If I have left the reader with an impression that I think that the East Timorese ought to give
up their old traditions, i.e. the old Gemeinschaft-based society for a new order based on rationality
and cold calculations – Gesellschaft – I must correct that impression. The trick is, of course, to avoid
the pitfalls of both traditional and modern society, while retaining or accepting the best from both.
I have NO suggestions as to how this should be implemented!
283colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
administrative precautions which form the framework in which imagined
communities might evolve. At a later stage this factor led the ‘imagined community
members’ to carry out a struggle for self-determination against foreign
domination. At the first of these two points we find ‘primary resistance movements’
(Dom Boaventura), and at the second we have a modern nationalist movement
(FRETILIN/CNRT) that has evolved inside the territorial borders and administrative
constraints imposed by colonialists and which aims to take the imagined
community from the visions of individuals into the realm of world politics in
order to achieve self-determination.
Some concluding remarks
And this they did! Some three years down the road from independence, East
Timor is a partial success story. It has a functioning democratic government, an
emerging set of laws and institutions,and the peace and stability that have made
these gains possible.
On the other hand, the country suffers from a shortage of educated and
qualified people and, as we have seen, the lack of a democratic tradition. The
fragility of its institutions and the potential for instability from across the border
in Indonesia obviously present great problems. The country’s judicial system is
seen as the United Nations’ major failure in their efforts to help establish
governmental institutions. The police force is another weak spot, criticized by
human rights groups for brutality, excessive use of force, and lack of discipline.
Nearly half of the population is unemployed and more than half is illiterate.
The infant mortality rate is one of the highest in the world, while its life expectancy
rate is one of the lowest. Many schoolhouses are in ruins, with too few teachers
and almost no books. The country is ravaged by diseases like malaria, tuberculosis
and dengue fever, and its health system is barely functioning.
Close to half the population lives on less than 55 cents a day, and there are
times when regions of the country have nothing to eat. The lack of a solid legal
foundation has slowed efforts to attract foreign investors, as have the high costs
284 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
associated with its poor infrastructure. In the wake of the destruction in 1999
there are widespread land disputes, as not only houses but also documents of
ownership were destroyed by fire.
In such a situation, there is a stark possibility of a corrosion of the “abstract”
trust that was built up under the many years of resistance towards Portuguese
colonialism and Indonesian occupation. The achievements made during the two
and a half years of UN administration and the subsequent rule by the East
Timorese themselves are confronted by factors including the lessening of outside
threats, a failed economy, and alternative political solutions, notably a return to
ethnic, traditional affiliations. In my view, this can only be dealt with by a state
which is truly democratic in its intents. This means that the elite which is now
running the country has to adhere to different principles than the previous elites;
greed, corruption and nepotism may easily corrode the trust that has been built
during the struggle for independence.
The central idea of the democratic state is that it functions as an entity in
which the population participates. As described herein, the local/traditional East
Timorese political system was based on quite contradictory principles, above all
ancestral legitimacy. “Inwards” ritual life was considered superior to “outwards”
political life. This leads us to what Tanja Hohe calls the clash of paradigms. The
traditional paradigms were questioned by the Portuguese-educated elite, people
in the diaspora, and those who had been educated under the Indonesian system,
and they are now running the country according to liberal principles of western
democracy (not that I believe that these principles are always lived up to in the
Western world. The East Timorese know this better than most!). In the rural areas,
where the majority of the population lived – and lives! – local systems are still
strong. Their hierarchical nature contradicts profoundly with the set-up of a
democratic state, which is based on the notion of equality.
As Tanja Hohé points out, local systems have proven their effectiveness over
time, providing a “people’s paradigm,” a way to order and categorize life. If the
population is to participate in the state (if East Timor is to have a democratic
future) social changes must occur, and the puzzle of how to overcome
paradigmatic differences in terms of local governance must be solved. To achieve
285colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
this, Hohé believes, as do I, it is important to let traditional society slowly
transform into a state system.113
So far, what I have written seems to indicate an easy solution to this
problem. Supporting civil society is the equivalent of using a magic wand to
pull a rabbit (i.e. democracy and development) out of a hat. Unfortunately, real
life is more complicated. The Swedish Political Scientist Patrik Stålgren, for one,
strikes a cautious note in his 1997 study of the west Kenyan village Lukume.
Stålgren´s research points out that in the case of Lukume, there was a marked
discrepancy between the theoretically-based expectations and the empirical
facts. His thesis shows that there is an incompatibility between the Western
notion of ‘civil society‘ and basic structures in a society such as Lukume. This, in
turn, points towards the risks in using the term civil society in the debate on
development theory, since it may lead to expectations of a development scenario
that is not based on existing social structures in what he terms a society bent on
collectivism.
Stålgren stresses that “civil society is formed by… a co-operation by autonom-
ous individuals: civil society pre-supposes autonomous individuals”114 (my
translation). In a society bent on collectivism, on the other hand, “the individual
has no autonomous existence, but is integrated into an ´ontological hierarchy`
which is his effective universe.”115 In this setting, a collectively oriented
organization will have as it first priority to support the interests of the local
group, interests that may have implications of a segregated society and opposition
to democracy.116 This also has implications for the state level, where representatives
from local, collectively directed societies form a state apparatus that is also
collectively directed, i.e. supportive of specific collectivity-based loyalties.
113 Hohé, op. cit., pp. 584-587.114 Patrik Stålgren (1997): Begreppet “civilt samhälle” i två olika samhällen – en analys av
möjligheterna till begreppsuniversalism (The Concept of ”Civil Society” – An Analysis of the Possibilities
for Universal Concepts.). Unpublished Master Thesis, Statsvetenskapliga Institutionen, Göteborgs
Universitet, 1997, p. 26.115 Kajsa Ekholm Friedman, quoted in Stålgren, op. cit., p. 38.116 Stålgren, op. cit., p. 66.
286 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Autonomous individuals, on the other hand, form a universalistic state, a
state that acts in accordance with formal rules, such as laws and administrative
regulations. I have argued that autonomous individuals, necessary for both
nationalism of the revolutionary/democratic kind and democracy, come out of a
vigorous civil society, and that civil society is only possible after a break with the
past, or at least after a break with some of the socially limiting traditions of
Gemeinschaft society. This clearly poses a dilemma of some magnitude, as this
very past has proved to be resilient against invaders and occupiers and made it
possible to have a free nation in the first place.
Swedish author Anders Ehnmark, in a study of Nicoló Machiavelli, writes that
“Machiavelli’s relevance today lies in that he … takes stock of two completely
different political undertakings, often mixed up … and always with a catastrophic
result; namely liberation and freedom.”117 According to Ehnmark, Machiavelli saw
politics as divided into two phases; first to gain power, and then to stay in power.
You cannot liberate yourself without gaining power; on the other hand you
cannot take power without becoming its prisoner.
The political undertaking of how to handle freedom is now the problem
which faces the powers of East Timor. One pitfall to avoid, if Ehnmark is right, is
to become prisoner to power; in this case the risk of creating a FRETILIN one-
-party state. This sort of thing has happened before elsewhere, so I do not rule it
out as a theoretical impossibility. Another risk is, of course, economic collapse
and epidemic unemployment in the modern sector of society, and the return,
where possible, to subsistence agriculture and (exclusively) clan-based politics.
This variety also has precedents.
Still, this whole article is really an argument against such glum perspectives.
East Timor has twice experienced occupiers leave the territory. There are positive
differences between now, though, and the occasion of the Portuguese withdrawal.
One of those, if I am right, is the existence of an East Timorese civil society. There
are many civil society organisations in East Timor today, mostly community-
117 Anders Ehnmark, Maktens Hemligheter (The Secrets of Power). Stockholm: Norstedts, 1986,
p. x (my translation, G.J.)
287colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
-based organisations that worked underground during the Indonesian occupation.
In 2000 an umbrella organisation for civil society organisations, the East Timor
NGO Forum, was formed, with a membership of 60 organisations. By mid-2001,
130 national and 73 international NGOs had registered at this Forum.118 One such
organization is La’o Hamutuk (The East Timor Institute for Reconstruction
Monitoring and Analysis), a non-partisan joint East Timorese-international
organization that seeks to monitor, analyze and to report on the physical and
social reconstruction of the country. Their specific aim is to “facilitate greater
levels of East Timorese participation in the reconstruction and development of
the country, improve communication between international institutions and
organizations and the various sectors of East Timorese society, and serve as a
resource center on development issues.” As described herein, the greater part of
the last century (and especially from the early 1980s onwards) witnessed the
development of ‘autonomous individuals’ in East Timor who were willing to
involve themselves for the good of interests broader, and certainly more abstract,
than those of their own extended family or ethno-linguistic group.
This involvement, perhaps more than the eventual flow of petro-dollars
from the former Timor Gap, may point towards hope for a bright future in East
Timor. Robert Putnam has shown that in Italy there is an obvious correlation
between the existence of a civil society and social and economic development.
And the opposite hold true! A lack of civil society leads to “… mutual distrust and
defection, vertical dependencies and exploitation, isolation and disorder,
criminality and backwardness … reinforcing one another in … interminable
vicious circles …”.119 As Putnam writes, “economics does not predict civics, but
civics does predict economics, better indeed than economics itself …. Civic
traditions have remarkable staying power … and may have powerful conse-
118 Bano, op. cit., p. 112. A list of East Timorese NGO´s can be found at http://www.geocities.com/
etngoforum/nngo.html.119 Putnam, op. cit., p. 182. This atmosphere of total mistrust outside the sphere of one’s family
alliances or local community, Swedish Sociologist Johan Asplund, op. cit, calls “the curse of
Gemeinschaft”.
288 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
quences for economic development and social welfare, as well as for institutional
performance.”120
There will be no quick fix, no easy way to solve the problems of East Timor,
be these problems economical or political. President Xanana Gusmão recently
made the following comments on the talks between East Timor and Australia to
finalize sea boundaries and a dispute about off-shore oil: “Why are we rushing?
Having billions of dollars to rest in the bank? We already have the institutions, but
we don’t yet have the people who can assure that we will stand on a culture of
transparency, a culture of effective handling of problems.”121 Likewise, Prime
Minister Mari Alkatiri expressed his opinion that if the pipeline for oil exploration
from the deep trench near East Timor does not come to Timor, but rather to
Darwin in Australia, there will be no exploration.122
These statements show an awareness that however tempting a quick
agreement that leads to an immediate inflow of money may be, this is no
substitute for a self-sufficient, self-sustaining economy.
Likewise, one can not expect fast progress towards liberal democracy and
the dismantling of hierarchical structures. As Robert Putnam found in Italy, “…
institutional history moves slowly (my italics). Where institution building (and not
mere constitution writing) is concerned, time is measured in decades.123 Or
maybe even centuries. Benjamin Barber writes that
120 Putnam, op. cit., p. 157.121 The NGO La’o Hamutuk, in co-operation with a number of other NGO’s, organized in January
2004 an exchange trip for delegates from East Timor and Nigeria to visit their respective countries
and learn from each other’s experiences. The Timorese delegates in Nigeria found that: “Firstly, for
the majority of the Nigerian people oil has become a source of curses and tragedies. The destruction
of the environment has resulted in worsening social conditions. To stem local unrest associated with
these worsening conditions the violence inflicted upon the local communities by the state apparatus
has become more brutal. Secondly,… the country has become even poorer than before … Thirdly,
the negative impact on the environment should be studied and avoided, so that farming and other
sources of livelihood remain possible. Fourthly, some of the oil and gas companies operating in
Nigeria are also operating in the Timor Sea. We can learn from the patterns of human rights
violations that were committed by them … and find a strategy to keep our rights.” The La’o Hamutuk
Bulletin Vol. 5, No. 3-4: October 2004 , Part 2 of 2.122 UNOTIL Daily Media Review Monday, 20 June 2005 www.timorseajustice.org123 Putnam, op. cit., p. 185.
289colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Democracies are built slowly, culture by culture, each with its own
strengths and needs, over centuries … Between Magna Carta´s first
assertion of rights by the English king´s vassals and the “Glorious
Revolution” of 1688 that ushered in the era of parliamentary supremacy,
stretched 450 long, war-filled years; and it would be 150 years more
before Parliament became even nominally “democratic.” Switzerlands
proto-democratic federal system took its first steps in 1291 but acquired
a fully democratic constitution … more than five hundred years later.
France initially experimented with aristocratic regional parliaments
hundreds of years before its revolution in 1789, and it required still
another century for something resembling a workable democratic
republic to come into being. In the 150 years between the foundings at
Jamestown and Plymouth Rock and the founding of the United States
of America in 1789, colonial Americans had a half dozen generations of
experience with royal charters, commonwealth government, town
meetings, and a frontier wilderness society that sharpened their sense
of autonomy and fashioned talents for selfgovernment that would we
indispensable to the working of the federal constitution. Moreover, it
took the young democratic republic another seventy-five years and a
bloody civil war to confront the issues of slavery and state sovereignty
left unresolved by the 1789 constitution.124
This may seem discouraging, but East Timor has started the journey towards
a democratic future.125 I have very little doubt that coming generations of East
Timorese will incorporate democratic institutions as part of their heritage, as
ancestrally legitimised one might say. The three ballots in East Timor under UN
supervision have so far showed a remarkable willingness of the population to
take an active and peaceful role in the shaping of their future. This massive
124 Barber, op. cit., pp. 278-279.125 The rest of the world can assist in this is not to by sending a bunch of sociologists – such
as Yours Truly – there to extol the virtues of civil society, but to apply political pressure on Australia
to agree to an equidistant line of demarcation between the two countries.
290 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
popular involvement simply did not exist before the Indonesian invasion.
Regarding the involvement during the struggle against foreign domination, I
refer back to Ernest Renan, and his vision of a nation as:
a great solidarity, constituted by the sentiment of the sacrifices that its
citizens have made, and of those that they feel prepared to make once
more… A nation’s existence is a daily plebiscite” (cf. p. 3 above).
The Timorese struggle against foreign domination was exactly that, a daily
plebiscite. As for an answer to Renan’s famous question, Qu’est-ce’qu úne Nation?,
I can find no better answer than, “Timor Leste,. Ceci est une nation!
291colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Timor-Leste é uma experiência única de construção de Estados e de nation-
-building. É a primeira vez que as Nações Unidas e a comunidade internacional
são chamadas a desempenhar um papel fundamental na fundação de um país1.
1. Introdução
O envolvimento da Organização das Nações Unidas na ‘Questão de Timor-
-Leste’ seguiu uma linha que passou pela autodeterminação/direitos humanos/
processo/afastamento no caso das Resoluções da ONU relativas a Timor-Leste2.
Parte da explicação para esta evolução encontra-se no facto de a “Indonésia ter
ao seu dispor um conjunto de conceitos jurídicos tão amplos que forneciam
justificações para as suas reivindicações em relação a Timor3.” No jogo de equilí-
brios e forças internacional, “o consenso gradual das potências em torno da
O papel das Nações Unidas na Construção de Estados –o caso de Timor-LesteMónica Ferro*
* Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.1 In www.un.org/Deps2 Num trabalho de referência sobre a autodeterminação, Paula Escarameia trata a evolução e
operacionalização do conceito, bem como dos vários problemas que a falta de uma definição
geralmente aceite do mesmo têm levantado em sede de descolonização e, actualmente, de garantia
dos direitos aos grupos nacionais privados do seu direito soberano de autodeterminação. A forma
como a autora enuncia as fases como as Nações Unidas trataram a “Questão de Timor-Leste” parece-
-nos capaz de abarcar todas essas limitações que a prática foi demonstrando. Cf. PAULA ESCARAMEIA,
“O que é a autodeterminação?”, Reflexões sobre Temas de Direito Internacional, Timor, a ONU e o
Tribunal Penal Internacional, Lisboa, ISCSP, 2001, p. 52.3 PAULA ESCARAMEIA, op. cit., p. 52
292 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
inacção [em relação à ‘questão de Timor-Leste’] derivou do interesse estratégico
de um país com a grandeza da Indonésia4.”
Mas Maio de 1999 foi o início do fim da indiferença e para os timorenses o
mês zero da construção do seu Estado independente. Os timorenses seriam,
finalmente, consultados sobre o seu destino e a comunidade internacional, via
Nações Unidas, não só fiscalizaria essa consulta como trataria da implementação
dos resultados da mesma5.
O resultado foi um clamor pela independência tão estrondoso que nem a
violência pós anúncio dos resultados conseguiu silenciar. O resultado foi, tam-
bém, uma operação de administração internacional (de governação directa) com
um grau de complexidade, de poder atribuído às Nações Unidas e de capacidade
de intervenção sem rivais, sem precedentes e sem manual de instruções. O
resultado foi a UNTAET – a Administração Transitória das Nações Unidas em
Timor-Leste – em que as Nações Unidas desempenharam um leque de compe-
tências cujo exercício, no sistema jurídico internacional contemporâneo, tinham
permanecido um exclusivo do Estado.
O recurso a estas operações foi aceite pelos Estados como um novíssimo
instrumento ao serviço da comunidade internacional, sobretudo para lidar
com reconstruções pós-conflito, reabilitação de Estados falhados e governação
de territórios disputados, mas que permanece por teorizar, por enquadrar
num quadro conceptual que permita uma resposta adequada da Organização
às potenciais solicitações para este tipo de envolvimento, uma adequação
das missões às tarefas essenciais para cada caso concreto, e, em última instância
uma avaliação de desempenhos e uma responsabilização dos agentes envol-
vidos.
4 ANTÓNIO MONTEIRO, “O Conselho de Segurança e a libertação de Timor-Leste,” in Negócios
Estrangeiros, Nº 1, Publicação semestral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Março 2001,
Lisboa, p. 7. (pp. 5-39). O ex-Embaixador de Portugal nas Nações Unidas caracteriza a situação de
Timor-Leste no contexto de um equilíbrio de blocos típico da guerra-fria. .
5 Ver, por exemplo, MÓNICA FERRO, As Administrações Transitórias Civis das Nações Unidas: a
construção de um Estado para Timor-Leste, dissertação de mestrado apresentada em 25 de Novem-
bro de 2004 no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.
293colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A UNTAET é, de facto, o melhor caso de estudo de sempre e para estas
matérias. Nunca a ONU tinha exercido todos os poderes soberanos de um Estado
em construção e nunca um Administrador Transitório tinha estado investido de
tanta autoridade. Como alguns críticos caricaturaram a situação, a presença das
Nações Unidas em Timor-Leste em muito se assemelhava a um reinado6 e o
Representante Especial do Secretário-Geral e Administrador Transitório a um
monarca absolutista7.
2. Questão Prévia: O Enquadramento Normativo dasAdministrações Transitórias Civis
[No contexto actual,] o convencionado princípio da não intervenção nos
assuntos internos do estados, tem sido gradualmente mitigado pelo direito de
ingerência. O imperativo marcadamente humanitário que esteve na sua génese
e que actualmente o justifica, revela-se de consolidação e alargamento
tendenciais, transformando-se em dever tácito de intervenção, sempre que uma
coligação de grandes potências da comunidade internacional, encontre o con-
senso necessário sobre a inconveniência geoestratégica de um determinado
projecto político8.
O argumento humanitário foi, de facto, o usado para intervenções altamen-
te intrusivas, como as de Timor e do Kosovo, que definem o limite superior das
administrações internacionais de territórios.
Se é verdade que as intervenções no Kosovo e em Timor-Leste marcaram, e
marcam ainda, o debate, é verdade também que as operações em que a Organiza-
ção desempenhou competências estatais, substituindo-se ou emparelhando-se
6 Cf. JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” Survival, vol. 42, n.º 3, 2000, pp. 27-39.7 Cf. ASTRI SUHRKE, “Peace-keepers as Nation-builders: Dilemmas of the UN in East Timor,” In
International Peacekeeping, Vol. 8, n.º 4, 2002, (rascunho da autora, pp. 1-20).8 VICTOR MARQUES DOS SANTOS, Conhecimento e Mudança, Para uma Epistemologia da
Globalização, ISCSP, Lisboa, 2002, p. 74.
294 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
com o Estado na gestão quotidiana de um país, não são nem novas, nem totalmen-
te desprovidas de enquadramento normativo no seio das Nações Unidas.
O exercício das competências da Organização previstas nos regimes de
tutela e no aplicável aos territórios não-autónomos já implicavam o reconheci-
mento de um poder de administração internacional9 que era, no papel, menos
modesto do que o que foi na prática.
A visibilidade e o mediatismo que rodearam as operações no Kosovo e em
Timor-Leste, associadas às gravíssimas crises humanitárias vividas pelas popula-
ções locais, iludem o observador, levando-o a reduzir as operações de adminis-
tração internacionais a estas de governação directa que alguns classificam como
demasiado intrusivas para que possam ser aceites como norma, que alguns
classificam já como autocracias benevolentes10. Trata-se de uma manobra de
diversão que tem como objectivo final o impedir a consagração, a positivação
deste instrumento que poderá ser usado em graus de autoridade e de intromis-
são variáveis, e que a prática já demonstrou como essencial para lidar com os
Estados falhados, ou colapsados, ou mesmo para construir Estados.
2.1. Categorias de administração internacional
As administrações internacionais estendem-se por quatro grandes catego-
rias operacionais que vão desde a supervisão até à governação directa. Jarat
Chopra enuncia essas quatro categorias, a saber: assistência, parceria, controlo
9 Aqui convém referir o regime internacional de mandatos da Sociedade das Nações; a
Sociedade desempenhou outras competências de administração resultantes dos arranjos territoriais
europeus previstos no Tratado de Versalhes exercendo graus variáveis de supervisão sobre territó-
rios disputados: o Sarre, Danzing e a Alta Silésia; o primeiro disputado pela França e pela Alemanha
e os dois últimos entre a Alemanha e a Polónia.10 SIMON CHESTERMAN, Building Democracy through Benevolent Autocracy: Consultation and
Accountability in UN Transitional Administrations, comunicação apresentada ao “Civil Society
Partnerships for Democracy,” International Civil Society Forum 2003, Mongólia, 8-9 Setembro 2003,
rascunho do autor.
295colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
e governação. A autoridade exerce-se em grau crescente de autoridade e de
número de competências atribuídas à Organização/Organizações e vão desde a
assistência (a menos intrusiva) até à governação (que pode implicar a construção
de um novo Estado, como aconteceu em Timor-Leste).
A escalada do tipo de actividade incluía a assistência (assistance) a
autoridades locais fracas (como actualmente no Afeganistão), a parce-
ria (partnership) com um movimento de libertação nacional coerente
ou com a retirada de uma potência ocupante (como na Namíbia), e o
controlo (control) de facções divididas (como no Camboja). Uma cate-
goria final era a governação total (total governorship) mas temporária
de um território e da sua população. As ‘Administrações Transitórias’
aplicavam-se quando a estrutura política se desintegrara (em lugares
como a Somália), o soberano havia sido forçado a sair (como do Kosovo),
ou em que a potência ocupante transferira o território para outra
soberania (como aconteceu na Eslavónia Oriental ou no Corredor de
Brcko)11.
Se é o grau de autoridade de que cada operação está investida que nos
permite localizá-las neste eixo que vai desde a mera assistência/supervisão até à
governação directa, é com certeza o seu alcance em termos de acção/responsa-
bilidade que nos permite distinguir, pelo menos operacionalmente, estas opera-
ções das clássicas operações de manutenção da paz12.
11 JARAT CHOPRA, “Building State Failure in East Timor,” in Development and Change, Vol. 33, n.º
5, 2002, pp. 980-981. e IDEM, “Introducing Peace-Maintenance,” in JARAT CHOPRA (ed.), The Politics
of Peace-Maintenance, Lynne Rienner, Boulder, 1998.12 Apesar de termos optado por esta categorização, são possíveis outras como as de Michael
Doyle que considera haver quatro categorias do que ele chama ‘mecanismos ad hoc de semi-
-soberania’ (ad hoc semisovereign mechanisms) consoante o tipo de poder exercido: autoridade de
supervisão, autoridade executiva, autoridade administrativa e uma variada gama de operações de
monitorização. In MICHAEL W. DOYLE, “War-Making and Peace-Making: The United Nations’ Post-
-Cold War,” in CHESTER A. CROCKER, FEN OSLER HAMPSON e PAMELA AALL (eds.), Turbulent Peace: The
Challenges of Managing International Conflict, United States Institute of Peace Press, Washington,
296 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Trata-se, em síntese, de um mero quadro conceptual de referência que cria
uma tipologia, que traduz uma classificação das operações em função da auto-
ridade assumida pelas Nações Unidas no território. De facto, como já referimos
e como analisaremos adiante, em Timor e no Kosovo, as Nações Unidas assumi-
ram uma forma de administração de territórios que não conhecia precedentes;
porém, acordos semelhantes já haviam sido sugeridos para Estados falhados e
território disputados, tais como Jerusalém, Trieste, Cashemira, entre outros.
E, noutros casos, as Nações Unidas tinham já assumido competências sobe-
ranas; noutros, ainda, esse poder já havia sido exercido por Estados individual-
mente, como no caso da Alemanha e do Japão no pós II Guerra Mundial, pelos
Estados Unidos da América13.
2.2. A Administração Internacional de Territórios pelas Nações Uni-das – uma perspectiva de evolução
As Nações Unidas têm estado sempre envolvidas em administrações inter-
nacionais, pelas competências exercidas em sede de regime internacional de
2001, p. 529. É ainda de destacar a arrumação feita por Chesterman que analisa as operações de
administração em referência ao contexto político no qual terão que trabalhar. Assim, Chesterman
considera cinco categorias de cenários: (1) o acto final de descolonização que leva à independência;
(2) administração temporária do território enquanto se aguarda a transferência pacífica do controlo
para um governo existente; (3) administração temporária de um Estado enquanto se aguarda a
realização de eleições; (4) administração interina como parte de um processo de paz em curso sem
um estado final previsto; (5) administração de facto ou responsabilidade pela lei e ordem na ausência
de uma autoridade de governo. In SIMON CHESTERMAN, You, The People, The United Nations,
Transitional Administration, and State-Building, Oxford University Press, Oxford, 2004, p. 57.13 O envolvimento norte-americano no exercício de competências territoriais fora do seu
território nacional está detalhada e criticamente analisado em JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s
Role in Nation-Building, From Germany to Iraq, RAND, Santa Mónica, 2003. Neste trabalho, Dobbins
define nation-building numa asserção distinta da que usamos; para ele nation-buiding é o uso da
força armada no pós-conflito para garantir a transição para a democracia. Dobbin acredita, também
que o nation-building é uma responsabilidade inescapável da única superpotência mundial, in
JAMES DOBBINS, “Nation-Building, The Inescapable Responsability of the World’s Only Superpower,”
In RAND Review, Verão 2003, p. 17-27, www.rand.org
297colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
tutela e pela monitorização/acompanhamento de processos de autodetermina-
ção, mas também através dos mandatos cada vez mais multidimensionais e
complexos das operações de paz e, ainda, pelo trabalho desenvolvido no campo
da assistência eleitoral.
Mas as administrações transitórias vão muito para além destas operações. E,
paradoxalmente, não há um enquadramento específico na Carta, não há uma
estrutura burocrática específica comparável ao Departamento de Assuntos Polí-
ticos (DAP) ou ao Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DOMP),
sendo que as administrações transitórias têm sido planeadas por um ou por
outro dos Departamentos ou, então, por um e depois pelo outro (como foi o caso
de Timor-Leste), sem que a comunicação inter-departamental esteja sequer
assegurada.
Apesar de não haver referências explícitas às administrações transitórias,
existem pistas para as mesmas na Carta e em textos sequentes. Assim, além das
raízes que as administrações transitórias mergulham no Regime Internacional de
Tutela, desde logo pela previsão de poder ser a Organização a autoridade
administrante14, existem várias manifestações de uma apetência para o exercício
dessas competências pela Organização das Nações Unidas.
Na Agenda para a Paz do ex-Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali há uma
clara referência a tarefas que se incluem no nosso conceito de administração
transitória, quando se lê que nas novas operações de consolidação da paz (peace-
-building) terá que ser incluída a reconstrução das instituições e das infra-estruturas
das nações destruídas15.
Ideia que é reiterada pelo ex-Secretário Geral num suplemento mais conser-
vador à sua optimista Agenda: o Suplemento à Agenda para a Paz. Neste, Boutros-
-Ghali alerta para um novo tipo de conflito, que não os clássicos conflitos
internacionais: os conflitos interestaduais, que com frequência implicam o colap-
so das instituições do Estado “especialmente da polícia e do judiciário.” Assim, as
14 Artigo 81 da Carta, onde se lê que a autoridade administrante poderá ser um ou mais Estados
ou a própria Organização.15 A/47/277 – S/24111, 17 de Junho de 1992, An Agenda for Peace, Preventive diplomacy,
peacemaking and peace-keeping, parágrafo 15.
298 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
novas operações de paz incluem, além das tarefas tradicionais, a promoção da
reconciliação nacional e o restabelecimento de um governo efectivo, bem como a
criação das estruturas para a institucionalização da paz16. Essas estruturas são as
instituições democráticas do Estado. Apesar do reconhecimento destas novas
necessidades prática, o ex-Secretário Geral deixa um aviso: [a]s Nações Unidas
resistem, por boas razões, em assumirem a responsabilidade pela manutenção da lei
e da ordem, nem podem impor uma nova estrutura política ou novas instituições
estatais17.
Em 2000 finalmente a questão é tratada de forma directa, e problematizada,
no Relatório do Painel de Peritos reunidos para analisar as operações de manuten-
ção de paz das Nações Unidas, o Relatório Brahimi18. Num Capítulo dedicado aos
desafios colocados à Organização pelas Operações de Administração Civil Transi-
tória, Brahimi, após destacar que as novas operações de administração transitória
civil enfrentam desafios e responsabilidades que são únicos entre as operações
de campo das Nações Unidas, caracteriza a enormidade dessas nova tarefas.
Nenhuma outra operação tem que criar e aplicar a lei, estabelecer serviços
e regulamentos alfandegários, determinar e recolher os impostos pessoais
e colectivos, atrair o investimento estrangeiro, adjudicar as disputas de
propriedade e as indemnizações pelos danos de guerra, reconstruir e fazer
funcionar todos os serviços públicos, criar um sistema bancário, adminis-
trar escolas e pagar aos professores e recolher o lixo – numa sociedade
destruída pela guerra, recorrendo a contribuições voluntárias, pois o orça-
mento atribuído à missão, mesmo nas ‘administrações transitórias’, não
16 A/50/60 – S/1995/1, 3 de Janeiro de 1995, Supplement to An Agenda for Peace: Position Paper
of the Secretary-General on the Occasion of the Fiftieth Anniversary of the United Nations, parágrafo 49.
Neste Suplemento, Boutros-Ghali abre um dos debates que mais tem marcado a actuação das
administrações transitórias: o problema do consentimento, do não tentar estabelecer instituições
estatais onde os combatentes não as queiram (parágrafos 13-14).17 Supplement to An Agenda for Peace…, op. cit., para. 14.18 A/55/305–S/2000/809, Comprehensive review of the whole question of peacekeeping operations
in all their aspects. Lakhdar Brahimi era o presidente do Painel; motivo pelo qual o relatório se
popularizou Relatório Brahimi.
299colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
financia a administração local. Além destas tarefas, estas missões têm,
também, que tentar reconstruir a sociedade civil e promover o respeito
pelos direitos humanos, em lugares onde o ódio é generalizado e os ranco-
res profundos19.
O ponto mais controverso é, desde logo, a questão da legitimidade que o
Relatório levanta ao perguntar se as Nações Unidas deveriam de todo desempe-
nhar estas tarefas, e se ao fazê-lo elas deveriam ser consideradas um elemento
das operações de paz ou deveriam ser geridas por qualquer outra estrutura20.
Embora apenas em 2000 um Relatório tenha vindo destacar os pontos em
aberto na questão do exercício destas competências, as Nações Unidas, como já
dissemos, têm, em outras ocasiões, desempenhado competências estatais, por
certo menos complexas e menos formidáveis que as do Kosovo ou de Timor-
-Leste, mas, contudo, assinaláveis. Desde 1962, desde a Autoridade Executiva
Temporária das Nações Unidas (UNTEA) na Nova Papua Ocidental (Irian Jaya), as
Nações Unidas têm desempenhado missões de administração internacional tran-
sitória embora sem que tenham sido conferidos ao Administrador Transitório
todos os poderes legislativos, executivos, e de aplicação da justiça, bem como
todos os outros poderes necessários à execução das suas tarefas, como o foram
no caso singular de Sérgio Vieira de Mello, o Administrador Transitório de Timor-
-Leste21. Assim, desde a década de 1960 que as Nações Unidas executam opera-
19 A/55/305 – S/2000/809, Relatório Brahimi, Capítulo H, parágrafos – 76-83, pp. 13-1420 Não deixa de ser curioso que, no Relatório de resposta do Secretário-Geral ao Relatório
Brahimi, esta questão não tenha sido alvo de qualquer recomendação, nem de ponderação, como
se a legitimidade destas novíssimas operações fosse inquestionável.21 Para trabalhos exploratórios sobre as Administrações Transitórias Civis das Nações Unidas
ver MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO, MÓNICA FERRO, A Organização das Nações Unidas, 2.ª ed.,
Coimbra, Almedina, 2004, pp. 185-202; MÓNICA FERRO, “A Administração internacional de territó-
rios,” in António Marques Bessa, Nuno Canas Mendes, Pedro Conceição Parreira e Mónica Ferro
(coords.), Timor-Leste em Transição: ensaios sobre administração pública e local, Fundação para a
Ciência e Tecnologia, Instituto do Oriente e ISCSP, Lisboa, 2004; MÓNICA FERRO, “As Administrações
Transitórias das Nações Unidas. O caso da construção do Estado de Timor Leste,” Revista de Institui-
ções Internacionais e Comunitárias, n.º 4, Lisboa e Coimbra, Centro de Instituições Internacionais do
ISCSP e Livraria Almedina, 2002.
300 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ções de administração transitória civil sem que para tal exista um mandato
institucional claro e meios de intervenção adequados22.
Sem ignorar a falta de um enquadramento específico na Carta das Nações
Unidas – reiteramos que a expressão administração transitória nunca aparece
no texto fundador da ONU – a Organização desempenhou competências de
administração em matéria de tutela, como já referimos, e elaborou um direito
derivado que frequentemente acarreta uma dicotomia (senão mesmo contradi-
ção aberta) com os objectivos e reservas enunciados na Carta, mostrando que a
mudança na comunidade internacional se faz a um ritmo mais acelerado que a
da mudança institucional23.
E é na actuação das Nações Unidas, no seu direito derivado e na evolução
qualitativa registada nos mandatos atribuídos às operações que vamos encon-
trar vestígios de administração internacional, alguns com elementos já de admi-
nistração/governação directa.
Regressando à definição de administração transitória que adoptámos logo
no início, são já várias as operações em que as Nações Unidas desempenharam
esse tipo de competências; é inclusive curioso registar que a primeira operação
elencada tenha decorrido no território da Indonésia, tal como a mais completa
de todas: a UNTAET em Timor-Leste.
Não é possível estabelecer rigorosamente uma tabela tipificadora dos pode-
res de um Estado, até porque “no actual contexto internacional, a maioria dos
Estados não são Estados que atinjam os requisitos mínimos de qualquer teoria
do Estado24.” Contudo, são identificáveis, com base na prática dos Estados, um
conjunto de competências que, tradicionalmente, no sistema jurídico interna-
cional contemporâneo têm sido exclusivas do Estado: a responsabilidade primei-
22 O Relatório Brahimi também chama a atenção para esta inexistência e aponta-a como uma
falha.23 Paula Escarameia tem tratado este tema da mudança de paradigma na comunidade interna-
cional e dos seus reflexos na estrutura do direito internacional e no Sistema das Nações Unidas. Para
saber mais, ver, por exemplo, PAULA ESCARAMEIA, ‘Que Direito Internacional Público temos nos
nossos dias?’, in, O Direito Internacional Público nos Princípios do Século XXI, Almedina, Coimbra, 2003.24 JOSÉ ADELINO MALTEZ, Curso de Relações Internacionais, Principia, Lisboa, 2002, p. 242.
301colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
ra pelas tarefas de polícia, a responsabilidade primeira pela realização de referen-
dos/consultas populares, a responsabilidade primeira pela realização de eleições,
o exercício do poder legislativo, o exercício de poder executivo, do poder judicial
e, ainda, o poder de celebrar tratados.
O quadro seguinte pretende ilustrar quais os territórios, as missões das
Nações Unidas e que tipo de poderes soberanos foram exercidos em cada
caso. Se analisarmos atentamente e somarmos, por exemplo, as competências
exercidas em Timor-Leste pela UNAMET e pela UNTAET, veremos que todas as
tradicionais competências reservadas ao governo foram exercidas pelas Nações
Unidas.
Território Missão Data Responsab. Responsab. Responsab. Poder Poder Poder Celebrarprimeira p/ primeira p/ primeira p/ Executivo Legislativo Judicial Tratados
policiamento referendo Eleições
PapuaOcidental UNTEA 1962-1963 • Regionais • Limitado
Namíbia UNTAG 1989-90 •
SaaraOcidental MINURSO 1991-? •
Camboja UNTAC 1992-93 • Quandonecessário
Somália UNOSOM II 1993-95 Contestado
Croácia UNTAES 1996-98 •
Timor-Leste UNAMET 1999 •
Kosovo UNMIK 1999-? • • • •
Timor-Leste UNTAET 1999-2002 • • • • • •
Fonte: SIMON CHESTERMAN, East Timor in Transition: From Conflict Prevention to State-Building, Report to the
Program on Transitional Administrations of the International Peace Academy, in www.ipacedemy.org.
Por certo que cada operação executa apenas o seu mandato (o cumprimen-
to do mandato, que deverá ser claro e exequível, é a regra de ouro das operações
de paz) e ele será tão mais amplo, quanto mais perto da governação directa a
missão estiver. Assim, no limite (pois tomámos como referência a mais complexa
das operações de administração da ONU), as administrações transitórias têm um
leque de competências vasto que Brahimi enunciou ao descrever as administra-
ções transitórias civis das Nações Unidas e que coincide, grosso modo, com o
302 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
mandato da UNTAET25: a) Estabelecer e manter a lei e a segurança interna; b)
Estabelecer uma administração efectiva; c) Apoiar o desenvolvimento de uma
função pública e garantir os serviços públicos básicos; d) Prestar assistência
humanitária de emergência, garantir a sua coordenação; e) Apoiar a construção
de capacidades locais para governo próprio (onde estão incluídas a realização de
eleições livres e justas para essas capacidades e a construção de uma sociedade
civil forte); f ) Assistir ao estabelecimento das condições essenciais a um desen-
volvimento sustentável (que também passa pela reconstrução económica).
3. Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste –(UNTAET)
A Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste é considera-
da um excelente estudo de casos (senão o melhor) para as missões de adminis-
tração internacional (de governação directa) e mesmo para as de construção de
Estados. De facto, logo em Fevereiro de 2000 – dois meses apenas depois do
início da instalação da UNTAET – o embaixador britânico afirmava ao Conselho
de Segurança que a missão talvez pudesse ser um modelo para futuras missões
de construção de Estados (nationbuilding missions26) pelas Nações Unidas27.
25 S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999 – Resolução do Conselho de Segurança que
estabelece a Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste.
RICHARD CAPLAN identifica seis categorias principais de funções a serem desempenhadas pelas
administrações internacionais: i) Estabelecer e manter a ordem pública e a segurança interna, incluindo
a protecção dos direitos humanos; ii) Prestar assistência humanitária; iii) Reinstalar refugiados e
pessoas internamente deslocadas; iv) Desempenhar serviços administrativos civis essenciais; v) Desen-
volver instituições políticas locais, incluindo a realização de eleições para essas instituições, e construir
uma sociedade civil; vi) Reconstrução económica. In RICHARD CAPLAN, op. cit., p. 30. São, como
podemos verificar, em tudo equivalentes às competências definidas na Resolução 1272 (1999).26 Embora a expressão empregue em língua inglesa seja a de construção de nações, não
tratamos desse tema neste nosso trabalho. De facto, interessa-nos apenas o envolvimento das
organizações internacionais, maxime das Nações Unidas, na administração internacional de territó-
rios que, em alguns casos, chega à construção de Estados. Sobre a construção da nação timorense
303colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Pela sua Resolução 1272 (25 de Outubro de 1999), o Conselho de Segurança
fez história: criou a operação que iria reconstruir e preparar a independência do
Estado de Timor-Leste e estabeleceu uma operação sem par: a Administração
Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste.
