Sistema de partidos: alguns contributos (1998)

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SISTEMAS DE PARTIDOS Alguns contributos João Titta Maurício (1998) 1

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SISTEMAS DEPARTIDOS

Alguns contributosJoão Titta Maurício (1998)

1

I – INTRODUÇÃO:

1. Clarificação de conceitos:a)“sistema”;b)“partido político”.

2. Funções de um “partido político”:a)Maurice Duverger;b)o “omnifuncionalismo dos partidos políticos nos países

em vias de desenvolvimento”;c) o “multifuncionalismo”;d)R. K. Merton e G. Lavau;e)Adriano Moreira;f) Marcelo Rebelo de Sousa.

II - CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIO-DETERMINATIVOS:

1. Introdução ao problema.

2. Desenvolvimento das nossas propostas:a) número de partidos “relevantes”:

i. presença no Parlamento;ii. relativo poder de “intervenção

moderadora”;iii. capacidade de “relacionação”.

b) grau de “democraticidade concorrencial”;c) disciplina de funcionamento interno;d) grau de possibilidade (e necessidade) de

alianças partidárias;

III – CLASSIFICAÇÃO PROPOSTA:

A - Sistemas Unipartidários (ou de “partido único”):1. Sistema Unipartidário “aberto”;2. Sistema Unipartidário “fechado”.

2

B - Sistemas Pluripartidários:1. Sistema de “partido predominante”:1.1. Sistema de “partido predominante de 1º grau”

(ou “de partido hegemónico”);1.2. Sistema de “partido predominante de 2º grau”.

2. Sistema de “partido liderante”.

3. Bipartidarismo:3.1.1. “bipartidarismo perfeito” ou “equilibrado”;3.1.2. “bipartidarismo imperfeito”, “paradualismo” ou

“sistema de dois partidos e meio”;3.1.3. “bipartidarismo dominado” ou “em direcção ao

sistema de partido liderante”.

3.2.1. “bipartidarismo convergente” ou “técnico”;3.2.2. “bipartidarismo polarizado” ou “metafísico”.

3.3.1 .“bipartidarismo real”, “rígido” ou “autêntico”;3.3.2. “bipartidarismo de fachada”, “flexível” ou

“pseudo-bipartidarismo”.

4. Rotativismo.

5. Tripartidarismo.

6. Quadripartidarismo.

7. Multipartidarismo:7.1.1. “multipartidarismo perfeito” ou “integral”;7.1.2. “multipartidarismo imperfeito” ou “de partido

dominante”;7.1.3. “multipartidarismo temperado” ou “de blocos”.

7.2.1. “multipartidarismo fragmentário real”;7.2.2. “multipartidarismo fragmentário não real”.

3

IV - POST-FÁCIO

4

I - INTRODUÇÃO

1. Clarificação de conceitos

O trabalho que nos proposemos realizar tem como

tema a problemática do “sistema de partidos”. Assunto

(que tendo sido escassamente tratado na doutrina

portuguesa1), fornece-nos um fascinante conjunto de

interrogações que assaltam o mais desprevenido

observador à medida que o olhamos mais

profundamente e que, detalhadamente, nos

debruçamos sobre ele.

Mas se o problema requer um aprofundado estudo,

no entanto, como dizem os britânicos, “first things

first”: antes de o abordarmos entendemos dever ser

necessário e imprescindível tentarmos realizar uma

tarefa de clarificação dos conceitos que servirão

como nossa base de trabalho2.

1 Apenas podemos verificar alguns leves afloramentos ao tema na tese de Doutoramento de MARCELO REBELODE SOUSA e no(s) “Ciência Política” de ADRIANO MOREIRA e JORGE MIRANDA.2 Não que aqui se crie, mas é tal a profusão de propostas de definição do conteúdo de tais conceitosque nos parece clara (e de vital importância) a necessidade de aqui se procurar esclarecer eapresentar aquelas que serviram de base ao nosso trabalho.

5

Deste modo, o tema (de imediato) sugere dois

problemas, a saber: o que é um sistema e o que é um

partido político?

a) “Sistema”

Este é, acima de tudo, um modelo, uma ideia que

tende a ser generalizada e que se expressa através

de um conjunto de linhas compostas por interacções

humanas, produtoras de elementos que inter-

relacionados, interdependentes e unidos com uma certa

coerência345, permitem criar, identificar e distinguir uma

realidade de entre todas as outras6.

Dentro deste “modelo” ou “ideia” podem observar-se

pequenas, numerosas, variadas e interpenetráveis divisões

espácio-temáticas, denominadas “subsistemas”7.

3 Quer quanto aos temas abordados, quer quanto à linguagem utilizada, etc. – mas onde o Todo éconstituído não pela mera soma do conteúdo das partes, mas sim pela da função específica que cada elementodesempenha dentro do conjunto [e relacionada com o resultado (leia-se: vantagens políticas) daí obtido(as)].4 Aqui, quanto a nós, parece-nos ser importante citar uma passagem de MAURICE DUVERGER (in “SociologiaPolítica”, p. 257), quando este afirma que o conceito de sistema se refere a uma realidade onde «(...) oselementos são organizados seguindo uma disposição ordenada; (...) a entidade formada pela totalidade destes elementos não éredutível à sua soma» (os sublinhados são nossos).5 H. MENDRAS (in “ENCICLOPÉDIA LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA”, vol. XX, p. 1219) define sistema como sendo «um conjuntode elementos entre os quais existem tais relações que toda a modificação de um elemento ou de uma relação arrasta consigo amodificação de outros elementos e de outras relações e, por isso, do Todo »(os sublinhados são nossos).6 Anotamos aqui a definição fornecida por ARMANDO MARQUES GUEDES (in “Ideologias e Sistema Políticos”,p. 19): sistema é «(...) um conjunto de elementos, cuja unidade resulta das funções diferenciadas que desempenham» (ossublinhados são nossos).7 Lugar aqui a uma nova citação de MAURICE DUVERGER (in op. cit., p. 258), para referenciar a suadefinição de subsistema. Assim estes são, «(...) na linguagem dos sociólogos, os (...) sistemas correspondentes a conjuntosparticulares constituídos no interior dum sistema, que corresponde, mais ou menos, à sociedade global. Observemos todavia, que apalavra “subsistemas” convêm , sobretudo, quando se analisam as relações com o sistema do qual são um grupo de elementos,sendo menos apropriada quando a estudamos isoladamente» (os sublinhados são nossos).

6

Bom, mas se a temática 8 que abordámos não se

poderá (nem se deverá) considerar como esgotada 9,

também pouco podemos (e devemos) dizer acerca do

conceito “partido político”.

b) “Partido Político”

Realidade multifacetada e geradora de variadas

e, por vezes, contraditórias análises1011, poderá,

no entanto, ser reconduzível a um conjunto de

elementos comuns12, a saber: são estabelecidas e

aparentemente duráveis organizações13, que, por serem

políticas, lutam por aceder, exercer e manter o Poder Político14,

buscando, para tal, obter o máximo possível de apoio15,

8 Definição do conteúdo do conceito “sistema”.

9 Nem aqui tal nos caberia ter pretensões de o fazer, pois que uma consciente e profunda análise doproblema obrigar-nos-ia a fazer um importante desvio, o qual bastante nos afastaria do assunto queelegemos como principal e central.10 Em razão da possibilidade de assumir diversos modelos, consoante a tónica se coloque no aparelho ounos militantes ou no programa; variará conforme o modelo de estrutura organizativa interna seguido; diferirá(igualmente) da posição assumida pelo partido em face do sistema político-gover-nativo em que se move ou nas relaçõesque mantém com os outros partidos seus competidores; etc.11 «Los partidos son la estructura central intermedia e intermediaria entre la sociedad y el gobierno». (GIOVANNI SARTORI, in “Partidosy Sistemas de Partidos”, p. 10).12

? Será então talvez interessante citar (aqui e agora) GIOVANNI SARTORI, quando ele, perante esteproblema da multifacetagem da realidade “partido político”, afirma: «Pluralismo, representación, expressión, coacción,estructura, función, sistema, ideología, cultura, participación, movilización, son todos ellos conceptos que sin duda ocupan un lugarcentral en la cuestión de los partidos» (in op. cit., pp. 10-11).

13 Concretizadas na existência de estruturas com objectivos e/ou tarefas organizativo-funcionais.

14 Seu objectivo último - ou talvez único -, mas (odiernamente, também) sua causa primeira.

15 Que buscam àqueles que são os “formais” titulares da Soberania (e afirmamos “formais”, pois quepretendemos deixar claro que julgamos ser importante distiguir entre estes e aqueles que realmenteexercem o poder soberano – sendo que os reais soberanos são aqueles que exercem o poderimediatamente, ainda que afirmem a mediação da sua tarefa, do seu “munus”).

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traduzível no maior número possível de mandatos

parlamentares.

2. Funções de um “partido político”

Constituindo o esteio, a base sem a qual a

Democracia Política16 não poderia existir, no entanto,

de início, não constituíram “conditio sine qua non” para

a existência daquele sistema político17, porém a

“praxis” demo-liberal gerou-os e hoje, sem eles, a

realidade da vida democrática não seria a mesma18.

Surgindo inicialmente sob a forma de comités

eleitorais de apoio e patrocínio dos candidatos,

mais tarde passam a formarem-se e a ter a sua

origem dentro dos próprios parlamentos, como

grupos de deputados ou grupos parlamentares que,

comungando dos mesmos ideais e possuindo

objectivos comuns (ou minimamente compatíveis e

conciliáveis), entenderam dever criar condições

para potenciar os meios para alcançarem resultados

superiores (aos individualmente susceptíveis de16 «Nascida com o “Estado Constitucional moderno”» (MARCELO REBELO DE SOUSA) e tal qual como odiernamente aentendemos.17 «O aparecimento do Estado Constitucional moderno, normalmente localizado no termo do Séc. XVIII, não acarretou, comoconsequência inevitável, a formação e a institucionalização dos partidos políticos». – MARCELO REBELO DE SOUSA, in op. cit., p. 19.18 «Cuando un sistema de partidos llega a quedar estabelecido y pasa más allá de la fase de la atomización, los partidos se conviertenen algo automático, se convierten en el sistema “natural” de canalización de la sociedad política » – GIOVANNI SARTORI, in op. cit.,p. 174 (os sublinhados são nossos).

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serem) desejados – através da congregação dos

esforços de todos aqueles que assim o entenderem e

pretenderem, em vista de uma lucrativa e produtiva

acção em comum.

Partindo da sua estrutura inicial (como

”partidos de quadros”19) – própria do modelo liberal – e

evoluindo em resposta ao novo modelo (o ”partidos de

massas”) produzido pelos partidos socialistas

europeus, pelos trabalhistas britânico (bem como

os partidos socialistas escandinavos) e pelos

partidos nacionalistas surgidos nos países

subdesenvolvidos após o desmembramento dos

impérios europeus ocidentais como solução

encontrada face à passagem para o modelo demo-

liberal2021.19 «[Correspondendo ao tradicional conflito Aristocracia vs. Burguesia – e portanto tendo por base umaestreita e pouco numerosa base de apoio e selecção, estes eram] (…) formados por comissões locais, constituídasno quadro de cada circunscrição eleitoral, agrupando personalidades influentes, pessoas de nome. A qualidade dos seus membrosimportava mais do que o seu número: procurava-se antes de mais nada o prestígio, que dá uma influência moral, ou a fortuna, queajuda a cobrir as despesas de propaganda. A organização interior destas comissões era fraca , não exigindo o número poucoelevado dos seus membros uma estrutura rígida. A sua autonomia era grande : os organismos centrais dos partidos quase nãopossuíam autoridade sobre os elementos locais. Os partidos conservavam o aspecto de uma federação de comissões. (…) Estaestrutura primitiva dos partidos subsistiu na maior parte dos partidos conservadores e liberais europeus, e nos partidos americanos» -MAURICE DUVERGER, in“Introdução à Política”, pp. 152-153 (os sublinhados são nossos).20

? Que corresponde ao alargamento da democracia – que abre o sufrágio à quase totalidade da população.21 «(…) O problema básico [que levou a que os socialistas inventassem uma outra estrutura política – os“partidos de massas”] era permitir o financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos socialistas, então consideradoscomo revolucionários (…). Não se podendo recorrer a poucas grandes dádivas, feitas por um número limitado de pessoas, pensou-se emobter pequenos óbulos, dados, regularmente, por um grande número de pessoas. Isto conduzia à inclusão na organização dopartido do máximo de aderentes: em vez de agrupar alguns milhares de pessoas no máximo, o partido devia reunir centenas demilhares, mesmo milhões. (…) O permanente enquadramento de centenas de milhares de homens, mesmo de milhões (desde1913, a social-democracia alemã ultrapassará um milhão de aderentes), a cobrança regular desse imposto partidário que é aquotização, impunham uma organização administrativa muito mais rígida (…). Daí o desenvolvimento progressivo de um aparelhocomplexo e hierarquizado, e a formação de um grupo de “dirigentes internos” (…).

