STANISLÁVSKI E O TEATRO DE ARTE DE MOSCOU 1898-1938 (JEAN BENEDETTI)
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STANISLÁVSKI E O TEATRO DE ARTE DE MOSCOU 1898-1938
JEAN BENEDETTI
Traduzido para fins didáticos por Laédio José Martins
(In: UMA HISTÓRIA DO TEATRO RUSSO. Editado por Robert Leach e Victor Borovski. Editora
da Universidade de Cambridge, 1999, p. 254-277.)
O Teatro de Arte de Moscou foi criado entre as 14 horas do dia 22 de
junho e as 08 [da manhã] do dia 23 de junho de 1897, por dois homens que se
conheciam profissionalmente mas não eram, e nunca se tornaram, amigos
íntimos: Konstantin Stanislávski, um magnata [do ramo] têxtil que, apesar de
ser oficialmente um ‘amador’, foi o principal ator e diretor de sua geração, e
Vladimir Nemirovitch-Dantchenko, um premiado dramaturgo, crítico e chefe da
seção de teatro da Escola Filarmônica [de Moscou].
Era de conhecimento comum que Stanislávski estava planejando lançar
uma companhia profissional de teatro. Por dez anos ele havia dirigido e
financiado a Sociedade de Arte e Literatura, que apesar de semiprofissional,
havia estabelecido padrões de atuação que, mesmo teatros como o [Teatro]
Maly não podiam igualar. As produções de Stanislávski eram notáveis por seu
trabalho de conjunto, a precisão meticulosa dos cenários e figurinos, e seu
senso do período [histórico]. Eles não eram dramas de costume, mas
representações vivas da vida como experimentada no passado. Seu próprio
desempenho, não fora menos autêntico. Ele se recusou a estar em
conformidade com a visão estereotipada de personagens bem conhecidos,
mas apresentou contraditórios seres humanos a lidar com problemas
concretos. Foi essa combinação de especificidade histórica com o
especificamente humano, que deu a seu trabalho este impacto. Muitos viram
nele a salvação do Teatro Russo, o artista que iria recuperar a outrora gloriosa
tradição do [Teatro] Maly e de Shchepkin, e entregá-la às gerações futuras.
Nemirovitch estava no auge de sua fama como escritor premiado de
comédias populares, o queridinho do público da moda, mas, como o resto da
intelligentsia, sua maior preocupação foi a reforma do Teatro Russo, em
especial o [Teatro] Maly. Como Ostrovski antes dele, apresentou planos para a
reorganização do gerenciamento bem como para a formação dos jovens atores
e, como Ostrovski, foi impedido pela inércia da burocracia imperial. A proposta
de Stanislávski para um novo teatro poderia ser um veículo possível para suas
ideias. Ele escreveu duas vezes sugerindo uma reunião.
Stanislávski, que fora brevemente a Moscou para recolher sua
correspondência, respondeu por telegrama, convidando Nemirovitch para
almoçar no Slavianski Bazar, o restaurante preferido de escritores e
intelectuais. As discussões começaram as duas horas da tarde, continuaram
durante o jantar, e terminaram no café da manhã às oito horas da manhã
seguinte, na propriedade de Stanislávski em Liubimovka. Nessas dezoito horas
que definiram os princípios de uma companhia que, ao contrário de outros
teatros, seria de repertório e não de estrelas. Ela quebraria com a tradição dos
"tipos" – o homem da liderança [o chefe] (leading man), a liderança juvenil
(juvenile lead) [o líder juvenil], [o de] caráter (character), o forte (the heavy), e
assim por diante – que haviam sido estabelecidos no início do século por
decreto imperial, e criou um grupo de atores que poderiam desempenhar uma
variedade de papéis de importância variável (‘hoje o principal, amanhã o
coadjuvante’). Somente os atores que pudessem concordar com esta política
seriam admitidos na companhia. O novo teatro, acima de tudo, desempenharia
um papel social e educativo. Estaria aberto a todos, particularmente ao público
da classe trabalhadora/operária, que, se não pudesse pagar os modestos
preços pelos lugares/ingressos, seriam atendidos com apresentações especiais
gratuitas. Seria um teatro ‘popular’ em tudo, até no nome, embora o termo
‘popular’ causasse crescentes polêmicas políticas. ‘Popular’ soava/significava
(meant) ‘subversivo’.
O novo teatro foi, portanto, fundado sobre os pilares gêmeos da tradição
do Realismo Russo defendido por Pushkin, Gogol e Shchepkin e as
preocupações sociais e educacionais de críticos como Belinski. Foi o culminar
de um sonho do século XIX.
Stanislávski e Nemirovitch acordaram que a responsabilidade artística
deveria ser dividida entre eles: Nemirovitch teria a última palavra em todas as
questões de dramaturgia e Stanislávski em todas as questões da encenação.
Este parecia um arranjo ideal. Nemirovitch tinha uma notável capacidade de
análise dramática, mas reconheceu que era um tanto prosaico como diretor.
Stanislávski não tinha pretensões literárias, mas era um virtuose teatral.
Importantes questões práticas continuaram a ser negociadas por carta
durante as longas férias de verão e, há pouco emergiu/surgiu (emerged) que
ambos, sem malícia, possuíam uma agenda oculta/escondida (hidden).
Qual seria o repertório? Moderno ou clássico? Uma mistura de ambos?
Nemirovitch favoreceu um repertório exclusivamente moderno mas reconheceu
que não havia peças contemporâneas suficientemente boas para manter o
teatro em movimento. Stanislávski queria uma mescla, incluindo peças
populares leves as quais seriam um bom treino para a companhia. Nemirovitch
hesitou. Ele também foi igualmente contra a inclusão do que chamou de
trivialidade de grandes homens (great men’s trivia), tal como Noite de Reis e
Tartufo.
Mais importante foi a questão das finanças. Nemirovitch supôs que
Stanislávski poderia financiar o teatro com sua considerável fortuna assim
como havia sustentado sua Sociedade de Arte e Literatura. Ele ficou
desconcertado quando Stanislávski insistiu em criar uma companhia pública,
afirmando que seu dinheiro estava comprometido em seus negócios têxteis. Da
calculada fortuna da família Alekseiev de 08 milhões de rublos apenas 300.000
eram dele1. Stanislávski investiria 10.000 rublos. Desta forma, ele protegeria a
si mesmo contra acusações de que estaria usando sua posição para criar uma
‘tirania comercial barata’. A nova companhia deveria não só ter, mas também
ser vista com uma finalidade educativa. Deveriam, portanto, procurar tanto por
investidores privados como tentar obter subsídios do Conselho Municipal de
Moscou2.
Os meses que antecederam a abertura do teatro foi uma experiência
deprimente para ambos. Stanislávski visitou seus amigos em busca de apoio.
Ele não previu a indiferença e, de imediato, hostilidade foi o que encontrou. Vez
após vez ele foi rechaçado. Foi com grande dificuldade que o capital inicial de
28.000 rublos foi arrecadado. Além dos 10.000 de Stanislávski, os
investimentos vinham em pequenas quantias de 1.000-2.000 rublos. O único
outro principal investidor foi Savva Morozov, um rico industrial que também
subsidiava o jornal de Lênin, Iskra. Enquanto isso, Nemirovitch batalhava com
a burocracia. Ele elaborou cuidadosamente para as autoridades formulários de 1 O verdadeiro sobrenome de Stanislávski é Alekseiev.
2 Veja The Moscow Art Theatre Letters (MATL) (‘As Cartas do Teatro de Arte de Moscou’ CTAM)
(Londres, 1991), nºs 3-6.
licença de apresentação, evitando a palavra ‘popular’. Uma sociedade para a
promoção de um teatro ‘aberto’ foi criada, mas a primeira temporada já havia
começado no momento em que a inevitável recusa chegou.
Nemirovitch não estava feliz/satisfeito com uma companhia pública; ele
desconfiava da burguesia Moscovita, Morozov incluído, e temia que, em algum
momento os valores artísticos seriam sacrificados aos interesses comerciais e
a qualidade ao lucro. As credenciais de Stanislávski eram, por outro lado,
acima de qualquer suspeita. Mas não havia nada que Nemirovitch pudesse
fazer então, involuntariamente/a contragosto (unwillingly), ele submeteu-se ao
inevitável.