A UNTAET de facto não conhece precedentes. Tal como nos diz Vieira de
Mello, pela resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, a UNTAET está investida
com todos os poderes em Timor-Leste28. E, acrescenta, que lamentavelmente não
vinha com um manual de instruções29. Assim, a UNTAET teve que cumprir todas as
tarefas que Brahimi destacou, mais as que foram sendo necessárias para pôr em
funcionamento um Estado que tinha sido, sistemática e eficientemente, destruído
após o anúncio, em Setembro de 1999, dos resultados da consulta popular
conduzida pela UNAMET em Timor-Leste; isto depois de anos de negligência.
3.1. Mandato e Componentes da UNTAET
O mandato desenhado pelo Conselho de Segurança é amplo: afirmando
que a manutenção da actual situação em Timor-Leste constitui uma ameaça à paz
e segurança, agindo de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas,
decide estabelecer, em conformidade com o relatório do Secretário-Geral, uma
Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET), que será
investida com a responsabilidade geral pela administração de Timor-Leste e terá
ver: ARMANDO MARQUES GUEDES, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia,” Lusotopie
2001, Karthala, Paris, 2001, pp. 315-327; e ARMANDO MARQUES GUEDES, “Wanders and Wonders.
Musing over nationalism and identity in the state of East Timor,” in GRAÇA ALMEIDA RODRIGUES e
HEATHER WHARTON, Nationbuilding in East Timor, Canadian Peacekeeping Press, 2002, pp. 1-20.27 UN doc. 5C/6799/3, Fevereiro de 2000.28 SERGIO VIEIRA DE MELLO, RESG, Presentation to the Oxford University European Affairs Society,
UNTAET: Lessons to learn for future United Nation peace operations, Oxford, 26 de Outubro de 2001.29 SERGIO VIEIRA DE MELLO, “Views from the Field – UN Missions Responses,” in UNITAR-IPS-JIIA
Conference on The Reform of United Nations Peace Operations: Debriefing and Lessons, Singapura, 2 de
Abril de 2001.
304 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
o poder de exercer total autoridade legislativa e executiva, incluindo a adminis-
tração da justiça. Trata-se de um passo em frente, de proporções milenares30.
O mandato da UNTAET, como já vimos, englobava tarefas que iam desde
assegurar a segurança e manter a lei e a ordem no território até o apoiar a
construção de capacidades para governo próprio, passando pelo estabelecimen-
to das condições para um desenvolvimento sustentável.
Esse mandato seria cumprido pela criação de uma estrutura com as seguin-
tes componentes principais: (a) Uma componente de governação e de adminis-
tração pública, incluindo um elemento de polícia internacional com uma força de
até 1.640 oficiais. A componente policial, CIVPOL, que usualmente é uma compo-
nente autónoma, encontrava-se englobada na componente de administração
pública. (b) Uma componente de assistência humanitária e reabilitação de emer-
gência. (c) Uma componente militar com uma força até ao máximo de 8.950
tropas e de 200 observadores militares.
Para além do previsto, a Resolução 1272 (1999) tinha uma ‘disposição resi-
dual’ em que autorizava a Missão a adoptar todas as medidas necessárias para
cumprir o seu mandato.
O Conselho acolheu, ainda, a intenção do Secretário-Geral em nomear um
seu Representante Especial que, enquanto Administrador Transitório, seria res-
ponsável por todos os aspectos do trabalho das Nações Unidas em Timor-Leste
e teria o poder para decretar novas leis e regulamentos e rever, suspender ou
extinguir as existentes31.
3.2. Autoridade da Administração Transitória
E, de acordo com o UNTAET/REG/1999/1, a UNTAET está investida de toda a
autoridade legislativa e executiva no que diz respeito a Timor-Leste, incluindo a
30 SANDERSON, John, “The Cambodian experience: A success story still?” in THAKUR, RAMESH,
e SCHNABEL, ALBRECHT (eds.), United Nations Peacekeeping Operations, Ad Hoc Missions, Permanent
Engagement, The United Nations University, Tóquio, 2001, p. 15931 S/RES/1272 (1999), 25 de Outubro de 1999.
305colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
administração da justiça, e essa autoridade é exercida pelo Administrador Tran-
sitório32. No exercício destas funções o Administrador Transitório deverá consul-
tar-se e cooperar de perto com os representantes do povo de Timor-Leste. O
Administrador poderá nomear qualquer pessoa para desempenhar funções na
administração civil de Timor-Leste, incluindo o judiciário, ou remover tal pessoa.
Tais funções deverão ser exercidas de acordo com as leis existentes, como
especificado no artigo 3.º do Regulamento, e em quaisquer regulamentos e
directivas emanadas pelo Administrador Transitório.
E o artigo 3.º diz que, enquanto não forem substituídas (por Regulamentos
da UNTAET ou posterior legislação de instituições timorenses democraticamente
criadas), as leis vigentes em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999 manter-
-se-ão válidas neste território, desde que não entrem em conflito com as normas
evocadas no artigo 2.º33, nem com o cumprimento do mandato conferido à
UNTAET à luz da Resolução 1272 (1999) ou com o presente e outros regulamen-
tos e directivas emitidas pelo Administrador Transitório.
32 Cf. UNTAET/REG/1999/1 – Sobre a Autoridade da Administração Transitória em Timor-Leste, esp.
Secção 1.33 O artigo 2.º – Observância de normas internacionalmente reconhecidas – diz-nos que [n]o
cumprimento dos seus deveres, todas as pessoas que exerçam funções públicas ou que sejam
titulares de cargos públicos em Timor-Leste deverão observar normas sobre direitos humanos
reconhecidos internacionalmente, tal como reflectidas particularmente nos seguintes documentos:
Declaração Universal sobre os Direitos Humanos de 10 de Dezembro de 1948; Convenção Interna-
cional sobre Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966 e seus Protocolos; Convenção
Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 16 de Dezembro de 1966; Convenção
sobre a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 21 de Dezembro de 1965;
Convenção sobre a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres de 17 de
Dezembro de 1979; Convenção contra Tortura e Outro Tratamento ou Castigo Cruel, Desumano e
Degradante de 17 de Dezembro de 1984; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de
20 de Novembro de 1989. Além do respeito por estes documentos, essas pessoas “[n]ão descriminarão
ninguém por qualquer motivo tal como sexo, raça, cor, língua, religião, opinião política ou outra,
origem nacional, étnica ou social, associação com alguma comunidade nacional, património, natu-
ralidade e outras situações.” Perante este cenário, e em função dos textos que foram acolhidos como
instrumentos de direitos humanos fundadores para a construção do estado timorense, Timor-Leste
aparece na vanguarda da protecção dos direitos humanos e dos estados que acolhem estes
diplomas internacionais.
306 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
E o Administrador Transitório era Sérgio Vieira de Mello, que reconhece
que tinha todos os poderes existentes em Timor-Leste, tudo para fazer, poucos
meios, muitos críticos, e uma preocupação cimeira em timorizar a forma como a
operação de construção do Estado iria ser conduzida, o mesmo é dizer, deixando
que os timorenses participassem nas escolhas que iam sendo feitas. A última
palavra, contudo e de acordo com a Resolução 1272 (1999) e com o Regulamento
1999/1 da UNTAET, como vimos, seria a de Vieira de Mello.
O contexto em que a UNTAET teve que ser montada, além de complexo de
com um carácter de emergência humanitária, é altamente favorável à missão. A
operação era desejada pela maioria da população local, o seu interlocutor tinha
uma grande experiência de relacionamento com as Nações Unidas e com os seus
funcionários, e a INTERFET havia garantido um ambiente relativamente seguro.
3.3. A Implementação do Mandato
O mandato da UNTAET era de uma complexidade sem precedentes na
história das Nações Unidas. Mesmo no caso em que as Nações Unidas já haviam
assumido a responsabilidade directa pela administração de um território (como
com a UNTEA), ou em que a Organização havia preparado um país para a
independência (como com a UNTAG), nunca uma missão havia sido investida
com todos os poderes soberanos de um Estado, nem a destruição maciça e
generalizada do território a administrar havia elencado como prioritárias tantas
áreas a reconstruir e a implementar.
De forma a garantir uma administração efectiva para o território, a criação
de capacidades para um governo próprio, bem como a timorização dos proces-
sos encetados, a UNTAET criou organismos de participação e de diálogo perma-
nente com os timorenses de todas as sensibilidades políticas34.
34 Sobre a construção da identidade / nacionalidade timorense ver: GUEDES, Armando Mar-
ques, “Thinking East Timor, Indonesia and Southeast Asia,” Lusotopie 2001, Karthala, Paris, 2001, pp.
315-327 e GUEDES, Armando Marques, “Wanders and Wonders. Musing over nationalism and
307colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Uma das primeiras preocupações de Vieira de Mello foi a timorização de
todo o processo e o estabelecimento de mecanismos de consulta com a popu-
lação local e com os seus líderes. Um dos meios que o RESG usou foi a criação de
um Conselho Consultivo Nacional (CCN), logo em Dezembro de 199935. O CCN
era o mecanismo principal através do qual os representantes do povo timorense
participarão activamente no processo de tomada de decisões durante o período da
Administração Transitória e através do qual eram apresentadas ao RESG as opini-
ões, preocupações, tradições e interesses do povo timorense36.
Uma das questões eventualmente polémicas que as administrações transi-
tórias têm levantado é da escolha do parceiro local. Em Timor-Leste, Vieira de
Mello não teve dúvidas sobre quem seria o seu interlocutor local privilegiado: o
CNRT (e o seu Presidente, Xanana Gusmão) a quem é atribuído o maior número
de lugares no CCN. Esta escolha, contudo, não prejudicou o processo de estabi-
lização e consolidação política em curso, uma vez que o CNRT era um grupo
politicamente organizado que sempre tinha liderado a Resistência timorense e
que gozava de um grande apoio pela população local e de grande aceitação
junto da comunidade internacional. De facto, a identificação da Resistência
timorense com o CNRT era tão patente que, aquando da consulta popular de
Agosto, o símbolo do CNRT tinha sido usado nos boletins de voto para identificar
o “Rejeito” à proposta de autonomia especial da Indonésia, a opção pela indepen-
dência.
Esta escolha do CNRT também facilitou o próprio processo de consulta. Este
é sempre mais complexo, e menos produtivo, quando no terreno estão presentes
várias facções políticas em competição pelo reconhecimento do seu carácter
representativo do povo do território/Estado e com agendas políticas distintas e
até conflituantes. A UNMIK, que Vieira de Mello tão bem conhecia, já havia
identity in the state of East Timor,” in RODRIGUES, Graça Almeida e WHARTON, Heather, Nationbuilding
in East Timor, Canadian Peacekeeping Press, 2002, pp. 1-2035 Em 12 de Julho de 1999, pouco antes da criação da UNTAET, a UNMIK havia praticado um
acto semelhante com a criação do Conselho Transitório para o Kosovo.36 UNTAET/REG/1999/2, de 2 de Dezembro de 1999, Sobre a Criação de um Conselho Consultivo
Nacional.
308 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
experimentado as dificuldades resultantes da presença no terreno de vários
grupos políticos reivindicando serem consultados e advogando destinos diver-
sos para o território.
4. Auto-Avaliação do Cumprimento do Mandato
A UNTAET desempenhou o mandato que lhe foi atribuído, com muitas
vicissitudes. Algumas foram o resultado directo e incontornável do enorme
mandato que lhe foi atribuído: reconstruir um país e construir um Estado; outras,
exógenas à missão, decorreram quer da lícita aspiração dos timorenses de serem
os senhores do seu destino, quer da falta de empenhamento continuado da
comunidade internacional, mormente dos doadores.
Além das apreciações que possamos fazer, a UNTAET fez uma auto-avaliação
sobre o seu desempenho e publicou uma folha de factos que, traduzindo a
percepção do seu próprio sucesso, se intitula: os 25 maiores sucessos da UNTAET37.
E são eles:
1. O estabelecimento da paz e segurança em Timor-Leste;
2. O preenchimento das urgências humanitárias pelo ACNUR, OIM, PAM e
UNICEF, que foram essenciais em parceria com a UNTAET, para se assegurar
que após a violência de 1999 as necessidades humanitárias eram respondi-
das rapidamente. Mais de 200.000 refugiados, um quarto da população,
regressou, desde então, a Timor-Leste.
3. A realização de eleições livres, justas e completamente pacíficas em 30 de
Agosto de 2001 e que resultaram numa Assembleia Constituinte de 88
membros que redigiu e aprovou a primeira constituição de Timor.
4. O estabelecimento do Segundo Governo Transitório e a nomeação de um
Conselho de Ministros totalmente timorense, que agora executa as activida-
des diárias do Governo. O Conselho, nomeado em 20 de Setembro de 2001,
37 Ver. FACT SHEET 1 – UNTAET’s Twenty five Major Achievements, Abril 2002, in www.un.org/
peace/etimor/Untaet.htm.
309colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
substituiu o Gabinete de Transição criado em Julho de 2000 – composto por
4 timorenses e 4 representantes da UNTAET.
5. A realização de eleições livres, justas e completamente pacíficas para o
Presidente da República em 14 de Abril de 2002, e que resultou na eleições
de Xanana Gusmão.
6. O estabelecimento de um programa nacional de educação cívica dirigido por
timorenses que treinou mais de 5.500 líderes comunitários e envolvendo
directamente mais de 100.000 timorenses.
7. A realização de 200 sessões de consultas constitucionais públicas em Junho
e Julho de 2001 em que compareceram 38.000 timorenses para exporem as
suas opiniões sobre o que deveria ser considerado pela Assembleia Consti-
tuinte quando redigisse a primeira constituição.
8. O recenseamento de 742.461 pessoas, virtualmente toda a população resi-
dente em Timor-Leste (excluindo os refugiados em Timor Ocidental) ao
longo de um período de 3 meses em 2001. Estes dados constituíram a base
para os cadernos eleitorais para a eleição da Assembleia Constituinte e para
a eleição presidencial.
9. A normalização das relações com a Indonésia, com a realização de encontros
bilaterais ao mais alto nível e de conversações trilaterais envolvendo a
Austrália e a Indonésia em Fevereiro de 2002 e reuniões de trabalho com
oficiais indonésios sobre vários assuntos.
12 Países da UE estabeleceram missões de representação em Timor-Leste.
10. A criação de uma Força de Defesa de Timor-Leste, com 600 soldados recru-
tados a serem submetidos a uma formação de base para a criação do
primeiro batalhão da FDTL. A quando da saída da UNTAET de Timor, estava a
ser preparado o segundo batalhão.
Foi também estabelecida uma Força Policial de Timor-Leste com mais de
1.697 oficiais de polícia timorenses destacados para todos os 13 distritos.
11. O estabelecimento de uma Função Pública. Até à data foram requisitados
11.000 funcionários públicos timorenses.
12. O estabelecimento de um sistema jurídico e judicial operacional, incluindo
um Gabinete do Procurador-Geral timorense e um Serviço de Defesa; 3
310 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
tribunais distritais; um Tribunal de Recurso e prisões em Díli, Baucau e
Hermera.
13. A criação de uma Comissão de Recepção, Verdade e Reconciliação que irá
procurar a verdade por detrás das violações de direitos humanos em Timor-
-Leste dentro do contexto dos conflitos políticos entre 25 de Abril de 1974 e
25 de Outubro de 1999; facilitar a reconciliação comunitária, nomeadamente
ao tratar dos casos passados menos graves; e, em última instância, apresen-
tar as suas conclusões e fazer as recomendações ao Governo para que
possam ser tomadas medidas mais concretas para a reconciliação e promo-
ção dos direitos humanos.
14. A criação da primeira Unidade de Assuntos de Género de sempre a funcionar
numa missão de manutenção da paz e que centrou o seu trabalho no
aumento da consciência para a promoção da igualdade de género nas
políticas e legislação da Administração Transitória de Timor-Leste.
15. A reabilitação de escolas por todo o país. Mais de 700 escolas primárias, 100
escolas secundárias e 40 creches e 10 escolas técnicas estão agora a ensinar
aproximadamente 240.000 crianças e estudantes mais velhos.
16. A reconstrução de 32 grandes edifícios públicos pela ETTA – East Timorese
Transitional Administration – Administração Transitória de Timor-Leste. Sete
grandes edifícios estão actualmente a ser reconstruídos, dois na capital e
cinco nos distritos de Baucau, Hermera, Liquiça e Oecussi.
17. O lançamento de um acordo com a Austrália sobre as reservas de petróleo e
gás natural, o Acordo do Mar de Timor; tendo início em 2004, este Acordo
tem o potencial para proporcionar biliões de dólares de rendimento a Timor
ao longo dos próximos 20 anos.
18. A criação da Rádio UNTAET, cuja cobertura se estende a todo o Timor-Leste e
alguns campos de refugiados em Timor Ocidental; a criação da TVTL – Televi-
são de Timor-Leste – cujas emissões são vistas em Díli e Baucau com destaques
mostrados em reuniões públicas em outros distritos, e do jornal Tais Timor, o
único boletim noticioso nacional, com uma tiragem mensal de 50.000.
19. Foram montados serviços públicos básicos numa grande variedade de áreas
incluindo a saúde, a educação e infra-estruturas. A electricidade foi resta-
311colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
belecida e nas áreas urbanas o abastecimento de água potável está a ser
retomado após a destruição destas infra-estruturas em 1999.
20. O encetar de um grande programa de reabilitação de estradas, com ênfase
na reparação e manutenção de uma rede central de estradas de 1.000 Km
que estava negligenciada há mais de duas décadas. O Porto de Díli está a
funcionar. O Aeroporto Internacional de Díli foi reaberto aos voos comerciais
logo no início de 2000 e, agora sob administração civil, recebe voos interna-
cionais de 5 companhias aéreas.
21. A formação imediata de uma Autoridade Fiscal Central, a precursora do
actual Ministério das Finanças, para garantir que os limitados recursos de
Timor-Leste são usados eficientemente, e que o país tem um quadro fiscal
estável para uma economia sustentável.
22. O estabelecimento de uma Autoridade Bancária e de Pagamentos (o anterior
Gabinete Central de Pagamentos) que funciona como o proto-Banco Central.
Esta instituição tem desenvolvido e gerido as estruturas bancárias corres-
pondentes com os bancos comerciais centrais e estrangeiros e gere a lista de
pagamentos do Governo.
23. O estabelecimento de um Projecto de Pequenas Empresas para ajudar ao
relançar das actividades económicas viáveis no sector privado. Este Projecto
tem ajudado à criação de uma classe empresarial enquanto cria emprego nas
áreas urbanas.
24. A reabilitação de 2/3 da terra arável; a reposição da actividade de criação de
gado através da importação e vacinação do gado e do búfalo; o fornecimen-
to de redes e barcos a pequenas empresas piscícolas para aproveitar o rico
potencial das águas de Timor-Leste.
5. Algumas Considerações sobre a Missão
Para compreendermos as várias especificidades da UNTAET, a missão que
melhor traduziu a assunção pela Organização de todos os poderes soberanos
sobre um território dando origem às tais expressões como a soberania das Nações
312 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Unidas, o Estado das Nações Unidas de Timor-Leste, o Reino das Nações Unidas de
Timor-Leste, convém ter presente o quadro relacional entre a Organização e a
questão de Timor-Leste.
Um marco de viragem fundamental é o assinalado pelos Acordos de Maio de
1999. O Acordo principal, no seu artigo 6.º referia, explicitamente, que caso o
povo timorense rejeitasse a proposta indonésia, ocorreria “uma transferência
pacífica e ordeira da autoridade em Timor-Leste para as Nações Unidas.” A
linguagem é inequívoca: no período interino as Nações Unidas seriam a autoridade
soberana de Timor-Leste. Os timorenses concordavam, em princípio com esta
disposição, uma vez que o próprio líder do CNRT já se havia pronunciado
favoravelmente a uma transferência da independência faseada.
Porém, a violência generalizada não permitiu o desenrolar das fases previs-
tas para a UNAMET e enquanto a INTERFET repunha a ordem e a segurança, as
Nações Unidas começaram o planeamento para uma missão que fosse capaz –
que tivesse as competências necessárias – para re/construir o Estado de Timor-
-Leste. E fê-lo num ritmo assombroso; em situações ideais as Nações Unidas
necessitariam no mínimo de 6 meses para preparar uma missão tão complexa
como a UNTAET38, mas a UNTAET foi planeada em um mês.
5.1. O Planeamento da UNTAET
A UNTAET foi planeada pelo Departamento de Operações de Manutenção
da Paz (DOMP) do Secretariado das Nações Unidas.
Embora todo o anterior envolvimento das Nações Unidas na questão de
Timor-Leste tivesse passado pelo Departamento de Assuntos Políticos (DAP)
como, em Setembro de 1999 se vivia uma situação de crise humanitária com
violência acrescida, o tratamento da questão passou para o campo das opera-
ções de paz. O DAP era o guardião do conhecimento do Secretariado (e da
38 Funcionário superior do Departamento de Operações de Manutenção da Paz, citado por
ASTRI SUHRKE, “Peace-keepers as Nation-builders: Dilemmas of the UN in East Timor,” in International
Peacekeeping, vol. 8, n.º 4, 2001 (rascunho da autora, pp. 1-20), p. 11.
313colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Organização como um todo) sobre Timor-Leste; apesar do fracasso da estrutura
faseada da UNAMET, o Departamento queria trabalhar na Missão pós-consulta
eleitoral e começou mesmo a trabalhar nesse sentido logo em Setembro. Com a
entrada de forças internacionais em Timor, o DOMP reivindicou a passagem do
planeamento para a sua jurisdição departamental; uma reivindicação reforçada
pelos números da missão: 8.900 militares e cerca de 1.200 civis.
Esta transferência de tutela trouxe duas consequências indesejáveis: em
primeiro lugar o DOMP tinha pouca, senão mesmo nenhuma, experiência na
preparação e condução deste tipo de missões; e, em segundo lugar, desconhecia
a realidade timorense e era desconhecido dos timorenses. Para agravar esta
perda de informação, a cooperação inter-departamental não estava assegurada;
de facto, a preparação da UNTAET decorreu até num ambiente de feroz luta entre
as estruturas burocráticas. E o facto de a UNAMET ter acabado em fracasso serviu
para alimentar essas lutas, diminuindo o poder negocial do DAP.
O DAP propôs até ao DOMP que se procedesse a um planeamento conjunto
– um proposta que nunca recebeu resposta. Mas o clima de tensão era tão
grande que o Secretário-Geral das Nações Unidas decidiu intervir esclarecendo
que a equipa de planificação seria recrutada de ambos os Departamentos, mas
seria o DOMP o responsável39.
Em termos genéricos isso significou que toda a operação civil era
provida de pessoal e organizada e, em última instância respondia a, um
departamento que tinha pouca experiência em “missões de governação,”
não tinha conhecimento nacional de Timor-Leste e cujos procedimen-
tos operacionais eram concebidos para operações militares e de prefe-
rência de curta duração40.
Quando a construção de um Estado é uma tarefa para gerações.
Em termos práticos, no que se referiu às propostas em cima da mesa, o
esquema inicial previsto e que se baseava na criação de um Estado estruturado
39 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 740 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 8
314 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
dualmente, com a separação da autoridade jurídica (a ser exercida pelas Nações
Unidas) do poder político (a ser entregue aos timorenses) em que timorenses e
pessoal das Nações Unidas trabalhariam lado a lado, com um calendário eleitoral
que demonstrava a natureza transitória da Missão, foi abandonado.
Uma vez entregue ao DOMP o plano tinha que ser aceitável para o Conselho
de Segurança (ou seja, desencadear o consenso político necessário) e tinha que
ser implementado rapidamente (de acordo com os princípios operacionais das
missões de paz). Isto significou que se criou uma missão internacional, baseada
nas contribuições dos Estados membros e os lugares da UNTAET reservados aos
funcionários internacionais. No plano final, as referências a estas propostas dos
timorenses quase desapareceram.
E foram duas as principais premissas em cima das quais se fez o planeamento:
a de que não havia tempo e nem havia nada. Foi o que poderia chamar-se de um
planeamento de base zero: partia-se do princípio que Timor-Leste era uma terra
vazia, uma terra sem gente e sem recursos. E se é verdade que a violência de
Setembro provocou centenas de mortos, a deslocação de ¾ da população para o
vizinho Timor Ocidental e a destruição de cerca de 70% das infra-estruturas do
território41, os timorenses estavam em Timor-Leste à espera de serem envolvidos
na Missão que iria construir o seu primeiro Estado independente.
Como Vieira de Mello dizia: quando as Nações Unidas chegaram a Timor não
havia nada, tudo teve que ser trazido de fora e construído do zero.
Mas nem todas as entidades envolvidas no planeamento concordavam com
estas perspectivas tão pessimistas; o Relatório da Missão Conjunta de Avaliação
do Banco Mundial afirmava que cerca de ¼ dos funcionários públicos haviam
permanecido no território, sobretudo os de origem indonésia; reconhecia, po-
rém, que esses funcionários estariam concentrados nos escalões mais elevados e
em tarefas altamente especializadas, o que criava um deficit grave de especiali-
zação na função pública42.
41 JARAT CHOPRA, “UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 2742 WORLD BANK, Report of the Joint Assessment Mission to East Timor, Dezembro de 1999,
parágrafo 15
315colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Esta perspectiva da terra vazia, aliada ao desconhecimento de quem eram
os timorenses, afastou-os do planeamento e isso teve reflexos nos princípios
orientadores da missão e na tardia timorização da administração.
5.2. Mandato e Modelo da Missão
Pela Resolução 1272 (1999) o Conselho de Segurança deu à UNTAET um
mandato sem precedentes cuja autoridade fica bem patente nas palavras do
Secretário-Geral quando diz que a Missão deveria estabelecer a sua capacidade
administrativa por todos os sectores de governação e administração em todas as
áreas de Timor-Leste43.
Como nos diz Astri Suhkre, mais do que implicitamente, as Nações Unidas
foram dotadas de uma autoridade suprema do tipo que no sistema internacional
contemporâneo está apenas reservada aos estados soberanos44.
Quando o planeamento para a UNTAET teve início, foram considerados os
modelos possíveis para essa Missão. Timor-Leste era um território não-autónomo
e havia disposições na Carta das Nações Unidas que poderiam enquadrar juridi-
camente a presença da Organização no território; pensámos, nomeadamente,
nas disposições relativas ao regime internacional de tutela.
Portugal, potência administrante de jure de Timor poderia colocar volunta-
riamente o território sob tutela, em conformidade com a alínea c) do artigo 77 da
Carta. A ONU seria a autoridade administrante. E se, juridicamente a questão
ficasse resolvida, o problema colocar-se-ia mais a nível político, pois a tutela foi
sempre associada ao colonialismo45.
O DOMP optou, então, por um modelo institucionalmente mais familiar: o
modelo das operações de paz, nomeadamente o da operação de construção da
43 Question of East Timor, Progress report of the Secretary-General,” A/56/654, 13 de Dezembro
de 1999, para. 44.44 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 1645 JARAT CHOPRA, “The UN´s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 27.
316 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
paz montada apenas 3 meses antes para o Kosovo. Esta opção veio também dar
resposta à urgência que se sentia em face da gravíssima crise humanitária que se
vivia no território. Não havia tempo para planear, não havia pessoal para dedicar
a esse planeamento e como o Departamento tinha pouca ou nenhuma memória
institucional era preciso começar do zero.
Assim, recorreu-se a um modelo familiar e a pessoas que estavam familiariza-
das com o planeamento desse tipo de missões; em concreto, isso significava as que
haviam planeado a UNMIK. A UNMIK havia sido ela própria, e como já vimos, uma
evolução prática desde as primeiras tentativas de administração das Nações Uni-
das e não o que se poderia chamar de uma evolução doutrinal, pensada, ensaiada.
Mas a UNTAET não foi uma réplica da UNMIK; a UNTAET era mais ligeira,
menos complexa. Na opinião de alguns críticos “[a] estrutura relativamente mais
simplificada reflectia a menor importância de Timor-Leste para as grandes po-
tências quando comparado com o Kosovo. Pela mesma razão, a direcção dos
vários pilares não incluía representantes de outras organizações internacionais
(como no Kosovo), mas apenas diferentes regiões geográficas (em linha com a
prática das Nações Unidas).46”
Outra das consequências negativas do modelo escolhido sentiu-se na deter-
minação do Orçamento da Missão. O Conselho de Segurança tratou a compo-
nente de administração civil da UNTAET com uma importância relativamente
pequena; de facto, tradicionalmente esta fatia dos custos era pequena nos
orçamentos das operações de paz. No balanço final foi uma surpresa para o
Conselho que a componente civil tenha sido tão cara como a componente
militar. O que vem, mais uma vez, reforçar a novidade que são estas missões.
5.3. A Timorização
Uma das críticas mais recorrentes a Vieira de Mello, e à sua administração, foi
o lento processo de timorização. E, a despeito de algumas recomendações
46 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 8
317colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
efectuadas, a timorização, na redacção final do mandato, ficou reduzida a uma
única frase.
A timorização também tardou porque pretendeu-se evitar a politização da
administração. De facto, a mesma foi feita em resposta às pressões locais e dos
doadores. Uma pressão que surgiu mesmo no seio do Conselho de Segurança,
mas apenas quando pareceu que uma nova crise – que pudesse afectar o
equilíbrio regional de poderes – estava afastada.
Aí, então, começou a devolução do poder de administração aos administra-
dos – um processo que foi acelerado na segunda metade de 2000 – embora o
pessoal internacional continuasse a dominar a administração central e distrital.
É curioso que alguma da relutância da UNTAET em acolher o CNRT como
parceiro local privilegiado, temendo acusações de parcialidade, fez com
que quando o CNRT se desintegrou as Nações Unidas tenham constatado que
haviam perdido uma oportunidade de ouro.
Outra das características do planeamento feito, e que se reflectiu inevitavel-
mente na timorização da Missão, foi o facto de os timorenses terem ficado fora
das estruturas previstas para a UNTAET. Um exemplo caricato foi o facto de a
Unidade de Terra e Propriedade da UNTAET ter encontrado alguns juristas e
outros especialistas timorenses e só os ter podido usar como voluntários, pois os
regulamentos iniciais da UNTAET só permitiam essa relação. Além disto, graças
ao modelo de missão escolhido, o recrutamento local apenas podia fornecer
pessoal de apoio, não os altos quadros. Por certo que os timorenses se ressenti-
ram deste facto, e a pressão para uma efectiva timorização da administração do
território não se fez tardar.
Astri Suhrke considera que esta falta de timorenses no processo se ficou a
dever quer à ausência dos mesmos na fase de planeamento da Missão, quer a
uma mensagem implícita na Resolução que cria a UNTAET: “em consideração
para com as sensibilidades indonésias, o movimento de resistência timorense
deveria manter um low profile nas estruturas governativas do estado transitó-
rio47.”
47 ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 6.
318 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
A ausência de timorenses na estrutura final da missão também foi resultante
da falta de um inventário aturado das capacidades dos mesmos. O tal planea-
mento de base zero.
E estas foram apenas algumas das condicionantes colocadas à Missão. A
forma como foi planeada, o modelo escolhido, o mandato e a forma como os
timorenses foram ou não envolvidos foi determinante para o sucesso da Missão.
Uma Missão que deixou em Timor-Leste um Estado soberano. Mas uma sobera-
nia política que ainda não é económica, ou não fosse Timor um dos países mais
pobres do mundo. Embora a sociedade timorense esteja relativamente pacifica-
da e seja consensual quanto ao facto de a intervenção das Nações Unidas ter sido
positiva, já no que diz respeito à duração desse envolvimento e à partilha de
competências durante o período de administração transitória as opiniões divi-
dem-se.
Mas como diz Chesterman, onde quer que as Nações Unidas sejam o
governo devem esperar alguma contestação. Acreditámos, contudo, que a não
se terem cometido os erros que acabamos de enunciar, a contestação teria sido
menor.
6. Missão das Nações Unidas de Assistência a Timor-Leste – UNMISET48
Como já tivemos oportunidade de referir e como a realidade se tem encar-
regado de confirmar, as operações de administração internacional de territórios
são tarefas para anos, senão para décadas como alguns autores têm referido. A
comunidade internacional, no geral, e a ONU, em particular, reconheceu-o e em
Timor-Leste a independência não significou o fim da presença internacional em
Timor-Leste. A Missão das Nações Unidas de Assistência a Timor-Leste (UNMISET)49
é a missão sucessora da UNTAET, estabelecida para assegurar uma presença
continuada das Nações Unidas em Timor após a retirada da Administração
48 United Nations Mission in Support of East Timor.49 Para detalhes sobre a UNMISET in www.unmiset.org/
319colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Transitória, na sequência da declaração formal de independência do novo Estado
e da transferência de todos os poderes da Administração Transitória para o povo
timorense.
Claro que, de uma forma ou de outra, todas as operações de paz chegam a
um fim. O fim da operação das Nações Unidas em Timor-Leste será determinado
quando e como o Conselho de Segurança o decidir.
Ainda há muito a fazer, mas no balanço que podemos efectuar agora Timor-
-Leste reflecte o caminho percorrido desde os milhares de mortos que ocorreram
logo aquando da invasão […] [até à actual independência e] reflecte a capacida-
de de um sistema internacional jurídico-institucional para dar resposta à vontade
de um povo que nunca se deixou calar50.
7. Reflexões finais
Uma análise casuística das operações de administração internacional, mor-
mente a da Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste, mos-
tra-nos uma prática que, não obstante a falta de um enquadramento concreto e
de uma estrutura burocrática directamente responsável, tem sido reconhecida
como o único instrumento ao serviço da comunidade internacional, quando os
Estados isoladamente ou regionalmente não conseguem garantir a recuperação
de um Estado falhado, ou que tenha colapsado, ou a construção de um Estado
em nome do princípio da autodeterminação.
Estendendo-se desde a pura assistência até à governação directa (em que as
Nações Unidas se afirmam não como um substituto ou uma transição para um
Estado, mas outrossim como o próprio Estado assumindo uma panóplia de
tarefas soberanas como o policiamento, o poder legislativo, o poder executivo, a
administração da justiça, a responsabilidade eleitoral e, ainda, embora mais
excepcionalmente a capacidade de celebrar tratados – como o caso da UNTAET)
50 PAULA ESCARAMEIA, “O Direito Internacional e o nascimento de um novo Estado,” in JANUS
2002, anuário de relações exteriores, Lisboa, Público e Universidade Autónoma de Lisboa, 2002, p. 92.
320 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
as administrações transitórias têm suscitado um interesse cada vez maior quer
entre a comunidade académica quer entre a classe política. Hoje aparecem, a um
ritmo até há pouco insuspeito, obras académicas, reflexões conduzidas pela
própria Organização ou por políticos e personalidades que têm estado ligadas às
relações internacionais ou ao exercício da política externa e que tratam e
problematizam o quadro teórico-operativo, a legitimidade/legalidade e a avalia-
ção de resultados destas missões.
Curiosa também é a crescente afirmação de uma capacidade de construção
de democracias através de autocracias benevolentes51, de intervenções pró-
-democráticas52. Quer pela novidade, quer pelas implicações abertas, tais como:
como é que se ajuda a preparar a população para uma governação democrática
e para um estado de direito ao impor uma forma de autocracia benevolente?,
estas operações têm por resolver esse dilema político central que traz à colação
o da legitimidade, de que falaremos de seguida.
Todo este debate reflecte uma consciência acrescida para a relevância
destes instrumentos, bem como dos desafios, ao serviço da comunidade interna-
cional para fazer face aos desafios colocados à reconstrução e administração de
Estados falhados e de territórios disputados.
Resulta da tipologia que escolhemos que a UNTAET é uma administração
transitória de governação directa, pois como nos diz Jarat Chopra,
Em Timor-Leste a desintegração resultou da retirada radical de uma potên-
cia ocupante e da destruição sistemática de qualquer coisa sequer seme-
lhante a um aparelho de governação. Se a evolução doutrinal havia che-
gado a um clímax com a administração transitória e com a assunção
internacional de poderes executivos e legislativos, a governação global
atingiu um novo tipo de apoteose em Timor-Leste. Aqui não só seriam
51 Cf. SIMON CHESTERMAN, “Building Democracy through Benevolent Autocracy: Consultation
and Accountability in UN Transitional Administrations,” op. cit.52 Cf. SIMON CHETERMAN, Just War or Juts Peace? Humanitarian Intervention and International
Law, Oxford University Press, Oxford, 2001, esp. pp. 112-160
321colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
assumidas funções administrativas mais totalmente do que nunca, como o
organismo corporativo da intervenção herdaria o estatuto da soberania –
algo que não havia acontecido ao nível internacional desde o Santo Impé-
rio Romano e o Tratado de Vestefália de 1648.
Na prática, seria construção de estado através da soberania das
Nações Unidas53.
A UNTAET, por ter sido de todas as administrações internacionais de
governação directa a de que de mais autoridade foi investida e a que mais
poderes exerceu, incluindo o poder de celebrar tratados54, é aquela cuja análise
se revela mais rica.
7.1. Planeamento das missões
A análise de cada missão e a sua classificação resulta mais do que da prática,
do que da personalidade do Administrador Transitório55; resulta desde logo, do
seu mandato. Aí estão contidos a sua composição, quadro temporal e autoridade
investida em cada operação.
À falta de uma teoria geral sobre as Administrações Internacionais que
fornecesse as referências técnico-operativas aplicáveis a cada contingência con-
creta, à falta de uma estrutura burocrática dedicada ao planeamento de missões
tão complexas, a comunidade internacional responde com a sede da legitimida-
de da acção internacional e com os instrumentos que esta tem ao seu dispor. Ou
53 Cf. JARAT CHOPRA, “Building State Failure in East Timor,” op. cit., pg. 981.54 Cf. JARAT CHOPRA, “UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 30.55 Quando questionado sobre qual o peso da personalidade do Administrador Transitório na
implementação da UNTAET, Viera de Mello respondeu-nos que ele era um mero executor do mandato
da Resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, e que a sua personalidade apenas influenciava
a velocidade e a prioritização de determinadas acções. Porém, quando o mandato não é claro –
como o caso da UNMIK – a personalidade do Administrador Transitório ou RESG poderá ser
determinante para a aferição do conteúdo operacional da Missão.
322 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
seja, cada operação é planeada ad hoc pelo Secretariado (mormente pelo DOMP)
da ONU.
Cada operação é montada ad hoc e com urgência. Como não há planeamen-
to prévio, a maior parte das missões é planeada no auge de uma crise para ser
implementada o mais depressa possível. Uma excepção a esta regra foi o pla-
neamento da UNTAG que, em função da resistência da África do Sul em consentir
a entrada da Missão, deu à Organização cerca de 11 anos para planear e recrutar
com detalhe.
Para Timor-Leste estava prevista uma operação faseada: a UNAMET, que
continha um plano A e um plano B. O Plano B era o aplicável caso o povo de
Timor optasse por rejeitar a proposta da Indonésia e preferisse seguir a via da
independência. Era um plano que podemos classificar de, no mínimo, optimista,
senão ingénuo, mas de uma ingenuidade perigosa. A Indonésia retiraria pacífica
e ordeiramente de um território que havia ocupado e no qual as violações dos
direitos humanos dos timorense eram uma prática diária. Partia-se do princípio
que a obtenção da independência seria feita em colaboração com a Indonésia e
através das estruturas administrativas existentes.