[Em relação aos trabalhistas britânico (bem como aos partidos socialistas escandinavos)] «(…) nomomento em que, no início do século XX, se punha o problema do financiamento das campanhas eleitorais operárias, foi eleresolvido (…) pela acção directa dos sindicatos, que decidiram entregar uma parte das quotizações dos seus membros a umacaixa política, estando a gestão desta caixa e a escolha dos candidatos asseguradas pelas comissões formadas porrepresentantes dos sindicatos, das mútuas, das cooperativas e de diversas associações socialistas. Nesta base foi constituído umnovo tipo de partido que se chama o partido “indirecto”. Os cidadãos não aderem com efeito directamente, mas apenas porintermédio de outras organizações: sindicatos, mútuas, cooperativas, associações diversas (contudo, um sistema de adesão directa foi

9

a) MAURICE DUVERGER

Realidades que são típicas de grandes

comunidades humanas políticamente organizadas22, os

partidos políticos são para MAURICE DUVERGER

“organizações mais ou menos especializadas de combate político”,

uma espécie de «exércitos políticos»23 24. Começam então 25

a mediatizar a relação existente entre eleitos e

eleitores: é a “dupla função de representação”.

Assim, e analisando:A - Função de representação dos eleitores ou função de

enquadramento dos eleitores :

Os partidos, por um lado, desenvolvem a consciência

política dos eleitores – possibilitando-lhes uma menos

inconsciente tomada de posição e decisão política (sendo

esta a função que MAURICE DUVERGER apelida como de

desenvolvido em seguida no partido trabalhista britânico, paralelamente, de modo que hoje justapõe um partido indirecto e um partidode massas clássico: enviando as secções do segundo, como os sindicatos, as mútuas, as cooperativas e as associações trabalhistas, ondese exprime assim o conjunto do partido»

[No caso dos partidos nacionalistas surgidos nos países subdesenvolvidos após o desmembramentodos impérios europeus ocidentais], «os partidos de massas tomam em geral uma fisionomia particular. Em todos os partidosde massas, os dirigentes formam um grupo marcadamente distinto do resto dos derentes e dos militantes: este “círculo interior”assemelha-se um pouco, em suma, a um partido de quadros imerso no seio de uma organização de massas [onde] a distânciasocial é muito grande entre os membros do círculo interior e a multidão dos partidários. Os primeiros estão ao nível intelectual etécnico das sociedades modernas, os segundos (…) conservam-se mais próximos do nível das sociedades arcaicas» - in op. cit., pp.153-158 - (os sublinhados são nossos).22 «O carácter organizado do combate político é uma característica essencial da nossa época (…) De há um século a esta parte, astécnicas de organização colectiva, os métodos de enquadramento aperfeiçoaram-se muito» (in op. cit., p. 151).23 In op. cit., pp. 151 e ss..24

? «Estas organizações são grupos estruturados, articulados, hierarquizados, adaptados à luta pelo poder, que exprimem os interessese os objectivos de forças sociais diversas (classes, colectividades locais, agrupamentos étnicos, comunidades de interessesparticulares), de que são precisamente os meios de acção política» - in op. cit., p. 151 - (os sublinhados são nossos).25

? Apresentamos (seguindo, mas não necessessariamente adoptando) a classificação clássica de MAURICEDUVERGER, que, por exemplo, poderá ser vista referência (e até um ligeiro desenvolvimento) in “Os GrandesSistemas Políticos”, p. 77.

10

enquadramento ideológico 26 27) – e, por outro, seleccionando os

candidatos a apresentar à competição eleitoral;

B - Função de representação dos eleitos ou função de

enquadramento dos eleitos :

Os partidos, a um primeiro tempo, asseguram o contacto

entre os eleitos e os eleitores, e, posteriormente,

enquadrando os deputados em tor-no do seu grupo

parlamentar 28 29.

Mas se esta classificação30 servia e satisfazia

as necessidades da época (e do espaço geográfico

em que então foi teorizada31), já diferentes serão

as considerações e as preocupações que se levantam

perante situações que, também elas, claramente são

diferentes.26 «O sistema [que resultou da invenção dos “partidos de massa”] permitia também dar uma educação política às massaspopulares, que dela estavam desprovidas» (MAURICE DUVERGER, in “Introdução à Política”, p. 153)27 O cumprimento desta função será discutível no caso dos chamados “catch-all parties”, pois que (comoafirma a doutrina) estes mais não fazem do que adoptar uma atitude ideologicamente conformada, actuandoao abrigo da “táctica de aluvião” (GIOVANNI SARTORI, op. cit., p. 175). Esta nossa afirmação (ou dúvida)prende-se com o facto de, desde que MAURICE DUVERGER apresentou a sua proposta classificatória dos sistemas de partidos (finais da década de 50) até hoje, ter acontecido uma evidente e radicalcomplexificação social que, obviamente requereu (da parte de todos os agentes sociais) ajustamentosadaptativos, tendo-se passado de uma clara atitude de frontal confronto ideológico para as atitudesconsensual-pragmáticas tão características da acção política desde a década de 80. Daí a“despolitização” ou a “desideologização” verificada nas duas últimas décadas nos partidos próximos dopoder, e das quais resultaram numa (talvez absurda) indiferenciação programática-ideológico-governativa entre eles (vidé o caso português). 28 «Enfim, [A adopção do modelo dos “partidos de quadros”] assegurava um recrutamento mais democrático dos candidatos:em vez de serem escolhidos no estreito círculo de uma pequena comissão, eram designados no seio de congressos locais e nacionais,pelo conjunto dos aderentes ou pelos seus representantes» (MAURICE DUVERGER, in“Introdução à Política”, p. 153)29 O que faz caber aqui uma breve chamada de atenção para o problema da disciplina de voto.

30 Que, como atrás afirmámos, é própria de um modelo classicamente visto e já demasiado simples parase adequar à complexidade social presente.31 É curioso reparar e analisar as realidades dos modernos estados africanos e asiáticos e verificaras características pouco ou nada ideológicas adoptadas pelos seus partidos, que se se não vendem porum “prato de lentilhas”, realizam notáveis “jogos de cintura”, muito ao estilo dos grandes contorcionistascircenses. «Depois da retirada dos poderes ocidentais, a variável dominante foi um poder político militarizado que alcançou asua primeira meta, isto é, ocupar o Poder, e não tem projecto privativo sem apoio externo dominante.

O projecto é [ou foi] mais fornecido pela competição estratégica mundial do que por qualquer decisão autónoma dopoder instalado. A única decisão que este claramente toma é a de manter-se no Poder, de acordo com a natureza das coisas, e paraesse fim mostra-se polivalente na adopção dos projectos que lhe são acessíveis . Muda facilmente de orientação, desde que nãomude de posição, isto é, desde que conserve o poder» (in ADRIANO MOREIRA, “Ciência Política”, p. 166).

11

b) o “omnifuncionalismo dos partidos nos países em vias de

desenvolvimento”

Tal é o caso dos partidos dos países em vias de

desenvolvimento onde a pouca complexidade da

sociedade, aliada à pouca especialização de

funções, levou a que sobre cada um dos agentes

sociais [e mais ainda sobre os principais – e, de

entre estes, em particular, os partidos políticos

(na maior parte dos casos – directos ou indirectos

– herdeiros dos grupos armados que lutaram contra

a potência colonial] recaíssem uma quasi infinita

variedade de tarefas que, deste modo, e sendo tal

a extensão das matérias e problemas que se

encontram debaixo da sua alçada, se vêem na

posição e na necessidade de adoptarem um esquema

de funcionamento e de actuação ao nível dos

partidos totalitários dos países desenvolvidos32,

pois que tudo lhes interessa e deles tudo é

desejado e esperado33.

32

? Sobre o tema do “omnifuncionalismo dos partidos nos países em vias de desenvolvimento” (ver ROGER-GÉRARDSCHWARTZENBERG, “Sociologia Política”, pp. 497-499).33 Talvez porque a maior parte deles surgiram a partir da transformação dos movimentos terroristas-nacionalistas que travaram a luta pela independência contra o país que aí estabeleceu colonatos.

12

c) o “multifuncionalismo”

Por outro lado, funcionando em modernos países

(também ditos “civilizados” - onde se verifica uma

maior complexidade social e um maior grau de

especialização funcional) diferentes deverão (e

terão) de ser as características dos partidos que

aí operam, sendo, portanto (“et pour cause”) dotados

de multifuncionalidade, desempenhando, assim, um

vasto conjunto de tarefas 34, a saber:

A - função de elaboração, de aplicação e de

“adjudicação” das regras (que apenas podem ser

exercidas com a detenção ou controle do

Poder)

B - função de constituição de estruturas de

comunicação

C - função de adaptação e manutenção do sistema

(através do recrutamento de

“actores” e da sua socialização política)

34 Aqui seguiremos (novamento) de perto as propostas de ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., pp. 499-501.

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Mas também não são de descurar as contribuições

destes importantíssimos agentes sociais (os

partidos políticos) para os dois fundamentais

“processos de conversão”35: a articulação dos interesse 36 e a

agregação de interesses3738.

d) R. K. MERTON e G. LAVAU

Cabe igualmente (e na linha das ideias até aqui

por nós apresentadas) um espaço para se referir a

proposta de funções dos partidos sugerida por R.

K. MERTON 39. Este autor aponta-nos para a

existência de dois tipos de funções. Assim

teremos:

i. as funções

“latentes” -

que nada mais são do que meras

consequências objectivas),

contribuem para o ajustamento ou

adaptação do sistema, sendo35 Que aumentam a eficiência e a capacidade de resposta aos problemas e aos novos desafios colocados e/ougerados nos sistemas políticos em que operam.36 Através de uma acção de complementaridade face aos grupos de interesse.

37 Quando harmoniza e homogeniza as variadas posições e propostas apresentadas pelas outras “forças vivasda sociedade civil”.38 Esta actividade de agregação pode assumir diversas fórmulas, por exemplo: negociação pragmática,idealista-intransigente e tradicionalista. Para uma melhor compreensão do problema consulte-se ROGER-GÉRARDSCHWARTZENBERG, in op. cit.; ver também “The Impact of Parties on Political Development”, in “Political Parties and PoliticalDevelopment”, de M. WEINER, J. LA PALOMBARA e outros, pp. 399-435.39 In “Elèments de théorie et de mèthode sociologique”, referido por ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., pp. 501-502.

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compreendidas e desejadas pelos

participantes do sistema;

ii. as funções

“manifestas” -

concretizando-se em intenções

involuntárias, inconscientes e

subjectivas) são aquelas que não

são compreendidas, nem desejadas

pelos agentes sociais.

G. LAVAU (que vem desenvolver estas propostas

de R. K. MERTON) apresentou (acrescentando) uma

nova sugestão para esta problemática da

determinação/definição das funções dos partidos,

propondo:

iii. a “função

tribunícia”40 -

que, no fundo se

concretizaria na actividade

desenvolvida pe-los partidos e que

tem como objectivo “dar a vez e a

voz” aos que só assim, deste modo,

pode - rão ser ouvidos [tarefa

que, obviamente, só poderá

ser cumpri-da pelos partidos40 [Os] «partidos políticos que são “manifestamente” hostis ao sistema poderão portanto preencher de maneira latente estafunção tribunícia (...). O cumprimento desta função tribunícia será uma contribuição ao sistema político ? Não, uma vez que embaraça oseu harmonioso funcionamento (...). Sim, uma vez que desvia as virtualidades revolucionárias e que é, em certas situações explosivas,um dos meios de viver com as suas clivagens» (G. LAVAU, “Partis et systémes politiques: interactions et fonctions” – RevueCanadienne de Science Politique, Março, 1969, pp. 36-44, citado por ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., p.503).

15

“hostis ao sistema” (os chamados

“partidos anti-sistema”), pois que

só estes (qual “Tribunos da

Plebe” na Roma Antiga) poderão

dar crédito e atenção às

reivindicações “marginais”,

feitas por “socialmente mal

integrados plebeus”].

Mas esta abordagem à volta da questão das

funções dos partidos políticos não poderia ficar

completa sem que nos referíssemos aos contributos

(ainda que escassos) da doutrina portuguesa.

Destacamos, então, ADRIANO MOREIRA e MARCELO REBELO

DE SOUSA.

e) ADRIANO MOREIRA

Quanto ao primeiro 41, teremos que salientar o

facto de este autor se referir à necessidade de se

dever proceder à distinção entre funções tradicio-

nais e a complexidade crescente das funções dos

partidos. Afirma ADRIANO MOREIRA que se deve

41 Seguiremos, de muito perto, a sua “Ciência Política”, pp. 175-179.

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verificar esta diferença conforme os partidos a

consi-derar tenham nascido dentro ou fora do

ambiente parlamentar.

No primeiro caso, as suas funções concentram-se

no concorrer para a formação da vontade política e

na sua consequente expressão em sufrágio,

desdobrando-se em três “aspectos fundamentais”, a saber:

i. formar a opinião pública;ii. propor os candidatos à eleição;

iii. disciplinar os eleitos.

Quanto aos partidos nascidos fora do ambiente

parlamentar 42, estes, especialmente em resultado

do aumento da complexidade social observada

apartir da década de 60, vieram aumentar o número

de funções atribuíveis (ou atribuídas) aos

partidos políticos. Assim (para além das já anteriormente referidas) surgem:

iv. função

tribunícia -

que se traduz em o partido «ser a

voz das aspirações párias ou não

represen-tadas da comunidade» 43;v. função de articulação de

interesses -

a qual «implica a

federação dos grupos e dos

indivíduos em relação aos42 Que surgiram, principalmente apartir daqueles movimentos que, talvez devido a esse facto, seassumiam como “agentes anti-sistema”.