Stanislávski negociou um arrendamento no Teatro Hermitage e os
ensaios estavam programados para começar em junho de 1898.
Desafortunadamente, ou felizmente, como se viu, o teatro não estava
disponível durante o verão e então a companhia se reuniu em Pushkino, nos
arredores de Moscou, cerca de 30 milhas da propriedade rural/de campo
(country state) de Stanislávski. Dos trinta e oito membros que se reuniram,
quatorze vieram da Sociedade de Arte e Literatura de Stanislávski e doze,
incluindo Meyerhold, Olga Knipper (futura esposa de Tchékhov) e Moskvin, da
Escola Filarmônica3. Eles ficaram hospedados na aldeia, enquanto Stanislávski
cavalgava todos os dias para os ensaios. Nemirovitch esteve ausente nas
primeiras semanas, enquanto terminava um livro.
A companhia viveu como uma comunidade, compartilhando tarefas
domésticas nas quais Stanislávski insistia em participar, nem sempre com
resultados felizes. Muito da solidariedade do grupo foi criada nestes dias
iniciais de verão. Meyerhold foi cativado por Stanislávski, enquanto
Stanislávski, por sua vez, descreveu Meyerhold como seu 'querido'.4
Inicialmente, muito tempo foi gasto na discussão das três primeiras
peças que seriam ensaiadas. Meyerhold e outros estavam profundamente
impressionados com a seriedade do empreendimento, a atenção ao período e
à precisão histórica, e a natureza orgânica das produções, cada uma delas foi
baseada em um conceito central para o qual todos os outros elementos –
design, iluminação, figurino – deveriam estar subordinados. Os atores foram 3 Iu M. Orlov, Moskovskii Khudozhestvennyi teatr, novatorstvo i traditsii v oganizatsii tvorcheskogo
protsessa (Rostav-na-Dony, 1989) 4 CTAM (‘Cartas do Teatro de Arte de Moscou’), nº
s 18, 19, 20.
testados para os vários papéis e o elenco foi mantido aberto.
O repertório para a temporada de estreia foi composto por “Czar Fiódor”,
de Aleksei Tolstói, “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare, “Antígona”, de
Sófocles, “A Estalajadeira”, de Goldoni, duas produções retomadas da
Sociedade de Arte e Literatura, “Noite de Reis” e “O Sino Submerso”, de
Hauptmann e, por fim, “A Gaivota”.
Nemirovitch chegou em 25 de julho de 1898 e começaram os ensaios
propriamente. Um método de trabalho foi estabelecido. Stanislávski prepararia
planos de produção/montagem (production) minuciosamente detalhados, com
todos os movimentos, e às vezes as motivações, cuidadosamente indicadas.
Frequentemente, os esboços indicavam as posições físicas e as relações dos
personagens. Nemirovitch dirigia a peça de acordo ao plano, fazendo qualquer
mudança que ele achasse apropriada. Quando confrontado com A Gaivota,
Stanislávski ficou inicialmente perplexo com os meios-tons, a falta de ‘ação’.
Seu forte sempre foram cenas de multidão, como é evidente na cena de
'Yauza' em Fiódor, na qual uma direção de palco é transformada num pequeno
jogo (where one stage direction is turned into a small play).5 Nemirovitch
passou dois dias analisando e explicando o texto de Tchékhov. Stanislávski,
em seguida, retirou-se, cheio de dúvidas, para trabalhar na propriedade de seu
irmão perto de Kharkov. O plano de montagem/produção resultante foi, de
acordo com Nemirovitch, ‘um exemplo supremo do gênio criativo de
Stanislávski como diretor.’6
Para Nemirovitch, o trabalho em “A Gaivota” representou a colaboração
perfeita entre ele e Stanislávski. Foi por sua insistência que a peça fora incluída
na primeira temporada. A incompreensão inicial de Stanislávski foi, em certo
sentido, bem vinda. Para Nemirovitch, a tarefa do diretor era transmitir sua
compreensão, sua sensação do ‘sabor’ específico (particular) da peça para os
atores, ou, nas palavras de Tolstói, ‘infectá-los’. Agora ele havia ‘infectado’
Stanislávski. Ele forneceu a interpretação que Stanislávski, então, corporificou
em forma teatral. Esta, em sua opinião, era a ordem correta das coisas.
A temporada começou com [“Czar] Fiódor”. Tudo estava pronto;
incursões ao sul tinham produzido uma rica variedade de materiais e objetos
5 Ver Jean Benedetti, Stanislavski (‘Stanislávski’) (Londres, 1990), p. 72.
6 Citado no ensaio introdutório para ‘A Gaivota: Plano de Montagem’ (production) (Moscou, 1938).
para garantir a autenticidade histórica. Mas o problema da censura ainda não
fora resolvido. A peça continha cenas com eclesiásticos que, em geral, não
eram aprovadas e poderiam ter de ser cortadas. Isso também poderia derrubar
o padrão extremamente intricado de lançamento de toda a temporada. Os
sensores entregaram sua decisão na última hora (eleventh hour), contentando-
se com alguns cortes que, lamentou Stanislávski, mutilaram o verso.
O Teatro Público/Aberto (open) de Arte de Moscou foi inaugurado em 14
de outubro de 1898 em uma atmosfera de hostilidade latente. Stanislávski
estava ciente de que muitos estavam esperando, e esperavam que ele
fracassasse. Mas ele tinha escolhido a peça de estreia com sabedoria. Ela
permitiu-lhe implementar todas as suas habilidades adquiridas em apresentar
um ‘espetáculo’. Uma de suas proezas mais originais, particularmente
admirada por Meyerhold, foi colocar um corte de árvores do outro lado da
ribalta para a cena no jardim de Shuisky, de modo que o público viu a ação
através dos galhos.
O sucesso de [“Czar] Fiódor” foi seguido por uma série de fracassos. “O
Mercador de Veneza” (21 de Outubro), em que Stanislávski fez Darksi
representar Shylock com um sotaque judeu, provocou acusações de que o
teatro era antissemita e motivou Stanislávski a abandonar sua intenção de
alternar-se no papel. Ele não podia conceder sua reputação para reforçar uma
impressão lamentável. “O Sino Submerso” (19 de Outubro), “Noite de Reis” (30
de Outubro) e “A Estalajadeira” (02 de dezembro) não se saíram melhor. O
teatro estava em crise. Embora os salários fossem mais baixos que na maioria
dos outros teatros, até mesmo para os atores mais velhos, a política de
desenvolver um projeto especial para cada produção era dispendiosa. O
orçamento previsto para a primeira temporada apresentou um déficit, mesmo
com boas lotações/bilheterias (houses).7
Tudo então dependia de A Gaivota. A tensão era tão grande na primeira
noite que o teatro cheirava mal das gotas de valeriana que todos haviam
tomado para acalmar seus nervos. A encenação de Stanislávski foi ousada e
original. Se, em [“Czar] Fiódor”, ele colocou um corte [de árvores] do outro lado
7 Ver Moskovskii Khudozhestvennyi Teatr (‘O Tetro de Arte de Moscou’), de Orlov, e The foundation of the
Moscow Art Theatre (‘A Fundação do Teatro de Arte de Moscou’), in Senelick, L. (ed.), National Theatre in Northern and Eastern Europe 1746-1900 (‘O Teatro Nacional no Norte e no Leste Europeu 1746-1900’) (Cambridge, 1991), p. 414-417.
da frente do palco, em A Gaivota, ao final do Ato I, ele colocou uma fileira de
espectadores com suas costas para a plateia.
Inicialmente, Nemirovitch questionou a movimentação/gesticulação (by-
play) detalhada sugerida para este ‘público’, mas, como Stanislávski apontou,
este foi só um jeito de conseguir ter os atores dentro da situação. A atividade
poderia ser reduzida, uma vez que eles tinham ganhado em confiança. As
ações físicas detalhadas impedem os jovens atores de cair na armadilha de
interpretar/representar (playing) ‘em geral’ com gestos estereotipados. Elas os
forçam a se comportar de um modo específico, de conduta humana, não como
‘atores’.