Como já referimos a Missão que partiu para o terreno para realizar a consulta
popular aos timorenses foi planeada pelo DAP, que visitou o território, com quem
os timorenses estavam familiarizados. Com o anúncio dos resultados eleitorais e
com a violência que se seguiu (e que de uma maneira mais ou menos latente
tinha estado presente durante todo o período da Missão), o cenário muda
completamente. O plano pacífico e faseado tem que ser agora substituído por
um plano de emergência, com uma componente securitária maior do que a
alguma vez prevista.
A violência pós-eleitoral só surpreendeu os que ainda não tinham percebido
o desrespeito aberto e sistemático que os militares indonésios e as milícias pró-
-integração tinham para com as normas democráticas56. Mas qualquer tipo de
planeamento prévio colocava em questão a capacidade de a Indonésia garantir
56 Relatório do Secretário-Geral sobre a questão de Timor-Leste, S/1999/862, 9 de Agosto de
1999, para.9.
323colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
a segurança num território que considerava seu e poderia ter significado a
ruptura do processo de consulta popular. De facto, o grande entrave a qualquer
tipo de planeamento prévio dentro das Nações Unidas é a aparente suspeita que
recai sobre os Estados de que eles não são capazes de proteger as suas popula-
ções.
O planeamento da UNTAET foi, então, feito pelo DOMP; a passagem de uma
estrutura burocrática para outra sem que estivessem garantidas a cooperação
inter-departamental, a eliminação das rivalidades pessoais e de protagonismos
e, ainda, a criação de uma memória institucional para efeitos futuros, revelou-se
desastrosa. Os timorenses não estavam habituados a falar com os elementos do
DOMP, e os elementos do DOMP não conheciam, profunda e adequadamente, a
realidade da resistência e das aspirações do povo maubere. A acrescer a tudo isto
está a questão da sensibilidade aos problemas concretos que só se consegue
através de um contacto frequente e de um respeito mútuo construído. Em suma,
grande parte do trabalho do DAP perdeu-se ou foi rejeitado, como já vimos, pelo
DOMP.
Curiosamente, o próprio Administrador de Timor-Leste adverte que:
Uma das lições mais importantes que aprendemos foi que uma missão
de manutenção da paz ou de construção da paz standard das Nações
Unidas […] não é a estrutura ideal para assumir o papel vasto e
abrangente da governação de Timor-Leste. Existem vários problemas
intrínsecos a uma missão das Nações Unidas que funcione como uma
administração civil, tais como: o perfil do pessoal […] o nosso processo
de recrutamento e as regras e regulamentos das práticas das Nações
Unidas57.
Como também já referimos e agora destacamos, os timorenses pouco ou
nada contribuíram para a concepção da UNTAET. A liderança timorense, tal como
57 SÉRGIO VIEIRA DE MELLO, “Statement by the Special Representative of the Secretary-General
to the Lisbon Donor´s Meeting on East Timor,” Lisboa, 22-23 de Junho, p. 5
324 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
representada pelo CNRT, tinha estabelecido uma relação de trabalho com o DAP
e com a UNAMET, e achou difícil comunicar com interlocutores que não lhe eram
familiares58. Quando as Nações Unidas elaboraram o seu plano, pouco foi expli-
cado aos timorenses sobre a lógica, a racionalidade da missão59.
Mas os problemas de planeamento verificam-se quer a nível da sede, quer
no terreno. Para além da falta de comunicação inter-departamental, há uma
efectiva falta de pessoal no Secretariado e no DOMP, que coordena e serve de
ponto focal para as missões, o que torna o relacionamento da missão no terreno
com a sede problemático.
O Relatório Brahimi também se refere a estas contingências: na presença de
várias solicitações, todas elas urgentes, são inevitáveis as escolhas e, com fre-
quência, o apoio às missões no terreno é negligenciado.
A única saída credível para estes problemas seria ou a realização de um
planeamento prévio ou a criação de uma estrutura burocrática dedicada. Porém, os
Estados membros não encorajam qualquer uma delas. A última por questões
orçamentais: as Nações Unidas gerem uma crise financeira que clama por cortes
nas despesas e não pela criação de mais estruturas; a primeira por a considerarem
demasiado intrusiva: aceitar a concepção de planos de intervenção seria aceitar
que eles pudessem ser aplicados a qualquer Estado onde os problemas identifica-
dos nesse planeamento fossem detectados (e isso incluía os membros das Nações
Unidas). No caso concreto de Timor-Leste, um planeamento preparatório para uma
violência suspeitada por muitos analistas e timorenses, teria significado que não se
acreditava que a Indonésia fosse capaz de honrar os seus compromissos ao abrigo
dos Acordos de Maio, o que teria desde logo comprometido a própria consulta
58 EAST TIMOR STUDY, CONFLICT, SECURITY AND DEVELOPMENT GROUP, A Review of Peace
Operations: A Case for Change, King’s College, Londres, 10 de Março de 2003, para. 25. Antes da
aprovação da Resolução que cria a missão, o próprio Xanana Gusmão enviou, em 19 de Outubro de
1999, às Nações Unidas algumas propostas para um modelo administração transitória que não
foram acolhidas.59 JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 32. E os timorenses não foram
a excepção; a maioria dos povos administrados apresenta uma crítica comum às administrações
internacionais: são missões estrangeiras e temporárias.
325colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
popular. Talvez, de facto, o melhor que se consiga seja algum tipo de enquadramento
para as questões resultantes dos Estados falhados.
7.2. Mandato das Administrações Internacionais
O mandato das administrações internacionais deve ser claro e flexível. Claro
para que os objectivos estejam perfeitamente identificáveis; fexível para que haja
uma distinção entre as várias competências a exercer, compreendendo que não
se tratam fases sequenciais, mas antes aspectos distintos de uma mesma função.
Em Timor-Leste os principais problemas, nestas matérias, resultaram do recurso
à experiência do Kosovo que levou a alguns atrasos que prejudicaram a
implementação do mandato, nomeadamente pela interpretação de que primei-
ro havia que tornar Timor um sítio seguro e só depois preparar o desenvolvimen-
to do mesmo. Ora se o Kosovo havia apresentado à Missão desafios de seguran-
ça, em Timor a situação era pacífica e não era necessária uma acção pacificadora
prévia, desde logo porque a INTERFET já o havia levado a cabo.
Mas também em Timor, a posição das grandes potências, os seus interesses
geopolíticos particulares e a sua preocupação com o equilíbrio regional e com a
questão da soberania condicionaram o mandato da UNTAET. A Indonésia tinha
fortes apoios nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança em particular;
assim o mandato não podia ferir as sensibilidades indonésias nem apresentar a
vitória do povo de Timor como uma derrota do regime. Os Estados Unidos
queriam manter as suas boas relações com a Indonésia, bem como o equilíbrio
e a ordem regional; portanto, também não estavam particularmente interessa-
dos em destabilizar quem tinha sido um aliado de tão longa data. A China e a
Rússia também estavam preocupadas com a ordem regional e, ainda mais, com
o lançarem um precedente para intervenções não convidadas. No final, os
princípios constitutivos do emergente Estado de Timor-Leste reflectiam a lógica
política do Conselho de Segurança, de cautela e consenso60.
60 Cf. ASTRI SUHRKE, op. cit., p. 5.
326 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
7.2.1. Recrutamento e composição da missão
Embora nos contratos dos funcionários internacionais haja uma cláusula
geral que permite ao Secretário-Geral enviar pessoal para qualquer operação no
terreno, a prática tem sido a de que os altos quadros não são obrigados a
participarem nestas missões.
Em Timor isto significou que durante vários meses Vieira de Mello não tinha
funcionários suficientes para preencher todos os lugares da componente
Governação e Administração Pública. O entendimento que Timor era uma terra
vazia, de infra-estruturas e de pessoal qualificado, levou a que o RESG não tenha
recorrido a timorenses para ocupar esses lugares61, mas antes tenha ficado à
espera de altos quadros para essas posições – o que aumentou o descontenta-
mento dos locais, que, numa fase inicial, apenas podiam ser usados como
voluntários.
Porém, quando analisamos a posição do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), por exemplo, podemos ver que o Programa rejeitava
o argumento de terra nullis, adoptando antes uma abordagem orientada para o
desenvolvimento. A recomendação do PNUD de que a UNTAET deveria desde o
início maximizar o uso dos recursos humanos timorenses, que estavam na
administração, na diáspora, nos estudantes fora do território e outros residentes
(mesmo os de origem indonésia)62, não foi acolhida.
Quando se fala de recrutamento fala-se de uma actividade que envolve
identificar, seleccionar e contratar milhares de pessoas, desde militares até civis
e funcionários de várias categorias.
Em função do modelo adoptado e da estrutura burocrática de planeamento
da missão, a UNTAET foi tratada como uma operação internacional baseada nas
contribuições dos Estados e com pessoal recrutado internacionalmente. A nível
local foram recrutados apenas funcionários para tarefas mais manuais como
61 Excepção para o Banco Mundial que, desde o início, deu formação a timorenses.62 PNUD, Conceptual Framework for reconstruction, recovery and development of East Timor,
draft, Nova Iorque, Setembro de 1995, p. 5.
327colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
condutores, seguranças, pessoal da manutenção. Ao nível do terreno, por certo
que este recrutamento amplia o trabalho disponível e, em consequência diminui
o desemprego local. Contudo, a frustração de ver um Estado ser construído sem
a participação dos administrados, bem como a disparidades dos salários auferidos
suscita frustração e contestação aberta entre os locais.
7.3. Autoridade da Administração Internacional
Quanta autoridade é a autoridade necessária e suficiente? Esta é uma das
perguntas que estas administrações transitórias têm levantado com mais fre-
quência.
Como pudemos observar, desde a assistência até à governação, são vários
os regimes de exercício de autoridade que se podem detectar nas distintas
missões e é exactamente o grau de autoridade de que estão investidas que nos
permite distinguir as várias categorias de administração. Mas existe um denomi-
nador comum: é sempre necessário um determinado grau de autoridade para
dar cumprimento ao mandato.
Isto significa que num primeiro momento para fazer face ao vazio adminis-
trativo deixado no terreno, à crise humanitária que tem acompanhado estas
missões e à necessidade de montar – por vezes do zero – um aparelho de
exercício de poder à administração internacional, deverá ser concedida uma
autoridade transitória a mais ampla possível, naquilo que alguns já chamam de
autocracia estrangeira benevolente sob os auspícios das Nações Unidas63.
E foi o grau de autoridade atribuído à UNTAET que fez com que os mais
críticos da missão não tenham hesitado em falar de autoritarismo. E, de facto, em
sede de exercício de autoridade, as Nações Unidas em Timor-Leste celebraram o
seu primeiro acto de soberania onusiana, com o Acordo de Empréstimo para o CEP
63 SIMON CHESTERMAN, You The People, The United Nations, Transitional Administration, and
State-Building, Final Report on the Project on Transitional Administrations, Nova Iorque, International
Peace Academy, Novembro 2003, disponível in www.ipacademy.org/Publications/Publications.htm.
328 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
(Community Empowerment and Local Governance Project), pelo qual o Banco
Mundial definia como “Recipiente” Timor-Leste e a UNTAET, e que foi assinado
pelo Administrador Transitório enquanto chefe de Estado e não apenas como
representante da ONU64. O que levou a revista Time a escrever:
[A]s Nações Unidas são legalmente os detentores da soberania de
Timor-leste: a primeira vez na sua história em que o organismo mundial
desempenhou tal papel65.
7.4. Construção de capacidades políticas locais
Esta construção ocorre quando não existem estruturas locais, ou então
quando as mesmas não são reconhecidas, pela administração internacional,
como democráticas ou representativas66. Devido ao carácter transitório, tempo-
rário destas missões que exercem a autoridade em nome do povo administrado,
é necessário criar estruturas, capacidades que permitam a devolução da autori-
dade ao povo. Uma devolução que não deverá ser feita automaticamente, nem
de acordo com uma qualquer meta definida extemporaneamente. É imperativo,
para cada missão, seja ela de supervisão da implementação de um acordo de paz,
a administração de um território disputado, o exercício interino da administração
64 JARAT CHOPRA, “The UN’s Kingdom of East Timor,” op. cit., p. 30. A importância da referência
ao termo “Recipiente” reside no facto de os Recipientes dos empréstimos concedidos pelo Banco
Mundial serem os Estados.65 TERRY MCCARTHY, “Rising From the Ashes,” Time (edição internacional), 20 de Março de 2000,
p. 14.66 Como vimos em Timor-Leste havia esta dupla necessidade, por um lado o território estava
destruído, incluindo as estruturas governativas, que nunca tinham estado nas mãos dos timorenses,
pelo outro lado, determinadas leis em vigor no território constituíam impedimentos à instalação e
funcionamento de um Estado democrático. Leis essas que foram afastadas no primeiro regulamento
emitido pela UNTAET.
329colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
de um território ou a construção de um Estado, que se criem mecanismos através
dos quais a população local possa ser envolvida na sua própria administração e
pelos quais possa aprender as regras de funcionamento desses aparelhos
governativos e, mais tarde, exercer essa governação.
Está consagrado no mandato das administrações internacionais a participa-
ção da população local – feita em moldes que vão desde a consulta até à
participação nas estruturas criadas – em nome dos quais a operação é montada.
A construção de capacidades institucionais para essa participação é fulcral para
a viabilização da operação, bem como para o seu sucesso a longo prazo.
Em Timor-Leste a actuação do Administrador Transitório que mal chega-
do ao território tratou de encetar mecanismos de consulta com o líder do
CNRT – o parceiro local escolhido – levou a que os seus poderes indisputados e
sem precedentes, fossem exercidos de forma balanceada com uma participação
local.
Esta ligação da UNTAET com o movimento que havia liderado e personifica-
do a resistência do povo maubere suscita-nos outras reflexões conexas: (i) em
primeiro lugar a importância do envolvimento o mais cedo possível dos parcei-
ros locais, (ii) a escolha desses parceiros (que deverá ser cuidadosa e de forma a
abranger as várias sensibilidades) e (iii) a adequação da missão planeada à
situação concreta (o que pressupõe que o mandato seja visto como flexível e
adaptável).
O envolvimento dos parceiros locais é crucial para a execução do mandato
e para a própria legitimidade da missão. É em nome desses que a administração
é exercida e, por conseguinte, seria contraditório em essência não os incluir nas
próprias estruturas administrativas. São eles quem conhecem os costumes, tradi-
ções, cultura e projecto do povo em causa. Já a escolha do interlocutor poderá
ser problemática, em especial quando no terreno existem actores com agendas
políticas distintas e, por vezes, competidoras. Mas em Timor-Leste o contexto era
favorável à UNTAET. A missão era querida pela população, o CNRT era reconhe-
cido, com algumas poucas excepções, como o legítimo representante das aspira-
ções da população e, em consequência, a escolha de Vieira de Mello foi facilitada.
A criação de um Conselho Consultivo Nacional como um governo sombra da
330 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
UNTAET, a sua posterior substituição pelo Conselho Nacional e a instituição da
ETTA – da Administração Transitória Timorense – são sinais dessa timorização do
processo, que não ocorreu sem críticas.
Alguns críticos de Vieira de Mello não hesitaram em dizer que o RESG era
apenas reactivo, que a timorização se ia fazendo por vagas à medida que as
manifestações da população local junto do Palácio do Governador – a sede da
UNTAET – se iam tornando incontornáveis67.
A participação local permitiu, também, efectuar uma correcção in locco de
algumas lacunas do planeamento da missão.
7.5. A Reconstrução Económica, Actividades de ordem pública eassistência humanitária
Do mandato das administrações internacionais consta sempre o melhora-
mento da situação económica dos habitantes do território. Essa reconstrução
significa reabilitar as estruturas existentes e que possam ser reconvertidas, re-
construir o que ficou destruído (em Timor-Leste o grau de destruição pós-
-conflito era de mais de 50%), e delinear um plano de desenvolvimento humano
sustentável. Uma tarefa tão formidável quanto difícil.
A falta de altos quadros locais que pudessem assumir as principais respon-
sabilidades na administração pública bem como nos processos de reconstrução
e desenvolvimento encetados pela administração internacional, e que resulta-
ram de anos de negligência nos sistemas educativos quer de Timor-Leste, atrasa-
ram não só o processo de envolvimento da população local, como o próprio
processo de desenvolvimento. Tudo tinha que ser importado – até os quadros
técnicos.
A quando da concepção do mandato das operações tem que se ponderar se
irá reabilitar as infra-estruturas destruídas ou negligenciadas ou se irá provocar
67 Entrevistas da autora com timorenses e com ex-funcionários da UNTAET, em Díli e em
Darwin.
331colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
modificações no próprio tecido produtivo e na maneira do povo encarar a sua
economia68. Uma alternativa deste tipo gerará, inevitavelmente, acusações de
ingerência; a reabilitação do statu quo poderá, pelo outro lado, suscitar alguma
preocupação em torno do reacender do conflito.
Em Timor-Leste esta dicotomia pareceu-nos omnipresente. Mesmo os altos
funcionários do PNUD, com a sua abordagem humana e sustentável, admitiam
(em privado) que tinham dificuldades em explicar às populações porquê é que
elas tinham que alterar a forma como encaravam a sua subsistência e a economia
da nação. De facto, a implementação de um modelo de desenvolvimento susten-
tável passa, não rara vez, por uma pedagogia prévia de governantes e governa-
dos, assumindo, como assume o PNUD, que as pessoas têm que ser preparadas
para serem produtivas e para poderem participar do seu próprio processo de
desenvolvimento.
A reposição da lei e da ordem pública é uma actividade tradicional da recons-
trução pós-conflito clássica, bem como a reintegração de refugiados e pessoas
internamente deslocadas. O facto de todas as intervenções das Nações Unidas até
há pouco tempo terem um carácter mais reactivo do que preventivo, faz com que
a dimensão auxílio humanitário esteja presente em todo o espectro das opera-
ções levadas a cabo.
Em sede de reposição da lei e ordem pública, as missões actuais têm um
mandato claro que vai desde a supervisão até à formação de uma polícia local.
Casos há em que a administração internacional pode até desempenhar a respon-
sabilidade primeira pelo policiamento; aí, a CIVPOL (a Polícia Civil das Nações
68 KRISHNA KUMAR acredita que após conflitos violentos a sociedade deverá ser preparada
para avançar numa direcção totalmente diferente, num processo de reconstrução para décadas.
In KRISHNA KUMAR (org.), Rebuilding Societies after civil war. Critical roles for International Assistance,
Lynne Rienner Publishers, Boulder, 1997, p. 2. Mónica Rafael Simões partilha da mesma opinião
afirmando que a situação de reconstrução pós-conflito deveria ser encarada como uma oportunida-
de para empreender reformas políticas, sociais e económicas, ultrapassando tensões e
vulnerabilidades existentes previamente e facilitando o caminho para um desenvolvimento mais
sustentável. MÓNICA RAFAEL SIMÕES, A Agenda Perdida da Reconstrução Pós-Bélica: O caso de Timor-
-Leste, Quarteto, Coimbra, 2002, p. 25.
332 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Unidas) é a própria polícia69. Quando acontece ser a administração internacional
a autoridade executiva de policiamento, a CIVPOL é auxiliada pelos capacetes
azuis, juízes e procuradores internacionais especialistas em direitos humanos
destacados para o terreno.
A averiguação das alegadas violações de direitos humanos que sempre
acontecem em cenários de conflito, frequentemente cometidas pelas próprias
autoridades locais que estavam investidas com a responsabilidade pelo policia-
mento, é outra das áreas fundamentais do mandato destas operações, sobretudo
das mais complexas como a UNTAET.
Como nos diz Caplan, a eficácia desta componente está directamente ligada
a quatro factores: (i) o grau de prontidão; (ii) os recursos disponíveis; (iii) o mandato;
(iv) o grau de apoio das forças de segurança internacionais destacadas no terreno70.
A questão da prontidão é abordada por Brahimi no relatório sobre as
operações de paz a que nos temos referido. Reconhecendo que a falta de
prontidão dos Estados contribuidores com forças provoca o destacamento tardio
dos recursos necessários e que este gera dificuldades no pronto cumprimento
do mandato (as Nações Unidas demoram três vezes mais que o necessário a
montar uma operação), é recomendado que os acordos de prontidão (stand-by
arrengements)71 sejam concretizados e que se crie uma lista de cerca de 100
oficiais militares de serviço (on-call) disponíveis num prazo máximo de 7 dias.
Estes militares, treinados em como montar uma operação de paz, seriam cruciais
para o planeamento levado a cabo pelo DOMP72.
E se esta questão se tem posto ao nível da cedência de recursos militares –
que em muitos casos são profissionalizados e em número suficiente para que
possam ser destacados para uma missão internacional sem que daí resulte
69 A este propósito ver especialmente: NASSRINE AZIMI, (dir.) The Role and Functions of Civilian
Police in United Nations Peace-Keeping Operations: Debriefing and Lessons, Kluwer Law International,
Londres, 1996.70 RICHARD CAPLAN, op. cit., pp. 31-3671 Ver o Sistema de Acordos de Prontidão das Nações Unidas (United Nations Standby
Arrengements System (UNSAS) in www.un.org/Depts/dpko/milad/fgs2/unsas_files/sba.htm.72 A/55/502, para.93 e seguintes.
333colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
qualquer ruptura para os serviços nacionais – quando se trata de polícia o
problema da prontidão é ainda maior.
Os países que fornecem polícias para as missões internacionais não têm
uma capacidade policial de reserva que possam dispensar de imediato; a maior
parte destes homens estão envolvidos na comunidade e, logo, retirá-los signifi-
caria rupturas no próprio serviço de polícia nacional. É por esta razão que alguns
têm defendido que as Nações Unidas, ou a comunidade internacional, deveriam
ter uma força de polícia internacional com um elevado grau de prontidão, já que
é difícil esperar-se que os militares desempenhem o trabalho policial. Outro dos
problemas que acresce a este é o facto de o recrutamento de polícias só poder
começar depois de autorizada a missão73. Mais ainda, há que ponderar que
mesmo quando essa disponibilidade existe, os polícias poderão não ter as
qualificações necessárias. Uma das áreas em que se nota esta falta de qualifica-
ções é no domínio de línguas74. E foi o que aconteceu, por exemplo, com os
polícias portugueses que foram para Timor-Leste, pois muitos deles não falavam
inglês, nem nenhuma das línguas faladas localmente.
A falta de qualificações em áreas como as línguas, como os padrões de direitos
humanos internacionalmente reconhecidos (que enformam a missão), como a
estrutura das operações internacionais, agravam uma situação que no início de
qualquer missão é já de per si caótica pela falta crónica de pessoal e de recursos
logísticos. As qualificações exigidas nos processos de recrutamento regulares –
73 No Kosovo, por exemplo, só depois de ter sido decidido que seriam as Nações Unidas a
exercer a responsabilidade primeira pelo policiamento e não a OSCE, como foi discutido, se deu
início ao processo de recrutamento. Isto significou que 5 meses depois do destacamento da UNMIK,
a missão dependia em 3 das suas 5 regiões operacionais totalmente dos militares da KFOR para a
garantia da segurança pública. In ASSEMBLEIA da UEO, “International Policing in South Eastern
Europe,” Report of the Political Committee, C/1721, 15 de Novembro de 2000, para. 40.74 A falta de domínio de uma língua estrangeira significa, muitas vezes, que a cadeia de
informação é cortada ou pelo menos demasiadamente demorada. Um dos exemplos quase caricatos
que é usado para ilustrar esta necessidade de uma língua de trabalho comum é o de muitas vezes
os polícias receberem ordens escritas ou manuais sobre o manuseamento de armamento em língua
inglesa e não serem capazes de os compreender, tornando a acção impossível.
334 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
tiro, condução e domínio da língua inglesa – não são suficientes para lidar com
cenários de intervenção/administração tão complexos como o de Timor-Leste.75
A desmilitarização é outra das tarefas de manutenção da lei e da segurança
internas. Em Timor-Leste não havia propriamente um problema de desarmamen-
to da população civil, embora se tratasse de um povo que há mais de 25 anos
lutava contra a ocupação por uma potência estrangeira e em que a palavra de
ordem era resistência. O problema que persistia era as armas que estavam na
posse das milícias pró-indonésias, que depois da entrada da INTERFET actuavam
do lado ocidental da Ilha.
A reintegração dos ex-combatentes das FALINTIL, o braço armado do movimen-
to de resistência timorense, foi pensada como o ponto de partida para a criação
das forças armadas nacionais timorenses. Mais uma vez seguia-se o modelo usado
no Kosovo; porém, essa integração demorou cerca de um ano, o que suscitou um
enorme descontentamento e frustração entre a população em geral e entre os ex-
-guerrilheiros em particular. Parece-nos que, mais uma vez, foi o apego ao princípio
da neutralidade que impedia o reconhecimento claro do CNRT como o principal
interlocutor da Missão e o seu braço armado como os legítimos representantes do
povo timorense, que atrasou a criação da Força de Defesa de Timor-Leste, compos-
ta no essencial pelos ex-guerrilheiros das FALINTIL76.
75 Existem já algumas propostas sobre os elementos essenciais à formação de uma CIVPOL
eficiente. Entre elas encontrámos: Os países que fornecem elementos para a CIVPOL deverão estar
preparados para o trabalho a realizar; essa preparação inclui treino físico, domínio de línguas, um
mínimo de 5 anos de experiência profissional, mais de 25 anos de idade e um mínimo de treino
táctico; O treino prévio que deverá ser dado em cada país de origem poderia revestir o modelo de
um curso padronizado internacionalmente e com duração de duas semanas; A CIVPOL deverá estar
totalmente equipada; A CIVPOL deverá ser parte da missão, mas apenas uma das componentes.
Assim, não deverá ser incorporada na compp0onnete militar; O acompanhamento do desempenho
da missão e a realização de relatórios de avaliação dos elementos da CIVPOL deverá ser uma prática
generalizada. Cf. JURGEN REINMANN, op. cit., pp. 110-111.76 UNTAET/REG/2001/1, 31 de Janeiro de 2001. Os soldados das FALINTIL que ainda não se
tivessem juntado à FDTL seriam reintegrados pelo Banco Mundial e pela Organização Internacional
de Migrações, in IOM, East Timor – Reinsertion of Former Combatants, IOM Briefing Notes, 2 de
Fevereiro de 2001.
335colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A reinstalação de refugiados e pessoas internamente deslocadas77 é outra face
da reconstrução pós-conflito. E em Timor-Leste o retorno dos refugiados foi um
dos problemas mais prementes graças quer à actividade de intimidação das
milícias pró-indonésias que actuavam em Timor Ocidental, graças às dificuldades
de reconciliação nacional em Timor-Leste. Uma destas dificuldades resultava da
solução das disputas relativas à posse da terra e da propriedade. Além dos
entraves ao investimento – como já referimos – o facto de a UNTAET ter decidido
que o direito de propriedade seria um assunto que os próprios timorenses,
depois da independência, deveriam tratar, atrasou o processo de reinstalação.
A criação da Comissão para o Acolhimento, Reconciliação e Verdade (CARV),
ao patrocinar a reconciliação e reconstrução comunitária, veio prestar um
contributo fundamental para a reintegração dos refugiados e pessoas interna-
mente deslocadas nas suas comunidades de origem.
7.6. Mecanismos de responsabilização
As administrações internacionais, tais como os mandatos e a tutela antes
deles, derivam a sua legitimidade em parte da noção de confiança78; uma confi-
ança fiscalizada pela SdN e pela ONU, no caso destes dois últimos. O problema
que se nos coloca agora é perante quem é responsável a administração directa
das Nações Unidas? Quando as Nações Unidas são o governo respondem peran-
te que autoridade?79 E no caso de Timor-Leste em que os poderes do RESG eram
de tal forma formidáveis que Vieira de Mello “era a lei.80”
77 Ver nosso, Reintegração de ex-combatentes, refugiados e pessoas internamente deslocadas,
para Portugal MUN 2003, Dezembro de 2003, disponível in http://portugalmun.iscsp.utl.pt78 DIETRICH RAUSCHNING, in BRUNO SIMMA (ed,), op. cit., pp. 933-4. Veja-se, por exemplo, que
tutela em inglês trusteeship deriva do radical trust – confiança.79 “As Nações Unidas como governo” tem sido uma ideia muito veiculada, sobretudo no
seguimento das operações no Kosovo e em Timor-Leste. Expressões como UN State ou UN statehood
ou, ainda, UN sovereignty entraram na literatura, em franco desenvolvimento, sobre a matéria.80 SIMON CHESTERMAN, The United Nations as Government: Accountability Mechanisms for
Territories under UN Administration, op. cit, rascunho do autor, p. 2; Ver, também, SIMON CHESTERMAN,
336 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Vieira de Mello era a lei mas era também responsável perante as Nações
Unidas, perante o SG e o CS, em última instância. Porém, a imagem de impuni-
dade sempre persistiu a despeito dos esforços de criação de mecanismos de
responsabilização. Em Timor-Leste foi nomeado um Provedor em Setembro de
2000 de forma a garantir um mínimo de transparência e responsabilização das
administrações exercidas81; havia ainda um segundo mecanismo de responsabili-
zação: o Inspector-Geral82. Esta figura resultou de uma exigência do CNRT de se
estabelecer um organismo timorense para verificar o uso de fundos do Trust Fund
para Timor-Leste administrado pelo Banco Mundial.
A responsabilização local da missão estava também prevista, embora de
forma limitada, através de um escrutínio local conforme os Regulamentos 2000/
23 e 2000/24, ambos de 14 de Julho.
O Gabinete podia chamar os responsáveis pela Administração Transitória de
Timor-Leste (ETTA), o governo nascente, para fornecerem qualquer “informação
necessária e pertinente”, e o Conselho Nacional poderia solicitar aos membros do
Gabinete que comparecessem perante si. Como a ETTA era uma instituição
distinta da UNTAET – embora tivessem competências sobrepostas e houvesse
uma partilha de pessoal durante o período de transição – a UNTAET não estava
sujeita a qualquer grau de escrutínio local institucionalizado (apenas à opinião
dos administrados). Assim o princípio da responsabilização aplicava-se à missão
apenas perante a ONU.
Ombreando com o princípio da responsabilização está o princípio da trans-
parência. Se as Nações Unidas eram o Governo, tinham que ser um governo
democrático como o que queriam preparar para os timorenses; logo, as suas
decisões e procedimentos, além de estarem sujeitos à lei, tinham que ser trans-
parentes. Apenas a transparência dos actos adoptados permitiria à população
You, The People, The United Nations, Transitional Administration, and State-Building, Oxford University
Press, Oxford, 2004, esp. ‘Consultation and Accountability: Building Democracy Through Benevolent
Autocracy,’ pp. 126-152.81 Os provedores podem ouvir as queixas contra todos os funcionários (internacionais e locais),
mas a sua jurisdição está limitada a abusos de autoridade em matérias de direitos humanos.82 UNTAET/REG/2000/34, 16 de Novembro.
337colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
local responsabilizar a missão. E aqui os problemas eram agravados pelo facto de
as estruturas interinas de governação montadas pelas administrações transitó-
rias serem muito complexas e muitas vezes as decisões adoptadas serem incom-
preensíveis para os locais. Assim, é crucial o estabelecimento de canais de
comunicação entre administradores e administrados; de facto, as operações de
paz, não obstante o seu tipo, levam sempre para o terreno departamentos de
comunicação e informação pública e várias outras formas de comunicar com a
população local com o fito de granjear o seu apoio e colaboração.
Vieira de Mello reconhecendo a importância desta comunicação, numa
primeira fase, preocupou-se com informar a população local sobre quem eram,
ao que vinham e como eles (os timorenses) poderiam participar no processo.
Porém, o estado das infra-estruturas de comunicação não lhe permitiu dar início
a esse contacto; assim, a reconstrução/reabilitação de emergência das antenas
retransmissoras foi definida como uma prioridade83.
7.7. A aplicação da Justiça
A garantia da ordem pública e da segurança interna, significam mais do que
ter forças policiais visíveis, apoiadas ou por forças de manutenção da paz; a
garantia dessa segurança passa por estabelecer o Estado de Direito, um sistema
judicial efectivo que seja capaz de realizar julgamentos justos e imparciais.
A nomeação de juízes internacionais que podem seleccionar os casos em
que se vão envolver – e serão sempre os casos mais graves – permite efectuar
algum controlo sobre os abusos de poder. E embora em algumas missões haja
resistência a essa nomeação84, os juízes internacionais acabam por ser garantes
de transparência e imparcialidade85.
83 Entrevista da autora a Sérgio Vieira de Mello em Díli.84 Como foi o caso da Missão Interina das Nações Unidas no Kosovo em que a nomeação de
juízes internacionais suscitou uma profunda contestação.85 Ver HANSJÖRG STROHMEYER, “Collapse and Reconstruction of a Judicial System: The United
Nations Mission in Kosovo and East Timor,” The American Journal of International Law, Vol. 95:46, 2001,
338 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Em Timor-Leste, o UNTAET/REG/2000/11, de 6 de Março de 2000, permite a
nomeação de juízes internacionais ao lado de juízes timorenses para ouvirem os
casos de crimes mais graves. E o UNTAET/REG/2000/15, de 6 de Junho de 2000
cria Câmaras com Jurisdição Exclusiva sobre Delitos Criminais Graves.
Porém, permanece uma questão prévia interessante: qual é a lei aplicável?
A falta de um código penal interino, por exemplo, que possa ser aplicado pelas
administrações transitórias é um dos desafios às mesmas, identificados no Rela-
tório Brahimi86. O problema da lei aplicável, como nos diz Brahimi, coloca-se,
sobretudo, quando a lei anteriormente em vigor no território é vista pela popu-
lação como inaceitável, ou quando a população local se sente vitimizada por essa
lei.
Uma outra questão curiosa é a seguinte: se a lei é tida como inaceitável, ou
na eventualidade de ser aceitável, se a mesma não está em conformidade com os
padrões de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, que lei deverá
ser aplicada? Ou mesmo na eventualidade de ambas as condições prévias se
reunirem: (a aceitabilidade da lei anterior e a sua consonância com as normas de
direitos humanos internacionalmente reconhecidas), o pessoal envolvido na
administração internacional (polícias, juízes, procuradores e advogados respon-
sáveis pela sua aplicação) poderá não estar familiarizado com a mesma.
O Relatório Brahimi enuncia esta como uma questão premente, dedicando-
-lhe uma recomendação especial.
pp. 46-63; e SIMON CHESTERMAN, Justice Under International Administration: Kosovo, East Timor and
Afghanistan, op. cit., p. 7. ver, também, SIMON CHESTERMAN, You, The People, The United Nations,
Transitional Administration, and State-Building, Oxford University Press, Oxford, 2004, esp. ‘Justice and
Reconciliation: The Rule of Law in Post-Conflict Territories’ pp. 154-183.86 Brahimi destaca o problema do Código Penal pois quando o Relatório em causa foi redigido
as missões mais mediáticas eram as do Kosovo e de Timor-Leste e que haviam motivado interven-
ções internacionais de uma magnitude assinalável pela urgência e dimensão das crises humanitá-
rias. Assim, face às mesmas, uma das prioridades era pacificar a região e começar a punir os
responsáveis pelas atrocidades registadas.
339colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Nos dois locais em que as Nações Unidas têm agora responsabilidade
pela aplicação da lei, a capacidade local judicial e jurídica era inexistente,
fora de prática ou sujeita a intimidação por elementos armados. Para
além disso, em ambos os locais, a lei e os sistemas jurídicos prevalecen-
tes antes do conflito eram questionados ou rejeitados pelos grupos
chave considerados vítimas desses conflitos87.
E o Relatório prossegue dizendo que, mesmo que a escolha por um código
local fosse clara (e aceitável), a equipa da missão responsável pela aplicação da
justiça teria que aprender esse código, e os seus procedimentos, suficientemente
bem para instruírem e julgarem os casos em tribunal. As diferenças linguísticas,
culturais, de costumes ou de experiência implicariam que essa aprendizagem
demorasse seis meses ou mais. Ora uma missão de administração internacional
não pode efectuar um interregno de seis meses, enquanto aprende a lei, na
administração da justiça. Sítios onde tenha havido graves conflitos – como o
Kosovo e Timor-Leste – necessitam de uma intervenção imediata. É preciso
começar desde o primeiro dia a repor a lei, a ordem; e isso só se faz com um
aparelho judicial pronto a funcionar. Caso contrário “[as] facções políticas locais
mais poderosas poderão aproveitar-se do período de aprendizagem para insta-
larem as suas próprias administrações paralelas, e os sindicatos do crime de boa
vontade explorarão quaisquer vazios legais ou de aplicação da justiça que
possam encontrar88.”
Em Timor-Leste o RESG, logo no seu primeiro Regulamento, identifica a lei
vigente em Timor-Leste: a lei indonésia. Foram apenas mantidas as leis que
não en-trem em conflito com as normas de direitos humanos internacionalmen-
te reconhecidas89, nem com o mandato da UNTAET, nem com o Regulamento
1999/1 e com outros regulamentos e directivas emitidas pelo Administrador
Transitório.
87 A/55/305, S/2000/809, para. 7988 A/55/305, S/2000/89, para. 80.89 Ver artigo 2, do UNTAET/REG/1991/1.
340 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Mas à semelhança do que havia acontecido no Kosovo, em Timor-Leste a
situação não estava terminada, como nos mostram os acontecimentos mais
recentes. Grande parte dos problemas suscitados, ficam a dever-se à lentidão
com que o sistema judicial foi posto em marcha e que, em última análise,
minaram a confiança do povo no Estado de Direito.90
Para facilitar a componente de aplicação da justiça e instituição de um
sistema judicial independente e imparcial, e criar confiança no Estado de Direito,
o Relatório Brahimi diz que, se existisse um pacote de justiça das Nações Unidas,
permitir-se-ia à missão aplicar um código jurídico interino para o qual o pessoal
da missão houvesse sido pré-treinado, enquanto a questão da “lei aplicável” era
decidida. E recomenda, para o efeito, que seja constituído um painel internacio-
nal que estude a viabilidade da elaboração de um código interino – um “código
modelo” – que sistematizasse os princípios, linhas de orientação, códigos e
procedimentos contidos nas várias dezenas de convenções e declarações inter-
nacionais relativas aos direitos humanos, ao direito internacional humanitário, e
aos princípios orientadores para os sistemas de polícia, de procuradoria e penal,
com as adequações regionais eventualmente necessárias. A conciliação da justi-
ça tradicional com os padrões internacionais é outros dos desafios que não
podem ser ignorados91.
Esse estudo deveria ter em vista a criação de um tal “código modelo” que
contivesse o essencial sobre a lei e procedimentos aplicáveis que permitissem a
uma operação aplicar o processo justo (due processs) recorrendo a juristas interna-
cionais e a normas internacionalmente reconhecidas para crimes graves tais
como homicídio, violação, fogo posto, rapto e assalto agravado. Tudo isto en-
quanto o restabelecimento da capacidade local fosse preparado.
90 SIMON CHESTERMAN, Justice Under International Administration: Kosovo, East Timor and
Afghanistan, op. cit, p. 9.91 William Kirk e Mark Plunkett identificam os ingredientes que os tais pacotes de justiça
deverão ter e que, na senda do Relatório Brahimi, vão desde um código penal e de processo penal
até às leis anti-corrupção. Cf. WILLIAM KIRK e MARK PLUNKETT, “Justice Package for Peace-Keepers,”
in NASSRINE AZIMI (dir.), The Role and Functions of Civilian Police…, op. cit., p. 203
341colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
O direito de propriedade, reconhece o Relatório92, provavelmente teria que
ficar de fora de tal “modelo” mas pelo menos a missão deveria poder julgar
eficazmente os que deitaram fogo às casas dos seus vizinhos, enquanto as
disputas sobre propriedade estivessem a ser tratadas93.
A reconstrução de infra-estruturas para o sistema judicial é outra das inúme-
ras tarefas com que as administrações internacionais têm que lidar. Em casos
como os do Kosovo e os de Timor “um dos passos cruciais para reconstruir os seus
sistemas judiciais era a reconstrução física das infra-estruturas judiciais, incluindo
os edifícios dos tribunais e os gabinetes94.” Em Timor-Leste “[u]ma prioridade
menos óbvia nos primeiros meses da operação era a construção de instalações
correccionais95.” Mas quando esta se tornou uma necessidade pois a falta de
espaço começava a pôr em causa a capacidade da Missão em deter os acusados
de crimes, um grande obstáculo foi a relutância dos doadores em financiarem a
construção de prisões.