43 Autor e op. cit., p. 178.

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quais se quer exer-cer a

função tribunícia» 44;vi. função de

comunicação -

que visa manter «a circulação

das informações entre as bases e as

cúpulas, e entre o partido e o

ambiente» 45;

vii. função de

manutenção -

trata-se de «adaptar

constantemente a máquina às

variações da conjuntura para que se

mantenha efi-ciente e operacional»46;

viii. função de

criatividade -

«onde os partidos desenvolvem

actividades no sentido de imaginarem,

divulgarem e acreditarem soluções

para os conflitos sociais de interesses»47;

ix. função de

responsabilidade política -

que se traduz na

«participação possível nas

decisões do aparelho do

44 Idem.

45 Autor e op. cit., p. 179.

46 Idem.

47 Idem.

18

Poder» 48.

f) MARCELO REBELO DE SOUSA

Este autor 49 começa por afirmar a necessidade

da distinção entre as funções políticas (aquelas que

«envolvem uma sua actuação essencialmente política» 50) e as

funções administrativas (estas já aquelas que apenas

«res-peitam à mera organização partidária interna»51). Dentro

dos primeiros, «as funções políticas por excelência», MARCELO

REBELO DE SOUSA distingue:

i. função

representativa -

aquela que deve ser tida

como a «essencial dos partidos em

democracia representativa»,

consistindo na «apresentação

de candidaturas às eleições dos

titulares dos órgãos do poder político

e do poder local» 52;ii. função de

titularidade e

exercício do poder

político -

reconduzível ao «acesso e à

participação (...) no exercício do

poder político do Estado», e à48 Idem.

49 O qual seguiremos de perto no seu pensamento in “Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português”.

50 Op. cit., p. 96.

51 Idem

52 Idem.

19

preparação de quadros aptos para

o efeito e à criação de estruturas

de apoio aos seus dirigentes,

militantes ou simpatizantes que

exercem o poder político»53;iii. função de definição

política interna -

busca-se a «definição da

posição do partido perante

os problemas da

colectividade», e a

«designação dos titu-lares

dos seus órgãos políticos

internos» 54;iv. função

pedagógica -

traduz-se no «informar e formar os

mili-tantes e simpatizantes partidários,

bem como o eleitorado em geral, acerca

das principais questões da vida colectiva

e das propostas programáticas e

concretas do partido sobre aquelas

questões» 55;v. função de criação

e apoio a

estruturas

paralelas -

trata-se da «criação e apoio a

estruturas políticas, económi-cas e

sociais ou linhas nelas actuantes, nos53

? Idem

54 Idem.55

? Idem.

20

mais diversos domínios da vida

colectiva» 56;

vi. função de relações

externas -

traduz-se no

«estabelecimento e na

manutenção de laços de

amizade, camaradagem e/ou

cooperação com partidos es-

trangeiros afins e

acessoriamente com entidades

não parti-dárias, desde órgãos

do poder político de outros

Estados a organizações

internacionais» 57;

Já quanto às funções administrativas 58 elas

foram, por MARCELO REBELO DE SOUSA, autonomizadas em três,a saber:

vi

i.

função administrativa “strictu

sensus”; vii

i.

função disciplinar;

xfunção financeira.

56 Idem.

57 Autor e op. cit., p. 97.

58 Bastando, por ora, aqui dispensar-lhes um mera referência, pois que se não enquadram dentro datemática por nós até aqui abordada, uma vez que apenas tratámos das funções políticas dos partidos.

21

i.

Finalmente, é de referir a atenção manifestada

por MARCELO REBELO DE SOUSA ao agrupar e hierarquizar

as funções de regulamentação jurídica (que,

necessariamente, entre elas se estabeleceriam). Deste modo, assim, existem:

i) funções directamente relacionadas com a própria

essência da democracia representativa: - função representativa; e, - função de titularidade e exercício

do poder político 59.

ii) funções que se relacionam com o funcionamento dos

mecanismos democráticos representativos: - função de criação e apoio a

estruturas paralelas; - função pedagógica; - função de relações externas; e, - função financeira 60.

iii) funções que, por definição, respeitam ao núcleo mais

íntimo da actividade partidária e constituem como

que uma garantia da autonomia substancial dos

partidos políticos:

59 Autor e op. cit., pp. 98-99.

60 Autor e op. cit., p. 99.

22

- função de definição política

interna; - função administrativa “strictu sensus”;

e, - função disciplinar 61.

61 Idem.

23

II - CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIO-DETERMINATIVOS:

1. Introdução ao problema

Pretendendo cumprir as suas acima descritas

funções, os partidos políticos submetem- -se ao

sufrágio popular que (de acordo com a opinião de

MAURICE DUVERGER), conforme seja o sistema eleitoral

utilizado, assim se produzirão os resultados 62.

Estes dados, conjugados com o número de partidos

realmente relevantes, com o grau de democraticidade

concorrencial e liberdade de acção de que dispõem, ainda

com as perspectivas e possibilidades de alian-ças entre eles

e, finalmente, com a disciplina de funcionamento interno,

estes dados (dizíamos), conjugados entre si,

levarão à existência de um conjunto de realidades

político-partidá-rias (que são, simultaneamente,

produto e produtor de outras), convencionalmente

denominado SISTEMAS DE PARTIDOS 63.62 Traduzíveis na presença de um certo número de partidos em órgãos (maxime no Parlamento) e adimensão relativa dos respectivos Grupos Parlamentares..63 «Los partidos son la estructura central intermedia e intermediaria entre la sociedad y el gobierno. Además, en la medida en queconstituyen un sistema, los partidos interactúan, y esas interacciones pueden entenderse como propensiones mecánicas, comoestructuras de compensaciones y de oportunidades que ayudan mucho a explicar los diferentes rendimientos de distintos tipos decomunidades políticas de partidos. Por último, entiendo que la política constituye una variable independiente, lo cual implica que lospartidos y los sistemas de partidos moldean (mas allá del punto en el que reflejan) la sociedad politica». (GIOVANNI SARTORI, in op.

24

Este tem uma grande influência na caracterização dos

sistemas de governo 64 – sendo que, por vezes, e

segundo a superior opinião de alguns autores 65,

aquele está (graças a uma «verdadeira lei sociológica» 66)

directamente relacionado como sistema de partidos

[sendo este consequência daquele 67).

Concluindo, o sistema de partidos reflecte uma realidade

que tem a ver com a relativa dimensão dos partidos políticos e

com as suas posteriores representação e distribuição pelas

câmaras parlamentares, sendo igualmente

imprescindível (quanto a nós) que se tenham em

devida conta o nível de democraticidade concorrencial que

existe, também as possibilidades (e a necessidade) de se

estabelecerem alianças para suporte parlamentar de um

Governo, e bem assim como (“the last but not the least”) o

modo de funcionamento interno de cada partido (ou seja, a

disciplina partidária).

De entre todos os elementos, são

qualitativamente mais importantes para acit., p. 10).64 Nomeadamente nos casos dos sistemas de Governo Parlamentares e o Semi-Presidencialista.

65 De entre eles é justo e necessário que se destaque, pela inovação e pioneirismo, MAURICE DUVERGER.

66 Refira-se também que COTTERET e EMERI (citados por MARCELO REBELO DE SOUSA in op. cit., p. 123) optaram poruma outra formulação, utilizando a expressão «tendências regulares». Esta parece-nos dever ser uma opção aconsiderar com algum interesse, pois que a “duvergiana” expressão “lei” torna-se um signo demasiadamenteforte para um significado que apenas poderá ser tido e entendido como tendencial (se bem que oqualificativo “sociológica” poderá amenizar o problema). Assim, poder-se-à sugerir a adopção de uma(eclética ?!) expressão: “tendências sociológicas regulares” dos sistemas político-partidários.67 Isto assim afirmado, apesar de julgarmos que resta saber se, por exemplo, o Sistema de Partidosportuguês não é antes consequência dos resultados produzidos e verificados nas eleições para aConstituinte de 75 !?!

25

caracterização da realidade político-partidária de

um determinado Estado aqueles que em seguida

destacamos, a saber:

i. número de partidos “relevantes”;ii. grau de democraticidade

concorrencial;iii. disciplina de funcionamento

interno; e,iv. grau de possibilidade (e

necessidade) de alianças

partidárias para suporte

parlamentar de uma solução

governativa ou de um Governo.

Assim, e desenvolvendo cada um destes Critérios

Classificatório-Determinativos.

2. Desenvolvimento das nossas propostas:

a) número de partidos “relevantes” 68:

68 Isto apesar da influência que por vezes certos agrupamentos partidários [e mesmo de algumasrealidades sociais que poderíamos denominar de “para-partidárias” (como, por exemplo, os Sindicatos, asAssociações Patronais, ou até mesmo as Fundações que suportam alguns partidos) – devido a “paralelos”poderes que se encontram à sua disposição)] poderem exercer uma importância quase vital no fluirsocial e na vida governativa, quer seja através de uma posição de (pre)dominância em importantessectores económicos, sociais e/ou culturais, quer ainda porque relacionados, apoiados ou “apadrinhados”por titulares de órgãos político-decisórios com poder para tal. São os denominados “Grupos de Pressão”ou “Lobbies”. Mas, no entanto, como afirma MAURICE DUVERGER, estes «não visam a tomar eles próprios o poder ouparticipar no seu exercício. Tendem a influenciar os que detêm o poder» (in “Introdução à Política”, p. 151)

26

O problema da determinação, ou (talvez melhor)

da qualificação de um partido como “realmente

importante” ou “relevante” carece de muito cuidado e

objectividade, sob pena de podermos criar uma “hidra

de muitas cabeças” e, por isso, passível de

aproveitamentos (científica e politicamente) pouco

lícitos.

Para tentarmos alcançar tal desiderato importa,

para tal, encontrar critério(s) que, objectivamente,

permita(m) a classificação dos partidos de acordo

com a sua efectiva “relevância” na realidade

político-partidária em que se inserem e concorrem.

Aqui, bem se vê, trata-se de apurar o COMO

determinar quais são os partidos que,

qualitativamente, preenchem os requisitos (leia-se:

dimensão relativa) para poderem ser incluídos na

contagem que se vai realizar e que servirá como

elemento classificatório-determinativo para a

construção do “retrato” do sistema (que se

subsumirá à previsão teoréctico-abstracta-mente

construída e previamente estabelecida 69),69

? Diferentes, mas de não despicienda importância, são as questões colocadas por AREND LIJPHART (e àsquais de imediato este se propôs apresentar solução). Este autor (in “As Democracias Contemporâneas”, pp.160 e ss), perante situações um pouco mais complexas, pergunta como se deverão contabilizar quanto aonúmero de partidos. A saber: i)um partido sem coesão ou dividido em várias facções (a isto AREND LIJPHART responde que se não for possívelencontrar uma situação ideal, então dever-se-ão contabilizar como um só partido «essas entidades que a simesmas se apelidam como tal»);ii)Dois partidos íntima e continuamente associados [aqui a solução proposta

27

permitindo classificar esta realidade de entre os

modelos de sistemas de partidos.

E para início de abordagem do problema, parece-

nos ser imperioso que apresentemos aquele que é o

método que perfilhamos.

A nossa proposta vai no sentido de os partidos

(independentemente da sua “importância” ou “relevância”

relativa) serem todos inicialmente considerados,

passando-se, posteriormente, a uma sucessiva exclusão

daqueles que não ultrapassem as barreiras ou não preencham

ou respondam positivamente aos requisitos selectivo-negativos

que se lhes vão sendo consecutiva-sequencialmente colocados e

apresentados.

Deste modo:

i. presença no parlamento:

Assim (e salvo melhor opinião), deveremos

iniciar esta análise por um critério (que julgamos

) absolutamente objectivo: é proposta a exclusão na

contabilidade final daqueles partidos (ou sólidas e estáveis

alianças partidárias) que não hajam obtido um resultado

seria diferente, conforme a situação. Assim: -estes formam grupos parlamentares distintos (sendo assimdever-se-ão contabilizar como mais do que um partido); -os diferentes partidos integram o mesmo grupoparlamentar (tomando-se assim esta realidade como se de um só partido se tratasse)].

28

eleitoral capaz de lhes permitir a sua representação no

parlamento – pois que, deste modo, difícil (senão

mesmo impossível) será este participar nas grandes

decisões da comunidade humana politicamente

organizada em que se insere, ou (mais difícil

ainda) influenciar, decisiva e directamente, o

sistema em que se insere 70.

ii. relativo poder de “intervenção moderadora”:

O segundo critério, não sendo absolutamente

objectivo, parece-nos, no entanto, que, apesar de

relativo, é despido de qualquer considerando

subjectivo suspeito ou suspeitável. Assim: serão

de excluir todos os partidos (ou sólidas e estáveis

alianças partidárias) que não hajam obtido apoio

eleitoral em tal monta que não sejam capazes 71 de

poder 72 colocar em perigo qualquer Governo (ou

solução governativa), inviabilizar um processo de

revisão constitucional, utilizar o expediente da

70 Isto apesar das possíveis (e, por vezes, extremamente eficazes) acções político-partidárias extra-parlamentares.71 Em face do número relativo de assentos parlamentares de que dispõe.

72 Por si só ou em coligação de esforços com outros partidos.

29

constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito ,

ou sequer formar Grupo Parlamentar 73.

iii. capacidade de relaccionação:

Este critério está conexionado com o anterior,

pois que, como atrás afirmámos, um partido deverá

ser considerado quando cumprisse (ou pudesse

cumprir) uma das tarefas mínimas exigidas e exigíveis a

um partido com representação parlamentar, podendo

estas actividades ser cumpridas com ou sem

auxílio, com ou sem o concurso da vontade e/ou da

actividade de outro(s) partido(s).