Havia também a questão dos efeitos sonoros, tais como o coaxar de
sapos, que têm tanto obcecado os historiadores do teatro. Este não foi um
capricho da parte de Stanislávski. Como ele observou, o teatro é um lugar
barulhento. Se você quer fazer o público sentir o silêncio, você deve focar sua
atenção em um som específico. O silêncio que se segue é, então, devidamente
registrado e um [estado de] ânimo (a mood) é criado, para o ator e de forma
semelhante no público8. Entrevistado em 1936, Meyerhold foi bastante claro de
que os efeitos de Stanislávski foram poéticos, trazendo para o teatro o uso de
detalhes significativos que até então tinham sido prerrogativa da literatura.9
Na sequência de uma difícil primeira noite, se apresentando (played)
para uma casa meio-vazia, a montagem (production) tornou-se um triunfo.
Depois da cortina final, a plateia insistiu para que um telegrama de felicitações
fosse enviado para Tchékhov. O teatro foi salvo e uma gaivota estilizada
tornou-se sua logomarca.
Mas decepções foram o que se seguiu. “Antígona” apresentada à
plateias (houses) vazias. “Hedda Gabler” (19 de Fevereiro de 1899) fracassou.
A política social da companhia também sofreu um golpe fatal. Em 10 de janeiro
de 1899, tinham feito uma apresentação gratuita de “A Estalajadeira” para uma
plateia de operários. As autoridades foram rápidas em apontar que esta
[apresentação] tinha sido ilegal, já que tinham deixado de obter a aprovação do
quarto censor, cuja tarefa era vetar material para apresentação a plateias da
classe trabalhadora. Qualquer repetição poderia resultar em prisão. A noção de
8 CTAM (Cartas do Teatro de Arte de Moscou), nº
s 29-32.
9 Publicado em Novyi Mir (‘Novo Mundo’), nº. 8 (1961), p. 221.
um teatro ‘público/aberto’ foi, assim, morta efetivamente. Por sugestão de
Tchékhov, o teatro tornou-se simplesmente Teatro de Arte de Moscou (T.A.M.).
O golpe mais ferindo pareceu vir do próprio Tchékhov. Depois de “A
Gaivota”, Stanislávski e Nemirovitch presumiram que Tchékhov lhes permitiria
apresentar “Tio Vânia”, e ficaram magoados e aturdidos/desorientados quando
ele recusou. Tchékhov, no entanto, tinha dado uma opção ao [Teatro] Maly e
considerava-se em compromisso de honra por isso. Nemirovitch, que ainda
estava oficialmente na Comissão de Repertório do [Teatro] Maly, tomou então
conhecimento de que a gerência tinha perturbado Tchékhov, fazendo
inaceitáveis exigências por reescritos. Ele imediatamente se aproximou da irmã
de Tchékhov, Maria, que tratou de todos os assuntos de negócios de seu
irmão, com uma solicitação de permissão para montar a peça sem alterações.
A permissão foi concedida no final de abril.
Tchékhov ainda não tinha visto “A Gaivota” completa, só tinha assistido
a alguns ensaios iniciais, quando Stanislávski estava ausente. A companhia
decidiu fazer-lhe uma apresentação, sem cenários, no Teatro Paradiz. Isso
aconteceu em 01 de Maio. Tchékhov ficou impressionado com a montagem
(prodution), mas tinha fortes restrições (strong reservations) sobre o
desempenho (performance) de Stanislávski como Trigorin. Stanislávski
interpretou/representou (played) o personagem em um elegante terno branco e
baseou seu desempenho (performance) na linha ‘eu não tenho vontade
própria’. Esta interpretação (interpretation) teve a aprovação dos 'expert'; ao
escrever para Tchékhov depois da primeira noite, Nemirovitch disse que
Stanislávski ‘capturou com sucesso o tom suave e sem força de vontade’. Mas
Tchékhov tinha visto o personagem completamente diferente, como um
personagem decadente, ‘que veste calças de brechó e sapatos
furados/rachados (cracked)’, embora em nenhum lugar isso seja indicado no
texto. Seis anos depois, quando a peça foi remontada, Stanislávski revisou
radicalmente sua abordagem, como demonstram os registros fotográficos.
Muito tem se feito da reação de Tchékhov, em uma tentativa de
promover a lenda de um antagonismo entre Tchékhov e Stanislávski, que os
fatos não confirmam. Tchékhov fez uma série de comentários depreciativos
sobre Stanislávski o ator ao contrário de [sobre] Stanislávski o diretor ao longo
dos anos, mas, na verdade, quase nunca o viu atuar, exceto nessa ocasião.
Embora tenha participado da primeira noite de “O Jardim das Cerejeiras”, é
duvidoso que tenha visto muito da apresentação (performance)10. O que é certo
é que Tchékhov aprovou o T.A.M. como instituição, e estava disposto a ser
identificado com ele, tanto mais que se casou com uma de suas atrizes, Olga
Knipper.
A temporada 1899-1900 começou, como a primeira, com uma
[montagem] ‘espetacular’, “A Morte de Ivan, o Terrível”, de Aleksei Tolstói (29
de Setembro), seguida de “Noite de Reis” (03 de Outubro), e “O Carroceiro
Henschel”, de Hauptmann (05 de Outubro), “Tio Vânia” [de Anton Tchékhov]
(26 de Outubro) e Lonely People (“Povo Só”), de Hauptmann (16 Dezembro).
Na terceira temporada, 1900/[190]1, um padrão estava começando a
emergir. A peça de abertura era geralmente uma produção luxuosa, neste caso
Snow Maiden (“A Donzela da Neve”), de Ostrovski (24 de Setembro), seguida
por obras na sua maioria do tipo que Stanislávski posteriormente definiu em
sua autobiografia “Minha Vida na Arte” como a linha político-social: “Um Inimigo
do Povo” (24 Outubro), e “As Três Irmãs” (31 de Janeiro).
As Três Irmãs, escrita especialmente para o T.A.M., foi a primeira peça
de Tchékhov que Stanislávski dirigiu sozinho, devido ao fato de que
Nemirovitch estava no exterior em assuntos de família. Tchékhov também
escolheu passar o período de ensaio em viagem pela Itália e França, embora
isso não o tenha impedido de bombardear o teatro com reescritos.11
No momento (By the time) que Nemirovitch retornou, Stanislávski estava
longe de estar feliz. Knipper tinha tido muita dificuldade; seu desejo de encenar
o Ato 3 como uma ‘grande’ cena não encontrou apoio de ninguém, nem mesmo
de Tchékhov. Na primeira noite, ela ainda estava presa entre duas
interpretações, e sua Masha, embora escrita especialmente para ela, não foi
um sucesso completo. Além disso, Meyerhold vinha se mostrando um
Tusenbach medíocre, apesar do duro trabalho de Stanislávski, e Sudbinin foi
um Vershinin maçante. Com os dois personagens principais abaixo da média, a
peça estava em risco. Sudbinin teve de ser substituído. Stanislávski assumiu,
criando uma de suas melhores (greatest) interpretações/representações
(performances) em apenas dez dias. 10
Viktor Borovski, ‘Discórdia no Jardim das Cerejeiras’, Encontro (Janeiro-Fevereiro 1990), 65-72. 11
O script de ‘As Três Irmãs’ como apresentado pelo TAM não corresponde inteiramente ao texto normalmente publicado, o qual mais tarde incorporou cortes e revisões.
Tinha chegado a hora de enfrentar o público de São Petersburgo. A
rivalidade entre as duas capitais era notória, a aristocracia de São Petersburgo
olhou [do alto] para os prósperos moscovitas. A reação da crítica foi, portanto,
toda muito previsível. Somente Stanislávski, cujo talento não pode ser negado,
teve boas notícias, tanto quanto ator como diretor, enquanto os restantes foram
dispensados como mediocridades.