7.8. A estratégia de saída
O envolvimento das Nações Unidas nestas administrações internacionais
deverá ser percebido sempre como um processo contínuo. E embora os manda-
tos das missões prevejam os seus quadros temporais estes são, com frequência,
demasiadamente apertados para serem sequer realistas. A renovação constante
dos mandatos é, pois, consequência desta incapacidade de prever pragmatica-
mente a duração do envolvimento da Organização nos territórios administrados.
Mas este pragmatismo tem que enfrentar o realismo dos interesses dos Estados
92 A/50/305, S/2000/809, para. 81.93 Sobre a Política de Terras, e propriedade, especialmente em Timor, ver DANIEL FITZPATRICK,
“Land Policy in Post-Conflict Circumstances: Some Lessons from East Timor,” in The Journal of
Humanitarian Assistance, 24 de Novembro 2001, in www.jha.ac/articles/2074.htm94 HANJÖRG STROHMEYER, op. cit., p. 57.95 SIMON CHESTERMAN, op. cit., p. 8.
342 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
que a Organização apenas veicula. De facto, os Estados são relutantes em
admitirem à partida envolvimentos longos, desde logo porque estas operações
são hiper dispendiosas. Em favor deste argumento vem o facto os Estados terem
entregue as operações de administração internacional e de eventual construção
de Estados à Organização das Nações Unidas quando no pós-II Guerra Mundial os
Estados Unidos, por exemplo, assumiram com grande voluntarismo tarefas co-
lossais nesse campo96.
Mas o mais importante aqui é discutir, não o tempo previsto, mas a percep-
ção de qual é o tempo de saída. As Nações Unidas têm usado a realização
de eleições como estratégia de saída; de facto, as eleições são vistas como o
ponto focal do envolvimento internacional.97 A realização de eleições não
significa a reconciliação nacional, mesmo quando decorrem de forma democrá-
tica; e não é raro o reacender dos conflitos após a realização de eleições,
sobretudo quando existem no terreno facções com agendas políticas muito
divergentes e quando as causas do conflito não foram devidamente trata-
das. Como as administrações internacionais têm tido um envolvimento significa-
tivo na realização de eleições – em alguns casos estabelecendo mesmo a lei
eleitoral – à partida poderá parecer que a garantia do estabelecimento de
mecanismos de participação política conduzirá à paz. A realidade tem desmen-
tido esta premissa.
Assim, as eleições não podem marcar a hora da saída; esta deverá ser
faseada, com uma transferência rápida mas responsável da autoridade para os
administrados. Não se trata de perpetuar as administrações internacionais com
o argumento de que o povo não está preparado para se governar – este foi o
argumento usado pelas potências colonialistas para manterem os seus Impérios
e as Nações Unidas não pretendem ser uma nova potência colonial.
96 Ver o envolvimento dos Estados Unidos da América no pós II Guerra Mundial na administra-
ção da Alemanha e do Japão, in JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s Role in Nation-Building, From
Germany to Iraq, op. cit., pp. 3-53.97 JANET E. HEININGER, Peacekeeping in Transition: The United Nations in Cambodia, Twentieth
Century Fund Press, Nova Iorque, 1994, p. 38
343colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Além deste faseamento da saída é fundamental deixar no terreno mecanis-
mos de acompanhamento; é importante para a população local a mensagem de
que não vão ser abandonadas98, é importante para o sucesso da missão.
Se as Nações Unidas pretenderem voltar a executar missões do alcance das
que temos analisado é crucial que destaque para o terreno mecanismos de
acompanhamento que permitam a detecção dos erros bem como das
potencialidades. Este acompanhamento é feito por estruturas da ONU – missões
sucessórias com poderes mais reduzidos99, por exemplo – mas pode também ser
levado a cabo pelas Organizações Não-Governamentais – o mais frequente – e
poderá constituir um excelente campo de trabalho para as Organizações Regio-
nais.
Nesta linha surge a avaliação de resultados. A avaliação de resultados em
política externa é uma tarefa, por regra, inconclusiva. O cumprimento do mandato
não significa o cumprimento dos objectivos da missão; isto é, se uma missão tem
como objectivo construir um Estado, quando a independência desse Estado é
declarada poder-se-á considerar a missão bem sucedida? E se a missão tiver
apenas criado um Estado à beira do falhanço (approaching the brink of failure100)?
Na impossibilidade de fazermos futurologia, podemos contudo analisar o que a
prática dos territórios administrados nos tem mostrado. E podemos recomendar
que as Nações Unidas recorreram de forma sistematizada ao método lições apren-
didas, mas, doravante, prevendo implicações concretas na organização e gestão
das futuras operações. A constituição de uma memória institucional, feira depósito
de experiências, não só permitirá cortar etapas no planeamento – pois poder-se-
-á recorrer a fórmulas previamente validadas ou refutadas – como optimizar os
recursos – em termos de pessoal dedicado ao planeamento e pessoal enviado para
o terreno, bem como em termos de logística – e ainda conseguir níveis de
98 Recorde-se, a este respeito, que uma das mensagens fundamentais que a UNAMET tentou
veicular em Timor-Leste era a de que a Organização não abandonaria os timorenses depois da
realização da consulta popular.99 A UNMISET em Timor-Leste é um exemplo deste acompanhamento pela Organização.100 ROBERT I. ROTBERG, op. cit., p. 91.
344 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
eficiência mais aceitáveis – neste momento o binómio custos/resultados das
operações de paz das Nações Unidas é altamente desfavorável à acção.
É agora reconhecido pelos próprios altos quadros das Nações Unidas que a
falta de uma memória colectiva gerou situações como o facto de o Kosovo ter
recebido a operação que deveria ter sido planeada para a Bósnia, quatro anos
antes; Timor-Leste recebeu a que deveria ter sido enviada para o Kosovo e o
Afeganistão é hoje abordado com uma perspectiva completamente diferente de
light footprint que tem os contornos do que Brahimi considera terem sido os
adequados a Timor em 1999.
7.9. Resistências
A tese do acidente histórico que tem gravitado em torno das administra-
ções internacionais de governação directa resulta do reconhecimento do carác-
ter mais-que-excepcional das mesmas, mas também da própria resistência
de alguns agentes em se envolverem nestas missões muito complexas, muito
caras, muito demoradas e cujo apuramento de resultados revela sempre
falhas.
De facto, quando a tarefa é administrar um território exercendo um amplo
leque de competências, tendo que dar respostas a todas as necessidades de uma
população – quer necessidades de emergência, quer de desenvolvimento huma-
no a longo prazo – tendo que dosear de forma equilibrada e responsável a
transferência da autoridade para as capacidades políticas locais que tem que
construir, lidar com as contestações, com as limitações, com a falta crónica de
recursos, facilmente se compreende que determinados actores denunciem a sua
indisponibilidade para posteriores envolvimentos.
Os Estados Unidos da América – envolvidos em operações de administração
internacional e, dentro destas, em algumas de construção de Estados101 – reve-
101 Ver JAMES DOBBINS, [e tal.], America’s Role in Nation-Building…, op. cit. Dobbins faz uma
análise detalhada do envolvimento norte-americano unilateralmente ou em coligação numa varie
345colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
laram, nos últimos anos, uma relutância insuspeita em continuarem a envolver-
-se nas operações hiper-complexas que temos estado a descrever. As declara-
ções de Condoleeza Rice afirmando que os soldados norte-americanos, com uma
formação de milhares de dólares, presentes na Bósnia não estavam lá para
escoltar crianças para os infantários revelam a incapacidade em se envolverem a
longo prazo nas tarefas de uma administração transitória que incluem o policia-
mento, até de crianças a caminho da escola.
Mas a posição norte-americana não é única. Destacámos esta por ser um
Estado com uma relevância internacional evidente e também por terem estado
envolvido na génese de muitas operações de construção de Estados. O que está
aqui evidenciado é a inadequação dos Estados – isoladamente ou em coligações
– para as tarefas implicadas na administração transitória de territórios. Estas impli-
cam um envolvimento longo (demasiadamente longo para uma avaliação de
resultados que, na maioria dos Estados se faz periodicamente por alturas eleitorais)
o que é incompatível com a afirmação suprema do interesse nacional – avaliado a
curto prazo. A subjugação dos objectivos da política externa aos imperativos do
interesse nacional faz dos Estados maus construtores de Estados102.
A análise leva-nos a concluir que, a realizarem-se mais operações das do tipo
estudado, a responsabilidade terá que ser assumida por Organizações Interna-
cionais, mormente pelas Nações Unidas, embora as organizações regionais pre-
sentes no Kosovo tenham mostrado apetência, capacidade e empenho efectivo
no preenchimento dos Pilares que lhes foram atribuídos.
Porém, como já o referimos, esta posição está longe de ser consensual. Além
de declarações de altos funcionários que classificam estas operações como
acidentes históricos, de posições críticas que vêem estas operações como
intrusões neo-colonialistas, como inadequadas às realidades locais por terem
sido preparadas em Nova Iorque, o próprio Relatório Brahimi abre a discussão ao,
dade de operações de administração internacional, dando grande destaque às administrações pós-
-II Guerra Mundial.102 SIMON CHESTERMAN, “From Kabul to Baghdad: Unfinished Business,” In In The National
Interest, 30 de Outubro de 2002, disponível in www.inthenationalinterest.com
346 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
depois de descrever as enormíssimas tarefas das administrações transitórias
civis, perguntar se as Nações Unidas deveriam de todo desempenhar estas
tarefas? Se as Nações Unidas deveriam sequer assumir estas competências?
A não reflexão poderá levar a que cada futura operação seja mais um
plano de contingência preparado de raiz, o que demora demasiado tempo,
implica a afectação de mais recursos e diminui a eficiência e prontidão da
resposta.
8. Conclusão
[Na década de 1990] o mundo regressou à ONU para ali encontrar um
deserto de recursos, de logística, de experiência, mas em todo o caso para
encontrar um valor institucional que é o da legitimidade103.
Adriano Moreira
De facto, a década de 1990 significou o regresso da comunidade às Nações
Unidas em busca da legitimidade, cujo monopólio a Organização considera seu.
Um regresso que ficaria marcado pela reassunção, mas em moldes inesperados,
de poderes que a Organização havia, timidamente, ensaiado. Porém, nada fazia
prever que as Nações Unidas desempenhariam competências que até à altura
tinham permanecido, no sistema jurídico internacional contemporâneo, reserva-
das exclusivamente aos Estados soberanos. O resultado foi que em Timor, as
Nações Unidas exerceram um poder de agir, de administrar insuspeito: elas
foram no terreno, na prática quotidiana e para efeitos de representação interna-
cional dos territórios administrados, a entidade soberana.
Na retórica justificativa de tais operações, com a magnitude das administra-
ções internacionais transitórias civis das Nações Unidas, o argumento usado foi
o humanitário. Mais uma vez era o tempo das esperanças, pois a ser verdade este
103 ADRIANO MOREIRA, Prefácio a Estudos da Conjuntura Internacional, Lisboa, Publicações Dom
Quixote, 1999, p. 18.
347colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
argumento traduzia uma inflexão das preocupações de Estados e Comunidade
Internacional. Porém, parece-nos que, ombreando com o argumento humanitá-
rio como uma característica importante das relações internacionais, estava o
facto de os Estados individuais e a Comunidade Internacional reconhecerem a
sua incapacidade (e falta de vontade) em darem uma resposta adequada às
crises, conflitos e colapsos de Estados. Nesta linha foi sintomático que as opera-
ções mais complexas tenham sido estabelecidas em 1999, na sequência de
violência que deixou um vazio administrativo.
A questão amiúde levantada da legitimidade destas administrações transi-
tórias é respondida pelos próprios objectivos inscritos na Carta das Nações
Unidas. Senão vejamos o seguinte raciocínio: a Carta foi escrita em nome dos
‘Povos das Nações Unidas’; logo, sempre que a Organização actuar em nome
desses Povos, em nome da autodeterminação desses Povos, mesmo que o faça
recorrendo a mecanismos não explicitamente consagrados na Carta (como o são
as operações de paz) está legitimado o valor em nome do qual actuam. O recurso
ao regime internacional de tutela que, embora em desuso, faz ainda parte da
Carta, poderá ser a intersecção ideal entre a legitimidade (indisputada) e a
legalidade (necessária) das operações. De facto, os territórios podem ser volun-
tariamente colocados sob tutela: no caso de territórios disputados pelas partes
da contenda, no caso de Estados falhados pela própria entidade soberana, e na
eventualidade da ausência de Estado, pela comunidade internacional (estando
em aberto a determinação do quadro aplicável a estas circunstâncias). A rematar
as virtudes deste regime está o facto de a administração poder ser exercida pela
própria Organização.
As Administrações Internacionais como operações de construção da paz
A questão da clareza e flexibilidade do mandato é uma regra de ouro nas
operações de paz, e também o é nas administrações internacionais. O mandato
deverá definir claramente não apenas os objectivos operacionais, como também
os limites da extensão dos mesmos, sendo, contudo, flexível o suficiente para
permitir a adaptação da missão ao terreno e às variações. A ambiguidade não é
348 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
boa orientadora, nem quando é construtiva104, e não dever ser aceite nem como
compromisso sob pena de se estar a comprometer o futuro do povo.
A concepção da administração é directamente tributária da estrutura que
trata do planeamento da mesma. Assim, o planeamento deverá ser feito por um
departamento que conheça a realidade do terreno (daí a importância da consti-
tuição de listas de especialistas em áreas culturais, áreas geográficas e temáticas
que poderão ser chamados num curto espaço de tempo para auxiliarem à
concepção da intervenção a realizar). O caso de Timor-Leste mostrou-nos um
Secretariado em que a colaboração interdepartamental não só não estava asse-
gurada, como o que reinava era uma feroz competição entre o DAP e o DOMP
que em nada beneficiou a eficácia do planeamento e, mais grave, os interesses
do povo em nome do qual esse planeamento estava a ser feito. Como Brahimi
apontou, a melhoria da coordenação interdepartamental, a constituição de uma
memória colectiva comum, partilhada, bem como o recrutamento de especialis-
tas que possam fazer face à falta de pessoal crónica nestas áreas não são temas
a considerar, são reformas urgentes.
A disponibilização de recursos materiais e humanos de forma atempada e
suficiente é outra das prioridades que a comunidade tem que definir como para
cumprir. De que serve nomear as crises, classificá-las como emergências, enunciar
o bem-estar dos povos administrados como um valor em si mesmo, se não há a
disponibilização dos recursos humanos, logísticos e financeiros que dêem conteú-
do a essas intervenções? Os Acordos de Prontidão e o cumprimento das obriga-
ções financeiras dos Estados membros com a ONU poderiam obviar estas falhas.
Em matérias de recursos, e de recrutamento, embora o envolvimento inter-
nacional seja a pedra de toque, não podemos, não devemos de novo, esquecer
os valores locais. Não há terras vazias – Timor não o era por certo, embora tenha
sido tratado como tal. A população local tem o direito inalienável de participar
não só na decisão do seu futuro, como na construção do mesmo.
104 Recorde-se que o conceito de ambiguidade construtiva que tem servido para legitimar a
escolha do termo “autonomia substancial” como objectivo para a UNMIK tem causado mais danos do
que benefícios aos próprios kosovares.
349colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
O envolvimento da população local deverá, assim, ser uma preocupação
cimeira das administrações internacionais. Para tal, a missão tem que construir as
estruturas, as capacidades para que essa população possa participar. Aqui sur-
gem à colação duas questões fundamentais: quanta autoridade deverá ter a
administração internacional e como se escolhe o(s) parceiro(s) locais.
A autoridade da Administração Internacional e o envolvimento dos par-
ceiros locais
A questão da autoridade da administração internacional não reúne consen-
sos. Curioso foi que, em Timor, pudemos falar com políticos e funcionários
internacionais que advogavam um envolvimento internacional que ia desde a
supervisão de curto prazo até uma governação directa para décadas. Quem
implementa os mandatos por certo é favorável a uma administração com mais
autoridade e mais longa do que quem é administrado. Pelo outro lado, a resistên-
cia dos administrados será inversamente proporcional ao poder que a adminis-
tração lhes for devolvendo. E embora consideremos que a população deve ser
envolvida desde a hora zero, que devem ser criadas estruturas de participação
amplas e com poderes efectivos, e a autoridade devolvida ao povo de forma
faseada mais o mais rapidamente possível, considerámos também que, na dúvi-
da, é preferível que a administração internacional tenha mais que menos auto-
ridade. Não se trata de patrocinar a causa das autocracias estrangeiras benevo-
lentes; trata-se, outrossim, de reconhecer que a realização de determinadas
tarefas, como a garantia da segurança, a construção de instituições democráti-
cas, e a implementação de um efectivo Estado de direito e de um governo
legítimo, pressupõem uma intervenção de fora para dentro. Esta realidade tem
trazido para o debate a questão da alteração de regime em que as operações,
com frequência, optam por alterar as sociedades que administram ao mesmo
tempo que criam veículos para que as tradições, valores e costumes locais sejam
comunicados e incorporados na administração internacional.
A escolha do parceiro local, ao lado da necessária imparcialidade como regra
de ouro, em alguns casos é óbvia, como foi a escolha da UNTAET pelo CNRT;
350 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
noutros, porém, em presença de várias facções locais, por vezes com agendas
políticas competidoras, essa escolha terá que ser equilibrada, pois o consenti-
mento da população que é administrada deverá ser garantido.
E longe estão os dias em que se entregava a administração de um território
a um único Estado. A grande proliferação de actores no terreno fica-se a dever a
três grandes razões: ao facto de haver mais do que nunca organizações interna-
cionais e regionais com vontade e disponibilidade para actuar; ao facto de, não
rara vez, não existir no território outras estruturas administrativas que pudessem
executar as tarefas necessárias (Vieira de Mello destacava que em Timor havia
sido preciso importar tudo, até estruturas governativas); e pelas funções e tarefas
cada vez em maior número e mais complexas. A isto acrescentámos uma outra
razão: o custo de uma operação desta envergadura, que é demasiadamente cara
para ser assumido por um único actor.
Daqui resultam dois problemas: a coordenação das estruturas e a sua com-
plexidade, que com frequência se tornam difíceis de perceber para os locais.
Uma estrutura unificada (talvez sob a coordenação das Nações Unidas, como no
Kosovo) e a comunicação surgem, então, como peças fundamentais.
Da falta de comunicação resulta, também, a percepção das administrações
internacionais como estrangeiras, como um corpo estranho no território. A
própria estrutura arquitectónica da missão em Timor ajudava a essa percepção:
os contentores, os navios de instalação, fundavam na população o receio de que
as Nações Unidas, em qualquer momento, poderiam pura e simplesmente, partir!
Esta estranheza gera anticorpos entre os administrados e não favorece a constru-
ção de um Estado ou a recuperação de um Estado falhado.
O quadro temporal necessário à construção de Estados ou às administra-
ções transitórias também rejeita o modelo da operação de paz. O ritmo de uma
operação de paz é acelerado: entrar, pacificar e sair. As administrações transi-
tórias são empreendimentos que deveriam ser pensados para décadas, para
gerações. E a estrutura que se tem enviado para o terreno fica prisioneira entre
a sua natureza, de curto ou médio prazo, e os seus objectivos, de longuíssimo
prazo.
351colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Transparência, Responsabilização e Avaliação de Resultados
Os Estados não são bons construtores de Estados: os imperativos do interes-
se nacional, a subjugação da política externa à política interna e ao sufrágio
eleitoral periódico que obriga os Estados envolvidos em operações internacio-
nais a uma avaliação de resultados constante, fazem com que intervenções cujos
resultados/sucessos serão visíveis apenas uma geração depois não sejam interes-
santes nem sustentáveis do ponto de vista do exercício da política. Os Estados
Unidos, frequentemente usados como ilustrativos para esta afirmação, são ape-
nas um dos exemplos disponíveis. O seu recente envolvimento no Afeganistão e
no Iraque não foi motivado por considerações normativas; antes foi o argumento
doméstico da guerra ao terror que levou às intervenções encetadas, com uma
grande componente militar e securitária, em detrimento da componente de
administração civil cuja falta tem provocado alguma da instabilidade vivida no
território.
E se, na execução do regime de mandatos e no regime de tutela, a adminis-
tração de um território era entregue a um Estado, ou até a mais que um Estado,
como já o referimos; hoje é pouco provável que se pudesse entregar a adminis-
tração de um Estado falhado ou de um território disputado a um Estado quais-
quer que fossem as garantias que ele desse de boa governação, ou dos mecanis-
mos de transparência e responsabilização que se criassem. A agravar este cenário
está o facto de se tratar de uma empresa demasiadamente cara, muito longa, e
cuja legitimidade só é aferível mediante o envolvimento directo e presença
efectiva no terreno das Nações Unidas.
O problema da lei aplicável pelas administrações civis transitórias parece-
-nos, de todos, o mais complexo e o mais interessante do ponto de vista da
reflexão construtiva e prospectiva. Os apelos no sentido da criação de um pacote
legislativo modelo a ser aplicado pelas missões, no qual a CIVPOL, o pessoal das
Nações Unidas e de outras organizações internacionais responsáveis pela aplica-
ção da lei recebessem formação, por certo ajudaria a eliminar alguns dos atrasos
e das incoerências nesta matéria que têm persistido nas administrações transitó-
rias. Poderia ser composto por um conjunto de valores universalmente aceites,
352 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
adaptado regionalmente às sensibilidades particulares e culturais de cada terri-
tório, mas partilhando uma base comum: a do respeito pelo Estado de direito.
Claro é que, em alguns casos, a lei vigente no território antes da intervenção
não coloca quaisquer problemas; porém, outros há em que a população se sente
vítima dessa lei e em que a lei anterior viola os padrões internacionais de direitos
humanos. Nessas circunstâncias, é necessário revogar leis, emanar novas e criar
sistemas judiciais transparentes. As Nações Unidas têm um balanço misto destas
experiências. Se, por um lado, os Regulamentos emanados pelas administrações
transitórias tratam de implementar regimes judiciais democráticos, e um Estado
de direito; pelo outro, algumas opções tomadas têm sido inconsequentes e até
geradoras de instabilidade.
A subordinação da própria missão à lei é um tema que tem suscitado
polémica, sobretudo pela aparente impunidade do pessoal internacional e dos
próprios RESG. A criação de organismos de supervisão da acção no terreno da
operação permitirão que os Administradores deixem de ser vistos como os czares
das Nações Unidas, os monarcas absolutistas dos tempos modernos e, por certo,
contribuirá para a construção de um clima de confiança – o princípio ético
subjacente aos fideicomissos, à tutela.
Estes mecanismos de supervisão deverão ter poder para reportar à Organi-
zação e o afastamento dos prevaricadores deverá ser uma consequência eviden-
te. As acusações recorrentes de má conduta pelos funcionários da CIVPOL e dos
capacetes azuis, por exemplo, poderiam, desta forma, ter consequências práti-
cas, funcionando como desincentivos às práticas que dão origem às críticas.
Afinal se as Nações Unidas governam em nome dos povos, os povos governados
deverão ter, como na prática interna dos Estados democráticos, mecanismos de
queixa e de correcção das injustiças de que são alvo.
As ONGs servem muitas vezes a função de estabelecimento de um nível de
informação mais elevado para a população local. E, por serem altamente críticas
(realizando uma análise constante, trabalhando com a população, reunindo-se
em associações de ONGs), denunciam os casos em que as administrações inter-
nacionais, por não estarem sujeitas a escrutínios locais, por não aplicarem
criteriosamente o princípio da transparência e, sobretudo, ao não envolverem a
353colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
população local, parecerem estarem mais ao serviço das Nações Unidas e dos
seus Estados membros e não da população local; o que não é de estranhar pois
o único sítio da carta onde os povos são referidos é no Preâmbulo, para daí em
diante serem os Estados os interlocutores e os destinatários da acção da Organi-
zação Mundial.
A presença das ONGs no terreno traz, além do seu papel fundamental na
prestação de assistência humanitária e de reabilitação/reconstrução, a hipótese
de se abrirem caminhos para uma governação/administração internacional mais
transparente, democrática e responsável.
A avaliação de resultados é outra das áreas nas quais a Organização fica
aquém das expectativas da população e da comunidade internacional. E embora
não haja um factor único que determine, isoladamente, o sucesso ou fracasso de
uma missão, há uma avaliação que pode ser feita e que no caso de Timor-Leste
era a instituição (noutros casos terá sido a recuperação) de um governo legítimo.
A criação de condições para a existência e funcionamento de uma sociedade civil
forte é outro dos vários critérios que fomos referindo ao longo do nosso trabalho.
O futuro das Administrações Internacionais
Apesar de nos termos centrado na UNTAET, o tema das operações que
ficaram por realizar encheria vários volumes. Infelizmente, os candidatos não
faltam: desde territórios disputados a movimentos de libertação nacional, desde
Estados falhados a territórios não-autónomos, o mundo oferece-nos um campo
de actuação amplo e variado.
Contudo, a comunidade internacional, e alguns Estados que não hesitam
em actuar isoladamente, têm que fazer o esforço de tentar perceber que os
instrumentos a que se tem recorrido talvez não sejam os mais adequados.
Chesterman, a este propósito, refere que o presidente norte-americano, George
Bush, nas vésperas da intervenção no Iraque acreditava que os insucessos ante-
riores das Nações Unidas em tarefas de nation-building se ficaram a dever à
incompetência das Nações Unidas e não às contradições inerentes à construção
de uma democracia através de uma intervenção militar estrangeira. Assim, o
354 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
modelo das intervenções militares benevolentes talvez deva ser posto em causa.
E talvez Timor-Leste não seja, a despeito do veiculado muitos analistas
optimistas, um modelo para as operações de nation-building. Timor é tão único,
reuniu tantas características conjunturais e estruturais tão irrepetíveis, que não
pode, não deve servir de modelo. Servirá sim como campo de ensaio, da reflexão
que urge fazer.
Como temos dito, a legitimidade está nas Nações Unidas. Está numa Carta
envelhecida, quantas vezes alterada pela prática dos Estados membros e pelo
costume internacional, num eventual recurso aos Capítulos XII e XIII que não são
usados há uma década. Porém não há alteração que as prive da legitimidade105.
E é essa legitimidade que tem sido o valor em nome do qual as Nações Unidas
têm desempenhado as enormes missões de administração internacional, indo até
à construção de Estados e à assunção de uma efectiva soberania sobre alguns dos
territórios ocupados (mormente Timor-Leste). Porém, como diz Jarat Chopra, ape-
sar de as Nações Unidas e da sua capacidade para monopolizar a imagem de
legitimidade, é necessário reflectir sobre se as Nações Unidas não estarão mal
preparadas e mal adequadas para administrarem territórios em transição.
Perdida numa crise financeira que gere há décadas, a Organização provavel-
mente não terá capacidade orçamental para criar uma nova estrutura burocrática
dedicada às administrações transitórias. Ao argumento de que as operações já
realizadas, ou em curso, são acidentes históricos respondemos com o Afeganistão,
com o Iraque e com situações de emergência humanitária em que estejam em
causa movimentos de libertação nacional ou independentistas como a recente
crise humanitária no Darfur veio destacar, ou com a perene questão da Palestina.
Há sempre necessidade das Nações Unidas. De umas Nações Unidas fortes
com vontade e capacidade para intervir. À luz da tutela, preferíamos, das opera-
ções de paz, se não for evitável, ou de qualquer outro enquadramento, as lições
têm que ser aprendidas em nome dos povos das Nações Unidas.
105 Aqui, contudo, reconhecemos que os ataques ao pessoal e instalações da ONU como os per-
petrados no Iraque vêm, aparentemente, por em causa a legitimidade/credibilidade da Organização.
355colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Sob instigação de nacionalistas islâmicos da Indonésia, no início do decénio
de 1960 fundou-se URT. Apesar da sua retórica nacionalista não se conseguiu
firmar no terreno. Quais foram as razões subjacentes a esta incapacidade? Neste
trabalho avançamos com 8 factores cruciais que nos permitem compreender a
sua evolução e subsequente integração na Associação Popular Democrática de
Timor (APODETI), após o 25 de Abril de 1974.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer à Dr.ª Maria Isabel Fevereiro, directora do Arquivo
Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHDMNE); à
Dr.ª Maria de Lurdes Henriques, do Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do
Tombo (IAN/TT); à Prof.ª-Dr.ª Ana Canas, directora do Arquivo Histórico Ultra-
marino (AHU); à Dr.ª Isabel Beato, responsável técnica do Arquivo Histórico da
Biblioteca Central da Marinha; às Dras. Helena Grego e Cristina Matias, da
Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa; à Dr.ª Dinora Lampreia, da
divisão de informação e documentação do Centro Científico e Cultural de Macau
(CCCM); à Dr.ª Paula Costa, responsável pela Biblioteca do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/UL); e, aos funcionários da Hemeroteca
Municipal de Lisboa (HML) e do Arquivo Nacional do Reino Unido (United Kingdom
National Archives – UKNA) pelo apoio e pela prontidão manifestada no aten-
A União da República de Timor: o atrófico movimentonacionalista islâmico-malaio timorense, 1960-1975Moisés Silva Fernandes*
* Intituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
356 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
dimento dos múltiplos pedidos solicitados durante a investigação para este
trabalho.
Intróito
O passado recente de Timor está repleto de mitos e de fenómenos super-
ficialmente analisados. Um destes é o que se refere aos movimentos naciona-
listas de emancipação desta antiga colónia portuguesa. A literatura sobre o
tema tende a concentrar-se sobre os partidos políticos contemporâneos que
dominam o sistema político timorense, desde o 25 de Abril de 1974 até ao
presente.
Dois exemplos, são suficientes para ilustrar esta situação. A australiana
Helen Hill defende que“the first nationalist organisation in East Timor” (p. 52)
surgiu em Janeiro de 1970 devido à influência dos contactos estabelecidos com
os movimentos de libertação da África lusófona. Esta incipiente organização
“was little more than an informal group” (Ibid.), constituída por José Ramos Horta
e Marí Alkatiri, entre outros, reunindo-se no parque em frente ao Palácio do
Governo com o escopo de evitar ser vigiada pela polícia política portuguesa, a
PIDE/DGS. Aparentemente, desconheciam por completo a existência da URT e a
informação que possuíam sobre a Indonésia e a conjuntura política regional era
tão incipiente que durante três anos solicitaram ao cônsul da Indonésia em Díli
a concessão de bolsas a timorenses e outros tipos de apoio material. Os sucessi-
vos representantes consulares da Indonésia não se mostraram, contudo, interes-
sados neste grupo. De acordo com Marí Alkatiri, “[i]t was a disappointment to the
young Timorese Nationalists to realize that they could not count on the support of
Indonesia” (Ibid., p. 53).
Apesar de Hill afirmar que o grupo foi fundado em 1970, José Ramos Horta
defendeu que “em 1973 já existia um núcleo de nacionalistas, cada vez mais
impacientes, revoltados e decididos a começar acções de protesto. De facto, o
ano 1973 foi assinalado por alguns conflitos entre jovens timorenses e elementos
do exército colonial” (Horta, 1998 [1994], p. 75).
357colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Por seu turno, Maria Ângela Carrascalão opina que o seu irmão, João,
fundou o Movimento Revolucionário de Libertação de Timor (MORELTI), em
1967, isto é, 3 anos antes do grupo informal que iria dar origem à ASDT/FRETILIN.
A mesma autora defende que este grupo contava com a militância de Xanana
Gusmão, José Ramos Horta, Armindo Pedruco e Natalino Leitão e era um “fórum
de eleição dos jovens timorenses desencantados com a condição” da colónia.
Para além da última base de apoio, contava ainda com a adesão de funcionários
da administração colonial de Timor e possuía uma liderança altamente
hierarquizada, que foi infiltrada pela polícia política o regime: a PIDE/DGS
(Carrascalão, 2002, pp. 127-128). Todavia, José Ramos Horta, asseverou que “um
dito ‘Movimento de Libertação de Timor’ pareceu ter existido na mente de um
grupo de timorenses, entre os quais o João Carrascalão. Mas se existia não se fez
sentir a sua existência em qualquer momento[, nomeadamente, em 1973], ao
contrário do nosso grupo que, embora não existente informalmente, não deixa-
va de se reunir frequentemente e estudar formas de actuação” (Horta, 1998
[1994], p. 75).
Embora os trabalhos de Hill, Carrascalão e Horta não façam qualquer alusão
à existência da URT ou a um movimento islâmico-malaio, outros autores referi-
ram-se de passagem à existência da última organização (Weatherbee, 1966, pp.
691-692; Taylor, 1993, p. 57; Gunn, 1999, p. 263; Pélissier, 1999, p. 562; Dunn,
2003, p. 27). Porém, não procederam a uma análise circunstanciada sobre as suas
origens, bases de apoio, ideário político e ligações e dependências em relação
aos países da região, assim como sobre a sua incapacidade de se afirmar no
terreno.
Na realidade, entre 1960 e 1975 existiu um “movimento de emancipação”
do Timor Português de raiz islâmico-malaia que se bateu pela independência
do território de Portugal e da Indonésia e que defendia ideais políticos que não
vingaram. Na sequência do 25 de Abril de 1974, as autoridades da Indonésia
optaram por integrar a URT numa organização mais ampla a APODETI.1 Porém, a
1 A Associação Popular Democrática de Timor (APODETI), conhecida originalmente por Asso-
ciação para a Integração de Timor-Díli na Indonésia (AITI), foi estabelecida em 27 de Maio de 1974,
358 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
primeira não pretendia de forma alguma a integração do Timor Português na
Indonésia. De acordo com o quotidiano Diário de Notícias, o “governo” da URT
enviou, no dia 7 de Junho de 1974, uma carta ao novo presidente da República,
general António de Spínola, através do cônsul de Portugal em Jacarta, Guilherme
de Sousa Girão, a “pedir ao Governo Português que coloque os eleitores perante
apenas duas opções: a independência ou a federação com Portugal, quando for
a altura do referendo que Lisboa deve organizar na ilha, em Março de 1975, para
determinar o estatuto do território português de Timor”.2 Para reforçar a orienta-
ção que preconizavam, o representante da URT em Jacarta, M. Bere Lau, declarou
no dia 11 de Junho de 1974, “qu’il existe à Timor très peu de personnes en faveur
d’un rattachement de l’ilê à l’Indonésie”.3 Acrescentou, por outro lado, que a opção
“by thirty to forty Timorese” (Gunn, 1999, p. 266), sob a liderança de Arnaldo dos Reis Araújo, um
velho timorense quer tinha estado detido pela autoridades portuguesas por colaboração com as
forças de ocupação nipónicas durante o período da II Guerra Mundial, e José Osório Soares. Defen-
dia a integração na Indonésia, com um estatuto de autonomia. A APODETI foi a sucessora da URT
“que procurou, após Abril de 1974, ressurgir, mas sem sucesso” (Riscado, 1981, p. 28) e reunia apoios
entre timorenses envolvidos “na Vicarda, a revolta pró-indonésia de 1950” (Oliveira, 1983, p. 175) e
“[o]s implicados no movimento de 1959” (Riscado, 1981, p. 33), assim como “from members of
the Arab community in Díli, who petitioned the Indonesian Consul for integration” (Gunn, 1999, p. 266)
e de certos liurais, nomeadamente de Atsabe, Guilherme Gonçalves. De acordo com o major
Arnão Metello, delegado do MFA, a fundação da APODETI deveu-se, a que no âmbito da formação
de associações políticas, conseguiu-se “retirar da clandestinidade [um] grupo de tendência violenta
que advoga [a] viabilidade [da] integração com autonomia… na Indonésia, em termos de direito
internacional” (Pires, 1981, p. 27). A resposta do director do gabinete dos Negócios Políticos do
ministério da Coordenação Interterritorial (ex-Ultramar), Ângelo dos Santos Ferreira, à interpe-
lação de Metello foi de que: “se o partido em questão pretender que a referida integração se faça
por processos violentos, é evidente que a sua legalidade não pode ser reconhecida. Mas se se
pretender atingir tal fim através do princípio da autodeterminação, isto é, propondo-se à população
através do processo da autodeterminação a integração na Indonésia, parece que nada há a objectar”
(Ibid.).2 “Um governo clandestino estabelecido em Timor põe o Governo Português perante duas
opções: a independência ou a federação”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 110, n.º 38.883 (13 de Junho
de 1974), p. 10.3 “En mars 1975: référendum dans le territoire portugais de Timor en Asie”, Elima [Kinshasa], (14
de Junho de 1974), p. 1.
359colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
pela integração na Indonésia era somente apoiada por “quelques centaines
d’habitants d’origine árabe”.4
Com o desígnio de esbater a URT do ideário nacionalista timorense, José
Ramos Horta, secretário-geral da ASDT, defendeu, durante a sua visita a Jacarta,
que as três principais associações políticas de Timor, a sua, a UDT e a APODETI,
deveriam “encetar negociações no sentido do adiamento do referendo previsto
pelas autoridades portuguesas para Março de 1975”.5 Entretanto, estas deveriam
“formar desde já um governo provisório com individualidades naturais de Timor”
que asseguraria a administração do território, “adiando-se por quatro anos as
eleições gerais”, e propôs-lhes ainda “que o Governo da União da República de
Timor, movimento clandestino instalado em Jacarta, seja denunciado com um
grupo ‘adulterado de conspiradores indonésios’”.6
Consoante a Angkatan Bersenjata Republic Indonesia – ABRI (Forças Armadas
da República da Indonésia) e os serviços de informações foram avançando com
os seus planos de invasão e anexação de Timor, os elementos afectos à linha da
URT opuseram-se, o que contribuiu para que os seus principais dirigentes, como,
por exemplo, A. Mao Klao, fossem detidos pelo Komando Operasi Pemulihan
Keamanan dan Ketertiban – KOPKAMTIB (Comando de Operações para a Restau-
ração da Segurança e Ordem na Indonésia),7 a guarda pretoriana do general
Suharto, no segundo semestre de 1975 e só fossem libertados em Abril do ano
seguinte.8
Um estudo sobre a Uni Republic Timor – URT (União da República de Timor)
tornou-se premente atendendo ao facto que 5 das 6 associações políticas
4 Ibid.5 “Timor – pedido o adiamento do referendo”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 110, n.º 38.889 (20
de Junho de 1974), p. 2.6 Ibid.7 Estes comandos dirigiram a chacina de mais de 1 milhão de indonésios após o contra golpe
de Estado de 1965.8 Informação gentilmente cedida pelo brigadeiro-general australiano Ernest Chamberlain,
assessor para os assuntos de política e planeamento estratégico do secretário de Estado da Defesa
de Timor, Roque Rodrigues, em 23 de Junho de 2005.
360 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
timorenses que surgiram após o 25 de Abril de 1974 (a UDT,9 a ASDT/FRETILIN,10
a APODETI, o KOTA,11 o Partido Trabalhista12 e a ADLITA13), com excepção da
última, continuam a ser as mais destacadas no sistema político local contempo-
râneo.14 Por outro lado, a influência político-simbólica da URT sobre o imaginário
timorense é bem forte se atendermos que as cores da bandeira desta organiza-
ção, amarelo, preto, branco e vermelho (http://www.fotw.us/flags/
tl}bllt.html#desc; consulta efectuada em 1 de Junho de 2005), são as mesmas das
bandeiras da FRETILIN (http://www.fotw.us/flags/tl}fret.html; consulta efectuada
em 1 de Junho de 2005) e da República Democrática de Timor-Leste, de acordo
com o artigo 15.º da constituição (http://www.jornal.gov-rdtl.org/uud02.htm;
consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).