Assim, o presente critério selectivo-negativo

está relacionado com as alianças e coligações partidárias.

Mas não se trata de uma qualquer coligação: aqui

apenas interessam aquelas com incidência

governamental 74 75. Deste modo 76, este critério centra-

73 Poder-se-à perguntar porquê este rol de tarefas terá de ser cumprido: responderemos com aevidência dada pelo facto de estas serem, quanto a nós, os poderes mínimos a cumprir por um partido comrepresentação parlamentar. Cabe aqui ainda referir que, desde que qualquer destas tarefas seja cumprida(ou passível de o ser) o partido em causa ultrapassará este 2º critério selectivo-negativo, pois queentendemos que a realidade “sistema de partidos” não carece de sedimentação pelo tempo, antes sendo umarealidade social dinâmica e, portanto, em constante mutação (principalmente nos países com um “sistemamultipartidário atomizado” – isto quer dizer, que, quanto a nós, numa só legislatura poder-se-à verificar aocorrência do preenchimento da previsão doutrinal de mais do que um modelo de sistema de partidos [sebem que (logicamente) nunca mais do que um de cada vez].74 E aqui a diferenção fundamental entre este e os critérios selectivo-negativos anteriormenteabordados.75 Sejam elas mero apoio parlamentar (passivo ou positivo), ou impliquem uma directa participação detodos os parceiros no elenco ou na actividade governativa.76 E na linha do pensamento de GIOVANNI SARTORI (ver op. cit.).

30

se na capacidade de se relaccionar com os outros partidos com

vista ao exercício directo ou indirecto do poder político -

governativo. Trata-se, no fundo, de saber se

determinado partido político (não maioritário)

possui uma posição relativa suficiente para deter

a qualidade de ser indispensável na formação de

governos ou para ser inequivocamente tido em conta

nas decisões político-partidárias desse sistema.

Ora são estes (o «potencial de coligação» e o «potencial de

persuasão» – GIOVANNI SARTORI) que vão funcionar como

3º e último critério selectivo-ne-gativo: só

poderá ser considerado “partido relevante” aquele que

possuir uma posição relativa tal que lhe conceda

31

um «potencial de coligação» 77, lhe garanta «potencial de

persuasão» 78 79.

b) grau de “democraticidade concorrencial”

77 Tal ocorre quando esse partido:i)já esteve (coligado ou não) no poder; ou,ii)os outros partidos, seriamente, consideram-no comopossível parceiro.

Este é um conceito que foi alvo de algumas reservas, a começar pelo seu próprio autor, que oconsidera como sendo algo de «meramente confirmativo», uma vez que (segundo ele, GIOVANNI SARTORI) «os partidosque dispõem de potencial de coligação coincidem, na prática, com aqueles que, em determinado momento, participaram, de facto, emGovernos de coligação». Salvo o devido respeito e melhor opinião, parece-nos existirem várias (e válidas)objecções à objecção do próprio autor do conceito aqui em análise, nomeadamente se tomarmos como exemploum sistema demasiadamente polarizado. Mas se pretendermos comprovar tal oposição à “auto-crítica” deGIOVANNI SARTORI, pensamos que bastará apontar o facto de em Portugal, em 1985, ter ocorrido umasituação em que um partido (o Partido Renovador Democrático – que, na altura, se auto-denominou«partido novo») surgiu e na primeira vez que concorreu obteve, de imediato (e sem nunca ter estado noGoverno), um inequívoco «potencial de coligação» (comprovados pelos públicos – ainda que velados – convitesfeitos por parte do partido maioritário: o Partido Social-Democrata).

Mas se estes factos não tivessem ocorrido e comprovado esta nossa posição face ao problema,ainda assim, uma análise abstracta do mesmo levar-nos-ia a não concordar com as posições de GIOVANNISARTORI e de AREND LIJPHART, pois que, então, estaríamos perante um círculo vicioso (qual problema comoo daquela espécie piscícula que “antes de o ser já o era”), ou seja, um partido só disporia de «potencial decoligação» por já haver estado coligado; mas o mesmo só poderia ter estado coligado porque dispunha de«potencial de coligação», sendo certo que, no entanto, só dele disporia por já anteriormente ter estadocoligado!!!78 Um partido dispõe de «potencial de persuasão» – também referido por GIOVANNI SARTORI como «regra auxiliar decontagem, baseada no poder de intimidação ou, mais exactamente, no poder de persuasão dos partidos de carácter oposicionista» –um partido, dizíamos, dispõe de «potencial de persuasão» quando, não tendo (em razão do seu ideário epermissas ideológico-programáticas) «potencial de coligação», possua, no entanto, uma dimensão relativa talque não possa deixar (pelo menos no plano teorético) de ser tido em conta pelos outros partidos. Nofundo, do que aqui estavamos a falar reporta-se à realidade dos “partidos anti-sistema” (ou seja: aquelesque possuem no seu ideário um conjunto de ideias que se tornam numa proposta de uma sociedadediferente daquela em que se movimentam, sendo, por isso, não só contrários a entendimentos deincidência governativa com outros partidos, como também são por estes votados ao ostracismo). Nãopodendo agir positivamente na sociedade, limitam-se a demonstrar a sua força através de umaactividade bloqueadora do sistema, sendo, em alguns casos, importantes (embora legítimos) “impecilhos”político-partidários.79 Mas este critério “sartoriano” foi alvo de algumas pertinentes críticas, nomeadamente as feitas porAREND LIJPHART (in op. cit., p. 164), que aponta para o facto de este critério, utilizando duas variáveis(a dimensão e a compatibilidade ideológica), colocar o acento tónico na primeira e olhando-a numaperspectiva absoluta e não (como se impõe) de uma forma relativa, isto é, na relação com os outrospartidos. No sentido de ultrapassar esta crítica, JEAN BLONDEL (referido por AREND LIJPHART, in op. cit., pp.164 e ss.), propôs que, simultaneamente, se tomassem em consideração dois outros vectoresclassificatórios, a saber:

- o número de partidos; e - a sua dimensão relativa.

A partir daqui JEAN BLONDEL constrói a sua tese que o conduz às ideias de “partido dominante” (aqueleque dispõe de dimen são e posição relativa tais que nesse sistema partidário não se poderá deixar deapelidar de dominante.) e de “meio partido” [o qual se traduz numa situação em que uma pequena entidade(agente) político-partidária, uma pequena formação/organização político-partidária que, no entanto (eapesar de possuir um real «potencial de coligação») desempenha um importantíssimo papel no palco do teatropolítico em que se insere], propondo (com a aplicação destes dois conceitos) quatro categorias desistemas de partidos.Assim, teremos:A.sistema “bipartidário ” –quando efectivamente apenas dois partidos dominam todo o sistema político-partidário;B.sistema “de dois partidos e meio ” –quando dois grandes partidos, ocupando uma posiçãopreponderante no sistema, dependem de um terceiro que, sendo mais pequeno (por vezes, denominado“partido-charneira”), é, no entanto, indispensável para que qualquer um possa formar um Governo – pois que

32

Este elemento classificatório-determinativo de

um sistema de partidos assume uma importância quasi

vital na distrinça entre duas situações que, à

primeira vista, poder-se-iam subsumir e incluír

numa mesma solução classificatória 80.

Este critério que se ocupa da questão da

liberdade de actuação de que dispõem os partidos

para poderem cumprir as suas funções, volta-se,

não só no sentido da compreensão das relações

entre os partidos classificados como “relevantes” mas

(e principalmente) face aos novos partidos ou

àqueles que pretendem alterar os dados concretos

do sistema, aspirando, por exemplo, (e no mínimo)

a ascender e a alcançar tal estatuto.

No entanto, para melhor se entender esta

problemática, e para que (igualmente) melhor se

conheça a nossa posição, parece-nos evidente a

necessidade de (previamente) esclarecermos qual é o

conteúdo do conceito de Democracia que perfilhamoscarecem de deputados para ter a maioria que parlamentarmente suporte um Governo ou uma soluçãogovernativa “monocolor”;C.sistema “multipartidário com um partido predominante ” –quando há uma significativaquantidade de partidos representados no parlamento, mas onde um se destaca pelo seu relativamente elevadograu de representatividade - a tal ponto que, sem o seu concurso, é praticamente impossível formar umamaioria que parlamentarmente sustente um Governo ou uma solução governativa;D.sistema “multipartidário sem partido predominante” –este, está bem de ver, é aquela situação que normalmente é denominada peladoutrina como de “pura representação parlamentar pulverizada” – permitindo, por isso, a formação de várias (ediferentes) maiorias, sem que (normalmente) um partido se possa arrogar de ser dotado de uma posiçãode indispensabilidade.80 Para a compreensão deste problema e desta nossa proposta remetemos para a abordagem do problema dadistinção que deve (e que, quanto a nós, tem que) ser feita entre uma situação de “bipartidarismo” e umade “rotativismo” (tema que abordaremos infra).

33

81. Não pretendendo esconder a nossa (pública e

conhecida) admiração/paixão por um entendimento do

conteúdo do conceito de Democracia próximo da sua

raiz liberal clássica, ou seja, a visão desta como

um fenómeno passageiro de um processo histórico

rumo à liberdade individual (cuja manifestação

suprema se materializa na propriedade privada e na

sua protecção) e onde as transformações ontológicas

positivas do Homem resultam da aceitação e

utilização de um método capaz de reconhecer a

realidade e a sua evolução como o resultado de um

conjunto de acções baseadas no princípio ou ideia

da “tentativa-erro” e, por isso, sempre passíveis de

correcção (porque inseridas numa sociedade

predisposta ao contínuo aperfeiçoamento, pois que é

conhecedora – e reconhecedora – da natureza

interminável e infindável do caminho percorrido – e

a percorrer – pelo Homem no sentido do seu

aperfeiçoamento enquanto realidade existente. É a

ideia “Popperiana” que define o conteúdo do conceito

Democracia enquanto uma coexistência tensa e

conflituante, mas (e ao mesmo tempo) pacífica

(porque racional e livre), onde cada um luta e deve81 Para um melhor conhecimento das diferentes propostas de preenchimento do conteúdo do conceitoDemocracia, aconselhamos um(a) bem estruturado(a) resumo/resenha, como, por exemplo, o apresentadopor GOMES CANOTILHO, in “Direito Constitucional”.

34

lutar pelos seus valores e pelos seus ideais, mas

apenas recorrendo a argumentos nem violentos, nem

baseados no uso da força física como uma válida

“ultima ratio” na resolução de diferendos 82 Ora,

parece-nos então, que aquilo que caracteriza a

Democracia 83 pressupõe, como afirmámos, a adopção

de variadas acções (umas mais adequadas do que

outras), com objectivo de se proceder a uma

transformação individual (e também 84 uma

transformação colectiva) do Homem, mas com a

certeza da vontade de os seus autores procurarem

errar menos do que o que a natureza humana lhes

permita, nomeadamente (e, diremos até,

principalmente) através da aceitação da discussão

das opiniões alheias. E então, se são variadas as

propostas e as respostas, e se igualmente certo é o

facto de ninguém, individualmente, ser

suficientemente iluminado ou detentor de uma

milagrosa e absoluta verdade para (por todos) poder

decidir, então só com a utilização de um “método

democrático” se poderá apurar o desejo da maioria e

82 «A diferença entre uma democracia e uma ditadura reside no facto de numa democracia podermos desenbaraçar-nos do governosem derramamento de sangue e numa ditadura não». (KARL POPPER, in “Em busca de um Mundo melhor”, p. 141).83 De acordo com a perspectiva apresentada e por nós defendida, ou seja, enquanto fenómeno passageirode um processo histórico de constante devir, e onde o objectivo final a atingir é o da libertação doHomem (conseguido através da consagração da sua individualidade).84 Mas apenas como mera (mas inevitável) consequência natural.

35

alcançar o (potencialmente mais perfeito e real)

conhecimento da vontade imputável e aceitável para

todos. Mas, no entanto, tal só poderá ser possível

se todas as propostas foram livremente pensadas e

expressas, e igualmente sujeitas a um “fair trial”, ou

seja, a um julgamento ou apreciação leal, livre e

justa. Como isso só é possível quando todos os

agentes dispõem de um tratamento tal que não

permita a nenhum sentir-se prejudicado nas

oportunidades concedidas para explanar as suas

ideias e pretensões (por forma a angariarem

simpatizantes e/ou apoiantes). Ora isto leva- -

nos a vislumbrar a necessidade de se alcançar uma

realidade que é expressável numa palavra/conceito:

concorrência. É ela a “mola” de toda a evolução e,

quando protegida (ou, no mínimo, não

obstaculizada), é, igualmente, entidade tutelar e

tuteladora da liberdade individual. Para KARL POPPER85 a concorrência é «um processo que favorece a

descoberta de novas aquisições e com elas, de novas

possibilidades de vida, e simultaneamente a

descoberta e o estabelecimento de novos nichos

ecológicos, inclusivamente de nichos para

85 Autor que (como se pode verificar) muito admiramos e consideramos.

36

indivíduos isolados – porventura um diminuído

físico.