O público foi outra questão. Eles responderam à mensagem social no
repertório. O T.A.M. foi visto como politicamente crítico, mesmo que
Stanislávski e Nemirovitch muito especificamente o tenham evitado, por razões
estéticas, qualquer postura ideológica ostensiva. “Um Inimigo do Povo”
provocou manifestações (demonstrations) entusiasmadas em 26 de Fevereiro
de 1901, e uma manifestação (outburst) ainda maior de estudantes em 13 de
Março, muitos dos quais [já] haviam estado em uma manifestação
(demonstration), e alguns dos quais haviam saído da prisão. As muitas cartas
nos arquivos T. A. M. demonstram até que ponto o público viu o T. A. M. como
um teatro de protesto, condenando a inércia, o efeito neutralizador da vida
Russa.
A “linha sociopolítica” emergiu ainda mais forte nas primeiras duas peças
de Gorki, “Pequenos Burgueses” (Small People) e “O Submundo” (Lower
Depths). Foi Tchékhov que incentivou Gorki a escrever para o palco, levando-o
aos ensaios do T. A. M. para ver o processo criativo em ação.
“Pequenos Burgueses” (Small People) foi concluída [muito] tarde e não
pôde ser incluída na temporada de 1901/[190]2 em Moscou, mas Stanislávski e
Nemirovitch tomaram a corajosa decisão de estreá-la durante a segunda turnê
em São Petersburgo, em Março de 1902. Eles cortaram a peça pesadamente,
mas o censor insistiu em ainda mais excisões, e na primeira noite a plateia
estava cheia de policiais, contudo depois de muita negociação Nemirovitch
conseguiu tê-los adequadamente vestidos em trajes de noite para não assustar
o público.
“O Submundo” (Lower Depths), que estreou em 18 de Dezembro de
1902, representou um avanço do método de trabalho. Uma noite em Agosto a
companhia toda foi ao mercado Khitrov para misturar-se com os vagabundos e
maltrapilhos (down-and-outs), e ouvir suas histórias. O designer, Simov, tirou
um grande número de fotografias, nas quais ele então baseou os cenários.
Gorki também forneceu biografias detalhadas para cada personagem.
1902 foi também o ano da principal reorganização. A concessão do
Teatro Hermitage acabou. Com o apoio financeiro pesado de Morozov foi
adquirido o Teatro Aumont. Ele foi esvaziado, um novo interior foi construído e
equipamentos atualizados (up-to-date) [foram] instalados.
Ao mesmo tempo, a companhia foi reestruturada. Em 1897 Nemirovitch
havia previsto que a companhia poderia se tornar um coletivo com os atores
como acionistas. Morozov assumiu esta ideia, emprestou dinheiro para os
membros que não tinham recursos para comprar ações, e ele mesmo investiu
pesadamente, com a ressalva/condição (proviso) de que nenhum outro
acionista devesse possuir um percentual maior do que ele. Tchékhov também
concordou em participar. Houve, no entanto, um lado negativo. Alguns
membros, incluindo Meyerhold, foram deliberadamente excluídos.
Merecidamente ou não, Meyerhold tinha adquirido a reputação de
‘encrenqueiro’ (‘trouble-maker’). Certamente não havia nenhum amor perdido
entre ele e Nemirovitch. Alguns dos membros mais jovens, liderados por
Meyerhold, sentiram que o teatro deveria estar mais em sintonia com os novos
desenvolvimentos nas artes como grupo “O Mundo da Arte”, liderado por
Diaghilev e Alexandre Benois. Meyerhold negou ser desleal e pediu, ou melhor,
exigiu, uma reunião com Stanislávski a qual foi recusada. Decorreu uma ácida
(acrimonious) troca de cartas [entre eles]. Meyerhold deixou [o T. A. M.] antes
que ele fosse expulso, levando alguns da companhia com ele para formar um
novo grupo, mais experimental.
A reorganizada companhia do T. A. M. mudou-se para o teatro na Rua
Kamergerski (agora Teatro de Arte) no Outono. Longe de sentir-se eufórico,
Stanislávski estava desanimado (in a despondent mood). Assim [também]
estava Nemirovitch. Em agosto, ele tinha escrito para Stanislávski expressando
seus temores sobre o futuro. Sua ansiedade se concentrava principalmente
sobre o sempre presente, e cada vez mais influente Morozov. Parecia que
todos os medos de Nemirovitch estavam se confirmando. O teatro teria se
vendido aos capitalistas, para a moda. Porque Morozov defendeu Gorki eles
estavam esperando para montar as obras de imitadores de Gorki, a ‘Gorkiada’,
como Nemirovitch os descreveu. Eles estavam sendo identificados com uma
tendência política a qual era contra tudo o que eles tinham defendido (stood
for). Se o teatro foi um sucesso, Nemirovitch apontou, era porque todo mundo
podia encontrar alguma coisa que eles gostavam e algo que eles odiavam.
Agora, o teatro estava em perigo de se tornar ‘clube’ (‘club’) de Stanislávski,
com instalações especiais para os seus [amigos] e os amigos de Morozov.
Houve desconforto/mal-estar (unease) também nas montagens em si
(productions themselves). Por toda a originalidade da abordagem inicial de
Stanislávski para “O Submundo” (The Lower Depths), até o final dos ensaios a
encenação (staging) estava irremediavelmente desordenada/desorganizada
(cluttered) com tantos detalhes que a mensagem central/o significado central
(central meaning) foi perdido. O mesmo foi verdade para “O Poder das Trevas”
(05 de Novembro de 1902). O que tinha sido uma vez um detalhe revelador
estava agora se tornando um maneirismo. Em ambos os casos Nemirovitch
teve que limpar a encenação para encontrar a peça por trás da direção. Foi
como se, depois de quatro anos de esforços contínuos (unremitting), o cansaço
houvesse se estabelecido (exhaustion had set in).
Stanislávski não dirigiu nada em 1903. As únicas duas peças que
estrearam, “Os Pilares da Sociedade” (24 de Fevereiro) e “Júlio César” (02 de
Outubro), foram dirigidas por Nemirovitch. Nenhuma [delas] foi uma experiência
feliz para Stanislávski, que [não] encontrou na abordagem dramatúrgica de
Nemirovitch nenhuma ajuda para tentar encontrar uma caracterização redonda
(rounded characterisation).
Nemirovitch preparou “Júlio César” com infinito cuidado. De acordo com
a prática T. A. M., ele foi para Roma com seu designer em busca de
autenticidade. Seu plano de produção era indistinguível dos planos de
Stanislávski do período. A cena do fórum, com suas grandes multidões, que
Stanislávski concordou em encenar (to stage), encaixadas harmonicamente.
No entanto, a semelhança era superficial. Não houve acordo sobre a
abordagem básica/central (basic): Nemirovitch queria enfatizar o aspecto
político da peça, a morte da república, enquanto que Stanislávski queria
explorar Brutus como um herói trágico. Stanislávski, de olho na verdade
histórica, se perguntou por que todos, incluídos os plebeus era tão limpos e por
que as roupas eram tão brilhantes.
Bem sucedida como foi a montagem (production), ela foi mais famosa
como uma peça de arqueologia do que como uma experiência teatral. Turmas
de alunos eram levadas para ver uma reprodução da Antiga Roma. Para
Stanislávski um teatro vivo se tornou um museu morto, uma concha vazia.
Ele manteve o silêncio, mas no prazo de três semanas expressou as
suas ressalvas (reservations) à Nemirovitch, infelizmente na presença de
Morozov. Isso provocou uma carta furiosa de Nemirovitch a qual marcou o
início do real declínio em seu relacionamento, e a batalha pelo coração e [pela]
alma do teatro.12
O trabalho n’“O Jardim das Cerejeiras” (17 de Janeiro de 1904) veio
como um alívio bem-vindo, mas seu sucesso foi ofuscado pela morte de
Tchékhov, em Junho de 1904. Um novo golpe veio quando Gorki rompeu todas
as ligações com o teatro depois de receber uma indelicada carta de
Nemirovitch na qual, com infinitas expressões de boa vontade, ele demoliu “Os
Veraneantes” (Summer Folk). Além disso, Kachalov, o principal ator da
companhia depois de Stanislávski, estava inquieto/impaciente (restless) e
ameaçando sair. Somente a lealdade pessoal à Stanislávski o deteve.