Numa tentativa para compreendermos as razões subjacentes ao fracasso da
URT este trabalho tem por objectivo analisar as condições que contribuíram para
9 A União Democrática Timorense (UDT), foi fundada em 11 de Maio de 1974. Começou por
pugnar uma ligação a Portugal, mas, posteriormente, defendeu a independência do território. Os
seus principais dirigentes foram Francisco Xavier Lopes da Cruz e Domingos Oliveira.10 A Associação Social-Democrata Timorense/Frente Revolucionária de Timor-Leste Indepen-
dente (ASDT/FRETILIN) foi, por sua vez, criada em 20 de Maio de 1974, sendo dirigida por Francisco
Xavier do Amaral, Nicolau dos Reis Lobato e José Ramos Horta. Em 11 de Setembro de 1974
transformou-se em FRETILIN. Esta associação sempre defendeu a independência do território.11 O Klibur Oan Timur Aswain (KOTA – Filhos dos Guerreiros da Montanha), originalmente conhe-
cida por Associação Popular Monárquica Timorense, surgiu em 31 de Outubro de 1974. Alegava que
as suas origens provinham dos topasses, grupo euro-asiático, e pugnava pela restauração dos
poderes dos liurais, ou seja, dos régulos, que pudessem traçar a sua ancestralidade até ao período
topasse. Fernando António Soares dos Santos, Gracindo do Carmo Guerreiro e Carlos dos Santos
foram os principais dirigentes desta organização.12 O Partido Trabalhista (PT), originalmente conhecido por Movimento Trabalhista Democrático
Timorense, foi criado em 5 de Setembro de 1974, sendo dirigido José Martins, Francisco António
Ximenez e Domingos da Conceição Pereira.13 A Associação Democrática para a Integração de Timor-Leste na Austrália (ADITLA) foi
fundada em 3 de Março de 1975. Soçobrou, contudo, quando o governo australiano rejeitou a ideia
de integração de Timor-Leste na Austrália.14 Convém recordar que 70,86% dos votos para a Assembleia Constituinte de Timor, que
tiveram lugar em 30 de Agosto de 2001, foram para os 5 partidos (FRETLIN/ASDT, UDT, KOTA,
APODETI e PTT) fundados após o 25 de Abril de 1974 (Silva-Carneiro de Sousa, 2001, p. 37).
361colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
seu aparecimento e as variáveis que concorreram para que não prevalecesse no
terreno.
Esboço da evolução política da URT
Os primórdios da URT remontam a um grupo auto-denominado “Os Amigos
de Timor-Díli” que surgiu nos finais do decénio de 1950, em Jacarta. Este grupo
contava, aparentemente, com “a simpatia de certas individualidades influentes
na vida política da Indonésia”. Os organizadores deste movimento eram jovens
muçulmanos radicais indonésios, naturais da ilha de Samatra, que sob a influên-
cia do terceiro cônsul da Indonésia em Díli, Nazwar Jacub Sutan Indra,15 e do
movimento pan-malaio,16 teriam optado por se organizar de forma a desencade-
arem uma campanha com o objectivo de fomentar a “libertação” de Timor-Leste.
Os planos deste grupo colidiram de imediato com a política oficial da
Indonésia em relação a Portugal e ao Timor Português. Com a visita oficial do
presidente Ahmed Sukarno a Lisboa, entre 5 e 8 de Maio de 1960, e a sua
declaração relativamente ao reconhecimento da legitimidade da soberania por-
tuguesa no Timor Português alteraram o relacionamento deste grupo com o
regime vigente em Jacarta.
No dia 4 de Julho de 1960, o grupo em apreço divulgou um extenso
comunicado a criticar a visita de Sukarno a Lisboa e recordava que “o Timor
Português não existe, mas, sim, Timor-Díli, pertencente ao povo de Timor-Díli,
15 Este diplomata exerceu o seu primeiro posto no exterior em Hong Kong, entre 12 de
Setembro de 1954 e 16 de Junho de 1956 (“Ofício n.º 1853/56, C/56, confidencial, do cônsul de
Portugal em Hong Kong, Guilherme Magarido Castilho, de 4 de Setembro de 1956, p. 1” in “Nomea-
ção do Sr. Nazwar Jacub Jutan Indra para o cargo de Cônsul da Indonésia em Díli”, RPA M. 793,
AHDMNE, Lisboa), tendo a seu cargo a “secção de informações” (Ibid., p. 2). Na opinião do vice-cônsul
de Portugal em Hong Kong, Fernando Alberto Meneses Ribeiro, o cônsul Indra era “uma pessoa
inteligente, desembarçada e com boa apresentação” (Ibid.).16 Este movimento era dirigido por Mulwan Shah, em Jacarta, e por Alamsah Hasibuan, um
samatrense (Informação gentilmente prestada pelo brigadeiro-general Ernest Chamberlain em 23
de Junho de 2005).
362 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
aos combatentes de Timor-Díli, aos amantes de Timor-Díli, aos defensores de
Timor-Díli, e não aos imperialistas portugueses, porque o mundo sabe bem que
Portugal é o imperialista que roubou a pátria de Timor-Díli, assim como os
holandeses roubaram o Irian Barat (Papua Nova Guiné Ocidental) e os portugue-
ses roubaram Macau, na China, e Goa, na Índia”.17
Este documento foi enviado à presidência da República da Indonésia, aos
mais proeminentes departamentos governamentais do regime de Sukarno, a
todos os representantes diplomáticos estrangeiros em Jacarta, partidos políticos,
escolas e intelectuais.18 A legação portuguesa em Jacarta conseguiu apurar que
a sede deste grupo radical da Samatra estava situado “no recanto sossegado
duma rua popular de Jacarta, próximo de duas casas de culto muçulmanas” e que
não era “materialmente coisa alguma”.19 A sua exiguidade não impediu, contudo,
que as críticas tecidas a Sukarno contribuissem para que este grupo tivesse que
abandonar a sua sede.20
A despeito deste desfecho, esta incipiente organização conseguiu divul-
gar mais duas declarações. Em 12 de Setembro de 1960, publicou um comunica-
do a apelar a Sukarno que apresentasse a questão de Timor-Díli na próxima
sessão plenária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). O
objectivo a alcançar seria “de modo que a nossa querida terra natal possa
também fruir da liberdade como uma República, assim como foi já alcançada por
ele”.21 Neste âmbito mostraram-se esperançados que “todas as personalidades
17 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração dos Amigos de Timor-Díli’ de 12
de Junho de 1960, p. 2” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os
Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.18 Ibid., p. 3.19 “Ofício n.º 39, confidencial, do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, para o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Marcello Mathias, de 18 de Julho de 1960, p. 2” in “Reivindica-
ções da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M.
1162, AHDMNE, Lisboa.20 Ibid.21 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração n.º IV C dos Amigos de Timor-
-Díli’ de 12 de Setembro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da
associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.
363colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
anti-imperialistas que comparecem à Assembleia Geral das Nações Unidas em
Nova Iorque patrocinem também o caso da República de Timor-Díli no foro
internacional, onde os imperialistas portugueses podem ser expulsos da nossa
amada pátria Timor-Díli, no extremo oriental de Nusatengara”.22 Este comuni-
cado foi enviado à presidência da Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União
Geral da Raça Malaia), em Jacarta, aos países e organismos internacionais consi-
derados importantes, ao secretário-geral e ao Conselho de Segurança da ONU e
à imprensa.23
Três semanas mais tarde voltou a divulgar um novo comunicado a questio-
nar o uso do termo Timor Portugis (Timor Português) por parte dos mais desta-
cados dirigentes da Indonésia. Embora desta vez manifestassem compreensão
pelo discurso proferido por Sukarno em Lisboa, considerava “errado que o
presidente usasse a expressão Timor Portugis (Timor Português) que se tornou
consagrada devido à persistência com que os imperialistas apoiam os seus pares,
na compressão da dignidade do povo de Timor-Díli”.24 Por outro lado, manifesta-
ram o seu regozijo pela declaração de Hurustiati Subandrio, 2.º vice-primeiro-
-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, que a Indonésia não tinha reivin-
dicações territoriais sobre Timor-Díli, “visto estimular a fé de cerca de 1 milhão de
habitantes da República de Timor-Díli para lutarem pela independência e auto-
determinação”.25 Todavia, criticaram-no por usar a expressão Timor Portugis. Por
esta razão, “esperamos inteiramente que a República da Indonésia corrija as suas
referências a Timor-Díli, não continuando repetidamente a mencionar Timor
Portugis (Timor Português) – o que ofende os combatentes de Timor-Díli, do
mesmo modo que ofenderia o povo e o Governo da República da Indonésia se
por erro intencional alguém dissesse Irian Barat (Papua Nova Guiné Ocidental)
22 Ibid., p. 2.23 Ibid.24 “Tradução da legação de Portugal em Jacarta da ‘declaração n.º V dos Amigos de Timor-Díli’
de 7 de Outubro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da
associação ‘Os Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.25 Ibid., p. 2.
364 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
em holandês”.26 Tal como os dois comunicados anteriores, este foi distribuído
pelos principais departamentos governamentais indonésios, a ONU, as missões
diplomáticas estrangeiras em Jacarta e os “combatentes” de Timor-Díli.27
As autoridades em Lisboa ficaram tão preocupadas com as actividades desta
agremiação, que o ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, se
apressou a fornecer uma série de informações sobre esta. Primeiro, os três
comunicados não tinham precipitado qualquer interesse na Indonésia. Segundo,
o seu teor revelava que as suas actividades eram “rudimentares”.28 Terceiro, que
esta era “sustentada por organizações de inspiração mais genérica, comunistas e
afro-asiáticas, que aqui pululam”.29 Quarto, o apoio para esta organização não
derivava “expressamente deste governo, mas sim, que esteja sendo animada e
protegida, um tanto na sombra, por personalidades políticas a ele ligadas, por
razões ideológicas, cumplicidades subversivas ou simples sentimentos
expansionistas”.30 Quinto, que fosse apoiado pelo cônsul indonésio em Díli.31
Embora a legação portuguesa pudesse solicitar formalmente às autoridades
indonésias o fim destas actividades, com receio que o pedido “redundasse em
publicidade contraproducente”, o ministro António Leite Cruz recomendou ao
Palácio das Necessidades que fossem feitas diligências junto do ministro indonésio
em Lisboa, sem, contudo, apresentar uma nota de protesto. Neste âmbito, no
decorrer duma conversa com o ministro Achmad Djumiril, em Dezembro de
1960, o ministério português dos Negócios Estrangeiros manifestou “estranhe-
za... pela publicação daqueles folhetos, cujo teor contrasta com as afirmações de
amizade que têm sido feitas pela mais alta personalidade do seu país”.32 Pouco
26 Ibid.27 Ibid.28 “Aerograma AC-74 recebido do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, de 20 de
Outubro de 1960, p. 1” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os
Amigos de Timor-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.29 Ibid.30 Ibid., p. 2.31 Ibid.32 “Ofício UL 4551, confidencial, do adjunto do director-geral dos Negócios Políticos do
ministério dos Negócios Estrangeiros, Alfredo Lancastre da Veiga, para o director do gabinete de
365colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
tempo depois, as autoridades centrais indonésias decidiram dissolver o grupo
em consideração.33
Profundamente influenciados por uma conjuntura internacional altamente
favorável à descolonização e pelas convulsões políticas internas na Indonésia, foi
fundado, em Jacarta, o incipiente movimento embrionário de libertação de
raízes islâmico-malaias: o Komin Pambebesan Uni Republik Timor-Dilly [Comissão
de Libertação da União da República de Timor], em 2 de Novembro de 1960,34 na
mesma morada que o extinto grupo de “Amigos de Timor-Díli”.35 A sua
institucionalização não teve, porém, quaisquer repercussões políticas no terreno
– nomeadamente, junto dos órgãos de comunicação social, quer indonésios,
quer internacionais. Esta situação contribuiu para que se vissem coagidos a
divulgar um “segundo anúncio”, no dia 10 de Dezembro de 1960, assinado pelo
presidente, interino, do Komin, A. Mao Klao, um jovem de 22 anos de idade.
Apesar da inocuidade política do texto, transparecia, porém, as débeis bases
regionais e religiosas deste grupo. O documento limitou-se a exortar os timorenses
das regiões de expressão linguística Quêmaque [Kemak] e Macassai [Marae], do
enclave de Oecusse [Uikissi], da ilha de Ataúro [Kambling] e do ilhéu Jaco [Nusa
Besi] a revoltarem-se contra a administração portuguesa. Não mencionava, con-
tudo, outras regiões, que, certamente, seriam de grande interesse para levar
avante a causa da descolonização do território. Não se compreende, portanto, as
razões para esta omissão. Já em termos confessionais, o apelo era um pouco mais
Negócios Políticos do ministério do Ultramar, Carlos Manuel da Costa Freitas, de 19 de Dezembro de
1960” in “Reivindicações da Indonésia sobre Timor: actividades da associação ‘Os Amigos de Timor-
-Díli’, 1960”, PAA M. 1162, AHDMNE, Lisboa.33 “Apontamento n.º 677, secreto, sobre ‘[a] situação na província de Timor’, de autoria de
Leonel Banha da Silva, Beltrão Loureiro, José Catalão e Silva Pinto, [1967?], p. 6”, MU/GNP/SR:160/Cx.
9S, AHU, Lisboa.34 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of
Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,
“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.35 Telegrama n.º 17 da legação de Portugal em Jacarta, de 29 de Março de 1961” in “Agitação
nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.
521, AHDMNE, Lisboa.
366 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
amplo, pois exortava os muçulmanos e os cristãos do território a apoiar o Komin
de Libertação da URT a “deflagrar uma revolta em qualquer momento designado
no Fórum Internacional, a fim de expulsar os colonialistas portugueses ambicio-
sos e egoístas da nossa amada Ilha de Timor-Díli”.36 Mas mesmo nesta área,
registava-se um sério inconveniente. O apelo iniciava-se com a invocação reli-
giosa islamita Deng nama Allah… [“Em nome de Alá…”], para uma população, em
termos gerais, animista e tendencialmente católica, e onde a expressão islâmica
se restringia a um exíguo bairro, situado na várzea da cidade de Díli, constituído
por 110 pessoas em 1950 (Barata, 1998, p. 75), “cerca de 500” em 1960 (Chrystello,
1999, p. 21) e 910 no início da década de 1970 (Barata, 1998, p. 75). A última
comunidade confessional padecia ainda de um grande isolamento em relação às
restantes.37
Em segundo lugar, apelava à libertação dos timorenses do jugo e da opres-
são dos “surripiadores” portugueses e à libertação de todos os combatentes
presos. Terceiro, exortava em termos altamente nacionalistas à expulsão dos
“infiéis portugueses do nosso solo”.38 Quarto, reivindicava que Timor era para os
timorenses e “não para os ladrões portugueses”. Quinto, apelando à doutrina e
linguagem religiosa islâmica, afirmava que os que se batessem pela liberdade,
36 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of
Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,
“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.37 De acordo com o informe apresentado pelo inspector, interino, da subdelegação da PIDE em
Timor, Armando Rodrigues Rego, ao subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva
Cunha, aquando da visita do último à colónia, em Dezembro de 1964, “[a] comunidade árabe faz uma
vida própria e tem sido lançada ao ostracismo, mercê várias circunstâncias; fundamentada ou
infundamentadamente os árabes são tidos como suspeitos. É muito difícil saber-se integralmente o
que se passa no seu meio e isto deve-se ao modo como foram isolados das restantes comunidades.
Parece que eles próprios se sentem com um certo sentimento de culpa e se afastam, por isso, das
outras pessoas. Embora estejam em boas relações com o Cônsul da Indonésia, parece-me que este
facto se deve somente, como atrás digo, a uma certa identificação religiosa”. “Informação de 5 de
Dezembro de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 739, IAN/TT, Lisboa.38 “Second Announcement [of the] Bureau of Liberation [of the] Union [of the] Republic of
Timor-Dilly, assinado pelo presidente, interino, A. Mao Klao, de 10 de Dezembro de 1960”, PIDE/DGS,
“Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.
367colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Alá os recompensaria. Finalmente, exortava os soldados de Angola e Moçambique,
que integravam a guarnição militar portuguesa em Timor, “a combateram ao lado
do Movimento de Libertação, uma vez que a vossa pátria, o vosso próprio bem-
-amado povo de África está sendo também oprimido”. Acrescentando que estes
eram espezinhados pelos portugueses, que milhares de africanos tinham sido
chacinados e que Agostinho Neto se encontrava detido.39
Uma ínfima parte deste documento foi divulgado no diário Straits Times, de
Singapura, na sua edição de 7 de Março de 1961, a partir dum despacho
divulgado pelo correspondente da agência noticiosa Reuters em Jacarta.40 Aten-
tos a todas eventuais alterações na conjuntura política regional e receosos das
repercussões do surgimento de um novo “movimento de libertação” esta notícia
despertou o interesse do gabinete do Comissário Geral do Reino Unido para o
Sudeste Asiático, sediado em Singapura. No ofício remetido para a embaixada
britânica em Jacarta, que incluía um extracto da notícia publicada no Straits
Times, o gabinete de Lorde Selkirk mostrou-se particularmente interessado em
saber se a declaração da URT tinha sido “amplamente publicitada na Indonésia”,
se o regime de Jacarta tinha mudado a sua orientação política oficial em relação
a Timor e solicitava informações sobre os recursos financeiros e humanos e as
actividades deste movimento.41
O despacho da Reuters foi publicado, parcialmente, pela imprensa portu-
guesa da época, não obstante o apertado regime de censura governamental
sobre a comunicação social. O diário católico ultraconservador A Voz citou um
pequeno parágrafo do comunicado da URT no qual reivindicava a expulsão
violenta dos portugueses de Timor e acrescentou que este era assinado por A.
Mao Klao. Enquanto o título da notícia destacava que a URT não tinha “nenhum
39 Ibid.40 “‘Liberate Timor’ Move”, The Straits Times [Singapura], (7 de Março de 1961), p. 1.; “Extract from
the Straits Times of 7 March 1961”, FO 371/159809, UKNA, Londres.41 “Confidential Letter No. D1017/2/61 from the Office of the United Kingdom Commissioner
General for South East Asia, Lord Selkirk, for the Chancery of the British Embassy in Jakarta, 17 March
1961”, FO 371/159809, UKNA, Londres. Lord Selkirk, aliás, Sir George Nigel Douglas-Hamilton,
exerceu este cargo entre 1959 e 1963.
368 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
carácter oficial”, o último parágrafo recordava que “[o] Governo da Indonésia não
apresentou quaisquer reivindicações sobre o território português de Timor”.42
Com o intuito de atenuar a apreensão nos meios locais relativamente a este
comunicado, o governador Filipe Themudo Barata autorizou a publicação de um
contundente editorial no semanário oficioso A Voz de Timor,43 denominado “Igno-
rância e Demagogia”, a partir das “notícias escutadas pela rádio”.44 Este texto
realçou que o comunicado da URT era “comprometedora para a bem clara
política externa [da Indonésia …] que com Portugal tem mantido as melhores
relações de vizinhança, considerando-o muito acima e bem à parte do feito e dos
propósitos de meia dúzia de salafrários que em Jacarta, à falta de vontade de
trabalhar se vão entretendo a brincar aos ‘comités’ por incapacidade para ganhar
a vida por outra forma, ou – quem sabe? – porque o comunismo internacional já
conseguiu envenenar as suas almas ou, pelo menos, soube já comprar os seus
serviços”.45
Apesar da reacção da imprensa ultranacionalista portuguesa e das preo-
cupações expressas pelos responsáveis britânicos, o ministro Leite Cruz recor-
dou que a segunda divulgação do comunicado visava possivelmente “neutrali-
42 “Aparece agora em Jacarta sem nenhum carácter oficial um ‘Bureau de Libertação’
que pretende anexar o Timor português”, A Voz [Lisboa], ano 35, n.º 12.145 (7 de Março de 1961),
p. p. 1.43 “Ofício n.º 19, secreto, do governador para o ministro do Ultramar, contra-almirante Vasco
Lopes Alves, de 18 de Março de 1961” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87,
AHDMNE, Lisboa.44 Nomeadamente a Rádio Austrália, o serviço externo de radiodifusão da Australian Broadcasting
Corporation, em ondas curtas, que se sintonizava em excelentes condições na região. “Ofício n.º 860/
B/6/8, secreto e urgente, do chefe de gabinete do ministro do Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira,
para o chefe de gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, de 13 de Março de 1961” in
“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-
-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.45 “Ignorância e Demagogia”, A Voz de Timor (12 de Março de 1961), p. 1; “Um movimento para
a ‘libertação’ de Timor está a ser organizado em Jacarta”, Diário de Notícias [Lisboa], ano 97,
n.º 34.150 (26 de Março de 1961), p. 6; e, “A Indonésia define a sua política em relação ao Timor
Português: um editorial de ‘A Voz de Timor’”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.028 (30 de Março de
1961), pp. 1 e 6.
369colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
zar [o] noticiário cordial” acerca da visita da esquadrilha da Armada do ABRI a
Díli.46
Entretanto, em 9 de Abril de 1961, foi criada a Presidência Central da URT,
com sede em Díli, mas com o quartel-general transferido para Batugadé, povoa-
ção fronteiriça próxima da cidade indonésia de Atambua e a 14 Kms do posto de
Balibó. Este grupo era dirigido por um jovem timorense de 23 de anos de idade,
A. Mao Klao, que assumiu a presidência, interina, do movimento. No fundo este
novo órgão integrava essencialmente os mesmos membros da Comissão de
Libertação, de 2 de Novembro de 1960.
Os desígnios da URT foram revelados de forma genérica na Pernyataan
Kemerdekaan [“Declaração de Independência”] (anexo IV). O texto começava por
indicar que desde o fim de 1959 tinham sido envidados esforços no sentido de
ser fundado um movimento de libertação no território. Provavelmente, referia-se
ao grupo samatrense “Amigos de Timor-Díli”. Estranhamente, não mencionava,
todavia, os incidentes de Maio e Junho de 1959,47 que levaram à detenção e
deportação de 53 timorenses e de 4 militares indonésios para a colónia penal do
Bié, em Angola, e ao “desterro” de mais 10 timorenses para a ilha de Ataúro
(Barata, 1998, p. 73), os últimos por um período de 10 anos.
Em termos de posicionamento político enquadrava-se nas aspirações religio-
sas-nacionalistas do pan-malaismo e declarou-se partidário dum sistema socia-
lista baseado na antiga Confederasi Timor [Confederação de Timor]. Assim, advo-
gava o ressurgimento desta antiga estrutura política no âmbito dos princípios
orientadores do Deus [Marômak] Oan,48 da época de apogeu da Confederasi
Timor. A última organização tinha como base o grande potentado de Wehali,
46 “Telegrama n.º 17 do ministro de Portugal em Jacarta, António Leite Cruz, de 29 de Março de
1961” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida
Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa. Entre os dias 27 e 29 de Março de 1961 uma esquadrilha
de 4 vasos de guerra da Amada das ABRI realizou uma visita oficial a Díli (Fernandes, 2005, p. 111).47 “Confidential Report on ‘Portuguese Timor: Security Precautions Against Subversion’ written
by the Australian Consul in Portuguese Timor, F.J.A. Whittaker, undated” and “Confidential Report on
‘Portuguese Timor – Political’ written by the Australian Consul in Portuguese Timor, F.J.A. Whittaker,
7 June 1959”, FO 371/143955, UKNA, Londres.48 Para uma análise da dimensão histórica e cultural do potentado Wehali [Behale] vide a tese
de doutoramento em antropologia de Therik, 1996.
370 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
conhecido pelos portugueses como a província dos Belos, que correspondia ao
Timor-Leste contemporâneo mais a região de Atambua, que tinha como rivais o
potentado do Servião, dirigido pelo chefe Senobai, e que correspondia em
termos geográficos a Nusa Tenggara Timur – NTT [Timor Ocidental], subtraindo,
naturalmente, a região de Atambua.
Prometia, ainda, que a expulsão dos opressores só poderia ser realizado
“pela força das armas” e reivindicava Timor “[c]omo uma nação malaia e um país
situado no grupo das ilhas malaio-milanésias, [e que] lutaremos por uma Confe-
deração Malaia Maior”.49 A Confederasi Timor integrar-se-ia numa estrutura polí-
tica mais ampla e abrangente: a mítica “Confederação Malaia Maior”, dirigida por
um único dirigente que a orientasse por princípios socialistas. A última centrava-
-se em 4 princípios fundamentais: nacionalismo malaio, anti-colonialismo, anti-
-capitalismo e socialismo islâmico. Apesar deste documento não ter passado de
um mero manifesto político-propagandístico e estar impregnado de grandes
ambiguidades, omissões e generalidades superficiais, condicionou profunda-
mente a capacidade de intervenção da URT e contribuiu, em última análise, para
a sua falência política.
O texto em apreço permite-nos, por outro lado, tentar avançar com uma
classificação do grupo. A URT integrava características tradicionais e etno-nacio-
nalistas, isto é, era constituída por elementos conservadores e tradicionais,
profundamente ligados ao imaginário de uma sociedade islâmico-malaia em
Timor. Em termos comparativos e temporais os movimentos de libertação das
antigas colónias portuguesas em África surgiram no início do decénio de 1960.
Todavia, entre eles existia uma diferença acentuada. No seu estudo comparativo
sobre os movimentos de libertação da África lusófona, Chabal estabeleceu uma
tipologia tripartida. Os primeiros, eram os “modernizadores”, ou seja, aqueles que
partilhavam duma visão política universalista; os segundos eram os “tradiciona-
49 A “Proclamação de Independência” da URT foi proferida pelo presidente, interino, da orga-
nização, A. Mao Klao, em 9 de Abril de 1961. “‘Declaration of Independence’ [of the] Central Presidium
[of the] Union Republic of Timor at Temporary Quarters, Batugadé[,] Timor-Dilly, de 9 de Abril de
1961”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 29, 26, 21, 20,
18-19, IAN/TT, Lisboa.
371colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
listas”, que permaneciam presos a realidades político-sociais existentes ou imagi-
nadas; e, os terceiros eram os etno-nacionalistas, que não conseguiam transpor
a sua base tribal (1994, p. 238).
Apreensivo com o teor deste documento e a evolução da conjuntura regio-
nal, o governo australiano forneceu uma cópia à subdelegação de Timor da
PIDE50 e ao comando-chefe das forças armadas portuguesas em Timor, através do
consulado da Austrália, no dia 29 de Abril de 1961. Segundo o cônsul Francis
John Annesly Whittaker,51 a embaixada do seu país em Jacarta “procurou averi-
guar, onde ficava a casa, do referido movimento e, constatou, que no local
indicado, que é um ermo, apenas, existia uma casa, pequeníssima, facto que
levou a concluir à embaixada, que, os autores do manifesto, seriam em número
reduzido, dado a exiguidade das instalações”. Whittaker adiantou, ainda, que o
embaixador da Austrália em Jacarta, Laurence McIntyre, indagou junto do minis-
tério indonésio dos Negócios Estrangeiros [Departemen Luar Negeri] sobre o
assunto, mas foi informado que ao: “governo da Indonésia, era estranho tal
movimento, e, que o ignorava”.52 Para além das cópias fornecidas à PIDE e ao
50 A PIDE começou a actuar em Timor a partir de 2 de Março de 1961. Todavia, o seu inspector
Mário Ferreira da Costa visitou Timor em Agosto de 1959 para estudar a possibilidade de ser criada
uma subdelegação deste corpo policial no território, sob proposta de Filipe Themudo Barata,
governador da colónia entre 1959 e 1963 (Barata, 1998, p. 30).51 O representante consular australiano tinha uma longa experiência de Timor e da região por
duas razões fundamentais. Primeira, já exercia o cargo desde 31 de Agosto de 1955 (Portugal, 1961,
p. 377) e integrava a Reserva de Voluntários da Real Armada Australiana desde a II Guerra Mundial
(“Nota formal do alto comissário da Austrália em Londres, Thomas White, para o embaixador de
Portugal, Rui Enes Ulrich, de 2 de Julho de 1953” in “Nomeação do Sr. Francis John Annesly Whittaker
para o cargo de cônsul da Austrália em Díli”, RPA M. 790, AHDMNE, Lisboa). Durante a sua permanên-
cia, de quase 10 anos, à frente do consulado australiano em Díli, o seu governo instalou uma
delegação da Australian Secret and Intelligence Service (ASIS) na colónia portuguesa, o terceiro
escritório desta agência de informações do ministério australiano dos Negócios Estrangeiros num
país estrangeiro (Gunn, 1999, p. 261).52 “Ofício n.º 46/61-SR, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector
Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, tenente-coronel Homero de Matos, de 29 de Abril
de 1961”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc. n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 12,
IAN/TT, Lisboa.
372 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
comando da guarnição militar, o consulado australiano proporcionou um exem-
plar da tradução inglesa do comunicado de 2 de Novembro de 1960 “a título
absolutamente reservado”53 ao governador Filipe Themudo Barata.
A “colaboração” australiana continuou a observar-se posteriomente. Três
meses mais tarde, o cônsul australiano voltou a informar o comandante-chefe
das Forças Armadas portuguesas em Timor, coronel Luís Mário do Nascimento,
que a URT estava “desenvolvendo grande actividade [no] Timor indonésio[, na]
região [de] Atambua. Parece [que] nesta fase procura angariar prosélitos [para]
actuação posterior [no] território português como agentes subversivos”.54
A informação prestada pelo cônsul australiano parecia verídica. A edição do
diário Hong Kong Tiger Standard, do dia 14 de Agosto, publicou um despacho do
correspondente da agência noticiosa Associated Press em Kupang no qual era
afirmado que existiam todos os “ingredientes” para a precipitação de uma crise
na ilha – crescente tensão na região fronteiriça dos dois territórios, um embrio-
nário “movimento de libertação” e um vizinho hostil às políticas coloniais. De
acordo com este despacho, as autoridades portuguesas tinham nas últimas
semanas quase encerrado a fronteira entre os dois territórios após as autoridades
da Indonésia terem criticado com grande veemência Portugal pela sua atitude
em Angola. Por outro lado, a ABRI estava a investigar a URT pela distribuição de
panfletos em NTT que exortavam à expulsão dos portugueses de Timor-Díli. A
preocupação dos militares indonésios era de que um envolvimento com a URT
enfraquecesse o caso da Indonésia contra os Países Baixos na questão da Papua
Nova Guiné Ocidental.55
53 “Ofício n.º 26, secreto, do governador de Timor para o ministro do Ultramar, Adriano Moreira,
de 6 de Maio de 1961” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87, AHDMNE, Lisboa.54 “Ofício n.º 1822/B da 2.ª repartição (informações militares), confidencial, do secretário-
-adjunto da Defesa Nacional para o director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negó-
cios Estrangeiros e o chefe de gabinete do ministro do Ultramar, de 21 de Julho de 1961” in “Cônsul
da Austrália em Timor, 1961-1971”, Fundo MU/GM/GNP/E-07-15-01, A. 1, G. 3, M. 259, AHDMNE,
Lisboa.55 “‘Freedom Movement’ On Timor Threatening Portuguese Rule”, Hong Kong Tiger Standard (14
de Agosto de 1961), p. 1.
373colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Dois dias depois, a agência noticiosa Lusitânia divulgou um pequeno despa-
cho proveniente de Jacarta, que apontava para a natureza ambígua do movi-
mento. De acordo com a agência oficiosa do regime de Salazar, a URT era
“proeminente, mas não oficial”, que estava, contudo, a tentar “levantar o senti-
mento nacionalista naquela província portuguesa”.56
Factores subjacentes ao insucesso da URT
Várias razões concorreram para que a URT tivesse uma existência efémera e
sem grandes repercussões no terreno. Porém, por razões de espaço e brevidade,
neste trabalho vamos debruçarmo-nos sobre 8 das principais condições que
contribuíram decisivamente para o insucesso da URT. Aliás, estas variáveis con-
trastam com a actuação dos movimentos de emancipação em Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau, assim como com o das pequenas colónias africanas
de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, que conseguiram afirmar-se perante as
autoridades políticas portuguesas após o 25 de Abril de 1974.
Primeiro, as actividades da URT circunscreveram-se ao foro estritamente
político-propagandístico, isto é, à divulgação de comunicados e de outra propa-
ganda avulsa. Mas mesmo a este nível, as suas actividades foram também
extremamente exíguas, pois todos os comunicados eram escritos em bahasa
indonésio, língua que não era fluentemente dominada por “nenhum timorense”.57
Por outro lado, este movimento debateu-se com consideráveis problemas de
divulgação da sua propaganda nos órgãos de informação da Indonésia e estran-
geiros. Finalmente, existia um fosso acentuado entre a data da aparente tomada
de decisões ou de reuniões e a sua divulgação. Assim, apesar de terem sido
56 “As pretensões da organização ‘Timor Livre’”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.143 (17 de
Agosto de 1961), p. 6.57 “Relatório n.º 10/62-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector
Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 17 de Abril de 1962”,
PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 988, IAN/TT, Lisboa.
374 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
formados 8 “governos” entre 1963 e 1973, só se conhece a composição de 6
(anexo I). Desconhece-se por completo, a composição dos III e V “governos” que,
aparentemente, exerceram funções entre 1967 e 1969 e 1971 e 1973, respectiva-
mente.
Segundo, existia um intenso conflito os seus dirigentes. Conseguimos aferir
esta realidade pelo número de “remodelações” oficialmente divulgadas pelo
movimento. O I “governo”, previsto para durar dois anos, sofreu duas remodela-
ções. No dia 9 de Abril de 1963 foi constituído, em Batugadé, o primeiro “gover-
no” da URT. Este era composto por 12 ministros e vice-ministros, sendo três
mulheres (Ibid.), por nomeação do 1.º vice-presidente da URT, A. Mao Klao. A sua
actividade propagandística era, contudo, tão incipiente, que só conseguiram
divulgar o seu comunicado no dia 14 de Abril, isto é, 10 dias depois. Apesar da
sua distribuição junto das agências noticiosas indonésias e estrangeiras, só foi
divulgado pelo correspondente da Agence France-Presse (AFP) na capital javanesa
e pela revista Sovetskaya Rossia, de Moscovo. Os cinco parágrafos do despacho da
AFP davam a conhecer a divulgação do comunicado em Jacarta, os nomes dos
três principais dirigentes (chefe de Estado, chefe de governo e vice-chefe do
governo), solicitava o reconhecimento externo e recordava que Timor tinha uma
superfície de 15,007 Kms² e 500.000 habitantes.58 Como observou o encarregado
de negócios, interino, da legação de Portugal em Jacarta, Fernando Cardoso, o
despacho da AFP, “não teve a menor publicidade neste país nem foi incluída nos
noticiários da Agência Antara”.59
Por seu turno, o diário moscovita Sovetskaya Rossia publicou um artigo a
apoiar a URT, no dia 7 de Maio de 1963. De acordo com o seu repórter Marinov
a operação da Indonésia na Papua Nova Guiné Ocidental poderia ter repercus-
58 “United Republic Of Timor-Dilly”, South China Morning Post [Hong Kong], (15 de Abril de
1963), p. 1; “Freedom Fighters for Liberation”, The Voice of Ethiopia [Adis Abeba], (16 de Abril de 1963),
p 1; “Um Governo de Rebeldes”, Pravda [Moscovo], (16 de Abril de 1963), p. 6; “Eyes of Timor”, The
Baltimore Sun [Maryland], (2 de Maio de 1963), p. 4.59 “Ofício n.º 48, confidencial, de 18 de Abril de 1963, p. 2” in “Agitação nas províncias
ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,
Lisboa.
375colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
sões em Timor, pois com a queda de Goa e após Jacarta ter satisfeito as suas
pretensões sobre a ex-colónia holandesa, o território sob administração portu-
guesa tinha-se transformado numa cruel prisão e num inferno para os timorenses.
A formação da URT, sob a liderança de A. Mao Klao, e o pedido do último junto
de vários países para reconhecerem o seu movimento constituia o caminho mais
adequado para levar avante a independência do território.60 Dois dias depois,
dois jornais da Indonésia, o “Merdeka (governamental) e o Bintang Timur (comu-
nista)”, referiram-se à formação do governo da URT a partir do despacho conjun-
to, das agências Antara e Tass, que resumia o artigo publicado no Sovetskaya
Rossia.61
As esperanças depositadas no I “governo” da URT esvaneceram-se rapida-
mente. Apesar de estar prevista a sua vigência durante um período de dois anos,
isto é, entre 9 de Abril de 1963 e 9 de Abril de 1965, este foi remodelado no dia
10 de Julho de 1963, isto é, teve uma existência de três meses. Muito provavel-
mente dissenções políticas internas ditaram o seu fim.
Na sequência da primeira remodelação, o primeiro “governo” remodelado
durou 13 meses, sendo constituído por 21 “ministros”. Quem perdeu com esta
remodelação foi o “primeiro-ministro” T.E. Maly Bere. Este foi substituído pelo
presidente da Presidência Central da URT, A. Mao Klao, que passou a acumular
estes dois importantes cargos. No comunicado de circunstância foi divulgado
que iriam ser enviados delegados à ONU, em Nova Iorque, e aos Estados inde-
pendentes africanos,62 para os elucidar sobre a situação em Timor e apelava aos
Estados malaios no sentido de apoiarem a URT e a cortarem relações diplomáti-
cas com Portugal.63
60 “Mao Klao Presiden REP. Persatuan Timor”, Merdeka [Jacarta], (9 de Maio de 1963), p. 1.61 “Ofício n.º 52, confidencial, de 11 de Maio de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas:
Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.62 Embora a decisão tivesse sido tomada em 3 de Abril de 1963, quatro meses mais tarde, a URT
ainda continuava a ponderar o eventual envio de representantes à ONU e a vários países africanos
(“Insurgents Going To U.N.”, Pretoria News [14 de Agosto de 1963], p. 8).63 O último pedido teria, certamente, como objectivo primordial impedir politicamente que os
novos Estados malaios estabelecessem relações diplomáticas formais com Portugal. “‘Announcement
376 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Os três principais dirigentes do primeiro “governo” remodelado da URT, A.
Mao Klao, presidente; T.E. Mali Bere, primeiro-ministro; e Immany, vice-primeira-
-ministra, eram naturais de Atsabe, Timor Português, segundo o inspector, inte-
rino, da subdelegação em Timor da PIDE, Armando Rodrigues Rego.64 Um relató-
rio posterior da PIDE identificava, contudo, A. Mao Klao,65 como sendo Gaspar
Kalau, descendente de pais portugueses oriundos de Suai. Este indivíduo era
professor de liceu em Toe, em NTT, e falava inglês, holandês e alemão. Aparente-
mente, era “muito evoluído” e visitava “os seus parentes em Suai”.66
Relativamente a T.E. Mali Bere, a PIDE identificou-o como sendo Tomás
Malibere, cunhado de Silvestre Martins Nai Buti Seço.67 O primeiro deveria ser
“descendente de timores portugueses, mas nascido em Atambua. Está ligado ao
antigo regulado de Lemeia, hoje subdividido em vários sucos, sob a gerência do
Posto de Hatolia, do concelho de Ermera. Um dos parentes desse Mali Bere, talvez
mesmo o pai, foi régulo de Lameia, mas em 1912, quando da luta travada entre
ele e a família do actual chefe de um dos sucos – Lemeia-Craic –, teve de fugir
para o Timor Indonésio, donde nunca mais voltou, ignorando-se se ainda é vivo.
No entanto, os seus parentes nunca perdem a ideia de voltar para o seu regula-
do”.68
Silvestre Martins Nai Buti Seço, por seu turno, era “filho do antigo liurai de
Hatolia, fugido para o território indonésio, por ‘traição à Bandeira’ quando da
[of the] Directorate General [of the] Central Presidium of the Union Republic of Timor-Dilly’, assinado
pelo director-geral Abdullah Kalao, de 20 de Julho de 1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-
-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 105-106, IAN/TT, Lisboa.64 “Relatório n.º 11/63-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da
PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 4 de Junho de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.
8972, fl. 388, IAN/TT, Lisboa.65 Aliás, Mao Klao Muhammad Saleh Akbar Balikh.66 “Relatório apresentado pelo chefe da subdelegação da PIDE de Timor, inspector, interino,
Armando Rodrigues Rego, na Comissão de Coordenação de Defesa Timor, em 3 de Setembro de
1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 289, IAN/TT, Lisboa.67 Ibid.68 “Relatório n.º 9/63-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da
PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 7 de Maio de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.