Estas possibilidades traduzem-se na escolha

entre decisões alternativas, numa maior liberdade

de opção, numa maior liberdade 86. Daí a nossa

defesa do grau de “democraticidade concorrencial” do

sistema como Critério Classificatório-Determinativo

importantíssimo, não só por este ser um valioso

auxiliar de análise e distinção entre sistemas de

partidos (pois que este permite compreender de uma

forma mais profunda a realidade sujeita a

análise), mas, e principalmente, porque defende e

estimula uma corrente de informação que é um

precioso auxílio à decisão, e, por isso,

potenciador dos princípios e da realidade

democráticas. Mas, para compreendermos o seu

alcance, é (obviamente) necessário que expunhamos

aqui qual é dele o nosso entendimento.

Assim (para início) devemos-nos referir à sua

não identidade problemática face à questão da

igualdade jurídica de todos os partidos perante a

lei (maxime perante a lei constitucional), antes

devendo encarar a questão em face dos impedimentos86 KARL POPPER, in op. cit., p. 25.

37

que, de facto e objectivamente, são colocado aos

outros partidos (como, por exemplo, os acordos

celebrados entre dois partidos com o objectivo de

o exercício do poder governativo apenas estar ao

seu dispôr e contando – no mínimo – com a anuência

tácita do Chefe de Estado).

Aqui o que se pretende é verificar do justo

relacionamento entre todos os partidos e de

igualdade (relativa) das oportunidades de exposição das suas

propostas.

E porquê?

Porque nos parece ser ilógico, irreal e inverdadeiro

classificar do mesmo modo realidades que, sendo

diferentes na substância, igualmente diferentes

são nos resultados e nos “retratos” daí produzidos.

Assim, e em face do exposto, serão de

classificar como diferentes situações onde a livre

concorrência partidária exista, onde esta seja

limitada, ou ainda onde ela é quase inexistente (ou é

apenas mera fachada). Assim:

i. concorrência quase inexistente ou de fachada:

Quando existem graves e profundas limitações à

liberdade de actuação dos partidos políticos

38

resultante de situações fácticas (não explícita e

constitucionalmente adoptadas) e onde, não se

reconhecendo 87 as virtudes da concorrência

partidária, se faz desaparecê-la por esta colocar

em causa (e em perigo) interesses de uma

determinada elite dirigente partidária 88.

ii. “democraticidade concorrencial” limitada:

Quando, apesar de tendencialmente existirem

condições para um livre jogo e um “fair trial”, estas

não se verificam por irregularidades eleitorais,

ou seja, existem justas e igualitárias condições

de “treinamento” e de jogo mas só “marcam golos”

aqueles que o árbitro (previamente “comprado”)

assim determinar 89. Finalmente,

iii. “democraticidade concorrencial” plena:

Quando a disputa partidária ocorre e os

resultados produzidos (sejam eles quais forem) são

sempre passíveis de, livremente e em consciência,

87 Por motivos religiosos, ideológicos, ou afirmando a sua desnecessidade funcional.

88 E que, normalmente, se misturam com os do aparelho do Estado.

89 Demonstrando-se aqui que as limitações obedecem não a razões ideológicas – que, essas sim,justificariam uma grave e profunda limitação à liberdade de actuação partidária - mas sim a merasintenções de pura manutenção no poder.

39

serem aceites, acatados e respeitados por todos,

vencidos e vencedores.

c) disciplina de funcionamento interno

Com este elemento classificatório-determinativo

pretende-se analisar o funcionamento dos partidos

políticos ao seu nível interno, mas não só no que

toca à pública manifestação da vontade imputável

ao partido mas também aos modos de produção e

apuramento internos da mesma.

Assim o que aqui se cura de saber (para

analisar) é se um partido impõe ou não a vontade

maioritária (ostensiva e duramente calando as

vozes internamente discordantes, portadoras e

propagandeadoras de mensagens diferentes), ou seja

se admite apenas “uma e uma só voz” através, por

exemplo, da consagração de uma férrea disciplina

de voto aos seus deputados, ou se, pelo contrário,

lhes admite a liberdade de expressão da sua

vontade (respondendo estes apenas perante os seus

eleitores).

Deste modo, procura-se determinar (para

classificar) como se processa o funcionamento

interno dos partidos, ou seja, se internamente se

40

encontra consagrado um sistema de democraticidade

concorrencial real ou aparente.

d) grau de possibilidade (e necessidade) de

alianças partidárias

Aqui não se pretendem analisar as capacidades

dos partidos políticos (de per si e individualmente

analisados), mas sim as potencialidades do

sistema, razão pela qual este seu elemento

classificatório-determinativo não pode ser

confundível com aquele que, lhe sendo semelhante,

é adoptado como critério selectivo-negativo de um

elemento. Este ora em análise é um dado

importantíssimo do sistema de partidos,

nomeadamente na classificação do mesmo quanto ao

problema da real ou aparente pulverização de um

sistema multipartidário 90. Face a esta

problemática da indagação do grau de possibilidade

(e necessidade) que, no sistema, existe de se

estabelecerem coligações ou alianças partidárias,

com incidência governamental, para suporte

90 Para uma melhor compreensão, análise e crítica.

41

parlamentar (activo ou passivo) de um Governo (ou

solução governativa) 91 propomos o seguinte quadro:

COLIGAÇÕES

NECESSÁRIAS

COLIGAÇÕES NÃO

NECESSÁRIAS

COLIGAÇÕES

POSSÍVEIS

COLIGAÇÕES

NÃO POSSÍVEIS

COLIGAÇÕES

POSSÍVEIS A B

COLIGAÇÕES

NÃO POSSÍVEIS E F

COLIGAÇÕES

NECESSÁRIAS C D

COLIGAÇÕES

NÃO NECESSÁRIAS G H

Assim (e analisando), podem existir várias situações:

a) coligações “possíveis e

necessárias”, eb) as que, sendo “possíveis, não são

necessárias”.

Também podem ocorrer outras duas situações:

c) as coligações são “necessárias e

possíveis”, ou então d) “necessárias e não possíveis”.

De igual modo, existem igualmente as hipóteses:

e) de estas serem “não possíveis mas

necessárias”, ou def) serem “não possíveis nem necessárias”.

Finalmente, as alianças ou coligações partidárias poderão ainda

ser:

91 Este problema poderá ocorrer (com particular gravidade) em Estados com fraca homogeneidade – ouaparente (ou mesmo não existente)–, por razões sociais, étnicas, linguísticas, religiosas,históricas, etc..

42

g) “não necessárias mas possíveis”, ou

atéh) (caso extremo) “não necessárias

nem possíveis”.

A partir destes dados (e da sua atenta

observação e análise) é possível concluir da

possibilidade de se encontrarem alguns pontos

comuns entre eles, passíveis, por isso, de

proporcionarem agrupamentos gradativos.

Deste modo, podem ser quatro os graus de

possibilidade (e de necessidade) de se estabeleceremacordos partidários de incidência governamental para suporte

parlamentar de um Governo (ou solução governativa), a saber:

1º GRAU ELEVADOcoligações “possíveis e necessárias” ou “necessárias e possíveis”

(em virtude da reunião dos elementos com equivalente

ele-vada intensidade de predisposição para a sua

celebração);

2º GRAU MÉDIOcoligações “possíveis mas não necessárias” ou “não necessárias

mas possíveis” (que assim é caracterizado pela não

coincidência de sentido dos elementos na sua

predisposição para um acordo, mas onde aquele que é

de mais difícil contorno e/ou resolução - a

possibilidade - se encontra positivamente

direccionado);

43

3º GRAU MÍNIMOcoligações “necessárias mas não possíveis” ou “não possíveis

mas necessárias” (onde a assintonia direccional na

predisposição dos elementos é mais grave – porque de

mais difícil solução –, mas “a necessidade sempre foi a mãe

da invenção” e, portanto, criadora de reais

possibilidades);

4º GRAU Ø (ZERO)coligações “não necessárias nem possíveis” ou “nem possíveis

nem necessárias” (estando tudo dito, pois que se se não

necessita e nem se pode ... e se não se pode nem se

precisa … então “com-tra factos não há argumentos” !!!)

Deste modo, simplificando (esquematizando):

GRAU

ELEVADO P N N P

44

GRAU

MÉDIO P ÑN ÑN P

GRAU

MÍNIMO

ÑP N N ÑP

GRAU

(ZERO) ÑP ÑN ÑN ÑP

Legenda

:

P Coligação Possível

N Coligação

NecessáriaÑP Coligação Não

PossívelÑN Coligação Não

Necessária

45

III - CLASSIFICAÇÃO PROPOSTA:

Terminada que foi a fase de conceptualização

dos elementos classificatório-determinati-vos dos

sistemas de partidos, teríamos (forçosamente) de

demonstrar os resultados alcançáveis a partir da

aplicação prática dos mesmos, materializando

(teorecticamente) as formulações passíveis de

concretização.

Assim (primeiramente), utilizando um critério

quantitativo-numérico, poderemos encontrar 2 tipos

de sistemas de partidos 92 93, a saber:92 É aqui necessário referir a nossa não adopção da proposta de MAURICE DUVERGER (in “Partidos Políticos”, p.242) onde este apresenta a ideia da ligação deste tema ao da democraticidade do sistema político,concluíndo pela coincidência entre os sistemas políticos totalitários ou não democráticos e ossistemas unipartidários, por um lado, e os sistemas políticos democráticos e os sistemaspluripartidários (que MAURICE DUVERGER, no entanto, denomina de “multipartidários”), por outro. Nãoconcordamos com a relação de similitude devido ao facto de (como a seu tempo procuraremos demonstrar)poderem ocorrer situações de pluripartidarismo em sistemas que de democrático só têm o nome (pois queas suas práticas e usos político-partidá-rio-governativos deixam muito a desejar) – já não sendo (atéver) possível a verificação da situação inversa.93 De salientar que, em nossa opinião, poderemos ainda encontrar uma situação passível de adoptar adenominação de “SISTEMA DE AUSÊNCIA DE PARTIDOS POLÍTICOS”. Esta situação (que, claramente, se distingue darealidade “partido único”) caracteriza-se por uma clara anulação da única organização política (com uma estruturaquasi partidária ou proto-partidária) existente, que deixa de cumprir o seu normal e esperado papel sócio-políti-co, e onde toda a actividade política de relevo por este realizada se resume a auxiliar o poder central (ou seja,aquele que exerce tarefas/funções político-governativas) na selecção e na preparação técnico-ideológica dos dirigentes políticos que participarão no Governo ou em “orquestrado(s)” parlamento(s) quepara mais nada serviam do que para conferir aos dirigentes governativos uma certa aparênciademocrática, formalmente legitimadora do exercício do poder por eles realizado. A verificação que maisnos é familiar foi a ocorrida em Portugal durante o período do Estado Novo – onde quer a “União Nacional”(U.N.), quer a “Acção Nacional Popular” (A.N.P.) nada mais foram do que “passerelles” políticas, despidas dereal influência e que nunca foram sequer presididas pelos Presidentes do Conselho (em exercício).Citando ADRIANO MOREIRA quando se refere às “Uniões” como «forma de organização política que se diferencia dos gruposde interesses e de pressão, e dos partidos. De facto é um agrupamento político sem grande homogeneidade ideológica, salvo aproclamação de alguns princípios muito gerais e de conteúdo variável, que se destinam a apoiar a intervenção de um poderpersonalizado. (…) É caracterísitica deste tipo de organização a vocação para o esgotamento, porque não sobrevive aodesaparecimento do carisma da chefia, não serve a institucionalização da vida política, faz com que a Administração se sobreponha àpolítica, facilita a criação de clientelas sem contestação, solidariza interesses de pessoas mas não de correntes, não tem processocorrector de erros» (in ADRIANO MOREIRA, “Ciência Política”, p. 183).

46

A - SISTEMAS UNIPARTIDÁRIOS (ou “de partido único”):

Apenas um agrupamento político-partidário

funciona e age no sistema 94. No entanto, se

olharmos com mais pormenor e lhe aplicarmos os

quatro critérios classificatório-determinati-vos

por nós propostos, então a realidade será um pouco

menos simples.

1. Sistema Unipartidário “Aberto”

Entendemos 95 que este é aquele onde se verifica

um grau de permeabilidade de sentido positivo no

acesso dos não militantes ao exercício do poder

político-governativo.

2. Sistema Unipartidário “Fechado”

“A contrario sensus”, este será, portanto, aquele

sistema de partido onde o acesso de não militantes

Este modelo parece-nos ser melhor perceptível através da caracterização, a contrario sensus, do modeloseguido e utilizado pelos “(ex-)Estados (ditos) Socialistas” onde a condução do Estado era feita por parte deuma organização político-partidária (os diversos partidos comunistas), sendo esta(es) quem impunha(m)as directivas, sendo que o Estado nada mais era do que a estrutura formal que permitia dominaraqueles que não faziam parte do partido ou que não perfilhavam “a doutrina oficial do Estado” – de referir ofacto de o “Período Estalinista” e as suas consequências se terem verificado sem que Joseph VissarionovichDjugashvili fosse (com a excepção do período entre 1941-45) outra coisa mais do que “mero” Secretário-Geral do P.C.U.S., situação que não o inibiu ou sequer impediu de realizar as “grandes purgas”.94 De notar o facto de termos utilizado a expressão “no sistema”, pois que os partidos à margem dosistema (nomeadamente aqueles que apenas operam na clandestinidade) não devem ser aqui contabilizados– pois que não lhes é permitido concorrer a eleições.95 E seguindo as propostas de MARCELO REBELO DE SOUSA, in Enciclopédia Pólis, vol. IV, p. 1005.

47

a funções governativas se encontra grandemente

dificultada (quando não mesmo vedado), apenas

sendo facultado aos membros do partido que,

sozinho, exerce o poder.