Na nova temporada a única real novidade foi um projeto triplo [de
montar] Maeterlinck (a Maeterlinck triple bill) (pouco antes de morrer Tchékhov
havia incitado Stanislávski a encenar/montar (to stage) Maeterlinck). Aqui
Stanislávski encontrou uma nova estética e um novo conjunto de ideias. Ele
tinha de tornar visível o invisível, o inefável exprimível, e voltar sua atenção
para os processos internos/interiores (inner) e para o ator. No entanto, em
1902, Valeri Briusov havia publicado seu ensaio seminal “Verdade
Desnecessária”, uma crítica ao estilo do T. A. M.. Ele apontou que o realismo
no teatro foi na verdade uma questão de convenção. A única coisa ‘real’ no
palco era a irredutibilidade material do corpo do ator. ‘A arte do teatro e a arte
do ator são uma e a mesma coisa’, afirmou ele, e, para ser generoso (for good
measure), ‘O autor é o servidor/agente (servant) do ator’.13 O programa
Maeterlinck não foi um sucesso simplesmente porque Stanislávski não tinha
encontrado um novo método consistente de abordagem [do texto].
O projeto triplo [de montar] Tchékhov que se seguiu (21 de Dezembro de
1904) não foi mais bem sucedida (was no more successful). Stanislávski teria
12
CTAM, nº 212. 13
Para uma tradução, ver Laurence Senelick, Russian dramatic Theory from Pushkin to the Syimbolists (‘A Teoria Dramática Russa de Pushkin aos Simbolistas’), (Austin, 1981).
feito melhor se [tivesse] retornado para uma original e visionária ideia anterior
(to revert to an earlier, original and forward-lookin idea). Em 1899 ele tinha
proposto uma noite (evening) de cenas curtas, apresentadas (performed) sobre
um palco interno com caixas de adereços/acessórios (props) e figurinos nas
quais os atores iriam mergulhar a plena vista do público, um tipo de montagem
cinematográfica (cinematic montage). Nemirovitch dispensou/indeferiu
(dismissed) o projeto como inviável e Stanislávski não teve como continuá-lo
(pursued it). Uma oportunidade potencialmente fértil foi perdida.
A última montagem (production) da temporada de 1904/[190]5 foi
“Espectros” (Ghosts) (31 de Março de 1905), na qual Stanislávski e Nemirovitch
foram codiretores. Houve desentendimentos desde o início. Stanislávski tinha
passado a fase de resistência silenciosa e agora declarava abertamente que o
T. A. M. era muito ‘literário’. Ele já não podia mais ir pro ensaio com tudo certo
e ordenado/cortado e enxuto (everything cut and dried). Ele [não] produziu
nenhum plano detalhado de produção, meramente algumas notas, deixando
muito a ser explorado nos ensaios. Ele ignorou (brushed aside) as tentativas
iniciais de Nemirovitch está para [uma] discussão detalhada de personagem e
mudou a abertura da peça com o fundamento de que (on the grounds that) a
entrada de Ekdal fora insuficientemente motivada no script.
Nemirovitch viu seu mundo desmoronar. A hierarquia de valores que
tinha conformado todo seu longo trabalho conjunto estava sendo destruído
(that had informed all their joint work so far was being destroyed). O teatro, para
ele, era o servidor/agente (servant) da literatura. Para Stanislávski, o teatro era
uma forma de arte independente da qual o texto era uma parte importante. Um
grande texto deve ser escrupulosamente respeitado. Mas e se o script for
menos do que maravilhoso? Ou se melhorias pudessem ser feitas, como com o
último ato de “O Poder das Trevas”? Para Stanislávski, o teatro era mais que
uma ‘leitura’ encenada; deve ser dado propósito para a contribuição que Gogol
chamou o ‘ator-criador’ (scope must be given for the contribution of what Gogol
had called the ‘actor-creator’).
A insatisfação de Stanislávski se estendeu [para] além do método de
ensaio. Por vinte anos ele tinha nutrido a ideia de uma rede de teatros cobrindo
toda a Rússia, a qual seria controlada centralmente por uma instituição como o
T. A. M.. Em 13 de Fevereiro, ele chamou uma reunião de diretoria para pedir
um acordo de princípio para esse projeto. Foi um infeliz dever de Nemirovitch
ter de informar (to point out) que o teatro estava em graves dificuldades
financeiras e que não podia embarcar em tal esquema. O plano foi rejeitado.
Foi nesta conjuntura que Meyerhold retornou para Moscou cheio de
novas ideias, essencialmente derivadas de Briusov. Era só o que Stanislávski
precisava. Meyerhold tinha inventado a ideia do teatro-estúdio (studio-theatre).
Em Abril de 1905, ele apresentou um plano que Stanislávski recebeu de braços
abertos. Stanislávski tentou repetir Pushkino. Ele alugou um galpão (barn) em
Mamontovka e recrutou uma jovem companhia para trabalhar sob a direção de
Meyerhold em Schluck und Jau (“Schluck e Jaú”), de Hauptmann, “A Morte de
Tintagiles”, de Maeterlinck e Loves Comedy (“A Comédia do Amor”), de Ibsen.
Stanislávski ficou tão impressionado com os ensaios que viu durante o verão
que ele decidiu por uma demonstração mais pública. Com a impulsividade
típica ele alugou um teatro na Rua Povarskaia e começou a reformá-lo a um
custo enorme. Nemirovitch só podia se perguntar como Stanislávski, que
sempre insistiu que ele não corria o risco de colocar mais dinheiro no T. A. M.,
poderia bancar esse ‘capricho’ particular (private). Mas o ponto não foi perdido.
Stanislávski podia e faria o que ele queria. O T. A. M. não era sua única opção
na vida. Ele informou Nemirovitch que quando fosse trabalhar sobre “O Drama
da Vida” na próxima temporada, ele iria dispensar toda discussão e análise
preliminar e fiar-se inicialmente na exploração livre e improvisação. Em outras
palavras, ele iria construir no seu trabalho com Meyerhold, não obstante a falha
(failure notwithstanding). A Análise através da ação, através do ensaio, e
através dos atores, que substitui a fria análise dramatúrgica no estudo.
Durante o verão, Nemirovitch tentou restabelecer a sua autoridade. Uma
carta, escrita em 10 de Junho, se estendeu por nada menos que 28 páginas
bem escritas e tentou traçar a história de sua parceria. Grande parte da carta
foi um exercício de auto justificação, uma tentativa de provar que ele, não
Meyerhold, foi verdadeiramente o pensador original, mas que ele não tinha sido
ouvido. O tom, em seguida se tornou mais pessoal: Stanislávski foi um amador
caprichoso, uma criança voluntariosa/teimosa (wilful child) brincando com seus
brinquedos, necessitando (needing) as competências profissionais que só ele,
Nemirovitch, podia fornecer.
Nemirovitch estava certo em um aspecto. Por toda a sua habilidade na
gestão dos negócios da família, Stanislávski aparentava sofrer de total amnésia
comercial no momento em que passava pela porta do palco. Foi Nemirovitch
quem manteve o teatro financeiramente viável por um cuidadoso programa de
planejamento, equilibrando as novas obras com os clássicos. A companhia
estava ciente disso. Mas a sua pretensão de onisciência em questões artísticas
foi tão fútil quanto ele estava desesperado. A temporada de 1905/[190]6
estreou mal. “A Gaivota”, com Trígorin de Stanislávski reformulado, não se
popularizou, e “Os Filhos do Sol” (24 de Outubro), que Stanislávski tinha
convencido Gorki a liberar apesar da querela com Nemirovitch, estava muito
próxima da realidade num clima político volátil para ser aceita pelos
espectadores (audiences).