8972, fl. 435, IAN/TT, Lisboa.
377colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
guerra de Manufai, em 1912, que, ambicionando voltar às terras dos seus ante-
passados, solicita o apoio de quem quer que seja, para atingir o fim em vista”.69
Aliás, o chefe da subdelegação da PIDE em Timor, inspector, Armando Rodrigues
Rego, informou o cônsul de Portugal em Jacarta, António Pinto da França,
aquando da sua visita a Timor, entre os dias 8 e 15 de Dezembro de 1965, “que
nenhum dos indivíduos, até agora referenciados, é português e que, nem mes-
mo, aqui alguma vez residiram; quando muito podem ser oriundos dos portu-
gueses fugidos para a Indonésia em 1912, quando da ‘Guerra de Manufai’, mas,
pode-se afirmar, nenhum é português”.70 Nai Buti era um elemento importante
porque mantinha uma rede informal de informadores nos bazares na zona de
fronteira do Timor Português.71
Com o desígnio de obter apoios externos a URT enviou comunicados
às missões diplomáticas estrangeiras acreditadas junto do governo de Jacarta.
O encarregado de negócios, interino, de Portugal em Jacarta, José Eduardo
de Melo Gouveia, informou Lisboa que o seu colega da embaixada da Turquia
lhe confidenciara que a delegação da URT tinha enviado um ofício circular
às missões diplomáticas dos países árabes do Médio Oriente a divulgar a rela-
ção dos membros do 2.º governo da URT.72 Numa grande falta de tacto polí-
tico, a URT declarava-se alinhada com os Estados Malaios, que na altura ascen-
diam a 250 milhões de pessoas, e apoiava abertamente a criação do Esta-
69 “Relatório n.º 7/65-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da
PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 12 de Outubro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª,
N.T. 8973, fl. 313, IAN/TT, Lisboa.70 “Relatório n.º 12/65-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da
PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 21 de Dezembro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-
-2.ª, N.T. 8973, fl. 112, IAN/TT, Lisboa.71 “Relatório n.º 12/64-GU, confidencial, do inspector, interino, da subdelegação de Timor da
PIDE, Armando Rodrigues Rego, de 11 de Agosto de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª,
N.T. 8973, fl. 915, IAN/TT, Lisboa.72 “Ofício UL 413, confidencial, do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério
dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,
de 30 de Outubro de 1964”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.
3292, fl. 107, IAN/TT, Lisboa.
378 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
do Malaio, o que criou, inevitavelmente, obstáculos nas relações com a Indo-
nésia.73
A imprensa indonésia e a agência noticiosa oficial Antara, com a excepção
da imprensa alinhada com o Partai Kommunis Indonesia – PKI (Partido Comunista
da Indonésia), não deu cobertura alguma à formação do II governo da URT.74
Porém, a delegação em Jacarta da Agence France-Presse divulgou um despacho
em que dava a conhecer os três principais dirigentes da URT. Este despacho foi
divulgado por vários órgãos da imprensa internacional.
O IV “governo” da URT era constituído por 27 membros e vigorou entre 9 de
Abril de 1969 e 9 de Abril de 1971.75 Enquanto o VI, cujo mandato decorreu entre
9 de Abril de 1973 e 9 de Abril de 1975, foi oficialmente divulgado no dia 28 de
Junho de 1973, alegadamente em Batugadé. Este governo era constituído por 19
ministros e 1 secretário de Estado (Anexo II). A delegação da URT em Jacarta
encarregou-se de divulgar o comunicado da relação dos membros do “Conselho
de Ministros” junto das embaixadas estrangeiras acreditadas junto do regime de
Mohammed Suharto. Porém, segundo o cônsul português, Manuel Lopes da
Costa, “a grande maioria das Missões acreditadas na capital da Indonésia não
dedicou ao assunto a menor atenção, por não atribuir aquele movimento qual-
quer representatividade”.76
Terceiro, a latente incapacidade de actuação da URT no terreno estava
relacionada com a sua base tribal e religiosa minoritárias. De acordo com a PIDE,
73 Ibid., fl .108.74 “Ofício n.º 4064/L-8-I, muito secreto, do director do gabinete dos Negócios Políticos do
ministério do Ultramar para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 28 de Junho de
1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fls. 118, IAN/TT,
Lisboa.75 “‘Cópia de tradução’ do comunicado do ‘Presidium Central da URT, assinado pelo presidente,
A. Mao Klao, de 9 de Abril de 1969”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR,
N.T. 3292, fls. 12-14, IAN/TT, Lisboa.76 “Ofício n.º 5955, PAA 948, do director-geral dos Negócios Politicos do ministério dos
Negócios Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral de Segurança, major Fernando
da Silva Pais, de 9 de Agosto de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do Timor
Português”, Proc. n.º 18891/CI(2), N.T. 7826, fl. 18, IAN/TT, Lisboa.
379colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
os principais dirigentes da URT eram naturais da região de expressão quêmaque.77
Esta área começava na “bacia da Lóis, prolongando-se desde o mar da costa
norte para o interior até Atsabe, Laimean e Marôbo” (Felgas, 1956, p. 175). As
origens deste grupo, no passado recente, remontavam às lutas pelos regulados
na zona fronteiriça entre Timor e Nusa Tenggara Timur (NTT), aquando da ocupa-
ção de Timor pelos japoneses. Aparentemente, os timorenses de expressão
quêmaque teriam apoiado os japoneses integrando as “colunas negras”.78 Após a
reocupação de Timor pela administração portuguesa, a maioria dos timorenses
de expressão quêmaque que colaboraram com os japoneses refugiaram-se na
Indonésia, passando muitos a integrar as forças armadas deste país. Esta versão
da polícia política do regime foi, porém, mitigada pelo representante português
em Jacarta. De acordo com António d’Oliveira Pinto da França,79 a URT “parece ser
constituída por um pequeno grupo, na maioria comerciantes de origem árabe,
instalado na zona da fronteira, do lado indonésio. Aparentemente os seus laços
com Timor português são remotos e as reivindicações a uma liderança de
nacionalismo timorense corresponderão sobretudo a oportunismo e a ambições
de promoção individual” (pp. 83-84).
Apesar desta base política em NTT, a URT nunca conseguiu exercer influên-
cia política significativa junto dos timorenses de expressão quêmaque residentes
em Timor-Leste, que ascendiam a 50.000 habitantes, em 1956 (Felgas, 1956,
p. 175). Esta atitude deveu-se, em parte, ao agravamento das profundas clivagens
inter-étnicas em NTT, em particular, e na Indonésia, em geral. Os timorenses
77 “Relatório 11/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,
interino, Armando Rodrigues Rego, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 4 de
Junho de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 387-388, IAN/TT, Lisboa.78 As “colunas negras” foram milícias timorenses organizadas, treinadas e orientadas pelas
forças de ocupação nipónicas em Timor, entre 1942 e 1945. Os principais objectivos destes corpos
foram criar sérios obstáculos às operações de guerrilha levadas a cabo pelas forças armadas da
Austrália em Timor e intimidar política e psicologicamente a débil administração portuguesa, os
residentes brancos e o escol timorense e as autoridades gentílicas tradicionais alinhadas Portugal e
actuar contra as “colunas brancas” afectas à administração colonial portuguesa.79 Cônsul de Portugal em Jacarta entre 22 de Janeiro de 1965 e 24 de Julho de 1970 (Portugal,
1971, p. 230).
380 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
que viviam junto à fronteira e que tinham familiares a viver em NTT estavam
cientes da profunda crise e das dificuldades políticas e inter-étnicas por que
passavam os timorenses que residiam no Timor Indonésio. O NTT era totalmente
dominado por militares javaneses e os naturais do território eram sistematica-
mente preteridos nos principais cargos da administração regional, assim como
em funções que eram por tradição atribuídas às autoridades gentílicas, como,
por exemplo, os postos de rajás e de liurais. Esta conjuntura contribuiu para que
grassasse um acentuado conflito político e inter-étnico entre os naturais da NTT
e os javaneses, sendo os últimos apelidados de “holandeses negros” pelos pri-
meiros.
Esta situação deteriorou-se com o acentuado agravamento da crise econó-
mica e social em NTT. A carência de comestíveis e vestuário, salários precários e
a carestia de vida80 contribuiu, por exemplo, para que os habitantes da região
fronteiriça da NTT se deslocassem com grande frequência aos bazares de Balibó
e de outras localidades do Timor Português para comprarem produtos que
escasseavam no Timor Indonésio. Estas interacções permitiram, certamente, aos
timorenses do Leste, especialmente aos que viviam na região fronteiriça, estarem
conscientes da situação que se vivia em NTT e facilitou o trabalho de recolha de
informações por parte da subdelegação da PIDE em Díli sobre a situação política,
económica e social no Timor Indonésio.
Por outro lado, a debilidade da URT foi reforçada pela sua forte matriz
confessional islâmico-malaia numa colónia na sua esmagadora maioria animista
e tendencialmente católica. Esta realidade comprometeu a implantação do mo-
vimento junto dos timorenses. Na opinião de Hélio Felgas, “nem o induísmo nem
o islamismo exerceram qualquer influência sobre o timorense” (p. 153). A esma-
gadora maioria era animista e só 60.000 timorenses, ou seja, 13,7% da população
era católica, em meados de 1950. Este número aumentou para 122.167, ou seja,
21,9%, em 1964 (Pedro, 1965, p. 685), 153.280, isto é, 25,1%, em 1970 (Barata,
80 “Relatório n.º 8/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,
interino, Armando Rodrigues Rego, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 23 de
Abril de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 457, IAN/TT, Lisboa.
381colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
1998, p. 75), e para “cerca de um terço da população timorense” em 1974
(Magalhães, 1999, p. 10; Almeida, 1994, p. 642).81
Mesmo que as actividades da URT conseguissem apelar à diminuta comuni-
dade “árabe” de Díli,82 esta foi infiltrada pela PIDE/DGS no sentido de a neutralizar
de eventuais efeitos de propaganda. A comunidade “árabe” vivia nas várzeas
próximo da cidade, mas nunca mostrou qualquer interesse pela URT, nem pelas
actividades do consulado da Indonésia. Segundo um relatório da PIDE, o cônsul
da Indonésia em Díli, Roeslan Soeroso:
“Procurou infiltrar-se na comunidade árabe, onde o terreno lhe é mais
fácil, dada a identificação religiosa, mas em virtude da nossa persistên-
cia em mostrarmos claramente que sabemos das suas intenções, desis-
tiu e, até, já, em conversas com amigos comuns, se queixou que ‘o
Senhor Inspector da PIDE é um bom companheiro e muito boa pessoa,
mas anda sempre a perseguir-me; julga que eu vou para o bairro árabe
com intuitos reservados… eu vou ali para comprar frangos e ovos’. Pois
sim; o Senhor Cônsul que vá comprando ‘os frangos e ovos’ que enten-
der, mas não tenha a veleidade de julgar que é capaz de organizar
‘qualquer coisa’ sem que seja por nós imediatamente assinalada e
desarticulada”.83
A recolha de informações pela subdelegação em Timor da PIDE permitiu
neutralizar todas as tentativas de infiltrações informais da Indonésia. Assim, a
PIDE criou um posto na circunscrição de Balibó, em Abril de 1963, com um
agente que falava bem o tétum, conhecia o meio e mantinha relações amistosas
com as autoridades gentílicas tradicionais, o que permitiu debelar todas as
81 Durand defende, todavia, que 28% da população de Timor-Leste era católica em 1973 (p. 69).82 De acordo com Geoffrey C. Gunn a diminuta comunidade islâmica de Díli “were speakers of
Malay and otherwise acculturated to Malay culture” (p. 243).83 “Relatório, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector, interino,
Armando Rodrigues Rego, para o subscretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva Cunha,
de 5 de Dezembro de 1964”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 739, IAN/TT, Lisboa.
382 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
iniciativas da Indonésia e da URT. Por outro lado, a PIDE neutralizou várias
tentativas de aliciamento dos timorenses de expressão quêmaque, assim como
se manteve bem informada sobre a conjuntura política, económica e social na
Indonésia através dos contactos privilegiados que manteve com timorenses
católicos da NTT.
A reanimação das tropas de 2.ª linha, constituídas essencialmente por
timorenses, no princípio do decénio de 1960, revelou-se, por outro lado, um
eficaz dispositivo de segurança para neutralizar os indonésios e a URT (Barata,
1998, pp. 136-141; Fernandes, 2005, p. 139).
Quarto, ao contrário do que sucedeu em Angola, Guiné e Moçambique,
onde surgiram movimentos de libertação que conseguiram desencadear activi-
dades de luta armada, a URT mostrou-se totalmente incapaz de se afirmar
politicamente por este meio. Embora a última institui-se um Conselho Militar
no dia 10 de Junho84 de 1963 com o objectivo de “coadjuvar a presidência central
da URT”, em nada contribuiu para a prossecução da luta armada contra a
administração colonial portuguesa. Apesar do Conselho Militar ser constituído
por 22 elementos e estes serem equiparados a “ministros” do “governo”, a
sua criação parece ter sido mais uma manobra por parte de A. Mao Klao para
reforçar o controlo da URT, pois passou a acumular a presidência, interina, da
URT, com a de presidente supremo do Conselho Militar. Esta atitude deveu-se
essencialmente ao facto que ele não integrava o I “governo” da URT, nomeado
em 9 de Abril de 1963 (anexo II). Todavia, um mês após ter sido nomeado
“presidente supremo” do Conselho Militar, o I “governo” foi remodelado, em 10
de Julho, passando ele a acumular os cargos de “primeiro-ministro” e de “mi-
nistro dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia” (Ibid.) Na realidade, o
Conselho Militar da URT nunca conseguiu desencadear qualquer operação
de luta armada em Timor. Segundo um relatório da subdelegação em Timor da
PIDE:
84 Esta data passou a ser designada “oficialmente” como o “Dia das Forças Armadas” da URT.
383colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
“Parece também que o grupo que constitui o chamado ‘Presidium da
União da República de Timor-Díli’ em nada afecta a nossa segurança, em
virtude de, nesta Província, não terem sequer conhecimento dele. Crê-se,
até que se trata de um grupo de indivíduos, residentes em Jacarta, com
responsabilidades ou não na governação da Indonésia, os quais, usando
pseudónimos, se intitulam paladinos de uma ‘Libertação’ com que os
timorenses nem sonham. Um facto é certo, até hoje ainda nada nem
ninguém concretamente indicou que quaisquer desses indivíduos seja
timorense, ou mesmo que exista com o seu verdadeiro nome”.85
Esta realidade, contribuiu para que anos mais tarde o ministro dos Negócios
Estrangeiros da Indonésia, Adam Malik, duvidasse publicamente da “genuidade”
da URT por não conseguir levar avante a luta armada. Na conferência de impren-
sa concedida no dia 1 de Agosto de 1973, o chefe da diplomacia da indonésia
declarou que embora sustentasse dúvidas sobre a autenticidade da URT, não a
proibia. Porém, acrescentou que: “se são, na realidade, combatentes da liberda-
de, devem ir para Timor e travar a sua luta no interior”.86 Caso não o fizessem não
passavam de uns “aventureiros”.87 Com o intuito de assegurar a máxima divulga-
ção desta posição oficial, a Radio Republik Indonesia difundiu o despacho da
Reuters.88
Quinto, o movimento manteve historicamente relações difíceis com o regi-
me de Jacarta, do qual dependia in extremis. Seis razões condicionavam o seu
85 “Informação n.º 394-SC/CI(2), confidencial, sobre a ‘situação en Província de Timor’ da
subdelegação da PIDE de Díli, de 14 de Abril de 1966”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”,
Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 44, IAN/TT, Lisboa.86 “Despacho n.º 56 da delegação em Jacarta da agência noticiosa Reuters, de 1 de Agosto de
1973” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa;
“Perintrep n.º 8/73, referente ao período de 1 a 30 de Agosto de 1973, do comando militar de Timor”,
PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8979, fl. 413, IAN/TT, Lisboa.87 Ibid.88 “Ofício n.º 59, secreto, do governador de Timor, coronel graduado Fernando Alves Aldeia,
para o ministro do Ultramar, Silva Cunha, de 7 de Agosto de 1973” in “União Repúb. Timor”, Fundo
MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.
384 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
comportamento. Primeira, a URT surgiu inicialmente sob os auspícios do gover-
no provisório rebelde Pemerintah Revolusioner Republik Indonesia (PRRI),89 que
desafiou o regime de Sukarno.90 Este movimento ambicionava obter uma ampla
autonomia política, administrativa, financeira e cultural das várias ilhas e regiões
do imenso arquipélago em relação a Jacarta, fortemente orientado por javaneses,
89 “Relatório n.º 43/63-GU, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector,
interino, Armando Rodrigues Rego, para o chefe de gabinete do governador de Timor, capitão João
de Beires Junqueira, de 16 de Abril de 1963”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 466,
IAN/TT, Lisboa. Esta informação foi confirmada pelo governo de Timor. De acordo com este, a URT
foi instituída pela Pemerintah Revolusioner Republik Indonesia [Governo Revolucionário da República
da Indonésia], um partido político que contava com “pouca aceitação” em Jacarta “e nenhuma no
Timor Indonésio” (“Ofício n.º 34, secreto, do encarregado do governo de Timor, brigadeiro Francisco
António Pires Barata, para o ministro do Ultramar, comandante António Augusto Peixoto Correia, de
19 de Abril de 1963, p. 4” in “Geral”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-00, A. 15, G. 2, M. 87, AHDMNE, Lisboa).90 Devido à grande instabilidade política que grassava na Indonésia, em parte motivado pelas
reivindicações para mais autonomia por parte de algumas províncias que se achavam preteridas
pelo governo central, surgiram duas rebeliões regionais, uma centrada na parte oriental do país e
outra na parte ocidental. Assim, em 2 de Março de 1957 o comandante da região militar oriental da
Indonésia, tenente-coronel Herman Nicolas “Ventje” Sumual, com o apoio de outros militares e
dirigentes políticos civis, adoptaram a Piagam Perjuangan Semesta Alam – Permesta (Carta da Luta
Universal) (Harvey, 2003 [1977], pp. 164-167). Este documento reivindicava a restauração na íntegra
dos direitos das regiões, autonomia financeira, aumento dos fundos de fomento, as indemnizações
do governo japonês e um certo controlo sobre a nomeação de funcionários governamentais. Este
grupo tinha como base regional de apoio a parte oriental da Indonésia, nomeadamente a região
norte da ilha Sulawesi [Celebes]. Uns meses mais tarde, com o apoio do segundo maior partido
islâmico da Indonésia Madjelis Sjuro Muslimin Indonesia – Masjumi (Conselho Consultivo dos Muçul-
manos Indonésios), alguns dirigentes do Partai Sosialis Indonésia – PSI (Partido Socialista da Indonésia),
oficiais generais e comandantes regionais das forças armadas da Indonésia e a complacência do ex-
vice-presidente do país, Mohammed Hatta, o governo provisório do PRRI surgiu na ilha de Sumatera
[Samatra], em 15 de Fevereiro de 1958. Este acto contribuiu para o fim da “democracia parlamentar”
na Indonésia. O governo dos EUA e os seus aliados do sudeste asiático – nomeadamente a Austrália
e o Reino Unido – ofereceram, secretamente, auxílio logístico ao PRRI. Em resposta a este desafio,
Sukarno desencadeou uma campanha de repressão maciça sobre estas duas províncias rebeldes.
Esta concluiu-se em 17 de Agosto de 1961, quando o “primeiro-ministro” rebelde, Sjafruiddin
Prawiranegra, e 34 outros destacados dirigentes do PRRI se renderam às forças leais ao chefe de
Estado (Cowan, 1963, pp. 246-247). Para uma análise circunstanciada do movimento regional PRRI/
Permesta vide o óptimo trabalho de Harvey, 2003 [1977].
385colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
e reduzir a influência do Partai Kommunis Indonesia – PKI (Partido Comunista da
Indonésia) no sistema político do país. Com a derrota do PRRI, a existência da URT
tornou-se extremamente débil e dependente da benevolência de Jacarta.
Segundo, o governo central da Indonésia receava que um eventual patro-
cínio público e directo da URT poderia ser usado por forças políticas internas
como pretexto para precipitar o ressurgimento de movimentos separatistas no
próprio país, apesar destes terem, em parte, sido fortemente reprimidos e perse-
guidos no início do decénio de 1960. Aliás, esta posição foi expressa pelo
diplomata José Eduardo de Melo Gouveia, antigo encarregado de negócios de
Portugal em Jacarta, num encontro que teve em Camberra com destacadas
individualidades políticas australianas. Na opinião deste diplomata: “o eventual
apoio da Indonésia ao movimento de independência de Timor, esclareci a título
pessoal, que difícilmente Sukarno viesse a tomar abertamente essa orientação
visto o perigo de criar uma precedência para movimentos de separação prevale-
centes e subsidiários à República da Indonésia, caso das Molucas e mesmo da
Samatra”.91
Terceiro, a conduta de grande ambiguidade de Jacarta em relação à URT
enquadrava-se na sua política de apoio aos movimentos rebeldes e aos “gover-
nos no exílio” – nomeadamente, do Bornéu do Norte e às suas tentativas sub-
-reptícias para incorporar a Papua Nova Guiné Ocidental na Indonésia (Saltford,
2003). Esta atitude suscitou uma grande desconfiança por parte dos dirigentes
da URT. O cisma foi tão profundo que a URT se deu ao trabalho de publicar e
divulgar a sua constituição, em 4 de Maio de 1965 (anexo V), na qual reiterava o
seu desígnio de obter a independência “absoluta” de Timor-Díli e manifestava
grande empenho no princípio que “she is never prone to be annexed by any
neighboring country” (Ibid.). Como asseverou com grande perspicácia o cônsul
António de Oliveira Pinto da França para o Palácio das Necessidades:
91 “Telegrama n.º 33 recebido do encarregado de negócios de Portugal em Camberra, José
Eduardo de Melo Gouveia, em 26 de Agosto de 1965” in “Relações políticas de Portugal com a
Austrália: geral, 1961-1966”, PAA M. 1176, AHDMNE, Lisboa.
386 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
“que no caso da Indonésia decidir desencadear uma ofensiva contra
Timor, ofensiva que na melhor das probabilidades tomará uma forma
indirecta de preferência a uma intervenção directa, o Governo Indonésio
não poderá servir-se deste movimento da ‘União da República de Timor’
sem que previamente tenha promovido nos seus exíguos quadros uma
reforma radical que assegure ‘obediência e docilidade’”.92
Na disputa entre Jacarta e Kuala Lumpur pela liderança do mundo malaio, a
URT nutria uma certa simpatia pelo regime de Tunku Abul Rahman, da Malásia.
Esta situação intensificava, obviamente, atitudes de distância por parte do regi-
me de Sukarno, que mantinha uma política de grande intransigência política em
relação a Kuala Lumpur, como se verificou durante a vigência da política de
confrontasi com a Malásia.
Aliás, sintomático da relação difícil entre Jacarta e a URT foi a informação
prestada pelo novo cônsul da Indonésia em Díli, Roeslan Soeroso, ao comandan-
te militar de Timor, tenente-coronel Manuel Amadeu Gomes Madail de Sousa
Teles. O primeiro informou o segundo, que A. Mao Klao, presidente, interino, da
URT, se encontrava detido em Jacarta “para evitar aborrecimentos aqui”.93 O
cônsul indonésio “teria confidenciado este facto para evidenciar a disposição das
autoridades do seu país em evitar incidentes com as nossas”.94 Interpelado pelo
ministério dos Negócios Estrangeiros sobre o assunto, o encarregado de negó-
cios de Portugal em Jacarta, José Eduardo de Melo Gouveia, informou o Palácio
das Necessidades que não existiam razões para recear uma atitude hostil por
parte de Jacarta, pois não desejava “agitar connosco ou contra nós problemas
92 “Ofício n.º 83 de 18 de Setembro de 1965” in “Relações políticas de Portugal com a Austrália:
geral, 1961-1966”, PAA M. 1176, AHDMNE, Lisboa.93 “Perintrep n.º 3/64, de 1 a 31 de Março de 1964” PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.
8973, fl. 1196, IAN/TT, Lisboa.94 “Ofício UL 549 enviado em nome do director-geral dos Negócios Políticos do Ministério dos
Negócios Estrangeiros, Soares de Oliveira, para o director do gabinete dos Negócios Políticos do
ministério do Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira, de 20 de Maio de 1964” in “Agitação nas
províncias ultramarinas: actividades de indivíduos relacionadas com os movimentos nacionalistas:
Timor – Mao Klao”, PAA M. 522, AHDMNE, Lisboa.
387colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
susceptíveis de controvérsia, julgue mais conveniente manter o status quo, coe-
xistindo, não provocando, nem permitindo que outros no interior da República
o façam”. Relativamente à URT, chamou à atenção que “no plano interno, o
problema poderá degenerar num perigoso precedente, abrindo caminho à de-
sintegração política das diferentes sócio-etnias, aglutinadas mais ou menos à
força e pela força, na República da Indonésia”.95
Quarto, a URT era um movimento islâmico num Estado laico, o que contri-
buiu para uma certa desconfiança dos dirigentes do movimento por parte de
Jacarta e nos permite, em parte, compreender a dificuldade com que actuava
junto de missões diplomáticas estrangeiras acreditadas junto do governo da
Indonésia. Em suma, “the host state may be theoretically enthusiastic toward the
movement but pragmatically reluctant to assume the cost of sponsorship” (Bell, 1981
[1970], p. 165).
Quinto, após a consolidação no poder do regime anticomunista de Suharto
e a restauração do status quo ante em relação ao Timor Português, a URT foi
afectada pela conjuntura de guerra fria ao ser acusada pela imprensa indonésia
de ser um instrumento do PKI e da União Soviética na região.
A primeira acusação partiu dos diários Merdeka e The Indonesian Observer,
nas suas edições do dia 29 de Setembro de 1969. De acordo com o primeiro
jornal, um relatório das autoridades da Indonésia davam conta que vários oficiais
das Forças Armadas Portuguesas tinham levado a acabo três tentativas infrutífe-
ras para reactivar a URT e proclamar a independência da “República de Timor”. A
quarta tentativa gorada tinha tido lugar após o golpe falhado do PKI de 30 de
Setembro de 1965. Este teria como objectivo acolher os dirigentes do PKI que
tinham conseguido escapar e que pretendiam usar Timor-Díli como uma base
para regressar à Indonésia. Embora o Merdeka não conseguisse confirmar esta
versão dos acontecimentos junto das autoridades da Indonésia, a fonte confir-
95 “Ofício, n.º 61, confidencial, do encarregado de negócios da legação de Portugal em Jacarta,
José Eduardo de Melo Gouveia, para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, de 27
de Julho de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: actividades de indivíduos relacionadas
com os movimentos nacionalistas: Timor – Mao Klao”, PAA M. 522, AHDMNE, Lisboa.
388 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
mou que o governo de Suharto conhecia o relatório, mas que estava a conduzir
uma investigação acerca da possibilidade das autoridades portuguesas desco-
nhecerem o envolvimento dos seus oficiais.96 Uma notícia quase idêntica surgiu
no The Indonesian Observer 97 do mesmo dia, citando o Merdeka.
A notícia foi divulgada internacionalmente no dia seguinte. O Straits Times,98
de Singapura, e o Hong Kong Standard99 publicaram um despacho proveniente da
delegação da agência Reuters na capital javanesa no qual recordava que a
informação sensacionalista acerca da alegada atitude dos oficiais portugueses
fora publicada no diário Merdeka, propriedade de Burhanuddin Mohamad Diah,
ministro da Informação dos dois primeiros governos de Suharto, ou seja, entre 25
de Julho de 1966 e 6 de Junho de 1968.
A notícia foi desmentida por várias instituições. O consulado de Portugal em
Jacarta e o Departemen Luar Negeri negaram ter conhecimento da alegada
conspiração entre oficiais da guarnição militar portuguesa e a URT, no dia 29 de
Setembro.100 Quatro dias mais tarde, o presidente, interino, da assembleia geral
da Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União Geral da Raça Malaia) e da sua
delegação em Timor-Díli, desmentiu categoricamente a notícia, dos dois princi-
pais diários de Jacarta. De acordo com A.B. Lao, a URT tinha sido fundada em 9
de Abril de 1961 sob a liderança de A. Mao Klao. Refutou veementemente que a
URT integrasse membros das Forças Armadas Portuguesa, defendeu que conti-
nuava a sua luta contra a administração colonial portuguesa, que não se tinha
envolvido com o PKI na Indonésia ou oferecido Timor-Díli para uma base comu-
96 “Timor Portugis Basis Komunis? [“O Timor Português é uma base comunista?”], Merdeka
[Jacarta], (29 de Setembro de 1969), p. 1.97 “Portuguese Plot to Set Up Pro-Red Republic in Timor”, The Indonesian Observer [Jacarta], (29
de Setembro de 1969), p. 1.98 “Tentativa para estabelecer uma base vermelha no Timor Português”, The Straits Times (30 de
Setembro de 1969), p. 1; “Portuguese Plot: Red Base in Timor”, Hong Kong Standard (30 de Setembro
de 1969), p. 1.99 “Portuguese Plot: Red Base in Timor”, Hong Kong Standard (30 de Setembro de 1969), p. 1.100 “Pro-Red Plot in Portuguese Timor Denied”, The Indonesian Observer [Jacarta], (1 de Outubro
de 1969), p. 1.
389colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
nista. Aproveitou a oportunidade para reiterar a vontade da URT em fortalecer as
suas relações com os Estados irmãos da Indonésia, da Malásia e das Filipinas,
recordando, contudo, que esta predisposição tinha sido seriamente afectada
pelas insidiosas tentativas para associar a URT ao PKI.101
Não obstante o desmentido, o cônsul indonésio em Díli, solicitou uma
audiência ao governador para lhe dar conhecimento dela e interpelá-lo sobre
o seu teor. Durante a reunião, Agoes102 defendeu “que o Governo indonésio
sendo anticomunista não poderia aceitar uma situação como a que se prevê
no artigo”.103 O brigadeiro José Nogueira Valente Pires informou o cônsul “que
como ele sabia o Governo português também era anticomunista e portanto tal
situação nunca seria criada, além de que com a sua permanência nesta cidade
tinha conhecimento do que se passava e nunca tal tentativa existiu ou estaria
a ser engendrada”.104 Apesar de se ter manifestado contente com a declaração
do governador, “no final insistiu três vezes, se a informação dada era segura e
se poderia com confiança desmentir a notícia ao seu Governo em Jacarta. Foi-
-lhe afirmado que sim e que o melhor local para saber da intenção da mesma
seria em Jacarta onde teve origem, ou em Singapura onde foi publicado”.105 O
governador suspeitou, porém, que estas “notícias sejam postas a circular pelo
próprio Governo indonésio, com a intenção de arranjar uma justificação
para intervir no nosso território com base na suposta defesa dos seus interes-
ses”.106 Apesar da sua escassa plausibilidade, recomendou que “não pode
101 “‘Uni Rep. Timor’ Bukan Komunis” [“A ‘União da República de Timor’ não é comunista”],
Merdeka [Jacarta], (3 de Outubro de 1969), p. 1; “Timor Dilly Movement Not Pro-Red”, The Indonesian
Observer [Jacarta], (3 de Outubro de 1969), p. 1.102 Reconhecido provisoriamente como cônsul da Indonésia em Díli pelo ministério português
dos Negócios Estrangeiros, em 7 de Setembro de 1967 (“Aviso da repartição de gabinete”, Boletim
Oficial de Timor, n.º 43 (28 de Outubro de 1967), p. 717).103 “Ofício n.º 82, secreto, do governador José Nogueira Valente Pires para o ministro Silva
Cunha, de 15 de Outubro de 1969” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2,
M. 88, AHDMNE, Lisboa.104 Ibid.105 Ibid.106 Ibid.
390 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
deixar de ser estudada, a fim de nos precavermos contra todas as eventualida-
des”.107
Porém, as acusações não cessaram. Três anos mais tarde centraram-se sobre
uma alegada dependência pecuniária da União Soviética. O jornal Raya, de
Jacarta, denunciou, na sua edição do dia 3 de Abril de 1972, o alegado apoio
financeiro prestado pela embaixada soviética à URT.108 Na sequência desta notí-
cia, o semanário The Asian, de Hong Kong, publicou outra do mesmo teor. Esta
situação levou o regime de Suharto a ordenar a apreensão da edição em apreço
no dia 19 de Abril de 1972.109 A despeito da última decisão, os diários The Irish
Press, de Dublim, e o Il Fiorino, de Roma, publicaram, nos dias 8 e 14 de Novembro
de 1973, respectivamente, uma notícia idêntica a darem conta que a União
Soviética estava a promover uma série de projectos de fomento regional com o
intuito de facilitar um eventual apoio à URT.110 A situação tornou-se tão tensa,
que o chefe da delgação da PIDE/DGS em Timor, inspector João Lourenço,
informou o major Fernando da Silva Pais, em meados de Julho de 1971, que: “o
Governo de Jacarta teria mandado encerrar as portas” da URT, “fazendo uma
alocuação em que garantia a não intervenção do seu país na política dos países
vizinhos, com quem desejava manter as melhores relações”.111
Sexto, a Indonésia encontrava-se envolvida em vários conflitos regionais
considerados prioritários e que proporcionaram uma conjuntura político-diplo-
mática favorável à manutenção do status quo em Timor-Díli. As duas principais
prio-ridades da política externa do regime de Sukarno na primeira metade da
década de 1960 foram os processos de “integração” do Irião Ocidental ou Papua
107 Ibid.108 “Despacho da delegação em Jacarta da agência noticiosa Reuters, de 3 de Abril”, PIDE/DGS,
“Movimento de Libertação Nacional do Timor Português”, Proc. n.º 18891-CI(2), N.T. 7826, fl. 25, IAN/
/TT, Lisboa.109 “Na Indonésia: semanário apreendido por propalar boatos sobre o Timor Português”, Diário
de Notícias [Lisboa], ano 108, n.º 38.117 (20 de Abril de 1972), p. 13.110 “Timor, a little-knowm colony” The Irish Press [Dublim], (8 de Novembro de 1973), p. 7; “Timor,
la colonia portoghese di cui si parla poco”, Il Fiorino [Roma], (14 de Novembro de 1973), p. 4.111 “Relatório n.º 7/71-DU, confidencial, de 31 de Julho de 1971”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-
-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8978, fl. 654, IAN/TT, Lisboa.
391colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Nova Guiné Ocidental na Indonésia, com o beneplácito do Ocidente e da ONU
(Saltford, 2003), e a sua política de confrontação com a Malásia. Aliás, a última
atitude manteve-se em vigor até à queda de Suharto (Fernandes, 2005, pp. 131-
-136).
No caso da Papua Nova Guiné Ocidental, a postura da Indonésia baseava-se
na reclamação que este território era uma parte integrante das ex-Índias Neer-
landesas Orientais e, consequentemente, a continuidade sob o domínio dos
Países Baixos constituía, para todos os efeitos práticos, a negação dos direitos
territoriais da Indonésia. O Irião Ocidental era uma parte integrante do patrimó-
nio cultural da Indonésia. Jacarta empenhou-se profundamente durante a sua
campanha diplomática contra os holandeses para sublinhar a razão de ser das
suas ambições territoriais.
Este ambiente contribuiu para que o embaixador da Indonésia em Camberra,
brigadeiro-general Suadi Suromihardjo,112 afirmasse à imprensa de Darwin, pou-
co tempo depois da fundação da URT, que o movimento era constituído por
uns “aventureiros que criaram complicações semelhantes nas Celebes”. Na
opinião deste diplomata caso se registasse o perigo de complicações semelhan-
tes em Timor, elas seriam provavelmente precipitadas pelo mesmo tipo de
gente, que classificou como sendo “typical fortune hunters”. Relativamente às
emissões de radiodifusão com destino a Timor que instigavam à revolta dos
timorenses contra os portugueses, Suadi acrescentou: “[w]e have no claims on
Portuguese Timor and hope the friendly relations we have always had with Portugal
continue”.113
Por seu turno, o ministro indonésio da Segurança Nacional e chefe do
Estado-Maior do Exército da ABRI, general Abdul Haris Nasution, durante a sua
visita oficial à Austrália, declarou à Australian Broadcasting Corporation (ABC), no
dia 23 de Abril de 1961, que o seu país não tinha nenhumas reivindicações
territoriais em relação aos territórios da Nova Guiné Oriental, do Bornéu Britânico
112 Chefe de missão da Indonésia em Camberra entre 1961 e 1964 (http://www.kbri-
canberra.org.au/aboutemb/dbslist.htm; consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).113 “Timor ‘Rising’”, The Northern Territory News [Darwin, Austrália], (8 de Abril de 1961), p. 1.
392 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
e do Timor Português.114 Nasution reiterou esta posição na conferência de im-
prensa do dia 26 de Abril, onde afirmou:
“A Indonésia não deseja integrar no seu território o Bornéu do Norte,
a parte oriental da ilha de Timor e a parte oriental da Nova Guiné
que nunca fizeram parte do território das Índias Orientais Neerlan-
desas”.115
Esta posição voltou a ser reiterada durante a sua visita oficial a Londres, em
8 de Julho de 1961.116 Interpelado pela imprensa internacional sobre as inten-
ções do governo da Indonésia em relação ao “Timor Português”, o general A.H.
Nasution afirmou: “[n]unca o reclamámos e durante a visita a Lisboa, feita há
cerca de dois anos, o meu Presidente declarou não ter nenhuma pretensão a este
território, visto termos proclamado a independência das antigas Índias Orientais
Holandesas que existiram durante 350 anos como uma unidade política”.117 O
comandante do Exército indonésio reconheceu, todavia, que antes da chegada
dos portugueses a Timor, no século XVI, o território pertencia à Indonésia, mas o
114 “Circular UL-1, Proc. n.º 960,46, da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos
Negócios Estrangeiros com um ‘apontamento’ sobre as ‘Declarações Indonésias em que explícita ou
implicitamente se reconhece a nossa soberania sobre o Timor Português’, de autoria de Afonso de
Castro Vasconcelos, da secção de Negócios Políticos Ultramarinos, de 4 de Janeiro de 1966”, PIDE/
DGS, “Serviços Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T. 6982, fl. 518, IAN/TT, Lisboa.115 Ibid.116 O general A.H. Nasution efectuou uma visita oficial de 5 dias ao Reino Unido, entre os dias
3 e 8 de Agosto de 1961, a convite do governo britânico, na qualidade de ministro da Segurança
Nacional e de chefe de Estado-Maior do Exército Indonésio. O desígnio da visita era obter armamen-
to e equipamento de guerra britânico. Durante a sua estadia teve encontros com o primeiro-
-ministro, Harold Macmillan, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Lorde Home, e o ministro da
Defesa, Harold Watkinson, o Estado-Maior-General do Reino Unido e altos funcionários do Foreign
Office (“Gen. Nasution in London”, The Times [Londres], (5 de Julho de 1961), p. 16f ).117 “Excerto da conferência de imprensa dada pelo ministro da Segurança Nacional/chefe do
Estado-Maior do Exército, general A.H. Nasution, no dia 8 de Julho de 1961”, PIDE/DGS, “GU-Timor”,
SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8971, fl. 297, IAN/TT, Lisboa e “Minute by M.H.N. Geoghegan, Foreign Office, on
‘Extract of a Report on a News Conference Made by Mr. Earle of Reuters’, July 13, 1961”, FO 371/
159809, UKNA, Londres.
393colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
facto de não ter integrado as Índias Orientais Neerlandesas, concorreram para
que o seu governo não o reivindicasse.118
Por outro lado, o cônsul da Indonésia em Díli, Tengku Usman Hussin, “garantiu”,
em privado, ao chefe da subdelegação em Timor da PIDE, inspector Manuel José da
Cunha: “… que enquanto, o Presidente Sukarno, estivesse no poder não permitirá,
que qualquer indonésio, venha a perturbar a paz do Timor Português”.119 Esta
atitude também se observou publicamente. Após A Voz de Timor, órgão de propa-
ganda da administração colonial portuguesa, ter publicado um veemente editorial
a chamar atenção para uma eventual contradição da política externa da Indonésia
em relação a Timor, no dia 12 de Março de 1961, o mesmo representante consular
em Díli enviou uma carta a solicitar a sua publicação, no dia 16. Neste documento
reiterou as posições públicas de Sukarno e do ministro dos Negócios Estrangeiros
Subandrio sobre a questão do Timor Português e negou que o seu país estivesse
interessado em expandir-se para Timor ou para a colónia britânica do Noroeste do
Bornéu. Relativamente à URT reconheceu que:
“Existem, na verdade, certos elementos que se lançaram em actividade
destrutiva, para incitar a Indonésia a empenhar-se numa via de alarga-
mento territorial e de engrandecimento, rompendo e minando a ami-
zade que felizmente existe entre ambos os países e povos, e se em
Jacarta, actua um ‘Comité para a Libertação da República de Timor’, os
responsáveis e defensores do comité agem sob o seu próprio risco e
sob a sua inteira responsabilidade. O Governo e o povo indonésios
continuarão sempre a encorajar as mais estreitas relações com o Gover-
no e o povo de Timor Português vizinho, e, já anteriormente, em
diversas ocasiões, ambos os países e povos manifestaram, neste senti-
do, a sua boa vontade”.120
118 Ibid.119 “Relatório n.º 65/61, confidencial, do chefe da subdelegação de Timor da PIDE, inspector
Manuel José da Cunha, para o director da PIDE, tenente-coronel Homero de Oliveira Matos, de 20 de
Maio de 1961”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8971, fl. 801, IAN/TT, Lisboa.120 “A declaração do cônsul da Indonésia”, Notícias de Macau, ano 14, n.º 4.028 (30 de Março de
1961), p. 6.
394 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Para reforçar esta orientação, Hurustiati Subandrio declarou no discurso que
proferiu no dia 9 de Outubro de 1961, no decorrer da 16.ª sessão plenária da
Assembleia Geral da ONU, que a Indonésia não tinha quaisquer reivindicações
sobre o Timor Português, apesar de ter sugerido o uso de força pelo seu país para
resolver a questão da Papua Nova Guiné Ocidental.121
No confronto com a Malásia, o regime de Sukarno enfatizou que não tinha
desígnios territoriais irredentistas, apesar de oficialmente apoiar a luta de liber-
tação dos povos. O primeiro vice-primeiro-ministro e chefe de Estado-Maior-
-General das ABRI, Abdul Haris Nasution, argumentou que o seu país apoiaria
sempre as lutas populares de libertação contra a opressão. No discurso que
proferiu perante autoridades militares e civis em Purwokerto, Java Central, decla-
rou, em 21 de Janeiro de 1963:
“Around us, there are still oppressed peoples, even worse than oppressed
peoples: enslaved peoples; among them in Timor (Portugal) and Kalimantan
Utara (British Borneo territories), etc.. Every struggle of these oppressed
peoples to free themselves from oppression will always find our support.
[…]We support their struggles, but we do not claim their territories”.122
Com receio de pôr em causa as prioridades fundamentais da sua agenda de
política externa, o governo da Indonésia manteve uma atitude de grande
ambivalência em relação ao Timor Português. Esta realidade reflectiu-se a dois
níveis. Primeiro, quando a URT solicitou a intervenção armada do regime de Sukarno
no território, posição maximalista. Segundo, quando reivindicou a concessão de
apoios indonésios à sua causa comparáveis com os do Bornéu, atitude minimalista.
121 “Circular UL-1 da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios Estran-
geiros com um ‘apontamento’ sobre as ‘Declarações Indonésias em que explícita ou implicitamente
se reconhece a nossa soberania sobre o Timor Português’, de autoria de Afonso de Castro Vasconce-
los, da secção dos Negócios Políticos Ultramarinos, de 4 de Janeiro de 1966”, PIDE/DGS, “Serviços
Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T. 6982, fl. 518, IAN/TT, Lisboa.122 “Nasution Speaks”, The Manila Times [Filipinas], (23 de Janeiro de 1963), p. 16-A, col. 1;
“Nasution on Oppression Around Indonesia”, Antara News Bulletin – Home News (22 de Janeiro de
1963), p. 5.
395colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
A primeira postura observou-se aquando da visita de Silvestre Martins Nai
Buti Seço e de uma comitiva da URT a Jacarta, em Junho de 1963, para exortar o
presidente Sukarno a tomar pela força o Timor Português. O último respondeu,
porém, negativamente ao pedido afirmando que esta matéria não constituía
uma prioridade para a política externa do seu regime. Surpreendidos com a
resposta, o governador das Sulawesi Selatan [Molucas do Sul], A.A. Rifai, que
acompanhava a delegação dos islamitas timorenses, defendeu que ele e Silvestre
Martins Nai Buti Seço aspiravam apoderar-se militarmente do Timor Português.
Só não tomavam unilateralmente a iniciativa por recearem a atitude da Austrá-
lia.123
O apoio prestado a URT era, aparentemente, muito incipiente. Esta situação
contribuiu para que o brigadeiro-general Mohammed Abbay Ridway Maly, “mi-
nistro-adjunto da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros”
da URT, solicitasse o auxílio e o reconhecimento do governo da Indonésia do seu
movimento e afirmasse que o seu “governo” gostaria de receber o mesmo
apoio que a Indonésia facultava ao movimento rebelde da colónia britânica do
Noro-este do Bornéu,124 no dia 14 de Setembro de 1963, durante a visita a
Bandung.125 Para instigar o apoio incondicional da Indonésia, Maly declarou
que desde a queda de Goa as autoridades coloniais portuguesas tinham reforça-
do a sua posição militar em Timor, com mais um batalhão, e a sua política de
123 “Relatório da fronteira n.º 20/63, confidencial do posto administrativo de Balibó, de Mário de
Jesus Pires”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fl. 248, IAN/TT, Lisboa.124 Para persuadir os círculos mais moderados do regime de Sukarno a concederem apoio à
URT, a agência noticiosa indonésia Antara divulgou um despacho, proveniente de Ambon, no dia 13
de Setembro de 1963, no qual denunciava o incremento da vigilância fronteiriça por parte das
autoridades portuguesas, as detenções arbitrárias e as “crueldades” portuguesas que teriam obriga-
do timorenses a refugiarem-se no Timor indonésio (“Portuguese Timor Tightens Border”, Indonesian
Oberver [Jacarta], (13 de Setembro de 1963), p. 1.125 “Anexo A – Relatório Periódico de Contra-Informação n.º 9/63, do PERINTREP n.º 9/63,
confidencial, (referente ao período de 01 a 31 de Setembro de 1963)”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-
-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8972, fls. 200-201, IAN/TT, Lisboa; “Timor rebels seeking help”, The Courier-Mail
[Brisbaine], (16 de Setembro de 1963), p. 1; “Rebels in Timor ask Indo. Aid”, The Daily Telegraph
[Sydney], (16 de Setembro de 1963), p. 1; “Seeks Recognition: Portuguese Timor Rebel Asks Indonesian
Help”, The Japan Times [Tóquio], (16 de Setembro de 1961), p. 1.
396 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
repressão sobre os que reivindicavam a independência do território era mais
intensa do que a dos colonialistas holandeses e britânicos. Neste sentido afirmou
que já existiam muitas vítimas entre os prisioneiros, entre os quais destacou o
“chefe de Estado-Maior do Conselho Militar” da URT, major-general Abubakar
Ilemandiry.126
A entrevista de Maly suscitou uma reacção da ABRI no mesmo dia. O porta-
-voz do Estado-Maior-General das Forças Armadas da Indonésia, capitão Jusuf
Sirath, declarou que desconhecia por completo qualquer informação acerca da
constituição da URT. Interpelado pela imprensa qual era a sua opinião acerca da
revolta defendeu que era necessário proceder, em primeiro lugar, a uma investi-
gação para apurar os factos. Por outro lado, alegou desconhecimento das decla-
rações proferidas por Maly em Bandung.127 A reacção da ABRI constituiu, na
opinião do encarregado de negócios, interino, de Portugal em Jacarta, José
Eduardo de Melo Gouveia, um sintoma “que as autoridades governamentais
deste país não julgam oportuno que o problema de Timor seja agitado no
presente conjuntura”.128
Os decisores políticos da Indonésia podiam manter uma atitude de grande
ambiguidade em relação à URT porque existia uma percepção generalizada que
Timor-Díli passaria a integrar naturalmente a Indonésia, aquando do desmorona-
mento do império português. Um diplomata para os assuntos políticos da embai-
xada de Itália em Jacarta confessou ao cônsul de Portugal na cidade, António
d’Oliveira Pinto da França, que durante a visita a Koepang do embaixador de
Itália, o governador da NTT, Brigjen J. Lala Mentik,129 declarou-lhe que a “integração”
do Timor Portugis: “é tarefa que não requer esforço, mas apenas a paciência para
126 “Timor Portugis Mulai Bergolak: Pem. Portugis Lebih Kedjam Dari Kolonialis Belanda Dan
Inggris”, Merdeka [Jacarta], (16 de Setembro de 1963), pp. 1 e 2.127 “S A B Tidak Tahu Menahu”, Merdeka [Jacarta], (17 de Setembro de 1963), p. 1.128 “Ofício n.º 125, de 18 de Setembro de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor
– organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.129 Governador de Nusa Tenggara Timur [Timor Indonésio] entre 1960 e 1965 (http://
www.tokohindonesia.com/pejabat/pemda/ntt/index.shtml; consulta efectuada em 1 de Junho de
2005).
397colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
esperar que, como fruto maduro, caía em nossas mãos na hora da liquidação do
império colonial português, talvez por decisão do próprio Portugal”.130
Apesar das declarações de destacados responsáveis políticos da Indonésia, o
segundo canal da estação de televisão alemã ocidental, a Zweites Deutsches
Fernsehen (ZDF), interpretou a formação do I “governo” da URT como uma tentativa
do governo da Indonésia para criar um “Estado-sombra” [Schattenstaat] nas regiões
fronteiriças entre o NTT e Timor-Leste e o enclave de Oecusse-Ambeno. Adiantava,
ainda, que o governo indonésio tinha disponibilizado o seu corpo diplomático ao
serviço do governo da URT, que os governos da região foram informados acerca da
URT e que a Indonésia tencionava romper relações diplomáticas com Portugal. Por
outro lado, acrescentava que a Indonésia ia tentar obter o reconhecimento da URT
pela ONU e, posteriormente, integrá-la na própria Indonésia.131
A reportagem alemã ocidental não foi, contudo, corroborada pela evolução
da conjuntura. A atitude vacilante da Indonésia em relação ao movimento
manteve-se, também, em parte, devido aos condicionalismos políticos que sur-
giram com o estabelecimento do eixo Jacarta-Pequim. O regime de Mao Zedong
estava interessado em refrear qualquer hipotético movimento da Indonésia
contra Timor, por constituir uma acção que lhes criaria uma situação político-
-propagandística internacional embaraçosa relativamente a Macau. Pois, se a
Índia tinha expulso Portugal de Goa, política encetada em 1954132 e concluída
em Dezembro de 1961,133 o pequeno Estado francófono do Benim tinha compe-
130 “Ofício n.º 37 do consulado de Portugal em Jacarta, de 20 de Abril de 1965, p. 1” in “Agitação
nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.
521, AHDMNE, Lisboa.131 “Despacho sobre a ‘Bildung einer ‘Vereinigten Republik Von Timor’ durch die Indonesische
Regierung” [‘Criação de uma ‘República Reunida de Timor’ pelo Governo Indonésio’], proveniente da
ZDF, do princípio de Novembro de 1963”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/
63-SR, N.T. 3292, fls. 111-114, IAN/TT, Lisboa.132 O exíguo enclave de Dadrá caiu na noite de 21 para 22 de Julho de 1954 (Fernandes, 2000,
p. 125; Gaitonde, 1987, pp. 81-82; India, 1974, p. 33), enquanto Nagar-Aveli, entre 29 de Julho e 2 de
Agosto do mesmo ano (Fernandes, 2000, p. 126; Gaitonde, 1987, p. 82; India, 1974, p. 33).133 Após as Forças Armadas da União Indiana terem posto em execução a operação Vijay na
tarde do dia 17 de Dezembro, os enclaves de Goa, Damão e Diu cairam dois dias depois (Fernandes,
2000, p. 176; Gaitonde, 1981, pp. 157-169; India, 1974, pp. 40-144; Azeredo, 2003, pp. 88-92).
398 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
lido a administração portuguesa a abandonar o Forte de São João Baptista
de Ájuda, em 31 de Agosto de 1961 (Fernandes, 2001, pp. 48-56) e a Indo-
nésia eventualmente pusesse fim à presença portuguesa em Timor, porque
razão é que a China Continental não procedia de forma idêntica em relação a
Macau?134
A aquiescência de Sukarno às pressões políticas de Pequim valeu-lhe,
todavia, duros ataques político-propagandísticos por parte da Malásia. Os ór-
gãos de propaganda do último país destacavam constantemente as diferen-
ças nas atitudes de Sukarno para com a Malásia e Timor. Por exemplo, a esta-
ção oficial de radiodifusão A Voz da Malásia chamou à atenção dos seus ouvintes
que:
“Sukarno sabe muito bem que Timor é conhecido como colónia portu-
guesa na Ásia e mal fala dele, no entanto, Sabah e Sarawak são indepen-
dentes e ele não se cansa de falar em libertá-los. Sukarno e os seus
apaniguados são tão libertadores, porque não libertam a ilha de Timor?
Tem um elefante na sua frente, mesmo ao pé dele e não o conhece, mas
conhece uma formiga bem ao longe. […] Sukarno olhando assim para
os portugueses é o mesmo que ter ligações com o colonialismo. Se ele
e os seus apaniguados não libertam o povo de Timor Português ao lado
do seu Timor, porquê gritar tanto acerca de Sabah e Sarawak que estão
independentes? É assim que é um revolucionário libertador?”135
A posição oscilante da Indonésia em relação à URT, só se alterou publica-
mente após o discurso proferido pelo presidente Ahmed Sukarno, em 17 de
Agosto de 1965. Por ocasião do 20.º aniversário da independência da Indonésia,
o chefe de Estado afirmou que o seu país continuaria “a apoiar activamente a luta
134 Para as contradições entre a teoria e a prática da política da China Continental em relação
a Macau vide Fernandes, 1999, pp. 989-1002.135 “‘Emissão da estação de radiodifusão A Voz da Malásia, de 23 de Outubro de 1964’ in
‘PERINTREP n.º 10/64, confidencial, (referente ao período de 01 a 31 de Outubro de 1964)”, PIDE/DGS,
“GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 721, IAN/TT, Lisboa.
399colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
pela independência dos povos de Angola, Moçambique, Guiné, Timor Português,
Iémen, Omã, Djibuti, Namíbia, Botswana e Suazilândia”.136
Embora a referência a Timor fosse ligeira, tinha a gravidade de ser a primeira
vez que o governo da Indonésia afirmava publicamente existir uma “luta
pela independência do povo de Timor Português”. Esta referência poderia ter
visado simplesmente silenciar os sectores políticos internos e externos
que criticavam o regime de Sukarno por consentir a presença de Portugal
em Timor-Díli, não significando, contudo, uma mudança de atitude por parte
do governo da Indonésia em relação a Portugal. O resto do discurso de Sukarno
foi inesperadamente moderado, não contendo alusões, como esperava a
administração do presidente americano Lyndon B. Johnson, à hipótese do
corte de relações diplomáticas com os Estados Unidos da América, nem ataques
ao Reino Unido, pelo menos tão contundentes como costumavam ser no passa-
do. A moderação de Sukarno estava relacionada com a recente secessão da
Singapura da Federação Malaia e com a esperança depositada que esta situação
viesse a colocar o governo do Reino Unido numa atitude que conduzisse a
negociações.
O discurso de Sukarno foi saudado pelos órgãos dirigentes da URT,
alegadamente reunidos clandestinamente em Díli, entre os dias 1 e 7 de Setem-
bro de 1965. No comunicado divulgado à imprensa notava-se uma clara conver-
gência de posições entre o movimento e Sukarno.137
Não obstante a nova atitude pública do dirigente supremo da Indonésia,
como acontece múltiplas vezes na vida política a “declaração” era uma mera
intenção, pois a orientação e a prática da Indonésia permaneceu dentro dos
136 “Anexo A – Relatório de Contra-Informação n.º 10/65, do PERINTREP n.º 10/65, confidencial,
(referente ao período de 01 a 31 de Outubro de 1965)”, PIDE/DGS, “GU-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T.
8973, fl. 135, IAN/TT, Lisboa.137 “Comunicado do ‘Ministry of Foreign Affairs [of the] Union Republic of Timor’ [Kementarian
Luar Negeri, Uni Republic Timor], assinado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chefe do
Estado-Maior-General do Conselho Militar da URT, brigadeiro-general Mohammed Abbay Redway
Maly, de 8 de Setembro de 1965”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR,
N.T. 3292, fls. 76-77, IAN/TT, Lisboa.
400 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
mesmos trâmites. Aliás, esta atitude foi reforçada pelo contra golpe de Estado de
1 de Outubro de 1965, orientado por Mohammed Suharto e A.H. Nasution. A
nova conjuntura proporcionou o regresso ao status quo ante na questão do Timor
Português (Fernandes, 2001, p. 36).
Esta atitude irritou a direcção da URT. Reflectindo, em parte, este agrava-
mento, a URT divulgou um comunicado especial, em malaio, em 18 Novembro de
1965, que reflectia uma posição de desconfiança e amargura em relação à
Indonésia e em que voltava a reiterar que Timor era uma “nação” que “pertencia
ao grupo Malaio/Melanésia” e lamentava “que nunca recebemos auxílios doutros
países”.138 Adiantava ainda:
“… que genuinamente odiamos TODAS AS FORMAS DE COLONIALISMO,
seja o colonialismo pela raça portuguesa, seja por outras raças europeias
ou até pelos mongólios ou pelo NOSSO PAÍS VIZINHO que também é
um de nós sendo malaio; além disso há o divino direito para nós de
opor e faze-los fugir, NÃO IMPORTA SE O SOLO FIQUE COBERTO COM O
SEU SANGUE, quando se trata de cumprir as Ordens de Alá[,] o Primo-
roso[,] em restabelecer a honra de Timor em especial e dos malaios em
geral, no mundo internacional”.139
A desilusão do movimento com o regime de Sukarno era tão profundo, que
pela primeira vez, referiu-se publicamente ao manifesto da oposição portuguesa
a exortar Salazar a conceder a independência às colónias portuguesas nas
138 “which never received assistance from other countries”. “‘Special Statement of the Central
Presidium of the Union Republic of Timor’, assinado por T.E. Maly Bere, segundo-primeiro-ministro-
-adjunto do 2.º governo da URT, de 18 de Novembro de 1965”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-
-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 61, IAN/TT, Lisboa.139 [W]e genuinely hate ALL FORMS OF COLONIALISM, w[h]ether that colonialism is by the
Portuguese race, or by any other European races, or even by the Mongols, or by OUR NEIGHBOUR
COUNTRY WHICH IS ALSO ONE OF US BEING MALAY; what more there is a divine right for us to
oppose and chase out, NO MATTER IF THE GROUND FLOWS WITH BLOOD IF IT’S TO FULFILL ORDERS
OF ALLAH THE EXCELLENT IN REESTABLISHING THE HONOUR OF TIMOR ESPECIALLY, AND THE MALAY
GENERALLY, IN THE INTERNATIONAL WORLD”. Ibid.
401colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
eleições de 1965 e chegou a propor 4 condições para contemplar um desfecho
pacífico.140
O derrotado regime de Sukarno tentou esquivar-se do assunto. Esta missão
coube ao seu 1.º vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros,
Hurustiati Subandrio. Este limitou-se a defender a posição contrária ao do seu
presidente, três meses e meio mais tarde. No dia 7 de Dezembro de 1965,
durante uma entrevista acerca das relações entre Jacarta e Camberra, o jornalista
australiano Frank Palmos mostrou o comunicado da URT acerca das suas activi-
dades políticas. Subandrio respondeu que estava a ler o:
“documento pela primeira vez [e que] não fora abordado por nenhum
grupo revolucionário pedindo assistência. Timor é certamente uma
colónia, por isso discordamos em princípio [do] seu estatuto, mas é
[um] problema diferente [da] Malásia e de momento quanto menos se
falar melhor. [… T]al problema não tem [a] urgência [da] Malásia sendo
muito provável [que] venha [a] ser levantado [no] futuro próximo e nós
acreditamos [que] se resolverá por si próprio com o tempo”.141
A atitude contemporizadora de Subandrio estava relacionada com a queda
em desgraça política de Sukarno após o contra golpe de Estado de 1 de Outubro
de 1965 e a sua própria sobrevivência política, pois acabou por ser detido no dia
18 e Março de 1966 (http://pilger.carlton.com/timor/chronology; consulta efec-
tuada em 1 de Junho de 2005) e exonerado das suas funções dez dias depois
(http://www.indonesianembassy.org.uk /indonesia_cabinet_1945-2001.html;
consulta efectuada em 1 de Junho de 2005).
Esta nova conjuntura política interna facilitou o regresso ao status quo ante
em relação a Timor por parte do novo regime javanês. As mudanças sentiram-se
em duas áreas bem distintas: na militar e na diplomática. Logo após a mudança
140 Ibid.141 “Telegrama n.º 7 do consulado de Portugal em Jacarta, de 10 de Fevereiro de 1966” in
“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-
-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
402 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
dos principais responsáveis militares em Jacarta foi instruído um processo disci-
plinar pelo Komando Operasi Tentara Indonesia – KOTI (Comando Operacional do
Exército da Indonésia) contra o tenente Letman Slamet, oficial de ligação com a
URT em NTT, por ter abusado da sua autoridade ao exigir “ao comandante dos
Tentaras de Atambua algumas armas para distribuir a Nai Buti e seus homens”.142
Por outro lado, procederam à apreensão das armas.143
A atitude no ministério indonésio dos Negócios Estrangeiros foi também no
mesmo sentido. Solicitado a pronunciar-se sobre a URT, o director-geral dos
Negócios Políticos do Departemen Luar Negeri, embaixador Anwar Sani, informou
o encarregado de negócios, interino, da Nova Zelândia em Jacarta, Paul Edmonds,
de que nunca ouvira falar do grupo e que o governo indonésio não estava
interessado no movimento. Sani adiantou que a morada mencionada no ofício
dirigido pela delegação da URT em Jacarta à embaixada da Nova Zelândia
indicava que o grupo estava situado em simples barracas e se encontrava em
“situação muito desamparada”.144
Esta informação foi confirmada pelo general Subroto Kusmardjo,145 presi-
dente da Junta de Turismo da Indonésia. O último declarou que os dirigentes da
URT “eram de nacionalidade indonésia, não pertencendo à população do Timor
português”.146 Reconheceu, ainda, que a URT ambicionava a independência total
142 “PERINTREP n.º 12/65, referente ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1965”, PIDE/DGS, “GU-
-Timor”, SC-CI(2)/DSI-2.ª, N.T. 8973, fl. 62, IAN/TT, Lisboa.143 Ibid.144 “Ofício PAA 22 do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério português
dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,
de 13 de Janeiro de 1967”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292,
fl. 39, IAN/TT, Lisboa.145 Este general indonésio mostrou-se receptivo à “iniciativa de triangulação turística, Austrália,
Timor (português e indonésio) e Bali”, em Janeiro/Fevereiro de 1967 (“Carta de Jilianus S. Mustafa
para Ken Davidson, de 22 de Fevereiro 1967”, PAA M. 806, AHDMNE, Lisboa.146 “Ofício PAA 251 do director-geral, interino, do Negócios Políticos do ministério português
dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE/DGS, major Fernando da Silva
Pais, de 28 de Maio de 1968”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.
3292, fl. 34, AN/TT, Lisboa.
403colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
de Timor. Adiantou, porém, “que o seu governo não tem ambições territoriais,
nem alimenta qualquer interesse em alterar a actual situação política da ilha de
Timor”.147
A declaração deste alto funcionário indonésio foi confirmada pelo chefe da
subdelegação de Timor da PIDE. Segundo o inspector João Lourenço a alegada
sede da URT em Batugadé era inexistente. Na opinião deste, não existia “uma
única casa de pedra e cal e onde conhecemos todos os elementos ali residentes,
com a certeza de que entre eles não existem adeptos de tal ‘movimento’. Como
já tem sido referenciado mais vezes por esta Subdelegação, acreditamos que os
componentes do grupo que se atribui a representação de tal ‘República’ sejam na
sua totalidade de nacionalidade indonésia e que alguns residam em Atambua,
cidade relativamente próxima da nossa povoação fronteiriça da Batugadé, não
havendo conhecimento de que, nos últimos tempos, se tenham manifestado por
qualquer meio ou processo”.148
Entretanto, a administração portuguesa de Timor regozijou-se com a nova
atitude do regime de Suharto através de um artigo de fundo no qual teceu
rasgados elogios ao novo dirigente javanês. Intitulado “O Presidente Suharto e a
Indonésia”, este semanário oficioso congratulou o novo chefe de Estado por ter
devolvido as propriedades de borracha confiscadas por Sukarno às companhias
belgas, suíças, francesas e inglesas, na Samatra e em Java Ocidental, como
contrapartida pela concessão de financiamentos e de conhecimentos técnicos
ao governo da Indonésia. Na opinião deste semanário, esta atitude iria colocar o
novo regime em excelentes condições para contrair empréstimos nos mercados
financeiros internacionais. Por outro lado, felicitou Suharto por ter ajudado a
fundar a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ANSA) e pela eventual
concessão de bases militares aos EUA. Embora reconhecesse que a nova orienta-
ção “levará ainda o seu tempo a ser posto em prática, mas a verdade é que o
147 Ibid., fl. 35.148 “Ofício n.º 238/68-CI(2), confidencial, do chefe da subdelegação da PIDE em Díli, inspector
João Lourenço, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais, de 15 de Junho de 1968”, PIDE/
DGS, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 32, IAN/TT, Lisboa.
404 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Presidente Suharto está com mão firme e larga visão a colocar a pátria na rota
certa”.149
A premente necessidade do regime de Suharto em se consolidar no poder
e em estreitar relações políticas com as principais potências ocidentais
contribuiu decisivamente para que o novo regime de Suharto tivesse uma
atitude de cooperação para com Portugal e para que a URT fosse ostracizada.
Esta realidade foi constatada pelo jornalista Hugh Mabbett, em finais do ano de
1970. Quando passou por Jacarta apurou que “the only visible evidence in Djakarta
of Indonesian interest in Portuguese Timor is a tiny slum building purporting to be
the headquarters of the Central Presidium of the Union Republic of Timor, president
A. Mao Klao”.150
Com o intuito de obter o apoio da ONU, a presidência central da URT enviou
um ofício ao secretário-geral da ONU, U Thant, a protestar contra a ocupação
portuguesa de Timor, defendendo que os timorenses eram “badly treated” e a
apelar à sua autodeterminação“as soon as possible”.151 Neste sentido, solicitou que
o ofício em apreço fosse enviado à Comissão dos Direitos Humanos da organiza-
ção.152 A Indonésia ficou tão descontente com esta atitude, que na sequência do
envio de uma petição à ONU a protestar contra a ocupação de Timor por
Portugal, em Março de 1971, o presidente Suharto deu instruções para se
proceder ao encerramento da sede da URT em Jacarta, no mesmo mês.153
149 “O Presidente Suharto e a Indonésia”, A Voz de Timor, ano 8, n.º 419 (19 de Maio de 1968),
p. 2.150 Hugh Mabbett, “Portuguese Timor: The Uneasy SE Asian Outpost” Mainichi Daily News
[Tóquio], (4 de Janeiro de 1971), p. 5.151 “Ofício n.º 0427/SK/Prespu-URT/XII/1969, de 28 de Dezembro de 1969” in “União Rep. Timor”,
Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, 88, AHDMNE, Lisboa.152 “Ofício n.º 1881, secreto, do director do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do
Ultramar, Ângelo dos Santos Ferreira, para o governador de Timor, coronel graduado Fernando Alves
Aldeia, de 30 Março de 1971”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, 88, AHDMNE, Lisboa.153 “Perintrep n.º 4/72, confidencial, de 01 a 30 de Abril de 1972, do comandante-chefe das
Forças Armadas de Timor, coronel graduado Fernando Alves Aldeia, de 4 de Maio de 1972, p. 3” in
“Timor: Relatórios da Comissão de Coordenação de Defesa Civil, 1970-1971”, PAA M. 806, AHDMNE,
Lisboa.
405colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Finalmente, os dirigentes da Indonésia receavam que a URT não só defendia
a “independência total” de Timor Oriental, como, também, a unificação política
de toda a ilha de Timor e a sua completa independência política de Jacarta. Para
além da “Constituição” da URT defender uma completa independência de Timor-
-Díli em relação Jacarta, desde a sua “aprovação em 4 de Abril de 1965 (anexo V),
como verificámos anteriormente, o secretário do presidente da URT, Beak Xuf,
informou o secretário da legação da Nova Zelândia em Jacarta, em Maio/Junho
de 1965, que “Timor pretendia [uma] independência absoluta[,] recusando qual-
quer forma [de] associação com [a] Indonésia”.154 Por seu turno, o general Subroto
Kusmardjo, presidente da Junta de Turismo da Indonésia, confidenciou, em
Março/Abril de 1968, “que as autoridades indonésias tinham conhecimento de
que o referido grupo[, a URT,] chegara mesmo a ambicionar a independência
para a totalidade da Ilha”.155
Sétimo, a incapacidade para estabelecer um relacionamento com a elite
crioula timorense. O êxito dos movimentos de libertação também passa pela
obtenção de um entendimento ou de eventuais apoios, implícitos ou explícitos,
da elite crioula. Acontece, que no caso da URT tal fenómeno nunca se observou.
Após a Agence France-Presse ter divulgado um despacho, no dia 14 de Abril de
1963, e as edições do South China Morning Post, do dia seguinte, e do Confidential
Report, de 25 de Abril de 1963, terem publicado notícias sobre a formação do I
“governo” da URT, F. Pinto, destacado funcionário do gabinete dos Negócios
Políticos do ministério do Ultramar, foi de opinião que a notícia tivesse sido
instigada por “certos mestiços desejosos de prestígio”. Baseou a sua conjectura
em dois factores. Primeiro, A. Mao Klao seria sino-malaio, de acordo com informa-
154 “Aerograma n.º A-10 do cônsul de Portugal em Jacarta, António d’Oliveira Pinto da França,
de 9 de Junho de 1965, p. 1” in “Relações Políticas de Portugal com a Indonésia: atitude da Indonésia
perante o movimento ‘União da República de Timor’, 1965-1970”, PAA M. 1163, AHDMNE, Lisboa.155 “Ofício PAA 193 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios
Estrangeiros, João Hall Themido, para o secretário-adjunto da Defesa Nacional, general Manuel
Gomes de Araújo, de 28 de Maio de 1968” in “Relações Políticas de Portugal com a Indonésia: atitude
da Indonésia perante o movimento ‘União da República de Timor’, 1965-1970”, PAA M. 1163,
AHDMNE, Lisboa.
406 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
ção avançada por Alexandrino da Silva, da mesma repartição. Segundo, a inter-
ferência do alegado sino-malaio Pedro José Lobo, presidente do Leal Senado de
Macau, na libertação do seu consogro Francisco Maria Xavier de Jesus Araújo,156
referenciada no Confidential Report, levou F. Pinto a suspeitar que os seus “inte-
resses financeiros”, “os grupos em que ele se apoia” e a sua “enorme ambição,
parece-me que haverá interesse em, com a maior discrição que o problema
envolve, procurar seguir este fio, para saber da proveniência da notícia da France-
-Presse e dos possíveis interesses que ele, porventura escondam”.157
Na sequência desta informação foram solicitadas informações aos
govenadores de Timor e Macau e ao director da PIDE sobre Pedro José Lobo pelo
director dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, no dia 28 de Junho.158
Embora alegasse que “[a] origem e os meios utilisados para conseguir a sua
fortuna, são bastante duvidosos, especialmente durante o período crítico da
segunda guerra mundial e os anos que a procederam”, o comandante da PSP de
Macau, tenente-coronel Carlos Armando da Mota Cerveira, informou o director
da PIDE, major Fernando Silva Pais, que “[n]ada consta sobre quaisquer ligações
políticas do Sr. Dr. Pedro José Lobo com Timor [...] Desconhece-se qualquer
possível interferência que aquele senhor possa ter tido nas notícias emanadas
através da ‘Agence France-Presse’ ou publicadas no jornal South China Morning
156 Residente em Macau desde 18 de Dezembro de 1960, após uma diligência efectuada por
Pedro José de Lobo junto do presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, em 4 de Maio de
1960, a protestar a sua inocência (“Carta de Pedro José Lobo para o secretário de Salazar, de 14 de
Junho de 1960”, AOS/CP-156, Pt. 2, fl. 241, IAN/TT, Lisboa). Convém recordar que Francisco Araújo,
vogal do Conselho de Governo de Timor e amigo e consogro de Pedro José Lobo, foi detido por
alegado envolvimento na rebelião de 1959, no final de uma sessão deste órgão, em Outubro do
mesmo ano (Barata, 1998, p. 71).157 “Informação inserta de F. Pinto, de 7 de Junho de 1963 no ofício n.º UL 1360, confidencial,
do primeiro-secretário de legação Duarte Nuno de Lima Barroso, da secção dos Negócios Políticos
Ultramarinos da direcção-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios Estrangeiros, para
o director do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, de 9 de Maio de 1963” in
“União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.158 Ofícios n.º 4064, 4065 e 4066, muito secretos, para o director da PIDE, governador de Timor
e governador de Macau, respectivamente (“União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15,
G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa).
407colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Post, de Hong Kong”.159 Por seu turno, o governador de Timor, tenente-coronel
José Alberty Correia, informou o ministro do Ultramar, comandante António
Augusto Peixoto Correia, que Pedro José Lobo já não tinha “parentes directos” na
colónia, que possuía uma empresa de exploração agrícola que não dava grandes
lucros devido à ausência de avultados investimentos, ser “concessionário de
vários aforamentos”, tendo-lhe, contudo, sido retirado “um terreno por o não ter
convenientemente plantado” e que desconhecia se ele tinha contactos com
agências noticiosas estrangeiras.160
Como a PIDE se limitou a coligir as informações fornecidas pelos governado-
res de Macau e Timor não avançou com nenhum dado novo sobre o eventual
fornecimento de informações por parte de Pedro José Lobo aos órgãos da
comunicação social internacional sobre a URT e acerca do eventual conluio entre
o último e A. Mao Klao. Confrontado com a ausência de provas, F. Pinto recomen-
dou o encerramento do “assunto Dr. Pedro José Lobo”.161 Em suma, a documen-
tação consultada existente nos arquivos portugueses sugere que não existia
nenhum apoio por parte da elite crioula timorense à URT.
Oitavo, a dissimulada incapacidade para estabelecer contactos e alianças
com os movimentos de libertação da África lusófona e organizações internacio-
nais que fomentavam a “revolução mundial” (Bell, 1981, p. 155) e para angariar
apoios externos contribuíram decisivamente para o insucesso da URT. Tanto a
nível político, diplomático, militar e financeiro, quer ao nível de países árabes e
islâmicos, assim como malaios, de quem se afirmava próximo, quer de outros
159 “Ofício n.º 185/Inf., secreto, do comandante da PSP de Macau, tenente-coronel Carlos
Armando da Mota Cerveira, para o director da PIDE, major Fernando Silva Pais, de 20 de Julho de
1963”, PIDE/DGS, Proc. SR/2339/60, N.T. 3029, fl. 15, IAN/TT, Lisboa.160 “Ofício n.º 93, secreto, do governador José Alberty Correia para o ministro do Ultramar, de
27 de Agosto de 1963, pp. 1 e 2” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/L-08-01, A. 15, G. 2, M.
88, AHDMNE, Lisboa.161 “Informação inserta de F. Pinto, de 4 de Novembro de 1963, no ofício n.º 921-GU, muito
secreto, do gabinete do director da PIDE para o director do gabinete dos Negócios Políticos do
ministério do Ultramar, de 3 de Setembro de 1963, p. 1” in “União Repúb. Timor”, Fundo MU/GM/GNP/
L-08-01, A. 15, G. 2, M. 88, AHDMNE, Lisboa.
408 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
países e regiões, a URT demonstrou uma clara incapacidade para concretizar o
seu programa político.
Múltiplos exemplos ajudam a ilustrar esta situação. Em Julho de 1963, a URT
enviou vários documentos às embaixadas do Irão, Turquia, Síria, Arábia Saudita,
Afeganistão e Iraque. Apesar da proximidade político-religiosa, a embaixada da
Síria forneceu fotocópias de quatro documentos da URT ao encarregado de
negócios, interino, de Portugal em Jacarta,162 enquanto os diplomatas da Turquia
e do Afeganistão consideraram os “documentos sem interesse”.163
Dificuldades mais ou menos parecidas voltaram a registar-se quando a URT
manifestou interesse em participar nos trabalhos de organizações de solidarie-
dade política do Terceiro Mundo. No dia 1 de Janeiro de 1965, os 4 órgãos
dirigentes da URT (“Comissão de Libertação”, “Presidium Central”, “Governo” e
“Conselho Militar”) expressaram publicamente apoio à realização da II Conferên-
cia Afro-Asiática, prevista para ter lugar em Argel, em Novembro. Contudo,
aproveitou para reiterar o direito de todas as nações malaias a participarem na
conferência, incluindo a Malásia, a grande rival da Indonésia na região. Na
opinião do cônsul de Portugal em Jacarta, a posição dos dirigentes da URT era
“assaz ‘perigosa’ para quem está asilado neste país”.164 Para além desta postura, a
URT inclinou-se a favor da posição soviética no âmbito da conferência, contra-
riando o eixo Jacarta-Pequim. Esta atitude poderia precipitar “o desagrado
indonésio por afectar a China comunista”.165 Por outro lado, reafirmou que a URT
tinha todo o direito de participar na conferência, exortando, por esta razão, Ben
Bella, em particular, e o governo argelino, em geral, a não hesitar nos convites a
162 “Telegrama n.º 30, cifrado, recebido da legação de Portugal em Jacarta, de 22 de Outubro
de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República
Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.163 “Aerograma n.º 37, cifrado, recebido da legação de Portugal em Jacarta, de 29 de Outubro
de 1964” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República
Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.164 “Ofício n.º 83 de 18 de Setembro de 1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor –
organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.165 Ibid.
409colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
enviar e a não se deixar manipular por um grupo de países que pretendessem
explorar a reunião para os seus próprios fins.166
Atendendo a que mais nada foi avançado nesta matéria, em 8 de Setembro
de 1965, o brigadeiro-general Mohammed Abbay Redwan Maly, “ministro dos
Negócios Estrangeiros” e “vice-chefe de Estado-Maior-General” do Conselho Mi-
litar da URT, divulgou um comunicado a manifestar o interesse do seu grupo em
participar na II Conferência Afro-Asiática, e na Conferência Internacional para a
Liquidação de Bases Militares Estrangeiras, prevista para ocorrer em Outubro.167
Porém, não participou em nenhuma. A cimeira da primeira nunca se chegou a
realizar, enquanto a segunda decorreu em Jacarta, entre os dias 17 e 20 de
Outubro de 1965.168
A recusa em convidar a URT contribuiu para que o diário de Jacarta Nusa
Putera publicasse dois artigos, em 20 e 21 de Outubro de 1965, de um funcioná-
rio de um hospital da capital a defender a oportunidade de convidar a URT. Para
instigar uma vigorosa reacção por parte das autoridades indonésias, o texto
argumentava que estavam na colónia mais de 6.000 militares portugueses. Este
diário insistiu “no dever que a Indonésia tem de dar o seu apoio à luta de
libertação de Timor” e avançou com “dados geográficos, populacionais e
económicos que, em seu entender, provam a viabilidade da uma ‘República de
Timor’, independente”.169 Apesar destes dois artigos, a Indonésia manteve a sua
oposição em relação à participação da URT em conferências internacionais.