B - SISTEMAS PLURIPARTIDÁRIOS:

Reporta-se a uma realidade diversa e muito mais

vasta: existe e funciona mais do que um partido 96

97. Mas se complexificarmos e desenvolvermos:

1. Sistema de “partido predominante”

Propomos esta denominação como signo para

aqueles sistemas pluripartidários onde, apesar da

existência (meramente formal ou não) de vários

partidos políticos, no entanto, de entre eles um

claramente se destaca 98 quer pela percentagem de

votos, quer pelo poder relativo que dispõe , quer (até)

pelo tempo efectivo de manutenção em posição de domínio , e

onde os outros partidos mais não são do que meros

96 Esta situação é também denominada de sistema “de partido único” (ou até de “de Estado de partido”), que, porassim o ser, não pode conhecer a alternância e onde todas as actividades político-governativas sofrema influência das decisões desse partido – como vimos, aqui reside a diferença entre esta realidade eaquela que denominámos de “sistema de ausência de partidos políticos”.97 Ainda que nem todos com igualdade de oportunidades nem com igual liberdade de actuação, sem que,no entanto, possa ser afirmado que todos dispõem de igual liberdade de actuação: eles (mais ou menoslivremente) existem e podem manifestar a sua opinião.98 Sobre este problema é de reter (e aqui não deixar de recordar) a afirmação de GIOVANNI SARTORI (in op.cit., p. 162), que nota que este é um sistema onde existe um partido «que “cuenta más” que todos los demás»(os sublinhados são nossos).

48

espectadores 99 da acção daquele que, de uma forma

notória, “joga com dados viciados”.

1.1. Sistema de “partido predominante de 1º grau” ou de

“partido hegemónico” 100

Este resultado da aplicação dos elementos

classificatório-determinativos reconduz-se a uma

realidade bastante afim da vivida nos Estados que

consagram [ou estão sujeitos a (?)] um sistema

“unipartidário aberto” 101, mas onde existem vários

partidos políticos, sendo que estes outros 102 mais

não são do que meros prolongamentos 103 daquele

que, de facto, sózinho exerce o poder, pois que,

não possuindo (aqueles) qualquer autonomia,

coexistem numa situação de clara inferioridade,

devendo-se classificar as “eleições” que aí se

realizam como mais não sendo do que meros

exercícios de propaganda de Estado, que,

obviamente, se efectuam em razão de “cosméticas”

99 (Obviamente) uns mais do que outros.

100 Esta segunda é a denominação proposta e apresentada por GIOVANNI SARTORI (in op. cit., p. 162).

101 Pois que onde ali o partido (único) determina a acção dos diversos agentes políticos (sendo que éele quem directamente estabelece as linhas de orientação programático-governativa).102 Estes “outros” partidos, como refere MARCELO REBELO DE SOUSA (in “Enciclopédia Pólis”, vol . IV, p. 1005),apenas permanecem como «reminiscências de um passado em que vias de extinção ou como estruturas paralelas e de apoio aopartido liderante».103 Em razão da não existência de uma real e efectiva liberdade para o exercício da oposiçãopolítica.

49

preocupações de legitimação democrática do sistema

político-governativo.

1.2.Sistema de “partido predominante de 2º grau” 104

Este é, afinal (e também), uma situação 105 onde

um só partido político 106 domina todo o sistema .

Efectivamente é esta a realidade verificada.

Mas ela ter-se-ia de revelar diferente de todas as

outras para que merecesse um lugar diferenciado de

todos os outros sistemas de partidos, justificando

assim um tratamento autónomo.

De facto (e de direito) existem (mais ou menos

livremente) outros partidos e (realmente) estes

encontram-se em oposição (quando não em perfeito

antagonismo) face ao “partido predominante” , mas este,

graças a (democraticamente falando) pouco lícitos

“malabarismos” do (e no) processo eleitoral 107,104 Aqui não hesitámos em utilizar a denominação proposta por GIOVANNI SARTORI (in op. cit., p. 163),introduzindo, no entanto, algumas alteraçõees, que (obviamente) se prendem com razões directamentedecorrentes das nossas propostas de critérios classificatório-determinativos dos sistemas departidos.105 Também denominada [e (justamente) denominável] de sistema político “quase totalitário”, “quasedemocrático” ou “de “democracia de fachada”.106 Que não é possuidor nem portador de um ideário determinado, pois nada mais é do que o partido daconvergência de posições (um “proto-catch all party”), que “usa e abusa” dessa qualidade para alcançar umasituação/posição que lhe possibilite perdurar como único e só detentor dos cargos político-governativos e, por isso, do poder político.

No país que se pode considerar o modelo perfeito a subsumir a esta classificação (oMéxico), tão graves e gritantes tem sido os factos ocorridos, que as respostas e apelos da oposiçãotem que se fazer ouvir de uma forma dramática e extrema. Atente-se no testemunho de DANIEL LEVY eGABRIEL SZÉKELY [in “Mexico: paradoxes of stability and change”, referido na obra de MICHAEL G. ROSKIN (e outros),“Political Science: an introduction”, p. 221]: «In Mexico, the Party of Revolutionary Intitutions (PRI) has also totally dominatedsince 1929, but not completely democratically. The more conservative National Action party (PAN) has threatened civil disobedience ifPRI's voting fraud does not cease» (os sublinhados são nossos).107 “Usando e abusando” do recurso a expedientes como o “caciquismo” e o “clientelismo de Estado”.

50

mantém com o poder uma relação que

(caricaturalmente) poderíamos classificar de

“matrimonial”, pois que manter-se-ão unidos, ligados

“até que a morte 108 os separe” .

2. Sistema de “partido liderante”

Esta é a denominação por nós proposta para

classificar aquelas situações verificadas num

Estado onde o seu sistema político-partidário se

caracteriza pela existência de um partido que,

graças a “límpidos” , “transparentes” e “democrático-

concorrenciais” métodos e práticas eleitorais mínimas 109 110, sózinho 111 acede , detém e exerce o poder

político-governativo, usufruindo de uma situação

de quase absoluto domínio, de quase absoluta

hegemonia.

108 Leia-se, ou desaparecimento do partido (normalmente em resultado de graves divergências internas queproduzirão, no mínimo, a cisão), ou então o desaparecimento da ordem constitucional vigente como resultado deuma acção (presumivelmente) violenta (não confundir esta situação com a que ocorria nos países daEuropa oriental, pois que aí as eleições não possuíam as força e a analogia – quase afectiva – queestas possuem face às que se realizam no mundo democrático.109 Porque a vontade popular é regular, livre e efectivamente expressa e, acima de tudo (eprincipalmente), respeitada.110 Este ponto (a real liberdade em que decorrem os actos eleitorais) é o factor crucial edeterminante que nos permite contrapôr este sistema de partidos (que é claramente aceitável pelos“standards” ocidentais-democráticos), aos anteriormente analisados (nomeadamente face àquele que maisse lhe assemelha: o de “partido predominante de 2º grau”).111 É de salientar e reforçar esta questão: no sistema de “partido liderante” há um partido que, sozinho,consegue obter a maioria absoluta dos mandatos parlamentares (e, graças a esse facto, também sozinho,exerce o poder político-governativo). Estes elementos são tanto mais importantes, quanto este facto é(para nós) o que o distingue do sistema “multipartidário imperfeito” ou “de partido dominante” (ver infra nossaclassificação e definição de conteúdo).

51

Os outros partidos possuem uma tão diminuta

expressão e poder político que certos autores

chegam a denominar este sistema como de “um partido e

meio” (sendo tal a pouca importância que é merecida

pela oposição que, toda ela, nada mais

representaria do que um “meio partido” 112 113).

3. Bipartidarismo

Situação onde, “grosso modo”, dois partidos 114

(pertencentes a diferentes e opostas famílias

políticas) jogam, apenas entre si, o desafio da

liderança da vida político-partidário-gover-nativa

nacional, alternando-se ambos na posição de “estrela

da companhia”. É um sistema típico dos países anglo-

112 Citando de novo MICHAEL G. ROSKIN (e outros), quando este se refere (in op. cit., pp. 221-222) ao Japãocomo exemplo deste sistema de partidos (o outro poderia ser a Índia – ambas opiniões são hojediscutíveis, aceitando nós que, em face dos últimos resultados apurados em eleições nesses doispaíses asiáticos, estes sejam colocados, no máximo, numa situação de fronteira entre o sistema departido “liderante” e o de partido “predominante de 2º grau”). Diz MICHAEL G. ROSKIN: «Similary, the Liberal-Democraticparty of Japan has so consistently won that Japan has been called a “one-and-a-half party sistem”, with the much smaller Socialistsbeing the half party» (situação que, precisamos e particularizamos, ultimamente tem sido posta em causacom os últimos “abanões” eleitorais provocados por escândalos financeiros e sexuais em quepredominantes figuras do Partido Liberal Democrático japonês se viram envolvidas).113 O caso português (verificado entre Julho de 1987 e Outubro de 1995) poder-se-ia talvez aquiincluir.

No entanto, dois factores impedem, quanto a nós, a sua qualificação como sistema de “um partido emeio”:

em primeiro lugar o evidente e importante peso eleitoral (legislativo e autárquico) deque o PCP (na sua versão C.D.U.) dispõe (que garante que nem só o PS se pudesse arrogarde “meio partido”);

e,

por outro lado, o facto de o PS ser o partido que maior número de autarcas elegeu (e coma Presidência dos municípios mais importantes – quase todas as capitais de distrito e aszonas de interesse económico mais significativo). Talvez, analisando, se possa falar dePortugal como tendo tido um sistema “de um partido e dois meios” .

114 Apesar de outros [partidos] existirem e livremente funcionarem.

52

saxónicos 115, se bem que possamos (como mais tarde

procuraremos demonstrar) especular sobre a sua

adopção e aplicação em Estados com uma raíz

cultural bem diversa.

3.1.1. “ Bipartidarismo perfeito” ou “equilibrado”

Nesta forma, o bipartidarismo possui como

característica o facto de os dois grandes partidos

possuírem dimensões quase idênticas 116 e , em tais

proporções, que outros dificilmente possam aspirar

a perturbar esta “quinta dos dois” 117 118. Tudo (quase

sempre e invariavelmente) gira à volta desses e

apenas desses dois partidos.

No entanto o “bipartidarismo puro” é uma hipótese

meramente académica, pois que a par dos dois

grandes partidos que dominam a cena/vida política115 «Most familiar to us is the two-party system, a hallmark of English-speaking world. The United States, Britain, Australia and NewZeland all have two major parties with a fairly equal chance of winning» - MICHAEL G. ROSKIN, in op. cit., p. 222 (ossublinhados são nossos).116 A identidade na dimensão (relativa) entre esses dois partidos políticos verifica-se pela nãogrande distância entre os resultados obtidos (e que resultaram na actual composição do parlamento),de molde a que um se veja em tal desvantagem que possa ser realmente colocada em dú vida a hipótesede, em próximas eleições, poder alcançar um resultado que lhe permita obter a maioria absoluta(traduzida em mandatos) - diz GIOVANNI SARTORI, in op. cit., p. 163): estamos perante uma situação debipartidarismo quando «dos partidos compiten por una mayoria absoluta que está al alcance de cualquiera de ellos». ( vertambém in A. e op. cits., p. 246) «El bipartidismo depende, si no de la alternación de hecho, de la expectativa de alternación en elgobierno» (os sublinhados são nossos).

Repetindo MICHAEL G. ROSKIN (in op. cit., p. 222), este é um sistema onde existem «two major parties with a farly equal chance of winning».117 Caricatura (que nos seja desculpada, mas) que pensamos bem descrever o modelo em análise, poisque os partidos “grandes” obtêm (juntos) mais ou menos 85 % dos assentos parlamentares, sendo,portanto, naturais agentes de uma relação de elevada responsabilidade política (e referimo-nos a 85 %dos lugares e não dos votos expressos pelo eleitorado - «(…)lo formato del bipartidismo deve evaluarse ennúnero de escaños, no de resultados electorales. La razón evidentíssima de esta necessidad es que los gobiernos se forman, y actúan,conforme a su fuerza en el Parlamento –GIOVANNI SARTORI, in op. cit., p. 236 (os sublinhados são nossos)].118

? «Existe un formato bipartidista siempre que la existencia de terceros partidos no impide que los partidos principales gobiernensolos, esto es, cuando las coaliciones resultan innecesarias» - in aut., op. e p. cits. (os sublinhados são nossos).

53

(que à sua volta congregam absolutas, exclusivas e

esmagadoras atenções) sempre existem (e existirão)

pequenos partidos que (sobrevivendo de uma forma

melhor ou pior) teimam em continuar a dar a vez e

a voz aos anseios de eleitores e gentes

socialmente desinadaptadas e desenquadradas. Estes

outros partidos mantém pouco fundadas (mas

possíveis ainda que pouco prováveis) expectativas

de aceder, exercer e manter-se no poder119 120, no

entanto, desempenham (em virtude do especial e

elevado respeito e consideração que – nestes

sistemas – merecem as minorias e as oposições),

estes pequenos partidos, dizíamos, desempenham um

nada despiciendo papel, nomeadamente como

criadores de “turbulência socialmente geradora de progresso”

através da chamada de atenção dos partidos “grandes”

para localizados problemas, assim funcionando como

correctores de algumas injustiças e atropelos

resultantes da desatenção daqueles que se limitam

a funcionar no e para o “Terreiro do Paço” 121.