A apresentação (performance) do teatro-estúdio em Outubro também foi
um fracasso. O que pareceu impressionante em um galpão (barn) foi muito
menos no galpão (barn) de um teatro. O próprio Stanislávski contribuiu para o
fracasso, insistindo que o Maeterlinck que Meyerhold tinha a intenção de
apresentar (played) em silhueta deveria ser apresentada (performed) com as
luzes totalmente acesas. Todas as insuficiências do jovem elenco foram
reveladas muito dolorosamente. O estúdio foi fechado, muito ao deleite de
Nemirovitch e da maioria da companhia do T. A. M.. Meyerhold e Briusov
concluíram que o T. A. M. era uma causa perdida, mas também fizeram uma
distinção crucial entre Stanislávski como uma força criativa visionária e as
rígidas atitudes da gestão do T. A. M., representada por Nemirovitch. Foi um
julgamento perceptivo.
A temporada de 1905 foi abandonada quando a greve geral de 14-19 de
Outubro se transformou numa revolução em larga escala. Ao suicídio de
Morozov, seguiu-se sua depressão sobre os fracassos e as sangrentas
consequências da revolução, somada ao pessimismo geral, ao menos para
Stanislávski.
Na tentativa de recuperar suas perdas, Stanislávski e Nemirovitch
decidiram embarcar em sua primeira turnê ao estrangeiro, a qual seria levada a
Dresden, Leipzig, Praga, Viena, Frankfurt e Berlim. A turnê fez o seu maior
impacto, em Berlim. O principal crítico Alfred Kerr dedicou longos artigos a ela;
Hauptmann e Schnitzler a declararam uma revelação; o jovem Max Reinhardt
se inspirou para criar o seu Kammerspiele de Munique sobre o modelo do T. A.
M.. Duse ficou tão impressionado que sugeriu que eles deveriam estender a
turnê a Paris, embora as negociações de Nemirovitch com Lugné-Poe deram
em nada por razões financeiras. Ambos, Stanislávski e Nemirovitch foram
condecorados pelo Kaiser Wilhelm II. A notícia do sucesso do T. A. M. ecoou
através da Europa.
Um agora exausto Stanislávski sofreu uma severa crise pessoal na
primavera de 1906. Ele sentiu que estava artisticamente morto. Num feriado na
Finlândia naquele verão, numa tentativa de fazer um balanço de sua carreira e
encontrar uma nova energia, ele começou o primeiro esboço/rascunho (draft)
do que viria mais tarde a se tornar o ‘sistema’.
A temporada 1906/[190]7 estreou numa atmosfera venenosa. O teatro
foi dividido em dois campos: o elenco de Brand (20 de Dezembro de 1906),
dirigido por Nemirovitch e o elenco de “O Drama da Vida” (08 de Fevereiro),
dirigido por Stanislávski. Houve brigas indignas sobre os elencos e a ordem na
qual as peças deveriam ser apresentadas. Nemirovitch deliberadamente ficou
longe do ensaio público de “O Drama da Vida”, um insulto calculado que
Stanislávski descreveu como “sujeira teatral”.14
Ambas as incursões de Stanislávski no teatro simbolista, “O Drama da
Vida”, de Hansun (08 de Fevereiro de 1907) e “A Vida de um Homem”, de
Andreiev (12 de Dezembro, 1907), foram bem sucedidas, mas principalmente
devido à sua capacidade de explorar as técnicas de montagem (techniques of
staging) e não [devido] a quaisquer novas descobertas na arte do ator. Os
esboços do plano de produção mostram formas misteriosas que nenhum ator
poderia corporificar (embody).
Nemirovitch chegou à conclusão de que ele deveria assumir o controle
total de gestão para evitar a ruína financeira. Ele tinha o apoio da maioria da
companhia. As novas ideias de Stanislávski sobre interpretação (acting) foram
tratadas com hostilidade e desconfiança, tanto mais [porque] elas pareciam não
produzir resultados positivos, muito pelo contrário: a própria atuação (acting) de
Stanislávski parecia ter sofrido. Mas Kachalov foi inflexível de que Stanislávski
deveria ficar. Sem ele, o T. A. M. ainda seria um bom teatro, mas não seria o
14
Na Rússia, como na França, o evento mais importante para uma nova produção não era a primeira apresentação pública, mas o ensaio geral [aberto ao público] (o générale), no qual os críticos compareciam.
T. A. M..
Stanislávski percebeu que ele ou senão Nemirovitch tinha que sair, e
que se Nemirovitch fosse o teatro de fato iria se despedaçar/desmoronar/falir
(fall apart). Numa agonizante troca de cartas entre Novembro de 1906 e
Fevereiro de 1907, os dois homens tentaram elaborar um esquema por meio
do qual Nemirovitch iria controlar a gestão, enquanto Stanislávski contribuiria
artisticamente onde ele poderia ser mais útil.15 Nada foi resolvido. Quando,
porém, Stanislávski soube (learned), em 1908, que a Nemirovitch estava sendo
oferecida a gerência do [Teatro] Maly, ele decidiu demitir-se do conselho.16 Sob
um novo acordo, seria permitido a Stanislávski, além de suas obrigações
contratuais, a montagem [de uma peça] de sua própria escolha por ano, sem
interferências.
A última produção ‘oficial’ de Stanislávski para o T. A. M. foi uma de
suas mais celebradas, “O Pássaro Azul” (30 de Setembro de 1908), a qual
permaneceu no repertório por muitas décadas. Foi mais ou menos reproduzida
por Réjane em Paris e copiada por Beerbohm Tree, em Londres.
Depois disso, Stanislávski e o T. A. M. seguiram essencialmente
caminhos separados, um fato que Stanislávski e Nemirovitch se esforçaram por
esconder (were at pains to conceal). Esse acobertamento/disfarce (cover-up)
foi mais tarde perpetuado no período Stalinista, para promover o mito do teatro
ideal. A verdade dos fatos não viria à luz até 1962 e, consequentemente, todos
os pecados do T. A. M., seu às vezes indigesto/pesado (stodgy) naturalismo,
tem sido equivocadamente atribuídas a Stanislávski (have mistakenly been laid
at Stanislavsky’s door).17 Mas o fato é que (the fact remains that) todo o
trabalho de Stanislávski nos últimos 25 anos de sua vida foi feita à margem do
T. A. M. e às vezes apesar/por causa dele (in spite of it).
A primeira produção independente de Stanislávski, a primeira
demonstração de seu novo ‘sistema’ foi “Um Mês no Campo” (A Month in the
Country) (9 de Dezembro de 1909). Ao mesmo tempo, ele começou os ensaios
15
CTAM, nºs 285-90, 295-7.
16 CTAM, nº 303.
Gabrielle-Charlotte Réju (1856-1920), atriz Francesa. Possuiu um teatro com seu nome. N.T. Sir Herbert Beerbohm Tree (1852-1917), ator Inglês, fundou a Academia Real de Arte Dramática (1904),
e em 1909 foi nomeado ‘Cavaleiro’ por suas contribuições ao Teatro. N.T. 17
Dezoito cartas privadas foram publicadas sem autorização na revista “Archiv Istoricheskii” (“Arquivo Histórico”) em 1962. A edição foi apreendida e a revista fechada.
de “Hamlet” (23 de Dezembro de 1911) no qual ele foi colaborador com Gordon
Craig, que foi especialmente convidado por Stanislávski.18
Nemirovitch seguia sua noção de um teatro literário, adaptando “Os
Irmãos Karamazov”, de Dostoiévski (12-13 de Outubro de 1910). Como
escreveu a Stanislávski, ele acreditava ter desenvolvido uma nova forma,
usando um narrador para ligar as cenas e episódios de tamanho/duração
(length) variável, quebrando assim a tirania da estrutura tradicional de quatro
atos. Por mais original e visionária (forward-looking) que fosse, a montagem
(production) não foi um sucesso comercial, principalmente porque foi dividida
(spread over) em duas noites.