As dificuldades não foram só com os países árabes e islâmicos. Pelo contrá-
rio, também, se observaram nas diligências que praticaram junto de vários países
166 Ibid.167 “Statement of the Ministry of Foreign Affairs of the Union of the Republic of Timor, Batugadé,
Timor, 8 de Setembro de 1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações
nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.168 “Relatório, secreto, ‘Conférence Internationale pour la Liquidation des Bases Militaires
Étrangères’, de 19 de Janeiro de 1966?”, PIDE/DGS, “Serviços Indonésios”, Proc. n.º 236-SC/CI(2), N.T.
6982, fl. 935-1, IAN/TT, Lisboa. 169 “Ofício n.º 108, do cônsul de Portugal em Jacarta, António d’Oliveira Pinto da França, de 28
de Outubro de 1965, p. 1” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalis-
tas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
410 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
malaios. No dia 20 de Julho de 1963, o director-geral do Presidium Central da
URT, Abdullah Kalao, divulgou um comunicado no qual apelava aos Estados
malaios “to give us support and cut off diplomatic relations with the Portuguese
Imperialists”.170 O apelo era algo ridículo, pois dos 20 Estados malaios indepen-
dentes, só 2 mantinham relações diplomáticas (Indonésia e Tailândia) e 1 consu-
lares (Singapura). Portanto, a reivindicação não fazia grande sentido. Por outro
lado, dois dos Estados em apreço mantiveram o mesmo estatuto nas relações
com Portugal, enquanto a Indonésia as reduziu de diplomáticas para consulares,
em 1965, mas por razões relacionadas com a substituição de Nehru por Sukarno
à frente do Movimento dos Países Não-Alinhados (Fernandes, 2001, pp. 32-33).
O desinteresse generalizado na região pelas actividades da URT era tão
intenso que a organização se viu na necessidade de divulgar um comunicado em
torno desta matéria para exortar os decisores políticos da região a cumprirem os
“10 princípios de Bandung”171 e apelar directamente à opinião pública. O “primei-
ro-ministro”, “brigadeiro-general” Boly Mao, defendeu no comunicado em apreço
que era preciso não deixar que os princípios em consideração se transformassem
num “mero instrumento de propaganda” e apelava à constituição de “milícias de
voluntárias” nos países vizinhos com vista a auxiliarem o braço armado da URT,
o Conselho Militar, a expulsar os imperialistas portugueses de Timor-Díli.172
Em 25 de Julho de 1968, um despacho proveniente da delegação em Jacarta
da agência noticiosa Reuters afirmava que a URT solicitou ao primeiro-ministro
da Malásia, Tunku Abdul Rahman, que convidasse o Fiji, as Maurícias, a Nova
Caledónia e a Papua Nova Guiné Ocidental a participarem na primeira cimeira de
170 “Announcement Regarding the Reshuffle of the Cabinet Formation for the 2nd Period (1963-
-1965, de 20 de Julho de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações
nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.171 Os Dasa Sila Bandung (Dez Princípios de Bandung), aprovados na conferência afro-asiática
que decorreu entre os dias 18 e 24 de Abril de 1955, previam o apoio dos países signatários aos
movimentos de libertação de territórios sob o domínio colonial estrangeiro.172 “Statement of the Central Government Council of the Union Republic of Timor-Dilly, 9 de
Novembro de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas
‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
411colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
chefes de Estado e de Governo da Organização da Conferência Islâmica.173 Por
outro lado, a direcção da URT manifestou-se disponível a enviar o seu “ministro
para a Construção da União da República/República Autónoma”, “brigadeiro-
-general” Boly Mao, à referida cimeira. Porém, apesar das fortes simpatias que a
URT nutria pela Malásia e das suas fortes tendências islâmico-malaias, o regime
de Kuala Lumpur remeteu-se ao silêncio. A cimeira de chefes de Estado e de
governo da organização em apreço acabou por se realizar Rabat, em 25 de
Setembro de 1969, sem a presença da URT.
Para além de ter manifestado interesse e não ter sido convidada para
participar em conferências internacionais, a própria URT propôs pelo menos a
realização de uma conferência internacional. No dia 1 de Dezembro de 1966, o
presidente A. Mao Klao, enviou um ofício ao primeiro-ministro da Nova Zelândia,
Keith Jacka, e ao governo da Samoa,174 a propor-lhes a realização de uma
Conferência da Oceânia, para ter lugar no último país, com o intuito de estabe-
lecer uma “Aliança da Oceânia”, uma organização regional dedicada ao fomento
do progresso, como, aliás, já existia nas Américas e na Europa. A cimeira teria
como objectivo estabelecer um secretariado, que se encarregaria, posteriormen-
te, de convidar as Filipinas, o Japão, a Formosa/Taiwan, o Canadá, os EUA, México
e a Argentina a integrarem a organização regional.175 Tal como as outras tentati-
vas, esta foi também infrutífera.
A única organização que se prestou sempre apoiou publicamente a URT foi
a Persatuan Seluruh Bangsa Melayu (União Geral da Raça Malaia). O presidente
desta agremiação, Mulwan Shah, divulgou um comunicado em Jacarta, no dia 15
173 “Despacho da agência noticiosa Reuters proveniente de Jacarta, intitulado ‘Jacarta fala na
formação da União da República de Timor’, de 25 de Julho de 1968”, PIDE/DGS, “República Unida de
Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 30, IAN/TT, Lisboa; “‘Oust the Portuguese’ Timor ‘Grab’
– Indo Appeal”, The Sunday Telegraph [Sydney] (23 de Junho de 1963), p. 1.174 O primeiro micro-Estado do Pacífico Sul a tornar-se independente no dia 1 de Janeiro de
1962 da Nova Zelândia.175 “Ofício de A. Mao Klao para o primeiro-ministro da Nova Zelândia, de 1 de Dezembro de
1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida
Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
412 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
de Abril de 1963, no qual defendeu que os portugueses tinham que sair de Timor
até ao dia 15 de Julho, caso não o fizessem teriam de enfrentar a acção da ONU.176
No, entanto, funcionários governamentais indonésios interpelados pelo corres-
pondente da United Press International (UPI) na capital javanesa afirmaram que
Mulwan Shah era um resquício da Conferência de Solidariedade Afro-Asiática,
que tinha decorrido há dois anos, e recusaram-se a tecer os comentários sobre as
suas actividades. Porém, um funcionário defendeu, particularmente: “he’s a crank.
Don’t take him seriously”.177
A sua alegada parca influência junto dos círculos oficiais indonésios, não
impediu, contudo, que a Persatuan Seluruh Bangsa Melayu persuadisse, com êxito,
a agência oficiosa javanesa Antara a divulgar um seu comunicado a exortar à
expulsão dos portugueses de Timor-Díli, a apoiar a URT, em termos genéricos, e a
congratulá-la pela formação do seu I “governo”. Este texto declarou ainda que os
timorenses eram uma parte inseparável da raça malaia.178 Por outro lado, no
mesmo mês, enviou um telegrama ao presidente do Conselho, António de Oliveira
Salazar, a solicitar “a imediata libertação dos prisioneiros existentes em Timor e
‘exigindo que seja dada independência à Colónia, o mais brevemente possível’”.179
No dia 10 de Junho de 1963, esta organização, que reivindicava representar
250 milhões de malaios, desde o “Hawaii to Madagascar, from Formosa to the Coco
Islands”, difundiu um comunicado no qual reiterava publicamente o seu apoio à
URT. De acordo com o texto: “[t]he Malay peoples will naturally give their positive
support to any action launched by the Republic of Timor-Dili to destroy the Portuguese
Fascist-Imperialists”.180 O apoio desta organização contava, porém, muito pouco,
176 “Give Up Borneo And Timor Or Face U.N. Action” The South China Morning Post [Hong Kong],
(17 de Abril de 1963), p. 1.177 Ibid.178 “Now Indonesia Turns on the Portuguese in Timor”, The Sunday Times [Singapura], (23 de
Junho de 1963), p. 1.179 “Ofício n.º 3057/K-8-2 do gabinete dos Negócios Políticos do ministério do Ultramar, de 9 de
Maio de 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘Repúbli-
ca Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.180 “Indonesians New Threat to P. Timor”, The Northern Territory News [Darwin], (25 de Junho de
1963), p. 1.
413colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
quer na Indonésia, quer internacionalmente. Na visita que efectuou a Jacarta o
jornalista Hugh Mabbettt, no último trimestre de 1970, constatou que a URT
“appears to come under the wing of another proverty-stricken body, the All Malay
Race Union”.181
Para além de se ter batido com grandes dificuldades no estabelecimento de
contactos externos com países política e religiosamente próximos, as próprias
embaixadas ocidentais mostraram-se muito pouco abertas às diligências da URT.
Por exemplo, o “ministro, interino, dos Negócios Estrangeiros” da URT, Mohammed
Abbay Ridwan Maly, dirigiu ofícios semelhantes ao primeiro-ministro britânico,
Lorde Home, e ao presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, em 29 de Dezembro
de 1963, a solicitar “aid and support in moral and material at least to bless the
struggle by the people of the Union Republic of Timor-Dilly”. Por outro lado, pediu
que lhes fossem concedidos direitos para transmitir propaganda da URT nos
órgãos de comunicação social.182 Os ofícios foram entregues nas embaixadas
britânica e americana em Jacarta.183 Porém, a embaixada britânica não atribuiu
qualquer “importância” à nota da URT.184
O desinteresse das missões diplomáticas de grandes potências pela URT,
observou-se, também, por parte das médias e pequenas potências ocidentais. O
embaixador da Suíça em Jacarta, Reveillond, recusou-se a aceitar um ofício da
URT dirigido ao presidente da Confederação Helvética, Hans Schaffner, no senti-
181 Hugh Mabbett, “Portuguese Timor: The Uneasy SE Asian Outpost”, Mainichi Daily News
[Tóquio], (4 de Janeiro de 1971), p. 5.182 “Nota do ‘ministro, interino, dos Negócios Estrangeiros, da URT, Mohammed Abbay Ridwan
Maly, para o primeiro-ministro do Reino Unido, Lord Home, de 29 de Dezembro de 1963” in “Agitação
nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.
521, AHDMNE, Lisboa.183 “Aerograma n.º 13, cifrado, recebido do encarregado de negócios da legação de Portugal em
Jacarta, José Eduardo de Melo Gouveia, de 23 de Março de 1964” in “Agitação nas províncias
ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,
Lisboa.184 “Ofício UL 57 enviado por Hall Themido, em nome do ministro dos Negócios Estrangeiros,
Franco Nogueira, para o embaixador de Portugal em Washington, Vasco Vieira Garin, de 18 de Abril
de 1964” in “Movimentos de libertação de Timor”, Arq. emb. Washington, M. 255, AHDMNE, Lisboa.
414 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
do de ser aplicado a Convenção de Genebra à URT, em Novembro de 1966.185
Enquanto, que o ofício enviado à embaixada do Reino Unido em Jacarta no
sentido de a URT ser “aceite na comunidade britânica”, de meados de 1969, foi
considerado por um diplomata britânico na capital da Indonésia como uma
“carta ridícula e sem importância”. A reputação da URT era tão fraca que o chefe
do departamento do Sudeste do Pacífico do Foreign Office declarou ao conselhei-
ro da embaixada de Portugal em Londres “que desconhecia a questão e que a
Missão Diplomática do seu país em Jacarta não tinha feito qualquer comunica-
ção sobre a mesma. Considerou o assunto como uma ‘graça’ sem importância”.186
Numa tentativa desesperada para romper com o seu isolamento, em 8 de
Junho de 1970, por ocasião da reeleição de Sirimavo Ratwatte Dias Bandaranaike
para o cargo de primeira-ministra do Sri Lanka, a URT enviou uma carta a
congratulá-la e a solicitar “moral and material support to the struggle of the
realization of our independence and Your Excellency’s formal recognition of our
country”.187 A embaixada do Sri Lanka em Jacarta forneceu, porém, “a título
particular,”188 uma fotocópia da carta enviada a Bandaranaike, ao consulado de
Portugal. Tal como o governo de Kuala Lumpur, o regime de Colombo não se
pronunciou sobre esta matéria.
No derradeiro esforço para tentar obter reconhecimento internacional, em
Agosto de 1973, a URT enviou uma missiva à rainha Juliana a solicitar o apoio da
soberana e do governo dos Países Baixos à luta em prol da independência de
185 “Ofício UL 964 do director-geral, interino, dos Negócios Políticos do ministério português
dos Negócios Estrangeiros, João Hall Themido, para o director da PIDE, major Fernando da Silva Pais,
de 7 de Novembro de 1966”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T.
3292, fls. 42-43, IAN/TT, Lisboa.186 “Informação secreta n.º 2921, proc. QQ-14, de Vasconcelos de Carvalho, de 7 de Novembro
de 1969, p. 7”, MU/GNP/SR: 164/Cx. 17S, AHU, Lisboa.187 “‘Letter to H.E. The Ambassador of Sri Lanka [in] Djakarta’, de 8 de Junho de 1970”, PIDE/DGS,
“República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287/63-SR, N.T. 3292, fl. 28, IAN/TT, Lisboa.188 “Ofício PAA 369 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério português dos
Negócios Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral da PIDE/DGS, major Fernando
da Silva Pais, de 27 de Julho de 1970”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação da Ilha de Timor”, Proc.
n.º 227-SR/61, N.T. 3046, fl. 1, IAN/TT, Lisboa.
415colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Timor. Apesar da embaixada ter remetido o ofício da URT ao ministerie van
Buitenlandse Zaken [ministério dos Negócios Estrangeiros], o chefe da missão
diplomática holandesa em Jacarta sublinhou na sua missiva para Haia “a pouca
representatividade do movimento e a sua situação delicada que poderia resultar
do seu apoio, no contexto das relações com o Governo indonésio”.189
Para além de manifestar total inaptidão para estabelecer contactos e con-
trair apoios a nível bilateral, a URT revelou-se também incapaz de estabelecer
contactos e obter ajuda a nível multilateral. Assim, ao contrário dos movimentos
de libertação da África lusófona e de Goa, a URT também não logrou participar
em conferências internacionais de concertação política dos movimentos de
libertação das colónias portuguesa, como a Conferência das Organizações Nacio-
nalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).190
A falta de capacidade da URT em se afirmar quer no terreno, quer interna-
cionalmente, levou o ministro Silva Cunha a considerar numa exposição secreta
para um grupo restrito de deputados à Assembleia Nacional, que teve lugar na
Biblioteca do Palácio de S. Bento, em 15 de Fevereiro de 1967, que Timor “não
tem problemas políticos internos”.191 Adiantou, ainda, que no território “não há
189 “Ofício n.º 6170 do director-geral dos Negócios Políticos do ministério dos Negócios
Estrangeiros, Gonçalo Caldeira Coelho, para o director-geral da PIDE/DGS, major Fernando da Silva
Pais, de 14 de Agosto de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do Timor Português”,
Proc. n.º 18891/CI(2), N.T. 7826, fl. 20, IAN/TT, Lisboa.190 No caso da CONCP, cuja primeira conferência teve lugar em Casablanca, entre os dias 18 e
20 de Abril de 1961, e que contou com a presença do presidente do Congresso Nacional de Goa e
do secretário da Liga Goesa de Londres, a URT não se fez representar. Instituto dos Arquivos
Nacionais / Torre do Tombo, “Informação secreta n.º 684/61-GU da PIDE, de 6 de Junho de 1961” in
“Informações da PIDE: realização da CONCP, 1961”, AOS/CO/UL-32C, Pt. 63, fl. 415, IAN/TT, Lisboa.
Convém recordar que o Marrocos, país islâmico moderado, era um dos principais apoiantes logísticos
e financeiros da CONCP. Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, “Informação secreta n.º
1.402/61-GU da PIDE, de 12 Setembro de 1961” in “Informações da PIDE: realização da CONCP, 1961”,
AOS/CO/UL-32C, Pt. 63, fl. 416, IAN/TT, Lisboa. Portanto, apesar da similaridade religiosa e, provavel-
mente, ideológica entre a URT e o governo marroquino, o incipiente movimento de libertação
timorense não conseguiu tirar partido desta situação aparentemente vantajosa.191 “Exposição secreta à Assembleia Nacional sobre a situação no ultramar pelo ministro Silva
Cunha, de 15 de Fevereiro de 1967”, AOS/CO/UL-58, Pt. 1, Sbd. 39, fl. 311, IAN/TT, Lisboa.
192 Ibid., fl. 317.
193 O “governo” estava previsto para durar até 9 de Abril de 1965, isto é, por um período de 2
anos. Desentendimentos entre os dirigentes do movimento contribuíram para que durasse pouco
mais do que 3 meses.
416 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
movimentos subversivos internos. População fiel e muito dedicada. O movimen-
to da República Independente de Timor (Batugadé) que por vezes aparece
referido na Imprensa estrangeira não tem qualquer consistência. É formado por
meia dúzia de indivíduos que nunca estiveram em Timor. O caso especial do Nai
Buti”.192
Conclusões
Apesar da conjuntura política internacional ter sido altamente favorável à
criação da URT, este movimento embrionário de tendências fortemente tradi-
cionais e etno-nacionalistas nunca conseguiu tirar dividendos desta situação e
firmar-se politicamente no terreno. Nesta sucinta análise apontamos para 8
factores que contribuíram para esta situação. Primeiro, a total incapacidade da
URT para transcender actividades que se circunscreviam meramente ao foro
político-propagandístico. Porém, até neste sector se debateu com sérios proble-
mas de divulgação dos seus comunicados. Segundo, o aparente intenso conflito
entre os seus principais dirigentes. Terceiro, a sua forte matriz islâmico-malaia era
incompatível com uma população na sua esmagadora maioria animista e
tendencialmente católica. Quarto, a sua total incapacidade para se afirmar atra-
vés da luta armada, como o fizeram vários movimentos de libertação da África
lusófona. Quinto, as conflituosas relações que manteve com os regimes no poder
em Jacarta, o seu principal apoiante. Sexto, a “integração” de Timor na Indonésia
não constituiu uma prioridade para os regimes de Sukarno e Suharto no período
em apreço. Durante o regime de Sukarno as principais prioridades foram a
anexação da Papua Nova Guiné Ocidental na Indonésia e a tentativa gorada para
evitar a independência da Malásia. No período seguinte o interesse de Suharto
foi consolidar o seu regime e fomentar o crescimento económico. A incorporação
do Timor Português foi completamente relegada para segundo plano. Sétimo,
incapacidade para estabelecer um relacionamento com a elite crioula timorense.
417colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Oitavo, a URT manifestou ao longo de todo este percurso uma grande falta de
competência política para mobilizar apoios externos e estabelecer contactos e
alianças com os movimentos de libertação da África lusófona e de Goa, organi-
zações de concertação anticolonial, como a CONCP, e organismos internacionais,
mesmo os de matriz político-religiosa. Estes factores contribuíram para que após
o 25 de Abril de 1974, que precipitou bruscamente o aparecimento de várias
formações políticas em Timor, a URT não conseguisse afirmar-se como um actor
político no terreno. A breve trecho seria substituído pela APODETI, uma associ-
ação cívica com uma base política de apoio mais ampla.
Anexo ICronograma da evolução institucional da URT, 1960-1974
Fontes: AHDMNE e IAN/TT.
Denominação Comissão Presidium Conselho II III IV V VI APODETIde Central Militar e “Governo” “Governo” “Governo” “Governo” “Governo”
Libertação I “Governo” ??? ???
Quantidade de 9 9 30 e 12 25 ??? 27 ??? 20membros
Documentos “Declaração “Consti-importantes de Inde- tuição
pendência” (4 de Maio)
Datas 1960 1961 1963 1965 1967 1969 1971 1973 1974(2 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (9 de (27 de
Novembro) Abril) Abril) Abril) Abril)??? Abril) Abril)??? Abril) Maio)
418 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Anexo IIOs “governos” da URT, 1963-1973
I “Governo”
(9 de Abril de 1963 a 9 de Abril de 1965)193
1 Primeiro-Ministro T.E. Maly Bere
2 Vice-Primeira-Ministra Immany
3 Conselheiro do Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Datok Palimo Kayo
4 Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Brigadeiro-general Z. Falah
5 Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com a Raça Malaia Inche Mohammed Qossim Al-haj
6 Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados-Membros Joseph Seran
7 Ministro da Educação, Informação e Estruturas do Estado Mohammed Abbay Ridwan Maly
8 Ministro da Agricultura, Pecuária e das Pescas Major N. Nai Bere
9 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Naema Ellyzabeth
10 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução Immany
11 Ministro das Comunicações (Rádio, Correios, Telégrafos e Telefones) W. Liando
12 Ministro dos Transportes Marítimos, Terrestres e Aéreos Alfonso Tifaona Labalekan
Fonte: “Announcement of the Formation of the New Cabinet of the Central Government of the Union Republic ofTimor-Díli for the Period of 1963-1965” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalis-tas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
419colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
I “Governo”
1.ª remodelação
(10 de Julho de 1963 a 1 de Novembro de 1964)
1 Primeiro-Ministro A. Mao Klao
2 1.º Vice-Primeiro-Ministro Maly Tae
3 2.º Vice-Primeiro-Ministro T.E. Maly Bere
4 3.ª Vice-Primeira-Ministra Immany
5 4.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Z. Falah
6 5.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Aminah Balikh
7 Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia A. Mao Klao
8 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia Al-Hadi
9 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros e da Raça Inter-Malaia Inche Mohammed Qossem Al-Haj
10 Ministro da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros Maly Tae
11 Ministro-Adjunto da Administração Interna e dos Assuntos dos Estados-Membros Brigadeiro-generalMohammed Abbay Ridwan Maly
12 Ministro da Agricultura, Avicultura e Pescas Joseph Seran
13 Ministro-Adjunto da Agricultura, Avicultura e Pescas Major N. Nai Bere
14 Ministro dos Transportes Marítimos, Terrestres e Aéreos Alfonso Tifaona Labalekan
15 Ministro da Educação, Informação e Estruturas do Estado A. Mao Klao
16 Ministra-Adjunta da Educação, Informação e Estruturas do Estado Brigadeiro-general Aminah Balikh
17 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Fomento Immany
18 Ministra-Adjunta das Finanças, Assuntos Económicos e Fomento Al-Hadi
19 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Nn. Naemma Ellyzabeth
20 Ministro-Adjunto das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Coronel Thalib Bara
21 Ministro das Comunicações (Rádio, Correios, Telégrafos e Telefones) W. Liando
Fonte: “Announcement Regarding the Reshuffle of the Cabinet Formation for the 2nd Period, 1963-1965” in“Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M.521, AHDMNE, Lisboa.
420 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
I “Governo”
2.ª remodelação
(2 de Novembro de 1964 a 9 de Abril de 1965)
1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Boly Mao
2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Immany
3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Leto Mao
4 3.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Bara Mao
5 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly
6 Vice-Ministra dos Negócios Estrangeiros Manehat
7 Ministro das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Bara Mao
8 Vice-Ministro das Relações com os Países Malaios Inche Mohammed Qossem Al-Haj
9 Ministro da Administração Interna Brigadeiro-general Boly Mao
10 Vice-Ministro da Administração Interna Lao Marac
11 Ministro da Organização dos Países-Membros e dos Assuntos dos Estados Brigadeiro-general Leto Mao
12 Vice-Ministra da Organização dos Países-Membros e dos Assuntos dos Estados Wa Sallamah
13 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Immany
14 Vice-Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu
15 Ministro da Educação e da Universidade Qader Gorou
16 Ministro da Informação e Propaganda Salla Mohammed Sakran
17 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução Immany
18 1.º Vice-Ministro das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução La Omar Al Haj
19 2.º Vice-Ministro das Finanças, Assuntos Económicos e Reconstrução La Massa
20 Ministro dos Transportes Marítimos Alfonso Tifaona Labalekan
21 Vice-Ministro dos Transportes Marítimos La Abdusshukur Al Haj
22 Ministra de Estado Hendo
Fonte: “Announcement on the Reshuffle of the Cabinet for the Second Period, 1963-1965” in “Agitação nasprovíncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE,Lisboa.
421colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
II “Governo”
(9 de Abril de 1965 a 9 de Abril de 1967)
1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general A.H. Bere
2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Immany
3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Th. Bara
4 3.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general B. Balle
5 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly
6 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros Lao Marae
7 Ministro das Comunicações com os Estados Malaios Coronel Sikky Mao
8 Ministra-Adjunta das Comunicações com os Estados Malaios M. Cane
9 Ministro do Interior B.M. Mai Laka
10 Ministro-Adjunto do Interior F.D. Notake
11 Ministro para a Construção da União da República/República Autónoma Brigadeiro-general Boly Mao
12 Ministra-Adjunta para a Construção da União da República/República Autónoma Wa Sallamah
13 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Immany
14 Ministra-Adjunta das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu
15 Ministro da Educação e da Universidade Brigadeiro-general M.S. Pakkeh
16 Ministro-Adjunto da Educação e da Universidade Matang Lakuru
17 Ministro da Informação e Propaganda Salla Mohammed
18 Ministro-Adjunto da Informação e Propaganda M.S.K. Seran Klao
19 Ministra das Finanças, Economia e Construção Immany
20 Ministro-Adjunto das Finanças, Economia e Construção Amma Abu
21 Ministro das Comunicações Marítimas Alfonso Tifaona Labalekan
22 Ministro-Adjunto das Comunicações Marítimas La Abdusshukur Al Haj
23 Ministro de Estado La Omar Al Haj
24 Ministro de Estado Inche Mohammed Qossem Al-Haj
25 Ministro de Estado Amma Seran
Fonte: “Announcement of the Central Government Council of the Union Republic of Timor (Third Period, 1965--1967) in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizações nacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”,PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
422 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
IV “Governo”
(9 de Abril de 1969 a 9 de Abril de 1971)
1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Boly Mao
2 1.ª Vice-Primeira-Ministra Brigadeiro-general Immany
3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Coronel Sikky Mao
4 Ministro dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general MohammedAbbay Ridwan Maly
5 Ministro-Adjunto dos Negócios Estrangeiros Brigadeiro-general Bara Mao
6 Ministro das Relações com os Países Malaios Coronel Sikky Mao
7 Ministro-Adjunto das Relações com os Países Malaios Tenente-coronel M. Coro
8 Ministro do Interior e dos Países Membros Coronel M.S.K. Ghani Calao
9 Ministro-Adjunto do Interior e dos Países Membros F.D. Notake
10 Ministra das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Brigadeiro-general Immany
11 Ministra-Adjunta das Mulheres, Saúde e Assuntos Sociais Aquilina Kitu
12 Ministro da Educação e Universidade Brigadeiro-general M.S. Pakkeh
13 Ministro-Adjunto da Educação e Universidade Dr. Naroins Adam Letodabsy
14 Ministro da Informação e Propaganda Brigadeiro-general A.R. Ulabi Talo
15 Ministro-Adjunto da Informação e Propaganda Tenente-coronel C. Corou
16 Ministra das Finanças e do Banco da Revolução de Timor Brigadeiro-general Immany
17 Ministro-Adjunto das Finanças e do Banco da Revolução de Timor Vago
18 Ministro da Economia e Comércio Coronel Bukuany Maya-Maya
19 Ministro-Adjunto da Economia e Comércio Vago
20 Ministro das Provisões para a Guerra Vago
21 Ministro-Adjunto das Provisões para a Guerra Vago
22 Ministro dos Transportes Marítimos Alfonso Tifaona Labalekan
23 Ministro-Adjunto dos Transportes Marítimos Coronel Pahar Hady Taha
24 Ministro de Estado La Abdusshukur Al Haj
25 Ministro de Estado La Omar Al Haj
26 Ministro de Estado Inche Mohammed Qossem Al-Haj
27 Ministro de Estado Ilegível
Fonte: “Nomeação do Conselho de Ministros do Governo da República Unida de Timor, do V Período, de 9 de Abrilde 1969”, PIDE/DGS, “República Unida de Timor-Díli”, Proc. n.º 1287-SR/63, N.T. 3292, fls. 12-17 e 25, IAN/TT, Lisboa.
423colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
VI “Governo”
(9 de Abril de 1973 a 9 de Abril de 1975)194
1 Primeiro-Ministro Brigadeiro-general M.T. Analessy
2 1.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general S.G.S. Gasang
3 2.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general P.H. Ulumando
4 3.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general M.K. Lacca Mao
5 4.º Vice-Primeiro-Ministro Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly
6 Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly
7 Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Relações com os Países Malaios Brigadeiro-general Dr. IncheMohammed Qossem Al-Haj
9 Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados Membros Brigadeiro-general P.H. Ulumando
10 Vice-Ministro do Interior e dos Assuntos dos Estados Membros Coronel La Abdusshukur Al Haj
11 Ministro dos Transportes Marítimos Coronel Hasheem Lacry
12 Vice-Ministro dos Transportes Marítimos Capitão A.H. Wariu
13 Ministro da Educação e da Universidade Brigadeiro-general Sh. Chan Letomaly
14 Ministra das Finanças, Assuntos Económicos e Construção Brigadeiro-general Immany
15 Ministro da Saúde Brigadeiro-general A.H. Bere
16 Ministra dos Assuntos Sociais Coronel Dr.ª Mariam Riza Laik
17 Ministro das Provisões para a Guerra Coronel Sheik M. Boly Amang
18 Ministro da Informação e Propaganda Coronel M.Z. Anapary
19 Ministro dos Assuntos Religiosos Major Manise
20 Secretário de Estado do Conselho de Ministros Capitão A.H. Wariu
Fonte: “The Composition of the Central Government Council of the Union of the Republic of Timor,Period VII, de 28 de Junho de 1973”, PIDE/DGS, “Movimento de Libertação Nacional do TimorPortuguês”, Proc. n.º 18891-CI(2), N.T. 7826, fl. 19, IAN/TT, Lisboa.
424 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Anexo III“Conselho Militar” da URT
In the name of Allah with pity and mercy
Directorate General
Central Presidium
Union Republic of Timor Dilly
Batugadé – Timor Dilly
No. P.II/VI/DG-Prespu-URTD/63
Subject: Announcement regarding the
FORMATION OF THE
MILITARY COUNCIL OF THE
UNION REPUBLIC OF TIMOR DILLY
in the emergency area of Batugadé
A N N O U N C E M E N T
All of us safe and prosperous owing to God’s mercy
It is hereby announced that at 10 o’clock in the morning, June 10, 1963, in
the emergency fighting area of Batugadé, a Military Council has been formed by
the Acting President of the Central Presidium of the Union Republic of Timor
Dilly, Mr. A. Mao Klao, with a decree Number 0005/VI/PRESPU-URTD/1963, and
June 10, 1963, was determined as the Armed Forces Day.
THE MILITARY COUNCIL is the headquarters of the Armed Forces covering
forces of all arms.
The soldiers of the Union Republic of Timor Dilly have their politics, economic
and religion properly guided.
THE ARMED FORCES are the backbone of the people and the State, and
become the defenders of the State Constitution to fulfil God’s duties. The position
425colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
of the Military Council is to assist the Central Presidium of the Union Republic of
Timor dilly, and are at the same level as Cabinet Ministers or the Central
Government Council member.
The Supreme Chairman: The Acting President of the Central Presidium
of the Union Republic: Mr. A. Mao Klao.
Deputy Supreme Chairman: 2nd Vice-President of the Central Presidium
of the Union Republic: Mr. Maly Tae.
= = = = = = = = = = =
Chairman: Major General Mao Bere
1st Deputy Chairman: Brigadier General Z. Falah
2nd Deputy Chairman: Brigadier General Miss Aminah Balikh
Honoured General Chief of Staff in absentia: The late Major General
Abubakar Ilemandiry
General Chief of Staff: Brigadier General Mohammed Shaleh Pakkeh
Deputy Chief of Staff: Brigadier General Mohammed Abbey Ridwan
Maly
Members of the Military Council:
Colonel Thalib Bara
Colonel Salim Siku
Colonel Mohammed Shaleh
Colonel Umar Bara
Lieutenant Colonel P.E. Siregar
Lieutenant Colonel Shofyan Ghany
Lieutenant Colonel Thomas Uly
Major Moeis Attamao
Major N. Nai Bere
Major Gabril Taty Nahak
426 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Major Miss Amishah Tolang
Major C. Kalao
Major Abdul Hamid Bere
Major Baso
Major Abdurahin Mao Ilaly
As military corps of one Malay State in the Pacific, the Armed Forces of the
Union Republic of Timor Dilly will remain as a fort for the Malay Family Race in
general and the Pacific fort in particular; for that reason the Armed Forces of the
Union Republic of Timor Dilly, should be on the alert, ever ready with the spirit
and soul of Melanesia as one of the Malay groups in the Pacific where Timor
remains in the center.
Keep on fighting to sweep the Portuguese Imperialists without any
negotiations and strengthen the friendship with all neighbouring States and the
world in general and especially with the States in the Pacific.
A M E N!
At the emergency fighting area of Batugadé
10 o’clock in the morning June 10, 1963.
Issued by: The Liberation Bureau of the
Union Republic of Timor Dilly
Directorate General
Central Presidium of the
Union Republic of Timor Dilly
Director General
(sgd) Abdulah Kalao
Fonte: “Announcement Regarding the Formation of the Military Council of the Union Republic of Timor Dilly in theemergency area of Batugadé, 10 June, 1963” in “Agitação nas províncias ultramarinas: Timor – organizaçõesnacionalistas ‘República Unida Timor-Díli’”, PAA M. 521, AHDMNE, Lisboa.
427colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
Anexo IV
In the name of Allah, the Gracious and the Merciful
THE DECLARATION OF INDEPENDENCE
May peace and the blessing of Allah upon us
With the Patriotically Revolutionary struggle, as well as continuously energetic
effort led by the revolts; commencing the end of the Year 1959, and by the struggle/
propaganda of TIMOR LOVERS (DILLY).
Until the forming of the Bureau of the Liberation on November 2, 1960, and with
the consent and mercy of Allah the very Glorious, the Central Presidium of the Union
of the Republic was formed at 9.00 a.m., on Sunday, April 9, 1961.
TIMOR which is declared INDEPENDENT; commencing this time and day with the
capital in PRASZA (DILLY) and during the emergency of struggle the Realization of
Independence, the Revolution Capital is in BATUGADÉ.
THE UNION OF THE REPUBLIC OF TIMOR is a CONFEDERATE TIMOR, which formed
a SOCIALISTIC STRUCTURE being guided by Allah’s Holy Book as a continually ricing
the history of MALACCA under the guidance of MAROMAK OAN in the GOLDEN AGE
of ancient CONFEDERATE TIMOR.
This DECLARATION OF INDEPENDENCE attended by 9 (nine) members of the First
CENTRAL PRESIDIUM.
The STRUGGLE OF DRIVING AWAY THE OLD AND NEO-COLONIALIST IS CARRIED
OUT BY FORCE AT THE POINT OF WEAPON (arm), the VICTORY IS NECESSARILY SEIZED.
As MALAY’S RACE AND COUNTRY WHICH SITUATED IN THE MALAY’S MELANESIAN
ARCHIPELAGOES, WE STRUGGLE FOR THE GREATLY MALAYS CONFEDERATION.
MORES TIMOR! (VIVA THE TIMOR!) MORES MALAY’S MELANESIAN! (VIVA MALAY’S
MELANESIAN!).
May Allah be with us.
AMENApril 9, 1961
Acting President of the Central Presidium
Signed
A. Mao Klao
428 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
Anexo V
In The Name Of Allah, The Most Beneficent And Merciful
C O N S T I T U T I O N
To make it clear to the world, and to the public opinion at home alike, and to
be the point of compass of the Ministry of Foreign Affairs and all representatives
abroad, the Central Presidium formulated a Constitution as follows:
1. The Union of Timor Republic and the patriotic Timorese People, as citizens
craving for a full independence, assert their resolute standpoint against
imperialism, colonialism, neo-imperialism and neo-colonialism of any kind and
of any race, whether it is of the white, the colored or the yellow-skinned
people.
2. The patriotic and heroic Timorese People’s Revolution started as a struggle
with red spillings of blood and sharp points of weapons, and is now in the
process of gaining the last victory to drive away the Portuguese imperialism
and other forms of imperialism, neo-imperialism, colonialism and neo-
-colonialism that are all aspiring to annex the beloved country, Timor; a victory,
that is to be won at the end of a battle.
3. Timor is the Timorese People’s claim, and not that of the Portuguese and other
imperialists, neither it is the claim of Peoples, which are not the citizens of the
Union of Timor Republic. Foreigners have no right to obstruct and slow off the
coming success of the liberation struggle, namely the full independence of
Timor. Any attempt to do so will be regarded as that performed by the
accomplices of the Portuguese imperialists or something of the sort.
4. Any Timorese, for lack of knowledge and being ignorant, sided with the
Portuguese and other colonialism, is here and now warned to immediately
realize his mistake, and to immediately come shoulder to shoulder with Timorese
freedom fighters in gaining the common victory over the Portuguese and
other colonialists.
5. The Union of Timor Republic, being a peace-loving State, has never aspired to
annex any neighboring territory, and [on the] other hand, she is never prone
429colecção BIBLIOTECA DIPLOMÁTICA
to be annexed by any neighboring country. Timor loves to live in a peaceful
friendliness and in a mutual respect with other countries. It is again stressed,
that Timor is against any neo-colonialism from anywhere.
6. The Union of Timor Republic, as a Malay country belonging to the Malay-
-Melanesian group of islands, feels it deeply that she is a member of the family
requiring a mutual help with all neighboring countries, especially with the 250
million Malayans living in the area as far as from Hawaii to Malagasy.
7. As a Malay country realizing the importance of unity, the Union of Timor
Republic supports resolutely the idea of All Malay Race Union, and will put
herself as its first member. This union is to comprise all Malayans living in the
area as far as from Hawaii to Malagasy.
8. The Union of Timor Republic as a State fighting under democratic principles
towards a socialist structure and guided by the Holy Book of Allah, following an
independent foreign policy and being free to determine her own course, has
always strived for a membership in the United Nations, and has always been
ready to create a friendly relationship with all countries in the world and with
all peace-loving Peoples.
9. The Union of Timor Republic in her struggle to drive the imperialists away from
Timor needs any kind of help from anywhere, with a condition that the
Liberation Struggle of the Union will be thus undamaged.
10. The Union of Timor Republic has always craved for joining any international
organization that will inflict no loss to the independence and the sovereignty
of the Union of Timor Republic, directly as well as indirectly.
Amen.
In the Emergency Post,
Batugadé,
May 4, 1965.
The Central Presidium of the Union of Timor Republic
A. Mao Klao
(Acting President of the Presidium)
430 ENSAIOS SOBRE NACIONALISMOS EM TIMOR-LESTE
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Armando Marques Guedes é o
Presidente do Instituto Diplomático.
É também Professor Associado com
Agregação da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa,
onde tem as regências de Relações
Internacionais, Ciência Política,
Direitos Africanos, e Antropologia
Jurídica.
Nuno Canas Mendes é membro do
Conselho Superior do Instituto
Diplomático. É também Professor
Auxiliar do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da
Universidade Técnica de Lisboa. Tem
aí a regência da cadeira Mudança
Social e Economia na Região Ásia-
-Pacífico e lecciona a cadeira de
História da Colonização Moderna e da
Descolonização.
Neste volume são coligidos nove
artigos sobre vários aspectos dos
diversos tipos de nacionalismo que
se têm feito sentir em Timor-Leste.
A finalidade é a de ensaiar um pri-
meiro balanço da importância assu-
mida pelos sentimentos nacionais
em gestação, muitas vezes tão con-
testados, para a construção tanto de
uma comunidade política quanto de
um Estado em Timor.