119 Imediata ou mediatamente.

120 Sós ou em coligação.

121 «Although third parties, such as that of John Andersons's 1980 presidential attempt and Britain's Social Democratic-Liberal Alliance,seldom win, they serve to remind the two big parties of voter descontent. Often one or both of the two main parties will then offerpolicies calculated to win over the discontented. In this way, even small third parties can have an impact» (MICHAEL G. ROSKIN, in op.e p. cits.).

54

3.1.2. “Bipartidarismo imperfeito”, “paradualismo” ou

“sistema de dois partidos e meio”

Esta é uma situação quase semelhante pois que

dois partidos claramente se destacam mas não obtêm

por si só o número de mandatos capazes de suportar

um governo “monocolor” , necessitando (pois) de ou se

aliarem entre si ou recorrerem ao concurso de uma

terceira força, de um pequeno partido 122 123 para

que, um deles, possa dispor do apoio parlamentar

suficiente para que o líder de um dos “grandes”

possa ascender à chefia do executivo.

3.1.3. “ Bipartidarismo dominado” ou “em direcção ao

sistema de partido liderante”

É a situação que ocorre quando existem dois

grandes partidos, que, no entanto, não se alternam

no exercício do poder político-governativo pois

que os resultados eleitorais aí obtidos não

122 Apesar de ter peso suficiente para que sem ele não se poder formar uma maioria parlamentar desuporte governamental.

Um perfeito exemplo para este facto pode ser dado pelo FDP (o Partido Liberal Alemão) que,detendo menos de 1/10 da repre sentação parlamentar total do Bundestag (a câmara perante a qual, naAlemanha, se efectiva a responsabilidade política do Governo), no entanto, desempenha umdestacadíssimo papel no palco político-partidário alemão (ao ponto de quase tornar o SPD e a CDU/CSUem seus “reféns políticos” – tal a facilidade com que os liberais “mudam de camisola”). Por vezes, também opartido ecologista (Die Grünen) é referido com um “partido de charneira”, mas tal é (quanto a nós)facilmente negável (e demonstrável), nomeadamente devido ao facto de este partido (por “navegar” eocupar “águas” tradicionalmente afectas ao SPD) ter essencialmente (para – peremptoriamente – nãoafirmarmos exclusivamente) celebrado coligações à sua esquerda. Este facto poderá descaracterizarosistema de partidos – e, consequentemente, todo o sistema político-partidário/governativo alemão.123 Devido a este facto, o sistema é também (por vezes) apodado de “tripartidarismo desigualitário”(ver, como referência, ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., p. 571).

55

consagram uma equilibrada representação

parlamentar dos dois “grandes” , antes um se destaca

do outro de forma a criar uma realidade em que a

desproporção de assentos na assembleia

legislativa, a qual leva o outro a ser

«demoradamente excluído da esperança do poder» 124, o que

torna difícil (senão mesmo impossível) a

alternância governativa. Perante esta situação,

aquele outro partido torna-se de tal forma

poderoso que, normalmente (mais cedo ou mais

tarde), transforma o sistema e passa a funcionar

sozinho. Daí que (com algumas – muitas – dúvidas)

possamos afirmar que este sistema é, por isso, um

sistema de partidos transitório (ou em trânsito) entre o

sistema democrático e um não democrático.

3.2.1. “Bipartidarismo convergente” ou “técnico”

Este é aquele sistema em que as relações

políticas programático-praxiológicas existentes

entre os dois principais (ou mais importantes)

agentes sócio-políticos não se encontram crispadas

e extremadas em razão de irredutíveis divergências

ideológicas, mas (antes divergindo) por meras

124 ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., p. 576.

56

razões de opção sócio-económica, aceitando (ambos)

«a filosofia política geral e as bases fundamentais do regime» 125.

3.2.2. “Bipartidarismo polarizado” ou “metafísico”

É assim denominado o sistema de partidos em que

as referidas relações programático- -

praxiológicas estabelecidas entre os dois “grandes”

partidos são bastantes “más” (baseadas em

sentimentos de antagonismo com uma absoluta e

irredutível rivalidade/inimizade), porque optaram

e vêem a sociedade de forma diferente, não

propondo ambos o mesmo sistema sócio- -político (e

onde um deles, uma vez alcançado o poder,

provocará radicais transformações, pois que possui

um ideário claramente “anti-sistema”).

3.3.1. “Bipartidarismo real”, “rígido” ou “autêntico”

Aqui a distinção recai sobre o grau de

disciplina interna dos partidos de cada sistema,

sendo que este modelo se caracteriza pela

existência de duas “grandes” formações partidárias

que consagram uma “dura” disciplina de selecção dos

125 MAURICE DUVERGER, in “Partidos Políticos”, p. 250.

57

seus candidatos a deputados 126 e (a estes) uma não

menos eficaz e rígida disciplina de voto 127 –

sendo aqui que se baseia a estabilidade e a

autoridade do Governo 128.

3.2.2. “Bipartidarismo de Fachada”, flexível” ou

“pseudobipartidarismo”

Neste resultado da aplicação dos elementos

classificatório-determinativos por nós propostos,

os dois “grandes” partidos (que mais não são do que

heterógeneos grupos políticos 129) concluíram que,

para sobreviverem como tal, tinham de procurar

criar e aplicar uma organização interna que

simplesmente mantivesse os seus diferentes (e por

vezes contraditórios – mas não inconciliáveis)

interesses e prospectivas de alguma forma ligados:

optaram, então, por consagrarem uma flexível

disciplina interna, abstendo-se de impôr alguma126 É importante aqui e agora citar MAURICE DUVERGER (in op. cit., p. 246): «(...) o centro conserva o controle dasfinanças do partido e reserva para si o direito de ratificar as candidaturas propostas pelos comités locais».127 O que é aceitável porque entre os deputados existe uma comum base ideológica e interdependentesinteresses. 128 «Nos escrutínios políticos importantes, todos os deputados de um grupo são obrigados a votar da mesma maneira: os queinfringem as directizes do partido são excluídos. Esta disciplina dos votos parlamentares alicerça a estabilidade e a autoridade doGoverno. O chefe do Governo, líder da partido majoritário, está seguro da fidelidade dos membros da sua maioria» - ROGER-GÉRARDSCHWARTZENBERG, op. cit., p. 570 (os sublinhados são nossos).129 Tomando como exemplo os partidos norte-americanos, MAURICE DUVERGER (in op. cit., p. 246) fez notar queestes «não repousam em base ideológica alguma», antes consagrando em si «elementos e doutrinas absolutamenteheterógeneos», comportando-se, na sua essência, como «máquinas de conquista de postos administrativos e políticos e dedesignadamente dos candidatos nos “pré-escrutínios”». A linha que separa o partido no poder e a suaoposição não é convergente e, em consequência, MICHAEL G. ROSKIN (in op. cit., p.223) conclui que «the label“two-party” doesn't do justice to the complexity of U.S. politics».

58

orientação de voto, o que permite a formação de

diferentes maiorias e diferentes oposições sempre

que, para cada diferente problema, é solicitada

uma votação 130, o que, caso o sistema não consagre

outros instrumentos para garantir uma certa

estabilidade governativa 131, facilmente se geraria

uma situação de “tumulto político” 132.

4. Rotativismo

Situação (exteriormente) em tudo reconduzível à

verificada no “bipartidarismo perfeito” ou “equilibrado” –

todo o sistema se encontra concentrado em dois

partidos, os quais, pendularmente, partilham (e se

alternam) o exercício do poder governativo – mas

onde tal resulta de um pacto celebrado entre os

dois grandes partidos com o objectivo de

dificultarem a outros partidos o seu acesso ao

(mesmo) poder. Esse acordo (ao qual o Chefe de

Estado não se opõe e antes avalisa) assegura a um

deles o quase sempre imediato e directo acesso ao

130 De notar igualmente que também o pensamento de AREND LIJPHART (in op. cit., p. 56) vai neste sentido:«Os partidos políticos americanos constituirão, na melhor das hipóteses, e a nível nacional, vagas alianças caracterizads porinteresses altamente divergentes» (os sublinhados são nossos).131 Por exemplo a insusceptibilidade da demissão (por razões políticas) do Presidente por parte doCongresso.132 Situação que muito se aproximaria da verificada num sistema de “multipartidarismo”.

59

poder governativo (sem o recurso a actos

eleitorais).

Com este sistema de partidos a eficácia das

eleições esbate-se, pois que as escolhas 133 tendem

a ter o sentido de decidido pelas cúpulas

partidárias dos dois “grandes” e, sobretudo, o que

determinam os chefes políticos. Deste modo 134, o

resultado deste sistema é tal que estes partidos,

pouco estruturados aos níveis ideológico e

organizacional, conseguem um resultado traduzido

numa força parlamentar que não encontra paralelo

na vontade real do país 135.

5. Tripartididarismo

Situação intermédia de transição entre

bipartidarismos, nomeadamente, como no início do

Séc. XX, onde se verificou a transição entre o

chamado “bipartidarismo liberal” ou “burguês” (onde a

oposição conservadores/liberais era a tónica) e o

“bipartidarismo económico-político radical” (substituindo-se

133 Que devem ser o resultado da vontade expressa pelos titulares do poder político – ou seja, o Povo– através de sufrágio livre, directo, secreto e universal.134 E aliado a um arreigado sistema sócio-económico-cultural que permite, alimenta e consagra ocaciquismo.135 Em resultado desta realidade, este sistema gera uma tal insatisfação que, quando foi aplicado emPortugal, Ramalho Ortigão e Eça de Queiróz se viram na necessidade de o criticar e exigir dosgovernantes “virtude”.

60

os partidos trabalhistas aos partidos liberais na

oposição aos partidos conservadores) 136.

Aqui, no tripartidarismo, existem 3 “grandes”

partidos mas cada um, de per si , não possui

capacidade para formar um governo parlamentarmente

sustentável e sustentado, sendo, portanto,

necessário recorrer a voláteis 137 coligações

partidárias.

É, como referimos, uma situação temporária,

provisória, transitória que se verifica num sistema

bipartidário aquando do nascimento e

desenvolvimento de um novo (e forte) par tido e

que se inicia com a real e “perturbadora” aparição

deste no sistema e termina com o ocupar do lugar

daquele que for mais fraco (que normalmente é

aquele que era o ideologicamente mais fraco dos

dois que até aí se alternavam no poder). No poder

dá-se o declínio do partido que se encontrava no

136 Não se deverá deixar de aqui se referir que as causas normalmente apontáveis para estamodificação de “bipartidarismos”, como sejam o facto de as “classes trabalhadoras” terem, por esta altura,conquistado o direito de voto e este (porque em elevado número) ter gerado reais e concretascondições para o surgir de um partido que tomasse como “múnus” a defesa dos interesses e anseiosdesse estrato sócio-económico em particular; por outro lado, os partidos liberais haviam esgotado aeficácia apelativa das suas mensagens e do seu programa – as liberdades políticas que, no Séc. XVIII,foram a sua bandeira eram agora dados adquiridos (apesar de os socialistas, de alguma forma, os teremvindo a colocar em causa, nomeadamente através da consagração de ideias de limitações à propriedadeprivada). Assim, e em virtude destes dois factos (o agrupamento dos trabalhadores em redor dospartidos políticos de ideologia socialista e o esgotamento da eficácia apelativa do programa dospartidos liberais), gerou-se um terceiro: a conversão/fusão de (alguns – a maioria) dos liberais nopartido conservador, como modo de mais eficazmente combater os socialistas.137 Quanto mais não seja pela desconfiança que reina entre os (forçados) parceiros, pois que qualquerum deles, podendo ambicionar a ocupar o 1º lugar, o elege como seu (secreto, mas principal) objectivo

61

meio destas duas forças 138. Este enfraquecimento e

progressivo apagamento/eliminação de um dos

partidos, desenvolve-se em duas fases (mais ou

menos espaçadas), na primeira verifica-se a

subrepresentação parlamentar 139 e na segunda a

transferência de eleitores e de votos para os outros dois

partidos.

6. Quadripartidarismo

Situação particular (e quase localizada) que

ocorre quando a uma clivagem bipartidária se

sucede um tripartidarismo que, não sendo afastado

(por exemplo através da alteração do sistema

eleitoral), antes vem permitir o surgir de um novo

antagonismo: à clivagem “burguesa” (conservadores vs.

liberais) soma-se-lhe agora a “da família socialista”

(comunistas vs. socialistas).

Na sua versão escandinava, o quadripartidarismo

ocorre em virtude de condições sócio-históricas, pois

que, aqui, ao contrário do resto da Europa, a

realidade feudal não foi suficientemente

138 Principalmente quando é utilizado um sistema eleitoral maioritário a uma volta, com círculoseleitorais uninominais: é que, aqui, as eleições são olhadas como uma batalha, onde para se não serderrotado é necessário optar por um dos lados, pois que quem fica “no meio” terá que suportar uma“guerra de duas frentes”. Não é por isso fácil (nem admissível) ser-se um “tercium generis”.139 Onde os lugares obtidos pelo novo partido o são (sempre) em desfavor dos até então “grandes”.

62

expressiva para que aqueles artífices ligados ao

mundo rural quando confrontados com a necessidades

de se pronunciarem sobre o modo de resolução de

certos problemas em matéria político-governativa o

não fizessem com voz livre e autónoma. Assim, com

a emergência do parlamentarismo, criaram e

organizaram o seu próprio partido, o qual resistiu

à clivagem “burguesa” e, acompanhando a evolução

(mas mantendo as suas especificidades e

diferenças), aceitou e resistiu ao choque

socialista dos finais do Séc. XIX e inícios do

Séc. XX140.