Em 1911 Nemirovitch tentou uma reconciliação e deu um passo
inesperado ao declarar o novo ‘sistema’ de Stanislávski, que ele
essencialmente não gostava (he essentially disliked), o método de trabalho
oficial da companhia. Esta foi uma manobra totalmente cínica. Uma vez que ele
não podia proibir o ‘sistema’, ele iria aceita-lo e descartaria aquelas partes que
ele desaprovava. Nemirovitch sugeriu que ele deveria [dar] assistência (attend)
aos ensaios de ‘Hamlet’ e que Stanislávski deveria [dar] assistência (attend)
aos [ensaios] de The Living Corpse (“O Cadáver Vivo”) (23 de Setembro de
1911). No entanto, vendo o ‘sistema’ aplicado ao seu próprio trabalho
Nemirovitch ficou horrorizado e seus verdadeiros sentimentos [vieram] à tona.19
Como Nemirovitch reforçou/apertou (tightened) seu controle, Stanislávski
voltou-se para os outros, os colegas mais jovens. Ele cumpriu as suas
obrigações para dirigir uma peça como contratado e vieram algumas de suas
atuações notáveis [em qualidade], incluindo Argan em “O Doente Imaginário” e
Ripafratta em “A Estalajadeira”, mas seu principal interesse era o recém-criado
Primeiro Estúdio (First Studio), onde ele podia desenvolver seu ‘sistema’ com
empolgantes novos talentos, tais como Vartángov, Boleslavsky e Michael
Chekhov. Este foi um desenvolvimento lógico. As preocupações de Stanislávski
não eram compatíveis com um trabalho teatral comercial que era somente por
equilíbrio financeiro/por manter-se (was only just breaking even). Seus ensaios
se tornaram cada vez mais (more and more) aulas de interpretação (acting), de
modo que cada peça levava mais e mais tempo para preparar por um custo 18
Para uma descrição completa da montagem (production) de ‘Hamlet’, ver Gordon Craig’s Moscow Hamlet (‘O Hamlet de Moscou de Gordon Craig’), de Laurence Senelick (Nova Iorque, 1982). 19
CTAM, nºs 326-7.
cada vez maior.
Sem Stanislávski como uma força motriz o teatro estagnou. Em 1916, o
conselho decidiu [por] não montar (stage) quaisquer novas encenações (any
new productions), mas para fazer um balanço da situação. Era evidente que
Stanislávski tinha que ser atraído de volta ao rebanho, mas todas as tentativas
de reconciliação de Nemirovitch foram rejeitadas. As questões não melhoraram
quando, às vésperas da revolução, depois de meses de ensaio, Nemirovitch
tirou Stanislávski do elenco de The Stepántchikov Villagge (“A aldeia de
Stepantchikovo e seus Habitantes”) (26 de setembro de 1917), alegando que
ele tinha falhado ao [não] criar um personagem acabado/arredondado
(rounded). Stanislávski, por sua vez, culpou Nemirovitch por não lhe ter
permitido desenvolver o personagem do seu próprio jeito e por impingir-lhe um
conceito ‘literário’ o qual ele tinha sido incapaz de assimilar.
Um T. A. M. sem direção [e] dividido estava mal equipado para enfrentar
as consequências da revolução. Por um lado, havia os Proletkult, que queriam
abolir toda a arte precedente e o conceito de ator profissional em favor do mais
banal, incompetente, teatro amador. Por outro lado, havia a vanguarda (avant-
garde), cheia de talento e ideias, aos quais agora poderia ser dada expressão.
Uma nova geração de críticos, especialmente Vladimir Blyum, liderou o
ataque ao T. A. M.. Blyum condenou-o como o ‘porta-estandarte da burguesia’.
As peças de Tchékhov, com as quais o teatro foi identificado, foram
descartadas como irrelevantes. A situação se tornou mais difícil com a perda
de metade da companhia, incluindo Knipper e Kachalov, que foram contidos
pela Guerra Civil e continuaram em turnê pela Europa. Somente o apoio de
Lênin e a recusa de Anatoly Lunatcharski, comissário para as artes, em
comprometer ideologicamente o novo governo por qualquer tendência salvou o
teatro da destruição.
A decisão de Nemirovitch por montar/encenar (stage) The Daughter of
Madame Angot (“A Filha de Madame Angot”) (16 de Maio
1920), uma frivolidade musical (musical trifle) irrelevante, nada fez para
melhorar a reputação do teatro. A única montagem (production) que [não]
exibiu/apresentou/mostrou (displayed) qualquer aventura (adventurousness) foi
a encenação de Stanislávski de “Caim”, de Byron (04 de Abril de 1920), que
fracassou principalmente por razões técnicas. Como Angot, foi uma escolha
curiosa para as novas plateias proletárias, mas foi registrado por Meyerhold, ao
menos, como uma ousada tentativa de abrir novos caminhos. Num ensaio
crítico, The Solitude of Stanislavsky (“A Solidão de Stanislávski”), ele
sublinhou/destacou (underlined) a distinção entre a abertura criativa de
Stanislávski e o naturalismo morto do T. A. M.. Tanto ele quanto Vartángov
fizeram um esforço por persuadir Stanislávski (‘o Michelângelo do teatro’) a sair
do T. A. M. e trabalhar exclusivamente com o Primeiro Estúdio. Stanislávski
recusou em lealdade a seus antigos camaradas e porque ele desconfiava do
‘conceito’ de diretor de teatro que Meyerhold e Vartángov pareciam estar
favoráveis.
A melhor solução para as dificuldades do T. A. M. parecia ser tirá-lo da
linha de fogo, enviando-o em turnê a Berlim, Paris e aos EUA. Isto seria
impossível sem o ‘grupo Kachalov’ que, depois de muita articulação de
Nemirovitch, retornou no verão de 1921. A primeira turnê [Norte]-Americana
teve dois efeitos principais. Primeiro, apresentou a imagem de um teatro que
parou de se desenvolver por volta de 1904. Deliberadamente, o repertório foi
praticamente o mesmo da turnê Europeia de 1906. Stanislávski não queria
apresentar os trabalhos que identificassem o teatro com o regime bolchevique
e também sabia o que o público esperava: montagens (productions) lendárias
como “Czar Fiódor” e as peças de Tchékhov. Em segundo lugar, influenciou
profundamente as ideias sobre atuação (acting), o lançamento de Lee
Strasberg, sob a tutela de Boleslavsky, no caminho que conduziria ao Método.
Durante a ausência de Stanislávski, em turnê, e com o seu
consentimento, Nemirovitch havia reorganizado a companhia principal e os
estúdios, os quais agora havia quatro. O Primeiro Estúdio (First Studio) se
tornou o Segundo Teatro de Arte (Second Art Theatre). Stanislávski
desaprovou o nome, uma vez que, no seu ponto de vista, o Primeiro Estúdio
traíra tudo o que o Teatro de Arte representava. No retorno de Stanislávski,
Nemirovitch deixou a Rússia por dois anos.
Entre 1925 e 1927 Stanislávski relançou um novo T. A. M. ‘soviético’. Ele
tinha uma nova companhia jovem e forçou os ‘veteranos’, como ele os chamou,
a repensar a sua abordagem. Ele também teve um novo autor, um novo
Tchékhov: Mikhail Bulgakov, cuja The Days of the Turbins (“Os Dias das
Turbinas”) estreou em 05 de Outubro de 1926.
“As Bodas de Fígaro”, a qual se seguiu (28 de Abril de 1927) foi uma
escolha astuta. O drama de Beaumarchais, com a sua crítica mordaz do ancien
régime é a peça mais revolucionária do século XVIII. Stanislávski estava em
sua mais brilhante invenção. Desenhado por Golovin o cenário remontava aos
dias de “O Mundo da Arte”. Usando uma reviravolta (revolve), Stanislávski
transformou o último ato em uma louca corrida através do jardim, utilizando
quatro locais diferentes. A montagem (production) se tornou um clássico do
teatro soviético. Outro clássico de um tipo totalmente diferente se seguiu com
The Armoured Train 14-67 (“O Trem Blindado 14-67”) (08 de Novembro de
1927), o qual definiu o estilo ‘realista socialista’ das produções posteriores.
Untilovsk (27 de Fevereiro de 1928) encontrou menos favoritismo (less favour),
uma vez que tratava da corrupção no novo regime.