7. Multipartidarismo

De acordo com este modelo, o Estado que

preencher a sua previsão possuirá uma

multiplicidade de partidos, o que proporcionará

uma situação de impossibilidade objectiva de

existirem maiorias e Governos monocolores, com a

(sempre bastante óbvia) necessidade do

estabelecimento de coligações partidárias ou então

formarem-se Governos minoritários (soluções,

140 Daí que o quadripartidarismo escandinavo não se faça com os conservadores, liberais, socialistas ecomunistas, mas entre conservadores, agrários, liberais e socialistas.

63

qualquer uma delas, “portadoras do vírus” da

instabilidade governativa) 141.

Esta impossibilidade de se formarem maiorias,

resulta (como é evidente) de um elevado número de

partidos, com um (também) elevado grau de

competitividade.

Outra característica do sistema multipartidário

(e talvez uma das suas principais causas) reside

na adopção, por esses Estado, de sistemas

eleitorais consagradores da transformação

proporcional dos votos em mandatos 142 143.

7.1.1. Multipartidarismo “perfeito” ou “integral”

Um sistema de partidos é assim denominado

quando nele se verifica uma pulverização partidária

quase absoluta144, sendo impossível (ou, no mínimo,

muito difícil) a formação de governos de maioria141 Que obviamente vai depender de certas condições do Estado que se analisa em concreto. Apropósito, é talvez interesssante aqui deixarmos o registo da opinião de MICHAEL G. ROSKIN (in op. cit., p.223): «(...) whereas it is usually true that existence of many political parties makes it harder for any one party to win a governingmajoraty, this is not always the case. The Netherlands, Sweden and Israel generally manage to construct stable multiparty coaliationsthat govern effectively. The number of parties is not the only reason for cabinet instability . Much depends on the political culture,the degree of agreement on basic issues, and the rules for forming and dissolving a cabinet» (os sublinhados sãonossos).142 O que, invariavelmente, leva a um enorme exacerbar dos fraccionismos sociais (pré-existentes oupor ele criados).143 Com o objectivo de minorar a ingovernabilidade do sistema (não se prescindindo de permitir que oParlamento seja um – tanto quanto possível – fiel espelho do querer político-ideológico dessasociedade – algo que é pouco verificável no sistema maioritário a uma volta com círculos eleitoraisuninominais) procuraram-se novas formas de apuramento dessa (mesma) vontade: daí o sistema eleitoralmaioritário a duas voltas e o sistema misto ou de “duplo voto”.

Com a sua adopção/aplicação, mantendo-se uma situação de multipartidarismo, consegue-se (noentanto) alcançar formas mais moderadas e governáveis de sistema.144

? Se fosse absoluta, então estaríamos no campo da “atomização” partidária.

64

monocolor: são portanto, necessários (instáveis e,

por vezes, incoerentes) acordos de coligação, ou

então recorrer-se à indigitação de frágeis (porque

minoritários) Governos.

Como consequência desta situação político-

partidária, gera-se uma instabilidade governativa

que, quando prolongada no tempo (com sucessivas e

frequentes crises), provoca uma «quebra na autoridade

do Estado» 145).

Uma característica que sempre deve de estar

presente é a pouca diferença de representatividade

parlamentar entre os vários partidos, podendo (qualquer um

deles), em abstracto (mas de uma forma muito séria),

aspirar ao 1º lugar. Nesta situação, nenhum

partido possui a capacidade de, por si só,

desempenhar um papel de destaque de molde a

assumir-se ou a arrogar-se de “indispensável”.

7.1.2. Multipartidarismo “imperfeito” ou “de partido

dominante”

O sistema multipartidário assume esta forma

quando, não havendo uma maioria parlamentar capaz

de, eficazmente, sustentar um monocolor Governo , no

145 DIOGO FREITAS DO AMARAL, in “Uma solução para Portugal”, p. 66

65

entanto (e ao contrário do modelo “integral” ou

“perfeito”), existe um partido que (claramente) se

destaca dos outros 146. Esta circunstância

(conjugada com a normal fragmentação da oposição)

funciona como catalizador daquele resultado

eleitoral, permitindo, por isso, a formação de

minoritárias mas (razoavelmente) estáveis equipas

governativas de um só partido. Mas a sua posição de

“domínio” no sistema consegue (igualmente) “conquis tar

novos adeptos para a causa” que defende, nomeadamente, o

apoio de algumas minorias, por forma a, assim,

mais solidamente sustentar o Governo. Os outros

partidos (os “dominados” – podemos assim denominá-

los) são, pelo contrário, fracos e com uma

bastante deficiente “implantação no terreno” 147 e ,

devido a esse facto, não obtêm resultados capazes

de lhes garantir uma importância tal por forma a

conseguirem abandonar tal comdição – advindo,

daqui, consequentes crises internas, geradoras de

cisões e, daí, a proliferação de partidos com

representação parlamentar e a (resultante)146

? Normalmente entende-se que, esse partido, disporá de sensivelmente «35 % da expressão eleitoral eaproximando-se da maioria parlamentar» (MARCELO REBELO DE SOUSA, in Enciclopédia Pólis, vol IV, p. 1006). Éigualmente de ter em conta ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG (in op. cit., p. 577): «O partido dominante define-se pela suadimensão absoluta e pela sua dimensão relativa. Por um lado, deve ultrapassar certo limiar, que pode ser fixado entre 30 e 35 % dossufrágios expressos (...). Por outro lado, o partido dominante suplanta nitidamente os seus rivais (...)» (os sublinhados sãonossos).147 Não dispondo de suficientes consistência e continuidade no terreno eleitoral para válida e seriamentepoderem aspirar a “mais altos voos”.

66

diminuição da importância relativa de cada um

deles.

Este modelo difere do sistema de partido

“liderante”, pois que, aqui, o partido que “domina” o

sistema não dispõe de uma monocolor maioria

absoluta para suporte parlamentar do Governo,

apenas conseguindo governar (recorde-se) graças à

fragmentação da oposição 148.

7.1.3. Multipartidarismo “temperado”, “de blocos” ou

“bipolar”

Esta é a versão do multipartidarismo onde a

questão da ingovernabilidade se encontra (salvo

melhor opinião) aparentemente resolvida,

nomeadamente pela adopção de um sistema eleitoral

não proporcional. Aqui são demonstráveis e

verificáveis os efeitos da “bondade” do sistema

eleitoral maioritário a duas voltas.

Assim, vários partidos concorrem à 1ª volta do

sufrágio, mas, no entanto, no 2º turno (e em face

dos resultados verificados nos vários círculos

eleitorais), ocorrem 149 “desistências cruzadas“, ou148 «(...) o partido dominante não ocupa necessariamente o poder. Se se coligam contra ele, os outros mantêm-se ainda suficientementepoderosos para lhe subtraírem a direcção do Governo» (ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit., p. 577). Ou seja, é fácilretirar-lhe o exercício do poder através da (sempre ocasional) formação de maiorias parlamentares“negativas”. Difícil é, no entanto, criar estáveis, sólidas e sustentáveis alternativas .149 Por força do sistema eleitoral.

67

seja, os partidos menos votados desistem da sua

candidatura e apelam ao voto em favor daquele que

(de família política afim 150) estiver melhor

colocado para obter a eleição [e assim afastar a

possibilidade de um (comum) “inimigo político” o

alcançar], formando-se, assim (quase

invariavelmente), dois “blocos” de famílias

políticas, polarizando a vida político--partidária

em torno de duas grandes ideias de governação.

É, portanto, a BIPOLARIZAÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA .

Possibilita-se, deste modo, a (mais que

provável) formação de maiorias parlamentares como

consequência das (inevitáveis) estáveis e

coerentes alianças (com incidência governamental151) que se vão estabelecer 152.

7.2.1. Multipartidarismo “fragmentário real”

Este é aquele sistema multipartidário onde a

proliferação de organizações político-parti-dárias150 De familia política afim ou não, conforma os interesses estratégicos do momento.

151 Directa ou indirecta conforme resulte na divisão ou não de “pastas” governativas.

152 «Na prática, tudo depende evidentemente da solidez das alianças e da disciplina dos coligados. Por outras palavras, tudodepende do fato dessas alianças englobarem partidos rígidos (que imponham a disciplina de voto aos seus eleitos) ou partidos flexíveis(que não a imponham). O mesmo é dizer que para prever os efeitos de um sistema multipartidário é necessário conhecer nãosomente o número de partidos mas também o seu grau de disciplina. Se esta disciplina é real, a formação de aliançasinterpartidárias modifica profundamente a fisionomia do multipartidarismo. Essa formação de alianças acha-se favorecida peloescrutínio majoritário em dois turnos. (...) Neste caso, duas grandes coligações podem formar-se nas eleições e manter-se noparlamento. Esta “bipolarização“ estável cria uma situação próxima do bipartidarismo». (ROGER-GÉRARD SCHWARTZENBERG, in op. cit.,p. 568). A conclusão (natural) que este autor faz é de um inegável interesse: «Assim, na escala de regressão daconcorrência, o multipartidarismo temperado assinala um grau intermediário entre o multipartidarismo integral e o bipartidarismo».

68

com “importantes” representações parlamentares não é

aparente, pois que (efectivamente) existe um real

antagonismo entre os partidos, de molde a não se

poder verificar entre eles uma relação mais

profunda do que a mera proximidade geográfico-

política, existindo, por vezes (mesmo) uma

profunda e visceral “repulsa ideológica” 153.

7.2.2. Multipartidarismo “fragmentário não real”

Aqui, pelo contrário, profusão de partidos é

real, mas existe apenas em virtude de razões

históricas, sociais, étnicas ou culturais, pois

que os diferentes partidos de cada étnia ou

cultura possuem uma profunda identificação

ideológica com os seus congéneres, o que torna o

problema das maiorias governativas em algo de

meramente ilusório pois que existem possíveis ,

concretas e estáveis alianças .

Assim os partidos coligam-se e, como “uma mão

lava a outra” procuram coordenar a sua actividade

governativa no sentido da satisfazerem os

153 Um exemplo (não real - porque ficcionado) poderia ser dado por um Estado que possuísserepresentações parlamentares (mais ou menos paritárias) de partidos como os trotskistas, maoistas,marxistas-leninistas, socialistas, social-democratas, socialistas-liberais, liberais, democratas-cristãos, agrários, conservadorese fascistas (esta hipótese – que ora apresentamos – poderá ser criticada – porque criticável – porexagero, mas, no entanto, parece-nos ser didacticamente aceitável).

69

interesses e os anseios dos grupos étnicos ou

culturais que cada um representa.

Deste modo (a realidade que é) a multiplicidade

de partidos vai esbater-se na possibilidade de se

formarem blocos de partidos que , com bases culturais

de apoio diferentes (mas com estratos político-

sócio-ideológicos semelhantes – ou até iguais),

mantêm grandes “afinidades“ ou “parentescos” políticos ,

traduzíveis em fortes e estáveis Governos de coligação .

70

IV - POST-FÁCIO:

Não procurámos (com este trabalho) nada mais do

que, em abstracto, apresentar propostas de itens

para classificação dos sistemas de partidos.

Para tanto evitámos fornecer exemplos

comparativos (porque sempre redutores e

limitadores das análises), antes proposemos

elementos de previsão que, quando (através de um

processo de subsunção – a eles – de casos reais)

fossem preenchidos, representariam o enquadramento

dessa realidade dentro do modelo.

Mas porque entendemos que um modelo não é uma

realidade estática, a classificação obtida (porque

preenchido um “tatbestand” de entre os propostos) de

um sistema, não significa que ela seja permanente

ou sempre duradoura. O sistema de partidos é uma

realidade em constante mutação e evolução, devendo,

portanto, ser analisada (como tal) perante os

casos concretos presentes.

Por outro lado, esta nossa proposta não deverá

ser tida como algo de definitivo (nem para nós o é

71

– nem nunca poderíamos ter tal imodesta, insensata

e irrealista pretensão), quanto mais não seja (e

passe a utilização do lugar comum) devido às

novidades que odiernamente são provenientes da

Europa oriental.

Que nos seja a todos possível conhecer e

verificar das suas (sonhadas e desejadas) boas

consequências.

72

V - Bibliografia:AGUIAR,Joaquim -

“A Ilusão do Poder – análise do sistema partidáriopor-tuguês 1976-1982”, Publicações DomQuixote, 1983.

FREITAS DOAMARAL, Diogo -

“Uma solução para Portugal”, 10ª Edição,Publicações Europa-América –Lisboa, 1985.

BOBBIO,Norberto (eoutros) -

“Dicionário de Política”, EditoraUniversida-de de Brasília.

BRAGA DA CRUZ,Manuel -

“Instituições Políticas e Processos Sociais”, Ber-trand Editora – Venda Nova, 1995.

COELHO, MárioBaptista (eoutros) -

“Portugal. O sistema político e constitu-cional: 1974/ /1987”, Instituto deCiên-cias Sociais da Universidadede Lisboa – Lisboa, 1989.

DUVERGER,Maurice -

“Introdução à Política”, Editorial Estúdios-Côr.

“Ciência Política - teoria e método”, 3ª Edição,Zahar Editores – Rio de Janeiro, 1981.

“Os grandes sistemas políticos”, Almedina –Coim-bra, 1987.

“Os partidos políticos”, 3ª Edição, EditoraGuanabara – Rio de Janeiro, 1981.

73