A intenção de Stanislávski era contrastar um teatro de revolução, o qual
mostrava a experiência das pessoas dos eventos (events), com um teatro
revolucionário (construtivismo), preocupado com a experimentação formal, no
qual o ator foi reduzido a uma mera cifra, um aspecto do ‘estilo’.
A ‘reabilitação’ do T. A. M., contudo, não prosseguiu completamente sem
problemas. Lentamente, [uma] nova censura foi sendo introduzida na forma de
um Comitê de Repertório (Repertkom), o qual teria de aprovar todas as
encenações (productions). Poderoso entre seus membros foi Vladimir Blyum,
cuja oposição ao T. A. M. não tinha diminuído com os anos. Vigorosos esforços
foram feitos para evitar que The Days of the Turbins (“Os Dias das Turbinas”)
fosse montado e, uma vez que foi, para conseguir estreá-lo (being put on and,
once it was on, to get it taken off). Enquanto isso, Tchékhov era mais ou menos
inaceitável para o novo regime revolucionário, e o pedido do teatro para
encenar (stage) “Tio Vânia” foi negado. “O Jardim das Cerejeiras” foi sugerido
como sendo mais ideologicamente adequado. Neste caso o teatro [não]
encenou nenhuma (In the event the theatre staged neither).
No outono de 1928, Stanislávski sofreu um ataque cardíaco durante as
comemorações do 30º aniversário do T. A. M., e ele passou os dois anos
seguintes, 1929-[19]31, no exterior, convalescente. Este foi um período de
mudança radical, o início da era Stalinista, os Planos Quinquenais (Five-Year
Antigo regime, em francês, no original. N.T.
Plans) e a impulsão/a diretiva (the drive) para a produtividade. O teatro não
escapou desta obsessão com a quantidade. Mais volume, mais montagens
(productions) e apresentações (performances) foram exigidas, seja qual fosse a
qualidade. Mais uma vez, o amadorismo incompetente floresceu em nome do
mítico ‘proletariado’. Uma das primeiras vítimas desta nova política foi a
montagem (production) de Stanislávski de “Otelo”. Ele enviou, do sul da
França, um plano de produção detalhado, cena por cena, para Sudakov que
iria montá-lo. Stanislávski não tinha sequer concluído o seu plano antes de ele
saber que a peça já havia sido encenada (staged), depois de apenas três
meses de ensaios, com cenários modificados, e somente com uma passagem
que respeitava suas intenções.
Outras mudanças haviam ocorrido. Em 1929 Lunatcharski foi demitido, e
no ano seguinte o poeta revolucionário, Maiakóvski se suicidou. Um diretor
‘vermelho’ foi nomeado para o conselho para garantir que o teatro seguiria a
linha ideológica apropriada. Stanislávski não tinha objecção a isto, desde que o
nomeado entendesse o teatro e seu padrão de tomadas de decisão. A pessoa
nomeada, Heitz, não [entendia].
Em seu retorno a Moscou em 1931, Stanislávski foi para o ataque em
nome do teatro. Ele lançou um desafio direto às autoridades: eles poderiam ter
qualidade, o que leva tempo, ou eles poderiam ter ‘chaleiras de apito’ (pot-
boilers), as quais não fazem nada para educar o gosto das massas.20 Ele
marcou seu ponto (He won his point). Dentro de meses o T. A. M. foi feito
autônomos e Heitz foi removido. A mão se movendo por trás desta inversão da
política foi, sem dúvida Stalin. Também foi Stalin que, indiretamente, foi
responsável pela restituição de The Days of the Turbins (“Os Dias das
Turbinas”) ao repertório. Um Repertkom enrubescido (red-faced), tendo
descoberto que Stalin gostava da peça e a tinha visto umas dezoito vezes,
retirou sua proibição.
O teatro agora estava seguro/salvo (safe), independente dentro de
limites, mas não numa situação (state) saudável. Os membros mais jovens da
companhia estavam inquietos. Havia também poucas montagens (productions)
e poucos novos papéis. Eles queriam uma ‘carreira’. Em seu discurso para o
Obras de baixa qualidade artística, produzidas exclusivamente com o intuito de obter lucros. N.T.
20 CTAM, nº 358.
aniversário de 35 anos [de companhia] em 1933, Nemirovitch chamou a
companhia para a tarefa. Onde o teatro estava indo? Ele estava realizando
menos com uma equipe total de quase 1.000 [membros do] que tinha
[realizado] em 1903 com uma equipe de 70. Ele foi o teatro mais privilegiado no
mundo, e ele teve tudo – recursos, dinheiro, status – tudo, exceto dedicação e
comprometimento. O problema real foi que não houve uma liderança unificada.
Stanislávski e Nemirovitch não estavam se comunicando um com o outro,
exceto através da secretária do teatro, Bokshanskaia. No outono de 1935,
Stanislávski fez uma abordagem direta a Stalin.21 Ele sugeriu, em primeiro
lugar que um administrador fosse nomeado para [fazer a] mediação entre ele e
Nemirovitch e, e [em] segundo, [que] uma ‘encenação’ (production) da
companhia fosse montada (be formed) pelos descontentes. Um administrador
foi devidamente nomeado.
O T. A. M. foi gradualmente se tornando um peão da política artística de
Stalin, expressa no famoso discurso de Zhdanov, então comissário para as
artes, no Congresso de Escritores Soviéticos de 1934. A vanguarda foi
sistematicamente suprimida. O Segundo T. A. M., o qual se originou do
Primeiro Estúdio, e o teatro de Meyerhold, ambos foram fechadas. Um passe
de mágica (sleight of hand) estava sendo operado pelo qual as glórias da
grande tradição realista Russa estava sendo identificada com o novo, [o]
resolutamente otimista realismo socialista.
De repente a oposição de Stanislávski aos experimentos puramente
formalistas e seu campeonato de Tchékhov pareceu coincidir com a linha do
partido. Stalin decidiu que o T. A. M. seria o emblema/símbolo (emblem) de sua
nova política. Todos os teatros Soviéticos seriam construídos sobre o modelo
do T. A. M.. O treinamento/formação (training) do ator seguiria o ‘sistema’,
rigidamente codificado num dogma.
Stanislávski, isolado da corrente principal dos eventos pela sua doença,
continuou a ensaiar montagens (productions) – “As Almas Mortas”, de Gógol
(28 de Novembro de 1932), adaptada por Bulgakov, e ‘Molière’, do próprio
Bulgakov (11 de Fevereiro de 1936) – na privacidade de seu próprio
apartamento, mas, infelizmente, muito de seu trabalho tornou-se insignificante
quando transferido para um grande palco. Pelo resto do tempo ele continuou a 21
CTAM, nº 368.
desenvolver o 'sistema' no novo estúdio que ele criou e a trabalhar sobre
óperas.
No teatro em si havia uma guerra pela sucessão. Quem seria o herdeiro
de Stanislávski? Stanislávski foi bastante claro. Ele [não] tinha nenhuma
grande opinião/grande palpite (great opinion) sobre qualquer um da geração
mais jovem. Foi, ao invés [deles], ao descreditado/humilhado (disgraced)
Meyerhold que ele se voltou, convidando-o a assumir a encenação (production)
de “Rigoletto” na qual ele vinha trabalhando desde 1930. Durante os últimos
meses de sua vida, ele e Meyerhold passaram muitas horas em discussão
privada planejando um novo tipo de teatro e um novo tipo de atuação. O
pronunciamento final de Stanislávski foi, ‘Meyerhold é meu sucessor em tudo.’
Mas Stanislávski estava pensando somente em termos de talento teatral.
Meyerhold foi preso, torturado e baleado/fuzilado (shot), e o T. A. M. confinado
dentro de um estreito/limitado (narrow) estilo de apresentação (presentation)
que só foi redimido pela qualidade virtuosa da atuação. A política de Stalin e o
apadrinhamento (patronage) de Stalin foram letais. Foi, nas memoráveis
palavras de Anatoly Smelianski, ‘um teatro morto/matado (killed) com bondade’.
Nenhuma mudança efetiva ocorreu até Oleg Efremov chegar ‘montado num
cavalo branco’ (‘on a white charger’) em 1971.